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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA VIDA
PRISCILA TOSCANO DE OLIVEIRA MARCHIOLLI
ANÁLISE DO CONCEITO DE COMPLEXO DE ÉDIPO
EM MELANIE KLEIN E D. W. WINNICOTT
Campinas
2010
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PRISCILA TOSCANO DE OLIVEIRA MARCHIOLLI
ANÁLISE DO CONCEITO DE COMPLEXO DE ÉDIPO
EM MELANIE KLEIN E D. W. WINNICOTT
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia, do Centro de Ciências da Vida da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
como requisito para obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Área de concentração: Psicologia como
profissão e ciência
Orientador: Prof. Dr. Leopoldo Fulgencio
PUC-Campinas
2010
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t154.24 Marchiolli, Priscila Toscano de Oliveira.
M317a Análise do conceito de complexo de Édipo em Melanie Klein e
D. W. Winnicott / Priscila Toscano de Oliveira Marchiolli. - Campinas:
PUC-Campinas, 2010.
131p.
Orientador: Leopoldo Fulgencio.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, Centro de Ciências da Vida, Pós-Graduação em
Psicologia.
Inclui bibliografia.
1. Édipo, Complexo de. 2. Sexo (Psicologia) 3. Psicanálise.
4. Maturidade emocional. 5. Klein, Melanie, 1882-1960. 6. Winnicott,
D. W. (Donald Woods), 1896-1971. I. Fulgencio, Leopoldo. II.
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências
da Vida, Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.
20.ed.CDD
t154.24
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Centro de Ciências da Vida - Programa de Pós-Graduação
Priscila Toscano de Oliveira Marchiolli
Banca Examinadora
Aprovação obtida em 03/02/2010
PUC-Campinas
2010
Agradecimentos
Ao meu orientador, Prof. Dr. Leopoldo Fulgencio, pela oportunidade dada a mim de
compartilhar de seus conhecimentos de psicanálise e, sobretudo, da teoria winnicottiana e
por, tão generosamente, guiar-me através dos percursos deste trabalho e do início de minha
vida acadêmica.
À Prof.ª Dra. Vera Lucia Trevisan de Souza, por sua presença sempre inspiradora e
estimulante, por suas aulas que deixam saudades e por seus apontamentos tão valiosos
quando da banca de qualificação deste trabalho.
Ao Prof. Dr. João Paulo Fernandes Barreta, por sua participação na banca de
qualificação deste trabalho, contribuindo, por meio de seus preciosos esclarecimentos, para
os encaminhamentos da pesquisa.
Ao CNPq, pelo incentivo conferido a esta pesquisa.
A minha família, em especial a Angela Maria Toscano, Paula Toscano de Oliveira,
André Toscano de Oliveira, Helena Toscano, Paulo Sérgio de Oliveira, Fátima Zamorano de
Oliveira, José Paulo de Oliveira Jr., Ignez Zamorano de Oliveira, José Paulo de Oliveira,
Nicola Toscano, Alcione C. D. Marchiolli, Helio Marchiolli e Maria da Conceição Durigan
Marchiolli, pelo suporte emocional, intelectual e tantos outros mais que me mantiveram forte
e me ajudaram a continuar em frente.
A meus amigos, em especial a Alexsandra Lucio, Christiana Maria Campanhola
Vieira Batista, Daniela Bernardes, Daniela Murolo Zsiga, Flaviany Pereira Kormoczi, Lilian
Alves Gonçalves, Maria Angélica Monteiro Olino, Patrícia Gennari, Raquel Maimone
Nicastro, Waleska Branda por serem sempre tão presentes, carinhosos e tão “curativos”
tantas vezes.
A meus colegas-amigos do grupo de pesquisa da PUC-Campinas, Prof.ª Dra. Carla
Maria Lima Braga, Carolina Grespan Pereira Souza, Ms. Lucas Corteletti Uchoa, Ms. Marília
Marchese Cesarino, Saulo D´Urso Ferreira e, em especial, à Ms. Renata Mara Alves dos
Reis e à Ms. Fernanda Belluzzo Guedes Ferreira, por terem sido as minhas grandes
companheiras dessa jornada, por todo o suporte emocional e intelectual e, principalmente,
por constituírem mais dois presentes na minha vida.
À amiga Simone Ribeiro, por todo o apoio e valiosa parceria, pelo carinho e cuidado
para comigo e pelo grande auxílio com referências bibliográficas.
À Ms. Andrêya Garcia da Paixão Morgado, por sua delicadeza e atenção e pela
pacienciosa revisão discursiva e textual deste trabalho.
Ao Dr. Alexandre Azevedo e, em especial, à Ms. Andréa Vistué, pelo amparo
necessário na hora exata, pelas mãos firmes que me ajudaram a atravessar os portões
finais desta etapa, e por todos os outros que ainda cruzaremos juntos.
À Ms. Cíntia Cardoso Vigiani Carvalho, em especial, por ser esta presença de força
e luz na minha história, pela diferença que faz em meu existir, por ser um “oásis” de paz e
segurança, pelas modificações que me ajuda a empreender em mim mesma, pelo
reconhecimento e aprovação, pela amizade incomparável, pelas aventuras que ainda
viveremos juntas e por, efetivamente, ter aberto as portas da vida acadêmica a mim.
A Julio Cesar Durigan Marchiolli, com todo o destaque possível e permitido, meu
adorado marido, com quem pude vir a existir de fato, meu eterno agradecimento pelo
companheirismo e parceria que me devota, pela credibilidade e confiança que em mim
deposita, pelo amor e força que me confere, por estar presente em mais este momento
importante de minha vida, sendo o conforto, o amparo, a direção e, por muitas vezes, a
salvação, de que eu necessito.
A todos eles e a todas as pessoas que participaram, mesmo que de forma indireta,
da construção deste trabalho, meu eterno agradecimento.
Marchiolli, P. T. O. (2010). Análise do conceito de complexo de Édipo em Melanie Klein e D.
W. Winnicott. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Campinas.
Resumo
Este trabalho teve por objetivo a análise comparativa do conceito de complexo
de Édipo presente nas obras de M. Klein e de D. W. Winnicott, como forma de
explicitar algumas das principais diferenças e proximidades entre as duas
teorias, no que diz respeito a esse ponto específico. Procurou-se mostrar,
através da compilação dos textos mais importantes dos autores referentes ao
tema e da leitura baseada no princípio da hermenêutica que, enquanto em Klein
a proposta de um Édipo precoce, ligado a fases pré-genitais e à relação do
tipo parcial com os objetos, em Winnicott o complexo de Édipo aparece somente
como uma fase tardia do processo de amadurecimento, quando o indivíduo
alcançou uma integração que o torna uma pessoa inteira, que se relaciona com
os outros também como pessoas inteiras, ou seja, podendo estabelecer relações
totais com os objetos. Verificou-se que, em Klein, a sexualidade e o complexo de
Édipo constituem o impulso básico e o fundamento para a organização e
constituição do próprio ser humano. em Winnicott, o reconhecimento de
outros fundamentos, ligados à necessidade de ser e à continuidade de ser, que
não são nem sexuais nem edípicos.
Palavras-chaves: Psicanálise, Complexo de Édipo, Winnicott, Klein, Sexualidade,
Amadurecimento emocional.
Marchiolli, P. T. O. (2010). Analysis of the Oedipus complex in Melanie Klein and D. W.
Winnicott. Master’s Thesis, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.
Abstract
This paper aimed the comparative analysis of the concept of the Oedipus
complex within the works of M. Klein and D. W. Winnicott, in order to
demonstrate some of the main differences and proximities between this two
theories, concerning this specific issue. It was intended to show, based on the
compilation of the most important papers of the authors about this matter and the
principle of hermeneutics, that while in Klein there is the proposition of an
Oedipus complex in early stages of the development, related to pre-genital
phases and a partial relation with the objects, in Winnicott the Oedipus complex
only appears as a late phase of the maturational process, when the individual
reached an integration that gives him the capability to be a whole person, that
relates with others also as whole figures, establishing total relations with the
objects. It was found that, in Klein, the sexuality and the Oedipus complex form
the basic impulse and the fundament of the organization and constitution of the
human being. However, in Winnicott, there is the acknowledgment of other
fundaments, regarded to the need of being and the continuity of being, which are
neither sexual nor Oedipal, since they belong to early stages of the development.
Key-words: Psychoanalysis, Oedipus complex, Winnicott, Klein, sexuality, emotional
maturation.
Sumário
Introdução.....................................................................................
9
1. Apresentação e objetivos
..................................................................
9
2. Justificativa
..................................................................................
14
3. Método
.......................................................................................
18
4. Desenvolvimento
...........................................................................
21
1. Melanie Klein e o complexo de Édipo...................................
24
1.1 Aspectos gerais
...........................................................................
24
1.2 Breve descrição do conceito freudiano de complexo de Édipo
..................
27
1.3 O conceito kleiniano de complexo de Édipo
.........................................
32
2. Winnicott e o complexo de Édipo..........................................
65
2.1 Aspectos gerais
...........................................................................
65
2.2 Considerações de Winnicott sobre o complexo de Édipo
.........................
70
3. Análise Comparativa................................................................
97
3.1 Principais semelhanças e diferenças entre os conceitos kleiniano
e o winnicottiano
...............................................................................
97
3.2 Relação dos autores com Freud
......................................................
106
3.3 O lugar e a importância do conceito de complexo de Édipo na proposta
de Klein e de Winnicott
......................................................................
110
4.
Considerações Finais.............................................................
115
5. Referências..............................................................................
121
___________________Introdução
9
Introdução
1. Apresentação e objetivos
No desenvolvimento da psicanálise s-Freud, autores como Klein, Lacan,
Winnicott e Bion certamente ocupam lugar de destaque
1
e têm seus trabalhos
seguidos e comentados por muitos. Nota-se, contudo, a existência de divergências,
na literatura específica, sobre as contribuições desses autores. No caso particular de
Klein e Winnicott, encontram-se, ao menos, dois caminhos possíveis para a
compreensão das relações entre suas produções e, mais especificamente, para o
entendimento das contribuições de Winnicott para a psicanálise.
Alguns autores desconsideram o aspecto original da proposta de Winnicott,
acreditando que não existe uma teoria winnicottiana propriamente dita; outros
descrevem uma ligação muito forte entre seu pensamento e as ideias kleinianas,
considerando aquele, por vezes, um seguidor de Klein. Nesta linha de pensamento
destacam-se as colocações de Aguayo (2002), que ao resgatar a importância de um
manuscrito de Melanie Klein, de 1937, desconsidera a originalidade do pensamento
de Winnicott por entender que a obra deste é baseada estritamente nas ideias
produzidas a partir do período de colaboração entre os dois teóricos, quando
Winnicott fazia supervisão clínica com Klein e estava totalmente em contato com a
produção e as descobertas dela acerca do desenvolvimento infantil.
Outro autor, Meyer (1994), afirma que as propostas winnicottianas devem ser
entendidas como especulares em relação à teoria kleiniana, uma vez que Klein
discursa sobre o bebê suficientemente bom. Dessa forma, entende que Winnicott
desenvolveu seu trabalho sustentado pelos pressupostos kleinianos
2
.
Por outro lado, é possível encontrar várias leituras da obra de Winnicott que a
concebem, em vários aspectos, como uma obra que oferece contribuições originais.
Como exemplo, citam-se as considerações de Aiello-Vaisberg (2006), que aponta
para a originalidade de Winnicott, visto que, para ela, a obra do autor descreve, além
de uma psicopatologia explícita (psicóticos, esquizoides, borderlines, falsos selves,
1
Cf. O livro de Ouro da psicanálise, 2007.
2
Para mais informações sobre outros autores que compartilham dessa leitura, c.f. Dias 2003, pp.26-
34.
10
transtornos depressivos e neuróticos), compreensões sobre funcionamentos
psicopatológicos implícitos, ligados às vivências de despersonalização e
desrealização, as quais se referem à impossibilidade de sentir-se vivo ou real. A
referida autora afirma que tais vivências, mesmo tendo sido atribuídas pela
psicanálise freudiana ao funcionamento psicótico, foram tomadas por Winnicott
como fenômenos presentes na vida de todos; seria um tipo de sofrimento
fundamentalmente humano, encoberto por diversas defesas, com maior ou menor
nível de elaboração.
Também se encontra em Phillips (1988) a afirmação de que Winnicott foi
responsável por importantes inovações e rupturas no campo da psicanálise,
principalmente por desenvolver seu trabalho estritamente sobre as bases da relação
mãe-bebê. Sua leitura leva em consideração a influência que o pensamento
kleiniano teve sobre Winnicott, mas aponta para as várias críticas do autor em
relação a Klein.
Em um sentido mais específico, Loparic (1997a, 1997b, 2001) afirma a
existência de uma psicanálise winnicottiana, que representa uma ruptura ou um
corte epistemológico
3
em relação à psicanálise dita tradicional ou ortodoxa,
representada pelo eixo Freud-Klein. Dias (2003) declara que Winnicott somente
expressou suas ideias originais mais claramente a partir de 1960, após a morte de
Melanie Klein, quando, segundo a autora, iniciou-se nova fase em sua produção, na
qual são expressos mais livremente os conceitos sobre a teoria do amadurecimento.
O texto winnicottiano apresenta, por vezes claramente, momentos de
concordância e outros de divergência em relação às postulações de Klein
4
,
principalmente no que diz respeito às formulações sobre o Édipo precoce (Winnicott,
1988), a inveja inata (Winnicott, 1989xf) e a posição depressiva (Winnicott, 1955c).
Não obstante, conforme Loparic (1997b), Dias (2003), Abram (1996) e
Rodman (1997), Winnicott expressou-se, em muitas ocasiões, de forma comedida,
chegando a encobrir o valor original de suas descobertas. Sua atitude poderia ser
3
Esta proposição de Loparic está baseada na noção de paradigma, de Thomas S. Kuhn (1970), para
o estudo das ciências. Esse tema não será desenvolvido neste trabalho. Contudo, outras
considerações sobre esse aspecto podem ser encontradas no item Análise.
4
Cf. Winnicott, 1965va e 1987b.
11
explicada devido à necessidade dele em assegurar seu lugar junto à Sociedade
Britânica de Psicanálise [SBP] e ser aceito pelos psicanalistas ortodoxos,
principalmente por Melanie Klein, ainda que não fizesse parte do grupo de
seguidores dessa autora
5
.
De fato, Aguayo (2002) e Loparic, (1997b) consideram um desafio para os
pesquisadores da atualidade o trabalho de traçar, de forma mais precisa, as rupturas
entre os teóricos em questão, ou ainda delimitar em que medida as produções
winnicottianas foram influenciadas pelas ideias dos ortodoxos.
Acredita-se que uma das formas possíveis de investigação dessa questão
seja o estabelecimento de uma análise detalhada daquele que é o conceito central
da psicanálise, o complexo de Édipo. O estudo das compreensões de Klein e de
Winnicott acerca do conceito de complexo de Édipo pode caracterizar mais
claramente a natureza das diferenças entre o pensamento dos dois autores.
Indubitavelmente, o complexo de Édipo é o conceito central e fundamento da
teoria psicanalítica. Sua importância para a psicanálise é de tal ordem que fez Freud
considerá-lo o shibboleth
6
de sua ciência, ou seja, condição sine qua non para a
prática da psicanálise. Nas palavras de Freud:
Afirmou-se, justificadamente, que o complexo de Édipo é o complexo
nuclear das neuroses representando a peça essencial no conteúdo
dela. Nele culmina a sexualidade infantil, que por seus efeitos
posteriores influencia de maneira decisiva a sexualidade do adulto.
Cada novo ser humano confronta-se com a tarefa de dominar o
complexo de Édipo e aquele que não consegue realizá-la sucumbe à
neurose. O progresso do trabalho psicanalítico tornou cada vez mais
clara esta importância do complexo de Édipo; seu reconhecimento
5
Winnicott não aceitou, como outros membros da SBP, a emergência para um posicionamento
perante a rivalidade que crescia, durante as décadas de 30 e 40, entre os annafreudianos e os
kleinianos. Sendo assim, foi historicamente considerado como um analista pertencente ao Middle
Group, ou Grupo do Meio. Para estas informações, cf. Kohon, 1994.
6
Freud toma emprestado o termo shibboleth (ou xibolete) do Velho Testamento, no qual é
empregado com o significado de uma prova, imposta à tribo de Efraïm pela tribo inimiga, de Galaad,
como forma de identificar quem realmente pertencia a Galaad. De origem hebraica, o termo pode ser
traduzido como ‘senha’; cf. Fulgencio 2008a, p. 207.
12
converteu-se no schibboleth que separa os partidários da
psicanálise
de seus oponentes. (Freud, 1905, p.214)
De maneira geral, os psicanalistas depois de Freud parecem manter o
conceito de Édipo no posto de aspecto fundamental da teoria. Melanie Klein, por
exemplo, afirma:
A psicanálise provou que o complexo de Édipo é o fator mais
importante de todo o desenvolvimento da personalidade, tanto nas
pessoas normais, quanto naquelas que se tornarão neuróticas. O
trabalho psicanalítico também demonstra cada vez mais que toda a
formação do caráter também deriva do desenvolvimento do complexo
de Édipo, e que todas as dificuldades de caráter, desde as
ligeiramente neuróticas até as criminosas, são determinadas por ele.
(Klein, 1927, pp.200-201)
Em Lacan, da mesma forma, encontra-se concordância com as lições de
Freud sobre o Édipo e sua importância para a constituição do sujeito:
O fim do complexo de Édipo é correlativo da instauração da lei como
recalcada no inconsciente, mas permanente. É nessa medida que
existe algo que responde no simbólico. A lei não é simplesmente,
com efeito, aquilo sobre o que nos perguntamos por que, afinal, a
comunidade dos homens nela é introduzida e implicada. Ela também
está baseada no real, sob a forma desse núcleo deixado atrás de si
pelo complexo de Édipo, que a análise mostrou, de uma vez por
todas, ser a forma real sob a qual se inscreve aquilo que os filósofos
até então nos haviam mostrado com maior ou menor ambiguidade,
como a densidade, o núcleo permanente da consciência moral que
sabemos se encarnar em cada sujeito sob as formas mais diversas,
mais extravagantes, mais caricatas que se chama o supereu.
(Lacan, 1956-1957, p.216)
Winnicott, por sua vez, afirma:
[o complexo de Édipo permanece] ainda hoje como um fato central,
infinitamente elaborado e modificado, mas irrefutável. A psicologia
que fosse elaborada na omissão desse tema central estaria
condenada ao fracasso e, portanto, não há como evitar a nossa
gratidão a Freud por seguir avante e proclamar o que repetidamente
averiguara, suportando o choque da reação pública. (Winnicott,
1947a, pp.167-168)
13
Bion, ao descrever os elementos da psicanálise, reconhece o Édipo como
sendo “o conteúdo dos pensamentos” (Bion, 1962, p.160). Diz ainda:
Considera-se o mito edípico como o instrumento de que Freud se
serviu para descobrir a Psicanálise; e a Psicanálise, como o
instrumento que lhe possibilitou a descoberta do complexo de Édipo.
Ressalto ... o papel que o mito desempenha ... no crescimento da
psique. (Bion, 1962, p.201)
A produção psicanalítica atual parece dar continuidade a essa compreensão
do complexo de Édipo. Nasio (2007), atual diretor dos Seminários Psicanalíticos de
Paris, descreve o Édipo como o conceito mais crucial da psicanálise e também o
modelo utilizado pelo psicanalista para entender o homem que a ele se apresenta,
pois o compreende como produto da experiência edipiana.
Em Loparic (1997a), há a asserção de que, para Freud, Klein, Lacan e Bion,
o complexo de Édipo é o aspecto principal da vida sexual e estruturante do
psiquismo humano. Ainda sobre esse ponto, pode-se encontrar no estudo de
Fulgencio (2008a) sobre o desenvolvimento e as bases do método de pesquisa
freudiano, a afirmação de que o Édipo é a “referência básica e modelar dos
problemas que a psicanálise [freudiana] se propõe a tratar” (Fulgencio, 2008a,
p.222). O autor esclarece que, quando esse modelo encontra dificuldades na
resolução de alguns problemas (como a hipocondria, as neuroses narcísicas, etc.),
Freud e a maioria dos pós-freudianos fazem uma tentativa de ampliação do mesmo.
No entanto, é possível reconhecer, nas diversas obras psicanalíticas,
diferenças entre as concepções dos autores sobre o Édipo. São notórias as
reformulações do referido conceito, propostas pelos seguidores de Freud, a partir do
que foi descrito inicialmente por ele.
A partir de desenvolvimentos próprios do conceito, alguns teóricos parecem
atribuir o mesmo nome a referentes díspares, como é o caso, por um lado, de como
Klein concebe o Édipo precoce em sua obra e, por outro, da fase tardia do processo
de amadurecimento denominada por Winnicott complexo de Édipo. Klein chamou a
atenção do mundo psicanalítico para a existência de fantasias edípicas logo no início
do desenvolvimento do bebê, em fase pré-genital, contrapondo a descrição
freudiana. Em texto de 1928, ela explicita tais descobertas, decorrentes de suas
análises de crianças:
14
me referi várias vezes à constatação de que o complexo de Édipo
entra emão mais cedo do que se costuma imaginar.... A conclusão
a que cheguei ... é que as tendências edipianas o liberadas como
conseqüência (sic) da frustração sentida pela criança com o
desmame, e que se manifestam no final do primeiro e início do
segundo ano de vida; elas são reforçadas pelas frustrações anais
sofridas durante o treinamento dos hábitos de higiene. (Klein, 1928,
p.216)
Nem todos os psicanalistas da época aceitaram as reformulações kleinianas,
caso de D. W. Winnicott que, inicialmente estudou e desenvolveu seu trabalho a
partir das modificações teóricas feitas por Klein, porém, tendo em vista suas próprias
descobertas clínicas no trabalho com crianças, rejeitou até mesmo o próprio
conceito de Édipo precoce:
Acredito que alguma coisa se perde quando o termo ”Complexo de
Édipo” é aplicado às etapas anteriores, em que estão envolvidas
duas pessoas, e a terceira pessoa ou o objeto parcial está
internalizado, é um fenômeno da realidade interna. Não posso ver
nenhum valor na utilização do termo “Complexo de Édipo” quando um
ou mais de um dos três que formam o triângulo é um objeto parcial.
No Complexo de Édipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um
dos componentes do triângulo é uma pessoa total, o apenas para o
observador, mas especialmente para a própria criança. (Winnicott,
1988, p.67)
Com base no panorama teórico traçado, o objetivo deste trabalho consiste
no estudo comparativo do complexo de Édipo nas obras de Klein e Winnicott,
buscando-se explicitar as principais diferenças e proximidades entre o trabalho dos
dois teóricos e suas compreensões sobre deste conceito psicanalítico.
2. Justificativa
O interesse pelas diferentes leituras acerca do entendimento da obra de
Winnicott, bem como suas proximidades e distanciamentos em relação a Klein e à
psicanálise clássica, tornou-se o grande foco de interesse da autora deste trabalho
desde o início de sua atuação clínica, de base winnicottiana. Esse interesse ganhou
força a partir dos questionamentos que surgiram em curso de especialização lato-
15
sensu sobre o tema, vindo, portanto, a figurar como responsável pelo estímulo que
deu origem ao problema e ao objetivo desta pesquisa.
Estudos comparativos entre as obras de Klein e Winnicott foram
apontados por Loparic (1997b) como esforço necessário à pesquisa psicanalítica,
devido a sua importância para o desenvolvimento da psicanálise pós-freudiana.
Entretanto, a literatura oferece poucos trabalhos nessa direção. O próprio Loparic,
em artigo de 1997, intitulado “Winnicott e Melanie Klein: conflito de paradigmas”,
oferece distinções pontuais
7
entre as teorias de Klein e Winnicott, dentre elas, o
complexo de Édipo, salientando que este teria sido o estopim para o distanciamento
teórico entre os autores.
Fulgencio (2008b) também descreve diferenças entre os dois autores
quando analisa o aspecto do brincar na compreensão de cada um deles; Klein via a
brincadeira como importante ferramenta analítica em virtude de seu conteúdo,
sempre ligado aos instintos e à dinâmica edípica. Winnicott, ao contrário, não se
preocupava com o conteúdo da brincadeira, mas sim com o ato de brincar em si,
visto por ele como a expressão da criatividade e espontaneidade, em que os
instintos não imperam.
Em Philips (1988), como dito anteriormente, é possível encontrar
desenvolvimentos sobre o tema. Em relação ao que une Klein e Winnicott, o autor
enfatiza a “crença fundamental na importância decisiva dos estágios precoces do
desenvolvimento” (Philips, 1988, p.31). em relação ao que separa os dois
autores, Philips cita, como exemplo, o fato de Winnicott afirmar que o bebê, ao
contrário do que Klein propunha, não buscava satisfação instintual, e sim
comunicação com a mãe.
Outro aspecto que base para esse tipo de trabalho é o fato de que o
interesse pelo estudo de Winnicott tem crescido de forma evidente ao longo das
últimas décadas. Em pesquisa recente publicada no International Journal of
7
A saber: a crítica winnicottiana à posição depressiva, à posição esquizo-paranoide e à teoria da
inveja inata.
16
Psychoanalysis [IJP]
8
, nota-se o crescimento da procura pelo estudo da obra desse
autor na América do Sul, América do Norte e Europa. Estudiosos de sua obra têm
encarado sua teoria como a possibilidade clínica para a compreensão e o tratamento
de estruturas não-neuróticas, caso dos borderlines, psicóticos e dos anti-sociais
9
.
Com relação à adequação do trabalho analítico de acordo com o tipo de
estrutura psíquica, Winnicott mostrou-se por diversas vezes preocupado em
destacar a necessidade de mudanças na técnica psicanalítica para estruturas
primitivas ou não-integradas. Veja-se a colocação do autor em 1961:
Existem ... muitas variedades de psicoterapia, que deveriam
depender não do ponto de vista do terapeuta, mas das necessidades
do paciente ou do caso. Quando possível, aconselhamos psicanálise.
Quando não for possível, ou houver argumentos contra, então pode-
se criar uma modificação adequada.... Dentre os muitos pacientes
que me procuram, só uma porcentagem muito pequena realmente
obtém tratamento psicanalítico, ainda que eu trabalhe no centro do
mundo psicanalítico. (Winnicott, 1986b, p.79)
Em 1958, enfatizou: “A situação analítica clássica está relacionada com o
diagnóstico de neurose e pode ser conveniente tão-somente se falar de neuroses”
(Winnicott, 1958h, p.108).
Quanto às estruturas psíquicas apresentadas à clínica psicanalítica atual,
Forlenza Neto (2006) ressalta o grande crescimento, nos últimos cem anos, de
casos fronteiriços, esquizoides, etc. e atenta para o rareamento da neurose, devido
às mudanças sócio-culturais relativas à constituição familiar, à independência
feminina, ao déficit no cuidado dispensado aos bebês, entre outras. O autor
considera que a psicanálise passa por um período de revisões e reformulações,
frente à necessidade de apresentar soluções que possam dar conta dessa demanda
e a teoria winnicottiana surge, nesse contexto, como o caminho para o tratamento de
tais estruturas.
8
Pesquisa publicada em outubro de 2007, sob o título Authors who have na impact on candidates’
training. Cultural differences and theoretical languages, evidenciando o
crescimento do interesse
de
analistas em formação na International Psychoanalitic Association [IPA] pela obra de Winnicott.
9
C.f. Dias, 2003; Aiello-Vaisberg & Lousada, 2003; Forlenza Neto, 2008; Coelho Filho, 1999.
17
No caso de Melanie Klein, que tem seu trabalho entendido como uma
continuidade e manutenção da teoria e metapsicologia freudianas (Loparic, 1997a;
Hinshelwood, 1992; Fulgencio, 2008b), o desenvolvimento da análise no caso de
psicoses e crianças é análogo ao que foi proposto por Freud. Klein considerava a
criança possuidora das mesmas tendências pulsionais que Freud havia descoberto
no adulto (Klein, 1927a), e desse modo, passível de receber do analista a
interpretação de seu material inconsciente recalcado, ligado ao complexo de Édipo,
que vinha à tona através da brincadeira (Klein, 1932). A psicose é encarada como
uma problemática ainda de ordem edípica, referente ao excesso de ansiedade com
que o ego frágil não consegue lidar (Klein, 1930).
A lapidação de uma teoria sempre aponta para a descrição de condutas
clínicas de resolução de problemas. Popper (1954) afirmou que a ideia de que uma
ciência pode avançar sem teoria, apenas fundamentada em descobertas feitas a
partir da observação, é infundada, uma vez que, por trás de toda e qualquer
observação, sempre uma teoria norteadora. O autor postula que não tal coisa
como fato bruto.
Sendo assim, essa diferente compreensão sobre o desenvolvimento humano
e sobre o diagnóstico em psicanálise suscita questionamentos referentes às
implicações terapêuticas envolvidas em tais discordâncias, como: o tratamento
psicanalítico clássico pode ser indicado para qualquer caso? Em que situações da
clínica o complexo de Édipo aparece como fator relevante? Qual importância tem o
complexo de Édipo no tratamento de pacientes fronteiriços e psicóticos?
Certamente, o estudo aqui proposto não pretende, e nem poderia, responder a
essas perguntas. Todavia, ainda que o tema da clínica em Klein e Winnicott não
tenha feito parte da discussão proposta, aparece como pano de fundo do objetivo
principal, vindo a figurar, em forma de indicativos, nas considerações finais desse
trabalho.
Como citado, o complexo de Édipo foi escolhido como ponto de
comparação para a análise por ser este o conceito central da ciência psicanalítica
10
.
10
O uso da noção de paradigma de Kuhn (1970), tal como é proposta por Loparic (2001) para
compreensão da ciência psicanalítica, também aponta o conceito de complexo de Édipo como
aspecto central da psicanálise.
18
Trata-se de um conceito de suma importância para o campo da teoria e também
crucial para a clínica psicanalítica. Segundo Winnicott (1965va), quando ele iniciou
seus estudos em psicanálise, toda compreensão clínica produzida recebia como
eixo a dinâmica edípica. A análise, conforme Winnicott, levava o analista
invariavelmente às ansiedades pertencentes aos 4 ou 5 anos de idade, ligadas ao
relacionamento da criança com seus pais.
Partindo desse ponto de vista, bem como do quadro geral da psicanálise
sobre o tema, o complexo de Édipo foi tomado como o aspecto que poderia melhor
ajudar a desenvolver a análise pretendida.
3. Método
O presente estudo tem por base a análise das teorias psicanalíticas de M.
Klein e de D. W. Winnicott. Trata-se de uma pesquisa teórica sobre a obra desses
autores, buscando oferecer uma comparação entre elas, no que tange ao conceito
de complexo de Édipo. Ele foi desenvolvido, desse modo, a partir da retomada do
conceito kleiniano e winnicottiano sobre o Édipo.
