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CIO HANAI VALERIANO VIANA
A INFLUÊNCIA DO BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS:
Análise das condições de financiamento do Programa de Reabilitação da
Área Central no Município de São Paulo - Procentro
Dissertação apresentada à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getulio Vargas - EAESP,
para obtenção do Título de Mestre em
Administração Pública e Governo pelo
programa de pós-graduação em
Administração Pública e Governo.
O PAULO
2009
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CIO HANAI VALERIANO VIANA
A INFLUÊNCIA DO BANCO INTERAMERICANO DE
DESENVOLVIMENTO NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS:
Análise das condições de financiamento do Programa de Reabilitação da
Área Central no Município de São Paulo - Procentro
Dissertação apresentada à Escola de
Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getulio Vargas - EAESP,
para obtenção do Título de Mestre em
Administração Pública e Governo pelo
programa de pós-graduação em
Administração Pública e Governo.
Coordenador: Prof. Dr. Fernando Luis Abrucio
Orientador: Prof. Dr. Francisco César Pinto da Fonseca
O PAULO
2009
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Viana, Lúcio Hanai Valeriano.
A influência do Banco Interamericano de Desenvolvimento na formulação
de políticas públicas: Análise das condições de financiamento do Programa
de Reabilitação da Área Central no Município de São Paulo - Procentro
/ Lúcio Hanai Valeriano Viana. - 2009.
104f.
Orientador: Francisco César Pinto da Fonseca.
Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São
Paulo.
Título em inglês: IABD influence in public polices formulation: analysis of São
Paulo Downtown Revitalization Programme (PROCENTRO) financing
conditions
1. Banco Interamericano de Desenvolvimento. 2. Políticas públicas – São
Paulo (SP). 3. Política urbana – São Paulo (SP). 4. Renovação urbana - São
Paulo (SP). I. Fonseca, Francisco César Pinto da. II. Dissertação (mestrado) -
Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título.
CDU 711(816.11)
iii
LÚCIO HANAI VALERIANO VIANA
A INFLUÊNCIA DO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO NA
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS:
Análise das condições de financiamento do Programa de Reabilitação da Área
Central no Município de São Paulo - Procentro
Presidente da banca:
Prof. Dr. Francisco César Pinto da Fonseca
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Francisco César Pinto da Fonseca (Orientador)
Prof
a.
Dra. Cristiane Kerches da Silva Leite
Prof
a.
Dra. Rosa Maria Vieira
Aprovada em 30/03/2009
iv
“Quando a capacidade do homem se volta
para a descoberta de suas potencialidades, e ele se
empenha em enriquecer o universo que o gerou,
produz-se o que chamamos de desenvolvimento.”
Celso Furtado
Dedico essa conquista aos meus pais,
Fernando e Tomoe, por me terem possibilitado
chegar até aqui.
Aos meus irmãos Patrícia e Lívio, cujo
incentivo e apoio sempre me foram certos.
A Karine que, em todos os momentos,
carinhosamente me dispensou constante e
pacienciosa dedicação.
v
Agradecimentos
Agradeço em especial ao meu orientador, o professor Francisco Fonseca pelo
exemplo de competência profissional e de encorajamento a novos desafios.
Mais que um orientador, foi um amigo de toda hora a me acertar, com
extremada paciência, o passo na direção certa. Sem ele este trabalho não se
realizaria. Ao professor Francisco meu muito especial agradecimento.
Agradecimento especial às professoras Cristiane Kerches da Silva Leite e Rosa
Maria Vieira pela generosidade, pelo exemplo de competência compromissada e
pelas valiosas sugestões para o aprimoramento deste estudo.
Ao Felipe Francisco, uma amizade que surgiu em cima da hora e que foi
fundamental para a obtenção de informações a este trabalho. "
Cheers, mate
".
Agradeço ao Maurício Feijó, pela facilitação no levantamento das informações
na Prefeitura Municipal de São Paulo. Sua ajuda foi valiosa para a
concretização desta pesquisa.
Sou especialmente grato a Isadora Tami Tsukumo por me ter concedido
entrevista e me disponibilizado grande parte dos documentos que aqui se
tornam públicos, no Caderno de Anexos, ainda que em espaço acadêmico,
contribuindo para o exercício democrático do direito à informação.
Agradeço a André Leirner, Lisandra Guerra e Ursula Peres pelas valiosas
informações concedidas em entrevista.
Sou grato a Loana pela amizade e preciosa ajuda nos serviços bibliotecários
tão úteis à este estudo e também ao Sr. Oswaldo, a Magali e ao Belezinha (in
memorian) por tornarem as horas de estudo na Karl A. Boedecker mais
agradáveis.
Agradeço ao Srs. Airton e Célia Rodrigues da Luz pelo incentivo, carinho e
acompanhamento prestimoso durante a realização deste meu trabalho.
vi
A Élide Mendes pela amizade, incentivo e solidariedade que me tem dedicado
desde os primeiros anos de Ciências Sociais, na época em que a PUC-SP
ainda representava a vanguarda do pensamento crítico.
Também a Fernanda, Nalva e ao Sr. Jason o meu agradecimento por
cooperações diversas durante as tarefas cotidianas que este estudo me
exigiu.
vii
SUMÁRIO
Dedicatória.............................................................................................. iv
Agradecimentos...................................................................................... v
Lista de figuras....................................................................................... ix
Lista de tabelas....................................................................................... x
Lista de abreviaturas.............................................................................. xi
Resumo................................................................................................... xiii
1. INTRODUÇÃO 2
2. CAPÍTULO I
2.1 Considerações gerais sobre o papel das agências multilaterais...... 8
2.2 O BID: criação e percurso................................................................ 10
2.3 O BID na América Latina.................................................................. 13
2.4 As influências do BID no Brasil.........................................................
26
3. CAPÍTULO II
3.1 As agências internacionais de financiamento e o processo de
difusão de políticas públicas...................................................................
33
3.2 Melhores Práticas versus Inovação..................................................
40
4. CAPÍTULO III
4.1 O Programa de Reabilitação da Área Central de São Paulo –
Procentro................................................................................................
49
4.2 A percepção dos técnicos................................................................. 56
4.3 Um projeto e duas gestões: comparação das diferenças entre as
administrações Marta Suplicy (PT) e José Serra/Gilberto Kassab
(PSDB/DEM)
66
4.4 O papel das condicionalidades......................................................... 69
4.5 Os documentos do BID quanto ao Procentro.................................. 72
4.5.1 Documento Ajuda Memória: Janeiro de 2003 - Anexo 3............... 72
4.5.2 Documento del Banco Interamericano de Desarrollo: Programa
de Rehabilitación del Área Central del Municipio de São Paulo –
Procentro (Br-0391) – Proposta de Préstamo – Novembro de 2003 –
74
viii
Anexo 4...................................................................................................
4.5.3 Documento: Contrato de Empréstimo, Nº 1479/OC-BR, 2 de
junho de 2004 – Anexo 6........................................................................
77
4.5.4 Documento: Regulamento Operacional: novembro de 2004 –
Anexo 7...................................................................................................
78
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
82
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
85
6.1 Fontes e Documentos Consultados.................................................. 88
6.2. Referências Online – Websites....................................................... 89
Abstract
ix
Lista de figuras
Figura 1 –
Distribuição setorial dos Projetos aprovados para o
Brasil
......................................................................................
15
Figura 2 –
Projetos aprovados do BID para o Brasil, por área e ano
.................................................................................................
19
Figura 3 –
Projetos aprovados pelo BID ao Brasil por área e valores
.................................................................................................
20
Figura 4 –
“Ação Centro” (2002 – 2004) e “Procentro – 2005 (2005
2008) orçamento por eixos de ação (em US$)
..........................
53
x
Lista de tabelas
TABELA 1-
Percentual de empréstimos do BID para a América Latina,
por setor (1968 – 1973)
..........................................................
17
TABELA 2-
Porcentagem de empréstimos desembolsado ao Brasil pelo
BID
........................................................................................
18
TABELA 3- Melhores Práticas versus Inovação
...................................... 43
TABELA 4-
BID e PMSP: Investimentos realizados até dezembro de
2005
......................................................................................
52
xi
Lista de abreviaturas
AVC Associação Viva o Centro
AID Associação Internacional de Desenvolvimento
BID
Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
CAE Comissão de Assuntos Econômicos
CAS Country Assistance Strategy (Estratégia de Assistência ao País)
CP Country Program ( Documento de País – BID)
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CII Corporação Interamericana de Investimentos
COFIEX Comissão de Financiamento Externo
DEM Partido Democratas
EMURB Empresa Municipal de Urbanização
EUA Estados Unidos da América
FMI Fundo Monetário Internacional
FUMIN Fundo Multilateral de Investimentos
IFC International Foundation Corporation (Corporação Financeira
Internacional)
MSTC Movimento dos Sem Teto do Centro
OEA Organização dos Estados Americanos
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OPA Operação Pan-Americana
PIB Produto Interno Bruto
PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
xii
PT Partido dos Trabalhadores
ULC Unificação das Lutas de Cortiços
UNCTAD
United Nations Conference on Trade and Development
(Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o
Desenvolvimento)
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
xiii
Resumo
Este trabalho analisa a atuação do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) quanto ao financiamento de políticas públicas, notadamente o Programa de
Revitalização do Centro de São Paulo (Procentro). O período observado se
estende da administração Marta Suplicy (2000 – 2004) – gestão em que ocorreu a
assinatura do contrato – à administração José Serra/Gilberto Kassab (2004 –
2008).
Objetiva-se avaliar a influência exercida pelo BID numa política pública específica,
tendo como referência o estudo de caso do Procentro. Para tanto, optou-se por
realizar entrevistas em profundidade com alguns técnicos responsáveis por
diferentes áreas do Programa, por analisar fontes documentais (contratos,
programas e relatórios) com vistas a identificar o tipo de linguagem utilizada pelo
Banco, assim como a qualidade de suas demandas e contrapartidas para a
realização da referida política publica. As observações centraram-se nas etapas
de pré-aprovação e no período da assinatura do contrato; portanto, nas fases
entendidas como precondições e condições respectivamente.
Constatou-se que as condicionalidades são pressupostos que condicionam a
assinatura do Contrato, sendo este circunscrito a um instrumento de garantia de
pagamento do empréstimo, o que implica a lógica do “custo-benefício” (o Banco
considera apenas, portanto, os aspectos mensuráveis). Para tanto, o Banco exige
um conjunto de procedimentos gerenciais que definem o
modus operandi
dos
financiamentos, assim como estipula como padrão formas gerenciais conhecidas
como “melhores práticas”.
Quanto à análise das diferentes gestões político/partidárias, foi possível observar
a opção do BID por não valorizar a participação popular, bem como ignorar as
demandas reivindicadas pelos movimentos sociais representantes da população
pobre.
Ao analisar os documentos, observou-se que o BID possui uma visão particular
em relação às políticas públicas baseando-se em modelos internacionais de
experiências consideradas bem-sucedidas por ele. Por fim, os documentos
assinados com os governos são de difícil acesso, o que denota baixa
transparência.
1. INTRODUÇÃO
Introdução
2
1. Introdução
Este estudo objetiva avaliar a influência exercida pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) numa política pública desenvolvida pelo
município de São Paulo, o Programa de Reabitalização do Centro (Procentro) e,
especificamente, verificar como as condicionalidades requeridas pelo Banco, isto
é, pré-requisitos e exigências que condicionam os empréstimos, influenciam o
conteúdo deste Programa.
A participação das agências multilaterais na realidade dos países
subdesenvolvidos vem aumentando desde a segunda metade do século XX. No
caso do BID, sua importância se revela no montante de recursos destinados ao
Brasil, notadamente nos níveis subnacionais. Em contraste, os estudos que
analisam a autonomia dos governos municipais frente às agências multilaterais de
financiamento são escassos frente à importância desse fenômeno. A maior parte
desses estudos volta-se para os resultados das políticas adotadas, e não para
processo e sobretudo para condicionalidades exigidas pelas agências por serem
estas reveladoras da influência exercida nos países tomadores de empréstimo.
Desse modo, o presente estudo pretende contribuir para um maior conhecimento
e aprofundamento do papel dessas agências quanto ao processo de formulação
das políticas públicas, notadamente por meio de um estudo de caso, o Programa
de Reabilitação do Centro em São Paulo (Procentro).
O município de São Paulo foi escolhido em razão de sua importância
econômica e por seu dinamismo e diversidade social que aglutina crescimento
econômico com enormes desigualdades sociais. Para tanto, selecionou-se um
projeto cuja aprovação gerou repercussão na imprensa, nas entidades não-
governamentais e nos movimentos sociais, sobretudo em função de sua
localização estratégica – a região central de São Paulo – e devido aos conflitos
decorrentes do Projeto. (Note-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal impedia o
Muncipio de contrair novas dívidas, no entanto, por diversos motivos que não
cabem aqui explorar, esta dívida foi contraída pelo Município em caráter
excepcional).
A opção pelo estudo de caso como estratégia de pesquisa se justifica por
se tratar de uma investigação empírica com potencial de generalização – é
Introdução
3
contemporânea, uma vez que o referido programa se encontra em processo de
implantação – em que a posição das agências multilaterais de fomento é
controversa e questionada.
A pesquisa aqui apresentada possui como característica o intuito de
investigar um fenômeno contemporâneo em que os atores envolvidos impõem
novas dinâmicas a um Programa ainda em andamento.
O tema de pesquisa proposto concentra-se na confluência de duas áreas
que ainda permanecem pouco exploradas no Brasil: a questão do financiamento
de políticas públicas e o papel das condicionalidades para a concessão de
financiamentos exigidas pelas entidades multilaterais, com enfoque especial nas
políticas públicas sociais. Esta questão se coloca no capítulo I, relacionada ao
problema da habitação social, e é retomada no capítulo III (estudo de caso),
acompanhada do debate sobre a valorização imobiliária.
O referencial teórico adotado nesta pesquisa baseia-se na teoria de
políticas públicas, notadamente relacionada à análise do processo de difusão de
políticas públicas, por meio de conceitos desenvolvidos por John Kingdon, e da
reflexão acerca dos conceitos de melhores práticas (
best practices
). A análise da
literatura parte do princípio da existência de um conflito de interesses entre os
diversos personagens envolvidos no Programa – partidos políticos, técnicos da
prefeitura, do Banco, Organizações Não Governamentais (ONGs), movimentos
sociais, entre outros – e procura, por meio da tentativa de exposição desses
conflitos, desvendar a questão das condicionalidades do Banco no que tange ao
Procentro, tendo em vista demonstrar a influência dessas agências nas políticas
públicas brasileiras, sobretudo no nível subnacional.
O financiamento do BID para a prefeitura de São Paulo configura-se como
uma oportunidade para se verificar as condições de financiamento, assim como,
derivado disso, as condições de acesso à informação referentes ao Projeto, dada
a existência de conflitos entre interesses imobiliários e interesses sociais.
Ademais, a dificuldade de se administrar um município do porte e complexidade
de São Paulo leva a necessidade de critérios específicos para a concessão de
financiamento dessa sorte. Critérios esses que necessitam vir à tona.
O Procentro constitui, portanto, um Programa em que as circunstâncias
para se avaliar a posição do BID – vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, a
Introdução
4
mudança de gestão no município e as diferentes visões sobre o Projeto – formam
um quadro propício para a averiguação do papel das condicionalidades exigidas,
assim como do processo de financiamento internacional em uma área em que se
concentram diversidades culturais, sociais e econômicas acentuadas, como
aludimos.
Embora a administração Paulo Maluf (1993-1996) e Celso Pitta (1997-
2000) tenha dado início ao Programa, apenas na gestão Marta Suplicy (2001-
2004) é que o mesmo foi aprovado. Assim, a escolha por analisar o período do
Governo Marta Suplicy se fez, sobretudo, em razão de ser o período em que o
contrato foi assinado (02 de junho de 2004). No entanto, a aprovação do
Programa de Reabilitação da Área Central de São Paulo teve seu financiamento
aprovado pelo BID e pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado apenas
no último semestre de sua gestão. Dessa forma, a pesquisa se estendeu aos
governos José Serra e Gilberto Kassab (2005 - 2008) em função, portanto, do
curto período que teve o Governo Marta para administrar os recursos aprovados,
compreendendo o período entre 2001 e 2008, isto é, duas gestões político,
partidárias e ideológicas distintas.
Vale ressaltar que a aprovação do financiamento no último semestre da
gestão Marta Suplicy a impossibilitou de utilizar os recursos. Já a gestão
Serra/Kassab, embora tivesse o crédito aprovado pelo governo anterior, utilizou
apenas 4% da verba disponibilizada pelo Banco até o final de 2008.
Assim, os motivos para a demora na aprovação do financiamento no
Governo Marta, bem como o baixo aproveitamento dos recursos na gestão
Serra/Kassab foram levados em consideração como variáveis a serem analisadas
na tentativa de testar a hipótese de que o BID impõe suas estratégias sob a forma
de condicionalidades. Mais ainda, toma-se a variável partido/ideologia como
elemento de análise no sentido de se perceber se o Banco altera seus
procedimentos perante poderes executivos de cunho ideológico distintos.
Escolhido o lugar e o caso, optou-se por realizar entrevistas em
profundidade com alguns técnicos responsáveis por diferentes áreas do
Programa. As entrevistas limitaram-se a três técnicos que trabalharam na gestão
em que o projeto havia sido aprovado, a gestão Marta Suplicy, dada a imensa
dificuldade em se obter acesso a outros atores. Um dos entrevistados é André
Introdução
5
Leirner, que havia ocupado o cargo de assessor direto da presidência da empresa
responsável por gerir o Projeto (EMURB). A segunda entrevista foi realizada com
Lisandra Guerra, funcionária de livre provimento contratada pela prefeitura
responsável pelas demandas orçamentárias exigidas pelo Banco. A terceira
entrevista foi concedida por Ursula Peres, coordenadora de finanças do Programa
na gestão Marta Suplicy. A quarta entrevista foi realizada com um dos atores que
avaliaram a questão da participação popular nas definições do Procentro: Isadora
Tsukumo, uma das coordenadoras da publicação do Instituto Pólis que se intitula
“Políticas Públicas Para o Centro: Controle social do financiamento do BID à
Prefeitura Municipal de São Paulo”. Vale ressaltar que se buscou levantar
informações com os técnicos responsáveis pelo Programa na atual gestão,
porém, apesar de inúmeras tentativas, não obtivemos resposta.
Realizou-se também a análise de fontes documentais (contratos,
programas e relatórios) com a finalidade de se identificar, na medida do possível,
o tipo de linguagem utilizada pelo Banco para se fazer atender às suas
demandas, sobretudo em dois momentos: na etapa de pré-aprovação e no
período da assinatura do contrato. Essas etapas são entendidas respectivamente
como precondições e condições. Dessa forma, procurou-se elucidar os aspectos
fundamentais para que o Projeto pudesse ter seu financiamento aprovado pela
referida instituição.
Com o levantamento das informações adquiridas e fazendo uso das
técnicas acima explicitadas, três aspectos distintos se destacaram. O primeiro
remete à questão da imposição de agenda, normas e modelos pelo BID; o
segundo enfatiza a mudança de gestão em que são comparadas as diferenças
entre a administração Marta Suplicy (PT) e a de José Serra (PSDB)/Gilberto
Kassab (DEM), que sucedeu a gestão Marta. O terceiro aspecto diz respeito à
questão das condicionalidades que é aqui colocada sob diversos aspectos com o
intuito de fornecer um panorama mais amplo sobre como condições de
financiamento aparecem nas fases de pré-aprovação, assinatura de contrato e
execução de uma política púbica financiada por uma agência internacional.
Os capítulos que se seguem são estruturados da seguinte maneira:
No capítulo 1, observou-se o papel das agências multilaterais de uma
maneira geral, posteriormente, o foco da abordagem voltou-se para o Banco
Introdução
6
Interamericano de Desenvolvimento em que se explorou sua missão, história e
procedimentos de atuação. Na terceira parte, buscou-se discutir a
atuação do
Banco na América Latina e, sobretudo no Brasil. Por fim, se discutiu a questão do
que se constitui desenvolvimento para o Banco comparando-se ao observado no
estudo de caso.
No capítulo 2, o debate se concentrou em torno das políticas públicas
tentando explorar a questão da influência das agências internacionais e o
processo de difusão de políticas públicas, assim como analisou-se os conceitos
de formulação de agenda política, baseando-se notadamente no conceitos de
John Kingdon. Posterirmente, o debate voltou-se para as diferenças entre as
concepções das melhores práticas confrontando-as com o conceito de inovação.
O capítulo 3 se inicia com uma breve apresentação do Procentro e,
posteriormente, aborda a percepção dos técnicos entrevistados sobre a
participação do BID no Projeto. Em seguida, buscou-se comparar as gestões de
Marta Suplicy (PT) e com a de José Serra (PSDB)/Gilberto Kassab (DEM). Além
disso, procurou-se explorar o papel das condicionalidades em meio às condições
de financiamento. Por fim, analise de alguns documentos considerados
pertinentes ao que se propôs neste estudo.
Cabe dizer, por fim, que este estudo é exploratório e que os elementos
analisados permitem algumas considerações que poderão ser aprofundados por
outros trabalhos.
2. Catulo I
Capítulo I
8
2.1 Considerões gerais sobre o papel das agências multilaterais
O financiamento ao desenvolvimento econômico voltado aos países
periféricos vem geralmente associado ao Banco Mundial, ao Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ao Fundo Monetário Internacional
(FMI). Historicamente, o FMI atua de uma forma muito particular, geralmente
vinculando suas ações a exigências de ordem macroeconômica. Entendidas
como condicionalidades
1
, essas exigências – de todas essas instituições –
costumam estar associadas a ajustes de natureza econômica, geralmente
enaltecendo as doutrinas liberais que se justificam pela apresentação de uma
“boa imagem” do país no mercado financeiro internacional.
Entre os exemplos de condicionalidades destacam-se a redução dos
gastos públicos bem como a predominância do setor privado. As
condicionalidades contribuem para o distanciamento do Estado em relação às
políticas públicas universalizantes, cedendo lugar ao “equilíbrio natural do
mercado”. Ocorre, dessa forma, a valorização do mercado em detrimento da
atuação do Estado, incentivando-se, sobretudo, processos de privatização e de
desregulamentação, assim como a obrigatoriedade – em diversos casos – dos
países tomadores de empréstimos aplicarem os recursos segundo ditames dados
por tais agências, notadamente o BID e o Bird.
Essa perspectiva, compartilhada por diversos autores, possivelmente
surgiu em função da dívida externa contraída por muitos países que seguiram as
recomendações do FMI, ao lado da própria pressão política das agências
multilaterais e dos países componentes do G-7. Como se sabe, em reunião
realizada em Washington no final de 1989 o Fundo decidiu que políticas de
“ajuste estrutural” passariam a ser condicionalidades para todos os empréstimos
dirigidos aos países “em desenvolvimento”, surgindo assim o chamado “Consenso
de Washington”. As predições do “Consenso” se justificaria em nome do suposto
desenvolvimento (Schneider, 2000).
Criado na mesma ocasião do FMI, o Banco Internacional de Reconstrução
e Desenvolvimento (BIRD) constitui uma das cinco agências que compõem o
1
O termo “condicionalidade”, de uso corrente na literatura sobre as agências internacionais, remete aos
requisitos para a concessão de financiamentos.
