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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Campus de Rio Claro
TIAGO JOSÉ BERG
TERRITÓRIO, CULTURA E REGIONALISMO: ASPECTOS
GEOGRÁFICOS EM SÍMBOLOS ESTADUAIS BRASILEIROS
Rio Claro-SP
2009
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2
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Campus de Rio Claro
TIAGO JOSÉ BERG
TERRITÓRIO, CULTURA E REGIONALISMO: ASPECTOS
GEOGRÁFICOS EM SÍMBOLOS ESTADUAIS BRASILEIROS
Orientadora: Profa. Dra. Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Oliveira
Dissertação de Mestrado elaborada
junto ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia, na área de Organização
do Espaço, para a obtenção do título
de Mestre em Geografia.
Rio Claro-SP
2009
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3
910h Berg, Tiago Jo
B493t Território, cultura e regionalismo: aspectos Geográficos
em símbolos estaduais brasileiros / Tiago José Berg. - Rio
Claro : [s.n.], 2009
254 f. : il., figs., quadros, fots.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Orientador: Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro
Oliveira
1. Geografia humana. 2. Hinos. 3. Bandeiras. 4. Brasões.
5. Símbolos estaduais. 6. Geografia cultural. I. Título.
Ficha Catalogfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP
Campus de Rio Claro/SP
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
Comissão examinadora:
Profa. Dra. Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Oliveira
Prof.Dr. Paulo Roberto Teixeira de Godoy
Profa. Dra. Zeny Rosendahl
Tiago José Berg
(Aluno)
Rio Claro, 12 de novembro de 2009.
Resultado: APROVADO
5
AGRADECIMENTOS
Certamente uma lista de agradecimentos é algo que se refere a uma parcela
de toda uma etapa e dedicação que envolve a construção de um trabalho científico,
por isso, quando mencionarmos tais nomes, o fazemos de modo semelhante ao
contarmos algumas cenas significativas do imenso filme de nossas vidas.
Por esse motivo, inicialmente agradeço a meus pais por todo o apoio recebido
nesses anos de universidade, pois sempre torceram por mim em todas as etapas
que passei, mesmo que delas muitas vezes participassem de forma indireta. Não
separando neste momento a racionalidade científica da religião cristã, tamm
agradeço a Deus por todas as empreitadas que enfrentei e do qual Ele me permitiu
chegar até agora.
Estendo os meus agradecimentos especiais à minha orientadora, a
professora doutora Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Oliveira, que além da
exímia orientação e leitura de meu trabalho, sempre me incentivou nas rias
iniciativas acadêmicas e sociais, cuja convivência desde a graduação me ensinou
muitas coisas de grande valor. Ao professor doutor Fadel David Antônio Filho,
agradeço pelas sugestões históricas e cartográficas apresentadas em minha
qualificação. Reitero meus agradecimentos ao professor doutor Paulo Roberto
Teixeira de Godoy, que muito me ensinou nas etapas deste trabalho científico,
corroborando com minhas ações metodológicas. Também merece destaque os
meus agradecimentos à professora doutora Zeny Rosendahl, cuja leitura do meu
trabalho, ainda no embrião daquelas idéias no final da graduação, mostrava o
quanto o caminho trilhado até agora iria configurar-se nesta dissertação de
mestrado. Agradeço ainda à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP) pelo fomento desta pesquisa desde as etapas iniciais.
Aos amigos do programa de pós-graduação em geografia, em especial aos
companheiros de graduação que seguiram este mesmo caminho, deixo minha
gratidão e reconhecimento, pois o companheirismo, os incentivos, os risos, as
conversas e os mais simples gestos nos mostram os valores da amizade assim
como são as estrelas, cada uma tem o seu brilho, algumas fortes, outras fracas, mas
o certo é que a cada noite, quando saímos, todas elas estão lá a nos acompanhar.
6
Muitos são os amigos que também fazemos na universidade e assim como novas
estrelas que encontramos a cada noite, deles também deixo meus agradecimentos.
No âmbito acadêmico, além dos docentes e dos amigos, também existem os
funcionários que fazem tudo isso funcionar, deles agradeço da mesma forma, por
encontrar aqui tudo em ordem para o meu ambiente de trabalho, em especial ao
pessoal da Biblioteca, dos Departamentos e da Administração da Unesp de Rio
Claro pela amizade, por tudo que precisei e pelo bom atendimento diário.
Finalmente agradeço a você, leitor ou leitora, que neste momento toma meu
trabalho em mãos e minhas idéias aqui expostas, podendo aceitá-las ou mesmo
discordar delas, mas no momento que o faz,nova vida, cria e recria o motivo que
faz tudo isso caminhar, a certeza de que a contribuição aqui apresentada permitirá
ampliar ainda mais o universo do pensamento científico.
7
Há bons símbolos, como a cruz.
Há outros, como a suástica.
Seus significados são tomados de uma realidade.
Símbolos são uma dualidade.
Eles tomam significados das causas... boas ou más.
A bandeira é o símbolo de um país.
A cruz é o símbolo de uma religião.
A cruz suástica era o símbolo de boa sorte,
Até que seu significado foi mudado.
A vitalidade de um mbolo vem da eficácia da sua
disseminação pelo Estado, pela Comunidade, pela
Igreja, pela Empresa. Ele necessita de programação,
para que seus atributos sejam preservados.
1
Tua jangada afoita enfune o pano!
Vento feliz conduza a vela ousada;
Que importa que teu barco seja um nada?
Na vastidão do oceano,
Se, à proa, vão heróis e marinheiros
E vão, no peito, corações guerreiros!
2
1
Paul Rand (1914-1996), designer gráfico norte-americano, discorrendo sobre o valor cognitivo dos
símbolos e seu significado.
2
Trecho do hino do Estado do Ceará, poesia de Thomaz Pompeu Ferreira Lopes (1879-1913).
8
RESUMO
Bandeiras e estandartes, escudos e brasões, hinos e canções não são simples composições
artísticas e musicais idealizadas ao sabor dos caprichos e fantasias de poderosos reis,
mandatários, governantes, países e regiões ao longo dos tempos. Ao contrário, esses
símbolos refletem uma realidade histórica e, ao mesmo tempo, portam-se como uma crônica
viva de um povo e de uma nação, sendo que nela também es embutido o espaço
geográfico, suas influências e suas relações. Foi somente com a Constituição Republicana de
1891, que as províncias foram transformadas em Estados Federados e poderiam adotar de
forma oficial, hinos, bandeiras e brasões, desde que não omitissem nesta hierarquia os
símbolos nacionais; entretanto, o uso destes símbolos no Brasil já se fazia presente desde os
primeiros culos de colonização portuguesa. Ao se analisarem os símbolos estaduais
brasileiros, encontram-se em suas estruturas semânticas e sintáticas fortes relações que
envolvem representação da natureza, paisagem, lugar, economia, território e região. As
conclusões deste trabalho apontam para o fato de que os hinos, as bandeiras e os brasões
dos Estados brasileiros demonstram amplas possibilidades de pesquisa dentro da ciência
geográfica, pois estes documentos simlicos portam-se como “testemunhos no espaço-
tempo, cujo caráter gráfico e narrativo revelou em suas múltiplas conexões com o geográfico
uma nova perspectiva e possibilidade no que se refere à análise e desvendamento das
formas culturais de representação espacial.
Palavras-chave: Símbolos estaduais. Hinos. Bandeiras. Brasões. Geografia cultural.
ABSTRACT
Flags and banners, shields and coats of arms, anthems and songs are not simply artistic and
musical compositions which were created due to the vanity or fantasies of powerful kings,
dukes, rulers, governors, countries and regions throughout time. Instead, those symbols
reflect a historical reality and not only they stand as an alive chronicle of a people and a
nation, but also they represent the geographical space, its influences and its relationships. It
was only after the Republican Constitution of 1891 that the provinces were transformed into
Federated States and they could officially adopt anthems, flags and coats of arms, as long as
they didn't omit, in this hierarchy, the national symbols. However, these symbols had been
already used in Brazil since the first centuries of Portuguese colonization. This analysis of the
Brazilian States symbols, as well as their semantic and syntactic structures, aimed to
demonstrate the strong connections involving the representation of the nature, landscape,
places, economy, territory and regions. The conclusion of this dissertation shows that
anthems, flags and the coats of arms of Brazilian States demonstrate wide research
possibilities in the geographical science because these symbolic documents stand as
“testimonies in space and time, whose graphic and narrative character has revealed in its
multiple connections with the geographical; a new perspective and possibility regarding the
analysis and unveiling of the cultural forms of spatial representation.
Key words: State symbols. Anthems. Flags. Coats of arms. Cultural geography.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Hastes com figuras totêmicas usadas nos desfiles do Egito antigo........... 23
Figura 2: Da esquerda para a direita os vexilóides: assírio, romano, asteca, mongol e
japonês...................................................................................................................... 23
Figura 3: Vexilo romano representado no templo do imperador Adriano (145 d.C.). 23
Figura 4: “Bandeiras heráldicas” usadas pelas tropas medievais para guiar o avanço
dos batalhões, delimitarem os territórios de influência real e as cidades
conquistadas............................................................................................................. 25
Figura 5: Ilustração dos principais tipos de bandeiras existentes............................. 25
Figura 6: Genealogia da bandeira britânica – a soma dos reinos e territórios.......... 28
Figura 7: Os estandartes coloniais e as bandeiras da Comunidade Britânica.......... 28
Figura 8: Bandeiras que serviram de inspiração libertária........................................ 31
Figura 9: Bandeiras nacionais da Alemanha estandarte civil (1848-1866), bandeira
imperial (1867-1918) e a bandeira modificada por Adolf Hitler para servir de
estandarte civil (1933-1945)...................................................................................... 31
Figura 10: Bandeiras da União Soviética (1924-1991), Revolta Pan-Árabe (1917) e
Etiópia (1930)............................................................................................................ 31
Figura 11: Bandeiras heráldicas cujas figuras e desenhos que influenciaram os
brasões de armas dos Estados nacionais europeus................................................. 37
Figura 12: Bandeiras históricas usadas em Portugal e no Brasil.............................. 47
Figura 12 (continuação) – Bandeiras históricas usadas no Brasil............................. 48
Figura 13: Atual bandeira do Brasil (1992) e sua representação celeste.................. 52
Figura 14: As bandeiras das revoluções no Brasil.................................................... 55
Figura 15: Brasões de armas outorgados durante o Brasil colonial.......................... 59
Figura 16: Armas concedidas pelos holandeses às capitanias nordestinas no Brasil
(1638)........................................................................................................................ 63
Figura 17: Mapas de Gaspar Barlaeus (1647) mostrando as divisas das capitanias
da Paraíba e Rio Grande do Norte e de Pernambuco e Itamarcá............................ 64
Figura 18: Os brasões de armas do Brasil................................................................ 65
Figura 19: Esquema simplificado da constituição de um símbolo patriótico oficial... 83
Figura 20: Esquema do caráter histórico-geográfico na dimensão social dos
mbolos...................................................................................................................136
10
Figura 21: Brasões de armas – biogeografia e economia agrícola..........................144
Figura 22: Bandeiras e Brasões do Estado do Paraná............................................150
Figura 22: Bandeiras e Brasões do Estado do Paraná (continuação).....................151
Figura 23: Brasões e bandeiras estaduais: expressões cartográficas e
paisagísticas.............................................................................................................164
Figura 23: Brasões e bandeiras estaduais: expressões cartográficas e paisagísticas
(continuação)............................................................................................................165
Figura 24: Brasões estaduais: paisagem e lugar.....................................................177
Figura 25: Brasões e bandeiras do Ceará................................................................178
Figura 26: Brasões de caráter nacional (Rio Grande do Sul, Acre) e nacional (Bolívia,
Equador)...................................................................................................................187
Figura 27: Painel do padre Hidelbrando, mostrando o brasão rio-grandense.........192
Figura 28: Bandeiras de caráter nacional: Rio Grande do Sul, Acre, São Paulo e
Maranhão.................................................................................................................192
Figura 29: As diferentes partes de um brasão de armas, como exemplo, a Austrália.
As divisões do escudo de acordo com o corpo do cavaleiro....................................237
Figura 30: Esmaltes e metais na heráldica e suas representações
monocromáticas.......................................................................................................237
Figura 31: Tipos de escudo usados em diferentes países.......................................238
Figura 32: As diferentes partições e peças honrosas do escudo.............................238
Figura 32: As diferentes partições e peças honrosas do escudo (continuação)......239
Figura 33: As partes de uma bandeira.....................................................................240
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1: a conquista de Iwo Jima pelas tropas norte-americanas..................... 30
Fotografia 2: a bandeira hasteada pelas tropas soviéticas no Reichstag em
Berlim........................................................................................................................ 30
Fotografia 3: em 12 de março de 1990 é colocado o novo brasão de armas no
parlamento da Lituânia, substituindo as antigas armas soviéticas após a declaração
de independência...................................................................................................... 43
Fotografia 4: um policial recolhe a agora antiga bandeira do Iraque em 29 de janeiro
de 2008...................................................................................................................... 43
11
Fotografia 5: Morro de Santo Antônio de Leverger visto a partir da região central de
Cuiabá-MT................................................................................................................179
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Vista da Ponta do Mucuripe e da região metropolitana de Fortaleza
(CE)......................................................................................................................... 179
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Brasil – capitanias hereditárias (1534).......................................................121
Mapa 2: Brasil – território colonial em 1709.............................................................121
Mapa 3: Brasil após os tratados de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777)......... 122
Mapa 4: Brasil Império (1823)..................................................................................122
Mapa 5: Brasil República (1889)..............................................................................123
Mapa 6: Brasil – Territórios Federais (1943)............................................................123
Mapa 7: Brasil – atual divisão política (1990)...........................................................124
Mapa 8: Brasil – Movimentos autonomistas.............................................................124
Mapa 9: Sugestão para a redivisão territorial da Amazônia Legal, segundo o trabalho
do deputado Siqueira Campos aprovado pela Comissão da Amazônia (1972).......125
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 14
1 A ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS SÍMBOLOS NACIONAIS.............................. 17
1.1 Bandeiras......................................................................................................... 20
1.2 Brasões de armas........................................................................................... 32
1.3 Hinos nacionais............................................................................................... 38
2 HINOS, BANDEIRAS E BRASÕES NO BRASIL.............................................. 44
2.1 Os símbolos estaduais brasileiros................................................................... 67
3 DO SIMBÓLICO AO GEOGRÁFICO................................................................ 73
4 A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL.................................................... 84
4.1 A ocupação do litoral....................................................................................... 88
4.1.2 A expansão portuguesa e as invasões holandesas..................................... 91
4.2 A conquista portuguesa da Amazônia............................................................. 93
4.3 Os tratados territoriais na formação do Brasil colonial.................................... 95
4.4 O quadro territorial no contexto da independência.......................................... 98
4.5 O Império e a consolidação do Estado nacional............................................. 100
4.5.1 As revoltas provinciais durante o Período Regencial................................... 100
4.5.2 Da Guerra do Paraguai ao alvorecer do republicanismo............................. 104
4.6 A República e o sistema federativo................................................................. 105
4.6.1 As últimas questões fronteiriças................................................................... 106
4.6.2 Da “República Velha” ao “Estado Novo”...................................................... 108
4.7 As novas Constituições de 1934 e 1937 e a ascensão do “Estado Novo”...... 110
4.7.1 As políticas territoriais na década de 1950................................................... 112
4.8 O Governo Militar............................................................................................. 114
4.9 A Constituição de 1988 e a luta pela autonomia no Brasil.............................. 118
5 NAÇÃO E NACIONALISMO NO BRASIL – REFLEXÕES............................... 126
13
6 UMA ANÁLISE DOS SÍMBOLOS ESTADUAIS BRASILEIROS...................... 135
6.1 Biogeografia e economia agrícola....................................................................137
6.2 Expressões cartográficas e paisagísticas........................................................ 152
6.3 Paisagem e lugar..............................................................................................166
6.4 Símbolos de “caráter nacional”.........................................................................180
6.5 Narrando o território......................................................................................... 193
CONCLUSÕES...................................................................................................... 225
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 228
GLOSSÁRIO HERÁLDICO-VEXILOLÓGICO.......................................................237
ANEXO A – DEMAIS BRASÕES E BANDEIRAS ESTADUAIS.......................... 250
ANEXO B – ARTIGO NO JORNAL “O ESTADO DE SÃO PAULO”................... 254
14
INTRODUÇÃO
Bandeiras e estandartes, escudos e brasões, hinos e canções não são
simples composições artísticas e musicais idealizadas ao sabor dos caprichos e
fantasias de poderosos reis, mandatários, governantes, países e regiões ao longo
dos tempos. Ao contrário, esses símbolos refletem uma realidade histórica e, ao
mesmo tempo, portam-se como uma crônica viva de um povo e de uma nação,
sendo que nela também está embutido o espaço geográfico, suas influências e suas
relações.
Nas palavras de Karen Cerulo (1989) os símbolos nacionais correspondem ao
“cartão de visita de um país; na definição das bandeiras cunhada por Marcelo
Duarte (2001) seriam estas a “carteira de identidade” da nação. José Murilo de
Carvalho (1990) diz que não é outra coisa que se pede de um mbolo nacional: a
capacidade de traduzir o sentimento coletivo, de expressar a emoção cívica dos
membros de uma comunidade nacional. Os mbolos constituem assim, uma marca
identitária das conquistas e raízes de um povo, sua história e suas tradições,
configurando-se como uma forma cultural de sua representação.
Foi somente com a Constituição Republicana de 1891, que as províncias
foram transformadas em Estados Federados e poderiam adotar de forma oficial,
hinos, bandeiras e brasões, desde que não omitissem nesta hierarquia os símbolos
nacionais; entretanto, o uso destes mbolos no Brasil se fazia presente desde os
primeiros culos de colonização portuguesa, advindos de uma longa tradição que
foi se desenvolvendo desde a Idade Antiga. Sob esse pretexto, busca-se investigar
de que maneira o espaço geográfico está simbolizado nas entidades da federação
brasileira, atuando nesse viés para utilizar um jargão da geografia física como
um verdadeiro morro testemunho” em que se pode deduzir através da escavação
de suas diferentes “camadas” os variados elementos e seu contexto geográfico no
processo de formação territorial do Brasil.
Assim, o primeiro capítulo busca realizar uma revisão histórica sobre a origem
e evolução dos símbolos nacionais, desde as suas formas de representação
primitiva até o seu uso moderno, adquirindo tal status em finais do século XVIII,
época marcada pela formação dos primeiros Estados nacionais sob o alvorecer das
idéias de identidade e soberania. Como elementos acessórios, os símbolos fazem
15
com que o sujeito se identifique com as características de seu país e suas diversas
escalas, internalizando e expandindo seus valores e significados como algo inerente
à sua “condição nacional”, ou seja, tornando-as parte de um “sujeito coletivo” o
“nós”, o “povo” que irá demarcar sua fronteira de identidade com os “outros”,
assimilando também o conteúdo geográfico para embasar essa referência.
Sob a sombra da evolução dos símbolos nacionais, o segundo capítulo
conduz a uma breve revisão sobre a história dos mbolos no Brasil, desde seu uso
durante o período colonial, ressaltando os períodos de invasão holandesa e francesa
no século XVII. Avalia como a herança das bandeiras revolucionárias resistiu a ponto
de estas se tornarem símbolos estaduais, do qual mergulha na fase pós-republicana
de evolução dos símbolos estaduais, mostrando como as diferentes etapas de
florescência de federalismo face aos períodos centralismo estatal, atuaram no
processo de criação dos símbolos estaduais no Brasil.
O terceiro capítulo avança na especulação do pensamento simbólico humano
desde as suas origens primitivas, o que propiciou criar para si uma construção
artificial do mundo através da categoria espaço-tempo. Como um elemento de
comunicação, o pensamento simbólico passou a ser transmitido sobre a forma da
linguagem, avançando para o conceito semiótico que deu origem à cultura. A partir
da difusão deste artefato cultural, o sistema simbólico humano avançou de forma a
representar os elementos da realidade física em diferentes dimensões espaço-
temporais. Os símbolos passaram dessa forma a representar também o contexto de
uma determinada sociedade e as suas formas de ver e conceber o mundo, como
tamm o espaço geográfico em determinada escala e grau, algo que pode ser “lido”
e interpretado de forma a inferir sobre suas origens e a parcela da realidade que
representam.
O capítulo seguinte aborda a formação territorial do Brasil, desde as origens
do processo de colonização, passando pelas etapas de construção do território
nacional como um jogo de forças” luso-espanhol nos três séculos seguintes ao
descobrimento, sua consolidação estatal no Império, a mudança de regime político
em fins do culo XIX e suas etapas de desenvolvimento durante todo o século XX.
Ao final, realiza-se uma breve revisão dos movimentos autonomistas do Brasil que
permearam a discussão durante a implantação da Constituição Federal de 1988.
Compreendendo-se suas diferentes etapas, pode-se investigar como os símbolos
16
estaduais re-apresentam as “camadas” sedimentadas dos cinco séculos de
formação do território brasileiro.
A questão da nação e do nacionalismo no Brasil é analisada nas reflexões
propostas no quinto capítulo, onde se busca demonstrar como a construção do
imaginário de nação, face às realidades impostas pelo descontentamento social e o
sentimento regional, bem como pelas dificuldades de comunicação e a ausência de
uma estruturada rede territorial durante o século XIX, foram sendo substituídas
através do discurso da sagração da natureza, do povo gentio e ordeiro e da própria
ação modernizadora do Estado, que projetaram o imaginário de progresso e unidade
que iria conduzir a nação e suas entidades federativas à feliz destinação.
Finalmente, as etapas anteriormente analisadas constituir-se-ão da trama na
qual se busca realizar uma análise dos símbolos estaduais brasileiros, através da
seleção dos hinos, bandeiras e brasões de armas que apresentam em seu foco de
representação maior caráter geográfico. Estes mbolos foram agrupados de acordo
com a temática expressa em sua estrutura representativa, face aos diferentes temas
abordados pela geografia, no que confere à biogeografia e economia agrícola, às
expressões cartográficas e paisagísticas, às noções de paisagem e lugar, bem como
as resistências e aspirações regionais nos símbolos de “caráter nacional” e tamm
na perspectiva da “narrativa do território” no caso dos hinos. Analisadas suas
estruturas semânticas e sintáticas correlacionadas com estas representações,
procurou-se inferir como estes símbolos atuam no processo de re-apresentação
espacial, bem como da construção do imaginário territorial.
17
1 A ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS SÍMBOLOS NACIONAIS
Delineando um capítulo recente na história da humanidade e do próprio
simbolismo coletivo, os símbolos nacionais
3
apareceram com esse status no final do
século XVIII, quando, junto com a formação dos primeiros Estados nacionais
modernos, passaram figurar como elementos acessórios em um período de
expansão do nacionalismo e das idéias de identidade e soberania. Presentes nas
cerimônias políticas, diplomáticas, nos protestos e eventos esportivos e tocados em
emissoras de rádio e televisão, cinemas, teatros, festivais e paradas militares, entre
outras formas de mídia, os símbolos nacionais constituem-se em elementos
distintivos de reconhecimento mútuo entre os membros de um determinado grupo.
Símbolos nacionais (e, por extensão os provinciais, regionais ou estaduais,
assim como os municipais), portam-se como claras declarações de identidade. Em
essência, eles servem como totens modernos (no sentido Durkheimiano) – são
signos que trazem uma relação especial para as nações que representam,
distinguindo-as umas das outras e reafirmando suas fronteiras de identidade
4
(CERULO, 1989; 1993).
Os símbolos e rituais são fatores decisivos na criação da identidade nacional.
A nação, como uma forma de comunidade, implica tanto a semelhança entre seus
membros, quanto a diferença em relação aos estranhos (GUIBERNAU, 1997). Além
disso, eles remetem esses significados como um traço distintivo de um grupo ou
comunidade em forma de unidade política, criando uma identidade associativa no
pensamento coletivo em que “se pode experimentar a consonância, a realização
física da comunidade imaginada” (ANDERSON, 2005)
5
através do processo ritual.
3
Em geral, os símbolos nacionais possuem uma amplitude de formas e representações: bandeiras,
hinos, canções, marchas, brasões, timbres, selos, cores, a flora e fauna, monumentos, santuários,
moeda, língua, escrita/alfabeto, heróis, personificações da nação, etc. Por uma adequação
metodológica trataremos aqui apenas dos três principais: a bandeira, o brasão de armas e o hino.
4
As fronteiras têm caráter simbólico e envolvem diferentes significados de um povo para o outro.
Conforme diz Guibernau (1997, p. 91, apud COHEN, 1985) “todavia, se considerarmos a fronteira a
face blica da comunidade, ela parece simbolicamente simples, mas, como objeto de discurso
interno, é simbolicamente complexa. A fronteira, [...] simboliza a comunidade para os seus membros
de dois modos diferentes: é o senso que eles têm de sua percepção pelas pessoas do outro lado – a
face pública e a maneira ‘típica’ – e é sua noção de comunidade como que refratada através de todas
as complexidades de suas vidas e experiências – a face privada e a maneira idiossincrática”.
5
[...] “é uma comunidade política imaginada como intrinsecamente limitada e soberana
(ANDERSON, 2005, p. 25), ou seja, o político se manifestando através das necessidades das
18
É assim, conforme acrescenta Leach (1978, p. 53) que “as ‘dimensões’
verbais, musicais, coreográficas e visual-estéticas parecem, todas elas, formar
componentes da mensagem total. Quando fazemos parte desse ritual, captamos
todas essas mensagens ao mesmo tempo e as condensamos numa única
experiência, assim nós ‘dizemos coisas a nós mesmos’”.
Dentro dessa perspectiva, como parte de um rol de tradições que parecem ou
alegam ser mais antigas do que na realidade o são, Hobsbawm e Ranger (1997)
concebem os mbolos nacionais na perspectiva de uma tradição inventada”,
6
pois
tanto os movimentos nacionalistas, quanto os Estados “tinham todas as razões para
reforçar, se pudessem, o patriotismo estatal com os sentimentos e símbolos da
comunidade imaginária (sic), onde e como eles se originassem e concentrá-los
sobre si mesmos” (HOBSBAWM, 1990, p. 111).
Conforme demonstra Estévez (2004, p. 349) “ao se cantar o hino nacional
[hastear a bandeira e/ou ostentar o brasão de armas] se recriam e reproduzem as
lealdades a um sujeito coletivo [...] o sujeito coletivo, não se dissolve magicamente
na nação, como que experimenta a nação em si mesmo”. Quando experimenta a
nação, o sujeito coletivo (o nós) entra em comunhão com essa identidade cultural
transplantada para o âmbito nacional, pois, nas palavras de Stuart Hall (2005, p. 59)
“não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe,
gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural,
para representá-los todos como pertencendo à mesma grande família nacional”.
É preciso lembrar que esta é uma característica intrínseca dos símbolos, pois
eles projetam uma mensagem que é propositalmente e meticulosamente construída
quando foram adotados ou escolhidos para se tornarem mbolos oficiais de uma
nação; assim, eles o são projetados apenas para a população nacional, mas para
um mundo além das fronteiras nacionais (CERULO, 1993). Nesse contexto, Estévez
(2004, p. 363) complementa que:
fronteiras, de uma língua própria, da apropriação simbólica e dos demais elementos culturais e
imaginários que circunscrevem e legitimam a nação.
6
Por “tradição inventada entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras
tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente, uma
continuidade em relação ao passado (HOBSBAWM; RANGER, 1997, p. 9).
19
A pátria, como sujeito discursivamente construído, está configurada, toma sua
forma, nos textos sonoros e plásticos que reproduzem ritualmente o amor
feito a ela. A pátria está mais próxima, é mais acessível, através de seus
símbolos (o hino, a bandeira, o escudo) que através de seus pretextos (a
nação e suas justificações).
Com isso, “cada sujeito é intercambiável com os outros e nessa virtualidade
de intercâmbio se produz não só a associação com todos os patriotas entre si, como
tamm a de cada um deles com a pátria cantada [e simbolizada]” (ESTÉVEZ, 2004,
p. 373). Nesse sentido, a pátria adquire forma, possui um caráter. Jurar defendê-la
torna-se um compromisso moral dos patriotas, pois a pátria (mesmo que seja o
produto de uma mera invenção ou tradição) foi dos antepassados e continuará a ser
dos filhos; ela é metaforicamente nesse discurso a “pátria-mãe”, aquela que nos
alimenta com seu solo, que nos protege com sua natureza sacralizada
7
e é o lugar
(por seus atributos territoriais, lingüísticos, religiosos e culturais ditos em comum)
onde está assentado o “nosso” projeto futuro de vida.
Os símbolos portam-se dessa maneira como uma “carteira de identidade” da
nação, condensando elementos característicos (ou eleitos como tal) em sua
formação histórico-social; eles tamm mascaram a diferença e põem em relevo a
comunidade, criando assim um sentido de grupo” (GUIBERNAU, 1997). As pessoas
constroem a comunidade de uma forma simbólica e transformam-na como um
referencial de sua identidade.
Deve-se levar em consideração que todo símbolo tem um significante (que é
o elemento sensível, por exemplo, a imagem ou o som) e um significado, que é o
seu conteúdo ideológico. Para que haja um mbolo é necessário então existir uma
conexão entre o significante e o significado. Ao analisá-lo, deve-se considerar, entre
outros elementos, a cultura, pois os símbolos são construções culturais e, dentre
elas neste caso, devem-se considerar as dimensões espaciais e as formas de
localização e representação geográfica.
Com o objetivo de aproximar a sua relação com a geografia, o presente
capítulo buscará fazer uma retrospectiva dos símbolos nacionais, abordando o
surgimento e evolução das bandeiras, brasões e hinos respectivamente, o que
propiciará um melhor entendimento referente à criação dos símbolos como objetos
de representação social, histórica e espacial. Deve-se lembrar que dentro da
7
Não sendo apenas um atributo do Hino Nacional Brasileiro, assim canta o hino nacional do Chile,
por exemplo: “[...] Majestosa és a branca montanha, / Que te deu por baluarte o Senhor. / E esse mar
que tranqüilo te banha, / Te promete um futuro esplendor [...]”.
20
evolução dos símbolos nacionais desdobram-se as categorias subnacionais, com os
mbolos regionais, provinciais e, neste caso, estaduais. Por uma questão de
metodologia, não se pretende realizar aqui um inventário apurado de todas as regras
e convenções heráldico-vexilológicas,
8
além da profunda análise de sua evolução, o
que tornaria a leitura demasiadamente cansativa, e, por muitas vezes, imprecisa e
pontual quanto ao foco do tema abordado.
1.1 Bandeiras
Antes de descrever a origem das bandeiras e sua evolução, é conveniente
verificar de onde o termo surgiu, para melhor entender o seu significado na história
dos grupos humanos. A etimologia da palavra bandeira tem sua origem na palavra
gótica bandvja,
9
que em princípio significava “sinal”, e mais tarde o ato de demarcar
determinado grupo de pessoas que seguiam esse sinal. Por extensão, a palavra
latina bandaria originou mais tarde a palavra “bandeira” na língua portuguesa. Nesse
sentido, a bandeira desde as suas primeiras origens, cumpria a função de um
elemento de demarcação territorial de uma determinada sociedade, clã ou tribo.
O estudo das bandeiras é chamado de vexilologia, termo cunhado em 1957
pelo estadunidense Whitney Smith,
10
cuja origem deriva da palavra vexillum, que era
o nome dos estandartes usados pelo exército romano. Deve-se ressaltar que desde
o século XII, as regras que envolvem a representação das bandeiras no que se
refere às suas cores, divisões e formas estavam sistematicamente ligadas à
heráldica – estudo que trata especificamente dos brasões.
A bandeira, como um abrigo alegórico e mítico, é em sua essência um
mbolo de um determinado grupo étnico-cultural, ou preferencialmente, na sua
forma moderna, um mbolo pátrio. Ela sintetiza os ideais nacionais, pois age como
um instrumento militar e político, psicológico e social, cultural e espiritual. Na
8
Para tal objetivo, ao final desta dissertação, apresentar-se-á um glosrio heráldico-vexilológico, de
forma a introduzir para os leigos em armaria os termos heráldicos usados durante o texto.
9
Segundo Seyssel (2006, p. 24), esta palavra deriva da raiz sânscrita bandh, que possui os seguintes
significados: ligar, fixar, reunir, capturar, construir, quase todos próximos à idéia de bando – um grupo
de pessoas reunidas.
10
O Dr. Smith (1940-) fundou em 1962, o Centro de Pesquisa das Bandeiras (Flag Reseacher Center)
em Winchester, Massachusetts, EUA. Ele também representou um papel importante na fundação da
Associação Vexilológica Norte-Americana (AVNA) em 1967. Dentre seus livros que se destacam
sobre tema bandeiras constam: Flag Lore of All Nations, Flags Through the Ages and Across the
World e The Flag Book of the United States. Smith também é o autor da bandeira nacional da Guiana.
21
atualidade, ela avança para outras finalidades e usos, utilizada em diversas
ocasiões, cujos motivos variam desde os mais formais, como cerimônias cívicas,
políticas e religiosas, o uso por empresas e corporações, até as festas populares,
11
eventos esportivos e manifestações diversas. Por ser um mbolo que denota
identidade, a bandeira traz consigo uma gama enorme de expressões e
manifestações, cuja finalidade é de se fazer notar, comunicar algo a alguém, tal
como reivindicar e protestar, saudar ou vilipendiar (SEYSSEL, 2006).
Desde o alvorecer da humanidade houve a necessidade de identificação e
diferenciação dos diferentes grupos humanos entre si, seja pela demarcação de um
determinado território (termo este emprestado da biologia pela geografia), para o
reconhecimento mútuo de seus membros, como para estes se diferenciarem dos
“inimigos”. Esse lento e longo processo de evolução do pensamento humano de
forma simbólica
12
resultou no uso de desenhos pictóricos e símbolos primitivos. À
medida que se desenvolviam as primeiras civilizações, esses símbolos passaram a
se tornar mais complexos.
Os egípcios usavam por volta de 5.000 a.C.
13
em suas cerimônias públicas
insígnias simples, que consistiam de hastes em que eram amarradas ervas ou
mesmo partes do corpo de determinado animal, às vezes ornadas com fitas. Estas
“figuras totêmicas” estavam diretamente ligadas às forças da natureza e seus
elementos, imbuídas de certo grau de “animismo”, passando depois para uma
inspiração religiosa, com a insígnia-deus convertendo-se posteriormente na insígnia-
rei, o herdeiro na Terra dos poderes divinos. Conforme relembra Descola (1996), o
totemismo é uma lógica classificatória que utiliza as descontinuidades
empiricamente observáveis entre as espécies naturais, a fim de organizar
conceitualmente uma ordem segmentar, delimitando unidades sociais. O animismo
por sua vez é a crença de que os seres naturais são dotados de um princípio
espiritual próprio e que os homens podem estabelecer com estas entidades relações
de um tipo particular e geralmente individual.
Esta protobandeira é conhecida como vexilóide (do inglês: vexilloid)
insígnias militares e cerimoniais (ZNAMIEROWSKI, 2004). Sua haste era feita de
11
No caso brasileiro, podemos citar o uso nas escolas de samba com o carnaval, as folias de reis e
as festas juninas como exemplos característicos do uso popular de diferentes estilos de bandeiras.
12
O terceiro capítulo, intitulado “Do Simbólico ao Geográfico” abordará de forma mais esmiuçada o
processo de evolução do pensamento humano de forma simlica.
13
[...] Um dos exemplos mais antigos que se tem conhecimento aparece num pote egípcio com mais
de 5.000 anos e servia, provavelmente, para identificar as regiões do reino (DUARTE, 2001, p. 8).
22
madeira ou metal, encimados com penas, chifres, caudas ou peles de animais. Além
dos egípcios, assírios, persas, mongóis, chineses, japoneses e astecas criaram seus
próprios vexilóides:
14
As bandeiras são uma característica universal da civilização humana. Com a
exceção das sociedades mais primitivas e dos povos nômades, demonstra-se
que toda a cultura inventou para si mesma bandeiras de um tipo ou de outro –
com uma semelhança notável de formas observáveis ao longo do mundo. As
funções das bandeiras o quase idênticas em todas as sociedades e são
similares as bandeiras usadas que podem ser observadas em diversas
regiões e épocas (SMITH, 1975, apud ZNAMIEROWSKI, 2004, p. 100).
Além disso, as bandeiras tinham uma função mítica importante, pois além de
serem um símbolo presente nos templos religiosos, protegiam seus portadores
durante as batalhas. Os persas usavam em suas protobandeiras o desenho de uma
águia no topo, uma figura totêmica que mais tarde foi assimilada pelos romanos:
Os primeiros objetos parecidos com bandeiras foram os vexilos, emblemas
lidos com a forma de pássaros ou símbolos abstratos que eram levados a
encimar varas. Como apontavam para cima, na direção das nuvens, estes
vexilos pareciam estar investidos de poderes místicos que se acreditava
protegerem os seus portadores e proporcionar-lhes a vitória. Embora as
legiões romanas usassem vexilos com a forma de águias, foram também as
primeiras a utilizar as bandeiras de pano (COSTANTINO, 2005, p. 7).
O estandarte militar das legiões romanas (chamado signum) consistia em uma
lança ornada de símbolos sobre discos de metal, ornadas de coroas de louro, cujo
topo continha a figura de um determinado animal conforme a unidade da tropa,
sendo mais comum a águia (áquila). A forma moderna da bandeira surgiu quando
além das figuras no topo, uma barra horizontal foi adicionada à haste pelas tropas
romanas, conhecida por vexillum. O vexilo” consistia de um pano quadrado
geralmente de cor carmesim que carregava o nome da unidade, um emblema ou um
retrato do imperador. Era comum tamm o uso da sigla SPQR Senatus Populus
Que Romae (o Senado e o Povo de Roma), usado por tropas auxiliares e pequenos
destacamentos.
14
Os vexilóides dos astecas possuíam em seu topo penas da ave quetzal; os mongóis por sua vez
usavam caudas e crinas de cavalos em suas insígnias (ZNAMIEROWSKI, 2004). Os assírios usavam
em suas batalhas dois tipos de estandarte: um com uma figura de um arqueiro montado num touro e
outro com as imagens de dois touros [...] a bandeira de Gêngis Khan [...] tinha quase três metros de
altura e era carregada por um carro puxado por quatro cavalos. Ela se destacava por ser bastante
colorida e pelo desenho de um falcão no centro (DUARTE, 2001, p. 8).
23
Figura 1: Hastes com figuras totêmicas usadas nos desfiles do Egito antigo.
Figura 2: Da esquerda para a direita os vexilóides: assírio, romano, asteca, mongol e japonês.
Figura 3: Vexilo romano representado no templo do imperador Adriano (145 d.C.).
Fontes: Znamierowski (2004); Znamierowski e Slater (2007).
24
Outra bandeira similar foi instituída em 312 d.C. pelo imperador Constantino
na vitória sobre Maxêncio; conhecida por lábaro (labarum), sua insígnia foi a
representação da cruz cristã.
15
As bandeiras com o sinal da cruz apareceriam e se
difundiriam durante a primeira cruzada (1096-1099).
No século VI o exército bizantino substituiu o vexilo romano com uma
bandeira retangular e no século VIII esse modelo de bandeira se difundiu pelo vale
dos Cárpatos e pela Europa Central. No século seguinte, apareceu um novo tipo de
bandeira, o gonfalão, caracterizado por uma extremidade retangular próxima à
haste, tendo o outro lado “farpado” um final triangular com três pontas. A forma do
gonfalão foi por alguns culos reservada para os governantes e eclesiásticos, mas
depois do século XI ela prevaleceu nos exércitos e do século VII ao XIV seu uso
franco se deu nas cidades (ZNAMIEROWSKI, 2004). No princípio do século XIII, as
dependências germânicas na região do Báltico e as cidades hanseáticas adotaram
gonfalões com desenhos e cores simples,
16
depois substituídos por flâmulas
retangulares, cujo desenho mais comum e difundido era a cruz cristã.
17
A invenção da heráldica ajudou a distinguir as bandeiras designadas para
ducados, principados e domínios civis, como também auxiliou num rápido
crescimento no número de bandeiras pessoais. Da mesma forma que o brasão de
armas, cada pessoa qualificada (nobre) possuía uma “bandeira armorial” (ou
“bandeira heráldica”), que se converteu no principal tipo de bandeira da época.
As bandeiras heráldicas passaram a ser usadas também por eclesiásticos e
militares, mas diferentes da armaria pessoal, elas assinalavam as ordens que eles
seguiam e seus respectivos domínios. De igual impacto foi o constante crescimento
no número de cidades que adotavam armas. Nas palavras de Znamierowski (2004,
p. 15) “as bandeiras armoriais civis se tornaram a real bandeira nacional dos burgos,
como símbolos de seus direitos e privilégios”.
15
[...] o lábaro continha uma coroa, uma cruz e o monograma de Cristo. Foi durante o reinado de
Constantino que a cruz se tornou o símbolo sagrado dos cristãos. Antes, quando eram perseguidos
durante o tempo de Nero, o símbolo era o peixe (SEYSSEL, 2006, p. 50).
16
Conforme complementa SZAMÓSI (1986, p. 88-89) por essa época “a homogeneidade e
racionalidade do espaço geométrico grego deram lugar a outros espaços simbólicos, organizados por
símbolos e valores religiosos e divididos em lugares e regiões sagrados e profanos. Mapas eram
desenhados muitas vezes, mas, mesmo quando o terreno a ser representado era bem conhecido,
eles não representavam as relações espaciais com exatidão. mbolos e relações alegóricas eram
muito mais importantes do que representações realísticas de distâncias e direções”.
17
Outros povos, como os árabes, usavam por essa época bandeiras triangulares. Como a cruz se
tornou um símbolo comum nas nações cristãs, o crescente emergiu como símbolo das nações
muçulmanas após os turco-otomanos o adotarem em sua bandeira por volta do ano de 1250.
25
Figura 4: “Bandeiras heráldicas” usadas pelas tropas medievais para guiar o avanço dos
batalhões, delimitarem os territórios de influência real e as cidades conquistadas.
Fonte: Barker (2005).
Figura 5: Ilustração dos principais tipos de bandeiras existentes.
Fonte: Luz (1999).
26
Durante a Idade Média foram comuns os símbolos cristãos, as cruzes e
figuras dos santos, com seus respectivos atributos, eram pintadas nestes
estandartes.
18
Durante o culo XVI o uso franco de bandeiras amoriais começou a
diminuir consideravelmente, porém só se consolidaria após as revoluções do final do
século XVIII.
Neste imaginário, em que os Estados eram definidos por centros, tendo um
monarca reunido grande número de súditos, com a formação das primeiras
protonações,
19
as bandeiras também agregavam em seu pano e simbolismo a união
de reinos e dinastias. Um exemplo ainda presente desse processo se deu em 1603,
quando surgiu a primeira versão da “Bandeira da União” (Union Flag) no Reino
Unido, quando as coroas escocesa e inglesa se uniram na subida ao trono inglês do
rei Jaime V da Escócia, como rei Jaime I da Inglaterra.
Embora ambos os países mantivessem suas próprias bandeiras (e continuam
a fazê-lo), Jaime decidiu que era necessária uma nova bandeira para confirmar a
união, ordenando em 1606 que a cruz vermelha de São Jorge da Inglaterra (que
incluía o País de Gales) fosse combinada com a cruz branca de Santo André (em
aspa sobre o fundo azul) da Escócia.
20
Quando a Irlanda (cuja bandeira era uma
cruz vermelha em aspa de São Patrício sobre um campo branco) foi anexada ao
recém-criado Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda em 1801, foi decidido permutar
as cores as aspas de modo a não parecer que a cruz de Santo André era apenas
uma mbria da cruz de São Patrício, tornando-as assim iguais, de forma que os
países da união estivessem representados nesta bandeira.
Uma versão desta bandeira foram os estandartes britânicos (British Ensign)
que apareceram no século XVII, quando os britânicos passaram a usar a Bandeira
da União no cantão superior direito da bandeira, tendo o estandarte em campo
vermelho (red ensign) para uso civil, em campo azul (blue ensign) para o governo ou
Estado e em campo branco (white ensign) para embarcações marítimas. No século
XIX, o estandarte azul passou a ser usado pelos governos coloniais, que colocavam
18
Figuras, como a imagem da Virgem Maria, foram relativamente comuns até o século XVIII nas
bandeiras das cidades e ordens militares. A bandeira do cantão de Glarus, na Suíça, usa até hoje a
imagem de São Fridolim, padroeiro local.
19
Este termo foi cunhado por Hobsbawm (1990) para definir os Estados nacionais cujas fronteiras
tomaram sua forma final aproximada ainda no culo XV, como nos casos do Reino Unido, França,
Portugal e Espanha.
20
Desde 1277, a cruz do padroeiro, São Jorge, era usada pelos reis ingleses, sendo tamm esta
considerada a bandeira nacional; a cruz em diagonal (ou aspa) de Santo André da Escócia, data de
um pouco antes de 1385 (BARKER, 2005).
27
no centro do batente inferior os símbolos e armas características de cada possessão
colonial.
21
A primeira bandeira “moderna” nasceu durante a revolta holandesa contra o
reino da Espanha (1567-1579); era conhecida como Prinsenvlag, composta de três
faixas horizontais de igual tamanho, sem os aparatos heráldicos, nas cores
vermelha, branca e azul. A importância da bandeira holandesa iria se refletir no
número de nações que passariam a copiar seu modelo gráfico.
22
Mais tarde, suas
cores também influenciariam a bandeira criada após a independência dos Estados
Unidos (1776) e a bandeira da França revolucionária, conhecida por Tricolore.
23
O desenho dessas novas bandeiras criadas refletia a idéia que, com abolição
das monarquias, o sistema heráldico de identificação também fora rejeitado. As
cores e desenhos contidos nas bandeiras passaram a carregar uma mensagem
ideológica e política em seu conteúdo (ZNAMIEROWSKI, 2004); um exemplo dessa
transição é o uso de símbolos simples, como as estrelas, cuja representação
ideológica assumiu as formas mais variadas.
Até o século XIX, o uso de bandeiras em terra era limitado, em contraste com
o uso massivo das bandeiras nos mastros navegações marítimas, e, apenas alguns
países possuíam de fato uma bandeira nacional. Mas as mudanças ocorridas no
começo daquele século, pela ascensão dos movimentos nacionalistas na Europa
(principalmente no s-1848), a independência das nações latino-americanas e as
mudanças culturais que deram nascimento à idéia de soberania e do Estado
nacional, é que os estandartes civis se tornaram definitivamente “bandeira nacional”.
21
No caso das possessões britânicas, desde 1865 foram criadas bandeiras com a “Bandeira da
União” em campo azul ou vermelho como ocorre atualmente com as bandeiras Austrália e Nova
Zelândia em que se inseria um brasão de armas ou elementos associados à uma determinada
colônia ou protetorado. As colônias da África, Ásia, Oceania ou Caribe tinham da mesma forma em
suas bandeiras brasões de armas ou emblemas adicionados no “batente inferior”, que é a parte mais
distante da haste, que “esvoaça” ao vento.
22
Conforme retrata a lenda (COSTANTINO, 2005; BARKER, 2005; KINDERSLEY, 2005), em 1697 o
czar da ssia “Pedro, o Grande”, em visita aos Países Baixos, decidiu adotar uma variação da
bandeira tricolor holandesa na sua frota marítima, que mais tarde se converteu no símbolo civil de seu
país; a influência da Rússia se faria também nas nações eslavas, que adotaram a mesma estrutura
gráfica desta bandeira. As nações latino-americanas utilizaram o mesmo desenho durante os
movimentos de libertação nacional no início do século XIX, cujas bandeiras de San Martin (Argentina)
e Francisco de Miranda (Venezuela) foram as precursoras como modelo gráfico.
23
A tricolore francesa apareceu durante a Revolução de 1789. O general francês Marquis de
Lafayette utilizou as cores vermelha e azul do brasão da cidade de Paris colocando entre elas a cor
branca da família real Bourbon. Inicialmente ela simbolizava a reconciliação do Rei com a cidade,
mas rapidamente tornou-se o símbolo da revolução. Em 15 de fevereiro de 1794, a convenção
nacional adotou a presente bandeira (FIREFLY, 2003, p. 77).
28
Figura 6: Genealogia da bandeira britânica – a soma dos reinos e territórios.
Figura 7: Os estandartes coloniais e as bandeiras da Comunidade Britânica.
Estandarte Vermelho Estandarte Azul Estandarte Branco
Canadá (1957-1965)
24
Austrália (1901) Nova Zelândia (1902)
24
A primeira versão desta bandeira apareceu em 1868; as armas foram modificadas em 1921 e 1957.
29
Da mesma forma que o brasão de armas se tornou o signo identificado com o
governante e o Estado, também a bandeira nacional veio a ser tornar um símbolo no
qual o povo podia se identificar, que o conceito de bandeira nacional como um
mbolo do povo aconteceu muitas vezes antes de o Estado se tornar prevalecente,
e em muitos casos a bandeira foi introduzida pelos líderes dos movimentos de
independência, estudantes ou revolucionários e depois adotada por um governo
(ZNAMIEROWSKI, 2004).
em finais do século XIX, grande parte dos Estados havia adquirido para si
uma bandeira com suas próprias “cores nacionais”. Tal fato não ocorreu somente
com as nações independentes da Europa e das Américas, mas também nos
territórios coloniais dos Estados metropolitanos, onde se forjou, de um tipo ou outro,
a bandeira colonial com atributos próprios entre os séculos XIX-XX, como nos casos
das possessões e protetorados britânicos. Guerras, independências e revoluções,
além de outros fatos históricos comandaram esta dança de significados que influem
na adoção de novas bandeiras e novas cores nacionais (LUZ, 1999).
25
Durante a Segunda Guerra Mundial, o valor ideológico e moral da bandeira
26
no campo de batalha aparece na foto de Joe Rosenthal, publicada pela Associated
Press, em 23 de fevereiro de 1945, quando seis marines norte-americanos fincaram
a bandeira de seu país em Iwo Jima, uma ilha do arquipélago de Ogasawara, a meio
caminho entre Saipan, nas Ilhas Marianas e Tóquio; tal conquista significou uma
forte ameaça territorial ao imperialismo japonês. Da mesma forma, a foto tomada do
Reichstag pelos soviéticos, no dia 5 de março de 1945, tornou-se um dos marcos da
25
Um exemplo marcante dessa mudança de significado e da manipulação dos símbolos nacionais e
das tradições apareceu com a bandeira da recém-unificada Alemanha, em 1871. O preto e o
vermelho advinham das armas da Prússia; o branco e o vermelho da Liga Hanseática. Essas cores
perduraram até 1918 quando, após a derrota da Alemanha e o advento da República Weimar, foram
substituídas pelo preto-vermelho-dourado, cores das bandeiras das revoluções de 1848. Com a
ascensão do nazismo em 1933, Adolf Hitler restaurou as antigas cores imperiais, transformando-as
em um símbolo de revanche contra a humilhação da derrota na Primeira Grande Guerra. As cores se
converteram na bandeira do Partido Alemão Nacional-Socialista dos Trabalhadores (National-
Sozialitische Deutsche Arbeiter Partei), cuja bandeira continha um campo vermelho, sobreposto por
um círculo branco, onde se inscrevia uma cruz suástica negra (cruz germana ou gemada), hasteada
ao lado da bandeira nacional. A restauração das cores imperiais correspondia à edificação de um
novo império (o Terceiro Reich) no qual ambicionava Hitler. Com esta promessa, de tal forma siderou
o povo alemão que, em 1935 (sic), apenas passados dois anos da restauração das cores imperiais,
ousou substituir o novo pavilhão pela bandeira do partido, a qual deu atributos à bandeira nacional
que perduraram até o fim da Segunda Guerra Mundial (LUZ, 1999, p. 31). Após essa data o padrão
preto-vermelho-dourado foi restaurado como bandeira nacional da Alemanha.
26
Conforme relembra Guibernau (1997, p. 91) “o soldado que morre por sua bandeira assim age por
identificar a bandeira com seu país. Mediante essa associação, ele perde de vista o fato de que a
bandeira é apenas um sinal. Como um símbolo, a bandeira é valiosa: representa o país”.
30
disputa ideológica que se seguiu à derrota do regime nazista. Tal medida colocou
em jogo a partir de então uma disputa geopolítica entre as duas novas potências, ao
demarcarem simbolicamente suas posições no mundo bipolar da “guerra fria”.
Fotografia 1: a conquista de Iwo Jima Fotografia 2: a bandeira hasteada pelas
pelas tropas norte-americanas. tropas soviéticas no Reichstag em Berlim.
A bandeira do Partido Comunista, composta de um pavilhão vermelho com
um emblema de ouro representando uma foice e um martelo (símbolo dos
camponeses e proletários respectivamente) transformou-se na bandeira da União
Soviética (1924).
27
A “bandeira vermelha” comunista foi copiada por outros países
que seguiram o mesmo modelo estilístico e ideológico.
28
Outras bandeiras de influência ideológica no século XX se configuraram na
bandeira da revolta árabe de Hejaz (1917) e a bandeira do movimento egípcio de
libertação (1953), cujas cores (verde, vermelho, preto e branco) influenciaram os
estandartes das nações no Oriente Médio e norte da África. A bandeira da Etiópia
(1930), que teve forte influência com suas cores (vermelha, amarela, verde) no
movimento do Pan-africanismo, assim como o movimento negro norte-americano,
liderado por Marcus Garvey, que havia criado um estandarte (1920) com as cores
vermelha, negra e verde para manifestar o sentimento de irmandade africana.
27
A bandeira soviética sofreria alterações em 1935; sua versão final foi utilizada entre 1955-1991.
28
Como exemplos, podem-se citar as bandeiras da Mongólia (1924-1940), República Popular da
China (1949), Vietnã (1955), Camboja (1976-1989), Afeganistão (1978-1980). A influência da
ideologia marxista na África se fez também nas bandeiras de Angola (1975), Moçambique (1981),
Congo (1969-1991), e Benin (1975-1991), usando ferramentas e estrelas na sua composição.
31
Figura 8: Bandeiras que serviram de inspiração libertária.
Países Baixos (Prinsenvlag) Rússia (Andreevsky) França (Tricolore)
A atual bandeira dos Estados Unidos (The Star-spangled-banner), a tricolor idealizada por Francisco
de Miranda (1806) para a emancipada América Espanhola e a bandeira da Federação da América
Central (1823-1838), inspirada no padrão de cores da bandeira da Argentina.
Figura 9: Bandeiras nacionais da Alemanha – estandarte civil (1848-1866), bandeira imperial
(1867-1918) e a bandeira modificada por Adolf Hitler para servir de estandarte civil (1933-1945).
Figura 10: Bandeiras da União Soviética (1924-1991), Revolta Pan-Árabe (1917) e Etiópia (1930).
32
Com o fim da Segunda Guerra iniciou-se o processo de massificação das
independências nacionais, resultantes do desmoronamento do modelo colonial
estabelecido em fins do culo XIX, ocorrendo primeiramente na Ásia e se
estendendo à África, Oceania e ilhas do Caribe. As décadas subseqüentes seriam
marcadas pelo acréscimo do número de Estados independentes, refletindo-se em
uma extensa gama de novos símbolos nacionais, cujas bandeiras passaram a figurar
no cotidiano da sociedade global.
Outro ponto marcante na florescência de novas bandeiras desdobrou-se no
final do século XX com as mudanças advindas da queda do Muro de Berlim (1989) e
o fim da União Soviética em 1991, que culminaram não só com a ascensão de novos
mbolos (re)introduzidos na ampliação do quadro dos Estados soberanos, mas
tamm nas mudanças das bandeiras dos países sob influência do marxismo, tanto
os Estados satélites europeus, bem como as nações do chamado Terceiro Mundo.
29
1.2 Brasões de Armas
Da mesma forma que as origens míticas da bandeira, a história dos brasões
segue os modelos de representação totêmica das sociedades antigas. Segundo
Pereyra (1947), foram os assírios os primeiros a usar divisas em seus escudos. As
armas dos reis da Assíria eram uma pomba de prata. Os cartagineses tinham por
emblema uma cabeça de cavalo; os romanos uma loba, um corvo e depois uma
águia. Os godos, por sua vez, usavam um urso e os francos um leão. Os chineses
tinham em seus estandartes militares a figura de um dragão. A esses antigos
escudos de combate dava-se o nome de “broquéis”.
Como o brasão apóia-se em simbolismos, verifica-se nele a influência
religiosa, militar, supersticiosa ou heróica desde os primórdios da humanidade,
conforme explica Waldemar Baroni Santos (1978, p. 11):
29
No caso dos Estados satélites podemos citar a bandeira da Romênia, cujo brasão de armas ao
estilo dos símbolos comunistas fora retirado. Nações como a República do Congo e o Benin na África
e o Camboja na Ásia reformularam suas bandeiras, após esse período. A Albânia retirou de sua
bandeira a estrela dourada em 1991, que representava o partido comunista, assim como também o
fez a Iugosvia retirando de sua bandeira a estrela vermelha em 1992, após o esfacelamento de seu
território.
33
A superstição e o devotamento religioso nasceram com o próprio homem. O
totemismo, que consiste no culto aos animais, às plantas e a objetos que
lembrem figuras religiosas, já era comum ao homem primitivo [...]. Na história
dos brasões, suas mais curiosas formas têm seu radical na mitologia grega,
romana e etrusca, ou tão somente nos usos e costumes das maiores nações
do mundo antigo [...] convém lembrar as lendas que contam a ação dos
deuses que, por castigo ou prêmio, transformavam os seres humanos, de sua
predileção, em animais e plantas, pois estes mesmos animais e plantas vão
dar origem a muitos brasões.
Guilherme de Almeida (In: RIBEIRO, 1933, p. 361) assim trata da origem
heróica dos brasões:
A origem dos brasões de armas remonta às primeiras brumas da Idade
Média, quando foi das Cruzadas. Então, no território fracionado da Europa,
em cada gleba, um castelo cravava no céu a dentura de forte das ameias.
Nela morava um senhor absoluto e, à vontade dele, os povoados se
amontoavam. Quando ia à Palestina, esse pequeno monarca levava consigo
um cortejo pomposo de vassalos. Para se distinguirem, os soldados desses
minúsculos exércitos pintavam de uma certa cor os seus broquéis. Ao voltar
da Terra Santa, o cavaleiro a quem Marte sorria colocava sobre o escudo os
troféus que alcançara, e assim os oferecia aos olhos do seu soberano e ao
coração de sua dama. Depois, religiosamente guardava, em recordação de
seu passado de bravura, aqueles símbolos marciais.
A etimologia da palavra brasão provém do verbo alemão arcaico blasen, que
significa, “tocar trombetas” (SANTOS. W. B., 1978; LUZ, 1999). Fato este que os
decretos dos soberanos eram lidos em praça pública pelos arautos, que chamavam
a atenção dos ouvintes com trombetas, enfeitadas de bandeirolas blasonadas.
Ao estudo dos brasões
30
dá-se o nome de “heráldica”, que é considerada
ciência (sic) e arte dos brasões (PEREYRA, 1947; SANTOS. W. B., 1978), cujo
verdadeiro sentido etimológico é o saber dos heraldos,
31
oficiais que dirigiam os
torneios desportivos e fiscalizavam a qualidade dos cavaleiros; exerciam um cargo
parecido com os mestres de cerimônias, pois estavam encarregados de publicar
oficialmente os torneios e de anunciar de viva voz os nomes dos combatentes. A
missão desses personagens foi estendendo-se, posteriormente, por mandato dos
reis, a determinar os escudos de armas que correspondiam a cada família e das que
teriam direito a usá-las.
30
A palavra “brasão significa o conjunto de ornamentos interiores e exteriores que constituem as
insígnias privativas de um Estado, uma corporação, de uma autoridade civil ou eclesiástica ou de
família nobre. Tamm se expressa com esse termo o corpo de regras da ciência (sic) que explica os
escudos, figuras e ornamentos heráldicos e regras de sua disposição (PEREYRA, 1947, p. 39-40).
31
Por isso é verossímil que o nome desses oficiais proceda da raiz har, do antigo alemão haren,
gritar, chamar (PEREYRA, 1947, p. 38). Luz (1999, p. 72) afirma também que era o velho grito
francês haro, que os normandos atiravam aos ventos, como um desafio, antes das batalhas.
34
Pereyra (1947) complementa esta explicação ao afirmar que a heráldica
estuda as armas ou armarias, vozes que não designam de nenhum modo
instrumentos para ofender ou defender-se dos inimigos, mas que, procedendo da
palavra latina arma, em sua acepção de insígnia, se referem aos emblemas
honoríficos privativos de famílias nobres ou de corporações e entidades
pertencentes às hierarquias da Igreja ou do Estado. Era tamm um sinal de
distinção entre o soberano e seus vassalos.
De fato, as primeiras regras da heráldica surgiram durante a segunda cruzada
(1147-1149) e se popularizaram logo após os cavaleiros retornarem de Jerusalém
para suas respectivas pátrias (ZNAMIEROWSKI, 2004). Quando estavam no
Oriente, entre o furor da luta e as estratégias militares da época, os combatentes
notaram que a tradicional estilização de animais mitológicos e naturais, o uso de
figuras simples ou os elementos de alto contraste podiam ser excelentes signos de
identificação e diferenciação de suas distintas ordens e origens. O campo ideal para
se inserir essas “peças” era o escudo, embora como visto anteriormente, as figuras
em escudos já eram pintadas muito antes da época das cruzadas. Quando o elmo
foi inventado para proteger a cabeça e face dos guerreiros, e, por conseqüência, a
ocultação de sua identidade no furor da batalha, surgiu então uma necessidade
implícita de se criar signos para a identificação dos oponentes.
Para facilitar essa identificação, o mero de “tinturas heráldicas” usadas nos
escudos fora limitada a seis: quatro cores (vermelho, azul, verde e preto) e dois
metais (ouro e prata),
32
proibindo-se colocar metal sobre metal ou cor sobre cor. Um
dos artifícios pré-heráldicos mais incorporados ao escudo, assim como nas
bandeiras, foi a cruz cristã, precisando-se recorrer aos mais diferentes arranjos e
divisões para distinguir os que a usavam. Outros emblemas heráldicos populares
eram o leão, a águia, o grifo, o cavalo, a flor-de-lis, a rosa e as armas de guerra.
A cavalaria pesada também revolucionou a maneira de guerrear e as armas e
armaduras tinham um custo muito elevado, do qual poucos podiam pagar; assim
tamm os cavaleiros tornaram-se uma classe privilegiada (RIBEIRO, J. G., 2003).
Como mencionado, quando retornavam da Terra Santa, muitos cavaleiros que
32
Na terminologia heráldica, as cores adquiriram nomes próprios derivados do francês antigo: ao
vermelho dá-se o nome de goles; ao azul blau; ao verde sinopla; ao preto sable; ouro e prata são
designados respectivamente or e argent.
35
comandavam essas tropas tamm passaram a usar esses escudos e as bandeiras
que carregavam como símbolos de proteção.
Os escudos e armaduras passaram a ganhar desenhos também para
identificar seus cavaleiros à distância e distingui-los dos demais e, à medida que
suas famas e conquistas aumentavam, estes mbolos eram concedidos pelos reis
àqueles que com bravura haviam defendido seu reino. Aos poucos, com o
desenvolvimento da sociedade feudal, os brasões tornaram-se hereditários. Foi
assim que entre os culos XI e XIII a heráldica vai desenvolver pela forma como a
conhecemos hoje, criando suas próprias regras e estabelecendo-se nos reinos e
regiões, já com uma classe de especialistas (os arautos), que se tornaram
imprescindíveis para os governantes.
Um brasão de armas geralmente é composto de dois elementos distintos: o
escudo, que é a parte principal, e que contém os símbolos e divisões, onde são
inseridas as figuras ou “peças heráldicas”, que podem ser homens, animais, coisas e
monstros estilizados. Por sua vez, a chamada ornamentação exterior” é composta
por todos os elementos que cercam o escudo.
33
A heráldica divide-se em três ramos principais: a chamada heráldica de
família, que trata dos brasões dos reis, duques e nobres; a heráldica eclesiástica,
que trata dos brasões dos papas, bispos, arcebispos, cardeais e a heráldica de
domínio, que é a de maior interesse para a análise geográfica, pois aborda os
brasões das aldeias, vilas, municípios, regiões, províncias e países e seus atributos
característicos, como rios e mares, montanhas e montes, produção agrícola e
industrial, monumentos históricos, plantas e animais típicos, na representação
destes elementos no brasão.
Da mesma forma que as bandeiras, os brasões passaram do uso franco dos
reis, eclesiásticos e nobres para as cidades e comunas, mais tarde representado
tamm as regiões, províncias e países. “De fato, entre 1195 e 1295 muitos
governantes europeus adotaram brasões de armas e bandeiras armoriais
carregando uma ou mais figuras heráldicas” (ZNAMIEROWSKI, 2004, p. 72).
33
Dos ornamentos externos distinguem-se os suportes e tenentes, o manto, a divisa e o mote; a
coroa, o capacete, o paquife e o timbre. Os tenentes e suportes são animais, seres humanos, bestas
ou coisas que sustentam externamente o escudo, com atributos do animismo. São representados, de
preferência, ao natural, na própria cor, em sua posição mais nobre, um à direita, outro à esquerda do
próprio escudo.
36
O atual brasão de armas da Alemanha deriva da águia negra em campo
dourado do estandarte do Sacro Império Romano. Os três leões dourados em
campo vermelho e o leão vermelho eram os respectivos símbolos dos reis da
Inglaterra e Escócia; os três leões azuis da Dinamarca, o leão branco da Boêmia,
negro de Flandres, púrpura de Leão (Espanha), segurando um machado da
Noruega, a águia branca da Polônia e as bandeiras armoriais de Portugal e
Espanha, além do campo de flores-de-lis sobre um fundo azul dos reis da França
são exemplos dos brasões personificados que passaram a ser utilizados como
mbolos nacionais mais tarde. Conforme ocorrera com as bandeiras no final do
século XVIII, os brasões derivados das casas reais como símbolos nacionais foram
substituídos no processo de identificação da soberania popular, associados com a
idéia de República.
34
Mais tarde, o próprio escudo da nação passou a se constituir em um forte
elemento de propaganda, à medida que ia penetrando no cotidiano dos órgãos
estatais; logo passou a ser tamm estampado no papel timbrado, na moeda e nos
documentos pessoais dos habitantes de cada país.
Nota-se da mesma maneira que as bandeiras, que os brasões de armas
foram cunhados e apropriados
35
conforme se desdobrava a formação dos Estados
nacionais durante os séculos XIX e XX, mais particularmente na segunda metade do
século passado, quando a grande maioria dos territórios coloniais tornou-se de facto
uma nação independente. Deve-se ressaltar que não apenas os Estados
independentes possuem para si determinados símbolos nacionais, mas seus
territórios e dependências (assim como os Estados em busca de independência)
tamm criam, mesmo de forma não-oficial, suas próprias insígnias “nacionais”.
34
O brasão dos reis da França fora substituído por um emblema simples todo em ouro, que contém o
barrete frígio e um fasces (molho de varas com um machado) com a sigla R.F. (República Francesa)
sobreposta. Caso semelhante aconteceu com a Itália no primeiro quartel do século XX, quando o
brasão de armas da real “Casa de Savóia” fora substituído pelos ramos de louro e carvalho e a figura
de uma estrela tendo a roda dentada (símbolo industrial) ao fundo, símbolos da República Italiana.
35
Como exemplo dessa apropriação das regiões históricas, podemos citar o brasão de armas da
República Tcheca, que foi instituído em 1919 e utiliza as armas das regiões históricas da Boêmia
(leão em prata sobre campo de gules), da Morávia (águia axadrezada em prata e gules sobre campo
blau) e Silésia (águia em sable sobre campo de ouro).
37
Figura 11: Bandeiras heráldicas cujas figuras e desenhos que influenciaram os brasões de
armas dos Estados nacionais europeus (com exceção das armas do Reino da França).
Fonte: Znamierowski (2004).
38
1.3 Hinos Nacionais
Hinos nacionais são símbolos patrióticos oficiais canções que despertam o
sentimento de identidade nacional; signos reconhecidos por um Estado como a sua
“canção nacional”. Enquanto as bandeiras e os brasões de armas portam-se como
os ícones visuais de um determinado país, os hinos nacionais apresentam-se como
os ícones musicais da nacionalidade.
