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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES
RENATA CERQUEIRA DO NASCIMENTO SALVALAIO
POLÍTICA OFICIAL DE PRESERVAÇÃO EM VITÓRIA:
ANÁLISE DE UMA TRAJETÓRIA. 1900-2000
.
VITÓRIA
2008
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RENATA CERQUEIRA DO NASCIMENTO SALVALAIO
POLÍTICA OFICIAL DE PRESERVAÇÃO EM VITÓRIA:
ANÁLISE DE UMA TRAJETÓRIA. 1900-2000.
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Artes do Centro
de Artes da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Artes, na linha de pesquisa Patrimônio
e Cultura.
Orientador: Nelson Pôrto Ribeiro
VITÓRIA
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Salvalaio, Renata Cerqueira do Nascimento, 1980-
S182
p
Política oficial de preservação em Vitória : análise de uma
trajetória,1900-2000 / Renata Cerqueira do Nascimento Salvalaio.
– 2008.
205 f. : il.
Orientador: Nelson Pôrto Ribeiro.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Artes.
1. Patrimônio histórico – Preservação – Vitória (ES). 2.
Políticas públicas. I. Ribeiro, Nelson Pôrto. II. Universidade Federal
do Espírito Santo. Centro de Artes. III. Título.
CDU: 7
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, por acreditar no meu trabalho e por apontar caminhos
desconsiderados;
À colaboração essencial dos funcionários do IPHAN em Vitória e no Rio de
Janeiro, Mosquito, JV e Zezé, pelo empenho em me ajudar a qualquer momento,
e aos funcionários dos arquivos públicos municipal e estadual, pela colaboração;
À Karine e Nagib, da CDV, pela disposição em me ajudar sempre;
À Facitec, pelo apoio financeiro à minha pesquisa;
Aos meus colegas de mestrado, pelos momentos de descontração e por dividirem
comigo as experiências e dificuldades de fazer parte de um curso novo;
À minha família, pelo apoio incondicional;
Ao meu marido, pela paciência e incentivo constantes;
À Deus.
RESUMO
Analisa as políticas oficiais voltadas para a preservação do patrimônio cultural
edificado de Vitória ao longo do século XX, buscando situar a questão dentro do
contexto nacional de proteção desse patrimônio. Foi possível estabelecer três
momentos distintos ao longo dessa trajetória: no primeiro, referente às quatro
primeiras décadas do século passado, os documentos oficiais e as matérias da
imprensa local indicaram a ausência de uma preocupação com o patrimônio
histórico e artístico na cidade, o que contribuiu, em parte, para a transformação do
centro tipicamente colonial em núcleo urbano predominantemente eclético; o
segundo momento se refere ao período marcado pela atuação exclusiva do órgão
federal de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional – IPHAN - na
cidade, assim como a atuação de André Carloni como representante do órgão no
estado, o que não impediu a descaracterização do centro histórico da capital.O
terceiro momento identificado coincide com a descentralização das ações de
preservação, que passam a se desenvolver nas outras esferas de governo.
Através desses três períodos foi possível acompanhar a mudança dos valores
atribuídos ao patrimônio edificado em Vitória, tendo como base principalmente as
ações legais de preservação, em especial o tombamento. Verificaram-se ainda as
medidas de proteção e acautelamento que o município dispõe para garantir a
permanência desses bens identificados como integrantes do patrimônio local e
sua compatibilização com os mecanismos urbanísticos vigentes.
Palavras-chave: política de preservação, patrimônio edificado, preservação em
Vitória, André Carloni.
ABSTRACT
It analyzes the official politics directed toward the preservation of the built
cultural patrimony of Vitória throughout century XX, searching to situate the
question inside the national context of protection of this patrimony. It was
possible to establish three distinct moments throughout this trajectory: the
first, referring to the four first decades of the passed century, the official
documents and the articles of the local press had indicated the absence of a
concern about the historic and artistic heritage built in the city, which
contributed, in part, for the transformation of the typically colonial center into
a predominantly eclectic urban nucleus; the second moment relates to the
period marked for the exclusive performance of the federal agency of
preservation of national historic and artistic heritage – IPHAN - in the city, as
well as the performance of Andre Carloni as representative of the agency in
the state, which did not hinder the mischaracterization of it. The third
identified moment coincides with the decentralization of the actions of
preservation, which pass to develop in the other spheres of government.
Through these three periods were possible to follow the change of the
values attributed to the patrimony built in Vitoria, having as base mainly the
legal means of preservation, in special the ones under governmental trust.
The types of protection and forewarning that the city makes use to
guarantee the permanence of these possessions identified as integrant of
the local patrimony had still been verified, as well as its compatibilization
with the effective urbanistics mechanisms.
Keywords: preservation politics, built heritage, preservation in Vitoria, Andre
Carloni.
Lista de ilustrações
Fig. 1 – Vista de Vitória em 1910 ___________________________________ 49
Fig. 2 – Configuração espacial de Vitória em 1908 _____________________ 50
Fig. 3 – Largo da Igreja de São Tiago e Antiga Igreja da Misericórdia _______ 55
Fig. 4 – Construção da Assembléia Legislativa ________________________ 55
Fig. 5 – Assembléia Legislativa (Palácio Domingos Martins) ______________ 56
Fig. 6 – Catedral Metropolitana de Vitória ____________________________ 56
Fig. 7 – Colégio dos Jesuítas e capela de São Tiago ___________________ 57
Fig. 8 – Escadaria e Cais do Imperador ______________________________ 58
Fig. 9 – Escadaria Bárbara Lindenberg ______________________________ 59
Fig. 10 – Configuração espacial de Vitória em 1912 ____________________ 60
Fig. 11 – Avenida capichaba (década de 30) __________________________ 62
Fig. 12 – Sede da Comissão de Melhoramentos da Capital ______________ 63
Fig. 13 – Grupo Escolar Gomes Cardim ______________________________ 64
Fig. 14 – Teatro Carlos Gomes ____________________________________ 64
Fig. 15 – Escadaria Maria Ortiz ____________________________________ 65
Fig. 16 e 17 – Convento de São Francisco ___________________________ 66
Fig. 18 e 19 – Vista atual do Convento de São Francisco ________________ 67
Fig. 20 – Configuração espacial de Vitória em 1930 ____________________ 68
Fig. 21 – Representação esquemática dos aterros na capital _____________ 69
Fig. 22 – Vista do centro de Vitória na década de 30 ____________________ 71
Fig. 23 – Porto de Vitória na década de 30 ___________________________ 72
Fig. 24 – Teatro Melpômene _______________________________________ 74
Fig. 25 – Planta esquemática do centro de Vitória ______________________ 77
Fig. 26 – Igreja e Convento do Carmo e Capela do Sr. dos Passos ________ 79
Fig. 27 – Igreja e Convento do Carmo após reforma ____________________ 79
Fig. 28 – Foto atual do Convento do Carmo ___________________________ 80
Fig. 29 – Construção da assembléia Legislativa _______________________ 81
Fig. 30 – Assembléia Legislativa na década de 30 _____________________ 82
Fig. 31 – Assembléia Legislativa na década de 50 _____________________ 82
Fig. 32 – Assembléia Legislativa em 2000 ____________________________ 82
Fig. 33 – Construção da Catedral Metropolitana _______________________ 84
Fig. 34 – Construção da catedral metropolitana (década de 60) ___________ 84
Fig. 35 – Vista atual da Catedral ___________________________________ 85
Fig. 36 – Vista da Catedral entre os prédios __________________________ 85
Fig. 37, 38 e 39 – Ilustrações dos catálogos de André Carloni ____________ 88
Fig. 40 – Óleo de Franz Post ______________________________________ 97
Fig. 41 – Catedral da Sé de Olinda em 1870 __________________________ 97
Fig. 42 – Catedral da Sé de Olinda em 1919 __________________________ 97
Fig. 43 – Catedral da Sé de Olinda na década de 70 ____________________ 98
Fig. 44 – Solar Monjardim _________________________________________ 99
Fig. 45 – Capela de Santa Luzia ___________________________________ 99
Fig. 46 – Igreja do Rosário ________________________________________ 99
Fig. 47 – Igreja de São Gonçalo ____________________________________ 99
Fig. 48 – Fachada da Capela de Santa Luzia na década de 70 ___________ 104
Fig. 49 – Desenho da Capela de Santa Luzia por André Carloni __________ 104
Fig. 50 – Capela de Santa Luzia e adjacências _______________________ 105
Fig. 51 – Igreja de São Gonçalo na década de 40 ____________________ 106
Fig. 52 e 53 – Vista da Igreja de São Gonçalo atualmente ______________ 107
Fig. 54 – Vista do centro de Vitória na década de 90 ___________________ 111
Fig. 55 – Edificação à Rua Muniz Freire _____________________________ 119
Fig. 56 – Antiga Capitania dos Portos ______________________________ 133
Fig. 57 – Residências à Rua José Marcelino _________________________ 134
Fig. 58 – Edifício Antenor Guimarães _______________________________ 134
Fig. 59 – Edifício Glória __________________________________________ 135
Fig. 60 – Placas publicitárias em fachadas do centro __________________ 141
Fig. 61 – Escadaria de acesso à Igreja do Rosário ____________________ 146
Fig. 62 – Casarões à Rua da Alfândega, Salvador ____________________ 148
Fig. 63 – Sobrados à Rua José Marcelino ___________________________ 148
LISTA DE SIGLAS
ABL – Academia Brasileira de Letras
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CEC – Conselho Estadual de Cultura
CFC – Conselho Federal de Cultura
CMPDU – Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano
CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural
CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
DCR – Divisão de Conservação e Restauro
DET – Divisão de Estudos e Tombamentos
DPHAN – Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
EMBRAFILME – Empresa Brasileira de Filmes S/A
EMBRATUR – Empresa Brasileira de Turismo
ENBA – Escola Nacional de Belas Artes
FAFI – Faculdade de Filosofia e Letras
FJSN – Fundação Jones dos Santos Neves
FNpM – Fundação Nacional Pró-Memória
IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil
IBPC – Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural
IHGES – Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MAES – Museu de Artes do Espírito Santo
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MES – Ministério da Educação e Saúde Pública
MinC – Ministério da Cultura
Monumenta – Programa de Preservação do Patrimônio Cultural Urbano
PCH – Programa Integrado de Reconstrução de Cidades Históricas do Nordeste
(Plano de Cidades Históricas)
PDU – Plano Diretor Urbano
PEE – Plano de Estruturação do Espaço da Grande Vitória
PMV – Prefeitura Municipal de Vitória
PNC – Plano Nacional de Cultura
PNPI – Programa Nacional do Patrimônio Imaterial
SEC – Secretaria de Cultura
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UNE – União Nacional dos Estudantes
9
Apresentação
Tal como muitas cidades brasileiras, ao longo do século XX Vitória foi vítima de
transformações urbanas que tiveram como conseqüência a substituição do seu
substrato histórico para atender novas demandas sociais e econômicas. Esse
desenvolvimento urbano trouxe consigo um aspecto contraditório: ao mesmo
tempo em que as transformações urbanas possuem aspectos negativos,
caracterizados principalmente pelas modificações ocorridas na paisagem, elas
surgem como um incentivo para a manutenção dos referenciais do passado,
simbolizados pelos edifícios antigos, e essenciais para o reforço da identidade
local, educação e formação dos cidadãos. De certa forma, a iminência do
desaparecimento cria condições para a preservação, ou seja, a perda incentiva a
proteção.
O processo de preservação oficial do patrimônio cultural, apesar de ter sua
trajetória iniciada na década de 30 do século passado, só se consolidou de fato
no último quarto do século, após reavaliações e atualizações das políticas
preservacionistas em vigor e da inserção dessa questão no planejamento urbano
dos municípios. O assunto tem retornado à tona dos interesses políticos, culturais
e sociais, sob óticas diferenciadas, resultando em ações diversas e, muitas vezes,
contraditórias. A proteção do patrimônio cultural “extrapola hoje os muros do
Estado e alcança a sociedade.”
1
.Vários exemplos de práticas diferenciadas de
proteção podem ser verificadas em municípios que possuem patrimônio cultural
edificado, em ações que envolvem a sociedade, políticas públicas e empresários,
especialmente nos setores da construção civil e do turismo.
Esse trabalho pretende fazer uma análise do processo de construção do
patrimônio histórico e artístico em Vitória, e tentar abordar isso a partir de critérios
orientadores de preservação, em especial a política federal de proteção. O corpo
principal do estudo aprofunda-se nas políticas públicas
2
oficiais de proteção do
patrimônio edificado na cidade em três períodos distintos e, como metodologia,
1
SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do patrimônio cultural em cidades. Belo Horizonte: Ed.
Autêntica, 2001. p.17.
2
Entende-se aqui política pública como o conjunto articulado de decisões, programas, recursos e instituições,
a partir da iniciativa do Estado, visando determinados objetivos.
10
foram analisados fatos significativos ocorridos no município, especialmente os
que tiveram reflexo direto na conformação espacial do centro fundacional de
Vitória. A pesquisa abrange tanto os aspectos históricos quanto o processo de
ocupação do centro, e foi contemplada com mapas e fotos ilustrativos da região, a
fim de elucidar o leitor a respeito do conteúdo textual apresentado. Não foram
consideradas no estudo ações isoladas de proteção ou a participação de outros
agentes fora da esfera pública de governo.
A estrutura do trabalho foi dividida em quatro capítulos. O primeiro deles, como
capítulo introdutório, terá como propósito reunir elementos para, nos capítulos
seguintes, situar as políticas de preservação locais no contexto nacional, ao longo
do século XX. Para isso, buscou-se trabalhar a idéia geral da trajetória de
preservação do patrimônio no Brasil, tendo como ponto de partida o momento de
elaboração de uma política federal oficial de proteção e a conseqüente criação do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Dentro desse
contexto, faz-se necessária uma discussão da participação do Estado na
configuração de uma “memória nacional”, através da identificação de elementos
que caracterizassem uma identidade brasileira. Ainda no mesmo capítulo será
trabalhada a ampliação da noção do patrimônio ao longo do século, e de que
forma isso influenciou na reestruturação do SPHAN ocorrida na década de 70. Tal
reestruturação teve como uma das conseqüências a descentralização das
práticas de preservação e, a partir dos trabalhos do Centro Nacional de
Referência Cultural (CNRC), uma maior valorização dos patrimônios regionais.
O segundo capítulo será dedicado a discutir a inexistência de uma preocupação
com a preservação do patrimônio edificado no período anterior à atuação do
SPHAN no Estado. As primeiras décadas do século XX na cidade de Vitória
foram marcadas por uma verdadeira política de destruição, caracterizada pelas
obras de remodelação urbana e pelos projetos de modernização. Essa política
tinha também como pano de fundo um discurso de dominação, onde
representantes do poder público local buscavam se afirmar através da
intervenção em edifícios já existentes. O período analisado nesse capítulo
abrange desde a virada para o século XX até o momento em que se inicia no
11
estado a representação do órgão federal de preservação e, consequentemente,
as primeiras ações de proteção oficial do patrimônio edificado em Vitória.
O período de atuação de André Carloni como representante oficial do IPHAN no
Estado, que vai de 1943 a 1965, é o foco central do terceiro capítulo. Num
primeiro momento, pretende-se entender os motivos que levaram o Governo
Federal a escolher André Carloni como representante do órgão no Espírito Santo.
Através das obras de restauração que trabalhou e dos projetos que elaborou para
Vitória, será possível compreender os critérios que norteavam o seu trabalho
nessa nova função. Feito isso, será realizada uma análise da forma como se dava
a sistemática de proteção na cidade e a ausência, até então, de uma legislação
estadual ou municipal de preservação.
Por fim, o período estudado no quarto capítulo coincide com o estabelecimento de
um escritório técnico do SPHAN em Vitória, e se estende até o final do século.
Somente na década de 70 é que se inicia um movimento em âmbito estadual e
municipal de preocupação com a preservação do patrimônio edificado, apesar do
Conselho Estadual de Cultura já ter sido criado em 1967, com o intuito de
promover a defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico do Estado. O
momento também coincide com o período de realização dos Grandes Projetos
para a região metropolitana de Vitória, o que intensificou o processo de
verticalização do centro e a ameaça ao patrimônio local, frente à grande
especulação imobiliária. Nesse sentido, buscar-se-á apresentar toda a sistemática
utilizada nas práticas de preservação implementadas pelo poder público que
incidam sobre o centro histórico de Vitória, os responsáveis pela sua realização,
seus objetivos e de que forma a administração pública procurou trabalhar essa
questão dentro do desenvolvimento socioeconômico da cidade.
Por se tratar de um assunto amplo, porém ainda pouco pesquisado, o estudo não
esgota o tema, e deixa abertas as portas tanto para novos desdobramentos
quanto para o aprofundamento do conteúdo abordado. Espera-se que, com essa
abordagem das ações de preservação do patrimônio edificado em Vitória, a
pesquisa possa contribuir para uma melhor compreensão do processo e para a
atividade de instituições públicas ou privadas interessadas na proteção de nossa
memória materializada na cidade e incorporada no nosso cotidiano.
12
Capítulo I - A preservação no contexto nacional
A temática do patrimônio no Brasil só começa a ser considerada oficialmente
relevante a partir da década de 20, efetivando-se com o decreto-lei nº25 de 30 de
novembro de 1937. De lá para cá os debates sobre preservação sofreram
algumas transformações, influenciadas por mudanças sociais, políticas e culturais
e por novas tendências internacionais a respeito do tema, que alargaram a noção
de patrimônio e inseriram esses bens num debate mais amplo do significado
econômico, político e social da preservação. Esse capítulo pretende esboçar o
contexto geral de preservação do patrimônio histórico e artístico no Brasil a partir
de dois momentos fundamentais: a formação do Estado-Novo e sua participação
na configuração de uma “memória nacional” na década de 30 – que coincide com
a chamada fase “heróica” do SPHAN- e a década de 70, período onde, a partir
dos trabalhos do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), surge uma
maior valorização dos patrimônios regionais e que culmina com a reestruturação
do SPHAN, também chamada fase “moderna”. A análise será centrada nas
práticas institucionais realizadas para a construção do patrimônio nacional e a
participação dos grupos de intelectuais envolvidos nesse trabalho.
1.1 A construção de uma identidade nacional
A discussão a respeito do que consiste a identidade cultural brasileira é de longa
data. Desde o romantismo de José de Alencar, que buscou construir um modelo
de Ser nacional através da idealização do elemento indígena, passando pelas
teorias raciais do final do século XIX até os nossos dias, a questão do nacional e
do popular esteve presente em todos os debates sobre cultura no Brasil. O tema
ganhou maior enfoque nas décadas de 20 e 30 do século XX, quando coincidem
dois momentos específicos na história brasileira: a formação do Estado Novo e o
movimento modernista.
O período que vai de 1930 a 1945 foi caracterizado por um processo de
construção da nação, através da constituição e legitimação do Estado brasileiro.
13
De modo geral, os projetos de construção da nação se dão através da noção de
continuidade com o passado. Para Hobsbawn
3
, a idéia de tradição construída é a
que melhor resume esse processo. Para o autor, essas tradições, enquanto
práticas de natureza simbólica, tentam estabelecer uma continuidade com um
passado histórico apropriado, do qual são retirados elementos que possam servir
para os novos propósitos nacionais. São essas continuidades históricas que, ao
apelar para um passado comum a toda a população, criam um sentimento de
pertencimento nacional. No entanto, o que acontece de fato não é uma relação de
manutenção de laços de continuidade com o passado, mas uma verdadeira
criação desses laços. Ao se escolher, entre uma gama enorme de elementos, os
que melhor se adequam ao projeto de nação que se deseja construir, está se
fazendo um recorte arbitrário no passado, em nome da constituição de uma
tradição nacional. Como afirma Halbwachs
4
, as tradições não se constituem por
obra da natureza, mas por ação humana.
Esse trabalho de invenção das tradições, envolvendo uma certa dose de
manipulação do passado, é possível porque trabalha com o elemento memória. É
a memória que dá suporte à construção da identidade. No entanto, ela é seletiva,
podendo ser forjada, especialmente quando se trata de memórias coletivas. Para
Le Goff
5
, a memória é um instrumento de poder quando se torna oficial e
institucionalizada, cristalizada sob a forma de tradições e trabalhando em defesa
de interesses constituídos. Por esse motivo, segundo o historiador, “tornarem-se
senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das
classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades
históricas”
6
. No caso das memórias nacionais, estas precisam eliminar diferenças
a fim de se estabelecerem. Os nacionalismos estão sempre vinculados a um
discurso unificador, homogeneizador da cultura. Ao analisar a apropriação da
cultura feita através dos discursos nacionalistas, Gonçalves conclui que esta:
[...]implica em transformar o outro no mesmo, o diferente no idêntico, o que está disperso no
que vem a ser concentrado, o que existe sem fronteiras numa entidade dotada de fronteiras
3
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997.
4
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.
5
LE GOFF, Jacques. Memória e história. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.
6
Ibid, p.426.
14
bem delimitadas. A apropriação dos traços culturais por intelectuais e políticos nacionalistas
para “representar” a nação é uma estratégia narrativa por meio da qual esta vem a se
configurar simbolicamente como uma entidade individualizada, integrada e dotada de limites
bem estabelecidos.
7
Ainda dentro do conceito de memória, Ortiz fornece uma diferenciação bastante
clara entre memória nacional e memória popular
8
. Para o autor, a problemática da
cultura popular está sempre vinculada à da identidade nacional, uma vez que o
Estado se apropria de manifestações culturais populares para transformá-las em
representações da cultura nacional. Dessa forma, trabalha-se com dois tipos de
memória: uma nacional e a outra popular. A primeira se dá no nível da ideologia,
é produzida, e não se concretiza no cotidiano das pessoas. Em contrapartida, a
memória popular é da ordem da vivência, e se manifesta ritualmente dentro de
grupos sociais restritos. Enquanto uma é universal, a outra é particularizada. Tal
afirmação de certa forma explica a dificuldade em se conseguir uma participação
efetiva da sociedade na defesa do patrimônio cultural. Uma vez que as medidas
são tomadas de cima, elas não adquirem significado para a população.
No caso brasileiro, com o regime autoritário implantado pelo golpe de 1937, o
Estado passa a se apresentar como agente da construção da nação, responsável
por um “projeto nacional” maior que viria a tornar o Brasil uma nação civilizada.
Assim como ocorreu na França pós revolução, a estruturação de um Estado
organizado se deu através da criação de mecanismos subjetivos de controle dos
indivíduos, que ordenassem a sociedade de acordo com certos princípios e
valores que deveriam ser interiorizados para se tornarem efetivos. A idéia de
nação viria para “cobrir, sob o rótulo comum de cidadãos, as diferenças entre
indivíduos subordinados a um mesmo Estado”
9
. Dessa forma, o Estado deveria
criar as condições para o sentimento nacional, sob o discurso da superioridade
dos bens comuns sobre os interesses particulares. Segundo Canclini, no período
estado-novista:
[...] as tarefas do poder público consistem em resgatar, preservar e custodiar especialmente
bens históricos capazes de exaltar a nacionalidade, de serem símbolos de coesão e
7
GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. 2.ed.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/IPHAN, 1996. p.79.
8
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 2005.
9
NEVES, Guilherme Pereira das. Da história como memória da nação à história enquanto crítica da memória
nacional. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,Rio de Janeiro, v.2, nº.22, 1987, p.22-25.
15
grandeza. Ante a magnificência de uma pirâmide maia ou de um palácio colonial, não lhe
ocorre minimamente pensar nas contradições sociais que expressam
10
.
Ao mesmo tempo, acreditava-se que cultura e política estavam associadas com a
condição de progresso social, e por esse motivo, era papel do Estado divulgar e
preservar os valores culturais em nome da sociedade. Mas a nação brasileira
ainda estava por ser criada, e essa consciência nacional só viria através da
identificação de uma verdadeira identidade nacional, que fornecesse ao povo um
sentimento de pertencimento. As estratégias para se promover essa unidade
nacional deveriam partir de um discurso unificador, que fosse capaz de encerrar
os conflitos, irmanando e civilizando a população.
O papel do Estado com relação à cultura esteve associado, durante o Estado
Novo, entre outras coisas, à criação de instituições que possibilitassem ações
públicas efetivas de construção desse projeto de brasilidade, muitas delas
presentes no país até hoje. O grande problema que se colocava, nesse momento,
era a dificuldade em se estabelecer uma identidade nacional única e homogênea
diante dos abismos sociais e culturais existentes no Brasil. Como conciliar, dentro
de um mesmo projeto nacional, valores comuns a uma população que, além de
suas diversas tradições locais, caracterizava-se por situações sociais tão
diferenciadas? Sérgio Miceli se refere ao período da seguinte forma:
A nova coalizão de forças à frente do Estado procura, de um lado, guardar distância em
relação aos antigos grupos dirigentes e, de outro, imprimir suas marcas em todos os
domínios de atividades ligados ao trabalho de dominação, mormente nos diversos níveis do
sistema de ensino e no campo da produção e difusão cultural.
11
1.1.1 Estado, cultura e a participação dos intelectuais
Buscando construir um sentimento de identidade nacional, condição essencial
para o fortalecimento do Estado Nacional, o novo regime investiu na cultura e na
educação. Como principal instrumento para a construção de um novo homem
brasileiro foi criado o Ministério da Educação e Saúde (MES), comandado por
Gustavo Capanema. Sua função era educar e formar esse novo homem,
10
CANCLINI, Nestor. O patrimônio cultural e a constituição imaginária do nacional. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v.1. nº. 23, 1994, p.103.
11
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil. 1920-1945. São Paulo: Difel, 1979.p.xviii.
16
“elevando” a cultura do país, e assumindo para isso uma postura extremamente
intervencionista. Dentro da estrutura do MES foi criado então o Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
12
(SPHAN), sob a direção de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, em 1937. A gestão de Capanema desenvolveu um
projeto cultural que, ao mesmo tempo em que abria uma perspectiva para o futuro
através da civilização e ocidentalização do Brasil, recuperava a experiência
cultural brasileira, se utilizando de uma construção idealizada de um passado
para a arte no país. A tarefa do SPHAN dentro dos ideais do novo regime seria a
de exercer o que Menezes chama de “função anestésica do patrimônio”
13
. A nova
instituição deveria objetificar a idéia de nação através da seleção de monumentos
históricos e artísticos, ou seja, a identidade brasileira a ser construída teria nos
bens culturais a sua materialização.
A utilização desses bens pelo Estado se dava sob a forma de dispositivos
discursivos de propaganda política. Era interessante para o governo que a
seleção do que importava no passado para preservar se relacionasse com seu
interesse maior de construir um novo país, moderno e civilizado.
O papel de mediadores entre as tarefas políticas e ideológicas determinadas pelo
Estado nos diversos domínios de sua atividade foi abraçado pelos intelectuais
brasileiros, vinculados principalmente ao movimento modernista do século XX.
Nesse momento, o Estado era o lugar de transformação e vanguarda da arte.
Associado a isso, a preocupação com a construção de uma nova idéia de
nacionalidade atraiu para o projeto estado-novista um grupo significativo desses
intelectuais
14
.
A mobilização dos intelectuais em torno do tema “identidade nacional” é anterior à
década de 20. Muitas foram as interpretações sobre o Brasil e os brasileiros, a
12
Ao longo dos anos o SPHAN, por razões políticas e administrativas, teve outras denominações. Em 1946,
pela lei nº. 8.534, se transformou em Diretoria (DPHAN). Através do decreto nº. 66.967 de 1970 se
transformou em Instituto (IPHAN). Em 1979 se torna Secretaria (SPHAN), absorvendo o PCH. Após ser
extinto durante o governo Collor, voltou em 1994 a Instituto (IPHAN), nomenclatura que mantém até hoje.
13
Para Menezes, essa função anestésica faria uma integração harmoniosa do povo, que neutralizaria conflitos
e mascararia contradições. Mais informações sobre esse assunto em: MENEZES, Upiano Bezerra de.
Identidade cultural e arqueologia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
, Rio de Janeiro, v.3,
nº.20, p.33-36, 1985.
14
PANDOLFI, Dulce. (Org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas,
1999.
17
maioria delas concordando apenas quanto à diferenciação do Brasil em relação a
outros países, mas longe de estabelecer um consenso a respeito do que viria a
ser o nacional
15
. Todas as tentativas de estabelecer uma identidade brasileira, até
a década de 20, colocavam a construção do Estado nacional como algo que viria
a ser realizado no futuro, e não como uma realidade. Foram os modernistas da
Semana de 22
16
que se envolveram de forma direta nesse grande projeto de
construção da nação, produzindo narrativas que até hoje fazem parte das
imagens que se faz do Brasil. Esses intelectuais serviriam de apoio ideológico que
daria legitimidade aos projetos do Estado Novo.
Não se pode dizer que os modernistas constituíram um grupo homogêneo. Seus
participantes possuíam grande diferenciação teórico-ideológica, mas de maneira
geral, compartilhavam da idéia de fazer da arte brasileira uma arte, ao mesmo
tempo, universal e particular. Fruto das vanguardas européias, o modernismo
significava um rompimento radical com o passado através da modernização da
expressão artística. Mas os artistas brasileiros perceberam que esse rompimento
só fazia sentido em países onde existia uma tradição nacional consolidada, o que
não era o caso do Brasil. Era preciso construir a nossa brasilidade, atrelando a
idéia de universal à existência de uma tradição autêntica brasileira. Dessa forma,
os modernistas buscaram fundar a nação no passado, criando os laços de
continuidade que também eram de interesse do novo regime em formação. Por
esse motivo, muitos autores contemporâneos consideram o trabalho dos
modernistas brasileiros ambíguo, na medida em que os representantes da
vanguarda artística do país foram ao mesmo tempo responsáveis pela
identificação e preservação da tradição. Para Cavalcanti, eles conseguiram “deter
as rédeas da edificação do futuro e da reconstrução do passado ou, em outras
palavras, escrever simultaneamente o mapa astral e a árvore genealógica do
país”
17
.
Dentro desse contexto histórico e cultural é que, pela primeira vez no Brasil, irá se
estabelecer no país uma política cultural de fato, dentro de uma perspectiva
15
ORTIZ, 2005.
16
Não só eles, mas os artistas filiados ao movimento moderno em geral.
17
CAVALCANTI, Lauro. (Org). Modernistas na repartição. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: MinC-
IPHAN,2000.p.23.
18
preservacionista, através da construção de um patrimônio histórico e artístico
nacional. Para esses intelectuais, o patrimônio nacional se encontrava na arte e
na arquitetura luso-brasileira, e o barroco brasileiro foi “descoberto” enquanto
forma de cultura nacional autêntica. As cidades coloniais mineiras se
transformaram, assim, em “signos de um Brasil original e cheio de vitalidade”
18
.
Havia dentro do movimento modernista explicações diversas a respeito da
identidade nacional, que posteriormente levariam a diferentes concepções na
fundamentação de práticas de preservação cultural
19
. Uma das teses defendia a
valorização das características regionais como depositárias da verdadeira cultura
brasileira. Essa tese era defendida, entre outros, por Mário de Andrade e Afonso
Arinos de Melo Franco. Ambos refutavam a idéia de um unitarismo cultural,
afirmando que regionalismo e nacionalismo coexistiam. Mário de Andrade
sustentava a idéia de uma cultura brasileira múltipla e plural, argumento que não
era compartilhado pelo também modernista Carlos Drummond de Andrade.
Drummond tinha uma concepção universalizante da arte e, segundo suas idéias,
a inserção no mundo civilizado se daria pela identificação de uma arte brasileira
que pudesse se enquadrar na classificação tradicional da história da arte do
mundo ocidental. Segundo ele, as características regionais significavam um
atraso à atualização da cultura brasileira. Dessa maneira, uma vertente defendia a
existência de uma cultura homogênea e universalizante, enquanto a outra
acreditava numa cultura heterogênea e fragmentada. A tese de Drummond
encontrava identificação imediata com o pensamento de Rodrigo Melo Franco de
Andrade e Lúcio Costa, e veio a dar forma às ações do SPHAN.
O discurso dos intelectuais modernistas e o discurso do governo tinham seu ponto
de encontro na idéia de universal. O novo regime buscava a inserção do Brasil no
rol das nações civilizadas. Predominava dentro das esferas do governo o
pensamento progressista (e completamente eurocêntrico) que acreditava que um
país só poderia ser considerado civilizado e desenvolvido se possuísse uma
tradição consolidada, o que já acontecia nos países europeus. Dessa forma, a
18
GONÇALVES, 1996, p.63.
19
CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. Revista
Topoi, Rio de Janeiro, v.4, nº.7, jul-dez 2003, p..313-333.
19
construção de uma identidade nacional revelaria uma nação moderna e em pé de
igualdade com uma rede internacional mais ampla. Para os modernistas, era
necessário desenvolver uma filiação entre a arte brasileira e a arte universal,
construindo um elo que consagrasse efetivamente nosso pertencimento à
civilização ocidental. Isso se deu no âmbito da ação do SPHAN e, principalmente,
através da figura de Lúcio Costa.
1.1.2 Lúcio Costa: artífice do nosso passado
O arquiteto Lúcio Costa não teve envolvimento algum com as correntes
modernistas da década de 20. Formou-se na Escola Nacional de Belas Artes
(ENBA) em 1922 e chegou a estagiar no escritório de Archimedes Memória e
Francisco Cuchet, grandes defensores do movimento eclético no Rio de Janeiro.
Enquanto estudante, foi contemplado pelo diretor da Escola, José Mariano Filho
20
,
com uma bolsa de estudos para pesquisar a arte e as construções sacras nas
antigas cidades mineiras. José Mariano defendia o neocolonial como uma volta ao
espírito tradicional da arte brasileira, empregando toda sua fortuna em pesquisas
e promoção da arte colonial no Brasil. Criou o prêmio Heitor de Melo, a ser
julgado por membros do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e exposto no
Salão Anual de Belas Artes “visando a criação de um tipo de arquitetura nacional
inspirada diretamente no estilo das construções sacras e civis feitas no Brasil
durante o período colonial”
21
.
Como se pode perceber, durante todo seu período de formação acadêmica Lúcio
Costa sofreu influência de defensores do ecletismo. Poucos anos após sua
formatura, no entanto, Lúcio teve contato com o também arquiteto Gregory
Warchavchik, chegado da Europa em 1923 e adepto do emprego de uma
coerência entre a arquitetura e novas tecnologias construtivas, tendência em
pleno desenvolvimento entre as vanguardas européias. Nesse mesmo período,
logo após a revolução de 1930, o arquiteto brasileiro foi convidado, por indicação
de Rodrigo Melo Franco de Andrade, a dirigir a ENBA. Assumiu a
20
Médico, jornalista, crítico de arte e diretor da Escola Nacional de Belas Artes.
21
CAVALCANTI, 2000, p.16.
20
responsabilidade por reformular o ensino na Escola, mas teve, logo de início, que
enfrentar a oposição dos acadêmicos tradicionais, o que resultou no seu
afastamento no ano seguinte. Em apenas um ano como diretor implantou o
ensino de dois cursos autônomos: um de Arquitetura e outro de Pintura e
Escultura, para o qual convidou Warchavchik para lecionar Composição de
Arquitetura.
Lúcio Costa tentou empreender na ENBA um ensino que tivesse uma visão
multifacetada, incluindo técnica, arte e história. Sua maior crítica se dava a
respeito da perpetuação de um academicismo francês no ensino de arquitetura
realizado no Brasil. Esse pensamento foi reforçado a partir do momento que
Costa passou a conhecer e estudar o trabalho de Le Corbusier. Os projetos do
suíço aliavam a funcionalidade à plasticidade e defendiam a indústria sobre o
artesanato, visando obter qualidades intrinsecamente universais. O ponto chave
da teoria de Corbusier, que fez com que Lúcio Costa aderisse à nova tendência,
foi o fato do arquiteto suíço reunir argumentos em torno de três fatores para ele
essenciais: o técnico, o artístico e o social
22
. A partir desse contato, Costa passou
a criticar veementemente o ecletismo e a arquitetura do século XIX em geral,
afirmando que estas não possuíam nenhum interesse enquanto documento
humano ou enquanto parte da história da arte.
O interesse de Lúcio Costa pela arte dos séculos XVII e XVIII, no entanto, só fez
aumentar. O arquiteto foi além da proposta do neocolonial nos estudos em
relação ao barroco brasileiro, buscando nele mais do que um elemento a ser
copiado, mas uma fonte de informação e continuidade de uma tradição. Ainda que
ambos tenham tido o mesmo ponto de partida, Lúcio executou um trabalho de
pesquisa que, além de superar os desenvolvidos pela corrente neocolonial,
atendia aos anseios de um Estado que buscava construir um passado e um futuro
para a cultura no país. Em relação a esse assunto, Costa descreve:
Não percebíamos que a verdadeira tradição estava ali mesmo, a dois passos, com os
mestres-de-obras nossos contemporâneos; fomos procurar num artificioso processo de
adaptação – completamente fora daquela realidade maior que cada vez mais se fazia
presente e a que os mestres se vinham adaptando com simplicidade e bom senso -, os
22
CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, arquitetura e patrimônio. In: PANDOLFI, 1999, p.179-189.
21
elementos já sem vida da época colonial: fingir por fingir, que ao menos se fingisse coisa
nossa. E a farsa teria continuado – não fora o que sucedeu
23
.
O embate entre a arquitetura modernista e a corrente neocolonial se deu de forma
mais evidente em 1935, com o concurso para a construção do prédio do MES
24
. O
projeto vencedor, em estilo neomarajoara, de autoria da equipe liderada por
Archimedes Memória, não foi construído. Em março de 1936 Capanema convida
a equipe de Lúcio Costa, formada por Carlos Leão, Jorge Moreira, Affonso
Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer e Ernani Vasconcellos, a elaborar uma nova
proposta. O que torna o acontecimento ainda mais interessante é o fato do
governo possuir, até então, uma certa disposição contrária ao novo estilo
25
.
Segundo a própria Diretoria do patrimônio da União, a construção de novos
edifícios deveria “evitar o moderno extremado, por não ser próprio para
repartições públicas”
26
.
A equipe de Lúcio Costa, com o apoio de Capanema e Rodrigo Melo Franco de
Andrade, já engajado no SPHAN, consegue trazer ao Brasil Le Corbusier, com a
intenção de orientar a execução do projeto. Assim, o edifício consagrou a
arquitetura moderna brasileira e se transformou em marco decisivo no seu
reconhecimento oficial e internacional. Após o episódio, Lúcio foi chamado para
trabalhar no SPHAN como consultor técnico, passando a diretor da Divisão de
Estudos e Tombamentos.
Os concursos para construção de sedes ministeriais foram um importante palco
para a disputa entre modernistas e ecléticos. Estavam em jogo o domínio do
cenário arquitetônico e a condução oficial dos estudos do passado da nação.
Durante algum tempo o neocolonial desfrutou de grande prestígio, tendo seu auge
na Exposição Internacional comemorativa do centenário da Independência do
Brasil. A exposição contou com vários pavilhões construídos nesse estilo, sendo o
mais importante deles – o das Grandes Indústrias, atual Museu Histórico Nacional
– projeto de Archimedes Memória e Francisco Cuchet. Após a exposição, o
23
COSTA, Lúcio. Documentação necessária. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de
Janeiro, v.1, nº.1, 1937. In: CAVALCANTI, 2000,p.193.
24
Atual edifício do Ministério de Educação e Cultura (MEC).
25
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2006.
26
“O Novo edifício da Alfândega no Rio de Janeiro”. Revista do Serviço Público, vol.II, n. 1 e 2, abril e
maio 1939, apud: CAVALCANTI, 2006.
22
neocolonial ganhou apoio oficial declarado. Tanto é que, em 1926, no concurso
para a escolha do Pavilhão Brasil na Exposição de Filadélfia, um dos principais
requisitos do programa era que fosse adotado o estilo neocolonial. O projeto
vencedor – ainda que não tenha sido realizado – era de Lúcio Costa.
Mesmo após o golpe de 1930, a corrente do ecletismo ainda conseguiu manter
por um tempo seu poder de influência
27
. Porém com a mudança do Ministro da
Educação e Saúde e seu chefe de gabinete, Capanema e Carlos Drumonnd de
Andrade, respectivamente, a situação começou a ser alterada. Suas relações
pessoais foram de extrema importância para que os modernistas conseguissem
alcançar o patamar a que subiram. Após o incidente no concurso do MES o clima
entre neocoloniais e modernistas chegou ao debate público, tendo José Mariano
afirmado que os arquitetos modernistas eram “a quadrilha que ia explorar a
indústria de edifícios públicos, com a senha de Le Corbusier”
28
.
Lúcio Costa tinha a preocupação de introduzir a arte brasileira dentro do processo
civilizatório europeu, e buscou fazer isso através da valorização do passado
colonial, conferindo ao barroco uma filiação à matriz portuguesa. O contato do
português com o Brasil, por sua vez, configuraria um tipo de produção
especificamente brasileira, particular porém universal, pela sua genealogia. Sua
defesa da arte luso-brasileira tem com principal documento o artigo Arquitetura
Jesuítica no Brasil
29
, publicado na revista do Patrimônio nº. 5, de 1941. Em sua
redação, Lúcio estabelece uma classificação evolutiva do barroco brasileiro que
obedece às várias etapas percorridas pela arte européia, da Idade Clássica à
Renascença. Dessa forma, divide a arquitetura chamada “tradicional” em quatro
períodos essenciais: uma 1ª fase denominada classicismo barroco, que abrange
fins do século XVI e primeira metade do século XVII e se caracteriza por uma
cópia de Portugal; a 2ª fase, o romanicismo barroco, que vai de meados do século
XVII ao início do XVIII e corresponde à uma versão popular da primeira fase; fase
3, ou goticismo barroco, abrangendo a primeira metade e meados do século XVIII;
27
Temos como exemplo o edifício do Congresso Nacional (atual Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro –
Alerj), construído com características do neogrego, e o prédio do Ministério do Trabalho, no estilo
neoclássico, ambos construídos durante o governo Vargas.
28
CAVALCANTI, 2000, p.18.
29
COSTA, Lúcio. Arquitetura jesuítica no Brasil. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio
de Janeiro, v.1, nº. 5, 1941. p. 12.
23
e por fim o renascimento barroco, que vai da segunda metade do século XVIII ao
início do século XIX.
Segundo a concepção de Lúcio Costa, a arte tradicional brasileira teria sido
fundada nas adaptações e transformações da arte portuguesa no Brasil, perdendo
aqui apenas alguns “maneirismos preciosos”
30
, e a partir daí seguido uma linha
evolutiva legítima da história da arte. No século XIX, com a propagação do
ecletismo pelo país, essa linha teve um momento de quebra de continuidade. Era
preciso, portanto, restabelecer esse contato em favor de uma arte de “saúde
plástica perfeita”
31
, ou de uma “boa arquitetura”. E essa conexão caberia à
arquitetura moderna. Em termos técnicos e formais, o que Lúcio Costa
estabeleceu foi uma associação inédita entre a arquitetura luso-brasileira e a
arquitetura moderna, entre as formas e princípios renovadores do barroco e a
nova produção arquitetônica. Dessa forma, relacionou o “barro armado” (maneira
como se refere às construções em pau-a-pique) ao concreto armado, as estacas
aos pilotis. Essa idéia pode ser bem resumida por um parágrafo de Chuva:
Para inserir o Brasil na consagrada história da arte universal, investiu-se na reapropriação
do barroco, que passou a ser visto como um movimento artístico considerado
profundamente renovador, que desde a “pureza” e a “verdade” das construções gregas
jamais havia se repetido e que, a partir do barroco, só teve novo momento renovador com a
arquitetura moderna, advinda da revolução industrial. Foi esta que possibilitou a invenção de
novos materiais, novas formas e técnicas. A genialidade de Lúcio Costa construía, assim, a
genealogia da “boa arquitetura” universal, em que a produção brasileira se enquadrava, na
origem e na atualidade.
32
1.1.3 A atribuição de valores
Assim, as concepções de Lúcio Costa a respeito de arte e arquitetura foram as
mesmas que nortearam os trabalhos de preservação do SPHAN durante um
longo período. Essa elevação da arte luso-brasileira a um status de cânone criou
um quadro de referências conceituais onde a arquitetura de “pedra e cal” tinha
preferências nas ações de tombamento. Segundo Fonseca, as decisões tomadas
dentro do SPHAN eram sustentadas mais pela autoridade dos agentes do que por
30
COSTA, Lúcio. Documentação necessária In: CAVALCANTI, 2000, p.186
31
Ibid, p.186.
