24
cada momento e espaço (histórico-geográfico) possibilitam como produção,
construção e invenção
15
. Essa direção nos alerta para o cuidado que devemos ter
em não estabelecer comparações de técnicas entre realidades temporais e
espaciais diferentes, no sentido de definir técnicas umas “melhores” ou “piores” que
outras (o que tem levado, em muitos casos, a juízos de valor, por exemplo, entre o
“mundo feudal” e o “mundo moderno”, eles mesmos sendo lidos, de forma
maniqueísta, como o “tempo das trevas”, para o primeiro, e como o “tempo das
luzes”, para o segundo).
De forma tão ou mais profunda, tem se produzido discursos, imaginários e
representações
16
, no campo do “desenvolvimento”, extremamente dualistas entre
realidades bastante distintas, fazendo pensar, como “senso comum”
17
, que há
sociedades, comunidades, etnias, povos, regiões, lugares e países ou “atrasados”
ou “modernos”, com base em um pensamento hegemônico calcado sobre o modo de
produção (modos de produzir coisas e de produzir pensamentos) capitalista, em que
tudo deve ser dirigido à produção da acumulação, seja de capital econômico,
cultural, simbólico ou social (cf. Bourdieu, 1998).
A lógica “comparativista” tende, no mínimo, a ocultar que: (1) cada técnica é
parte de um momento e espaço específicos e deve ser, portanto, compreendida
como parte do jogo de relações (econômicas, sociais, culturais, políticas, religiosas,
simbólicas...) que o constituem; (2) na produção de discursos, imaginários e
representações da “modernidade” há implícita uma lógica do tempo e do espaço
específicos, armados em suas mais diversas relações (econômicas, políticas, sociais, culturais...).
15
A referência é Jones Dari Goettert (2008), ao apontar que: “produção: todo espaço é produção
humana que envolve relações de disputa, poder, conflitos, interesses e perspectivas, pressupondo,
por isso, que não há espaço dado, nem absoluto, nem a priori e nem definitivo; construção: todo
espaço deve ser compreendido como processo, podendo apontar diferentes materialidades e
imaterialidades em momentos diferentes e mesmo no seu interior, abarcando, por isso,
multiplicidades, heteronímias e diversidades, por vezes antagônicas e contraditórias, e, portanto,
como processo, também o espaço é síntese singular de tempos – passado, presente e futuro –, como
construção da história, do presente e do devir; e invenção: todo espaço é parte de um movimento de
inventividade e, por conseguinte, de signos, significantes e significados, ou de identidades/alteridades
que podem ser acionadas mais ou menos (ou mesmo nem serem acionadas) a depender das
configurações postas”.
16
Aqui, tomamos como referência, para discursos, imaginários e representações, a concepção de
“poder simbólico” discutido por Pierre Bourdieu (1998), salientando-o como o poder “[...] de fazer ver
e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o
mundo”, sendo um “poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela
força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização” (p. 14).
17
Tomamos com precaução o uso do termo “senso comum”, pois, muitas vezes, seu significado tem
remetido à noção de “desconhecimento” e até mesmo de “ignorância”; se diferente do “conhecimento
científico”, o tomamos como parte de saberes – e também de conhecimentos – que, grosso modo,
não são reconhecidos pela racionalidade hegemônica.