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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ADRIANO COSMA CABREIRA
HORIZONTES VERTICAIS:
Meandros do meio técnico-científico-informacional em Dourados-MS
DOURADOS
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ADRIANO COSMA CABREIRA
HORIZONTES VERTICAIS:
Meandros do meio técnico-científico-informacional em Dourados-MS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação (Área de
Concentração: Produção do Espaço
Regional e Fronteira), da Faculdade
Ciências Humanas da Universidade Federal
da Grande Dourados UFGD como
requisito para a obtenção do título de
Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Jones Dari Goettert
DOURADOS
2009
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À Leide Carla, companheira, cúmplice,
motivadora e co-participante dessa
jornada.
Ao João Pedro, que na simplicidade de
seu sorriso me fortalecia, dando alegria e
paz nos momentos de cansaço.
AGRADECIMENTOS
À Deus, que no invisível me auxiliou onde só ele podia alcançar.
À minha companheira Leide Carla, pela compreensão nos momentos de
ausência que se fizeram necessários para realização desse trabalho.
Ao professor Jones Dari Goettert pela orientação, diálogo e ideias que foram
necessárias para o meu crescimento acadêmico e para o desenvolvimento dessa
dissertação.
Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia, em especial
às professoras que contribuíram diretamente nessa trajetória durante as disciplinas
cursadas: Maria José Martinelli Silva Calixto, Flaviana Gasparotti Nunes e Lisandra
Pereira Lamoso.
Às professoras Edima Aranha Silva e Silvana de Abreu pelas observações e
orientações durante a qualificação.
Aos colegas de trabalho Nei Geller e Alesandra Soares, da Escola Estadual
Frei João Damasceno em Caarapó-MS, pela compreensão no momento que foi
necessário reformular o meu horário de aula para cursar os créditos do mestrado.
À Maria Aparecida Marques de Faria e Maria Ângela da Silva Lopes, da
Escola Estadual Arcenio Rojas em Caarapó-MS, pela colaboração ao final desta
jornada.
À Castu Ayala, pela foto da capa e pela revisão ortográfica.
A todos, muito obrigado, cada um de vocês fazem parte da história desse
trabalho, desse sonho que se realiza.
Viver é como andar de bicicleta: É preciso
estar em constante movimento para
manter o equilíbrio.
Albert Einstein
RESUMO
O município de Dourados, situado na porção meridional do Mato Grosso do Sul,
embora nele ainda persistam algumas características de policultura, notabiliza-se
principalmente pela produção agropecuária direcionada à exportação e à produção
agroindustrial. Como “consequência” deste viés econômico, o município se
configurou como um espaço de comando em relação ao seu entorno, pois, a partir
das conexões e fluxos relacionados à economia, outras conexões e fluxos se
estabeleceram em diversas áreas, tornando Dourados referência na porção centro-
sul do estado em pesquisa, tecnologia, informação, serviços públicos (saúde,
educação...), finanças e transporte. As relações hegemônicas no município
desenvolveram uma profunda integração técnica, tecnológica e informacional que
sustenta a importância espacial de Dourados, possibilitando a compreensão deste
espaço como parte do que Milton Santos definiu por “meio técnico-científico-
informacional” – espaço dominante no capitalismo globalizado. Em Dourados, o
desenvolvimento do meio técnico-científico-informacional se confirma por meio dos
negócios ligados à agricultura, principalmente, que fecha negócios e exporta
produtos para vários destinos, inclusive internacionais, utilizando-se de tecnologia
avançada na relação com o mercado, destacando-se a produção da soja, da carne
bovina e do frango. Como “consequência” dessa inserção, de sua densidade
técnica-científica-informacional e de seu papel como parte dos movimentos de
“globalização”, Dourados se tornou um espaço de comando, e “consequentemente”
“luminoso” e da “rapidez” (das discussões de Milton Santos e de María Laura
Silveira). Esses elementos influenciam não somente a dinâmica econômica, mas
também o cotidiano de sua população, uma vez que novos objetos e suas
respectivas “cargas” informacionais promovem novos movimentos entre a relação
“meios” e sujeitos. Contudo, como espaço desigual do qual Dourados faz parte,
também o meio técnico-científico-informacional é desenvolvido desigualmente,
fundando e aprofundando o próprio espaço desigual e, portanto, a desigualdade
entre os sujeitos.
Palavras-chave: Dourados-MS; meio técnico-científico-informacional, sujeitos.
RESUMEN
La ciudad de Dourados, situado en la parte meridional de Mato Grosso do Sul,
aunque todavía persisten algunas características del notabiliza mixto, principalmente
por dirigido y producción de ganado, exportación y producción del sector
agroindustrial. Como "consecuencia" de esta parcialidad, el municipio de si ha
configurado como un área de comando de sus alrededores, porque de los flujos de
conexiones y relacionados con economía, otras conexiones y corrientes se
establecieron en diversas áreas, haciendo referencia en dorado-Centro parte del
Estado en el sur de la investigación, tecnología, información, servicios públicos
(salud, educación,...), finanzas y transporte. Las relaciones hegemônicas en el
municipio, por lo tanto, desarrolló una profunda integración técnica, tecnológica y
informativa que se basa en el espacio con placa de importancia, lo que permite la
comprensión de esta área como parte de ese Milton Santos establecidos por
"científico-técnica-informativo" espacio dominante en el capitalismo. En la religión,
el desarrollo de técnicas-científico-informativo confirmado a través de los negocios
relacionados con la agricultura, principalmente que cierra el negocio y las
exportaciones de productos a varios destinos, incluidos los internacionales,
utilizando tecnología avanzada a relación con el mercado, la producción de soja,
carne de pollo. Como "consecuencia" de esta inserción, su técnico-científico-
densidad informativa y su papel como parte del movimiento de oro "globalización" se
ha convertido en un área de comando y "(discussions Milton Santos and María Laura
Silveira)"consecuencia"luz"y"velocidad. Estos elementos influyen no sólo la dinámica
económica, sino también la vida cotidiana de su población, ya que los nuevos
objetos y sus respectivos "cargas" informativos promoción nuevas entradas entre
"los medios" y objeto. Sin embargo, como espacio de oro desigual que es también la
información científica y cnica se desarrolla de manera desigual, fundador y
profundización desigual espacio propio y, por lo tanto, el tema.
Palabras-clave: Dourados-MS; meio técnico-científico-informacional, personas.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................
13
1- 1- A TÉCNICA, O ESPAÇO E OS SUJEITOS.............................................
20
1 Por que estudar o fenômeno técnico? .......................................................
20
1.1 A técnica..................................................................................................
21
1.2 Espaço e técnica......................................................................................
26
1.3 Períodos.......................................................................................
31
1.4 Os meios geográficos..............................................................................
36
1.4.1 O meio natural.......................................................................................
36
1.4.2 O meio técnico......................................................................................
38
1.4.3 O meio técnico-científico-informacional................................................
42
1.5 O cidadão, o meio técnico-científico-informacional e o espaço vivido....
50
1.6 “Globalização” ........................................................................................
56
1.7 O “jogo de escalas” .................................................................................
71
1.8 Redes.......................................................................................................
75
2- DOURADOS: DO MEIO TÉCNICO AO MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO-
INFORMACIONAL
................................
............................................................
81
2.1 O meio técnico ........................................................................................
82
2.2 O meio técnico-científico-informacional...................................................
86
2.2.1 As ações da SUDECO..........................................................................
88
a) Armazenamento.........................................................................................
92
b) Energia.......................................................................................................
93
c) Transporte..................................................................................................
94
d) Pesquisa agropecuária, assistência técnica e apoio logístico...................
94
2.2.2 As ações da SUDECO e a consolidação do meio técnico-científico-
informacional.....................................................................................................
96
2.3 Dourados: um espaço em rede
107
3- ESPAÇOS TECNOLOGICAMENTE AVANÇADOS E SUJEITOS EM
DOURADOS.....................................................................................................
121
3.1 A dispersão seletiva da informação em Dourados...................................
123
3.2 Os sujeitos e o espaço da “inclusão/exclusão”........................................
129
3.3 Os sujeitos e o meio técnico-científico-informacional em Dourados.......
132
PARA NÃO CONCLUIR... ...........................................................................
146
BIBLIOGRAFIA................................................................................................
151
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Zona de influência aproximada da Cia Matte Laranjeira no
Estado do Mato Grosso do Sul (1882-1924)...................................................
80
Figura 02: “Região da Grande Dourados”.......................................................
91
Figura 03: Região da “Grande Dourados” – Vias de circulação .....................
101
Figura 0
4:
Conexões de Dourados com os outros estados da
federação........................................................................................................
112
Figura 05: Assinaturas da Folha de São Paulo em Dourados........................
125
Figura 06: Distribuição setorial do jornal “O Progresso” em Dourados...........
126
Figura 07: Atuação da Via Cabo em Dourados...............................................
127
Figura 08: Localização dos orgãos de comunicação em Dourados................
128
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Os períodos tecnológicos a partir de Fu-Chen.............................
34
Quadro 2 - PRODEGRAN no espaço mato-grossense de 1975/1981..............
96
Quadro 03: Número de agências bancárias e movimentações financeiras
(2008) ..............................................................................................................
103
Quadro 04: Empresas do setor de comunicação em
Dourados..........................................................................................................
103
Quadro 05: Pessoas que vivem em domicílios com
computador.......................................................................................................
104
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Evolução da População Rural e Urbana do município de
Dourados........................................................................................................
98
Tabela 02: Número de matrículas no ensino superior, segundo o ano letivo e
instituição..........................................................................................................
105
Tabela 03: Número de empresas e indústrias de Dourados e seu entorno...
109
Tabela 04: Balança Comercial de Dourados.....................................................
113
Tabela 05: Dourados - Empresas exportadoras por faixa de valor (Us$) -
(Jan-Dez/2008)..................................................................................................
114
Tabela 06: Dourados- Empresas importadoras por faixa de valor (Us$) -
(Jan-Dez/2008)..................................................................................................
114
Tabela 07: Exportações de Dourados...............................................................
115
Tabela 08: Importações de Dourados...............................................................
116
Tabela 09: Frequência de acesso a internet dos funcionários do setor
terciário..............................................................................................................
13
4
Tabela 09: Pessoas de 10 anos ou mais de idade que tinham telefone móvel
para uso pessoal, por Grandes Regiões - 2005................................................
142
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: Utilização do computador e internet pelos funcionários do setor
terciário............................................................................................................
Gráfico 02: Municípios do estado que estabelecem relações comerciais
com Dourados.................................................................................................
Gráfico 03: Comércio: Conexões com espaços fora do Estado.....................
Gráfico 04: Conexões estabelecidas nas aquisições dos produtos
comercializados em Dourados........................................................................
Gráfico 05: Acesso à CD’s em Dourados........................................................
Gráfico 06: Acesso à DVD’s em Dourados.....................................................
Gráfico 07: Frequência de acesso a internet dos alunos do 8º ano................
Gráfico 08: Importância do uso da internet para os funcionários do setor
terciário...........................................................................................................
Gráfico 09: Locais de acesso ao computador e internet.................................
Gráfico 10: Equipamentos de mídia dos alunos do 8º ano.............................
Gráfico 11: Meios de informação do cotidiano dos alunos do 8º ano.....
Gráfico 12: Formas de captação de sinal de TV nos domicílios Alunos do 8º
ano.................................................................................................................
Gráfico 13: Formas de captação de sinal de TV nos domicílios dos
funcionários do terciário.................................................................................
Gráfico 14: Equipamentos de mídia utilizados pelos funcionários do
terciário..........................................................................................................
Gráfico 15: Fontes de informação dos funcionários do terciário.....................
13
INTRODUÇÃO
Convivemos em relações tecidas a partir de acontecimentos pessoais, regidas
pelo amor, a razão, as amizades, o companheirismo, o trabalho, as conversas “dos
outros”, as dívidas que não cessam, o dinheiro curto, e muitos outros elementos...
Esses aspectos emergem do cotidiano
1
, do convívio pessoal, do ambiente de
socialização do homem... Essa esfera da vida, que no dia-a-dia se constrói os
lugares orgânicos (afetivos), Milton Santos (2002) chama de horizontalidades, pois
se baseia em forças advindas do horizonte: dos sujeitos aos sujeitos
2
, do local ao
local... Todavia, em um mesmo espaço, forças inorgânicas (artificiais) também agem
no espaço, seguindo lógicas que não são locais e nem tão pouco pessoais. Esse
movimento Milton Santos define por verticalidades, pois é um fenômeno gerenciado
no âmbito vertical, ou seja, do global para o local. Desse modo, a verticalidade é a
macroesfera (o nacional ou o mundial), enquanto que a horizontalidade é
microesfera (o local). Cada uma dessas esferas está interligada à outra, e ambas
são constituintes da base social e material das relações humanas: o espaço, que,
1
Sobre cotidiano, partimos da ideia de Karel Kosik (1995, p. 80) de que A vida cotidiana é antes de
tudo organização, dia a dia, da vida individual dos homens; a repetição de suas ações vitais é fixada
na repetição de cada dia, na distribuição do tempo em cada dia. A vida de cada dia é divisão do
tempo e é ritmo em que se escoa a história individual de cada um”. E para Agnes Heller (1985, p. 17
e 20), “A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com
todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se “em
funcionamento” todos os sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades
manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias”; por isso, cada sujeito (Heller fala em
indivíduo) é simultaneamente um ser particular e um ser genérico, o que pressupõe que cada sujeito
abarca a “generalidade” do mundo e que o mundo abarca toda “particularidade” do sujeito.
2
Desde apontamos que usaremos o termo “sujeitos” para nos referir ao que, também usualmente,
tem sido definido por “pessoas”, “cidadãos”, “indivíduos” e “homem”, dentre outros. Portanto, o uso de
“sujeitos” é intencional e o fazemos baseados sobre as preocupações e precauções apontadas,
sobretudo, por Eder Sader (1988), Heinz Dieter Heidemann (1998) e Jones Dari Goettert (2008). Para
o primeiro, “sujeito” é tanto o individual como o coletivo (daí, “sujeito coletivo”), enfatizando que “Se a
noção de sujeito está associada à possibilidade de autonomia, é pela dimensão do imaginário como
capacidade de dar-se algo além daquilo que está dado” (Sader, 1988, p. 56); para o segundo, o
sujeito (o autor analisa o sujeito migrante) é sempre “sujeito sujeitado” – sujeito histórico a uma
organização econômica e social (Heidermann, 1998, p. 17); para o terceiro, é possível se pensar a
ideia de “sujeito sujeitado” ao lado da de “sujeito-sujeito”, isto é, o sujeito é tanto sujeitado mas
também portador de possibilidades de autonomia. Como registro, também apontamos as seguidas
referências de Milton Santos na ênfase em pensar o espaço tendo o “sujeito” como centralidade,
mesmo que não o faça com o uso corrente desse termo, como em O espaço do cidadão” (1987),
“Metamorfoses do espaço habitado” (1988) e “Pensando o espaço do homem” (2004b).
14
simultaneamente, é o local e o global, o regional e o nacional, o próximo e o
distante, o “de dentro” e o “de fora”, emoção e razão... Nessa relação, ora
dicotômica, ora simbiótica, e sempre dialética, a produção espacial nunca é rígida: é
multifacetada, marcada por “horizontais” e por “verticais”.
Assim:
As verticalidades são formadas por pontos, as horizontalidades por
planos. As verticalidades dão-nos o que se denomina espaço dos
fluxos, a paisagem eficaz, o reino do cálculo, o domínio da
racionalidade cega e triunfante. As horizontalidades dão-nos o
espaço banal, o espaço da vida, do cotidiano compartido por todos,
o reino em que todas as emoções são permitidas. Mas não existe
[...] separação real entre essas duas realidades. Suas
racionalidades coexistem e se interpenetram, modificam-se
mutuamente, cada qual se afirmando, a cada instante, em função de
seus próprios objetivos (Santos, 2002, p.110-111).
Apesar das diferenciações decorrentes da produção vertical e horizontal do
espaço, a técnica e a informação são conjuntamente elementos que permeiam a
constituição e produção espacial, uma vez que são características da nova
“roupagem” do capitalismo contemporâneo, por vezes chamado de “globalização”
3
.
Nessa “nova” fase capitalista a técnica, alicerçada pelo saber científico, mais
a informação, se apresentam como aspectos necessários para a nova divisão
internacional do trabalho, para a fluidez das mercadorias no nível global e para
acumulação que mantêm o caráter excludente do sistema em vigor.
Essa realidade se manifesta em todo o mundo, por isso que as novas
tecnologias de produção, circulação e comunicação se materializam em diversos
espaços, mesmo que desigualmente.
3
Compreendemos, nos limites deste trabalho, globalização”, a partir de Giddens (1991), como a
intensificação das relações sociais e econômicas em escala nacional e as conexões entre as
diferentes regiões do globo através das quais os acontecimentos locais sofrem a influência dos
acontecimentos que ocorrem a muitos quilômetros de distância e vice-versa. As “conseqüências” dos
nossos atos estão desencadeadas de tal forma que o fizermos agora repercute em espaços e tempos
distantes. Isto diz respeito às interconexões globais, locais e cotidianas e,logo, às “consequências”
recíprocas entre as dimensões macro e micro. Ainda, sobre o termo “globalização”, tomaremos
também sempre em conta as ressaltas apontadas por Octavio Ianni (1997), Milton Santos (2000) e
Paulo Nogueira Batista Júnior (1997). Para o primeiro, a “globalização” é também uma fábula
encenada em várias metáforas, como na ideia de “aldeia global”, embaçando o olhar sobre as
tensões, conflitos e contradições das relações que definem material e imaterialmente o
movimento capitalista global; para o segundo, a adição de um adjetivo à globalização”
“globalização perversa” é indicativa do que ela representa, em especial para os sujeitos mais
pobres; e, para o terceiro, a ênfase de que a “globalização” está crivada de mitos, não passando,
muitas vezes, de um “mero” construto político-ideológico que se propõe a assegurar formas de
dominação principalmente econômicas dos mais ricos sobre os mais pobres. Por todas essas
ressalvas, é que sempre, aqui, o termo “globalização” seguirá entre aspas.
15
Nesse aspecto, a técnica é a força propulsora da remodelagem dos lugares,
trazendo novos hábitos e alterando as relações sociais. É nesse sentido que o título
desse trabalho conjuga as expressões de Santos (2002), no sentido dado pela
complementaridade, pois as relações globais influenciam o local (e o local o global,
mesmo que desproporcionalmente) e a materialidade dessa expressão pode ser
observada a partir da implantação e presença das técnicas, por isso podemos dizer
que há um horizonte vertical, ou seja, um cotidiano global, ou um local globalizado.
Dessa forma, temos um espaço que é ambiente da técnica e habitat do
homem (um e outro inseparáveis), com contrariedades e singularidades decorrentes
do movimento locacional e global (e em suas mais diferentes escalas), permitindo a
construção de espaços com peculiaridades distintas. Esse caráter dinâmico do
espaço é o que também buscamos entender aqui, a partir das empresas como
elementos verticais do capitalismo e dos sujeitos como elementos horizontais
participantes do espaço.
Nessa tarefa escolhemos compreender a constituição do “meio técnico-
científico-informacional” (Santos, 1997) em Dourados e seus desdobramentos sobre
como instituições, firmas e sujeitos que participam dele, na medida em que
Dourados apresenta uma importância tanto local e regional, como também nacional
(um dos centros do agronegócio
4
) e até internacional (como espaço de exportação),
mesmo que em condição de subalternidade frente a “espaços que mandam” (Santos
& Silveira, 2001), internos e externos ao espaço brasileiro. Contudo, de alguma
forma, em escala regional, podemos dizer que também Dourados se constitui
como um “espaço que manda”.
Para realizarmos esse trabalho, nossas referências centrais se pautam na
obra de Milton Santos, e, apesar de não ser o único autor lido e utilizado, suas
aspirações são as fontes que nortearam nosso trabalho.
Sempre em diálogo com um conjunto de referências teóricas, este trabalho
(também um processo) atentou para a importância da produção e coleta de dados
primários e secundários, em trabalho de campo, que metodologicamente buscou
trabalhar com instituições, firmas e sujeitos que pudessem “mostrar” a “face
4
“Mundo” dos negócios envolvendo os setores da agropecuária brasileira indústria para a
agricultura”, agropecuária e agroindústria (em aproximação a Müller, 1989) – que, “em tese”, se
desenvolvem com base em um aparato de alta tecnologia e infra-estrutura de produção e
comercialização (em alguma medida, poderíamos dizer que o agronegócio se constitui como o setor
produtivo do campo que abarca o “meio técnico-científico-informacional rural”).
16
globalizada” (e a “não globalizada”) de Dourados, bem como também o seu papel
como centro regional.
Por isso, escolhemos realizar entrevistas com funcionários do setor do
comércio e de serviços, e com alunos do Ensino Fundamental de duas escolas
públicas, uma municipal e outra estadual
5
. Os setores comerciais e de serviços da
economia foram escolhidos por serem diretamente influenciados pelas nuanças da
produção agropecuária (ligadas ao mercado global) e por estabelecer fluxos entre
Dourados e seu entorno. Além disso, a pesquisa com os funcionários do comércio e
do setor de serviços também nos proporcionou a noção de uso das tecnologias
eletrônicas e digitais e das formas de acesso à informação entre a população adulta,
em especial.
Assim, para estabelecer comparativos com os dados obtidos, optamos por
estudar também o grupo de pré-adolescentes e de adolescentes escolares, do
Ensino Fundamental.
Foram realizadas entrevistas com 125 pessoas, sendo 67 alunos, dos quais
34 são da Escola Municipal Profª. Elza Farias Kintschev Real (Escola Elza Farias) e
33 da Escola Antonia da Silveira Capilé (Escola Capilé), além de 58 pessoas dos
segmentos comercial e de prestação de serviços: Máquinas, Tratores e
Colheitadeiras (5); Máquinas e Peças Agrícolas (9); Sementes, Rações e
Fertilizantes (8); Supermercados (6); Móveis e Eletrodomésticos (6); Comercio e
manutenção de produtos de Informática (5); Confecções, Calçados e Materiais
Esportivos (19).
Essas entrevistas foram norteadas por meio de questionários específicos, um
para os adolescentes e outro para os adultos. Ambos os questionários possuíam
perguntas semelhantes, porém estruturadas de forma diferente para a compreensão
na respectiva idade. Todavia, no segundo, além perguntas sobre o uso cotidiano das
técnicas, também propusemos indagações a respeito da rotina da empresa, o que
nos permitiu a compreensão da vivência do meio técnico-científico-informacional na
esfera das firmas e dos sujeitos.
Especificamente, sobre os locais de entrevista e aplicação de questionários,
percorremos as avenidas Marcelino Pires e Hayel Bon Faker, as ruas João Rosa
Góes, Toshinobu Katayama e Major Capilé, buscando ultrapassar os espaços do
5
Também tentamos entrevistar alunos de escolas particulares, mas as direções escolares dessas
instituições não autorizaram a aplicação de questionários.
17
“centro” da cidade e indo ao encontro de instituições, firmas e sujeitos também de
ruas e bairros “periféricos”
6
.
A apresentação, discussão, problematização e análise dos empíricos é
precedida por busca de compreensão mais aprofundada sobre a relação espaço,
técnica e sujeitos. Em seguida, buscamos permear um conjunto de referenciais
teóricos do qual visamos demonstrar a participação de Dourados como espaço
participante do "meio técnico científico informacional", buscando apreender os níveis
de inserção de firmas e sujeitos junto ao aparato tecnológico de produção e
informação.
Essa construção está permeada, formalmente, pelos seguintes objetivos:
entender temporal e espacialmente a formação em Dourados no "meio técnico
científico informacional", destacando o seu desenvolvimento (ou não) junto a
instituições, firmas e sujeitos diversos; verificar como que as instituições, firmas e
sujeitos estabelecem relação com o aparato tecnológico de produção e informação,
apontando níveis diferenciados de inserção; compreender, a partir de diferentes
níveis de inserção de instituições, firmas e sujeitos junto ao aparato tecnológico de
produção e informação, a produção de um espaço desigual e contraditório,
analisando os componentes de seletividade e marginalização socioespacial.
Através desses anseios desenvolvemos nosso trabalho, dispondo as
discussões nas partes seguintes: no primeiro capítulo, realizamos uma “síntese
teórica” da obra de Milton Santos, com ênfase sobre a análise dos meios e das
técnicas na produção socioespacial, destacando a constituição do “meio técnico-
científico-informacional”. Neste capítulo, também desenvolvemos discussão acerca
da cidadania, da “globalização” e das escalas, como aspectos participantes das
relações materiais e imateriais dos espaços contemporâneos.
No segundo capítulo, buscamos demonstrar e discutir a constituição e
desconstituição (dialéticas) dos meios geográficos de formação espacial de
6
Mesmo que nossa intenção aqui não seja a discussão sobre as relações “centro”/”periferia”,
apontamos que tais termos devem ser tomados com cuidado, pois, como parte de construções
político-ideológicas e de “enquadramento” socioespacial (da forma como Milton Santos [1994; 1997]
tem se referido às relações sociais, que são sempre, de uma ou de outra forma, também relações
espaciais), “centro” e periferia” tendem a ser tomadas como noções por vezes naturalizadas, o que
também tende a impedir que, por um lado, sejam compreendidas como construções político-
ideológicas (de poder, portanto), e que, por outro lado, tendem a impedir que as relações
socioespaciais sejam compreendidas para além de uma “divisão” binária (“centro”/”periferia”),
negligenciando movimentos nos quais as próprias dinâmicas socioespaciais apontam para as
condições de “centro” e de “periferia” como próprias do movimento e não como dados estáticos, ou
seja, no “centro” também estão as “periferias” e na “periferia” também estão os “centros”.
18
Dourados. Nele, apresentamos as ações estatais como centrais no estímulo do
“desenvolvimento”
7
do município e a “conseqüente”
8
formação do “meio técnico-
científico-informacional”. Além desses aspectos, procuramos discorrer sobre como
instituições, firmas e sujeitos que se articulam em rede, elemento que tende a
fortalecer o papel de Dourados como “centro regional”.
no terceiro capítulo, explicamos a dinâmica dos espaços tecnologicamente
avançados e como que os sujeitos se relacionam com eles, apontando, discutindo e
analisando como que os sujeitos em Dourados participam (ou não) do que
apontamos, sempre de empréstimo de Milton Santos, de “meio técnico-científico-
informacional”.
E ao final, “Para não concluir”, apresentamos um conjunto de questões que,
entendemos, se desdobram de nossas incursões teóricas e empíricas, como
momento e espaço chave, não apenas para “concluir”, mas para, principalmente,
abrir caminhos para o pensar mais agudo, crítico e profundo sobre as relações
socioespaciais em Dourados, que é e isso agora afirmamos um espaço, como
parte das relações do modo de produção capitalista, extremamente desigual. Por
isso, qualquer perspectiva em entender Dourados (que não é um ente abstrato, mas
“apenas” as relações materiais e imateriais feitas e pensadas pelos sujeitos) como
produdor/reprodutor de um “meio técnico-científico-informacional” homogêneo e
totalizador, tende a perder consistência ao primeiro passo dado à rua qualquer rua
–, em que camionetas “Hilux” exibem adesivos de “Produção Sim. Demarcação
Não”, enquanto meninas e meninos Guarani, em bairros mais “nobres” e em outros
7
A palavra desenvolvimento designa: adiantamento, crescimento, aumento ou progresso. Um
exemplo nesse sentido é a expressão “desenvolvimento econômico”, que define o crescimento da
economia acompanhado por modificações na estrutura produtiva do país ou região. Aliado ao
conceito de desenvolvimento econômico, existe a ideia do “desenvolvimentismo” que, segundo
Bielschowsky (apud Abreu 2001, p33), expressa a ideologia de “transformação da sociedade
brasileira definida por um projeto econômico cujos principais pontos são: industrialização integral para
superação da pobreza; um Estado planejador que defina a expansão desejada dos setores
econômicos e os instrumentos de promoção, captando e orientando recursos financeiros e
promovendo investimentos diretos naqueles setores pelos quais a iniciativa privada não se interessa
e/ou seja insuficiente”. É nesse sentido que a palavra desenvolvimento é utilizada pelo Estado em
suas políticas econômicas e discursos oficiais. Assim, para nós, o termo “desenvolvimento” é
carregado de carga político-ideológica, atualmente refundado no termo desenvolvimento
sustentável”. Como base de nossas reflexões sobre, também, os mitos do desenvolvimento,
pautamo-nos em Celso Furtado (1996), ao discutir o mito do desenvolvimento econômico, e em Elder
Andrade de Paula (2005), que discute, a partir da Amazônia, o “mito” do “(des)envolvimento
(in)sustentável”.
8
Observamos que ao usarmos o termo “consequência” não o tomamos como parte de uma relação
de “causa e efeito”, mas como parte de um processo sempre inacabado e inconcluso, no qual as
“causas” e os “efeitos” (ou as “consequências”), temporais e espaciais, também se movimentam ou
são movimentados; por isso apontaremos o termo sempre entre aspas.
19
nem tanto, batem palmas do lado de fora das grades de ferro ou dos muros altos e
pedem: “Tem alguma coisa pra dá?”
São estas partes das discussões e provocações que buscaremos
desenvolver aqui.
20
1
A TÉCNICA, O ESPAÇO E OS SUJEITOS
1 Por que estudar o fenômeno técnico?
Neste capítulo buscaremos desenvolver uma abordagem sobre o espaço e a
Sociedade
9
por meio das técnicas, demonstrando a materialização do fenômeno
técnico como determinante na produção do espaço.
Esta análise é importante para a Geografia, porque a técnica é elemento
central na produção espacial, ao mesmo tempo em que produz espaço; ela é
produto e condicionante dos objetos fixos, dos fluxos e das relações sociais e
econômicas do território. Entender a importância do fenômeno técnico é
compreender a dinâmica da sociedade contemporânea, uma vez que a estrutura
social, material, imaterial e simbólica do território foi e continua sendo regida pelas
forças hegemônicas
10
do capitalismo, que desenvolvem as cnicas como
9
Em Sociologia, uma sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos,
preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade. A sociedade é
objeto de estudo comum entre as ciências sociais, especialmente a Sociologia, a História, a
Antropologia e a Geografia. Uma sociedade é um grupo de indivíduos que formam um sistema semi-
aberto, no qual a maior parte das interações é feita com outros indivíduos pertencentes ao mesmo
grupo. Uma sociedade é uma rede de relacionamentos entre pessoas. Uma sociedade é uma
comunidade interdependente. O significado geral de sociedade refere-se simplesmente a um grupo
de pessoas vivendo juntas numa comunidade organizada (Scaravello, 2009, s/ p.). Por outro lado,
também temos claro as posições de Cornelius Castoriadis (2007, p. 415), destacando, sobretudo, que
“Esta instituição [a sociedade] é instituição de um mundo no sentido de que ela deve e pode cobrir
tudo, que tudo, em e por ela, deve, em princípio, ser dizível e representável, e que tudo deve
absolutamente ser incluído na rede de significação, tudo deve fazer sentido”.
10
Sobre Hegemonia, Gramsci afirma que “uma classe matem seu domínio não simplesmente através
da força, mas por ser capaz de ir além de seus interesses corporativos, exercendo liderança moral e
intelectual e fazendo concessões, dentro de certos limites, a uma variedade de aliados unificados
21
instrumento de manutenção e propagação das relações capitalistas de produção e
de reprodução.
1.1 A técnica
Só o fenômeno técnico na sua total abrangência
permite alcançar a noção de espaço geográfico.
(Santos, 1997, p.31)
Os termos técnica e tecnologia são utilizados em diversos discursos oficiais e
não-oficiais, acadêmicos e políticos, na imprensa e no senso comum, muitas vezes
sem compreensão correta da expressão, pois é comum serem utilizadas como
sinônimos ou adjetivação de máquinas e objetos novos.
A etimologia desses termos provém do grego “tekhno” (de tékhné, 'arte') e
“logía” (de lógos, ou 'linguagem, proposição'). Portanto, originalmente, a técnica
seria a arte (habilidade, aptidão) e tecnologia seria a forma que essa arte se
expressa. Atualmente, esses termos possuem significados diferentes, de acordo
com a abordagem de análise.
O Dicionário Eletrônico Aurélio (Ferreira, 1999, s/ p.), por exemplo, descreve a
técnica como: a maneira (ou habilidade especial) de executar algo ou um conjunto
de processos de uma arte (ex.: técnica cirúrgica; técnica jurídica...). E apresenta o
termo tecnologia como: o conjunto de conhecimentos (ou princípios científicos), que
se aplicam a um determinado ramo de atividade (ex.: tecnologia mecânica). Nesse
sentido, a técnica é “como se faz” e a tecnologia é “o conhecimento para se fazer”.
para Creswell (apud Santos, 1997, p. 31), a técnica se apresenta como
“toda uma série de ações que compreendem um agente, uma matéria e um
num bloco social de forças que Gramsci chama de bloco histórico. Este bloco representa uma base
social, na qual a hegemonia de classe dominante é criada e recriada numa teia de instituições,
relações sociais e ideias” (Bottomore, 2001, p.177). Também Luciano Gruppi (1980, p. 70), discutindo
hegemonia em Gramsci, aponta que “A hegemonia é isso: capacidade de unificar através da
ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por
profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento
em que através de sua ação política, ideológica, cultural consegue manter articulado um grupo de
forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda,
provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá
coincidir com a crise política das forças no poder”. Para a discussão sobre a hegemonia e a relação
com os intelectuais e a organização da cultura, ver Gramsci (1991).
22
instrumento de trabalho ou meio de ação sobre a matéria, e cuja interação permite a
fabricação de um objeto ou de um produto”.
O Dicionário do Pensamento Marxista (Bottomore, 2001, p. 371), por sua vez,
aponta que a tecnologia é o produto: “artefatos que encerram valor e têm valor de
uso”, e acrescenta que, para Marx, é a tecnologia, e não a natureza, que tem
importância fundamental:
A natureza não fabrica máquinas locomotivas, ferrovias, telégrafo
elétrico, máquina de fiar automática, etc. Tais coisas são produtos
da indústria humana; material natural transformado em órgãos da
vontade da vontade humana que exerce sobre a natureza, ou da
participação humana na natureza. São órgãos do cérebro humano,
criados pela mão humana: o poder do conhecimento objetificado
(Marx apud Bottomore, 2001, p. 371).
Na economia, Paulo Sandroni (1999, p. 593-594) aponta a técnica como
sendo o “conjunto de processos mecânicos e intelectuais pelos quais os homens
atuam na produção”, e por isso o “nível de desenvolvimento técnico de uma
sociedade determina seu grau de aproveitamento dos recursos naturais, a
complexidade da divisão cnica do trabalho e a produtividade da mão-de-obra”.
a tecnologia é definida, pelo mesmo autor, como sendo a “Ciência ou teoria da
técnica. Abrange o conjunto de conhecimentos aplicados pelo “Homem”
11
para
atingir determinados fins” (ibid). Deste modo, as inovações tecnológicas determinam,
quase sempre, uma elevação nos índices de produção e um aumento da
produtividade do trabalho.
Milton Santos (1997, p. 29), porém, aborda a técnica como sendo a principal
forma de relação entre o “Homem” e a natureza, pois, para ele, “as técnicas são um
conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida,
produz e, ao mesmo tempo, cria espaço”. Essa forma de ver a técnica é pouco
explorada, pois agrega o conceito de técnica como instrumento, objeto e processo
11
Quando nos referimos ao homem para representar a totalidade da humanidade, realizamos isso
não determinando qualquer posição em questão de gênero, já que em nosso ponto de vista ambos os
sexos, independentemente da idade, são personagens essenciais da construção da história da
humanidade. Portanto, esta palavra designa neste trabalho a totalidade social, composta de sujeitos
diferentes que na coletividade promovem ações que alteram as espacialidades e, além disso, são
eles os responsáveis pelas diversidades sociais e culturais, uma vez que isso é reflexo de um
conjunto que simultaneamente é diverso e disperso, habitando os diferentes territórios do nosso
planeta. Por essa conotação, usaremos esta palavra em entre as aspas e iniciada em maiúsculo,
justamente para diferenciá-la, de acordo com o entendimento supracitado.
23
social:
Não se trata de apenas considerar as chamadas técnicas da
produção, ou como outros preferem, as técnicas industriais”, isto é,
a técnica específica, vista como um meio de realizar este ou aquele
resultado específico. Uma visão assim pode levar a noções como a
de espaço agrícola, espaço industrial [se reportando a Y. Cohen], ou
espaço econômico (Santos, 1997, p. 37)
Esta noção de técnica como um fenômeno abrangente, vai além do sentido
restrito de “maneira de fazer” ou de “objeto”. Entendemos que esta é a melhor forma
de abordagem deste termo, por isso, nesse trabalho, a “técnica” será entendida
como fenômeno social e material, que promove alterações espaciais ao meio social.
Mas, observamos: essa promoção de alterações espaciais ao meio social não pode
ser compreendida no sentido de que uma separação entre técnica e meio social,
ou de que um dos elementos sucede o outro tanto no espaço como no tempo; ao
contrário, técnica e meio social participam do mesmo movimento de
produção/reprodução do espaço, sendo que o meio social “reflete” a técnica e a
técnica “reflete” o meio social. Para sermos mais precisos: a dissociação entre
técnica e meio social é possível para fins de análise, pois, enquanto processo,
ambos se fazem dialeticamente
12
, ou seja, como movimento em que a técnica “se
faz” meio social e em que o meio social “se faz” as técnicas desenvolvidas em cada
tempo e em cada lugar.