Capítulo I
9
Grupo do Banco Mundial (
World Bank
). Seu objetivo inicial foi financiar os projetos
de recuperação econômica dos países atingidos pela II Guerra Mundial. Com
recursos oriundos das principais economias do mundo, o Banco passou
progressivamente a conceder empréstimos financeiros de longo prazo aos países
em desenvolvimento. Por intermédio da Corporação Financeira Internacional
(IFC), agência que busca promover o desenvolvimento mediante financiamento
de investimentos do setor privado e da Associação Internacional de
Desenvolvimento (AID), que proporciona empréstimos sem juros, mormente aos
países mais pobres, os empréstimos concedidos devem respeitar, sobretudo, os
critérios previamente definidos pelo Banco. (Sandroni, 1999).
Dessa forma, carecendo de recursos, os países periféricos passaram a
conviver com as condicionalidades requeridas pelo Banco em praticamente todos
os níveis de governo, (federal, estadual e municipal), sobretudo os países que
necessitassem de recursos de forma emergencial. As condicionalidades aos
financiamentos, como veremos adiante, caracterizam-se por permitir maior
precedência ao mercado e, portanto, são associadas às práticas liberais.
Também a abertura comercial é o referencial da visão de desenvolvimento
adotada pelo BID. Ou seja, as exigências requeridas pelo Banco, que assumem o
caráter de condicionalidades, impõem uma visão específica quanto ao modelo de
desenvolvimento pregado pelo Banco.
Especificamente quanto ao Brasil, a ascensão das idéias neoliberais
ocorreu concomitantemente à evolução de políticas descentralizadoras, tida,
assim, como predição do liberalismo, o que não é necessariamente verdadeiro. A
participação da “sociedade civil” constituiria o diferencial das reformas pró-
descentralização. Contudo, ao trabalhar com conceitos relativos a
empowerment
e
accountability
, as agências multilaterais participaram do debate político sobre a
descentralização das políticas públicas e passaram a ocupar um lugar estratégico
na agenda de muitos governos, nacionais e subnacionais.
Embora o papel dessas entidades internacionais seja uma realidade, sua
influência na formulação da agenda política dos entes federativos ainda é pouco
explorada. Mas, especificamente quanto aos empréstimos federais tomados junto
a elas, há críticas importantes no que diz respeito à perda da soberania nacional.
Capítulo I
10
Pode-se dizer que há uma percepção por parte de vários atores de que essas
instituições exercem influência na agenda política de países carentes de recursos,
o que implica, além do mais, na imposição de condutas para que os empréstimos
sejam quitados dentro do prazo (Furtado, 1998).
Dessa forma, o debate envolvendo a posição das agências multilaterais no
mundo periférico é fecundo, porém difícil de ser mensurado. Os rumos da
Administração Pública e de sua agenda de reformas, que oscila entre a
descentralização e a recentralização, ainda são incertos, notadamente quanto às
influências de agências multilaterais no contexto subnacional, situação específica
do estudo de caso que ora efetuamos. Vale lembrar que a atuação do BID, apesar
de não ter relação direta com o FMI e o Banco Mundial, é centrada nos níveis
regional e sub-regional, e que o processo de difusão de políticas públicas
promovido pelas diversas agências de fomento, que atuam internacionalmente, é
por excelência controvertido.
2.2 O Banco Interamericano de Desenvolvimento: percurso e criação
O término da Segunda Guerra Mundial em 1945 marca o surgimento de
uma nova ordem internacional. A disputa hegemônica entre os Estados Unidos da
América (EUA) e a União Soviética (URSS) delineia grande parte da história do
século XX.
Os EUA passaram a representar uma alternativa liberal-capitalista de
desenvolvimento, ao passo que a URSS, por meio do socialismo
progressivamente denominado “real”, propunha um modelo voltado à superação
das desigualdades sociais.
A disputa pela hegemonia se fez com estratégias distintas. Os norte-
americanos voltaram-se à reconstrução dos países que sofreram as nefastas
conseqüências da guerra, notadamente a Europa Ocidental e o Japão. Assim,
surge um conjunto de instituições que visaram a retomada do crescimento
econômico e do desenvolvimento social. Em contrapartida, a URSS afirmara-se
como alternativa ao sistema capitalista.
Capítulo I
11
A estratégia de busca pela hegemonia norte-americana se fez notar,
quando da convenção de Bretton Woods, em julho de 1944
2
, com a criação da
Organização das Nações Unidas
3
(ONU).
Os anos que se seguiram ao imediato pós Segunda Guerra Mundial foram
marcados por uma nova fase de crescimento econômico no sistema capitalista.
Os empréstimos do Banco Mundial, assim como o Plano Marshall
4
– entre outros
mecanismos – são tidos como os grandes responsáveis pela ascensão do
capitalismo entre 1945 até meados de 1970. Nesse sentido, as atenções dessas
agências voltaram-se à reconstrução internacional, sobretudo dos países que
participaram ativamente dos conflitos. Paralelamente, os países “em
desenvolvimento”, notadamente os latino-americanos, sofreram com as
conseqüências econômicas da crise de 1929 e com os efeitos econômicos da
Guerra.
Nos idos 1950 a ONU passou a divulgar estudos focados nas economias
em desenvolvimento e constatou a importância do papel dos Estados nacionais.
Vale ressaltar que, após a Grande Depressão ocorrida de 1929, o Estado havia
recuperado sua importância perante a economia capitalista, tendo sido
influenciado, sobretudo, pelas idéias de John Maynard Keynes
5
. A idéia de
intervenção estatal na economia cresce e ganha legitimidade. A criação da
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) pela ONU
fortalece essa concepção. Os primeiros estudos realizados por esta Comissão
evidenciaram a separação do mundo em duas concepções: os países
desenvolvidos e os subdesenvolvidos. A constatação da deterioração dos termos
2
Realizada em New Hampshire, nos Estados Unidos, a Conferência de Bretton Woods (1944) contou com
representantes de 44 países para planejar a estabilização da economia internacional destruída com o advento
da Segunda Guerra Mundial. Os acordos acertados nessa ocasião resultaram na criação do Fundo Monetário
internacional (FMI) e do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). O BID seria
criado apenas em 1959, após fortes pressões dos latino-americanos por uma agência de fomento com atuação
centrada na América Latina, conforme será visto mais adiante neste trabalho.
3
Sucintamente, a ONU foi concebida com a finalidade de promover a cooperação internacional em busca de
segurança e paz no contexto pós-Segunda Guerra Mundial. No entanto, como seu principal idealizador foram
os EUA, observamos essa relação entre a criação desta instituição e a tentativa de hegemonia norte-
americana na política internacional.
4
O Plano Marshall se caracteriza fundamentalmente pela ajuda para reconstruir as economias da Europa
Ocidental arruinadas pela Segunda Guerra Mundial. Cf. Sandroni, 1999.
5
Ao elaborar a Teoria Geral, Keynes sugere que o equilíbrio automático de auto-regulação do mercado seria
incapaz de garantir o mercado e o equilíbrio econômico. As concepções desenvolvidas por Keynes abalaram
o pensamento liberal clássico, sobretudo com a eclosão da crise de 1929 nos EUA.
Capítulo I
12
de troca das economias subdesenvolvidos com os países desenvolvidos
evidenciou a relação de dominação sobre os países exportadores de produtos
primários.
Dessa forma, a estratégia que se discutia para romper com a histórica
depreciação dos termos de troca consistia no investimento de bens de capital
que, gradativamente, dispensaria os produtos importados. Nesse contexto, os
países subdesenvolvidos, notadamente os latino-americanos, passaram a se
empenhar na criação de organismos internacionais que pudessem financiar o
processo de industrialização.
O Banco Mundial consistia uma alternativa de crédito aos latino-
americanos; no entanto, seus esforços se concentravam em ajudar os países
prejudicados pela Guerra. Assim, a pressão para a criação de uma agência
internacional de financiamento aumentava.
As crescentes insatisfações sociais faziam surgir o sentimento de
antiamericanismo, o que implicava a possibilidade de fortalecimento de
alternativas vinculadas ao socialismo na América Latina. Essa percepção se
fortalece com as fortes hostilidades sofridas pelos presidentes dos EUA no
continente sul-americano. Dessa forma, foi aproveitando-se da deterioração nas
relações entre os EUA e a América Latina que o presidente Juscelino Kubitschek
vislumbrou aquela que seria a linha-mestra da política externa de seu governo: a
Operação Pan-Americana
6
(OPA)” (Scherma, 2007, p. 42).
Nesse quadro de grandes transformações do cenário internacional, em que
a disputa pela hegemonia entre um sistema que se auto-referia como
meritocrático, representado pelo capitalismo norte-americano, com o sistema
socialista – autodenominado “igualitário”, representado pela URSS –, fez que na
reunião dos ministros das relações exteriores da Organização dos Estados
Americanos (OEA) fosse aprovada a criação do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) em 1959.
6
A Operação Pan-Americana (OPA) tinha como pressuposto que somente a erradicação da miséria poderia
conter o avanço das idéias comunistas na América Latina. Segundo Scherma (2007), a estratégia da OPA
consistia em tirar proveito do conflito bipolar da Guerra Fria pleiteando a criação de um banco de
desenvolvimento para a América Latina.
Capítulo I
13
Note-se que a criação do BID é sancionada pelos norte-americanos em
função da possível relação do Brasil com os países socialistas. Esse temor havia
se agravado, notadamente após a Revolução Cubana, em 1959, no contexto
portanto da Guerra Fria. Desse modo, embora a pressão da OPA tenha
contribuído para a criação do Banco, a concretização do BID representa a
vinculação entre os EUA e a instituição, assim como a esfera de influência deste
país no que tange aos países da América Latina.
2.3 O BID na América Latina
A criação do BID em 1959 por ocasião da reunião dos membros da OEA
marca a relação entre a instituição e os EUA. Essa aproximação ganha força
quanto aos critérios para participar do Banco. Para que um país consiga ser
membro regional do Banco é necessário ser membro da OEA; além disso, para
ser membro extra-regional é necessário ser membro do FMI.
No primeiro Relatório Anual do Banco, datado de 1960, pode-se observar a
prioridade em investimentos nos setores produtivos:
(...) os recursos do Fundo poderão ser usados para empréstimos destinados
a projetos altamente produtivos, num país onde seja razoavelmente evidente
que a situação da balança de pagamentos tornaria difícil seu reembolso nas
condições estabelecidas para as operações ordinárias. (...) Os termos e
condições que se aplicam aos empréstimos especiais podem ser mais
flexíveis do que os relativos aos empréstimos dos recursos ordinários (BID,
Relatório Anual, 1960, apud Scherma, 2007, p.52).
Vale lembrar que os investimentos em setores produtivos haviam sido
ressaltados pela CEPAL, assim como pelo Plano de Metas do Governo
Kubitschek. Pode-se argumentar que a atuação do Banco se caracteriza por
atender às estratégias pretendidas pelo governo brasileiro. Ademais, também se
observou o esforço do Banco em garantir investimentos na área social.
A posição do Banco em apoiar projetos de caráter social possivelmente
provinha da ameaça socialista representada pela URSS e por Cuba que, apesar
de enfrentarem dificuldades econômicas, conseguiram garantir certo grau de
Capítulo I
14
seguridade social aos seus cidadãos. Dessa forma, a atuação do BID fortalece o
pensamento prevalecente na América Latina, que se caracterizou pela estratégia
da industrialização e pelo nacional-desenvolvimentismo como forma de superar o
subdesenvolvimento e reduzindo a desigualdade social, o que, reitere-se, tinha
caráter estratégico em razão da bipolaridade mundial.
O empenho dos norte-americanos em superar a alternativa representada
pelo socialismo fora vigoroso. Após a revolução cubana (1959), o presidente dos
EUA, John Kennedy, conseguiu apoio do Congresso para aprovação de verba de
cerca de U$500 milhões destinada ao desenvolvimento da América Latina. Desse
investimento, denominado “Aliança para o Progresso”, U$394 milhões foram
destinados aos projetos financiados pelo BID, surgindo assim o chamado “Fundo
Fiduciário para o Progresso Social”, que recebeu uma verba adicional de U$ 525
milhões em 1964.
O Brasil teve seu primeiro empréstimo aprovado pelo BID no Governo
Jânio Quadros, em 1961, que fora direcionado para uma fábrica de celulose. No
entanto, o Governo Quadros progressivamente foi vinculado a idéias “à
esquerda”, o que gerou constrangimentos diversos, entre os quais o simbolizado
pela condecoração a Che Guevara.
A ascensão de João Goulart à presidência levantou suspeitas quanto às
reformas por ele pretendidas, tais como a reforma agrária e outras de cunho
nacionalista, o que, entre outros fatores, contribuiu para o golpe de Estado em
1964, que essencialmente foi vinculado às classes dominantes temerosas de uma
suposta “revolução socialista”.
É interessante notar que, mesmo o golpe militar tendo mantido as diretrizes
econômicas do país no sentido do “vetor Estado” então vigente, e apoiado pelos
EUA – embora destituídas de qualquer preocupação social –, o fato de o país
tornar-se uma ditadura parece não ter abalado a relação com o Brasil. Afinal, os
investimentos do Banco ao país não sofreram qualquer tipo de restrição; ao
contrário, o BID parece ter alargado a oferta de investimentos:
Apesar de a situação política encontrar-se bastante instável neste período, a
atuação do BID no Brasil foi bastante linear, tendo o Brasil recebido
Capítulo I
15
expressiva parcela dos recursos totais emprestados pelo Banco. Estes
recursos ganham ainda maior importância quando lembramos que, desde
1959, o Banco Mundial havia diminuído sua atuação no Brasil, devido ao
rompimento de Juscelino (Scherma, 2007, p.60).
Reitere-se que, em termos de volume de empréstimos, o BID não levou em
consideração o fato de uma ditadura militar no Brasil; contudo, segundo Scherma,
o rompimento – no Governo de Juscelino Kubitschek – com o FMI parece ter
gerado maior dificuldade quanto à aquisição de novos financiamentos com o
Banco Mundial. Assim, diferentemente do BID, o FMI e o Banco Mundial
pareceram, naquele momento, atuar de forma mais confluente. Posteriormente o
regime militar no Brasil reatou as relações com o FMI, o que pode ter contribuído
para a manutenção dos empréstimos do BID ao país.
Vejamos, abaixo, a distribuição dos investimentos do BID no Brasil:
Figura 1 – Distribuição setorial dos Projetos aprovados para o Brasil. Fonte:
Scherma, 2007, baseado no Relatório Anual do BID de 1963.
Pode-se observar que o setor produtivo concentrou 35% dos investimentos,
seguido do setor social com 25% e infra-estrutura com 18%. Note-se que os
financiamentos mantêm a estratégia nacional-desenvolvimentista, que vinha
sendo adotada pelo Brasil. Mas a partir de 1964 o governo brasileiro, sob a tutela
militar, passa a adotar novas estratégias de desenvolvimento. Os pontos de
concentração passam a ser o combate à inflação, assim como o crescimento
econômico
7
.
7
Note-se que o termo “desenvolvimento” é afastado, assim como as considerações sociais. Sob a tutela do
regime militar o temor socialista é minimizado bem como a preocupação com investimentos sociais.
Capítulo I
16
Uma das principais características do novo modelo adotado pelo país
durante o regime militar são as políticas de estímulo ao ingresso de capitais
estrangeiros e a retomada das relações com as agências internacionais,
notadamente o FMI e o Banco Mundial. Assim, a tomada do Estado pelos
militares e a adoção de estratégias econômicas voltadas sobretudo ao
crescimento econômico, ao combate à inflação e ao aumento das exportações fez
que o Brasil voltasse a ter boas relações com o FMI e com o Banco Mundial,
diversificando suas modalidades de financiamento.
Dessa forma, pode-se observar que a abertura ao capital estrangeiro
adotada pelo regime militar é compatível com a ideologia das agências
internacionais. No entanto, apesar das vicissitudes do desenvolvimento a partir de
1964 a distribuição dos investimentos por setor se manteve:
Podemos observar, portanto, que tanto a instauração do regime militar no
Brasil como o ajuste do PAEG [Plano de Ação Econômica do Governo] não
alteraram substancialmente a forma de atuar do BID no Brasil, que
continuou dando ênfase aos setores produtivos, de infra-estrutura e social,
ainda nos moldes desenvolvimentistas. A maior abertura da economia
brasileira ao capital externo e a empréstimos deu ainda maior peso às
instituições de fomento como o BID, e o próprio fortalecimento institucional
do banco contribuiu para que o volume de recursos aplicados no Brasil
aumentasse (Scherma, 2007, p.72).
Observe-se que o Banco e demais agências internacionais parecem
desconsiderar a ausência de democracia. Assim, a postura do BID pode ser
observada como conivente ao regime militar então vigente no Brasil. Vale dizer
que a concentração de renda aparece como uma das principais características do
subdesenvolvimento brasileiro e que assume sua forma mais nítida após o golpe
de 1964
8
.
Já a partir de 1968 o país ingressa no chamado “milagre brasileiro”. Tendo
em vista o PIB, o Brasil passa a crescer 11,15% ao ano entre 1968 e 1973. O
Plano Estratégico de Desenvolvimento considerava as seguintes estratégias para
manter a economia acelerada:
Estabilização gradual dos preços, mas sem meta de inflação;
8
Outras análises sobre a questão do subdesenvolvimento brasileiro e a participação do regime militar a partir
de 1964 pode ser vista em Furtado, 1998.
Capítulo I
17
Fortalecimento da empresa privada, visando a retomada dos
investimentos;
Consolidação da infra-estrutura, que ficaria a cargo do Estado; e
Ampliação do mercado interno, especialmente com aumento da
demanda por bens de consumo duráveis.
Portanto, apesar de algumas mudanças, sobretudo quanto à abertura ao
capital estrangeiro, a estratégia de desenvolvimento ainda era marcada pelo
Plano de Metas de Juscelino. Uma das explicações para o vertiginoso
crescimento observado na economia brasileira é a expansão do comércio
internacional. Dessa forma, tendo o Brasil adotado a abertura ao capital
estrangeiro como importante estratégia para o desenvolvimento nacional, o país
se beneficiou da situação internacional, assim como se utilizou dos empréstimos
concedidos pelos organismos internacionais de financiamento, caso do BID.
No entanto, no Relatório Anual de 1971 o Banco sinalizou redução das
atividades relacionadas ao comércio exterior, assim como um déficit crescente na
no balanço de pagamentos. Era o prenúncio do processo de desaceleração da
economia internacional que se configura com a crise do petróleo em 1973. Dessa
forma, ocorre uma oscilação – com tendência de queda – quanto ao percentual de
empréstimos voltado para a América Latina:
Tabela 1 - Percentual de empréstimos do BID para a América Latina, por
setor (1968 – 1973)
Fonte: Scherma, 2007, baseado no Relatório Anual do BID entre 1968 e 1973.
*Em 1972, os empréstimos para outros setores (pré-investimento, cooperação
técnica e financiamento de exportações) foram contabilizados juntamente com
o setor social.
Capítulo I
18
Pode-se observar que, sobretudo a partir de 1971, a tendência de
investimento é de queda relativa. No entanto, o setor produtivo aparece com um
percentual relativo ascendente, pois passa de 29% em 1971 para 40% em 1973.
Ademais, pode-se observar a redução dos investimentos no setor social, o que
indica as prioridades co-estabelecidas entre os governos e o BID.
Apesar da tendência de queda, é partir de 1974 que a crise atinge seu
ápice. A crise do petróleo desestabiliza o cenário internacional e a dívida externa
brasileira alcança U$55.803 milhões no final de 1979. Nesse contexto, embora o
BID tenha diminuído o número de empréstimos aprovados, a estratégia de
desenvolvimento ainda se concentra no setor de infra-estrutura. Pode-se
constatar, portanto, que a crise internacional causada pelo aumento do preço do
petróleo e do conseqüente agravamento do subdesenvolvimento nas economias
em desenvolvimento não fez com que o BID alterasse o vetor de sua atuação,
assim como não houve mudança de posição em relação ao caráter autoritário do
governo brasileiro. Parece ter havido uma complementaridade entre a agência
internacional e o governo brasileiro. Assim, pode-se notar que os empréstimos
dirigidos ao Brasil oscilaram de maneira cooperativa.
Tabela 2 – Porcentagem de empréstimos desembolsado ao Brasil pelo BID
Fonte: Scherma, 2007, baseada no Relatório Anual do BID entre 1963 a 1979.
Capítulo I
19
O dado curioso é que, em 1964, justamente na ocasião do golpe de
Estado, o percentual de empréstimos do BID ao Brasil é notadamente elevado.
Nas demais ocasiões, o volume de empréstimo mantém-se numa média de 25%,
havendo, no entanto, um relativo decréscimo após a crise do petróleo em 1979.
Vale ressaltar a importância do BID para o país, pois averigua-se um importante
instrumento de recursos, inclusive nos períodos de crise.
Mas os impactos da crise na economia brasileira podem ser observados de
outra forma. Conforme observado no gráfico abaixo, os projetos aprovados pelo
BID ao Brasil centram-se, sobremodo, nos setores produtivos e de infra-estrutura,
em contraste à redução de projetos no setor social:
Figura 2 – Projetos aprovados do BID para o Brasil, por área e ano. Fonte:
Scherma, 2007, baseada no Relatório Anual do BID entre 1963 a 1979.
Essa análise é reafirmada no gráfico abaixo ao se observar os projetos
aprovados pelo Banco considerando-se os valores empenhados por área.
Observa-se que o setor social vem perdendo espaço não apenas em número de
empréstimos, mas notadamente nos valores. Isto é, vê-se a valorização de
setores específicos, como infra-estrutura e produção, em detrimento dos
investimentos nos setor social, sobretudo a partir de 1967. O período entre 1964 e
1967 é focado no setor produtivo, ao passo que no período anterior a
concentração no setor social é superior a todos os outros setores.
Capítulo I
20
É difícil saber se tais privilegiamentos foram traçados pelo Banco ou pelo
governo brasileiro. Ao que parece, havia afinidade ideológica entre as ações do
governo e do Banco: este preocupado em financiar empréstimos em áreas e
setores relacionados sobretudo ao setor econômico, deixando espaço cada vez
menor aos projetos sociais
.
Figura 3 – Projetos aprovados pelo BID ao Brasil por área e valores. Fonte:
Scherma, 2007, baseada no Relatório Anual do BID entre 1963 a 1979.
A estratégia adotada parece não ter dado bons resultados. Na década
seguinte, já em 1981, o PIB brasileiro indica valores negativos, que se estendem
até 1983. Caracterizada como “década perdida”, os acordos internacionais com o
FMI são retomados e o país se prepara para a reabertura política.
Enquanto o Brasil acumula índices negativos em suas contas, muitos
planos de estabilização e controle da inflação foram tentados.
Concomitantemente, em 1988, elege-se presidente do BID o uruguaio Enrique
Iglesias, que inicia uma gestão centrada na reforma e reorganização das
atividades desempenhadas pelo Banco. Em função da crise econômica da
década de 1980 a decretação de moratórias levou o BID à carência de recursos,
fazendo com que aumentasse a participação dos EUA, pois este empenhou
novas remeças de capital às contas do Banco. Dessa forma, sob maior influência
Capítulo I
21
dos norte-americanos, os projetos aprovados nos anos posteriores foram co-
financiados pelo Banco Mundial.
