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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Daniela Reis e Silva
E a vida continua...
O processo de luto dos pais após o suicídio de um filho.
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Daniela Reis e Silva
E a vida continua...
O processo de luto dos pais após o suicídio de um filho.
SÃO PAULO
2009
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Ponticia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia Clínica, sob a orientação da
Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco.
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Silva, Daniela Reis e
E a vida continua... O processo de luto dos pais
após o suicídio de um filho?
138 p.
Tese (mestrado). o Paulo. 2009. Ponticia
Universidade Católica de São Paulo.
And life goes on... The parental bereavement process
after the child suicide”.
Palavras-chave: Luto por suidio. Luto familiar. Luto
parental. Luto complicado. Suidio.
Comissão Julgadora
Dedicatória
Aos meus pais, Olga e Pádua, que
sempre acreditaram em um mundo melhor
e permitiram que, ainda pequena, saciasse
minha curiosidade em relação à morte,
ensinando-me a não temê-la..
Em suas especiais habilidades
profissionais, cada um a seu modo,
ensinaram-me o cuidado com o ser humano
integralmente, por caminhos éticos do
desenvolvimento profissional.
AGRADECIMENTOS
A Edson, meu marido, cujos cuidados com nossa família durante minha ausência
foram fundamentais, pelo apoio e participação em todos os momentos, desde a decisão
de começar esta jornada em meio à construção de nossa história.
À minha filha Carolina, por compreender todas as mudanças em nossas vidas e
torcer para o sucesso deste trabalho, com todo o seu amor e carinho, sendo companheira
nos momentos mais difíceis.
A meu filho Arthur, por semear o despertar de uma nova experiência em nossas
vidas, trazendo muita alegria e maior vontade de construir um mundo melhor.
À minha família, responsável por minhas raízes desde a mais remota geração,
por ensinar-me a importância do amor e dos cuidados nas relações familiares e contribuir
para o desenvolvimento de meus recursos de enfrentamento em relação aos momentos
de chegadas, partidas e transições.
À Prof.
a
Dr.
a
Maria Helena Pereira Franco, minha orientadora, por acreditar em
meu potencial, incentivar-me a superar todas as dificuldades encontradas, colocar os
limites necessários às viagens intermináveise conduzir todo este trabalho com
sensibilidade e maestria.
A Rosa Stefanini Macedo, pelo despertar da possibilidade de concretizar um
antigo sonho, a Ceneide Cerveny, por todo seu afeto, a Ida Kublikowski, por sua sabedoria
e incentivo, professoras do Curso de s-Graduação da PUC-SP que contribuíram para
que este sonho se tornasse realidade.
Ao 4 Estações, Instituto de Psicologia onde tive a oportunidade de aprofundar
meus conhecimentos a respeito do luto e aprimorar a minha prática, recebendo sempre
apoio para ir mais além.
À professora, supervisora, terapeuta e amiga Cecília Caram, por tantos momentos
maravilhosos de acolhimento ao longo de uma construção sólida da tranquilidade tão
sonhada.
À professora, supervisora e terapeuta Beatriz Coutinho, por despertar em mim a
paixão pela Terapia Familiar e incentivar a consolidação da consistência de meu
conhecimento e de minha prática.
Aos amigos, pelos momentos de descontração e alegria, especialmente a Silvia
Gomes de Mattos Fontes, por sua parceria imprescindível, em que compartilhamos ideias,
possibilidades e intervenções, e a Luís Henrique Casagrande, por ser um dos grandes
incentivadores deste trabalho e fundamental apoio nas horas mais delicadas.
A Marinete de Souza e Luzileide Batista Mercês, minhas fiéis escudeiras”, por
me apoiarem nessa empreitada sempre atentas aos cuidados com minha vida profissional
e pessoal.
Aos meus clientes, por confiarem em mim para compartilhar angústias, medos,
dificuldades, alegrias, realizações e tantas outras coisas que despertaram
questionamentos importantes para o desenvolvimento deste trabalho.
Aos integrantes do grupo Apoio a Perdas Irreparáveis (API), enlutados que
compartilham histórias de sofrimento e superação em busca de alternativas positivas
para enfrentar suas dolorosas perdas, especialmente a Gláucia Tavares, por me confiar
a tarefa de coordenar o grupo em Vitória.
A Alzira da Costa Davel, por suas infindáveis perguntas e pesquisas, que me
trouxeram inquietações fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho, um desafio
em busca de conhecimentos para caminharmos juntas nessa difícil tarefa de reconstrução.
À Dr.
a
Sony de Freitas Itho, coordenadora do Centro de Intoxicações (TOXCEN),
por abrir caminhos para o difícil acesso aos participantes e por colaborar com o que foi
possível para a realização desta empreitada.
À entrevistada, com especial carinho, por aceitar gentilmente partilhar sua hisria
de vida, suas dificuldades e seus recursos para enfrentar a difícil tarefa de viver sem seu
filho.
A Dilu, por seu primoroso trabalho de revisão e a Marcos, por sua especial atenção
ao trabalho de diagramação, sem os quais não teria sido possível a finalização desta
pesquisa.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro para a realização deste estudo.
A todos os que não foram aqui citados, mas participaram desta jornada, com
apoio, questionamentos, incentivos, acreditando na relevância do tema e na importância
do trabalho realizado.
Descansa de tua dor por um instante.
Permita que o sofrer encontre pausa, ainda
que por breves motivos de esperança.
Debaixo da fria laje do absurdo que te envolve
o sentido se prepara para nascer.
Fábio de Melo.
RESUMO
O suidio é um ato complexo considerado problema de saúde pública, e pouca atenção
tem sido dispensada aos sobreviventes. Este trabalho trata do processo de luto de pais
por suicídio de um filho por englobar duas variáveis de potencial risco para o
desenvolvimento do luto complicado: a perda de um filho e a morte por suicídio. Examina
o processo à luz do paradigma sistêmico. Adota uma metodologia de abordagem
qualitativa, mediante um estudo de caso que envolve uma mãe enlutada um ano e três
meses. Utiliza como instrumentos uma entrevista semiestruturada e a construção do
genograma familiar. A análise temática revela uma riqueza nos dados obtidos, apesar do
trauma e do sofrimento envolvidos, mostrando que as características do filho, a história
da doença, o suicídio, o choque, a culpa, a paralisia, a saudade, a tristeza, os altos e
baixos, a saúde, a resiliência, entre outros aspectos emergentes que aparecem mesclados
no discurso da participante, influenciam de maneira recursiva o processo de luto. Conclui
que a religiosidade, o apoio profissional, o apoio social, a arte, a construção de
significados, o compartilhar, entre outros recursos de enfrentamento, podem contribuir
positivamente, mesmo em pouco tempo, para uma mudança nas expectativas para o
futuro. Considera que os dados obtidos são apenas o começo do reconhecimento da
importância do cuidado de não se rotular negativamente os sobreviventes ao suicídio,
além da possibilidade de romper o silêncio e o preconceito que os envolvem, para que
possam receber o acolhimento adequado.
Palavras-chave: Luto por suicídio. Luto familiar. Luto parental. Luto complicado. Suicídio.
ABSTRACT
Suicide is a complex behavior and is considered as a public health problem. Little attention
has been given to the surviving family members. The present research deals with the
process of parental bereavement due to a child suicide. The process gathers two variable
of potential risk for the development of complicated mourning: the loss of a child and the
kind of death involving suicide. The research analyses matters related to the suicide of a
child by means of a case study, which is based on a qualitative method, involving a mother
who lost her son by suicide one year and three months before the study. A semi-structured
interview and the construction of a genogram are used as tools. The thematic analysis
reveals a singular bereavement process involving trauma and grief. It presents the son
characteristics, the illness history, the suicide, the shock, the guilt, the paralysis, longing
feelings, sadness, the ups and downs, the health and the resiliency among other emerging
aspects, which seem to be mixed in the participant’s verbalization influencing in a recurrent
way the mourning process. The author draws the conclusion that religiosity, professional
support, social support, art, meaning constructions, the way of sharing among other
resources of confrontation can contribute positively, although in a short period of time, for
a change in the future expectation. The author considers that the achieved information is
only the beginning of recognition of the importance of not labeling negatively the survival
family members over suicide, besides the possibility of breaking silence and prejudice
involved in it so that they can receive the right support.
Key words: Suicide bereavement. Parental bereavement. Family bereavement.
Complicated mourning. Suicide.
12
22
24
25
29
32
34
51
52
64
83
77
61
69
72
84
91
95
87
23
36
37
50
SUMÁRIO
54
A COREOGRAFIA DO LUTO FAMILIAR
Conceituando o Luto Familiar
O Luto nos Integrantes do Sistema Familiar
A Morte no Ciclo Vital Familiar
O Funcionamento Familiar a partir da Perda
A Construção de Significados na Família
Transmissão Intergeracional do Luto
Resiliência Familiar
O Luto na Vida Cotidiana da Família
Reações Especiais
O Final do Processo de Luto na Família
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO SUICÍDIO
Definição e Conceituação de Suicídio
Comportamento Suicida
O Suicídio na História
O Suicídio nas Religiões e nas Culturas
O Suicídio sob a Ótica da Psiquiatria
Fatores de Risco e Proteção para o Suicídio
Epidemiologia do Suicídio: uma Chocante Realidade
O Suicídio Visto sob o Paradigma Sistêmico
O PROCESSO DE LUTO NOS PAIS
Conjugalidade x Parentalidade
O Luto Parental em Diferentes Configurações Familiares
A Morte de um Filho
O Relacionamento com os Filhos após a Morte
O Luto no Casal
Diferenças de Gênero no Luto Parental
Vida Social e Espiritual
1
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
1.6
1.7
1.8
2
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
2.6
2.7
2.8
2.9
2.10
3
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
3.7
INTRODUÇÃO
PARTE 1
A COMPLEXIDADE DO SUICÍDIO
PARTE 2
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE LUTO
PARENTAL POR SUICÍDIO
43
75
102
106
97
116
110
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ANEXOS
ANEXO I - FOLHA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
ANEXO II - TERMO DE CONSENTIMENTO DE USO DOS
DADOS
ANEXO III - TERMO DE INDEFERIMENTO DE PEDIDO PARA
USO DOS DADOS
APÊNDICES
APÊNDICE I - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
ANDICE II - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
APÊNDICE III - GENOGRAMA
MÉTODO
Dificuldades no Percurso e Mudanças Realizadas
Participante
Procedimento
Instrumentos
Análise dos Resultados
Cuidados Éticos
121
139
126
131
147
149
144
133
142
145
154
154
155
156
157
LUTO POR SUICÍDIO
O Suicídio como Morte Traumática
A Construção de Significado após o Suicídio
Reações ao Suicídio
Suporte Social
Intervenção
OBJETIVO
APRESENTAÇÃO DOS DADOS E DISCUSSÃO
4
4.1
4.2
4.3
4.4
4.5
6
6.1
6.2
6.3
6.4
6.5
6.6
7.1
7.2
8
9
PARTE 3
A PESQUISA
159
162
202
212
220
230
231
232
Primeiro Movimento de Análise
Segundo Movimento de Análise
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
233
234
235
237
239
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5
Introdução
INTRODUÇÃO
Introdução
13
INTRODUÇÃO
Desde o início de meu trabalho como psicóloga, com formação em psicanálise,
na prática clínica e hospitalar deparei-me com diversas situações de luto, às quais me
dedicava com particular interesse e inquietação. Com objetivo de aprimoramento
profissional, sempre fui em busca de novos conhecimentos. Essa busca levou-me ao
Curso de Formação em Terapia Familiar, iniciado em 2000, que contribuiu para que eu
passasse por uma mudança fundamental em minha vida, fazendo com que incorporasse
o paradigma sistêmico como uma nova forma de ver o mundo, e não apenas como uma
nova abordagem ou uma prática.
Nesse período, continuei a receber pessoas e suas famílias em franco adoecimento
físico e psíquico, o qual comecei a relacionar com processos de perda recente ou mais
antiga como deflagradores de suas doenças. Eu já nutria um particular interesse pelo
tema suicídio e seus desdobramentos na família. Conheci, então, o trabalho do 4 Estações,
Instituto de Psicologia onde busquei aprofundar meus conhecimentos a respeito do luto
e novas habilidades para o meu trabalho com enlutados, por meio da realização de
diversos cursos.
Integrando esses novos conhecimentos, comecei a fazer interseções com minha
prática clínica, como terapeuta familiar, desenvolvendo um estilo próprio de acolher
enlutados, realizando atendimentos específicos no consultório, em capelas funerárias,
em cemitérios, entre outros lugares.
Em 2005, fui convidada a assumir a coordenação da rede de enlutados Apoio a
Perdas Irreparáveis (API), na cidade de Vitória, capital do estado do Espírito Santo, local
onde trabalho e resido. Essa rede teve início na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais,
em 1997, com Gláucia e Eduardo Tavares, em conjunto com outros pais enlutados
Introdução
14
(Tavares et al., 2001), e hoje se estende por dez cidades brasileiras já tendo acolhido
mais de quatrocentas famílias. O convite surgiu em meio ao acompanhamento de um
casal enlutado pela perda de sua única filha, motivo pelo qual fui a Belo Horizonte levar a
mãe a uma reunião do API. Começamos, então, as reuniões mensais em Vitória.
A partir desse momento, ao receber famílias e, em especial, pais enlutados por
suicídio nesse grupo e em meu trabalho na clínica privada, passei a observar o índice
assustador de crescimento de suicídios entre jovens e adolescentes no Espírito Santo, o
que despertou ainda mais interesse sobre o tema. Tive então a oportunidade de
desenvolver um estudo mais sistemático a respeito de suicídio ao longo do curso de
pós-graduação que frequentava, de cujo currículo esta dissertação é requisito parcial.
Além disso, passei a integrar fóruns estaduais de discussão sobre o suicídio, realizando
algumas apresentações sobre o tema em eventos estaduais e nacionais.
Ao trabalhar com o tema em questão, comprometida com famílias envolvidas em
tentativas de suicídio e no luto por suicídio, fui tomando consciência da triste realidade
das estatísticas e do pouco trabalho realizado no Espírito Santo no sentido de prevenção
de novas ocorrências. Essa vivência motivou-me a escolher esse Estado como palco da
pesquisa, pela relevância do problema em minha realidade profissional.
Minha observação empírica é confirmada por dados da Organização Mundial da
Saúde (OMS), que aponta o suicídio como problema mundial de saúde pública desde a
década de 90 do século passado (OMS, 2003, 2006), em função do aumento do número
de ocorrências e dos consequentes danos sociais, opinião corroborada por alguns autores
(MELEIRO; BAHLS, 2004).
Em uma perspectiva histórica, Meleiro e Bahls (2004) indicam que o ato de tirar a
própria vida na sociedade ocidental muito tempo está envolvido em tabu e preconceito,
despertando um efeito desconfortável entre os seres humanos até os dias atuais. Dessa
Introdução
15
forma, o suicídio acaba sendo envolvido por preconceito e julgamento, o que faz com que
as tentativas de suicídio e os suicídios completos sejam acompanhados de sentimentos
de vergonha, embaraço ou culpa. Muitas famílias ainda escondem o acontecimento,
evitando falar sobre o assunto.
Para a definição de um comportamento como sendo suicida, esses autores
argumentam que é preciso avaliar a letalidade e a intencionalidade do ato, tarefa nem
sempre fácil. Afinal, apenas a pessoa que morreu é que poderia atribuir real significado
ao ato que praticou, o que faz com que a família seja obrigada a conviver com muitas
perguntas sem respostas (CLARK, 2007). Mesmo quando alguma carta de despedida,
nem sempre é posvel saber a exata motivação da pessoa para cometer o ato (MELEIRO;
BAHLS, 2004; DIAS, 1997). Assim, a família fica triplamente penalizada: pela ausência
da pessoa, pela falta de explicação e pelo julgamento que sofre e faz de si mesma, o que
pode tornar o processo de enlutamento ainda mais difícil.
Famílias, amigos, profissionais da saúde e da educação, enfim, todos os que têm
contato direto ou indireto com o tema suicídio tentam estabelecer causas para esse ato.
Uma série de perguntas e afirmações é feita, muitas vezes de maneira cruel e insensível.
Poucas são as respostas, pois as pessoas ainda estão muito fixadas no paradigma
científico tradicional (VASCONCELLOS, 2002), baseado na simplicidade, na objetividade
do mundo e na estabilidade do universo. Há uma tentativa de isolar uma variável que
explique ou justifique o ato do suicídio, buscando uma relação de causa e efeito,
valorizando a existência de uma verdade única (SILVA, 2009). Minha observação é de
que a maior parte das tentativas para explicar o fenômeno não consegue abranger todas
as nuances envolvidas no ato de um suicídio.
De acordo com o relatório da OMS (2003), para cada suicídio há, em média,
cinco a seis pessoas próximas à vítima que sofrem intensas consequências emocionais,
Introdução
16
sociais e econômicas, o que afeta diretamente seu modo de vida. Um dado ainda mais
preocupante é que os grupos familiares e sociais de que fazem parte essas vítimas
apresentam risco de comportamento suicida aumentado, num fenômeno identificado como
transmissão transgeracional (KAËS, 2000). Essa informação é confirmada por Beaton
(2008), que apresenta a ideia de que enlutados por suicídio são identificados como alvo-
chave na população com risco de suicídio, fazendo parte da estratégia de prevenção
nacional de suicídio na Austrália.
A experiência das pessoas que sobrevivem ao suicídio pode ser extremamente
dolorosa, devastadora e traumatizante e tende a ser amplificada por tabus culturais, sociais
e religiosos. Como a família tem como principal função o cuidar, a perda de um de seus
membros parece provocar uma sensação de fracasso, além do sentimento de culpa,
como veremos ao longo deste trabalho. Reações físicas, comportamentais, emocionais
e sociais podem perdurar por meses ou anos.
Desde os primórdios da humanidade, os cuidados destinados às pessoas que
tentaram matar-se bem como às famílias que tiveram um suicídio em seu meio têm sido
negligenciados. Como dizem Meleiro e Bahls (2004, p. 13), ainda existem pontos obscuros
a respeito do “determinismo multifatorial do suicídio” que mobilizam pesquisadores a
estudá-lo, além de haver também pouco interesse em pesquisar os efeitos do luto por
suicídio.
As famílias enlutadas por suicídio são consideradas vulneráveis, inclusive pela
probabilidade de existência de graves problemas anteriores, como abuso sexual,
alcoolismo, transtornos psiquiátricos, violência, entre outros. Desta feita, os sentimentos
ambivalentes podem existir antes mesmo da trágica ocorrência (MELEIRO BOTEGA;
PRATES, 2004).
A preocupação com famílias que apresentam essa vulnerabilidade, associada à
Introdução
17
preocupação com outro grupo tamm considerado vulnevel, fez com que eu escolhesse
o processo de luto dos pais pela perda de um filho por suicídio como tema de investigação.
A opção por pesquisar o luto parental é reforçada pela afirmão de Rangel (2008)
a respeito do despreparo da sociedade em geral, inclusive de profissionais, quando se
deparam com a necessidade de apoiar pais enlutados. As pessoas envolvidas são
tomadas por constrangimento, desorientação e desconforto, ficando sem saber como
agir. Isso é muito grave, especialmente quando falamos de profissionais que não são
devidamente preparados para lidar com a questão da morte e, em especial, com a da
perda de filhos. Essa consideração também é válida quando se trata do luto por suicídio,
de acordo com Bolton (1997), Hsu (2002), Clark (2007) e Fontenelle (2008).
Para muitos profissionais, parece ser difícil respeitar a escolha (ou falta de
escolha?) do suicida, e é delicado o processo de estar junto de sua família. É imprescindível
ter o cuidado de o julgar ou de deixar que as próprias crenças interfiram negativamente
nesse processo. Ao mesmo tempo, como indica o paradigma sistêmico, é impossível
intervir na família sem influenciá-la e ser influenciado por ela.
Baseada no conhecimento a respeito do ciclo de vida familiar, abordado por Carter
e McGoldrick (2001), e do funcionamento da família, estudado por Minuchin (1982), autores
que afirmam ser de extrema importância a participação dos pais na constituição familiar
bem como a complementaridade de papéis na trama que nela se estabelece, considero
que o luto dos pais desempenha papel preponderante para o desdobramento do luto
familiar (SILVA, 2008b).
O falecimento de um filho pode provocar grande desestruturação da família, com
um profundo impacto trigeracional (SILVA, 2005). Bromberg (2000) afirma que esse luto
é o que apresenta maior risco para que a pessoa desenvolva complicações ao longo do
processo. o existe dor maior do que perder um filho, afirmam Groisman, Lobo e Cavour
Introdução
(1996), fato que pode representar a morte da família como falência das expectativas
individuais, familiares e sociais. Como consequência, sonhos interrompidos, depressão
dos pais e desinteresse pela vida podem gerar profundas modificões no funcionamento
familiar, como, por exemplo, a preocupação excessiva com o filho sobrevivente, com
receio de algo ruim lhe aconteça, ou seu oposto, como exigência de bons resultados,
negação da morte, entre outras.
Em seu trabalho sobre luto complicado, Rando (1998) cita a morte de filhos nos
dias atuais como sendo de alto risco para o desenvolvimento de um luto complicado.
Essa autora, em outro trabalho de sua autoria (1997a), menciona que o luto dos pais é
particularmente severo, quando comparado a outros tipos de luto, mais complicado e
demorado, com maiores flutuações de sintomas ocorrendo ao longo do tempo.
Lohan e Murphy (2006) fazem uma interessante pesquisa sobre sofrimento mental
e funcionamento familiar em pais enlutados, na qual afirmam, também baseados nas
investigações realizadas em trabalhos de outros autores, que membros de uma família
que passou por uma perda traumática (envolvendo acidentes, homicídios e suicídios)
passam por um processo de acomodação a essa perda de maneira particularmente
vagarosa e difícil.
Para Rangel (2008), a perda de filhos por morte violenta, homicídio, suicídio e
acidentes, configura um estigma ainda maior para os pais. Dessa maneira, relata uma
preocupação importante relacionada ao fato de que, “[...] após essa dolorosa perda, os
pais o mais estejam dispostos a dar continuidade às suas vidas” (RANGEL, 2008, p.
309).
Algumas pesquisas apontam para a relação direta entre o processo de luto, tanto
o normal, quanto o complicado, e os processos de adoecimento físico e psíquico,
indicando a relevância do trabalho adequado com o luto no campo da saúde mental
18
Introdução
(RANDO,1993; PARKES, 1998; BROMBERG, 2000; STROEBE; STROEBE; SCHUT,
2007, apud MAZORRA, 2009; PARKES, 2009). Parkes (2009, p. 13), em seu mais recente
trabalho publicado em Português, escreve: “[...] evincia de que separações e perdas
das pessoas que amamos têm efeitos significativos na saúde, chegando mesmo a
aumentar o risco de mortalidade”. Entretanto, esse autor pondera que não são apenas
os problemas advindos do luto que levam as pessoas a procurar ajuda psiquiátrica.
Propor uma investigação com participantes o vulneveis pela experiência vivida
de uma morte por suicídio pressupõe uma responsabilidade não só com a qualidade
das informações levantadas, mas também com o acolhimento dado a essas pessoas. O
luto complicado e o luto por suicídio são considerados pela OMS (2006) como fatores de
risco para a ocorrência de suicídio, o que torna o objeto deste estudo ainda mais relevante
para o conhecimento científico, e devem ser cercados de cuidados éticos ainda mais
apurados. Ao longo da pesquisa, também foi importante atentar para as diferenças de
crenças sociais, culturais e religiosas em relação ao suicídio e ao luto e respeitá-las.
Para a fundamentação teórica desta pesquisa, utilizei as ideias de alguns autores
da terapia familiar, entrelando-as com conceitos e propostas provenientes dos estudos
sobre luto e trazendo uma breve abordagem das queses relacionadas ao suicídio. Tomei
como base a compreensão do suicídio e do luto advindo dele sob a perspectiva da
complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade. Assim, a base teórica e
epistemológica do paradigma sistêmico, postulado por Vasconcellos (2002) como o
paradigma científico emergente, será a lente utilizada para fundamentar este trabalho.
Embora reconhecendo a influência da teoria do apego para a compreensão do
processo de luto, esta tem sido bastante estudada nos últimos tempos (BOWLBY, 1997;
PARKES, 1998; BROMBERG, 2000; MAZORRA, 2009; PARKES, 2009). Em seu último
trabalho, Parkes (2009) pondera que, apesar da relação estabelecida entre os problemas
19
Introdução
psiquiátricos e os tipos de apego, os problemas decorrentes de um luto envolvem um
contexto mais amplo, motivo pelo qual escolhi abordar os meandros do funcionamento
familiar diante de uma perda, para oferecer uma visão complementar do que tem sido
estudado em nível individual. Ainda segundo esse autor, não qualquer teoria atual que
consiga abarcar todas as consequências do luto por morte, o que é mais um motivo para
inserir seu estudo no campo da terapia familiar sistêmica com vistas a compreender
melhor esse processo.
Shapiro (1994) colabora para reforçar minha decisão quando afirma que o luto é
menos comumente compreendido em termos de seu impacto na família e em seu
desenvolvimento, sendo mais comuns os estudos dos lutos individuais desconectados
de sua relação com a família. A relevância da terapia familiar sistêmica foi comprovada
em alguns estudos sobre perda e luto nas famílias em diferentes fases do ciclo vital, os
quais exploraram a teoria dos sistemas familiares no contexto do luto (SHAPIRO, 1994;
NADEAU, 1998; WALSH; MCGOLDRICK, 1998; BROWN, 2001; WALSH, 2005;
ROSENBLATT; BARNER, 2006).
Dividi o trabalho em ts partes. As duas primeiras apresentam a revio
bibliográfica; a terceira aborda a pesquisa propriamente dita.
Na primeira, intitulada “A complexidade do suicídio”, escolhi apresentar o tema
suicídio. Para possibilitar maior aproximão do leitor com minha maneira de compreender
esse ato tão complexo e bastante estigmatizado, o primeiro capítulo contém uma
explanação sobre a definição do suicídio e do comportamento suicida, a história do
suicídio, seu envolvimento com a cultura e a religião, o olhar da psiquiatria, os fatores de
risco e proteção para o suicídio, e finaliza com uma abordagem utilizando três conceitos
fundamentais do paradigma sistêmico. Apresento também os dados epidemiológicos
do suicídio no Brasil, no Espírito Santo e em Vitória, por considerar que são importantes
20
Introdução
informações sobre nossa realidade.
No capítulo seguinte, “Considerações sobre o processo de luto parental por suicí-
dio” apresento três capítulos que possibilitam a compreensão do tema geral proposto.
Inicialmente abordo o processo de luto familiar, salientando que o luto não é doença, mas
um processo natural e saudável para a elaboração de uma perda de qualquer natureza.
Nesse capítulo, apresento o conceito de luto familiar, dando destaque ao luto dos inte-
grantes do sistema composto por uma família; abordo a morte no ciclo vital, o funciona-
mento familiar após a perda, a construção de significados na família, a transmissão
intergeracional do luto, a resiliência familiar, o luto na vida cotidiana da família e o final do
processo de luto. No seguinte capítulo, abordo as especificidades do luto parental, inclu-
indo os entremeios entre parentalidade e conjugalidade, o luto parental em diferentes
configurações familiares, o impacto da morte de um filho, o relacionamento com os filhos
após a morte, o luto no casal, as diferenças de nero no luto parental e, por fim, a vida
social e espiritual. No último capítulo, apresento o luto por suicídio, considerando-o como
luto traumático; a construção de significado após o suicídio; suas reações particulares,
mais realçadas do que em outras perdas, incluindo o suporte social recebido e os cuida-
dos indicados aos enlutados por suicídio.
Na terceira parte, que envolve a pesquisa em si, descrevo o método, faço a
apresentação e a discussão dos dados coletados por meio de estudo de caso, e teço as
considerações finais.
21
Considerações a Respeito do Suicídio
PARTE 1:
A COMPLEXIDADE DO SUICÍDIO
Considerações a Respeito do Suicídio
Capítulo 1
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO
DO SUICÍDIO
Considerações a Respeito do Suicídio
24
CATULO 1 - CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO SUIDIO
1.1 - Definição e Conceituação de Suicídio
Meleiro e Bahls (2004), em uma importante revisão de literatura, destacam o cater
voluntário como a essência do suicídio. Assim, citam Rosenberg e outros (1988) para
caracterizar o suicídio consumado como a morte autoinfligida, acompanhada de evidência
implícita ou explícita de ter sido provocada intencionalmente. Essa definição é reforçada
por Cassorla (2004), quando destaca a convenção de se chamar de suicídio apenas os
casos em que o indivíduo executou um ato ou adotou um comportamento de maneira
voluntária e consciente, acreditando que isso o levaria à morte.
Referindo-se ao trabalho de Levy (1979), Kovács (2002b) também considera o
suicídio um processo consciente, voluntário e intencional. No entanto, em um sentido
mais amplo, relata que o suicídio inclui “[...] processos autodestrutivos inconscientes,
lentos e crônicos” (KOVÁCS, 2002b, p. 171).
Segundo Meleiro e Bahls (2004), os comportamentos suicidas envolvem um grau
crescente de intencionalidade, nem sempre perceptível, desde as ideias de suicídio, os
desejos, as ameaças, as tentativas aa consumação do ato. Em cada um desses
comportamentos, é preciso considerar o grau de letalidade e de intencionalidade. Meleiro
e Bahls (2004) e Cassorla (2004) concordam em que grande dificuldade em classificar
os comportamentos suicidas, inclusive as tentativas de suicídio.
Cassorla (2004) polemiza a questão da intencionalidade quando fala da
ambivalência do suicida, que quer viver e morrer ao mesmo tempo. O resultado de seu
ato depende da força desses desejos e de circunsncias alheias, como a intencionalidade
do ato, o método utilizado, a possibilidade de socorro, a resistência física e as condições
Considerações a Respeito do Suicídio
25
prévias de saúde. Argumenta, também, que nem sempre a pessoa está cida ou
consciente de seus atos (que existem em qualquer grau do comportamento suicida), por
exemplo, quando sofre de perturbões do pensamento e do afeto, alucinões ou delírios,
ou esteja em estados confusionais com obnubilação da consciência. As evidências
indicam que isso também acontece quando uso de algumas substâncias químicas.
Em suicidologia, ramo da ciência cujo objetivo é compreender e prevenir os
comportamentos suicidas, a classificação proposta envolve a letalidade, ou seja, as
consequências do ato em termos de gravidade médica, e a intencionalidade, ou seja, a
intensidade do desejo do indivíduo em acabar com a própria vida.
O suicídio é um ato que envolve questões individuais, elaboradas ou não, que se
acumulam ao longo da vida, incluindo-se aí fatores constitucionais, ambientais e
psicológicos. Ainda de maneira equivocada, muitos o ligam a fatos atuais, que são apenas
desencadeantes de um comportamento autodestrutivo. Ocorre num momento difícil, no
qual a cognição fica prejudicada e diversos sentimentos, como ansiedade, raiva, tristeza
e desesperança, se misturam (CASSORLA, 2004; DURKHEIM, 1982).
1.2 - Comportamento Suicida
O comportamento suicida é definido por Werlang e Botega (2004) como todo ato
que causa uma lesão no próprio indivíduo, não importando o grau de intenção letal e do
conhecimento do verdadeiro motivo desse ato. Engloba uma nuance de comportamentos
a partir de pensamentos de autodestruição, passando por ameaças, gestos, tentativas
e, por último, suicídio. Cassorla (2004) descreve brevemente essa nuance de
comportamentos:
a) veleidade suicida suicídio em potencial ainda no plano verbal;
Considerações a Respeito do Suicídio
26
b) ideia ou pensamento suicida existência virtual do ato;
c) ameaça suicida ato anunciado pelo sujeito;
d) gesto suicida – ato em que o propósito manipulativo e comunicativo parece
proeminente e a intencionalidade suicida é praticamente inexistente;
e) tentativa de suicídio ambivalente situação em que a pessoa tem consciência
de sua indecisão, o podendo, aparentemente, escolher entre a vida e a morte;
f) tentativa de suicídio deliberada ato em que intenção real de morrer;
g) suicídio - ato completo ou consumado.
Schneidman (1994), Meleiro e Bahls (2004) e Fontenelle (2008) fazem menção a
outros autores que tamm propõem classificações interessantes. Estas, no entanto,
não serão aqui abordadas, uma vez que a proposta deste trabalho é fazer apenas um
breve comentário a respeito do suicídio.
O ato suicida deve ser visto como sintoma de um quadro mais complexo, que
merece ser investigado, identificado e prevenido de forma adequada. Para isso, faz-se
necesrio um trabalho multidisciplinar, integrado e contínuo (SANTOS, 2008). Na maioria
das vezes, o suicídio está associado a transtornos mentais.
Cassorla (2004) pondera que muitos comportamentos autodestrutivos são eliciados
em processos inconscientes, incluindo os manifestos nas reações de aniversário (que
serão abordadas no capítulo sobre luto familiar), em acidentes por exposição a riscos e
em homicídios precipitados pela vítima.
O suicídio pode envolver comportamentos autodestrutivos associados a várias
condições, como alcoolismo, drogadicção, não-cumprimento de tratamentos médicos e
alguns estilos de vida considerados de risco, que podem resultar em mortes
aparentemente por causas naturais (CASSORLA, 2004) ou acidentais, como, por exemplo,
Considerações a Respeito do Suicídio
27
acidentes automobilísticos. Kovács (2002b) esclarece que esses atos equivalentes a
comportamentos suicidas, são conhecidos como parassuicídios, nos quais a
intencionalidade o é explícita. Esses equivalentes suicidas acontecem de forma
incompleta, como em alguns acidentes e automutilações, indicando uma vertente
simlica. A autora considera também a existência de processos autodestrutivos crônicos,
provocados de forma inconsciente, exemplificando-os com algumas doenças
psicossomáticas e toxicomanias, que não apresentam risco tanatogênico imediato.
É importante lembrar que a exposição desnecessária ao perigo é considerada
uma contribuição ou força inconsciente no desencadeamento do comportamento suicida,
de acordo com a teoria proposta por Freud sobre a existência da pulsão de morte (FREUD
[1920], 1980). Essa tamm seria uma explicão plausível para a ambivalência existente
em todo comportamento suicida: a batalha entre a pulsão de vida e a pulsão de morte.
Essa ambivalência entre viver e morrer é apontada em um trabalho de
Schneidemann e Farberrow (1959, apud KOVÁCS, 2002b), indicando a tentativa de
suicídio como uma forma de comunicação ou uma maneira de chamar a atenção das
pessoas ao redor. Embora esse possa ser um dos componentes do comportamento
suicida, em conversas com pessoas logo após uma tentativa de suicídio ou antes, a
tempo de interrom-la, tem-se observado que existe nelas um intenso desejo de se
livrar de algum tipo de sofrimento e, em alguns casos, um desejo real de morte. A ideia
de que a ameaça ou a tentativa de suicídio é uma forma de chamar a atenção é
considerada um mito pela Organização Mundial de Saúde (OMS,2006).
Conforme tem sido divulgado, tem havido um aumento significativo de suicídios
na adolescência (OMS, 2006), conhecida como um período de muita turbulência. Pelo
fato de o adolescente se sentir um todo-poderoso, um excesso de comportamentos
de risco, agravados por impulsividade exacerbada, busca de soluções gicas e menor
Considerações a Respeito do Suicídio
28
tolerância à frustração. Imprudência, destemor ao perigo, desafio a limites impostos, uso
de álcool e drogas convivem lado a lado com as dificuldades dos pais em manejar esses
comportamentos. Com isso, cresce o número de adolescentes e jovens envolvidos em
acidentes automobilísticos fatais, suicídios e homicídios, o que causa processos de luto
bastante peculiares em função do tipo de perda.
Cassorla (2004, p. 29) é enfático ao dizer que o suicida não quer morrer, mas fugir
do sofrimento, substituindo-o “[...] por uma ‘vida’
1
após a morte, prazerosa, por vezes
prêmio ou compensação por seus sofrimentos ou sacrifícios terrenos [...]”, independente
de crenças ou não-crenças religiosas.
Meleiro e Bahls (2004) afirmam que a crise suicida envolve uma dor emocional
tão grande que o indivíduo não consegue suportá-la, tornando-se uma crise relacionada
aos três “is”: intolerável, interminável e incapaz. Assim, acredita ser incapaz de resolver o
problema e, sem ter nenhuma expectativa de que a situação se modifique, passa a julgá-
lo interminável.
Muitas pessoas pensam em morrer, mas não pensam em se matar. Outras pensam
em se matar, mas jamais fazem uma tentativa. Meleiro e Bahls (2004) afirmam que a
maioria das pessoas que tenta suicídio não morre por essa causa. Para Botega, Rapeli
e Cais (2006), as tentativas de suicídio acontecem com pessoas que estão sob tensão,
como expressão aguda de seu sofrimento, e, em sua maioria, sem apoio do meio familiar
e social.
Aldridge (1999, apud KRÜGER, 2007) relata que muitos estudiosos têm tecido
considerões a respeito da compreensão do suicídio a partir da estrutura de
relacionamento familiar, sugerindo que conflitos familiares estão relacionados como fatores
de risco para as tentativas de suicídio. Entretanto, de acordo com Krüger (2007), a
instabilidade familiar, a angústia crescente, o rompimento dos relacionamentos sociais
Considerações a Respeito do Suicídio
29
e o insucesso nos esforços para resolução de problemas na família nem sempre trazem
como consequência o comportamento suicida.
1.3 - O Suicídio na História
A palavra suicídio deriva do latim - sui = si mesmo e caedes = ação de matar,
portanto significa matar a si mesmo, o que não representa toda a complexidade desse
comportamento. Conhecida desde o século XVI, a palavra suicídio tem várias definições,
em geral com uma ideia central ligada ao ato de r fim à própria vida, associada a
ideias adjacentes envolvendo motivação, intencionalidade e letalidade (SCHNEIDMAN,
1994; BOTEGA; RAPELI; CAIS, 2006). Para Meleiro e Bahls (2004), a palavra suicídio
surgiu como vocábulo no culo XVII, na Inglaterra, desde sempre envolvida em tabu e
preconceito.
A hisria do suicídio sempre esteve associada à cultura e à religião, que
influenciavam a aceitação ou a total negação desse comportamento. Houve um tempo
em que o suicídio esteve relacionado ao homicídio, sem clara distinção entre esses dois
atos, e era denominado morte voluntária, autoassassinato, auto-homicídio, automassacre
e autodestruição (MELEIRO; BAHLS, 2004).
Na Antiguidade, entre gregos e romanos, a morte dependia exclusivamente de
entidades mitológicas, e não se falava em suicídio, pois, quando alguém se dava à morte,
era pelo poder dessas entidades. O Estado Grego, no período socrático, assumiu o
poder de vetar ou autorizar o suicídio, inclusive induzindo-o. Quem cometia suicídio era
enterrado sem nenhuma marca de respeito, isolado, sem nenhuma identificação.
relatos de que, em determinado período, o corpo era cremado após ter a mão direita
cortada e enterrada. Na época da República Romana, havia regras análogas a essas, e
Considerações a Respeito do Suicídio
30
o suicídio era reprovado, sem nenhum amparo legal. No Império Romano, também era
proibido, embora aceito sob algumas circunstâncias, especialmente por algum sacrifício
heroico (WERLANG; ASNIS, 2004).
Segundo os dois autores, até esse período a condenação do suicídio tinha um
sentido político-jurídico, e o homem era considerado mais vinculado ao Estado do que a
Deus. Quando surgiram o judaísmo e o cristianismo, a condenação do suicídio passou a
ter uma relevância teológica.
Na Idade Média, o suicídio tornou-se pecado em função de uma forte pressão
religiosa (MELEIRO; BAHLS, 2004). Werlang e Asnis (2004) relatam que, durante o
Renascimento, embora as autoridades oficiais continuassem a condenar o suicídio,
algumas personalidades pleiteavam o direito de escolher a hora da própria morte. Mas
foia partir do século XVII que a repressão ao suicídio começou a diminuir. Com o
Iluminismo, no século XVII, o suicida começou a ser compreendido como uma pessoa
infeliz. Durante a Revolução Francesa, não havia referência ao suicídio como crime. No
século XIX, a Revolução Industrial trouxe diversas transformações políticas, culturais,
científicas e tecnológicas, mas o suicídio manteve-se como tabu, passando a ser
considerado um ato de vergonha, rechaçado e envolvido em segredos familiares, sinal
de doença mental. Nesse período, passando a ser de interesse da psiquiatria, o suicídio
foi considerado por Esquirol “[...] como sintoma de doença mental” (WERLANG; ASNIS,
2004, p. 63), começou a ser investigado em termos estatísticos e não mais foi tratado
como crime.
A publicação do trabalho de Émile Durkheim foi um marco nas discussões sobre
esse tema: o suicídio foi considerado como um fenômeno social. Essa perspectiva
sociológica, de acordo com Botega, Rapeli e Cais (2006), foi um dos pilares para os
atuais estudos a respeito do comportamento suicida. Esses autores consideram a obra
Considerações a Respeito do Suicídio
31
de Sigmund Freud como o segundo pilar, tendo em vista a discussão que traz a respeito
da pulsão de vida e da pulsão de morte, do luto e da melancolia, discussão que inaugurou
a perspectiva psicológica sobre o tema e todo o desdobramento no campo da saúde
mental. Como terceiro pilar, apresentam os estudos biológicos a respeito do suicídio,
pesquisando a genética e a bioquímica cerebral.
De acordo com Schneidman (1994), nenhuma pessoa que estude o suicídio na
contemporaneidade consegue evitar as formulações propostas por Durkheim e Freud.
Porém, é preciso criar outros caminhos úteis ao desenvolvimento da suicidologia além
dos trazidos das correntes sociológicas e psicanalíticas.
O culo XX, imerso em guerras sangrentas, revoluções, ditaduras, devastação
da natureza e um importante aumento de distúrbios e de sofrimento mental, trouxe o que
Kalina e Kovadloff (1983) comentam sobre a cultura suicida: uma forma de comportamento
autodestrutivo da humanidade nos tempos atuais.
Ainda no referido culo, a partir da década de 90, o suicídio passou a ser
considerado um problema de saúde pública pela OMS (2006), em função do aumento do
mero de ocorrências e dos consequentes danos sociais, opinião corroborada por alguns
autores, como Meleiro e Bahls (2004) e Botega, Rapeli e Cais (2006).
No século XXI, enfrentamos os desafios da globalização e do fundamentalismo
religioso, que acirram também as dificuldades nas relações entre os mundos oriental e
ocidental com aumento de conflitos violentos, incluindo ataques terroristas envolvendo
suicídios. A religião, então, criada para responder a inquietações do homem em relação
ao mundo que o cerca e considerada um fator de proteção contra o suicídio tornou-se,
paradoxalmente, uma influência coercitiva em relação a esse tipo de comportamento
destrutivo (WERLANG; ASNIS, 2004).
Assim, ao longo da história, mudou-se a vio a respeito de suicídio, que foi evento
Considerações a Respeito do Suicídio
32
constituinte da tradição em certas culturas ou opção aceitável em outras, como pecado
na Idade Média e sinal de doença mental no século XIX. Atualmente, a ideia de que, em
certas circunstâncias, o suicídio é uma opção legítima tem permeado os debates sobre
o direito de morrer com dignidade. O suicídio seria assim concebido como o exercício
racional de um direito pessoal (ALMEIDA, 2004; WERTH Jr., 1996, apud BOTEGA;
RAPELI; CAIS, 2006).
1.4 - O Suicídio nas Religiões e nas Culturas
“A importância de fatores culturais é evidente quando verificamos que as taxas de
suicídio se mantêm mais ou menos constantes durante cadas em cada comunidade”
(CASSORLA, 2004, p. 28).
No cristianismo, sempre houve contestações a respeito do suicídio. Na Idade
Média, ele era considerado um sacrilégio, portanto, proibido, uma vez que a vida era
concessão divina. O corpo do suicida era punido no local onde havia cometido o ato, em
meio a outras atitudes de desprezo que visavam desencorajar tal feito. O suicídio era
visto como o pior dos crimes, e o suicida era privado de funerais religiosos (WERLANG;
ASNIS, 2004).
A partir do século XII, passaram a distinguir-se duas formas de suicídio: o praticado
por motivos racionais e propositais, considerado pecado mortal, ou o manifestado como
ato de loucura, considerado pecado venial. Deus era o único senhor da vida e da morte.
Assim, ao longo dos séculos, o suicídio foi condenado, com exceção do cometido em
situações psiquiátricas, nem sempre de fácil distinção (WERLANG; ASNIS, 2004).
Atualmente, um abrandamento nas posições do catolicismo, que procura explicar o
suicídio como consequência de problemas psicológicos (AÑÓN, 1992, apud WERLANG;
Considerações a Respeito do Suicídio
33
ASNIS, 2004).
No judaísmo, a preservação da vida é um dever para com Deus (WERLANG;
ASNIS, 2004). O suicídio é visto como uma grave transgressão que impede o cumprimento
dos rituais fúnebres, com algumas exceções: quando o indivíduo tiver sofrido alguma
tortura, quando o ato for cometido para a preservação da castidade ou para a manutenção
da honra. Para esta última, o judaísmo até prevê o suicídio individual e coletivo. A religião
distingue dois tipos de suicidas: os que estão em plena posse de suas faculdades físicas
e mentais e os que se encontram em algum estado de alienação mental ou dor psíquica.
Neste segundo caso, pela lei judaica o indivíduo não é responsável por seus atos.
O islamismo é a religião que mais condena o suicídio, considerando-o como um
crime pior que o assassinato e penalizando extensivamente a família do morto, que passa
a ser desonrada e marginalizada (AÑÓN, 1992, apud WERLANG; ASNIS, 2004).
No budismo, o suicídio é aceito quando a pessoa sacrifica sua vida por outra.
Na China, sob orientação da religião budista, o suicídio era autorizado “[...] quando uma
batalha fosse perdida, em memória a um ancestral falecido e/ou por perder a honra e
infringir a lei” (WERLANG; ASNIS, 2004, p. 67). Também era incentivado em guerreiros
valentes, nas guerras, como forma de influenciar a sorte do inimigo. Atualmente é proibido,
exceto nos casos de lealdade a uma organização à qual o suicida pertença.