Primeiramente, foi realizada uma busca nas obras de Klein e de Winnicott, a
fim de determinar os textos em que o conceito em questão fora abordado. Em
seguida, procedeu-se a uma seleção de tais textos, buscando destacar aqueles que
mais poderiam contribuir com a tarefa, no sentido de serem colocações originais dos
autores e que demonstravam o desenvolvimento do conceito de complexo de Édipo
em seu pensamento. Em Klein, foram selecionados os seguintes textos:
O desenvolvimento de uma criança (1921)
Análise de crianças pequenas (1923)
Uma contribuição à psicogênese dos tiques (1925)
Princípios psicológicos da análise de crianças pequenas (1926)
Simpósio sobre análise de crianças (1927)
19
Tendências criminosas em crianças normais (1927)
Estágios iniciais do conflito edipiano (1928)
A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego (1930)
A psicanálise de crianças (1932)
O desenvolvimento inicial da consciência na criança (1933)
Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos (1935)
Amor, culpa e reparação (1937)
O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos (1940)
O complexo de Édipo à luz das ansiedades arcaicas (1945)
Sobre a Teoria da Ansiedade e da Culpa (1948)
As origens da Transferência (1952)
Algumas conclusões teóricas relativas à vida emocional do bebê (1952)
Inveja e Gratidão (1957)
Sobre o desenvolvimento do funcionamento mental (1958)
Em Winnicott
11
, foram selecionados os trabalhos a seguir:
O desenvolvimento emocional primitivo (1945d)
E o pai? (1945i)
A criança e o sexo (1947a)
Psicose e cuidados maternos (1953a)
A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal (1955C)
Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no contexto psicanalítico (1955d)
Agressão e sua relação com o desenvolvimento emocional (1958b)
11
A obra de Winnicott é apresentada segundo classificação proposta por Knud Hjulmand, publicada
no volume 1, número 2 da revista Natureza Humana, pp.459-517, 1999. Essa opção se deve,
também, ao fato de Jan Abram, em artigo recente, ter informado que a publicação das obras
completas de Winnicott seguirão tal classificação (Abram, 2008).
20
Pediatria e neurose infantil (1958m)
Psicanálise do sentimento de culpa (1958o)
Teoria do relacionamento paterno-infantil (1960c)
O desenvolvimento da capacidade de se preocupar (1963b)
Os doentes mentais na prática clínica (1963c)
Classificação: existe uma contribuição psicanalítica à classificação psiquiátrica?
(1965h)
Enfoque pessoal da contribuição kleiniana (1965va)
Provisão para a criança na saúde e na crise (1965vc)
Distúrbios psiquiátricos e processos de maturação infantil (1965vd)
A experiencia mãe-bebê de mutualidade (1970b)
O medo do colapso (1974)
A criança no grupo familiar (1986d)
Este feminismo (1986g)
Natureza Humana (1988)
Psiconeurose na infância (1989vl)
O uso do objeto no contexto de Moisés e o monoteísmo (1989xa)
Comentários sobre ‘On the Concept of the superego’, de Joseph Sandler (1989xi)
Além dos textos de Klein e de Winnicott, foram utilizados também trabalhos
de alguns dos principais comentadores destes autores, de âmbito nacional e
internacional, com a intenção de clarear as discussões apresentadas.
Para a leitura do referido material foi utilizado o princípio clássico da
hermenêutica
12
, o qual preconiza, em linhas gerais, que as partes de uma obra
12
Este método de pesquisa e leitura é utilizado pelo Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas
Psicoterápicas [GFPP], (http://www.centrowinnicott.com.br/grupofpp/), sob coordenação do Prof. Dr.
Zeljko Loparic, do qual faz parte o prof. Dr. Leopoldo Fulgencio,
orientador desta pesquisa. Para
maiores informações sobre o método de pesquisa hermenêutico, ver Gadamer, 2002.
21
sejam entendidas dentro do contexto total dela e que o todo da obra deva ser
iluminado por cada uma de suas partes.
Para a análise dos dados, foram propostos três tópicos ou categorias, como
forma de nortear o pensamento, os quais derivaram do próprio percurso de
investigação e serviram como elementos de suporte para análise pretendida. São
elas: principais semelhanças e diferenças entre os conceitos kleiniano e
winnicottiano, relação dos autores com Freud e o lugar e a importância do
conceito de complexo de Édipo na proposta de Klein e de Winnicott.
4. Desenvolvimento
Para a tarefa proposta por este trabalho, foi traçado o seguinte percurso:
No capítulo 1, foram, inicialmente, apresentadas questões gerais
relacionadas a Klein e seu trabalho na psicanálise. Em seguida, procedeu-se a
breve descrição do conceito de complexo de Édipo, tal como apresentado por Freud,
a fim de possibilitar o leitor a rememoração de aspectos principais da colocação
freudiana, que pudessem auxiliar na tarefa comparativa proposta. Na sequência,
foram apresentados os desenvolvimentos de Klein sobre esse tema.
No capítulo 2, foi feita uma apresentação geral referente a Winnicott, ao seu
desenvolvimento como psicanalista e à sua relação com Melanie Klein. Depois,
foram apresentadas as colocações de Winnicott sobre o complexo de Édipo.
No item Análise Comparativa, foi estabelecida a comparação, propriamente
dita, entre os conceitos de Klein e de Winnicott, levando-se em conta os aspectos
que foram considerados, no decorrer do trabalho, principais para este exercício.
Visando a isso, foram propostas três categorias de análise: principais semelhanças e
diferenças entre os conceitos kleiniano e winnicottiano, relação dos autores com
Freud e o lugar e a importância do conceito de complexo de Édipo na proposta de
Klein e de Winnicott.
Ao final, em Considerações Finais, foram feitos apontamentos sobre
algumas implicações que derivam da diferenciação do conceito de Édipo no
22
pensamento de Klein e de Winnicott, como por exemplo, a emergência de condutas
clínicas diferentes.
23
____________________Capítulo 1
24
1. Melanie Klein e o complexo de Édipo
1.1 Aspectos Gerais
Melanie Klein iniciou sua aproximação com a psicanálise por volta de 1914,
a partir da leitura do artigo de Freud, intitulado Sobre os sonhos, de 1901. Foi nesse
momento, segundo ela, que encontrou “aquilo que estava almejando”
13
. Encantada
com a nova descoberta, começou sua análise pessoal com Ferenczi, discípulo mais
querido de Freud na época. Por sugestão de seu analista, Klein passou a aplicar os
fundamentos da cnica psicanalítica no tratamento de crianças (Greenberg &
Mitchell).
A viabilização da técnica psicanalítica para o tratamento de crianças tornou-
se a grande contribuição de Klein para o campo da psicanálise, pois até que ela
aparecesse na cena psicanalítica, o trabalho com crianças não era exatamente uma
realidade. Greenberg e Mitchell (1994) lembram que Freud realizou a análise do
pequeno Hans através de orientações ao pai do menino, mas que nenhum
psicanalista havia tentado aplicar, até então, as técnicas propriamente ditas com as
crianças.
Psicanalistas como Hug-Helmuth e Anna Freud ofereceram, antes de Klein,
propostas para o tratamento infantil, contudo, em linhas muito diferentes do que
Klein viria a fazer. Ela mesma, em seus escritos, considera Hug-Helmuth como uma
pioneira nesse tipo de trabalho e tece comentários sobre os desenvolvimentos
clínicos de Anna Freud, porém de forma opositora. Klein não concordava com as
ideias divulgadas pelas citadas autoras, que propunham tratar da criança como um
ser frágil, que deveria ser poupado de determinados comentários ou interpretações e
para quem o tratamento deveria, muitas vezes, assumir caráter pedagógico.
De forma incisiva, Klein apresenta ao mundo sua ideia de que o tratamento
psicanalítico poderia ser aplicado à criança exatamente da mesma forma que ocorria
com o adulto (Klein, 1921, 1923, 1927, 1930, 1945). De fato, ela entendia que isso
não era somente possível, mas necessário. Em sua clínica, Klein descobriu na
13
Trecho retirado da autobiografia feita por Klein, sob custódia da Melanie Klein Trust, examinada por
Grosskurth, 1992.
25
criança todos os processos mentais que Freud havia descrito para o adulto, por
vezes ainda mais radicais e cruéis, como se verá nos desenvolvimentos do conceito
de superego arcaico neste capítulo. No que se refere à impossibilidade da criança
de fazer associações livres, Klein apresenta uma nova resposta, um correlato: a
brincadeira. O conteúdo da brincadeira da criança, de acordo com ela, remete
sempre à dinâmica edípica (Klein, 1932). A interpretação deste conteúdo faria com
que a criança pudesse livrar-se da ansiedade advinda do conflito.
Klein posicionou-se diversas vezes como discípula de Freud, numa tentativa
de oferecer novos conhecimentos que pudessem expandir o que ensinou. No
prefácio à primeira edição de A psicanálise de crianças (1932), ela escreve:
Além da minha experiência com análise de crianças, as observações
que fiz ao analisar adultos levaram-me a aplicar minhas concepções
referentes aos estágios mais arcaicos do desenvolvimento da criança
também à psicologia do adulto ... Esta contribuição se baseia sob
todos os aspectos no corpo de conhecimento que devemos a Freud.
Foi através da aplicação de seus achados que tive acesso à mente
das crianças pequenas e pude analisá-las e curá-las. Além disso, ao
fazer isso, pude realizar aquelas observações diretas dos processos
arcaicos do desenvolvimento que me conduziram às minhas
conclusões teóricas atuais. Tais conclusões confirmam plenamente
as descobertas que Freud fez na análise de adultos e são uma
tentativa de ampliar nosso conhecimento em uma ou duas direções.
(Klein, 1932, p.13)
Sua trajetória teórica, no entanto, parece ter se desviado deste caminho,
contra suas mais fortes tentativas. Conforme Grosskurth (1992), a autora afastou-se
de Freud e delineou um percurso próprio de investigação, tendo sido, por essa
razão, estigmatizada e atacada por muitos. Para Greenberg e Mitchell (1994), por
outro lado, Klein conseguiu tanto permanecer fiel ao trabalho freudiano quanto
afastar-se dele, sendo o motor principal da transição do modelo estrutural-pulsional
de Freud para o modelo estrutural-relacional, ligado à ênfase para as relações
objetais na vida do indivíduo. Estes autores ainda indicam que grandes
discussões na psicanálise no que diz respeito ao trabalho realizado por Klein: seus
seguidores a defendem, minimizando as diferenças entre suas descobertas e os
pressupostos freudianos; seus opositores, entretanto, veem seu trabalho como
alheio às teorias de Freud, além de especulativo e fantástico.
26
A grande preocupação de Klein em se mostrar seguidora de Freud pode ter
sido, ainda de acordo com Greenberg e Mitchell (1994), uma reação natural ao não
reconhecimento de Freud sobre as contribuições dela, uma vez que o interesse dele
era ver sua filha, Anna Freud, como continuadora oficial de sua ciência. As
divergências explícitas entre as duas autoras fez surgir na Sociedade Britânica de
Psicanálise [SBP], em meados da década de 1920, uma cisão fervorosa que opôs
os seguidores de Klein, chamados de grupo A, aos seguidores de Anna Freud, o
grupo B (Kohon, 1994).
Ainda que sua preocupação fosse real, Klein via suas descobertas clínicas
guiá-la para lugares opostos ao posicionamento de Freud. Um dos pontos principais,
se não o mais importante, foi sua divergência com relação à teoria do complexo de
Édipo.
Todo o trabalho inicial de Klein confere um peso ou valor enorme às
questões libidinais, mais do que é encontrado no pensamento freudiano: “Klein via
sexualidade genital, edipiana, em cada tenda ou recanto do mundo da criança”,
(Greenberg & Mitchell, 1994, p.89). Sua prática clínica a dirigia para tais
considerações. Convencia-se cada vez mais de que o mundo da criança
representava, sob todos os ângulos, a sexualidade genital, ou, em suas palavras
“um simbolismo genital ... uma significância de coito” (Klein, 1923, pp.82-83).
Devido a essa forma de entender o mundo infantil, Klein desenvolveu os
preceitos freudianos a um ponto extremo, como foi o caso do complexo de Édipo.
Além de considerá-lo dinâmica central em todo o desenvolvimento infantil, suas
divergências conceituais em relação a Freud ultrapassaram simples diferenças de
cronologia. Ela chegou a novas construções sobre a dinâmica edípica, ligadas ao
medo da retaliação por conta da agressividade e ódio dirigidos aos objetos, frutos de
pulsões sádico-orais e sádico-anais da criança (Klein, 1928) e também dos crimes
inconscientes de incesto e parricídio, entre outros aspectos apresentados na
sequência.
Neste capítulo busca-se evidenciar o percurso do pensamento kleiniano
referente ao conceito do complexo de Édipo, a partir da seleção de textos da autora
apresentada no item Método deste trabalho, trazendo para destaque as
considerações feitas por ela, ao longo de sua obra, sobre o referido conceito.
Entretanto, antes disso, é importante para o objetivo em questão que se apresente,
27
ainda que de forma sucinta, aspectos principais do conceito freudiano sobre o
complexo de Édipo, a fim de que se tenha mais clareza sobre o posicionamento de
Klein quanto a essa teoria.
1.2 Breve descrição do conceito freudiano de complexo de Édipo
14
A primeira ocasião em que Freud utilizou o termo complexo de Édipo em
seus escritos é em 1910, no texto Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos
homens (contribuição à Psicologia do amor I (Freud, 1910a), para caracterizar a
fantasia e o conflito inerentes ao desenvolvimento psicossexual da criança, vivido
em termos de desejo incestuoso pelo genitor do sexo oposto e rivalidade pelo
genitor do mesmo sexo, a quem seu objeto de desejo pertence, despertando a
fantasia de incesto e parricídio. Para ele, os desejos genitais e a escolha dos objetos
ocorrem entre os três e os cinco anos de idade e, nesse momento, o órgão sexual
masculino é o único reconhecido e valorizado pela criança (Freud, 1910b).
No complexo de Édipo o predomínio dos impulsos libidinais, que acabam
por aparecer na relação com os pais:
A relação entre criança e pais não é, como a observação direta do
menino e posteriormente o exame psicanalítico do adulto
concordemente demonstram, absolutamente livre de elementos de
excitação sexual. A criança toma ambos os genitores, e
particularmente um deles, como objeto de seus desejos eróticos. Em
geral o incitamento vem dos próprios pais, cuja ternura possui o mais
nítido caráter de atividade sexual, embora inibido em suas
finalidades. (Freud, 1910b, p.43)
Mesmo com toda a revolta que suas ideias sobre a sexualidade infantil
causaram na época de suas primeiras descobertas sobre o tema, Freud continuou
seu trabalho, reafirmando a existência da sexualidade na criança e relacionando a
vida cultural do ser humano ao refreamento da libido, proveniente do complexo de
Édipo (Freud, 1912-1913).
14
Esta descrição constitui somente um apanhado geral de aspectos principais do conceito freudiano
para o complexo de Édipo, visto que a maiores desenvolvimentos sobre o tema não fazem parte dos
objetivos deste trabalho.
28
O complexo de Édipo é tomado por Freud como “o complexo nuclear de
cada neurose” (Freud, 1910b, p.44), o que envolve a capacidade de desenvolver
defesa do tipo madura, como a repressão [ou recalque], criando assim o
inconsciente reprimido ou dinâmico (Freud, 1923). O estabelecimento do complexo
de Édipo, para Freud, envolve também a capacidade da criança de perceber seus
pais como pessoas que possuem um corpo e que têm desejo e sentem prazer.
Freud relaciona o complexo de Édipo mais diretamente ao funcionamento neurótico,
mas supõe que ele “esteja presente em todos os casos” (Freud, 1923, p.44). O
complexo atinge seu clímax, segundo Freud, na fase final da primeira infância, junto
ao início da fase de latência (Freud, 1905).
Freud acredita ser mais fácil descrever esse processo no que diz respeito ao
menino, uma vez que seu objeto inicial de amor é a mãe. No caso do menino,
desenvolve-se “frente à mãe uma relação calcada sobre um investimento dirigido ao
objeto, cujo ponto de partida é o próprio seio materno” (Freud, 1923, p.42). Em
relação ao pai, forte identificação. Os dois sentimentos coexistem “até que, pela
intensificação dos desejos sexuais com relação à mãe e da percepção de que o pai
é um obstáculo a esses desejos, constitui-se o complexo de Édipo” (Freud, 1923,
p.42). Nesse momento a identificação paterna assume aspecto hostil e vazão ao
desejo de afastar a figura do pai e de substituí-lo junto à mãe.
Para a menina, o processo é ainda mais complexo e guarda especificidades.
Ainda que Freud tenha oferecido explicações sobre isso, reafirmava a constante
dúvida que essas explicações lhe suscitavam.
O primeiro objeto de amor da menina também é a mãe e a questão com que
Freud se depara é a seguinte: como a menina, neste processo, dirige-se para o pai
como objeto de desejo? Freud percebeu, em suas pacientes, que nos casos em que
havia uma ligação muito forte com a figura do pai, havia existido, anteriormente, uma
ligação tão forte quanto esta, exclusiva, com a figura da mãe. Essa ligação muitas
vezes se estendia até os quatro anos de idade ou mais, podendo nunca se extinguir
em alguns casos, impossibilitando a modificação de seu objeto amoroso para os
homens (Freud, 1931).
Ao falar da etapa pré-edípica da menina, Freud se compelido a fazer
reconsiderações sobre o fato central na psicanálise, de que o Édipo é a origem de
29
toda neurose. Mesmo assim, o autor tenta expandir o conceito para conseguir
explicar também o desenvolvimento psicossexual feminino:
De uma vez que essa fase comporta todas as fixações e repressões
a que podemos fazer remontar a origem das neuroses, talvez pareça
que deveríamos retratar-nos da universalidade da tese segundo a
qual o complexo de Édipo é o núcleo das neuroses. Se, contudo,
alguém se sentir relutante em efetuar essa correção, não há
necessidade de que a faça. Por um lado, podemos ampliar o
conteúdo do complexo de Édipo de modo a incluir todas as relações
da criança com ambos os genitores, e, por outro, levar na devida
conta nossas novas descobertas dizendo que a mulher atinge a
normal situação edipiana positiva depois de ter superado um período
anterior que é governado pelo complexo negativo. De fato, durante
essa fase, o pai de uma menina não é para ela muito mais do que um
rival causador de problemas, embora sua hostilidade para com ele
jamais alcance a intensidade característica dos meninos. (Freud,
1931, p.260)
Freud deixa claro que a psicanálise havia aceitado a ideia de que não
total igualdade ou paralelismo entre os processos de desenvolvimento feminino e
masculino, o que o faz rejeitar o termo “complexo de Electra” (Freud, 1931, p.262).
Também propõe que a fase primária de ligação com a mãe, no caso da menina,
poderia ser a resposta para a origem da histeria - dinâmica desenvolvida, em sua
maioria, por mulheres - e do medo paranóico, apresentado por muitas mulheres, de
serem mortas pela mãe (Freud, 1931).
A menina teria, então, duas fases principais em seu desenvolvimento sexual:
a primeira, de caráter mais masculino, ativo, ligada ao clitóris (análogo do pênis), e a
segunda, posterior, de caráter feminino ou passivo, referente às sensações
provenientes da vagina. Porém, tão importante quanto a passagem de uma situação
para outra é a mudança do sexo do objeto amado que deve ocorrer no
desenvolvimento da menina. A primeira relação com a mãe determina o que vai
acontecer na relação posterior com o pai (Freud, 1931).
A fantasia de castração é aspecto básico do complexo de Édipo freudiano,
tanto para o menino quanto para a menina, mas é vivida pelos dois sexos de formas
diferentes. No caso do menino, o reconhecimento da ausência de pênis na menina
desperta-o para o medo da punição por parte do pai, devido a seus impulsos
30
libidinosos com relação à mãe. Isso põe fim ao complexo de Édipo, fazendo surgir
na criança o superego e dirigindo o menino à busca de outros objetos que não a
mãe:
... é a descoberta da possibilidade de castração, tal como provada
pela visão dos órgãos genitais femininos, que impõe ao menino a
transformação de seu complexo de Édipo e conduz à criação de seu
superego, iniciando assim todos os processos que se destinam a
fazer o indivíduo encontrar lugar na comunidade cultural. Após o
agente paterno ter sido internalizado e ter-se tornado um superego, a
tarefa seguinte consiste em desligar este último das figuras de quem
originalmente constituiu o representante psíquico. Nesse notável
curso de desenvolvimento, é precisamente o interesse narcísico do
menino por seus órgãos genitais seu interesse em preservar o
pênis que é transformado numa restrição de sua sexualidade
infantil. (Freud, 1931, p.263)
É somente depois da formação do superego que a criança passa a sentir
culpa pelos crimes que cometeu contra os pais em sua fantasia (Freud, 1923).
No caso da menina, contudo, o processo se baseia no reconhecimento de
sua inferioridade em relação ao homem, quando percebe que é castrada e que a
mãe não lhe deu um pênis, e em sua rebelião contra esse fato. Freud diz:
Dessa atitude, dividida, abrem-se três linhas de desenvolvimento. A
primeira leva a uma revulsão geral à sexualidade. A menina,
assustada pela comparação com os meninos, cresce insatisfeita com
seu clitóris, abandona sua atividade fálica e, com ela, sua
sexualidade em geral, bem como boa parte de sua masculinidade em
outros campos. A segunda linha a leva a se aferrar com desafiadora
auto-afirmatividade [sic] à sua masculinidade ameaçada. Até uma
idade inacreditavelmente tardia, aferra-se à esperança de conseguir
um pênis em alguma ocasião. Essa esperança se torna o objetivo de
sua vida e a fantasia de ser um homem, apesar de tudo,
freqüentemente [sic] persiste como fator formativo por longos
períodos. Esse ‘complexo de masculinidade’ nas mulheres pode
também resultar numa escolha de objeto homossexual manifesta.
se seu desenvolvimento seguir o terceiro caminho, muito indireto, ela
atingirá a atitude feminina normal final, em que toma o pai como
objeto, encontrando assim o caminho para a forma feminina do
complexo de Édipo. (Freud, 1931, p.264)
31
Dessa maneira, Freud entendeu que o complexo de Édipo na menina é um
processo mais complexo e demorado, que não é cessado pelo medo da castração,
mas sim criado pela própria ideia de ser castrada. A fantasia de que a mãe possui
um pênis e não lhe deu representa o principal motivo do afastamento da menina em
relação à mãe como objeto de desejo. Mesmo assim, Freud continua acreditando
que outros fatores influenciam a passagem da menina, como por exemplo, a fantasia
de que a mãe não a amamentou o suficiente ou ainda o simples fato de que o amor
infantil, por ser ambivalente e sem medida, fatalmente acaba em desapontamento e
atitude hostil (Freud, 1931). À continuidade do processo, os impulsos sexuais ativos,
frustrados e tidos como irrealizáveis, são abandonados pela libido, e os impulsos
sexuais passivos, que também sofreram certo tipo de desapontamento, mas
sobreviveram, emergem e abrem caminho para que a menina dirija-se ao masculino
como objeto sexual. A menina procura o pai, de início, por seu desejo de receber um
pênis e, posteriormente, pelo desejo de receber um filho dele (Freud, 1933[1932]).
No caso dos meninos, a ligação inicial com a mãe pode ser mantida porque
ele dirige sua hostilidade toda para a figura do pai. Entretanto, mesmo sendo o
percurso da menina tão complexo, também nela o superego e o sentimento de culpa
surgem depois do complexo de Édipo (Freud, 1931).
Seja como for, a descoberta do complexo de Édipo foi considerada por
Freud como a grande descoberta da Psicanálise. Além de ter sido descrito por ele
como uma das “preciosas novas aquisições da humanidade” (Freud, 1949[1938],
p.206), também foi identificado por ele, conforme apontado anteriormente, como o
shibolleth” (Freud, 1905, p.214) de sua ciência, determinando aqueles que
pertenciam à categoria de psicanalistas devido a sua aceitação e trabalho a partir
deste conceito.
Feita esta primeira descrição do complexo de Édipo na teoria freudiana,
passo agora à etapa principal deste capítulo, qual seja, a apresentação das
colocações feitas por Melanie Klein, ao longo de sua obra, sobre este tema.
32
1.3 O conceito kleiniano de complexo de Édipo
Melanie Klein faz seu primeiro comentário sobre o complexo de Édipo em
artigo intitulado A resistência da criança ao esclarecimento, apresentado à
sociedade psicanalítica de Berlim, em fevereiro de 1921, como parte subsequente
do trabalho A influência do esclarecimento sexual e do relaxamento da autoridade
no desenvolvimento intelectual de crianças, de dois anos antes, apresentado à
sociedade psicanalítica húngara
15
. O artigo discutia a importância do processo de
análise para crianças como forma de profilaxia para a doença neurótica e outros
distúrbios de caráter. Nele, Klein continuidade à ideia, apresentada em 1919, na
primeira parte do trabalho, de que se faz muito mais necessário e saudável à criança
elucidá-la em suas questões e curiosidades sobre fenômenos desconhecidos,
incluindo os do campo da sexualidade.
Para ilustrar suas colocações, Klein fornece informações sobre o processo
de desenvolvimento de Fritz, a quem ela chama de “filho de conhecido” (Klein, 1921,
p.23) moradores de sua vizinhança, família com que ela tinha grande contato e
sobre quem exercia, segundo ela, grande influência
16
. Fritz, com cinco anos na
época das observações descritas, era uma criança com muitas dúvidas e
curiosidade incessante sobre o nascimento de bebês, o processo de crescimento do
corpo, a existência de Deus, entre outras questões.
Suas perguntas eram respondidas à medida que eram feitas, sem nenhum
fornecimento adicional de conhecimento. Algumas respostas eram parciais, como no
caso da pergunta sobre como nascem os bebês, em que o papel do pai não foi
esclarecido em nenhuma ocasião.
15
Os dois artigos foram posteriormente reunidos em um único trabalho, que recebeu o nome de O
desenvolvimento de uma criança, de 1921.
16
Grosskurth (1992) aponta como certo o fato de Fritz ser, na verdade, o próprio filho de Klein, Erich.
Também salienta que há indícios que demonstram que Klein também teria analisado seus outros dois
filhos, Hans e Mellita, e publicado os resultados em seus artigos.
33
Ainda assim, Klein acreditava que essa questão afetava o menino de
maneira inconsciente
17
. De acordo com Klein, Fritz parecia muito mais interessado
em “atormentar o ambiente” (Klein, 1921, p.50) com perguntas de toda sorte do que
em receber a resposta para elas. Houve um período de mais ou menos dois meses
em que as perguntas se intensificaram e, logo em seguida, um período de mudança,
em que “o menino tornou-se taciturno e passou a exibir uma clara aversão à
brincadeira” (idem). Não queria mais a companhia de outras crianças e nem que lhe
contassem histórias, o que adorava. Exibia certo dio na companhia da mãe, mas
se apegou a ela de forma ainda mais apaixonada.
Klein relaciona esse caso a sua ideia de que a repressão às indagações das
crianças tem como resultado um prejuízo do intelecto, que pode ser na dimensão de
sua extensão ou profundidade. A autora esclarece que a repressão da curiosidade
sexual “é uma das principais causas de alterações mentais nas crianças” (Klein,
1921, p.52). Ela passou, então, a fornecer as informações que antes haviam sido
negadas à criança, sobre o processo de fecundação, sobre o ato sexual e a
concepção de bebês. O seguinte trecho demonstra tais explicações e sua ideia de
que a criança necessita ter esclarecimentos sexuais:
O papai faz uma coisa com o pipi dele que realmente parece com
leite e que se chama semente; ele faz isso como se estivesse
fazendo pipi, mas que um pouco diferente. O pipi da mamãe é
diferente do papai.... O pipi é que nem um buraco. Se o papai bota o
pipi dele dentro do pipi da mamãe e faz a semente lá, então a
semente corre mais fundo para dentro do corpo dela e quando se
encontra com um dos ovinhos que estão dentro da mamãe, o ovinho
começa a crescer e se transforma numa criança. (Klein, 1921, p.55)
Fritz respondeu: “Mas então eu queria fazer isso com a mamãe.” Klein
explicou: “Isso não pode, a mamãe não pode ser sua mulher porque ela é mulher
do papai, e o papai ia ficar sem mulher”. O menino continua: “Mas nós dois
17
É importante destacar que no bojo das ideias de Klein estava a crença de que a criança tem, desde
o início da vida, fantasias inconscientes e ansiedades arcaicas, que causam
enorme conflito entre
seu ego frágil e seu superego cruel e produzem sintomas (Klein, 1932). Figueiredo e Cintra (2004)
consideram que esta foi uma das mais importantes contribuições da autora à psicanálise.
34
podíamos fazer isso com ela”. Klein diz: “Não, isso não pode. Cada homem tem
uma mulher. Quando você estiver grande, a mamãe vai estar velha. você vai
casar com uma moça bem bonita e ela vai ser a sua mulher” (Klein, 1921, p.56).
Depois de ser informado sobre a mãe continuar amando-o mesmo com essa
realidade nova apresentada, Fritz começou a fazer novas perguntas, sobre como o
bebê se alimenta no corpo da mãe, de que é feito o cordão umbilical e como ele cai.
Klein acredita que a criança passou demonstrar novamente grande interesse, sem
sinal de resistência (Klein, 1921).
Klein faz sua primeira menção sobre o Édipo: “Depois dessa solução e do
reconhecimento do processo verdadeiro, o complexo de Édipo começou a ocupar o
primeiro plano” (Klein, 1921, p.57). A psicanalista passou a fornecer-lhe
interpretações esporádicas sobre o conteúdo de suas brincadeiras e também sobre
os sonhos que ele lhe relatava. Houve, porém, um intervalo de dois meses em seu
contato com o menino. Nesse período, a mãe ficou adoentada por algumas semanas
e não pôde dar atenção ao menino como de costume. A ansiedade do garoto
emergiu: Fritz não queria mais brincar, não tinha mais um sono tranquilo. Klein
atribui esse fato ao progresso da análise e ao esforço que Fritz fazia para “reprimir
com mais força tudo aquilo que estava se tornando consciente” (Klein, 1921, p.62).
Klein interpretava o conteúdo de seus sonhos sempre com base na dinâmica
edípica, como no seguinte exemplo:
Quando expliquei que isso [homens segurando pedaços de pau,
revólveres e baionetas] significava o pipi grande do papai que ele
desejava possuir e, ao mesmo tempo, lhe dava muito medo, ele
retrucou que ‘as armas eram duras, mas o pipi é mole’. Expliquei,
porém, que o pipi também fica duro, justamente em conexão com
aquilo que ele desejava fazer, e o menino aceitou a interpretação sem
muita resistência. Então contou que às vezes parecia que um homem
tinha se grudado no outro e os dois eram um só! (Klein, 1921, p.62)
Klein entende, nesse momento, que o componente homossexual começava
a aparecer com mais força, principalmente por meio da narrativa de novos sonhos
da criança. Ela interpreta:
Eu lhe disse que tinha se imaginado no lugar da mamãe e queria que
o papai fizesse com ele a mesma coisa que fazia com ela. Mas tem
35
medo (como imagina que a mamãe também tenha) de que esse pau
o pipi do papai entrar dentro do seu pipi, ele vai machucar e tudo
dentro da sua barriga, do seu estômago, vai ser destruído também.
(Klein, 1921, p.63)
Após seis semanas de interpretações sobre o conteúdo dos sonhos de
ansiedade, Fritz voltou a socializar-se, a brincar e a ansiedade desapareceu.
Perguntava a Klein se ele é que estava produzindo dentro dele esses
conhecimentos sobre si mesmo, que não sabia antes e se todos os adultos podiam
explicar a ele essas coisas que o entendia sobre ele. A ideia de Klein era simples:
o esclarecimento de suas dúvidas e as interpretações claras sobre os sentimentos
que a criança vivenciava o livravam da ansiedade e o impulsionavam a fazer novas
perguntas, abrandando sua resistência e supressão dos sintomas existentes.
Klein acredita que, tornando claros para a criança seus desejos e fantasias
incestuosos, bem como a agressividade contra o pai, inerente ao processo,
possibilita à criança “tentativas de se libertar dessa paixão [pela mãe] e realizar sua
transferência para objetos mais adequados” (Klein, 1921, p.71).
