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Outro aspecto importante desta primeira estrofe diz respeito ao espaço em que
está inserido o preto velho: o mocambo. De acordo com Roger Bastide (1960, p.118), o
mocambo tornou-se um espaço importante para a prática mais livre das expressões
culturais populares. É no mocambo que os negros, reunidos, podiam ressuscitar seus
costumes tribais interrompidos na África. Fumar, dançar umbigada ou tocar urucungo
eram formas de não deixar se extinguir a identidade. Fora do mocambo, suas práticas
eram consideradas crime, feitiçaria ou cultos demoníacos. O lirismo de tom descritivo e
narrativo, neste poema, favorece a possibilidade de se criar uma ambientação mais
detalhada do espaço negro, sem prejudicar os aspectos psicológicos e sentimentais
presentes no texto. Pires Laranjeira, analisando o movimento da Negritude, dá uma
precisa contribuição teórica no que se refere à aproximação do poético com o narrativo
como forma estética privilegiada para abordar a temática Africana:
Para um modo literário que, na tradição européia, se considera lírico,
isto é, apto para enunciação de estados de espírito, sensações,
elucubrações existenciais, filosóficas, ou expressões emocionais, a
intromissão da descrição e o esboço de <personagens>, com
predominância ao nível da figuração (no sentido que este termo tem no
teatro), originando a acentuada contaminação do lirismo pela
narratividade, permite contar, se bem que de modo fragmentário e
alusivo, as histórias localizadas dos negros em suas situações, com
indicações mais precisas, e preciosas, para uma leitura sócio-histórica
global. Só dessa maneira particularizante e especificadora (localização
ambiental, notação cronológica, caracterização rácica, social, cultural e
anatômica) o negro transita da sombra dos bastidores para o
aclaramento protagonístico, mesmo que esse protagonismo se exerça
através da mediação figurante, pela dificuldade (senão impossibilidade)
de extravasar os limites arquitextuais máximos do modo literário.
(LARANJEIRA, 1995, p. 343)
O espaço onde os africanos no Brasil e seus descendentes diretos podiam se
sentir, mesmo que temporariamente, livres, iguais e, sobretudo, humanos era no
ambiente das suas festividades. As danças populares dos negros foram marcadas pela
rica variedade de passos e movimentos corporais, encontrados até hoje, por exemplo,