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Para exemplificar o que acontece quando algo falha nessa relação mãe-
bebê, recordo o caso do jovem André Gide, cuja mãe
(...) tinha altíssimas e notabilíssimas qualidades e um não-sei-
quê de totalmente elidido em sua sexualidade, em sua vida
feminina, que, na presença dela, certamente deixava o menino,
no momento de seus primeiros anos de vida, numa posição
não situada. (Lacan, 1999 [1957-1958], p. 269)
Segundo Lacan, Gide só gozava na identificação com situações
catastróficas. Sua vida só toma sentido a partir de uma época específica da
adolescência, quando se identifica a uma jovem prima.
Identificação (...). Trata-se do momento em que ele
encontra a prima aos prantos no segundo andar da casa para
onde se precipitara, não tanto atraído por ela, mas sim por seu
faro, por seu amor à clandestinidade que grassava naquela
casa. É depois de haver atravessado o primeiro andar, onde se
encontra a mãe da prima – sua tia, a quem ele mais ou menos
entrevê nos braços de um amante –, que ele encontra a prima
aos prantos e, nisso, encontra um auge de embriaguez,
entusiasmo, amor, desamparo e devoção. A partir daí, ele se
dedica a proteger essa criança, como nos dirá mais tarde.
(Lacan, 1999 [1957-1958], p. 269)
Mas Gide nessa época não se identifica só com a prima como também
com a mãe da citada prima, que anteriormente já havia tentado seduzi-lo. Com
efeito, é no momento em que a tia o seduz, que Gide, pela primeira vez, se
transforma no filho desejado, embora fuja horrorizado da cena:
(...) nada viera introduzir o elemento de aproximação e
mediação que teria feito daquilo outra coisa que não um
trauma. No entanto, ele se descobrira pela primeira vez na
posição da criança desejada. Essa situação nova, que sob
certo aspecto seria salvadora para ele, iria fixá-lo, no entanto,
numa posição profundamente dividida, em razão da maneira
atípica, tardia e, repito, sem mediação como se produziu esse
encontro. (Lacan, 1999 [1957-1958], p. 270)
Dessa maneira, Gide toma na cena de sedução um lugar diferente do até
então ocupado. Onde havia vazio, passou a haver um lugar de criança desejada,
porém nada mais que isso. Não podendo aceitar o desejo do qual foi objeto,
Gide se recusa a permanecer nesse lugar, mas seu eu passa a se identificar
para sempre, mesmo sem o saber, com o sujeito do desejo do qual ele se tornou
dependente: “Gide apaixonou-se para sempre, até o fim da vida, por aquele
menininho que ele fora por um instante nos braços da tia, dessa tia que lhe
afagara o pescoço, os ombros e o peito. Sua vida inteira resumiu-se nisso”
(ibidem, p. 270). Como mais tarde Lacan desenvolveu extensivamente em seu