Em 1923, no artigo Análise de crianças pequenas, a autora abordou
novamente o tema do complexo de Édipo, ao investigar a questão da inibição em
crianças, a qual estaria relacionada ao mecanismo de repressão de ideias e à
transformação do afeto, ligado a essas ideias, em ansiedade. Nesse artigo, Klein
fala pela primeira vez sobre o objetivo da análise como a resolução da ansiedade.
Ao tentar explicar a ansiedade noturna da criança [ou pavor nocturnus], ela começa
a conceber a possibilidade de que o início do complexo de Édipo se dê por volta dos
dois ou três anos. Assim, posicionou-se de forma divergente de Freud nessa
questão pela primeira vez
18
, mesmo que ainda entendesse que o resultado da
repressão aparece totalmente um pouco mais tarde, por volta dos três, quatro anos,
ou mais
19
. Nas palavras de Klein:
Sabemos que o complexo de Édipo ativa a repressão com muita força
e, ao mesmo tempo, libera o medo de castração. Talvez também
possamos partir do princípio de que essa grande ‘onda’ de ansiedade
18
C.f. Nota explicativa da Comissão Editorial Inglesa em Klein 1923.
19
C.f. Nota de rodapé em Klein 1923, p.106.
36
é reforçada por uma ansiedade existente (possivelmente apenas
sob a forma de disposição em potencial) em consequência de
repressões mais antigas a ansiedade posterior pode ter agido
diretamente como ansiedade de castração oriunda das ‘castrações
primárias’. (Klein, 1923, p.105-106)
A citada autora propõe que ansiedades ligadas ao nascimento são
remontagens de ansiedades mais anteriores, voltadas ao “desejo bem menos óbvio
de forçar a passagem de volta para dentro da mãe através do coito” (Klein, 1923,
pp.105-106), o que desencadeia o medo da castração. O pavor noturno é encarado
como uma ansiedade oriunda desses sentimentos. A ideia de Freud sobre a
ansiedade de castração ser fruto da resolução do complexo de Édipo está na base
de seu pensamento até então.
Em 1925, em Uma contribuição à psicogênese dos tiques, percebe-se o
esforço de Klein em tentar explicar a origem dos tiques com base na teoria clássica
do Édipo. A autora apresenta trechos de análises conduzidas por ela com o menino
Felix, de treze anos, com Werner, de nove anos, e com Walter, de cinco anos e
meio. Essas experiências a levaram à conclusão de que o aparecimento de tiques
estava ligado ao contato auditivo das crianças com o coito dos pais em tenra
idade
20
, o que desencadeava excessiva movimentação corporal na tentativa de
imitar o observado. Isso, mais tarde, apresentava-se como tique e, posteriormente,
no ato da masturbação, inibido por fantasias advindas do complexo de castração.
Este comentário da autora, acerca do tratamento de Werner, demonstra sua
leitura edípica do caso: “As associações revelaram claramente a admiração do
menino pelo pai que copula com a mãe ... e seu desejo de participar como terceira
pessoa” (Klein, 1925, p.142). Ela acrescenta:
Em dois dos três casos que estudei, impressões traumáticas
certamente contribuíram para o fracasso das tentativas de superar os
complexos de Édipo e de castração.... Depois do declínio do
complexo de Édipo, isso criou uma intensa luta contra a masturbação,
para a qual o sintoma motor tornou-se o substituto imediato. (Klein,
1925, pp.150-151)
20
Klein parece dar a entender que a observação da cena do coito dos pais e a ansiedade dela
proveniente, teriam ocorrido, como no caso de Werner, por volta de um ano e meio de vida do
menino, pois nessa época ele já demonstrava agitação corporal excessiva.
37
No artigo Princípios psicológicos da análise de crianças pequenas, de 1926,
Klein apresenta a técnica do brincar com crianças como análoga ao trabalho
realizado por Freud com adultos, apenas empregando “recursos técnicos adaptados
à mente da criança” (Klein, 1926, p.163). Ela faz a primeira descrição de uma de
suas mais importantes colocações, a existência de um superego na criança antes do
que Freud havia preconizado. Entende que o superego primitivo é marcado por
várias identificações, por nível maior de crueldade do que na sua forma final e
consiste em um sofrimento muito grande para o ego frágil da criança:
Nos casos que analisei, o efeito inibidor do sentimento de culpa já se
manifestava com clareza numa idade muito tenra. O que
encontramos aqui corresponde àquilo que conhecemos como
superego nos adultos. Na minha opinião, o fato de partirmos do
princípio de que o complexo de Édipo atinge o seu auge em torno do
quarto ano de vida e de vermos o superego como o resultado final
desse complexo não contradiz em nada estas observações. Os
fenômenos bem definidos e característicos cuja forma desenvolvida
com mais clareza pode ser detectada quando o complexo de Édipo
atinge seu clímax, e que precedem o desaparecimento deste
complexo, são apenas a conclusão de um desenvolvimento que se
estende ao longo de vários anos. A análise de crianças muito
pequenas mostra que logo que surge o complexo de Édipo, estas
tentam elaborá-lo, desenvolvendo assim o superego.Os efeitos do
superego infantil sobre a criança são semelhantes aos que o
superego exerce sobre o adulto. No entanto, eles são um fardo bem
mais pesado para o ego infantil, mais fraco que o do adulto. Como
nos ensina a análise de crianças, conseguimos fortalecer esse ego
quando o procedimento analítico põe um freio às exigências
excessivas do superego. (Klein, 1926, p.158)
Klein tenta continuar fiel ao trabalho de Freud, mas encontra dificuldades de
manter a concepção de que o superego seria um produto do complexo de Édipo. Ela
passa a considerar a antecipação do início do complexo de Édipo para o começo do
segundo ano de vida da criança, ao relatar dois processos de análises conduzidas
com crianças na idade de dois anos, Trude e Rita, como se pode ver no trecho a
seguir:
Trude tinha dois anos de idade quando nasceu sua irmã.... Na época,
tinha o desejo de roubar os filhos da mãe, que estava grávida, de
matá-la e de tomar o seu lugar no coito com o pai.... Descobri que,
38
para a menina, os objetos com os quais se machucava (mesas,
armários, aquecedores, etc.) significavam (de acordo com a
identificação inicial primitiva) a mãe ou então o pai, que dessa forma
a puniam. De modo geral, constatei que “estar em guerra”, cair e se
machucar estavam intimamente ligados ao complexo de castração e
ao sentimento de culpa, principalmente no caso de crianças muito
pequenas. (Klein, 1926, p.156
)
Klein segue sua análise, apontando para o fato de que a criança se
relacionava, temia a punição, não de figuras reais, mas de figuras introjetadas, as
quais seriam a base para a formação do superego:
A análise revelou que ela não ousava fingir que era a mãe porque a
boneca em forma de bebê simbolizava, entre outras coisas, o
irmãozinho que quisera tirar da mãe durante a gravidez. Nesse
caso, porém, a proibição do desejo infantil não vinha mais da mãe
real, mas de uma mãe introjetada, cujo papel a menina representava
diante de mim de diversas maneiras e que exercia sobre ela uma
influência mais severa e cruel do que a mãe real.... (Klein, 1926,
p.157)
Nesse artigo, Klein comenta pela primeira vez, em uma nota de rodapé, a
respeito de um de seus casos, em que já esboça a ideia de que a presença do Édipo
poderia ser notada já na época do desmame. Ela diz:
... descobri que a escolha do pai como objeto amoroso pela menina
se seguiu ao desmame. Essa privação, seguida pelo treinamento dos
hábitos de higiene (processo que a criança como uma nova e
dolorosa retirada de amor), enfraquece a ligação com a mãe e ativa a
atração heterossexual, reforçada pelos carinhos do pai, que agora
são interpretados como uma sedução. (Klein, 1926, p.154)
Klein percebera, a partir de casos clínicos, que a frustração desencadeava o
aparecimento de um Édipo precoce. No caso do menino, ela acreditava que também
a privação oral e anal de amor por parte da mãe reforçava a situação edipiana,
obrigando o menino a mudar sua posição libidinal e passar a buscar a mãe como
objeto amoroso. Contudo, o tema ainda lhe despertava dúvidas importantes:
Não posso considerar com certeza se o funcionamento precoce do
complexo de Édipo afeta apenas as crianças neuróticas, ou se as
crianças se tornam neuróticas quando esse complexo começa a agir
cedo demais. (Klein, 1926, p.155)
39
Em 1927, em Simpósio sobre análise de crianças, Klein enfatiza as
divergências entre sua concepção sobre a análise de crianças e a de Anna Freud.
Fala abertamente nesse seu trabalho, que o tratamento de crianças deve ser
totalmente análogo ao tratamento do adulto, pois a criança também produz neurose
de transferência e tem na brincadeira o corolário das associações livres produzidas
pelos adultos. Ao estabelecer as bases de suas críticas ao trabalho de Anna Freud e
ao rebater críticas feitas por esta última a seu trabalho, Klein delineia seu método de
tratamento para crianças, reafirmando como pressuposto básico o trabalho com a
dinâmica edípica:
Meu método pressupõe, é claro, que desde o início eu esteja disposta
a atrair a transferência negativa (da criança) e não a positiva
além de investigar suas origens na situação edipiana. Essas duas
medidas estão perfeitamente de acordo com os princípios analíticos,
mas Anna Freud as rejeita por motivos que, na minha opinião, são
infundados. (Klein, 1927a, p.172)
Klein acrescenta:
A técnica do brincar nos oferece grande quantidade de material e nos
acesso aos estratos mais profundos da mente. Se nós a
utilizarmos, chegaremos inevitavelmente à análise do complexo de
Édipo e, uma vez lá, não poderemos impor limites à análise em
qualquer direção. (Klein, 1927a, p.178)
Melanie Klein inicia o artigo considerando o caso do pequeno Hans,
publicado por Freud em 1909, em Análise de uma fobia em um menino de cinco
anos como o início do pensamento sobre a análise de crianças. Para ela, o artigo de
Freud prova que não o complexo de Édipo existe e age na vida da criança, como
também essa dinâmica inconsciente poderia ser trazida para o nível consciente “com
segurança e de forma proveitosa” (Klein, 1927a, p.166).
Klein não concordava, no entanto, com os desenvolvimentos propostos por
outros analistas de sua época para o procedimento clínico frente ao material edípico,
caso da Dra. Hug-Hellmuth. Nas palavras de Klein, embora a psicanalista tenha sido
pioneira no desenvolvimento de uma análise sistemática para crianças, ela manteve
“alguns preconceitos” (Klein, 1927a, p.167) no desenrolar de seu trabalho. A
referência era a certa influência educativa do analista sobre a criança, preconizada
por Hug-Hellmuth e, principalmente, a sua orientação de que não se procedesse a
40
uma investigação muito profunda do complexo de Édipo em crianças. Klein reforça
que sua prática clínica a conduziu a ideias diferentes:
Ao analisar um menino de cinco anos e um quarto, descobri (como
todas as minhas análises posteriores confirmaram) que era
perfeitamente possível e até mesmo salutar investigar a fundo o
complexo de Édipo. Ao se fazer isso, é possível obter resultados pelo
menos tão satisfatórios quanto os da análise de adultos. (Klein,
1927a, p.167)
Klein sustenta seu posicionamento, mais uma vez, no exemplo de Freud
sobre a análise do pequeno Hans, lembrando que Freud não submeteu a análise a
uma limitação que exclui o complexo de Édipo (Klein, 1927a).
No citado artigo, Klein faz ainda novas colocações importantes sobre o
complexo de Édipo. Ela reafirma o que disse no artigo anterior, sobre o início do
complexo acontecer na época do desmame:
No meu último artigo ... observei que o complexo de Édipo se instala
com a experiência de privação trazida pelo desmame, isto é, no fim
do primeiro e início do segundo ano de vida. Ao lado desse processo,
vemos o começo da formação do superego. (Klein, 1927a, p.182)
O conceito de superego também recebe importantes colocações. Ela
considera que o superego das crianças pequenas “começa num estágio muito
inicial” (Klein, 1927a, p.182), mesmo que continue afirmando que esse é um
processo que se completa somente ao final do complexo de Édipo, tal qual Freud
havia postulado. Passa a conceber que esse superego arcaico das crianças é tão
cruel, rigoroso e punitivo devido aos seus próprios impulsos sádicos e
canibalescos
21
. Ela explica:
O conflito entre o ego e o superego ... mostra que o superego possui
uma severidade fantástica. Devido à formula bem conhecida que
prevalece no Ics, essa criança antevê, por causa de seus próprios
impulsos canibais e sádicos, punições como ser castrado, cortado em
pedaços, devorado, etc., vivendo num medo constante de que estas
sejam levadas a cabo. O contraste entre a mãe carinhosa e as
21
Segundo a Comissão Editorial Inglesa (Klein, 1927) tal afirmação da autora foi endossada por
Freud, em uma nota de rodapé em O mal- estar na civilização, uma de suas raras menções ao
trabalho dela.
41
punições ameaçadas pelo superego da criança chega a ser grotesco,
e é um lembrete de que não devemos de modo algum identificar os
objetos reais com aqueles introjetados pela criança. (Klein, 1927a,
p.182)
O propósito da análise seria reduzir a força desse superego primitivo, e não
tentar fortalecer o superego supostamente frágil das crianças, como pressupunha
Anna Freud. Klein também re-descreve a fase dos três anos de idade como o auge
do desenvolvimento edipiano, afastando-se da teoria freudiana, que considerava o
auge do Édipo como fenômeno da fase final da primeira infância, juntamente com o
início do período de latência:
A análise de crianças muito pequenas me revelou que até mesmo
uma criança de três anos de idade deixou para trás a parte mais
importante do desenvolvimento de seu complexo de Édipo. Como
consequência, ela está muito afastada, através da repressão e do
sentimento de culpa, dos objetos que desejava originalmente. Suas
relações com eles passaram por distorção e transformação, de
modo que os objetos atuais são imagos dos objetos originais. (Klein,
1927a, pp.178-179)
Ainda assim, Klein demonstra, na natureza de suas argumentações e
críticas a Anna Freud, preocupação em se colocar como continuadora do trabalho
de Freud:
Entendo por superego (em total acordo com aquilo que Freud nos
ensinou a respeito de seu desenvolvimento) a faculdade resultante do
desenvolvimento do complexo de Édipo, através da introjeção dos
objetos edipianos, e que, com o fim desse complexo, toma uma forma
duradoura e inalterável. (Klein, 1927a, p.184)
Klein escreve outro ensaio, em 1927, dessa vez versando sobre as
tendências criminosas de crianças normais. Ela chama a atenção para a existência,
nas crianças pequenas, de fantasias sádico-orais e sádico-anais, provenientes das
vivências mais primitiva do ser humano, ligadas ao “canibalismo e tendências
assassinas” (Klein, 1927b, p.199). Tais fantasias são reprimidas no homem civilizado
e se relacionam com os crimes inconscientes de incesto e parricídio presentes no
complexo de Édipo.
Klein entende que a criança, ao final do primeiro ano de vida, já percorreu os
estágios mais importantes do desenvolvimento psíquico, ou seja, a fase oral e suas
42
fixações, que devem, segundo ela, ser divididas em fixação oral de sugar e fixação
oral de morder. Esta última é, para a autora, muito relacionada às tendências
canibalescas, bem como às fixações sádico-anais, que se referem ao prazer
proveniente da zona erógena anal e do ato da excreção, “aliado ao prazer da
crueldade, domínio, posse, etc.” (Klein, 1927b, p.199). Nesse sentido, o
aparecimento do complexo de Édipo é concomitante às tendências sádico-orais e
sádico-anais. O componente da agressividade aparece em destaque na fantasia
edípica da criança, de uma forma que ainda não se havia visto na psicanálise
22
.
Klein explana:
Quando o complexo de Édipo se instala o que, de acordo com os
resultados do meu trabalho, ocorre no final do primeiro ou início do
segundo ano de vida os estágios iniciais que mencionei acima, o
sádico-oral e o sádico-anal, estão em pleno funcionamento. Eles se
ligam às tendências edipianas e se voltam para os objetos em torno
dos quais se desenvolve o complexo de Édipo: os pais. O pequeno
menino, que odeia o pai como um rival pelo amor da mãe, fará isso
com raiva, agressividade e fantasias derivadas de suas fixações
sádico-orais e sádico-anais. A fantasia de entrar no quarto e matar o
pai está presente na análise de todo menino, mesmo no caso de uma
criança normal. (Klein, 1927b, p.200)
Essa agressividade, oriunda das fantasias sádicas arcaicas, faz emergir o
sentimento de culpa e medo da punição, em virtude de, segundo a autora, o
inconsciente funcionar de acordo com o “preceito do ‘olho por olho’” (Klein, 1927b,
p.208). Isso explica porque é possível encontrar nas crianças medos e fantasias tão
fantasmagóricas e distantes da realidade, sobre a retaliação que pode receber dos
pais.
No referido artigo, Klein explicitamente posiciona o complexo de Édipo
como o ponto principal do desenvolvimento da personalidade, qualquer que seja, e
afirma que a psicanálise mostrou por diversas vezes que a formação do caráter,
bem como suas perturbações, desde as neuróticas até as criminosas, “são
determinadas por ele” (Klein, 1927b, p.200).
22
De fato, a nota explicativa da Comissão Editorial Inglesa para esse artigo explicita que Klein
considerou 1927, ano em que este trabalho foi produzido, o ano em que ela percebeu a importância
da agressividade no desenvolvimento humano.
43
Em 1928, Klein escreveu o que seria um dos principais artigos de sua obra a
respeito do tema em foco: Estágios iniciais do conflito edipiano. Nesse artigo, ela
reitera, de forma mais clara e organizada, que o início do complexo de Édipo, a partir
de suas descobertas clínicas, se dá à época do desmame:
A conclusão a que cheguei ... é que as tendências edipianas são
liberadas como conseqüência [sic] da frustração sentida pela criança
com o desmame, e que se manifestam no final do primeiro e início do
segundo ano de vida; elas são reforçadas pelas frustrações anais
sofridas durante o treinamento dos hábitos de higiene. (Klein, 1928,
p.216)
Esse texto demonstra, contudo, que sua revisão do conceito freudiano não
fica restrita apenas a uma modificação de datas para o acontecimento desse
fenômeno. Ela vai muito além, abrindo passagem para a consideração de que o
complexo de Édipo tem seu início ainda em uma fase pré-genital do
desenvolvimento do bebê, em que o objeto ainda é parcial.
No seu entender, no início do complexo de Édipo, mesmo que exista a
emergência dos impulsos genitais, a cena ainda é predominantemente dos impulsos
sádico-orais e sádico-anais. Os impulsos genitais passam a ser mais importantes
posteriormente, quando se estabelece a situação clássica do Édipo freudiano. O
imperativo do sadismo explica, dessa forma, a rigidez excessiva do superego
arcaico:
A conexão entre a formação do superego e as fases pré-genitais do
desenvolvimento é muito importante a partir de dois pontos de vista.
Por um lado, o sentimento de culpa se prende às fases sádico-oral e
sádico-anal, que ainda são as predominantes; por outro, o superego
se forma quando essas fases ainda estão em ascendência, o que
explica seu rigor sádico. (Klein, 1928, p.217)
A premissa de Klein é a de que o medo da castração e o sentimento de
culpa aparecem desde o início do complexo de Édipo, associados a este. Nesse
sentido, também entende que, necessariamente, a formação do superego se dá
nessa fase:
Minhas descobertas vão ainda mais longe. Elas mostram que o
sentimento de culpa associado à fixação pré-genital é efeito direto
do conflito edipiano. Isso parece explicar de forma satisfatória a
origem desse sentimento, pois sabemos que o sentimento de culpa
44
na verdade é o resultado da introjeção (completa, ou eu
acrescentaria ainda em andamento) dos objetos amorosos
edipianos: isto é, o sentimento de culpa é o produto da formação do
superego. (Klein, 1928, pp. 216-217)
O sentimento de culpa exerce, no seu ponto de vista, extrema importância
para o desenvolvimento infantil, pois as frustrações orais e anais, “que formam o
protótipo de todas as frustrações posteriores para o resto da vida” (Klein, 1928,
p.217), também significam punição e dão origem à ansiedade.
Nota-se que a ansiedade começa, nesse escrito de Klein, a ter maior
importância no pensamento da autora. Ela considera que, para meninos e meninas,
o processo inicial das tendências edípicas faz surgir grandes quantidades de
ansiedade, resultantes das fantasias de ataques contra o corpo da mãe, o que faz
emergir uma imago de uma mãe hostil, com um pênis ameaçador.
No caso do menino, a ansiedade de castração é derivada dessa primeira
ansiedade. no caso da menina, a ansiedade se refere ao medo de ter seu interior
atacado por essa mãe ameaçadora e, secundariamente, aparece o medo de perder
seu amor. O medo de ter sua feminilidade atacada ou devastada pela mãe também
é presente e é um correlato, no menino, do medo de perder o pênis, pela ação
retaliadora do pai (Klein, 1928).
Em razão disso, o ego da criança, ainda frágil e pouco desenvolvido, fica à
mercê de impulsos sádicos e sexuais, os quais se opõem, e sujeito a um superego
extremamente cruel, que “só é capaz de se defender ... através de forte repressão”
(Klein, 1928, p. 217).
O fato de um ego tão frágil ser arrebatado, de um lado, por sentimentos tão
fortes, ligados ao complexo de Édipo, e de outro, por curiosidade sobre a vida
sexual, em uma etapa em que a criança ainda não possui domínio do código
linguístico, produz grande sofrimento psíquico. Tal situação ocorre porque as
perguntas da criança ficam sem respostas. O ódio também aparece de maneira
expressiva, e pode estar relacionado a inibições do impulso epistemofílico, isto é, o
impulso pelo conhecimento, como a dificuldade no aprendizado de línguas
estrangeiras, distúrbios da fala, entre outras (Klein, 1928).
45
Klein entende que esse não-saber inicial converge com a “sensação de ser
incapaz, impotente” (Klein, 1928, p.218), proveniente da dinâmica edípica. A
frustração é intensificada pela ignorância da criança acerca dos processos sexuais e
a autora acredita que essa sensação de ignorância acentua o complexo de
castração.
Para ela, a ligação entre o sadismo e o impulso epistemofílico é de grande
importância para o desenvolvimento mental da criança e, por conta do surgimento
das tendências edípicas, direciona-se inicialmente para o corpo da mãe, “visto como
palco de todos os processos e desenvolvimentos sexuais” (Klein, 1928, p.218).
Surgem, a partir disso, desejos e fantasias de apropriação e curiosidades sobre o
conteúdo do corpo da mãe, devido à posição sádico-anal em que a criança ainda se
encontra.
Klein também verificou que dois elementos principais influenciam
diretamente os processos mentais na fase do complexo de Édipo. O primeiro deles,
que seria o responsável por alavancar o conflito edípico através das frustrações
sentidas pela criança, é o processo do desmame, aliado às frustrações anais ligadas
ao treinamento dos hábitos de higiene. O segundo é a própria “diferença anatômica
entre os sexos” (Klein, 1928, p.216). Ela esclarece:
O menino, quando se impelido a trocar da posição oral e anal pela
genital, passa a ter o objetivo de penetração associado à posse do
pênis. Assim, ele muda não só sua posição libidinal, mas também seu
objetivo, o que permite que mantenha o objeto amoroso original. No
caso da menina, por outro lado, o objetivo receptivo passa da posição
oral para a genital: ela muda sua posição libidinal, mas mantém o
mesmo objetivo, que levou à frustração em relação à mãe. Desse
modo, a menina desenvolve a receptividade para o pênis e se volta
para o pai como objeto amoroso. (Klein,1928, p.216)
Todavia, Klein acredita que o aspecto mais importante oriundo desta fase, e
pouco explorado na psicanálise, seja uma identificação muito inicial com a mãe. Ela
nomeia essa forte identificação como “fase de feminilidade” (Klein, 1928, p.219),
vivenciada por meninos e meninas de formas diferentes. Essa seria a etapa no
desenvolvimento seguinte à dos sentimentos de contradição vividos pela criança, em
termos de ódio pela figura da mãe, que havia frustrado seus impulsos orais e
agora frustra seus impulsos anais, e o interesse voltado à mãe como objeto amoroso
46
- no caso do menino -, que aparece a partir das primeiras manifestações dos
impulsos genitais.
A autora considera que, nessa etapa, o grau de fixação sádico-oral ou anal é
fator muito relevante, porque determina a quantidade de ódio que o menino sente
pela mãe. Tal ódio pode dificultar, em determinado nível, que o menino passe a ter
uma atitude positiva em relação a essa figura. Ela diz: “O grau em que [a criança]
consegue atingir a posição genital depende em parte da sua capacidade de tolerar
essa ansiedade” (Klein, 1928, p. 219).
Para o menino, a fase da feminilidade pode ser comparada ao complexo de
castração da menina, uma vez que o menino também se sente frustrado em seu
desejo de possuir um órgão especial. Klein diz:
As tendências de roubar e destruir estão ligadas aos órgãos de
fecundação, gravidez e parto que o menino presume existirem na
mãe, assim como à vagina e os seios, a fonte do leite, cobiçados
como órgãos de receptividade e fartura desde o tempo em que a
posição libidinal é puramente oral. (Klein, 1928, p.219)
O menino teme, ainda, na fase da feminilidade, “ser punido pelo corpo da
mãe” (Klein, 1928, p.219) e ter seu corpo mutilado. A mãe, como sendo a figura “que
toma as fezes do menino, também representa uma mãe que desmembra e castra”
(Klein, 1928, p.220). Nesse ponto, Klein considera que seja uma contribuição sua à
teoria do complexo de castração a ideia de que a mãe não apenas possibilita que o
complexo de castração aconteça; ela é, no psiquismo do menino, o próprio agente
castrador. Esse temor fica ainda maior quando combinado ao medo de ser castrado
pelo pai. Os impulsos destrutivos que eram dirigidos para os órgãos de fecundação,
voltam-se para o pênis do pai, o qual, na fantasia da criança, localiza-se dentro do
útero da mãe. A criança, então, tem que lidar com a ansiedade em relação ao útero
e ao pênis, ao mesmo tempo, o que resulta em um superego que também mutila e
castra e que é formado pelas imagens do pai e também da mãe, a chamada imagem
dos pais combinados (Klein, 1928).
47
Nesse raciocínio, o menino se sente inferior à mãe por sua impossibilidade
de ter um filho, mas isso, associado ao impulso epistemofílico:
... permite ao menino executar um deslocamento para o plano
intelectual; a sensação de estar em desvantagem então é ocultada e
supercompensada pela superioridade que deduz do fato de possuir
um pênis, superioridade que também é reconhecida pelas meninas.
(Klein, 1928, p.220).
Disso procede a necessidade dos meninos de exibirem sua masculinidade e
agressividade, bem como um valor excessivo ao pênis e uma atitude de desprezo
para com a figura feminina.
Apesar disso, a ansiedade gerada nessa fase faz o menino voltar-se para a
identificação com a figura do pai, o que conspira favoravelmente para a transposição
dessa etapa. Klein entende que a resolução da fase da feminilidade para o menino é
primordial para a aquisição da potência total e para a chegada à posição genital.
No caso das meninas, Klein também considera que a primeira identificação
da criança é com a mãe e que as frustrações pelo desmame e pelos hábitos de
higiene levam a menina a se afastar dela. No entanto, a autora acredita que o
próprio “objetivo receptivo dos órgãos genitais exerce uma influência determinante
sobre a escolha do pai como objeto amoroso pela menina (Klein, 1928, p.222).
Klein diz que sua prática clínica a levou a considerar a existência, na menina, desde
o início dos impulsos edípicos, de uma noção inconsciente da vagina, e de
sensações nela e em todo o aparelho genital, as quais não são plenamente
satisfeitas pela masturbação.
Sendo assim, o caráter receptivo do órgão genital feminino é “posto em ação
pelo desejo intenso de encontrar uma nova fonte de gratificação” (Klein, 1928,
p.222). Nesse sentido, emergem a inveja e o ódio contra a figura da mãe, detentora
do pênis do pai, o que direciona a menina à figura do pai logo no início da
manifestação de seus impulsos edípicos.
A descoberta de que não possui um pênis, para a menina, faz aumentar o
ódio pela mãe. Por outro lado, seu sentimento de culpa, pelos sentimentos
destrutivos dirigidos à mãe, traduz esse fato como punição. Nesse ponto, Klein
também demonstra diferenciações com relação à ideia freudiana de que a
consciência da ausência de um pênis dirige a menina ao pai, como objeto amoroso.
48
Para Klein, essa gama de sentimentos aparece na vida da criança muito
cedo e a inveja do pênis é apenas um substituto do desejo de ter um filho, que
reaparecerá em fase posterior. Ela acredita que a “privação do seio seja a causa
mais importante da opção pelo pai” (Klein, 1928, p.223). A rivalidade com relação à
figura da mãe leva a menina a se afastar do pai como objeto de identificação e a se
voltar para ele como objeto amoroso.
Klein reitera o que Freud já dizia sobre os moldes da relação da menina com
o pai serem baseados no conteúdo de sua primeira relação com a mãe: “A
frustração que sofre nas os deste tem suas raízes na decepção sofrida em
relação à mãe; um forte motivo para o desejo de possuí-lo é o ódio e a inveja da
mãe” (Klein, 1928, p.223). A menina é tomada por grande admiração pela figura
masculina, uma vez que esta pode lhe fornecer a gratificação total, deslocada para
os órgãos genitais. O cenário é, geralmente, abalado pela frustração resultante do
complexo de Édipo. No entanto, se esta não se converte em ódio, o
desenvolvimento da menina continua de forma positiva, convergindo para um
momento em que, quando da obtenção da satisfação sexual, a admiração anterior
se alia à gratidão pela liberação dessa energia acumulada.
Apesar de apresentar, no referido texto, várias divergências com relação ao
que Freud havia descoberto e ensinado sobre o complexo de Édipo, Klein se
preocupa em salientar que suas afirmações “não contradizem as afirmações do
professor Freud” (Klein, 1928, p.226). A autora considera que sua maior contribuição
para o tema se refere à descoberta de que os processos ligados ao complexo de
Édipo e à formação do superego detectados por Freud na fase dos três aos cinco
anos de vida da criança, seriam o clímax de um processo longo, iniciado logo com o
desmame e o treinamento do controle dos esfíncteres.
Em 1930, Klein publicou o artigo A importância da formação de símbolos no
desenvolvimento do ego, considerado o trabalho psicanalítico em que a psicose é
encarada pela primeira vez como passível de receber tratamento psicanalítico, com
bons resultados
23
. Klein afirma que, para a construção de seu argumento principal, é
23
C.f. Nota Explicativa da Comissão Editorial Inglesa, responsável pela publicação dos textos de
Melanie Klein, em Klein,1930.
49
preciso embasar-se no fato de que o conflito edipiano tem seu início no “período em
que o sadismo é predominante” (Klein, 1930, p.251). A autora esclarece que ele
ocorre em “uma fase do desenvolvimento que é inaugurada pelo sadismo oral (ao
qual se associa o sadismo uretral, muscular e anal) e se encerra com o fim da
ascendência do sadismo anal” (Klein, 1930, p.263).
Klein deixa claro, no trabalho de 1930, sua crença na existência de
processos mentais logo no início do desenvolvimento da criança, que têm como
“principal objetivo ... se apossar do conteúdo do corpo da mãe e destruí-la com
todas as armas ao alcance do sadismo” (Klein, 1930, p.251). Os ataques são
direcionados ao pai e à mãe, uma vez que, em sua fantasia sobre a relação sexual
dessas figuras, a vagina da mãe incorpora o pênis do pai - figura dos pais
combinados. Como consequência dos ataques, surge a ansiedade pelo medo de
receber punição da dupla parental. Por conta da introjeção sádico-oral dos objetos,
presente nessa fase, a ansiedade também é introjetada e “dirigida para o superego
primitivo” (Klein, 1930, p.251).