E, ainda mais, devemos ser, neste início, bastante incisivos: a técnica não é
uma coisa e o meio social outra coisa. A técnica é o próprio meio social se fazendo
como relação temporal e espacial da relação Sociedade/Natureza
13
, a partir dos
saberes e conhecimentos (técnicos), das habilidades e dos instrumentos (técnicos),
das práticas e dos produtos (técnicos), gerados pelo conjunto de sínteses
14
que
12
Sobre dialética, pautamo-nos em Milton Santos (1988), que ao analisar as relações socioespaciais
alude a três pares dialéticos: interno e externo, velho e novo e Estado e mercado. Tais pares assim
como “fixose “fluxos” e “objetos” e “ações”, por exemplo sempre serão tomados como síntese de
movimentos que os produzem e reproduzem, como, podemos salientar, no movimento de produção
do “novo”, no qual o “velho” é parte constituinte.
13
Sobre a relação Sociedade/Natureza, advertimos que não tomamos tais termos como se, no real,
fossem duas “coisas” distintas, mas, sim, como participantes de uma dialética em que a Natureza e
Sociedade são unidade, totalidade e síntese.
14
Como “conjunto de sínteses” entendemos o “produto” das relações dialéticas de tempo e espaço
24
cada momento e espaço (histórico-geográfico) possibilitam como produção,
construção e invenção
15
. Essa direção nos alerta para o cuidado que devemos ter
em não estabelecer comparações de técnicas entre realidades temporais e
espaciais diferentes, no sentido de definir técnicas umas “melhores” ou “piores” que
outras (o que tem levado, em muitos casos, a juízos de valor, por exemplo, entre o
“mundo feudal” e o “mundo moderno”, eles mesmos sendo lidos, de forma
maniqueísta, como o “tempo das trevas”, para o primeiro, e como o “tempo das
luzes”, para o segundo).
De forma tão ou mais profunda, tem se produzido discursos, imaginários e
representações
16
, no campo do “desenvolvimento”, extremamente dualistas entre
realidades bastante distintas, fazendo pensar, como “senso comum”
17
, que
sociedades, comunidades, etnias, povos, regiões, lugares e países ou “atrasados”
ou “modernos”, com base em um pensamento hegemônico calcado sobre o modo de
produção (modos de produzir coisas e de produzir pensamentos) capitalista, em que
tudo deve ser dirigido à produção da acumulação, seja de capital econômico,
cultural, simbólico ou social (cf. Bourdieu, 1998).
A lógica “comparativista” tende, no mínimo, a ocultar que: (1) cada técnica é
parte de um momento e espaço específicos e deve ser, portanto, compreendida
como parte do jogo de relações (econômicas, sociais, culturais, políticas, religiosas,
simbólicas...) que o constituem; (2) na produção de discursos, imaginários e
representações da “modernidade” implícita uma lógica do tempo e do espaço
específicos, armados em suas mais diversas relações (econômicas, políticas, sociais, culturais...).
15
A referência é Jones Dari Goettert (2008), ao apontar que: “produção: todo espaço é produção
humana que envolve relações de disputa, poder, conflitos, interesses e perspectivas, pressupondo,
por isso, que não há espaço dado, nem absoluto, nem a priori e nem definitivo; construção: todo
espaço deve ser compreendido como processo, podendo apontar diferentes materialidades e
imaterialidades em momentos diferentes e mesmo no seu interior, abarcando, por isso,
multiplicidades, heteronímias e diversidades, por vezes antagônicas e contraditórias, e, portanto,
como processo, também o espaço é síntese singular de tempos passado, presente e futuro , como
construção da história, do presente e do devir; e invenção: todo espaço é parte de um movimento de
inventividade e, por conseguinte, de signos, significantes e significados, ou de identidades/alteridades
que podem ser acionadas mais ou menos (ou mesmo nem serem acionadas) a depender das
configurações postas”.
16
Aqui, tomamos como referência, para discursos, imaginários e representações, a concepção de
“poder simbólico” discutido por Pierre Bourdieu (1998), salientando-o como o poder “[...] de fazer ver
e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o
mundo”, sendo um “poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela
força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização” (p. 14).
17
Tomamos com precaução o uso do termo “senso comum”, pois, muitas vezes, seu significado tem
remetido à noção de “desconhecimento” e até mesmo de “ignorância”; se diferente do “conhecimento
científico”, o tomamos como parte de saberes e também de conhecimentos que, grosso modo,
não são reconhecidos pela racionalidade hegemônica.
25
como linearidade, evolucionista e progressista, na qual a preponderância da ideia do
“novo”
18
, em contraponto a tudo o que é passado (daí: atrasado, arcaico,
ultrapassado, velho, descartável...), tem excluído qualquer alternativa de técnica
e/ou produção que não se empenha na lógica correlata da acumulação; e (3), essa
mesma produção se funda sobre um “racionalismo” racista, em que a forma de fazer
e de pensar (como técnicas e tecnologias) “modernas” se assentam sobre um “tipo”,
“modelo” ou “exemplo” de “Homem”: “branco”, “ocidental”, “racional”, “moderno”,
“empreendedor”, “individual” e com mentalidade “arrojada”. Assim, o padrão
hegemônico se impõe, desdobrando-se em julgamentos como os que tem ocorrido
em Dourados, nos últimos anos, em que o discurso hegemônico contrapõe
“produção” do agronegócio à “identificação” e especialmente à “demarcação” das
terras indígenas imemoriais... No fundo, o que também se busca justificar é a
supremacia de um conjunto de técnicas e de tecnologias “modernas” e
“avançadas” sobre um outro conjunto de técnicas e tecnologias “arcaicas” e
“atrasadas” (que, aliás, nem como técnicas e tecnologias têm sido consideradas).
É nesse sentido que, sobretudo, atentamos para o sentido proposto por Milton
Santos (1997, p. 31), na citação em epígrafe no início deste sub-item, de que “Só o
fenômeno técnico na sua total abrangência permite alcançar a noção de espaço
geográfico”. Porque, isso depreendemos a partir do autor, que a técnica é parte do
humano e que, neste sentido, Milton Santos procurou romper com uma visão
primária e reducionista sobre a técnica: a técnica é ela mesma o meio social e o
meio social é ele mesmo a técnica. Mas, então, por que “inventar” um “novo termo”
para o “mesmo”? Pensamos que a questão não é essa, mas aquela que aponta
como possibilidade a indissociabilidade e a indivisibilidade entre fazer-se humano e
fazer-se técnica, quebrando com uma leitura que percebe, concebe e compreende
as “coisas” do pensar de um lado e as “coisas” do fazer do outro. Para Milton
Santos, por isso, o espaço geográfico não é nem os objetos naturais e artificiais
separados das ações humanas, e nem as ações humanas separadas dos objetos
naturais e artificiais: o espaço geográfico é, enquanto conjunto, a relação de “co-
produção” dialética entre objetos e ações, relação na qual as cnicas assumem,
como parte do fazer humano, papel central.
18
Salientamos, mesmo que brevemente, que sempre ao aludirmos ao “novo” o tomamos como
“síntese” da relação e do movimento dialético entre o “velho” e o “novo”, ou, em termos temporais,
entre passado, presente e futuro.
26
1.2 Espaço e técnica
[...] a técnica é também geografia [...]
a técnica é, também, necessariamente espaço.
(Santos, 1997, p. 39)
Para a compreensão da importância da cnica para a análise espacial, é
importante termos claro o que entendemos por espaço
19
, uma vez que este conceito
é a base do pensamento geográfico atual, por isso, sua definição e seu alcance
precisos devem pautar as reflexões sobre o pensar e o fazer Geografia.
Muitas noções e concepções de espaço foram formuladas desde a
constituição da ciência geográfica moderna (fundamentalmente, no século XIX
20
).
Segundo Corrêa, na Geografia Clássica
21
, Ratzel definiu o espaço sobre dois
aspectos, sendo um deles o “espaço vital”, que:
[...] expressa as necessidades territoriais de uma sociedade em
função de seu desenvolvimento tecnológico, do total de população e
dos recursos naturais. O espaço amplia-se paralelamente com o
desenvolvimento técnico do homem, buscando extensões espaciais,
justificados pelas necessidades da sociedade em alargar suas
fronteiras. Assim, todos os fenômenos, natural e humano, estariam
inter-relacionados ampliando a sociedade sobre o espaço (Corrêa,
2007, p.18)
Também na Geografia Clássica, Hartshorne, segundo Corrêa (2007, p.19),
apresenta a noção de “espaço absoluto”, estabelecendo uma visão única de
fenômenos naturais e sociais. Assim concebido, este espaço receberia as
19
Sobre os conceitos de espaço, território, lugar, região, paisagem e rede, principalmente, aqui não é
nossa preocupação uma análise profunda sobre cada um deles. Mesmo que façamos uso, em maior
medida, do conceito de espaço, por vezes os outros conceitos aparecem, mas menos como conceitos
e mais como termos utilizados cotidianamente, uma vez, também, que suas fronteiras não são tão
precisas, mesmo para a Geografia. Para uma leitura mais apurada sobre tais conceitos, ver Rogério
Haesbaert (2002).
20
‘“A geografia moderna - e, dentro desta, a geografia humana em particular - originou-se no contexto
de afirmação nacional dos Estados europeus, conhecendo grande importância e rápido
desenvolvimento exatamente nos países que vivenciaram dificuldades nesse processo” (Moraes,
2005, p. 107). E decorrência desse aspecto, várias noções de espaço foram desenvolvidas,
intimamente ligadas às aspirações políticas de cada nação, por isso que emergiu uma geografia
"alemã", outra "francesa", a "norte-americana" etc. “Propõe-se, portanto, uma leitura nacional, do
próprio espaço e do mundo. Tal fato explica-se, em muito pelas aplicações prático-políticas do
conhecimento geográfico na divisão de espaços e delimitação de fronteiras” (Moraes, 2005, p. 27 e
28). Ver também Antonio Carlos Robert Morais (2002).
21
Sobre “Geografia Clássica”, ver Manuel Corrêa de Andrade (1992).
27
transformações humanas sem impor nenhuma condição de contradição, ou seja, o
espaço seria o receptáculo da sociedade, apenas o palco da história do “Homem”
social
22
.
Para Kosik (apud Santos, 1978, p. 130), por sua vez, o espaço é pensado
como um fato social que define fenômenos sociais:
[...] um fato histórico, na medida em que o reconhecemos como um
elemento de um conjunto e realiza assim uma dupla função que lhe
assegura, efetivamente, a condições de fato histórico: de um lado,
ele se define pelo conjunto, mas também o define; ele é
simultaneamente produtor e produto; determinante e determinado;
um revelador que permite ser decifrado por aqueles mesmos a quem
revela; e, ao mesmo tempo, em que adquire uma significação
autêntica, atribui um sentido a outras coisas. Segundo essa
concepção o espaço é um fato social e uma instância.
Para Milton Santos (1978, p. 122), o espaço é “um conjunto de relações
realizadas através de funções e de formas que se apresentam como testemunho de
uma história escrita por processos do passado e do presente”. Nesse sentido, o
espaço não se restringe apenas ao palco da sociedade e nem somente ao
fenômeno social. O espaço conjuga os dois aspectos em um mesmo processo, isto
é, o espaço se define como “um conjunto de formas representativas de relações
sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações
sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam
através de processos e funções” (ibid, p. 122).
Nesse sentido,
O espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos
objetos sociais tem tanto domínio sobre o homem, nem está presente
de tal forma no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar, o trabalho,
os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos,
são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e
comandam sua prática social. A práxis, ingrediente fundamental da
transformação da natureza humana, é um dado sócio-econômico,
22
Esta perspectiva repõe, sobretudo, a concepção dominante de espaço (mas também de tempo)
produzida por Kant como parte da construção do “pensamento moderno”, como apontado por
Douglas Santos (2002).
28
mas é também tributária das imposições espaciais (Santos, 1978, p.
137).
Desta forma, ao ser o “conjunto das relações sociais”, o espaço se torna
dinâmico, em constante mutação, um movimento continuado, contínuo e constante,
pois, sendo a sociedade dinâmica, ela está em constante mudança, desde os
valores morais até o ritmo de vida, por exemplo.
É nesse espaço que o “Homem” produz, reproduz e inventa novos objetos
para serem utilizados no cotidiano e no trabalho. Ao fazer isto, ele acrescenta
elementos ao espaço vivido
23
, decorrente de suas ações. Nesse processo, o espaço
“acrescido” é a síntese do espaço anterior mais os novos elementos (novos objetos
e novas ações). Este novo espaço, por sua vez, influenciará outros espaços.
Portanto, de acordo com Santos (1997), o espaço é formado por um conjunto de
sistemas de objetos e sistemas de ações intrinsecamente ligados, onde um
influencia o outro
24
.
Assim, o espaço se constitui de objetos e ações, por isso, não são os objetos,
em si, que “determinam” outros objetos, mas toda relação entre os objetos é
mediada pelas ações. Mais que isso, devemos insistir que os próprios objetos
também são, de alguma forma, ações, pois deles, neles e com eles, os sujeitos
definem e são “definidos” por intencionalidades, aproximações, pertencimentos,
apropriações e estranhamentos. É o espaço, o conjunto todo (ações/objetos e
relações), que “determina os próprios objetos e as próprias ações, como movimento
indissociável junto a pessoas, grupos, classes e instituições:
[...] o espaço visto como um conjunto de objetos organizados
segundo uma lógica e utilizados (acionados) segundo uma gica.
23
Para os objetivos deste trabalho, nossa referência sobre “espaço vivido” é Armand Frémont (1980),
apontando a ideia de região como este “espaço vivido”, como a possibilidade de compreender como o
homem sente, percebe e constrói a realidade, não somente pelas motivações ligadas à
sobrevivência, mas também a partir das suas crenças, aspirações e representações: “O “espaço
vivido”, em toda a sua espessura e complexidade, aparece assim como o revelador das realidades
regionais; estas têm certamente componentes administrativos, históricos, ecológicos, econômicos,
mas também, e mais profundamente, psicológicos. [...] A região, se existe, é um espaço vivido. Vista,
apreendida, sentida, anulada ou rejeitada, modelada pelos homens e projetando neles imagens que
os modelam”.
24
Não tomamos, aqui, “sistema” como algo fechado em si mesmo, mas como movimento que abarca
a complexidade das relações entre o interno e o externo, entre o “de dentro” e o “de fora”.
29
Essa lógica da instalação e utilização das ações se confunde com a
lógica da história, à qual o espaço assegura a continuidade. (...)
[Baseando-se em Rotenstreich, o autor também aponta] que a
própria história se torna um meio (um “enviromen”), e que a síntese
realizada através do espaço não implica uma harmonia
preestabelecida. Cada vez se produz uma nova síntese e se cria
uma nova unidade (Santos, 1997, p. 34, grifo nosso).
Assim, o “ato de produzir é igualmente o ato de produzir espaço” (Santos,
1978, p. 61). Esta produção de objetos é permeada pela técnica, uma vez que ela é
um instrumento de criação e dissipação de objetos. E não é de hoje que isto ocorre,
que desde os primeiros passos da humanidade o “Homem” transforma a natureza
através de suas ações, pois desde “a domesticação de plantas e animais” o
“Homem” está “mudando a Natureza, impondo-lhe leis” (Ibid, p. 61), ou seja, assim
como o “Homem” (ser natural e simultaneamente social) “senti” em sua vivência a
“força” dos outros elementos naturais, o meio ambiente e seus ecossistemas
também “senti” os efeitos da presença humana.
Em decorrência dessa ação humana, a técnica é integrante do meio, sua
presença ou ausência determina as características do território. Logo, as noções de
técnica e de meio são inseparáveis, desde que demos ao termo meio “sua acepção
mais larga, que ultrapassa a noção de entorno natural” (Balandier apud Santos,
1997, p. 34).
Dessa maneira, os “objetos técnicos têm de ser estudados juntamente com o
seu entorno”, conforme propõe Winner (Santos, 1997, p. 34), porque cada objeto
promoverá uma mudança espacial, mas isso não ocorre de forma homogênea em
todos os lugares, que em cada lugar condicionantes únicos, sejam “naturais”
ou “sociais”, decorrentes da heterogeneidade espacial humana.
Por isso, devemos considerar a técnica como um meio; desse modo, será
objeto técnico todo objeto susceptível de funcionar, como meio ou como
resultado, entre os requisitos de uma atividade técnica (Seris apud Santos,
1997, p. 32).
A partir dessas considerações, podemos analisar como os diferentes sistemas
técnicos se formam ou se formaram em determinado lugar. Partindo desse
substrato, pensar como os sistemas técnicos de diferentes idades influenciam as
formas de vida possíveis nesta área e, “consequentemente”, o papel do fenômeno
30
técnico na produção e nas transformações do espaço geográfico.
Discussão que, neste sentido, foi realizado por M. Akhrich (citada e
discutida por Santos 1997, p. 93), que ao analisar as redes sócio-técnicas, criadas a
partir da introdução de objetos técnicos (no caso, a eletricidade em meio
subdesenvolvido), permitiu o seguinte desdobramento:
[...] entender, a partir do fenômeno técnico, a produção e a
transformação de um meio geográfico, assim como, por outro lado,
as condições de organização social e geográfica necessárias à
introdução de uma nova técnica. Ela estava trabalhando sobre a
difusão da rede elétrica na Costa do Marfim e avaliando o seu peso
na produção de uma solidariedade forçada entre os indivíduos.
Segundo essa autora [M. Akhrich] o objeto técnico define ao mesmo
tempo os atores e um espaço (Santos, 1997, p. 33).
É possível compreender que a técnica possui um papel importante na
produção do espaço, tanto na forma material quanto imaterial, pois é
fundamentalmente social e histórica.
Por isso, que insistimos desde o início neste sub-item, como ressaltamos com
Milton Santos (1997, p. 39), que “[...] a técnica é também geografia [...] a cnica é,
também, necessariamente espaço”. A cnica, em seu sentido mais amplo possível
aquele em que pode ser compreendida como o fazer da relação
Sociedade/Natureza , é, assim, o espaço geográfico que se faz como movimento e
dialética de fixos e de fluxos, de objetos e de ações, permeando o existir humano,
“condição imprescindível” para a própria existência do espaço geográfico.
31
1.3 Períodos
Todo e qualquer período se afirma com um elenco
correspondente de técnicas que o caracterizam.
(Santos,1997, p.77)
Se os períodos se afirmam pelas técnicas correspondentes, podemos
entender que em cada momento histórico há uma técnica hegemônica (ou um
conjunto de técnicas hegemônicas) correspondente, porque, à medida em que o
tempo social
25
continuamente muda, a organização do espaço muda igualmente
26
.
Como falamos, o espaço é dinâmico, logo a produção do espaço também é. De
tempos em tempos
27
, o espaço sofre transformações e, “consequentemente”, as
“determinantes”
28
espaciais nas diferentes épocas possuem lógicas diferentes,
correspondentes às características das forças hegemônicas do período. Assim, as
“determinantes” espaciais no século XV, por exemplo, não equivalem integralmente
aos dinamizadores espaciais do século XXI.
Assim, conforme a dinâmica têmporo-espacial das sociedades, os espaços
nos diversos territórios foram transformados. Em cada um desses espaços as
técnicas presentes não foram e não são as mesmas do passado
29
, porque:
25
O tempo social como o espaço como uma produção humana, como apontado por Norbert Elias
(1998).
26
Isto não significa dizer que o espaço está condicionado pelo tempo ou que o tempo está
condicionado pelo espaço, pois tempo e espaço são constructos humanos que “instrumentalizam”
jeitos de fazer e jeitos de pensar. Nesse sentido, é sempre grande o equívoco quando nos propomos
a pensar tempo e espaço como dois elementos separados e não como sínteses em cada momento,
uma vez que tempo e espaço não passam “apenas” de categorias que separam o inseparável. Assim,
a negligência com o tempo pode redundar em análises que dificultam compreender que o espaço é
também a “acumulação desigual [e múltipla] de tempos” (cf. Milton Santos,1978), e que o tempo pode
ser compreendido como o espaço em contínuo movimento, revelando-se como síntese entre
passado, presente e futuro.
27
A expressão “de tempos em tempos” não é fixa ou moldada por recortes temporais previamente
estabelecidos. Como o tempo social é produção humana, e os sujeitos participam por vezes de
“tempos lentos” ou “tempos acelerados”, a expressão “de tempos em tempos” pode se prestar à
análise de tempos extremamente “curtos”, como a passagem de território do comércio” em uma rua
durante o dia para “território da prostituição” na mesma rua durante a noite, ou mesmo à passagem
de “tempos longos” como do mundo feudal ao mundo capitalista.
28
Ao aludirmos à ideia de “determinação” não queremos repor nem determinismos geográficos e nem
determinismos econômicos, mas apenas à noção de que cada momento têmporo-espacial deve ser
compreendido como parte de movimentos que resultam em sínteses, estas nunca fechadas ou
acabadas.
29
Conjuntos de técnicas aparecem em dado momento, mantêm-se como hegemônicos durante um
certo período constituindo a base material da vida da sociedade, até que outro sistema de técnicas
tome o lugar. É essa a lógica de sua existência e de sua evolução (Santos,1997, p.140-141).
32
O trabalho realizado em cada época supõe um conjunto
historicamente determinado de técnicas. [citando Marx] “o que
distingue as épocas econômicas umas das outras, não é o que se
faz, mas como se faz, com que instrumentos de trabalho” [...] Cada
técnica pode, desse modo, ter sua história particular de um ponto de
vista mundial, nacional ou local. Esta seria a história contada a partir
do momento de sua instalação em um determinado ponto do
ecúmeno (Santos, 1997, p. 46-47).
Quando compreendemos que historicamente as técnicas mudam, se
apresentado de forma diferenciada no espaço, podemos analisar as transformações
espaciais em períodos históricos a partir das técnicas. Ou seja, a partir do fenômeno
técnico, podemos analisar o espaço no tempo. Isso é possível porque as técnicas se
materializam no espaço e a cada tempo se apresentam de forma diferenciada, e
assim o tempo é espacializado por meio das técnicas, porque elas são as
materialidades dos processos espaciais na história social:
A técnica nos ajuda a historicizar, isto é, a considerar o espaço como
fenômeno histórico a geografizar, isto é, a produzir uma geografia de
cunho como ciência histórica. [...] Assim empiricizamos o tempo,
tornando-o material, e desse modo o assimilamos ao espaço, que
não existe sem a materialidade. A técnica entra aqui como um traço
de união, historicamente e epistemologicamente. As técnicas, de um
lado, dão-nos a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro
lado, a possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade
sobre a qual as sociedades humanas trabalham. Então, essa
empiricização pode ser base de uma sistematização, solidária com
as características de cada época. Ao longo da história, as técnicas se
dão como sistemas, diferentemente caracterizadas (Santos, 1997,
p.40 e 44).
Partindo de tais pressupostos, Milton Santos (1992) organizou a periodização
da história da Sociedade capitalista conforme as evoluções técnicas, em que cada
importante modernização espacial delimitaria um período. Assim, a partir dos
sistemas de engenharia, de transportes, de trabalho e, por “consequência”, das
trocas mundiais, Santos (1992) apresenta uma subdivisão da história social do
“Homem” e da técnica, partindo do “período do comércio” ao período tecnológico
atual, caracterizado pelo meio técnico-científico-informacional. Esta periodização é
subdivida por cinco períodos, desde meados do século XV até os dias de hoje:
33
1. o período do comércio em grande escala (a partir dos fins do século XV até mais
ou mesmos 1620);
2. o período manufatureiro (1620-1750);
3. o período da revolução industrial (1750-1870);
4. o período industrial (1870-1945);
5. o período tecnológico (1945 até a atualidade).
A cada período destacado corresponde um tipo de inovação técnica, que o
faz diferenciar-se do anterior. As modernizações
30
são responsáveis diretas pelo
subseqüente movimento, principalmente nos meios de produção e reprodução da
sociedade, trazendo profundas modificações em todas as instâncias. Por este
motivo, cada período é caracterizado por valores, interesses, modernizações e,
“consequentemente”, espaços e sociedades diferentes.
Essa periodização apresentada por Santos (1992) não é a única proposta de
classificação histórica relacionada à evolução das técnicas. O próprio Milton Santos
aponta um número importante de cientistas que também se debruçaram sobre esta
questão, como, por exemplo, Fu-Chen Lo (apud Santos, 1997b), que propõe a
distinção entre cinco períodos marcantes na história das técnicas modernas (ver
quadro 01): o de mecanização incipiente (1770 a 1840), o da máquina a vapor e
estrada de ferro (1830 a 1890), o da energia elétrica e engenharia pesada (1880 a
1940), o da produção fordista em massa (1930-1990) e o da comunicação (iniciado
em 1980).
30
Ressaltamos que a ideia de “modernização” ou de “moderno” é tomada com cautela, pois sabemos
das implicações político-ideológicas que os termos expressam.
34
Quadro 01 Os períodos tecnológicos a partir de Fu-Chen Lo
Paradigma
Técnico-
econômico
Primeira
mecanização
(1770
-
1840)
Máquina a
vapor e
Estrada de
Ferro (1830-
1890)
Eletricidade
e
Engenharia
Pesada
(1880
-
1940)
Produção
Fordista em
massa (1930-
1990)
Informação e
Comunicação
(1980
-?)
Setores de
Crescimento
-máquinas
têxteis
-química
-fundição
-máquina a
vapor
-estrada de
ferro e seus
equipamentos
-máquinas
-instrumentos
-engenharia
elétrica
-engenharia
mecânica
-cabos e fios
-produtos
siderúrgicos
-automóveis
-aviões
-petroquímica
-computadores
-bens eletrônicos
de capital
-telecomunicações
-novos materiais
-robótica e
biotecnologia
Inovações
-máquina a
vapor
-aço
-eletricidade
-gás
-colorantes
artificiais
-automóvel
-avião
-rádio
-alumí
nio
-petróleo
-plásticos
-computadores
-televisão
-radar
-máquinas
-
instrumentos
-drogas
- telemática*
-redes*
-internet*
Fonte: Milton Santos (1997, p. 174).
Com modificações e acréscimos* nossos.
Independentemente das diversas periodizações existentes, é importante
considerar que os conjuntos de técnicas surgem e se estabelecem como
hegemônicos por um período e, por “consequência”, tornam-se a base material da
vida em sociedade, até que um sistema técnico seja substituído por outro,
respondendo às exigências do sistema econômico hegemônico em sua produção.
Essas “substituições sucessivas”
31
se dão com maior velocidade
32
nos dias de hoje,
para atender com maior rapidez o paradigma da competição.
Nos limites deste trabalho, estaremos trabalhando com mais afinco o período
mais recente, iniciado após a Segunda Guerra Mundial e que se estende até o
31
Ressaltamos que, evidentemente, as “substituições sucessivas” não significam a completa
obsoletização e destruição de todas as técnicas precedentes até então existentes, mas sim que elas
continuam, mais ou menos, participando de uma nova síntese em que o “velhopersiste no “novo”,
mesmo que apenas em condição de complementaridade e não mais como hegemonia. Santos [1988]
ressalta como um dos pares dialéticos centrais para a compreensão das “metamorfoses do espaço
habitado” é o duo velho/novo; os outros dois pares que aponta são o Estado/mercado e o
interno/externo). Sobre a mesma questão, também Milton Santos (1997) tem discutido o conceito de
“rugosidades”, como tudo o que fica do passado como “forma”.
32
À ideia de aceleração do tempo, proposta principalmente por historiadores, acrescentamos a de
aceleração do espaço, uma vez que a produção e reprodução socioespacial, no capitalismo, tem
como pressuposto a própria aceleração da produção e da reprodução da “vida” e das “coisas”.
35
presente, fase esta que Santos chama de “período tecnológico” ou “meio técnico-
científico-informacional”.
Essa etapa da evolução das técnicas, historicamente, inicia-se com a
tendência de construção e remodelação das relações entre os espaços nacionais no
pós-guerra (1945), que gerou a necessidade de equipar os territórios mediante os
recursos modernos, no intuito de promover integração entre eles. Simultaneamente,
"as sementes da dominação" (Santos & Silveira, p. 47, 2001), pelas firmas
multinacionais, são lançadas em escala mundial, proporcionando a expansão da
ideologia de Racionalidade e Modernização, que então ultrapassa o setor industrial
para atingir o setor público, as comunicações, a mídia, o ensino, a
profissionalização, o trabalho etc. Este processo, aliado à inserção de novas
tecnologias e o desenvolvimento de novos mecanismos de informação, promovem a
chamada "Revolução Tecnológica"
33
, que tem início no final da década de 1970 e se
fortalece nos anos 1980 e 1990.
Nesse processo:
[...] o território ganha novos conteúdos e impõe novos
comportamentos, graças às enormes possibilidades da produção e,
sobretudo, da circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das
ideias e informações, das ordens e dos homens. É a irradiação do
meio técnico-científico-informacional que se instala sobre o território
[...] Resultado de um trabalho permanente e, sobretudo, da
progressiva incorporação de capitais fixos e constantes, com ênfase
em certos pontos, o território brasileiro metamorfoseia-se em meio
técnico-científico-informacional. Esta é a cara geográfica da
globalização (Santos & Silveira, 2001, p.53 e p.101).
Percebe-se que na lógica do capital e do poder hegemônico da economia
internacional, o Brasil segue um movimento dinâmico que promove, pelo motor da
tecnologia e da informação, subsidiada pela ciência, uma nova forma de produção
do espaço, em que a velocidade e a instantaneidade da comunicação
complementam o ritmo de produção, construindo novos fluxos e redes, incorporando
novos produtos e, “consequentemente”, novas formas de consumo
34
que geram
33
Segundo Sergio A. da Silveira (2001) a nova revolução tecnológica tem recebido muitas
denominações: Castells a chamou Revolução das Novas Tecnologias de Informação, Negroponte
preferiu denomina-a Revolução Digital, Jean Lojkine nomeou-a Revolução Infomacional e Jeremy
Rifkin apontou como Era do Acesso, entre tantas outras classificações.
34
Para muitos pensadores contemporâneos, viveríamos hoje muito mais uma “Sociedade de
36
novos hábitos, que são adquiridos por “opção” individual mas, fundamentalmente,
por “determinação” do paradigma dominante.
O estudo destes processos é fundamental para o entendimento da realidade,
dos fenômenos inerentes ao cotidiano das pessoas, no qual a cadeia de
interligações do capital promove como resultado a interferência na vida de cada
pessoa de forma mais acentuada ou de forma mais branda, até sobre a “população
comum”
35
que nunca imaginou o funcionamento dos fluxos de capitais ou de
mercadorias, que ocorrem simultaneamente enquanto vivencia mais um dia de
trabalho ou um momento de convívio com a família.
Todavia, para compreendermos estes processos primeiramente analisaremos
a constituição dos diferentes meios geográficos a partir dos diferentes períodos de
assimilação das técnicas, porque ao mesmo tempo em que se sucedeu cada um
destes momentos também ocorreu a produção de diferentes meios geográficos, e
são justamente os meios geográficos a chave para analisarmos a influência das
técnicas na vida das pessoas.
1.4 Os meios geográficos
Segundo Milton Santos (1997, p. 186), a história dos meios geográficos pode
ser dividida em três etapas: o meio natural, o meio técnico e o meio técnico-científico
informacional.
1.4.1 O meio natural
O meio natural corresponde ao momento em que o “Homem” era
condicionado ao ritmo da natureza e os poucos objetos técnicos existentes eram
prolongamentos do corpo humano:
consumo” que um “Sociedade de produção” (ver Zygmunt Bauman, 2005).
35
Ao usarmos a expressão “população comum” temos clara a advertência de Eric Hobsbawm (1999),
para quem a história de qualquer pessoa, quando “revivida”, torna-se extraordinária.
37
Os meios naturais são, desde as origens da pré-história e por
definição, meios relativamente técnicos: Homo faber. A partir do
Paleolítico superior, os trabalhos do homem para defender-se,
alimentar-se, alojar-se, vestir-se, decorar seus abrigos ou seus
lugares de culto implicam técnicas complexas. Inversamente, não
conhecemos, mesmo nos centros mais urbanizados, meio técnico
'puro', do qual esteja excluída qualquer ação de elementos naturais
(se bem que em última instância isto se possa conceber) (Friedmann
apud Santos, 1997, p.1188).
Nesse sentido, as diversas relações sociais estabelecidas para suprir as
necessidades humanas básicas, como alimentação, por exemplo, podem ser
consideradas sistemas técnicos de manutenção da vida. Exemplo, nesse sentido, é
o pousio dos campos e a rotação de culturas
36
. “Esses sistemas técnicos sem
objetos técnicos, não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em
relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstituir” (Santos, 1997,
p.188).
No Brasil, podemos falar em meio natural de forma relativa, pois enquanto em
regiões do litoral a partir de 1500 começavam a sofrer alterações profundas no
espaço pré-existente à colonização, em outras áreas da região
37
Norte e Centro-
Oeste, durante anos subsequentes, não registraram presença humana além das
comunidades indígenas que habitavam esses lugares. Porém, se estabelecermos
como referência as áreas litorâneas, que foram as primeiras a sofrerem a ação de
meios técnicos “estranhos” e “estrangeiros”, podemos dizer que o meio natural
ocorreu um durante período anterior à chegada do europeu e poucos anos depois de
sua presença, mas não podemos distinguir os limites exatos do fim deste meio, uma
vez que em cada espaço a materialização das técnicas se configurou de uma forma
diferente.
36
Rotação de culturas é uma técnica agrícola de conservação que visa diminuir a exaustão do solo.
Isto é feito trocando as culturas a cada novo plantio de forma que as necessidades de adubação
sejam diferentes a cada ciclo. Consiste em alternar espécies vegetais, numa mesma área agrícola. Já
o sistema de pousio consiste em deixar parte as terras descansarem durante um tempo, para que
estas recuperem os nutrientes.
37
Existem vários conceitos de região, todos designam a forma e como os espaços são agrupados
para análise, entre eles, apontado por Amorin (2007, p. 17), a região concebida é como sendo
recortes onde a manifestação do poder político encontra espaços para territorializar-se, o que
promove um ordenamento do território usado, à medida que estes recortes acabam por ser espaços
de implantação de projetos baseados em políticas públicas na área da saúde, da geração de
emprego e renda com base no turismo, ou mesmo na gestão dos recursos hídricos”.
38
Assim, enquanto em alguns lugares havia áreas de floresta onde a vida era
representada por formas vegetais e animais não-racionais, em outros “caçadores-
coletores e, depois, grupos que se alimentavam unicamente de ostras, sem
desenvolver objetos e sem deixar outro vestígio além dos sambaquis” (Dean apud
Santos & Silveira 2001, p. 29), sobreviviam tranquilamente sem sofisticados objetos
técnicos, pois os “diversos instrumentos de trabalho
38
e formas de fazer, lentamente
elaborados” para domesticação de animais, e posteriormente para a prática da
agricultura, não significavam “a implantação de prótese nos lugares, mas a
imposição à natureza de um primeiro esboço de presença técnica, pois ritmos e
regras humanas buscavam sobrepor-se as leis naturas” (Santos & Silveira 2001, p.
29). Todavia, era a natureza que comandava a vida humana: “Era um período de
acomodação e morosidade na relação com o meio, pois permitia-se que a floresta
voltasse a crescer durante décadas, antes de o plantio recomeçar num mesmo
lugar” (ibidem, p.29).
Esse era um “tempo lento”, para Santos & Silveira (2001, p. 30), pois era
regido pelo tempo da natureza e não pelo tempo do capital ou da quina. Ali, em
que o próprio tempo era vivido como coexistência “mito-natureza-realidade”, o
“Homem” não “se distanciava”, como hoje, das condições de uma natureza que era
ela mesma o viver humano, portanto, o “Homem” se via como integrante do
ecossistema, não havia um pensamento economicista para distanciar os sujeitos da
natureza, o que leva a exploração exaustiva dos elementos naturais visando a
acumulação capitalista.
1.4.2 O meio técnico
Em um segundo momento se constituiu o meio técnico (ou os meios
técnicos), que se caracteriza pela materialização de objetos técnicos no espaço,
formando territórios técnicos caracterizados pela presença considerável de
38
Grupos étnicos diferentes, num desenvolvimento endógeno, criaram objetos dotados e eventual
semelhança com técnicas de outros povos. Tratava-se talvez daquilo que André Leroi-Gourhan
(1945) chamou de universalidade das técnicas, nascidas espontaneamente em lugares diferentes, e
não de difusão técnica a contatos lei da imitação de Gabriel Tarde (1921) , pois a maior parte das
tribos vivia isolada (Santos & Silveira 2001, p.29)
39
máquinas instrumentos artificiais direcionados à produção material da sociedade
moderna , constituindo-se na “emergência do espaço mecanizado”, pois os “objetos
que formam o meio não são, apenas, objetos culturais; eles são culturais e técnicos,
ao mesmo tempo” (Santos, 1997, p.188-189). Assim, os espaços passam a ser
compostos por objetos naturais e artificiais, em que estes últimos são determinantes
na configuração espacial no sistema capitalista, uma vez que as “áreas, os espaços,
as regiões, os países passam a se distinguir em função da extensão e da densidade
da substituição, neles, dos objetos naturais e dos objetos culturais, por objetos
técnicos”
39
(ibidem, p.189).
Os objetos técnicos, ao se instalarem no território, em especial nas últimas
décadas, influenciaram as formas de trabalho no campo, nas indústrias, comércios,
bancos e demais setores da economia, além de influenciarem a sociedade,
principalmente pela produção em massa e seus esquemas de publicidade e
convencimento ao consumo. Todavia, não foram em todos os espaços que estes
objetos se instalaram, pois nos “países pobres”
40
a técnica não se materializou com
a mesma densidade que nos países da Europa Ocidental, por exemplo.
