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UNIVERSIDADE PARANAENSE
MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL E CIDADANIA
ILIANE ROSA PAGLIARINI
RELAÇÕES NEGOCIAIS CONTEMPORÂNEAS E AÇÃO REVISIONAL:
EQUILÍBRIO E CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS
UMUARAMA
2009
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ILIANE ROSA PAGLIARINI
RELAÇÕES NEGOCIAIS CONTEMPORÂNEAS E AÇÃO REVISIONAL:
EQUILÍBRIO E CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS
Dissertação apresentada à banca examinadora
do Programa de Mestrado em Direito da
Universidade Paranaense - UNIPAR, como
exigência parcial à obtenção do grau de
mestre, sob a orientação da Profa. Dra. Jussara
Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
Umuarama
2009
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FOLHA DE APROVAÇÃO
ILIANE ROSA PAGLIARINI
RELAÇÕES NEGOCIAIS CONTEMPORÂNEAS E AÇÃO REVISIONAL:
EQUILÍBRIO E CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Direito
Processual Civil e Cidadania pela Universidade Paranaense UNIPAR, pela seguinte banca
examinadora:
____________________________________________
Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Orientadora
____________________________________________
Profa. Dra. Miriam Fecchio Chueri
____________________________________________
Prof. Dr. Osmar Vieira da Silva
Umuarama, 25 de novembro de 2009
Do Sul ao Norte, do Norte ao Sul.
Dois extremos que percorro algum tempo:
no Sul, em Santa Catarina, minha eterna
referencia, minha mãe, Paulina, a quem me é
exemplo de força, disciplina e trabalho.
No Norte, no Acre, meus irmãos Almir, Adir e
Airo, e
mais ao Norte, em seu extremo, em Roraima,
minha amada irmã Ilaine, que sempre esteve (e
continua) ao meu lado, compartilhando a
paixão pelo estudo, os sonhos, a vida e agora,
a alegria trazida por minhas sobrinhas Luiza e
Julia.
Fora do Brasil, em Assunção, minha irmã
Ione, que a mim me relegou o melhor dos
hábitos: a leitura.
Nessa caminhada entre os dois extremos de
nosso País, estou no Paraná e, Adriana Tie,
abriu as portas de sua casa, integrou-me em
sua família, tornando meu caminhar mais
ameno, mais alegre, mais fácil.
A todos vocês meu amor e carinho.
AGRADECIMENTOS
O Mestrado é mais que um projeto, é um sonho, a porta que conduzirá à sala de aula.
Agradeço ao Dr. Alaim Stefanello, por batalhar por minha transferência para o Estado do
Paraná e por todo seu incentivo para meu ingresso no mestrado da UNIPAR.
Agradeço a minha irmã Ilaine por ter me dado todo apoio que necessitei para a mudança de
Estado e por, mesmo de longe, fazer parte de minha vida.
A Adriana, agradeço pela amizade, pela força, pelas indicações de leituras filosóficas e
sociológicas, enfim pelas constantes trocas de idéias.
A equipe do jurídico da Caixa Econômica, Marcos, Márcia, as estagiárias Daiene e Joyce pelo
apoio nos períodos em que precisei me ausentar do trabalho para cursar o mestrado.
Agradeço aos ensinamentos e indicação de leitura de todos os professores do mestrado, em
especial ao Prof. Celso Iocohama e a Profa. Miriam Fecchio, exemplos que seguirei quando
estiver na docência.
Por fim, meu agradecimento especial a Profa. Jussara, pois através de suas aulas fez-se um
marco temporal, um divisor de águas na minha compreensão do Direito, eis que se abriu um
novo horizonte, iluminado e com infinitas possibilidades. O despertar para pesquisa, o contato
com a melhor das literaturas jurídicas, os questionamentos... ver o Direito “com olhos de
ver”... o legado de suas lições serão para sempre o impulso para o aprimoramento. Ainda,
como minha orientadora, lhe agradeço pela disponibilidade, pelos direcionamentos, pela
paciência e compreensão. A ti, Profa. Jussara, expresso meu carinho, respeito e admiração.
PAGLIARINI, Iliane Rosa. Relações Negociais Contemporâneas e Ação Revisional:
Equilíbrio e Conservação dos Contratos. 142 p. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Universidade Paranaense, Umuarama.
RESUMO
A trajetória evolutiva do contrato pode ser estudada em três momentos temporais que refletem
os ideais norteadores do instituto, como o período clássico do liberalismo, com império da
autonomia da vontade e liberdade plena na contratação, o dirigismo contratual, marcado pela
intervenção do Estado nas relações negociais e, por fim, o contrato na atualidade, com seus
modernos contornos, fortemente influenciado pelos movimentos de descodificação, pelas
limitações impostas à autonomia privada e abertura sistêmica para a metodologia dos
princípios e cláusulas gerais. Do conjunto transformador emerge a nova feição do contrato,
redefinido pela própria complexidade das relações sociais de massa, competente e suficiente
para enfrentar a expansão econômica e as mais variadas intermitências decorrentes da
faticidade negocial. O descumprimento do contrato enfrenta o território das cláusulas
complexas e pré-fixadas, calibradas pela proteção contra a abusividade, enfatizando a eficácia
da boa-fé objetiva e da função social do contrato como assegurada pela nova hermenêutica
negocial. A ação de revisão do contrato harmoniza os ditames da pacta sunt servanda e rebus
sic stantibus, primando, dessa forma, pela conservação do contrato, mas de forma equilibrada
e justa em atendimento aos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
Palavras-chave: Contratos. Inadimplemento contratual. Ação revisional. Função social. Boa-
fé.
Pagliarini, Iliane Rosa. Relaciones de Negocios Moderno y Acción Revisional: Balance y
Contratos de Conservación. 142 p. 2009. Disertación (LLM) - Universidade Paranaense,
Umuarama.
RESUMEN
La trayectoria evolutiva del contrato puede ser estudiada em tres momentos temporales que
reflejan los ideais norteadores del instituto, como el periodo clasico del liberalismo, con
imperio de la autonomia de la voluntad y libertad plena en la contratación, el dirigismo
contratual, marcado por la intervención del Estado en las relaciones negociales y, por fin, El
contato en la actualidad, com sus modernos contornos, fuertemente influenciado por los
movimentos de descodificación, por las limitaciones impostas a la autonomia privada y
abertura sistêmica para la metodologia de los princípios y clausulas generales. Del conjunto
transformador emerge la nueva facción del contrato, redefinido por la própria complejidade de
lãs relaciones sociales de massa, competente y suficiente para enfrentar la expansión
económicas y las más variadas intermitencias decorrentes de la faticidad negocial. El
descumprimiento del contrato enfrenta el território de las clausulas complejas y pré-fijadas,
calibradas por la proteción contra la abusividad, enfatizando la eficácia de la buena-fe
objetivay de la función social del contrato como asegurada por la nueva hermeneutica
negocial. La ación de revisión del contrato harmoniza los ditames de la pacta sunt servanda y
rebus sic stantibus, primando, de esa forma, por la conservación del contrato, pero de forma
equilibrada y justa en atendimento a los princípios de la buena-fe y de la función social del
contrato.
Palabras-clave: Contratos. Inadimplemento contratual. Acción revisional. Función social.
Buena-fe.
SUMÁRIO
RESUMO
RESUMEN
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................
09
1
DO NEGÓCIO JURÍDICO .................................................................................
11
1.1 A Concepção do Negócio Jurídico
Teoria do Voluntarismo e da
Declaração................................................................................................................
12
1.2
Análise do Artigo 112 do Código Civil sob a Ótica da Tutela da
Confiança..................................................................................................................
17
1.3 O Negócio Jurídico no Plano da Existência, da Validade e da Eficácia..................
22
1.3.1 Elementos do negócio jurídico – o plano da existência...........................................
23
1.3.1.1
Análise processual da (in)existência do negócio jurídico........................................
26
1.3.2 Requisitos de validade do negócio jurídico..............................................................
28
1.3.2.1
Invalidade do negócio jurídico e a possibilidade de conversão ..............................
28
1.3.3 Fatores de eficácia do negócio jurídico ...................................................................
31
1.4 Uma Nova
Abordagem sobre a Vontade e seu Papel na Formação do Negócio
Jurídico em Decorrência da Superação do Monismo Jurídico ................................
32
1.5 Do Negócio Jurídico ao Contrato ............................................................................
36
2
O CONTRATO: UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR ....................................
38
2.1 O Contrato no Estado Liberal ..................................................................................
38
2.2 A Época do Dirigismo Contratual ...........................................................................
46
2.3 Relações Negociais Contemporâneas: O Contrato na Pós-Modernidade ...............
52
2.3.1 O fenômeno da pós-modernidade ............................................................................ 52
2.3.2 O contrato na atualidade ..........................................................................................
54
2.4 O Sinal da Pós-Modernidade nos Contratos ............................................................ 56
2.4.1 As cláusulas gerais ..................................................................................................
56
2.4.2 Análise do contrato sob a ótica principiológica ......................................................
63
3
INADIMPLEMENTO CONTRATUAL .............................................................
71
3.1 O Inadimplemento e a Mora Contratual: Diferenciação .........................................
72
3.2 Impossibilidade no Cumprimento da Obrigação .....................................................
75
3.3 A Boa Fé do Credor ante o Inadimplemento ...........................................................
78
3.4 Culpa do Devedor e Conseqüências do Inadimplemento ........................................
80
3.4.1 Caso fortuito e força maior ......................................................................................
81
3.4.2 Responsabilidade do devedor ..................................................................................
82
3.5 Inadimplência e o Processo Executivo ....................................................................
87
3.6 Defesa do Devedor ..................................................................................................
91
3.7 O Alerta Trazido pelo Descumprimento Contratual ...............................................
94
4
REVISIONISMO CONTRATUAL .....................................................................
99
4.1 A Importância dos Princípios Rebus Sic Stantibus e Pacta Sunt Servanda
no
Contratualismo .......................................................................................................
99
4.1.1 A posterior desfiguração conceitual do princípio rebus, por via de re
-
reconfiguração, após o advento do pacta ...............................................................
.
102
4.2 Função Social do Contrato e Revisionismo Contratual ...........................................
104
4.3 A Ação Revisional ................................................................................................... 107
4.3.1 Ação revisional e a manutenção dos contratos ........................................................
107
4.3.2 Natureza jurídica da ação e da sentença revisional .................................................
108
4.3.3 Condições da ação revisional ..................................................................................
111
4.3.3.1
Contrato já integralmente cumprido pode ser revisto? ............................................
115
4.3.3.2
A imprevisibilidade do acontecimento ....................................................................
117
4.3.3.3
A onerosidade excessiva para um dos contraentes e o benefício exagerado para o
outro .........................................................................................................................
118
4.3.3.4
A inexistência da mora antes do acontecimento imprevisível ................................
119
4.3.3.5
O magistrado pode revisar o contrato de ofício? Uma análise da jurisprudênci
a
do Superior Tribunal de Justiça ...............................................................................
121
4.3.4
Questões processuais relacionadas à ação revisional e a ação de execução do
contrato ....................................................................................................................
125
CONCLUSÃO ....................................................................................................................
128
REFERÊNCIAS .................................................................................................................
133
INTRODUÇÃO
Para estudar as relações negociais contemporâneas, o instituto do contrato, o Direito
Civil e Processual Civil é imprescindível não apenas relacioná-los entre si e às outras áreas do
Direito, como também voltar os olhos para a política, a economia, a sociologia e às demais
ciências.
A procura pela compreensão do mundo em que se vive acompanha o homem desde
as longínquas eras, mas há que se reconhecer que foi na modernidade, época em que o homem
passou a ser ao centro do seu próprio universo, que as reformas aconteceram e se fizeram
sentir nas artes, na política, na economia, no direito.
O despertar do conhecimento moderno advindo do iluminismo, humanismo,
cartesianismo, traz ao homem à razão, força e autoconfiança para se desenvolver e consigo as
formas de trabalho, de economia de agrupamento social. As cidades de desenvolvem, o
capitalismo se firma e uma nova engrenagem surge, desaparecendo a figura do homem
submisso às regras impostas pela religião. Não limites para o pensamento, para o
desenvolvimento, para o comércio.
O que sustenta esse novo sistema é a razão, a lógica, o positivismo, pois o homem
moderno precisa de organização e segurança. No campo jurídico a segurança é trazida pelo
império da lei e nas relações negociais pela intangibilidade dos contratos (pacta sunt
servanda).
A modernidade traz consigo, então, a idéia de liberdade, de autonomia e de
individualismo.
No século XX, após as duas grandes guerras, o ideal político, econômico, social e
jurídico sofre abalos diante da nova realidade que surge, pois as certezas deixam de existir e o
homem moderno passa a entender que precisa se readequar. Do individualismo passa-se a um
necessário e pontual solidarismo.
E o solidarismo vem a influenciar, também, o direito e as relações negociais,
oportunidade em que se resgata o princípio até então esquecido, rebus sic stantibus.
Atualmente muito se fala em “pós-modernidade”, em “contrato pós-moderno”, o
especificamente ligado a uma linha delimitadora do tempo, mas em uma perspectiva
sociológica, em especial a que é apresentada pelos estudos do sociólogo polonês Zygmunt
Bauman
1
.
Independente da aceitação ou o da concepção filosófica de pós-modernidade, o
Direito Civil vem sofrendo transformações e aproximando-se do Direito Constitucional, e
nessa harmonia do público e privado surge o “Direito Civil Constitucional”, trazendo, não um
novo direito, mas a necessária releitura do modelo privatista clássico.
O tempo é de mudanças e, atenta a tal fato, a pesquisa do contrato foi desenvolvida,
iniciando-se pelo estudo do negócio jurídico no plano da existência, da validade e da eficácia,
sendo realizada a análise do artigo 112 do Código Civil sob a ótica da tutela da confiança.
O capítulo segundo é dedicado ao contrato e seus modernos contornos, no plano da
fenomenologia econômico-social, as novas formas de contratação e sua releitura
principiológica.
No terceiro capítulo é trazida a anormalidade da relação contratual: sua
inadimplência e suas conseqüências.
Por fim, no quarto capítulo, importância dos princípios rebus sic stantibus e pacta
sunt servanda no contratualismo, a função social do contrato e o revisionismo contratual,
aspectos processuais da ação revisional com os recentes posicionamentos da jurisprudência
sobre a matéria e o enfoque para a manutenção da relação negocial.
Em todo trabalho buscou-se o diálogo entre o direito civil, processual civil e o direito
constitucional, pois também o processo civil atual se encontra em fase de modificações, as
quais ocorrem em sintonia com direito material.
1
Com destaque para seus livros: “Modernidade líquida” e “Mal-estar na pós-modernidade”.
1 DO NEGÓCIO JURÍDICO
Desde Aristóteles proclama-se que o homem é um ser eminentemente social, pois
precisa agrupar-se aos seus semelhantes para viver, e em decorrência dessa existência em
coletividade nascem as crenças, os costumes, as normas morais, o Direito, o Estado.
A convivência entre os homens resulta relações que o Direito lhe confere
juridicidade ao reconhecer sua importância e tutelar sua proteção. Assim ocorre com o
negócio jurídico.
Para análise do negócio jurídico, o olhar será crítico, e nessas primeiras linhas não
como fazer a crítica ao Direito como instrumento de legitimação da ordem vigorante sem
mencionar Luiz Fernando Coelho quando afirma que o direito nos diversos planos em que se
apresenta enquanto experiência social “pouco ou nada se deixou penetrar pela ordem
renovadora”, pois no plano empírico da vida jurídica, o direito serve “como instrumento de
dominação: a história do direito é a história do poder” (2003, p. 2). Entre História, poder e
Direito, o contrato estará presente em todos os momentos, servindo como instrumento de
efetivação da ordem política, econômica e ideológica dominante.
O caminho para o estudo sobre o contrato, descumprimento e suas conseqüências
jurídicas, primeiramente, inicia-se com a formação do negócio jurídico, de maneira que,
direcionado estritamente para a relação contratual
2
se possa enfrentar o dogma da vontade
com novos parâmetros, de forma a sistematizar a relação negocial no plano da existência,
validade e eficácia.
Deve-se a pandectística alemã, na primeira metade do século XIX, quando a
Alemanha ainda não possuía codificação, a criação da categoria negócio jurídico, “na moldura
dos fatos jurídicos, por um processo de gradual abstração, própria da atividade científica
daquela escola alemã, que se preocupava com a elaboração de conceitos jurídicos”, com
objetivo evidente em se “extrair soluções para os casos da vida” (ULBADINO MIRANDA,
2009, p. 13).
José Augusto Delgado (2007, p. 2), ao fazer breve resgate histórico, informa que os
romanos não conheceram a teoria do negócio jurídico, pois esta foi “fruto da doutrina
2
Muitos dos aspectos do negócio jurídico foram desenvolvidos em função dos contratos. Pondere-se que embora
a tradição germânica do ensino do Direito Civil parta do negócio para o contrato, o movimento histórico é com
freqüência, inverso, uma vez que, regras encontradas para contrato funcionam nos negócios em geral
(MENEZES CORDEIRO, 2000, p. 347).
filosófica do Séc. XVII, quando o empirismo passou a ser substancialmente fenomenista,
como o racionalismo, tendo o conhecimento sido reduzido não à razão, e sim aos sentidos” e
somente alcançou desenvolvimento no século XIX, coincidindo, assim, com o período áureo
da pandectística germânica.
O fato jurídico é concebido como o acontecimento que tem repercussão para o direito
porque produz, modifica ou extingue a relação jurídica. Segundo Senise Lisboa (2009, p. 316)
o fato jurídico pode resultar de um acontecimento natural ou da ação humana, a qual pode ser
voluntária ou involuntária. O fato humano voluntário é o que produz efeitos jurídicos
pretendidos pelo agente e subdividem-se em fatos citos voluntários (ato jurídico e o negócio
jurídico) e os fatos ilícitos voluntários (fatos antijurídicos).
Serpa Lopes (1960, p. 405) distingue:
Enquanto o fato jurídico é um acontecimento produtor de uma modificação no
mundo jurídico voluntário ou não, enquanto o ato jurídico é um ato voluntário, mas
em que a vontade pode não exercitar uma função criadora ou modificativa ou
extensiva e uma determinada situação jurídica, como uma declaração de nascimento
perante o Oficial de Registro, abrangendo até o próprio ato ilícito, o negócio jurídico
é sempre eminentemente manifestação de vontade produzindo efeitos jurídicos, isto
é, destinada a produzir os efeitos jurídicos atribuídos pela ordem jurídica, não
podendo compreender senão atos lícitos, suscetíveis de um determinado tratamento
pela ordem jurídica.
Visualiza-se, de plano, que o fato jurídico é o gênero, e o ato, e mais especificamente
o que interessa ao presente estudo, o negócio jurídico, espécies, sendo o que lhe particulariza:
a vontade.
1.1 A Concepção do Negócio Jurídico – Teoria do Voluntarismo e da Declaração
A formação do negócio jurídico pode exigir complexas atividades preparatórias ou,
ao contrário, formar-se plenamente por meio de um simples assentimento. Admite-se, contudo
que, normalmente, o negócio jurídico requer, para sua formação, um conjunto de atividades
diferenciadas, motivo pelo qual, “a doutrina civil recuperou, com êxito, a idéia de processo,
para explicar a formação do negócio jurídico” (CORDEIRO, 2000, p. 335).
Considerando-se processo como a seqüência de atos que se destinam à justa
composição de um litígio, com a intervenção de um órgão imparcial de autoridade, qual seja o
Estado-juiz, e utilizando-se a idéia para o direito negocial pode-se entender que haverá
processo negocial quando forem realizados diversos atos jurídicos de modo a proporcionar
um objeto final. Nesse sentido pondera Menezes Cordeiro (2000, p. 336):
Quando uma seqüência de atividades conheça êxito, desembocando num negócio
jurídico, todos os atos que ela compreenda se dissolvem, perdendo autonomia, no
resultado final. Não obstante, o seu estudo em separado é analiticamente útil, para
efeito de estudo e conhecimento, desde que, com isso, não se perca a idéia do
conjunto.
Destaca o autor que, quando praticado uma série de atos, mas o contrato não venha a
se efetivar, deve-se verificar o exato alcance e a eficácia dos atos praticados. Aqui a
importância do fator “vontade” se releva.
Deve ser lembrado que o Código Civil Francês representa a primeira grande
codificação civilista, a qual reflete a vitória da burguesia na revolução de 1789 e consolida
seus ideais políticos, sociais e econômicos como expressão de repulsa aos privilégios
assegurados somente à nobreza no antigo regime. A aquisição da propriedade privada passa a
ser um direito, assegurada a livre autonomia para se contratar e para se adquirir bens,
tornando-se o contrato, nesse momento, expressão maior da autonomia da vontade, que passa
a ser um ícone do individualismo, com total validade e obrigatoriedade.
A influência do Código Napoleônico e os ideais que ele representa firmaram o
entendimento que a vontade é um elemento formador do negócio jurídico e refletiram
diretamente em suas definições doutrinárias.
É de ser reconhecido que as definições de negócio jurídico como ato de vontade,
“são as mais antigas na ordem histórica”, compreendendo-o como “manifestação de vontade
destinada a produzir efeitos jurídicos, ou em ato de vontade dirigido a fins práticos tutelados
pelo ordenamento jurídico
3
” (AZEVEDO, 2002, p. 4).
A discussão doutrinária em torno do tema se abre quando se passa a defender a
vontade como fenômeno interior e psíquico da pessoa ou quando se defende que a vontade é
aquela exteriorizada, ou seja, declarada pelo sujeito.
3
Junqueira Azevedo (2002, p. 5) sintetiza os conceitos de negócio jurídico trazidos pela doutrina brasileira
(muitas vezes ainda chamado de ato jurídico): “O ato jurídico deve ser conforme a vontade do agente e as
normas do direito; é toda manifestação da vontade individual, a que a lei atribui o efeito de movimentar as
relações jurídicas” (Clóvis Beviláqua, digo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 4. ed., Rio de
Janeiro, Francisco Alves, 1931, v. 1, p. 318-20, art. 81). “Ato jurídico, portanto, é a manifestação lícita de
vontade, tendo por fim imediato produzir um efeito jurídico”. (João Franzen de Lima, Curso de direito civil
brasileiro: introdução e parte geral, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1960, v. 1, p. 279). “A característica
primordial do ato jurídico é ser um ato de vontade”. (Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil;
parte geral, 5. ed. rev. e aum., São Paulo, Saraiva, 1966, v. 1, p. 183).
Para teoria do voluntarismo
4
a vontade é tida como base do negócio jurídico e sua
declaração é um simples instrumento de exteriorização ou revelação. proteção irrestrita à
vontade real, a qual deve prevalecer quando o meio utilizado não se harmonizar com a
realidade (LISBOA, 2009, p. 322).
É costumeiro se destacar as diferenças existentes entre o direito francês e o direito
alemão, acerca do papel da vontade no negócio jurídico. Geralmente, segundo Roger Perrot
(apud AZEVEDO, 2002, p. 75) o direito francês se apresenta como um direito
“essencialmente psicológico”, que valoriza “as menores nuances do foro íntimo”, enquanto
que o direito alemão preocupar-se-ia mais com a “segurança das relações contratuais, ainda
que pagando o preço de uma cristalização mais ou menos forçada das vontades individuais”.
Em resumo, o direito francês normalmente é apresentado como partidário da teoria de vontade
e o alemão, como da teoria da declaração
5
. Em tradução livre de Junqueira Azevedo (2002,
p.75-76), menciona Roger Perrot:
Na Alemanha, a autonomia da vontade conservou sempre o aspecto de um princípio
filosófico, discutível como todos os princípios dessa natureza. Em França, ao
contrário, a onipotência da vontade ultrapassou o estágio da filosofia pura para
atingir o grau de verdadeiro princípio político, que, com a Revolução Francesa, se
enriqueceu de uma significação concreta e positiva, na medida em que,
precisamente, o voluntarismo foi um instrumento de luta contra as antigas estruturas
feudais corporativas. Tornando-se um símbolo da liberdade, o princípio da
autonomia da vontade recebeu uma espécie de consagração sentimental que, em
França, mais que em qualquer outro lugar, lhe conferiu seus títulos de nobreza.
Embora se ressalte as diferenças ou preferências do direito civil e alemão, vem de
Savigny a concepção do chamado “dogma da vontade” que inspirou a doutrina da Europa
Ocidental e a do Brasil (ULBADINO MIRANDA, 2009, p. 16).
Por sua vez, para a teoria declarativa, entende-se que é suficiente a declaração de
vontade exteriorizada para que seu emissor fique a ela obrigado, pois, “a simples vontade
interna, sem qualquer forma de obtenção de sua exteriorização, não gera efeitos jurídicos
necessários para a constituição de um ato ou de um negócio jurídico”, e, portanto, “deve ser
4
São adeptos dessa teoria, entre outros, Savigny, Windscheid, Enneccerus (LISBOA, 2009, p. 322).
5
Esclarece Junqueira Azevedo (2002, p.76) que, embora “o dogma da autonomia da vontade seja considerado
como tradição nacional verdadeiramente francesa, ainda que o Código Civil francês saliente o papel da vontade
(le consentement), colocando, por exemplo, o consentimento como a primeira das quatro condições de validade
dos contratos e, depois, denominado “Du consentement” toda a seção primeira, sobre erro, dolo e coação, e ainda
que, por seu turno o BGB denomine a seção correspondente (Título II da Seção sobre o negócio jurídico)
“Declaração de vontade”, a verdade, porém, é que não são tão grandes as diferenças entre os direitos de ambos
os países”, pois, no Código Civil alemão, “houve concessões a ambas as teorias; por exemplo, o ato simulado, a
prevalecer a teoria da declaração, deveria, obviamente, ser válido e eficaz, pelo menos em face dos terceiros de
boa fé, e, no entanto, como regra de princípio, ele é nulo 117 do BGB), o que representa enorme concessão à
teoria da vontade” (2002, p. 77).
declarada, a fim de que se possa compreender o sentido do ato ou do negócio efetivado pelo
seu respectivo emissor” (LISBOA, 2009, p. 322).
Menezes Cordeiro (2000, p. 337) explana que a linha clássica de Savigny distingue
três elementos na declaração da vontade: a própria vontade, a declaração da vontade e a
relação de concordância que se deve estabelecer entre ambas. Por sua vez, a própria vontade
tem sido decomposta em vários subelementos: a vontade do comportamento, a vontade da
declaração (ou consciência da declaração) e a vontade do negócio. Conclui o autor: “O
entendimento que domina
6
, ainda hoje, na literatura da terceira sistemática ordena a
declaração da vontade em dois momentos: o comportamento exterior e a vontade”.
Para o autor (2000, p. 337) a declaração é o elemento central no processo de
formação do negócio jurídico, definindo-a da seguinte maneira:
Declaração de vontade de uma pessoa é aquele comportamento que segundo a
experiência e sob consideração de todas as circunstâncias permite concluir por uma
vontade determinada e de cuja conclusão ela esteja ou devesse estar consciente.
Para o doutrinador português, uma declaração surge: a) através de uma ação ou
omissão controlada ou controlável pela vontade; b) através de um ato de comunicação, ou
seja, uma ação que revela a opção interior do declarante; c) através de um ato de validade,
pois ao fazê-la, o declarante não emite uma comunicação de ciência ou uma informação
opinativa, ao contrário, manifesta a sua própria vontade (2000, p. 338).
Por sua vez, na definição de Carlos Alberto da Mota Pinto (2005, p. 413-414),
declaração da vontade negocial é:
[...] comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização
de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando, depois, a vontade
negocial como intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam
juridicamente vinculantes. Dá-se assim um conceito objectivista de declaração
negocial, fazendo-se consistir a sua nota essencial, não um elemento interior uma
vontade real, efectiva, psicológica -, mas um elemento exterior o comportamento
declarativo.
Na lição de Mota Pinta (2005, p. 419), podem-se distinguir na declaração negocial
dois elementos: a) a declaração propriamente dita, que consiste no próprio comportamento
declarativo (elemento externo); e, b) a vontade, que consiste “no querer, na realidade volitiva
6
Aponta Menezes Cordeiro a doutrina contrária em Portugal: “Alguma doutrina, representada entre nós por
MANUEL ANDRADE/MOTA PINTO, intenta, da declaração, dar noções mais ‘objetictivadas’, no sentido de
menos ligadas à vontade do declarante” (2000, p. 338).
que normalmente existirá e coincidirá com o sentido objetivo da declaração (elemento
interno)”.
Alerta Junqueira de Azevedo (2002, p. 10, nota 18) que os defensores da teoria da
declaração não se afastam da concepção voluntarista, pois a divergência existente entre as
correntes refere-se a “qual a vontade que deve prevalecer, a vontade interna ou a vontade
declarada (?)” o que leva à conclusão que “o ângulo é ainda voluntarista”.
Para o autor (2002, p. 82) tanto a teoria voluntarista quanto a teoria da declaração
apresentam um erro na sua formulação inicial: “ambas admitem a existência de dois
elementos no negócio jurídico: a vontade e a declaração, divergindo somente quanto à
prevalência de um e de outro”, de forma que não haveria dois elementos, mas apenas um, e
este se configura na declaração de vontade:
Certamente, a declaração é o resultado do processo volitivo interno, mas, ao ser
proferida, ela o incorpora, absorve-o, de forma que se pode afirmar que esse
processo volitivo não é elemento do negócio. A vontade poderá, depois, influenciar
a validade do negócio e às vezes também a eficácia, mas, tomada como iter do
querer, ela não faz parte, existencialmente, do negócio jurídico; ela fica inteiramente
absorvida pela declaração, que é seu resultado
A preocupação com a influência da vontade na validade e conseqüências do negócio
jurídico frustrado levou à formulação das teorias da culpa in contrahendo de Jhering e do
compromisso tácito de garantia de Windscheid.
Conforme Menezes Cordeiro (2002, p. 391) Jhering demonstra que diante de
contratos nulos por anomalias decorrentes de sua formação, “podem ocorrer danos cujo não-
ressarcimento seja injusto” e, diante de tal ocorrência, o responsável deveria indenizar “pelo
interesse contratual negativo
7
de forma que o prejudicado seja colocado em situação que
estaria “como se nunca tivesse havido negociações e contrato nulo”.
As hipóteses mais freqüentes de prejuízos pré-negociais são as interrupções
injustificadas das negociações para formação de contratos e a posterior invalidação do
negócio por existência de nulidades, como aquelas ligada à vontade.
A teoria do compromisso tácito de garantia, elaborada por Windscheid, parte da
premissa que o declarante assume uma obrigação de garantia tácita por todas as
conseqüências prejudiciais de sua declaração na formação de um negócio jurídico. Dessa
maneira, o declarante deveria ressarcir o destinatário da declaração quando lhe causasse danos
7
O interesse negativo refere-se ao dano decorrente das despesas e perdas sofridas pela parte prejudicada com o
malogro do negócio.
advindos da nulidade do negócio porque a declaração foi divergente da vontade real e “trai a
confiança por ele depositada na seriedade da declaração” (ULBADINO MIRANDA, 2009, p.
20).
Como se verifica, ambas as teorias preocupam-se com as conseqüências dos excessos
a que conduz a teoria da vontade e suas premissas estão fundamentas na boa-fé, o que justifica
o resgate histórico aqui consignado, pois, atualmente, o reclame da boa-fé se faz presente na
formação, conclusão e execução do negócio jurídico.
1.2 Análise do Artigo 112 do Código Civil sob a Ótica da Tutela da Confiança
O Código Civil de 1916 dispunha: “Nas declarações de vontade se atenderá mais á
sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. Por sua vez, o artigo 112 do Código Civil
de 2002, preceitua que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
Com o acréscimo da expressão nelas consubstanciadapoder-se-ia entender que o
código passou a adotar a teoria da declaração
8
ou que ainda prende-se à teoria voluntarista
9
?
Segundo Leonardo de Andrada Mattietto, “a verdadeira polêmica não se situa, hoje,
ao contrário do que muitos ainda pensam, entre a vontade e a declaração, mas entre
voluntarismo e normativismo, entre individualismo e solidarismo”.
Junqueira de Azevedo (2002, p. 21) ao elaborar sua teoria sobre a concepção do
negócio jurídico de forma estrutural não ficou alheio ao fator social:
[...] quer-nos parecer que uma concepção estrutural do negócio jurídico, sem
repudiar inteiramente as concepções voluntaristas, dela se afasta, porque não se trata
mais de entender por negócio um ato de vontade do agente, mas sim um ato que
socialmente é visto como ato de vontade destinado a produzir efeitos jurídicos. A
perspectiva muda inteiramente, já que de psicológica passa a social. O negócio não é
o que o agente quer, mas sim o que a sociedade como a declaração de vontade do
agente. Deixa-se, pois, de examinar o negócio através da ótica estreita do seu autor
e, alargando-se extraordinariamente o campo de visão, passa-se a fazer o exame pelo
prisma social e mais propriamente jurídico.
8
Nesse sentido Junqueira de Azevedo, 2002, p. 96, nota 142-A.
9
Entende Senise Lisboa (2009, p. 324) que “o novo Código adotou a mesma orientação do Código de 1916”.
A abertura do sistema civil firma a idéia de que o ambiente negocial também é
espaço apropriado para a realização de direitos, com respeito aos preceitos fundamentais, à
dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento social.
Mattietto (2002, p. 35-36) pondera que a autonomia privada,
antes entronizada como garantia da liberdade dos cidadãos em face do Estado, é
relativizada em prol da justiça substancial, deslocando-se o eixo da relação
contratual da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança.
Nesse sentido, a proteção da confiança “envolve o vínculo contratual, a partir das
normas cogentes que visam a assegurar o equilíbrio das partes da relação jurídica”, o que se
concretiza com “a proibição das cláusulas abusivas e adoção de novos paradigmas
interpretativos, bem como, no que concerne ao objeto do contrato, procura garantir a
adequação do produto ou serviço, além de prevenir riscos e reparar prejuízos”.
A seu turno, Judith Martins Costa (1992, p. 141) anota que:
Contemporaneamente, modificado tal panorama, a autonomia contratual não é mais
vista como um fetiche impeditivo da função de adequação dos casos concretos aos
princípios substanciais contidos na Constituição e às novas funções que lhe são
reconhecidas. Por esta razão desloca-se o eixo da relação contratual da tutela
subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança [...].
Nesse ponto, retome-se ao art. 112 do Código Civil: “nas declarações de vontade se
atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
Da análise do artigo pode-se entender que conjugação da teoria da vontade (se
atenderá mais à intenção) com a teoria da declaração (nelas consubstanciadas
exteriorizadas). Contudo, acredita-se que atualmente o foco deve se voltar para a conduta das
partes na formação do negócio jurídico, ou seja, primar-se pela tutela da confiança ao se
averiguar a presença da boa-fé na conduta das partes (no querer e no manifestar esse querer).
Como bem explana Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira (2009, p. 8) com
freqüência no Direito quando existem duas correntes extremadas surge uma mista, eclética,
moderada, e isso também ocorreu em relação à teoria da vontade e da declaração, procurando
estabelecer um justo equilíbrio. Assim, “formou-se a chamada teoria da confiança que veio a
merecer acolhida no Código Italiano”.
Sobre a teoria da confiança assinala o Ministro Andrade Ribeiro (2009, p. 8):
[...] a declaração importa e há de prevalecer, na medida que seja apta a gerar, em seu
destinatário, a convicção fundada de que corresponde efetivamente à vontade do
declarante. Criada essa convicção, e por isso o nome "teoria da confiança",
prepondera o declarado, ainda que não se afine com o real querer do declarante.
Uma ressalva, entretanto, se impõe. Exige-se que aquele, a quem feita a declaração,
cerque-se dos cuidados normalmente exigíveis. Se a formação de seu
convencimento deveu-se a não ter agido com a atenção recomendável, assumindo
comportamento que se possa reputar culposo, não lhe será dado alegar que se
convenceu de alguma coisa que não guardava correspondência com o efetivamente
desejado pelo declarante
.
A discussão considera a necessidade de se resguardar a vontade, como elemento
fundamental do negócio jurídico e de se garantir a segurança das relações negociais,
prestigiando-se a boa-fé das partes.
Com efeito, pela teoria da confiança “a análise da conduta das partes levará à
adequada conclusão sobre as conseqüências do negócio jurídico”, verificando-se se as partes,
“à luz das circunstâncias, agiram em conformidade com a expectativa recíproca ou não”
(LISBOA, 2009, p. 323).
A importância de se cumprir com as expectativas geradas na outra parte e que a
levaram a contratar diz respeito ao dever de boa-fé e isso remonta ao Direito Romano, em
especial nos apontamentos de Cícero, que menciona a passagem do cidadão romano Cânio,
que pensava em adquirir uma casa em Siracusa para lá passar o verão:
Sabendo disso, o banqueiro siracusano Pizio convidou Cânio para cear em sua casa,
que ficava situada perto do mar, mas primeiro recomendou aos pescadores do lugar
que lhe levassem, na noite do banquete, grande quantidade de peixes. Assim, no dia
esperado, ao meio da ceia, chegaram os pescadores com cestos cheios de peixe.
Maravilhado, Cânio, então, tanto insistiu na aquisição da casa que Pizio se “deixou
convencer”, vendendo-a por um preço elevadíssimo. No dia seguinte, em vão, Cânio
esperou pelos pescadores da região. (CAPPELARI, 1997, p. 28)
A conduta desleal e de má-fé de uma das partes durante a formação do contrato,
conforme o relato acima, induziu a outra parte a formalizar o negócio.
Importante observar que do princípio da boa-fé objetiva e justiça contratual, derivam
os princípios da transparência, confiança e eqüidade, para que exista um contrato solidário e
socialmente justo. É nesse sentido que Paulo Nalin (2001, p. 137) assevera que a vontade não
é mais o fator preponderante do contrato, pois, agora, este espaço é da boa-fé contratual:
Ou seja, quanto maior for a equivalência de forças na relação, maior também será a
autonomia para contratar, por outro lado, quanto maior o distanciamento sócio-
econômico entre as partes, mais arraigado será o preenchimento da boa-fé no espaço
do contrato, servindo ela de termômetro da legalidade das obrigações assumidas e
parâmetro para se dosar a auto-responsabilidade do contratante mais forte. Nesse
balanço do mercado entra o julgador para, histórica e contextualmente, preencher a
cláusula geral da boa-fé, medindo as forças dos contratantes e peculiaridades do
negócio (2001, p. 138).
Portanto, na leitura do art. 112, tem-se que, nas declarações de vontade se atenderá à
boa-fé da conduta dos contratantes.
Deve-se destacar que do contexto da comutatividade contratual decorre o princípio
da eqüidade como fundamento da justiça que deve permear o negócio jurídico, não sendo
apenas um instrumento de supressão das lacunas da lei, pois o juiz utilizará seu senso de
eqüidade “quando a lei, aplicada rigorosamente, em conformidade com a regra de justiça, ou
quando o precedente, seguindo à lei, conduzem a conseqüências iníquas” (PERELMAN,
1996, p. 163).
Decorre, ainda, do princípio da boa-fé a transparência, representada no dever de
informação entre as partes da relação negocial.
Na observância do princípio da transparência as partes – sobretudo aquela que detém
o poder econômico e que predispõe as cláusulas do contrato devem agir com lealdade,
eliminando a linguagem que não seja clara, primando pela confiança na relação negocial.
E a confiança contratual nunca se fez tão importante, uma vez que cresce o
desestímulo à leitura do instrumento previamente redigido, em face da incapacidade
do aderente em alterá-lo, pois inexistente o poder de negociação. Do que adianta ler,
se não posso modificá-lo? Assino-o e consumo o bem da vida! A confiança negocial
de ser garantida pelo respeito ao princípio da transparência (NALIN, 2001, p.
147).
A questão do direito à informação no processo de formação do negócio jurídico
merece detida analise na atual fase da contratação em que vive o mundo negocial: a era é da
informação, da informática, da internet e, nessa realidade o excesso de informação também se
transforma em um fator negativo, pois difícil ou praticamente impossível de o excesso de
conteúdo ser absorvido pela outra parte da relação contratual.
A informação apta a coadunar-se com o princípio da boa-fé será, portanto, aquela
que for emitida de forma simples e objetiva de maneira a ser compreendida por seu
destinatário.
Pelo princípio da autonomia da vontade, a liberdade plena de decidir o que, com
quem e de que forma contratar é uma realidade pertencente ao modelo clássico de
contratação, onde a autonomia da vontade era de certa forma, absoluta (LISBOA, 2000, p.
84).
Atualmente a autonomia da vontade é limitada pela padronização dos contratos,
sendo praticamente impossível discutir o conteúdo do negócio jurídico e suas cláusulas
predispostas. O produto ou serviço nem sempre será adquirido na quantidade e na qualidade
desejada, restando, apenas, a possibilidade de aceitar em bloco todas as disposições ou não
contratar.
A autonomia da vontade encontra limitação no interesse público, na função social do
contrato, na dignidade da pessoa humana e na boa-fé.