Ademais, essa gestão é marcada por criar novas divisões voltadas para a
análise de políticas macroeconômicas e setoriais. Dessa forma, ao constatarem o
declínio do desenvolvimento econômico e social nos países mutuários as
estratégias de desenvolvimento passaram a ser discutidas também nos EUA: “(...)
em 1986 é publicado pelo Institute for International Economics (IIE), com sede nos
Estados Unidos, estudo que se tornou a ‘personificação’ deste novo modo de
pensar. Trata-se de Toward Renewed Economic Growth in Latin America, que
viria a ser conhecida como ‘o Consenso de Washington’” (Scherma, 2007, p. 136).
[o Consenso de Washington é] um conjunto de preceitos a serem seguidos
pelos países em desenvolvimento para realizar as suas reformas
econômicas. São diretrizes de referencial neoliberal. A ênfase é na
economia de mercado. Essência: abertura econômica, desregulamentação,
rígido controle da inflação e do déficit público, redução do tamanho e do
papel do Estado, privatizações (Couto, 2002, p. 73).
As reformas estruturais que deveriam ser seguidas pelos países tomadores
de empréstimos deveriam respeitar as seguintes regras:
1. déficits orçamentários pequenos o bastante para serem financiados sem
recurso ao imposto inflacionário;
2. gastos públicos redirecionados de áreas politicamente sensíveis que
recebem bem mais recursos do que seu entorno econômico e capaz de
justificar, para campos negligenciados com altos retornos econômicos e o
potencial para melhorar a distribuição de renda, tais como educação
primária e saúde, e infraestrutura;
3. reforma tributária de forma que alargue a base tributária e reduza
alíquotas marginais;
4. liberalização financeira, envolvendo um objetivo final de taxas de juros
determinadas pelo mercado;
5. uma taxa de câmbio unificada a um nível suficientemente competitivo para
induzir um crescimento rápido nas exportações não-tradicionais;
Capítulo I
22
6. restrições comerciais quantitativas a serem rapidamente substituídas por
tarifas que seriam progressivamente reduzidas até que fosse alcançada uma
taxa baixa uniforme da ordem de 10% a 20%;
7. abolição de barreiras que impedem a entrada do investimento estrangeiro
direto;
8. privatização de empresas de propriedade do Estado;
9. abolição de regulamentações que impedem a entrada de novas empresas
ou restringem a competição;
10. provisão de direitos garantidos de propriedade, especialmente para o
setor informal. (Scherma, 2007, p. 136-137).
Pode-se observar que as regras buscam diminuir o papel do Estado
enfatizando a abertura econômica. Trata-se em verdade de reformas neoliberais.
Scherma (2007) ressalta que, embora tenha havido debate entre os adeptos e
opositores dessas idéias, o receituário liberal já vinha sendo discutido na América
Latina, obtendo apoio interno, o que teria tornado em certa medida desnecessária
a imposição. Acreditamos, no entanto, que se deve questionar se a aceitação
dessas medidas se fez em razão da crise iniciada na década de 1980, ou se se
concretizaram em função da visão consensual entre as agências multilaterais e as
representações governamentais de cada país, assim como entre outros atores.
Fruto desse contexto, a década de 1990 é marcada no Brasil pela
consolidação das idéias liberais relacionadas ao “Consenso de Washington”.
Fernando Collor iniciou as “reformas orientadas para o mercado” que se
estenderam aos governos sucessores. No entanto, em 1999 o BID elabora uma
nova estratégia institucional ressaltando cinco prioridades:
1. Substituir a idéia de projeto pela de programa;
2. Passar de uma autoridade central para uma descentralizada;
3. Considerar o BID como uma organização que ensina, mas que
também aprende com os mutuários;
4. Passar da cultura de aprovações de empréstimo para uma cultura
de resultados efetivos destes, e;
Capítulo I
23
5. [Demonstrar a] Necessidade de trabalhar mais de perto com
instituições não soberanas (governos subnacionais, setor privado e
instituições civis) (Scherma, 2007, p. 161).
O terceiro item será discutido no capítulo 3 deste trabalho. No entanto,
pode-se adiantar que o Banco procura se fazer obedecer também no que diz
respeito aos itens 2 e 4, em que a descentralização de políticas públicas, assim
como a relação com instituições não soberanas, facilitam a imposição das normas
do BID. Essa constatação aparece, sobretudo, quando da percepção dos técnicos
quanto à forma de atuação do Banco, notadamente no caso do Procentro, como
veremos.
Contudo, Scherma (2007) destaca as diretrizes do BID para o período
2005-2008:
A necessidade de apresentar resultados mais tangíveis do desenvolvimento
num contexto de severas restrições fiscais na região levou o Banco a
responder com um quadro de empréstimos para 2005-2008 baseado num
modelo empresarial de gestão de resultados com um enfoque programático
mais amplo. Nesse novo quadro, recursos do Banco poderão ser utilizados
para financiar parte dos esforços dos governos para melhorar o
desempenho, a governança e a desenvolver a capacidade institucional,
aumentando aos poucos o uso dos sistemas nacionais para planejamento,
gestão de recursos e avaliação do desempenho (BID, Relatório Anual de
2005, p. 8, apud Scherma, 2007, p. 163).
Dessa forma, o Banco ressalta a importância que será dada aos projetos
que possam ter resultados mensuráveis, o que significa dar ênfase aos projetos
que geram resultados quantitativos, tais como obras arquitetônicas voltadas ao
turismo e aos negócios, por exemplo. Ademais, o BID passou a focar suas ações
em práticas gerenciais como forma de garantir o resultado dessas políticas. Como
veremos, a importância dada às ações que possibilitem resultados
quantitativamente mensuráveis, bem como as práticas gerenciais colocadas pelo
Banco, serão fruto de discussão na análise do estudo de caso apresentada no
capítulo 3.
Atualmente o BID é considerado o maior banco regional de
desenvolvimento. Sua atuação é freqüentemente sugerida como modelo a outras
instituições similares que atuam em nível regional e sub-regional. Comumente
associado a outras instituições internacionais de financiamento, o BID, apesar de
Capítulo I
24
ter sido concebido pela Organização de Estados Americanos (OEA), não possui
nenhuma relação formal com essa instituição e nem mesmo com o FMI e com o
Banco Mundial, como aludimos.
A constituição do BID, segundo o sítio do próprio Banco na internet, é
formada peloBanco Interamericano de Desenvolvimento, pela Corporação
Interamericana de Investimentos (CII) e pelo Fundo Multilateral de Investimentos
(FUMIN). A CII concentra-se no financiamento de médias e pequenas empresas,
enquanto o Fumin promove o crescimento do setor privado com investimentos e
operações de cooperação técnica não-reembolsáveis, com ênfase na
microempresa” (BID, “Quem Somos?”, sítio do BID, acesso em janeiro de 2009).
De acordo com a auto-imagem feita pelo Banco, este se propõe a colaborar
no combate à pobreza e na promoção da eqüidade social por meio de programas
“adequados às condições locais
9
, isto é, financiando projetos que respeitem as
particularidades de cada localidade que será atingida pelas ações financiadas
pela entidade. No entanto, a análise do Procentro demonstrou o contrário. As
práticas adotadas pelo BID seguem um padrão internacional das chamadas
“melhores práticas”, sobretudo em gestão, que implica modelagem das políticas
públicas financiadas. Afinal, o Banco enfatizou as propostas de valorização do
metro quadrado na região, o que gerou polêmica com os movimentos defensores
da diversidade social no centro. Assim, como veremos no capítulo III, nosso
estudo não constatou a referida adaptabilidade do Banco em relação às
especificidades do centro de São Paulo.
Mais ainda, ao trabalhar com governos e com diversos segmentos do setor
privado, o Banco procuraria “promover crescimento econômico sustentável,
aumentar a competitividade, modernizar as instituições públicas e fomentar o livre
comércio e a integração regional” (BID, “O que fazemos”, sítio do BID, acesso em
janeiro de 2009). Incluem-se entre as principais metas declaradas formalmente
pelo BID o crescimento econômico e a integração regional focada na América
Latina e o Caribe. Com isso, o Banco diz pretender reduzir a pobreza e promover
maior equidade social de forma sustentável. O sítio do Banco ressalta algumas
9
Segundo informações encontradas no sítio do BID na internet, o Banco busca colaborar com os
países no combate à pobreza e na promoção da equidade social por meio de programas
adequados às condições locais. (BID, “O que fazemos”, sítio do BID, acesso em janeiro de 2009).
Capítulo I
25
“iniciativas prioritárias”, da qual se destaca o item “oportunidades para a maioria”
como aspecto de maior relevância do ponto de vista da equidade social. A
estratégia do Banco consiste em promover e financiar novos modelos de negócios
envolvendo, sobretudo, empresas do setor privado e governos locais. Essas auto-
referências serão, reitere-se, cotejadas com o programa concreto do Procentro.
Uma das principais características dos empréstimos dirigidos ao setor
público pelo BID é o prazo de amortização. Ao utilizar seu “Capital Ordinário”, que
atualmente soma US$101 bilhões, os prazos para pagamento de empréstimos
variam de 15 a 25 anos para o setor público e de 8 a 15 anos para o setor
privado. Segundo o Banco, “os requisitos para a concessão de empréstimos
variam de acordo com o tipo de projeto, instrumento de financiamento e o fundo”
10
(BID, “Empréstimos”, sítio do BID, acesso em janeiro de 2009).
Formalmente, os financiamentos para o setor público ocorrem mediante a
apresentação de uma Carta assinada por um membro do governo federal. No
entanto, o Banco estuda estratégias de financiamento diretamente às entidades
subnacionais sem a garantia da União. Ainda assim, o Estado requerente deve
comprovar a inexistência de qualquer impedimento para a solicitação de crédito
ao exterior, assim como demonstrar capacidade de cumprir com as obrigações do
empréstimo.
Com efeito, os programas de empréstimos do BID seguem uma série de
estratégias em que se incluem as “buenas práticas” (versão em língua espanhola
das “best practices”), sobretudo na fase de preparação e implementação de seus
projetos. No entanto, como veremos adiante, o alcance dos programas
financiados pelo Banco não se vincula diretamente aos resultados de um dado
Projeto e sim a tudo que o viabiliza
11
, infere-se.
O BID avalia suas ações com
10
É interessante notar que, embora o BID assinale como foco de suas ações a promoção do desenvolvimento,
concentra 65% de seus investimentos em países como Argentina, Bahamas, Barbados, Brasil, Chile, México,
Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela, elencados pelo Banco como pertencentes ao grupo I, enquanto os
países do grupo II – Belize, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Haiti,
Honduras, Jamaica, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Suriname –, considerados
países com menor renda per capita, recebem 35% dos investimentos. Dessa forma, percebe-se que o maior
volume de recursos é destinado aos países com maior renda per capita (grupo I), ao passo que os países mais
carentes (grupo 2) recebem um montante bem inferior.
11
Nota-se que as obrigações referentes aos empréstimos não mencionam explicitamente relação com os
objetivos e compromissos do Projeto a ser financiado. Dessa forma, como veremos adiante, os contratos de
empréstimo se restringem à ordem orçamentária e não fazem menção às metas a serem alcançadas pelo
Programa. A lógica financeira, assim como o pressuposto das “melhores práticas” e do “gerencialismo” da
Capítulo I
26
termos “originários da engenharia de processos e de produção, tais como
‘efetividade’ (outcome, ou resultados) e ‘eficácia’ (output, saída de produção)”
(Leirner, 2006, p. 35).
Segundo Leirner (2006), a prática atual, voltada à eficácia, apenas se
mantém em função das condicionlidades testadas por mais de duas décadas na
tentativa de garantir a efetividade dos programas financiados pelo BID. No
entanto, “a necessidade e pressão elevada pelo estabelecimento de referenciais
de avaliação conduziram à adoção de procedimentos de avaliação pela ótica
meritória do paradigma de melhores práticas (best practices)” (Leirner, 2006, p.
38).
Nesse contexto, como aludimos a adoção das “melhores práticas” surge
como um mecanismo generalizador de procedimentos, sobretudo do ponto de
vista administrativo e gerencial. Assim, a replicação dessa técnica costuma gerar
conflitos entre o sistema usual local e a implementação das melhores práticas
requeridas pelo Banco (Cooke, 2004, apud, Leirner, 2006 p. 39).
Assim, o processo de normatização procedimental imposto pelo Banco,
além de gerar conflitos de agenda com os segmentos sociais locais promove
dificuldades burocráticas que resultam, no mais das vezes, no baixo desempenho
de Programas por ele financiados. Ademais, ao concentrar seus esforços na
gestão, torna mais distante a participação da “sociedade civil” nos projetos, pois,
uma vez que suas ações concentram-se nos aspectos gerenciais, fortalece sua
lógica de procedimentos em detrimento da maior permeabilidade da sociedade
politicamente organizada.
Portanto, as estratégias utilizadas pelo Banco não apenas se distanciam da
sociedade como podem contribuir para que seus resultados sejam insatisfatórios.
2.4 As influências do BID no Brasil
A presença dos Bancos de desenvolvimento está associada às
controversas estratégias das políticas macroeconômicas, passando pelo difícil
gestão parecem circunscrever o alcance das ações dos tomadores de empréstimo, limitando portanto sua
liberdade.
Capítulo I
27
consenso da replicação de modelos até a forma de gestão em que se costuma
manifestar os limites da adoção das “melhores práticas”.
Estudo realizado pela Rede Brasil (2001)
12
demonstrou que o Banco
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento elaboram estratégias de
desenvolvimento para os países tomadores de empréstimos e as mantêm,
sempre que possível, confidenciais, exceto para o pessoal de alta confiança dos
governos federais. Tais receituários transformam-se em documentos:
O Banco Mundial prepara para cada país tomador de empréstimos um
Documento de Estratégia de Assistência ao País, conhecido por sua sigla
em inglês: CAS. O Banco Interamericano de Desenvolvimento também
prepara, seguindo parcialmente a metodologia do Banco, o Documento de
País, cuja sigla em inglês é CP (Viana Jr. 2001; grifos meus).
O caráter de confidencialidade desses documentos
13
revela o quão são
importantes; assim, a publicização que ambas as instituições dizem prezar – em
seus sítios na internet, por exemplo – é colocada em questão. Trata-se de
contraste que se evidencia dado tratar-se de recursos que impactam a vida de
uma dada sociedade. Deve-se frisar que fundamentalmente esses documentos
constituem instrumentos de coerção governamental; logo, neles constam as
estratégias que os países dependentes de recursos devem seguir para que
possam financiar seus gastos em determinadas políticas públicas.
Esses documentos vieram à tona em função da divulgação de sua
existência pela Rede Brasil e contou com o apoio do deputado federal Ivan
Valente, que em junho de 1997 encaminhou um Requerimento de Informações
obrigando uma resposta do Poder Executivo em 30 dias. A descoberta da
existência desses documentos também foi anunciada ao Banco Mundial, que
12
A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais constitui uma agência de informações que traz
notícias relacionadas ao governo federal e às agências multilaterais no Brasil. A referência utilizada neste
trabalho refere-se a uma investigação realizada pela Rede Brasil em relação a documentos de estratégias de
desenvolvimento para o governo federal brasileiro, que até então se mantinham confidenciais. A trajetória
completa de toda a análise pode ser vista na publicação As estratégias dos bancos multilaterais pra o Brasil
(2000-2003). Brasília, Rede Brasil, 2001. Mais informações podem ser vistas no sítio da própria organização:
www.rbrasil.org.br.
13
Após esse episódio, a versão completa desses documentos pode ser encontrada no sítio do Banco Mundial
e do BID na internet e também no Caderno de Anexos deste trabalho. Ressalte-se que os documentos CAS e
CP não correspondem a contratos. São, acima de tudo, recomendações oficiais dos respectivos Bancos aos
tomadores de empréstimo, no caso o Brasil.
Capítulo I
28
respondeu se tratar de um documento acordado conjuntamente com o governo
brasileiro.
Segundo informações da Rede Brasil, a resposta ao deputado Ivan Valente
partiu do diretor da área internacional do Banco Central e constava da seguinte
declaração:
é um documento do Banco Mundial cuja principal função é constituir-se em
instrumento de avaliação e planejamento estratégico, com o intuito de
estabelecer correspondência entre o desempenho do país e a destinação de
recursos [...], seus elementos-chave são discutidos com o governo do país
objeto de estudo antes de ser submetido à consideração da Diretoria
Executiva. Entretanto, não é um documento negociado com o governo [e sim
imposto] (Viana Jr, 2001, p. 20)
Portanto, os documentos não haviam se tornado públicos. O Banco
Mundial teria a prerrogativa de autorizar a divulgação do CAS. Surgia então um
embate, pois o Banco contra-argumentava que a publicização dos documentos se
devia às resistências do governo brasileiro. De posse dos dois documentos, CAS
e CP, o deputado Ivan Valente entregou uma cópia à Rede Brasil para que
pudesse publicá-lo.
A quebra da confidencialidade do CAS gerou repercussões:
A publicização do CAS e do Documento de País foi inicialmente considerada
por funcionários do Banco Mundial, em declaração à imprensa (Correio
Braziliense), como o resultado do vazamento de informações sigilosas ou
mesmo ‘roubo’. O BID, por sua vez, evitou emitir qualquer opinião a respeito
(Viana Jr, 2001, p. 20).
Nota-se que, embora a investigação da Rede Brasil tenha focado seus
esforços no Banco Mundial, o BID parece compactuar com a postura sigilosa
quanto à divulgação de documentos. Reitere-se que, depois de muitas pressões,
esses documentos foram disponibilizados nos sítios dos respectivos bancos,
omitindo-se contudo as disputas que levaram a essa decisão.
Na leitura do Documento de País, elaborado pelo BID, correspondente ao
período 2000 a 2003, o Banco foca alguns aspectos que foram fundamentais para
a sua atuação no Brasil. Entre eles se destacam a abertura econômica
estabelecida como meta em 1990, a redução do gasto do Estado mediante o
processo de privatizações, e reformas constitucionais que buscaram estimular o
Capítulo I
29
investimento externo. Evidencia-se, portanto, a influência do BID e demais
agências internacionais no período em que o Brasil adotou a abertura econômica
como estratégia de desenvolvimento. Nota-se ainda que, embora essas
estratégias tenham causado resultados controversos, alguns dos quais negativos,
o Banco enaltece as decisões tomadas pelo país, sobretudo quanto à abertura
comercial.
Após a crise asiática (1997), seguida da crise russa (1998), o Banco
diagnostica que “o problema mais grave para o Brasil foi a diminuição da
credibilidade dos investidores internacionais
(BID, Documento de País, 2000-2003,
Principais desafios ao desenvolvimento
, anexo 1),
forçando o país a renegociar
sua dívida com o FMI. Ainda assim, segundo o documento do BID, as decisões
teriam sido acertadas, pois o Brasil teria superado a forte recessão, superando
assim as expectativas de crescimento do PIB.
Já a interpretação do quadro macroeconômico é bastante particular na
ótica do Banco. Ademais, o relatório do Banco não leva em consideração a dívida
contraída pelo país, que praticamente quintuplicou durante o governo Fernando
Henrique Cardoso, e, menos ainda, o problema da concentração de renda que
caracteriza fundamentalmente o subdesenvolvimento brasileiro.
No que diz respeito ao desenvolvimento urbano e particularmente ao nível
municipal, ressalte-se que mais de 70% da população do país encontra-se em
áreas urbanas; dessa forma, constitui importância fundamental a atenção a esse
aspecto do Documento de País elaborado pelo BID. Nele, o Banco reafirma seu
interesse e reconhece a importância dos investimentos direcionados:
O elevado nível de urbanização e o alto grau de descentralização alcançado
pelo país fazem com que o setor urbano desempenhe uma função
importante na estratégia de desenvolvimento. Cada vez mais os municípios
se encarregam das funções sociais, com responsabilidades, entre outras,
pela educação básica, saúde, assistência social e programas de alívio da
pobreza. Por outro lado, o grande declínio do nível de investimento em infra-
estrutura urbana significa que as ações voltadas para uma melhoria das
condições em infra-estrutura e habitação de interesse social têm um grande
impacto sobre o bem-estar da população (BID, Documento de País, 2000-
2003, Desenvolvimento urbano e municipal)
14
.
14
Veremos no Capítulo III que a habitação de cunho social, no caso do Procentro, não foi prioridade em
nenhuma etapa do Programa. Contrariamente, priorizaram-se estratégias de valorização imobiliária tornando
Capítulo I
30
Contudo, o Banco enfatiza o seu interesse em ações urbanas, sobretudo
na área de habitação social, que incide diretamente no bem-estar da população
pobre. Mas o documento ressalva que apoiará os projetos com capacidade de
autofinanciamento, utilizando, além disso, a participação do setor privado:
O Banco apoiará as ações voltadas para o desenvolvimento da capacidade
dos municípios de gerenciarem e autofinanciarem suas atividades urbanas e
sociais, viabilizando um modelo descentralizado de administração pública.
[...] Devido à dinâmica econômica e demográfica, o país [Brasil] apresenta
um grande desequilíbrio entre a demanda de habitação e a oferta de
soluções mínimas para a população de baixa renda, o que se traduz na
grande expansão de habitações subnormais (favelas, loteamento
irregulares, habitação coletiva). O governo impulsiona reformas dos
sistemas de financiamento do setor, porém ainda se fazem necessárias
ações específicas que levem os benefícios aos setores mais pobres,
definindo subsídios focalizados, isto é, voltados para a clientela-alvo, e
mecanismos que incentivem o esforço familiar e a participação do setor
privado (BID, Documento de País, 2000-2003, Desenvolvimento urbano e
municipal, anexo 1).
Embora haja um discurso em prol da habitação de baixa renda, percebe-se
que o Banco assume posições controversas, pois a descentralização de políticas
públicas não é por si só sinônimo de eficácia, participação ou garantia de lisura
nos processos. Com efeito, os problemas habitacionais requerem medidas que,
por vezes, um projeto auto-financiado pode não garantir. Investimentos
direcionados a populações em condições de extrema pobreza, que não têm com
pagar aluguéis ou prestações mensais, implica a necessidade de outros
parâmetros, tal como a existência de um investimento a fundo perdido, entre
outras possibilidades, o que o Banco parece não se dispor a fazer. Uma vez mais,
como veremos, o estudo de caso do Procentro demonstra essa contradição.
Nesse caso, ao propor o auto-financiamento do Programa o BID optou, mesmo
que de forma indireta, pela valorização imobiliária da região. Percebe-se,
portanto, a dúbia posição entre discurso e prática adotada pelo Banco.
Nesse contexto, a linguagem – por vezes cifradas – de recomendações
levanta dúvidas sobre as intenções das agências multilaterais no Brasil. Assim, o
conhecimento sobre as influências das agências internacionais nos países em
mais difícil a permanência da população de baixa renda que residia na região central de São Paulo. Portanto,
constata-se uma contradição entre o discurso e a ação do BID no que tange ao Procentro.
Capítulo I
31
desenvolvimento ainda permanecem insuladas e consequentemente pouco
transparentes.
Mineiro (2001) levanta a hipótese de que, havendo consonância entre as
agências multilaterais de desenvolvimento com a esfera federal de governo, as
administrações subnacionais podem servir de instrumento para a implementação
das estratégias acordadas nessas instâncias. Dessa forma, as estratégias
acordadas podem se impor pela via das condicionalidades:
Há que se levantar ainda a idéia de que a ampliação dos financiamentos do
BID e Bird aos níveis da administração subnacionais (estados e municípios),
simultaneamente com a ênfase que sua visão geral e seus projetos colocam
na questão fiscal, acabem funcionando como mais um mecanismo de
comprometimento desses níveis administrativos com a visão de ajuste fiscal
prevalecente entre os gestores da política econômica, inclusive pela via das
condicionalidades (Mineiro, 2001, p. 45).