A etimologia da palavra hino deriva do grego hymnos, que significava o canto
de louvor em adoração a uma divindade, pois nos templos antigos o hino figurava
como um verdadeiro “canto religioso”.
36
Do final da Idade Antiga, desdobrando-se
pela Idade Média, a história dos hinos esteve intimamente ligada ao âmbito da Igreja
e ao crescimento da música na cultura ocidental, desde a primitiva melopéia cristã,
conhecida como cantochão, até a efusão abundante do Renascimento (MENUHIN;
DAVIS, 1990). Com o choque de culturas após as Cruzadas, a música torna-se uma
mescla de muitas vozes, onde o codificados os princípios da harmonia, o começo
da orquestração e o desenvolvimento do sistema de pautas e notas.
Os hinos nacionais ganhariam uma nova vertente com as canções patrióticas
e partidárias. Em 1568, para homenagear o início da revolta holandesa contra o jugo
espanhol, que resultou na chamada “Guerra dos Oitenta Anos”, o poeta e diplomata
Philips van Marnix (1540-1598) escreveu o poema Wilhelmus van Nassouwe
(Guilherme de Nassau); uma canção em homenagem a Guilherme I Príncipe de
Orange, herói nacional holandês. Com o passar do tempo, Wilhelmus passou a ser
cantado em eventos públicos, primeiramente como uma canção partidária,
configurando-se mais tarde como um hino de liberdade do povo holandês.
37
Embora os atributos de canção partidária tenham diferenciado o hino
holandês em relação às canções religiosas (no sentido sagrado de sua época), o
36
Devemos ressaltar que a língua inglesa revela uma clara descrição da palavra “hino” neste sentido;
enquanto hymn está associada ao canto religioso, portanto, um canto sagrado, de reverência
religiosa, a palavra anthem significa o próprio hino no seu sentido profano, fora do templo religioso,
exaltando a guerra, os heróis e os assuntos ligados inclusive à nação, ou seja, o hino nacional
(national anthem).
37
A canção, composta de 15 estrofes com 8 versos cada uma, assemelhava-se às composições
poéticas do século XVI. Quando foram fundados os Países Baixos, em 1815, sentiu-se a necessidade
de proclamar em caráter oficial um hino nacional. Através de um concurso, o poema eleito foi o de
Hendrik Tollens, intitulado Wiens Neerlands Bloed (Aquele de Sangue Holandês). Porém, Wilhelmus
continuou como a canção mais popular entre os holandeses durante todo o século XIX e, aos poucos,
foi substituindo Wiens Neerlands Bloed na preferência de hino nacional. Finalmente, em 10 de maio
de 1932, Wilhelmus van Nassauwe foi declarado hino nacional do Reino dos Países Baixos.
39
primeiro hino moderno (no sentido cerimonial) a ser adotado foi o britânico, em 1745.
Entretanto, sua letra fazia homenagem a um monarca, em vez de uma nação,
conforme é relatada a sua origem:
O hino nacional britânico – God Save the Queen – originou-se de uma canção
patriótica apresentada ao público pela primeira vez em 1745, em Londres. [...]
Tanto a letra quanto a música da canção são anônimas e podem datar do
culo XVII. A obra foi publicada em 1744, em uma coletânea de canções
chamada Theasurus Musicus. [...] O Dr. Thomas Arne, autor de Rule Britannia
e líder da orquestra do Teatro Real em Drury Lane, fez um arranjo para God
Save the King
38
ser apresentada no teatro após a peça (The Alchemist, de
Bem Johnson) pelos solistas e pelo coral. A apresentação foi um tremendo
sucesso e repetiu-se por todas as noites desde então. [...] Outros teatros
também adotaram a apresentação, que espalhou-se logo em seguida para
fora de Londres. Logo foi estabelecido o costume de saudar o Rei com a
música quando o Soberano entrava em um local de diversão pública.
39
Adquiriu-se assim a “tradição” de cantar o hino (nacional) ao estilo britânico,
que logo foi transplantado para outros países, que adotaram hinos seguindo este
mesmo molde:
No século XVIII, os visitantes europeus à Grã-Bretanha parecem ter ficado
impressionados com a popularidade de God Save the King, bem como devem
ter notado a vantagem social e política de se ter um mbolo musical tão
patriótico. Em 1763, a música foi publicada na Holanda, mas sua origem
britânica foi admitida. Em 1790, um jornal dinamarquês publicou um poema
escrito para o aniversário de Christian VII, para ser cantado pela melodia do
God Save the King britânico. Em 1793, um jornal alemão produziu uma
estrofe que foi adotada por vários estados alemães, e a música tornou-se tão
conhecida que todos acreditavam ser de origem alemã. A Rússia adotou a
melodia algum tempo depois, surgiram versos em russo para ela e a canção
permaneceu em uso para ocasiões oficiais até 1833, quando foi escrito um
novo hino nacional. Na Suíça, a melodia britânica tem sido usada muito
tempo, com letras em alemão e em francês. Em certa época, a Suécia
utilizou-se da melodia como uma canção nacional [...] era cantado nas
Colônias Americanas antes da independência [...].
40
Uma outra importante vertente na história dos hinos nacionais modernos
inaugura-se em 1792, quando o general Claude-Josep Rouget de Lisle (1760-1836)
compôs para as tropas francesas o Chant de guerre pour l’armée du Rhin (Canto de
Guerra para o exército do Reno), marcha que se tornou popular entre os exércitos
38
Na época, o monarca era o rei Jorge II (1683-1760).
39
Conforme o extraído do texto “O hino nacional britânico” In: Serviço Britânico de Informação.
Brasília: Embaixada do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, p. 4-6 (2000).
40
Idem.
40
do país por sua representação musical dos ideais da Revolução Francesa.
41
Como
uma canção de cunho revolucionário, passou a ser conhecida em Paris como La
Marseillaise (A Marselhesa), gentílico associado ao fato de ser cantada por soldados
vindos da cidade de Marselha, sendo declarada hino nacional em julho de 1795.
Seguindo os estilos britânico e francês, o ritual de cantar hinos difundiu-se
pela Europa durante a primeira metade do século XIX. Esse período também se
caracterizou pela transformação cultural, através do aparecimento do nacionalismo
na música clássica, onde “o orgulho e a honra nacionais receberam sua expressão
musical mais amplamente reconhecida sob uma forma vastamente aceita na metade
do século XIX – o hino nacional” (MENUHIN; DAVIS, 1990, p. 180).
Nas Américas, as nações recém-independentes nas primeiras décadas do
século XIX também seguiram o exemplo dos países europeus, mas adotaram hinos
nacionais com um estilo sui generis, pois além de valorizarem a figura dos heróis
locais, utilizaram metáforas da mitologia greco-romana, recebendo influências da
ópera (com larga contribuição de compositores de origem italiana), introduções
musicais geralmente longas e versos rebuscados em suas letras.
42
Os primeiros
hinos neste estilo foram o da Venezuela (1810), Argentina (1813), Peru (1821),
Brasil (1831), Bolívia (1842), Uruguai (1845), Paraguai (1846) e México (1854). Este
tipo de composição caracterizou os hinos da América Latina adotados no século XIX
e, mesmo as composições alteradas no século XX, não chegaram a escapar desse
padrão estilístico. No hemisfério norte, os Estados Unidos não tinham um hino oficial
e a canção Hail Columbia era usada por ser a canção patriótica mais popular; por
sua vez, The Star-Spangled Banner (O Pendão Listro-Estrelado), escrito em 1814
por Francis Scott Key (1779-1843), seria adotado pelo congresso como hino oficial
em 1931, ao passo que O Canada! (Oh, Canadá!) se tornaria oficial em 1980, cem
anos antes de ter sido cantada pela primeira vez em solo canadense.
43
41
Conforme comenta José Murilo de Carvalho (1990, p. 122-124) “Aparecia aí com clareza a
ambigüidade do hino francês. A Marselhesa, até o final do século passado, era tanto o hino francês
como o hino dos revolucionários de todos os países [...] Se na França tentava-se fazer [no século
XIX] da Marselhesa o hino da pátria e não da revolução, em outros países ela ainda representava um
grito de guerra e de revolta”.
42
Nesses países, cujo modelo de nação se distinguiu à moda do nacionalismo eurocêntrico, a palavra
hino ainda não estava amplamente difundida em seu conceito moderno. O título do hino argentino era
“A Marcha da Pátria” e mudada para “Hino Nacional Argentino” em 1847; no Peru chamava-se
“Marcha Nacional”; no Chile “Canção Nacional” e na Venezuela conservava-se por título o primeiro
verso: “Glória ao Bravo Povo!”.
43
Para informações específicas sobre a história dos hinos nacionais, consultar: BERG, T. J. Hinos de
todos os países do mundo. São Paulo: Panda Books, 2008.
41
Na Europa do século XIX, as nações que conquistaram sua independência
procuraram adotar hinos próprios voltados para este caráter, enquanto a diversidade
histórica, paisagística e mesmo o ardor revolucionário eram também os temas
principais para essas canções patrióticas.
44
Já o alcance popular e revolucionário
dos hinos partidários fora traduzido pela influência da “Internacional Comunista”.
45
A composição de hinos nacionais e sua franca utilização como instrumento da
propaganda nacionalista ganhou maior expressividade a partir da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), tanto pelo envolvimento das nações beligerantes, quanto pela
transformação do mapa da Europa nesse período.
46
Com o caminhar para a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) as influências
do discurso político foram meticulosamente construídas e projetadas pelos símbolos
nacionais das nações beligerantes, sobretudo com os novos instrumentos da mídia –
o rádio e o cinema. Fato este que a Die Fahne Hoch (A bandeira ao alto) ou “Canção
de Horst Wessel” foi usada como hino semi-oficial na Alemanha nazista (1933-1945),
enquanto na Itália fascista usou-se a canção partidária Giovinezza (Juventude) entre
1922-1943 conjuntamente com seu hino oficial, a Marcia Reale (1861-1946).
Passado o conflito beligerante, as potências colonizadoras compreenderam
que estavam vivendo outro tempo e começaram a encaminhar soluções que lhes
fossem mais acessíveis e vantajosas, seja no aspecto econômico, seja pelas
pressões dos movimentos nacionalistas, abandonando o velho modelo colonial
44
Algumas nações passaram a adotar seus próprios hinos baseados em canções revolucionárias,
como por exemplo, o hino da Bélgica, criado em 1830. Outros hinos foram apropriados de baladas
populares como no caso da Suécia e Dinamarca (1844), Finlândia (1848), Noruega (1850), Estônia
(1896) e mais tarde a Tchecoslováquia (1919) todos eles com apelo indissociável à paisagem.
Havia canções de padrão religioso, como nos hinos da Hungria (1844) e Liechtenstein (1850), este
último influenciado pela melodia do hino britânico. Na Letônia, o seu hino nacional (composto em
1873) foi o primeiro a introduzir o nome moderno do país (Latvia) num sentido muito mais voltado às
regiões habitadas pelos letões. A Grécia (1864) procurou retratar a “liberdade nacional” como tema.
Os movimentos de orientação nacional, por sua vez, adotaram suas canções patrióticas, como o caso
do hino sionista do povo judeu, cujo poema escrito e cantado após 1897 se converteria no hino
nacional do Estado de Israel depois de 1948.
45
Esta composição que teve sua letra escrita em 1870 por Eugène Pottier (1816-1887). Dezoito anos
depois Pierre Degeyter (1848-1932) transformaria o poema em música, usada inclusive entre 1922-
1944 como o primeiro hino nacional da então recém-criada União Soviética.
46
No caso do que sobrara da Áustria derrotada, esta “invenção política” ocorreu como o hino usado
entre 1920-1929. Conforme o depoimento de Eric J. Hobsbawm: “Este autor lembra de ter se
submetido a tal peça de invenção política em uma escola primária austríaca na metade dos anos 20,
na forma de um novo hino que tentava, desesperadamente, convencer as crianças que um punhado
de províncias que sobraram ou que foram arrancadas da secessão do império Habsburgo formava
um todo coerente que merecia amor e devoção patriótica; [...] A “Áustria alemã”, começava esse
curioso e passageiro hino, “terra magnífica (herrliches) nós te amamos”, e continuava, como previsto,
como um guia de viagem ou uma lição de geografia, seguindo os riozinhos alpinos das geleiras ao
vale do Danúbio e a Viena, concluindo com a afirmação de que essa nova Áustria residual era “minha
terra natal” (mein Heimatland)” (HOBSBAWM, 1990, p. 112-113).
42
estabelecido em finais do século XIX. Embora com algumas libertações pontuais
desde o começo do século XX, a massificação das independências nacionais
ocorreu primeiramente na Ásia e se estendeu à África. As décadas de 1950-1960
marcaram um grande florescimento no número de hinos (e dos demais mbolos)
nacionais criados para as nações recém-independentes, cujo tema principal seria,
claro, a epopéia da “libertação nacional” e o desejo de um futuro glorioso. Na década
de 1970, o que restava do antigo império português na África se esvaeceu, assim
como as pequenas colônias britânicas e francesas na Oceania e Caribe.
Como visto, as mudanças político-ideológicas a partir do fim do muro de
Berlim (1989) e o esfacelamento da União Soviética (1991) propiciaram a
independência de um quadro considerável de novas nações, que além das quinze
repúblicas soviéticas, se estenderam pelas nações da ex-Iugoslávia e o fim do
modelo comunista em alguns dos Estados satélites na Europa, Ásia e África, e
conseqüentemente, a adoção de novos símbolos patrióticos durante toda a década
de noventa.
A primeira década do século XXI tem demonstrado uma mudança pontual em
relação aos símbolos nacionais, em virtude de mudanças político-partidárias, como
nos casos dos hinos de Moçambique (2002) com o fim da exaltação do partidarismo
único de orientação comunista e recentemente do Nepal (2007), que exaltava a
monarquia. A influência da intervenção militar dos Estados Unidos no Oriente Médio
a partir do final de 2001, refletiu-se em novos hinos adotados no Afeganistão (2002 e
2006) e no Iraque (2004).
As mudanças territoriais no mapa mundial, como a independência
(recuperada) de Timor Leste (2002) e a separação pacífica da Sérvia e Montenegro
(2006), são alguns dos exemplos do processo dinâmico que move a criação e
transformação dos Estados nacionais e a necessidade de atualização de seus
mbolos.
47
O último caso de adoção dos símbolos nacionais surgiu com a
declaração de independência de Kosovo (2008), que, embora reconhecida
parcialmente, produziu uma bandeira e brasão (exibindo um mapa do país), além
de um hino (sem letra), que foram escolhidos de forma a expressar a neutralidade
47
Nestes últimos anos, a Armênia discutiu a criação de um novo hino nacional, assim como na África,
o governo de Botsuana estudava trocar esse símbolo (2007). O Parlamento do Iraque aprovou no
final de janeiro de 2008 uma nova bandeira para o país, conservando-se apenas as cores pan-árabes
e preservando-se a frase escrita entre as estrelas: Allahu Akbar (Deus é grande) e o parlamento da
Bósnia-Herzegovina aprovou uma (nova) letra para seu hino nacional em fevereiro de 2009.
43
perante as tenções étnicas daquele Estado-nação.
48
Nas palavras de Luz (1999) os
mbolos nacionais são, da mesma maneira, válidos na medida em que retratam a
realidade da Nação que representam; algo que sempre muda pela vivência da
história.
Fotografia 3: em 12 de março de 1990 é Fotografia 4: um policial recolhe a agora
colocado o novo brasão de armas no antiga bandeira do Iraque em 29 de janeiro
parlamento da Lituânia, substituindo as de 2008.
antigas armas soviéticas após a declaração
de independência.
48
Caso semelhante havia acontecido em 1960, quando a nação mediterrânea do Chipre adotou
por bandeira um campo branco, onde se inseriu o mapa do país em amarelo-cobre, ladeado por dois
ramos de oliveira, para expressar o discurso de paz e de unidade perante uma população composta
de cipriotas de origem grega e turca. Dessa forma, o mapa preenche o ideal de homogeneidade em
uma realidade social heterogênea.
44
2 HINOS, BANDEIRAS E BRASÕES NO BRASIL
Após construir uma análise geral sobre a origem e evolução dos símbolos
nacionais ao longo do mundo, torna-se necessário realizar uma revisão da história
do uso destes símbolos no Brasil, estabelecendo uma conexão com o processo de
evolução dos símbolos portugueses, cujas tradições influenciaram significativamente
a história dos hinos, bandeiras e brasões brasileiros.
A história do uso das bandeiras em Portugal está intimamente ligada com a
evolução dos povos celtiberos da Península Ibérica, em especial os lusitanos, que
habitavam o noroeste, na região da Serra da Estrela até a influência e conquista
romana em 61 a.C. Conforme nos fala a tradição (RIBERO, C., 1933; LUZ, 1999;
RIBEIRO, J. G., 2003), durante os séculos I e II a.C., o emblema dos lusitanos era
um dragão verde, que figurava sobre uma bandeira de fundo branco.
Passados os séculos, com a queda dos romanos (século V), a conquista dos
árabes no século VIII e a influência das Cruzadas no século XII, deu-se a formação
do Condado Portucalense (1097) por D. Henrique, cuja bandeira compunha-se de
um campo retangular branco com uma cruz azul sobreposta, tornando-se mais tarde
as cores tradicionais da bandeira reino de Portugal em 1139. Após a batalha dos
campos de Ourique, com a derrota dos árabes na região do Baixo Alentejo, D.
Afonso Henriques modificou a bandeira de seu pai, colocando em vez da cruz, cinco
escudetes em forma de cruz, sendo suas cores mantidas, o azul para as figuras e o
branco para o campo.
Mais tarde, com a tomada de Algarve, ao extremo sul, a bandeira do Reino de
Portugal (1250) adquiriu uma bordadura de goles com sete castelos em ouro, que
simbolizavam o sangue derramado na conquista; os castelos eram as fortalezas
tomadas dos mouros.
49
Com a ascensão ao trono de D. João I (1384-1430), que era
mestre dos Cavaleiros de Avis ordem monástico-militar que obtivera grande
influência na política portuguesa tratou de juntar as insígnias dos seus
predecessores com a cruz de Avis, cujos braços terminavam em formato de pontas
da flor-de-lis, sendo assim esta designada de florenciada”. Desta cruz ficaram
49
Simbolizava da mesma forma o matrimônio de D. Afonso III (1245-1279) com a filha de Fernando II,
rei de Castela, cujas armas eram, como hoje, formadas por castelos de ouro sobre um fundo
vermelho. O mero de castelos, bem como o número de besantes, como se observa anteriormente,
é muito variável nas estampas, selos e moedas dos primeiros tempos da monarquia portuguesa.
45
aparecendo, na superposição do escudo, apenas as extremidades em forma de
flores-de-lis, que figuravam sobre a bordadura vermelha de doze castelos dourados
e tendo nos escudetes os cinco besantes.
Além desta, figurava a Ordem de Cristo, criada por D. Dinis em 1312, cujo
cavaleiro de maior destaque foi o infante D. Henrique, um dos filhos de D. João I,
nascido em 1394. Os cavaleiros desta ordem tinham por indumentária um manto
branco com uma cruz vazada de branco sobre outra vermelha, aberta nas pontas,
que era estampada ao peito; esta insígnia passou a figurar nas bandeiras e
estampada nas velas das naus e caravelas portuguesas que cruzaram os mares em
direção às novas conquistas. Foi a primeira bandeira usada no Brasil, como tamm
figurou entre os bandeirantes paulistas durante época das bandeiras e monções no
século XVII.
Durante o reinado de D. João III (1521-1557) desapareceu a bandeira
portuguesa da Cruz da Ordem de Cristo, substituída pelas quinas e castelos, tendo
uma coroa real por timbre, tudo sobre um campo branco. Com a União Ibérica,
durante o domínio espanhol (1580-1640), foram acrescentados à bandeira original
de D. João III grandes ramos verdes atrás do escudo. Tendo Portugal recuperado a
sua independência da Espanha em 1640, D. João IV (1604-1656) adotou um
pavilhão branco orlado de azul (cor de Nossa Senhora da Conceição padroeira do
reino), com as armas reais ao centro, sendo retirado os ramos verdes. Em 1669, no
reinado de D. Pedro II, foi adotada uma nova bandeira que exibia as armas reais
sobre um campo verde.
50
50
No século XVII usaram-se ainda no Brasil as seguintes bandeiras portuguesas: a bandeira real,
branca, com o escudo real circundado por uma corrente, na qual es dependurada uma cruz da
Ordem de Cristo; o escudo passa a ter o formato francês, mas é mantida a orla em vermelho com os
castelos e os escudetes. Havia tamm o pavilhão ordinário, disposto em bandas diagonais azuis
(seis), vermelhas (cinco) e brancas (cinco), tendo sobreposta uma cruz em negro, e no cantão
superior, esquartelado por uma cruz em branco, usado durante o período de regência de Pedro II
como bandeira nacional. O pavilhão mercante ou “bandeira do comércio do Estado do Brasil”, foi
usado durante o reinado de D. Pedro II para os navios mercantes das frotas destinadas ao comércio
do Brasil "que tivessem menos de vinte peças de artilharia" (RIBEIRO J. G. C., 2003, p. 60) e usava
listras verdes e brancas horizontais. O número de listras variava bastante, sendo mais comum o de
onze (seis verdes e cinco brancas) e sete (com quatro verdes e três brancas). Também havia durante
o século XVII a bandeira “para converter a América”, conhecida por “bandeira para a Índia e América”
ou “bandeira do comércio das Missões”; era mais larga que as outras, formada por um campo branco
onde se inseria ao centro uma esfera armilar de ouro, à esquerda do observador havia o escudo real
português (em formato francês) e à direta a figura de um padre jesuíta empunhando uma cruz e
portando uma bíblia.
46
No curso do século XVI, fracassadas as tentativas de conquista e colonização
efetiva dos portugueses em algumas capitanias do imenso território brasileiro, dentre
elas o Maranhão, os franceses, com pretensões de também constituir seu próprio
império nas Américas, vieram a se instalar no litoral da região, onde fundaram, em 8
de setembro de 1612, o forte de São Luís, berço da chamada “França Equinocial”.
Em 1º de novembro seguinte, realizaram solenemente em Upaon-Açu, como
os tupinambás chamavam a Ilha Grande” – antiga denominação da ilha de São Luís
a cerimônia de posse daquela terra, em nome do rei Luís XIII, fixando ao lado da
cruz cristã que instalaram o estandarte e as armas reais da França. Esses relatos
foram feitos pelo frei Claude d’Abbeville, o primeiro cronista da expedição à região,
dizendo “que os índios fincaram com suas próprias mãos, cheios de alegria e
devoção, junto da cruz, na ilha do Maranhão”. Somente com a reconquista, em
1615, é que se ostentariam a bandeira das quinas portuguesas naquele mesmo
forte. Descreve-a, assim, Abbeville (apud MEIRELLES, 1972, p. 70):
[...] es pintado um belo navio com todas as suas velas ao vento, suas
cordagens e mais apetrechos necessários; na proa, ele tem a figura do
cristianíssimo Rei Luís XIII, em tamanho natural, sentado e revestido de sua
régia indumentária e apresentando com a mão direita um ramo de oliveira à
Rainha Regente, sua mãe, a qual também se acha pintada em tamanho
natural, porém na popa do navio, e revestida igualmente de seu manto real e
segurando com a mão direita o leme onde se a divisa Tanti dux fœmina
facti uma mulher que comanda tudo isso]; esse estandarte era enriquecido
e semeado de grandesrios de ouro que o embelezavam maravilhosamente.
Durante a conquista holandesa, as capitanias do nordeste brasileiro
arvoraram durante 24 anos a bandeira das Províncias Unidas, composta de três
faixas horizontais, sendo a superior vermelha, branca ao meio e azul a inferior, tendo
ao centro o monograma da Companhia das Índias Ocidentais (West Indische
Compagnie) – empresa criada em 1621 e que havia recebido do governo holandês o
monopólio sobre o comércio nas colônias européias da América – tendo por timbre a
coroa dos Estados Gerais da Holanda.
Ainda no período da reconquista contra os invasores batavos, após a batalha
do Morro de Tabocas, em Pernambuco, a 27 de outubro de 1645, D. João IV tratou
de conferir a seu filho primogênito, D. Teodósio (falecido em 1683), o título honorífico
de Príncipe do Brasil”. Por este ato, o Brasil foi elevado à categoria de principado,
sendo-lhe dado por emblema heráldico uma esfera armilar de ouro.
47
Figura 12: Bandeiras históricas usadas em Portugal e no Brasil.
Bandeira lusitana (Séc. I a.C.) Condado Portucalense (1097) Reino de Portugal (1139)
Portugal e Algarves (1250) Bandeira de D. João I (1384) Ordem de Cristo (1332-1651)
Bandeira de D. João III (1521-1616)
Domínio Espanhol (1616-1640)
Franceses no Maranhão (1612-1615)
Brasil holandês (1621-1645)
Figura 12: Bandeiras históricas usadas no Brasil (continuação).
Bandeira da Restauração (1640) Bandeira de D. Pedro II (1669)
Principado do Brasil (1645-1816) Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1816)
Projeto de Jean-Baptiste Debret (1820) Reino do Brasil (Setembro/Dezembro de1822)
Império do Brasil (1822-1889) Bandeira Republicana (15-19/11/1889)
49
Esta mesma esfera figurava na bandeira pessoal do rei D. Manuel I (1495)
e iria depois compor o brasão dado por Estácio de à cidade do Rio de Janeiro
(1565); ela tamm está presente nos escudos de rias cidades portugueses e nos
atuais símbolos nacionais de Portugal. Foi esta a primeira bandeira feita
exclusivamente para o Brasil, perdurando até o 1816.
Em 13 de maio de 1816, D. João VI elevou o Brasil à condição de reino,
dando-lhe por armas a esfera armilar em ouro sobre um campo azul; depois reuniu
num segundo escudo as armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
colocado num pavilhão branco.
Procurando promover a cultura durante sua estada no Brasil, então sede do
reino, tratou de criar bibliotecas, museus e escolas, como no caso da Escola Real de
Ciências, Artes e Ofícios, em 1816. Ele sugeriu que os professores viessem da
Missão Artística Francesa, então liderada por Joaquim Lebreton, que chegara ao Rio
de Janeiro naquele mesmo ano. Dentre os artistas de renome, o que mais se
destacou em registrar a vida cotidiana do final do Brasil Colônia e começo do
Império foi um pintor e gravador, Jean-Baptiste Debret, que seria de grande
importância para o desenho de nossa bandeira.
Debret criara em 1820, por ordem de D. João VI, um projeto de bandeira para
o Brasil emancipado, inserindo sobre um campo verde um losango em ouro, cujo
centro continha como armas uma esfera armilar de ouro sobreposta a uma Cruz da
Ordem de Cristo. Como paquife (ou suportes), um molho de cana e outro de fumo,
simbolizando as riquezas nacionais, circundado por 18 estrelas azuis, representando
as províncias existentes na época e uma estrela maior, abaixo da coroa real,
representando a corte; o desenho estava arrematado por um pretérito dragão
lusitano. É a partir deste primeiro projeto de Debret que se estabeleceram, como
definitivas, as cores nacionais e a configuração da bandeira nacional a partir de
então, nos seus detalhes essenciais: o retângulo verde de primavera e nele inserto o
losango de ouro (RIBEIRO, C., 1933; LUZ, 1999; RIBEIRO, J. G., 2003).
Depois de proclamada a independência nacional, em 18 de setembro de
1822, sob as ordens de D. Pedro I, foi criada a bandeira e brasão de armas do Brasil
independente, adotando o modelo proposto anteriormente por Debret. Sobre um
escudo ao estilo inglês em campo verde havia uma orla azul com dezenove estrelas,
tendo ao centro a esfera armilar sobreposta à Cruz de Cristo. Os ornamentos
externos compunham-se de um ramo e café e outro de fumo e por timbre havia uma
50
coroa real de forro vermelho. Na bandeira, o brasão de armas estava posto no
centro do losango em amarelo-ouro, inscrito sobre um campo retangular de verde-
primavera. Em 1º de dezembro daquele mesmo ano o timbre do escudo seria
mudado por uma coroa imperial, alteração também presente na bandeira e que
permaneceu inalterada durante todo o período do Império.
51
Proclamada a República em 15 de novembro de 1889 pelo marechal Manoel
Deodoro da Fonseca que praticamente se caracterizou por um golpe de questão
militar procurou o regime provisório, de forma a romper com as tradições do
Império, adotar novos símbolos. Relata o general Couto de Magalhães (apud
RIBEIRO, C., 1933), que Deodoro queria manter a bandeira imperial, apenas
eliminando do escudo a coroa. Entretanto, naquele mesmo 15 de novembro foi
hasteada na Câmara Municipal e na redação do jornal A Cidade do Rio”, uma
bandeira de treze listras nas cores verde e amarela, alternadas, tendo um cantão em
negro com vinte estrelas brancas. Essa era a bandeira criada pelo Clube
Republicano Lopes Trovão, sendo uma mera pia da bandeira norte-americana,
alterando-se mais tarde seu cantão para a cor azul, permanecendo esta como
mbolo nacional até a data da instituição da nova bandeira dias depois.
O republicano Raimundo Teixeira Mendes apresentou o projeto da nova
bandeira que idealizara, desenhado pelo pintor Décio Vilares. O losango amarelo foi
reduzido e uma esfera azul com vinte e uma estrelas, representando o globo
celestial, substituiu o brasão do império. O projeto foi adotado na data de 19 de
novembro por Deodoro da Fonseca, através do decreto n.º 4, que tamm oficializou
o brasão de armas e o selo nacional. As principais figuras republicanas faziam parte
do Apostolado Positivista do Brasil, cujas influências se fizeram com a colocação do
lema “Ordem e Progresso”, extraída de uma frase do positivista Augusto Comte (“O
Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”).
A inovação quanto à representação da unidade territorial na bandeira e no
brasão de armas imperial foi em colocar as estrelas em igual número ao das
províncias existentes. Tal tradição seguiu-se durante a implantação dos símbolos
republicanos, e, mais tarde, com as sucessivas alterações no quadro federativo, a
51
Na época do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves houve a incorporação da Cisplatina (atual
República Oriental do Uruguai) em 1821, perdurando até o reconhecimento de sua independência por
parte do Brasil em 1828. Durante o Império ocorreram a criação das províncias do Amazonas, através
da lei n.º 582, de 5 de setembro de 1850 e da província do Paraná, pela lei n.º 704, de 29 de agosto
de 1853. Embora com a perda da Cisplatina e a criação de mais duas províncias, não houve
nenhuma atualização da bandeira nem do brasão de armas imperial nesse período.
51
bandeira e o brasão republicanos acompanharam (nos períodos favoráveis ao
federalismo) as transformações no mero de Estados. Na época da criação da
bandeira nacional (1889) os Estados e o Distrito Federal somavam 21 unidades, com
suas respectivas estrelas.
Em 1904, após a insurreição acreana na Bolívia, o Acre foi incorporado ao
Brasil na condição de território. Não se cogitou dar a este novo território uma
representação estelar na bandeira nacional, bem como quando da criação durante o
regime de Getúlio Vargas, em 1943, dos Territórios Federais do Amapá, Rio Branco
(Roraima), Guaporé (Rondônia) e o insular Território de Fernando de Noronha,
assim como os antigos Territórios do Iguaçu e Ponta Porá, que voltaram à condição
original em 1946. A bandeira permaneceu inalterada nesse sentido, porque
seguíamos a mesma tradição constitucional norte-americana, segundo a qual os
territórios eram representados na bandeira nacional quando elevados à categoria
de Estados da Uno. Assim, por fidelidade àquela doutrina, por 61 anos a bandeira
nacional, assim como o brasão, permaneceram inalterados (LUZ, 1999).
Em 1960, com a mudança do Distrito Federal do Rio de Janeiro para Brasília
e a criação do Estado da Guanabara na antiga capital, o número de entidades
federadas passou a 22; tal alteração na bandeira ocorreu em 16 de abril de 1960,
com o respectivo número de estrelas. Em 1962, o Acre foi elevado à condição de
Estado, aumentando para 23 o mero de entidades federadas, mas a alteração na
bandeira nacional ocorreria em 28 de maio de 1968. Com a fusão do Estado da
Guanabara com o Rio de Janeiro em 1975, os Estados e o Distrito Federal voltaram
a soma de 22 unidades, mas com o mero de 23 estrelas na bandeira. A alteração
não foi realizada, pois a lei n.º 5.700 de 1971, promulgada pelo presidente Emílio
Garrastazu Médici determinou que os símbolos nacionais eram inalteráveis. Em
1979, com a criação de Mato Grosso do Sul, o número de Unidades Federadas
voltaria a ser de 23, o mesmo que as estrelas na bandeira nacional. A alteração não
foi realizada, pois, aproveitou-se a antiga estrela que representava o Estado da
Guanabara, que continuava na bandeira, para representar o Mato Grosso do Sul.
Assim, quando da criação do Estado de Rondônia, em 1982, o número de Unidades
Federadas passou a um total de 24, mas a alteração não foi feita.
52
Figura 13: Atual bandeira do Brasil (1992) e sua representação celeste.
Proporções: 14:20 Uso: civil/militar
Atual correspondência das estrelas com os Estados da Federação. Fonte: Ribeiro, J. G. C. (2003).
53
Após a Constituição Federal de 1988, criados os Estados do Amapá, Roraima
e Tocantins, as unidades passaram a 27; entretanto o número de estrelas na
bandeira permaneceu em 23. A última alteração na bandeira do Brasil ocorreu com a
lei n.º 8.421, de 12 de maio de 1992; nela, os símbolos nacionais poderiam ser
alterados, ajustando-se à cada mudança no mero de Estados. Feitas as
alterações, perfez-se o total de 27 estrelas na atual bandeira nacional.
Durante o período colonial, passando pelo Império e depois se desdobrando
na primeira República, o Brasil viveu momentos ardor revolucionário nos mais
diversos pontos de seu território. Embora essas revoluções tenham sido muitas
vezes de caráter regional e surgidas principalmente pelo agravamento da situação
social (ANDRADE, 1999b), seja pela opressão do colonizador português, pela
pressão das elites ou pelos ideais de separatismo e, também, do avivamento de uma
“consciência nacional” em certas regiões face ao descontentamento com o governo
central, o Brasil permaneceu unido.
Ainda na fase colonial, em 1789, os inconfidentes mineiros escolheram para
mbolo nacional da sua malograda república uma bandeira branca com um triângulo
eqüilátero verde no centro, paralelamente ao lado do qual se lia a divisa latina:
Libertas quæ sera tamen (Liberdade ainda que tardia), proposto por Alvarenga
Peixoto, um dos conspiradores, inspirado em um versículo do poeta romano Virgílio.
O triângulo foi proposto pelo próprio Tiradentes, significando a Santíssima Trindade.
Descoberta a conspiração antes se explodir a insurreição libertadora, essa bandeira
não chegou sequer a ser usada, pois embora escolhida, não foram designadas as
suas cores, ficando subentendido que esta deveria ser toda em campo branco, como
a bandeira portuguesa da época e o triângulo em verde, embora haja debates se ela
fosse dessa cor realmente.
52
Em 1798 era a vez da Conjuração Baiana, também conhecida por “Revolta
dos Alfaiates” – por causa de ser esta a profissão de alguns de seus membros que
eclodiu na então naquela capitania, influenciada pelas idéias iluministas e
republicanas. Com um caráter popular, seus membros pregavam o fim da
escravidão, a instalação de um governo igualitário e a criação de uma República na
Bahia. Seus inconfidentes adotaram por bandeira um pavilhão partido em pala, nas
cores azul, branca e azul, tendo no centro uma grande estrela vermelha, rodeada,
52
Quando a bandeira foi adotada pela Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, em 1963,
optou-se pela cor vermelha, mais comumente associada às revoluções.
54
entre as pontas, de cinco estrelas menores, tamm em vermelho. Essas cores
eram muito populares na época, por estarem associadas a outras bandeiras
libertárias e revolucionárias.
Também sob as influências das idéias liberais, estiveram os revolucionários
da República Pernambucana, que eclodiu em 6 de março de 1817. Durante sua
breve existência, os revolucionários usaram um pavilhão de duas faixas horizontais:
a de baixo era formada de um campo branco com uma cruz latina encarnada e a de
cima era em azul, com um sol de ouro aureolado em semicírculo por um arco-íris
simplificado nas cores vermelha, amarela e verde e, sobre este, a princípio uma
estrela, representando Pernambuco e mais tarde três, quando aderiram a Paraíba e
o Rio Grande do Norte no mês de abril.
53
Sete anos depois, face aos descontentamentos com o governo imperial, era
proclamada no Recife, a breve Confederação do Equador, na qual os
revolucionários, sob forte inspiração independencista e republicana, trataram de
adotar uma bandeira em azul celeste com as armas da nova república que criaram.
Essas armas eram compostas de um escudo em formato quadrado, de cor amarelo
gema, ladeado por um ramo de algodão à sinistra e um de cana-de-açúcar, à destra
as riquezas do Nordeste. Dentro do escudo, desenhava-se um rculo branco, no
qual se viam gravadas as palavras de ordem em negro: “Religião Independência
União Liberdade”, separadas por quatro feixes de varas de cor escarlate. Este
círculo era dividido por uma faixa branca, que o separava em duas partes iguais. A
superfície era de azul ferrete, tendo no centro uma cruz floreteada, de tom escarlate,
com duas estrelas brancas por baixo das extremidades do braço, assim como outras
duas ladeando o terço inferior do madeiro; por debaixo, ao da cruz, haviam mais
nove estrelas em semi-círculo.
54
Na parte superior, erguia-se uma haste vermelha, a
qual terminava por uma mão, no centro da qual se desenhava o “olho da
providência”, circundado por seis estrelas brancas. A mão apontava para uma
flâmula branca, sobre a qual se via a palavra: “Confederação”.
53
Antes de o movimento ser reprimido, uma cópia desta primeira bandeira foi enviada aos Estados
Unidos, através do revolucionário Antonio Gonçalves da Cruz, o Cabugá.
54
Não é por acaso, que ao observarmos a esfera celeste da bandeira brasileira com as estrelas
dispostas, vemos o desenho da faixa branca, que representa a linha do Equador. Possivelmente,
estes revolucionários tamm imaginaram situar as províncias de forma semelhante, à medida que
estas aderissem ao movimento.
55
Figura 14: As bandeiras das revoluções no Brasil.
Inconfidência Mineira (1789) Conjuração Baiana (1798)
Revolução Pernambucana (1817) Confederação do Equador (1824)
Revolução Federalista Baiana (1833) Bandeira da Sabinada (1837-1838)
República Rio-Grandense (1836-1845) Revolução Acreana (1899/1902-1903)
56
Passada a Conjuração Baiana de 1798, outros dois movimentos ainda
agitariam a província. Era o ano corrente de 1833 em Salvador, o movimento rebelde
liderado por Bernardo Miguel “Guanais” Mineiro havia sido capturado pelo Visconde
de Pirajá e trancafiado no Forte do Mar. Depois de sublevar a guarda do forte,
ameaçaram a capital. Fizeram então uma proclamação ao povo para que derrubasse
o governo provincial em 26 de abril e hastearam a bandeira que haviam criado para
a federação, que era tripartida, formada de um campo branco com uma faixa azul
central disposta em pala. Como reação das autoridades, foi armado um cerco ao
forte, e, sem recursos, os rebelados se renderam três dias depois, tendo o
movimento recebido o nome de seu líder.
Em 1837 era a vez da "Sabinada", movimento contestava a concentração do
poder local exercido pelas autoridades nomeadas pelo governo regencial e
propunha a formação de uma República na Bahia até a maioridade do imperador D.
Pedro II. Durante os quatro meses que os revoltosos tomaram Salvador, unindo-se à
eles as tropas locais, foi criada uma bandeira, assim como as outras duas anteriores
usadas na Bahia, tripartida e disposta em pala. Era parecida com a bandeira da
conjuração baiana de 1798, mas sem as estrelas vermelhas dispostas ao centro.
A província do Rio Grande, no Sul do Brasil, vivia situação semelhante. A
difusão dos ideais republicanos ante ao descontentamento do centralismo imposto
pelo Império, culminariam com a chamada “Revolução Farroupilha”, iniciada em
1835 e que durou dez anos. A primeira bandeira, criada pelos farroupilhas era
quadrada, tripartida e com a faixa disposta em barra, e o possuía o brasão de
armas ao centro. É atribuída a Bernardo Pires, enquanto para outros historiadores,
ela foi idealizada por José Mariano de Mattos, tendo apenas o desenho ficado a
cargo de Pires (SAVARIS, 2008).
55
Os motivos sobre a escolha das cores daquele
estandarte são desconhecidos, embora se possa afirmar que elas provavelmente
derivariam da bandeira brasileira (verde e amarelo) e a faixa vermelha que lhe
atravessava na diagonal significava a “Revolução” que ocorreu entre a chamada
“República Rio-Grandense” ante o Império do Brasil na época.
56
55
Após o advento da República no Brasil (1889) esta bandeira voltou oficialmente a tremular como o
símbolo estadual do Rio Grande do Sul. A atual versão da bandeira gaúcha, que se apresenta com o
brasão de armas ao centro, foi adotada em 1966.
56
Outras duas revoluções no Sul do Brasil produziram bandeiras em situação efêmera. A primeira foi
a tricolor horizontal (verde, branca e amarela) da malograda República Juliana (ou Catarinense),
fundada em julho 1839 com apoio das tropas dos revolucionários farroupilhas e que durou apenas
57
A vaga interpretação deixada pelo Tratado de Ayacucho (1867) entre Brasil e
Bolívia criara a indefinição das fronteiras na região do atual Acre, e, com a vinda de
imigrantes nordestinos para a região, a situação social se agravara naquele território.
Em meio às insurreições dos brasileiros, surgiu a bandeira da revolução acreana,
criada por Luís Galvez em 15 de julho de 1899, durante o governo provisório do
Estado Independente do Acre. Ela compunha-se de um campo tranchado em verde-
amarelo, cores derivadas da bandeira brasileira. Durante o comando de Plácido de
Castro (1902-1903), foi acrescida uma estrela vermelha ao modelo original, colocada
logo abaixo da linha descendente que surgia da tralha da bandeira, usada durante a
luta da terceira República Acreana, até a incorporação ao Brasil em 1904.
Diferentemente das bandeiras, com seu uso mais geral, os brasões foram
concedidos à apenas alguns núcleos urbanos, ressaltando a importância que estes
tinham no Brasil colonial, conforme relata Luz (1999, p. 81) ao dizer que “na América
Espanhola, desde os primeiros tempos da Conquista, era norma da Metrópole
conceder aos núcleos de população que então se formavam os seus competentes
brasões de armas”. No quesito da armaria, prevaleceram mais os desenhos
alegóricos, que apresentam um tom voltado à representação histórico-geográfica
mais acentuada, do que propriamente as expressões simbólicas, pois:
A arte do brasão havia atingido seu apogeu nos culos XII e XIV [...], mas,
quando se iniciou a colonização do Brasil, ela entrara na fase alegórica e
realista que assinalou a decadência da velha armaria. Nos próprios escudos
coloniais que mais se assemelhavam pelo aspecto e pela composição aos
brasões medievais encontram-se mais elementos alegóricos do que
simbólicos. Nos brasões instituídos pelos holandeses para as capitanias sob
seu domínio, esta tendência do alegórico era mais acentuada (LUZ, 1999, p.
80).
Por um período de dois séculos, apenas seis brasões foram concedidos a
cidades coloniais brasileiras (RIBEIRO, C., 1933; LUZ, 1999). O primeiro D. João III
outorgara a Bahia, juntamente com o novo nome de “Cidade do Salvador” em 1549,
um escudo blasonado oval em campo sinopla com uma pomba branca e um ramo de
oliveira no bico; logo depois uma versão deste escudo ganhou duas torres com suas
ameias expostas, uma âncora e dois golfinhos ao estilo da heráldica, adornados por
ramos de oliveiras.
alguns meses. A outra foi a bandeira da Guerra do Contestado (1912-1916), apresentando em sua
última fase uma bandeira com uma cruz em verde, da chamada “Monarquia Celestial”.
58
O segundo brasão foi concedido em 1565 à cidade de São Sebastião do Rio
de Janeiro”, cuja figura principal era uma esfera armilar de ouro em campo de goles,
atravessada por três flechas de mesmo metal, uma em pala e duas em aspa, que
segundo o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen (apud RIBEIRO, C., 1933)
eram alusivas às que haviam servido de suplício ao santo invocado”. Este brasão
permaneceu inalterado até o culo XIX, quando foi modificado sucessivamente por
seis vezes até a versão final de seu desenho em 1965.
Com o avançar das frentes colonizadores para a região Norte, em 1616, o
capitão Francisco Caldeira de Castelo Branco, no ato de fundação da cidade de
Belém do Pará, lhe concedeu um escudo complexo,
57
dividido em quatro partes ou
quartos, com apenas algumas modificações do escudo original à versão presente
usada pela capital paraense. Dois anos após ter elevado o Brasil à categoria de
Principado, D. João IV concedeu em 1647 armas a cidade de São Luís do
Maranhão, cujo brasão, apresentando um braço movente, portando uma espada que
sustentava uma balança, aludia ao peso do escudo de armas de Portugal, que
pesara mais do que as armas francesas e holandesas na balança da justiça.
Os dois últimos brasões na época do Brasil Colônia foram concedidos pelos
portugueses no decurso do século XVIII. O primeiro deles está descrito no ato de
fundação da Vila Bela de Mato Grosso (1715) e assim brasonado: (...) que em
reverência da mesma Trindade Santíssima simbolicamente teria (a vila então
fundada) em meio de um escudo branco com dois círculos, um encarnado e outro
azul, uma ave com corpo e cabeça do meio de águia, ao lado esquerdo de pomba e
ao lado direito de pelicano, ferindo o peito; e que estas mesmas armas poria a
mara no seu Estandarte por detrás das Armas Reais, enquanto sua Majestade
não mandasse em contrário (RIBEIRO, C., 1933; LUZ, 1999).
57
Era um escudo complexo, bipartido, formado por um braço no cantão superior que sustentava uma
cesta de flores e o segundo braço uma cesta com frutas. Por baixo dos braços havia a legenda VER
EAT AE TERNUM e TUTIUS LATENT, alusivos ao rio Amazonas onde “tudo é verde e maravilhoso” e
ao rio Tocantins pela “posição escondida” às vistas dos exploradores. Abaixo, havia um castelo de
prata, onde, sobre a porta principal, se prendia um escudete de ouro em que figuravam os cinco
escudos com as quinas portuguesas. Sobre o campo de prata, o sol poente lembra a hora que
Francisco Caldeira escolhera o lugar para dar fundamento à sua conquista; abaixo havia a frase em
latim RECTIOR CUM RETROGADUS, para dizer que “aguardou a aurora do dia seguinte”. No escudo
havia ainda uma pastagem, onde uma mula e um boi estão olhando espantados para o céu e acima
destes a frase: NEQUAQUAM MINIMA EST, significando o nome da cidade de Belém da Judéia, que
Caldera escolhera para homenagear sua conquista “não seria a menor de todas”. O atual brasão de
Belém apresenta pequenas mudanças em relação ao escudo original.
59
No caso da Vila do Bom Jesus do Cuiabá, o brasão estava assim descrito no
seu ato de sua fundação, datado de 1727: “um escudo com o campo verde, e nele
um morro ou monte todo salpicado com folhetos e granitos de ouro; e por timbre em
cima do escudo, uma fênix” – ave mitológica nascida do fogo e que ressurge de suas
próprias cinzas, representando a imortalidade. Dentre as armas concedidas às
antigas vilas brasileiras, estas ainda permanecem como as usadas pelo município de
Cuiabá sem sofrer alteração.
Figura 15: Brasões de armas outorgados durante o Brasil colonial.
Salvador (1549) Rio de Janeiro (1565) Belém do Pará (1616)
São Luís do Maranhão (1647) Vila Bela de Mato Grosso (1715) Cuiabá (1727)
Fonte: Ribeiro, C. (1933). Ilustrações: José Wasth Rodrigues.
60
Durante a invasão holandesa no Brasil, os batavos com objetivo de fixar-se
por um longo período nas capitanias conquistadas procuraram deixar claras as suas
intenções colonizadoras. Como era costume entre as Províncias Unidas que
formavam os Países Baixos terem armas próprias, assim tamm os fez o príncipe
Maurício de Nassau, concedendo às capitanias nordestinas sujeitas à sua jurisdição
brasões de armas próprios, conforme carta endereçada do Supremo Conselho do
Brasil à Assembléia Holandesa, datada de 6 de outubro de 1638. Nela, Nassau se
dispôs a organizar alguns brasões que, de certo modo, tivessem analogia com a
situação de cada capitania e expressassem algumas de suas características.
Assim, ele concedeu primeiramente a cada uma das quatro capitanias –
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Itamaracá suas armas, reunindo-as
depois em um escudo, em formato oval e esquartelado, para constituírem o
brasão do Supremo Governo do Brasil, tendo por timbre a coroa dos Estados Gerais
da Holanda, com um escudete que servia de emblema da Companhia das Índias
Ocidentais, formado por uma nau navegando com as velas enfunadas; esse escudo
era ainda circundado por uma grinalda de flores e frutos de laranjeira.
Por sua vez, as próprias capitanias receberam suas armas, conforme os
registros da época.
58
A de Pernambuco ganhou em seu escudo uma donzela que
admira a sua própria beleza em um espelho, simbolizando a formosura da terra e a
situação e o nome de sua capital, Olinda;
59
tinha à mão direita uma haste de cana-
de-açúcar, representando a grande e próspera produção açucareira. O brasão da
Paraíba era formado por seis pães-de-açúcar, porque possivelmente ali se produzia
um açúcar de excelente qualidade em seus engenhos. A Capitania de Itamaracá,
uma das quinze originais em que se dividiu o território brasileiro, tendo como limite
norte a Baía da Traição, na Paraíba, a Igarassu, no norte de Pernambuco,
ostentava em seu brasão cachos de uvas, em alusão a não haver em parte alguma
do Brasil lugar que, como na ilha de Itamaracá, os desse em parreirais tão belos e
formosos. A Capitania do Rio Grande do Norte, tinha por brasão um rio de prata
58
Deve-se atentar que as cores destes brasões foram baseadas nos desenhos encontrados por Jo
Wasth Rodrigues a partir da obra de Gaspar Barlaeus, chamada Res Brasiliae, editada em Amsterdã
em 1647, na qual apresenta gravuras coloridas em aquarela e algumas de suas descrições. Citado
em Ribeiro, C. (1933). O referido exemplar encontra[va]-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
59
A origem do nome Olinda, conforme a lenda, é atribuída ao colonizador Duarte Coelho, que ao
parar seu barco em uma pequena ilha perto do Recife atual, divisou ao Norte um monte, todo coberto
por uma grande faixa verdejante a um quilômetro aproximado do lugar em que se encontrava, e, não
podendo conter seu entusiasmo, diante da beleza da colina, exclamou “Ó linda posição para [se
edificar] uma vila!”.
61
filetado de azul, na qual figurava uma avestruz (sic) [ema], ave que na época se
encontrava em grande abundância naquelas paragens. Todos esses quatro brasões
tinham por timbre uma coroa ao estilo holandês e eram adornados por folhagens e
frutos, embora os registros existentes não apresentassem suas especificações.
Nenhum dos documentos da época descreve as armas das demais comarcas
existentes (RIBEIRO, C., 1933). Sabe-se que o brasão de Igarassu (ou Igaraçu),
então um povoado ao norte de Olinda, na divisa entre as capitanias de Pernambuco
e Itamaracá, era formado por três aratus (ou caranguejos) dispostos em roquete.
o de Serinhaém, ao sul do Recife, recebeu em seu escudo um cavalo passante,
provavelmente, aludindo aos excelentes animais de cela criados naquela comarca.
Ao sul da então capitania de Pernambuco, o povoado de Alagoas tinha por brasão
três tainhas dispostas em faixa, provavelmente pelo pescado nas lagoas que ali se
via em abundância; no escudo de Porto Calvo figuravam três montes, que
representavam as serras, como sua principal característica orográfica.
Além dos oito brasões referidos, entre as obras e mapas holandeses, aparece
mais um, atribuído a Sergipe: formado por um sol de ouro no chefe do escudo,
contendo na base três coroas (de príncipe) de mesmo metal, abertas e em roquete.
Um das suspeitas que podemos levantar à primeira vista é que o sol aludisse ao
poder régio, como o “astro rei”, a região tinha o nome de Sergipe D’El Rey. Eles
tamm eram adornados por ramos, alguns com flores e frutos, embora não foi
encontrada nenhuma descrição a qual flora pertenciam, com exceção do escudo
alagoano, com um apanhado de peixes.
Presentes em documentos oficiais e figurando nas obras de arte, como no
caso das pinturas pitorescas do mundo tropical, esses brasões estavam presentes
na cartografia holandesa aplicada ao Brasil na primeira metade do século XVII, onde
eram usados, inclusive, como mbolos cartográficos para assinalar as prefeituras e
divisas das capitanias nordestinas, conforme relatam as cartas náuticas existentes
na obra de Gaspar Barlaeus (1647).
Passados um século e meio após a sua descoberta, o Brasil ainda não tinha
para si ummbolo exclusivo. Conforme fala Milton Luz (1999), fora em 1645, que D.
João IV – o Restaurador decidiu conceder a seus domínios na América as
primeiras armas do Estado do Brasil, conforme consta no dice Tesouro da
Nobreza, de autoria de Francisco Coelho Mendes, Rei de Armas da Índia, datado de
1675. Ele era descrito como um “escudo português simples em campo de prata;
62
inserta, uma árvore de sinopla, carregada de uma pequena cruz em goles”.
60
O
primeiro brasão do Brasil teria duração efêmera.
Naquele mesmo ano de 1645 com a criação do Principado do Brasil, além da
bandeira, a colônia recebeu as seguintes armas: “uma esfera armilar de ouro,
carregada de uma esfera menor em blau, atravessada por uma faixa em prata e em
curva, na direção da eclíptica, e encimada por uma pequena cruz em goles”.
61
Com a vinda de D. João para o Brasil, dada a nova conformação geopolítica,
o principado era agora elevado à categoria Reino Unido. As antigas armas em uso
no Brasil foram então mantidas, com uma leve simplificação, com a retirada do pé,
da cruz e do globo, que agora se aplicava à elas um fundo azul e, sobreposta à
esta, figurava o escudo real de Portugal e Algarves, agora em formato francês, como
aparece em todas as moedas e estampas da época.
Proclamada a independência e Pedro de Bragança aclamado o primeiro rei da
nova pátria, agora designada Reino do Brasil”, este fez com que as suas armas
reais ostentassem a esfera armilar derivada do Principado do Brasil e do Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves, agora sobreposta à cruz de goles da Ordem de
Cristo, inscrita em um círculo azul semeada de 19 estrelas de prata, representando
as províncias, sobre um escudo inglês em verde. Ladeavam este escudo um ramo
de café, à destra, e um ramo de tabaco, à sinistra, ambos descritos como mbolos
de nossa riqueza comercial”.
A coroa posta em cima do escudo teria pouca duração, pois o decreto
promulgado por D. Pedro I em de dezembro de 1822, ordenou a substituição da
cora real (adotada em 18 de setembro daquele ano corrente), pela imperial;
mudança esta que tamm foi aplicada à bandeira na época. Trocada a coroa real
diamantina pela coroa imperial e redesenhado o paquife tropical café e tabaco,
que se apresentavam agora com ramos mais vistosos e um laço maior nas cores
nacionais ficou assim institucionalizado o novo brasão de armas do Imrio do
Brasil.
60
O professor Hélio Viana, que descobriu esse brasão na Torre do Tombo de Lisboa em 1949, fala
que “trata-se de um brasão de armas parlantes [falantes]; a árvore, sem dúvida o pau-brasil, e a cruz,
alusiva aos sucessivos nomes dados à Nova Terra” (LUZ, 1999, p. 88).
61
A esfera armilar foi adotada em 1647, vinha compondo desde o culo XVII as bandeiras do Brasil,
o cunho das primeiras moedas exclusivas para a colônia em fins daquele século e era o elemento
principal dos selos oficiais (RIBEIRO, C., 1933).
63
Figura 16: Armas concedidas pelos holandeses às capitanias nordestinas no Brasil (1638).
Pernambuco Paraíba Itamaracá
Rio Grande do Norte Igarassu Serinhaém
Vila de Alagoas Porto Calvo Sergipe
Fonte: Ribeiro, C. (1933). Ilustrações de José Wasth Rodrigues.
64
Figura 17: Mapas de Gaspar Barlaeus (1647) mostrando as divisas das capitanias da Paraíba e
Rio Grande do Norte (acima) e de Pernambuco e Itamarcá (abaixo).
Fonte: Herkenhoff (1999).
65
Figura 18: Os brasões de armas do Brasil.
Estado do Brasil (1645) Principado do Brasil (1645-1816) Reino do Brasil (1816)
Reino Unido de Portugal Brasil Reino (set./dez. de 1822) Império do Brasil (1822-1889)
Brasil e Algarves (1816-1822)
Estados Unidos do Brasil (1889-1964) República Federativa do Brasil (1964;1992)
66
Com a implantação da República (1889), tratou o novo regime de instituir
novos símbolos nacionais e com o brasão de armas o foi diferente, aliás, esse foi
o único dos três símbolos que mais sofreu modificações em relação ao antigo
regime. O anexo legal do decreto n4 de 19 de novembro de 1889 apenas trazia o
desenho das armas nacionais, sem especificar as suas formas e dimensões, bem
como não havia um padrão para a correta execução deste símbolo em cores.
62
O desenho do brasão de armas ficou inalterado até 1964, passando a ser
regulamentado pela lei n.º 5.443, de 28 de maio de 1968. Após as revisões legais,
as atuais armas apresentaram como mudança principal o número de estrelas,
procurando-se ajustar ao real número de entidades federativas, seguindo assim a
mesma quantidade da bandeira nacional, representando os Estados mais o Distrito
Federal. Por fim, passou a se escrever no listel azul: “República Federativa do Brasil”
nome oficial do país a partir da Constituição de 1946, que no primeiro modelo
figurava o nome oficial de “Estados Unidos do Brazil”. Com a mudança no mero
de entidades da federação nos anos subseqüentes, após a Constituição Federal de
1988, houve a necessidade de uma nova atualização, a última até o momento, o que
veio a ocorrer pela lei n.º 8.421, de 11 de maio de 1992.
A história dos hinos no Brasil durante a expansão colonialista portuguesa
esteve ligada à Igreja e à catequese jesuíta nas cerimônias religiosas, pois a música
ao estilo europeu da época era usada como um instrumento de conversão dos
povos indígenas (LUZ, 1999). Entretanto, sabe-se que o primeiro hino patriótico
cantado em terras brasileiras foi entoado em Pernambuco pelos invasores
holandeses; tratava-se da canção Wilhelmus van Nassouwe (Guilherme de Nassau),
executado pelas bandas militares dos regimentos das forças de ocupação.
Entre o fim do domínio holandês (1645) e a chegada ao Brasil da Corte
Portuguesa (1808), transcorreu-se um culo e meio de cânticos sagrados e
ladainhas, sobretudo nas igrejas e mosteiros (LUZ, 1999). Foi rara a preocupação de
se criar um hino colonial para o distante Brasil e, mesmo em Portugal, quando o rei
62
Brasonado mais tarde por Tristão de Alencar Araripe, com texto adotado por Alfredo de Carvalho,
ele passou a compor a seguinte descrição: “Numa esfera de azul, cinco estrelas de prata, com a
forma da constelação do Cruzeiro [do Sul]; por fora da esfera um rculo azul, orlado de ouro em
ambos os bordos, com vinte estrelas de prata; por fora deste círculo as cinco pontas duma estrela,
partidas em pala, de verde e amarelo, orladas de vermelho e ouro, assentes sobre uma coroa
emblemática de folhas de café e de fumo representadas com as suas próprias cores, entrelaçadas
com uma espada desbainhada, posta em pala, de ponta para cima; tudo cercado dos raios duma
auréola de ouro. Em uma fita azul, por baixo, o dizer Estados Unidos do Brazil 15 de Novembro
de 1889 – em letras de ouro”.
67
morria, tornava-se necessário refazer a letra do hino, específico para cada novo
monarca. Na maioria das revoluções e conjurações ocorridas no Brasil antes e
após a Independência nacional foram poucas as que cunharam um hino, como no
caso do Rio Grande do Sul em 1838. Durante a Revolução Pernambucana de 1817,
houve entre os compositores de Olinda a criação de um hino, mas sabe-se muito
pouco de sua letra original, que se perdeu no curso da história.
O mais antigo hino estadual ainda vigente é o da Bahia, chamado “Hino ao
Dois de Julho”, cantado pela primeira vez naquela mesma data magna em 1828 para
comemorar a luta pela independência; a primeira canção que faz referência a uma
província é o do vizinho Sergipe, datado de 1836, para comemorar sua emancipação
política. Mas foi após o advento da Constituição Republicana de 1891 que o uso
deste símbolo tornou-se oficial (ou pelo menos houve a partir daí a necessidade de
criá-lo).
A própria história do Hino Nacional Brasileiro é muito rica e talvez seja esse
mbolo, pela plasticidade provocada pela letra e música, o que mais reflete os
momentos de nossa história (LUZ, 1999). Também neste caso, o hino ficaria com
ausência de uma letra definitiva por quase um século; tal situação se desdobraria
durante o Brasil Imperial e após a implantação da República, tendo a música apenas
recebido letra em 1909, (após a campanha de Coelho Neto frente à mara dos
Deputados no ano de 1906). A letra definitiva seria devidamente regulamentada
na véspera do centenário da independência nacional, em 1922.
63
2.1 Os Símbolos Estaduais Brasileiros
Com o advento da República no Brasil (1889) e após a implantação da
Constituição de 1891 (fortemente inspirada no modelo da constituição federalista
63
O Brasil, após declarar sua independência, por nove anos viveu sem um hino e, por quase um
culo o hino nacional foi executado sem ter uma letra oficial. A história do hino começa justamente
com uma melodia composta pelo maestro Francisco Manuel da Silva (1795-1865) ainda na euforia de
1822. Ele guardara a música até a data de 13 de abril de 1831, ocasião em que foi apresentada ao
público durante a cerimônia de partida de Dom Pedro I para assumir o trono de Portugal. Durante o
período imperial a música passou a ser usada e surgiram diferentes letras ao longo dos anos para
acompanhá-la, mas nenhuma delas tornou-se oficial. Após a Proclamação da República em 1889, o
governo provisório organizou um concurso para a escolha um novo hino oficial; porém, seguiu-se que
na data de 20 de janeiro de 1890 o decreto n.º 171 do presidente Manuel Deodoro da Fonseca
manteve como hino nacional a música de Francisco Manuel da Silva. O hino só receberia uma letra
definitiva no ano de 1909, escrita pelo poeta Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927).
Finalmente, em 6 de setembro de 1922, na véspera do centenário da independência, o presidente
Epitácio Pessoa oficializou o texto do “Hino Nacional Brasileiro”.
68
norte-americana) foi que as províncias foram transformadas automaticamente em
Estados federados e poderiam ter bandeira, hino e armas próprias sem omitir os
mbolos nacionais” (ANDRADE, 1999b; ANDRADE; ANDRADE, 2003, p. 48). Com
essa Constituição, começa a história oficial” da implantação e uso de símbolos
pelos Estados da federação brasileira. Nos Estados Unidos, a maior liberdade dos
Estados daquela Federação já havia criado, inclusive, uma “cultura simbólica”
64
no
que competia à adoção dos símbolos estaduais.
Mas, mesmo antes de elaborada a Constituição de 1891, o ideal republicano
possibilitou a implantação dos primeiros símbolos estaduais. O hino do Estado do
Rio de Janeiro, composto por João Elias da Cunha e por ele oferecido ao
governador Francisco Portela, foi oficializado em 29 de dezembro de 1889, com letra
de Antônio José Soares de Sousa Júnior. A bandeira de Mato Grosso já havia sido
criada em 31 de janeiro de 1890, por iniciativa do então governador republicano, o
general Antonio Maria Coelho, apenas 73 dias depois de oficializada a bandeira do
Brasil. em 1891, o Rio Grande do Sul procurou recuperar as cores da bandeira
criada durante a Revolução Farroupilha (1836) e o mesmo aconteceu com
Pernambuco ao completar o centenário da Revolução Republicana de 1817. Vale
notar que nos primeiros anos do novo regime, as bandeiras de alguns clubes
republicanos influenciaram na criação dos mbolos estaduais adotados nessa
época, como nos casos da Bahia (1889) e do Pará (1898), cujos pavilhões
acabaram se tornando símbolo estadual.
Podem-se distinguir três grandes etapas de criação dos símbolos estaduais
no Brasil (tabela 1), que coincidiram com amplos períodos favoráveis ao federalismo.
O primeiro deles vai do início de 1890, passando pelas primeiras décadas do século
XX quando ocorreu a instituição oficial da maioria dos mbolos estaduais
brasileiros – até o ano de 1937, pois a ascensão de Getúlio Vargas ao poder
64
Uso esse termo para argumentar que desde a formação dos Estados Unidos, cuja constituição
inspirou a nossa naquele momento, os Estados americanos já tinham criado seus símbolos próprios,
alguns deles, inclusive, desde a fundação da própria colônia já ostentavam seus emblemas, como no
caso de Maryland, cuja “bandeira armorial” relembra o brasão de seu fundador. Após a
independência, os Estados da União passaram adotar seus próprios brasões em forma de selo,
chamados de State Seal, como nos casos de New Hampshire (1776) e Connecticut (1784). Um
culo depois, por exemplo, a maioria dos Estados da União já tinha criado para si selos e bandeiras
próprias de forma oficial. Hoje, há uma infinidade de símbolos estaduais oficializados entre os
Estados norte-americanos, que vão alem da bandeira, brasão e canção estadual (hino), como
também as cores, animal, planta, mineral, fóssil, solo, dança, prato típico, esporte e em alguns casos
até o pássaro, cão, árvore, flor, borboleta, anbio, rocha, teatro, banda e locomotiva estadual.
69
instaura o “Estado Novo”, período este marcando por um maior “centralismo” com o
objetivo assegurar a gestão do poder na unidade nacional.
Esta Constituição extinguiu a federação (apesar de mantê-la formalmente em
seu artigo 3º) e os Estados perderam toda a autonomia, na qual os antigos
governadores foram destituídos e substituídos por interventores federais com o
intuito de enfraquecer as lideranças políticas estaduais. Vargas acreditava que a
unidade seria alcançada se o governo fosse uno e forte, assim também
imaginava que esse “ideal de unidade” só se faria única e exclusivamente através da
bandeira, do brasão e do hino nacional, no receio de que outros símbolos que não
fossem os da nação brasileira desviassem o foco das idéias políticas vigentes e
alimentassem os sentimentos federalistas, ressuscitado os direitos adquiridos pelos
Estados nos primeiros anos da fase republicana.
A nova carta constitucional promulgada em 10 de novembro de 1937,
determinava em seu artigo que: A Bandeira, o Hino, o Escudo e as Armas
Nacionais são de uso obrigatório em todo o País. Não haverá outras bandeiras,
hinos, escudos e armas. A Lei regulará o uso dos Símbolos Nacionais[itálico e
grifo nosso]. E, da mesma forma, o decreto-lei n.º 1.202, de 8 de abril de 1939, no
seu 53º artigo complementaria tal posição ao afirmar que: A Bandeira, o Hino, o
Escudo e as Armas Nacionais são de uso obrigatório em todos os Estados e
Municípios; proibidos quaisquer outros símbolos de caráter local[itálico e grifo
nosso]. Conforme relembra Duarte (1999, p. 243; 2001, p. 27), houve inclusive no
Rio de Janeiro uma cerimônia de queima dos pavilhões dos Estados brasileiros:
No dia 27 de novembro de 1937 houve até uma cerimônia oficial para a
queima das bandeiras estaduais na praça do Russell, no Rio de Janeiro.
Jovens, em fila como uma procissão, subiram ao palanque e entregavam o
pavilhão de um estado para ser queimado.