A quantidade de sadismo determina a quantidade de ansiedade e o grau das
defesas geradas. Klein fala de aspectos constitucionais do indivíduo, presentes
desde o início da vida e que determinam todo seu transcorrer. Para ela, as defesas
contra os impulsos libidinais somente aparecem na fase final do complexo de Édipo.
Em seu início, contudo, as defesas, introjeção e projeção, se dirigem aos impulsos
destrutivos, ligados ao sadismo (Klein, 1930).
Sua tese para explicar a gênese da psicose relaciona-se com uma
quantidade excessiva de ansiedade, insuportável para o ego fraco da criança. Este,
como defesa, expulsa todo o sadismo, inviabilizando toda experiência de ansiedade,
inserção na cultura e formação de símbolos, ou seja, impedindo o desenvolvimento
normal. No citado artigo, Klein também demonstra, por meio do relato do caso do
menino Dick, de quatro anos, tido como um quadro de grande inibição e psicose,
como desenvolve também este trabalho baseada no conflito edipiano:
Peguei um trem grande e o coloquei ao lado do outro menor,
chamando-os de ‘Trem-Papai’ e ‘Trem-Dick’. Então ele pegou o trem
chamado ‘Dick’, empurrou-o até a janela e disse ‘Estação’. Expliquei:
‘A estação é a mamãe; o Dick está entrando na mamãe’. Ele largou o
trem, correu para o espaço entre a porta de fora e a porta interior do
50
consultório, fechou-se dentro, disse ‘escuro’ e saiu correndo na
mesma hora.... Então eu lhe expliquei: ‘É escuro dentro da mamãe. O
Dick está dentro da mamãe escura’. (Klein, 1930, p.257)
Klein entende que, por intermédio da análise e do contato com as fantasias
inconscientes do menino, ela teve acesso ao seu processo de formação de
símbolos. Desse modo, pôde perceber que ele era calcado na ansiedade que,
diminuída depois das interpretações analíticas, fazia com que o menino se voltasse
“para novos objetos” e “novas relações afetivas” (Klein, 1930, p.259).
Klein publicou, em 1932, sua importante obra A Psicanálise de Crianças.
Nela, a autora faz uso do conceito de Édipo, durante suas explanações sobre casos
clínicos, da forma como ele havia sido proposto em 1928. De fato, o capítulo
intitulado Estágios iniciais do conflito edipiano e da formação do superego trata de
uma reafirmação desses conceitos, porém, com algumas colocações que merecem
destaque.
Klein continua propondo que o complexo de Édipo é desencadeado pelas
frustrações orais ocorridas com o desmame. Ela afirma que o superego começa a se
formar ao mesmo tempo e que “os estágios iniciais do conflito edípico e da formação
do superego se estendem, grosseiramente, da metade do primeiro ano até o terceiro
ano de vida da criança” (Klein, 1932, p.145). A frustração oral também é tida como
responsável por desencadear, na criança, “um conhecimento inconsciente de que os
pais desfrutam prazeres sexuais mútuos e uma crença inicial de que eles são do tipo
oral” (Klein, 1932, p.152).
A criança reage ao sentimento advindo dessa fantasia, através do ódio e
inveja dos pais e da busca por esvaziar e sugar os líquidos presentes nos órgãos
dos pais, compartilhados durante a cópula. Klein explica:
A inveja oral é uma das forças motivacionais que fazem as crianças
de ambos os sexos quererem se forçar para dentro do corpo da mãe
e que despertam o desejo de conhecimento aliado a isso. (Klein,
1932, p.152)
Também continua considerando que o sadismo oral é crescente e “atinge
seu auge durante e após os desmame” (Klein, 1932, p.149). A criança dirige seu
sadismo, primeiramente, contra o seio da mãe, que a frustra. Rapidamente, porém,
tem suas tendências agressivas deslocadas para o corpo da mãe, sendo “o desejo
51
predominante ... despojar o corpo da mãe de seus conteúdos e destruí-lo” (Klein,
1932, p.150).
Esse fato coloca o início do Édipo no momento em que as tendências
sádicas atingem seu ponto máximo. Também abre espaço para a consideração de
que “os impulsos de ódio iniciam o conflito edipiano e a formação do superego e ...
governam os estágios mais arcaicos e mais decisivos de ambos” (Klein, 1932,
p.156). Ao fazer essa afirmação, Klein entende que está baseada no pressuposto
freudiano de que o ódio, no desenvolvimento humano, precede o amor, porque é
fruto do repúdio do ego narcísico pelo mundo externo.
A ideia de que o início do complexo se dá quando os impulsos pré-genitais
estão em predomínio é, como se vê, mantida. Ainda assim, Klein considera que a
criança começa, nesse estágio, a vivenciar desejos genitais pelo pai do sexo
oposto e rivalizar com o pai do mesmo sexo o que, acima de tudo, cria uma situação
de conflito entre amor e ódio pelo último. Ela acredita que esse conflito fica de certa
forma encoberto porque a criança pequena, nessa fase de seu desenvolvimento,
não consegue expressar com exatidão seus sentimentos na relação com os objetos.
Uma forma de fazer isso é dirigir sua ansiedade para os objetos da fantasia,
especialmente aqueles internalizados a partir da relação com os objetos reais - pai,
mãe (Klein, 1932).
No tocante à formação do superego, Klein faz colocações importantes, ao
comparar suas ideias com os escritos de Freud, que, como visto, considera o
superego como produto final do complexo de Édipo e de sua dissolução. Ela marca
posição diferenciada, mas novamente sem declarar-se como opositora das ideias de
Freud:
Segundo minhas observações, a formação do superego é um
processo mais simples e mais direto. O conflito edipiano e o superego
iniciam-se sob a supremacia dos impulsos pré-genitais, e os objetos
que foram introjetados na fase sádico-oral as primeiras catexias de
objetos e identificações formam os primórdios do superego. Além
disso, o que inicia a formação do superego e governa os seus
estágios mais remotos são os impulsos destrutivos e a ansiedade por
eles despertada. (Klein, 1932, p.157)
A autora tenta demonstrar, através de declarações de Freud, que suas
ideias sobre a importância dos impulsos do indivíduo como parte da origem do
52
superego e sobre o conteúdo deste não ser idêntico aos objetos reais estão de
acordo com o pensamento freudiano. Ela também busca apoio em Freud, assim
como em Abraham, para dizer que a defesa de que o indivíduo lança mão nesse
estágio arcaico não pode ser a repressão, visto que ela é ligada a uma etapa mais
madura e organizada, em nível genital. Ao contrário, a defesa empregada pelo ego,
nesse momento, é de tipo mais primitivo, ligada aos mecanismos de projeção e
introjeção, os quais, para Klein estão intimamente relacionados ao superego: como
defesa contra o temor do superego, “o ego expele seus objetos internalizados e ao
mesmo tempo projeta-os no mundo externo” (Klein, 1932, p.161).
Klein também expõe, no referido trabalho, sua crença de que a diferença
entre psicose, neurose e saúde relaciona-se apenas a pontos de fixação diferentes e
maior ou menor grau de ansiedade
24
. Em suas palavras:
Meu próprio trabalho psicanalítico com crianças não apenas me
confirmou que os pontos de fixação para as psicoses encontram-se
nos estágios de desenvolvimento que precedem o segundo nível
anal
25
, como também me convenceu de que esses pontos de fixação
se aplicam da mesma maneira às crianças neuróticas às normais,
embora em menor grau. (Klein, 1932, p.162)
Outro aspecto que a autora ressalta é a necessidade de revisão das teorias
sobre as relações de objeto, uma vez que o superego se forma em “estágio tão
arcaico do desenvolvimento do ego, que ainda está tão afastado da realidade
[quando] a imagem de seus objetos é distorcida pelos impulsos sádicos do próprio
indivíduo” (Klein, 1932, p.163).
Klein está convicta de que esse fato confere importância fundamental à
formação do superego nas relações do indivíduo com o mundo, diferente do que se
pensava na psicanálise até aquele momento. Considera que “o medo que a criança
tem de seus objetos introjetados cria uma premência para que ela projete esse
medo no mundo externo” (Klein, 1932, p.167), e isso põe em funcionamento os
mecanismos de projeção e introjeção. Ela crê que esse mecanismo permite à
criança equacionar seus objetos internalizados com os externos, o que possibilita a
24
Klein entende que essa ideia é compartilhada no meio psicanalítico em geral.
25
Klein parte do pressuposto de que existem dois momentos distintos na fase anal e de que a linha
divisória entre elas é também a marca da distinção entre neurose e psicose. C.f. Klein, 1932, p.175.
53
distribuição do medo do objeto externo “por um grande número de objetos,
equacionando-os com outros” (idem). A relação com esses muitos objetos, que tem
base na ansiedade, é tida por Klein como um avanço no caminho das relações de
objeto e da adaptação do indivíduo à realidade.
Na obra de 1932, Klein mais uma vez expõe seus pensamentos sobre o
conflito edipiano na menina e no menino, procurando esboçar diferenças com
relação à teoria de Freud. Ela, contudo, toma o cuidado de estabelecer
aproximações entre as teorias, como quando explica que, para ela, o Édipo na
menina não está ligado ao complexo de castração e ao ressentimento pela mãe, por
não ter lhe dado um pênis, como enuncia Freud. Klein acredita que a frustração por
não ter mais o seio nutridor, aliada ao fato de a mãe ser tão malvada por não lhe
permitir ter o pênis do pai como objeto de satisfação, é o verdadeiro desencadeador
do complexo na menina. Ainda assim, ela diz não ver grande distanciamento entre
essas ideias, que os dois concordam com o fato de que “a menina quer um pênis
e que ela odeia a mãe por não ter lhe dado um” (Klein, 1932, pp.214-215).
De acordo com Klein, os próprios impulsos orais da menina, extremamente
exigentes, fazem surgir a fantasia de que o pênis é o órgão capaz de oferecer a
gratificação total que o seio não conseguiu. Esses desejos são intensificados pela
fantasia de que a “mãe incorporou o pênis do pai” (Klein, 1932, p.216) e pela inveja
da e, decorrente dessa fantasia. Entretanto, o pênis do pai também é
internalizado como objeto mau a ser temido
26
, por conta das próprias fantasias
sádicas dirigidas contra o pênis, relacionadas ao ódio por ele ser da mãe.
No entanto, a ligação com a figura da mãe como alguém que ajuda, que
cuida, é muito forte na menina. Isso ocorre devido à fantasia de que “a mãe é a
possuidora do seio nutridor, do pênis do pai e das crianças e, assim, tem o poder de
satisfazer todas as suas necessidades” (Klein, 1932, p.225).
Para superar a ansiedade e se proteger dos objetos maus, a menina se volta
para a mãe em busca desses conteúdos bons. Posteriormente, isso faz emergir
grande sentimento de culpa, por ter querido se “apossar dos conteúdos ‘bons’ do
corpo da mãe” (Klein, 1932, p.226) para proteger-se, bem como por ter deixado a
mãe exposta a seus conteúdos maus.
26
Nessa fase de relações parciais, o pênis do pai é tomado como o pai ele mesmo.
54
A ansiedade gerada pelo medo do pênis como objeto mau dificulta a volta da
menina ao pai como objeto amoroso. Por isso, Klein considera que, depois de
passada a fase lica, a menina ainda tem que lidar com uma fase “pós-fálica, na
qual ela faz sua escolha entre reter a posição feminina
27
ou abandoná-la” (Klein,
1932, p.234).
No que diz respeito ao desenvolvimento do menino, Klein reafirma a
existência, para ele, de uma fase feminina. O menino tem aí uma “fixação oral de
sugar o pênis do pai” (Klein, 1932, p.258) como acontece na menina. Esta seria a
base da homossexualidade masculina. Nessa fase, é predominante o desejo de
querer tomar da mãe, à força, o pênis do pai, que em sua fantasia está dentro do
corpo dela; ao fazer isso, quer machucá-la. Esse desejo faz surgir um medo enorme
de retaliação e temor pela figura da mãe. Mesmo assim, os impulsos genitais da
criança o direcionam à mãe como objeto de desejo. Seus impulsos dicos são,
então, direcionados à destruição do pênis do pai, alojado dentro da mãe, o que faz o
menino deixar a posição feminina e fortalecer sua posição heterossexual.
Klein tem em conta que, para meninos e meninas, o medo e a ansiedade
muito excessivos impedem o avanço no caminho do desenvolvimento. Isso
desemboca na homossexualidade, pois a criança fica impossibilitada de se
identificar com o progenitor do mesmo sexo e buscar o progenitor do sexo oposto
como objeto amoroso. O caminho natural seria a diminuição das fantasias sobre o
pênis do pai dentro do corpo da mãe, principalmente devido à força da imago da
mãe boa e o deslocamento do ódio do pênis na mãe para o objeto real ou para
outros objetos (como no caso de fobias de animais). A mãe pode ser, dessa forma,
tomada como principal objeto libidinal. Tudo isso é possível se o menino
conseguir superar a fase da feminilidade (Klein, 1932).
O ato sexual é tido, para meninos e meninas, como a principal forma de
dominar a ansiedade. Em estágios iniciais, ele assume a condição de possibilidade
de destruição dos objetos (pênis, corpo da mãe); e em estágios posteriores do Édipo
é tido como meio de reparação e restauração dos objetos (Klein, 1932).
Em O desenvolvimento inicial da consciência na criança, de 1933, Klein
demonstra mais uma vez acatar a teoria de Freud sobre a formação do superego
27
No sentido de atingir o nível genital, passivo e maternal.
55
como decorrente da relação da criança com seus pais, na dinâmica edípica. Ela
afirma, porém, que suas descobertas oferecem contribuições e ampliações a esse
pensamento, caso da constatação da presença da ação superegoica em crianças
muito pequenas. O enorme medo e ansiedade da criança em relação à figura
extremamente assustadora dos pais, “afastada da realidade”, é fruto dos “impulsos
de agressão reprimidos” (Klein, 1933, p.287).
Nesse artigo, faz uma afirmação inovadora: “A formação do superego se
inicia ao mesmo tempo em que a criança faz sua primeira introjeção oral dos
objetos” (Klein, 1933, p.289). Segundo a nota explicativa dos editores do texto de
Klein, essa afirmação claramente posiciona o início do superego antes do início do
Édipo. Contudo, a preocupação de Klein ainda era a de ser considerada uma
continuadora de Freud, o que a faz escrever, contraditoriamente, em nota de rodapé
relacionada à sua afirmação, que essa ideia continua “baseada na convicção de que
as tendências edipianas da criança também têm seu início mais cedo do que se
pensava” (Klein, 1933, p.289).
A autora também afirma, neste trabalho, que a base do superego está ligada
à pulsão de morte do indivíduo. De acordo com sua compreensão, numa tentativa de
se proteger da destruição de sua própria pulsão de morte, a libido narcísica do
indivíduo entra em ação e projeta a pulsão de morte para fora (em direção aos
objetos). No entanto, essa ação é apenas parcialmente satisfatória, visto que tal
desvio da pulsão de morte não a elimina completamente do psiquismo. Portanto,
para defender-se de seu conteúdo restante, ocorre uma cisão no Id, e assim “uma
parte dos impulsos pulsionais é dirigida contra a outra” (Klein, 1933, pp.287-288),
caracterizando o início do conflito psíquico.
Em 1935, no artigo Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-
depressivos, Klein apresenta sua teoria das posições, que reformularia todo seu
pensamento até então. Ela apresenta a ideia de que por volta dos quatro ou cinco
meses de vida, período que considera o início do conflito edipiano, as relações de
objeto do bebê mudam de parciais para totais, com o advento da posição depressiva
no desenvolvimento. Isso significa que o objeto odiado por impedir a gratificação
total é percebido como sendo o mesmo objeto que é amado, o qual cuida e nutre.
Disso decorre uma identificação com o objeto e uma mudança no caráter das
ansiedades, antes paranoides, de perseguição contra o ego, tornando-se, então,
56
ansiedades relacionadas à perda do objeto bom e amado, tendo como consequência
a emersão da culpa e a busca por reparação dos danos causados a esse objeto.
Em Amor, culpa e reparação, de 1937, é possível encontrar de forma
resumida os caminhos do conflito edipiano para meninas e meninos, mas, tendo
Klein apresentado sua teoria das posições esquizo-paranoide e depressiva em 1935,
ela destaca, em 1937, a importância da relação entre amor e ódio para o
desenvolvimento psíquico. Salienta, ainda, a importância da relação entre os
impulsos destrutivos e os de reparação dos objetos danificados. Klein descreve o
amor da vida adulta como forma de conquista das gratificações da infância, quando
da primeira relação com a mãe. Na direção oposta, dificuldades nesse primeiro
estágio da vida poderiam, segundo a autora, angariar problemas de relacionamento
com o parceiro na vida adulta, que as fantasias arcaicas de destruição do objeto
ainda são presentes (Klein, 1937).
Nesse mesmo caminho, a paternidade, a maternidade e a própria escolha do
parceiro, na vida adulta, são diretamente influenciadas pela “ligação inicial com a
mãe” (Klein, 1937, p.364) e pela dinâmica de amor e ódio, de destruição e reparação
presentes nessa etapa da vida e estendidas por toda a vida adulta. Ela também
estabelece relação direta entre o sentimento de culpa e a criatividade, sendo o
primeiro o impulsionador da segunda, uma vez que a culpa relacionada ao amor faz
surgir a necessidade de formas variadas de reparação dos objetos destruídos (Klein,
1937).
Em artigo de 1940, O luto e suas relações com os estados maníaco-
depressivos, Klein termina sua exposição sobre a teoria da posição depressiva,
iniciada em 1935. No texto de 1940, Klein relaciona os medos do conflito edipiano ao
medo da perda do objeto bom:
De acordo com minha experiência, a preocupação e o pesar em torno
da perda tão temida dos objetos “bons” ou seja, a posição
depressiva – é a fonte mais profunda dos dolorosos conflitos que
ocorrem na situação edipiana, assim como na relação da criança com
as pessoas em geral. (Klein, 1940, p.388)
Ela acrescenta que as sensações de prazer que o bebê tem com relação
aos cuidados da mãe levam-no a sentir que o objeto bom, de amor, não está
destruído e não foi transformado em pessoa vingativa. A autora comenta: “O
57
aumento de amor e confiança, acompanhado pela redução do medo através de
experiências felizes, ajuda o bebê a vencer gradualmente sua depressão e
sentimento de perda (luto)” (Klein, 1940, p.389).
Finalmente, em 1945, Klein faz sua última grande explanação sobre o
complexo de Édipo no artigo O complexo de Édipo à luz das ansiedades arcaicas.
Klein precisou reapresentar o complexo de Édipo
28
, levando em conta as duas
grandes reformulações em sua teoria, desde o texto de 1928: a proposição de que o
funcionamento mental baseia-se na interação entre amor e ódio, e a teoria das
posições esquizo-paranoide e depressiva, sendo a última o eixo do desenvolvimento
normal do primeiro ano de vida da criança.
A autora mantém a ideia básica do texto de 1928, sobre o Édipo ter início
desde os primórdios da vida, em estágios pré-genitais, e sobre a culpa não ser um
resultado dessa equação, mas estar presente nesse processo desde o início.
Contudo, ela de forma diferente o início do complexo de Édipo e a causa de seu
declínio.
Klein relaciona diretamente o complexo de Édipo à posição depressiva e
propõe que o caminho natural da ansiedade, culpa e sentimentos depressivos é a
necessidade de reparação dos objetos. O sadismo é encarado como decrescente no
processo, em virtude de os impulsos amorosos se fortalecerem:
... o núcleo dos sentimentos depressivos infantis, i.e., o medo que a
criança tem de perder seus objetos amados como consequência de
seu ódio e agressividade, participa das suas relações de objeto e de
seu complexo de Édipo desde o início.... Dominado pela culpa, o
bebê é levado a anular o efeito de seus impulsos sádicos através de
meios libidinais. Desse modo, sentimentos amorosos, que convivem
com impulsos agressivos, são reforçados pela pulsão de reparação....
O bebê sente que desse modo o objeto ferido poderá ser restaurado,
e que o poder de seus impulsos agressivos diminui, seus impulsos
amorosos se libertam e a culpa se reduz. (Klein, 1945, pp.454-455)
Klein vale-se de dois casos clínicos, o menino Richard e a menina Rita, para
analisar ansiedades arcaicas das duas crianças, bem como a “presença de fortes
impulsos sádico-orais, um excesso de culpa ..., e uma baixa capacidade do ego de
28
C.f. nota explicativa da Comissão Editorial Inglesa, em Klein, 1945.
58
tolerar tensões de qualquer tipo” (Klein, 1945, p.451). Em sua visão, esses fatores
dificultavam o desenvolvimento genital e a elaboração de defesas adequadas contra
a ansiedade. O complexo de Édipo pode “se desenvolver normalmente” (Klein,
1945, p.451) caso as ansiedades arcaicas sejam reduzidas.
O ódio não é mais encarado como o fator que dispara o conflito edípico. A
proposição é de que, quando a ansiedade persecutória diminui, os sentimentos
amorosos passam a ocupar o primeiro plano. A relação com o seio, primeira relação
da criança, ruma para a “busca de novas fontes de gratificação” (Klein, 1945, p.452)
pelo avanço natural da libido e pela frustração sentida com o desmame. A frustração
pelo afastamento do seio assume um papel secundário; o amor passa a ser tido
como a mola propulsora na busca de novos objetos.
Para ilustrar essa concepção, a autora retoma suas ideias sobre o
desenvolvimento do complexo de Édipo, similar, no início, para meninos e meninas.
Pelo caminho natural do desenvolvimento da libido, a criança se impelida a lidar
com a frustração e com sua agressividade e a buscar novas fontes de gratificação;
isso conduz a “uma idealização do seio bom e da mãe boa, intensificando ao mesmo
tempo o ódio e o medo do seio mau e da mãe má” (Klein, 1945, p.453). O pênis do
pai, objeto para o qual é deslocado o interesse e busca por satisfação da criança,
também é revestido dos mesmos sentimentos conflitantes vividos em relação ao
seio. A frustração, combinada à agressividade, faz surgir fantasias de objetos
danificados e retaliadores, sentimentos de ser ameaçado e medo da destruição.
Klein esclarece:
Como conseqüência [sic], o bebê sente uma necessidade crescente
de ter um objeto que possa amar e pelo qual possa ser amado um
objeto perfeito, ideal – a fim de satisfazer sua ânsia de auxílio e
segurança. Cada objeto, portanto, pode se tornar às vezes bom e às
vezes mau. Esse movimento de ida e volta entre os vários aspectos
das imagos primárias implica uma íntima interação entre os estágios
iniciais do complexo de Édipo invertido e positivo. (Klein, 1945, p.453)
Nesse trabalho de 1945, Klein enfatiza com mais clareza suas divergências
com relação à teoria de Freud sobre o Édipo. Todavia, a autora enfatiza que suas
descobertas clínicas a levaram à constatação, por exemplo, de que o superego
“passa a existir durante a fase oral” (Klein, 1945, p.461) e é formado, inicialmente,
59
pelas primeiras introjeções das “imagos do seio da mãe e do pênis do pai” (Klein,
1945, p.453).
A autora ainda afirma que existe um “conhecimento inconsciente da
existência do pênis e da vagina inerente a ambos os sexos” (Klein, 1945, p.454), que
impulsos genitais se fundem aos impulsos orais no início do desenvolvimento, e que
o sentimento de culpa existe desde o início, “oriundos dos desejos sádico-orais de
devorar a mãe” (Klein, 1945, p.461). Quanto a esta última, a autora ressalta: “A
culpa não aparece apenas quando o complexo de Édipo chega ao fim; ela é um dos
fatores que, desde o início, moldam seu desenvolvimento e afetam seu resultado”
(Klein, 1945, pp.461-462).
Quanto ao desenvolvimento masculino, Klein acredita que o surgimento do
medo de castração também se no início da infância, logo que aparecem as
primeiras sensações genitais. Nesse ponto, mais uma vez se percebe Klein
separando-se de Freud:
À medida que o desenvolvimento vai se aproximando da primazia
genital, mais o medo da castração passa a ocupar o primeiro plano.
Assim, enquanto eu concordo plenamente com Freud quando ele
afirma que o medo da castração é a principal situação de ansiedade
no homem, não posso concordar com o postulado de que ele é o
único fator que determina a repressão do complexo de Édipo. (Klein,
1945, p.462)
A psicanalista explica que ansiedades arcaicas atuam desde o início e fazem
o medo de castração atingir a importância que tem no auge do complexo de Édipo.
Da mesma forma, o declínio do complexo sofre modificações na concepção de Klein.
Anteriormente tido como fruto do sentimento de culpa da criança, o complexo passa,
no referido texto, a ser relacionado também às emoções positivas, ao amor pelos
pais e ao desejo de preservá-los:
... o menino sente pesar pelo pai enquanto objeto amado, por causa
de seus impulsos por castrá-lo e assassiná-lo. Em seus aspectos
positivos, o pai é fonte indispensável de força, um amigo e um ideal,
no qual o menino procura proteção e orientação e que, portanto,
sente-se impelido a preservar. (Klein, 1945, p.462)
Klein considera que Freud havia comentado sobre a presença de
sentimentos de amor do menino em relação ao pai, no cenário edípico positivo. No
60
entanto, ela considera que ele “não deu a importância necessária ao papel crucial
desses sentimentos amorosos, não só no desenvolvimento do conflito edipiano,
como na sua superação” (idem). Para a autora:
... a situação edipiana perde a força não só porque o menino teme a
destruição de seu órgão genital pelo pai vingativo, mas também
porque é impelido por sentimentos de amor e culpa a preservar o pai
como figura interna e externa. (Klein, 1945, pp.462-463)
No caso da menina, Klein acredita haver na primeira ligação exclusiva
com a mãe, descoberta por Freud, desejos voltados para o pai, os quais se
intercalam na mente da menina. Ela concorda com a ideia de que a inveja do pênis e
o complexo de castração exercem peso importante nesse desenvolvimento, mas
discorda de Freud no que tange à importância dada por ele à fantasia da menina
sobre a mãe possuir, ela mesma, um pênis. A autora sugere que faz mais sentindo a
noção de a criança desenvolver uma “teoria inconsciente de que a mãe contém
dentro de si o pênis admirado e desejado do pai” (Klein, 1945, p.463).
Klein crê também que o medo de ter “o corpo atacado e seus objetos
amados internos destruídos” (idem) pela mãe exerce influência fundamental na
menina, mais do que o medo pela morte da mãe ou perda de seu amor, postulados
por Freud. Ela considera, em síntese, que o desejo pelo pênis é base dos primórdios
do complexo de Édipo positivo na menina desejo passivo de receber o pênis
dentro da vagina e do complexo de Édipo invertido do menino expectativa de
que o pai possua um substituto para o seio.
Em 1948, no artigo Sobre a Teoria da Ansiedade e da Culpa, é possível
encontrar novas discordâncias de Klein a respeito do ponto de vista de Freud sobre
o surgimento do sentimento de culpa, posicionado por ele no final do complexo de
Édipo. Ela apresenta a tese de que a culpa é vivenciada antes mesmo do início da
posição depressiva, “na relação mais arcaica do bebê, ou seja, com o seio materno”
(Klein, 1948, p.55), relação esta ainda parcial. Entretanto, novamente, entende a
concepção como próxima das ideias de Freud, porque ele havia considerado, em
O mal-estar na civilização, a possibilidade do surgimento de culpa “num estágio de
vida muito anterior” (Klein, 1948, p.47).
A autora considera que a culpa, a ansiedade depressiva (proveniente da
posição depressiva) e a necessidade de reparação são frequentemente vivenciadas
61
de maneira simultânea, mas isso pode ocorrer quando os “sentimentos de amor
pelo objeto predominam sobre os impulsos destrutivos” (Klein, 1948, p.57).
No texto de 1952, As origens da Transferência, Klein vincula de novo o
surgimento do complexo de Édipo ao início da posição depressiva, visto que “a
ansiedade e a culpa acrescentam um poderoso impulso em direção ao complexo”
(Klein, 1952a, p.73). Isso faz surgir na criança a necessidade de lançar mão de
mecanismos, como a projeção das figuras más e a introjeção de figuras boas. O
aparecimento de desejos genitais, a crescente integração do ego, as habilidades
físicas e mentais e a adaptação progressiva ao mundo externo são aspectos que
Klein entende como pertinentes a essa etapa. O texto mencionado também reafirma
a ideia de Klein acerca do superego como instância psíquica formada desde a mais
tenra infância, a partir dos processos de projeção e introjeção (Klein, 1952a).
Ainda em 1952, Klein publica o trabalho Algumas conclusões teóricas
relativas à vida emocional do bebê, no qual, entre outras considerações, enfatiza a
existência de relações de objeto na vida da criança desde muito cedo. O seio é o
primeiro objeto com que o indivíduo se relaciona - de início parcialmente e depois de
forma total. Ela retoma a ideia de integração dos objetos como resultado da posição
depressiva, pois o medo de perder o amor da mãe, que é seu primeiro objeto
amado, tanto para meninos como para meninas, gera ansiedade e a busca por
outros objetos. O pai aparece como o primeiro substituto. Klein vê, nesse processo
de substituição do objeto, próprio dos estágios iniciais do complexo de Édipo, fator
positivo para a criança, que “estimula relações de objeto assim como diminui a
intensidade dos sentimentos depressivos” (Klein, 1952b, p.104).
O advento do Édipo representa, segundo Klein, um “alívio às ansiedades da
criança e ajudam-na a superar a posição depressiva” (Klein, 1952b, p.104). Além
disso, mediante os novos conflitos vivenciados pela cena edípica em relação aos
pais como pessoas separadas, ora amadas, ora odiadas, o complexo viabiliza “o
processo de modificação da ansiedade, que se estende além da primeira infância
aos primeiros anos da criança” (idem).
De acordo com a autora, as mudanças na estrutura do superego, contínuas
e ligadas ao processo edípico, “contribuem para o declínio do complexo de Édipo no
início do período de latência” (Klein, 1952b, p.111). Isso significa dizer que o ego
tornou-se capaz de fazer adaptações e organizações da libido as quais o permitem
62
fazer modificações nas ansiedades persecutórias e depressivas ligadas aos pais,
reduzindo o pavor dessas figuras e aumentando a segurança interna da criança.
No trabalho Inveja e Gratidão, de 1957, tido com um dos principais de seu
legado, Klein continua relacionando a posição depressiva ao Édipo, dessa vez
dando ênfase ao componente da inveja no processo. Klein enfatiza que sua posição
agora é a de que “todo o desenvolvimento do complexo de Édipo é fortemente
influenciado pela intensidade da inveja, a qual determina a força da figura dos pais
combinados” (Klein, 1957, p.229). Nesse sentido, a fantasia da mãe contendo o
pênis do pai e do pai dentro do corpo da mãe, um gratificando o outro totalmente,
em todo momento, precisa dar lugar à condição de percepção dessas figuras como
separadas e à capacidade de estabelecimento de relações positivas com os dois.
Contudo, esse desenvolvimento se faz possível caso a inveja e o “ciúme
edipiano”
29
(idem) não sejam excessivos.