A cultura japonesa, influenciada pelo xintoísmo e pelo budismo, parece ser a que
mais está vinculada a atos suicidas. Honra os guerreiros que cometem milenares rituais
suicidas, conhecidos como seppuku, nos séculos XIII ao XVIII, e retomados pelos pilotos
kamikazes na Segunda Guerra Mundial, e como harakiri, considerado uma forma de
protesto. Esses são considerados heróis em seu grupo social, concebendo-se a ideia
de que serão recebidos de maneira especial no outro mundo. também o junshi,
cometido após a morte de alguém a quem o suicida era leal. Nos dias atuais, é comum a
Considerações a Respeito do Suicídio
34
prática dos suicídios por amor, cometidos por gueixas, e por vergonha, cometidos por
estudantes que fracassam em seus estudos (WERLANG; ASNIS, 2004) A prática tamm
é utilizada como forma de restituição da honra para a família, quando o suicida se
reconcilia com seu grupo social (CASSORLA, 2004).
De acordo com Werlang e Asnis (2004), o suicídio é uma das mais rias infrações
às leis da vida para o espiritismo. as religiões brasileiras, o candomblé e a umbanda,
e o protestantismo não demonstram posição clara sobre esse assunto.
1.5 - O Suicídio sob a Ótica da Psiquiatria
Não é possível dizer com exatio quantas pessoas que tentam o suidio
apresentam um transtorno psiquiátrico, pois as estimativas variam de acordo com critérios
utilizados para a definição do transtorno e com o momento escolhido para a realização
da avaliação. Porém, de acordo com Botega, Rapeli e Freitas (2004), o suicídio é a mais
importante causa de morte precoce entre os pacientes portadores de transtornos
psiquiátricos.
Além disso, a presença de um transtorno mental é apontada pela OMS (2006)
como fator de risco de suicídio. Os diagnósticos mais frequentes são a depressão, o
transtorno de personalidade, a esquizofrenia e a dependência do álcool.
Como lembram Botega, Rapeli e Freitas (2004), nem todos os portadores de
transtornos mentais dão cabo da própria vida. Portanto, a presença de um transtorno é
um fator necessário para a ocorrência do suicídio, mas não suficiente, na medida em
que outros fatores colaboram para esse desfecho.
Na adolescência, os principais fatores de risco sugeridos por Bahls (2002, apud
BOTEGA: RAPELI; FREITAS, 2004) são as tentativas prévias de suicídio, o transtorno
Considerações a Respeito do Suicídio
35
de humor, o abuso de substâncias químicas e outras doenças psiquiátricas.
Botega, Rapeli e Freitas (2004) citam trabalhos interessantes realizados em outros
momentos e com outros autores, os quais comprovam que, no grupo de pessoas que
morrem por suicídio, é comum encontrar-se história recente de perda real, imaginada ou
temida. Na maioria das vezes, existe um evento recente na vida da pessoa, o qual parece
funcionar como desencadeante (FEIJÓ; RAUP; JOHN, 1999). Geralmente esse evento
envolve desentendimento ou perda de alguém importante, como o namorado, o
companheiro ou um parente próximo. Também é frequente a tentativa de suicídio em
casos de gravidez indesejada ou de abortos recentes, de acordo com pesquisas citadas
por Botega, Rapeli e Freitas (2004).
Botega, Rapeli e Freitas (2004) relatam que a maior incidência de suicídios em
algumas famílias indica a presença de fatores psicológicos e hereditários. Existem
evidências claras da contribuição da genética para o aparecimento da depressão, o
início precoce da dependência do álcool, da esquizofrenia e de transtornos psiquiátricos
associados ao suicídio. Alguns interessantes estudos congregados por esses autores
indicam a existência de relação entre suicídio e funcionamento deficiente do sistema
serotoninérgico em vítimas de suicídio ou de tentativas graves, tanto em atos mais
impulsivos e violentos, como nos comportamentos impulsivo-agressivos em geral.
Algumas outras pesquisas indicadas por eles relatam a influência do uso de
medicações psicotrópicas no decorrer de tratamentos psiquiátricos e o aumento da
ideação suicida, motivos pelos quais sugerem cautela na prescrição desses
medicamentos.
Em tratamentos psiquiátricos para a depressão, é possível que haja tentativas de
suicídio quando o paciente apresenta melhora no quadro geral, pois é quando encontra
forças para cometer o ato no qual estava pensando (OMS, 2006).
Considerações a Respeito do Suicídio
36
1.6 - Fatores de Risco e Proteção para o Suicídio
Fator de risco é um conceito estatístico e define “[...] um risco relativo a um
parâmetro” (MELEIRO; TENG, 2004, p. 110). Para esses autores, a probabilidade de
ocorrer um suicídio aumenta na proporção em que mais fatores de risco estiverem
presentes.
De acordo com a OMS (2006), os principais fatores de risco para suicídio são as
tentativas de suicídio anteriores e a existência de transtornos mentais (especialmente
depressão, esquizofrenia e transtorno bipolar bem como uso de substâncias psicoativas).
A Organização enumera outros fatores de risco, tais como os sociodemográficos, os
psicológicos e as condições clínicas incapacitantes, que não devem ser negligenciados
na avaliação desse risco. Porém, o suicídio pode ocorrer também na ausência de qualquer
um desses fatores.
Para Meleiro e Teng (2004), os fatores de risco podem ser classificados em duas
categorias, os modificáveis e os não-modificáveis, de acordo com a possibilidade de
sua redução a partir de algum tipo de intervenção. Entre os modificáveis, os autores
incluem o tratamento eficaz do transtorno depressivo, os programas de prevenção de
armazenamento de armas de fogo em domicílios, o controle sobre as vendas e o
armazenamento de medicamentos como ocorre nos Estados Unidos e no Canadá, entre
outras ações. Entre os o-modificáveis, incluem a história pregressa, a história familiar
e aspectos demográficos, como sexo e idade.
Muito se tem falado a esse respeito, e a OMS (2006) tem-se preocupado com a
divulgação dessas informações. Considera-se, no entanto, que grande importância deva
ser dada aos fatores de proteção, sendo necessário um trabalho de monta para reconhecê-
los. Meleiro e Tang (2004) relatam alguns exemplos desses fatores: a gravidez, a
Considerações a Respeito do Suicídio
37
religiosidade, a satisfação em viver, as habilidades de enfrentamento, o suporte da rede
social, entre outros.
A discussão a respeito de fatores de risco e de proteção será retomada mais
adiante, em especial quando forem abordados, neste trabalho, os recursos de
enfrentamento.
1.7 - Epidemiologia do Suicídio: uma Chocante Realidade
Estatísticas da OMS (2003, 2006) revelam a ocorrência de um milhão de suicídios
por ano, com taxas que variam de vinte e cinco a menos de dez óbitos por cem mil
habitantes, em diversas regiões do mundo. No ano de 2001, a OMS indicou que o suicídio
representou 1,4% no cômputo total das doenças e projetou um índice de 2,4% de óbitos
por essa causa para o ano de 2020, com mais de um milhão e meio de pessoas com
probabilidade de interromperem suas vidas.
O suicídio é classificado pelo CID-10 (OMS, 1995) no capítulo XX, que se refere a
causas externas de morbidade e mortalidade, com a nomenclatura de lesões
autoprovocadas intencionalmente (BARROS; OLIVEIRA; MARÍN-LEÓN, 2004),
classificação que abarca 25 maneiras diferentes de completar o ato.
Em todos os países onde informações fidedignas sobre mortalidade, o suicídio
está entre as dez principais causas de óbito para as pessoas maiores de cinco anos. Na
maioria desses países, está entre as três principais causas de morte para pessoas de
ambos os sexos, com idade entre quinze e 34 anos. O grupo responsável pelo maior
número de suicídios cometidos é de homens entre 35 e 45 anos e, em alguns lugares,
entre jovens de 15 a 25 anos, estatísticas diferentes das anteriores, datadas de 1950,
segundo as quais a maioria das pessoas que se matava era constituída de idosos
Considerações a Respeito do Suicídio
38
(BOTEGA; RAPELI; FREITAS, 2004). O aumento das taxas de suicídio é inversamente
proporcional à idade, havendo um deslocamento da predominância da frequência de
suicídios entre os jovens.
Para Barros, Oliveira e Marin-León (2004), em todo o mundo, predominância
do suicídio entre pessoas do sexo masculino em relação às do sexo feminino, com
exceção da China, onde as taxas entre homens e mulheres são similares nas zonas
urbanas e mais elevadas para as mulheres em zonas rurais.
As estatísticas brasileiras colocam o enforcamento como o método mais utilizado,
seguido de uso de arma de fogo e envenenamento (BARROS; OLIVEIRA; MARÍN-LEÓN,
2004). Entre as mulheres, as armas fogo são menos utilizadas, e maior proporção de
mortes por envenenamento. Homens morrem três a quatro vezes mais por suicídio do
que as mulheres, e as mulheres tentam o suicídio nessa mesma proporção (OMS, 2003).
A presença de transtornos mentais graves é maior nos suicídios consumados do
que nas tentativas. Parece haver uma concordância entre alguns autores quando afirmam
que, nas tentativas de suicídio, a presença de transtornos de personalidade, condições
de vida adversas e problemas interpessoais (BOTEGA; RAPELI; FREITAS, 2004).
De cada cem pessoas que tentam matar-se, dez a vinte incorrem em nova tentativa
ao longo de suas vidas. Dessas novas tentativas, pelo menos cinco ocorrem no mês
seguinte ao da primeira. Se uma pessoa tentou o suicídio uma vez, ela sempre correrá o
risco de tentá-lo novamente, de acordo com estudos apresentados por Botega, Rapeli e
Freitas (2004). Para esses autores, 50 a 66% das pessoas que cometem suicídio
haviam realizado outras tentativas.
O Brasil encontrava-se no grupo de países com taxas baixas de suidio: em torno
de 4,5 óbitos por 100 mil habitantes entre os anos de 1994 a 2004 (OMS, 2006). Entretanto,
embora essa taxa de mortalidade por suicídio não seja considerada alta, ela expressa
Considerações a Respeito do Suicídio
39
um valor médio que subestima o aumento expressivo do comportamento suicida,
observado nas últimas décadas, em grupos mais jovens e no sexo masculino. Por se
tratar de um país populoso, está entre os dez com maiores números absolutos de
suicídio.
Alguns estados brasileiros já apresentam taxas comparáveis às de países com
altas e médias taxas de suicídio. No Espírito Santo, embora a taxa de suicídio seja
considerada baixa, de acordo com a média nacional (OMS, 2006) –4,58 óbitos por 100
mil habitantes em 2004 , é bem possível que esses dados não sejam condizentes com
nossa realidade, como será visto a seguir. Para Barros, Oliveira e Marin-León (2004), a
capital Vitória apresenta taxas elevadas de óbitos por suicídio no sexo masculino e está
entre as três cidades que apresentam as maiores taxas registradas no que se refere ao
sexo feminino.
Monitoramento estatístico realizado sob a responsabilidade da Secretaria de
Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA) entre os anos de 1980 e 2006 aponta um
constante crescimento de mortes por causas externas. Destaca-se o ano de 2005, quando
o Espírito Santo aparece como o estado do Brasil com maior registro de mortes por
causas externas na faixa etária acima de nove anos, com uma alta prevalência, superior
a 115,4 por 100.000 habitantes. Nos registros de óbitos de 2006, as causas externas de
morbidade e mortalidade aparecem em 1.
o
lugar, a partir de um ano de idade até os 59
anos, com especial destaque para as faixas etárias de dez a dezenove anos (75,83%
dos óbitos) e de vinte a 59 anos (35,52% dos óbitos), números assustadores em se
tratando de mortes o naturais envolvendo acidentes das mais variadas formas, incluindo
intoxicações, homicídios e suicídios (MARIANI, 2009a).
Nos registros apresentados por Mariani (2009a) a respeito do suicídio no Espírito
Santo, o índice anual de óbitos autoprovocados aumentou, nos anos de 2000 a 2005, de
Considerações a Respeito do Suicídio
40
106 para 164. Neste último ano de registro, o Espírito Santo, quando comparado com
outros estados do Sudeste, encontra-se em 2.º lugar, com 5,91 óbitos para cada 100.000
habitantes, colocando-se atrás apenas de Minas Gerais. Observa-se um decréscimo
nesses meros nos anos subsequentes de 2006 e 2007, que chega a uma prevalência
de 4,4 óbitos para cada 100.000 habitantes.
A SESA reúne as estatísticas de todas as declarações de óbito emitidas por
médicos no Espírito Santo seguindo os parâmetros do Sistema Epidemiológico do
Ministério da Saúde. Os dados estão atualizados e uma preocupação grande em
traduzir o mais próximo possível a realidade. Desse modo, mesmo sem ter registrado
todos os casos, conseguiu captar um índice acima de 90% dos óbitos. Hoje o Espírito
Santo es entre os sete estados brasileiros confiáveis em termos de estatísticas. Portanto,
serão considerados neste trabalho os números fornecidos pela SESA (MARIANI, 2009b).
É posvel que os registros feitos por outros órgãos sejam diferentes dos
apresentados pela SESA, devido à utilização de fontes de informação diferentes. Por
exemplo, no Centro de Atendimento Toxicológico (TOXCEN), registro de óbitos
por intoxicação notificados pelos hospitais. Na Polícia Militar, o registro se dá a partir
das ocorrências policiais.
Quando foram comparadas as faixas de idade em termos da distribuição de óbitos
por lesões autoprovocadas no Espírito Santo, encontraram-se, no ano de 2007, as
seguintes médias: entre dez e dezenove anos, 5,2% de homens e 6,5% de mulheres;
entre vinte e 29 anos, 19,8% de homens e 22,6% de mulheres; entre trinta e 39 anos,
24% de homens e 19,4% de mulheres; entre quarenta e 49 anos, 21,9% de homens e 29
% de mulheres; entre cinquenta e 59 anos, 12,5% de homens e 12,9% de mulheres; a
partir de sessenta anos, 16,7% de homens e 9,7% de mulheres (MARIANI, 2009a).
Foram 127 os óbitos ocorridos no ano de 2007, em sua maioria nos municípios
Considerações a Respeito do Suicídio
41
da Grande Vitória, representando um total de 65% de mortes por causas externas, dados
corroborados por Rodrigues (2009) e Itho (2009), que afirmam que a maioria das tentativas
de suicídio registradas no TOXCEN nesse ano ocorreu nessa região. Os maiores registros
deram-se nos municípios de Cariacica e Vila Velha, Vitória e Serra.
Dados apresentados por Mariani (2009a) indicam que o enforcamento, o
estrangulamento e a sufocação aparecem em 1º lugar entre as causas de óbitos por
lesões autoprovocadas na faixa etária acima de nove anos, no ano de 2007, com 50,39%
das ocorrências, antecedendo a ingestão de pesticidas e outras substâncias similares,
com 16,54% das ocorrências. Em seguida, observam-se as seguintes causas de óbitos
autoprovocados: (10,24%); uso de arma de fogo (8,66%); ingeso de drogas,
medicações e substâncias biológicas (6,30%); precipitação de lugar elevado – queda
intencional (5,51%); uso de objeto cortante e/ou contundente (2,36%). O item “outras
causascongrega rios outros métodos que o se mostravam expressivos para facilitar
a compreensão dos números e das principais causas (MARIANI, 2009b).
O enforcamento, o estrangulamento e a sufocão, pelo alto índice que apresentam,
o provavelmente as lesões mais reconhecidas como autoprovocadas, além de
permitirem fácil acesso ao material utilizado. Nos outros métodos de suicídio, nem sempre
é possível determinar a intencionalidade do ato, e a declaração de óbito acaba sendo
preenchida com a causa final da morte e não com o que a deflagrou. Geralmente o suicídio
costuma ser identificado pela existência de uma carta ou de um bilhete de despedida do
suicida e/ou por atos claros relatados pela família sobre a real intenção de morrer.
Quando mortes resultantes de atos violentos ou de acidentes, o corpo é
encaminhado para o Instituto Médico Legal, responsável por emitir a declaração de óbito.
Em muitos desses casos, é aberto um inquérito policial para averiguar a causa da morte
e, habitualmente, quando esse inquérito chega ao fim, não retificação na declaração
Considerações a Respeito do Suicídio
42
de óbito. Em mortes naturais ou por doença, as declarações de óbito são emitidas em
hospitais públicos ou privados, ou mesmo na residência da pessoa.
Como os dados estatísticos a respeito do suicídio são obtidos a partir das
declarações de óbito preenchidas por médicos, nem sempre é possível identificar que
se trata de um suicídio, embora haja esse código no CID-10 (OMS, 1995), de onde m
as nomenclaturas utilizadas nessas declarações. Normalmente, o preenchimento é feito
com a causa da morte, descrita em termos médicos, mas nem sempre com o ato que a
causou.
Isso pode ser confirmado por meio da investigação realizada por Jorge, Gotlieb e
Laurenti (2002) em quinze cidades brasileiras, cujo objetivo foi verificar, nas declarações
de óbito por causas externas, as que poderiam conter as causas básicas mais bem
descritas, visando à recuperação das informações. Os autores realizaram visitas a
Institutos de Medicina Legal, Delegacias de Polícia e domicílios das pessoas que
morreram, verificando discrepâncias significativas nas causas das mortes. Nos casos
de suicídio, essas discrepâncias foram identificadas em dobro, ou seja, o número de
suicídios encontrados foi duas vezes maior do que o registrado.
Dessa maneira, pode-se inferir que há uma importante subnotificação dos
suicídios em todas as estatísticas apresentadas, informação confirmada por Barros,
Oliveira e Marin-León (2004). É sabido que alguns seguros de saúde não pagam
tratamento quando a internação é referente a tentativas de suidio. O mesmo acontece
com seguros de vida, nos quais geralmente cláusulas a respeito desse assunto. Como
o suicídio ainda é envolvido em tabu e preconceito, muitas famílias preferem escamotear
a causa da morte, às vezes recebendo o consentimento dos médicos que declaram o
óbito.
Considerações a Respeito do Suicídio
43
Fontenelle (2008) confirma essas ideias quando realiza estudos comparativos
entre estatísticas mundiais e afirma que a subnotificação existe em todas as regiões do
mundo. Para ela, entre os dificultadores para a adequada coleta de dados estão a falta
de regularidade dos órgãos governamentais, o preconceito e a vergonha que envolvem
a família, o fato de os seguros de saúde o pagarem indenizações em casos de suicídio,
os atestados de óbito que registram a natureza da lesão que provocou a morte e não a
causa, o que dificulta uma interpretação mais próxima da realidade.
Ridley (1993) questiona as estatísticas de suicídio, afirmando que o duvidosas,
pois a própria polícia reluta em dar um parecer a respeito por depender de indicadores
lidos, como, por exemplo, enforcamento, envenenamento por gás de carro, ao contrário
de acidentes de carro, que dificilmente o encarados como tentativas de suicídio. Barros
(2003) estima que os registros de morte por suicídio sejam entre duas a dez vezes menores
do que os que são feitos na realidade. Meleiro e Teng (2004) afirmam que em torno de
20% das mortes por suicídio no País não são registrados, pois nem todas as regiões
enviam as declarações de óbito ao Minisrio da Saúde por meio dos órgãos
competentes. Bertolote e Fleishmann (2004) suspeitam de que a notificação dos casos
de suicídio pode ser falseada por motivos religiosos, sociais, culturais, políticos,
econômicos, entre outros, estimando que a distorção esteja entre 20% a 100% a menos
do que ocorre na realidade.
1.8 - O Suicídio Visto sob o Paradigma Sistêmico
A compreensão do suicídio sob o paradigma sistêmico (VASCONCELLOS, 2002)
inclui sua complexidade, a necessidade de contextualizá-lo e as relações causais
recursivas envolvidas em todo o processo. Dessa maneira, o processo do suicídio pode
Considerações a Respeito do Suicídio
44
ser investigado por meio de três conceitos fundamentais desse paradigma, os quais
serão mencionados adiante: os de complexidade, instabilidade e intersubjetividade
(SILVA, 2009).
Teóricos de diversas abordagens apresentaram várias hipóteses sobre o suicídio,
havendo uma grande variação entre as correntes individuais e as sociológicas. Alguns
atribuem um peso maior às primeiras, outros, às segundas. No entanto, é fundamental
buscar um ponto de equilíbrio entre o psicologismo e o sociologismo, pois, como nos
relata Cassorla (2004), não há teoria que explique todos os comportamentos suicidas,
que são expressão de inúmeros fatores, a saber, aspectos constitucionais da história de
desenvolvimento do próprio sujeito, circunstâncias sociais e fantasias próprias a respeito
da morte e da vida após a morte, em interação única para cada indivíduo.
A complexidade envolve as imeras influências de todo um contexto para que um
suicídio ocorra, incluindo as perspectivas histórica, social, espiritual, psicológica,
psiquiátrica (WERLANG; BOTEGA, 2004), às quais acrescenta-se ainda a filosófica, a
antropológica, a cultural e a biológica, algumas vistas anteriormente. Essa ideia é
corroborada por Meleiro e Bahls (2004), que afirmam que o suicídio inclui uma gama de
atitudes, cognições e comportamentos, com limites vagos e imprecisos, sob a forma de
um comportamento humano complexo.
Em texto próprio (SILVA, 2009), esta pesquisadora pondera que o desenvolvimento
dos fatos que culminam no suicídio o é linear e não pode ser descrito em termos de
causa e efeito, como era feito na ciência tradicional. No entanto, infelizmente, essa é
uma vio ainda disseminada em nossa sociedade, inclusive pela categoria dos
profissionais de saúde que entram em contato com essa dura realidade antes, durante
ou depois da ocorrência do suicídio, o que contribui para a manutenção do preconceito
que o envolve.
Considerações a Respeito do Suicídio
45
Não existe uma causa única para que uma pessoa tente interromper a própria
vida, mas um conjunto de fatores que interagem de maneira tão complexa que é impossível
determinar todos os elementos dessa complexidade. Nesse sentido, parece ser mais
coerente falarmos de fatores desencadeantes do suicídio.
Para que um ato seja considerado um suicídio, o caráter voluntário deve ser
evidente, de maneira explícita ou implícita. É preciso avaliar sua intencionalidade e
letalidade, bem como fazer um estudo detalhado sobre os fatores de risco (MELEIRO;
BAHLS, 2004). Determinar a intenção da pessoa que quer pôr fim à vida nem sempre é
tarefa fácil, pois essa intenção pertence à intimidade da própria pessoa. Em casos de
suicídio consumado, nem sempre é possível saber a exata motivação da pessoa, mesmo
quando cartas de despedida, o que também é verdade quando se trata de acidentes
automobilísticos, envenenamento e outros processos, para os quais haveria intenção
suicida, mas que acabam sendo registrados apenas como acidentes.
Essa afirmação demonstra um importante aspecto do paradigma sistêmico que é
a intersubjetividade, a “objetividade entre parênteses”, ou, ainda, a multiplicidade de
interpretação dos fatos. Trata-se da maneira como o indivíduo interpreta os
acontecimentos em sua vida, o que torna difícil para as pessoas a seu redor, inclusive
para os profissionais, compreender os motivos que o levam a se ver tão sem saída. O
processo de tomada de decisão está relacionado ao significado que a pessoa dá aos
acontecimentos. Pode ser um ato impulsivo momentâneo ou uma decisão longamente
planejada, cuja base é uma desesperança acumulada ou circunstancial terrível, um
sofrimento para o qual o indivíduo busca - alívio imediato com a interrupção da vida.
A pessoa integrante de um grupo familiar, com o qual compartilha significados,
quando atenta contra a vida, segundo Krüger (2007), está inserindo a narrativa da
experiência da crise suicida no repertório de histórias do sistema familiar. A partir de
Considerações a Respeito do Suicídio
46
falas sociais construídas na interação familiar, emerge do sujeito a crença de estar em
crise, o que tende a alterar a intensidade dos vínculos emocionais com a família, e desta
com o seu ambiente.
Quando o indivíduo sobrevive a uma tentativa, pode deixar-se invadir por um
sentimento de vergonha, ou de raiva por ter sobrevivido, o que faz com que evite falar
sobre o assunto. Nem sempre as pessoas ao seu redor se sentem à vontade para acolher
essa tentativa e conversar abertamente a respeito. O tabu que envolve o falar da morte e
do desejo de morrer (ou de acabar com o sofrimento) repercute sobre o suicida em
potencial, impedindo-o de comunicar abertamente seus motivos, impossibilitando a ajuda
social na recuperação de seus impasses e contribuindo para a constituição de um grande
enigma em torno do tema. Falar sobre o assunto o estimula a ideação suicida, como
muitos acreditam; ao contrário, traz alívio.
Kger (2007) compreende a crise suicida como uma situação limítrofe de pessoas
que estão na divisória entre o que é familiar e o que é estranho aos seus grupos de
referência. Acredita, em caso de sobrevivência à tentativa, na possibilidade de cada
falia desenvolver alternativas criativas para lidar com a crise e desenvolve um brilhante
trabalho de acolhimento a famílias em meio à crise suicida, possibilitando-lhes
compartilhar a experiência, inserindo novidade em suas histórias. A autora argumenta
que essas famílias precisam de auxílio para que possam reconstruir-se como um sistema
de apoio e proteção. “A crise desencadeada pela tentativa de suicídio é uma experiência
complexa, construída pelas histórias passadas, pelas presentes e pelas expectativas
em torno do futuro, cujo sofrimento pode paralisar a família, gerando crenças de que o
desejo de morte constitua uma ameaça à dissipação do sistema familiar” (KRÜGER,
2007, p. 71).
Antes mesmo de ocorrer a primeira tentativa, a escola, os amigos ou a família
poderiam perceber, em algumas alterações de comportamento, a presença de fatores
Considerações a Respeito do Suicídio
47
de risco, mas, por falta de conhecimento, não tomam as providências necessárias. De
acordo com Meleiro, Botega e Prates (2004), acredita-se que não haja uma modalidade
terapêutica única adequada para acolher uma ameaça ou uma tentativa de suicídio, pois
as necessidades de uma pessoa potencialmente suicida são individuais e os recursos
imediatos podem ser limitados. O uso de medicação psiquiátrica pode trazer alívio
imediato, mas não atua na essência do problema. Daí a importância de atendimento
psiquiátrico e psicológico concomitantes.
A ideação suicida ou a tentativa de suicídioo sinais de alarme. Quando em
meio a um tratamento, é preciso um contexto aberto e interessado de acolhimento ao
paciente, pois habitualmente necessidade de um tempo maior para a vinculação com
o profissional. Para a formação de uma aliança terapêutica, é fundamental que o
profissional consiga entender o que se passa com o paciente em termos de sofrimento,
sem tentar convencê-lo de que não tem motivos para se sentir daquela maneira. Por
sentirem vergonha ou por já terem tomado a decisão, muitos escondem seus sentimentos
e pensamentos com receio de que alguém possa fazê-los mudar de ideia.
Com frequência, as famílias sofrem por não ter conseguido perceber os sinais
que indicariam alguma intenção de a pessoa se matar, mas é apenas após o suicídio
consumado (ou mesmo a tentativa) que esses sinais conseguem ser interpretados. Em
casos de quadros crônicos, com altos níveis de conflito, como no alcoolismo e no abuso
de substâncias químicas, as pessoas podem sentir-se ansiosas ou culpadas pelo ato do
paciente. Há, com frequência, um grau de surpresa entre amigos, familiares e até mesmo
profissionais após um suicídio. Indícios de planos podem ser detectados em certas
manifestações de comportamentos, como uma decisão súbita de fazer um testamento
ou declarações verbais. Fontenelle (2008) afirma que a maior parte dos suicidas faz
declarações verbais desconectadas do plano de vida que tem, demonstrações essas
Considerações a Respeito do Suicídio
48
que não são identificadas pelas pessoas mais próximas a tempo de evitarem a morte.
Às vezes, a expressão da intenção suicida é indireta e apenas pode ser percebida em
retrospectiva. Um período de calma pode anteceder a decisão de cometer suicídio.
É difícil perceber as graduais mudanças de comportamento que levam ao suicídio
e identificar o momento em que elas se tornam significativas. Quando uma pessoa decide
matar-se, parece que empreende um grande esforço para disfarçar suas intenções, de
modo a não ter seus planos interrompidos (CLARK, 2007).
As pesquisas realizadas por Fontenelle (2008) permitem-lhe afirmar que mais de
90% dos suicidas apresentam algum distúrbio, detectado ou não, em sua maioria
depressão e transtorno bipolar Alguns não reconhecem que têm algum problema; outros
se negam a fazer o tratamento; outros, ainda, não conseguem ter a medicação ajustada
às suas necessidades.
Se fosse feita uma pesquisa a respeito da vida pregressa de quem comete o
suicídio, poder-se-ia encontrar um padrão de comportamento que explicasse o ato e,
provavelmente, um fator desecadeante, mas não um motivo único. Para Fontenelle (2008),
uma imensidão de dificuldades, anstias, problemas e, em particular, transtornos mentais
não tratados que poderiam acarretá-lo.
Aprende-se com as próprias experiências. Com o suicídio não acontece de maneira
diferente. Embora as famílias, com frequência, sofram por não terem conseguido perceber
sinais da intenção de a pessoa se matar, é apenas após o suicídio consumado (ou mesmo
a tentativa) que esses sinais conseguem ser interpretados. Aqui pode-se perceber o
aspecto da instabilidade do paradigma sistêmico, do mundo em movimento, que envolve
os aspectos de indeterminação, imprevisibilidade, irreversibilidade, incontrolabilidade.
Esses elementos estão muito presentes no processo do suicídio e no processo
de luto.
Considerações a Respeito do Suicídio
49
Inclui-se o terceiro aspecto, a intersubjetividade, da “objetividade entre parênteses
e da multiplicidade de interpretação dos fatos. Para os pais, é quase impossível
colocarem-se no lugar dos filhos de modo a entender o mundo da maneira como eles
entendem, e vice-versa.
Não dúvida a respeito do determinismo multifatorial do suicídio, embora muitos
pontos desconhecidos permaneçam intrigantes. É preciso romper o sincio e o tabu
para se conhecer mais a fundo esse assunto. Assim, a proposta é de que estudos
longitudinais que incluam a família sejam realizados para melhor compreensão dos
aspectos envolvidos no suicídio.
A Coreografia do Luto Familiar
PARTE 2:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O
PROCESSO DE LUTO PARENTAL
POR SUICÍDIO
A Coreografia do Luto Familiar
Capítulo 2
A COREOGRAFIA DO LUTO
FAMILIAR
A Coreografia do Luto Familiar
52
CATULO 2 - A COREOGRAFIA DO LUTO FAMILIAR
2.1 - Conceituando o Luto Familiar
De acordo com Shapiro (1994), o luto é uma crise de apego e identidade, que
interrompe a estabilidade da família nos domínios interrelacionados de emoções,
interações, papéis sociais e significados. É uma crise paradoxal que envolve o crescimento
na família em um delicado processo de equilibrar as mudanças inerentes à perda. A
autora oferece um modelo sistêmico de desenvolvimento do luto, compreendido como
um processo individual no contexto familiar e como um processo desenvolvimental familiar
interdependente. Desta feita, considera a experiência subjetiva individual enquanto aprecia
a coconstrução do luto na família e no contexto sociocultural ao longo do ciclo de vida.
Para Shapiro (1994), o objetivo do luto familiar é restabelecer o fluxo do tempo
desenvolvimental e o desenvolvimento contínuo da família.
Reações de pesar saudáveis envolvem estratégias de aumento
de crescimento para restabelecer estabilidade; reações de pesar
problemáticas envolvem estratégias de restrição ao crescimento
para estabilidade que interferem no desenvolvimento contínuo da
família (SHAPIRO, 1994, p. 18).
De uma perspectiva familiar, Walsh e McGoldrick (1998) consideram a perda como
um processo transacional que envolve o morto e os sobreviventes em um ciclo de vida
comum, reconhecendo tanto a finalidade da morte como a continuidade da vida.
Consideram os processos familiares como “[...] determinantes cruciais da adaptação
saudável ou disfuncional à perda” (WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 27), reconhecendo
A Coreografia do Luto Familiar
53
as variações infindáveis das respostas culturais, familiares e individuais à perda. Parkes
(1998, 2009) conceituou o processo de luto como uma transição gradual de ajustamento
a um mundo alterado pela morte de alguém amado. Nesse processo, os enlutados
integram gradualmente mudanças secundárias à perda em uma nova visão de mundo.
Na transão do luto, fatores disposicionais o descritos como vulnerabilidades potenciais
(fatores de risco) ou forças (fatores de proteção), ligadas ao processo de luto e às
consequências subsequentes.
O luto é considerado um fenômeno relacional (SHAPIRO, 1994; NADEAU, 1998;
WALSH; MCGOLDRICK, 1998; BROWN, 2001), uma vez que a perda gera um
desequilíbrio no sistema familiar e, por conseguinte, uma necessidade de ajustamento
que pode acontecer mediante recursos da própria família. A perda geralmente exige que
o enlutado tenha que assumir novas tarefas e pais, e pode modificar a dinâmica familiar
e desencadear tarefas desenvolvimentais (NADEAU, 1998). A nova organização familiar
e a elaboração do luto dependem diretamente da elaboração do luto individual em sua
relação recursiva com o conjunto (BROWN, 2001), que inclui a expressão dos sentimentos
e a interpretação dada ao ocorrido (NADEAU, 1998).
Para compreender o luto na família, sugere-se a observação dos movimentos
individuais e do todo dentro do sistema familiar, pois nem sempre consonância entre
os processos de luto vividos individualmente pelos integrantes desse sistema. Cada
elemento da família pode apresentar fases e manifestações do luto em tempos diferentes
ou sobrepostas, em um mesmo indivíduo ou em outros elementos do sistema (SILVA,
2008a), inerentes às vicissitudes dos movimentos familiares diante da perda em busca
de um equilíbrio funcional (WALSH; MCGOLDRICK, 1998).
Far-se-á, a seguir, um breve apanhado a respeito do luto individual, pois, neste
estudo, optou-se por dar mais atenção ao movimento do luto nos pais, levando em
consideração as interações familiares.
A Coreografia do Luto Familiar
54
2.2 - O Luto nos Integrantes do Sistema Familiar
O luto é uma resposta ao rompimento de um vínculo significativo para o indivíduo
(BOWLBY, 1997), portanto, uma resposta natural e esperada após uma perda simbólica
ou concreta importante (PARKES, 1998). Todas as perdas envolvem mudanças e exigem
uma reorganização individual e familiar interna e externa, com vistas a promover novas
formas de lidar com as situações que se apresentam.
Para Kovács (2008), o processo de luto é aceito como uma crise de grandes
dimensões após diferentes tipos de perda, porém já foi considerado, ao longo dos tempos,
como doença, a partir de sintomas identificados. A expressão do luto está fortemente
vinculada aos costumes de uma sociedade e mais particularmente do grupo familiar
(KOVÁCS, 2008, p. 15).
Os principais autores de trabalhos sobre o luto e suas manifestações concordam
com a existência de um “luto normal”, como reação natural à perda, e o dividem em
fases, cuja finalidade é facilitar a avaliação da condição da pessoa enlutada, avaliação
essa realizada em duas vertentes: a da intensidade e a da duração dos fenômenos.
Conforme assinala Bromberg (2000), esses autores apresentam uma variação de três a
cinco fases, cujo conhecimento consideram importante como forma de mapear as reões
esperadas. Citando especialmente Bowlby (1997) e Parkes (1998), a autora inclui em
seu trabalho ampla discussão sobre os fatores de risco e proteção para um bom percurso
no luto, os quais serão abordados mais adiante.
Ainda na compilação realizada por Bromberg (2000), a reação a uma perda envolve
manifestações das mais variadas, muitas vezes classificadas como sintomas, tais como
choque ou torpor, medo, raiva, ansiedade, somatização, insônia, falta de concentração,
atenção ou memória, falta de apetite, tristeza profunda, pensamentos intrusivos, sensação
A Coreografia do Luto Familiar
55
de presença da pessoa, entre outras. Tais manifestações podem aparecer sobrepostas
simultaneamente, ou em curto intervalo de tempo. Stroebe, Stroebe e Schut (2007, apud
MAZORRA, 2009) completam essa lista com algumas outras reações, dentre as quais
se destacam a ideação suicida, a suscetibilidade a doenças, a doença e a morte. Essas
manifestações podem ser percebidas em mais de um integrante da família, em maior ou
menor intensidade, e é comum que cada um assuma uma postura complementar, de
modo que a família apresente todas as reações.
Duas classificações relacionadas às reações individuais à perda serão aqui
abordadas, a partir do trabalho de Parkes (1998) e Rando (1998), por serem consideradas
significativas e coerentes com a visão que esta pesquisadora tem do luto. O primeiro
autor propõe uma classificação relacionada à temporalidade do surgimento das reações
à perda, sem quantificar o tempo. Define o luto crônico como o prolongamento indefinido
das reações de luto, e o luto adiado, como o processo em que pessoas apresentam
reações tardias de luto, aparentando viver normalmente após a perda (semelhante a um
processo de negação). Classifica o luto inibido como o processo em que pessoas não
esboçam nenhuma reação ao longo do tempo. A distinção entre essas duas categorias
poderá ser feita na temporalidade, uma vez que as reações podem aparecer a qualquer
momento. a segunda autora (RANDO, 1998) propõe o uso do termo luto complicado,
relacionado com o tempo desde a morte e a existência de algum comprometimento,
distorção ou fracasso de uma ou mais tarefas ou etapas do processo de luto. Considera
duas categorias que predisem um indivíduo ao luto complicado. A primeira inclui fatores
associados com a morte em si, isto é, se foi inesperada (especialmente quando
traumática e violenta), se ocorreu após um longo período de doença, se foi relativa à
perda de um filho, e com a perceão do enlutado a respeito da morte como algo previsível
e, portanto, evitável. A segunda categoria inclui variáveis anteriores e posteriores à morte:
A Coreografia do Luto Familiar
56
relação conflituosa com o morto com características de raiva, ambivalência ou mesmo
dependência; perdas anteriores ainda não integradas e/ou situações de estresse e
problemas de saúde mental; apoio percebido como insuficiente pelo enlutado. Para ela,
o uso do termo complicado é adequado à necessidade de não patologização do luto,
que possibilita considerá-lo a partir dos diversos fatores que o influenciam, indicando
que as reações a uma perda podem ser interpretadas dentro do contexto dos fatores
que circundam aquela perda específica para o enlutado em particular, nas circunstâncias
únicas nas quais ocorreu (RANDO, 1998).
Rando (1998) considera que muitos dos sintomas tratados por profissionais de
saúde, são relativos ao luto complicado em uma de suas formas de apresentação:
sintomas psicológicos, comportamentais, sociais e físicos; síndromes de luto ausente,
luto atrasado, luto inibido, luto distorcido, luto conflituoso, luto imprevisto e luto crônico;
diagnósticos de transtorno físico ou mental e a própria morte. Para facilitar o diagnóstico,
relaciona alguns sintomas indicativos de luto complicado que devem ser examinados de
acordo com as fases de evitação, confrontação e acomodação.
Para Rando (1998), na primeira fase, é preciso reconhecer a perda. Na segunda,
o indivíduo reage à separação, relembra e reexperimenta o morto e sua relação com ele,
e abandona os vínculos antigos com a pessoa que morreu e com o antigo mundo
presumido. Por último, um reajustamento adaptativo em direção ao novo mundo sem
que o antigo seja esquecido. Finalmente, o reinvestimento.
A autora supracitada considera que as complicações relacionadas ao luto surgem
quando o indivíduo não consegue completar essas tarefas, que precisam ser cumpridas
ao longo do tempo. Porém, ela não estipula o período de tempo decorrido a partir da
perda para que o luto seja considerado complicado.
Os trabalhos de Prigerson (1995) e Jacobs e outros (1999), citados por Riley e
A Coreografia do Luto Familiar
57
outros (2007) e por Parkes (2009), apresentam critérios para diagnóstico do luto
complicado, considerando a presença de pensamentos a respeito da pessoa amada,
sintomas intrusivos e perturbadores relativos à ansiedade de separação, descrença
prolongada (incluindo preocupação com pensamentos sobre a pessoa morta). Esses
critérios são amplos o suficiente para abranger as formas de luto crônico e adiado.
Fazendo menção à ideia de que um intenso processo de luto pode apresentar
características semelhantes às de transtornos psiquiátricos, Parkes (2009) ressalta a
importância de distingui-los e recomenda que o luto deva ser considerado como
patológico quando houver um prolongamento excessivo, causando dano às funções da
vida do indivíduo.
Nesse sentido, Mazorra (2009) ressalta a importância de se reconhecerem as
reações habitualmente associadas às complicações do luto, em meio às reações
esperadas diante de uma perda, para a identificação de pessoas com risco para luto
complicado, embora o limiar entre luto normal e luto complicado seja uma linha tênue,
que depende muito da intensidade e da duração das reações de luto.
Muito se tem discutido a respeito do luto individual. Trata-se, porém, de um assunto
que não se pode esgotar em pouco tempo. Porém, é pertinente apresentar três conceitos
considerados por esta pesquisadora como os mais importantes nos recentes trabalhos
sobre luto, divulgados pela comunidade científica, pois contribuem, sobremaneira, para
a compreensão atual desse processo: a construção de significado, os nculos contínuos
e o Modelo do Processo Dual do Luto.
Alguns autores apontam a construção de significados como aspecto central ao
processo de luto (WALSH; MCGOLDRICK, 1998; NADEAU, 1998; NEIMEYER, 1998;
MAZORRA, 2009; PARKES, 2009). Holland, Currier, Neimeyer (2006) relatam que as
teorias do luto contemporâneas dão ênfase ao papel da construção de significado na
A Coreografia do Luto Familiar
58
adaptação ao luto, considerando como suas duas construções principais: fazer sentido
da perda e achar benefício a partir dessa experiência. Citando alguns outros estudos, os
autores consideram que não é o tempo que produz ou sustenta as complicações do luto.
O resultado apresentado pela pesquisa realizada indicou que construir significado e achar
benefício em uma experiência de perda são processos associados à diminuição de
complicações do luto. Para eles, então, a construção do significado surgiu como o mais
robusto preditor de ajustamento ao luto.
Para haver crescimento pessoal, de acordo com Tedeschi e Calhoun (2004, apud
DAVIS, WOHL, VERBERG, 2007), o enlutado precisa passar por um processo que lhe
permita construir um sentido da perda em sua vida e reconciliar-se com ele. Esse processo
é chamado de construção de significado (NADEAU, 1998) e envolve o desenvolvimento
de uma explicação a respeito do que aconteceu, que lhe permita a construção de novas
visões do mundo. Em breve esse assunto será retomado, traçando-se considerações
sobre como o processo acontece na família.
Na revisão de literatura realizada por Neimeyer (1998), três críticas aos estudos
iniciais do processo de luto foram realizadas: o questionamento em relação à existência
de estágios e fases, para o qual o autor contrapõe a importância de se observarem os
significados e as ações construídos pelos enlutados; a ênfase do luto como processo
individual, sem levar em conta o contexto das relações humanas; a referência ao luto, na
maior parte da literatura contemporânea, como uma tarefa psíquica, cujo objetivo é
desvincular-se da pessoa que morreu, abrindo-lhe a possibilidade para o estabelecimento
de novos relacionamentos, especialmente na parte da literatura atribuída a Freud e aos
seguidores da Psicanálise, mesmo que apresentem diferentes terminologias para o que
consideram a “resolução do luto”. Para Neimeyer (1998), o trabalho de Bowlby não destaca
a continuidade do vínculo, mas refere-se à sua existência, observando a persistência da
A Coreografia do Luto Familiar
59
relação entre o sobrevivente e o morto, o predomínio de uma sensação constante da
presença do morto, mesmo em processos de luto considerados favoráveis.
Recentemente, o trabalho de Klass (1993, apud KLUGMAN, 2006; KLASS, 1999)
a respeito da continuidade dos vínculos tem-se tornado mais conhecido e aceito entre os
estudiosos do assunto. Para Klugman (2006), o enlutado não precisa aprender a viver
sem o morto, com o qual mantém um relacionamento pessoal em que percebe alguns
tipos de contato. Esses contatos podem incluir sonhos, sons, cheiros, sensação de
presença, conversões, entre outros. Segundo ele, a teoria dos nculos contínuos sugere
que os contatos após a morte são eventos que o enlutado interpreta como relacionados
com a pessoa que morreu e como parte de sua construção mental a respeito dela. Klass
(1999) refere-se ainda à incorporação de características ou virtudes do morto que o
enlutado traz dentro de si mesmo. Não é pertinente ao presente estudo a discussão a
respeito da realidade externa e objetiva dessas experiências. Tem-se conferido na prática
clínica que, para os enlutados que experimentam esse tipo de fenômeno, o evento é real.
O resultado da pesquisa realizada por Klugman (2006) aponta que esse tipo de
contato pode ser um fenômeno presente em toda a vida de um enlutado e mais comum
do que imaginado previamente, inclusive na população em geral, sob a forma de uma
experiência compartilhada por inúmeras pessoas que perderam alguém. Dessa maneira,
a conexão com o morto não desaparece ao longo do tempo, o que sugere que um vínculo
contínuo ativo pode ser um fenômeno que dure a vida toda.
Outra contribuição para a compreensão do processo de enlutamento individual é
o Modelo do Processo Dual do Luto, formulado por Stroebe e Schut (2001, apud PARKES,
2009), que se refere à oscilação que os enlutados podem apresentar, no processo
considerado normal de luto, entre a orientação para a perda e a orientação para a
restauração. A primeira indica uma busca pela pessoa perdida, e a segunda, uma luta
A Coreografia do Luto Familiar
60
para encontrar uma nova orientação em um mundo que parece ter perdido o significado.
Para Parkes (2009), as dificuldades com o processo de luto podem surgir, caso o equilíbrio
entre as duas orientações seja alterado, pendendo muito para uma das duas.
Pessoas que se envolvem apenas com a busca e são incapazes ou
não desejam olhar para frente tornam-se enlutados crônicos, enquanto
as que evitam o pesar e se dedicam a orientações sobre o futuro tendem
a sofrer os efeitos de um luto adiado ou inibido (PARKES, 2009, p. 48).
No início, a perda é sentida em toda a sua concretude, e o enlutado percebe que
perdeu todas as coisas boas relacionadas com quem morreu. Lentamente, percebe que
o passado do relacionamento com seu ente querido continua importante para o
planejamento do futuro. O reconhecimento do vínculo contínuo com o morto (KLASS et
al., 1996) é uma das coisas que tornam posvel deixar que a pessoa se vá, simplesmente
porque sabemos que nunca deixaremos de -la aqui” (PARKES, 2009, p. 48).
