93
dos componentes do triângulo é uma pessoa total, não apenas para o
observador, mas especialmente para a própria criança. (Winnicott,
1988, p.67)
Deste ponto de vista, o terceiro da relação só aparece no psiquismo da
criança, a partir do momento em que há uma pessoa integrada, que reconhece os
objetos do mundo, suas características e que pode sentir ódio, amor e ter desejos de
morte por eles. E para Winnicott, esse tipo de relação com os objetos, uma relação a
três corpos, só pode vir a existir se o momento anterior, caracterizado pela relação
diádica com a mãe, tiver sido vivido de forma saudável: a mãe dedicada ao seu
bebê, depois do primeiro momento de adaptação suficientemente boa às suas
necessidades, que dá espaço para o surgimento da ilusão de onipotência, oferece
condições para a desilusão, como visto, dando início ao primeiro sentido de
externalidade, daquilo que está fora da criança e de seu controle (Winnicott, 1953c).
O sentimento de que o mundo foi criado por ela e que, por isso, é real e confiável,
não é perdido. Contudo, ela agora pode, intelectualmente, entender que o mundo
existia antes dela e continuará a existir depois que ela não estiver mais nele
(Winnicott, 1986h). As falhas do ambiente já podem, então, ser toleradas e até
mesmo previstas pelas funções mentais da criança (Winnicott, 1953a).
Nesse processo, a criança começa a ser capaz de discriminar a existência
de um eu e de um não-eu, e posteriormente, de um outro. A partir disso, ela começa
a ser inserida em um contexto mais amplo, o familiar, no qual a base da experiência
é a relação triangular, que poderá, aos poucos, ser ampliada. Winnicott diz: “É o
triângulo simples que apresenta as dificuldades e também toda a riqueza da
experiência humana” (Winnicott, 1988, p.57). No entanto, a possibilidade de chegar
à fase edípica com condições de saúde suficientes para suportar as pressões
provenientes desse conflito é originada em etapa anterior, nomeada por Winnicott
como concern, ou estágio do concernimento, como já descrito. Este, segundo o
autor, é o momento do desenvolvimento em que há uma unidade que já se pode
chamar de eu, e é ele que iniciará a tarefa da integração dos instintos, possibilitando
ao indivíduo passar a sentir a instintualidade como advinda de si próprio e não como
pressões externas (Winnicott, 1988). É nesse momento também que a criança torna-
se preocupada (concerned) com os objetos, sentindo-se relacionada a eles e
percebendo que sua impulsividade pode causar-lhes danos e feri-los (Winnicott,
1988).