Klein afirma que, para o complexo de Édipo ser vivido de forma tolerável e
ser superado, é preciso que a inveja do objeto originário, o seio nutridor da mãe, não
seja extrema. Se for excessiva a inveja, a criança não consegue elaborar a posição
depressiva, não atinge o ponto em que percebe não poder ter a mãe para si, ao
mesmo tempo em que consegue sentir amor pelos seus rivais. Para a autora, a
possibilidade de encontrar novos objetos de amor, como o pai ou irmãos,
proporciona a diminuição dos ressentimentos e ódio próprios desse estágio.
Entretanto, o desenvolvimento do complexo fica dificultado se os processos
paranoides e esquizoides da criança forem muito fortes porque, nesse caso, a inveja
não sofre a necessária diminuição. Klein elucida mais a respeito:
Se a inveja não é excessiva, o ciúme na situação edipiana torna-se
um meio de elaborá-la. Quando o ciúme é elaborado, os sentimentos
hostis são dirigidos o tanto para o objeto originário, mas
principalmente contra os rivais - pai ou irmãos -, o que introduz um
elemento de distribuição. Ao mesmo tempo, quando essas relações
29
Klein usa o conceito de ciúme para descrever a impossibilidade de se ter a pessoa amada pela
ação de outrem. A inveja, por outro lado, é caracterizada como o sentimento de raiva por outra
pessoa possuir o que se quer possuir e, ao mesmo tempo, ter impulsos de destruição e privação
dessa pessoa daquilo que é o que se quer ter. A inveja, portanto, pressupõe uma relação entre duas
pessoas, enquanto que o ciúme, mesmo que possua algum componente da inveja, envolve pelo
menos uma terceira pessoa na cena.
63
se desenvolvem, dão origem a sentimentos de amor e tornam-se uma
nova fonte de gratificação. (Klein, 1957, p.230)
Certamente, tais desenvolvimentos guardam particularidades nos dois
sexos. Para o menino, “uma boa parte do ódio é defletida para o pai que é invejado
por ter a mãe” (Klein, 1957, p.230), sendo esse o típico ciúme edípico. Já na menina,
“os desejos genitais pelo pai capacitam-na a encontrar um novo objeto de amor”
(idem). Dessa forma, o ciúme suplanta a inveja e a mãe assume o lugar de principal
rival.
No ano seguinte, em Sobre o desenvolvimento do funcionamento mental,
Klein declarou-se, por fim, completamente contrária a Freud sobre o período de
início do Édipo e do superego. Conforme ela declarou, o início do superego se
junto ao início dos processos de introjeção, que ocorrem desde o nascimento. Em
suas palavras:
O superego antecede de alguns meses o início do complexo de
Édipo, início que eu situo no segundo trimestre do primeiro ano de
vida, junto com o começo da posição depressiva. Portanto, as
primeiras introjeções do seio bom e do seio mau formam o alicerce do
superego e influenciam o desenvolvimento do complexo de Édipo.
Essa concepção da formação do superego contrasta com as
afirmações explícitas de Freud de que as identificações com os pais
são os herdeiros do complexo de Édipo e têm êxito se o complexo
de Édipo for superado com sucesso. (Klein, 1958, p.273)
Dois anos depois, em 1960, a vida de Melanie Klein chegou ao fim. É
verdade que alguns de seus trabalhos foram publicados postumamente
30
, mas suas
colocações principais sobre a teoria do complexo de Édipo estão expressas na obra
publicada por ela ainda em vida, e apresentada no decorrer deste capítulo.
30
A saber: Narrative of a Child Analysis,1961; Our Adult World,1963a; Some Reflections on the
Oresteia,1963b; On the Sense of Loneliness,1963c.
64
____________________Capítulo 2
65
2. Winnicott e o complexo de Édipo
2.1 Aspectos gerais
Enquanto Klein construía seu pensamento e apresentava suas ideias por
meio da Sociedade Britânica de Psicanálise, depois de sua chegada a Londres em
1926, outros autores começavam a desenvolver trabalhos próprios e a delinear
novos caminhos para o pensamento psicanalítico no s-guerra. O principal foco de
interesse dos demais pesquisadores estava nos acontecimentos da vida precoce do
indivíduo, visando também a sua relação com as pessoas do mundo externo
(Philips, 1988).
Dentre eles, está a figura proeminente de Donald Woods Winnicott, pediatra
e psicanalista inglês que, inegavelmente, teve o início de seu trabalho na psicanálise
marcado por seu contato com Melanie Klein.
Ernest Jones, figura admirada por Winnicott, apresentou-lhe aquele que se
tornaria seu primeiro analista, James Strachey, no ano de 1923, o qual lhe falaria
pela primeira vez sobre Melanie Klein (Winnicott, 1965va). À época do início de sua
análise, Winnicott era um pediatra com grande interesse pelos problemas que
acometiam as crianças e até mesmo os bebês. Iniciou, assim, seus estudos
psicanalíticos, mas divergia da hegemonia conferida ao complexo de Édipo para a
compreensão de todo e qualquer caso. Começou a perceber que, na teoria
psicanalítica, havia “certa deficiência” e que algumas “dificuldades começam antes”
(Winnicott, 1965va, p.157) da fase do complexo de Édipo.
Devido a seu interesse, que alimentava seus estudos e seu trabalho com
mães e bebês, Winnicott foi recomendado por Strachey a procurar Melanie Klein,
pois eladesenvolvia, a essa altura, trabalhos referentes a fases mais primitivas da
vida da criança. Quando Winnicott conheceu esse trabalho, sentiu que deixava de
ser um “pioneiro”, passando a ser apenas “um estudante com uma mestra pioneira”
(Winnicott, 1965va, p.158). A partir disso, seguiu-se um período de grande
colaboração entre os dois, em que Winnicott tornou-se também supervisionando de
66
Klein, entre os anos de 1935 e 1940, chegando até mesmo a ser analista de um de
seus filhos, Eric, entre 1935 e 1939
31
.
Embora Winnicott tenha, por vezes, destacado a importância de diversos
aspectos da teoria que Klein desenvolvera, caso do conceito da posição
depressiva
32
, por muitas outras vezes ele também teceu críticas a várias de suas
ideias, principalmente ao uso do conflito edípico para a compreensão de etapas
primitivas da vida, nas quais, para Winnicott, não cabia o conceito de Édipo
33
. O
autor criticou, ainda, o posicionamento de Klein frente a seus seguidores, visto que o
considerava propagador de dogmatismo acerca da teoria kleiniana (Winnicott,
1987b).
Apesar de o lugar de Winnicott ter sido reconhecido na SBP como o Middle
Group, reunião de psicanalistas cujo foco era a análise da criança (mas que não
concordavam inteiramente com Klein nem com sua opositora Anna Freud) a
produção de Winnicott, segundo Philips (1988), não pode ser entendida sem
referências a Klein.
O pensamento kleiniano influenciou o trabalho de Winnicott – sobre isso não
dúvidas. Todavia, o caráter e profundidade dessa influência são pontos de
divergência entre seus comentadores até hoje, como apresentado na introdução
deste trabalho. Alguns comentadores, como Abram (1996), Loparic (1997b) e Dias
(2003), asseveram que somente a partir da morte de Klein, em 1960, Winnicott
conseguiu expressar suas ideias originais e de afastamento em relação aos
preceitos kleinianos mais livremente. Philips (1988), por exemplo, descreve o
movimento de Winnicott em relação à produção de Klein como de recusa e crítica,
mas também como algo equivalente a uma gravitação natural em torno dela. Na
31
Winnicott aceita o filho de Klein em análise, mas recusa levar o caso para ser supervisionado pela
própria, conforma ela pretendia. (Loparic, 1997b)
32
As considerações de Winnicott sobre a posição depressiva de Klein são abordadas no decorrer
desse capítulo.
33
É necessário ressaltar que outro ponto de extrema importância para a divergência de ideias entre
os dois autores, além dos conceitos que envolvem a concepção de um bebê já maduro e relacional, é
o grande peso que Winnicott confere ao ambiente no desenvolvimento emocional, aspecto que, para
ele, Klein deixa de examinar. Cf. Winnicott, 1965va, p.161.
67
visão de Loparic (1997b), essa forma, por vezes, pouco clara ou passiva de
Winnicott se colocar perante a teoria vigente fez muitos desconsiderarem suas
contribuições originais à psicanálise.
Seja isso expressão de questões políticas, tentativa de ser aceito pelo grupo
de psicanalistas ou necessidade de conseguir o reconhecimento de Klein sobre suas
descobertas acerca da vida primitiva, é fato que, por mais de quarenta anos,
Winnicott dedicou-se ao estudo do desenvolvimento humano e do amadurecimento
emocional.
Encarava-o como uma progressão a qual parte de um estado primeiro de
dependência absoluta, que envolve a adaptação suficientemente boa da mãe-
ambiente às necessidades de seu bebê; passa para um período de dependência
relativa, e ruma para a independência. Ressalta-se que, durante a dependência
relativa, a adaptação do ambiente começa a falhar gradualmente, na proporção do
que a criança consegue suportar e perceber em relação aos cuidados. É preciso
ressaltar, ainda, que a independência a que Winnicott se refere nunca é total, porém
mostra-se sinônimo de maturidade e saúde mental (Winnicott, 1965r).
O amadurecimento, para o autor, é possível devido à combinação de dois
fatores: a tendência inata à integração, a qual caracteriza o movimento natural do
ser humano rumo ao desenvolvimento saudável, e o ambiente facilitador ou provisão
ambiental, que não é responsável por produzir a saúde, mas por permitir que esse
seja o caminho (Winnicott, 1965vc).
Em cada uma dessas etapas, Winnicott afirma existir uma série de
aquisições esperando pelo bebê, se o ambiente continuar cumprindo seu papel
durante o processo. No primeiro momento, da dependência absoluta, o bebê ainda
não existe como pessoa integrada, podendo apenas ser considerado juntamente
com o ambiente que o sustenta. Nas palavras do autor:
Isso que chamam de bebê não existe.... se vocês me mostrarem um
bebê, mostrarão também, com certeza, alguém cuidando desse bebê,
ou ao menos um carrinho no qual estão grudados os olhos e ouvidos
de alguém. O que vemos, então, é a “dupla amamentante”. (Winnicott
1958d, p.165)
No momento inicial, há somente o mundo subjetivo, se for levada em conta a
situação a partir do lugar que ocupa a criança. Não nenhuma noção de objeto
68
externo ou realidade externa porque o bebê ainda é imaturo para isso. Por essa
razão, o objeto subjetivo, isto é, o que pertence ao mundo do bebê, não pode ser
chamado, como acontece na teoria de Klein, de objeto interno, haja vista que a
separação entre o que é dentro e o que é fora, no psiquismo da criança, ainda está
por vir (Winnicott, 1970b).
O bevivencia, nesse momento inicial, o que Winnicott chamou de ilusão
de onipotência, porque o ambiente que se adapta às necessidades do lactente
permite a este desenvolver a sensação de que ele cria o seio da mãe, ou seja, a
resposta para o que ele precisa. Tal processo não pode ser comparado a uma
alucinação do seio ou a uma capacidade intelectual do bebê de saber o que deve
ser criado
34
. Conforme o autor, o ambiente possibilita ao bebê a ilusão de que
“existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar”
(Winnicott, 1953c, p.27), e isto, repetidas vezes, propicia à criança a criação de um
si mesmo primário.
Em meio a essa situação, o Holding e o Handling (este propriamente voltado
ao manejo do corpo físico) oferecidos pela mãe viabilizam o início dos processos de
temporalização e espacialização (Winnicott, 1965n). Viabilizam também o
alojamento da psique no corpo, sendo que a psique tem início a partir da elaboração
imaginativa das funções ou experiências corporais
35
, isto é, a partir da ação de dar
sentido às vivências físicas (Winnicott, 1954a). Da parceria psicossomática, surge a
mente, um modo especial de funcionamento, ou ainda, uma função ligada ao
aspecto intelectual. A oposição corpo-mente difundida por Freud não encontra lugar
no pensamento de Winnicott. O conluio se dá, na verdade, entre os elementos
psique e soma
36
(Winnicott, 1988).
34
Veja considerações do autor a esse respeito em Winnicott, 1960c, p.47.
35
Loparic (2000) ressalta que a elaboração imaginativa das funções corporais, ou seja, a
possibilidade do indivíduo de dar sentido às suas experiências corpóreas, não pode ser comparada
às funções mentais de representação simbólica, pois é anterior a estas conquistas.
36
Para Winnicott, o soma diz respeito ao corpo, à morada do indivíduo, não somente em seu sentido
fisiológico, mas também no seu caráter de vitalidade. A psique é o conjunto dos elementos que não
são o soma; diz respeito, no início, ao ato de dar sentido às funções e
experiências do soma, e
posteriormente, abrange funções cada vez mais avançadas, incluindo as operações mentais.
(Winnicott, 1954a)
69
A partir dessas condições, a integração [formação do ego] se inicia.
Concomitantemente, a adaptação do ambiente (que está adaptado ao bebê)
decresce, porque a necessidade da criança gradualmente se relativiza. O bebê
vivencia, então, a desilusão, tida por Winnicott como a “principal tarefa da e”
(Winnicott, 1953c, p.28), depois de criar a oportunidade para a ilusão. Esse
momento marca o início das funções intelectuais. A criança começa a desenvolver
uma primeira noção de externalidade. Surge, em seguida, a área intermediária dos
fenômenos e objetos transicionais, caracterizada como auxílio no equilíbrio entre a
noção de realidade externa e interna. É nela que ocorre o primeiro movimento em
direção ao que é externo, através da primeira posse da criança, o objeto transicional,
que é ao mesmo tempo criado e encontrado; é, a um tempo, tanto fenômeno da
realidade subjetiva quanto da externa (Winnicott,1953c).
Na sequência, está o momento chamado por Winnicott de “uso do objeto”
(Winnicott,1969i), em que a tarefa consiste na separação entre o si mesmo e os
objetos, mediante a destruição do objeto subjetivo e o surgimento do objeto
objetivamente dado como externo (visto que o objeto sobreviveu aos ataques da
criança). Depois disso, dá-se a separação entre o si mesmo e o ambiente como um
todo [separação ‘eu’ / ‘não-eu’], (Winnicott, 1984h). Com isso, a criança que, no
início do percurso era incompadecida (ruthless), atinge a preocupação com os
objetos (concern), ocupando-se deles e assumindo, também, responsabilidade por
suas próprias ações. (Winnicott, 1963b)
É somente dessas conquistas em diante que, segundo Winnicott, a vida
instintual tal como descrita por Freud pode acontecer e o complexo de Édipo, por
sua vez, pode se desenvolver. Todo o processo integrativo anterior permite ao
indivíduo que integre também seus instintos como elementos advindos de seu
próprio eu. A partir daí, a sexualidade poderá fazer sentido tal como ela é, uma vez
que lugar para a fantasia
37
(erótica, de união), para o desejo pelo objeto, etc.
(Winnicott, 1988).
37
Para Winnicott, ter a capacidade de simbolização significa que a criança “já está claramente
distinguindo entre a fantasia e o fato, entre objetos internos e objetos externos (Winnicott, 1953c,
p.19).
70
Da complexidade desses conceitos derivam muitas leituras e pesquisas.
Este capítulo, no entanto, deixará intencionalmente tais conceitos em suspenso, por
extrapolarem os objetivos aqui pretendidos. Serão apenas destacadas as
colocações feitas por Winnicott, ao longo de seu trabalho, sobre o conceito de
complexo de Édipo, tomando por base os textos destacados de sua obra, no item
Método.
2.2 Considerações de Winnicott sobre o complexo de Édipo
O primeiro trabalho de Winnicott a ser destacado para a delimitação de sua
compreensão sobre o conceito de complexo de Édipo é de 1945, intitulado O
desenvolvimento emocional primitivo. Nele, o autor buscou oferecer contribuições à
psicanálise ao considerar a importância da investigação de outros modos de
relações de objetos, que seriam mais primitivos do que os relacionamentos
interpessoais com que a psicanálise estava acostumada a lidar. Naquele momento,
o pesquisador entendia que essa consideração não causava modificações na
técnica vigente, mas no trabalho com a situação transferencial. Ainda assim, o autor
explicita sua posição de que alguém vem a se tornar uma pessoa, capaz de se
relacionar com outras pessoas, a partir de um determinado ponto de seu
desenvolvimento e, principalmente, mediante os cuidados do ambiente, realizados
de maneira satisfatória.
À época dos seis meses de vida, conforme Winnicott e essa não é uma
data rígida no desenvolvimento dos indivíduos – os bebês já possuem uma condição
de se preocupar com a mãe. Em suas palavras: “Quando um ser humano sente que
é uma pessoa que se relaciona com outras, ele andou um longo caminho no seu
desenvolvimento primitivo” (Winnicott, 1945d, p.271).
Posteriormente, durante um simpósio sobre agressão, Winnicott expressa
sua ideia sobre a existência de um estádio intermediário do desenvolvimento,
anterior à “personalidade total, com suas relações interpessoais e situações
triangulares do complexo de Édipo” (Winnicott, 1958b, p.362), mas posterior às
etapas mais primitivas do desenvolvimento, quando não ainda nenhuma
integração da personalidade.
71
Ele se refere a uma capacidade ou conquista que emerge no
desenvolvimento, quando há saúde. Isso concerne ao momento em que a criança
parte de um estádio de despreocupação, no qual já existe certa integração da
personalidade, porém ainda não é capaz de perceber os objetos como integrados e
de se preocupar com o resultado de suas ações. Em seguida, surgiria o momento
descrito por Klein como posição depressiva, chamado por Winnicott de “estádio da
preocupação” (Winnicott, 1958b, p.358), em que os objetos estão integrados, assim
como a personalidade do indivíduo, e, a partir disso, ele pode se ocupar desses
objetos, preocupar-se com suas ações em relação a eles, etc. Somente neste
momento Winnicott considera possível o surgimento do sentimento de culpa.
O autor destaca, no mesmo trabalho, a necessidade de reconsiderações no
campo da agressão, visto que o pressuposto da existência de fases primitivas na
vida emocional do indivíduo faz cair por terra a ideia de que toda agressão trata de
uma resposta a uma frustração, que teria sempre caráter erótico. Ele diz:
Na nossa teoria dos sentimentos e estados iniciais, precisamos estar
preparados para encontrar a agressão que precede a integração do
ego, integração esta que torna possível a raiva pela frustração
pulsional e que faz com que a experiência erótica seja uma
experiência. (Winnicott, 1958b, p.371)
A preocupação de Winnicott de chamar atenção para a existência de tarefas
ou aquisições psíquicas anteriores ao complexo de Édipo apresenta-se cada vez
mais enfática. Em 1952, por exemplo, ao discutir as relações entre a psicose infantil
e os cuidados na primeira infância, Winnicott afirma que considera a chegada à
posição depressiva, de Klein como uma aquisição, que “pressupõe um
desenvolvimento anterior saudável” (Winnicott, 1953a, p.378). Ao mesmo tempo, vê-
se Winnicott buscando apontar suas contribuições ao discutir conceitos trabalhados
por Klein, procurando demonstrar sua forma pessoal de encarar o desenvolvimento.
Exemplo disso é quando o autor busca esclarecer que, no bojo do tema do
desmame, existe outro aspecto do desenvolvimento a ser identificado, o aspecto da
desilusão: “O desmame implica uma alimentação bem sucedida e a desilusão
implica o fornecimento bem sucedido de oportunidade para ilusão” (Winnicott,
1953a, p.378).
72
Em 1954, no trabalho A posição depressiva no desenvolvimento emocional
normal, Winnicott passa a enfatizar mais a posição depressiva como conquista no
desenvolvimento. Ele esclarece, nesse trabalho, não acreditar que o termo
empregado por Klein seja ideal, uma vez que ele margem a se pensar nesse
estádio como algo patológico eo normal como de fato o é. Propõe que se utilize o
termo “estádio da preocupação”, usado por ele anteriormente. O autor menciona
que a chegada à posição depressiva representa desenvolvimento saudável para
bebês tanto quanto a chegada ao complexo de Édipo “caracteriza o
desenvolvimento normal ... da criança” (Winnicott, 1955c, p.437). Menciona também
que a passagem tranquila pela dependência absoluta significa saúde e normalidade
para o indivíduo nos primórdios da vida. Portanto, dizer que alguém atingiu a
possibilidade de estabelecimento de relações triangulares do complexo de Édipo
significa, para Winnicott, dizer que esta pessoa “passou através e ultrapassou a
posição depressiva” (Winnicott, 1955c, p.437).
O referido autor parece concordar com a teoria de Klein; no entanto, procura
apresentar sua própria leitura de tais fenômenos, afastando-se da concepção
kleiniana de que a posição depressiva é uma realidade para todos os indivíduos. Ao
contrário, aponta condições para o estabelecimento da preocupação com os objetos:
a necessidade primordial de um ambiente o qual cumpra seu papel de Holding e
Handling no cuidado do bebê, adaptando-se às necessidades deste:
A mãe sustenta a situação, fazendo-a repetidamente, em um período
crítico da vida do bebê. A conseqüência [sic] é que algo pode ser feito
por alguma coisa. A técnica da mãe permite que o amor e o ódio
coexistentes no bebê sejam separados, inter-relacionados e
gradualmente controlados de dentro, de uma forma saudável.
(Winnicott, 1955c, p.438)
Nesse percurso de delimitação de novo olhar sobre os processos da vida
primitiva, Winnicott discute esses conceitos, comparando-os à teoria de Klein. Ele
concorda com a psicanalista no que tange à capacidade que toda criança humana
tem de sentir culpa, sem que isso lhe precise ser ensinado. Contudo, acredita que
somente a criança saudável, com desenvolvimento inicial favorável, é capaz de
manifestar esse sentimento de culpa de forma verdadeira, sem que seja imposta
pelo externo, o que seria falso para o self (Winnicott, 1955c, p.448). Ele ainda
considera que mesmo que, na criança saudável, a posição depressiva ocorra entre
73
os seis ou nove meses, frequentemente ela não é atingida senão no setting
analítico. Além disso, para a grande massa de pacientes em hospitais psiquiátricos
ou mesmo de casos fronteiriços na clínica, Winnicott afirma que “a posição
depressiva não é o que realmente importa” (Winnicott, 1955c, p.457), sendo para
elas o que a cor é para daltônicos.
Trazendo novamente o foco para a existência de etapas anteriores ao Édipo,
no texto Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão dentro do setting
psicanalítico, Winnicott comentou que Freud pôde se ocupar dos conflitos
pertinentes à dinâmica edípica de seus pacientes porque nos casos a que se
dedicou a boa maternagem no início da vida era uma certeza. Entende, também,
que a própria formação e criação de Freud o levaram a dar destaque a processos
humanos mais maduros, ligados a relações interpessoais, tomando como “natural” o
conjunto de bons cuidados iniciais (Winnicott, 1955d, p.467).
Em um trabalho de 1956, discursando sobre a neurose infantil, Winnicott
reafirma que a neurose implica em um crescimento emocional saudável nos estádios
anteriores da vida e na capacidade integrativa de relação de objetos:
Crianças totais se relacionam com pessoas totais. O mesmo não
pode ser dito na descrição dos estádios anteriores, nos quais os
bebês se relacionam com objetos parciais, ou estão, eles mesmos,
longe de se estabelecer como uma unidade. (Winnicott, 1958m,
p.516)
O autor também trata do complexo de Édipo, remontando à teoria freudiana,
como uma questão a qual emerge quando “a criança atinge a capacidade de se
relacionar como ser humano com dois outros seres humanos, a mãe e o pai, ao
mesmo tempo” (Winnicott, 1958m, p.516).
No ano de 1958, em uma palestra sobre o sentimento de culpa na
psicanálise, Winnicott retomou a teoria freudiana sobre o complexo de Édipo e o
desenvolvimento do superego. Ele teve o cuidado de destacar que, mesmo em
Freud, vê-se a premissa do estabelecimento do Édipo, aliado à integração e
tolerância dos sentimentos conflitantes em relação aos objetos, próximo à idade pré-
escolar, para surgir o sentimento de culpa como um acordo entre o ego e o
superego. O autor chama a atenção para o fato de que o desenvolvimento do
sentimento de culpa “é uma questão de realidade interna(Winnicott, 1958o, p.22),
74
ou seja, implica em existir no indivíduo a possibilidade de diferenciação entre eu e
não-eu. Poder sentir culpa significa, para Winnicott, poder ter intenções, agir a partir
de si mesmo. Aqueles que o apresentam o senso moral e culpa esperados são,
para o autor, reflexo da ausência de cuidados físicos e emocionais adequados nos
estágios iniciais da vida (Winnicott, 1958o).
Nota-se que, ao descrever os desdobramentos do conceito inicial de Freud
sobre o superego, que dizia respeito à introjeção
38
da figura do pai, “colorida pela
experiência da criança com figuras paternas outras além do pai verdadeiro e
também pelos padrões culturais da família”, (Winnicott, 1958o, p.22), Winnicott
reconhece a proposição de Klein sobre a existência de um superego arcaico e
precoce:
A partir do conceito de superego muito se desenvolveu. A idéia [sic]
de introjeção da figura paterna resultou ser demasiado simples.
uma história precoce do superego em cada indivíduo: a introjeção
pode se tornar humana e semelhante ao pai, mas nos estágios
iniciais os introjetos do superego, utilizados para controle dos
impulsos e produções do id, são sub-humanos, e na verdade
primitivos em grau máximo. (Winnicott, 1958o, p.22)
Winnicott pondera, todavia, que ainda que esteja falando sobre formações
primitivas do superego, está baseado na consideração de que este é possível
quando há amadurecimento para isso:
Por todo o tempo em que conceituamos o processo que ocorre sob o
sentimento de culpa, mantemos em mente o fato de que este, mesmo
quando inconsciente e aparentemente irracional, implica um certo
grau de crescimento emocional, normalidade do ego, e esperança.
(Winnicott, 1958o, p.23)
O citado autor enfatiza que as contribuições de Klein fizeram a psicanálise
atentar para o relacionamento simples a duas pessoas, isto é, a mãe e seu bebê,
etapa não abarcada por Freud. Entende que Klein modificou, sem desconsiderar a
38
Winnicott se preocupa em frisar que a palavra introjeção é usada por ele apenas no sentido de uma
“aceitação mental e emocional” (Winnicott, 1958o, p.22) da figura do pai, e não como objeto
propriamente interno, visto que a criança ainda não possui a separação entre interno e externo em
seu psiquismo
.
75
teoria freudiana, a ênfase da compreensão psicanalítica, antes assentada sobre a
“satisfação que o lactente obtinha da experiência instintiva” (Winnicott, 1958o, p.25),
e depois transferida para o objeto (primeiro a mãe, depois o pai e outros).
Winnicott retoma o conceito de Klein sobre o impulso amoroso primitivo
trazer consigo um objetivo agressivo, porém traz mais uma vez à baila a questão
ambiental, ao esclarecer que, quando a mãe é capaz de oferecer a adaptação
necessária para a criança em seu crescimento, ela oferece, ao mesmo tempo,
condições para que a criança se torne uma unidade e meios e tempo suficientes
para esta se conciliar com a ideia de que o objeto por ela atacado é, também, o
objeto que ela ama, cuidador e acalentador.
Em Teoria do relacionamento paterno-infantil, de 1960, Winnicott demonstra,
novamente, grande consideração ao trabalho desenvolvido por Klein, uma vez que
este tratou de expandir as fronteiras do campo de estudo de Freud. Segundo ele, o
trabalho de Klein atingiu a “infância mais precoce” e detectou a existência de
“impulsos agressivos e destrutivos” (Winnicott, 1960c, p.42) anteriores aos impulsos
reativos à frustração, provenientes do ódio e da raiva, bem como reconheceu
defesas e ansiedades primitivas. Contudo, Winnicott manifesta-se para além das
colocações kleinianas e de seus seguidores, pois entende que eles não deram a
devida atenção à etapa do desenvolvimento a qual ele procura trazer à luz: o
momento inicial da vida em que o bebê vive uma situação de dependência absoluta
em relação à mãe. Ele comenta:
Não nada no trabalho de Klein que contra a ideia de
dependência absoluta, mas me parece não haver nenhuma referência
específica ao estágio em que o lactente existeo-somente por causa
do cuidado materno, junto com o qual ele forma uma unidade.
(Winnicott, 1960c, p.42)
Winnicott pretende desvelar as particularidades desse estágio para que
também o analista possa aceitar a realidade da dependência em seu trabalho com o
paciente, principalmente no que se refere ao manejo da transferência.
Além disso, o trabalho do autor tem como ideia central que o bebê traz
consigo um potencial herdado, isto é, a tendência no sentido do crescimento e do
desenvolvimento. Este, entretanto, não pode se manifestar sem os devidos cuidados
maternos. O pesquisador esclarece: “Os lactentes humanos não podem começar a
76
ser exceto sob certas condições” (Winnicott, 1960c, p.43). Na etapa da dependência
absoluta o bebê não tem condições, segundo o autor, de perceber o cuidado que
vem da mãe ou de quem seja seu substituto. Pode, apenas, beneficiar-se desse
cuidado ou sofrer as consequências pela falha do ambiente.
Winnicott se opõe, com isso, à ideia kleiniana da existência de capacidades
mentais elaborados nos bebês muito pequenos. De fato, Winnicott tenta
demonstrar, com muito cuidado e reverência ao trabalho de Freud, que, para haver
alucinação da satisfação das necessidades, por parte do bebê, como este coloca, é
preciso considerar a possibilidade de estabelecimento de relações de objeto, o que
requer, anteriormente, satisfatório desenvolvimento (Winnicott, 1960c, p.43).
Ainda em 1960, em argumentações sobre o trabalho de Joseph Sandler
acerca do conceito de superego e suas modificações após Freud, Winnicott afirma,
novamente, que o superego, tal como descrito por Freud como fruto da passagem
pelo complexo de Édipo, pode surgir nos casos em que desenvolvimento
saudável. Para ele, embora o conceito kleiniano e o freudiano de superego pareçam
muito divergentes, na verdade desembocam “no mesmo lugar”, isto é, “na vida
instintiva” (Winnicott, 1989xi, p.356) do indivíduo, sem considerar o que acontece de
real nas relações em torno da criança.
Winnicott enfatiza que é necessária uma teoria que “abranja o efeito, sobre a
vida da criança, da ausência dos pais” (Winnicott, 1989xi, p.356). Isso porque muito
de diferente entre a formação do superego de uma criança sadia, com a
disponibilidade para si dos dois pais, e uma criança que vive em uma instituição,
onde as figuras de autoridade estão por todo lado. Winnicott aponta que “os pais
reais” (idem) contribuem para a formação do superego da criança, justamente, por
serem reais, ainda que o superego possa ser constituído pela visão subjetiva da
criança sobre eles.
Para Winnicott (1989xi), o conceito de Freud, ainda que situe a formação do
superego à época do final do complexo de Édipo, envolve elementos que derivam da
vida instintiva pré-genital, aspecto que foi de máxima atenção para Klein. Para ele,
Freud e Klein não desenvolveram suas teorias levando em conta a dependência do
indivíduo em relação ao ambiente, que é total no início da vida e que, tendo o
ambiente cumprido satisfatoriamente seu papel em relação a esta dependência,
abre espaço para o conflito edípico e o superego surgirem.
77
Ainda que o autor procure enfatizar a ligação entre superego e integração da
personalidade (ou saúde mental), é preciso salientar que ele parece conceber o
superego e o desenvolvimento da moral não apenas relacionados à internalização
da figura paterna no conflito edípico. Para ele, haveria uma origem do superego em
elementos pré-edípicos, tal qual uma semente, que poderá desabrochar
posteriormente, da forma conhecida. Isso porque o ambiente, além de prover
adaptação, também oferece, desde cedo, códigos morais à criança, e esta vai lhes
dando mais sentido à medida que amadurece (Winnicott, 1963d). Diz Winnicott:
“Estes códigos morais são dados de modo sutil por expressões de aceitação ou
ameaças de privar de amor” (Winnicott, 1963d, p.93).