É no período técnico que surge e se consolida a sociedade moderna, que sob
a influência do Iluminismo e do Positivismo instaura um mundo concebido pela
lógica racional, por meio da redução dos fenômenos a um conteúdo físico e
fragmentado, por meio de objetos e métodos específicos (relacionados às ciências
naturais como a física, inclusive quando se trata de analisar a sociedade) e
utilizando a linguagem matemática como padrão de análise. A fonte dessa estrutura
é “a concepção do conhecimento científico como um processo que se indo do
mais simples e geral ao mais complexo e específico” (Moreira, 2006, p.27), na qual o
entendimento da totalidade “acontecerá” a partir da junção dos fragmentos. Mas isto,
na prática, não parece ocorrer como a concepção racional-positivista “determina”,
pois, por exemplo, o processo que instaura um “mundo” a partir de uma grande
subdivisão do conhecimento, permitindo um rol de especialidades, não é capaz de
39
“A mecanização do espaço técnico é muito mais recente do que a 'mecanização da imagem do
mundo', retomando o livro de Dijksterhuis. Ela somente se impôs ao longo dos dois últimos séculos,
dos quais ela constitui o traço dominante, nos países ocidentais e no Japão. Ela se tornou um
fenômeno planetário. Ela se metamorfoseia de 'geração' em 'geração'. Ela povoa o imaginário
coletivo: a ciência-ficção somente imagina o futuro como sendo invadido e saturado por máquinas, às
vezes dominado e às vezes aniquilado por elas” (Séris apud Santos, 1997, p. 189).
40
Rigorosamente, seguimos o entendimento de que não existem países pobres” e nem “países
ricos”, mas um conjunto de relações de classe, temporais e espaciais, que definem qualidades”
diferentes e desiguais de existência.
40
estabelecer a fragmentação do próprio mundo ou do movimento do real de forma
absoluta, pois o mundo, o nosso mundo, se funda, inevitavelmente, sobre uma
totalidade.
É nesse momento o da dominância de um modo de fazer e de pensar que
o racional, como forma laicizada de ver o mundo, se torna a verdade hegemônica e
a técnica se constitui na forma material do mundo moderno-capitalista.
Assim, à medida que o racional substituiu o mítico, o religioso e o
sobrenatural no entendimento das coisas, a ciência, paradoxalmente, também passa
a ser o mito, a explicação para os fenômenos que norteiam a vida. Cristóvão
Buarque (apud Hissa, 2002, p. 52) é elucidativo na análise deste processo:
Cada pequeno avanço da ciência correspondeu a um recuo no
conjunto mítico dos valores éticos utilizados para explicar o mundo.
A ciência evoluiu em um processo de desencantamento,
correspondente nas explicações. Através dos modelos racionais a
explicação das coisas foi sendo liberada da dependência que a
vinculava às crenças que o pensamento tinha. O pensamento
científico permitiu às ideias fugirem da ética que norteava as
explicações prevalecentes, onde deuses bons e deuses maus
provocavam o nascer e o pôr-do-sol, eclipses e terremotos, a
criação e o funcionamento do mundo.
Essa construção permitiu a formação da ideia de Modernidade, a posteriori,
em contrariedade ao mítico que passa a representar o primitivo o que, para o
racionalismo, procura significado do mundo nas coisas naturais e culturais, e não na
racionalidade. O moderno, em contraponto, é representado pela razão, pelo método
(objeto, fragmentação, neutralidade científica...), pela lógica matemática,
cientificidade, técnicas de produção fabril, do conhecimento e, “consequentemente”,
do espaço, manifestando-se por meio de um discurso “rigoroso, anti-literário, sem
imagens, nem metáforas, analogias ou outras figuras de retórica” (Santos apud
Hissa, 2002).
Essas transformações se espraiaram por “todo o planeta”, como “modelo
ocidental”
41
de sociedade. Esta proliferação foi possível devido ao desenvolvimento
das técnicas, principalmente de comunicações e transportes, o que permitiu que as
41
O próprio “Ocidente” como invenção na medida em que inventou seu “Outro”, o “Oriente” (cf. Said,
2007).
41
ideias e valores hegemônicos fossem disseminados, introduzindo a concepção de
uma unidade e de uma comunicação global.
Simultaneamente, uma nova temporalidade foi desencadeada pelos ritmos de
produção não mais assentados sobre um “tempo natural”, mas de movimentos
calcados sobre a “necessidade”, “ansiedade”, “determinação” da lógica capitalista,
que se produz e se reproduz sobre um princípio, uma prática, uma ética (cf. Weber,
2002) e uma estética da acumulação ampliada, fazendo com que o tempo da
produção seja acelerado em cada novo “ciclo”. Como símbolo importante deste
processo, o relógio mecânico foi adaptando o “Homem” ao tempo da nova
produtividade, que exigia controles mais precisos para alcançar uma maior
eficiência. A vida humana passa a ser regida pela máquina, com “o relógio” ditando o
tom das ações humanas.
No Brasil, como território de expansão do fazer e do pensar europeus, o meio
técnico pode ser reconhecido de modo embrionário a partir de um arquipélago de
pontos dispersos no território, onde em cada ponto desenvolvem-se atividades
econômicas rentáveis, como a agricultura e a pecuária. Nesses lugares se instalam
os serviços públicos de fiscalização da economia, que promovem a formação das
primeiras aglomerações urbanas, em que:
A máquina de Estado servia para preservar e ampliar as fronteiras,
manter o regime e a ordem, assegurar a coleta de impostos e, com a
ajuda da igreja, unificar a língua. A unidade política e linguística se
dava ao mesmo tempo em que as diversas regiões, produzindo para
o mercado externo, a este ligavam praticamente sem intermediário,
de modo que sua evolução espacial e econômica era ditada por
relações quase diretas. Daí a imagem de um vasto arquipélago
formado, na verdade, por conjunto de “penínsulas” da Europa
(Santos & Silveira 2001, p.32).
Essa face fragmentada de áreas econômicas dispersas, que praticamente
não se relacionam entre si, começou a ser alterada no segundo momento de
constituição do meio técnico, durante o momento de transição “entre o período
anterior, herança da época colonial p-mecânica, e a verdadeira integração
nacional” (Santos & Silveira 2001, p.36), uma vez que, à medida que são inseridos
os meios de circulação da produção industrial (rodovias, portos, aeroportos,
42
ferrovias...), um novo desenho se configura no mapa econômico do Brasil, pois o
modo de produção industrial passa a exigir um inter-relacionamento dos pontos
dispersos, para que haja fluxos de matérias-primas e de mercadorias necessárias
para a consolidação do capital industrial, primeiro, e monopolista, depois.
Essa interligação iniciou-se por meio de um aparelho de “sistemas de
engenharia” constituído principalmente por ferrovias e portos, que promoveram
profundas transformações no circuito urbano das cidades existentes, promovendo o
surgimento dos primeiros espaços de comando regional, rompendo, assim, com “a
regência do “natural” para ceder lugar a um novo mosaico: um tempo lento para
dentro do território que se associava com um tempo rápido para fora. Este se
encarnava nos portos, nas ferrovias, no telégrafo e na produção mecanizada”
(Santos & Silveira 2001, p.37).
Todavia:
É somente num terceiro momento que esses pontos e manchas são
ligados pelas extensões das ferrovias e pela implantação de rodovias
nacionais, criando-se bases para uma integração do mercado e do
território. Essa integração revela a heterogeneidade do espaço
nacional e de certo modo a agrava, já que as disparidades regionais
tendem, assim, a se tornar estruturais (Santos & Silveira, 2001, p.31).
É nesse momento que se constitui a “região concentrada” (Santos &
Silveira, 2001) do país, em que o Sudeste e o Sul formam, em uma faixa no mapa, a
concentração da maior porção de estabelecimentos industriais, comerciais e de
serviços do Brasil, constituindo-se como o princípio da formação de uma força
econômica que influenciará politicamente a constituição de poderes hegemônicos na
sociedade brasileira.
1.4.3 O meio técnico-científico-informacional
O terceiro meio geográfico apontado por Santos (1997) se com o Período
Tecnológico, o novo movimento do capitalismo determinado pela insolúvel
associação entre produção, ciência e informação, nas últimas décadas (a partir de
43
1945, fundamentalmente). Este é o período da grande indústria transnacional, das
grandes corporações, dos blocos hegemônicos, da internacionalização e
interdependência radical dos mercados e, ideologicamente, do enfraquecimento
(como estratégia e discurso neoliberal) dos Estados-nações; ou, simplesmente, a era
da “globalização”.
Como apontado por Milton Santos:
Agora, os atores hegemônicos, armados com uma informação
adequada, servem-se de todas as redes e se utilizam de todos os
territórios. Eles preferem o espaço reticular, mas sua influência
alcança também os espaços banais mais escondidos. Eis por que os
territórios nacionais se transformam num espaço nacional da
economia internacional e os sistemas de engenharia mais
modernos, criados em cada país, são mais bem utilizados por firmas
transnacionais que pela própria sociedade nacional. Em tais
condições, a noção de territorialidade é posta em xeque e não falta
quem fale em desterritorialização [reporta-se a Ianni e a Margolin]
atribuindo-lhe alguns significados extremos, como o da supressão do
espaço pelo tempo [reporta-se a Virilio] ou o da emergência do que
chamam "não-lugar" [reporta-se a Auge] (Santos 1997, p.194, grifo
nosso).
Nessa lógica, o movimento da sociedade baseia-se na combinação entre a
tecnologia digital, política neoliberal e mercados globais, permeados pela
competitividade, por vezes, e outras, majoritariamente, por monopólios, marcando
duas lógicas na constituição dos espaços: a racionalidade e a artificialidade. Nesse
processo, a “evolução” e movimentação permanente das técnicas e suas qualidades
sistêmicas caracterizam-se cada vez mais pela aliança cnica/ciência, pela relação
ciência/produção e pela importância relevada da informação, configurando o meio
técnico-científico-informacional (cf. Santos, 1997).
Assim observou Milton Santos:
Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo
técnicos e informacionais, que, graças à extrema intencionalidade
de sua produção e de sua localização, eles surgem como
informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento
é também a informação (Santos, 1997, p. 1990).
44
Esse é o momento em que a cnica não está mais “sozinha”, aliás, ela se
funde à ciência e à informação na produção do meio. Agora, os objetos técnicos são
técnico-científicos, técnico-informacionais ou cnico-científico-informacionais,
porque a ciência e a informação assumiram um papel basilar diante do meio técnico,
em que a “informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são,
desse modo, equipados para facilitar a sua circulação”, e os progressos da ciência
permitiram a produção de uma técnica cada vez mais funcional e especializada, em
que “Esses objetos concretos tendem a alcançar uma especialização máxima a
obter uma intencionalidade extrema” (Santos, 1997, p. 1991, 33).
Sobre a relação entre cnica, ciência e informação, Milton Santos (1997, p.
190-191) é incisivo:
Essa união entre técnica e ciência vai dar-se sob a égide do
mercado. E o mercado, graças exatamente à ciência e à técnica,
torna-se um mercado global. A ideia de ciência, a ideia de tecnologia
e a ideia de mercado global devem ser encaradas conjuntamente e
desse modo podem oferecer uma nova interpretação à questão
ecológica, que as mudanças que ocorrem na natureza também se
subordinam a essa lógica [...] Por outro lado, a informação não
apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam
o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas
coisas. A informação é o vetor fundamental do processo social e os
territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua circulação.
Pode-se falar [o autor reporta-se a Gertel], de inevitabilidade do
"nexo informacional".
Dessa forma, a dinâmica da ciência, da técnica e da tecnologia, e da
informação representa um novo movimento, com contrastes locais e globais,
influenciando o meio, o cotidiano, o mundo do trabalho, as relações econômicas, a
política, a cultura, as singularidades de cada pessoa, grupo social, instituições,
empresas, esferas do poder público, meio acadêmico, enfim, os aspectos do
viver/relacionar em sociedade no modo produção capitalista.
Até então, os pontos centrais do capitalismo estavam consolidados pelo meio
técnico, principalmente nas cidades. Agora, graças ao desenvolvimento das técnicas
por meio da ciência e a sua difusão por meio da informação, podemos afirmar que
“todo o mundo” está permeado pelo fenômeno técnico, inclusive o campo, que
durante muito tempo foi representado como espaço “marginal” ao lócus privilegiado
45
do capitalismo a cidade , uma vez que hoje objetos cnicos como plantadeiras,
colheitadeiras e sistemas técnicos de produção, como inseminação artificial e
softwares específicos para o monitoramento da “saúde” do gado, são uma realidade
cada mais comum em propriedades “rurais” ligadas ao agronegócio.
Cada vez mais os territórios se tornam especializados, pois, sob a égide da
“globalização” e das redes informacionais, a materialização do meio técnico-
científico-informacional no capitalismo exige que os territórios assumam uma função
no cenário do espaço global, para que possam se integrar no circuito mundial,
podendo variar conforme as possibilidades técnicas e a especificação de cada
espaço. Ou seja:
As possibilidades, técnicas e organizacionais, de transferir à
distância produtos e ordens, faz com que essas especializações
produtivas sejam solidárias no nível mundial. Alguns lugares tendem
a tornar-se especializados, no campo como na cidade, e essa
especialização se deve mais às condições técnicas e sociais que aos
recursos naturais. A nova fruticultura no vale médio do rio Negro
provoca o que se chamou de big-bang de inversões em Chimpay, na
Patagônia norte argentina (Correa et al, apud Santos, 1997, p. 192 ).
Todavia, o meio cnico-científico-informacional, apesar de estar presente em
“toda a parte”, suas dimensões variam de acordo com continentes, países, regiões,
superfícies contínuas, zonas mais ou menos vastas ou simples pontos. Por isso,
territórios com mais e outros com menos aspectos que caracterizam a dinâmica do
período tecnológico:
Apesar da rápida difusão de toda e qualquer espécie de dados a
qualquer lugar do globo, existem, ainda assim, defasagens segundo
a receptividade de cada lugar. Na escala do planeta não existe uma
distribuição completamente uniforme das novas variáveis
tecnológicas e econômicas, gerando assim desigualdades de acordo
com as localizações. Logo existem localidades mais ou menos
atrativas às inovações tecnológicas, definindo assim seu grau de
“comando” ou “dependência” de outros lugares mais desenvolvidos
(Firmino, 2000 p. 32).
46
As particularidades do movimento de inserção da tecnologia e da informação
na economia e nas relações sociais, a partir da esfera local, como “consequência”
do global, é um fator importante, pois a “globalização”, grande “responsável” por esta
inserção, se manifesta de forma diferente nos territórios. Neste sentido, Santos &
Silveira (2001) afirmam que "áreas de “globalização” absoluta" que participam
diretamente dos fluxos financeiros e informacionais e que possuem a logística e a
circulação integradas com os atores globais nacionais e/ou internacionais; e “áreas
de “globalização” relativa” que compreendem as áreas que não estão integradas
diretamente nessa ótica, ou que participam de forma incipiente.
Relacionando esta questão com o espaço cidade, Sassen (apud Pires, 2007,
s/p.) afirma que em algumas cidades a economia da “globalização” consolida
processos de estruturação de mercados financeiros globais e investimentos
estrangeiros diretos, criando assim espaços de intersecção do global com o local.
Este aspecto também pode ocorrer no campo, onde algumas propriedades
estabelecem o controle da produção seguindo padrões internacionais,
estabelecendo o cultivo ou a criação de gado voltado para exportação. Porém, em
outros espaços, contudo, tal estruturação é incompleta ou mesmo inexistente.
Desse modo, os processos globais afetam a estrutura social local das
cidades, alterando a organização do trabalho, a distribuição dos ganhos, a estrutura
de consumo, criando novos padrões de desigualdade social urbana, mas também
rural.
Ao contrário do que se poderia imaginar com o processo de “globalização”, o
espaço local não perdeu sua importância com o desenvolvimento das
telecomunicações e da indústria de informação, uma vez que na dispersão das
atividades econômicas, na “globalização”, as cidades adquiriram novas formas de
composição do capital e de centralização territorial, associadas aos novos arranjos
de gerenciamento e comando operacional dessas atividades em escala planetária
(Pires, 2001, p. 158).
Assim, o espaço reflete a dinâmica da nova ordem de circulação dos capitais,
das informações e mercadorias, que produz um novo cenário para o global. Ou
seja:
47
O mundo de hoje é o cenário do chamado "tempo real", porque a
informação se pode transmitir instantaneamente. Desse modo, as
ações se concretizam não apenas no lugar escolhido, mas também
na hora adequada, conferindo maior eficácia, maior produtividade e
maior rentabilidade aos propósitos daqueles que as controlam [...]
Todos esses novos instrumentos de trabalho colonizam o território
de forma seletiva, de tal modo que os pedaços de maior densidade
técnica acabam por oferecer mais possibilidades do que os menos
dotados desses recursos técnicos de conhecimento. Essa crescente
instrumentalização do território agrava as disparidades entre quem
pode conhecer o território e quem é menos favorecido para fazê-lo.
Por isso e paralelamente criam-se áreas mais informadas e menos
informadas (Santos & Silveira, 2001, p. 98-99, grifo nosso).
Essa participação desigual dos territórios de forma diferenciada no
capitalismo contemporâneo é classificada por Milton Santos e Maria Laura Silveira
(2001) em “espaços luminosos” e “opacos”, espaços da rapidez e da lentidão” e
“espaços que mandam” e “espaços que obedecem”.
“Espaços luminosos” são aqueles que possuem maior densidade técnica e
informacional e atraem atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e
organização, enquanto “espaços opacos” o áreas que não “brilham e não
“iluminam” por meio de objetos técnicos o território, são as áreas que não possuem
uma infra-estrutura que atraia capitais que exijam muita tecnologia e organização
(Santos & Silveira, 2001, p. 264).
Geralmente, quando possuem uma estrutura de circulação material e imaterial
que permita a fluidez veloz do capital, os “espaços luminosos” também se tornam
“espaços da rapidez”, que são,
[...] do ponto de vista material, os dotados de maior número de vias
(e de vias com boa qualidade), de mais vculos privados (e de
veículos mais modernos e mais velozes), de mais transportes
públicos (com horários mais frequentes, convenientes e precisos e
também mais baratos). Do ponto de vista social, os espaços da
rapidez serão aqueles onde é maior a vida de relações, fruto da sua
atividade econômica ou sócio-cultural, ou então zonas de passagem,
respondendo a necessidades de uma circulação mais longínqua
(Santos & Silveira, 2001).
48
os “espaços da lentidão” não possuem a fluidez supracitada e são mais
comuns que os primeiros, pois são as áreas, do ponto de vista material, que
possuem vias de circulação mais lentas e de qualidade inferior. E do ponto de vista
social, são os lugares onde as relações decorrentes de atividades econômicas ou
sócio-culturais são mais restritas.
Diante dessa lógica, há espaços com maior presença no capitalismo moderno
(“globalizante”) do que outros, promovendo uma dinâmica territorial com a
dependência de um espaço para outro. Isto é, os espaços que não possuem um
aparato cnico, econômico, científico e informacional concatenado com a lógica
atual capitalista, procuram se inserir nesse meio através de outros espaços que
estão concatenados com o meio técnico-científico-informacional e que, de acordo
com Santos & Silveira (2001, p. 262-264), são “espaços luminosos” e da “rapidez”.
Assim, esses espaços acabam exercendo um papel de comando em relação
aos outros, em decorrência do acúmulo de funções diretoras que possuem em
relação aos demais. Portanto, é possível falar que “espaços que mandam” e
“espaços que obedecem” (Santos & Silveira 2001, p. 264).
Todos esses elementos constituem o novo meio geográfico do período
tecnológico: o meio técnico-científico-informacional, que, em síntese, pode ser
entendido como sendo o espaço geográfico materializado pela associação entre a
técnica, a ciência e a informação a serviço das forças e redes hegemônicas da
produção capitalista. É o meio equipado para servir com precisão e dinamismo ao
modo de produção em sua fase contemporânea e, como “consequência” desse
processo, influenciando o modo de vida em sociedade, fortalecendo uma dada
racionalidade e impondo a rapidez dos fluxos comerciais e informacionais ao
cotidiano.
No Brasil, a produção de um meio técnico-científico-informacional inicia-se na
década de 1970, a partir de iniciativas Estatais, quando o modelo de industrialização
tardia e dependente do capital externo começa se estagnar, uma vez que:
A dependência, que se tornou crescentemente interna à economia
brasileira, se manifestava agora pelo crescimento das remessas de
lucros e royalties, pagamento dos empréstimos externos etc., não
dando margem à apropriação interna do excedente econômico
(Mamigoniam apud Santos & Silveira, 2001, p. 48).
49
Este quadro começará a ser amenizado à medida que o governo federal
começa a realizar investimentos para promoção de uma nova dinâmica às
exportações e garantir “mais proteção ao grande capital, menor retribuição ao
trabalho, ao preço de uma política social ainda menos generosa e, necessariamente,
de uma ordem ainda maior no campo político-social” (Santos & Silveira 2001, p.48).
É nesse momento que, dentre outros aspectos, são implantados os complexos
industrias em diversas regiões do país, como:
O Complexo Petroquímico de Camaçari na Bahia, o Complexo
Siderúrgico de Itaqui no Maranhão, o Projeto Carajás, a indústria de
derivados de cloro em Alagoas, complexo eletrometalúrgico de
Tucuruí. Paralelamente, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool)
muda a geografia do interior paulista a partir de 1975, com o ingresso
maciço da cultura cana-de-açúcar (Santos & Silveira 2001, p.49).
Simultaneamente, ocorre a ampliação da rede de transportes com a
construção de novas rodovias e a constituição de uma rede nacional de aeroportos
administrada pela Infraero, com 16 aeroportos no Sudeste, 13 no Nordeste, 11 no
Norte, 9 no Sul e 6 no Centro-Oeste. Além disso, ocorre a “revolução” das
telecomunicações, que, segundo Dias (1989), manifesta-se em quatro etapas:
Até 1969, os meios técnicos do sistema de telecomunicações eram
apenas as ondas curtas e cabos submarinos de baixa capacidade de
transmissão; entre 1969 e 1973 instala-se um sistema nacional de
telecomunicações por rede hertziana; de 1974 a 1984 incorpora-se
ao sistema o satélite INTELSAT e, por fim, entre 1985 e 1988, o
desenvolvimento dos satélites Brasilsat I e II (Dias apud Santos &
Silveira 2001, p. 49).
Somando a estas mudanças, incorpora-se na década de 1970 ao território
nacional, a “modernização da agricultura”
42
, objetivando a expansão da fronteira
42
Segundo Manoel Calaça (2006), a modernização do campo/da agricultura é entendida como um
conjunto de transformações implementadas pela agregação de capital ao espaço através da
mudança da base técnica de produção, com intensa motomecanização do processo produtivo.
Verifica-se como resultado, alteração das relações de trabalho, do uso da terra, da produção agrícola,
50
agrícola
43
para aumentar a produção de commodities
44
visando, especialmente, o
aumento das exportações.
Como “consequência” dos processos supracitados, inicia-se um processo de
“especialização territorial” ocorrendo uma “tendência à concentração da produção de
bens e serviços mais ‘nobres’ e escassos em alguns pontos do Sudeste e do Sul”
(Santos & Silveira 2001, p.50).
Assim, de modo geral, podemos perceber que o país sofreu mudanças
profundas no seu circuito produtivo, o que proporcionou, como “consequência”, a
alteração do modo de viver dos diversos espaços do território brasileiro, pois
passamos de “um tempo lento, diferenciado segundo as regiões,” para “um tempo
rápido, um tempo hegemônico único, influenciado pelo dado internacional: os
tempos do Estado e das multinacionais” (Santos & Silveira 2001, p. 52).
1.5 O cidadão, o meio técnico-científico-informacional e o
espaço vivido
O termo cidadania designa a nacionalidade do individuo, como, por exemplo,
ao indivíduo que nasceu no Brasil: cidadania brasileira; ou, em outra definição,
cidadania é a expressão do gozo aos direitos e deveres civis e políticos em um
Estado-nação. Desse modo, o cidadão é o sujeito que vive a cidadania, ou seja, os
direitos e deveres individuais e coletivos que as leis asseguram como legítimos e
essenciais.
Esta é a concepção contemporânea do termo, uma vez que a expressão
originalmente designava cidadania como apenas a realização de um indivíduo ao
da composição da população, incluindo uma intensa mobilidade da população a introdução de novos
postos de trabalho no campo e de exigência de qualificação técnica e de profissionalização tanto dos
trabalhadores, como dos produtores rurais e destruição de tradições culturais, da prática caipira,
presentes no meio rural.
43
O termo fronteira agrícola esligado à incorporação de novas áreas para introdução da atividade
agrícola para produção comercial de produtos para a exportação, sobretudo.
44
Mercadorias na forma de “papel”, negociadas em grandes bolsas para esse fim, geralmente ligadas
a produtos agrícolas e a minérios (como exemplo, a soja uma commoditie agrícola tem a Bolsa de
Chicago como um de seus centros de negócio).
51
direito de ter um emprego, pois o termo cidadão ou a ideia de cidadania surgiu na
Europa com o início do processo técnico, como explica Santos (2000):
Essa ideia de cidadania surge, curiosamente, ao mesmo tempo em
que se gesta na Europa o processo técnico, facilitando a expansão
do capitalismo. Assim, o processo técnico aparece como uma
possibilidade de ameaça à realização completa do indivíduo (Santos,
2000b, p.10).
Assim, a discussão sobre a cidadania foi gestada no surgimento do processo
técnico
45
, quando esse fenômeno fez o “Homem” sentir-se à mercê de “suacriação
(do processo técnico), ou seja, a presença das técnicas promovia uma nova forma
de organização espacial e do trabalho, sujeitando o social ao ritmo do artificial,
fazendo com que alguns postos de trabalho fossem extintos e os demais existissem
enquanto a técnica não se desenvolvia o suficientemente para substituí-los por
máquinas. Esse foi o cenário em que ocorreram as primeiras discussões em relação
à concepção de cidadania.
Hoje, no meio técnico-científico-informacional, desfrutar a cidadania significa
mais que o direito de possuir um emprego, pois a partir dos ideais da Revolução
Francesa (liberdade, fraternidade e igualdade) foram instituídos instrumentos legais
para assegurar o direito de ser cidadão, porque, nas sociedades nacionais
contemporâneas, especialmente, a cidadania necessita de “formas jurídicas de leis,
de uma constituição que assegure ao indivíduo forte a expansão de sua fortaleza, da
sua completude e assegure que a sociedade seja feita de indivíduos dotados de
direitos que lhes permitam ser ainda mais fortes” (Santos, 2000b, p. 11). Apesar
disso, como sabemos, o aparato legal não é suficiente para que na prática a
cidadania se efetive em todos os grupos sociais, uma vez que a tendência atual da
sociedade é de suprimir o ideário de cidadão para a grande maioria da população,
visto que o “mundo que se está instalando não se preocupa com a difusão do bem-
estar da sociedade como um todo, prefere antes concentrá-la em certas partes da
sociedade e convidar as demais a aceitar o peso da propaganda” (Ibid).
45
O Processo técnico é entendido como o fenômeno de produção e inserção de objetos técnicos,
como máquinas e motores, nas diversas formas de produção capitalista a partir da Revolução
Industrial.
52
Por isso que, no contexto do meio técnico-científico-informacional, surgem
novas formas de supressão ao direito de cidadania em seu sentido pleno, dos
cidadãos possuírem as mesmas oportunidades e os mesmos direitos. Isso ocorre à
medida que novas técnicas instauradas no espaço promovem contrastes sociais,
que beneficiam uma minoria e marginalizam a maioria, visto que as “próprias
modernizações provocam desigualdades de oportunidades entre os cidadãos. A
situação de monopólio acarreta uma distribuição regressiva das rendas” (Santos,
2004, p.280).
Podemos aludir, além disso, à existência de uma marginalização técnica, na
qual os objetos técnicos promovem a exclusão de acessos e benefícios ao sujeito
destituído de oportunidades ou que possui dificuldade no manuseio de alguns
equipamentos que necessitam de conhecimento especifico. Nesse caso, ocorre,
muitas vezes, a “desarticulação” entre objetos e ações, pois ao mesmo tempo em
que as ações são produto, produção e produtoras de objetos, também os objetos
são produto, produção e produtores de ações, mas que (tanto os objetos como as
ações) se manifestam e são percebidos, concebidos, usados e apropriados
desigualmente pelas pessoas, que se encontram, em um espaço dividido e desigual,
em condições de desigualdade tanto diante dos objetos como diante das ações. É
por isso que podemos também afirmar, em aproximação a Lojkne (1999), que
denomina parte dos objetos de “máquinas informacionais” (pois “informam”, mas a
informação como o saber como comumente dizemos, também é poder), que os
próprios objetos estão carregados de intencionalidades, o que pressupõe que não
podem ser entendidos como participantes de uma condição de neutralidade
46
.
Para Lojkne (apud Moraes & Vaz, 2004, s/p), as “máquinas informacionais”:
[...] são máquinas cuja eficiência primária reside na substituição do
homem pela máquina [...], mas, paradoxalmente, máquinas que
pressupõem, para serem eficazmente utilizadas, uma interatividade
homem-máquina, com um papel de destaque para o interventor
homem.
46
Para Milton Santos (2000c, p. 31), as técnicas são neutras” (entre aspas, pelo próprio autor) mas
também “o resultado depende das intenções dos atores, aos quais as técnicas apenas oferecem
possibilidades”.
53
Ratificando o exposto por Lojkne, e desdobrando a ideia para a relação
espaço/técnicas/pessoas e inclusão/exclusão, Moraes & Vaz (2004, s/p.) asseveram
que:
À medida que se artificializa o espaço, e menos indivíduos têm
acesso a estes meios artificiais, dá-se o que propomos ser a
exclusão social técnica. Ou seja, as técnicas produzidas e inseridas
no espaço, para serem utilizadas pela sociedade, causam em uma
ampla escala, a exclusão, pois os sistemas técnicos que continuam
se ampliando, obrigam a adaptação de qualquer que seja o indivíduo
e muitos não conseguem se adaptar.
Como parte desse processo, vemos uma corrida pelo entendimento e
aperfeiçoamento no manuseio do aparato de objetos técnicos que surgem a todo
instante. Como “consequência”, constata-se grupos de pessoas que, ora estão
integrados com os equipamentos e serviços que envolvem tecnologia (computador,
pen-drive, e-mail, compras pela internet, caixa eletrônico, cartão de crédito, dvd,
ipod), ora estão fora deste meio, porém ao seu modo buscando envolver-se, e o
grupo que está totalmente marginalizado dos “benefícios técnicos” de forma direta.
Os motivos desta diferenciação variam e se alojam em diferentes “níveis”,
como: social, em que um adolescente de “periferia”, por exemplo, possui menos
oportunidades de estar em contato com o computador que um adolescente de
classe média ou alta; cultural, em que um grupo social ou indivíduo, decorrente de
aspectos culturais (como religiosos), “não entende” a importância de se integrar
nesta dinâmica, como por exemplo, membros de comunidades indígenas,
camponeses, idosos, pescadores e trabalhadores braçais; econômico, em que um
grupo social ou indivíduo possui o desejo e/ou necessidade de integrar-se
diretamente aos "benefícios" dos equipamentos e serviços que envolvem tecnologia,
porém por questões sociais têm dificuldades ou não se integra. Discernir por esses
três “níveis” social, cultural e econômico o “acesso” aos “benefícios técnicos”,
não requer compreende-los separada ou isoladamente, pois, sabemos, tais níveis se
interpenetram, sendo possíveis de separação para fins de análise. Pois,
geralmente, sujeitos desprovidos das condições de “acesso” aos bens, de toda
ordem, o são em função de participarem de relações socioespaciais nas quais o
54
modo de vida é centrado sobre a escassez, a pobreza e a precariedade, o que
requer pensar os “níveis” social, cultural e econômico de forma integrada.
A produção e reprodução de um “espaço dividido” (em aproximação a Milton
Santos, 2004a) é a manifestação espacial de promoção da marginalização de
algumas pessoas em relação aos “componentes” do meio técnico-científico-
informacional, condicionamento esse (que ocorre por “causa” do processo de
produção e distribuição espacial dos objetos técnicos de forma seletiva no território),
pois cada objeto provém da associação técnica-ciência-informação. Os objetos,
sobretudo, “cumprem” o propósito da reprodução ampliada do capital, ao mesmo
tempo em que (ao deterem um alto custo de produção, que somado à margem de
lucro pretendida) geram produtos com preços elevados em relação à renda de
grande parte da população. Assim, à medida que o uso ou a aquisição destes
objetos depende da condição financeira de cada indivíduo, exclui quem não pode
arcar com estes custos.
Esse processo de desenvolvimento e materialização no espaço de novos
objetos, de forma cada vez mais rápida e impondo um ritmo de especialização
constante ao espaço e à população, é “consequência” do estágio atual do
capitalismo “globalizado”, em que o ritmo da produção é imposto à sociedade, ao
individuo, não importando as “consequências” que isso pode acarretar na vida das
pessoas. Desse modo, a “vontade dessa globalização perversa a que estamos
assistindo é reduzir o papel do cidadão. É a transformação de todo mundo em
consumidor, usuário e, se possível, coisa, para mais facilmente se inclinar diante de
soluções anti-humanas” (Santos, 2002, p.141).
Nesse sentido, pode-se falar em “globalização” no sentido de construção de
um mundo que funciona de forma unitária somente para alguns (Santos, 2004a),
pois até a informação, que no meio técnico-científico-informacional se torna
universal na instantaneidade e dispersão mundial
47
, para muitos grupos sociais ela
se torna restrita, porque no processo capitalista de comercialização de produtos, a
informação, além de ser ela mesma uma mercadoria, também é parte dos próprios
produtos mercantilizados e, desta forma, o seu uso depende de condições
financeiras de acesso. Assim, a “globalização” se torna marginalizadora, à medida
47
“[...] nesse contexto a comunicação surge como um novo paradigma [...] da escola à empresa, da
família à justiça e ao governo, em todos os campos [...] daqui em diante, [...] a palavra de ordem: é
necessário comunicar” (Ramonet apud Aguiar, 2004, s/ p.).
55
que é includente para alguns e excludente para outros. Além disso, é importante
salientar, que no contexto “globalizado”, a disposição dos mecanismos de acesso à
informação é vital no mundo empresarial, uma vez que o domínio sobre a circulação
e apreensão da informação constitui uma nova forma de poder.
Isso é possível observar em cidades onde apenas alguns bairros dispõem de
rede de internet e “TV a cabo”. Assim, mesmo que tenha condições financeiras para
adquirir os equipamentos necessários à instalação e custear as despesas mensais,
alguns moradores não podem acessar a internet em casa ou assistir aos diversos
canais disponíveis no serviço de “TV paga”, uma vez que a logística de disposição
desses serviços beneficia apenas uma parte do espaço, aquele onde os moradores,
em média, possuem uma renda superior. O mesmo também ocorre nas áreas rurais,
onde os moradores de distritos ou até mesmo propriedades rurais não podem
adquirir certos serviços de, por exemplo, “TV a cabo”, devido à localização de suas
moradias, pois esses serviços são produtos direcionados a uma parcela específica
da população e não todos, mesmo que possam pagar.
Esses exemplos são também, em alguma medida, reveladores do que Milton
Santos (2000, p. 53) tem chamado de “globalitarismo”, no qual o domínio do espaço
vivido é regido por forças hegemônicas capitalistas, desde o sentido mais restrito ao
mais abrangente (da escala do corpo à escala global, podemos inferir). Nesse
sentido, as palavras de Odette Seabra (2007, s/p) são esclarecedoras sobre a
relação entre poder, “globalização”, totalitarismo e cotidiano:
[...] além de pressupor a não democracia o que se está dando
agora representa, ao mesmo tempo, essa vocação atual para
seguir a vontade de um grupo de empresas e de países
hegemônicos; a globalização é ela própria um sistema totalitário que
chega à vida cotidiana [...] É a eliminação do debate. E mais, nos
dizia, a globalização não subsistiria sem sua própria fabulação.
Condena-se a população brasileira a morrer sem cuidados médicos e
dizem que estamos caminhando para uma saúde pública melhor. A
globalização é fábula porque quando nos falam sobre a aldeia global
querem dizer que todos sabem o que se passa no mundo.
56
Esse comando sobre os meios geográficos desiguais induz a população em
geral a seguir um ritmo diferente ao do espaço vivido, à medida que o espaço se
artificializa com a materialização dos objetos técnicos. Um novo compasso é
imposto; é a música global se impondo ao local. Isso ocorre desde as esferas mais
simples aos grandes centros urbanos, pois no meio técnico-científico-informacional a
técnica é a base da interligação entre os espaços, processo que influencia ações e
pensamentos. Nesse processo, as “verticalidades” e “horizontalidades”
48
se cruzam,
mas a primeira procura impor as regras à segunda. Assim, o espaço vivido, que
também é “espaço banal” (cotidiano), é constantemente submetido a um “jogo de
dominação” oriundo de espaços e territórios distintos, mas que pelo sistema
econômico vigente interferem nas relações cotidianas, pois, afinal, os espaços, os
territórios, os lugares, as regiões, as redes, as paisagens, não são o palco onde a
vida se anima e se realiza, mas são, eles mesmos, a própria vida, o espaço vivido.