Os três conceitos apresentados trouxeram uma mudança significativa para a
compreensão do processo de luto. Alguns autores mais recentes, entre os quais se
destacam Neimeyer (2001) e Mazorra (2009), apontam os riscos das tentativas de
subdividir o processo de luto em fases e tarefas que, embora úteis para sua compreensão,
impedem a percepção da multiplicidade de estilos de enfrentamento do luto. Nem todos
os enlutados passam por todas as fases ou realizam todas as tarefas propostas, pois as
diferenças individuais e culturais entram em cena.
Não se poderia deixar de mencionar os fatores de risco e proteção para o
surgimento do luto complicado. Mazorra (2009) estrutura um interessante agrupamento
desses fatores, que podem trazer resultados tanto positivos como negativos, dependendo
do que aconteceu, envolvendo as características do enlutado, tais como personalidade,
A Coreografia do Luto Familiar
61
presença de transtorno psiquiátrico e abuso de substâncias; a relação com o falecido,
abrangendo o tipo e as características da relação preexistente; a continuidade do vínculo
com o falecido; a dinâmica familiar; as circunstâncias da morte; a rede de suporte; a
presença de luto não reconhecido e não autorizado. Não se pretende aqui esmiuçar
cada um desses itens, pois eles são abordados no decorrer deste trabalho.
A fim de contribuir para a atual forma de compreender o processo do luto, serão
considerados a seguir seus desdobramentos na família.
2.3 - A Morte no Ciclo Vital Familiar
Para Carter e McGoldrick (2001), ao longo do ciclo vital a família experimenta
mudanças naturais, inerentes ao seu processo de surgimento, crescimento e
desenvolvimento, que geram perdas normativas em cada etapa. Cada mudança de etapa
no ciclo de vida de uma família gera uma necessidade de adaptação e de transformação
nas relações entre seus membros, a partir das tarefas a serem cumpridas em cada estágio
de desenvolvimento. Esse movimento de perdas consideradas naturais, inclusive a morte,
permite que a família mantenha sua continuidade e o crescimento de seus integrantes ao
mesmo tempo. Para essas autoras, contudo, nessa transição entre as etapas, a família
pode também experimentar processos de luto por perdas significativas, não naturais,
que surgem inesperadamente. As perdas não naturais nem sempre são reconhecidas
em suas consequências e incluem, por exemplo, a migração e o divórcio, destacando-se
as mortes precoces e violentas.
Em qualquer tipo de perda, todos os membros da família são afetados, cada qual
à sua maneira, havendo afastamentos, realinhamentos, mudanças de papéis, novas
exigências e tarefas, entre outras dificuldades que podem levar à disfuncionalidade na
A Coreografia do Luto Familiar
62
família, manifestando-se das mais diferentes maneiras (CARTER; MCGOLDRICK, 2001).
Esse assunto será discutido mais adiante.
Para a terapia familiar, diante de uma morte, esperada ou não, como evento do
ciclo de vida (CARTER; MCGOLDRICK, 2001), haverá um rompimento do equilíbrio
familiar e, por conseguinte, um processo de ajustamento à nova realidade (BROWN,
2001). Nesse ajustamento, muitas variações do processo de luto individual e familiar
podem acontecer. Para Walsh e McGoldrick (1998), a morte traz desafios adaptativos
que impõem a necessidade de uma reorganização imediata ou a longo prazo, com
mudanças nas definições de identidade e nos objetivos na família.
A adaptação familiar à perda depende de vários fatores, tais como a forma como
aconteceu a morte, a idade da pessoa que morreu, as pendências com o morto, a etapa
do ciclo de vida em que a família se encontra, a existência de conflitos anteriores, a
existência de uma rede efetiva de apoio formal ou informal, a existência de perdas
anteriores e a maneira como a família se adaptou a elas (PARKES, 1998), fatores aos
quais Brown (2001) acrescenta a hisria transgeracional de perdas, a posição e a função
da pessoa no sistema familiar, bem como a abertura do sistema familiar.
Cabe destacar que o conceito de adaptação aqui utilizado não representa uma
resolução no sentido de aceitação completa e definitiva da perda, mas um caminho de
descobertas das possibilidades de colocá-la em perspectiva e seguir adiante, modificando
os múltiplos sentidos advindos dessa perda, transformados ao longo do ciclo de vida
familiar, [...] à medida que são vivenciados e integrados com as experiências vitais,
incluindo, obviamente, outras perdas” (WALSH; MCGOLDRICK, 1998, p. 34).
O processo de luto familiar pode ser mais difícil nas fases de transição do ciclo
vital e requer atenção quando ocorre dois anos antes ou dois anos depois do nascimento
de uma criança. É comum que essa criança seja depositária de expectativas de reparação
A Coreografia do Luto Familiar
63
da perda, substituta da pessoa que morreu, ou, mesmo, que tenha como função
permanente mobilizar a família (SILVA, 2005). A ela o atribuídos significados conscientes
e inconscientes, compartilhados ou não por todos os membros da família, tais como o
“salvador”, o “incômodo”, o “substituto”, o “herdeiro”, entre outros. Por outro lado, a família
pode voltar-se de tal forma para o sofrimento e a dor que passa a subestimar a imporncia
desse nascimento, ou, mesmo, a não encontrar forças para cuidar da criança de maneira
adequada, momentos em que rompimentos e formação de novos vínculos (BOWLBY,
1997), que causam uma sobrecarga no sistema.
No processo de buscar a manutenção da homeostase familiar, uma reação
automática a uma perda, de acordo com Brown (2001), quando os integrantes da família
tentam distanciar-se da realidade da morte, sendo frequente uma ruptura no processo
de comunicação no seio da família. O retrato que se faz das famílias e de seus integrantes
em situações de perda é o de famílias problemáticas e fragilizadas. O uso dessa lente
negativa faz com que suas forças e potenciais passem despercebidos e desvalorizados.
As famílias, mesmo aquelas com problemas anteriores à perda, podem emergir mais
fortes após trauma e sofrimento (SHAPIRO, 1994; PATTERSON, 2002; WALSH, 2005),
embora convivam com a presença de alguns nichos de fragilidade.
Assim, o processo de luto familiar considerado saudável ou “normal” existe, embora
o seja isento de problemas e dificuldades. As famílias costumam passar por um período
de turbulência após uma perda, por ser esse um período de constantes crises, diante da
necessidade de se adaptarem à nova realidade. É frequente o surgimento de sentimentos
intensos de tristeza, decepção, sensação de abandono em toda a família.
Essa talvez seja a grande contribuição da terapia familiar sistêmica para a
abordagem ao luto. Uma vez que o foco não está na doença nem no sintoma e o
tentativas de observá-los em um elemento do sistema familiar, acredita-se que a família
A Coreografia do Luto Familiar
64
seja corresponsável por suas dificuldades e tem elementos próprios capazes de fazê-la
retomar um equilíbrio funcional, assunto sobre o qual se falaa seguir. Existe uma força
interna que move seus membros ao longo do tempo e propicia a mudança necessária,
indicando que a família tem a capacidade de levar o luto a um curso funcional (SILVA,
2005).
2.4 - O Funcionamento da Família a partir da Perda
Para compreender como a família funciona em qualquer processo adaptativo do
ciclo vital, inclusive no luto, é preciso conhecer as interações e relações dentro do sistema
familiar, considerando os aspectos histórico, social, econômico e cultural do contexto no
qual as famílias estão inseridas (SILVA, 2008c).
Como visto anteriormente, a morte altera significativamente o equilíbrio da família
e geralmente requer uma nova organização do sistema como um todo. O modelo dos
sistemas familiares oferece os conceitos necessários para a descrição das mudanças
estruturais que ocorrem após uma morte seja a troca de papéis e regras, seja a definição
de fronteiras. Mas o que significa adaptar-se e funcionar de maneira competente? Como
não correr o risco de criar mais nomenclaturas classificatórias do que é certo ou errado
dentro do processo de luto?
Não se trata de classificar o processo de luto da família dentro de critérios de
normalidade/anormalidade ou patologia, do que é certo ou errado, pois a noção de
anormalidade não é estática, de acordo com Watzlawick (1981), indicando que um
comportamento só pode ser estudado no contexto em que ele figura, inclusive
considerando-se as inclinações pessoais do observador.
Andolfi (1966) postula que o problema na família não é a perturbação mental
A Coreografia do Luto Familiar
65
intrínseca a um sintoma, mas o que denomina de “nó interativo das tensões familiares e
extrafamiliares”, colocando o problema apresentado pela família na perspectiva de seu
contexto de interação. A adaptação familiar tem sido definida como um processo de
restabelecer o equilíbrio entre as capacidades da família e as demandas geradas entre
os membros que a compõem e a unidade familiar e entre a família e a comunidade
(PATTERSON, 2002).
Posição semelhante é apresentada por Haley (1991), ao afirmar que o sintoma
em um dos membros da família é um sinal de que o sistema familiar encontra dificuldades
para superar uma das etapas do ciclo vital que regem seu desenvolvimento, por meio da
ocorrência de um evento normal ou acidental.
O termo funcionalidade familiar é habitualmente usado para descrever processos
relacionais na família (WALSH, 2005). Dessa maneira, falar de disfuncionalidade na família
“[...] remete ao campo dinâmico das funções que se alteram sem que isso identifique o
comprometimento das estruturas subjacentes e aponta para a possibilidade de reversão
ao estado funcional anterior” (OSORIO, 2008, p. 324).
Para Minuchin (1982), uma família considerada funcional é aquela que consegue
organizar-se com fronteiras externas e internas semipermeáveis, que possibilitam, por
um lado, contato com o mundo externo, sem perder a identidade familiar, e, por outro, a
manuteão da hierarquia e da comunicação entre os integrantes do sistema. Uma família
funcional ultrapassa as diversas fases de seu ciclo de vida com as dificuldades que lhe
são inerentes, aproveitando características peculiares e únicas de cada membro, força e
sensibilidade, inteligência e intuição, com a capacidade de amar e ser amado na medida
certa para lidar com as tarefas necessárias a um desenvolvimento funcional.
De acordo com esse autor, a organização dos subsistemas, que o os grupos
formados dentro da própria família, separados por geração, gênero e interesses comuns
A Coreografia do Luto Familiar
66
(MINUCHIN, 1982), e os papéis desempenhados por seus integrantes são fatores
preponderantes para o funcionamento familiar.
Segundo Ackerman (1986), a saúde emocional da família é determinada no
desempenho e no cumprimento das funções familiares essenciais relacionadas aos
múltiplos papéis. Em uma relação recursiva, a família é facilitadora da saúde emocional
de seus membros, na medida em que cada membro conhece e desempenha um papel
específico.
A visão de normalidade é construída socialmente, reitera Walsh (2005). O que
distingue uma família saudável não é a ausência de problemas, mas a maneira de enfren-
los e a competência para resolvê-los.
Para que se identifique a presença de disfunções familiares no processo de
desenvolvimento do ciclo vital diante de um luto, é preciso avaliar o grau de sofrimento
que o enfrentamento no campo relacional da família proporciona, de acordo com Osorio
(2008), segundo as evidências de suas manifestações na retroalimentação desse
sofrimento. As disfunções podem advir da estrutura familiar, dos vínculos familiares, da
identidade do grupo familiar e do comportamento intrafamiliar (OSORIO; VALLE, 2002,
apud OSORIO, 2008). A presença de uma disfuncionalidade indica que a família como
um todo está comprometida, deixando de cumprir suas tarefas básicas do ciclo vital
familiar, como a de promover o cuidado com seus integrantes, propiciando-lhes o
sentimento de pertencimento e a autonomia de cada um, na medida em que precisam
desenvolver-se como indivíduos independentes (SILVA, 2008b). Assim, é provável que
se esteja diante de uma paralisação em seu desenvolvimento, indicado por meio da
presença de sintomas de qualquer natureza em um ou mais de seus integrantes.
Essa disfuncionalidade costuma ser identificada por meio de um ou mais
integrantes da família com sintomas dos mais variados, que indiquem a presença de um
A Coreografia do Luto Familiar
67
luto complicado, de acordo com a classificação de Rando (1998). Essas reações
precisam ser avaliadas de acordo com o contexto em que ocorrem, e envolvem o fator
tempo, o tipo de morte, os fatores culturais inerentes à própria família, entre outros já
mencionados no presente trabalho.
O sintoma é a expressão do não-funcionamento adequado da família em sua
necessidade de adquirir um novo equilíbrio. Ele pode ocupar uma função importante,
qual seja, a de manter o equilíbrio do sistema familiar, mesmo que de maneira disfuncional,
o que gera um mal-estar muitas vezes não expresso verbalmente por toda a família.
Watzlawick, Beavin e Jackson (1981) compreendem o sintoma como uma
comunicação não verbal patológica, que pode ser a única reação possível dentro de um
contexto insustentável. Essa noção pode tornar-se mais compreensível quando se
considera a presença de um segredo familiar envolvendo a perda e suas circunstâncias.
De acordo com Imber-Black (2002), a existência de um segredo na família costuma
bloquear o fluxo de informações entre seus integrantes, podendo criar um rompimento
de vínculos, prejudicando a intimidade, criando dificuldades e tensões desnecessárias.
Walsh e McGoldrick (1998) apresentam como tarefas adaptativas que contribuem
para a nova organização familiar diante de uma perda:
a) O reconhecimento compartilhado da realidade da morte e a experiência comum
de perda. Nesse sentido, as autoras ressaltam a importância de informações claras
disponíveis a respeito do que aconteceu; participação nos rituais funerários; comunicão
intrafamiliar como facilitadora da adaptação e do fortalecimento do apoio mútuo entre os
integrantes da família; criação de significados coerentes com a família e sua história
geracional; permissão para que cada membro possa experimentar a gama de sentimentos
disparados pela perda.
b) A reorganização do sistema familiar e o reinvestimento em outras relações e
A Coreografia do Luto Familiar
68
projetos de vida. Envolve o realinhamento das relações e a redistribuição de papéis
necessários para dar prosseguimento à vida familiar, considerando a importância de
que o sistema familiar seja regido pelos princípios de coesão e flexibilidade.
Costurando as ideias apresentadas, chega-se à conclusão de que, se o sintoma
é uma expressão do contexto familiar, se algum membro da família apresenta algum tipo
de luto individual complicado, como os descritos acima, a família como um todo ainda
não elaborou a perda, havendo uma cristalização do sintoma (SILVA, 2008b). Esta autora
acredita que as tarefas do luto que desafiam a família em relação à sua funcionalidade e
envolvem a nova organização do sistema familiar o o reconhecimento e a aceitação
da nova realidade, a elaboração das emoções advindas da perda, o ajuste ao ambiente
modificado e às novas tarefas exigidas e a permissão para que todos os sobreviventes
continuem vivendo.A funcionalidade precisa ser avaliada em relação aos valores culturais
e aos desafios da vida, tomando-se o cuidado para não patologizar a angústia transicional
ou as tensões prolongadas de adaptação (WALSH, 2005). Portanto, esse conceito deve
ser avaliado de acordo com a situação de cada família, considerando-se a complexidade
contemporânea. “Os sintomas são avaliados no contexto de eventos de crise passados,
contínuos e ameaçados, seus significados e as reações de enfrentamento da família
(WALSH, 2005, p. 22).
Silva (2008b, p. 569) propõe um modelo de avaliação do processo de adaptação
da família ao luto, modelo que integra elementos avaliativos provenientes da terapia
familiar sistêmica e da terapia do luto, investigando três aspectos: o contexto, o processo
e a relação.
A avaliação do contexto do luto engloba informações a respeito de circunstâncias
da perda; experiência prévia com perdas de qualquer tipo, especialmente por morte;
etapa do ciclo vital em que a família se encontra; situação econômica, educacional e
A Coreografia do Luto Familiar
69
ocupacional; base sociocultural, étnica, religiosa e filosófica da família; apoio informal:
família e amigos, confidentes; apoio formal: profissionais da saúde, da escola e do trabalho;
significado de doença, vida e morte; crises concomitantes e perdas secundárias.
A avaliação do processo do luto envolve os seguintes aspectos: tarefas a serem
cumpridas pelo indivíduo e pela família; manifestações individuais e familiares do luto;
rituais envolvidos no processo; reações de aniversário; fatores de risco para um processo
de luto disfuncional e fatores de proteção para um processo de luto funcional.
A avaliação relacional da família no processo de luto leva em consideração alguns
indicativos de funcionalidade familiar listados a seguir, lembrando que eles não o
lineares: continência, pertencimento, crescimento e libertação, tarefas do ciclo vital,
circularidade e comunicação, regras e normas, subsistemas claramente definidos,
fronteiras claras e permeáveis e, finalmente, hierarquia.
Para uma avaliação o mais apurada possível, é preciso reconhecer que há vários
tipos de família, que os papéis maternos e paternos são multidimensionais e complexos
e que pais e es desempenham papéis diferentes em contextos culturais diferentes. A
família tem seus próprios valores, funções e, naturalmente, papéis sociais do todo e de
suas partes. Isso faz com que cada uma delas construa para si uma realidade que lhe é
própria (WATZLAWICK, 1994), o que possibilita falar sobre a existência de “realidades
das famílias”, tendo em vista sua diversidade na sociedade contemporânea.
2.5 - A Construção de Significados na Família
Parkes cunhou a expressãomundo presumido” (1971, apud PARKES, 2009),
referindo-se ao aspecto do mundo interno reconhecido como verdadeiro, do qual fazem
parte suposições e concepções relativas à própria pessoa, à família, à sociedade, às
A Coreografia do Luto Familiar
70
habilidades de lidar com o mundo e sua capacidade de proteção, e às inúmeras
cognições que compõem a “realidade”, tal como proe Watzlawick (1994). Essa
realidade conhecida abrange significados e propósitos de vida e é construída individual
e coletivamente em um emaranhado subjetivo constantemente modificado por
informações que lhe são acrescentadas. Conforme referência a Parkes (2009), o mundo
presumido é uma importante fonte de segurança.
A perda de uma pessoa muito estimada implica a necessidade de revisão desse
mundo presumido ao mesmo tempo em que se vive o processo de luto. O trabalho de
revisão do mundo presumido é uma tarefa cognitiva que leva tempo. O luto evoca emões
de grande magnitude, principalmente quando a perda ocorre de maneira inesperada e
de forma traumática, emoções que podem interferir nessa tarefa cognitiva (PARKES,
2009).
Nadeau (1998) desenvolveu um importante trabalho a respeito do significado da
morte e do luto, como eventos críticos, nas diversas etapas do ciclo vital. Quando a família
experimenta um desconforto em rios de seus veis em função da mudança no equilíbrio
do sistema, pode expressá-lo por meio de alguns significados que cria, ao sentir o
desequilíbrio.Em seu estudo, define significados como “[...] representações cognitivas,
guardadas nas mentes de cada membro da família, mas construídos interacionalmente
dentro da família e influenciados pela sociedade, cultura e história” (NADEAU, 1998, p.
159). Assim, o considerados como produtos da interação humana, representando rios
elementos da realidade. Para a autora, torna-se de extrema importância observar não
o processo pelo qual o significado é construído pelas famílias, mas também os significados
propriamente ditos, uma vez que têm um efeito direto nas decisões familiares.
Diante do caos produzido por uma perda, a família depara-se com uma nova e
desconhecida realidade, que suscita nela uma série de questionamentos, relacionados
A Coreografia do Luto Familiar
71
por meio de interações decorrentes da busca de um novo sentido para a vida. Os
significados, habitualmente exteriorizados verbalmente, também podem ser expressos
por comportamentos não verbais, como, por exemplo, expressão facial, postura e até
silêncio (NADEAU, 1998). São inúmeros os significados que versam sobre a natureza
da morte advindos de uma perda, os significados relativos ao morto e os significados a
respeito de como as famílias mudaram e aprenderam. A variedade nas categorias e
subcategorias apresentadas por Nadeau (1998) reflete o vasto campo de significados,
negativos e positivos, que os membros de uma família tentam compartilhar. De acordo
com suas reflexões, pouco tem sido escrito a respeito de como as construções negativas
interferem no curso do luto, uma vez que a ênfase atual é dada à possibilidade de construir
significados positivos a partir do trauma.
Na visão de Patterson e Garwick (1994, apud PATTERSON, 2002), as famílias
constroem e compartilham significados em três níveis diferenciados, mas interligados
entre si: nas situações estressantes específicas; na identidade como família; na visão de
mundo. A maneira de uma família enfrentar o estresse é afetada diretamente pelo processo
de construir significados. Os autores acreditam que a construção de significados positivos
reduz as demandas da família e aumenta suas capacidades de enfrentamento.
Em uma visão complementar ao que foi descrito acima, a abordagem sistêmica
desenvolvida por Wright e Nagy (2002) envolve a interação entre o problema de saúde e
as crenças de cada integrante da família sobre o problema apresentado, partindo do
pressuposto de que o próprio conceito de sde e doença é subjetivo. Assim, na avaliação
de situações difíceis geradoras de sintoma, as autoras realizam uma investigação sobre
as crenças de cada membro da falia, que o auxiliam a definir cognições,
comportamentos e emoções. Fazem tamm uma distinção entre as crenças familiares
limitadoras e facilitadoras que surgem de contextos sociais, interacionais e culturais.
A Coreografia do Luto Familiar
72
Ambas moldam a maneira como a família se adapta à morte. As primeiras “[...] inibem a
autonomia do indivíduo e da família, restringindo as opções de soluções alternativas para
o problema” (WRIGHT; NAGY, 2002, p. 131), ao contrário das segundas. Acreditam que a
capacidade de a família inserir alguma modificação em seu equilíbrio homeostático
disfuncional ocorre quando há uma alteração de suas crenças limitadoras a respeito do
problema, com a introdução de crenças alternativas que podem surgir em seu contexto.
As autoras consideram essa a principal tarefa de um trabalho terapêutico.
Os significados tanto positivos quanto negativos que constituem legados familiares
das gerações anteriores exercem influência nas reações de luto de uma família, pois a
transmissão multigeracional de padrões familiares, tal como postulada por Bowen (1978,
apud MCGOLDRICK, 1998b), oferece modelos implícitos para o funcionamento familiar
na geração seguinte. “Quando a morte ocorre fora de hora ou no contexto das relações
familiares conflitadas, quando existe uma acumulação de perdas, ou quando a morte é
estigmatizada e cercada de sigilo, o poder do legado é intensificado” (MCGOLDRICK,
1998b, p. 150).
2.6 - Transmissão Intergeracional do Luto
Quanto mais emocionalmente significativa for para a família a pessoa que morreu,
maior a probabilidade de efeitos nas gerações seguintes, afirma Brown (2001). Segundo
a autora, são dois os motivos desses efeitos: “[...] o rompimento no equilíbrio familiar e a
tendência familiar a negar a dependência emocional quando essa dependência é grande”
(BROWN, 2001, p. 407), não importando o lugar que a pessoa ocupe: como cônjuge,
pai/mãe ou filhos na família nuclear, ou como avós, tios e primos na família extensa.
A Coreografia do Luto Familiar
73
O processo de transmissão transgeracional está baseado no pressuposto de que
o indivíduo é herdeiro de uma história preexistente que define o lugar que ele ocupa na
família (FALCKE; WAGNER, 2005). As essenciais relações estabelecidas com a família
são as mais importantes da vida de um indivíduo e serão a base de seu comportamento
futuro e, consequentemente, da geração seguinte, e assim sucessivamente.
Borzormenyi-Nagi e Spark (1994) indicam que a transmissão de padrões
familiares de uma geração a outra. Falcke e Wagner (2005) chamam a atenção para o
impacto dessas questões transgeracionais sobre pontos específicos do ciclo vital, impacto
normalmente relacionado a momentos de crise, nos quais pode haver uma paralisação
do sistema ou uma mudança impulsionada pelo estresse gerado.
Alguns fenômenos participam dessa transmissão transgeracional, tais como
valores, crenças, mitos, segredos e rituais, dentre os quais serão destacados a lealdade
e o legado. O conceito de lealdade permite compreender a estrutura mais profunda das
famílias: a lealdade cria vínculos de conexão intrínseca à família nuclear, engloba a família
extensa, manm uma interligação entre as gerações passadas e as futuras sob múltiplas
formas de expressão (FALCKE; WAGNER, 2005).
Para essas autoras, a lealdade é uma força que leva o indivíduo a pertencer a um
grupo, enquanto, simultaneamente, exige dele o compromisso de obedecer às regras
desse sistema e a cumprir os mandatos familiares que lhe são delegados, o que nem
sempre acontece de maneira consciente.
No processo de luto familiar, pode-se assistir ao surgimento ou à intensificação
dos conflitos de lealdade em relação às famílias de origem, ou, ainda, aos sobreviventes,
marcados pela expectativa do grupo familiar em relação a seus membros, inclusive à
preservação da linhagem familiar (SILVA, 2005).
Os conflitos de lealdade, também conhecidos como lealdades invisíveis
A Coreografia do Luto Familiar
74
(BORZORMENYI-NAGY; SPARK, 1994), versam sobre o relacionamento de lealdade
entre pais e filhos, quando estes últimos assumem compromissos inconscientes para
ajudar a família a garantir seu equilíbrio, de maneira disfuncional, mantendo habitualmente
uma sintomatologia significativa.
Se alguma das tarefas de adaptação familiar não puder ser realizada ou concluída
de conformidade com o que se propôs em relação ao processo familiar diante do luto,
diante das dificuldades apresentadas pela família, inclusive da presença de sintomas,
leva-se em consideração a recursividade dos sintomas e a trasmissão transgeracional
para supor que essas dificuldades adaptativas possam repetir-se ao longo de gerações.
As perdas na família costumam deixar seus legados. Walsh e McGoldrick (1998)
alertam para o fato de que as perdas ocorridas em outras gerações podem interferir na
passagem do atual ciclo de vida da família de várias maneiras.
Falcke e Wagner (2005, p. 39) definem legado como “[...] o fenômeno que revela
para as gerações seguintes os principais aspectos da família atual e o que se espera
que tenha continuidade”, uma espécie de testamento versando sobre como deve ser
transmitida a essência da família atual, seus valores, crenças, temas e regras.Apesar da
possibilidade de haver um legado destrutivo da perda, também a possibilidade de ela
fortalecer os sobreviventes, “[...] despertando sua criatividade, estimulando-os a se
realizarem(MCGOLDRICK, 1998b, p. 129). O legado destrutivo de uma perda envolve
mitos e superstições sobre os perigos do mundo exterior (MCGOLDRICK, 1998b)
construídos a partir dos significados atribuídos pela família à perda e transmitidos ao
longo das futuras gerações.
Falcke e Wagner (2005) consideram a possibilidade de esses padrões
transgeracionais serem mais um dos fatores que favorecem a saúde do sistema familiar
nos momentos em que crises são vivenciadas, como, por exemplo, a crise diante da
perda de um familiar.
A Coreografia do Luto Familiar
75
2.7 - Resiliência Familiar
É preciso salientar que nem todas as famílias que enfrentam uma perda apresentam
problemas de desenvolvimento ou sintomas relativos ao processo de enlutamento. Não
se sabe ao certo quais fatores culturais ou míticos presentes na família a colocam na
direção de uma mudança ou de uma paralisação (SILVA, 2005). Porém, não há vidas
de que as dificuldades de adaptação são inerentes a todas elas, uma vez que haverá
alteração no equilíbrio familiar preexistente. Contudo, existem famílias que têm uma
capacidade de transformar a adversidade em força e recursos da vida, sem que haja
qualquer necessidade de intervenção profissional.
A resiliência no luto familiar é um conceito bastante trabalhado por Walsh (2005).
O termo advém da Física e indica a capacidade que uma matéria tem de recuperar a
força anterior após um impacto. Assim, aplicado à família, o conceito indica a capacidade
de ela reagir às adversidades. Sabe-se, no entanto, que a família jamais voltará ao status
anterior, tendo que encontrar, então, um novo equilíbrio. Walsh (1998, p. 4) define resilncia
familiar como “[...] a capacidade de se renascer da adversidade fortalecido e com mais
recursos. É um processo ativo de resistência, reestruturação e crescimento em resposta
à crise e ao desafio”. De acordo com as ideias de Walsh, a resposta individual tem sido
compreendida como uma interação entre a natureza e a educação, estimulada por
relacionamentos de apoio. Poucos pesquisadores consideram a família como uma fonte
potencial de resiliência.
O conceito de resiliência familiar apresentado por Walsh (2005) é questionado
por Patterson (2002), que o atribui a um processo e não a uma característica particular
de uma família. Para esta segunda autora, resiliência familiar é um processo mediante o
qual famílias são capazes de se adaptar e funcionar de maneira competente, após terem
A Coreografia do Luto Familiar
76
sido expostas a adversidades significativas.
De acordo com Walsh (2005), é o sistema de crenças dessa família que capacitará
cada um de seus membros a atribuir um significado às situações de crise. Quando as
crenças são positivas e facilitadoras, aumentam as oões para a resolução de
problemas, a cura e o crescimento. Porém, quando são negativas e restritivas, perpetuam
os problemas e restringem as opções.
No entanto, os significados individuais não o iguais aos construídos
coletivamente, na família, uma vez que estes são interpretações dadas e pontos de vista
alcançados por meio da interação entre seus integrantes, na medida em que compartilham
tempo, espaço e experiência de vida enquanto falam sobre esses temas (PATTERSON,
2002). Para esta autora, o significado coletivo tem um papel preponderante no processo
de organização e manutenção do grupo familiar diante de uma crise, pois significados
compartilhados reduzem ambiguidade e incerteza sobre estímulos complexos, o que é
muito difícil no processo de luto familiar, já que é frequente haver interrupção de
comunicação entre os membros desse grupo.
As famílias desenvolvem uma identidade compartilhada a partir de valores e regras,
implícitos ou explícitos, que guiam suas relações. Rotinas diárias e rituais contribuem
para o processo de entendimento de quem é a família e de como é diferente de outras
famílias.
Segundo Patterson (2002), o processo de construir significados é um componente
substancial para a resiliência familiar e pode ser facilitado pela interação do grupo em si
mesmo, em sua relação com a comunidade e, em especial, com outras famílias que
experimentaram processos semelhantes.
Prosseguindo, este autor comenta que, para saber se uma família conseguiu
engajar-se em um processo de resiliência, se torna necessário fazer uma avaliação da
A Coreografia do Luto Familiar
77
interação dos fatores de risco e de proteção em relação às consequências advindas da
perda.
2.8 - O Luto na Vida Cotidiana da Família
Em outro trabalho desta pesquisadora (SILVA, 2008a), considerou-se que o
impacto da perda gera na família mudanças imediatas e a longo prazo, bem como
mudanças significativas num mundo presumido, iniciadas com uma etapa de privação.
No momento inicial, uma interrupção da vida cotidiana, e a família precisa aprender
que nunca mais será a mesma. Questões de ordem prática relacionadas aos rituais
funerários são prioridade em um primeiro momento e geram processos decisórios difíceis
por parte de todos os envolvidos, tais como a maneira de dar a notícia da perda à família
e aos amigos, o contato com os serviços funerários, a escolha da roupa que será usada
no funeral, as providências necessárias para o velório e o sepultamento, as contas a
pagar, a organização de documentos importantes, os trabalhos interrompidos, entre muitos
outros detalhes que precisam ser cuidadosamente pensados.
Shapiro (1994) considera que a prioridade imediata de uma família enlutada é
restabelecer as condições que permitam seu funcionamento diário.
Por ser um período de grande fragilidade para a família, alguns conflitos podem vir
à tona envolvendo, inclusive, questões financeiras. A existência de testamento ou seguros,
a distribuição das tarefas, a insegurança financeira gerada e algumas outras perdas
secundárias contribuem para dificultar a adaptação, podendo suscitar verdadeiros dilemas
dentro das famílias, especialmente quando desejos individuais muito diferentes. Não
é incomum encontrar famílias brigando por herança muitos anos ainda após a morte de
algum de seus integrantes, ou que se tenham afastado após a perda, pois as mágoas e
A Coreografia do Luto Familiar
78
diferenças podem reaparecer ou se acentuar nesse período. Mas também podem ser
encontradas famílias que se unem diante da dor, fortalecendo laços afetivos e de
convivência que antes se encontravam fragilizados. a perda da pessoa e as perdas
secundárias, relacionadas aos integrantes, que, em função da ausência e da tristeza,
jamais serão os mesmos, precisando desenvolver novas habilidades. É natural que haja
um período em que a manutenção do controle e o sentimento de segurança da família
fiquem abalados, inclusive que surja o medo de novas perdas, a necessidade de uma
proximidade maior entre uns e outros e comportamentos compatíveis com a presença
de ansiedade intensa.
A família sente-se insegura sobre o que fazer com os objetos pessoais do morto.
Há uma cobrança por parte da sociedade para que os familiares se desfaçam dessas
coisas, como se isso fosse uma forma de se livrarem da dor da ausência ou mesmo da
saudade, ou como se, dessa forma, fosse possível simplesmente esquecer a existência
daquela pessoa e o que aconteceu. Nem sempre consonância entre os membros da
família sobre o que fazer com esses pertences, mas o ritmo individual deve ser respeitado
até que se chegue a um consenso. Algumas famílias optam por se desfazer deles
imediatamente, após o enterro, outras mantêm o armário, o quarto ou até mesmo a casa
como tinham sido deixados, por até alguns anos. Não há padrão nem receita de como
isso deve ser, pois é preciso respeitar o ritmo da família em seu processo de luto. A
ausência da pessoa já é o difícil de ser suportada que algumas famílias precisam manter
as coisas como estão por um tempo maior, como uma forma de estreitar a conexão com
a pessoa. Observa-se que, à medida que esse processo se desdobra, as mudanças
acontecem gradativamente, e as lembranças importantes para a família vão sendo
mantidas, ao mesmo tempo em que os espaços vão sendo modificados (SILVA, 2008a).
Walsh e McGoldrick (1998) inferem que a desorganização experimentada logo
A Coreografia do Luto Familiar
79
após a perda pode desencadear movimentos precipitados, como, por exemplo, mudança
precoce de residência, que acabam gerando sérias consequências. Especialmente nos
casos de perdas precoces e trágicas, pode haver uma tendência a não voltar para a
casa onde aconteceu a tragédia, como forma de se livrar das lembranças, decisão às
vezes imposta pela família ampliada. Nesse primeiro momento, há tanta fragilidade que
a família pode aceitar conselhos e diretrizes de pessoas de sua confiança, que sempre
m as melhores intenções, mas que facilitam o surgimento de mais rupturas, acentuando
as perdas secundárias. o tempo certo para cada tarefa dentro do processo de
elaboração do luto, tempo que é único e precisa ser construído pela própria família.
A rede de apoio constituída por família extensa, amigos, profissionais de saúde,
comunidade, inclusive no âmbito da espiritualidade ou da religiosidade, pode ser muito
útil ao longo de todo o processo. Porém, muitas pessoas, da própria família ou do círculo
de amizades que ela espera que estejam a seu lado, não conseguem aproximar-se, por
não saberem o que fazer ou dizer, e se afastam. Outras, de quem não esperava nada,
aparecem e são companhias incansáveis. Essa rede de apoio precisa estar sintonizada
com a família e ter sensibilidade suficiente para não atrapalhar o processo de luto com
tentativas, como visitas e telefonemas intermináveis, em que se fala sobre a vida normal,
evitando mencionar a perda; cobranças sobre a retomada da rotina; frases de conotação
religiosa, já que muitos enlutados entram em conflito com a própria crença religiosa;
insinuações sobre a obrigatoriedade de frequentarem algum ritual religioso; conselhos
em relação a como se sentir ou se comportar diante do pesar e do luto; sugestões de
possibilidade de substituição, como viajar, voltar ao trabalho, ter outro filho, adotar uma
criança; oferecimento de material para leitura ou indicação de tratamentos das mais
variadas formas de maneira intrusiva; enfim, qualquer tentativa para evitar o sofrimento.
Criaas e adultos manejam o pesar de maneiras distintas, de acordo com o próprio
A Coreografia do Luto Familiar
80
desenvolvimento, enquanto compartilham o processo de desenvolvimento da família ao
lidar com as intensas emoções advindas do fato. Os adultos geralmente iniciam o
processo com um período de afastamento dos outros, fechando-se em seu mundo
privado, onde a grandiosidade da perda pode ser gradativamente reconhecida e de
onde novas e coerentes estruturas de vida podem ser reconstrdas, a partir das estruturas
anteriores de casamento, parentalidade e trabalho. As crianças compreendem a morte
e o pesar com as ferramentas cognitivas e emocionais de sua etapa de desenvolvimento
e dependem substancialmente dos adultos para reinterpretar as implicações de uma
realidade (SHAPIRO, 1994). Poder compartilhar a experiência de pesar, sentir-se
percebido e compreendido pelos outros membros da família e ter a chance de
restabelecer uma coerência no senso de passado, presente e futuro são importantes
dimensões do processo saudável de recuperão de cada integrante da família
(SHAPIRO, 1994). Para essa autora, raramente a coreografia das reações de pesar de
cada membro da família é sincrônica ou simultânea.
Porém, a morte é o principal tabu a dificultar a comunicão intrafamiliar (BOWEN,
1998). Nessas ocasiões, a maior parte das famílias estabelece um pacto de silêncio a
respeito da perda, com receio de suscitar ou acentuar a emoção do outro, trazer mais
sofrimento, lembrar a ausência, entre outros impedimentos. Em algumas famílias, a
impossibilidade de compartilhar o pesar pode contribuir de maneira significativa para
exacerbar os sentimentos relativos às perdas associadas à morte, podendo gerar um
profundo sentimento de isolamento (SHAPIRO, 1994).
Segundo Brown (2001), a falta de franqueza no sistema familiar é responsável
por muitas das reações emocionais e dificuldades de ajustamento a longo prazo
relacionadas à perda. Para essa autora, a falta de franqueza refere-se “[...] à capacidade
de cada membro da família de permanecer não-reativo à intensidade emocional no
A Coreografia do Luto Familiar
81
sistema e de comunicar seus sentimentos aos outros sem esperar que os outros sejam
influenciados por esses sentimentos” (BROWN, 2001, p. 406). Citando Bowen (1976),
ela aponta a diferenciação e o vel de estresse familiar como os dois contínuos
intrinsecamente relacionados que determinam a franqueza do sistema.
Parece que alguns elementos da família assumem a responsabilidade de manter
a vitalidade, indicando que um futuro, que a vida não pode parar. Essa função pode
ser exercida pelos filhos quando, em um primeiro momento, tentam levar uma vida muito
parecida como a que tinham antes, muitas vezes gerando dúvidas em relação a estarem
sentindo ou não a perda. Existem relatos sobre idas ao cinema ou a festas, ou mesmo
retorno imediato ao trabalho logo após o enterro, talvez como expressão de um desejo
enorme de que nada tivesse mudado, ou uma tentativa de manutenção de algum controle.
Parece que cada um assume um papel, embora seja frequente haver um rodízio desses
papéis na família: o que chora, o que é rebelde, o que não quer falar sobre o assunto, o
que se desespera, o que mantém a calma, o que decide. À medida que se alternam
esses papéis, parece que as fases do luto individual vão sendo vividas por eles, cada um
em seu ritmo, da maneira como descrita na literatura (BOWEN, 1998; PARKES, 1998).
Essa mistura de estilos enriquece o processo familiar, que tem ritmos bem
peculiares. Não existe o certo ou errado, pois cada família elabora o luto à sua maneira,
permitindo que cada um decida o que funciona para si, sem crítica ou julgamento. Tavares
(2001) afirmam que é a decisão de recuperar a própria saúde que faz toda a diferença
no processo. Parece haver um ponto de corte, onde a decisão pela vida. Segundo a
autora, o processo do luto pode ser uma oportunidade para se olhar a vida com menos
ilusão e com disposição de encontrar nela um propósito.
Esse ponto de corte não se de maneira linear em relação a todos os membros
e parece ser relevante para aqueles que aparentam uma fragilidade maior.
A Coreografia do Luto Familiar
A reparação (QUENTAL; D’OLIVEIRA, 2003, apud LOÉS, 2008) pode ser muito
importante no processo de resgate e preservação da saúde e surge a partir da demanda
da família de “se fazer alguma coisa”, especialmente em perdas precoces e trágicas que
envolvam sentimentos de culpa ou a sensação de que a morte poderia ter sido evitada.
Consiste em ações práticas, individuais ou grupais, cujo objetivo é evitar novas perdas.
De maneira geral, é apoiada por todas as pessoas da família. Algumas famílias ou seus
integrantes, individualmente, envolvem-se em projetos sociais, em trabalhos educativos,
buscando prevenir aquele tipo de perda ou dar apoio a pessoas em situação semelhante,
ou simplesmente cuidando de outras pessoas, com vistas a dar um valor diferente à vida.
Nesse aspecto, o processo de luto parece depender da maneira como a família
se relaciona com o mundo, de suas crenças em relação a esse mundo e do apoio
recebido. Essas ideias são corroboradas por Shapiro (1994) que considera a rede de
apoio às tarefas da vida diária, rede formada pela família extensa e pela comunidade,
conforme abordado anteriormente, bem como a cultura, como dois dos recursos mais
importantes para o estabelecimento do novo equilíbrio na família, inclusive na forma como
interpretam a morte. À família cabe a tarefa de cuidar de todos os membros, ao mesmo
tempo em que lhes provê autonomia. Portanto, a morte precoce de um deles muitas
vezes pode ser interpretada como uma falha básica nesse cuidado, gerando sentimentos
de culpa incessantes que podem desencadear processos dolorosos entre os
subsistemas, envolvendo, inclusive, acusações mútuas.
A experiência clínica vivenciada ao longo desses anos tem ensinado que é preciso
dar atenção especial à morte precoce na família, que interrompe a ordem natural do ciclo
vital e é capaz de gerar intenso processo de luto, trazendo instabilidade maior ao sistema,
pela mudança repentina em seu curso e suas consequências, dificultando o
funcionamento da família diante do processo e, assim, aumentando a probabilidade de
82
A Coreografia do Luto Familiar
adoecimento posterior. Dessa maneira, é importante tecer algumas considerações a
respeito das perdas precoces na família, tema que será retomado quando se falar
especificamente a respeito de luto por suicídio.
2.9 - Reações Especiais
É possível o surgimento da onda de choque emocional, tal como descrita por
Bowen (1998), que pode reverberar sobre toda a família, até mesmo por muito tempo
após a perda, mas que não faz parte das reações naturais do luto, operando em uma
rede de dependência emocional oculta entre seus membros. Essa onda de choque
emocional difere das reações de luto esperadas, pois não permite à família estabelecer
conexão entre os eventos vitais sérios que ocorrem e a perda e pode, inclusive, negar o
significado e o impacto da morte que o antecedeu. Suas reações podem incluir qualquer
problema humano, desde doenças sicas até transtornos emocionais e disfunções sociais,
dos mais simples aos mais complexos.
O primeiro ano costuma ser muito difícil: as famílias passam por experiências
marcadas e marcantes em relação à perda, o que pode acarretar distúrbios de longa
duração, mesmo que não relacionados diretamente ao luto. É nesse período que
acontecem as primeiras reações de aniversário, que podem suceder-se por vários anos
(BOWLBY, 1997).
Segundo Cassorla (2004), essas reações englobam sintomas nas áreas mental,
somática ou social, no período anterior ao aniversário da morte de algum ente querido,
podendo acontecer na data ou pouco tempo depois. Tamm podem surgir nas
coincidências de datas de aniversário, quando se completa a idade da pessoa que morreu,
de datas comemorativas em que a ausência da pessoa é marcadamente sentida, entre
83
A Coreografia do Luto Familiar
outras ocasiões. Nesses períodos, processos autodestrutivos podem ser disparados
(CASSORLA, 2004), incrementando ideações suicidas (SILVA, 2008a).
Cassorla (2002, p. 105) aponta as reações de aniversário como “[...] uma forma
peculiar de manifestão do processo de luto mal-elaborado”. Em outro texto, esse mesmo
autor amplia suas considerações a partir da observação de situações clínicas e aborda
as reões de aniversário como possíveis desencadeantes de comportamentos suicidas,
resultantes de um processo identificatório patológico com a pessoa que morreu, que
surge diante de uma associação temporal. Esse autor considera que essas reações [...]
nada mais o do que uma forma particular de luto patológico” (CASSORLA, 2004, p.
25). Esta pesquisadora, porém, concorda com Bowlby (1997), Parkes (1998) e Bromberg
(2000), quando afirmam que as reações de aniversário são processos naturais eliciados
em qualquer tipo de luto.
Existem ainda os padrões de aniversários transgeracionais mencionados por
Walsh e McGoldrick (1998), que se referem aos momentos em que a idade ou a transição
familiar, no instante do surgimento de um sintoma, coincidem com alguma perda ocorrida
na geração anterior.
Dessa maneira, ressaltam a importância de se conhecer o poder subterrâneo dos
roteiros familiares ocultos (BYNG-HALL, 1998), dos legados familiares (BORZORMENYI-
NAGI; SPARK, 1994) e da transmissão dos padrões de luto, conforme mencionados
acima.
2.10 - O Final do Processo de Luto na Família
Para Shapiro (1994) o tempo de enlutamento familiar varia de acordo com o grau
de estresse e descontinuidade das circunstâncias da morte, o equilíbrio entre estresse e
84
A Coreografia do Luto Familiar
apoio, a natureza da história de desenvolvimento compartilhada e a disponibilidade de
práticas culturais de pesar.
O significado atribuído ao tempo é relativo: ele pode ser encarado como o melhor
remédio ou o pior veneno. Durante a fase inicial de choque, esperança de que o
tempo ajude a curar as feridas surgidas com a dor. Nos primeiros meses, enquanto a
perda se vai tornando concreta e real mediante a ausência da pessoa querida, o tempo
surge como um veneno pela saudade que carrega. Famílias com mais tempo de perda
relatam que o sofrimento vai amenizando-se ao longo dos anos enquanto a saudade
aumenta. É como se ocorresse uma transformação na qualidade dos sentimentos em
relação à ausência, indicando que a perda sempre será lembrada (SILVA, 2008a).
No curso do ciclo vital, a família continua a integrar a realidade da morte e suas
consequências na reorganização de cada aspecto das tarefas, em um movimento de
colaboração entre seus integrantes. Sempre haverá novas oportunidades de reexplorar
a experiência de pesar ao longo de seu ciclo vital, e a exploração desses sentimentos
permitirá à família integrar novos significados em todo o seu processo de desenvolvimento
(SHAPIRO, 1994).