Além disso, o ambiente saudável também possibilita ao bebê o
desenvolvimento da capacidade de confiar, de ter em, proveniente da situação de
ser cuidada, abrindo espaço para o reconhecimento de que há alguém que cuida, ou
da ideia de “um pai pessoal e confiável” (Winnicott, 1963d, p.92). Por isso seria
possível explicar a existência de comportamentos e posturas morais em pessoas
que nunca chegaram ao estágio edípico (Winnicott, 1989xa).
Ao discutir a contribuição psicanalítica para a classificação psiquiátrica de
doenças, Winnicott retoma as descobertas de Freud, Anna Freud e Klein à teoria do
desenvolvimento humano, realçando que “no centro de tudo ... estavam a ansiedade
de castração e o complexo de Édipo” (Winnicott, 1965h, p.115). No entanto, ele
busca delinear os novos caminhos que suas descobertas sobre os estágios mais
primitivos da vida traçaram. Um deles é a consideração de que o benão possui,
inicialmente, um ego próprio, estruturado, sendo dependente de um ego auxiliar.
Outro ponto de diferença é a modificação do conceito de regressão no setting. Na
metapsicologia psicanalítica ela significa, tradicionalmente, o retorno a elementos
precoces da vida instintiva e a pontos de fixação. Nas considerações de Winnicott
assume o significado de regressão ao estágio da dependência, como uma
expressão positiva do paciente e de sua “capacidade de se curar” (Winnicott, 1965h,
p.115).
Mais uma diferença afasta Winnicott do pensamento vigente na época sobre
o tema: a consideração de que a psicose não pode ser entendida como uma “reação
à ansiedade associada com o complexo de Édipo, ou a uma regressão a um ponto
de fixação, ou a ser ligada especificamente com a posição no processo do
78
desenvolvimento instintivo do indivíduo” (Winnicott, 1965h, p.117). A psicose
39
é
descrita pelo autor como o que acomete uma “criança que não foi capaz de atingir
um grau de higidez pessoal que faça sentido em termos de complexo de Édipo
(Winnicott, 1965h, p.120). É descrita ainda como o que acontece com organizações
de personalidade, próximas à neurose, mas que, ainda assim, o outros tipos de
psicose, as quais apresentam fraquezas e estas se tornam evidentes “quando a
tensão máxima do complexo de Édipo tem que ser suportada” (Winnicott, 1965h,
p.120).
Vale destacar que, nesse ponto, Winnicott se expressa contrário à
concepção de que os problemas pertencentes ao início da vida sejam de natureza
apenas intrapsíquica, como se nota no seguinte comentário:
Afora o estudo das pessoas sadias, é talvez apenas na neurose e na
depressão reativa que é possível se aproximar da doença
verdadeiramente interna, a doença que faz parte do intolerável
conflito que é inerente à vida e ao viver de pessoas normais.
(Winnicott, 1965h, p.124)
Seu intuito na ocasião era estabelecer outros tipos de classificações
psiquiátricas que levassem em conta a participação e as falhas provocadas pelo
ambiente no desenvolvimento humano, as quais resultariam, por exemplo, na
doença psicótica. Ao fazer isso, Winnicott deslocou a preocupação dos analistas e
cuidadores para o que na conjunção do ambiente com o bebê que chega ao
mundo. Ele apontou como primeira necessidade a consideração e o estudo desse
momento primitivo na história do indivíduo, pois somente alguém que passou com
sucesso por essa etapa pode chegar à condição de ser possuidor de uma realidade
intrapsíquica, repleta de conflitos inconscientes, advindos de sua relação com o
mundo (Winnicott, 1965h).
Nesse mesmo sentido, em trabalho apresentado no ano de 1961, intitulado
Psiconeurose na infância, Winnicott destacou a relação entre neurose e um estado
de relativa saúde mental:
39
É possível encontrar na obra de Winnicott vários momentos em que a psicose é separada da
problemática edípica, como em texto de 1963, no qual coloca a etiologia da esquizofrenia no
relacionamento a duas pessoas e não no complexo de Édipo. C.f. Winnicott, 1965vd, p.211.
79
Havendo sido trazidos através dos estágios mais iniciais que
pertencem à dependência extrema, e chegado aos estágios bem
mais posteriores em que a privação traumatiza, estes indivíduos
acham-se agora em posição de terem suas próprias dificuldades.
(Winnicott, 1989vl, p.54)
Somente a partir da chegada a essa posição em que se tem saúde para
existir como pessoa e reconhecer os objetos como totais, por meio dos bons
cuidados no início da vida, passa a haver a possibilidade de se ter efetivamente
“tensões e estresses internos” (Winnicott, 1989vl, p.57). Isso se em virtude de
haver uma pessoa, propriamente, existindo e se relacionando com o mundo, com a
noção de eu e não-eu bem estabelecida e podendo, dessa forma, viver a “explosão
plena do complexo edipiano” (Winnicott, 1989vl, p.55). Mais uma vez a psicose é
afastada, por Winnicott, desse âmbito e posicionada como um problema decorrente
das falhas no cuidado do bebê nos estágios iniciais do desenvolvimento emocional.
No trabalho de 1961, fica clara a noção de Winnicott de que o ambiente não
é capaz de curar ou evitar que a criança passe pelo conflito edípico, pois “mesmo no
meio ambiente mais satisfatório possível, a criança tem impulsos, idéias [sic] e
sonhos em que um conflito intolerável: conflito entre amor e ódio, entre o desejo
de preservar e o de destruir” (Winnicott, 1989vl, p.56). Por não tolerar a ansiedade
decorrente dessa situação, a criança começa a estabelecer defesas, ou seja, o
quadro neurótico. Ainda assim, o ambiente deve servir de sustentáculo para a
criança, permanecendo estável e sobrevivendo a seus ataques, para que ela possa,
de fato, direcionar a ele toda sorte de sentimentos e impulsos destrutivos, até que
chegue ao momento do concern, da preocupação com os objetos:
Se o pai achar-se lá ao desjejum, ... então é seguro sonhar que ele foi
atropelado ou ter um sonho em que, sob forma simbólica, o ladrão
atira no marido da senhora rica, a fim de apoderar-se da coisa de
jóias dela. Se o pai o estiver presente, um sonho desse tipo é
assustador demais e conduz a um sentimento de culpa e a um humor
deprimido. (Winnicott, 1989vl, p.56)
É necessário lembrar que Winnicott propõe um direcionamento de estudo
sobre a vida humana com base naquilo que poderia ser considerado saudável,
noção que se torna bastante explícita nos trabalhos destacados na sequência. Uma
vez delimitado o caminho da saúde, torna-se mais fácil o reconhecimento de seus
80
desvios e as dificuldades decorrentes deles. Sendo assim, Winnicott fala sobre a
criança que está em um lar minimamente organizado e que lhe permite ter as
vivências, agora ligadas aos instintos, de que necessita. A pessoa real do pai e da
mãe, bem como sua forma de se relacionar com a criança, como se verá adiante,
são aspectos que despontam com destaque nessa visão. Para Winnicott, o
ambiente precisa se manter estável: “o lar bom ... absorve muitas dificuldades que
se tornam muito aparentes quando o lar se rompe ou é perturbado pela doença,
especialmente anormalidades psiquiátricas nos pais” (Winnicott, 1989vl, p.57).
Em palestra de 1962, Winnicott fez maiores considerações sobre o trabalho
de Melanie Klein na psicanálise. O autor descreveu o cenário psicanalítico que
imperava na época do início de seu próprio trabalho como analista, isto é, que tinha
a teoria do complexo de Édipo como eixo do trabalho:
A análise das neuroses conduzia o analista repetitivamente às
ansiedades pertencentes à vida instintiva do período dos 4 a 5 anos
do relacionamento da criança com seus pais. Dificuldades anteriores
que vinham à tona eram tratadas em análise como regressão a
pontos de fixação pré-genitais, mas a dinâmica vinha do conflito do
complexo de Édipo marcadamente genital da meninice ou meninice
posterior que é imediatamente anterior à passagem do complexo de
Édipo e início do período de lactência. (Winnicott, 1965va, p.157)
O autor assume posição contrária a estas compreensões, em razão de os
casos clínicos de que tratava terem apresentado a ele realidade diferente
dificuldades de desenvolvimento emocional nos bebês, em seus primeiros dias ou
semanas de vida. Winnicott explica: “Quando vim a tratar crianças pela psicanálise
pude confirmar a origem das neuroses no complexo de Édipo, mas mesmo assim
sabia que as dificuldades começavam antes” (Winnicott, 1965va, p.157).
Conforme o autor, mesmo estudando com Klein, identificou organizações de
doenças e defesas em períodos primitivos da vida da criança e percebeu que
“muitos lactentes nunca chegaram a uma coisa o normal como o complexo de
Édipo na meninice” (Winnicott, 1965va, p.159). De sua mestra, reconhece a
importância de conceitos como o da posição depressiva, equivalente, para ele, à
descoberta do Édipo por Freud. Ele, todavia, reafirma que Klein não conseguiu
conferir o devido valor à influência do ambiente e ao período da dependência
81
absoluta do lactente para a constituição da pessoa inteira, com um self separado da
mãe.
Em outro trabalho de 1962, de título Provisão para a criança na saúde e na
crise, é possível encontrar Winnicott assumindo claramente seu posicionamento
frente à importância do ambiente nas diferentes fases do crescimento humano,
inclusive no que diz respeito ao conflito edípico:
É a tendência inata no sentido da integração e do crescimento que
produz a saúde e não a provisão ambiental. Ainda assim é necessária
provisão suficientemente boa, de forma absoluta no princípio e de
forma relativa em estágios posteriores, no estágio do complexo de
Édipo, no período de latência e também na adolescência. (Winnicott,
1965vc, p.65)
No ano seguinte, Winnicott teve mais uma de suas palestras publicada na
forma de artigo, sob o título O desenvolvimento da capacidade de se preocupar, na
qual estabelece diferenciação entre o sentimento de culpa e a preocupação
(concern). Ele sugere que a diferença é necessária visto que se tratam de
capacidades adquiridas pelo humano em momentos diferentes de seu
amadurecimento: o estágio em que a criança pode se preocupar com os objetos é
posterior à possibilidade de sentir culpa. Isso ocorre em virtude da preocupação se
relacionar com o “senso de responsabilidade do indivíduo” (Winnicott, 1963b, p.70),
principalmente no que se refere às situações ligadas à vivência dos impulsos
instintivos; por essa razão, requer maior integração do ego. A culpa, por sua vez,
também necessita de certa integração, mas ainda é fruto da ansiedade.
O destaque nesse trabalho é o esclarecimento de Winnicott sobre a
capacidade de se preocupar que, segundo sua experiência clínica, “emerge no
desenvolvimento emocional da criança em um período anterior ao do clássico
complexo de Édipo” (Winnicott, 1963b, p.71). Disso decorre que, para conseguir
perceber as pessoas envolvidas no triângulo edípico como pessoas inteiras, a
criança passa antes por um momento no qual consegue perceber a mãe como
objeto integrado, mas isso ainda “faz parte ... do período de relacionamento a duas
pessoas” (idem).
82
Com tais observações, Winnicott aponta para etapas ou estágios no
amadurecimento emocional que necessitam ser alcançados para que se possa
estabelecer o complexo edípico propriamente. O autor adverte:
Em todo o enunciado do desenvolvimento da criança certos princípios
são dados como certos. Desejo aqui afirmar que os processos de
maturação formam a base do desenvolvimento do lactente e da
criança, tanto em psicologia como em anatomia e fisiologia. A
despeito disso, no desenvolvimento emocional fica claro que certas
condições externas são necessárias para os potenciais de maturação
se tornarem realizados. Isto é, o desenvolvimento depende de um
ambiente suficientemente bom, e quanto mais para trás se vai no
estudo do bebê, tanto mais isso é verdade, que sem maternidade
suficientemente boa os estágios iniciais do desenvolvimento não
podem ter lugar. (Winnicott, 1963b, p.71)
Ainda em 1963, em uma palestra acerca do tema das classificações
psiquiátricas de doenças e do trabalho com a doença mental na clínica, Winnicott
novamente relaciona a problemática da neurose com o estabelecimento e a
passagem pelo complexo de Édipo. Para ele, esse fato, por si assinala, que o
indivíduo recebeu os cuidados necessários no início de sua jornada humana e que é
capaz, por conseguinte, de lançar o de defesas organizadas e maduras como a
repressão do inconsciente. Cria-se, assim, o inconsciente dinâmico ou reprimido,
alvo dos estudos de Freud (Winnicott, 1963c).
Sob esse ângulo, o pesquisador apresenta a psicose como a forma de
organização resultante de dificuldades “nas fases mais precoces” (Winnicott, 1963c,
p. 198), devido a uma provisão ambiental inexistente ou inadequada, o que causa
um splitting (cisão) na personalidade e impossibilita o desenvolvimento no sentido na
saúde e normalidade, isto é, da capacidade de estabelecer relações totais de
objetos. Fica também impossibilitada a experiência das tensões próprias da
administração dos instintos nos relacionamentos interpessoais e a posse de
recursos como a repressão
40
. O autor elucida:
40
Na psicose, as defesas são primitivas, como a cisão ou a dissociação. Não há, nesse caso, a
formação de um inconsciente reprimido, que possa ser trazido à consciência e interpretado. Winnicott
entende que há, na psicose, um tipo particular de inconsciente, que
não é correlato do inconsciente
83
No caso extremo, não houve nenhum complexo de Édipo verdadeiro
porque o indivíduo ficou tão preso ao estágio anterior do
desenvolvimento que o relacionamento triangular verdadeiro e a
carga máxima nunca se tornaram um acontecimento. (Winnicott,
1963c, p.198)
Ao estabelecer uma discussão sobre o desenvolvimento feminino e o
masculino, em palestra proferida na Progressive League, em 1964, Winnicott lançou
a ideia de que, mesmo em um desenvolvimento saudável, em um lar saudável,
“muita coisa depende do acaso” (Winnicott, 1986g, p.185). Ele explica:
... uma menina ama seu pai, mas a mãe diminui todos os homens e
rouba o espetáculo. E então a garota ‘perde o bonde’ com o pai, mas
‘pega o bonde’ com seu irmão maior.... Um menino é o terceiro em
meio a quatro filhos homens. Esse terceiro menino percebe todo o
desejo que os pais tinham de ter uma menina. Tende a se encaixar
no papel designado, mesmo que os pais procurem ocultar seu
desapontamento. (Winnicott, 1986g, p.185)
Em virtude dessas questões, aspectos como a ação dos pais, seu modo de
encarar fenômenos vividos pela criança e de reagir a eles (como uma ereção
ocasional), a posição designada à criança no grupo familiar, entre outros aspectos,
conforme Winnicott, “afetam o quadro clássico que se conhece como complexo de
Édipo” (idem).
A relação com as pessoas dos pais é enfatizada e, logo depois, Winnicott
retoma as descrições freudianas sobre o período de latência, principalmente o que
diz respeito à diferença anatômica entre os sexos, causadora da inveja do pênis na
menina, o que para Winnicott, é um fato. Ele leva em conta a fantasia da menina, na
fase fálica, de ter sido castrada e o delírio de que pode lhe crescer um pênis ou de
que ela tem um pênis escondido. Entretanto, o autor demonstra que a formação do
que é feminino não pode ficar restrita a essa compreensão relativa à ausência do
pênis. Na fase genital, por exemplo, a menina é completa e o menino é o
incompleto, que precisa da fêmea para se completar. A menina passa a ser, então, a
invejada, de certa forma, pelo menino, devido à sua capacidade de “atrair o pai, ter
bebês” (Winnicott, 1986g, p.186), além de possuir seios, etc.
freudiano (Winnicott, 1974). Em Loparic (1999), encontramos a denominação “não-consciente” para
este inconsciente na psicose.
84
Winnicott apresenta também a concepção de Freud sobre o trauma
feminino causado na mulher pela inferioridade, relativa à ausência de um pênis,
como a raiz do feminismo. O pesquisador britânico lembra que a atitude de
desvalorização da massa masculina sobre as mulheres tem origem nessa ideia de
que ela é um ser incompleto. O autor procura ressaltar que, no fundo disso encontra-
se a inveja incalculável que o homem tem da capacidade feminina de gerar a vida
(Winnicott, 1986g).
Elementos novos para a compreensão da constituição do que vem a ser o
feminino e o masculino são apresentados pelo autor nessa ocasião: ele considera
que o elemento essencial de homens e mulheres é o feminino, porque todos vieram
de uma mulher e iniciaram seus processos de desenvolvimento a partir do contato
com ela. Winnicott ainda considera que a mulher é sempre “três” ao mesmo tempo,
pois seus processos identificatórios estão relacionados a ela como um bebê, como
uma mãe e como a mãe da mãe: é o passado, o presente e o futuro, enquanto que o
homem é único sempre
41
(Winnicott, 1986g).
Além disso, mais uma vez é possível perceber Winnicott delimitando seu
modo de pensamento e tentado imprimir suas ideias sobre o amadurecimento
humano, como um contínuo de capacidades adquiridas, mediante provisão
ambiental. Ele afirma: “Deve-se notar, no entanto, que é preciso que existam
necessidades desenvolvimentais para haver algum crescimento saudável a ponto de
se alcançar a inveja do pênis” (Winnicott, 1986g, p.188).
O relacionamento real entre a criança e a família também é discutido pelo
autor em 1966, no texto A criança e o grupo familiar (Winnicott, 1986d). O referido
autor aponta para as questões de lealdade e deslealdade enfrentadas pela criança
que estabelece relações com figuras da família. Ele entende a criança como
ainda imatura no campo dos relacionamentos, porém que começa a estabelecer
ligações ora com o pai, ora com a mãe, com a babá ou com a tia, etc. Essas
migrações e aquilo que se poderia chamar de deslealdades da criança com essa ou
aquela pessoa, a quem ela se mostrava leal poucos momentos antes, precisam ser
41
A discussão sobre o que vêm a ser o feminino e o masculino em Winnicott exige grandes
explanações. O objetivo desta colocação é apenas a ênfase às diferenciações propostas pelo autor
para o tema aqui discutido.
85
toleradas pelas pessoas envolvidas, para que a criança possa continuar com tais
experiências e enriquecer seu mundo das relações interpessoais.
Em sua coletânea de palestras proferidas na rádio BBC, de Londres,
publicada sob o título A criança e seu mundo (Winnicott, 1964a), encontram-se
declarações de Winnicott sobre a criança em idade edípica, as quais demonstram
sua concordância com Freud sobre este aspecto. O trecho a seguir, em que
Winnicott explica que a relação com a mãe, conforme Freud, constitui a base para a
relação com o pai, ilustra essa afirmação:
Assim, quando o pai entra na vida da criança, como pai, ele assume
sentimentos que ela alimentava em relação a certas propriedades
da mãe e para esta constitui um grande alívio verificar que o pai se
comporta da maneira esperada. (Winnicott, 1945i, p.129)
Da mesma forma, quando discute o papel do pai como o mantenedor da lei:
... o pai [é] necessário para dar à mãe apoio moral, ser um esteio
para sua autoridade, um ser humano que sustenta a lei e a ordem
que a mãe implanta na vida da criança. (idem)
Ou ainda, ao descrever a relação entre pai e filha:
É bastante conhecido o fato de existir, por vezes, um vínculo
especialmente vital entre o pai e a filha. De fato, todas as meninas
sonham estar no lugar da mãe ou, de qualquer modo, sonham
romanticamente. (Winnicott, 1945i, p.132)
O autor, no entanto, parece não se limitar a reproduzir o que havia sido dito
por Freud. Nota-se que sua preocupação está assentada na procura por oferecer
uma compreensão da situação edípica que envolva o ambiente como um todo, com
suas propriedades reais, com sua forma de agir com relação à criança. É possível
verificar isso em suas palavras:
As mães têm que ser muito compreensivas quando esse gênero de
sentimentos decorre. Certas mães acham muito mais fácil suportar a
amizade entre pai e filho do que entre pai e filha. Todavia, é bastante
lamentável se os apertados laços entre pai e filha forem perturbados
pelos sentimentos de ciúme e rivalidade, em vez de permitir que
evoluam naturalmente. (Winnicott, 1945i, p.132)
86
Por naturalmente Winnicott quer dizer que, se o casal parental é “feliz em
suas relações mútuas” (idem) então consegue, tanto no caso do filho como no da
filha, não enxergar perigo ou ameaça na proximidade da criança com seu cônjuge,
permitindo que a própria criança caminhe através do conflito edípico da forma
esperada, até que encontre a frustração para seu desejo e consiga, posteriormente,
“olhar noutras direções para a realização prática de seus arroubos imaginativos”
(Winnicott, 1945i, p.132).
Winnicott também descreve uma ligação estreita entre os sentimentos físicos
e a fantasia da criança: o menino teme especialmente a castração enquanto que a
menina tem “conflito em suas relações com o mundo físico” (Winnicott, 1947a,
p.170), que está em rivalidade com a mãe e esta é, para a criança, “a própria
configuração do mundo físico” (idem).
Um texto de 1969, O uso do objeto no contexto de Moisés e o monoteísmo,
mostra a tentativa de Winnicott de apontar lacunas na teoria freudiana no que se
refere à consideração de estágios anteriores ao Édipo no desenvolvimento. Ele se
preocupa em ressaltar o fato de que Freud, por ser um precursor, “labutava sob
condições desfavoráveis” (Winnicott, 1989xa, p.188), pois poderia estabelecer
compreensões até determinado ponto, sem ter a seu favor as descobertas
posteriores a sua época. O autor explana a respeito:
[Freud] não sabia o que os casos fronteiriços e os esquizofrênicos
iriam nos ensinar nas três décadas subseqüentes (sic) ao seu
falecimento. A psicanálise iria aprender que muita coisa acontece nos
bebês que se acha associada com a necessidade, e separada do
desejo e dos representantes (pré-genitais) do id a clamarem por
satisfação. (Winnicott, 1989xa, p.188).
Por isso, o autor questiona a compreensão estabelecida por Freud sobre o
monoteísmo como fruto da repressão dos impulsos do Id e da introjeção da figura
paterna. Para Winnicott:
Não é que Freud esteja errado a respeito do pai e do laço libidinal
que se torna reprimido, mas tem-se de notar que uma certa
proporção de pessoas no mundo não chegam ao complexo edipiano.
Elas nunca avançam tão longe em seu desenvolvimento emocional e
portanto, para elas, a repressão da figura paterna libidinizada tem
apenas pouca relevância. Se se olhar para pessoas religiosas,
87
certamente não é verdade dizer que os princípios monoteístas
pertencem àqueles que atingiram o complexo edipiano. Uma grande
parte da religião acha-se ligada com a quase-psicose e com os
problemas pessoais que se originam da grande área da vida do bebê
que é importante antes que se chegue a um relacionamento a três
corpos, como o que se entre pessoas totais. (Winnicott, 1989xa,
p.187).
O autor salienta que Freud não conseguiu, pela razão apontada, abarcar
problemas reais, como “o que na presença real do pai ou no papel que ele
desempenha na experiência do relacionamento entre ele e a criança e a criança e
ele” (Winnicott, 1989xa, p.188), ou como isso repercute no bebê. Dessa maneira,
Winnicott chama a atenção do mundo psicanalítico para a importância da presença
real das figuras parentais no desenvolvimento da criança. Segundo ele:
... uma diferença, que depende de o pai achar-se ou não, se é
capaz de estabelecer um relacionamento ou não, se é são ou insano,
se tem a personalidade livre ou rígida ... muita coisa também a ser
levada em conta que tem a ver com a imago do pai na realidade
interna da mãe e com o destino dessa imago aí. Encontramos hoje
todas essas questões aparecendo para revivescência e correção no
relacionamento transferencial, questões que não são tanto de
interpretar, mas de experienciar. (Winnicott, 1989xa, p.188)
Nessa perspectiva, Winnicott afirma que o pai, tal como o papel de terceiro
elemento, mantenedor da lei, amado e odiado, etc., pode vir a existir na vida da
criança a partir de um ponto específico, quando existir algo que se possa chamar de
dentro outro algo que se possa chamar de fora, somente possível em virtude do
“fortalecimento do ego [da criança] devido a ser ele reforçado pelo ego da mãe, para
a posse de uma identidade sua” (Winnicott, 1989xa, p.188). É somente então que “a
terceira pessoa desempenha ... um grande papel” (idem).
Ao final do citado artigo, Winnicott enfatiza que, para encontrar um caminho
viável de trabalho com a psicose, a psicanálise deve “abandonar toda idéia [sic] da
esquizofrenia e da paranóia” (Winnicott, 1989xa, p.191) como regressões ao
complexo de Édipo e pontos de fixação pré-genitais, como vinha sendo feito, visto
que sua origem se assenta sobre etapas muito anteriores ao Édipo. O autor aponta
para o “fator externo” (Winnicott, 1989xa, p.191) na etiologia das psicoses, ou seja, o
cuidado ambiental insuficiente ou inexistente, ainda que saiba não ser essa uma
88
ideia bem aceita pelos psicanalistas em geral, que tanto trabalharam visando a
chamar a atenção para os processos internos, no tocante aos casos de neurose.
Em outro artigo de 1969, Winnicott demonstra o desacordo claro com as
proposições feitas anteriormente na psicanálise sobre bebês, a qual os relacionava a
aspectos da vida instintiva que só são viáveis em fase posterior do desenvolvimento,
como visto:
É um alívio que a psicanálise tenha atravessado a fase, que durou
meio século, na qual, quando os analistas se referiam a bebês,
podiam falar em termos das pulsões eróticas e agressivas do bebê.
Era tudo questão de instinto pré-genital, de erotismo oral e anal, de
reações à frustração.... O trabalho desse tipo teve seu valor e
continua a tê-lo, mas hoje é necessário que os analistas que se
referem à natureza do bebê vejam o que mais se acha para ser
visto. Para o analista ortodoxo, se ele examinar melhor, alguns
choques à sua espera. (Winnicott, 1970b, p.196)
Em Natureza Humana, todavia, Winnicott explora mais o conceito aqui
examinado. Nesse trabalho, Winnicott se lança à tarefa de oferecer descrição
detalhada do desenvolvimento humano, levando em conta todas as suas
peculiaridades e necessidades específicas em cada uma de suas etapas. Apesar
disso, ele considera artificial o esforço de separar didaticamente o desenvolvimento
humano em etapas, pois a criança está sempre em todos os estágios, ainda que, em
determinados períodos, um estágio possa ser considerado predominante (Winnicott,
1988).
O autor opta por iniciar tal jornada a partir da descrição do que pode ser tido
como sucesso no processo de desenvolvimento. Isso significa dizer que sua atenção
se voltou ao desenvolvimento de uma teoria da saúde para o humano, que pudesse
ir em direção oposta à que a Pediatria da época fazia:
Naqueles dias não havia muito tempo ou espaço para considerações
sobre a saúde como tal, nem para o estudo das dificuldades a que a
criança fisicamente saudável está sujeita pelo fato de crescer numa
sociedade formada por seres humanos. (Winnicott, 1988, p.27)
A saúde é considerada pelo autor, como se vê, a partir de uma rie de
fatores, ligados à psique e ao soma. A saúde física necessita da hereditariedade e
de um cuidado do ambiente suficientemente bom. A saúde psíquica se dá em
89
termos de um desenvolvimento emocional saudável, o qual envolve uma série de
conquistas, sendo, assim, um processo de extrema complexidade. É válido destacar
que a saúde, para Winnicott, está diretamente relacionada à maturidade, ao que se
pode atingir em termos de capacidades em cada idade e fase da vida. A maturidade,
diz o autor, “envolve gradualmente o ser humano numa relação de responsabilidade
para com o ambiente” (Winnicott, 1998, p.30).
Partir de uma descrição da saúde no desenvolvimento emocional significa,
para Winnicott, iniciar pelo estudo da etapa da vida em que o indivíduo consegue
estabelecer relações interpessoais, que pôde se desenvolver de forma saudável até
se tornar pessoa total, capaz de estabelecer relações totais com os objetos, ou seja,
tudo aquilo que está ligado ao estudo e descobertas de Freud para a neurose e o
complexo de Édipo. Segundo o autor inglês:
O complexo de Édipo representa ... a descrição de um ganho em
saúde. A doença o deriva do complexo de Édipo, mas da
repressão das idéias [sic] e inibição das funções que se referem ao
doloroso conflito expresso pelo termo ambivalência, como, por
exemplo, quando o menino se percebe odiando e desejando matar e
temendo o pai que ele ama e em quem confia, porque está
apaixonado pela esposa do pai. (Winnicott, 1988, p.68)
Ele esclarece, no entanto, que a saúde não pode e nem deve ser resumida à
neurose. Mesmo assim, acredita que iniciar a compreensão da saúde a partir da
formação de sintomas neuróticos seja o caminho mais viável, pois eles pressupõem
o desenvolvimento inicial sadio, ou seja, a adaptação suficientemente boa nos
primórdios da vida, o que significa evitar a psicose, cuja gênese, para Winnicott,
estaria em falhas do ambiente nesse período inicial (Winnicott, 1988).
Winnicott considera que “quase todos os aspectos do relacionamento entre
pessoas totais foram abordadas pelo próprio Freud” (Winnicott, 1988, p.54), o que
tornaria muito difícil a alguém a tarefa de oferecer contribuições a essa teoria. Ele
retoma, desse modo, a teoria freudiana que se refere ao momento do Édipo,
momento este que envolve, além da saúde no sentido de uma personalidade
integrada que se relaciona com os objetos, o aprendizado da administração dos
instintos a partir da internalização da figura paterna. Isso origem ao superego da
criança, bem como à formação de um inconsciente reprimido, fonte de tudo aquilo
que foi retirado do nível da consciência através da repressão. Ainda assim, ele diz:
90
“não me é possível deixar de fazer uma explanação em minha própria linguagem”
(Winnicott, 1988, p.54).
Winnicott preocupa-se muitas vezes, durante a descrição dessa etapa
relativa à saúde, em dizer que existem processos anteriores a estes, os quais são
fundamentais e possibilitam os desdobramentos saudáveis do desenvolvimento
42
. O
autor esclarece que, na primeira infância, durante a fase da lactação, não existe na
criança ainda uma unidade, sendo esta uma conquista no processo, quando ocorrido
de forma satisfatória. Da mesma maneira que coloca o campo dos relacionamentos
interpessoais como território de propriedade de Freud, Winnicott explica que, para a
apresentação das etapas anteriores, necessita de “um método descritivo diferente”
(Winnicott, 1988, p.87).
Somente quando há saúde em termos físicos (um cérebro intacto) e também
em termos dos cuidados recebidos nos primórdios da vida, é possível, conforme o
autor, que a criança tenha a possibilidade de viver as cenas descritas pelos autores
psicanalíticos, relativas às fases fálica e genital, guiadas pelos instintos
43
. Com
relação à fase pré-genital, Winnicott, reconhece as proposições feitas até então, mas
entende que seja mais apropriado se pensar em outra direção:
No passado, pensou-se que a progressão do pré-genital ao fálico e
ao genital poderia ser aplicada aos estágios primitivos, de modo que
o estágio pré-genital era ele mesmo dividido em:
Fase pré-genital oral oral erótica (sugar)
oral sádica (morder)
anal anal erótica (defecar)
anal sádica (controlar)
junto com
42
Cf. capítulo I da Parte II de Natureza Humana, 1988.