Por seu turno, o interesse primacial da questão do fundamento da vinculatividade do
contrato consiste em mostrar que este não obriga propriamente porque tenha sido
“querido”, porque fundamentalmente se deva dar relevância à vontade livre das
partes (liberdade contratual), mas basicamente porque é necessário, do ponto de
vista social, tutelar a confiança dos agentes econômicos e, com essa finalidade, do
ponto e vista jurídico, garantir segurança ao negócio celebrado. Como fato social, o
negócio jurídico é instrumento fundamental de distribuição e de riqueza. Isto
significa que o fundamento básico da vinculatividade não está na autonomia da
vontade mas no princípio de tutela da boa-fé. (NORONHA, 1994, p. 82)
A idéia aqui enfatizada pode levar ao entendimento que o papel da vontade foi suprimido,
contudo, ressalte-se, apenas reduzido, pois como afirmado acima por Antonio Junqueira, o negócio
jurídico hoje, não é propriamente o ato de vontade de alguém, mas sim, o que a sociedade vê como
sendo o ato de vontade de alguém.
Estabelece-se, pois, um contexto que vai influir de modo considerável na prática,
especialmente, por ocasião, de serem aplicados os princípios de interpretação:
O foro íntimo do agente deixa de ser a preocupação do intérprete, que passa a
verificar as circunstâncias que rodeiam o negócio e que socialmente lhe fixam os
contornos, isto é, com aquilo que aos outros parece ser o que o agente queria.
(DELGADO, 2007, p. 6)
Voltando ao exemplo de Cânio, o qual adquiriu a casa do banqueiro siracusano Pizio
por um preço elevadíssimo verifica-se a presença dos sujeitos, da vontade e do objeto.
Contudo, ausente a boa-fé, elemento igualmente essencial na formação do contrato, pois
Pizio, em manifesta má-fé, fez Cânio acreditar que o local da casa era excelente e abundante
em peixes.
É nesse sentido que o art. 112 do Código Civil deve prestigiar o princípio da boa-fé
antes, durante e após a conclusão do contrato, o que remete a uma verdadeira norma de
conduta, pautada na lealdade e honestidade que fortalece a confiança e esclarece a
problemática surgida em torno da vontade e sua declaração.
1.3 O Negócio Jurídico no Plano da Existência, da Validade e da Eficácia
O Código Civil de 1916 fazia certa confusão entre invalidade e ineficácia do negócio
jurídico, trazendo, por conseqüência, uma imprecisão terminológica, pois havia referencias à
nulidade e à anulabilidade com alusões à eficácia ou ineficácia, inclusive, dispunha-se sobre
“nulidade relativa” como sinônimo de “anulabilidade” (BARBOSA MOREIRA, 2003, p.
119).
O Código Civil de 2002 possui maior apuro terminológico ao dedicar à invalidade do
negócio jurídico o capítulo V do Título I do Livro III da Parte Geral (arts. 166 a 184), uma
vez que o antigo código ostentava a rubrica “das nulidades” embora tratasse, também, da
anulabilidade. Barbosa Moreira (2003, p. 122) ressalta a alteração: “Fica certo, desde logo,
que a designação genérica é invalidade, não nulidade: esta e a anulabilidade são espécies”.
Destaca o autor que o novo Código Civil se harmoniza com a sistematização
científica que distingue três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Esclarece,
ainda, que, embora ausente a menção expressa sobre o plano da existência, “é intuitivo que,
para se por a questão relativa à validade, ou relativa à eficácia, é preciso que nos encontremos
diante de negócio jurídico existente” (2003, p. 122-123).
Ao comentar o Título I, do Livro III do Código Civil, que se refere ao negócio
Jurídico, Nestor Duarte (2008, p. 93) também reconhece que:
O Código não se ocupou do plano da existência, nem tratou sistematicamente do que
concerne à eficácia, embora haja disposições que a isso se vinculem (ex.: art. 1.653).
No entanto, ocupou-se em profusão dos aspectos concernentes aos requisitos de
validade (art. 104) e das conseqüências de sua falta, distinguindo os negócios
inválidos em nulos (arts. 166 e 167) e anuláveis (art. 171).
Para Barbosa Moreira a doutrina foi levada a utilizar essa terminologia para
“designar acontecimentos da vida em que, à primeira vista, seria possível vislumbrar negócio
(ou ato), mas o exame atento evidencia a falta de elemento reputado essencial pela lei para
que o negócio (ou ato) se constitua”. Fala o autor da existência de “suporte fático
10
indispensável à incidência de norma jurídica atinente ao negócio (2003, p. 123).
10
Em alusão à terminologia utilizada por Pontes de Miranda.
Assim, se todos os elementos essenciais estiverem presentes, o negócio existe,
podendo-se verificar, a partir daí, se é ou não válido e, posteriormente, se é ou não eficaz.
Enfatiza Barbosa Moreira (2003, p 123) que “a questão de validade não diz respeito
aos elementos considerados em sua mera presença, senão atributos desses elementos”.
Exemplifica com os três elementos essenciais no contrato de compra e venda: coisa (res); o
preço (pretium) e o consenso das partes (consensum). Presentes os três elementos haverá
compra e venda, ou seja, o contrato será existente. Entretanto, se algum dos elementos não
tiver o atributo necessário, como “a coisa não poder ser alienável”, embora o contrato exista,
não será válido. Nesse sentido, recomenda:
Evite-se inserir no conceito de validade referência aos efeitos do negócio – ou, o que
na mesma, inserir no conceito de invalidade (ou de qualquer de suas espécies)
referência à privação dos efeitos. Certo que a eficácia, de ordinário, pressupõe a
validade; mas é possível que negócio nulo produza efeitos, assim como é possível
que negócio válido não os produza, por algum motivo especificado em lei, ou que
não os produza durante certo tempo, ou que não os produza para determinadas
pessoas. Eficácia é, in abstracto, aptidão para produzir efeitos (rectius: os efeitos
pretendidos); in concreto o conjunto de efeitos realmente produzidos. Sublinhe-se
que é inadequado falar de “vício de nulidade” ou “vício de anulabilidade”. A
invalidade, em qualquer das duas modalidades, não é um vício: é a conseqüência de
um vício”.
Para complementar, oportuna é a lição de Junqueira de Azevedo (2002, p. 30) ao
dispor que “temos que o negócio jurídico, examinado no plano de existência, precisa de
elementos, para existir; no plano de validade, de requisitos, para ser lido; e, no plano da
eficácia, de fatores de eficácia, para ser eficaz”.
Dentro dessa perspectiva passa-se a análise dos elementos, requisitos e fatores de
eficácia, os quais são fundamentais para compreensão do instituto do contrato, sua validade e
possibilidade de revisão, assuntos que serão tratados nos próximos capítulos do presente
trabalho.
1.3.1 Elementos do negócio jurídico – o plano da existência
A classificação que Junqueira de Azevedo (2002, p. 32) faz dos elementos do
negócio jurídico é estruturada em: a) elementos gerais comuns a todos os negócios jurídicos;
b) elementos categoriais, próprios de cada tipo de negócio; c) elementos particulares, os quais
existem em um negócio determinado, portanto, não são comuns a todos os negócios ou a
certos tipos de negócios.
De forma semelhante Carlos Alberto da Mota Pinto (2005, p. 383-384) e Serpa
Lopes (1960, p. 184) classificam os elementos do negócio jurídico em essenciais (essentialia
negotii), naturais (naturalia negotii) e acidentais (accidentalia negotii).
Essenciais, na lição de Serpa Lopes (1960, p. 184 passim), são os elementos exigidos
para a própria substância do ato, assim como o consentimento, a declaração, a idoneidade do
objeto e a forma, quando ela é exigida ad substantiam. Naturais são os elementos peculiares
ao negócio em questão que decorrem naturalmente dele, como, por exemplo, a obrigação que
tem o vendedor de responder por vícios redibitórios ou pela evicção. Acidentais, por sua vez,
são os que podem ou não figurar no negócio, sem que a sua presença se faça indispensável
para que o ato se configure, como, por exemplo, a condição, o modo, ou o termo.
As ordens jurídicas da atualidade são denominadas pelo princípio da liberdade das
formas, também referido como regra da consensualidade, uma vez que os negócios se
materializam logo que a vontade seja exteriorizada, independentemente da forma pela qual
isso ocorra.
Conforme Menezes Cordeiro (2000, p. 375), em direito, diz-se forma de negócio o
modo utilizado para exteriorizar as declarações de vontade, assim sendo, todos os negócios
jurídicos têm a sua forma, por simples ou elementar que se apresente.
Pontua o autor (2000, p. 375) que em certos casos, o direito requer, para a validade
dos negócios, que as declarações constitutivas sejam expressas em termos solenes. Portanto, a
locução “forma” é utilizada para designar as particulares solenidades requeridas para
exteriorizar a vontade. O negócio formal será assim não o que tenha certa forma, pois todos a
têm, mas o que requeira uma forma especial. Assim, há diferença entre forma e formalidade:
Da forma que distinguir as formalidades: enquanto a forma sempre corpo a
uma certa exteriorização da vontade ela é essa própria exteriorização a
formalidade analisa-se em determinados desempenhos que, embora não revelando,
em si, qualquer vontade, são, no entanto exigidos para o surgimento válido de
certos negócios jurídicos. (CORDEIRO, 2000, p. 375)
O direito, como dito, exige para certos negócios, formas especiais, num desvio ao
princípio da consensualidade, justificando tais exigências em razão de solenidade, reflexão e
de prova
11
.
11
Carlos Alberto da Mota Pinto, em sua obra Teoria Geral do Direito Civil, 2005, p. 428-429, aponta as
vantagens e inconvenientes do formalismo negocial.
A solenidade prende-se com a publicidade de determinados atos, particularmente, no
domínio dos direitos reais. A presença de modos formais, solenes, de celebrar negócios,
facultaria essa publicidade.
A reflexão liga-se à gravidade que, para os celebrantes possam ter certos negócios
que eles celebrem ou venham a celebrar, não podendo, deste modo, ser realizados de forma
apressada. A morosidade decorrente das solenidades provocaria essa reflexão.
A prova está relacionada à demonstração de ocorrências de fatos, assim, a natureza
formal de determinados negócios facilitaria essa demonstração
12
.
Atualmente as funções das formas contratuais atendem à satisfação de exigências de
interesse publico (fiscalização, cobrança de tributos sobre as transferências de riquezas); ao
interesse das partes (delimitação do objeto, das cláusulas); e, finalmente, para fazer com que
“certos contratos se tornem cognoscíveis pelos terceiros estranhos a eles, mas potencialmente
afectados pelos seus efeitos (e, portanto, para servir o interesse público da tutela destes
terceiros)” (ROPPO, 1988, p. 101).
Quanto ao objeto, Francisco dos Santos Amaral Neto (2006, p. 131) o distingue do
conteúdo do negócio jurídico:
Quando uso a palavra objeto, quero referir-me, em termos imediatos, a um
comportamento, aquilo que eu quero que a outra parte faça. Se estou comprando
um jornal, objeto imediato da minha declaração de vontade é a entrega do jornal
pelo jornaleiro. Essa entrega seria o objeto imediato e o jornal seria o objeto
mediato, como se verifica facilmente nas obrigações. [...] Próximo da figura do
objeto é o conceito de conteúdo do negócio, que é o conjunto de direitos e deveres
que as partes estabelecem.
Além dos elementos intrínsecos, existem três elementos extrínsecos que são
indispensáveis à existência do negócio jurídico: o agente “(do verbo agere, cujo particípio
passado é actum), lugar e tempo. (AZEVEDO, 2002, p. 33). O agente, “ele é em ato o que a
pessoa é em potência”, pois a personalidade, “do ponto de vista jurídico, é justamente a
possibilidade de agir no campo do direito, que a ordem jurídica atribui a certos entes”, sendo
que, por possibilidade de agir deve ser entendido “a possibilidade de praticar atos jurídicos”.
12
Menezes Cordeiro (2000, p. 378) entende que essas justificações são duvidosas, porque a publicidade jurídica
é assegurada por institutos próprios, especializados e em termos espontâneos, ela se opera através da posse; de
modo racionalizado, ela manifesta-se pelo registro ou por determinadas publicações obrigatórias. A reflexão
pode ser propiciada pela forma de certos negócios, mas não necessária e suficiente. A prova, por fim, pouco
ajuda, uma vez que os negócios vitimados por falta de forma, são, por vezes, de prova imediata. As dificuldades
de prova põem em causa, a própria ocorrência do negócio, não a sua validade.
Por sua vez, os elementos extrínsecos tempo e lugar são implícitos porque todo fato
jurídico tem data e lugar e servem para exata identificação do negócio jurídico.
Seguindo a orientação dos juristas romanos e tendo-se em vista a idéia de natura de
cada tipo de negócio, a análise revela duas espécies de elementos categoriais:
os que servem para definir cada categoria de negócio e que, portanto, caracterizam
sua essência são os elementos categoriais essenciais ou inderrogáveis
13
; e os que,
embora defluindo da natureza do negócio, podem ser afastados pela vontade da
parte, ou das partes, sem que, por isso, o negócio mude de tipo, são elementos
categoriais naturais ou derrogáveis
14
. (AZEVEDO, 2002, p. 35)
Quanto aos elementos particulares, são aqueles que, existem em um negócio jurídico
por disposição das partes, sendo, portanto, em número indeterminado. Contudo, pelo menos
três foram sistematizados pela doutrina e estão regulados normativamente, quais sejam: a
condição, o termo e encargo.
1.3.1.1 Análise processual da (in)existência do negócio jurídico
Reafirmando os elementos existenciais do negócio jurídico, resume Nancy Andrighi
(2006, p. 3):
Sob o ângulo da existência são quatro os elementos essenciais do negócio jurídico: o
agente, e como tal temos que entender as pessoas que estão envolvidas na realização
do negócio jurídico; o objeto, que se constitui das coisas corpóreas e incorpóreas que
são admitidas ou não proibidas pelo direito; a forma, que deve ser obedecida quando
a lei exigir, ou quando as partes convencionarem; e, por fim, a declaração de
vontade que visa criar, modificar, conservar ou extinguir direitos e obrigações.
A importância dessa classificação tem reflexos nas soluções que serão dadas pelo
julgador no processo ao analisar e julgar o caso concreto, pois se faltar, em dado negócio
jurídico, um elemento essencial, não poderá existir como negócio jurídico; será considerado
negócio inexistente e, assim, por conseqüência, não se aplicarão as regras das nulidades.
No quarto capítulo do presente trabalho, quando se falar sobre a conservação dos
contratos restará claro que, se em um negócio de certo tipo, faltar um elemento categorial
13
São exemplos: o consenso sobre a coisa e o preço, na compra e venda; a manifestação do animus donandi e o
acordo sobre a transmissão de bens ou vantagens, na doação.
14
São exemplos: a responsabilidade pela evicção, na compra e venda e nos contratos onerosos de disposição de
bens e a responsabilidade pelos vícios redibitórios, nos contratos comutativos.
inderrogável, ou mesmo que presente se possa considerar como inexistente, para se evitar que
a relação negocial seja declarada nula, “aquele ato não existirá como negócio daquele tipo,
mas possibilidade de convertê-lo em negócio de outro tipo (conversão substancial)”, como
afirma Junqueira de Azevedo (2002, p. 40).
Em exemplo trazido por Nancy Andrighi (2006, p. 6) em que um cidadão casado
pelo regime da comunhão parcial de bens, mas separado de fato, pretende vender um bem
imóvel que fora adquirido na constância do casamento por não obter a concordância para a
venda, resolve levar uma amiga para o ato de lavratura da escritura pública, apresentando-a
como sua cônjuge. A relação negocial é realizada e o imóvel é transferido para os
compradores.
De plano se verifica que estão ausentes dois elementos essenciais do negócio
jurídico: o agente (uma vez que a mulher do vendedor é co-proprietária do bem imóvel) e a
declaração de vontade.
Sob a ótica do direito processual assevera Nancy Andrighi (2006, p. 6-7):
As sentenças como as ações, classificam-se em: declarativas, constitutivas,
condenatórias, mandamentais e executivas. Vai longe o tempo em que Adolf Wach
(1885) distinguiu apenas três categorias de sentenças (declaratória, constitutiva e
condenatória), hoje temos que reconhecer que a falta de distinção entre a força e o
efeito leva a apriorismos inaceitáveis. A ação pode se classificar, quanto à
qualidade, pela preponderância do elemento declarativo, constitutivo, condenatório,
mandamental ou executivo. Nenhuma, que se conheça, é sempre pura, isto é, com
um só elemento. Segundo Pontes de Miranda, não há outro meio científico de
classificar as sentenças que não seja por sua força, pesando-se-lhe bem a eficácia
(força e efeitos). Obedecendo o sistema do Código de Processo Civil temos processo
de conhecimento, de execução e cautelar e, dentro destas espécies temos que
adequar as naturezas eficaciais das sentenças proferidas nestes tipos de demanda. As
ações de conhecimento dependem sempre de um processo de cognição e buscam
obter do Estado um pronunciamento cuja sentença terá eficácia declaratória,
constitutiva ou condenatória, mandamental e executiva. Com a declaratória visa-se
obter um preceito; com a condenatória, um título hábil para exigir do devedor uma
prestação; e, com a constitutiva objetiva-se criar, modificar ou extinguir uma relação
jurídica
.
No exemplo dado, sob o prisma do Direito Civil o negócio jurídico é inexistente e
não produz efeitos, contudo, incumbirá à cônjuge prejudicada formular pedido de prestação
jurisdicional por meio de ação de conhecimento, cuja sentença “terá natureza eficacial
declaratória”, porque o objeto desta demanda é ver declarada a inexistência da relação jurídica
de compra e venda por ausência de elemento essencial na realização do negócio.
Pelo fato de o negócio inexistente não produzir efeitos, a sentença que reconhecer
essa característica terá força retroativa, ou seja, efeitos ex tunc. Assim, conclui Andrighi:
Mas, note-se que não é a sentença que retira os efeitos do ato, ela simplesmente
declara a situação jurídica do ato desde a sua constituição, que na hipótese é a de
nunca ter produzido efeitos. Na verdade, é o ato que não tem capacidade de produzir
os efeitos jurídicos que as partes visavam, e não a sentença que os retira
.
Com efeito, o negócio inexistente não tem força para produzir efeitos jurídicos e a
sentença proferida no processo não irá cancelar ou extinguir qualquer efeito, apenas declarará
sua inexistência.
1.3.2 Requisitos de validade do negócio jurídico
Verificada a existência do negócio jurídico, deve-se analisar se o mesmo é válido, ou
seja, se possui as qualidades necessárias para entrar no mundo jurídico e essas qualidades
serão analisadas em razão dos elementos constitutivos do negócio.
Assim, a declaração da vontade para ser considerada válida deverá ser: “a) resultante
de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da realidade; c) escolhida com
liberdade; d) deliberada sem má fé” (AZEVEDO, 2002, p. 43).
O Código Civil em seu art. 104 expressamente prevê que para a validade do negócio
jurídico o objeto deverá ser lícito
15
, possível e determinado (ou determinável). A forma, em
regra, é livre, mas quando a lei exigir que seja de realizada de maneira específica, seguindo
algumas formalidades, esta deverá ser observada. Em relação ao agente, deverá ser capaz e
legitimado para o negócio.
1.3.2.1 Invalidade do negócio jurídico e a possibilidade de conversão
15
Conforme Ulbadino Miranda (2009, p. 58) “a lei fala em objeto lícito porque não distingue entre conteúdo e
objeto: é uma distinção doutrinária que deveria ter sido levada em conta na formulação legal. A confusão se
explica até certo ponto. O objeto mediato é a própria coisa ou serviço a ser prestado, enquanto o imediato tem a
ver com o conjunto dos direitos e obrigações de cada uma das partes, resultantes do tipo negocial em causa. Ora,
isso, ou parte disso, é disposto pelas partes no conteúdo, nas diversas cláusulas que constituem a declaração
negocial”.
O negócio jurídico existente poderá ser válido ou inválido, conforme apresente ou
não os requisitos de validade acima mencionados. A invalidade, por seu turno, subdivide-se
em duas espécies: a nulidade e a anulabilidade.
O Código Civil, em seu art. 166 informa que é nulo o negócio jurídico quando for
celebrado por pessoa absolutamente incapaz; for ilícito, impossível ou indeterminável o seu
objeto; o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; não revestir a forma
prescrita em lei; for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade; tiver objetivo fraudar lei imperativa; e, quando a lei taxativamente o declarar nulo,
ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
As características da nulidade, segundo Orlando Gomes (1996, p. 474) são as
seguintes: é imediata, pois invalida o negocio desde a sua formação; é absoluta, podendo,
assim, ser alegada por qualquer pessoa interessada, ou pelo Ministério Púbico, quando lhe
couber intervir no processo (art. 168 do CC); é incurável, uma vez que as partes não podem
saná-la e o juiz não pode supri-la; e é perpétua, não se extinguindo pelo decurso do tempo.
O negócio jurídico eivado de cio anulável, ao contrário, nos termos do art. 177 do
CC, precisará ser declarado por sentença e o juiz não poderá pronunciá-la de ofício, somente
os interessados podem alegá-la e aproveita exclusivamente aos que a alegarem (salvo nos
casos de solidariedade ou indivisibilidade).
Como vícios do consentimento passíveis de anulação o Código Civil aponta o erro, o
dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão. Aponta, ainda, a fraude contra credores como
vício social, por constituir uma “desconformidade com a ordem pública”, nas palavras de
Ubaldino Miranda (2009, p. 193).
Reconhecida a nulidade ou anulabilidade do negócio, seu destino é exclusão do
mundo jurídico, com as conseqüências decorrentes (responsabilização civil, por exemplo) e
todas as atividades empreendidas para sua formalização, desde tratativas, dispêndios de
recursos, não relegados.
A conversão do negócio jurídico surge como uma forma de aproveitar o conteúdo e
até mesmo a forma desse negócio para convertê-lo em outro negócio que possa atender ao
interesse originário das partes.
O Código Civil de 2002 inovou ao trazer no art. 170 tal possibilidade: “Se, porém, o
negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsisti este quando o fim a que
visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”.
Sobre o assunto escreveu Barbosa Moreira, no ano de 2008, artigo intitulado
“Aspectos da conversão
16
do negócio jurídico”, (com declarada inspiração na obra de João
Alberto Schutzer Del Nero, “A conversão substancial do negocio jurídico”, escrita e
publicada sob a vigência do Código Civil de 1916), oportunidade em que destacou a
importância de o instituto ser estudado por advogados e juízes porque o desconhecimento
“conduziria a sua inadequada ou escassa utilização – quiçá ao seu abandono” (2008, p. 76).
As principais espécies de conversão, segundo Ubaldino Miranda (2009, p. 174-175)
são: a conversão legal
17
e a judicial. A primeira consistente na transformação de um negócio
jurídico por outro em razão da nulidade do primeiro, quando a própria lei determinados
efeitos, peculiares de outro negócio jurídico. A segunda se realiza mediante pedido de uma
das partes em processo judicial, sendo que o juiz poderá determiná-la em pedido
reconvencional ou em ação de nulidade, por exemplo.
Como limitação à conversão Barbosa Moreira (2008, p. 87-88) aponta:
Se a nulidade se origina de ‘incapacidade absoluta’ da parte, exclui-se a conversão,
pois o defeito, que atingiu o negócio concretamente realizado, tamm macularia o
negócio “substituto”[...]. Tampouco se poderá cogitar de conversão nas hipóteses de
nulidade decorrente da ilicitude do “motivo determinante, comum a ambas as
partes” (novo Código Civil, art. 166, III), ou quando o negócio “tiver por objetivo
fraudar lei imperativa” (art. 166, VII). [...] Se o negócio já foi declarado nulo, por
sentença transitada em julgado, descabe, de igual modo, a conversão, em processo
posterior entre as mesmas partes, onde a validade do negócio tenha, de igual modo,
relevância para o julgamento de mérito (“lide logicamente subordinada”, na
linguagem dos processualistas).[...] Por último, não se abre espaço à conversão se o
negócio, que se pretende ver “convertido”, é ‘inexistente’. O art. 170 do novo
Código Civil exige negócio ‘nulo’; e negócio nulo é, por imperativo lógico, negócio
‘existente’.
Portanto, para ser possível a conversão, o negócio jurídico originário deve ser nulo
(se for anulável é possível a sua confirmação, conforme art. 172 do CC) e que estejam
presentes os requisitos que o novo negócio exige para sua formação, validade e eficácia.
Como se pode perceber, a conversão tem seu fundamento na conservação do negócio
jurídico, e de forma indireta, à força do instituto do contrato, como instrumento de circulação
de riquezas e de movimentação da economia. Prima-se, pois, pela existência e permanência
do contrato no mundo jurídico para que seja válido e produza seus efeitos.
16
Nem o substantivo “conversão”, nem o verbo “converter” figuram no art. 170 do novo Código Civil, mas o
fenômeno, de que ali se cuida, e habitualmente versado na doutrina brasileira sob esse rotulo. Viu-se que, em
ordenamentos estrangeiros de línguas neolatinas, fala-se, de igual modo e no mesmo contexto, em “conversão”, e
o termo e também empregado, em sede doutrinaria, em países a que falta regra expressa sobre o assunto. Na
Alemanha, conquanto o termo utilizado na lei seja Umdeutung, usa-se, também, palavra de raízes latinas,
Conversion (ou Konversion).(BARBOSA MOREIRA, 2008, 79-80).
17
Barbosa Moreira (2008, p. 83) entende que a conversão legal está excluída do campo de aplicação do art. 170.
1.3.3 Fatores de eficácia do negócio jurídico
Verificada a presença dos elementos essenciais do negócio jurídico, conclui-se que o
mesmo existe, passando-se à análise dos requisitos indispensáveis para sua validade.
Existente e válido, basta verificar se tal negócio jurídico é eficaz.
Em muitos negócios jurídicos as partes inserem em seu conteúdo determinada
cláusula que “subordina, ou a eficácia do negócio, isto é, a produção de seus efeitos, ou a sua
resolução, à verificação de um acontecimento futuro e incerto” (UBALDINO MIRANDA,
2009, p. 67). Trata-se, pois, das chamadas condições suspensiva e resolutivas.
Junqueira de Azevedo (2002, p. 57), considerando os casos práticos, aponta três
espécies de fatores de eficácia: a) fatores de atribuição de eficácia em geral, aplicado aos
casos em que o ato praticamente não produz efeito nenhum (ato sob condição suspensiva); b)
fatores de atribuição de eficácia diretamente visada, aplicado aos casos em que o negócio
produz efeitos, “mas não os efeitos normais”, é o que ocorre no negócio realizado ente o
mandatário sem poderes e o terceiro, pois entre eles, haverá efeitos, contudo, “não são os
efeitos diretamente visados”; c) fatores de atribuição de eficácia mais extensa, os quais
referem-se aos casos de negócios que produzem os efeitos visados, mas que são
indispensáveis para que se “dilate seu campo de atuação, tornando-se oponível a terceiros ou,
até mesmo, erga omnes (cessão de crédito notificada ao devedor e registrada)”.
Observa Marcos Bernardes de Mello (2008, p. 33-34) que na vida do fato jurídico é
possível que:
a) exista, seja válido e eficaz (exemplo: casamento de homem e mulher capazes,
sem impedimento dirimente, realizado perante autoridade investida em poder para
casar e competente para tal, havendo registro);
b) exista, seja válido e ineficaz (exemplo: testamento feito por pessoa capaz, com
observância das formalidades legais, enquanto vivo o testador);
c) exista, seja nulo e ineficaz (exemplo: doação feita por pessoa absolutamente
incapaz);
d) exista, seja nulo e eficaz (exemplo: casamento putativo); [...].
Com efeito, se for inserida cláusula de condição suspensiva no contrato, os efeitos do
negócio ficam pendentes da ocorrência de fato a exemplo dos contratos de compra de
programas para computadores, os quais podem ficar suspensos até que a empresa adquira os
computadores com tecnologia compatível a exigida para instalação e operação dos programas.
Certamente se a empresa que iria fornecer os computadores não o fizer a aquisição prevista
não ocorrerá, e por conseqüência, os programas não poderão ser instalados. Assim, a relação
negocial é desfeita e as partes retornam ao status quo ante.
Importante registrar que o art. 122 do CC preceitua que serão lícitas todas as
condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, sendo que entre as
condições defesas se incluem aquelas que privarem de todo efeito o negócio jurídico ou o
sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
O artigo refere-se à condição potestiva ilícita na qual segundo Andrade Ribeiro
(2009, p. 14) “a pessoa, em realidade, está simultaneamente dizendo que se obriga, mas que a
obrigação só existirá se quiser”.
Ainda, que se destacar que nos casos de previsão no negócio jurídico de condição
resolutiva, “o evento condicionante não é fator de eficácia da produção dos efeitos do
negócio, mas de sua resolução”. Portanto, os efeitos do negócio são imediatos, mas em
decorrência da cláusula condicionante inserida no contrato, este irá se resolver caso o evento
futuro e incerto se concretize (UBALDINO MIRANDA, 2009, p. 68).
A título de exemplo pode-se mencionar o contrato de locação de bem imóvel
realizado para instituição de ensino, no qual é consignado que a locação fica condicionada ao
exercício da atividade de ensino. Assim, enquanto perdurar a atividade específica o negócio é
eficaz, contudo, se o locatário resolver desenvolver outra empresa, não o poderá fazer naquele
imóvel, pois o contrato, então, se resolverá.
1.4 Uma Nova Abordagem sobre a Vontade e seu Papel na Formação do Negócio Jurídico em
Decorrência da Superação do Monismo Jurídico
O século XIX é marcado pelo predomínio das codificações, formando um sistema
fechado e auto-suficiente na esfera civil. Destaca Gustavo Tepedino (1999, p. 2) que a Escola
da Exegese “levou às últimas conseqüências o mito do monopólio estatal da produção
legislativa”, de maneira que o direito a ser reconhecido é somente aquele que está
normatizado na codificação civil, não se reconhecendo qualquer norma que fosse
hierarquicamente superior ao Código Civil em questões patrimoniais.
Na Idade Antiga até a Idade Média, o homem dominava o próximo através de
métodos irracionais e, a partir do Renascimento, passa a elaborar fórmulas de dominação
social, como o Contrato Social e o Estado de Direito, cujo ápice é a Revolução Francesa”. Por
sua vez, no século XIX, tem-se a dominação de classe “e hodiernamente, consagra-se a
Democracia como a legítima força dominadora do Estado burocrático-liberal”. (PAULA,
2007, p. 310)
O dogma do Estado arraiga-se ao pensamento da sociedade e a idéia de unicidade do
fenômeno jurídico passa a ser difundida fazendo-se crer que o único direito existente é aquele
elaborado pelo Estado, ou seja, o direito positivo, derivado diretamente do ente estatal que
possui o monopólio sobre sua criação, interpretação e aplicação ao caso concreto.
A eficácia e império do direito positivo se devem ao poder que o Estado possui de
aplicá-lo de forma coercitiva, de maneira que, em seu descumprimento ocorre uma sanção.
Com efeito, esse modelo jurídico surge na Europa no final do séc. XVI e início do
séc. XVII, em decorrência de grandes transformações que vinham ocorrendo: alteração do
modo de produção feudal para o sistema do comércio, acarretando alterações nas relações de
trabalho, negociais e sociais, tendo em vista a forte ascensão da classe burguesa
Objetivando legitimar os ideais da classe burguesa, bem como adequar o modo de
produção ao sistema capitalista, surge, então, o liberalismo, refletindo uma nova compreensão
filosófica para o momento histórico que se vivia. A filosofia de Thomas Hobbes e John Locke
vem para fortalecer os ideais burgueses, defendendo-se um Estado forte, totalitário e
contratualista.
Após esse início, a teoria monista do direito se fortalece com a Revolução Francesa e
com as várias codificações do século XIX, consolidando-se, nesse período o liberalismo
econômico, a teoria da separação dos poderes e a tomada do poder político pela burguesia.
Embora o processo de estatização do direito esteja ligado a um momento histórico e
político, a idéia do direito estatal ficou tão fortemente arraigada que todos passam a crer que
ele sempre existiu e sempre foi a única e verdadeira expressão do direito.
O pressuposto do monismo jurídico é exatamente essa idéia que foi firmada no senso
comum no sentido de que a realidade jurídica é uma só, justamente a que aparece sob a forma
de direito estatal e que, “embora historicamente desenvolvida, superou e integrou as formas
anteriores e passou a constituir o em-si do direito” (COELHO, 2003, p. 414):
Pelo princípio monista tem-se a impressão de que o direito é legítimo porque se
reveste daquelas formas, as quais, elaboradas indutivamente a partir da observação
do direito positivo, são apriorizadas pela ideologia e passam a constituir princípio de
legitimação do direito estatal. [...] A ontológica imbricação entre direito e lei faz
com que a aparência determine o ser: o direito do Estado pode ser legítimo
porque é implicado pela atuação legitima do Estado [...]. O que evidentemente
escapa a essa teorização pós-hegeliana, como já escapara à anterior, são os
mecanismos ideológicos que mantém a crença na estatalidade do direito,
substituindo a realidade da dominação dos grupos microssociais hegemônicos,
através de seus reis, príncipes, monarcas, parlamentares e ditadores, pelo mito de
uma força inerente ao ordenamento estatal (COELHO, 2003, p. 414, 419 e 422)
O pensamento jurídico, então, passa a ser de que o direito está imune das influências
sociais. O Estado torna-se um “mito” supremo. Interessante colacionar outro excerto da obra
de Coelho, agora do livro “Saudade do Futuro”:
[...] o Estado como símbolo da dominação social real sai de si para coisificar-se no
imaginário metafísico que o legitima, para depois retomar sua própria idéia,
dispensando a legitimação externa a ele, pois se auto-institui como entidade por si
mesma legítima e triunfante em sua tarefa de ocupação de todos os espaços
normativos da sociedade alienada. (COELHO, 2007, p. 111).
A concepção de unicidade do fenômeno jurídico está vinculada duplamente: por
primeiro, ao pensamento de que o único direito existente é aquele elaborado pelo Estado, ou
seja, o direito positivo, derivado diretamente do ente estatal que possui o monopólio sobre sua
criação, interpretação e aplicação ao caso concreto. Na seqüência, as codificações
representaram a unicidade do sistema de direito civil.
A eficácia e império do direito positivo se deve ao poder que o Estado possui de
aplicá-lo de forma coercitiva. Nessa linha de entendimento, constata-se ser o Estado
indispensável para existência do próprio direito, eis que o direito acreditado pela sociedade é
somente aquele advindo do ente estatal, considerados com pequena relevância os costumes e
às leis morais.
A consolidação do raciocínio de que o único direito existente é aquele posto pelo
Estado é fruto da evolução do pensamento filosófico, do momento histórico em que a
burguesia precisava de um Estado efetivamente forte e garantidor de seus interesses. Luiz
Fernando Coelho (2003, p. 414) ao comentar sobre a concepção monista e estatal do direito
destaca:
Quando a separação entre o direito e a moral foi elaborada pela filosofia à época do
Iluminismo, teve o objetivo político de afirmar a liberdade individual perante o
absolutismo, mas o efeito ideológico foi o de substituir a opressão escancarada de
uma nobreza decadente pelo absolutismo de uma forma de controle social que
interessava à dominação burguesa que se consolidava: a opressão de seu direito, a
opressão de sua sociedade estatal, direito que deve ser aceito como a única realidade
jurídica, e sociedade que deve ser vivida como a melhor, pois é dirigida pelo direito
do Estado, o qual é Estado de direito.
O modelo jurídico surgido na Europa no final do séc. XVI e início do séc. XVII, em
decorrência de grandes transformações que vinham ocorrendo: alteração do modo de
produção feudal para o sistema do comércio, acarretando alterações nas relações de trabalho,
negociais e sociais, tendo em vista a forte ascensão da classe burguesa. Visava legitimar os
ideais da classe burguesa, bem como adequar o modo de produção ao sistema capitalista.
Surge, então, o liberalismo, refletindo uma nova compreensão filosófica para o momento
histórico que se vivia.
Tal cenário somente começa a ser alterado na Europa no início do século XX, e no
Brasil após a década de 30, quando o Estado, por premente necessidade, começa a intervir na
economia e a restringir a autonomia privada.
O Código Civil deixa de representar a norma exclusiva sobre direito privado e,
segundo Gustavo Tepedino, passa a coexistir com a legislação especial que vem para
“disciplinar as novas figuras emergentes na realidade econômica e não previstas pelo
codificador”, pois diante da realidade que se apresenta o Estado passa a ser “agente de
promoção de valores e políticas públicas” (1999, p. 5), permitindo, dessa forma, o surgimento
de diversos estatutos, tais como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e
do Adolescente, o Estatuto da Cidade entre outros.
Além de toda normatização esparsa, agregam-se, ainda, as normas supranacionais
constituída por tratados, pactos, regulamentos de mercados, convenções, fazendo surgir
questões quanto à gradação hierárquica dessa pluralidade de fontes normativas.
Tepedino (1999, p. 6-8) menciona
18
que existe atualmente uma cultura jurídica pós-
moderna, que se caracteriza pelos fenômenos do pluralismo, da comunicação, da narrativa e
do retorno aos sentimentos.
O pluralismo representa as múltiplas fontes normativas, que também trazem em seu
contexto vários sujeitos a serem protegidos, como nos direitos coletivos ou individuais
homogêneos, ou, ainda, por vezes, sujeitos indeterminados, como nos interesses difusos.
Destaque-se que a multiplicidade pode ser dos agentes ativos, a quem se procura imputar a
responsabilidade
19
. A comunicação está associada à valorização do direito como instrumento
de comunicação e informação e a com a narrativa, reconhece-se a existência de normas que
não criam deveres, mas que simplesmente descrevem valores.
Para Senise Lisboa (2009, p. 335) a idéia de negócio jurídico e de contrato foi
profundamente alterada pela introdução de normas jurídicas de ordem pública e de interesse
18
Embasado nos ensinamentos de Erik Jayme.
19
Nesse sentido há previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor.
social, sendo que “a massificação negocial proporcionou a multiplicação dos contratos de
adesão e menor prestígio à autonomia da vontade”. Pontua o autor:
Com a intervenção estatal sobre o conteúdo dos negócios jurídicos, em geral com o
intuito de proceder ao reequilíbrio das relações, fala-se atualmente na adoção de
cláusulas negociais gerais fixadas pela lei, a serem observadas pelo predisponente e
pelo aderente, sem qualquer possibilidade de renúncia aos seus termos, ante a
prevalência do interesse social e de ordem pública.
Essa nova realidade na formação dos contratos, não deve ficar alheia à teoria do
negócio jurídico, em especial quanto a um de seus elementos essenciais que é a manifestação
da vontade, eis que a própria vontade e sua manifestação não são mais as mesmas da teoria
clássica.
A evolução tecnológica trouxe novas formas de contratação e esse fenômeno reflete
diretamente na formação do negócio jurídico, uma vez que, as formas de manifestação de
vontade agora são expressas de diversas formas, não previstas pela codificação civil. Trata-se,
pois, de situações novas, como as que se presencia com a contratação pela internet, pelo
telefone, pela televisão.
O mundo da modernidade, dos grandes centros exige uma pluralidade de normas
para “dar conta” desse novo perfil do negócio jurídico. E assim, surgem os microssistemas
tais como o Código de Defesa do Consumidor, a lei de locação etc. O ambiente contratual
moderno é plural o que justifica e legitima a pluralidade das fontes normativas.
1.5 Do Negócio Jurídico ao Contrato
O negócio jurídico é o continente em que se alberga a figura do contrato, e, com esta
visão Arruda Alvim (2004, p. 51) traz a lição de Savigny, para quem as normas do negócio
jurídico aplicam-se ao contrato.
O conceito de negócio jurídico foi construído sob inspiração ideológica do Estado
liberal, sendo que sua característica mais notável consistia “na preservação da liberdade
individual, o mais ampla possível, diante do Estado” (MELLO, 1993, p. 131). Dessa forma,
foi concebido o negócio jurídico “como instrumento de realização da vontade individual,
respaldando uma liberdade contratual que se queria praticamente sem limites”.
Como bem pontua Cláudia Lima Marques (2004, p. 38), o contrato “é o negócio
jurídico por excelência, onde o consenso de vontades dirige-se para um determinado fim”.
Assim, “é ato jurídico vinculante, que criará ou modificará direitos e obrigações para as partes
contraentes, sendo tanto o ato como os seus efeitos permitidos e, em princípio, protegidos
pelo Direito”. Continua a autora (41-42):
Como primeira aproximação ao estudo da concepção tradicional de contrato vamos
examinar a definição do grande sistematizador do século XIX, Friedrich Karl Von
Savigny, segundo o qual, o contrato é união de mais de um indivíduo para uma
declaração de vontade em consenso, através da qual se define a relação jurídica entre
estes. [...] Esta definição, em princípio simples, tem grande valor para a nossa
análise, pois nela podemos encontrar os elementos básicos que caracterizarão a
concepção tradicional de contrato até os nossos dias: (1) a vontade (2) do indivíduo
(3) livre (4) definindo, criando direitos e obrigações protegidos e reconhecidos pelo
direito. Em outras palavras, na teoria do direito, a concepção clássica de contrato
está diretamente ligada à doutrina da autonomia da vontade e ao seu reflexo mais
importante, qual seja, o dogma da liberdade contratual
.
Observe-se que a questão quanto à vontade não é apenas acadêmica, pois, implica na
prática reconhecer a existência ou não de determinadas relações negociais, pois como foi
visto, a vontade e sua manifestação traduzem-se em um dos elementos essenciais para a
formação do negócio jurídico.
Como destacado, atualmente a vontade formadora do negócio jurídico não pode
ser compreendida da maneira que era no auge do liberalismo, pois as relações negociais
sofreram grandes mudanças, seja pelo desenvolvimento econômico, seja pelo
desenvolvimento tecnológico, de maneira que a vontade se apresenta pelo silêncio, pelo
“click” no computador, pela moeda colocada na máquina de refrigerante ou café, pelo ato de
adentrar no metro etc. É como se a realização do negócio, do contrato prescindisse de uma
análise e posterior manifestação de vontade. A realidade é outra. Os bens e serviços estão à
disposição da sociedade, basta que aceite essas novas formas de contratação.