O exemplo do ajuste fiscal a que Mineiro se refere corresponde às
propostas sugeridas pelas agências multilaterais, sobretudo o Banco Mundial e o
BID, como estratégia para controlar os gastos da União. Dessa forma, com a
negociação entre as agências multilaterais e o governo federal, as entidades
federativas (estados e municípios) perdem autonomia nas tomadas de decisões,
pois suas ações seriam pautadas por condições advindas dessa esfera superior
de governo:
A instituição impõe as condições de forma unilateral, arrogante, sutil e [...]
são excessivamente severas e de caráter padronizado [...]; a influência do
Banco Mundial [...] é bastante poderosa sobre os países em
desenvolvimento (Pereira, 1995, apud Cavalcante, 2008, p. 50-51, 2008).
Desse modo, os questionamentos envolvendo o papel das
condicionalidades são freqüentemente associados à perda de autonomia
governamental nas tomadas de decisão política, sobretudo em nível subnacional.
3. CAPÍTULO II
Capítulo II
33
3.1 As agências internacionais de financiamento e o processo de difusão de
políticas públicas
De maneira geral, a literatura tem associado as agências internacionais de
financiamento a dois mecanismos distintos: “a)
coercive mechanisms
, as the
conditioning of access to financial support (Melo, 2004; Cooke, 2004, Weyland,
2004), and b)
knowledge’ mechanisms
through the agencies influence in the
diffusion of ideas by epistemic communities and through public policies
international networks (Melo, 2004)” (Farah, 2005, p.9; grifos nossos). Em relação
a essas características que potencializam a difusão, os incentivos financeiros são
associados a mecanismos coercitivos; o acesso à informação disponibilizada
pelas instituições internacionais como mecanismos de conhecimento; e a
influência na definição de valores e agendas que transitam entre os extremos da
coerção e da difusão de valores
15
.
Ao revisarem a literatura, Dobbin, Simmons e Garrett (2007) destacam que
muitos mecanismos podem contribuir para o processo de difusão de políticas
públicas. Um aspecto a ser destacado é o processo de difusão como resultado de
normas globais que determinam os programas políticos. Por outro lado, o conceito
de coerção acredita que a difusão ocorre graças à coerção exercida por governos,
organizações internacionais e atores não-governamentais pela pressão política,
pela manipulação de incentivos econômicos e até pela monopolização da
informação ou expertise (Dobbit et al, 2007, p.454).
Assim, apesar da contestação de sua eficácia (Eichengreen & Ruehl 2000,
Santiso 2003, Svenssion 2000, apud Dobbin et al, 2007), as condicionalidades
surgem por imposição de instituições internacionais, como o Banco Mundial, o
FMI e o BID, contribuindo para a promoção do processo de difusão por meio de
condições
impostas aos tomadores. A relação entre condicionalidades e difusão,
sobretudo de procedimentos, é frequentemente associada a uma forma de
coerção feita por essas instituições internacionais. Na medida em que os países
recorrem a estas organizações para obterem assistência financeira, a influência
15
Embora parte da literatura associe as relação entre agências internacionais à termos como imposição e
coerção, o estudo realizado por John Kingdon (2006) mostra, como poderá se observar adiante, que o
processo de formação de agenda constitui uma complexa relação de forças e influências.
Capítulo II
34
das mesmas sobre a finalidade dos empréstimos e financiamentos impacta de
diversas formas os tomadores (Vreeland, 2003, apud Dobbin et al, 2007).
As dificuldades na classificação desses atores quanto à sua coercitividade
são imprecisas, principalmente porque mudam de papel no decorrer do tempo
(Dolowitz e Marsh, 2000, p.11), assim como estabelecem diferentes relações. No
caso do Banco Mundial, assim como no do BID, e também outras instituições
internacionais, como a ONU e a União Européia, as políticas públicas formuladas
por elas correspondem a projetos feitos pelos próprios países-membros que
detém as maiores quotas-parte. Nesse sentido, os países periféricos tem menor
capacidade de ter sua própria agenda tendo em vista a assimetria de poder
existente, embora não se trate de uma relação estática.
Contudo, as questões envolvendo o processo de difusão como derivação
de decisões e estratégias advindas de atores externos reduzindo a autonomia dos
atores domésticos no processo de formulação de agenda na e na implementação
de políticas públicas são difíceis de ser mensurados.
A decisão de considerar determinada idéia ou visão em detrimento de
outras constitui um campo pouco explorado no estudo de formulação de agendas
políticas. Ao realizar estudo enfatizando os processos pré-decisórios, John
Kingdon
16
(2006) buscou compreender como alguns assuntos se sobrepõem a
outros na formulação da agenda de políticas públicas.
Segundo Kingdon, as políticas públicas são formadas por processos em
que se destacam o estabelecimento de uma agenda, as alternativas para a
formulação de políticas, as escolhas de alternativas e a implementação das
decisões (Kingdon, apud Capella, 2007).
Observa-se que o conceito de agenda assume papel fundamental no
arcabouço teórico das políticas públicas. Para Kingdon, a formulação de uma
agenda política não se restringe a membros do governo, pois está intimamente
relacionada ao papel desempenhado por organizações da sociedade civil, tal
como ONG’s e movimentos sociais
– entre outros atores
que, mesmo
indiretamente, contribuem para a escolha de propostas sugeridas que pautarão o
16
Ao realizar estudo sobre os critérios para a formulação de agenda e estabelecer três tipologias de análise,
John Kingdon tornou-se uma referência nos estudos de casos (Viana, 1996, apud Gomide, 2008).
Capítulo II
35
conjunto de temas a ser inserido e/ou removido da agenda de determinado
governo.
Dessa forma, Kingdon desenvolve um modelo de fluxos múltiplos (
multiple
streams
) cujo intuito se concentra na compreensão dos estágios pré-decisórios –
definição da agenda (
agenda-settings
) e alternativas para a formulação de
políticas (
policy formulation
) – que influenciam diretamente a formação da agenda
política: “The
agenda
, as I conceive of it, is the list of subjects or problems to
which governmental officials, and people outside of government closely associated
with those officials, are paying some serious attention at any given time” (kingdon,
1995, p. 3).
Existe, portanto, uma complexidade hierárquica e setorial no processo de
definição de agendas. Segundo Kingdon (2006):
“há [...] agendas mais especializadas, como as das autoridades da área de
saúde ou transportes. Mesmo dentro de uma área de saúde, há agendas
ainda mais especializadas, listas de temas que dominam a atenção de
pessoas em áreas como pesquisa biomédica, ou pretação direta de
serviços médicos. [Deve-se distinguir ainda] entre a agenda de governo, a
lista de temas objeto das atenções e a agenda de decisões” (Kingdon,
2006, p. 222).
Dessa forma, o processo de formulação de uma agenda política envolve
desde membros do governo, técnicos, funcionários de carreira do próprio
governo, comunidades epistêmicas, entre outros, e passa por questões
suscitados pela mídia e/ou problemas que chamam atenção na sociedade por
meio de noticiários, campanhas eleitorais,
lobbies
, no contexto de mobilização de
recursos políticos de diversos atores. Assim, segundo Kingdon (2006), os atores
tomam conhecimento dos possíveis temas que pautarão a agenda do governo a
partir do reconhecimento de situações identificadas como problema.
Contudo, Kingdon (2006) constata que, para que haja mudança na agenda
política é necessário a convergência de três fluxos fundamentais: problemas
(
problems
), soluções ou alternativas (
policies
) e política (
politics
). No primeiro
fluxo, o autor destaca que a definição do problema pode sofrer influências de
indicadores, notoriedade ou
feedback
(avaliação) de programas existentes.
Quando as situações são definidas como problemas, suas chances de pertencer
à agenda de prioridades do governo aumentam. Segundo o autor:
Capítulo II
36
As pessoas dentro e fora do governo definem situações como problemas de
várias maneiras. Primeiro, situações que colocam em xeque valores
importantes são transformadas em problemas. Segundo, situações se
tornam problema por comparão com outros países ou com outras
unidades relevantes. Terceiro, a classificação de uma situação em uma
certa categoria ao invés de outra pode defini-la como um certo tipo de
problema (Kingdon, 2006, p. 227-228).
Dessa forma, algumas questões se transformam em problema conforme
seus impactos nos participantes do processo decisório. No entanto, “problemas
não são meramente as questões ou eventos externos: há também um elemento
interpretativo que envolve percepção” (Kingdon, 2003, PP. 109-110, apud
Capella, 2007).
O segundo fluxo, o de soluções ou alternativas (policies), faz menção à
teoria darwinista de seleção natural em que as idéias são selecionadas a partir de
sua qualidade técnica e viabilidade econômica. Essas idéias seriam, segundo
Kingdon (2006), produzidadas por especialistas que têm em comum o interesse
pela questão política. Daí a diversidade de sugestões que concorrem por um
espaço na agenda política.
Em razão do espaço seletivo da agenda política, as idéias são lançadas a
público com o intuito de ganhar notoriedade tanto em ciclos especializados como
em espaço aberto para públicos não iniciados. “Dessa forma, as idéias são
difundidas, basicamente, por meio da persuasão [...] Tais idéias não representam,
necessariamente, uma visão consensual de uma comunidade política a respeito
de uma proposta, mas sim o reconhecimento, pela comunidade, de que algumas
propostas são relevantes dentro do enorme conjunto de propostas potencialmente
possíveis” (Capella, 2007, p. 6).
Assim, percebe-se que as idéias, por meio de disputas de poder ou defesa
de grupos de interesse específicos, fazem parte da dinâmica que envolve o
processo de formulação de agenda
.
No entanto, a exposição de idéias e soluções
não garante, necessariamente, sua inserção na agenda política. Faz-se
necessário o seu reconhecimento como problema assim como um contexto
favorável. Além disso, as condições políticas, partidárias e ideológicas inserem-se
Capítulo II
37
como elementos fundamentais para que uma nova idéia passe a fazer parte da
agenda.
O terceiro fluxo – politics (política) – passa a assumir um papel decisivo.
Segundo Kingdon (2006), a política segue sua própria dinâmica, pois sua
formatação precisa ser construída por meio de barganhas e coalizões. A
negociação envolvendo o fluxo político acontece por intermédio de alianças que
dependem do interesse de forças que disputam as soluções de maior aceitação.
Kingdon (1995) destaca três elementos fundamentais para esse fluxo: o clima ou
humor nacional (national mood), as forças políticas organizadas e as mudanças
dentro do próprio governo. O primeiro elemento corresponde a uma situação em
que há uma percepção coletiva
17
sobre a importância de algumas questões, o que
facilita a compreensão sobre o porquê algumas questões são levadas em
consideração em detrimento de outras.
O segundo elemento destacado pelo autor são as forças externas
exercidas por grupos de pressão que buscam um espaço na agenda política.
Assim, “a percepção de que uma proposta não conta com o apoio de alguns
setores não implica necessariamente o abandono de sua defesa, mas indica que
haverá custo durante o processo” (Capella, 2007, p. 7). Dessa forma, a habilidade
em negociar com os interesses dos diferente grupos de pressão torna o processo
de formulação de agenda ainda mais complexo
18
.
O terceiro elemento corresponde às mudanças internas do governo, isto é,
à realocação, assim como à entrada e saída de pessoas em cargos-chave do
governo pode significar o surgimento de novas questões na pauta de formulação
da agenda governamental, como também impedir que outras passem a fazer
parte da disputa. Desse modo, a dinâmica interna do governo também pode
influenciar a pauta da agenda política. Neste sentido, como veremos, o estudo de
caso analisado no capítulo 3 parece confirmar essa análise.
17
Embora não faça menção a como a percepção coletiva é formada, vale ressaltar o papel desempenhado
pelos meios de comunicação na formação de opiniões. Como poderá ser observado na análise do estudo de
caso do Procentro, os aparelhos de comunicação contribuíram para o fortalecimento de uma visão excludente,
notadamente quanto às classes de mais renda mais baixa.
18
A força dos grupos de pressão se torna mais evidente ao se analisar um caso específico: no estudo de caso
do Procentro a presença dessas forças ganham notoriedade com a participação dos movimentos sociais
durante o processo de formulação desse programa.
Capítulo II
38
Contudo, segundo Kingdon (1995) as mudanças na agenda política
ocorrem quando os três fluxos se unem de forma favorável: a junção desses
fluxos é denominada
coupling
, que ocorre em circuntâncias em que as janelas de
oportunidades (
policy Windows
) encontram-se abertas. No entanto, kingdon
(1995) ressalva que as janelas de oportunidades nem sempre ocorrem de
maneira previsível – na junção dos fluxos –, podendo ocorrer também de forma
imprevisível (Capella, 2007).
Apesar da junção dos fluxos e da janela de oportunidades, um outro fator é
destacado por Kingdon como fundamental para que mudanças ascendam à
agenda de decisão. Os
policy
entrepreneurs
(empreendedores da política), que
“são pessoas dispostas a investir seus recursos numa idéia ou projeto visando a
sua concretização. [...] Por conseguinte, desempenham papel essencial na
articulação entre problemas e soluções, problemas e forças políticas e entre as
propostas existentes” (Gomide, 2008, p. 9).
Em síntese, o reconhecimento de certas situações-problema constitui
aspecto fundamental para o estabelecimento de uma agenda de governo. Abre-
se, desse modo, espaço para a atuação dos chamados
policy entrepreneurs
(empreendedores de política) que, através de recursos privados, buscam dar
notoriedade e influenciar a resolução dos problemas por eles reconhecidos
19
.
Dessa forma, a mudança de governo, sobretudo quando ocorre a eleição
de um novo partido político, traz consigo uma série de significativas mudanças na
agenda política. Segundo Kingdon (2006), o redirecionamento da agenda
enfocando novos ‘problemas’ é fruto de configurações partidárias e ideológicas,
que sofrem influências de diversas ordens nas quais destacam-se as alianças
partidárias que podem ou não fazer com que certas iniciativas sejam
contempladas. A busca por um consenso na dinâmica polítca se baseia em
negociações em que se criam “emendas em troca de apoio, atraindo políticos
para alianças através da satisfação de suas reinvindicações ou então fazendo
concessões em prol de soluções de maior aceitação” (Kingdon, 2006, p. 229).
Para Kingdon (2006), os participantes da formulação de agenda se dividem
em dois grupos: os “visíveis” e os “invisíveis”. Os do primeiro grupo correspondem
19
A atuação de policy entrepreneurs no estudo de caso do Procentro pode ser percebida, sobremodo, quanto
à questão da valorização imobiliária na região central.
Capítulo II
39
àqueles que por alguma razão recebem notoriedade, geralmente pelos cargos
que ocupam em partidos políticos ou governos. Os do segundo grupo incluem
atores que geralmente ocupam cargos técnicos como burocratas, funcionários e
pesquisadores. Assim, o autor argumenta que “o grupo de atores visíveis define a
agenda enquanto o grupo dos atores invisíveis tem maior poder de influência na
escolha de alternativas
20
” (Kingdon, 2006, p. 230). Portanto, os políticos eleitos
possuem maior influência na formulação da agenda política se comparados com
técnicos e funcionários. Daí definir estes últimos como como participantes
invisíveis: “At least as far as agenda setting is concerned, elected official and their
appointees turn out to be more important than career civil servants or participants
outside of government” (Kingdon, 1995, p. 199).
No entanto, Kingdon ressalva que os políticos eleitos nem sempre
conseguem impor sua agenda de prioridades em função das diversas
negociações que envolvem o processo de formulação de uma agenda. Cabe
destacar que os
policy entrepreneurs
que, por vezes, direcionam a agenda
política para os seus interesses, constituem atores a serem observados para que
se possa mensurar o alcance de suas influências nas políticas públicas. Destaca-
se ainda que a probabilidade de um item se tornar prioridade na agenda política
obedece a três ordens de fatores: constituir-se enquanto problema, manter-se
enquanto proposta de política pública ou garantir a receptividade na esfera
política. Se os três fatores caminharem juntos essa probabilidade aumenta
consideravelmente
21
.
Assim, cada novo tema ou item constitui uma nova oportunidade para a
criação de novas soluções. Por esse motivo, a disputa por novas soluções a cada
janela de oportunidade aberta por um novo tipo de problema faz que o espaço da
agenda política se torne ainda menor e, portanto, mais seletivo. Dessa forma,
duas situações surgem: a primeira corresponde a um suposto aumento de
20
Segundo Kingdon (2006), o surgimento de alternativas para a agenda de políticas públicas como um
processo de seleção em que as idéias se contrapõem gerando novas visões e combinações constitui um campo
a ser estudado. Esse processo de descoberta da origem de alternativas para políticas públicas é conhecido
como policy primeval soup (“sopa política primavera”).
21
No caso do Procentro, como veremos adiante, os três fatores mencionados por Kingdon (2006) – problema,
propostas de políticas públicas e receptividade na esfera política – parecem estar presentes quanto à
realização de um projeto para o centro. No entanto, a presença de emtrepreneurs (empreendedores),
sobretudo na fase de planejamento do Programa, indica uma mudança de ações que, no caso do Procentro,
assemelha-se à visão do BID.
Capítulo II
40
qualidade devido ao aumento da oferta de propostas; a segunda corresponde ao
aumento de propostas deixadas à deriva em função das limitações de recursos
disponíveis
22
.
Nesse contexto, o papel desempenhado pelos
policy entrepreneurs
pode
influenciar, de forma mais decisiva, a pauta da agenda em questão; afinal, levam
vantagem em relação aos demais atores devido aos contatos políticos, prestígio e
posição de destaque que costumam ocupar. Além disso, os
entrepreneurs
“tentam enfatizar os indicadores que relevem seus problemas e exercem pressão
por um tipo de definição de problema” (Kingdon, 2006, p. 238). Ademais, o autor
destaca que sem a presença dos
entrepreneurs
as probabilidades de viabilizar
uma política pública se torna mais difícil, pois necessita-se de recursos para a sua
realização.
Contudo, constata-se que a prevalência do fator político sobre o técnico
pode tornar prioridade uma problemática secundária. Dessa forma, pode-se dizer
que a estrutura político-burocrática é permissiva quanto aos vícios do Estado
patrimonialista, pois admite atender aos anseios de grupos de interesse dada a
assimetria do processo político.
3.2 Melhores Práticas versus Inovação
A partir de 1960 o debate envolvendo o papel do Estado nas políticas
públicas passou a ocupar lugar de destaque, sobretudo após a crise do petróleo
na década seguinte. Argumentava-se, sobretudo os críticos das teorias
keynesianas, que o excesso de regulamentação imposto pelo governo poderia ser
prejudicial para o avanço das relações econômicas.
O decênio de 1970 reinaugurou o fortalecimento da economia de mercado
livre de regulamentações estatais. Dessa forma, a partir do período pós-guerra as
políticas de vertente keynesianas declinaram. A partir de então, “alguns governos
22
O estudo de caso realizado neste trabalho pode tamm ser interpretado como uma das “janelas de
oportunidade” a que se refere Kingdon (2006). A aprovação do financiamento, assim como sua abrangência
quanto a temas e propostas, parece constituir uma abertura para a identificação de novos problemas e
soluções para a região central de São Paulo.
Capítulo II
41
passaram a condicionar suas políticas ao cumprimento do ajuste fiscal e do
equilíbrio orçamentário entre receita e despesa, restringindo, de certa forma, a
intervenção do Estado na economia e transformando as políticas sociais de
universais em focalizadas” (Souza, 2006, p. 65).
Essa visão sobre as políticas públicas passou a nortear grande parte dos
países em desenvolvimento, notadamente na América Latina a partir da década
de 1980, quando as crises inflacionárias se faziam mais presentes. Dessa forma,
o desenho das políticas públicas, da elaboração à implementação, passa a ser
modelado de forma bastante semelhante em todo o continente latino-americano.
Persistindo as características dos anos anteriores, a década de 1990
retoma o questionamento do papel a ser desempenhado pelo Estado, assim como
reitera os padrões e estratégias de desenvolvimento impostos por agências
internacionais de desenvolvimento econômico cujas orientações caracterizam-se
pelo afastamento do Estado na economia. Reitera também a adoção de práticas
gerenciais baseadas em experiências internacionais. Conceitos como “melhores
práticas” (
best practices
) e “inovação” passaram a fazer parte da discussão sobre
políticas públicas, estendendo-se do final do século XX aos dias de hoje.
De certo modo, tais conceitos conflitam com a teoria de Kingdon em função
do caráter replicador que ignora a presença de atores políticos, bem como os
interesses que pautam a formulação de uma agenda política. No entanto, ao
analisar o papel desempenhado pelas instituições internacionais em contexto
subnacional, a necessidade de entender o processo de formulação de agenda
bem como as influências baseadas em modelos internacionais pelas instituições
multilaterais se tornou premente.
Dessa forma, o jogo de interesses envolvidos em projetos financiados por
instituições que atuam internacionalmente amplia ainda mais o campo de
influências na formulação de agenda política mencionado por Kingdon por se
tratar de um agente externo. A literatura envolvendo conceitos como melhores
práticas e inovação assume relevante importância para a análise do estudo de
caso em tela.
Capítulo II
42
Desse modo, ao tratar das questões relacionadas aos conceitos de
melhores práticas (best practices) e inovação, a literatura antepõe ambos os
conceitos:
O conceito de melhores práticas ou best practices implica um conceito de
inovação como uma solução completa, fechada e integral, a qual,
implicitamente, prescreve um modo específico e único de responder a um
desafio ou problema (Farah, 2006; p. 02).
Ambos os conceitos, melhores práticas e inovação, estão relacionados ao
processo de disseminação de políticas cuja matriz advém da literatura da
administração (management) e, por essa razão, vêm acompanhados de noções
relacionadas à qualidade nas políticas públicas. Essa visão traz consigo alguns
elementos comuns que caracterizam seu
modus operandi
: em primeiro lugar
aparece o desempenho, cujo método concentra-se na organização, programa ou
política. Posteriormente, o foco se atêm na questão técnica cujo ponto mais
polêmico se concentra na análise dos problemas sociais. E, em terceiro lugar,
surge a idéia de modelo como algo passível de replicação, isto é, a idéia de algo
que possa ser reproduzido em diferentes contextos.
Dessa forma, a atuação de agências internacionais vêm sendo questionada
sob o aspecto da replicação de melhores práticas em detrimento da inovação e
consequentemente dos aspectos locais onde atuam. Assim, a análise de estudo
de caso permite observar as influências nas políticas públicas financiadas por
agências internacionais de fomento, notadamente o BID no Procentro.
O debate envolvendo conceitos como melhores práticas e inovação
ganham notoriedade no âmbito das políticas públicas. Ao conceito de inovação se
inclui uma advertência: a solução para determinados problemas não pode ser
dada por um modelo, pois deve-se levar em consideração as especificidades
locais. Dessa forma, assim como observado por Kingdon, a inovação se constitui
como parte de um repertório de alternativas que são indispensáveis para o
enfrentamento de situações análogas. Portanto, esse conceito representa um
processo em transformação, cuja solução não pode se limitar a algo
preconcebido:
Capítulo II
43
A inovação é, assim, um novo e bem sucedido arranjo particular de
determinados componentes, uma condensação temporária de componentes,
que pode ser potencialmente útil em outros contextos e localidades, como
solução para um problema específico […] De forma complementar, a
inovação passa a ser entendida como o resultado de um processo de
criação coletiva que não se encerra com sua adoção em determinado local
(original), sendo antes uma solução aberta, para cuja construção contribuem
todos os que a adotam, por meio de mudanças incrementais e constantes
(FARAH, 2006b, p.02; grifos nossos).