43
O conceito de instinto é caracterizado por Winnicott como “forças biológicas que ... exigem ão”
(Winnicott, 1988, p.57). Ainda que Winnicott esteja se referindo a uma etapa da vida para a qual
reconhece a Psicanálise como norte, discussão atual sobre o uso diferente que o autor faz dos
termos utilizados por Freud, como é o caso do conceito de instinto. Para essas informações, c.f.
Fulgencio, 2006.
91
uretral erótica e sádica
como alternativa variável
... No entanto, é necessário considerar agora o trabalho mais recente
que se refere a esta parte da teoria. (Winnicott, 1988, p.59)
44
O autor esclarece que, de seu ponto de vista, um bebê pode ter todo tipo de
excitação, até “excitações genitais localizadas” (Winnicott, 1988, p.59); o que não
existe ainda é a fantasia de natureza genital. Ele faz algumas considerações sobre
aspectos da citada subdivisão os quais não lhe parecem totalmente resolvidos -
caso da consideração de que a primeira fantasia oral é erótica, quando não se pode
afirmar que nesse momento, o sadismo não se faça também presente. Para este
caso, Winnicott sugere que seja mais acertado pensar-se que o bebê sai de um
estado de ser incompadecido (ruthless) e chega a um estado em que pode se
preocupar com os objetos (concern). Ele completa:
algo de essencialmente insatisfatório nesta tentativa de classificar
os instintos pré-genitais. Isso se deve ao fato de que estamos
examinando o bea partir do que sabemos sobre a criança que é
capaz de andar, em vez de olhar para o próprio bebê. (Winnicott,
1988, p.61)
Winnicott, ao descrever os processos pertinentes à etapa do complexo de
Édipo, resgata toda a série de termos já bastante desenvolvidos pelos teóricos
anteriores, como “inveja do nis”, ou medo da castração” (Winnicott, 1988, pp.62-
63), entre outros. No entanto, suas colocações são mais sucintas do que a de seus
colegas e, em certo sentido, sempre dirigem o leitor para observações que levam a
um ponto de vista diferente, como se observa no trecho a seguir, referente à
sexualidade feminina:
O estudo da psiconeurose mostra que é impossível deixar de lado a
inveja do pênis e a fantasia do “macho castrado” numa explanação do
desenvolvimento da menina. Mas duas décadas atrás a literatura
psicanalítica dava a impressão de que não havia lugar, na teoria da
psicanálise, para qualquer outra coisa sobre a genitalidade feminina
que não a percepção da mulher como um macho castrado.... uma
boa descrição da sexualidade feminina necessita de um
conhecimento prévio da fantasia que a menina desenvolve a respeito
44
Citação apresentada procurando-se manter o formato da descrição feita pelo autor no original.
92
do interior do seu próprio corpo e do da mãe, e isto pertence a um
outro modo de apresentação. (Winnicott, 1988, p.65)
O ser feminino, para Winnicott, contém em sua história de passagem pela
fase fálica o elemento da ausência e inveja de um pênis. Porém, esse é considerado
apenas mais um elemento pertencente ao desenvolvimento da menina e de forma
alguma sua constituição pode ser resumida a ele. O autor retoma a questão de que
a mulher é o tempo todo três mulheres, como visto anteriormente, “uma bebezinha,
uma noiva de véu e grinalda e uma mulher idosa” (Winnicott, 1988, p.65), e diz que o
funcionamento feminino está muito mais calcado no primeiro relacionamento com a
mãe, através de diversos processos identificatórios com ela, do que o funcionamento
do menino.
No desenvolvimento do menino, Winnicott também introduz um aspecto
inovador que diz respeito à consideração de que o medo de castração serve, para a
criança, como grande alívio para as pressões inerentes ao conflito entre o desejo de
ser potente o bastante para realizar a fantasia de união erótica com a mãe e
satisfazê-la, e a realidade de ainda não ter tal potência. A interdição do pai surge,
então, como um auxílio para o menino, um tranquilizador do conflito (Winnicott,
1988).
Winnicott preocupa-se em deixar clara sua própria interpretação do
complexo de Édipo freudiano. De acordo com o autor, é possível de ser
estabelecido o complexo a partir do ponto em que a criança atinge “a organização
do primeiro relacionamento triangular onde ... é impulsionada pelos instintos de
natureza genital recém-surgidos, característicos do período entre os 2 e os 5 anos”
(Winnicott, 1988, p.67).
Nesse sentido, afirma enfaticamente que o complexo de Édipo consiste em
uma fase tardia do processo de amadurecimento quando o indivíduo pôde chegar,
mediante os cuidados ambientais prévios, à saúde:
Acredito que alguma coisa se perde quando o termo “Complexo de
Édipo” é aplicado às etapas anteriores, em que estão envolvidas
duas pessoas, e a terceira pessoa ou objeto parcial está
internalizado, é um fenômeno da realidade interna. Não posso ver
nenhum valor na utilização do termo “Complexo de Édipo” quando um
ou mais de um dos três que formam o triângulo é um objeto parcial.
No Complexo de Édipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um
93
dos componentes do triângulo é uma pessoa total, o apenas para o
observador, mas especialmente para a própria criança. (Winnicott,
1988, p.67)
Deste ponto de vista, o terceiro da relação aparece no psiquismo da
criança, a partir do momento em que há uma pessoa integrada, que reconhece os
objetos do mundo, suas características e que pode sentir ódio, amor e ter desejos de
morte por eles. E para Winnicott, esse tipo de relação com os objetos, uma relação a
três corpos, pode vir a existir se o momento anterior, caracterizado pela relação
diádica com a mãe, tiver sido vivido de forma saudável: a mãe dedicada ao seu
bebê, depois do primeiro momento de adaptação suficientemente boa às suas
necessidades, que espaço para o surgimento da ilusão de onipotência, oferece
condições para a desilusão, como visto, dando início ao primeiro sentido de
externalidade, daquilo que está fora da criança e de seu controle (Winnicott, 1953c).
O sentimento de que o mundo foi criado por ela e que, por isso, é real e confiável,
não é perdido. Contudo, ela agora pode, intelectualmente, entender que o mundo
existia antes dela e continuará a existir depois que ela não estiver mais nele
(Winnicott, 1986h). As falhas do ambiente podem, então, ser toleradas e até
mesmo previstas pelas funções mentais da criança (Winnicott, 1953a).
Nesse processo, a criança começa a ser capaz de discriminar a existência
de um eu e de um não-eu, e posteriormente, de um outro. A partir disso, ela começa
a ser inserida em um contexto mais amplo, o familiar, no qual a base da experiência
é a relação triangular, que poderá, aos poucos, ser ampliada. Winnicott diz: “É o
triângulo simples que apresenta as dificuldades e também toda a riqueza da
experiência humana” (Winnicott, 1988, p.57). No entanto, a possibilidade de chegar
à fase edípica com condições de saúde suficientes para suportar as pressões
provenientes desse conflito é originada em etapa anterior, nomeada por Winnicott
como concern, ou estágio do concernimento, como descrito. Este, segundo o
autor, é o momento do desenvolvimento em que uma unidade que se pode
chamar de eu, e é ele que iniciará a tarefa da integração dos instintos, possibilitando
ao indivíduo passar a sentir a instintualidade como advinda de si próprio e não como
pressões externas (Winnicott, 1988). É nesse momento também que a criança torna-
se preocupada (concerned) com os objetos, sentindo-se relacionada a eles e
percebendo que sua impulsividade pode causar-lhes danos e feri-los (Winnicott,
1988).
94
Embora, nessa fase, o ambiente o cumpra mais papel essencial na
estruturação da personalidade, e tampouco possa evitar, através de seus cuidados,
que a criança saudável passe pelo complexo de Édipo (as fantasias são presentes
nessa fase sempre que o desenvolvimento inicial for satisfatório), ela ainda
necessita que ele se mantenha estável e sustentador:
Feliz e saudável é o menino que chega precisamente a este ponto de
seu desenvolvimento físico e emocional quando a família está intacta,
e que pode ser acompanhado em meio a esta constrangedora
situação em primeira mão pelos próprios pais, que ele conhece muito
bem, pais que toleram idéias, e cujo relacionamento é firme o
bastante a ponto de não temerem a tensão sobre as lealdades, criada
pelos ódios e amores da criança. (Winnicott, 1988, p.68)
Winnicott complementa:
Quando a família tem como base a união satisfatória do casal de
pais, a criança pequena encontra-se em condições de descobrir todos
os variados aspectos da situação triangular: os instintos podem ser
tolerados em seu desenvolvimento completo, tanto os sonhos
heterossexuais quanto os homossexuais podem ser sonhados, e a
capacidade para o ódio total, bem como para a agressividade e a
crueldade, pode vir a ser tolerada pela criança. Tudo isso se torna
possível no decorrer do tempo, dada a sobrevivência do lar e da
união entre os pais, a chegada, a sobrevivência e às vezes a morte
dos irmãos, e a capacidade dos pais de distinguir entre sonho e
realidade. (Winnicott, 1988, pp.173-174)
A possibilidade de viver a fase edípica de maneira tranquila, com a noção de
que o ambiente mantém-se estável a despeito de qualquer fantasia ou impulso
destrutivo permite à criança tornar-se “capaz de tolerar os sentimentos humanos
mais intensos sem construir defesas excessivas contra a ansiedade” (Winnicott,
1988, p. 68). Isso mesmo que os sintomas, em alguma medida, permaneçam, pois a
criança precisa organizar defesas contra a ansiedade de castração e contra os
desejos de morte inerentes ao conflito edípico.
Vale a ressalva de que Winnicott não parece determinar, através de suas
colocações, que somente a criança que tem ao seu dispor uma família de
características tradicionais, uma mãe e um pai casados, morando na mesma casa,
pode ter a situação familiar mais adequada para a passagem pelo Édipo. Ao
95
contrário, podem ser encontradas diversas vezes em sua obra a preocupação e a
descrição das funções de mãe, pai, etc. Ao que parece, quando as pessoas podem
cumprir tais funções na vida da criança, tudo está bem. Quanto ao conflito edípico,
mais especificamente, ele diz que irmãos e irmãs, amas, tias e tios podem facilmente
ocupar o lugar dos pais na trama (Winnicott, 1947a).
96
_____Análise Comparativa
97
3. Análise Comparativa
Nesta análise foram considerados os dados colhidos nas obras de Klein e
Winnicott, apresentados nos capítulos I e II, respectivamente, bem como as
produções de comentadores de suas obras, naquilo que diz respeito ao conceito em
questão, que possam auxiliar na tarefa comparativa. Para o trabalho com esses
dados, foram propostas três categorias de análise, derivadas do próprio percurso de
investigação. São elas: principais semelhanças e diferenças entre os conceitos
kleiniano e winnicottiano, relação dos autores com Freud e o lugar e a
importância do conceito de Édipo na proposta de Klein e de Winnicott.
3.1 Principais semelhanças e diferenças entre os conceitos kleiniano e o
winnicottiano
No esforço de delimitar aspectos convergentes e divergentes entre os
pensamentos desenvolvidos por Klein e Winnicott para o complexo de Édipo, o que
saltam aos olhos são as diferenças entre as duas posições.
Obviamente, a trama básica que sustenta a teoria do complexo de Édipo,
qual seja, a criança que vive sentimentos de amor e ódio em relação às figuras
parentais, amando a figura do sexo oposto e rivalizando a do mesmo sexo, é
compartilhada pelos autores, ainda que as condições e a dinâmica que fazem parte
do complexo de Édipo para Winnicott sejam muito diferentes do que se percebe na
proposta de Klein.
O primeiro aspecto a ser destacado é aquele que se pode considerar como a
maior fonte de desacordo entre Klein e Winnicott quanto ao referido tema: a questão
do momento em que se estabelece o complexo de Édipo e as condições envolvidas
no processo.
O principal ponto observado para se fazer tal comparação com o
pensamento de Winnicott, diz respeito à consideração, por Klein, de que as fantasias
edipianas têm origem precoce, ou pré-genital e que o complexo de Édipo é, desse
98
modo, um fenômeno da vida primitiva, estabelecendo-se por volta dos seis meses
de idade. Inicialmente, a autora citada o relaciona com a frustração oral sentida pelo
bebê com o desmame, reforçada pelas frustrações anais” (Klein, 1928, p.216) do
treinamento dos hábitos de higiene. Todavia, em virtude do desenvolvimento natural
de sua obra e da elaboração do conceito de posição depressiva (1935) e da
concepção de que a base do funcionamento mental é a interação entre amor e ódio
(1932), Klein reformula seu conceito de Édipo (1945), posicionando-o no momento
em que surge na criança o medo da perda do objeto bom (início da posição
depressiva), que é também o momento em que a ansiedade persecutória perde
força e os impulsos amorosos, ao contrário, tornam-se mais fortes.
No extremo oposto, as colocações de Winnicott, principalmente em Natureza
Humana, não deixam dúvida ao leitor sobre sua recusa do conceito de Édipo
precoce de Melanie Klein. Tal posicionamento de Winnicott parece estar baseado
em outros três pensamentos fundamentais do autor, os quais demonstram sua forma
de compreender o humano a partir de outra ótica e que, acima de tudo, apontam
para uma divergência teórica que não trata de um simples problema de datação
deste fenômeno. O primeiro deles é a afirmação winnicottiana de que a chegada ao
complexo de Édipo representa uma conquista tardia no processo de
amadurecimento, ou como ele diz “um ganho em saúde” (Winnicott, 1988, p.68).
Considera-o uma aquisição a qual demonstra que os processos anteriores
transcorreram tal como deveriam. Essa conquista possibilita ao ser o
estabelecimento do relacionamento triangular, em que cada integrante do triângulo é
percebido pela criança como pessoa inteira, integrado em seus elementos positivos
e negativos. A criança pode, então, integrar os sentimentos de amor e ódio, seja em
relação ao si mesmo, seja em relação ao objeto.
Para o aparecimento do conflito edípico, do ponto de vista de Winnicott, é
preciso que tenham sido ultrapassadas com sucesso muitas outras etapas
anteriores no desenvolvimento emocional: o primeiro momento da vida do bebê,
caracterizado pela dependência absoluta, com suas conquistas específicas
mencionadas; um segundo momento, da dependência relativa, chegando à saúde
99
no sentido de autonomia, de preocupar-se e sentir-se relacionado com os objetos e
de se ocupar dos efeitos de suas próprias ações
45
.
É somente nesse momento do percurso que Winnicott considera, como
visto, ser possível para a criança tomar contato com a figura do terceiro da relação
como um rival. A criança pode perceber os objetos do mundo como externos a si,
fora de seu controle, com características próprias, assim como é capaz de
armazenar na memória características relacionadas a esses objetos podendo,
assim, sentir ódio, amor, ou qualquer sorte de sentimentos por eles, inclusive culpa e
desejo de reparação.
Para Winnicott, dessa forma, poder viver o conflito edípico significa ter
cruzado etapas anteriores com sucesso e chegar a um momento em que a
sexualidade pode, então, fazer parte da vida do indivíduo nos moldes freudianos.
Como diz Winnicott, a criança “é apanhada pelo instinto e pelo amor” (Winnicott,
1988, p.72), quando entra no mundo das relações triangulares e precisa lidar com as
excitações que surgem nessas relações. Somente a partir da integração instintual,
que ocorre no concernimento (preocupação com os objetos), os instintos podem ser
percebidos como algo que advém do próprio indivíduo e ele pode, então, fazer uso
deles, tanto na dinâmica edípica, quanto em sua vida sexual adulta.
Tal modo de ver é diferente da concepção clássica, em que os instintos
estão no comando todo o tempo Winnicott diz: “o cavaleiro deve dirigir o cavalo, e
não se deixar levar” (Winnicott, 1967b, p.137). Conforme visto, é somente nesse
contexto que a sexualidade, com seu conjunto de fantasias e desejos, pode fazer
sentido (Winnicott, 1988).
A criança pode, a partir desse ponto do desenvolvimento, ter fantasias e
experiências genitais, mas a realização dessas fantasias fica postergada até a
puberdade, momento em que terá a potência necessária para tal. Nesse caso, a
interdição do terceiro da relação representa um “grande alívio” (Dias, 2003, p.288)
para a impotência da criança que, na ausência da função da terceira figura, precisa
enfrentar a “agonia da impotência” (Winnicott, 1988, p.62) sozinha.
45
C.f. Winnicott, 1965r, 1965n, 1953c, 1960c, 1963b, 1988. Também é possível encontrar tais ideias
de forma sistematizada em Dias 2003.
100
Em Klein, o adjetivo precoce designa que o complexo de Édipo começa a
ser vivido pela criança numa idade muito primitiva, por volta dos 6 meses, sendo
expresso através de impulsos orais e anais, direcionados a objetos ainda parciais e
internos. Para essa autora, desde o início da vida a criança internaliza objetos, que
são como “fantasias inconscientes” (Hinshelwood, 1992, p.82) de objetos da vida
real. São parciais porque, enquanto a criança não atinge a posição depressiva,
pode perceber os objetos como sendo ou bons ou maus – o mesmo objeto tem duas
representações mentais, sendo uma sobre suas características positivas e amáveis,
outra sobre suas características negativas, daquilo que causa frustração.
Segundo Winnicott, no entanto, a ideia da vivência do Édipo em termos de
objetos parciais é impraticável. Em primeiro lugar porque não é possível que se
estabeleça o conflito entre pessoas que não são totais, visto que a relação triangular
característica, sob essa ótica, pode ocorrer verdadeiramente quando a criança
está integrada e percebe os objetos do triângulo da mesma forma. Em segundo
lugar, ele também não pode ocorrer quando os objetos são totalmente internos, ou
na linguagem de Winnicott, subjetivos, isto é, são ainda apenas figuras da realidade
psíquica da criança (Winnicott, 1988). Fica claro que, para esse autor, o complexo
de Édipo pode vir a se instalar na vida da criança tardiamente, “em algum lugar
entre os 2 e os 5 anos” (Winnicott, 1988, p.73), cumpridas todas as etapas já
citadas, quando há saúde.
As divergências quanto ao Édipo, segundo Loparic (1997b), são as bases do
afastamento de Winnicott em relação a Klein
46
. A partir de 1946, com a
apresentação de Klein de seu conceito sobre a posição esquizo-paranoide, “não
mais definida pela situação edípica, mas ainda assim baseada em mecanismos e
forças constitutivos dessa situação” (Loparic, 1997b, p. 48), a questão se agravou.
Em 1952, teve início uma forte crise entre Winnicott e Klein (e seus seguidores),
quando Winnicott publicou seu trabalho Angústia associada com insegurança
(1958d), no qual defendia que a relação mãe-bebê não tem sua base naquilo que é
instintual e também não deriva de relações de objeto, pois o bebê não é ainda,
propriamente, uma pessoa que possa se relacionar. Dessa maneira, Winnicott
propõe uma psicanálise sem o conceito de Édipo no centro das compreensões,
46
Dias (2003, p.272) também explicita a total oposição de Winnicott à tese do Édipo precoce.
101
entendendo a constituição do ser humano a partir dos cuidados iniciais recebidos da
mãe-ambiente nos primórdios da vida (Loparic, 1997b).
O segundo aspecto a ser enfatizado, ainda que faça parte do contexto desse
primeiro argumento, é a premissa winnicottiana de que o bebê não pode ser
entendido como um ser maduro, ou mesmo separado do ambiente que o sustenta. O
autor afirma, como citado anteriormente: “Isso que chamam de bebê não existe”
(Winnicott 1958d, p.165). Portanto, o bebê não deve ser visto como alguém que
se relaciona e fantasia, desde o início da vida, tal qual um neurótico, de posse das
condições necessárias para a administração dos instintos nas relações interpessoais
ou da capacidade de perceber e dar sentido às experiências corporais: “É
necessário não pensar no bebê como uma pessoa que sente fome, e cujos instintos
podem ser satisfeitos ou frustrados, e sim como um ser imaturo” (Winnicott, 1965n,
p.56).
Para Klein, o cenário é completamente diferente. Ela ressalta que os bebês
são guiados pelos instintos e pela libido; são também capazes de estabelecer
relações de objetos desde o início da vida, podendo amar e odiar o objeto - mesmo
que ainda seja interno - podendo se frustrar ou se gratificar na relação com ele,
como se vê no trecho a seguir:
Tenho expressado com freqüência [sic] minha concepção de que
relações de objeto existem desde o início da vida, sendo o primeiro
objeto o seio da mãe, o qual, para a criança, fica cindido em um seio
bom (gratificador) e um seio mau (frustrador); essa cisão resulta
numa separação entre o amor e o ódio. Sugeri ainda que a relação
com o primeiro objeto implica sua introjeção e projeção e, por isso,
desde o início as relações de objeto são moldadas por uma interação
entre projeção e introjeção, e entre objetos e situações internas e
externas. Esses processos participam da construção do ego e do
superego e preparam o terreno para o aparecimento do complexo de
Édipo na segunda metade do primeiro ano. (Klein, 1946, p.21)
Em Winnicott, por outro lado, a possibilidade de integração representa uma
conquista do processo de amadurecimento (Winnicott, 1965n), o que afasta o autor
da linha de pensamento vigente, encabeçada por Klein, que considerava a
integração do indivíduo como um fato, um dado a priori. Conforme o autor, tanto a
separação entre “eu” e “não-eu”, quanto a possibilidade de “sentir que a vida é real”
102
ou “digna de ser vivida” (Winnicott, 1967b, p.137) são conquistas do
desenvolvimento saudável.
O terceiro aspecto a ser abordado, ainda sobre a recusa de Winnicott do
conceito kleiniano de Édipo precoce, refere-se às compreensões distintas que Klein
e Winnicott têm acerca do que vem a ser pré-genitalidade. Loparic, em artigo de
1997, aponta para esse problema como um dos pontos principais de discordância de
Winnicott em relação a Klein. Loparic explica que Klein, assim como Freud, concebia
o conceito de pulsão pré-genital como excitação de outras zonas erógenas [oral e
anal], que não a genital, mas que tinham o mesmo fundamento que a pulsão genital,
isto é, o impulso do Id (Loparic, 1997b).
Winnicott segue discordando desse tipo de entendimento do que se pode
chamar de pré-genital dizendo, em primeiro lugar, que a zona oral é a única zona
que pode ser considerada pré-genital, que o estágio anal é muito variável e mal
pode ser definido (Winnicott, 1988). Além disso, aquilo que se refere ao anal implica
na excreção de algo que esteve dentro da criança e que é, dessa forma, um
subproduto da oralidade. Winnicott também propõe que é muito mais correto pensar
na criança não em termos de oralidade sádica ou erótica, mas em termos de sua
progressão do estado de ruthless (incompadecimento) para o estado de concern
(preocupação). Loparic (1997b) considera que esse movimento de Winnicott
demonstra sua caminhada no estudo da criança em um rumo oposto àquilo que se
relaciona com o Id, afastando-se da teoria kleiniana e da freudiana.
De fato, como foi possível notar na apresentação do pensamento
winnicottiano, uma das preocupações do autor quando escrevia ou falava para
analistas era chamar sua atenção, principalmente dos mais ortodoxos, para os
processos da vida primitiva do bebê que não as “pulsões eróticas e agressivas”, ou
ainda o “instinto pré-genital, de erotismo oral e anal, de reações à frustração”
(Winnicott, 1970b, p.196). Em Winnicott, encontramos a ideia de que o bebê, embora
tenha algumas excitações genitais localizadas, não tem a capacidade de
desenvolver fantasias genitais (Winnicott, 1988). Do ponto de vista desse autor, o
que faz um bebê começar a existir e, como dito anteriormente, a sentir que sua vida
é algo real [não a de um falso self] e que vale a pena, não é a gratificação instintual
e sim o contato humano, o cuidado materno (Philips, 1988).
103
A partir de outro ponto de vista, Klein trabalha com a concepção de que, logo
nos primórdios da vida, juntamente com os impulsos pré-genitais, os bebês também
“possuem desejos genitais voltados para a mãe e para o pai, e têm um
conhecimento inconsciente tanto da vagina quanto do nis” (Klein, 1945, p.461).
Elas fantasiariam desde cedo a respeito do interior do corpo da mãe, dos processos
de cópula dos pais e da fecundação, por exemplo.
Loparic (1997b) lembra que, para Winnicott, o processo oral de incorporação
não pode ser tomado como o primeiro modo de relação da criança com o mundo,
uma vez que a criança o quer comer ou incorporar a mãe, ao contrário do que
pensa Klein. Winnicott enfatiza:
É necessário enxergar através do mito psicanalítico (agora felizmente
desaparecendo) de que o período inicial da infância é uma questão
de satisfações relativas à erotogeneidade oral. (Winnicott, 1968a,
pp.195-196)
Saindo da discussão acerca das condições e da época [cronológica] do
Édipo para cada autor, é necessário que se dê destaque à questão do diagnóstico
da personalidade em relação ao tema. Não dúvida, para os dois psicanalistas, de
que o complexo de Édipo é um fenômeno relacionado à neurose; eles também
parecem compartilhar a ideia de que a psicose pode se manifestar já na tenra
idade
47
.
No entanto, parece claro que Winnicott diverge de Klein no que diz respeito
à vivência do Édipo e à estrutura psicótica. Para ele, a psicose não pode ser
caracterizada em termos do complexo de Édipo, que está ligada a dificuldades
“nas fases mais precoces” (Winnicott, 1963c, p.198), a uma falha ambiental no
período em que a dependência do bebê é absoluta, logo no início da vida
48
(Winnicott, 1965vc). Trata-se, desse modo, de um estágio primitivo do
desenvolvimento, em que o indivíduo não teve as condições necessárias para
chegar à integração da personalidade. Para esses casos, diz Winnicott, o “complexo
de Édipo verdadeiro” (Winnicott, 1963c, p.198) não é uma realidade, pois essa
pessoa não está integrada e não consegue perceber e nem se relacionar de forma
47
Cf. Klein, 1930 e Winnicott, 1965n.
48
Veja também Winnicott, 1953a e 1963a.
104
total com os objetos. O tratamento deveria, dessa forma, ser outro. A situação
clássica de interpretação dos conteúdos edípicos nada poderiam fazer por esses
pacientes. A atuação do analista estaria ligada ao oferecimento de condições,
mediante manejo específico, de sustentação no tempo e no espaço e de
oferecimento de uma relação de confiabilidade, para que o paciente pudesse
retomar seu desenvolvimento no sentido da saúde, bloqueado por falhas ambientais
(Winnicott, 1955d).
Conforme o percurso traçado no capítulo II, nota-se que esse foi o
posicionamento adotado pelo autor em diversas ocasiões. Havia uma preocupação
em mudar os rumos da compreensão que se tinha até então sobre a psicose. Essa
compreensão foi grandemente promovida por Klein, que na tentativa de oferecer
tratamento psicanalítico para as psicoses, ela o faz sobre as bases do conflito
edípico, como visto na apresentação do caso Dick em seu texto de 1930. Consoante
a autora, a problemática da psicose se relacionava a uma quantidade de ansiedade,
derivada das tendências edípicas, que ia muito além do que o ego poderia dar conta,
que inviabilizava as experiências de ansiedade, que o sadismo era totalmente
expulso, impossibilitando o desenvolvimento normal e a inserção na cultura (Klein
1930). O tratamento clínico seria a liberação dessa ansiedade, para que o indivíduo
pudesse continuar se relacionando, estabelecendo suas cadeias simbólicas, etc.
Outra consideração importante a ser feita nesta discussão diz respeito ao
papel conferido pelos autores ao ambiente, durante o complexo de Édipo. Winnicott
afirma que, mesmo o ambiente não exercendo, nesta etapa, função de extrema
importância para a integração do indivíduo, como ocorre nas fases anteriores,
continuar a ter destaque no pensamento do autor: ele considera que a criança que
vive o Édipo em um ambiente que permanece estável, suportando seus ataques e
“deslealdades” (Winnicott, 1988, p.68), mesmo que o conflito propriamente dito seja
vivido em termos da sua realidade psíquica, passa por esse ponto do
desenvolvimento de forma tranquila, podendo fantasiar livremente a respeito da
morte do pai ou do que mais lhe convier, sem construir defesas excessivas contra a
ansiedade ou ter que se preocupar com o resultado efetivo de suas fantasias. Mais
além, Winnicott considera que a forma como o processo se estabelece e é vivido
pela criança tem maior ligação com as figuras reais de seus pais, isto é, com aquilo
105
que esses pais podem oferecer para a criança, em termos relacionais, e com sua
própria saúde mental, ou ausência dela (Winnicott, 1989xa).
O contrário é verdadeiro na visão de Klein. Em diversas ocasiões
49
, a autora
demonstrou priorizar os aspectos intrapsíquicos para a compreensão do dinamismo
humano e, logicamente, para o complexo de Édipo, como as introjeções da criança,
as defesas contra a ansiedade, a interação entre amor e ódio, etc. O que ocorria ao
redor da criança, mesmo que fossem “sérias dificuldades na história inicial” (Klein,
1945, p.418) não parecia à autora o suficiente para “explicar a gravidade”, (idem) de
uma doença. As “questões mais importantes” (Klein, 1945, p.452) eram sempre os
processos internos da criança. Dessa forma, o complexo de Édipo parece ser
encarado pela autora como uma tarefa intrapsíquica, na qual a figura real dos pais
tem pouca ou nenhuma importância.
É verdade que alguns comentadores
50
de Klein não concordam com a
consideração de que ela não teria prestado a devida atenção aos fatores ambientais
quando da formulação de suas teorias. Contudo, o próprio Winnicott faz essa crítica
à autora, dizendo que ela era “incapaz”, “por temperamento” (Winnicott, 1965va,
p.161, de perceber a importância do ambiente para os processos do
desenvolvimento. Em outra ocasião, ele comenta que falar com Klein sobre os
processos ligados aos primórdios da existência humana seria equivalente a “falar de
cor a um daltônico” (Winnicott, 1987b, p.96). Em Philips (1988), também é possível
encontrar o destaque para a colocação de Joan Rivière, mais fiel seguidora de Klein
(e que viria a ser a segunda analista de Winnicott), descrevendo a psicanálise de
Klein focada no mundo interno da criança, sem se ocupar do mundo real ou da
adaptação da criança a esse mundo
51
.
Essa discussão não tem o intuito de afirmar que Klein considerou ou deixou
de considerar a importância do ambiente em suas teorizações. Trata-se, apenas, de
ressaltar um aspecto que, na teoria de Winnicott para o desenvolvimento inicial, tem
49
Cf. Klein, 1921, p.48; 1945, p.418 e p.452.
50
C.f. Aguayo, 2002; Figueiredo e Cintra, 2004.
51
Essa descrição de Joan Rivière pode ser encontrada na biografia de Melanie Klein (Grosskurth,
1987, p.167).
106
grande destaque e que parece também fazer parte, de determinada forma, do
estágio edípico.
3.2 Relação dos autores com Freud
Ambos os autores demonstram em seu trabalho grande reconhecimento
daquilo que Freud veio a descobrir e a oferecer ao mundo no que diz respeito à
sexualidade infantil. Também se percebe uma preocupação de Klein e Winnicott em
serem reconhecidos como continuadores de Freud: Winnicott porque queria ser
ouvido em suas próprias contribuições e porque acreditava que o descoberto por
Freud sobre o complexo de Édipo era insubstituível e dispensava novos
comentários; Klein, ainda que tivesse desenvolvido uma teoria que contrapunha a
teoria freudiana em vários aspectos, ansiava ser aceita por Freud e ter seu trabalho
reconhecido por ele.