1.6 Globalização
A “globalização” pode ser entendida como um processo de conexão global
calcado no uso extremo da tecnologia de transmissão de dados (informações,
conceitos, ideias e capitais) que estabelecem uma integração entre os países e as
pessoas no mundo. Este processo possui um caráter econômico e social, pois
através dele as pessoas, os governos e as empresas trocam informações, realizam
transações financeiras e comerciais e espalham elementos culturais pelos quatro
cantos do planeta. Por isso que esta realidade transmite a ideia de “aldeia global”,
49
pois as redes de conexões deixam as distâncias cada vez mais curtas, facilitando as
relações culturais e econômicas de forma rápida e eficiente. Todavia, é importante
destacar que este fenômeno mundial foi instaurado a partir de interesses
48
As verticalidades o formadas por pontos, as horizontalidades por planos. As verticalidades dão-
nos o que se denomina espaço dos fluxos, a paisagem eficaz, o reino do cálculo, o domínio da
racionalidade cega e triunfante. As horizontalidades dão-nos o espaço banal, o espaço da vida, do
cotidiano compartido por todos, o reino em que todas as emoções são permitidas. Mas não existe
“separação real entre essas duas realidades. Suas racionalidades coexistem e se interpenetram,
modificam-se mutuamente, cada qual se afirmando, a cada instante, em função de seus próprios
objetivos” (Santos, 2002, p.110-111).
49
““Aldeia Global” sugere que, afinal, formou-se a comunidade mundial, concretizada com as
realizações e as possibilidades de comunicação, informação e fabulação abertas pela eletrônica. [...]
Baseia-se na convicção de que a organização, o funcionamento e a mudança da vida social, em
sentido amplo, compreendendo evidentemente a “globalização”, são ocasionados pela técnica e,
neste caso, pela eletrônica” (Ianni, 1997, p. 16).
57
econômicos, e pela reprodução e manutenção dos interesses capitalistas que a
“globalização” continua se expandindo pelo planeta, uma vez que a todo o momento
formas de agir, pensar e de se relacionar com as pessoas e o espaço são moldadas
por esse processo, que não que se apresenta como um “bicho assustador”, mas
“algo bom”, que pode melhorar a vida das pessoas.
Porém, o que percebemos, é que a “globalização” estimula o consumo para
sustentação do sistema econômico em vigor. Assim, o que vemos é o aumento dos
lucros de empresas e firmas, principalmente as multinacionais, pois o receituário
prega a integração entre os países e as pessoas do mundo todo, em uma espécie
de “aldeia global”, buscando ocultar um processo que se ancora sobre modos de
pensar e de fazer hegemônicos, de classe.
Com o advento da “globalização”, o “poder’ de ação dos elementos que
moldam o espaço
50
foram acentuados, devido à capacidade técnica-científica-
informacional que foi acrescida em alguns lugares, pois nem todos os espaços
possuem uma grande densidade de infra-estruturas, firmas e fluxos, por isso
podemos falar, de acordo com Santos & Silveira (2001, p. 260 e 261), em “Zonas de
Densidade e de Rarefação”.
Nesta mesma direção, Haesbaert (2007, p. 166) aponta que a “globalização”,
enquanto processo, “produz redes que conectam os capitalistas com as bolsas mais
importantes do mundo e aceleram a circulação da elite planetária, por outro lado
gera uma massa de despossuídos”, que “fica marginalizada do processo de
produção” (ibidem). Por isso, os espaços ocupados por essa parcela da sociedade é
designada, pelo autor, por “aglomerados de exclusão”
51
, estando à margem do
comando central do capital. Partindo desse pressuposto, Harvey (1992, p. 202)
aponta que “o dominó do espaço reflete o modo como indivíduos ou grupos
poderosos dominam a organização e a produção do espaço mediante recursos
legais e extralegais, a fim de exercerem um maior controle”.
Portanto, temos um espaço moldado de acordo com as relações existentes,
locais, regionais, nacionais e internacionais (e suas inter-relações e especificidades),
que o “difere” e simultaneamente o “iguala” (“desenvolvimento desigual e
50
O espaço possui uma feição multifacetada, pois agrupa objetos e ações diversificados, instalados
de acordo com a dinâmica de produção e manutenção de seus elementos constituintes, isto é, os
fixos e os fluxos, os sujeitos e as firmas (Santos, 1997).
51
“Assim, podemos afirmar que o aglomerado, mais que do que um espaço “à parte”, excluído e
amorfo, deve sua desordem principalmente ao fato de que nele se cruzam uma multiplicidade de
redes e territórios que não permitem definições ou identidades claras” (Haesbaert, 2007, p.166).
58
combinado”), pois cada espaço possui uma história que o diferencia de outros
espaços, porém, no espectro geral, ocorre um processo “universal” que influencia
ora mais, ora menos, todos os espaços. Esta tendência é resultado de forças que
atuam “globalmente” e que se instalam localmente com mais ou menos intensidade,
de acordo com a densidade do tecido espacial. Essa densidade é fruto do nível de
conexão que um lugar possui com o capitalismo (local, regional, nacional, global).
Deste modo:
Criam-se, também assim, espaços da hegemonia, áreas prenhes de
ciência, tecnologia e informação, onde a carga de racionalidade é
maior, atraindo ações racionais de interesse global. Chegamos,
assim, a um momento da história no qual o processo de
racionalização da sociedade atinge o próprio território e este passa a
ser um instrumento fundamental da racionalidade social, isso é
extremamente importante para entender como esses espaços
hegemônicos se instalam no processo de globalização, como o lugar
da produção e das trocas de interesse mundial no nível mais alto,
lugares em que exerce um tempo mundial e onde se instalam as
forças reguladoras da ação nos demais lugares. É assim que os
lugares diversos e os tempos diversos se unem, hierarquicamente,
no que, paradigmaticamente, pode ser chamado de um espaço
mundial e um tempo mundial (Santos, 1994, p. 46).
Esse espaço mundial, paradoxalmente, também é o espaço local, o lócus do
cotidiano (também denominado de espaço vivido
[Frémont, 1980]). Esse recebe a
todo o momento elementos criados em lugares distantes, que são instalados à
medida que se tornam importantes nas relações espaço/capital, “Homem”/espaço,
“Homem”/”Homem”. Essas relações possuem peculiaridades distintas em pontos do
mesmo território, por isso, apesar de uma influência global, o território o é
homogêneo em toda a sua extensão. Logo, a maior expressão das relações
socioespaciais se produzem e se reproduzem no que Santos (2000, p. 108) tem
chamado de “espaço banal”, “o espaço de todos: empresas, instituições, pessoas; o
espaço das vivências”, pois é partir dessa esfera que o mundo é vivido
52
, seja em
seu sentido mais restrito (local), seja no sentido mais amplo (global). O movimento
52
um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por todos os vizinhos, e um
espaço global, habitado por um processo racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante
e que chega a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidos para servi-los. Daí o interesse
de retomar a noção de espaço banal, isto é, o território de todos, frequentemente contido nos limites
do trabalho de todos; e de contrapor essa noção à noção de redes, isto é, o território daquelas formas
e normas ao serviço de alguns” (Santos, 2005, p.142).
59
do território, presente em qualquer relação humana, se faz e é feito nos modos de
fazer e nos modos de pensar socialmente desenvolvidos, o que pressupõe que
pensemos o próprio território a partir, efetivamente, de seu “uso”, seja em seus
“usos” materiais e em seus “usos” imateriais
53
:
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de
sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido
como o território usado, não o território em si. O território usado é o
chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer
àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o
lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício
da vida (Santos 2002b, p.17).
Dessa forma, a partir do espaço banal, podemos compreender a ação
territorial da esfera global, pois essa é a escala das sensibilidades maiores e da
sociabilidade coletiva. Isso ocorre porque na “esfera da sociabilidade, levanta-se
utilitarismos como regra de vida a exacerbação do consumo, dos narcisismos, do
imediatismo, do egoísmo, do abandono da solidariedade, com a implantação
galopante, de uma ética pragmática individualista” (Santos, 2000, p. 54), Esses
aspectos são classificados por Milton Santos como Globalitarismo (2000, p. 53),
que promovem a constituição de uma lógica que aliena e submete a maior parte da
população ao “jogo do capital”. Esse, por sua vez, é dinâmico e produtor de
realidades dissonantes e extremas, pois em um mesmo território temos elementos
de um planeta inteiro (materiais e imateriais), tornando alguns espaços conectados
com o mundo (o local como fragmento do global), enquanto espaços, no mesmo
território, em que esses elementos planetários se apresentam com menor vigor, e
vemos, cotidianamente, mais o local do que o global. Todavia, em ambos os
espaços a desigualdade ocorre, o rico e o pobre, o proletariado e as firmas...
Percebemos que, independente da nova “cara” do capitalismo (a “globalização”), o
arranjo fundamental continua, denotando o verdadeiro tom dessa “melodia”
planetária, a reprodução do sistema capitalista.
Além desse fator, outros elementos se apresentam na realidade espacial, pois
53
O espaço, entendemos, é usado como também produzido, construído e inventado sempre nas
formas e conteúdos de “uso” material e “uso” imaterial, ou seja, o fazer e o pensar o espaço apenas
são separáveis para fins de análise.
60
as horizontalidades e verticalidades, os fixos e os fluxos
54
adquirem um elemento
diferente na ótica globalizada: a tecnologia como propulsora da
produção/reprodução e da comunicação.
[...] a globalização tem como uma das bases esse casamento entre
ciência e técnica, essa tecno-ciência, que depende da técnica, que
depende do mercado. Por conseguinte, trata-se de uma técnica e de
uma ciência seletivas. A ciência frequentemente produz aquilo que
interessa ao mercado, não à humanidade, de tal maneira que o
progresso técnico e científico não é sempre um progresso moral
(Santos, 1998, p.1).
Essa aliança entre o mercado e a tecnologia gera objetos voltados a
aperfeiçoar a produção e os fluxos materiais e imateriais. Nesse sentido, a
informação é fundamental e norteadora da nova “roupagem” do sistema, uma vez
que ela cria novas condições de aperfeiçoamento do que já está posto, além de criar
novas possibilidades de reprodução ampliada do capital. De maneira que, o que
vemos diante de nossos olhos, são elementos gerados a partir desse casamento
entre tecnologia e informação, que produzem espaços modelados à dinâmica do
mercado, logo com os componentes do meio cnico-científico-informacional, que
nada mais são do que o meio geográfico preparado hegemonicamente para as
necessidades capitalistas. Por esse motivo, novas relações e novas modelagens se
prolongam nos territórios, resultantes dessa configuração atual do espaço global.
Assim observamos:
¾ Inserção de equipamentos baseados principalmente na informática, para
dinamização da produção e dos serviços, diminuindo o número de empregos
e forçando a população a buscar entender a operar máquinas para realizar as
atividades cotidianas;
54
“Os fixos nos dão o processo imediato do trabalho. Os fixos são os próprios instrumentos de
trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa dos homens. Não é por outra razão que
os diversos lugares, criados para exercitar o trabalho, não são idênticos e o rendimento por eles
obtido está em relação com a adequação dos objetos ao processo imediato do trabalho. Os fluxos
são o movimento, a circulação e assim eles nos dão, também, a explicação dos fenômenos da
distribuição e do consumo. Desse modo, as categorias clássicas, isto é, a produção propriamente
dita, a circulação, a distribuição e o consumo, podem ser estudados através desses dois elementos:
fixos e fluxos” (Santos, 1988, p.77).
61
¾ Utilização de recursos tecnológicos para comunicação e logística, agregando
novas tecnologias de transporte e a utilização da Internet e dos meios de
comunicação via satélite;
¾ Utilização da internet e das tecnologias de comunicação no cotidiano de
parcela da população, enquanto que os demais absorvem esses recursos de
forma indireta nos serviços, produtos e informações que buscam no setor
terciário;
¾ Aumento da informalidade e do subemprego como “consequência” do número
de postos de trabalho na indústria e campo, resultante da inserção da
tecnologia de produção;
¾ Terceirização como forma de diminuição dos custos de produção;
¾ Expansão das multinacionais por diversos países visando novos mercados
consumidores e o barateamento da produção fabril pela fragmentação dos
processos de fabricação em escala mundial, visando explorar, sem o rigor
das leis dos países desenvolvidos, a mão-de-obra, a energia e a matéria-
prima dos países subdesenvolvidos;
¾ Aumento dos problemas ambientais decorrentes de uma produção industrial
calcada no uso maciço de recursos naturais (principalmente sseis) e com
mal (quando nenhum) gerenciamento dos resíduos e substâncias derivados
do processamento dos elementos transformados;
¾ Formação de Blocos Econômicos visando o fortalecimento das relações
comerciais entre os países membros, visando o aumento das transações
comerciais;
¾ Fortalecimento da Financeirização, com o crescimento dos Bancos e a
concentração monetária de grande parte das empresas na especulação das
bolsas de valores;
¾ Disseminação da língua inglesa, de ideologias dominantes e do consumismo
através de uma cultura de massa, calcada na mídia e no marketing (Ortiz,
2004);
¾ Aumenta-se a migração para os países desenvolvidos e os mesmos instalam
medidas para impedir/barrar o movimento migratório (Póvoa Neto, 2009).
Esses são apenas alguns dos aspectos desse processo complexo e
abrangente, muitas outras características poderiam ser relatadas, mas nos limites
62
desse trabalho não abarcaremos todas
55
.
É possível observar como o movimento globalizante se apresenta de forma
profunda na sociedade, transformando-a constantemente. Por isso, o mundo é
moldado ao caráter do capital, enquanto que aparentemente a maior parte da
população está “anestesiada” pela ideologia dominante que condiciona o ser à
individualidade e à “inércia social”, ou seja, à “imobilidade” diante do que está posto,
ou simplesmente, à alienação
56
.
Desta forma, a alienação é a propulsora da não-ação diante da subjugação,
uma vez que as mazelas sociais são encaradas com naturalidade, como se a
pessoa, ao passar fome em um país que alcança altos índices de produção agrícola,
fosse algo da normalidade humana
57
, enquanto que “ocorre o desperdício e
toneladas de alimentos vão diariamente para o lixo”, como comumente se ouve
58
.
Tudo isso é “consequência” do estímulo ao consumo, pois no que “se refere à
produção e consumo de alimentos, verificamos que as firmas multinacionais, além
de influenciar a produção dos países pobres, estimulam (através da propaganda!) o
consumo cada vez maior de produtos industrializados” (Stacciarini, 1996, p. 43).
Somando isso, temos a distribuição desigual dos alimentos, uma vez que:
Com efeito, em 2002, a produção mundial de alimentos foi estimada
em 1,83 bilhão de toneladas, o que resultaria em se poderem
distribuir 300 quilogramas de comida para cada um dos 6,1 bilhões
de seres humanos. Contudo, a distribuição se efetua de maneira
muito irregular, o que leva a esforços diversos para se garantir o
acesso à alimentação (Almeida, 2009, p. 3).
55
Veja maiores detalhes em Milton Santos (1994): a produtividade espacial como dado na escolha
das localizações; o recorte horizontal e vertical dos territórios; o papel da organização e o dos
processos de regulação na constituição das regiões; a tensão crescente entre localidade e
globalidade à proporção que avança o processo de “globalização”, fundamentalmente.
56
“Alienação - No sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo,
um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim,
alienados aos resultados de sua própria atividade ( à atividade ela mesma), e/ou à natureza na qual
vivem, e/ou a outros seres humanos na qual vivem e além de, e através de também a si mesmos
(às suas possibilidades humanas constituídas historicamente)” (Bottomore, 2001, p. 5).
57
“A redução do cultivo de produtos alimentares em favor da agricultura comercial de exportação foi e
é cada vez mais uma realidade. O Brasil é um dos maiores exportadores de produtos agrícolas do
mundo enquanto ostenta o título de país com uma imensa população gravemente desnutrida. Chega-
se ao absurdo de colher dez vezes mais soja (para exportação) do que feijão - alimento básico da
população (Stacciarini, 1996, p.42 e p43).
58
Não queremos dizer, com isso, que a desigual distribuição do que os trabalhadores produzem é
resultado do desperdício; ao contrário, tanto o desperdício é parte da lógica de descartabilidade das
“coisas”, como a produção social no capitalismo tem como contradição central a apropriação privada
da produção.
63
Percebe-se que a “globalização” enunciada é uma “fábula” (Santos, 2000,
p.18, 40 e 41), pois apresenta um discurso de unificação planetária, um “sonho de
mundo só” (ibid), de igualdade entre os espaços. Mas isso é parte da ideologia da
“globalização” de um lado e da alienação de outro, porque na prática esse processo
acentua a dominação capitalista. Esse caráter não pode ser revelado, por isso
estimula-se a difusão de percepções fragmentadas do real.
É a partir dessa generalização e dessa coisificação da ideologia que,
de um lado, se multiplicam as percepções fragmentadas e, de outro,
pode estabelecer-se um discurso único do “mundo”, com implicações
na produção econômica e nas visões da história contemporânea, na
cultura de massa e no mercado global [...]. É dessa forma que a
sociedade e os indivíduos aceitam dar adeus à generosidade, à
solidariedade e à emoção com a entronização do reino do cálculo (a
partir do cálculo econômico) e da competitividade (Santos, 2000, p.
44 e p. 54).
Assim, a “globalização”, como elemento da “nova roupagem”
59
do capitalismo,
estimula a formação, muitas vezes, de uma consciência economicista até mesmo
naqueles que não sabem nem ler e escrever, e muito menos conhecem as temáticas
específicas da economia. Essa mentalidade é incorporada inconscientemente pelos
processos ideológicos de manutenção e reprodução do poder capitalista, porque o
“mundo passou a ser influenciado pelo padrão de racionalidade gerado com cultura
desse mesmo capitalismo. A administração das coisas, gentes e ideias” (Ianni, 1997,
p.114). Deste modo, “aos poucos, ou de maneira repentina, os princípios de
mercado, produtividade, lucratividade e consumismo passam a influenciar as mentes
e os corações de indivíduos, as coletividades e os povos” (Ibid, p.147), pois são
“várias as formas de alienação que se desenvolvem e multiplicam com o capitalismo,
visto como processo civilizatório. Na medida em que se transforma continuamente
as condições sociais de vida nos países em que ele se encontra enraizado” (Ibid,
59
Visto que desde que se consolidou, este sistema passou por muitas transformações (Capitalismo
Comercial, Industrial, Financeiro e Informacional), onde demonstrou grande capacidade
reestruturadora diante de suas crises.
64
p. 158). O capitalismo se produz e se reproduz como condição de “civilização”
60
.
Observamos essa questão no cotidiano, por exemplo: quando aparece nos
jornais uma discussão a respeito dos problemas sociais e burocratas
governamentais empregam um discurso baseado em índices para afirmar que a
realidade vivida faz parte do desenvolvimento do país; a maioria das pessoas não
questiona o modelo de desenvolvimento visado, que urge à custa do aumento da
pobreza. Isso ocorre porque está embutida na mentalidade que o
desenvolvimento é importante, não se sabendo que tipo de desenvolvimento
realmente é necessário para o país. Assim, as discussões surgem em torno de
parâmetros econômicos e não se fala em “civilização” e “cidadania”, mas apenas
que uma e outra decorreriam do desenvolvimento. Por isso concordamos com
Santos, em o “Espaço do Cidadão” (1987, p.13), quando aponta que os processos
históricos e sociais no Brasil, sob égide do capital, “em lugar do cidadão formou-se
um consumidor, que aceita ser chamado de usuário”, ou seja, um “servo não-
consciente” de um universo consciente: o capitalismo.
Por isso o desemprego aumenta, ocorre o aumento da pobreza, a classe
média perde qualidade de vida, o salário médio tende a baixar, a fome e o número
de desabrigados se generalizam em todos os continentes, e como “consequência”
disso as pessoas se sujeitam a trabalhar na informalidade e a trabalhar mais com
menos direitos. “Apesar de um aumento econômico, os salários e a qualidade de
vida baixou; houve uma concentração de renda” (Castells apud Ruschel e Ramos
Jr., 2009, p. 3 [ver também Forrester, 1997]). Enquanto isso ocorre, o desemprego
parece algo normal uma condição para a “globalização”), e em decorrência os
“efeitos” desta realidade passam a ser vistos com naturalidade.
Sobre isso, em diálogo com Touraine, Ruschel e Ramos Jr. (2009, p.3)
apontam que:
[...] o conceito de sociedade ocidental foi construído tendo como
fundamento a defesa dos interesses coletivos e das necessidades
sociais para a manutenção de uma convivência pacífica e
harmoniosa. Entretanto, a modernidade aparece para dizer
justamente o oposto; Touraine considera que “ao contrário, que a
sociedade não existe senão porque reconhece e defende a
existência de fundamentos não sociais da ordem social”.
60
Sobre o “Processo civilizador”, ver Norbert Elias (1993; 1994).
65
Percebemos que o “Homem” deixou de ser o centro do mundo, perdendo
espaço para o dinheiro
61
. O dinheiro começa, então, a se impor como algo
autônomo face ao resto da sociedade e, mesmo, da economia”
62
(Santos, 1998,
p.1). Ele assume esse papel devido à geopolítica econômica, defendida pelos
economistas, e à imposição midiática, uma vez que o poder da comunicação está
nas mãos de um pequeno número de agências ligadas ao mundo das finanças e da
produção. Essas controlam a interpretação de como o real é entendido, ou seja, a
interpretação das coisas é realizada de acordo com olhares pré-determinados.
Sobre esse processo, Milton Santos afirma:
É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história
humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de
babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo permite
imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que
é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, que se
aproveita do alargamento de todos os contextos [o autor se
baseia em seu livro A natureza do espaço] para consagrar um
discurso único. Seus fundamentos são a informação e o seu
império, que encontram alicerce na produção de imagens e do
imaginário, e se põem ao serviço do império do dinheiro, fundado
este na economização e na monetarização da vida social e da vida
pessoal (Santos, 2006, p. 17, grifos nossos).
Porém, apesar das imagens e ideias serem apresentadas sob esta ótica
dominante, Santos afirma que é possível desvendar a obscuridade por trás desta
fábula, e a partir daí desenvolver novas práticas. Nesse sentido, ele apresenta o
seguinte exemplo:
61
O dinheiro, que possui propriedade de comprar tudo, de apropriar objetos para si mesmo, é, por
conseguinte, o objet par excellence. O caráter universal dessa propriedade corresponde à onipotência
do dinheiro, que é encarado como um ser onipotente... o dinheiro é o proxeneta entre a necessidade
e o objeto, entre a vida humana e os meios de subsistência (Marx, In: Fromm, 1983, p. 144 e p.145)
62
As recentes reformas bancárias levam em conta essa autonomia das grandes empresas em
relação ao capital financeiro, de tal maneira que elas tomaram-se capazes de reinvestir, forçando os
Estados e as instituições internacionais a criarem, a partir delas. Bancos. O dinheiro começa, então, a
se impor como algo autônomo face ao resto da sociedade e, mesmo, da economia. Essa
movimentação, autônoma do dinheiro em estado puro - porque não é dinheiro produtivo e sim o
dinheiro em sua forma dinheiro - até poucos anos antes era considerada inacreditável” (Santos, 1998,
p.1).
66
O "speaker" da Câmara dos Deputados americana, o republicano
Newt Gingrich, em artigo publicado no mundo inteiro (ver "Le Monde"
de 2 de março de 1995), fala sem pudor da vocação de seu país para
mostrar o caminho à humanidade. Um de seus argumentos se baseia
no papel que esse país deve desempenhar na revolução da
informação. De que projeto, de que realidade se trata? O fato é que,
em passado recente, também a Europa fora vista como preceptora
do universo, porque detentora da rapidez. [...] O que se diz ser a
supressão do espaço pelo tempo nada mais é do que a afirmação de
um tempo despótico, medido por um relógio mundial que
funciona plenamente nos espaços desse tempo despótico que
designamos por espaços de globalização. Essa temporalização e
essa espacialização não existem, contudo, senão para alguns
atores da cena mundial (Santos, 2002, p.112, grifos nossos).
O que Santos quer dizer também é que, apesar do poder hegemônico tentar
impor as regras, o espaço vivido é criado e recriado no nível do cotidiano em todos
os grupos sociais, o que permite que a cada lugar tenha-se características próprias,
apesar da força universalizante da sociedade ocidental, pois são nas
horizontalidades do espaço banal que surgem os “contra-espaços”
63
, ou seja, as
oposições ao viés dominante. Por meio dos contra-espaços a população pobre pode
se fazer agente de novas formas e novos sentidos espaciais, que extrapolam o lócus
do contra-espaço original e estimulam outros. Isso ocorre no cotidiano, no espaço
vivido, de forma espontânea ou conduzido por determinações do lugar. Neste
sentido:
Por serem "diferentes", os pobres abrem um debate novo, inédito, às
vezes silencioso, às vezes ruidoso, com as populações e as coisas já
presentes. É assim que eles reavaliam a tecnoesfera e a psicoesfera,
encontrando novos usos e finalidades para objetos e técnicas e
também novas articulações práticas e novas normas, na vida social e
afetiva. Diante das redes técnicas e informacionais, pobres e
migrantes são passivos, como todas as demais pessoas. É na esfera
comunicacional que eles diferentemente das classes ditas
superiores, são fortemente ativos. [...] Trata-se, para eles, da busca
do futuro sonhado como carência a satisfazer - carência de todos os
tipos de consumo, consumo material e imaterial, também carência do
consumo político, carência de participação e de cidadania. Esse
futuro é imaginado ou entrevisto na abundância do outro e entrevisto,
63
“O contra-espaço tem um caráter diverso em seu conteúdo e formas. É contra-espaço o arranjo
espacial de uma greve de operários, uma ocupação de terra com fim de assentamento, uma favela,
um ritual de capoeira ou candomblé, como também um modo individualizado e recluso de morar, por
meio do qual põe em questão a ordem hegemônica de espaço, determinando os modos de vida, os
que vivem embaixo e dentro dela” (Moreira, 2002, p. 63).
67
como contrapartida, nas possibilidades apresentadas pelo Mundo e
percebidas no lugar. [...] Então, o feitiço se volta contra o feiticeiro. O
consumo imaginado, mas não atendido - essa "carência
fundamental" no dizer de Sartre -, produz um desconforto criador. O
choque entre cultura objetiva e cultura subjetiva torna-se instrumento
da produção de uma nova consciência (Santos, 1997, p.261)
Essa nova consciência, a que se refere Santos, é a “cultura popular” (em
aproximação ou em contraposição à uma “cultura de massa”
64
), que possui raízes na
terra que se vive (o entorno), é fruto das “determinações” cotidianas e mecanismo de
libertação social em relação aos enfretamentos do dia-a-dia. Podemos apresentar
como exemplo deste aspecto o movimento Hip Hop, que representa uma forma de
oposição, de expor o contraponto, de voz dos “excluídos”
65
. Esse movimento se
originou de um contra-espaço da população negra da Jamaica e dos Estados Unidos
na década de 1960, e hoje representa um movimento de reinvidicação de espaço e
voz das “periferias” de vários países, traduzido nas letras questionadoras e
agressivas, no ritmo forte e intenso e nas imagens grafitadas pelos muros das
cidades, em oposição à ordem dominante. Esse contra-espaço e todas as outras
formas de oposição, assim, se fazem:
[...] possíveis, necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens,
solitárias, planejadas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso,
interessadas ou fadadas ao sacrifício; por definição, não podem
existir, a não ser no campo estratégico das relações de poder. Mas
isso não quer dizer que sejam subprodutos das mesmas, [...].
Também, são, portanto, distribuídas de modo irregular: os pontos, os
nós, os focos, de resistência, disseminam-se com mais ou menos
densidade no tempo e no espaço, às vezes, provocando o levante de
grupos ou indivíduos de maneira definitiva, inflamando certos pontos
do corpo, certos momentos da vida, certos tipos de comportamento
(Foucault apud Silva, 2006, p. 85).
Assim, os contra-espaços se materializam produzindo não espaços
materiais diferentes, mas também ideias, concepções, percepções, imaginários
66
e
64
Sobre “cultura popular” e “cultura de massa”, ver Alfredo Bosi (1992).
65
A discussão sobre “inclusão” e “exclusão” é ampla, mas destacamos a posição de José de Souza
Martins (1998), para quem não há, rigorosamente, exclusão, mas formas de “inclusão precária”.
66
A ideia de produção de novos imaginários, sobre tudo como “imaginários espaciais”, é discutida por
68
“pensares” diferentes, em oposição à pretensa verticalização e universalização das
forças hegêmonicas:
Um saber vertical que é saber técnico , que se pretende saber
mundial, tenta se impor aos saberes horizontais autênticos. Isso
permite dizer que a famosa distância cultural assim gerada pertence
mais ao domínio da fábula que ao da realidade, que esse saber
vertical, tão eficaz, carece de sentido. Na verdade o saber local,
horizontalizado, pode ser mais universal que esse saber
pretensamente mundial destinado a criar um mundo uniforme e sem
objetivo (Santos, 2002, p.113-114).
Podemos perceber que o saber local se torna mais importante que o global
para o indivíduo, pois é esse saber que faz sentido para sua vida e a partir dele que
compreensão do mundo. O cotidiano é marcado por aspectos históricos,
socioeconômicos e políticos, decorrentes de sua configuração espacial, esses
elementos irão influenciar o modo de pensar e o modo de agir de cada sujeito.
Nesse sentido, o local pode ser a chave do processo de análise do que está posto e
o que pode ser mudado, ou seja, entre o real e a possibilidade de uma nova
realidade.
Por isso, o lugar onde se mora pode ser o início para o movimento
questionante, ao se observar a falta de serviços púbicos, como postos de saúde,
segurança e escolas, e a falta de infra-estruturas coletivas como saneamento básico
e asfalto, esses aspectos podem servir como gênese para o questionamento e início
da oposição, nesse processo, o contra-espaço.
Isso ocorre, porque as nossas vivências influenciam nossas ações, pois o “ato
de “habitar” está na base da construção do sentido da vida, realizada nos modos de
apropriação e compreensão dos lugares da cidade, a partir da casa, na vida
cotidiana enquanto prática sócio-espacial” (Carlos, 2004 p.140). Deste modo, o lugar
onde se vive é o elemento chave das ações cotidianas, pois se vai “do lugar ao
espaço, e não do espaço ao lugar [...] A localização das coisas constitui o lugar, o
lugar o espaço e o espaço a sociedade” (Moreira, 2002 p. 50).
A partir do lugar e com o uso deste lugar, é que os habitantes se identificam
integrantes e agentes espaciais, realizando ações banais da vida, conferindo um
Doreen Massey (2008).
69
conteúdo ao presente construído a partir de uma experiência vivida num
determinado tempo-lugar. “Nesse sentido a construção do lugar se revela,
fundamentalmente, enquanto construção de uma identidade que dá conteúdo e
sentido à prática sócio-espacial” (Carlos, 2004 p.140).
Assim, as horizontalidades assumem um papel fascinante e possibilitador, o
de se construir novas realidades, se opondo ao poder centralizador do capitalismo
que tenta impor um modelo social:
[...] o espaço-tempo desses atores hegemônicos da cena atual,
repousando em pontos isolados da ação, se funda sobretudo na
técnica, enquanto os demais pontos assistem a uma recriação não
planejada da história. Confundir esse espaço e esse tempo
hegemônicos com o tempo e o espaço dos 6 bilhões de homens e
mulheres que povoam a Terra é um grave equívoco. Principalmente
porque, como dizia Gaston Berger [o autor tem por base a
Fenomenologia do Tempo], nosso mundo novo se caracteriza
também pelo fato de que as massas entraram em movimento. As
massas se mobilizam nos lugares, nos espaços de horizontalidade e
de emoção, em que produzem a linguagem com a qual elas afrontam
o mundo. Nesse caso, a criação territorial de novas coerências
horizontais aparece como fundamental. Trata-se de estimular essa
criação em todos os domínios, pois assim o domínio linguístico
não ficará isolado (Santos, 2002, p.112-113).
Esse cenário de possibilidades que as horizontalidades podem representar,
explica porque que a técnica não se faz presente com a mesma força em todos os
espaços, porque cada vez que uma modernização é imposta ao lugar,
automaticamente assume o papel de novidade, ou seja, representa o novo. “A
chegada do novo causa um choque. Quando uma variável se introduz num lugar, ela
muda as relações preexistentes e estabelecem outras. Todo o lugar muda” (Santos,
1988, p.8).
Nesse processo, o novo irá se somar ao conteúdo pré-existente no espaço,
pois cada lugar combina variáveis de tempos diferentes (rugosidades). Assim, não
existe um lugar onde tudo seja novo ou tudo seja velho. “O arranjo de um lugar,
através da aceitação ou rejeição do novo, vai depender da ação dos fatores de
organização existentes nesse lugar, quais sejam, o espaço, a política, a economia, o
social, o cultural” (Ibid, p. 98). Por isso, a imposição de lógicas globais, como objetos
70
técnicos, por exemplo, podem assumir papéis diferenciados, dependendo da ação
receptora dos lugares, uma vez que o “novo pode ser recusado se traz ruptura que
retire a hegemonia das mãos de que a detém” (ibid, p.98) no espaço vivido, ou seja,
se a inserção do novo significa abstrair o poder das forças hegemônicas locais, pode
ser recusado para que a ordem estabelecida não seja alterada.
Por tudo do que apontamos até agora, neste sub-item, duas questões
merecem rápidas digressões: a da relação espaço e lugar; e a da relação “de fora” e
“de dentro”. A pretensa diferença (e por vezes “oposição”) entre espaço e lugar deve
ser tomada, sempre, com cautela, pois, por exemplo, podemos falar de “espaço
local” e “lugar do mundo”. Esta “oposição” tem seu desdobramento na própria
maneira como tem se processado o modo de produção capitalista, buscando impor
um “espaço” a todos os lugares, reduzindo o poder deste a quase nada. Mas esta
“oposição” deve ser agora e para que não caiamos na armadilha de mais um
binarismo teórico-conceitual repensada, pois as palavras, termos, categorias e
conceitos podem querer dizer, às vezes, mais que o mundo diz, pois o próprio
mundo é, também, a linguagem pela qual o pensamos, o imaginamos, o refletimos e
nos posicionamos nele. Espaço e lugar devem ser tomados apenas, em suas
“diferenças”, para fins de exposição e análise, pois a questão central é como cada
pessoa, grupo, classe, instituição, firma... se põe, se pensa, se imagina, se reflete,
se posiciona e atua no mundo. Por vezes, também se pensa o espaço como algo
mais abstrato, mais geral, enquanto o lugar como algo mais concreto, mais particular
(Tuan, 1980; 1983), mas o “perigo” disso é a reprodução de uma “oposição” que não
se encontra, de um espaço que não se troca, enfim, de um mundo sem dialética.
Nessa mesma perspectiva, vale pensar a relação entre o “de fora” e o “de
dentro”, no sentido de não “demonizar” o exógeno e nem de “endeusar” o endógeno.
Como assim? Em aproximação a Rogério Haesbaert (2008), podemos dizer que
toda cultura é híbrida, seja a “hipermoderna” ou a mais “primitiva”, pois elas, de uma
ou de outra forma, se produzem e se produziram de encontros possíveis em dados
momentos, espaços e contextos. Em segundo lugar, a ideia de que “tudo o que vem
da globalização é desterritorializador” deve ser lida sem predileção por um ou outro
lado: a exaltação do “de fora” ou a romantização do “de dentro”. O desafio, em
nosso mundo cada vez mais ligado ou interligado, é dar passagem às sínteses
possíveis, tendo como protagonistas as gentes dos lugares e suas relações de
liberdade, igualdade e solidariedade com gentes de outros lugares os mais diversos
71
possíveis. Pois, em geral, discursos e práticas “globalizantes” têm obliterados falas e
práticas nos lugares, enquanto que discursos e práticas “localistas” (que podem
reproduzir localismos, bairrismos, regionalismos, nacionalismos, coronelismo,
mandonismos...) podem servir para a reprodução de lógicas de dominação,
exploração e subserviência fundadas no local.
1.7 O jogo de escalas
67
Todo homem ou mulher quando vem ao mundo nasce com uma herança
(no mínimo, genética). A partir de sua socialização no ambiente familiar, a herança
histórica e social é consolidada psicologicamente pela interação com os pais, e à
medida que aumenta sua percepção cognitiva, também aumenta sua percepção do
mundo. Não é por acaso que geralmente na adolescência ocorrem conflitos entre
pais e filhos. Porque geralmente nesse período (além das mudanças biológicas que
alteram o comportamento) percebe-se que o mundo é maior do que se podia
observar no seio familiar, que os pais não são super-heróis e possuem falhas
(principalmente em relação ao que exigiam ou orientavam, e que o adolescente
descobre que eles não praticam), que as possibilidades de vida não se resumem ao
que lhe fora ensinado na infância. A partir desse momento inicia-se um movimento
de reconfiguração das percepções escalares no sujeito. O real, em suas múltiplicas
escalas, começa a ser entronizado e moldar a personalidade e os comportamentos
do ser. Nesse período, a visão de mundo pode alicerçar-se em bases tradicionais do
espaço vivido, ou abrir para novas possibilidades a partir do contato com outras
pessoas, de novas experiências e dos conhecimentos que são adquiridos.
Atualmente, esse processo é dinamizado e amplificado pelo grande leque
informacional disponível na sociedade, uma vez que:
[...] o papel que a informação e a comunicação alcançaram em todos
os aspectos da vida, o cotidiano de todas as pessoas assim se
enriquece de novas dimensões. Entre estas, ganha relevo a sua
dimensão espacial, ao mesmo tempo em que esse cotidiano
enriquecido se impõe como espécie de quinta dimensão do espaço
banal, o espaço dos geógrafos (Santos, 1997, p.321).
67
Em aproximação aos “jogos de escalas” temporais (cf. Revel, 1998).
72
Esse que é o momento da formação da consciência de mundo (ou
inconsciência, se atentarmos ao processo de alienação), também é o período do
embate entre local (que a percepção sentia com maior intensidade) e as novas
escalas do real. Esse conflito iniciado não tem fim, pois a todo momento da vida o
sujeito viverá relações ora mais locais, ora mais globais, uma vez que a “ordem
global busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os lugares
respondem ao Mundo segundo os diversos modos de sua própria racionalidade”
(Santos, 1997, p.338).