Foi somente após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o desgaste do
Estado Novo e as pressões por maior democracia, que culminaram com a deposição
de Vargas (1945), que a redação da Constituição de 18 de setembro de 1946
restabeleceu os símbolos estaduais e municipais em seu artigo 195: São símbolos
nacionais a Bandeira, o Hino, o Selo e as Armas vigorantes na data da promulgação
desta constituição. Parágrafo único: Os Estados e Municípios podem ter símbolos
próprios” [itálico e grifo nosso].
70
A partir desta Constituição, os Estados passaram a restabelecer (ou criar)
grande parte dos símbolos hoje existentes, mas não o tiveram que fazer por
obrigatoriedade, fato este que algumas entidades, como no caso de Minas Gerais
não possuem ainda um hino oficial. É também neste período que as últimas
bandeiras das entidades estaduais então vigentes são criadas, como nos casos do
Espírito Santo (1947), Rio Grande do Norte (1957), Minas Gerais (1963) e Rio de
Janeiro (1965). Outros Estados, como Santa Catarina (1954) e Alagoas (1963)
reformulariam por completo seus pavilhões, ambos adotados no final do culo XIX,
enquanto em outros casos, como no Paraná (1947) e Ceará (1967) houve apenas
modificações “técnicas” nos estilos adotados.
Com a transferência da nova capital do Rio de Janeiro para o Distrito Federal
e a inauguração de Brasília (1960), a capital federal adotou símbolos próprios nesta
década. Esse período se encerra com a adoção do hino do Estado de São Paulo,
feita em 1974. Amazonas (1980) e Mato Grosso (1983) oficializariam seus hinos
no terceiro período de grande criação dos símbolos estaduais no Brasil.
O período do chamado “Regime Militar” não impediu que o ideal de federação
continuasse a vigorar, assim também se mantiveram os mbolos estaduais e, não
houve sérias restrições nesse sentido no caráter federativo. A nível nacional, deve-
se ressaltar a lei n.º 5.700, promulgada em de setembro de 1971, que
regulamentava os símbolos nacionais e que determinou a sua “inalterabilidade”,
passando, por exemplo, as estrelas na bandeira e o brasão de armas a perderem o
sentido que tinham de representar os Estados (direito este restabelecido em 1992).
O terceiro período se inicia justamente com a criação do Estado de Mato
Grosso do Sul, que adotara seus símbolos de de janeiro de 1979. Dois anos
depois era a vez de Rondônia conseguir autonomia estadual, aproveitado para
adotar sua bandeira, hino e brasão de armas. Embora Território Federal, o Amapá
realizara concurso para adotar seus símbolos em 1984.
Os novos ventos rumo ao restabelecimento do ideal democrático conduziram
o Brasil à sua atual Constituição Federal, elaborada em 1988. Os embates da nova
constituinte naquele período não se estenderam apenas na consolidação das
questões cidadãs, mas também na criação de novos Estados. Assim, Amapá e
Roraima separados respectivamente do Pará e Amazonas em 1943 durante o
regime de Getúlio Vargas foram elevados à condição de Estado e as lutas em
torno da separação do norte de Goiás resultaram na criação do Tocantins.
71
Quadro 1: Data de adoção oficial da bandeira, brasão e hino dos Estados da Federação.
UNIDADE DA
FEDERAÇÃO
BANDEIRA* BRASÃO** HINO***
Acre [1899/1902] 1921 [1902/1922] 1989 1903
Alagoas 1894/1963 1894/1963 1894
Amapá 1984 1984 1984
Amazonas 1897 1897 1980
Bahia 1889 1891/1947 1828
Ceará [1922/1967] 2007 [1897/1967] 2007 1903
Distrito Federal 1969 1960 1961
Espírito Santo 1947 1947 1947
Goiás 1919 1919 [1919] 2001
Maranhão 1899 1905 1911
Mato Grosso 1890 1918 [1919] 1983
Mato Grosso do Sul 1979 1979 1979
Minas Gerais [1789] 1963 1891 [1942]
Pará 1898 1903 1915
Paraíba 1930 1907 [1905] 1979
Paraná [1892/1923] 1947 [1902/1905/1910] 1947 1947
Pernambuco [1817] 1917 1895 1908
Piauí [1922] 2005 1922 1923
Rio de Janeiro [1965] 1975 [1892] 1965 1889
Rio Grande do Norte 1957 1909 1957
Rio Grande do Sul [1836/1891] 1966 [1836] 1966 1966
Rondônia 1981 1981 1981
Roraima 1996 1996 1996
Santa Catarina [1895] 1953 1895 1895
São Paulo 1932 1932 1974
Sergipe 1920 1882 1836
Tocantins 1989 1989 1998
Legenda Primeiro Período
(1891-1937)
Segundo Período
(1946-1978)
Terceiro Período
(1979-)
* As datas entre colchetes e barras referem-se à introdução da bandeira, sua primeira versão e
demais alterações; a segunda data marca a última adoção “oficial” por lei pela unidade da federação.
Nos casos de Pernambuco e Rio Grande do Sul, a primeira data refere-se à instituição da bandeira
por separatismo ou revolta provincial. No caso acreano, a primeira data ressalta a bandeira criada
para o auto-proclamado “Estado Independente do Acre”. No caso de Sergipe (ausente na tabela) a
bandeira é datada do final do século XIX.
** Neste caso, a data entre colchetes refere-se à criação e alteração do brasão de armas de cada
Estado. O brasão de armas do Rio Grande do Sul surgiu pela primeira vez para ser o brasão da
República Rio-Grandense em 1836, apresentando quatro versões distintas.
*** Goiás trocou seu novo hino em 2001, substituindo o antigo, de 1919. O hino de Mato Grosso tem
suas bases numa canção tradicional de composta em Cuiabá em 1919. Bahia e Sergipe adotaram
seus hinos de canções provinciais do século XIX. A primeira execução do hino da Paraíba se deu em
1905, enquanto no caso do Estado do Pará, seu hino é conhecido em versão anterior a 1915. Minas
Gerais não possui hino oficial, a canção popular “Oh! Minas Gerais” é usada desde 1942.
72
Os anos noventa do século XX foram marcados pela adoção destes símbolos
estaduais. Roraima teve sua bandeira, brasão e hino oficializados em 1996. No
Tocantins, a bandeira e brasão já haviam sido criadas em 1989, mas o hino ganhara
tom oficial em 1998. No vizinho Goiás, cresciam os questionamentos, inclusive
legais, em torno do hino estadual neste mesmo ano (que não mais correspondia à
situação que vivia a terra goiana quando este foi criado em 1919).
Assim, a primeira cada do século XXI assistiu a atualização dos símbolos
estaduais vigentes, alguns deles descaracterizados pela falta de normas técnicas ou
mesmo pelo próprio esquecimento e pelos erros de interpretação na lei, o que ainda
não deixa de ocorrer. Além de Gos, que trocou definitivamente seu hino em
setembro de 2001, as alterações na bandeira do Piauí (2005) e o remodelamento da
bandeira e brasão do Estado do Ceará (2007) o alguns exemplos desse novo
século.
73
3 DO SIMBÓLICO AO GEOGRÁFICO
Após um breve inventário sobre a origem dos mbolos nacionais como uma
etapa recente dentro da história da humanidade e seu desmembramento no Brasil, o
terceiro capítulo pauta-se nas reflexões sobre o mbolo per se e suas relações com
o geográfico. Nesta conceituação, enquanto o primeiro e segundo capítulos
procuraram tratar da evolução das bandeiras, brasões e hinos enquanto “coisas”, em
representações objetais, os atos de percepção e apreciação serão agora discutidos
como representações mentais (BORDIEU, 2007),
65
de forma a entender a
construção e a desconstrução da comunicação através da linguagem simbólica, que
tem em vista determinar como estas representações mentais adquiriram as
propriedades do tempo e do espaço, em particular sob o enfoque geográfico.
O homem, após um longo processo evolutivo, no seu ato de cognição passa a
interagir com o mundo e representá-lo através de imagens e símbolos que resultam
de uma abstração, advinda da percepção do ambiente em que vive(u) e do seu
contato com o mundo exterior, pois, como na reflexão de Ernist Cassirer (2001, p.
73) o espaço e o tempo são a estrutura em que toda a realidade está contida.” Um
ponto importante nesse novo meio de perceber e compreender o mundo foi a
evolução da linguagem, pois além de interromper um processo exclusivo de
evolução biológica, permitiu que o mundo do espaço e tempo do homem se tornasse
ilimitado, ou seja, um mundo que não apenas é perceptível, mas uma extensão
puramente simbólica, dando-lhe uma nova dimensão, visto que:
uma grande variedade de tempos e espaços simbólicos na cultura
humana. Nem todos são caracterizados por palavras ou números. Pinturas,
estátuas, edifícios, mapas, lugares santos, eternos campos de caça e outros
mundos além são todos exemplos de espaços simbólicos. Ritmos, melodias,
histórias, peças de teatro, rimas poéticas, dias santos e eternidade, todos
significam tempos simbólicos [...] quando os seres humanos se referem a
‘espaço e tempo’, em geral estão se referindo a espaço e tempo simbólicos
em uma de suas muitas formas (SZAMÓSI, 1986, p. 11, grifo nosso).
65
Mas, mais profundamente a procura de critérios “objetivos” de identidade “regional” ou “étnica” não
deve fazer esquecer que, na prática social, estes critérios (por exemplo, a língua, o dialeto, ou o
sotaque) são objeto de representações mentais, quer dizer, de atos de percepção e de apreciação,
de conhecimento e reconhecimento em que os agentes investem os seus interesses e os seus
pressupostos, e de representações objetais, em coisas (emblemas, bandeiras, insígnias, etc.) ou em
atos, estratégias interessadas de manipulação simbólica que têm em vista determinar a
representação mental que os outros podem ter destas propriedades e dos seus portadores
(BORDIEU, 2007, p. 112).
74
Esse processo artificial de comunicação e geração do conhecimento é
mediado pela linguagem e todos os elementos que a constituem, pois ela, segundo
Szamósi (1986, p. 47) “permite que o rebro humano não apenas perceba os
objetos e acontecimentos no espaço e no tempo, mas também os represente como
conceitos, pense a respeito deles e comunique esses pensamentos”. Assim, não
apenas percebemos objetos no espaço e no tempo, mas tamm criamos mbolos
para “objetos”, para “espaço” e para tempo (SZAMÓSI, 1986). Foi assim que a
linguagem permitiu ao ser humano a capacidade de se criar modelos do mundo e
para ele dar sentidos.
66
Entretanto, essas adaptações do cérebro humano para
conceber as diversas formas de linguagem são resultado tanto de uma longa
evolução das habilidades de desenvolver modelos abstratos do ambiente externo,
como também dos processos de interação social que modificaram lentamente a
natureza do raciocínio humano, conforme descreveu Cassirer (2001, p. 47-50):
[...] No entanto, no mundo humano encontramos uma característica nova que
parece ser a marca distintiva da vida humana. O círculo funcional do homem
não é só quantitativamente maior; passou tamm por uma mudança
qualitativa. O homem descobriu por assim dizer, um novo método para
adaptar-se ao seu ambiente. Entre o sistema receptor e o efetuador, que são
encontrados em todas as espécies animais, observamos no homem um
terceiro elo que podemos descrever como o sistema simbólico. Essa nova
aquisição transforma o conjunto da vida humana. Comparado aos outros
animais, o homem não vive apenas em uma realidade mais ampla; vive,
pode-se dizer, em uma nova dimensão da realidade. Existe uma diferença
inconfundível entre as reações orgânicas e as respostas humanas. [...]
Todavia, não existe remédio para essa inversão da ordem natural. O homem
não pode fugir à sua própria realização. Não pode senão adotar as condições
de sua própria vida. Não estando num universo meramente físico, o homem
vive em um universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são
parte desse universo. São os variados fios que tecem a rede simbólica, o
emaranhado da experiência humana. Todo o progresso humano em
pensamento e experiência é refinado por essa rede, e a fortalece. O homem
não pode mais confrontar-se com a realidade imediatamente; não pode vê-la,
por assim dizer, frente a frente. A realidade física parece recuar em proporção
ao avanço da atividade simbólica do homem. Em vez de lidar com as próprias
coisas o homem está, de certo modo, conversando constantemente consigo
mesmo. Envolveu-se de tal modo em formas lingüísticas, imagens artísticas,
símbolos míticos ou ritos religiosos que não consegue ver ou conhecer coisa
alguma a não ser pela interposição desse meio artificial [...]. A partir desse
ponto de vista a que acabamos de chegar, podemos definir e ampliar a
definição clássica do homem [...] A razão é um termo muito inadequado com
o qual compreender as formas da vida cultural do homem em toda a sua
riqueza e variedade. Mas todas essas formas são formas simlicas. Logo,
em vez de definir o homem como animal rationale, deveríamos defini-lo como
animal symbolicum.
66
[...] o cérebro dos mamíferos organiza os inputs sensoriais, a percepção do mundo, numa estrutura
de espaço e tempo para ser capaz de deles extrair sentido. A estrutura do espaço e tempo simplifica
o mundo, dá-lhe uma ordem coerente e, assim, o torna capaz de ser vivido (SZAMÓSI, 1986, p. 43).
75
Embora o animal symbolicum denominado por Cassirer tenha criado um
mundo artificial, o processo de representação simbólica não se apenas de forma
isolada, como uma consciência individual, mas é resultado de uma interação cultural
advinda das formas de comunicação social. Ao trabalhar a filosofia marxista da
linguagem, Bakhtin (VOLOCHÍNOV, 2006, p. 31-32) afirma que:
Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como
todo corpo sico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao
contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é
exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete algo situado
fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem
signos não existe ideologia [...] Todo corpo físico pode ser percebido como
símbolo [...] e toda imagem artístico-simbólica ocasionada por um objeto físico
particular é um produto ideológico. Converte-se, assim, em signo o objeto
físico, o qual, sem deixar de fazer parte de uma realidade material, passa a
refletir e a refratar, numa certa medida, uma outra realidade [...] Ele pode
distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista
específico [...].
Para Bakhtin cada signo ideológico não é apenas um reflexo, uma sombra da
realidade, mas também um fragmento material dessa realidade, um fenômeno do
mundo exterior em que o próprio signo e todos os seus efeitos aparecem na
experiência exterior.
67
A comunicação humana é alcançada através de ações
expressivas que operam como sinais, signos e mbolos. Deve-se distinguir o que é
chamado de sinal (que é algo que significa alguma coisa: um cheiro, um som, um
movimento de algum animal, etc.) e um símbolo real. Tanto os sinais quanto os
mbolos pertencem (de acordo com o uso geralmente aceito), a uma classe mais
geral: os signos. Signo é qualquer coisa que contenha informação (SZAMÓSI, 1986,
p. 53), de forma que não ocorrem isolados; um signo é sempre membro de um
conjunto de sinais contrastados que funciona dentro de um contexto cultural
específico (LEACH, 1978), e que transmite informação se combinado com outros
signos e símbolos do mesmo contexto.
Deve-se ter em mente da mesma forma que os símbolos no sentido próprio
do termo o podem ser reduzidos a meros sinais. Sinais e símbolos pertencem a
dois universos diferentes de discurso: um sinal faz parte de um mundo físico do ser;
um mbolo é parte do mundo humano do significado. Os sinais, mesmo quando
67
Em decorrência disso, poder-se-ia dizer que a realidade é constituída de símbolos na mesma
medida que é elaborada por matéria e energia, tempo e espaço. É por isso que se pode afirmar que a
invenção da palavra escrita e as possibilidades sociais e culturais dessa invenção, é o maior feito
humano de todos os tempos, pois permitiu incluir, decisivamente, a operação simbólica na construção
da história (CHAVEIRO, 2005, p. 48).
76
entendidos e usados como tais, tem mesmo assim uma espécie de ser físico ou
substancial; os símbolos têm apenas um valor funcional” (CASSIRER, 2001, p. 58) –
os sinais são “operadores” enquanto os símbolos são “designadores”.
A representação é um tipo de linguagem, portanto uma “construção sígnica”,
um produto social oriundo de comunicação. É esse conjunto de práticas e valores
sociais que refletem uma visão do mundo externo e constituem-se em criações de
esquemas mentais estabelecidos a partir de uma dada realidade espacial, portanto,
não incorporam apenas a vertente lingüística no processo de comunicação, mas
tamm a cultura, os valores, os significados e a própria ideologia contida em suas
representações.
Como uma direção inteiramente nova da vida cultural, [...] o espaço
geométrico abstrai toda a variedade e heterogeneidade que nos é imposta
pela natureza díspar de nossos sentidos [...]. A representação do espaço e
das relações espaciais significa muito mais. Para representar uma coisa não
basta sermos capazes de manipulá-la da maneira correta para usos práticos.
Devemos ter uma concepção geral do objeto e considerá-lo em diversos
ângulos para podermos encontrar suas relações com outros objetos.
Devemos situá-lo e determinar sua posição em um sistema geral
(CASSIRER, 2001, p. 79-80).
No pensamento de Bordieu (2007) todo esse arcabouço ideológico usado
como instrumento de conhecimento e de construção do mundo dos objetos
configura-se em um “sistema simbólico”, pois os símbolos são instrumentos por
excelência da integração social: enquanto instrumentos de conhecimento e de
comunicação, eles tornam possível o concensus a cerca do sentido do mundo social
que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social.
Clifford Geertz (1989) acrescenta que o simlico tem uma existência tão
concreta quanto o material, e que a cultura é um padrão de significados transmitido
historicamente, incorporado emmbolos, um sistema de concepções herdadas
expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam,
perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.
O conceito de cultura é essencialmente semiótico [...]. Acredito, como Max
Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise;
portanto, o como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma
explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas em
sua superfície (GEERTZ, 1989, p. 15).
77
O termo “cultura”, para Geertz, é também um sistema simbólico”, uma teia de
significados que carrega mecanismos de controle para governar o comportamento. É
feita de valores e crenças, de digos morais e hábitos que são socialmente
construídos, transmitidos, aprendidos por meio de signos e símbolos. Conforme
atenta Leach (1978, p. 59) “um signo ou símbolo somente adquire sentido quando é
diferenciado de algum outro símbolo ou signo contrário”, pois eles não têm sentido
se vistos isoladamente, mas devem fazer parte como membros de um conjunto.
Esse sistema contribui para regular e padronizar atitudes e emoções no alargamento
do universo do discurso humano, pois:
[...] esse é um objetivo ao qual o conceito de cultura semiótico se adapta
especialmente bem. Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o
que eu chamaria de símbolos, ignorando utilizações provinciais), a cultura
não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os
acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos;
ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma
inteligível, isto é, descritos com densidade (GEERTZ, 1989, p. 24).
68
James Duncan (2004) citando Raymond Williams (1982, p. 13) acrescenta
que a cultura é “o sistema de criação de signos através do qual, necessariamente
(ainda que entre outros meios), uma ordem social é transmitida, reproduzida,
experimentada e explorada”. A prática cultural e a produção cultural não são
“simplesmente derivadas de uma ordem social construída de outra maneira, mas
são, elas próprias, os elementos principais de sua constituição” (WILLIAMS, 1982, p.
12-13 apud DUNCAN, 2004, p. 101-102), pois a cultura está embutida em outros
sistemas como um componente construtivo.
Os mbolos, então, como produtos semióticos interpretáveis da cultura
humana, imprimem valores a fatos, às coisas ou às pessoas. Também transformam
fatos, coisas e pessoas; comunicam, relacionam, criam diferenças e possibilitam
reconhecimentos. Um mbolo condensa e expande sentidos, sentidos estes que
podem estar ligados a um determinado espaço geográfico, cujas características
únicas, ou seja, o seu contexto, o torna signo e lugar (no sentido afetivo da geografia
humanista) de diferenciação de outros espaços, quando, por exemplo, na heráldica,
68
[...] São essas estruturas empilhadas, essas camadas sucessivas de significação que constituem o
material da antropologia. A “descrição densa” (thick description), termo emprestado do filósofo Gilbert
Ryle, constitui-se em uma hermenêutica cuja tarefa seria conseguir exibir a estratificação complexa
dessas culturas/textos (MONADA; SÖDERSTRÖM, 2004).
78
um determinado acidente geográfico ou os elementos de uma paisagem são
representados no escudo de um brasão.
69
Quanto ao processo cognitivo de criação dos mbolos, Kozel (2002, p. 221)
ressalta que “as representações espaciais advém de um vivido que se internaliza
nos indivíduos, em seu mundo, influenciando seu modo de agir, sua linguagem,
tanto no aspecto racional como no imaginário, seguidas por discursos
70
que
incorporam ao longo da vida”. O conhecimento geográfico está interligado desse
modo a um contexto de representações sociais, numa concepção realista, que
embasa o conhecimento como reflexo objetivo da realidade, numa concepção
idealista, que suporte teórico ao imaginário e numa concepção sócio-cultural, que
perpassa os dois conceitos, proporcionando uma análise da teia de relações
estabelecidas entre a sociedade e o espaço geográfico (KOZEL, 2002).
Para Duncan (2004, p. 100) o mundo é revestido de sistemas de
representação e “para compreender a natureza relacional do mundo precisamos
‘completá-lo’ com muito do que é invisível, para ler os subtextos que estão por
debaixo do texto visível”. Conforme recorda Cosgrove (2004), para compreendermos
as expressões impressas por uma cultura, necessitamos de um conhecimento da
linguagem empregada, ou seja, os mbolos e seu significado nessa cultura. Como
um sistema de criação de signos ele enfoca que a paisagem “é um dos elementos
centrais num sistema cultural, pois, como um conjunto ordenado de objetos, um
texto, age como um sistema de criação de signos através do qual um sistema social
é transmitido, reproduzido, experimentado e explorado” (DUNCAN, 2004, p. 106).
Edmund Leach (1978, p. 44) reforça essa idéia, pois, “quando usamos símbolos
(tanto verbais como não-verbais) para distinguir uma classe de coisas ou ações de
uma outra, estamos criando fronteiras artificiais num campo que é ‘naturalmente’
contínuo”.
69
Assim escreveu Lauro Ribeiro Escobar (1972, p. 388) do bom gosto ao se confeccionar um brasão
municipal: a elaboração de um brasão, em verdade, está adstrita às leis da heráldica, am de
obrigatoriamente prestar reverência ao bom gosto e representar algo típico do município no qual é
símbolo. A tarefa, portanto, somente deve ser atribuída a pessoas com sólidos conhecimentos da
heráldica, além de extensa cultura geral, notadamente no que se refere à história, à geografia, à
botânica, etc. [...] deve o brasão municipal representar, como já foi salientado, alguma coisa ligada à
comuna, seja um fato histórico, sua flora, fauna, acidentes geográficos significativos, ou
fontes de riqueza da região. (grifos nossos)
70
Nas palavras de Duncan (2004, p. 104) o discurso é “a estrutura de inteligibilidade na qual todas as
práticas são comunicadas, negociadas ou desafiadas”. São recursos facilitadores e coações ou
limites do qual determinados modos de pensamento parecem naturais, pois como um produto de luta
(desigual) das relações de poder, que tamm estão inscritas nos discursos.
79
A idéia de paisagem nesse viés pode ser lida como um “texto”, atuando como
um instrumento de transmissão, reproduzindo determinada ordem social, através do
que Duncan nomeia de “retórica da paisagem”, que seriam as alegorias, os signos,
os mbolos, ícones e tropos existentes nas paisagens, ou seja, a forma como se
a sua “narrativa”. A paisagem concreta, fixando e estabilizando uma significação,
realmente se constitui na geografia como tradução natural da noção de texto, e,
portanto, é nela que o geógrafo continua a ler a geograficidade da cultura
(MONADA; SÖDERSTRÖM, 2004, p. 143); seria essa então “o deciframento de uma
ordem do espaço concreto”.
71
Da mesma maneira, bandeiras, hinos e brasões,
enquanto símbolos concretos, apresentam de forma intrínseca uma mensagem
abstrata de uma distinta realidade exterior, cujos elementos gráficos podem ser
decodificados, permitindo lhe dar uma “nova leitura”.
Conforme relembra Geertz (1989, p. 321) a cultura é um conjunto de textos,
eles próprios conjuntos, que a antropologia esforça-se para ler acima dos ombros
daqueles a quem eles pertencem de direito”. Essa leitura de textos se realiza à luz
do conhecimento de um contexto que permite uma descrição inteligível dos
processos sociais, essa descrição como “construção do pesquisador” (MONADA;
SÖDERSTRÖM, 2004).
Para Cerulo (1993), como uma estratégia de comunicação, a mensagem
projetada pelo mbolo pode ser analisada em duas vias. Em primeiro lugar, através
do conteúdo simbólico, que são as cores ou emblemas usados em uma bandeira ou
brasão, como, por exemplo, uma faixa em vermelho representado o sangue
derramado; pode-se decifrar a mensagem de cada componente do símbolo, isolando
seus elementos e focando-se no significado de cada um deles, que seria a análise
semântica. Secundariamente, estuda-se o desenho ou configuração de um mbolo,
como por exemplo, de que forma as cores e emblemas ocupam posições
determinadas em uma bandeira ou brasão, o número de faixas e suas secções, ou
ainda, o estilo literário e a linguagem na letra de um hino, a relação entre melodia e
coro, etc. Quando se examina o significado carregado por estas estruturas (seu
desenho ou configuração e a relação entre estas partes) emprega-se uma análise
sintática dos mbolos. A estrutura sintática ordena ou organiza os vários elementos
71
[...] os símbolos guardam escondidamente o mundo que é nossa realidade. Decifrá-los nos dão
pistas para saber quem somos e para encaminhar um modo de saber o que nos identifica
(CHAVEIRO, 2005, p. 49-50).
80
de um mbolo; quando se muda a estrutura sintática, a mensagem do símbolo
tamm é mudada.
72
Assim é que o valor cognitivo do símbolo é reconhecido e
enunciado segundo diferentes níveis de percepção ou de conhecimento. Ele
“aumenta na medida em que é adequadamente usado e preservado. E, acima de
tudo, à medida em que a mensagem em que encerra corresponda fielmente a uma
realidade histórica [e geográfica], o que redunda na imperiosa necessidade de
atualização do símbolo” (LUZ, 1999, p. 27).
73
A bandeira como objeto-símbolo, se compõe de dois elementos básicos: a
forma e o conteúdo. Os elementos formais são o desenho, que inclui a forma,
as proporções e as cores que lhes o peculiares e que a distinguem das
demais bandeiras [...] Os elementos de conteúdo, ditos subjetivos, são o
significado que lhe é atribuído (e que se cristaliza com o uso e a tradição) e a
mensagem que ela contém e transmite (LUZ, 1999, p. 27).
As representações geográficas figuram como uma “narrativa” desse conjunto
de simbolismos, parte de um contexto ideológico socialmente construído, de
distinção histórica e cultural, que é personificada nos símbolos através dos
elementos gráficos, elementos esses que projetam de uma mensagem (imagem ou
canção) que tem por objetivo criar uma identidade coletiva, por vezes também
constituindo um imaginário de território. Quando analisamos esses símbolos, a sua
“forma”, podemos desconstruí-los para desvendar seu “conteúdo”, ou seja, os
elementos implícitos no processo de apropriação de determinado espaço geográfico
que podem ser lidos e interpretados.
Assim, conforme o demonstrado na figura 19, se por um lado a dimensão do
espaço físico no que permeia o universo do homem e sua vertente gêmea e
cronológica do tempo (pois este não é um fenômeno físico, mas tamm uma
demarcação humana) influenciam na apreensão de uma distinta realidade, como
uma criação artificial do mundo humano conforme expressou Cassirer (2001), a
noção de “tempo” remete também à alguns aspectos do fluxo contínuo dos
acontecimentos em meio aos quais os homens vivem, dos quais nós mesmos
72
Firth (1973, p. 46 apud CERULO, 1993) trabalha um ponto similar ao considerar a estrutura
sintática das bandeiras nacionais. Ele denota que “não é simplesmente o conteúdo das bandeiras que
é importante, mas a sua forma e a combinação de seus elementos”.
73
[...] a função faz a forma e torna representativa a atualização dos símbolos. Esta atualização é
condição sine qua non para manter o valor cognitivo dos símbolos, isto é, o seu significado (LUZ,
1999, p. 37). Para os habitantes de um determinado país maior será a força expressiva, político-
cultural, psíquico-filosófica do estandarte, quanto mais ampla e representativa for a pauta de
elementos culturais nativos contidos no pavilhão pátrio; quanto maior a identificação, mais empatia é
obtida e, com isso, maior harmonia das consciências sociais e cidadãs (SEYSSEL, 2006, p. 27).
81
fazemos parte e [...] utilizando uma certa seqüência de acontecimentos,
instauramos limites dentro de uma outra seqüência e, com isso, determinamos
começos e fins relativos” (ELIAS, 1998, p. 13) para os acontecimentos contínuos.
O processo de cognição, traduzido pela comunicação, essa resultante da
interação social no qual os objetos da realidade o transpassados além das
fronteiras da mente humana por uma linguagem simbólica, não apenas na dimensão
textual, mas também na vertente alegórica, constituem-se nos elementos da cultura
e sua íntima relação com a natureza. Por isso tornam-se um ponto (ou por extensão,
uma mancha) desta tríade dimensão: um contexto histórico-espacial mediado pela
cultura. Enquanto um discurso na sua vertente geográfica, eles variam por lugar,
variam por sociedade, mas principalmente variam por época em que foram gerados
(MORAES, 2005).
Como comunicação, esse contexto re(criado) de forma fiel, parcial ou
distorcida de uma realidade relembrado por Bakhtin (VOLOCHÍNOV, 2006), pela
comunhão imaginária, pelo discurso ou mito passa a ser apreendida e reproduzida
pelas três instâncias (no que chamo de “atores” da criação de um símbolo) em
ordem inversa de importância: em primeiro lugar está o sujeito, que é aquele que
cria, percebe, aceita ou rejeita determinado símbolo; em segundo aparece a
sociedade (massa), que também o cria, percebe, aceita ou rejeita, mas é ela através
da comunicação e da cultura que reproduz ou modifica esse símbolo, e, embora
determinado sujeito negue ou aceite determinada prática simbólica ou mesmo deixe
de existir biologicamente, os outros membros da sociedade podem dar continuidade
à ela.
Finalmente, em terceiro, está o Estado-nação, como a instância maior de
poder, pois é aquele que o aval se determinado símbolo pode servir como objeto
de sua representação. Ele tem o poder de ação para modificar, rejeitar, aprovar e
regulamentar o uso de determinado símbolo patriótico em seu sentido “oficial”.
Embora o Estado
74
esteja em interação e seja constituído por pessoas, somente
alguns de seus membros (uma elite política, classe social ou religiosa a
intelligentsia no sentido de uma burguesia ou classe média), é que detém o poder de
determinar e manipular o uso dos símbolos e, embora determinada parcela da
sociedade aceite ou negue um símbolo específico, o Estado-nação é que decidirá
74
Na definição de Max Weber, o Estado é uma comunidade humana que exige (com sucesso) o
monopólio do uso legítimo da força física dentro de um dado território.
82
por final se acata ou rejeita a necessidade de usá-lo. Cerulo (1989, p. 77-79) atenta
para o fato de que:
[...] desde o surgimento do Estado-nação, líderes políticos têm criado e usado
símbolos nacionais (bandeiras, hinos, lemas, moedas, constituições, feriados)
para direcionar a atenção pública, integrar [seus] cidadãos, e motivar a ação
pública. [...] mbolos nacionais são comissionados, selecionados e
projetados pelas elites políticas da nação, numa relação entre controle social
e estrutura simbólica [...], elas “transformam” esses símbolos com referência
às condições sociais que elas expressam e com os fins que elas desejam [...],
pois buscam o controle sócio-político.
Os mbolos possuem uma dimensão técnica, que se refere às normas, leis
da heráldica, da vexilologia, da poesia e da música. Tamm adquirem uma
dimensão social, que trata das representações sociais, históricas, culturais e
geográficas. Finalmente, possuem dimensão legislativa, que se refere à natureza
das leis, decretos e atos oficiais que os adotaram oficialmente.
Quando se investigam estas etapas de construção do símbolo patriótico pelo
caminho inverso, realiza-se uma leitura” desse contexto (DUNCAN, 2004) sob a
forma dos objetos gráficos e textuais (no caso dos hinos e poemas) que o
constituem, trilhando metodologicamente o que se pode chamar de uma
“desconstrução do símbolo” na perspectiva apresentada por Cerulo (1989; 1993) da
análise sintática e semântica. Nas palavras de Geertz (1989, p. 40-41):
Olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia,
ciência, lei, moralidade, senso comum não é afastar-se dos dilemas
existenciais da vida em favor de algum donio empírico de formas não-
emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da
antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais
profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que os outros
deram.
Assim, como uma “construção do pesquisador” que “dialoga” com o mbolo e
“escutaa sua mensagem à moda de uma etnografia do símbolo”, pode-se inferir
interpretativamente o contexto em que tais elementos foram criados e de que forma
e grau eles projetam, enquanto uma forma de discurso e representação, os atributos
territoriais de um determinado espaço geográfico no percurso do tempo.
83
Figura 19: Esquema simplificado da constituição de um símbolo patriótico oficial.
84
4 A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL
Para se realizar uma análise que envolva os aspectos geográficos presentes
nos símbolos estaduais brasileiros é preciso compreender além de sua dimensão
evolutiva e de sua relação com o espaço e tempo simbólicos como se caracterizou a
formação territorial da nação brasileira.
Desde os primeiros esboços da ocupação colonial portuguesa pela faixa
litorânea, o “jogo de forças” luso-espanhol foi moldando nos séculos seguintes
nossas fronteiras além da linha de Tordesilhas. As etapas de constituição da pátria,
desde as raízes coloniais, passando pela independência nacional, pela formação do
Império e posteriormente pelo advento da República em finais do século XIX,
envolveram a formação de nossas unidades federativas. Tal processo continuou sua
caminhada no início do século XX, onde se resolveram os últimos questionamentos
de fronteira no Brasil. Os ciclos econômicos, durante a colônia e após esse período,
a expansão das fronteiras agrícolas, o desenvolvimento das redes de comunicação
e os picos de industrialização, além do deslocamento da capital com a construção de
Brasília, aliados à necessidade de expansão e ocupação estratégica do território,
sobretudo durante os períodos de vigência do “Estado Novo” e do “Regime Militar”,
somaram-se às novas divisões políticas com a Constituição Federal de 1988, como
alguns dos fatores que contribuíram para a ampliação do quadro federativo nacional.
Para se compreender sua evolução, torna-se necessário sistematizar as
etapas de sua formação e focar nos elementos que envolvam a sua constituição.
Haesbaert (2001) na busca em definir o território para compreender o conceito de
desterritorialização, aponta para três vertentes básicas dessa noção: a primeira
delas no sentido jurídico-político, onde o território é visto como um espaço delimitado
e controlado, por meio do qual se exerce um determinado poder político pelo Estado.
A segunda noção advém do ponto cultural(ista), onde o território é visto como uma
dimensão simbólico-cultural, mais subjetiva, na qual este é visto, sobretudo, como o
produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo sobre seu espaço.
75
A
terceira abordagem, no viés econômico/economicista enfatiza a dimensão espacial
75
Atenta Haesbaert (2001, p. 119) para o fato de que “[...] uma noção de território que despreze sua
dimensão simlica, mesmo entre aquelas que enfatizam seu caráter político, es fadada a
compreender apenas uma parte dos complexos meandros do poder”.
85
das relações econômicas, classes sociais, relação capital-trabalho, etc.; há também
uma interpretação naturalista, mais antiga e pouco vinculada, que utiliza a noção de
território como base das relações sociedade-natureza.
A periodização das etapas de evolução do território brasileiro torna-se um
recurso metodológico que busca retomar os pontos importantes de sua formação em
correlação com o geográfico, para que ao destacá-los seja possível tornar mais
coerente os próximos pontos de análise. Essas etapas, no quesito da economia,
foram propostas por Caio Prado Júnior, na sua obra História Econômica do Brasil
(1945), em que ele propõe elaborar oito momentos: a) preliminares (1500-1530); b)
ocupação efetiva (1530-1640), definida pelo início das atividades agrícolas; c)
expansão da colonização (1640-1770), marcada pela mineração e ocupação do
Centro-Sul, a pecuária e o povoamento no Nordeste, a colonização do vale
amazônico e a coleta das drogas do sertão; d) o apogeu da colônia (1770-1808),
com o renascimento da agricultura e a incorporação do Rio Grande do Sul para a
atividade pecuária; e) a era do liberalismo (1808-1850), determinada pelo
desaparecimento do pacto colonial e o aparecimento do capitalismo industrial; f) o
império escravocrata e a aurora burguesa (1850-1889), caracterizado pela evolução
agrícola, um novo equilíbrio econômico, a decadência do trabalho servil e sua
abolição, além da imigração e da colonização; g) o aparecimento da república
burguesa (1889-1930), caracterizados por dois sub-períodos a industrialização e o
imperialismo e, finalmente: h) a crise no sistema a partir de 1930 até meados do
século XX.
Celso Furtado, por sua vez, ao trabalhar a Formação Econômica do Brasil
(1958), o distingue em cinco grandes etapas: a) fundamentos econômicos da
ocupação territorial, que vai até a implantação da empresa agrícola; b) a economia
escravagista da agricultura tropical nos séculos XVI e XVII; c) a economia
escravagista mineira no culo XVIII; d) a economia de transição para o trabalho
assalariado durante o século XIX, com o alvorecer da economia cafeeira, a
imigração européia, a transumância amazônica e a eliminação do trabalho escravo;
finalmente: e) a economia de transição para um sistema industrial até meados do
século XX, com a crise do café e o deslocamento do centro dinâmico.
Andrade (1995) ressalta que uma periodização em ciclos econômicos pau-
brasil, açúcar, ouro e diamantes, algodão, etc. –, proposta por muitos historiadores
não é realista, pois a exportação de um produto continuava no ciclo seguinte como
86
um produto menos expressivo, propondo interpretar a história brasileira usando
conceitos ligados à formação econômico-social.
Pode-se acrescentar no caráter da própria história militar e diplomática do
Brasil, as contribuições de Delgado de Carvalho, com sua História Diplomática do
Brasil (1959), compreendendo a formação das fronteiras brasileiras desde os
esboços da colonização até o s-guerra no século XX; também os trabalhos de
Hélio Viana, com sua História das Fronteiras do Brasil (1949) e História Diplomática
do Brasil (1950) o ao encontro e discussão para o entendimento da formação de
nossos atuais limites e suas disputas territoriais.
No quesito social da formação do povo brasileiro, Sérgio Buarque de Holanda,
com sua obra: Raízes do Brasil (1936) e Darcy Ribeiro, com O povo brasileiro
(1995), fornecem pontos de contribuição para a análise doravante. O primeiro autor
divide as etapas de formação a começar pelo enfrentamento dos mundos, entre o
colonizador e o colonizado, passando pelo trabalho e aventura, a herança rural e a
formação do homem cordial, até o período autoritário na terceira década do culo
XX; por sua vez, Ribeiro trabalha na questão do novo mundo as matrizes étnicas, o
enfrentamento dos mundos e o processo civilizatório, passando pela gestação étnica
e pelo processo sociocultural para entender o que chama de “os Brasis na história”.
Assim, tem-se de antemão, em conjunto com o aparato bibliográfico das
ciências humanas, uma proposta em que a formação territorial o deve ser vista
apenas como pontos particulares no decorrer da história ou apenas pelo viés
metodológico dos ciclos econômicos e de povoamento, mas procura-se interpretá-la
como um processo dinâmico da construção social ao longo da história, que vai se
apropriando e transformando a natureza em diferentes tempos e graus que atuam
na sua constituição, como um modo de ler e se aproximar “geograficamente” das
etapas da sua evolução.
A evolução do território brasileiro deve ser analisada a princípio no âmbito da
formação das futuras potências colonizadoras na América, em especial a partir da
consolidação das nações européias, como Inglaterra, França, Espanha e Portugal
desde o século XIII e a expansão geográfica da Europa cristã (FAUSTO, 2004), pois
estas vieram a criar um terreno rtil para a formação de um Estado protonacional
(HOBSBAWM, 1990) centralizado nesses países em torno da monarquia e dentro de
um “conteúdo sócio-nacional” específico.
87
Portugal, nação Ibérica, havia se constituído em um reino unificado sem as
convulsões e disputas regionais das grandes nações européias na época, que
associado a outros fatores, como a expansão comercial na Europa, a associação da
burguesia com a Coroa, a localização geográfica e o desenvolvimento das técnicas
de navegação, possibilitaram a expansão marítima em busca de especiarias, a
começar pela exploração costeira da África.
A conquista da África seria iniciada pelos portugueses, que a conheciam
melhor que qualquer outro povo europeu e que mantinham contatos diretos com os
mouros do Marrocos (ANDRADE, 1999a). As conquistas portuguesas se deram no
século XV, com a ocupação das ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde. O
estabelecimento de feitorias se deu ao longo da costa africana, avançando em 1488
até o Cabo da Boa Esperança; dez anos depois, Vasco da Gama conseguiu
contornar o continente africano e chegar à Índia, estabelecendo uma nova rota
comercial para os europeus.
Os espanhóis também se lançaram ao mar, e sob o comando do capitão
genovês Cristóvão Colombo, descobriram a América em 1492; esse fato coincidiu
com a posse do Papa espanhol Alexandre Borgia, que lançou a bula pontifical de 3
de maio de 1493, na qual as terras descobertas 100 léguas à oeste dos Açores
pertenceriam à Coroa espanhola. Portugal, discordando de tal bula papal conduziu
uma negociação diplomática com a Espanha em relação à posse do “Novo Mundo”,
resultando em 7 de junho de 1494 no “Tratado de Tordesilhas”, elevando este limite
para além de 370 léguas; nos dizeres de Carvalho (1959, p. 3) “assim tornou-se o
Brasil, ao surgir nas ciências geográficas, uma vitória diplomática de Portugal”.
Em 1500, com a chegada da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral
na costa brasileira, formalizava-se o descobrimento do Brasil” e a posse territorial
portuguesa de acordo com o que fora lavrado em Tordesilhas. No viés da história
diplomática, Hélio Viana (1949, p. 32) ressalta que o Brasil:
[...] Não foi obtido simplesmente em conseqüência da prioridade lusitana no
descobrimento marítimo oficialmente válido. Resultou de um esforço
trissecular, duro e contínuo, que devemos tanto à ação militar, administrativa
e diplomática de Portugal, como à penetração realizada por particulares,
entradistas e bandeirantes que desconheceram as barreiras além do Atlântico
opostas à sua expansão.
88
4.1 A ocupação do litoral
Após a posse formal das terras que formariam o Brasil, conforme as
delimitações da linha de Tordesilhas, a ocupação portuguesa na faixa litorânea se
deu vagarosamente, devido ao maior entusiasmo com a rota comercial com as
Índias (FAUSTO, 2004). Entretanto, o litoral não ficou abandonado pelos
portugueses após o descobrimento, que havia sido explorado posteriormente por
espanhóis, holandeses, ingleses e franceses.
76
Entre 1500 e 1535 a Coroa portuguesa estabeleceu o sistema de feitorias nos
mesmos moldes da costa africana, explorando as madeiras nobres da Mata
Atlântica, principalmente o pau-brasil, pela qualidade de sua madeira na construção
de móveis, navios e como corante. Sua obtenção era realizada mediante troca com
os índios tupinambás,
77
e à medida que as árvores na região litorânea tornavam-se
escassas, recorria-se aos índios para explorá-las em áreas cada vez mais distantes
da região costeira.
Como ressaltam Andrade e Andrade (2003) a colonização da costa brasileira
foi feita no período de desenvolvimento do capitalismo mercantil, onde se procurava
extrair os elementos mais valiosos do território. Coube a Portugal encontrar uma
forma de utilização econômica das terras americanas idêntica a que estava sendo
empreendida na África e nas Índias Orientais. Furtado (2005, p. 14) reforça essa
idéia, ao falar que “a América passa a constituir parte integrante da economia
reprodutiva européia, cuja técnica e capitais nela se aplicam para criar de forma
permanente um fluxo de bens destinados ao mercado europeu”.
Mesmo com o domínio português, navios (principalmente franceses)
aportavam nas costas brasileiras e mantinham contato com os indígenas locais,
inclusive se aproveitando das feitorias portuguesas para explorar o pau-brasil, o que
chamou a atenção da Coroa lusitana para a necessidade de ocupação da costa
76
Como aponta Carvalho (1959, p. 3), “o litoral foi reconhecido várias vezes e mesmo explorado
economicamente, como também foi diplomaticamente discutido, como provam as negociações da
Junta de Badajós, em 1524 [...]”.
77
Podemos distinguir dois grandes blocos que subdividem essa população [de indígenas]: os tupis-
guaranis e os tapuias. Os tupis-guaranis estendiam-se por quase toda a costa brasileira, desde pelo
menos o Ceará até a Lagoa dos Patos, no extremo Sul. Os tupis, também denominados tupinambás,
dominavam a faixa litorânea, do Norte até Cananéia, no sul do atual Estado de São Paulo; os
guaranis localizavam-se na Bacia do Paraná-Paraguai e no trecho do litoral entre Cananéia e o
extremo sul do que viria ser o Brasil [...] falamos em conjunto tupi-guarani dada a semelhança de
cultura e de língua [...] segundo as classificações em estudos recentes dos antropólogos (FAUSTO,
2004, p. 37-38).
89
brasileira. Os franceses fundaram a França Antártica, próximo à atual cidade do Rio
de Janeiro e a França Equinocial no sítio da atual cidade São Luís no Maranhão.
Foi essa a grande motivação pelo qual a Coroa portuguesa resolveu ocupar
efetivamente o Brasil com um contingente populacional substancial, dando o
primeiro passo com a missão de Martin Afonso de Souza para a fundação da vila de
São Vicente em 1532, no litoral paulista; dois anos depois, eram concedidas as
cessões de direitos régios a doze donatários, com a fundação das “Capitanias
Hereditárias” (mapa 1). Essas capitanias foram partilhadas no sentido leste-oeste,
começando no litoral e seguindo em direção à imaginária linha de Tordesilhas, mas
raramente seus donatários chegaram ocupar sua hinterlândia, concentrando-se na
faixa litorânea; a expansão para o interior do território só se daria por etapas.
Em 1549 fundava-se a cidade de Salvador, estabelecendo-se o “Governo
geral do Brasil” sob o comando de Tomé de Souza, tendo também por conseqüência
a divisão da colônia em dois grandes Estados em 1573: o do Brasil, compreendendo
as capitanias do Nordeste e da costa Leste brasileira e o do Maranhão, que tamm
agregava toda a grande área ocupada pelo Grão-Pará.
78
Na voz de Andrade
(1999b, p. 51) esta divisão resultou, sobretudo, das condições naturais, uma vez
que havia grande dificuldade de navegação entre a costa setentrional e a oriental e
meridional do Brasil, em razão da direção das correntes marítimas”.
Com a queda na extração do pau-brasil, começava outra fase de
“sobreposiçãona economia colonial, com a introdução da cana-de-açúcar (que já
havia sido cultivada com sucesso nas ilhas de Cabo Verde), cuja produção viria
abastecer a demanda gerada pelos mercados metropolitanos europeus. Logo,
começaram a aparecer as primeiras manchas de canaviais ao longo das encostas
atlânticas do Nordeste do Brasil, com o relativo sucesso da capitania de
Pernambuco, devido à sua proximidade com o mercado consumidor europeu, a
facilidade do escoamento do açúcar pelos portos locais e também por seu clima e
solos favoráveis ao cultivo, pois:
78
Todo o Norte do Brasil (compreendendo o Maranhão, Grão-Pará, Piauí e Ceará) foi agrupado sob o
“Estado do Maranhão”, em 1621, com sede em São Luís. A partir de 1652, as capitanias do
Maranhão e do Grão-Pará foram separadas, mas novamente unificadas dois anos depois, agora
tendo Belém como capital; o Ceará passou a fazer parte de capitania de Pernambuco em 1656. A
união perdurou até 1772, quando se deu a separação definitiva de ambas. O vizinho Piauí, que
esteve integrado ao território maranhense, se tornou uma capitania independente em 1811.
90
As condições naturais eram favoráveis, de vez que prevalecia o clima quente
úmido e semi-árido com chuvas abundantes cerca de 2.000 mm anuais
distribuídas no outono/inverno, e uma estação seca, primavera/verão,
apresentando uma distribuição hídrica favorável à cultura canavieira. Os solos
eram oriundos da decomposição de rochas cristalinas, laterizadas e
denominados, em geral, de “barro vermelho” nas encostas. Nas várzeas
predominavam solos aluviais transportados pelo escoamento superficial
concentrado, formando manchas denominadas localmente de massapé.
(ANDRADE; ANDRADE, 2003, p. 27-28).
A capitania de São Vicente conseguira menor sucesso com o cultivo da cana-
de-açúcar,
79
cuja expansão fora impedida pela barreira natural da Serra do Mar o
que motivaria a produção de alimentos a procura de ouro serra acima. Essa tarefa
seria facilitada pela presença e perseverança de João Ramalho, que subira a serra e
mantinha contato com os índios guaianases, fundando a vila de Santo André da
Borda do Campo (1553).
Em 1554, ele auxiliaria os padres jesuítas Manuel da Nóbrega e José de
Anchieta a fundarem São Paulo de Piratininga (elevada à vila em 1561), cuja
ocupação efetiva se daria na segunda metade do século XVI. A descoberta de ouro
no pico do Jaraguá, em 1595, por Afonso Sardinha, além da necessidade de mão-
de-obra escrava indígena, dariam impulso ao movimento de entradas e bandeiras,
que ganharia fama e expressão no século XVII.
Assim, o primeiro século de colonização portuguesa demonstra as tentativas
iniciais de ocupação territorial ao longo do litoral, tanto de forma efetiva como
econômica e cultural, que prepararam o terreno para as ações pioneiras em direção
ao interior do continente; um esboço das manchas de ocupação litorânea desse
primeiro século pode ser esmiuçado conforme ressaltam Andrade e Andrade (2003,
p. 24-25):
Assim, no último ano do século XVI, havia uma área mais expressiva, no
nordeste brasileiro, região dominada por Olinda, que se expandia desde Natal
até o São Francisco, outra, liderada por Salvador, que compreendia o
Recôncavo e se estendia para o norte até Sergipe, onde se localizava a
cidade de São Cristóvão, fundada em 1590, e uma terceira, no atual território
paulista em torno de São Vicente e Santos, que se estendia para o interior até
São Paulo de Piratininga. Uma quarta área era formada pelo Rio de Janeiro,
onde os franceses haviam tentado formar uma colônia e de onde foram
expulsos pelo governo Mem de Sá. Foi que Estácio de Sá, sobrinho do
governador, fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
79
Tamm havia empreendimentos para produzir a cana-de-açúcar em outras capitanias, pois
“plantou-se cana e construíram-se engenhos em todas as capitanias, de São Vicente à Pernambuco”
(FAUSTO, 2004, p. 77).
91
4.1.1 A expansão portuguesa e as invasões holandesas
Decorrido o primeiro culo de colonização portuguesa, foram estabelecidos
pontos estratégicos ao longo da costa brasileira, desde o Cabo de São Roque, no
Rio Grande do Norte, onde também ocorreram as incorporações definitivas da
Paraíba e do Sergipe d’El Rei (VIANA, 1949), até Cananéia, no sul de São Paulo.
Apesar da cultura canavieira se apresentar como a atividade dominante neste
período da economia colonial, tamm aparecia a criação de gado, inicialmente
próximo aos engenhos de açúcar, e que, na medida do tempo, foi sendo empurrada
para o interior do país na direção das zonas do sertão semi-árido e junto com ela,
conseqüentemente, surgiram imensos latifúndios. É assim que durante os séculos
XVI e XVII a economia escravista de agricultura tropical se configurará no território
como um verdadeiro espaço dominado pelas plantações de açúcar, que na voz de
Furtado (2003) criaria um verdadeiro “complexo econômico nordestino”, tendo sua
periferia próxima, formada pelas criações de gado e outra remota, pelas atividades
prospectoras na província de São Paulo. Até 1701, quando a Coroa portuguesa
proibiu a criação de gado numa faixa inferior a oitenta quilômetros do litoral, os
criadores penetraram no Piauí, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e a
partir da área do rio São Francisco, chegaram aos rios Tocantins e Araguaia”
(FAUSTO, 2004, p. 84).
Entre 1580 e 1640, ocorreu a chamada “União Ibérica”, na qual o trono
português passou a tamm ser ocupado por um monarca espanhol, o Rei Felipe II
da Espanha (Felipe I de Portugal). A passagem do trono português à Coroa
espanhola (Dinastia Filipina), que possuía conflito aberto com os Países Baixos,
criara certa tensão entre holandeses e portugueses nos interesses da produção
açucareira; soma-se a isso, a criação da Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais, cujos investimentos se voltaram para as terras do “Novo Mundo”.
A primeira tentativa holandesa de ocupação do território colonial foi a tomada
da cidade de Salvador (1624), mas os portugueses conseguiram expulsar os
batavos um ano depois. Tiveram maior sucesso no ano de 1630, quando ocuparam
a capitania de Pernambuco, tomando a cidade de Olinda. De acordo com Fausto
(2004) a ocupação holandesa no Brasil pode ser dividida em três fases: no período
de 1630-1637, pela guerra de resistência e o poder holandês do Cea ao São
Francisco, de 1637-1644 pelo governo de Maurício de Nassau e a relativa “paz” no
92
Brasil holandês e de 1645-1654 pela reconquista portuguesa, primeiro pelo interior e
depois pela cidade do Recife.
A presença holandesa no Brasil propiciou a expansão portuguesa em outras
áreas da colônia durante a tentativa de reconquistar o território perdido, como no
Maranhão, então parte do Grão-Pará (para garantir a hegemonia portuguesa na foz
do rio Amazonas) e em São Paulo onde “a grande marca deixada pelos paulistas
na vida colonial do século XVII foram as bandeiras” (FAUSTO, 2004, p. 94).
O bandeirantismo paulista ganhou força a partir do século XVII, impulsionado
pelas descobertas de ouro e pela necessidade de capturar indígenas, já que entre
1625 e 1650, a ocupação holandesa provocou a escassez do encarecido escravo
africano na capitania de São Vicente. Como atenta mais uma vez Fausto (2004, p.
97) “a busca de metais preciosos, o apresamento de índios em determinados
períodos e a expansão colonial eram compatíveis com os objetivos da Metrópole”.
As bandeiras seguiram os rios e caminhos conhecidos pelos indígenas,
tomando diversas direções e adentrando os atuais Estados de Minas Gerais, Goiás,
Mato Grosso e Paraná, também procurando as regiões das aldeias de índios
guaranis organizadas pelos jesuítas espanhóis, sobretudo na margem esquerda do
rio Uruguai; retornando depois de meses e aanos de viagem
80
e indo muito além
dos limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas (mapa 2).
No final do culo XVII, a descoberta de ouro no rio das Velhas (1695) e nos
quarenta anos seguintes em Minas Gerais, Bahia, Gos e Mato Grosso, daria a
impulsão necessária ao avanço português e isso refletiria no posterior deslocamento
do eixo e do próprio povoamento da colônia para o Centro-Sul do país. Em 1722, a
expedição de Bartolomeu Bueno da Silva (o Anhangüera) descobria ouro no sertão
goiano e no mesmo ano Miguel Sutil tamm o tinha achado nos aluviões próximos
à Cuiabá.
Outro ponto de avanço na conquista colonial fora a Região Sul do país, com a
colonização através das missões jesuíticas apesar do domínio espanhol e algum
povoamento castelhano “o que não impediu que em fins do século XVII, parte
dos campos gerais e meridionais do território já apresentassem uma razoável
ocupação a partir da criação e comércio de gado, empreendida pelos luso-
80
A bandeira comandada por Raposo Tavares, por exemplo, entre 1648 e 1652 percorreu
aproximadamente 12 mil quilômetros, adentrando os campos cerrados do Mato Grosso, no qual
desceu os rios Madeira e Mamoré, chegando ao Amazonas e depois à cidade de Belém.
93
brasileiros” (COSTA, 2001, p. 30). Na zona costeira, fundava-se Nossa Senhora do
Desterro (atual Florianópolis) em 1675. No ano de 1680 ocorria a fundação da
“Colônia de Sacramento” completando o grande “desejo geopolítico” da Coroa
portuguesa em expandir seu território da foz do rio da Prata até o Amazonas.
A presença portuguesa na foz do Amazonas ocorrera desde o século XVI,
mas teve efetiva ocupação no século XVII. Após a expulsão dos franceses do
Maranhão e Pará, os portugueses penetraram no Amapá e em 1637 o rei Felipe III
de Portugal criava a “Capitania do Cabo Norte”, com o objetivo de assegurar a
ocupação e hegemonia lusa nas margens do rio Amazonas. no outro extremo do
mapa, os portugueses e luso-brasileiros (sobretudo os bandeirantes paulistas) iam
se assenhoreando ao longo do litoral Sul, embora houvesse um imenso vazio
demográfico entre a costa de Laguna, em Santa Catarina, até os pampas do
Uruguai.
4.2 A conquista portuguesa da Amazônia
No contexto da colonização luso-espanhola, a região amazônica sempre foi
alvo de cobiça, interesse e curiosidade por parte dos estrangeiros (ANTONIO
FILHO, 1995), que desde o final do século XV e início do culo XVI, ela veio a
ser explorada por navegantes
81
em missões de reconhecimento.
Os espanhóis foram os primeiros a percorrer a malha fluvial da Amazônia,
com o objetivo de explorar os territórios a leste da cordilheira Andina, cuja
possibilidade de encontrar novas riquezas incentivava os conquistadores a
perscrutar as “terras ignotas”, assim denominadas pelos cartógrafos.
82
Apesar do reconhecimento por parte dos espanhóis, suas preocupações em
ocupar efetivamente a região amazônica não surtiram efeito, um desses motivos
devido às riquezas encontradas ao dominarem a civilização Inca, o que desviou o
foco da colonização espanhola para aquele espaço. Tal interesse em ocupar a
81
Possivelmente em 1499, Per Alonso Niño tenha passado pela região amazônica; no mesmo ano, a
expedição de Alonso de Ojeda, em companhia de Juan de La Cosa e do florentino Américo Vespúcio
alcançou o Pará e o Amazonas. No mesmo ano ainda, Diego de Lepe e Vicente Yáñez Pinzón
chegaram na desembocadura do Rio Amazonas (ANTONIO FILHO, 1995).
82
Essa foi a motivação de Gonzalo Pizarro e Francisco Orellana partirem de Quito em 1540 com uma
expedição para explorar a região amazônica. Em 1541 Pizarro desiste da expedição, mas Orellana
continuou até atingir foz do Amazonas em 1542. A segunda investida na região ocorreu com Pedro
de Ursúa e Lope de Aguirre, que partiu de Lima em 1559 e alcançou a foz do Amazonas em 1560.
94
região amazônica por holandeses, ingleses e franceses tamm era evidente,
conforme relata Antonio Filho (1995, p. 21-22):
Os holandeses, por sua vez, chegaram à Amazônia ainda entre 1599 e 1600,
onde estabeleceram pequenas feitorias apoiadas por posições fortificadas. As
feitorias de Orange e Nassau, por exemplo, foram estabelecidas no Xingu,
isto é, no interior da bacia amazônica. A partir de 1616, os batavos, desta vez
com apoio oficial, assentaram colonos (cerca de 40) na região do Tapajós,
entre os rios Gorupatuba e Jenipapo, no Baixo Amazonas. [...] Os ingleses,
igualmente ambiciosos, receberam apoio oficial para as suas investidas na
Amazônia, a partir de 1613 [...] continuaram na região do Baixo Amazonas,
ao que parece até os anos 30 do culo XVII, praticando a lavoura do tabaco,
do algodão, da cana e a busca de especiarias [...].
Apesar dos respectivos domínios ultramarinos estarem separados
teoricamente (e não na região amazônica), é certo que tanto espanhóis entravam
sem grandes problemas em territórios portugueses, quanto os lusitanos entravam
em terras espanholas e com isso, obtinham títulos de propriedade que seriam
respeitados pela diplomacia posterior. Nesse jogo de forças luso-espanhol:
[...] as circunstâncias históricas e geográficas favoreceram os portugueses, no
sentido de se expandirem e conquistarem o vasto território amazônico,
subindo o grande vale que corresponde ao eixo hidrográfico e penetrando
pelos afluentes ao norte, sul e oeste, marcando ali uma presença efetiva e
permanente (ANTONIO FILHO, 1995, p. 23).
Tal favorecimento dos portugueses na colonização começa com as iniciativas
de ocupação hegemônica das margens do rio Amazonas. Partindo do Maranhão,
Francisco Caldeira de Castelo Branco fundou nas margens do rio Pará o “Forte do
Presépio” (1616), posteriormente chamado de Santa Maria de Belém (depois
Belém), como o primeiro empreendimento na região, que em 1621, pela divisão
administrativa do espaço colonial, criavam-se as capitanias do Maranhão e Grão-
Pará.
Com a “União Ibérica” (1580-1640), tornou-se interessante aos lusitanos a
missão de vigiar o litoral ao longo da costa norte até as margens do rio Oiapoque,
onde franceses, holandeses (e posteriormente ingleses) haviam se estabelecido
desde a região das Guianas até as margens do rio Orenoco e representam uma
ameaça concreta. E, de fato:
95
[...] ao outorgar a capitania da Costa do Cabo Norte, a Beto Maciel Parente
(1567-1642), em 1637, a Coroa espanhola, que então exercia dominação
sobre Portugal e, por extensão, sobre a colônia sul-americana, tinha em
mente viabilizar a ocupação de uma área que, até essa data, poderia ser
considerada uma espécie de terra de ninguém, do ponto de vista colonial
(ALVES FILHO, 2000, p. 23).
A partir de então, “a ação dos portugueses e luso-brasileiros contra a
presença estrangeira na Amazônia foi permanente e durou até 1648, quando as
últimas fortificações holandesas foram destruídas na região de Macapá” (ANTONIO
FILHO, 1995, p. 24). As expedições empreendidas pelos portugueses
83
procuraram
assegurar seu domínio na bacia amazônica por meio da criação e doação de
capitanias em 1627 e a concessão de sesmarias sem muito sucesso. Mas os
esforços pela ocupação da Amazônia surtiram sucesso, ao passo que:
O ato pelo qual os espanhóis passaram aos portugueses a tarefa
expansivista, e lhes proporcionaram a possibilidade imediatista para a jornada
de empossamento mais ou menos suave do grande vale, tem a data de 4 de
novembro de 1621. Vinte e um anos depois, Portugal restaurava-se na sua
dignidade de nação independente. Foi então que os espanhóis tomaram
consciência exata do erro que haviam cometido. Embora, não se decidiram,
prontamente, a corrigir a situação que haviam criado, contrária a seus
próprios interesses de soberania territorial (REIS, 1982, p. 34).
No início do século XVIII, as forças coloniais portuguesas dominaram o
Solimões, o Alto Madeira e a bacia do Napo, territórios anteriormente controlados
pelas missões espanholas; abre-se espaço, assim, para o próprio trabalho
missionário do império português por todo o vale amazônico” (ALVES FILHO, 2000,
p. 31). Com o “Tratado de Madri” (1750), a Espanha reconheceria a imensa perda
territorial e a consolidação portuguesa sobre a Amazônia havia se concretizado, o
mesmo aconteceu sobre os atuais territórios do Centro-Oeste e Sul do Brasil.
4.3 Os tratados territoriais na formação do Brasil colonial
A constituição do corpo da pátria” (MAGNOLI, 1997) começou a tomar forma
com os tratados territoriais entre as Coroas de Portugal e Espanha, cuja volatilidade
83
Somente após a célebre expedição de Pedro Teixeira (composta por cerca de dois mil homens, os
quais percorreram a região amazônica de 1637 a 1639) é que Portugal passaria a se ocupar,
efetivamente, com a área (ALVES FILHO, 2000). Teixeira havia chegado inclusive a Quito e
surpreendido as autoridades espanholas com tal feito.
96
da linha de Tordesilhas não mais condizia o real espaço ocupando pelos
colonizadores das duas metrópoles no século XVIII.
O Tratado de “Utrecht” (1713) delimitou a soberania portuguesa sobre as
terras brasileiras compreendidas entre as duas margens do rio Amazonas,
estendendo-se ao rio Oiapoque e na qual a França renunciaria às terras do Cabo
Norte. Em 1715 termina o conflito luso-espanhol pela posse da Colônia de
Sacramento, que se torna efetivamente área portuguesa. A fundação da Colônia de
Sacramento (1680) causara grande irritação por parte dos espanhóis e alcançara os
dois objetivos principais da colonização lusa da área: estabelecer o uti possidetis
(posse por direito ou uso), respeitando efetivamente os territórios ocupados e
delimitar a posse dos Estados tomando como base os cursos d’água e os relevos
conhecidos.
O fim da divisa meridional da linha de Tordesilhas consagra a partir de então
o uti possidetis, na qual as linhas de fronteira passariam a ser demarcadas pela
ocupação humana, baseando-se nos acidentes geográficos relevantes, como rios,
lagoas ou divisores de águas. Vingava assim o princípio de ocupação efetiva nas
margens do Prata e do Amazonas. O interesse nacional dos povos tendia, aos
poucos, a substituir o interesse dinástico entre países da Europa e, na América,
emanava o conceito do uti possidetis (CARVALHO, 1959, p. 10).
Para resolver tal impasse nas tensões geopolíticas da área, assina-se em o
“Tratado de Madri” (1750), na qual Portugal (por uma rie de negociações) devolve
a Colônia de Sacramento aos espanhóis, recebendo em troca o reconhecimento dos
territórios do Sul, pela linha de (Monte) Castilhos Grande da margem esquerda do rio
Uruguai a área de nascentes do norte do rio Ibicuí, o território das Sete Missões, as
margens orientais dos rios Paraná e Paraguai seguindo margem direita do rio
Guaporé e Madeira, que entra ao sul do rio Amazonas (ou Marañón), onde
“desaparecia definitivamente o fantasma do Meridiano e consolidavam-se
juridicamente as conquistas dos bandeirantes no interior do nosso continente”
(CARVALHO, 1959, p. 12). Complementam Andrade e Andrade (2003, p. 27) que
“só no século XVIII é que se consolidaria a administração portuguesa na Amazônia,
graças à ação enérgica do marquês de Pombal e à vitória diplomática alcançada por
Portugal, com o Tratado de Madri (1750)”.
O referido tratado ainda consagrou as divisas não reconhecidas de fato, como
os limites naturais do rio Guaporé (o que acarretaria problemas de interpretação da
97
fronteira com a Bolívia no século XIX), onde a ocupação portuguesa em sua margem
direita fora impulsionada pela descoberta de ouro na foz do rio Galera (1713) e nas
margens dos rios Coxipó com o Cuiabá, onde em 1719 fundava-se o arraial de
mesmo nome (elevada à vila oito anos depois).
Com relação à ocupação portuguesa na área, Magnoli (1997) argumenta que
a capitania do Mato Grosso, enquanto entidade geopolítica, emanou da luta pelo
estabelecimento da fronteira do Guaporé, onde sua trajetória de construção como
segmento fronteiriço foi marcada pelos esforços de intercomunicação do Planalto
Central com o Pará. Por volta de 1740 já se achava estabelecida essa ligação com a
bacia do Amazonas, onde Cuiabá exerceria ponto estratégico, com o propósito de
estruturar o poder Real de modo a fiscalizar os impostos e manobras espanholas na
América (ALVES FILHO, 2000).
Os espanhóis ainda tentaram cassar e anular a soberania da Coroa
portuguesa sobre os territórios conquistados em 1750 com o Tratado de El Pardo”
(1761), mostrando assim a hesitação dos dois governos, já que este acordo
ordenava a restauração dos territórios afetados ao status quo, até que outro tratado
fosse estabelecido.
Por conta destas “indefinições”, desde 1762 foram travadas diversas disputas
no campo diplomático, acarretando inclusive batalhas, na Colônia do Sacramento,
Rio Grande, ilha de Santa Catarina (entre 1767-1777 sob domínio espanhol) e Mato
Grosso até ser assinado o “Tratado de Santo Ildefonso” em 1777, que manteve a
linha limítrofe do Tratado de Madri e garantiu a Portugal a posse da área da ilha de
Santa Catarina, o Rio Grande do Sul até a zona fronteiriça da Lagoa Mirim e à
Espanha a Colônia de Sacramento e dos “Sete Povos das Missões”, passando
dessa forma a ocupar das duas margens do rio da Prata.