32
CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. Revista
Topoi, Rio de Janeiro, v.4, nº7, jul - dez 2003. p.313-333, p.328.
24
estudos e pesquisas, que tinham alcance restrito
33
. O fato da população em geral
não possuir consciência dos valores atribuídos aos monumentos reforçava ainda
mais o poder dos intelectuais, considerados pelo Estado “dignos” de defender o
nosso passado.
O instrumento legal do tombamento
34
, instituído pelo decreto-lei nº25 de 1937
35
,
não prevê critérios objetivos para a preservação do patrimônio no Brasil. O artigo
1 de seu 1º capítulo diz:
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis
existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a
fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico.
A legislação brasileira deixa, assim, margem a diferentes interpretações do que
venha a ser patrimônio histórico e artístico no país. A falta de associação a um
“fato histórico relevante”- dentro da historiografia oficial, obviamente - ou o não
pertencimento a determinado estilo eram fatores limitantes na atuação da
preservação. Segundo Castro, ainda que os órgãos competentes trabalhem
objetivamente esse conteúdo, eles não perderão o aspecto de subjetividade
próprio da escolha. Será excepcional e notável aquilo que a administração, no
âmbito de sua legalidade e legitimidade, assim o considerar
36
. Isso não significa,
de forma alguma, que as tomadas de decisões eram feitas de modo arbitrário,
elas só não possuíam um critério norteador objetivo.
Paralelamente, durante muito tempo houve entre os modernistas uma recusa em
tombar construções em estilo eclético. Por serem consideradas, do ponto de vista
estético, reproduções acríticas de influências européias, cujo aspecto decorativo
estava dissociado do funcional, a valorização artística do ecletismo foi bem mais
complexa e demorada. Os primeiros tombamentos de imóveis nesse estilo
33
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de
preservação no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ;MinC-Iphan, 2005.
34
Originário do direito português, o termo tombar significa registrar ou inscrever um bem. O instituto do
tombamento é um ato administrativo que prevê a limitação do direito de propriedade. Em termos mais
amplos, o tombamento pode ser considerado um conjunto de ações realizadas pelo poder público com o
objetivo de preservar, através da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural,
arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos
ou descaracterizados. Em âmbito federal é regulamentado pelo decreto-lei nº25/37.
35
Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=284>
36
CASTRO. Sônia Rabelo de. O Estado na preservação dos bens culturais. Rio de Janeiro: Renovar,
1991, p. 86.
25
ocorreram na década de 60, e ainda assim exclusivamente por seu valor
histórico
37
.
Devido à concepção canônica de arte que predominava entre os intelectuais, a
maioria dos bens tombados eram incluídos nos Livros do Tombo de Belas Artes
38
,
ficando os registros no Livro de Tombo Histórico restritos ao tombamento de bens
onde o valor artístico não era evidente. Vale lembrar que durante muito tempo o
quadro de funcionários do SPHAN não incluía historiadores ou outros
representantes das Ciências Sociais, predominando o trabalho dos arquitetos. As
decisões quanto aos valores a serem atribuídos eram fundamentadas por
inventários e pareceres técnicos, sempre se levando em consideração a questão
do valor nacional.
Muitas das decisões favoráveis ao tombamento foram dadas em função do estado
material dos bens. É fácil encontrar, entre os muitos pareceres dados por Lúcio
Costa
39
, argumentos que incluem “o tombamento como medida preventiva”, para
“evitar sua demolição” ou pela “necessidade de intervenção urgente” e “realização
de obras de recuperação”.
Uma breve análise dos tombamentos realizados nas primeiras 4 décadas de
atuação do SPHAN nos mostra uma grande prioridade dada à arquitetura
religiosa
40
. Entre os 803 bens tombados até o final de 1969, 368 eram de
arquitetura religiosa, contra 289 de arquitetura civil, 43 de arquitetura militar, 46
conjuntos, 36 bens imóveis, 6 arqueológicos e 15 naturais. Essa leitura foi
justificada por Lúcio Costa em entrevista ao IBPC notícias, em 1992:
Sempre prevaleceu a parte religiosa porque o número de igrejas era enorme. Enquanto os
anglo-saxões tinham aquela preocupação de criar riquezas, o mundo latino, de herança
portuguesa e espanhola, concentrava-se na construção de conventos e igrejas. Havia uma
desproporção enorme em relação á parte residencial e militar. Essa condição de que a Igreja
era fundamental na tradição colonial foi considerada pela crítica leiga uma espécie de
desperdício. Aquela riqueza, opulência na arquitetura religiosa, muito sóbria na fachada e
37
Segundo Ítalo Campofiorito, foram tombadas duas casas na Rua das Palmeiras (Proc. 742-T e 68-T), e a
casa de nº. 200 da Rua Sorocaba (Proc. 718-T). CAMPOFIORITO, Italo. Muda o mundo do patrimônio:
notas para um balanço crítico. Revista do Brasil
, São Paulo, v.1, nº.4, p. 32-43, 1985. p.38.
38
O decreto-lei 25/37 prevê 4 Livros de Tombo: Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;
Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo de Belas Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas.
39
Para melhor entendimento, ler: PESSOA, José. (Org). Lúcio Costa: documentos de trabalho. Rio de
Janeiro: IPHAN, 1999.
40
Dados obtidos em: FONSECA, 2005.
26
que você entrava nela e era aquele esplendor. Mas havia um sentido social, muito profundo,
nessa aparente contradição. A Igreja, com aquele esplendor todo, estava aberta, pertencia a
todos, qualquer pessoa do povo, por mais miserável que fosse, era só entrar e ficar lá
41
.
A monumentalidade também pode ser considerada uma característica freqüente
se observados os tipos de bens selecionados como parte do patrimônio nacional.
Tombaram-se muitas igrejas, conventos, casas de câmara e cadeia e fazendas,
em detrimento de exemplares da arquitetura menor. Talvez essas escolhas
tenham sido dadas pela maior capacidade que os grandes monumentos têm de
causar efeito sobre a população, ampliando assim a propaganda do Estado. A
própria arquitetura foi privilegiada em relação aos bens móveis, relegados à
proteção da Igreja ou de museus.
Ao tornar a arquitetura modernista parte de uma cadeia evolutiva das artes
plásticas, os intelectuais emprestaram a ela também a condição de monumento e
o direito de ser preservada. Isso se confirma com o pedido de tombamento
preventivo da Igreja de São Francisco da Pampulha
42
, em 1947, pouco tempo
após o término de sua construção.
1.1.4 O dilema de obedecer a um regime autoritário
Os intelectuais integrantes do movimento modernista foram tratados pelo novo
regime como os verdadeiros representantes do espírito do novo homem que se
buscava construir, à altura do projeto de edificação da nação. Alguns autores
afirmam que os trabalhos do SPHAN durante o período ditatorial gozavam de
autonomia dentro do aparelho estatal. Fonseca considera que a área da defesa
do patrimônio ficou à margem dos ideais de exortação cívica que caracterizava o
Ministério da Educação e Saúde, sendo a cultura produzida pelo SPHAN
desarticulada com os instrumentos de persuasão ideológica do Estado Novo
43
.
Essa tese pode ser facilmente questionada se considerados dois fatos distintos.
Em primeiro lugar, o fato do anteprojeto de lei encomendado por Rodrigo Melo
Franco de Andrade a Mário de Andrade não ter sido aprovado pelo governo. O
41
Apud: GONÇALVES, 1996.
42
A Igreja de São Francisco, localizada na Pampulha, Belo Horizonte, é de autoria do arquiteto Oscar
Niemeyer, discípulo de Lúcio Costa e grande propagador da arquitetura moderna no Brasil e no exterior.
43
FONSECA, 2005.
27
problema que esbarrava na questão do direito de propriedade já havia sido
corrigido com a promulgação da nova Constituição de 1934. Mas, acima de tudo,
o anteprojeto de Mário de Andrade não poderia ser aceito naquele momento, pois
defendia a existência de regionalismos e de um Brasil plural, idéia que ia de
encontro com o discurso unificador do Estado. Mário de Andrade permaneceu
contribuindo com o SPHAN durante todo o período estado-novista, mas Rodrigo
teve de reelaborar o anteprojeto para que este atendesse às necessidades
governamentais.
Em segundo lugar, apenas três anos após a criação do SPHAN e a instituição do
tombamento como o meio legal de preservação, o governo apresenta o decreto-
lei 3866 de 1940, que dá ao presidente poderes para cancelar o tombamento por
interesse público. O interesse público na conservação passa, assim, a ser
ameaçado por um outro interesse público que poderia ser considerado “maior”.
Estabelecer essa hierarquia estava nas mãos do governo, e não dos intelectuais.
Dessa forma, muitos edifícios tombados pelo SPHAN vieram a ser demolidos por
interferir em algum outro projeto do governo, como foi o caso da Igreja de São
Pedro dos Clérigos, no Rio de Janeiro. A destruição da igreja possibilitaria a
construção da Avenida Presidente Vargas, perfeitamente retilínea e com 100
metros de largura. Apesar dos esforços do SPHAN, que chegou a cogitar o
transporte da edificação para outro local, seu tombamento foi cancelado em 8 de
janeiro de 1943, e um ano depois ela foi demolida.
É comum se deparar com textos onde os intelectuais modernistas se tornam
objetos de sacralização devido a sua “missão”
44
no SPHAN, assim como há quem
afirme que o grupo aceitou fazer parte do quadro de funcionários do governo
devido à altas remunerações dos cargos. Exageros à parte, é preciso
desmistificar esses intelectuais, retirando de suas ações essa qualidade de
“nobreza”. Dois autores trabalham com essa idéia desmistificadora, porém através
de argumentos diferentes: Miceli
45
e Pécaut
46
. Ambos acreditam que os
44
Termo usado principalmente para se referir a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Para mais informações a
esse respeito, ver: GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural
no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/IPHAN, 1996.
45
MICELI, Sérgio. Intelectuais e dirigentes no Brasil (1920-1945). São Paulo: Companhia das Letras,2001.
46
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Ática, 1990.
28
intelectuais forjaram de si mesmos, através do conhecimento e das relações
sociais, uma imagem privilegiada perante Estado e sociedade, mas divergem
quanto aos motivos pelos quais eles aderiram à ideologia de governo.
Miceli parte do fato do novo regime ter tentado acabar com o poder das
oligarquias regionais tradicionais, derrubando o poder agro-exportador brasileiro
em função de uma política econômica redirecionada para a industrialização. Para
o autor, os intelectuais, enquanto integrantes das famílias ricas tradicionais,
tiveram que desenvolver estratégias de sobrevivência de grupo, se encaminhando
para profissões intelectuais como meio de reprodução dessas famílias, se
mantendo na posição de elite dirigente. Seu poder econômico permitia que
pudessem entrar em contato direto com a vanguarda européia - absorvendo
conceitos essenciais à arte – assim como sua proximidade social com a oligarquia
lhes dava condições para assumirem o papel de inovadores culturais e estéticos.
Se Miceli acreditava que as posições ideológicas assumidas pelos intelectuais da
década de 30 não passavam de estratégias para preservar sua posição de elite,
ameaçada pelo poder interventor do Estado, para Pécaut as convicções políticas
não foram meramente ditadas pela conveniência de acesso aos empregos
públicos, como também a circunstância de serem herdeiros não bastava para
explicar porque esses intelectuais se investiam de uma missão política. Para ele,
esse grupo restrito buscava contribuir na fundamentação de uma política cultural
e de uma reforma institucional através de uma ideologia própria. Associando essa
ideologia da cultura à ideologia do estado, estaria consolidado um “governo
intelectual”.
A verdade é que nessa relação de troca entre intelectuais e governo não havia
perdedores ou ganhadores. Apropriando-se de um termo da biologia, o que
ocorria naquele momento era uma forma de mutualismo entre espécies. Se por
um lado o Estado buscava legitimar o novo programa de governo através do
apoio desses intelectuais – que dentro da estrutura do SPHAN também forneciam
materialidade à idéia de nação – esse grupo encontrava dentro do novo regime
condições favoráveis para conciliar suas atividades de funcionários públicos e sua
29
produção cultural. O tipo de mecenato havia mudado, as elites regionais que
antes financiavam a produção artística foram substituídas pelo Estado, que
tratava a cultura como um negócio oficial, intervindo nos setores de produção e
difusão do trabalho intelectual e artístico. O interesse do governo em produzir e
difundir a arte no país incluía, entre outras coisas:
[...] espalhar pela cidade palácios e monumentos que, pelas características arquitetônicas e
artísticas, pelo aspecto grandioso que possam apresentar, venham a servir de exemplo às
iniciativas particulares, atestem o grau de cultura do povo e estejam, enfim, à altura do
renome que tenham adquirido nossas cidades como centros de civilização, de progresso e
de riqueza
47
.
E os intelectuais modernistas souberam como aproveitar essa nova situação que
se apresentava, se apropriando da formação de uma identidade nacional para
também se inserir nas correntes da modernidade cultural universal.
Talvez seja arbitrário criticar a forma como os modernistas lidaram com a
preservação dos monumentos através dos tombamentos realizados, mas algumas
observações são necessárias. Ao definir a arquitetura moderna como a
verdadeira herdeira da “boa tradição” representada pela arte luso-brasileira do
período colonial, ignorando toda a produção do século XIX, cometeu-se um grave
erro histórico. Como esquecer o que foi produzido durante todo um século em
favor de um cânone artístico ideal? O ecletismo, ainda que criticado por seu valor
artístico, tinha grande importância histórica por ser o estilo característico da
Primeira República. A noção de monumento enquanto testemunho das ações do
homem, o seu valor documental, já amplamente difundido pelos países da Europa
na virada do século XX, só começou a ter relevância no Brasil anos mais tarde. O
movimento de ruptura com as tradições anteriores, ideário das vanguardas
modernas européias, no Brasil assumiu o caráter de rompimento apenas com a
produção artística do século XIX e início do XX.
Poderíamos também fazer uma crítica a respeito da seleção de bens apenas de
valor nacional para tombamento. Muitos monumentos foram destruídos ou
deixados à ruína por falta de valor para a memória nacional, sendo considerados
importantes apenas para a manutenção de referências locais. Essa exigência
47
Revista do Serviço Público, janeiro de 1939, apud: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a
história de uma nova linguagem na arquitetura. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
30
estava na legislação federal que, como já foi dito anteriormente, não estabelecia
critérios seguros quanto à atribuição de valor aos bens. O próprio Lúcio Costa, no
Plano de Trabalho que redigiu para o Departamento de Estudos e Tombamentos
do SPHAN, em 1949, afirma que tal ausência de critério era reflexo de uma má
formulação da legislação brasileira, que fazia com que os técnicos incumbidos da
seleção se viam “permanentemente angustiados e perplexos sem saber se
deviam cumprir rigorosamente a legislação vigente e deixar ao desabrigo de
qualquer proteção obras valiosas, ou se torcer a lei e salvar o imóvel – que é esse
o caso mais comum – com uma informação capciosa, invocando, por exemplo, o
seu interesse excepcional para a história da arquitetura brasileira em determinado
período, região ou categoria”
48
. No mesmo Plano de Trabalho, Costa defende a
necessidade de se criar categorias de tombamento conforme o grau de interesse
– nacional, estadual e municipal – e uma forma jurídica capaz de estabelecer um
vínculo entre as três esferas de governo. Desse modo, não se pode afirmar que
dentro do SPHAN havia um descaso quanto aos bens de valor regional, mas
dentro da enorme gama de bens existente era impossível “salvar” da destruição
todo monumento que tivesse seu tombamento sugerido.
Essa fase que se convencionou chamar de “heróica” ultrapassou os limites do
período estado-novista. Seu fim está relacionado com a aposentadoria de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, em 1967, personagem que representou, para muitos,
um padrão ético de trabalho dentro do serviço público brasileiro
49
. Durante todos
esses anos, o SPHAN buscou trabalhar principalmente na proteção e
conservação dos bens do patrimônio nacional. A divulgação do conhecimento
produzido em várias pesquisas foi feita principalmente através de publicações, em
especial a Revista do Patrimônio, menina dos olhos de Rodrigo
50
. O trabalho de
“educação e civilização” do homem brasileiro ficou em segundo plano, o que fez
com que a instituição desenvolvesse um distanciamento progressivo da
sociedade. Em 1969, após anos no comando do SPHAN, Rodrigo deixa claro, em
48
COSTA, Lúcio. Plano de Trabalho para o Departamento de Estudos e Tombamentos. In: PESSOA, 1999,
p. 89.
49
FONSECA, 2005, p.126.
50
Até a criação do SPHAN, eram inexistentes na bibliografia brasileira publicações acerca das artes e da
arquitetura barroca, segundo afirma Augusto c. da Silva Telles em: Centros históricos: notas sobre a política
brasileira de preservação. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
, Rio de Janeiro, v.1, nº.19, p.
29-32, 1984.
31
discurso de tom pessimista, como se encontrava a situação da preservação do
patrimônio no Brasil:
Assim, cada dia mais – no sentido literal da expressão – o espólio cultural recebido de
nossos antepassados fica sob ameaça maior. Contra ele conjugam-se diversos fatores: a
carência de meios financeiros bastantes para conservá-lo, empreendimentos da
administração pública com objetivo progressista errôneo ou mal entendido, a pressão
generalizada da especulação imobiliária, a multiplicação do comércio de antiguidades
estendendo-se das grandes cidades até os mais remotos lugares de formação colonial -, a
indiferença, quando não a ação adversa das autoridades eclesiásticas, responsáveis pela
parcela mais valiosa do acervo da antiga arte brasileira [...].
51
Apesar disso, o trabalho da instituição foi reconhecido e valorizado nos meios
intelectuais nacionais e internacionais, vindo a ser questionado a partir dos anos
70, em função de mudanças no contexto cultural, social, político e econômico do
país.
1.2 As décadas seguintes
Com o fim do novo regime, em 1945, o país entra numa nova fase política e
econômica. Há pouca informação sobre a gestão cultural no Brasil entre o fim da
Era Vargas e o início do novo período militar em 64. Em 1953 o Ministério da
Educação e Saúde Pública foi desmembrado em Ministério da Saúde e Ministério
da Educação e Cultura (MEC), mantendo a linha conservadora iniciada em 1937.
Ao longo das décadas de 50 e 60, a questão da identidade nacional permanece
como tema dos debates políticos, tendo como ponto central a problemática do
nacional e do popular. Durante esse período, o governo retomou a ideologia
desenvolvimentista que privilegiava o futuro, não mais o passado, ao mesmo
tempo em que a economia brasileira passava por uma internacionalização sem
precedentes, fruto do rápido desenvolvimento do capitalismo. O nacionalismo
vigente estava atrelado, assim, aos valores de modernização. No âmbito da
cultura, instituições como o ISEB
52
buscavam se especializar no estudo da
realidade brasileira, tomando como objetivo transpor a nossa situação colonial,
que tendia a reproduzir de forma acrítica experiências dos países desenvolvidos.
51
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e o SPHAN. Rio de Janeiro: MinC/FNpM, 1987. p.182.
52
Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Foi criado em 1955, subordinado ao Ministério da Educação e
Cultura, e congregava intelectuais e técnicos governamentais. Foi extinto em 1964, após o golpe militar.
32
Para Paulo Freyre, o ISEB, “que refletia o clima de desalienação política
característico da fase de transição, era a negação desta negação, exercida em
nome da necessidade de pensar o Brasil como realidade própria, como problema
principal, como projeto...”
53
. Nesse sentido, os intelectuais do ISEB, em sua
maioria esquerdistas, seriam os responsáveis por elaborar uma ideologia de
desenvolvimento que iria viabilizar o projeto de transformação do país.
Em relação ao SPHAN, sua política permanecia praticamente a mesma, mas
uma progressiva diminuição de recursos fazia com que suas atividades se
limitassem cada vez mais aos tombamentos e obras de restauração. Na década
de 60, a instituição procurou se associar à Unesco, no sentido de buscar
orientação para a compatibilização da problemática da preservação do patrimônio
com os interesses do modelo de desenvolvimento vigente. Com a aposentadoria
de Rodrigo Melo Franco de Andrade, o enfraquecimento e a estagnação do órgão
ficaram ainda mais evidentes.
Com o golpe de 64, uma violenta repressão atinge os setores mais mobilizados
de esquerda, como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e o próprio ISEB.
Com o apoio de importantes setores da sociedade brasileira, e acompanhado de
perto pelos Estados Unidos,o golpe militar veio restaurar a disciplina e deter a
“ameaça comunista” que pairava sobre o Brasil. A implantação de um regime
marcado pelo autoritarismo tinha como projeto fazer uma “limpeza” nas
instituições do país e reorganizar a economia brasileira, inserindo-a cada vez
mais no processo de internacionalização do capital. As relações entre cultura e
Estado também foram profundamente alteradas. Em nome da “Segurança
Nacional”, o regime militar procura estimular a cultura como um meio de
coordenar diferenças regionais, integrando-as no interior de uma hegemonia
estatal
54
. Foram criadas instituições que organizavam e controlavam as mais
diferentes expressões da cultura, que tornavam o estado o maior organizador
desse mercado cultural.
53
Apud PAIVA, Vanilda Pereira. Paulo Freyre e o nacionalismo-desenvolvimentista. 2. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.p.83.
54
ORTIZ, 2005.
33
Em 1965 é constituída uma comissão com o objetivo de elaborar um Plano
Nacional de Cultura, formada principalmente por intelectuais que atuavam em
instituições tradicionais, como a ABL e o IHGB. Como resultado, foi criado o
Conselho Federal de Cultura (CFC). O conceito de cultura difundido no CFC era o
de unidade na diversidade, ou seja, a cultura brasileira era caracterizada pela
pluralidade, o sincretismo das manifestações traduzia nossa verdadeira
identidade. Quanto ao patrimônio, a visão do governo permaneceu tradicional.
Sua ênfase era na preservação tal qual era realizada, mas apesar da existência
de uma preocupação, poucos incentivos foram dados nessa área, ao contrário do
que ocorreu em outras áreas da cultura. Segundo Ortiz, “o que caracteriza o
mercado cultural pós-64 é o seu volume e a sua dimensão”
55
. Após o golpe, elas
passam a ser “cada vez mais diferenciadas e atingem um grande público
consumidor; isso confere ao mercado cultural uma dimensão nacional que ele não
possuía anteriormente”
56
. O período também foi de grande avanço para iniciativas
culturais privadas, em particular rádio, televisão, jornais e revistas.
Uma das grandes preocupações do Estado era a de relacionar a cultura ao
desenvolvimento. Com esse objetivo, foram criados órgãos federais que se
tornaram importantes na mercantilização da cultura popular. A EMBRATUR,
criada em 1966, veio como estímulo a política do turismo. Em 1969 foi criada a
EMBRAFILME, como alternativa à expansão do novo mercado cinematográfico
que surgia. O controle do Estado se dava ainda através da censura, que não
proibia as formas de manifestação cultural, mas agia principalmente sobre o
conteúdo dessas manifestações.
Apesar de o Estado demonstrar seu interesse pela cultura desde o golpe militar,
foi a partir da década de 70 que a área cultural recebe maior incentivo em relação
aos anos anteriores. O modelo econômico desenvolvido pelo regime militar já
apresentava sinais de esgotamento, com conseqüências como o aumento da
dívida externa, baixos salários e concentração de renda. Nas cidades, o
acelerado processo de verticalização veio acompanhado de uma intensa
especulação imobiliária. Era o momento da crítica à modernidade, segundo a qual
55
Ibid, p.82.
56
Ibid, Ibid.
34
a cultura de massa e o capitalismo internacional contribuíam para a uniformização
da diversidade brasileira, apagando nossas tradições. Os centros urbanos, assim
como as manifestações culturais, estavam fadados à homogeneização. Como
estratégia para alcançar um reequilíbrio de forças, enfraquecidos nesse momento
pós-milagre, e apaziguar as relações entre governo e sociedade civil, amplia-se
os recursos à disposição da cultura, ao mesmo tempo em que se insere a idéia de
democracia à política cultural do Estado.
Em 1970 ocorre em Brasília um encontro com governadores de Estado,
secretários estaduais da área cultural, prefeitos, presidentes e representantes de
instituições culturais, organizado pelo então ministro da Educação e Cultura
Jarbas Passarinho, com a intenção de estudar medidas necessárias à
complementação da defesa do patrimônio histórico e artístico nacional. O
documento resultante, conhecido como Compromisso de Brasília, defende a
descentralização das ações de preservação, buscando para isso a ação supletiva
de estados e municípios. Em sua redação é possível perceber claramente o
interesse em atribuir valor econômico ao valor cultural dos bens, de forma a
compatibilizar os interesses de preservação e desenvolvimento econômico. A
maneira mais eficaz para se conseguir isso, segundo as resoluções adotadas no
Compromisso, era através do incentivo ao turismo cultural. Como estados e
municípios não tinham experiência no assunto e a estrutura da DPHAN não era
suficiente para dar conta de todo o território nacional, tornava-se necessário o
auxílio especializado internacional, feito pela Unesco
57
. Dessa forma, a DPHAN
serviria de apoio técnico e conceitual às ações de defesa do patrimônio a nível
regional, sempre orientada pelo órgão internacional.
O Compromisso de Brasília foi ratificado um ano depois pelo Compromisso de
Salvador. Em ambos os documentos são perceptíveis as influências da Carta de
Veneza
58
, que cria o conceito de bem cultural, em detrimento da noção de
patrimônio histórico e artístico nacional. A idéia de bem cultural considera que a
57
Em 1967 a Unesco já havia enviado ao Brasil, a pedido do governo brasileiro, o Inspetor Principal de
Monumentos Franceses, com o intuito de elaborar um relatório a respeito dos bens culturais brasileiros.
58
Carta Internacional sobre a conservação e o restauro de monumentos e sítios, resultado do 2º Congresso
Internacional de Arquitetos e de Técnicos de Monumentos Históricos, reunidos em Veneza de 25 a 31 de
maio de 1964.
35
herança da cultura da humanidade sobrepõe-se a outros valores, como o de
antiguidade ou o artístico, e os modos de fazer passam a ter tanto valor quanto os
objetos. Além de propor o uso como forma de salvaguarda, a Carta adota
recomendação relativa à proteção dos conjuntos históricos tradicionais e o seu
papel na vida contemporânea, revertendo o conceito de cidade estática que
vigorava até então. Essa ampliação da noção de patrimônio alterou as políticas de
tombamento no Brasil. A partir da década de 70, é sensível o aumento no número
de tombamentos de conjuntos urbanos. Para Mesentier
59
, a preservação de áreas
urbanas é resultado de uma mudança de visão dos técnicos (influenciados pelos
preceitos da Carta de Veneza) e movimentos sociais, que viam no espaço urbano
um elemento estruturador de memórias coletivas.
Os dois Compromissos, além de abrirem caminho para a criação de órgãos
regionais de preservação, tiveram como resultado a criação do Programa
Integrado de Reconstrução de Cidades Históricas no Nordeste (PCH), em 1973.
Fruto de um estudo sobre a situação do patrimônio histórico do Nordeste
60
, o
programa buscava associar a salvaguarda dos valores culturais com a geração de
renda para a população local. Seu principal objetivo era “criar infra-estrutura
adequada ao desenvolvimento e suporte das atividades turísticas e ao uso de
bens culturais como fonte de renda para regiões carentes do Nordeste,
revitalizando monumentos em degradação”
61
. Ao ser criado, o PCH estava
previsto para vigorar até 1977. Neste mesmo ano, uma exposição de motivos
62
alarga esse horizonte temporal e passa a integrar os estados do Rio de Janeiro,
Espírito Santo e Minas Gerais. Como contrapartida dos estados, o governo exige
a apresentação prévia de um Programa de Restauração e Preservação para o
biênio de 76/79
63
, que indicasse os monumentos a serem restaurados, os
cronogramas de execução, os roteiros turísticos recomendados e as fontes de
59
MESENTIER, L. M. de. Intervenções em áreas urbanas patrimoniais: dilemas atuais. In: LIMA, Evelyn
Furquin Werneck.; MALEQUE, Míria Roseira. Cultura, patrimônio e habitação: possibilidades e modelos.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2004.
60
MEC/Sphan/FNmP. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília,
1980.
61
FONSECA, 2005, p.143.
62
Exposição de Motivos nº. 024 de 1977.
63
O mesmo procedimento foi adotado para o biênio de 80/81.
36
recurso para fazer face à contrapartida que o Programa requeria das instituições
estaduais com que trabalhava
64
.
O PCH veio afirmar a dimensão social que a política cultural vinha assumindo na
década de 70. Para Pinheiro
65
, “o então criado Programa de Cidades Históricas
representava a tentativa do IPHAN em rever os conceitos e a visão das cidades
como obras de arte, estáticas e únicas, e incorporar as múltiplas possibilidades de
olhares e apropriações que a todo o momento seus cidadãos e estudiosos
lançavam sobre elas”. Apesar disso, ainda se via na prática um predomínio da
visão conservadora do conceito de patrimônio, principalmente em relação aos
tombamentos. Para acompanhar as mudanças que estavam ocorrendo, era
necessária uma reavaliação tanto dos conceitos quanto das instituições
brasileiras, trabalho que teve início no Centro Nacional de Referência Cultural
(CNRC).
1.2.1 O Centro Nacional de Referência Cultural
A reorientação das práticas de preservação vigentes no Brasil partiu de fora da
estrutura governamental – o CNRC - e teve na figura de Aloísio Magalhães o seu
grande defensor. Ao ser criado, em 1975, o CNRC tinha como proposta a
realização de um trabalho adequado às condições específicas do contexto cultural
do país, buscando um modelo de desenvolvimento econômico baseado no que
definiu ser o “produto cultural brasileiro”. Essa idéia tinha consonância com os
objetivos do PCH, mas ao contrário deste, o CNRC não procurava identificar e
coletar bens do patrimônio cultural, e sim “traçar um sistema referencial básico a
ser empregado na descrição e na análise da dinâmica cultural brasileira”
66
.
Para o grupo que formava o Centro - uma equipe multidisciplinar que contava com
a direção de Aloísio Magalhães – o problema que se colocava quanto à
identidade cultural brasileira era a identificação dessas referências culturais, de
forma a utilizá-las como base para o desenvolvimento. O objetivo inicial do grupo
64
MEC/Sphan/FNpM, 1980, p. 38-39.
65
PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas. A reabilitação urbana em processo. In: LIMA; MALEQUE, 2004.
66
MEC/Sphan/FNpM, op. cit., p.42.
37
era de apenas criar um centro de documentação que identificasse os produtos
culturais brasileiros, com ênfase nos aspectos dinâmicos dos fenômenos
culturais. Para isso foram definidas quatro linhas de atuação, ou quatro
programas de estudo: 1) estudos do artesanato; 2) levantamentos sócio-culturais;
3) história da ciência e tecnologia no Brasil; 4) levantamento de documentação
sobre o Brasil. Os projetos do CNRC procuraram conhecer aspectos pouco
estudados da cultura brasileira, como o Estudo Multidisciplinar do Caju, na
Paraíba
67
.
Os fundamentos que norteavam a atuação do CNRC foram sendo formulados, ao
longo das experiências de trabalho, por Aloísio Magalhães, com o auxílio de
colaboradores pertencentes ou não à instituição. O discurso de Aloísio se
fundamentava em torno de duas idéias centrais: numa crítica ao trabalho
tradicional realizado pelo SPHAN e na ameaça à mundialização da cultura.
Aloísio reconhecia o valor de tudo que o SPHAN havia realizado até então,
considerando a sua criação na década de 30 “o gesto mais significativo do Brasil
no sentido do equacionamento e conscientização das questões relacionadas com
os nossos bens culturais”
68
. Apesar disso, acreditava que os limites institucionais
do órgão já não eram mais aptos a realizar o trabalho de preservação, uma vez
que o patrimônio cultural brasileiro havia aumentado em diversidade e
complexidade. Segundo sua fala, os bens culturais do Brasil, até então:
[...] continuavam restritos aos bens móveis e imóveis, contendo ou não valor criativo próprio,
impregnados de valor histórico, ou aos bens da criação individual espontânea, obras que
constituem o nosso acervo artístico, quase sempre de apreciação elitista
69
.
Dessa forma, o instrumento de tombamento já não era apropriado para resolver
os problemas culturais brasileiros e nem suficiente para proteger os novos tipos
de bens. O ideal de cânone artístico objetivo que permaneceu durante muito
tempo nas políticas de preservação deveria ser substituído pela noção de
referência cultural: produtos autênticos, produzidos pelo povo dentro de contextos
67
O estudo multidisciplinar do caju se enquadrava na linha de atuação da história da ciência e tecnologia do
Brasil. O fruto foi considerado de marcante presença na vida do brasileiro, especialmente dos nordestinos, e o
estudo resultou no tombamento da fábrica de vinho de caju Tito Silva, em João Pessoa.
68
MAGALHÂES, Aloísio. Bens culturais: instrumento para um desenvolvimento harmonioso. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v.3, nº.20, p.40-44, 1985.p.42.
69
Ibid, p. 42.
38
socioculturais específicos. Aloísio inclui no conceito de patrimônio uma série de
objetos e práticas que estão inseridas no cotidiano de diferentes grupos sociais e
que participam de sua dinâmica social. Ao contrário do que afirmavam os
intelectuais dos anos 30, o passado constituía apenas uma referência a ser usada
no processo de desenvolvimento econômico e cultural
70
, e a idéia de “linha
evolutiva” da história da arte deveria ser substituída pela noção mais ampla de
“trajetória histórica”, na qual o passado garante uma continuidade do processo
cultural
71
.
Para Aloísio Magalhães, o acelerado processo de desenvolvimento seria o
responsável por uma perda de nossas peculiaridades culturais, ameaça essa com
a qual se defrontavam também todos os países do mundo moderno. Segundo ele,
a face negativa do acelerado processo de integração universal determinado pelo
avanço tecnológico se propaga através de duas vertentes principais: a tecnologia
do produto industrial e a tecnologia de comunicação áudio visual
72
. Aliada a uma
absorção acrítica dos valores que vinham de fora, essa ameaça viria devastar a
nossa cultura. A tecnologia do produto industrial traz como conseqüência a
indução ao consumo de produtos padronizados, nem sempre assimiláveis às
culturas que o recebem. A tecnologia de comunicação áudio visual, por sua vez,
traz consigo o perigo da homogeneização e a conseqüente perda de identidade
73
.
Logo, deveríamos buscar uma reação a esse processo no conhecimento de
nossas raízes, usando-as contra a velocidade de transferência cultural entre as
nações e evitando, assim, a aceitação passiva
74
.
Enquanto país de cultura jovem, o Brasil possuía, para Aloísio, um maior potencial
para invenção e criação, apesar de nossa identidade cultural ainda ser fraca.
Esse potencial seria a nossa principal “vacina” contra as influências externas. O
discurso de Aloísio encontrou boa recepção dentro das estruturas
governamentais, seja por sua grande habilidade de interlocução ou pelas relações
pessoais que mantinha com importantes figuras do governo. No meio acadêmico,
70
GONÇALVES, 1996, p. 72.
71
Ibid, p.72.
72
MAGALHÂES, Aloísio. Bens culturais: instrumento para um desenvolvimento harmonioso. Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v.3, nº.20, p.40-44, 1985.p.40.
73
GONÇALVES, 1996, p.95.
74
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: FNpM, 1985.
39
no entanto, havia uma certa desconfiança quanto ao projeto do CNRC, altamente
complexo e ambicioso. Na verdade, a narrativa de Aloísio, apesar de uma sólida
base conceitual, não definia métodos de trabalho objetivos. Muitos dos projetos
desenvolvidos pelo grupo não foram finalizados. Se a linha de atuação do CNRC
tinha como objetivo final “devolver” o resultado das pesquisas às populações
interessadas, esse objetivo quase nunca foi alcançado.
De qualquer maneira, Aloísio conseguiu obter, para a realização do CNRC, apoio
de setores esclarecidos do governo militar. Para Fonseca, “em um momento de
crise do modelo econômico implantado pelo regime autoritário e de desgaste da
ideologia da segurança nacional não foi difícil, portanto, para Aloísio Magalhães
encontrar no governo apoio para a continuidade de seu projeto”
75
. A experiência,
que partiu no início de um convênio com o Ministério da Indústria e Comércio e o
Governo do Distrito Federal, firmou em 76 convênio com mais 8 órgão públicos.
Em 1978 o diretor do CNRC envia ao então chefe da Casa Civil, general Golberi
de Couto e Silva, um texto em que expõe sua visão a respeito do papel da cultura
no desenvolvimento econômico e discute alternativas para a continuidade do
CNRC. Sua primeira alternativa consistia em incorporar o Centro à estrutura
administrativa do IPHAN, o que viria ampliar e dinamizar as atividades do órgão.
Como segunda opção, Aloísio propõe a transformação do CNRC em uma
secretaria especial do governo. Em 1979 ele é nomeado diretor do IPHAN,
momento em que ocorre também uma fusão entre IPHAN/CNRC/PCH. O primeiro
órgão ficava então responsável pela competência técnica, o segundo por uma
renovação das idéias e o terceiro como fonte de recursos e gerência. Foi criada
então uma nova estrutura: a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), como órgão normativo; e a Fundação Nacional pró-Memória
(FNpM), como órgão executivo. Essa fusão viria, assim, revitalizar o IPHAN e
operacionalizar o CNRC
76
. Para Aloísio, essa revitalização não deveria ser
apenas no sentido de metodologia, mas também de recursos, estrutura salarial,
funcionamento e operacionalização.
75
FONSECA, 2005, p.172.
76
Ibid, p.154.
40
Nesse momento são instaladas diretorias regionais da SPHAN, com o objetivo de
descentralizar o órgão e se aproximar das comunidades envolvidas na proteção
dos bens. O principal problema que se dava era o conflito de idéias existente
entre funcionários do tradicional SPHAN e os integrantes do CNRC. Os dois
grupos não compartilhavam a mesma noção de cultura e identidade nacional, o
que se refletia num desencontro entre as ações desenvolvidas pelos dois órgãos.
Para tentar amenizar o problema, Aloísio Magalhães desenvolveu uma série de
seminários, buscando partilhar idéias e informações. Apesar das tentativas, as
diferenças não foram superadas, nem mesmo em favor de uma proposta de
trabalho comum.
Os conceitos que fundamentavam os projetos do CNRC foram introduzidos no
documento denominado Diretrizes para operacionalização da política cultural do
MEC, em 1981, ano da criação da Secretaria da Cultura do MEC (SEC). O
documento reafirma a necessidade da participação popular no processo de
construção e gerenciamento da produção cultural brasileira. Para Aloísio, a ação
da secretaria na cultura deveria partir de duas vertentes, uma patrimonial e outra
de ação cultural
77
. A primeira, com grau de estabilidade maior, serviria para
preservar os bens que já estavam cristalizados na nossa cultura, e teria como
principais atividades identificar, recuperar, preservar, revitalizar, referenciar e
devolver esses bens para a população. A segunda vertente funcionaria no sentido
de captar e estimular a dinâmica da produção artística em vários setores da
cultura. Apesar de aprovado, o documento não resultou em ações imediatas por
parte do governo.
A verdade é que as idéias de Aloísio funcionaram muito bem enquanto discurso,
mas não obtiveram na prática o alcance desejado. Os vários estudos e pesquisas
sobre diversas manifestações culturais brasileiras, quando não acabaram
arquivadas, resultaram na forma tradicional e combatida de preservação: o
tombamento. Os projetos desenvolvidos pelo CNRC, ao terem sua escala de
atuação ampliada, não conseguiram atingir o seu objetivo principal de
operacionalizar a relação entre cultura e desenvolvimento. Outro problema que se
colocava era a presença de um discurso participativo dentro de um regime
77
MAGALHÃES, 1985.
41
autoritário. Não soa legítimo afirmar uma parceria entre Estado e comunidade
para a produção e a proteção do patrimônio cultural num momento em que a
sociedade civil não possuía poder de ação efetivo. Além disso, para a população
em geral, outros problemas mais urgentes se apresentavam, como o
desemprego, a desigualdade social e a falta de moradia, o que tornava difícil o
seu envolvimento.
Outros fatores, que não apenas o conceito de patrimônio, interferiam nas ações
de preservação e, conseqüentemente, nos trabalhos do IPHAN a partir das
décadas de 60 e 70. Uma nova realidade se apresentava, e a instituição teve que
lidar com problemas como: urbanização desenfreada, especulação imobiliária e o
incremento do turismo. Dentro dessa perspectiva, a proteção de sítios históricos
urbanos se apresentava como um dos maiores desafios. Por implicar a
administração de interesses distintos e interferir na orientação do uso do solo
urbano de determinada região, a questão é ainda mais complexa, sendo
necessário envolver outros setores do planejamento das cidades.
Se uma das críticas de Aloísio em relação ao IPHAN se dava em relação à
atividade elitista e seletiva da instituição e a não-participação da sociedade na
definição do patrimônio, o que acontece dentro do campo de atuação do CNRC
não é muito diferente. Suas idéias, se não vinham de uma visão idealizada da
cultura popular, partiam do princípio da compreensão da atribuição de valores a
bens e práticas realizadas por determinados grupos sociais, a fim de apreender
suas referências culturais significativas. Ora, para que isso seja feito, é necessário
definir um ponto de vista para organizar o que se quer identificar, ou seja, envolve
uma definição de critérios. E essa atividade, assim como na década de 30, era
realizada por intelectuais inseridos dentro da estrutura governamental. Ao tentar
compreender a ressemantização dos bens feita por esses grupos sociais restritos,
os agentes fazem a sua própria leitura, criando a sua própria versão daquela
cultura.
Ainda que um grupo restrito – os intelectuais – procure falar em nome da massa,
as políticas culturais resultantes só são legitimadas e se tornam eficazes se essa
população participa e se organiza para isso. No momento da fusão entre
42
IPHAN/PCH/CNRC, o Brasil está longe da democratização necessária para que
isso aconteça. Ainda falta no país uma ampla participação da população nos
processos decisórios de políticas de preservação, tanto nas tomadas de decisão
quanto na implementação de projetos. Dessa forma, a proposta democrática
apresentada por Aloísio não é capaz de atingir representatividade e legitimidade
total uma vez que continua fundamentada nas decisões de agentes institucionais.
No Brasil, diferentes momentos históricos buscaram definir diferentes identidades
nacionais, que usualmente passam a ser chamadas de patrimônio. Para
Gonçalves
78
, os discursos de Rodrigo Melo Franco de Andrade, na chamada fase
“heróica” do IPHAN, e o de Aloísio Magalhães durante a fase “moderna” se
aproximam na medida em que apontam para um risco de desaparecimento desse
patrimônio. Na fala de Rodrigo, essa perda se dava principalmente devido a
proprietários ignorantes, descaso dos poderes públicos, arruinamento, danificação
e dispersão para fora do país. A ignorância da população era o principal fator
agravante. Já para Aloísio, a ameaça era externa, vinha com o progresso e tinha
como principal conseqüência a homogeneização da cultura. Nesse caso, a
ignorância se dava no sentido do povo não possuir uma visão crítica e ter a
tendência a aceitar o produto importado passivamente.
Os dois discursos também convergem para um mesmo ponto: a construção de
um patrimônio nacional através da seleção e da valoração de bens. Ainda que a
noção do que é patrimônio tenha sido alterada, passando de uma ênfase aos
monumentos de pedra e cal para uma valorização de manifestações culturais
regionais, focada nas práticas populares, percebemos a mesma preocupação em
definir uma imagem da nacionalidade, seja ela homogênea ou plural.
1.2.2 Novos rumos para o patrimônio
Com a morte prematura de Aloísio Magalhães em 1982, tem fim a fase “moderna”
do IPHAN. Ainda que extremamente curto, esse período marcou algumas ações
dentro do campo cultural na década de 80. Devido ao momento político por qual o
78
GONÇALVES, 1996.
43
país passava, os debates sobre cultura, que na década de 70 estavam voltados
para o aspecto do desenvolvimento econômico, passam na década de 80 a se
voltar para a questão da cidadania. A defesa de valores como a qualidade de vida
e a preservação de identidades culturais passaram a ser vistos como direito do
cidadão, e cabia ao Poder Público garanti-los.
