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Além disso, outra pressuposição é a de que a sociedade seja um sistema equitativo de
cooperação social
31
. Isso significa, primeiro, que nela, uma vez que os seus cidadãos são
vistos como membros plenos, isto é, racionais e razoáveis, eles são vistos como capazes de
aceitar os seus termos equitativos
32
, ou seja, como capazes de aceitar os direitos e deveres,
que são especificados por tais termos equitativos, e, além disso, como capazes de aceitar a
regulação da divisão dos bens sociais e a distribuição dos encargos a cada um, também
promovida por tais termos. Segundo, significa que, nessas sociedades, os cidadãos, por
possuírem tais faculdades, são, em questões de justiça social, considerados como livres e
iguais. São livres, segundo diz o autor, (a) no sentido de reconhecerem em si e nos demais a
capacidade de ter uma concepção de bem e o poder de revê-la; (b) por se considerarem com o
direito de fazer reivindicações as suas instituições com o intuito de promover tais concepções
de bem; e (c) por serem capazes de ajustar seus objetivos e aspirações ao que é razoável
esperar que possam fazer, isto é, por serem capazes de assumir a responsabilidade por seus
objetivos. E são iguais no sentido de que são considerados como portadores das duas
capacidades morais em um grau mínimo essencial, o que lhes possibilita participar durante
toda a vida da cooperação social. Sendo mais preciso, são vistos como iguais, apesar de suas
diferenciações nos talentos naturais, na medida em que podem tomar parte da cooperação
social durante a vida e estão dispostos a respeitar seus termos equitativos.
Neste sentido, para esta compreensão, pode-se notar, um papel básico das principais
instituições na sociedade bem-ordenada é assegurar que os seus cidadãos, por serem racionais
e razoáveis e, como consequência, livres e iguais, possam por si mesmos, isto é, com
autonomia, buscar a realização da concepção de bem que preferir, seja ela qual for
33
. A
31
Esta é ideia mais fundamental na justiça como equidade, para Rawls, já que é justamente dela que provém,
segundo ele, a ideia de sociedade bem-ordenada. Vide RAWLS, Justiça como equidade: uma reformulação
(2003), p. 7.
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A essa compreensão de sistema equitativo de cooperação social, Rawls associa três aspetos, que afirma serem
essenciais. O primeiro é que tal cooperação não é uma atividade social coordenada, orientada para um fim. Ela
“guia-se por regras e procedimentos publicamente reconhecidos, que aqueles que cooperam aceitam como
apropriados para reger sua conduta”. O segundo é que ela implica a existência de termos equitativos, que “são
termos que cada participante pode razoavelmente aceitar, e às vezes, deveria aceitar, desde que todos os outros
os aceitem”. Estes termos incluem, conforme o autor, a ideia de reciprocidade ou mutualidade, que significa que
“todo aquele que cumprir sua parte, de acordo com o que as regras reconhecidas o exigem, deve-se beneficiar da
cooperação conforme um critério público e consensual especificado”. E o terceiro é que ela contém a ideia de
vantagem racional de cada participante. Tal ideia, por sua vez, “especifica o que os que cooperam procuram
promover do ponto de vista de seu próprio bem” (RAWLS, 2003, p. 8-9; 2000, p. 354-355).
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É importante observar aqui, como diz Vita, que, para isso, muitas vezes, as instituições básicas precisam fazer
mais do que se abster de ferir ou intervir na esfera de autodeterminação pessoal de cada um dos cidadãos. Em
várias ocasiões, elas precisam tomar medidas efetivas, que geram, inclusive, grandes ônus aos recursos escassos
do Estado, como a implementação de políticas públicas, “tais como campanhas de escolarização e
esclarecimento sobre a legislação existente, a garantia de acesso à justiça para os pobres e a concessão de
benefícios aos desempregados” (VITA, 2007, p. 231).