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presentes famílias de renda superior à sua, para aproveitar as externalidades de vizinhança de
acordo com o raciocínio de Becker, já apresentado. Citando o texto original (Abramo 2007):
Feita a escolha, essa família vai morar numa zona cujo perfil populacional lhe é estranho, já que
a maioria das demais famílias possui renda superior. (...) A estratégia de se beneficiar da
localização para aumentar suas próprias vantagens (ou proveitos) procede justamente, em
termos intertemporais, de um comportamento oportunista, pois a família que a utiliza vai
usufruir da vantagem de uma externalidade de vizinhança (interação com famílias mais
abastadas) formada, na verdade, sem sua contribuição.
No caso dessa configuração, impõe-se, porém, uma questão concreta: qual será a reação das
famílias majoritárias diante desse tipo diferente, uma vez que, para elas, a chegada do intruso
significa uma redução da externalidade positiva decorrente do efeito causado pela aglomeração
de famílias do mesmo tipo? Pode ser que vejam aí uma ameaça, ou, pelo contrário, achem que
essa família diferente (e solitária) não modificará de maneira expressiva as externalidades de
vizinhança que os levaram a escolher tal localização. No segundo caso, adotariam um
comportamento mais pacífico diante do intrometido oportunista.
Entretanto, basta que apenas uma das famílias do bairro invadido decida sair (devido a essa
nova e inesperada relação de vizinhança) para que se inicie um processo de transformação da
composição social do bairro. O processo, teorizado por Schelling com o nome de tipping model,
pode obedecer a dinâmicas diversas. Se o lugar que essa partida deixou vago for ocupado por
uma família de renda também inferior, isso pode incentivar a saída de outras famílias mais
abastadas. Daí em diante, um processo reiterativo em que novas chegadas provocam a partida
de antigos moradores fará com que a composição do local entre numa fase de transformação.
(...) E esse processo ocorre a despeito dos postulados da teoria de mercado da localização
residencial, que servem de referência às antecipações racionais dos agentes.
Esse tipo de reação em cadeia é imprevisível, pois não pode ser previsto por algum tipo de
projeção com base em acontecimentos passados. No jargão da econometria de séries de tempo
este seria um fenômeno não-ergótico. Ele pode ocorrer em qualquer lugar, pode gerar novas
reações em cadeia e atingir a cidade como um todo. Isso é a base concreta para a formação de
um contexto onde a incerteza urbana é radical e generalizada. A decisão de uma família pode
deflagrar um processo que muda de maneira imprevisível as características que basearam as
outras escolhas. Isso é o que Shackle chama de decisão crucial.
Passemos agora ao lado da produção. As decisões cruciais, ou seja, aquelas que, uma vez
tomadas por algum agente (ainda que único e independentemente dos outros), possam provocar
uma ruptura de caráter imprevisível com o passado, podem ser tomadas também por