Em 1985 foi criado o Ministério da Cultura, sob a coordenação de José Aparecido
de Oliveira. A fragmentação do MEC em dois ministérios reforçou, no âmbito do
Poder Público, uma separação entre as políticas culturais e as educacionais, o
que também acarretou numa diminuição de recursos. Como forma de incentivo
fiscal, foi criada a Lei Sarney, também em 85. Essa lei vinha como alternativa
para novas formas de gerenciamento, produção e circulação no setor cultural. A
partir dela, instaura-se a prática da competência, na qual para a obtenção de
verbas dever-se-ia definir um projeto cultural, planejá-lo e viabilizá-lo
economicamente para que ele fosse executado. A lei prevê também a
diversificação das fontes de financiamento da cultura, por força da crise
econômica que afetava o país.
A base conceitual desenvolvida pelo CNRC e mais tarde empregada pela FNpM
serviu de referência para a elaboração da nova Constituição, em 1988
79
. Em seus
artigos 215 e 216, relacionados à cultura, a Constituição prevê, pela 1ª vez, a
participação da sociedade na proteção do patrimônio cultural brasileiro. Segundo
sua redação:
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
A noção de patrimônio histórico e artístico nacional também é substituída por uma
mais ampla, a de bem cultural:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
79
BRASIL, Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988.
44
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
Apesar dos avanços, a nova Constituição não prevê outra forma de proteção legal
que não o tombamento.
Com o início do Governo Collor, em 1989, tem-se um verdadeiro
“desmantelamento da área da cultura”
80
. Foram extintos o MinC, o SPHAN/FNpM
e a Lei Sarney, sendo substituídos pela Secretaria de Cultura (vinculada à
Presidência da República) e pelo Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural
(IBPC). A Lei Sarney só viria a ser substituída em 1992, pela Lei Rouanet.
A tônica da gestão cultural no Brasil, na década de 90, se deu numa tentativa do
governo de buscar envolver empresas e pessoas físicas no financiamento de
atividades culturais, provavelmente devido aos escassos recursos que
disponibilizava para essa área. Para se ter uma idéia da situação, em 1998 o
MinC editou uma coleção de textos – Um olhar sobre a cultura brasileira
81
organizado pelo então ministro Francisco Weffort e pelo diretor da Funarte, Márcio
Souza. Os textos, escritos em sua maioria por altos dirigentes do ministério,
fazem um resumo das ações na área cultural nos últimos quatro anos. Como
resultado, tem-se um atestado do descaso do governo em relação ao patrimônio
cultural. As informações contidas na publicação afirmam que, segundo dados do
IPHAN, “cerca de 50% dos imóveis históricos sob tutela federal encontram-se
degradados e 25% estão exigindo alguma obra de recuperação”. O texto
acrescenta ainda que “aproximadamente dois terços desse imóveis encontram-se
abandonados ou subutilizados”. Se pensarmos que esses são dados do governo,
a realidade poderia ser ainda pior.
80
FONSECA, 2005, p.139.
81
WEFFORT, Francisco; SOUZA, Márcio (Org.). Um olhar sobre a cultura brasileira. Brasília: MinC,
1998.
45
Até o final do século, as políticas oficiais de preservação não sofreram grandes
alterações, sendo o tombamento o único meio oficial de proteção. Os debates
quanto à insuficiência desse instrumento, iniciados já na década de 60, só
obtiveram algum resultado em 2000, com a aprovação do decreto nº. 3551, que
institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, criando também o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial (PNPI). O decreto veio tornar aplicável o artigo 216 da Constituição
Federal de 1988 no tocante ao patrimônio cultural imaterial brasileiro. A inovação
que este decreto efetuou na tutela do patrimônio cultural imaterial faz dele uma
referência nos países do continente americano. O PNPI, por sua vez, implementa
a política de inventário, registro e preservação da diversidade étnica e cultural do
país.
Após 70 anos de atividades, o IPHAN ainda é referência na questão da
preservação do patrimônio cultural nacional. Segundo a própria instituição
82
, “o
patrimônio é administrado por meio de diretrizes, planos, instrumentos de
preservação e relatórios que informam a situação dos bens, o que está sendo
feito e o que ainda necessita ser realizado”. Devido à multiplicação nas cidades
brasileiras de órgãos e instituições locais de preservação, o IPHAN vem
trabalhando ainda como consultor nas ações do poder público, especialmente no
que se refere à proteção de sítios urbanos históricos e na questão da ambiência
dos bens tombados a nível federal.
Os órgãos de defesa do patrimônio a nível municipal e estadual, por sua vez,
tendem a reproduzir as formas de proteção já realizadas pelo IPHAN. O
tombamento é a forma mais comum de preservação, seguida pelos inventários.
Hoje, grande parte dos municípios brasileiros tem previsto em seu Plano Diretor
Urbano (PDU) meios de proteção do seu patrimônio local. Apesar disso, os
interesses particulares e a especulação imobiliária ainda vêm causando grande
destruição dos referenciais de nosso passado, trazendo como principais
conseqüências a desconfiguração do ambiente e a descaracterização do traçado
original das cidades.
82
Disponível em: <<http://www,iphan.gov.br>> Acesso em 12 de fev. 2007.
46
Capítulo II - Política da destruição: a preservação nas quatro primeiras
décadas do século XX
A temática do patrimônio no Brasil só começa a ser considerada oficialmente
relevante a partir da década de 20 do século passado, efetivando-se com o
decreto-lei nº25 de 30 de novembro de 1937, quando o Estado passa a se
apresentar como agente da construção da nação, responsável por um “projeto
nacional” maior que viria a tornar o Brasil uma nação civilizada. Até então, essa
discussão se dava de forma bastante incipiente, e se restringia quase que
exclusivamente aos grandes centros do País
83
.
Em Vitória, o início do século é marcado por uma avalanche desenvolvimentista,
onde a lógica sanitarista e a preocupação em ganhar do mar terrenos alagados
deram a tônica das intervenções públicas. Essa perseguição em busca do
progresso, mais do que uma expressão particularizada de pensamentos
regionais, fazia parte do desdobramento de um processo nacional mais
abrangente, cuja lógica se dava na recriação de símbolos da modernidade urbana
com o objetivo de incorporar as cidades num eixo de “verdadeira civilização”. Para
Albernaz,
a cidade brasileira não era tão somente um construto do século XVIII, mas prova da
perniciosa herança colonial, e ainda por cima insalubre. Dentro desse espírito, o novo
planejamento urbano, sobretudo de influência européia, moveu ofensiva um tanto
sistemática contra tudo que fosse colonial.
84
Dessa forma, todo um universo cultural subliminarmente associado a uma
imagem de atraso, resquício colonial, foi condenado.
Assim como se deu em muitas cidades brasileiras, a renovação e a ampliação da
área urbanizada de Vitória se deram com sacrifício da paisagem, especialmente
através dos aterros que modificaram peculiaridades no relacionamento da cidade
com o mar. Além disso, as maiores transformações urbanas da capital exigiram
83
Em âmbito internacional, o primeiro documento que propôs definir princípios fundamentais para a
salvagurada de objetos de interesse foi a Carta de Atenas, de 1931, cujos signatários são todos países
europeus. A primeira carta internacional ratificada pelo Brasil foi a Carta de Veneza, de 1964.
84
ALBERNAZ, 1975. apud BANCK,Geertz. Dilemas e símbolos: estudos sobre a cultura política do Espírito
Santo. Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo
, Cadernos de História nº13, 1998.
47
grandes desapropriações e demolições, que modificaram a estrutura física e
funcional da cidade.
Esse capítulo tem como objetivos expor - com o auxílio de imagens comparativas
- as mudanças significativas sofridas no casario e no traçado urbano da antiga vila
colonial e demonstrar, através de relatórios oficiais de Governo e notícias
retiradas de jornais e revistas da época, a inexistência de um pensamento voltado
para a preservação do patrimônio cultural. As fotografias possuem potencial valor
documental e, quando associadas ao discurso oficial, são de grande valor para o
entendimento global do assunto.
O período analisado vai da virada do século XIX para o século XX - momento em
que é realizado o primeiro projeto de melhoramentos para a capital – até o final da
década de 30, coincidindo com o fim do longo período de renovações urbanas e
com o início dos trabalhos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) no Estado.
2.1 Vitória na virada do século XX
Em linhas gerais, a cidade de Vitória na virada do século carecia de todos os
serviços elementares de infra-estrutura necessários ao atendimento da
população
85
. Com cerca de 9.000 habitantes, a capital possuía configuração de
influência tipicamente portuguesa, de traçado urbano irregular e disposta segundo
a topografia do relevo. As edificações de maior destaque eram as igrejas,
importantes referências na paisagem e elementos de estruturação da cidade.
A decadência do ciclo do ouro e a recuperação de sua independência político-
administrativa
86
permitiram que Vitória retomasse suas atividades comerciais e
buscasse recuperar os anos de atraso em relação aos principais pólos do país,
apoiada principalmente no desenvolvimento gerado pelos lucros da produção
cafeeira, significativos a partir da década de 1890.
85
Em 1896 a cidade contava com cerca de 9.000 habitantes
86
Durante o período imperial, a capitania do Espírito Santo esteve subordinada ora à capitania do Rio de
Janeiro, ora à capitania da Bahia.
48
Em sua mensagem de governo de 1895, o então presidente da província José de
Mello Carvalho Muniz Freire descreve Vitória como uma:
[...] cidade velha e pessimamente construída, sem alinhamentos, sem gosto, sem
architectura, segundo os caprichos do terreno; apertada entre a baia e um grupo de
montanhas; não tendo campo para desenvolver-se sem a dependência de grandes
despezas; mal abastecida de água; com um serviço de iluminação á gaz duplamente
arruinado, pelo estado do material e pela situação de sua empreza [...] sem edifícios
notáveis, repartições e serviços públicos mal accommodados á falta de prédios, sem um
theatro, sem um passeio público, sem bons hospitaes, sem um serviço de limpeza bem
organisado, sem um matadouro decente; desprevenida de toda defesa sanitária;
necessitada de construir novos cemitérios devido á irrevogável condemnação dos actuaes
[...]
87
De acordo com Lopes
88
, esse estado de deterioração pode ser explicado pela
falta de recursos econômicos, pelo descaso da Coroa em relação à província e
pela decadência do poder da Igreja, que até 1895 ficou sob a proteção da Mitra
do Rio de Janeiro. Em relação ao estado de ruína das igrejas na capital, a autora
acredita que a dificuldade em se encontrar mão-de-obra especializada, associada
à falta de planejamento adequado para as reformas e construções, contribuiu
para o agravamento da situação.
A fim de transformar a capital num grande centro de comércio, Muniz Freire
encomendou ao engenheiro-sanitarista Saturnino de Brito
89
um estudo urbanístico
e de saneamento para Vitória, que contemplava ainda um projeto para construção
de um novo arrabalde em direção ao leste. No texto que acompanha o projeto
90
o
engenheiro faz uma análise do modo de construir dos portugueses na cidade,
onde afirma que:
[...] erguiam as suas casas à direita e à esquerda, acima e abaixo, com tanto cunho de
estabilidade no detalhe quão pequena preocupação de ordem e de progresso no conjunto.
87
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1892-1896: Freire). Relatório apresentado á Assembléia
Legislativa em 23 de maio de 1896 [por] Muniz Freire, Governador do Estado do Espírito Santo.
Vitória, 1896. Muniz Freire governou o Estado por 2 vezes. Seu primeiro mandato foi de 1892 a 1896,
voltando ao poder entre 1900 e 1904.
88
LOPES, Almerinda da Silva. Arte no Espírito Santo do século XIX à Primeira República. Vitória: Ed.
do Autor, 1997.
89
O engenheiro Saturnino de Brito realizou projetos em mais de 55 cidades do país, entre elas a de Santos e
as capitais paulista e pernambucana, sempre associado às mais novas teorias higienistas que vigoravam à
época, e uma visão que aliava estética e técnica. No estudo para Vitória, foram projetados 178 novos
quarteirões e cerca de 2.100 novos lotes, numa área 6 vezes maior que o núcleo urbano existente.
90
BRITO, Francisco Saturnino Rodrigues de. Projecto de um Novo Arrabalde. Rio de Janeiro: Xérox do
Brasil;Vitória: APEES, 1996, p.2.
49
Elogia ainda a atitude do governo em empenhar-se para permitir que a capital se
desenvolvesse “[...] com as garantias hygienicas e com os predicados estheticos
das cidades modernas”
91
.
Apesar do caráter desenvolvimentista do governo Muniz Freire, os planos de
modernização para a cidade não puderam ser implementados
92
. A crise na
economia já em 1897, seguida de forte queda no preço do café no início do
século teve como conseqüência uma fraca intervenção da administração pública
na configuração espacial da cidade. A estrutura colonial que vinha sendo
gradativamente formada desde a fundação de Vitória de certa forma se manteve.
Fig.1. Cidade de Vitória a partir da baía, em 1910. As construções
religiosas eram importante referência na paisagem. Fonte: CAMPOS
JUNIOR, p. 227.
91
Ibid, p.4.
92
Até a década de 70 o andamento de todas as obras públicas realizadas acompanhava a oscilação do
mercado do café, fator que passou a exercer menos influência a partir da realização dos “Grandes Projetos”
para a capital, resultado de um maior incentivo à industrialização.
50
Fig.2.Configuração espacial de Vitória após o governo Muniz Freire. Fonte: MONTEIRO,
p.96.Tratamento de imagem: Renata Salvalaio.
2.2 As primeiras grandes mudanças: Governo Jerônimo Monteiro
Ao final do governo Freire tudo ainda estava por fazer. Novamente associado aos
lucros gerados pela produção cafeeira, o governo de Jerônimo Monteiro
(quadriênio 1908-1912) deu início a fase de grandes transformações em Vitória,
onde as melhorias no aspecto urbano ocorreram de forma mais incisiva. O
governador estabeleceu um complexo programa de urbanização, que envolvia
drenagens, aterros, alargamento de ruas, abertura de avenidas e construção de
jardins e edifícios. Suas idéias contribuíram para a descaracterização tanto da
arquitetura religiosa quanto da arquitetura civil, destruindo o substrato histórico
para atender novas demandas. Até o final de sua administração, a antiga capital
teve sua fisionomia sensivelmente modificada. Em sua mensagem de governo de
14 de setembro de 1909, o governador afirma que:
Desse tríplice e importantíssimo melhoramento (esgoto, água e habitações) [...] depende o
desenvolvimento de nossa Capital, onde, até há pouco a absoluta carência do mais
rudimentar conforto era o maior empecilho a que os melhores elementos do progresso aqui
se viessem installar. [...] Uma vez concluídos todos esses melhoramentos, estará a nossa
capital em condições de proporcionar inteiro conforto e bem estar a todos que aqui venham,
e assim terá iniciado o seu período de evolução para um progresso rápido e brilhante.
Tanto o discurso de Jerônimo Monteiro quanto o de Muniz Freire destacam a falta
de saneamento, de um serviço de abastecimento de água e habitações como o
maior entrave ao progresso da capital. Outro ponto em comum é a idealização da
51
cidade frente um período próspero em sua história. Apesar disso, ainda era
necessária uma mudança estética que tornasse evidente a nova “identidade” de
Vitória e refletisse a modernização tão desejada. Nesse contexto, a arquitetura
eclética se impõe como estilo oficial padrão
93
, empregado tanto na remodelação
de edificações já existentes quanto na construção de novos edifícios públicos.
As cidades do Rio de Janeiro e São Paulo exerceram grande influência sobre o
gosto local. As duas capitais disputavam entre si a primazia de ditar novidades, o
que fez com que outras capitais logo procurassem imitá-las
94
. Como forma de
atestar a “modernidade” do novo estilo e, ao mesmo tempo, dar credibilidade às
ações do governo, Jerônimo Monteiro contratou o arquiteto Ramos de Azevedo
95
para realizar o projeto da Casa de Caridade de Vitória. Construído em estilo
eclético, o edifício serviria de exemplo a ser seguido pela produção arquitetônica
capixaba.
A política de renovações urbanas empreendida pelo Governo tinha ainda o apoio
da Prefeitura Municipal. O decreto de 1909
96
que regulamenta a construção,
reconstrução e concertos de prédios no município de Vitória estabelece que:
Art. 15 [...]
§ 3º. – É permitido construir-se em edifício em qualquer dos estilos architectônicos, ainda
que se afaste das prescripções do presente decreto; em tal caso porém o Engenheiro
Municipal poderá propor as modificações ou correcções que julgar acertadas. (grifo nosso)
O mesmo decreto estabelece ainda a proibição da construção de telhados sem
platibandas dentro do perímetro urbano da cidade. Dessa forma a administração
municipal se permite controlar, dentro da legalidade, as características
arquitetônicas tanto das novas quanto das antigas construções, impondo, ainda
que de forma indireta, o padrão estético que se desejava obter para a cidade.
93
Para um melhor entendimento, consideraremos ecléticas as construções que combinam, sem regras
definidas, um conjunto de ornamentações próprias de diversos estilos em um mesmo edifício, com total
liberdade criativa para lhe proporcionar uma fisionomia própria..
94
LOPES, 1997, p.80.
95
Ramos de Azevedo possuía grande destaque no cenário arquitetônico paulista e foi responsável pelo
projeto de grande número de edifícios ecléticos em São Paulo. De seu escritório, criado em 1886, saíram os
projetos do Teatro Municipal de São Paulo, do edifício da Pinacoteca e da Estação da Luz, além de diversas
residências na Av. Paulista, Higienópolis e Consolação.
96
ESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº. 3 de 17 de abril de 1909. Regulamenta a construção,
reconstrução e concertos de prédios no município de Vitória. Vitória, 1909.
52
O apoio municipal aparece reconhecido em mensagem de governo de Jerônimo
Monteiro, onde ele parabeniza a ação da prefeitura,
que, aliás, sempre se tem esforçado por melhorar e transformar a cidade, pela exigência de
condições architectônicas nas novas construcções e nas reconstrucções de prédios antigos.
[...] a Victória dentro de pouco tempo perderá aspecto de cidade colonial, de ruas estreitas e
tortuosas.
97
O discurso positivista do governo obtinha ainda o apoio da maior parte da
população. Jornais e revistas da época destacavam o pioneirismo do poder
público e seu grande empenho em trazer o progresso para a capital. O jornal
Diário da Manhã destaca que:
Notam-se agora diversas construcções em andamento e que, feitas com os necessários
requisitos da esthetica e da hygiene, virão concorrer immensamente para melhorar a sua
situação (de Vitória). [...] Não se pode haver quem de coração e isenção de ânimo se negue
a applaudir a norma de conduta seguida actualmente pelo emérito estadista que ora enfeixa
nas mãos as rédeas governamentais.
98
O grande apoio da população não impediu o surgimento de vozes destoantes do
discurso oficial. Em 14 de setembro de 1909 o governador dá amostras da
existência de uma oposição insatisfeita com as transformações empreendidas na
cidade:
[...] cumpre-me consignar aqui – e o faço verdadeiramente desvanecido – o enthusiasmo e boa
vontade do povo em nos secundar com o seu apoio nessa ordem de medidas. As poucas e raras
exceções que vêm quebrar nossa linha geral são o producto de mal contidas paixões, ou de
interesses individuais contrariados em benefício dos interesses da collectividade.
99
Na coluna De Palanque do mesmo Diário da Manhã foram encontrados protestos
a favor da manutenção do antigo casario colonial e do traçado tradicional:
É um desaforo sem nome e sem medida a ousada ameaça do modernismo contra a
integridade das casas velhas que são os mais bellos marcos das tradições. P’ra que
derrubar? Para alargar ruas, responderão os homens da luz elétrica, dos bondes e da água
encanada. Mas então, rua estreita não é rua? E sendo estreitas as ruas, não é menor o
trabalho da sua conservação e limpeza?
97
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1908-1912: Monteiro). Exposição sobre os negócios do
Estado apresentada á Assembléia Legislativa em 23 de maio de 1912 [por] Jerônimo Monteiro,
Governador do Estado do Espírito Santo. Vitória, 1912.
98
Diário da Manhã, Vitória, 07 de abril de 1911. Coluna Rabiscos, p.2.
99
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1908-1912: Monteiro). Mensagem apresentada à Assembléia
Legislativa em 14 de setembro de 1909 [por] Jerônimo Monteiro, Governador do Estado do Espírito
Santo. Vitória, 1909.
53
P’ra que derrubar as casas que são atestado vivo da architectura antiga? P’ra construírem
platibandas? Então sem esta maldita novidade inventada pela prefeitura [...] deixam as
casas de ser casas? Não?
100
Completando:
Dias virão que a nossa cidade não terá sequer um marco, um monumento para attestar, no
porvir, os bons dias escoados na ampulheta do tempo e que mais não voltam
101
.
Mesmo que carregado de certa dose de romantismo – velhas casas que são os
mais belos marcos das tradições, bons dias escoados na ampulheta do tempo – o
protesto contra a destruição do casario é interessante na medida em que expõe
um tipo de preocupação bastante incomum em Vitória nesse período. Se em
âmbito nacional essa discussão ainda era muito incipiente, em Vitória ela possuía
caráter muito restrito. Ao se mostrar a favor da preservação da arquitetura
vernacular existente na cidade, ameaçadas pelas constantes demolições, a
coluna adianta uma tomada de consciência que só viria a acontecer décadas mais
tarde.
No dia 26 de abril de 1911 o grupo autodenominado “pró-tradicionalistas”
organizou uma conferência na antiga Praça da Alfândega
102
. Comandados por
Demósthenes Açucena, os integrantes pretendiam, em favor das tradições,
defender a Capital contra os “modernistas” que vinham destruindo a cidade.
Apesar de aparentar certa organização, o grupo não conseguiu reunir um número
significativo de adeptos, e seu discurso, ainda que tenha conseguido espaço na
mídia impressa, não foi forte o suficiente para gerar algum resultado concreto.
Como o estado de ruína era suficiente para justificar a derrubada dos antigos
prédios coloniais, muitos edifícios foram abandonados propositalmente e, em seu
lugar, levantaram-se construções “modernas”
103
. Nesse contexto, a Igreja teve
importante papel na descaracterização do núcleo antigo da cidade. Desde a
expulsão da Ordem Jesuítica no século XVIII a Igreja vinha contribuindo com a
decadência dos templos, seja por falta de manutenção ou por reivindicar obras
100
Diário da Manhã, Vitória, 04 de abril de 1911. Coluna De Palanque, p.8.
101
Diário da Manhã, Vitória, 07 de abril de 1911. Coluna De Palanque, p.3.
102
Ver: Diário da Manhã, Vitória, 27 de abril de 1911.
103
LOPES, 1997, p.113.
54
mais suntuosas, ao gosto das novidades estilísticas. No caso de serem feitas
reformas, elas tinham caráter eminentemente funcional, com objetivos práticos, e
nunca com a intenção de garantir sua continuidade no tempo. Em Vitória
104
, o
ciclo de demolições ocorridas no século XX teve início com a demolição da antiga
Igreja da Misericórdia. Construída em 1591 em homenagem a Nossa Senhora da
Misericórdia, a igreja foi desapropriada pelo governo do estado em 1910 e
demolida para a construção do edifício da Sede da Assembléia Legislativa,
inaugurado em 1912. Segundo Elton, a antiga igreja era
[...] modesta, mas das mais antigas do Espírito Santo. Foi demolida para que, na mesma
área, se construísse o prédio da Assembléia Legislativa, visto que o governo de então
empenhava-se em modernizar a cidade, dar-lhe edifícios novos, quando os monumentos
religiosos da ilha lhe pareciam, certamente, não mais que simples velharias [...]
105
Poucos anos mais tarde, em 1918, D. Benedito Alves de Souza manda demolir a
antiga igreja matriz da cidade, a Catedral de Nossa Senhora da Vitória. A igreja
havia sido construída em 1551, mas foi completamente reedificada no século
XVIII devido ao seu estado de arruinamento. Após sucessivas obras de reparo, é
elevada à categoria de catedral no final do século XIX, o que não a impediu de ser
demolida no início do século XX por não conseguir mais atender às necessidades
de culto. Na década de 20, no mesmo local, foi iniciada a construção da nova
catedral, que durou até a década de 70, devido a diversas paralisações na obra e
modificações no projeto original. As características finais do edifício são
predominantemente neogóticas
106
, seguindo um modismo que havia atingido a
arquitetura religiosa brasileira a partir do final do século XIX e que irá deixar
marcas em outros edifícios também espoliados com o aval das ordens religiosas,
como a Igreja do Carmo, reformada entre 1909 e 1910 pelo arquiteto André
Carloni
107
.
104
No município de Vila Velha, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha já havia sido demolida
em 1896.
105
ELTON, Elmo. Velhos templos de Vitória e outros temas capixabas. Vitória: Conselho Estadual de
Cultura, 1987, p.44.
106
O projeto original, do paisagista Paulo Motta, foi abandonado na década de 30, mas suas características
neogóticas foram mantidas.
107
Tanto a construção da nova catedral quanto a reforma da Igreja e Convento de Nossa Senhora do Monte
Carmo serão vistas com mais detalhes no próximo capítulo.
55
Fig.3.Na foto superior, o Largo da Igreja de São Tiago, em 1908. À esquerda, Igreja
da Misericórdia, demolida em 1910. Ao fundo, a antiga igreja matriz. Fonte:
TATAGIBA, p.101. Fig.4. Na foto inferior, construção da Assembléia Legislativa, em
1912. Fonte: TATAGIBA, p.165.
56
Fig.5. Assembléia Legislativa (Palácio
Domingos Martins), construída no local da
antiga igreja da Misericórdia. Fonte: Arquivo
pessoal da autora.
Fig.6. Catedral Metropolitana de Vitória.
Fonte: www.cmv.es.gov.br
57
Em relação às renovações pontuais em edificações, talvez a mais drástica tenha
sido a realizada no antigo Colégio dos Jesuítas e Capela de São Tiago, o atual
Palácio Anchieta. O prédio teve sua construção iniciada na década de 1570,
sendo a ala de residências e o colégio construídos posteriormente à igreja. Após
a expulsão dos jesuítas, o edifício passou a ser utilizado como Residência Oficial
dos Governadores da Província (1788-1889) e como Sede do Governo do Espírito
Santo a partir de 1890.
Fig.7. Colégio dos Jesuítas e Capela de São Tiago em 1905,
antes das reformas do governo Jerônimo Monteiro. Fonte:
Arquivo Público Estadual.
Até o início do século XX o edifício havia passado apenas por modificações no
seu interior, a maioria delas com a finalidade de adaptar suas dependências às
várias repartições públicas que ali funcionaram
108
. Em 1907 o colégio e a igreja
ainda mantinham suas características originais maneiristas: frontão triangular e
duas torres sineiras, sendo uma delas diferente da outra
109
, e até então o conjunto
permanecia como o maior e mais imponente construção da capital. Mantinha
ainda uma forte relação com o largo localizado à frente do colégio, espaço no qual
a vida social era bastante intensa, envolvendo diversos tipos de festividades.
108
O prédio abrigou a Secretaria de Governo, o Arquivo Público Estadual, a Procuradoria Geral, a Diretoria
de Finanças, a Diretoria de Agricultura e a Inspetoria Geral do Ensino. Havia, até então, uma carência muito
grande de edifícios públicos na Capital.
109
Apenas uma das torres sofreu intervenções de influência maneirista; a outra mantinha suas características
barrocas do século XVIII. Ver: LOPES, 1997.
58
Em 1908, Jerônimo Monteiro contrata o engenheiro Justin Norbert para
reconstruir o edifício e dar-lhe um aspecto mais “moderno”. Ao comentar as obras
empreendidas no Palácio, o governador declara:
No ano passado, porém, achando-se o madeiramento superior da cobertura do Palácio
grandemente estragado, reclamando reforma geral, contractei com o engenheiro, Sr. Dr.
Justin Norbert, a reconstrucção completa de todo o edifício. Além disso, em face do
progresso material que se accentuava e cada vez mais se accentua na Victoria, pela
transformação que se vae operando no aspecto da cidade, que renasce e se embelleza nas
novas construcções que vão surgindo, não podia continuar o edifício do Palácio do Governo
com a sua vetusta feição conventual, em contraste com as linhas de architectura dos
edifícios novos e em flagrante infracção das posturas municipaes.
110
(grifo nosso)
Quanto à reforma da escadaria de acesso ao edifício, obra executada pelo
mesmo arquiteto, Jerônimo Monteiro afirma ser esta capaz de criar uma
perspectiva “de fazer honra a qualquer centro civilizado”
111
.
Fig. 8. Escadaria e Cais do Imperador, em 1908. Fonte:
TATAGIBA, p.105
.
110
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1908-1912: Monteiro). Relatório apresentado á Assembléia
Legislativa em 23 de maio de 1912 [por] Jerônimo Monteiro, Governador do Estado do Espírito Santo.
Vitória, 1912.
111
MONTEIRO, op.cit..
59
Da arquitetura jesuítica só permaneceram as paredes principais. O edifício
ganhou elementos neoclássicos e barrocos, numa mistura de estilos de gosto
duvidoso. Desapareceram a torre menor e o frontão, e a entrada principal foi
direcionada para a baía de Vitória, mudando assim a relação do conjunto com o
largo existente em frente à igreja. A sineira esquerda só viria a ser demolida em
1919, no governo de Bernardino Monteiro.
Ações como essas realizadas no antigo edifício revelam um outro lado das
políticas públicas, que tem como pano de fundo um discurso de dominação, onde
representantes do poder público local buscam se afirmar através da intervenção
em edifícios já existentes e de grande visibilidade. A ânsia inovadora por edifícios
modernos e grandiosos fez com que se perdesse um dos maiores exemplares da
arquitetura jesuítica em Vitória e no Brasil. Hoje quando se fala em perdas
significativas do patrimônio cultural edificado, o conjunto formado pela antiga
igreja e colégio de São Tiago é com certeza o mais citado. Vale reforçar, no
entanto, que não foi encontrada nenhuma referência na imprensa jornalística que
se opusesse às obras no Palácio, o que demonstra mais uma vez a anuência da
população.
O quadriênio também foi marcado pelo início da construção do porto, que fazia
parte de um plano maior de desenvolvimento da capital. Mas o fim do mandato
Fig.9 .Escadaria Bárbara Lindenberg (em primeiro
plano) e fachada principal do Palácio Anchieta, 2008.
Fonte: Arquivo pessoal da autora.
60
veio acompanhado de uma nova crise do café, gerada principalmente pela
diminuição das exportações devido ao início da 1ª Grande Guerra, o que impediu
a continuidade das obras. Apesar de significativas, as transformações ocorridas
em Vitória durante o governo Jerônimo Monteiro ficaram limitadas a uma parte
específica da cidade, concentrando-se no centro para o sudoeste. A ocupação
direcionada para o leste só terá início na próxima década, durante o governo de
Florentino Avidos (1924-1928).
Fig.10. Configuração espacial de Vitória após o governo Jerônimo Monteiro. Fonte: MONTEIRO,
p.96. Tratamento de imagem: Renata Salvalaio.
2.3 A segunda grande expansão
Os governos entre Jerônimo Monteiro e Florentino Avidos foram marcados por um
grande número de planejamentos sem execução. As poucas intervenções feitas
na cidade foram promovidas pela prefeitura, e se limitaram à correção de
insalubridades e à abertura e pavimentação de algumas ruas. O discurso em
favor da remodelação da capital, no entanto, permaneceu inalterado. Em
mensagem de 1921, Nestor Gomes relata o estado em que se encontra a parcela
da cidade que não havia sido contemplada pelas obras de Jerônimo Monteiro,
que para ele se constituíam:
[...] velharias e indecências, impondo-se uma providência directa do Estado em favor da
remodelação da nossa Capital. [...] O que existe de edificações na zona das ruas do
Rosário, Capichaba, Oriente, Pereira Pinto e Sacramento [...] têm um aspecto que se
61
assemelha bem ao das aldeias praianas do anno de 1650, que não evoluíram. [...] Era, pois,
natural o meu movimento em torno dessa remodelação, que constitue um dever claro do
Governo, que representa uma necessidade palpitante e que exprime os legítimos reclamos
do sentimento pátrio e do amor próprio dos que habitam a Ilha de Victoria.
112
A execução de obras no interior e o período de situação econômica instável
retardaram as obras de remodelação previstas para a capital. O momento
propício só surge em meados da década de 20, associado novamente a uma boa
fase da economia cafeeira. Quando Florentino Avidos assume o governo em
1924, o estado sanitário de Vitória era regular, mas a cidade era carente de boa
parte do serviço de infra-estrutura urbana e rede de transportes. A situação foi
definida pelo governador como:
Ruas apertadas, ladeadas de velhos prédios ameaçando desabamento, calçadas em geral
com alvenaria de pedras seccas, roliças, sem drenagem, com serviços de água e exgottos
viciados em alguns casos, interrompidos em outros, quase todos precisando de completa
reforma, não podiam continuar nessa situação
113
.
A retomada do ritmo acelerado das obras foi possibilitada pela criação do Serviço
de Melhoramentos de Vitória, cujo plano geral previa a ampliação da cidade –
com criação de novos bairros -, obras de salubridade e trabalhos de
embelezamento e conforto, que viessem dar à cidade “aspecto compatível com as
belezas naturais de nosso porto”
114
. Para isso foi elaborada uma planta geral para
a capital, que previa, entre outras coisas, a alargamento e retificação de grande
parte das ruas.
A morfologia urbana, até então de pequenas proporções, foi definitivamente
alterada com a abertura da Avenida Capichaba, que passou a orientar o
crescimento da cidade. A avenida pode ser considerada a primeira grande artéria
viária da capital
115
, sendo necessárias inúmeras desapropriações para a sua
execução. Avidos justifica a abertura da avenida pelo:
112
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1920-1924: Gomes). Mensagem apresentada á Assembléia
Legislativa em 31 de outubro de 1921 [por] Nestor Gomes, Governador do Estado do Espírito Santo.
Vitória, 1921.
113
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1924-1928: Avidos). Mensagem apresentada á Assembléia
Legislativa em 15 de abril de 1926 [por] Florentino Avidos, Governador do Estado do Espírito Santo.
Vitória, 1926, p.72.
114
Id. Mensagem de governo de 4 de maio de 1925, p.60.
115
Mais tarde ela será integrada com a Rua Jerônimo Monteiro, formando uma única avenida que corta
praticamente todo o centro de Vitória.
62
Alargamento e retificação da rua mais central, mais commercial e mais importante de
Victoria, a que possui os edifícios mais valiosos e também a de maior trânsito e mais
defficiente espaço para isso.
116
Fig.11. Avenida Capixaba na década de 30. Fonte: TATAGIBA, p.152.
A maior valorização da região só tem início de fato após a abertura da avenida.
Sua localização privilegiada fez com que o governo promovesse a construção de
novos edifícios públicos ao longo de sua extensão. O primeiro a ser construído foi
a sede da Comissão de Melhoramentos da Capital, projetada pelo arquiteto
tcheco-eslovaco Josef Pitlik e inaugurado em 1928. O prédio, em estilo eclético,
de certa forma serviu como padrão de estilo a ser seguido pelas novas
construções.
116
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1924-1928: Avidos). Mensagem apresentada á Assembléia
Legislativa em 15 de abril de 1926 [por] Florentino Avidos, Governador do Estado do Espírito Santo.
Vitória, 1926, p.73.
63
Fig.12. Sede da Comissão de Melhoramentos da Capital
(hoje Museu de Artes do Espírito Santo). Fonte:
TATAGIBA, p.51.
Novamente o estilo eclético teve primazia tanto na remodelação de construções
antigas quanto no projeto de novas edificações. Para orientar as obras previstas
no plano geral do Serviço de Melhoramentos, a Prefeitura elaborou um novo
código de posturas
117
, aprovado em 1926. Assim como havia ocorrido
anteriormente no governo Jerônimo Monteiro, a administração municipal passa a
exercer o controle sobre as construções, garantindo, assim, o padrão estético
preconizado pelo governo estadual. Entre as regulamentações previstas por lei,
destacam-se:
Art. 57: É prohibido a beirada nos prédios, nos alinhamentos das ruas. Não se expedirão
licenças para reparos ou pinturas ou qualquer obra de accrescimo ou modificação de
prédios antigos, sem que os proprietários se sujeitem à construcção de platibandas.
[...]
Art. 73: São permittidas as construcções em qualquer estylo architectonico, desde que não
se afastem das prescripções sobre segurança, hygiene e esthetica, a critério do Director
de Obras e Viação. (grifo nosso)
Nesse caso, o juízo do que possui ou não valor estético fica nas mãos de uma só
pessoa, o diretor de obras, que dessa forma também detém o poder de decidir a
fisionomia da cidade. A lei chega a exigir que todos os prédios construídos ou
reconstruídos na Avenida Capichaba tenham pelo menos 2 pavimentos.
117
PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA. Lei nº. 276/26. Elabora o novo Código de Posturas para o
município de Vitória e dá outras providências. Vitória, 1926.
64
Fig.13 e 14. Edificações construídas durante o governo Florentino Avidos, ambas de
influência eclética. À esquerda, o Grupo Escolar Gomes Cardim (atual FAFI), localizado na
Av. Capichaba. À direita, Theatro Carlos Gomes, na praça Costa Pereira. Fonte: Prefeitura
Municipal de Vitória.
A preferência por construções novas em detrimento do casaria antigo também fica
clara na legislação, que prevê, entre outras coisas:
Art.47. As ruas, travessas, avenidas e praças que não estejam nas condições da planta
geral da cidade, serão alargadas á medida que os prédios forem sendo construídos.
[...]
§6º: Nos edifícios que se acharem em desacordo com a presente lei, ou estiverem sujeitos
ao recuo para retificação de alinhamento ou alargamento de logradouros públicos, só serão
permitidas obras de acréscimos, reconstrução parcial, reparos e concertos, nas seguintes
condições:
a) obras de acréscimo, se nas partes acrescidas forem observadas as prescrições desta lei,
não prejudicando as partes antigas do edifício e não contribuindo para aumentar a sua
duração natural;
b) reconstruções parciais, se não vierem contribuir para aumentar a duração natural do
edifício;
c) reparos e concertos, se tiverem somente por fim melhorar as condições de higiene e
comodidade e não vierem contribuir para aumentar a duração do edifício. (grifo nosso)
As remodelações não se restringiram apenas às fachadas das edificações. As
ladeiras, principais pontos de ligação entre as partes alta e baixa da cidade, foram
transformadas em escadarias, todas marcadas pelo estilo eclético. Vale aqui
lembrar que, a despeito das transformações ocorridas durante os governos
Monteiro e Avidos, o ecletismo foi trabalhado basicamente na mesma escala do
colonial, não interferindo na relação entre as dimensões dos edifícios.
65
Fig.15. Escadaria Maria Ortiz
(antiga Ladeira do Pelourinho),
construída durante o governo
Florentino Avidos. Fonte: Prefeitura
Municipal de Vitória.
O governo Avidos também foi responsável pela retomada do antigo projeto
idealizado por Muniz Freire de ocupação do novo arrabalde. A expansão urbana
horizontal em direção ao leste orientou, a partir de então, o crescimento de
Vitória. Apesar disso, o centro continuava sendo a área mais privilegiada da
cidade.
O papel da Igreja na destruição do patrimônio edificado religioso também foi
relevante nesse período. Em 1926, D. Benedito Paulo Alves de Souza (o mesmo
responsável pela demolição da antiga matriz em 1918) manda demolir o
Convento de São Francisco e a Capela da Ordem Terceira. O conjunto, cuja
construção teve início em 1591, poderia ser considerado importante na
compreensão do próprio processo de ocupação da cidade. Em 1744 foi adornado
com motivos barrocos
118
, como aconteceu em diversos outros monumentos
religiosos do país à mesma época. Funcionou como local de aulas para a
comunidade, enfermaria durante um surto de varíola (1874) e epidemia de febre
amarela (1895), até que o cemitério instalado no seu sítio foi transferido para
118
A torre sineira só foi alterada para o mesmo estilo em 1784. MAIA, Luciane Musso. Preservação do
Convento de São Francisco: Cidade Alta – Centro de Vitória.1987. Trabalho de Graduação - Departamento
de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Espírito Santo, 1987.
66
outro bairro, em 1908. Com isso, o local passou a servir de moradia para
desabrigados, contribuindo, assim, para a sua demolição em 1926. Parte do
terreno foi parcelada, e no local foi construído um orfanato, aproveitando-se
poucas paredes que restaram. Conservou-se apenas o frontispício e restaram
apenas as muralhas da capela.
Fig. 16 e 17. Convento de São Francisco e Capela da Ordem Terceira
em dois momentos distintos, anteriores à sua demolição em 1926. A
ladeira de acesso ainda se localizava à frente do edifício [s.d]. Fonte:
21ª Superintendência Regional do IPHAN.
Na década de 50, André Carloni foi encarregado da restauração do antigo
conjunto, o que resultou num verdadeiro arremedo do convento, uma falsificação
daquilo que poderia ter sido – ainda que em estado de ruína – uma peça digna
de preservação. Foi reconstruído todo o alpendre, no qual foram colocados frisos
67
e beirais nunca existentes. A reconstrução pretendida, apesar da disponibilidade
iconográfica, deu origem a um resvalo imperdoável, um arremedo oferecido à
população. Desde 1985 funciona no local a Cúria Metropolitana de Vitória.
Figuras 18 e 19. Frontispício do Convento de São Francisco. À esquerda, em 2005. À direita, em
2008, após pintura. Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Não foi encontrada na imprensa jornalística nenhuma informação que se
mostrasse em desacordo com as renovações em curso em Vitória durante o
quadriênio 1924-1928. Durante esse período a cidade ganhou nova forma,
ficando cada vez mais próxima do ideal de progresso que se desejava para uma
capital. Foram construídas inúmeras habitações e novos bairros foram criados,
como Jucutuquara e Maruípe. A Cidade Alta
119
, núcleo original de fundação da
cidade foi a parcela menos alterada da morfologia urbana, uma vez que as obras
se concentraram na parte baixa, principal setor de comércio, serviços e
residencial. Dessa forma, a Avenida Capichaba passa a traduzir os desejos de um
Estado que se queria moderno e de uma burguesia cafeeira em ascensão. Para
Avidos:
119
As construções religiosas se localizam todas na parte alta, assim como alguns edifícios públicos,
especialmente os construídos até a década de 20. A partir da década de 30 têm início as intervenções na
Cidade Alta, mas as transformações mais significativas irão acontecer com o início do processo de
verticalização, a partir da década de 50.
68
Era preciso que a nossa cidade se tornasse confortável, que as fortunas aqui adquiridas
fossem aqui desfructadas por seus possuidores, que tinham de buscar outras localidades
por não poderem ter aqui o desejado conforto.
120
Fig.20. Configuração espacial de Vitória após o governo Florentino Avidos. Fonte:
MONTEIRO, p.96. Tratamento de imagem: Renata Salvalaio.
Em seu discurso final, o governador resume os seus 4 anos de trabalho da
seguinte forma:
Em benefício da salubridade, demoli velhas casas detestáveis, reconstruí serviços de
esgotos, remodelei e ampliei o serviço de água e melhorei o dos esgotos pluviaes. Alarguei
e calcei várias ruas, fazendo escadarias, corrigi alinhamentos extravagantes, dando realce
às novas fachadas e aspecto elegante à nossa praia, com ruas de contorno e construcção
de edifícios públicos modernos. (grifo nosso)
Os governos que imediatamente sucederam o governo Avidos se destacam por
um discurso muito próximo ao que se viu nessas primeiras 3 décadas do século
XX: necessidades de higienização e embelezamento da cidade, associados à
idéia de progresso.
Sendo Victoria uma cidade magnificamente favorecida pela sua belleza panorâmica,
impunha-se o auxílio da mão do homem à natureza para adapta-la às exigências de hygiene
e belleza das cidades modernas e faze-la o reflexo exacto da grandeza do Estado.
121
Nenhum deles, no entanto, trouxe alterações significativas à cidade. Durante toda
a década de 30 as intervenções tiveram caráter estritamente corretivo, em sua
120
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1924-1928: Avidos). Mensagem apresentada á Assembléia
Legislativa em 15 de abril de 1926 [por] Florentino Avidos, Governador do Estado do Espírito Santo.
Vitória, 1926.
121
ESPÍRITO SANTO (Estado). Governador (1928-1930: Aguiar). Mensagem apresentada á Assembléia
Legislativa em 7 de setembro de 1929 [por] Aristeu Borges Aguiar, Governador do Estado do Espírito
Santo. Vitória, 1929.