As restrições previstas em lei em relação à essas novas formas contratação são
destinadas a “manter o equilíbrio da relação, sob pena de, esmagando-se a cadeia de consumo
ou restringindo a proteção do consumidor, perder a sociedade capitalista sua alavanca”, ou
seja, “o próprio consumidor, aquele que movimenta o mercado”. Relembra a autora que “de
nada adianta a produção se não houver o consumo. Sem consumo o há circulação de
moeda, não há geração de emprego” (NAHAS, 2002, p.22).
O estudo sobre o negócio jurídico fornece embasamento, para com a devida atenção
às implicações decorrentes das transformações ocorridas na sociedade, revisitar o instituto do
contrato e trazer seus modernos contornos, com ênfase nos princípios da boa-fé, da função
social e do equilíbrio das relações negocias, de forma a fundamentar a ação revisional e a
conservação dos contratos.
2 O CONTRATO: UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR
O contrato acompanha o passar dos tempos, muda, adequa-se e sobrevive. A força do
instituto se faz sentir como instrumento de circulação de riquezas e de desenvolvimento
econômico. E por muito tempo a preocupação em seu estudo foi focalizada na visão
econômica e jurídica.
Como alertava Enzo Roppo (1988, p. 11), o conceito de contrato não pode ser
entendido em sua essência se for considerado, apenas, pela dimensão exclusivamente jurídica,
pois, o contrato reflete uma realidade exterior a si próprio, “uma realidade de interesses, de
relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas
maneiras, uma função instrumental”.
Quando se fala em contrato, não como não compreendê-lo no plano da
“fenomenologia econômico-social”, ou seja, para além da idéia de simples operação
econômica. E será com esse enfoque que o instituto do contrato será aqui estudado.
Mudam os fatos, mudam os homens, muda a realidade social, altera-se, por força da
conseqüência, a arquitetura jurídica subjacente. Mas o contrato é sempre o contrato,
afinal. Sob o paradigma simplesmente individualista da burguesia revolucionária
francesa, ou sob o paradigma de consagração dos princípios contratuais como
princípios próprios da ordem natural, ou sob o paradigma meramente dogmático de
conformação do direito com a lei, o contrato muda de feição e atende aos interesses
jurídicos dos contratantes de cada época. Até que se mostre, a cada época, como
insustentável ou deficiente, quando então ele se remoldura e busca sua readequação,
para prosseguir como o que sempre fundamentalmente foi: um instrumento essencial
da organização social (HIRONAKA, 2009, p. 2-3).
Em atenção a essa capacidade de readequação, seguindo-se uma linha temporal,
pode-se estabelecer três momentos que refletem os ideais norteadores no instituto contratual,
como o período clássico do liberalismo, com império da autonomia da vontade e liberdade
plena na contratação, o dirigismo contratual, marcado pela intervenção do Estado nas relações
negociais e, por fim, o contrato na atualidade, com seus modernos contornos.
2.1 O Contrato no Estado Liberal
A compreensão do contrato está diretamente ligada ao nascimento de obrigações e à
produção de efeitos jurídicos decorrente do consenso entre os contratantes.
Contudo, ao contrário do que possa imaginar, para os romanos, a força da
manifestação da vontade não criava obrigações, pois se fazia necessária a existência de
fundamento jurídico para o contrato existir, a denominada causa civilis. Como não era o
consenso, “mas a causa civilis que erigia o ato jurídico bilateral à condição de fonte de
obrigações”, os romanos deixavam a expressão contractus “tão somente para aqueles atos
protegidos por uma actio, vale dizer, uma ação reconhecida pelo direito civil para constranger
o devedor ao cumprimento da obrigação”. (MACHADO, 2007, p. 88).
O direito romano arcaico conheceu somente contratos formais, nos quais o
fundamento jurídico era a realização de formalidades prescritas, sendo o nexum
20
e
stipulatio
21
os contratos formais conhecidos. Contudo, com o desenvolvimento da sociedade
romana estes contratos não atendiam às necessidades que surgiam do império e, assim, no
período clássico o nexum desapareceu e a stipulatio tornou-se flexível, conhecida agora como
sponsio, ou seja, contratos verbais.
O jurisconsulto Paulo (Sentenças, 2, 14) ensinou que de um simples pacto não nasce
ação, sendo confirmado por Ulpiano (D. 7, 4, 2, 14): “o simples pacto não nascimento a
uma obrigação, mas a uma exceção”. A exceção mencionada refere-se ao direito de defesa,
pois no direito romano, quando realizado um contrato, se uma das partes contraentes não
cumprisse o que fora acordado, a outra podia mover-lhe uma ação, “porque contractus parit
obligationem”. Contudo, se tivesse havido um simples pacto, sem formalidades, a parte
demandada podia defender-se através da exceptio ou exceção, porque pactio parit
exceptionem”, portanto, defendia-se de forma indireta, sem negar o que o credor alega, apenas
invocando fato acessório, como por exemplo, o menor que realizou contrato de mútuo e é
20
Segundo Yuri Restano Machado (2007, p. 88) “o nexum era uma espécie de empréstimo primitivo que se
realizava mediante o emprego de um ritual solene conhecido como per aes et libram (pelo bronze e pela
balança). De acordo com este ritual as partes deveriam comparecer perante o portador de uma balança, com o
objeto do contrato e acompanhados de cinco testemunhas, pronunciar certas fórmulas verbais e praticar certos
atos simbólicos. O devedor respondia pessoalmente pelo débito. O seu descumprimento podia redundar em
morte ou escravidão”.
21
A stipulatio, por sua vez, “traduzia-se numa espécie de promessa solene” e sua força obrigatória “decorria do
caráter sacramental de que se revestia”. Era celebrado “mediante uma pergunta do credor ao devedor. No antigo
ius civile a pergunta e a resposta se concebiam na forma da sponsio: spondes?’ ‘spondeo’”. (MACHADO,
2007, p. 88).
cobrado através de uma ação. O menor, neste caso, poderia interpor a exceptio senatus
consulti macedoniani”, afirmando que deve a dívida, mas também invocando a exceção
referente ao seu estado de menor de idade (CRETELLA JÚNIOR, 2001, p. 187).
O direito romano, no que pertine aos contratos seguiu sua tradição formalista, sendo
relevante lembrar a passagem do jurisconsulto Gaio, na qual adverte o risco de se perder o
pleito pela pessoa que, “litigando contra quem lhe cortasse videiras, empregasse o vocábulo
apropriado vites, em lugar do genérico arbores, preceituado na Lei das XXII Tábuas”
(CRETELLA JÚNIOR, 2001, p. 188).
O forte império romano estava para ruir e uma nova era iria se iniciar:
As fronteiras romanas não eram impermeáveis. Da mesma maneira que missionários
romanos evangelizavam os povos bárbaros, os germanos atravessaram os limites em
grande número, para se instalarem como agricultores nos cantões mal povoados do
mundo romano, ou para fazerem carreira no exército romano. A imigração era
controlada por Roma, a partir do ano 280 d.C.; porém, com o tempo, este controle
foi cedendo, e as fronteiras ficaram mal guarnecidas. A queda do Imrio Romano
Ocidental veio dos povos ocidentais, seja através de imigrações, seja através de
guerra e conquistas. (PAULA, 1997, p. 78).
Com as guerras a insegurança interrompeu o comércio e prejudicou o comércio,
houve um grande retorno ao campo, a ruralização da sociedade européia aconteceu no início
do feudalismo, pois o comércio foi abandonado como principal atividade econômica.
Na idade Média a estrutura do Estado dos reinos bárbaros é alterada, pois, com a
evangelização, modificam-se os costumes dos detentores de poder, uma vez que, “pela
influencia da fé sobre os guerreiros convertidos, a Igreja contrapôs ao Estado marcial o
religioso; à força bruta, a Teologia; à violência heróica a disciplina moral” e, ainda, “sobre a
rusticidade a idéia de humanidade” (PAULA, 1997, p. 85).
No direito inglês medieval também não existia a idéia de contrato como figura
jurídica autônoma e tampouco normas que o tornassem vinculativos. Assim, quando uma
promessa não era cumprida ou cumprida apenas parcialmente, a parte prejudicada poderia
interpor uma ação ex delicto, ou seja, a tutela que lhe era concedida baseava-se no dano que
havia sofrido e não porque havia celebrado um contrato e este não fora cumprido (ROPPO,
1988, p. 17).
Contudo, foi na idade Média, por influencia da igreja, que o contrato deixa de ser
formalista e a força da palavra dada passa a ter caráter vinculativo, justificando tal fato porque
a palavra era o instrumento de evangelização e os textos eram em latim, de forma que, acesso
a escrita e à leitura era privilégio do clero e da nobreza.
[...] o simples pacto faz nascer a obrigação jurídica, como fruto do ato do homem. É
o direito canônico que vulgariza a fórmula ex nudo pacto nascitur’. Para os
canonistas, a palavra dada conscientemente criava uma obrigação de caráter moral e
jurídico para o indivíduo. Assim, livre do formalismo excessivo do direito romano, o
contrato se estabelece como um instrumento abstrato e como uma categoria jurídica.
(MARQUES, 2004, p. 43-44).
Na Idade Média
22
, a concepção de contrato, tal como concebida pelo Direito
Romano, se menos formais, pois o período de sistema econômico era arcaico, reduzido ao
âmbito das comunidades, o que limitava os efeitos socioeconômicos advindos do instituto.
Tais fatos “derivam do retrocesso da ciência do Direito na alta Idade dia, que retornou ao
direito romano primitivo, provinciano e consuetudinário, o que se acentuou com o surgimento
do direito feudal, baseado em costumes orais, a partir do século VIII” (FROTA, 2008, p. 27).
Na baixa Idade Média o período foi marcado pelo nascimento do Estado Absolutista,
da inauguração da economia de mercado e da retomada do direito romano do período
justianeu, houve a conjugação do direito romano medieval com o direito canônico e com o
direito germânico, de matiz romana, momento em que se formou o direito comum (ius
commune) e o contrato ganhou maior relevo econômico e social.
O fim da idade Média e o início da idade Moderna é marcado pelo Renascimento e
pelo absolutismo, com a centralização do poder nas mãos do rei, com o apoio financeiro da
burguesia crescente.
O Rei, que precisa dos burgueses para as finanças, para o corpo de funcionários e
contra os senhores feudais, obtém facilmente sua obediência e apoio. O poder real
enriqueceu os burgueses comerciantes por meio de empréstimos, hipotecas dos
domínios reais, arrendamento dos impostos, concessão dos monopólios de
exploração e pela proteção contra as leis da Igreja condenando a usura, e contra os
entraves senhoriais ao comércio e às corporações (PAULA, 1997, p. 90).
O comércio se desenvolve, a burguesia se fortalece não apenas financeiramente, mas
intelectualmente, surgindo, assim, as teorias contratualistas, a embasar os ideários da
Revolução Francesa de 1789.
Era comum aos filósofos (Hobbes, Spinoza, Locke, Rosseau) o entendimento de que
a sociedade e o próprio Estado nasceu e se fundamenta no contrato, o que, de certa forma,
22
Como marco temporal, Lucas Abreu Barroso (2008, p. 32) delimita o direito medieval aquele que compreende
o período da conquista de Roma (476 d.C.) à queda de Constantinopla (1453 d.C. Século XV), a alta Idade
Média se inicia no ano de 476 d.C e termina em 1100 d.C. e, por sua vez, a baixa Idade Média em 1100 d.C. e se
finda em 1453 d.C.
justificaria e legitimaria a autoridade do governo aos olhos do povo. Thomas Hobbes, em seu
livro “Do Cidadão”, nesse sentido, destaca:
[...] o estado dos homens sem a sociedade civil (ao qual podemos corretamente
chamar de Estado de Natureza), nada mais é que uma guerra de todos contra todos, e
nesta guerra, todos os homens tem direitos iguais sobre todas as coisas; e em
seqüência, que todos os homens assim que entendem esta condição odiosa (até
porque a natureza os compele a isto) desejam livrar-se desta miséria. Mas isto não
pode ser feito a menos que, através de um pacto, abdiquem do direito pelo qual
todos são possuidores de todas as coisas. Além disto, declaro e confirmo que a
natureza dos pactos consiste em distinguir como e por quais meios poderia se
transferir o direito de uma pessoa para outro afim de que os pactos sejam válidos; e
quais direitos devem ser concedidos e a quem, para que a az possa se estabelecer.
(2006, p. 21).
O filósofo se refere nesta passagem ao governo civil e aos direitos que os particulares
que pretendem constituir este governo civil “devem necessariamente transferir ao poder
supremo, esteja este em um homem ou em uma assembléia”, uma vez que, se não houver o
pacto e todos permanecerem com direito sobre todas as coisas irá imperar o estado de guerra
(HOBBES, 2006, p. 22).
Entre 1789 a 1791 desenrolou-se na França o processo de desenvolvimento de sua
economia, baseada nos ideais capitalistas, refletindo no deslocamento da propriedade
fundiária, anteriormente pertencente ao clero e a nobreza, e, agora, pós-revolução eram
vendidas, juntamente com outros bens, para a burguesia. Para que esse processo de
transferência de riquezas pudesse ser implementado de forma segura, seria necessário um
instrumento técnico-jurídico adequado, e este instrumento foi o contrato.
O Código de Napoleão é o primeiro grande código da idade moderna e que se
destaca por tornar lei as conquistas políticas, ideológicas e econômicas obtidas pela burguesia
com a Revolução, iniciando a era das codificações, eis que representando o grande exemplo
da legislação burguesa, que marcou de forma indelével o pensamento jurídico moderno.
O Código de 1804 torna-se o eixo fundamental do positivismo legalista que
desempenhou papel decisivo para a construção da teoria contratual clássica do século XIX e
sua influencia jurídica e política se fez presente alastrou-se para o pensamento jurídico de
todos os países da Europa Continental.
O código civil alemão de 1896 (BGB), enquanto código burguês, também se inspirou
em alguns princípios adotados pelo código civil francês, em especial, na liberdade de
contratar e na igualdade formal entre as partes contraentes. Contudo, a categoria do contrato,
no sistema civil alemão, foi concebida e construída à sombra de uma categoria mais geral, a
do negócio jurídico:
O código civil alemão contém assim, além de regras especialmente dedicadas ao
contrato (Vertrag) e a cada contrato (venda, locação, empreitada, mandato, etc.),
uma série de norma dirigidas em geral à disciplina do negócio jurídico
(Rechtsgeschäft), normas que se aplicam também (mas não só) ao contrato, pelo
princípio elementar de que as regras concernentes a uma figura geral valem –
quando não expressamente afastadas também para as diversas figuras específicas
compreendidas na primeira. (ROPPO, 1988, p. 48)
Como ressalta José Tadeu Neves Xavier (2006, p. 28), as necessidades de se ampliar
o domínio sobre a novel codificação francesa fez com que a doutrina jurídica do século XIX
desse início “a um movimento de comentadores que acabou por assumir a designação de
‘école de l’exégÉse’, representando um estilo de atuação jurídica que se esforçava na tarefa de
explicação e interpretação do Código Civil de Napoleão”.
Explica o autor (2006, p. 28) que essa escola jurídica caracterizou-se “pelo apego ao
silogismo com a técnica de interpretação dos textos normativos, num acentuado rigor no uso
do raciocínio lógico”, isso com a “identificação do Direito com a lei, tida como a única fonte
competente para a criação do Direito”.
Essa mentalidade também era aplicada aos contratos, pois no império da autonomia
privada, busca-se, pela interpretação, encontrar a intenção das partes. A estrutura legislativa
da época criava para o indivíduo a idéia de segurança advinda da liberdade de contratar e da
proteção à propriedade privada.
O individualismo marcou esse momento histórico, entendido este “como o sistema
em que a liberdade individual se concebe e regula como fim em si mesma, fora de qualquer
subordinação aos interesses dos grupos sociais”, deixando transparecer “a manutenção do
status quo alcançado anteriormente pela concretização dos ideais filosóficos e econômicos,
resultantes da Revolução Francesa, em especial pela classe burguesa ascendente.
Quanto ao aspecto econômico, a ideologia individualista deu sustentação ao sistema
capitalista de produção, fazendo nascer o liberalismo, não sendo admitida qualquer forma de
intervenção estatal no âmbito econômico.
Enzo Roppo (1988, p. 26), atento aos estudos de Henry Summer Maine, destaca que
todo o processo de desenvolvimento das sociedades humanas pode descrever-se,
sinteticamente, como um processo de transição do status ao contrato. Esta idéia, conhecida
como “Lei de Maine”, procura firmar o entendimento de que nas sociedades antigas as
relações entre os homens eram determinadas, em grande escala, pela comunidade, grupo
social ou família a que pertencia, ou seja, ao seu status. De forma diversa, na sociedade
moderna (sec. XIX época de Maine), as relações tendem a ser decorrentes de livre escolha
dos interessados, de sua vontade, a qual encontra no contrato a sua representação e
instrumento de ação.
Quando Maine observava que a sociedade que lhe era contemporânea, baseava-se no
contrato e na liberdade de contratar, ao contrário das sociedades antigas governadas pelos
vínculos de status, elevava o contrato a eixo fundamental da sociedade liberal, a protótipo dos
seus valores e dos seus princípios (da livre iniciativa individual à concorrência entre os
empresários no mercado, à procura ilimitada do lucro) em antítese como o modelo de
organização da sociedade do antigo regime, com os seus resíduos feudais, com os seus
vínculos e privilégios corporativos, com a sua economia fechada. “O contrato, torna-se, assim,
a bandeira das sociedades nascidas das revoluções burguesas e, em definitivo, um elemento da
sua legitimação” (ROPPO, 1988, p. 28).
O modelo contratual clássico embasou sua estrutura nos princípios da a autonomia da
vontade e da liberdade contratual, o da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) e o
da relatividade dos seus efeitos. Como bem observa Xavier (2006, p. 38), estes princípios se
“encarregaram da tarefa de dar conforto ao pensamento clássico e, ao mesmo tempo, garantir
o seu percurso em um caminho seguro e sólido”, eis que “fundado nas próprias aspirações que
consolidaram a estrutura liberal. Nesse contexto, vigoraram as máximas Quit dit contractuel,
dit juste’ e ‘tout contract libre est un contract juste”.
Comentando o ideário de justiça contratual, Darcy Bessone (1997, p. 25) expressa
que “segundo doutrina clássica, o contrato é sempre justo, porque, se foi querido pelas partes,
resultou de livre apreciação dos respectivos interesses pelos próprios contratantes”. Portanto,
“teoricamente, o equilíbrio das prestações é de presumir-se, pois sendo justo o contrato,
segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, limitada
por consideração de ordem pública e pelos bons costumes”.
Esta absoluta liberdade, típica do período liberal, dificultava o estabelecimento de
limites, mesmo que negativos em relação à contratação, e um exemplo claro disso vem do
direito norte-americano, pois na metade do século XIX foram emanadas, de diversos Estados
da Federação, providencias legislativas (conhecidas por Truck Acts) que, para travar uma
praxe largamente difundida nas relações entre empresários e trabalhadores subordinados, e
gravemente prejudicial para estes últimos, proibiam convencionar nos contratos de trabalho
que a remuneração fosse atribuída aos dependentes, total ou parcialmente, sob a forma de
“bônus”, sendo expresso que os salários deveriam ser pagos em dinheiro. Até 1910 estas leis
foram repetidamente declaradas inconstitucionais. Estas leis, segundo Roscoe Pound (apud,
ENZO ROPPO, 1988, p. 34) deveriam parecer aos tribunais uma intolerável intromissão do
poder público na esfera da liberdade dos contraentes, uma inadmissível “tentativa do
legislador de restabelecer o status e limitar o poder contratual dos homens livres [...] adultos e
mentalmente saudáveis”. Estes juízes eram fiéis à “doutrina segundo a qual a evolução do
Direito seria um desenvolvimento do status ao contrato”.
Acreditava-se que a justiça contratual era automaticamente observada pelo fato de
decorrer da livre vontade dos contraentes, havendo, por conseqüência, recíproca igualdade
jurídica, pois após as revoluções burguesas não existiam mais os privilégios de classes do
antigo regime. Dessa forma a liberdade de contratação e a igualdade formal entre as partes
tornaram-se os pilares do direito contratual, fundamentando os ideais capitalistas e a relação
patrão/operário (que em “igualdade” de contratação vendia a sua mão de obra em troca de
salário)
23
.
A crença, na época, era que o contrato traria em si uma natural equidade,
proporcionaria a harmonia social e econômica, se fosse assegurada a liberdade contratual.
Antonio Herman V. Benjamin, na apresentação do livro “Contratos no Código de
Defesa do Consumidor”, de Cláudia Lima Marques, (2004, p. 8) ressalta que a revolução
industrial trouxe consigo a revolução do consumo e, assim, as relações privadas “assumiram
uma conotação massificada, substituindo-se a contratação individual pela coletiva”, de
maneira que os contratos passaram a ser assinados sem qualquer negociação prévia,
apresentando-se como documentos pré-impressos, verdadeiros formulários.
Destaca, ainda, Antonio Herman que em 1943, Friedrich Kessler, escrevia que:
A liberdade contratual permite que as empresas legislem através de contratos e, o
que é até mais importante, legislem de uma forma autoritária sem que para tanto
tenham que usar uma aparência autoritária (apud MARQUES, 2004, p. 09).
Se o contrato faz lei entre as partes, que se concordar com Hobbes (2006, p. 32-
33), quando afirma que “todos os homens são iguais entre si por natureza e que a
desigualdade que se observa em nossos dias, encontra na lei sua origem”. No caso do período
liberal, a lei contratual.
Os excessos do liberalismo perduravam porque havia uma clara dicotomia entre o
Direito público, o qual se entendia que era destinado a tratar sobre as questões referentes ao
Estado, e o Direito privado, incumbido das relações privadas patrimoniais.
23
A esse respeito pontua Enzo Roppo: “[...] pelas exigências do sistema capitalista, o trabalho humano deve, ao
contrário, objectivar-se, ‘mercadorizar-se’, justamente porque deve constituir matéria de troca, portanto matéria
de um contrato, e de um contrato livre” (1988, p. 39).
Numa época em que o individualismo era concebido isoladamente no espaço social
e político e a sociedade e o Estado eram considerados dois mundos separados e
estanques, cada um governado por uma lógica de interesses própria e obedecendo,
por isso, respectivamente, ao direito privado ou ao direito público, não admira que
os direitos fundamentais pudessem ser e fossem exclusivamente concebidos como
direitos do indivíduo contra o Estado. (ANDRADE, 2003, p. 271).
Essa separação entre o público e o privado objetivava garantir o ideal burguês de
liberdade e autonomia da vontade, contudo, como demonstrou a História, foi necessário que o
Estado passasse a intervir na economia e nas relações negociais privadas, na fase conhecida
como a do “Estado Social”, para garantir a existência de direitos sociais, econômicos e
culturais.
2.2 A Época do Dirigismo Contratual
O século XX é marcado pela produção em escala, modernização da indústria,
expansão do comércio, início da contratação em massa, mas também por duas grandes guerras
que após suas finalizações deixou a Europa destruída, a população empobrecida e carente de
políticas públicas assistências.
O cenário mundial era de crise econômica e no campo negocial, de inadimplemento
dos contratos.
O modelo econômico liberal estava visivelmente desgastado o que fez nascer o
Estado Social, atuante nas políticas públicas e nas relações negociais privadas, encerrando a
era da plena liberdade e autonomia contratual.
O dirigismo contratual foi uma fase de considerável amadurecimento da teoria
contratual, pois, num primeiro momento, chegou a representar uma resposta estatal
para as situações em que os particulares não se mostraram capazes de conduzir a sua
contratação de forma adequada. É o reconhecimento do fracasso do consensualismo
dos pactos. Esse segundo paradigma contratual cria uma dobra histórica no instituto
do contrato, que, de mero instrumento de definição e exercício de direitos, passa
também a atuar como mecanismo de implementação de políticas econômicas
(XAVIER, 2006, p. 44-45).
Informa Paulo Luiz Neto Lôbo (1990, p. 69) que o intervencionismo estatal nos
contratos é decorrente da atuação das funções do Estado Moderno e pode ser um dirigismo
legislativo, judicial ou administrativo. Ressalta o autor que a intervenção estatal legislativa se
opera especialmente através da criação de normas cogentes que limitam a autonomia negocial
das partes; o dirigismo judicial através da intervenção no conteúdo dos contratos, por meio da
revisão ou declaração de nulidade de certas cláusulas ou condições; e a atuação administrativa
pela ingerência da Administração Pública em certos setores da atividade econômica.
Ressalta Giselda Hinoraka (2009, p. 3) a importância do dirigismo legislativo na
época:
A intervenção legislativa do Estado assim levada a cabo fez florescer um tempo
novo, onde os malefícios do liberalismo jurídico foram mitigados pela proteção
social que se estendeu ao economicamente mais fraco. As formas contratuais nas
quais os direitos competiam todos a uma das partes e as obrigações à outra
parte, foram repelidas severamente [...].
Importante observar que a disciplina legal dos contratos não se limita a codificar
regras impostas pela natureza ou ditadas pela razão, pois, constitui, em verdade, intervenção
positiva e deliberada do legislador, objetivando satisfazer determinados interesses e a
sacrificar outros, para dar às operações econômicas o respaldo ideológico que pretenda
defender.
Com efeito, as alterações legislativas não ocorrem por acaso, e assim pode-se
observar com as transformações ocorridas na história: libertação dos escravos, permissão à
mulher contratar, lei de locação, alienação fiduciária etc., todas com objetivos políticos lato
sensu de desenvolvimento econômico que refletem diretamente na realização de contratos.
Como se observa, o instituto do contrato transforma sua própria estrutura e função
segundo o contexto econômico-social em que está inserido, e, assim é que após a revolução
industrial, no início do século XIX, o contrato se torna um mecanismo essencial ao
funcionamento do sistema econômico idealizado pelo capitalismo.
Com precisão observa Enzo Roppo (1988, p. 25):
[...] atente-se que em que não pode certamente atribuir-se ao mero acaso o facto de
as primeiras elaborações da moderna teoria do contrato, devidas aos jusnaturalistas
do séc. XVII e em particular ao holandês Grotius, terem lugar numa época e numa
área geográfica que coincidem com a do capitalismo nascente; assim como não é por
acaso que a primeira grande sistematização legislativa do direito dos contratos
(levada a cabo pelo código civil francês, code Napoleon, de 1804) é
substancialmente coeva do amadurecimento da revolução industrial [...].
Pode-se concluir que também não foi por acaso que ou desprovido de interesse que o
Estado passou a intervir na economia e nas relações negociais privadas, uma vez que, o
momento exigia a ação estatal para garantia do próprio sistema capitalista e, por assim dizer,
do próprio instituto do contrato.
[...] a intervenção do Estado no contrato se processa historicamente desta forma: em
uma primeira fase, tem uma função protectiva, favorecendo os economicamente
mais fracos, adotando uma atitude de retaguarda. Intervém para estabelecer, pelos
meios jurídicos, o equilíbrio. Em uma segunda fase, o Estado compõe-se a
vanguarda, passando a determinar previamente as regras do jogo, de acordo não
mais com os interesses dos particulares, mas com o interesse social. Agora não mais
intervém: dirige. Dentro desse quadro, a tendência que se observa é a do contrato
dirigido, regulamentado e fiscalizado pelo poder público (LÔBO, 1986, p. 25).
Observe-se que na Alemanha, no período de império da ideologia nacional-socialista,
tentou-se alterar os princípios contratuais recebidos pela tradição liberal, pois em 1933 se
afirmava que a ‘loucura do individualismo e do liberalismo de ora em diante não tem mais
espaço no direito alemão’, (Hans Frank, apud Enzo Roppo, 1988, p. 55). Pretendia-se uma
rígida subordinação da liberdade e da iniciativa às exigências e aos interesses da comunidade
nacional, claro, na época, a comunidade dos alemães de raça ariana, fique esclarecido.
Nesse período na Alemanha, a antiga imagem do contrato, firmada na liberdade
individual e de igualdade jurídica entre os homens, pelos idealizadores do regime, deveria
desaparecer: “os homens (e os povos) são naturalmente desiguais e esta desigualdade entre
‘superiores’ e ‘inferiores’ deve ser sancionada pela lei (legislação racial)”, uma vez que o
contrato “não pode ser expressão da liberdade do indivíduo e meio para a satisfação dos seus
interesses particulares”, devendo, ao contrário, “constituir instrumento para a realização do
‘bem comum’ da nação alemã; e aos juízes do Reich era confiada a tarefa de valorar com
amplíssima margem de discricionariedade” – se cada contrato firmado estava de acordo com o
‘bem comum’ (ROPPO, 1988, p. 55)
24
.
A passagem acima fornece clara visão de como o contrato pode ser utilizado como
instrumento de legitimação do poder de uma ideologia política, seja ela moral ou imoral, justa
ou injusta, nobre ou indigna.
O fenômeno do dirigismo contratual, nas palavras de Xavier (2006, p. 45) “é
protagonizado por duas figuras que irão dominar a cena negocial por um vasto período: o
24
Referindo-se ao fascismo na Itália Enzo Roppo (1988, p. 59) destaca: De resto, o caráter abertamente
ideológico e falsificante dos muitos apelos à ‘solidariedade corporativa, às exigências superiores da produção’,
ao interesse da nação’, à ‘superação dos interesses individuais’ máscara da tutela e do privilégio concedidos
aos interesses dominantes às vezes denunciava-se por si: na VII declaração da Carta do Trabalho reconhece-se
que o sistema continua a basear-se no princípio da iniciativa econômica privada e do seu livre exercício, e que,
portanto, a estrutura capitalista das relações econômico-sociais não é posta em discussão (observação que vale
igualmente para a experiência da Alemanha nacional – socialista).
Estado intervencionista e a grande empresa”. O intervencionismo se operando com a criação
de normas cogentes a serem observadas em diversas espécies contratuais e a grande empresa
através de um dirigismo privado, “marcado pelos contratos-formulários e contratos de adesão,
em grande parte relacionados a condições gerais de contratação”, como esclarece o autor.
A idéia aceita e até então inconteste que se firmava na liberdade de contratar, na
igualdade dos que contratam e na obrigatoriedade de se cumprir o que se contrata passa a
abrir-se para a nova realidade que surgira com a contratação em massa.
Na sociedade pós-revolução industrial e na atual, as sociedades empresárias,
instituições financeira e até mesmo o Estado colocam à disposição do público contratos de
distribuição de bens ou serviços que, por economia e celeridade possuem cláusulas pré-
fixadas que serão aplicadas de forma geral a todos os contratantes
25
.
Enfim, o que se deu neste interregno de passagem, desde a vitória burguesa ao
paradigma da pós-modernidade, foi a sujeição da vontade dos contratantes ao
interesse público, como se por atuação de um verdadeiro freio que moderasse a
liberdade contratual, tudo em nome do interesse coletivo e em atenção às exigências
do bem comum (HINORAKA, 2009, p. 3).
25
Cláudia Lima Marques (2004, p. 56-57) faz a diferenciação entre cláusulas gerais contratuais e contratos de
adesão: “Note-se que a prefixação de todo o conteúdo do contrato, ou de parte deste, de maneira unilateral e
uniforme por uma das partes contratantes não passou despercebida aos estudiosos do Direito, existindo duas
expressões para descrever esta realidade. De um lado prefere a doutrina germânica a expressão “condições gerais
do contrato”, ou na tradução de Portugal “cláusulas gerais contratuais”, de outro, a doutrina francesa utiliza a
expressão “contratos de adesão”. A expressão “condições gerais do contrato” enfatiza mais a fase pré-contratual,
onde são elaboradas estas listas independentes de cláusulas gerais a serem oferecidas ao público contratante,
enquanto utilizando a expressão contrato de adesão a doutrina francesa destaca o momento de celebração do
contrato, dando ênfase à vontade criadora do contrato, vontade esta que somente adere ‘a vontade manifestada
do outro contratante. Neste sentido, para dar maior clareza à exposição, vamos inicialmente acatar a
diferenciação feita pela Comissão das comunidades Européias (em seu Bulletin s Communautés Européennes
Supplément 1/84, p. 6, item 10) entre contratos de adesão e contratos submetidos a condições gerais. Como
contratos de adesão entenderemos restritivamente os contratos por escrito, preparados e impressos com
anterioridade pelo fornecedor, nos quais resta preencher os espaços referentes à identificação do comprador e
do bem ou serviços, objeto do contrato. por contratos submetidos a condições gerais dos negócios
entenderemos aqueles, escritos ou não escritos, em que o comprador aceita, tácita ou expressamente, que
cláusulas, pré-elaboradas unilateral e uniformemente pelo fornecedor para um número indeterminado de relações
contratuais, venham a disciplinar o seu contrato específico. Típico aqui seriam os contratos de transporte,
contratos de administração de imóveis e mesmo alguns contratos bancários. As expressões condições gerais dos
contratos e contratos de adesão não são, portanto, sinônimas. Segundo a doutrina e a lei alemã, porém, a
expressão condições gerais pode englobar todos os contratos de adesão com formulários impressos, contratos
modelo e os contratos autorizados ou ditados pelos órgãos públicos, pois estes também são compostos por
cláusulas pré-elaboradas unilateral e uniformemente pelos fornecedores, com a única diferença que nestes casos
as condições gerais estão inseridas no próprio texto do contrato e não em anexo. Eis por que muitos autores
utilizam indistintamente os termos. A contratação com máquinas e automáticos em geral (seja por meio
televisivo ou por telefone) geralmente são contratos submetidos a condições gerais contratuais, onde raramente o
consumidor receberá um contrato para assinar”.
O dirigismo contratual trouxe uma realidade diferente para o mundo contratual, de
forma que o universo das relações negociais precisou de certo tempo para se adaptar e
compreender que não se tratava da derrocada do instituto.
Como destaca Cláudia Lima Marques, com a industrialização e a massificação das
relações contratuais, em especial através da conclusão de contratos de adesão, ficou evidente
que o conceito clássico de contrato não mais se adaptava à realidade socioeconômica do séc.
XX, sendo que “em 1937, Gastón Morin preconizava a ‘revolta dos fatos contra os códigos’, o
declínio e o fim da concepção clássica de contrato”, porque “apesar de asseguradas, no campo
teórico do direito, a liberdade e a autonomia dos contratantes, no campo prático dos fatos, o
desequilíbrio daí resultante já era flagrante”. Contudo, bem esclarece a autora que se o
voluntarismo e a concepção tradicional de contrato se encontravam em declínio, “para a idéia
de contrato esta foi uma crise de transformação, ou nas palavras lúcidas de Galvão Teles,
‘uma crise de verdadeiro rejuvenescimento’” (2004, p. 150-151).
No mesmo sentido anota Xavier (2006, p. 52):
O excesso no dirigismo contratual ajudou a constituir a chamada ‘crise do contrato’,
que, na dicção de Rui de Alarcão, significou o ‘declínio do contrato’ e o ‘decréscimo
do poder contratual’, havendo quem chegasse a fazer referência à própria ‘morte do
contrato
26
. Como ensina este autor, tal situação resultou das progressivas limitações
à liberdade contratual, tanto a liberdade de constituição ou celebração do contrato,
como a liberdade de conformação de seu conteúdo, limitações estas impostas ou
acentuadas pelo intervencionismo estatal e pelo movimento de socialização e
publicização do Direito privado.
Com efeito, a ação do Estado traz mudanças e se fazem perceptíveis nas relações
trabalhistas, previdenciárias, assistênciais e, em relação ao contrato, aponta Carlos Alberto
Bittar (1989, p. 246):
[...] algumas sobre a forma de monopólio, como a exploração do petróleo, minas,
energia, telecomunicações, indústrias de base e outras; com o passar do tempo e com
a mesma motivação, somam-se diferentes áreas à relação, dentre as quais,
atualmente: transportes; seguros; mercado financeiro; mercado de capitais;
investimento em certas regiões; preços de produtos industrializados; preços de
produtos de agricultura; política agrária; comércio exterior, disciplina do capital
estrangeiro; locação; mercado imobiliário, atividades de pesca, de turismo, de
reflorestamento; propriedade industrial e direitos autorais, dentre outros campos.
26
Aponta Xavier a obra: GILMORE. Grant. The death of contract. 2 ed. Ohio State University Press, 1995.
As normas, de caráter público imperativo, ditadas pelo Estado, modificam a visão do
princípio da autonomia da vontade, pois, agora, deve ajustar-se à realidade social na busca
pelo equilíbrio social
27
.
Além da presença das normas públicas na esfera das relações privadas, outro
fenômeno estava ocorrendo. Nas décadas de vinte e trinta, especialmente nos Estados Unidos,
que se verifica a expansão do novo modelo de contratação, caracterizado pela massificação,
fenômeno logo difundido para os demais países. Esse modelo perdurou até meados da década
de 1980, quando às suas aparentes vantagens começaram a ser melhor analisas. O capitalismo
de consumo estava no auge e a preocupação era voltada em dar vazão à superprodução, a qual
poderia acarretar um colapso ao sistema capitalista tradicional. Entretanto, a saída para a crise
foi vislumbrada através do consumo massificado, que representaria um novo ponto de
equilíbrio (XAVIER, 2006, p. 54).
Assim, se inicia o período de facilitação de acesso aos bens, produtos e serviços, com
abertura de crédito, vendas parceladas, como forma de sustentar o novo sistema baseado no
excessivo consumo.
A objetivação do contrato por meio de relações massificadas, em especial por
adesão a condições gerais de contratação, acompanhada pelo surgimento de novas
técnicas contratuais transportes, espetáculos, serviços essenciais em que o
diálogo é relegado a papel secundário e o pacto é movido por comportamentos, fez
com que surgissem novas formulações na teoria dos contratos. [...] Muitas das
relações negociais são dominadas por símbolos ou imagens, e o pacto acaba por se
aperfeiçoar por meio de justaposições de decisões unilaterais. Como enfatiza
Ricardo Lorenzetti, ocorre a perda de relevância da singularidade da vontade e
predomina, então, o ato repetitivo e uniforme
(XAVIER, 2006, p. 54)
Nesse cenário, surge contratação através de máquinas automáticas, telefone,
televisão, como forma mais célere, mais barata e impessoal para a venda de produtos e
serviços. A rapidez, o tumulto da vida moderna compele o homem a cada vez mais interagir
com meios eletrônicos e automatizados.
Analisa a esse respeito, Cláudia Lima Marques (2004, p. 67)
[...] muitos contratos de massa são feitos ‘em silêncio’ ou ‘sem diálogo’, por coisas,
imagens de coisas, palavras ditadas, pré-escritas e outros símbolos visualizados em
27
“[...] se multiplicam as proibições à contratação; estende-se o campo de nulidades; fixam-se os elementos para
a constituição do contrato (como, por exemplo, nas normas ditadas para a proteção dos interesses minoritários
nas sociedades anônimas), limitando o poder de disposição dos titulares, nos contratos de aquisição de controle
de sociedade aberta, na imposição de oferta pública para a aquisição de ações, sob pena de nulidade, na
exigência de intervenção da autoridade para a constituição de inúmeros contratos. É o que se chama de
publicização do contrato” (BITTAR, 1989, p. 249).
meios não perenes e virtuais; os atos existenciais, sem real dialética, pela não-
presença do outro, pela representação do outro através de máquinas e prepostos sem
poder, por atos, imagens, meros, cartões, senhas, visões, toques e clicks deste
homem atual, que denominam, ironicamente, não mais ‘homo loquens’, dada a perda
de importância da palavra e sim ‘homo videns’, em face da importância das
sensações, dos sentidos, do toque à visão para a realização de um contrato.
Assim, conclui a autora (2004, p. 67-68):
Um contrato ‘desumanizado’, que beira a auto-suficiência do declarado e
‘construído’ de forma unilateral e prévia no ‘site’ eletrônico ou na máquina colocada
em um corredor de escola, auto-suficiência da predisposição declarativa ou material
formulada por um fornecedor que não mais se conhece, também despersonalizado e
reconhecido talvez apenas pela marca, também um símbolo.
Aonde todas essas transformações irão culminar não se pode ainda antever, uma vez
que, como menciona Romano Guardani (O fim da Idade Moderna. Lisboa: Edições 70, 1995,
p. 13, apud XAVIER, 2006, p. 65), “a forma de uma época só se torna visível quando ela
desaparece”.
O que se percebe é que está ocorrendo uma nova onda temporal, que traz consigo
mudanças para a política, cultura e para economia, de forma que a teoria contratual até então
apreendida o responde inteiramente as dúvidas que circundam as relações contratuais
28
na
atualidade.
2.3 Relações Negociais Contemporâneas: O Contrato na Pós-Modernidade
2.3.1 O fenômeno da pós-modernidade
28
“E é nesse contexto que o contrato hoje precisa ser pensado e burilado, para que se possa ter uma maior
compreensão do que o ‘futurolhe reservou. O fenômeno da pós-modernidade cria novos parâmetros para o
Direito, e, nesse movimento, surge uma diversa concepção de contrato, contando com novos princípios que,
tencionando os tradicionais, proporcionam diferentes resultados, vinculados ao crescimento da aproximação da
ciência do Direito com os valores constitucionais, ressaltando e revitalizando a importância do indivíduo como
pessoa e finalidade última de todo o ordenamento, sem contudo se descuidar do adequado trato da sua inserção
no meio social que o circunda” (XAVIER, 2006, p. 65).