A partir desse pressuposto, urge indagações em relação ao papel de cada um
na sociedade, pois o que somos diante da nossa percepção espacial? Seres locais
ou globais? As firmas, instituições e pessoas podem ser caracterizadas como
“locais”, “regionais”, “nacionais” e/ou “globais”? Uma pessoa, por exemplo, pode não
ter acesso à internet, mas consumir, mesmo que esporadicamente, um brinquedo
fabricado na China. O que ela é? Local, regional, nacional ou global? Então,
poderíamos pensar sobre os diferentes “graus de conectividade” (local, regional,
nacional e global...). Mas como definir isso?
Para realizar essa discussão poderíamos partir para o caminho dos conceitos,
procurando restringir o significado das diversas delimitações de estudo do espaço
(local, regional, nacional e global...), e posteriormente enquadrando os aspectos do
real nessas “molduras teóricas”. Porém, entendemos que a discussão acerca de
cada uma dessas concepções já possui uma variada bibliografia, com diversas
“visões” específicas para cada uma delas. Assim, decidimos proceder nossa
proposta de análise no âmbito da questão escalar, pois a partir desta podemos nos
portar a diferentes frações espaciais sem necessariamente conceituar teoricamente
cada uma, o que não é objetivo desse trabalho.
Assim, para iniciarmos essa discussão, é importante direcionarmos qual o
nosso posicionamento sobre a termologia de escala, pois diferentes autores se
dedicaram à análise escalar (como Boudan, Moles, Brunet, Lacoste, Grataloup,
Racine, Rafesttin e Ruffy, discutidos por Castro [2007]).
Compreendemos, por escala, toda a dimensão de acontecimentos que
influencia a vida de cada pessoa, grupo, instituição, firma... Dessa forma, abre-se
um leque de questões, e estas, por sua vez, serão analisadas a partir de sua origem
73
e a dimensão de seus impactos. Assim, um fenômeno global é todo aquele cuja
origem é extra-nacional e seu impacto é planetário; o nacional é todo aquele que se
origina de espaços de um Estado-Nação e seus impactos são percebidos nos limites
desse país; regional é aquele que advêm de uma região pré-definida e seu impacto
somente é percebido por esse espaço específico; local é a dimensão que não
extrapola a delimitação de um município, este também é o perímetro de impacto
dessa esfera. Contudo, devemos observar que uma dimensão se sobrepõe à outra e
que a dimensão regional sobrepõe quase todas, menos a global, pois uma região
68
pode abranger vários espaços locais, ou um território com várias províncias e
países. Porém, quando o impacto de um fenômeno atinge uma proporção planetária,
automaticamente se torna global. Percebe-se que cada dimensão tem origem local e
que o ponto de diferenciação é a extensão espacial do impacto.
Essa compreensão escalar tem aproximação com as posições de Santos
(1997, p. 152), que aponta que:
A noção de escala se aplica aos eventos segundo duas acepções. A
primeira é a escala da “origem” das variáveis envolvidas na produção
do evento. A segunda é a escala do seu impacto, de sua realização
[...] No primeiro caso, temos a escala das forças operantes e no
segundo temos a área de ocorrência, a escala do fenômeno.
Dessa forma, temos sempre a condição de fluxo, o ponto que emana e o que
recebe, remetendo à condição metafórica de “espaços que mandam e espaços que
obedecem” decorrentes do conjunto indissociável de sistemas de objetos e de
sistemas de ações que compõem o espaço (Santos, 2001, p. 264).
Percebemos que a condição escalar dos eventos se origina do interior dos
sistemas que eles pertencem, no movimento de constituição e reprodução espacial,
por isso as ações e objetos que estão no limite de nossa percepção podem ter
origem em pontos muito além de nossa visão, pois o frutos de processos que não
se limitam a uma extensão territorial dada ou predefinida. Esses processos estão
68
Apesar de ampla discussão cerca da legitimidade da região diante das forças globais, essa
concepção continua operante, pois, em concordância com Santos (1997), o tempo acelerado
aumenta a diferenciação de eventos, logo também a diferenciação de lugares, assim à possibilidade
de recorte continua, mesmo que esse tenha vida curta diante da velocidade das transformações
globais, pois o que importa é a coerência funcional.
74
próximos e distantes, pois não isolamento espacial e nem tão pouco uma
mundialização completa dos acontecimentos. Por isso, cada lugar possui formas
espaciais
69
diferentes, decorrentes dos variados processos que compõem a história
da humanidade, ou, dito de outro modo, de cada porção de espaço e tempo
humanos.
Assim, se podemos falar em espaço como totalidade, concepção geral, pois
uma história geral da humanidade, também é possível falar que diferentes
níveis espaciais (local, regional e nacional), porque uma história mais específica
dos lugares. Portanto, como somos seres sociais, logo somos seres espaciais, pois
a noção de sociedade é intrínseca à concepção de espaço (porque todas as ações e
objetos que compõem o espaço se originam das relações sociais), dessa forma,
simultaneamente, somos sujeitos locais, regionais, nacionais e globais, à medida
que o conjunto das ações (conscientes e inconscientes) determina os objetos, que
determina as formas, que determinam o espaço.
Assim, um índio no interior da Amazônia, que vive segundo a história local de
sua tribo e que nunca teve contato com um produto eletrônico, pode ser um sujeito
global? “Sim”, à medida que o espaço de seu cotidiano está inserido politicamente
nos limites territoriais de um país (espaço nacional), que está inserido na lógica
global (espaço global); e “não”, pois na escala do impacto o global não é percebido.
Percebe-se que um “relativismo” na escala do impacto, pois depende da história
e forma de cada espaço, o que não anula a escala da origem. Desta forma, somos
sempre globais, porque o espaço do nosso cotidiano é um subespaço planetário; o
que é diferente em cada lugar é a conectividade com os processos espaciais (a
escala do impacto), como uma construção específica de cada lugar, por isso que
podemos falar que a nossa globalidade depende da nossa localidade.
Assim, nos reportando ao exemplo do início dessa discussão, a pessoa que
comprar um brinquedo fabricado na China promove uma ação que tem repercussão
local (compra e venda), regional (movimento comercial de uma região), nacional
(dinâmica econômica nacional) e global (economia mundial). Como agente ou sujeito
(sujeito-sujeito e sujeito-sujeitado) espacial, cada pessoa, grupo, instituição, firma...
participa de múltiplos “jogos de escala”, e esses devem participar de nossas
reflexões quando buscamos compreender o lugar do/no mundo de cada um e de
69
Neste momento nos referimos somente à densidade social das formas, os objetos, não o conteúdo
natural (relevo, vegetação...).
75
cada uma, na medida mesma em que cada lugar é o mundo e o mundo é cada lugar
(em aproximação a Santos [1997], de que “ser universal é falar do lugar”, em bela
paráfrase de Leon Tolstoi, “ser universal é falar da aldeia”).
1.8 Redes
Os processos “globalizantes” o instituídos de forma organizada,
materialmente e imaterialmente, a partir de grandes centros capitalistas, como as
metrópoles, que irradiam os signos e o poder hegemônico. Essa influência chega a
outros lugares por meio de movimentos em rede, entre os pontos mais articulados e
menos articulados.
As redes são fenômenos sociais e técnicos e, em alguns casos, são
articulações que o “Homem” em sociedade cria para responder suas necessidades,
tais como a comunicação, a alimentação, a proteção e o lazer. Essas articulações
ligam o desejo e o objeto de desejo, isto é, entre quem quer vender e quem “quer”
comprar, o que deseja falar e quem “quer” escutar, o que quer servir e o que “quer”
ser servido, tudo sobre a égide do capitalismo, uma vez que, segundo Marx, o
“sistema de produção dos meios materiais de existência condiciona todo o progresso
da vida social, política e intelectual” (apud Fromm, 1983, p. 144), ou seja, as redes
como elas se constituem hoje, são reflexos do atual estádio da economia mundial.
Assim, as redes se constituem como elementos dinamizadores do sistema e
são produtos da evolução do próprio sistema, que potencializam as capacidades
comerciais e promovem novas relações econômicas, sociais e culturais. Todavia,
esta forma atual das redes se deve em muito ao avanço tecnológico, principalmente
do setor das telecomunicações. Deste modo:
[...] graças ao processo das técnicas e das comunicações, a esse
território das regiões superpõe-se um território das redes. Mas não
se trata de um espaço virtual, como alguns pretendem. As redes são
realidades concretas, formadas de pontos interligados que,
praticamente, se espalham por todo o planeta, ainda que com
densidade desigual, segundo os continentes e países (Santos, 2002,
p. 82).
76
As redes são realidades concretas, que permeiam os territórios, mesmo que
não estejam aparentemente visíveis. Além disso, deve-se “ter em mente que as
redes não se formam por acaso. Elas são resultado do trabalho de numerosos
atores que, em diferentes lugares e momentos, e com capacidades distintas de
ação, exerceram e exercem seu papel como sujeitos da história” (Sposito, 2006,
p.48). Esse processo se desenvolve de várias formas e de acordo com as
singularidades de cada grupo social. Logo, as redes não são puramente
econômicas, apesar de utilizarem recursos técnicos em sua fluidez (fenômeno
normal no culo XXI, que vivemos certa era do tempo rápido ou aceleração do
tempo , mediado pelos avanços na tecnologia de transportes e de comunicação),
uma vez que o trabalho pessoal em redes de conexões é tão antigo quanto a história
da humanidade, a diferença é que ele, contemporaneamente, passou a ser estudado
e compreendido como uma ferramenta organizacional. Nesse sentido:
O que é novo no trabalho em redes de conexões é sua promessa
como uma forma global de organização com raízes na participação
individual. Uma forma que reconhece a independência enquanto
apóia a interdependência. O trabalho em redes de conexões pode
conduzir a uma perspectiva global baseada na experiência pessoal
(Lipnack & Stamps apud Marteleto, 2001).
As redes são um fenômeno formado a partir de bases-objetos (materiais e
imateriais) e por fluxos. As bases correspondem aos elos e os fluxos aos processos
de conexão. Assim, as bases se constituem por meio de objetos técnicos
(materialidade) e de relações sociais (imaterialidade). Os primeiros são pontos fixos
e constituem o arcabouço instrumental do capital e das infra-estruturas sociais, são
redes de rodovias, esgotos, portos, aeroportos, saneamento básico, telefonia etc.
os segundos são atores sociais, pois se constituem a partir do contato entre
indivíduos ou grupos de sujeitos, que interagem entre si, como associações,
sindicatos, partidos políticos, familiares, comunidade escolar, tribos etc.
No campo da conexão, também os fluxos se constituem por meio da
materialidade e imaterialidade, a partir do movimento, ou seja, o movimento de
mercadorias de um ponto do território ao outro, que é um fluxo, assim como o
movimento digital de informações através de e-mails, que também é um fluxo.
Assim, o fluxo é o movimento, as bases materiais (fixos) são as estruturas e as
77
bases imateriais (as relações sociais) permeiam-se, dando sentido à rede, pois uma
estrutura de cabos de fibra ótica pode ser considerada uma rede porque ela se
constitui como instrumento de fluxo de informações para um grupo de pessoas em
diferentes pontos do planeta, ou seja, o fixo só tem sentido no fluxo, e o fluxo só tem
sentido nas relações sociais.
Partindo desses pressupostos, podemos dizer que as redes o instrumentos
das horizontalidades e verticalidades. As horizontalidades fortalecem as relações em
micro-escala (nível local, vizinhança) e as verticalidades as relações em macro-
escala (nacional e global).
Todavia, independente do nível escalar, o aspecto mais marcante e difundido
na literatura pertinente em geral é o de estabelecimento de redes econômicas, que
seriam formadas por pontos que possuem uma densidade técnica no território,
favorecendo o desenvolvimento e a fluidez do processo de acumulação das grandes
empresas globais, ou seja, os espaços que possuem maior quantidade de capitais
fixos (estradas, pontes, silos, terra arada...) e de capitais constantes (maquinário,
veículos, sementes especializadas, fertilizantes, pesticidas...), uma vez que o capital
móvel (fluxos) é antecedido do capital imóvel (Santos, 1997). Neste sentido,
segundo Santos (1997, p.194), Eis por que os territórios nacionais se transformam
num espaço nacional da economia internacional e os sistemas de engenharia mais
modernos, criados em cada país, são mais bem utilizados por firmas transnacionais
que pela própria sociedade nacional”.
Essas redes econômicas são estabelecidas de diversas formas nos territórios,
uma vez que o processo de acumulação capitalista ocorre em diversos contornos na
sociedade. Por isso, as redes podem se materializar em um conjunto de rodovias
que ligam importantes municípios (economicamente) de uma região, ou conjunto de
portos ou aeroportos que ligam o espaço nacional ao exterior, ou até mesmo por
rede de fios e cabos (ou mesmo redes invisíveis via satélites) que conjuntamente
distribuem o serviço telefônico e de internet no território, além do conjunto de
empresas que estabelecem relações comerciais, entre si, no âmbito nacional e/ou
internacional.
Somando a isso, há outro aspecto nas redes econômicas que não é
observável na materialidade do espaço: trata-se dos fluxos informacionais que são
responsáveis por milhões de dados que migram constantemente entre diversos
pontos no mundo e que se convergem em informações (essenciais nas relações
78
comerciais na era da “globalização”) e na transferência eletrônica de valores
decorrentes dessas transações. É neste âmbito que a internet se apresenta como
ferramenta essencial no processo de acumulação capitalista, ligando territórios e
encurtando o tempo, processo que Harvey (1992) chama de “compressão espaço-
tempo”, que é a tendência de eliminação do tempo diante do espaço, ou seja, a
diminuição do tempo do percurso entre os espaços, graças ao desenvolvimento das
comunicações.
Essa agilidade é o “reflexo” do grande aparato tecnológico estabelecido no
meio técnico-cientifíco-informacional, onde há combinação entre a materialidade
(capitais fixos e constantes), entre o conhecimento e a informação, todos a serviço
da acumulação, gerando, por “conseqüência”, um arsenal de objetos e conceitos
(alienantes por vezes) que influenciam a vida e promovem apelações ao consumo,
como parte fundamental da produção de uma “sociedade do consumo”.
Podemos perceber que as redes (hegemônicas) o instrumentos da
“globalização”, por isso ambos redes e “globalização” se retro-alimentam, mas
no que podemos também dizer que as redes são processos antagônicos, pois ora
colocam o espaço na ótica internacional (verticalidades), ora fortalecem a lógica da
localidade (horizontalidades), porque isso se coloca tanto como característica da
“globalização” em seu sentido de imposição, mas também, quando tomadas como
meios de “comunicação livre”, em seu sentido de resistência.
Portanto:
As redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira,
justifica a expressão verticalidade. Mas além das redes, antes das
redes, apesar das redes, depois das redes, com as redes, há o
espaço banal, o espaço de todos, todo o espaço, porque as redes
constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns. O
território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares
em rede: São, todavia, os mesmos lugares que formam redes e que
formam o espaço banal. São os mesmos lugares, os mesmos
pontos, mas contendo simultaneamente funcionalidades diferentes,
quiçá divergentes ou opostas (Santos, 2005, p. 139).
Deste modo, o espaço global também é o espaço banal, onde as
horizontalidades também se fortalecem em rede. Neste aspecto, muitas vezes na
contramão da individualização do paradigma dominante, também as “redes
79
sociais”
70
se instalam na sociedade, aglutinando pessoas que possuem ideias ou
interesses comuns ou simplesmente por alguma utopia em construir um mundo
melhor.
Assim:
Várias são as pessoas que oferecem suporte à família e ao indivíduo,
promovendo, assim, uma melhoria na qualidade de vida daqueles
beneficiados [os autores têm como referência Brito-Dias; Ferreira; e
Lewis]. Dentre elas, destacam-se os próprios membros familiares,
outros parentes da família extensa (avós, tios, primos), amigos,
companheiros, vizinhos e profissionais, que podem auxiliar de
diversas maneiras: (a) fornecendo apoio material ou financeiro, (b)
executando tarefas domésticas, (c) cuidando dos filhos, (d)
orientando e prestando informações e (e) oferecendo suporte
emocional (Dessen & Braz, 2000, p. 221)
Redes sempre existiram. O que temos hoje é a hiper-aceleração das relações
em rede, de redes que podem conectar (e desconectar) instantaneamente, sujeitos,
grupos, instituições, firmas... em escalas a então não possíveis, pelo menos na
velocidade em que elas tem se dado.
Paradoxalmente, no entanto, a conectividade acelerada em redes
multiplicadas, hodiernamente, tem também produzido relações socioespaciais que
também produzem “desconectividades” igualmente aceleradas: o mundo da fixidez
lugar, cada vez mais, na era das redes, ao mundo da fluidez, no qual todas as
relações participam de uma lógica em que “tudo o que é sólido desmancha no ar”
71
.
“Estar plugado”, hoje, representa a condição de ser/estar no mundo, o que,
contraditoriamente, tem resvalado para o movimento acelerado das próprias
relações, como, por exemplo, na ideia de “amor líquido” apontado por Bauman. Na
era das redes, tudo se liquefaz e a única solidez possível parece ser o movimento
fora dele paramos e a imobilidade é, no mundo do capital, a pior das posições
70
Segundo Dessen & Braz (2000, p. 221), com base em Lewis e em Craig & Winston, “rede social” é:
“um sistema composto por “vários objetos sociais (pessoas), funções (atividades dessas pessoas) e
situações (contexto)” [...] que oferece apoio instrumental e emocional à pessoa, em suas diferentes
necessidades. Apoio instrumental é entendido como ajuda financeira, ajuda na divisão de
responsabilidades, em geral, e informação prestada ao indivíduo. Apoio emocional, por sua vez,
refere-se à afeição, aprovação, simpatia e preocupação com o outro e, também, a ações que levam a
um sentimento de pertencer ao grupo”.
71
“Tudo que é sólido desmancha no ar” é uma frase já clássica de Marx, que pretendia observar que
tudo é movimento, dialético. Recentemente, Marshall Berman (1986) discutiu esse movimento em
torno da “aventura da modernidade”, usando da própria frase de Marx como título da obra.
80
possíveis. Não parece ser por acaso, então, que Milton Santos tem enfatizado, como
contraponto ao espaço da rapidez, luminoso e do mando, o “tempo lento” dos
pobres. Também, paradoxalmente, a condição de “imobilidade” dos pobres, imposta
pela gica global capitalista, pode se transformar na força criadora e de resistência
frente à própria lógica da “exclusão”.
81
2
DOURADOS:
DO MEIO TÉCNICO AO MEIO TÉCNICO-
CIENTÍFICO-INFORMACIONAL
O município de Dourados-MS é “produto” de iniciativas estatais, uma vez que,
historicamente a produção deste espaço foi estimulada por programas
governamentais. Constatamos isto ao analisarmos sua historicidade e observarmos
que o município se consolidou a partir de uma colônia agrícola (Colônia Agrícola
Nacional de Dourados CAND) e foi direcionado por programas que buscavam o
desenvolvimento da parte meridional do antigo Mato Grosso posteriormente, a
partir de 1979, o Sul do Mato Grosso do Sul.
Esse espaço foi equipado com objetos cnicos para que se tornasse
fornecedor de produtos primários ao país e para o exterior, especificamente os
produtos provindos da agropecuária. Como “consequência” deste processo, os
equipamentos técnicos instalados permitiram a produção de um meio técnico e,
atualmente, de um meio técnico-científico-informacional, uma vez que, a priori, estes
objetos possuíam a finalidade de atender as demandas da produção agropecuária,
mas também se expandiram para outros segmentos, e hoje atendem a indústria, o
comércio, o ensino e a população
72
em geral.
Tais questões, aqui abordaremos, buscando percorrer uma ordem
cronológica, de acordo com os diferentes períodos de produção espacial, buscando
elucidar como o território de Dourados foi produzido até o estabelecimento do meio
técnico-científico-informacional. Neste caminho, nos pautaremos em Silva (2003, p.
29-32) que descreve quatro etapas do desenvolvimento do município, porém
relacionando-os com os diferentes meios geográficos de Santos (1997 p. 187-197).
72
O termo “população” também tomamos com ressaltas, pois deve sem compreendido como parte
das invenções (cf. Le Brás, 2000) e dos poderes (cf. Foucault, 2008) “modernos”.
82
(No entanto, não entraremos em detalhes em relação ao fim do meio natural no
espaço em que hoje se situa Dourados, por entendermos que este estudo precisa de
uma análise histórica e espacial minuciosa do período anterior ao século XIX, o que
não é objetivo deste trabalho).
Assim, nos remeteremos ao estudo histórico-espacia,l a partir da constituição
do meio cnico no espaço supracitado, mas cabe ressaltar neste momento que o
limite temporal da presença de um meio geográfico e o surgimento de outro não
ocorre abruptamente, uma vez que a passagem de um para o outro pode se dar
lentamente, ao mesmo tempo em que, na medida que elementos do meio
emergente se instauram, objetos do meio anterior continuam a se materializar por
certo período no espaço (e até nem mesmo desaparecer totalmente). Por isso, ao
retratarmos o início da produção do meio técnico, por exemplo, não significa que não
possa ter existido simultaneamente objetos do meio natural, mas sempre um
conjunto de objetos e de ações que posteriormente se constituem como marco de
consolidação do meio emergente, consolidando “funções” socioespaciais com base
em um “princípio hierárquico”, em que um novo meio se institui e se constitui com
suas “funções” e se sobrepõe às “funções” precedentes sem, necessariamente,
destruí-las completamente (em aproximação a Raffestin, 1993).
2.1 O meio técnico
A partir da implantação da técnica temos a espacialização do tempo, ou seja,
o tempo materializado através dos objetos, por isso, a técnica permite representar a
estrutura espacial de cada lugar.
Partindo desse pressuposto, buscamos compreender a formação do meio
técnico em Dourados. Nesse sentido, segundo Araújo & Oliveira Neto (2007, s/p.), a
região que abrangeria o território que posteriormente se tornaria município de
Dourados, no século XIX, era caracterizada por:
83
[...] uma diversificada população indígena, remanescente da
ocupação espanhola e da Guerra do Paraguai, que ocupava o
território de maneira dispersa, com extensas áreas disponíveis. Por
outro lado, o povoamento branco era inexpressivo, possuindo baixa
densidade populacional, visando somente à segurança nacional,
servindo de reserva de colonização e território de passagem dos
exploradores do ouro levado para São Paulo (Araújo & Oliveira Neto
2007, s/p.).
No fim do século XIX, inicia-se o “ciclo”
73
da erva-mate (1880-1940) onde,
segundo Silva (2003, p. 29), a “extração ervateira foi introduzida e controlada por
uma grande empresa estrangeira Companhia Matte Laranjeira” que se
estabeleceu no cone sul do antigo Mato Grosso e influenciou o desenvolvimento
desta região, pois possuía a concessão de uso de uma longa faixa de terra em
monopólio que chegou a 3 milhões de hectares, com um lucro seis vezes maior que
a receita do estado, em 1924, permitindo-lhe inclusive realizar empréstimos ao
governo (Araújo & Oliveira Neto, 2007, s/p.).
Fonte: Gressler & Swensson apud Araújo & Oliveira Neto 2007, s/p.
73
A ideia dos “ciclos” é problemática, porque, rigorosamente, os “ciclos” não se fecham, uma vez que
a produção não desaparece por completo nos “ciclos seguintes. Mesmo fazendo uso do termo,
observamos que a ideia de “ondas” seja mais pertinente.
84
Simultaneamente à consolidação do poder político-econômico da Matte
Laranjeira no antigo Mato Grosso, no sul do estado ocorriam mudanças estruturais
decorrentes do capitalismo internacional que se instalou maciçamente na região,
introduzindo novas mercadorias, aprofundando a divisão do trabalho e suprimindo o
período manufatureiro das casas comerciais
74
. Assim, de 1891 a 1929, segundo
Araújo & Oliveira Neto (2007, s/p.) se instalam:
[...] os grandes latifúndios de pecuária extensiva, como a Brazil Land
and Cattle Packing Co. do grupo belga Farquar, que criava o gado na
região e a Cia Matte Laranjeira, empresa cediada em Buenos Aires e
instalada na Região de Dourados em 1892. É importante ressaltar,
também, a criação da estrada de ferro Noroeste do Brasil (NOB), em
1904, como um importante fator de circulação e escoamento da
produção regional. Esse dado técnico promoveu um incremento na
readequação econômica e (re)valorização do espaço produtivo na
porção sul do antigo Mato Grosso.
Em meio a estas transformações, a partir da primeira década do século XX
até 1940, ocorre, segundo Silva (apud Abreu & Santos, 2003, p. 179), o surgimento
do núcleo urbano de Dourados, decorrente da exploração da erva-mate e da
pecuária extensiva que é promovida na região. A constituição deste espaço é
“consequência” da formação de um meio técnico embrionário que se formava a partir
da presença do capital internacional e agrário, uma vez que apesar de não
apresentar uma grande densidade de objetos cnicos, o espaço já se constitui
como território do capital e as atividades realizadas não buscam somente a
preservação e continuidade da vida, como os sistemas técnicos do meio natural
apresentados por Santos:
[...] os sistemas cnicos não tinham existência autônoma. [...] As
motivações de uso eram, sobretudo, locais, ainda que o papel do
intercâmbio nas determinações sociais pudesse ser crescente. [...] A
harmonia socioespacial assim estabelecida era, desse modo,
respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma
nova natureza. Produzindo-a, a sociedade territorial produzia,
também, uma série de comportamentos, cuja razão é a preservação
74
“A ação das empresas ligadas diretamente ao capital financeiro, que eliminou a mediação da casa
comercial, começou por intensificar o processo de concentração da propriedade fundiária e da
produção em Mato Grosso” (Alves apud Araújo & Oliveira Neto 2007, s/p.).
85
e a continuidade do meio de vida. Exemplo disso são, entre outros, o
pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante (..) Esses
sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos,
pelo fato de serem indissolúveis em relação à Natureza que, em sua
operação, ajudavam a reconstituir. (Santos 1997, p. 188).
Como podemos perceber, as atividades realizadas neste período visavam a
produção capitalista e não eram sistemas técnicos de manutenção da sobrevivência,
pois a produção de erva-mate era quase na totalidade destinada ao mercado
externo. Além disso, a estrada de ferro e o trem que caracterizam a presença da
máquina, foram os marcos de distinção do meio técnico em relação ao natural.
Outro aspecto determinante no desenvolvimento do município, foi o Programa
de Colonização “Marcha para o Oeste”, durante o Governo Vargas, que promoveu a
criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) em 1943
75
. Segundo
Silva (2003, p.30), a partir da criação da CAND inicia-se o primeiro processo de
intervenção Estatal no município (1943-1969), que redirecionou a economia local,
que se baseava em grande medida no extrativismo, para a policultura dos colonos
76
.
Segundo Abreu (2001, p.59), a Colônia Agrícola Nacional de Dourados teve
um caráter de povoamento, com múltiplos objetivos:
a) garantir a ocupação territorial, aumentando o contingente
populacional das áreas limítrofes com os países vizinhos; b)
“desafogar” áreas de possíveis conflitos sociais, como o Nordeste
brasileiro, por exemplo, dadas as condições de miserabilidade
enfrentadas pela grande maioria da sua população, em constante
migração para outras áreas do País (principalmente São Paulo e
Amazônia) e agora, para o Sul de Mato Grosso; c) confirmar a parte
austral mato-grossense como extensão do Sudeste,
participando como mercado de consumo dos produtos
paulistas, bem como extensão da área de produção (Abreu, 2001,
p. 59, grifo nosso).
75
Em decorrência do grande número de pessoas advindas de várias partes do país para ocupar as
terras da CAND, inicia-se a exploração da região sul do estado por empresas de colonização.
76
O governo do Estado Novo (1937-1945) propõe a nacionalização das fronteiras, com objetivo
econômico, contra o expansionismo do latifúndio da Companhia Mate Laranjeira; e estratégico, pois
buscava maior soberania nacional. “Por isso, por meio de Decretos-Leis, são fundados diversos
territórios nacionais, dentre os quais o Território Federal de Ponta Porã (criado em 13 de setembro de
1943 e extinto em 1946) e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados, CAND, (criada em 28 de
outubro de 1943 e efetivamente implantada em 1948)” (Araújo & Oliveira Neto 2007, s/p.).
86
Como resultado desse processo ocorre uma migração intensa para a Região
de Dourados
77
, destacando-se na época a presença dos “granjeiros”
78
, migrantes
gaúchos, “beneficiados pelo crédito do Banco do Brasil e atraídos pelo preço da
terra ocupam o território e passam a desenvolver uma cultura mecanizada de
cereais, já incorporada de novas técnicas” (Araújo & Oliveira Neto, 2007, s/p.).
A presença dos granjeiros e novas intervenções Estatais, especialmente a
partir dos anos 1970 (aprofundando-se nos anos 1980) com o processo de
“modernização da agricultura”, que se apresentaram no espaço supracitado, foram
os responsáveis pela inserção do Município de Dourados no meio técnico-científico-
informacional.
2.2 O meio técnico-científico-informacional
Conforme Silva (2003, p. 29), o primeiro momento de desenvolvimento de
Dourados ocorreu durante o “ciclo” da erva-mate (1880-1940), o segundo ocorreu
durante a implantação da CAND (1943-1969)
79
, o terceiro ocorre a partir da década
de 1970, utilizando-se dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND).
No Centro Oeste, durante o PND, foram implantados programas especiais
como PRODEPAN (Programa de Desenvolvimento da Região do Pantanal) e
PRODEGRAN (Programa Especial de Desenvolvimento da “Região da Grande
Dourados”), focados no ideário nacional desenvolvimentista de “racionalização do
espaço” para a produção em larga escala, visando às exportações e o equilíbrio da
balança comercial.
77
A Expressão Região de Dourados ou Região da Grande Dourados designa o espaço constituído
pelos municípios que possuem como pólo o município de Dourados, uma vez que nele acumula um
conjunto de funções diretoras que os demais não possuem e por isso são dependentes dele em
algum aspecto como comércio, serviços, lazer etc.
78
Os migrantes gaúchos, eram chamados de granjeiros, porque grande parte deles eram agricultores
e no sul era comum chamar a propriedade agrícola de granja.
79
Nas décadas de 1960 e 1970, o governo federal implanta órgãos e lança sucessivos planos
nacionais com o intuito de promover a integração nacional do país a partir da desconcentração
econômica do Sudeste. Nesse sentido foram criadas a SUDENE (Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste, em 1959), a SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia, em 1966) e a SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste, em
1967), além do (1971-1974), (1975-1979) e (1980-1985) PND (Plano Nacional de
Desenvolvimento).
87
Nesse processo, novas relações são estabelecidas no município, alterando
novamente a produção socioespacial instaurada a partir da CAND. Segundo Silva
(2003, p.30), essa é a terceira fase de desenvolvimento do município, que se
caracterizou pela:
Introdução das culturas tecnificadas de trigo e soja por lavoureiros
sulistas fortemente induzidos por políticas federais de apoio a
exportação. Esse terceiro ciclo demarca também o início de um
processo mais consistente de industrialização regional com a
implantação de nossas primeiras plantas industriais para o
beneficiamento da produção de grãos [...] todas sob o controle de
capitais regionais. (Silva 2003, p.30).
Em “consequência” das mudanças no campo e da introdução da
agroindústria, o espaço urbano de Dourados também passou por reestruturações de
toda ordem em decorrência da introdução de um maior conteúdo de ciência,
tecnologia e informação nos processos de sua produção. Neste sentido, Gressler &
Swensson (apud Araújo & Oliveira Neto, 2007, s/p.) afirmam:
O setor urbano também não ficou alheio às mutações ocorridas na
área rural e evoluiu rapidamente. [...]. Entretanto, o fato mais
significativo das investidas dos granjeiros, em terras do Mato Grosso
do Sul, foi o da formação, em Dourados, de toda uma rede de
relações terciárias, representadas principalmente por empresas
ligadas ao comércio de cereais, à venda de implementos e máquinas
agrícolas, assistência técnica, firmas de planejamento rural,
instituições estaduais e federais de administração, sucursais
bancárias, faculdades.
Como é possível perceber, a atuação governamental no território douradense,
nessa terceira fase de desenvolvimento, foi crucial para a inserção de Dourados no
meio técnico-científico-informacional, por isso descreveremos esse processo com
maiores detalhes a partir da Abreu (2001), que analisou planejamento
governamental organizado pela SUDECO no chamado “espaço mato-grossense” a
partir da década de 1970.
88
2.2.1 As ações da SUDECO
Em 1967 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste
(SUDECO), com o intuito de “permitir” o processo de integração nacional à lógica do
capital nacional e mundial, além de permitir a ligação entre o Norte e o Sudeste/Sul
do Brasil centrada sobre um ideário desenvolvimentista de integração rodoviária. Até
1973, este órgão deu prioridade à orientação de uma política rodoviária de eixos de
penetração, voltada para a “integração” e o escoamento da produção, ligando o sul
do antigo Mato Grosso a São Paulo.
A partir da década de 1970, durante o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I
PND), foi criado o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRODOESTE),
“com o objetivo de viabilizar a circulação das mercadorias, do capital e das pessoas”
(Abreu, 2001 p. 65). Este programa implantou ou melhorou, no “espaço mato-
grossense”, 3 mil km de rodovias, entre as quais o trecho de Campo Grande até Rio
Brilhante, Dourados e Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai (339 km); e o trecho
de Dourados aa divisa com o Paraná, até Paranavaí-PR (304 km), além da BR-
163 (trecho Rondonópolis/Campo Grande/Dourados, com 700 km), que no espaço
mato-grossense o PRODOESTE estabeleceu como uma das rodovias federais
prioritárias
80
.
Como resultado desse processo, observando-se um mapa rodoviário,
é possível verificar a forma de um leque, partindo de São Paulo, em
direção ao interior, ao mesmo tempo em que os principais eixos, no
Centro-Oeste, pouco se articulam entre si. [baseando-se em Diniz &
Lemos] o salto rodoviário a que foi submetido o interior do País, nos
anos sessenta e setenta, teve papel fundamental para a integração
do mercado nacional, estabelecendo o elo de ligação entre o Norte-
Sul e o Leste-Oeste (Abreu, 2001, p 64).
80
O então Mato Grosso constituiu-se e consolidou-se (no dizer da SUDECO) como Fronteira
Agrícola do País, sendo considerado como fronteira de recursos com grande potencialidade, o que,
na prática, apresentava duplo papel, de povoamento e de crescimento econômico, através da
instalação de áreas-programas, diretamente vinculadas técnica e financeiramente ao Governo
Federal, via SUDECO, estando suas diretrizes centradas nas metas de “Integração Nacional” do I
Plano Nacional de Desenvolvimento” (Abreu, 2001, p. 65).
89
Dessa forma, as vias de comunicação, sobretudo as rodovias, reorientam o
desempenho do Centro-Oeste na economia nacional (e também internacional, mas
sob dependência, sobretudo, do Sudeste). Nesse processo, os núcleos urbanos
expandiram-se a partir das ligações com São Paulo, embora continuassem sem
conexão interna, na própria região. Foi neste contexto que o município de Dourados
surge como destaque regional, “face à ampliação da produção agrícola do sul do
então Mato Grosso, que se tornou uma fornecedora de produtos alimentícios e
matérias-primas para os centros importadores, principalmente São Paulo” (Abreu,
2001, p 69).
Desse modo, evidenciamos que no início dos anos de 1970:
[...] o Estado canalizou recursos para a agricultura e pecuária
(inclusive em relação à pesquisa)
81
e incentivou as exportações,
fornecendo estímulos aos produtos com preços elevados no mercado
externo, especialmente à soja, objetivando nitidamente substituir a
agricultura diversificada e de subsistência pela agricultura comercial
de exportação a monocultura (Abreu, 2001, p.72).
Como meio de viabilizar esta meta, o Estado elaborou, a partir da realização
de diagnósticos e prognósticos, o Plano de Desenvolvimento Econômico-Social do
Centro-Oeste (PLADESCO)
82
, que definiu 13 áreas para incorporação de uma
política de concentração de recursos, dentre as quais o PRODEGRAN (Programa
Especial de Desenvolvimento da Região da Grande Dourados), criado em 1976,
conforme aponta Abreu:
81
“Nessa direção foi criada, em 1973, a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisas
Agropecuárias), que se transformou na “garota propaganda” desse processo, pelo menos até meados
dos anos oitenta, quando começaram a ser divulgadas alternativas como o plantio direto e o
controle natural de pragas, por exemplo. Além disso, foram implantados vários cursos de Agronomia
e Medicina Veterinária, com o objetivo de fomentar a pesquisa agropecuária, bem como disseminar a
necessidade de racionalização/modernização do setor e a utilização de técnicas, insumos e
mecanização, veiculada pelas empresas multinacionais instaladas no País. A UFMS e a UFMT são
exemplos desse processo, tendo a SUDECO, inclusive, patrocinado, no caso da UFMS, móveis e
equipamentos para laboratórios para o curso de Agronomia, em Dourados-MS” (Abreu, 2001, p.72).
82
Foi o primeiro plano elaborado pela SUDECO para uma programação de ações a serem realizados
a longo e médio prazos, dentro das metas nacionais de expansão do mercado e de ampliação da
produção de produtos não-tradicionais como, por exemplo, minérios, soja, para exportação (Abreu,
2001, p.86).