As mudanças nas relações familiares incluem transformações na relação com o
morto, cuja imagem permanente fornece apoio ao desenvolvimento contínuo dos membros
sobreviventes da família. “Idealmente, o morto sereintegrado à família como se estivesse
vivo, envolvendo presença espiritual e psicológica cuja imagem é levada adiante junto à
família em seu desenvolvimento e que continua a dar suporte ao mesmo” (SHAPIRO,
1994, p. 17-18). Dessa maneira, o luto, como processo desenvolvimental compartilhado,
deve envolver a dissolução e a construção de uma nova identidade familiar em resposta
à ausência física de um de seus integrantes, permitindo a existência de experiências
individuais, quer privadas quer subjetivas, ao mesmo tempo que entrelaça-as na família,
85
A Coreografia do Luto Familiar
na comunidade e na cultura.
Mesmo que todas as tarefas demandem tempo para que a família consiga essa
nova organização, entre os autores da área um questionamento a respeito da duração
do processo de luto como um todo. Nesse sentido, há que se concordar com Walsh e
McGoldrick (1998), quando afirmam que essa organização não significa aceitação
definitiva e completa da perda, mas a possibilidade de colocá-la em perspectiva, de
modo a seguir adiante. Como o significado que se à perda é transformado ao longo
do ciclo vital, à medida que é vivenciado e integrado a novas experiências vitais, inclusive
de novas perdas, conclui-se que o luto é um processo recursivo que pode retornar a
qualquer momento. Ou seja, ele não acontece de maneira linear: é possível que reapareça
a qualquer momento, ao longo da vida, como uma dificuldade, pois a perda é para sempre,
enquanto o vínculo com a pessoa que morreu permanece.
Na sequência, este trabalho discorre sobre o desdobramento do luto no
subsistema parental e suas peculiaridades.
86
O Processo de Luto nos Pais
Capítulo 3
O PROCESSO DE LUTO
NOS PAIS
O Processo de Luto nos Pais
88
CATULO 3 - O PROCESSO DE LUTO NOS PAIS
Este capítulo tratará de aspectos relevantes no processo de luto dos pais, também
conhecido como luto parental, termo usado por Caselatto (2002) quando se refere ao
processo de luto que se segue à perda de um filho.
Brown (2001) e Caselatto (2002) concordam que a inversão do ciclo vital com a
morte antecipada de um filho é considerada o pior tipo de perda, pois a maioria dos pais
os filhos como extensão de suas esperanças e sonhos de vida, tornando-os foco
emocional importante da família. A perda de um ou mais deles pode destruir esperanças,
confiança, e trazer desespero para toda uma vida (RANGEL, 2008). Para os pais, de
acordo com Klass (1999), a morte de um filho é a perda da esperança da imortalidade.
Parkes (2009) considera que, para a maioria das pessoas do mundo ocidental, a
morte de um filho é a fonte de pesar mais atormentadora e dolorosa. “Ao perdermos
nossos filhos, perdemos a oportunidade de compartilhar a vida deles, seu futuro, suas
alegrias e sucessos, além de seu amor por nós” (PARKES, 2009, p. 200).
Para alguns autores, como McGoldrick (1998b), Rando (1997a), Parkes (1998),
Caselatto (2002), em geral, as reações de pesar pela morte de um filho são semelhantes
às reações de processos de luto relativos a qualquer outro tipo de perda, variando em
relação à intensidade e duração.
Rando (1997b) afirma que a experiência normal do luto parental é similar ao que é
comumente identificado como luto não resolvido ou complicado. De acordo com suas
“Somos parte exclusiva de um time do qual todos os
participantes jamais gostariam de ter participado.”
(SCHATZ, B. D., 1997, p. 317).
O Processo de Luto nos Pais
observações, os critérios para definir luto complicado não são adequados para descrever
reações que são qualitativamente diferentes das que são atribuídas a outros lutos. Na
opinião da autora, o luto parental precisa ser conhecido em sua singularidade e em suas
vicissitudes.
Caselatto (2002) considera que o luto parental, por si só, já é um fator de risco
para o desenvolvimento de luto complicado e usualmente aparece sob a forma de luto
crônico em ambos os pais.
Archer (1999, apud PARKES, 2009) indica uma perspectiva psicobiológica para
justificar a intensidade e duração do luto parental no sentido da perda da imortalidade
genética, mesmo considerando a importância do vínculo.
A morte de um filho desafia os pais a viverem um mundo diferente daquele em que
viviam antes da perda (RANGEL, 2008), inclusive por perderem a família que conheciam.
Muitas adaptações precisam ser feitas à medida que ocorre uma inundação de reações
provocadas pela perda irreversível (RANDO,1997a).
Considerando que o luto parental é influenciado por aspectos sociais e culturais,
englobando costumes, valores morais e religiosos, entre outros, Rangel (2008) observa
que ele surgiu como foco de interesse a partir do culo XX, tendo sofrido importantes
modificações a partir desse período.
Ele está, portanto, intrinsecamente relacionado à história dos papéis ocupados
por pais e filhos na família, bem como às modificações que ocorreram nela em sua
composição e em suas atribuições ao longo do tempo (ARIÈS, 1981). É importante
salientar que também aconteceram mudanças significativas no papel da mulher na cultura
ocidental, inclusive em sua função materna (BADINTER, 1985), por sua entrada no
mercado de trabalho, acarretando concomitantemente uma mudança no papel do homem,
que passou a estabelecer um relacionamento mais próximo com a prole.
89
O Processo de Luto nos Pais
Alguns outros elementos que podem contribuir para a compreensão da mudança
no luto dos pais na atualidade são assim descritos por Parkes (1998): as famílias ficaram
mais reduzidas em número de filhos; o vínculo das mães com os filhos tornou-se mais
intenso; houve diminuição da mortalidade infantil, o que gerou pais menos preparados
para a perda de filhos, e um aumento significativo das mortes violentas, em especial na
adolescência.
Por outro lado, essas mudanças na família e nas atribuições parentais coincidem
com as transformações dos significados e do enfrentamento da morte na sociedade
contemporânea, que sofreu um afastamento do cotidiano das famílias, por meio de sua
institucionalizão (ARIÈS, 2003). Atualmente a morte é envolta em um u de tabu social,
considerada antinatural e algo a ser evitado. Morrer tornou-se um sinal de fracasso da
humanidade, ainda mais significativo e intensificado quando se trata da morte de um
filho, que deveria ser “protegido” por seus pais.
Em um interessante trabalho realizado por Rangel é apresentada a expressão
multidimensionalidade do luto parental (RANGEL, 2008, p. 69) em alusão ao
envolvimento de diversos fatores nesse processo, tal qual no luto familiar anteriormente
apresentado.
Essa expressão é verdadeira, pois, como diz Caselatto (2002), a perda de um
filho afeta as dimensões de passado, de presente e de futuro dos pais, bem como a
dimensão individual, na relação com o (a) parceiro (a), no sistema familiar e no contexto
social.
Caselatto (2002) prossegue na descrição do movimento do luto parental dentro
da família, um luto que atua de acordo com regras, papéis, padrões de comunicação,
padrões de comportamento e expectativas estabelecidos antes da perda. As reações
ao grande impacto que é a perda de um filho refletem as crenças e estratégias de
90
O Processo de Luto nos Pais
enfrentamento individuais e de toda a família em busca do restabelecimento da
homeostase familiar.
O luto dos pais pode estar diretamente ligado ao sistema familiar mais amplo em
suas alianças e coligações intra e intergeracionais, bem como ao apoio que encontra na
família nuclear, na família extensa, na família de origem e na comunidade. O respaldo da
espiritualidade e as crenças sobre a vida e a morte também influenciam seu curso. Outras
influências são o relacionamento anterior com o filho, as pendências, a existência de
conflitos e os constantes questionamentos sobre o que poderia ter sido feito para evitar
a perda, verdadeiros venenos para o luto parental.
Uma importante contribuição do estudo apresentado por Lohan e Murphy (2006)
foi conceituar que os pais enlutados desempenham três papéis de identidade: individual,
marital e parental, o que corresponde aos pressupostos da Terapia Familiar Sistêmica,
que compreende o sistema familiar como sendo composto de vários subsistemas, os
quais se relacionam entre si e com o todo. O processo do luto parental, portanto, é parte
integrante do processo de luto familiar, afetando todos os outros subsistemas e sendo
afetados por eles.
Como no capítulo anterior já se tratou extensamente do luto familiar; a abordagem
será agora em relação ao nível individual e ao nível diádico do luto parental, incluindo as
diferenças de gênero, o luto conjugal, o luto parental, o relacionamento com os filhos e a
vida social.
3.1 - Conjugalidade X Parentalidade
Com o casamento formal ou informal é inaugurado um novo sistema, com suas
próprias regras, funcionamento e definições específicas. Rosset (2004) define
91
O Processo de Luto nos Pais
conjugalidade como a relação de duas pessoas que envolve intimidade, sexualidade e
projetos em comum. O subsistema conjugal constitui o eixo em torno do qual se formam
as outras relações familiares, inclusive as relações de parentalidade.
A parentalidade, segundo Rosset (2004, p. 69), “[...] é a qualidade da relação desse
mesmo par, a partir do momento em que se tornam, além de cônjuges, pais de uma
criança em comum [...]” e, ao exercer suas funções paternas, solidificam suas funções de
casal. Dessa maneira, conjugalidade e parentalidade caminham juntas, entrelaçando-se
em suas vicissitudes.
Parentalidade é considerada por Coelho (2005) como o fenômeno de geração e
educão dos filhos envolvendo diferentes níveis, das experiências subjetivas do homem
e da mulher e das regras de relação entre eles quando assumem as funções e papéis de
pai e de mãe, nos diferentes contextos culturais e sociais. Para essa autora, “[...] ser mãe
ou pai são facetas da identidade pessoal, social, e psicossocial, construídas no exercício
da maternidade e da paternidade nas interações sociais” (COELHO, 2005, p. 211).
Embora seja necessária a relação de um homem com uma mulher para gerar um
filho, o exercício das funções parentais atualmente não está atrelado à conjugalidade,
pois existem diferentes realidades familiares.
A sociedade ocidental enfatiza o papel da mãe em detrimento do papel do pai,
privilegiando fenômenos biogicos e relacionando-os aos papéis sociais, o que torna a
concepção, o parto, a gravidez, a amamentação e a relação mãe-filho preditores de um
nculo privilegiado entre mãe e filho, atribuindo maior importância a esse relacionamento
(COELHO, 2005). Com as mudanças contemporâneas da família ocidental, abre-se um
espaço significativo para o exercício da paternidade, com suas novas práticas e novos
significados.
Os vários discursos sobre maternidade e paternidade foram moldados pelos
92
O Processo de Luto nos Pais
valores de ideologia social, que produzem e reproduzem significados ligados à função e
ao papel da mulher e do homem, construídos ao longo da história. Coelho (2005) apresenta,
então, a ideia de que a paternidade está envolvida com o espaço público, relacionado
ao trabalho e ao papel de provedor como identidade masculina, e a maternidade, com o
espaço doméstico de cuidados com a prole.
O modelo de pai existente em nossa cultura foi construído a partir do modelo de
autoridade e poder, que exerce a proteção moral, com controle sobre as próprias
emoções, sendo mais racional e objetivo. O modelo de mãe é avaliado em relação ao
tempo de dedicação aos filhos bem como ao número de filhos presentes em sua vida
(COELHO, 2005).
Na família contemporânea, a mulher passou a desempenhar outros papéis, além
do materno. Por assumir posições no mercado de trabalho, surgiu nela um sentimento
de culpa, acirrado pelos mantenedores dos papéis tradicionais da mulher. Também houve
uma diminuição do número de filhos e, com a liberação da sexualidade, a maternidade
passou a ser opção. Houve também uma mudança na paternidade, que adquiriu um
status diferente, não pelo dever de perpetuação da família, da continuidade do nome
da família, como tamm pela valorização do desejo de ter filhos, pelas mudanças nas
práticas de divisão do trabalho entre os pais. Assim, atualmente é visível a aproximação
do pai e da rede familiar na constituição e no funcionamento da família, havendo uma
redefinição geral de papéis (COELHO, 2005).
Como reflexo de tantas mudanças, os papéis de pai e de mãe na atualidade
envolvem um conjunto de relações entre os njuges e seus projetos individuais e coletivos
interdependentes, bem como de relações entre as famílias de origem, com seus grupos
de pares, e do homem e da mulher consigo mesmos.
Em tempos de divórcio e de novos casamentos em busca de satisfação das
93
O Processo de Luto nos Pais
necessidades econômicas e de intimidade, o casamento deixou de ser um vínculo
emocional primordial. Parece que o vínculo entre pais e filhos é a única relação que dura
(KLASS, 1999). Conforme se diz, ser pai e mãe é para sempre.
O vínculo dos pais com os filhos existe antes mesmo de a gravidez acontecer
(RANDO, 1997a). A criança é considerada extensão biológica e psicológica dos pais,
que, por seu intermédio, esperam realizar todos os sonhos, satisfazer suas necessidades,
e oferecer-lhes, com segurança, o que o tiveram chance de receber. Cada criança
tem um significado especial para os pais e para cada um deles em separado.
Atualmente, os papéis desempenhados pelos pais são os que envolvem mais
responsabilidades e são designados socialmente. Os pais internalizam as expectativas
sociais colocando-se a si mesmos em metas inalcançáveis. Isso os leva a conflitos por
não alcançarem os ideais impossíveis que estabelecem para si, o que gera sentimentos
previveis de ambivalência, frustração e raiva, que fazem parte de qualquer
relacionamento muito próximo (RANDO, 1997a).
Uma das tarefas parentais na modernidade consiste em os pais se separarem
dos filhos para que estes possam ser autônomos. No entanto, essa tarefa é raramente
completada (KLASS, 1999) e a ligação com os filhos torna-se muito mais forte.
Na contemporaneidade, novas práticas e negociações têm sido incorporadas ao
cotidiano das famílias, trazendo algumas alterações para a questão da parentalidade.
maior flexibilização nos padrões atuais de relação e significados de maternidade e
paternidade, em busca de papéis mais igualitários de mães e pais, inclusive para a
expressão das emoções, embora ainda exista um ranço muito forte do passado.
Dessa maneira, convive-se com formas de famílias tão variadas que se passa a
considerar que são as relações de afeto que nomearão quem ocupará esses lugares,
tornando necessária uma mudaa na gica vigente das relações de autoridade e gênero.
94
O Processo de Luto nos Pais
Observa-se que o papel de pai ou de mãe pode ser ocupado por pessoas de ambos os
sexos, como, por exemplo, por casais homoafetivos, por pessoas de diferentes idades,
por exemplo, avós que criam seus netos, entre inúmeras outras variantes. Em relação às
diferenças simbólicas desses papéis devem-se considerar as diferentes culturas e a
cultura de diferentes classes sociais (ROSSET, 2003; COELHO, 2005).
3.2 - O Luto Parental em Diferentes Configurações Familiares
Esta pesquisadora concorda com Caselatto (2002) quando relata que a variação
do luto parental também depende da configuração familiar, pois é de onde surge o apoio
e a pressão exercida para que se volte a uma vida normal. Hoje é encontrado um grande
número de novas configurações familiares, por exemplo, casal divorciado, com pai ou
mãe assumindo a guarda do(s) filho(s); pai ou mãe que cuida do filho, pela ausência do
outro genitor; novos casamentos; casais homoafetivos que constituem sua família, entre
outras. Cada diferente configuração merece uma atenção especial, pois algumas delas
podem envolver conflitos que favoreçam o estabelecimento de um luto complicado.
É preciso dar imporncia ao subsistema parental quando os pais eso separados
ou divorciados. Especialmente quando pouco convívio do progenitor que o mora
com o filho, muitas vezes preconceito em relação aos sentimentos dele. É como se o
pai ou a mãe que convive com o filho tivesse mais direito de se enlutar do que o outro. A
culpa em cada um deles parece funcionar de maneira diferente, mas ainda carece de
estudos mais aprofundados (SILVA, 2008a).
Quando os pais, após a separação, não mantêm um bom relacionamento entre si,
é importante observar se suporte social para o luto de ambos, inclusive o encontrado
nos novos parceiros, caso tenha havido um novo casamento (GOLDEN, 1996). Os conflitos
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O Processo de Luto nos Pais
surgidos nesses novos relacionamentos, inclusive com filhos advindos deles, podem trazer
situações ainda mais difíceis.
Pais que assumem a parentalidade sozinhos, por morte, divórcio, ou mesmo por
opção, buscam um estilo de vida mais dentro possível dos padrões considerados normais
para uma família, mesmo sofrendo com as consequências dessa solidão. Diante da morte,
sentem-se os únicos responsáveis por decidir questões a respeito do funeral e outras
providências (GOLDEN, 1996; RANDO, 1997a) e por cuidar dos outros filhos, com pouco
suporte de seu entorno social (GOLDEN, 1996).
Quando se trata de filho único, os pais experimentam sentimentos relacionados
ao fim da descendência, podendo não ter motivação para recuperar-se e maior dificuldade
em enfrentar a perda, sentimentos diferentes dos daqueles pais que têm outros filhos
(RANDO, 1997a). Archer (1999, apud PARKES, 2009) considera a morte de filhos únicos
como sendo mais traumática do que a de um filho entre muitos outros.
Em caso de perda de filhos únicos, os pais são confrontados com uma intensa
dúvida em relação a continuarem sendo pais. Como experimentam uma total cessação
de suas responsabilidades parentais bem como de suas gratificações, passam a conviver
com uma completa falta das experiências que reforçariam suas identidades parentais.
Pode ser uma perda sentida como extremamente desorganizadora, confusa e
desmoralizante, uma vez que precisarão deparar-se com a realidade de nunca serem
avós e de terem encerrada sua descendência biológica (RANDO, 1997a).
Desde a dificuldade no retorno ao silêncio sepulcral da própria casa até a volta ao
trabalho, que por vezes é abandonado, na tentativa de suprimir as intensas emoções, a
falta de vontade de cumprir as tarefas diárias na casa, entre outros desafios, o progenitor
sofre com sentimentos de solidão e isolamento, envoltos com a sensão de incapacidade
para a função parental. Nessas ocasiões, pode haver um aumento de ideações suicidas,
96
O Processo de Luto nos Pais
inicialmente por vontade de se juntar ao filho. Quando têm a oportunidade de falar sobre
esses sentimentos, surge uma vontade intensa de se livrar da dor.
3.3 - A Morte de um Filho
Quando um filho morre, os fatores que contribam para a intimidade e singularidade
da relação entre pais e filho o os mesmos que contribuem para intensificar a experiência
de luto (RANDO, 1997a). A proximidade da relação deixa os pais ainda mais vulneráveis
à perda, que consideram como uma falha em sua função básica de proteger os filhos.
Os fatores que influenciam o curso das respostas do luto parental à perda não
diferem dos fatores apresentados no luto familiar, resumidos aqui e agrupados de acordo
com a proposta de Rando (1997a), em cinco grandes categorias: características e
significado da perda e do relacionamento interrompido; características do luto nos pais;
características da morte; fatores sociais; fatores fisiológicos.
Para Rando (1997a), existem inúmeras reações que comprometem a experiência
de luto normal, reações que ficam ainda mais destacadas quando se trata de luto parental.
Em sua proposta, sugere a existência de três fases do luto parental, relatadas como fase
de evitação, fase de confrontação, na qual os pais se deparam com as mais variadas
reações, e fase de restabelecimento, que podem ser úteis para a compreensão do
processo.
Conforme o que foi escrito anteriormente, o luto não é um processo de sucessivas
fases, mas um carrossel de reões e sentimentos que se alternam de diferentes maneiras
em cada situação de perda. O trabalho de Rando (1997a) servirá como norteador de
novas explanações.
Inicialmente os pais ficam impactados com a notícia recebida e podem ter
97
O Processo de Luto nos Pais
dificuldades em compreender o que está acontecendo (RANDO, 1997a). De fato,
uma mudança radical em sua vida, mudança que levará tempo para ser assimilada e
compreendida em todo o seu significado.
Rando (1997a) realça a intensidade dos sentimentos e reações que surgem desde
o primeiro momento, deixando os pais confusos com esse vaivém de emoções, que
podem ocorrer em um curto espaço de tempo. Das principais reações apresentadas,
previsíveis em qualquer processo de luto, convém destacar a raiva e a culpa, que parecem
ser intensificadas diante da perda de um filho (RANDO, 1997a).
A raiva pode ser deslocada de maneira não intencional para outra pessoa: para
Deus, para os médicos ou até para si mesmos, em função da culpa. Ela também pode
ser sentida em relação ao próprio morto, por ter, com a morte, deixado o convívio com os
pais, suscitando neles a sensação de terem sido abandonados por ele. É difícil para os
pais admitirem essa raiva em relação ao próprio filho (RANDO, 1997a)
A culpa é um dos sentimentos que complicam o processo de luto dos pais pela
perda de um filho, como afirma Caselatto (2002). A ameaça básica que paira sobre a
função parental pode gerar consequências drásticas, como inabilidade provisória ou
permanente para o exercício dessa função, ou, ainda, um isolamento social irrestrito e de
durão indeterminada. Em consequência disso, o impacto individual de uma perda pode
fazer aparecer uma ameaça à preservação de si mesmo, da família e do grupo social,
que passam a sofrer sensações de invasão, roubo e trapaça, impostas pela perda do
filho.
Para Rando (1997a), esta parece ser a mais impregnante resposta do luto parental.
Se houver uma sensação de alívio, muito difícil de ser admitida, pela cessação do
sofrimento de um filho por doença, por uma relação conflituosa ou opressora com o filho,
ou por eles não terem morrido, os pais podem sentir-se ainda mais culpados. Um longo
98
O Processo de Luto nos Pais
período de doença e a existência de conflitos com o filho geram ambivalência, que
também provoca aumento nas reações.
Rando (1997a) considera que a depressão como manifestação psiquiátrica pode
apresentar-se nos pais por meio da falta de preocupação consigo mesmos, podendo
levar a comportamentos suicidas ou à consumação do suicídio. Embora muitos pais
tenham ideações suicidas com o objetivo de se reunir ao filho e/ou escapar do sofrimento
de pesar, a maioria não age. No entanto, tentativas de suicídio devem ser levadas a sério
e bem avaliadas, especialmente com os grupos de risco, como foi mencionado no
primeiro capítulo deste trabalho, observando-se também os fatores de proteção e
tomando-se as medidas necessárias.
Caselatto (2002) ressalta que, nessas situações, o desenvolvimento de depreso
clínica pode ser mais frequente, somada à obsessão em querer controlar e entender o
que aconteceu, numa tentativa de encontrar um significado para a perda. Algumas outras
reações que podem surgir são ataques oscilantes de pesar; identificação com o filho
morto, assumindo suas características e funções, ou mesmo seus sintomas prévios à
morte; manifestações sociais de luto, como isolamento social e agressividade; e
processos de somatização. Tais reações acabam provocando doenças orgânicas, como
alergia, infecções, entre outras.
Rando (1997a) descreve o que Caselatto (2002) destacou como ataques oscilantes
de pesar, uma espécie de onda que vem e vai com uma certa frequência ao longo do
tempo. Geralmente, quando os pais acreditam estarem mais avançados em seu
processo de luto, podem ter o que acreditam ser recaídas” do pesar e de suas
manifestações. Para Rando (1997a), esse movimento oscilatório é presente ao longo de
todo o processo.
Rando (1997a) prossegue sua explanação em relão a esse movimento,
99
O Processo de Luto nos Pais
afirmando que os pais podem ter um aumento de reações difíceis na ocasião em que o
filho iria concluir o curso, casar, ter filhos e em outros momentos significativos de seu
desenvolvimento. Os pais não preparados nem conscientes do que acontece podem
sentir que estão agindo anormalmente ou que seu processo de luto não está evoluindo
de maneira correta. No entanto, essa é uma série de reações agudas que podem surgir
quando houver pontos significativos da vida do filho. A autora considera que sejam
semelhantes às reações de aniversário, exceto porque marcam eventos que nunca
aconteceram. Adverte, porém, que esse movimento não deve ser confundido com o do
luto crônico.
É comum, quando não explicação satisfatória para a causa da morte, que os
pais tentem procurar respostas em todo o percurso que tiveram na vida de seus filhos,
inclusive nas experiências pré-natais, na tentativa de achar alguma explicação médica
para o fato (CASELATTO, 2002).
Não se pode deixar de mencionar a possibilidade de existirem consequências
positivas do luto parental, sob a forma de crescimento pessoal, como foi apresentado
por Riley e outros (2007). Estes autores atribuíram tais conseqncias positivas aos fortes
laços encontrados, como otimismo, disposição de enfrentamento e apoio social percebido,
mas sugerem a continuidade de investigação desse assunto por meio de estudos
longitudinais.
Um filho representa um receptáculo dos legados familiares, presentificando
tentativas de solão de conflitos intrapsíquicos, intra e intergeracionais, com a perspectiva
futura de uma nova vida e de novas possibilidades (SILVA, 2008a). Cada filho tem um
significado singular para os pais, significado também construído por meio das
características individuais, tais como personalidade e habilidades.
Archer (1999, apud PARKES, 2009), baseando-se na perspectiva psicobiológica,
100
O Processo de Luto nos Pais
acredita que a intensidade e a persistência do luto são inversamente proporcionais à
idade da criança que morreu, com a justificativa de que pais mais jovens teriam
probabilidade maior de ter outros filhos.
Parkes (2009) refere-se a estudos realizados em 2001 por Stroebe e Strobe, que
indicam ser o luto parental relativo a um filho adulto mais intenso, mais persistente e mais
propício ao desenvolvimento de quadros depressivos do que a perda de cônjuge, pais
ou irmãos.
Segundo Neimeyer (1998), poucos são os estudos com pais mais velhos que
podem trazer uma conclusão a esse respeito, mas Rando (1997a) afirma que, qualquer
que seja a idade em que ocorra, a morte do filho provoca nos pais a perda de esperanças,
de sonhos, de expectativas, de fantasias e de desejos em relação àquele filho. Schatz,
B. D. (1997) e Rangel (2008) concordam com essa autora, por considerarem cada filho
como sendo único. Dessa maneira, sob a perspectiva parental, não existe uma idade
menos traumática para a morte de um filho.
Para Brown (2001, p. 401), “[...] o impacto da morte de um filho é ainda maior para
os pais cujo apego àquele filho era disfuncional”. Uma vez que a importância do filho no
relacionamento disfuncional com o progenitor geralmente envolve um relacionamento
distante/conflitual entre os pais, não é improvável que a morte desse filho (a) represente
uma perda do eu, de um amigo e de um parachoque entre os cônjuges.
Especialmente quando uma perda precoce, uma preso social e, por vezes,
do próprio casal em se fazer uma substituição do filho que morreu, seja por uma nova
gestação, seja pela adoção ou mesmo assunção dos cuidados e da educação dos netos
que porventura existam (SILVA, 2008a).
A morte de criaas e adolescentes com freqncia acontece de maneira repentina,
inesperada e violenta, envolvendo uma dramaticidade significativa. Parkes (1998)
101
O Processo de Luto nos Pais
considera que essas perdas provocam um efeito traumático maior e a possibilidade de
piores enfrentamentos pela causa inesperada. Não é incomum que envolvam violência,
mutilação e destruição, deixando os sobreviventes com um sentimento ainda mais forte
de desamparo e ameaça. Nova abordagem sobre essas situações será feita quando o
enfoque for o luto por suicídio.
3.4 - O Relacionamento com os Filhos após a Morte
Quanto ao relacionamento dos pais com os filhos sobreviventes, Rangel (2008)
constatou que também existe uma dança de distância e proximidade. Alguns dos relatos
colhidos em sua pesquisa ilustram uma melhora na relação com os filhos sobreviventes,
enquanto outros, um distanciamento logo após a perda, período em que alguns dos pais
não conseguiam perceber não só os outros filhos, como também outros membros da
família. Alguns filhos sentem-se abandonados pela mãe, ou mesmo pelo pai, quando
absolutamente imersos em sua dor.
Quando os pais têm outros filhos para cuidar, sofrem com a ambivalência de não
se sentirem aptos a realizar esses cuidados e com a falta de energia característica em
momentos de muito sofrimento, em contrapartida com as necessidades dos filhos
sobreviventes. Pode ser muito doloroso ter que cuidar dos outros filhos por serem eles
lembranças vivas do filho que morreu (RANDO, 1997a).
Quanto mais percebem sua inabilidade em lidar com os filhos sobreviventes, mais
angustiados ficam os pais, o que aprofunda o ciclo de fracasso-frustração (RANDO, 1998;
RANDO, 1997a). A preocupação com os filhos pode ainda levar a tentativas de encurtar
seu luto.
Os filhos sobreviventes podem, no entanto, funcionar como o ponto de corte,
102
O Processo de Luto nos Pais
contribuindo para a decisão pela saúde, o que nem sempre acontece em curto período
de tempo (SILVA, 2008a).
Existe uma expectativa dos pais de que os filhos sobreviventes preencham o vazio
deixado pelo morto (RANDO, 1997a), o que também se manifesta quando, depois da
perda, nasce uma criança que não chegou a conhecer o irmão, ou mesmo nos casos em
que acontece uma adoção, quando existe a expectativa de que a criança adotada viva à
imagem e semelhança do irmão que morreu.
Os pais entrevistados por Rangel (2008), ao se referirem aos filhos que morreram,
ressaltaram suas qualidades positivas e, na maioria das vezes, nem sequer fizeram
referências às características negativas. Para a autora, esse movimento parece estar
relacionado a uma idealização do filho no intuito de que essa exaltação preencha a lacuna
deixada com a morte.
A idealizão do filho que morreu pode aumentar a experiência de pesar de ambos
os pais bem como a dos irmãos, como relata Rando (1997a). Os pais tendem a se
preocupar com o sofrimento causado nos filhos sobreviventes com as constantes
comparações com o filho que morreu; ao mesmo tempo, sentem sua dor ainda maior por
terem perdido um filho com tantas qualidades.
Uma diferença significativa entre padrões de comando da família pode acontecer
em relação às regras, quando os pais podem variar de uma rigidez extrema a uma
condescendência perigosa, permitindo que os filhos sobreviventes realizem tudo aquilo
que desejam. A partir de uma experiência clínica, pôde-se perceber que isso ocorre por
alguns motivos: o processo de luto pode estar tão intenso que os pais ficam voltados
para sua dor, sem conseguir prestar atenção nos filhos; a falta de energia que os assola;
a culpa por não conseguirem cuidar dos filhos em meio à dor, o que faz com que se
tornem mais permissivos como forma de compensar os filhos sobreviventes pela ausência;
103
O Processo de Luto nos Pais
em decorrência da crença de terem sido maus pais por perderem um filho, acreditam
que atender a todas às exigências dos demais os tornamelhores pais; deixam de se
importar com pequenas coisas, colocando a perda em perspectiva, entre outros.
Com a vulnerabilidade instalada pelo rompimento do mundo presumido, muitas
vezes pode surgir uma preocupação excessiva em relação aos filhos com um forte receio
de que eles também morram. Se a morte ocorreu por doença, uma tendência em se
preocuparem em demasia com aspectos de saúde. Se ocorreu em função de algum
acidente, pode surgir um medo, por vezes irreal, de que algo semelhante possa acontecer,
o que os leva, inclusive, a modificar o sistema de proteção em relação aos filhos,
mantendo-os mais perto de si.
De acordo com Rando (1997a), a superproteção pode ter efeitos negativos para
os filhos, tirando deles a oportunidade de terem uma vida normal; paradoxalmente, as
tentativas de controlar os filhos sobreviventes podem afastá-los ainda mais, pelos
sentimentos negativos que aparecem.
Em casos de homicídio, pode haver a preocupação com uma ameaça constante
e a perda da confiança nos sistemas de proteção e nas instituições públicas (MELLO,
2004), especialmente se a família for sobrevivente a uma chacina. Em casos de suicídio,
o medo de que algum outro filho tenha a mesma atitude de tirar a própria vida parece ser
uma tormenta para os pais, que o observam a todo momento, em busca de alterações
de comportamento significativas que o levem a realizar o ato.
Por outro lado, é frequente o estranhamento das reações emocionais dos filhos
diante da perda, em sua forma peculiar de enlutamento, especialmente em seu silêncio,
como forma de proteção dos pais (SILVA, 2008a). Pode haver até uma espécie de
ressentimento por parte dos pais, por acharem que os filhos se adaptaram à continuidade
da vida com muita rapidez ou facilidade, tendo-se enlutado insuficientemente. Alguns
104
O Processo de Luto nos Pais
acham que os filhos são insensíveis ou que não gostavam o suficiente do irmão, pela
aparente frieza nas reações deles esperadas (RANDO, 1997a).
É crucial que os pais entendam as diferenças das respostas ao luto dos filhos
para que tenham um pouco mais de tranquilidade ao viverem o próprio luto. Além disso,
como diz Rando (1997a), os pais precisam compreender seus filhos em suas tentativas
de acomodar as expectativas irreais que lhes são atribuídas, e de tentar afastar a dor de
seus pais.
Quanto à continuidade do relacionamento com o filho que morreu, é semelhante à
que foi relatada no catulo que trata do luto familiar. Para Schatz, B. D. (1997), no entanto,
esse nculo contínuo é sentido com mais intensidade. Para Klass (1999), o vínculo entre
pais e filhos é sentido em grandes realidades inviveis, sendo a parentalidade o símbolo
mais comum da ligação entre seres humanos e seus deuses.
Klass (1999) refere-se ao vínculo dos pais com os filhos como uma conexão que
transcende a morte. Para ele, independente da crença religiosa, os pais deixam de ter
uma relação externa com o filho que morreu e mantêm uma representação interna dele
com a qual podem entrar em contato em momentos difíceis, um contato que os conforta
e ajuda na construção de significados em seu novo e vazio mundo. Não interações
contínuas, reforçadas ou modificadas por novos acontecimentos, mas os filhos seguem
sendo parte dos pais, que podem manter conversações com eles e trazê-los presentes
em seu dia-a-dia. Nesse sentido, os pais podem sentir que estão traindo o filho que
morreu se conseguirem continuar a vida sem ele (RANDO, 1997a).
Os pais podem procurar deliberadamente por essa interação com seus filhos,
mas isso tamm pode ocorrer de forma espontânea (KLASS, 1999). As interações
expressas nos nculos contínuos com o filho que morreu têm características de realidade
externa e interna, não sendo uma simples questão de presença objetiva ou subjetiva,
105
O Processo de Luto nos Pais
pois para eles são uma experiência muito forte, muitas vezes indescritível.
Essas representações não são apenas imagens, ideias ou sentimentos, mas uma
experiência em relação ao que era a pessoa enquanto vivia e ao que a pessoa passa a
ser agora. Embora os pais saibam que o filho está morto, também sabem que ele
permanece imortal(KLASS, 1999, p. 40).
Essa imortalidade é sustentada de diferentes maneiras. O objetivo é manter viva
a memória do filho, mediante a preservação de objetos, textos, caões, roupas, espaços,
fotografias, vídeos de preferência do morto, entre outras. São maneiras particulares de
conservar a história do filho ao longo do tempo, bem como o relacionamento com ele,
por meio de uma biografia duradoura, integrada à memória dos pais e à continuidade de
suas vidas (RANGEL, 2008).
3.5 - O Luto no Casal
Como tem sido apresentado ao longo deste trabalho, os enlutados são parte
integrante de um sistema familiar. Suas reações afetam outras pessoas e são afetadas
por elas. Assim, algumas das reações e mudanças fundamentais que acontecem em um
adulto enlutado afetam o parceiro e a relação do casal (ROSENBLATT; BARNER, 2006).
É pensamento desta autora que o padrão de relacionamento conjugal anterior à
perda determina o impacto do luto no casal com grande efeito nesse âmbito, podendo
contribuir para o surgimento de reações mais exacerbadas, entre aquelas previsíveis do
processo de luto, e acentuar as diferenças (RANDO, 1997a; SILVA, 2008a).
As pesquisas Rosenblatt e Barner (2006) resultaram em interessantes descobertas
para a compreensão do luto no casal, revelando que o impacto da perda no relacionamento
conjugal está relacionado com questões pessoais, com outras questões do casal e com
106
O Processo de Luto nos Pais
questões relativas a outros integrantes da família nuclear ou extensa. Em relação às
dificuldades de relacionamento com outros membros da família, citam a existência de
problemas de saúde física ou mental, o abuso de álcool e de outras substâncias por
familiares, outras mortes, o nascimento de crianças, entre outras. Para esses autores,
outro tema que também impacta o curso do luto conjugal, muito pouco discutido, é o
efeito financeiro da morte, seja ele positivo seja negativo.
Metaforicamente, existe uma dança de proximidade e distanciamento entre os
membros de um casal enlutado, envolvendo questões de emoção, de proximidade física,
da extensão da descoberta mútua de si mesmos e do tempo que passam juntos ou
afastados (ROSENBLATT; BARNER, 2006). Nessa daa, que nem sempre é harmônica,
adequada, satisfatória ou fácil, existe um padrão, ou melhor, um ritmo, que pode trazer
uma certa previsibilidade a respeito do que cada parceiro faz.
O casal costuma brigar por causa da proximidade e do distanciamento,
especialmente quando a presença de ambivalências internas em função de buscas e
complexidades em qualquer um dos parceiros. Para Rosenblatt e Barner (2006, p. 278),
essa dança de intimidade e distância, presente em todos os contextos da relação, é a
“[...] chave para a química de um relacionamento e para a dinâmica da mudança e
estabilidade”. É uma árdua tarefa para o casal fazer com que os movimentos funcionem
satisfatoriamente para cada um e para a relação conjugal simultaneamente.
Embora a pesquisa realizada por Rosenblatt e Barner (2006) tenha envolvido a
perda de um dos pais do casal, e não diretamente a de um filho, convém mencionar, com
base no que sugere Rando (1997a), que esse movimento também acontece na perda de
um filho, talvez com alguma especificidade pelo fato de ambos os parceiros terem uma
ligação mais intensa com o morto.
Assim, a perda que atinge o casal pode trazer dificuldades no apoio mútuo, por
ambos estarem enlutados e não conseguirem dar ao parceiro o suporte emocional
107
O Processo de Luto nos Pais
desejado ou necessitado (ROSENBLATT; BARNER, 2006). Essa dificuldade pode ser
intensificada em momentos de maior distanciamento, quando o relacionamento se
apresenta mais afetado quanto a regras, circunstâncias, foas, necessidades,
recompensas, zonas de conflito, padrões e outros elementos.
Coelho (2005) refere-se à existência de desencontros comunicacionais no casal,
em relação à expressão de sentimentos, às expectativas de um parceiro em relação ao
outro e ao casamento, bem como às discrepâncias dessas expectativas relacionadas a
crenças e valores a respeito dos diferentes papéis desempenhados pelo homem e pela
mulher. As difereas levam a desentendimentos muitas vezes pelo modo particular como
o parceiro demonstra seu pesar, com frequência associado às diferenças de gênero
(RANDO, 1997a).
Por vezes, parece haver uma espécie de pacto de silêncio nos casais, à
semelhança do que ocorre no sistema familiar como um todo, quando ambos evitam
conversar sobre a perda, a ausência e a saudade, com receio de que o outro fique ainda
mais triste (RANDO, 1997a; ROSENBLATT; BARNER, 2006). No entanto, quando o
silêncio é rompido, pode ocorrer um alívio para ambos pela possibilidade de falarem
sobre a experiência que estão vivendo e compartilhar seus sentimentos.
Rangel (2008) constatou que a ruptura no relacionamento conjugal pós-perda
envolve também a vida sexual do casal. Cita o trabalho de Hagemeister e Rosenblatt
(1997), que aponta uma interrupção ou diminuição das relações sexuais, com uma perda
de interesse sexual de um ou de ambos os parceiros por um longo período de tempo.
Prossegue, citando alguns outros estudos significativos que confirmam esses dados,
dentre os quais se destaca o de Rosemblatt (2000), que indica a possibilidade de
modificação do significado do contato sexual para um ou para ambos os parceiros.
Porém, ao pensar na existência da dança de proximidade e distância, infere-se que a
108
O Processo de Luto nos Pais
proximidade sexual também pode ocorrer, o que é confirmado pelo trabalho apresentado
por Rangel (2008).
Embora exista um aumento nas taxas de divórcio em casais enlutados, não é
possível afirmar que a perda de um filho destrói o relacionamento conjugal e leve ao
divórcio (RANDO, 1997a), que também existe a possibilidade de aumentar a
proximidade do casal.
Em relação ao divórcio, Schatz, W. H. (1997) relata que alguns pais podem refugiar-
se nesse processo como forma de se libertar de seu pesar, afastando-se da realidade
cotidiana da família incompleta com a falta do filho. Porém, é frequente que esses pais
entrem em contato tardiamente com seu pesar, de maneira intensa e significativa, mesmo
após muitos anos decorridos do divórcio, ou mesmo se tiverem constituído uma nova
família.
Não foram encontradas outras pesquisas relacionadas ao que acontece no
processo de luto dos pais diante da separação conjugal, antes ou depois da perda. O
impacto da separação conjugal no processo de luto parental é, portanto, um foco
interessante de pesquisa.
No entanto, existem outras configurações familiares, como, por exemplo, pais
solteiros (RANDO,1997a; SCHATZ, B. D., 1997) e pais que são casados com outra
pessoa, que não o pai ou a mãe biológico (a) da criança (RANDO, 1997a). Nessas
situações, existirão fatores adicionais positivos e negativos às respostas parentais.
Como visto acima, uma diversidade de problemas no enfrentamento e na
expressão do pesar que se supõe estarem relacionados às diferenças de gênero, como
será examinado a seguir.
109
O Processo de Luto nos Pais
3.6 - Diferenças de Gênero no Luto Parental
De acordo com Parkes (2009), não consenso em relação à influência do gênero
na reação ao luto. Porém, muitos autores apontam significativas diferenças (RANDO,
1997a; RANDO, 1997b; SCHATZ, W. H., 1997; CASELATTO, 2002; RANGEL, 2008;
SILVA, 2008a; PARKES, 2009), que podem estar atreladas às construções sociais dos
gêneros.
Para Coelho (2005), ser homem e ser mulher implica desempenhar múltiplos
papéis sociais orientados pela ideologia social, presente nas práticas cotidianas e nos
significados que o indivíduo tem de si, do outro e das instituições sociais. uma
diferença no processo de socialização de meninos e meninas, tendo como agente
principal a família. Nesta, “[...] as representações do masculino e do feminino, as
atribuições de papéis, da autoridade e nculo a homens e mulheres construirão o núcleo
ativo da construção da identidade de gênero” (COELHO, 2005, p.171).
Assim, com base na opinião de alguns autores (RANDO, 1997a; RANDO, 1997b;
SCHATZ, W. H., 1997; RANGEL, 2008; PARKES, 2009) pode-se considerar que as
diferenças de gênero no enfrentamento do luto e na expressão do pesar são aprendidas
na convivência social. Tanto o homem quanto a mulher o afetados pela evitão cultural
da morte e do luto, mas essa evitação tem um efeito diferente em cada um dos sexos
(GOLDEN, 1996).
Ao longo do tempo, o luto do homem foi considerado com desvantagem quando
comparado ao luto da mulher (PARKES, 2009), pois valorizava-se a expressão dos
sentimentos como forma de garantir um bom percurso no processo do luto. Assim, o que
durante muitos anos foi considerado como luto normal foi baseado nos exemplos femininos
de enlutamento.
110
O Processo de Luto nos Pais
Silva (2008a) considera que, para a sociedade, ainda um mito de que o instinto
materno torna mais vulnerável a mulher na hora da perda. A mulher é mais valorizada
socialmente quando perde um filho (RANGEL, 2008). Schatz, B. D., (1997) considera
que o luto materno é mais intenso e duradouro. Como a atenção muitas vezes é voltada
para o luto da mãe, é frequente que os pais se ressintam com a falta de acolhimento em
relação ao seu pesar (SCHATZ, W. H., 1997).
O padrão masculino apresenta-se aparentemente limitado no rol das respostas
emocionais, com uma ênfase maior na cognição, ou seja, no pensamento, havendo uma
expectativa social de que mantenha controle sobre suas emoções (GOLDEN, 1996;
RANDO, 1997a; SCHATZ, W. H., 1997; LOHAN; MURPHY, 2006; RANGEL, 2008;
PARKES, 2009). Geralmente os homens descrevem seu luto não em termos de sentimento,
mas em termos de seu próprio corpo, relatando, por exemplo, peso na cabeça ou no
estômago (GOLDEN, 1996).
Alguns estudos indicam que os homens têm maior propensão a lidar com o
estresse, envolvendo-se em alguma atividade (GOLDEN, 1996) ou na resolução de
problemas (BILLINGS; MOON, 1981, apud PARKES, 2009). Se o Modelo do Processo
Dual apresentado no capítulo sobre luto familiar for considerado, poder-se-á afirmar que
os homens tendem a adotar uma orientação de restauração (PARKES, 2009).
Para Golden (1996), conectar o luto a uma atividade tem um efeito similar a
conversar sobre o assunto. O autor acredita haver três diferentes maneiras de o homem
enfrentar sua dor como forma de honrar a perda: a criatividade, a praticidade e o
pensamento. A criatividade está relacionada ao emprego de esforços em atividades
inventivas, como sica, poesia e arte; a praticidade, ao envolvimento em fazer coisas,
por exemplo, o envolvimento em um grupo de defesa dos direitos de vítimas de acidente
de trânsito; o pensamento, ao pensar no morto ou em seus interesses.
111
O Processo de Luto nos Pais
De acordo com o resultado da pesquisa apresentada por Cook (1983, apud
LOAHN; MURPHY, 2006), os pais sentem-se responsáveis por lidar com o luto de outros
membros de sua família, em especial de suas esposas, e de lidar com seu próprio pesar
de maneira privada, o que é confirmado por Schatz, W. H. (1997) que relata o mal-estar
gerado pelo crescimento do sofrimento da e, que a faz sentir-se inútil e sem controle.
O pai assume a responsabilidade de manter sua família agregada, e acaba adiando seu
próprio processo de luto até que as outras pessoas melhorem, ou até não mais conseguir
controlar sua dor, que muitas vezes se manifesta por sintomas físicos.
A reação paterna à perda de um filho está correlacionada à proximidade de sua
relação anterior com ele. Para Schatz, W. H. (1997), quanto maior a proximidade, maior
a intensidade das reações, que podem surgir como explosões de irritabilidade, atividade
de trabalho frenética, baixa energia e depressão, ou como qualquer outro comportamento
que o afaste dos pensamentos a respeito do que aconteceu.