Dessa vez o protesto partiu por parte da Coroa portuguesa, que se sentiu
prejudicada com a aquisição espanhola da zona das missões, cujas penetrações
interiores trariam dificuldades à manutenção das fortificações lusas no sul, onde o
fornecimento de carne e animais de tração às prospecções auríferas de Minas
Gerais ganhava destaque. Com isso, é assinado em 1801 o “Tratado de Badajóz”
reconhecendo definitivamente a posse castelhana na Colônia de Sacramento; a
retomada dos Sete Povos das Missões e as fortificações no Arroio Chuí, firmaram o
poder lusitano na atual fronteira do Rio Grande do Sul (mapa 3).
98
No que se refere ao quesito econômico, na alvorada do século XIX, a colônia
brasileira apresentava dificuldades oriundas da estagnação do sistema de
mineração (1709-1789), que criou uma economia “atrasada”, anulando qualquer
atividade manufatureira, tanto da colônia quanto da metrópole, pelo fato de o se
criar nas regiões mineiras novas formas permanentes de atividade econômica, a não
ser pelas culturas de subsistência. Esse marasmo, tanto do ponto de vista
econômico quanto de integração espacial, na nova etapa da economia colonial foi
assim traduzido por Furtado (2005, p. 96):
Observada em conjunto, a economia brasileira se apresentava como uma
constelação de sistemas em que alguns se articulavam entre si e outros
permaneciam praticamente isolados. As articulações se operavam em torno
de dois pólos principais: as economias do açúcar e do ouro. Articulada ao
núcleo açucareiro, se bem que de forma cada vez mais frouxa, estava a
pecuária nordestina.
A elasticidade do sistema pecuário integrava o centro açucareiro nordestino
com as periferias distantes de São Paulo e do Rio Grande do Sul; no norte estavam
os outros dois sistemas autônomos, o Maranhão e o Pará, este último vivendo quase
que exclusivamente do extrativismo. Estava delineada assim, a geografia econômica
do Brasil no início do século XIX.
4.4 O quadro territorial no contexto da independência
No limiar do culo XIX, as transformações políticas pelo qual passava a
Europa levaram à invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte (1807), fazendo com
que a família real portuguesa tomasse rumo ao Brasil. A corte de D. João VI aportou
em Salvador no ano de 1808 onde decretou a abertura dos portos às nações
amigas – seguindo para a cidade do Rio de Janeiro.
A vinda da família real mudaria o contexto até então presente no território
colonial, à medida que a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, sua
fixação no Rio de Janeiro e as medidas modernizadoras daí decorrentes,
acompanhadas por uma maior centralização do poder político, culminaram com e a
elevação da colônia à categoria de “Reino Unido” a Portugal e Algarves em 1815.
Durante esse período, a cobiça lusitana pelo acesso ao rio da Prata não
cessaria, pois os portugueses haviam ocupado a área da Cisplatina (ou Banda
99
Oriental) anexando-a em 1821. Tal ação duraria até o período de 1825-1827,
quando foi proclamada a independência da Banda Oriental, futuro Uruguai (mapa 4).
Na costa norte as incursões francesas no Amapá geraram certo clima de
“instabilidade” na região; tropas foram enviadas para o Pará em 1809 e tomaram o
Fort Diamant, sitiaram a cidade de Caiena, dando icio à ocupação portuguesa na
Guiana por oito anos até a restituição francesa nas margens do Oiapoque.
Em abril de 1822, D. João VI volta a Portugal após as pressões da
Assembléia Constitucional, mas seu filho D. Pedro recusa-se a regressar com ele,
proclamando a independência nacional em 7 de setembro do mesmo ano e
declarando-se imperador da nova nação com a colaboração dos brasileiros” na
vanguarda do movimento de independência nacional. O Brasil independente não
modificou as estruturas sociais e econômicas, mantendo os traços vigentes no
período colonial e fazendo-se a partir de arranjos diplomáticos entre a Corte
portuguesa e o príncipe regente.
Apesar da constituição do Estado nacional após a independência, Costa
(2001) aponta que este fora precedido de transformações profundas, pelo declínio
do sistema colonial, no plano externo pelo avanço da “Revolução Industrial” inglesa
e o liberalismo político e econômico; no plano interno pela consolidação de uma elite
econômica e política de grandes proprietários, que aspirava o fim do domínio
português e o monopólio sobre as riquezas, o comércio e a disseminação dos ideais
liberais entre as camadas médias urbanas,
84
cuja maior representação havia se
dado até então pelo movimento da “Inconfidência Mineira” (1789). Continua Costa
(2001, p. 32) a acrescentar o fato de que “a mineração representou, pela primeira
vez, uma efetiva interiorização do povoamento de base predominantemente urbana
e complementarmente agrária”.
O descontentamento das populações regionais passou a se dirigir para os
novos donos do poder e a emancipação política do Brasil pagaria um preço alto
durante o Império pelo fato de que “ao tornar-se independente, o país teria que
‘costurar’ a sua própria unidade, resolver suas contradições internas, que eram
sociais, econômicas, políticas, mas tamm geopolíticas” (COSTA, 2001, p. 33).
84
Soma-se a isso, que tais movimentos se deram em conseqüência do deslocamento do pólo
dinâmico da economia do Nordeste para o Centro-Sul (pela decadência relativa da cana-de-açúcar e
o advento da mineração em Minas Gerais) e pelo deslocamento da sede do poder central de
Salvador para o Rio de Janeiro em 1763.
100
4.5 O Império e a consolidação do Estado nacional
Com a independência do Brasil sob a égide de um governo imperial, a
constituição de 25 de março de 1824 estabelecia a nação livre como um todo, sem
federações ou oposições à independência:
Consolida-se com a Carta de 1824 como um estado unitário, apesar da
extensão territorial do Brasil, em que as províncias seriam governadas por
presidentes designados pelo poder central, presidentes muitas vezes
oriundos de outras províncias, sem um mandato e sem ligações políticas ou
sociais locais. Eram meros delegados do governo imperial. (ANDRADE;
ANDRADE, 2003, p. 44).
Quando da abdicação de D. Pedro I, instaura-se o período de “Regência”, que
entre 1831-1841 permitiu certa autonomia das províncias que constituíam o Império
(ANDRADE, 1999b; COSTA, 2001); entretanto, as velhas estruturas da constituição
de 1824 permaneciam, pois os presidentes das províncias continuavam a ser
nomeados sem um mandato específico, o que gerou conflitos, revoltas e o
avivamento dos sentimentos regionalistas entre as elites locais e o poder imperial.
Essas duas décadas, terminadas com a ascensão de D. Pedro II ao trono
imperial (1841), foram marcadas pela consolidação da independência e pela
montagem do aparelho do Estado. Como relembra Costa (2001), com a
independência houve uma descolonização formal, que a estrutura econômica e
social permanecia a mesma, principalmente pela manutenção do sistema escravista,
do latifúndio e da grande concentração das riquezas.
4.5.1 As revoltas provinciais durante o Período Regencial
A partir de 1831 inicia-se um período de maior convulsão social e política do
Brasil, pois o isolamento e a desigualdade regional resultaram no aparecimento das
revoltas provinciais por quase todo o território nacional, com maior destaque para os
casos da Cabanagem no Pará (1835-1840), Praieira em Pernambuco (1848),
Sabinada na Bahia (1837-1838), Balaiada no Maranhão (1838-1841) e Farroupilha
no Rio Grande do Sul (1835-1845).
85
85
Costa (2001), citando a historiadora Maria de Lourdes Mônaco Janotti (1987) registra exatamente
vinte revoltas entre os movimentos provinciais durante esse período conturbado. Além destes,
101
Para se compreender os problemas graves ocorridos no período regencial,
torna-se necessário conhecer os movimentos revolucionários (ou reacionários) que
despontaram no Brasil no século XIX e o esforço do governo central para manter a
unidade nacional. Andrade (1999b) classifica esses movimentos em dois grandes
grupos: o primeiro de movimentos nitidamente populares sem orientação política,
como a Balaiada e a Cabanagem; o segundo é exatamente dos partidos e grupos
oligárquicos descontentes com o governo imperial, como a Sabinada e a Revolução
Farroupilha. Antes destes, agitaram o solo brasileiro ainda no período colonial a
Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798).
86
As províncias do Pará, Maranhão e Rio Negro constituíam uma capitania à
parte na formação colonial da administração lusitana, pois desde a sua criação eram
controladas diretamente pela metrópole. O controle dos órgãos principais e do
comércio ficara na mão dos portugueses e havia um descontentamento geral dos
brasileiros pobres (em geral, índios, negros e mestiços). Nas palavras de Andrade
(1999b, p. 72) “a Amazônia era uma área típica do domínio de uma economia
colonial extrativista, cuja população do interior, ligada à produção e ao trabalho, não
sentiu, com a Independência, qualquer modificação no sistema de relações
existentes”. Durante a cabanagem, os revoltosos tomaram a capital Belém em 7 de
janeiro de 1835, dominando a cidade por oito meses, sob a liderança do popular
cabano Clemente Malcher à frente. Após diversos embates, em abril de 1838, as
tropas legalistas atacaram os revoltosos, pondo fim ao conflito com a nomeação de
um novo governador da província.
Da mesma forma que o Pará, o Maranhão era administrado diretamente por
governantes de origem portuguesa e as causas da revolta não diferiram muito da
ocorrida na província paraense. A luta armada iniciou-se em 13 de dezembro de
1838, com um grupo chefiado por Raimundo Gomes Vieira (produtor de balaios no
Vale do Itapecuru), além de fazendeiros descontentes e grupos quilombolas. Apesar
da reação do presidente da província, as tropas legalistas tiveram insucesso no
interior e a revolta alcançou tal dimensão que toda a parte ocidental do Maranhão se
merecem destaque o movimento republicano ocorrido no Recife em 1817, ainda no Brasil colonial e a
“Confederação do Equador” (1824) que atingiu o Nordeste do Brasil.
86
Conforme o visto no capítulo referente aos símbolos no Brasil, outro fato importante a ser relatado é
que nas revoltas ocorridas durante o período regencial, principalmente aquelas com maior
consciência política, houve a manifestação e criação de símbolos próprios, que mais tarde seriam
revividos com a criação dos brasões e bandeiras de alguns Estados, com destaque para o Rio
Grande do Sul e Pernambuco.
102
encontrava sob domínio dos balaios em 1839. O governo central nomeou então para
presidente da província Luís Alves de Lima (futuro Duque de Caxias), com plenos
poderes para reprimir o movimento. Com uma tropa de oito mil homens a repressão
começou ao passo que em 1840 o movimento foi aos poucos liquidado.
87
Como a mais “politizada” de todas as revoltas do período (COSTA, 2001), o
movimento ocorrido em Pernambuco entre 1842-1843 desenvolveu-se enquanto luta
política explícita entre classes sociais distintas. A província tinha a força dos
senhores de engenho (em função de séculos de produção açucareira) e uma pujante
e portuguesa burguesia comercial nas cidades, cujo extremo oposto era ocupado
por uma massa de escravos e trabalhadores livres. Da luta política se fez a ameaça
armada ao passo que os praieiros
88
tinham dominado amplamente a província,
ameaçando expropriar as elites e os engenhos de açúcar. Em 1848 o governo
central nomeia um novo presidente da província com a incumncia de normalizar a
situação, tal ação generalizou-se na luta armada propriamente dita, com o levante
dos “praieiros” em marcha à capital. Os revoltosos são derrotados pelas forças de
reação em 3 de fevereiro de 1849 e as guerrilhas do interior sucumbiram pouco
depois.
A situação social e política da Bahia não diferia muito da do restante do país,
ao passo que no período de julho de 1823 (data da Independência da Bahia) à 1838
(fim da Sabinada) ocorreram pelo menos dez insurreições (COSTA, 2001). Após a
chamada revolta dos escravos Malês (1837), eclode em 7 de novembro desse
mesmo ano o movimento separatista da “Sabinada”, liderado por Francisco Sabino e
João Carneiro, além de estratos médios e intelectuais de Salvador. A reação começa
na região do Recôncavo, onde grandes senhores de engenho, sob defesa da guarda
nacional e sob os auspícios do governo imperial bloquearem as rotas de
abastecimento da capital baiana. A cidade é tomada de assalto em 14 de março de
1838 e os líderes do movimento fogem, tendo os “legalistas” reassumido o poder na
província em abril do mesmo ano.
Diferentemente das capitanias ao norte, o Sul o foi um empreendimento
colonial típico da administração portuguesa, “tendo sido o seu povoamento
87
A grande diferença da “balaiada” não estava no ideal libertário-separatista, mas nas ações dos
revoltosos espalhados pelo interior, pois não estavam centrados apenas na capital.
88
Por sua organização política, o movimento surge em um partido (o “Praieiro”, já que seu jornal, o
Diário Novo, funcionava na rua da Praia), cuja oposição política faziam ao partido da “Ordem” e seu
respectivo jornal (o Diário de Pernambuco).
103
‘espontâneo’ (por parte dos criadores de gado paulistas, vicentinos e lagunenses) o
elemento fundamental da garantia do domínio de Portugal sob a região desde o
início” (COSTA, 2001, p. 39). Am da chamada ocupação “espontânea”, a imigração
estimulada a partir doculo XVIII, especialmente o de açorianos, resultou na
ocupação do litoral catarinense. No interior, entre os campos naturais instalou-se o
latifúndio pecuarista, com suas “estâncias” e a fabricação do “charque”, voltada para
o mercado interno. Costa (2001, p. 39-40) assinala que:
O quadro social sulista também diferia do restante do país. Ali, a presença do
escravo era mínima, predominando o trabalho familiar livre, e os remunerados
na pecuária. Um outro aspecto a destacar-se é a forte presença militar na
região, desde o início do período colonial, dada a sua posição estratégica (a
disputa pela Bacia do Prata). Os militares, no caso, não se limitavam ao seu
papel de defesa, mas imiscuíam-se de modo generalizado na vida
econômica, social e política da Província. Muitas das estâncias pertenciam a
militares, que em suas incursões ao interior, desalojaram muitos antigos
ocupantes daquelas terras. Finalmente, completa-se o quadro com a
presença de grande número de bandos de preadores de gado (os gaúchos),
além de contrabandistas e saqueadores, dirigidos por chefes, muitos deles
transformados em “caudilhos” locais.
O descontentamento das lideranças provinciais no período colonial e após a
independência com a administração central era grande, e “essa insatisfação com o
que consideravam uma espoliação do poder central sobre a província, expressava-
se, politicamente, em anseios de autonomia, a partir dos princípios liberais e
republicanos e, antes de tudo, federativos” (COSTA, 2001, p. 40).
Foi assim que ao passo de 1835 os revoltosos expulsaram o presidente da
província e, sob a liderança de Bento Gonçalves, tomaram a cidade de Porto Alegre
e proclamaram a “República Rio-Grandense”.
89
Após a antecipação da maioridade
de D. Pedro II, o governo central tenta um acordo efetivo com os revoltosos, mas os
embates continuam. Em 1842 o governo envia para a província Duque de Caxias,
que ao cortar as comunicações do Rio Grande do Sul, sobretudo com o Uruguai, vai
sucumbindo o movimento, ao passo que em 1845, este acaba por se render às
forças imperiais, com a anistia dos revoltosos.
89
Se esta constituiu de fato uma “república independente” durante todo o período é uma questão de
controvérsia, pois ela mantinha relações com outras províncias e mesmo os países da bacia do Prata
(ANDRADE, 1999b; COSTA, 2001). Chegou a ocupar o litoral catarinense em Laguna, inclusive
fundando a efêmera “República Juliana”, mas após sucessivas conquistas e derrotas, o poder central
retomou o território em 1839. Muitos dos gaúchos envolvidos na luta tinham estâncias e mantinham
relações com Uruguai e a Argentina, embora fossem poucas as chances de uma união dos revoltosos
com os caudilhos destas outras regiões.
104
Assim, após o ano de 1845, cessaram os movimentos armados em favor do
separatismo e do sentimento regional, mas durante todo o período imperial, os
partidários buscaram ampliar a autonomia das províncias, continuando a se bater
pelo federalismo e, a partir de 1870, pelo ideal da República (ANDRADE, 1999b).
4.5.2 Da Guerra do Paraguai ao alvorecer do republicanismo
No cenário geopolítico da América do Sul, a Guerra do Paraguai” (1864-
1870) deflagrou o envolvimento do Brasil no conflito internacional, após a invasão do
desguarnecido Mato Grosso pelas tropas de Solano López em 1864 e a ameaça de
ocupação das províncias do Sul, já que no ano seguinte López invadiria a província
de Corrientes, declarando guerra à Argentina, no qual ansiava por uma saída
marítima para seu território. Em maio do mesmo ano formou-se a “Tríplice Aliança”
(Argentina, Brasil e Uruguai) para rechaçar a obstinação paraguaia, fato que ocorreu
ao longo dos anos até a tomada de Assunção em 1869 e a derrota do exército
paraguaio em março de 1870, onde, nesse contexto “o Paraguai saiu arrasado do
conflito, perdendo partes de seu território para o Brasil e a Argentina e seu próprio
futuro” (FAUSTO, 2004, p. 216).
Com relação às fronteiras, o período imperial foi marcado pela manutenção e
demarcação dos limites coloniais, pois o Brasil independente herdou o conflito e a
jurisdição que o século XVIII não havia resolvido” (CARVALHO, 1959, p. 200).
Durante o Império, permaneceu o direito territorial brasileiro baseado nos tratados
coloniais de limite, isto é, nas fronteiras naturais com a tese do uti possidetis. Em
1867, o Brasil assinava com a Bolívia, o “Tratado de Ayacucho”, fixando a fronteira
entre os dois países na confluência dos rios Beni-Mamoré uma linha de
demarcação pouco definida que geraria, por conseqüência, os futuros conflitos pelo
território do atual Acre.
90
No que se refere aos assuntos políticos, a crise no segundo reinado agravou-
se após a guerra e o sistema monárquico começava a sofrer as pressões dos ideais
republicanos, das tensões geradas com o exército e a Igreja, além do problema da
escravidão, formalmente abolida em 1888, que criaram certo “desgaste” no governo
90
Ainda, conforme Magnoli (1997), a horogênese das fronteiras brasileiras durante o império seria
constituída pela demarcação das fronteiras com o Peru e Venezuela.
105
imperial. Esses fatos culminaram com e a proclamação da República em 15 de
novembro de 1889, nascida sob a égide dos militares.
4.6 A República e o sistema federativo
Passada a Proclamação da República (1889), a nova constituição, adotada
em 1891, estabelecia que cada província se tornaria, automaticamente, um Estado
federado (mapa 5), “sem levar em conta o vel de desenvolvimento econômico e
cultural de cada uma delas” (ANDRADE; ANDRADE, 2003, p. 48).
A autonomia foi ampliada de tal forma que os Estados podiam eleger seus
representantes em forma de presidentes provinciais ou governadores; passaram a
ter legislação própria no que se refere às leis adjetivas, onde a justiça passou a ser
estadual, mantida a unidade dos direitos substantivos. Os Estados, a partir de então,
sob o aval desse modelo constitucional poderiam ter símbolos próprios (bandeira,
hino, brasão de armas) sem omitir os símbolos nacionais.
Essa mentalidade federativa teve forte influência da constituição norte-
americana, conforme ressaltam Andrade e Andrade (2003, p. 49):
A influência americana e da constituição dos Estados Unidos foi tão grande
que no artigo da Constituição de 1891 ficou estabelecido que o país se
denominaria Estados Unidos do Brasil [...] a constituição fora elaborada em
termos e idéias modernas, mas não se adaptava bem à realidade brasileira.
Isso se devia ao fato da diferença econômica e social no qual viviam as
províncias (Estados) no Brasil, na grande centralidade que envolvia o período do
Império e de certo despreparo das elites locais para exercer o poder autônomo ante
o novo regime. Outro fato relevante para essa diferença inter-regional é que o Brasil
era um país predominantemente agrário e constituído da ascensão de uma elite de
proprietários rurais. Enquanto as províncias do Sudeste viviam o período áureo do
café que começou a ser plantado em larga escala em meados do século XIX a
região Norte do Brasil começava a viver a opulência da extração do tex para a
fabricação da borracha.
91
Santos e Silveira (2005, p. 33-34) resumem esse período
de sucessão do meio natural para o meio técnico no espaço geográfico brasileiro:
91
Explica Furtado (2005) que a imigração estrangeira, que se direcionou para a região cafeeira do
Sul-Sudeste do Brasil, deixou disponível o excedente da população nordestina para a expansão da
produção da borracha. Ainda, segundo Antonio Filho (1995, p. 44) “a expansão do processo
106
Todavia, em enormes pedaços do território, como a Amazônia, impunha-se o
meio natural, com significativos estorvos à exploração e posse. A produção e
o comércio da borracha, baseados na possibilidade de investimento público,
permitiram o crescimento de Belém e Manaus. Ao café devem São Paulo e
Santos sua fortuna. O cacau criou uma verdadeira rede de cidades, assim
como o porto de Ilhéus [...] Formavam-se verdadeiros circuitos interiores,
cada qual dominando uma dada extensão do território com os meios limitados
que dispunham. A inexistência de transportes rápidos era responsável por um
isolamento quebrado apenas pelos transportes marítimos. Como essas
aglomerações viviam sobretudo do comércio, a hierarquia entre elas
dependia das relações com o estrangeiro. Mas ainda não havia uma
integração [a nível nacional].
Além das diferenças regionais na formação interna da federação brasileira no
que tange às diferenças sociais e econômicas, a situação das fronteiras nacionais
era outro problema a ser resolvido, particularmente na Região Norte, onde a
“questão fronteiriça” gerou certa tensão entre o Estado brasileiro e seus vizinhos no
início do século XX.
4.6.1 As últimas questões fronteiriças
Com o alvorecer do século XX, os últimos problemas de fronteira no Brasil
herdados desde a colonização – começam a se resolver, com a disputa do Amapá, a
conquista do Acre e a seção de territórios na fronteira com a Guiana Inglesa, em
Roraima, à época parte norte do Estado do Amazonas.
O Amapá fora alvo da cobiça francesa desde o final culo XVI e o Brasil
independente herdara o conflito pela posse e jurisdição da área com um problema
residual vigente: qual era o verdadeiro rio Oiapoque segundo o Tratado de Utrecht?
Essa missão cartográfica caberia justamente ao incessante trabalho diplomático que
seria realizado por José Maria da Silva Paranhos Júnior o Barão do Rio Branco
(1845-1912). Outra situação havia acirrado a disputa entre franceses e brasileiros:
Em verdade, o que o Amapá era mesmo era uma praça de guerra. [...] E
como autêntica praça de guerra (uma escie de guardião das fronteiras)
permaneceria até a descoberta da mina de ouro de Calçoene, no último
quartel do século XIX. Ora, representando em 1876 0,4% da produção
mundial de ouro, Calçoene não fica muito distante da fronteira da Guiana
Francesa... Esse fato tem uma dupla conseqüência. De uma parte, possibilita
o início do povoamento oficial do Amapá; de outra, reacende a fogueira das
vaidades francesas [...] (ALVES FILHO, 2000, p. 25).
monoextrator do látex da seringueira, depois de atingir o auge nas Ilhas e no Baixo-Amazonas,
deslocou-se para a Amazônia Ocidental, alcançando o Acre, transformando-se no novo ‘Eldorado’ da
borracha após 1900”.
107
Em 1895, navios procedentes de Caiena atacam o povoado de Macapá e,
para evitar uma crise diplomática maior, Brasil e França decidem resolver
definitivamente a questão através de arbitramento em 1897, sendo nomeado o
Barão do Rio Branco para defender os interesses brasileiros. Em 1900, o presidente
da Suíça, país encarregado de julgar a questão, ganho de causa ao Brasil e o
Amapá permanece brasileiro, sendo integrado ao Pará com o nome de Araguari.
Resolvida a questão amapaense, os problemas vigentes a demarcação da
fronteira ocidental também afloravam com a questão do Acre, cujos problemas
vinham desde o Tratado de Madri,
92
sucedido pelo Tratado de Ayacucho (1867)
em pleno Imrio. Esse problema de demarcação e interpretação das fronteiras
ocidentais brasileiras acarretaria conseqüências futuras, pois ainda permaneciam os
resquícios de 1750, do qual prevalecera a tese do uti possidetis. Somava-se a isso,
o problema geo-social da ocupação do território (boliviano) do Acre por imigrantes
brasileiros no final do século XIX, em busca de trabalho e terras nos seringais da
região; conseqüência dos períodos de grande seca no Nordeste entre 1877-1879 e
1888-1889.
93
Em 14 de julho de 1899, o espanhol Luiz Galvez proclama o Estado
Independente do Acre, apoiado por seringueiros e proprietários de terras; de certa
forma, um protesto contra a criação por parte da Bolívia em 1898 de uma sede de
arrecadação de impostos de Puerto Alonso. O governo boliviano reage de forma
equívoca com relação ao controle e administração do território, com a cessão da
área do atual Acre a um grupo norte-americano – o Bolivian Syndicate of New York
encarregado de sua colonização, recolhimento de impostos e exploração da
borracha, em troca de auxílio militar e econômico ao país.
A reação do Estado brasileiro começa por contestar abertamente a presença
estrangeira na região, inclusive propondo uma ruptura nas relações comerciais com
92
Segundo esse tratado, os limites ocidentais do Brasil eram, conforme transcreve Carvalho (1959, p.
218-219): [...] da Lagoa de Xaraies alcançava a bôca do Rio Jauru, para daí prosseguir até o Rio
Guaporé, no ponto que recebe o Rio Saroré; seguindo o Guapoaté o Mamoré, e daí descendo os
dois rios unidos até a passagem situada em igual distância do dito Rio Amazonas, ou Marañón, e da
boca do dito Mamoré; desde aquela passagem continuará por uma linha Leste-Oeste até encontrar a
margem oriental do Javari, que será seguido até o Rio Amazonas [...] O problema era aplicar a
sanção jurídica à realidade geográfica, isto é, ao território compreendido entre os rios Madeira e
Javari.
93
Para Cassiano Ricardo [s.d.] apud Carvalho (1959) a ocupação do Acre compreende três fasesa
primeira é a dos conquistadores portugueses e paulistas que para convergiram durante a marcha
para o oeste; a segunda é a dos exploradores da região, dos regatões e das expedições de
reconhecimento do Alto Purus e Alto Juruá; a terceira é a dos povoadores cearenses, em grandes e
numerosas levas que se apossam do território.
108
a Bolívia. Em 1902, o gaúcho José Plácido de Castro (1873-1908) arregimenta
alguns seringueiros e lidera um plano de resistência. No ano seguinte, com apoio
logístico do Estado brasileiro, tomam Puerto Alonso e declaram novamente o Estado
Independente do Acre, obrigando as forças bolivianas a se renderem.
Antes que a crise se agravasse, o governo brasileiro negocia uma
indenização com o Bolivian Syndicate no valor de 110 mil libras esterlinas para a
anulação do contrato com a Bolívia: proposta aceita. A segunda parte do plano
diplomático brasileiro foi a de estabelecer relações com o governo boliviano através
do “Tratado de Petrópolis”, firmado em novembro de 1903. Por esse tratado, o Brasil
adquire a região do Acre pela quantia de 2 milhões de libras, comprometendo-se
ainda a construir a estada de ferro Madeira-Mamoré (para escoar os produtos
bolivianos pelo Atlântico), além de ceder terras do Mato Grosso e Amazonas à
Bolívia, na linha de fronteira, fixando os limites das lagoas de Mato Grosso até os
rios Mamoré e Guaporé.
A disputa territorial com a Guiana Inglesa, conhecida como “Questão do
Pirara”, representa a derrota da diplomacia brasileira. Tanto o Brasil como a Grã-
Bretanha pleiteavam as faixas territoriais à leste do atual Estado de Roraima e a
questão foi arbitrada pelo rei italiano Vítor Emanuel II. O regente italiano acaba
dando ganho de causa aos ingleses, que anexaram prontamente faixas de terra (no
leste do atual Estado de Roraima) à Guiana em 1904 e a demarcação definitiva da
linha de fronteira, apesar do trabalho do Barão do Rio Branco.
4.6.2 Da “República Velha” ao “Estado Novo”
Ultrapassada a fase governamental dos presidentes militares (1889-1894), os
fazendeiros ascenderam ao controle do executivo nacional e o edifício republicano
tendia ao domínio dos grandes proprietários rurais, particularmente no Nordeste;
essa elite agrária sagrou-se pelo “coronelismo”, embora, conforme adverte Boris
Fausto (2004), a República não era meramente um “clube exclusivo” dos grandes
fazendeiros. As limitações constitucionais faziam do poder central um poder
enfraquecido, que os Estados dominavam o poder legislativo da União (exceto o
poder judiciário) por meio do Senado e da Câmara dos Deputados.
109
Nas palavras de Andrade e Andrade (2003, p. 53), “enfraquecido pela
federação só restava ao poder central um caminho nacional para recobrar seu antigo
prestígio: aumentar os meios de circulação no país. Ou isso ou a fragmentação
federativa do poder, como recurso único para manter a integridade nacional”.
94
Nesse sentido, a República procurou promover no território, aliada ao capital dos
grandes proprietários e a concessão aos grandes grupos estrangeiros o aumento da
articulação ferroviária, incentivando as linhas de navegação e melhoramento dos
portos, no desenvolvimento de centros de povoamento e por meio da colonização
intensiva e sistemática a fim de procurar integrar as desigualdades do sistema
federativo.
Entretanto, a hegemonia política e econômica de alguns Estados favorecia o
tráfego das influências, destacando-se no cenário político nacional os Estados de
São Paulo e Minas Gerais, que instauraram durante toda “República Velha” (1889-
1930) a chamada política do café com leite”, e apesar das instabilidades políticas,
conseguiram levar seus candidatos alternadamente à presidência da República
nesse período. O descompromisso de São Paulo nessa política rotativa, como
conseqüência, resultaria no golpe que levaria à ascensão de Vargas ao poder e, em
contrapartida, São Paulo buscaria reverter o quadro com a Revolução
Constitucionalista de 1932 (FAUSTO, 2004).
No contexto geral do início do século XX, as novas perspectivas mundiais,
com a crise econômica gerada pela queda da bolsa de Nova York, em 1929, com a
Revolução Russa de 1917 e o avanço do comunismo, o fim da Primeira Grande
Guerra (1914-1918) e a ascensão de Mussolini e dos fascistas na Itália (1922),
acenavam para a necessidade de novas reformulações políticas e novos processos
de conquista e de manutenção do poder, o que também veio a refletir no quadro
político nacional.
No plano econômico, a crise mundial de 1929 teve efeitos desastrosos na
economia do país, sobretudo em São Paulo, onde a cafeicultura havia sido afetada;
no outro extremo, a produção do látex para a fabricação da borracha nos Estados da
94
O sentimento separatista durante a Primeira República foi atenuado pela liberdade que gozavam
os Estados, mas evidenciou-se um grande desnível econômico entre eles e, devido ao sistema
tributário, os estados produtores de café se tornaram mais fortes; daí o crescimento vertiginoso de
São Paulo, que consolidou sua posição de Estado mais rico da federação, unindo a sua importância
econômica a uma influência política (ANDRADE, 1999b, p. 111).
110
Amazônia tamm começava a passar por um período de estagnação.
95
Destacavam-se, ainda no começo do século, o aumento do crescimento industrial e
urbano, sobretudo na cidade de São Paulo e no Distrito Federal (Rio de Janeiro).
96
4.7 As novas Constituições de 1934 e 1937 e a ascensão do “Estado Novo”
Se a década de 1920 fora marcada pela agitação política, social e econômica
no Brasil, a década seguinte marcaria a ascensão do gaúcho Getúlio Vargas ao
poder e a modernização do aparelho Estatal.
97
Apesar da curta duração da Revolução Constitucionalista de 1932 em São
Paulo, ela conseguiu pressionar o governo Vargas a eleger uma nova Assembléia
Constituinte em 1933, pois, no plano político aguçava-se a luta entre os defensores
de uma estrutura federativa para o país e os defensores de uma tendência
centralista (ANDRADE; ANDRADE, 2003).
Como resultado, foi promulgada a nova Constituição em 16 de julho de 1934,
com forte influência da constituição alemã da República Weimar. Caracterizou-se por
ser liberal e modernizante, instituindo o voto universal e secreto, a separação entre
os poderes e a introdução da legislação trabalhista. Também manteve a federação,
os direitos estaduais e a eleição indireta do presidente da República, favorecendo
Getúlio Vargas; seu período de vigência foi curto, pois todos, inclusive o presidente,
conspiravam contra ela (ANDRADE; ANDRADE, 2003).
Desse modo, Vargas um golpe de Estado em 10 de novembro de 1937,
decretando o fechamento do Congresso e promulgando a sua” Constituição (com o
95
Devido, entre outros fatores, à concorrência das plantações comerciais inglesas, muito mais
baratas e rentáveis no Sudeste Asiático. Deve-se salientar que o Brasil havia passado por uma
fase turbulenta, com as crises econômicas do começo do culo e o aumento da dívida externa. No
plano populacional a imigração teve papel destacado, tendo o país recebido cerca de 3,8 milhões de
imigrantes entre 1887-1930 e as atividades agrícolas empregavam a maioria da população na década
de 1920, respondendo por 69,7% da mão-de-obra ocupada, embora em São Paulo o aumento da
produção cafeeira também representou uma maior diversificação agrícola por causa da ascensão da
imigração (FAUSTO, 2004).
96
Como conseqüência, o país assistiria entre 1917-1920 uma forte onda de greves operárias,
sobretudo na capital paulista, enquanto a capital fluminense seria o palco principal das revoltas
militares de 1922 e 1927, com destaque para o “tenentismo” e a chamada “Coluna Prestes”. No
campo artístico-cultural o “choque” ficaria por conta da Semana de Arte Moderna de 1922.
97
Boris Fausto (2004, p. 327) enumera as seguintes caracterizações dessa “centralização do poder”:
- a atuação econômica, voltada gradativamente para os objetivos de promover a industrialização;
- a atuação social, tendente a dar algum tipo de proteção aos trabalhadores urbanos,
incorporando-os, a seguir, a uma aliança de classes promovida pelo poder estatal; 3º - o papel central
atribuído às forças armadas – em especial o exército – como suporte da criação de uma indústria de
base e sobretudo como fator de garantia da ordem interna.
111
intuito de permanecer no poder), abolindo o sistema partidário e dando início ao
chamado “Estado Novo” – um regime marcadamente autoritário e centralizador,
onde a política e a vida nacionais passam a gravitar em torno do governo central, na
forma do Executivo, personificado na figura do ditador (COSTA, 2001) o que se
prolongaria até 1945.
A nova Constituição extinguiu a federação (apesar de mantê-la formalmente
em seu artigo 3º) e os Estados perderam toda a autonomia, passando a ser
administrados por interventores nomeados pelo poder central e foram proibidos de
terem os símbolos herdados da tradição republicana.
Instaurava-se assim um regime político de modo a garantir a proeminência do
Estado forte, acima das regiões, das classes, dos partidos e a continuidade
acelerada da modernização capitalista, tomando para si a tarefa de desenvolver o
país, na qual formulava suas políticas públicas, e:
Eliminado o poder Legislativo e submetido o Judiciário, o Executivo passou a
‘armar’ a estrutura concentracionista. O presidente nomeava os interventores
em cada estado, segundo, evidentemente, critérios de lealdade pessoal e
política e também de conveniências em termos de arranjos da política
regional e local que beneficiasse o governo central (COSTA, 2001, p. 46).
Outra preocupação durante o Estado Novo foi em relação à geopolítica da
ocupação do território, com frentes de colonização em Mato Grosso e Goiás,
destacando-se a “Marcha para o Oeste”, que foi criada pelo governo de Vargas
como medida para a ocupação do Centro-Oeste, para preencher os vazios
demográficos da região; também procurou uma redivisão territorial das áreas
estratégicas de fronteira no Brasil que eram verdadeiros “vazios populacionais”.
Destacou-se também, na procura de entender o território brasileiro,
98
a criação do
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 1934.
Em 1943 foram criados cinco territórios federais: Amapá, Rio Branco
(Roraima), Guapo (Rondônia), Ponta Porã e Iguaçu
99
desmembrados
respectivamente dos Estados do Pará, Amazonas, Mato Grosso, Paraná e Santa
Catarina (mapa 6). Como complementam Andrade e Andrade (2003, p. 60):
98
A primeira divio do Brasil em grandes regiões se faria em 1941, com o trabalho de Fábio Macedo
Soares Guimarães, quando o país foi dividido em cinco unidades, formadas pela Amazônia ou Norte,
Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste (ANDRADE, 1999b).
99
Os territórios federais de Ponta Porã e Iguaçu voltaram à condição original após 1946. Havia
também o Território Federal de Fernando de Noronha, incorporado à Pernambuco em 1988.
112
A criação de novos territórios em áreas até então subpovoadas e distantes
dos pontos centrais do país tinha como finalidade dar maior segurança às
fronteiras, promover o povoamento e também fazer um ensaio sobre a
possibilidade de se estabelecer uma redivio territorial do Brasil.
100
Essa medida não visava apenas o fortalecimento da centralidade do Estado
brasileiro, tamm tinha em mente proteger as fronteiras da ameaça de um possível
conflito na América do Sul em virtude da Segunda Guerra Mundial. No período
Estado-novista (1937-1945) o governo procurou renovar e reestruturar o país,
eliminando a autonomia e o sentimento dos Estados, tentando levar a administração
a uma centralização quase tão acentuada quanto a do período imperial.
Com o término do conflito em 1945, as pressões em prol da redemocratização
ficaram mais fortes. Apesar de algumas medidas tomadas, como a definição de uma
data para as eleições, a anistia, a liberdade de organização partidária, e o
compromisso de fazer eleger uma nova Assembléia Constituinte, Vargas é deposto
em 29 de outubro de 1945.
4.7.1 As políticas territoriais na década de 1950
Com a promulgação da Constituição de 1946 pela Assembléia Legislativa, os
direitos dos Estados foram restabelecidos, porém, mantiveram-se as normas
promulgadas no período ditatorial de Vargas, apesar da dependência dos Estados
com o poder central e a acentuação dos desníveis econômicos entre as unidades
federativas. Vale notar que foi por essa constituição, ainda, que o país passa-se a
chamar oficialmente “República Federativa do Brasil”.
Ela ainda previa que medidas mais efetivas fossem aplicadas na questão
regional a fim de diminuir a desigualdade (econômica) e promover a integração com
o Centro-Sul do país, principalmente nas regiões Nordeste (e mais especificamente
no Vale do São Francisco) e na Amazônia. Conforme relembram Santos e Silveira
(2005, p. 27-28), “no pós-guerra sobrevém a integração nacional, graças à
construção das estradas de rodagem, à continuação do estabelecimento das
100
Tema esse que foi objeto de estudos por geopolíticos, como Evandro Backhauser (1952) e
Teixeira de Freitas (1941). Este último chegou a publicar um longo artigo na Revista Brasileira de
Geografia, dividindo o país em 30 estados, com forma quadrangular e que apresentavam, em geral,
uma superfície superior a 150.000 km² e inferior a 250.000 km². A proposta era tão alienada e
distante da realidade que, apresar de publicada em uma revista de grande prestígio, não conseguiu
despertar maior atenção e não suscitou discussões nem nos meios intelectuais nem nos políticos.
(ANDRADE; ANDRADE, 2003).
113
ferrovias e uma nova industrialização. -se uma integração do território e do
mercado, com uma significativa hegemonia paulista”.
Por esse motivo, em agosto de 1953 é definido o Decreto-Lei que cria a
chamada “Amazônia Legal”, abrangendo não só a Região Norte, mas parcelas
territoriais dos Estados da Região Nordeste, como o Maranhão e Centro-Oeste,
como o Mato Grosso e o norte de Goiás. Em 1953 seria a vez da criação da
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.
A primeira metade da década de 1950 ainda marca o retorno de Getúlio
Vargas ao poder (agora eleito à presidência), onde dois processos fundamentais,
cujas bases foram lançadas na década de 1930, tiveram continuidade em ritmo
acelerado: a industrialização, impulsionada principalmente nos setores básicos de
produção pelo Estado, e paralela a esta, a modernização do “aparelho econômico”
do Estado (COSTA, 2001).
Conseqüentemente, com a eleição do mineiro Juscelino Kubitschek de
Oliveira à presidência da República, dá-se início ao renomado Plano de Metas”
(1957-1960), que previa o avanço econômico do país baseado na lida
industrialização e a construção da nova capital federal: Brasília.
Seu governo foi “voltado preferencialmente para os setores de ponta da
estrutura industrial, nem por isso deixou de afetar todo o conjunto produtivo do país,
desde os setores básicos, passando por transportes e energia, até a estrutura
territorial como um todo” (COSTA, 2001, p. 52). Destaca-se ainda no plano dos
transportes, o privilégio para o sistema rodoviário, que deu nova configuração às
relações inter-regionais do país, principalmente no interior do Centro-Sul e, além
disso, através de “eixos rodoviários de penetração” que procuravam integrar o país
de norte a sul. Outro importante aspecto do plano de metas refere-se à construção
de Brasília, principalmente no que se trata à sua característica político-territorial e à
centralidade que o Estado procurava no território nacional. Tal “sonho” se realizou no
dia 21 de abril de 1960, quando foi inaugurada oficialmente a nova capital federal.
Resumia essa situação o fato de que:
Brasília representou a implantação de um poderoso “posto de vanguarda”
para o norte e oeste do país, regiões que o Estado vinha tentando “capturar”
décadas. Como verdadeiro pólo ou de articulação inter-regional,
descolou a imensa “hinterlândia” [...] parte das atenções governamentais, dos
segmentos privados da economia e da opinião pública nacional (COSTA,
2001, p. 54).
114
A mudança da capital do Rio de Janeiro para o planalto central cumpriu o seu
principal objetivo. Qual seja, o de possibilitar uma maior integração entre as
regiões Norte e Sul do país, criando assim, pela primeira vez de forma
ordenada no país, uma alternativa de ocupação das largas faixas do interior.
Como reivindicava o presidente Kubitschek, a construção de Brasília
desencadeou, para valer, “um novo ciclo bandeirante”, abrindo caminho,
inclusive, para o efetivo desbravamento da última fronteira do país, a
Amazônia (ALVES FILHO, 2000, p. 53).
[...] foi um passo importante, pois a rede de estradas, indispensável à
afirmação do Estado sobre o conjunto do território, também era imprescindível
para a expansão do consumo do que era produzido internamente. Aliás, a
própria construção de Brasília teria sido impossível se a indústria já não se
houvesse desenvolvido em São Paulo (SANTOS; SILVEIRA, 2005, p. 45-46).
Assim, assentava-se o plano para a expansão capitalista do país em sua
etapa industrial e as políticas públicas territoriais implantadas na década de 1950,
tornaram-se fundamentalmente parte subsidiária da política econômica a vel
nacional. Entretanto, no plano político, o Brasil viveu uma época conturbada, com
diversas tentativas de golpe militar e as incertezas sobre a permanência do período
democrático que o país havia restaurado uma década e meia atrás.
Em janeiro de 1961, Jânio Quadros torna-se o primeiro presidente a tomar
posse na nova capital, mas seu período de governo foi marcado pelo insucesso de
suas atitudes políticas e pelo fracasso nas medidas econômicas implantadas, vindo
a durar apenas sete meses no cargo, quando renunciou em agosto do mesmo ano.
Com a sua renúncia, João Goulart assumiu a presidência, inicialmente em regime
parlamentarista. Em 1963, por meio de plebiscito, decidiu-se ao retorno do
presidencialismo, mas este regime o evitou que se desencadeasse no país uma
séria perturbação na ordem política, culminando com o “Golpe Militar” de 1964.
4.8 O Governo Militar
Com a deposição do presidente João Goulart, começa uma nova fase política
no Brasil, caracterizada pela gestão autoritária do poder pela sucessão de
presidentes-generais por indicação das Forças Armadas. Também houve
modificações na Constituição de 1946, como a instituição dos Atos Institucionais”
(1964-1969) mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos
militares, justificados como decorrência “do exercício do Poder Constituinte, inerente
à todas as revoluções” (FAUSTO, 2004, p. 465).
115
Para tanto, foi promulgada a Constituição de 1967, onde se buscou
institucionalizar e legalizar a “ditadura militar”, aumentando a influência do Poder
Executivo sobre o Legislativo e Judiciário, criando também desta forma, uma
hierarquia constitucional centralizadora, especialmente no que se refere à segurança
nacional. Se o país vivia um período político “tenebroso”, o governo alcançava êxitos
na área econômica, estabelecendo o controle dos preços para refrear a inflação que
a partir de 1968 começou a declinar.
101
O período do chamado milagre” estendeu-se de 1969 a 1973, combinando
crescimento econômico e baixas taxas de inflação, beneficiada de uma ampla
situação da economia mundial, caracterizada pela vasta disponibilidade de recursos,
pela possibilidade de empréstimo dos órgãos externos como o FMI (Fundo
Monetário Internacional), a ampliação do crédito ao consumidor, a revisão das
normas de produção e a grande expansão do comércio exterior, tanto de
importações como de exportações.
Deve-se ressaltar que os pontos negativos do “milagre econômico”
assentaram-se nas desigualdades de natureza social, onde a privilegiou-se a
acumulação de capitais, favorecendo a concentração de renda acentuada; soma-se
a isso os imensos projetos governamentais que não consideravam a natureza nem
as populações locais na expansão do capital ao longo das políticas territoriais. As
diferenças regionais passaram a ser diferenças sociais e não apenas naturais, pois:
[...] apesar da industrialização, o país conserva uma série de condições de
subdesenvolvimento, muitas vezes agravadas pelo crescimento econômico, a
saber, disparidades regionais pronunciadas, enormes desigualdades de
renda e uma crescente tendência ao empobrecimento das classes
subprivilegiadas, a despeito do aumento do Produto Nacional Bruto e do
Produto Nacional per capta (SANTOS; SILVEIRA, 2005, p. 51).
Durante a década de 1960 havia uma preocupação governamental em corrigir
as disparidades regionais” existentes no desenvolvimento econômico do país, que
após 1964 sofreram mudanças no curso das políticas territoriais, com o avanço
centralizado do Estado ao coordenar as políticas econômicas e a ação estatal.
101
Também nesse mesmo ano houve forte recuperação industrial, liderada pela indústria
automobilística, de produtos químicos e material elétrico e a expansão da construção civil. Em 1968 e
1969 o país cresceu num ritmo impressionante, registrando respectivamente a variação de 11,2% e
10% no PIB, o que corresponde a 8,1% e 6,8% no cálculo per capta, começando assim o período do
chamado “milagre ecomico” (FAUSTO, 2004).
116
A necessidade de ocupação geopolítica (e econômica) da Amazônia, a
questão da “integração nacional” pelo Estado em sua política econômico-regional e
a concentração de medidas governamentais em “pólos” selecionados
caracterizariam as políticas territoriais durante esse período. Os militares também
intensificaram a política de expansão do território no espaço brasileiro, no oeste da
Amazônia, dando novas dimensões à mida “Marcha para o Oeste” da época de
Vargas. Esse contexto explicitamente geopolítico das políticas territoriais para a
Amazônia, foi formulado pelos “ideólogos” do regime militar, com destaque para o
General Golbery do Couto e Silva.
102
Essa estratégia de expansão foi feita com a abertura de rodovias ligando as
áreas distantes a São Paulo, principal centro econômico do país, utilizando Brasília e
Cuia como pólos avançados. Com a construção da Transamazônica, ligando a
Amazônia Ocidental ao Recife e João Pessoa e a Perimetral Norte que deveria
acompanhar o traçado da fronteira do Brasil com as Guianas, a Venezuela, a
Colômbia, ligando Macapá ao Solimões (ANDRADE; ANDRADE, 2003).
Ainda, na questão da “integração nacional”, procurava-se expandir a fronteira
econômica do país, a partir do Centro-Sul na direção do Centro-Oeste, da Amazônia
e do Nordeste. Essa “fronteira econômica” era aplicada a várias instâncias, tanto
agrícola, industrial, agroindustrial, urbana, de povoamento, infra-estrutura, assim
como pela integração promovida conjuntamente pelas rodovias, que penetravam o
interior do país.
Intensificou-se a exploração e a penetração ao longo do território,
principalmente na região da Amazônia, onde o incentivo (principalmente por parte do
INCRA) à apropriação de faixas de terra na floresta ao longo das rodovias, o
desmatamento e a expansão da fronteira agrícola culminaram em forte impacto
ambiental e conflitos de posse com as nações indígenas. A ocupação agrícola das
faixas de colonização promoveu a derrubada da floresta e a expansão sobre as
102
Seus trabalhos publicados em 1952 e 1959 resultaram na obra: Aspectos Geopolíticos do Brasil. A
estratégia de Golbery, apresentada após a sua análise do espaço e da posição brasileiros, é
formulada nos seguintes termos: - articular firmemente a base ecumênica de nossa projeção
continental, ligando o Nordeste e o Sul ao núcleo central do país; ao mesmo passo que garantir a
inviolabilidade da vasta extensão despovoada do interior pelo tamponamento eficaz das possíveis
vias de penetração. - impulsionar o avanço para o noroeste da onda colonizadora, a partir da
plataforma central a atual região nuclear do país –, de modo a integrar a península centro-oeste no
todo ecumênico brasileiro. - inundar de civilização a Hiléia Amazônica, a coberto dos nódulos
fronteiriços, partindo de uma base avançada constituída do Centro-Oeste, em ação coordenada com
a progressão leste-oeste, seguindo o eixo do grande rio [...] Conjuntura Política Nacional. O Poder
Executivo & Geopolítica do Brasil. In: COSTA (2003, p. 65-66).
117
áreas de cerrado, principalmente com a pecuária e a mineração; na década de 1970
a expansão da fronteira agrícola tamm seria promovida pela soja.
103
Durante essa década, a ampliação na estrutura das redes de circulação, da
expansão da fronteira agrícola e do aumento na migração para as regiões Centro-
Oeste e Norte trouxe novas perspectivas para a redivisão do território nacional; veio
novamente à tona a questão do sul de Mato Grosso, em franca prosperidade
econômica, e dos esforços junto às autoridades federais daqueles que defendiam a
conveniência da criação do Estado de Mato Grosso do Sul.
Nessa perspectiva, o deputado Siqueira Campos,
104
motivado pela trajetória
sul-mato-grossense, elaborou uma nova proposta que previa a criação de doze
Estados (seriam em doze territórios, por tendência de governo) na Amazônia Legal,
sendo três no norte de Mato Grosso, um no norte de Goiás, um na pré-Amazônia
maranhense, três no Pará e quatro no Amazonas (mapa 9). Tal proposta não veio a
sair do papel, integralmente, conforme explica Cavalcante (1999, p. 131):
Não dúvida que esta última cuja ênfase foi a criação de territórios e não
de estados –, muito bem expressou a conjuntura da época, visto os territórios
não usufruírem de autonomia e se subordinarem diretamente ao governo
federal, com funções análogas (próximas, apenas) às das sedes de quartéis
militares a serviço da segurança e da soberania nacional. A mesma só teria
razão de ser se apresentada numa conjuntura política de excessivo
centralismo administrativo, na qual a cúpula militar em exercício no
Executivo – personificasse o Estado, como aconteceu nos anos 70.
Dentre as medidas que saíram do papel, a criação do Estado do Mato Grosso
do Sul (desmembrado de Mato Grosso) se deu pela lei complementar n.º 31, de 11
de outubro de 1977, elevando-se à condição de Estado em de janeiro de 1979.
De acordo com Alves Filho (2000, p. 99-100):
O governo federal optou pelo desmembramento do antigo Mato Grosso com
base na sua extensão territorial (considerando-a demasiadamente grande
para comportar uma administração realmente eficiente) e na própria
diferenciação ecológica existente entre as áreas norte do tipo amazônico
103
Para Cavalcante (1999, p. 126): A política federal dava ênfase à exportação, concedida aos
empresários que se interessassem em investir na região incentivos fiscais por meio de programas
especiais, como o Polamazônia e o Polocentro. Essa medida estimulou a ocupação econômica por
intermédio da “pecuarização da agricultura”. As culturas de subsistência dos produtores
camponeses – foram substituídas por grandes fazendas de gado.
104
Outros projetos também foram apresentados, como o do economista e empresário Samuel
Benchimol (1977) para uma redivio territorial da Amazônia Legal, no qual haveria o
redimensionamento dos estados e a criação de uma série de territórios federais, principalmente nas
áreas dos estados do Amazonas, Pará e Goiás (ANDRADE, 1999b).
118
e sul uma região sem vida mais apropriada à agricultura e às pastagens,
que tem os cerrados como vegetação dominante. Paralelamente, a
intervenção federal se destinava a acabar com as lutas políticas internas e
viabilizar assim a construção de um modelo de desenvolvimento
relativamente independente, do controle dos grupos tradicionais do estado.
A criação de Mato Grosso do Sul deu um novo alento a outras regiões que
pleiteavam a separação e/ou criação de novos Estados, sejam pelo simples motivo
do desenvolvimento econômico ou meramente pelo interesse político. Apenas em
1981, no final do ciclo dos governantes militares, o Território Federal de Rondônia
– criado a partir do partilhamento do noroeste de Mato Grosso e sudoeste do
Amazonas em 1943 – foi elevado à condição de Estado.
Sob o ângulo de vista político, o desgaste do governo sob comando dos
militares começou a se dar nos últimos anos da década de 1970, não pelas
correntes crises do petróleo, mas tamm do próprio sistema político que acabara se
enfraquecendo ante as pressões para a redemocratização do país. Esse processo
de abertura se deu no governo do presidente João Figueiredo, destacando-se a
anistia aos presos políticos e intelectuais, a lei que regulamentava o
pluripartidarismo (1979) e as eleições estaduais e municipais em 1982.
A transição para o regime democrático se deu em meados da década de
1980, tendo o governo de José Sarney (1985-1989) marcado a transição para a
volta do regime democrático no país, sob o ângulo político da revogação das leis do
período militar. Após as eleições de 1986, a nova Assembléia Constituinte foi
encarregada de elaborar uma nova carta constitucional do país, da qual não apenas
a retomada e ampliação dos direitos civis estavam em voga, mas tamm o discurso
em prol da autonomia de novas parcelas do território, cujas raízes estavam atadas
ao discurso econômico-regional.
4.9 A Constituição de 1988 e a luta pela autonomia no Brasil
Com o caminhar da “Nova República” e terminadas as eleições de novembro
de 1986, os deputados eleitos para a Assembléia Nacional Constituinte começaram
a se reunir em fevereiro de 1987 para elaborar a nova Constituição, pois “havia um
anseio de que ela não fixasse os direitos dos cidadãos e as instituições básicas
do país como resolvesse muitos problemas fora de seu alcance” (FAUSTO, 2004, p.
524). Os intensos trabalhos em torno da constituinte foram longos, tendo-se
119
encerrado formalmente em 5 de outubro 1988, quando foi promulgada a nova
Constituição, cujos avanços no campo dos direitos sociais lhe renderam o apelido de
“Constituição Cidadã”.
O problema da redivisão territorial do Brasil voltou à tona durante a realização
da Constituição Federal de 1988, quando várias propostas emancipadoras foram
apresentadas; cerca de oito propostas de criação de Estados foram discutidas nas
comissões ou no plenário e apenas o Estado do Tocantins, desmembrado de Goiás,
foi criado e os Territórios Federais de Roraima e Amapá foram elevados à condição
de Estados membros da Federação, passando a República brasileira contar até o
momento presente com 26 Estados e 1 Distrito Federal (mapa 7).
As outras propostas de desmembramento (ANDRADE, 1999b) foram a de
Tapajós, a ser desmembrado do Pará, compreendendo uma faixa territorial drenada
pelo rio de mesmo nome, tendo como capital a cidade de Santarém. O sul do
Maranhão apresentava expressivo crescimento, sobretudo depois da construção da
Belém-Brasília, com projeto da instalação da capital na cidade de Imperatriz na
criação do Estado do Gurupi (ou Maranhão do Sul). A prosperidade trazida pelo lo
de mineração no sudeste do Pará intentou pela criação do Estado do Carajás
principalmente por suas relações com o oeste do Maranhão. Na Região Nordeste,
destaca-se a região de Gurguéia, um movimento autonomista para a criação de um
Estado no sul do Piauí.
O Estado do São Francisco foi outra aspiração durante a assembléia
constituinte, compreendendo a porção da bacia drenada pelo rio de mesmo nome, é
uma velha aspiração desde meados do século XIX, quando a então comarca de
Pernambuco foi desmembrada e entregue “provisoriamente” a Minas Gerais e a
Bahia – a capital seria a cidade de Barreiras. As antigas capitanias de Ilhéus e Porto
Seguro, no sul da Bahia, também aspiraram a criação de um Estado, que seria
denominado Santa Cruz.
O Triângulo Mineiro, caracterizado pela prosperidade agropecuária, tenta,
desde o período imperial, separar-se de Minas Gerais, ora pedindo sua anexação a
São Paulo, ora na esperança de juntar-se ao Estado de Goiás, tendo lutado (em
vão) na constituinte para se tornar mais um membro da federação.
Na porção meridional do país, a aspiração pela autonomia do antigo Território
do Iguaçu (criado em 1943 e extinto em 1946), que compreenderia a porção
ocidental dos Estados do Paraná e Santa Catarina. Havia tamm o movimento em
120
favor do desmembramento do Rio Grande do Sul, para criar em seu território austral
o Estado da Campanha Gaúcha, separando a região propriamente gaúcha das
pradarias mistas da área planáltica ao norte do Estado, onde dominam a
colonização intensiva e as pequenas propriedades (mapa 8).
Assim, ao se conceber a formação do Brasil na perspectiva de uma “história
territorial” (MORAES, 2005) objetivando investigar as diversas etapas de sua
constituição, tanto no plano histórico, quanto nos aspectos de sua formação
econômico-social (ANDRADE, 1995) e no quadro de sua evolução política, procurou-
se avaliar durante o período colonial a formação do “corpo da pátria” (MAGNOLI,
1997), avançando particularmente no pós-independência com a consolidação do
Estado nacional brasileiro e a constituição de nossas atuais unidades federativas
durante os séculos XIX-XX, permeadas por tendências político-estatais favoráveis ao
“federalismo” e intercaladas por períodos históricos voltados ao “centralismo”.
Além do aguçamento da situação regional e da ascensão dos movimentos
nativistas no Brasil durante os séculos XVIII-XIX, da “tradição heráldica” cultivada
durante o Império e do ideal federativo pregado com a implantação do regime
republicano, essa contraposição na evolução do território tamm ir-se-á
testemunhar como um importante elemento nas diferentes fases de criação dos
mbolos estaduais brasileiros.
121
Mapa 1: Brasil – capitanias hereditárias (1534)
Mapa 2: Brasil – território colonial em 1709
122
Mapa 3: Brasil após os tratados de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777)
Mapa 4: Brasil Império (1823)
123
Mapa 5: Brasil República (1889)
Mapa 6: Brasil – Territórios Federais (1943)
124
Mapa 7: Brasil – atual divisão política (1990)
Mapa 8: Brasil – Movimentos autonomistas.
Fonte: Adaptado de Andrade (1999b)
125
Mapa 9: Sugestão para a redivisão territorial da Amazônia Legal, segundo o trabalho do
deputado Siqueira Campos aprovado pela Comissão da Amazônia (1972)
Fonte: CAVALCANTE (1999).
126
5 NAÇÃO E NACIONALISMO NO BRASIL – REFLEXÕES
Embora ao longo da formação da nação brasileira a manutenção de sua
unidade tenha-se dado através de uma tradição histórica, do mesmo idioma, da
estrutura política, do desejo de estabilidade, do caráter nacionalista das Forças
Armadas e do sentimento nacional, entre outros fatores, a construção histórica e
social criou um imaginário positivo de sua grandiosidade de caráter, como uma
representação homogênea e de unidade fraterna que os brasileiros possuem do país
e de si mesmos.
Essa representação foi da mesma forma legitimada pelo discurso geográfico,
apoiado na sagração da natureza e na exaltação das potencialidades naturais do
Brasil (CHAUÍ, 2000), onde se projetou a idéia de federação de forma harmônica,
cuja eqüidade de sua representação viesse a abrandar os contrastes regionais, que
apareciam, como fala Andrade (1999b) nos momentos de crise, com um
aguçamento dos sentimentos separatistas, cujas bases desdobram-se desde a
formação colonial e se apóiam também em sentimentos de base psicológica e social.
Tais sentimentos e seu imaginário coletivo conduzem-nos a abordar de forma
reflexiva a questão da idéia de “nação e nacionalismo” no Brasil, como um elemento
decisivo para dar coesão e sentido aos mbolos nacionais e estaduais, na sua
vertente regionalista, fazendo-os crer na idéia de “unidade” ao mesmo tempo em que
exaltam sua própria “identidade”.
105
Permitir-se-ia, assim, através dessas representações que permeiam o
imaginário coletivo, “crer na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e
do povo brasileiro, e, em outros momentos, conceber a divisão social e a divisão
política sob a forma dos amigos da nação e dos inimigos a combater, combate que
engendrará ou conservará a unidade, a identidade e a indivisibilidade nacionais”
(CHAUÍ, 2000, p. 7-8).
Marilena Chauí (2000) introduz a questão do mito fundador” brasileiro, que
impõe certo nculo interno com o passado e as origens. O mito, no sentido
105
A esse fato, complementa Bordieu (2007, p. 129) ao falar na idéia de região que: [...] na lógica
propriamente simbólica da distinção em que existir não é somente ser diferente mas também ser
reconhecido legitimamente diferente e em que, por outras palavras, a existência real da identidade
supõe a possibilidade real, juridicamente e politicamente garantida, de afirmar oficialmente a
diferença – qualquer unificação, que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação
de uma identidade sobre a outra, da negação de uma identidade por outra.
127
antropológico, tem a função de apaziguador das tensões e contradições, enquanto o
ato fundador recorda um determinado momento (ou conjunto de momentos) no
passado imaginário, que se mantém vivo no tempo. O mito fundador constituir-se-ia,
assim, em um repertório inicial de representações da realidade que se reorganiza
em cada momento da formação histórica para repetir-se indefinidamente enquanto
ideologia.
A nação é vista nesse viés como um “semióforo”,
106
como algo que não é
medido por sua materialidade, mas por sua força simbólica e que dela brotam efeitos
de significação, sendo estes signos de poder e de prestígio. O lugar onde se
encontra o semióforo deve ser público, pois se comportam como “locais onde toda a
sociedade possa comunicar-se celebrando algo comum a todos e que conserva e
assegura o sentimento de comunhão” (CHAUÍ, 2000, p. 12). Sob a ação do poder
político,
107
os semióforos tornam-se um patrimônio artístico e/ou histórico-geográfico
da nação e/ou da humanidade.
Hobsbawm (1990) argumenta que a origem moderna do Estado nacional se
deu após o período que denominou como “Era das Revoluções”, trazendo a seguinte
periodização do processo de formação das nações como uma invenção histórica” e
um “vocábulo político” recente: o primeiro deles ocorre no período de 1830-1880,
com o princípio de nacionalidade”, que vincula a nação a um território; o segundo
período (1880-1918) abarca a “idéia nacional”, articulando a língua, a religião e a
raça a essa idéia e o terceiro período, de 1918-1950/60, enfatiza a consciência
nacional”, como um conjunto de lealdades políticas.
108
Benedict Anderson (2005, p. 25) introduz o conceito de nação, em seu
espírito antropológico, como “uma comunidade política imaginada e que é
imaginada ao mesmo tempo como intrinsecamente limitada e soberana”. Continua
este autor a argumentar que ela é imaginada porque até os membros da menor
nação nunca conhecerão, nunca encontrarão e nunca ouvirão falar da maioria dos
106
Termo derivado do grego Semiophoros, da palavra semio (sinal/signo/rastro/traço) com a junção
de phoros (expor/carregar/brotar).
107
A nação constituir-se-ia assim no semióforo matriz, que por meio da intelligentsia, da escola, da
biblioteca, do museu, dos patrimônios e dos demais monumentos celebratórios; o poder político faz
da nação o sujeito produtor de semióforos nacionais e, ao mesmo tempo, o objeto integrador da
sociedade una e indivisa.
108
Na primeira etapa, o discurso da nacionalidade provém da economia política liberal, na segunda,
dos intelectuais e pequeno-burgueses e na terceira, emana principalmente dos partidos políticos e do
Estado como formas de construção das nações.
128
outros membros dessa nação, mas, ainda assim, na mente de cada um deles, existe
a imagem de sua comunhão.
109
A nação é imaginada como limitada porque até a maior das nações, tem
fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais se situam outras nações.
Nenhuma nação se imagina a si própria como tendo os mesmos limites que a
humanidade. Nem os nacionalistas mais messiânicos têm o sonho de um dia, todos
os membros da espécie humana integrarem a sua nação. É imaginada como
soberana porque o conceito nasceu numa época em que o Iluminismo e a
Revolução destruíram a legitimidade do reino dinástico hierárquico e de ordem
divina.
110
Finalmente, ela é imaginada como uma comunidade porque
independentemente da desigualdade e da exploração reais que possam prevalecer
em cada uma das nações, é sempre esta concebida como uma agremiação
horizontal e profunda – uma fraternidade.
111
Assim, a idéia de nação foi surgindo lentamente, como uma forma de criar
uma lealdade às divergências sociais, políticas, econômicas, religiosas e regionais.
Chauí (2000) argumenta que como o princípio de nacionalidade vinha perdendo
força, o Estado precisava mobilizar seus cidadãos e influenciá-los a seu favor
através de uma “religião cívica”: o patriotismo. No processo de criação do semióforo,
este atua como uma verdadeira “religião civil”:
112
109
Talvez nunca conheçamos um cidadão do Acre, Roraima ou Rio Grande do Sul, mas imaginamos
que eles, enquanto brasileiros como “nós”, torcerão da mesma maneira por nossa seleção de futebol,
guardarão nossas datas cívicas do mesmo modo, hastearão a bandeira brasileira e cantarão nosso
hino nacional com o mesmo empenho. Esse imaginário coletivo mostrava-se extremamente eficiente
em uma época em que os meios de comunicação eram limitados, especialmente os de dimensão
falada como o rádio e a televio face à imprensa (apenas acessível à uma certa faixa letrada da
população), restando às instituições do Estado-nação, como as escolas, forças armadas e demais
órgãos públicos criar as conexões entre aquelas comunidades e o poder estatal, formando assim uma
rede territorial de “cidadãos e funcionários públicos” em zonas nunca antes alcançadas. Da mesma
forma, a invenção do mapa histórico e o caráter homogêneo de sua representação, distinguindo as
fronteiras numa extensão precisa e vertical e não mais apenas zonas imprecisas de extensão
horizontal, produziram esse imaginário dos que estavam “dentro” e “fora” de determinado país.
110
Tendo atingido a maturidade numa fase da História humana em que até os mais devotos crentes
de uma qualquer religião universal se viam inevitavelmente confrontados com o pluralismo vivo
dessas religiões e com o fato de pretensões ontológicas e o âmbito territorial de cada fé serem
alomórficos, as nações anseiam por ser livres e, ainda que sujeitas a Deus, por ser diretamente livres.
O Estado soberano é o garante (sic) e o emblema dessa liberdade (ANDERSON, 2005, p. 26-27).
111
É essa fraternidade que torna possível que, nos últimos dois séculos, tantos milhões de pessoas,
não tanto matassem, mas quisessem morrer por imaginários tão limitados (ANDERSON, 2005, p. 27).
Stuart Hall (2006, p. 65) atenta que “as identidades nacionais não subordinam todas as outras formas
de diferença e não estão livres do jogo de poder, de divisões e contradições internas, de lealdades e
de diferenças sobrepostas. Assim [...] devemos ter em mente a forma pela qual as culturas nacionais
contribuem para ‘costurar’ as diferenças numa única identidade”.
