105
gallinacés, poissons plats, papillons et autres insects, sciuridés, etc. – conservent leur
fonction sémantique d‘un bout à l‘autre des deux Amériques, sans qu‘il faille jamais
tenir compte, pour expliquer cette résistance, des innombrables bouleversements
démographiques et culturels qui sont intervenus au cours des siècles? (Lévi-Strauss
1971: 542-3)
É a partir desta unidade e solidez do sistema mítico que Lévi-Strauss passará a fazer
considerações que contrastam este quadro geral da mitologia com hipóteses históricas de larga
escala, que partem, justamente, dos fatos de difusão inventariados nas análises dos mitos. Pois
esta solidez e esta unidade necessitam que se repense as hipóteses acerca do povoamento do
continente já que os mitos colocam em evidência as relações de contato, e os fatos de
empréstimo, entre os diversos povos da América em um tempo pré-histórico. É neste sentido
que o autor pode afirmar que houve um rápido povoamento do continente; que não é de se
descartar que possam ter ocorrido movimentos populacionais no sentido inverso à marcha
demográfica principal – majoritariamente norte-sul –; que o continente era caracterizado por
alta mobilidade de homens, e consequentemente, de idéias, já que, e este é o ultimo ponto, as
populações ameríndias parecem ter ocupado o continente no passado, como um gás que se
dilata até ocupar todo o volume de um recipiente. Apesar das enormes distâncias, as relações
culturais seriam a marca daquilo que no instante em que se chamou de Novo Mundo,
interrompeu-se o seu próprio devir (Lévi-Strauss 1971: 542-3)
82
. Diante destas observações,
Lévi-Strauss pode afirmar que seria possível que toda criação original repercutisse por contato
direto nos outros lugares.
Assim, o autor compara a composição deste agregado de populações à composição de
uma barra de metal que resiste a certas contingências, sem que a estrutura de suas moléculas
82
Devemos lembrar que no início do livro, ao narrar o mito klamath do desaninhador de pássaros, Lévi-Strauss
tratava com algum desdém as questões demográficas às quais retorna neste capítulo. Na ocasião ele dizia: ―On
nous dira: soit, un groupe de mythes provenant de l‘Amérique tropicale se retrouve intact dans une région
septentrionale de l‘Amérique du Nord. Mais, qu‘est ce que cela prouve, sinon que l‘Amérique a été peuplé par
des vagues successives d‘émigrants venus d‘Asie, qui transportaient avec eux des mythes dont certains
demeurent reconnaissables à plusieurs exemplaires ici et là?‖ (Lévi-Strauss 1971: 32) É ainda mais notável que,
retirando o nós de modéstia francês, no ―Finale‖, Lévi-Strauss comece se indagando, precisamente, sobre o fato
de ter tomado a América a ―contrapelo‖, no sentido contrário dos movimentos migratórios pré-históricos: ―En
considérant rétrospectivement mon travail, une première chose me frappe d‘autant plus qu‘elle ne répond pas à
une intention délibérée de ma part. En commençant l‘enquête par des myhtes de l‘hémisphère sud, et en la
déplaçant progressivement vers des régions septentrionales et occidenntales de l‘hémisphère nord, j‘ai pris, en
quelque sorte, l‘Amérique à contre-poil, son peuplement s‘étant, de tout évidence, fait en majeure partie dans le
sens inverse‖ (Lévi-Strauss 1971: 563-4). Nessa última ocasião, o autor acrescenta que um motivo que lhe ocorre
para ter feito este percurso inverso é o de que a mitologia sul-americana, apesar e mesmo devido ao estado de
pobreza do material etnológico, mostrava com mais facilidade os contornos essenciais do conjunto que ele viria a
explorar, enquanto a mitologia norte-americana poderia fazer com que ele se perdesse em detalhes que o
levariam a outras considerações. Será que podemos depreender disso que Lévi-Strauss, em um certo sentido, leu
a mitologia norte-americana pelas lentes da sul-americana? Provavelmente sim, mas teríamos que ser
especialistas na mitologia da parte norte do continente para avaliar as consequências desta estratégica analítica.