90
Criado pela Exposição de Motivos CDE 007/76, de 07 de Abril de
1976, o Programa Especial da Região da Grande Dourado visava ao
aproveitamento da potencialidade agrícola de que dispõe a região sul
do Estado de Mato Grosso, envolvendo inicialmente 22 municípios -
uma área de 84.661 km² ou 84,6 milhões de hectares - cujo pólo de
desenvolvimento seria a cidade de Dourados. [...] A constatação era
que apenas 15,3% da área estava ocupada com atividade agrícola e
os outros 80 % destinavam-se à pecuária extensiva com baixo nível
de utilização de tecnologia (..). Os limites do Programa abrangiam
cerca de seis milhões de hectares considerados amplamente
satisfatórios para atividade agrícola e fácil comunicação com os
mercados do Centro-Sul. Na justificativa da SUDECO, tratava-se de
uma área com elevada produtividade e que se encontrava sob o
impacto direto da influência do Estado de São Paulo, em virtude das
inter-relações comerciais com as áreas de mercado do Centro-Sul. A
ideia era fomentar a infra-estrutura necessária para potencializar
vantagens comparativas já estabelecidas, pois que, ao sul de Mato
Grosso, os solos eram férteis, com grandes faixas de basalto - terra
roxa - para produção de arroz, milho, soja, amendoim, feijão e trigo.
Vislumbrava-se a ampliação da produção agropecuária objetivando a
exportação, o que era objetivo do II Plano Nacional de
Desenvolvimento, por um lado, e, de outro, à retração na importação
de produtos como o trigo, por exemplo, que passa a ter na “Região
da Grande Dourados” especial atenção (Abreu, 2001, p. 172).
91
Figura 02- “Região da Grande Dourados”
Fonte: Abreu, 2001.
As metas e objetivos do PRODEGRAN eram fortalecer as atividades
produtivas da região e a vocação”
83
regional para a exportação de produtos
agrícolas e agroindustriais. Nesse sentido, urgiam algumas proposições de atuação,
tais como:
83
Na política de desenvolvimentista da SUDECO o Centro Oeste foi dividido em várias áreas de
atuação, cada qual foi estimulada de acordo com que o Estado entendia que seria sua potencialidade
econômica. Neste sentido, o termo “vocação” designava o conjunto de vantagens comparativas que
permitia que alguma atividade econômica se desenvolvesse com maior desempenho do que outras
em determinado território.
92
[...] incentivar o aumento da produtividade; utilizar práticas
conservacionistas, de maior tecnificação e modernização das
práticas de comercialização; introduzir novas culturas; promover o
combate a erosão urbana; e intensificar a infra-estrutura capaz de
potencializar essas realizações. Além dessas, havia também
discursos acerca de “equipamentos sociais”; uma perspectiva que se
perde no decorrer da programação efetivamente elaborada e
realizada (Abreu, 2001, p. 173).
Para alcançar estas metas, o PRODEGRAN organizou subprogramas de
atuação nas áreas de armazenamento, energia elétrica (rural), transportes (estradas
vicinais), controle de erosão urbana, pesquisas agropecuárias, assistência técnica
ao produtor rural, promoção da suinocultura, elaboração de planos urbanos de uso
do solo e instalação da Bolsa de Cereais de Dourados
84
(detalharemos cada
subprograma, a seguir).
a) Armazenamento
A proposta de implantação de uma infra-estrutura de armazenamento
calcava-se na projeção de ampliação da produção em torno de 10 milhões de
toneladas de cereais e grãos, baseada na incorporação da “Região da Grande
Dourados” na dinâmica da economia de mercado, onde a produção incentivada
encontrava respaldo na balança comercial do mercado mundial.
Neste processo:
A CIBRAZEM, seria o órgão federal responsável pela infra-estrutura
de unidades armazenadoras na “Grande Dourados”. Foram
consumidos Cr$120.000.000,00 (US$4,42 milhões), sendo
Cr$90.000.000,00 (US$3,31 milhões) provenientes de recursos
federais e Cr$ 30.000.000,00 (US$1,10 milhão) da própria
CIBRAZEM, em um conjunto de silos metálicos nas cidades de Ponta
Porã, Dourados, Maracaju, Sidrolândia e Rio Brilhante, para agregar
em torno de 60 mil toneladas de capacidade estática de
armazenamento. No entanto, foram gastos Cr$169.000.000,00
(US$6,22 milhões) para conclusão de 11.000 toneladas, com a
construção do silo metálico em Rio Brilhante
85
.Uma perspectiva de
recursos e de capacidade de armazenamento, como se vê, muito
84
Apesar de planejada, segundo Abreu (2001, p.181) a Bolsa de Cereais de Dourados nunca entrou
em operação.
85
Além de outros quatro, que foram concluídos à posteriori.
93
inferior a idealizada (Abreu, 2001, p.174).
Apesar de inferior ao planejado, esta estrutura de armazenamento foi
fundamental para a instauração de uma monocultura tecnificada de exportação.
b) Energia
Segundo Abreu (2001, p.176), a “problemática da energia elétrica foi
apontada pelos técnicos e ex-funcionários da SUDECO como o setor prioritário do
Programa”, uma vez que a energia seria fundamental do ponto de vista da
incorporação das tecnologias propostas para a agricultura, bem como para a agro-
industrialização.
Como “consequência” da eletrificação e a subsequente inclusão de novas
tecnologias ao campo para atender a expansão da monocultura, inicia-se o processo
de êxodo rural e abandono da prática da policultura; isto induz o agricultor
86
a
satisfazer suas necessidades do mercado urbano. Somado a isso, as linhas de
crédito disponíveis se voltam para a produção comercial como a soja e o trigo, pois
estão atreladas à incorporação da tecnologia disponível: tratores, semeadoras,
colheitadeiras etc, que o agricultor descapitalizado não consegue incorporar.
Além do mais:
Outro aspecto importante está relacionado com o custo da
eletrificação rural. Segundo o então presidente da Cooperativa de
Eletrificação, Moacyr de Azevedo, o financiamento era realizado, em
média, para seis anos, sendo que, quando os trabalhos começaram,
os juros eram 9% ao ano. Daí passaram a 12%, depois a 15%,
chegando no início dos anos oitenta, a 45%. Isto para o usuário rural,
principalmente o pequeno agricultor, seria um juro elevadíssimo,
mesmo porque o número de associados à Cooperativa era diminuto,
de modo que os prejuízos provenientes do aumento dos custos da
dívida eram divididos entre poucos (Abreu, 2001, p.177).
86
Teixeira (1989), sobre a região de Dourados, apontava, em relação à expansão da “fronteira
agrícola”, a importância de um “novo homem” (o sulista, principalmente) como condição para o
“desenvolvimento”.
94
Esses aspectos promovem, segundo Abreu (2001, p.177), as razões para a
expulsão do “Homem” do campo em que os periódicos oficiais
87
não fazem
referência.
c) Transporte
Como apontamos, a SUDECO investiu na construção de rodovias na
“Região da Grande Dourados”. No Contexto do PRODEGRAN, previu-se a
construção de 600 km de estradas-tronco até 1979, viabilizando o escoamento da
produção agrícola dos municípios de Caarapó, Dourados, Ponta Porã e Maracaju.
Esta infra-estrutura era fundamental para o desenvolvimento econômico da
região, segundo o discurso da época, como descreve a Revista Interior:
[...] sua deficiente malha viária (quer federal, quer estadual), que
vem impedindo um acesso racional de sua produção agropecuária
aos grandes mercados consumidores e, consequentemente,
ocasionando grandes perdas, desestimulando o desenvolvimento
mais acentuado da área e dificultando a implantação de uma
tecnologia moderna em toda sua dimensão (Revista Interior, nov./dez
1982, apud Abreu 2001, p.177).
Podemos observar que a política governo possuía o respaldo de alguns meios
de comunicação do período, o que reflete a sintonia do poder público com o anseio
do capital hegemônico da região.
d) Pesquisa agropecuária, assistência técnica e apoio
logístico
Com o objetivo de aumentar a produtividade e ampliar as áreas de plantio,
foram implantados os subprogramas de pesquisa agropecuária e de assistência
87
Os periódicos oficiais aqui mencionados se referem ao conjunto de publicações governamentais
que tratam das ações Estatais nesse período.
95
técnica, em que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)
88
foi a
responsável pela elaboração e execução da pesquisa agropecuária, e a Empresa
Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), em colaboração
com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) (MT), seriam
os órgãos responsáveis pela programação de assistência técnica.
Na pesquisa agropecuária foram previstos Cr$24.000.000,00 (US$2,25
milhões), para a implantação da Unidade de Pesquisa da EMBRAPA, onde, de 1976
a 1977, adquiriu-se uma área de 137,5 ha. para a implantação e operação desta
Unidade, instalação de sua infra-estrutura e implantação de subprojetos de
pesquisa, principalmente de soja, trigo e milho. Além disso, em 1978 foram
investidos Cr$42.119.000,00 (US$2,34 milhões) para a pesquisa direcionada para a
introdução de novos cultivos, dos quais Cr$22.000.000,00 (US$1,22 milhão) do
PRODEGRAN e Cr$20.119.000,00 (US$1,11 milhão) da EMBRAPA.
na programação de assistência técnica para os produtores da “Grande
Dourados”, a EMBRATER era a responsável por transmitir novas técnicas e a
tecnificação ao plantio das culturas tradicionais, além de implementar a produção de
novas culturas, como é o caso do trigo.
Dos recursos para a pesquisa, o PRODEGRAN liberou
Cr$22.000.000,00 (US$1,22 milhão), além de Cr$20.119.000,00
(US$1,11 milhão) da própria EMBRAPA, o que totalizou
Cr$42.119.000,00. Para a assistência técnica, estavam previstos
gastos de Cr$10.000.000,00 (US$938,5) e liberados
Cr$27.003.000,00 (US$1,5 milhão), bem mais do que foi
programado, apesar da desvalorização (Abreu, 2001, p. 180).
No que se refere ao apoio logístico, realizou-se a instalação da Escola de
Agronomia de Dourados, da então Universidade Estadual de Mato Grosso
89
, e
financiou-se a construção de galerias de águas pluviais, uma vez que, segundo
Aguinaldo Lélis (apud Abreu, 2001, p.183), ex-funcionário da Superintendência de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), em Dourados o PRODEGRAN:
88
A instalação da unidade de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA), em Dourados, objetivava o desenvolvimento de modernos e adequados sistemas de
produção para os principais produtos agrícolas já explorados na região, além de assentar a ocupação
de vasta área ainda não utilizada (Revista Interior. Nov./Dez 1982, p.15 apud Abreu, 2001, p.180).
89
Posteriormente tornou-se Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (FUFMS).
96
[...] financiou galerias de águas pluviais porque Dourados, me lembro
até hoje, tinha um problema sério de inundação, então, quando
chovia muito, várias partes da cidade ficavam alagadas, então, se fez
um sistema de galerias pluviais gigantesco com recurso federal do
PRODEGRAN, mas [...] ele tinha a preocupação de ser um programa
de desenvolvimento econômico. De incorporação de área e de
aumento de produção. [...] Agora, de qualquer forma, o grande
viés foi a eletrificação e infra-estrutura econômica (Abreu, 2001,
p.183, grifo nosso).
A observação do texto em destaque pode ser confirmada pelo quadro abaixo,
que demonstra os montantes de investimentos para cada subprograma do
PRODEGRAN.
Quadro 2 - PRODEGRAN no espaço mato-grossense de 1975/1981
(xCr$1.000/US$1.000)
PRODEGRAN - SUBPROGRAMAS
TRANSPORTE
180.000 (US$1.939,87)
ENERGIA
140.000 (US$ 1.508,79)
PESQ. ASSIT. TÉC.
69.114 (US$ 744,84)
TOTAL
389.114 (US$ 4.193,51)
Fonte: Abreu, 2001, p. 189 (Obs: cotação dólar mês/ano de 1981 = US$ 92,78939726).
Como percebemos, as áreas de maior investimento estão relacionadas à
infra-estrutura de transporte e eletrificação (Cf. Abreu, 2001, p.190)
2.2.2 As ações da SUDECO e a consolidação do meio
técnico-científico-informacional
Como “consequência” da atuação governamental na “Região da Grande
Dourados”, ocorreu a incorporação de técnicas e tecnologias agrícolas mais
avançadas, o que promoveu o desenvolvimento de um comércio específico para a
venda de equipamentos e sementes. Além disso, ocorreu a ampliação da área
97
plantada, inclusive com a substituição de pomares, hortas, galinheiros e currais de
porcos das propriedades da antiga Colônia Agrícola Nacional de Dourados pelo
cultivo exclusivo da soja, onde os agricultores plantavam até em volta de suas
casas. “Nesse processo, o agricultor deixa de produzir para sua subsistência,
passando a comprar o gás, o óleo, a manteiga, os ovos, o leite, a carne e outros
produtos de primeira necessidade” (Abreu, 2001, p.174), que agora o adquiridos
na área urbana, o que impulsiona o desenvolvimento do comércio destas áreas,
principalmente em Dourados, que nesse momento se estabelece como um pólo
comercial para a “Região da Grande Dourados”.
Além disso, somado à política do PRODEGRAN, a implantação da
EMBRAPA, da EMBRATER e da Faculdade de Agronomia, em Dourados, foram
ações fundamentais na reordenação estrutural do município, tornando-o um centro
de referência em pesquisa agropecuária. Isso se deve à visão Estatal em relação ao
potencial agrícola do município, o que justificava investimentos que promoveram
grandes transformações. Segundo Abreu:
Essa é uma avaliação que [...] teria ressaltado o papel da “Grande
Dourados” como celeiro agrícola do País, o que atraiu imigrantes, o
capital comercial, o capital agroindustrial e o capital financeiro - que
ampliou consideravelmente o número de agências bancárias
90
(Abreu, 2001, p. 188).
Como “consequência” desse processo de desconcentração do capital, na
década de 1980 o censo registrou a inversão da população, que deixa de ser
eminentemente rural, passando a ser composta por maioria urbana, conforme
demonstra a tabela abaixo.
90
Somente em 1981 foram implantadas 10 agências bancárias em Dourados, totalizando 25 agências
para uma cidade que nesse período contava com pouco mais de 100 mil habitantes (Abreu, 2001, p.
188).
98
Tabela 01: Evolução da População Rural e Urbana do município de Dourados.
Fonte: www.dourados.ms.gov.br (2009)
Esta alteração foi uma implicação das políticas agrícolas voltadas para o
cultivo de grãos, com alto grau de cientificidade e capitalização, que alteraram as
relações de trabalho, o uso de solo, bem como as relações comerciais, que
passaram a se voltar para a produção de exportação e o equilíbrio da balança
comercial. Como “consequência” da inversão populacional, o tecido urbano é
alterado, uma vez que na década de 1970 a população urbana do município de
Dourados era de 31.599 habitantes e em 1980 essa população saltou para 84.849
habitantes, ou seja, em uma década houve um crescimento populacional superior a
100%.
Para abrigar este contingente de pessoas advindas do campo e das regiões
sul e sudeste, atraídas por novas oportunidades de emprego que urgiam naquele
período, o poder público local e federal implementou uma política de construção de
conjuntos habitacionais, mas que beneficiavam especificamente a classe média,
enquanto que a população de baixa renda passou a ocupar as áreas periféricas
(Calixto, 2007).
Foram construídos na década de 1970 três conjuntos, os BNH’s 1º, e
Planos, implantados em áreas da propriedade da Prefeitura Municipal com recursos
do governo federal. Esses conjuntos foram implantados na porção norte da área
urbana, que era uma área de relevo mais elevado e receberam prioridade na política
de pavimentação asfáltica implantada a partir de 1975.
As áreas próximas a esses conjuntos foram alvo de valorização e
especulação imobiliária, tornando a região norte a área “nobre”
91
do município.
91
Descrevemos essa porção da cidade como área “nobre”, por ela ser mais dotada de estrutura
urbana (asfalto, rede elétrica, saneamento básico...) e por possuir em sua configuração, uma grande
99
Todavia, não foram somente estas as mudanças provocadas pela nova
dinâmica vivida pelo município na área urbana. Sobre este processo, Calixto (2007,
s/ p.) afirma:
A década de 1970 marcou o delineamento da passagem de uma
cidade em que praticamente todos os habitantes se conheciam,
compartilhavam momentos e ocasiões comuns, seja colocando as
cadeiras nas calçadas para “bater papo”, seja participando de
atividades comemorativas ou festas tradicionais (festa da padroeira,
festa junina), para uma cidade marcada pela diferenciação
socioespacial, pelo distanciamento e pelas relações indiretas, uma
vez as novas formas de apropriação e uso do espaço urbano
redefinem conceitos, valores, modos de vida, trazendo reflexos não
apenas no modo de morar, mas também de agir, pensar, reivindicar,
enfim, no modo de pensar o espaço.
Em grande medida, isto ocorreu porque o perímetro urbano passou a abrigar,
além da população oriunda do campo, pessoas advindas de outras regiões do país,
atraídas pela nova dinâmica econômica do município, onde, além da agropecuária,
se estabeleceu um forte comércio e uma rede de serviços públicos e privados,
promovendo novas relações.
Em relação especificamente ao comércio, Pereira & Lamoso (2004, s/ p.)
afirmam:
A atividade comercial se fortaleceu mesmo com a acentuação do
êxodo rural, dada a migração de muitos profissionais liberais e
empreendedores privados que se instalaram nos centros urbanos. A
expansão comercial favoreceu a urbanização dos municípios da
BMI
92
e com isso houve modificações nas condições de vida da
população rural, pois as pessoas passam a buscar bens e serviços
de consumo diferentes dos antigos, contribuindo para o crescimento
do comércio.
quantidade de moradias edificadas em terrenos com mais 350m², com metragem acima 150 m², além
de ser habitada, em geral, por pessoas de classe média e alta.
92
A área delimitada como Bacia do Médio Ivinhema (BMI) é composta pelos municípios de Caarapó,
Deodápolis, Douradina, Dourados, Fátima do Sul, Glória de Dourados, Itaporã, Rio Brilhante e
Vicentina.
100
Em relação à atividade comercial, é importante destacar a expansão do
comércio ligado diretamente à “modernização do campo”, que é, ao mesmo tempo,
complementar e necessária na formação do complexo agroindustrial.
Esta constatação pode ser observada a partir das informações do IBGE,
conforme aponta Queiroz:
Com uma política de mecanização maciça da agricultura que,
segundo o IBGE, no período de1970-1985, houve um aumento de
700% no numero de tratores na região, concentrados em 30% dos
estabelecimentos rurais, ocorreu a expansão de uma burguesia rural,
voltada para produção de culturas comerciais (soja, principalmente) e
pecuária extensiva (Queiroz apud Araújo & Oliveira Neto, 2007,
s/p.).
Nesse sentido, também é possível observar uma expressiva mecanização do
campo em Dourados, por meio do Censo Agropecuário de 1995, que apresenta, em
termos quantitativos, do total de 13.230 máquinas para plantio do total estadual,
5.819, um número bastante expressivo, concentrado no município. Quando se refere
às máquinas para colheita, a situação é ainda mais concentradora: do total de 4.944
existentes no estado, 2.495 estão no município de Dourados (IBGE, 1995-1996). Isto
se reflete na atividade agrocomercial, que sustenta logisticamente a agropecuária,
pois diversas unidades agro-comerciais estão instaladas na cidade e dão suporte
para a atividade agropecuária. Cabe ressaltar que este suporte não é exclusivo da
cidade de Dourados, envolvendo municípios em seu entorno (Parente, 2003 s/ p.).
A expansão da cultura de grãos foi acompanhada das políticas de
desconcentração industrial, o que promoveu a implantação de Distritos Industriais,
principalmente nas chamadas cidades-pólo de Mato Grosso do Sul, que
contribuíram para a consolidação do processo de agroindustrialização. É o caso do
distrito industrial de Dourados, implantado nesse período e que também foi
estimulado por políticas de fomento ao desenvolvimento:
[...] a Comissão Interestadual das Bacias do Paraná e Uruguai
(CIBPU) que, seguindo critérios como, ritmo de urbanização e infra-
estrutura econômica, escolheu como potencialidades geoeconômicas
as cidades de Dourados, Corumbá, Três Lagoas e Campo Grande,
101
canalizando assim os investimentos públicos (Araújo & Oliveira Neto,
2007, s/p.).
[...] onde o Estado concentra todos os esforços promocionais na
implantação de distritos industriais visando - seguindo a ótica do
planejamento burocrático - fomentar/disciplinar o desenvolvimento
desse pólo e, a partir dele, a economia regional desenvolver-se, de
modo que o crescimento se processa e se propaga para as áreas
sob sua influência (Souza, 1998, p. 07).
A agroindústria, na década de 1990, passa a exercer o papel de “motor da
economia regional” (Silva, 2003, p.30). Nesta fase, inicia-se a última etapa do
desenvolvimento econômico do município, sendo também o momento da
consolidação do meio técnico-científico-informacional, uma vez que:
A última etapa do processo de desenvolvimento regional, que se
inicia a partir do começo dos anos 90 do século passado [século XX],
caracteriza-se pela diversificação dos projetos integrados de
avicultura e suinocultura. A exemplo dos ciclos anteriores, esse
último é desencadeado também por forças externas. São grandes
grupos transnacionais que assumem o controle de nosso processo
de industrialização. Nesse contexto, conglomerados internacionais
assumem as unidades implantadas pelo capital regional na etapa
anterior, configurando uma nítida tendência de centralização de
capitais e oligopolização da economia local. Como ilustração desse
processo temos o caso da fábrica de óleo COPAZA absorvida pela
RENTPAR; o abatedouro de frangos da antiga COOAGRI
incorporado pela AVIPAL (capitais chineses) [...] e o abatedouro
Bordon de Dourados absorvido pela SEARA (grupo Bunge Born)
(Silva, 2003, p.30)
É, nessa etapa, podemos afirmar que, o município de Dourados se consolida
como “espaço nacional da economia internacional” (Santos, 1997, p.194),
“Luminoso” e “da Rapidez” (Santos & Silveira, 2001 p. 262-264), pois nele se
acumula uma maior densidade técnica e informacional, o que provoca uma maior
fluidez do capital, inclusive internacional, sendo esse aparato técnico superior aos
municípios vizinhos, transformando-o em “pólo” da dinâmica econômica regional.
Todo o conjunto de objetos técnicos no território douradense é resultante do
processo de produção de um espaço de comando em relação ao seu entorno, que
foi alicerçado por ações de governo, principalmente, pois a partir das conexões e
fluxos relacionados à economia processo estimulado pelo Estado outras
conexões e fluxos se estabeleceram no território douradense, tornando-o um espaço
de comando, por isso que Dourados hoje é referência em muitas atividades.
102
Assim, como “cidade centro”, ela dispõe de vários serviços públicos que são
referência para os municípios vizinhos, também pela presença de um grande
número de entidades representativas dos poderes públicos das três esferas
administrativas (municipal, estadual, federal), como por exemplo: IAGRO, INCRA,
IBGE, PROCON, AGENFA, FUNAI, FUNASA e Correios.
Um exemplo decisivo nesse sentido é o setor Saúde, que oferece
atendimento
93
a 34 (trinta e quatro) municípios, com uma população referenciada de
aproximadamente 750.000 habitantes (conforme a Programação Pactuada e
Integrada PPI da Assistência), por meio de 80 estabelecimentos de saúde com
cadastro no CNES
94
, sendo 37 privados, 2 filantrópicos e 41 da Rede Municipal de
Saúde, além de 618 leitos disponíveis nos estabelecimentos hospitalares.
No setor de Finanças, Dourados possui 14 agências bancárias, sendo 8
privadas e 2 agências da Caixa Econômica Federal e 4 do Banco do Brasil, além de
diversos terminais de auto-atendimento distribuídos em vários pontos da cidade.
Nesse seguimento, também superioridade de Dourados sobre os municípios do
entorno em relação ao número de agências e a movimentação financeira (conforme
aponta o quadro abaixo).
93
Os serviços de referência em saúde compreendem os Níveis Ambulatorial e (Hemodiálise,
Oncologia e Rádio Diagnósticos) e Hospitalar (cirurgia cardíaca e neurológica I). Além disso,
também dispõe dos Programas mínimos preconizados pelo Ministério da Saúde que são a
Assistência a Saúde da Mulher, da Criança, Saúde Bucal, Tuberculose, Hanseníase, Hipertensão e
Diabetes, oferecemos também o Programa de Prevenção do Tabagismo e Fatores de Risco do
Câncer, Saúde do Trabalhador, SAE/CTA, Saúde Mental, Controle de Vetores, Vigilância Sanitária
94
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.
103
Quadro 03: Número de agências bancárias
e movimentações financeiras (2008)
Municípios
Bancos
Movim. Financeira (R$)
Dourados
14
890.061.023,32
Maracajú
4
176.450.139,38
Rio Brilhante
2
113.883.418,02
Itaporã
2
71.654.394,59
Caarapó
2
90.219.622,19
Glória de Dourados
2
38.433.964,13
Jateí
Não inf.
Não inf.
Fátima do sul
3
84.273.356,03
Deodápolis
2
29.652.011,93
Douradina
1
37.608.497,54
Vicentina
1
7.527.399,48
Juti
Não inf.
Não inf.
Nova Alvorada do
Sul
1
34.777.494,06
Fonte: IBGE (2008)
Outro elemento importante, está relacionado ao acesso à informação e às
novas tecnologias da contemporaneidade. Nesse sentido, Dourados concentra um
grande número de empresas especializadas na comercialização de equipamentos,
produtos e serviços relacionados à informática, equipamentos para agricultura,
eletrônicos e eletrodomésticos em Dourados, por exemplo. Somando a isso, também
várias empresas atuando no setor de comunicação, como emissoras de TV e
rádio, jornais, sites especializados em notícias/jornalismo, além de empresas de
publicidade, provedores de internet, livrarias, lan-houses e ciber-cafés (abaixo,
quadros com dados demonstrativos).
Quadro 04: Empresas do setor de comunicação em Dourados
Rádios
Televisão
Jornais
Revistas
Rádio Clube de Dourados
(AM)
TV Dourados (Sucursal
da RIT TV)
Editora e Jornal “O Progresso”
(diário)
Opinião (mensal)
Rádio Ca
iuás (AM)
TV Sulamérica (Sucursal
da Rede Globo de
Televisão)
Jornal “Diário MS” (diário)
Revista Mulher
(mensal)
Rádio FM Boa Nova
Via Cabo TV (TV por
Assinatura)
Jornal Correio do Estado
Radio Tupinambás
Jornal da Grande Dourados
(quinzenal)
Rádio Grande FM 92
Rádio Cidade
Rádio FM 94
Fonte: www.dourados.ms.gov.br (2009).
104
Quadro 05: Pessoas que vivem em domicílios com computador
Município
Percentual de pessoas que vivem
em domicílios com computador,
2000
Dourados (MS)
8,29
Ponta Porã (MS)
6,19
Fátima do Sul (MS)
5,14
Maracaju (MS)
5,44
Rio Brilhante (MS)
3,85
Nova Alvorada do Sul (MS)
3,32
Douradina (MS)
2,11
Amambai (MS)
5,15
Vicentina (MS)
1,54
Itaporã (MS)
1,4
Antônio João (MS)
2,32
Laguna Carapã (MS)
1,85
Caarapó (MS)
3,97
Aral Moreira (MS)
1,56
Juti (MS)
1,27
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2009)
Além do número de empresas atuantes no seguimento informacional, o uso do
computador também ocorre em maior quantidade em Dourados em comparação aos
municípios de seu entorno (conforme quadro acima). Esse aspecto também
percebemos durante o trabalho de campo, que 72% das empresas pesquisadas
utilizavam a máquina de cartão de crédito e 84% realizavam buscas via internet no
sistema SCPC/Serasa, e outras formas de utilização do computador também foram
detectadas (conforme aponta o gráfico abaixo).
Gráfico 01
Fonte: Trabalho de campo (2009).
105
Em Dourados existe um total de 53 Cursos de Ensino Superior (45
convencionais e 8 tecnológicos), que são ofertados por 05 Instituições: o Centro
Universitário da Grande Dourados UNIGRAN; a Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul UEMS (sede); a Universidade Federal da Grande Dourados UFGD;
a Faculdade Teológica Batista Ana Wolllerman e as Faculdades Anhanguera.
A disponibilização de novos cursos aumentou progressivamente, à medida que
as instituições de ensino foram crescendo e se fortalecendo em Dourados (esse
aspecto pode ser observado no quadro seguinte).
Tabela 02: Número de matrículas no ensino superior, segundo o ano letivo e
instituição.
Instituição de Ensino
Período Letivo
TOTAL
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Centro Univers. da Grande Ddos
(UNIGRAN *)
- - - - -
6.000
6.000
12.000
Universidade Esta. de MS - UEMS
(Normal Superior)
95
133
175
128
138
139
88
897
Universidade Est. de MS - UEMS
(Graduação)
923
923
725
1.177
1.580
1.934
2.705
9.967
Univers. Fed. da Grande Ddos
UFGD
95
2.654
2.975
3.140
2.971
2.970
3.086
3.238
21.034
Uniderp (FAD + IESD)
0
2
213
358
930
1.161
1.533
4.197
Instituto Teológico Ana Woleman
2.088
2.095
2.082
2.089
2.101
2.104
2.105
14.664
TOTAL
5.760
6.128
6.336
6.723
7.719
1.424
15.669
62.759
* Valores estimados
Fonte: www.dourados.ms.gov.br (2009)
Destacamos, por último, que muitas relações que Dourados estabelece com
seu entorno se pela disponibilidade de transporte diverso. Isso ocorre por meio de
19 empresas de transporte rodoviário
96
, que usufruem de conexões rodoviárias,
asfaltadas e com condições razoáveis de conservação, para todo o Estado do Mato
Grosso do Sul, para outros estados da federação e para o exterior. Além disso, é uma
das poucas cidades do sul do estado que possui aeroporto.
95
Até 2004 essa instituição era o Campus de Dourados da UFMS, mas a partir de 2005 ela foi
desmembrada e tornou-se a UFGD.
96
`A saber: Eucatur União Cascavel Ltda, Expresso Araçatuba S/A, Expresso Maringá Ltda.,
Expresso Queiroz Ltda., Hélios Coletivos e Cargas Ltda.,Mônaco Transporte Rodoviário Ltda.,Nacional
Expresso Ltda.,Satélite/ Transacreana,Transvale Transp. Rodov., Viação Cruzeiro do Sul Ltda., Viação
Dourados,Viação Motta / Unesul,Viação Neto, Viação Nossa Senhora Medianeira Ltda., Viação Nova
Integração Ltda,Viação Ouro e Prata, Viação São Luiz Ltda., Viação Umuarama Ltda., Zuco Comércio
e Transp. Rodoviário Ltda.
106
Figura 03: Região da “Grande Dourados” –Vias de circulação
97
Nova
Alvorada
do Sul
Dourados
Maracajú
Itaporã
Douradina
Fátima do Sul
Vicentina
Deodápolis
Glória de
Dourados
Jateí
Jutí
Caarapó
Rio Brilhante
21º
LEGENDA
Divisão de municípios
Vias de acesso
Ferrovia
Localização das áreas
urbanas
Pista Pública sem
pavimentação
Aeroporto
Principais Vias
22º
23º
56º 55º 54º 53º
Escala: 1/1500.000
N
Fonte: SUPRITEC (2000)
Organização e Desenho:
ARAÚJO, A.G. (2008)
São Paulo
Paraná
BR - 267
BR - 163
BR - 163
BR - 163
Fonte: Araújo & Oliveira Neto, 2007, s/p.
Além disso, o município está integrado ao meio técnico-científico-informacional
do capitalismo globalizado. Isto se confirma por meio da agroindústria, que “abre” e
“fecha” negócios e importa e exporta com vários países, utiliza-se de tecnologia
moderna na produção e muitos produtos agrícolas têm sua produção direcionada
para o mercado externo, como é caso da soja, da carne bovina e do frango.
Em relação a este aspecto, Calaça (2006) afirma:
O mundo globalizado é marcado pela segmentação das etapas do
trabalho e da especialização dos lugares na divisão territorial da
produção. Esse momento faz com que uma área de agricultura
moderna não estabeleça relações com cidades e mercados mais
próximos, tenham relações comerciais com outros muito mais
distantes, tanto no que se refere a fluxos materiais como produtos
agrícolas, e não materiais como capitais, informações, mensagens e
ordens, graças aos modernos meios de circulação disponíveis como a
telefonia e a Internet.
97
Figura 2: Região da “Grande Dourados”, com destaque para as vias rodoviárias BR 163, que corta
o estado articulando a produção de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ao estado do Paraná, rumo ao
Porto de Paranaguá; e a BR 267, a de maior circulação do estado, ligando o estado à São Paulo.
107
Essa feição de agricultura moderna apontada por Calaça é um aspecto da
configuração espacial de Dourados que o torna “equipado” com os objetos técnicos
necessários para a dinâmica do capital. Essa estruturação é um elemento “norteador”
de um conjunto de processos articulados que organizam a produção do espaço
douradense visando “verticalizá-lo”, no sentido das verticalidades de Santos (2002),
ou seja, torná-lo um “espaço rápido”, um “espaço da fluidez”, um “espaço luminoso”,
um “espaço de comando” (cf. Santos & Silveira, 2001), desse modo, um “espaço do
capital”.
2.3 Dourados: um espaço em rede
O município de Dourados também está articulado em diversas redes, essa
característica é fortalecida pelo seu papel de espaço agroexportador, que o direciona
à dinâmica globalizante permitindo a formação e consolidação de redes econômicas
que modelam o espaço local. Esse processo é um dos condicionantes da
configuração atual do município, pois:
As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio-
técnico-científico-informacional. Sua qualidade e quantidade
distinguem as regiões e lugares, assegurando aos mais bem dotados
uma posição relevante e deixando aos demais uma condição
subordinada. São os nós dessas redes que presidem e vigiam as
atividades mais características deste nosso mundo globalizado
(Santos, 2002, p. 82).
Deste modo, por esses elementos vigentes, Dourados possui diversas redes
instauradas devido a sua importância econômica, as relações pessoais estabelecidas
pelos seus habitantes em relação com outros espaços, o seu conjunto de
equipamentos urbanos (ou de “engenharia”, como diria Santos & Silveira [2001]) e a
oferta de serviços públicos e privados. Esta realidade faz com que o espaço local
estabeleça relações com o espaço regional, nacional e global, uma vez que as redes
são produtos de relações formais (rígidas, oficiais, diplomáticas, estabelecidas por
parâmetros) e informais (casuais, pessoais, sem parâmetros formais ou ilegais).
A partir dessa realidade, apontamos algumas das redes em que Dourados está
inserida, partindo do princípio que em uma rede o ponto de conjunção pode ser o
108
início, um nó ou a parte final da conexão, porém independente da posição, cada
segmento é importante, pois a partir de diversos segmentos é que os nós se
estabelecem, formando uma rede. Assim, independente de sua importância no âmbito
global, o simples fato de ser um dos pontos das diversas redes vigentes na dinâmica
capitalista, isso condiciona Dourados a uma produção espacial diferente em
relação a outros espaços menos conectados. Isso é observável quando comparamos
Dourados com os municípios vizinhos, que não possuem o mesmo tecido espacial no
que refere à quantidade de objetos técnicos e fluxos existentes, pois nele se encontra
um aparato técnico-científico-informacional maior, o que lhe permite uma lógica mais
conectada aos nós internacionais da “globalização”.
A primeira rede estudada foi a regional. Buscamos entender as relações que o
município possui com as cidades vizinhas e, ao realizarmos esta tarefa conseguimos,
além do propósito inicial, observar também que Dourados estabelece relações com
espaços que não fazem parte de sua região, devido à especialidade de alguns
serviços disponíveis junto ao seu comércio. Isto ocorre porque na porção sul do
estado do Mato grosso do Sul, Dourados se destaca em número de empresas que
atuam no setor terciário (comércio/serviços), o que pode ser observado junto à tabela
a seguir.
109
Tabela 03: Número de empresas e indústrias de Dourados e seu entorno
Municípios
/
Segmentos
Número de segmentos comerciais e industriais por setor dos municípios da
região de Dourados
Escolas
privadas
e
Institui-
ções de
Ensino
Superior
Empre-
sas
Ligadas
à Infor-
mática*
Lojas
de
Confec-
ções e
calçados
Super-
mercados
Eletrodo-
mésticos
e móveis
Empre-
sas
ligadas
ao
Campo**
Clínicas
ou
empre-
sas do
setor
Saúde
Dourados
17
314
812
49
286
147
79
Ponta Porã
07
98
401
17
127
103
17
Naviraí
03
58
218
21
71
12
11
Maracaju
09
35
148
08
49
34
10
Rio
Brilhante
02
23
86
17
27
35
07
Jardim
07
27
105
17
39
03
14
Caarapó
00
22
88
00
25
11
07
Nova
Alvorada do
Sul
01
11
63
09
25
04
05
Fátima do
Sul
01
19
104
10
27
13
11
Bela Vista
03
20
95
10
32
02
06
Itaporã
00
12
41
02
12
12
02
Deodápolis
00
18
64
11
14
03
01
Guia Lopes
da Laguna
00
07
23
07
05
03
01
Glória de
Dourados
01
11
50
11
09
04
01
Douradina
00
03
11
01
03
04
00
Jateí
01
01
04
00
01
00
00
Antonio
João
01
03
27
11
08
03
00
Vicentina
00
01
18
02
03
02
01
Juti
00
02
20
00
10
00
00
* Escolas de Informática, Manutenção e venda de computadores, venda de materiais de informática etc.
** Cerealistas, Venda de Máquinas Agrícolas, Sementes, Defensivos, Rações etc.
Fonte: JUCEMS, 2009.
Por essa maior densidade de estabelecimentos comerciais e industriais, a
população e as empresas dos municípios da região e de outras localidades acabam
estabelecendo relações comerciais com as empresas douradenses, que muitos
serviços e mercadorias somente são adquiridos nesta cidade, pois é o espaço
próximo a esses municípios e dispõe de uma oferta maior de produtos/serviços e
preços mais acessíveis.