Apesar de não ser unânime
29
o reconhecimento do fenômeno da pós-modernidade,
não á como se furtar de sua análise, pois se trata de tema recorrente na sociologia, na filosofia
e também no direito.
Alguns chamam utilizam a terminologia “capitalismo tardio” (como Jameson e
Mandel), e outros ainda de pós-fordismo (como Harvey), era da informação, globalização, etc.
A pós-modernidade para Bauman (2001) é uma abordagem sociológica para época atual. Ele
utiliza o termo “modernidade líquida” para caracterizar a época atual dessa reorganização em
que a sociabilidade humana experimenta uma transformação nos processos referentes à
metamorfose do cidadão, ao sujeito de direitos, à busca de afirmação no espaço social, às
estruturas de solidariedade coletiva tornando-as de disputa e competição; ao enfraquecimento
dos sistemas de proteção estatal às intempéries da vida com permanente ambiente de
incerteza, o fim dos planos a longo prazo, a culpabilização pelos fracassos individuais, a
separação entre poder e política (EBERT, 2009, p. 1).
Segundo Claudia Lima Marques (1998, p. 19) o fenômeno da pós-modernidade se
caracteriza pela realidade da “pós-industrialização, do pós-fordismo, da tópica, do ceticismo
quanto às ciências, quanto ao positivismo, época do caos, da multiplicidade de culturas e
formas, do direito à diferença”, bom como pela “euforia do individualismo e do mercado”.
Esclarece a autora:
É a realidade da substituição do Estado pelas empresas particulares, de
privatizações, do neo-liberalismo, de terceirizações, de comunicação irrestrita, de
informação e de um neo-conservadorismo. Realidade de acumulação de bens não
materiais, de desemprego massivo, de ceticismo sobre o geral, de um individualismo
necessário, da coexistência de muitas meta-narrativas simultâneas e contraditórias,
da perda de valores modernos, esculpidos pela revolução burguesa e substituídos por
uma ética meramente discursiva e argumentativa, de legitimação pela linguagem,
pelo consenso momentâneo e não mais pela lógica, pela razão ou somente pelos
valores que apresenta. É uma época de vazio, de individualismo nas soluções e de
insegurança jurídica, onde as antinomias são inevitáveis e a desregulamentação do
sistema convive com o pluralismo das fontes legislativas e uma forte
29
Importante consignar que a idéia de pós-modernidade não é unânime, recebendo críticas, tais como a de Maria
Severiano, que, ao traçar uma análise psicossocial dos ideais do consumo na contemporaneidade, afirma:
“compreendo que nenhuma ruptura radical aconteceu entre o mundo moderno das sociedades do capitalismo
industrial e a atual fase contemporânea que justifique a utilização do termo “pós”. As chamadas sociedades ‘pós-
modernas’ são oriundas de um mesmo sistema capitalista; foram engendradas por este sistema e, mais do que
nunca, o realizaram de forma globalizante” e que “estamos aqui diante da chamada ‘sociedade pós-moderna’
onde o prefixo ‘pós’, ao mesmo tempo que revela o grau de profundidade das transformações ocorridas, também
oblitera o reconhecimento de que continuamos a ser uma sociedade de ‘massas’, regida pelo mesmo modo de
produção que agora ‘segmentadas’. Devemos admitir que as transformações ocorridas nas duas últimas
décadas foram de grande vulto. Muito se transformou para que o sistema permanecesse o mesmo” (In:
Narcisismo e Publicidade: uma análise psicossocial dos ideais de consumo na contemporaneidade. São Paulo:
Annablume, 2001, p. 61 e 80, respectivamente, apud Xavier, 2006, p. 81). Ainda, pode-se mencionar Enrique
Dussel, na obra Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Tradução de Ephraim Ferreira
Alves, Jaime A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
internacionalidade das relações. É a condição pós-moderna que, com a pós-
industrialização e a globalização das economias, atinge a América Latina e tem
reflexos importantes na ciência do direito. É a crise do Estado do Bem-Estar Social.
De fato, é a situação em que se vive hoje. Assim, como o Direito Civil irá lidar com
tamanhas transformações? Rogério Zuel Gomes (2009, p. 1) entende que se trata de um
desafio:
E assim, o desafio esposto à ciência jurídica. É hora de se repensar e reconstruir
os fundamentos do Direito a partir desta constatação, reconhecendo que a ciência
jurídica, tal como está articulada, a partir do Estado moderno, não tem condições de
dar conta da tutela de novos direitos. Se a pós-modernidade, acompanhada pela
globalização, importa uma nova realidade, com lastro na neoliberalização da
economia, sustentada pela diminuição da atuação do Estado, com imensa
multiplicidade de relações jurídicas, cumpre aos cientistas do Direito forjarem
técnicas de interpretação do plexo legislativo vigente que regula estas relações.
afirmamos anteriormente que o ponto de partida para esta construção está na
Constituição da República, notadamente a partir dos direitos fundamentais
consagrados.
Com efeito, a realidade contratual, marcada pelos contratos coativos ou obrigatórios,
pelos contratos necessários, pelos contratos-tipo e pelos contratos de adesão exigem não
apenas novas técnicas de interpretação, mas de técnicas processuais, de maneira a garantir a
existência do contrato, mesmo que diferente daquele conhecido da teoria clássica, mas de
forma equilibrada e justa.
2.3.2 O contrato na atualidade
Em pleno século XXI o contrato continua a servir de instrumento dos ideais
capitalistas ultrapassando além das fronteiras geográficas e as fronteiras ideológicas, eis que
acampa e se enraíza em todos os continentes. O Direito não fica alheio às transformações
sociais e econômicas advindas das novas formas de contratação e, acaba por receber as
influências do pensamento pós-moderno.
No Direito Civil o pensamento pós-moderno se faz presente através do resgate do
valor da pessoa, eis que “o indivíduo deixa de ser identificado apenas com interesses,
econômico e materialmente definidos, passando a ser reconhecido como o centro de
aspirações e valores de ordem psicológica, afetiva e moral” (XAVIER, 2006, p. 113).
Pela despatrimonialização do Direito Civil, com prevalência do sujeito em relação ao
patrimônio, nas palavras de Paulo Nalin
30
(2001, p. 250); bem como através do surgimento do
indivíduo coletivo, considerando que a contratação massificada “adotou a técnica de
agrupamento dos indivíduos singulares em função dos interesses econômicos ou sociais que
lhe seja comum” de forma a surgir uma “individualidade plural” que é “formada por grupos
ou setores portadores de interesses homogêneos”, como destaca Xavier
31
(2006, p. 116-117).
Ocorre, também, a principialização do Direito Civil, como informa Francisco Amaral
Neto
32
(p. 53), superando-se o positivismo que imperava no Estado Liberal, de forma a criar
um sistema aberto; o abandono da neutralidade, com a conseqüente leitura interdisciplinar
comprometida com as aspirações sociais consagradas na Constituição; a fragmentação
legislativa do Direito Civil, com o surgimento dos denominados microssistemas; destaque
para o diálogo das fontes; o resgate do debate sobre direitos humanos e a influencia dos
direitos fundamentais nas relações privadas (XAVIER, 2006, p. 122-129).
Lorenzetti, na mesma linha aqui abordada, aponta as características que poderiam ter
“uma concepção latinoamericana do contrato” na atualidade:
En la actualidad se están explorando las características que podría tener una
“concepción” latinoamericana del contrato, entre las que pueden resaltarse las
siguientes:
30
O autor ressalta (2001, p. 250): “quando se faz referência à despatrimonialização do Direito Civil e
conseqüente despatrimonialização do contrato, tem-se em vista a renovação dos propósitos do contrato
contemporâneo, dentre o que se destaca atenção maior dispensada ao sujeito do que à produção e ao consumo,
sem que com isso se sustente a superação do conteúdo econômico do negócio, mesmo que, minimamente,
retratado. E nem poderia ser diferente, pois não se está a tratar do contrato à luz de uma economia planificada,
mas sim, em livre mercado, não obstante funcionalizado”.
31
O autor na sua tese de doutorado (2006, p. 119) alerta para o seguinte: “Entretanto, não se pode deixar ser
seduzido pelo canto da sereia da individualização pós-moderna. Trata-se, sem dúvida, de uma forma de
reorganização do modelo econômico capitalista que, na ânsia da preservação, migra para uma nova fase, armado
de estratégias diferenciadas. Não houve uma mudança do sistema econômico; continuamos sob as luzes do
modelo capitalista, [...] como observa Maria Severiano, essa nova personificação serve apenas para criar uma
intensificação ainda maior do consumo, agora atrelando a identidade do sujeito ao seu estilo de consumir”.
32
Sobre os princípios na lição do autor (2005, p. 70-71), estes podem ser: “[...] positivos, transpositivos e
suprapositivos. Ou ainda em princípios constitucionais e princípios institucionais, conforme pertençam à ordem
jurídica superior da Constituição Federal ou à legislação ordinária, servindo, neste caso, de orientação e
fundamento aos principais institutos de direito privado, especificamente, a personalidade, a família, a
propriedade, a obrigação e o contrato. Ou ainda em princípios normativos verdadeiros elementos de direito
positivo, e informativos. No direito brasileiro, são princípios constitucionais, superiores, que se projetam no
direito privado, os princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa. no campo das obrigações, são princípios institucionais, ou legislativos, os princípios da autonomia
privada, o da boa-fé e o da responsabilidade patrimonial. Em matéria contratual, destacam-se ainda os princípios
da liberdade de associação e o da função social do contrato. Nos direitos reais, o princípio da função social da
propriedade. No direito de família, o princípio da igualdade dos cônjuges e o princípio da igualdade dos filhos.
Os princípios informativos, não se incorporando aos institutos jurídicos, não valem como direito positivo
material, não representam direito efetivo, são para o legislador e não mais para o juiz, apenas critérios guias,
úteis para o desenvolvimento do direito. São princípios jurídicos informativos do Código Civil, os princípios da
socialidade, da eticidade e o da operabilidade ou concretude”.
La interrelación cada vez más estrecha entre contrato y constitución, que se advierte
en numerosos países del área, y que muestra el activismo en favor de la aplicación
de los derechos fundamentales en el sector de mercado.
Como consecuencia de ello se postula una viva presencia del principio del favor
debitoris, y de la persona como centro del ordenamiento.
La interface entre contrato y ambiente, que es un movimiento muy fuerte en varios
países del área, sobre todo en Brasil, que muestra notorios avances en cuanto a la
función ambiental del contrato.
La utilización de cláusulas generales como instrumento para mantener las
costumbres contractuales dentro de un marco de socialidad.
En enlace entre el mecanismo contractual y el acceso a la contratación de los
sectores excluidos del mercado, por razones económicas y culturales.
(LORENZETTI, 2004, p. 34).
Considerando que o contrato passa por um processo de despersonalização,
automatização, massificação não como compreendê-lo sob o manto da teoria clássica.
Atualmente, a análise da relação contratual deve ter em conta sua perspectiva civil
constitucional, de maneira a conjugar os interesses materiais e existenciais do indivíduo
contratante
33
.
Assim, essa nova realidade exige dos contratantes a observância não apenas dos
deveres contratuais principais, mas também a sua função social, a boa-fé, a equivalência
material, a solidariedade, a confiança e os deveres de informação.
Outro viés importante refere-se aos efeitos extra partes que o contrato ocasiona, pois
sociamente relevante e capaz de atingir a terceiros, como nas situações que não se observa na
contratação as normas de segurança, o respeito ao meio ambiente, às normas trabalhistas.
2.4 O Sinal da Pós-Modernidade nos Contratos
2.4.1 As cláusulas gerais
33
Pablo Frota (2008, p. 67) traz a lição de Guido Alpa (ALPA, Guido. Les nouvelles frontiéres du droit dês
contrats. In: Études offertes à Jacques Ghestin: Le contratau début du XXI siècle. Paris: L.G.D.J, 2001, p. 3), o
qual exemplifica aspectos da teoria contratual contemporânea: “a) importância conferida ao status do
contratante; b) relevo ao controle interno do conteúdo contratual, por meio da causa, da forma e do objeto; c)
procura do justo contratual com a valorização dos aspectos existenciais e o equilíbrio dos direitos e deveres dos
contratantes; d) utilização de cláusulas gerais para aferir o comportamento das partes nas fases do contrato; e)
adaptação dos pactos às situações supervenientes; f) conteúdo contratual advindo de experiências realizadas em
contratos internacionais; g) uso da mediação, da arbitragem e da conciliação para a solução das querelas
contratuais”.
Aproximadamente até 1830 era proibida a interpretação das normas legais na França
e em outros países, lembrando Arruda Alvim (2004, p. 61) que Robespierre, ícone da
Revolução , “propalava que os livros de jurisprudência haveriam de ser jogados fora”, e, por
sua vez, Montesquieu “circunscrevia o desempenho do juiz, apenas, a ser a boca da lei”.
Posteriormente, de 1830 a 1880 permitia-se exclusivamente a interpretação literal e, após,
passou-se a admitir a interpretação teleológica.
Mesmo com maior liberdade na interpretação das leis, o que efetivamente se
verificava era que o domínio da estruturação do Direito em codificações civis acabava por
retratar um modelo social anterior a sua vigência. Por ser produto histórico de uma sociedade
passada, não acompanha os avanços práticos das relações negociais, pois o mercado, com o
passar dos anos foi desenvolvendo tipos contratuais não previstos na legislação.
Nessa linha de raciocínio pondera António Menezes Cordeiro (2000, p. 412):
No tocante às diversas figuras contratuais previstas no Código, a passagem do tempo
deixou marcas importantes. Todavia, elas foram sendo ultrapassadas pela liberdade
contratual. O mercado foi desenvolvendo tipos contratuais não previstos na lei e foi,
ainda, associando múltiplas figuras contratuais, de modo a compor contratos mistos.
No domínio da formação do contrato, os esquemas pandectísticos também foram
dobrados pela prática. Isso sucedeu, porém, em moldes que o próprio sistema não
comportava, inicialmente.
Com razão o autor, pois efetivamente a autonomia da vontade aliada às novas
demandas faz surgir tipos diferenciados de contratos, os quais não estão previstos
expressamente pela norma civil, mas que, não perdem a sua validade e eficácia, uma vez que
as partes contratantes precisam solucionar seus pontuais problemas sem ter que esperar que o
legislador lhes diga como agir para tanto.
A importância das cláusulas gerais pode começar a ser compreendida, pois como
dito acima, elas acompanham e evitam as lacunas causadas no decorrer da evolução da
sociedade e de suas formas de negociação.
[...] ao lado da latitude crescente de reconhecimento de poderes ao juiz, a linguagem
passou a utilizar-se de conceitos abertos ou de cláusulas gerais, que, justamente por
serem tais e não conterem, deliberadamente, elementos definitórios mais
exaurientes, demandam ou exigem o preenchimento de espaços por obra da
atividade jurisdicional à luz da conjuntura e das circunstâncias presentes no
momento de aplicação da lei, tendo como eixo de gravidade o caso concreto”.
(ALVIM, 2004, p. 61).
Em relação ao novo Código Civil brasileiro, Gustavo Tepedino (1999, p. 9)
tece sua
análise crítica quanto ao fato de o projeto ser da década de 70 e por reproduzir a mesma
técnica legislativa do século passado
34
:
O Código projetado peca, a rigor, duplamente: do ponto de vista técnico,
desconhece as profundas alterações trazidas pela Carta de 1988, pela robusta
legislação especial e, sobretudo, pela rica jurisprudência consolidada na experiência
constitucional da última década. Demais disso, procurando ser neutro e abstrato em
sua dimensão axiológica, como ditava a cartilha das codificações dos Séculos
XVIII e XIX, reinstitui, purificada, a técnica regulamentar.
Por sua vez, Luiz Edson Fachin (2004, p. 18-19) aponta dez desafios possíveis ao
Direito Civil brasileiro contemporâneo ante a vigência do novo código, dentre os quais
destaca-se:
4º) Compreender que um Código Civil (e por isso, o “novo” digo Civil
Brasileiro) é uma operação ideológica e cultural que deve passar por uma
imprescindível releitura principiológica, reconstitucionalizando o conjunto das
regras que integre esse corpo de discurso normativo;
[...]
9º) Aprender que a “constitucionalização”, que retirou o Direito Civil tradicional de
uma sonolenta imobilidade, não se resume ao texto formal de 05 de outubro de
1988, mas passa pela dimensão substancial da Constituição e alcança uma visão
prospectiva dos princípios constitucionais implícitos e explícitos, num processo
contínuo e incessante de prestação de contas à realidade subjacente ao direito.
Os desafios também são lançados à área contratual, eis que a atualidade demonstra o
surgimento de um aumento extraordinário de negócios jurídicos de massas, instantâneos,
necessitando ser assim concretizados pela rapidez exigida pelo desenvolvimento econômico,
tecnológico e social.
Essa diversidade de esquemas negociais pode ser analisada em dois momentos: o
primeiro, quando a liberdade de estipulação é limitada ao aceite ou recusa da proposta,
inexistindo, portanto, discussões ou contrapropostas; o segundo momento se apresenta quando
a própria liberdade de contratação passa a ser meramente teórica, sem que haja um efetivo
pensar sobre uma possível relação jurídica e muito menos uma manifestação de vontade
35
.
34
Em sentido contrário, entendendo que o novo Código Civil contempla as cláusulas gerais, Judith Martins
Costa: O direito privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil
Brasileiro. (Artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 15, Porto Alegre,
UFRGS/Síntese, 1998, p. 129-154).
35
Para António Menezes Cordeiro, esse comportamento mecânico, sem um efetivo pensar, é denominado de
comportamento concludente. O autor cita como exemplo: “à pessoa que penetre no cais do metropolitano, aplica-
se, desde logo, o competente regime negocial: não cabe, em princípio indagar de qualquer vontade de celebrar o
correspondente contrato de transporte” (2000, p. 414). E por fim, conclui: “As pessoas podem pautar as suas
condutas por hábitos, por actuações instintivas, porventura mesmo pelo acaso, sem que o Direito as obrigue a
uma permanente vigilância jurídica” (2000, p. 415).
A realidade demonstra que as ofertas negociais são destinadas às pessoas
indeterminadas, as quais, se decidirem contratar deverão aderir aos termos pré-fixados e por
meio da adesão, não havendo, portanto negociação individual de maneira que o sujeito
interessado, apenas se manifestará pelo sim, ou pelo não. Se aceitar, recebe todos os termos
contratuais, não podendo modificá-lo. Se discordar de alguma cláusula, o único manifesto que
poderá fazer é não contratar.
Além da generalidade e da rigidez, pode-se destacar outras características referentes
à contratação atual, tais como a desigualdade entre as partes (superioridade econômica ou
científica em detrimento ao aderente); a complexidade representada pelas minúcias expressas
no contrato; e a natureza formularia caracterizada por constar em documentos escritos em que
o aderente limita-se a especificar sua identificação.
Apesar dos aspectos mencionados, António Menezes Cordeiro (2000, p. 418), pontua
a relevâncias das cláusulas pré-fixadas:
A manutenção efectiva de negociações pré-contratuais em todos os contratos iria
provocar um retrocesso na actividade jurídico-económica em geral. A quebra nos
mais diversos sectores de actividade seria inimaginável, pois a rapidez e a
normalização seriam postas em crise. Todos seriam prejudicados.
que se reconhecer que as cláusulas predefinidas são formas de enfrentamento das
necessidades da sociedade pós-moderna que exige rapidez nas relações negociais. Entretanto,
deve ser reconhecido que tais cláusulas potencializam o abuso por parte do ente mais forte
economicamente, não podendo o Direito desconhecer esses problemas que não estão previstos
na teoria geral do negócio jurídico.
Ao longo do século XX as questões atinentes às cláusulas gerais foram
desenvolvidas no Direito Continental, sendo que sua evolução pode ser visualizada em quatro
fases, conforme preleciona Menezes Cordeiro:
A primeira refere-se à aplicação das regras gerais às cláusulas gerais desconhecidas.
“Apelava-se para a boa-fé, os bons costumes, o erro, o dolo etc, contudo, a utilização dessas
regras aplicáveis às relações negociais comum, era injusta e inconveniente, pois equivale a
tratar de modo igual o que tem diferenças” (2000, p. 419).
Na segunda fase predomina a manifestação dos tribunais, buscando através da
jurisprudência soluções adequadas ao caso concreto.
Embora as decisões tivessem fundamento nos princípios gerais, reconheciam a
existência de regras autônomas. Assim, pela manifestação jurisprudencial foram
conquistadas a exclusão de cláusulas não-cognoscíveis e a invalidação de cláusulas
despropositadas. (CORDEIRO, 2000, p. 419).
A terceira, diz respeito a pequena referência legal, corresponde ao sistema italiano
que no artigo 1341 do Código Civil de 1942
36
, expressa a ineficácia das cláusulas que são
impossíveis de serem conhecidas pela parte aderente e que incentivam o conhecimento por
parte do aderente das cláusulas que possam lhe ser prejudiciais.
Por fim, a quarta fase abordada por António Menezes Cordeiro (2000, p. 421-422)
“refere-se ao regime legal completo, pelo qual a História demonstra que as questões referentes
às cláusulas gerais devem ser enfrentadas com um corpo adequado de regras”, materializando-
se nos diversos países através da tutela ao consumidor.
No Brasil o Código Civil de 1916 representou, conforme expressa Paulo Nalin
(2001, p. 77) a “espinha dorsal do sistema jurídico privado, trazendo um modelo absoluto de
contrato fortemente vinculado na manifestação dogmática da vontade dos contratantes”, pois
mesmo que uma cláusula disposta no contrato fosse abusiva, não seria invalidada, uma vez
que foi livremente contratada.
O novo Código Civil traz inovações que, embora não sejam renovadoras do
pensamento contratual contemporâneo, se comparado com a Constituição Federal de 1988 e o
Código de Defesa do Consumidor de 1990, são importantes, em especial no que se refere à
função social do contrato, a isonomia e à boa-fé a ser observada pelos contraentes antes,
durante e após a contratação.
O enfoque das cláusulas gerais como técnica legislativa é trazido por Judith Martins
Costa (2000, p. 1):
As cláusulas gerais constituem uma técnica legislativa característica da segunda
metade deste século, época na qual o modo de legislar casuisticamente, tão caro ao
movimento codificatório do século passado que queria a lei "clara, uniforme e
precisa", como na célebre dicção voltaireana foi radicalmente transformado, por
forma a assumir a lei características de concreção e individualidade que, até então,
eram peculiares aos negócios privados. Tem-se hoje não mais a lei como kanon
abstrato e geral de certas ações, mas como resposta a específicos e determinados
problemas da vida cotidiana.
36
“Embora a mais célebre cláusula geral, a da boa-fé objetiva, posta no parágrafo 242 do Código Civil Alemão
seja datada no século passado, esta técnica difundiu-se na codificação que vem sendo levada a efeito, nos vários
países da civil law, a partir do final dos anos 40. Esgotado o modelo oitocentista da plenitude ou totalidade da
previsão legislativa, em face da complexidade da tessitura das relações sociais, com todas as inovações de ordem
técnica e científicas que vêm mudando a face do mundo desde o após-guerra iniciou-se, em alguns países da
Europa, a" época das reformas nos Códigos Civis", Exemplificativamente a Itália, em 1942, Portugal, em 1966, a
Espanha, em 1976 e, mais recentemente, a Grécia”. (COSTA, 2000, p. 2, nota 13).
Para a autora os códigos civis mais recentes privilegiam a inclusão de normas que
fogem ao padrão tradicional, eis que buscam a formulação da hipótese legal mediante o
emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente vagos e abertos, os
chamados “conceitos jurídicos indeterminados”.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, destacando a importância dos
princípios da função social do contrato, da equivalência material e da boa-fé objetiva,
asseveram:
De fato, a grande contribuição da doutrina civil moderna foi trazer para a teoria
clássica do direito contratual determinados princípios e conceitos, que, posto não
possam ser considerados novos, estavam esquecidos pelos civilistas.
Como se pode notar, trata-se de cláusulas gerais ou conceitos abertos
(indeterminados) que, à luz do princípio da concretude, devem ser preenchidos pelo
juiz, no caso concreto, visando a tornar a relação negocial economicamente útil e
socialmente valiosa. (2005, p. 49)
Observa-se, que as cláusulas gerais por possuírem grande abertura semântica, não
pretendem trazer respostas prontas para os problemas da realidade, pois o que se espera é que
as soluções e interpretações sejam progressivamente construídas pela prática pontual de
solução dos conflitos que se apresentarem.
As cláusulas gerais ampliam as possibilidades e poderes do julgador para apreciação
do caso concreto. A superação do método lógico-dedutivo da subsunção permite ao
magistrado, além da invocação da disciplina normativa codificada, buscar, através do diálogo
das fontes, utilização de valores e padrões meta-jurídicos, um novo direito decorrente da
hermenêutica contemporânea definindo os parâmetros do que foi previsto de forma aberta
pela cláusula geral.
O Código Civil, na contemporaneidade, para Judith Martins Costa (2000, p. 1), “não
tem mais por paradigma a estrutura que, geometricamente desenhada como um modelo
fechado pelos iluministas, encontrou a mais completa tradução na codificação oitocentista”.
Assim, sua inspiração, mesmo do ponto de vista da técnica legislativa, vem da Constituição,
farta em modelos jurídicos abertos e sua linguagem, diferentemente dos códigos penais, “não
está cingida à rígida descrição de fattispecies cerradas, à técnica da casuística”. Finaliza a
autora:
Um Código não-totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes
que o ligam a outros corpos normativos mesmo os extra-jurídicos e avenidas, bem
trilhadas, que o vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais.
(COSTA, 2000, p. 1).
Efetivamente, o atual Código Civil em seu Título V, Capítulo I, traz as disposições
gerais sobre os contratos nos artigos 421 a 426, onde preceitua, além da função social do
contrato e da boa-fé, sobre os contratos de adesão
37
.
Em síntese, as cláusulas gerais o condições de possibilidades para a efetivação de
interpretação diferenciada pelo julgador na apreciação do caso concreto promovendo a ruptura
definitiva em relação à unicidade das codificações pretéritas.
Para se compreender a aplicação prática das cláusulas gerais é preciso,
primeiramente, que haja desvinculação do pensamento arraigado à cnica da subsunção, pois
efetivamente por serem naturalmente abertas as cláusulas gerais não vêm previstas em
numerus apertus aos casos que deverão ser aplicadas.
Por sua vez, as partes que firmaram um contrato e que por algum motivo tiveram que
se socorrer às vias judiciais devem ter a consciência que a boa-fé objetiva e a função social do
contrato são aplicadas no processo para ambas as partes, não bastando a simples invocação de
tais cláusulas gerais para terem o contrato revisto, ou cláusulas anuladas ou ainda, o sucesso
na execução do contrato
38
.
A aplicação dos princípios será o fundamento da decisão judicial quando a parte
durante a instrução do processo comprovar que efetivamente agiu de boa-fé, que o contrato
tornou-se excessivamente oneroso, que não detinha todas as informações necessárias, ou seja,
deve demonstrar que o motivo do descumprimento são razoáveis, o bastando, reitere-se, a
mera alegação de que o contrato era de adesão ou que não foi cumprida a função social do
contrato.
Segundo Judith Martins Costa (2008, p. 1), diferentemente das normas formadas
através da cnica da casuística, na qual o critério de valoração vem indicado com relativa
nitidez, a cláusula geral introduz no âmbito normativo um critério ulterior de relevância
jurídica, “à vista do qual o juiz seleciona certos fatos ou comportamentos para confrontá-los
com um determinado parâmetro e buscar, neste confronto, certas conseqüências jurídicas que
não estão predeterminadas”.
37
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a
interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a
direito resultante da natureza do negócio.
38
“Desta maneira, a relação contratual é observada como um "sistema interpessoal de coordenação", complexo,
direcionado à consecução de um fim, com deveres de prestação dos mais variados, via de regra previstos no
instrumento do contrato (primários e secundários) ou decorrentes de lei (no caso dos secundários), e ainda
integrada por deveres de conduta provenientes da necessária observância da cláusula geral da boa-fé, que neste
caso atingem ambos os sujeitos da relação contratual” (HENNEMANN, 2007).
Desta constatação conclui a autora que a incompletude das normas insertas em
cláusulas gerais significa que, “não possuindo uma fattispecie autônoma, carecem ser
progressivamente formadas pela jurisprudência, sob pena de restarem emudecidas e inúteis”.
Na prática se verifica cada vez mais decisões que embasadas na boa-fé objetiva são
favoráveis à revisão de contratos bancários, habitacionais e de fornecimento, a anulação de
cláusulas que estipulam a cobrança de juros capitalizados mensalmente e o provimento de
ações indenizatórias pelo descumprimento da proposta ofertada, como no caso de vendas ou
aluguel de imóveis.
Com a reiteração das mais diversas decisões e com a sua reafirmação no tempo, a
razão da decisão constante nos julgados especificará o sentido da cláusula geral e a dimensão
da sua normatividade. Nesse sentido, Judith Martins Costa (2008, p. 1) entende que “à
cláusula geral cabe o importantíssimo papel de atuar como o ponto de referência entre os
diversos casos levados à apreciação judicial, permitindo a formação de catálogo de
precedentes”.
Continua a autora (COSTA, 2008, p. 1):
Nesta perspectiva o juiz é, efetivamente, a boca da lei não porque reproduza, como
um ventríloquo, a fala do legislador, como gostaria a Escola da Exegese, mas porque
atribui a sua voz à dicção legislativa tornando-a, enfim e então, audível em todo o
seu múltiplo e variável alcance. [...]. Conquanto tenham estas cláusulas função
primeiramente individualizadora conduzindo ao direito do caso m,
secundariamente, função generalizadora, permitindo a formação de instituições
"para responder aos novos fatos, exercendo um controle corretivo do Direito
estrito". Assim, exemplificativamente, da cláusula geral da boa-fé são gerados os
institutos da supressio, da surrectio, e a própria doutrina da responsabilidade pré-
negocial, em seu perfil atual.
A eficácia das cláusulas gerais poderá ser percebida no processo de forma
abrangente, com a formação de uma jurisprudência em que a ratio decidendi possa ser
aplicada a outros casos, construindo um sistema aberto que acompanha os avanços sociais,
sem necessariamente ser preciso criar novas leis para situações diferentes que forem surgindo,
sendo que sua importância é, portanto, tornar o sistema sempre atual.
2.4.2 Análise do contrato sob a ótica principiológica
Na atualidade os princípios representam a base sólida para o desenvolvimento teórico
e jurisprudencial. Aos princípios da liberdade contratual, da obrigatoriedade e da relatividade
dos efeitos do contrato faz-se uma nova interpretação agregando os princípios da ordem
contratual vigente tais como a boa-fé objetiva, função social do contrato e a eqüidade.
As transformações ocorridas refletiram no contrato, exigindo o redimensionado do
instituto, que, segundo Roberto Senise Lisboa (2000, p. 76) “se revela como categoria jurídica
com novos princípios e contornos”.
Doutrina e a jurisprudência consolidam a normatividade dos princípios com ênfase
especial, no âmbito contratual, para os princípios da dignidade da pessoa, da solidariedade, da
função social e boa-fé objetiva, sendo-lhes conferida “eficácia imediata nas relações de direito
civil”, conforme assevera Gustavo Tepedino (1999, p. 12).
Como se verificou o contrato acompanhou as transformações decorrentes do
desenvolvimento econômico, ideológico, político e tecnológico de todo o mundo, não se
podendo mais concebê-lo nas matizes liberais de outrora.
Realmente a crise é de rejuvenescimento, pois no mundo globalizado as contratações
não possuem limites territoriais e as inovações tecnológicas facilitam a forma da contratação
através da internet, por máquinas, telefones, catálogos etc. Outro fator a ser considerado o
as contratações compulsórias e instantâneas que se avolumam na sociedade atual, uma vez
que muitos produtos ou serviços somente são prestados pelo Estado de forma direta ou por
meio de concessionárias de serviços públicos, tais como energia elétrica, água, transporte.
Se fosse necessário falar em crise, o mais apropriado seria falar na crise da
autonomia da vontade, pois já não se pode mais decidir com quem contratar, o quanto
contratar ou a forma de pagar o que se contrata. Poder-se-ia afirmar com convicção que o
contrato não se encontra em crise, ao contrário, está no auge, como meio absoluto de
circulação de bens, riquezas e serviços e, mais ainda, como um direito creditório.
É nesse espaço de limitação da autonomia da vontade que se faz sentir a força e a
importância dos princípios a serem aplicados para as relações negociais, uma vez que a
trajetória evolutiva do contrato, ampara a análise referente às modificações mais significativas
em relação aos pactos, influenciados pelos movimentos da descodificação, limites impostos a
autonomia privada, abertura sistêmica, metodologia dos princípios e cláusulas gerais.
Do conjunto transformador emerge a nova feição do contrato, redefinido pela própria
complexidade das relações sociais de massa, competente e suficiente para enfrentar a
expansão econômica e as mais variadas intermitências decorrentes da faticidade negocial.
Assim, os princípios contratuais, muito mais do que representar limitações à liberdade de
contratar, se tornam o sustentáculo da contratação em nossa era, mantendo firmes os eixos
que norteiam as relações negociais.
Observe-se que a obtenção do crédito, a manutenção do crédito, o cadastro idôneo,
indispensável para as compras a prazo, tão usual nesta quadratura negocial, revelam a
necessidade da manutenção do status do bom contratante. O novo perfil das partes
contratantes, quer no contrato individual, quer nos contratos coletivos e de massa, exige como
parte integrante do negócio a idoneidade das partes e do próprio negócio. A fidedignidade e a
boa-fé das práticas comerciais foram transportadas e absorvidas pelo ambiente contratual.
Pondere-se, ainda, que diante dos princípios e das cláusulas gerais
39
, ao julgador, no
momento de decidir o conflito negocial, caberá sopesar os efeitos e reflexos do contrato em
relação à sociedade, ao meio ambiente, às relações de trabalhos e outros. A invocação das
cláusulas gerais, em circunstâncias tais, reveste-se de funcionalidade própria das
“metanormas”, como denominadas por Judith Martins Costa (1999, p. 299):
Na verdade, por nada regulamentarem de modo complexo e exaustivo, atuam
tecnicamente como metanormas, cujo objetivo é o de enviar o juiz para critérios
aplicativos determináveis ou em outros espaços do sistema ou através de variáveis
tipologias sociais, dos usos e costumes. Não se trata é importante marcar desde
logo esse ponto de apelo à discricionariedade: as cláusulas gerais não contêm
delegação de discricionariedade, pois remetem para valorações objetivamente
válidas na ambiência social.
As reflexões apontam para a importância do papel hermenêutico, desenhado a partir
da relevância desempenhada pelas cláusulas gerais no âmbito do processo negocial.
Descabem reflexões insustentáveis acerca da adoção das cláusulas gerais por serem conceitos
abertos, capazes de gerarem insegurança jurídica de par com o poder discricionário do
julgador. Trata-se, em verdade, de processo construtivo em constante atividade e renovação
jurisprudencial, acrescidos da contribuição doutrinária qualificada, ampliando as
possibilidades da nova interpretação.
Por derradeiro, o resgate dos princípios contratuais, incluídas nesta dimensão das
cláusulas gerais, harmonizam e vinculam as diretrizes fundamentais do Direito Civil ao texto
constitucional
40
.
39
Nessa linha de entendimento manifestam-se Pablo Stolze e Roberto Pamplona Filho (2005, p. 50): “[...]
entendemos que a boa-fé objetiva e a função social do contrato traduzem-se como cláusulas gerais (de dicção
normativa indeterminada) sem prejuízo de podermos também admitir a sua força principiológica, que já
encontrava assento na própria Constituição Federal”.
40
Importante obra a respeito do tema é “Direitos Fundamentais e Direito Privado”, de Claus-Wilhelm Canaris
com tradução para o português feita em parceria pelos juristas Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto, da
Editora Almedina.
Como bem destaca Leila Ritt (2008, p. 8-9), “a valorização de princípios como o da
dignidade da pessoa humana - que recebeu, inclusive, tutela constitucional, da igualdade (real)
entre os sujeitos, da boa-objetiva, por meio da intervenção estatal”, foi fundamental para o
desaparecimento da separação existente entre o Direito público e o privado, reconhecendo-se,
pois que “ambos institutos visam a efetivação dos princípios constitucionais, notadamente a
pessoa humana dotada de dignidade e de necessidades recebe destaque no vértice do
ordenamento jurídico”.
Os princípios constitucionais e as cláusulas gerais, conforme a própria natureza
jurídica, possuem aplicabilidade assegurada independentemente da origem da relação
negocial, sejam elas de direito público ou de direito privado. Para Paulo Nalin (2001, p. 124)
a situação das relações negociais sensibiliza o julgador sobre a possibilidade de o julgador
interpretar o contrato “não exclusivamente à luz do império do dogma da vontade”, mas
“fazer a leitura constitucional do Direito Civil”
41
.
Esta nova realidade contratual se distancia do individualismo e da grande valoração
patrimonial que marcava o Código civil de 1916 e que ainda se encontra presente no
atual Código Civil, buscando adequar os contratos atuais aos princípios e direitos
fundamentais previstos na Constituição Federal. É através desta nova visão dos
contratos que se busca estabelecer o conceito de contrato s-moderno. Contrato
este que deve ser funcionalizado e permeado pela ótica solidarista da Carta Magna.
(ZINN, 2004, p. 88)
Nesse sentido, os princípios aplicáveis aos contratos terão uma nova dimensão, eis
que serão norteados pelas diretrizes constitucionais que primam pela dignidade da pessoa
humana, pela função social do contrato e pela boa-fé objetiva.
Na atualidade, interessante perceber a relevância do princípio da relatividade, o qual
originariamente representava a regra geral de que o contrato somente afetava aos partícipes do
negócio jurídico realizado, pois, agora, se verifica que um contrato padronizado que contenha
alguma cláusula abusiva constitui em violação desfavorável que atinge toda a coletividade de
pessoas que aderiram ao instrumento negocial.
41
“Num primeiro momento, cabe mencionar que, apesar de serem tratados como sinônimos, os conceitos de
constitucionalização do Direito privado e de publicização do Direito Civil não são sinônimos. A segunda
expressão é o processo de intervenção estatal, caracterizada também pelo dirigismo contratual, principalmente no
âmbito do Poder Legislativo, limitando a autonomia privada, a fim de proteger a parte hipossuficiente da relação,
enquanto que a constitucionalização do Direito Civil é mais do que um critério hermenêutico, pois constitui-se
na etapa mais importante do processo de transformação ou de mudanças de paradigmas do Estado Liberal para o
Estado Social”. (LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Disponível em:
<http://www.jus.com.br. 2000>. Acesso em: 17 out. 2005, apud RITT, 2008, p. 9).
Para Roberto Senise Lisboa (2006, p. 465) as cláusulas abusivas atingem “todas as
pessoas que são expostas a esse tipo de oferta ou publicidade para contratação (interesse
difuso, nos moldes do art. 29, Lei 8.078/1990)”.
Por outro lado, o contrato descumprido afeta a coletividade com a elevação de preços
dos produtos e serviços, com a alta dos juros bancários, com as exigências cada vez maiores
de garantias contratuais, com o aumento de demandas judiciais e por fim, contribui para a
sensação coletiva de insegurança
42
.
Com efeito, os contratos firmados, de modo geral, interessam à sociedade. Para
Rosenvald (2008, p. 409) “é inconcebível crer que, no momento atual, se possam plagiar os
oitocentistas, alegando que a relação contratual é res inter alios acta (ou seja, que apenas
concerne às partes, e não terceiros)”, havendo a “necessidade de oponibilidade externa dos
contratos em desfavor dos interesses dos contratantes”.
Os contratos firmados podem satisfazer os interesses dos contratantes e ao mesmo
tempo ofender os direitos da coletividade como nas situações de relações negociais que
culminem com a agressão ao meio ambiente, à saúde e segurança, ou até mesmo outros
contratos, como no caso de inibição da livre concorrência.
Em suma, a sociedade não poder se portar de modo a ignorar a existência de
contratos firmados. Isso explica uma tendência de prestigiar a oponibilidade do erga
omnes das relações contratuais, com a imposição de um dever genérico de abstenção
por parte de terceiros da prática de relações contratuais que possam afetar a
segurança e a certeza dos contratos estabelecidos. Aliás, nesse mesmo sentido existe
a regra do art. 608 do Código Civil (ROSENVALD, 2008, p. 410).
Oportuna é a menção ao art. 608 do CC, o qual preceitua que: “Aquele que aliciar
pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância
que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos”.
Observe-se que o sistema jurídico coíbe a atuação de terceiros para violar uma reação
contratual que está sendo implementada, pois agride o ordenamento jurídico a conduta
daquele que, conhecendo a existência de uma prestação de serviço em curso, influencia o
prestador com outra proposta, objetivando que a relação negocial anterior não se conclua.
Rosenvald (2008, p. 569-570) fala na oponibilidade erga omnes do contrato:
42
Não é demais lembrar a crise ocorrida nos Estados Unidos Americana causada pela inadimplência em massa
dos contratos de financiamento imobiliários que refletiu negativamente em vários setores da economia americana
e por fim atingiu as economias de outros países. “Os bons e os maus contratos repercutem socialmente. Ambos
os gêneros produzem efeito cascata sobre toda a economia. Os bons contratos promovem a confiança nas
relações sociais. Já os contratos inquinados por cláusulas abusivas resultam em desprestígio aos fundamentos da
boa-fé e quebra da solidariedade social” (ROSENVALD, 2008, p. 409).