69
maioria eliminando áreas insalubres. Com o Golpe Militar de 1930, a política de
desenvolvimento sócio-econômico do Estado é alterada, ocorrendo mudança nas
prioridades dos investimentos públicos. Os projetos de embelezamento passam a
perder força, em favor das idéias reformistas do regime militar. Por imposição
econômica, buscou-se concluir as obras do porto, que vinham seguindo um ritmo
lento desde a administração de Jerônimo Monteiro
122
.
Fig.21. Representação esquemática dos aterros realizados no centro de Vitória e seus
períodos correspondentes. Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória. Tratamento de imagem:
Renata Salvalaio.
A ocupação de áreas antes inacessíveis e a construção de novos bairros não
impediram que o centro permanecesse como pólo econômico e político da capital.
A partir da década de 30, no entanto, as novas edificações passam a refletir um
novo estilo – o protomodernismo
123
– menos ornamentado e aliado à nova
tecnologia do concreto armado. Sua presença é sentida até a década de 50, e
vem selar o fim da primazia do ecletismo na produção arquitetônica capixaba.
O esboço de uma política nacional de preservação que começa a tomar corpo no
início da década de 30 parece ter seus reflexos na imprensa e numa pequena
elite intelectualizada, que passa a denunciar, ainda que sem muita expressão, o
mal estado de conservação dos monumentos históricos da cidade:
122
Florentino Avidos buscou reaparelhar o porto, mas as obras não tiveram rápido andamento. Sua conclusão
só aconteceu na década de 40.
123
Segundo Almeida, o protomodernismo chegou em Vitória com 1 década de atraso em relação à outras
capitais importantes. ALMEIDA, Renata Hermany. Centro de Vitória. 1986. Trabalho de Graduação -
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Espírito Santo, 1986.
70
Não temos quase relíquias do passado! Aos visitantes, se nos pedirem que lhes mostremos
nossas antiguidades, poderemos indicar o local em que existiam. Tudo vai desaparecendo
pela criminosa indiferença de nossos conterrâneos! É certo que não tivemos a ventura de
possuir edifícios que se façam admirar por sua beleza arquitetônica como os da Bahia, de
Minas e de outros Estados; mas o pouco e pobre que tínhamos, caiu em ruínas,
desapareceu! [...] São Francisco, tão cheio de lembranças do passado, onde está? Não
resta, podemos dizer, mais que a mísera sineira [...]. Derrubou-o o tempo? Não, foi vítima do
capricho da própria Irmandade Episcopal que, desobedecendo o diocesano, o desprezou!
124
A ausência de condições – econômicas, técnicas e materiais - que permitissem
criar aqui uma arte tão grandiosa quanto à de outras regiões, contribuiu, de fato,
para a falta de cuidados e critérios para a sua preservação
125
. Isso não significa
que a produção artística (e arquitetônica) capixaba não possuía
representatividade em escala nacional, apenas nos revela que, em comparação
com outras referências maiores, ela não conseguia obter destaque no cenário
cultural brasileiro.
Já no final da década de 30 têm início em Vitória os primeiros trabalhos do IPHAN
no Estado, com o pedido de tombamento da Capela de Santa Luzia, em 1939
126
.
A partir daí inaugura-se no Espírito Santo a presença de uma política oficial de
preservação, que na década seguinte irá contar com a presença de um
representante do órgão em Vitória. Essa nova fase será detalhada no próximo
capítulo.
Considerou-se, para esse capítulo, que as prioridades na atuação do poder
público e suas estratégias de desenvolvimento se refletem nos discursos oficiais e
na legislação aprovada. Diante do exposto, fica fácil perceber a inexistência de
um pensamento voltado para a preservação em qualquer das esferas do poder
público com atuação direta em Vitória. Tanto Estado quanto Município deram
prioridade aos valores estéticos e de progresso, em detrimento do valor histórico.
Durante aproximadamente 30 anos o ecletismo constituiu o padrão estético oficial.
Sua importância na produção arquitetônica capixaba foi tão significativa que a
maior parcela do que hoje representa o patrimônio cultural edificado da cidade é
formada por construções desse período. Infelizmente, a construção desses
124
REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO ESPÍRITO SANTO. v.I, nº VII, p (?),
1934. Criado em 1916, o IHGES tem como objetivo principal realizar pesquisas sobre a história e a geografia
do Espírito Santo, assim como as ciências sociais em geral. O primeiro volume onde se encontrou referência
à preservação de monumentos foi o citado acima.
125
LOPES, 1997, p.10.
126
O tombamento só aconteceu em 1946, após o tombamento do Solar do Barão de Monjardim, em 1940.
71
principais objetos arquitetônicos, referências da evolução urbana da cidade, se
deu sobre a reconstrução e a destruição do substrato histórico original. Nesse
caso, o que foi excluído nos conta mais sobre quem os excluiu do que se imagina.
O que sobrou são apenas pistas de uma herança colonial, cuja identificação na
paisagem se torna cada vez mais difícil. Edificações que, em princípio, possuíam
uma relação intrínseca com seu entorno, auxiliando na manutenção da
inteligibilidade do local, passaram a ter a sua visibilidade reduzida por
permanecerem em ambientes bastante desconfigurados se comparados àqueles
para os quais foram projetadas. A valorização do solo urbano contribuiu, dessa
forma, para modificar a ambiência das poucas construções coloniais que
permaneceram.
Fig. 22. Vista de Vitória pela baía, na década de 30. Ao centro o Palácio
Anchieta, já sem a última torre da igreja. Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória.
72
Capítulo III – Os primórdios da preservação em Vitória: a figura de
André Carloni
Os anos de intervenção federal na administração do estado foram marcados pela
mudança na prioridade dos investimentos públicos. As diretrizes do poder central
buscavam, nesse momento, inserir o Espírito Santo na montagem de uma nova
ordem política, dentro do planejamento nacional idealizado por Getúlio Vargas.
Aos poucos, as obras de melhoramento na cidade foram sendo substituídas pela
organização de sistemas de saúde, educação e serviços públicos mais eficientes.
A finalização das obras do porto, objeto de articulação do comércio da produção
agrícola no Estado, mudou a fisionomia da capital, alterando em definitivo o
sentido de continuidade existente entre a cidade e a baía. As modificações na
cidade, no entanto, não alteraram sua função comercial, de prestadora de
serviços e de sede da burocracia do Estado. A Avenida Jerônimo Monteiro se
consagrou como principal via do centro, reforçada pela presença do capital
comercial que nela se fixou
127
.
Fig. 23. Porto de Vitória na década de 40. Fonte:
www.portodevitoria.com.br
Como vimos anteriormente, o período estado-novista também inaugura no Brasil
uma política oficial de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional,
cujas diretrizes foram estabelecidas pelo decreto-lei n.º 25/37, que determina,
127
ALMEIDA, Renata Hermany. Centro de Vitória.1986. Trabalho de Graduação - Departamento de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Espírito Santo, 1986.
73
entre outras coisas, o tombamento como instrumento legal de proteção. As
estratégias dessa nova política, que tinha entre seus objetivos construir uma
identidade nacional, foram colocadas em prática pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), órgão criado dentro da estrutura
administrativa do Ministério da Educação e Saúde. A recém-criada instituição
possuía ação centralizada em sua sede no Rio de Janeiro
128
, o que dificultava a
realização de suas funções em todo o território nacional. Para dar suporte à sua
atuação, o órgão foi representado regionalmente através de distritos
129
, com
jurisdição sobre vários estados. Nas regiões que não contavam com a supervisão
de nenhum distrito foi fundamental o trabalho de agentes locais, muitas vezes
recrutados por funcionários do próprio SPHAN.
A produção arquitetônica capixaba não possuía representatividade ou
expressividade suficiente para justificar o enquadramento do estado numa
coordenadoria regional do SPHAN. A chamada arquitetura de “pedra e cal”,
retrato do nosso passado colonial e elevada a um status de cânone pelos
modernistas, havia sido quase que completamente devastada pelas
remodelações urbanas do início do século, com exceção de alguns poucos
exemplares. Além disso, não era possível estabelecer uma associação dos
edifícios aqui existentes a um “fato histórico relevante” dentro da historiografia
nacional oficial, fator limitante para a sua preservação. É dentro desse contexto
que, em 1943, o Governo Federal nomeia o primeiro encarregado pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Espírito Santo, André Carloni.
A escolha de André Carloni como representante do SPHAN é permeada por
alguns questionamentos. A seguir serão feitas algumas colocações a respeito de
sua atuação profissional e da representatividade de suas obras em Vitória, numa
tentativa de se entender os motivos que levaram a essa escolha. O intervalo
temporal analisado neste capítulo vai da década de 40, início da atuação de
Carloni à frente do SPHAN no estado, até 1965, ano de sua aposentadoria. A
128
Então capital federal.
129
Foram criados 4 distritos: 1º distrito – Norte e Nordeste, bob a coordenação de Aírton Carvalho; 2º distrito
– Bahia e Sergipe, sob a coordenação de Godofredo Filho; 3º distrito – Minas Gerais – com chefia de Sílvio
de Vasconcelos; e 4º distrito – Sul – sob a coordenação de Luís Saia, que sucedeu Mário de Andrade nessa
função.
74
década de 60 coincide com um novo momento de impulso no desenvolvimento
urbano de Vitória, em conseqüência das novas demandas econômicas do estado
e da infra-estrutura e logística de transporte que facilita o acesso à capital. Marca
também a intensificação do processo de verticalização no centro, cujas
conseqüências serão analisadas no próximo capítulo.
3.1 Breves notas biográficas
André Carloni nasceu em Bolonha, norte da Itália, em 28 de janeiro de 1883, e
veio para o Brasil aos sete anos de idade. Entre 1895 e 1896 trabalhou como
ajudante do pintor e decorador italiano Espiridione Astolfoni na construção do
Teatro Melpômene, primeiro teatro da capital. Com o fim das obras, continuou
pintando cenários para peças teatrais e cartazes com o anúncio das
apresentações.
Fig.24. Teatro Melpômene, construído durante o
governo Muniz Freire. O teatro funcionou até
1923, quando foi interditado após um incêndio.
Fonte: www.vitoria.es.gov.br
Em 1900 se matriculou no curso de Leitura, Música e Desenho oferecido pela
Maçonaria Monte Líbano, tendo freqüentado as aulas por 2 anos. Com o término
do curso, Carloni iniciou seus trabalhos como profissional autônomo, realizando
pequenos projetos e construções pela cidade.
75
Entre 1910 e 1913, já profissional respeitado na cidade, freqüentou o Curso de
Desenho e Pintura do Instituto de Belas Artes, fundado no governo Jerônimo
Monteiro e ministrado pelo professor Carlos Reis.
Carloni sempre foi visto pela imprensa e pelos historiadores capixabas como um
homem empreendedor e talentoso, cuja visão de futuro ajudou a construir a
cidade:
André Carloni viveu intensamente a vida de Vitória. Na verdade ele foi um dos mais
destacados colaboradores do progresso do estado nesse século. Não bastassem suas
obras [...], ele ainda foi pioneiro em outros aspectos da cidade. Era de sua propriedade, por
exemplo, o primeiro automóvel a circular em Vitória [...]
130
E ainda:
Entre os milhares de imigrantes italianos vindos no século passado, indubitavelmente quem
mais se distinguiu, pela habilidade, autodidatismo e talento artístico, foi o Sr. André Carloni,
chegado com sete anos de idade. Deus lhe deu a inteligência e ele soube, ambiciosamente,
cultiva-la num prodigioso autodidatismo. Cresceu num meio paupérrimo de arte e
educadores. Índole privilegiada. Com os rudimentos da aprendizagem que obteve, toda
fortuita, tornou-se desenhista, arquiteto, decorador, estatuário, homem de empresa e
construtor.
131
3.2 Atuação profissional
Seu período de atuação como construtor e projetista
132
teve início em 1908,
segundo projetos encontrados na prefeitura. Apesar dos vários cursos de
desenho, Carloni nunca freqüentou um curso de arquitetura ou engenharia, não
tendo, portanto, formação superior. Sua experiência profissional foi adquirida
através da prática, num primeiro momento como ajudante, mais tarde como
responsável pelas obras. O código de posturas do período
133
permitia que os
novos projetos fossem assinados apenas pelo proprietário e pelo construtor
responsável legalmente habilitado, mas não definia critérios para a habilitação.
Sabe-se, no entanto, que Carloni obteve o título de “mestre em construção” após
130
VITÓRIANEWS. Vitória 426 anos. Vitória, suplemento especial, setembro/77, p.6-7.
131
DERENZI, Luis Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Ed. Arte Nova,
1974, p.150.
132
Apesar do grande número de projetos realizados por Carloni e a grande representatividade de alguns deles
no cenário arquitetônico de Vitória, sua atuação foi maior como construtor do que como projetista.
Invariavelmente, nas obras que projetou ele também foi responsável pela construção.
133
ESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº.3 de 17 de abril de 1909. regulamenta a construção,
reconstrução e concertos de prédios no município de Vitória. Vitória, 1909.
76
seu trabalho de restauração da Igreja e Convento de Nossa Senhora do Carmo,
realizadas entre 1909 e 1910. Era comum nessa época, especialmente pela
carência de profissionais formados, que os construtores obtivessem licença para
construção devido à sua credibilidade no mercado, legitimados pela qualidade de
suas obras.
A maioria das edificações projetadas por Carloni se deu num momento de
construção de uma nova mentalidade, quando ainda se negava o passado
colonial em nome da modernidade. Nas reformas empreendidas durante o
governo Jerônimo Monteiro, ele foi encarregado da construção de uma série de
obras públicas, como a Santa Casa de Misericórdia, a Assembléia Legislativa e a
reconstrução da Escola Normal Pedro II.
Suas obras tiveram grande representatividade no cenário local. A maioria delas
está localizada no centro de Vitória, o que pode ser facilmente justificado, já que,
no auge de sua atuação, o que hoje consideramos o centro se tratava de
praticamente toda a cidade. Existem alguns pequenos projetos pontuais nos
bairros de Santo Antônio e Jucutuquara, sem grande importância. Numa planta da
cidade de Vitória em 1928, organizada por Álvaro Gonçalves, é possível observar
em destaque a localização das principais edificações projetadas por André
Carloni.
77
Fig. 25. Planta esquemática do centro de Vitória. Em destaque, edificações projetadas por André Carloni. Fonte: MARTINELLI, p.90.
78
A seguir serão apresentadas, a título de exemplificação, algumas dessas
edificações. Foram selecionadas obras consideradas de grande
representatividade em Vitória, e todas têm em comum o fato de terem sido
realizadas em substituição a construções coloniais. Essa amostragem permitirá
ao leitor uma visão mais abrangente da produção arquitetônica de Carloni e suas
principais características. São elas: a Igreja e Convento de Nossa Senhora do
Monte do Carmo; a Assembléia Legislativa e a Catedral Metropolitana de Vitória.
3.2.1 Igreja e Convento de Nossa Senhora do Monte do Carmo
Alguns indícios apontam que a igreja foi construída em 1650, e posteriormente o
convento, em 1682. Apesar de pequenas reformas realizadas ao longo dos
séculos, o conjunto chegou ao século XX ainda mantendo muitas de suas
características originais. Em 1908, com a finalidade de transformá-lo em colégio,
as irmãs carmelitas contrataram André Carloni para realizar o projeto de reforma,
adaptando o edifício à nova função. Foi o primeiro grande trabalho autônomo de
Carloni, e com o qual ele conseguiu o título de mestre em construção. Mas o
projeto não se restringiu à simples adaptação. Carloni alterou significativamente a
sua fachada, dando a ela características neogóticas, com torres e agulhas
decorativas que intensificam a idéia de verticalidade. Foi acrescentado ainda um
novo andar e uma varanda interna, descaracterizando o conjunto por completo.
Internamente o convento ganhou novos espaços para sala de aula. Durante a
reforma a Capela do Senhor dos Passos, edifício anexo ao conjunto, foi
completamente destruído.
A fachada do conjunto foi tombada em 1984 pelo Conselho Estadual de Cultura
(CEC)
134
.
134
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Resolução nº. 02/84. Vitória, 1984.
79
Fig. 26. Igreja e Convento do Carmo (sem data), antes da reforma realizada por Carloni
em 1908. Ainda é possível ver a Capela do Senhor dos Passos, à esquerda. Fonte: Acervo
pessoal de Clara Luiza Miranda.
Fig. 27. Igreja e Convento do Carmo após reforma realizada por
André Carloni. Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
80
Fig.28. Igreja e Convento do Carmo. Foto atual. Fonte: Acervo
pessoal da autora.
As alterações propostas por Carloni na verdade reproduziam um padrão estético
que se desejava para a capital, reflexo da modernidade que se pretendia
alcançar. Após esse trabalho, políticos, religiosos e imprensa deram o aval
necessário para que ele se tornasse um dos projetistas de maior influência em
Vitória, e o arquiteto-oficial do governo. Segundo Derenzi, durante o governo de
Jerônimo Monteiro, Carloni “em plena juventude, com 25 anos de idade, foi uma
das figuras principais nos grandes empreendimentos do histórico quadriênio.”
135
Em relação à reforma do convento, a Revista Capixaba afirmou que Carloni “saiu-
se magnificamente desse trabalho e realizou em seguida diversas obras por toda
a cidade. De 1910 em diante tornou-se um mestre da construção no Espírito
Santo”
136
.
3.2.2 Assembléia Legislativa (Palácio Domingos Martins)
No capítulo 1 comentamos brevemente a respeito da construção do edifício da
Assembléia, que será analisada aqui de forma um pouco mais detalhada.
135
DERENZI, 1974, p.150.
136
REVISTA CAPIXABA. A cidade e o pioneiro. Ano II, nº15, maio/1968, p.30-33.
81
O edifício está localizado na Praça João Clímaco, na Cidade Alta, e foi construído
entre 1911 e 1912, no local onde existia a Igreja de Nossa Senhora da
Misericórdia, construção do século XVI. A carência de edifícios para abrigar os
diversos setores da administração pública contribuiu para a demolição da antiga
igreja, assim como a localização do terreno foi determinante para a sua escolha.
A região da Praça João Clímaco (antes Largo do Colégio, em função do Colégio
dos Jesuítas), era uma área de destaque no cenário cultural e político de Vitória,
tendo sido implantada durante o governo Jerônimo Monteiro
137
.
O tratamento dado por Carloni à fachada teve influência predominantemente
eclética. O edifício recebeu ornamentação elaborada, com motivos orgânicos, e
foi arrematado por platibandas. Possui ainda janelas de verga em arco pleno no
primeiro pavimento e janelas rasgadas com verga reta no segundo. Essas
aberturas são protegidas por guarda-corpo em ferro batido ou balaústre.
O prédio sofreu poucas alterações na fachada ao longo de quase um século de
existência. Internamente passou por várias modificações, a maioria delas para
alteração do uso. Está desocupado desde 2000, quando a assembléia foi
transferida para a Praia do Suá. Foi tombado pelo CEC em 1983
138
.
Fig. 29. Construção da Assembléia Legislativa, em 1912
.Ao fundo, a antiga igreja matriz. Fonte: TATAGIBA,
p.165.
137
MARTINELLI JUNIOR, Henrique Zilmo. André Carloni: vivendo a construção da cidade. 2002.
Trabalho de Graduação - Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Espírito Santo,
2002.
138
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Resolução nº. 02/83. Vitória, 1983.
82
Fig. 30. Assembléia Legislativa, década de 30. Fonte:
MARTINELLI, p.142.
Fig. 31. Assembléia Legislativa. Ao fundo, construção
da Catedral Metropolitana. Década de 50. Fonte:
www.vitoria.es.gov.br
Fig. 32. Assembléia Legislativa em
2000. Fonte: Acervo pessoal da
autora.
83
A construção do edifício novamente foi bem aceita pela sociedade. Anos mais
tarde o projeto de Carloni continuava a receber elogios, mas o discurso passou a
vir acompanhado de uma retórica da perda. Para Bittencourt, ele “(...) construiu,
com graça e beleza, a Assembléia Legislativa, como que para resgatar a cidade
dos atos destrutivos do governo Jerônimo Monteiro, sobre o chão onde se
assentava a Igreja da Misericórdia”
139
.
3.2.3 Catedral Metropolitana de Vitória
O estado de arruinamento e a necessidade de ampliação da igreja matriz
contribuíram para que a antiga Catedral de Nossa Senhora da Vitória, edificação
do século XVI, fosse demolida em 1918. A construção da nova matriz, iniciada na
década de 20, teve projeto original do arquiteto Paulo Motta, em estilo neogótico,
com uma torre central. A morosidade nas obras e um longo período de
estagnação fizeram com que o projeto original fosse abandonado. Na década de
40, André Carloni foi convidado a realizar uma remodelação do projeto original, a
partir das partes já erguidas.
No novo projeto Carloni manteve a tendência neogotizante utilizada no conjunto
do Carmo e também presente no projeto original de Motta. O tratamento plástico
da fachada inclui, além de 2 torres sineiras em forma de agulha, elementos
decorativos característicos do neogótico, como rosáceas, pináculos e vitrais. Para
Lopes:
Como fez em outros projetos de sua autoria, André Carloni deu à Catedral de Vitória
características predominantemente neogóticas. Seguiu o modismo que atingia o Brasil, em
especial a arquitetura religiosa a partir do final do século XIX, e que deixou marcas em
importantes monumentos, como a Catedral da Sé e a Igreja da Consolação em São Paulo
[...].
140
Em 1984 a catedral foi tombada pelo CEC
141
. É interessante notar a lacuna
temporal existente entre o auge do “modismo” do neogótico e a conclusão da
139
BITTENCOURT, Gabriel. Notícias do ES. Rio de Janeiro: Cátedra, 1989, p.171.
140
LOPES, Almerinda da Silva. Arte no Espírito Santo: do século XIX à Primeira República. Vitória:
Editora do Autor, 1997, p.56-57.
141
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Resolução nº. 02/84. Vitória, 1984.
84
catedral. As obras só foram finalizadas na década de 70, momento em que esse
gosto pelo gótico há muito já estava ultrapassado.
Fig. 33. Acima, construção da catedral na década de 40. Fonte:
TATAGIBA, p.155. Fig. 34. Abaixo, andamento das obras na década
de 60. Em ambas é possível ver a presença da edificação em relação
ao entorno, como referência na paisagem da cidade. Fonte:
MARTINELLI, p.93.
85
Fig. 35. Foto atual da Catedral. Fonte:
Acervo pessoal da autora
Fig. 36. Atualmente só é possível visualizar o edifício
entre as frestas dos prédios. Fonte: Acervo pessoal da
autora.
Apesar de não ter participado do projeto original, é de Carloni a composição da
fachada que se tem hoje na Catedral. Não se pode deixar de comentar aqui o
péssimo conhecimento que o construtor tinha a respeito da arquitetura gótica. O
neogótico aplicado por Carloni, em várias de suas obras, se resume à uma
tentativa de produzir simulacros, pastiches compositivos cujas soluções estilísticas
beiram o mau gosto, baseadas em ilustrações de catálogos importados. Seu
principal recurso foi a aplicação indiscriminada, nas fachadas, de elementos
86
característicos do estilo (agulhas, pináculos, etc.). A racionalidade construtiva do
gótico, sua relação entre estrutura e decoração, enfim, princípios ideológicos
assumidos pelos neogóticos europeus do século XIX, nunca estiveram presentes
nos projetos de Carloni. Na Europa, os neogóticos foram responsáveis por
estudos exaustivos sobre a arquitetura da Idade Média, cuja análise buscava
avaliar não só a tipologia do edifício, mas a técnica construtiva, os materiais e a
decoração. Um grande exemplo da capacidade de se repensar o gótico, Viollet le
Duc forneceu contribuições interessantes sobre as diferentes expressões do
estilo, especialmente na França. Ainda que sua concepção a respeito de
restauração preconize o complemento estilístico, postura até hoje criticada, muitos
aspectos de sua produção teórica são válidos, como por exemplo o princípio de
que os trabalhos deveriam ser feitos com base em dados concretos e após
levantamentos minuciosos da obra. O que se pretende afirmar com isso é que a
produção arquitetônica de Carloni nunca esteve baseada em fundamentos
teóricos bem definidos, mas na adoção imitativa de formas e elementos de estilos
arquitetônicos do passado. O neogótico adotado por Carloni não é sequer uma
tentativa de reprodução do gótico da Idade Média, mas uma releitura fraca e
descuidada de soluções plásticas apresentadas em catálogos.
3.3 Influências externas
A chegada dos imigrantes no Brasil, assim como em Vitória, teve importante papel
na atenuação do atraso cultural aqui instalado, uma vez que com eles chegou
também mão-de-obra especializada, especialmente no que tange à construção
civil
142
. Não podemos afirmar, no entanto, que a experiência profissional de
Carloni traga algo de estrangeiro, já que veio para o Brasil ainda criança e nunca
atuou fora do país. Mas ao longo de sua vida profissional, especialmente nos
trabalhos que atuou apenas como construtor, o italiano pôde ter contato com
projetistas e arquitetos estrangeiros que, de certa forma, agregaram valor ao seu
trabalho e influenciaram algumas de suas escolhas.
142
LOPES, 1997, p.56-57.
87
Segundo fontes secundárias, Carloni teve contato direto com o responsável pela
reconstrução do Palácio Anchieta em 1908, o arquiteto francês Justin Norbert, que
transformou o conjunto da Igreja e Colégio de São Tiago num “moderno” edifício
eclético. Anos mais tarde pôde também acompanhar as obras de construção do
edifício sede da Comissão de Melhoramentos de Vitória, projetado pelo tcheco
Josef Pitlik na década de 20. Nesse último caso, não se pode dizer que o arquiteto
tenha exercido influência direta no trabalho de Carloni, pois na década de 30 esse
último já era considerado um profissional respeitado em Vitória.
São em revistas e catálogos, no entanto, que podemos identificar as principais
referências de Carloni. No acervo especial da Biblioteca Central da Universidade
Federal do Espírito Santo foram encontrados vários exemplares de revistas e
periódicos oriundos do acervo do construtor. A publicação deles se divide
principalmente em dois períodos: a década de 10 e o final da década de 20.
O primeiro momento coincide justamente com a fase de maior atuação de Carloni
como projetista, e é onde se concentra o maior número de publicações
143
.Todas
elas se referem à periódicos de origem italiana
144
, o que pode ser facilmente
justificado pela carência de publicações sobre arquitetura observada no Brasil
nesse período. Contudo, é o conteúdo dessas revistas o que mais nos interessa.
Em primeiro lugar, todas as revistas encontradas contêm catálogos e anúncios de
decoração artística, que incluem de guarda-corpos em aço batido pré-fabricados a
vidros bisotados, passando por uma infinidade de esquadrias em vários estilos e
ornamentos com detalhes orgânicos.
Além dos anúncios, as publicações são compostas basicamente de fotografias,
desenhos e ilustrações de projetos feitos na Itália, em sua maioria residenciais,
onde são empregados os elementos decorativos anunciados pelos fabricantes.
São projetos que não necessariamente foram executados e que, na maioria das
vezes, se resumem exclusivamente à fachada do edifício, sem nenhuma
143
Ao todo foram encontradas 18 publicações desse período, e apenas 5 entre 1929 e 1930. Nem os
funcionários da biblioteca nem a família de Carloni souberam informar como esses periódicos foram parar na
biblioteca. Todos se encontram em péssimo estado de conservação, em muitos casos não sendo possível
identificar o número das páginas.
144
As duas revistas encontradas foram: L’edilizia moderna – 10 edições entre 1912 e 1913 – e L’architettura
italiana, totalizando 8 edições entre os mesmos anos.
88
informação das demais partes do projeto arquitetônico. O estilo das edificações é
eminentemente eclético, com algumas derivações.
Fig. 37, 38 e 39. Ilustrações de algumas revistas e
catálogos pertencentes a André Carloni. Fonte: Acervo
Especial da Biblioteca Central da UFES
Uma pequena modificação pode ser notada nas publicações datadas do final da
década de 20, tanto em sua origem quanto em seu conteúdo. As 5 revistas
encontradas
145
são nacionais, todas publicadas no Rio de Janeiro e 4 delas
editadas pela Escola Nacional de Belas Artes
146
(ENBA). Essas últimas tinham
145
Foram encontradas as publicações: Revista Architectura – 3 edições -, a revista Technica e Arte –apenas 1
edição de 1930 – e a publicação O arquiteto moderno no Brasil, também de 1930.
146
A ENBA, a partir da segunda década do século XX, passou a receber críticas por propagar no ensino de
arquitetura o academicismo francês. Muitas dessas críticas partiram de Lúcio Costa, que dirigiu a escola por
um ano, em 1930.
89
como colaboradores efetivos os arquitetos Archimedes Memória
147
e Morales de
Los Rios
148
, importantes nomes do ecletismo carioca.
Em relação ao conteúdo, apesar de também possuírem uma enorme quantidade
de anúncios, eles agora têm foco alterado para a prestação de serviços
profissionais – engenheiros, empreiteiros, terraplanagens. As fotos e ilustrações
de projetos também se repetem, mas agora os projetos são apresentados de
forma mais completa, com fachada, planta baixa e cortes. A novidade se dá na
presença de matérias de conteúdo técnico, como o uso do concreto armado,
resistência dos materiais e iluminação.
Não foram encontradas outras referências bibliográficas ou técnicas que nos
pudessem dar indicações a respeito da formação autodidata adquirida por Carloni.
Infelizmente, sua produção discursiva não se faz tão presente quanto sua
produção arquitetônica. A carta redigida pelo construtor à historiadora Maria Stella
de Novaes
149
, em 1974, dá apenas uma visão panorâmica sobre sua vida, da
chegada ao Brasil à sua aposentadoria.
É interessante quando se observa que, no momento inicial da carreira de Carloni,
em que ele ainda está se formando como “arquiteto”, o conteúdo de seu material
de pesquisa justamente reforça um padrão estético que se desejava para Vitória,
com clientela garantida. Não se pode estabelecer, nesse caso, até que ponto sua
produção arquitetônica influenciou a produção capixaba, e vice-versa. Quando sua
atuação passa a se concentrar na carreira de construtor, suas referências são
transferidas do aspecto plástico para o construtivo, de ordem técnica. Outra
observação sintomática sobre a atuação de Carloni é que, apesar das numerosas
soluções estilísticas possíveis dentro do ecletismo, o que sugere uma grande
liberdade de escolha, ele demonstrou preferência pelo neogótico, ainda que
carregado de equívocos na sua aplicação.
147
Archimedes Memória foi um dos grandes defensores no movimento eclético no Rio de Janeiro. Seu
projeto foi o vencedor do concurso para a nova sede do Ministério da Educação e Saúde em 1935, sendo
preterido pelo projeto de Lúcio Costa e equipe. Foi também professor da ENBA.
148
Adolfo Morales de Los Rios ajudou a compor a paisagem belle èpoque no Rio de janeiro no início do
século XX, tendo projetado 17 edificações ao longo da Avenida Central, aberta em 1904. Seus trabalhos
sempre tiveram a marca do ecletismo. Também atuou como professor da ENBA.
149
Carta redigida por Carloni, de próprio punho, em 21 de março de 1974, encontrada no Arquivo Público
Estadual. Uma cópia da mesma carta foi enviada para a historiadora Maria Stella de Novaes, no mesmo ano.
90
3.4 A indicação para o SPHAN
Ao ser indicado como representante do SPHAN no Espírito Santo, André Carloni
tinha 60 anos, e sua atuação como projetista e construtor já era limitada. Sua
escolha, no entanto, é um tanto paradoxal, uma vez que vai de encontro com a
forma de atuação do órgão naquele momento. Já foi visto anteriormente que o
quadro de funcionários do SPHAN era formado predominantemente por
arquitetos, em sua maioria defensores da arquitetura moderna. Como explicar a
nomeação de um não-arquiteto
150
para a proteção dos monumentos no Espírito
Santo? Vimos ainda que existia, dentro do SPHAN, uma crítica veemente a
respeito do ecletismo no Brasil
151
. O estilo era tido como uma quebra na linha
evolutiva “legítima” da história da arte, não possuindo nenhum interesse enquanto
documento humano. Essa perspectiva teve reflexos inclusive nos tombamentos
realizados pela instituição, por um longo período restritos aos monumentos de
“pedra e cal”. Nesse caso, como explicar a indicação de um profissional que,
como pudemos observar, teve forte influência do ecletismo na maioria de seus
projetos?
Numa análise superficial, fica fácil observar que a carência de profissionais com
formação superior atuando no Espírito Santo na década de 40 certamente limitava
a gama de opções para a ocupação do cargo, o que naturalmente aumentava as
chances de indicação de Carloni, mas não é suficiente para justificar o fato. Assim
sendo, todas as tentativas de resposta aos questionamentos sugeridos parecem
indicar que os contatos pessoais
152
de Carloni foram fundamentais para a sua
nomeação, em especial sua amizade com Mário Aristides Freire e Jones dos
Santos Neves.
Mário Aristides Freire nasceu em Vitória em 1886. Formado em Ciências Jurídicas
e Sociais, trabalhou na prefeitura do Rio de Janeiro como Chefe da Seção de
Estatística. Foi ainda Secretário da Fazenda no estado durante a década de 30, a
convite do então interventor federal João Punaro Bley. Mas acima de tudo, Freire
colaborou com diversas revistas e jornais, entre elas a Revista do Patrimônio,
150
Na realidade um profissional sem nenhuma formação acadêmica.
151
Especialmente vindas de Lúcio Costa.
152
Segundo informações obtidas com a família de André Carloni.
91
publicação do SPHAN responsável por divulgar os conhecimentos produzidos
sobre proteção e conservação de bens no Brasil. Ele tinha profundo interesse
sobre a história do período colonial no estado, e chegou a ter publicado o livro “A
capitania do Espírito Santo: crônicas da vida capixaba no tempo dos capitães-
mores. 1535-1822”. Dessa forma, Freire não apenas era amigo de Carloni, como
mantinha contatos com a interventoria federal e com a diretoria do SPHAN no Rio
de Janeiro.
Jones dos Santos Neves foi o sucessor de João Punaro Bley no cargo de
interventor federal
153
, momento em que começou a construir uma sólida amizade
pessoal e política com Getúlio Vargas. Também amigo de Carloni, era interventor
quando ele foi indicado ao cargo no SPHAN, sendo, então, um possível
responsável pela sua indicação. Infelizmente, tanto em relação à Freire quanto a
Neves, não é possível afirmar com certeza que tenha partido de qualquer um dos
dois a sugestão do nome de Carloni, uma vez que não existem provas concretas a
esse respeito. Ainda que perfeitamente possíveis e até bastante prováveis, se
tratam apenas de especulações.
Apesar de ter sido afirmado anteriormente que a escolha de Carloni tinha
aspectos paradoxais, ela nem sempre foi questionada, especialmente entre os
historiadores capixabas. Para Derenzi:
Quando o Serviço do Patrimônio Histórico da União resolveu zelar e restaurar nossos
poucos mas valiosos monumentos, foi buscar André Carloni para chefiar esse importante e
especializado serviço. E ninguém mais do que ele poderia ser escolhido, porque só ele, com
a minguada dotação orçamentária, poderia restaurar nossas velhas igrejas e conventos.
154
3.4.1 As atribuições da nova função
A atuação do SPHAN no estado se resumia basicamente à figura do
representante. A falta de estrutura física de apoio pode ser confirmada pelos
documentos redigidos por Carloni, nos quais estão presentes o timbre e endereço
153
Jones dos Santos Neves governou o Espírito Santo por 2 vezes. A primeira como interventor, entre 1943 e
1945, e mais tarde como governador eleito, de 1951 a 1955.
154
Derenzi, 1974, p.151.
92
profissionais do construtor
155
. Suas funções enquanto representante, no entanto,
foram claramente definidas pela Diretoria do órgão, e se resumiam a
156
:
a) assegurar proteção eficaz aos monumentos tombados no território espírito-santense, quer
no tocante à conservação cuidadosa de sua integridade e suas características, quer no
sentido de lhes preservar a ambientação adequada e impedir a intrusão de novas
construções volumosas ou impróprias na respectiva vizinhança;
b) despachar ou encaminhar a esta Diretoria, conforme circunstâncias, requerimentos de
obras de qualquer natureza nos mencionados monumentos e em suas imediações;
c) propor, com fundamentação suficiente, o tombamento de bens móveis e imóveis cuja
conservação lhe parecer de interesse público na área desse estado;
d) prestar assistência aos museus de arte e de história existentes no Espírito Santo;
e) inspecionar periodicamente os bens tombados;
f) tratar com autoridades federais, estaduais e municipais dos assuntos de interesse dessa
repartição.
Ao longo dos seus 22 anos de carreira no SPHAN, Carloni direcionou seus
trabalhos principalmente para as ações de restauração e conservação dos
monumentos, inclusive em edificações sem proteção legal. Tal empenho pode ser
exemplificado com o caso da restauração da Capela de Nossa Senhora das
Neves do antigo Convento de São Francisco
157
. Em junho de 1947, Carloni enviou
correspondência a Rodrigo Melo Franco de Andrade solicitando a restauração da
capela. Foram anexados um levantamento fotográfico do imóvel e o orçamento
completo da obra, inclusive cronograma. As informações fornecidas a respeito do
imóvel eram muito vagas e até certo ponto românticas:
Sua situação (da capela) em pequena plataforma natural do Morro de São Francisco é
lindamente pitoresca [...], e proporciona ao observador localizar vários pontos da cidade, de
visar seu alegre e interessante aspecto, o que a tornou altamente popular. [..] Nos terrenos
circunvizinhos está atualmente construindo um moderno e confortável bairro residencial de
famílias abastadas. A capela, embora abandonada, não está em ruína, e fácil será restaurá-
la, se o Serviço do Patrimônio assim o resolver[...].
158
155
André Carloni – Constructor licenciado – Rua Sete de Setembro, 256.
156
Foi encontrado no arquivo da 21ª Superintendência Regional do IPHAN, em Vitória, um ofício enviado
por Rodrigo Melo Franco de Andrade a André Carloni com as suas atribuições. Devido ao estado material do
documento, não foi possível estabelecer seu número ou data. Ofício semelhante foi enviado à Christiano
Woeffel (substituto de Carloni no cargo) em 04/10/1965, nº. 265/65.
157
Exemplo de imóvel não tombado pelo SPHAN.
158
Pasta de obras nº. 255. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
93
A conveniência da restauração foi analisada por Lúcio Costa, que utilizou as
próprias informações de Carloni para dar parecer desfavorável
159
, alegando que
“[...] converia interessar essas famílias abastadas a fim de custearem a
restauração projetada, limitando-se a contribuição do SPHAN à supervisão das
obras por intermédio do Sr. Carloni”. A negativa de Lúcio Costa foi ainda ratificada
por Rodrigo, que em carta
160
afirmou à Carloni que “a Divisão de Estudos e
Tombamentos julga a mencionada capela desprovida de valor como obra de
arquitetura tradicional, não sendo conveniente que o SPHAN custeie a obra”.
Mas um ofício
161
de Rodrigo à Divisão de Conservação e Restauro, em janeiro de
1948, pedia que o caso fosse reexaminado, uma vez que Carloni havia
manifestado a vontade de aproveitar a edificação como sede do SPHAN em
Vitória. A esse respeito, Lúcio Costa declara que “a mencionada utilização da
capela para o fim proposto escapa às minhas atribuições”. Apesar da opinião
contrária de Lúcio, a obra foi inserida no plano de trabalho de 1949, sendo
concluída somente em 1953.
Apesar de finalizadas as obras, a capela nunca foi utilizada para o fim proposto
por Carloni. O fato de o SPHAN ter empreendido a restauração no edifício gerou
certa confusão entre a população, que passou a acreditar que o imóvel se
encontrava sob proteção legal. Em 1953 a Congregação Mariana solicitou a
utilização da capela, então desocupada, prometendo mantê-la “em ordem e
limpa”
162
. Em resposta, Rodrigo afirmou que “[...] a diretoria só tomou a iniciativa
de empreender a restauração do referido edifício com o objetivo de convertê-lo em
sede da delegacia regional da DPHAN no Espírito Santo. Por esse motivo,
deixamos com pesar de anuir ao desejo manifestado pela mesma
congregação”
163
.
Fato semelhante aconteceu poucos anos mais tarde. Em correspondência de
03/08/57, o Secretário Geral da Comissão Espírito-Santense de Folclore,
159
Parecer enviado à Rodrigo Melo Franco de Andrade em 28/06/47. Pasta de Obras nº. 255. Arquivo
Noronha Santos, Rio de Janeiro.
160
Carta datada de 12/07/47.Op. cit.
161
Ofício s/ nº., datado de 30/01/48.Op. cit.
162
Correspondência enviada à Diretoria do SPHAN em 30/11/53. Pasta de Obras nº. 257. Arquivo Noronha
Santos, Rio de Janeiro.
163
Correspondência de 17/12/53. Op. cit.
94
Guilherme Santos Neves, acreditando que a capela fosse tombada – e que, por
esse motivo, também pertencesse ao DPHAN
164
-, pediu a Rodrigo Melo Franco
de Andrade que a cedesse para que ali fosse feito o Museu do Folclore, se
comprometendo a realizar as obras internas, sob a guarda e fiscalização de
Carloni. Desta vez Rodrigo responde dizendo que não poderia conceder a
autorização, uma vez que a capela não era de propriedade do DPHAN
165
.
Os critérios adotados por André Carloni em seus projetos de restauração também
foram frequentemente alvo de críticas por parte da Diretoria Geral do SPHAN.
Essas avaliações, quase sempre negativas, podem ser melhor analisadas ao se
observar os boletins de acompanhamento das obras de restauração do Convento
de São Francisco
166
, iniciadas em 1952, sob a responsabilidade de Carloni
167
.
A restauração do Convento foi sugerida pelo então governador do estado, Jones
dos Santos Neves, que se propôs a arcar com 50% do valor da obra. A
correspondência enviada por ele a Rodrigo Melo Franco de Andrade continha,
além de orçamento e proposta de fachada realizada por Carloni, uma pequena
justificativa em que afirmava ser o edifício “uma das mais belas e queridas
tradições de nossa capital”
168
. A apreciação da proposta coube a Lúcio Costa, cujo
parecer afirma que a restauração já não era praticável, nem teria objetivo do ponto
de vista do DPHAN, uma vez que o imóvel não estava tombado.
A insistência do governador fez com que Rodrigo pedisse à Carloni uma
exposição elucidativa do que consistiriam as obras, para que o DPHAN avaliasse
a possibilidade de arcar com a metade do valor. Apesar da negativa de José de
Souza Reis
169
, que afirmou “não interessar fazer no estado em que já se encontra
164
A lei nº. 8.534/46 havia transformado o SPHAN em DPHAN – Diretoria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
165
Correspondência enviada à Guilherme Santos Neves em 17/08/57. Pasta de Obras nº. 256. Arquivo
Noronha Santos, Rio de Janeiro.
166
O Convento, como visto no capítulo anterior, foi demolido em 1926, por ordem de D. Benedito Paulo
Alves de Souza, tendo restado apenas o frontispício. Sua restauração se trata de outro exemplo de obra
realizada pelo SPHAN em imóvel não tombado. As correspondências e ofícios relativos à obra se encontram
na Pasta de Obras nº. 262 do Arquivo Noronha Santos, no Rio de Janeiro.
167
Algumas informações e ilustrações a respeito da restauração do Convento podem ser encontradas no
capítulo 2.
168
Correspondência datada de 04/01/51. Pasta de Obras nº. 262. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
169
Arquiteto responsável pela Divisão de Conservação e Restauro do DPHAN.
95
o convento”
170
, a obra foi incluída no orçamento do ano de 1952. Foram então
enviadas a Carloni algumas ressalvas sobre o projeto
171
, em especial no tocante à
recomposição dos pilares do alpendre, elementos que já estavam desaparecidos e
que, segundo o projeto de restauração elaborado por ele, deveriam ser
reconstruídos.
O verdadeiro embate teve início quando Reis recebe o 3º boletim mensal de
informação sobre a obra, em que Carloni afirma estar “concluído o serviço de
alvenaria da recomposição dos pilares”. Reis imediatamente envia resposta, em
que rebate:
Verifica-se pelo BMI nº. 3, agora recebido, da obra do Convento de São Francisco em
Vitória, ter o Sr. André Carloni executados serviços que tinham sido julgados inconvenientes
ao monumento. [...] Estamos certos não ter o Sr. Carloni recebido nosso ofício nº. 400 de
14/04 último, uma vez que não modificou o orçamento apresentado que não está assim
autorizado. [...] Conviria, portanto, pedir ao Sr. Carloni a paralisação das obras.