112
Martelli (1995) e Da Mata [no prelo] apud Rosendahl (2001) interpretam a religião civil como o
conjunto de ritos construídos em torno de mbolos – a bandeira, o hino, o herói fundador – e valores
129
No espaço da sacralidade cívica, por sua vez, um conjunto de crenças,
símbolos e cerimônias que servem para evocar um poder que emana do
povo, sem possuir referências e poderes sobrenaturais. As experiências
simbólicas são aquelas das forças coletivas da sociedade, aptas a
favorecerem a formação de uma identidade nacional. O tempo sacralizado é
fortemente vivenciado nas festas cívicas, comemorações de mitos e heróis
nacionais [...] A sacralização das normas, valores e idéias que simbolizam o
novo regime político deve ser celebrada no espaço. A imagem do poder deve
ser irradiada como verdade última da vida coletiva e individual. Uma estátua,
um mulo e outras formas espaciais devem ser construídas para transmitir
valores às futuras gerações por meio de celebrações cívicas. Cria-se o tempo
sacralizado por meio da festa cívica, que o ocorre em um espaço também
sacralizado (ROSENDAHL, 2001, p. 21-28).
Embora a religião civil tenha sido um dos processos que levaram à criação e
ao imaginário de nação e suas premissas começaram a ganhar densidade com a
queda dos antigos regimes dinásticos, as idéias de soberania e liberdade passam a
ser asseguradas pelo Estado.
O patriotismo estatal reforçava dessa maneira os sentimentos e mbolos de
uma comunidade imaginada (ANDERSON, 2005), através de suas tradições
inventadas (HOBSBAWM; RANGER, 1997) da qual a nação incorpora numa única
crença as crenças rivais e os apelos de classe e, a partir dessa época, a nação
passa a ser vista como algo que sempre teria existido, desde tempos imemoriais,
porque suas raízes deitam-se no próprio povo que a constitui” (CHAUÍ, 2000, p. 12).
Essa invenção da nação ajudaria a compreender no Brasil a passagem da idéia de
“caráter nacional” (1830-1918) em uma primeira etapa, para a formação da
“identidade nacional” (1918-1960) no segundo período de sua evolução.
113
Entretanto, devem-se salientar dois fatores diferenciavam o nacionalismo dos
Estados nacionais Americanos em relação aos Europeus nos séculos XVIII-XIX.
Com relação ao “Velho Mundo”, a língua e a ascendência dos crioulos eram as
mesmas contra os regimes metropolitanos que lutavam e não havia de fato em solo
americano (exceto nas Treze Colônias) uma “classe média” e uma intelligentsia.
114
sacralizados nação, igualdade de classe, raça articulados num contexto de mais alto significado,
podendo adquirir uma dimensão transcendente. Max Weber evidencia o surgimento de religiões
substitutivas (ersatz der religion), conceito aplicado também para descrever, na sociedade moderna,
fenômenos não-religiosos.
113
Dante Moreira Leite (1969) propõe periodizar as etapas de formação do caráter nacional brasileiro
nas seguintes fases: 1ª – a fase colonial: descoberta da terra e o movimento nativista (1500-1822); 2ª
o romantismo: a independência política e a formação de uma imagem positiva do Brasil e dos
brasileiros (1822-1880); 3ª – as ciências sociais e a imagem pessimista do brasileiro (1880-1950) e 4ª
o desenvolvimento econômico e a superação da ideologia do caráter nacional brasileiro: a década
de 1950-1960.
114
No caso da América Espanhola, a liderança foi assumida por grandes proprietários fundiários,
aliados a um número menor de comerciantes e profissionais liberais (ANDERSON, 2005).
130
A configuração geográfica, política e econômica das novas repúblicas
sulamericanas coincidiu com a unidade administrativa do século XVI ao XVIII, pois a
diversificação geográfica do Império Americano e as dificuldades de comunicação
numa era pré-industrial, como também as políticas comerciais de Madri e Lisboa
criavam zonas econômicas exclusivas e separadas. Isso dava margem à justificação
da tese do uti possidetis, pelo qual cada nação preservou seu status quo territorial
desde o início dos movimentos pela independência com começo do culo XIX. No
caso do Brasil:
Não se pode falar em sentimento nacional durante o longo período colonial,
nem em proposições de independência para a formação de um Estado [...].
Era difícil a formação de uma comunhão nacional em um território tão
extenso, com tantas dificuldades de comunicação e com tantos interesses
que se contrapunham. O local e o regional tinham muito maior importância
que o nacional, ainda não existente (ANDRADE, 1999b, p. 54-55).
Anderson (2005) argumenta que no caso da América Espanhola, o imaginário
da comunidade nacional provinha da questão da imutabilidade e da permutabilidade
com relação aos crioulos e peninsulares no que competia ao acesso aos cargos
públicos;
115
além disso, questiona que o aparecimento da imprensa escrita no
decurso do século XVIII ajudou a forjar essa “consciência nacional”.
116
Na América
115
Enquanto os funcionários peninsulares podiam fazer o seu percurso de Saragoça para Cartagena,
dali para Madrid, Lima e outra vez Madrid, os crioulos “mexicanosou “chilenosserviam geralmente
apenas nos territórios coloniais do México ou do Chile: os seus movimentos laterais eram tão
entravados como a sua ascensão vertical [nos cargos públicos]. [...] Apesar disso, nesta peregrinação
entravada eles encontravam companheiros de viagem que iam apercebendo de que a sua
camaradagem não se baseava apenas no alcance dessa peregrinação específica, mas tamm na
fatalidade partilhada de terem nascido do outro lado do Atlântico. Mesmo que tivessem nascido
apenas uma semana depois de o seu pai ter emigrado, o nascimento casual nas Américas
consignava-os à subordinação embora, em termos de língua, religião, ascendência ou costumes,
pouco os distinguia dos espanhóis nascidos em Espanha. Nada havia a fazer, eram
irremediavelmente crioulos. Mas como devia esta exclusão parecer irracional! o obstante,
escondida nesta irracionalidade encontrava-se a seguinte lógica: nascidos nas Américas, não
poderiam ser verdadeiros espanhóis; logo, nascidos em Espanha, os peninsulares não poderiam ser
verdadeiros americanos (ANDERSON, 2005, p. 88-89).
116
Ao mesmo tempo [...] a própria concepção do jornal implica a refração de “acontecimentos
mundiais” comuns num determinado mundo imaginado de leitores de vernáculo; [...] também a
importância da idéia da simultaneidade transversal ao tempo, contínua e consistente para essa
comunidade imaginada. A enorme exteno do Império Espanhol nas Américas e o isolamento de
cada uma das partes que o compunham tornaram difícil a imaginação dessa simultaneidade. Os
crioulos mexicanos poderiam vir a saber de acontecimentos em Buenos Aires meses mais tarde, mas
era através de jornais mexicanos, e não dos do Rio da Prata; por outro lado, esses acontecimentos
surgiram como “semelhantes a”, e não como “parte de”, acontecimentos ocorridos no México
(ANDERSON, 2005, p. 94).
131
Portuguesa, por sua vez, além das diferenças no que se refere à educação
117
e a
imprensa escrita,
118
havia ainda o fato de que:
[...] em todo o período colonial não se forjara ainda um sentimento nacional
brasileiro, mas um sentimento nativista local, que em várias ocasiões
procurou criar um Estado que compreendia parte e não o todo do continente
brasileiro. Não se pode esquecer que este sentimento local apresentava
grandes discrepâncias, em face da estrutura social da colônia [...]. O
sentimento regional só iria ser substituído pelo nacional, sem desaparecer
completamente, com a Proclamação da Independência e a formação do
Império, quando as pessoas passaram a se considerar brasileiras e não
apenas maranhenses, pernambucanas, baianas, fluminenses, mineiras ou
paulistas, etc. (ANDRADE, 1999b, p. 58).
A estruturação do nacionalismo no Brasil aconteceria após o país
conseguir costurar” sua unidade (COSTA, 2001) face ao descontentamento e os
diferentes quadros de ordem política, econômica e social de suas regiões, pois “[...]
na quarta cada do século XIX, segundo decênio de vida independente do Brasil, o
sentimento de brasilidade ainda era muito tênue e o problemas locais e provinciais
eram bem mais preocupantes que os problemas propriamente nacionais”
(ANDRADE, 1999b, p. 71-72).
Dessa forma, torna-se interessante prender o foco desta reflexão na formação
do caráter nacional brasileiro entre o final do século XIX e o icio do século XX, pois
este período também coincidiu com a formação dos símbolos nacionais e uma ampla
117
José Murilo de Carvalho (1982 apud ANDERSON, 2005, p. 98) argumenta que os dois fatores
mais importantes foram os seguintes: 1): As diferenças na educação. Enquanto nas Américas
espanholas havia vinte e três universidades espalhadas pelo que viriam a ser treze países diferentes,
Portugal recusou-se sistematicamente a autorizar a criação de quaisquer estabelecimentos de ensino
superior nas suas colônias, não considerando como tais os seminários de teologia. era possível
seguir estudos superiores na Universidade de Coimbra, na metrópole, e para lá se deslocavam os
filhos da elite crioula [...]. 2) Possibilidades de carreira diferentes para os crioulos, devido “a muito
maior exclusão de hispânicos nascidos na América dos cargos superiores no lado espanhol (sic)”.
Também “não existiu qualquer tipografia no Brasil durante os três primeiros séculos da época
colonial” (SCHWATZ: In CANNY; PAGDEN, 1987, p. 38, apud ANDERSON, 2005, p. 98).
118
Machado (1980, p. 90), atenta para o fato de que a literatura procurava contribuir e preencher o
papel do jornal na gestação da nacionalidade brasileira: a historiografia geralmente ignora o
contributo fundamental do nativismo e do nacionalismo literários na formação da consciência nacional
brasileira, embora desta fonte se tenha nutrido o pensamento revolucionário que culminou com a
Independência e continuou, depois dela, reafirmando o processo de descolonização. A consciência
cultural brasileira, conquistada nas Letras, informou o conteúdo ideológico da autonomia política.
Desde as manifestações barrocas, no começo da colonização, subsiste à constante histórica da
nacionalização do pensamento através da literatura, num processo permanente de busca da
identidade nacional nucleada no homem e no meio físico. Essa constante revelou-se inicialmente no
sentimento e na idéia da natureza, no indianismo e irredentismo pré-românticos para definir-se, em
seguida, na consciência e afirmação da nacionalidade. Ainda dentro do contexto colonial, a literatura
procurou não refletir uma cultura em elaboração, com caráter próprio, com a nossa concepção do
mundo e de interesses específicos, diferenciados da matriz colonial. Na história do pensamento
revolucionário brasileiro, a literatura refletiu e integrou-se peremptoriamente no processo de formação
e consolidação da consciência nacional.
132
parte dos símbolos estaduais, e muitos de seus discursos e representações
aparecerão como reflexo desse período.
a partir da consolidação da unidade política,
119
o que se faria com o poder
centralizador do Império (depois de conseguir cessar as revoltas nativistas), que o
princípio de nacionalidade se constituiria,
120
arraigando nesse período a noção de
território e a demografia, como características intrínsecas da nação. Foi justamente
esse período que produziu as maiores cargas emotivas nos cidadãos, no que
compete na raiz da vivência coletiva, no qual tiveram algum êxito a tradição imperial
ou os valores religiosos (CARVALHO, 1990). alcançando o período republicano,
embora ainda com certo “vazio” no que se refere aos esforços para dar legitimidade
ao novo regime, criou-se através das classes dominantes no Brasil a imagem do
“verdeamerelismo” (CHAUÍ, 2000, p. 34):
Nessa época, quando a classe dominante falava em “progresso” ou em
“melhoramento”, pensava no avanço das atividades agrárias e extrativistas,
sem competir com os países metropolitanos ou centrais, acreditando que o
país melhoraria ou progrediria com a expano de ramos determinados pela
geografia e pela geologia, que levaram a uma especialização racional em que
todas as atividades econômicas eram geradoras de lucro, utilidade e bem-
estar. Donde a expressão ideológica dessa classe aparece no otimismo da
exaltação da Natureza e do “tipo nacional” pacífico e ordeiro.
Na batalha dos símbolos, José Murilo de Carvalho (1990) argumenta que a
luta pelo mito de origem, pela figura do herói, pela alegoria feminina, era parte
importante na legitimação do regime republicano que se instalara, embora não
houvesse ainda uma coesão no que decidia da representação simbólica oficial da
República. Complementa o autor dizendo que:
No caso da bandeira, a vitória pertenceu a uma facção, os positivistas, mas
ela se deveu certamente ao fato de que o novo símbolo incorporou elementos
119
Dentre as várias hipóteses a respeito da unidade nacional, Carvalho (1981, p. 20) foca sua análise
na formação elite política, da qual: [...] a decisão de fazer a independência com monarquia
representativa, de manter unida a ex-colônia, de evitar o predomínio militar, de centralizar as rendas
públicas, etc., foram opções políticas entre outras possíveis na época. Se em alguns pontos não
havia muita liberdade de escolha, como na questão da escravidão ou do livre comércio, esses
constrangimentos não determinavam os formatos políticos, nem garantiam o êxito ou fracasso na
organização do poder, isto é, não havia nada de necessário em relação a várias decisões políticas
importantes que foram tomadas, embora algumas pudessem ser mais prováveis do que outras.
Sendo decisões políticas, escolhas entre alternativas, eles sugerem que se busque possível
explicação no estudo daqueles que as tomaram, isto é, na elite política.
120
Machado (1980) argumenta que a formação da consciência nacional (o instinto da nacionalidade,
primeiramente) na Colônia não se vincula à constituição ou estratificação étnica das raças antípodas,
mas aos eventos políticos, econômicos e militares.
133
da tradição imperial. No caso do hino, a vitória da tradição foi total:
permaneceu o hino antigo. Foi também a única vitória popular do novo
regime, ganha à revelia da liderança republicana (CARVALHO, 1990, p. 109-
110).
A bandeira imperial trazia em suas cores a união da Casa de Bragança
(retângulo verde) com a Casa de Lorena-Habsburgo (losango amarelo) sobre a qual
se colocava o brasão de armas do Império. Embora D. Pedro I tivesse afirmado
serem essas cores de “verde-primavera e amarelo-ouro”, apenas por um padrão
técnico-estético, foi com a bandeira republicana e suas justificações
121
em mascarar
o valor cognitivo que o antigo símbolo possuía, que a idéia de sagração da natureza
tornou-se mais evidente: o verde das matas, o amarelo do ouro, o azul do céu e o
branco da paz. Conforme argumenta Chauí (2000, p. 62-63):
De fato, sabemos que, desde a Revolução Francesa, as bandeiras
revolucionárias tendem a ser tricolores e são insígnias das lutas políticas por
liberdade, igualdade e fraternidade. A bandeira brasileira é quadricolor e não
exprime o político, não narra a história do país. É um símbolo da Natureza. É
o Brasil-jardim, o Brasil-paraíso. Essa produção mítica do Brasil-jardim, ao
nos lançar no seio da Natureza, lança-nos para fora do mundo da história [...].
No caso do hino nacional, a vitória foi popular, pois prevaleceu a música de
Francisco Manuel da Silva, que desde 1831 se convertera no hino do Império, face
às tentativas dos republicanos de oficializar uma nova canção. Após a adoção da
letra, o ideal de natureza e a figura do herói ajudam a construir esse imaginário,
conforme comenta Marilena Chauí (2000, p. 78-79):
O Brasil, achamento português, entra na história pela porta providencial, que
tenderá a ser a visão da classe dominante, segundo a qual a nossa história já
esescrita, faltando apenas o agente que deverá concretizá-la no tempo. É
essa vio que se encontra na abertura do Hino Nacional, quando um sujeito
oculto ‘ouviram’ é colocado como testemunha de ‘um brado retumbante’,
proferido por um ‘povo heróico’, grito que, ‘no mesmo instante’, faz brilhar a
liberdade ‘no céu da pátria’. Num instante ou instantaneamente surge um
povo heróico, significativamente figurado pelo herdeiro da Coroa portuguesa,
que, por um ato soberano de vontade, cinde o tempo, funda a pátria e
completa a história.
121
Na Apreciação Filosófica Significado da Bandeira Nacional”, de autoria de Raimundo Teixeira
Mendes e publicado no Diário Oficial, no Rio de Janeiro, em 24 de novembro de 1889 assim aparecia:
[...] o verde representa nossas matas, a eterna primavera brasileira, nossa agricultura, nossos
campos e lavouras. O amarelo significa nossas riquezas minerais, representadas pelo ouro. O azul
representa nosso céu, onde brilham as estrelas das constelações que formam a nossa Federação – é
também onde resplandece o Cruzeiro do Sul, relembrando a cruz da Ordem de Cristo e os primeiros
nomes de nossa terra: Ilha de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz. O branco significa o nosso desejo de
paz que almejamos para toda a humanidade [...]. In: RODRIGUES, J. P. Brasil: hinos & bandeiras
nacionais & estaduais. Porto Alegre: Editora Magister, 2001.
134
Chauí (2000) complementa que se o verdeamarelismo antes correspondia a
auto-imagem celebrativa dos dominantes, agora ele opera como compreensão
imaginária para a condição periférica e subordinada do país. No século XIX
prevalecia o nativismo romântico, como uma exaltação da natureza; nas primeiras
décadas do século XX ele se caracteriza pelo ufanismo patriótico, que no pós-
modernismo (décadas de 1920-1930) volta seu discurso para “o povo brasileiro”.
Nos anos 1950-1960, essa idéia em relação à natureza é vista como um atraso que
se pretendia superar. Durante o Estado Novo (1937-1945) e no período da Ditadura
Militar (1964-1984), enfatizaram-se nesse discurso questão da geopolítica do Brasil,
com a vastidão do território a ocupar, as riquezas naturais a explorar e as qualidades
pacíficas de seu povo, empreendedor e ordeiro, como os elementos para cumprir a
sua destinação.
122
Nessa construção, conforme declara Ernest Gellner (2003), o nacionalismo
não é o despertar da consciência das nações, “ele inventa nações onde elas não
existem”. Hobsbawm (1990) mostra que nesse processo histórico, o Estado assume
um estágio em que também acaba por fabricar nações, apoiando-se, além de sua
própria rede institucional num primeiro momento, na proposta de Anderson (2005),
do conceito antropológico da comunidade imaginada. Esse “imaginário” de natureza
como condição anterior ao homem (o espaço geográfico a construir e explorar) e do
dom instituído por ordem divina no discurso nacional brasileiro é provido por aquilo
de Chauí (2000, p. 75) chama de a “sagração da história”:
Nosso passado assegura nosso futuro num continuum temporal que vai da
origem ao porvir e se somos, como sempre dizemos, ‘Brasil, país do futuro’, é
porque Deus nos ofereceu os signos para conhecermos nosso destino: o
Cruzeiro do Sul, que nos protege e nos orienta, e a Natureza-Paraíso, mãe
gentil.
Assim, o sujeito da ação torna-se triplo: Deus e natureza aliado ao agente de
desenvolvimento, representado pelo Estado. Sendo Deus e a natureza noções
anteriores ao povo e ao país nesse imaginário, o Estado passa ideologicamente a
instituir a nação sob os signos que formam a base da ação criadora de Deus e da
natureza.
122
Chauí (2000, p. 40) ressalta que a imagem verde-amarela permaneceu por dois motivos: em
primeiro lugar, ela permitia enfatizar que o país possuía recursos próprios para o desenvolvimento e
que a abundância de matéria prima e energia barata vinha justamente de sermos um país de
riquezas naturais inesgotáveis; segundo, o mérito do desenvolvimentismo se encontrava na
destinação do capital e trabalho para o mercado interno.
135
6 UMA ANÁLISE DOS SÍMBOLOS ESTADUAIS BRASILEIROS
Depois de constituída as bases que começam com a origem e evolução dos
mbolos nacionais como um capítulo recente dentro da história da humanidade,
abordando seu desdobramento no Brasil deste os tempos da colonização até o
período contemporâneo, procurou-se investigar como a formação territorial e como a
constituição do imaginário de nação produziram um discurso histórico-geográfico em
torno da sociedade e natureza no Brasil, seu ideal de unidade e sua justificação
divina. Toda esta trama que vai se sobrepondo pode ser captada por ummbolo de
forma seletiva no espaço-tempo e, ao se identificar o contexto em que ele foi criado,
propicia-se um melhor entendimento de como os aspectos geográficos tornam-no
um rico documento de análise das representações espaciais.
O presente capítulo assim procura interpretar as mensagens que os símbolos
estaduais brasileiros projetam e reproduzem a respeito da espacialidade humana,
analisando como se portam a expressão dessas configurações: a paisagem, a
região, o território, o lugar, etc. Torna-se necessário então realizar uma divisão de
acordo com a temática e o caráter geográfico contido no desenho e no discurso
destes símbolos e seu desvendamento, pois, nesse contexto:
Ao geógrafo interessam aquelas [representações] nas quais o espaço e o
tempo não sejam meros panos de fundo, necessários e insubstituíveis, mas
parte integrante da trama, sem os quais esta não poderia ser construída,
tomada inteligível e identificável [...] mas é parte da tarefa do geógrafo
descobrir espacialidades e temporalidades em textos que aparentemente não
abordam as dimensões espacial e temporal (CORRÊA; ROSENDAHL, 2007,
p. 8-9).
Para isso, uma divisão metodológica permitiria selecionar entre os símbolos
das 27 unidades federativas, aqueles que possuem maior interesse ou grau de
representação espacial, de forma a concentrar o foco de análise nos símbolos que
mais exaltam essa configuração e poder assim realizar sua decodificação de forma a
inferir sobre a origem e o contexto geográfico em que foram criados. Nesse
processo, com um foco agora voltado dentro da dimensão social, além da dimensão
técnica e legislativa, a seleção dos símbolos levou em conta o caráter histórico
(historicidade) versus e o caráter geográfico (a geograficidade); ambos se
complementam e se contrapõem com as escalas da “generalidade” e da
136
“particularidade” de suas representações. O mais importante dentro desse aspecto é
o foco com que cada símbolo projeta sua mensagem (que na bandeira é o campo,
no brasão o escudo e no hino a letra), determinando em que direção tenderá a
seguir ou ser classificado nos referidos quadrantes.
123
Figura 20: Esquema do caráter histórico-geográfico na dimensão social dos símbolos
Historicidade Geograficidade
Generalidade
Particularidade
A segunda etapa desse processo tratou de agrupar os símbolos selecionados
em subáreas específicas, que foram determinadas de forma a correlacionar o seu
contexto com as categorias presentes no geográfico. Deve-se salientar que como a
estrutura dos símbolos apresenta um aspecto geralmente multifacetado, com um
conteúdo multidisciplinar no sentido do que representam, não será incomum que
estas categorias de seleção deixem de ter relações umas com as outras.
Assim, esta divisão reporta-se aos temas relacionados à biogeografia e
economia agrícola, na qual se complementam a fauna e flora nacional-regional com
os principais produtos agrícolas representados nos mbolos destas unidades; na
categoria que envolve as expressões cartográficas e paisagísticas, o foco é
justamente como as bandeiras e brasões representam em sua estrutura gráfica as
formas (carto)gráficas que envolvem o território e a paisagem. No subcapítulo
123
Nesse contexto de análise, a bandeira da Paraíba, por seus aspectos históricos, ocuparia o
quadrante do histórico-particular, pois foi concebida de um ato de cunho particular que foi o luto pelo
assassinato de João Pessoa. No que se refere ao histórico-geral, as cores e a legenda da bandeira
de Minas Gerais se encaixariam nesse contexto, pois estão associadas a um fato ocorrido de acordo
com as influências do liberalismo, do qual o modelo do triângulo eqüilátero estava associado à
eqüidade social, portanto mais geral do que um caso particular. No que se refere ao contexto
geográfico em particular, a noção de lugar ou uma paisagem em recorte completaria esse exemplo,
como no caso do brao do Ceará, referindo-se à uma paisagem de Fortaleza ou mesmo o brasão de
armas do Espírito Santo, reportando-se ao convento de Nossa Senhora da Penha na Baía de Vitória.
Completa este esquema, a representação geográfica de caráter geral, na qual as estrelas numa
bandeira ou brasão, por exemplo, representam os municípios de um determinado Estado, procurando
perfazer a idéia de unidade simbólica e territorial, caso das bandeiras do Amazonas e Santa Catarina
(1897-1953).
137
seguinte, se analisam também as noções de paisagem, mas de forma mais intensiva
através da representação dos lugares, como um recurso toponímico e topofílico. As
resistências regionais encontram-se presentes nos símbolos de caráter nacional,
que preservam em sua representação traços das lutas pela autonomia provincial ou
mesmo o ideal de separatismo durante o século XIX, mas que ainda hoje resistem
na perspectiva simbólica, não se portando como mbolos estaduais de forma
“clássica” ou integral; também se procura analisar os símbolos que extrapolam por
sua semântica e sintaxe o discurso regional. Finalmente, ao se investigar os hinos
estaduais na perspectiva de uma “narrativa do território”, procura-se inferir de que
forma a sua construção poética enquanto discurso vai moldando e recriando o
imaginário de unidade e exaltação destas unidades federativas através de
referências no espaço-tempo que apresenta.
6.1 Biogeografia e economia agrícola
Sendo a geografia a ciência que estuda as interações, a organização e os
processos de ordem espacial, a biogeografia como integrante da ciência geográfica
procura os mesmos objetivos. Troppmair, citando Mueller (1976), complementa que
a “biogeografia pesquisa as razões da distribuição dos organismos, das
comunidades vivas (biocenoses) e dos ecossistemas nas paisagens, países e
continentes do mundo. A estrutura, a função, a história e os fatos indicadores sobre
espaços são o objeto dos estudos biogeográficos”.
124
Tendo a biogeografia uma preocupação em documentar e compreender os
padrões espaciais da biodiversidade per se, através da fitogeografia e zoogeografia
em diversas escalas, procura-se introduzir uma conexão com relação à perspectiva
de sua representatividade, na qual estas espécies, muitas delas de ordem regional-
nacional, aparecerão em um determinado símbolo estadual, eleitas por suas
características e qualidades. Em contraste com a exaltação da natureza através das
espécies naturais, está a agricultura como atividade humana em sua dimensão
econômica, figurando como elementos significativos da riqueza agrícola praticada
em uma determinada região. O complemento entre a exaltação das espécies
124
Conforme ressalta Troppmair (2004), nota-se em todas as definições, que a biogeografia sempre
esassociada ao enfoque espacial, fato que a diferencia da biologia, da botânica, da zoologia e da
ecologia.
138
naturais de ordem regional-nacional e a economia agrícola nos níveis de espaço-
tempo em escala estadual permeia estas relações.
Serão evidenciados nesta análise os brasões de armas do Piauí, Rio Grande
do Norte, Paraíba e Mato Grosso do Sul como os que apresentam maior grau desta
representatividade. No caso do Paraná, além da evolução histórico-heráldica, a
análise também contempla a sua bandeira estadual, pois nelas aparecem
elementos-símbolos da flora local.
No que tange à biodiversidade das espécies vegetais, aparece como exemplo
o brasão de armas do Piauí, criado pela lei n 1.050, de 24 de julho de 1922,
durante o governo de João Luís Ferreira. Ele é composto de um escudo samnítico,
cortado, contendo sobre um campo de ouro a representação, em verde, uma ao lado
da outra de forma eqüidistante, das três palmeiras nativas do Piauí: a carnaúba
(Copernicia prunifera) à destra, lembrando a fase nômade e pastoril de penetração
pelos bandeirantes na região. Ao centro há o buriti (Mauritia vinifera), marcando a
época subseqüente de fixação e estabelecimento dos primeiros núcleos de
povoamento do Estado e por fim o babaçu (Orbignya phalerata), à sinistra,
assinalando a evolução econômica enquanto cultivo agrícola.
125
Delimitando o escudo e separando seus campos um pequeno filete na cor
vermelha. No campo inferior, tendo por base o campo de prata, estriados por faixas
na cor azul, sobrepõem-se, dispostos em roquete, três peixes piaus,
126
em prata,
representando os três principais rios do Estado: o Parnaíba, o Canindé e o Poti. As
faixas azuis alternadas com o campo de prata, sendo sete ao total, correspondem
aos principais afluentes da margem direita do rio Parnaíba. Embora o descritos na
lei, um inventário mostra que estes os rios seriam, por importância e extensão: o
Uruçuí-Açu ou Preto, o Prata, o Gurgueia, o Itaueira, o Longá, o Canindé e o Poti.
O escudo tem por timbre uma estrela de prata, simbolizando a aspiração ao
progresso, bem como a estrela de Antares (Alfa de Escorpião), a simbolizar o Estado
membro da Federação Brasileira. Há por suportes, um ramo de algodoeiro à destra e
125
Conforme os comentários encontrados em Clóvis Ribeiro (1933) e do Governo do Piauí (2009)
referente à justificativa da lei original de 1922. Disponível em: < http://www.pi.gov.br/piaui.php?id=2 >.
126
Quanto ao nome “Piauí”, este deriva do tupi pi'awa ou pi'ra'awa, que significa, por sua vez, “piau”
ou “peixe grande”, (GIRARDI, 2007) com a junção do adjetivo i (rio), que na grafia antiga se
apresentava como “Piauhy”. Portanto, o topônimo designa “o rio das piabas ou dos piaus”, devido à
abundância desses tipos de peixes em suas águas quando os primeiros colonizadores desbravaram
a região.
139
um feixe de cana-de-açúcar à sinistra, ambos floridos e ao natural, representando os
principais produtos agrícolas do Piauí na época em que o brasão foi adotado.
Abaixo do escudo, uma faixa em azul cobalto, onde se com letras de
ouro o mote, em latim: IMPAVIDUM FERIENT RUINAE (Suas ruínas feri-lo-iam sem
assustá-lo) pertencente à legenda do Estado, que foi derivada de uma ode do poeta
romano Horácio.
127
Abaixo desta frase, aparece a data de “24 de janeiro de 1823”,
que foi quando o Piauí declarou sua independência para se unir ao Brasil. Circunda
a estrela de prata, usada como timbre, a legenda: “ESTADO DO PIAUÍ”.
A diversidade da flora presente no Estado do Pia revela o contraste
biogeográfico de seu território, no qual ocorre uma zona de contato entre as florestas
subcaducifólias da Amazônia no trecho ocidental, cujo babaçu se caracteriza
enquanto palmeira típica; o buriti por sua vez está associado ao domínio dos
cerrados ao sul e a oeste do rio Uruçuí-Preto, da mesma forma que aparece a
carnaúba (IBGE, 1977b). Os carnaubais formam florestas que tem predominância
nas planícies aluviais dos principais rios do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e
Bahia, cumprindo importantes funções para a manutenção do equilíbrio ecológico da
região, como a conservação dos solos, fauna, cursos d’água e mananciais hídricos
(CEARÁ, 2008).
No caso do brasão de armas do Rio Grande do Norte,
128
que tem sua origem
no decreto-lei n.º 201, de de julho de 1909, as espécies vegetais figuram como
ornamento exterior. Trata-se de um escudo disposto em campo aberto, cujo plano
inferior, chamado de campanha, tem a representação do mar, onde navega uma
jangada com sua vela enfunada ao vento, representando a indústria do sal e a
atividade tradicional da pesca, sob um u matutino. No terço superior, em chefe,
em campo de prata, figuram ao centro dois capuchos de algodão produto de
importância na economia agrícola do Estado na época em que este símbolo foi
criado que estão ladeados à esquerda e à direita por duas flores de algodoeiro;
ambos estão dispostos em suas cores naturais.
127
A legenda completa em latim é a seguinte: Justum et tenacem propositi virum / Non ardor civium
prava jubentium, / Nec vultus instantis tyranni / Mente quatit solida neque Auster, / Dux inquieti
turbidus Hadriae, / Nec fulminantis magna manus Jovis; / Si fractus illabatur orbis, / Impavidum
ferient ruinae. (Ao varão justo e firme em seus propósitos / não abala em sua decisão sólida nem a
paixão dos cidadãos a exigir coisas injustas,/ nem as insistentes ameaças de tirano, / nem o [vento]
Austro, / dono turbulento do inquieto Adriático, / nem a poderosa mão de Júpiter fulminante. / Se o
mundo despedaçado se desmoronasse, / suas ruínas feri-lo-iam sem assustá-lo) [grifo nosso].
128
Sancionado pelo governador Alberto Maranhão, sua autoria deve-se ao escultor Corbiniano Vilaça.
140
Por suportes, ladeiam o escudo, à sua altura, um coqueiro (Cocos nucifera), à
destra, e uma carnaubeira (Copernicia prunifera), à sinistra, tendo os troncos ligados
por dois feixes de cana-de-açúcar que estão atados por um laço nas cores
nacionais, em verde e amarelo. Tanto os móveis do escudo (as flores no chefe)
quando os suportes, nas suas cores naturais, representam a flora típica do Rio
Grande do Norte conforme a descrição legal.
129
Por timbre, há sobre o escudo uma
estrela de prata, chamada de “Lambda” e pertencente à constelação de Escorpião,
que simboliza o Estado como membro da Federação Brasileira.
130
Neste caso, aparecem duas espécies que realizam por seu simbolismo a
contraposição e complementação entre a flora típica do litoral e interior do Estado. O
coco como representante da vegetação litorânea entre as dunas que formam a costa
potiguar versus a carnaúba, que além de figurar nas áreas e brejos úmidos da
floresta caducifólia não espinhosa (IBGE, 1977b), região esta correspondente ao
agreste, passaria a ser produto de exploração econômica desde o início do século
XIX (ALVES FILHO, 2000). A representação da cana-de-açúcar revela a atividade
econômica de caráter complementar nesse período, assim como o algodão, que se
tornou desde meados do século XIX importante incremento da economia do Rio
Grande do Norte.
131
O contraste entre o interior e o litoral também figura no brasão de armas do
Estado da Paraíba, quando o então governador Walfredo dos Santos Leal,
sancionou a lei n.º 266, de 21 de setembro de 1907, que adotava o mbolo que
deveria ser usado nos papéis e documentos do Estado.
132
129
Durante o governo de Dinarte de Medeiros Mariz, a flor do algodoeiro foi instituída pela lei n.º
2.160, de 3 de dezembro de 1957, como o emblema floral do Estado.
130
A bandeira do Estado do Rio Grande do Norte instituída pela lei n.º 2.160, de 3 de dezembro
1957 compõe-se de um campo retangular bicolor, cortado por uma faixa verde superior e outra
branca inferior, onde ao centro, assenta-se um escudo samnítico em amarelo-ouro, cor simlica da
riqueza, da luz do sol, da energia e do valor, que serve de fundo onde esposto, em abismo, o
brasão de armas do Estado, cujo desenho é idêntico ao modelo instituído originalmente em 1909.
131
Seja como for, a cultura algodoeira, em franca expansão desde o início do século XIX, assim como
a extração de sal, finalmente liberada por decreto de 1808, iriam contribuir para a retomada da
economia do Rio Grande do Norte. Aliás, desde as secas de 1845 e, sobretudo, aquelas de 1877 e
1880, que os setores dominantes locais optam por um maior apoio ao cultivo do algodão (uma planta
nativa, do conhecimento dos índios) e da cana-de-açúcar. Porém, essa reciclagem não era
aparentemente isenta de marchas e contramarchas: a produção açucareira, por exemplo, seria
fortemente atingida pelo processo que iria conduzir à abolição do trabalho escravo. Em um primeiro
momento, a industrialização parecia que iria se beneficiar com o desmoronamento da velha ordem.
Afinal, no mesmo ano de 1888, seria inaugurada a primeira fábrica têxtil da província [...] (ALVES
FILHO, 2000, p. 175).
132
Embora tenham sido criadas em 1907, as armas do Estado da Paraíba foram utilizadas a partir
de 1925, no governo de João Suassuna, devido às dificuldades e à falta de tecnologia gráfica para a
141
Ele compõe-se de um escudo, com três ângulos na parte superior e um,
ligeiramente arredondado na parte inferior, bordado de azul, em que se inserem
dezesseis estrelas de prata, sendo quinze delas cercando o escudo e uma,
representando a capital, por timbre, ao alto, com um barrete frígio ao centro, que
aludem às comarcas da Paraíba
133
na época em que foi adotado o símbolo. O
barrete frígio simboliza os regimes republicanos e representa o ideal de liberdade.
Ocupam o fundo do escudo, duas paisagens representativas do Estado, uma
delas é simbolizada pelo sol nascente, aludindo ao trecho que corresponde ao litoral
paraibano, além do horizonte avistado; a outra, reportando-se ao interior, mostra um
campo de criação, onde um rebanho bovino pasta, acompanhado de um “pegureiro”,
assim chamado o pico pastor que guarda o gado, com sua indumentária própria
para enfrentar o árduo trabalho.
Ladeiam o escudo, como principais culturas agrícolas da Paraíba na época, à
destra, uma haste de cana-de-açúcar empendoada (com flor), representando o
cultivo tradicional nas áreas úmidas e nas encostas baixas na região da Zona da
Mata, e um ramo de algodão encapuchado à sinista, do tipo arbóreo, cultivado nas
áreas do sertão e semi-árido, na região da floresta caducifólia não espinhosa; ambos
estão dispostos em suas cores naturais e com seus galhos entrecruzados, atados
por um laço na cor vermelha que também amarra um listel de cor azul com a data “5
DE AGOSTO DE 1585”.
134
Observa-se que o brasão apresenta em sua figura central a representação do
interior da Paraíba no início do século XX, com os aspectos da atividade tradicional
da criação de gado face à economia açucareira que dominou seu litoral durante os
quatro séculos anteriores; dentre os brasões dos Estados nordestinos com
expressivo litoral, este é o único que se reporta à representação do interior como
sua confecção. O desenho original do brasão é de autoria do pintor professor paraibano de desenho,
Genésio de Andrade, natural do município de Mamanguape.
133
A Paraíba, nessa época, tinha 88 distritos de paz, 20 “termos(um subdivio da comarca, sob a
jurisdição de um juiz), 16 comarcas, e formava um distrito para o Superior Tribunal de Justiça, que
tinha sua sede na Capital e compunha-se de seis membros, um dos quais servia de Procurador
Geral. As comarcas representadas no brao de armas pelas estrelas de prata eram as seguintes: a
capital João Pessoa por estrela do timbre; Itabaiana; Guarabira; Mamanguape; Areia; Alagoa Grande;
Bananeiras; Campina Grande; São João do Cariri; Alagoa do Monteiro; Picuí; Patos; Piancó; Souza;
Pombal e Cajazeiras (VARANDAS, 2008).
134
Esta data refere-se à fundação, às margens do rio Sanhauá, um afluente do rio Paraíba, da
capitania e de sua capital, cujo primeiro nome foi Filipéia de Nossa Senhora das Neves, por ter sido
fundada em seu dia santo.
142
figura ou paisagem principal, embora o sol procure recordar uma região litorânea
não perceptível.
135
De fato, na constituição da economia açucareira no Nordeste, assentada nas
áreas úmidas da chamada “Zona da Mata”, que desde o século XVI criou por reflexo
a expansão da atividade criatória na formação do “complexo econômico nordestino”
(FURTADO, 2005),
136
relegou desde os primeiros tempos da colônia a criação de
gado aos setores afastados e impróprios para a agricultura,
137
onde toda esta vasta
área que compreende mais de um milhão de quilômetros quadrados, se destinou
quase exclusivamente à criação de gado vacum para o abastecimento da densa
população da zona agrícola que se estende ao longo do litoral, desde a Paraíba até
a Bahia [...]” (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 188).
Em contraste com a relevância das espécies vegetais e das atividades
agropastoris, aparece o brasão de armas de Mato Grosso do Sul, adotado pelo
decreto estadual n.º 2, de de janeiro de 1979. Ele é composto de um escudo
português, onde se apresenta, partido em chefe, um campo azul com uma estrela de
ouro, representando o céu sul-mato-grossense onde agora brilha a estrela de mais
um membro da Federação. A cor dourada relembra ainda, o futuro promissor e
fecundo do Estado, bem como as suas riquezas minerais.
Sob o chefe, por base um campo verde (representando a planície do
Pantanal), onde aparece a figura de uma onça pintada (Panthera onca) passante,
estilizada na cor dourada e semeada com suas pintas negras características, como
135
Talvez, pela estrutura do brasão que originalmente foi feita sem cores, é arriscado levantar qual a
proposta original do autor, mas pelo presente, nota-se que a vegetação da “caatinga verde” retrataria
um período de maior umidade, talvez por querer este símbolo “mascarar” a questão do flagelo e da
pobreza a que a imagem da “caatinga secaestaria associada. Relembra Alves Filho (2000) que o
conflito na região esteve associado à ocorrência de grandes secas, assolando, sobretudo, a região
sertaneja. Quanto ao sistema agrário, comenta o autor (2000, p. 129) que: na verdade o sistema
agrário permanece o mesmo, e grande dose da renda geral da Paraíba advém, ainda, da exportação
de açúcar e do algodão, como no princípio do século XIX. Ora, essa base agrária era tecnicamente
das mais atrasadas do Brasil [...].
136
Sendo a criação nordestina uma atividade dependente da economia açucareira, em princípio era a
expansão desta que comandava o desenvolvimento daquela. A etapa de rápida expansão da
produção de açúcar, que vai até a metade do século XVII, teve como contrapartida a grande
penetração nos sertões. [...] A expano pecuária consiste simplesmente no aumento dos rebanhos e
da incorporação – em escala reduzida – de mão de obra (FURTADO, 2005, p. 65).
137
Caio Prado Júnior (2008, p. 188) assinala dentre os fatores naturais de aproveitamento do sertão
nordestino para a atividade criatória, estava “a vegetação pouco densa da caatinga, o que permite o
estabelecimento do Homem, sem trabalho preliminar de algum desbastamento; o relevo úmido que se
estende por largas chapadas; a presença freqüente de afloramentos salinos que fornecem ao gado
os chamados “lambedouros”, onde ele se satisfaz desse alimento indispensável”.
143
representação legítima da fauna de Mato Grosso do Sul;
138
esta é também por seu
simbolismo na heráldica, representação da solidez, firmeza, segurança, audácia e
bravura.
O escudo é composto, ainda, de uma bordadura em azul, separado por filetes
de prata e coberto com cinqüenta e cinco estrelas de mesmo metal, representando
os municípios que fizeram parte do novo Estado em de janeiro de 1979, quando
de sua separação do território de Mato Grosso. Por suportes, um ramo de café
frutificado à direta do escudo e à esquerda figura um ramo de erva-mate, em flor,
destacando-se como as duas culturas significativas na história e na economia
agrícola do Estado, a primeira ligada ao avanço da zona cafeicultora do vizinho
Estado de São Paulo já em pleno século XX e a segunda relembrando a extração
vegetal dos ervais que cobriam o sul de Mato Grosso do Sul, na região da “Mata de
Dourados” (IBGE, 1977d), como principal atividade
139
depois da pecuária.
Por timbre, figura ao fundo um sol nascente de ouro, com seus raios
bipartidos, representando a fama, a glória, a liberdade e o porvir. Abaixo do escudo,
está posta uma faixa azul, onde se lê, em letras de prata: “11-10-1977” data da lei
complementar n.º 31, que criou o Estado de “MATO GROSSO DO SUL”, cujo nome
está escrito nas dobras inferiores da fita.
Embora houvesse projetos anteriores para a criação de um brasão para o
Estado do Paraná desde a sua autonomia em 1853 (STRAUBE, 1987, 2002), o
primeiro modelo adotado (1902-1905) era muito parecido com o brasão da República
brasileira. Ele era composto de um escudo redondo, filetado de ouro, na qual
figuravam vinte e uma estrelas de prata sobre uma bordadura azul. Ao centro havia
a representação cartográfica do Estado do Paraná, com destaque para o relevo
(STRAUBE, 1987, 2002).
O escudo estava assentado sobre uma estrela de cinco pontas, partida e
gironada nas cores verde e amarela e filetada de vermelho, na qual se colocava, em
brocante, a figura de uma espada de prata, com punho em azul, revestido de
vermelho, com uma estrela e filete de ouro.
138
Conforme a descrição feita pela ementa do Decreto de nº. 2, de 1º de Janeiro de 1979. Disponível
em: < http://www.ms.gov.br >. A mesma justificativa aparece no livro comemorativo dos 30 anos em
comemoração da lei que instituiu o Estado de Mato Grosso do Sul.
139
Conforme o anuário estatístico do IBGE de 1972, o período de 1956-1972 mostra que o Estado de
Mato Grosso [do Sul] ocupava o quarto lugar na produção de erva-mate do Brasil, atrás apenas dos
três Estados da Região Sul, embora as exportações de erva-mate do Brasil no período de 1920-1972
já tivessem caído vertiginosamente por conta do aumento da produção nos países vizinhos; a crise
veio a se dissipar na década de 1970 devido ao aumento do mercado interno (IBGE, 1977e).
144
Figura 21: Brasões de armas – biogeografia e economia agrícola.
Brasão do Piauí (1922) Buriti Babaçu
Brasão do Rio Grande do Norte (1909) Carnaúba Coqueiro
Brasão da Paraíba (1907) Brasão de Mato Grosso do Sul (1979)
145
Ladeavam o escudo um ramo de café, à destra e um ramo de fumo à sinistra.
A estrela assentava-se sobre um sol de ouro e abaixo deste, havia um listel em azul
onde se escrevia com letras em ouro: ESTADO DO PARANÁ e a data de sua
emancipação “19 DE DEZEMBRO DE 1853”.
140
A lei n.º 592, de 24 de março de 1905
141
alterou as cores do brasão, que
durou até 1910, mantendo-se o desenho original com a silhueta geográfica do
Estado ao centro do escudo redondo, com a bordadura semeada de estrelas entre
os filetes de mesmo metal e um dos flancos da estrela, partido em verde, e o
restante em prata, tendo a espada e o listel usado do mesmo padrão como esmalte.
Também os raios celestes foram mudados para o metal prata e os ramos de cae
fumo que ladeavam o escudo foram substituídos por uma grinalda de dois ramos de
araucária, à destra, e de erva-mate, à sinistra, valorizando a flora típica da região.
Significativamente foi o desenho do terceiro brasão de armas do Paraná,
instituído pela lei n.º 904, de 21 de março de 1910, idealizado pelo pintor de origem
norueguesa Alfredo Emílio Andersen e promulgado pelo então governador Francisco
Xavier da Silva, na qual apresentava o modelo que seria o precursor para a
idealização do atual brasão de armas do Estado.
Compunha-se de um escudo filetado de prata, onde se observava, em
primeiro plano, a figura de um trabalhador, ao natural e com indumentária típica do
homem do campo, ceifando um campo farto (de trigo), representando o caráter
agrícola e econômico do Paraná. Ao fundo se via, entre os campos, uma orla de
pinhais (araucárias), representando a vegetação natural, limitada pela cordilheira
marítima (Serra do Mar), com um sol nascente sobre o céu azul; a figura celeste
aludia ao futuro promissor do Estado.
Por timbre, havia um falcão paranaense, também chamado de gavião de
penacho (Spizaetus ornatus), pairando sobre o topo do escudo, ao natural e de asas
abertas, simbolizando a avifauna local e a manutenção da liberdade conquistada.
142
140
O brasão foi adotado através do decreto-lei n.º 456 de 29 de março de 1902, no governo de
Francisco Xavier da Silva.
141
Em uma sessão ordinária de 19 de março de 1905, o deputado estadual Alfredo Romário Martins
apresentou um questionamento ao legislativo quanto às cores do brasão, adotado três anos antes.
Ele enfatizava que o brasão, assim como a bandeira deveriam ser modificados, já que o primeiro
símbolo deveria usar as mesmas cores da bandeira estadual.
142
Straube (2002, p. 92-93) citando o projeto de lei n.º 26, datado de 4 de março de 1910 deputado
Alfredo Romário Martins, justifica a escolha desta espécie “[...] O tipo escolhido foi exatamente esse
que se representa no escudo que é o que no interior do nosso Estado é conhecido por gavião de
penacho, águia brasileira, natural do Paraná. [...] O que domina no nosso escudo de armas é o
Spizaetus ornatus, assim descrito [...] o alto da cabeça é negro, as costas e as asas brunas, com
146
Ladeavam o escudo, uma grinalda de pinho, à esquerda do observador e outra de
erva-mate, à direita, que traduziam as riquezas econômicas e naturais do Paraná.
Havia, finalmente, uma faixa toda em prata, onde se escrevia ao centro “ESTADO
DO PARANÁ”, tendo ao lado das pontas bipartidas a inscrição “19 DE DEZEMBRO
DE 1853”, data, como já mencionada, que o Estado conquistara autonomia.
O quarto brasão de armas do Estado (1947), assim como a bandeira, tamm
seriam alterados com a promulgação da lei complementar n.º 52, de 24 de setembro
de 1990. No caso das armas, foi mantido o escudo português do brasão em suas
proporções originais e o campo em vermelho converteu-se em verde (sinopla), que é
uma das cores oficiais do Estado. O trabalhador que figurava ao centro, todo em
prata, voltado para a destra e segurando um alfanje, foi substituído por um
semeador, de mesmo esmalte e com as mesmas características.
Foi mantida a cor azul em chefe do escudo e o sol nascente foi deslocado
para a destra, do qual apresenta, na heráldica, a feição humana; por ser nascente,
aparecem apenas os olhos e nove dos dezoito raios retilíneos e flamejantes
alternados (STRAUBE, 2002). Os três morros de prata foram substituídos pelo perfil
geográfico do Estado, à sinistra, cujo desenho topográfico se baseou nos estudos
feitos por Reinhard Maack e João JoBigarella sobre o relevo paranaense.
143
Com
relação aos morros de prata, ele começa desde o nível do mar, passando pelos três
planaltos (o Oriental de Curitiba, o Central de Campos Gerais e o Ocidental de
Guarapuava) e atingindo a calha do rio Paraná conforme a descrição topográfica.
O gavião real ou harpia se apresentava de asas estendidas, pousado sobre o
escudo, agora com a cabeça para frente ligeiramente voltada para a direita do
mesmo. O ramo de erva-mate foi ajustado à realidade botânica, com as folhas
dispostas alternadamente e os frutos na cor marrom-escuros, quase pretos. O ramo
de araucária também recebeu o mesmo tratamento gráfico, apresentando as
acículas dispostas continuamente de um ramo jovem, e não mais em pequenos
grupos como estava representado anteriormente. Este brasão e a bandeira foram
grandes malhas pretas. A nuca é bruno-vermelha: é preta uma tira que saindo do canto da boca, vai
ao longo da garganta branca até abaixo dos olhos; o meio do peito e a rabadilha muito brancos, a
barriga e os calções pretos, listrados transversalmente de branco”.
143
Conforme comenta o IBGE (1977e, p. 28) “A partir de 1960, ganharam importância para a
compreensão do modelado [do relevo paranaense] as pesquisas desenvolvidas por Bigarella e
outros, publicadas pela Universidade do Paraná”. Entre os estudos geológicos, contam-se os de
Maack (1947) voltados para a geologia regional. Entre os estudos geomorfológicos destacam-se os
de Bigarella (1946, 1947) e Maack (1950).
147
substituídos pelo decreto-lei n.º 5.713, de 27 de maio de 2002, voltando a vigorarem
como os símbolos oficiais do Paraná aqueles adotados em 1947.
Finalmente, o atual brasão de armas do Estado do Paraná, voltou a ser
aquele estabelecido pelo decreto-lei n.º 2.457, de 31 de março de 1947. No campo
cortado de goles, que tem por base o escudo em estilo português, encontra-se a
figura, toda em prata, de um lavrador que segura um alfanje, em atitude de trabalho,
voltado para a destra, que representa a destinação agrícola do Estado. A roupagem
que o cobre (calça, sapatos e chapéu) é o tipo de vestimenta do homem do campo e
o alfanje simboliza o trabalho frutífero e as colheitas (STRAUBE, 1987; 2002). A cor
vermelha indica a terra, tanto no ato de ser cultivada, como tamm o valor e a
nobreza dos solos paranaenses, no qual os solos oriundos da decomposição dos
derrames basálticos do terceiro planalto paranaense conferem o melhor exemplo da
denominada “terra roxa” para a rego.
No terço superior do escudo, chamado de chefe, em azul, encontra-se o sol
nascente em amarelo ouro com nove raios, direita do observador), sendo este,
por seu incessante brilho, o símbolo da glória, da fama e de um futuro promissor. Os
três montes revestidos de prata à destra representam, por sua ordem decrescente, o
relevo paranaense no sentido de Leste para Oeste com seus devidos planaltos: o
Oriental ou de Curitiba, o Central ou dos Campos Gerais e o Ocidental ou de
Guarapuava, cujas altitudes estão próximas a 900, 1.215 e 1.365 metros
respectivamente, conforme assinala Straube (1987; 2002). Complementa esta
informação Ab’Sáber (2003, p. 19) ao dizer que “trata-se de planaltos de altitude
média, variando entre 800 e 1300 m, revestidos por bosques de araucárias de
diferentes densidades e extensões [...]”.
Por timbre, pousado sobre o escudo, encontra-se um gavião real, também
chamado de harpia, nhapecani ou uiraçu (Harpia harpyja), todo de prata e de asas
abertas maior ave brasileira e cujo habitat preferencial são as florestas tropicais,
entre elas, as matas Atlânticas onde sua presença era notada.
144
Assinala Straube
(2002) que era este o totem dos índios guaranis, pois sua presença nas aldeias
propiciava sorte às tribos. Ladeiam o escudo um ramo de erva mate (Ilex
144
A gralha azul (Cyanocorax caeruleus) é a ave-símbolo do Paraná, conforme a lei estadual n.º
7.957, de 12 de novembro de 1984. Essa ave passeriforme tem como principal alimento no inverno o
pinhão, que é a semente da araucária; ao enterrar a semente nos campos como forma de estocar
alimento, ela contribui para a perpetuação desta espécie, pois muitas delas germinam e se tornam
novas árvores. Na época que Alfredo Andersen elaborou o brasão do Estado (1910), resolveu colocar
por timbre uma ave nobre usada na heráldica, que neste caso foi o gavião real.
148
paraguariensis), à destra, e um ramo de araucária, pinho ou pinheiro-do-paraná
(Araucaria angustifolia) à sinistra; ambos estão ao natural e são indicativos da flora
característica do Estado e das riquezas naturais do Paraná.
No quesito econômico, a Região Sul foi, desde a Primeira Guerra Mundial até
o final da cada de 1950, a principal Região de extrativismo vegetal do Brasil
(IBGE, 1977e), em especial o Paraná, o tanto por causa da variedade de
produtos, mas especialmente pelo valor alcançado pela exploração das araucárias e
em particular do mate. Embora houvesse outras formações florestais expressivas
nas outras Regiões brasileiras, pode-se dizer que:
[a mata de araucária] era a mais homogênea, portanto mais fácil de explorar
economicamente, além disso, de madeira branca, apropriada para as
construções civis e de crescimento mais rápido que as espécies de madeiras-
de-lei. Condições ecológicas locais determinaram concentrações naturais de
araucária e de erveiras em determinados lugares do Planalto Meridional. A
exploração dos ervais nativos, foi estimulada, desde o século passado, pelas
elevadas importações de mate pelo Rio da Prata, em particular pela Argentina
(IBGE, 1977e, p. 338).
145
De fato, estes elementos típicos da flora e da economia sempre figuraram na
bandeira do Estado do Paraná, criada pela primeira vez em 1892.
146
Ela consistia de
um retângulo verde cortado transversalmente por uma longa faixa branca, disposta
em barra e formando um paralelogramo, tendo ao centro uma esfera azul, contendo
na zona equatorial e em sentido oblíquo, na ordem decrescente da esquerda para a
direita formada por duas linhas, tendo escrita em letras brancas a legenda “ORDEM
E PROGRESSO”. Sobre estas, cai uma linha perpendicular de mesma cor,
representando o Zodíaco na esfera, cujo plano esquerdo superior (do observador) é
colocado um barrete frígio na cor vermelha, este um mbolo republicano. No
hemisfério inferior ao ângulo esquerdo é colocada em branco uma das estrelas da
constelação do Cruzeiro do Sul e no direito as quatro restantes na referida
constelação. Circundando a esfera, havia um ramo de araucária à sinistra e outro de
145
Comenta Celso Furtado (2005, p. 150) que: Na região paranaense, por exemplo, a grande
expansão da produção da erva-mate para exportação trouxe um duplo benefício à economia de
subsistência, em grande parte constituída de populações transplantadas da Europa, no quadro dos
planos nacionais e provinciais da imigração subsidiada. Os colonos que se encontravam mais no
interior puderam dividir seu tempo entre a agricultura de subsistência e a extração de folhas de erva-
mate, aumentando substancialmente sua renda.
146
Aprovada através do decreto n.º 8, de 9 de janeiro de 1892, cuja autoria do desenho é de Manoel
Corrêa de Freitas, que o apresentou à Assembléia Legislativa do Estado, em 3 de julho de 1891.
149
erva-mate, à destra, ambos em suas cores naturais e entrecruzados na base de
suas hastes.
Ela passou por novas modificações em 1905,
147
cujo desenho perdurou até
1923, quando foi abolida por lei.
148
Esta bandeira apresentava um campo verde,
cotada transversalmente por uma faixa, do alto para baixo, agora disposta em
arco.
149
Reformulada pelo decreto n.º 2.457, de 31 de março de 1947, ela seria
novamente alterada quarenta e três anos depois, em 24 de setembro de 1990.
150
Esta bandeira durou até 27 de maio de 2002, quando o decreto-lei n 5.713, do
governador Jaime Lerner, restaurou o desenho da bandeira criado no ano de 1947.
Assim, o atual pavilhão paranaense compõe-se de um quadrilátero verde que,
desde o primeiro modelo, representa as matas do Estado.
151
Ele está atravessado
por uma faixa branca, disposta em banda, que contém ao centro a representação da
esfera celeste, em azul, com as cinco estrelas brancas que compõem constelação
do Cruzeiro do Sul na posição celeste em que se encontravam quando criada a
província do Paraná, em 19 de dezembro em 1853. Abaixo da estrela superior do
Cruzeiro, a esfera é atravessada por uma faixa branca, onde está escrita a legenda
“PARANÁ”, em verde. Durante todo o período, permaneceram os ramos de
araucária e de erva-mate, ora ao natural, ora estilizados e na cor verde, mas sempre
como indicativo das riquezas naturais do Estado e de sua flora característica.
147
A segunda bandeira do Paraná (1905-1923) resultou da modificação proposta através da lei n.º
592, de 24 de março de 1905, idealizada pelo deputado Alfredo Romário Martins.
148
Ela deixou de tremular após a promulgação da lei n.º 2.182, de 15 de março de 1923. A bandeira
foi restabelecida, assim como os demais símbolos, em março de 1947.
149
O centro ficou ocupado pela esfera azul, onde foram retiradas a linha zodiacal e o barrete frígio do
topo, permanecendo as estrelas do Cruzeiro do Sul que foram rearranjadas. A esfera ganhou uma
faixa na cor branca, que acompanhava a linha do arco, onde se escrevia com letras verdes o nome
do Estado: “PARANÁ”. Foram mantidos os ramos de pinho e mate conforme constavam na primeira
bandeira, mas agora estilizados em verde.
150
A bandeira do Paraná continuou alvo de debates durante as décadas seguintes a seu
restabelecimento (1947), formando-se uma comissão para a análise do símbolo em 1981. Sete anos
depois, o trabalho do professor Ernani Costa Straube sobre os símbolos do Estado (1987) possibilitou
a criação de outra comissão para estudar a bandeira, criada em 1988. Durante dois anos, a comissão
(composta por paranaenses de diversas áreas) indicou as distorções sofridas pelos símbolos,
apresentando uma proposta de legislação atualizada e explicativa, orientando o uso, respeito e
civilidade à bandeira. Quarenta e três anos depois, a bandeira do Paraná sofreria novas alterações
pela lei complementar n.º 52, de 24 de setembro de 1990, sancionada em solenidade no Palácio
Iguaçu pelo governador Álvaro Dias. No ato solene foi apresentada a nova bandeira do Estado, cuja
faixa voltou a estar disposta em paralelogramo, com a remoção da faixa branca na esfera azul com o
nome “Paraná” e a adequação da representação dos ramos de erva-mate e araucária, assim como
havia sido feito no brasão de armas.
151
Além das matas de araucárias, poder-se-ia incluir genericamente neste caso, a floresta
subcaducifólia tropical (mata atlântica) na região litorânea e a floresta subcaducifólia subtropicial
ocupando os planaltos do interior até as calhas limites dos rios Paranapanema e Paraná; há também
o predomínio de manchas de cerrado conforme a classificação apresentada pelo IBGE (1977e).
150
Figura 22: Bandeiras e Brasões do Estado do Paraná.
Primeira Bandeira (1892-1905) Segunda Bandeira (1905-1923)
Quarta Bandeira (1990-2002) Bandeira atual (1947-1990/2002)
Primeiro Brasão (1902-1905) Segundo Brasão (1905-1910)
151
Figura 22: Bandeiras e Brasões do Estado do Paraná (continuação).
Terceiro Brasão (1910-1947) Quinto Brasão (1990-2002)
Brasão atual (1947-1990/2002) Acículas da Araucária (alto à esquerda),
folhas de erva-mate (alto à direita) e o Gavião
Real (Harpia harpyja) na fotografia abaixo.
152
6.2 Expressões cartográficas e paisagísticas
Contemplando as diferentes dimensões de ordem geográfica, as referências
espaciais aparecem através dos mapas, cuja representação é dada como uma parte
ou dimensão da realidade observada.
152
Essa representação, da mesma forma que
é analítica e instrumental, também porta-se como simbólica e cultural, através das
diversas escalas que a compõem, como uma fração da superfície representada e do
tamanho ou escala do espaço a ser considerado. Isso adquire importância ao se
ressaltar no desenho gráfico das bandeiras e brasões elementos que muitas vezes
não se fazem parte de uma realidade física perceptível pela escala real, mas por
uma escala de ordem simbólica, que os coloca de forma imaginativa como algo
perceptível e representável nesse sentido.
No que compete à questão da escala, como um dos elementos importantes
na representação cartográfica, e avançando além desta, como uma medida que
confere visibilidade a um fenômeno, ressalta Iná Elias de Castro (1995, p. 133-136)
que:
As diversas escalas supõem, portanto, campos de representação a partir dos
quais é estabelecida a pertinência do objeto, mas cada escala apenas indica
o espaço de referência no qual se pensa a pertinência, mais geralmente a
pertinência do sentido atribuído ao objeto definido pelo campo de
representação [...] A escala é, portanto, o artifício analítico da visibilidade do
real. [...] a escala é a escolha de uma forma de dividir o espaço, definindo
uma realidade percebida/concebida; é uma forma de dar-lhe uma figuração,
uma representação, um ponto de vista que modifica a percepção mesma da
natureza deste espaço, e, finalmente, um conjunto de representações
coerentes e lógicas que substituem o espaço observado. As escalas,
portanto, definem modelos espaciais de totalidades sucessivas e
classificadoras e o uma progressão linear de medidas de aproximação
sucessivas.
No que compete aos mapas, Almeida (2003, p. 13) salienta que a “elaboração
dos mapas não é determinada apenas pela técnica; os mapas expressam idéias
sobre o mundo, criadas por diversas culturas em épocas diferentes”. A cartografia
assim não trata apenas da representação precisa dos mapas, mas expressa a
cultura de uma sociedade em determinado período histórico, produzindo uma visão
de mundo a respeito dos dados mapeados. Da mesma forma, as bandeiras e
152
Portar-se-ia o mapa então como um “quadro arbitrário de escolhas dos objetos e fenômenos que
desejamos colocar em relação. Desse modo, a carta é um meio gráfico usado como instrumento de
demonstração” (GOMES, P. C. C., 2001, p. 103-104).
153
brasões, por sua estrutura semântica e sintática, procuram expressar essas
relações, tanto pelos desenhos, faixas, divisões, peças e cores
153
que carregam.
Assim, enquadram-se nesta categoria de análise, os brasões de armas do
Amazonas, Amapá, Goiás, Tocantins, Rondônia e Distrito Federal (Brasília). Com
relação às bandeiras, estas expressões estão presentes nos pavilhões estaduais do
Amazonas, Santa Catarina (1895-1953), Amapá, Tocantins, Roraima, Rondônia,
Sergipe e Distrito Federal (Brasília), na qual se procura investigar e estabelecer
conexões de como estas formas de representação gráfica no plano simbólico se
ajustam à realidade e às expressões de ordem cartográfica, espacial e paisagística.
O primeiro exemplo dessa relação aparece no brasão de armas do
Amazonas, instituído pelo decreto n.º 204, de 24 de novembro de 1897, firmado pelo
então governador do Estado, coronel José Cardoso Ramalho Júnior.
154
Pode-se
descrevê-lo da seguinte maneira: em sua elipse, posta no centro do escudo, aparece
uma faixa em amarelo-ouro que o divide em três campos, representando a
confluência do rio Negro com o rio Solimões a partir dela é que se forma o rio
Amazonas.
155
O campo azul, abaixo da margem direita dos rios, representa o céu do
Brasil, onde uma estrela de prata indica a paz e o progresso; na junção dos dois rios,
no terço superior, também em azul, há o desenho de um barrete frígio, na cor
vermelha, símbolo da lealdade do Amazonas à República. No flanco destro da
elipse, um campo verde, representando as florestas, onde estão postos duas
153
Algumas considerações sobre a sensação psicológica cores são apresentadas por Duarte, P A.
(1991, p. 41-43): as cores frias denotam uma quietude e tranqüilidade, além de frescura. Elas criam a
ilusão de profundidade, dando a impressão de que se situam atrás dos planos que as contêm. O
verde lembra umidade e frescura [...] O azul é uma cor que lembra o ar e a água, a pureza,
simplicidade, frescura e calma [...] A cor violeta lembra frescura, delicadeza (quando em tons claros),
silêncio. As cores quentes são atraentes em razão dos efeitos de vivacidade, calor e alegria. Elas
também parecem aproximar-se de nossos olhos, sendo salientes e agressivas, dando-nos a
sensação de diminuição do ambiente. O amarelo é a mais alegre das três cores primárias. Lembra
luz, vida, ação, poder. Por sua proximidade ao verde, é a mais fria das chamadas das “cores quentes
[...] A cor laranja lembra dinamismo, prosperidade, luz do sol, alegria, excitação [...] ouro, riqueza.
Também é uma cor que a sensação de avanço do ambiente [...] Pode aparecer também em
representação de densidades entre o amarelo e o vermelho [...] O vermelho é a cor associada ao
amor, prazer, alegria, sabor e aromas agradáveis, sensualidade. Misturada com o branco vai dar o
rosa, que é tênue, delicado, distante, feminino, adocicado. Lembra ainda atividade, calor, fogo, poder
e guerra [...].
154
Ele seria oficialmente regulamentado pelo decreto n.º 10.534, de 16 de setembro de 1987.
155
Apesar de a cartografia moderna consagrar universalmente os rios na cor azul, deve-se fazer uma
ressalva sobre as diferentes formas de representação das sociedades e culturas e como elas também
influenciam a constituição dos símbolos. É comum, na cartografia indígena, por exemplo, representar
os rios na cor amarela por conta dos sedimentos que eles carregam; a cor azul é geralmente
reservada ao céu, pois este é um elemento que aparece em suas representações, que são colocadas
em três dimensões, diferentemente dos mapas tradicionais, em que se representam apenas as
feições da superfície terrestre.
154
setas cruzadas e duas penas entrelaçadas a simbolizarem a civilização moderna. A
elipse é circundada por uma corrente presa por quatro volutas que saem do escudo,
cuja base assenta-se uma âncora, tudo de ferro, símbolo da navegação e de sua
importância histórica e econômica para o Estado, onde os rios representam as vias
clássicas de circulação.
Abaixo da elipse aparece uma faixa, na cor verde, e cuja fita amarra a âncora,
na qual saem dois ramos em direção às extremidades do escudo; nela aparece a
inscrição com as datas 22 DE JUNHO DE 1832”, na qual o Amazonas buscou a
independência provincial, o que se fez àquela altura pela luta armada, e “21 DE
NOVEMBRO DE 1889”, quando o Estado aderiu à República. Do lado direito do
observador, aparecem, sustentados e atados às cordas em vermelho, os emblemas
da indústria (uma ferramenta e uma roda dentada) e do respectivo lado esquerdo, os
mbolos do comércio e da agricultura (um caduceu e uma cornucópia). No alto do
escudo, pode-se ver ainda o sol radiante, mbolo da boa fama, da glória e da
liberdade e, pousada sobre um pedestal uma águia amazonense, estilizada e de
asas abertas, tudo da mesma cor, a simbolizar a grandeza e a força.