Esses contrapontos podem ter melhor visualização na tabela abaixo:
Tabela 3 – Melhores Práticas versus Inovação
Melhores Práticas Inovação
- Replicação / reprodução - Disseminação
- Sistema completo, fechado - Sistema aberto (parte de um repertório)
- Normativo - Analítico
- Papel passivo da localidade - Papel ativo da localidade
- National Governors Association - Gestão Pública e Cidadania
Dessa forma, os fatores que melhor determinam o processo de
disseminação caracterizam-se pela capacidade de responder aos novos desafios
de forma diferenciada da que se vinha tentando. No entanto, é baixo o seu
potencial de utilidade a outras localidades:
A inovação tenderá a ser adotada por outros municípios se os atores sociais
e políticos destas localidades considerarem os problemas tratados pela
inovação como problemas relevantes, como problemas sociais que
requerem uma resposta e a busca de soluções inovadoras (Kingdon apud
Farah e Fucks apud Farah, p. 04, grifos nossos).
Ademais, segundo Farah (2006) existe um conjunto de fatores que pode
influenciar a agenda local, impactando diretamente o processo de disseminação:
fatores de ordem estrutural, como a crise fiscal, a influência de agências externas
e/ou multilaterais, redefinições de atribuições dos municípios e a influência de
atores sociais, políticos e de movimentos sociais da localidade. São exemplos de
forças que podem interferir na agenda local:
É importante reconhecer a influência desta agenda local no processo de
disseminação para evitar a perspectiva que ignora o contexto das
localidades receptoras. Se, nestas localidades, a agenda local não enfatiza
determinados temas, as características intrínsecas da inovação tornam-se,
no limite, irrelevantes: a municipalidade não quer a inovação. [...] Assim,
Capítulo II
44
embora o tema possa integrar a agenda sistêmica, isto é, embora seja
reconhecido localmente, por atores sociais e políticos locais, como um
problema social, ele pode não ter um status suficiente para integrar a
agenda de governo e, sobretudo, a de decisão, isto é, a que inclui as
questões que serão objeto de ação governamental efetiva (Farah, 2006, p.
05; grifos nossos).
Percebe-se que, embora a localidade seja capaz de exercer influência na
agenda política local, é necessário empenho dos atores locais para que as
demandas específicas passem a fazer parte da agenda de decisão do governo.
Caso contrário, o espaço para a inovação cede lugar ao processo de replicação.
O embate de forças locais, governamentais e de agências internacionais poderá
ser mais bem observado no estudo de caso do Procentro, notadamente no
capítulo 3, em que as pressões dos movimentos sociais, bem como o
posicionamento da prefeitura e do BID, geraram mudanças na agenda do
Programa.
Contudo, para que a disseminação aconteça, adverte Farah (2006), é
preciso um sistema de informações que permita ao processo de difusão uma
relação direta entre o município inovador e outras localidades (apud Walker, 1969,
apud Berry and Berry, 1990 apud Wrampler, 2004 e, apud Sugyama, 2004);
semelhanças entre as localidades envolvidas (Weyland, 2004); e levar-se em
consideração atores específicos e/ou variados (apud Sugyama, 2004). Sem esses
cuidados, incorre-se no risco de se adotar soluções uniformes, geralmente
propostas por agências multilaterais (Weyland, 2004).
No estudo de caso do financiamento do BID ao Programa de Revitalização
da Região Central de São Paulo foi possível perceber que as ações orientaram-se
segundo práticas gerenciais universalizantes, bem como em experiências
internacionais, notadamente o programa de revitalização do centro de Barcelona.
Essas constatações foram apontadas tanto por técnicos (atores governamentais)
entrevistados como advém da análise dos documentos do Banco em que se
explicita a visão do BID sobre políticas públicas por ele financiadas.
Dessa forma, a relação entre inovação e melhores práticas constitui algo
de difícil solução, pois sua distinção deve levar em consideração a especificidade
de cada política ou programa:
Capítulo II
45
A disseminação depende, portanto, não apenas de características
intrínsecas da política ou programa, ou de um processo estritamente
cognitivo, associado ao acesso à informação, mas da relação entre a
inovação (política ou programa) e o contexto em que esta será
implementada – sob a influência de atores e instituições externas (e de seu
papel indutor, de fornecedor de informação, dentre outros), mas também de
atores e instituições internas (Farah, 2006, p. 10; grifos nossos).
Apesar da problemática que envolve a questão, a replicação de modelos
gera mais confiança quanto à obtenção de resultados e, ainda que estes também
sejam motivo de muitas controvérsias, a opção por esse tipo de abordagem
parece prevalecer: “
Níveis mais abrangentes de governo
, por sua vez,
têm
induzido a ‘reprodução’ de programas
, por intermédio da concessão de recursos
condicionada à adoção de determinados modelos de ação”. (Farah, 2006, p. 10;
grifos nossos). O exemplo que mais chama a atenção na literatura sobre a difusão
de modelos são as reformas urbanas ocorridas no centro de Barcelona, na
Espanha. Desde 1986, quando a cidade foi escolhida para sediar as Olimpíadas
de 1994, Barcelona passou a sofrer intervenções de grande porte em vários
aspectos dentre os quais se destacam a reforma urbana e a exclusão social
(Silveira, 2007).
A experiência de Barcelona ser tornou muito conhecida e os resultados
turístico-econômicos parecem ter suprido as expectativas. As intervenções
urbanísticas realizadas na cidade seriam divulgadas e conhecidas como “o
modelo de Barcelona”.
Muitas críticas foram suscitadas a partir do “urbanismo espetáculo” (isto é,
voltado em larga medida ao turismo), cuja prioridade das obras era causar
impacto e visibilidade, deixando em segundo plano as carências sociais da
cidade. Segundo Silveira (2007), se a opção tivesse sido sanar os problemas
sociais os custos teriam sido inferiores aos que foram empregados na realização
de produções de mega-projetos turísticos naquela cidade, que é uma
característica do urbanismo espetáculo no que tange à revitalização dos centros
das grandes cidades. Uma segunda característica do modelo de Barcelona
constitui a privatização do espaço público, isto é, a troca do espaço público pelo
espaço privado, que impacta diretamente sobre o imposto a ser pago após a
intervenção urbana. Vale dizer que esse tipo de intervenção, que faz aumentar de
Capítulo II
46
forma acelerada os impostos, sobretudo os relacionados à propriedade, constitui
estratégia de arrecadação da administração local para recuperar os investimentos
empregados
23
. (Silveira, 2007).
A falta de critério na recuperação de patrimônios culturais, equívoco na
aplicação de recursos em projetos e intervenções de menor importância e a
ausência de investimentos onde se faziam realmente necessários tornaram a
experiência de Barcelona um modelo problemático (Alves, 2005):
Esse é o grande alerta que é feito àqueles que têm se inspirado no ‘modelo
Barcelona’: que haja maior sensibilidade nas ações urbanísticas às
necessidades cotidianas da população que, em geral, são esquecidas,
nunca sendo consultada pelos técnicos e políticos que, sem estabelecer
diálogo, vêm criando situações que naturalizam as situações de pobreza e
marginalização social (Alves 2005).
24
Apesar de todas as ressalvas, Barcelona é considerada uma referência
para diversas experiências de planejamento urbano na América Latina:
[...] pode-se observar que o fundamento da formulação de modelos é a
identificação de outros com a experiência em questão. Assim, não foi
apenas a Inglaterra, [...] mas também a América Latina, que [se inspiraram
no modelo de] Barcelona como referência para o planejamento urbano na
virada do século. Inspiração para o Rio de Janeiro, Buenos Aires, entre
outras capitais, o sucesso de Barcelona afirmou-se com freqüência, e estaria
ancorado em seu Plano Estratégico. Lançado cerca de 2 anos após a
nomeação às Olimpíadas, isto é, quando os destinos da cidade já estavam
definidos pela escolha do Comitê Olímpico Internacional, o Plano Estratégico
constitui o prenúncio de um trabalho de formalização da experiência de
Barcelona, de sua transformação em um modelo (Novais, 2006; p. 05; grifos
nossos).
Entende-se, pois, que a aplicação de um modelo, tal como o em foco, não
se justifica, a menos que os interesses almejados fossem reproduzidos de forma
ainda mais distorcida em diferentes contextos e localidades: “
Transformar uma
experiência numa experiência modelar
como no caso da afirmação de
Barcelona como referência mundial
pressupõe um trabalho de formalização,
ou
seja,
purificá-la de conteúdos empíricos e considerá-la em suas estruturas
formais”.
(Novais, 2006; p. 05; grifos nossos).
23
Essa discussão aparece nitidamente no estudo de caso do Procentro, sobretudo no debate
envolvendo a questão da habitação social na região.
24
Mais uma vez é possível perceber semelhanças entre os problemas do Modelo de Barcelona e o Procentro.
Capítulo II
47
Dessa forma, a suspeita de que modelos como o de Barcelona estejam
sendo incentivados e replicados em outras localidades é grande, sobretudo em
políticas e programas financiados por agências internacionais que buscam em
modelos uma forma de ação planejada baseada em experiências “bem
sucedidas” e cujas necessidades supostamente se assemelham:
Como as idéias não têm força própria, mas se apresentam como idéias-
fortes, isto é, que extraem seu poder da autoridade dos que as enunciam,
autoridade resultante de relações de poder na sociedade, a imposição de
certas representações dependerá da cadeia de autoridade que se constitui
para sua difusão. É sob a noção de cadeia de autoridades que se pode
pensar na geografia de difusão dos modelos urbanísticos: organizações
internacionais, como o Banco Mundial, constituem elementos de grande
autoridade e influência, tanto econômica, quanto simbólica na produção de
políticas públicas, e operam como agentes ‘internacionalizantes’, com
capacidade de estabelecer novas disposições, de mudar as regras do jogo e
influir no peso relativo dos experts com eles identificados (Novais, 2006; p.
03, grifos nossos).
Desse modo, pode-se observar que a idéia de modelos se faz presente
como forma de garantir bons resultados nas políticas públicas. Assim,
apropriando-se de modelos, as agências internacionais contribuem para replicá-
los aproveitando de seus recursos financeiros para impor suas práticas.
Partindo desse debate, o presente estudo busca averiguar a presença de
modelos e/ou imposição das chamadas “melhores práticas” pela percepção dos
técnicos envolvidos no programa de reabilitação da área central no município de
São Paulo – Procentro –, um programa com características semelhantes ao
modelo de Barcelona e financiado por uma agência internacional, no caso o
Banco Interamericano de Desenvolvimento. Vejamos então como o Procentro foi
desenvolvido em São Paulo.
4. CAPÍTULO III
Capítulo III
49
4. 1 O Programa de Reabilitação da Área Central do Município de São Paulo
– Procentro
A idéia de reabilitação da região central da cidade de São Paulo surge no
início dos anos 1990 em resposta à constatação de degradação física,
esvaziamento populacional e desvalorização imobiliária da região, processo esse
que teria se iniciado nos anos 1970.
A proposta de intervenção urbana engloba as mais diversas áreas e
secretarias da PMSP. Entre as pioneiras do enfrentamento dos problemas da
região central encontra-se a ex-prefeita Luiza Erundina (1989-1992), cuja
administração realizou diversas ações, dentre as quais destacam-se o trabalho
com a população residente em cortiços e a reforma do Vale do Anhangabaú, o
que envolveu trabalhadores do comércio informal.
A gestão posterior de Paulo Maluf (1993-1996), por meio do decreto nº
33.389/93, criou projetos para desenvolver a região que deram origem ao
Programa de “Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo”. Em
1993 foi criada a “Comissão Executiva do Procentro” (decreto nº 33.390/93), cuja
organização envolvia representantes de diversas secretarias, empresas
municipais e ONGs
25
.
Observa-se que o primeiro fluxo, classificado por Kingdon (2006) como
problema
, aparece de forma veemente. As questões que envolvem a região
central ascendem à condição de problema e passam a ganhar notoriedade com a
participação de movimentos sociais diversos e demais organizações que atuam
no centro da cidade, como veremos a seguir.
A Organização Não-Governamental que mais chamou atenção ao longo da
formulação do Projeto no governo Maluf foi a “Associação Viva o Centro”
26
, que
se aproximou do prefeito e posteriormente de Celso Pitta e que, segundo análise
do Instituto Pólis (2008), influenciou fortemente os objetivos da Carta Consulta
27
25
Veremos, mais abaixo, as diferenças e semelhanças do Procentro em ambas as gestões.
26
Segundo a avaliação do Instituto Polis (2008), a Associação Viva o Centro estava ligada a grupos do setor
bancário, notadamente Bank Boston e Itaú, que defendiam a revalorização da região central com o intuito de
atrair as classes sociais mais elevadas para fins de atividades econômicas.
27
A Carta Consulta é um mecanismo através do qual se justifica a requisição de empréstimos, podendo ser
avaliada e reformulada pelo BID até que se firme o contrato.
Capítulo III
50
direcionada ao BID em 1996 com vistas à contratação de empréstimo para
financiar as reformas pretendidas na região central.
Pelo sistema brasileiro, uma Carta Consulta enviada ao BID deve passar
pela Comissão de Financiamento Externo (COFIEX), do Ministério do
Planejamento
28
. Depois de muitas negociações e várias versões da Carta
Consulta, a COFIEX concedeu autorização para a realização do empréstimo na
mesma ocasião em que o BID pré-aprovava o Projeto em 2000
29
. No entanto, o
Projeto ainda precisava passar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do
Senado para que esta entidade internacional pudesse liberar o empréstimo
30
. Em
2000 o município de São Paulo havia sido proibido de contrair empréstimos e
fazer novas dívidas em função da Lei de Responsabilidade Fiscal. Apesar dessa
restrição, o Projeto conseguiu ser aprovado pela CAE, com grande esforço do
senador Aloísio Mercadante, então presidente da Comissão
31
. Posteriormente, de
acordo com o Instituo Pólis, o Programa, que passaria a se chamar “Reconstruir o
Centro (2001-2002)”, contou com a participação de novos atores sociais na
gestão Marta Suplicy
32
. O debate sobre a política habitacional voltou a ocorrer e
28
A Carta Consulta enviada ao BID em 1996, período da gestão Celso Pitta, foi, segundo análise do Instituto
Polis, fortemente influenciada pelos princípios defendidos pela “Associação Viva o Centro”, cujo interesse
voltava-se à valorização da região central. Percebemos que no Governo Marta Suplicy (2001-2004) o debate
sobre a formulação do Programa tenha sido mais intenso em função do maior número de movimentos sociais
envolvidos.
29
Segundo o estudo “Sub-national loan authorization in Brazil: is there a room for opportunistic political
behavior” (2008), seu autor, Ciro Biderman, constata que quando há coalizão partidária entre o partido
solicitante do empréstimo e do relator do processo na CAE, o tempo de aprovação do pedido de empréstimo
se reduz. O estudo considerou todos os pedidos de empréstimos que partiram dos governos estaduais e
chegaram ao Senado entre 1989 e 2001.
30
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) é uma comissão permanente do Senado Federal cujas
atribuições incluem o parecer de aprovação ou de veto em relação a pedidos de financiamento que têm como
fiador o governo federal. O estudo de Biderman (2008) constata que todos os pedidos (estaduais) submetidos
ao Senado entre 1989 e 2001 foram aprovados.
31
Em entrevista realizada por este pesquisador, André Leirner, assessor de Nádia Somekh, presidente da
EMURB na gestão Marta Suplicy, argumenta que, “apesar de ser um investimento [o financiamento], é
contabilizado como despesa porque é uma dívida” (André Leirner, entrevista concedida a este pesquisador
em 19/01/2009).
32
Segundo análise do Instituto Pólis, a principal característica do “Reconstruir o Centro” (2001 – 2002) foi o
aumento da participação popular, que trouxe para o debate a questão da habitação social na região central da
cidade. Posteriormente, o Projeto passou a se chamar “Ação Centro” (2002-2004). A principal modificação
constatada após a mudança de nome refere-se à concentração espacial dos investimentos. O Projeto passa a
receber o nome de “Procentro” apenas em 2005, na Administração José Serra, período em que o Projeto é
praticamente paralisado. Para o Instituto Pólis: “Procentro foi o nome dado ao Projeto nas gestões Maluf
(1993-1996) e Pitta (1997-2000), denominação esta que se manteve nos anos seguintes, concomitantemente a
outras denominações adquiridas em gestões municipais subseqüentes. Na gestão Marta Suplicy (2001-2004)
o Projeto era chamado de “Ação Centro”, mas o nome formalizado no contrato com o BID era “Downtown
Capítulo III
51
foi justificado em razão de novos estudos de demanda. Além disso, o perímetro
de atuação do Programa foi ampliado para além dos distritos da Sé e República,
passando a abranger todos os distritos centrais (Instituto Pólis, 2008, p. 25)
33
.
Note-se que a aprovação do financiamento pela CAE tornou o Procentro
uma alternativa de política pública viável. Dessa forma, o segundo fluxo a que se
refere Kingdon (2006) – soluções ou alternativas – também parece estar presente
no Programa em tela. Dessa forma, o processo de “seleção natural” pelo critério
da viabilidade econômica assemelha-se à teoria do autor. Assim, a aprovação do
financiamento para a realização do Projeto surgiu como alternativa capaz de gerar
frutos políticos para o governo que o implementasse.
Além disso, o apoio político de Aloísio Mercadante no Senado ajudou o
Procentro a se tornar realidade na agenda política idealizada por Marta Suplicy.
Desse modo, é possível perceber que o terceiro fluxo mencionado por kingdon
(2006) – a política – também se realiza. Percebe-se, portanto, que os três fluxos
destacados pelo autor, assim como os três elementos que compõem esse fluxo –
clima nacional (no caso, o âmbito é o local), forças políticas organizadas e a
organização do próprio partido – unem-se positivamente fazendo do Programa
uma importante política pública na agenda do governo Marta Suplicy.
O Procentro teve seu financiamento aprovado pelo BID e pela CAE no
último semestre do governo Marta Suplicy (junho de 2004). Apesar de o crédito
ter sido aprovado pela gestão anterior, José Serra e Gilberto Kassab (gestão 2005
- 2008) utilizaram até 2008 apenas 4% da verba disponibilizada pelo Banco. Isto
é, cerca de US$ 4 milhões dos US$ 100 milhões que estavam à disposição da
prefeitura. Isso representa menos da metade do montante investido em seis
meses na gestão Marta Suplicy, cerca de US$ 11 milhões. A EMURB, no entanto,
tinha como expectativa a aceleração do uso dos investimentos. Estimava-se a
utilização U$ 45 milhões (o equivalente a 60%) da verba disponibilizada pelo BID,
São Paulo Rehabilitation” – “Programa de Reabilitação do Centro de São Paulo”. Na gestão Serra/Kassab
(2005-2008) o Projeto volta a ser denominado apenas como Procentro” (Insituto Pólis, 2008, p. 55).
33
A Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX) é composta por dez membros, sendo cinco do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; um do Ministério das Relações Exteriores; três do
Ministério da Fazenda e um do Banco Central. A aprovação de financiamentos externos em qualquer nível de
governo é condicionada ao parecer da Comissão, que avalia a compatibilidade do Projeto com as prioridades
e políticas do Governo Federal e com as metas fiscais do setor público” (Instituto Pólis, 2008, p.17).
Capítulo III
52
além de 40% dos recursos da própria prefeitura até o final de 2008. Isso não
ocorreu e veio à tona no debate eleitoral da última eleição municipal em São
Paulo.
Os valores pré-estabelecidos pelo BID, que exigem um percentual de
contrapartida ao Município, podem ser observados abaixo:
Tabela 4 – BID e PMSP: Investimentos realizados até dezembro de 2005
Fonte: Instituto Polis
Portanto, o financiamento concedido pelo BID corresponde a US$ 100,4
milhões, requerendo como contrapartida da Prefeitura Municipal de São Paulo
US$ 67 milhões, isto é, 40% do montante do empréstimo. A vantagem do
financiamento concedido pelo BID a São Paulo é, sobretudo, o prazo para ser
pago: 25 anos a contar seis meses após o último desembolso feito pelo Banco.
No entanto, o atraso para a aprovação do financiamento pela CAE, que dificultou
a utilização do recurso na gestão Marta Suplicy, assim como a mudança político-
partidária após as eleições municipais de São Paulo, contribuíram para a lentidão
na implementação do Programa. Ocorre, porém, que a prefeitura se comprometeu
a pagar uma taxa de 0,25% sobre o valor do dinheiro que não fosse utilizado, de
modo que o atraso custou até o final de 2008 R$ 420 mil reais em pagamentos de
taxas.
Capítulo III
53
As metas do Programa, na gestão Serra-Kassab, buscaram seguir as
seguintes etapas:
Promover o desenvolvimento social e econômico com diversidade da
área central de São Paulo.
Dinamizar e criar condições de atração a atividades compatíveis com o
centro metropolitano.
Promover a reabilitação da paisagem urbana e ambiental da área.
Promover a integração das políticas sociais.
Note-se que as prioridades da gestão Kassab tendem a priorizar os
aspectos físicos do Programa. Essa constatação pode ser melhor visualizada no
gráfico abaixo:
Figura 4 – “Ação Centro” (2002 – 2004) e “Procentro – 2005 (2005 – 2008)
orçamento por eixos de ação (em US$). Fonte: PMSP. Programa Ação Centro. Plano
de Ação 2004. São Paulo: PMSP; BID, 2004; PMSP. EMURB. Tabela Ações por
Subcomponente, Julho de 2007. apud Instituto Polis (2008).
0
,
0
20.000.000
40.000.000
60.000.000
80.000.000
100.000.000
120.000.000
140.000.000
160.000.000
180.000.000
“Ação Centro” “Procentro”
(2002-2004) (2005-2005)
Administ. Eixo 1 Eixo 2 Eixo 3 Eixo 4 Eixo 5 Total
Capítulo III
54
É possível perceber, sobretudo no eixo 1, que consiste emreversão da
desvalorização imobiliária e recuperação da função residencial”, a diminuição de
investimentos. Em compensação, a “recuperação do ambiente urbano”, eixo 3,
recebe aumento significativo.
Portanto, o redirecionamento dos recursos demonstra que as metas
firmadas no Projeto assinado em 2004 sofreram alterações. Dessa forma, “o
‘Ação Centro’ visava à valorização da região central, mas previa ações que
reduzissem seus impactos para a população de baixa renda moradora da área.
Na proposta de 2005 manteve-se e ampliou-se o objetivo de valorização e foram
retiradas as ações de proteção da população mais pobre” (Instituto Polis, 2008, p.
82).
O redirecionamento da agenda após as eleições de 2004 parece reiniciar
uma nova movimentação dos três fluxos explicitados na teoria de Kingdon (2006).
