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“A interpretação dos sonhos” para detalhar os caminhos da constituição dos sonhos,
dizendo: “Um sonho não é o inconsciente; trata-se da forma pela qual um pensamento
remanescente da vida desperta pré-consciente ou mesmo inconsciente para, graças ao
estado de sono, ser remodelado”.
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Distingue o desejo inconsciente do desejo pré-
consciente. Sabe como ninguém que um sonho só pode se constituir “como representante
daquilo que se chama o inconsciente”,
146
se tiver calcado no desejo inconsciente; “só que
não tira daí as conseqüências extremas”.
147
Freud precisaria ter reconhecido que, apesar de
enganosos (na intenção pré-consciente) eram dirigidos a ele, ela sonha para ele. A cena
imaginária do sonho era tão somente uma versão nova do desejo primário dirigido ao pai,
de ter dele um filho. Freud sabe disso, considera estes sonhos também “uma revivescência
grandemente enfraquecida do original e apaixonado amor da jovem pelo pai”.
148
Apesar disso, ele enfatiza na transferência a intenção pré-consciente do sonho, o
aspecto de “tapeação”, digamos, a vertente de impostura do sonho, neste sentido,
acentuando seu aspecto perverso. Em dado momento de seu ensino, muito posterior ao
Seminário 4 em que baseio estas considerações, Lacan apresenta o termo père-version, o
que, grosso modo, poderia ser aplicado ao sonho enganador da jovem no sentido de “a
versão dada ao pai”, père-version limitando o jogo de palavras aí contido, excluindo o
efeito do sentido que é atribuído a esta expressão, a de que o pai transmite ao filho sua
père-version, ou seja, seu modo de gozo, o que carrega em si, um traço sempre perverso.
A jovem, ao tomar seu pai como objeto do desejo e dele esperar um filho no primeiro
tempo do Édipo, expressa no sonho seu desejo primeiro (o casar, ter filhos, etc.) e,
simultaneamente, engana o pai (Freud), o que, ela mesma dizia, pretendia jogar com os
pais, “... fingir se tratar e manter sua posição, sua fidelidade à dama”. Lacan comenta que,
“sem dúvida, estamos aí numa dialética da tapeação, mas o que se formula
no inconsciente [...] é, referido ao significante, aquilo que foi desviado na
origem, a saber, sua própria mensagem vinda do pai sob uma forma
invertida, sob a forma do você é minha mulher, você é meu mestre, você
terá um filho meu. Esta é, na entrada do Édipo ou enquanto o Édipo não
está resolvido, a promessa sobre a qual se funda a entrada da menina no
145
FREUD, S. (1976) - Obras completas, vol. XVIII, p.205
146
LACAN, J. (1995) - Seminário 4: A relação de objeto, p.137
147
Idem.
148
FREUD, S. (1976) - Obras completas, vol. XVIII, p.204