Seria este brasão então uma representação, por meio de uma expressão
gráfica, de um recorte espacial de ordem cartográfica da região do entorno de
Manaus, enquanto capital do Estado, tendo sua importância e localização regional
aliada com a reprodução simbólica deste pedaço geográfico; um recorte onde nasce
justamente o rio que dá nome ao Estado: o Amazonas.
No caso da bandeira amazonense, sua origem data do ano de 1897,
156
quando foi confeccionada para ser levada aos campos de combate da guerra de
Canudos, ocorrida na Bahia, pelo batalhão militar amazonense que se integrou às
forças dos demais Estados naquela luta. O azul e o branco eram as cores
tradicionais usadas pelos portugueses durante o período colonial. A esta se soma a
cor vermelha, que pode ser interpretada pelo momento histórico em que foi criada,
de preparação para aquele combate (BRAGA, 2001); representa tamm o sangue
que corre nas veias dos amazonenses. Sobre o retângulo que forma o cantão azul,
são aplicadas 25 estrelas brancas, simbolizando o número de municípios existentes
em 4 de agosto de 1897 e indicando o momento histórico do embarque das tropas
para Canudos.
156
A bandeira do Estado do Amazonas foi consolidada pela lei n.º 1.513, de 14 de janeiro de 1982 e
regulamentada pelo decreto n.º 6.189, de 10 de março deste mesmo ano.
155
No centro desde cantão, a estrela maior, de primeira grandeza, representa a
capital Manaus. Da esquerda para a direita as estrelas menores simbolizam na
época os municípios de: Borba, Silves, Barcelos, Maués, Tefé, Parintins, Itacoatiara,
Coari, Codajás, Manicoré, Barreirinha, São Paulo de Olivença, Urucará, Humaitá,
Boa Vista (RR), Moura, Fonte Boa, Lábrea, São Gabriel da Cachoeira, Canutama,
Manacapuru, Urucurituba, Carauari e São Felipe do Juruá.
Assim, no caso da bandeira do Estado do Amazonas, sua estrutura procura
reproduzir graficamente os municípios amazonenses no final do século XIX através
do caráter simbólico presente nas estrelas, procurando ressaltar a iia de unidade
territorial através de seus membros. Embora a validade de sua representatividade
esteja ultrapassada (uma das estrelas da bandeira representa, inclusive, o município
de Boa Vista, que na época compreendia toda a área do Estado de Roraima), ela
não deixa de portar-se como um documento geográfico, mesmo que no plano
histórico.
Da mesma forma, as estrelas enquanto expressão gráfica representativa dos
municípios apareceram na primeira bandeira do Estado de Santa Catarina (1895-
1953), adotada pela lei n.º 126, em 15 de agosto de 1895. Ela era composta de
faixas brancas e encarnadas dispostas horizontalmente em mero igual ao de
comarcas do Estado
157
na época de sua adoção. Sobre um losango verde, colocado
no centro da bandeira, estavam impressas “tantas estrelas de cor amarela quantos
fossem os municípios catarinenses”.
158
Seu modelo gráfico se aproxima em muito do padrão de listras e estrelas
usado na bandeira norte-americana (que naquele caso procuram representar as
“Treze Colônias” originais com as faixas em branco e vermelho); da mesma maneira,
utiliza o losango e as estrelas com as cores nacionais em verde e amarelo, como
uma clara alusão ao padrão de representatividade da nova bandeira republicana do
Brasil na época. Ela voltaria a ser usada após a Constituição de 1946, mas, devido à
desatualização que se encontrava perante a transformação do quadro territorial de
157
As quinze principais comarcas do Estado em 1895 eram: a capital Florianópolis; Blumenau;
Brusque; Camboriú; Curitibanos; Itajaí; Jaraguá do Sul; Joinvile; Laguna; Lajes; São Francisco do Sul;
São Joaquim; São José; Tijucas e Tubarão.
158
Os vinte e um municípios na bandeira de 1895 eram: a capital Florianópolis; Araquari; Araranguá;
Biguaçu; Blumenau; Brusque; Camboriú; Criciúma; Curitibanos; Itajaí; Jaguaruma; Jaraguá do Sul;
Joinvile; Laguna; Lajes; Palhoça; São Francisco do Sul; São Joaquim; São José; Tijucas e Tubarão.
Essa descrição aparece no artigo 3º da lei nº. 126 de 1895.
156
Santa Catarina,
159
foi modificada para a versão atual em 1953, que em vez das
estrelas enquanto caráter municipal, passou a utilizar o brasão de armas do Estado,
que tem por escudo uma grande estrela.
160
As estrelas também podem assumir outras estruturas semânticas, conforme o
representado na bandeira do Estado de Sergipe. Seu histórico começa no final do
século XIX, quando o negociante e industrial sergipano José Rodrigues Bastos
Coelho, necessitando de um distintivo para identificar o Estado de procedência de
suas embarcações, elaborou uma bandeira retangular com quatro listras, com as
cores verde e amarela, dispostas alternadamente, tendo colocado em direção à
tralha, nas duas listas superiores, um cano retangular, em azul-cobalto, com
dimensão proporcional ao retângulo da bandeira, onde foram colocadas quatro
estrelas brancas, aplicadas nos ângulos do retângulo azul. O pavilhão passou a ser
conhecido nos portos freqüentados pelos navios de Bastos Coelho, como a
“Bandeira Sergipana”.
As cores usadas seguiram o modelo da bandeira nacional e as quatro estrelas
representavam as barras dos rios do Estado, provavelmente, as mais transitadas por
suas embarcações na época (SERGIPE, 1972). O erro da representação das barras
por estrelas (em lugar de âncoras, por exemplo) foi conservado, acrescentando-se
depois uma estrela central, em tamanho maior que as demais, perfazendo-se o
número exato das barras dos rios sergipanos, que eram: a barra do rio Sergipe ou
Aracaju; a barra do rio São Francisco; a barra do rio Real ou Estância; a barra do rio
Vaza-Barris ou São Cristóvão e a barra do rio Japaratuba.
159
Além dos novos partilhamentos territoriais decorrentes da emancipação política, vale lembrar que
no final do culo XIX ainda vigorava a chamada “Questão de Palmas”, conhecida equivocadamente
como “Questão das Missões(VIANA, 1949) área de disputa territorial entre o Brasil e a Argentina
em 1890 que compreendia o Oeste do Estado de Santa Catarina e Paraná e seria resolvida em
1895 – coincidentemente a mesma época em que o brasão de armas foi elaborado. Entre 1912-1916,
os Estados de Santa Catarina e Paraná estiveram envolvidos no conflito social da "Guerra do
Contestado", da qual ainda não haviam resolvido seus limites ocidentais até outubro de 1916.
Novamente, em 1943, durante o regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, o Oeste paranaense e
catarinense foi transformado no Território Federal do Iguaçu, retornando à condição original daquela
fronteira após 1946.
160
A atual bandeira de Santa Catarina foi estabelecida pela lei n.º 275, de 29 de outubro de 1953,
sancionada pelo então governador Irineu Bornhaussen e oficializada em 19 de fevereiro de 1954,
pelo decreto n.º 605. O decreto alterou o desenho original da bandeira, baseado na obra de José
Artur Boiteux, em 1895. Nesta disposição, ela é composta de três faixas horizontais de igual largura,
duas vermelhas e uma branca ao centro; sobre as faixas é posto um losango verde-claro, com a
mesma eqüidistância da bandeira brasileira, cuja cor representa a vegetação do Estado. Em seu
centro insere-se o brasão de Santa Catarina que foi criado em 1895.
157
A bandeira foi oficializada mediante a lei n.º 795, de 19 de outubro de 1920,
durante a gestão do governador José Joaquim Pereira Lobo e aproveitando as
comemorações do primeiro centenário de emancipação política do Estado.
161
Ela
conserva em seu simbolismo a representatividade da hidrografia sergipana; embora
incomum para rios tal representação gráfica, deve-se lembrar, conforme salienta
Znamierowski (2004), que a estrela é um dos símbolos que assume as mais
variadas dimensões representativas nas bandeiras.
A representação cartográfica per se figura no brasão de armas amapaense,
162
que compõe-se de um escudo em campo de prata laureado pelas cores vermelha e
azul, que retratam o antigo uniforme da guarda da fortaleza de São José de Macapá
(AMAPÁ, 2008), construída a partir de 1764 e cujas formas arquitetônicas estão
representadas nos flancos direito e esquerdo superiores do chefe. No centro,
aparece o mapa do Amapá, mostrando a riqueza de seus solos e a extensão
geográfica que o Estado ocupa da Federação. Sua cor em ouro representa as
riquezas minerais, no solo e no subsolo; simbolizando, ainda, a união, a e a
constância nos atos.
Em abismo, figura o amapazeiro (Parahancornia amapa),
163
seu simbolismo
reporta-se à hipótese mais aceita de que esta árvore tenha dado origem ao nome do
Estado.
164
Sua copa, na cor verde-musgo, representa a esperança, a no futuro, o
amor, a liberdade, a amizade, a abundância e a cortesia. Por base, ao pé do
amapazeiro, a cor verde representa os férteis campos agrícolas amapaenses. Divide
161
Após a proibição dos símbolos estaduais, em 1937, a bandeira voltou a tremular em 1946, tendo
sido alterada em 1951 e restabelecida a sua versão original um ano depois, pela lei n.º 458, de 3 de
dezembro de 1952. Na gestão do governador Arnaldo Rollemberg Garcez, a bandeira sergipana foi
alterada através da lei n.º 360, de 30 de outubro de 1951. A bandeira original, de 1920, foi mantida
em suas cores e disposição das faixas, mas sofreu alterações no desenho do retângulo superior em
azul, que passou a conter um total de quarenta e duas estrelas, representando os municípios do
Estado na época, e dispostas em tamanhos iguais em seis linhas horizontais por sete verticais. Tal
modificação durou até dezembro de 1952, quando foi retomada a bandeira original.
162
O brasão e bandeira amapaense foram desenhados pelo artista plástico Herivelto Brito Maciel,
depois de realizado concurso para a escolha dombolo, instituído oficialmente em 1984.
163
Sua descrição botânica mostra ser uma árvore pomposa no seu porte e rica em madeira de lei, de
cor alva; seu leite, folhas e frutos em tom roxo-escuro, do tamanho de uma maçã, serviam como
medicamento e fortificante aos primeiros habitantes do Amapá. Ainda hoje é muito usado na medicina
popular para o tratamento de doenças respiratórias.
164
A origem do nome “Amapá” é alvo de várias hipóteses. Na língua tupi, Amapá deriva da junção
das palavras ama (chuva) e paba (lugar ou morada), significando assim “o lugar da chuva” (GIRARDI,
2007). No entanto, a tradição fala que o nome teria derivado do nheengatu, um dialeto tupi-jesuítico
para expressar “a terra que acaba”, provavelmente devido às ilhas ao longo do litoral amapaense e
na foz do rio Amazonas, ou ainda, pelo fato de estas terras serem o então limite da colonização
portuguesa. A fonte mais aceita, no entanto, dá conta que a origem se refere a uma árvore comum na
região, chamada justamente pelo nome indígena de ama’pá.
158
o escudo um corte horizontal, sendo que este representa a linha divisória do
hemisfério, ou seja, a linha do Equador, com o seu marco em zero graus, zero
minutos e zero segundos, que atravessa a capital Macapá. Abaixo da linha do
Equador, no chamado corte nobre horizontal, enraiam-se vinte e cinco arestas
negras, fazendo lembrar a convergência para um ponto comum no mapa do Estado,
cuja cor simboliza a honestidade vivida e pregada, a obediência à Lei e à autoridade
e o respeito aos que se foram.
Por timbre, aparece ao topo uma estrela de prata com arestas douradas,
simbolizando o surgimento de mais um Estado da Federação. A prata é símbolo da
pureza, da serenidade e da paz, enquanto o ouro relembra a riqueza. Logo abaixo,
figura uma faixa prateada com os dizeres: AQUI COMEÇA O BRASIL”. O brasão é
guardado ainda, pelas palmas protetoras do amapazeiro, que estão entrecruzadas
na base e são unidas por um laço branco, simbolizando a fita do Divino Espírito
Santo, que representa o folclore amapaense (AMAPÁ, 2008).
A bandeira do Estado do Amapá, por sua vez, foi confeccionada a partir das
cores azul, verde, amarelo e branco, constantes na bandeira brasileira, mais a
adição da cor negra.
165
O campo azul simboliza a justiça e o céu amapaense e o
amarelo-ouro alude à união e às riquezas do subsolo do Estado. O verde representa
a floresta nativa, que ainda cobre 90% do Estado (AMAPÁ, 2008); esta cor tamm
simboliza a esperança, o futuro, o amor, a liberdade e a abundância do povo
amapaense. O branco denota a pureza e a paz, a vontade do Estado do Amapá em
viver com segurança e em comunhão com todos os que nele vivem e a de que
não haja discórdia entre o Poder Público e a população. O negro simboliza o
respeito permanente aos que morreram no passado, em lutas ou não, e os que em
vida fizeram algo de bom para o engrandecimento da região. O campo verde avança
ainda, para as extremidades da tralha da bandeira e sobre ele há uma figura
geométrica que representa a fortaleza de São José de Macapá, simbolizando que é
o Amapá é o guardião e a porta de entrada para toda a região da Amazônia
brasileira.
Assume assim a bandeira uma dimensão paisagística na posição horizontal,
ao lembrar o azul como céu, o verde como as matas e o amarelo como a riqueza do
solo, seria assim a soma destas listas, uma paisagem simplificada da sagração da
165
O desenho foi escolhido por uma comissão designada pelo então governador Aníbal Barcellos e
aprovado pelo decreto n.º 4, de 30 de janeiro de 1984.
159
natureza. A dimensão cartográfica, e, portanto, a inserção histórica e humana,
aparece com a representação da fortaleza num plano vertical como em um mapa
plano, em que figura o seu formato arquitetônico; observa-se que o alargamento da
faixa verde em direção à zona de tralha da bandeira, projeta a idéia de que a partir
daquele ponto, inicia-se toda a imensidão do “gigantesco domínio de terras baixas
florestadas da Amazônia, disposto em anfiteatro e enclausurado pelas terras
cisandinas e pelas bordas dos planaltos brasileiro e guianense“, termo este cunhado
por Ab’Sáber (2003), do qual o forte, assim como o próprio território amapaense
neste ponto de vista, representa o começo e a guarda, desde os tempos coloniais
portugueses, desta imensa região. Conforme ressalta Luchiari (2001, p. 13) “[...]
tomada isoladamente a paisagem é um vetor passivo. Somada ao valor social que
lhe é atribuído, transforma-se em espaço, processo ativo da dinâmica social”.
A representação das formas do território também assume a proporção das
metáforas, que neste caso, farão parte do escudo pertencente ao brasão de armas
de Goiás, adotado durante o governo do Dr. João Alves de Castro, através da Lei n.º
650, de 30 de julho de 1919 a mesma que instituiu seu hino e bandeira. Seu
escudo portanto a parte principal do brasão possui a forma peculiar de coração,
representando o Estado de Goiás, geograficamente o coração do Brasil”. Na parte
superior do coração, em chefe, numa paisagem que simboliza o território que seria
destinado ao Distrito Federal, ergue-se uma paisagem em que pastam serenos,
exemplares de gado bovino, representando a pecuária, a principal produção do
Estado e sua maior fonte de riqueza na época em que este símbolo foi adotado.
Produtos de grande relevância para a economia goiana estão representados por
ramos de café, de arroz, de fumo e de cana. Os dois primeiros aparecem timbrados
no alto do brasão, em forma de molho; os dois últimos compõem o ornamento
exterior do brasão, sendo o ramo de fumo à direita deste e o ramo de café do lado
esquerdo.
Compõe ainda o campo partido do escudo, dentro de um espaço em azul à
destra, o chamado “Cometa de Biela” (descoberto em 1826 pelo astrônomo
austríaco Wilhelm von Biela e observado em Goiás pela última vez em 1846), em
prata, que forma, com seus dois braços, a ilha do Bananal ou Santana, a maior ilha
fluvial do mundo (atualmente no território do Estado do Tocantins) sobre as águas do
rio Araguaia. Ainda, com relação aos rios, os cursos de água foram lembrados nos
anéis de prata que cingem os campos do coração. Trata-se de três anéis horizontais
160
que homenageiam as três maiores bacias hidrográficas que recebem as águas dos
rios de Goiás: a Amazônica, a do Prata e a do São Francisco, mostrando a
importância do próprio Estado junto ao Planalto Central com área de importantes
nascentes. tamm doze anéis verticais sobre o campo azul, que remetem aos
rios goianos de São Marcos, Veríssimo, Corumbá, Meia Ponte, dos Bois, Claro,
Vermelho, Corrente, Aporé, Sucuriú, Verde e Pardo.
Já a riqueza mineral de Goiás está descrita na parte inferior sinistra do
coração, pelo campo amarelo onde se destaca um losango vermelho (como o naipe
vermelho das cartas do baralho, chamada de “ouro”). Por base, está representado
um prato em chamas, um estratagema usado por Bartolomeu Bueno, às margens do
rio Vermelho para obrigar os índios a se submeterem ao seu domínio.
166
Depois da
separação do Estado do Tocantins, em 1989, o formato do brasão ganhou nova
justificativa, pois o território do Estado de Goiás ficou morfologicamente parecido
com o de um coração.
Nos casos mais recentes, como o do Estado do Tocantins, o brasão de armas
foi criado pela lei n.º 092, de 17 de novembro de 1989, após sua emancipação
política. Conforme a descrição legal, ele é composto de um escudo elíptico, cortado
em forma de arco na metade superior, tendo em chefe, na cor azul, a representação
do u, onde figura a metade de um sol de ouro estilizado, do qual se vêem cinco
raios maiores e oito menores, limitados pela linha divisória.
O sol dourado, do qual se apenas a metade despontando no horizonte
contra o azul do firmamento, é a imagem idealizada ainda nos primórdios da história
tocantinense, quando sua emancipação estadual parecia um sonho distante e
inatingível dos primeiros autonomistas. Simboliza, portanto, o Estado nascente,
como uma “nova grandeza” que surge e cujo futuro se ergue promissor e fecundo.
Na parte inferior, chamada de base, aparece sobre um campo de prata, símbolo da
pureza, da paz e da harmonia que reinam nesta terra, uma asna ou chaveirão, na
cor azul, tendo no termo o amarelo ouro.
A asna (peça heráldica em forma de “V” invertido) representa a confluência
dos rios Araguaia e Tocantins, principais cursos d’água que dão o forma geográfica
166
Conforme os relatos existentes, Bartolomeu Bueno da Silva (1672-1740), usando de artimanha
para conter a rebeldia dos indígenas que não queriam se submeter à escravidão, colocou álcool em
um prato dizendo que este era água e pôs fogo, que rapidamente se incendiou. Com medo de que
ele fizesse o mesmo com as águas do rio Vermelho, os índios passaram então a seguir suas ordens e
o apelidaram de Anhangüera, que em tupi-guarani significa “Diabo Velho”.
161
e os limites setentrionais do Estado; o também o manancial perene de riquezas e
recursos hídricos, fonte de vida e alimento para a população que vive às suas
margens. A cor dourada representa a opulência e os abundantes recursos minerais
que provém do solo tocantinense. Por timbre, figura uma estrela, chamada Épsilon,
em ouro, com bordadura azul, da constelação do Cão Maior, representativa da
condição do Estado do Tocantins como uma das unidades da Federação Brasileira,
encimada pelo mote em tupi: CO YVY ORE RETAMA, que significa em português
“Esta terra é nossa”, escrita sobre a faixa azul. Como suporte, aparece ladeando o
escudo uma coroa de louros, estilizada em verde, como justa homenagem e
reconhecimento ao valor do povo tocantinense, cujo esforço e determinação
transformaram o sonho da autonomia na mais viva realidade. Sob o escudo, aparece
um listel de azul de pontas bipartidas com a inscrição “ESTADO DO TOCANTINS” e
a data "1º DE JANEIRO DE 1989", abreviada em letras de prata, relembrando o dia
de sua emancipação político-administrativa.
Dessa forma, a idéia passada pelo brasão é a de como se uma pessoa, pela
própria questão da escala através do exagero dos elementos representados,
pudesse observar todo o território do Estado compreendido pelo campo amarelo
num lance de vista, da qual se destacam os dois cursos d’água (Araguaia e
Tocantins) que portam-se como seus limites naturais. No que confere à questão da
escala de representação da paisagem, Schatz e Fiszer (1991, apud CASTRO, 1995,
p. 135) argumentam que “da mesma forma, o ponto de vista da escala simbólica,
que atribui significado à parte representada do real, coloca sobre um mesmo nível de
concepção todos os particularismos dos espaços, ou seja, o que os diferencia uns
dos outros e permite destacá-los”.
Tal relação também aparece no projeto da bandeira do Tocantins, instituída
através da lei n.º 094, de 17 de novembro de 1989, que traz a mensagem de uma
terra onde o sol figurando ao centro da mesma e, constituído por oito raios
maiores, lembrando os pontos cardeais e colaterais, e dezesseis menores,
subcolaterais, assim como a chamada “rosa dos ventos” nasce para todos de
forma igual. De amarelo ouro, ele derrama seus raios sobre o futuro do novo Estado,
colocado sobre uma barra branca, símbolo da paz e do desejo de perpétua
harmonia entre os campos azul, superior, e amarelo, inferior, cores estas que
expressam, respectivamente, o elemento água e o rico solo tocantinense.
162
Após a criação do Estado de Rondônia, houve um concurso para a escolha
de sua bandeira, formalmente adotada pelo decreto n.º 7, de 31 de dezembro de
1981. O vencedor foi o arquiteto Silvio Carvajal Feitosa, que usou as mesmas cores
da bandeira do Brasil. Segundo o autor (apud DUARTE, 2001), a estrela branca,
conhecida por Gama, da constelação do Cão Maior, simboliza o novo Estado
brasileiro no céu da União, representando pela cor azul. O verde e o amarelo,
seguindo a linha do horizonte, mostram as potencialidades vegetal e mineral de
Rondônia.
Esta bandeira através de sua expressão gráfica lembra assim uma paisagem
idealizada, com o céu e a estrela limitados pela linha do horizonte. As linhas
paralelas que se deslocam do centro, onde está inscrita a estrela, para as
extremidades inferiores do campo da bandeira, recordando uma estrada ou caminho
a ser percorrido, retratam dessa maneira, o ideal de avanço sobre o território. Isso se
torna mais evidente ao se observar as etapas de formação do território rondoniense,
com o avanço ao longo do espigão central da Serra dos Parecis, onde a nova onda
colonizadora penetrou com a retirada de faixas contínuas da floresta amazônica,
como caminhos modernos da nova epopéia bandeirante em busca das riquezas
minerais e também do avanço da fronteira agrícola.
A bandeira de Roraima foi desenhada por Mário Barreto e tornou-se oficial em
14 de junho de 1996, pela lei estadual n.º 133. Ela compõe-se de um campo terciado
(dividido diagonalmente em três faixas), onde as suas florestas, selvas, lavrados e
campos estão representados através da cor verde, na faixa inferior. Na faixa
superior, o campo azul representa o ar puro e o céu do Estado, enquanto a faixa
branca, disposta em barra, é o mbolo de paz, unidade e harmonia. Sobre essas
cores está posta, ao centro, uma estrela em amarelo-ouro, a representar as riquezas
minerais presentes em Roraima. Complementa o desenho uma faixa vermelha, que
simboliza a linha do Equador, que atravessa o Estado; ela demonstra ainda, que a
maior parte de seu território situa-se no Hemisfério Norte.
Portanto, a própria idéia de localização expressa na bandeira roraimense
traduz sua correlação com o espaço geográfico e o plano cartográfico, na qual a
bandeira atua como um mapa cujos elementos simbólicos da natureza estão
contidos, de forma a representar o próprio corpo ou território do Estado. Quanto à
cobertura florestal, destacam-se a floresta subcaducifólia amazônica, com
interpenetrações da floresta perenifólia periodicamente inundada na várzea do Rio
163
Branco e floresta perenifólia higrófila ao sul; cabe salientar que os lavrados são a
denominação local das áreas naturais, principalmente das manchas de cerrados e
campos limpos existentes entre as terras florestadas destinadas à agricultura, que
fazem parte do complexo de Roraima
167
(IBGE, 1977a).
No que compete ao simbolismo dos elementos cartográficos, o caso do
brasão e bandeira do Distrito Federal assume papel importante. O decreto n.º 11, de
12 de setembro de 1960 instituiu o brasão de armas de Brasília, criado pelo poeta e
heraldista Guilherme de Almeida, que havia oferecido o desenho ao então
presidente Juscelino Kubitschek, como símbolo para a futura capital do Brasil. Assim
como está representado na bandeira e seu simbolismo característico, o escudo
quadrangular compõe-se das cores verde seco e ouro velho, tinturas idênticas à da
bandeira nacional; soma-se a estas a cor branca (prata).
Este está assentado sobre um escudo maior, cujo formato heráldico inovador
representa um dos pilotis (pilastras) do Palácio da Alvorada residência oficial do
presidente da República que foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Abaixo
do escudo quadrangular, aparece escrita em letras negras sobre o campo de prata a
frase latina VENTURIS VENTIS, que significa: “aos ventos que hão de vir”,
simbolizando os futuros desafios em que se lançou a nova capital. Acima da
insígnia, aparecem, em ouro, as formas arquitetônicas modernas, relembrando que
Brasília é o centro das decisões nacionais.
Da mesma forma que expresso no brasão de armas, a bandeira do Distrito
Federal, instituída através do decreto n.º 1.090, de 25 de agosto de 1969, elaborada
por Guilherme de Almeida, assim a descreveu (1969): “sobre um campo branco,
mbolo da Paz nas auras dos ventos que hão de vir, apõe-se um escudo
quadrangular de sinople com uma caderna de setas de ouro em cruz, farpadas e
emplumadas de ouro e moventes do centro”.
167
A imensa floresta que recobre quase a totalidade da Região Norte é, em muitos lugares,
interrompida por áreas abertas que recebem os nomes de savanas nas Guianas e campos e
campinas no Brasil. Neste, de modo geral, qualquer área de vegetação aberta que se opõe
fisionomicamente às áreas fechadas ou florestadas recebe o nome de campo. Assim sendo, os tipos
mais diversos de vegetação, como o Cerrado e Campo Limpo são considerados como campo. Na
Amazônia, as áreas de vegetação aberta são conhecidas com vários nomes regionais, resultando ser
difícil estabelecer-se comparações com tipos correspondentes em outras partes do Brasil. São
comuns os campos lavrados, campos sujos ou cobertos, campos de várzea, campinas,
campinaranas, campos inundados, campos firmes (IBGE, 1977a, p. 81).
164
Figura 23: Brasões e bandeiras estaduais: expressões cartográficas e paisagísticas
Amazonas (1897) Goiás (1919)
Amapá (1984) Tocantins (1989)
Brasília-DF (1960) Bandeira de Brasília (1969)
165
Figura 23: Brasões e bandeiras estaduais: expressões cartográficas e paisagísticas (cont.)
Amazonas (1897) Municípios na bandeira amazonense (1897)
Santa Catarina (1895-1953) Sergipe (1920)
Amapá (1984) Roraima (1996)
Rondônia (1981) Tocantins (1989)
166
Continua o autor (1969) a descrevê-la:
Na linguagem heráldica, sinople (ou sinopla) é o nome dado à tintura verde e
para o metal ouro é usada a cor amarela; elas foram usadas para simbolizar a
lealdade às cores da bandeira nacional. Aos indígenas, que foram os
primeiros habitantes do Brasil, se fez conservar um nobre elemento
consagrado pela heráldica: a flecha, na ponta da seta. As quatro setas,
partidas do centro para as direções Norte-Sul Leste-Oeste formam a
chamada “rosa-dos-ventos” [...]. Ela relembra a ação centrífuga do poder, que
se irradia da capital federal para todos os cantos do Brasil. Dispostas em
cruz, essas quatro setas repetem o emblema permanente que, no céu (o
Cruzeiro do Sul), no mar (a cruz das velas dos descobridores) e na terra (o
lenho da primeira missa em solo nacional) “vem presidindo ao nosso destino
cristão” [...] na heráldica, que tantas cruzes já têm elegido [...] cria-se, assim,
uma nova cruz: a Cruz de Brasília, formada por quatro setas de vôo oposto.
Ao edificar Brasília,
168
o Brasil se desvencilhava de uma forma de
organização do seu espaço geográfico altamente tributária de seu passado colonial
na faixa costeira, possuindo agora sua capital na região central do território; justifica-
se o simbolismo das setas, como representação gráfica do poder e cartográfica por
seus atributos espaciais, de ação e orientação.
6.3 Paisagem e lugar
Na esfera da cultura, natureza, lugar e região, como elementos importantes
na representação da paisagem (termos estes caros à geografia), também figuram
simbolicamente no desenho gráfico de brasões e bandeiras, da mesma forma que
estão presentes no contexto e na narrativa dos hinos e canções, que se portam,
todos eles, como expressões que procuram capturar de forma seletiva os elementos
necessários à criação desse imaginário, através dos quais re-presentamos seus
significados” (COSGROVE, 2004).
Gomes (2001) recorda que a paisagem, enquanto pluralidade semântica da
produção humana é tamm um recorte espacial (terra, província, país, região,
168
Conforme analisou Meira Penna (1961, apud TUAN, 1980, p. 197): [...] a Brasília futurística está
plena de símbolos expressivos de um desejo comum e profundo de ordenar a terra e estabelecer um
elo entre espaço terrestre e a abóboda celeste. Politicamente, Brasília está construída no interior para
romper com o mar na civilização brasileira, para dar status à agricultura e à população rural, para
explorar os solos relativamente pobres do interior e as possíveis riquezas minerais e infundir na
cidadania o sentido de Brasil como uma nação continental, de vasta extensão e potencialidade. A
capital representa o Ego coletivo do país. Esta nova consciência do Ego vai desabrochar na
compacta floresta verde do Brasil.
167
território), possuindo da mesma forma as raízes subjetivas
169
que se alicerçam pelos
recursos dos sinais simbólicos que ostentam:
A paisagem como representação resulta da apreensão do olhar do indivíduo,
que, por sua vez, é condicionado por filtros fisiológicos, psicológicos,
socioculturais e econômicos, e da esfera da rememoração e da lembrança
recorrente. A paisagem existe a partir do indivíduo que a organiza,
combina e promove arranjos do conteúdo e forma dos elementos e
processos, num jogo de mosaicos [...] esses mosaicos, como puzzles
[quebra-cabeças], são representações do existente ou do ansiado para
determinado espaço, apreendidos segundo determinada perspectiva. [...]
Assim, a paisagem tem sua existência condicionada pela capacidade do
indivíduo em reter, reproduzir e distinguir elementos significativos (culturais ou
naturais, circunstanciais ou processuais, adventícios ou genuínos, entre
outros aspectos) desse mosaico construído. A paisagem evoca significados a
partir dos signos e valores atribuídos. Esses signos assumem amplo espectro
de propriedades e escalas numa grade semântica própria (GOMES, 2001, p.
56-57).
Cosgrove (2004) comenta que a paisagem sempre esteve intimamente ligada
na geografia humana, à cultura, à idéia de formas visíveis sobre a superfície da
Terra e à sua composição, pois ela é uma “maneira de ver”, uma maneira de compor
e harmonizar o mundo externo em uma cena, em uma unidade visual. Recorda
tamm que:
Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são produto da
apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem [...] o simbolismo
é mais facilmente apreendido nas paisagens mais elaboradas [...] e através
da representação da paisagem na pintura, poesia e outras artes
(COSGROVE, 2004, p. 108).
Ao se ler os múltiplos significados da paisagem nessas expressões, na qual
se incluem as representações nos símbolos cívicos, procura-se interpretar como
essas fontes documentais fornecem-nos através de seu código simbólico, evidências
de caráter geográfico, na qual Cosgrove (2004, p. 110) ressalta que:
[...] freqüentemente encontramos a evidência nos próprios produtos culturais:
pinturas, poemas, romances, contos populares, músicas, filmes e canções
populares podem fornecer uma firme base a respeito dos significados que
lugares e paisagens possuem, expressam e evocam, como fazem as fontes
convencionais “factuais”.
169
Luchiari (2001, p. 20) argumenta que “as representações do mundo são construídas na produção
desses objetos culturais que, reunidos no tempo e no espaço, transformam a paisagem em lugar”.
168
Assim, contemplam estas representações geográficas pelo viés da paisagem
e do lugar, os brasões dos Estados do Espírito Santo, Mato Grosso, Roraima, Rio de
Janeiro, Ceará; além do antigo (1895-1963) e do atual brasão de Alagoas (1963-).
O brasão de armas do Estado do Espírito Santo foi adotado originalmente em
7 de setembro de 1909 pelo decreto nº. 456, através de seu autor, o governador
Jerônimo de Souza Monteiro e instituído em 24 de julho de 1947. Seu escudo é
representado por uma grande estrela nas cores azul e rosa, símbolos de harmonia e
alegria, em cujo círculo central se a entrada da Baía de Vitória, com os montes
“Moreno” (ao fundo) e “Penha” frente) em sua cor natural, destacando-se, acima
deste último em prata, o convento de Nossa Senhora da Penha – monumento
cristão-católico espírito-santense cuja Santa é padroeira e protetora do Estado.
Ao colocar este convento como figura central do brasão, a justificativa de
Monteiro foi a de evidenciar a fé do povo capixaba através de sua padroeira.
Conforme relembram a territorialidade do sagrado, Gil Filho e Gil (2001, p. 48-49)
falam que “[...] ao destacarmos a identidade religiosa, também estamos diante de
uma construção que remete à materialidade histórica, à memória coletiva, à
espacialidade da própria revelação religiosa processada sob determinada cultura”. A
imagem deste convento como um monumento histórico-religioso e sua paisagem
litorânea caracterizada pela feição dos pontões e ilhas rochosas cristalinas ligadas
ao domínio dos mares de morros estão cercadas no escudo por uma bordadura
em negro, filetada por duas circunferências concêntricas onde se escreve, com
letras de prata, sobre o espaço intermediário os dizeres: TRABALHA E CONFIA”
“ESTADO DO ESPÍRITO SANTO”.
170
Circundam a grande estrela um ramo de cana, à destra, que alude ao
principal produto agrícola da economia capixaba até 1850 e à sinistra figura um ramo
de café, representando o principal produto agrícola do Estado após a segunda
metade do século XIX. Circundando o escudo, há ainda três estrelas menores na cor
azul, acima, abaixo e à destra, representando os Estados limítrofes do Espírito
Santo: Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os ramos estão atados por um laço
170
Da mesma forma, esta primeira legenda ressalta a religiosidade proposta por Monteiro, já que a
frase foi inspirada na doutrina de Santo Inácio de Loyola que foi o fundador da ordem religiosa da
Companhia de Jesus – cujo significado é: “Trabalha como se tudo dependesse de ti e confia como se
tudo dependesse de Deus”, figurando também no pavilhão espírito-santense.
169
nas cores rosa e azul, na seqüência da esquerda para a direita do observador, em
que se lêem: “23 de maio de 1535” e “12 de junho de 1817”.
171
Sendo as estrelas de múltiplo significado, elas aparecem neste caso com a
mesma a idéia lançada pela bandeira republicana, onde os símbolos representativos
das entidades federativas se fazem pela representação gráfica destes astros, como
uma expressão simbólica dos limites territoriais do Espírito Santo, que o brasão
em si age como o próprio corpo ou território do Estado pela grande estrela que serve
de escudo, evocando também uma dimensão de caráter cartográfico nesse sentido.
Com relação à paisagem regional, o brasão de armas do Estado de Mato
Grosso, criado por iniciativa do governador Dom Francisco de Aquino Corrêa em
1918,
172
preenche a idéia do monumento natural. Ele compõe-se de um escudo
português, filetado de ouro, que apresenta em sua base um campo verde na qual se
assenta um morro de ouro de dois cabeços,
173
um maior, ao centro e outro menor,
em direção ao flanco sinistro, desenho que representa as terras mato-grossenses
(em especial na região da depressão cuiabana) e a fidelidade às cores nacionais.
Assim o explica Dom Francisco Aquino (1918; apud JUCÁ, 1994) que: “nele, [...]
tentei simbolizar a nossa terra, a nossa gente, a nossa história, os nossos ideais”.
Completa o escudo o céu em azul, símbolo de pureza, no qual domina, em
chefe, um braço armado a empunhar uma bandeira com a flâmula quadridentada,
tudo de prata, ornada com a cruz da Ordem de Cristo em goles, peça esta que já se
encontrava consagrada no brasão da cidade de São Paulo (1917)
174
e que simboliza
os bandeirantes paulistas que desbravaram o Estado.
171
Essas datas marcam, respectivamente, a chegada de Vasco Fernandes Coutinho ao Espírito
Santo, com o início da colonização de seu território e a segunda refere-se ao dia do fuzilamento, na
Bahia, de Domingos José Martins, herói capixaba e um dos chefes da Revolução Pernambucana,
movimento republicano-independencista ocorrido naquele ano.
172
Dom Aquino que entregou o projeto à mara estadual no dia 6 de agosto; dias depois, o brasão
foi aprovado pelos deputados e sancionado pelo executivo através da resolução n.º 799, de 14 de
agosto de 1918. O decreto n.º 5.003, de 29 de agosto de 1994 estabeleceu as cores oficias do
brasão, que não haviam sido especificadas na resolução anterior.
173
Não é mencionado na lei o nome do referido morro, mas consultando os acidentes geográficos na
região, trata-se da representação do Morro de Santo Antonio de Leverger, distante aproximadamente
35 quilômetros de Cuiabá, estando a 500 metros acima do nível do mar e já presente no brasão de
armas dado à Cuiabá em 1727.
174
Não havia sido criado ainda o brasão de armas do Estado de São Paulo, o que se daria apenas
em 1932. No caso da bandeira paulista, nenhum ato havia-lhe oficializado antes de 1932, pois seu
uso era restrito. O mbolo então mais conhecido e consagrado com relação ao bandeirantismo era o
brasão de armas da cidade de São Paulo. O desenho contava com um escudo português de goles,
com um braço armado empunhando uma haste lanceada em “acha-de-armas”, isto é, um típico
machado de guerra, na qual estava presa uma “flâmula farpada de quatro pontas”, rememorando a
ação gloriosa do bandeirantismo. Completavam o desenho uma coroa mural de ouro, na qual se
avistavam três torres e por suportes dois ramos de cafeeiro entrecruzados na base, frutificados e ao
170
Por timbre, aparece uma fênix dourada ave fantástica da mitologia que é
mbolo da imortalidade a renascer sobre as chamas em brasa; insígnia usada no
primeiro brasão de armas que foi concedido à Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá em
1727. O escudo tem por suportes a representação de suas riquezas naturais na
época em que este foi adotado, tendo, entrecruzados, um ramo de erva-mate (Ilex
paraguariensis) à direita do escudo, que representava os ervais do Sul do Estado
(atualmente em Mato Grosso do Sul) e um ramo de seringueira (Hevea brasiliensis)
à sua esquerda, reportando-se aos seringais do Norte (o presente Estado de
Rondônia); ambos estão floridos e em suas cores naturais.
Os ramos estão enlaçados por uma faixa, na cor vermelha, onde se , por
divisa, com letras em ouro, a frase em latim: VIRTUTE PLUSQUAM AURO,
significando “Mais pela virtude do que pelo ouro”. Essa frase quer expressar que
Mato Grosso será grande pela virtude e pelo trabalho de seus filhos, pelo seu ideal
de justiça e patriotismo, e não apenas por suas riquezas naturais e minerais. O
brasão procura representar assim, por seu sentido simbólico através de seus
elementos (as peças heráldicas), a idéia da natureza enquanto recurso (morro de
ouro, ramos de seringueira e erva mate), com a ação humana através da história
(braço armado bandeirante), o renascimento (econômico) da região (simbolizado
pela ave fênix), que configuraram aquele espaço geográfico da época em que o
mbolo foi elaborado.
A representação através da contemplação da natureza aparece no brasão do
Estado do Rio de Janeiro, cujo primeiro modelo foi instituído através do decreto n.º
3, de 29 de junho de 1892, no ato do então governador José Thomaz da Porciúncula
(RIBEIRO, C., 1933). Seu atual desenho
175
foi sancionado pelo governador Paulo
Francisco Torres através da lei n.º 5.558, de 5 de outubro de 1965, cujas alterações
foram feitas pelo delegado Alberto Rosa Fioravante e pela professora Robertina M.
Barros (TEIXEIRA FILHO, 1987).
natural, envolvidos por um listel de prata na qual se escreveu com letras em negro o lema proposto
pelo pintor Wasth Rodrigues e Guilherme de Almeida em seu projeto.Disto foi elaborado um relatório
que foi entregue ao prefeito do capital para a análise em 2 de março de 1917. Em 8 de março
daquele mesmo ano, foi aprovado o ato n 1.057, expedido pelo prefeito Washington Luís que
instituiu o brasão de armas de São Paulo.
175
Em relação ao desenho atual, no escudo do brasão original aparecia geralmente uma pomba
branca carregando em suas garras o escudo redondo de prata que se erguia da água do mar, tendo
em uma das garras um maço de loureiro e no bico um ramo de oliveira; também ao fundo figurava a
Serra dos Órgãos, com a estrela de prata que representa o Estado dentro do escudo oval, acima do
pico do “Dedo de Deus. Inicialmente ele serviu de selo para os atos legislativos, administrativos e
judiciários e cuja autoria é de Ricardo Honorato Teixeira de Carvalho (RIBEIRO, C., 1933).
171
O brasão compõe-se de um escudo oval ou eclesiástico, simbolizando os
anseios cristãos do povo fluminense,
176
cujo desenho está dividido em três partes. A
primeira em azul, no alto do escudo, refere-se ao céu e simboliza a justiça, a
verdade e lealdade, tendo como silhueta geográfica a Serra dos Órgãos, com
destaque para o pico do “Dedo de Deus” em sua cor característica como mbolos
naturais do Estado do Rio de Janeiro. A segunda, em verde, representa a Baixada
Fluminense e, abaixo desta, há uma faixa em azul, lembrando o mar de suas praias.
O escudo é circundado por uma corda de ouro, simbolizando a união dos
fluminenses.
Destaca-se, em brocante, uma águia revestida de prata, com suas asas
abertas, em atitude de alçar o, representando o governo, que deve ser forte,
honesto e justo, portador da mensagem de confiança, esperança e ação aos mais
longínquos rincões do Estado. Ela carrega sobre suas garras um escudo redondo,
na cor azul, faixado de prata, tendo as inscrições 9 DE ABRIL DE 1892”,
relembrando a promulgação da primeira Constituição do Estado do Rio de Janeiro e,
circundando esta, escrita em latim: RECTE REMPUBLICAM GERERE (Gerir a coisa
pública com retidão), traduzindo a preocupação constante que deve ter o homem
público fluminense. No interior do escudo, acima da faixa de prata com a data, uma
estrela de mesmo metal, representa a capital do Estado.
Acima do escudo ovalar, encontra-se uma estrela em prata, chamada de
Beta, da constelação do Cruzeiro do Sul, que representa do Rio de Janeiro como
unidade federativa do Brasil. Como suportes, à direita do escudo, uma haste de
cana-de-açúcar e, à esquerda, um ramo de café frutificado, representando as
principais culturas do Estado. Os ramos cruzados na parte inferior são atravessados
por uma fita de prata onde se lê, escrito em letras negras: “ESTADO DO RIO DE
JANEIRO”.
A Serra dos Órgãos caracteriza-se como uma extensão de altas e escarpadas
vertentes com blocos falhados, o que resultou no imenso paredão que acompanha a
planície costeira (Baixada Fluminense) na qual se encontra a cidade do Rio de
Janeiro. Em seu relevo destacam-se os grandes desníveis, das quais sobressaem
na paisagem as rochas do cristalino, cuja resistência e tectônica produziram formas
acidentadas e mamelonizadas no Brasil de Sudeste, ressaltadas na figura do “Dedo
176
Há de se recordar que os escudos ovais são muito comuns no brasão das autoridades religiosas.
172
de Deus” e seu entorno, da qual confere Ab’Sáber (2003) também destaque para
setores de mares de morros alternados com pães-de-açúcar ao longo das reges
costeiras do Rio de Janeiro. Tais elementos topográficos, associados com a
representação do mar, contribuem para que a imagem do brasão de armas do Rio
de Janeiro revele em seu desenho a contemplação da paisagem, onde a natureza-
jardim é eleita e exposta como o foco de sua representação. Embora no primeiro
plano apareça a águia como mbolo da ação governamental, portanto do papel do
“Estado forte”, o elemento humano (e sua ocupação desigual), agente que confere
dinâmica àquele espaço, ausenta-se desta representação.
O brasão de armas do Estado de Roraima
177
compõe-se de um escudo suíço,
cortado em chefe, isto é, no terço superior, onde se encontra a representação (ao
amanhecer) do Monte Roraima, que deu nome ao Estado;
178
paisagem esta
localizada na Serra de Pacaraima, na fronteira Norte, que junto com a Serra de
Parima, fazem parte do conjunto cristalino pertencente ao chamado escudo
Guianense (IBGE, 1977a). À destra, partido, em campo azul, encontra-se pousada
em um galho, uma garça branca, ave típica da região e símbolo da eterna vigilância.
À sinistra, encontra-se em campo de prata a figura de um garimpeiro em atividade
de lavra, rendendo homenagem histórica à primeira atividade econômica e
representando a riqueza mineral existente no Estado.
O escudo está adornado por dois ramos de arroz, um à esquerda e outro à
direita, representando o principal produto de exportação e importância agrícola para
Roraima. Ao mesmo tempo, encontra-se a figura de um arco e flecha entrecruzados,
representando os diferentes povos indígenas e simbolizando a defesa do território.
Abaixo, está disposta uma faixa verde, de pontas bipartidas, onde se escreve com
letras negras o nome: “ESTADO DE RORAIMA”.
Oferece desta mesma forma o brasão de Roraima um exemplo da mensagem
projetada pela “contraposição harmônica” entre os indígenas, simbolizados pelo arco
177
O brasão do Estado de Roraima foi criado por Antonio Barbosa de Melo e adotado em 14 de junho
de 1996, pela lei estadual n.º 133.
178
Roraima, de acordo com a língua tupi significa “serra verde” (ALVES FILHO, 2000) ou “monte
verde” (GERARDI, 2007), palavra formada pela junção de roro ou rora (verde) com imã (serra ou
monte). No entanto, quem afirme que este nome venha da denominação dos índios pemon, no
lado venezuelano, que chamam o monte de roroima, isto é, a “montanha verde-azulada”, ou, segundo
a língua dos índios ianomâmi, a “montanha trovejante”, devido à instabilidade do tempo na região. No
etmo dos índios caribes (CARDOSO, 1961), seria a junção de roro (papagaio) e imã (pai, formador),
reportando-a como a “fonte dos papagaios”. Com seus 2.875 metros de altura, o referido Monte
Roraima eslocalizado na Serra de Pacaraima, rego de fronteira com a Venezuela e a Guiana,
embora o restante da superfície do Estado não ultrapasse a cota dos novecentos metros de altitude.
173
e flecha versus os agricultores e garimpeiros, representados pelos ramos de arroz e
a figura humana em ato de lavra.
179
Relembrando as palavras de Stuart Hall (2005),
não importa quão diferentes os membros possam ser em termos de classe, gênero
ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para
representá-los todos como pertencendo à mesma grande “família nacional”, que
neste caso, em escala regional, procura através do elemento simbólico, propiciar,
independente dos contrastes socioculturais, uma agremiação horizontal e profunda,
um ideal de fraternidade, conforme descreve Anderson (2005). Por chefe, como a
partição mais importante do escudo e na simbologia heráldica a cabeça/comando,
coloca-se a natureza no plano da importância, na qual a figura representativa do
Monte Roraima, eleito como o mbolo natural, foca-se também na iia de crer na
unidade através da natureza” (CHAUÍ, 2000).
Uma comparação da evolução da paisagem nos símbolos aparece na análise
do primeiro brasão de armas de Alagoas, aprovado pelo decreto n.º 53, de 25 de
maio de 1894. Consiste este de um escudo atravessado por uma faixa de ouro no
sentido oblíquo e descendente da esquerda para a direita com a legenda “PAZ E
PROSPERIDADE”, principal aspiração do povo alagoano (RIBEIRO, C., 1933).
Na base, à sinistra, como representação do comércio e da indústria, um
trem sobre a linha férrea e um barco a vapor, como elementos técnicos na
paisagem, dando a idéia do dinamismo econômico em que vivia o Estado. No centro,
ao lado direito do escudo, aparece representada a cachoeira de Paulo Afonso, na
Bahia, formada pelo rio São Francisco, como o acidente geográfico mais notável da
região, recordando a principal via de comunicação fluvial em território alagoano
(RIBEIRO, C., 1933). Na parte superior do escudo, em seu lado direito, ainda
uma estrela radiante de prata (Teta do Escorpião), representando Alagoas como
Estado membro da Federação. Por suportes, um feixe de cana-de-açúcar, à
destra, e um ramo de algodoeiro florido, à sinistra, relembrando os principais
produtos agrícolas alagoanos. Por timbre, há uma águia deslumbrada em prata,
emblema da força, com as asas estendidas e pousada sobre o escudo, cercada ao
fundo por uma auréola de ouro. Finalmente, uma fita de pontas bipartidas, em
vermelho, onde está escrito “ESTADO DE ALAGOAS”, e em outra fita menor de
179
Isso se torna mais evidente ao compararmos os constantes conflitos envolvendo agricultores,
garimpeiros, posseiros e povos indígenas quanto ao processo de demarcação territorial da Reserva
Indígena “Raposa Serra do Sol” em Roraima pelo Governo Federal a partir de 2005.
174
mesma cor, no plano inferior, que enlaça os feixes de cana e os ramos de algodoeiro
onde se lê BRASIL”. Ele figurou como símbolo heráldico de Alagoas até 1963,
quando o novo brasão foi instituído.
O atual brasão de armas de Alagoas foi adotado em 23 de setembro de 1963,
através da lei n.º 2.628. Ele é composto de um escudo português, dividido em três
partes, que evocam as antigas vilas que deram origem a Alagoas”: à destra do
escudo partido, sobre um campo de prata, há um rochedo na cor vermelha
sustentando uma torre da mesma tintura, representando a cidade de Penedo, tendo
por referência o forte Maurício de Nassau (construído pelos holandeses que se
apossaram da região entre 1637-1645); a base em azul com ondas alternadas em
prata, chamada de campo aguado, relembra o rio São Francisco e sua posição
estratégica para a região. À sinistra desta partição, sobre um fundo prateado, há três
morros de goles unidos, sendo o do meio mais alto, dispostos sobre oito faixas,
alternadas em prata e azul, que aludem à Porto Calvo, sua região serrana e o mar.
Na parte superior do escudo, cortada e ondada em chefe, há três tainhas de prata,
nadando sobre o campo azul, que referem-se à antiga Vila de Alagoas, atual
Maceió, capital do Estado. Estas três tainhas já figuravam no brasão de armas
concedido pelos holandeses a Alagoas em 1638, assim como os montes no brasão
holandês referente a Porto Calvo.
Por suportes, à destra, um colmo de cana-de-açúcar empendoado (com
flor) e, à esquerda do escudo, um ramo de algodoeiro encapuchado e florido, ambos
na sua cor natural, que representam os principais produtos agrícolas alagoanos. Por
timbre, está posta uma estrela de prata (Teta do Escorpião), representando Alagoas
como membro da Federação. Abaixo, escreve-se com letras em negro, sobre um
listel de cor verde, filetado de ouro, a divisa em latim: AD BONUM ET
PROSPERITATEM, significando: “Pelo Bem e pela Prosperidade”.
O primeiro brasão de armas de Alagoas revela em suas peças heráldicas a
representação alegórica dos elementos do meio técnico que agiam na transformação
espacial na paisagem do Estado em finais do século XIX, ambos associados com a
idéia de progresso e circulação, em especial à navegação fluvial. Em comparação, o
atual brasão de armas de Alagoas é uma representação sintética de três lugares,
cujo caráter histórico, enquanto vilas, e ao mesmo tempo, como uma estilização da
paisagem, procuram criar a idéia de uma totalidade de seu território, que se faz pelo
175
recuso da escala num lance de vista.
180
Os elementos agrícolas (cana-de-açúcar e
algodão) figuram nos dois brasões, indicando certa imutabilidade deste setor na
economia alagoana até meados do século XX.
181
No caso do Estado do Ceará, o primeiro brasão foi instituído pelo governador
Antonio Pinto Nogueira Accióly, cuja iniciativa de mandar criar o desenho foi depois
aprovada através da lei n.º 393, datada de 11 de setembro de 1897. Nesta versão
inicial, as armas do Ceará eram compostas de um escudo “polônio”, fendido e cosido
(dividido com a mesma cor) em verde, bordado de prata. O plano inferior do escudo
estava semeado de estrelas brancas, dispostas quantos fossem os municípios
cearenses
182
na época; o plano superior era adornado por uma pomba estilizada em
prata. Sobre este havia por timbre um forte de construção antiga, na cor ouro e com
uma porta negra, relembrando a origem da capital Fortaleza.
Completando o desenho, havia uma elipse no centro do escudo, onde se
destacava uma parte do seu litoral, com a enseada e o farol do Mucuripe, pontos de
destaque da capital cearense na época de sua adoção. Na linha do horizonte
destacava-se o sol nascente e sobre o oceano uma jangada enfunada ao vento,
simbolizando a relação dos cearenses com os recursos providos do mar e o trabalho
da pesca.
183
Sobre a praia havia uma carnaubeira, em verde, símbolo das riquezas
naturais do Estado, embora, com o tempo ela foi substituída por uma palmeira,
coqueiro e até uma bananeira conforme se descaracterizavam os desenhos do
brasão. No período de 1897-1937 e 1947-1967 o escudo estava ladeado por um
ramo de algodão, à sinistra e outro de fumo, à sua destra, ambos dispostos em suas
180
Em síntese, podemos partir da superposição de que a escala possui quatro campos fundadores: o
referente, a percepção, a concepção e a representação. Estes campos definem, pois, uma figuração
do espaço que não é somente uma caracterização de um espaço em relação a um referencial, mas
uma figuração de um espaço mais amplo do que aquele que pode ser apreendido em sua
globalidade, ou seja, é a imagem que substituiu o território que ela representa(CASTRO, 1995,
p. 136). (grifo nosso)
181
Com relação ao aspecto econômico de Alagoas, ressalta Alves Filho (2000, p. 19) que “tanto a
criação dos primeiros estabelecimentos fabris na província, na segunda metade do século XIX,
quanto a urbanização de Maceió ou o apoio dado à navegação fluvial por essa mesma época podem
ser considerados como medidas modernizadoras típicas, tomadas em outros pontos do país.
Apesar disso, elas não logram servir de contraponto ao enorme poder das oligarquias locais. Voltadas
para a exploração da cana-de-açúcar [...] e, em menor escala, do algodão, essas oligarquias
controlavam praticamente todos os setores da vida alagoana.
182
No que se refere às estrelas, nas versões dos brasões usadas entre 1897-2007, a quantidade de
estrelas presentes no escudo também variou, trazendo 30, 43 ou 52 astros. A última versão antes da
correção por ato de lei em 2007 tinha um total 34 estrelas. Tal fato já não correspondia à realidade do
quadro de entidades municipais cearenses, que somam atualmente 184 unidades conforme o IBGE
(2009).
183
Ela relembra, ainda, a figura do lendário “Dragão do mar”, herói jangadeiro do pioneiro processo
abolicionista cearense no século XIX (SECULT/CEARÁ, 2008).
176
cores naturais e atados por uma fita na cor encarnada na base, representando as
principais riquezas agrícolas do Ceará.
Por sua vez, em virtude da necessidade de sua atualização, o brasão de
armas do Ceará foi alterado pelas leis n.º 13.878 de 23 de fevereiro de 2007 e pela
lei nº. 13.897 de 21 de junho do mesmo ano. Do desenho original, de 1897, ele
compõe-se de um escudo polônio”, fendido e cosido (dividido na mesma cor), em
verde e bordado de prata, cuja metade inferior apresenta sete estrelas de mesmo
metal, que representam atualmente, conforme a correção adotada, as mesorregiões
do Estado, sendo elas: a Metropolitana de Fortaleza; Jaguaribe; Sertões, Noroeste,
Norte, Centro-Sul e Sul Cearense.
Por timbre manteve-se o antigo forte, na cor dourada, com portas e janelas
em negro; representa este símbolo a capital Fortaleza e remete ao forte o local onde
se formou a primeira vila do Ceará. Sobre o escudo, uma elipse, ao centro, em
que estão inseridos elementos da paisagem do Estado, na região da capital. Na
linha do horizonte o sol nascente com seus raios, sobre este aparece o farol do
Mucuripe (atualmente como um patrimônio histórico)
184
representa a orientação, o
porto seguro e a luz noturna que guiava aos que chegavam e partiam. Acompanha a
faixa litorânea o Oceano Atlântico, em azul, a jangada, conforme a representação do
primeiro brasão.
Também reaparece no desenho a figura da carnaúba (Copernicia prunifera),
mbolo natural e oficial do Estado desde 2004.
185
Sendo os carnaubais presentes
nas planícies aluviais do semi-árido cearense e por se tratar de uma planta adaptada
ao clima semi-árido, essa espécie oferece também possibilidades de atividades
econômicas mesmo durante os períodos de estiagem, tratando-se portanto de
importante alternativa na composição da renda familiar das comunidades rurais
(CEARÁ, 2008). No desenho atual, a pomba branca símbolo da paz, da liberdade
e do abolicionismo foi deslocada para o alto do escudo oval. Complementam a
figura, a representação do litoral e do sertão, ambas ao natural. Em verde,
destacam-se as serras (em especial a região da Serra do Maciço de Baturité), como
referências à beleza natural do Ceará.
184
Este farol, localizado na ponta do Mucuripe, em Fortaleza, esteve em funcionamento até 1957.
185
Tornou-se símbolo oficial do Estado através do decreto n.º 27.413 de 30 de março de 2004.
177
Figura 24: Brasões estaduais: paisagem e lugar.
Espírito Santo (1947) Mato Grosso (1918)
Rio de Janeiro (1965) Roraima (1996)
Alagoas (1895-1963) Alagoas (1963-)
178
Figura 25: Brasões e bandeiras do Ceará.
Primeiro Brasão (1897-1967) Primeira bandeira (1922-1967)
Segundo Brasão (1967-2007) Segunda bandeira (1967-2007)
Atual brasão de armas (2007-) Atual bandeira (2007-)
179
Fotografia 5: Morro de Santo Antônio de Leverger visto a partir da região central de Cuiabá-MT.
Foto: Amanda Regina Gonçalves (2008).
Imagem 1: Vista da Ponta do Mucuripe e da região metropolitana de Fortaleza (CE).
Imagem gerada pelo programa Google Earth em 25 de novembro de 2007.
180
a bandeira cearense, apresentando o mesmo modelo de desenho que a
bandeira nacional,
186
traz em sua elipse branca o brasão de armas do Estado.
Desde a sua primeira adoção oficial,
187
esta vem acompanhando a evolução deste
mbolo heráldico, como um claro recorte seletivo dos elementos que compõem a
paisagem na região de Fortaleza, tendo como recurso escalar a representação de
seu interior pela figura da carnaúba e pela estilização das serras.
6.4 Símbolos de “caráter nacional”
Dentre os símbolos presentes nos Estados da federação brasileira, existem
aqueles que pelas circunstâncias histórico-políticas prolongaram sua existência além
das revoluções a que serviram como aparato. Eram esses mbolos assim pensados
e projetados como mbolos nacionais” em sua primeira instância, que passaram a
resistir, tanto por conta das forças cívicas, quanto pelo sentimento regional/local,
como uma forma/estratégia de reviver e criar um imaginário de passado glorioso.
Embora contendo referências muito mais históricas do que do próprio conteúdo
geográfico em si, esses símbolos portam-se como elementos “ausentes/fora” da
escala regional. Como símbolos estaduais, estes são objetos de afirmação “regional”
em si, mas guardam em sua estrutura gráfica, sintaxes e semânticas “nacionais”.
Essa manifestação dos ideais de nacionalidade apareceu de forma evidente
nos brasões revolucionários do Rio Grande do Sul e do Acre. Além do ideal
farroupilha expresso na bandeira gaúcha e da liberdade acreana retratada em seu
pavilhão, as idéias republicanas estavam presentes quando da criação das
bandeiras do Estado de São Paulo e do Maranhão, sob o ideal das três raças
formadoras do povo brasileiro, no primeiro caso, como projeto para um símbolo
nacional, e no segundo, como ideal da diversidade étnica.
186
Embora mantivesse o desenho da bandeira brasileira, o losango tocava as bordas do retângulo na
primeira versão da bandeira (1922-1967), o que pode ser chamado na linguagem heráldica de
bandeira “lisonjada”, assim como era o modelo do pavilhão Imperial.
187
O desenho da primeira bandeira do Ceará é creditado ao comerciante João Tibúrcio Albano, que
substituiu a esfera celeste da bandeira do Brasil, por uma de cor branca, colocando ao centro o
primeiro brasão de armas do Estado, adotado em 1897. A idéia de Albano estimulou outros
estabelecimentos públicos a utilizarem aquele modelo de pavilhão, que passou a tremular nos
eventos cívicos da capital cearense. A bandeira, então aprovada em 1922, foi reformulada em 1967,
sendo que seu atual desenho foi novamente modificado pelas leis n.º 13.878, de 23 de fevereiro de
2007 e n.º 13.897, de 21 de junho do mesmo ano.
181
No contexto das revoltas separativas no Brasil, o atual brasão de armas do
Rio Grande do Sul (do mesmo modo que o hino e a bandeira) foi criado durante a
proclamação da República Rio-Grandense, em 1836, recebendo este a influência
maçônica em sua constituição simbólica (SAVARIS/IGTF, 2008), principalmente da
maçonaria francesa, de inspiração republicana, da qual boa parte dos membros do
Partido Liberal Rio-Grandense eram adeptos. As atuais armas do Estado derivam
assim, dos brasões de Mariano de Mattos e Bernardo Pires, bem como nos
existentes nas alegorias do padre Chagas e padre Hidelbrando, todos eles membros
da maçonaria e da qual se apoiavam em tais alegorias para expressar seus ideais e
valores.
O atual brasão compõe-se de um escudo oval em campo de prata, cujo
formato lembra a idéia do ovo, da nova vida, portanto, da constante e imensurável
perpetuação dos valores republicanos da qual acreditavam os farroupilhas; o escudo
oval é tamm o usado pelas autoridades eclesiásticas. A cor prata é símbolo de
pureza, harmonia e paz, bem como está associada à modernidade e à inovação.
Sobre o centro do escudo, há um quadrilátero de prata com um sabre de ouro, em
pala, sustentando na ponta um barrete frígio (vermelho), entre dois ramos floridos e
ao natural, um de fumo, à destra e outro de erva-mate, à sinistra, que se cruzam
sobre o punho do sabre. O quadrilátero está inscrito num losango verde, com duas
estrelas de ouro colocadas nos ângulos superior e inferior.
O sabre ou espada, com a lâmina e guarda, é o símbolo universal do poder,
da força e da justiça e o barrete frígio cobrindo sua ponta é a peça de vestuário
usada pelos revolucionários franceses, simbolizando a liberdade dos ideais
republicanos. Os ramos de fumo e erva-mate representam a fertilidade da terra, num
primeiro momento, mas tamm a importância desses produtos agrícolas.
188
O losango forma dois triângulos retângulos e dois triângulos isósceles e as
estrelas de ouro simbolizam a vida e sua evolução, na qual, com o formato de
pentagrama, representam a condição humana, valorizada pela cor amarela. Os
triângulos isósceles apontam para duas colunas jônicas, em ouro, que foram pilares
de sustentação utilizados ao longo da história para expressar os sentimentos
religiosos, comemorativos, artísticos e arquitetônicos; elas estão preservadas no
188
Há de se observar que já foram estes ramos, de café e fumo no painel do padre Chagas; ramos de
mate e trigo nas armas de Bernardo Pires e supostamente acácia e fumo no brasão de Mariano de
Mattos. O losango pode ser interpretado como a união de dois triângulos e este alude à comunicação
entre o superior e o inferior, ou o céu e a terra, o Deus e o homem.
182
brasão vigente e figuram em todos os brasões históricos sul-rio-grandenses, sendo
mbolos maçônicos por excelência, pois estão ligadas ao “venerável mestre”. Elas
são caracterizadas por possuir um capitel remate ou parte superior ornado por
duas volutas naturais, e seu estilo jônico indica que seu significado está ligado à
sabedoria.
189
Figuram sobre as colunas duas balas de canhão antigo (conforme descritas
na legislação de 1966) e, embora sejam peças de artilharia, certa discordância
sobre o seu uso pelos idealizadores daqueles brasões históricos (SAVARIS/IGTF,
2008), sendo provavelmente um erro de interpretação desta figura, que se
apresentaria, na verdade, em forma da esfera celeste ou globo terrestre.
No quesito geográfico, o brasão de armas vigente apresenta um campo verde
com três suaves ondulações que serve de base para as duas colunas e o losango
central. Representam três coxilhas, relembrando um dos relevos característicos do
Rio Grande do Sul, entretanto, são apenas uma herança do brasão de Mariano de
Mattos, pois o escudo de Bernardo Pires, apresenta, por sua vez, as colunas sobre
rochedos (e não coxilhas), ficando o triângulo eqüilátero inferior do losango central
do brasão postado entre esses e suspenso.
190
O brasão compõe-se de uma bordadura em azul, cujo texto está atribuído ao
escudo de Bernardo Pires (onde originalmente a bordadura era em ouro) em que se
, com letras de ouro: “REPÚBLICA RIO-GRANDENSE” e “20 DE SETEMBRO DE
1835”, entre duas estrelas de mesma cor.
191
Compõem os ornamentos exteriores, ou troféus, quatro bandeiras tricolores,
como aquelas que arvoraram durante a proclamada República Rio-Grandense, nas
cores verde, vermelha e amarela, entrecruzadas, duas a duas, com as hastes
rematadas em flor-de-lis invertida, de ouro. As duas bandeiras dos extremos estão
decoradas com uma faixa vermelha com bordas de ouro, atada junto à ponta flor-de-
lisada, simbolizando os ideais republicanos. Há, por detrás do escudo oval, uma
lança de cavalaria vermelha, rematada por uma ponta em flor-de-lis invertida
189
Há outros dois tipos, o dórico e o coríntio, representando, respectivamente, a beleza e a força.
190
Nos painéis alegóricos dos padres Chagas e Hidelbrando, as colunas e o losango têm por base
um campo verde plano, onde aparecem um cavalo, um boi e um carneiro, como alusão à economia
pecuária do Rio Grande do Sul.
191
A primeira refere-se à experiência republicana impetrada pelos farroupilhas em 12 de setembro de
1836, pelo coronel Antônio de Souza Neto, após a vitória das tropas farroupilhas no “Combate de
Seival”, no Campo dos Menezes, enquanto a referida data marca o início do movimento
revolucionário que embalou o ideal republicano com a “Batalha da Ponte da Azenha” e a tomada da
capital Porto Alegre.
183
mbolo da pureza, do poder e da soberania e quatro fuzis armados de baionetas
de ouro, ambos representados apenas pelas pontas; a lança representa a cavalaria,
enquanto os fuzis homenageiam a infantaria farroupilha. também, dois tubos de
canhão, em negro, entrecruzados e semi-encobertos pelas bandeiras, que são uma
representação da artilharia das forças farroupilhas. Completa o brasão de armas um
listel de prata, onde se escreve com letras em negro a divisa: “LIBERDADE,
IGUALDADE, HUMANIDADE”.
192
Este mbolo foi oficialmente adotado pela lei n.º 5.213, de 5 de janeiro de
1966, que justificou e descreveu detalhadamente suas especificações e seu caráter
histórico como o brasão de armas do Estado do Rio Grande do Sul.