Diante dessas questões, em nossa pesquisa de campo questionamos
representantes de diversos segmentos comerciais, a partir da seguinte pergunta: No
110
cotidiano da empresa ocorrem vendas para pessoas ou empresas de outros
municípios? De onde?” Nesta consulta não se obteve nenhuma resposta negativa,
permitindo-nos a construção de um gráfico ilustrativo sobre o número de municípios
do estado de onde as pessoas e empresas usufruem do comércio douradense, e a
quantidade de vezes que cada um foi citado espontaneamente pelos entrevistados
(ver gráfico abaixo).
Gráfico 02
Fonte: Cabreira, Trabalho de campo, 2009.
Além dessas cidades, outras localidades fora do estado também buscam
produtos específicos em Dourados. Isto parece ocorrer principalmente no setor
agrícola, uma vez que as empresas deste segmento, principalmente as revendas de
tratores e colheitadeiras, não estão instaladas em todos os estados da federação e
até de outros países, como é o caso do Paraguai; deste modo, cada revenda possui
uma grande área de atuação, que em muitos casos ultrapassa os limites territoriais de
Mato Grosso do Sul. Assim, se o produtor deseja adquirir um equipamento de uma
marca específica, em alguns casos ele terá que procurar empresas que não se
localizam em seu estado, sendo Dourados uma opção. Deste modo, transações
comerciais são realizadas com pessoas que habitam em lugares distantes do
município, em áreas não pertencentes à região de Dourados (o que demonstramos
111
graficamente a seguir).
Gráfico 03
Fonte: Trabalho de campo, 2009
98
Percebemos que há um fluxo de pessoas e empresas que buscam serviços e
produtos em Dourados e que são oriundas de espaços externos ao estado e até do
Brasil, mas é importante destacar que o caminho inverso também ocorre, uma vez
que a maioria das empresas douradenses adquirem as mercadorias comercializadas
em cidades não pertencentes a Mato Grosso do Sul (o que é possível observar no
gráfico e figura seguintes).
98
Neste gráfico aglutinamos os municípios por estados, porque alguns entrevistados responderam o
questionário citando os nomes das cidades e o estado que elas pertencem e outros somente o estado.
Já no caso do Paraguai, não foi descrito o município, somente o país.
É importante destacar, também, que o setor de informática descrito no gráfico acima, refere-se a
somente a uma empresa especializada em manutenção de notebooks, atividade específica que não é
encontrada em muitos lugares.
112
Gráfico 04
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Figura 03
113
Outra questão que é importante destacar, é o fluxo de importações e
exportações de mercadorias. Neste aspecto, Dourados também se relaciona com o
espaço global (o que observamos na tabela abaixo).
Tabela 04: Balança Comercial de Dourados
Ano
E x p o r t a ç ã o (US$)
I m p o r t a ç ã o (US$)
S a l d o
Valor (A)
Var% (*)
Valor (B)
Var % (*)
(A) (B)
2000
12.894.102
0
6.415.860
0
6.478.242
2001
12.161.655
-5,68
4.963.702
-22,63
7.197.953
2002
20.627.420
69,61
7.161.141
44,27
13.466.279
2003
29.834.743
44,64
7.978.961
11,42
21.855.782
2004
29.077.610
-2,54
12.303.174
54,2
16.774.436
2005
65.596.553
125,59
10.436.379
-15,17
55.160.174
2006
101.020.113
54
13.512.289
29,47
87.507.824
2007
189.555.729
87,64
24.419.876
80,72
165.135.853
2008
286.999.176
51,41
31.699.297
29,81
255.299.879
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2009.
(*) VAR% => CRITÉRIO DE CÁLCULO: Anual = Sobre o ano anterior na mesma proporção mensal.
Mensal = Sobre o mês anterior.
Neste contexto, no primeiro semestre de 2008, por exemplo, o município de
Dourados quase que dobrou suas remessas ao exterior no ranking de exportações
em Mato Grosso do Sul, em comparação ao mesmo período do ano de 2007,
segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Isso se deveu ao
fato da grande expressão da soja no município e o bom índice de produtividade
obtido pela utilização de tecnologia, inclusive sementes transgênicas.
Assim:
O município exportou US$ 132.632.165 contra US$ 78.187.872 de
janeiro a maio de 2007, evolução de quase 70% de rendimento. A
valorização do preço da soja representou US$ 56.443.569 em
exportações, 28% a mais comparado ao mesmo período do ano
passado [...]. Na sequência vem o óleo de soja, que dobrou o volume
de exportação, com negociações triplicadas na ordem de US$
26.140.30, seguido pelo frango, com US$ 26.019.434.[...] O principal
mercado consumidor é a Ásia, com 37,53% das exportações, (US$
49,7 milhões), contra US$ 38 milhões do ano passado. Em seguida
vêm a União Européia, 31,11% dos produtos (US$ 41,2 milhões), e
Oriente Médio 21% das exportações (US$ 28,9 milhões). A China foi o
país que mais comprou produtos do mercado douradense. São US$
32,9 milhões (24,8%); seguido pela Holanda, com US$ 16,2 milhões
(12,2%); e a Arábia Saudita, US$ 13 milhões (9,82%) (MDIC, 2008
apud www.portalms.com.br)
114
Podemos observar, desse modo, que a rede de comércio internacional
movimenta milhões de dólares, impulsionando a economia global, logo, por
“consequência”, a nacional, regional e local. Esse processo se dá, principalmente no
caso de Dourados, pela conjunção entre a atividade agrícola e a industrial
(agroindustrial, sobretudo), uma vez que as empresas que exportam no município são
na maioria indústrias que processam a produção rural (agroindústrias) (como
podemos observar nas tabelas seguintes).
Tabela 05: Dourados - Empresas exportadoras por faixa de valor (Us$) - (Jan-
Dez/2008)
Empresa
Faixa
BUNGE ALIMENTOS S/A
Acima de US$ 50 milhões
COOPERATIVA AGROPECUARIA E INDUSTRIAL
Acima de US$ 50 milhões
ELEVA ALIMENTOS S/A
Acima de US$ 50 milhões
SEARA ALIMENTOS S/A
Entre US$ 10 e 50 milhões
COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL LAR
Entre US$ 1 e 10 milhões
CARGILL AGRICOLA S A
Entre US$ 1 e 10 milhões
SUPLEMENTAR - NUTRICAO ANIMAL LTDA
Até US$ 1 milhão
TERRITORIO DO COURO LTDA - ME
Até US$ 1 milhão
PECPAR - NUTRICAO ANIMAL LTDA
Até US$ 1 milhão
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2009.
Tabela 06: Dourados- Empresas importadoras por faixa de valor (Us$) - (Jan-
Dez/2008)
Empresa
Faixa
FERTIPOL INDÚSTRIA COMÉRCIO E
REPRESENTACOES LTDA
Entre US$ 10 e 50 milhões
CORRECTA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.
Entre US$ 10 e 50 milhões
SEARA ALIMENTOS S/A
Entre US$ 1 e 10 milhões
ELEVA ALIMENTOS S/A
Até US$ 1 milhão
IMESUL METALURGICA LTDA
Até US$ 1 milhão
FUJII ALIMENTOS LTDA
Até US$ 1 milhão
INFLEX INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE EMBALAGENS
LTDA
Até US$ 1 milhão
ELEVA ALIMENTOS S/A
Até US$ 1 milhão
CDM-CENTRO DE DIAGNOSTICO MEDICO LTDA
Até US$ 1 milhão
DOURAGLASS INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE VIDROS
LTDA
Até US$ 1 milhão
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2009.
115
Tabela 07: Exportações de Dourados
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2009.
Ord/Descrição
2009 (Jan/Abr)
2008 (Jan/Abr)
Var %
US$ F.
O.B.
Part
%
Kg Líquido
US$ F.
O.B.
Part
%
Kg Líquido
2009/2008
1-BAGACOS E OUTROS.
RESIDUOS SOLIDOS, DA EXTR.
DO OLEO DE SOJA
12.721.752
42,66
44.806.161
23.143.891
30,6
68.316.865
-45,03
2 - MILHOS EM GRAO, EXCETO
PARA SEMEADURA
5.925.789
19,87
37.924.042
6.224
0,01
27.300
---
3-ENCHIDOS DE CARNE,
MIUDEZAS, SANGUE, SUAS
PREPARS. ALIMENTS
5.282.074
17,71
4.375.679
1.587.497
2,1
1.790.062
232,73
4 - OUTRAS CARNES DE
SUINO, CONGELADAS
3.299.928
11,07
1.762.861
3.789.624
5,01
1.721.229
-12,92
5 - OUTROS GRAOS DE SOJA,
MESMO TRITURADOS
960.482
3,22
2.687.020
17.278.443
22,84
41.422.970
-94,44
6 - OLEO DE SOJA, EM
BRUTO,MESMO DEGOMADO
782.993
2,63
586.299
0
0
0
0
7-OUTRAS PREPARACOES
PARA ALIMENTACAO DE
ANIMAIS
393.206
1,32
896.780
341.722
0,45
780.410
15,07
8-OUTRAS MIUDEZAS
COMESTIVEIS DE SUINO,
CONGELADAS
285.249
0,96
226.119
96.540
0,13
93.798
195,47
9-OUTRAS PREPARS.
ALIMENT. E CONSERVAS, DE
SUINOS E MISTURAS
169.468
0,57
56.715
131.506
0,17
54.531
28,87
10-PEDACOS E MIUDEZAS,
COMEST. DE
GALOS/GALINHAS,
CONGELADOS
0
0
0
18.635.584
24,64
8.963.167
0
11-CARNES DE
GALOS/GALINHAS,
N/CORTADAS EM PEDACOS,
CONGEL.
0
0
0
8.956.462
11,84
5.248.565
0
12-CARCACAS E MEIAS-
CARCACAS DE SUINO,
CONGELADAS
0
0
0
812.335
1,07
441.459
0
13-OUTROS. COUROS
BOVINOS, INCLUINDO
BUFALOS, DIVID. UMID. PENA
FLOR
0
0
0
412.688
0,55
98.280
0
14 - CARNES DE OUTROS.
ANIMAIS, SALGADAS, SECAS,
ETC.
0
0
0
231.990
0,31
73.699
0
15-PERNAS, PAS E PEDACOS
NAO DESOSSADOS DE SUINO,
CONGELADOS
0
0
0
160.948
0,21
111.552
0
16-PELES, PARTES DE AVES,
C/SUAS PENAS, ETC.
TRABALHADOS
0
0
0
49.495
0,07
133.320
0
TOTAL DA ÁREA
29.820.941
100
93.321.676
75.634.949
100
129.277.207
-60,57
TOTAL DOS PRINCIPAIS
PRODUTOS EXPORTADOS
29.820.941
100
93.321.676
75.634.949
100
129.277.207
-60,57
116
Tabela 08: Importações de Dourados
Ord/Descrição
2009 (Jan/Abr)
2008 (Jan/Abr)
Var %
US$ F.
O.B.
Part
%
Kg
Líquido
US$ F.
O.B.
Part
%
Kg
Líquido
2009/2008
1- TRIGO DURO, EXCETO PARA SEMEADURA
1.017.500
29,4
5.400.000
0
0
0
0
2- APARELHOS DE DIAGNOST. POR VISUALIZ.
RESSONANCIA MAGNET.
730.000
21,1
9.372
0
0
0
0
3-MAQS-FERRAM. P/ENROLAR, ARQUEAR, ETC. METAIS,
C/CMDO. NUMER.
670.721
19,4
38.667
0
0
0
0
4- TRIGO (EXC. TRIGO DURO OU P/SEMEADURA), E TRIGO
C/CENTEIO
380.000
11
2.000.000
5.937.090
59
18.699.000
-93,6
5 -SULFATO DE AMONIO
280.631
8,11
1.800.000
0
0
0
0
6- TRIPAS DE SUINOS, FRESCAS, REFRIG. CONGEL.
SALGAD. DEFUMADAS
198.563
5,74
10.800
111.429
1,1
10.800
78,2
7- OUTRAS MÁQUINAS FERRAM.P/TRAB.A FRIO DO VIDRO
79.386
2,29
6.997
0
0
0
0
8- OUTRAS. CHAPAS/FLS. DE VIDRO FLOTADO,
DESBASTADO, ETC. N/ARMAD
51.802
1,5
141.932
0
0
0
0
9- PARTES DE MAQS. E APARS. P/PREPAR. FABR. DE
ALIMENTOS, ETC.
30.169
0,87
263
7.737
0,1
50
289,93
10- CHAPAS/FLS. DE VIDRO FLOTADO, ETC. N/ARMADAS,
CORADO, ETC.
20.864
0,6
46.978
0
0
0
0
11 -OUTROS ROLAMENTOS DE ESFERAS
216
0,01
2
0
0
0
0
12- OUTROS CLORETOS DE POTASSIO
0
0
0
1.825.919
18
6.600.000
0
13-DIIDROGENO-ORTOFOSFATO DE AMONIO, INCL. MIST.
HIDROGEN. ETC
0
0
0
891.949
8,8
2.000.000
0
14-HIDROGENO-ORTOFOSFATO DE DIAMONIO, TEOR
ARSENIO>= 6MG/KG
0
0
0
537.570
5,3
1.200.000
0
15- MÁQUINAS E APARELHOS P/PREPAR. DE CARNES
0
0
0
276.250
2,7
5.104
0
16- TRIPAS ARTIFICIAIS DE PROTEINAS ENDURECIDAS
0
0
0
151.999
1,5
10.830
0
17- TRIFOSFATOS DE SODIO, GRAU ALIMENTICIO (FAO-
OMS)
0
0
0
102.655
1
76.500
0
18- ARROZ SEMIBRANQUEADO, ETC. N/PARBOILIZADO,
POLIDO, BRUNIDO
0
0
0
87.885
0,9
216.000
0
19- OUTRAS CHAPAS, ETC.POLIM. PROPILENO, BIAX.
ORIENT. S/SUPORTE
0
0
0
48.759
0,5
19.706
0
20 TRIPAS ARTIFICIAIS DE OUTROS PLASTICOS
CELULOSICOS
0
0
0
24.725
0,2
3.469
0
21 CHAPAS, ETC. DE POLIAMIDAS, S/SUPORTE,
N/REFORCADAS, ETC.
0
0
0
20.089
0,2
4.120
0
22 COLINA E SEUS SAIS
0
0
0
18.950
0,2
18.400
0
23 PARTES DE MAQS. E APARS. P/LIMPEZA, SELECAO, ETC.
DE GRAOS
0
0
0
14.252
0,1
204
0
24 INSTRUMENTOS E APARS. P/MEDIDA/CONTROLE
ELETR.ETC
0
0
0
7.429
0,1
12
0
25- PARAFUSOS/PINOS/PERNOS, DE FERRO
FUNDIDO/FERRO/ACO
0
0
0
4.846
0,1
59
0
26-. PARTES DE MAQUINAS E APARS. MECAN. C/FUNCAO
PROPRIA
0
0
0
4.529
0
25
0
27- PARTES DE MAQUINAS E APARELHOS P/AVICULTURA
0
0
0
4.149
0
6
0
28- CILINDROS HIDRAULICOS
0
0
0
3.418
0
29
0
29-ENGRENAGENS E RODAS DE FRICCAO, EIXOS DE
ESFERAS/ROLETES
0
0
0
3.345
0
157
0
30- TUBOS P/MICROONDAS,MAGNETRONS
0
0
0
2.125
0
30
0
31 - RELES, 60VOLTS<TENSAO<=1000VOLTS
0
0
0
2.076
0
4
0
32- VALVULAS P/TRANSMISSOES OLEO-
HIDRAULICAS/PNEUMAT.
0
0
0
1.944
0
18
0
33-PARTES E ACESS. P/OUTROS. APARELHOS AUTOMAT.
P/REGULACAO, ETC
0
0
0
711
0
1
0
34- VALVULAS DE EXPANSAO
TERMOSTATICAS/PRESSOSTATICAS
0
0
0
702
0
2
0
35 - PARTES DE VENTILADORES OU COIFAS ASPIRANTES
0
0
0
628
0
14
0
36- OUTRAS CORDAS E CABOS, DE FERRO/ACO, N/ISOL.
P/USO ELETR.
0
0
0
359
0
1
0
37- MÁQUINAS E APARELHOS MECANICOS C/FUNCAO
PROPRIA
0
0
0
303
0
2
0
38- OUTROS. PAPEIS/CARTOES AUTO-ADESIVOS, EM
ROLOS/FLS.
0
0
0
239
0
1
0
39- PLACAS, MANDRIS E DISPOSITIVOS MAGNETICOS, ETC.
DE FIXACAO
0
0
0
153
0
0
40- OUTROS ROLAMENTOS DE ROLETES CONICOS
0
0
0
148
0
2
0
41- DEMAIS PRODUTOS
0
0
0
139
0
0
TOTAL DA ÁREA
3.459.852
100
9.455.011
10.094.501
100
28.864.546
-65,7
TOTAL DOS PRINCIPAIS PRODUTOS IMPORTADOS
3.459.852
100
9.455.011
10.094.362
100
28.864.546
-65,72
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2009.
117
No caso das importações, a agroindústria também possui destaque, mas não é
o único setor econômico, pois neste aspecto há desde produtos metalúrgicos e
médicos até alimentos, máquinas e papéis adquiridos no mercado global. Todavia, o
produto mais importado é o trigo, conforme observamos através do seguinte texto
jornalístico:
O mercado douradense importou, nos cinco primeiros meses deste
ano [2006], US$ 15.793.147 contra US$ 10.641.325 no mesmo
período de 2007. O trigo argentino é o produto que teve maior custo
ao município: US$ 7,7 milhões, representando 50% das importações.
A crise dos alimentos no mundo, sobretudo pela falta do trigo, fez o
município importar uma tonelada a menos, comparado com o ano
passado, ou seja, importou 24 toneladas, mas pagou quase o dobro
pelo grão. Em seguida vem o Paraguai com US$ 2,7 milhões das
importações e Estados Unidos, US$ 1,7 milhões
(
www.portalms.com.br, acesso em 16/6/2008).
Além do fluxo formal, também existe uma rede que não é quantificável
oficialmente, que é aquela exercida entre a população douradense e o comércio da
fronteira de Pedro Juan Caballero (Paraguai) e Ponta Porã (Brasil), tratando-se do
fluxo de mercadorias adquiridas no país vizinho e que entram no município para a
revenda ou uso pessoal. Grande parte dessas mercadorias não é declarada no posto
fiscal da receita federal
99
, sendo esta uma realidade “normal” para a população de
Dourados.
Esse aspecto é observável através do desenvolvimento do “circuito inferior da
economia”
100
, que percebemos pelo grande número de camelôs que atuam no
município e que vendem vários produtos, desde brinquedos, eletrodomésticos e até
medicamentos
101
. Mas os produtos mais vendidos nesse comércio informal o os
99
“De acordo com o chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal, Admilson de Souza, em
dezembro, com o aumento no fluxo de veículos para o país vizinho, sobe também o número de
apreensões, que chega a 20% a mais” (
http://www.douradosagora.com.br/not-
view.php?not_id=242019, acessado em 20/06/2009).
100
Milton Santos aponta dois circuitos na economia das cidades: “O Circuito superior originou-se
diretamente da modernização tecnológica e seus elementos mais representativos hoje são os
monopólios. O essencial de suas relações ocorre fora da cidade e da região que os abrigam e tem por
cenário o país ou o exterior. O circuito inferior, formado de atividades de pequena dimensão e
interessando principalmente às populações pobres, é, ao contrário, bem enraizado e mantém relações
privilegiadas com sua região
O funcionamento do circuito superior está baseado nas necessidades
de uma produção “capital intensivo” local ou exógena. O consumo, ligado ao poder de compra, é
seletivo, mas as firmas do circuito superior dispõem de meios de publicidades suficientes para criar
novos gostos e para atrair a clientela, ou seja, elas impõem a demanda. O circuito inferior, ao contrário,
apóia-se no consumo; ela resulta da demanda, mesmo que esta esteja deformada pelo efeito-
demonstração” (Santos, 2004, p. 22 e p. 47).
101
O medicamento Pramil [...] continua sendo vendido nos camelôs de Dourados sem que haja uma
fiscalização rígida a respeito e muito menos uma orientação à população quanto aos riscos que as
118
CD’s e DVD’s
102
, realidade que constatamos em pesquisa de campo ao indagarmos
125 entrevistados sobre a forma em que eles tinham acesso à músicas e filmes,
sendo que a maioria apontou a pirataria como fonte destes produtos (esse aspecto
podemos observar nos gráficos a seguir).
Gráfico 05
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Gráfico 06
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
pessoas estão correndo [...] em camelôs da cidade chegam a ser vendidos até remédios
antiinflamatórios, lembrando que os medicamentos paraguaios não oferecem nenhuma garantia “e não
se sabe até se são falsificados”” (
http://www.douradosinforma.com.br/noticia.php?id_noticia=57983,
acessado em 20/06/2006).
102
“[...] nos últimos meses a PRF esteve com mais gente nas rodovias, sendo possível realizar escalas
especiais de fiscalizações. Segundo ele, por dia, o apreendidos em média 450 DVDs piratas. Por
mês este número sobe para 20 mil” (http://www.douradosagora.com.br/not-view.php?not_id=242019,
acessado em 20/06/2009).
119
Percebemos que as redes fazem parte da dinâmica espacial do município de
Dourados, desde o “circuito superior” até o “circuito inferior” da economia, sendo elas
puramente econômicas ou simplesmente o intercâmbio entre pessoas. As redes são
elementos norteadores do espaço, que se manifestam nas ações individuais ou
coletivas, oriundas e participantes das vidas cotidianas. Essas vidas fazem e refazem
a cada dia seu espaço vivido, sobre a influência local, global, cultural e econômica,
política e religiosa, pois ninguém se constitui no acaso, pois somos frutos de uma
história social, de uma construção coletiva.
Assim, Dourados se conecta via fluxos à vários lugares, o ao acaso (mas
talvez, por vezes, com ele), mas pela construção coletiva que ocorreu e que ainda
ocorre neste espaço. Essa construção está intrinsecamente ligada ao papel que ela
possui no circuito capitalista regional, nacional e internacional, que permitiu que aqui
se instalassem objetos técnicos para fluidez do capital, o que influenciou o comércio,
o setor de serviços públicos e privados, na ideia de pólo de desenvolvimento...
Tornando-o um espaço de comando.
Como falamos, isto é “consequência” das ações estatais que a partir da
década de 1970 implantaram em Dourados um conjunto de elementos que visavam
fortalecer o setor agrícola. Esse processo desencadeou uma nova “forma” e “função”
para o município, pois, se na década de 1960 ele não apresentava relevância
econômica regional significativa, a partir das iniciativas do Estado uma otimização
espacial foi instaurada, uma vez que:
Funcionalmente, a cidade de Dourados abriga um conjunto de objetos
e ações de maior densidade técnica e informacional que, segundo
Santos e Silveira (2006), m como papel o suprimento imediato e
próximo da informação requerida pelas atividades agropecuárias,
constituindo em intérpretes da técnica e do mundo(p. 281). Suas
atividades urbanas estão ligadas ao consumo produtivo e, desse
modo cumprem seu papel relacional, reunindo estabelecimentos e
profissionais envolvidos com a técnica e a ciência. A produção
especializada implicou em maior necessidade de complementaridade,
gerando maior mercado de trocas. Ao mesmo tempo, o consumo de
novas mercadorias traz a incorporação de novas ideias e valores, que
territorializam novas relações. Seus objetos urbanos podem indicar
sua posição de destaque no Estado de Mato Grosso do Sul, nessa
articulação em rede, dos fluxos entre as cidades, que vem
ritmando o movimento das relações sociais no mundo atual, a posição
intermediária de Dourados entre a capital Campo Grande e os
demais municípios do sul do estado, concretiza uma centralidade
que influencia os demais municípios, tanto em produção, quanto
circulação de mercadorias e capital, bem como do fluxo de
pessoas e informações (Araujo & Firmino, 2009, p. 5, grifos nossos).
120
Assim, as redes econômicas, frutos do capital, atuaram e continuam atuando
em Dourados, fortalecendo a inclusão de novos objetos técnicos e a configuração
desse território como meio técnico-científico-informacional, pois o município atingiu a
atual densidade técnica a partir das relações estabelecidas pelo Brasil (e para fora
dele) com o comércio internacional, atribuindo à porções do território, como
Dourados, a função de agroexportador. Esse processo “inseriu” Dourados na rede do
comércio agrícola mundial, atribuição que remodelou sua configuração espacial,
“determinando”, de algum modo, seus novos papéis local, regional, nacional e, de
alguma forma, internacional.
121
3
ESPAÇOS TECNOLOGICAMENTE AVANÇADOS
E SUJEITOS EM DOURADOS
A produção espacial é diferente em cada lugar. Apesar do capitalismo se
espraiar mundialmente, a sua absorção maior ou menor depende dos conjuntos de
elementos específicos contidos em cada território. Assim, os conjuntos de sistemas
de ações e de sistemas de objetos, apontados por Milton Santos (1997), como
constituintes do espaço, são heterogêneos e, por isso, o meio técnico-científico-
informacional não possui uma unidade em sua dimensão, distribuição ou expressão
territorial.
Podemos encontrar em um território caracterizado como meio técnico-
científico-informacional, lugares em que a densidade técnica é maior e outros em que
ela é menor. Esses lugares que possuem uma presença maior de densidade técnica,
Firmino (2002) chama de “espaços inteligentes”, o que nos remete a pensar
dialeticamente que existem “espaços não-inteligentes”, o que nos leva a discordar
dessa classificação, por entendermos que não é possível enquadrar qualquer lugar
onde haja ação humana e produção de objetos e ações (os elementos constituintes e
produtores socioespaciais) como um espaço não-inteligente, pois até os ritos e
tradições (ações) de “povos isolados” (como ainda em partes da Amazônia) possuem
uma racionalidade coletiva, tanto que confeccionam utensílios (objetos) para
realização dos cerimoniais de suas crenças. Se tais manifestações produzem espaço,
esse processo não é aleatório, pois uma “lógica” coletiva, uma “racionalidade”,
expressa naquilo que se entende como real. Deste modo, em especial, a produção
espacial realizada nesses lugares não pode ser enquadrada como não-inteligente.
É evidente, no entanto, que a reflexão em relação à presença diferenciada das
técnicas nos espaço é de suma importância, porque ela permite analisarmos a
existência de particularidades nos espaços do local ao global (ou do global ao local),
122
mesmo que participantes da pretensa lógica homogeneizadora e dominante do
capitalismo.
A partir deste entendimento, observamos que espaços tecnologicamente
avançados e espaços tecnologicamente não-avançados (sempre, é claro, do ponto de
vista da lógica hegemônica capitalista). Os primeiros possuem uma maior quantidade
de objetos técnicos e por isso também apresentam grande densidade informacional e
científica, uma vez que a inserção das técnicas não ocorre somente na materialidade,
mas também é processo mental que envolve informação e assimilação para a
utilização (a “tecnoesfera” e a “psicoesfera”, de acordo com Milton Santos [1997]).
Sem esses outros elementos o objeto não possui significado, logo sua importância e
utilização não se realizam. Desta forma, um computador deixa de ser útil se não o
conhecimento de como operá-lo; esse conhecimento é um produto simultaneamente
informacional e científico, pois, é informação sistematizada cientificamente, um
produto da ciência.
O que determina o aparecimento dos espaços tecnologicamente avançados
são os níveis de difusão dos impactos do meio técnico-científico-informacional, e o
grau de importância econômica e social do território. Porém, é possível que muitas
vezes, em uma mesma cidade, surjam diferentes níveis de desenvolvimento
tecnológico em lugares diferentes.
Esses espaços tecnologicamente avançados determinam o avanço
(capitalista) de uma região, pois estão ligados ao grau de importância econômica e
social de determinados lugares, por isso podem, “em tese”, serem encontrados em
qualquer lugar, independente de sua importância político-estratégica relacionada às
novas tecnologias.
A partir desses pressupostos, entendemos que esses espaços podem ser
encontrados em Dourados devido a sua importância regional, seu grande número de
empresas, seu comércio desenvolvido que mantêm relações com o entorno. Além
disso, a presença da agroindústria também é um fator determinante na produção
desses espaços, pois ao utilizar a tecnologia como insumo de sua produção, por
exemplo, um ramo da agroindústria (produção de alimentos derivados de carne) que
utiliza-se de alta tecnologia em seu ciclo produtivo, reformulando a sua estrutura
espacial, passa a ser considerado um espaço tecnologicamente avançado.
Além disso, centros de compras, lazer e cultura mais sofisticados como
shoppings, redes de supermercados, bancos, cinemas etc., também são espaços
tecnologicamente avançados relacionados ao cotidiano, pois estão ligados
123
diretamente ao processo de “modernização da cidade”
103
. Todavia, esses lugares são
distribuídos esparsamente (mas combinadamente) pelos espaços urbano e rural, por
isso que em alguns casos são menos perceptíveis, e por suas características
altamente ligadas ao uso e o consumo do/no cotidiano, apresentam-se diluídos junto
a outros espaços da cidade.
Esses espaços, apesar de altamente disseminados no espaço de Dourados,
não o usufruídos da mesma forma por todos os sujeitos, uma vez que eles
remetem à relação de consumo capitalista, também desigual. Por isso, não são todos
os que podem e conseguem acessá-los. Dada a maneira extremamente seletiva com
que estes espaços se instalam, é latente também o fato de privilegiar locais mais
valorizados, quando se trata dos espaços relacionados ao uso pelos sujeitos. Dessa
forma, espaços como os shoppings, centros culturais etc., muitas vezes ficam além
do alcance de grandes parcelas da população.
O fato é que, por se tratar de “espaços-produto” do período histórico atual, isto
é, por representarem, de uma maneira geral, a espacialização do modo de produção
capitalista, muitos destes espaços trazem consigo as características excludentes
próprias do sistema em questão. Além da localização, muitas vezes dificultada e
seletiva, o próprio acesso operacional torna-se uma barreira, ou seja, a interface
sujeito-máquina transforma-se por si num imenso obstáculo para o acesso de
pessoas que, muitas vezes, estão distantes da própria educação formal-tradicional.
3.1 A dispersão seletiva da informação em Dourados
No perímetro urbano de Dourados alguns lugares possuem uma maior
densidade técnica, como, por exemplo, os estabelecimentos comerciais da região
central que utilizam tecnologias computacionais e internet, como máquinas leitoras de
cartão de crédito; os bancos com seus sistemas de gerenciamento de dados
conectados a web, com equipamentos de informática e de segurança, além dos
caixas eletrônicos; os supermercados com leitores de código de barra, caixas
informatizados e aparelhos de informática para uso administrativo; lojas
especializadas em produtos agrícolas como maquinários, fertilizantes e defensivos;
estações de rádio e TV, provedores de internet; universidades ...
103
Atentando às devidas especificidades, a ideia de “modernização da cidade” deve sofrer as mesmas
críticas que apontamos sobre a ideia de “modernização da agricultura”, anteriormente destacadas.
124
Todos esses lugares são espaços tecnologicamente avançados, que estão
distribuídos na cidade, e que muitas vezes não são percebidos pela população
porque estão presentes lado a lado com tecnologias “tradicionais”, além do que, em
curto prazo de tempo, pelo menos para os sujeitos mais “conectados” às novas
tecnologias, o “novo” deixa de -lo e passa a ser, em prazos cada vez mais curtos
de tempo, percebidos como obsoletos. Nesse mesmo sentido, não podemos deixar
de apontar que os “novos” objetos e as “novas” ações, decorrentes da produção de
um espaço cada vez mais “tecnologizado”, passam a ser percebidos (ou mesmo nem
percebidos), também cada vez mais rapidamente, como objetos e ações “naturais” e
não como parte de um movimento de aceleração do tempo e, de forma corolária, do
espaço, o que, por sua vez, acelera (apressa e preocupa) os próprios sujeitos
104
.
A presença desses espaços é perceptível, quando analisamos a distribuição
dos objetos técnicos e das informações em Dourados. É possível perceber como que
alguns espaços são melhores dotados desses elementos que outros. Um exemplo,
nesse sentido, é a distribuição da informação na área urbana de Dourados (como
demonstraremos nas figuras a seguir).
104
O sujeito “moderno” é, como que constituinte de sua condição ontológica, um ser de pressa,
apressado, ou de cada vez mais pressa (em qualquer fila este aspecto é rapidamente visível, quando
alguém, chegando a sua vez, se “aventura” em fazer de seus passos a calma, a paciência; a irritação é
geral). Ao lado da pressa, a “preocupação” também cada vez mais toma conta do sujeito “moderno”.
Como apontou Karel Kosik (1995, p. 77), “O homem como “preocupação” não é apenas jogado no
mundo, que existe como realidade pronta e acabada; ele se movo neste mundo, que é criação
humana, como em um conjunto de aparelhos que ele é capaz de manejar sem ter de conhecer o
verdadeiro movimento deles e a verdade do ser deles. O homem como “preocupação” no seu “assumir
a ‘preocupação’”, maneja o telefone, a televisão, o elevador, o automóvel, o bonde, porém mesmo ao
manejá-los não se dá conta da realidade técnica e do sentido desses aparelhos”.
125
Figura 04
126
Figura 06
127
Figura 07
Percebemos que a porção norte da cidade de Dourados possui mais acesso à
informação que a porção sul, pois além do número maior de assinaturas dos dois
jornais mencionados (Folha de São Paulo, de circulação nacional; e Jornal O
Progresso, de circulação local e regional, sobretudo), é a região da cidade de atuação
da TV a cabo.
O norte da cidade é a porção espacial que concentra os bairros “nobres” do
município, o que explica a atuação da firma “Via Cabo” somente naquela região, pois,
como toda empresa, ela possui um público alvo, aquele que ela julga possuir mais
condições de adquirir os serviços ou produtos comercializados.
Além do norte, o centro da cidade também possui uma densidade técnica e
informacional maior, devido ao grande número de firmas e instituições instaladas
128
nesse espaço, e, daí, o maior número de pessoas circulantes diariamente.
Este aspecto é observável através da disposição dos órgãos de comunicação
no espaço urbano, que além do norte, também aponta o centro como espaço
concentrado (vejamos a figura a seguir).
Figura 08
Essa distribuição desigual das fontes de informação reflete a forma que o meio
técnico-científico-informacional se estabelece a serviço do capital e de grupos sociais
específicos. Tal aspecto também observamos quando estudamos especificamente as
formas de inserção nesse meio através da horizontalidade cotidiana dos sujeitos (o
que discutiremos a seguir).
129
3.2 Os sujeitos e o espaço da inclusão/exclusão
A dispersão dos espaços tecnologicamente avançados é desigual no interior
de cada espaço, dessa forma o meio técnico-científico-informacional não é
homogêneo em todos os lugares. Como “consequência” desse aspecto, o acesso à
tecnologia e informação também ocorre de forma diferente em cada espaço, tanto em
diferentes como dentro de segmentos sócio-econômicos. As classes mais abastadas
conseguem conviver e se familiarizar com um número maior de objetos tecnológicos
modernos e de fontes de informação, em relação aos grupos sociais com menos
recursos financeiros.
Esse aspecto faz parte do movimento de apropriação e “desapropriação” (de
espaços) típico do capitalismo, no qual, a aquisição de alguns produtos é realizada
somente por pessoas específicas, aquelas que possuem o poder de compra maior e
por isso são os clientes que mais interessam as firmas, mas também produtos
direcionados às classes mais pobres, afinal, no capitalismo, o consumo se realiza em
toda a sociedade, seja em grau maior ou menor.
Nesse processo, a informação é responsável pela disseminação da ideologia
dominante, porque a alienação torna-se essencial para a manutenção do sistema,
pois as ideias devem ser aceitas, introduzidas no consciente (e inconsciente) para
gerar a atmosfera de normalidade das coisas (em aproximação à ideia de “sociedade
normalizada”, de Michel Foucault [1996]), logo, a aceitação do que é posto, para que
não se perceba que é “manobrado”. Isso ocorre constantemente, principalmente na
inserção dos novos objetos técnicos, uma vez que eles são introduzidos não de forma
brusca, nem tão pouco violenta, pelo contrário, se manifestam progressivamente e
com um aparato de ideias que os legitimam como necessários aos lugares, através
da hegemonia.
Desta forma, como processo de pretensa “evolução da sociedade”, as
máquinas leitoras de digo de barra e as máquinas de cartão de crédito são
inseridos na vida das pessoas, mas na realidade esse aspecto é característico das
novas formas de produção capitalista, pois esses objetos, que aos poucos são
inseridos no espaço como elementos de uma “modernidade necessária”, na realidade
são equipamentos que agilizam a fluidez do capital, e não elementos puramente
“sociais” de modo a tornar mais “cômoda” a vida das pessoas. Porém, na alienação,
isso não é captado, vê-se o superficial, o que está na aparência: a tecnologia (ou os
130
avanços tecnológicos) como essencial na vida moderna.
Por isso, aqueles que não aderem rapidamente ao movimento de inserção dos
novos objetos avançados, são considerados atrasados, “estranhos”, pois o discurso
do senso comum apresenta alegações como: “só você não usa”! Esse tipo de
situação acaba criando o sentimento de estar fora da modernidade, do movimento de
“evolução”, o que acaba levando as pessoas a aderirem aos objetos técnicos de
forma mais rápida. Todavia, não é somente para se sentir “atualizado” que as
pessoas, instituições e firmas aderem às novidades tecnológicas, que as
facilidades que esses equipamentos proporcionam ao cotidiano são, na maioria das
vezes, inquestionáveis, afinal eles foram projetados para dinamizarem as tarefas,
mas é importante apontar também que a inserção desses elementos “novos” cria a
necessidade de constante aprimoramento, ou seja, uma constante busca pela
atualização, o “vício” de querer possuir sempre o que for mais “moderno” no mercado.