As relação contratuais produzem obrigações restritas às partes princípio da
relatividade contratual -, mas geram oponibilidade erga omnes, pois a sociedade
deve se comportar de modo a respeitar as relações jurídicas em curso, permitindo
que alcancem a seu desiderato pela via adequada do adimplemento. Nesse instante,
os contratantes retomam a sua liberdade e estão aptos a contrair novos negócios
jurídicos, preservando o clima de estabilidade nas relações econômicas e
propiciando uma confiança generalizada no cumprimento dos contratos.
O contrato continua a interessar e surtir efeitos entre as partes, apenas, amplia-se sua
visão para se reconhecer que, firmado o contrato, a coletividade precisa respeitar e não
interferir nessa avença de forma a prejudicar seu cumprimento. Por outro lado, os contratantes
precisam estar conscientes que a relação contratual por eles firmadas não pode prejudicar
terceiros.
Destaca-se que, do princípio da boa-fé objetiva e justiça contratual, derivam os
princípios da transparência, confiança e eqüidade para concretizarem o objetivo constitucional
de “um contrato solidário e socialmente justo” (NALIN, 2001, p. 137). Para o autor a vontade
não é mais o fator preponderante do contrato, pois, agora, este espaço é da boa-fé contratual:
Ou seja, quanto maior for a equivalência de forças na relação, maior também será a
autonomia para contratar, por outro lado, quanto maior o distanciamento sócio-
econômico entre as partes, mais arraigado será o preenchimento da boa-fé no
espaço do contrato, servindo ela de termômetro da legalidade das obrigações
assumidas e parâmetro para se dosar a auto-responsabilidade do contratante mais
forte. Nesse balanço do mercado entra o julgador para, histórica e contextualmente,
preencher a cláusula geral da boa-fé, medindo as forças dos contratantes e
peculiaridades do negócio (2001, p. 138).
A justiça contratual que se objetiva é a comutativa, de forma que cada contratante
receba de forma equivalente o que entregou, afastando a abusividade de cláusulas contratuais,
permitindo a revisão da avença visando manter o equilíbrio da contratação.
É nesse contexto de comutatividade contratual que o princípio da eqüidade, como
fundamento da justiça contratual, deve permear o contrato, não sendo apenas um instrumento
de supressão das lacunas da lei, pois o juiz deverá utilizar seu senso de eqüidade “quando a
lei, aplicada rigorosamente, em conformidade com a regra de justiça, ou quando o precedente,
seguindo à lei, conduzem a conseqüências iníquas” (PERELMAN, 1996, p. 163).
Ainda, decorre do princípio da boa-fé objetiva a transparência, representada no dever
de informação entre as partes da relação negocial. Na observância do princípio da
transparência, as partes, sobretudo aquela que detém o poder econômico e que predispõe as
cláusulas do contrato, deverão agir com lealdade, eliminando-se a linguagem que não seja
clara, consagrando a confiança na relação negocial. Sobre a transparência e seu
desdobramento, destaca Paulo Nalin (2001, p. 147):
E a confiança contratual nunca se fez tão importante, uma vez que cresce o
desestímulo à leitura do instrumento previamente redigido, em face da incapacidade
do aderente em alterá-lo, pois inexistente o poder de negociação. Do que adianta
ler, se não posso modificá-lo? Assino-o e consumo o bem da vida! A confiança
negocial há de ser garantida pelo respeito ao princípio da transparência.
A informação, fator importante, não basta simplesmente constar do contrato, deve ser
apresentada de forma clara e objetiva, possibilitando aos contratantes entender os termos, o
objeto, as condições e os efeitos do que vai contratar. A importância da confiança, da
transparência e da informação, avulta em significado frente à padronização dos contratos,
considerando a supressão do iter-negocial e a predisposição de cláusulas, inviabilizando a
discussão do conteúdo do negócio jurídico, restando ao aderente a possibilidade de aceitar
todas as disposições ou não contratar.
A despeito dos contratos de massa padronizados, cabe ressaltar, que a autonomia da
vontade passou por várias fases de redefinição, restando limitada pelo interesse público, pela
dignidade da pessoa (contratante), pela função social do contrato e pela boa-fé objetiva.
“Como fato social, o negócio jurídico é instrumento fundamental de distribuição e de riqueza.
Isto significa que o fundamento básico da vinculatividade não está na autonomia da vontade,
mas no princípio de tutela da boa-fé”. (NORONHA, 1994, p. 82).
O princípio da igualdade ganha novos contornos, pois a igualdade contratual no
modelo clássico é eminentemente formal, havendo apenas um equilíbrio abstrato entre os
contraentes. Assim, ante a real desigualdade econômica e social existente entre as partes,
torna-se imperativo reconhecer que uma parte na relação negocial é mais forte que a outra, eis
que detém as informações e o poder econômico. Diante desse quadro de efetiva desigualdade,
agora reconhecida, efetiva-se a proteção do hipossuficiente (SENISE, 2000, p. 85).
O princípio da obrigatoriedade, arraigado à força obrigatória dos contratos, no
sentido de que faz lei entre as partes (pacta sunt servanda), apregoava sua intangibilidade,
uma vez que não se podia alterar unilateralmente o seu conteúdo e o Poder Judiciário não
podia intervir em suas cláusulas. Não há como conceber tal princípio senão analisando-o à luz
da justiça contratual, uma vez que as cláusulas abusivas podem e devem ser declaradas nulas,
assim como ante o desequilíbrio das prestações, o contrato pode ser reajustado
43
.
43
Menciona NALIN, citando GHESTIN: “só o contrato justo obriga” (GHESTHIN, apud NALIN, 2001, p. 144).
Assim, para atender o crescimento expressivo das demandas com implicações na
esfera contratual, impõem-se o respeito à dignidade da pessoa contratante. O comando
constitucional para a Ordem Econômica designa o contratante com pontualidade objetiva.
A previsão constitucional do artigo 170 da Magna Carta é, inegavelmente, núcleo de
revalorização do sujeito, aquele mesmo espectador dos fins práticos. A ordem
econômica constitucional torna assentar a dignidade humana do sujeito para então,
recolocá-lo nos diversos lugares que realmente ocupa em sociedade. Assim, o
primeiro sujeito nomeado pela ordem, é o trabalhador, seguido do empresário,
aquele da livre iniciativa, quiçá o empregador. A esses sujeitos a promessa de
segurança e esperança do trabalho humano digno e da liberdade equilibrada. Na
indicação do cardápio principiológico do artigo 170, e incisos, o sujeito é eleito, sem
dúvida, o titular dos ditames da justiça social; define-se como cidadão no âmbito da
soberania nacional, seguido do sujeito-proprietário da propriedade privada e
funcionalizada. Por fim, o sujeito-consumidor, de bens, serviços, valores, princípios
e justiça social. Não no ordenamento jurídico pátrio similar contemplação do
sujeito, contextualizado vezes tantas, como sujeito de titularidades, como defende
Luiz Edson Fachin. (FERREIRA e MAZETO, 2005, p. 86)
Cabe ponderar, que no descumprimento do contrato, na apreciação do caso concreto,
o juízo de valor do magistrado que efetivamente aprecia e julga necessariamente as cláusulas
gerais e os princípios constitucionais são ancoras hermenêuticas, indispensáveis para a
solução dos conflitos contextualizados pelos padrões da complexidade das relações negociais.
O Contrato, como visto, se apresenta em uma nova realidade, diferenciado pela
formas modernas de contratação, nas quais a tradicional concepção de manifestação de
vontade não se enquadra, pela força econômica de um dos contratantes que impõe o conteúdo
das cláusulas no instrumento contratual, pela contratação em massa e pelo aumento
exacerbado do consumo.
Diante de tamanhas modificações o Direito Civil se abre para receber as influencias
dos microssistemas, dos princípios e das cláusulas gerais, na tentativa de equilibrar as forças,
pois agora, se está ciente que a festejada igualdade do período liberal era apenas formal. Na
busca de uma igualdade efetiva no campo contratual a força principiológica traz não apenas
novas formas de interpretação, mas efetivas diretrizes comportamentais das partes, de maneira
a ser o indivíduo o centro, o motivo da contratação e por isso, mesmo, a ação de cada
contratante ser pautada na boa-fé.
Espera-se, assim, que o contrato, este instituto que sobrevive às eras como forma
inconteste de circulação de riquezas e de expansão econômica possa ser compreendido como
forma de desenvolvimento social, exista em função do homem e não do mercado
44
.
44
No mesmo sentido expressa Mattietto: “[...] embora o mercado pretenda impor as suas escolhas ao legislador e
ao juiz, a aceitação do mercado como princípio diretivo da ordem jurídica é uma idéia inadmissível. Não o
Enfocando a importância da relação negocial no homem, o processo passa a ser
instrumento de realizações em prol do homem e própria coletividade e como conseqüência,
advirá à circulação da riqueza e o desenvolvimento econômico.
3 INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
A sociedade atual é eminentemente consumista e tal fato é compreendido pelos
filósofos
45
como característica da cultura pós-moderna. Com efeito, cada vez os meios de
produção se aprimoram em compasso com a tecnologia de ponta, lançando todos os dias
produtos novos e mais sofisticados no mercado.
Vive-se na era da informação e as grandes corporações e empresas não ficam alheias
a isso, investindo cada vez mais recursos na indústria da informação que por meios atrativos,
seja por mídia impressa ou digital busca difundir o ideal de felicidade baseado no ter, no
consumir.
Embora possa se pensar que o poder aquisitivo da população global não comporte o
consumo que o mercado espera e pretenda alcançar, é preciso ter consciência que o sistema
mercado, mas a pessoa é o valor de vértice do sistema jurídico. Como expressão de uma lógica econômica e
patrimonial, o mercado deve ficar em posição subordinada e funcionalizada ao respeito pela dignidade da pessoa
humana e pelas situações não-patrimoniais (Constituição de 1988, art. 1º, III)”.
45
Tais como Frederic Jameson, David Harvey, Mike Featherstone, Laslie Sklair, Zygmunt Bauman e Jean
Baudrillard.
está preparado para oferecer produtos e serviços para todas as classes. Há o produto ou
serviço ideal para os que possuem muito, pouco e dinheiro algum, pois, na ausência de
recursos, há o mercado das instituições financeiras preparado para a concessão de crédito.
Atento a essa realidade, Siqueira (2009, p.1), destaca em sua tese de doutorado:
No contexto pós-moderno, a pluralidade de consumidores é considerada através de
um processo governado pelo jogo da imagem, do estilo, do desejo e dos signos e
distribui-lhes estilos de vida de acordo com os critérios de mercado. De acordo com
Anthony Giddens, é essa mercantilização do consumo o fenômeno essencialmente
novo; participa diretamente dos processos da contínua reformulação das condições
da vida cotidiana; é geradora da chamada "experiência mercantilizada" da vida e
estimula o crescimento econômico ao estabelecer padrões regulares de consumo
promovidos pela propaganda e outros métodos; também força as pessoas a lidarem
com a descartabilidade, com a novidade e as perspectivas de obsolescência
instantânea.
Realmente, o que se compra hoje, amanhã já está ultrapassado. A concepção de “bem
durável” também é modificada pelo mercado, pois o ideal é que o consumo seja instantâneo,
que nada dure, para que o ciclo de consumo não acabe
46
.
O direito contratual acompanhou essas transformações tornando-se de fácil acesso,
daí o surgimento das contratações em massa, por adesão, por máquinas, por amostras, por
catálogos, por telefone, pela televisão e, mais recente, pela internet, de forma a eliminar as
fronteiras.
Contrato e consumo estão interligados. Quem contrata, possui, está inserido no
sistema. E sob esse prisma o contrato, mais do que um instrumento de circulação e riqueza e
de desenvolvimento econômico, é considerado um instrumento e (des)inclusão social.
É nesse cenário de pleno consumo e contratação que o inadimplemento surge,
trazendo conseqüências para o mundo jurídico. Assim, no presente capítulo será estudado o
fenômeno da inadimplência e seus reflexos para o contrato.
3.1 O Inadimplemento e a Mora Contratual: Diferenciação
46
Como conseqüência da velocidade do tempo de vida dos produtos/serviços e, logo do consumo, temos a
volatilidade e efemeridade de modas, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e valores; e no campo
específico das mercadorias, a ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade e da descartabilidade. Ao contrário
da “economia da permanência na modernidade, temos agora a configuração de uma “economia da
transitoriedade” que parte do princípio de que é economicamente racional construir objetos baratos, que não
podem ser consertados e que sejam descartáveis, ainda que eles possam durar menos. Este é um princípio
impulsionador do consumo, que leva os indivíduos a uma ligação por períodos muito curtos com uma sucessão
de objetos, os quais, em uma estratégia de lucro, vão se tornando obsoletos (SIQUEIRA, 2009, p. 1).
No plano contratual a regra é o cumprimento da obrigação de forma voluntária pelas
partes, sendo que, embora o número de litígio apresentado ao Poder Judiciário seja
expressivo, trata-se, de minoria das relações negociais firmadas
47
.
O adimplemento das obrigações representa confiança entre as partes da relação
negocial e segurança para o mundo jurídico, pois influencia na concessão de crédito, na venda
parcelada de produtos e na análise de risco que está diretamente ligada às taxas de juros
cobradas pelas instituições financeiras.
É preciso lembrar que na relação contratual existem, além da obrigação principal que
compõe o núcleo do negócio firmado, as acessórias que complementam ou garantem a
principal e, ainda os deveres de conduta provenientes da boa-fé, tais como o dever de
cooperação, auxílio e informação.
A ausência de cumprimento da obrigação ou das circunstâncias que valoram o
cumprimento (tempo, lugar e forma convencionados) provoca o fenômeno do inadimplemento
que “traduz uma lamentável frustração, justificando a enérgica e - principalmente justa
corrigenda resolutiva” (ASSIS, 1999, p. 89).
O descumprimento do contrato em um primeiro plano representa prejuízo para a
parte credora, pois deixa de receber a prestação acordada e as vantagens dela advindas. Para a
coletividade representa a não circulação de riquezas, o aumento do risco de crédito, e, por fim,
o aumento das demandas judiciais.
Considerando a causa do inadimplemento, esta pode ser dividida em imputável ao
devedor ou não imputável ao devedor, por sua vez, considerando os efeitos, o inadimplemento
pode ser absoluto (total ou parcial) ou relativo, segundo classificação de Mário Júlio de
Almeida Costa seguida por Araken de Assis (1999, p. 91).
Haverá inadimplemento absoluto quando a prestação descumprida não puder mais
ser cumprida, de forma definitiva e insanável. Ocorre uma falta atribuível ao devedor que é
irrecuperável, atingindo todo o objeto da prestação debitória que é atingido de forma
permanente. Porém, nem sempre toda a prestação se torna irrecuperável, pois é possível que
ela possua vários objetos e somente alguns não possam ser cumpridos, ocasionando o
47
Como bem ressalta Araken de Assis (1999, p. 87) “eventualmente verdadeiro o inverso, a ordem jurídica se
encontraria derruída, e perdida a condição de instrumento da convivência humana.
inadimplemento absoluto, mas parcial, uma vez que, em parte o contratante adimpliu com a
obrigação
48
.
Fortunato Azulay (1977, p. 32, nota 17) transcreve o entendimento da jurisprudência
em 1975 referente à distinção entre mora e inadimplemento:
Inadimplemento absoluto e mora, também chamada inadimplemento relativo, são
conceitos inconfundíveis. Dá-se o primeiro quando a obrigação não é cumprida no
prazo e nem mais pode ser cumprida por impossibilidade imputável ao devedor ou
por imprestabilidade da prestação ao credor. E a mora ocorre quando, embora a
obrigação não tenha sido cumprida no lugar, tempo e forma convencionados, nada
obstante isto, subsiste ainda a possibilidade do cumprimento. A nota característica
da mora, portanto, é a possibilidade de ser ainda cumprida a obrigação. E a
possibilidade resulta da circunstancia de ser útil ao credor a prestação, apesar do
retardo. (Ac. do T-ESP de 14/07/1975 – Ap. Cível 17.479 – ADCOAS 43.009).
A diferenciação persiste nos dias atuais e é relevante. Nesse sentido, adverte Araken
de Assis sobre a importância de se empregar a terminologia correta, eis que a mora representa
um retardamento purgável porque existe o interesse por parte do credor de que a obrigação
seja cumprida. A mora significa inadimplemento relativo. Portanto, é incorreto utilizar a
palavra mora “à prestação inútil, e atraso ou retardamento ao cumprimento tardio, porém
ainda interessante ao parceiro” (1999, p. 104), ou ainda em outra passagem da mesma obra: “a
mora constitui retardamento transitório e superável, transformado em definitivo pela
inutilidade da prestação tardia” (p. 93).
A diferença dos conceitos também é importante para o objeto de estudo do presente
trabalho, pois será analisada a possibilidade de o contrato que esteja em mora poder ou não
ser revisto e ter o retorno de sua normalidade.
O contrato inadimplente implica em inutilidade das prestações e, por conseqüência,
seu fim, com a cobrança dos valores devidos cumulada ou não com o pedido de
responsabilização civil. Deve ser destacado que a resolução contratual é o caminho oposto à
conservação do contrato que será abordada no quarto capítulo do presente estudo.
Quando ocorrer a mora, ou o denominado inadimplemento relativo (situação em que
a obrigação não foi cumprida no tempo, lugar e forma devidos, porém poderá sê-lo, com
48
Araken de Assis (1999, p. 92) como exemplo: “a sociedade “X” se obrigou a entregar a “Y” doze centrais
telefônicas e cento e vinte aparelhos, deixando, todavia, de fabricar os últimos por imprevisão das dificuldades
técnicas ou pelo fracasso da tecnologia empregada”.
proveito para o credor), sendo útil a prestação, mesmo que tardia, não haverá direito à
resolução do contrato
49
(ASSIS, 1999, p. 110).
Apóia esse entendimento Mário Júlio de Almeida Costa (1984, p. 740), uma vez que
“a pura mora solvendi não extingue a obrigação, continuando o devedor adstrito a satisfazer a
prestação respectiva”. Dessa forma, “nem o credor pode resolver o contrato que esteja na base
da obrigação, enquanto o atraso do devedor não se equipare a não cumprimento definitivo”.
Igualmente Ruy Rosado Aguiar Júnior (1991, p. 95) para quem o “requisito da
resolução é o incumprimento definitivo”, com a respectiva destruição do interesse do credor.
Portanto, se for proposta ação de resolução do contrato, para que haja seu provimento, será
necessária a caracterização de perda do interesse, pois, se assim não entender o julgador, a
ação será julgada improcedente e o contrato mantido.
Importante consignar que o devedor pode cumprir com a obrigação mesmo após a
propositura da demanda, não significando que receberá o efeito liberatório, mas se o autor
aceitar o cumprimento tardio, o processo certamente deverá ser extinto, persistindo, contudo o
direito do credor em perdas e danos. De outra forma, se o cumprimento for recusado, poderá
ser feito depósito em juízo e a sentença irá dispor sobre sua destinação ao analisar sobre sua
utilidade. Se a ação resolutória for julgada improcedente, por falta de comprovação de
incumprimento definitivo, o depósito valerá como pagamento total ou parcial. Por sua vez se
ação for julgada procedente o depósito não terá eficácia.
Considerando o disposto no artigo 462
50
do Código de Processo Civil, lembra Ruy
Rosado Aguiar Júnior (1999, p. 122) que “o pressuposto da resolução deve estar presente até a
sentença; se o incumprimento definitivo ainda não existe, o devedor pode prestar a qualquer
tempo”; e se houver incumprimento definitivo, “a posterior prestação feita pelo devedor, antes
ou depois da ação, com a recusa do credor, não tem eficácia, e a resolução é decretada com os
efeitos dela decorrentes”, ou seja, “reposição da situação anterior, com perdas e danos ao
credor, se a ele imputável o incumprimento”.
49
Araken de Assis (1999, p. 111) nos chama a atenção para o posicionamento contrário: na Itália Francesco
Macione. Risoluzione del contrato e imputabilitá dell’inadempimento. Nápoles: Scientifiche, 1988, p. 47, e,
no Brasil Pontes de Miranda, para quem “nos contratos bilaterais, o credor, lesado pelo inadimplemento, pode
pedir a resolução. Tal direito, acompanhado de pretensão e ação, não depende, no direito brasileiro, de ter
cessado o interesse do credor na prestação”. (Tratado de Direito Privado, v. 23, § 2.809, p. 196).
50
Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no
momento de proferir a sentença.
Fala-se, portanto em resolução
51
do contrato sempre que for dissolvido ou resolvido
pela inexecução por parte de um dos contraentes, sendo irrelevante que tenha ocorrido ou não
culpa do devedor, pois, “isto apenas irá determinar sua responsabilidade ou não de cumprir
especificamente a obrigação ou incorrer em perdas e danos”, ou ainda, de se eximir dessa
responsabilidade “pelas justificativas do caso fortuito e força maior” (AZULAY, 1977, p. 42).
Aqui, que se ressaltar que nem sempre é o devedor quem causa ao
incumprimento do contrato, pois situações em que a mora é ocasionada pelo credor ou,
situações, ainda, de caso fortuito ou força maior.
De outra sorte, a nova realidade contratual reclama dos contratantes não somente o
cumprimento da obrigação principal, mas também o dever secundário de conduta pautada na
boa-fé, inserido o dever de informação, de cooperação e de minimização dos prejuízos
quando ocorrer alguma anomalia que prejudique o normal desfecho do contrato.
3.2 Impossibilidade no Cumprimento da Obrigação
A questão referente à impossibilidade de cumprimento da obrigação assumida no
instrumento de contrato por uma das partes tem implicação direta com o provimento
jurisdicional a ser postulado pelo credor, em especial aquele disposto no art. 461 do CPC.
Antes, contudo de trazer o aspecto processual da impossibilidade de cumprimento do
contrato, cumpre verificar a sua caracterização pelo direito material.
Na lição de Clovis Veríssimo do Couto e Silva (1976, p. 121) a impossibilidade das
obrigações comporta duas divisões, uma de impossibilidade antes e no momento da realização
do negócio jurídico e outra, posterior à sua feitura, chamada de superveniente, sendo que as
duas podem ser absolutas ou relativas.
Pode-se afirmar que “há impossibilidade quando existe obstáculo invencível ao
cumprimento da obrigação, seja de ordem natural ou jurídica”, sendo que o regime jurídico
brasileiro não dá tratamento diferenciado para impossibilidade originária ou superveniente,
absoluta ou relativa, total ou parcial, devendo ser considerada como impossibilidade definitiva
51
Para Fortunato Azulay (1977, p. 40) o termo rescisão, usualmente utilizado para os casos de ruptura amigável
ou judicial do contrato, deve ser reservado para os casos de dissolução judicial do vínculo em que houve lesão
para uma das partes contraentes. A sentença irá operar ex tunc, retroagindo seus efeitos à data da celebração do
contrato.
“a que inviabiliza para sempre a prestação ou que somente pode ser prestada mediante esforço
extraordinário
52
” (AGUIAR JÚNIOR, 1999, p. 96 e 99).
A impossibilidade originária objetiva é a que está presente ao tempo da constituição
da obrigação e por ser impossível para todos, nulifica o negócio. Difere, portanto, da
impossibilidade originária subjetiva, a qual somente é impossível para o devedor, assim,
relativa, não vicia o negócio e não libera o devedor.
A respeito da impossibilidade originária, como destacado no primeiro capítulo do
presente trabalho quando se analisou o negócio jurídico no plano da validade, o objeto do
contrato deve ser lícito, possível, determinado ou determinável. Se formalizado o contrato
com cuja obrigação seja impossível, embora existente, o contrato não é válido.
De outro plano, se não for possível a prática o ato no momento da prestação,
“configura-se a impossibilidade superveniente que pode ser absoluta ou relativa
53
”, sendo
ambas, sem distinção, causadoras da extinção da obrigação, contudo, “a inimputável
superveniente libera o devedor e o desonera de reparar os prejuízos, pois inexiste mora de sua
parte”. Por sua vez, a “imputável faz nascer o direito resolutivo” (AGUIAR JÚNIOR, 1999, p.
98-99).
Segundo Couto e Silva (1976, p. 121), estaremos diante de impossibilidade relativa
quando faltar ao devedor meios de prestar a obrigação, possuindo, pois, o significado de
insolvência, uma vez que o bem não está no seu patrimônio. a impossibilidade absoluta,
assevera o autor, “o é para todos; nem A nem B nem C, nem qualquer pessoa pode prestar”.
Observe-se a definição trazida por Paulo Nalin (1996, p. 149) “verifica-se o
inadimplemento, ou inexecução definitiva, quando a prestação se encontra impossível, ou
quando o devedor de um direito próprio e insubstituível se nega a realizá-lo”.
A inadimplência ou inexecução do contrato estará, portanto, caracterizada, diante da
impossibilidade material em se cumprir a obrigação ou na falta de interesse do credor em
receber a prestação.
Passadas tais premissas, analisemos, o art. 461 do CPC, que dispõe da seguinte
forma: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o
juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”.
52
Risco à vida ou à saúde do devedor, por exemplo.
53
Esclarece Ruy Rosado (1999, p. 98) que “a impossibilidade relativa não se confunde com a simples
dificuldade econômica, enfrentada pelo devedor para cumprir a prestação. A teoria do sacrifício não tem
acolhida”.
Quando descumprido um contrato que dispunha sobre obrigação de fazer ou não
fazer a parte credora postula em juízo porque pretende que o devedor seja compelido a uma
atividade ou a uma abstenção e, caso seja impossível ao próprio devedor cumprir, nada
impede que o juiz determine que sejam praticadas as medidas necessárias para assegurar que
o pedido do credor seja atendido
54
. Por espelhar situação aqui mencionada, oportuna é a
transcrição do julgado abaixo:
Civil. Processo Civil. Ação para cumprimento de obrigação de fazer. Adquirente de
veículo automotor que descumpre obrigação assumida de transferir para seu nome a
titularidade de domínio do bem. Obrigação de fazer inadimplida. Alegação de
impossibilidade de cumprimento que deve ser afastada. Impossibilidade relativa
superveniente resultante de ato imputável exclusivamente ao devedor. Culpa
caracterizada. Situação de inadimplência que faz incidir ao caso concreto norma
expressa no artigo 461 do CPC, sem prejuízo de ressarcimento ao credor das perdas
e danos que comprovar. Exceção legalmente prevista ao princípio da congruência.
Possibilidade de adoção de medidas executivas necessárias para a obtenção, pelo
credor, autor da demanda, de tutela específica. Recurso conhecido e parcialmente
provido. (AC 284739, Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
do DF, Rel. Diva Lucy Ibiapina, DJU 25.07.2007, p. 156 – Seção 3)
Para o cumprimento da tutela específica ou do resultado prático equivalente o juiz
pode, de ofício ou a requerimento do credor, cominar a imposição de multa por tempo de
atraso no cumprimento, conforme permissivo expresso do § 5º do art. 461 do CPC.
Diverso será o provimento judicial nos casos de descumprimento do contrato, cujo
cumprimento específico ou pelo resultado prático pelo equivalente seja absolutamente
impossível, sendo que, para a situação apontada, o § do art. 461 do CPC dispõe que a
obrigação se converterá em perdas e danos.
Ação cominatória. Obrigação de fazer. Artigos 1.056 do antigo Código Civil e 461
do Código de Processo Civil. Dano material. Dano moral.Valor. Precedentes da
Corte. 1. Pertinente a conversão da obrigação em perdas e danos se o autor requerer,
se for impossível a tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente
ao do adimplemento. No caso, imposta a condenação para recuperação do prédio
danificado, não é pertinente impor também a condenação por danos materiais, a
serem apurados em liquidação. 2. Pertinentes os danos morais diante da situação
concreta dos autos, bem identificado no acórdão os elementos que o ensejam, assim,
a angústia, o sofrimento, diante dos riscos decorrentes dos danos causados. 3. O
valor do dano moral somente pode ser revisto na Corte se exagerado, abusivo ou
insignificante, devendo ser fixado em valor certo e não no equivalente em salários
54
Nessa modalidade de cumprimento por execução de sentença, como intuitivo, assume maior relevo a
colaboração do devedor, diferentemente do que ocorre nas demais formas de obrigação. Nesta, como a atividade
que se pretende deve ser prestada pelo devedor, os meios de sub-rogação m um alcance menor, assumindo
relevo os meios de coerção. A razão é simples: obrigações cujas prestações podem ser satisfeitas por outrem
que não o devedor, porque o que objetiva o credor é “resultado” advindo do adimplemento. Essas são as
denominadas “obrigações com prestação fungível” ou “subjetivamente fungíveis”, porque podem ser cumpridas
por outrem que não o devedor, Alcançando-se o mesmo resultado pretendido. (FUX, 2008, p. 277-278).
mínimos. 4. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (REsp 752420 / RS,
Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 27.11.2006).
Importante destacar que o objetivo da multa é compelir o devedor a cumprir a
obrigação, fixando-se o respectivo prazo, contudo, se a prestação a que a parte esta obrigada é
impossível de ser cumprida, não haverá fundamento o juiz aplicá-la, porque por mais que
decorra o tempo ou se majore o valor da multa, não será dado cumprimento
55
.
3.3 A Boa Fé do Credor ante o Inadimplemento
Pode ser indagado se em qualquer situação o credor estará legitimado a recusar a
prestação que não foi, mas que ainda pode vir a ser cumprida pelo devedor, pois, como visto o
descumprimento definitivo estará caracterizado pela ótica do credor, ou seja, pela utilidade da
prestação que vai ser cumprida fora do prazo ou das condições acordadas.
A viabilidade da prestação sempre será aferida pelo ângulo do interesse econômico
do credor em receber, não do devedor em prestar. O inadimplemento absoluto é
captado pela lente do credor, independente do grande desejo do devedor cumprir,
mesmo que tardiamente (FARIAS e ROSENALD, 2008, p. 393).
Ensina Mário Júlio de Almeida Costa (1984, p. 984) que a perda do interesse do
credor deve ser apreciada de forma objetiva, ou seja, “em função da utilidade concreta que a
prestação teria para o credor”, não se determinado, pois, “de acordo com o seu juízo
arbitrário, mas considerando elementos susceptíveis de valoração pelo comum das pessoas”.
Ressalta o autor que, “além disso, exige-se uma efetiva perda do interesse do credor e não
uma simples diminuição”.
Para aferir-se se a prestação efetivamente perdeu sua utilidade econômica, não
poderá o julgador afastar-se da análise aplicando o princípio da boa-fé, pois seus efeitos
55
Nesse sentido observe-se o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: Civil e Processual Civil. Código
do Consumidor. Venda de produto não mais fabricado. Entrega não realizada. Lesão a direito do consumidor.
Obrigação de fazer. Fixação, na sentença, de prazo para entrega da coisa, cumulada com astreintes.
Agravamento, em sede de embargos declaratórios, das condições de cumprimento impostas à fornecedora.
Impossibilidade. Sentença que se manda cumprir tal como prolatada, em homenagem ao princípio tantum
devolutum quantum apellatum. Astreintes, todavia, reduzidas. Presunção de que descaberia multa sobre
obrigação "presumivelmente impossível de cumprir" que não pode prevalecer sobre os fatos decorrentes da
sentença. [...] (TJ/DF, AC 284739, Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Rel.
Esdras Neves, DJU 05.11.2007, p. 139 – Seção 3)
devem se fazer sentir antes, durante e após a contratação, inclusive, nos casos de mora ou de
inadimplemento, de forma a minimizar os prejuízos, também, para o devedor.
Fortunato Azulay (1977, 50-51) traz em sua obra excerto de um voto proferido por
Guilhermo Borba no Tribunal de Buenos Aires:
Puede decirse que hoy hay acuerdo casi general en que la buena fe que debe presidir
los negocios jurídicos no permite una ruptura irrazonable, sin causa, o arbitraria de
las tratativas y que, si esto sucede, es justo indemnizar, a quien se ha perjudicado,
los daños y perjuicios consiguientes. En el fundo, se trata de una aplicación de la
idea del abuso del derecho, pues se reconoce que la conducta del que rompió las
tratativas ha sido abusiva.
O autor ao tratar do anticipatory breach of contract traz a decisão em questão
pioneira sobre o assunto, ocorrida no ano de 1853 (Hochster v. De La Tour), no qual o juiz do
processo relata:
Quando uma parte anuncia a sua intenção de não cumprir o contrato, a outra parte
pode aceitar essa palavra e rescindir o contrato. A palavra rescindir implica que
ambas as partes acordam em pôr fim ao contrato. Mas estou inclinado a pensar que
aparte pode também dizer: Desde que V. anunciou que não dará seguimento ao
contrato, eu concordo em dá-lo como findo desde este momento; far-lhe-ei
responsável pelos danos que sofri; mas procederei de forma a fazer com que os
danos sejam os menores possíveis”. (1977, p. 102)
Com efeito, o credor ao tomar conhecimento que o devedor não poderá adimplir com
a obrigação firmada no contrato, seja ela de dar, fazer ou não fazer, não deve provocar o
agravamento da situação, para, posteriormente, comprovar em juízo que sofreu “danos
irreparáveis”. O dever de cooperação deve estar presente não somente no momento de
cumprimento do contrato, mas também, em situações que revelem que uma das partes da
relação negocial está com dificuldades para cumprir a sua parte na avença.
3.4 Culpa do Devedor e Conseqüências do Inadimplemento
Ao se falar sobre as conseqüências do inadimplemento contratual não como não
recordar da clássica obra de William Shakespeare, “O Mercador de Veneza”, na qual o
Shylock empresta 3 mil ducados para Bassânio, tomando como fiador, Antonio, oportunidade
em que estipula que em caso de não cumprimento da avença, o fiador pagaria uma libra de
sua própria carne
56
.
A alegoria nos traz a idéia de que firmado o contrato, o objetivo das partes é que o
mesmo seja cumprido, conforme foi pactuado, no tempo, lugar e valor devidos. Na hipótese,
contudo, de uma das partes não cumprir ao que foi acordado, existirão conseqüências. O
Direito atento a tal situação e para evitar a o manejo exagerado de cláusulas punitivas pelas
partes no instrumento do contrato traz as diretrizes sobre o inadimplemento.
O Código Civil, nesse sentido, preceitua em seu art. 389 que, se o for cumprida a
obrigação, o devedor irá responder por perdas e danos, mais juros e atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado
57
. Adiante, no
art. 391 dispõe que “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do
devedor”.
Nesse ponto, ressalte-se que inadimplementos que podem ser imputados à pessoa
do devedor e outras causas de descumprimento da prestação que não lhe são imputáveis.
Portanto, somente pode-se utilizar o termo inadimplemento para as situações em que,
“culposamente, o devedor ofende a relação obrigacional e falta com a prestação ajustada”.
Assim, “o devedor culpado pelo inadimplemento terá o dever de indenizar os prejuízos
causados” (FARIAS e ROSENVALD, 2008, p. 389)
58
.
Importante esclarecer que a culpa decorrente do inadimplemento contratual é
presumida, em sentido contrário, então, do que ocorre com a culpa aquiliana, e isto tem
implicação direta com o ônus da prova, ou seja, na culpa contratual o devedor deverá
demonstrar a ocorrência de fato que o exima da responsabilidade, tal como o caso fortuito e a
força maior.
Observe-se que, se inexiste culpa, inexistente será a mora pelo teor do artigo 396 do
Código Civil: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em
mora”. Lembra Luiz Antonio Scavone Jr. (2006, p. 396) que “tanto no caso de mora quanto
56
Assim solicita Shylock a Antonio: “Acompanhai-me ao notário e assinai-me o documento da dívida, no qual,
por brincadeira, declarado será que se no dia tal ou tal, em lugar também sabido. A quantia ou quantias não
pagardes, concordais em ceder, por eqüidade, uma libra de vossa bela carne, que do corpo vos de ser cortada
onde bem me aprouver”. (SHAKESPEARE, 2009, p. 29).
57
As verbas previstas no artigo, para Renan Lotufo (2003, p. 431), “não dependem do pedido expresso para
serem concedidas”, porque decorrem da lei.
58
No mesmo sentido expressa Álvaro Villaça Azevedo (2006, p. 11): Quanto à inexecução da obrigação
contratual, entretanto, há que se perquirir sobre a existência, ou não, de culpa, que acarrete o evento extintivo do
negócio, pois sem ela a regra é de que voltem as partes contratantes ao estado primitivo, anterior à avença; ao
passo que, com ela, é preciso ressarcir s perdas e danos e cumprir as demais conseqüências desse
inadimplemento.
no caso de inadimplemento absoluto, em regra, como se trata de responsabilidade subjetiva, a
culpa é imprescindível”.
Outro fator a ser considerado na ausência de imputação de responsabilidade ao
devedor é o decorrente do caso fortuito e da força maior, o que, como afirmado, deverá ser
comprovado pelo devedor, eis que a ele incumbe o ônus da prova.
3.4.1 Caso fortuito e força maior
Pelo teor do artigo 393 do Código Civil não responderá o devedor pelos prejuízos
que resultarem de caso fortuito ou força maior, se não houver expressamente por eles se
responsabilizado. Portanto, na ocorrência de caso fortuito ou força maior não se caracterizará
a negligência, imprudência ou imperícia imputável ao devedor, não respondendo, dessa
forma, pelos prejuízos decorrentes.
O Código Civil não diferencia a força maior do caso fortuito, apenas dispõe no
parágrafo único do artigo 393, que estará configurado tanto um como o outro “no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.
Não é pacífico o posicionamento da doutrina quanto a sinonímia dos conceitos
59
, mas
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2009, p. 271), seguindo a conclusão de Silvio Venosa,
entendem que não existe “interesse prático na distinção dos conceitos”, principalmente pelo
fato de o Código Civil não ter trazido qualquer diferenciação. Para os autores o que
caracteriza a força maior é sua inevitabilidade, “mesmo sendo a sua causa conhecida (um
terremoto ou uma erupção vulcânica)”; e, por sua vez, o caso fortuito “tem sua nota distintiva
na sua imprevisibilidade”, uma vez que “a ocorrência repentina e até então desconhecida do
evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um
atropelamento, um roubo)”.
Mesmo concordando com tal entendimento, importante trazer a lição de Scavone Jr.
(2006, p. 398): “o caso fortuito seria a impossibilidade relativa (impossível para o agente)” e o
59
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona ao falarem sobre a falta de unanimidade na doutrina trazem interpretações
diversas de alguns doutrinadores, tais como Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria
Geral das Obrigações, 16. ed,. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 346-347); Silvio Rodrigues (Direito Civil Parte
Geral das Obrigações, 30. ed, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 239); Álvaro Villaça Azevedo (Teoria Geral das
Obrigações, 9. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 270).
motivo de força maior “seria a impossibilidade absoluta (impossível para quem quer que
seja)”. Prossegue o autor:
Sem distanciar desse conceito, hoje o caso fortuito (fortuito interno) é considerado o
fato ligado à pessoa do devedor ou à sua empresa, como, por exemplo, doença e
greve. O motivo de força maior (fortuito externo act of God), por seu turno, é
considerado o ato externo, de um lado aquele que decorre de determinação legal,
como, por exemplo, a proibição, por ato posterior, de exportação de gêneros que à
época da constituição da obrigação era permitida, e, de outro lado, os fenômenos
naturais, como enchentes, o incêndio etc., além dos fatos políticos, como guerras, as
revoluções etc. (SCAVONE JR., 2006, p. 398)
Para o autor (2006, p. 399) a partir da análise do caso concreto, será possível
diferenciar o fortuito interno (caso fortuito) do externo (motivo de força maior),
determinando-se o dever de indenizar ou não, contudo, o próprio autor ao fazer tal assertiva,
em seguida, refere-se à responsabilidade extracontratual, exemplificando com a ruptura de
freio de veículo, furo em pneu e barra de direção, como fatos que configuram o caso fortuito
(fortuito interno) e que não exclui a responsabilidade do agente.
Tal posicionamento é válido para os casos de responsabilidade objetiva (ainda que
contratual), pois nos casos específicos de responsabilidade contratual subjetiva, o caso fortuito
e a força maior afastam a culpa, e, por conseqüência, o dever de indenizar, bastando que o
devedor comprove que não era possível evitar ou impedir a ocorrência do prejuízo.
3.4.2 Responsabilidade do devedor
É de conhecimento comum na sociedade que para que se possa viver pacificamente
deve ser observado o dever negativo de não se causar danos a outrem. Quando o indivíduo
viola esse dever e causa danos a terceiros, nasce o direito desse terceiro em ser indenizado,
havendo disposição legal expressa quanto à responsabilidade extracontratual, uma vez que,
nesse caso, inexistia um vínculo jurídico entre o causador do dano e o indivíduo que fora
lesado.
Contudo, quando preexiste uma relação jurídica a situação é diferente, pois,
“ofendendo-se um dever positivo de dar, fazer ou não fazer, ingressamos na seara da
responsabilidade negocial, que será imputada àquele que gerou danos à outra parte da relação
jurídica”. Nesse sentido, “a obrigação de ressarcir decorre tanto da inexecução total do
vínculo obrigacional inadimplemento absoluto como parcial mora” (FARIAS e
ROSENVALD, 2008, p. 434).