Inicialmente, é necessário o destaque para a modificação na compreensão
de Klein sobre o conceito de complexo de Édipo de Freud. Como apontado por
Greenberg e Mitchell (1994), Klein deu primazia ao conflito entre os impulsos de
amor e ódio na dinâmica da criança, deixando em segundo plano o conflito entre o
desejo e a censura, preconizado por Freud. Isso posto, os principais aspectos em
que Klein distanciou-se de Freud quanto ao tema em questão, os quais foram
enunciados pela própria autora em 1945, se referem, em primeiro lugar, à própria
consideração de que o Édipo se iniciava na pré-genitalidade, envolvendo objetos
parciais. O bebê ainda não percebe a mãe como pessoa total: a mãe é tida pela
criança como um objeto parcial, o seio, e sobre ele incidem suas pulsões eróticas.
Nasio (2007) argumenta que, em Freud, isso não é possível. Na visão freudiana, a
experiência do Édipo pode ocorrer com a criança que percebe seus pais como
“pessoas globais dotadas de um corpo, habitadas por um desejo e suscetíveis de
sentirem prazer” (Nasio, 2007, p.73).
Loparic (1997a) explica que Klein conhecia as objeções feitas por Fenichel
(1930) a sua teoria do Édipo precoce as quais foram comentadas e endossadas
107
por Freud em 1931 - porque ela modificava as relações e etapas do
desenvolvimento descritas pelo último: no início do desenvolvimento, ocorre um tipo
de relação dual (mãe-bebê) e não triádica, o que impossibilitava a existência de
fantasias edípicas nesse estágio. Porém, Klein acreditava que, mediante suas
descobertas clínicas, a teoria do complexo de Édipo poderia continuar a existir
por meio das alterações propostas por ela, o que, de seu ponto de vista, segundo
Loparic: “não implica em rejeitar as suposições básicas da psicanálise tradicional”
(Loparic, 1997a, p.379).
Na busca por manter-se na trilha de Freud, Klein entende a relação inicial
mãe-bebê como uma relação a três, portanto, edípica, pois acredita que todo ser
possui, desde o início um “saber inato” (Loparic, 1997a, p.379) sobre a situação
edípica relacionada à figura dos pais combinados: uma “teoria inconsciente” (Klein,
1945, p.463) do pênis desejado do pai dentro da mãe. Ainda em Loparic (1997a), vê-
se a consideração de que a aplicação feita por Klein do complexo de Édipo para
estágios primitivos do desenvolvimento cria um afastamento entre o conceito de
complexo de Édipo e a experiência em si, que faz parte da vida real da criança.
Klein também discorda de Freud no que diz respeito à fase de formação do
superego, como produto da equação edípica: uma vez que o complexo de Édipo se
dava em uma etapa pré-genital, o aparecimento do superego na estrutura psíquica
também deveria acontecer mais precocemente (Hinshelwood, 1992). Klein diz:
Em ambos os sexos, o superego passa a existir durante a fase oral.
Sob o domínio da vida de fantasia e de emoções conflitantes, a
criança introjeta seus objetos antes de mais nada, os pais em
cada estágio de sua organização libidinal, construindo o superego a
partir desses elementos. (Klein, 1945, p.461)
O superego deixa de ser, para essa autora, produto final do complexo de
Édipo, ligado ao surgimento do sentimento de culpa, como postulara Freud. Surgia,
na verdade, com as “primeiras introjeções” (Klein, 1958, p.273) ocorridas desde o
nascimento e influenciava todas as relações objetais desde o início. Para Klein, a
culpa faz parte do processo desde os primórdios da vida devido aos “desejos sádico-
orais de devorar a mãe” (Klein, 1945, p.461), e influencia todo o desenvolvimento
edípico.
108
Nesse sentido, Greenberg e Mitchell (1994) apontam que Klein, até a
metade da década de 1930, antes de desenvolver o conceito de posição depressiva
e de assumir a interação amor-ódio como base do funcionamento mental, também
desenvolveu ao extremo os conceitos de fantasias inconscientes e objetos internos
da criança. Em Freud, eram encarados como aspectos relacionados ao momento
em que as figuras dos pais fossem internalizadas, na resolução do complexo
edipiano. No trabalho de Klein ligado ao Édipo, entretanto, nota-se que a criança
possui inúmeras fantasias inconscientes sádicas ligadas às figuras dos pais,
extremamente elaboradas e, na maioria das vezes, relacionadas ao interior do corpo
da mãe (Greenberg e Mitchell, 1994).
Outro ponto de divergência de Klein em relação a Freud foi sobre o que ele
considerou a principal causa de ansiedade masculina na etapa edípica, responsável
pelo declínio do complexo, o medo da castração pelo pai vingativo. Para Klein, os
sentimentos de amor e culpa se tornam mais fortes do que os impulsos odiosos: o
menino passa a querer preservar o pai como objeto bom. No caso da menina, Klein
também discorda de Freud sobre a importância dada por ele à fantasia de a mãe
possuir um nis, como atributo masculino, que não quis lhe dar. Ela assevera fazer
mais sentindo pensar em termos da fantasia inconsciente do pênis do pai introjetado
na mãe (Klein, 1945), mas acredita que o componente principal que dirige a menina
ao pai como objeto de desejo é a frustração na relação com o seio, que não lhe
nutre mais. Isso gera ódio em relação à figura da e, que é reforçado pela inveja
sentida proveniente da fantasia de que a mãe é a possuidora do pênis do pai (Klein,
1928). A fantasia de não ter recebido um pênis da mãe, diz Klein, é entendida pela
menina como uma punição por seus ataques sádicos.
Ainda que desenvolvesse o conceito freudiano ao extremo, Klein parece
continuar a dar a mesma importância ao complexo de Édipo que Freud havia
preconizado. O próprio Winnicott reconhece que Klein ampliou as ideias de Freud,
mas não alterou seu método de trabalho (Winnicott, 1984c). Fica este tópico em
suspenso, por hora, para ser melhor abordado na categoria seguinte.
Em Winnicott, por outro lado, a afirmação de que Freud havia dito tudo
o que havia para dizer com relação ao complexo de Édipo. Há também concordância
com a ideia de que a formação do inconsciente reprimido ocorre nesse processo.
Ainda assim, verifica-se que Winnicott tenta oferecer uma leitura em sua “própria
109
linguagem” (Winnicott, 1988, p.54), enfatizando alguns aspectos, como o papel da
figura real dos pais e da importância do ambiente estável nesse período. Há também
algumas revisões na dinâmica do menino e da menina, como quando o autor
considera que a castração serve para a criança como um alívio da pressão de ter de
apresentar a potência necessária, sem poder de fato -la, para realizar o desejo da
mãe, assim como quando discorda de que a base do ser feminino possa ser definida
por sua ausência do pênis e por sua inveja daquele que o possui, passando a
buscar esse possuidor que possa lhe completar.
Estabelecendo o paralelo com Klein sobre esses aspectos, vemos que ainda
que a autora considere que o menino também se sente, de certa forma, castrado
como ocorre com a menina, quando ele percebe que não tem um órgão especial que
gera a vida, como tem sua mãe, a castração é sentida por ele como algo angustiante
e aterrorizador (Klein, 1928).
Ainda sobre as relações entre as colocações de Winnicott e as de Freud, vê-
se que Winnicott procura demonstrar, veementemente, que a psicose não está
relacionada a problemas edípicos e que Freud não pôde chegar a essa constatação
porque “labutava sob condições desfavoráveis” (Winnicott, 1989xa, p.188), que
teve de trabalhar e descobrir os meandros da vida psíquica a partir do zero. Além
disso, Winnicott considera que Freud desenvolveu sua teoria tomando como certas
as boas condições de cuidado ambiental no início da vida.
Na visão de Greenberg e Mitchell (1994), Winnicott procura tanto ser um
continuador das ideias de Klein, mesmo criticando-a abertamente consideram que
o movimento do autor de re-descrever conceitos da autora denota esse interesse
quanto, em maior grau, mas de maneira “forçada” (Greenberg & Mitchell, 1994,
p.152), mostrar-se como um seguidor de Freud. Eles acreditam que a leitura feita
por Winnicott do complexo de Édipo freudiano é “distorcida” (idem), uma vez que ele
suprime o aspecto básico freudiano do conflito entre pulsão e realidade e o substitui
pelo conflito de Klein entre amor e ódio. Desse modo, Winnicott consegue, para
esses autores, “preservar uma ilusão de consenso e tradição sem quebra”
(Greenberg & Mitchell, 1994, p.152), apresentando suas próprias contribuições como
se fossem desdobramentos naturais de seus antecessores.
Em Philips (1988), encontra-se a ideia de que Winnicott possuía em seu
modo de se expressar “certa honestidade travessa” e uma “perspicácia ...
110
intencionalmente bondosa” (Philips, 1988, p.36), que lhe permitiam re-descrever
“radicalmente” (Philips, 1988, p.93) os conceitos da psicanálise. Esse autor
considera que, na maioria das vezes, quando Winnicott queria tecer críticas duras,
principalmente a Klein e a Freud, iniciava ou terminava seus artigos e comentários
dizendo que suas ideias estavam “inteiramente de acordo” (idem) com as deles,
quando, de fato, não estavam.
Tal compreensão de Winnicott não é unânime entre seus comentadores.
Outeiral e Celeri (2002), por exemplo, propõem em seu artigo resgatar a tradição
freudiana de Winnicott. Acreditam que a desconsideração da importância que
Winnicott deu para a figura paterna e para o conflito edípico no todo de seu
pensamento significa “subestimar a formação teórica” e “vasta experiência clínica”
(Outeiral & Celeri, 2002, p.775) do autor, que na base da teoria de objetos e tudo
a que a ela se relaciona [objeto transicional, uso do objeto, etc.], encontram-se as
funções parentais, tanto da mãe suficientemente boa, quanto do “pai suficientemente
bom” (Outeiral & Celeri, 2002, p.774).
Esse tipo de controvérsia leva, invariavelmente, à indagação sobre o lugar
que o conceito de complexo de Édipo ocupa, na obra de cada um desses autores e
a importância que assumem para o conjunto geral de seu pensamento.
3.3 O lugar e a importância do conceito de complexo de Édipo na proposta
de Klein e de Winnicott
O caminho percorrido por este trabalho, com a leitura das obras de Klein e
de Winnicott denota, de imediato, que o complexo de Édipo foi muito mais
explorado, como um conceito teórico, por Melanie Klein do que por Winnicott. É
possível notar que, em Klein, encontram-se longas explanações e tentativas de
novas articulações e em muito maior número de vezes do que nos escritos de
Winnicott. Ela tenta, nitidamente, aproveitar do material freudiano para explicar os
fenômenos da pré-genitalidade que encontrava em sua prática clínica. Winnicott, ao
que se pode observar, limitou-se a falar sobre o complexo de Édipo somente quando
pretendia caracterizar os processos relativos à saúde e à possibilidade de
111
estabelecimento da neurose, mediante cuidados ambientais prévios satisfatórios.
Limitou-se a recontar o trabalho desenvolvido por Freud, talvez através de sua
leitura própria do conceito freudiano e de seu modo particular de expor a seu leitor
ou ouvinte seus pensamentos novos e contrários de forma polida, o que o fazia soar
apenas como mais um continuador das ideias já existentes.
De forma geral, os comentadores de Klein reconhecem a posição central
que o conceito de Édipo desempenha em sua obra. Ainda que seus seguidores,
conforme Philips (1988), tenham considerado o conceito de posição depressiva de
tal magnitude para a psicanálise que “viria a substituir a centralidade que Freud
havia conferido ao Complexo de Édipo tardio” (Philips, 1988, p.90), Loparic aponta
que essa questão parece ter sido superada, pois os comentários da Comissão
Editorial responsável pela publicação das obras completas de Klein não deixam
dúvida quanto ao aspecto central e ao valor do conceito para o pensamento dessa
autora (Loparic, 1997b).
De acordo com Loparic (1997b), a diferença entre Klein e Winnicott reside
especialmente na ruptura acerca das compreensões sobre o complexo de Édipo.
Para fazer esta afirmação, apóia-se na noção de paradigma desenvolvida por
Thomas S. Kuhn em A estrutura das Revoluções Científicas (1970), como
instrumento que possibilita ao observador a clarificação da estrutura de uma ciência
e que viabiliza a comparação entre aspectos dessa ciência
52
. Segundo Kuhn (1970),
toda ciência madura possui características estruturais que determinam os problemas
que ela se propõe a resolver e de que maneira esses problemas serão resolvidos.
Ao conjunto dessas características - problema exemplar, generalizações simbólicas,
modelo metafísico ou ontológico, valores, entre outras - que são compartilhadas por
um grupo de cientistas, Kuhn deu o nome de paradigma.
Tendo por base esse instrumento, Loparic (1997a, 1997b, 2001, 2006)
propõe ser possível detectar na ciência psicanalítica a existência de um paradigma
52
Fulgencio (2007) aponta que esse uso do instrumento paradigma para o estudo da psicanálise
representa uma tentativa de superação da dificuldade de comunicação entre os grupos e subgrupos
formados no desenvolvimento da psicanálise, rumando a uma definição daquilo que seria a própria
disciplina psicanalítica.
112
freudiano, o que significa dizer que podem ser encontrados no trabalho de Freud os
elementos descritos por Kuhn, compartilhados pelo grupo de psicanalistas, ainda
que a psicanálise não possa ser considerada como uma ciência factual madura
(Loparic, 2006). No que tange ao interesse deste trabalho, ressalta-se que, do ponto
de vista de Loparic, o problema exemplar da psicanálise é o complexo de Édipo,
assim como o método de trabalho é baseado na interpretação desse complexo, a
partir do material emergente na transferência
53
. Loparic nomeia o paradigma
freudiano como edípico ou triangular, devido à importância do problema exemplar do
Édipo na psicanálise dita tradicional.
A partir desse modo de compreensão da ciência psicanalítica, Melanie Klein,
embora tenha procurado expandir o conceito freudiano e proposto novas
formulações a ele, continuou tendo no complexo de Édipo seu modelo para a
resolução de problemas clínicos (Loparic, 1997b). Ela pode ser considerada,
portanto, como uma continuadora da psicanálise freudiana, porque seu modelo
básico para resolução de problemas, entre outros aspectos paradigmáticos, continua
sendo o conflito edípico, haja vista a própria tentativa de compreensão da vida
primitiva pré-genital, e também da psicose, a partir desse pilar de sustentação.
Em recente artigo, Fulgencio (2008) considera que não dúvidas quanto ao
fato de Klein ser freudiana, que ela reitera e dá continuidade aos pontos principais
da teoria de Freud, principalmente quanto à manutenção do “Édipo como problema
básico e estruturante do psiquismo” (Fulgencio, 2008, p.127).
Em Winnicott, no entanto, o caminho é outro. Segundo Loparic, a
compreensão de Winnicott envolvia um Édipo “em potencial” (Loparic, 1997b, p.49),
que poderia vir a se estabelecer na vida do indivíduo caso o sucesso na adaptação
do ambiente às necessidades do bebê, nas fases anteriores a esta, fosse uma
realidade. Ele afirma que Winnicott retirou o complexo de Édipo do lugar de primazia
que ocupava na teoria de Freud e de Klein, por exemplo, assim como de seus
seguidores, porque o o encarava como o problema central do existir humano. O
53
Loparic também discursa sobre quais seriam os outros correspondentes na psicanálise freudiana
aos aspectos elencados por Kuhn para o paradigma. Contudo, eles não serão apresentados nesta
ocasião, por estarem além dos objetivos propostos
.
113
modelo exemplar é, em Winnicott, “o bebê no colo da mãe(Loparic, 1997b, p.58),
que diz respeito muito mais a um desenvolvimento humano compreendido a partir do
aspecto relacional, da ordem da comunicação humana, do que a partir da teoria da
sexualidade.
Essa leitura de Loparic o comunga de aceitação irrestrita por meio de
seus interlocutores, ora porque discordam do emprego do instrumento de Kuhn para
as ciências humanas
54
, ora porque acreditam, como visto, que Winnicott não
representa algo de original ou mesmo um afastamento dos pressupostos básicos da
psicanálise. Não cabe, neste trabalho, qualquer discussão a este respeito, dada a
complexidade do tema. Todavia, os desenvolvimentos durante mais de vinte anos
feitos por Loparic sobre a história da psicanálise contribuem para o embasamento do
ponto de vista anteriormente apresentado: Winnicott realmente se ocupou do
complexo de Édipo em menor escala do que Klein e conferiu a ele o lugar de mais
um aspecto do desenvolvimento humano, não seu pilar básico de constituição, como
ocorre em Freud e em Klein.
Quando Winnicott falou sobre o Édipo, referiu-se à neurose ou à saúde
mental. Falou em termos freudianos, mas conforme informações de comentadores
apresentadas, tentou transparecer uma continuidade que, muitas vezes, não se
confirmava.
Winnicott, portanto, parece não ter se estendido no tema do complexo de
Édipo, como fez Klein, porque não tinha neste modelo sua base para a
compreensão do desenvolvimento emocional. O complexo seria mais uma etapa,
que poderia acontecer ou não. Sua preocupação estava nos processos que, de fato,
são principais por serem integrativos do indivíduo e por se relacionarem com a
necessidade e a continuidade de ser do indivíduo, aspectos anteriores à etapa
edípica e que não tem a teoria da sexualidade como seu fundamento.
54
Cf. Fulgencio, 2007.
114
_______Considerações Finais
115
4. Considerações Finais
O percurso traçado neste trabalho conduz à consideração de que Klein e
Winnicott partem de concepções diferentes para pensar o desenvolvimento humano,
principalmente no que concerne ao período inicial da vida. Klein, ainda que
desenvolvesse os conceitos freudianos de maneira particular e ampliadora, parece
continuar concebendo o desenvolvimento com base na teoria da sexualidade, que
envolve a consideração do complexo de Édipo como aspecto fundamental da vida
do indivíduo.
Já Winnicott, embora procurasse, sempre que possível, demonstrar seu
respeito e aceitação no que se refere às ideias freudianas – e, por vezes, também às
kleinianas - entende que o existir humano se inicia a partir do contato com outro
humano, a mãe, processo que envolve comunicação profunda e ações adaptativas
do ambiente. Dito de outra maneira, sua compreensão não está assentada na teoria
da sexualidade e na busca de gratificação instintual do bebê (Winnicott, 1967b).
Mesmo quando o foco é centrado na fase edípica, percebe-se que as
compreensões de Klein e de Winnicott sobre tal dinâmica também guardam
diferenças entre si, o que parece deixar claro que, os distanciamentos entre os
autores, além de divergências teóricas e conceituais, apontam também para
diferentes direções de tratamento clínico. Isso significa dizer que, levadas em conta
as considerações apresentadas neste trabalho, a ação na clínica winnicottiana, em
comparação com a clínica kleiniana, pode apresentar modificações que necessitam
de destaque.
No que tange ao campo da neurose, ainda que o tratamento transcorra
sobre as bases da análise e interpretação
55
da transferência do paciente em sua
relação com o analista, tal como propõe a tradição freudiana, e sua expansão, feita
por Klein, observam-se em Winnicott elementos novos, como a consideração da
importância das pessoas reais que se relacionam com a criança e a importância da
55
O tema da interpretação na obra de Winnicott também pode ser desenvolvido em termos de
aproximações e afastamentos para com a teoria clássica. Contudo, isto não poderia ser feito nos
limites destas considerações. Para uma apreciação das colocações de Winnicott sobre a
interpretação na psicanálise, c.f. Winnicott, 1989o; Sipahi, 2006.
116
tolerância dos pais em relação às deslealdades e ataques do filho durante o
processo. Tais elementos apontam, transferido o cenário para a situação analítica,
para a necessidade de que o analista se coloque para o paciente também como
alguém que oferece uma situação especial, resguardada, de confiabilidade e
previsibilidade, em que ele pode ser tolerado em suas deslealdades e ataques.
Certamente, fala-se aqui de pessoas que conseguiram atingir a integração
da personalidade, no sentido de serem pessoas inteiras e se relacionarem com
pessoas também percebidas como inteiras, e que, então, passaram com sucesso
pelas fases maturacionais anteriores, inclusive a fase do “uso do objeto” (Winnicott,
1969i, p.121), momento que Winnicott enfatiza como sendo de extrema necessidade
a sobrevivência dos objetos mediante os ataques da criança, pois possibilita a
destruição do objeto subjetivamente percebido no psiquismo e o início da relação
com o objeto objetivamente percebido. Entretanto, Winnicott parece também
continuar concebendo, no que se refere à dinâmica edípica, a necessidade de o
analista sobreviver ao ataque do paciente na cena analítica. Cabe acrescentar que
isso diz respeito ao sobreviver do analista como pessoa real que ele é, como alguém
que oferece ao paciente um ambiente estável e confiável e que não age com
retaliação na relação com ele.
Tal sobrevivência ou tolerância poderia implicar, também, em uma postura
do analista que comportasse momentos nos quais a interpretação de tais ataques
não seria o elemento mais importante. O próprio Winnicott considera que, em muitos
momentos, é mais proveitoso “esperar” (Winnicott, 1969i, p.121) pela evolução
natural da confiança do paciente em relação ao analista do que partir para uma
“produção de interpretações” (idem). Embora ele não esteja falando especificamente
da dinâmica neurótica, sua descrição do complexo de Édipo também abrange, de
certa forma, esses elementos clínicos. em Philips (1988), por exemplo, a
afirmação de que o tratamento psicanalítico na visão de Winnicott era “primeiro e
antes de tudo a provisão de um ambiente adequado, de um ambiente de holding’,
análogo ao cuidado materno” (Philips, 1988, p.33). Isso não encontra correlato na
clínica kleiniana, sempre fundamentada na interpretação dos elementos de amor e
ódio no cenário edípico, presentes desde muito cedo, e encarada por Klein como a
única via de acesso para a diminuição da ansiedade do paciente, permitindo-lhe
117
fortalecimento dos compromissos firmados entre o Id e o ego (Klein, 1930, 1932,
1945).
Além desses aspectos, questões como a colocação de Winnicott sobre o
medo de castração do menino representar um alívio para a criança, no que diz
respeito a sua falta de potência para realizar o desejo de união erótica com a mãe,
bem como a consideração de que a mulher não pode ser descrita apenas como um
“macho castrado” (Winnicott,1988, p.62), sendo sempre um ser incompleto e inferior
em busca do pênis invejado do homem, como era feito na psicanálise até então,
abrem as portas para a consideração de que o analista, precisa estar atento a esses
elementos. Quando na posição da figura do pai, além de representar da lei e a
interdição do desejo, precisa ser capaz de prover também o alívio necessário para o
fardo que o paciente carrega de ter de dar conta do desejo da figura materna. Da
mesma forma, precisa ter em mente, no caso da mulher, que a compreensão de sua
dinâmica deve ser mais ampla do que aquela ligada à ausência de um pênis: sua
análise precisa levar em conta, como diz Winnicott, que os processos que formam a
identidade feminina estão ligados à capacidade de criar a vida, de gerar filhos e que
esses elementos são mais importantes na constituição feminina do que a fantasia da
ausência do pênis.
No caso específico das psicoses, que se considerar que as diferenças no
encaminhamento da conduta clínica em Klein e em Winnicott são ainda maiores.
Isso porque o pensamento que norteia Winnicott para descrever os processos
primordiais do desenvolvimento afetivo é muito diferente do de Klein. Enquanto esta
caracteriza o problema da psicose como excesso de ansiedade, relacionada à
questão edípica, impossível de ser tolerado pelo ego, Winnicott afasta a psicose do
complexo de Édipo. Ele afirma que a psicose é oriunda da falha ambiental ocorrida
nos primórdios da vida, quando o indivíduo ainda o se integrou em uma unidade,
e que impede os desdobramentos saudáveis do desenvolvimento
56
.
56
O tema das psicoses em Winnicott e os conceitos nele envolvidos, como o de falha ambiental
necessitaria de extensa explanação. No entanto, procura-se fazer uso deles dentro do que permite o
enquadre deste trabalho. Para maiores informações, c.f. Dias, 1998.
118
Para Klein, a terapêutica mediante casos psicóticos preserva a postura
clássica do analista, que interpreta as ansiedades da criança a partir do conflito
edípico, como se nota na descrição do caso Dick (Klein, 1930). Tal intervenção
possibilita a diminuição e elaboração da ansiedade, o que permite o estabelecimento
das relações simbólicas com os objetos, aspecto este principalmente prejudicado
neste tipo de funcionamento psíquico.
Na visão de Winnicott, a clínica dos estados o-neuróticos, sejam eles
psicóticos, depressivos, antissociais, etc., pressupõe encaminhamentos que se
afastam do setting tradicional porque o trabalho com esses casos não se faz através
da interpretação do conflito edípico, uma vez que este não é o eixo da questão; a
conduta do analista está ligada muito mais ao “manejo” (Winnicott, 1955d, p.460), ou
seja, ao oferecimento de condições (holding, handling) que permitam ao paciente o
descongelamento das “situações de fracasso ambiental” (Winnicott, 1955d, p.466).
Dentre essas condições também estaria o manejo correto do ódio
contratransferencial que o analista fatalmente sentirá pelo seu paciente, considerado
por Winnicott como elemento inerente à clínica de psicóticos (Winnicott, 1949f).
Winnicott chega até mesmo a considerar que, com base nessas ideias, o trabalho
analítico tradicional não atinge resultado positivo, mas que “fenômenos da vida
cotidiana” (Winnicott, 1955d, p.466), como uma amizade ou um período de cuidado
durante uma doença física, teriam um “poder curativo” (idem) para esses casos.
A questão da clínica em Winnicott e em Klein necessitaria de um trabalho
específico e exaustivo, se o objetivo fosse estabelecer comparações sobre o que se
pode alcançar com cada uma delas, em termos de auxílio real para o paciente, seja
ele neurótico, psicótico ou outro. Contudo, por ser esta uma pesquisa teórica, da
análise do conceito de complexo de Édipo no pensamento desses dois autores, a
discussão acerca da clínica foi deliberadamente deixada de fora da análise do
material colhido, pois tais considerações podem ser entendidas como consequência
do trabalho realizado.
O tema da clínica esteve, na verdade, presente como pano de fundo da
discussão aqui produzida, que as comparações teóricas apresentadas se fazem
úteis, indubitavelmente, quando podem sair do campo da discussão acadêmica e
servirem de orientação para ações efetivas que representem benefício para aquele
que necessita de ajuda profissional.
119
Dessa forma, novos direcionamentos de pesquisa podem ser traçados,
pesquisas estas que procurem cada vez mais a lapidação dessas questões, já que o
problema sobre se Winnicott propôs realmente modificações ou rupturas para com a
psicanálise tradicional, e principalmente, para com Melanie Klein, parece longe de
uma solução. Procurou-se demonstrar nesse trabalho que a questão da
diferenciação entre o pensamento de Winnicott e o tradicional merece a atenção dos
pesquisadores, visto que existe uma gama de contribuições específicas deixadas
por Winnicott para o estudo e o tratamento do que se refere à natureza humana e
que, sem esse esforço, podem ser perdidas ou desconsideradas.
120
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pós-graduação stricto-sensu em psicologia clínica, Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo.
Winnicott, D. W. (1945d/1978)
58
. O desenvolvimento emocional primitivo. In Da Pediatria à
58
A obra de Winnicott é apresentada segundo classificação proposta por Knud Hjulmand (1999).
Também foram incluídos os dados da classificação feita por Harry Karnac (c.f. Winnicott, 1996a), que
numera os livros de Winnicott de W1 a W21.
128
Psicanálise (pp.269-286), Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
Winnicott, D. W. (1945i/2008). E o pai? In A criança e seu mundo (pp.127-133). Rio de
Janeiro: LTC, W7.
____________ (1947a/2008). A criança e o sexo. In A criança e seu mundo (pp.166-182).
Rio de Janeiro: LTC, W7.
____________ (1949f/1978). O ódio na contratransferência. In Da Pediatria à Psicanálise
(pp.341-354). Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
____________ (1953a/1978). Psicose e cuidados maternos. In Da Pediatria à Psicanálise
(pp.375-388). Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
____________ (1953c/1975). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. O Brincar &
a Realidade (pp.13-44). Rio de Janeiro: Imago, W10.
____________ (1954a/1978). A mente e sua relação com o psique-soma. In Da Pediatria à
Psicanálise (pp.409-426). Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
____________ (1955c/1978). A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal.
In Da Pediatria à Psicanálise (pp.437-458). Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
____________ (1955d/1978). Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no
Contexto psicanalítico. In Da Pediatria à Psicanálise (pp.459-482). Rio de Janeiro:
Francisco Alves, W6.
____________ (1958b/1978). Agressão e sua relação com o desenvolvimento emocional.
In Da Pediatria à Psicanálise (pp.355-374), Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
____________ (1958d/1978). Ansiedade associada à insegurança. In Da Pediatria à
Psicanálise (pp.205-210). Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
____________ (1958h/1982). Análise da criança no período de latência. In O ambiente e os
processos de maturação (pp.106-113). Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
____________ (1958m/1978). Pediatria e neurose infantil. In Da Pediatria à Psicanálise
129
(pp. 513-520). Rio de Janeiro: Francisco Alves, W6.
Winnicott, D. W. (1958o/1982). Psicanálise do sentimento de culpa. In O ambiente e os
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____________ (1960c/1982). Teoria do relacionamento paterno-infantil. In O ambiente e os
processos de maturação (pp.38-54). Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
____________ (1963a/1982). Dependência no cuidado do lactente, no cuidado da criança
e na situação psicanalítica. In O ambiente e os processos de maturação (pp.225-233).
Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
____________ (1963b/1982). O desenvolvimento da capacidade de se preocupar. In O
ambiente e os processos de maturação (pp.70-78). Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
____________ (1963c/1982). Os doentes mentais na prática clínica. In O ambiente e os
processos de maturação (pp.196-206). Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
___________ (1963d/1982). Moral e educação. In O ambiente e os processos de
maturação (pp.88-98). Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
____________ (1964a/2008). A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: LTC, W7.
____________ (1965h/1982). Classificação: existe uma contribuição psicanalítica à
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Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
____________ (1965n/1982). A integração do ego no desenvolvimento da criança. In O
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indivíduo. In O ambiente e os processos de maturação (pp.79-87). Porto Alegre: Artes
Médicas, W9.
____________ (1965va/1982). Enfoque pessoal da contribuição kleiniana. In O ambiente e
os processos de maturação (pp.156-162). Porto Alegre: Artes Médicas, W9.
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Winnicott, D. W. (1965vc/1982). Provisão para a criança na saúde e na crise. In O ambiente
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____________ (1967b/1975). A localização da experiência cultural. In O brincar & a
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Porto Alegre: Artes Médicas, W19.
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Paulo: Martins Fontes, W14.
____________ (1987b/1990). O gesto espontâneo. São Paulo: Martins Fontes, W17.
____________ (1988/1990). Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago.
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Winnicott, D. W. (1989o/1994). A interpretação na psicanálise. In Explorações Psicanalíticas
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____________ (1989vl/1994). Psiconeurose na infância. In Explorações Psicanalíticas
(pp.53-58). Porto Alegre: Artes Médicas, W19.
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____________ (1989xf/1994). Primórdios de uma formulação de uma apreciação e crítica
do enunciado kleiniano da inveja. In Explorações Psicanalíticas (pp.340-347). Porto
Alegre: Artes Médicas, W19.
____________ (1989xi/1994). Comentários sobre ‘On the Concept of the superego’, de
Joseph Sandler. In Explorações Psicanalíticas (pp.353-358). Porto Alegre: Artes
Médicas, W19.
____________ (1996a/1997). Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artes Médicas, W21.
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