Essas explosões emocionais, especialmente quando são direcionadas à família,
podem levar ao uso de álcool e de outras drogas, também para fugir da dor (SCHATZ, W.
H., 1997). De acordo com esse autor, o uso de álcool e drogas pode tornar-se mais um
fator complicador do luto no casal e na família em função das consequências no
comportamento do usuário.
Alguns papéis masculinos afetam negativamente os pais para lidar com seu pesar:
ser forte, ser competitivo e vencer uma crise sendo o melhor; ser protetor da família; ser
o provedor; ser responsável para resolver os problemas; ser o controlador das ações e
do meio ambiente; ser autossuficiente (SCHATZ, W. H.,1997).
Martin e Doka (1996) concluem que o padrão masculino de pesar envolve uma
limitação dos sentimentos, que geralmente o precedidos e dominados pelos
pensamentos; a privacidade com que o homem mantém seus intensos sentimentos,
112
O Processo de Luto nos Pais
relutando em discuti-los com outras pessoas; a exteriorização de sentimentos que dizem
respeito à raiva e à culpa; a manutenção do foco na resolução de problemas; o
envolvimento em atividades que usualmente expressam os ajustes internos relativos. Os
resultados da pesquisa apresentada por Parkes (2009) confirmam a expectativa de que
as mulheres buscam ajuda psiquiátrica com maior frequência do que os homens após o
enlutamento, como consequência desse processo. Essa pesquisa indica que a
probabilidade menor de o homem procurar ajuda psiquiátrica após o luto pode estar
relacionada ao seu padrão de inibição dos sentimentos, comum em nosso meio social.
Quando procura essa ajuda, o homem apresenta menos queixas de ansiedade e pesar
intenso, ao mesmo tempo em que tem maior probabilidade de sofrer de distúrbios de
personalidade, especialmente os relacionados à inibição emocional.
Em relação à intimidade, os homens apresentam maior necessidade de
autonomia, tendendo a se movimentar no processo do luto buscando coisas, lugares ou
atividades que sirvam para esse fim, de maneira mais isolada e independente, e a se
enlutar de maneira privada e quieta. Já as mulheres tendem a viver em uma rede de
suporte, buscando inclusive maior conexão com seus parceiros, em uma relão de maior
intimidade, sentindo-se mais à vontade para compartilhar seu pesar, inclusive com
expressões de choro e desespero (GOLDEN, 1996).
Cabe às mulheres serem as portadoras da dor emocional proveniente da perda,
carregando tamm a dor dos homens, que costumam evitá-la, como relata Tavares (2001),
ideia corroborada por Brown (2001) que afirma serem as mulheres as responsáveis pelos
aspectos emocionais e de comunicação na família ao longo da história.
Dessa maneira, o pado feminino de luto refere-se ao ato de mostrar e compartilhar
sentimentos com outras pessoas, expressando-os e discutindo-os, como uma forma
saudável de lidar com a perda de alguém amado (RANDO, 1997a; SCHATZ, B. D., 1997;
113
O Processo de Luto nos Pais
RANGEL, 2008; PARKES, 2009).
Em contrapartida, as mulheres usam com mais frequência as estratégias de
enfrentamento focadas na emoção (BILLINGS; MOON, 1981, apud PARKES, 2009).
Conforme o Modelo do Processo Dual apresentado no capítulo sobre luto familiar, pode-
se afirmar que os homens tendem a adotar uma orientação de restauração e as mulheres,
uma orientação para a perda (PARKES, 2009).
As mães relatam ser continuamente lembradas de que a criança não está mais
presente a partir de sua rotina, porque geralmente esteve mais envolvida nos cuidados
com a criança, na presença de seus pertences espalhados pela casa. Esses dados são
confirmados por Rando (1997a) e Rangel (2008). Lembrar-se do filho é uma tarefa
paradoxal que envolve as boas memórias, mas também envolve marcadores de que
nunca mais o terão de volta.
Rangel (2008) confirma, em sua pesquisa, que as mães têm maior preocupação
em manter a história de seus filhos, com uma diferença na maneira de tecer a história da
morte do filho. As mães insistiram nas lembranças do filho morto e enfatizaram as perdas
e pesares pelo relacionamento perdido. Schatz, B. D. (1997) relata que as mães, com
frequência, entram em conflito entre guardar a memória relativa ao passado e abrir mão
dos sonhos do futuro do filho
Uma característica singular é a necessidade de apresentar seus filhos a qualquer
pessoa, de alguma maneira, mesmo anos depois de o pesar ter diminuído e uma parte
significativa do trabalho de luto ter sido realizada. Schatz, B. D. (1997) considera que as
mães nunca superarão a morte do filho, embora aprendam a conviver com isso.
Para Schatz, B. D. (1997), a necessidade de frequentemente relatar sua história,
a impossibilidade de se esquecer do filho, de voltar a ser ela mesma e de se recuperar
pela perda sofrida são os aspectos mais significativos do luto materno.
114
O Processo de Luto nos Pais
uma dificuldade por parte dos pais e das mães em aceitar os diferentes estilos
de enfrentamento (SILVA, 2008a), não sendo incomum que o homem sinta a reação dela
como exagerada e, ao contrário, que a mulher tenha a impressão de que ele não está
verdadeiramente sentindo a perda (RANGEL, 2008).
Essa dificuldade de aceitação dos diferentes estilos pode manifestar-se por meio
da reluta em validar e apoiar o parceiro e envolve as diferentes experncias individuais
prévias de perda, os diferentes significados atribuídos à perda e a maneira como os
parceiros se veem como casal (GILBERT, 1997, apud LOAHN; MURPHY, 2006).
A diferença na expressão dos sentimentos o significa uma diferença na
profundidade da dor da perda entre pais e mães. Embora os homens usualmente pareçam
impassíveis diante da morte, isso não significa que eles não sejam afetados pelas perdas
(SCHATZ, W. H., 1997). Cada uma das estratégias de enfrentamento tem suas vantagens
e desvantagens e sua eficácia depende do contexto da demanda. Para o trabalho com o
pesar, a possibilidade de expressar os sentimentos com foco na emoção pode ser útil,
mas não ajudará na resolução de problemas práticos (PARKES, 2009). A maioria dos
homens apresente um padrão masculino de comportamento diante do luto, mas mulheres
também podem adotar esse padrão de enfrentamento. A diferença entre esses estilos,
na prática, não é tão dicotômica assim. Homens também choram e mulheres também
realizam, o que depende de uma infinidade de fatores. Alguns enlutados podem ficar de
luto de uma maneira que acreditam não ser harmônica com as expectativas de gênero
(MARTIN; DOKA, 2007).
Atualmente uma variedade de estilos de enfrentamento. O trabalho de Golden
(1996) indica a importância de outras formas de expressão do pesar e do processamento
do luto além de choro e conversa. Por exemplo, o uso de rituais próprios, a criação de
memoriais, a construção de estátuas, a prática da jardinagem e da meditação, o interesse
115
O Processo de Luto nos Pais
por escrever cartas, ver ou organizar fotografias, entre muitas outras atividades que valem
tanto para o homem, quanto para a mulher. Qualquer que seja o estilo de enfrentamento,
este deve ser encarado como uma característica e não como uma patologia, como
diferenças e não como deficiências (GOLDEN, 1996). Todos os estilos precisam ser
respeitados, pois todos têm o mesmo objetivo: lidar com esta perda que o tem nome:
a perda de um filho (RANGEL, 2008).
3.7 - Vida Social e Espiritual
É comum o sentimento de isolamento por parte dos pais em função da longa
duração dos sintomas, que habitualmente não é suportada pela família extensa ou por
amigos, e até mesmo por profissionais (CASELATTO, 2002).
Talvez uma das situações sociais mais difíceis de serem enfrentadas sejam
questões corriqueiras de encontros casuais que os fazem confrontar-se com a realidade
da ausência do filho. Schatz, B. D. (1997) faz menção à dificuldade de os pais falarem
socialmente a respeito de quantos filhos têm e à necessidade de fazerem com que o
filho morto seja conhecido socialmente, o que nem sempre é compreendido por pessoas
que não tiveram experiência semelhante.
Rangel (2008) relata que as perguntas sociais corriqueiras obrigam os pais a
confrontar-se com a ausência. São perguntas feitas geralmente por pessoas que
desconhecem a realidade daquela perda.
Para os pais, a presença dos amigos do filho falecido pode ser boa ou ruim,
dependendo da relação anterior que tinha com eles. Se os amigos “exigem” o suporte
dos pais, pode ser ruim para todos os envolvidos, pois muitas vezes os pais estão tão
imersos em sua dor que não conseguem acolher os amigos do filho. Esse tipo de
116
O Processo de Luto nos Pais
confronto pode gerar sentimentos ambivalentes nos pais. Portanto, é preciso respeitar
os limites de cada um quando ainda precisam de muitos cuidados.
Ao mesmo tempo em que se sentem confortados com a presença do amigo, esta
acentua o sofrimento pela falta do filho e a imaginação de como ele estaria agora, do
que estaria fazendo. Muitos pais acabam conjecturando a realização do futuro que estaria
destinado ao filho por meio do crescimento dos amigos e de seus feitos, como formaturas,
casamentos, o que nem sempre indica uma facilidade de participarem de eventos sociais,
especialmente nos primeiros meses após a perda.
Por outro lado, alguns relatos da emoção positiva e confortante dos pais nas
missas de aniversário de morte e em alguns eventos para os quais são convidados e de
que aceitam participar, nos quais percebem o quanto o filho ausente ainda é importante,
querido e lembrado por tantas pessoas.
Um aspecto importante levantado por Rangel (2008) é a necessidade dos pais
enlutados em compartilhar suas experiências, a partir da perda, por meio da escrita sob
as mais variadas formas ou mesmo da participação em organizações que dão suporte a
pais enlutados. Para essa mesma autora, embora haja uma peculiaridade na perda de
um filho e no luto decorrente dela, há uma grande similaridade no processo de
enfrentamento desses pais, nos aspectos gerais e específicos da perda, do luto e do
enfrentamento. O compartilhar a perda de filhos é visto como um recurso que os ajuda a
enfrentá-la com maior apoio social, diminuindo o sentimento de isolamento em que
habitualmente se encontram.
Tem sido cada vez mais frequente encontrar pais que manifestam publicamente
seus processos de luto das mais variadas maneiras. O engajamento em organizações
sociais que apoiam outros enlutados tem sido cada vez mais comum, em encontros reais,
nas frequências mais variadas, ou por meio da internet (RANGEL, 2008), inclusive para
117
O Processo de Luto nos Pais
protestar a respeito das mortes ou reivindicar justiça.
Entre as publicações brasileiras de pais que perderam seus filhos e tornaram o
compartilhar um magnífico processo terapêutico pessoal, ao mesmo tempo em que
possibilitaram o conhecimento desse delicado processo, cabe aqui ressaltar o livro
publicado por Rangel (2008), que foi uma grande referência para o desenvolvimento
deste trabalho, e o livro publicado por Tavares (2001), que proporcionou o conhecimento
da dor de perder o filho e da luta para conseguir aprender a conviver com essa dor por
meio de uma rede social de apoio mútuo.
“Compartilhar é, para os pais, uma oportunidade de comprovar a normalidade ou
aberração das experiências e dos sentimentos vivenciados diante da perda(RANGEL,
2008, p. 21). De acordo com Rangel (2008), compartilhar o luto é um recurso
potencialmente positivo para que os pais enfrentem suas perdas com maior apoio social
e, por conseguinte, menor isolamento, possibilitando ao mesmo tempo o conhecimento
da similaridade e da peculiaridade de cada luto.
Estudo de Riches e Dawson (1996, apud RANGEL, 2008) constatou que os pais
podem ser isolados socialmente após a perda de um filho, por serem diferenciados por
essa trágica experiência, o que os deixa expostos ao preconceito social. Para Rangel
(2008), a perda de filhos, especialmente a provocada por morte violenta, configura um
estigma ainda maior para os pais.
As reações sociais não não ajudam os pais enlutados, como frequentemente
os machucam (SILVA, 2008 a). São reações nem sempre adequadas, e os pais sentem-
se isolados, abandonados e frustrados em suas experiências sociais. Podem ser
evitados por outros pais, que ficam ansiosos ao imaginarem que a tragédia poderia ter
acontecido em sua família; podem parar de receber convites e muitas vezes não se
sentem compreendidos, mais do que no caso de outros enlutados (RANDO, 1997a).
118
O Processo de Luto nos Pais
Existem diferentes tipos de apoio, oferecidos ou negados, pois nem sempre o
luto parental é reconhecido, dependendo dos laços familiares que existem na família.
Nessas ocasiões, a expressão de pesar diante do contexto social algumas vezes pode
sofrer certa restrição ou desvalorização (CASELATTO, 2002).
Quando o filho que morreu havia constituído sua própria família, os pais são
frequentemente colocados de lado em favor da esposa ou dos filhos na unidade familiar
enlutada, que recebem mais atenção social, inclusive por parte dos profissionais que
trabalham com o luto (RANDO, 1997a). Esse fato pôde ser constatado quando se observou
que a maior parte dos estudos sobre pais enlutados envolve a perda de crianças e
adolescentes, refencia essa encontrada apenas em Rando (1997c). Porém, como visto
anterioemente, não importa a idade do filho. Para os pais, sempre há a perda da “sua
criança”, e a perda de um filho adulto é sentida como sendo tão antinatural quanto a de
um filho em idade escolar (RANDO, 1997a; RANDO, 1997c; SCHATZ, B. D., 1997).
Rando (1997a) apresenta alguns mitos sociais, em relação ao luto parental, que
podem interferir de maneira significativa na forma como a sociedade reage à presença
desses pais: todos os pais se enlutam da mesma maneira; o luto parental diminui com o
tempo; é melhor esquecer as coisas dolorosas; expressar sentimentos intensos é a
mesma coisa que perder o controle; é preciso esquecer o morto, entre muitos outros
mitos.
Uma das partes afetadas nos pais é o mundo espiritual (KLASS, 1999). Como o
luto deixou de ser visto como parte essencial da vida humana, tornou-se difícil para eles
apoiarem-se nos preceitos religiosos, aos quais os seres humanos lançaram seu pesar
ao longo da história. Muitos pais podem decepcionar-se com Deus, lançando-lhe
perguntas sem respostas, perdendo a confiança, afastando-se da rotina religiosa.
Dependendo do tipo de relacionamento espiritual que tinham antes da perda, da influência
119
O Processo de Luto nos Pais
familiar nesse aspecto, existem pais que podem apegar-se ainda mais à religiosidade.
Não foram encontrados estudos conclusivos a esse respeito e pode-se pensar que a
reação espiritual esteja também envolvida com o tipo de perda e com a existência de
outras perdas anteriores.
Klass (1999) afirma que a vida espiritual dos pais enlutados tamm es envolvida
em uma rede de nculos e significados que é modificada a partir da perda. A possibilidade
de serem acolhidos na comunidade que os cerca de forma a poder expressar o seu
pesar e ter o seu vínculo com o filho morto reconhecido pode favorecer o aprendizado de
como usar esse vínculo para viver de forma criativa no mundo.
Embora os pais aprendam a investir em outras tarefas e em outros relacionamentos
no processo de se adaptar à perda, Klass (1999) argumenta que a perda de um filho é
irreparável e que o enlutamento parental é para sempre, o que é tamm afirmado por
outros autores (RANDO, 1997a; SCHATZ, B. D., 1997; TAVARES, 2001; CASELATTO,
2002; SILVA, 2008a).
Para Schatz, B. D. (2007), já que o processo de luto parental nunca termina, a
sociedade de maneira geral precisa estar mais bem preparada para compreender suas
vicissitudes de maneira a dar o suporte adequado aos pais a fim de que possam continuar
a viver da melhor maneira possível.
Ao longo do tempo há um declínio gradual do pesar e um reinício de uma vida
emocional e social no dia-a-dia (RANDO, 1997a). No entanto, a perda não é esquecida,
mas colocada em um lugar especial para ser lembrada, pois o vínculo com o filho persiste
por tempo indefinido (CASELATTO, 2002). Os pais sabem que sobreviverão, mas que
nunca mais serão os mesmos (RANDO, 1997a).
120
Luto por Suicídio
Capítulo 4
LUTO POR SUICÍDIO
Luto por Suicídio
122
CATULO 4 - LUTO POR SUICÍDIO
“Suicídio não é um ato solitário.
A pessoa amada pensa que está matando apenas a si mesma,
mas ela também mata uma parte de s.”
(BOLTON, 1997, p. 202).
Em levantamento bibliográfico realizado por Alves et al. (2007), objetivando verificar
a produção científica strictu sensu do Brasil, embora tenha sido identificado o crescimento
do interesse a respeito do suicídio em diversas áreas do conhecimento Saúde Coletiva,
Psiquiatria, Medicina, Enfermagem, Toxicologia, Epidemiologia e Saúde Mental –, não
houve um trabalho sequer relacionado a luto por suicídio. Na busca por artigos
disponibilizados, via internet, por meio dos sites da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (CAPES/MEC), da Scientific
Electronic Library Online (Scielo) e da Biblioteca Virtual em Saúde (BIREME), nas
bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Rio de Janeiro (PUC-
SP e PUC-RJ) bem como no Jornal Brasileiro de Psiquiatria, não se encontrou material
que fosse significativo para a realização deste trabalho.
Essa dificuldade também foi constatada num estudo descritivo realizado por
Seminotti, Paranhos e Thiers (2006), em que foi feito um levantamento do acervo de
publicações existentes sobre suicídio, entre os anos de 1994 e 2004, a partir das bases
de dados Scielo, Proquest e PsyncINFO. A maior parte dos trabalhos publicados é de
cunho trico, pouquíssimos trabalhos relacionados ao suidio consumado, com ínfima
porcentagem abordando o acompanhamento da família. Atribuem essa escassez à grande
pressão que os profissionais sofrem no que diz respeito às tentativas de suicídio e à
atenção à prevenção, e, em contrapartida, à provável dificuldade que as famílias têm em
Luto por Suicídio
buscar auxílio profissional em virtude do pacto de silêncio estabelecido. Sugerem tamm
que pode haver a crença de que o suicídio seja irremediável e de que nada mais possa
ser feito além de recear a rejeição social.
Alguns dos trabalhos encontrados em outras fontes de pesquisa o anteriores
ao ano de 2006. Na maioria das vezes, foram localizados em meio a publicações que
versavam sobre luto, estando relacionados à morte traumática ou ao luto complicado,
com suas reações comparadas às do luto considerado normal. Em número significativo,
observam-se publicações na língua portuguesa, especialmente voltadas para a
população sobrevivente ao suicídio, muitas escritas por sobreviventes que buscam
compartilhar seu processo de luto e a compreensão alcançada em relação ao que
aconteceu. Dentre essas publicações, destacam-se as de Markham (2000), Hsu (2002),
Clark (2007) e Fontenelle (2008). Não se identificou nenhum trabalho com abordagem
metodológica de natureza qualitativa.
A dificuldade encontrada também foi constatada por Stillion (1996), que relata
os poucos estudos sistemáticos voltados para os efeitos do suicídio em sobreviventes.
Segundo ele, existem três motivos para a escassez de estudos na área: a dificuldade de
identificar os sobreviventes ao suicídio em um número suficiente que seja representativo
da população total dos enlutados por suicídio, a existência de poucas ferramentas lidas
e confiáveis para examinar as diferenças entre enlutados por suicídio e enlutados por
outras causas e o desconforto gerado nos pesquisadores pelas perguntas que fazem
aos sobreviventes sobre seus sentimentos após o suicídio, temendo que elas sejam
interpretadas como uma intromissão na privacidade deles ou que prolonguem seu luto.
Cabe destacar que neste trabalho será abordado o luto por suicídio na cultura
ocidental, pois esta pesquisadora acredita que haja uma diferença significativa em relação
a esse processo e ao que envolve o suicídio na cultura oriental bem como os atos suicidas
123
Luto por Suicídio
heroicos, embora o tenha encontrado nenhum estudo que se referisse a essa diferença.
Alguns autores, a exemplo de Brown et al. (2007), concluíram que a causa da
morte não é um fator tão importante na previsão das consequências negativas para os
enlutados. A pesquisa desses autores foi realizada com filhos que perderam um dos pais
por morte violenta e não encontrou diferença significativa em relação à necessidade de
serviços de saúde decorrentes de problemas mentais ou a maiores níveis problemáticos
de luto. Currier et al. (2006, apud BROWN et al., 2007) não observaram diferenças
significativas nas reações de luto complicado entre sobreviventes de suicídio, homicídio
e acidentes fatais. No entanto, encontraram significativas diferenças ao comparar uma
categoria de sobreviventes de mortes violentas, que incluía esses três tipos de perda,
com uma outra, que incluía sobreviventes de mortes por doença.
Contudo, pesquisas citadas por Brown et al. (2007) indicaram que crianças
enlutadas por suicídio correm maior risco de apresentar transtornos mentais e de
experimentar mais problemas do que as enlutadas por outras causas, devido ao trauma
supostamente associado a esse tipo de morte e ao estigma nela envolvido. Nessas
pesquisas, constatou-se que as crianças que testemunharam ou estiveram presentes à
cena do suicídio parental podem ter risco aumentado de desenvolver transtorno de
estresse pós-traumático (TEPT) ou transtorno de ansiedade. Algumas considerações a
respeito do suicídio como experiência traumática serão tecidas adiante.
Embora alguns autores reconheçam semelhanças entre o luto por suicídio e o luto
por outros tipos de perda (CLARK, 2007), acreditam que o processo de luto por suicídio
apresenta uma singularidade e envolve emoções e sentimentos específicos, que não
estão presentes em outros tipos de perda (STILLION, 1996; FONTENELLE, 2008;
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004). Por ser uma morte violenta e repentina, envolvida
em tabu e preconceito, muitas vezes em circunstâncias de doença psiquiátrica prévia e
124
Luto por Suicídio
intensos conflitos familiares, a morte por suicídio é considerada um complicador para o
bom desenvolvimento de um processo de luto (PARKES, 1998; RANDO, 1998;
BROMBERG, 2000; SILVA, 2008a; SILVA, 2009). Segundo Fontenelle (2008), é o luto
mais difícil de ser enfrentado. Embora suas reações sejam semelhantes às que sucedem
outros tipos de perda, o risco para o desenvolvimento de luto complicado é maior
(PARKES, 1998).
A dinâmica familiar no contexto da crise suicida, conforme a pesquisa realizada
por Krüger (2007), encontra-se engessada por uma rie de conflitos, quebra da
comunicação e repetição de padrões por meio das gerações, inclusive dificuldade de
alcançar a autonomia, com a presença de um emaranhado de lealdades e de segredos.
Considera-se que essa dinâmica pode ser um dificultador no processo de luto, caso haja
um suicídio consumado, e requer atenção. É importante lembrar que as pessoas que
interrompem a própria vida pertencem a famílias que vivem, habitualmente, sérios
problemas sociais, como o alcoolismo, o abuso físico ou sexual de crianças. Nesse
contexto, os sentimentos ambivalentes podem existir previamente entre os membros
da família, e o suidio serve apenas para exacerbá-los ou provocar maiores problemas
(MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004).
Os fatores que podem influenciar o curso do luto por suicídio são os mesmos em
relação a outros tipos de luto, conforme descritos no capítulo sobre luto familiar. Dentre
eles, destacam-se: o vínculo que o enlutado tinha com o morto, as circunstâncias da
morte, os meios de enfrentamento, a capacidade de lidar com emoções fortes. Alguns
outros fatores que predispõem ao aparecimento do luto complicado são a história prévia
das relações familiares com o membro que cometeu suicídio, o lugar dessa pessoa na
família, o quadro clínico existente, psiquiátrico, incluindo o uso de drogas ou problemas
orgânicos.
125
Luto por Suicídio
126
Gibbs, Hillman e English (2008) relatam semelhanças entre as reações de pesar
após um suicídio com as de outros tipos de perda repentina, mas citam estudos que
afirmam que os sobreviventes do suicídio apresentam risco aumentado de cometer
suicídio, pela associação do trauma e da existência do luto complicado. Dessa maneira,
em alguns exemplos observa-se a existência de reincidências de suicídio em uma mesma
família (PALHETA; LEAL, 2002), embora não tenham sido encontrados estudos
conclusivos a esse respeito.
A repetição da ocorrência de suicídios em uma mesma família pode ter, como
uma das explicações possíveis, a existência de histórias restritivas que impulsionam a
repetição das mesmas pautas de relacionamento na dinâmica familiar diante de uma
crise, inclusive a suicida, gerando as mesmas alternativas de enfrentamento dos problemas
através das gerações (KRÜGER, 2007). Mais do que em outros tipos de perda, desde o
momento da morte um incômodo expresso com o silêncio, na falta do que dizer, no
inconformismo e na incredulidade, que provoca um trauma mais intenso do que em outras
perdas (FONTENELLE, 2008).
4.1 - O Suicídio como Morte Traumática
Como tem sido visto, o suicídio é considerado uma morte violenta, e alguns autores
o associam ao trauma. Muitas pesquisas sobre as consequências psicológicas do luto
demonstraram que as mortes súbitas, inesperadas e prematuras têm maior probabilidade
de originar problemas do que as que tenham sido antecipadas e para as quais houve
preparo (RANDO, 1998; PARKES, 1998; BROMBERG, 2000). De acordo com esses
autores, alguns fatores que contribuem para desenvolvimento do luto complicado incluem
testemunhar violência ou mutilação, mortes em que existe um culpado (incluindo
Luto por Suicídio
127
assassinos e suicidas) e mortes que não permitem a recuperação de um corpo intacto.
Esses tipos de perda são chamados de traumáticos.
Para Abramovitch (2000), a distinção entre morte traumática e morte não traumática
está ligada às circunstâncias da perda e ao significado que os sobreviventes atribuem à
morte, no sentido de ter sido boa ou má. A atribuição desse tipo de significado à morte e
ao morrer acontece em todas as culturas. Curiosamente, a maioria das pessoas não a
encara como sendo natural e inevitável. Nesse sentido, define como boa aquela que é
esperada, sem dor, que ocorre com pessoas mais velhas, em meio a familiares e
descendentes, cujo corpo enfrenta o ciclo completo do ritual funerário que ocorre em um
local adequado, de acordo com os pensamentos no momento da morte, um lugar escolhido
para morrer e uma aparente escolha da causa da morte, entre outros. A morte má, do
ponto de vista dos sobreviventes, é considerada exatamente o oposto da que foi descrita
acima. Por enfrentarem a falta de controle e a imprevisibilidade de uma morte repentina
e inesperada, esses sobreviventes sentem-se sozinhos, isolados, em desespero e
desprotegidos diante da morte concebida como sem valor e sem sentido. O sentido de
uma morte má é ainda exacerbado se ela for desfigurante, sangrenta e dolorosa, envolvida
em atos maldosos, situação em que a “[...] ‘alma’ do morto dificilmente encontrará a paz”
(ABRAMOVITCH, 2000, p. 256).
Embora haja algumas exceções culturais, tais como as citadas no capítulo sobre
suicídio, em que a morte autoprovocada é concebida como um ato heroico, na maior
parte das vezes o suidio é considerado uma morte violenta e, por conseguinte,
traumática. Brown (2001) enquadra esse ato como uma morte traumática que, por
relacionar-se a uma perda súbita, inesperada e prematura, apresenta maior probabilidade
de originar problemas no desdobramento do processo de luto. O suicídio caminha lado a
lado com as mortes por homicídio, que muitas vezes podem envolver outros fatores,
Luto por Suicídio
128
contribuindo sobremaneira para um luto complicado.
As circunstâncias que envolvem o suicídio podem ser traumatizantes e delas, bem
como de outros fatores de risco concomitantes para o luto complicado, que fazem
aumentar as dificuldades enfrentadas ao longo de todo o processo, tamm depende o
curso do processo de luto, conforme visto anteriormente.
Dependendo do método empregado para a morte, o corpo pode ficar dilacerado
e/ou desfigurado, tornando-se necessário realizar os rituais funerários com o caixão
fechado, o que pode contribuir para dificultar a elaboração do luto em um ou mais membros
da família. Para Kovács (2002a, p. 159) “[...] a mutilação do corpo costuma ser um fator
agravante, acarretando frequentemente revolta e desespero”. A memória pode ser
bastante influenciada por esse tipo de acontecimento. Outra dificuldade apontada por
essa autora é a falta de informação a respeito de como aconteceu a morte, o que pode
trazer dificuldades no processo de construção do significado para a perda, além de deixar
espaço para as fantasias mais terríveis.
Para Parkes (2009), o trauma aumenta a intensidade e a duração do luto e contribui
para um diagnóstico de luto crônico. Pesquisas exploradas por esse autor indicam que
as reações ao trauma incluem altos níveis de ansiedade, acompanhados de
comportamentos de evitação, de lembranças do evento traumático, e, ocasionalmente, o
desenvolvimento do TEPT.
O TEPT é uma resposta tardia a uma situação estressante de longa ou curta
duração, “[...] de uma natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, a qual
causa angústia invasiva em quase todas as pessoas” (OMS, 1995). Seus principais
sintomas são as memórias ou sonhos intrusivos persistentes e o embotamento afetivo,
com evitação de atividades e situações que recordem o trauma. O TEPT surge geralmente
até seis meses depois da ocorrência do trauma.
Luto por Suicídio
129
Conforme escreve Parkes (2009), encontra-se mais sofrimento emocional a partir
do luto traumático, uma vez que as experiências traumáticas contribuem para causar
problemas psiquiátricos. Pessoas enlutadas que buscam tratamento psiquiátrico relatam
experiências com mortes súbitas e múltiplas e maior incidência de perdas traumáticas,
com destaque para as mortes por homicídio e suicídio. Segundo ele, esses dados
confirmam o que outros estudos indicaram em relação ao luto traumático, que apresenta
maior probabilidade de originar problemas psiquiátricos. Apesar de algumas pessoas
reagirem ao trauma por meio da paralisação ou do controle rígido sobre alguns
sentimentos, a pesquisa de Parkes (2009) não encontrou relação do trauma com a
presença de ansiedade e pânico. Porém, apontou que o efeito a longo prazo do luto
traumático foi o de aumentar a intensidade e a duração do pesar.
Nos resultados apresentados por Parkes (2009), considerou-se que, por ser o
trauma um critério especial para o desenvolvimento do TEPT, estefoi encontrado
quando os enlutados que buscaram ajuda psiquiátrica vivenciaram uma ou mais
circunstâncias traumáticas presentes na morte. Porém, contrapõem a essa informação a
ideia de que os lutos múltiplos o indicam maior probabilidade de gerar TEPT do que
perdas simples. Para ele, existe a possibilidade de que a experiência prévia com perdas
múltiplas prepare o enlutado para o que se seguirá. Baseado em seus próprios estudos
e publicações anteriores relacionados ao luto por assassinato, Parkes (2009) conclui
que a combinação de uma morte súbita e violenta com os sentimentos de raiva e culpa
que a sucedem interfere no luto normal de diversas maneiras. Há a possibilidade de
desencadeamento do TEPT, de evocação de uma intensa raiva contra o ofensor às
pessoas e às situações relacionadas a ele, diante da pequena oportunidade de
extravasar esse sentimento de modo efetivo; de desestabilização da crença e da confiaa
em relação a outras pessoas, inclusive a família, a polícia, o sistema legal e Deus; de
Luto por Suicídio
130
evocação de uma forte culpa por ter sobrevivido e por ter falhado em proteger o falecido.
Os sobreviventes à morte traumática, de acordo com o autor supracitado, precisam
assegurar-se de que o diferentes das pessoas que morreram e de que não serão
vítimas das mesmas circunstâncias. Isso porque, quando se trata de morte por suicídio,
existe uma preocupação grande entre os sobreviventes em relação a serem engolfados
pelas mesmas tendências autodestrutivas presentes no morto.
Horowitz (1986, apud PARKES, 2009) relatou a existência de defesas contra o
desamparo e a insegurança que surgem com uma morte traumática, destacando o
entorpecimento, a descrença e o fracasso em integrar essa perda ao mundo presumido
do enlutado. Mesmo com essas defesas, o indivíduo que sofreu um trauma pode vivenciar
ansiedade, hipervigilância e reações de espanto em alto grau, desencadeadas a qualquer
momento por alguma lembrança da perda. A hesitação e a lembraa intrusiva o reões
que também aparecem no TEPT, porém não são a consequência mais frequente ao
trauma, de acordo com Parkes (2009).
Parkes (2009) afirma que os sobreviventes de um trauma se sentem
frequentemente vitimizados, necessitando reassumir gradualmente o controle de suas
vidas e do meio ambiente que os rodeia. As necessidades psicológicas, cognitivas,
sociais e espirituais são semelhantes às de outros enlutados, envolvendo a necessidade
de admitir e compreender a morte (intelectual e emocionalmente), de experimentar o
pesar, de se enlutar e de ter um período de tempo indeterminado para ajustar sua vida à
ausência da pessoa que morreu. De acordo com o autor, o fator que contribui para que a
situação traumática cause problemas duradouros não é a magnitude do perigo, mas,
como postulou Janoff-Bulman (1992, apud PARKES, 2009), a destruição de concepções
básicas. É preciso tempo e oportunidade para o ajuste às mudanças, o que nem sempre
acontece.
Luto por Suicídio
131
4.2 - A Construção de Significado após o Suicídio
É muito mais difícil encontrar um sentido na morte repentina por suicídio (RIDLEY,
1993) do que naquelas que ocorrem em circunstâncias normais.
A reconstrução da vida após a perda de alguém amado pode ser uma das tarefas
mais difíceis do luto, em especial nas perdas traumáticas. São sonhos destruídos,
expectativas e hipóteses violadas, que roubam do enlutado o que havia de sentido e
propósito na vida, deixando um forte sentimento de vulnerabilidade e desilusão (DAVIS;
WOHL; VERBERG, 2007). Para esses autores, as mortes violentas são as que mais
desafiam as crenças centrais que guiam nossa compreensão da morte e da vida, ordem
e propósito da vida, sobre justiça, lealdade e benevoncia dos outros.
O significado que a família atribui a esse tipo de perda está relacionado a crenças
religiosas e sociais e à própria história do suicídio na sociedade, ficando ainda forte
para a sociedade ocidental o preconceito em relação à pessoa e à família. Como visto
acima, inúmeros questionamentos são feitos e muitas perguntas sem respostas
remanescem. De fato, a única pessoa que poderia atribuir o significado da morte seria o
próprio suicida, o que torna todas as inferências relativas e incompletas (SILVA, 2009).
Esta pesquisadora concorda com Lamanno-Adamo (2006), quando afirma que a maneira
como a família enfrenta esse tipo de situação traumática depende em grande escala do
sentido que ela ao acontecimento, e não à forma como aconteceu. A ideia é de que
a capacidade de todos os membros da família em lidar com a situação traumática está
diretamente ligada à elaboração do luto.
As famílias fazem uso de estratégias particulares para construir o significado da
perda, incluindo comparações, caracterizações, questionamentos, referências,
discordâncias, entre outros processos. Entre os possíveis significados, nem sempre
Luto por Suicídio
132
positivos, a morte pode ser entendida como um teste, como um castigo (para uma pessoa
em especial ou para a família), como negligência da família ou dos profissionais que
atendiam o suicida, como saída para um desespero, como motivo para unir a família,
entre muitos outros. Especialmente no suicídio, o significado mais difícil refere-se ao
entendimento de que “[...] a morte poderia ter sido evitada (NADEAU, 1998).
Para Meleiro, Botega e Prates (2004), a reação de culpa pode ser intensificada
na presença da interpretação da morte como uma rejeição, em uma correlação com uma
baixa autoestima. “Será que fulano pensou em mim quando fez isso?”
Nadeau (1998) menciona que a busca de significados em eventos traumáticos
está relacionada ao esforço para compreender o que aconteceu e qual o impacto que
proporcionou. Como vimos acima, nem todos os significados construídos o positivos,
especialmente em mortes traumáticas. Podem incluir um senso de propósito na vida e
podem incluir significados negativos, como o de que não sentido a ser dado e que a
vida o tem propósito. Parece haver uma relação no desenvolvimento do luto complicado
com a atribuição de significados negativos.
Davis, Wohl e Verberg (2007) inferem que, se o crescimento pós-traumático for
definido como mudaas em relação a como alguém sente a si mesmo, a construção de
significado está intimamente ligada com crescimento. Consideram, porém, que existem
múltipos caminhos para o ajustamento, o sendo condição necesria ter experimentado
crescimento pós-traumático e construção de significado.
Para aqueles que são capazes de reconstruir a vida após uma chacoalhada tão
forte, esta se torna qualitativamente diferente. Os enlutados tendem a ver-se como mais
fortes, mais confiantes em si e, muitas vezes, mais determinados. a possibilidade de
construção de novas metas, com uma visão diferente do mundo e com clareza em relação
ao que é necessário para serem felizes (DAVIS; WOHL; VERBERG, 2007).
Luto por Suicídio
133
4.3 - Reações ao Suicídio
Bolton (1997) relata que o impacto do suicídio é sentido nas esferas física,
emocional, intelectual e espiritual.
Observa-se que, mesmo na presença de algum transtorno mental prévio, ou com
a existência de tentativas de autoextermínio anteriores, a família e os amigos percebem
esse tipo de morte como repentina e surpreendente, o que é confirmado por Fontenelle
(2008). Para Brown (2001), a morte súbita pega a família de surpresa, o que faz com que
ela reaja com choque; não há tempo para despedidas, nem para resolver questões de
relacionamento ou algum tipo de luto antecipatório. As perdas prematuras e inesperadas,
de acordo com Parkes (2009, p. 46), estão[...] associadas, em curto prazo, à maior
dificuldade para acreditar e à evitação de confronto com a realidade da perda”.
Kovac e Range (2000, apud BROWN et al., 2007) estimaram reações de luto
específicas de sobreviventes por suicídio: explicação para a morte, estigmatização, culpa,
responsabilidade pela morte, vergonha, rejeição e comportamentos autodestrutivos. Essas
reações são descritas de maneiras variadas por diversos autores, que, embora tenham
privilegiado umas ou outras, mantiveram alguns núcleos em comum, como será descrito
a seguir.
Fontenelle (2008) postula quatro categorias de reações à morte por suicídio, sobre
as quais este texto discorrerá a seguir: a culpa associada à tristeza e à necessidade de
responder a perguntas infindáveis, a raiva, o medo da hereditariedade, e, por fim, as
dificuldades enfrentadas com a reação de outras pessoas. A autora enfatiza que a primeira
reação é o choque, mesmo quando houve tentativas anteriores de suicídio ou presença
de algum transtorno psiquiátrico, especialmente para as pessoas que presenciaram a
cena do suicídio.
Luto por Suicídio
134
Markham (2000) afirma que, embora a culpa seja uma reação previsível em
qualquer processo de luto, ela surge mais forte quando a perda ocorre por suicídio. O
aumento da intensidade da culpa é confirmado por outros autores que tamm discorrem
sobre esse tema: Ridley (1993), Stillion (1996), Bolton (1997), Kovács (2002b), Hsu (2002),
Meleiro, Botega e Prates (2004), Clark (2007), Fontenelle (2008), Gibbs, Hillman e English
(2008), Silva (2009). Gibbs, Hillman e English (2008) relatam resumidamente o que em
geral a maioria dos autores citados acima descreve: os enlutados por suicídio apresentam,
além da culpa, vergonha, alívio, isolamento social e desejo de se suicidar. Para Meleiro,
Botega e Prates (2004), vergonha, culpa, raiva e medo são os sentimentos comuns nos
enlutados por suicídio.
A culpa é o sentimento comum a todos eles (FONTENELLE, 2008) e envolve a
sensação de que provocaram ou foram responsáveis pela morte. Suscita questionamentos
em relação ao que poderia ter sido feito para impedir a morte. Essas perguntas geralmente
são formuladas por meio de ses” e por quês. A culpa pode ser direcionada a si mesmos
ou a qualquer outra pessoa que tenha tido contato com o morto, por não terem percebido
o que estava acontecendo, ou mesmo por o terem feito nada para evitar esse desfecho.
Para os pais da vítima, a culpa é ainda mais intensa, pois, além da subversão da ordem
natural da vida, ainda lidam com uma cobrança interna e, muitas vezes, externa, sobre
possíveis erros que cometeram na educação do filho.
A convivência com sentimentos ambíguos, que misturam dor, tristeza, raiva,
vergonha, culpa, alívio, entre tantos outros, pode estar presente em qualquer tipo de perda,
inclusive na perda por suicídio. Essa ambiguidade é crescente na existência de conflito
intenso na família por abuso de álcool ou de outras drogas, por transtornos psiquiátricos
tratados ou não, especialmente se a morte foi consequência suposta desse tipo de
problema vivenciado no cotidiano. Pode haver ainda uma sensação maior de fracasso
Luto por Suicídio
135
por não terem conseguido “impedir” a morte, inclusive um processo de culpa intensa,
quando certo alívio é sentido em decorrência da cessação do conflito ou do sofrimento
impingido por ela. Outro sentimento que também pode estar presente e acentuar a culpa
é o alívio, por acabar com um sofrimento vivenciado diante de conflitos intensos, ou após
um período de doença prolongado. Fazer planos e continuar a viver com o passar do
tempo também pode ativar a culpa, pois o enlutado não se sente no direito de estar bem
após uma perda tão trágica. Tais circunstâncias podem imobilizar uma pessoa por muito
tempo (FONTENELLE, 2008).
A culpa pode ser mais intensa caso algum conflito anterior tenha havido ou esteja
ocorrendo no ambiente familiar no momento exato do suicídio (LINDEMANN, 1944, apud
MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004). O risco aqui é algum membro da família assumir
condutas de autodestruição, inclusive ideação suicida, com a possibilidade de chegar
às vias de fato. Algumas vezes a culpa pode manifestar-se como censura, interpretada
aqui como culpabilização de outra pessoa pela morte do ente querido.
Para Meleiro, Botega e Prates (2004), o medo é uma resposta comum ao suicídio,
em especial, o medo de seus próprios impulsos destrutivos.
A raiva funciona como disfarce para substituir uma gama de sentimentos negativos,
sendo mais comum direcioná-la a quem se matou, de maneira ambivalente, misturando
sentimentos de pena e tristeza por quem morreu e raiva de quem provocou a morte. A
raiva pode ter longa duração e é muito verificada em cônjuges que não se conformam
com o que o ato provocará nos filhos. Com o tempo ela se dilui, sendo substituída pela
aceitação do ato do outro ou mesmo pela compreensão de que o ressentimento destrói,
não leva a nada e não muda o que ocorreu. A raiva costuma gerar vergonha, e sua
intensidade em excesso pode também gerar culpa, motivo pelo qual o enlutado tenta
escondê-la, de acordo com Meleiro, Botega e Prates (2004). Algumas vezes pode ser
Luto por Suicídio
136
dirigida ao profissional da saúde. Pessoas religiosas podem até ficar furiosas com Deus
e perder a fé. Para esses autores, quando a raiva é reprimida pode levar à doença
psicossomática ou psiquiátrica.
Há também a predominância da vergonha pelo estigma associado ao suicídio,
segundo Meleiro, Botega e Prates (2004), possivelmente potencializado pela reação
dos outros, podendo alterar de maneira significativa a interação do enlutado com a
sociedade bem como as relações familiares. Isso se torna mais delicado na medida em
que se faz algum tipo de segredo a respeito das circunstâncias da morte. A tristeza demora
pouco mais a aparecer ou se mescla a outras emoções, como uma forma de procurar
respostas e sentidos para poder vivenciar a perda (FONTENELLE, 2008). Alguns
enlutados podem sentir-se abandonados e impotentes (KOVÁCS, 2002b).
Meleiro, Botega e Prates (2004), baseados em outros autores e em consonância
com sua prática clínica, reuniram outras reações frequentes: a descrença, que acontece
nas primeiras horas ou dias, mas que pode durar meses, indica que a verdade, cuja
função protetora permite que a pessoa assimile o que aconteceu, ainda não foi “aceita”;
o desejo de chorar alto – expressão de uma emoção violenta que traz alívio e permite
divulgar o sofrimento, para que outros possam oferecer ajuda; e a procura, desejo de
tentar encontrar o morto, quando também podem ser eliciados comportamentos suicidas.
Clark (2007) elabora um interessante “mapa do luto” individual, mostrando a jornada
que o enlutado empreende desde o momento da perda até a construção de uma vida
nova. Desde o início, a pessoa experimenta diversas emoções difíceis de elaborar
simultaneamente, envolvendo o irreal, a sobrevivência e a cura. Algumas emoções são
vividas com mais intensidade do que outras, e o enlutado pode ter mais dificuldade com
algumas do que com outras; não há um desenvolvimento linear dessas emoções em
etapas. O autor destaca a importância da manutenção das atividades de rotina ou do
Luto por Suicídio
137
retorno a elas, como uma prova de que a pessoa consegue seguir adiante, pois, sob as
circunstâncias do luto, tornam-se atividades mais complexas para serem realizadas. Para
ela, nos três ou quatro primeiros meses, a pessoa vive o momento do irreal, em que
surgem as emoções do choque, incredulidade, horror, fantasias e medo. Sobrevive por
um período mais longo em que podem aparecer as seguintes emões/reações: perguntas
relacionadas ao motivo do suicídio, rejeição, sensação de uma vida desperdiçada, raiva,
flutuações de humor, culpa, assuntos inacabados com o morto, vergonha, crise de valores,
acusações de culpa dirigidas a outros membros da família ou a outras pessoas que
poderiam ter evitado a morte, isolamento, perda de confiança, legado do passado,
sensação de perda, pensamentos suicidas, dificuldade de adaptação às tarefas diárias,
entre outras. Quando a nova vida começa a se estruturar, surgem emoções/reações de
busca de pontos positivos: criação de uma nova vida, novo relacionamento com o falecido,
descoberta de sentido na perda, reconstrução e estabelecimento de propósitos.
Quando uma pessoa comete o suicídio, deixa infindáveis perguntas que nunca
serão completamente respondidas, fazendo com que os enlutados se envolvam
excessivamente nelas e trazendo maior dificuldade na busca de um sentido para a perda.
Gibbs, Hillman e English (2008) e Ridley (1993) relatam que a pergunta mais comum
deixada pelo suicida é “por quê?”. Fontenelle (2008) assinala a presença de infindáveis
questionamentos envolvendo os “ses”, como em qualquer outro tipo de luto, mas que no
luto por suicídio parecem mais intensos.