Essa condição é importante para fomentar o consumo, que a busca
constante de conexão ao “moderno” globalizante gera a necessidade de substituição
dos objetos utilizados, por outros objetos cada vez mais “modernos”. Dessa forma, a
indústria capitalista é alimentada (tendo o consumo como um dos momentos mais
importantes), uma vez que o consumo é a base essencial para o fortalecimento das
economias capitalisticamente conectadas, desde as locais à global.
Assim, aos poucos (que pode ser alguns dias ou vários anos), os espaços são
munidos (desigualmente) pelas novas tecnologias. Nesse movimento, as novas
tecnologias transformam o espaço, criando condições de maior fluidez para o capital.
Como “consequência” disso, o cotidiano dos sujeitos, instituições e firmas é
reformulado, novas práticas surgem, novos hábitos se tornam rotineiros, novos
elementos passam a ter uma importância fundamental nas relações sociais: um
“novo” cotidiano se torna hegemônico
105
. Um exemplo, nesse sentido, é a internet,
que liga as pessoas ao “mundo”, facilitando a comunicação, aproximando aqueles
que estavam distantes e que se tornou uma peça fundamental para muitos sujeitos,
pois é comum ouvirmos falar de pessoas que se conheceram pela internet, ou que
namoram digitalmente pela web; pessoas que possuem trabalhos que dependem
desse fluxo informacional, como os desenvolvedores de sites, proprietários de
páginas que vendem produtos pela rede de computadores, ou autônomos que
utilizam a internet para o marketing e a ampliação de suas possibilidades de trabalho
105
Aliás, a condição de hegemonia de práticas e ideias se efetiva quando é expressão do próprio
cotidiano, portanto, não como excepcionalidade, mas como norma.
131
e negócio.
Podemos dizer, como exemplo, que vinte anos tais relações eram
completamente estranhas à maioria, mas hoje participam como parte indissociável
ou parte do cotidiano. As transformações encadeadas pelo desenvolvimento do
meio técnico-científico-informacional são inúmeras, e como todas as mudanças na
sociedade, o processo é conduzido por interesses de classe que buscam se legitimar.
Em todo processo que tem como centralidade a lógica capitalista, pessoas
que são direta ou indiretamente excluídas do movimento de acesso às novas
tecnologias, e outras que não acessam totalmente essa dinâmica. No primeiro grupo,
estão inseridos os sujeitos que frequentam espaços tecnologicamente avançados,
porém não possuem condições financeiras de adquirem os objetos que veem. Alguns
entronizaram a ideia de necessidade dos equipamentos modernos, mesmo sem os
ter, uma vez que a ideologia se irradia em todo o território e é captada por todos
aqueles que participam dos lugares mais conectados ao movimento moderno, pois a
necessidade não surge de forma aleatória, sendo preciso um conjunto de situações
cotidianas que demonstrem as vantagens na adesão ao novo. Isso irá ocorrer no
meio em que este sujeito já está inserido ou por informações nos lugares que ele está
presente, ou seja, é necessário conhecer para se querer, é preciso que haja
elementos que apontem a importância de possuir os objetos técnicos modernos.
Nesse sentido, não adianta um computador, se não se vê a necessidade de -lo. Por
isso, as necessidades são criadas e ideologicamente transmitidas, alimentando o
consumo.
A partir do desejo de ter e a realidade de não ter, é que a condição e mesmo o
sentimento de exclusão se alicerça nos sujeitos, uma vez que o “meio vivido”
apresenta inúmeras vantagens em possuir o objeto “necessitado”. Essa condição é
essencial, porque não exclusão sem a ideia de inclusão. Partindo desse
pressuposto, podemos dizer que o meio cnico-científico-informacional
simultaneamente gera incluídos e excluídos, aqueles que têm e aqueles que apenas
possuem o desejo de ter.
O espaço da “inclusão/exclusão”, em especial quando relacionado ao “espaço
virtual”
106
, tende a atingir, como processo de exclusão, os sujeitos mais velhos, pois
106
Para os fins deste trabalho, tratamos como “espaço virtual” aquele ligado às relações estabelecidas
pelas conexões via internet, que vão desde as conexões pessoas via “correio eletrônico” (emails,
“msn”, “orkut”, blogs...) às transações virtuais do mercado global (como na mobilidade de grandes
capitais de uma para outra parte do mundo, exemplificada pelo grande “cassino” de capitais “jogado”
diariamente junto às grandes bolsas de ações e valores).
132
são menos participantes, na extensão da vida, dos “modernos” objetos e ações do
cotidiano ditado pelas relações virtuais. É evidente também que esta
“inclusão/exclusão” também está ligada à condição de classe dos sujeitos, atingindo,
principalmente, os pobres. Os aposentados (mais pobres) são exemplo típico desses
sujeitos, pois muitos não conseguem manusear sem ajuda de terceiros um “caixa
eletrônico bancário”, e provavelmente gostariam que o sistema antigo de atendimento
(feito por pessoas) retornasse.
Fundamentalmente, entendemos que a produção e reprodução do meio
técnico-científico-informacional transforma a vida das pessoas, incluindo ou
excluindo-as. Isso ocorre porque o capitalismo segue os ditames de uma elite
hegemônica que, impõe as condições que lhes são favoráveis, e, aos demais
sujeitos, é imposta a condição de se adaptar. Isso não ocorre rapidamente, às vezes
nunca chega a ocorrer, promovendo a convivência indesejada entre sujeitos e novas
técnicas.
3.3 Os sujeitos e o meio técnico-científico-informacional em
Dourados
O meio técnico-científico-informacional se espraia, se faz e se refaz
desigualmente. Buscando pensar este espaço, colhemos e analisamos informações
que, mesmo que de forma parcial, nos possibilitam compreender a expressão dessa
desigualdade.
As informações coletadas apontam que o acesso às novas tecnologias ocorre
de forma diferenciada e desigual, de acordo com a localidade em que o sujeito habita
(localidade também expressão do espaço desigual).
Vamos aos dados. Um aluno da Escola Elza Farias, situada na Vila
Cachoeirinha, periferia de Dourados (que abriga pessoas das classes D e E
107
,
sobretudo), se conecta à internet durante 2 horas diárias, em cerca de 3,8 dias por
semana; um aluno da Escola Capilé, localizada no jardim Água Boa, o bairro mais
populoso do município (que abriga pessoas da classe C e B2, sobretudo), acessa a
107
Utilizamos o Critério Brasil da ABEP (2008), que define “classe A” pessoas de renda média familiar
de R$ 6.554,00 (A2) a 9.733 (A1); “classe B” pessoas de renda média familiar de R$ 2.013 (B2) a
3.4790 (B1); “classe C” pessoas de renda média familiar de R$ 726,00 (C2) a 1.195 (C1); “classe D” de
renda média familiar de R$ 485,00; “classe E” de renda média familiar de R$ 277,00.
133
internet em média durante 3 horas e 45 minutos diárias, em cerca de 5,3 dias por
semana.
Outro aspecto está relacionado à frequência de acesso à internet pelos alunos.
Pelos dados das duas escolas, constata-se que o uso é frequente para a maioria,
prevalecendo, mesmo que com diferença não muito expressiva, o “utilizo muito” para
alunos da escola do Jardim Água Boa, no que podemos inferir que as condições
sócio-econômicas o condicionantes importantes para o uso (de acordo com gráfico
a seguir).
Gráfico 07
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
A diferença do uso da internet também ocorre na comparação entre a
população adulta e os alunos, como constamos perante trabalhadores dos setores
comercial e de serviços em Dourados, ao mesmo tempo em que o uso da internet,
para os primeiros, também muda substancialmente em função da participação do
computar como “meio” de trabalho (conforme apontam o gráfico e a tabela a seguir).
134
Gráfico 08
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Tabela 09: Frequência de acesso a internet dos funcionários do setor terciário
Setores do Terciário
Número de
entrevistados
Dias por
Semana
Horas de
Internet
Diárias
Com. de Máquinas, Tratores e
Colheitadeiras
5
6,5
5,5
Com. de Máquinas e Peças
9
6
6,5
Com. de Móveis e
Eletrodomésticos
6
6
2
Com. e Man. de Prod. de
Informática
5
6
10,5
Com. de Confecções, Calçados e
Mat. Esportivos
19
4,5
2,5
Supermercados
8
5
1,5
Com. de Sementes, Rações e
Fertilizantes
6
7
6
Média
5,8
4h. 54min.
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Além da diferenciação em relação ao tempo de uso e as razões do acesso ao
computador e internet, percebemos também que distinção entre os entrevistados
no que se refere aos locais de acesso a essas tecnologias (conforme o seguinte
gráfico).
135
Gráfico 09
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Percebemos que entre os adultos o acesso ocorre com mais frequência no
local de trabalho e nas residências. Porém, cabe uma ressalva no segundo dado, pois
quando estávamos realizando o trabalho de campo e deixávamos os questionários
para serem preenchidos nos estabelecimentos, os mesmos foram respondidos cerca
de 50% por gerentes ou responsáveis por setores, que são aqueles sujeitos que
possuem, na maioria das vezes, salários melhores que os demais funcionários da
empresa, o que explica o fato do número de acessos realizados em residências ser
alto. Independentemente dessa questão, percebemos que o local de trabalho se
apresenta como uma fonte importante de inclusão ao mundo digital.
entre os alunos dos bairros periféricos, a fonte principal de acesso ocorre
em Lan Houses, seguido pela escola e residência de terceiros. As Lan Houses são
estabelecimentos onde os usuários pagam um valor referente ao tempo de utilização
da estrutura de hardware, software e internet do local. Esses lugares, como espaços
tecnologicamente avançados, se expandiram grandemente pelo perímetro urbano
devido à demanda da população mais pobre em formas alternativas de conexão com
o mundo digital.
A partir do gráfico seguinte, também é possível perceber a importância que a
escola assume no papel de agente integrador das novas tecnologias da informação.
Isso ocorre porque o Ministério da Educação (MEC) implantou uma política de
136
inclusão digital, em que por meio de diversos programas e órgãos
108
busca incluir os
sujeitos, e principalmente os alunos, nessa nova dinâmica comunicacional da
sociedade. Nessa política, o programa responsável pela inserção de salas de
informática nas escolas é o “ProInfo”, que foi:
[...] inicialmente denominado de Programa Nacional de Informática na
Educação, criado pelo Ministério da Educação, através da portaria
522 em 09/04/1997, com a finalidade de promover o uso da
Telemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino
público fundamental e médio [...] A partir de 12 de dezembro de 2007,
mediante a criação do decreto 6.300 o ProInfo passou a ser
Programa Nacional de Tecnologia Educacional, tendo como principal
objetivo promover o uso pedagógico das tecnologias de informação e
comunicação nas redes públicas de educação básica [...] O
funcionamento do ProInfo se de forma descentralizada, existindo
em cada unidade da Federação uma Coordenação Estadual, e os
Núcleos de Tecnologia Educacional - NTE, dotados de infra-estrutura
de informática e comunicação que reúnem educadores e especialistas
em tecnologia de hardware e software [...] O programa contempla
ações de formação que contribuam para dinamizar os processos de
ensino e de aprendizagem, desenvolver potencialidades, habilidades e
conhecimentos específicos (
www.rn.gov.br, acessado em
24/08/2009).
Através desse programa, equipamentos como computadores e impressoras
foram doados às escolas para implantação das Salas de Tecnologia Educacional
(STE), que dispõem de micro-computadores conectados à internet e professores com
conhecimentos de informática remunerados pelo município ou estado. Esses
espaços, em alguns municípios e distritos, são as únicas formas de acesso ao
computador e internet que os alunos possuem.
Outro aspecto que procuramos aferir, foi o acesso aos aparelhos de mídia
109
(já que além de serem objetos cnicos do meio cnico-científico-informacional, são
108
A saber: Casa Brasil, Centros de Inclusão Digital, Computador para Todos, CVT - Centros
Vocacionais Tecnológicos, Gesac - Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão, Kits
Telecentros, Maré - Telecentros da Pesca, Observatório Nacional de Inclusão Digital, Pontos de
Cultura - Cultura Digital, Programa Banda Larga nas Escolas, Programa Computador Portátil para
Professores, Programa Estação Digital, Programa SERPRO de Inclusão Digital - PSID, Projeto
Computadores para Inclusão, Quiosque do Cidadão, Telecentros Banco do Brasil, Territórios Digitais,
TIN - Telecentros de Informação e Negócios, UCA - Projeto Um Computador Por Aluno
(http://www.inclusaodigital.gov.br/inclusao/outros-programas, acessado em 24/08/2009).
109
Termo usado para referenciar um vasto e complexo sistema de expressão e de comunicação.
Literalmente "mídia" é o plural da palavra "meio", cujos correspondentes em latim são "media" e
"médium", respectivamente. Na atualidade, mídias é uma terminologia usada para: suporte de difusão
e veiculação da informação (rádio, televisão, jornal), para gerar informação (máquina fotográfica e
filmadora). A mídia também é organizada pela maneira como uma informação é transformada e
disseminada (mídia impressa, mídia eletrônica, mídia digital...), além do seu aparato físico ou
tecnológico empregado no registro de informações (fitas de videocassete, CD-ROM, DVDs).
137
importantes meios de difusão de informação), a fontes de informação do cotidiano e
aos meios de informações considerados importantes pelos alunos (vejamos os
gráficos seguintes).
Gráfico 10
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Gráfico 11
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Percebemos que os equipamentos de mídia tradicionais (TV e Rádio) são
utilizados na mesma proporção entre os alunos das duas escolas, mas os
equipamentos de mídia que precisam de computador no processo de utilização (pen
drive, mp3 player e câmera digital), o nível de acesso é menor entre os alunos de
condições sócio-econômicas mais precárias. Ou seja, a “precarização” no acesso e
138
uso dos equipamentos de mídia é correlata à precarização das condições de
existência.
Outro aspecto apontado, é que apesar de conviver com materiais de formação
e informação impressos, pois todos os alunos estudam com os livros disponibilizados
pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), os discentes não consideram esses
recursos como as suas principais fontes de informação, uma vez que a televisão e o
rádio ocupam essa posição mais importante entre ambos os grupos de alunos.
Especificamente, entre os alunos do Jardim Água Boa, a internet ocupa um
lugar de destaque como meio de informação, maior que para os alunos da escola da
Vila Cachoeirinha, o que é explicado pelas condições de melhor acesso e uso. Mas
também é importante destacar, inversamente, como para os mais pobres ainda o
rádio tem papel considerável como meio de informação, com tendência de queda
para os grupos sócio-econômicos melhores. Ou seja, mesmo que outros meios de
informação passem a ocupar o cotidiano dos sujeitos, isso não significa que meios
mais “tradicionais” deixem de existir, mas acabam, mesmo que de forma reduzida,
coexistindo com os meios mais “modernos”.
Sobre o uso da televisão, os dois bairros apontam diferenciações em relação à
forma de captação de sinal (vejamos no gráfico seguinte).
Gráfico 12
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
139
O uso do sinal de TV por assinatura não ocorre no grupo residente na Vila
Cachoeirinha, o que é “normal” por se tratar de uma população com menos recursos
financeiros. Porém, uma questão de destaque é a grande demanda na utilização do
sinal captado por antena parabólica, inclusive entre os alunos da Escola Elza Farias,
o que aponta podemos inferir que a população, além de buscar maior
diversificação na programação televisiva, também se mostra insatisfeita com o que é
“obrigada” a assistir por meio dos sinais da “TV aberta”.
No tocante ao tempo médio diário de uso da televisão, entre a população
adulta o tempo de uso é de 2 horas e 18 minutos, em média, ocorrendo de forma
variada. Entre os seguimentos do terciário estudados, o grupo que atua no comércio
de confecções, calçados e materiais esportivos são os que mais assistem TV, e os
que menos assistem são funcionários que trabalham nos segmentos de informática e
comércio de móveis e eletrodomésticos.
Gráfico 13
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Além da TV, outros equipamentos de mídia também foram pesquisados entre
os trabalhadores, e percebemos que a utilização dos aparelhos que necessitam do
computador no processo de manuseio ocorre em número expressivo. Somado a isso,
o rádio, mesmo ainda ocupando uma posição importante como aparelho mais
utilizado como fonte de informação, perde espaço além da TV para a internet e
140
para os jornais.
Gráfico 14
Equipamentos de mídia utilizados pelos
funciorios do terciário
0
10
20
30
40
50
60
TV Rádio DVD Pen drive MP3 Câmera
Digital
Filmadora
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Gráfico 15
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
Percebe-se que uma inexpressiva de referência às fontes tradicionais de
aprender (livros, escola, faculdade e cursos), isto nos remete a refletir os processos
141
pedagógicos e as atuais estruturas das instituições de ensino, que aparentemente
não atraem o interesse da população. Todavia, esse não é o foco de nosso trabalho,
por isso não vamos aprofundar nessa questão, porém abri-se possibilidades de
futuras pesquisas e discussões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem no
contexto do meio técnico-científico-informacional.
Nos gráficos observa-se também, a utilização com maior ênfase das mídias
impressas, com ênfase aos jornais, é explicada pelo fato de que é “normal” muitos
comerciantes assinarem algum jornal, também disponibilizando-o para leitura, aos
seus funcionários, o mesmo também ocorrendo com a internet. Desta forma, muitas
vezes, a informação é adquirida “sem” o desprovimento de recursos financeiros por
parte dos funcionários.
Se o acesso à informação é heterogêneo, tal aspecto não acorre em relação
ao uso da telefonia, pois todos os entrevistados do terciário possuíam telefone
celular. A diferenciação ocorre em relação ao serviço de telefonia fixa, que 45%
dos profissionais do terciário ainda não dispõem deste tipo de serviço em suas
residências, mesmo usufruindo do telefone celular. A razão de maior uso da telefonia
móvel em relação a fixa, parece decorrer do custo maior em manter um telefone fixo,
uma vez que a cobrança desse serviço é mensal e, com o celular, apesar do custo de
ligação ser maior, possibilidade de flexibilidade, pois é possível ficar períodos sem
recarregar os aparelhos, mas continuando usando-o para receber ligações. Esse
aspecto facilita o acesso, uma vez que o usuário pode escolher quanto e quando
recarregar, permitindo que o acesso se adapte às condições financeiras de cada um.
Essa facilidade do telefone pré-pago permite que esta modalidade de telefone
atinja o maior número de pessoas, por isso, dos 124,12 milhões de celulares em uso
em 2008, no Brasil, 100,38 milhões de aparelhos foram pré-pagos, enquanto que os
pós-pagos somavam 23,74 milhões (
http://g1.globo.com acessado em 31/08/2009).
É importante frisar que muitos dos celulares adquiridos pela população de
baixa renda são comprados em revenda de usados. Essa é uma prática que vem se
ampliando e simultaneamente aumentando a possibilidade de acesso a esse tipo de
equipamento. Desse modo:
O comércio de telefones celulares usados está ajudando a classes
mais baixas a ter acesso à telefonia móvel. De acordo com uma
pesquisa realizada em todo o país, o número de usuários de baixa
renda cresceu 14% em um ano. Hoje, mais da metade dos brasileiros
142
das classes D e E têm celulares. "Hoje existem aproximadamente 8
milhões de celulares de segunda mão, que chegam aos indivíduos
através desse mercado secundário. Ele é mais forte quanto mais
baixo o poder aquisitivo", explica a coordenadora de pesquisa Maria
Andrea Murati. A velocidade dos lançamentos e a evolução
tecnológica são responsáveis pelo avanço do mercado de aparelhos
usados. No ano passado, de cada quatro celulares habilitados, um era
de segunda mão (
http://g1.globo.com acessado em 31/08/2009).
À medida que a ampliação do uso dessa tecnologia ocorre, também aumenta a
utilização desse equipamento por jovens e até crianças. Uma pesquisa realizada em
2006 pela empresa “Vivo” (empresa de telefonia móvel), revelou que houve um
aumento de 33% do uso de celular entre crianças de 7 a 13 anos de idade, em
relação a 2005 (Folha de São Paulo, 06/03/2007).
O uso do celular em grande escala também ocorre entre os adolescentes, uma
vez que 89% dos alunos entrevistados nas duas escolas possuíam esse aparelho. E,
segundo o IBGE, em 2005, 47,4% dos estudantes de 10 anos ou mais de idade, em
Mato Grosso do Sul, tinham celular para uso pessoal; no índice geral da população
do estado, esse número era de 48,7, o que deixava o estado na posição entre as
grandes regiões do país (veja tabela abaixo). De forma semelhante, o uso do celular
atingia 48,7% da população do Centro Oeste, enquanto que no Brasil esse número
era de 36,7%, índice que aumentou progressivamente, uma vez que em 2007,
segundo a ICT Statistics Database (IBGE, 2009), 63,08 de cada 100 habitantes do
país eram assinantes de telefonia celular. em fevereiro de 2008, o país fechou o
mês com 124,12 milhões de celulares, alta de 1,03% em relação a janeiro de 2006.
Desse modo, o número de celulares por habitante cresceu para 65,09 aparelhos em
cada grupo de cem pessoas, segundo a ANATEL (
http://g1.globo.com acessado em
31/08/2009).
Tabela 09: Pessoas de 10 anos ou mais de idade que tinham telefone móvel
para uso pessoal, por Grandes Regiões - 2005
Região
Possuíam (%)
Não Possuíam (%)
1-Distrito Federal
66,3
33,7
2-Região Metropolitana de Porto Alegre
63,3
36,7
3-Rio Grande do Sul
54,7
45,3
4-Região Metropolitana de Curitiba
52,4
47,6
5-Região Metropolitana de Belo Horizonte
51,7
48,2
6-Região Metropolitana do Rio de Janeiro
51,4
48,6
7-Rio de Janeiro
48,7
51,3
143
8-Mato Grosso do Sul
48,7
51,3
9-Santa Catarina
45,9
54,1
10-Região Metropolitana de Recife
45,4
54,6
11-Região Metropolitana de Salvador
44,6
55,4
12-Região Metropolitana de São Paulo
44,5
55,5
13-Goiás
43,6
56,4
14-Paraná
40,9
59,1
15-São Paulo
40,7
59,2
Fonte: www.ibge.gov.br, acessado em 31/08/2009.
Percebemos que a difusão da informacão e das técnicas, com a sua
cientificidade, ocorre promovendo prioridade de acesso aos grupos mais abastados
da sociedade, enquanto que os mais pobres acabam vivenciando um acesso indireto
através de elementos presentes no espaço, mas que não estão ao seu controle,
como é caso de “leitores de código de barra” dos supermercados, dos sistemas
informatizados das empresas públicas e privadas que lhe prestam serviço, das
intituições financeiras que frequentam, como casas lotéricas, empresas de
consignatos, etc.
Desta forma, os sujeitos desiguais convivem com ambientes desiguais, em que
as novas técnicas e os novos fluxos informacionais estão presentes, mas os mais
pobres apresentam maiores dificuldades em acessar diretamente esses recursos. Até
mesmo nas Lan Houses, onde as pessoas possuem o contato direto com a máquina,
o acesso é indireto, pois ele ocorre mediante o pagamento de um valor referente ao
tempo de disponibilidade ao uso do equipamento e da internet, ou seja, o contato com
os meios é direto, mas o acesso a esses meios é sempre parcial e extremamente
condicionado, uma vez que o aluguel define um uso temporário.
Apesar desse aspecto, muitas pessoas entram em contato, mesmo que
exporadicamente, com o computador e a internet, por exemplo. Somando a isso, a
comunicação à distância por meio de celulares é algo banal em Dourados.
Compreendemos, nesses elementos, que o meio técnico-científico-informacional
presente no espaço urbano é usufruído não pelas empresas, mas também pelas
pessoas, porém, de formas variadas, ou seja, uns acessam com mais enfâse e outros
com mais dificulades. Apesar dessas dificuldades, os sujeitos frequentam espaços
tecnologicamente avançados, mas nesse processo eles não possuem o domínio de
uso das tecnologias existentes nesses lugares.
Tal situação poderia mudar se o governo oferecesse mais facilidades ao
144
acesso ao computador e a internet, por exemplo, através de “centros públicos de
inclusão digital”. Esses lugares não precisariam de equipamentos sofisticados, pois a
atual estrutura da rede de computadores mundiais permite o desprendimento do
usuário a um computador fixo, uma vez que há vários sites especializados no
armazenamento de dados gratuitamente (FileHosting-cc
, FileXoom, Host-A,
KeepMyFile
, FileWind iHud, FreeFileHost...), o que permite que qualquer pessoa
possa ter vários megas de informações pessoais que podem ser acessadas em
qualquer lugar em que existir um computador conectado à internet, por meio de uma
senha. Esses sites o apenas breves ramificações de um novo conceito que surge
na Web, a “navegação em nuvem” (“cloud computing”), que se baseia na utilização da
internet como um grande computador, com seus arquivos e programas rodando
virtual e gratuitamente, sem a necessidade de tê-los em sua máquina.
Assim:
A vantagem é poder acessar os arquivos de qualquer lugar: a
informação não está "trancada" na memória de um computador. Para
a grande massa de indivíduos, essa é a novidade mais importante
imediatamente trazida pela nuvem. Ela marca o fim de um universo
digital "PC-cêntrico". Computadores de grande memória e poder de
processamento ainda terão sua utilidade em casa mas,
definitivamente, não serão indispensáveis [...] A nuvem é um fator de
democratização das oportunidades de negócio. Ela significa que
qualquer empreendedor pode ter um supercomputador ainda que
virtual à sua disposição (Rydlewski, 2009, 67).
Essa tecnologia é possível devido à expansão dos “centros de dados” (“data
centers”) de muitas empresas ligadas à internet, uma delas é a “Google”, que vem
investindo maciçamente nesse tipo de espaço tecnologicamente avançado, visando
tornar realidade esse conceito tecnológico, que segundo a empresa traria a definitiva
inclusão das camadas mais pobres da população no mundo digital, conforme aponta
Eric Schmidt, atual presidente da “Google”, em reportagem do site G1:
[...] num futuro próximo os computadores poderão ser muito mais
baratos e usarão programas oferecidos quase sempre de graça, pela
internet. Seria a definitiva inclusão das camadas mais pobres da
população no mundo digital [...] Com a informação na internet, os
computadores vão precisar de menos capacidade, podem ser
reduzidos a uma configuração mínima e tendem a ficar muito mais
baratos. "A computação nas nuvens é a maneira mais simples e
barata de se ter acesso à internet. Pessoas com pouco dinheiro hoje
145
não têm acesso a computadores. E nós poderemos oferecer esse
acesso", diz Schmidt. Quem ouve, até pensa que o executivo está
fazendo filantropia. Mas, não se engane, ele está sempre falando de
negócios. De olho em competidores gigantes, como a Microsoft. "Eu
diria que o computador do futuro é a internet", afirma Eric Schmidt [...]
"Hoje, se você tem um problema no computador, está tudo perdido, é
terrível. Mas, com a computação nas nuvens, não importa se você usa
o celular, o computador ou qualquer outro aparelho, tudo estará
guardado na internet." (
http://g1.globo.com em 06/05/08).
Percebemos que as empresas estão investindo em tecnologias para ampliar o
número de pessoas que acessam a internet, o que para elas significa a ampliação de
seus negócios para atingir públicos que até o momento possuem dificuldades
financeiras de acesso à rede. Diante dessa realidade, caberia ao poder público o seu
papel de promoção da cidadania, promovendo oportunidades de integração dos
grupos sociais mais pobres da sociedade à essa esfera virtual do mundo real,
permitindo, através de “centros públicos de inclusão digital”, a possibilidade de
acesso à virtualidade que cada vez mais se torna um aspecto cotidiano do meio
técnico-científico-informacional.
146
PARA NÃO CONCLUIR...
A sociedade pode ser analisada a partir das técnicas, pois elas são parte das
expressões materiais (porque usadas como práticas) e imateriais (porque usadas
como “racionalidade”) da produção espacial. No conjunto de produção socioespacial
bases fixas (objetos) e móveis (fluxos e ações), porém, o que aparentemente é
imóvel aos olhos é também movimento, pois representa o giro de processos de
produção, isto é, os fixos e fluxos representam a mobilidade “racional”, e muitas
vezes econômica, de um conjunto social em dado período têmporo-espacial. Desta
forma, a cada período temos objetos diferentes, que representam parte do movimento
socioespacial de um lugar. Assim, também cada período expressa momentos da
transformação social como movimento imobilizado e imobilidade em movimento, pois
todo movimento também se “fixa” nos objetos e ações e toda fixidez nunca é
absolutamente destituída de fluxo.
Por isso, é impossível separar a técnica da ação humana, porque uma é parte
indissociável da outra. Cada ação promove um movimento e a técnica é justamente a
materialização desse processo. Desse modo, não técnica melhor ou pior, porque
cada uma representa uma identidade (histórica e geográfica) que se manifesta nos
objetos e nas ações. Assim, a separação entre fixos e fluxos ocorre como
movimento de abstração, pois no sentido mais profundo tudo é ação, tudo é
movimento, seja em processo, seja em produto.
O espaço se faz como relação socioespacial (produzindo-se e reproduzindo-
se), que na gênese de sua constituição e reprodução, a ação também está
embutida, pois o espaço não é amorfo, parado, ele é ação: movimento processo (agir)
e movimento produto (objetos). Portanto, o espaço é a materialidade e a
imaterialidade social como meio, como relações que se fazem a partir de uma
espacialidade que “reflete” as relações, que “refletem” o espaço.
Como o espaço é produzido e está em movimento constante (reprodução),
torna-se necessário estudá-lo também no curso da história. Na realização de tal
147
tarefa, a análise das técnicas pode se tornar um elemento chave, pois como ela é o
fixo, o produto do/em movimento, materializa a característica espacial de cada
período histórico. Nessa lógica, o tempo se torna material a partir da técnica
(encerrada em objetos e ações) e por meio dela analisamos o espaço no tempo.
É nessa direção que os meios geográficos se tornam essenciais na
compreensão da dinâmica espacial, porque cada meio se refere a um período de
tecnificação histórico-espacial. Por isso, as relações espaciais em cada meio o
diferentes, porque são resultantes da interação entre fixidez e movimento (objetos e
fixos, ações e fluxos).
Desse modo, atualmente, o estudo do meio técnico-científico-informacional se
torna importante, porque ele representa não a observação da técnica como
constituinte do espaço, mas de todo conjunto de relações estabelecidas em
determinado lugar no qual objetos e ações se tornam elementos de uma “nova”
configuração espacial, não se resumindo somente na presença de novos fixos, uma
vez que se uma hiper-ligação entre o material, o imaterial e as relações que os
permeiam.
Essas relações são heterogêneas nos lugares e, apesar do capitalismo ser
“planetário”, os seus efeitos são percebidos de forma diferente, porque em cada meio
as relações socioespaciais são distintas, isso é, o alicerce de formas dissonantes, de
experiências únicas, que caracteriza o espaço desigual ou dividido. Essa
característica do espaço permite que a horizontalidade dos lugares se torne uma
grande força em meio à verticalidade global, pois é partir dela que a vida se torna
orgânica, flexível e humana, que a verticalidade tenta se manifestar pela
artificialidade, pela rigidez racional, que transforma sujeitos em indivíduos-objetos,
pessoas em consumidores, em clientes e em usuários. O “homem vertical” é um ser
global que vive, porém, atrás do tempo do capital e nunca chega a uma parada, pois
o ritmo da produção não para. Por isso, pensar na horizontalidade é refletir sobre o
presente e acima de tudo o futuro; é analisar a forma de vida que se quer, que se
busca, sem deixar que o espaço passado perca sua dimensão na relação dialética
entre tempos e entre espaços.
É na esfera horizontal que as possibilidades de mudança podem ocorrer, a
partir de um novo pensar e de um novo fazer, construído principalmente por sujeitos
que pouco, sob os controles do Estado e do mercado, tem a perder. Os pobres,
conforme tem apontado Milton Santos, detém uma força capaz de construção de um
espaço em contraposição ao “globalitarismo”; se este é caracterizado pelo tempo
148
rápido, os pobres, “embalados” pelo “tempo lento”, redesenham as relações mesmo
em meio ao meio técnico-científico-informacional e, nele, nos espaços
tecnologicamente avançados, uma proposta de uma “nova globalização”, de novos
sistemas de objetos e de ações que valorizem o ser, o humano, o coletivo e não o ser
egoísta, em um espaço da diferença em que novas formas espaciais poderão se
constituir, permitindo que as verticalidades sejam transformadas pelas
horizontalidades, e que as horizontalidades virem novas verticalidades.
Como expressão das contradições entre verticalidades e horizontalidades,
entre fixos e fluxos, entre objetos e ações, Dourados encerra-se como espaço de
coexistência de múltiplos meios, desde o assim concebido como “meio natural”
passando pelos “meios técnicos” e incorporando o “meio técnico-científico-
informacional”. Se Dorren Massey aludiu ao espaço como a “coexistência da
heterogeneidade” e como a “simultaneidade de estórias-até-agora”, em cada lugar a
coexistência e a simultaneidade de meios se coloca como uma possibilidade. Mais
que isso, em Dourados se “encontram” e se tensionam “espaços que mandam” e
“espaços que obedecem”, “espaços da rapidez” e “espaços lentos”, e “espaços
luminosos” e “espaços opacos”. Espaços que são permeáveis, por exemplo, nos
contrapontos dados pelos “espaços que leem” um jornal nacional (como a Folha de
São Paulo) e por outros “espaços que tem no rádio” seu principal meio de informação.
Mas, diante dos “objetos”, as “ações” também se mostram nas contradições e
desencontros de trajetórias. Em espaços tecnologicamente avançados, como em
agência principal da Caixa Econômica Federal em Dourados, mulheres e homens, de
várias idades, a cada final e início do mês, sobretudo, se encontram em filas diante
de aproximadamente uma dúzia de objetos “caixas eletrônicos”. À frente deles,
muitas e muitos avançam e desenvolvem suas operações com desenvoltura, mas
outras e outros se veem “imobilizados” diante de um objeto que “exige” movimento,
rapidez, perícia, senhas, comandos... Por isso, as contradições desse espaço
tecnologicamente avançado como parte do meio técnico-científico-informacional ,
avançam para além dos contrastes entre “espaço avançado” e “espaço atrasado” e
participam da “lógica” do próprio “espaço avançado”, na medida em que o conjunto de
objetos que dele fazem parte é insuficiente para a produção e reprodução de ações e
de ideias que garantam a sua plena “funcionalidade”. Ali, na agência bancária, o
espaço homogêneo dado pelos objetos (e pelas ações pelas quais a sua existência
seria pertinente) vira espaço desigual pelos sujeitos que, mesmo diante de objetos
iguais, desigualmente se produzem e se reproduzem. Assim, a contradição se
149
exacerba: diante dos objetos do “espaço da rapidez”, as ações dos sujeitos do
“espaço lento” tornam-se imobilidade, “fila que não anda”, contraposição ao
apressamento do cotidiano cada vez mais atroz e veloz. E constrangimento: no
extremo, o “mundo da felicidade” da “comodidade tecnológica” pode virar o “mundo
da tristeza” de mulheres e homens “perdidos” em meio a teclas e códigos de barra.
Sim, isso não se apenas em Dourados, pois aqui também buscamos
mostrar que esse espaço fora “construído” a partir de ditames capitalistas,
principalmente oriundos de forças externas, que sua “gênese” está calcada em
uma colônia agrícola federal que visava expandir a “fronteira agrícola”, posteriormente
voltando-se, sob “novos” objetos e “novas” ações, para a produção agroexportadora,
do comércio internacional. Esse conjunto de objetos e ações foram todos permeados
de inserções técnicas, o que permitiu a formação do meio técnico-científico-
informacional e a atual configuração espacial de Dourados.
Essa produção espacial se materializou constituindo um conjunto de ações e
objetos que, hegemonicamente, estão altamente ligados à dinâmica global, mas que
não deixam de também reproduzir relações socioespaciais marcadas e marcantes de
espaços e tempos outros, como os indígenas e os “periféricos” da cidade. Por isso,
podemos dizer que simultaneamente se produzem e se reproduzem,
contraditoriamente, espaços tecnologicamente avançados e espaços
tecnologicamente não avançados, aqueles característicos do meio técnico-científico-
informacional e estes dos meios natural e técnicos. Podemos dizer, assim, que
uma “Dourados nacional-global” e uma “Dourados local”, ou que faces diferentes
do mesmo território, e ambas se cruzam, uma se opondo a outra em alguns pontos e
uma se unindo a outra, em outros pontos.
Percebemos, assim, que um “cenário espacial” em Dourados que
simultaneamente “reúne” a unicidade e a diversidade. Ímpares e plurais, homogêneas
e heterogêneas, iguais e desiguais, cada “porção” do espaço reúne a totalidade
enquanto a totalidade é expressão de todas as “porções” que se afastam e se unem
ao mesmo tempo. Nesse movimento, “sujeitos rápidos” cruzam e são cruzados por
“sujeitos lentos”, “refletindo” o espaço desigual como mulheres e homens desiguais.
Por isso, pensar o espaço como “horizontes verticais” é pensá-lo (que é
também um jeito de fazer) como possibilidade, como processo e como projeto. Se as
horizontalidades são as relações socioespaciais dos lugares e das gentes que vivem
tais relações como “espaço vivido”, suas possibilidades de verticalização sinalizam
para a visibilidade e socialização das experiências até então subalternizadas dos
150
“sujeitos lentos”, ao ponto de tomarem o “cenário” e fazerem protagonistas a sempre
comum redundância “espaço das gentes” e “gentes do espaço”.
151
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