Agostinho Alvim (1955, p. 181) observa que a existência do prejuízo é essencial para
que haja a responsabilização:
[...] ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa
e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez
que não se tenha verificado prejuízo. Essa regra decorre dos princípios, pois a
responsabilidade, independentemente de dano, redundaria em mera punição do
devedor, com invasão da esfera do direito penal
.
Com efeito, o dano representa uma lesão ao bem jurídico, seja patrimonial ou
extrapatrimonial. No plano contratual o dano representa o prejuízo sofrido por uma das partes
em decorrência do inadimplemento da obrigação pela outra parte do pólo negocial. Será esse
inadimplemento que ocasionará o dever de indenizar, para proporcionar uma compensação
em relação a parte contraente que sofreu o prejuízo.
Excepcionando a regra trazida por Agostinho Alvim de que é indispensável a
existência de prejuízo para haver reparação, podemos mencionar a previsão disposta no
contrato sobre os juros moratórios e a cláusula penal. Nesse sentido é o Código Civil:
Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora
que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza,
uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial,
arbitramento, ou acordo entre as partes.
Art. 416. Para exigir apena convencional, não é necessário que o credor alegue
prejuízo.
Como bem pontua Agostinho Alvim (1955, p. 181) “a indenização, fora desses casos
excepcionais, imposta em benefício de alguém que nada sofreu, ou além do que tenha sofrido,
importaria num enriquecimento injustificado”, bem como, “para quem pagasse seria uma
pena. Não uma indenização”.
Tendo em mira o ressarcimento da parte que foi lesada pela obrigação contratual não
cumprida, o art. 402 do Código Civil apregoa que as perdas e danos que são devidas ao credor
abrangem, “além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de ganhar”.
Cristiano Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 440) esclarecem que os danos
emergentes traduzem “os valores efetivamente perdidos pelo ofendido, em razão da lesão”,
pois ocorre um “desfalque atual em seu patrimônio real e efetivo, acarretando imediato déficit
patrimonial”. Dessa forma, o dano emergente “tanto pode referir-se à redução do ativo como
ao aumento do passivo”.
Está na esfera de responsabilidade do contraente arcar com o pagamento de juros
decorrentes da relação negocial, os quais podem ser classificados: a) conforme a sua
destinação - compensatórios ou moratórios; b) de acordo com a origem - legais ou
convencionais.
Caio Mario da Silva Pereira (2004, p. 123) nos traz a definição de juros: “Chamam-
se juros as coisas fungíveis que o devedor paga ao credor, pela utilização de coisas fungíveis
que o devedor paga ao credor, pela utilização de coisas da mesma espécie a este devidas”.
Assegura o doutrinador que pode consistir em qualquer coisa fungível, embora a palavra
esteja com freqüência relacionada ao débito de dinheiro, pressupondo uma obrigação de
capital, na qual o juro representa o rendimento. Assim, na idéia de juro integram-se dois
elementos: “um que implica a remuneração pelo uso da coisa ou quantia pelo devedor, e outro
que é o de cobertura do risco que sofre o credor”.
Os juros convencionais são aqueles estipulados pelas partes no contrato, a exemplo
daqueles cobrados pelas instituições financeiras ao concederem crédito para seus clientes. Por
sua vez, os juros legais são aqueles que estão previstos de forma expressa pelas normas, como
nas hipóteses previstas nos artigos 406, 591, 677 e 706 do Código Civil.
Os juros funcionam como instrumento de política econômica, lembra Cristiano
Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 450), pois, “a variação das taxas para maior ou menor
corresponde ao interesse de governos de, respectivamente, reduzir ou estimular a atividade
produtiva e controlar a inflação, muitas vezes com perversos resultados sociais”. Os autores
trazem a diferenciação entre os juros moratórios e compensatórios:
os juros moratórios traduzem uma indenização para o inadimplemento no
cumprimento da obrigação de restituir pelo devedor. Funcionam como uma sanção
pelo retardamento culposo no reembolso da soma mutuada. Apartam-se dos juros
compensatórios, pois se assentam na idéia de culpa do devedor. Por isso, localizam-
se no Código Civil, ao lado das demais conseqüências do inadimplemento das
obrigações, como as perdas e os danos, cláusula penal e arras. (2008, p. 450).
Com efeito, juros moratórios e compensatórios
60
não se confundem, e tanto é assim
que podem ser cobrados de forma cumulativa, pois suas naturezas são distintas e se assim não
60
Para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2009, p. 295) os juros compensatórios “objetivam remunerar o credor
pelo simples fato de haver desfalcado o seu patrimônio, concedendo o numerário solicitado pelo devedor”.
fosse o devedor, ao tornar-se inadimplente optaria por pagar os juros moratórios
61
que são em
valores menores, ocorrendo, visível enriquecimento ilícito de sua parte. Nesse sentido é o teor
da Súmula 102 do Superior Tribunal de Justiça que “a incidência dos juros moratórios sobre
os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”.
Pelo teor do art. 405 do Código Civil, o início da contagem dos juros moratórios
resultantes de responsabilidade contratual ocorre desde a citação inicial. O art. 219 do Código
de Processo Civil expressa que um dos efeitos materiais da citação é constituir o devedor em
mora, contudo, é necessário ponderar que o dispositivo só se aplica à mora ex persona,
proveniente de qualquer forma de interpelação judicial ou extrajudicial (art. 397, parágrafo
único, do CC).
Por sua vez, tratando-se de hipótese de mora ex re, o devedor incorpora os
acréscimos de juros a contar do próprio vencimento da obrigação, dies interpelat pro homine.
Pelo princípio da instrumentalidade, a norma processual que versa sobre os efeitos
da citação não poderá se voltar contra a regra de direito material que se aplica às
obrigações em que se ajusta termo. Não é por outra razão que o valor da causa na
ação de cobrança será a soma do principal, da pena e dos juros vencidos, até
propositura da ação (art. 259, I, do CPC), restando claro que, na mora ex re, os juros
antecedem a propositura da demanda. (FARIAS e ROSENVALD, 2008, p. 454)
Além dos juros, o contrato pode prever a incidência de cláusula penal, de natureza
acessória à obrigação principal
62
, e que prevê a imposição de sanção econômica para a parte
que descumprir a prestação avençada.
A obrigação principal, de regra, tem como objeto uma prestação de dar, fazer ou não
fazer. Assim, mirando a redução do risco do descumprimento total ou parcial da obrigação, as
partes contraentes estipulam cláusula acessória, tida como pena convencional, a qual pode ser
inserta juntamente com a obrigação ou em instrumento à parte, simultâneo ou posterior,
conforme disposição do art. 409 do Código Civil.
61
O art. 406 do Código Civil não mais estipula a taxa de juros legais em 6% ao ano, como fazia o Código
Beviláqua. No silêncio da norma, de se remeter a solução do imbróglio à taxa prevista no art. 161, § , do
Código Tributário Nacional, calculada a 1% ao mês. Destarte, prevalecerá este teto legal mesmo quando os juros
moratórios forem convencionados pelos contratantes. A autonomia privada dos signatários não terá força
suficiente para ajustar uma taxa convencional moratória que supere o patamar de 12% ao ano, pois art. do
Decreto 22.626/33 apenas admite que a mora eleve os juros a taxa de 1% ao mês e nada mais. (FARIAS e
ROSENVALD, 2008, p. 453)
62
A nulidade da obrigação principal invalidará a cláusula penal, dada sua natureza é acessória. Nesse sentido
Caio Mário da Silva Pereira (2004, p. 148): “Nos casos em que a lei admite se resolva a obrigação sem culpa do
devedor, como por exemplo pelo perecimento natural ou fortuito do objeto, ou pela impossibilidade da
prestação, também se resolve a pena convencional, como conseqüência do mesmo caráter acessório desta, que
seria incompatível com a sua sobrevivência ao desaparecimento da relação jurídica ou do vínculo obrigatório a
que adere”.
A cláusula penal tem por objetivo fixar previamente as perdas e danos para a
hipótese de descumprimento culposo, parcial ou integral, da obrigação principal e atua em
favor do cumprimento do contrato (pacta sunt servanda), uma vez que desestimula o
inadimplemento.
A finalidade da cláusula penal para Caio Mário da Silva Pereira (2004, p. 145-146)
“traz consigo um reforço do vínculo obrigacional”, pois “reforça o dever de prestar com o
ajuste de multa, que lhe pode exigir o credor, se vem a faltar o cumprimento do obrigado”.
Reconhece o autor que simultaneamente pode figurar “como liquidação antecipada das perdas
e danos, em que normalmente se converteria o inadimplemento”, mas em sua opinião a
finalidade essencial “é o reforçamento do vínculo obrigacional”.
Como destacado, a pena convencional, previamente estipulada pelas partes, no
caso de inexecução, exime o credor de produzir provas em relação aos eventuais danos
emergentes e lucros cessantes (prejuízos).
Ocorre uma pré-avaliação dos prejuízos pela inexecução culposa. Nesse sentido, de
forma acidental, a cláusula penal possui natureza coercitiva, à medida que a imposição de
uma sanção de caráter punitivo constrangerá o devedor a adimplir o contrato, de forma a
reduzir os riscos de descumprimento.
Quando houver previsão no contrato sobre a cláusula penal moratória, o art. 411 do
Código Civil admite que o credor possa exigir a satisfação da pena cominada juntamente com
o desempenho da obrigação principal avençada.
Por sua vez, nas situações em que a cláusula penal for estipulada para as situações
em que o devedor deixar de cumprir a totalidade de sua obrigação, com efeito compensatório,
não pode o credor ajuizar ação indenizatória, postulando perdas e danos, caso entenda que a
cláusula penal seja insuficiente para compensar os prejuízos sofridos. O parágrafo único do
art. 416 do Código Civil dispõe que mesmo que o prejuízo exceda ao que foi previsto na
cláusula penal, “não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi
convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao
credor provar o prejuízo excedente”. Scavone Jr. (2006, p. 399), traz um exemplo que bem
esclarece a situação:
Imaginemos um fundo de comércio transferido com a obrigação de o alienante das
quotas sociais não explorar a mesma atividade do estabelecimento alienado. Caso
esse sujeito não observe essa obrigação de não fazer, abrindo o estabelecimento, o
credor da abstenção fará jus à cláusula penal compensatória que eventualmente tiver
sido estipulada nos limites da lei, mesmo que não demonstre qualquer prejuízo.
Todavia, não poderá cobrar prejuízos suplementares se isso não constar do
instrumento contratual de cessão das cotas. Se constar, depois de cobrar a cláusula
penal, poderá provar os prejuízos efetivos causados pelo descumprimento da
obrigação, como, por exemplo, lucros cessantes em razão da concorrência não
esperada, e cobrar essa diferença.
Pontuam Cristiano Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 466) que a vedação quanto a
possibilidade de se optar pelas perdas e danos judiciais é resultante “da existência de um
acordo entre as partes que delimitou o valor da cláusula penal como limite máximo
indenizatório”. Dessa maneira, “se a parte lesada pudesse ignorar a cláusula penal e pleitear
outro valor em juízo, estaria ofendendo a convenção anteriormente subscrita e violentando o
princípio da segurança jurídica”. Existe, portanto, uma necessidade de assegurar o devedor,
quanto ao teto do ressarcimento”
63
.
Finalmente, em relação à cláusula penal, deve ser ressaltado que é nula a cláusula
contratual que impeça sua redução na hipótese de descumprimento relativo ou absoluto da
obrigação principal, uma vez que se trata de norma de ordem pública a que está inserida no
art. 413 do Código Civil. Portanto, não pode ser permitida a derrogação por convenção
particular, de sorte que será dever do juiz adequar a cláusula penal à realidade dos fatos,
primando pela isonomia material entre os contraentes, a função social e o equilíbrio do
contrato.
3.5 Inadimplência e o Processo Executivo
O contrato consolidou-se nas relações negociais e cada vez, contrata-se mais, sendo
uma realidade, como destacado, o fato de que grande parte dessas pactuações celebradas
em algum momento deixa de ser cumprida.
O descumprimento dos contratos é um fator concreto que atinge não somente às
relações contratuais de consumo, mas também os contratos de importação, exportação,
prestação de serviços, fornecimento de produtos, de crédito etc.
63
Esclarecem ainda os autores (2008, p. 466-467): É lícita a cumulação contratual de cláusulas penais, moratória
e compensatória, sendo os fatos geradores distintos. Novamente citando a figura da locação, o contrato poderá
estipular multa moratória pelo atraso no pagamento do aluguel pelo locatário, bem como pela entrega do imóvel
em bom estado de conservação (segurança de cláusula específica). Nada impede que no mesmo contrato exista
uma cláusula prefixando multa compensatória por resilição unilateral pelo locatário, antes de findo o prazo
pactuado (v.g., pena de três meses de aluguel, se desocupar o imóvel antes do termo de 30 meses da locação).
Importante observar que o contrato descumprido afeta a coletividade com a elevação
de preços dos produtos e serviços, com a alta dos juros bancários, com as exigências cada vez
maiores de garantias contratuais, com o aumento de demandas judiciais e por fim, contribui
para a sensação coletiva de insegurança
64
.
É nessa realidade de efetivo descumprimento dos pactos formalizados tanto entre
grandes corporações ou aqueles realizados em massa para os consumidores em geral, e que
são levados à apreciação do Poder Judiciário para que sejam solucionados os conflitos e danos
causados pelo inadimplemento do contrato, que se constata a dificuldade de o credor
conseguir receber o seu crédito. Pondera, nesse sentido, Fabiano Jantalia (2006, p. 93-94):
A ineficiência dos meios executórios a então disponíveis gera resultados
alarmantes: segundo dados colhidos pelo Baco Mundial em pesquisa realizada nos
órgãos judiciais paulistas, reproduzidos pelo mencionado estudo do Ministério (da
Justiça), cerca de 70% dos processos de execução não chegam ao fim, uma parte
devido a acordos extrajudiciais ou ao pagamento, mas a maior parcela porque o
credor não encontrou bens e desistiu. Ainda segundo o Banco Mundial,
aproximadamente 48% dos processos de execução não vão além do pedido inicial,
ou porque o credor não continuidade (acordo extrajudicial ou desistência porque
sabe que o devedor não pagará) ou porque a Justiça não encontra o devedor para a
citação. E, em 41% dos processos que continuam, por obra e graça dos persistentes
credores, não se consegue levar a efeito qualquer tipo de penhora de bens, em geral
por dificuldade em encontrá-los.
Diante desse quadro de inadimplência de um lado e da nova interpretação dos
contratos de outra, com aplicação de cláusulas gerais da boa-fé e da função social do contrato,
será no processo que as soluções pontuais irão surgir de maneira que, observando-se os
direitos do devedor, o credor possa receber o que lhe é devido.
Quando o devedor não cumpre voluntariamente a obrigação, tem lugar a intervenção
do órgão judicial executivo, o que configura a execução forçada, em contraposição à situação
de cumprimento voluntário da prestação, que vem a ser, tecnicamente, o adimplemento. Não
sendo demais lembrar que o caminho para receber a prestação devida é longínquo e oneroso:
Traçando estimativas de custo para a recuperação de quatro contratos hipotéticos de
crédito, com valores entre R$ 500,00 e R$ 50 mil, com base em informações e
parâmetros fornecidos por instituições financeiras, o estudo informa que, se o
cidadão levasse a cobrança de seu débito ao Judiciário, perderia no desenrolar do
processo entre 17% e 43% de seu valor, no caso de execução de título extrajudicial.
Em se tratando de cobrança pelo rito ordinário, o desenrolar do processo engoliria
pelo menos 56% do valor cobrado, podendo chegar até sua totalidade, na hipótese de
cobranças de até R$ 500,00. (JANTALIA, 2006, p. 100-101).
64
Não é demais lembrar a crise ocorrida nos Estados Unidos causada pela inadimplência em massa dos contratos
de financiamento imobiliários que refletiu negativamente em vários setores da economia americana e por fim,
atingiu a economia mundial.
O processo executivo gira em torno da realização de atos materiais tendentes à
satisfação do direito do exeqüente. Assim, “o Estado/Juiz atua na execução como substituto,
promovendo uma atividade que competia originariamente ao devedor”. (GOLDSCHMIDT,
2006, p. 15).
Para Barbosa Moreira (1997, p. 221) o processo de execução:
[...] visa, em princípio, proporcionar ao credor o resultado prático igual ao que ele
conseguiria se o devedor cumprisse a obrigação de forma voluntária. Mas nem
sempre é possível atingir esse objetivo, e, em tal emergência, procura-se obter para o
credor uma compensação pecuniária, que substitua a prestação diversa,
originariamente devida.
O Código Civil preceitua no artigo 391 que “pelo inadimplemento das obrigações
respondem todos os bens do devedor”. Em igual sentido dispunha o artigo 591 do Código
de Processo Civil: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos
os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Assim, se não for cumprido voluntariamente o direito subjetivo de credito, será
responsável o devedor, pois o credor certamente exigirá a prestação não cumprida. Para as
obrigações de dar, fazer e não fazer haverá várias formas de satisfação do credor, o qual
poderá requerer a tutela específica das obrigações ou pleitear ressarcimento equivalente à
prestação originariamente contratada
65
.
Sob a ótica do processo civil, em especial no processo executivo, “o inadimplemento
é uma situação de fato extrínseca ao tulo, não representada por ele, que consiste no não-
cumprimento do direito declarado no título”, ou seja, a exigibilidade do título executivo
Corresponde a um aspecto intrínseco ao próprio crédito e que deve estar estampado
no título executivo, permitindo, inclusive, a sua verificação de ofício pelo
magistrado. Já o não-adimplemento, simplesmente alegado pelo exeqüente, é
situação jurídica extrínseca ao título e posterior à exigibilidade, obviamente, mas
cuja prova in concreto depende de provocação do executado por intermédio de
embargos do executado. Portanto, o fato de a dívida ser exigível não gera nenhuma
conclusão acerca do não-adimplemento; o inadimplemento pressupõe uma dívida
exigível (ABELHA, 2006, p. 146).
65
Segundo o direito de todos os povos do chamado grupo romano-germânico, anglo-americano e bem assim os
sistemas socialistas, nos contratos de direito civil o devedor está obrigado a efetuar a prestação devida, pelo
modo e tempo estipulados. Se não o faz voluntariamente, o credor recorre à força do estado para coagi-lo a
executar in natura a obrigação ou obter indenização equivalente em forma de perdas e danos. (AZULAY, 1977,
p. 28).
Com efeito, o inadimplemento “pressupõe” uma dívida exigível, e nesse sentido, o
artigo 615, IV do CPC, é expresso ao dispor que cumpre ao credor provar que adimpliu a sua
parte na obrigação contratada, ou seja, se tratar-se de contrato de crédito concedido, a
instituição financeira deve comprovar que efetivamente forneceu o crédito, anexando o
extrato da conta em que o montante do empréstimo foi depositado; se tratar-se de obrigação
de fazer em que o credor deveria fornecer a matéria-prima para conclusão de obra, deve
provar que a forneceu ao tempo e nas condições acordadas.
Outro artigo do CPC que dispõe sobre a exigibilidade da prestação é o 572: “quando
o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o credor não poderá executar a
sentença sem provar que realizou a condição ou que ocorreu o termo”.
Segundo Marcelo Abelha (2006, p. 149) a condição pode ser entendida “como o
evento futuro e incerto, portanto, imprevisível de acontecer”, e, por sua vez, o termo “seria o
evento futuro e certo de acontecer, ainda que não se saiba precisar quando acontecerá”.
Aqui vale recordar a sentença que julga embargos monitórios interposto pelo
devedor, na qual o juiz julga parcialmente procedente o pedido e determina que o contrato
seja revisto, extirpando-se essa e aquela cláusula, com previsão expressa de que, enquanto o
contrato não for revisto, e o valor do débito recalculado segundo os parâmetros do julgado,
não se pode executar a sentença.
Pode-se dizer, então, que o descumprimento do contrato poderá ensejar a
propositura, pelo credor, de ação monitória, ou, quando o instrumento preencher os requisitos
de título executivo extrajudicial, de ação de execução, seguindo-se os ditames dos arts. 612 e
seguintes do Código de Processo Civil.
Embora não seja este o objeto central da presente investigação, não se poderia deixar
de questionar sobre a viabilidade de ser aplicado o art. 461 do CPC às execuções fundadas em
título executivo extrajudicial.
Primeiramente, que se reconhecer que na execução fundada em tulo
extrajudicial, não existe cognição judicial sobre a existência do direito que será tutelado, uma
vez que basta o título. Para José Miguel Garcia Medina (2008, p. 271)a circunstância de não
ter havido, ainda, cognição judicial acerca da existência do direito é elemento que, se não
elimina, pelo menos mitiga a amplitude do poder executivo do juiz” porque como não
constatou se o direito de fato existe, terá que se contentar com o título executivo e, com isso,
tenderá a ficar menos seguro “quanto à intensidade das medidas executivas que poderão ser
adotadas”.
O art. 645 do CPC prevê que na execução de obrigação de fazer ou não fazer, que
esteja fundada em título extrajudicial, o juiz fixará multa por dia de atraso no cumprimento da
obrigação, sendo que o art. 461, § preceitua: que para a efetivação da tutela específica ou a
obtenção de resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,
determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso,
busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de
atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. Observe-se que o elenco de
medidas executivas é diferenciado e poderiam elas ser utilizadas na execução de tulo
executivo extrajudicial?
Acompanha-se o entendimento de Medina (2008, p. 271), para quem é cabível as
medidas executivas previstas no art. 461 do CPC para as execuções fundadas em título
extrajudicial, com regulamentação pelo art. 632 e seguintes do CPC. Esclarece o autor:
Não pode, de todo modo, o detentor do direito ser lesado em razão de ter, em seu
proveito, um título executivo. Nada impede que, desprezando o título executivo, o
autor veicule sua pretensão através da ação executiva referida no art. 461 do CPC,
hipótese em que deverá demonstrar a existência do direito, bem como a violação
(atual ou potencial) ao mesmo. O detentor de título executivo, assim, poderá optar
entre um ou outro procedimento (2008, p. 272).
Com efeito, o título executivo confere vantagem ao exeqüente porque está eximido
da obrigação de demonstrar a existência do direito, entretanto, a ação do juiz deverá ficar
restrita aos meios que estão expressos nos arts. 633 a 645 do CPC.
3.6 Defesa do Devedor
Ante o inadimplemento do contrato o credor, preenchidos os requisitos legais, irá
interpor ação de execução, ação monitória ou ação executiva lato sensu prevista no art. 461 e
461-A, ação de busca e apreensão, etc. na procura da satisfação da obrigação que fora
acordada.
A visão processualística clássica concebia o processo executivo como uma
modalidade de tutela jurisdicional destituída de qualquer defesa interna”, com fundamento no
fato de o exeqüente possuir titulo executivo, o qual, por si só, autorizava a realização de atos
constritivos contra o devedor. Nessa situação, ao executado restava sujeitar-se aos atos
executivos ou, se quisesse argumentar, questionar a legitimidade, os requisitos formais,
deveria ajuizar “ação incidental de embargos à execução, mediante prévia garantia do juízo”
(REIS, 2008, p. 84).
Era essa a visão de Enrico Tullio Liebman (2003, p. 64):
[...] na execução não mais equilíbrio entre as partes, não contraditório, uma
delas foi condenada e sobre este ponto não pode mais, em regra, haver discussão; a
outra, tendo conseguido o reconhecimento de seu direito, exige que se proceda de
acordo com o que a sentença declarou e não o pode impedir e deve suportar o que
faz em seu prejuízo, sendo ouvido na medida em que a sua colaboração possa ser
útil e podendo pretender unicamente que os dispositivos da lei não o sejam
ultrapassados no cumprimento desta atividade. É certo que a controvérsia e o
contraditório podem reaparecer, mas isto somente em novo processo de cognição de
caráter incidental (embargos).
O Direito Processual Civil evoluiu, de maneira a admitir a defesa do devedor por
meio da exceção de pré-executividade, como forma a evitar a expropriação de bens e
proporcionar sua defesa, sem a necessidade de se garantir o juízo.
Com as reformas processuais, iniciado o processo executivo, o devedor citado,
poderá: pagar seu débito no prazo de três dias com redução pela metade do valor da verba
honorária que fora fixada pelo juiz; pagar a dívida depois do prazo de três dias juntamente
com as custas e os o valor integral dos honorários que foram fixados pelo juiz; no prazo de 15
dias requerer o pagamento parcelado do débito nos termos do art. 745-A do CPC; apresentar
exceção de pré-executividade
66
, exceção de incompetência, impedimento ou suspeição
(MEDINA, 2008, passim); ou, ainda, interpor embargos à execução (ou de primeira fase)
oponíveis assim que o executado, uma vez citado, ingressar na relação processual e embargos
à arrematação e à adjudicação (ou de segunda fase) – cabíveis apenas na execução por quantia
certa, entre a expropriação dos bens penhorados e o encerramento, mediante sentença, do
processo executivo (WAMBIER, 2008, p. 386).
Com a nova redação do art. 739-A do CPC, trazida pela Lei 11.382, e 2006, os
embargos do executado não terão efeito suspensivo, com a ressalva contida no § de que o
juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir tal efeito quando, sendo relevantes seus
fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente puder causar ao executado grave
dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução esteja garantida por penhora,
depósito ou caução suficientes.
66
Nas execuções de títulos executivos judiciais permanece a exigência de garantia do juízo, daí a relevância de
se entender cabível a exceção de pré-executividade.
As matérias a serem aduzidas pelo executado, segundo o art. 745 do CPC são:
nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado; penhora incorreta ou
avaliação errônea; excesso de execução ou cumulação indevida de execuções
67
; retenção por
benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa; qualquer
matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.
Dentro da autorização expressa de se poder aduzir qualquer matéria que lhe seria
lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento, pode o devedor alegar que o
contrato não é bilateral, ou, o sendo, que não seja passível de resolução, como no caso de nos
contratos aleatórios, pela prestação na pendência da álea; que cumpriu integralmente com que
fora pactuado; que o adimplemento foi substancial
68
; que o credor renunciou ao direito de
resolução, de forma expressa ou implícita, depois da ocorrência do inadimplemento; aduzir a
ausência de legitimação para os casos em que ocorreu a cessão da posição contratual ou a
ilegitimidade passiva, quando o réu não é mais devedor, tendo em vista a remissão ou
assunção da posição do devedor, com exclusão de responsabilidade; que houve mora
creditória; que o credor não cumpriu com a obrigação que por ele deveria ter sido cumprida
anteriormente à obrigação do devedor
69
; que o incumprimento foi recíproco, sendo que, neste
caso o devedor poderequer a manutenção do contrato ou a resolução sem a condenação em
perdas e danos; que a impossibilidade no cumprimento é temporária e que pode cumprir se
persistir o interesse do credor; que a impossibilidade é parcial e prestação remanescente
que satisfaz o credor; que apenas a obrigação acessória não foi cumprida, a qual não torna
inútil ou imprestável a prestação principal; que o dever secundário de conduta violado era
irrelevante ou inexistia sua previsão; que houve caso fortuito, ação de terceiro ou do próprio
credor, ou ainda, do próprio devedor, mas sem culpa; e, ainda, que o crédito se encontra
prescrito (AGUIAR JUNIOR, 1999, p. 221-222).
67
Importante destacar o disposto no art. 739-A, § : “Quando o excesso de execução for fundamento dos
embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do
cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento”.
68
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. DESCUMPRIMENTO
PARCIAL DA AVENÇA. ESCASSA IMPORTÂNCIA. 1. Em havendo mora de um contratante (vendedor) de
escassa importância, relativa a débito de IPTU, a suspensão indefinida do pagamento por parte do outro
contratante (comprador) de importância de aproximadamente um milhão de reais, estando aquele gravame
tributário liquidado, com sua manutenção na posse do bem (imóvel), a exceptio favorece ao primeiro,
acarretando a rescisão da avença. 2. A exceção, consoante a melhor doutrina, não pode "ser levada ao extremo de
acobertar o descumprimento sob invocação de haver o outro deixado de executar parte mínima ou irrelevante da
que é a seu cargo". 3. Recurso especial conhecido (REsp 883990 - RJ, Turma, Rel. Ministro Fernando
Gonçalves, DJ 04.01.2008). No mesmo sentido: REsp 656103 - DF, Turma, Rel. Ministro Jorge Scartezzini,
DJ 26.02.2007, p. 595.
69
Exceptio non adimpleti contractus.
Como se percebe, haverá ampliação do objeto de cognição quando o embargante
alegar vícios redibitórios, descumprimento do contrato pelo exeqüente; anulação de cláusulas
ou, ainda, outras alegações que implicarão na revisão do contrato.
Ao devedor é garantida a ampla defesa, podendo, inclusive, ao ser demandado,
apresentar reconvenção com pedido de revisão do contrato:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.
AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. RECONVENÇÃO. ÃO REVISIONAL.
ADMISSIBILIDADE. ART. 315 DO CPC. - Consolidou-se o entendimento no STJ
de que é admitida a ampla defesa do devedor no âmbito da ação de busca e
apreensão decorrente de alienação fiduciária, seja pela ampliação do objeto da
discussão em contestação, a partir do questionamento a respeito de possível
abusividade contratual; seja pela possibilidade de ajuizamento de ação revisional do
contrato que deu origem à ação de busca e apreensão, que, por sua vez, deve ser
reunida para julgamento conjunto com essa. - Nada impede e é amesmo salutar
do ponto de vista processual – o cabimento de reconvenção à ação de busca e
apreensão decorrente de alienação fiduciária, para pleitear a revisão do contrato,
bem como a devolução de quantias pagas a maior. Recurso especial conhecido e
provido. (REsp 801374 - RJ, 3ª Turma, Rel. Ministro Nancy Andrighi, DJ
02.05.2006, p. 327).
Realmente, a reconvenção contribui para a efetividade do processo, na medida em
que permite a obtenção de um resultado mais amplo, mais rápido, no mesmo processo e numa
mesma sentença (art. 318 do CPC), em que ficarão resolvidas todas as pendências entre as
partes acerca daquela relação jurídica, cumprindo-se, assim, além do princípio da ampla
defesa, o da economia e celeridade processual.
3.7 O Alerta Trazido pelo Descumprimento Contratual
Como destacado, o descumprimento da obrigação no mundo negocial representa
certa anomalia no processo de execução e conclusão do contrato, a qual pode tomar
proporções maiores e vir a causar crises em determinados setores da economia ou alastrar-se
de forma tão abrangente a ponto de se configurar uma crise internacional.
No setor bancário a inadimplência eleva a taxa de juros, pois a instituição financeira
ao dispor o crédito no mercado, faz a análise de risco e repassa em seus contratos, através de
cobrança de encargos a possibilidade de perda de seus investimentos, bem como pelas rígidas
exigências de garantias, sejam elas reais ou pessoais.
No setor do comércio, segundo o SEBRAE de São Paulo as principais causas da
inadimplência
70
pelos consumidores são: dificuldades financeiras pessoais que impossibilitam
o cumprimento de obrigações; desemprego; falta de controle nos gastos; compras realizadas
para terceiros; atraso no recebimento de salários; comprometimento da renda com outras
despesas; redução da renda; doenças; uso do dinheiro com outras compras; e por fim, a má-fé
(SEBRAE, 2008, p. 1).
Por sua vez, no setor bancário conforme informações do Banco Central, a
inadimplência caiu de 4,3% no final de 2007 para 4% em junho de 2008, sendo esta a menor
taxa desde agosto de 2005 que foi de 3,9%. Para Cucolo (2008, p. 1) parte desse movimento
se deve a uma operação de securitização, “na qual uma instituição financeira vende uma
parcela dos seus empréstimos inadimplentes para uma empresa que irá assumir essa
cobrança”, pois, “sem essa operação, a inadimplência estaria em 4,2%”.
Os dados do Banco Central são contestados pela Associação Comercial de São Paulo
(ACSP), para quem a inadimplência do brasileiro é praticamente o dobro da apontada pelos
índices oficiais. Para o economista-chefe da ACSP, Marcel Solimeo “o crédito consignado
está mascarando o real tamanho da inadimplência do consumidor”, uma vez que a relativa
estabilidade da inadimplência apontada pelos dados do Banco Central não é resultado do
aumento do nível de emprego, mas do efeito do crédito consignado, que responde pela maior
parte dos recursos emprestados para pessoas físicas
71
.
O descumprimento dos contratos é um fator concreto que atinge não somente às
relações contratuais de consumo, mas também os contratos de importação, exportação,
prestação de serviços, fornecimento de produtos, etc. A título ilustrativo, destaca-se a notícia
veiculada na internet pelo jornal Gazeta Mercantil sobre a inobservância do contrato de
fornecimento de biodisel:
70
Uma pesquisa realizada pela Telecheque - empresa que reúne um dos maiores bancos de dados sobre
inadimplência no país o maior problema dos brasileiros inadimplentes ainda continua sendo o descontrole
financeiro, apontado por 29% dos pesquisados. Segundo a pesquisa - as razões da inadimplência: 1
empréstimos de cheques – 13%; 2 – descontrole com as finanças – 29%; 3 – atraso salarial – 12%; 4 –
desemprego 9%. Perfil do consumidor inadimplente: 51% dos inadimplentes são mulheres; 41% casados; 66%
têm idade entre 21 a 40 anos; 38% concluíram o Ensino Médio; 50% se tornaram inadimplentes com compras
entre R$ 50 e R$ 200; Estados brasileiros que concentraram grande parte dos inadimplentes: São Paulo (20%),
Rio de Janeiro (15%), Minas Gerais (12%), Rio Grande do Sul (7%) e Ceará (6%). In:
<<http://www.acessa.com/negocios/arquivo/economia/2004/10/29-inadimplencia/>> Acesso em: 04 ago. 2008.
71
Na análise do economista Humberto Veiga, consultor para o sistema financeiro da Câmara dos Deputados, a
linha de crédito com a taxa de inadimplência mais elevada hoje é a do cartão de crédito. Em maio, a
inadimplência do cartão acima de 90 dias estava em 25,23%, ante 7,3% para a média da pessoa física e 23,5% no
mesmo período do ano passado para o cartão de crédito, segundo o BC. In: <<Notícia: Inadimplência 'real' é o
dobro da 'oficial', diz ACSP. 09 de julho de 2008 às 11:22, G1-Economia e Negócios.
<http://www.administradores.com.br/noticias/inadimplencia_real_e_o_dobro_da_oficial_diz_acsp/15878/>
Acesso em: 04 ago. 2008.
A Petrobras silenciou-se ontem ao ser questionada sobre qual o volume de biodiesel
que se encontra em seus estoques estratégicos. As distribuidoras afirmam que, desde
o começo do ano, esses estoques estão sendo utilizados para cumprir a mistura
obrigatória de 2% de biodiesel no diesel, pois a inadimplência na entrega do
biocombustível não acabou. Mas, desde maio, o quadro vem se agravando e mais de
30% do consumo mensal estaria saindo desses estoques estratégicos, segundo o
vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis
e de Lubrificantes (Sindicom), Alísio Vaz. "Em julho a situação está pior e o
descumprimento de contratos das usinas está ‘bem’ superior a 30%”, diz Vaz. No
ano passado, antes da entrada em vigor da mistura obrigatória, a inadimplência das
usinas atingiu 55%. Na primeira semana de janeiro, também os primeiros sete dias
do programa, o calote estava em 20% e a Petrobras detinha 25 milhões de litros em
estoque, segundo informações da própria Petrobras concedidas à Gazeta Mercantil e
publicadas no dia 9 de janeiro. (BATISTA, 2008, p. 1).
O descumprimento do contrato traz consigo o alerta de que algo não está bem e que
pode agravar a situação da coletividade. Traz consigo, também, o alerta para o Estado, para as
grandes corporações, para que tomem conhecimento dos fatos e passem a adotar medidas
pontuais para contornar a situação.
No Brasil a situação dos contratos de financiamento habitacional bem se enquadram
nesse contexto, pois desde 1964 (criação do Sistema Financeiro de Habitação pelo governo
militar, Lei 4.380/64), a principal preocupação foi resolver o deficit habitacional através de
concessão de crédito à população para aquisição da casa própria.
O Sistema Financeiro de Habitação SFH dividia-se em dois subsistemas, baseados
em suas principais fontes de recursos: o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos
SBPE e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FGTS. Assim, os recursos do SBPE
eram disponibilizados para empreendedores construírem imóveis para atender interessados
com renda média e alta (BASTOS, 2007, p. 15-16). Por sua vez, os recursos do FGTS,
geridos pelo Banco Nacional de Habitação BNH, então órgão central do SFH, destinavam-
se “[...] basicamente à construção de casas e conjuntos populares e, em menor escala, ao
saneamento e desenvolvimento urbano” (BASTOS, 2007, p. 16).
A crise no setor imobiliário no Brasil iniciou-se nos anos 70, reflexo da crise
econômica vivida no cenário mundial. Nesse passo, a farsa do milagre econômico, tão
difundido no governo de Ernesto Geisel (1974/1979), revelou-se: a inflação sobe, o
crescimento econômico cai, a dívida externa aumenta e, em conseqüência, os investimentos
do governo diminuem (BASTOS, 2007, p. 16).
A inadimplência aos contratos firmados foi reflexo da diminuição do poder
aquisitivo do trabalhador que já não conseguia pagar as prestações habitacionais que se
tornaram demasiadamente elevadas. O governo, então, na tentativa de solucionar a crise do
SFH criou o Plano de Equivalência Salarial PES e o Fundo de Compensação das Variações
Salariais – FCVS.
O PES previa que o reajuste das prestações seria anual e na proporção do aumento do
salário mínimo, devendo os saldos-devedores variar de acordo com a inflação. Daquela forma,
o prazo de amortização aumentava e, para cobrir tal aumento, o FCVS deveria quitar a dívida
restante do mutuário quando o prazo ultrapassasse 50% do pacto originário, funcionando
como uma espécie de seguro para quitação do saldo-devedor (GONÇALVES DA SILVA,
2008, p. 414).
Em 1986, o Sistema Financeiro de Habitação sofreu grandes alterações com a edição
do Decreto-lei n. 2.291/1986, que extinguiu o BNH e transmitiu suas atribuições entre o então
existente Ministério de Desenvolvimento Urbano, Banco Central do Brasil e Caixa
Econômica Federal.
A Constituição Federal de 1988 não previa originariamente a moradia como um
direito social, mas com a Emenda Constitucional n. 26, de 14/02/2000, passou a constar no rol
dos direitos sociais (artigo 6º da Constituição Federal).
Nos anos que se seguiram foram diversas as tentativas do Governo em superar o
deficit habitacional: em 1990 foi lançado o Plano de Ação Imediata para Habitação, que se
propunha a financiar 245 mil habitações totalmente custeadas com recursos do FGTS; entre
1992 a 1995 incluiu-se o da Carta de Crédito Individual; em 2001 foi criado o programa de
Arrendamento Residencial pela lei n. 10.188, de 12/02/01, destinado à população de baixa
renda; em 2004, com a Lei n. 10.998, de 15/12/04, foi alterado o Programa de Subsídio à
Habitação de Interesse Social (GONÇALVES DA SILVA, 2008, p. 314-315).
Os efeitos da crise surgida no final da década de 70 que se estendeu por toda a
década de 80 –, se fez sentir no Poder Judiciário, que teve, e ainda tem, que julgar as
demandas envolvendo revisões e execuções de contratos habitacionais.
A inadimplência surgiu, tornou-se tão desproporcional que exigiu do Estado um
dirigismo legislativo, o qual não foi o suficiente para contornar a crise no setor imobiliário
brasileiro. O que aconteceu com todos esses contratos? Com essas pessoas que adquiriram
seus imóveis e depois não conseguiram mais pagar as prestações?
Cada contrato firmado trata-se de uma história, mas o que se percebe é que na busca
pela defesa da moradia uma das alternativas encontradas pelos mutuários foi procurar na
justiça o equilíbrio contratual, através da ação revisional.
No plano internacional, não é demais lembrar a recente crise imobiliária americana
que se iniciou e logo propagou seus efeitos para o restante do mundo.
O caminho trilhado aaqui oferece os elementos necessários para enfrentar, assim,
no próximo capítulo, a temática moderna sobre revisão do contrato, sua viabilidade,
características, condições, bem como o posicionamento jurisprudencial atualizado sobre o
assunto.
4 REVISIONISMO CONTRATUAL
4.1 A Importância dos Princípios Rebus Sic Stantibus e Pacta Sunt Servanda no
Contratualismo
A História demonstra que desde muito cedo se constatou que nas relações entre os
homens nada poderia ser definitivo, já que a própria vida era contingente e situacional,
definida pela lei natural. Em tal caminhar, regida pela relatividade dos acontecimentos,
sedimentou-se o entendimento de que nenhuma manifestação decisória poderia ser
considerada perfeita e acabada e, por isso, revestida de definitividade, como resultado do
exame de qualquer irregularidade comportamental denunciada, resultante de convenções
privadas ou públicas, em decisões judiciais ou extrajudiciais, singular ou coletiva, na precária
disciplina de relacionamento entre os homens.
Isso porque sempre existiria espaço para a readequação daquilo que, em dado
momento e envolvido por determinadas circunstâncias, representou a melhor forma do querer
das partes, mas que, conseqüente à irregularidade contratual, exigiu intervenção da
autoridade. Sinteticamente: nunca foi possível afastar de vez a circunstancialidade que sempre
cercou os acontecimentos entre os homens resultantes de ações ou omissões e,
conseqüentemente, seus reflexos diretos e indiretos
72
.