Clark (2007), em seu trabalho com pessoas enlutadas por suicídio, reúne algumas
das perguntas que aparecem com frequência: “Por que meu ente querido se matou?”,
“Por que não percebi que isso iria acontecer?” “É possível sobreviver?” “Por que o luto
dos outros é diferente do meu?”, “Como lido com a minha dor?”.
Markham (2000) enfatiza que é preciso compreender que a pessoa o estava
Luto por Suicídio
138
pensando normalmente no momento do suicídio para perceber que não havia nada que
pudesse ter sido feito. Talvez conseguisse adiar a morte. É comum não perceber
nada que indicasse que a pessoa tinha intenção de se matar. Acha que o enlutado o
deve assumir a responsabilidade pelo fato de alguém querer acabar com a própria vida.
Fontenelle (2008) afirma que a única pessoa responsável pela morte é o próprio
suicida, por uma escolha, ou falta de escolha, e é preciso trabalhar muito para se livrar de
uma culpa paralisante.
A descoberta de uma carta de despedida nem sempre traz alívio para a família.
Pode até tornar-se um peso, dependendo de seu conteúdo, quando pouco explica sobre
os motivos daquele ato impensado ou tresloucado (SILVA, 2009; DIAS, 1997). Os
conteúdos das cartas costumam ser diversos, desde textos acusatórios a pedidos de
desculpa, permitindo criar no imaginário das famílias a ideia de que a pessoa o gostava
suficientemente delas ou o pensou nelas ao cometer o suicídio.
Lindemann (1944, apud MELEIRO, BOTEGA e PRATES, 2004) afirma que o
pensamento distorcido é um padrão encontrado nas pessoas de luto por suicídio e uma
das suas possíveis manifestações é pensar que a morte foi acidental.
Wasserman (2001, apud MELEIRO; BOTEGA; PRATES, 2004) considera que a
ocorrência de muitos casos de suicídio em uma mesma família pode fazer surgir uma
importante ansiedade quanto à tendência à transmissão genética. Nesses casos, as
pessoas chegam a buscar aconselhamento genético antes de seu casamento em função
desse medo, com a preocupação de que seus filhos possam ter uma tendência
semelhante, ou, ainda, de que elas falharão como pai e mãe, como se pode supor de
acontecimentos anteriores, no seio daquela família.
O suicídio lembra nossa mortalidade e um receio de que a predisposição seja
hereditária, por meio de uma doença que se manifestará a qualquer momento. A família
Luto por Suicídio
139
fica mais alerta, atenta ao menor sinal do que pode acontecer a qualquer um de seus
membros. um forte temor em relação às novas gerações (FONTENELLE, 2008).
As reações apresentadas acima são encontradas com muita similaridade em
diversos autores. Sobre essas reações, houve, neste trabalho, uma tentativa de fazer um
apanhado geral, que abarcasse a maioria delas, para que o processo de luto por suicídio
fosse mais bem compreendido, uma vez que não possibilidade de colocar o processo
de luto em uma forma única, pois cada enlutado e cada família construirão diferentes
processos, em um carrossel de emoções, em busca de respostas e mudanças.
O caminho não é curto ou retilíneo e depende da disposição e capacidade de
cada um superar a perda. Em muitos casos é preciso buscar ajuda (FONTENELLE,
2008).
4.4 - Suporte Social
Além de lidar com o próprio sentimento de culpa, o enlutado é muitas vezes
colocado sob suspeita pela sociedade como sendo responsável pela morte do outro
(KOVÁCS, 2002b). Muitos enlutados por suicídio hesitam em falar sobre o ocorrido, o
que pode causar uma perda no processo de comunicação com outros (MELEIRO;
BOTEGA; PRATES, 2004). Para Santos (2008), o contato com a família pode ser
dificultado pela ambivalência que o enlutado apresenta ao falar sobre o assunto,
ambivalência que resulta num processo de comunicação frágil e truncado, que parece
dificultar ainda mais a comunicação na interação familiar decorrente desse tipo de morte.
McKissock (2007) afirma que, na morte por suicídio, fatores como estigma social,
medo, culpa e autoacusações podem afetar o apoio oferecido bem como as reações de
luto apresentadas. Familiares de suicidas são mais responsabilizados e evitados pelas
Luto por Suicídio
140
pessoas do que os que o são por outros tipos de perda, o que pode aumentar a tendência
ao isolamento, à culpabilização de si mesmos e à intensidade das dificuldades em falar
sobre o assunto.
A devastadora jornada de sobrevivência ao suicídio pode tornar-se ainda mais
dolorosa, dependendo dos tabus culturais, sociais e religiosos que a acompanham,
especialmente quando associados ao estigma e à culpa também impostos pela
sociedade. Como a família tem como principal função o cuidar, perder um de seus
membros, especialmente por suicídio, pode provocar uma forte sensação de fracasso
(SILVA, 2008a). Experiências têm demonstrado que as repercussões nas esferas física,
comportamental, emocional e social podem estender-se por meses ou anos. É frequente
haver um constrangimento em se comunicar um suidio, pelo impacto que a notícia causa.
Os interlocutores não esperam ouvir a palavra suicídio e demonstram desconforto das
mais variadas formas. Para o enlutado, pode tornar-se difícil dar continuidade à conversa,
e muitas vezes ele fica sem saber o que responder diante das mais variadas perguntas.
Assim como os familiares, as pessoas ao redor costumam achar que uma razão
específica para o que aconteceu e, algumas vezes, atribuem culpa a uma ou outra situação,
ou mesmo à própria família, em especial aos pais.
Enfrentar o julgamento dos outros é difícil, porém, para o enlutado, a grande
dificuldade é lidar com quem foge do assunto, ignora, é preconceituoso e insensível.
Além de lidar com a dor, temos que lidar com o despreparo dos outros [...]
(FONTENELLE, 2008, p. 161).
Esslinger (1995, apud SANTOS, 2008) concorda em que é difícil ao enlutado,
além de lidar com o sentimento da própria culpa, ter que lidar com as acusações e/ou
suspeitas que as outras pessoas expressam, o que pode provocar uma ruptura importante
dos laços familiares, com cada membro tendo que sofrer isoladamente, sem apoio mútuo.
Luto por Suicídio
141
Mello (2004) afirma que uma revitimização dos sobreviventes aos homicídios
que têm seus direitos de cidadãos desrespeitados quando em contato com a rede de
instituições públicas que não colaboram para que a família se reorganize, deixando-a
com a crença de que ela mesma é responsável por seus problemas e fracassos. Silva
(2008a) constatou que isso também pode acontecer com os sobreviventes do suicídio.
Desde a descoberta do corpo, há decisões urgentes a serem tomadas e questões de
ordem prática a serem resolvidas. O contato com a família ampliada e amigos, o contato
com as autoridades, com a imprensa nem sempre mantida afastada desses
acontecimentos – a perícia, a liberação do corpo, os rituais funerários, a abertura de
inquérito policial e seus desdobramentos com investigação minuciosa da família e seus
hábitos, em busca de culpados, muitas vezes podem ser palco de cenas desnecessárias
de constrangimento, preconceito ou desentendimento. Esses fatores podem contribuir
ainda mais para um difícil processo de luto.
Referindo-se ao estigma que envolve esse processo, Rangel (2008) afirma que a
morte por suidio pode ser englobada na categoria de mortes não reconhecidas, referindo-
se àquelas em que não há abertura para os sentimentos de luto em seguida à perda,
quando o relacionamento com o morto não é publicamente reconhecido ou permitido
pela sociedade e também quando a morte está associada a um alto grau de estigma
social. Nesse caso, haveria o desenvolvimento de luto não reconhecido. Sobre essas
famílias recaem inúmeros tulos. Elas passam a ser definidas como famílias desajustadas,
desequilibradas, desestruturadas, disfuncionais, incapazes de dar amor, carinho, cuidado
e limite.
O luto não reconhecido é marcado “[...] pela falta de espaço concreto e simbólico
para expressão, validação e intervenção diante de situações de perda e luto”, de acordo
com Caselatto (2005, p. 15).
Luto por Suicídio
142
4.5 - Intervenção
Enlutados por suicídio precisam ter acesso a cuidados e serviços apropriados às
suas necessidades sempre que precisarem, com o objetivo de reduzir os efeitos
potencialmente perigosos à saúde, cuidando também das ideações suicidas e do risco
de suicídio dos sobreviventes, como forma de facilitar a construção de força, capacidade
e resiliência (FISHER, 2008).
Para Brown et al. (2007), embora a morte por suicídio seja indicada com frequência
para ser acompanhada com intervenção, nem sempre isso acontece. No entanto, a
intervenção deve ser focada nos fatores de risco e proteção potencialmente modificáveis,
a partir da avaliação de possíveis consequências problemáticas no processo de luto.
Vários estudos revistos por Parkes (2009) indicaram que a intervenção relativa
ao luto tem extrema valia quando dirigidas aos grupos de risco ou às pessoas enlutadas
que apresentam problemas psiquiátricos assim identificadas:
· A pessoas em risco especial por causa da perda
trautica, vulnerabilidade pessoal ou falta de apoio social;
· À minoria das pessoas enlutadas cujo processo de luto
sai do espectro do que é culturalmente visto como normal;
· A pessoas que têm evidências de transtorno psiquiátrico
(PARKES, 2009, p. 286).
Em relação a esse tipo de perda, pesquisas realizadas na metade dos anos de
1970 espalharam luz na experiência dos sobreviventes ao suicídio, chamando atenção
para suas necessidades de apoio em meio ao processo de luto (STILLION, 1996). Essas
pesquisas dizem respeito a três grandes áreas: atitudes em relação aos sobreviventes,
reações dos sobreviventes e abordagens de intervenção para os sobreviventes. Essa é
Luto por Suicídio
uma intervenção realizada após um suicídio, sob a forma de apoio a todos os enlutados
envolvidos direta ou indiretamente com a perda, com o objetivo de apoiar familiares e
amigos. Essa interveão reconhece que os enlutados por suidio podem estar
vulneráveis ao comportamento suicida e visa aliviar o estresse individual a que estão
sujeitos, reduzir o comportamento imitativo suicida e promover a recuperação saudável
da comunidade afetada.
Atualmente, o que tem ocorrido é a medicalização do luto (SILVA, 2008a). Porém,
segundo Parkes (2009), o uso de substâncias psicotrópicas durante o processo de luto,
desde o momento imediato ao da perda, tem gerado muita controvérsia. Para esse autor,
há um consenso entre os psiquiatras de que a medicação antidepressiva só deve ser
administrada diante de diagnóstico claro de depressão maior.
Não existe fórmula perfeita para sobreviver à perda de uma pessoa querida que
cometa suicídio, escreve Bolton (1997), segundo o qual compartilhar as experiências e
reações semelhantes é um útil instrumento, o que é confirmado por Rangel (2008). Bolton
(1997) considera que o enlutado é responsável por construir seu próprio processo de
luto, como também sua recuperação, não existindo a atribuição de valores de certo ou
errado, bom ou mau a esse movimentos.
Convém destacar que especificidades no luto por suicídio e, da mesma forma
que não se devem generalizar os suicídios, é importante não generalizar os processos
de luto por suicídio, porque cada um tem uma história única. O trabalho com enlutados
tem apontado o quanto a experiência de suas perdas precisa ser reconhecida como
única, irreparável e incomparável, conclusão ressonante com a afirmação de Meleiro,
Botega e Prates (2004).
143
Objetivo
PARTE 3:
A PESQUISA
Objetivo
Capítulo 5
OBJETIVO
Objetivo
146
CATULO 5 - OBJETIVO
Este trabalho tem por objetivo examinar o processo de luto parental por suicídio,
à luz do paradigma sistêmico. Assenta-se nessa perspectiva a partir do conhecimento
advindo do luto como experiência pessoal vivida em contexto e do reconhecimento das
peculiaridades do suicídio na família.
Método
Capítulo 6
MÉTODO
Método
148
CATULO 6 - TODO
Esta é uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória e seu delineamento é o
estudo de caso.
Devido à natureza e ao objetivo deste estudo, o método qualitativo apresenta-se
como a escolha mais adequada, por possibilitar a construção de uma realidade a partir
de uma ampla observação por parte do pesquisador, integrando dados de diversas fontes
com base em alguns pressupostos. Como afirma Turato (2008), o valor da pesquisa
qualitativa está nesse processo de construção. Nesse tipo de pesquisa, conforme aponta
Severino (2002), a reflexão acerca do tema pesquisado é pessoal, havendo um profundo
envolvimento do pesquisador ao longo da investigação por ele vivenciada. A avaliação
da relevância e significação dos problemas abordados é realizada por ele, de forma
autônoma, criativa e rigorosa. A pesquisa qualitativa, portanto, apresenta uma dimensão
social, pois enfoca a inserção da problemática abordada no contexto em que se vive na
busca de maiores informações a respeito de suas implicações.
A natureza exploratória deste trabalho científico conduz à descrição de
caractesticas dos pais enlutados por suicídio, trazendo questionamentos críticos explícitos
na medida em que surgem como relevantes para atingir o objetivo da pesquisa. O
conhecimento a respeito de indivíduos só é possível com a descrição da experiência
humana, do modo como é vivida, quando apresentada pelos próprios atores (TURATO,
2008).
O estudo de caso possibilita a compreensão de algo que ocorre, por meio da
experiência que dá ênfase à análise contextual de um determinado número de eventos e
seus relacionamentos. Possibilita ainda a correlação de questões pessoais, sociais,
políticas e históricas, ampliando as possibilidades de análises dessas questões, levando
Método
em consideração a sua complexidade. É aunomo, fruto do interesse e esforço do próprio
pesquisador, que respeita a contribuição de outros autores, entrelaçando os resultados
de outras pesquisas e fatos de maneira dialética, a partir da sua relevância. O
levantamento bibliográfico acerca do tema serve como embasamento para um diálogo
crítico na discussão dos resultados alcançados (TURATO, 2008).
6.1 - Dificuldades no Percurso e Mudanças Realizadas
Apesar de a pesquisadora ter tido contato com pais enlutados por suicídio por
meio de trabalho clínico, com vistas a que a identidade de seus pacientes pudesse ser
preservada, esta pesquisa foi estruturada para ser desenvolvida com participantes
advindos do registro de óbitos por intoxicação do TOXCEN.
O TOXCEN tem-se fortalecido, nos últimos anos, como um importante polo de
discussão a respeito do tema suicídio, com a promoção de dois fóruns estaduais de
prevenção, realizados em 2007 e 2008, nos quais diversos profissionais participaram
de amplo debate, revelando um pouco dessa dura realidade no Espírito Santo. Esse
trabalho da equipe do TOXCEN e de diversos colaboradores, com os quais esta
pesquisadora tem sido interlocutora, culminou na publicão do livro Vidas Interrompidas,
organizado por Ítalo Francisco Campos, publicado em 2009, como uma realização do
Governo do Estado do Espírito Santo, por meio da SESA.
Desde a primeira participação desta pesquisadora nesse movimento de
discussão, o TOXCEN mostrou-se sensível ao trabalho realizado, por meio do qual se
demonstrou importante seriedade no registro dos dados estatísticos e se permitiu o acesso
a eles.
O TOXCEN foi escolhido para sediar este estudo por se acreditar em sua
149
Método
preocupação real e se reconhecer todo o trabalho que vem desenvolvendo no campo da
prevenção do suicídio. É um serviço blico vinculado à SESA/ES, implantado em abril
de 1992, no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), pela Dr.
a
Sony de Freitas
Itho, médica, que se mantém na coordenação desse serviço até os dias atuais.
Desempenha relevante papel em todo o Estado. Para o acolhimento das intercorrências
toxicológicas de adultos, mantém uma equipe de plantão ininterrupto por telefone, a qual
fornece assessoria a médicos, a outros profissionais de saúde, ou mesmo a leigos, para
o socorro imediato às vítimas de intoxicações suspeitas ou confirmadas. Presta
atendimento imediato no Pronto Socorro Infantil do HINSG e mantém o acompanhamento
pediátrico dos pacientes intoxicados até a resolução do caso. Tamm está à disposão,
pelo plantão telefônico, para orientar os procedimentos adequados e atender
intercorrências com criaas em outras instituições hospitalares, ou mesmo nos domicílios,
em qualquer município do Espírito Santo. Desenvolve um trabalho de orientação à
população em geral, a profissionais e a instituições de saúde sobre substâncias tóxicas
aos seres humanos, aos animais e ao ambiente. Desempenha importante papel na
prevenção de acidentes com crianças por meio de produtos tóxicos ou de veneno de
animais peçonhentos. Tem, além disso, uma preocupação e um cuidado com o registro
dos dados epidemiológicos, o que lhe possibilita um trabalho preventivo (ITHO, 2009).
Após o contato com o TOXCEN, a apresentação do projeto de pesquisa, a entrega
do termo de consentimento de uso dos dados e o aval da pessoa responvel na Instituão
por meio de assinatura (Anexo II), foi feito um levantamento dos casos registrados em
prontuários de óbitos por ingestão proposital de substâncias tóxicas ao organismo,
notificados entre os anos de 2003 a 2007, levantamento que possibilitasse identificar os
participantes, a serem escolhidos aleatoriamente entre as famílias cujos dados para
contato estivessem no prontuário da instituição, por meio de critérios preestabelecidos
150
Método
de inclusão e exclusão, a saber:
critérios de inclusão:
a) ter perdido um (a) filho (a) por suicídio há, no mínimo, dois anos, confirmado
por uma fonte oficial, por ingestão proposital de substâncias tóxicas;
b) ser residente na Grande Vitória; e
critérios de exclusão:
a) apresentar dúvidas quanto ao fato de a morte ter sido causada claramente
por ingestão proposital ou por ingestão acidental;
b) apresentar transtornos psiquiátricos ou neurológicos que pudessem
prejudicar a compreensão do objetivo da pesquisa e, por conseguinte, a dinâmica da
entrevista.
Com base nos dados dos prontuários que apontassem pais com as características
acima descritas, um primeiro contato com os possíveis participantes seria realizado com
o objetivo de convidá-los a tomar parte na pesquisa. Se o convite fosse aceito, seria
realizada a coleta de dados sobre a constituição familiar e o método empregado no
suicídio para verificar sua pertinência do participante em relação ao grupo a ser
investigado. Decidida a participação, os encontros aconteceriam em local definido pela
pesquisadora com os pais, de acordo com a conveniência desses.
Na primeira seleção, foram escolhidos os prontuários com casos de óbitos
registrados na Grande Vitória. Surpreendentemente, ao manusear as informações
contidas nesses prontuários, observou-se que eram raros os dados de contato referentes
à pessoa que havia morrido; a totalidade era de atendimentos supervisionados nos
hospitais, com registros do número de seus respectivos telefones. A pesquisadora
151
Método
telefonou para todos os números de contato disponíveis nos prontuários das pessoas
que morreram e em nenhum deles foi encontrado algum familiar: ou o número do telefone
não existia, ou a família o havia trocado. A partir da discussão ocorrida no exame de
qualificão, ampliou-se a seleção para os registros em qualquer região do Espírito Santo.
Novamente, o mesmo fenômeno foi encontrado e nenhuma família foi localizada.
Então, nova estratégia foi elaborada junto aos hospitais onde ocorreram os óbitos
na tentativa de localizar os pais. Para tanto, entrou-se em contato o setor de registros de
prontuários, inicialmente nos hospitais da Grande Vitória e posteriormente nos dos
municípios do interior do Estado. Em dois deles foram feitos pedidos formais à Direção,
por intermédio dos funcionários responsáveis, um dos quais se negou a atender o pedido
alegando quebra do sigilo médico da identidade do paciente (Anexo III). O outro não deu
qualquer resposta até a finalização desta pesquisa. Em outro hospital da Grande Vitória,
conseguiu-se que uma funcionária fizesse uma busca nos prontuários. Como a maioria
dos prontuários é arquivada por uma empresa terceirizada, até o presente momento
eles não foram encontrados. Daqueles que foram localizados na Instituição, referentes
ao ano de 2007, nem sequer constava o registro do óbito e apenas endereços vagos,
impossíveis de serem localizados.
Em dois hospitais do interior, conseguiu-se o telefone de duas famílias por serem
conhecidas na cidade. A pesquisadora entrou em contato com ambas. No primeiro deles,
a mãe o atendeu aos critérios de inclusão, pois não acreditava que a filha havia cometido
suicídio, mas que sofrera um problema no coração, depoimento esse em que a realidade
foi claramente distorcida, segundo informações de sua irmã. No contato com a outra
família, obteve-se a informação de que a mãe morrera havia três meses.
Depois de checadas todas as possibilidades e diante da inviabilidade de localizar
algum participante dessa maneira, optou-se por entrevistar apenas um núcleo familiar,
152
Método
delimitando a participação dos pais enlutados por suicídio de um filho, sem fazer restrições
à configuração familiar e à faixa etária dos pais ou dos filhos, bem como ao método
empregado para o suicídio. Nessa ocasião, ficou estabelecido que, dependendo da
configuração familiar pais separados, divorciados ou viúvos –, a pesquisa seria realizada
com apenas um dos pais, independente do gênero. Também foi reduzido para um ano o
tempo decorrido da perda e ampliado o local de residência, da Grande Vitória para o
Espírito Santo. A pesquisadora então fez uma busca nos contatos disponíveis no grupo
API/Vitória, em busca de pais que atendessem a esses novos critérios seletivos e que,
de preferência, não tivessem com ela vínculo terapêutico. Chegou-se assim a três
possibilidades.
A primeira foi descartada, pois a mãe não sabia que a filha havia morrido por
suicídio, e o familiar de contato informou que, além disso, ela não teria condições
psicológicas de ser entrevistada por ter perdido outro filho mais tempo ainda, estando
muito fragilizada com as perdas. O pai já era falecido. O familiar participou do API/Vitória.
Partiu-se para a segunda mãe que se disponibilizara a colaborar com a pesquisa.
Neste caso, houve tamm a possibilidade de entrevistar seu ex-marido, desde que as
entrevistas fossem realizadas separadamente. O filho de 19 anos enforcara-se em
dezembro de 2007. No dia marcado para o encontro, a irmã da entrevistada veio a falecer,
o que inviabilizou a realização da entrevista mesmo que para um futuro próximo. Por
outro lado, não se conseguiu contatar o pai. Essa mãe frequentou algumas reuniões do
API/Vitória.
A terceira possibilidade envolveu uma mãe que o chegou a frequentar as reuniões
e que havia sido indicada para participar do grupo por sua psicóloga. Ao entrar em contato
com essa psicóloga para obter informões sobre a possibilidade de entrevistar a referida
153
Método
mãe, sem causar prejuízos a ela, recebeu-se a informação de que ela apresentava a
estabilidade necessária à participação.
6.2 - Participante
Atualmente com 80 anos, M. é natural do interior de São Paulo. É presbiteriana e
foi casada por 39 anos com P., com quem teve quatro filhos. Enfermeira formada, deixou
a profissão e dedicou-se à arte. Em maio de 2008, perdeu um filho de 52 anos que
suicidou-se utilizando como método a precipitação de um lugar elevado.
6.3 - Procedimento
O convite para a participação na pesquisa foi feito pela própria pesquisadora, via
telefone, mediante a explanação e a orientação verbal sobre os objetivos da pesquisa e
sobre as questões éticas que envolvem todo o procedimento. Após a aceitação, foi
marcado um encontro na residência da participante, por ela ter achado mais conveniente
que assim fosse. Nesse encontro, foi-lhe entregue o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice II), já previamente aprovado pelo Comitê de Ética da PUC-SP,
que foi lido em conjunto, explanado nas eventuais dúvidas e assinado por ela.
De acordo com o planejamento da pesquisa, seriam realizados dois encontros:
no primeiro, a pesquisadora construiria o genograma da família com as informações
obtidas da mãe; no segundo, aplicaria a entrevista semiestruturada. Porém, a participante
começou a contar a história do filho no momento em que era preenchida a folha de
identificação. Assim, não houve chance de introduzir a confecção do genograma nesse
momento inicial, conforme previsto. A entrevista foi conduzida, então, em um movimento
154
Método
de escuta atenta sobre a história da morte do filho, em que se acompanhou o ritmo da
entrevistada. Poucas intervenções foram feitas por parte da pesquisadora. Ao final desse
relato, a entrevistada interrompeu a entrevista dizendo o estar sentindo-se bem. Depois
continuou conversando, dando oportunidade para que fossem introduzidos alguns dos
temas relacionados na entrevista semiestruturada. Ofereceu um lanche, em meio ao qual,
para o sobrecarre-la, foi-lhe dito que a entrevista continuaria num outro dia. Ela ficou
curiosa em relação ao genograma e quis fazê-lo na hora. Esse último momento, porém,
não ficou registrado no gravador, que também foi desligado em duas outras situações.
6.4 - Instrumento
O genograma da família foi construído pela pesquisadora com base nas
informações obtidas junto à entrevistada. A pesquisadora registrou também as
informões por escrito, tendo como base o modelo apresentado por McGoldrick e Gerson
(2001), com pequenas adaptações, conforme se pode observar no Apêndice III, de
maneira a propiciar melhor compreensão dos elementos apresentados.
Esse instrumento proporciona uma visão gráfica da história familiar trigeracional
e de seu movimento dentro do ciclo de vida, destacando, em especial, o histórico de
perdas da família, a presença de transtornos psiquiátricos, alguns dados
sociodemogficos, as relões familiares, a repetição de padrões, entre outras
informações relevantes ao presente trabalho.
Embora seja um instrumento útil à sistematização de informações, também foi
utilizado como um recurso conversacional para o estabelecimento de um diálogo que
propiciasse a abertura de temas dolorosos ou, muitas vezes, não ditos, de maneira a
reduzir qualquer eventual desconforto na participante.
155
Método
A entrevista semiestruturada (MINAYO, 2004) foi realizada seguindo um roteiro
prévio de questões (Apêndice I), que abordava temas relevantes ao processo de luto
dos pais por suicídio de um filho, escolhidos com base nos pressupostos apresentados
no levantamento bibliográfico realizado no corpo teórico da pesquisa. Esse instrumento
permite uma observação participante do pesquisador e possibilita a revelação dos
códigos dos participantes e seus significados.
A entrevista apresenta a vantagem de poder ser empregada com pessoas que
o sabem ler ou escrever, possibilitando, ao mesmo tempo, a análise do comportamento
não verbal do entrevistado. A presença do entrevistador, por sua vez, contribui para que
se averígue a compreensão das perguntas por parte do entrevistado. Também se mostra
vantajosa porque os participantes podem apresentar uma resistência importante ao
submeter-se a algum instrumento que envolva sua presença em grupos, por preconceito
ou tabu em relação ao tema, o que pode gerar algum tipo de desconforto. A entrevista foi
gravada em áudio, com a utilização de mídia digital (sistema MP3), para garantir maior
fidelidade às informações.
6.5 - Análise dos Resultados
Após a entrevista, as informações foram transcritas na íntegra. As conversações
foram transformadas em texto, no qual se tentou incluir os sentimentos expressos pela
intensidade da fala, as expressões significativas, silêncios, risos, entre outras
manifestações. Os dados obtidos foram submetidos à análise de conteúdo, inspirada
nos procedimentos técnicos sugeridos por Bardin (2009), de maneira a identificar e
descrever os temas que surgiram na fala da participante. Esse processo deu-se em dois
movimentos, como será relatado a seguir.
156
Método
Desde o momento posterior à entrevista, muitos pensamentos a respeito do que
foi dito e a maneira como foi conduzida assolaram os pensamentos da pesquisadora.
Após a transcrição da entrevista, foi feita uma leitura flutuante, acompanhada de uma
leitura intuitiva (BARDIN, 2009) desse material, o que suscitou uma tempestade de ideias,
uma profusão de sentimentos e impressões que foram sendo registrados para que
pudessem embasar a discussão.
A leitura flutuante do material transcrito foi realizada com o intuito de analisar, de
uma maneira geral, os sentidos trazidos pela entrevistada sobre a perda e as experiências
decorrentes dela. Nesse processo, foram sendo destacadas as frases e palavras
marcantes que indicavam crenças, atitudes, sentimentos, vivências e emões em relação
ao suicídio e ao processo de luto. Também foi destacado o tipo de apoio, profissional ou
não, recebido após a perda e a percepção que a mãe teve em relação a ele, para tentar
estabelecer o que é importante no sentido de facilitar o processo de luto. Dessa forma,
foi possível destacar os núcleos de sentido em busca de similaridades para a formação
das categorias de análise que fossem qualitativamente representantes do discurso da
participante.
Por último, foram traçadas algumas considerações sobre os dados obtidos por
meio da análise de conteúdo em sua relação com a interpretação dada aos obtidos por
intermédio do genograma.
6.6 - Cuidados Éticos
Este estudo seguiu estritamente as exigências éticas de pesquisas que envolvem
seres humanos, com consentimento e aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da
PUC-SP (Anexo I). Tais princípios éticos estão baseados na Resolução 196/96 do
157
Método
Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
Também seguiu as exigências do Código de Ética do Conselho Federal de
Psicologia, garantindo à participante o sigilo em relação aos dados por ela fornecidos,
de maneira que não possam ser identificados.
A participante tomou conhecimento do objetivo e das etapas da pesquisa por meio
do Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice II). Além disso, mesmo utilizando
instrumentos com baixo risco de provocar qualquer dano físico ou psíquico, ou qualquer
tipo de prejuízo para a participante, a pesquisadora comprometeu-se a prestar toda e
qualquer assistência que se fizesse necessária.
Ficou acordado que a participante tomará conhecimento dos resultados da
pesquisa por intermédio da pesquisadora, que disponibilizará o acesso a eles de acordo
com o interesse demonstrado.
158
Apresentação e Discussão dos Dados
Capítulo 7
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO
DOS DADOS
Apresentação e Discussão dos Dados
160
CATULO 7 - APRESENTAÇÃO E DISCUSO DOS DADOS
M., conforme se convencionou chamá-la para fins de preservação de sua
identidade, apresentou-se solícita para sua participação na pesquisa, demonstrando
bastante interesse no assunto tamm pela possibilidade de compartilhar sua experiência.
De voz forte e segura, conversou sobre os temas propostos sem dificuldades aparentes,
mantendo o controle de suas emoções por todo o tempo de duração do encontro.
Atualmente com 80 anos, M. é natural do interior de outro Estado. Enfermeira
formada, deixou a profissão e dedicou-se à arte. É presbiteriana e foi casada por 39
anos com P., com quem teve quatro filhos. M. e seu filho E. ficaram morando juntos em
um apartamento próprio, após a separação conjugal, ocorrida havia 20 anos, que a levou
a assumir os cuidados com o filho. Recebe módica pensão alimentícia proveniente dessa
separação. Após a morte de E., M. mudou-se para um apartamento em outro bairro da
Grande Vitória e atualmente conta com a companhia de uma pessoa que veio de outro
estado trabalhar para ela.
E. era solteiro, poeta e escritor. Frequentava a Igreja Maranata, Era portador de
esquizofrenia desde os 17 anos, submetendo-se a tratamento psiquiátrico desde o início
da doença. Dois de seus outros filhos também moram na capital, e um, em outro estado.
O suicídio ocorreu na residência deles, quando E., em meio a uma grave crise
psiquiátrica, se atirou da janela de seu quarto. M. estava presente em outro cômodo no
momento do suicídio e não percebeu a queda. Estava nesse mesmo cômodo quando foi
avisada por vizinhos.
Bardin (2009, p. 126) supõe que as perturbões da palavra durante uma entrevista
podem servir como um indicador do estado emocional subjacente. Os significados,
habitualmente exteriorizados verbalmente, também podem ser expressos por
Apresentação e Discussão dos Dados
comportamentos o verbais, como, por exemplo, a expressão facial, a postura e até o
silêncio (NADEAU, 1998).
Ao longo da entrevista, foi possível observar muitos comportamentos não verbais,
desde a mudança de posição da postura corporal até alguns breves silêncios, que
pareciam ser uma forma de expressão do pesar, de encadeamento de ideias, ou mesmo,
da falta do que dizer diante de tamanho sofrimento.
No discurso da entrevistada também foi possível identificar diversas manifestações
de emoção por meio das interrupções da entrevista, do corte nas palavras, da repetição
enfática de termos, do uso frequente dos tiques de linguagem, como “né” e “sabe”, da
mudança de assunto de uma hora para outra.
Este último item chamou a atenção ao longo da análise da entrevista, pois, quando
parecia que a entrevistada estava completamente desconectada do tema em pauta,
conversando sobre amenidades, ela emitia frases muito coerentes e significativas em
relação ao seu estado emocional e ao processo de luto. Vários desses sinais o verbais
faziam, habitualmente, parte do estilo de expressão da entrevistada e, muitas vezes,
pareciam estar associados ao encadeamento de seus pensamentos na tentativa de
entender o processo que estava vivenciando e, ao mesmo tempo, de se fazer
compreender.
Além disso, muitas memórias e explicações entrecortavam sua fala, demonstrando
a habilidade que tinha de intercalar diferentes histórias ao mesmo tempo e de retomar o
fio condutor do discurso.
Bardin (2009) afirma que a irrupção de uma recordação pode indicar a presença
de um acontecimento conflitual, provocando a perda do domínio do raciocínio e do estilo.
De acordo com a proposta do autor para a análise da enunciação do discurso, pode-se
dizer que a entrevistada apresenta um estilo confuso, excitante e repetitivo, o que é
161
Apresentação e Discussão dos Dados
esperado em função do processo de luto e seus efeitos na memória, na emoção e na
cognição, conforme visto no embasamento teórico deste trabalho. Também é preciso
considerar a idade de M., que lhe proporciona muita bagagem de vida e, por conseguinte,
muitas histórias para contar.
Na transcrição dos trechos da entrevista apresentados na discussão foram
suprimidos todos os nomes das pessoas envolvidas. Optou-se por não abreviar ou
substituir os nomes, mas indicar o papel que cada pessoa ocupa na vida de M. Devido à
profusão de nomes citados em toda a entrevista, acredita-se que essa é uma maneira
de facilitar a leitura..
Convencionou-se utilizar alguns sinais gráficos:
[ ] reflexões e observações da pesquisadora que possibilitam maior compreensão
do discurso de M.;
[...] supressão de conteúdo em falas muito próximas umas das outras;
< > registros por escrito do que foi conversado no período de tempo em que o
gravador não estava ligado;
( ) esclarecimento das entonações, expressões verbais, ritmos, entre outras
variações do discurso, que o foram passíveis de percepção nas transcrições.
Em negrito estão as palavras às quais foi dada maior ênfase ou que expressavam
mudança de entonação.
Ao longo da discussão, os núcleos de sentido aparecerão sublinhados.
7.1 Primeiro Movimento de Análise
As categorias apresentadas a seguir foram formadas mediante o agrupamento
dos núcleos de sentido, conforme processo descrito no método. Foi difícil estabelecer
162
Apresentação e Discussão dos Dados
esses núcleos bem como essas categorias, pois muitos deles estão correlacionados,
tais como a complexidade do luto e os fatores que o envolvem. Assim, é possível que
núcleos de sentido apareçam em mais de uma categoria, mesmo que o tenham sido
percebidos e destacados durante a análise, pois dependem também da interpretação
de cada observador. Também um entrelaçamento das categorias. Não se pretende
esgotar a análise, pois alguns pontos podem ter permanecido obscuros aos olhos desta
pesquisadora por seu envolvimento com o tema investigado.
RELIGIOSIDADE
Recurso de enfrentamento
Apoio
O FILHO
Apresentação do filho
Características do filho
História da doença
O SUICÍDIO
Antes
Durante
Depois
O LUTO
Reações
Recursos de enfrentamento
163
Apresentação e Discussão dos Dados
RELIGIOSIDADE
Houve muita dificuldade em definir se a religiosidade entraria como uma categoria
ou não, pois ela perpassa praticamente todo o discurso da entrevistada. Definiu-se,
portanto, estabelecê-la como categoria, mas que o será aqui esgotada, uma vez que
também aparecerá nas outras categorias, apesar dos esforços em isolá-la.
Filha de pastor, M. demonstra uma em Deus muito forte, fazendo-o presente em
todos os momentos de sua vida. Considera a religião acima de tudo e importante
motivadora em sua vida atual.
“[...] a religião que pra mim é um negócio muito importante...”
“[...] eu vou falar essas coisas também, bom?[referindo-se às
questões religiosas, indicando a importância delas em sua vida].
“[...] Eu tenho que estar com os dedos mais leves para tocar os hinos
na igreja.
É interessante observar em seu discurso o diálogo interno com Deus, a quem faz
pedidos e agradece as graças concedidas bem antes do período do luto. As primeiras
referências envolvem o início da doença de E.
“[...] Eu pedi a Deus: ‘Deus faz com que apareça uma... o (corte na
fala) E ... faça uma coisa que chame a atenção do P., que ele perceba
que ele [E.] precisa de tratamento...’
“[...] Até que eu pedi a Deus.
“[...] Eu dei graças a Deus, porque eu precisava de uma ajuda, porque
eu tava vendo que ele tava muito ruim.”
Segundo Klass (1999), é possível haver uma decepção com Deus quando o mundo
espiritual dos pais é afetado pela perda de um filho. M. manifestou uma importante raiva,
164
Apresentação e Discussão dos Dados
que deve tê-la deixado com profundos conflitos por sua formação religiosa:
“[...] Muita raiva de Deus! Muita raiva! Eu sei que uma batista que
morava lá no prédio, ela falou: ‘Dona M., vamos orar...’ Eu falei: Não
quero! com raiva de Deus!’” [enfática].
No entanto, conseguiu fazer uma conciliação com seu modo de pensar, dissipando
a raiva, “fazendo as pazes” com Deus.
“[...] Agora, nem Deus! Deus bem.”
“[...] de paz, estou de bem.”
Foi diretamente questionada a respeito de sua manifestação de raiva em relação
à Igreja, mas alegou não ter isso afetado sua rotina religiosa, o que indica que as tarefas
assumidas na igreja são importantes no processo de adaptação à perda, inclusive por
um acolhimento social, como também será visto adiante.
“[...] Mas a igreja o...”
“[...] É, era Deus mesmo, era o Deus, não era a Igreja. Era Deus, mas...
agora, nem Deus! Deus tá bem. [...]”
“[...] Continuo, normalmente. o vou mais porque é muito longe, é
em [bairro], minha igreja. É muito longe, mas eu vou todo domingo.”
“[...] Agora, eu quando vou à igreja eu me sinto muito bem. Assim de
manhã. Porque eu colaboro. eu me sinto... o pessoal me abraça,
sabe. Lá eu colaboro tocando os hinos [...]
A raiva em relação a Deus já havia sido reação conhecida, quando foi expressa
em outro momento de sua vida, após a separação conjugal, na ocasião em que seu ex-
marido encontrou uma mulher, que atualmente é sua companheira.
165
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Mas não fiquei com raiva deles o, fiquei com raiva de Deus.
Deus tinha que castigar ele e não mandar logo uma pessoa que é boa,
uma pessoa que é direita [risos]. E ele não podia fazer isso [risos].”
Assim, pode-se afirmar que existe em M. a crença de que as graças e castigos da
vida são concedidos por Deus. Porém, não foi possível descobrir se interpretou a morte
do filho como castigo.
Apesar de ser praticante em sua crença, alega que aceita outras formas de
expressão da religiosidade, respeitando as diferenças.
“[...] Tem uma neta que [...] é ótima pra mim, que eu o sei o que ela
é. Não sei se ela é espírita, se é católica... Ela faz uma lambança... o
sei o que ela é. E nem sei se ela tem religião. Mas é boa demais, boa
demais!”
Essa aceitação das diferenças é comum na sua Igreja, que é assim considerada
por ela:
[...] É uma igreja muito aberta, né?
“[...] Eles m mente muito aberta. Tão aberta que o padre já pregou...
ahn... o operário pregou duas vezes, nosso pastor pregou lá, todo
trabalho (corte na fala), caminhada que a gente pode fazer junto, a
gente faz junto, sabe? Eu gosto assim, eu acho que eu gosto assim:
que chegue o dia em que não haja mais divisões, o é?”
“[...] A minha Igreja é Igreja Presbiteriana unida; é uma Igreja que é... a
mesma presbiteriana, que ela é, é... ecumênica.”
“[...] A gente trabalha com outras igrejas, inclusive a Igreja Católica Eu
só ficaria numa igreja assim agora, não ficaria em outro tipo de igreja
não.” [não houve oportunidade de descobrir qual a crença que estava
por trás dessa afirmação, mas parece estar relacionada à morte de E.”
“[...] É uma Igreja de gente... É classe média esforçada, né? Gente
muito pobre. Você olha assim, ‘ce’ abre a porta... É diferente de outras
igrejas porque você vê muito mulato e preto. Tem muito mulato.”
166
Apresentação e Discussão dos Dados
Parece ser significativo o posicionamento da Igreja em relação à morte por suidio,
o que deve ter contribuído deveras para que M. não percebesse qualquer tabu ou
preconceito em relação à perda do filho. O acolhimento se fez presente de forma implícita
e explícita, o que não é muito comum de acordo com o relato de famílias enlutadas por
suicídio e com a bibliografia consultada.
“[...] Veio o pastor, falou muito bem pra todo mundo, para todas as
famílias, pra todas as religiões, ? Muito bom mesmo o pastor,
presbiteriano...” [durante os rituais funerários].
“O apoio, eu recebi muitas visitas, né? Recebi apoio do pastor tanto da
minha Igreja, e... (corte na fala).
“Ah! Total, total! [o apoio] Não tem Igreja mais nenhuma, nem católica,
nem... que tem mais esse preconceito, né? Não tem, ? E eu falo
claro também, né, com todo mundo. de ter alguém que tem sim um
preconceito, mas a maioria...”
Sabe-se que o estigma é um fator que influencia o enlutamento (PARKES, 1998;
RANDO, 1998) M. experimentou importante validação social diante do reconhecimento
da morte do filho (RANGEL, 2008) na ausência desse estigma, por parte da Igreja e de
seus integrantes. M. relata um envolvimento saudável com a Igreja, encarando-a como
uma excelente fonte de apoio e ocupação, que lhe trouxe muito bem-estar. Empenha-se
em manter suas atividades lá.
“[...] E então, eu gosto da minha Igreja, eu me sinto muito bem. Às
vezes eu chego ruim e saio bem. Porque eu sou útil, eu participo, as
aulas são de manhã. É aula, sabe?, de escola dominical. Aí é escola
mesmo.
“[...] Agora, gosto, justiça seja feita; a minha igrejinha lá... eu vou de
manhã também, porque eles têm mais culto.”
“[...] Eno é muito bom. As aulas são ótimas. Ce [você] aprende e
você pode discutir [...]
167
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Ah, continuo! Eu vou de táxi, né? Olha o dinheiro que eu gasto, que
eu não tenho, né? Não vou de ônibus não. Fui duas vezes de ônibus,
mas é muito cansativo. Isso eu não abandonei porque é muito bom pra
mim.
“[...] Eu sei que amanhã talvez seja um dia muito bom. Porque eu pego
um táxi aqui... eu vou.” [para a Igreja].
[...] Eu gosto de manter a Igreja, gosto das aulas. Conforme o professor,
é excelente!
O acolhimento da comunidade religiosa permitiu que ela expressasse seu pesar,
tivesse o vínculo com o filho morto reconhecido (KLASS, 1999), recebendo incentivo
para o retorno às atividades.
A participação do pastor foi destacada como muito importante em rios momentos
mencionados, atuando como um fator incentivador da recuperação de M. Conforme afirma
Shapiro (1994), a presença da rede de apoio às tarefas diárias é importante para o
estabelecimento de um novo equilíbrio após a perda.
“Ele falou [o pastor]: ‘já sei o que que a senhora vai fazer, a senhora ta
querendo, vai pegar um grupo de alunos de piano, na igreja mesmo,
gente que não pode pagar; a Igreja que vai pagar’.”
O FILHO
Para uma mãe enlutada, não importa o tempo decorrido da perda, é importante
fazer a apresentação de seu filho aos seus interlocutores (SCHATZ, B. D., 1997). M.
apresentou seu filho por intermédio dos trabalhos escritos por ele, nos livros que manuseou
ao longo da entrevista, bem como em alguns recortes de seu relato.
“[...] Livro dele, livro dele... Ele tem muita coisa escrita.”
168
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Ele tem uma peça que ele fez com 14 anos, antes de ficar doente.
[nome da peça]. Essa peça foi levada na [outro Estado], no [outro
Estado], ganhou prêmios, foi levada aqui diversas vezes, sabe? E o
que ele fazia... ele vivia escrevendo, ele... E o trabalho dele é bom. É
bom.
“Aqui foram todas as poesias eu que pedi pra ele tirar que falassem de
mar, porque eu queria pintar.”
“[...] Uma coletânea.”
Nessa apresentação, ressaltou as características positivas do filho escritor,
destacando seu talento literário, desde quando era criança, e, em especial, a ideia de
ele ter sido um bom filho, apesar da doença. As qualidades positivas são ressaltadas
pelos pais enlutados, enquanto as negativas, muitas vezes, nem sequer o mencionadas,
o que pode ser atribuído à idealização que fazem do filho morto (RANGEL, 2008).
No processo de luto de M., as características positivas aparecem como lembraas
muito agradáveis e irromperam com frequência em seu discurso ao longo de toda a
entrevista.
“[...] ele nasceu uma criança superalegre e normal, muito alegre.”
[...] ele digitava tudo que eu pedia, sabe? Tudo que eu pedia ele digitava
muito bem. Porque ele mexia no computador o dia inteiro. Sabia as
notícias do dia, das políticas, e tudo antes, antes de mim. [...] Ele tinha
as opiniões dele muito bem formadas.”
“[...] E ele lá... e escrevia; e eu guardei a caderneta. Ele queria jogar
fora, mas tava muito engraçado (fala alegre). Ele tinha essas coisas
engraçadas mesmo na doença. Tava... tava... tinha muita coisa
engraçada ali.”
“[...] você foi um filho bom, vonunca... teve uma porção de coisas
boas. Quantos pais choram por causa de filho bandido, né? Você nunca
deu trabalho nisso!”
“[...] Ahhhh! [exclamação de surpresa] Isso aqui ele fez uma dedicatória
pra mim. Eu nem tinha visto ainda.” [referindo-se a um livro de poemas
dele no qual ela descobriu uma dedicatória].
169
Apresentação e Discussão dos Dados
As características negativas também foram apresentadas, mas sempre atribuídas
à história da doença. Para M., a esquizofrenia era um impedimento para que o filho
conquistasse o que desejava, trazendo-lhe prejuízos sociais.