193
O mesmo aconteceu no caso do símbolo vexilológico, pois a bandeira do Rio
Grande do Sul tem sua autoria atribuída a Bernardo Pires; segundo outros
historiadores (SAVARIS/IGTF, 2008), ela foi idealizada por José Mariano de Mattos,
tendo apenas o desenho ficado a cargo de Pires. A primeira bandeira, criada pelos
republicanos farroupilhas era quadrada e não possuía o brasão de armas ao centro.
Segundo relatos históricos, sua origem ocorreu nove meses após um fato acontecido
em 6 de fevereiro de 1836:
[...] Da vila notou-se, pela primeira vez, que os esquadrões rebeldes portavam
dois estandartes imperiais, com outros vermelhos. Em Itapuã, no forte recém
construído, desdobravam-se estas duplas insígnias, cujas cores, em
novembro, se casariam em um pavilhão, conforme publicaram os jornais
da época. Surgia em plena guerra, a heróica bandeira farroupilha, que o
Estado conserva ainda hoje como o seu símbolo supremo (FAGUNDES,
1984, p.115).
Os verdadeiros motivos que levaram os autores a adotar as respectivas cores
daquele estandarte são desconhecidos, embora se possa afirmar, através de várias
interpretações (SAVARIS/IGTF, 2008), que as cores derivam da bandeira brasileira
192
Embora o lema estivesse ligado aos ideais da revolução francesa, com a legenda histórica
“Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, ele não foi diretamente copiado da mesma, que se consolidou
depois, com a Segunda República Francesa (1848), mas pela influência filosófica dos ideais da
maçonaria, sendo que o uso da palavra “Humanidade” tornou-se para os deres farroupilhas um
conceito mais amplo e que engloba a palavra “Fraternidade” (SAVARIS/IGTF, 2008).
193
Quando foi implantada a República no Brasil, tanto na primeira constituição sul-rio-grandense
(1891), quanto na segunda (1892), o brasão de armas não figurou no texto, que só considerava como
símbolo as insígnias do pavilhão tricolor farroupilha, provavelmente por seus legisladores
desconhecerem a bandeira original, que não continha as armas. Tal equívoco aconteceu,
provavelmente, porque que durante as manifestações populares era inserido artesanalmente um
brasão no centro da bandeira, o que não havia ficado claro no texto da constituição, fato este que
também aconteceu no artigo 237 da constituição de 1947, deformando sua construção, uso e
representação.
184
(verde e amarelo) e a faixa vermelha que a atravessa na diagonal significa a
“Revoluçãoque ocorreu entre o Estado (a chamada República Rio-Grandense) e o
Império do Brasil na época. De fato, converteu-se a cor encarnada como sendo a
dos revolucionários, enquanto o verde-amarelo eram respectivamente, as cores da
esperança e da firmeza, das matas e da riqueza do solo e da lealdade e da
fidelidade à pátria comum (esta última versão depois de cessados os ardores
revolucionários).
Após a proclamação da República no Brasil (1889), a constituição estadual do
Rio Grande do Sul de 1891 apenas estabeleceu que as cores da bandeira eram
derivadas da bandeira farroupilha de 1836, na qual era por vezes inserido
artesanalmente o brasão de armas. Ao ser adotada a atual bandeira do Rio Grande
do Sul pela lei n.º 5.213, de 5 de janeiro de 1966, procurou esta conservar as cores
da bandeira farroupilha, agora sob formato retangular em que se insere, ao centro,
uma elipse vertical, em branco, com o tradicional brasão de armas do Estado.
Fato semelhante ocorreu com o território do Acre independente, quando da
criação de seu primeiro brasão de armas (1902-1903) por Luís Galvez. Porém, após
uma ampla viria sobre as tropas bolivianas, Plácido de Castro decidiu modificar o
desenho do brasão em 1902, que guarda muita semelhança com o mbolo de sua
terra de origem, o Rio Grande do Sul.
Ele compõe-se de um escudo oval, onde se insere um rio de prata,
simbolizando o rio Acre, que deu nome ao Estado.
194
Sobre ele, um leopardo
passante relembra a bravura dos que lutaram pela independência, tendo ao fundo
uma seringueira (Hevea brasiliensis), como principal riqueza natural da região,
pertencente ao domínio da floresta perenifólia hileiana amazônica. Quanto ao
simbolismo deste animal, comenta Pereyra (1947, p. 86) que os leopardos
simbolizam alguma empreitada arriscada, executada com valor e rapidez; o que
infere à compleição ágil e arriscada desse animal”. O escudo estava circundado por
uma borda prateada, onde se escrevia “ESTADO INDEPENDENTE DO ACRE”, com
a data “7 de Agosto de 1902”.
194
O nome Acre deriva do termo a’quiri ou a’kiru, uma corruptela da palavra uwákürü, vocábulo que
no dialeto da tribo Ipurinã significava “rio verde”, ou ainda, segundo outras fontes, da palavra áquiri,
uma touca de penas usada pelos índios Munducurus. Segundo relatos históricos (GIRARDI, 2007),
em 1878, o colonizador João Gabriel de Carvalho Melo fez um pedido por escrito da foz do rio Purus
a um comerciante paraense para que uma série de mercadorias fossem enviadas à “boca do rio
Aquiri”. O comerciante, não entendendo a letra de Melo, que pareceu ter escrito algo semelhante a
“Acri” ou “Aqri”, determinou que as compras fossem entregues com o destino de rio “Acre”.
185
Figuram, ainda, atrás deste, uma espada de prata, encimada por um barrete
frígio vermelho, representando os anseios republicanos de uma nação acreana
independente. Abaixo corre um listel de prata que apresenta a mesma frase latina
usada pelos inconfidentes mineiros: LIBERTAS Q SERA TAMEN (Liberdade,
ainda que tardia) sobre uma estrela solitária na cor vermelha.
Ladeiam o escudo quatro pavilhões acreanos, conforme o desenho proposto
por Plácido de Castro na época, tendo à destra um ramo de café e na sinistra um
ramo de fumo. Ao fundo do escudo e das armas, aparece um sol de ouro com seus
raios, simbolizando a liberdade conquistada. Assim, muito desse símbolo inspirou-se
no brasão de armas adotado no Brasil República (o sol de ouro, a espada, os ramos
de café e tabaco), como das influências que os brasões de Mariano de Mattos e
Bernardo Pires deram ao símbolo sul-rio-grandense (a disposição das bandeiras, o
escudo oval, as espadas).
O atual brasão de armas do Estado do Acre foi modificado em 1989,
195
cuja
lei n1.173, de 22 de dezembro de 1995, regulamentou e definiu a forma de sua
atual apresentação.
196
Ele manteve o escudo oval encimado por um barrete frígio,
em que aparece no escudo uma estrela solitária, encarnada, no plano inferior à
sinistra, que expressa o ideal de perfeição, repousando sobre um campo verde, que
representa a riqueza do solo e da vegetação, a esperança, a honra, a liberdade, a
amizade e a cortesia. Sobre este, corre um rio de prata, representando o rio Acre e,
acima dele, ao centro, figura um leopardo solitário passante, indo à frente, como
mbolo da altivez, da ferocidade e da força. Atrás deste animal, figura uma
seringueira em suas cores naturais, símbolo da histórica riqueza acreana e da vida
perpétua em evolução e ascensão. Ao fundo aparece o céu, em azul, símbolo da
justiça, da formosura, da serenidade, do caminho infinito, das grandes aspirações.
195
Durante a gestão do governador do Território Federal do Acre, o doutor Epaminondas Jácome, foi
criado por meio da resolução n.º 45, de 22 de maio de 1922, o segundo brasão acreano (1922-1989),
modificando o escudo original de 1899 e suas alterações de 1902-1903. Ele foi baseado nas armas
do Brasil republicano, tendo uma esfera de fundo azul, filetada de ouro, ornamentada e circundada
por 20 estrelas, representando os Estados existentes na época e uma estrela vermelha, ao alto,
simbolizando o Acre. A esfera está assentada sobre uma estrela, com as cores nacionais, verde-
amarelo, filetada de vermelho, tendo uma espada de prata. Atravessando a espada, estende-se uma
faixa de prata, sendo no seu interior, do lado esquerdo, a inscrição da data 06/08/1902 e do lado
direito 24/01/1903, ambas respectivamente indicando o início e o fim da Revolução Acreana. As
armas estão assentadas sobre um sol de ouro, símbolo da fama, da luz, da glória e da liberdade, cujo
entorno da estrela, tem por divisa os dizeres em latim: NEC LUCEO PLURIBUS IMPAR (Não inferior
a muitas estrelas). Seu desenho vigorou até 1989, quando foi substituído pelo atual brasão.
196
Foi adotado na administração do então governador Edmundo Pinto de Almeida Neto, baseando-se
nos dois primeiros brasões criados anteriormente, após projeto de lei enviado pelo deputado Said
Filho, com ajuda do historiador e heraldista José Wilson Aguiar.
186
O escudo apresenta-se ainda, com uma bordadura em prata, onde se adotou
a frase em latim, criada em 1922, pelo governador da época, Epaminondas come,
derivada do segundo brasão acreano: NEC LUCEO PLURIBUS IMPAR (Não inferior
a muitas estrelas). Ladeiam o escudo, em troféu, quatro bandeiras acreanas,
estando guardadas por um ramo de café, à destra e um ramo de tabaco, à sinistra,
entrelaçados por duas espadas de punho entrecruzadas, símbolo da força humana.
Sob este, aparece um listel filetado em prata, símbolo da paz, da pureza e
sabedoria, com as datas escritas em preto, à destra “6-8-1902”, início da chamada
“Revolução Acreana”; à sinistra “24-1-1903”, o rmino da referida revolução e, ao
centro, o dia 15-6-1962”, representando a elevação do ex-Território Federal do Acre
à condição de Estado membro da Federação. Abaixo desta última, aparece uma
âncora, em negro, mbolo da firmeza, da solidez, da tranqüilidade e da fidelidade
tudo assentado sobre os raios um sol de ouro, símbolo da glória e liberdade.
Tanto os brasões do Rio Grande do Sul, como o do Acre, guardam
semelhanças no que se refere à sua estrutura gráfica o primeiro influenciando o
segundo por razões revolucionárias –, portando-se dessa maneira como símbolos de
“caráter nacional” por terem sido criados e pensados nos anseios de se formar uma
nação independente. Isso se justifica quando se compara a estrutura gráfica dos
brasões criados no século XIX dos países sulamericanos, onde o ideal republicano
forjou modelos muito semelhantes, como nos casos da Bolívia (1826) e Equador
(1900).
197
No caso de São Paulo, a bandeira paulista não foi feita, inicialmente, para ser
o símbolo do “Estado bandeirante”, mas foi idealizada para servir como a “nova
bandeira brasileira”, quando viesse a ser proclamada a República. Ela foi projetada
pelo escritor Júlio César Ribeiro Vaughan (1845-1890) e publicada inicialmente num
artigo escrito por ele no primeiro número do jornal O Rebate”, do qual era fundador
e orientador, na data de 16 de julho de 1888, fato este que ocorreu poucas semanas
após a assinatura da abolição da escravatura no Brasil.
197
No caso do Rio Grande do Sul, pode-se inferir que devido à proximidade daquela zona de fronteira
com as demais nações platinas de fala espanhola, além das influências da maçonaria francesa
durante os ardores revolucionários, esses fatores devem ter ajudado na constituição do brao de
armas rio-grandense. no caso acreano, permeavam ainda as influências do brasão do Brasil
republicano, mostrando que esse ideal de nacionalidade também se calcava em modelos
existentes, provavelmente por seus criadores não serem especialistas em heráldica.
187
Figura 26: Brasões de caráter nacional (Rio Grande do Sul, Acre) e nacional (Bolívia, Equador)
Brasão de Bernardo Pires (1836) Atual brasão do Rio Grande do Sul (1966)
Primeiro brasão do Acre (1899) Atual brasão do Acre (1989)
Brao da Bolívia (1826) Brasão do Equador (1900)
188
Em seu desenho original, a bandeira paulista era composta de quinze faixas
horizontais alternadas, chamadas de burelas, com oito pretas e sete brancas. No
canto superior esquerdo de quem a contempla, havia um retângulo vermelho, de
aproximadamente um terço da extensão horizontal, ocupando o espaço de cinco
faixas. No centro desse cantão retangular ficava um círculo branco e dentro dele
estampava-se o mapa do Brasil, na cor azul (que continha o formato das fronteiras
nacionais da época) e nos cantos do mesmo haviam quatro estrelas amarelas.
Júlio Ribeiro, mineiro natural de Sabará, filho de pai norte-americano e mãe
brasileira, era um fervoroso partidário republicano e procurou naquele artigo, além
realizar duras críticas ao pavilhão que servia ao Império, justificar a nova bandeira
(FEDERICI, 1981). Na voz do autor, o seu significado estava descrito assim:
Esta bandeira preenche tudo o que se possa desejar [...] simboliza de modo
perfeito a gênese do povo brasileiro, as três raças de que ela se compõe
branca, preta e vermelha. As quatro estrelas a rodear o globo, em que se vê o
perfil geográfico do país, representam o Cruzeiro do Sul, a constelação
indicadora de nossa latitude austral. Assim, pois, erga-se firme, palpite
glorioso o Alvo-Negro Pendão do Cruzeiro! (RIBEIRO, 1888; apud FEDERICI,
1981).
A bandeira teve uma vida efêmera depois desse período, chegando,
entretanto, a ser hasteada no palácio do governo provincial de São Paulo alguns
dias após a Proclamação da República. Os republicanos no Rio de Janeiro, que
utilizaram um modelo parecido, mantendo as cores verde e amarela, acabaram por
consagrar em 19 de novembro de 1889 o atual modelo de nossa bandeira nacional.
Foi pouco antes e durante o Movimento Constitucionalista de 1932 que a
bandeira de Júlio Ribeiro voltou a aparecer com força, no qual se acabou
cristalizando naquele ardor patriótico e bélico como o mbolo do povo paulista, que
passou a considerá-la como a sua bandeira a partir de então.
198
A bandeira foi restaurada pelo decreto-lei n.º 16.349 de 27 de novembro de
1946, na qual veio a se tornar oficial pela lei n.º 145 de 3 de setembro de 1948,
considerando-a “já consagrada por velho uso” ou, referindo-se à ela como “a
tradicional”. Esta última disposição apresentava em seu texto uma interpretação da
bandeira paulista muito mais voltada aos sentimentos de cunho nacionalista, que foi
198
Como não foi feita com o objetivo de ser um símbolo exclusivamente paulista, ela foi desde os
alvores de República se consagrando pelo uso e tradição, sem que, no entanto, nenhum ato oficial a
adotasse, fato este que durante a década de 1910 ela era considerada apenas a “bandeira escolar”
do Estado de São Paulo, portanto, de uso restrito ainda (FEDERICI, 1981).
189
descrita assim: “A bandeira de São Paulo significa que noite e dia (campo burelado
de preto e branco) o nosso povo está pronto para verter o seu sangue (cantão
vermelho) em defesa do Brasil (círculo e silhueta geográfica) nos quatro pontos
cardeais (estrelas de ouro)”.
Nesse sentido, pode-se recordar ainda, que as três cores apontadas referem-
se às três raças formadoras do povo brasileiro (o branco, o negro e o indígena) que
tiveram participação ao longo da história do Estado; o circulo branco, representa o
globo terrestre e nele a silhueta geográfica do país, na qual os bandeirantes
paulistas ajudaram a moldar suas fronteiras e cuja cor azul, na heráldica é o símbolo
de fidelidade à nação brasileira.
A interpretação dada aos elementos presentes na bandeira também passou a
ter outra alcunha transportada para o texto da lei, a bandeira das treze listas”. Os
fatos pelos quais levaram a bandeira original a compor-se de quinze listas são
complexos e desconhecidos,
199
pois o artigo de Júlio Ribeiro não contemplava essa
explicação (FEDERICI, 1981). Em 1934, o poeta Guilherme de Andrade e Almeida
dedicou-lhe um poema intitulado “Nossa Bandeira”, traduzindo o momento cívico
pelo qual tinha passado o povo paulista, o que acabou também por consagrar as
treze listas poetizadas desse pavilhão e seus múltiplos significados:
Nossa Bandeira
Bandeira de minha terra,
Bandeira das treze listas:
São treze lanças de guerra
Cercando o chão dos Paulistas!
199
Com o tempo, ao se transformar na bandeira do povo paulista, o pavilhão passou a contar com
treze listas, o que ainda é alvo de várias hipóteses. Uma delas seria o fato de que as burelas, em
número de treze, se ajustavam melhor às proporções da bandeira (FEDERICI, 1981), enquanto
outros apontam, no entanto, que ela procurou-se adequar, por motivos estéticos, ao exemplar já
consagrado da bandeira norte-americana (FREITAS, 1953), a qual contém o mesmo mero de
faixas. Tal configuração deve ter ocorrido na época da Revolução Constitucionalista, quando esta
bandeira passou a ser revivida e amplamente divulgada, pois na década anterior as poucas notícias
sobre ela apontavam-na, ainda, com quinze listas. Uma variante desta bandeira, usada durante a
revolução, apresentada o cantão vermelho quadrangular que contemplava o espaço de sete burelas
da bandeira.
Prece alternada, responso
Entre a cor branca e a cor preta:
Velas de Martim Afonso,
Sotaina do Padre Anchieta!
Bandeira de Bandeirantes,
Branca e rota de tal sorte,
Que entre os rasgões tremulantes
Mostrou a sombra da morte.
Riscos negros sobre a prata:
São como o rastro sombrio
Que na água deixava chata
Das Monções subindo o rio.
Página branca – pautada
Por Deus numa hora suprema,
Para que, um dia, uma espada
Sobre ela escrevesse um poema:
Poema do nosso orgulho
(Eu vibro quando me lembro)
Que vai de nove de julho
A vinte e oito de setembro!
Mapa de pátria guerreira
Traçado pela Vitória:
Cada lista é uma trincheira;
Cada trincheira é uma glória!
Tiras retas, firmes: quando
O inimigo surge à frente,
São barras de aço guardando
Nossa terra e nossa gente.
São dois rápidos brilhos
Do trem de ferro que passa:
Faixa negra dos seus trilhos,
Faixa branca da fumaça.
Fuligem das oficinas;
Cal que as cidades empoa;
Fumo negro das usinas,
Estirado na garoa!
Linhas que avançam; há nelas,
Correndo num mesmo fito,
O impulso das paralelas
Que procuram o infinito.
Desfile de operários;
É o cafezal alinhado;
São filas de voluntários;
São sulcos do nosso arado!
Bandeira que é o nosso espelho!
Bandeira que é a nossa pista!
Que traz, no topo vermelho,
O coração do Paulista!
191
O ideal das três raças tamm aparece na bandeira do Estado do Maranhão,
criada pelo poeta Joaquim de Sousa Andrade (1833-1902),
200
que se inspirou na
bandeira dos Estados Unidos para criar o pavilhão estadual, oficializado em 21 de
dezembro de 1889. Segundo o autor, as nove listas, sendo três vermelhas ndios),
as quatro brancas (brancos) e as duas pretas (negros) representam a união e a
mistura racial que caracterizam o povo brasileiro e maranhense. O cantão superior,
em azul, representa o céu do Brasil, na qual está assentada uma estrela branca
(Beta, da constelação do Escorpião) que representa o Maranhão na bandeira
brasileira como membro da Federação.
Sendo as duas bandeiras pautadas no modelo gráfico da bandeira norte-
americana, cujo ideal de federação estava expresso nas treze listras, representando
as treze colônias originais, procuraram esses pavilhões substituir semanticamente a
faixa, enquanto atributo territorial, pelo atributo social; ambas representando negros,
brancos e índios como componentes primeiros grupos de sua formação étnica no
final do século XIX,
com influências do (pós) abolicionismo e do indianismo.
201
200
Conhecido por “Sousândrade”, este autor se formou em letras pela Universidade de Sorbonne;
também viveu em terras norte-americanas, o que justificaria o uso do desenho da bandeira
maranhense como clara inspiração advinda do pavilo dos Estados Unidos (MEIRELLES, 1972).
201
No mesmo momento ainda estava em curso o que Darcy Ribeiro (2006) cunhou como
“branqueamento” do povo brasileiro. Além do próprio indianismo como movimento literário, o autor
(2006, p. 126) acrescenta que: também o movimento nativista do século XIX, identificado como
indianismo, foi uma assunção de qualidade de nativos não portugueses que se achavam muito
melhores do que os lusitanos. Muito se fala em identidade em termos psicologísticos e filosóficos que
pouco acrescentam ao fato concreto e vivel: é o surgimento do brasileiro, construído por si mesmo,
plenamente ciente de que era uma gente nova e única, se não hostil pelo menos desconfiada de
todas as outras. Baseando-se na tabela de crescimento populacional segundo a cor fornecida pelo
IBGE (1993) [In: RIBEIRO, D, 2006], em 1872, o percentual de negros na população brasileira
somava 20%, enquanto o de brancos correspondia a 38%, os pardos eram 42%; em 1890, por sua
vez, o percentual de negros era de 15%, o de brancos chegava 44% e o de pardos a 41% -
englobados nesta parcela os indígenas o alcançavam 5% dos totais nos dois períodos.
Complementa esta afirmação Machado (1980, p. 69-70) ao expressar que “somente mais tarde,
quando se afrouxaram as hierarquias sociais, ao longo das fases históricas e, principalmente, durante
as crises econômicas e político-militares, é que a estratificação étnica começa a fundamentar o
processo de consciência nacional (como fenômeno étnico-cultural) até hoje em pleno curso. Contudo,
a heterogeneidade observada, em lugar de constituir “um fator insuperável de diferenciação que
levaria à fragmentação inevitável, se tornava, ao contrário, base e condição da primeira integração,
de uma integração viva e não estática, como a haviam conceituado os antigos estudiosos brasileiros,
de uma integração perpetuamente se fazendo, perpetuamente em devenir”.
192
Figura 27: Painel do padre Hidelbrando, mostrando o brasão rio-grandense.
Imagem disponível em: <http://www.museujuliodecastilhos.rs.gov.br>
Figura 28: Bandeiras de caráter nacional: Rio Grande do Sul, Acre, São Paulo e Maranhão.
Bandeira do Rio Grande do Sul (1966) Bandeira do Acre (1921)
Bandeira de São Paulo (1932) Bandeira do Maranhão (1889)
193
6.5 Narrando o território
Reserva-se este subcapítulo a dedicar atenção ao caráter geográfico presente
nos hinos dos Estados brasileiros, através da análise de sua narrativa, onde busca-
se a interpretação da espacialidade humana, pelos elementos que a compõem:
paisagem, território, regionalismo, lugar. Sendo o hino tamm uma obra poética,
seu método de análise deve ser o tratamento desse texto não como objeto, mas
como sujeito com os qual o geógrafo deve dialogar (BROSSEAU, 2007).
202
A geografia aborda a literatura de maneiras variadas, através do ponto de
vista humanista, da história, da crítica social, da linguagem e pela análise do
discurso (BROSSEAU, 2007).
203
De fato, em uma posição humanista, busca-se a
interpretação que o indivíduo faz do mundo, do ponto de vista da percepção; desta
difere-se a análise radical, na qual se estuda a posição do indivíduo na sociedade e
sua “situação” no sistema de classes, como tamm seu contexto biográfico.
tamm a perspectiva da história paralela, na qual a conexão entre geografia e
literatura se faz em analisar o quanto o romancista porta-se como bom geógrafo”,
uma comparação entre o mundo objeto e a subjetividade humana. Neste sentido, no
que compete a investigação entre realidade e ficcionalidade, “uma obra literária não
se expõe ao julgamento do verdadeiro e do falso. Então, o é tanto a busca da
realidade que deve prevalecer, e sim o seu modo de apresentação” (BROSSEAU,
2007, p. 113).
Como a característica intrínseca dos mbolos é projetar uma mensagem que
muitas vezes é construída como objeto de exaltação cívica, portanto assumindo uma
intencionalidade que deve ter sentido emotivo” através de pontos de referência da
experiência humana no seu foco de representação simbólica, o hino, assim como
uma música ou canção, atinge diversas escalas, no que Carney (2007) denomina de
“a hierarquia dos lugares”. No quesito da escala regional e provincial, o autor (2007,
p. 135-136) tece o seguinte comentário:
202
[...] mesmo silenciosamente, transformamos primeiro a obra em objeto e aquilo que ela exprime
em “fatos” favoveis à investigação científica. Ora, o fato de atribuir essa virtude ao texto [...] a partir
das quais ele pode ser lido e interpretado, mostra que, se se trata de “objeto”, ele não poderia ser
comparado ao objeto das ciências naturais. Um diálogo se estabelece bem entre dois sujeitos
(BROSSEAU, 2007, p. 87).
203
Não obstante, creio que esse caminho deve ser desenvolvido na medida em que pode gerar novas
reflexões sobre o pensamento referente ao espaço e ao lugar e, ao mesmo tempo, levar a repensar
nossa própria relação com a escritura e com os recursos da linguagem para poder explicá-la (Idem, p.
79).
194
A associação com um estado ou província há muito ocupa um lugar de
importância na hierarquia dos lugares e isso é muitas vezes reconhecido na
música, especialmente em canções legitimadas pelos funcionários e políticos
de um estado ou província. [...] Muitas canções
204
associadas com estados e
províncias tamm foram usadas para promover o turismo e outras formas de
desenvolvimento econômico, assim como para implantar um sentido de
orgulho estadual ou provincial por aquele lugar entre seus residentes.
Assim, na busca de uma análise do espaço-tempo enquanto trama principal
nas formas de apresentação dos aspectos geográficos, os hinos dos Estados de
São Paulo, Mato Grosso, Rondônia, Minas Gerais, Goiás (em sua versão atual em
contraste com a letra antiga) e Tocantins portam-se como os melhores exemplos
dessa representatividade.
Embora na época da Revolução Constitucionalista de 1932 maior
movimento de caráter cívico do povo paulista nas linhas da história – tenha-se criado
canções e marchas em homenagem a São Paulo, nenhuma delas se convertera em
hino oficial para o Estado. Após a Constituição de 1946, que retomou o uso dos
mbolos estaduais, São Paulo ainda o se decidira por um hino, até que a lei n.º
9.854, de 2 de outubro de 1967, assinalou a necessidade de sua instituição oficial.
As origens do “Hino dos Bandeirantes” remontam àquele mesmo ano, quando
este poema foi composto pelo advogado, jornalista, poeta e tradutor Guilherme de
Andrade e Almeida (1890-1969)
205
em 18 de setembro de 1967, sob o título original
de “Aquarela Bandeirante”, modificado logo depois achegar à sua versão atual.
206
A 10 de julho de 1974, quando foi decretada a lei n.º 337 (revogando sua anterior de
1967), é que se estabeleceu por definitivo que o Hino dos Bandeirantes” seria o
canto do povo paulista. Em 3 de dezembro de 1975, a lei n.º 793 instituiu concurso
público para determinar a escolha da música.
207
204
Nos Estados Unidos, as entidades estaduais usam a expreso State Song (Canção Estadual);
somente em nível de nação usa-se o título de National Anthem (Hino Nacional). No caso dos Estados
brasileiros, o termo hino é aplicado genericamente para todas as canções estaduais, inclusive às que
abordam este título, como a “Canção Mato-grossense” e a “Canção do Amapá”.
205
Natural da cidade de Campinas e cuja alcunha era o “príncipe dos poetas brasileiros”, Guilherme
de Almeida se tornou membro da Academia Brasileira de Letras em 1930, tendo sido um dos
promotores da Semana de Arte Moderna (1922), além de participar ativamente da Revolução de
1932, da qual tamm produziu várias obras poéticas; em seus trabalhos como heraldista, destacou-
se na confecção do brasão da cidade de São Paulo (1917) e da bandeira e brasão de Brasília (1960).
206
Agradeço a “Casa Guilherme de Almeida”, localizada na cidade de São Paulo, pelo envio de uma
cópia dos originais dessa poesia assinados pelo próprio autor e do qual me possibilitou saber a data
precisa e o título inicial dessa composição.
207
Segundo a Secretaria de Estado da Cultura, a partitura é de autoria do maestro Spartaco Rossi
(1910-1993). Entretanto, não existe consenso de qual seja a música oficial do hino estadual ainda.
195
Hino dos Bandeirantes
Paulista, pára um só instante
Dos teus quatro séculos ante
A tua terra sem fronteiras,
O teu São Paulo das “bandeiras”!
Deixa atrás o presente:
Olha o passado à frente!
Vem com Martim Afonso a São Vicente!
Galga a Serra do Mar! Além, lá no alto,
Bartira sonha sossegadamente
Na sua rede virgem do Planalto.
Espreita-a entre a folhagem de esmeralda;
Beija-lhe a Cruz de Estrelas da grinalda!
Agora, escuta! Aí vem, moendo o cascalho,
Botas-de-nove-léguas, João Ramalho.
Serra acima, dos baixos da restinga,
Vem subindo a roupeta
De Nóbrega e de Anchieta.
Contempla os campos de Piratininga!
Este é o Colégio. Adiante está o sertão.
Vai! Segue a entrada! Enfrenta!
Avança! Investe!
Norte - Sul - Este - Oeste,
Em “bandeira” ou “monção”,
Doma os índios bravios.
Rompe a selva, abre minas, vara rios;
No leito da jazida
Acorda a pedraria adormecida;
Retorce os braços rijos
E tira o ouro dos seus esconderijos!
196
Bateia, escorre a ganga,
Lavra, planta, povoa.
Depois volta à garoa!
E adivinha através dessa cortina,
Na tardinha enfeitada de miçanga,
A sagrada Colina
Ao Grito do Ipiranga!
Entreabre agora os véus!
Do cafezal, Senhor dos Horizontes,
Verás fluir por plainos, vales, montes,
Usinas, gares, silos, cais, arranha-céus!
O Hino dos Bandeirantes” é a síntese da ocupação histórica do território
paulista e do alargamento das fronteiras ocidentais do Brasil. Em meados do culo
XIX, a expansão cafeeira tornar-se-ia o carro-chefe da ocupação e modificação do
território então pertencente ao Estado. O autor termina os versos denotando a
transição para o capital industrial no entorno da capital paulista.
Ao tratar da “terra sem fronteiras”, é relembrada a expansão territorial que o
bandeirantismo havia adquirido em São Paulo. A capitania atinge seu auge territorial
no começo do culo XVIII, cuja influência se estendia desde a Colônia de
Sacramento, no Uruguai, do litoral do Rio Grande do Sul e Santa Catarina até o vale
do rio Guaporé (atual Rondônia), seguindo pelo interior de Mato Grosso e Goiás até
a confluência do Tocantins-Araguaia, adentrando, na seqüência, pelo sertão do rio
São Francisco e percorrendo os torrões de Minas Gerais até o Vale do Paraíba.
A descoberta de ouro na região das Minas e no Centro Oeste faz com que a
administração colonial promova a sucessiva divisão da capitania até 1765
formando as províncias de Minas Gerais (1720), Santa Catarina e Rio Grande do Sul
(1738), Goiás e Mato Grosso (1748), restando aos limites de São Paulo apenas o
território paranaense, que mais tarde ganharia autonomia, em 1853.
Conseguinte, apresenta-se a estrofe que caracteriza o nascimento de São
Paulo com a vinda de Martin Afonso de Souza e a fundação da vila, depois cidade,
197
de São Vicente em 1532.
208
A área paulista estava no segundo plano na produção
açucareira com relação aos prósperos engenhos de Pernambuco, devido à pequena
e estreita faixa de litoral e a barreira natural das escarpas da “Serra do Mar”,
demonstrando a influência dos fatores orográficos sobre o projeto colonial
português; restava ao colonizador então aventurar-se serra acima em busca de
expandir-se em uma nova atividade econômica.
Destaca-se no plano histórico a contribuição para a colonização do planalto
paulista a figura de João Ramalho, português que havia naufragado em sua costa
por volta de 1513.
209
Encontrado pela tribo dos guaianases, adaptou-se à vida local,
onde aprendeu a galgar os caminhos pela Serra do Mar, fundando em 1553 a vila de
Santo André da Borda do Campo, no alto do planalto paulista, onde se apresenta a
fito-morfologia dos campos de cimeira. De sua relação com os indígenas, casou-se
com a índia “Bartira”,
210
relembrada ao tratar da rede virgem do planalto”, ou seja,
desprovida da ocupação do colonizador na fantasia de sua representação carnal
através da mulher indígena. Ao tratar da expressão “botas-de-nove-léguas”, o autor
destaca a distância percorrida por João Ramalho de São Vicente ao sítio histórico da
vila de Santo André.
211
A percepção e o imaginário do autor continua com os aspectos da “folhagem
de esmeralda”, retratando a opulência da vegetação da Mata Atlântica, que recobria
as escarpas da Serra do Mar em contraposição com a restinga, que consiste de um
cordão ou massa arenosa, disposta paralelamente à costa segundo os termos da
geomorfologia, relembrando o caminho inicial dos religiosos.
208
Em 1532 Martim Afonso de Souza aportou com sua frota lusitana no litoral paulista, na região da
qual edificou e fundou oficialmente a vila de São Vicente, que dois anos mais tarde seria elevada à
condição de capitania; seu desenvolvimento acabou por se constituir no berço da formação do futuro
Estado de São Paulo. Esta é a figura do herói-fundador.
209
João Ramalho (1493-1580) foi o fundador da vila de Santo André da Borda do Campo. Este
explorador naufragou na costa de São Vicente. Foi resgatado e pelos índios Guaianases, da qual
criou boa amizade e casou-se com Bartira, a filha do cacique Tibiraçá. Seu empenho e conhecimento
da região foram de fundamental importância para a fundação da vila de São Paulo de Piratininga.
Alves Filho (2000) citando Jaime Cortesão (1969), afirma que “Ramalho é o grande elo, o mais direto
e sólido entre a pré-história e a história do Brasil, entre a cultura indígena de um lado, e do outro a
cultura adventícia”.
210
Bartira é o nome da filha do lendário cacique Tibiriçá, da tribo dos Guaianases, que foi desposada
pelo português João Ramalho. Seu casamento possibilitou a boa amizade dos colonizadores
portugueses o só com estes indígenas, que viviam no planalto paulista, mas também com os
Tupiniquins, que habitavam a costa de São Vicente. Ela era também chamada de Potira ou M'bicy,
que significa "Flor da Árvore".
211
Vale lembrar que a légua portuguesa era uma medida itinerária equivalente ao valor de 3.000
braças ou 6.600 metros, equivalente aos 55 km da qual distam as duas cidades atualmente.
198
A colonização da capital paulista se daria com a vinda dos sacerdotes Manuel
da Nóbrega
212
e José de Anchieta
213
que subiram a serra com a ajuda e experiência
adquirida por João Ramalho para fundar em 1554 a vila de São Paulo de
Piratininga.
214
Estabelecido o sítio urbano em 1560, a vila permaneceu pobre e
isolada, mantendo-se por meio de lavouras de subsistência. Essa oposição em
relação ao sertão desconhecido remete a um desafio” conforme relembra o autor,
pois como salienta Alves Filho (2000, p. 208) “extremamente pobres, mesmo à luz
das condições materiais prevalecentes na Colônia, não restaria aos paulistas senão
a aventura militar preconizada pelas bandeiras”.
A partir desse momento passa a ser relembrada a figura histórica do
bandeirante, através das expedições como as “entradas” ou “bandeiras”, enquanto
estas eram feitas por meio terrestre; as monções” eram sob o auxílio dos rios.
Conforme visto, essa expansão se deu por amplos territórios além dos atuais limites
do Estado no qual relembra o verso contendo a citação dos pontos cardeais.
Entretanto, essa figura heróica do bandeirante tanto na heráldica, como na pintura,
escultura
215
e poesia passa uma impressão falsa da sua verdadeira imagem, como
comprova Federici (1981, p. 93-95):
A investigação histórica nos ensina que isso contrasta com a realidade do
que foi, em verdade, esse tipo humano. Mas foi essa a imagem que chegou
até nós e que se foi consolidando à guisa de tanto ser repetida através do
tempo. Não menor foi a culpa da poesia na deformação da realidade, pois,
através de seus versos bem esmerilados, acabou nos dando uma vio
inexata do desbravador, [...] Isso, bem o sabemos, não é a expressão da
verdade. Contrasta, e muito, com a pobreza franciscana de que se revestia,
212
Manuel da Nóbrega (1517-1570), sacerdote jesuíta de origem portuguesa e chefe da primeira
missão jesuítica ao Brasil.
213
José de Anchieta (1534-1597), missionário jesuíta de origem espanhola, sendo um dos fundadores
do colégio da vila de São Paulo, da qual foi regente. Destacou-se por seu trabalho evangelizador
entre os indígenas da região, da qual foi autor da primeira gramática em língua tupi; também atuou na
Bahia e na luta contra a invasão francesa no Rio de Janeiro, durante o governo de Mem de Sá.
214
O nome “Piratininga” tem sua origem do tupi pira (peixe) com a junção de tynin(seco),
significando, portanto, “peixe seco”. Os indígenas chamavam assim a área de várzea que existia na
capital paulista às margens rio Tamanduateí, que na época das cheias criava pequenas lagoas,
deixando os peixes aprisionados; quando o vel da água se exauria ao sol, os peixes acabavam
definhando, originando, assim, a denominação do local. Seu sítio urbano apresentava os chamados
“campos de cimeira”, cuja vegetação característica se assemelhava aos campos mais abertos dos
cerrados. A vila de São Paulo foi elevada à categoria de cidade em 1711 e tal designação indígena foi
caindo em desuso durante o século XVIII.
215
Em 1922, Alfonso d’Escragnolle Taunay solicitou a Luiz Brizzolara que caracterizasse, no
mármore, os vultos dos bandeirantes [...] Na falta de modelos anteriores ou informes seguros que
pudessem orientar o artista, incumbido de executar a tarefa que lhe era atribuída, o mesmo teve que
buscar, na imaginação, os elementos que precisava [...] uma imagem aceita por todos e repetida: a
de um homem varonil, elegante mesmo, não com feições de um jovem atleta olímpico, mas com
compleição robusta, de homem maduro, portanto, já realizado (FEDERICI, 1981, p. 92-94).
199
naquela época, a economia do planalto paulista. Logo, o nosso denodado
desbravador, face a essa realidade, não poderia, de forma alguma, ser
revestido de tão rica indumentária. Nem mesmo a missão que ele propunha
poderia aceitar esse aparato de vestuário. Pelo contrário! Ela lhe impunha
simplicidade de trajes aliada a uma boa resistência do material aplicado. O
que de efetivo se constatou, no passado desse tipo humano que tanto encheu
de glórias as páginas de nossa história, é muito diferente, tudo se reduzindo a
um modesto equipamento de viagem, constante de embornal, calças simples
de algodão, um pano amarrado na cabeça e as armas comuns: arcabuz com
forquilha, espada longa e um facão para cortar o mato e ir abrindo o caminho.
E, pasmem todos, descalços... [...].
O ápice do bandeirantismo paulista se daria após a década de 1630, em
virtude da invasão holandesa na região Nordeste. O apresamento de indígenas
surge como o meio rentável aos exploradores do sertão, tanto pelo alto custo do
escravo negro quanto pela necessidade de braços para as lavouras da Colônia
ainda mantidas sob o domínio português. Assim, o paulista se volta para a captura
de índios e conseqüente envio para áreas agrícolas coloniais” (ALVES FILHO, 2000,
p. 208).
Ao expressar a transformação do espaço natural pela abertura de estradas ao
longo do território e avançar com certa “fluidez pelos rios” o autor comete um
exagero em conseqüência tanto da estrutura do poema quanto pela epopéia que
procura realizar da representação do bandeirantismo paulista. Conforme atentou
Ab’Sáber (1956, p. 248-249):
216
O fato de a maior parte dos rios paulistas e paranaenses darem as costas ao
mar, encaminhando-se no sentido do interior do continente, muitas vezes tem
sido interpretado como fator da maior importância na explicação da marcha
do povoamento, em direção à hinterlândia. Entretanto, nada mais ilusório que
essa visão interpretativa, de caráter puramente planimétrico, da rede
hidrográfica do setor norte-oriental da bacia do Paraná. Em primeiro lugar
torna-se necessário pôr em evidência que os aludidos cursos d’água nascem
no reverso continental das grandes escarpas de falhas da Serra do Mar e
caminham para o interior, através de sinuosos vales encachoeirados, de
perfis longitudinais extremamente irregulares. [...] Mas não se trata de vias
líquidas de clássica aptidão para a navegação fluvial, como se poderia
pensar, e nem mesmo rios suscetíveis de serem transformados em elementos
efetivos de circulação. É muito fácil comprovar que em todas as épocas
históricas do povoamento regional, tais rios foram complementos medíocres
para a circulação do homem e das riquezas. [...] Tão ásperos se
apresentaram alguns caminhos naturais que a única tentativa mais ousada
feita no sentido de seu aproveitamento, ficou marcada na história paulista
com foros de verdadeira epopéia. Referimo-nos ao ciclo das monções.
216
Ver: AB’SÁBER, A. N. Transcrições Relêvo, estrutura e rêde hidrográfica do Brasil. Boletim
Geográfico, n.º 132, (16), maio-junho, 1956. pág. 248-250.
200
Passada a fase de apresamento, começa no final do século XVII o
bandeirantismo de prospecção (ou minerador) com a descoberta de ouro no interior
do território – na qual o autor discorre em versos sobre o processo de mineração. Os
avanços partem em direção ao atual território de Minas Gerais e se seguiram para o
interior de Gos e Mato Grosso, terminando em colocar outra função em relação ao
bandeirantismo que era a fundação de vilas e arraiais ao longo do espaço de
interesse colonial e relembrando ainda, o retorno à cidade de São Paulo, com a
expressão adquirida pela alcunha de “terra da garoa”. A queda da mineração ocorre
no último quartel do século XVIII, e conseqüentemente “encerra-se, de fato, a fase
propriamente aventureira, senão heróica, dos moradores da região, fase essa que
tanto influía, ainda que indiretamente, para o alargamento das fronteiras coloniais”
(ALVES FILHO, 2000, p. 210).
Na estrofe final o autor um salto (de certa medida proposital) no tempo
histórico, ausentando a ascensão da economia açucareira em São Paulo durante o
final do século XVIII ameados do século XIX, voltando-se à capital paulista como
palco da cena heróica da independência do Brasil na figura do herói-fundador,
passando ao mesmo tempo a idéia da unidade e lealdade do “libertador nacional” ao
decantar como cena de fundo as margens do riacho do Ipiranga e o relevo de
colinas encontradas no interior da bacia geomorfológica paulistana.
Ao final, o contraste revelado com as manchas de penetração do café no
início do século XIX, inicialmente no Vale do Paraíba, seguindo-se na direção da
depressão periférica e avançando pelos planaltos sedimentares ocidentais, que
ocupavam uma extensa área no interior paulista, revelam o uso da expressão
“senhor dos horizontes” como a principal cultura e fortuna agrícola do Estado em
plena expansão até a década de 1930.
Com a crise no setor cafeeiro no pós-1930, a oligarquia paulista perde força,
injetando seus investimentos nas atividades urbanas e industriais em detrimento do
campo, ou seja, a inserção nos meios técnico-científicos (SANTOS; SILVEIRA,
2001) revelam a transição da função da metrópole paulista, passando do capital
agrícola para os equipamentos do capital urbano-industrial.
217
Destaca-se, ainda, a linguagem da descrição geomorfológica feita pelo autor
ante a metáfora da “cortina” (correspondente às feições do Planalto Atlântico) em
217
em 1939, o valor da produção industrial representa 53% da produção total do Estado (ALVES
FILHO, 2000).
201
direção aos “plainos, vales, montes” (formas de relevo sedimentares características
da Depressão Periférica e Planalto Ocidental Paulista) dando a idéia do avanço do
meio técnico, ou seja, o progresso urbano-industrial da cidade de São Paulo a fluir
para o litoral e os demais territórios da hinterlândia na mesma forma dos avanços
épicos do bandeirantismo.
Assim, a descrição revelada na letra deste hino abrange um período de
formação territorial e econômica na linha do tempo que se inicia no século XVI,
alastrando-se até as primeiras décadas do século XX, cuja narrativa porta-se como
um documento, que através do imaginário proporcionado por seus testemunhos e
personagens contribui significativamente para uma interpretação da ocupação feita
no espaço geográfico paulista, cuja influência e importância neste processo de
construção estenderam-se muito além de suas atuais fronteiras.
Como no caso do hino paulista, a figura heróica do bandeirante já aparecia no
hino do Estado de Mato Grosso,
218
cantado em público pela primeira vez durante a
cerimônia principal das comemorações do bicentenário de fundação de Cuiabá, em
8 de abril de 1919.
219
Sua letra pertence ao poema intitulado Canção Mato-
Grossense”, de autoria de Francisco de Aquino Corrêa.
220
Canção Mato-Grossense
Estribilho
Salve, terra de amor, terra de ouro,
Que sonhara Moreira Cabral!
Chova o céu dos teus dons o tesouro
Sobre ti, bela terra natal!
218
Este foi o último dos três símbolos adotados oficialmente pelo Estado, estabelecido através do
decreto n.º 208, de 5 de setembro de 1983. Naquele ano, a comiso formada para a regulamentação
do hino, ainda sob o caráter de não-oficial, julgou por bem manter a letra original em sua extensão e
conteúdo, visto ter que pela ética empregada, não poderia descaracterizar tal obra literária.
219
Naquele dia, a capital de Mato Grosso despertou às quatro horas da matina com a tradicional
alvorada festiva, que foi mais solene do que nas vezes anteriores, tendo as comemorações se
concentrado na Praça da República. Encerrada a cerimônia, por volta das nove horas da manhã,
um grupo de senhoritas cuiabanas cantou em público pela primeira a canção que Dom Aquino havia
escrito, embora não fosse esse, ainda, o hino oficial de Mato Grosso, que recebeu música do maestro
e tenente da Polícia Militar, Emílio Heine.
220
Dom Francisco de Aquino Corrêa (1885-1956), que foi arcebispo da capital Cuiabá, governador do
Estado no período de 1918-1922 e o primeiro mato-grossense a pertencer à Academia Brasileira de
Letras. Além de escrever a letra do futuro hino de seu Estado, Dom Aquino também criou o brao de
armas de Mato Grosso enquanto atuou como governador.
I
Limitando, qual novo colosso,
O Ocidente do imenso Brasil.
Eis aqui, sempre em flor, Mato Grosso,
Nosso berço glorioso e gentil!
Eis a terra das minas faiscantes,
Eldorado como outros não há,
Que o valor de imortais bandeirantes
Conquistou ao feroz Paiaguá!
II
Terra noiva do Sol, linda terra,
A quem lá, do teu céu azul todo azul,
Beija, ardente, o astro louro na serra,
E abençoa o Cruzeiro do Sul!
No teu verde planalto escampado,
E nos teus pantanais como o mar,
Vive, solto, aos milhões, o teu gado,
Em mimosas pastagens sem par!
III
Hévea fina, erva-mate preciosa,
Palmas mil são teus ricos florões;
E da fauna e da flora o índio goza
A opulência em teus virgens sertões!
O diamante sorri nas grupiaras
Dos teus rios que jorram, a flux,
A hulha branca das águas tão claras,
Em cascatas de força e de luz!
IV
Dos teus bravos a glória se expande
De Dourados até Corumbá;
O ouro deu-te renome tão grande,
Porém mais nosso amor te dará!
Ouve, pois, nossas juras solenes
De fazermos, em paz e união,
Teu progresso imortal como a fênix
Que ainda timbra o teu nobre brasão!
A Canção Mato-Grossense descreve em seus versos uma visão sobre o
Estado no começo do século XX, que compreendia os territórios das atuais unidades
federativas de Mato Grosso do Sul e Rondônia, cuja primeira estrofe de referência
aplicada pelo autor se justifica com as palavras de grandiosidade, como “novo
colosso” (comparando Mato Grosso ao Colosso de Rodes como uma das sete
maravilhas do Mundo Antigo) e da própria orientação no espaço, com “ocidente do
imenso Brasil”, contrastando com as palavras de jovialidade romântica, épica e
afetiva, ao dizer “sempre em flore “berço glorioso e gentil” utilizadas no hino, pois,
conforme relembra Pedro Rocha Jucá (1994, p. 29): a idéia intrínseca do poema
evoca referências clássicas, históricas e fatores ambientais e telúricos regionais.
A constituição de caráter ocidental do território do Estado se deu desde a
descoberta de ouro e fundação do arraial de Cuiabá em 1719 e sua segmentação da
província de São Paulo em 1749. Conforme salienta Alves Filho (2000, p. 92)
203
segundo um alvará régio da época,
221
“trata-se de manter os vizinhos em respeito,
servindo a capitania de antemural para todo o interior do Brasil”.
A referência no final da primeira estrofe é com relação à descoberta de ouro
nas terras mato-grossenses, pois na expressão usada por Ivan Alves Filho (2000), o
“Mato Grosso nasce do ouro”. Também demonstra a relação conflituosa entre os
bandeirantes com a tribo indígena dos paiaguá, que habitavam originalmente a
região entre o Paraguai e o Pantanal; as incursões dos desbravadores europeus
pela calha do rio Paraguai geravam embates e hostilidades entre estes e os índios.
Com relação ao domínio dos povos indígenas da região, essas ações se explicam
ora pela necessidade de se obter braços para o trabalho, ora por razões de natureza
estritamente militar, de controle de território” (ALVES FILHO, 2000, p. 92).
O estribilho, por sua vez, é uma referência feita ao bandeirante paulista
Pascoal Moreira Cabral Leme (1654-1730), que descobriu ouro nas margens do rio
Coxipó com o rio Cuiaem 1718, dando início à colonização portuguesa, que no
período de 1719-1770 provoca grande procura pela região, com sucessivas ondas
migratórias em busca da extração do ouro, da qual legou a sua vocação no primeiro
século de sua colonização.
Na segunda estrofe há grande referência à descrição geográfica, com a
exaltação do espaço natural do Estado por parte do autor, ao citar a insolação
recebida pela área latitudinal em que se encontra, conforme a expressão “terra noiva
do sol”; trata ainda da referência da situação meteorológica, mesmo que imaginária,
ao se referir ao céu azul e do movimento solar durante o dia, relembrando o
nascimento do sol nas serras entorno das estruturas que formam Chapada dos
Guimarães, próxima à cidade de Cuiabá como ponto de referência decantado pelo
autor e da constelação do “Cruzeiro do Sul”, como o mbolo indicativo das terras
que se encontram em latitudes austrais.
Expressa tamm a descrição de Mato Grosso no Planalto Central do Brasil,
ao tratar, na voz de Ab’Sáber (2003), do domínio dos chapadões recobertos pela
vegetação de campos e cerrados interpenetrados por florestas-galeria, da qual os
campos ocupam via de regra as superfícies altas e planas e, “a despeito de muitos
circunscritos em termos de áreas de ocorrência, os campos constituem importante e,
221
“Ora, esse mesmo alvará consagra a aplicação do termo Mato Grosso para toda aquela região de
vegetação espessa e cerrada, ante-sala da Amazônia. O termo teria sido cunhado pela expedição de
Pais de Barros, que adentrou o oeste do território mato-grossense em 1734, em perseguição aos
índios pareci” (ALVES FILHO, 2000, p. 92).
204
até certo ponto, expressivo fácies no conjunto da paisagem natural da Região
Centro-Oeste” (IBGE, 1977d, p. 75).
Nos versos seguintes o autor comete um exagero ao decantar o chamado
“Complexo do Pantanal” como um verdadeiro “mar”, ficando a idéia da imensidão
desse ecossistema, caracterizado pelas inundações periódicas do rio Paraguai e
seus afluentes. Trata tamm essa expressão da atividade econômica predominante
em Mato Grosso durante o início do século XX, que era a criação de gado,
novamente com um exagero no sentido do número de animais ser imensurável a
primeira vista. Ao rememorar as “mimosas pastagens”, demonstra afetividade ao
lugar, que este se torna incomparável nesse sentido.
222
Deve-se lembrar que a
atividade econômica em Mato Grosso esteve ligada à extração do ouro e de gêneros
vegetais até seu declínio no final do culo XVIII; a introdução do gado provocaria
uma mudança na economia local, com nítido predomínio da região sul sobre as
demais (ALVES FILHO, 2000).
É assim que a terceira estrofe valoriza as atividades econômicas associadas
ao extrativismo vegetal do Estado, onde predominava a extração de látex das
seringueiras (Hevea brasiliensis) e da erva-mate (Ilex paraguariensis). Estas
espécies representam duas áreas de contato com a área core dos cerrados, a
primeira presente na como componente florístico da floresta hileiana e da floresta
subcaducifólia amazônica, no extremo-norte de Mato Grosso e na parte alta da bacia
do Guaporé (já no atual Rondônia). A ocorrência de ervais se faz na floresta
subcaducifólia tropical, no atual Mato Grosso do Sul, na região conhecida como
“Mata de Dourados”. No que se refere ao caráter histórico, relembra Alves Filho
(2000, p. 94), que na época, “os cerca de oitenta mil habitantes da região estavam
como que adormecidos nos cerrados e no pantanal. Viviam então da erva-mate, ao
sul, e da exploração da seringueira, mais ao norte. E de gado, quase nada mais”.
Dom Aquino retrata a formação das veredas, principalmente na expressão
“palmas mil”, referência aos buritizais, característicos da fitofisionomia das áreas de
nascentes e brejões de cimeira dos cerrados. Tal exaltação continua quando citadas
a fauna e flora, além do sertão”, relembrando os espaços livres ocupados pelo
222
A mais importante e maior mancha contínua de campo limpo do Centro-Oeste é representada
pelos chamados Campos de Vacaria, no setor sul-ocidental do planalto paranáico em Mato Grosso
[atual Mato Grosso do Sul], estendidos desde Campo Grande até ao sul de Ponta-Porã. [...] A área
campestre de Vacaria em Mato Grosso [do Sul] conhece desde há muito a atividade pecuária
extensiva, tornando-se tradicional neste setor da economia regional (IBGE, 1977d, p. 77-78).
205
domínio dos cerrados e campos abertos, no qual se inserem os grupos indígenas do
Estado que aproveitam “prazerosamente” do ambiente conforme o imaginário do
autor. Os quatro versos seguintes continuam a descrever as riquezas de Mato
Grosso, primeiramente as minerais, como a proposição da abundância de diamantes
nas grupiaras (ou gupiaras), que são depósitos diamantíferos nas cristas dos
morros. Com a descrição da hidrografia, não faz referência a um rio específico, mas
demonstra que estes são rios que nascem e percorrem áreas de típicas de relevo
planáltico sedimentar e cristalino de altitude média, correspondendo aos trechos
encachoeirados do Planalto Brasileiro, seguindo em direção às bacias dos rios
Amazonas, Paraguai e Araguaia-Tocantins.
A quarta estrofe do poema decanta duas cidades que hoje se encontram em
Mato Grosso do Sul (Dourados e Corumbá),
223
entretanto, com relação à referência
poética do autor sobre esse fato, explica Jucá (1994, p. 27) que:
A imensa extensão territorial de Mato Grosso já compreendeu parte do
Estado do Acre e do Amazonas e integralmente os Estados de Rondônia e de
Mato Grosso do Sul. Portanto, a História de Mato Grosso vai até além dos
seus atuais limites. Por isto, é natural que o Hino Oficial do Estado de Mato
Grosso cite as cidades de Corumbá e Dourados, que pertenceram ao
território mato-grossense e foram cenários históricos para importantes
páginas de glória e bravura do seu povo. Quando Dom Francisco de Aquino
Corrêa escreveu o texto da "Canção Mato-grossense" [1919], que foi
reconhecida em 1983 como o Hino Oficial do Estado de Mato Grosso, o
território mato-grossense compreendia, também, o atual Estado de Mato
Grosso do Sul, onde aquelas duas cidades estão localizadas. Se quisesse,
Dom Francisco de Aquino Corrêa poderia ter incluído o Forte Príncipe da
Beira, em Rondônia, por exemplo.
O poema tamm traz a citação do pássaro “fênix” – ave quimérica que
mitologicamente ressurge de suas cinzas relembrando por seu simbolismo os
períodos de prosperidade e marasmo econômico que se alteraram na história mato-
grossense. Com relação ao brasão de armas do Estado, Jucá (1994, p. 29) uma
definição de sua simbologia heráldica:
223
Contudo, conforme ressalta Jucá (1994, p. 27-29), na letra do hino jamais se cogitou do ambiente
e sim do homem: [...] "Dos teus bravos a glória se expande / De Dourados até Corumbá". O que o
autor decantou no poema foi a glória dos filhos de Mato Grosso e não o pedaço geográfico.
Decantou a bravura de Antonio João Ribeiro, nascido em Poconé, em 24 de novembro de 1823, e
que tombou, heróicamente, em 29 de dezembro de 1864, quando, no posto de tenente do Exército,
comandava a Colônia Militar de Dourados. Decantou a bravura de Antonio Maria Coelho na
Retomada de Corumbá, ele nascido em Cuiabá em 8 de setembro de 1827 e falecido em Corumbá
em 29 de agosto de 1894. [...] Mas, o heroísmo dessas duas figuras ilustres não diz respeito apenas a
Mato Grosso e sim ao Brasil, nas circunstâncias por que passava a soberania nacional. (grifo nosso).
206
[...] Sendo Dom Francisco de Aquino Corrêa autor do Brasão de Mato Grosso,
fez encimar sobre o mesmo a figura de uma Fênix e foi oficializado pelo
Decreto n.º 799, de 14 de agosto de 1918. No mundo botânico encontramos
duas referências, que tamm fazem partes do Brasão: um ramo de
seringueira e outro de erva-mate. Note-se a referência constante entre o
Brasão e a letra do Hino. A riqueza mineral es presente no ouro e no
diamante jorrando nas grupiaras. A pecuária se faz notar nas paragens
pantaneiras, povoadas de gado vacum e cavalar. No mundo antropológico
estão presentes duas figuras antagônicas do início da civilização de Mato
Grosso: o bandeirante e o índio, responsáveis pelo aumento da população no
caldeamento de povo e raça.
Em 1919, Mato Grosso passa por uma renovação nos transportes, ao receber
a via férrea e estabelecer a ligação com os Estados do Sudeste; nas décadas
seguintes ocorre o recuo do extrativismo vegetal (principalmente borracha, madeira,
carvão e castanha), o aumento da área cultivada (soja, arroz, algodão, café, cacau)
a exploração do potencial mineral (ouro, diamante, prata) e a criação de gado.
224
Assim, a realidade sócio-espacial descrita na letra do hino de Mato Grosso faz
referência à situação em que se encontrava o Estado no início do século XX, com
grandes traços de exaltação à natureza e suas potencialidades econômicas; devido
à condição de “canção popular” a qual foi originalmente composta para depois
ganhar o status de símbolo estadual, este hino porta-se como grande documento de
testemunho histórico-geográfico.
De caráter recente quando ao discurso entorno da “epopéia bandeirante”, o
hino do Estado de Rondônia originou-se do poema “Céus do Guaporé”, de autoria
do engenheiro civil Joaquim Araújo Lima.
225
Em 17 de fevereiro de 1956, quando o
território passou a se chamar oficialmente Rondônia, em homenagem ao marechal
Rondon, a letra do poema foi mudada para “Céus de Rondônia”, ganhando música
de José de Mello e Silva. O hino foi oficializado pelo decreto-lei n.º 7, de 31 de
dezembro de 1981, que regulamenta os símbolos do Estado.
224
Deve-se salientar que com a divisão do Estado em 1977, Mato Grosso passa a fazer parte da
Amazônia Legal e observa-se que a sua porção meridional se encontra sob controle das velhas
famílias mato-grossenses, mas a porção setentrional se encontra sob controle dos imigrantes,
garimpeiros, madeireiros, plantadores de soja e criadores de gado (ANDRADE; ANDRADE, 2003).
225
Nascido na Bahia, ele foi nomeado o quarto governador do antigo Território Federal do Guaporé,
entre 1948-1952. No inicio da década de 1940, Lima estabeleceu-se em Porto Velho, cujo primeiro
cargo foi o de diretor da empresa de estrada de ferro Madeira-Mamoré.
207
Céus de Rondônia
Quando nosso céu se faz moldura
Para engalanar a natureza
Nós, os bandeirantes de Rondônia,
Nos orgulharmos de tanta beleza.
Como sentinelas avançadas,
Somos destemidos pioneiros
Que nestas paragens do poente
Gritam com força: somos brasileiros!
Nesta fronteira de nossa pátria,
Rondônia trabalha febrilmente
Nas oficinas e nas escolas
A orquestração empolga toda gente;
Braços e mentes forjam cantando
A apoteose deste rincão
Que com orgulho exaltaremos,
Enquanto nos palpita o coração.
Azul, nosso céu é sempre azul
Que Deus o mantenha sem rival,
Cristalino muito puro
E o conserve sempre assim.
Aqui toda vida se engalana
De beleza tropical,
Nossos lagos, nossos rios
Nossas matas, tudo enfim...
A canção “Céus de Rondônia revela o ciclo de uma nova “epopéia
bandeirante” na qual figura a exaltação aos elementos da natureza como fonte de
riqueza do Estado, pois, como ressalta Alves Filho (2000), a história de Rondônia,
como aquela de toda a região amazônica, aliás, é também a história ligada às
práticas extrativistas. A letra começa pela exaltação do céu, que “se faz moldura
para engalanar a natureza”, assumindo a feição de um quadro, da qual lembra as
primeiras noções de paisagem, onde o u do Estado seria o limite para as belezas
208
encontradas em superfície, da qual os novos bandeirantes de Rondônia, são agora
os habitantes que constituem as novas ondas migratórias para a região.
226
Continua o hino com os versos desse “novo bandeirantismo”, no qual os
avanços populacionais são representados nas metáforas “sentinelas avançadas” e
“destemidos pioneiros”, ocupando efetivamente as faixas de floresta amazônica no
interior do Estado, que “nestas paragens do poente”, referem-se à localização de
Rondônia no ocidente do país, demarcando a presença brasileira na região.
A ocupação colonial de Rondônia, no vale do rio Guaporé data das primeiras
décadas do século XVII, com a incursão de militares portugueses; a descoberta do
ouro impulsiona a construção do Forte Príncipe da Beira para resguardar a então
fronteira de Mato Grosso. No início do século XX, dois eventos destacam-se na
região: as incursões do Marechal Cândido Rondon (1906) que estabelecem o
sistema de telégrafos ligando o Oeste ao resto do país e a construção da estrada de
ferro Madeira-Mamoré, inaugurada em 1912.
A segunda estrofe continua a tratar da fronteira da pátria, da qual sua
população continua a trabalhar, no sentido de “dar progresso” ao entrave natural
daqueles rincões. Descreve as “oficinas” e “escolas”, que, pela época da letra do
hino, representavam os principais implementos de desenvolvimento da região e ao
aturarem em conjunto (como a idéia de uma orquestra), empolgam a população local
no seu trabalho diário.
227
A partir da década de 1970, o acréscimo de população
imigrante destaca-se com a ocupação da fronteira agrícola, que se expande da
direção do Mato Grosso, penetrando através do espigão central formado pela
Chapada do Parecis. Os versos prosseguem enaltecendo o trabalho braçal e
intelectual que forjam o espaço de Rondônia como uma verdadeira “apoteose”,
dando a idéia de um avanço glorificador e harmônico.
228
Na estrofe final, a exaltação e sagração da natureza coloca em voga o tema
do hino, a começar por seu título: Céus de Rondônia. O céu do Estado é sempre”
226
Conforme citou Alves Filho (2000, p. 192) “o extraordinário crescimento populacional do estado
colaborou, em larga medida, para a diversificação das atividades produtivas. E nem poderia ser de
outra maneira: a população de Rondônia quintuplicou entre 1970 e 1980”.
227
De certa forma, ao expressar “oficinas” o autor reporta-se implicitamente que não existiam grandes
indústrias no Estado na época, limitando-se às oficinas e pequenas fábricas de beneficiamento de
produtos de origem vegetal. Atualmente as maiores empresas do Estado atuam nos setores de
comércio, energia e telefonia, produção de alimentos, bebidas, mineração e agropecuária. Na
agricultura, destaca-se a produção de café, cacau, arroz, mandioca e milho (IBGE, 2009).
228
Contraditoriamente, os avanços do garimpo ilegal, da exploração de madeira e da pecuária
desenfreada consistem nos principais crimes ambientais enfrentados pela região.
209
azul, cristalino e puro, no qual se roga a proteção divina, para que permaneça com a
mesma limpidez; deve-se relembrar que o autor neste caso usa a estratégia dos
exageros do patriotismo (em escala nacional/regional) em que se permite o excesso
à deficiência (LEITE, 1969).
O hino termina por decantar a “beleza tropical”, através dos lagos, rios e
matas, elementos característicos do ambiente amazônico, onde morfologicamente
os rios apresentam ao longo de seu curso, trechos encachoeirados ao longo dos
planaltos e as depressões lacustres nas áreas de várzea, atuando como lagos
temporários ou perenes que abastecem os rios na época da seca e que durante as
cheias recebem suas águas. Na hidrografia do Estado, destacam-se os rios
Guaporé, Ji-Paraná, Jaci-Paraná, Madeira e Mamoré, sendo a cobertura vegetal de
Rondônia caracterizada pela presença dominante da floresta subcaducifólia
amazônica interpenetrada por manchas de cerrado (IBGE, 1977a).
Assim, o hino de Rondônia apresenta um amplo discurso em torno da
simbolização da natureza como elemento sagrado, na qual as idéias do novo ciclo
bandeirante, como o elemento humano, são representadas no ideal de uma epopéia
harmônica que envolve a ocupação de Rondônia, permitindo assim evidenciar as
exaltações da sociedade e natureza na construção de um “imaginário geográfico”.
Dentre os membros da Federação, Minas Gerais é o único que não possui um
hino estadual oficial. Entretanto, a canção que ganhou maior popularidade foi “Oh!
Minas Gerais”, adaptação de uma tradicional valsa italiana, chamada Viene sul
mare, que chegou ao Estado a partir de companhias líricas e teatrais italianas que
vinham ao Brasil durante século XIX e início do século XX. A letra foi adaptada pelo
compositor mineiro José Duduca de Morais (1912-2002) e gravada em 1942, com
arranjo musical do cantor e compositor Manuel Pereira de Araújo (1913-1993). Esta
é a versão cedida pela Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais (2008):
Estribilho
Oh! Minas Gerais,
Oh! Minas Gerais,
Quem te conhece não esquece jamais.
Oh! Minas Gerais...
I
Tuas terras que são altaneiras
O teu céu é do puro anil
És bonita, ó terra mineira,
Esperança do nosso Brasil!
Tua lua é a mais prateada
Que ilumina o nosso torrão.
És formosa, ó terra encantada,
És o orgulho da nossa nação!
II
Teus regatos te enfeitam de ouro,
Os teus rios carreiam diamantes
Que faíscam estrelas de aurora
Entre matas e penhas gigantes.
Tuas montanhas são peitos de ferro
Que se erguem da pátria alcantil
Nos teus altares suspiram serestas
És o altar deste imenso Brasil.
III
Lindos campos batidos de sol
Ondulando num verde sem fim
E montanhas que, à luz do arrebol,
Tem perfume de rosa e jasmim.
Vida calma nas vilas pequenas,
Rodeadas de campos em flor,
Doce terra de lindas morenas,
Paraíso de sonho e de amor.
IV
Lavradores de pele tostada
Boiadeiros, vestidos de couro,
Operários da indústria pesada,
Garimpeiros de pedra e de ouro,
Mil poetas de doce memória
E valentes heróis imortais,
Todos eles figuram na história
Do Brasil e de Minas Gerais.