A grande consolidação ou estruturação definitiva do revisionismo ocorreu na
República Romana (500 a.C. a 27 a.C.). Ali, por força das legis actiones e ainda do sistema
per formulae, em lugar do recurso de apelação existiram fórmulas extraordinárias de reexame
denominadas intercessio, revocatio in duplum e restitutio in integrum. Os efeitos daquele
revisionismo eram, em última análise, semelhantes ao da apelação contemporânea, ainda que
com fundamentos diversos. Tinha como fulcro não a necessidade de revisão, mas outros
pressupostos, assemelhados à apelação.
Os contratos “cuja origem se perdeu na noite dos tempos” –, nas palavras de
Ferreira e Pagliarini (2009, PRELO), “sempre foram sublinhados por natureza eminentemente
interacionista. Realizado por uma ou mais pessoas, caracterizou-se por vincular e pautar suas
ações na interdependência das partes, em busca de um mesmo e único fim”.
72
No direito romano houve interdição, durante o Império, de exportar trigo, vinho; as intervenções destinadas a
impor às corporações comerciais, industriais e operárias, sob a forma de obrigações imperativas, o regime
sistemático de subordinação, que se acabou generalizando; a tentativa de taxação das mercadorias pelo edito do
máximo e a fixação de salário, sob Diocleciano; a luta contra o “precarium, que levou ao contrato feudal
(OLIVEIRA, 2002, p. 41).
Jamais comportou qualquer dúvida esta categórica afirmação: no campo do
contratualismo, em todos os ordenamentos jurídicos em que foram adotadas e
utilizadas as convenções diferidas entre os homens, desde o início do advento do
homem, nunca foram esculpidos princípios ou regras mais importantes do que as
contidas nas formulações rebus sic stantibus e pacta sunt servanda. Não seria
temerária a afirmação de que o atual estágio de equilíbrio e garantia das contratações
foram possíveis graças à existência dos dois princípios romanos. O primeiro,
como forma de estabilizar convenções, admirável instrumento balizador das
condições operacionais do segundo e este, como postulado de segurança e confiança
nas contratações. Em importância, os princípios só tiveram similar na res iudicata.
E, se alguma dúvida ainda restasse, suficiente seria imaginar a supressão dos dois
princípios e tentar visualizar” como ficariam as convenções públicas e privadas,
incluindo-se os internacionais. A “visualização” sugerida seria difícil senão
impossível visto ser inimaginável uma convenção despida de equilíbrio (rebus) e
segurança (pacta), fatores indispensáveis a regê-las. Implicitamente, não mantido o
estado de criação por qualquer razão, a despeito de ser obrigatório o cumprimento
do avençado, uma nova configuração contratual se faria presente, abrindo-se as
portas à readequação das mudanças a um novo estado fático, conhecida como
revisão, senão em nome da eqüidade, ao menos da boa-fé. (FERREIRA,
PAGLIARINI, 2009, PRELO).
No universo obrigacional tem sido este um postulado de caráter axiomático: sempre
que alguém se dispôs a estudar o contratualismo, dois nomes avultaram como marcos
epistemológicos definitivos: Lucius Neratius Priscus, conhecido apenas como Neratius e
Domitius Ulpiano, que o mundo iria reverenciar como Ulpiano, também responsável pelos
princípios honeste vivere, alterum non laedere e suum cuique tribuere
73
.
Na saga dos contratos nunca foi possível discutir os princípios pacta sunt servanda e
rebus sic stantibus ou vice-versa de forma dissociada. Sempre que se discutiu um deles,
necessariamente, de forma expressa ou implícita, houve referência ao outro, tão-somente por
representarem expressões cunhadas para um único e mesmo fim: equilibrar de forma segura
as contratações.
Paulo Carneiro Maia (1959, p. 57), um dos principais monografistas nacionais sobre
o tema, em sua tese de Livre-Docência, observou:
73
Registra Ferreira e Pagliarini (2009, PRELO): a) Neratius nascido no ano 125 da Era Cristã, foi o grande
responsável pela formulação: Contractus qui habent tratum sucessivum et dependentia de futuro, rebus sic
stantibus intelliguntur, princípio balizador das incipientes convenções então existentes, preconizava a
manutenção do estado de criação dos contratos do princípio ao fim, na modalidade execução diferida. Além da
consagrada fórmula rebus sic stantibus (essência da formulação), a primeira aparição no direito romano,
constante do Digesto, foi cunhada por Neratius, nos seguintes termos: “Omnis pacto intelligittur rebus sic
stantibus et in eodem statu manentibus” (Tudo se entende no contrato, desde que permaneçam as mesmas
condições e circunstâncias). b) Ulpiano nascido em 170 e falecido em 228 da Era Cristã, foi o criador da
expressão contractus enin legem ex conventione accipiunt (os contratos, aceitam a lei proveniente das
convenções), constante do Digesto (Livro XVI, III, 1, § 6º) do Código de Justiniano, que mais tarde, daria
origem ao pacta sunt servanda (Digesto, Livro 50, 17, 23), aceito mundialmente como lei a reger as relações
contratuais. Outras variantes daquela expressão final foram registradas como pacta quantumcunque servanda
sunt, significando que os contratos, em qualquer circunstância, deviam ser servidos ou atendidos e hoc
servabitur, quod initio convenit: legem enin contractus dedit (Digesto, 50, 17, 23). Cf. ainda: BORGES, 2002, p.
87.
A elaboração da cláusula rebus sic stantibus, pelo seu sentido dogmático e pelo rigor
lógico do critério em que se inspirou, deve-se aos autores da escola culta holandesa
e tedesca. Representa ela movimento científico capital, da metade do século XVII
aos fins do século XVIII, que é um fiorire di trattazioni e di monografie sul nostro
argumento”.
E Maia (1959, p. 227) acrescentou:
Sempre se reconheceu que as sentenças determinativas de alimentos encerram
pronunciamentos rebus sic stantibus, de forma que estabelece, no apuramento desta
pensão alimentícia, exceção ao princípio res iudicata. em séculos distanciados
encontramos a Sacra Romana Rota admitindo o uso da cláusula rebus sic stantibus
na fixação de alimentos.
O revisionismo contratual, através dos milênios e tal como hoje se encontra, nasceu
de uma condição implícita na formulação de Neratius. Ao exigir que as convenções
mantivessem seu estado inicial de criação, a conseqüência lógica foi inferida: se forem
alterados por qualquer fato devem ser revistos ou extintos
74
. Neratius nunca disse, de forma
expressa, que a revisão seria uma conseência lógica da alteração, mas a eqüidade e a
comutatividade dos pactos supriram a ausência daquela fala direta.
Seria pertinente e oportuno destacar que, em termos de configuração com caráter
dogmático (registro de forma escrita), o princípio rebus surgiu antes do pacta, mas ambos se
destinaram à disciplina de contratações do princípio ao fim, razão por que deveriam manter o
estado em que haviam sido criadas, a serem fielmente cumpridas.
Quando Neratius disse “contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam
de futuro rebus sic stantibus intelligentur”, buscava apenas traçar diretrizes regulamentadoras
do comportamento a ser seguido nas convenções então existentes, codificadas na
Mesopotâmia por Hamurábi, dando-lhes estrutura jurídica e características dogmáticas,
certamente inspirado nas disposições da exceção da Lei 48
75
.
Neratius, por exemplo, se referia ao dote, na promessa de casamento, com a
possibilidade do divórcio antes que um dos consortes atingisse a idade de contrair núpcias.
Assim, não consumada a celebração do casamento – pelo ato jurídico justae nuptiae
autorizava o retorno ao status quo (FIGUEIREDO, 2006, p. 729)
74
Em toda a história do contratualismo universal nunca foram criados princípios mais importantes do que rebus
sic stantibus e pacta sunta servanda, por engenho e arte de Neratius e Ulpiano, respectivamente. Ambos se
preocuparam em dotar, basicamente, as convenções de equilíbrio e segurança, como até então (séculos II e III
a.D) não havia existido.
75
O Código de Hamurabi determinava: “Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo
ou destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao
credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros esse ano”. (FIGUEIREDO, 2006, p. 725).
Décadas mais tarde, ao surgir o princípio pacta sunt servanda, inexplicável e
condenavelmente se procedeu a uma “releitura” e “reinterpretação” da formulação
consagrada de Neratius que, de princípio estabilizador das convenções, foi rebaixado à
condição de exceção ao fiel cumprimento dos pactos e, para diferenciá-la da criação de
Ulpiano, foi destinada apenas às alterações da base contratual que tivessem como causa
acontecimentos imprevisíveis, sem qualquer justificativa lógica ou jurídica.
De que fonte foram extraídos elementos para tais alterações, nunca se soube,
podendo ser assegurado, com absoluta certeza, que do texto de Neratius não foi, pondera
Ferreira e Pagliarini (2009, PRELO). Mais simples teria sido caso o interesse fosse
exclusivamente de comutatividade jurídica um simples confronto de datas. O princípio
criado e desenvolvido por Neratius datou de meados do segundo século da Era Cristã; a
formulação de Ulpiano surgiu no início do terceiro, consubstanciando, ambos são expressões
de uma mesma equação jurídica. Foram consagradas com conotações e características
originais, que jamais poderiam ter sido separadas ou diferenciadas, porque peças de uma
engrenagem jurídica, perfeitamente justapostas, em condenável subversão de suas raízes,
estrutura e propósitos.
4.1.1 A posterior desfiguração conceitual do princípio rebus, por via de re-reconfiguração,
após o advento do pacta
Curioso foi registrar que, quando do surgimento na cláusula rebus e de sua aplicação,
inexistiam quaisquer precedentes de que sua função de disciplina comutativa das convenções
tivesse sido posta em dúvida, razão por que nunca foram encontrados casos de sua atuação
como exceção ao fiel cumprimento do convencionado, mas apenas de regra estabilizadora das
convenções, evidenciando de forma definitiva sua “distorcida releitura”, como bem destaca
Ferreira e Pagliarini (2009, PRELO).
Ao ser considerada exceção ao cumprimento dos pactos, em contexto formalista e
individualista como o do direito romano, não se poderia esperar outra reação que não a do
surgimento de duas correntes: revisionistas ou neuratianos, que defendiam a possibilidade de
modificação das bases do convencionado como haviam sido criadas (modificadas, ensejariam
readequação ou extinção) e a dos anti-revisionistas que, desprezando quaisquer alterações no
alicerce contratual, defendiam a intangibilidade contratual e conseqüente adimplemento, a
qualquer custo, independentemente dos incidentes de percurso, até de profunda alteração
basilar.
Considerar a cláusula rebus como exceção ao cumprimento do convencionado foi um
equívoco (ou conveniência?) histórico. Em tal categoria foram incluídos os eventos
provocados por ação da natureza (Lei 48) ou do homem que trouxessem transformações no
campo do direito. Em verdade, segundo informa Ferreira e Pagliarini (2009, PRELO) foi
duplamente equivocada a reinterpretação doutrinária do princípio rebus tão-somente porque:
a) jamais poderia ser exceção da regra geral expressa pelo pacta, pela simples razão
de que o princípio só seria criado por Ulpiano no início do século III da Era Cristã,
sendo impossível excepcionar regra que ainda não existia, que ainda seria
sistematizada, sob pena de condenável e absurdo anacronismo;
b) destinou-se exclusivamente à correção de alterações provocadas por
acontecimentos imprevisíveis, o que jamais constou da formulação de Neratius. Este,
em seus textos nunca cogitou de qualquer diferenciação quanto ao elemento
causador da alteração do pacto, não tendo sido possível, ahoje, localizar qualquer
referência a eventos imprevisíveis que Neratius pudesse ter feito referência, como
fator de modificação da base negocial, a justificar uma revisão.
Nunca se deveria ter perdido tanto tempo na busca de solução para o que, quando
trataram do tema sem o devido rigor, alguns, enganosamente denominaram de dimensões
antagônicas ou de existência de latente tensão entre os princípios, porque, ao nascer, eram
figuras totalmente estranhas em seu inter-relacionamento. À luz da eqüidade e comutatividade
dos pactos, entre os princípios sempre existiu equilíbrio perfeito e harmonia necessária,
direcionados para um mesmo objetivo, a despeito dos argumentos falaciosos apresentados por
anti-revisionistas, contrários à axiomática existência de seu correto e indiscutível
equacionamento.
Na atualidade a rendição a esta evidência tem sido incontestável: nos dias de hoje,
tentar realocar topologicamente aqueles princípios em seus primitivos e verdadeiros
espaços seria tarefa insana e inglória, equivalente à empreitada do “cavaleiro da
triste figura”, em sua divina loucura de transformar moinhos de vento em dragões,
na imortal obra de Cervantes. (FERREIRA, PAGLIARINI, 2009, PRELO).
A decadência da cláusula teve início a partir da Revolução Francesa, no final do
século XVIII e início do XX, não constando dos códigos civis da França e da Itália, os quais,
além de não a mencionarem, traziam fortes alusões à autonomia da vontade e obrigatoriedade
dos contratos. Como bem expressa Carlos Alberto Bittar Filho (1992, p. 20):
Sopravam os ventos de duas revoluções: a inglesa econômica, e a francesa política.
Grassava o individualismo, enfim, cujos reflexos no mundo jurídico foram novas
concepções assentadas na autonomia da vontade e na irreversibilidade dos ajustes.
O império da pacta sunt servanda se inicia e vai perdurar até o surgimento das
grandes guerras
76
, momento em que se faz necessária a intervenção do Estado na área
econômica e social a fim de evitar ou minimizar as injustiças. A cláusula rebus sic stantibus
renasce com contornos diversos e se torna conhecida e estudada como teoria da imprevisão
77
.
4.2 Função Social do Contrato e Revisionismo Contratual
A força do velho princípio da obrigatoriedade, arraigado no fiel e integral
cumprimento dos contratos (lei entre as partes pelo art. 1.134 do Código Civil francês de
1804)
78
, aos poucos foi sendo mitigada pela imposição de uma justiça contratual assentada na
saudável filosofia que substituiu a iluminista individualidade oitocentista pelo coletivismo do
século XX.
Aqui cabe lembrar que o conteúdo e a extensão da norma programática inserta no art.
421 do Código Civil, que trata da função social, bem como as previsões de possibilidade de
revisão do contrato por onerosidade excessiva do art. 47, que atuam como uma forma de
76
“Na França, ainda dominada pelo estrondo das lutas encarniçadas de então, o problema pedia, rogava,
soluçava um desenlace. Todavia a Corte de Cassação resistia, rejeitando a teoria revisionista, batendo
seguidamente na tecla da autonomia da vontade. Foi então que o legislador foi chamado a intervir, vindo à luz
chamada legislação de guerra que através de disposições especiais e de caráter transitório, acolheu a
possibilidade da resolução do contrato. Essa intervenção legislativa, provocada pela diligência de um grupo de
industriais, iniciou-se com a lei de 21 de janeiro de 1918, intitulada loi Faillot”, devido ao nome do autor de
seu projeto, adotando a noção de imprevisão admitida pelo Conselho do Estado. Permitia o pedido de rescisão,
por qualquer das partes contratantes, das obrigações a cumprir e de outros contratos comerciais concluídos antes
de de agosto de 1914, que comportassem entregas de mercadorias ou gêneros alimentícios, fosse em
prestações sucessivas ou apenas diferidas”. (OLIVEIRA, 2002, p. 86)
77
A obra de Anísio José de Oliveira “A teoria da imprevisão dos contratos” (3 ed., São Paulo: LEUD, 2002, traz
meticulosa classificação das teorias que procuram fundamentar a teoria da imprevisão (p. 137 e SS.): I
Intrínsecas: A) Teorias com base na vontade: da pressuposição (Windscheid), da vontade marginal (Osti), da
base do negócio (Oertmann), da base erro (Giovène), da situação extraordinária (Bruzin), do dever de esforço
(Hartmann); B) Teorias com base na prestação: do estado de necessidade (Lemann e Covielo), do equilíbrio das
prestações (Giorge e Lenel). II – Extrínsecas: 1) Fundamento na moral (Ripert e Voirin), 2) Fundamento na boa-
fé (Wendt e Klenke), 3) Fundamento na extensibilidade do fortuito (acolhida pela jurisprudência alemã, inglesa e
francesa), 4) Fundamento na socialização do direito (Badenes Gasset), 5) Fundamento na equidade e na justiça
(Arnold Medeiros da Fonseca).
78
“Les convéntions légalement formées tiennent lieu de loi, à ceux qui les ont faites. Elles ne peuvent être
révoquéés que de leur consentement mutuel ou pour les causes que la loi autorise. Elles doivent être éxecutées de
bonne foi”.
limitação da liberdade de contratar, somente podem ser entendidos se for analisado o
paradigma teórico em que o principio foi concebido, ou seja, o solidarismo jurídico.
Para Luciano Benetti Timm (2006, p. 86) a função social dos institutos de direito
privado, e em especial em relação ao contrato, é criação dos defensores do direito social
como, Durkheim, Duguit, Hauriou, Salleilles e Gurvitch, os quais romperam com o
“paradigma individualista do modelo jurídico liberal das codificações oitocentistas por
acreditar que análise jurídica não deveria partir do direito subjetivo de uma pessoa”, e sim “da
função que aquele direito desempenha no tecido social”.
Objetivava-se diminuir os conflitos sociais pela distribuição dos riscos de atividades
empresariais capitalistas e das vantagens econômicas geradas na sociedade, bem como
proteger a parte mais fraca nas relações sociais. Para tanto, o ideal solidarista exige uma nova
racionalidade jurídica, pautada por uma maior abstração das normas jurídicas, sendo normas
programáticas, na maioria das vezes, para oportunizar ao julgador a resolução de conflitos
sociais.
Trata-se, portanto, de uma tentativa de correção do “egoísmo”, do “individualismo”
e mesmo, para alguns, do “capitalismo”. É esse ideário solidarista que se encontra,
em primeiro lugar, na Constituição Federal (vide, por exemplo, os seus arts. 1º e 3º).
Mas também é essa visão que aparece claramente nas diretrizes do novo Código
Civil “socialidade” e “eticidade” e em vários artigos espalhados pelo corpo do
texto legal (ver, por exemplo, os arts. 157, 187, 421, 422, 424 e 1.228). É, portanto,
nas entranhas do modelo welfarista” que se encontra a gênese ideológica do art.
421 do novo CC”. (TIMM, 2006, p. 91/92).
Todo excesso requer medidas rigorosas e em igual escala para ser contido. Parece
redundante, mas a História nos comprova que após uma era de extrema liberdade para o
campo da contratação, torna-se difícil inserir a idéia de ponderação e equilíbrio para os
contratantes, principalmente para aquele que é detentor das riquezas e se encontra no pólo
forte do contrato.
Oportuna a citação neste momento de Louis Josserand (1951, p. 282), ao tratar do
dirigismo contratual:
El desarrollo del dirigismo contractual constituye uno de los fenômenos mayores del
derecho contemporâneo; debido a causas políticas económicas profundas primacía
de lo social sobre loindividual”; acumulación de capitales y concentración de
empresas; desigualdad de poder entre los contratantes; necesidades de proteger a los
individuos contra la tirania de las agrupaciones, de las compañias, de las sociedades
[...] a una organización social nueva y a contratantes nuevos, que han cambiado de
fisionomia y casi de personalidad, conviene um gimen contractual nuevo [...] cada
vez más, el contrato es dirigido.
Como afirmado no segundo capítulo, o contrato acompanha as transformações
políticas e sociais, “molda-se” com o tempo, de maneira a continuar sendo essencial. Não foi
diferente quando do surgimento dos direitos sociais. A política não era mais a mesma. O
Estado passou a ser um ente ativo nas áreas da saúde, educação e moradia, porque o momento
histórico lhe impunha tal condição. E não foi diferente em relação ao contrato, pois a
realidade também exigia que o Estado guiasse os contratantes para sua ideologia e, na esfera
contratual, os direitos individuais e sociais fossem observados.
Vale dizer, a adoção de um direito contratual próprio do direito social somente
poderia acontecer, coerentemente, se o legislador adotasse uma concepção de
contrato “welfarista”, ou seja, como um fato social orgânico ordenado
funcionalmente pelo Estado, inspirado na idéia e prevalência do todo sobre a parte
(isto é, dos interesses coletivos sobre os individuais). Isso autorizaria o Estado,
através do seu Poder Judiciário, a promover o reequilíbrio das partes contratantes, a
proteger o pólo mais fraco da relação e a promover o bem-estar social. (TIMM,
2006, p. 94).
Nesse sentido, entendeu-se que a função social do contrato tem por objetivo evitar a
imposição de cláusulas onerosas e danosas aos contratantes economicamente mais fracos e,
quando se torna demasiadamente desequilibrado, retoma seu rumo com a aplicação da
cláusula rebus sic standibus.
Torna-se de grande relevo, assim, o fato de na ação revisional ao julgador ser
possível, em prol da função social do contrato, empregar em sua decisão a eqüidade, a qual
pode ser compreendida como a autorização para que o magistrado se remeta "ao valor do
justo e à realidade econômica, política, social ou familiar em que se insere o conflito à
æquitas enfim para retirar daí os critérios com base nos quais julgará", nas palavras de
Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 325-326).
O ordenamento jurídico brasileiro, atento às transformações, principalmente depois
do advento do Código Civil de 2002 a despeito de algumas falhas e lacunas congênitas que
o tempo, via doutrina e jurisprudência, acabarão por depurar –, tem sido considerado um dos
mais avançados do mundo. Destacou-se, para tanto, inclusão dos artigos 317 e 478 a 480
(revisão contratual), 421 (função social das convenções) e 422 (exigência expressa da boa-fé
contratual), com ênfase constitucional para o respeito à dignidade humana, dispositivos que
lhe asseguraram, com toda certeza, um lugar de destaque no cenário mundial.
4.3 A Ação Revisional
4.3.1 Ação revisional e a manutenção dos contratos
Seguindo as premissas de uma visão social do contrato, todo o arcabouço
principiológico de nosso sistema, assim como a doutrina e a jurisprudência irão fornecer as
bases, os alicerces para a ação revisional como instrumento de readequação e conservação dos
contratos.
Pela leitura do art. 478 do CC, que preceitua que se a prestação de uma das partes do
contrato se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato, quer parecer que o legislador optou pela resolução do contrato em detrimento de sua
revisão.
Contudo, acompanhando o entendimento firmado por Wladimir Alcibíades Marinho
Falcão Cunha (2007, p. 110), acredita-se que a melhor opção está em ofertar a parte
prejudicada a possibilidade de revisão judicial da relação negocial, quando o equilíbrio do
contrato foi perdido.
Justifica-se tal posicionamento porque a ação revisional está diretamente vinculada à
própria evolução do contrato e de sua concepção socializada bem como pelo fato de, embora
se permitir a revisão judicial, os contratos, sempre que possível, devem ser conservados
porque, geralmente, não interessa a sua resolução e a volta ao status quo ante, para a parte
mais fraca da relação negocial (CUNHA, 2007, p. 111). Exemplo disso pode ser verificado
nos casos de cláusulas abusivas constantes em contrato de financiamento de imóvel ou
veiculo: a parte que está com o bem (casa ou carro), não pretende desfazer-se do mesmo,
entregando-o ao financiador com o recebimento de valores pagos (com os devidos
abatimentos decorrentes do uso); para a parte interessa a manutenção do contrato e a
aquisição do bem que passará a integrar seu patrimônio pessoal.
Nesse mesmo sentido expressa Luiz Renato Ferreira Silva (1998, p. 2):
A clássica solução, quando havia dissenso entre as partes, era o caminho da
resolução, caso houvesse inadimplemento, ou da rescisão, quando houvesse mácula
congênita à formação do contrato, como no caso de lesão. Esta tendência parece
estar mudando. Privilegia-se, em diversas circunstâncias, a manutenção do pactuado
em detrimento do seu desfazimento.
Cabe lembrar as diversas disposições do Código Civil em que a idéia de manutenção
do contrato está viva, a teor, por exemplo, do art. 144 que preceitua que o erro “não prejudica
a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige,
se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”.
O § do art. 157 também determina que não deve ser decretada a anulação do
negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a
redução do proveito, ao dispor sobre a lesão.
Ainda, se podem mencionar os artigos 184, 479
79
e 480:
Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio
jurídico não o prejudica na parte válida, se esta for separável; a invalidade da
obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da
obrigação principal.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
equitativamente as condições o contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela
pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim
de evitar a onerosidade excessiva.
O contrato cumpre sua função social quando é cumprido e o bem ou serviço
contratado satisfaz o interesse de ambas as partes envolvidas na relação negocial de forma
justa e equilibrada. A manutenção da avença, através da ação revisional deve ser priorizada
em relação à possibilidade de sua resolução. É a pacta em perfeita harmonia com a cláusula
rebus sic stantibus.
4.3.2 Natureza jurídica da ação e da sentença revisional
Para se auferir a natureza jurídica da ação de revisão contratual pode-se indagar
sobre o que se objetiva com a ação e a resposta tenderá a ser sempre no mesmo sentido:
modificar a relação contratual existente.
Como se sabe, a ação constitutiva “tem por objetivo obter a constituição,
modificação ou a extinção de uma relação de direito por sentença judicial”
(GOLDSCHMIDT, 2003, p. 147).
Como ressalta Didier Jr. (2008, p. 196), a ação constitutiva relaciona-se aos
chamados direitos potestativos
80
e tem por objetivo certificar e efetivar tais direitos, sendo que
79
Na mesma linha de raciocínio aqui desenvolvida Roberto Senise Lisboa (2006, p. 485) ao comentar o art. 479:
“Em que pese a disposição sobre a resolução do contrato por onerosidade excessiva, continua vigorando o
princípio da conservação do negócio jurídico sempre que se demonstrar possível o reequilíbrio da relação
contratual”.
a sentença que reconheça esse direito potestativo “já o efetiva com o simples reconhecimento
e a implementação da nova situação jurídica almejada”. Portanto, a sentença que
provimento a uma ação que veicule direito potestativo é uma sentença constitutiva, e não irá
gerar atividade executiva posterior, por ser desnecessário. Menciona o autor exemplos de
ações constitutivas: “ação de invalidação, ação de resolução/revisão de contrato, ação de
interdição, separação judicial, divórcio, ações divisórias, ação de falência, ação rescisória,
exclusão de herdeiro etc”.
Segundo Arruda Alvim (2003, p. 655) o que peculiariza a sentença constitutiva é que
ela traz para o universo jurídico uma inovação específica, e é justamente isto que a distingue
das demais, em especial da declaratória, e se difere da condenatória “porque essa inovação
específica é produzida integralmente pela sentença constitutiva, a qual, para ter eficácia,
independe do processo de execução”.
Para Bittar Filho (1994. p. 20), dentre as ações constitutivas, encontra-se a que é
proposta com lastro na teoria da imprevisão, “pois ela tende a uma sentença de mérito que
pode tanto extinguir a relação contratual (em resolvendo o contrato), quanto modificá-la (em
procedendo à suavização da prestação excessivamente onerosa)”.
Conforme Marinoni e Arenhart (2003, p. 457-458) a sentença constitutiva “ao
contrário das sentenças condenatória, mandamental e executiva, bastam como sentenças (por
si) para atender ao direito substancial afirmado”, enquanto as demais (condenatória,
mandamental e executiva) “exigem atos posteriores para que o direito material seja
efetivamente realizado”.
Por sua vez, aduz Izner Hanna Garcia (2002, p. 175-176) que a revisão do contrato
exige, em um primeiro momento, uma sentença desconstitutiva, que desfaça a situação
contratual lesiva e, após desconstituído o negócio lesivo, cabe à sentença constituir
positivamente as novas bases contratuais”, pois a ação não se presta a rescisão de contratos,
mas primordialmente, a reequilibrar a relação negocial, “trazendo o contrato aos parâmetros
da comutatividade quebrada”.
Ante o posicionamento da doutrina, há algumas questões que merecem reflexão:
80
“Direito potestativo é o poder jurídico conferido a alguém de submeter outrem à alteração, criação ou extinção
de situações jurídicas. O sujeito passivo de tais direitos nada deve; não conduta que precise ser prestada para
que o direito potestativo seja efetivado. O direito potestativo efetiva-se no mundo jurídico das normas, não no
mundo dos fatos, como ocorre, de modo diverso, com os direitos a uma prestação. A efetivação de tais direitos
consiste na alteração/criação/extinção de uma situação jurídica, fenômenos que só se operam juridicamente, sem
a necessidade de qualquer ato material” (DIDIER JR., 2008, p. 196).
Se “A” interpõe ação revisional de contrato contra “B” e é proferida sentença de
procedência dos pedidos, como “A” deverá proceder para compelir “B” a revisar o contrato,
objetivando, assim, saber o valor que poderá pedir a título de repetição ou para saber o exato
valor devido e fazer o pagamento, liberando-se, dessa forma, do vínculo obrigacional?
Observe-se o que o caput do art. 475-I do CPC preceitua que “o cumprimento da
sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A”. Por sua vez, o art. 475-N, I, do CPC prevê
que dentre os títulos executivos judiciais está a “sentença proferida no processo civil que
reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”.
Pois bem, se a sentença proferida na ação revisional determinou que B” efetuasse a
revisão do contrato, apresenta-se uma sentença com nítida obrigação de fazer, seria correto,
então, se concluir que “A” poderia executá-la com fundamento no art. 461
81
do CPC e o juiz
poderia, nos termos do §5º do mesmo artigo, de ofício, ou a requerimento da parte
interessada, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de
atraso na apresentação do contrato revisto? Poderia, ainda, o magistrado determinar que a
contadoria ou perito apresente a revisão do contrato?
Para responder aos questionamentos é necessário considerar que a classificação das
ações em declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas lato sensu
devem ser consideradas a partir da análise de sua eficácia preponderante contida na sentença.
Por isso, torna-se importante analisar o pedido constante na inicial da ação de revisão
contratual, no qual pode haver cumulação de pedidos, alguns de natureza diversa como:
pedido de declaração de nulidade de cláusulas, consignação de valores, restituição do
indébito, obrigação de fazer ou não fazer, tutela antecipada ou inibitória para retirar ou não
incluir o nome do autor em cadastros restritivos ao crédito, quitação do contrato etc.
Oportuno é o exemplo trazido por Éder Maurício Pezzi López (2008, p. 178-179) de
pedido de natureza diversa à típica ação constitutiva:
[...] é comum vislumbrar pedidos que têm como causa a aplicação equivocada da
cláusula PES (Plano de Equivalência Salarial) em contratos habitacionais do SFH
(Sistema Financeiro da Habitação), onde o mutuário alega, por exemplo, que o
reajuste da parcela mensal foi superior aos reajustes de salário de sua categoria
profissional. Nesses casos, não está em julgamento eventual nulidade ou
anulabilidade de cláusula contratual, mas sim, o exato cumprimento daquelas
pactuadas no tocante aos índices de reajuste. Dessa forma, considerando que
eventual sentença terá como conteúdo uma nítida obrigação de fazer, ou seja,
implementar os reajustes corretos às parcelas do contrato, pode-se dizer que a
81
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providencias que assegurem o resultado
pratico equivalente ao do adimplemento.
natureza de tal pedido é executiva lato sensu, que a instituição financeira poderá
ser coagida por meios indiretos a implementar os reajustes corretos.
Ainda, lembra o autor (2008, p. 179) a natureza mandamental do pedido que objetiva
a exclusão do nome do autor dos sistemas de proteção ao crédito, eis que o juízo mandará que
“a pessoa responsável pela administração do contrato (um preposto da instituição financeira,
por exemplo) cumpra a ordem”.
Finalmente, cabe ressaltar que se a ação revisional for julgada improcedente, “os
seus efeitos serão sempre declaratórios negativos”, ou seja, se afirmará, na parte dispositiva
que o direito pretendido não existe (ARRUDA ALVIM, 2003, p. 652).
A compreensão do processo atualmente está diretamente vinculada ao bem da vida
que se pretende obter pela atuação do Poder Judiciário, de maneira que, a preocupação se
volta à efetividade da prestação jurisdicional, afastando-se aquela compreensão de que a ação
deveria ser declaratória, constitutiva ou mandamental.
Com efeito, como se pode observar em uma ação poderão estar conjugados pedidos
de naturezas diversas, sendo certo que quem pretende ver o contrato revisto também
pretenderá obter a repetição do que pagou a maior, ou a compensação de tais valores com o
débito porventura existente; pretenderá, ainda, consignar os valores que entende devido;
estancar os efeitos da mora; ver excluído o seu nome dos cadastros restritivos ao crédito etc.
4.3.3 Condições da ação revisional
Segundo o art. 267, VI do CPC, podemos ter como condições da ação a possibilidade
jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. Na ação revisional, além de o
pedido ser possível em nosso ordenamento jurídico, eis que não proibição para apreciação
de tais demandas pelo Poder Judiciário, as partes devem estar legitimadas para o feito, ou
seja, devem fazer parte da relação contratual a que se pretende ver revisada.
O interesse de agir como afirmam Marinoni e Arenhart (2003, p. 67) “repousa sobre
o binômio necessidade + adequação”. Sendo assim, segundo os autores, haverá necessidade
quando o direito material não puder ser realizado sem a intervenção do Poder Judiciário e
adequação quando a providência requerida for capaz de remediar a situação descrita no
pedido.
Portanto, em relação à ação revisional deve existir a pretensão de uma das partes da
relação contratual em reequilibrar o contrato e de outro vértice, a existência de resistência da
outra parte em reestruturar as bases negociais. Ainda, como às demais ações, a revisional deve
atender aos requisitos da petição inicial, dispostos no art. 282 do CPC.
A possibilidade de o contrato ser revisto judicialmente está diretamente relacionada a
mudança de visão contrato pelo próprio Estado, ou seja, ultrapassada a concepção meramente
liberal, passa-se a perceber o instituto através de uma concepção social, que irá refletir no
processo civil.
Nesse sentido Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha (2007, p. 104):
Em termos gerais, diz respeito à intervenção do Estado, por meio da figura do
magistrado, no próprio conteúdo material do contrato, seja para expurgar
determinada cláusula contratual, seja para alterar-lhe o significado, seja para reduzir
os efeitos prestacionais originados por esta cláusula, modificando o seu conteúdo,
seja para reduzir a carga financeira contida nesta cláusula, seja para expurgar
capítulo contratual inteiro, seja para conformar determinada cláusula ao restante do
contrato, seja para reduzir um conjunto de cláusulas não condizentes com os
objetivos contratuais etc.
Temos aí que, para se poder interpor a ação revisional deverá existir um contrato que
esteja desequilibrado, demasiado oneroso para uma das partes e que necessite da ação do
Estado, através do Poder Judiciário para reequilibrar a relação negocial.
Certamente a identificação pelo magistrado de um contrato em desequilíbrio irá
passar pela análise da presença ou ausência de dois fatores: a onerosidade excessiva para uma
das partes e a vantagem exagerada para a outra parte da relação contratual.
A onerosidade excessiva se caracteriza pela existência de gravame “que vai além do
que seria razoavelmente exigido da parte por ela prejudicada”, de forma a romper o equilíbrio
do contrato. Por sua vez, a vantagem exagerada se caracteriza pelo “aumento patrimonial
desproporcional”, de forma não condizente com o lucro patrimonial comum que “aquele
negócio razoavelmente auferiria” (CUNHA, 2007, p. 107).
O Estado, através do Poder Judiciário, tem impedido que o contrato se torne um
instrumento aberto às injustiças, de maneira que, interposta a ação revisional, observando-se
suas peculiaridades, a estipulação firmada entre as partes não precisará ser cumprida da forma
que originariamente foi contratada.
O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma
como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem
excessiva para uma das partes e desvantagem exagerada para a outra, aferíveis
objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária (LÔBO, 2002, p. 18).
Embora alicercem o pedido da ação revisional os princípios da igualdade material, da
boa-fé e da função social do contrato, a petição inicial deve demonstrar a existência de
alguma das seguintes ocorrências: existência de cláusula abusiva; lesão; onerosidade
excessiva (art. 478 do CC).
As cláusulas abusivas estão, de regra, relacionadas aos contratos de adesão, as quais
não são percebidas de plano pela parte mais vulnerável, ou se o são, não podem ser repelidas
sob pena de ficar sem o bem da vida que se deseja obter através do contrato.
Fernando Noronha (1994, p. 248) traz a seguinte definição de cláusula abusiva:
Essas cláusulas que reduzem unilateralmente as obrigações do predisponente e
agravam as do aderente, criando entre elas uma situação de grave desequilíbrio, são
as chamadas cláusulas abusivas. Podem ser conceituadas como sendo aquelas em
que uma parte se aproveita de sua posição de superioridade para impor em seu
benefício vantagens excessivas, que destroem a relação de equivalência objetiva
pressuposta pelo princípio da justiça contratual (cláusulas abusivas em sentido
estrito ou propriamente ditas), escondendo-se muitas vezes atrás de estipulações que
defraudam os deveres de lealdade e colaboração pressupostos pela boa-fé (cláusula
surpresa).
O autor (1994, p. 248) reconhece que o resultado “será sempre uma situação de grave
desequilíbrio entre os direitos e obrigações de uma e outra parte”.
Com efeito, as cláusulas abusivas ferem o equilíbrio contratual e deve ser consignado
que não existem somente nos contratos de consumo. Nesse sentido a opinião de Wladimir
Falcão Cunha (2007, p. 149) que teve sua proposta de enunciado na III Jornada de Direito
Civil, realizada em 2004, pelo Conselho de Justiça Federal em Brasília aprovada com a
seguinte redação:
Enunciado 172 Art. 424: As cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas
relações de consumo. Dessa forma, é possível a identificação de cláusulas abusivas
em contratos civis comuns, como, por exemplo, aquela estampada no art. 424 do
código Civil de 2002.
Assim, diante de contrato com cláusula abusiva, possível se torna a interposição de
ação revisional, objetivando o reequilíbrio da relação negocial.
Por sua vez, na ação de revisão contratual fundada em lesão
82
, o autor deverá
comprovar a existência de premente necessidade ou inexperiência do contratante e prestação
82
SPEZIALI (2002, p. 49-50), traz o significado terminológico da palavra: “lesão é ato ou efeito de lesar, é
dano, prejuízo, ofensa, injúria, ultraje. Do verbo latino laedere, cujo sentido é prejudicar, estragar, ferir,
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta, nos termos do art. 157 do
Código Civil.
Oportunas são as palavras de Paulo Roberto Speziali (2002, p. 52) sobre a lesão:
De qualquer modo, a lesão esna base da questão revisionista, é a causa imediata
de pedir a tutela jurisdicional, que compõe o pedido, juntamente com os demais
requisitos objetivos da ação. É, em síntese, o núcleo do fundamento de fato para o
pleito. Sem dano não interesse na revisão. A lesão, seja ela efetiva ou iminente, é
conditio sine qua non para o pedido. Essa assertiva é corolário de duas condições
processuais de constituição e desenvolvimento do processo: a causa imediata do
pedido e o interesse processual: inexistente a lesão, atual ou iminente, prejudicada
está a ação.
Cabe lembrar que o § do art. 157 preceitua que “não se decretará a anulação de
negócio, se for oferecido suplemento suficiente com a redução do proveito”, o que corrobora
o princípio da manutenção dos contratos em detrimento de sua anulação.
Mário Benhame (2006, p. 244), comentando o art. 157, traz o enunciado nº 149 da III
Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho de Justiça Federal:
Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá
conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua
anulação, sendo dever do magistrado promover o incitamento dos contratantes a
seguir as regras do art. 157, §2º, do CC de 2002. A lesão de que trata o art. 157 do
CC não exige dolo de aproveitamento.
Assim, somente nos casos em que não for possível a revisão da relação contratual é
que se deve dar primazia para a anulação do contrato.
Por fim, quanto a onerosidade excessiva, denominada teoria da imprevisão, buscando
o que expressa o art. 478 do CC, pode-se apontar como requisitos: existência de um contrato
de execução continuada ou diferida; excessiva onerosidade para uma das partes com extrema
vantagem para a outra; acontecimento extraordinário e imprevisível.
Para adentrar e aprofundar um pouco mais a discussão sobre as condições da ação
para aplicação da teoria da imprevisão no Direito brasileiro se tomará com ponto de partida os
pressupostos de admissibilidade expostos por Carlos Alberto Bittar Filho (1994, p. 17/8), para
quem: o contrato não deve ter sido totalmente executado (uma prestação, pelo menos, tem de
estar ainda pendente); o acontecimento deve ser imprevisível, anormal e exógeno (incomum,
anormal e estranho à vontade das partes); deve haver onerosidade excessiva para um dos
danificar, derivou o freqüentativo laesere, resultando na laesio ou laesione, estado ou situação de dano ou
prejuízo. [...] Na esfera contratual, lesão é dano, é prejuízo sofrido por uma parte, é fato. [...] o fato lesivo que se
tem como núcleo do fundamento imediato do pedido da tutela judicial”.
contraentes e benefício exagerado para o outro; tem que ocorrer a alteração radical das
condições econômicas no momento da execução do contrato, em confronto com as do instante
de sua formação; deve inexistir a mora antes do acontecimento; a alegação da teoria não deve
dizer respeito à inflação, pois para o autor trata-se de fato previsível, eis que a economia
brasileira é inflacionária.