[...] A cabeça ótima! O que ele tinha era a doença mesmo, que (espaço)
dava surtos de vez em quando.”
“[...] Agora, fumava o dia inteiro, mas não bebia, o bebia.” [após o
primeiro surto].
“[...] Mas era assim, ele não ia... raramente ele ia a algum aniversário.”
“[...] Esse aqui foi editado, mas ele o quis fazer lançamento. Ele o
tinha, quer dizer, ele o tinha coragem, ele não tinha coragem de
enfrentar pessoas.”
M. relatou que a esquizofrenia surgiu quando E. tinha 17 anos, após o uso de
muitas drogas. Embora não tivesse certeza, relatou que essa é uma possibilidade para
o desencadeamento da doença.
“[...] E drogas e mais drogas e mais drogas. E ele entrou, direto. Talvez
isso tenha ajudado a desencadear (espaço) a doença. Não, o foi a
causa. Mas que tenha ajudado a desencadear.”
“E... mas eu não sei se foi isso que desencadeou ou não. Não sei.”
Para ela, uma pessoa que tem um forte relacionamento com a religião, como
indicado anteriormente, dá muita importância às manifestações religiosas do filho, as
quais ela associou à esquizofrenia.
“[...] E., com 17 anos, ele começou a ficar esquisito. De repente.
Começou a se fechar no quarto, ler o dia inteiro a bíblia (ênfase). Mas
não por mim. Eu que... não foi isso Ele começou a frequentar a Igreja
Maranata. E ficou fanático. Ficou totalmente fanático.
170
Apresentação e Discussão dos Dados
Apesar de o filho frequentar outra igreja que o a dela, adotando pticas religiosas
diferentes, M. demonstrou aceitação dessas diferenças em vários momentos, abrindo
mão de seus próprios preceitos religiosos em prol do bem-estar do filho. Esse tipo de
atitude revela os extremos cuidados, a disponibilidade, a preocupação e o vínculo que
M. sempre teve com seu filho.
“[...] E continuava na Igreja Maranata, né? Mas é que... Eu ia até junto
se precisasse. Porque ele se sentia bem.”
“[...] No bado, ele... às vezes ele pedia pra eu orar com ele. Daí ele
ajoelhou na Maranata eles gostam de ajoelhar ajoelhou, eu botei a
mão na cabeça dele e orei com ele.”
“[...] E., você quer que eu leia um salmo pra você?Ele ficou meio
assim e falou: (quero!) Daí eu abri o salmo... Abri duas vezes assim a
bíblia, que eu não tenho costume de fazer isso, ?”
“[...] eu ia buscar quando ele, muitas vezes eu fui buscar, que ele ia
beber aqui pertinho de casa.”
O empenho na melhora do filho surgiu como uma demonstração de sua forte
vinculação com ele. Desde o início da doença, ela o acompanhou a médicos, buscando
os melhores tratamentos disponíveis até mesmo em outro estado. Atentamente, observava
os altos e baixos apresentados no curso da doença, em meio a crises bem sérias e a
períodos de maior calmaria. M. percebeu o início dos sintomas antes de seu marido,
que, no princípio, negou a doença. Após a conscientização do problema, P. tamm
participou do tratamento, e as decisões foram sendo tomadas em conjunto. Assim foi se
desenvolvendo o papel importante que E. ocupou no relacionamento dos pais.
“[...] E com isso o casamento meu e de P., e é interessante isso, ia
também perdurando, porque a gente tinha aquele interesse em comum,
né?” [o filho].
171
Apresentação e Discussão dos Dados
M. acompanhava os períodos de maior estabilidade do filho com o maior
entusiasmo. Destacou algumas outra características positivas, inclusive o nível alcançado
de autonomia, e outros fatores que atribuiam um grau de normalidade à vida do filho.
“[...] E ele tinha um fusquinha nesse tempo, o E., e ele dirigia, muito
bem. Ia pra [outra cidade], voltava, tinha namoradas. Nesse tempo
que ele ficou bom, ele viajou com um grupo de amigos.”
“[...] E ele resolvia tudo sozinho, por ele mesmo: ele comprava os
remédios, organizado demais, sabe? Dizem que um um dos sinais,
né?, da pessoa com esquizofrenia, a org...(corte na fala). Ele era muito
organizado. O remédio dele era tudo assim, certinho, sapato, tênis,
tudo certinho. O quarto dele era muito mais arrumado do que o dos
irmãos.”
“[...] E... mas ele cuidava das coisas dele... tudo: ia na [Universidade],
cuidava das... das...”
Passou por vários períodos de estabilidade, que pareciam estar associados ao
sucesso do tratamento vigente, períodos em que E. chegou a se destacar no que fazia,
momentos em que as características positivas se faziam presentes.
“[...] Fez vestibular de (espaço) agronomia, passou em primeiro lugar,
sabe?
“[...] Ele trabalhou um tempo na [Universidade], isso é importante, com
[pessoa conhecida], que ficou amigo dele até o fim, sabe? Isso foi muito
bom pra ele. Mas no fim, ele ficou bastante tempo, tempo suficiente
pra se aposentar. Aposentou por motivo de doença, né, (espaço) e ele
o conseguia mais ficar no meio de gente, no meio de pessoas
desconhecidas que chegavam, ele não conseguia.
Outro aspecto importante por ela abordado envolveu o percurso de busca de
tratamento para o filho, atividade por ele assumida quando ainda jovem. Foram apontados
na entrevista os nomes de diferentes médicos, com destaque para um deles, com quem
172
Apresentação e Discussão dos Dados
E. se tratou por vinte anos. Foi relatada uma internação logo no início da doença, pois
uma das características da crise mencionadas foi que E. ficava sem dormir. o se sabe,
porém, se houvera outras internações ou se E. foi submetido a algum tratamento
psicoterápico.
[...] e o [primeiro médico] falou ‘vamos internar ele’, porque ele está
muito sem dormir também. ‘Vamos fazer uma sonoterapia e vamos
iniciar uma medicação. Daí foi o que fizemos.”
Depois da internação, E., ainda com sintomas persecutórios, o quis
voltar para a casa onde moravam. Assim, mãe e filho ficaram
provisoriamente na casa de familiares e no sítio de propriedade da
família, a que se mudaram para um novo apartamento.
“[...] E ele ficou lá. Assim, passando bem, passando mal, passando
bem. Teve alguns surtos violentos. Violentos.”
“[...] Daí nós fomos com ele lá. Íamos sempre lá. Até que ele começou
a ficar tão bom, o bom que ia sozinho. Ia a [cidade em que fez
tratamento] sozinho, voltava sozinho, passeava.[referindo-se ao
tratamento com um médico de outra cidade].
Abandonando o tratamento, teve novo surto que fez com que ele deixasse a
faculdade. Iniciou um tratamento com um novo médico, com o qual ele se tratou por mais
tempo. M. alega que a mudança de médicos se deveu à não-satisfação de E. com a
relação médico-paciente.
“[...] Ele sempre falava... ‘O Dr. [Médico], ele, ele, ele me põe numa
camisa de força química, é porque ele nem olha nos meus olhos’.”
“[...] Às vezes ele queria sair do Dr. [Médico], queria um que se
comunicasse mais. Daí ficou um tempo tomando esse remédio,
melhorou, ficou mais ou menos”.
A partir de 2007, apresentou piora do quadro psiquiátrico, cuidadosamente
registrada na agenda da e, que mais uma vez abriu mão de seus costumes religiosos
para cuidar do filho.
173
Apresentação e Discussão dos Dados
[...] Mas no fim ele foi ficando cada vez pior. Agora em 2007 eu tenho
anotado na minha agenda, ‘E. o está bem, E. o está nada bem, E.
não está bem, não está bem’, 2007. Foi assim 2008. 2007 eu nem fui à
Igreja no dia de Natal, nem no dia de Ano. o fui porque ele o tava
bem.
O SUICÍDIO
A contextualização do suicídio é aqui precedida pela apresentação do filho e pela
história da doença, que servem de base para a compreensão da crise suicida vivida por
E. A história do suicídio foi relatada com grande riqueza de detalhes e intensidade
emocional. Recontar a história pareceu fazer com que M. fosse construindo lentamente
os significados para o que acontecera (RANGEL, 2008). Isso será visto em alguns
momentos quando, ao contar o fato acontecido, já apresenta sua interpretação sobre
ele.
A história da doença apresenta altos e baixos. A longa busca por tratamento e as
dificuldades apresentadas com a esquizofrenia constituem um núcleo de sentido que
poderia ter sido incluído na categoria do suicídio, como parte do período que o precede,
mas, por decisão da pesquisadora, foi encaixado na categoria anterior, como forma de
fortalecer a apresentação do filho. Optou-se em envolver os registros do peodo
imediatamente precedentes ao suicídio como o núcleo de sentido do antes, referindo-se
aos últimos meses de vida de E.
Esse período foi bastante significativo em relão à piora dos sintomas
psiquiátricos, associada ao uso intenso e frequente de bebida alcoólica também como
facilitador social. A presea do transtorno psiquiátrico indica um forte risco para o suicídio,
potencializado pelo uso de bebida alcoólica (BOTEGA; RAPELI; FREITAS, 2004; OMS,
2006).
174
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] um dia ele teve um surto tão feio , tanta pena...”
“[...] Eu notava porque ele... ficava trancado no quarto e saía a noite pra
beber, começou a beber, beber, beber.”
“[...] Porque ele foi piorando muito, tendo surtos e bebendo muito, cada
vez mais, e cada vez ficando mais irreconhe...”
“Então, ele, ele começou em abril, ele tava bebendo muito mesmo
[abaixa o tom da voz], chegava em casa às onze horas da noite e daí
ele falava ‘mãe, é assim que eu consigo falar com alguém’.”
“Então, ele, ele começou em abril, ele tava bebendo muito mesmo
[abaixa o tom da voz].”
Foi tamm nesse período que E. sofreu três importantes frustrações que, segundo
interpretação de M., parecem ter contribuído sobremaneira para o aumento da tristeza e
do sofrimento do filho. A primeira referiu-se a uma paixão não correspondida. A segunda,
ao pouco caso dado por um conhecido a um livro que E. lhe havia dado. A terceira, à não-
publicação de um de seus contos no jornal do bairro.
“[...] ‘Mamãe, o que que eu fiz com a minha vida?’ E olhava com os
olhos tristes. ‘Nada! Eu queria tanto ter casado, ter tido filhos, eu queria
tanto!.”
“[...] Ele tinha esse problema, eu acho que era muitorio pra ele, eu
tenho impressão.” [referindo-se à frustração dele em o ter constituído
a própria família].
“[...] E ele teve muita frustração também nesse tempo afora, a moça,
né?, que ele ficou apaixonado... ele teve muita frustração porque ele
levou um livro prum senhor que ele estava conversando, e, no dia que
ele marcou, ele, esse senhor, o foi , no bar. E depois ele encontrou
e deu o livro, e ele não falou nada, e pra ele isso era importantíssimo, e
ele o disse nada.”
“Ele começou fazer umas crônicas, bonitinhas mesmo [tom de elogio],
que saíam no jornal [do bairro]. De repente, um dia que ele tinha mandado,
não saiu. Saiu um poema (espaço) de uma outra pessoa, né?, e ele
falou: ‘por que?’. Pra ele isso era frustração tremenda.”
175
Apresentação e Discussão dos Dados
O reconhecimento das dificuldades propiciadas pela existência da esquizofrenia
é importante. A doença aparece marcada também como possível explicação para o que
aconteceu ao filho. É possível também que as frustrações mencionadas tenham sido
fatores desencadeantes (FEIJÓ; RAUPP; JOHN, 1999) de uma visão de mundo em que
E. se sentia incapaz, o que coincide com o esquema dos três “is”, mencionado por Meleiro
e Bahls (2004).
É comum, nos comportamentos suicidas, a existência de sinais que indicam uma
intenção de morte, nem sempre perceptíveis pela família (FONTENELLE, 2008), o que
pode gerar um sofrimento adicional ao processo do luto. Esses sinais podem ser
considerados como nuances dos comportamentos suicidas, com base na classificação
proposta por Cassorla (2004).
“[...] essa esquizofrenia é uma coisa muito forte, é uma coisa muito
forte.
“[...] E ele disse que preferia, o sabia, ele queria morrer, que foi
horrível... o que ele sentia.” [ referindo-se à reação de E. ao uso de LSD
aos 17 anos].
“[...] o que ele fez, que todo mundo foi de uma burrice enoooorme de
não entender: ele mandou tirar a grade do quarto dele. Eu não (espaço)
pesquei (espaço) nada. Jamais!”
“[...] Mas foi horrível [muito triste]. Ele falava: ‘me deixa morrer, eu
não aguento mais, e fazia assim na cabeça [imitando o
comportamento do filho batendo na própria cabeça], sabe? E eu não
sabia o que fazer.” [em uma forte crise no período dos dois
últimos anos].
176
Essa falta de compreensão dos sinais pode ser interpretada como uma espécie
de “cegueira familiar”, que geralmente atinge mais de um integrante da família. Em
Apresentação e Discussão dos Dados
algumas situações clínicas, relatos de pessoas, da família ou não, que perceberam
um ou mais sinais, mas disseram que não atribuíram importância ao ato, minimizando o
risco iminente. Fontenelle (2008) afirma que é frequente os familiares, e até mesmo os
profissionais, se surpreenderem com o suicídio.
“[...] Nem me passava pela cabeça que ele pudesse fazer isso”.
“[...] Eu jamais pensei que ele fizesse isso [expressão de surpresa]. Eu
achei que eu ia cuidar dele a vida inteira [abaixa o tom da voz], não é?”
“[...] E a gente, ninguém pensou nada. Ninguém [parece indignar-se
com o fato]. Nem meus filhos. Ninguém pensou nada.”
“[...]” o percebi nada a questão do suicídio, não percebi nada, nada,
nada, nada... nunca me passou pela cabeça.”
Krüger (2007) explica que, diante da crise suicida, as pessoas se defrontam com
canais fechados para falar de morte, o que torna impossível a comunicação do desejo de
morrer, como forma de alívio para o sofrimento intenso, não apenas entre os familiares,
mas também entre membros de toda a sociedade. Dessa maneira, o silêncio envolve a
falia nessas circunsncias e pode tornar-se intransponível. É possível que haja alguns
outros processos de disfuncionalidade do sistema familiar, além da comunicação, que
provoquem essa cegueira.
Constata-se que o fato de não serem percebidos esses sinais, que são facilmente
interpretados após o suicídio consumado, pode gerar intensa culpa nos familiares, como
será visto adiante.
Como visto na fala de E. acima descrita por sua mãe, confirma-se a presença de
um sofrimento psíquico bastante considerável que leva o suicida ao desespero. O
momento da crise suicida é muito difícil. Nota-se nele um importante prejzo da cognição
e uma mistura intensa de sentimentos, de acordo com Cassorla (2004), o que confirma
177
Apresentação e Discussão dos Dados
as ideias de Hsu (2002) e Fontenelle (2008), quando afirmam que o suicida não está em
seu juízo normal no momento do ato.
Essa alteração do estado mental pode favorecer o surgimento ou o fortalecimento
do aspecto que Meleiro e Bahls (2004) consideram como o intolerável na crise suicida.
Tão intolerável que fez E. pedir ajuda de maneira totalmente inesperada à sua mãe,
demonstrando estar completamente transtornado:
“[...] Daí ele chegou pra mim, eu me lembro, eu tava a perto do
telefone, assim no corredor, ele falou: ‘Mãe, eu preciso de me internar,
eu acho que eu preciso de internar. Ele nunca falava isso. Ele o
queria. ‘Eu acho que eu preciso me internar.
“[...] Não sei, porque ele parecia um bicho. (espaço) Parecia outra
pessoa, uma coisa.”
Essa estranheza parece referir-se a todos os momentos que precederam a morte
de E., inclusive à reação dos familiares a quem pediu ajuda.
“[...] e eu chamei todo (corte na fala) chamei os irmãos, chamei os
parentes pra me ajudar, pelo amor de Deus!”
“[...] o foi nin-guém. Nem o pai dele, ninguém, não foi ninguém”.
“[...] Minha irmã, nesse domingo, com minha cunhada, chegou lá... 15
minutos foram embora. ‘Não tem nada o’. E foram embora, quer
dizer...”
178
M. relata em alguns momentos a estranheza experimentada por ela em relação a
essa situação como algo nunca antes vivido, o que teria dificultado sua reação.
“[...] Olha, foi uma coisa tão estranha que isso é uma coisa que eu...
que eu precisava, não sei, (espaço)... alguém deslindar isso pra mim.”
“[...] Quem que daria uma interpretação a isso? [...] O que que é isso?
Seque um espírita ia me explicar?[refere-se à alteração de
comportamento do filho momentos antes de ter-se jogado da janela].
Apresentação e Discussão dos Dados
Essa irmã, em outra crise, tinha sido muito importante para controlar o sofrimento
e o desespero de E., conseguindo medicação para ele. M. o entendeu por que ninguém
apareceu, ela acabou ficando sozinha com seu filho em crise.
“[...] Eu fiquei sozinha com ele, já nos limites. No limite.”
O pedido de ajuda também foi feito pelo próprio E. e por M., de forma incisiva, ao
médico psiquiatra que o acompanhou por vinte anos,quando E. reconheceu que, de fato,
não estava bem.
“[...] Daí ele telefonou seis vezes pro Dr. [Médico], no maior desespero
de sofrimento. Esse homem acompanhou a vida inteira. Ele tava
soli... (corte na fala) Ele não atendeu.”
[...] Daí eu peguei o telefone e falei: ‘ele não está nada bem, Dr. [Médico],
chega aqui’.
179
O fato de estar sozinha em meio à crise bem como a extrapolação de seus limites
sico e mental, pois já estava duas noites sem dormir cuidando do filho, são importantes
justificativas para a paralisia que a invadiu. O cansaço tomou conta de sua mente e de
seu corpo. Estar cansada por ter que cuidar do filho foi uma reão expressa verbalmente
durante a entrevista, repetida no momento da crise suicida, reação que havia surgido
desde a primeira crise de E., aos 17 anos, quando o pai dele ainda não aceitava a
doença, o que a levou a driblar todos os sintomas sozinha.
“[...] porque eu não aguento mais.”
No momento da última crise, o cansaço chegou à exaustão, relatada com grande
Apresentação e Discussão dos Dados
emoção por M., que modificou o tom de voz e a expressão corporal, emoção que invadiu
a pesquisadora, deixando-a com um sentimento de impotência bastante significativo
diante do fato.
“[...] Eu o aguento mais, eu o aguentando mais.”
[...] E daí eu estava exausta, exausta, completamente exausta, isso
também. Um estresse total.”
“[...] que eu não aguentava mais, que eu tava exausta.”
“[...] Eu acho que era exaustão.
“[...] E me deu, sabe?, acho que me deu uma espécie de paralisia. Eu
não tive a mínima reação.”
“[...] Eu não... Não tive força... Eu fiquei paralisada. Não fiz a nem b, eu
não fiz nada. Fiquei (espaço) olhando assim pra ele. Eu não era assim.
Se ele precisasse de alguma coisa, eu virava e tudo, mas vinha
energia; mas eu não tive energia. Eu não tive!”
“[...] É. E eu fiquei paralisada, sabe?”
“[...] Eu não sou assim de ficar... Eu fiquei para...paralisada. E depois
eu fiquei sem falar...”
Sua paralisia ainda foi combatida por tentativas de adivinhar o que ele queria por
meio de gestos de cuidado e carinho diante daquela situaçãoo diferente, pois ela
desconhecia que aquele seria seu último contato com o filho.
“[...] Ele veio com a mão assim, segurou na minha mão, bateu
assim [faz o gesto]. Não pegou... e voltou pro quarto. Daí eu esperei
um pouquinho e disse: ‘acho ele querendo um pouco de carinho, um
pouco de atenção, ele tá sentindo falta de aconchego. Deixa eu ir lá’.
180
A paralisia experimentada nesse breve período foi outra reação que lhe causou
estranheza, uma vez que sempre fora muito ativa nos cuidados com o filho, inclusive em
crises anteriores.
Apresentação e Discussão dos Dados
Fui lá. Passei a mão assim no braço dele [faz o gesto, demonstrando
carinho] e falei: ‘E., você quer que eu leia um salmo pra você?’ Ele
ficou meio assim e falou: ‘quero.’ Daí eu abri o salmo... Abri duas vezes
assim a bíblia, que eu não tenho costume de fazer isso, né? [encaixado
também como cleo de sentido na categoria ‘religiosidade’, mas
mantido aqui por ser de fundamental importância no contexto]. Mas
abri. Daí eu abri a bíblia. Salmo 80, um salmo pesado, sabe? Então, li.
Foi como uma extrema-unção, né? Eu li e voltei pra sala. Voltei pra
sala, desliguei a televisão e falei: ‘eu acho que ele quer silêncio’. Tudo
pensando ‘eu acho que ele quer’. [mudança de entonão] E houve
um silêncio na casa...”
O relato desses acontecimentos é bastante impactante, envolto ainda na estranheza
relatada anteriormente, no mistério e no “sobrenatural”.
“[...] Então, a casa ficou num silêncio total e absoluto. Eu nunca mais
vi isso, e nunca antes eu vi isso. E depois eu vi como umas nuvenzinhas
na sala, nuvenzinhas brancas assim, caindo assim na sala, e nisso
batem na porta. Foi tudo segundos assim, rápido.”
“[...] O prédio inteiro escutou. Eu não escutei nada, nada, nada, nada.
É outro misrio, eu o sei. Silêncio, estranhíssimo, né?, e aquel...
(corte na fala) ninguém acredita, aquelas nuvens, ahn, eu, ninguém
acredita, e eu parada, e eu: ‘ele quer silêncioDesliguei a televisão e
houve um silêncio maior. Que eu o sei o que que é, o tenho
explicação.”
Esse fenômeno relatado foi interrompido com a trágica notícia:
“[...] Batem na porta as minhas vizinhas, duas vizinhas. ‘Dona M. a
senhora viu que tem um rapaz caído embaixo? o é seu filho? Eu
falei: ‘nãão, não é meu filho, imagine! Meu filho, ele no quarto, eu tive
com ele agora’. Ela falou assim: ‘vai ver, vai olhar’. Eu fui olhar o
quarto aceso, a janela escancarada e o quarto vazio. Aí eu fiquei
desesperada. Fiquei doida. Eu desci a escada.”
181
O cuidado, o carinho e a preocupação com o filho e com seu sofrimento ainda se
faziam presentes com muita força, mesmo em meio à cena traumática. Essa mistura de
realidades tão diferentes traz profundo impacto.
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Corri lá, ele tava emborcado em cima de uma poça de sangue. Eu
quis abraçar, eu quis pegar, eu sei como é que deve fazer, eu sou
enfermeira, eu sei! Mas eu fui muito fraca; eu devia ter abraçado,
podia ter um restinho de vida e ele podia ouvir. Mas ela: ‘Não! o
pode encostar, não pode encostar, o bombeiro vem , nós
chamamos, chamamos tudo... a ambulância’. eu sei que eu
encostei na parede e disse: ‘meu filho, ai meu filho’, foi o que eu
consegui falar. Daí não fal...(corte na fala) não consegui falar mais nada.
“[...] quebrou tudo aquilo por dentro, sabe? Deu muita hemorragia. Diz
o, o, o, o médico legista lá que ele sofreu muito pouco. Mas o pouco
pra mim seria muito, ? Por que, ah!, ele caiu de uma maneira que
num instante ele quebrou aqui também.” [aponta o pescoço].
A primeira reação diante da morte é a de choque ou de torpor (BROMBERG, 2000):
182
“[...] Eu sei que daí, na mesma hora, eu o sei mais nada... direito.
Não sei, eu não falava mais nada, eu fiquei em estado de choque.”
“[...] Eu não sabia de nada, eu deitei no colo da minha neta; ela sentou
lá e eu deitei no colo dela, e fiquei deitada. Eu não podia, não aguentava
levantar um braço, não aguentava falar nem nada.”
“[...] eu sei que eu fui andando assim, fui sendo levada, né?”
Essas reações também estiveram presentes durante os rituais funerários, ocorridos
no dia seguinte, mas a ausência de lembranças relatada chamou a atenção da
pesquisadora a ponto de pensar que M. não teria participado desses rituais. As
lembranças foram atribuídas ao torpor e ao choque.
Os rituais atenderam à religiosidade de M. com a participação ampla da família,
de amigos e das pessoas da Igreja nesses momentos iniciais. A influência do apoio
recebido e percebido no processo de luto de M. será comentada posteriormente. Mais
uma vez as questões religiosas se fizeram presentes.
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] E... e eu o conseguia, eu não sei o que ele falou, o que ele o
falou. Eu não sei o que fizeram, o que que o fizeram.”
“[...] Estavam todos lá. Teve coisas muito bonitas. O pastor falou muito
bonito. Eu não lembro de nada, me falaram.”
< Depois, o pastor passou a palavra para os presentes. Eu me lembro
disso. [Filho mais velho] pegou a palavra e falou muito bonito. Com a
voz forte... Eu fiquei em choque. [...] Fiquei em pé, em posição de
sentido. Em homenagem a ele.> [este relato faz parte do quarto
momento da entrevista].
Relatou uma interessante observação em relação à diferença do processo vivido
por ela comparado ao vivido pelo pai de E., que pode ser atribuída à diferença de gênero,
à expectativa de reação de acordo com as regras sociais e também ao fato de o convívio
com a mãe ter sido mais intenso, conforme comentado no capítulo de luto parental. Rangel
(2008) indica que a mulher percebe as reações do homem diante da perda como se ele
não a estivesse sentindo.
“[...] O pai dele só desceu no dia seguinte, embora tivessem avisado,
não sei por quê.”
“Eu sei que se fosse mãe descia aa , correndo!” (risos) [acha
graça de seu próprio comentário].
O estado de choque perdurou por mais tempo, ainda apresentando um certo grau
de paralisia, afetando, inclusive, as reações posteriores, com importante impacto da
perda sobre sua saúde física, por meio do aumento de seu problema de hipertensão,
que, embora controlada, permanece até os dias atuais. Parece ter algum controle em
relação à alteração da pressão. Identifica quais as situações de emoção mais intensas
que podem fazê-la passar mal, assumindo os cuidados adequados.
183
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] E depois eu fiquei sem falar. E uns quinze dias depois [da morte]
eu tive uma espécie, uma ameaça de derrame. Mas não foi derrame.
Eu fiz todos os exames... (corte na fala)”
“[...] Pressão alta. Minha pressão sobe à toa.”
“[...] tive piques de pressão, já tinha tido, [antes da perda] mas não
assim.
tomando remédio, remédios por dia. Até hoje, antes de você chegar,
eu já tomei.(risos).
M. foi levada para a casa da filha, onde ficou por um curto período de tempo, pois
não queria incomodá-la. A filha estava recém-casada. Atribui a si mesma a decisão de
mudar de casa, embora tudo tenha sido feito com muita pressa por acreditar que seria
bom sair do apartamento. Assim, não houve a chance de escolher adequadamente uma
nova residência. o atribui a si a venda e a compra dos imóveis, o que pode indicar um
certo grau de passividade, esperado após uma perda.
184
“[...] Então, sair, ficar longe é bom. É bom, ficar longe.”
“[...] Nem passo na frente. Nem passo na frente. Nem quero ver
ninguém de lá. Nem passo lá. Não gosto, não quero. O choque foi
grande demais. Foi grande demais! Sabe? Por mim eu ia pra outra
cidade, pra outro lugar.”
“[...] Logo depois, eu fiquei... eu nem sabia, eu entrei aqui dentro olhei,
ah! quero, quero é isso mesmo e pronto. Eu tava com as minhas coisas
estragando...”
“[...] Então, assim que venderam o outro, com o mesmo dinheiro
que venderam comprou este aqui. E quando eu vim ver, eu nem vi o
que que era, o que não era. Eu disse: ‘então eu vou pra lá porque eu
tenho que junt...(corte da fala)’, porque minhas coisas estavam no sítio
aí, tomando, sabe?, chuva, então eu vim pra cá. Vim logo pra cá.”
Walsh e McGoldrick (1998), conforme visto anteriormente, retratam essa tendência
à realização de ações precipitadas, como, por exemplo, a mudança de residência relatada
Apresentação e Discussão dos Dados
O LUTO
O desenvolvimento do processo de luto de M. depois da morte de seu filho mostra
a singularidade do entrelaçamento dos diversos possíveis fatores de risco e proteção
que interferem no curso desse processo, exemplificando a impossibilidade de comparar
um processo a outro, salientando também a importância de um estudo qualitativo desse
fenômeno.
No decorrer da entrevista observaram-se algumas das reações do processo de
luto individual, luto familiar, luto parental e do processo de luto por suicídio, descritas no
levantamento bibliográfico realizado, como será visto a seguir.
É difícil estabelecer a distinção entre o processo de luto e transtornos psiquiátricos,
e esses últimos devem ser considerados quando houver um prolongamento excessivo
do luto a ponto de causar dano às funções da vida individual e familiar do enlutado
(PARKES, 2009). Tem sido comum a medicalização do luto e a aferição do diagnóstico
de depressão em enlutados por parte de leigos e profissionais, que não compreendem
as reações esperadas de um processo tão doloroso quanto esse. Embora não haja
aparente diagnóstico psiquiátrico, M. refere o uso de Olcadil (cloxazolam) para dormir,
hábito estabelecido mesmo antes da morte de E. Nega uso de antidepressivos, o que se
considera ser um bom indício em seu desenvolvimento do luto.
acima, como forma de a pessoa se libertar das lembranças. Pode ser que haja uma
frequência maior desse tipo de ação em perdas que envolvam suicídio. Palheta e Leal
(2002) comprovam em seu estudo que a maioria das famílias enlutadas mudou de
residência após o suicídio de um familiar.
185
Apresentação e Discussão dos Dados
Em consonância com a revisão da literatura realizada neste trabalho, o sentimento
de culpa presente no luto dos pais e no luto por suicídio emerge forte no discurso de M.,
que se considera culpada em função de sua paralisia e da falta de percepção ante a
gravidade da crise enfrentada. Sua própria culpa parece estar um pouco amenizada
pela tentativa de construção do significado para essa paralisia e para a falta de apoio
ocorrida naquele momento, que a impediram de proteger seu filho da morte.
[...] E eu, eu tenho remorso até hoje porque eu não o internei. Eu
não... o tive força ...
“[...] Por que que eu o fiz isso? Por que eu o fiz aquilo?”
“[...] Se eu tivesse internado, ? [ininteligível] Eu não tive força.”
Em nenhum momento houve a percepção de que havia uma preocupação
exacerbada em entender a morte do filho com os “por quês” e “ses”, comuns diante do
luto por suicídio, na tentativa de estabelecer uma relação causal, que tendesse a acirrar
a culpa (CLARK, 2007; FONTENELLE, 2008).
Para M., a culpa que sente pela morte de seu filho substituiu a culpa pela morte de
sua própria mãe, ocorrida em 1976.
186
<... É outra culpa que carreguei até há pouco. A morte do E. substituiu.>
<... Me arrependo sempre. Era a minha maior culpa até essa agora.
Eu não devia ter deixado ela ir.> [para a casa da irapós ter morado
algum tempo com ela].
<... Todos os dias da minha vida eu lembrava disso. E me sentia
culpada.>
Apresentação e Discussão dos Dados
Menciona a culpa também direcionada a seus outros filhos, à sua irmã e ao pai de
E., que foram chamados para acudi-lo em meio à crise suicida, conforme foi relatado na
categoria anterior, exacerbando o sentimento de solidão que ela descreveu nos minutos
anteriores ao suicídio. Essa ausência, embora tenha sido considerada sobrenatural, sem
explicação, diante da estranheza da sequência do que se constatou ser a crise suicida,
deixa o indiciamento da culpa da família por omissão.
Porém, maior destaque deve ser dado à culpa atribuída ao médico de referência
do filho por vinte anos, a quem também pediram socorro.
“[...] ‘Amanhã, uma hora’. [resposta do dico ao pedido de ajuda].
Amanhã, uma hora é tão tarde, né? Já tinha passado e tudo. Daí...
ele não atendeu [abaixa o tom]. Até hoje eu não conversei nada com
Dr. [Médico]. o tenho coragem. Não tenho coragem. Mas ele agiu
muito mal, muito mal. E todos os irmãos, todos agiram mal.”
“Culpo. Ah, culpo! Muito. o sei se um dia eu devo falar com ele,
porque eu estou culpando muito. Por que que ele não atendeu meu
filho que tava vinte anos com ele?”
“[...] Ele ficou com raiva do E. quando E. saiu. [...] Ele ficou com raiva
do E. e do [primeiro filho], porque o [primeiro filho] apoiou o E., quando
o E. foi procurar outro médico [...] E eu também apoiei pelo seguinte
[...]”.
Aqui tamm entra em cena uma paralisia, a qual impede M. de ir conversar com
esse médico. Mesmo sendo amparada pela psicóloga nessa tomada de decisão, ainda
não se sente à vontade de conversar sobre o assunto com ele.
187
“[...] Então eu falei... sobre eu falar ou não... o sei se eu aguento [...]”
“[...] Por enquanto eu acho que eu não tenho cora... até [a psicóloga]
falou: ‘eu vou com você’.”
Apresentação e Discussão dos Dados
Na ocasião da realização da entrevista, M. encontrava-se em um período de
oscilação em seu pesar, indicando consonância com o que tem sido descrito na literatura
(SILVA, 2008a). Habitualmente acredita-se que o tempo ajuda a curar as feridas, e essa
é uma esperança presente enquanto persiste o efeito do choque inicial e a falta de
reconhecimento da perda. À medida que o tempo passa, a sensação de perda torna-se
mais concreta, aumentando a saudade da pessoa que morreu, podendo trazer um
significado negativo para ela.
“[...] O que eu sentindo é agooora. Agora eu sentindo... (corte na
fala) O pessoal fica achando, como já passou esse tempo...
“[...] Parece que eu piorei. A ideia que eu tenho é que eu pior agora.
Eu tô pior. Eu estava mais forte.”
“[...] Eu sei que eu tô pior. Eu tava melhor. A [psicóloga] mesmo falou
que eu, eu estava melhor.
“[...] Mais forte. Mesmo com a morte dele e tudo nos primeiros dias
que eu fui lá, eu, eu estava mais forte Agora eu tô em um período que
eu estou mais fraca, sabe? Tô mais fraca.”
“[...] então ainda tenho muita saudade.”
Como visto acima, ainda não foi possível para M. perceber seu sofrimento
amenizado. Sente-se frágil, o percebe uma mudança na qualidade dos sentimentos
em relação à ausência do filho, em função do pouco tempo decorrido da perda. A mudança
que ocorreu em sua vida levaria tempo para ser assimilada, pois, no início, os pais ainda
estão impactados com a notícia da morte e podem ter maior dificuldade em compreender
o que está acontecendo. Essa dificuldade também pode estar associada à sensação
que M. tinha de estar mais forte no início.
188
Apresentação e Discussão dos Dados
A alternância de sentimentos e reações em período relativamente curto de tempo
que invade os pais desde o começo de seu processo de luto pode deixá-los confusos
(RANDO, 1997a).
“[...] Tem dia que ótima, tô ótima, boa mesmo, num sinto nada,
tem dia que eu tô ssima, ? que eu choro, fico aqui no meu quarto,
e sinto uma saudade imensa, porque quem ficou com ele vinte anos
fui eu. Eu que fiquei vinte anos com ele sozinha. Tinha separado. E
fiquei com ele.”
O marco do suicídio instaurou uma espécie de ruptura entre dois mundos,
estabelecendo uma vida antes e outra depois da perda. Essa ruptura manifesta-se nas
reões ao longo do processo, quando rias ambivalências se fazem presentes: a saúde
e a doença, a tristeza e a alegria, a ação e a paralisia, entre outras. Algumas atividades
foram interrompidas, ainda não se sabe se indefinidamente.
“[...] Aí, eu falei: “Não posso, não posso, o posso fazer nada[em
relação a voltar a dar aulas de piano].
“Eu não faço nada, faz qualquer comida que fizer, bom. Foi o tempo,
que os meus netos ficam: ‘Vó, faz aquela torta que você fazia, faz?’ ‘Ih!
Não! Se vocês quiserem vocês fazem.’ Eu não faço mais nada, o.
Por enquanto, pelo menos. o tenho a menor vontade.
“[...] Comeram uma torta que naquele tempo eu fazia, né? Meus netos
tão cobrando, mas eu nunca mais cozinhei para eles.”
Algumas coisas M. tenta fazer, mas sente-se desmotivada ou sente-se mal,
podendo também associar os impedimentos à passagem do tempo.
“[...] E... eu passei até [hesitosa] melhor, embora tivesse até quase
sem poder andar, não andava nem meio quarteirão, o aguentava...
Eu fui melhorando aos poucos. Fui melhorando[logo em seguida à
perda].
“[...] E é... agora eu parei, depois que meu filho morreu. Eu não tô, o
consegui pintar mais. Tenho feito um pouco de aquarela, ? Tenho
feito algumas aquarelas, . Pintar ainda não, nada.”
“[...] Eu fui um dia só. Voltei, com a pressão dezoito por onze.”
189
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Eu tenho caixas e caixas e caixas, que eu não sei quando eu vou
olhar. Só quando eu tiver alguém pra me ajudar. Porque às vezes eu
começo a mexer e começo a me sentir mal, paro. E deixo [...],
“[...] o tô pronta. vai fazer dois anos daqui a pouco.”
Algumas coisas ela consegue fazer bem e percebe como sendo atividades
prazerosas, mesmo quando ainda associadas a algum mal-estar físico ou emocional.
“[...] Agora, viajo muito bem. Viajei bem, fui ao [outra cidade]. A primeira
vez, eu fui em agosto, foi logo depois que E. morreu. Eu voltei sozinha.
Fui com [segundo filho]. Ele veio me buscar. Vim sozinha, muito bem.
[...] Fiquei muito bem, mas assim mesmo tive uma crise de pressão.
Assim mesmo.”
“[...] Às vezes eu pego o piano aí, toco...”
“[...] Toco, ah! toco. Toco, toco bastante [...] indo, de vez em quando
eu toco. Ontem mesmo eu peguei e toquei bastante. De vez em quando
dá aquela zoeira, doideira, aquilo faz... [faz barulhos imitando teclas]
eu vou e toco. Depois passa uns dias que, na hora assim o vai.
Mas... É o que eu faço mais, agora é tocar.
“Agora, ler eu leio.”
“[...] Até subi aquelas escadinhas assim, ‘será que eu vou aguentar?’
Dei parabéns a mim, porque aguentei, porque vi que eu adoro teatro
também, né? [...] Ah, eu adoro teatro também. Eu gosto muito de arte,
eu acho que arte, arte é tudo (risos). Eu gosto demais, demais de
arte.
Anima-se bastante quando fala de arte, seja teatro, seja música, seja pintura.
Segundo Golden (1996), há uma variedade de estilos de enfrentamento. A arte é um
deles, e o uso da arte parece ser um importante recurso para M. Relata o desafio
enfrentado quando, na ocasião, numa viagem mais recente, ela conseguiu ir assistir à
neta no teatro.
Embora ela, inicialmente, relate comportamentos mais relacionados a uma
paralisia, no sentido de não fazer mais coisas, as atividades nas quais está envolvida
indicam uma orientação para a recuperação, de acordo com o Modelo do Processo
190
Apresentação e Discussão dos Dados
Dual de Luto (STROBE; SCHULT, 2001, apud PARKES, 2009). A retomada de sua vida
emocional e social (RANDO 1997a) se faz perceber, o que provavelmente permitirá, a
mais longo prazo, um declínio gradual do pesar.
A dificuldade em estabelecer algum plano de futuro parece estar associada à
tristeza, à mudança de planos, bem como à idade de M., que precisa ser considerada
como fator preponderante ao desdobramento do luto, de acordo com suas próprias
palavras. No entanto, o planejamento aparece de maneira gradativa.
“[...] Não tem nada! Preciso agora, antes de tudo, resolver problema
de dinheiro. Desse dinheiro que me tiraram. É isso que eu tenho que
fazer. Que é difícil, é cansativo [...].” [em relação a existência de planos]
Esse problema financeiro mencionado está atrelado a um processo judicial no
qual ela está envolvida. Não houve oportunidade de conhecer melhor essa realidade.
“[...] Olha, eu com 80 anos, vou fazer 81. o tenho planos,
muito vazia. Tenho planos de falar com a amiga, mas a amiga sumiu!”
[...] Como diz assim, melhor idade, não é melhor idade não. É porcaria!
[...] Que melhor idade? Ah! É uma coisa muito... sem graça, muito
sem jeito. Vonão consegue ... eu, pelo menos, eu sei que tem gente
que fala que é uma maravilha. Olha a Hebe Camargo! Eu falo: É, é
mesmo [risos]. Mas eu o! Eu não acho. Acho é muito ruim esse
negócio de terceira idade. Dizer que é melhor idade. É idoso mesmo!
Eu sou uma idosa que muito chateada, não tem o que fazer.
Assim, o processo de luto pela perda do filho aparece mesclado com o luto
experimentado na velhice. Davis, Wohl, Verberg (2007) acreditam que as perdas múltiplas
acontecem na velhice com a existência de efeitos cumulativos do luto, quando já existe
um acúmulo de perdas de pessoas significativas, além da própria saúde, do corpo, das
habilidades, do trabalho. No entanto, parece que, para M., as perdas anteriores a
prepararam para a experiência que está vivendo agora.
191
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] E, agora, o que eu vou fazer? E eu não quero me cobrar agora de
eu ser uma maravilha, eu... professora de piano? Jamais! Acabou!
Foi o tempo.”
“[...] Acho que as coisas passam, passa o tempo. Acabou. o se
pode voltar atrás. Não tem como, né?
“[...] Será que é a idade?
havia sofrido a perda dos avós e pais, de dois irmãos, do marido, com a
separação. Nesse último ano, além da morte do filho, sofreu também com o adoecimento
do ex-marido de sua irmã, com o adoecimento de seu próprio irmão, ambos com doenças
graves, e com a perda de dois primos muito próximos.
“[...] Foi um ano de muito problema.”
“[...] Este ano foi um ano pesado [...]. Muito pesado. Muita coisa assim,
difícil.”
A ambivalência também está presente na aceitação da velhice e das limitações
que vêm com o tempo. Ao mesmo tempo em que reluta em fazer planos e fazer coisas,
considera todas as opções oferecidas, especialmente as que estão envolvidas com sua
saúde.
“[...] A [psicóloga] me indicou uma porção de coisas... Tem uma casa
ali que tem ginástica. Isso eu ainda quero fazer, porque é necessário,
né?
Parece que M. esmuito marcada pela ocasião da passagem do aniversário de
um ano de morte de E. e coloca como referência a expectativa de que estivesse melhor
em relação a seu pesar.
192
Apresentação e Discussão dos Dados
[...] Já tem um ano, mas ainda não consegui”.
“[...] Mas agora tem um ano, mais de um ano que eu não faço, não
faço nada (abaixa a voz). aquarela. Aas minhas coisinhas de
aquarela, até deixei aqui porque esta sala é mais clara, mas não
consegui.
Questionada sobre a presença de reações de aniversário (BOWLBY, 1997), M.
diz inicialmente que o observou nada, contradizendo-se com as reações fortes
explicitadas em seu discurso.
“[...] Eu só fiquei muda. Eu... o tive. O que eu fiquei assim foi
prostrada totalmente, chorei pouco e não saía voz. Eu achava um
negócio o estranho, tão estranho, que... ‘é mentira! Isso não
aconteceu’. [...] Aconteceu como, gente? Aconteceu comigo? Coisa
esquisita, coisa estranha? o é?
A necessidade de reconhecer a perda, apontada por alguns autores como uma
das tarefas iniciais do luto (RANDO, 1998; BROMBERG, 2000), ainda está presente no
processo vivido por M., indicando a não-conveniência do estabelecimento de fases
estanques no processo de luto, pois elas, de fato, interpenetram-se.
O impacto de uma morte trágica como o suicídio no mundo presumido faz com
que a pessoa tenha sua vida virada de cabeça para baixo; ela passa a sentir que nada
mais é garantido (PARKES, 2009). M. sabe que sobreviverá, mas que nunca mais se
a mesma, conforme sugere Rando (1997a).
“[...] Tudo, tudo, mudou tudo! Eu fui virada no avesso! Mas revirada! E
é casa, é tudo, maneira de encarar as coisas, sabe?, mudou tudo. Eu
era uma pessoa, virei outra [com humor] pessoa.”
“[...] é um negócio que estronda a vida da gente.”
“[...] Esse sofrimento do negócio do E. me abalou muito. Eu tenho que
rever minha vida. Eu tenho que rever. Eu tenho que rever...”
193
Apresentação e Discussão dos Dados
O suicídio é considerado por muitos autores uma experiência traumática, o que
possibilita o desenvolvimento de luto complicado. No caso apresentado, está associado
a outros fatores complicadores, relacionados ao fato de a morte ter ocorrido bem próxima
de M., distanciada apenas pelo mistério e pelo sobrenatural explicitados, dando um sentido
menos cruel ao suicídio, pois a libertou de lembranças de mais cenas traumáticas. No
entanto, M. é assolada por lembranças intrusivas ao longo desse primeiro ano de luto,
que possibilitariam tecer a hipótese de ela estar sofrendo com estresse pós-traumático,
hipótese que carece de mais investigação para ser confirmada, pois os pensamentos
intrusivos também são considerados como uma reação esperada à perda (BROMBERG,
2000).
“[...] Ele me pediu, ele falou diversas vezes comigo. Eu vejo ele em
diante de mim [faz o gesto do filho] dizendo: ‘mãe, eu preciso me internar.
Eu acho que eu preciso me internar’.”
“[...] Mas eu sinto de uma maneira quando ele me pedia pra ir, pra
internar. Ele em assim, parado, falando: ‘mãe, eu acho que eu preciso
internar, ‘mãe, eu acho que eu preciso internar’...”
M. relata que essa lembrança é muito forte ainda e que o tem manifestações
espontâneas em relação à presença de E., bem como não busca interação com ele, de
acordo com as ideias apresentadas por Klass (1999). No entanto, as lembranças
agradáveis permeiam todo seu discurso, convivendo com o acervo literário deixado pelo
filho, fazendo um contraponto interessante em relação à tristeza esperada em um processo
de luto. Pode ser que esse seja seu caminho na construção da continuidade de seu
vínculo com E. Nesse período de pouco mais de um ano, sonhou apenas uma vez com
seu filho, parecendo ressentir-se de ser privada desse tipo de contato.