172
De fato, os serviços foram temporariamente paralisados. Contudo, ao analisar
algumas fotos da obra enviadas por Carloni em janeiro de 1953, Reis resolve
fechar a discussão alegando “fato consumado”, e conclui:
[...] em vista da situação atual das obras empreendidas nos remanescentes do monumento
em apreço, só se poderá preconizar o prosseguimento das mesmas, de acordo com o
critério adotado pelo Sr. Carloni, isto é, da reconstituição dos elementos já desaparecidos.
Aliás, essa reconstituição já se encontra adiantada.
173
Mesmo estando subordinado às orientações da Diretoria Central do DPHAN,
Carloni aplicou critérios muito particulares na restauração do Convento, de base
emotiva e com plena consciência de infringir as orientações dadas pelo órgão. A
reconstituição do alpendre não foi sequer realizada a partir de fragmentos
autênticos, e foi feita com o único propósito de reconstruir o ambiente primitivo,
tendo como resultado um objeto cenográfico, e não um documento legítimo de
nossa cultura. Os procedimentos adotados por Carloni podem ser considerados,
no mínimo, antiéticos, ao permitir que se ofereça à população uma falsificação da
verdade. Essa característica “reconstrutivista” era freqüente na atuação de
Carloni, sendo ele responsável por reconstruções em outros monumentos do
170
O antigo convento se encontrava em estado de ruína, restando apenas o frontispício e as muralhas da
capela. Ofício (s/ nº.) de 04/04/52. Pasta de obras nº. 262. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
171
Ofício nº. 400, de 14/04/52.Op. cit.
172
Boletim Mensal de 18/12/52. Op. cit.
173
Ofício (s/ nº.) de 14/01/53. Op. cit.
96
estado, como no pórtico do Convento da Penha, em Vila Velha. Provavelmente
pelo fato do edifício não ser tombado, o feito não tenha ganhado maiores
repercussões. O interessante nesse caso é observar que, mesmo criticando a
postura adotada por Carloni, o próprio DPHAN não possuía critérios bem definidos
para a conduta na preservação e conservação de monumentos
174
. A Carta de
Veneza, documento internacional cujas diretrizes procuram respaldar todo o
trabalho de restauração em monumentos históricos, é de 1964, ano em que o
DPHAN já completava quase três décadas de trabalho. A complexidade da
questão pode ser avaliada no caso da restauração da Sé de Olinda, em
Pernambuco.
O edifício, de 1537, era simples e construído em taipa de mão. A ameaça de ruína
fez com que, no século XVI, o templo fosse substituído por outro, em alvenaria, e
a ele foram anexadas capelas secundárias. Em 1631 a igreja foi incendiada pelos
holandeses, não restando quase nada da antiga matriz. Depois da expulsão dos
holandeses foi novamente reerguida, e as obras prolongaram-se até o final do
século XVIII.
Em 1919 o edifício sofreu diversas intervenções, levadas a cabo pelo arcebispo
Dom Miguel de Lima Valverde, que alteraram significativamente seu interior e sua
fachada, repaginada no estilo neogótico.
Entre 1974 e 1976 a edificação foi restaurada pelo IPHAN, dentro do Programa de
Restauração de Cidades Históricas (PCH). Segundo especialista, buscou-se
readquirir as feições originais do templo, de transição entre a renascença e o
barroco. Não existem, no entanto, registros que comprovem, de fato, ser esta a
sua configuração original, o que põe em dúvida os critérios adotados pela
instituição
174
O estabelecimento de critérios absolutos capazes de orientar obras de restauração ainda é assunto de muita
discussão. No entanto, se levarmos em consideração o fato de que é o tipo de valor que atribuímos ao bem o
que vai determinar as intervenções nele realizadas, é impossível se chegar a um consenso nessa matéria.
97
Fig. 40. Ruínas da Sé de Olinda após incêndio em 1631. Óleo de Franz
Post. Fonte: www.tj.ba.gov.br
Fig. 41 e 42. Catedral da Sé de Olinda em 2 momentos: à esquerda, em 1870, reconstruída
após o incêndio. À direita, após reforma de 1919, quando adquiriu fachada em estilo
neogótico. Fonte: Acervo pessoal de Nelson Pôrto Ribeiro.
98
Fig. 43. Catedral da Sé atualmente, após
restauração do IPHAN na década de 70.
Fonte: www.pt.wikipedia.com
A verdade é que André Carloni, ao longo de mais de duas décadas como
representante do SPHAN no estado
175
, nunca compartilhou, pelo menos
integralmente, do pensamento difundido dentro do órgão, especialmente no que
se refere à arquitetura do período colonial. Em entrevista concedida ao jornal “A
Tribuna”, já com 91 anos de idade, ele explica que as demolições de construções
antigas são “uma conseqüência natural da evolução do homem, que nunca se
satisfaz com as coisas”. Em relação à Vitória, afirma:
[...] Com a evolução – tudo exige modificações – a antiga Vitória perdeu muito de sua poesia
e beleza, e de Cidade Presépio
176
passou a ser chamada Grande Vitória. [...] Não resta mais
quase nada de um passado [...] que aos poucos vai se perdendo em meio aos altos
edifícios.
177
Mas a cidade a qual Carloni se refere com saudades não é a colonial, do início do
século XX, e sim a cidade que ele ajudou a construir, “puxada por bondes
elétricos”
178
. O próprio fato de ele ter citado o termo cidade-presépio nos dá
indícios do período a que ele se remetia.
175
A aposentadoria de Carloni praticamente coincide com o período que convencionou-se chamar de fase
“heróica” do IPHAN.
176
A cidade de Vitória, segundo o escritor Elmo Elton, recebeu esse cognome na década de 20 do século
passado, numa referência à morfologia da cidade, assentada entre os morros e o mar. O termo também se
relaciona à cidade no momento em que vigorou o estilo eclético nas edificações, e cujas construções,
limitadas à área central, se harmonizavam com o sítio geográfico.
177
A Tribuna, Vitória, 27 de março de 1974.
178
Entrevista com André Carloni, A Tribuna, Vitória, 27 de março de 1974.
99
3.5 As vertentes de atuação do SPHAN em Vitória
De maneira geral, as prioridades da atuação do SPHAN em Vitória, entre 1940
179
e 1965, seguiram uma tendência nacional, buscando, através da seleção de bens,
construir o universo simbólico do patrimônio cultural nacional. Ao longo desses 25
anos, foram tombados apenas 4 edifícios
180
, todos exemplares da arquitetura luso-
brasileira do período colonial, sendo 1 de arquitetura civil e 3 de arquitetura
religiosa. A predominância das inscrições no Livro do Tombo de Belas Artes,
atestando a prevalência da perspectiva artística sobre a histórica, foi mantida,
sendo apenas a Igreja do Rosário inscrita no Livro do Tombo Histórico
181
. Os bens
imóveis também foram privilegiados em relação aos móveis, que continuavam
relegados à proteção da igreja.
Fig. 44, 45, 46 e 47. Imóveis tombados em Vitória: acima, à esquerda, o Solar
Monjardim; ao seu lado, a Capela de Santa Luzia; abaixo, à esquerda, a Igreja do
Rosário; ao lado, a Igreja de São Gonçalo. Fonte: Acervo pessoal da autora.
179
Apesar de Carloni ter assumido o cargo de representante em 1943, o primeiro tombamento no estado é de
1940.
180
Ver Anexo D – Listagem de bens tombados em Vitória.
181
As inscrições nos Livros do Tombo Histórico normalmente eram feitas quando não se conseguia atribuir
valor artístico ao bem. É interessante notar a predominância das inscrições no Livro do Tombo de Belas
Artes em Vitória, pois, como veremos a seguir, os bens aqui localizados foram, em sua maioria, reconhecidos
como sem valor artístico ou valor nacional.
100
Mas ao contrário do que aconteceu na maior parte do país, características como
monumentalidade ou excepcionalidade
182
, atribuições eminentemente subjetivas,
não estão presentes nas edificações protegidas pela lei, o que é explicado pela
carência de bens com essas qualidades em Vitória. Para José Antônio
Carvalho
183
, com exceção dos edifícios jesuítas e do Convento da Penha
(franciscano), “só a Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Vila Velha, por sua
antiguidade, mereceria o tombamento em âmbito nacional. Todos os outros
monumentos são de interesse da história regional”
184
.
Seguindo o que havia sido preconizado nas funções do representante no estado,
a atuação do SPHAN se deu prioritariamente em ações de
conservação/restauração e, em menor escala, tombamentos. A política de
preservação federal em Vitória foi inaugurada com o tombamento do Solar
Monjardim
185
, em 1940.
O edifício do Solar é o único imóvel preservado em âmbito federal que não se
localiza no centro histórico. As ações para o tombamento deste edifício,
envolvendo a compra do imóvel, servem como exemplo para demonstrar a
dificuldade de viabilização da preservação dos bens culturais. Apesar da
anuência, dada em outubro de 1944, os proprietários passaram a criar uma série
de obstáculos para a manutenção do edifício, alegando principalmente falta de
verba. Frente à ameaça de abandono em que se encontrava o imóvel, o governo
do estado arrendou o edifício em julho de 1944, onde foi instalado o Museu do
Capixaba. O arrendamento foi sucessivamente prorrogado até a década de 60,
quando o proprietário loteou o terreno e passou a vendê-lo, comprometendo o
aspecto paisagístico da área preservada. Em 1965 o reitor da UFES, Fernando
Duarte Rabelo, pediu ao ministro que declarasse a propriedade de utilidade
pública, em favor da universidade, o que de fato aconteceu
186
. A partir daí teve
182
A excepcionalidade de um bem normalmente decorria de seus atributos estéticos ou da sua capacidade de
mobilizar reações.
183
Carvalho foi professor de História da Arte na Universidade Federal do espírito santo e representante do
IPHAN na década de 70.
184
CARVALHO, José Antônio de. A atuação do IPHAN no Espírito Santo. Revista do Instituto Jones dos
Santos Neves, Vitória, v.1, nº. 41, p.27, 1979.
185
Processo de tombamento nº. 0228-T-40. Inscrição no Livro do Tombo de Belas Artes, nº. 289.
186
O decreto nº. 56.460 de 14/06/65 transferiu a propriedade do Sr. Manoel Freitas Calazans para a
universidade.
101
início uma batalha judicial, que envolveu discordâncias a respeito do valor da
desapropriação e do responsável por arcar com a dívida. O processo só foi
finalizado em 1978, quando a UFES pagou a desapropriação com recursos
repassados pelo IPHAN.
Durante os anos pelos quais o processo se arrastou, o imóvel sofreu várias
pequenas restaurações, chegando inclusive a ficar abandonado. Em ofício de
fevereiro de 1960
187
, apenas dois anos após a última restauração, Carloni
constata o estado de conservação do edifício, afirmando que “a rampa está
abandonada, veículos já não sobem e pedestres com dificuldade. O Museu está
abandonado, apenas com 1 vigia que dorme no edifício”.
3.5.1 A prática de tombamento
Na atividade desenvolvida pelo SPHAN desde sua criação, em 1937, o
tombamento se constituiu na prática mais significativa da política de preservação
federal no Brasil. Os interesses que movem os pedidos, no entanto, variam de
caso a caso. Na contramão do que acontecia no restante do país, em Vitória 2 dos
4 tombamentos realizados no período analisado tiveram caráter voluntário
188
,
sendo que todas as solicitações foram externas ao SPHAN. Não podemos afirmar
que esses dados refletem uma preocupação por parte da sociedade civil, mas eles
mostram que o interesse não era exclusivo dos funcionários do órgão institucional.
No caso capixaba, os pedidos para tombamento em caráter voluntário partiram
das ordens religiosas responsáveis pelas igrejas, o que indica uma mudança de
posicionamento, especialmente se comparada às sucessivas descaracterizações
e destruições empreendidas por elas no início do século. Mas essa mudança de
postura também deve ser analisada sob outra ótica. As ordens religiosas já não
gozavam mais do poder econômico e político de outrora, e passaram a buscar no
187
Ofício enviado a Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 04/02/60. Pasta de Obras nº. 256. Arquivo
Noronha Santos, Rio de Janeiro.
188
Foram voluntários os tombamentos da Igreja do Rosário e da Igreja de São Gonçalo. O tombamento do
Solar Monjardim, apesar dos problemas ocorridos após sua instituição, foi em caráter de anuência. Já a
Capela de Santa Luzia teve seu tombamento em caráter ex-ofício, ou seja, feito no interesse da administração
pública, com prevalência sobre qualquer interesse particular. No processo de tombamento da capela não
consta a origem do pedido, mas quando tombada ela pertencia ao Patrimônio do Estado.
102
instrumento do tombamento benefícios de ordem material, que pudessem
contribuir com a conservação dos seus imóveis.
O fato de haver o pedido não significava necessariamente o tombamento. Na
prática, eles passavam por uma avaliação pelos setores técnicos da administração
central do SPHAN para então serem encaminhados para julgamento do Conselho
Consultivo. Normalmente, quando a sugestão partia de funcionários do próprio
órgão, a probabilidade de um parecer positivo era maior se comparada com
sugestões externas. Isso acontecia porque, nos argumentos que fundamentavam
o pedido, as tentativas externas costumavam enfatizar o valor histórico do bem,
normalmente baseados em bibliografia e na historiografia local. Também eram
freqüentes as justificativas que se baseavam na ameaça de perda iminente, seja
ela pelo estado de ruína ou pela urbanização crescente. Já o valor artístico e o
valor enquanto patrimônio nacional, por serem mais difíceis de serem sustentados
pela opinião leiga, eram bem menos freqüentes.
No pedido de tombamento da Igreja de São Gonçalo, enviado ao SPHAN em
14/06/48, a justificativa dada pela Arquiconfraria de Nossa Senhora de Boa Morte
e Assunção ratifica o exposto. É proposto que:
[...] seja solicitado do referido Patrimônio Histórico Nacional, que é o Dr. Rodrigo de
Andrade, o tombamento desse imóvel, a fim de que possamos conservar mais esta igreja,
obra do passado. [...] Todas as demais já foram postas abaixo. Amanhã, será ela mais uma
relíquia que o patrimônio pôde conservar nessa Ilha de Vitória, [...] onde não se conta com
nenhuma outra obra que lembre o tempo dos jesuítas [...]. Com os planos de urbanização
que Vitória tem
189
, toda ilha, mais hoje ou amanhã, passará a ser plana, o mar cortado [..].
190
Apesar da justificativa apresentada, num primeiro momento a Igreja foi
considerada de interesse restrito para o patrimônio nacional. De fato, em 1929 a
edificação passou por uma reconstrução que alterou o seu partido arquitetônico
original, o que foi confirmado pela imprensa local. Segundo a Revista
Capichaba
191
, “[...] do velho templo só existe o arcabouço. A nave está totalmente
remoçada, cheia de alegria e beleza, sem mais aquelas pesadonas obras de
entalhe em estilo colonial”. Mas em novembro de 1948 acabou sendo tombada por
189
O plano a que se refere a justificativa é o Plano Agache, plano de urbanização que definia normas e
propostas de remodelação, extensão e embelezamento da cidade, elaborado por Alfredo Agache em 1945.
190
Cópia de documento encontrado na Pasta de Obras nº. 265, no Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
191
Recorte da revista encontrado na Pasta de Obras nº. 265 do Arquivo Noronha Santos. Só foi possível
identificar o mês e ano (janeiro/1930).
103
causa de duas imagens situadas em seu interior – São Francisco Xavier e Santo
Inácio de Loiola – que pertenciam ao antigo Colégio dos Jesuítas.
A legitimação social do tombamento, por sua vez, era uma conquista ainda longe
de ser realizada. Como os valores simbólicos atribuídos aos bens normalmente
estavam associados a noções de história e arte, cujo entendimento não era
acessível à maior parte da população, a proteção se tornava ineficaz. Na maior
parte dos casos, a existência de valores intrínsecos ao bem que pudessem ser
considerados de valor nacional era completamente ignorada. Ao responder a
notificação de tombamento do Solar Monjardim
192
, a proprietária explica que
algumas alterações haviam sido feitas no imóvel, e que “se dispuséssemos de
capital, teríamos inconscientemente demolido esse prédio, pois ignorávamos o
seu valor artístico”.
Essa falta de “olhar qualificado”, associada à ausência de demarcação do entorno
de proteção das edificações tombadas
193
e à impossibilidade de controle pelo
representante do SPHAN acarretaram em sérios danos, causados principalmente
pela ocupação imprópria próxima aos edifícios históricos.
O Solar Monjardim, como já foi citado anteriormente, teve seu terreno loteado e
vendido pelo proprietário antes da sua desapropriação pelo governo federal. O
parcelamento foi comunicado por Carloni à diretoria central, acompanhado de um
pedido de orientação a respeito do procedimento a ser adotado nesse caso. Em
carta, ele afirma que “[...] o loteamento abrange toda parte ao redor do prédio,
inclusive o da frente que inutiliza a rua, ou a ladeira que dá acesso ao prédio”
194
.
Após algumas tentativas de entendimento com proprietário e governo do estado, o
edifício foi desapropriado, o que não impediu que alguns lotes já comercializados
fossem ocupados.
192
Carta da Sra. Florenza Monjardim Calazans a Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 22/10/40. Processo
de Tombamento nº. 0228-T-40. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
193
Obviamente, a questão da salvaguarda de paisagens e da compreensão do que seja entorno ainda é muito
recente, necessitando de um maior amadurecimento.
194
Carta de Carloni a Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 08/10/64. Pasta de Obras nº. 256. Arquivo
Noronha Santos, Rio de Janeiro.
104
A Capela de Santa Luzia, tombada pelo SPHAN em 1946 e a mais antiga
edificação religiosa de Vitória, também teve sua relação com a paisagem
modificada por construções próximas. Até meados do século passado, o edifício
mantinha-se em posição de destaque em relação ao seu entorno.
Fig. 48. Fachada principal da capela de Santa Luzia,
década de 70. Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória.
Fig. 49. Desenho de André Carloni do largo de Santa
Luzia em 1910. Fonte: Acervo especial da Biblioteca
Central da UFES.
Até então, a relação de escala entre o largo e as edificações tinham proporção
adequada, o que garantia uma boa visibilidade do monumento. Mas em 1953 a
construção de uma casa em terreno contíguo ao da capela veio quebrar a
harmonia do conjunto. A edificação, sem afastamento lateral e avançada em
direção à rua, teve sua construção aprovada pela prefeitura municipal, o que
gerou descontentamento dentro do SPHAN.
105
Fig. 50. Capela de Santa Luzia e residência
adjacente. Fonte: Arquivo de Lorenza Cosme
Gomes
Em 30/12/53, o próprio Rodrigo redigiu um telegrama
195
, enviado ao governador
do estado e ao prefeito de Vitória, onde apela para “o alto espírito de cooperação”,
dos governantes, no sentido de impedir a obra, alegando ser a capela “a obra de
arquitetura religiosa de maior interesse hoje subsistente em Vitória”. Na
correspondência, Rodrigo pede que, como alternativa, o terreno ao lado fosse
desapropriado por uma das duas esferas públicas, a fim de cessar as obras.
Apesar de uma paralisação temporária, a construção teve prosseguimento,
acarretando em prejuízo ao seu entorno imediato.
Os dois exemplos acima demonstram situações nas quais, mesmo diante da
discordância do órgão de preservação, não foi possível impedir ocupações
impróprias. O caso da Igreja de São Gonçalo, no entanto, revela uma situação
inversa, na qual a ocupação do entorno do imóvel tombado foi aprovada pelo
SPHAN.
No período em que foi inscrita no livro do Tombo Histórico, em 1948, a Igreja de
São Gonçalo tinha localização estratégica, sendo uma importante referência visual
na paisagem. O morro onde está situada, na Cidade Alta, era apenas
parcialmente ocupado, e da Igreja era possível ter uma visão panorâmica do
entorno.
195
Pasta de Obras nº. 264. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
106
Fig. 51. Igreja de São Gonçalo, década de 40. Fonte:
Prefeitura Municipal de Vitória.
Em 1965, a Escola de Serviço Social de Vitória, seguindo instruções dadas por
Carloni, enviou o projeto de construção de seu edifício-sede – ao lado da Igreja –
para análise da Divisão de Conservação e Restauro (DCR) do IPHAN
196
. O
edifício, a ser construído com 6 pavimentos, atrapalharia a boa visibilidade do
monumento até então. Após avaliação realizada por Augusto Carlos da Silva
Telles
197
, o projeto foi aprovado. Em seu parecer, ele justifica:
Este edifício encobre a fachada lateral da capela em quase toda a sua extensão, pois que a
empena acha-se recuada 1 metro com relação à fachada da Igreja. [...] apesar de,
evidentemente, ficar reduzida a visibilidade da capela, mas como o seu interesse é restrito
[...] julgo que o projeto, tal como se encontra, pode ser aprovado
.
198
O valor atribuído ao bem, nesse caso, foi decisivo. A aprovação do projeto abriu
precedentes para que, mais tarde, novas construções viessem “sufocar” o imóvel.
196
Pasta de Obras nº. 266, Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
197
Arquiteto e então diretor da Divisão de Conservação e Restauro.
198
O interesse restrito citado pelo arquiteto se refere ao fato da Igreja ter sido tombada por abrigar em seu
interior duas imagens pertencentes ao antigo Colégio dos Jesuítas. Parecer de 19/08/65. Pasta de Obras nº.
266. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
107
Fig. 52 e 53. À esquerda, foto do edifício construído ao lado da Igreja de São Gonçalo,
obstruindo a sua visibilidade. Ainda é possível ver o telhado ao fundo. À direita, os fundos da
igreja em meio aos prédios do centro de Vitória. Fonte: Arquivo pessoal da autora.
A ineficácia do tombamento na proteção da integridade do entorno do bem
também está relacionada com a falta de apoio das outras esferas do poder
público, que não se preocupavam em compatibilizar a legislação estadual e
municipal com o instrumento federal de preservação. Os códigos de obra, único
meio legal de controle urbanístico na época, não previam nenhuma restrição
construtiva capaz de evitar a descaracterização das edificações tombadas e, ao
mesmo tempo, as construções próximas aos imóveis protegidos quase sempre
receberam licença da prefeitura sem nenhuma consulta prévia ao SPHAN.
Durante o período analisado, foram escassas as notícias na imprensa jornalística
que relatassem a preservação do patrimônio no estado, de forma positiva ou
negativa. A figura de André Carloni como representante do SPHAN talvez possa
justificar esse “silêncio”. Sua atuação como construtor e projetista e o caráter
empreendedor de sua personalidade, enfatizados muitas vezes pelos
historiadores capixabas, fizeram com que o seu trabalho fosse legitimado por uma
parcela da população e, consequentemente, pouco questionado.
108
A aposentadoria de Carloni coincide com um novo momento para o SPHAN e para
Vitória. Em 1965 é institucionalizado o primeiro escritório técnico do órgão no
estado, sob a representação de Christiano Woeffel Fraga. Na capital, a
industrialização e um fluxo migratório vindo do interior dão início a uma nova
grande expansão da cidade, alterando em definitivo o centro tradicional, que ficou
pequeno para desempenhar todas as funções – sociais, econômicas e políticas –
a ele destinadas.
109
Capítulo IV – Municipalização e consolidação dos processos de
preservação: da década de 60 até os dias de hoje.
Durante as décadas de 60 e 70, Vitória recebe novo impulso no desenvolvimento
urbano, em conseqüência de novas demandas econômicas que começam a surgir
no estado. A desestruturação da produção agrícola no interior, em decorrência da
política federal de erradicação dos cafezais, acarretou mudanças no campo e
criou um acentuado êxodo rural em direção às cidades. Ao mesmo tempo, as
propostas do II Plano Nacional de Desenvolvimento, criado pelo Governo Federal,
criavam incentivos para grandes projetos industriais, o que servia como
alternativa à crise econômica no estado.
Devido à implantação dos Grandes Projetos em Vitória e municípios vizinhos, a
região passou a ser uma alternativa viável para os que migravam do campo atrás
das novas oportunidades de trabalho geradas pela produção industrial na Grande
Vitória
199
. Esse fluxo migratório era constituído principalmente por uma população
de baixa renda, que não possuía condições de adquirir terrenos nas áreas
loteadas disponíveis, o que intensificou a ocupação das áreas naturais sobre os
morros e manguezais.
A década de 60 foi caracterizada pelo crescimento horizontal da cidade, com a
ocupação das áreas do arrabalde, ainda subutilizadas. Nesse momento, a região
de expansão começa a consolidar o seu caráter de área privilegiada, de classe
média alta. Com a instalação de equipamentos urbanos e o desenvolvimento de
eixos viários, passa ainda a desenvolver certa auto-suficiência em relação ao
centro. Com o incremento industrial e comercial que dinamizava a economia,
aumentaram também os estímulos para a instalação de atividades comerciais e
administrativas fora do centro. O próprio poder público municipal redirecionou sua
199
A implantação dos Grandes Projetos (Companhia Siderúrgica de Tubarão, Samarco, Aracruz Celulose,
etc.), além de intensificar os processos de industrialização, acelerou o processo de urbanização e aumentou
consideravelmente a densidade demográfica da região, o que acabou por fundir os municípios vizinhos – Vila
Velha, Serra, Cariacica – e formar a região metropolitana de Vitória, ou Grande Vitória. A aglomeração
urbana da Grande Vitória passou de 194.000 habitantes em 1960 para 386.000 no início da década de 70, e
706.000 em 1980. Para mais informações, ver: CAMPOS JUNIOR, Carlos Teixeira de. A construção da
cidade: formas de produção imobiliária em Vitória. Vitória: Florecultura, 2002.
110
sede para a última área aterrada, na região de Bento Ferreira. Dessa forma, o
novo eixo de expansão foi previsto e incentivado pela administração pública.
Em relação ao centro, na década de 60 este já sofria com a escassez de terrenos
para novas edificações. É nesse período que se consolida a verticalização na
região, bem como o aumento da atividade comercial. O crescimento acelerado no
processo de construção de edifícios passa a se voltar para interesses comerciais,
impostos pelo mercado imobiliário. Já na década de 70, o traçado urbano começa
a sofrer imposições relativas à intensificação do uso do solo, que alteraram
principalmente as relações de escala entre as edificações e as vias públicas. O
intenso processo de urbanização e adensamento do centro, no entanto, não tinha
visão em longo prazo. Aos poucos, a elite foi se transferindo para os novos
bairros na região norte, e os imóveis no centro foram lentamente se
desvalorizando. O setor imobiliário, apoiado pela imprensa, reforçava a idéia de
um centro “saturado”, incapaz de absorver todas as funções que antes havia
exercido. Assim, a área central foi sendo progressivamente desprestigiada em
função de novos modelos de ocupação do solo.
Na década de 80 o centro passa a sentir de forma mais intensificada os reflexos
do crescimento urbano desordenado. A popularização da área central –
caracterizada pelo aumento das atividades do setor informal – reforça a idéia de
desordem no local. A saturação do tráfego, aliada à poluição e à deterioração
urbana, trouxeram ainda uma forte queda na qualidade de vida na região. Todos
esses fatores vieram contribuir com a descaracterização dos edifícios históricos e
com o desgaste do patrimônio edificado de Vitória. As características ambientais
dos monumentos tiveram sua alteração incentivada por legislações urbanísticas
que permitiam tanto a ruptura de escala quanto a destruição das relações internas
do centro histórico. Ao lado desses problemas de deterioração física do
patrimônio edificado, é preciso colocar os problemas de deterioração simbólica
desses bens. Para Toledo, essas transformações expressivas levam “à perda
111
justamente dos referenciais que permitem a identificação do cidadão com sua
cidade”
200
.
De qualquer forma, essa segunda fase de expansão em Vitória, intensificada a
partir da década de 70, mudou a fisionomia da cidade em geral, e do centro, em
particular. Mas apesar da sua visível deterioração, este ainda tem grande
participação na receita do município. O censo populacional de 2000 constatou
que cerca de 150.000 pessoas circulam pela região central nos dias úteis, e que a
região concentra 41% dos empregos da Região Metropolitana. Ainda que na
década de 90 o centro tenha apresentado um crescimento reduzido, nele ainda
estão localizadas as sedes do poder do estado – Palácio Anchieta – e da Igreja -
a Cúria Metropolitana.
Fig. 54. A verticalização no centro de Vitória. Década de 90.
Fonte: TATAGIBA, p.107.
De uma maneira geral, a época áurea de industrialização e urbanização,
verificada a partir das décadas de 50 e 60
201
em todo o país, gerou um processo
de migração para as capitais e intensa valorização do solo urbano. Os reflexos
dessas ações no ambiente urbano trouxeram com eles a discussão quanto à
preservação de cidades históricas e centros históricos de grandes cidades. A
preservação de sítios urbanos se configurou num novo desafio, uma vez que traz
200
TOLEDO, Benedito Lima de. Bem cultural e identidade cultural. Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v.3, nº. 20, p.28-32, p.29.
201
Em Vitória, nas décadas de 60 e 70.
112
consigo problemas diferenciados, se comparada com a preservação do
monumento isolado. Em primeiro lugar, ela envolve aspectos que vão desde a
demanda da população à preservação das características próprias do edifício.
Além disso, a quantidade de agentes envolvidos no processo facilita o surgimento
de conflitos de interesse, especialmente os relacionados à especulação
imobiliária.
Como vimos na introdução, outros fatores que não apenas a urbanização
desenfreada e a especulação imobiliária interferiram na política de preservação
que vigorava no país até então. Os postulados da Carta de Veneza de 64
202
, a
chamada “crise da modernidade” e a redemocratização da política cultural
brasileira durante o período de abertura tiveram forte influência na mudança de
orientação da preservação do patrimônio no Brasil a partir da década de 70. Na
medida em que a noção de patrimônio foi sendo alterada, aumentou a quantidade
de bens a serem protegidos e menos eficaz se tornou a política existente, que
passou a ter que lidar com objetos para os quais não estava preparada.
A necessidade de ampliar e modernizar a gestão no campo da política do
patrimônio alterou a conduta do próprio IPHAN
203
. O primeiro reflexo foi o
aumento significativo nos tombamentos de conjuntos urbanos. Num segundo
momento, a nova orientação da política passou a buscar a descentralização na
preservação, com a ação supletiva das outras instâncias de governo. O decreto-
lei 25/37 já mencionava a colaboração de estados e municípios na política de
preservação, mas essa ação supletiva só foi de fato incentivada pelos
Compromissos de Brasília e Salvador, que reforçaram a necessidade da criação
de órgãos locais de patrimônio. A partir do momento em que a estância federal de
preservação deixou de ser a única alternativa para a proteção dos bens de valor
histórico e artístico, estados e municípios passaram a desenvolver ações no
sentido de submeter áreas urbanas às diretrizes relativas à preservação do
patrimônio cultural.
202
A Carta de Veneza foi o primeiro documento internacional a respeito da salvaguarda de monumentos
históricos que o Brasil assinou. Nela é ampliado o conceito de monumento histórico, que passou a
compreender tanto a criação arquitetônica isolada quanto o sítio urbano ou rural, que tenham sido testemunho
de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico.
203
A Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN) se tornou Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1970.
113
Dentro desse contexto, em Vitória começam a ser tomadas medidas para a
estruturação de organismos voltados para o gerenciamento do patrimônio cultural,
num primeiro momento – e de forma menos intensa – no estado, e posteriormente
na administração municipal. A seguir veremos separadamente como essa
estruturação se deu nos dois níveis de governo e como eles atuam hoje na
salvaguarda do patrimônio edificado em Vitória. Por fim, veremos como ficou o
papel do IPHAN nessa nova fase.
4.1 Os esforços por uma política estadual de preservação
A institucionalização da cultura no Espírito Santo teve início na década de 60,
influenciada pela criação do Conselho Federal de Cultura, em 1966. Através da lei
delegada nº. 6 de 09/11/67, foi criado o Conselho Estadual de Cultura (CEC),
integrado à estrutura da Secretaria de Educação e Cultura. Entre as atribuições
do CEC estavam a formulação da política cultural do estado e a promoção da
defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico do estado, bem como a
conservação dos arquivos históricos, públicos ou particulares, existentes em
território estadual. A regulamentação de seu funcionamento foi feita através da lei
nº. 2468 de 1969, que determina que a política formulada pelo CEC seja
executada pela Fundação Cultural do Espírito Santo
204
.
Apesar de existir oficialmente e ter determinadas suas competências, o CEC tinha
atribuições muito vagas, além de não possuir conceitos definidos a respeito do
que constituía o patrimônio histórico e artístico estadual, essencial para a
elaboração de uma política de proteção. Nesse momento foi necessária ajuda
externa, que no caso foi feita pela representação do IPHAN no estado
205
. A
regulamentação desses conceitos foi feita pela lei nº. 2947 de 1974
206
, e em muito
se aproxima das definições existentes no decreto-lei 25/37. Segundo a legislação
aprovada:
204
A Fundação Cultural do Espírito Santo, por sua vez, foi criada pela lei nº. 2307 de 1967.
205
O arquiteto Christiano Woeffel Fraga, substituto de André Carloni na função de representante, foi também
membro do Conselho Estadual de Cultura.
206
O documento na íntegra se encontra no Anexo B.
114
Art. 1º. Constitui o patrimônio histórico e artístico do Espírito Santo o acervo de bens móveis
e imóveis existentes em seu território, e cuja conservação seja de interesse público, quer
por sua vinculação a fatos memoráveis da história, quer por seu excepcional valor
arquitetônico ou etnográfico, bibliográfico ou científico.
A lei também institui a criação de quatro Livros do Tombo
207
, assim como a
legislação federal. Dois artigos, no entanto, são importantes para se entender os
procedimentos que mais tarde seriam adotados pelo CEC nos tombamentos. Em
primeiro lugar, o artigo 2º da lei afirma que ela se aplica às coisas pertencentes às
pessoas naturais, bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito
público interno, exceto a União. Considerava-se então que os imóveis
pertencentes à União deveriam ser protegidos por ela, o que não faria sentido
caso o bem não possuísse valor nacional, e foi justamente o que aconteceu no
processo de tombamento do edifício da Faculdade de Filosofia e Letras (Fafi). O
prédio pertencia à UFES e, segundo o IPHAN, não possuía características que
justificassem a proteção federal
208
. O imóvel só pôde ser tombado após um
período de negociações que resultou na sua transferência para o Governo do
Estado.
O artigo 9º também é interessante por afirmar que não poderia ser tombada pelo
Governo do Estado a coisa já arrolada pelo Serviço de Proteção ao Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Nesse caso, o CEC entendia que a proteção na
instância federal já era suficiente para garantir a salvaguarda do bem e, assim, o
estado evitava a responsabilidade concomitante pela proteção do acervo
edificado e afastava qualquer tipo de conflito de interesses entre as duas esferas
de governo.
A definição de conceitos, no entanto, não foi suficiente para dar início às ações de
tombamento, uma vez que os procedimentos necessários para a sua realização
não estavam contemplados pela legislação anterior. Mais uma vez, o IPHAN
207
São eles: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico,Paisagístico e Científico; Livro do Tombo
Histórico; Livro do Tombo das Belas Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas.
208
Segundo a então coordenadora do setor de tombamento do SPHAN, Dora M. S. de Alcântara, em
comunicado interno enviado ao subsecretário Irapoan Cavalcanti de Lyra, “[...] o jogo de fotografias do
edifício, se por um lado não revela qualidades arquitetônicas que sugerissem o aviamento de um estudo
aprofundado, induziu-nos, por outro lado, a levantar outros dados eventualmente disponíveis que
confirmassem não só a falta de qualidade singulares próprias ao tombamento, como também a inexistência
de uma situação contextual em que o edifício desempenhasse papel maior [...]”. Série Inventário, Caixa 103,
Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
115
serviu como colaborador para o estabelecimento do mecanismo de tombamento
em nível estadual, que só ocorreu 16 anos após a criação do CEC. Mas ao
contrário do que estabelece a lei federal, a norma estadual
209
que aprova os
procedimentos sobre o tombamento não estabelece prazos para a tramitação do
processo, apenas organiza a seqüência de ações necessárias para a sua
conclusão.
Após a aprovação dos procedimentos para a realização dos tombamentos, houve
uma ação sistemática do CEC no sentido de registrar os bens considerados
patrimônio histórico e artístico do estado
210
. Dos 24 bens imóveis tombados até
hoje pelo estado no município de Vitória, 19 foram registrados entre 1983 e 1986.
Mas a atuação do CEC ficou restrita apenas ao registro, e o governo estadual
nunca chegou a tomar medidas para estruturar um organismo voltado mais
diretamente para a preservação e para o gerenciamento do patrimônio cultural.
Essa ausência de um órgão específico foi amplamente criticada pela imprensa,
especialmente durante as décadas de 70 e 80. Em artigo da Revista da Fundação
Jones dos Santos Neves de 1979, a arquiteta Helena Gomes declara que:
[...] seria importante criar no espírito Santo um órgão que tratasse especificamente do
patrimônio e que congregasse o potencial de recursos das demais instituições. Temos, por
exemplo, na universidade um potencial muito grande e que está sendo pouco utilizado.
211
Em 1981, a “Espírito Santo Revista” concluiu, em tom de desabafo, que :
Mais desalentador que a descaracterização histórica de Vitória, com o aparecimento cada
vez maior de novas construções, é saber que pouca coisa ou nada poderá ser feita contra,
porque não existe qualquer instrumento institucionalizado que possibilite uma medida
preventiva. [...] Quanto ao freio das descaracterizações dos prédios históricos, até mesmo o
órgão diretamente ligado à questão, a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
se mostra impotente. Primeiro, porque não existe um órgão estadual similar que lide
diretamente com a preservação do patrimônio histórico e artístico regional, e segundo,
porque as finalidades da SPHAN são ignoradas.
212
209
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Resolução nº. 1 de 22 de fevereiro de 1983. Aprova as
normas de procedimento sobre o tombamento de bens do domínio privado, pertencentes a pessoas naturais ou
jurídicas, inclusive ordens ou instituições religiosas, e de domínio público, pertencentes ao estado e
municípios. Vitória, 1983.
210
Mesmo sem a aprovação dos procedimentos para o tombamento, já existiam dentro do CEC estudos e
propostas para a salvaguarda de alguns imóveis.
211
GOMES,Helena. Patrimônio, o difícil caminho da preservação. Revista da Fundação Jones dos Santos
Neves. Vitória, v.2, nº. 4, p. 30-32, out/dez 1979, p.32.
212
ORLETTI, Carlos. Só o Estado pode salvar o patrimônio da destruição. Espírito Santo Revista, Vitória,
v.1, nº. 5, p. 27-29, setembro 1981, p.27.
116
Em entrevista ao jornal “A Gazeta” em 25/01/87, o então secretário do CEC,
Fernando Achiamé, afirmou que “o desaparecimento do nosso patrimônio
histórico é um problema inteiramente conhecido pelos órgãos competentes
porque vem sendo denunciado há anos”. Segundo ele, “[...] o problema é que não
existe no estado qualquer órgão responsável por isso (restaurar e conservar). O
Conselho apenas inscreve os bens móveis e imóveis no Livro do Tombo”.
4.1.1 Características dos tombamentos
Em Vitória, todos os bens tombados em nível estadual se localizam no centro, o
que enfatiza a importância da região como testemunho da evolução urbana na
cidade. As justificativas para a proteção oficial, na maioria das vezes, estavam
articuladas com as noções de história e arte previstas na legislação. O parecer
favorável aos primeiros imóveis tombados pelo estado demonstra bem o que se
pretende dizer. Nele se afirma que as edificações:
[...] além do valor arquitetônico próprio, estão integradas num sítio histórico e guardam
noção de conjunto (o Palácio Anchieta, a Assembléia Legislativa, o Arquivo Público Estadual
e o Ginásio Maria Ortiz) ou são marcas de referência notáveis para a cidade de Vitória. A
conservação dessas edificações é de grande importância para a comunidade capixaba, dos
pontos de vista artístico e histórico. Artístico porque são edificações neoclássicas ou
ecléticas construídas com propriedade, bom gosto e forte espírito de unidade. Histórico
porque são edificações de caráter público e que testemunharam em seus interiores muitos
processos e acontecimentos ligados intimamente à nossa história. (grifo nosso)
213
É interessante observar a mudança na atribuição de valor estético às edificações.
A visão deixou de ser restrita aos bens da arquitetura luso-brasileira do período
colonial e passou a abranger outros tipos de edificações, inclusive as
pertencentes ao estilo eclético. Nos tombamentos realizados pelo estado não
houve predominância ou preferência por nenhum estilo específico. Se a maioria
das edificações protegidas possui características ecléticas, isso se dá
simplesmente pela importância que o estilo teve na produção arquitetônica da
capital. Nos casos em que não era possível atribuir valor artístico ao bem, ele era
213
O parecer 09/82 é relativo ao pedido de tombamento de 7 edificações, que são: o Palácio Anchieta, o
edifício da Assembléia Legislativa, o prédio do Arquivo Público Estadual, o Ginásio Maria Ortiz, o Teatro
Carlos Gomes, o edifício da Secretaria de Administração e o Mercado Público da Capixaba. O tombamento
desses imóveis foi aprovado pela Resolução 02/83.
117
inscrito no Livro do Tombo Histórico por seu valor para a “memória histórica da
cidade”
214
. Essa mudança também já podia ser observada nos tombamentos
realizados pelo IPHAN no mesmo período, resultado de uma mudança no próprio
conceito de patrimônio.
O agrupamento dessas edificações num único processo de tombamento não se
deu de forma aleatória. Além das 7 edificações já citadas, havia a proposta para o
tombamento de outros 12 imóveis, incluindo os de propriedade particular, pública
e religiosa. O CEC, no entanto, avaliou que o conteúdo dos processos era
“complexo”, e que para facilitar a sua tramitação era necessário separar os
imóveis em grupos, da seguinte forma
215
:
a) imóvel de propriedade da União;
b) imóvel de propriedade do Estado;
c) imóvel de propriedade da Cúria Metropolitana;
d) imóvel de propriedade particular;
e) imóvel de propriedade particular – conjunto de edificações da Rua Muniz
Freire.
Para o CEC, o fato do governo estadual não oferecer contrapartida para o
proprietário se constituía num empecilho que poderia prolongar a tramitação do
processo. Por esse motivo, foi adotado como procedimento-padrão do Conselho a
não ingerência na propriedade privada e, consequentemente, o não tombamento
de edificações de propriedade particular. Ao mesmo tempo, a legislação previa
que o registro dos bens de domínio público fosse realizado em caráter ex-officio,
facilitando o andamento do processo em favor da administração pública.
Podemos observar que os 7 imóveis incluídos na resolução 02/83 ou pertencem
ao poder público ou são propriedade da Cúria Metropolitana. Dos 24 bens imóveis
tombados pelo estado em Vitória até hoje, nenhum deles é de propriedade
214
SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA. Ficha de avaliação do Grupo Gomes Cardim (Fafi).
Vitória, s/d.
215
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Parecer nº. 08/82. Vitória, 1982.
118
particular. Além disso, entre os processos de tombamento que foram arquivados,
quase todos tiveram parecer desfavorável pelo mesmo motivo
216
.
O processo de tombamento das edificações à Rua Muniz Freire
217
merece
destaque por exemplificar como o instrumento legal de proteção não foi capaz de
inibir perdas. Num primeiro momento, foram realizados levantamentos de 7
imóveis localizados na rua mencionada. Em todos eles era recomendado o
tombamento, e a justificativa sempre reforçava a idéia de integração existente
entre as residências. No entanto, 4 dessas edificações
218
estavam passando por
processo de desapropriação por utilidade pública pelo governo estadual para a
ampliação do Fórum de Vitória. A ameaça de destruição teve repercussão entre
os profissionais de arquitetura do município:
[...] a Rua Muniz freire é ainda uma das poucas que, na cidade, mantém o seu traçado
original e, em conseqüência disso, uma unidade do casario ali existente. [...] Como pessoas
integrantes da coletividade capixaba, estudantes e profissionais que têm interesse
específico no espaço urbano e na história do nosso povo, não podemos consentir com a
atitude do Estado em relação à desapropriação e à demolição destas casas. Dessa forma,
alertamos para a importância do fato e cobramos deste Conselho uma posição firme contra
a demolição de tais edificações, e que medidas sejam tomadas de forma a viabilizar a
preservação desse patrimônio
219
.
As tentativas de defesa das residências não tiveram o resultado esperado. A
resolução nº. 08/83 aprovou apenas o tombamento das 4 casas desapropriadas
pelo governo estadual e, mesmo após a decisão, 3 delas foram demolidas, sob a
alegação de não ter sido feita notificação. A edificação remanescente constitui o
único exemplar de arquitetura civil protegido pelo estado.