4.3.3.1 Contrato já integralmente cumprido pode ser revisto?
Partindo-se da premissa que ação revisional e sua respectiva sentença possuem
natureza constitutiva, ter-se-á que admitir que se for falado em prazos para interposição da
ação, estes serão de natureza decadencial. Nesse sentido Didier Jr. (2008, p. 196):
Como nos direitos potestativos não dever, prestação, conduta, a ser cumprida
pelo sujeito passivo – a doutrina denomina de “estado de sujeição” a situação
jurídica do sujeito passivo -, não se pode falar de lesão/inadimplemento; assim, a
prescrição não está relacionada a tais direitos. Na verdade, os direitos formativos
submetem-se, se houver previsão legal, a prazos decadenciais. Por isso, costuma-se
dizer que as ações constitutivas ficam sujeitas a prazo decadencial, se houver prazo
para o exercício do direito potestativo por ela veiculado.
Portanto, se houver prazo para interposição da ação revisional, tal prazo certamente
será decadencial.
Assim como Bittar Filho, Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 100) ao trazer as
condições de aplicação da teoria da imprevisão, aponta como requisito a “vigência de um
contrato de execução diferida ou sucessiva”, portanto, em seu entender o contrato deve estar
vigente e não finalizado.
Anísio José de Oliveira (2002, p. 127) traz em seu rol de condições a “modificação
radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o
ambiente objetivo da celebração”.
Com efeito, se for considerado que o contrato passível de ser revisto é aquele de
execução continuada ou diferida, pressupõe-se que o pedido deve ser formalizado durante a
execução do contrato até mesmo para que seja útil e eficaz a prestação jurisdicional no
momento em que há o desequilíbrio da relação contratual.
Quando se fala em obrigação excessivamente onerosa, logo se pensa naquela
situação de difícil cumprimento, a qual precisa ser revista para evitar a mora e possibilitar o
cumprimento pela parte no momento da vigência do contrato, sob pena de a prestação
jurisdicional ser “um golpe na água”, nas palavras de James Goldschmidt (2003, p. 150-151):
Se a ação constitutiva caduca no tempo intermédio entre o último debate no qual se
conheceu dos fatos e no momento de ser a sentença firme, seja por causas relativas a
seus fundamentos de fato, quer dizer, por desaparição da relação jurídica que deve
experimentar a mudança (por exemplo, dissolução do matrimonio pelo qual se peça
divórcio, por morte de um dos cônjuges), ou bem porque já se satisfez a necessidade
de tutela (por exemplo, consecução do fim constitutivo, onde seja possível, inclusive
por conclusão de um contrato, como na extinção contratual do arrendamento), então
a sentença constitutiva, desprovida de objeto, é como “um golpe na água”.
Em que pese os entendimentos de que o contrato deva estar ativo para se poder
pleitear a sua revisão, o caminho da pesquisa percorrido até o presente momento conduz a um
posicionamento diverso, com base na boa-fé, na função social do contrato e do não
enriquecimento ilícito.
Certamente feriria todos esses princípios admitir que mesmo tendo ocorrido lesão ou
enriquecimento injustificado de uma das partes, não pudesse o contrato ser revisto. O que
deve ser considerado e refletido é sobre a utilidade da revisão do contrato finalizado quando já
prescrito o direito de pleitear a repetição dos valores pagos a maior. O resultado prático da
revisão, neste caso, estaria comprometido.
Para Paulo Roberto Speziali (2002, p. 189-190) os prazos decadenciais previstos
para a anulação do negócio jurídico devem ser observados para o pedido de revisão, sendo de
quatro anos o prazo para os pedidos de revisão do contrato contaminado por vícios de
vontade, e de dois anos quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer
prazo para pleitear-se a anulação, contados da data da conclusão do ato, consoante normas dos
arts. 178, II, e 179, do Código Civil.
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da Região
83
tem reconhecido a
possibilidade da revisão de contratos bancários findos, objetos de renegociação, pois o
Superior Tribunal de Justiça sumulou entendimento através da Súmula n.º 286: “A
renegociação de contrato bancário ou a confissão de dívida não impede a possibilidade de
discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”.
83
TRF4, AC Nº 2009.71.99.003998-1/RS, Quarta Turma, Relatora Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, D.E
15/09/2009. Disponível em:
<http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=2995821>. Acesso em: 15 out.
2009.
Apesar de a Súmula referir-se aos contratos bancários, o mesmo entendimento pode
ser aplicado para todos os contratos que sejam objetos de novação da dívida através da
formalização de um novo contrato que renegocia o débito originário.
4.3.3.2 A imprevisibilidade do acontecimento
O fato superveniente deve ser imprevisível para as partes, portanto, não pode se
enquadrar na álea normal da relação contratual, pois dessa forma, estaria integrado pelo risco
que as partes assumiram ao contratar.
Nesse sentido se posiciona Luís Renato Ferreira da Silva (1998, p. 114) ao
mencionar que cada contrato tem certa carga de incerteza e “esta faixa variável é que se
denomina álea, ou seja, o risco natural a cada contrato que deve ser suportado pelo contratante
prejudicado”, e, dessa forma, o fato superveniente que se mantiver nessa álea normal da
contratação, não pode servir de motivo para a outra parte eximir-se do cumprimento alegando
a imprevisão, “pois estaria a furtar-se de algo que é inerente ao pacto”.
Chama a atenção Wladimir Falcão Cunha (2007, p. 212-213) sobre o fato de que o
evento imprevisível deve ser geral e não particular em relação a parte prejudicada:
A respeito, a doutrina inclina-se em apontar que tal evento deva ser geral, não se
aceitando como justificativa para a revisão contratual um fato particular, como por
exemplo, a perda de um emprego ou de um ente querido, vedando-se, assim, a
alegação de impossibilidade econômica pessoal como pressuposto para a aplicação
da teoria da imprevisão.
Com efeito, acontecimentos da vida particular do contratante não podem ser aceitos
como fatores aptos a ensejar a ação revisional, sob pena de se perder a objetividade do
instituto, abrindo-se precedentes para qualquer infortúnio pessoal sirva como justificativa para
se pleitear a revisão do contrato.
Pondere-se, ainda, que o fato imprevisto não pode ser imputado ao contratante que
alega a excessiva onerosidade de sua prestação, pois a parte não extrairá benefícios, alegando
a própria torpeza (turpitudinem suam allegans nos est audiendus)
(BORGES, 2002, p. 321).
Nesse sentido, oportuna a citação de parte do voto proferido pela Ministra Nancy
Andrighi:
O descaso da recorrente às normas municipais de construção, a partir da alteração do
empreendimento, com a quintuplicação do tamanho dos apartamentos sem a
respectiva licença da Prefeitura, é inclusive confessada em suas razões de recurso
especial, nos seguintes termos: (...) pequenas irregularidades existiam na obra,
como sói acontecer em empreendimentos deste quilate, mas o ajuste sempre se dava
(e ajustes aconteciam a todo momento, para respeito à legislação municipal) após o
'comunique-se', depois de apontadosos pequenos equívocos” (fls. 622). Patente,
portanto, a política adotada pela construtora, no sentido de apostar em uma falha na
fiscalização da Prefeitura para completar a obra da forma como bem lhe aprouvesse
e em desrespeito às normas existentes, só se preocupando em cumpri-las quando e se
a fiscalização assim o determinasse. O embargo da obra, portanto, era absolutamente
previsível e, especialmente, evitável, se tivesse tomado a construtora-recorrente
postura diversa no transcorrer dos trabalhos. (...) O reconhecimento de tal
circunstância, qual seja, a previsão contratual acerca da valorização dos
apartamentos e da disciplina a ser seguida em face dessa circunstância, não pode dar
ensejo à revisão contratual, pois descaracterizada a alegada onerosidade excessiva da
prestação devida pela construtora, ora recorrente. (REsp 831.808/SP, 3ª Turma, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, DJ 28.08.2006. Disponível em <
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200600844295&dt_publicac
ao=28/08/2006>. Acesso em: 24 out. 2009.
Efetivamente, não se pode admitir, então, que o contrato seja revisto em situações
previsíveis ou em decorrência de fato praticado pelo contratante que alega a excessiva
onerosidade de sua prestação. A análise da boa-fé da parte durante a contratação certamente
norteará a decisão do julgador.
4.3.3.3 A onerosidade excessiva para um dos contraentes e o benefício exagerado para o outro
O pressuposto em questão é o núcleo que deve estar presente para justificar a revisão
judicial do contrato. Wladimir Falcão Cunha (2007, p. 214) define a onerosidade excessiva
como “o gravame no cumprimento da prestação contratual que vai muito além do que seria
razoável exigir da parte prejudicada pelo evento superveniente e imprevisível e além do que
razoavelmente ela poderia imaginar” no momento que firmou o contrato. Contudo, bem
destaca o autor (2007, p. 217) que “nem sempre a onerosidade excessiva para o contratante
hipossuficiente virá acompanhada da vantagem extrema para a parte mais forte da relação
contratual”.
Silvio Rodrigues (1997, p. 36) bem pontua que o que caracteriza o contrato
comutativo “não é a equivalência das prestações, mas o fato de a respectiva vantagem ou
sacrifício de qualquer das partes poder ser avaliado no próprio ato em que o contrato se
aperfeiçoa”.
Com efeito, a segurança da relação negocial nasce com o próprio contrato, com as
informações objetivas e claras para as partes de maneira que saibam, desde o início até onde
podem se comprometer em suas obrigações (sejam elas de dar ou de fazer).
A exagerada vantagem para a outra parte fica caracterizada com o enriquecimento
indevido, com o lucro exorbitante aproveitado por uma das partes da relação contratual, que
não sofre abalo com a onerosidade excessiva, ao contrário, usufrui de considerável aumento
patrimonial a seu favor de forma injustificada.
Para Teresa Negreiros (2002, p. 156), o princípio do equilíbrio econômico do
contrato significa que “o contrato não deve servir de instrumento para que, sob a capa de um
equilíbrio meramente formal, as prestações em favor de um contratante lhe acarretem um
lucro exagerado em detrimento do outro contratante”.
A extrema vantagem a que se menciona está diretamente conectada aos próprios
fundamentos do enriquecimento sem causa, sendo certo que nenhuma das partes do contrato
pode obter vantagem econômica além do justo e do razoável pactuado.
4.3.3.4 A inexistência da mora antes do acontecimento imprevisível
Como visto no capítulo III, a mora traz conseqüências para o devedor, tais como a
incidência de juros moratórios, cláusula penal, obrigação de ressarcir as despesas realizadas
pelo credor com notificação, protestos e honorários advocatícios. Assim, na situação
específica do devedor que interpõe a ação revisional, pretende ele, com o provimento de seu
pleito, eximir-se dos efeitos da mora contratual, sob o fundamento de que inexigibilidade de
algum encargo previsto no contrato impediria a sua ocorrência.
Além de Bittar Filho, acima mencionado, entendem que a mora é fator impeditivo à
propositura da ão de revisão contratual, Nelson Borges
84
e Wladimir Falcão Cunha (2007,
p. 206). Para os autores mencionados, a inexistência da mora antes do acontecimento
84
Para o autor os requisitos para a ação revisional são: execução diferida; imprevisibilidade; ausência do estado
moratório; lesão virtual; essencialidade; inimputabilidade; excessiva onerosidade extrema vantagem (2002, p.
298).
imprevisível é uma condição para se interpor a ação revisional, aplicando-se a previsão do art.
399
85
do Código Civil.
Em sentido contrário, Marcos Ehrhardt Jr. (2008, p. 103), entende que muitas vezes é
a própria situação de onerosidade que induz à mora, “pois a finalidade substancial escolhida
de comum acordo torna-se inalcançável por não refletir o ambiente objetivo existente ao
tempo da formação do contrato”. E continua o autor afirmando que “se a desproporção é
manifesta e anterior ao momento do inadimplemento, não encontra respaldo a tese que
defende a impossibilidade de utilização da teoria da imprevisão”.
Partindo-se do pressuposto que o pedido de revisão foi motivado por fato imprevisto
ocorrido durante a execução do contrato, mesmo que o devedor esteja em mora é de se admitir
a ão revisional, em primazia ao acesso à justiça e ao equilíbrio contratual que poderá ser
obtido com a revisão das cláusulas contratuais.
A questão que se discutia perante os Tribunais referia-se aos efeitos da mora e se o
fato de a interposição da ação revisional afastaria seus efeitos. O entendimento do Tribunal
Regional Federal da Região foi no sentido que os encargos moratórios não são afastados
pela interposição da ação revisional:
CONTRATO BANCÁRIO. ÃO DE COBRANÇA. REVISÃO DO
CONTRATO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INÉPCIA DA INICIAL.
APLICAÇÃO DO CDC. JUROS REMUNERATÓRIOS. JUROS MORATÓRIOS.
CAPITALIZAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA.
SUCUMBÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. (...) Dispõe o art. 397 do atual
Código Civil: "O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo
constitui de pleno direito em mora o devedor." Não havendo prazo assinado, começa
ela desde a interpelação, notificação, ou protesto. Dessa forma, consoante o
dispositivo mencionado, ocorre a mora a partir do momento em que deveria ter
ocorrido o pagamento na forma contratada. Quando não verificado o pagamento
caracteriza-se a mora ex re, de pleno direito. Os encargos moratórios resultam de
cláusulas livremente pactuadas entre as partes para o caso de inadimplência,
portanto, não como afastar a incidência destes. Improcede o apelo no tópico.
(TRF4, AC 2000.72.05.003705-0, Quarta Turma, Relator Jairo Gilberto Schafer,
D.E. 19/11/2007. Disponível em: <
http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=1959736
>. Acesso em: 10 set. 2009)
86
.
O volume de processos em que se discutia o assunto foi expressivo a ponto de o
Ministro Ari Pargendler, em 14 de agosto de 2008, eleger o processo para os efeitos do art.
543-C do Código de Processo Civil.
85
Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade das prestações, embora essa impossibilidade
resulte de caso fortuito ou força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou
que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
86
No mesmo sentido: TRF4, AC 1997.70.00.016620-1, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E.
08/08/2007.
Assim, em 22 de outubro de 2008, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o
paradigma escolhido em repercussão geral, firmou seu entendimento sobre matérias referentes
a juros remuneratórios; configuração da mora; juros moratórios; inscrição e manutenção em
cadastro de inadimplentes e disposições de ofício. Trata-se do REsp 1.061.530- RS
87
, no qual
a Ministra Relatora Nancy Andrighi consignou às fls. 22/23 de seu voto a jurisprudência
consolidada sobre o tema:
De outro modo, o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não
descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja
interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha
eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos
encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário.
Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são,
portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles
encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora.
Sendo assim expresso no acórdão:
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA
a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da
normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora;
b) o descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo
quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao
período de inadimplência contratual.
É de se destacar que foi este o julgado que deu origem a Súmula 380, de 05/05/2009:
“A simples propositura de ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do
autor”. Portanto, mesmo que o contrato esteja em mora, será possível a interposição da ação
revisional.
4.3.3.5 O magistrado pode revisar o contrato de ofício? Uma análise da jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça
87
A íntegra de todas as decisões, inclusive relatório e voto proferido pela Ministra Relatora Nancy Andrighi
pode ser obtida no endereço:
<http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/justica/detalhe.asp?numreg=200801199924&pv=000000000000>. A
publicação do julgado ocorreu em 10.03.2009.
Logo no início do Código de Processo Civil vem expresso no art. que “nenhum
juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos
e formas legais”. No mesmo sentido o art. 128 do CPC ao dispor que “o juiz decidirá a lide
nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo
respeito a lei exige a iniciativa da parte”.
Esclarece Arruda Alvim (2005, p. 161-162) que se trata do princípio da inércia da
atividade jurisdicional - nemo iudex sine actore e ne procedat iudex ex officio significando
que “só mediante solicitação da parte é que se instaura o processo contencioso” e que o Poder
Judiciário “somente age quando regularmente provocado”.
Vale mencionar, ainda, o art. 460 do CPC, o qual dispõe que “é defeso ao juiz
proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu
em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.
Em que pesem tais dispositivos, existem outros no próprio Código em que
expressamente se permite ao magistrado agir de ofício, como é o caso dos arts. 461, §5º, 463,
989, 1.113 e 1.129.
Voltando os olhos para a ação revisional, cujo fundamento está na cláusula geral da
função social do contrato, na boa-fé objetiva e na equivalência material, poderia se defender a
idéia de que o contrato pode ser revisto de ofício pelo juiz que está analisando e julgando a
ação, por se tratar de matéria de ordem pública, como expresso no parágrafo único do art.
2.035 do Código Civil: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos”.
Marcos Ehrhaardt Jr (2008, p. 105) entende pela possibilidade de o juiz rever as
cláusulas contratuais de ofício, atendendo as condições sociais da avença:
Mas se entendermos que existe uma causa implícita em todo o contrato que garante
a perene revisão sempre que a base objetiva da avença não esteja pronta, estaria, a
priori, superada essa dificuldade. [...] Outrossim, se o contrato se evidenciar
manifestamente desproporcional, temos como recorrer à figura do abuso de direito
(187), função social do contrato, ou aplicar por analogia o disposto no art. 413, que
permite a redução equitativa da penalidade.
Com efeito, o art. 413 do CC prevê que o juiz deve reduzir a cláusula penal “se a
obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo”.
O Tribunal Regional Federal da Região desde 2007 vinha se posicionando
favorável à revisão de ofício, a exemplo do AC 2005.71.10.002769-8: “Com base no CDC,
sendo nulas as cláusulas eivadas de abusividade, cabível a revisão contratual, mesmo quando
realizada de ofício”
88
.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, entretanto, é diferente. Em acórdão
publicado em 05 de agosto de 2008, o Ministro Massami Uyeda ao proferir seu voto como
Relator no Recurso Especial 1.036.857 – RS
89
, assim se manifestou:
Quanto à alegação de que houve julgamento extra petita, o entendimento mais
recente desta egrégia Corte é no sentido da impossibilidade do reconhecimento, de
ofício, de nulidade de cláusulas contratuais consideradas abusivas, sendo, para tanto,
necessário o pedido expresso da parte interessada (ut REsp 612.470⁄RS, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, DJ 30.6.2006). Assinala-se, ainda, que, nos termos do
artigo 515 do CPC, excetuando-se as matérias de ordem pública, examináveis de
ofício, o recurso de apelação devolve para o Órgão ad quem a matéria impugnada,
que se restringe aos limites dessa impugnação. Afere-se, na espécie, ter o Órgão
prolator da decisão recorrida proferido julgamento extra petita, porquanto enfrentou
questões atinentes a direito patrimonial, que não constituíram objeto de insurgência.
Dessa forma, devem ser afastadas as disposições ex officio relativas à base de
cálculo da multa moratória, à exclusão da taxa de abertura de crédito e da tarifa de
emissão de carnê e à antecipação de tutela.
Com efeito, no REsp 612.470⁄RS
90
, a Ministra Nancy Andrighi havia proferido seu
voto no seguinte sentido:
A Segunda Seção do STJ, em 08/03/2006, no julgamento do EREsp 702.524/RS,
pacificou o entendimento das Turmas de Direito Privado deste Tribunal acerca da
impossibilidade de revisão de ofício de cláusulas consideradas abusivas e,
portanto, nulas de pleno direito – em contratos que regulem uma relação de consumo
(art. 51, caput e incisos, do CDC). [...] Todavia, não obstante o precedente
uniformizador apenas abarque a reforma do acórdão no que diz respeito aos juros
moratórios, as demais disposições de ofício também deverão ser decotadas, ainda
que por outro motivo. É que, da mesma forma como não se autoriza que o Tribunal
decida independentemente de recurso da parte quando se esdiante da violação ao
art. 51 do CDC, também não se deve autorizar que ele o faça com fundamento nas
demais disposições, salvo as hipóteses expressamente autorizadas por lei (v.g., art.
267, §3º, do CPC; Súmula 33/STJ, reconhecimento da decadência etc.). A
declaração da inexigibilidade de encargos moratórios pela inexistência de mora e a
88
TRF4, AC 2005.71.10.002769-8, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E.
07/03/2007. Disponível em:
<http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=1536599&has
h=f33857f000e1e19e77d60c18a8318399>. Acesso em: 10 set. 2009. No mesmo sentido: TRF4, AC
2001.70.03.000753-2, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 14/04/2008.
89
REsp 1.036.857/RS, Turma, Rel. Ministro Massami Uyeda, DJ 05.08.2008. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200800487277&dt_publicacao=05/08/2008>. Acesso
em: 25 out. 2009.
90
REsp 612.470⁄RS, Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 30.06.2006. Disponível em:<
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200302116816&dt_publicacao=30/06/2006>. Acesso
em: 25 out. 2009.
determinação para a repetição do indébito não se encontram nessas exceções e,
portanto, só podem ser julgadas a pedido da parte.
A novidade sobre a matéria perante o STJ se deve ao fato de a Ministra Nancy
Andrighi no mencionado REsp 1,061.530/RS, publicado no DJ de 10.03.2009, no qual
também foi relatora, ter mudado de posicionamento de forma coerente e muito bem
fundamentada. Contudo, em relação às disposições de ofício foi voto vencido, juntamente
com o ministro Luis Felipe Salomão.
Destacou a ministra, em fls. 27 do voto, que já havia consignado que a visão
restritiva quanto à análise das disposições de ofício, por uma perspectiva puramente
processual, “estava empurrando a jurisprudência do STJ para um paradoxo, porque em
questão similar decretação de ofício da nulidade da cláusula de eleição de foro –, a solução
adotada foi pelo conhecimento de ofício da questão”.
Asseverou a Ministra que o micro-sistema introduzido pelo Código de Defesa do
Consumidor está vinculado aos demais princípios e normas que orientam o direito pátrio, em
especial o direito privado, sendo, portanto, incoerente adotar perante hipóteses idênticas
soluções diversas. Mais adiante expressa sua preocupação com o jurisdicionado:
Outro motivo relevante que me levou a fazer esta proposição é o resultado dos
julgamentos em favor dos consumidores, na perspectiva da política judiciária. Como
explicar ao consumidor, leigo juridicamente, que determinada cláusula, apesar de
abusiva, é válida para ele, mas não o é para o seu vizinho, em situação idêntica? O
que ocorre é que na ação revisional proposta pelo vizinho houve pedido expresso de
declaração de nulidade, ao passo que no seu processo não foi formulado tal pedido,
o que impede o juiz de pronunciá-la. Conseqüências graves são geradas por esse tipo
de julgamento: a primeira é a equivocada priorização da norma processual (que
exige a formulação de pedido expresso) de molde a inviabilizar o conhecimento e a
aplicação do direito material (nulificação da cláusula abusiva), exigindo para tanto
uma nova movimentação da máquina judiciária com a propositura de outra ação; a
segunda é o manifesto descumprimento de regra que disciplina a sanção decorrente
da abusividade/nulidade, prevista expressamente no CDC e no ordenamento jurídico
complementar (CDC, art. 51, todos os seus incisos, cumulado com o CC/02,
parágrafo único, do art. 168, que determina ao juiz pronunciar as nulidades
provadas, quando conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos); a terceira é o
descrédito no Poder Judiciário, que tem a obrigação constitucional de tratar
igualmente os consumidores que se encontram em situações idênticas; a quarta é a
frustração de toda a operacionalidade do novo instrumento dos processos repetitivos,
pois o não reconhecimento de ofício impõe reiteração de ações e recursos, que o art.
543-C visa impedir, prejudicando a almejada celeridade na entrega da prestação
jurisdicional. (destaques do original).
Com efeito, o direito privado deixou de ser um monossistema para ser um
polissistema, com múltiplas fontes que convivem em harmonia e se completam assim, como o
Código Civil ao Código de Defesa do consumidor e vice-versa.
No voto da Ministra Nancy Andrighi pode-se perceber o giro metodológico, onde a
preocupação com o conteúdo material sobrepõe-se ao formal de maneira coerente e em
prestígio ao diálogo das fontes.
4.3.4 Questões processuais relacionadas à ação revisional e a ação de execução do contrato
Interposta a execução de contrato de não cumprido, conforme dispõe o art. 745, V do
CPC, o executado poderá alegar “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa
em processo de conhecimento”. Contudo, se o devedor anteriormente havia interposto ação
revisional do contrato que está sendo executado, e seu pedido foi julgado improcedente, tal
fato irá interferir nas matérias a serem alegadas nos embargos?
Observe-se que quando o juiz julga improcedente a ação que pretende a revisão do
contrato, está também dispondo que o contrato e suas cláusulas estão corretas e justas, que
não há desequilíbrio e que, por sua vez, o valor devido é o exato valor previsto no contrato.
Diante da sentença de improcedência da ação revisional quando o credor executar o
contrato que matéria o devedor poderá alegar em sua defesa?
Considerando que, se o devedor pretender interpor outra ação revisional deverá fazê-
lo com fundamentos diversos daqueles utilizados na ação anterior que fora julgada
improcedente, ou seja, com outra causa petendi (em respeito a coisa julgada), também em sua
defesa (embargos) no momento em que for executado, não poderá invocar a mesma
argumentação da que foi utilizada na ação anterior.
Por sua vez, caso a ação revisional tenha sido julgada procedente, tal fato não torna o
contrato, título executivo extrajudicial, ilíquido:
No que tange à hipótese de, no curso de execução, haver decisão judicial eficaz,
proferida em ação revisional, que tenha alterado parte do título executivo, é de
referir que a jurisprudência do STJ tem reiteradamente reconhecido que isso, por si
só, não retira a liquidez do título
91
. Nesses casos, basta que o exeqüente proceda à
adequação dos cálculos aos novos parâmetros, prosseguindo a execução nesses
termos. (LÓPEZ, 2008, p. 182).
Com efeito, se a execução havia sido interposta e posteriormente transitou em
julgado a sentença proferida na ação revisão, o exeqüente deverá coadunar os cálculos aos
91
Nesse sentido o REsp indicado: 593.220/RS, DJ de 07/12/2004, Rel. Min. Nancy Andrighi.
parâmetros estabelecidos pelo julgado. Por sua vez, se ação de execução não havia sido
impetrada, antes de fazê-lo, o credor deverá adaptar ao contrato ao teor da sentença revisional
e, depois, executar o contrato com base nos novos valores encontrados pós-revisão.
Muitos devedores assim que são citados na ação de execução, propõe ação revisional
na tentativa de suspender o feito executivo, sem ter que atender ao disposto no § 1º, do art.
739-A do CPC
92
. Ciente de tal prática, a jurisprudência do STJ tem se posicionado favorável à
suspensão, desde que garantido o juízo:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. AÇÃO REVISIONAL
MOVIDA POR MUTUÁRIOS. SUSPENSÃO DA COBRANÇA EXECUTIVA,
EM FACE DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. POSSIBILIDADE, PORÉM
CONDICIONADA À PRÉVIA GARANTIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO, PELA
PENHORA. CPC, ART. 585, § 1º.
I. Fixa-se o entendimento mais recente da 4ª Turma em atribuir à ação revisional do
contrato o mesmo efeito de embargos à execução, de sorte que, após garantido o
juízo pela penhora, deve ser suspensa a cobrança até o trânsito em julgado da
primeira.
II. Se não pairam dúvidas acerca do atendimento dos requisitos de executividade do
contrato, porque não apontados quaisquer defeitos formais pelo acórdão, salvo os
excessos expungidos, tem-se como presentes a liquidez, como visto acima, e a
certeza. Nessa hipótese, estão configurados, em princípio, os requisitos dos artigos
585, II e 586 do CPC, conforme pacífico na jurisprudência desta Corte.
III. Recurso especial conhecido e provido
93
.
Em julgado publicado em 2009:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL AJUIZADA ANTERIORMENTE À
EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. CABIMENTO. Segundo a
jurisprudência desta Corte, o ajuizamento anterior de ão revisional do contrato
exeqüendo tem o condão de suspender a execução, até o julgamento final daquela,
desde que esteja garantido o juízo. Precedentes
94
.
92
Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.
§1º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo
relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave
dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução esteja garantida por penhora, depósito ou caução
suficientes.
93
REsp 994.577 - RS, 4ª Turma, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 17.03.2008. Disponível em:<
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200701563800&dt_publicacao=17/03/2008>. Acesso em
20 out. de 2009.
94
AgRg nos EDcl no AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.095.076 - SP, Turma, Rel. Ministro Sidnei
Beneti, DJ 1.02.2009. Disponível em:<
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801952295&dt_publicacao=10/02/2009>. Acesso em
20 out. de 2009. Precedentes indicados no voto do Ministro Relator Sidnei Beneti: (REsp 594.244⁄PR, Rel. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 4.4.05). E, ainda: REsp 994.577⁄RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ
17.3.08; AgRg no REsp 856.785⁄Ma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 9.10.06; AgRg no Ag
434.205⁄TO, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 9.5.05; AgRg no Ag 540.532⁄PR, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ
19.4.04; AgRg no Ag 182.145⁄RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 4.9.2000.
Vale lembrar que não basta a garantia do juízo para se obter o efeito suspensivo, pois
pela disposição do art. 739-A do CPC, em redação trazida pela Lei 11.382/2006, os
fundamentos trazidos na ação revisional devem ser relevantes, demonstrando-se que “o
prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil
ou incerta reparação”.
Embora a execução possa continuar, o exeqüente deve ficar atento às conseqüências
que alguns atos executivos possam causar ao executado e sua família, principalmente pela
possibilidade de, posteriormente, haver decisão que modifique o título. Nesse sentido o art.
574 do CPC dispõe que “o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a
sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu
lugar à execução”.
Essa responsabilidade abrange não apenas medidas de retorno ao status quo ante,
como a restituição de valores e bens, mas também a reparação por perdas e danos e lucros
cessantes, inclusive danos morais.
Sobre o artigo em questão Éder López (2008, p. 189) comenta:
Veja-se que é plenamente possível que, após ultimados atos de alienação,
sobrevenha decisão que declare eventual nulidade parcial do título executivo,
alterando consideravelmente o quantum debeatur. Imagine-se, por exemplo, os
potenciais danos gerados caso tenha sido alienado bem de grande valor
sentimental, como uma jóia de família. A respeito disso, é de se frisar que o retorno
ao status quo ante, nesse caso, não atingirá o terceiro arrematante, por força do
disposto no art. 694 do CPC, impondo ao exeqüente devolver o valor integral do
bem, ainda que arrematado por valor inferior, sem prejuízo de outros eventuais
danos.
Não por outra razão que, mesmo garantido o juízo, deve o devedor ressaltar as
conseqüências que a continuidade da execução lhe pode causar, e, de forma tempestiva
agravar a decisão que indeferir o efeito suspensivo.
A ação revisional, como visto, não batalha contra a obrigatoriedade do contrato,
apenas busca, em prol de sua conservação, o equilíbrio necessário para o seu cumprimento de
forma que nenhuma das partes seja prejudicada. No processo de formação do contrato, seja
ele através de longas e complexas negociações ou instantâneos, será a boa-fé que deverá
nortear as ações das partes contraentes de maneira que, ocorrendo o desequilíbrio, essa mesma
boa-fé, permita o reajuste e viabilize uma execução com o menor sacrifício possível para o
devedor.
CONCLUSÃO
No decorrer da História verifica-se que o instituto do contrato acompanha, de forma
peculiar, a evolução do pensamento filosófico, da política e da economia, readequando-se
para cada realidade de maneira a continuar a ser, através dos tempos, um instrumento forte e
que por excelência é destinado à circulação de riquezas e ao desenvolvimento econômico.
O contrato, apesar de sua capacidade de mutação quando paira em terreno propício
tende a ficar estagnado, como ocorreu em relação aos seus princípios gerais, advindos do
Código Civil francês de 1804, tais como a autonomia da vontade, a sua força obrigatória e a
relatividade, os quais representavam a vitória dos ideais burgueses, centrada no
individualismo, na liberdade e na propriedade.
O Código Civil Brasileiro de 1916, inspirado no Código Civil da Alemanha de 1900,
adotou a teoria do negócio jurídico, o qual é essencial para se compreender a formação do
contrato.
Como visto no capítulo primeiro, por longo tempo perdurou e ainda perdura a
discussão entre os doutrinadores acerca da teoria da vontade e a teoria da declaração. A
proposta que se trouxe no presente trabalho foi no sentido de o art.112 do Código Civil
Brasileiro de 2002 ser interpretado sob a ótica da tutela da confiança, de forma que a
investigação sobre a vontade das partes seja realizada levando-se em consideração as
circunstâncias, as atitudes dos interessados, em especial, se agiram em conformidade com a
boa-fé.
Na análise da formação do negócio jurídico foi examinado que no plano de
existência, precisa o negócio jurídico de elementos para existir, de requisitos para ser válido e
de fatores de eficácia para ser eficaz, seguindo-se a doutrina de Junqueira de Azevedo.
No plano da invalidade do negócio jurídico ressaltou-se a inovação trazida pelo art.
170 do Código Civil, que trata sobre a possibilidade de conversão do negócio nulo. A
abordagem corrobora a idéia central do trabalho sobre a conservação dos contratos.
Sobre o contrato, procurou-se fazer uma análise interdisciplinar contextualizando o
instituto não apenas como meio de circulação de riquezas, mas como figura que se amolda a
política de cada época.
Como se destacou, o Estado liberal definiu o perfil do contrato fundado na plenitude
da liberdade negocial assegurada na autonomia privada ilimitada. O contrato nessa época
tornou-se expressão máxima do capitalismo.
Ressalte-se que as codificações civis oitocentistas limitam o direito privado,
mantendo o apego ao dogma do positivismo monista e do sistema unitário, não admitindo
outras normas além do Código Civil para reger as relações negociais, pois o código
representava a certeza e a segurança tão necessária ao direito privado.
O século XX traz consigo não somente a produção em escala, a modernização das
indústrias, expansão do comércio, o início da contratação em massa, mas também duas
grandes guerras que após suas finalizações a Europa ficou destruída, a população
empobrecida e carente de políticas públicas assistenciais.
O cenário mundial foi de crise econômica e no campo negocial, de inadimplemento
dos contratos.
O modelo econômico liberal estava visivelmente desgastado, o que fez nascer o
Estado Social, atuante nas políticas públicas e nas relações negociais privadas, encerrando a
era da plena liberdade e autonomia contratual. O Estado, primando pelos interesses públicos
intervém nas relações contratuais, atuando por meio de um dirigismo legislativo, judicial ou
administrativo.
Auxiliando o dirigismo Estatal, as grandes empresas e corporações exercitam o
dirigismo privado, através de contratos-formulários e contratos de adesão, nos quais dispõem
sobre as condições gerais de contratação, ditando, de certa forma, as regras do jogo contratual,
as quais não dão margem para o diálogo ou negociação. O bem da vida almejado somente
pode ser adquirido com a contratação e aceitação de todas as cláusulas, do contrário, havendo
discordância, não se contrata.
A partir dos anos 80 o capitalismo de produção transmuta-se para o capitalismo de
consumo, se inicia o período de facilitação de acesso aos bens, produtos e serviços, com
abertura de crédito, vendas parceladas, objetivando sustentar o novo sistema baseado no
excessivo consumo.
Nesse cenário, surge a contratação através de máquinas automáticas, telefone,
televisão, todas representando maior celeridade, economia e impessoalidade para a venda de
produtos e serviços. A rapidez, o tumulto da vida moderna compele o homem a cada vez mais
a interagir por meios eletrônicos e automatizados, modificando a concepção clássica de
manifestação de vontade, pois agora, os símbolos, substituem as palavras, o click confirma a
opção de contratação.
Diante de tamanhas transformações, a era das codificações, dos sistemas jurídicos
fechados, o mito da unicidade, são desconstruídos e superados pela pluralidade aberta dos
ordenamentos jurídicos ditos pós-modernos.
O contrato entendido agora como um instrumento não de circulação de riquezas,
mas de dominação, deixa evidente uma realidade que sempre existiu: que as partes não são
iguais na relação negocial, que a vontade nem sempre é a efetivamente expressada, e que
através do contrato pode surgir a exploração e a desigualdade. Não se trata de fato novo, mas
de uma nova consciência, adequada à realidade social.
O instituto do contrato na pós-modernidade absorve a orientação principiológica na
tentativa de assegurar a dignidade da pessoa (os contratantes), a solidariedade e o equilíbrio
da relação negocial.
O contrato assim concebido e segundo os princípios da boa-fé, da função social, da
justiça contratual, deixa de ser intocável, adotando, como disciplina, a revisão das cláusulas
contratuais, o equilíbrio negocial, a transparência, a lealdade, a informação clara e objetiva, na
busca da igualdade material, voltado para a tutela do hipossuficiente, consoante a nova ordem
contratual.
A cultura pós-moderna de consumo, de efemeridade, reflete na mora e na
inadimplência dos contratos, pois produto ou serviço adequado para cada pessoa e sua
respectiva condição financeira e, além do mais, as linhas de crédito são postas à disposição da
população, de forma que o bem almejado possa ser financiado em longas prestações.
Aliás, destaque-se, esta é uma das características do contrato na atualidade, ser cativo
e de longínqua duração, tornando-se mais do que útil ou necessário indispensável para a
vida da pessoa, e que vai lhe acompanhar por toda vida.
E é exatamente assim que ocorre com o contrato do colégio das crianças (para que
estudem toda a vida escolar em uma instituição), com o contrato de financiamento da casa
própria (com prestações programadas para até 20 anos), com o plano de saúde, com os
seguros (de vida, de bens móveis e imóveis), com o a tv a cabo, com a internet, sem falar dos
contratos bancários e dos contratos de financiamentos postos à disposição dos consumidores
por lojas de móveis e eletrodomésticos ou de automóveis, máquinas etc.
A idéia é a de cativar o outro contratante para que permaneça no vínculo contratual e
que o renove de tempos em tempos com a aquisição de outros bens e serviços. Como viver
sem contratar? Como manter uma contratação justa e equilibrada nesses contratos cativos de
longa duração?
A pós-modernidade traz consigo a revitalização dos princípios, a abertura do sistema,
a interdisciplinaridade. Assim, no estudo da ação revisional, trabalhou-se de uma forma
interligada entre o negócio jurídico, o contrato e a inadimplência em sua análise processual,
sendo ressaltada a harmônica convivência entre a cláusula rebus sic stantibus e pacta sunt
servanda no contratualismo.
Foi enfatizado que a ação revisional está diretamente vinculada à própria evolução
do contrato e de sua concepção socializada. A revisão não fere a autonomia da vontade,
apenas reequilibra a relação negocial, de forma que nenhuma das partes seja prejudicada ou
obtenha vantagem indevida.
Constatou-se que a revisão contratual viabiliza a manutenção do contrato e seu
adequado prosseguimento, pois, como dito, uma das características da contratação na pós-
modernidade é ser diferida no tempo, ou seja, ser de longa duração.
O contrato, na pós-modernidade, tem evidenciado sua relevante condição de
categoria jurídica vital, compondo as bases de sustentação do Estado Democrático de Direito,
assegurando o crescimento e o desenvolvimento econômico, garantindo a circulação de
riquezas, atendendo as necessidades sociais onde avulta, em número cada vez maior, no plano
das contratações individuais e coletivas de dimensões plurais.
Nesse contexto, a ação revisional passa a ser o instrumento por excelência a ser
utilizado quando o contrato não cumprir sua função social e tornar-se excessivamente
oneroso, de forma a trazer o reequilíbrio e a normalidade da contratação.
Ao lançar um olhar crítico sobre essa abertura ao revisionismo contratual, o que de
certa forma é uma tarefa difícil, pois não se trata de analisar e criticar um tempo já passado no
qual se pode de pronto apontar os efeitos e as conseqüências dele decorrentes, mas de tempo
presente, no qual pairam dúvidas e incertezas, questiona-se a que interesses a revisão do
contrato atende?
Pela pesquisa realizada verificou-se que tanto a doutrina como a jurisprudência são
uníssonas ao compreender a revisão como uma maneira de ajustar, reequilibrar e conservar o
contrato, pois como se exemplificou, nos casos de cláusulas abusivas constantes em contrato
de financiamento de imóvel ou veiculo: a parte que está com o bem (casa ou carro), não
pretende desfazer-se do mesmo, entregando-o ao financiador com o recebimento dos valores
pagos (com os devidos abatimentos decorrentes do uso); para a parte interessa a manutenção
do contrato e a aquisição do bem que passará a integrar seu patrimônio pessoal.
Observe-se que a intenção, portanto, é manter o contrato cativo e de longa duração.
Manter o vínculo, a relação negocial. Dar continuidade ao consumo, para, quem sabe, ao final
de uma contratação, iniciar-se outra.
A onda de inovações, incertezas, fluidez, típicas do pós-modernismo não refuta a
constatação de que no campo econômico, o império ainda é o do modelo capitalista, agora
aprimorado e sofisticado pelo desenvolvimento tecnológico, pela facilidade de comunicação,
pelo consumo e contratação em massa de forma impessoal e automatizada.
Se o cenário é o indicado a revisão contratual deve firmar-se não apenas para manter
a relação contratual e satisfazer ao interesse do mercado, mas proteger o contratante que no
firme desígnio de adquirir determinado bem ou serviço se submete às cláusulas abusivas e
desproporcionais ao objeto do contrato.
Por isso, em que pese o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça ao
julgar o paradigma escolhido em repercussão geral, REsp 1.061.530- RS, no sentido de que o
magistrado não pode reconhecer cláusulas abusivas e determinar sua revisão de ofício,
entende-se que o equilíbrio do contrato somente pode ser alcançado pela ação revisional se o
olhar do julgador for além do interesse do mercado e do próprio contraente – numa espécie de
proteção da parte contratual mais frágil de si mesma (a que não tem e quer ter o bem ou
serviço).
Portanto, pode-se concluir pela defesa da revisão, desde que o indivíduo, sua
dignidade, seus direitos fundamentais sejam o centro de proteção do vasto universo
contratual.
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