194
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Mas, nem sonhar! Até sonhei uma vez, eu sonhei [muda o tom
de voz, ficando mais alegre], ele alegre, rindo, brincando, no meio
de crianças, como ele gostava quando ele não tava doente, né? Ele
tava com uma laranja na mão, assim, rodando a laranja e ele dizia
assim: ‘Vocês o ver as gicas que eu vou fazer com essa laranja’.
O único sonho que eu tive com ele. Não sonhei mais nada (silêncio).”
A construção de significados mostra-se um processo bastante rico na vida de M.,
em busca de respostas à mudança do mundo presumido. De acordo com Nadeau (1998),
uma série de questionamentos é suscitada em busca de um novo sentido para a vida.
Muitos deles parecem ser desenvolvidos internamente, em uma fala da pessoa consigo
mesma, conforme observado com freqncia durante a entrevista, que pode ser fortalecida
pelo apoio psicoterápico recebido.
“[...] será que tem algum povo, algum país, alguma religião que encare
isso de maneira diferente, essas coisas?[o sofrimento pela morte de
um filho].
É possível observar a construção do significado do tempo mencionado algumas
vezes em seu discurso.
“É pouco tempo, né? É o que eu às vezes, eu não quero, não quero
entender que é pouco tempo.”
A necessidade de compartilhar as experiências que envolvem a perda como
recurso de enfrentamento é intensa na vida de M. e aumenta a de apoio social, no sentido
de diminuir o sentimento de isolamento que a assola, o que inclui seu desejo de
participação nesta pesquisa.
195
“[...] Eu queria colaborar, né?”
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Porque me deu uma pressão grande, uma tristeza enorme. Mas
eu queria ajudar” [falar da morte do filho].
“[...] Entende quem passou por isso. E quem conversou como eu
conversei... É morte na família, né? Mas, eu acompanhei assim, cara
a cara. Mas outros têm acompanhado também, não sou eu o. Eu
sei. A gente nunca sozinha. A gente nunca tá sozinha.”
Tanto para quem perde um filho quanto para quem se enluta por suicídio o ato de
compartilhar é uma possibilidade de a pessoa se sentir normal, por um lado, encontrando
similares na aberração das experiências vividas e nas saídas encontradas por outros
enlutados para enfrentar as difíceis tarefas de viver sem seu ente querido (RANGEL,
2008).
“[...] Eu tenho uma amiga aqui, que faz uns 30 anos ou mais que ela
perdeu o filho e o marido assassinados. Gente assim, e ela... na entrada
da fazenda. Mas porque o filho tinha brigado lá, porque o filho tinha
brigado com um pessoal, e mataram os dois, ela foi pro Rio e ficou
10 anos sem vir aqui. Só que ela era mais nova. O negócio é a
questão da idade. Ela era bem mais nova Ela ainda trabalhou Ela ficou
dez anos depois que ela voltou. Então, sair, ficar longe é bom. É
bom, ficar longe.
“[...] Pois é, agora eu vejo gente que não pode mesmo e fica. Fica na
mesma casa. Aqui mesmo tem uma senhora. Agora, depois que houve
isso aí, eu comecei a conhecer pessoas. Ela perdeu um filho assim...
foi horrível. Ficou na mesma casa. Fico boba, sabe?
“[...] eu só tenho uma amiga minha que já passou por isso também,
que ela perdeu uma filha.”
“[...] daí o rapaz falou assim: ‘a minha irmã, minha irmã se jogou da
terceira ponte. [...] E ele disse assim: ‘tem tanta gente que se joga da
terceira ponte, mas ninguém fala’. Senão, ninguém quer passar por
mais. Então [primeiro filho] me contou isso: ‘mãe, tem tanta gente.”
“[...] Há muitos problemas, não é só o meu. Do tempo que eu perdi o
E. por suicídio, uma mãe perdeu por câncer, e a outra perdeu acho
que foi por AIDS. No mesmo tempo mais ou menos.”
“[...] Ela perdeu um filho assassinado pelos policiais. Esse filho era
pintor. Ela é que falava: ‘arte é tudo’. E ela perdeu esse filho assassinado
brutalmente, à toa. porque ele atravessou um canteiro, e queria
chegar logo em casa à noite. Ele vinha de uma vernissage... e discutiu
com os policiais, e mataram ele, sabe? Então, agora eu entendo o
sofrimento dela, eu não entendia, sabe?
196
Apresentação e Discussão dos Dados
Com essa amiga, M. não conseguiu compartilhar sua experiência, indicando que
alguns núcleos de resistência em entrar em contato com a realidade. Não é possível
saber se estão relacionados à dificuldade de enfrentar a realidade da perda ou ao fato
de ter sido suicídio.
“[...] Engraçado, que eu tenho uma amiga em [outra cidade]... eu
ainda não consegui contar pra ela não, não tive coragem. [...] Nem
contei ainda pra ela.”
Foram poucas as vezes que ela evitou falar a palavra suicídio.
Imediatamente após a morte, recebeu muito apoio da família, dos amigos e da
Igreja, alegando não ter percebido qualquer preconceito ou julgamento em função da
ocorrência do suicídio, mas que recebera muitas manifestações de carinho e cuidado.
“[...] Daí, eu sei que muita gente chegou, os vizinhos desceram todos,
foram ótimos, e fizeram tudo lá. Os parentes foram chegando, o pessoal
que chamaram.”
“[...] e... amigas também, né? que foram lá. E... minha filha tirou uma
licença de quinze dias no trab... (corte na fala) na [local de trabalho]
pra poder ficar comigo. Ela foi muito boa, muito dedicada. [...]
“[...] Nada, nada, nada. Nem na família, nem nada. Isso eu não senti
não [preconceito]. Eu senti apoio.”
“[...] Eu recebi visitas, muitas visitas.”
“[...] Quando eu vou tratar de dente ela vem aqui me buscar, leva em
[nome do bairro], trata meu dente, traz aqui.”
Sentiu-se muito bem com uma viagem que fez para visitar o filho que mora em
outra cidade.
“[...] Agora tive um mês no [outra cidade] e fiquei muito bem. Porque
eu tenho muito aconchego. [...] eu fiquei, tinha gente o dia inteirinho,
engraçada, e gente me tratando com muito carinho, e a gente
passeando.”
197
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Meu filho e minha nora, eles me cercam de muito carinho, e tem
mais gente também.”
M. atualmente sente uma redução no apoio inicialmente recebido e lhe atribui alguns
significados, incluindo os relacionados à passagem do tempo.
“[...] O pessoal fica achando que, como passou esse tempo... Porque
no começo vinham visitas. Agora não vem mais ninguém, acabou! Eu
acho que acontece muito com todo mundo.”
“[...] Não sei se os filhos estavam me acompanhando mais.”
“[...] Até minha neta disse que vinha arrumar pra mim [...], mas não
veio não.”
“[...] Agora que eu estou sentindo menos apoio. Acho que o pessoal
achando que eu tô bem, e não estou.”
Fala muito dos cuidados que os sobrinhos têm com os pais quando estão doentes,
da irmã com o ex-marido e da cunhada com seu irmão, que geram satisfação para quem
está doente.
“[...] Ele está tendo toda assistência dos filhos. Isso que eu acho
bonito. Todo dia eles tão lá. Vai ver que... só... de repente, né? Quando
tiver melhor...” [a atenção diminua].
M. encontra-se em uma fase em que sente maior isolamento social devido às
poucas visitas de seus filhos e dos amigos. O isolamento sentido por M. pode estar
sendo reforçado pelo afastamento das pessoas após algum tempo decorrido da perda,
em função de não suportarem a longa duração das reações do luto (CASELATTO, 2002),
mas não é possível confirmar essa suposição a partir apenas do discurso de M.
“[...] Porque aqui, agora, eu estou tendo falta de apoio, total. Não tem
vindo amiga, (espaço) não tem vindo parente, (espo) nem os
irmãos.”
198
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] E é uma Igreja pequena e pobre, quero dizer, mas assim mesmo,
eu preciso falar, eu preciso ser mais visitada...”
“[...] É porque eles não vêm aqui. Será que em mim? Eu que o
estou atraindo? (humor) o sei, não sei. Eles não m vindo mesmo,
sabe? [silêncio] Eu fico às vezes muito magoada [...]”
Esse movimento de afastamento das pessoas que antes a apoiavam foi o mesmo
observado por Rangel (2008), que menciona que, após os períodos iniciais da perda, a
pessoa é esquecida, podendo eliciar um sentimento de rejeição.
Pode haver um ressentimento dos pais por acharem que os filhos sobreviventes
se adaptaram à vida com muita rapidez (SILVA, 2008a). M. sente uma mudança grande
em relação à presença dos filhos que moram na mesma cidade que ela.
“[...] Então os filhos também pouco vêm aqui.”
“[...] mas por que eles não vêm aqui? Eu queria aqui, eu queria
‘tar junto. A necessidade minha é ter eles perto de mim. Essa
que é minha necessidade mesmo, básica.”
“[...] E eu fico sonhando que minha filha vai chegar aqui, me fazer
uma visita, mas o vem. Sonhando que meu filho vai chegar, me
fazer uma visita, mas não vem. Então isso é... me deixa muito triste,
sabe?
E consegue perceber o que lhe faz falta e traçar mais planos.
“[...] Ah! mas, viu? A coisa melhor pra mim é ter amizade, é ter
gente aqui, sabe? É ter... [silêncio].”
“[...] Se eles estivessem aqui eu estaria bem. Se estivessem perto.
Eu quero vender aqui e ir morar perto da [filha]. Mas não consigo. Eu
quero, eu preciso!
199
Apresentação e Discussão dos Dados
Em período bem próximo à perda M. buscou ajuda psicológica.
[...] Eu... tinha em frente à casa da minha filha... tinha um posto de
saúde que tinha uma psicóloga boa lá, que eu fui.”
Depois de sua mudança definitiva de residência, procurou outra profissional que
trabalhava mais perto dela e considera esse apoio recebido como sendo fundamental
em sua recuperação, mencionando-a espontaneamente por algumas vezes.
“[...] O que tem me ajudado são as conversas com a [psicóloga] e a
Igreja, que m me ajudado.
“[...] Ela tem sido muito boa, que é aquilo que a gente precisa nessa
hora; a gente precisa inclusive aprender. O que a pessoa quer é um
ombro, é um socorro, é um abraço, é isso que a pessoa quer. A
[psicóloga] tem sido muito boa. Ela falou: ‘a hora que você quiser eu
vou lá com você [...].”
O reajustamento adaptativo (RANDO, 1998) está sendo realizado gradativamente,
com a possibilidade de M. reinvestir em algo que está relacionado ao filho. Rangel (2008)
relata que existem diversas maneiras de a pessoa manter a memória do filho, e M.
escolheu fazê-lo de maneira bem peculiar.
[...] Agora, quanto à pintura, quando fala em plano eu lembro de pintura;
eu tô combinando de fazer com minha amiga... da gente fazer uma
exposição ano que vem de... (corte na fala) sobre os poemas do E. Ela
faz no gênero dela e eu faço no meu. E chamando mais uma pra
sermos três, ? Mas, não sei, ? Tem o [pintor] que é meio-irmão
das minhas netas. Ele é ótimo pintor. Mora aqui perto Ele diz que quer
participar também. Mas o sei se eu vou ter forças, não sei, tá? Não
sei.”
200
Apresentação e Discussão dos Dados
A memória pode ser preservada de diversas maneiras, inclusive mediante o
registro da oscilação entre as crises da doença do filho, cuidadosamente anotadas em
agenda, possibilitando uma outra maneira de ele ser lembrado pelo resto de sua vida
(CASELATTO, 2002).
[...] eu sempre colocando na minha agenda, é bom colocar na agenda
porque a gente não esquece, né?
O indicativo de bem-estar gerado pela presença de [amigo de E.] é um fator
importante na sua recuperação, reforçada pela iniciativa desse amigo em imortalizar o
filho. Esse amigo, músico, está produzindo duas músicas com letras de E.
“[...] E as que o [amigo do filho] fez pro E. também, meu filho falou hoje
no telefone: ‘estão lindas, lindas, lindas’.”
“[...] Eu tenho aí, mas o [amigo do filho] disse pra não mostrar porque
isso é rascunho. Ele vai fazer lançamento, eu falei, nos [outro País] e
aqui, ? E... umas ele vai botar no disco da [cantora] [...]”.
Embora não tenha havido a possibilidade de investigar especificamente os
significados atribuídos às situações de crise, acredita-se que essas sejam positivas e
facilitadoras, aumentando as opções que M. tem para a resolução de problemas, a cura
e o crescimento, indicando a presença de resiliência (WALSH, 2005).
<Não desisti de mim. Quero melhorar. É uma homenagem que farei
para meu filho. Sempre que penso nele, penso em ficar melhor em
homenagem a ele.>
201
Apresentação e Discussão dos Dados
A decisão de recuperar a própria saúde é o que faz diferença em todo o processo
(TAVARES, 2001).
Apesar de os fatores de risco para o desenvolvimento de um luto complicado
estarem presentes, encontrou-se uma variedade de recursos de enfrentamento,
considerados importantes fatores de proteção, que foram agrupados, para fins de
compreensão, da seguinte maneira: a religiosidade; a construção de significados; o apoio
recebido/percebido; a arte; o compartilhar.
7.2 Segundo Movimento de Análise
O uso do genograma como instrumento mostrou-se poderoso para revelar outros
dados importantes que influenciam o curso do luto de M. e permitiu mostrar a relevância
do trabalho de (re)construção das histórias transgeracionais por meio de diálogo
participativo. O genograma possibilitou agregar o que não havia sido dito na entrevista
em relação a dados importantes da família de M., inclusive às pautas interativas de
enfrentamento do luto nas diferentes gerações. É importante ressaltar que não houve
oportunidade de explorar o genograma, em função das dificuldades já relatadas ao longo
da entrevista e do receio de extrapolar a disponibilidade da entrevistada, causando-lhe
algum tipo de mal-estar maior.
A construção do genograma foi iniciada pela família atual de M., constituída dela
mesma e dos filhos, todos adultos. Interessante observar a dificuldade em estabelecer
quem participava da família nuclear, uma vez que todos os filhos eram crescidos e o
único que morava em casa era E.
Como não houve a separação entre mãe e filho possibilitando um grau maior de
autonomia, é possível considerar as ideias de Klass (1999), segundo as quais, nessas
202
Apresentação e Discussão dos Dados
ocasiões, a ligação com o filho costuma ser muito mais forte.
A família, então, encontra-se no ciclo de vida da velhice, com todas as suas
vicissitudes de múltiplas perdas concretas e simlicas, conforme visto anteriormente.
Essa família, constituída pela mãe e por seu filho, sofre ruptura importante com a morte
dele, quando ela passa a não ter mais companhia para morar, que os outros filhos têm
vida própria. um intenso sentimento de solidão, relatado inúmeras vezes por M., não
sendo possível estabelecer em que proporção é influenciado pela morte do filho ou pelo
próprio processo do envelhecimento.
Lohan e Murphy (2006) destacaram os papéis individual, conjugal e parental
exercidos pelos pais enlutados. No nível individual, M. confronta-se com as limitações
impostas pela idade e os cuidados dedicados ao longo de muitos anos a seu filho, o que
torna sua ausência na vida cotidiana mais difícil.
O papel conjugal estava extinto havia muitos anos, e o fim do casamento é
considerado pela entrevistada como uma etapa bem resolvida em sua vida. indícios
de ter sido uma separação conflituosa, em que eles voltaram a se falar decorrido um
tempo. Embora aparentemente sem conflitos conjugais que perdurassem mesmo após
longo tempo de separação, não foi possível identificar a existência de apoio mútuo entre
os pais de E.
“[...] Agora pra mim tanto faz, tanto fez. [ininteligível] Ele é uma boa
pessoa. Sabe o que que é? Duas pessoas não se entendem. Eu era
uma coisa, e ele era outra totalmente diferente.
“[...] Eu me dou bem com ele agora, me dou bem.”
Uma das diferenças apontadas por ela foi o interesse pela música, que provocava
um conflito em relação à educação dos filhos. Em tom de crítica, ouvia do ex-marido:
203
Apresentação e Discussão dos Dados
“[...] Você, mal o filho nasce, você já e sentado no piano! [risos]”.
Ao que ela retrucava, com certo orgulho, em relação à veia artística dos filhos:
[...] eu botei os filhos todos na arte, na música, nenhum seguiu a carreira
dele.”
Mesmo com os outros filhos crescidos, M. mantém um relacionamento intenso
com cada um deles, de quem espera a presença nesse momento especial de sua vida.
O fato de ter outros filhos, em quem poderia depositar a esperança de descendência,
não minimiza o sofrimento de M, pois cada filho é único e sua perda, irreparável. Embora
alguns autores citados anteriormente considerem que o luto de pais mais velhos
proporciona reações com intensidade e persistência maiores, com maior probabilidade
de desencadeamento de um quadro depressivo, isso não foi verificado neste caso.
A existência de outros filhos, todos bem sucedidos profissionalmente, mesmo que
adultos, proporciona a M. a continuidade do papel parental, que tem passado por um
processo de transformação pela diferença na qualidade de relacionamento dela com
cada um deles. A preocupação como mãe em relação aos cuidados com os filhos
permanece presente, inclusive no cuidado em não magoá-los por possíveis exigências
em relação à presença deles.
[...] mas tem que tomar cuidado com o que eu falo.”
“[...] É, eu sei que ela está estudando e não pode. Meu filho também
não pode. Não podendo.”
204
Apresentação e Discussão dos Dados
Em relação a preocupações com os filhos expressa:
<Tenho sim com [primeiro filho]. Ele está em tratamento, toma remédio
controlado. [...] Ele não ficou bem. No dia, ele chegou em casa que
nem um louco. Ficou desesperado.>
Infelizmente, não houve possibilidade de explorar o genograma mais a fundo para
o estabelecimento das linhas relacionais, mas a confecção do desenho gráfico com M.
possibilitou a abertura de novas informões trigeracionais não dispoveis anteriormente,
confirmando a ideia de que esse é um instrumento de abertura conversacional. Os padrões
repetidos na família puderam ser observados em diversos aspectos.
A presença clara de uso abusivo de substâncias químicas em pelo menos duas
gerões, embora esse dado não tenha sido investigado, é um fator alarmante em termos
da repetição de padrões de comportamento, podendo colocar qualquer indivíduo desse
sistema familiar em risco de dependência química. Embora o cio não exercesse influência
impeditiva no exercício da profissão, provavelmente deve ter trazido alguns outros prejuízos
que não foram identificados.
“[...] Meu irmão bebia muito. Era muito capaz. Era [profissão] destacado
para o exterior. Estava especializado na [país].”
Questionada sobre a presença de outros transtornos na família extensa, respondeu
com desenvoltura a respeito dos padrões de repetição familiares.
<Não, o que eu saiba. A gente sempre foi muito maluco. Mas nunca
fiquei sabendo de nada. Tem um primo distante que bebia muito. Outro
que o filho morreu nos braços de cirrose. [Segundo filho] bebeu muito.
Ficou muito mal, quase morreu. Eu cuidei dele. tem uns vinte a
trinta anos que ele não bebe. Sabe como é família protestante. A gente
toma bebida alcoólica na refeição. Se é frango, toma com cerveja. Se
é macarrão, toma com vinho. A gente tem o hábito de fazer sangria
pras crianças.>
205
Apresentação e Discussão dos Dados
Outro padrão repetitivo é a presença de relacionamentos conjugais conflituosos
que levam a separações. Como diz M. diante da observação da grande incidência de
casamentos desfeitos:
<O pessoal de [outra cidade] é mais unido. A gente tem muita
separação.>
O dado mais relevante revelado por intermédio do genograma é o que diz respeito
à transmissão geracional dos estilos de enfrentamento do luto e do quanto a reação de
M. à morte do filho está pautada por eles. M. demonstrou um grau de surpresa enquanto
fazia essas reflexões e disse, em relação a perdas em outras gerações:
<Meus avós maternos nunca tiveram perdas. Tiveram dez filhos, todos
vivos. Os paternos perderam quatro filhos. Tinham condições, mas
perderam dois filhos por tuberculose. Mesmo quem tinha condições
de pagar tratamento não adiantava nada [...] Sempre se mantiveram
firmes e fortes. Nunca os vi baquear.
Dessa maneira, refletiu que não aprendeu a lidar com a morte de filhos com a
família materna. Esse legado positivo de uma perda foi proveniente da família paterna. A
longevidade da família paterna foi ressaltada como uma virtude; os avós, trabalhadores,
mantiveram o comando da família até o final de suas vidas. Ambos morreram de “velhice
[sic].
Os avós maternos morreram mais cedo. A avó materna sofreu as consequências
de diabetes mellitus, tendo muitos problemas com a doença.
Os significados positivos e negativos transmitidos pelos legados familiares
influenciaram as reações de luto de M. de maneira visível, a partir dos modelos de
206
Apresentação e Discussão dos Dados
enfrentamento de luto transmitidos por seus avós e sua mãe. Para mortes ocorridas fora
de hora, no contexto conflituoso de relações familiares, acúmulo de perdas, ou perdas
envolvidas em algum sigilo ou estigma, pode haver intensificação desse legado
(MCGOLDRICK, 1998b), o que torna interessante investigar o impacto da perda de E.
em todas as gerações por poderem sofrer interferências na passagem em seu ciclo vital
(WALSH; MCGOLDRICK, 1998). Parece haver um legado positivo da perda
(MCGOLDRICK, 1998b), mas ainda é muito cedo para definir quais foram os
aprendizados.
M. não mencionou o suicídio de seu irmão aos 35 anos quando conversava sobre
seu processo de luto. Embora seja comum a repetição de suicídios em uma mesma
família em diferentes gerações, foi só a partir da construção do genograma que esse
dado foi obtido. De fato, de-se observar que houve três perdas significativas para a
mãe de M. em um curto espaço de tempo, com intervalo de apenas dois anos entre cada
uma delas. Primeiro, [a mãe] perdeu o marido com Mal de Parkinson, aos 68 anos. Em
seguida, o segundo de cinco filhos, por suicídio com arma de fogo, aos 35 anos. A terceira
perda foi de seu filho caçula, aos 30 anos, por acidente automobilístico.
M. atribui a doença da mãe ao processo de luto pela perda dos filhos.
<Ela foi paralisando. Eu acho que ela quis morrer. [em relação aos
sentimentos pela perda dos filhos] Ela não deixava transparecer o
sentimento dela, da perda dos filhos. Nunca me disse nada. Nunca
falou uma palavra. Acho que afoi por isso que ela adoeceu.>
Foi um período relativamente curto, estimado em aproximadamente cinco anos,
entre a segunda morte de filho e a própria morte, aos 69 anos. M. relata algumas situações
conflitivas de sua relação com a mãe em sua adaptação à perda dos filhos, sobre as
207
Apresentação e Discussão dos Dados
quais relatou que sentia intensa culpa, conforme foi comentado anteriormente. Após a
morte dos filhos, a mãe mudou-se para Vitória porque os filhos sobreviventes venderam
a casa onde ela morava na outra cidade.
<A gente até se arrependeu, porque ela gostava muito de . ela
ficou morando um pouco comigo. Depois, minha irmã construiu um
cantinho para ela lá na casa dela. E ela foi morar lá. [...] Ela me pedia
pra ficar comigo, porque eu dava mais atenção, eu cuidava melhor
dela do que a minha irmã. Tínhamos mais afinidades. [...] Eu não devia
ter deixado ela ir.>
Essa mudança de residência e até de cidade por parte da mãe de M. após a
morte de seus filhos, pode ter influenciado sobremaneira a mudança precoce de M. após
a perda de seu filho. Outra possível influência é a vivência quando criança das constantes
mudanças realizadas pela família pelo interior do Estado onde moravam, levados pelo
pai, que era pastor. Sobre o assunto mudança de residência, ressaltamos que, durante o
primeiro surto de E., ele teve dificuldade em voltar para a própria casa, sendo necessário
que se mudassem outras vezes aconseguir a adaptação.
Uma reflexão que merece ser mencionada é o fato de a e de M. ter morrido de
uma doença paralisante. Parece que, diante do luto pela perda do próprio filho, M. luta
contra o padrão de enfrentamento testemunhado no processo vivido por sua mãe, ao
mesmo tempo em que tenta incorporar o padrão experimentado por seus avós paternos.
A palavra paralisia foi utilizada com freqüência em seu discurso e foi referida de diferentes
maneiras em todas as categorias.
O fato de ter sofrido o impacto do suicídio do próprio irmão pode -la preparado
para o que ela mesma experimentaria, construindo um significado singular a respeito do
suicídio.
208
Apresentação e Discussão dos Dados
<A pessoa que comete o suicídio está em muito sofrimento. É assim
que eu vejo. É um sofrimento sem tamanho. Eu vi isso no meu filho.
Ele em , pedindo pra ser internado. Essa é uma imagem que sempre
volta. [...] Antes eu também pensava assim, por causa do meu irmão...>
Por estar em um estágio do ciclo vital em que já é possível acumular muitas perdas,
M. teve a chance de compará-las, inclusive fazendo uso do bom humor.
<Se comparar, eu perdi pais, eu perdi irmãos, mas não foi tão ruim. É
a pior de todas. Perdi meu marido também. [risos] Marido foi bom
perder! A gente se fazia muito mal e estava fazendo mal para os filhos
também>.
Far-se-á, agora, uma breve apresentação da avaliação do luto conforme o modelo
apresentado por Silva (2008b), seguindo o eixo epistemológico desta pesquisa.
Utilizando a avaliação do contexto do luto sob a perspectiva da terapia familiar,
pode-se compreender que existem fatores que concorrem para o desenvolvimento de
um luto mais difícil, devido às circunstâncias da perda, às crises concomitantes e às
perdas secundárias. Por outro lado, como visto na apresentação e discussão dos dados,
a experiência prévia com perdas, inclusive a morte por suicídio, a etapa do ciclo vital em
que M. se encontra, a educação que recebeu e seu envolvimento com a arte, sua forte
inserção na religião e o apoio formal e informal recebido provêm importante fonte de
enfrentamento, permitindo entrever o processo de resiliência. Embora diante de crises
financeira e ocupacional, essa assemelha-se a uma crise de ajustamento. o foi possível
subtrair dos dados as informações a respeito do significado de saúde, vida e morte.
209
<Nada. Eu o posso dizer nada. [a outras pessoas em situão
semelhante] vazia. Mas que enfrentem. Que falem, que partilhem.
Não guardem sofrimento. Eu gosto muito de partilhar, sabe? Outro dia
levei pra igreja uma fala do Boff sobre resiliência. É a capacidade que
os materiais têm de ser deformados e voltar para o mesmo lugar. Mas
eu falei pro pastor, nunca mais volta ao mesmo lugar. Nunca mais é a
mesma coisa.>
Apresentação e Discussão dos Dados
Com embasamento na teoria apresentada anteriormente, há indícios positivos
para a avaliação do processo do luto vivido por M. com as tarefas, manifestações e
reações, ressaltando-se a presença de importantes recursos de enfrentamento.
A avaliação relacional da família no processo de luto leva em consideração alguns
indicativos de funcionalidade familiar, comprometidos em sua investigação em função
da convivência solitária de M. Seria interessante avaliar esse funcionamento em conjunto
com os filhos, mesmo adultos, que agora deveriam assumir funções de maiores cuidados
com os pais, conforme acontece em grande parte das vezes nas famílias nessa etapa do
ciclo vital. Mesmo adultos, eles mantêm um relacionamento com a mãe que pode acender
antigas dificuldades no relacionamento familiar. Seria necessária a inclusão de outros
integrantes da família de maneira a incluir outras percepções que fornecessem um olhar
múltiplo a respeito do funcionamento familiar.
No decorrer deste estudo, foi avaliada a pertinência de não utilizar os indicativos
da funcionalidade familiar, como forma de garantir os cuidados éticos, uma vez que a
coleta de dados foi feita com uma mãe enlutada por suicídio. Além disso, seria mais
interessante que a avaliação do funcionamento familiar ocorresse mediante investigação
com toda a família, incluindo todos os filhos, netos e até o bisneto, o que foge ao objetivo
deste trabalho.
A presença de um integrante com o diagnóstico de esquizofrenia e suas
reverberações e a morte por suicídio nessa família precisam ser avaliadas com muita
cautela para evitar causar ainda mais danos, ao reforçar rótulos ou estigmas.
Considerando o comportamento de M. diante da perda do filho no contexto em
que ela figura, conforme visto ao longo desta análise, pode parecer que não houve luto
complicado, de acordo com a proposição de Rando (1998), especialmente quando é
considerado o tempo decorrido da morte, pois o indícios de dificuldades relacionadas
210
Apresentação e Discussão dos Dados
a tarefas ou a etapas do processo de luto que não sejam compatíveis com a perda de um
filho e/ou a perda por suicídio.
o reconhecimento e a aceitação da realidade, o ajuste ao ambiente aonde
foi possível e às novas tarefas, permitindo que essa mãe continuasse a viver da melhor
maneira posvel.
Apesar de seu pesar estar associado a uma perda que envolve consequências
consideradas as mais difíceis, conforme a revisão da literatura, há que se considerar
que o processo de luto parental e de luto por suicídio são qualitativamente diferentes de
outros processos de luto.
Neste estudo de caso é surpreendente ter sido possível encontrar as pautas de
uma música triste, porém harmônica, indicando que saídas para se encontrar um
caminho que leve à sobrevivência diante de um filho que cometeu o suicídio.
211
Considerações Finais
Capítulo 8
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
213
CATULO 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
“[...] somos pais com a melhor parte de nós mesmos”
(KLASS, 1999, p. 34).
Falar sobre o luto dos pais por suicídio é amplificar os questionamentos que giram
em torno do tema da morte, pois o ato de tirar a própria vida é um contraponto à luta da
humanidade por mantê-la. É angustiante o ter mais o que fazer, o ter como modificar
o que aconteceu. Talvez essa seja a tarefa mais difícil para alguém que precisa enfrentar
essa realidade em âmbito seja pessoal seja profissional.
Tem sido mais frequente a produção de pesquisas voltadas para crianças e
adolescentes enlutados e para outros tipos de perda considerados mais fáceis de ser
elaborados, envolvidos em menor estigma. Aproximar-se deste tema faz com que se
perca a ilusão de proteção mágica para eventos traumáticos. um aumento de
consciência do impacto e da presença da morte. É uma oportunidade de aprender a
viver a vida como um presente sem garantia.
As perdas inesperadas pegam as pessoas de surpresa e, quando se lhes adiciona
o elemento do trauma, podem aumentar o sentimento de desamparo e o despreparo
para lidar com elas. Não poder modificar uma dada realidade faz parecerem óbvios os
motivos pelos quais as energias relacionadas à prevenção em todo o mundo estejam
voltadas às pessoas que tentam o suicídio. Contudo, é de fundamental relevância cuidar
de quem vivencia uma perda desse tipo.
Os cuidados profissionais com pais enlutados por suicídio de um filho despertaram
nesta pesquisadora uma rie de perguntas, a partir das quais foi possível estabelecer o
corpo teórico aqui apresentado para sustentá-las.
Considerações Finais
Algumas dificuldades foram encontradas nesse percurso. O envolvimento de alma
nos atendimentos realizados com os pais acompanhando de perto seu sofrimento
mobilizaram a busca por respostas ao suicídio, semelhante ao processo em que viviam
envolvendo os “ses” e os “por quês”. Foi difícil não conseguir encontrar uma explicação
para o turbilhão que assolava suas vidas. Foi difícil estabelecer o distanciamento entre o
papel de terapeuta e o papel de pesquisadora que possibilitasse a construção deste
trabalho, para que houvesse o entrelaçamento da teoria e da prática.
Inicialmente, a pesquisa bibliográfica versava por conhecer melhor o fenômeno
do suicídio. Pouco material estava disponível na época, suscitando grande inquietação.
Aos poucos, foi-se delineando o foco de interesse no luto, como forma de sair da
imobilidade que o tema proporcionava, ampliando o foco da busca teórica.
O receio de investigar uma população considerada tão vulnerável manteve-se
sempre presente, trazendo interlocuções interessantes na tentativa de evitar maiores
danos. Abdicando de estereótipos e preconceitos, foi possível conhecer pais extremosos
em seus cuidados com os filhos. Paradoxalmente, aqueles em que os cuidados com a
prole eram percebidos como mais intensos, exibiam uma culpa mortífera, difícil de ser
suportada. Aos poucos, com a nova visão proporcionada pelo paradigma sistêmico, as
próprias crenças a respeito do suicídio foram modificando-se.
As dificuldades em encontrar os participantes para a pesquisa geraram reflexões
que possibilitaram o conhecimento de uma nova realidade. Conclui-se, então, que existem
diferentes suicídios, não pelo método empregado, mas tamm pelo significado que
cada comportamento suicida traduz em sua complexidade. Essa mudança de percepção
fortaleceu a compreensão do enlutamento parental diante da perda de um filho por suicídio
como um processo singular e incomparável, o que fez surgir a curiosidade em relação a
cada significado construído.
214
Considerações Finais
Embora distante do planejamento inicial traçado, a mudança de rumo no trajeto
percorrido fez lembrar a dura realidade que os pais têm que enfrentar quando são
impossibilitados de ter seus filhos de volta. Foi muito angustiante e frustrante não encontrar
participantes, o que suscitou um questionamento relativo à adequação do método. As
limitações impostas pelo tempo, o tabu que envolve o tema e impede a circulação das
informações e as características dos registros dos óbitos dificultaram a localização dos
participantes, talvez até pela característica deles próprios, com as constantes mudanças
em busca de uma vida menos difícil e sofrida.
O percurso dessa busca talvez seja semelhante ao movimento dos pais de
encontrar saídas diante das impossibilidades, com a oportunidade de crescimento em
meio à adversidade. Conhecendo mais a fundo os meandros de uma perda em particular,
discutida em um estudo de caso, refletiu-se a respeito de possíveis temas investigativos
para o futuro.
Dentre esses, destacam-se os significados atribuídos pela participante ao ato
suicida, associado à falta de apoio encontrada e ao sentimento de solidão subsequente,
à paralisia e à aura de mistério observados no momento imediatamente anterior ao
suicídio, coroados com o transtorno e o sofrimento percebidos no filho. É provável que
alguns desses elementos estejam presentes em outras crises suicidas que culminem no
ato consumado.
Alguns dados revelados parecem ter forte influência no processo de luto estudado.
A importância da religo para a construção desse processo perpassado por sua positiva
visão de mundo; a crença de que o comportamento suicida esteja envolvido com alto
grau de sofrimento por parte do suicida, que parece ser responsável pela diminuição ou
inexistência dos questionamentos destacados na literatura como sendo presentes tanto
no luto parental quanto no luto por suicídio; o importante apoio recebido, mesmo com a
215
Considerações Finais
percepção de sua diminuição ao longo desse primeiro ano, incrementando o sentimento
de solidão proveniente de sua fase do ciclo vital; e, por fim, a aceitação do suicídio em
seu entorno social, favorecendo o não surgimento do preconceito esperado nessas
ocasiões.
Conclui-se que a tristeza intensa decorrente de qualquer tipo de perda deve ser
diferenciada do diagstico psiqutrico de depressão, que tem sido identificada
erroneamente por leigos e profissionais quando atribuem o conceito de doença às
reações advindas do processo do luto. Pode ser de grande valia o exercício de atribuir o
nome correto às reações apresentadas, respeitando-as em todas as suas expressões,
e, quando nesses casos existir uma tristeza muito grande, nomeá-la de tristezão”, que
indica a “normalidade” desses sentimentos.
Encontrar uma mãe que sofra desse “tristezão”, livre de rótulos psiquiátricos, e
conhecer seu caminho em direção ao restabelecimento de um funcionamento adequado
foi um grande presente revelado por esta pesquisa, contrariando todas as expectativas
mobilizadas com a teoria.
Foram identificados, alguns fatores que poderiam dificultar esse caminho, tais
como a presença de doença prolongada, a vivência da experiência traumática, a idade
da entrevistada e a experiência de múltiplas perdas, o vínculo com o filho itensificado
após a separação do casal parental. Mas tamm foram encontrados potenciais recursos
de enfrentamento envolvendo a crença religiosa, a crença em relação ao suicídio, o apoio
recebido e percebido em todos os níveis, o envolvimento com a arte e a decisão de a
enlutada recuperar o pprio ritmo, consciente das limitações e possibilidades
estabelecidas pelo contexto. Com sua participão nesta pesquisa, M. teve a oportunidade
de acrescentar o ato de compartilhar a seu reperrio de recursos positivos de
enfrentamento do luto.
216
Considerações Finais
A utilização do genograma como instrumento possibilitou a abertura de temas
transgeracionais dos quais destacam-se o padrão familiar de enfrentamento do luto, o
alcoolismo e a recorrência do suicídio.
Seria interessante, contudo, ampliar o tema pesquisado incluindo a família,
entrevistando todos os seus integrantes, utilizando outras técnicas de pesquisa, por meio
das quais se pudessem extrair dados relativos à construção do significado na família, à
estrutura familiar, aos padrões de comunicação e a outras dinâmicas familiares que
estivessem relacionadas ao luto.
É preciso ampliar as pesquisas sobre o assunto para que não seja mantida a
ideia de que esses enlutados falham em completar seu processo de luto, de acordo com
os critérios atualmente utilizados. que se considerar que os critérios indicados pela
avaliação sistêmica do luto são úteis nesse sentido. Os dados na discussão não são
representativos de todos os pais enlutados por esse tipo de perda e o esgotam a
multiplicidade dos processos vividos.
Assim, diante da vitalidade e da diversidade para enfrentar os desafios da vida,
as constantes mudanças sociais e culturais, as mais recentes modalidades de estruturas
familiares e sua força de ajustamento, especialmente aos eventos traumáticos, têm
suscitado uma importante preocupação dos pesquisadores para não mais estabelecerem
um modelo único de luto “normal”, seja individual seja familiar.
A partir da discussão dos dados, foram identificadas algumas variáveis a serem
investigadas no futuro, que potencialmente gerariam diferenças no processo estudado,
a saber: a existência de tentativas anteriores e a possibilidade da existência de um luto
antecipatório; a presença e a percepção de sinais relacionados à intencionalidade do
suicídio; a existência de tratamentos prévios das crises suicidas; a intencionalidade
declarada ou não; a presença de lutos complicados, crônicos ou adiados que porventura
217
Considerações Finais
estejam presentes na crise suicida; a transgeracionalidade do suicídio como forma de
enfrentamento; a investigação da dinâmica familiar diante da crise suicida e de suas
transformações após a morte; a diferença de idade e da posição ocupada na família
pela pessoa que morreu, entre outras.
Talvez haja diferença na reação social e na própria reação da família ao suicídio
de adolescentes, adultos e idosos que se configura como um interessante foco de
pesquisa. O primeiro tem sido com frequência associado à presença de impulsividade,
desesperança e desespero diante da ausência de comportamentos estranhos que
indicassem algum tipo de ideação ou plano suicida. Em adultos e idosos, com frequência
associado a diagnósticos psiquiátricos, parece haver uma aceitação maior.
Embora a morte por suicídio seja um fator apontado como gerador de necessidade
de serviços especiais de acolhimento ao tipo de luto que dele decorre, nem todos os
enlutados precisam de apoio profissional. É sabido que a participação em programas
de acolhimento ao luto por suicídio pode incrementar, ao invés de reduzir, as
consequências problemáticas desse tipo de luto, sendo importante possibilitar ao enlutado
a identificação da sua demanda por ajuda.
Parece improvável que se encontre algum tratamento de enorme sucesso” que
resolver todos os problemas das pessoas enlutadas. Quanto mais for possível identificar
e compreender esses problemas para os quais alguma ajuda seja necessária, maior a
probabilidade de as intervenções serem mais bem sucedidas.
Não se objetiva aqui esgotar o assunto, mas abrir espaço para a discussão de um
tema muito importante, pois esse tipo de morte não é incomum e pode ser considerado
um desafio metodológico que carece de investigações mais profundas, que podem
acontecer por meio de estudos longitudinais, incluindo diferentes gerações, com a
aplicação de instrumentos diversificados de avaliação do luto.
218
Considerações Finais
Seria interessante oferecer algum tipo de treinamento para os profissionais que
se relacionam com enlutados por suicídio, não os que atuam na área da saúde clínica
e hospitalar, mas também os que lidam com esses enlutados em outros âmbitos, como,
por exemplo, policiais, bombeiros, legistas, jornalistas, religiosos. Esses profissionais
precisam conhecer a singularidade de cada processo, para além de seu pprio
paradigma, de maneira a conseguir oferecer ajuda adequada aos enlutados
Com um conhecimento maior sobre esse tema que possibilite um trabalho
específico de prevenção e tratamento, quando se fizer necessário, abre-se a possibilidade
de reduzir o impacto e atenuar os danos sentidos pelos pais cujos filhos cometeram
suicídio, não importa quanto tempo precisem para perceber que a vida pode continuar.
219
Referências
Capítulo 9
REFERÊNCIAS
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Anexos
ANEXOS
Anexos
231
ANEXO I - FOLHA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
Anexos
232
ANEXO II – TERMO DE CONSENTIMENTO DE ULTILIZAÇÃO DE DADOS
Anexos
ANEXO III – TERMO DE INDEFERIMENTO DE PEDIDO PARA USO DE DADOS
233
Apêndice
ANDICES
Apêndice
235
APÊNDICE I
Roteiro de Entrevista Semiestrurada
Identificação dos Participantes da Pesquisa
Nome: ______________________________________________________________
Sexo: M ( ) F ( )
Estado Civil: _______________________ Idade: ___________________
Situação conjugal: ___________________
Religião: __________________________ Praticante: Sim ( ) o ( )
Profissão: _________________________ Exercendo: Sim ( ) Não ( )
Renda familiar: _____________________
Nome do filho: ________________________________________________________
Data de nascimento: _________________
Data de falecimento: _________________
Morava com os pais? Sim ( ) Não ( )
Categoria de perguntas investigativas referentes às mudanças ocorridas a partir do
suicídio, englobando dois períodos: antes e depois do ato.
Suicídio opinião, crenças e valores.
Espiritualidade.
Vida familiar.
Casamento.
Filhos sobreviventes (preocupação).
Relacionamento interpessoal.
Saúde física e mental.
Vida profissional.
Mundo presumido.
Apêndice
236
Categorias de perguntas relativas ao luto.
História do filho na família.
O suicídio: contextualização (o que aconteceu, como aconteceu, como soube do
ocorrido, quem achou o corpo, presença de carta de despedida, tentativas anteriores,
tratamentos realizados, motivo atribuído).
Reação social e familiar ao suicídio.
Rituais.
Rede de apoio (recebida e percebida).
Recursos utilizados: terapia, medicação, religião, amigos, grupo de autoajuda,
leitura, escrita.
Reações de aniversário.
Reestruturação familiar após a perda.
Reparação.
Manifestações de presença.
Perspectiva de futuro.
O que aprendeu que pode ajudar outras pessoas em situações similares.
Outros assuntos.
Apêndice
237
APÊNDICE II
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Comitê de Ética em Pesquisa
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Título da Pesquisa: E a vida continua... O processo de luto dos pais
após o suicídio de um filho.
O presente trabalho essendo realizado por mim, Daniela Reis e Silva, psicóloga
CRP 517/16 residente na XXXXX XXXXX - XX Tel. XX XXXXXXXX, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, na PUC/SP, sob a
orientação da Prof.ª Dr Maria Helena Pereira Franco.
O estudo será desenvolvido com pais enlutados por suicídio de um filho, com o
objetivo de conhecer alguns dos aspectos envolvidos nesse processo. Compreende a
realização de uma pesquisa qualitativa com os pais enlutados selecionados, para a qual
serão necessários dois encontros, cada um de APROXIMADAMENTE duas horas. No
primeiro encontro, serão pesquisados a constituição da família e o histórico de suas
perdas. No encontro seguinte, será realizada uma entrevista semiestruturada.
O primeiro encontro terá os dados formais obtidos registrados, por escrito, pela
pesquisadora, e se gravado para maior fidelidade das informões. O segundo encontro
será apenas gravado.
As informações coletadas serão utilizadas para os objetivos desta pesquisa, quais
sejam: a elaboração da dissertação de Mestrado e publicações dos resultados. Essas
informações ficarão com o próprio pesquisador e estarão dispoveis para os
participantes a qualquer momento do desenrolar da investigação. Estarão garantidos a
proteção e o sigilo a respeito da identidade de todos os participantes.
O maior desconforto para vocês é o tempo em que participarão dos encontros bem
como a lembrança de aspectos que podem ter sido difíceis. O benecio se a
contribuição pessoal e familiar para o desenvolvimento de um estudo científico bem como
a possibilidade de receber encaminhamento individual e/ou familiar para atendimento
psicológico, caso seja necessário.
A pesquisadora compromete-se a prestar o suporte que se fizer necessário aos
participantes, mesmo tendo sido estabelecido o baixo risco da pesquisa, caso ocorra
algum tipo de dano à saúde psíquica ou física, bem como qualquer prejuízo decorrente
Apêndice
238
deste estudo. A pesquisadora também se compromete a apresentar o trabalho acadêmico
finalizado aos participantes, colocando-se à disposição para quaisquer esclarecimentos
que se fizerem necessários ao longo de todo o processo.
Vocês têm total liberdade para interromper sua participação a qualquer momento
do processo da pesquisa, retirando seu consentimento sem nenhuma penalização ou
prejuízo.
Solicito, portanto, sua autorização para a participação na pesquisa, inclusive para
a gravação das entrevistas e a publicação dos dados.
O presente termo de consentimento livre esclarecido apresenta-se em duas vias,
uma das quais ficará com os participantes e a outra, com a pesquisadora responsável.
Agradeço antecipadamente sua participação, colocando-me à inteira disposição
para o que se fizer necessário.
Daniela Reis e Silva
Psicóloga – CRP 517/16
Tel: (XX) XXXX-XXXX
Tendo ciência das informações contidas neste Termo de Consentimento sobre o
estudo no qual estarei envolvido e minhas dúvidas esclarecidas, eu,
_______________________________________________________________,
portador do RG _____________________, aceito participar desta pesquisa e autorizo
a utilização dos dados por mim fornecidos.
Data: ___/___/20__
Assinatura:_______________________________
Apêndice
APÊNDICE III GENOGRAMA
239
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