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utópico proposto pelos liberais, segundo sua definição.
63
A mesma ideia de elaboração “de
formas orgânicas de sociedade e a harmonia entre formas organizacionais e a realidade”
64
era
um dos pontos centrais do pensamento de Azevedo Amaral, segundo Lúcia Lippi Oliveira.
Ainda sobre o realismo, Daniel Pécaut salienta que esse lugar-comum no período tinha
como objetivos “[...] mostrar que não existe o indivíduo isolado: ele está já de início, inserido
numa coletividade. [...] destacar a interdependência entre aqueles que ocupam posições
sociais desiguais; desse modo caducavam todas as teorias fundadas na divisão de classes”.
Para o autor, o que os intelectuais pretendiam com esse discurso realista era “provar que
existia uma unidade nacional de fato, que faltava apenas fortalecer pela via institucional”. O
intelectual, “apaixonado pelo realismo, desejava descobrir esta mistura de uniões e desuniões
sociais anteriores a toda instituição política”. Pécaut vê nessa atitude do intelectual que tenta
buscar em outro plano o controle político e um modelo ideal de organização social, uma
negação da própria dimensão do político. O que acarretou, segundo o autor, uma margem
ilimitada de ação ao Estado para que promovesse “politicamente a cooperação orgânica entre
os diversos segmentos sociais”
65
.
Nesse sentido têm destaque os intelectuais modernistas que procuravam romper com
o romantismo e buscavam a objetividade através de métodos científicos que permitiam uma
análise mais apurada da realidade. Segundo Afrânio Coutinho esse movimento, que se deu
primeiramente em relação à literatura, coincidiu “com o início do trabalho de valorização,
análise e interpretação da realidade brasileira, graças aos estudos antropológicos, etnográficos,
folclóricos, sociológicos, históricos e lingüísticos, [...] olhou para o mundo brasileiro, [...] não
mais com o sentimentalismo do romântico”
66
.
Instrumentalizados através do conhecimento da “verdadeira” história do país e atraídos
pela possibilidade de produção intelectual que o Estado oferecia através de seus mecanismos
de divulgação — publicações de artigos, jornais e revistas — e da possibilidade de atuação
nos órgãos recentemente criados pelo aparato burocrático, cumpriram o duplo papel de formar
a nação e o povo brasileiro e de ocupar um espaço de influência e reconhecimento.
67
E esse
olhar especializado transporá as áreas obscuras de nosso passado, a partir de então
63
Idealismo utópico, segundo Oliveira Vianna, “é todo e qualquer sistema doutrinário, todo e qualquer regime
de aspirações políticas em desacordo com as condições reais e orgânicas da sociedade que pretende reger e
dirigir”. Já o idealismo orgânico seria o resultado da evolução orgânica da sociedade e se caracterizaria por uma
evolução antecipada da evolução.
64
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. In. Estado Novo: Ideologia e Poder, p.52.
65
PÉCAUT, Daniel. Intelectuais e a política no Brasil, p.47
66
COUTINHO, Afrânio (Coord.). A literatura no Brasil. p.14.
67
MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira, p.198 e 199.