No caso do Procentro, o primeiro e o segundo fluxos – problemas e alternativas
respectivamente – estão de alguma forma presentes desde o processo de
formulação do Projeto. Desse modo, ao analisar o terceiro fluxo, que corresponde
aos aspectos políticos da tomada de decisão (politics), o autor argumenta que as
configurações partidárias, assim como mudanças em cargos-chave do governo,
podem contribuir para alterações de diversas ordens na agenda política e
consequentemente de Programas. No caso do Projeto em tela, as mudanças
priorizaram, sobretudo, os aspectos arquitetônicos (Governo Serra/Kassab) em
detrimento dos sociais.
Assim, tal como observado pelo Polis, pode-se perceber que as prioridades
do Programa foram alteradas em detrimento das propostas sociais, sobretudo da
população de baixa renda, bem como o atraso no uso dos recursos
disponibilizados pelo BID para o Programa é bastante significativo:
A maior parte dos projetos do Programa de Reabilitação da Área Central de
São Paulo (Procentro), elaborados durante a administração Marta Suplicy,
foi esquecida pela atual gestão. Entre janeiro de 2005 e fevereiro deste ano
[2008], a Prefeitura usou apenas US$ 4 milhões dos US$ 100,4 milhões que
foram colocados à sua disposição pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), em meados de 2004, para a revitalização da região
central da cidade [...]. O diretor de Desenvolvimento da Empresa Municipal
de Urbanização (Emurb), Rubens Chammas explicou que a administração
Serra/Kassab preferiu realizar uma ‘mudança drástica no enfoque dado aos
projetos' (jornal O Estado de S. Paulo, 01 de Abril de 2008).
Capítulo III
55
Pode-se notar que grande parte do atraso no andamento do Programa é
justificado pelo redirecionamento das metas negociadas na gestão Marta Suplicy.
Os problemas relacionados às mudanças do Projeto não geraram apenas atraso,
mas também custos à prefeitura. Dessa forma, a renegociação de cada um dos
itens do Programa envolvendo os atores do próprio governo contribuiu para esse
quadro de lentidão na execução do Projeto.
Note-se que a implementação do Procentro envolve interesses
significativos de diversos atores: moradores de rua (organizados pela Pastoral
dos Sofredores de Rua) e de cortiço, donos de estabelecimentos comerciais, o
próprio Estado, empreendimentos imobiliários diversos, assim como outros
movimentos sociais e ONGs. Especialmente quanto aos dois últimos, que lutaram
pela possibilidade de participar das decisões a serem tomadas, a posição do BID
pode ser assim expressa:
a participação constitui um requisito básico para o desenvolvimento
sustentável, a ampla participação da sociedade civil [é desejada] em
processos de tomada de decisão, incluindo a formulação e desenho de
políticas e programas e em seus processos de implementação e avaliação.
Para esse fim, deverá ser promovido o aperfeiçoamento de mecanismos
institucionais para participação pública (BID 2004a: 01. Apud Leirner, 2006
p. 148).
Observa-se que Leirner enfatiza a participação social, notadamente na fase
de formulação, etapa esta que garante a legitimidade quanto às ações do Estado
na sociedade. Esta assertiva, contudo, estaria ausente, segundo o que diz o
relatório do Instituto Polis – este próprio um ator importante nesse processo –,
assim como os movimentos sociais presentes na região. A participação mais
efetiva da sociedade passou a ocorrer de forma mais acentuada a partir da gestão
Marta Suplicy, período em que o debate girava em torno da questão habitacional
e que será explicitado mais adiante neste trabalho, diferentemente do que ocorreu
no Governo Serra/Kassab.
Vejamos agora qual a percepção de alguns técnicos entrevistados a
respeito do Procentro.
Capítulo III
56
4.2 A percepção dos técnicos
Nesta parte será dada atenção especial a alguns técnicos (atores) que
atuaram no processo de formulação do Procentro. O debate que inaugura essa
seção possui como tema central a forma como o BID tratou das questões sociais
que, notadamente, tomaram a cena no Governo Marta Suplicy, quando da
formulação do Programa.
A primeira percepção sobre como o BID se portou em relação à questão da
participação, envolvendo a disputa entre movimentos sociais distintos relativa à
habitação social no governo Marta, é fornecido por Ursula Peres, coordenadora
de finanças do Programa na gestão Marta Suplicy. Segundo Peres, o BID se
posicionou a favor da valorização imobiliária da região central em função do
enquadramento do Programa, que obedecia ao critério de que os projetos por ele
patrocinados deveriam se autofinanciar. No entanto, a prefeitura, no período do
governo Marta Suplicy, sustentou o argumento em defesa de um centro misto
composto por classes sociais diversas:
Houve uma disputa acirrada. Lembro-me que o BID queria que essa parte
de habitação social fosse renda média. A idéia do especialista do BID nessa
área era trazer renda média para o centro. Então, nós da prefeitura dizíamos
que tudo bem atrair a renda média, mas não podíamos criar um processo de
‘gentrification’ [enobrecimento urbano], valorizando o preço do metro-
quadrado e expulsando a população local. Então, tem que ter parte do
recurso que é para cuidar das pessoas residiam no centro até então.
Tínhamos que dar solução para tudo isso, porque essas pessoas estão no
centro e permaneceram no período onde a região estava mais deteriorada.
Isso foi uma guerra porque o Banco dizia que era inviável economicamente
e prejudicava o autofinanciamento do projeto. Segundo eles, isso puxava
para baixo porque essas pessoas não tinham condições de pagar. Depois
de muita discussão vieram algumas soluções, a Caixa Econômica Federal
passou a ajudar em termos de financiamento. O que foi possível perceber é
que são pressupostos ideológicos diferentes, porque se fôssemos nos
basear apenas na análise econômica o Banco estaria certo. Porém, se for
levada em consideração apenas a análise econômica, acontece igual em
Porto Madero [região portuária localizada nas proximidades de Buenos Aires
- Argentina], onde as pessoas foram jogadas na periferia transferindo o
problema para outra localidade (Ursula Peres, entrevista concedida a este
pesquisador em 13/03/2009).
Pode-se notar que o posicionamento do Banco quanto à convivência de
diferentes classes sociais obedece a critérios estritamente econômicos. Dessa
Capítulo III
57
forma, baseada em critérios pré-estabelecidos pela própria agência, a visão de
desenvolvimento social adotada pelo BID se restringe sobremodo aos aspectos
arquitetônicos, evidenciado, notadamente, sua preferência por um centro voltado
aos interesses econômicos e habitado por classes sociais de poder aquisitivo
mais elevado.
Para Isadora Tsukumo, coordenadora de pesquisa publicada pelo Instituto
Pólis (2008) sobre o controle social do financiamento do BID à Prefeitura
Municipal de São Paulo, a percepção sobre a imposição de modelos se revela
nas características em que se desenvolveu o Programa. A estratégia de incentivo
fiscal para atrair as grandes empresas e consequentemente as classes de renda
mais elevada corresponde aos modelos de revitalização urbana já realizados em
outras localidades
34
.
[…] Fizeram [equipe do BID na gestão José Serra e Gilberto Kassab] alguns
grandes eventos trazendo também um pessoal de Barcelona. E, agora, no
final do ano passado, houve um mega-evento chamado Urban Age com
vários consultores internacionais. Há uma prática de se pegar os grandes
modelos internacionais. No “Nova Luz” [gestão Serra/Kassab] fica muito
clara essa questão do modelo: o incentivo fiscal, a atração de grandes
empresas, a classe média alta. É bem esse o modelo que a atual gestão
considera como reabilitação: o “arrasa quarteirão” que demole 3 quadras
para depois reconstruir. E também há a questão do poder público
subsidiando a iniciativa privada (Isadora Tsukumo, entrevista concedida a
este pesquisador em 20/01/2009).
Observa-se que a idéia de modelo está associada a projetos urbanos de
grande notoriedade. O caso de Barcelona, discutido no capítulo II, aponta, assim
como o faz a entrevistada acima, que as questões sociais tiveram importância
secundária, tal como se verifica no caso do Procentro.
Dessa forma, a aplicação de um
modelo
no Programa de Reabilitação do
Centro de São Paulo parece ser factível sob a perspectiva da valorização
34
Como veremos adiante, a utilização de modelos advém da experiência internacional do BID. As
características dos projetos de revitalização de centros urbanos não costumam levar em consideração a
diversidade social que compõe o contexto urbano. No estudo realizado pelo Instituo Pólis, a região central de
São Paulo constitui um espaço disputado por grupos de interesse muitas vezes antagônicos: “Tal é o contexto
do centro de São Paulo, emoldurando as negociações e decisões em torno do projeto parcialmente financiado
pelo BID. São movimentos que apontam para sentidos diversos e em permanente tensão: de um lado,
propostas que procuram recuperar o centro para um uso cultural e de classe média; do outro, atores cada vez
mais organizados no sentido de efetivar o uso popular, inclusivo e equânime no centro de São Paulo”
(Instituto Pólis, 2008, p.15).
Capítulo III
58
imobiliária. Nos estudos de demanda requeridos pelo BID para justificar a
viabilidade do Programa, a prefeitura fez o seguintes diagnóstico:
Trata-se de um conjunto de ações que busca reverter o atual quadro de
deterioração físico-social-econômica no qual a região central se encontra. O
Programa compreende, assim, intervenções voltadas à melhoria das
condições de acessibilidade, aumento da segurança pessoal e patrimonial,
incentivos para a recuperação de imóveis e da paisagem urbana tendo em
vista provocar o envolvimento da sociedade, mais especificamente da
iniciativa privada, no sentido de propiciar o desenvolvimento e requalificação
dessa singular porção da metrópole (PMSP, Carta Consulta à COFIEX,
1997:6, apud Instituto Pólis, 2008, p. 19).
Percebe-se, portanto, a prevalência dos aspectos físicos sobre as
prioridades sociais. O debate envolvendo as classes sociais menos favorecidas
parece ter sido deixado de lado. O diagnóstico realizado pela Prefeitura evidencia
o objetivo de fortalecer a presença do setor privado na região. Ocorre, no entanto,
que a valorização do metro-quadrado tornaria inviável a permanência de pessoas
de baixa renda que residem no centro. Portanto, a intervenção urbana realizada
com o dinheiro público e com o apoio do BID parece não resolver os problemas
relacionados à pobreza no centro urbano, sobretudo quanto às condições de
habitação e de emprego da população residente na região central.
Essa percepção se fortalece na fala de Ursula Peres, coordenadora de
finanças do Programa na gestão Marta Suplicy. Segundo ela, inserir os aspectos
sociais na agenda do Procentro foi muito custoso; afinal, as exigências do BID
inviabilizavam os investimentos na área social:
Desde o começo essa parte social tinha uma discussão e o BID não queria
aceitar porque não se conseguia provar que era viável economicamente e
que fazia sentido. Isso não estava no escopo geral dos projetos do BID
(Ursula Peres, entrevista concedida a este pesquisador em 13/03/2009).
Desse modo, pode-se constatar que a lógica do custo-benefício parece se
sobrepor aos critérios sociais. Percebe-se que as exigências burocráticas do BID
para a liberação dos recursos dependem, sobretudo, de resultados
economicamente superavitários, características essas difíceis de ser conseguidas
em se tratando de investimentos sociais.
Capítulo III
59
Segundo Peres, a inserção dos aspectos sociais no Projeto consistia em
maior grau de complexidade, pois, para atender à demanda do BID seria
necessário justificar os investimentos comprovando sua viabilidade econômica.
Cumprir essa demanda, em se tratando de intervenções sociais, se tornaria algo
muito mais difícil – reitere-se –, pois:
A Marta colocou a questão social dentro do Programa. O governo assinou o
contrato com os aspectos sociais inseridos. Somados, os aspectos sociais
corresponderiam a cerca de 30% do contrato, sobretudo em habitação
social, assistência social e a parte de desenvolvimento social. Toda a parte
de camelôs, pessoal de situação de rua, tudo isso somava uma grande
quantidade de recursos dentro do Projeto. Mas o fato é que essas áreas são
muito mais difíceis de ser licitadas. Quando se faz um projeto em que as
ONG’s vão trabalhar com os trabalhadores ambulantes, a nota fiscal não é
do jeito convencional, não dá para fazer a licitação conforme as normas do
BID. É tudo diferente para a área social. Então, é muito mais complicado. Se
tentássemos fazer um modelo de viabilidade econômica dessa parte é muito
mais complexo. Então dá muito mais trabalho. Então, para um banco, é
muito mais fácil controlar uma obra de infra-estrutura urbana, como um
‘piscinão’, do que controlar um componente social (Ursula Peres, entrevista
concedida a este pesquisador em 13/03/2009).
É possível perceber que, embora as metas sociais tenham sido aceitas
pelo BID, cumprir as exigências requeridas pelo Banco dificultava grande parte do
processo de concretização das políticas sociais. Ademais, a burocracia exigida
pelo Banco, notadamente no exemplo do trabalho de ONG’s com ambulantes,
indica os primeiros sinais de incompatibilidade entre as práticas gerenciais
35
utilizadas pelo Banco com as utilizadas pela PMSP naquele momento. Portanto,
as dificuldades enfrentadas pelos técnicos da prefeitura se agravaram quando a
questão focou-se nas intervenções sociais, sobretudo em função das exigências
do Banco.
Nesse sentido, questionada sobre a posição do BID na adoção de práticas
sociais vinculadas a modelos internacionais, Tsukumo argumenta que o Banco
não se preocupa com os impactos sociais do Projeto.
35
A incompatibilidade entre o modelo burocrático utilizado pelo BID e o utilizado pela Prefeitura de São
Paulo se assemelha às características apontadas na literatura como melhores práticas (best practices). Essa
constatação será aprofundada mais adiante neste trabalho, notadamente na análise dos documentos e
contratos em que o BID coloca abertamente seu propósito de difundir as chamadas “melhores práticas
gerenciais”, fazendo menção, inclusive, ao modelo de Barcelona. Este, que fora muitas vezes criticado na
literatura por enfatizar os aspectos econômicos em detrimento dos aspectos sociais.
Capítulo III
60
O Banco concorda com isso [deixar de lado os aspectos sociais]. Digamos
que o Banco não tem problemas com isso. Eles consideram que
determinados investimentos sociais não devam acontecer no centro como
forma de revitalização […], eles fazem projeções de aumento de
arrecadação de imposto (Isadora Tsukumo, entrevista concedida a este
pesquisador em 20/01/2009).
Portanto, a percepção de que a atuação do BID se restringe a uma visão
de custo-benefício, levando-se em consideração apenas os aspectos
quantitativamente mensuráveis em termos de superávit, é reforçada. Ademais, se
existem normas específicas pré-formuladas para projetos de revitalização, a
existência de um modelo se fortalece.
É importante destacar que, mais do que levar em consideração os
aspectos mensuráveis referidos, a conduta do BID indica que aprovar ações na
área social requer maior esforço do governo. Deve-se notar, contudo, que as
exigências do Banco nem sempre acarretam opiniões contrárias. Assim, a
percepção quanto às exigências documentais aparecem de forma distinta.
Segundo Lisandra Guerra, funcionária de livre provimento responsável pelo setor
financeiro do Programa na gestão Marta Suplicy, as exigências requeridas pelo
BID no que diz respeito à prestação de contas são usuais no meio privado. No
entanto, para determinados técnicos da prefeitura as exigências se tornam
penosas:
Para muitos é custoso cumprir as exigências do BID porque os trâmites
acabam sendo ‘vai e volta’. Por exemplo: se a prestação de contas não for
aceita pelo BID, isso tem um custo operacional, político […] Mas não adianta
querer algo que seja simples. [...] [De maneira geral], eu recomendaria [as
predições do BID], não acho que o custo-benefício seja ruim do ponto de
vista financeiro. Agora, esse Programa [o Procentro] é uma pena para o
centro [...] na minha opinião, não podemos creditar isso [o atraso do
cronograma] ao BID. O Banco tem uma reputação a zelar. É por isso que
como cidadã ficaria mais tranqüila se tudo passasse pelo BID, porque se
trata de algo chancelado por uma entidade. Há uma noção de maior
legalidade. [...] Então não acho o BID mais complicado, lógico que é mais
complexo do que não depender de banco nenhum e só trabalhar com a lei
local. Mas você está chamando um outro ator para fazer parte desse seu
projeto. Mas, de qualquer forma, não acho o BID mais complicado do que
qualquer outro banco (Lisandra Guerra, entrevista concedida a este
pesquisador em 28/01/2009, grifos nossos).
Capítulo III
61
Apesar de a burocracia do Banco representar uma conduta adequada
quanto à empregabilidade do recurso, o mesmo não se pode dizer do execução
do Projeto. Essa questão será melhor observada adiante, sobretudo quando se
observar a mudança de gestão. Portanto, do ponto de vista das exigências
documentais, as cobranças do Banco foram consideradas por alguns dos técnicos
que trabalharam na prefeitura como um aparato institucional que servia de
garantia para que a verba do Projeto fosse empregada corretamente. No entanto,
o BID não se preocupa em fazer cumprir estritamente aquilo que foi assinado em
contrato, sobretudo após a mudança de gestão.
Guerra analisa as exigências do Banco argumentando haver problemas de
incompatibilidade administrativa em função da atuação internacional do BID, pois
algumas exigências eram difíceis de ser cumpridas e diferenciavam-se das
práticas gerenciais utilizadas no Brasil.
[…] Existe uma figura dentro do BID chamada ‘consultor que analisa as
documentações. E não sei o quanto isso é BID e o quanto isso é pessoal.
Ele [consultor do BID] olha e fala: ‘ah, não gostei, está faltando isso, aquilo’.
Só que em nenhum momento se dava um lista do que ainda precisava.
Então decidimos oficialmente sugerir uma listagem do que faltava.
Detectamos que para cada tipo de situação era uma lista de documentos. Se
a licitação tivesse recurso, eram necessários alguns documentos a mais. Na
prestação de contas, tinhamos que apresentar nota fiscal, comprovante de
recolhimento de impostos e folhas de pagamento. Acontece que numa certa
época na prefeitura podia se pagar com cheques. Então o que valia? O
comprovante que a pessoa recebeu o cheque? E quando se faz um crédito
em conta via sistema, vale como comprovante? Mas o BID queria papel
timbrado do banco. Então, por motivo dessas dificuldades com a mediação
do consultor, no começo demoramos um pouco. Mas depois que
oficializamos clareando o que ele queria, devagar a coisa fluiu. […] Só que o
BID atende diversos países e cada país tem uma forma de trabalhar. Por
exemplo, boleto bancário é uma coisa que não existe em muitos países, é
algo bem brasileiro. Nos EUA, por exemplo, você paga enviando cheque
pelo correio. Aqui é loucura fazer isso, não fazemos. Então, quando se tem
que aplicar uma norma do BID, num caso concreto, nos deparamos com um
problema. Para se ter uma idéia, antes do SEO [Sistema de Execução
Orçamentária] havia o pessoal que pagava em cheque e quem ia recebê-lo
era o motoboy da empresa, que nem era da empresa, era terceirizado; ele é
quem recebia o cheque e assinava o recebimento, era a única forma que ele
tinha. Até o BID aceitar aquilo como recibo, demorou. Podia-se retroagir um
ano para despesas financiáveis e um ano e meio para a contrapartida; então
tivemos casos em que as despesas foram feitas como bem se imaginava.
Coisas que não imaginávamos entrar no projeto. Mas acho que é uma fase
normal de acertos. Só que, por exemplo, a iniciativa de fazer essas coisas
[os acertos] não foi do BID, foi nossa. Óbvio, o interesse é nosso (Lisandra
Capítulo III
62
Guerra, entrevista concedida a este pesquisador em 28/01/2009, grifos
nossos).
A fase de ajuste mencionada por Guerra pode ser entendida como um
ajuste recíproco, do ponto de vista procedimental, entre o BID e a prefeitura. No
entanto, o fato de ser uma agência internacional de fomento os procedimentos
adotados pelo Banco impõe esforço de adaptação pelos tomadores de
empréstimo. Assim, Peres argumenta que muitos procedimentos adotados pelo
Banco não levam em consideração nem mesmo a legislação local:
[...] Quando tudo começou a andar, já no terceiro ano do Governo Marta
Suplicy, o Projeto começou a ser afinado, só que tinham coisas que já
estavam previstas e que se não começassem a ser feitas não iam terminar.
Então, teve várias secretarias que começaram a fazer de acordo com a lei
nº. 8666 de licitação. E o Banco não aceita necessariamente essa lei
porque, dependendo do volume, era necessário dar publicidade
internacional para a licitação. Precisa ter prazos mínimos de publicação que,
na maioria das vezes, são maiores que os nossos, e o Banco não aceita se
não tiver feito. Qualquer tipo de coisa no edital que seja uma possível
restrição ao mercado ou que poderia causar o direcionamento da licitação, o
especialista do BID não deixava passar. [...] Quando um projeto é feito
internamente é mais fácil porque todas as normas e leis são nacionais. Por
exemplo, tinha algumas regras do BID que os procuradores da EMURB não
aceitavam, diziam que feria a soberania nacional. Diziam que não
poderíamos rasgar a lei 8666 só para fazer o que o BID queria. Então,
nessas situações, se faziam muitas reuniões até que algum procurador
encontrasse alguma saída possível, mas não era fácil (Ursula Peres,
entrevista concedida a este pesquisador em 13/03/2009)
36
.
Percebe-se que os critérios utilizados pelo Banco nem sempre contribuem
para melhorar a dinâmica dos processos que envolvem a realização de um
programa. Na situação mencionada por Peres, o BID mostra-se intransigente
quanto à lei nacional de licitações (lei nº. 8666) baseando-se em critérios próprios.
Assim, em consonância com a posição de Peres, André Leirner, assessor direto
de Nádia Somekh, presidente da EMURB na gestão Marta Suplicy, argumenta
que as exigências requeridas pelo BID impõem indiretamente uma maneira
36
Observa-se na fala de Ursula Peres uma nítida falta de adaptação do BID ao contexto local. Segundo Farah
(2006), o conceito de melhores práticas (best practices) corresponde à uma idéia que sugere uma solução
“completa, fechada e integral”, em que um modelo específico é capaz de responder uma variedade de
desafios ou problemas. Dessa forma, o exemplo da lei nº. 8666 de licitação revela a inadequação do modus
operandi do BID à realidade local, bem como a idéia de modelo que busca tornar universais práticas e
procedimentos administrativos e gerenciais.
Capítulo III
63
específica de operar as políticas públicas, o que de certo modo constitui uma
forma de promover práticas gerenciais própria do Banco
37
. No entanto, assim
como Guerra, Leirner ressalta como positivas as exigências requeridas pelo BID;
afinal, as mesmas se contraporiam ao Estado patrimonialista, característica da
cultura política latino-americana. Assim se subtende na fala de Leiner que o
modelo adotado pelo Banco, na forma de imposição de melhores práticas,
sobretudo gerenciais, contribuiria para a lisura dos processos, como se pode ver
abaixo:
Uma das agendas do Banco é criar uma nova cultura gerencial. As
requisições demandam uma nova cultura gerencial, uma abertura de
informações. Isso como requisito para que o projeto comece a andar. Como
pré-requisito, que é outra coisa, existem estudos econômicos e, às vezes,
estudos sociais […] Do ponto de vista das condicionalidades, no processo
de formulação, acho muito coerente, tudo tem que ter uma justificativa. […]
Existem algumas questões da política do Banco que o fazem enfrentar
dificuldades na implementação de programas em qualquer país.