216
O tombamento do edifício do Departamento Estadual de Estatística foi negado pelo fato do imóvel ter
sido considerado de importância apenas para o município, e não para o estado. CONSELHO ESTADUAL
DE CULTURA. Parecer nº. 21/84. Vitória, 1984.
217
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Processo de tombamento nº. 07/82. Vitória, 1982.
218
As residências de nº. 43, 75, 97 e 103.
219
Correspondência do arquiteto Paulo Roberto Morandi ao CEC em 25/05/82.
119
Fig. 55. Edificação à Rua Muniz Freire, nº. 43.
Fonte: www.secult.es.gov.br
Todos os bens imóveis com tombamento estadual foram inscritos no Livro do
Tombo Histórico, sendo que 3 deles também estão inscritos no Livro do Tombo de
Belas Artes
220
. A prevalência da perspectiva histórica nos tombamentos pode ser
explicada tanto pela composição do CEC – formado principalmente por
historiadores – quanto pelo desenvolvimento da própria disciplina de história, que
passou a reforçar a idéia do bem cultural enquanto documento de uma civilização.
Quanto à origem dos pedidos, todas as propostas foram feitas por conselheiros
do CEC
221
.
Após um curto período de ação sistemática voltada para os tombamentos – o
último bem imóvel registrado em Vitória foi em 1992
222
– as atribuições do CEC
foram gradativamente perdendo força, e poucos anos mais tarde o Conselho foi
desfeito
223
. Sua atuação foi marcada pela descontinuidade e por paralisações.
Durante os anos em que esteve vigente, o Conselho não estabeleceu nenhum
procedimento de reavaliação das ações de proteção, o que também contribuiu
para um desgaste tanto do órgão quanto das ações de tombamento, que não
foram complementadas com outros incentivos e não contou com o apoio de uma
estrutura executiva.
220
São eles: as ruínas do Palácio Nestor Gomes, a cripta e lápide do padre José de Anchieta e o chafariz da
esplanada da capixaba.
221
Quando não partiram de membros em exercício, eram originados por ex-membros ou membros suplentes.
222
Tombamento do Relógio da Praça Oito. CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Processo nº.
008/92. Vitória, 1992.
223
O CEC não chegou a ser oficialmente desfeito. A lei complementar nº. 421 de 2007 reorganizou o
Conselho Estadual de Cultura, mas até a presente data ainda não foi realizada nenhuma reunião.
120
Após a reestruturação do Conselho e a reorganização da cultura no estado, as
diretrizes do Departamento Estadual de Cultura se voltaram para as
manifestações culturais regionais e a sua integração com campanhas de
preservação da memória e da identidade capixabas.
4.1.2 O Espírito Santo e o PCH
O governo do estado esteve representado
224
nos dois encontros organizados pelo
Ministério da Educação e Cultura no início da década de 70 – os Compromissos
de Brasília e Salvador. Na primeira conferência, realizada em 1970, o governador
Christiano Dias Lopes Filho levou ao então ministro Jarbas Passarinho uma
sugestão de criação do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do
Espírito Santo (DPHA), que teria a finalidade de “promover em todo o estado, e
permanentemente, o tombamento, o levantamento, a catalogação, a
documentação fotográfica, a defesa, a conservação, o estudo, a divulgação, a
fiscalização e o enriquecimento histórico e artístico estadual”
225
. As finalidades e
objetivos presentes na proposta eram muito vagos e, após as duas conferências,
não foram colocados em prática pela administração pública.
Como já vimos anteriormente, os dois compromissos tiveram como resultado a
criação do Programa Integrado de Reconstrução de Cidades Históricas no
Nordeste (PCH), em 1973. Em 1977, o Espírito Santo passou a integrar o
programa
226
. O suporte dado pelo PCH exigia, no entanto, que as administrações
estaduais apresentassem previamente um Programa de Restauração e
Preservação, que indicasse os monumentos a serem restaurados, os
cronogramas de execução, os roteiros turísticos recomendados e as fontes de
recurso. Em 1978, a Fundação Jones dos Santos Neves
227
elaborou um projeto
224
No encontro em Brasília estiveram presentes o governador do estado, Christiano dias Lopes Filho, o
Secretário de Educação Werther Vervloet e o arquiteto Christiano Woeffel, então representante do IPHAN no
estado. Na 2ª conferência, realizada em Salvador, estiveram presentes o então governador Arthur Carlos
Gerhardt Santos e o arquiteto Christiano Woeffel.
225
O Diário, Vitória, 19 de outubro de 1971.
226
Assim como o Rio de Janeiro e Minas Gerais.
227
Entidade jurídica sem fins lucrativos, criada em 1975 no âmbito da Secretaria de Planejamento do Estado,
com a finalidade de dar suporte técnico ao governo do estado na elaboração de seus programas de
121
para que o estado se enquadrasse no PCH, mas este não previa a alocação dos
recursos (a Seplan previa verba de Cr$300 milhões para ser utilizada no
programa), apenas identificava imóveis, espaços urbanos e paisagens com
interesse de preservação. Na prática, o Espírito Santo nunca chegou a participar
do programa federal de salvaguarda dos bens culturais.
De maneira geral, podemos afirmar que, em nível estadual, tem predominado a
tendência de exploração turística do patrimônio local, especialmente na tentativa
de agregar valor econômico ao valor cultural a partir do reforço da idéia de
identidade local. Para Herscovici, o desenvolvimento econômico alcançado pelo
estado a partir da década de 60 “criou a necessidade de construção de uma
imagem midiática, a partir de referenciais próprios, capazes de ‘vender’ a sua
imagem no exterior”
228
. Para Herscovici, essa representação simbólica da cultura
capixaba, questionável na medida em que não é capaz de abranger a totalidade
dos grupos sociais da sociedade, é caracterizada como um “provincianismo”, uma
vez que o discurso utilizado é legitimador do poder local e não evidencia os
elementos universais da cultura regional.
As tentativas de legitimação desses “símbolos” da cultura capixaba são
amplamente divulgadas pelos meios de comunicação e largamente promovidas
pelo governo do estado através do incentivo à realização de eventos culturais.
Essas ações, de certa forma, vão ao encontro das propostas defendidas pelo
PCH, que previa, entre outras coisas, a exploração turística dos bens culturais.
Percebe-se, ainda, uma presença maior da perspectiva antropológica na
promoção da cultura regional, sobretudo as culturas populares, o que é coerente
com a valorização da diversidade cultural defendida por Aloísio Magalhães na
década de 70.
desenvolvimento. A instituição desenvolveu um Programa Estadual de Preservação, Restauração e
Conservação do Patrimônio Estadual, nunca colocado em prática.
228
HERSCOVICI, A. Identidade capixaba: alguns questionamentos. p. 13-20. In: SECRETARIA
MUNICIPAL DE CULTURA. Identidade capixaba. Vitória: A Secretaria, 2001.
122
4.2 Ações complementares
Desde a sua criação em 1975, a Fundação Jones dos Santos Neves (FJSN)
229
se
ocupou da elaboração de estudos e projetos que dessem suporte técnico às
ações e estratégias governamentais para o controle do crescimento urbano da
Grande Vitória e do desenvolvimento socioeconômico do Espírito Santo. Em
1976, a fundação realizou um estudo denominado Plano de Estruturação do
Espaço da Grande Vitória (PEE), um modelo de expansão urbana que propunha a
estruturação do espaço em unidades urbanas semi-autônomas
230
. A realização do
projeto foi motivada pelo intenso movimento migratório percebido na região e
pelos reflexos causados pela implantação dos Grandes Projetos a partir do final
da década de 60
231
.
Entre os objetivos do PEE, estava a preservação do patrimônio histórico e natural
dos municípios da Grande Vitória. Para isso, foi feita uma listagem do que se
deveria preservar sob o ponto de vista paisagístico, dividida em 2 grupos:
a) Paisagem formada por elementos construídos;
b) Paisagem com predominância de elementos naturais.
A listagem, feita por município, considerou, para a composição do grupo A, as
seguintes características:
1) Prédios de interesse histórico, artístico, sentimental (a memória do povo);
2) Ambientes urbanos ou conjuntos de interesse ambiental;
3) Panos onde se descortinem para apreciar panoramas, aspectos gerais do
cenário urbano.
229
A Fundação foi transformada em autarquia em 27 de outubro de 1980, pelo decreto 1469-N, passando a
denominar-se Instituto Jones dos Santos Neves. Hoje se encontra vinculado á Secretaria de Estado de
Economia e Planejamento do Espírito Santo.
230
FUNDAÇÃO JONES DOS SANTOS NEVES. Patrimônio Ambiental: preservação e conservação.
Revista do Instituto Jones dos Santos Neves
, Vitória, v.2, nº.2, p.27-33, abr/jun, 1979.
231
O PEE teve como base para a sua elaboração um estudo realizado pelo BANDES sobre o impacto
econômico dos Grandes Projetos na região da Grande Vitória, denominado Programa de Reaparelhamento
Estrutural (PRE). Após a criação da Secretaria de Planejamento do Estado, o programa foi aproveitado para a
realização do PEE.
123
Apesar de identificar imóveis de interesse de preservação e propor formas de
zoneamento e uso do solo, o PEE deveria, na verdade, balizar os projetos
subseqüentes tanto do governo estadual quanto dos municípios incluídos no
plano. A proposição recomendava o seu detalhamento em nível local, através dos
planos diretores municipais e de planos setoriais de transporte coletivo, de
preservação ambiental e histórica e de valorização da orla marítima. De fato, suas
orientações influenciaram principalmente planos na área de transporte e do
patrimônio histórico e natural dos municípios, inseridos na política urbana
instituída pelos PDU’s, inclusive em Vitória.
4.3 A municipalização do processo de preservação
As transformações urbanas resultantes dos Grandes Projetos, associadas à nova
conjuntura política e econômica nacional, resultaram numa crescente valorização
das ações de planejamento urbano, consideradas a partir de então determinantes
para o crescimento do país
232
. Com a ampliação da noção de patrimônio, os
debates a respeito da sua salvaguarda passaram também a ser incluídos na
questão do planejamento urbano das cidades. O conceito de preservação
integrada ao planejamento foi exposto na Declaração de Amsterdã de 75
233
,
documento segundo o qual a conservação do patrimônio arquitetônico deveria ser
considerada como o objetivo maior do planejamento físico-territorial, e não
apenas um elemento secundário. Para isso, as exigências da conservação desse
patrimônio deveriam ser coordenadas com as regras de planejamento, de forma a
impedir a degradação das edificações com interesse de preservação.
De fato, as legislações de zoneamento e uso do solo presentes nos
planejamentos urbanos podem desempenhar um papel fundamental na
preservação dos acervos existentes, uma vez que são indutoras da dinâmica
construtiva das cidades e orientam o seu desenvolvimento espacial. Sem estarem
232
ADAMS, Betina. Preservação urbana: gestão e resgate de uma história: patrimônio de Florianópolis.
Florianópolis: Editora da UFSC, 2002.
233
Carta Internacional que traz recomendações sobre a preservação do patrimônio arquitetônico da Europa,
resultado do Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu, realizado em Amsterdã em outubro de 1975.
Apesar de tratar especificamente do patrimônio arquitetônico europeu, a Carta expõe princípios gerais sobre
preservação integrada que influenciaram a Recomendação de Nairóbi, recomendação relativa à salvaguarda
dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea, resultado da 19ª sessão da Unesco, realizada
em 26 de novembro de 1976.
124
inseridas numa perspectiva global do planejamento físico-territorial, as políticas de
preservação do patrimônio são apenas medidas isoladas de proteção, pontuais e
limitadas. Dentro desse contexto, os planos diretores urbanos (PDU’s) funcionam
como um arcabouço legal e administrativo para dar início a uma política de
preservação nos municípios.
Em Vitória não existe uma legislação específica que trate da preservação do
patrimônio cultural. A questão da proteção do acervo cultural está inserida em seu
PDU, e vem sendo atualizada desde a sua primeira versão, que é de 1984
234
.
Antes da aprovação da lei, o município não dava sinais de esforços para a
estruturação de um órgão de preservação para a cidade. O debate para a
elaboração do PDU de Vitória teve início no final da década de 70, e mobilizou um
número significativo de profissionais. A tramitação do processo, no entanto, se
arrastou por 4 anos, até ser finalmente aprovado pela Câmara Municipal em 84.
Pela primeira vez, a administração municipal englobou na discussão uma reflexão
sobre a questão preservacionista, buscando integrar a proteção do acervo cultural
ao planejamento urbano. Esse processo de planejamento acabou resultando num
mecanismo legal de proteção que buscava fazer frente à deterioração e
descaracterização das edificações e à especulação imobiliária desenfreada
diagnosticada na região central. Os princípios básicos que orientaram a definição
dos objetos a serem incluídos no acervo cultural do município foram extraídos da
legislação federal, assim como alguns dos procedimentos para o registro desses
bens. Segundo a legislação:
Art. 258. Constitui o patrimônio histórico e sócio-cultural do município o conjunto de bens
imóveis existentes em seu território e que, por sua vinculação a fatos pretéritos memoráveis
e a fatos atuais, significativos, ou por seu valor sócio-cultural, arqueológico, histórico,
científico, artístico, estético, paisagístico ou turístico, seja de interesse público proteger,
preservar e conservar.
Nota-se que, na definição apresentada pelo município, os objetos contemplados
abrangem não só fatos históricos, mas uma vasta gama de valores desvinculados
ao conceito de monumentalidade e excepcionalidade presentes da legislação
federal. De certa forma, é possível perceber nas definições aplicadas no PDU a
234
PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA. Lei nº. 3158 de 10 de fevereiro de 1984. Dispõe sobre o
desenvolvimento urbano do município de Vitória, institui o Plano Diretor Urbano e dá outras providências.
Vitória, 1984.
125
ampliação do conceito de bem cultural proposta desde a década de 70, mas essa
influência só ficará mais clara após a revisão do plano, uma década mais tarde.
Na contramão do que acabou de ser dito, a legislação só inclui no patrimônio
histórico e sócio-cultural do município os bens imóveis, excluindo de qualquer
proteção os bens móveis. Ainda que de forma implícita, a lei relega a proteção
desses objetos aos museus, às irmandades religiosas ou qualquer outro agente
para o qual importe a salvaguarda desses bens.
O principal instrumento urbanístico utilizado na salvaguarda do patrimônio
histórico e sócio-cultural municipal foi o tombamento, porém com algumas
particularidades. Os procedimentos para a efetivação do tombamento são
bastante semelhantes aos adotados pelo IPHAN – notificação com justificativa,
recursos, prazos e necessidade de averbação no cartório de registro do imóvel.
Porém, para efeito de tombamento, o bem só poderia ser inscrito no Livro do
Tombo Municipal após a sua desapropriação. O fato de o PDU incluir a
possibilidade de proteção oficial de imóveis particulares, feito considerado uma
“novidade” pela imprensa jornalística da época
235
, perdeu importância a partir do
momento em que se vinculou o tombamento com a desapropriação. Além do
poder público municipal não possuir recursos para arcar com um grande número
de desapropriações, essa medida, por seu caráter autoritário, acaba causando
insatisfação por parte da população, e só deveria ser utilizada como último
recurso. Tal procedimento gerou uma grande morosidade nas ações de registro,
que só começaram a ocorrer dois anos mais tarde, após alteração na lei que
desassociou um instrumento do outro.
Assim como visto na legislação estadual, o PDU de 84 estabelecia que o disposto
na lei sobre o tombamento não se aplicava aos bens da União e do estado, ainda
que eles tivessem valor para o patrimônio municipal. No entanto, a lei não faz
nenhuma restrição quanto ao registro dos bens já protegidos pelas outras esferas
governamentais.
Como inovação, o PDU de 84 traz a possibilidade de identificação dos imóveis
com interesse de preservação, uma alternativa ao tombamento. A diferenciação
235
A Gazeta, Vitória, 25 de janeiro de 1987.
126
entre um e outro instrumento é bastante vaga, e só veio a ser aprofundada na
revisão da legislação. Por definição:
Art. 251. Consideram-se edificações, obras e monumentos de interesse sócio-cultural as
que devem ser preservadas pelo Município, em razão de se constituírem em elementos
representativos do patrimônio ambiental urbano de Vitória, por seu valor histórico, cultural,
social, formal, funcional, técnico ou afetivo.
Vê-se que, ao se comparar as definições do que se considerou, pela lei,
edificações de interesse sócio-cultural e patrimônio histórico e sócio-cultural do
município, a primeira valoriza aspectos diferentes dos bens, mais subjetivos,
como o valor afetivo. Além disso, ao contrário do que ocorre na seleção dos bens
pertencentes ao patrimônio histórico municipal, no que se refere aos imóveis com
interesse de preservação (identificados), a legislação traz critérios específicos
para a sua seleção, como segue:
Art. 252. A identificação das edificações, obras e monumentos de interesse sócio-cultural
será feita pelo Conselho Municipal do Plano Diretor (CMPDU), ouvida a representação local
da secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –SPHAN, mediante os seguintes
critérios:
I- Historicidade – relação da edificação com a história social local;
II- Caracterização arquitetônica – qualidade arquitetônica de determinado período histórico;
III- Situação em que se encontra a edificação – necessidade ou não de reparos;
IV- Representatividade – exemplares significativos dos diversos períodos de urbanização;
V- Raridade arquitetônica – apresentação de formas valorizadas, porém com ocorrência
rara;
VI- Valor cultural – qualidade que confere à edificação permanência na memória coletiva;
VII- Valor ambiental – relação com as demais edificações e cuja demolição viria a
descaracterizar determinado conjunto de edificação.
Interessa observar que, apesar da lei preconizar a consulta ao IPHAN na
identificação dos imóveis com interesse de preservação, o órgão federal sequer
participou das discussões para a elaboração do PDU de Vitória e, na prática, os
primeiros anos de atuação da administração municipal na preservação do
patrimônio cultural da cidade não foram caracterizados pela ação conjunta com a
esfera federal de preservação.
O PDU definiu ainda graus de proteção aos quais estavam sujeitos os bens de
interesse sócio-cultural, como segue:
127
Art. 253 (...)
1- Preservação integral primária (GP1), para as edificações, obras e monumentos que
apresentam importância histórica e sócio-cultural e possuem características originais, ou
com pequenas alterações, porém sem que haja descaracterização significativa, as quais
devem ser objeto de conservação total, interna e externamente, quando for o caso;
2- Preservação integral secundária (GP2), para as edificações, obras e monumentos que,
por sua importância histórica e sócio-cultural, embora hajam sido descaracterizadas, devem
ser objeto, no seu exterior, de restauração total ou de adaptação às atividades, desde que
não prejudiquem o exterior;
3- Preservação ambiental (GP3), para as edificações, obras e monumentos e logradouros
vizinhos ou adjacentes às edificações de interesse de preservação integral, com vistas a
manter a integridade arquitetônica e paisagística do conjunto em que estejam inseridas; na
hipótese de seu perecimento, a reedificação não deverá descaracterizar ou prejudicar as
edificações objeto de preservação integral, ficando sujeitas à determinações específicas de
altura e recuos, caso a caso, mediante resolução do Conselho Municipal do Plano Diretor
Urbano.
Apesar do detalhamento observado na definição dos graus de proteção, a
estrutura legal proposta pelo PDU, especialmente em relação ao zoneamento e
ocupação do solo urbano, não se adequou aos conceitos da política de
preservação. Sobre a área central foram aprovados índices de ocupação
elevados, que favoreciam o adensamento sobre a estrutura urbana. Para tentar
conter a especulação imobiliária no centro era necessária a coordenação entre os
instrumentos legais vigentes, o que não ocorreu nessa primeira versão do PDU.
A preocupação com o entorno, característica de um dos graus de proteção
estabelecidos, também não chegou a ser regulamentada.
De maneira geral, não foi estabelecida uma forma objetiva capaz de distinguir o
tipo de bem destinado ao tombamento e o identificado como interesse de
preservação. A legislação previa que o município poderia promover a
desapropriação ou o tombamento dos bens de interesse sócio-cultural visando a
sua preservação, o que torna ainda mais confuso o procedimento de identificação.
Na prática, o que se observa é a predominância absoluta de identificações,
ficando o tombamento restrito aos bens considerados mais significativos para o
município - normalmente de maior escala – e aos que de alguma forma se
encontravam ameaçados de destruição
236
.
236
A exemplo do tombamento da Chácara Von Schilgen, residência em estilo eclético da década de 30
localizada na Praia do Canto e tombada em 2006, em caráter de urgência, devido à implantação de um grande
empreendimento imobiliário em seu entorno imediato, que ameaçava a destruição do edifício.
128
Em relação aos efeitos do tombamento e da identificação, a diferenciação era
mais fácil de ser determinada. Para os imóveis identificados não foi prevista
nenhuma forma de penalidade ou de obrigação para os proprietários, a não ser as
exigidas na definição dos graus de proteção. Já os imóveis tombados possuíam
uma série de imposições, a maioria delas baseadas em princípios da legislação
federal. No que se refere às penalidades, a inutilização, destruição ou alteração
dos bens tombados deveriam ser punidas de acordo com os artigos 165 e 166 do
Código Penal, além da aplicação de multa pelo CMPDU nos casos de reparação,
pintura ou restauração realizada sem consulta prévia. Como contrapartida da
administração pública, tanto os imóveis tombados quanto os identificados
receberiam isenção ou redução dos impostos predial e territorial, benefício que só
veio a ser regulamentado uma década mais tarde
237
.
O PDU aprovado para Vitória não previa a criação de um órgão técnico executivo
específico para a preservação do patrimônio, apenas um Conselho Municipal do
Plano Diretor Urbano, órgão de assessoramento do prefeito na coordenação geral
das atividades do planejamento urbano municipal, vinculado à Secretaria
Municipal de Planejamento. As decisões do Conselho, apesar de serem
consideradas resoluções, estavam subordinadas ao poder executivo municipal.
Entre as suas atribuições estava a declaração de tombamentos municipais de
bens imóveis, a ser homologada por ato do executivo, e a identificação das
edificações, obras e monumentos de interesse sócio-cultural, além do
acompanhamento e vigilância desses bens.
Muitos fatores contribuíram para a lentidão na efetivação das ações de proteção
propostas pelo município no PDU de 84
238
, a maior parte deles relacionados à
falta de regulamentação dessas propostas e instrumentos de controle das ações.
A falta de um melhor detalhamento de conceitos e objetivos da legislação
contribuiu para que, em 10 anos, ela fosse modificada por 25 leis, 35 decretos e
18 resoluções. Ao mesmo tempo, era necessário que outros setores da sociedade
237
A questão da interferência da comunicação visual nas edificações protegidas, inserida no PDU de 84,
também só passou a ser regulamentada anos mais tarde.
238
A efeito de exemplificação, o PDU de 84 propôs a identificação de 30 imóveis como interesse de
preservação, e o tombamento de 24 deles. O prazo para a notificação dos proprietários era de 1 ano após a
publicação da lei. Decorrido o prazo, nenhuma notificação havia sido enviada, uma vez que o poder público
municipal não tinha verba para realizar as desapropriações, requisito para o tombamento.
129
civil se comprometessem com a questão preservacionista, a fim de efetivar e
legitimar as proposições da administração pública. A publicação do Plano Diretor
de 1984 levantou questões até então inexistentes dentro da gestão municipal, e
foi o ponto de partida para a elaboração de um projeto voltado para o centro
histórico da cidade – o Projeto de Revitalização do Centro de Vitória.
4.3.1 O Projeto de Revitalização do Centro de Vitória
239
A publicação do PDU em 1984 lançou diretrizes para a elaboração de um projeto
que definisse ações e estratégias voltadas para o centro histórico de Vitória. As
premissas básicas consideradas na elaboração do projeto podem ser resumidas
da seguinte forma:
a) desenvolvimento de uma política efetiva de revitalização;
b) envolvimento e conscientização da sociedade, despertando-a para a
necessidade de valorização do centro;
c) melhorias urbanas;
d) intervenções viárias que priorizassem o pedestre;
e) incentivo à moradia.
Os objetivos do projeto não buscavam apenas a conservação física do patrimônio
edificado do centro, mas também a melhoria da qualidade de vida da população
local através de intervenções nos espaços públicos
240
. Durante quase uma
década, o projeto foi sendo desenvolvido de forma incipiente, até ser retomado
em 1993. A carência de profissionais com experiência em gestão do patrimônio
ambiental urbano, dentro do quadro técnico da prefeitura, criou a necessidade de
uma consultoria externa que desse suporte à elaboração de um plano de trabalho.
Ao contrário do que ocorreu em muitos municípios, a prefeitura de Vitória não
buscou apoio técnico do governo do estado, uma vez que a administração
239
PMV/ SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO/COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO
DE VITÓRIA. Projeto de Revitalização do Centro de Vitória. Vitória,1993/1996.
240
Segundo definições existentes no documento de divulgação do projeto, revitalizar significa “requalificar,
revalorizar, melhorar a qualidade de vida, valorizar o potencial histórico, cultural e paisagístico, resgatar a
memória, buscar referências culturais”.
130
estadual também não contava com profissionais habilitados para esse fim. Dessa
forma, a primeira ação efetiva da prefeitura municipal foi encomendar um parecer
ao professor e pesquisador Nestor Goulart Reis Filho
241
, no sentido de orientar o
planejamento de ações voltadas para a revitalização do centro de Vitória. No
documento gerado pela análise feita por Goulart para a cidade, o pesquisador
discorre, de maneira geral, sobre a problemática da conservação de edifícios e
bairros com valor histórico especial e da importância da ação federal e municipal
na defesa desse patrimônio cultural. Após a exposição de conceitos, Nestor
Goulart esboça um diagnóstico
242
sobre a situação do centro de Vitória para, por
fim, fazer sugestões para projetos e formas de atuação institucional e privada,
bem como para preservação da área histórica e comercial, na tentativa de
revitalizar esses locais.
De fato, o parecer de Goulart serviu como base para a estruturação do projeto de
revitalização do centro, ainda que em seu diagnóstico existam informações
discutíveis
243
. De qualquer forma, o pesquisador buscou chamar atenção para o
fato de que a dinâmica urbana deveria ser considerada no estabelecimento de
estratégias de intervenção no centro, e que o sucesso das ações seria
proporcional à capacidade da administração pública em realizar contatos e
entendimentos com diferentes setores da iniciativa privada, do setor público e da
sociedade civil. A Declaração de Amsterdã de 75 já recomendava que os
governos buscassem a colaboração dos indivíduos e de associações privadas na
aplicação da política de preservação local. Em sua redação, o Conselho do
Patrimônio Arquitetônico Europeu “faz um apelo aos governos, parlamentos,
instituições espirituais e culturais, institutos profissionais, empresas comerciais e
industriais, associações privadas e todos os cidadãos para que dêem total
241
O professor da Universidade de São Paulo Nestor Goulart Reis Filho desenvolve pesquisas nas linhas de
História da Urbanização e Urbanismo no Brasil e possui extensa produção bibliográfica sobre o assunto.
Entre suas publicações, estão “Quadro da Arquitetura no Brasil” (1970), “Imagens de vilas e cidades do
Brasil colonial” (2000) e “Evolução Urbana do Brasil. 1500-1720” (2001).
242
Segundo esse diagnóstico, os maiores problemas encontrados no centro de Vitória estavam relacionados
com a falta de qualidade no espaço urbano. Os cinco principais pontos colocados foram: a má conservação/
degradação dos edifícios; a poluição visual; a precariedade do mobiliário urbano; a ausência de arborização e
a precariedade das áreas de estacionamento.
243
O pesquisador afirma, por exemplo, que o traçado urbano da Cidade Alta ainda contém elementos
significativos do período colonial, mas a análise da evolução urbana da cidade nos permite verificar que o
local é caracterizado por um conjunto de intervenções em vários momentos da história, e que já teve
fisionomias distintas até chegar à configuração atual.
131
apoio”
244
, na medida em que “a conservação integrada conclama à
responsabilidade os poderes locais e apela para a participação dos cidadãos”
245
.
O incentivo às ações complementares dos outros setores da sociedade, segundo
Goulart, deveria ser estimulado pelo poder público através de ações em curto
prazo – de um a dois anos – especialmente na melhoria das condições
ambientais, de forma a interessar capitais privados e dar força e credibilidade ao
projeto. Nesse sentido, a prefeitura municipal definiu um conjunto de ações que
buscavam, em sua maioria, a valorização dos imóveis de valor histórico e cultural.
Entre esses projetos, destaca-se o de identificação das edificações de interesse
de preservação no centro de Vitória. O objetivo desse projeto, segundo a
prefeitura, era identificar os imóveis passíveis de preservação, por suas
características arquitetônicas, culturais ou sociais, visando à recuperação dos
suportes materiais da memória coletiva dos cidadãos, através dos instrumentos
legais disponíveis – a identificação e o tombamento. Além disso, buscava-se
ampliar a listagem de bens identificados como de interesse de preservação
existente no PDU de 84. Assim, a administração municipal passou a conduzir um
processo de inventariação sistemática, partindo do pressuposto de conhecer para
então proteger. O levantamento mapeou uma série de edificações previamente
selecionadas em fóruns de debates realizados pela prefeitura. Cada unidade
identificada recebeu uma análise individual, segundo parâmetros
preestabelecidos, resultando numa pontuação com pesos diferenciados. Devido à
inexistência de uma equipe de profissionais especializada no quadro de
funcionários do município, o levantamento contou com o apoio de profissionais de
outras instituições, especialmente da UFES
246
, como intelectualidade atuante
nessa fase de seleção.
A metodologia utilizada para a identificação dos imóveis com interesse de
preservação partiu dos critérios desenvolvidos pelo PDU de 84 e da consultoria
realizada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
244
A Declaração de Amsterdã é resultado do Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu, realizado em
Amsterdã em outubro de 1975. Disponível m:<http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=246
>.
Acesso em: 10 de out. 2006.
245
Ibid.
246
A equipe formada para esse fim foi calcada principalmente na atuação de arquitetos, porém isso não nos
permite afirmar que existia um nível de qualificação ideal para os trabalhos.
132
(IPPUC)
247
. A sequência de ações a serem empregadas foi definida da seguinte
forma:
“I) Identificação primária, através de visitas ao centro e análise visual;
II) Análise volumétrica e de entorno, elaborando um perfil volumétrico, a fim de
subsidiar a definição de setores de proteção;
III) Levantamento histórico/ ficha cadastral;
IV) Evolução urbana de Vitória – Mapeamento da cidade;
V) Levantamento iconográfico;
VI) Levantamento dos projetos arquitetônicos;
VII) Complementação das fichas cadastrais;
VIII) Levantamento arquitetônico atual (em campo);
IX) Definição de critérios, metodologia e legislação para proteção dos imóveis de
interesse de preservação;
X) Envolvimento dos proprietários e da comunidade;
XI) Realização de fóruns de debates;
XII) Revisão das propostas;
XIII) Exposição, apresentação e debate público dos trabalhos;
XIV) Elaboração de uma cartilha de divulgação.”
248
Os imóveis pré-identificados deveriam passar ainda por uma segunda análise
249
,
na qual seriam verificados os valores de historicidade (significação social do
247
O IPPUC foi criado em 1965 por lei municipal, e desde então atua coordenando o processo de
planejamento e monitoramento urbano de Curitiba, compatibilizando as ações do município às da região
metropolitana. Para mais informações, ver: <http://www.ippuc.org.br>. Acesso em: 15 fev. 2008.
248
248
PMV/ SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO/COMPANHIA DE
DESENVOLVIMENTO DE VITÓRIA, 1993/1996.
249
A ficha utilizada nas ações de identificação pelo município se encontra no anexo E.
133
bem), de qualidade arquitetônica (analisada sob o ponto de vista da História da
Arquitetura e da Arte e identificada pelo estilo ao qual o edifício pertence), de
qualidade construtiva (avaliação do edifício enquanto matéria, de ordem técnica) e
da presença da edificação na paisagem (segundo critérios urbanístico-
paisagísticos). As fichas de inventário elaboradas pela prefeitura municipal
buscavam obter um padrão de análise das edificações, identificando inclusive os
elementos característicos de cada estilo arquitetônico, a fim de facilitar a
avaliação para os não-arquitetos. Não se pode deixar de mencionar que esses
critérios, ainda que de certa forma sejam objetivos, também possuem caráter
subjetivo, o que permite que o responsável pela seleção atribua aos bens
qualidades pertencentes ao seu sistema de valores particular
250
.
Fig. 56. Prédio da antiga Capitania dos Portos
(hoje Casa Porto de Artes Plásticas),
edificação considerada como de importante
significação social pela PMV. Fonte: Acervo
pessoal da autora.
250
Não é possível, no entanto, afirmar que existam critérios objetivos capazes de serem aplicados em
disciplinas relacionadas com Ciências Sociais. Toda forma de avaliação envolve interpretação individual,
permeada por critérios subjetivos próprios de cada indivíduo.
134
Fig. 57. Exemplo de edificações
consideradas de qualidade
arquitetônica – Casas na Rua José
Marcelino (imóveis tombados pelo
IPHAN). Fonte: Acervo pessoal da
autora.
Fig. 58. Entre as edificações
consideradas como de qualidade
construtiva, destaca-se o edifício
Antenor Guimarães, primeiro prédio
construído em Vitória. Fonte: Acervo
pessoal da autora.
135
Fig. 59. Segundo os critérios urbanístico-paisagísticos
adotados pelos profissionais da PMV, o Edifício Glória
está entre as edificações de maior presença na
paisagem do centro de Vitória. Fonte: Acervo pessoal
da autora.
No decorrer do processo de identificação, foram priorizadas as edificações que,
de certa forma, pudessem testemunhar a evolução urbana da cidade, o que na
prática significou uma predominância absoluta de imóveis com características
ecléticas, maioria no centro histórico e frequentemente sobrepostos à arquitetura
do período colonial. O maior problema existente nessa política de identificação é o
que fazer com esses bens, uma vez que as ações de preservação ainda não
foram capazes de abranger o aspecto da utilização desses imóveis. Como
conseqüência disso, são comuns os casos de abandono da edificação, nos quais
a omissão do proprietário e o precário estado de conservação dos imóveis
colocam em risco tanto a integridade física dos bens quanto a permanência
dessas referências construídas do passado. Essa questão da omissão exige
ainda do poder público reflexões mais aprofundadas para a sua solução.
As ações de inventariação, acompanhadas das recomendações feitas por Nestor
Goulart, serviram principalmente para embasar os mecanismos legais de proteção
previstos pela administração municipal no PDU de 84 e suas posteriores revisões.
O PDU de 1994
251
apresenta alguns avanços se comparado ao primeiro, tanto em
suas definições quanto em relação às propostas de contrapartida para o
251
PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA. Lei nº. 4167 de 27 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o
desenvolvimento urbano do município de Vitória, institui o Plano Diretor Urbano e dá outras providências.
Vitória, 1994.
136
proprietário de imóveis com interesse de preservação. A nova legislação dividiu o
município em zonas de planejamento, cujas características de ocupação deveriam
seguir critérios específicos para cada uma delas. Dessa forma, foi criada a Zona
de Revitalização Urbana, compreendendo as áreas objeto de programas de
proteção das edificações de interesse de preservação e de valorização do
ambiente urbano. Dentro dos limites dessa zona foram identificados ainda os
Setores Históricos, para os quais foram estabelecidos índices urbanísticos
específicos. O zoneamento proposto pela lei municipal, no entanto, legitimam um
valor conferido por um grupo restrito, que não corresponde ao atribuído por
grande parte da população que freqüenta o centro.
Paralelamente, instituíram-se benefícios individuais aos proprietários, com
redução de até 100% do IPTU sobre imóvel com valor histórico ou cultural. Esse
tipo de benefício, requerido anualmente, é calculado de acordo com o estado de
conservação do imóvel. No entanto, passados mais de 10 anos da instituição da
isenção, apenas 12 imóveis dos 118 protegidos pelo município possuem isenção
do imposto predial. Isso acontece porque, na grande maioria dos casos, os
proprietários não compreendem a necessidade de elaborar um projeto de reforma
dentro de padrões técnicos exigidos para a conservação das características
originais do imóvel. Os proprietários sequer conseguem perceber o sentido do
valor atribuído ao seu imóvel, normalmente externo ao seu sistema de valores.
Para eles, os projetos de restauro são demorados e onerosos, e vale lembrar que,
com a transferência da população de classe média-alta para outros bairros, os
imóveis do centro sofreram uma queda no seu valor imobiliário e,
consequentemente, passou a ser ocupado por uma população de baixa renda,
sem recursos para arcar com obras de conservação. Com o objetivo de incentivar
os proprietários de imóveis preservados a utilizarem o benefício da isenção do
pagamento do IPTU e, ao mesmo tempo, padronizar as intervenções, a prefeitura
passou a conceder orientação e assistência técnica nos projetos de recuperação
das edificações, mas como a administração pública ainda não viabilizou formas
de financiamento capazes de estimular esses proprietários a colaborar com uma
política de preservação, a deterioração dos edifícios da área central se torna cada
dia mais visível.
137
Além das ações de inventariação realizadas na região do centro, o município
busca aplicar a estratégia de investimento em espaços públicos, na tentativa de
demonstrar a importância da área histórica e de incentivar a aplicação de capitais
privados no projeto de revitalização. Essas ações, ao contrário do que havia sido
proposto pelo projeto, não têm o foco na melhoria da qualidade de vida da
população existente, e sim na atração de um novo público. O elemento
catalisador através do qual se busca revitalizar o centro é o turismo e, na tentativa
de tornar a área mais atraente, a prefeitura se preocupa mais em realizar
pequenas intervenções de melhoramento e embelezamento
252
do que em
requalificar o tecido social. As poucas ações de recuperação de imóveis ocorrem
quase que exclusivamente em prédios públicos. Em conseqüência disso, o
somatório dessas pequenas operações não conseguem dar uma visão de
conjunto do que se pretende realizar na região e se mostra incapaz de despertar
o amplo interesse da população.
De maneira geral, é possível afirmar que exista uma continuidade entre os três
253
planos diretores aprovados até hoje para o município. A cada revisão vão sendo
levantadas novas questões que exigem maior reflexão por parte do poder público
municipal. O PDU de 2006 inclui, pela primeira vez, os bens de natureza
imaterial
254
na política de proteção do patrimônio histórico e cultural, além de
definir com mais clareza os conceitos de tombamento e identificação
255
. Como
critérios e procedimentos utilizados na seleção dos imóveis a serem legalmente
252
Entre 1993 e 1996 foram realizadas várias pequenas obras em pontos do centro da cidade, como o
ajardinamento de praças e canteiros, a recuperação do pavimento de algumas ruas, a colocação de corrimãos
no Parque Moscoso, a iluminação ornamental de edifícios históricos/turísticos e a reforma na praça da
catedral. Essas informações foram divulgadas pela Prefeitura Municipal.
253
A revisão do PDU de 94 deu origem ao PDU de 2006 (lei nº. 6705/06).
254
A legislação define como patrimônio imaterial “todos os conhecimentos e modos de criar, fazer e viver,
identificados como elementos pertencentes à cultura comunitária, tais como as festas, danças e o
entretenimento, bem como as manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas, lúdicas, religiosas, entre
outras práticas da vida social”. Apesar da inclusão desses bens na política de proteção do patrimônio
municipal, não foi previsto um instrumento legal para a efetivação dessa proteção.
255
Art. 267. O tombamento constitui regulação administrativa a que estão sujeitos os bens integrantes do
patrimônio histórico, cultural e paisagístico do município, cuja conservação e proteção seja fundamental ao
atendimento do interesse público. (grifo nosso)
Art. 268. A identificação de edificações, obras e monumentos naturais de interesse de preservação constitui
regulação administrativa a que estão sujeitos os bens integrantes do patrimônio histórico, cultural e
paisagístico do município, cuja conservação e proteção seja relevante ao atendimento do interesse público.
(grifo nosso)
Nota-se claramente, pelas definições apresentadas, a presença de uma hierarquização entre os imóveis
tombados e identificados, na qual os primeiros adquirem maior importância do que os segundos.
138
protegidos foram mantidos os especificados pelo PDU de 84, assim como a
definição dos graus de proteção.
4.3.2 A prática de identificação e tombamento
O conjunto de ações desde a implementação do primeiro PDU até a sua última
versão, publicada em 2006, somam oito tombamentos e 110 imóveis
identificados, sendo que ainda existem várias edificações em situação de pré-
identificação. Entre os imóveis tombados, apenas um não possui características
do estilo eclético
256
, e essa tendência também é predominante nas identificações
– dos 110 imóveis identificados, 83 são classificados como ecléticos, o que
representa aproximadamente 75% do total de identificações. Tal predominância,
ao contrário do que à primeira vista possa parecer, não revela uma preferência
por determinado estilo em detrimento de outros, mas a prevalência quantitativa de
edificações no estilo que caracterizou o processo de modernização da capital nas
primeiras décadas do século passado, e que hoje são as principais referências
urbanas desse processo. As próprias fichas de inventário confirmam esse dado.
Ao descreverem as características básicas de cada estilo, não fazem referência à
arquitetura colonial, apenas ao ecletismo, proto-modernismo e modernismo, como
se a produção arquitetônica na cidade só tivesse início a partir do século XX.
Quanto à localização, apenas 6% dos imóveis protegidos pelo município não
estão localizados no centro
257
, o que reforça o valor histórico-cultural da região.
As justificativas que fundamentam os pedidos de tombamento/identificação giram
em torno de dois argumentos principais: a relação de conjunto existente entre as
edificações e a importância delas na preservação da memória da cidade. Em
alguns locais do centro, como a Avenida Jerônimo Monteiro e a Praça Costa
Pereira, a permanência de um número significativo de edificações de um mesmo
período, ainda que descaracterizadas ou ocultadas por placas e anúncios
256
Trata-se do Santuário de Santo Antônio, localizado no bairro de mesmo nome e considerado pela equipe
da prefeitura municipal como edifício “contemporâneo com referências renascentistas bramantescas”.
CONSELHO MUNICIPAL DO PLANO DIRETOR URBANO.Processo de tombamento nº.
3508037/05.Vitória, 2005.
257
Considera-se região do centro o bairro Centro e adjacências, como o Parque Moscoso.
139
publicitários, serviu muitas vezes como justificativa para a proteção legal desses
imóveis. A existência de graus de proteção previstos pela legislação possibilita a
preservação de imóveis cujas sucessivas intervenções comprometem a
integridade de suas características originais. No relatório que acompanha o
processo de identificação de um dos imóveis protegidos na Avenida Jerônimo
Monteiro, um dos argumentos utilizados pelo relator foi a sua “presença na
paisagem marcada por relação de forte continuidade, constituidora de conjunto
arquitetônico expressivo, apesar de inúmeras alterações estilísticas,
acréscimos, demolições” (grifo nosso)
258
. Justificativa semelhante foi
empregada no processo de identificação do sobrado de nº. 222 da Praça Costa
Pereira, cuja relevância é dada por sua localização “em meio à sequência de
sobrados ecléticos do entorno da Praça Costa Pereira, formando um conjunto
arquitetônico característico do início do século”
259
.
O segundo argumento mais observado nos processos de
tombamento/identificação – a importância das edificações na preservação da
memória da cidade - revela o aspecto sentimentalista, e até certo ponto bairrista,
da política de preservação implementada pela prefeitura. É comum encontrar,
entre as justificativas, referências nostálgicas a um passado recente, muitas
vezes baseadas em notícias da imprensa da época, a fim de reforçar a sua
importância cultural para a cidade. Na ficha de inventário do Hotel Majestic
260
, por
exemplo, a edificação é descrita utilizando-se trechos de uma matéria da Revista
“Vida Capichaba” de 30 de outubro de 1926 , que afirma:
[...] o luxuoso e confortável Majestic Hotel veio preencher uma das maiores lacunas de
nossa cidade, magnificamente instalado em luxuoso prédio, construído especialmente para
esse fim; dispões o novo hotel de excelentes instalações e aposentos modernamente
mobiliados, com gosto sóbrio e discreto [...].
A associação dos imóveis a fatos da vida social capixaba também é freqüente
nos inventários realizados pela equipe da prefeitura. Já a iminência da perda,
justificativa recorrente nos pedidos de tombamento federais, não está presente
258
Processo de identificação de edifício comercial localizado na Avenida Jerônimo Monteiro, 199, Praça
Oito (Drogaria Independência). Resolução nº. 54/97.
