Falei em torreão porque, no ângulo da Biblioteca, há uma coisa que deve ser o que se chama um torreão. A borboleta
subiu um pouco por fora do torreão: por um instante acreditei que ela fosse voltar, mas continuou ao longo da parede. Em
certo momento desceu até perto da minha cabeça, como se quisesse assegurar-se de que eu a seguia, como se me quisesse
dizer: "estou aqui".
Logo subiu novamente, foi subindo, até ficar em face de um leão... sim, há uma cabeça de leão, aliás há várias, cada
uma com uma espécie de argola na boca, na Biblioteca. A pequenina borboleta amarela passou junto ao focinho da fera,
aparentemente sem o menor susto. Minha intrépida, pequenina, vibrante borboleta amarela! pensei eu. Que fazes aqui, sozinha,
longe de tuas irmãs que talvez estejam agora mesmo adejando em bando álacre na beira de um regato, entre moitas amigas
– e aonde vais sobre o cimento e o asfalto, nessa hora em que já começa a escurecer, oh tola, oh tonta, oh querida
pequena borboleta amarela! Vieste talvez de Goiás, escondida dentro de algum avião; saíste no Calabouço, olhaste pela
primeira vez o mar, depois...
Mas um amigo me bateu nas costas, me perguntou "como vai bichão, o que é que você está vendo aí?" Levei um grande
susto, e tive vergonha de dizer que estava olhando uma borboleta; ele poderia chegar em casa e dizer: "encontrei hoje o
Rubem, na cidade, parece que estava caçando borboleta".
Lembrei-me de uma história de Lúcio Cardoso, que trabalhava na Agência Nacional: Um dia acordou cedo para ir
trabalhar; não estava se sentindo muito bem. Chegou a se vestir, descer, andar um pouco junto da Lagoa, esperando condução,
depois viu que não estava mesmo bem, resolveu voltar para casa, telefonou para um colega, explicou que estava gripado, até
chegara a se vestir para ir trabalhar, mas estava um dia feio, com um vento ruim, ficou com medo de piorar – e demorou um
pouco no bate-papo, falou desse vento, você sabe (era o noroeste) que arrasta muita folha seca, com certeza mais tarde vai
chover etc., etc..
quando o chefe do Lúcio perguntou por ele, o outro disse: "Ah, o Lúcio hoje não vem não. Ele telefonou, disse que até
saiu de casa, mas no caminho encontrou uma folha seca, de maneira que não pode vir e voltou para casa."
Foi a história que lembrei naquele instante. Tive – por que não confessar? – tive certa vergonha de minha
borboletinha amarela. Mas enquanto trocava algumas palavras com o amigo, procurando despachá-lo, eu ainda vigiava a minha
borboleta. O amigo foi-se. Por um instante julguei, aflito, que tivesse perdido a borboleta de vista. Não. De maneira que vocês
tenham paciência: na outra crônica, vai ter mais história de borboleta.
***
Mas, como eu ia dizendo, a borboleta chegou à esquina de Araújo Porto Alegre com a Avenida Rio Branco; dobrou à
esquerda, como quem vai entrar na Biblioteca Nacional pela escada do lado, e chegou até perto da estátua de uma senhora
nua que ali existe; voltou; subiu, subiu até mais além da copa das árvores que há na esquina – e se perdeu.
Está claro que esta é a minha maneira de dizer as coisas; na verdade, ela não se perdeu; eu é que a perdi de vista. Era
muito pequena, e assim, no alto, contra a luz do céu esbranquiçado da tardinha, não era fácil vê-la. Cuidei um instante que
atravessava a Avenida em direção à estátua de Chopin; mas o que eu via era apenas um pedaço de papel jogado de não sei
onde. Essa falsa pista foi que me fez perder a borboleta.