Classicamente existem problemas de conflito de interesse em todos os
programas que ele opera na América latina. Conflito de interesse significa
que as políticas do Banco batem de frente com o patrimonialismo da política
latino-americana. Então, na medida do possível o Banco tem justificativa
para tudo tentado usa-la da maneira mais neutra possível (André Leirner,
entrevista concedida a este pesquisador em 19/01/2009, grifos nossos).
Independentemente de suas conseqüências positivas ou negativas, é
possível perceber a presença do Banco nas atividades desempenhadas pelos
funcionários da prefeitura. Dessa forma, pode-se dizer que o Banco participa
ativamente da gestão do Programa, notadamente através de normas e
procedimentos. Portanto, a suposta “imparcialidade técnica” do BID expressa, em
verdade, os valores defendidos pelo Banco. Essa idéia fica ainda mais nítida na
fala de Tsukumo:
O que se percebe é que é diferente o Banco chegar num pequeno município
do interior do nordeste, por exemplo, e encontrar uma institucionalidade bem
mais precária. Aí ele [BID] vai conseguir impor muito mais a sua agenda nos
projetos. Aqui [em São Paulo], o BID encontrou uma equipe técnica formada
e engajada politicamente. A principal briga era se ia incluir o componente de
habitação social ou não. E foi uma briga mesmo, porque na ideologia do
Banco e em seus documentos sobre a reabilitação do centro, não se coloca
37
Note-se que as práticas gerenciais utilizadas pelo Banco podem ser associadas aos princípios das melhores
práticas (best practices) cuja característica é fundamentalmente generalizar seu modo de atuação com o
intuito de fornecer solução “fechada e integral” (Farah, 2006) à problemas específicos.
Capítulo III
64
essa questão. Na sua agenda para a reabilitação de centros [das grandes
cidades] não há um princípio que contemple a necessidade de atendimento
à classe pobre desses espaços. O Banco considera as classes médias e
altas envolvidas na retomada do território. Esse embate necessitou de
tempo. Então, ambas as partes, Banco e gestão, tiveram cada um de ceder
um pouco (Isadora Tsukumo, entrevista concedida a este pesquisador em
20/01/2009, grifos nossos).
A disputa mencionada por Tsukumo, travada especialmente pelos
movimentos sociais, aconteceu no período em que a Administração Marta Suplicy
formulava o Programa para a aprovação do BID. Vale ressaltar que os
movimentos sociais, sobretudo a “Associação Viva o Centro” (AVC), participaram
da formulação do projeto que se iniciou na gestão Paulo Maluf (1993-1996).
Nesse período, esta Associação fortalece os laços institucionais com a prefeitura
e passa a participar mais ativamente da formulação do Programa. Segundo o
levantamento realizado pelo Instituto Pólis, a AVC estava ligada ao setor patronal
e empresarial, tendo como patrocinador o Bank Boston, que posteriormente foi
adquirido pelo Banco Itaú. A aproximação entre a AVC e a prefeitura se estendeu
ao governo Celso Pitta (1997-2000), período em que se apresentaram várias
versões de Cartas Consultas ao BID. O número de movimentos sociais com
atuação na região central crescia, sobretudo os movimentos relacionados à
moradia. Dentre outros movimentos se destacam a “Unificação das Lutas de
Cortiços” (ULC), o “Movimento dos Sem Teto do Centro” (MSTC) e o “Fórum
Centro Vivo”. A disputa que mais chamou a atenção voltava-se para a questão da
moradia popular versus valorização imobiliária. Seguindo o diagnóstico realizado
pelo Instituto Pólis, o conteúdo da Carta Consulta que veio a prevalecer seguia os
princípios da AVC priorizando a valorização da região central. (Instituto Pólis,
2008, p. 14-20).
Nota-se, pois, que embora o Banco aprovasse os projetos apenas
mediante comprovação de demanda
38
, o que claramente justificaria a inclusão da
habitação social no projeto, o BID se mostrou contrário a uma política social e
inclusiva:
38
Os estudos de demanda correspondem a mensurações econométricas urbanas realizados por especialistas
sem vínculos com o governo tomador do empréstimo ou com o Banco. Trata-se de uma norma do BID. O
resultado dos estudos devem comprovar que existe demanda para a realização das políticas públicas
financiadas pelo BID.
Capítulo III
65
Como se acaba tendo essas duas facções, o Banco dando dinheiro e o
governo local tentando colocar sua agenda política em prática, usando esse
dinheiro, muitas vezes um tem que se conformar com o outro. E aí o que
ocorre? Tudo é muito negociado e o BID não é ingênuo. Ele sabe que se
tiver que lidar com o governo Democrata [o DEM], a agenda política vai ser
uma, com o PSOL [Partido Socialismo e Liberdade] vai ser outra. Mas a
missão dele [BID] é promover o desenvolvimento. Além disso, ele [BID] tem
um orçamento anual, e tem que desembolsar ‘x’ milhões; então, quem
trabalha no Banco vai forçar para aquilo acontecer. Se ele está lidando com
um governo que quer democratizar o centro, [o BID] vai até concordar desde
que algumas coisas sejam feitas. Por exemplo, o BID fala em aumentar a
receita do IPTU como justificativa financeira para que o projeto se pague, ou
seja, torne-se financeiramente viável. Isso presenciamos. Se se quer
aumentar o IPTU da área central significa que se quer expulsar os mais
pobres. O que é contra-senso (Lisandra Guerra, entrevista concedida a este
pesquisador em 28/01/2009, grifos nossos).
O contra-senso a que se refere Guerra se constitui deveras num sério
problema que pede solução. Em relação àquilo que o BID entende por
desenvolvimento
39
, cabe indagar se a aprovação de um programa pelo Banco se
realiza de acordo com as necessidades de um país desigual ou se há um modelo
pré-estabelecido. À margem dessa questão, Guerra argumenta que o Banco não
teria como intervir nas ações do governo e que o Projeto deve ser visto à luz dos
procedimentos:
Esses organismos multilaterais não têm poder de coerção. […] Se o Banco
quer promover o desenvolvimento, mas ele não é governo, não tem como
garantir. Sinto que a tendência é pensar em ajudar os governos
simplificando os procedimentos de licitação, de contratação (Lisandra
Guerra, entrevista concedida a este pesquisador em 28/01/2009).
Embora a visão de Guerra ressalte os limites de atuação do BID,
observamos que o Banco possui uma visão determinada sobre políticas públicas.
O caso da habitação popular constitui um exemplo de que as decisões foram
tomadas sem levar em consideração a demanda social. Vale lembrar que esse
modo de proceder é característico das políticas orientadas pelos conceitos das
“melhores práticas”, em que as particularidades locais sucumbem a um modelo
previamente definido. Desse modo, segundo Farah (2006), faz-se importante o
reconhecimento da agenda local no processo de disseminação de políticas
39
Conforme vimos no capítulo 1, há diversas e conflituosas visões sobre desenvolvimento; assim, nem todas
se restringem ao custo-benefício de aspectos mensuráveis.
Capítulo III
66
públicas, pois, aumentam as chances de haver inovação. Por essa razão, o
empenho dos atores políticos locais é fundamental para que se consiga inserir
suas demandas na agenda de decisão política, notadamente as políticas sociais.
Contudo, a ausência de preocupações sociais nos procedimentos adotados
pelo BID aponta para uma atuação voltada, quase que exclusivamente, ao custo-
benefício, ou seja, a atuação do Banco revela-se descompromissada com a
questão do desenvolvimento social restringindo-se a cálculos orçamentários e
diagnósticos quantitativamente mensuráveis, sobretudo no caso em tela.
Vale ressaltar que embora o BID tenha uma posição peculiar sobre as
políticas públicas por ele financiadas, é importante mencionar que houve relativa
adaptação (em termos de conteúdo) à vontade política ao governo de plantão,
sobretudo quando este associou-se a movimentos sociais e demais atores da
sociedade civil.
4.3 Um projeto e duas gestões: comparação das diferenças entre as
administrações Marta Suplicy (PT) e José Serra/Gilberto Kassab
(PSDB/DEM).
Como se observou anteriormente, as repercussões sobre a paralisação
do
Procentro na gestão que sucedeu a assinatura do contrato geraram muitas
dúvidas quanto à forma e ao conteúdo do Projeto, assim como sua continuidade.
Segundo as observações dos técnicos entrevistados, é natural que a mudança de
gestão não implique dar continuidade a um projeto que não foi formulado segundo
as orientações de outro partido:
[...] é obvio que cada gestão que se inicia vai querer fazer coisas diferentes
da anterior porque ou tem uma ideologia outra, uma proposta diferente, uma
visão própria de política pública. Também se fosse o contrário, estivesse o
Serra antes da Marta, esta logicamente ia querer mudar (Isadora Tsukumo,
entrevista concedida a este pesquisador em 20/01/2009).
Dessa forma, a tentativa de redirecionar o Projeto seguindo outras
prioridades constitui um dos principais motivos para a lentidão no andamento do
Programa. O BID aceita mudanças apenas mediante apresentação de novos
Capítulo III
67
estudos de demanda, isto é, justificando-se cada alteração requerida com estudos
econométricos e, apenas eventualmente, sociais. As tentativas de uma nova
gestão mudar as características de um Projeto já assinado, assim como sua
aceitação pelo BID, são vistas com normalidade pelos técnicos entrevistados:
O BID sabe que vivemos numa democracia e sabe que cada representante
do governo, do Poder Executivo, pode mudar de rumo. É a vontade do povo
prevalecendo. O povo não quis mais Marta Suplicy, quis o Serra, é a
vontade do povo e o BID tem que respeitar isso. E o Serra tendo um
mandato público na mão pode reorientar uma ação. [...] Agora [por exemplo],
acabou o prazo do contrato e não há como o BID penalizar alguém. Nem os
juros podem ser entendidos como uma punição porque se refere apenas ao
montante tomado até então. Foram disponibilizados 100 milhões de dólares,
e até o final de 2004 foram usados cerca de 14 milhões. Então os juros são
correspondentes a essa importância [14 milhões] (Lisandra Guerra,
entrevista concedida a este pesquisador em 28/01/2009).
Embora haja concordância entre os entrevistados quanto a mudanças no
Projeto devido ao resultado das eleições, Leirner questiona o desmantelamento
do Conselho de Desenvolvimento do Centro criado na gestão Marta e eliminado
pela gestão Serra/Kassab. Estranha-se porque o Conselho havia sido uma pré-
condição do BID para a aprovação do Projeto no governo Marta Suplicy:
[...] o Conselho de Desenvolvimento do Centro era um espaço institucional
que contava com governo e sociedade civil para orientar os investimentos no
centro. A primeira ação do novo governo foi desmontá-lo. É curioso porque
isso foi pré-requisito para a aprovação do Projeto em seu início, mas após o
governo de oposição subir ao poder e ter revogado o Conselho, nem em
Brasília e nem em Washington isso foi motivo para a paralisação do
Programa. Se era pré-requisito deveria parar, mas isso não aconteceu. Este
acontecimento mostra um pouco como é que funciona essa lógica de
condicionalidades. Não é uma via de mão dupla, é uma via de mão única.
[...] No caso do atual governo, que quer mudar o projeto, o Banco pede um
novo estudo de demanda e a prefeitura argumenta que não há gente para
isso. Então a coisa não anda, o Marco Lógico
40
continua com os mesmos
indicadores de antes e as ações não se desenrolam. Se o indicador indica
zero de performance, o Marco Lógico indica uma realização do Programa
muito pequena. Faz sentido? Faz. Acontece que alguns programas,
especialmente aqueles envolvendo a sociedade civil, carecem de
mecanismos um pouco mais responsivos. Necessita-se de um mecanismo
de gestão um pouco mais comprometido (André Leirner, entrevista
concedida a este pesquisador em 19/01/2009).
40
O chamado Marco Lógico, segundo o Instituto Polis: “Consiste em uma ferramenta de
planejamento e comunicação utilizada pelo BID, que sintetiza em um formulário de uma
página a estratégia do programa, listando as ações e os indicadores de desempenho e
impactos a serem utilizados na avaliação” (Instituto Pólis, 2008, p 33].
Capítulo III
68
Dessa forma, embora o BID tivesse considerado a criação do Conselho de
Desenvolvimento do Centro inicialmente um pré-requisito, o seu
desmantelamento pelo governo seguinte não implicou conseqüências para a
gestão Serra/Kassab. Em decorrência, pode-se constatar que a ausência de
mecanismos de participação tornou a agenda do Programa excludente em
relação ao uso popular do centro. Tornando a visão da valorização ainda mais
hegemônica. Segundo análise do Instituto Pólis (2008), os documentos do BID
indicam que participação não implica poder de decisão. Embora conste no
Programa a cláusula da obrigatoriedade da criação do Conselho, nada se diz
quanto ao seu descumprimento. Segundo o Instituto Polis, para o BID seu papel
consistiria em “estimular e promover a adoção desses processos participativos ao
contemplá-los apropriadamente no desenho das operações” (Instituto Pólis, 2008,
p. 123).
Apesar dessa visão de si mesmo, o Banco não teria dado seqüência à
gestão participativa quando da mudança de governo. Como se observa, embora
haja espaço para mudar os rumos dos projetos financiados pelo Banco, as
diferenças quanto aos pré-requisitos chamam a atenção quando se compara os
dois governos. Além disso, Leirner e Tsukumo enfatizam que o governo Marta
Suplicy havia sido mais aberto à participação, ao contrário de seu sucessor, que
teria vetado os canais de comunicação da sociedade civil com o governo
municipal:
[O governo do PT] criou uma ação de governo para obter alguns vetores
estratégicos de ação e depois houve um trabalho de criação de canais com
a sociedade civil para legitimar essas linhas de ação
(André Leirner,
entrevista concedida a este pesquisador em 19/01/2009).
O que acho é que o Banco falhou e falha por não garantir os mecanismos
de participação. Aí isso compromete. [...] Não que a gestão anterior tivesse
sido super participativa no projeto do centro, mas permitia maior
participação. Hoje não se tem nada em nenhuma esfera, não há nenhuma
instância de participação. E isso compromete o projeto, porque um grupo
decide e a sociedade não consegue participar do processo. Então nesse
sentido o Banco falha sim, porque se houvesse essa abertura, se houvesse
uma instância aberta à participação, ficaria um pouco mais equilibrado. Eles
[os novos governantes eleitos] não iam conseguir mudar tudo, não iam
conseguir retirar coisas que eram consenso nos movimentos sociais. Ia-se
estar aberto para um jogo de forças de uma forma muito mais interessante
Capítulo III
69
(Isadora Tsukumo, entrevista concedida a este pesquisador em 20/01/2009,
grifos nossos).
Concretamente, o veto à participação significou o distanciamento das
propostas de habitação popular e social da agenda do governo, dado que a
pressão para inserir esse tema era proveniente dos movimentos sociais. Além do
mais, significou uma forma de governar:
Todos os movimentos de moradia do centro, que são bastante organizados,
faziam bastante pressão na época [da gestão Marta]. O ‘Centro Vivo’
também estava muito forte; além de estudantes, técnicos e pessoas de
vários movimentos que também pressionavam. Instigavam a própria gestão.
Mas esta acreditava na habitação do centro.o era uma prioridade, mas a
Secretaria de Habitação contava com várias frentes (Isadora Tsukumo,
entrevista concedida a este pesquisador em 20/01/2009).
Dessa realidade reaparece o questionamento quanto ao compromisso do
BID com o desenvolvimento social. A questão diz respeito às razões e
pressupostos do Banco, também quanto à participação, pois não se priorizou a
popularização do centro, assim como apoiou o Projeto “Nova Luz”
41
que vai na
direção oposta ao Projeto acordado no governo Marta Suplicy.
4.4 O papel das condicionalidades
Ao analisar os projetos do Banco Mundial e do BID no Brasil após a crise
do Real em 1999, Mineiro (2001) constata que não traziam novas visões para o
desenvolvimento do país. Pelo contrário, reafirmavam a estratégia da política
econômica enfatizando a relação entre desregulamentação e desenvolvimento:
Tendem a enfatizar ainda a crença dos gestores da política econômica na
suposição de que a estabilização monetária se apresenta como um
pressuposto do desenvolvimento, juntamente com reformas econômicas de
natureza liberal, como a desregulamentação da atividade econômica, a
redução do papel ativo do Estado, a abertura comercial e a
41
O Projeto “Nova Luz” foi colocado no sítio da prefeitura em março de 2007. Segundo informações
levantadas pelo Instituo Polis, o Projeto não avançou porque sua realização implicaria desapropriação de
imóveis degradados e posteriormente leiloados para empresas privadas que tivessem interesse no local
(Instituto Pólis, 2008, p. 71). No entanto, o banco não se manifestou de forma contrária.
Capítulo III
70
desregulamentação dos fluxos financeiros internacionais (Mineiro, 2001,
p.28).
Assim, segundo este autor, o papel das condicionalidades
macroeconômicas se expandiu do nível federal aos estados e municípios, o que
significou a preocupação com o ajuste fiscal da área pública como um todo:
Os projetos apoiados por ambas as instituições, dentro desses marcos,
referenciam-se por uma estratégia geral de leitura positiva da política
econômica em curso, mas ampliando a utilização de condicionalidades [...]
vários projetos são usados de forma a viabilizar os cortes orçamentários
efetivados com o sentido de garantir a obtenção de um resultado primário
positivo funcionando [...] como fonte para programas sociais, ao mesmo
tempo em que os recursos colocados à disposição por essa via, mas com
condicionalidades exige o ajuste fiscal. E o sentido geral do ‘ajuste fiscal’ é
claro: apontar aos investidores internacionais que os recursos necessários
ao pagamento das despesas financeiras [...] está disponível (Mineiro, 2001,
p.28).
Como se observa, as exigências do Banco interferiram na autonomia
governamental na medida em que descaracterizam e, por vezes, desviam os
objetivos de determinada política pública mediante as condições de
financiamento. No entanto, um aspecto a ser levado em consideração quanto à
questão macroeconômica é a possível convergência entre as agências
internacionais e o governo federal.
Para um financiamento internacional ser aprovado por solicitação de uma
instância municipal é necessário sua aprovação pela CAE do Senado federal, cuja
orientação deve convergir com a política macroeconômica adotada pelo país.
Portanto, é coerente que o Banco aprove um financiamento, apenas se o mesmo
comprovar o retorno do investimento empenhado para a sua realização. Contudo,
a constatação do Instituto Pólis (2008) e dos movimentos sociais populares sobre
a tentativa de valorização imobiliária pelos grupos ligados à especulação
imobiliária e a ausência de requisitos ligados à democratização da área central
parecem se confirmar, embora as percepções de alguns técnicos, como se pôde
observar, sejam distintas. Emntese, note-se que são diversas varveis que
delineiam o problema em foco: a aprovação pelo Senado, os pressupostos e pré-
requisitos do Banco, o módus operandi dos programas aprovados, as mudanças
de vetor quando das eleições, entre outras.
Capítulo III
71
Por outro lado, os técnicos entrevistados suscitaram diferentes aspectos
quanto às condições requeridas pelo BID. Um desses aspectos, que apareceram
mais de uma vez, corresponde à importância das condicionalidades para que se
alcancem os objetivos do Banco de promover o desenvolvimento.
Os entrevistados, de maneira geral, esperavam que o Banco exigisse
condições não apenas no momento da pré-aprovação e da aprovação, mas
também durante toda a execução do Programa para que o acordado fosse levado
adiante; afinal, o financiamento compromete o orçamento público. Portanto, a
visão sobre as condicionalidades aparece de maneira distinta, com a seguinte
disjuntiva: criticada pela literatura e muitas vezes bem vista pelos técnicos
entrevistados.
Pelo menos nesse projeto não percebemos grandes problemas de
condicionalidades em relação à formulação. Os técnicos do BID foram
corretos. As macro ações deveriam fazer sentido e esse sentido tinha que
ser comprovado através de estudos econométricos de econometria urbana.
É curioso que sempre havia uma comprovação externa. Nesse caso, por
alguém da GV ou da USP. Não era ninguém vinculado ao Estado, mas feita
por terceiros. E tinha que ser (André Leirner, entrevista concedida a este
pesquisador em 19/01/2009).
Nota-se na fala de Leirner a associação entre condicionalidades e estudos
de demanda (econométricos), pois uma das condições para que o Projeto fosse
aprovado ou redirecionado se justificava por esse tipo de estudo. No entanto,
Leirner frisa que o problema das condicionalidades não se encontra na fase de
formulação em que o estudo tem grande importância, mas sim na fase de
implementação, momento em que as condições requeridas pelo Banco podem ser
violadas sem que haja qualquer tipo de punição. Exemplo claro seria a referida
extinção do Conselho de Desenvolvimento do Centro. Segundo os entrevistados,
as condições do BID deveriam garantir a execução de um projeto previamente
negociado. Nos moldes atuais, as condicionalidades funcionam apenas até a
assinatura do contrato em que o Banco já garantiu o retorno do seu investimento,
tendo o governo federal como fiador. Dessa forma, o compromisso de promover o
desenvolvimento social se esvai na medida em que as condicionalidades não
alcançam a fase de implementação do Projeto, notadamente no caso do
Procentro:
Capítulo III
72
Então, como eu vejo, existiam [...] recursos de acompanhamento, mas eram
muito menores do que os recursos de formulação do Programa. O dinheiro
per capita para a formulação do Programa era infinitamente maior. [...] Na
postura do Banco, uma vez assinado o contrato as responsabilidades estão
definidas. Então, não necessita tanto de acompanhamento. Do ponto de
vista da responsabilização, tudo bem, pois uma vez assinado o contrato as
coisas estão definidas e o Banco lava suas mãos; se a prefeitura não
cumprir o combinado, pagará juros sobre o recurso contingenciado e tudo o
mais. Do ponto de vista da efetividade e da eficácia dos programas, a falta
de estrutura no acompanhamento do Programa gera uma perda de
eficiência muito grande. [...] Para o seu próprio bem, o Banco deve olhar
melhor para seus beneficiários. Mas isso é um problema porque o Banco
não pode assumir o papel do Estado. Mas, poderia monitorar e divulgar
melhor suas ações. Afinal, o Banco como instituição tem todo um discurso
redistributivo que, na prática, se esvai. Há também uma cooptação dos
canais de financiamento por alguns interesses (André Leirner, entrevista
concedida a este pesquisador em 19/01/2009).
Como se observa, Leirner constata que as condicionalidades não alcançam
a fase de implementação do Projeto. Segundo ele, o Banco passou a ser
promotor de um Programa que não conseguiu atingir seus objetivos; além do
mais, foi paralisado. Essas circunstâncias vão contra as “boas práticas gerenciais”
(best practices) e depõem contra o próprio Banco.
4.5 Os documentos do BID quanto ao PROCENTRO
Nesta seção, analisaremos alguns documentos produzidos pelo BID em
relação ao Programa em tela.
4.5.1 Documento Ajuda Memória: Janeiro de 2003
42
- Anexo 3
Respondendo à solicitação de capacitação em Gerência Social da
Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo (SAS), mencionado
nos documentos de “Ajuda Memória” de novembro de 2002, o BID se
comprometeu a: “Desenvolver as competências dos profissionais em Gerência
Social para o desenho e execução de políticas públicas, programas e projetos de
Assistência Social, mediante a capacitação de uma massa crítica de técnicos e
42
Ver Caderno de Anexos. Os documentos aqui apresentados são de difícil acesso e somente foram obtidos
devido ao trabalho do instituto pólis. Dessa forma, apresentá-los neste trabalho é uma forma de contribuir
com a publicização dos mesmos.