259
O imóvel a que se refere o texto já havia sido alvo de interesse de preservação por parte do CEC, mas não
teve seu tombamento efetivado por ser de propriedade particular.
260
Imóvel localizado à Rua Duque de Caxias, nº. 225, identificado pela prefeitura como de interesse de
preservação. Resolução nº. 64/97.
140
nos argumentos da administração pública, apesar do precário estado de
conservação em que se encontravam muitos imóveis no momento da sua
proteção legal. De qualquer forma, o que se vê atualmente é uma tentativa
saudosista em se preservar os testemunhos materiais dos períodos pretéritos, o
que só faz aumentar o número de bens incluídos na política de preservação
municipal. Infelizmente, ainda não foi possível resolver o problema da utilização
desses bens, muitos deles sem destinação específica. Do total de imóveis
protegidos, 33 estão abandonados, segundo informações da própria prefeitura
261
.
Essa omissão por parte dos proprietários é um aspecto muito sutil de ser
identificado e, quando é percebida, já pode ter comprometido a integridade do
edifício.
A omissão e o abandono não são os únicos problemas enfrentados ao se tentar
proteger os bens de valor histórico-cultural do município. As contrapartidas
oferecidas pelo PDU frente aos instrumentos legais de proteção só buscam
amenizar os efeitos considerados negativos pela população. A regulamentação
das normas para a colocação de placas publicitárias em imóveis tombados ou
com identificados como de interesse de preservação, uma tentativa de combater a
agressiva poluição visual provocada pela concorrência comercial no centro, é
completamente ignorada pelos comerciantes. Isso não significa que eles sejam
contra a melhoria das fachadas, apenas discordam da contrapartida que a
prefeitura oferece para que elas sejam liberadas. Em entrevista ao jornal “A
Gazeta”, um comerciante afirma ganhar mais com o letreiro instalado do que com
a redução do IPTU proposta pela administração municipal. Segundo ele, “[...] o
que deixaria de pagar de IPTU é menos do que eu ganho, por mês, com a
placa”
262
.
261
Essa informação foi obtida através de uma planilha contendo dados dos imóveis tombados/identificados
pela PMV, e que serviu de base para a planilha do Anexo D.
262
A Gazeta, Vitória, 7 de janeiro de 2007, p. 04.
141
Fig. 60. Placas publicitárias ocultando as
fachadas dos imóveis com interesse de
preservação no centro de Vitória. Fonte: Acervo
pessoal da autora.
Ainda existe, por parte dos proprietários, um desconforto representado pela
submissão ao controle da administração municipal. Ao mesmo tempo, as
estratégias adotadas pela prefeitura ainda não foram suficientes para dinamizar o
centro socialmente ou economicamente. Atualmente, o que se percebe no
planejamento estratégico para o centro de Vitória
263
é uma tentativa de construir
uma nova imagem para a área, através de propostas de revalorização do lugar.
Para Miranda, no entanto, “a revitalização não é um processo que possa ser
engendrado pelo planejamento estratégico [...]; uma construção histórica
demanda um período longo de construção coletiva. Pois as representações da
cidade reúnem significações que se constroem tanto por análises teóricas quanto,
sobretudo, se estabelecem sob comunicações simbólicas, no fundo da memória,
sob a lógica do senso comum e do verossímil”
264
. A abordagem do centro
histórico presente nos planos municipais para a área não considera o seu
desgaste simbólico, e busca requalificar a região a partir da imagem de um
passado nostálgico, sem considerar a dinâmica da cidade contemporânea. O
263
Além do já citado projeto de Revitalização do Centro de Vitória, a prefeitura municipal desenvolveu, em
1996, o Plano Vitória do Futuro, revisado em 2002, cujas ações enfatizam a necessidade de revitalização do
centro. Para mais informações, ver: PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA.Vitória do Futuro. Agenda
21 da Cidade de Vitória, um sonho em construção. Vitória:, 2003.
264
MIRANDA, Clara Luiza. Terapia da Memória no plano estratégico Vitória do Futuro: confronto com a
cidade possível. JORNADAS DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO ESPÍRITO SANTO, 1., 2006, Vitória.
Anais... Vitória, 2006. 1 CD, ClaraMiranda.pdf.
142
desafio é apresentar meios de intervenção capazes de abranger a vitalidade do
lugar, sem que para isso se busque restabelecer uma unidade que já não existe.
Ao mesmo tempo, não existe aqui um mercado consolidado para realização de
obras de conservação e reciclagem de edifícios. Ao contrário do que ocorre em
países da Europa, onde existe uma área de tecnologia e pesquisa bem
desenvolvida sobre o assunto, as intervenções de restauração feitas no Brasil, em
geral, e em Vitória, em particular, não dispõem de estudos adequados para a
realização desses trabalhos. Não existe um planejamento com visão de conjunto,
nem um controle tecnológico para esse fim. Por outro lado, é necessário que o
poder público assegure formas de planejamento, legislação adequada e normas
específicas de controle dessas obras.
4.4 Um novo momento para o IPHAN
A criação do escritório técnico do IPHAN no Espírito Santo em 1965, logo após a
aposentadoria de André Carloni, não alterou significativamente as vertentes de
atuação da instituição no estado. O suporte técnico local sempre esteve
insuficientemente aparelhado, e por muito tempo a representação se manteve
resumida à figura do representante. Até o início da década de 90 o escritório
ainda não contava com uma sede própria, tendo sido mantido até então em
convênio com a UFES.
Ao assumir a representação do IPHAN estadual em 1965, o arquiteto Christiano
Woeffel Fraga teve como principal desafio assegurar a proteção dos monumentos
protegidos no Espírito Santo num momento de grande expansão em Vitória,
marcado por um intenso processo de adensamento e intensificação do uso do
solo, especialmente na região do centro. Mas apesar dessa nova realidade
apresentada, seu foco de atuação se manteve em dois pontos tradicionais: as
obras de restauração/conservação de monumentos e ações de inventariação com
o objetivo do tombamento.
143
De fato, a atuação de Christiano foi marcada por um grande número de obras de
restauração, inclusive em edificações não tombadas, como a matriz de Viana e a
Igreja de São José em Queimados. Mas ao contrário do que aconteceu com
Carloni, as críticas à Christiano não se deram no sentido dos critérios adotados
por ele nas restaurações, e sim no excesso de obras empreendidas. A falta de
conservação permanente nos monumentos do estado exigia que, em pouco
tempo, os imóveis necessitassem de reparos de grande vulto, gerando um custo
muito elevado. As intervenções realizadas na Igreja do Rosário servem como
exemplo para demonstrar esses excessos. Entre 1945 e 1966, a igreja havia
passado por três grandes obras de restauração, além de alguns pequenos
reparos de conservação. Em 1967, Christiano enviou à Divisão de Conservação e
Restauro do IPHAN um plano de obras de restauração total da igreja, sob o
argumento do risco de arruinamento
265
. Em resposta, o arquiteto responsável pela
divisão, Augusto da Silva Telles, enviou um ofício no qual afirmava:
Há anos que vimos realizando obras nessa igreja. Julgo que devemos, de agora em diante,
a não ser que surja fato relevante, novo, obedecer ao esquema de prioridades de obras para
o Espírito Santo que propusemos e foi aprovado por essa diretoria. [...] Esta igreja será
atendida pela verba de reparos diversos, a fim de se evitar acidentes sérios, até que os
monumentos mais importantes do estado sejam totalmente recuperados
.
266
Os planos de trabalho aprovados anualmente pela Diretoria Central do IPHAN e
sua respectiva previsão orçamentária normalmente não previam verbas altas para
ações de recuperação no estado, o que justificava a preocupação com a alocação
dessa quantia de forma racional. O surgimento de obras de caráter emergencial
significava escolher intervir em determinado monumento em detrimento de outro,
como aconteceria no caso da Igreja do Rosário.
Seguindo suas funções de representante, Christiano se empenhou em propor o
tombamento de imóveis no estado cuja conservação lhe parecia de interesse
público. Durante o período em que ocupou o cargo
267
foram apresentados
quatro
268
pedidos de tombamento, todos acompanhados de inventário e
justificativa. A falta de interesse nacional e a descaracterização sofrida pelos
265
Pasta de Obras nº. 0341. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
266
Informativo 330/67 de 16/10/67. Ibid.
267
De 1965 a 1977.
268
Foram eles: A Igreja de Nossa Senhora de Belém e a Igreja da Nossa Senhora da Conceição, em Viana; o
Forte São João e o Convento de São Francisco, ambos em Vitória.
144
imóveis, no entanto, resultaram no arquivamento de todos os pedidos. Na
verdade, os argumentos apresentados pelo representante, na maioria dos casos,
apelavam para a iminência de perda do monumento, e não para valores de
história ou arte. Ao ser comunicado da intenção da Ordem Agostiniana em
adaptar o prédio do Convento de São Francisco para um ginásio, Christiano
redige e envia ao IPHAN o pedido de tombamento do edifício, “com o objetivo de
impedir o seu desaparecimento”
269
, e afirmando existir ainda “em sua forma
original os frontispícios das duas igrejas contíguas, do antigo Convento de São
Francisco”. Ao longo de sua argumentação, Christiano ignora o fato de Carloni ter
anteriormente realizado uma restauração no edifício que resultou numa imitação
grotesca do antigo convento e num verdadeiro embate dentro da instituição.
De qualquer maneira, o parecer da chefe da Seção de Artes da Divisão de
Estudos e Tombamentos, Lygia Martins Costa, revela o desinteresse do IPHAN
pelo tombamento:
[...] enquanto reduzido a simples fachada, descaracterizado e espoliado da parcela mais
expressiva do seu volume arquitetônico – a rigor sem condições para tombamento pela
União – é lamentável deixar-se ao abandono o que resta do antigo Convento de São
Francisco.
270
Em seu parecer, Lygia atribui ainda à Prefeitura Municipal a responsabilidade pela
conservação do imóvel, incluindo a valorização paisagística do conjunto.
Com a atividade do IPHAN no estado restrita à ação de um único funcionário e o
crescimento desordenado da cidade, permaneceram as dificuldades relacionadas
ao controle sobre as construções impróprias e descaracterizações. Ainda na
década de 60, o desinteresse verificado por parte dos proprietários dos
monumentos protegidos ou beneficiados com obras de conservação e restauro a
expensas da União foi denunciado por Christiano em ofício a Rodrigo Melo
Franco de Andrade, no qual acusava os responsáveis pelos imóveis de má fé e
manutenção inadequada dos bens culturais
271
. E se a fiscalização já era difícil
sobre os imóveis protegidos, o controle das edificações do seu entorno exigia um
esforço ainda maior e, na maioria das vezes, sem grandes resultados. Nesse
269
Carta de Christiano Woeffel fraga a Renato Soeiro, datada de 23/01/70. Processo de tombamento nº.
0873-T-73. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
270
Parecer de Lygia Martins Costa em 22/12/70. Ibid.
271
Cópia de ofício, s/ nº., existente no arquivo da 21ª Superintendência Regional do IPHAN – ES.
145
sentido, um dos casos de maior repercussão dentro do IPHAN foi o da reforma da
edificação localizada na escadaria de acesso à Igreja do Rosário.
Em novembro de 69, a Irmandade de São Benedito fez uma denúncia ao
escritório técnico regional a respeito da obra
272
, cujo terraço em balanço cortava
uma das colunas da escadaria, eliminando seu respectivo capitel e
interrompendo, assim, o ritmo da composição. Feita a acusação, o então
representante questionou a Diretoria Central do IPHAN no sentido de orientá-lo
quanto aos procedimentos a serem adotados nesse caso, tendo em vista que ele
“deverá também servir de modelo a outros que estão surgindo”
273
. Essa mesma
preocupação estava presente nas instruções enviadas pelo diretor da Divisão de
Conservação e Restauro (DCR), José Souza Reis, segundo o qual a obra, “se
tolerada, tornaria difícil impedir outras alterações em virtude do precedente
criado”. Para ele, o proprietário do edifício deveria ser intimado a “reconstituir em
toda a sua integridade o elemento atingido pela obra, [...] de forma a livrar
totalmente a coluna original”
274
.
Dois fatores em especial, no entanto, dificultavam a execução das orientações
dadas pela DCR. Em primeiro lugar, as obras já se encontravam em estágio
avançado, e a coluna em questão já havia sido alterada. Em segundo lugar, a
prefeitura municipal havia concedido licença à proprietária para a modificação do
edifício. Aliado a isso, o desconhecimento da população quanto ao tombamento
foi novamente usado como argumento de defesa
275
. Segundo a proprietária, ela
“[...] desconhecia, até ser notificada, que a mencionada escadaria e suas colunas
estivessem tombadas como bem pertencente ao patrimônio histórico e artístico
nacional”
276
. A noção de entorno e a sua interferência também foram colocados
em questão, uma vez que, segundo a responsável pela reforma, outras
construções haviam anteriormente atingido colunas “sem modificarem
substancialmente o aspecto daquela escadaria”.
272
Ofício 003/69. Pasta de Obras nº. 0342. Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
273
Ofício (s/ nº.) de 24/12/69. Ibid.
274
Parecer de José Souza Reis em 18/03/70.Ibid.
275
Não se pode afirmar com exatidão se o desconhecimento existia de fato ou se era usado apenas como
justificativa
276
Requerimento da proprietária Lenice Barros Guimarães Jacobsen, enviado ao IPHAN em 20/02/70. Pasta
de Obras nº. 0342, Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
146
Nesse caso específico, a falta de apoio do poder público municipal foi decisivo
para a permanência da alteração realizada na escadaria em consequência da
obra. De fato, o caso abriu precedente, e hoje é praticamente impossível perceber
a existência do conjunto formado pela escadaria de acesso e a Igreja do Rosário.
Percebe-se que, como visto anteriormente, a presença da representação do
IPHAN no estado não foi capaz de inibir perdas ou descaracterizações nos
imóveis legalmente protegidos.
Fig. 61. Escadaria de acesso à Igreja do Rosário.
Observa-se na imagem a coluna cortada para a
execução da reforma do imóvel. No alto, à esquerda,
a igreja. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Além das quatro edificações mencionadas no capítulo anterior, duas outras foram
inseridas na listagem de bens tombados pela União em Vitória: as residências à
Rua José Marcelino
277
, no centro da cidade. Trata-se de dois sobrados geminados
de origem colonial que, segundo o IPHAN, “resistiram à pressão das idéias
277
Residências de nº. 197 e 203/205. Processo de Tombamento nº. 00787-T-67. Arquivo Noronha Santos,
Rio de Janeiro.
147
modernistas que se espalharam pelo Brasil afora”
278
. No processo de
tombamento das residências, valorizou-se o fato das casas serem “as últimas
edificações urbanas remanescentes da velha Vitória, [...] mesmo não possuindo
eles valor de monumento nacional [...]”
279
.
A justificativa da ausência de uma repartição estadual ou municipal dedicada à
preservação de bens históricos e artísticos, ao contrário do que normalmente
ocorria dentro do IPHAN, foi fundamental para a inscrição das edificações como
parte do patrimônio histórico nacional. Em 1943, os sobrados nº. 16 e 18,
localizados à Rua da Misericórdia, em Salvador, tiveram seu tombamento
proposto sob o argumento de serem os últimos exemplares da arquitetura civil do
período colonial na cidade, com características muito particulares e mantendo seu
aspecto original
280
. Mas apesar da semelhança entre as justificativas presentes
nos pedidos de tombamento dos sobrados em Vitória e em Salvador, os
processos tiveram conclusões bem diferentes. No caso baiano, o parecer
realizado por Lúcio Costa chama a atenção para a necessidade de se avaliar até
que ponto o interesse suscitado pelas edificações “justifica, no caso, a inscrição
delas no livro do tombo como monumentos de excepcional valor histórico ou
artístico”. Para Lúcio, era “imprescindível desdobrar-se o tombamento em
categorias conforme o grau de interesse que a coisa a preservar aparente:
nacional, estadual ou municipal”, para que eles próprios possam tomar “sob a
própria guarda a conservação de todos esses monumentos, sob tantos aspectos
valiosos, mas que, por não apresentarem valor histórico ou artístico
verdadeiramente excepcional, não podem ‘legitimamente’ ser protegidos pela
legislação atual”.
Vê-se, a partir dos dois casos, a inexistência de um procedimento padrão a ser
adotado pelos funcionários do IPHAN, o que reforça a idéia de que as decisões
tomadas dentro do órgão eram sustentadas pela interpretação dada pelos
agentes, e não por critérios norteadores objetivos. O pedido de tombamento dos
278
Disponível em: http://www.iphan.gov.br. Acesso em: 21 abr. 2008.
279
Processo de tombamento nº. 00787-T-67.Arquivo Noronha Santos, Rio de Janeiro.
280
Segundo parecer redigido por Lúcio Costa. PESSÔA, José (coord.). Lúcio Costa: documentos de
trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN, 1999.
148
sobrados em Salvador, ao contrário do caso capixaba, não resultaram na proteção
legal das edificações.
Fig. 62 e 63. À esquerda, casarões à Rua da Alfândega, em Salvador. Fonte: PESSOA, p.103. À
direita, sobrados à Rua José Marcelino, no centro de Vitória. Fonte: Arquivo pessoal da autora.
Não se pode dizer que os tombamentos federais em Vitória demonstram as
mudanças na representação da nação construída via patrimônio histórico e
artístico nacional, uma vez que os tombamentos na cidade cessaram com os
sobrados à Rua José Marcelino, num momento em que ainda não era possível
perceber essa transição. Isso significa dizer que todos os imóveis legalmente
protegidos pela legislação federal localizados em Vitória representam a arquitetura
considerada de “pedra e cal”, restrita aos bens de origem colonial. Os
tombamentos demonstram ainda a prioridade dada à arquitetura religiosa,
somando quatro entre os seis protegidos na capital.
Na década de 90, no entanto, houve tentativas de se proteger em nível federal
monumentos capixabas com características diferentes do “padrão” verificado nos
tombamentos na cidade, como é o caso da Estação de Hidroaviões e do edifício
149
do Palácio Anchieta
281
. A procura do Conselho Estadual de Cultura em tombar o
Palácio traduz uma tentativa de consagração do edifício através do instrumento do
tombamento, ao mesmo tempo em que busca dar prestígio à sede do governo
estadual. Mas a partir do momento em que se tornou possível a preservação em
nível estadual e municipal, ficou difícil a atribuição de valor nacional, ainda mais
num edifício tão descaracterizado
282
. Sobre a avaliação do pedido de
tombamento, afirmou Abreu:
[...] sendo o referido imóvel tombado pelo CEC, não constitui situação emergencial e
prioritária do ponto de vista da proteção. Além disso, o tombamento federal, no caso em tela,
exige discussões aprofundadas de critérios que o justifiquem, tendo em vista as sucessivas
intervenções por que passou o imóvel.
283
Também não é possível afirmar que as ações de preservação em Vitória seguiram
a tendência nacional de se tombar conjuntos urbanos, procedimento comum a
partir da década de 80. Ações nesse sentido só tiveram início na década de 90,
quando, em parceria com a prefeitura municipal, o IPHAN regional buscou captar
verbas do Programa de Preservação do Patrimônio Cultural Urbano
(Monumenta)
284
, com o objetivo de preservar a Cidade Alta
285
. Um dos critérios
exigidos para a participação no programa
286
era que o município fosse
responsável pela coordenação e elaboração do projeto; por esse motivo, a
indicação teve como base teórica o Projeto de Revitalização do Centro de Vitória,
realizado pela administração municipal entre 93 e 96. O segundo critério – e o
mais importante deles – era a existência, no município, de pelo menos um sítio
histórico urbano nacional ou conjunto urbano de monumentos nacionais que
contasse entre os 20 primeiros lugares da lista de prioridades do programa.
281
Processos de tombamento nº. 1457-T-99 e 1401-T-97, respectivamente. Não pudemos obter informações a
respeito do processo de tombamento da Estação, pois este se encontrava no Gabinete de Estudos da
Arquitetura Brasileira do IPHAN, não sendo possível acessá-lo.
282
As descaracterizações ocorridas no edifício podem ser vistas no capítulo 2.
283
Memorando da então diretora da 6ª Sub-Regional II do IPHAN (Espírito Santo), Tereza Carolina Frota
Abreu, endereçado à 6ª Superintendência Regional (s/ data), no qual avalia o pedido de tombamento do
imóvel.
284
O programa Monumenta foi desenvolvido entre dezembro de 96 e dezembro de 99, quando foi assinado
acordo com o Banco Interamericano de desenvolvimento (BID). Entre os objetivos do programa estão a
preservação de áreas prioritárias do patrimônio histórico e artístico urbano sob proteção federal, aumentando
a utilização econômica, cultural e social da área de projeto e aperfeiçoando a gestão desse patrimônio. O
programa também permite investir em monumentos públicos sob proteção estadual ou municipal, desde que
apresentem taxa de retorno financeiro maior ou igual a 12% ao ano.
285
Documento de indicação enviado em 22/11/99 (xerox). Arquivo da 21ª Superintendência Regional do
IPHAN.
286
Segundo o Regulamento Operativo do Programa Monumenta/BID, de 1999.
150
Na justificativa apresentada no documento de indicação para a participação do
programa, a Cidade Alta é apresentada como “uma área de interesse de
preservação que concentra cinco bens tombados pelo IPHAN”, e que reúne, “do
ponto de vista do interesse urbanístico, trechos remanescentes do traçado
colonial, prédios públicos e fragmentos de conjunto do casario eclético da virada
do século XX[...]”. Desconsiderando o fato de que o argumento a respeito da
existência de remanescentes do traçado colonial é discutível, como já foi afirmado
anteriormente, o que chama a atenção no texto é a referência aos diversos estilos
arquitetônicos representativos da trajetória histórica da cidade, inseridos na
justificativa como fato exemplar.
O diagnóstico da região, no entanto, foi apresentado como um dos principais
motivos para se investir na área. Consta que “o estado de conservação da área
pode ser avaliado entre crítico e péssimo, considerando a ambiência – em
particular a visibilidade - dos monumentos nacionais”. Como agravante, foi
acrescentado “o abandono e a desvalorização de imóveis de interesse
arquitetônico, importantes na hipótese de um tratamento urbanístico global”.
Apesar da tentativa, a Cidade Alta nunca se encontrou entre os 20 primeiros
lugares da lista de prioridades do programa. Ainda que, de fato, existam cinco
monumentos tombados na região, sozinhos eles não são capazes de nos fornecer
uma idéia de conjunto. Paralelamente, a área é marcada por uma grande
heterogeneidade urbanística, fruto de um processo desenfreado de crescimento
da cidade, conforme suas prioridades ao longo dos anos, o que talvez justificasse
um investimento no sentido de manutenção das referências históricas ali
presentes.
O escritório técnico do IPHAN no Espírito Santo foi transformado em 6ª Sub-
Regional II em 1990, mantendo a vinculação à Diretoria Regional com sede no Rio
de Janeiro. Nesse momento, o órgão já sentia a necessidade de uma atenção
mais direta aos monumentos tombados, deslocando o foco da área de
inventariação para a de conservação. Em Vitória, os procedimentos de
inventariação em nível federal nunca foram significativos, e a representação do
IPHAN no estado priorizou as ações de restauração e conservação. A partir da
151
década de 80 foram sendo firmadas parcerias entre o órgão e outras instituições –
na maioria das vezes prefeituras municipais – nas quais o IPHAN participava no
sentido de fornecer cooperação técnica em obras de restauração. A carência de
aparelhamento técnico e a dependência administrativa em relação ao Rio de
janeiro reforçavam a necessidade da realização dessas parcerias. Em 1999, o
quadro de funcionários do IPHAN no Espírito Santo contava apenas com um
arquiteto, um profissional de serviço social e outro na área de comunicação, além
do diretor. Qualquer outro tipo de serviço necessário aos trabalhos do órgão
deveria ser contratado ou terceirizado.
A vinculação à Diretoria Regional no Rio, de certa forma, colocava o patrimônio
cultural capixaba em posição secundária no que se referia à alocação de verbas e
recursos técnicos, uma vez que no Rio de Janeiro existia uma demanda muito
maior. Somente em maio de 2004 a 6ª Sub-Regional foi transformada em unidade
gestora, com a criação da 21ª Superintendência Regional
287
, com sede em Vitória.
Ao mesmo tempo, o patrimônio imaterial passou a obter valor específico com a
instituição do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Com isso, a ação
de preservação do IPHAN ficou dividida entre a área de conservação e a
preocupação com manifestações culturais locais. O Ofício das Paneleiras de
Goiabeiras, em Vitória, foi o primeiro bem imaterial registrado no país
288
. Também
teve início o inventário para registro do Auto Popular do Congo em Nova Almeida,
na Serra. No que se refere à conservação do patrimônio material, em 2004, das
33 ações planejadas pela superintendência regional, 30 referiam-se à
intervenções de conservação e restauração, entre bens móveis e imóveis
289
.
Com a descentralização do IPHAN e a possibilidade de preservação em nível
estadual e municipal, esperava-se que o órgão federal atuasse como consultor
nas ações em outras esferas do poder público. Em Vitória isso vem acontecendo
de forma bastante incipiente. Basta lembrar que o IPHAN não participou das
discussões para a elaboração do PDU de Vitória, em nenhuma de suas versões.
Ainda assim, segundo a superintendente Tereza Carolina Frota Abreu, auxiliam
287
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Portaria nº. 171, de 7 de
maio de 2004. Cria a 21ª. Superintendência Regional do IPHAN, no Espírito Santo. Brasília, 2004.
288
Registrado no Livro dos Saberes em 20/12/2002.
289
Informação disponível em: http://www.iphan.gov.br. Acesso em: 21 abr. 2008.
152
nos trabalhos do IPHAN “os guardiões das ordens religiosas, as irmandades, os
freis, os padres e párocos, a Companhia de Jesus angariando fundos e
hospedando técnicos, a UFES através do núcleo de restauração e as
prefeituras”
290
. Essa cooperação, no entanto, se resume quase que
exclusivamente o aspecto financeiro das ações, e normalmente estão
relacionadas a obras de restauração em monumentos que possam trazer alguma
visibilidade política. Ao mesmo tempo percebe-se que, mesmo com a
descentralização das atividades, o IPHAN local procura atuar na preservação e
restauração dos monumentos de interesse apenas regional, mesmo que apenas
fazendo sugestões.
Segundo a arquiteta do IPHAN regional Letícia Von Krueger Pimentel
291
, o órgão
possui quatro estratégias de atuação para o estado, voltadas prioritariamente
para: a estruturação do órgão (ainda fracamente aparelhado); a educação
patrimonial (enfraquecida pela ausência de efetivo); a promoção e informação
sobre o patrimônio cultural (com enfoque no trabalho da imprensa e na divulgação
da legislação) e, por fim, a realização de parcerias, partindo do pressuposto de
que somos todos responsáveis pela proteção do patrimônio cultural. Ainda
segundo a arquiteta, a representação do IPHAN no Espírito Santo busca atuar em
consonância com as diretrizes centrais do órgão. Atualmente, essas diretrizes
estão direcionadas para a questão da diversidade cultural, e podem ser resumidas
segundo linhas temáticas que buscam trabalhar, prioritariamente: o legado da
cultura negra; as ocupações jesuíticas; a imigração; o ciclo cafeeiro e o patrimônio
ferroviário
292
. Por esse motivo, cada vez mais a atuação do IPHAN no estado se
volta para o interior, seguindo uma tendência nacional de ampliar o seu eixo de
atuação.
O Estado não pode ser o único ator social a se envolver na preservação do
patrimônio cultural da sociedade, mas para que isso aconteça, é preciso que haja
harmonia entre as atuações das três esferas do poder público, de forma a
290
Entrevista concedida ao jornal A Gazeta, Vitória, 10 de dezembro de 1997.
291
PIMENTEL, Letícia Von Krueger. Mesa redonda realizada no Seminário I Jornada do Patrimônio
Cultural no Espírito Santo, realizada na UFES em outubro de 2006.
292
Id. Tombamento de sítios urbanos: a atuação do IPHAN no ES. Palestra ministrada no I Seminário do
Urbanismo Colonial no Espírito Santo, realizado na UFES em junho de 2008.
153
concretizar ações e conferir densidade ao trabalho realizado. Vimos que a política
de preservação em Vitória apresentou momentos diversificados, férteis e de
instabilidade, nos três âmbitos governamentais, mas vale destacar a fraca parceria
entre esses três níveis.
154
Considerações finais
O objetivo do trabalho foi acompanhar a trajetória das políticas oficiais de
preservação do patrimônio histórico e artístico em Vitória, de forma a
compreender de que modo essas políticas foram implementadas. Os efeitos mais
evidentes dessas políticas se manifestam nos ambientes urbanos, na
configuração do espaço, o que nos permitem dizer que a identidade urbana é
formada pelas imagens daquilo que preservamos. A partir do momento em que os
edifícios oferecem condições para se fazer uma “leitura” da cidade ao longo de
sua trajetória temporal, eles merecem proteção, com o objetivo principal de
transmitir conhecimento às gerações futuras.
A análise do primeiro momento (capítulo 2), período em que o conceito de
modernização da cidade – comum a tantas outras no país - esteve voltado para o
paisagismo e a salubridade, revelou que, em nome de valores de progresso,
destituiu-se uma parcela significativa da herança colonial de Vitória. O que se
chamou “política da destruição” pôde ser confirmado através de discursos e
ações, empreendidos tanto pelo poder público quanto pelas ordens religiosas. É
arbitrário afirmar que as opiniões a esse respeito tenham sido unânimes no
sentido de apoiar os agentes dessa destruição, uma vez que foram encontradas
referências contrárias a isso em jornais do período. No entanto, o número de
manifestações a favor da “modernização” da cidade possui prevalência
significativa sobre as manifestações contrárias, o que nos permite afirmar que, de
maneira geral, o ideal de “progresso” representado pelas novas construções
estava enraizado ao menos na mentalidade da elite dirigente. Ao mesmo tempo,
o novo vocabulário plástico-ornamental incorporado à arquitetura nas primeiras
décadas do século XX, permeado por elementos da belle époque parisiense, foi
tão significativo para Vitória que hoje representa os principais objetos
arquitetônicos alvo de proteção em nível estadual e municipal.
Sintetizando os resultados da pesquisa, ficou claro que, por um longo período, a
política de preservação vinculou-se exclusivamente ao órgão federal de proteção.
A proteção em âmbito nacional, no entanto, se restringiu a poucos monumentos
155
isolados e dispersos e, como o próprio IPHAN teve dificuldade em atribuir valor
nacional aos bens protegidos no estado, Vitória foi muito poucas vezes
contemplada com as atenções do órgão. Ao mesmo tempo, a demora na
estruturação e aparelhamento do IPHAN no estado e a sua vinculação à diretoria
no Rio de Janeiro contribuíram indiretamente para a descaracterização de parte
do patrimônio protegido, assim como dificultou a implantação de ações efetivas de
proteção. Na maioria das vezes, as verbas são curtas e emergenciais,
insuficientes para a efetivação de uma política de proteção de fato.
Importa realçar que, no momento em que o IPHAN já funcionava oficialmente no
estado, deu-se início à principal forma de descaracterização do centro histórico –
a verticalização. Apesar de todas as reformas e remodelações pelas quais a
cidade passou até a década de 40 do século passado, Vitória ainda mantinha seu
aspecto original, tanto em escala quanto na presença de seus principais
monumentos na paisagem. A Catedral Metropolitana, ainda que descaracterizada,
e a Igreja de São Gonçalo, por exemplo, até a década de 50 ainda se constituíam
em importantes pontos de referência no centro da cidade. Com a verticalização,
esses edifícios passaram não só a perder essa característica original, como
tiveram alterada a sua relação com o entorno, especialmente no que se refere ao
gabarito. A atuação do órgão federal em Vitória não foi suficiente para evitar a
descaracterização do centro histórico, seja pela falta de estrutura ou pela
vinculação á outro estado.
Ao se comparar a política federal de preservação aplicada em Vitória com as
ações no restante do país, verificamos semelhanças e diferenças, porém
nenhuma delas muito significativa. A compreensão dos objetos a preservar, por
exemplo, manteve seu foco no monumental proveniente do período colonial
português no Brasil, apesar da fraca representação de edificações com essa
característica na cidade. O prédio do Palácio Anchieta, antigo colégio jesuíta,
talvez pudesse ser considerado um exemplo de grande significação para a
arquitetura desse período, inclusive pela sua escala, mas foi completamente
descaracterizado no início do século XX, antes mesmo da criação do IPHAN.
156
O processo desencadeado pela União, de forma pontual, deu início a ações com
o objetivo de proteger e inventariar o acervo arquitetônico de Vitória. Os
Compromissos de Brasília e Salvador induziram a estruturação de ações em
âmbito estadual e municipal, mas de forma bastante lenta e gradual.
Paralelamente, as ações da União e estado antecederam e contribuíram para
estimular na esfera municipal o que viria a fundamentar uma política um pouco
mais efetiva – na medida em que permite interferir na regulação do espaço
urbano – para salvaguardar os bens culturais em Vitória. O acelerado processo de
metamorfose urbana impõe velocidade de resposta por parte das tarefas de
planejamento e, partindo dessa prerrogativa, o poder público municipal deve ser o
agente desencadeador do processo de preservação, a partir de medidas não só
jurídicas, mas também a nível administrativo, técnico, econômico e social. Nesse
sentido, verifica-se dentro da estrutura municipal a necessidade urgente de
criação de um órgão com autonomia suficiente para fixar uma verdadeira política
de preservação. O PDU – instrumento no qual está inserida a preocupação com a
salvaguarda dos bens do patrimônio edificado de valor cultural – não é deficiente
de propostas, mas de regulamentação. Ao mesmo tempo, faltam profissionais
voltados diretamente para a questão da defesa dos valores patrimoniais, com
formação específica, tanto na área de gestão quanto na de restauração, e essa
carência é verificada também nas outras duas esferas públicas responsáveis pela
preservação.
É possível afirmar que não há força coercitiva do poder público capaz de proteger
aquilo para o qual a comunidade ignora. A salvaguarda do patrimônio cultural
edificado não pode ser efetivada na íntegra sem a participação dos usuários, da
mesma forma que a garantia da sua sobrevivência somente se realizará na
medida em que a ele sejam atribuídas funções correspondentes às condições de
vida atual. O patrimônio ambiental urbano é qualificado pelo modo de utilização
que a sociedade faz dele. No caso específico do Centro de Vitória, o uso não o
valoriza, pois absorve funções inadequadas, como a de passagem. Também o
turismo, considerado um dos importantes vetores capazes de dinamizar a
economia de municípios detentores de núcleos urbanos históricos e que
lentamente vai ganhando espaço na economia da cidade, está sendo utilizado de
157
forma mal planejada. Não se considerou, em Vitória, o fato de que nem todo
centro histórico tem potencial turístico, ainda que possua potencial para ser
revitalizado. O turismo na cidade está associado ao turismo de negócios, cujo
planejamento deve se voltar para outro tipo de demanda. O centro histórico de
Vitória poderia ser aproveitado de modo a se tornar um local de importância
pedagógico-recreativa para a população.
O principal problema do centro, no entanto, se revela na falta de uso, que leva à
deterioração física e, consequentemente, à deterioração ambiental da região.
Também nesse caso é importante o envolvimento e a conscientização da
comunidade, uma vez que nenhuma instituição, isoladamente, teria condições
para, indiscriminadamente, investir recursos públicos em benefício de
particulares. Falta uma política de informação ao público sobre as diretrizes de
preservação, de linguagem acessível, de modo que ela seja gradativamente
absorvida. É ingênuo supor que só a educação patrimonial é suficiente para deter
o processo de destruição do patrimônio ambiental urbano, mas ela ao menos traz
novos argumentos para serem colocados em discussão.
Os projetos de revitalização e requalificação urbana voltados para o centro já
“entenderam” que o patrimônio cultural urbano não se limita aos valores isolados
das edificações, mas à relação existente entre eles e, principalmente, entre eles e
o ambiente em que se inserem. Infelizmente, na prática, as medidas tomadas são,
na maioria das vezes, emergenciais ou buscam dar visibilidade política. Muitos
daqueles que detêm o poder decisório não consideram o interesse público para
além de seus mandatos. Na medida em que os planos de requalificação urbana
envolvem um planejamento em longo prazo, as intervenções realizadas não são
capazes de dar força e credibilidade ao projeto.
Apesar das omissões, o Plano Diretor Urbano pode ser considerado um
instrumento eficaz de proteção – especialmente em cidades de médio porte, como
Vitória - uma vez que permitem trabalhar em conjunto diferentes aspectos
relacionados com a questão urbana, como índices urbanísticos e definições de
uso compatíveis. As outras esferas do poder público, ainda que não tenham
jurisdição sobre a questão da regulamentação do espaço urbano, poderiam se
158
envolver mais no sentido de cooperação, oferecendo formas de financiamento,
investimento, apoio na formação de profissionais, promoção e educação
patrimonial. Com a estrutura municipal em funcionamento, as ações estaduais e
federais voltaram-se tanto para o interior – no resgate da cultura de imigrantes
formadores da ocupação do estado – quanto para a questão do patrimônio
imaterial, através da promoção de manifestações culturais populares. Na área
privada, também é fraca a participação de associações profissionais: IAB, CREA,
Sindicato de Arquitetos, instituições que, em teoria, possuem potencial para
participar de discussões e que, por atuarem na construção civil, também são
diretamente responsáveis por parte da destruição do patrimônio cultural.
Finalmente, a pesquisa mostrou que os bens selecionados para proteção, em
nível estadual e municipal, testemunham uma fase de progresso na trajetória
temporal de Vitória, contemplando, predominantemente, as estruturas
representativas do período entre as décadas de 10 e 40 do século passado. A
extensão do conceito de monumento às manifestações próprias da cultura dos
séculos XIX e XX , associada à carência de edificações de períodos anteriores a
esse no centro histórico da cidade, permitiu que esses bens fossem inseridos na
questão da preservação do patrimônio urbano de Vitória. Hoje, já é menor a
discussão a respeito de ‘por que’ ou ‘o que’ preservar; a dificuldade se encontra
em ‘como preservar’, e é esse o desafio maior das instituições responsáveis pelo
assunto. Com este estudo, esperamos contribuir um pouco para essa discussão,
partindo do princípio de que o exposto sobre os critérios e procedimentos que têm
norteado a salvaguarda do patrimônio cultural em Vitória ao longo dos anos possa
ser utilizado e incorporado a estudos e propostas voltadas para a política de
preservação.
“Acontece com a nossa cidade o mesmo que, de certo modo, acontece com a pessoa
humana, que é sempre a mesma e nunca é a mesma. As cidades mudaram e continuarão
mudando consideravelmente através do tempo, mas em nenhum momento essas alterações
puderam levá-las a perder a sua identidade a tal ponto que uma tenha podido confundir-se
com outra, já não digo num período simultâneo, mas mesmo em períodos diferentes da sua
evolução. Quando uma cidade perdeu a sua própria identidade, ou quando, numa dada
situação, se desvaneceu qualquer referência ao seu passado, é porque essa cidade morreu
e deu lugar a uma outra diferente.”
293
293
GOITIA, Fernando Chueca. Breve História do Urbanismo. Lisboa: Presença, 1992. p.29.
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ANEXO A
Decreto-lei 25/37
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe
confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante
do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente
num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a
tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe
conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou
agenciados pelo indústria humana.
Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como
às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Art. 3º Excluem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem
estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no país;
2) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam
carreira no país;
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução do Código Civil, e
que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais:
6) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos
respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para
livre trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO II - DO TOMBAMENTO
Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do
Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes
às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as
mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte
histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou
estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das
artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ 2º Os bens, que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do
presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para
execução da presente lei.
Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se
fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa
tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.
Art. 6º O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de
direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Art. 7º Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a
coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio
histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à
notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Art. Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a
anuir à inscrição da coisa.
Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente,
notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar
do recebimento da notificação, ou para, si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo
prazo as razões de sua impugnação.
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se
proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma,
dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do
tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o
processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu
recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado
provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou
concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o
tombamento provisório se equiparará ao definitivo.
CAPÍTULO III - DOS EFEITOS DO TOMBAMENTO
Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios,
inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas
entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato
conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 12. A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de
pessoas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente
lei.
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa
do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para
os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da
transcrição do domínio.
§ 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá
o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o
respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou
causa mortis.
§ 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo
prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido
deslocados.
§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo
proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo
e sob a mesma pena.
Art. 14. A. coisa tombada não poderá sair do país, senão por curto prazo, sem
transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação, para fora
do país, da coisa tombada, será esta seqüestrada pela União ou pelo Estado em que se
encontrar.
§ 1º Apurada a responsabilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta a multa de cinqüenta
por cento do valor da coisa, que permanecerá seqüestrada em garantia do pagamento, e até
que este se faça.
§ 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dobro.
§ 3º A pessoa que tentar a exportação de coisa tombada, alem de incidir na multa a que
se referem os parágrafos anteriores, incorrerá, nas penas cominadas no Código Penal para
o crime de contrabando.
Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado, o respectivo
proprietário deverá dar conhecimento do fato ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o valor
da coisa.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão em caso nenhum ser destruídas, demolidas
ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta
por cento do dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos
municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorre
pessoalmente na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza
a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a
obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do
mesmo objeto.
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder
às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras,
sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano
sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da
União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará
para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o
proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou
reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União,
independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los sempre que for julgado
conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à
inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dobro em caso de reincidência.
Art. 21. Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1º desta lei são
equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.
CAPÍTULO IV - DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas
naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão,
nesta ordem, o direito de preferência.
§ 1º Tal alienação não será permitida, sem que previamente sejam os bens oferecidos,
pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O
proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta
dias, sob pena de perdê-lo.
§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando
qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a
multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela
solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que
conceder o seqüestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos
titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias.
§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa
tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca.
§ 4º Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que,
previamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não
podendo os editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a
notificação.
§ 5º Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não
lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação,
as pessoas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir.
§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do município em
que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura
do auto da arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extrair a carta,
enquanto não se esgotar este prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer
dos titulares do direito de preferência.
CAPÍTULO V - DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os
Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do
patrimônio histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual
complementar sobre o mesmo assunto.
Art. 24. A União manterá, para a conservação e a exposição de obras históricas e
artísticas de sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de
Belas Artes, tantos outros museus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo,
outrossim, providenciar no sentido de favorecer a instituição de museus estaduais e
municipais, com finalidades similares.
Art. 25. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos
com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas
naturais o jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do
patrimônio histórico e artístico nacional.
Art. 26. Os negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, de
manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes, outrossim, apresentar
semestralmente ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que
possuírem.
Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza
idêntica à dos mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva relação ao
órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de
incidirem na multa de cinqüenta por cento sobre o valor dos objetos vendidos.
Art. 28. Nenhum objeto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá
ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido
previamente autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por
perito em que o mesmo se louvar, sob pena de multa de cinqüenta por cento sobre o valor
atribuído ao objeto.
Parágrafo único. A. autenticação do mencionado objeto será feita mediante o
pagamento de uma taxa de peritagem de cinco por cento sobre o valor da coisa, se este for
inferior ou equivalente a um conto de réis, e de mais cinco mil réis por conto de réis ou
fração, que exceder.
Art. 29. O titular do direito de preferência goza de privilégio especial sobre o valor
produzido em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas impostas em
virtude de infrações da presente lei.
Parágrafo único. Só terão prioridade sobre o privilégio a que se refere este artigo os
créditos inscritos no registro competente, antes do tombamento da coisa pelo Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937, 116º da Independência e 49º da República.
GETULIO VARGAS.
Gustavo Capanema.
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 6.12.1937
1
ANEXO B
LEI nº. 2.947/74
O GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO:
Faço saber que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º - Constitui o Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Espírito Santo o
acervo de bens móveis e imóveis existentes em seu território e cuja conservação seja de
interesse público, quer por sua vinculação e fatos memoráveis da História, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou cientifico.
§ 1º - Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte
integrante do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Espírito Santo depois de inscritos
no Conselho Estadual de Cultura, na forma desta lei.
§ 2º - Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também
sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que
importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela
natureza ou agenciados pela indústria humana.
Art. 2º - A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais,
bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno (salvo a União).
Art. 3º - No Conselho Estadual de Cultura existirão quatro Livros de Tombo, nos
quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
I - Livros de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e Científico para as
coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, a
bem assim as mencionadas no parágrafo 2º do artigo 1º desta lei.