A canção popular que se converteu no símbolo não-oficial de Minas Gerais
229
revela um grande apreço à descrição e valorização dos espaços naturais do Estado,
apresentando em sua exaltação inclusive evidências da estruturação geológico-
geomorfológica das terras mineiras, pela questão do relevo, onde cerca de 93% das
terras do Estado encontram-se acima dos 300 metros, 57% acima de 500 metros e
20% entre 900 e 1.500 metros de altitude (MINAS GERAIS, 2008). Minas Gerais se
caracteriza pela diversidade de feições geomorfológicas, o que se justifica nas
expressões “terras altaneiras” e pela “formosura” do relevo. Com relação às altitudes
do relevo, assim descreve o IBGE (1977c, p. 1-2) que:
Os relevos elevados do Sudeste têm continuação na área central de Minas
Gerais, onde surge o grande domínio montanhoso da Serra do Espinhaço, de
altitudes superiores a 1.200 metros, [...] no norte e nordeste de Minas Gerais,
os mesmos sedimentos, na Bacia do São Francisco, originam níveis de
altitude que vão de 850 a 750 metros, no norte de Belo Horizonte, 350-450
metros, na área próxima ao rio São Francisco e 800-900 metros nos limítrofes
com a Região Centro-Oeste.
229
Houve, no entanto, tentativas de se oficializar um hino para o Estado de Minas Gerais. Um desses
momentos ocorreu em 1985, quando a Secretaria Estadual da Cultura promoveu um concurso para
escolha do hino, mas a idéia não chegou a se concretizar.
211
Os elementos da natureza continuam por serem valorizados de forma
patriótica e regional em relação à terra mineira, com as expressões em teu céu “é do
mais puro anil” e a luz da lua que é “mais prateada”. Essas reações ingênuas e
patrióticas revelam descrições românticas com afetividade ao espaço e ao ambiente
vivido, conforme evidencia Dante Moreira Leite (1969, p. 195) “em matéria de
patriotismo, melhor é o excesso que a deficiência, e que ‘o otimismo ingênuo’, o
‘entusiasmo pueril’ e a ‘dissimulação das verdades’ são melhores que o ‘pessimismo
azedo’, o ‘negativismo demolidor’ e ‘indiferença displicente’”.
Esse discurso está presente na letra do hino quando o Estado é tratado como
a esperança do nosso Brasil” e “orgulho da nossa nação”. A letra data da primeira
metade do século XX, relembrando implicitamente os feitos históricos decorridos,
além de que Minas Gerais, com sua grande extensão territorial, a potencialidade de
seu setor agrícola e pecuário e a sua riqueza mineral manteve-se, e ainda mantém-
se como o segundo estado em importância no país (ANDRADE; ANDRADE, 2003).
A segunda estrofe, além da própria descrição, exalta a importância dos
recursos minerais para a constituição, organização e ocupação do espaço histórico
de Minas Gerais, a começar pelo ouro de aluvião, encontrado pelos bandeirantes
paulistas em fins do século XVII no sertão de Caetés.
230
A descoberta das primeiras
jazidas diamantíferas ocorre em 1729, próximas à Diamantina, na região da Serra do
Espinhaço, onde se concentram as maiores ocorrências de veios diamantíferos no
Estado, mas não tiveram a mesma importância e repercussão que o ouro. Conforme
acrescenta Alves Filho (2000, p. 104) “a região das minas de ouro e prata, situada
bem no centro de Minas Gerais atual, atrai forte contingente populacional do litoral
da Colônia e da própria metrópole, sendo rapidamente ocupada, apesar dos
problemas de acesso e da resistência indígena”.
230
Segundo Alves Filho (2000), o nome Minas Gerais surge em oposição às minas particulares dos
rios das Velhas, das Mortes e dos Caetés. Os bandeirantes paulistas, os primeiros a trilhar os
caminhos por aquele interior, se referiam à região como “o sertão dos Cataguases”, por causa dos
indígenas que nelas se assenhoreavam. O mais antigo desses caminhos, do qual haviam passado
inúmeras bandeiras paulistas, ao longo dos afluentes do rio São Francisco, ligando São Paulo até as
capitanias do Norte, ficou conhecido como “Caminho Geral do Sertão”. A descoberta de ouro de
aluvião, a partir de 1687, atraiu a primeira grande leva de população para a atual região central do
Estado e a notícia de que havia ouro, em maior ou menor quantidade e em qualquer direção que
tomassem as pessoas, fez surgir a expressão “minas geraisesta também uma oposição às minas
auríferas particulares a Goiás e Mato Grosso. Nos primeiros anos do século XVIII, o que aparece
como topônimo nos mapas e documentos oficiais é a expressão “Minas”; o dinamismo da região faz
com que seja estabelecida a capitania de São Paulo e Minas de Ouro, em 1710, com sua definitiva
separação do território paulista dez anos depois. A fixação do nome “Minas Gerais” à capitania ocorre
a partir de 1732, com a nomeação de seu primeiro governador geral.
212
Conforme a idéia do hino, o brilho do diamante assemelha-se ao das estrelas,
que adornam uma paisagem contemplativa formada pelas gigantes “penhas”
penhascos os pontões rochosos decorrentes dos dobramentos e falhas nas regiões
de planalto cristalino, que, ao norte do Espinhaço começam a formar alinhamentos
de morros residuais com o aspecto de inselbergs (IBGE, 1977c). Com relação às
“matas” do domínio tropical atlântico no território mineiro, Ab’Sáber (2003, p. 49)
ressalta que:
[...] na direção do distante e marginalizado nordeste de Minas Gerais, as
matas atlânticas nos vales oeste-leste das bacias dos rios Pardo e
Jequitinhonha apresentam padrões frágeis nas suas transições sub-regionais
e nos setores menos favorecidos pela umidade atlântica. É somente a partir
do vale do rio Doce que as florestas densas dos tabuleiros costeiros revestem
a Serra do Mar espírito-santense e se adentram pelos largos compartimentos
do vale, em território mineiro, abrangendo centenas de quilômetros para o
interior, aas fraldas orientais da Serra do Espinhaço. Por sua vez, a porção
sul e sul-oriental de Minas Gerais apresentava um quadro tão contínuo de
florestas tropicais em áreas geomorfológicas típicas de “mares de morros”,
que foi denominada Zona da Mata mineira.
Ao tratar as montanhas mineiras como “peitos de ferro”, a justificação
relembra a ocorrência geológica e a produção deste mineral metálico no Estado,
231
sendo que Minas Gerais é o maior produtor de minério de ferro, responsável por
70% da produção brasileira (ALVES FILHO, 2000). Ao final, relembra as “serestas”
com um dos aspectos das canções populares que dominam a vida interiorana, essa
expressão trata de “decantar” o espaço geográfico de Minas Gerais pelo caráter da
altitude de seu relevo, constituído de serras, planaltos e chapadões interiores,
remetendo-se à idéia de “altar do Brasil”.
A terceira estrofe continua a decantar a beleza da natureza, trazendo
elementos associados ao relevo e às atividades econômicas, mas também se insere
o elemento humano, com aspectos contemplativos aos pequenos núcleos urbanos e
à beleza da mulher mineira, ao qual elege o tipo “morena” como a principal
representação. A quarta estrofe foca-se nos personagens históricos, econômicos e
populares (heróis, lavradores, boiadeiros, operários, garimpeiros e poetas) que
231
A região de importante ocorrência desse mineral é chamada de “Quadrilátero Ferrífero”, onde se
localizam as cidades de Ouro Preto, Mariana e Itabirito; além de sua importância em recursos
minerais, encontra-se parte de duas das mais importantes bacias hidrográficas do Estado de Minas
Gerais, a do rio Doce e a do rio das Velhas.
213
fizeram e fazem a história do Estado, procurando ressaltá-los da escala regional
para o plano nacional.
232
Assim, nota-se que esta versão não-oficial do hino de Minas Gerais apresenta
grande descrição de conteúdos geográficos, muitos deles associados à exaltação da
natureza, sejam elas pelos aspectos do relevo, beleza celestial, exaltação da flora e
da paisagem ou pelas riquezas minerais, que também apresentam sua importância
econômica. Compõe a narrativa da canção, a descrição das paisagens interioranas e
dos personagens ligados ao imaginário popular, ressaltando no discurso de seu
estribilho aos que, na perspectiva da experiência, colheram valores topofílicos ao
conhecerem ou passarem pelas terras mineiras. Relembra Estévez (2004) que, ao
se cantar o hino, os patriotas experimentam magicamente em si mesmos a nação e
tamm os demais atributos advindos dessa experiência simbólica, ao qual
procuram “dizer coisas a si mesmos” conforme descreve Edmund Leach (1978).
O contraste entre a descrição da natureza e a transformação do espaço
regional figura quando se comparam historicamente as letras dos hinos do Estado
de Goiás. O primeiro hino de Goiás foi adotado através da lei n650, de 30 de julho
de 1919, a mesma que instituiu o brasão e bandeira para o Estado. A letra ficou a
cargo do poeta goiano Antônio Eusébio Abreu Júnior (1869-1954), com música do
pianista fluminense Custódio Fernandes Góes (1886-1948).
No coração do Brasil, Em cada pico azulado,
Domínio da primavera, No dorso da serra erguido,
Se estende a terra goiana, Recorda a lenda encantada
Que nos legou Anhangüera. De algum tesouro escondido.
O bandeirante, atrevido, Outrora a terra, esquecida,
Desbravador do sertão, Mas sempre augusta no porte,
Em cada pedra abalada, Viveu a lei do destino,
Deixou da audácia um padrão. Vergada aos lances da sorte.
232
Estas duas estrofes assemelham-se, neste caso com um tom poético, às descrições dos “gêneros
de vida” que faziam os geógrafos antigos e das primeiras gerações do culo XX, que deste modo se
assemelhavam aos diários e cadernetas de campo, ilustrando o imaginário poético.
Depois, volvida, alentada
Do grato influxo estafante
Do vil metal reluzente,
Tornou-se Estado possante.
E hoje, estante, orgulhosa,
No labutar do progresso,
Riquezas, dons naturais
Ostenta em vasto recesso.
Este céu tão estrelado,
Este solo tão fecundo
Parecem provar destino
De ser o solar do mundo.
Este clima salutar,
Esta brisa embalsamada,
Noite e dia, são cantados
Nos trinos da passarada.
Seus lindos bosques nativos,
Orlando campos e montes,
Ao sol ocultando co'a sombra,
A clara linfa das fontes.
Buritizais alinhados,
Quais batalhões da natura,
Ali defendem com os leques,
Da chã leveza a frescura.
De sul a norte, afinal,
Da natureza no arquivo,
A fauna, a flora se enlaçam
Em doce amplexo festivo.
Este solo que pisamos
Hoje, em fraternal abraço,
É berço da liberdade,
Da Pátria Amada um pedaço.
Outrora fora o retiro
Dos filhos do Mucunana;
Mas hoje a terra, exaltada,
É a nossa Pátria Goiana.
Goianos, nobres, altivos,
Da liberdade alentados,
Jamais consentem que os louros
Da Pátria sejam pisados.
Cantemos todos, unidos,
Da liberdade a vitória!
Mais um padrão ajuntemos
Aos faustos da nossa história.
Salve plêiade cintilante
De patriotas goianos
Que em sulcos e bênçãos pátrias
Conquistam louros, ufanos!
Desperta além, mocidade,
A voz do grande ideal
De fazer Goiás fulgir
No vasto Brasil Central!
Viva o Brasil respeitado,
Como Nação Soberana!
Viva o progresso encetado
Na bela terra goiana!
215
A longa letra do primeiro “hino a Goiás” apresenta uma descrição histórico-
geográfica do espaço goiano no início do século XX, começando por fazer referência
à localização do Estado na região central, metaforicamente como “coração do
Brasil”. Ao tratar da expressão “domínio da primavera” o autor decanta os aspectos
ecológicos das plantas do cerrado, em interação com os solos que apresentam uma
reserva hídrica durante o período das secas e propiciam seu florescimento durante
todas as épocas do ano, pois a natureza física e ecológica dos cerrados possui
poucas deficiências hídricas no solo subsuperficial (AB’SÁBER, 2003).
Continua na primeira estrofe a fazer referência ao legado do território goiano
pela figura de Bartolomeu Bueno da Silva (1672-1740), o segundo Anhangüera, que
junto com os bandeirantes João Leite Ortiz (1670-1730) e Domingos Rodrigues do
Pedro [s.d.] saem de São Paulo e descobrem ouro em Goiás no ano de 1725, mas
que desde a segunda metade do século XVII houve interesse por parte das
autoridades metropolitanas, devido à existência de ouro naquelas proximidades.
A segunda estrofe descreve a atividade de prospecção do ouro por parte do
bandeirantismo, desbravando os sertões, ou seja, a própria área “core” do domínio
dos cerrados; ao tratar do “pico azulado” no “dorso da serra erguido”, na terceira
estrofe, o autor descreve o relevo dos chapadões da vertente ocidental do São
Francisco que formam as escarpas da Serra Geral de Goiás, adentrando o atual
Tocantins nos limites com o Estado da Bahia.
O hino continua a tratar do isolamento da província durante os anos de
captura aos índios, para depois ser volvida” por conta do “vil metal reluzente”, uma
metáfora para o ouro, que a partir de 1730, com a exploração do rio Tocantins,
afloram as minas mais ricas de Goiás num primeiro instante. Conforme atesta Alves
Filho (2000, p. 75) Goiás era o ouro, ou deveria sê-lo e “não seria um erro afirmar
que, além do ouro, nada mais interessava então à Coroa”. Ao tratar do “Estado
possante”, relembra-se a fundação da capitania (1748) e do arraial de Vila Boa (hoje
a cidade de Goiás “Velho”) em 1752 fatores que garantiram maior autonomia a
Goiás a durante o período de extração aurífera e do alargamento de suas
fronteiras.
233
233
Após as descobertas das lavras de ouro no início do século XVIII, “em apenas uma década o
quadro econômico-social sofrera uma extraordinária mudança um fenômeno típico da sociedade
colonial, conhecido por estudiosos como processo de alargamento de fronteiras (ALVES FILHO,
2000, p. 74).
216
O chamado “ciclo do ouro” entra em declínio por volta do último quartel do
século XVIII, acarretando praticamente o colapso da economia goiana e a
conseqüente redução da população que migra para outras áreas da conia. Nas
primeiras décadas do século XIX, a introdução do gado acarreta um novo ciclo
econômico em conjunto com a agricultura, que substituem lentamente a extração
aurífera, tornando-se atividades fundamentais, onde a agropecuária extensiva leva
ao latifúndio e ao surgimento de uma oligarquia, localizada preponderantemente no
centro-sul do estado, o que acarretaria no agravamento de uma maior desigualdade
regional com o norte goiano, no atual Tocantins. Essa situação prolonga-se até as
primeiras décadas do culo XX, na qual o autor retrata na sexta estrofe, em que
Goiás é “estante” e com orgulho “ostenta um vasto recesso”, voltando-se à descrição
dos “dons naturais” face ao marasmo econômico que impedia uma profunda
transformação do espaço.
Da sétima à décima segunda estrofe, o autor volta-se à descrição e a
sagração da natureza do Estado, na área do domínio dos chapadões recobertos por
cerrados e penetrados por florestas-galeria, conforme conceitua Ab’Sáber (2003).
Começa tratando da descrição de forma romântica do céu “tão estrelado” e do solo
“tão fecundo” um relato muito mais apaixonado na época, pois somente a partir da
segunda metade do século XX a revolução técnico-científica na agricultura iria
permitir a ocupação em larga escala dos solos dos cerrados. Descreve o Estado
como o “solar” do mundo, fato associado ao território ocupado por Goiás na região
do Planalto Central brasileiro, do qual contribui a imposição orográfica do maciço
goiano. As descrições românticas continuam com relação ao clima “salutar” e a brisa
“embalsamada”, relativa à percepção ambiental do autor.
A nona e décima estrofes são referências claras ao aspecto fitofisionômico
das áreas de cerrado, começando por destacar os bosques e campos” ao longo do
Estado, que compõe o mosaico formado pelo cerrado, variando desde os campos e
campos cerrados até os cerradões, próximos do aspecto vegetacional das florestas
estacionais subcaducifólias tropicais e tal como as matas do interior, os campos o
ocupam grandes extensões contínuas, figurando dispersos em meio ao domínio
geral dos cerrados (IBGE, 1977d).
O texto continua com a descrição das veredas na expressão clara linfa das
fontes”, como uma poética das áreas de nascentes, e seu principal elemento de
destaque o buriti (Mauritia flexuosa) que acompanha as áreas úmidas da
217
drenagem, formando os “batalhões da natura” pela expressividade da palmácea na
paisagem, defendendo com “leques” (aspecto morfológico das folhas do buriti) a
umidade contida nos solos (da chã leveza a frescura). Já na décima segunda
estrofe, trata de forma afetiva o Estado e a relação dos goianos com a terra fazendo
parte de “pátria amada”, como idéia da unidade nacional.
Continua o decanto patriótico com a valorização da sociedade goiana nas
palavras “nobres”, altivos” e “plêiade cintilante”, tal expressão demonstra logo a
seguir ao decantar “que em sulcos e bênçãos pátrias conquistam louros”, refere-se
ao trabalho no campo em sulcar a terra e, por extensão, à oligarquia agropecuária
presente no Estado e que dominou o poder político nas primeiras décadas do século
XX. As duas últimas estrofes revelam as esperanças no futuro do Estado,
representado figurativamente pela simbolização da juventude, na idéia de renovação
para fazer Goiás fulgir no Brasil Central”, onde o patriotismo e as influências do
positivismo literário e da sagração da natureza na idéia de “progresso encetado”
terminam a exaltação histórico-geográfica deste hino.
As mudanças que transformaram o território goiano, acabaram por influenciar
a adoção do novo hino do Estado de Goiás, instituído através da lei n.º 13.907,
sancionada pelo então governador Marconi Ferreira Perillo Júnior, em 21 de
setembro de 2001. A letra do novo hino foi escrita por José de Mendonça Teles
(1936-), com música de autoria do maestro e professor goiano Joaquim Thomaz
Jayme (1941-).
Santuário da Serra Dourada
Natureza dormindo no cio,
Anhangüera, malícia e magia,
Bota fogo nas águas do rio.
Vermelho, de ouro, assustado,
Foge o índio na sua canoa.
Anhangüera bateia o tempo:
Levanta arraial Vila Boa!
218
Estribilho
Terra querida, fruto da vida,
Recanto da paz.
Cantemos aos céus, regência de Deus,
Louvor, louvor a Goiás!
A cortina se abre nos olhos
Outro tempo agora nos traz.
É Goiânia, sonho e esperança,
É Brasília pulsando em Goiás.
O cerrado, os campos e matas,
A indústria, gado e cereais.
Nossos jovens tecendo o futuro,
Poesia maior de Goiás!
Estribilho
A colheita nas mãos operárias,
Benze a terra, minérios e mais:
– O Araguaia dentro dos olhos
Me perco de amor por Goiás!
O novo hino de Goiás começa por destacar a Serra Dourada, que consiste em
anteparo para a cidade de Goiás, que acaba envolvida por seus contrafortes. Com
suas escarpas, formações de arenito e campos altos, a serra possui grande valor
ecológico, devido à fauna e flora e às veredas de onde nascem os rios. Ficou
famosa pelas areias das mais diversas cores, que no final da tarde refletem a luz do
sol, provocando o efeito dourado que também lembra o ouro na origem da região.
Ao tratar da expressão “natureza dormindo no cio”, o autor estabelece uma relação
com “natureza intocada” na época da descoberta do ouro em Goiás pelos
bandeirantes, na figura de Bartolomeu Bueno da Silva o Anhangüera, pois as
incursões vindas do Pará e Maranhão percorreram o Estado à procura de índios e
ouro, mas os resultados começaram a surtir após a descoberta dos paulistas. Com
219
relação à expressão “bota fogo nas águas do rio”, o autor relembra a estratégia
usada pelo bandeirante a fim de obrigar os indígenas ao trabalho escravo.
234
O refrão exalta de forma afetiva a “terra querida” como o fruto da vida” e o
“recanto da paz”, referindo-se de forma afetuosa e patriótica ao sustento dado pelo
solo goiano a seus filhos e por sua tranqüilidade enquanto lugar e espaço de vida e
reprodução, terminando com um apelo religioso que roga e agradece pelas bênçãos
de Deus ofertadas ao mundo terreno, ou seja, ao Estado de Gos.
A segunda estrofe revela a transformação pelo qual o espaço geográfico do
Estado passaria, dando um salto, desde a criação territorial da capitania de Goiás
(1748) aa importância do século XX para a sua história, com a transferência da
capital da antiga cidade de Goiás para a planejada Goiânia em 1933 e da nova
capital federal, Brasília, a parir de 1960.
Tanto a construção de Goiânia, como de Brasília, dariam um novo impulso à
economia do Estado, deslocando o eixo econômico do Brasil para a região Centro-
Oeste a partir da segunda metade do século XX. Nos versos seguintes o autor
procura fazer a contraposição entre o meio natural uma exaltação da natureza
versus o espaço agrário representado pelo “cerrado, os campos e matas” como o
meio natural, em contrapartida com o avanço do meio técnico-científico, com a
“indústria, gado e cereais” na expansão da agroindústria, ambos compondo o
mosaico paisagístico, que, junto com a juventude, numa idéia de renovação,
apresentar-se-iam de forma poética” e “harmônica” como a configuração do atual
espaço geográfico goiano. Deve-se lembrar que o bioma dos cerrados constitui-se
hoje num dos mais ameaçados pela expansão da agroindústria. Com relação a
essas transformações, nos vale o testemunho de Ab’Sáber (2003, p. 116):
No caso de Goiás e Mato Grosso tomados em seu conjunto as
modificações dependeram das transformações fundamentais na
produtividade das terras de cerrados, a par com a extensiva modificação dos
meios de transporte e circulação. Acima de tudo, porém, o desenvolvimento
regional deveu-se a uma harmoniosa transformação acoplada ao meio
urbano e dos meios rurais a serviço da produção de alimentos. No conjunto
desses processos, certamente foi muito importante a série de modificações
na rede urbana do Brasil Central, forçadas pela implantação de Brasília.
234
A descrição deste estratagema encontra-se na análise feita ao brasão de armas de Goiás, no
subcapítulo “expressões cartográficas e paisagísticas”.
220
A terceira estrofe, que é a mais curta no estilo poético, começa seu jogo de
palavras com a exaltação à agricultura em Goiás, valendo-se de outro importante
implemento da economia, os recursos minerais. É a partir da década de 1950 que se
começa a exploração do potencial mineralógico do Estado am do ouro,
concentrando-se os garimpos de diamantes no sudoeste e as reservas de níquel no
norte (NASCIMENTO, 1991). Ao final, o autor cita de forma afetiva e topofílica o rio
Araguaia, que nasce na Serra do Caiapó (Goiás) e que é divisor natural de entre os
Estados de Mato Grosso e Goiás, Mato Grosso-Tocantins e Pará-Tocantins,
percorrendo uma extensão de mais de 2.000 km. Durante a seca nos meses de julho
e agosto, formam-se em seu leito ilhas e cordões arenosos, apresentando praias
fluviais de beleza cênica que passaram a atrair turistas; no limite norte de Goiás, o
Araguaia junta-se com o rio Javaés para formar a Ilha do Bananal, já no Estado do
Tocantins.
Assim, a descrição deste hino procura representar a nova realidade de Goiás
no limiar do culo XXI, apreendendo-se aos elementos da natureza do Estado e
mencionando os personagens que se destacaram ao longo da constituição de sua
história. Em comparação com hino antigo de Goiás, onde se sobressai a sagração
da natureza, com trechos de descrições poéticas sobre a paisagem, que revelam o
período de contemplação que passa a mensagem do hino, as mudanças do atual
hino procuram ajustar o mbolo à nova realidade geográfica e territorial. Conforme
relembra Luz (1999), a atualização é condição sine qua non para manter o valor
cognitivo dos símbolos, isto é, o seu significado enquanto realidade histórica e
geográfica.
A luta em prol da autonomia através do discurso regional e da figura dos
“heróis fundadores” fica explícita no texto do hino do Tocantins, escolhido através de
concurso público e aprovado pela lei estadual n.º 977, de 20 de abril de 1998, com
letra de Liberato Costa Póvoa
235
e música de Abiezer Alves da Rocha, relembrando
a luta e a vitória conquistada em prol da criação do Estado.
235
José Liberato Costa Póvoa (1944-) é natural da cidade tocantinense de Dianópolis. Liberato Póvoa
se graduou em direito em Minas Gerais e atualmente exerce os cargos de Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado e professor de direito internacional na Fundação Universidade do
Tocantins.
221
I
O sonho secular já se realizou
Mais um astro brilha dos céus aos confins
Este povo forte
Do sofrido Norte
Teve melhor sorte
Nasce o Tocantins!
Estribilho
Levanta altaneiro, contempla o futuro
Caminha seguro, persegue teus fins
Por tua beleza, por tuas riquezas,
És o Tocantins!
II
Do bravo Ouvidor a saga não parou
Contra a oligarquia o povo se voltou,
Somos brava gente,
Simples mas valente,
Povo consciente
Sem medo e temor.
III
De Segurado a Siqueira o ideal seguiu
Contra tudo e contra todos, firme e forte,
Contra a tirania
Da oligarquia,
O povo queria
Libertar o Norte!
IV
Teus rios, tuas matas, tua imensidão,
Teu belo Araguaia lembram o paraíso.
Tua rica história
Guardo na memória,
Pela tua glória
Morro, se preciso!
V
Pulsa no peito o orgulho da luta de Palmas
Feita com a alma que a beleza irradia,
Vejo tua gente,
Tua alma Xerente,
Teu povo valente,
Que venceu um dia!
O hino do Tocantins, como reflexo das lutas pela autonomia do Estado no
período de 1821-1988 (CAVALCANTE, 1999), é o motivo pelo qual o autor começa a
letra com “o sonho secular já se realizou”, onde brilha a mais nova estrela (o Estado)
no conjunto da federação brasileira. Ao evocar a força do povo, é lembrada situação
de sentimento regional dos tocantinenses, cuja expressão “sofrido Norte retrata o
processo de marginalização em virtude da diferenças econômicas e de organização
222
do espaço entre o antigo norte e sul de Goiás. O refrão retrata a esperança no futuro
do novo Estado que nasce no conjunto da federação, cuja autonomia adquirida faz
com que possa “caminhar seguro” no caráter administrativo.
A segunda estrofe retrata o personagem histórico do “bravo Ouvidor”, uma
referência a Joaquim Teotônio Segurado,
236
eleito representante da Comarca do
Norte de Goiás criada em 1809. Segundo Cavalcante (1999, p. 54), “uma vez na
condição de Ouvidor e Corregedor da Comarca do Norte, Teotônio assumiu posição
de liderança e, tão logo se mostrou oportuno, não hesitou em reivindicar legalmente
a autonomia político-administrativa dessa região”.
Teotônio participaria da tentativa de instalar um governo independencista no
norte goiano em 14 de setembro de 1821, no qual tinha assumido a condição de
presidente até janeiro de 1822. Em sua concepção, a instalação do governo na
Comarca do Norte assentava-se em justificativas de natureza econômica, política,
administrativa e, até mesmo geográfica (CAVALCANTE, 1999). O movimento
“independencista” perdera força (pelas dificuldades internas de natureza política e
financeira), sendo dissolvido em 23 de junho de 1823, quando foi conclamada a
unidade da província de Goiás por força da lei.
A letra continua a descrever a luta do norte tocantinense contra a oligarquia”
do sul goiano, dona de grandes latifúndios desde o início do século XIX; ela
perdurou no poder até a década de 1930 (através da figura do coronelismo político),
o que gerava certo descontentamento da população dita “nortense” em virtude dos
benefícios que atingiam o centro-sul do Estado, ligado ao Sudeste pelo sistema
rodo-ferroviário, enquanto a região do atual Tocantins mantinha maiores relações
com o Pará e Maranhão por ligação fluvial, recebendo o deslocamento da pecuária
empurrada pela fronteira agrícola do sul.
A terceira estrofe remete-se à continuidade do ideal separatista do Tocantins
por seus personagens políticos, começando pelo movimento liderado por Teotônio
Segurado em 1821. Durante o restante do século XIX, os movimentos separatistas
do norte se restringiram à imprensa regional (CAVALCANTE, 1999); as discussões
236
Joaquim Teotônio Segurado (1775-1831) foi nomeado ouvidor-geral da capitania de Goiás em
1803. Logo depois, com o objetivo de administrar a região norte, foi fundada a comarca de São João
das Duas Barras, em 1809, da qual ele se tornou seu primeiro desembargador. Em 1815, data da
criação da vila de São João da Palma, ele foi o seu primeiro ouvidor-mor, do qual suas idéias pela
autonomia do Tocantins começaram a aparecer. Além do cargo de ouvidor, um importante
personagem da história de Goiás e do Tocantins. Seu desejo como o precursor da emancipação do
Tocantins em 1821 não se realizou, mas seu ideal e sua luta permaneceram na história e a mente do
povo tocantinense.
223
seriam retomadas por parte do judiciário na década de 1950
237
até as propostas
engajadas pelo ex-governador do Estado, José Wilson Siqueira Campos,
238
no início
da década de 1970, na condição de deputado federal.
A quarta estrofe descreve os elementos da natureza tocantinense,
começando por citar a hidrografia, com destaque para o rio Araguaia, divisor natural
do Estado com Mato Grosso e Pará cujas margens na época da seca formam
cordões e ilhas arenosas, criando paisagens de beleza nica, no qual o autor
descreve de forma afetiva como a lembrança do “paraíso”. Destaca-se também na
hidrografia do Estado o próprio rio Tocantins, cujo rio Araguaia é afluente.
A descrição genérica das “matas” procura representar a vegetação do Estado,
composta dominantemente de florestas-galeria interpenetradas entre domínio dos
cerrados (AB’SÁBER, 2003) e da área de transição para a floresta subcaducifólia
amazônica na região do “Bico do Papagaio”, retratando a “imensidão” dos espaços
abertos pela vegetação original que recobria grande parte do Tocantins (IBGE,
1977d), completam a “imensidão” da qual trata poeticamente o território. Ao final
desta estrofe, relembra sua “rica história” pelo fato de enaltecer as lutas pela
formação do Estado, na qual cada cidadão defenderia até a “morte”, como uma
expressão acalorada de regionalismo/patriotismo. A letra também faz homenagem à
Comarca de São João da Palma (atual Paranã), sede do primeiro movimento
separatista da região em 1821, o que explica a expressão “luta de Palmas”.
237
Na década de 1950 (precisamente em 13 de maio de 1956), o Juiz de Direito de Porto Nacional,
Dr. Feliciano Braga, lançou o Movimento Pró-Criação do Estado do Tocantins, como uma expressão
do desejo emancipacionista do Norte de Goiás. Formaram-se comissões para estudar as formas de
implantação do novo Estado. Criou-se inclusive uma bandeira para o Tocantins. Durante quatro anos
foram realizadas paradas cívicas em 13 de Maio, alusivas à data de lançamento do Movimento. O Dr.
Feliciano Braga passou a despachar documentos oficiais como, por exemplo: Porto Nacional, Estado
do Tocantins. Ao final da década, o movimento perdeu sua força e nos anos 60 as manifestações
seguiram isoladas. Em 1972 projeto de criação do Estado apresentado pelo deputado Jo Wilson
Siqueira Campos foi arquivado. Novamente apresentado à Câmara dos Deputados e no Senado
Federal, foi aprovado em 1985, mas vetado pelo presidente da República José Sarney. Por causa da
pressão popular, incluindo a greve de fome de Siqueira Campos e um plebiscito com mais de 100 mil
assinaturas pedindo a criação do Estado, Sarney cria a “Comissão de Redivisão Territorial”. Em 27 de
julho de 1988, parlamentares aprovam a criação do Tocantins em segundo turno, mas foi em 5 de
outubro de 1988 que a Constituição Federal foi assinada constando o artigo 13 das Disposições
Constitucionais Transitórias da nova Carta Magna, criando o Estado do Tocantins (CAVALCANTE,
1999).
238
José Wilson Siqueira Campos (1928-) foi deputado federal por Goiás de 1971 a 1988. Durante os
debates no plenário, foi ativo defensor da criação do Estado do Tocantins, finalmente ocorrida com a
promulgação da Constituição Federal de 1988; também exerceu o cargo de governador estadual por
três vezes.
224
O autor reporta-se em seguida à população do Estado, dando destaque aos
Xerentes, um grupo indígena que habita o centro do Tocantins, mais precisamente
na Reserva Indígena Xerente e Área Indígena Funil.
239
Termina a estrofe com os
exageros patrióticos na expressão do “povo valente”, que venceu pela criação do
Estado de Tocantins. Comenta esse fato Alves Filho (2000, p. 225) que:
Em certa medida, a emancipação do Tocantins vem ao encontro dos anseios
de determinados setores das classes dominantes de Goiás, que
propugnavam por um maior intercâmbio com os estados do Sudeste e do Sul.
Para esses setores, a parte norte do estado teria de cumprir o seu destino
amazônico, aliando-se assim aos estados menos favorecidos da Federação
[...] Longe de significar um exagero, a epopéia de Tocantins lembra, com
efeito, a própria epopéia de Brasília, cidade construída do nada no Planalto
Central tal como a capital do novo estado, Palmas.
Assim, o hino de Tocantins, através do discurso regional e da exaltação da
“figura dos heróis”, revela em seu texto as circunstâncias histórico-geográficas que
alimentaram o separatismo do Estado durante o período de 1821-1988 e que
ajudam a construir seu imaginário de unidade federativa como resultado da
diferenciação regional e da evolução territorial entre o centro-sul e o norte do Goiás
desde as raízes coloniais até o primeiro centenário da República no Brasil.
239
Também se destacam entre os grupos indígenas, os Apinayé, Karajá, Javaé, Xambioá e Krahô.
225
CONCLUSÕES
Na busca pelo entendimento da origem e evolução dos símbolos nacionais,
assim como no seu desdobramento no caso dos símbolos estaduais brasileiros,
observa-se que a estrutura de suas representações guarda fortes conexões com o
espaço geográfico, na medida em que os espaços e tempos simbólicos são também
elementos imprescindíveis no processo de comunicação humana. Os símbolos
projetam mensagens propositais que podem ser desvendadas através da análise
sintática e semântica de suas estruturas gráficas, propiciando uma melhor
compreensão de como eles re-apresentam essas referências espaciais, da mesma
forma que atuam na construção do imaginário territorial.
Ao se analisar a evolução dos símbolos no Brasil, nota-se que desde o início
do processo de colonização, a sua criação esteve delegada à metrópole portuguesa,
do qual os mbolos exclusivos para seus domínios coloniais se restringiram às
cidades e vilas coloniais num primeiro momento, sendo depois concedidos à própria
colônia em geral em meados do culo XVII. Somente após a independência
nacional, e com o caminhar da República, é que as entidades da federação
cunhariam mbolos próprios, muitas delas em pleno século XX. No caso dos
mbolos nacionais, se no primeiro momento eles serviram como necessidade de
afirmação do poder imperial, na etapa republicana assinalaram apenas a mudança
de regime político. Deve-se atentar que outras etapas de florescência destes
mbolos se apresentaram durante as invasões francesas e holandesas no século
XVII, como uma necessidade constituída de forma exógena, isto é, uma ação que
partiu do poder central ou dos governantes, enquanto os movimentos nativistas em
escala regional nos séculos XVIII-XIX os produziram endogenamente, mostrando
uma necessidade de afirmação de caráter mais popular.
O estágio em que se encontrava o processo de evolução no caso dos
brasões, por exemplo, demonstra que se vivia uma heráldica com um tom muito
mais “alegórico” no Brasil,
240
o que propiciava um grau de representação muito mais
240
Clóvis Ribeiro (1933, p. 320) assim dizia: [...] mais alegóricos do que simbólicos, recorrendo de
preferência a figuras realistas, mesmo quando estas têm representação heráldica consagrada, os
brasões brasileiros ou são alusivos às tradições históricas, ou se compõem de características locais,
ou contém ambos estes elementos, sem deixar de ser influenciados, às vezes, talvez
inconscientemente, pelas peculiaridades do espírito coletivo das diferentes regiões do nosso país.
226
próximo ou ligado à realidade geográfica no que confere ao desenho de paisagens,
plantas e animais característicos, do que propriamente técnico, isto é, da criação de
peças representativas em um tom muito mais estilizado, abstrato e quimérico das
regras heráldicas. Isso possibilitou com que grande parte dos brasões estaduais
contivesse em suas representações expressões ligadas ao geográfico e ao regional.
No caso das bandeiras, observa-se que no âmbito revolucionário, a sua carga
representativa estava associada à necessidade daqueles movimentos num plano
muito mais histórico e ideológico durante o século XIX, do qual alguns exemplares
serviram como símbolo estadual mais tarde. Somente após o período republicano (já
na perspectiva do verde-amarelismo), é que muitos de seus desenhos, através da
análise semântica e da sintática, apontaram para a valorização dos elementos da
natureza, reportando-se ao geográfico, caso das expressões paisagísticas. Em
outros exemplares, muitos destes objetos vexilológicos apresentaram em suas
estruturas gráficas conexões com o geográfico no que confere às expressões
cartográficas, sendo estes os principais elementos expressos nas bandeiras.
A perspectiva da sagração da natureza, do mito de origem, da bênção divinal,
aparece na maioria dos símbolos estaduais, no qual estes aspectos se apresentam
muito mais ligados aos símbolos dos Estados do interior brasileiro e àqueles cuja
autonomia administrativa e formação territorial são de um período recente, que, pela
ausência de uma profundidade histórica, reportam-se à natureza e à destinação
divina como um recurso à idéia de unidade e identidade. Em comparação, os
Estados ligados ao litoral e de longo e antigo povoamento apresentamembora isto
não seja uma regra ou determinismo um conjunto de símbolos visuais e narrativos
muito mais voltados às suas referências históricas e de tradição republicana. A força
da produção representada pelos produtos agrícolas demonstra o status agrário do
país na primeira metade do século XX, do qual a maioria dos brasões foi criado;
mais que um padrão estético-simbólico, estes elementos revelam a força que estes
produtos propiciavam à sua economia. A construção do imaginário se fez presente
nas letras dos hinos estaduais analisados, onde a paisagem, relevo, vegetação e
hidrografia, aliados à população a aos personagens históricos, portanto, dos agentes
de construção daqueles espaços e da própria figura do herói, procuraram criar uma
profundidade territorial e homogênea no espaço-tempo que justificaria sua exaltação
a nível regional.
227
Deve-se ressaltar tamm a dificuldade de se encontrar de forma uniforme
um material que abranja a maioria dos Estados brasileiros, pois não existe qualquer
padrão para a apresentação de seus símbolos no que se refere às referências
biográficas, dados históricos e legislativos e muito menos da qualidade e exatidão de
seus símbolos, muitos deles, inclusive, em completo ou parcial desacordo com a
legislação e representação técnica, sendo necessária uma correção dos desenhos
existentes e a colorização dos símbolos históricos, já que eram onerosas as técnicas
de sua reprodução em cores na época. Da mesma maneira, não existe uma
bibliografia ampla e atualizada sobre o assunto proposto, que enfoque de forma
integral em seu conteúdo os hinos, bandeiras e brasões estaduais e sua evolução
no Brasil.
241
Em breve comparação com outras federações,
242
nota-se no caso
brasileiro a ausência de um padrão de apresentação e da disponibilidade de
informações sobre a história e os elementos representativos destes símbolos.
Assim, as conclusões deste trabalho apontam para o fato de que os hinos, as
bandeiras e os brasões dos Estados brasileiros demonstram amplas possibilidades
de pesquisa dentro da ciência geográfica, pois estes documentos simbólicos portam-
se como “testemunhos” no espaço-tempo, cujo caráter gráfico e narrativo revelou em
suas múltiplas conexões com o geográfico uma nova perspectiva e possibilidade no
que se refere à análise e desvendamento das formas culturais de representação
espacial.
241
A mais importante referência publicada que se aproximou desse assunto (devendo-se reconhecer
as limitações da época) foi escrita por Cvis Ribeiro em 1933: Brazões e bandeiras do Brasil. Cabe
destacar que da bibliografia pesquisada, nenhum dos livros abordava o tema por completo, embora
se possa destacar as obras de Milton Luz: A história dos símbolos nacionais: a bandeira, o
brasão, o selo, o hino (1999) e o livro coordenado por José Pereira Rodrigues: Brasil: hinos &
bandeiras nacionais & estaduais (2001).
242
No caso de outras entidades federadas, como os Estados Unidos, Austrália e Alemanha, assim
como nas Províncias do Canadá, existe ampla bibliografia sobre o assunto, demonstrando uma maior
“tradição” ou “cultura simbólica” no que se refere aos estudos sobre esse tema. Os sites dos governos
estaduais/provinciais apresentam informações claras e dedicam atenção especial a toda uma gama
de símbolos, além de trazer imagens vetorizadas e de alta resolução de suas bandeiras e brasões de
armas; há, inclusive, uma tradição de associações histórico-geográficas nos Estados Unidos, por
exemplo, em manter os dados sobre o assunto em seus arquivos estaduais. No caso canadense,
uma série de publicações (inclusive por conta da cultura bilíngüe do país) envolvendo folhetos e
impressos a cargo de cada entidade provincial. Na Austrália as publicações são mais recentes
(década de 1990), mas não deixam de contar com amplas informações nos sites governamentais; da
mesma forma na Alemanha, onde a heráldica é muito mais técnica e simbólica, com longa tradição,
encontraram-se publicações e a disponibilidade destas informações sem grandes dificuldades.
228
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GLOSSÁRIO HERÁLDICO-VEXILOLÓGICO
Este pequeno glossário contempla as principais regras e convenções usadas
para o entendimento das representações nos brasões e bandeiras e seu significado.
Em sua segunda parte, se apresentam os termos técnicos mais comuns usados na
heráldica que foram citados nesta dissertação.
Figura 29: As diferentes partes de um brasão de armas, como exemplo, a Austrália (esquerda).
As divisões do escudo de acordo com o corpo do cavaleiro (direita).
Figura 30: Esmaltes e metais na heráldica e suas representações monocromáticas
238
Figura 31: Tipos de escudo usados em diferentes países.
Figura 32: As diferentes partições e peças honrosas do escudo
239
Figura 32: As diferentes partições e peças honrosas do escudo (continuação)
240
Figura 33: As partes de uma bandeira
241
ABISMO (EM). A peça está posta em abismo se,
apesar de se encontrar no centro do campo, é de
menor tamanho do que as restantes que a
acompanham e, quase sempre, se descreve em
derradeiro lugar.
ACANTONADO. Estão acantonadas quatro
peças móveis postas uma em cada cantão do
escudo, assim como o mesmo número de peças
iguais que na bordadura se encontrem uma em
cada ângulo do escudo.
ACESO. Qualquer coisa que tenha chama, como
um farol, facho, brasa, fogueira se diz acesa se
as suas chamas forem de esmalte diverso.
ACOSTADO. Encontra-se acostada à peça
principal, posta entre duas secundárias,
alinhadas em faixa. A única peça honrosa de
primeira ordem que pode estar acostada é a
pala. É seu sinônimo ladeado.
AGUADO. Termo que serve para designar as
ondulações de um rio, mar ou lago, figuradas por
traços de esmalte diverso do que tem a peça.
ÁGUIA. Representa-se geralmente com as asas
abertas, de pontas voltadas para cima, a cauda
espalmada, as pernas abertas com as garras
estendidas, a cabeça voltada para o flanco
direito, ereta, com a ngua de fora. Nesta
posição chama-se estendida. Se tiver duas
cabeças, representa-se de igual modo quanto ao
resto. Às vezes figura somente meia águia nos
escudos.
AMEIADO. As peças que têm o bordo superior
em forma de ameias dizem-se ameiados, sendo
preciso mencionar o seu número, quando se trate
de peças honrosas. As ameias são as partes
salientes e as metades que se encontram nos
extremos ou meias-peças das torres, castelos
e muralhas, devendo-se dizer quantas o
aquelas e estas.
ÂNGULO DO ESCUDO. Embora o escudo
tenha dois ângulos, os superiores,
consideram-se as partes da ponta, que se
encontram opostas àqueles, como ângulos,
pelo que os primeiros se chamam ângulos do
chefe e os segundos ângulos da ponta,
distinguindo-se, ainda, como direito ou
esquerdo.
ARMAS. Nome das peças e símbolos usados
em um brasão da qual contempla a descrição
heráldica.
ARMAS FALANTES. Aquelas cujos desenhos
ou peças colocadas no escudo ou
ornamentadas em seu exterior, por seu próprio
simbolismo, dizem respeito às características
de determinado lugar ou pessoa.
ASNA. Peça semelhante a um esquadro, de
ângulo inferior a 45º em formato de “V”,
geralmente representado de ponta cabeça,
com as hastes partindo dos ângulos da ponta
e cuja parte superior fica distante do bordo do
chefe uma duodécima parte da largura do
mesmo. É também chamada de “tesoura” ou
“chavão”.
ASPA. Peça formada pela banda e pela barra,
sobrepostas. Tem a forma de “X e es
firmada nos ângulos do escudo. Usa-se
também solta, mas esta circunstância e
mencionada quando não se encontra na
bordadura.
242
ATRAVESSANTE. Quando uma peça passa por
cima de todo o campo e peças que o carregam,
atravessando de um ângulo ao oposto ou de um
bordo ao contrário, diz-se atravessante. Significa
o mesmo que brocante, aplicando-se, porém,
com maior propriedade do que este termo por
dizer respeito a peças que cortam o campo de
um extremo ao outro.
AZUL. Representa-se pelo azul ultramarino, que
é o tom heráldico. Nas gravuras é representado
por traços horizontais a toda a largura do escudo
ou da peça, eqüidistantes e contínuos. Na
heráldica é chamado de blau ou azure.
BANDA (EM). Peça normalmente igual, na sua
largura, à terça parte da do escudo e disposta em
diagonal, firmando-se nos ângulos direito do
chefe e esquerdo da ponta.
BANDEIRA. Objeto feito de tecido e geralmente
disposto na forma retangular, que se hasteia em
um mastro, em uma ou mais cores e desenhos,
às vezes com uma legenda escrita, que expressa
idéias abstratas. É distintivo de uma nação,
partido, corporação, agremiação, etc. A
etimologia da palavra bandeira tem sua origem
na palavra gótica bandvja (que provavelmente
deriva do sânscrito bandh - fixar, demarcar ou
bando) que em princípio significava “sinal”, e
mais tarde o ato de demarcar determinado grupo
de pessoas que seguiam esse sinal. Assim,
passou a designar a palavra latina bandaria, que
mais tarde originou a palavra “bandeira” na
língua portuguesa.
BARRA (EM). Peça normalmente igual, na sua
largura, à terça parte da do escudo e disposta em
diagonal, firmando-se nos ângulos esquerdo do
chefe e direito da ponta. Tem posição contrária
à da banda, chamada também contrabanda.
BATALHANTE. Designação usada para indicar
que dois animais ou figuras humanas, estão
em atitude de combate.
BATENTE. É a margem exterior da bandeira, a
parte que fica mais afastada da haste e que
esvoaça ao vento.
BESANTE. Disco de metal. Pode ser
carregado de cruz ou figurado, muito comum
nas bandeiras históricas portuguesas.
BORDADO. Se na peça um filete de outro
esmalte nos seus bordos diz-se bordada dele.
BORDADURA. Peça colocada em volta do
campo do escudo, limitada exteriormente
pelos bordos deste e cuja largura normal é a
da sexta parte da do escudo. Assim se
denomina a linha de contorno do escudo.
BRAÇO. É a parte do corpo humano que se
usa mais na armaria, quer representando o
direito, quer o esquerdo, nus, vestidos ou
armados, conforme se acham, sendo os
primeiros de carnação, os segundos com
manga do esmalte que se apontar e os últimos
recobertos das peças da armadura do esmalte
que for indicado. O braço, sendo inteiro, pode
estar curvado. Também se emprega o meio-
braço. Quando na heráldica se diz um braço,
trata-se sempre do direito, mas podem-se
representar os dois, conjuntamente.
BRASONAR. Ornar com um brasão ou
descrevê-lo, também chamado “blasonar”.
243
BROCANTE. Aplica-se à peça que atravessa os
diferentes esmaltes do campo ou passa por cima
de outras peças, também pode ser chamada de
atravessante.
BROQUEL. Assim se denomina um escudo de
forma redonda. Os povos antigos, como os
egípcios, gregos e assírios usavam escudos
redondos, predecessores dos primeiros brasões
modernos.
BURELA. Nome dado ao desdobramento das
faixas, assim chamadas quando seu número em
um escudo ou bandeira for superior a quatro.
CAMPO. É o fundo em que assentam as peças
contidas em um escudo ou o retângulo que forma
uma bandeira. Se for liso, isto é, sem peças
sobre ele, diz-se pleno.
CANTÃO. Uma das quatro partes nos ângulos do
escudo, numeradas pela mesma ordem das
divisões do esquartelado ou designadas pela sua
posição relativamente à direita e esquerda do
chefe e da ponta.
CARNAÇÃO. Quando as várias partes do corpo
humano se representam ao natural ou de sua cor
isto é, na cor da pele, diz-se que estão de
carnação.
CARREGADO. Designação dada à peça em que
assentam no todo uma ou mais peças móveis,
sem ultrapassarem os limites da que lhes serve
de campo.
CENTRO. É o ponto correspondente ao
cruzamento dos traços do esquartelado e lugar
da peça principal, que indicam o meio do escudo.
CHEFE. É a parte superior do escudo, que
também se chama alto do escudo. Igualmente
se designa por chefe a peça honrosa que se
situa no mesmo lugar, tendo de largura uma
terça parte da altura do escudo, a qual se
firma nos flancos e no bordo superior.
CHEFE (EM). Quer esta expressão significar
que as peças referidas estão colocadas no
chefe do campo, isto é, no terço superior do
escudo.
CONTRABANDA. Assim se chama a peça de
posição contrária a da banda, denominando-se
também barra.
CONTRACHEFE. Pela posição oposta ao
chefe se denomina contrachefe a parte inferior
do escudo, chamando-a também ponta do
escudo. A peça, que tem de largura máxima
um terço da altura do escudo e se firma nos
flancos e no bordo inferior, também se designa
contrachefe ou campanha.
COROADO. Significa que a figura humana,
animal ou mitológica es encimado por uma
coroa.
CORTADO. Divisão do escudo ou de qualquer
partição sua, feita por uma linha horizontal que
divide o campo respectivo em duas partes
iguais. A mesma designação serve para
indicar que uma peça está dividida
horizontalmente, ao meio. O cortado pode ser
feito por linhao reta, sendo chamado de
arqueado.
COSIDO. Termo empregado quando uma
peça de metal se assenta sobre metal ou de
cor sobre cor, a fim de evitar que se
244
infração das regras heráldicas. Aplicam-se
apenas, às peças honrosas. As peças de sua cor
não são cosidas.
CRUZ. Este emblema cristão por excelência é
correspondente à pala e à faixa sobrepostas
perpendicularmente e atravessa o escudo todo,
apoiando-se nos seus bordos, pelo que se diz
firmada. Tem de largura, geralmente, em cada
uma das suas peças, a quarta parte do bordo
superior do escudo. Pode tamm ter os bordos
sinuosos, circunstância indicada com a forma do
recorte em que terminam seus braços. Se
carregar outra peça não é necessário dizer que
es solta, mas apenas quando assenta no
campo diretamente. As variantes da cruz têm
normalmente as hastes iguais.
DE SUA COR. Expressão que serve para
designar as peças que estão na sua cor própria
ou às cores que se apresentam na natureza,
aplicando-se às montanhas e demais acidentes
geográficos, aos animais e vegetais.
DESTRA. Denominação referente à direita do
escudo, devendo-se notar que ela se encontra à
esquerda do observador, portanto, em posição
contrária.
ELMO. Peça da armadura destinada a proteger a
cabeça, usada na armaria tanto sobre o escudo,
a servir de ornato, como utilizada no campo, em
função de peça móvel.
ENCIMADO. Quando por cima de uma peça está
outra ou mais, mas o tocam naquela, se diz
que ela está encimada pelas que se encontram
em posição superior.
ESCUDETE. É a designação aplicada ao
escudo heráldico quando figura nas armas
como peça móvel e representa-se de frente,
plano e de tamanho menor.
ESCUDO. Peça em que assentam todas as
que formam quaisquer armas, sejam de
família, de corporação ou de domínio. A sua
forma variou com o tempo e com as regiões.
(Ver tipos de escudos).
ESMALTE. Genericamente dá-se aos metais,
cores e peles que se aplicam ao campo e às
peças do brasão o nome de esmaltes.
Compreendem os metais o ouro e a prata; as
cores o vermelho, o azul, o verde, o negro e a
púrpura; às peles os arminhos e os veiros.
Neles se inclui também a carnação, embora
não seja cor, assim como as cores naturais,
que se encontram em iguais condições.
ESPADA. Arma branca comumente
representada em pala, desembainhada, com a
ponta para cima; deve-se indicar sua posição
quando for diferente desta forma. Está
empunhada de outro esmalte quando o punho
não é da mesma cor que a lâmina e
guarnecida se as têm de esmalte diferente.
ESQUARTELADO. É uma das partições do
escudo em forma de quatro partes iguais,
formada por dois traços perpendiculares aos
bordos e que se cruzam no centro do mesmo.
ESQUARTELADO EM ASPA: Quando das
partições do escudo em formato de quatro
partes estiverem em forma de X, estão
dispostas em aspa. É sinônimo de franchado.
245
ESTRELA. A estrela é geralmente representada
com cinco pontas, número que por ser ordinário
não precisa de indicação, mas pode ter mais ou
menos pontas, devendo-se, então, mencioná-las.
Também se apresenta na forma de cometa, pelo
que se chama “estrela caudada”.
FALSA. Diz-se das armas que infringem as
regras da heráldica, pondo-se cor sobre cor ou
metal sobre metal, por exemplo, em campo de
prata uma estrela de ouro.
FAIXA. Peça honrosa cuja largura é igual à de
um terço da que tiver o campo e se encontra
posta horizontalmente, no meio do mesmo e
firmada nos flancos. Quando de menor dimensão
ou desdobrada em número superior a quatro
toma nomes diferentes, o mais comum deles é
burela.
FENDIDO. Partição do escudo feita por uma
linha reta que une o ângulo direito do chefe ao
ângulo esquerdo da ponta. Qualquer peça
dividida em duas partes por uma linha na posição
da que faz o fendido se diz, por analogia,
também fendida.
FILETE. Nome que se dá às peças honrosas
reduzidas à sua largura mínima, que é um sexto
da ordinária, devendo-se indicar a peça da qual
provém. As peças honrosas que têm os bordos
livres guarnecidos de um filete de esmalte
diverso dizem-se perfiladas, na vexilologia, usa-
se o termo “fímbria”.
FÍMBRIA (FIMBRINADO). Esta é uma guarnição
ou orla estreita que rodeia uma área colorida ou
risca de uma bandeira, para que se destaque da
área ou cor adjacente. Na heráldica usa-se o
termo “filete”.
FIRMADO. Qualquer peça que se apóia em
um ou em mais bordos do escudo, como as
imóveis, estão firmadas, mas também o
podem estar, extraordinariamente, algumas
peças móveis.
FLANCOS. Os lados do escudo designam-se
por flancos, direito e esquerdo, o
correspondendo à direita e esquerda do
observador, mas às posições contrárias, pois o
escudo abrigava o homem que o segurava
pela parte de trás e por isso, identificava-se
com o possuidor.
FLOR-DE-LIS. Representação estilizada de
uma flor (lírio) composta de três pétalas
lanceoladas, a do meio posta em pala e as
laterais curvadas para fora, e de outras três
menores que ficam em situação oposta,
estando os dois grupos separados por uma
travessa, de extremos arredondados. Pode-se
usa-la completa, como também em parte,
podendo faltar a metade da direita ou da
esquerda, assim como a pétala do meio ou
as três inferiores.
FLOR-DE-LISADO. Significa o mesmo que
florenciado ou coberto de flores-de-lis. Termo
que se aplica às peças cujos campos,
extremos ou bordos terminam por flores-de-lis.
FRANCHADO. Partição do escudo formada
por dois traços diagonais que se cruzam no
centro. A numeração dos campos faz-se por
linhas horizontais, a começar no chefe e a
partir do flanco direito.
GIRONADO. Campo formado por oito girões
de dois esmaltes empregados alternadamente.
A divio do campo corresponde ao
246
esquartelado e ao franchado, sobrepostos. Nas
estrelas estas são as partições de cada uma das
suas pontas.
GOLFINHO (HERÁLDICO). Este animal
representa-se de perfil, com o lombo encurvado
para fora; geralmente é estilizado, com um nariz
saliente em forma de bico e escamas; pode ser
representado com um determinado esmalte ou
em suas cores naturais.
HASTE. A peça longa que sustenta a bandeira e
termina na ponta superior por um ferro em forma
de lança e na inferior por outro em choupa,
permitindo cravá-la no solo; assim como serve de
suporte ao ferro da alabarda, da lança ou de
outra arma comprida.
HASTEADO. Termo que se emprega para dizer
que as armas compridas têm o ferro sustido por
uma haste de esmalte diverso, empregando-se,
também, para designar o suporte da bandeira,
quando ele é de esmalte diferente.
LADEADO. Quando três peças alinhadas em
faixa e a do meio, ou seja a principal, é diferente,
diz-se ladeada pelas outras duas. Se a pala, a
banda, a contrabanda ou os desdobramentos de
qualquer delas se encontrar entre peças
secundárias, em número de duas ou superior, e
estas dispostas paralelamente à principal e com
simetria a um e outro dos seus lados, diz-se,
também, que a peça principal está ladeada das
outras.
LANÇA. A forma do ferro desta arma é a de
coração muito estreito e alongado. Começa-se a
descrever pelo ferro, dizendo-se hasteada de
certo esmalte, quando a haste diverge do ferro
em sua tintura.
LEÃO. Animal mais comum da armaria. Sua
posição habitual é rampante; figura-se sempre
de perfil. Tem a cauda curva com a
convexidade para fora, lançada junto das
costas do animal e com um tufo de pêlos na
ponta, em feitio de borla, voltada para fora.
LEGENDA. Compõe-se de uma ou várias
palavras que formam a divisa ou sentença,
postas no escudo, geralmente em orla ou
sobre a bordadura, a qual se lê, nestes casos,
a começar do ângulo direito do chefe,
seguindo para o esquerdo com passagem pela
ponta. As letras ficam com a sua parte inferior
virada para fora. É necessário, ao descrever a
legenda, apontar o esmalte das letras.
LISONJA. Peça conhecida na geometria por
losango, cujo número máximo no escudo é de
dezesseis. Pode ser cheia, vazia ou furada.
LISTEL. O mesmo que listão, uma tira grande
ou faixa simples, às vezes com dobras e
pontas, que geralmente suportam uma
legenda ou mote.
MACHADO. É o machado do lenhador, peça
vulgar, que se compõe de uma parte de ferro
em forma de cunha, de gume mais ou menos
largo, em arco de circo, cuja base engrossa,
tendo um orifício no centro, aberto
paralelamente à lâmina, o olho, por onde se
enfia o cabo de madeira.
MAR. Representa-se por água posta na ponta
do campo e quase sempre de prata, aguado
de azul ou inversamente. É movente do bordo
inferior. Se a água estiver agitada diz-se que a
peça nele assente está batida por um mar.
247
METAL. Na armaria há, somente, dois metais: o
ouro e a prata. O ferro é incomum, mas quando
aparece, representa-se na cor cinza.
MOTE. Grito de guerra. É uma frase escrita em
cima do escudo, junto ao timbre, ou mesmo
acompanhando o listel.
MOVENTE. Estão moventes as peças que saem
dos bordos ou dos ângulos do escudo e, ainda,
as que saem dos traços das partições para o
interior do campo, ficando somente visível uma
parte delas.
MUNDO. A designação de mundo ou de esfera
terrestre dá-se a uma peça constituída quase
sempre por uma esfera de azul, circundada por
um aro de ouro, em posição horizontal, que a
abrange na sua dimensão xima e por um
semicírculo do mesmo metal, que sai do centro
da parte vivel daquele, passando pelo alto e
terminando no ponto oposto ao que começou.
Superiormente, no ponto onde passa o
semicírculo, a esfera tem uma pequena cruz.
NEGRO. Cor heráldica, a mesma que o preto ou
sable, representada no desenho por traços
paralelos, contínuos, postos horizontal e
verticalmente, cruzando o campo de um lado ao
outro.
ONDADO. Diz-se ondado o campo formado por
curvas alternadas, côncavas e convexas, em
número de cinco, sendo três de umas e duas de
outras. Aplica-se, também, a designação de
ondado a certas partições do escudo, tais como o
partido, o cortado, o fendido e o talhado, se o
traço que as faz é ondeado. Igualmente o podem
ser o chefe e o contrachefe se as linhas da parte
livre forem ondeadas.
ORLA. Peça idêntica à bordadura e também
igual à sexta parte da largura do escudo, a
qual fica paralela aos bordos desta, mas à
distância, como se entre ela e eles existisse
aquela peça. Se houver no centro do campo
uma peça que esteja encerrada na orla, a
distância desta aos bordos pode ser maior,
sobretudo se houver também peças postas em
orla.
OURO. Este metal nobre representa-se no
desenho por ponteado miúdo e na pintura, se
não houver tinta própria, pelo amarelo.
PALA. Esta peça honrosa de primeira ordem
põe-se no meio do escudo, em posição
vertical, eqüidistante dos flancos e mede de
largura um terço da do campo.
PAQUIFE. Folhagem ornamental que,
conservando as cores do brasão, desce do
topo do capacete e circunda o escudo, à
maneira de suporte. Em certos termos,
designa a folhagem da produção agrícola.
PARTIDO. Diz-se partido o campo que uma
reta saída do meio do chefe em direção à
ponta o divide em duas partes.
PASSANTE. Posição normal do leopardo, mas
que se aplica a outros animais, como cabras,
lobos, etc., representados na ação de andar,
isto é, com três pernas assentes no chão e a
posterior direita um pouco levantada, todas
elas mostrando movimento.
PEÇA. grande variedade de peças
heráldicas que se dividem em categorias,
excluídos os animais, vegetais, objetos de uso
vulgar e os relativos à natureza, arte,
248
indústrias, etc., que não pertencem àquelas, mas
se admitem nas peçasveis, isto é, aso
firmadas nos bordos do escudo ou que neles se
apóiam.
PENDÃO. Insígnia militar representada por uma
bandeira triangular, alongada, que pode ter uma
ou mais pontas, como uma flâmula. A ponta pode
ser, também, arredondada.
PLENO. Aplica-se ao campo liso e inteiro, sem
peças sobre ele e de apenas um metal ou cor.
PONTA. A parte inferior do escudo terminada
nesta forma se chama ponta ou do mesmo. É
também, sinônimo de raio da estrela ou sol.
POSTO EM. Expressão pela qual se indica não a
posição da peça, mas o lugar que ela tem
relativamente a outras.
PRATA. Este metal nobre não tem, no desenho,
representação, correspondendo, à parte livre de
traços ou pontos. Na pintura, quando se não
dispõe de tinta metálica própria, simboliza-se
com a tinta branca.
PÚRPURA. Cor que na armaria corresponde à
ametista carregada, ou seja, ao roxo. No
desenho representa-se por traços retos,
contínuos, paralelos e eqüidistantes, postos em
diagonal, da esquerda para a direita, de bordo a
bordo.
QUARTEL. Assim se chamam várias das
partições do escudo, embora a denominação
somente caiba a cada uma das quatro partes em
que este tiver sido dividido pelos traços do
partido e do cortado. A designação abrange,
porém, só as partições quadrangulares iguais
umas às outras, que estejam em mero de
mais de quatro e as formadas pelo
esquartelado em aspa.
RIO. À banda ou faixa ondeada de prata e de
azul ou, apenas, de um dos referidos esmaltes
chama-se rio. A sua largura habitual é a da
faixa ou a da banda e ocupa o seu lugar.
ROQUETE (EM). Expressão que se aplica
para indicar a posição de três peças quando
uma está em cima e duas em baixo, formando
triângulo.
SAUTOR (EM). Posição de cinco peças
móveis em forma de aspa, ou em “X”.
SEMEADO. Quando o campo es cheio de
peças pequenas dispostas em linhas
desencontradas, com simetria, diz-se que es
semeado dessas peças, que nunca são em
número certo.
SINISTRA. Denominação referente à esquerda
do escudo, devendo-se notar que ela se
encontra à direita do observador, portanto, em
posição contrária.
SOL. Astro que se representa por um disco
onde está figurado, apenas por esboço, um
rosto humano, do qual saem, alternadamente,
pontas retilíneas e pontas ondeantes, em
número de dezesseis no total. Às pontas
chamam-se raios.
SUPORTE. Peça de função igual à do tenente.
Este termo aplica-se apenas aos animais.
TALHADO. Partição do escudo feita por uma
linha reta que vai do ângulo esquerdo do chefe
249
ao direito da ponta. Se a linha for ondeada
chama-se talhado ondado. Pode ser, tamm,
talhada qualquer peça analogamente dividida em
duas partes.
TENENTE. Empregam-se como sustentáculos do
escudo as figuras de vária natureza. Quando não
se trata de animais essas figuras chamam-se
tenentes. São normalmente duas, uma a cada
lado do escudo. Quando é uma deve-se dizer
a qual dos lados fica.
TERCIADO. Este termo indica que o escudo se
encontra dividido em três partes iguais, que
podem ser em pala, em faixa, em banda ou em
barra, conforme a posição dos dois traços
paralelos empregados, e estes têm diversos
esmaltes.
TIMBRE. É a parte das armas que se coloca
sobre o virol do elmo ou em cima do coronel, a
qual, muitas vezes, é uma peça tomada de
dentro do escudo no todo ou em parte, para
indicar dignidade ou grau de nobreza. Na
heráldica municipal, civil ou de domínio, por
exemplo, é a parte superior acima do escudo
onde se coloca a coroa mural, a estrela ou
demais emblemas, plantas ou animais.
TRALHA. Cabo costurado à bandeira, insígnia,
pendão, etc. e por meio do qual se prende à
adriça, que permite içá-la ao mastro. Refere-se
também à metade ou margem da bandeira que
fica presa à haste.
TROFÉU. Posição que assumem os ornamentos
exteriores do escudo, sendo mais comum em
forma de bandeiras e estandartes que estão
desfraldadas e entrecruzadas na base de seus
mastros.
TUDO DE. É a expressão usada para
simplificar a descrição quando várias peças
diferentes são do mesmo esmalte, evitando,
portanto, ter de repetir o seu nome.
VAZADO. As peças que têm o interior aberto,
permitindo ver por ele o campo, são vazadas
ou vazias, termo empregado especialmente às
cruzes, mas também existentes nas estrelas.
VERDE. Representa-se pela tinta na cor de
esmeralda viva – chamada na heráldica de
sinopla, sinople ou vert e no desenho por
segmentos de reta, contínuos, lançados
diagonalmente do ângulo direito do chefe ao
seu contrário, postos paralelos e eqüidistantes,
de bordo a bordo.
VERMELHO. Cor que na heráldica recebe o
nome de goles e no desenho se representa
por traços retos paralelos, verticais e
contínuos que vão de bordo a bordo do
escudo ou das peças, postos
eqüidistantemente.
VEXILOLOGIA. A vexilologia é o estudo das
bandeiras e de sua história, formas e
representações. Esta palavra deriva do latim
vexillum, que era a bandeira quadrada usada
pelas legiões romanas; seus primeiros
emblemas eram de metal, passando-se depois
a compor-se de tecido, daí a origem moderna
das bandeiras.
VIROL. Peça da qual sai o paquife e que se
põe sobre o elmo, no cimo, e modernamente
se emprega também sobre a parte mais
elevada da coroa de barão, de visconde, de
conde, de marquês e de duque, para nela
assentar o timbre.
250
ANEXO A – DEMAIS BRASÕES E BANDEIRAS ESTADUAIS
Bahia Minas Gerais
Pará Rondônia
Maranhão Santa Catarina
251
Pernambuco Estado da Guanabara (1960-1975)
São Paulo Sergipe
Alagoas (1963) Alagoas (1894-1963)
252
Bahia Espírito Santo
Goiás Mato Grosso
Mato Grosso do Sul Minas Gerais
Pará Pernambuco
253
Paraíba (1930) Paraíba (1907-1922)
Piauí (2005) Piauí (1922-2005)
Rio de Janeiro Estado da Guanabara (1960-1975)
Rio Grande do Norte Santa Catarina
254
ANEXO B – ARTIGO NO JORNAL “O ESTADO DE SÃO PAULO” (09/07/09)
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