Capítulo III
73
equipes gerenciais” (Ajuda Memória, anexo 3). O curso, iniciado em março de
2003, ressalva a adaptação às condições específicas de São Paulo. Além disso, o
documento apóia a criação de um “Premio de Qualidade e Inovação em Gerência
Social” que tem como objetivo “promover e reforçar as melhores práticas” (Ajuda
Memória, Janeiro de 2003, anexo 3H).
Como apontado, embora a perspectiva social e participativa do Programa
tenha sido afastada das prioridades do mesmo na gestão Serra/Kassab, é
possível perceber a preocupação do Banco em promover a capacitação de
técnicos em gerência social. A decisão de promover o curso reforça a idéia de
que o BID busca criar uma nova cultura gerencial. Essa percepção é reafirmada
em um dos itens do “Ajuda Memória” em que o Banco enfatiza a “capacitação de
multiplicadores”
Uma das agendas do Banco é criar uma nova cultura gerencial. As
requisições demandam uma nova cultura gerencial, uma abertura de
informações. Isso como requisito para que o projeto comece a andar
(André
Leirner, entrevista concedida a este pesquisador em 19/01/2009).
Por outro lado, o curso de capacitação direcionado aos técnicos não teve
grande serventia para a Prefeitura, pois a grande maioria dos capacitados eram
funcionários de livre provimento e logo deixaram seus cargos, sobretudo após a
mudança da gestão:
A equipe que atuou no projeto não era formada por funcionários de carreira;
então tinha dois problemas: primeiro, a maioria dos funcionários eram
funcionários de livre provimento, o que significa estar sujeito a toda a
dinâmica política; segundo, os funcionários não foram alocados dentro de
uma secretaria. Uma secretaria por definição é mais perene. O fato de estar
numa secretaria significa estar numa situação direta, mais próxima do
prefeito, facilita alguns trâmites orçamentários envolvendo dinheiro dentro da
prefeitura. O fato de a equipe estar alocada na EMURB e ainda por cima
com pessoas em cargos de livre provimento significa que a qualquer
momento as pessoas pudessem ser demitidas. Após a mudança de
governo, as pessoas que passaram por capacitação acabaram sendo
dispensadas. (Lisandra Guerra, entrevista concedida a este pesquisador em
28/01/2009).
Dessa forma, nota-se que, embora o Banco tenha criado um “Prêmio de
Qualidade e Inovação em Gerência Social pela Secretaria de Assistência Social
com o objetivo de promover e reforçar as melhores práticas” (Ajuda Memória,
Janeiro de 2003, anexo 3H), mal se conseguiu notar os resultados alcançados,
Capítulo III
74
pois a mudança de gestão reformulou o corpo técnico. Portanto, do ponto de vista
dos resultados, o curso de capacitação coordenado pelo BID pareceu contrariar
as boas práticas gerenciais na medida em que não se pensou em garantir a
participação dos funcionários de carreira, por natureza perenes.
4.5.2 Documento del Banco Interamericano de Desarrollo: Programa de
Rehabilitación del Área Central del Municipio de São Paulo – Procentro (Br-
0391) – Proposta de Préstamo – novembro de 2003 – Anexo 4
O documento intitulado “Proposta de Empréstimo”, datado de novembro de
2003, contém o “resumen ejecutivo” do “Programa de Rehabilitación del Área
Central del Municipio de São Paulo”. A primeira observação que se pode fazer é
que em todas as etapas do Programa a intervenção urbana busca a reversão da
desvalorização imobiliária e a atração de empresas do setor privado. Desataca-se
o item “c”: “Las estratégias del município y del Banco em el sector y em el país”,
em que se afirma:
[...] con el objeto de divulgar el centro y atraer inversiones privadas es parte
fundamental de la estrategia para la transformación económica del centro de
La ciudad de S. Paulo y, consecuentemente, para su rehabilitación
(Propuesta de Préstamo, 2003, p. 6 – 7, anexo 4).
Evidencia-se que a viabilização do Projeto se dá pelo interesse em
investimentos privados que, conseqüentemente, incidem na valorização
imobiliária. Ademais, na parte II do documento, que se refere especificamente à
descrição do Programa, é possível perceber que as prioridades concentram-se
sobretudo em aspectos voltados à valorização imobiliária
43
:
Consistente con las mejores prácticas internacionales, el programa
propuesto financiará cuatro componentes interdependientes que responden
a los ejes de la estrategia del município que afectan la eficiencia de la ciudad
y la calidad de vida de los que utilizan el centro: (i) la reversión de la
desvalorización inmobiliaria; (ii) la transformación del perfil económico; (iii) la
recuperación del ambiente urbano; y (iv) la mejoría del transporte urbano y
circulación; y un quinto, destinado al fortalecimiento institucional de la
municipalidad (Propuesta de Préstamo, 2003, p. 11, anexo 4).
43 A crítica à valorização imobiliária da região central não significa oposição aos investimentos privados no
centro e sim a priorização destes em detrimento da diversidade de usos e das necessidades populares. O tema
da valorização imobiliária no documento foi ressaltado, portanto, em função do distanciamento que se
observou justamente da idéia de um centro diversificado.
Capítulo III
75
Pode-se constatar que grande parte das medidas frisadas na descrição do
Programa corresponde a investimentos em aspectos físicos. Direcionados dessa
maneira, os recursos tendem a contribuir para o que parece ser a meta primordial
do Projeto: a valorização da região central, tal como ocorre em outros países,
relacionada ao recebimento de investimentos externos. Aparentemente se trata
do que se chama de “cidades globais”, pois adaptadas e modeladas às
necessidades sobretudo das grandes corporações internacionais. Nesses termos,
a visão de desenvolvimento que deveria – segundo o perfil sócio-econômico de
São Paulo e demandas de movimentos populares – englobar um conjunto de
fatores físicos e sociais tendo em vista a desigualdade na cidade de São Paulo,
parece se resumir aos aspectos estritamente financeiros.
Além disso, ao revelar o uso de “melhores práticas internacionais”, o Banco
pressupõe utilizar uma referência pré-formulada. Isso fica evidente no item “e”, em
que o BID comenta sua experiência com as “lecciones aprendidas”:
Las experiencias exitosas en la articulación público–privada de los proyectos
del Centro Histórico de Quito (EC-0169) y de Recuperación Urbana de
Montevideo (UR-112) fueron utilizadas para el diseño de un mecanismo de
articulación con el sector privado para la instalación de negocios en el
centro. Por otro lado, el proyecto de Transporte Urbano de Curitiba (BR-
0209), ejemplo internacional de modelo de transporte urbano, sirvió para
ayudar el diseño de las reformas del sistema de transporte colectivo de S.
Paulo [...] Además de las experiencias del Banco y a efectos de incorporar
las mejores prácticas internacionales, el Banco auspició en S. Paulo, en
agosto de 2002, um seminario con la participación de expertos
internacionales en el cual se han podido revisar los planes de la
municipalidad para el área central de la ciudad confirmándose su
congruencia con las experiencias exitosas en ciudades como Londres, New
York, Barcelona, Buenos Aires y París. Principalmente, entre sus
recomendaciones, el seminario indicó que a ejemplo de Barcelona y Bueno
Aires, São Paulo debería utilizar una agencia de carácter público para
implantar el programa de recuperación urbana. (Propuesta de Préstamo,
2003, p. 9, anexo 4).
Dessa forma, a adoção da idéia de replicação de modelos adotada pelo
Banco é simples e direta
44
. A posição assumida ignora o debate existente sobre a
44
Com isso não se quer dizer que as experiências internacionais devam ser desprezadas, e sim
que devam ser conhecidas, mas não necessariamente copiadas, tendo em vista as peculiaridades
de cada região, assim como devem ser levados em consideração a própria relação de forças
Capítulo III
76
reprodução de políticas públicas
45
. Ademais, os exemplos de experiências
consideradas exitosas pelo Banco por vezes não convergem seja com a literatura
desses países seja com o desejo dos movimentos sociais. A intervenção urbana
realizada em Barcelona constitui um exemplo típico desse debate
46
.
Ainda assim, o Programa ressalta em seus objetivos o compromisso com o
desenvolvimento econômico e social com diversidade. Com a finalidade de
direcionar os investimentos, a prefeitura realizou consulta aos moradores e
usuários do centro
47
em que se consegue observar algumas opiniões quanto ao
Programa. Os investimentos sociais que mais repercutiram na fase de formulação
do Projeto relacionavam-se, sobretudo, com a questão habitacional tendo em
vista o impasse entre a implementação de cobrança do IPTU progressivo e sua
incompatibilidade com as habitações populares de cunho social.
A decisão pelo desenvolvimento econômico e social
com diversidade
foi
encaminhada pelo governo Marta Suplicy justificada pelos estudos de demanda.
Assim, “la PMSP realizó un importante esfuerzo fiscal, no solamente conteniendo
el crecimiento de los gastos corrientes, en particular el gasto em personal, como
generando recursos nuevos, mediante una amplia reforma fiscal, como la
institucionalización de las tasas de alumbrado y residuos sólidos y la implantación
del IPTU progresivo” (Propuesta de Préstamo, 2003, p. 30).
Entre as obras de caráter social, o projeto experimental de Locação Social
voltado para atender famílias e pessoas sozinhas, com renda atingindo até três
salários mínimos, chama a atenção. Consta no documento a necessidade de
acompanhar a evolução desse projeto piloto habitacional. No entanto, segundo
Tsukumo, a falta de acompanhamento, sobretudo após a mudança da gestão,
acarretou uma série de problemas:
No caso da favela do Gato, por exemplo, que fica junto à marginal, foi
retirada a favela e construído um conjunto habitacional. Era um projeto piloto
dentro dos recursos do BID e de locação social. Os prédios têm vários
sociais e os projetos em contenda. Ao nosso ver, o Banco toma tais experiências como exitosas e
pressiona novos tomadores de empréstimos a copiá-las.
45
Esse debate está mais aprofundado no capítulo 2 deste trabalho.
46
Ver: NOVAIS, P. “Apontamentos sobre o trabalho teórico para afirmar Barcelona como um
modelo de planejamento”. In: X Colóquio Internacional sobre Poder Local; 2006; Salvador. Anais.
Salvador: Colóquio Internacional sobre Poder Local; 2006; p. 1-10.
47
Vide Anexo 5 do Caderno de Anexos
Capítulo III
77
blocos, aproximadamente 500 unidades. Trata-se de uma locação social. O
prédio é da municipalidade e alugado por um valor conforme a renda da
família. As próprias famílias que moravam na favela foram morar nos
prédios. Só que não é delas, elas alugam. Conta-se com 30 meses para
rever a situação social da família se se pode renovar ou não o contrato de
aluguel. Se a família está bem, se melhorou economicamente, passa para
um outro programa. Para um financiamento, por exemplo. Se a família está
mal, ela continua lá. [...] Há um trabalho de mestrado que avaliou a gestão
desses conjuntos depois que foram implementados. Está havendo bastante
problemas, até porque, quando mudou a gestão, digamos que a nova não
acredita muito na proposta. E se trata de um projeto que precisava de muito
acompanhamento social porque são famílias muito vulneráveis, são famílias
que moravam em barracos, e não estavam acostumadas a morar em prédio.
Era um projeto que necessitava de um acompanhamento social muito
intenso, não só na questão habitacional, mas em outras questões. Isso não
foi feito. Além disso, há outras críticas hoje: o próprio movimento diz que foi
um erro se colocar só famílias de baixa renda, poderia ter misturado um
pouco mais, até para a própria sustentabilidade do empreendimento.
Segregou-se muito os de baixa renda, o que se considerou ruim para a
própria gestão do condomínio (Isadora Tsukumo, entrevista concedida a
este pesquisador em 20/01/2009).
Dessa forma, embora o acompanhamento desse projeto piloto habitacional
constasse do Programa, uma vez mais a interrupção do trabalho parece não ter
gerado qualquer tipo de conseqüência. Portanto, não é de se estranhar que o
resultado da consulta aos moradores e usuários do centro
48
tenha indicado uma
baixa propensão ao pagamento de equipamentos públicos em função do mal uso
dos recursos gastos pelo governo (18%) e porque consideram ser obrigação do
governo (28%) zelar pela qualidade de vida de seus governados.
4.5.3 Documento: Contrato de Empréstimo, Nº 1479/OC-BR, 2 de junho de
2004 – Anexo 6
Na leitura do Contrato é possível perceber que se trata de um documento
voltado, notadamente, para as garantias financeiras do Banco. O compromisso
com os objetivos do Programa aparece em uma pequena nota da primeira página
do anexo 5A.
A finalidade do Programa é promover o desenvolvimento social e econômico
com diversidade da Área Central de São Paulo. Seu propósito é dinamizar
48
Vide Anexo 5A do Caderno de Anexos.
Capítulo III
78
em criar condições de atração e suporte de atividades compatíveis com o
cento metropolitano promovendo a reabilitação urbanística e ambiental da
área, com inclusão social (Contrato de Empréstimo, 2004, anexo 6).
O compromisso com o desenvolvimento econômico e social aparece de
forma sucinta e na forma de “objetivos”. Ausente, portanto, a responsabilidade
quanto ao resultado do Programa. Dessa forma, a única restrição quanto a
suspensão do desembolso se remete à inadimplência ou restrições legais
(Contrato de Empréstimo, 2004, p. 19 – anexo 6).
Ademais, encontra-se anexada ao contrato a Resolução DE072/03 que
garante ao Banco Interamericano de Desenvolvimento as garantias do governo
federal brasileiro quanto ao pagamento do empréstimo ao Município de São
Paulo.
4.5.4 Documento: Regulamento Operacional: novembro de 2004 – Anexo 7
No documento intitulado “Regulamento Operacional”, os objetivos do
Programa se mantêm quanto à opção por um desenvolvimento diversificado com
inclusão social. No entanto, ao se detalhar a estrutura do Programa, é possível
perceber sua divisão em cinco componentes, em nenhum deles se levam em
consideração os aspectos sociais.
O Programa está estruturado em 5 componentes interdependentes, que são:
(i) a reversão da desvalorização imobiliária e recuperão da função
residencial; (ii) a transformação do perfil econômico e social da área central;
(iii) a recuperação do ambiente urbano; (iv) a melhoria da circulação e
transportes; e, (v) o fortalecimento institucional do Município (Regulamento
Operacional, 2004, p. 5, anexo 7).
Mais uma vez pode-se observar a reversão da desvalorização imobiliária
como o primeiro aspecto a ser levado em consideração. A “transformação do
perfil econômico e social da área central” a que se refere o segundo item também
se vincula a incentivos para atração de investimentos privados:
Transformação do perfil econômico e social: este componente compreende
ações relacionadas à promoção do desenvolvimento econômico e social
local, mediante a criação de incentivos para a renovação do tecido
produtivo, buscando criar um pólo de atração de micro e pequenas
Capítulo III
79
empresas não poluentes e, em especial, de empresas do setor terciário de
alta tecnologia (Regulamento Operacional, 2004, p. 6, anexo 7).
Percebe-se que a estratégia de desenvolvimento constitui, quase que
exclusivamente, na atração do investimento privado na região central. Evidencia-
se assim a dinamização econômica e a valorização imobiliária como principais
estratégias do desenvolvimento. Esses aspectos se fortalecem em vários pontos
do Projeto em que se destacam a criação de mecanismos de articulação com o
setor privado:
Este sub-componente apoiará a criação de una janela de negócios na
EMURB e, para isto, financiará reformas das instalações físicas, aquisição
de equipamentos, capacitação do pessoal envolvido na articulação com o
setor privado para a revitalização da área central em áreas como
negociação, finanças, desenvolvimento local, promoção de negócios, um
sistema de informações etc (Regulamento Operacional, 2004, p. 6, anexo 7).
Observa-se o comprometimento com o setor privado como forma de
garantir ao Banco o retorno do investimento empenhado para a realização do
Programa. Conseqüentemente, os investimentos e estratégias para o setor social,
sobretudo direcionados à população de baixa renda, não aparecem de forma
explícita no documento, e sim apenas como derivação do desenvolvimento
econômico cujo protagonista central é o setor privado. Uma vez mais enfatiza-se
reiteradamente a lógica do custo-benefício das ações, que permitem resultados
economicamente mensuráveis.
Mais ainda, chama a atenção o quadro IV-2 localizado na página 17 do
referido documento que detalha os principais critérios por tipo de projeto.
Observa-se na terceira coluna, na parte intitulada “sócio-econômico”, a seguinte
colocação: “Avaliação Custo-Benefício (CB) da alternativa: > 12%”. Esse valor
corresponde aos estudos realizados quanto ao retorno do investimento. Nesse
caso, o investimento programado acarretará em uma arrecadação de 12% acima
do investimento realizado.
O Programa ressalta ainda a necessidade de se comprovar a reversão da
desvalorização imobiliária e a recuperação da função residencial. Parece evidente
que se o investimento não evidenciar o processo de valorização imobiliária, o
Projeto de revitalização deve sofrer modificações. Portanto, este documento
Capítulo III
80
reafirma a lógica do custo-benefício financeiro como a visão prevalecente no
Programa.
Ademais, o documento afirma ter sido “acordada com o mutuário a
realização de uma avaliação a posteriori do Programa” (Regulamento
Operacional, 2004, p. 27, anexo 7). No entanto, a ausência de um cronograma
específico e a permissividade quanto às mudanças no Projeto parecem ser
incompatíveis com os estudos de perspectivas de retorno do investimento.
É possível concluir, pela análise dos documentos do BID, que este não
assume responsabilidade quanto aos resultados do Programa. Não há em
nenhum dos documentos qualquer forma de compromisso do Banco com os
resultados sugeridos no Projeto. Pelo contrário, os documentos apontam para
uma visão voltada quase que exclusivamente para a valorização da região
central, o que garante o pagamento do financiamento concedido. Além do mais,
ajustam as grandes cidades ao aludido projeto das “cidades globais”, permeáveis
portanto aos investimentos e aos interesses das grandes corporações
internacionais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
82
Considerações Finais
Após analisar a bibliografia referente ao BID, os documentos relativos ao
Procentro, as entrevistas, a literatura sobre difusão de políticas públicas e
formação de agenda, é possível tecer algumas considerações finais.
Historicamente, a análise da atuação do BID demonstrou decréscimo
quanto ao número e valores empenhados em projetos sociais, que cedeu lugar ao
setor produtivo e ao de infra estrutura. Essa tendência se reafirmou na análise
das prioridades do Procentro, em que a estratégia consistia em fazer com que o
Programa se auto-financiasse.
Dessa forma, observou-se que o papel das condicionalidades adotadas
pelo BID buscam garantir o retorno dos investimentos empenhados na execução
dos programas por ele financiados, notadamente no caso do Procentro, em que
se analisou na perspectiva de um estudo de caso. Portanto, as condicionalidades
são pressupostos que justamente condicionam e definem a assinatura do
Contrato, sendo este circunscrito a um instrumento que garante o pagamento do
empréstimo na forma e no período acordados.
Verifica-se, contudo, uma visão – restrita – da lógica do “custo-benefício”,
em que o Banco impõe um conjunto de procedimentos gerenciais que definem o
modus
operandi
dos financiamentos, assim como estipula um padrão a ser
seguido por determinadas políticas públicas conhecidas como “melhores
práticas”. Esse processo faz que os resultados dos programas em que
empréstimos, notadamente o Procentro, tornem-se conseqüência desse quadro
que emoldura a concessão de financiamento, pois impactam nas políticas
públicas. Daí a ênfase se dar mais no
processo
do que nos resultados.
A literatura sobre formação e definição de agenda política, notadamente a
concepção de John Kingdon, demonstrou que o BID se insere como um ator
relevante e com forte influência sobre a agenda do Programa em tela. Observou-
se que a teoria dos fluxos múltiplos desenvolvida pelo autor relaciona-se ao
Procentro tornando-o parte importante da agenda política nas gestões observadas
neste estudo.
Quanto à análise político/partidária, destacou-se a questão da participação
social como principal aspecto de distinção entre as duas gestões abordadas neste
Considerações Finais
83
trabalho. Foi possível constatar que diversos atores sociais não tiveram voz no
processo de formulação do Programa, sobretudo na gestão PSDB/DEM em que,
segundo os entrevistados, foram cortados os canais de participação com a
sociedade civil.
Essa questão chama a atenção, pois, embora o BID enfatize a importância
da participação, a prática se revelou contrária ao discurso preconizado pelo
Banco. Acentua-se, desse modo, a existência de contradição entre discurso e
prática do BID relacionada à sensibilidade social. No entanto, essa questão não
pôde ser suficientemente analisada na presente pesquisa, dado que a mesma
instituição – o BID – aceitou lógicas distintas nos dois governos examinados:
outros estudos devem continuá-la.
A análise dos documentos firmados entre BID e PMSP – no que tange ao
Procentro – permitiu constatar que a atuação do Banco é baseada em
experiências internacionais consideradas bem-sucedidas segundo avaliação do
próprio Banco. Esse fato, registrado em documentos oficiais, enaltecendo
notadamente a experiência de Barcelona como referência de políticas públicas
para a revitalização de grandes centros urbanos, permite a percepção da
existência de um modelo de atuação preconcebido pelo Banco. Dessa forma,
deve-se ressaltar a visão particular do BID em relação às políticas públicas, o que
pode ser observado nos documentos obtidos que, aliás, são de difícil acesso (daí
os expormos no Caderno de Anexos) e, mais do que isso, tiveram status de
“confidenciais”.
Este trabalho pretendeu contribuir para preencher minimamente o vazio
quanto ao conhecimento da atuação do BID no que tange a seus impactos nas
políticas públicas, notadamente no âmbito subnacional e especialmente quanto às
condicionalidades exigidas pelo Banco no Programa Procentro.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Abstract
This study analyses the performance of the Inter American Development Bank
(IADB) in regards to public policies financing, more specifically the Programme of
Revitalisation of Downtown Sao Paulo (Procentro). The observed period involves
the administration of Mayor Marta Suplicy (2000 – 2004) – period when the
contract signature took place – and the administration of Mayors Jose
Serra/Gilberto Kassab (2004 – 2008).
It aims at evaluating the influence exerted by the IADB in a specific public policy,
having the Procentro case study as basis. For that, in-depth interviews with some
technicians responsible for different areas of the programme and analysis of
documents (contracts, programmes and reports) were made aiming at identifying
the type of language used by the Bank, as well as the sort of demands and
counterparts to the actual implementation of the public policy in question.
These observations focused on the pre-approval and signature phases, therefore
the phases understood as preconditions and conditions, respectively.
Based on information gathered through the methods mentioned above, the
Procentro case study allows for the conclusion that, by means of conditionality,
IADB can influence the format and content of public policies, specially the
Procentro one.
It was noted that the conditionality is a premise that condition the Contract
signature, being it limited to an instrument of guarantee for the loan repayment,
what implies in the logic of ‘cost-benefit’ (the Bank thus considers only the
measurable aspects). For that, the Bank demands a series of managerial
procedures that define the
modus operandi
of financing, as well as determines
management forms known as ‘best practices’ as standard.
In regards to the analysis of different political/partisan management, it was
possible to notice the option taken by the IADB of not valuing popular participation,
as well as ignoring the demands posed by social movements representing the
poor part of the population.
When analyzing the documents, it was observed that IADB has a particular
approach in relation to public policies using as base international experiences
considered by it as successful. Finally, the documents signed with the government
are of difficult access, an indicative of low transparency.
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