II - Livro do Tombo Histórico, para as coisas de interesse histórico, arquivos e as
obras de arte histórica;
III - Livro do Tombo das Belas Artes, para as coisas de arte erudita;
IV - Livro do Tombo das Artes Aplicadas, para as obras que se incluírem na
categoria das artes aplicadas.
§ 1º - Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ 2º - Os bens que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas I, II, III e
IV do presente artigo serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para
execução da presente lei.
2
Art. 4º - Quando pertencerem à União os bens de valor histórico ou artístico será
cientificado o serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para efeito de tombamento
pelo Órgão Federal.
Art. 5º - O tombamento da coisa pertencente à pessoa natural ou pessoa jurídica
de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Art. 6º - Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o
pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do
patrimônio histórico e artístico estadual, a juízo do Conselho Estadual da Cultura, ou sempre
que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação que se lhe fizer, para a inscrição da
coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Art. 7º - Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se
recusar a anuir à inscrição da coisa.
Art. 8º - As coisas tombadas, que pertençam ao Estado ou aos Municípios,
inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas entre pessoas de direito público
interno, após ouvido o Conselho Estadual de Cultura.
Art. 9º - Não poderá ser tombada pelo Governo do Estado, na forma desta lei, a
coisa já arrolada pelo Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 10 - A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de
propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, sofrerá as restrições
constantes da presente lei.
Art. 11 - O tombamento dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do
Conselho Estadual de Cultura, transcrito para os devidos efeitos em Livros a cargo dos
oficiais de registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.
§ 1º - No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo,
deverá o adquirente, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa de 10 (dez) por
cento sobre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão
judicial ou causa mortis.
§ 2º - A transferência dever ser comunicada pelo adquirente, e o deslocamento
pelo proprietário ao Conselho Estadual de Cultura, dentro do mesmo prazo e sob a mesma
pena.
Art. 12 - Os bens móveis inscritos nos Livros de Tombo, na forma do art. 3º,
terão sua transferência de propriedade ou deslocamento comunicada, dentro de 30 (trinta)
dias, ao Conselho Estadual de Cultura, sob pena de multa de 10% (dez por cento) sobre o
respectivo valor, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.
Art. 13 - A Coisa tombada não poderá sair do Estado senão por curto prazo, sem
transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Estadual de
Cultura.
3
Art. 14 - No caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado, o respectivo
proprietário deverá dar conhecimento do fato ao Conselho Estadual de Cultura, dentro do
prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da coisa.
Art. 15 - A causa tombada não poderá em caso nenhum, ser destruída, demolida
ou mutilada, nem sem prévia autorização especial do Conselho Estadual de Cultura, ser
reparada, pintada ou restaurada, sob pena de multa de 50% (cinqüenta por cento) sobre o
valor da coisa.
Art. 16 - Sem prévia autorização do Conselho Estadual de Cultura, não se
poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a
visibilidade nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra
ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de 50% (cinqüenta por cento) do valor do
mesmo objeto.
Art. 17 - O proprietário da coisa tombada que não dispuser de recursos para
proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requer, levará ao
conhecimento do Conselho Estadual de Cultura a necessidade das mencionadas obras, sob
pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido
pela mesma coisa.
§ 1º - Recebida a comunicação e consideradas necessárias as obras, o Conselho
Estadual de Cultura oficiará ao secretário de Educação e Cultura para efeito de execução de
reparos ou desapropriação da coisa.
§ 2º - A falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior,
poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
Art. 18 - A Coisa tombada fica sujeita à vigilância permanente do Conselho
Estadual de Cultura, que poderá inspecioná-la sempre que for julgado conveniente, não
podendo o respectivo proprietário ou responsável criar obstáculos à inspeção sob pena de
multa de 2 (dois) salários mínimos regionais.
Art. 19 - Os atentados cometidos contra os bens de que trata o artigo 1º desta lei
são equiparadas aos cometidos contra o patrimônio nacional, para fins penais.
Art. 20 - O Conselho Estadual de Cultura manterá entendimentos com as
autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas naturais e
jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do Patrimônio
Histórico e Artístico do Estado.
Art. 21 - Os negociantes de antiguidade de obras de arte de qualquer natureza,
de manuscritos e livros antigos, os raros são obrigados a um registro especial no Conselho
Estadual de Cultura, cumprindo-lhes, outrossim, apresentar semestralmente ao mesmo,
relações completas das coisas históricas e artísticas que possuírem.
Art. 22 - O Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias baixará o regulamento
desta lei.
Ordeno, portanto, a todas as autoridades que a cumpram e a façam cumprir
como nela se contém.
4
O Secretário do Interior e Assuntos da Justiça faça publicá-la, imprimir e correr.
Palácio Anchieta, em Vitória, 16 de dezembro de 1974.
ARTHUR CARLOS GERHARDT SANTOS
Governador do Estado
ANTONIO BENEDICTO AMANCIO PEREIRA
Secretário do Interior e Assuntos da Justiça
RAUL MONJARDIM CASTELLO BRANCO
Secretário de Educação
Selada e publicada nesta Secretaria do Interior e Assuntos da Justiça do Estado
do Espírito Santo, em 16 de dezembro de 1974.
MARIA ELISABETH CONTE DE SOUZA
Chefe da Seção de Comunicação e Documentação
(D.O. 21/12/74)
ANEXO C
Lei nº. 6705/06 Institui o Plano Diretor Urbano do município de Vitória e dá outras
providências
Seção XI - Do Tombamento e da Identificação dos Imóveis e Monumentos Naturais de
Interesse para Preservação
Art. 266. Constitui o patrimônio histórico cultural e paisagístico do Município, passível de
identificação como de interesse de preservação ou tombamento, o conjunto de bens imóveis
existentes em seu território e que, por sua vinculação a fatos pretéritos memoráveis e a fatos
atuais significativos, ou por seu valor sócio-cultural, ambiental, arqueológico, histórico,
científico, artístico, estético, paisagístico ou turístico, seja de interesse público proteger,
preservar e conservar.
Parágrafo único. Equiparam-se aos bens referidos neste artigo, os monumentos naturais,
bem como os sítios e paisagens que importem conservar e proteger pela feição notável com
que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.
Art. 267. O tombamento constitui regulação administrativa a que estão sujeitos os bens
integrantes do patrimônio histórico, cultural e paisagístico do Município, cuja conservação e
proteção seja fundamental ao atendimento do interesse público.
Art. 268. A identificação de edificações, obras e monumentos naturais de interesse de
preservação constitui regulação administrativa a que estão sujeitos os bens integrantes do
patrimônio histórico, cultural e paisagístico do Município, cuja conservação e proteção seja
relevante ao atendimento do interesse público.
Art. 269. O tombamento e a identificação das edificações e dos monumentos naturais de
interesse de
preservação será feita mediante a análise da importância dos bens de acordo com os
seguintes critérios:
I - historicidade – relação da edificação com a história social local;
II - caracterização arquitetônica – qualidade arquitetônica determinada pelo período histórico;
III - situação em que se encontra a edificação – necessidade ou não de reparos;
IV - representatividade – exemplares significativos dos diversos períodos de urbanização;
V - raridade arquitetônica – apresentação de formas valorizadas, porém com ocorrência rara;
VI - valor cultural – qualidade que confere à edificação de permanência na memória coletiva;
VII - valor ecológico – relação existente entre os diversos elementos bióticos e abióticos e
sua significância;
VIII - valor paisagístico – qualidade visual de elementos naturais e construídos de
características ímpares e de referência.
Art. 270. As edificações e obras integrantes do patrimônio histórico e cultural do município
estão sujeitas aos seguintes graus de proteção:
I - proteção integral primária - GP1, para edificações e obras que apresentam importância
histórica e sócio-cultural e possuem características originais, ou com pequenas alterações,
porém sem que haja descaracterização significativa, deverão ser objeto de conservação
total, externa e interna;
II - proteção integral secundária - GP2, para edificações e obras que, por sua importância
histórica e sócio-cultural, embora tenham sido descaracterizadas, devem ser objeto, no seu
exterior, de restauração total e, no seu interior, de adaptação às atividades desde que não
prejudiquem seu exterior;
III - proteção do entorno - GP3, para as edificações, obras e logradouros vizinhos ou
adjacentes às edificações de interesse de proteção integral, com vistas a manter a
integridade arquitetônica e paisagística do conjunto em que estejam inseridas, sendo que a
reforma ou reconstrução deverá manter a mesma volumetria e afastamentos, não podendo
descaracterizar ou prejudicar as edificações objeto de proteção integral.
§ 1º. Os bens tombados estão sujeitos aos graus de preservação GP1 e GP2.
§ 2º. Os bens identificados como de interesse de preservação estão sujeitos aos graus de
preservação GP1, GP2 e GP3.
Art. 271. Os monumentos naturais integrantes do patrimônio histórico e cultural do município
estão sujeitos aos seguintes graus de proteção:
I - preservação integral primária - GP1, para os monumentos, sítios e paisagens que se
apresentem em seu estado natural ou sejam passíveis de recuperação, os quais devem ser
objeto de preservação total, só podendo receber intervenções indispensáveis à sua
preservação e proteção;
II - preservação integral secundária - GP2, para os monumentos, sítios e paisagens que se
encontrem parcialmente descaracterizados e apresentem equipamentos ou edificações que
poderão, em casos excepcionais e após parecer técnico do órgão municipal competente,
receber equipamentos destinados a atividades de lazer, pesquisa científica ou edificação
residencial, desde que os mesmos não provoquem descaracterização da paisagem ou
destruição dos elementos naturais.
§ 1º. Os monumentos naturais tombados estão sujeitos ao grau de preservação GP1.
§ 2º. Os monumentos naturais identificados como de interesse de preservação estão sujeitos
ao grau de preservação GP2.
Art. 272. Os bens tombados e identificados como de interesse de preservação são os
constantes dos Anexos 14 e 15 .
Subseção I - Do Processo Administrativo
Art. 273. Compete ao CMPDU decidir sobre os atos de tombamento e identificação de
edificações de interesse de preservação e ao COMDEMA quando se tratar de monumentos
naturais, conforme o disposto nesta Lei.
Art. 274. O tombamento e identificação de imóveis e monumentos naturais de interesse de
preservação pertencentes a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito privado se fará
compulsória ou voluntariamente.
§ 1º. O tombamento ou a identificação de imóveis e monumentos naturais de interesse de
preservação compulsório serão requeridos por pessoa física, pessoa jurídica ou órgãos
públicos, mediante petição endereçada ao presidente do Conselho Municipal competente.
§ 2º. O tombamento ou a identificação de imóveis e monumentos naturais de interesse de
preservação voluntário serão requeridos pelo proprietário do bem ou seu representante legal
por proposta contendo os documentos indispensáveis, devendo constar a descrição e
caracterização do bem imóvel e a consignação do requerente de que assume o
compromisso de conservar o bem, sujeitando-se às cominações legais, endereçada ao
Presidente do Conselho Municipal competente.
§ 3º. A apreciação do CMPDU ou do COMDEMA será baseada em parecer técnico do órgão
municipal competente.
Art. 275. Aprovado o pedido de tombamento ou identificação de imóveis ou monumentos
naturais de interesse de preservação, é indispensável a notificação da pessoa a quem
pertence e/ou em cuja posse estiver o bem imóvel.
Parágrafo único. A partir da notificação, o bem já é considerado objeto de preservação até a
conclusão final do processo, não podendo sofrer qualquer modificação em desconformidade
com o seu grau de preservação.
Art. 276. Através de notificação por mandado, o proprietário, possuidor ou detentor do bem
imóvel deverá ser cientificado dos atos e termos do processo:
I - pessoalmente, quando domiciliado no Município;
II - por carta registrada com aviso de recepção, quando domiciliado fora do Município;
III - por edital:
a) quando desconhecido ou incerto;
b) quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar;
c) quando a notificação for para conhecimento do público em geral ou sempre que a
publicidade seja essencial à finalidade do mandado;
d) quando a demora da notificação pessoal puder prejudicar seus efeitos;
e) nos casos expressos em Lei.
§ 1º. Os órgãos e entidades de direito público, a quem pertencer, ou sob cuja posse ou
guarda estiver o bem imóvel, serão notificados na pessoa de seu titular.
§ 2º. Quando pertencer ou estiver sob posse ou guarda da União ou do Estado do Espírito
Santo, será
cientificado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ou o Conselho Estadual de
Cultura, respectivamente.
Art. 277. O mandado de notificação deverá conter:
I - os nomes do órgão do qual promana o ato e do proprietário, possuidor ou detentor do bem
imóvel, a qualquer título, assim como os respectivos endereços;
II - a descrição do bem imóvel, com a indicação de suas benfeitorias, características e
confrontações, localização, logradouro, número e denominação e estado de conservação, no
caso de edificações;
III - o parecer técnico do Conselho Municipal competente que justifica e autoriza o
tombamento ou a identificação como de interesse de preservação;
IV - a advertência de que o bem imóvel será definitivamente tombado ou identificado como
de interesse de preservação, e integrado ao Patrimônio Histórico e Sócio-Cultural do
Município se o notificado não impugnar expressamente o ato, no prazo de 15 (quinze) dias,
contados do recebimento da notificação pessoal ou do recebimento de carta registrada, ou
no prazo de 30 (trinta) dias no caso de notificação por edital;
V - o grau de proteção indicado e a advertência da impossibilidade de alteração do imóvel;
VI - número do processo administrativo correspondente;
VII - a data e a assinatura do Presidente do Conselho Municipal competente.
Art. 278. No prazo previsto no artigo anterior o proprietário, possuidor ou detentor do bem
imóvel poderá opor-se ao tombamento ou à identificação do bem como de interesse de
preservação, através de impugnação, interposta por petição, que será autuada em apenso
ao processo, a qual deverá conter:
I - a qualificação e a titularidade do impugnante em relação ao bem imóvel e os respectivos
documentos comprobatórios;
II - a descrição e caracterização do bem imóvel, a teor do inciso II , artigo 277 desta Lei;
III - os fundamentos de fato e de direito, pelos quais se opõe ao tombamento ou à
identificação do bem como de interesse de preservação;
IV - as provas que demonstram a veracidade dos fatos alegados.
Art. 279. Recebida a impugnação, o Presidente do Conselho Municipal competente deverá:
I - rejeitá-la liminarmente quando:
a) intempestiva;
b) não houver fundamentação;
c) houver manifesta ilegitimidade do impugnante ou carência de interesse processual.
II - remetê-la, nas demais hipóteses, ao órgão municipal competente, para emitir
pronunciamento fundamentado sobre a matéria objeto da impugnação, que será apreciada
no prazo máximo de 30 (trinta) dias pelo Conselho Municipal competente, podendo ratificar
ou suprir o que for necessário para a efetivação do tombamento ou identificação como de
interesse de preservação e a regularidade do processo.
Parágrafo único. No caso de haver retificação ou complementação do que for necessário
para a efetivação do tombamento ou identificação como de interesse de preservação e a
regularidade do processo, será reaberto o prazo para a defesa, após nova notificação.
Art. 280. Julgada improcedente a impugnação ou decorrido o prazo sem que esta haja sido
oferecida, o Conselho Municipal competente declarará o bem imóvel definitivamente
tombado ou identificado como de interesse de preservação através de resolução e
determinará:
I - que se proceda a sua inscrição no Livro do Tombo, no caso de tombamento;
II - a averbação do tombamento ou da identificação do bem como de interesse de
preservação no Cartório de Registro de Imóvel, à margem de transcrição do domínio, para
que se produzam os efeitos legais, em relação ao bem imóvel tombado e aos imóveis que
lhe forem vizinhos;
III - a averbação do ato no Cadastro Imobiliário do Município;
IV - a notificação do interessado sobre a decisão final do processo.
Art. 281. Em caso de urgência o Prefeito poderá decretar o tombamento, em caráter
provisório, o qual se equipará, para todos os efeitos, ao tombamento definitivo, quando se
tratar de bens com fortes indícios de interesse público na sua preservação.
Parágrafo único. Decretado o tombamento provisório o Prefeito comunicará o fato ao
Conselho Municipal competente, obedecendo-se, a seguir, ao mesmo processo de
tombamento compulsório.
Subseção II - Dos efeitos do tombamento e da identificação de bens de interesse de
preservação
Art. 282. Os bens imóveis tombados ou identificados como de interesse de preservação
deverão ser conservados e em nenhuma hipótese poderão ser descaracterizados,
demolidos, destruídos ou mutilados.
Art. 283. As restaurações, reformas e quaisquer obras a serem efetuadas nas edificações
tombadas ou identificadas como de interesse de preservação deverão manter suas
características arquitetônicas e artísticas tais como ornatos, esquadrias, cantarias e grades,
assim como a cobertura e volumetria originais.
§ 1º. Não será permitida a utilização de quaisquer elementos que ocultem total ou
parcialmente as fachadas das edificações, excetuadas as placas publicitárias executadas de
acordo com a legislação específica.
§ 2º. As intervenções a que se refere este artigo deverão ser submetidas, previamente, ao
exame do órgão municipal competente para parecer técnico.
Art. 284. Ato do Poder Executivo Municipal irá estabelecer normas e procedimentos para a
recuperação, manutenção e valorização de edifícios, obras e monumentos tombados e
identificados como de interesse de preservação.
Art. 285. Os bens imóveis tombados ou identificados como de interesse de preservação
ficam sujeitos à vigilância permanente dos órgãos municipais competentes, que poderão
inspecioná-los sempre que julgado necessário, não podendo os proprietários, possuidores,
detentores ou responsáveis obstar por qualquer modo a inspeção, sob pena de multa.
§ 1º. Caberá ao Poder Executivo, através dos órgãos municipais competentes, a fiscalização
do cumprimento do disposto neste artigo, devendo os proprietários dos imóveis tombados ou
identificados como de interesse de preservação serem notificados quanto à intervenções
necessárias à recuperação do imóvel.
§ 2º. Após a notificação, os proprietários deverão cumprir as determinações do Poder
Executivo Municipal no prazo máximo de 1 (um) ano.
§ 3º. As penalidades aplicáveis ao descumprimento das determinações constantes da
notificação serão regulamentadas por ato do Executivo Municipal.
Art. 286. Ficam proibidos quaisquer mobiliários urbanos defronte a imóveis tombados ou
identificados
como de interesse de preservação, exceto quando extremamente necessário, ou quando
tratar-se de mobiliário de apoio à limpeza pública ou sinalização, a serem especificados
pelos órgãos municipais competentes.
Art. 287. Sem prévia consulta ao Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano, não poderá
ser executada qualquer obra nas vizinhanças do imóvel tombado, de acordo com o perímetro
de abrangência a ser estipulado no processo de tombamento ou constante do Plano de
Preservação do Patrimônio, que lhe possa impedir ou reduzir a visibilidade ou que não se
harmonize com o aspecto estético, arquitetônico ou paisagístico do bem tombado.
§ 1º. A vedação contida neste artigo estende-se à colocação de cartazes, painéis de
propaganda, anúncios, tapumes ou qualquer outro objeto de empachamento.
§ 2º. Para os efeitos deste artigo, o CMPDU deverá definir os imóveis da vizinhança que
sejam afetados pelo tombamento, devendo notificar seus proprietários, quer do tombamento,
quer das restrições a que deverão sujeitar-se e decorridos os prazos para impugnação ao
tombamento, sem impugnação, proceder-se-á a averbação do tombamento ou das restrições
citadas no parágrafo anterior no Cartório de Registro Geral de Imóveis competente.
Art. 288. A requerimento do proprietário, possuidor ou detentor, que comprovar insuficiência
de recursos para realizar as obras de conservação ou restauração do bem, o Município
poderá incumbir-se de sua execução através de Consórcio Imobiliário ou outro instrumento
de parceria.
Art. 289. Para efeito de imposição das sanções previstas nos artigos 165 e 166 do Código
Penal, e sua extensão a todo aquele que destruir, inutilizar ou alterar os bens tombados, os
órgãos públicos competentes comunicarão o fato ao Ministério Público, sem prejuízo da
multa aplicável nos casos de reparação, pintura ou restauração e sem prévia aprovação do
Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano.
Art. 290. A legislação federal e estadual será aplicada subsidiariamente pelo Poder
Executivo Municipal.
Vitória, 13 de outubro de 2006.
João Coser
Prefeito de Vitória
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
M01
GP2 Tombamento Municipal
Resolução 83/90 -
Processo 41806/90 e
33683/90
Rua Wilson Freitas 300 Castelinho Centro
M02
GP2 Tombamento Municipal
Resolução19/92 -
Processo 95502/91
Avenida República 194 Banco Itaú Centro
M03
GP2
Tombamento Municipal e
identificado como de
interesse de preservação
Resolução19/94 -
Processo 050740/94 e
Lei 3158/84
Praça João Clímaco 44 _ Centro
M04
GP2
Tombamento Municipal e
identificado como de
interesse de preservação
Resolução130/92 -
Processo 109658/92 e
Lei 3158/84
Praça João Clímaco 38
Instituto dos Advogados do
Estado do Espírito Santo
Centro
M05
GP1 Tombamento Municipal
Resol. 86/05 - Lei
4167/94 - Processo
3508037/05
Rua Ludovico Pavoni s/n Santuário de Santo Antônio Santo Antônio
M06
GP1 Tombamento Municipal Proc. 3933855/06 Lisandro Nicoletti s/n Mercado São Sebastião Jucutuquara
M07
GP1 Tombamento Municipal Proc. 3933908/06 Ala Dr. Carlito Von Schilgen 595, Area AL-01 Chácara Von Schilgen Praia do Canto
E01
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/83. CEC.
Proc. 05/82
Rua Francisco Araújo 1 Escola Maria Ortiz Centro
E02
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/83. CEC.
Proc. 05/82
Praça João Clímaco s/n Palácio Anchieta Centro
E03
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/83. CEC.
Proc. 02/82
Rua Muniz Freire s/n Palácio Domingos Martins Centro
E04
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/84. CEC.
Proc. 04/82
Praça Luiz Scorteganha s/n
Catedral Metropolitana de
Vitória
Centro
E05
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/83. CEC.
Proc. 05/82
Praça Costa Pereira 25 Teatro Carlos Gomes Centro
E06
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/85. CEC.
Proc. 05/80
Ladeira de Santa Clara s/n
Ruínas do Palácio Nestor
Gomes
Santa Clara
M08
GP2
Proc. Tombam. Nº
926214/07, Res.
007/07
Tombamento Municipal
ANEXO D - LISTAGEM DOS BENS TOMBADOS EM VITÓRIA
CentroPraça Manoel Silvino Monjardim 66 Capitania dos Portos
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
E07
_ Tombamento Estadual
CEC. Proc. 008/92,
tombado em 02/07/92
Avenida Jerônimo Monteiro s/n Relógio da Praça Oito (A) Centro
E08
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/84. CEC.
Proc. 04/82
Rua Soldado Abílio dos Santos 47
Frontispício do Convento
São Francisco de Assis
Centro
E09
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/84. CEC.
Proc. 04/82
Praça Irmã Josepha Hosanah _ Convento do Carmo Centro
E10
_ Tombamento Estadual
Tombado 1983, CEC.
Proc. 05/82
Avenida Jerônimo Monteiro 732 Mercado da Capixaba Centro
E11
_
Tombamento Estadual e
identificado como de
interesse de preservação
Resol. 02/93, CEC.
Proc. 02/82 e Lei
3158/94
Rua Pedro Palácios 76 Arquivo Público Estadual Centro
E12
GP2
Tombamento Estadual/
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 02/83, CEC.
Proc. 02/82
Avenida Jerônimo Monteiro 631
Museu de Artes do Espírito
Santo
Centro
E13
GP2
Tombamento Estadual e
identificado como de
interesse de preservação
Resol. 02/83, CEC.
Proc. 08/82 e Lei
3158/84
Avenida Jerônimo Monteiro 656 FAFI Centro
E14
_ Tombamento Estadual
Resol. 02/84, CEC.
Proc. 04/82
Rua Padre Nóbrega com Adão
Benezath
_
Capela Nossa Senhora das
Neves
Centro
E15
_
Tombamento Estadual /
Identificado GP1
Resol. 04/86, CEC.
Proc. 04/84
Vila Rubim _
Ponte Florentino Avidos /
Ponte Seca
Centro
E16
_ Tombamento Estadual
CEC. Proc. 051/90,
tombado em 23/01/91
Avenida Vitória 320 (A)
Antigo Forte São João -
Muralha/ Onze canhões e
portão de entrada
Centro
E17
_ Tombamento Estadual
Resol. 08/83. CEC Proc.
07/82
Rua Muniz Freire 43 Residência Centro
E18
_ Tombamento Estadual
CEC. Proc. 013/86,
tombado em 06/12/89
Rua Barão de Monjardim s/n
Chafariz da Esplanada
Capixaba
Centro
E19
_ Tombamento Estadual
Resol. 10/86, CEC.
Proc. 06/84
Parque Moscoso s/n
Concha Acústica do Parque
Moscoso
Parque Moscoso
E20
_ Tombamento Estadual
CEC. Proc. 003/8.,
tombado em 27/08/90
Rua José de Anchieta s/n
Jardim de Infância Ernestina
Pessoa / Escola da Ciência -
Física
Parque Moscoso
E21
_ Tombamento Estadual
CEC. Proc. 097/90,
tombado em 10/01/91
Avenida Nossa Senhora da Penha _
Torre de Transmissão da
Rádio Espírito Santo
Santa Lúcia
E22
_ Tombamento Estadual
Resol. 01/85. CEC Proc.
14/84
Avenida Jerônimo Monteiro _
Painel em afresco de Burle
Marx - Ed. Das Repartições
Públicas
Centro
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
E23
_ Tombamento Estadual
CEC. Proc. 049/85,
tombado em 06/12/89
Pálacio Anchieta _
Cripta e Lápide do Túmulo
do Padre José de Anchieta
Centro
E24
_ Tombamento Estadual
CEC. Proc. 109/90,
tombado em 08/01/91
Prédio da Escelsa/ Rua Sete de
Setembro
_
Painel de cerâmica da Sede
da Escelsa
Centro
F01
_ Tombamento Federal
Proc. 00360-T/46 -
Livro do Tombo
Histórico - Insc. Nº 289
Escadaria Sâo Benedito s/n
Igreja de Nossa Senhora do
Rosário
Centro
F02
_ Tombamento Federal
Proc. 00381-T/48 - Livro
do Tombo Histórico -
Insc. Nº 251 - Livro do
Tombo de Belas Artes -
Insc. Nº 317
Rua Cosme Rolim s/n Igreja São Gonçalo Centro
F03
_ Tombamento Federal
P
roc.
0195
-
T/39
-
Li
vro
do Tombo de Belas
Artes
-
Insc. N
º
245
Rua José Marcelino s/n Capela Santa Luzia Centro
F04
_ Tombamento Federal
Proc. 00787-T/67 - Livro
do Tombo Histórico -
Insc. Nº 408
Rua José Marcelino 203, 205 Sede do IPHAN-ES Centro
F05
_ Tombamento Federal
Proc. 00787-T/67 - Livro
do Tombo Histórico -
Insc. Nº 406
Rua José Marcelino 197 _ Centro
F06
_ Tombamento Federal
P
roc.
O228
-
T/40
-
Li
vro
do Tombo de Belas
Artes
-
Insc. N
º
289
Chácara Barão de Monjardim s/n Museu Solar Monjardim Jucutuquara
I001
GP1
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Viaduto Caramurú
I002
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua 23 de Maio 273
Laboratório Capixaba de
Análises Clínicas
Parque Moscoso
I003
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Marcos Azevedo 329
Igreja Evangélica Assembléia
de Deus
Parque Moscoso
I004
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Marcos Azevedo 313 _ Parque Moscoso
I005
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Rua São João s/n _ Santa Clara
I006
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Avenida Cleto Nunes 339
Pertence ao Ministério do
Trabalho
Parque Moscoso
I007
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Rua 23 de Maio 360 _ Parque Moscoso
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
I008
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Rua Washington Pessoa 52 Colégio Americano Batista
Bairro do
Moscoso
I009
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Thiers Veloso 222 _ Centro
I010
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Thiers Veloso 210 _ Centro
I011
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Rua Dom Fernando s/n _ Centro
I012
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Rua General Osório 14 _ Centro
I013
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Escadaria Carlos Messina _
I014
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Escadaria Carlos Messina 19, 200 _ Centro
I015
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 43/00 Rua General Osório 168, 170 Fermaco Centro
I016
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Rua General Osório 140, 146, 150 Hotel Paris Centro
I017
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Avenida Florentino Avidos 433 Hotel Palace Centro
I018
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97
Avenida República / Florentino
Avidos
75, 79, 81, 95 /
377
Parque Moscoso
I019
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Avenida Getúlio Vargas s/n Armazém I do Porto Centro
I020
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Muniz Freire 23 (A) _ Centro
I021
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua Muniz Freire 29 _ Centro
I022
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Muniz Freire 55 _ Centro
I023
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Muniz Freire 63 _ Centro
I024
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Muniz Freire 133 Escola São Vicente de Paulo Centro
I025
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Rua José Marcelino 39 _ Centro
I026
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Pedro Palácios 88 (A)
Anexo - Tribunal de Justiça
do Estado do Espírito Santo
Centro
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
I027
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 64/97 Rua José Benjamim Costa 155
Hospital da Associação do
Funcionários Públicos do
Espírito Santo
Centro
I028
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Dionísio Rosendo 126
Casa da Família Cerqueira
Lima
Centro
I029
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua José Marcelino 187 Residencia paroquial Centro
I030
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua José Marcelino 193 _ Centro
I031
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua Erothildes Rosendo 58 _ Centro
I032
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua Erothildes Rosendo 52 _ Centro
I033
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua Erothildes Rosendo 46 _ Centro
I034
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 57/00 Rua Gama Rosa 76 Britz Bar Centro
I035
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Rua Coutinho Mascarenhas 55 _ Centro
I036
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Rua Coutinho Mascarenhas 77 _ Centro
I037
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Rua Coutinho Mascarenhas 91 _ Centro
I038
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Rua Coutinho Mascarenhas 95 _ Centro
I039
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Rua Coronel Monjardim 75 _ Centro
I040
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 14/99 Rua Coronel Monjardim 147 _ Centro
I041
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84
Avenida Jerônimo Monteiro / Nestor
Gomes
23/130 Casa Hilal Centro
I042
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua Duque de Caxias 63, 49 _ Centro
I043
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 64/97 Avenida Jerônimo Monteiro 153/157 Casas Franklin Centro
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
I044
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Avenida Jerônimo Monteiro 181 _ Centro
I045
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Avenida Jerônimo Monteiro 199 _ Centro
I046
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 54/97
Avenida Jerônimo Monteiro / Rua
Duque de Caxias / Rua João Aguirre
34, 199, 120 /
34, 18, 100,
112 / 34, 26
_ Centro
I047
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
*
Avenida Jerônimo Monteiro / Rua
Duque de Caxias
209 / 130, 132
(A)
Edifício Centenário Centro
I048
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 54/97 Avenida Jerônimo Monteiro 217 _ Centro
I049
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Avenida Jerônimo Monteiro 231, 223 Loja Base Centro
I050
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Duque de Caxias 183, 179 Salão Totinho Centro
I051
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 64/97 Rua Duque de Caxias 225 Hotel Majestic Centro
I052
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 54/97 Avenida Jerônimo Monteiro 310 Correios Centro
I053
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua Duque de Caxias 510
Secretária do Patrimônio da
União
Centro
I054
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 59/97 Praça Costa Pereira 178 Ed. Antenor Guimarães Centro
I055
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84
Praça Costa Pereira, r. Sete de
Setembro, r. Graciano Neves
150 e 150A/ 4/
21,23
Hotel Europa Centro
I056
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Praça Costa Pereira 214 _ Centro
I057
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Praça Costa Pereira
220, 220 loja A
/ 222 / 226
_ Centro
I058
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Praça Costa Pereira 230, 234 _ Centro
I059
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84
Avenida Jerônimo Monteiro /
Avenida Governador Bley / Rua
Marcelino Duarte
428 / 231, 235 /
101 , 28 loja 1
Teatro Glória Centro
I060
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Praça Costa Pereira 30 Dacasa Centro
I061
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Praça Costa Pereira 30 Cartório Sarlo Centro
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
I062
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 64/97 Rua Carlos Gomes / Rua do Rosário 34
Lanchonete Plaza,
Lanchonete Café e Concerto,
Bingo Mania
Centro
I063
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 64/97 Rua Pereira Pinto 71 _ Centro
I064
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Avenida Jerônimo Monteiro 572, 576, 586 Loja Strauch Centro
I065
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84
Rua do Rosário, / Rua Wilson
Freitas /
12, 20, 24, 36 /
48, 64
_ Centro
I066
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84
Avenida Jerônimo Monteiro / Rua
Wilson Freitas
685 / 88 _ Centro
I067
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 54/97
Avenida Jerônimo Monteiro / Rua
Wilson Freitas
733, 737 / 136 _ Centro
I068
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
*
Avenida Jerônimo Monteiro / Rua
Wilson Freitas
741, 741 loja 3,
745 / 140
_ Centro
I069
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 54/97
Avenida Jerônimo Monteiro / Rua
Wilson Freitas
765 / 166
Construtora e Incorporadora
Moyses LTDA
Centro
I070
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Avenida Jerônimo Monteiro 766, 768, 776 _ Centro
I071
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Des. O'Reilly Souza
36, 38, 40, 42,
44, 46, 51
_ Centro
I073
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 64/97 Rua Barão de Monjardim 43 Ed. Avancini Centro
I074
GP3
Identificado como de
interesse de preservação
*
A
venida Jerônimo Monteiro / Wilson
Freitas
675 / 76 _ Centro
I075
GP3
Identificado como de
interesse de preservação
* Escadaria São Diogo 41 _ Centro
I076
GP3
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Erothildes Rosendo 43 _ Centro
I077
GP3
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Dionisio Rosendo 40 _ Centro
I078
GP3
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Erothildes Rosendo 68, 72, 78 _ Centro
I079
GP3
Identificado como de
interesse de preservação
* Rua José Marcelino 175
Sociedade São Vicente de
Paulo
Centro
I080
GP3
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Muniz Freire 117 Loja Maçônica Centro
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
I081
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Rua Dário Lourenço de Souza 134 Cais de hidroaviões Mário Cypeste
I082
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
* Avenida República 99, 109 _ Parque Moscoso
I083
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
*
Avenida Presidente Florentino
Avidos
347, 343 _ Parque Moscoso
I084
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
*
Avenida Presidente Florentino
Avidos
452, 432, 412 _ Centro
I085
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 91/04
Avenida República, esquina com
Rua Getúlio Vargas
01, 10 Sindicato dos Estivadores Centro
I086
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 91/04 Rua General Osório 70 _ Centro
I087
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 91/04 Rua General Osório 78 _ Centro
I088
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 91/04 Rua Nestor Gomes 233/235 _ Centro
I089
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 91/04 Avenida Jerônimo Monteiro 268 Edifício H. Lages Centro
I090
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 91/04
Rua Gonçalves Ledo / Avenida
Jerônimo Monteiro
274 / 59 _ Centro
I091
GP3
Identificado como de
interesse de preservação /
em processo de
tombamento estadual
* Rua Comandante Duarte Carneiro s/n
Academia Espirito Santense
de Letras
Centro
I092
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol.39/05 Rua Vasco Coutinho 121 _ Parque Moscoso
I093
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 40/05 Rua Vasco Coutinho 22/38/30 Ed. Elizabeth Santa Clara
I094
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 41/05
Rua José de Anchieta / Rua
Henrique Coutinho
148 / 148 _ Parque Moscoso
I095
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 42/05 Avenida Cleto Nunes s/n _ Parque Moscoso
I096
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 43/05
Rua Presidente Pedreira / Avenida
Cleto Nunes
179, 179 térreo
/ 245, 247, 249
Pensão Popular, Rest. Kis-
Kina / Gian Baby, Pousada,
WK Armarinho
Parque Moscoso
I097
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 44/05 Avenida Cleto Nunes 217, 209
Moscoso Material de
construção / Hotel Mister
Parque Moscoso
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
Nº REF.
NOVO
G.P. PROTEÇÃO
PROCESSO/
RESOLUÇÃO
LOGRADOURO COMPLEMENTO BAIRRO
I098
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 45/05
Avenida Presidente Florentino
Avidos
329 _ Parque Moscoso
I099
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 46/05 Praça Costa Pereira 128, 132
Administradora Lima Lima
LTDA
Centro
I100
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 47/05 Rua Nestor Gomes 285 _ Centro
I101
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 48/05 Avenida Jerônimo Monteiro 56, 60, 64, 68 Hotel Pouso Real Centro
I102
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 49/05 Avenida Jerônimo Monteiro 74 Ed. Tabajara Centro
I103
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Lei 3158/84 Avenida Vitória 320 (A)
Clube Saldanha da Gama -
Antigo Forte São João
Centro
I104
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 85/05
Avenida República, esquina com
Avenida Cleto Nunes
165, térreo 7
lojas + igreja/
125
Ed. Santa Cecília Parque Moscoso
I105
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 83/05 Avenida Jerônimo Monteiro 161, 167
Ed. Silva (loja 1 - 167 - e BH
Jóias)
Centro
I106
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 84/05 Avenida Jerônimo Monteiro 255
Ed. José Bernardino (Banco
Real)
Centro
I107
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 82/05 Rua Barão de Monjardim 363 _ Centro
I108
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 81/05 Avenida Paulino Miller 1030
Igreja Católica de
Jucutuquara
Jucutuquara
I109
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Resol. 41/06, Proc.
1614715/06
Rua Cais de São Francisco 47, 55, 65, 41 _ Centro
I110
GP2
Identificado como de
interesse de preservação
Proc. Nº 4782428/2007 Rua Barão de Monjardim 95 _ Centro
Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória
* Não foi possível identificar o número do processo/ resolução que determina a proteção
ANEXO E
Ficha de avaliação de imóveis com interesse de preservação – PMV
FICHA DE AVALIAÇÃO
Imóvel:
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
I. HISTORICIDADE (Significado social/valor cultural):
Trata-se da relação da edificação com a história social e local.
Consiste em uma qualidade extrínseca ao edifício, aposta a ele. A sua avaliação é feita através da pesquisa em que são
levantadas informações a partir de fontes textuais e orais e são respondidas questões relativas à história da edificação:
quando, como foi feita, por quem, para quê, como viveu, como chegou até hoje. Esta pesquisa visa saber o que significa
para Vitória aquela unidade construída e, ao mesmo tempo, o quanto perde a memória da cidade com o possível
desaparecimento da mesma.
II. QUALIDADE ARQUITETÔNICA (Caracterização Arquitetônica):
É a análise sob o ponto de vista da História da Arquitetura. É a avaliação do significado da unidade enquanto
representativa de determinado período histórico, avaliando-se seu estilo/ expressão plástica/ tipologia arquitetônica.
Como metodologia, sugere-se a análise da edificação dentro do conjunto de exemplares do mesmo estilo, a partir de
sua singularidade, representatividade e expressividade. Pode-se também avaliar sua escala, equilíbrio e contraste, além
de formas de utilização/ estruturação de espaços interiores. No caso das edificações do estilo modernista, avaliar
valores tais como: racionalismo, leveza, pureza formal, transparência estrutural, geometria pura.
III. QUALIDADE CONSTRUTIVA:
É um critério de ordem técnica. É a avaliação do edifício enquanto matéria. Através dessa abordagem, avaliam-se o
sistema estrutural e a utilização correta dos materiais de construção. Esse critério, ao contrário do primeiro, avalia uma
qualidade intrínseca à edificação, sendo colocadas questões relativas à técnica construtiva: pertinência, singularidade,
resistência, durabilidade. Avalia-se aqui o grau de degradação da edificação.
IV. PRESENÇA NA PAISAGEM:
É o critério urbanístico-paisagístico. Aborda a questão da relação atual da unidade com o entorno. Assim, por este
ângulo, verifica-se o grau de autonomia da edificação com relação ao conjunto em que está inserida. Também podemos
enquadrar nesse critério os conjuntos arquitetônicos que formam ambiências que devam ser preservadas, além de
edificações que se destacam num conjunto edificado ou ainda aquelas que possuam uma implantação típica.
AVALIAÇÃO
Critérios Pontuação (0 a 10) Peso Sub-Total
1- Historicidade 3
2- Qualidade Arquitetônica 3
3- Qualidade Construtiva 2
4- Presença na Paisagem 2
Avaliação Final
Fontes: Documental ( ) Textual ( ) Iconográfica ( ) Oral ( )
Relator: Data:
Obs.: Em anexo, Memorial Justificativo
CRITÉRIOS/PONTUAÇÃO
I. HISTORICIDADE (10,0)
1. Relação social (3,0)
2. Relação cultural ( 3,0)
3. Relação política (2,0)
4. Relação econômica (2,0)
Ou
1- Relação sócio-cultural (6,0)
2- Relação político-econômica (4,0)
II. QUALIDADE ARQUITETÔNICA
1 – Singularidade (3,0)
1.1 – Inovação (1,5)
1.2 – Arrojo Arquitetônico (1,5)
2- Representatividade (3,5)
2.1 – Estilo arquitetônico/ composição plástica (1,5)
2.2 – Tipologia arquitetônica (1,0)
2.3 – Tipologia urbanística (conjunto) (1,0)
3- Expressividade (3,5)
3.1 - Escala (1,0)
.2 – Ritmo (1,0)
3.3 – Equilíbrio (0,75)
3.4 – Contraste/ cheios e vazios (0,75)
III. QUALIDADE CONSTRUTIVA (10,0)
1- Pertinência (2,0)
2- Singularidade (4,0)
2.1 – Inovação (2,0)
2.2 Arrojo estrutural (2,0)
3- Qualidade de execução (durabilidade) (2,0)
4- Qualidade material (resistência) (2,0)
IV. PRESENÇA NA PAISAGEM (10,0)
1- Relação de dominância (4,0)
2- Relação de continuidade (3,0)
3- Conjunto Arquitetônico (3,0)
CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DE CADA ESTILO
1- ECLETISMO (1900 – 1930)
- Utilização de formas clássicas com total liberdade compositiva;
- Presença de elementos decorativos nas fachadas (balaústres, florões, brasões, platibandas decoradas, etc.);
- Simetria;
- Predominância dos cheios sobre os vazios.
2- PROTO-MODERNISMO (1930 – 1950)
- Simetria/ Falsa simetria;
- Marcação base/ corpo/ coroamento;
- Zonas noite/ dia – varandas embutidas e semi-embutidas;
- Harmonia na composição dos volumes, na busca de integração com o espaço urbano;
- Marcação da entrada do edifício.
3- MODERNISMO (1959 – 1970)
- Racionalismo;
- Leveza;
- Pureza formal/ geometria pura;
- Transparência estrutural;
- Elementos marcantes: pilotis, plantas e fachadas livres, janelas horizontais, terraço-jardim, balanços, brise soleil.
RELATÓRIO DA VISITA
I. USO:
Especificar o(s) uso(s) estabelecido(s) hoje no local:
Residencial (unifamiliar/ multifamiliar); Comercial; Serviço; Institucional; Misto (especificar quais); Desocupado;
Abandonado.
II. ESTADO DE CONSERVAÇÃO:
Avaliar a edificação do ponto de vista físico – e especialmente exterior. Atentar para: estado da pintura/ revestimentos
externos, esquadrias, sacadas/ balcões, balaústres, platibanda/ cobertura, etc.
* Nível avaliação para cada item: novo/ antigo/ recuperado/ necessitando intervenção urgente.
III. PROBLEMAS CONSTRUTIVOS:
Avaliar a edificação do ponto de vista físico – e especialmente interior. Atentar para: estrutura, laje, forro, paredes;
identificando: rachaduras, infiltrações, paredes soltas/ deterioradas.
IV. ITENS DE DESCARACTERIZAÇÃO/ PROBLEMAS COM PUBLICIDADE:
Levantar/ descrever as possíveis interferências arquitetônicas/ estéticas pelas quais o imóvel passou no decorrer dos
anos, a partir do seu estado atual.
V. MELHORIAS NECESSÁRIAS/ OBSERVAÇÕES:
Descrever, sucintamente, os itens que devam ser observados na elaboração de projeto de restauração/ recuperação do
imóvel. Pede-se observar dois níveis:
1- Serviços a serem executados para obtenção de isenção de IPTU;
2- Serviços necessários para obtenção da transferência do potencial construtivo.
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