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(UFMG)
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Para Wal, amigo querido.
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GRADECIMENTOS
Agradeço ao CNPQ pelo fundamental financiamento desta pesquisa por 2 anos.
Obrigada Priscila Brandão, minha orientadora e meu exemplo de pesquisadora.
Agradeço à Heloisa Starling pelas sugestões quando da qualificação, à Samantha
Quadrat, por aceitar estar na banca. Ao James, pela atenção dispensada e grande
generosidade acadêmica. À Kátia Baggio, pela simpatia e ajuda nas dúvidas.
Aos meus familiares, muito obrigada.
Aos amigos da UFMG, e as de sempre da UFOP. Amo vocês.
À Norma, secretária da PPGH, por toda gentileza e atenção.
RESUMO
A presente dissertação sobre História Política do Brasil analisa a luta armada como
uma proposta política no combate à ditadura militar (1964-1985). Num estudo de
caso, apresento o grupo COLINA Comandos de Libertação Nacional e suas
propostas revolucionárias. Para o grupo, oriundo da POLOP (Política Operária),
limitar-se às discussões teóricas não era suficiente, o que era necessário naquele
momento seria mais ousadia para chamar a atenção da sociedade para o engodo que
representava o regime militar. Apesar de sua breve atuação, o COLINA foi uma das
organizações pioneiras em assumir seus assaltos como atitudes políticas e soube
dosar militarismo com discussões teóricas não conseguindo, assim, total
desvencilhamento da tradição da POLOP. A história oral é usada como metodologia
de apoio para que, através dos depoimentos, possamos conhecer de perto os
“protagonistas anônimos” desta história.
RÉSUMÉ
La présente dissertation en Histoire Politique du Brésil analyse la lutte armée
comme une proposition politique dans le combat à la dictature militaire (1964-
1985). Le groupe COLINA– Comandos de Libertação Nacional et ses propositions
révolutionnaires sont ici présentés dans une étude de cas. Se borner à des discussions
théoriques de la POLOP (Política Operária), organisation d’où est issu le groupe, ne
semblait pas satisfaisant à ces dissidents. Ce qui leur semblait nécessaire à ce
moment-là, c’était plutôt la hardiesse d’attirer l’attention de la société sur le leurre
représenté par le régime militaire. Malgré sa brève durée, le COLINA fut une des
organisations d’avant-garde pionnières à assumer des assauts en tant qu’attitude
politique. Il a su doser le militarisme et les discussions théoriques, arrivant, ainsi, à
une totale rupture de la tradition de la POLOP.L’histoire orale est utilisée comme
méthode d’appui dans le but de connaître de près, à travers les témoignages, les
“protagonistes anonymes” de cette histoire.
SUMÁRIO
I
NTRODUÇÃO
........................................................................................................................08
C
APITULO
I...........................................................................................................................14
C
APITULO
II..........................................................................................................................63
C
APITULO
III........................................................................................................................98
C
APITULO
IV......................................................................................................................152
C
ONCLUSÃO
........................................................................................................................186
B
IBLIOGRAFIA
....................................................................................................................188
1. Introdução
1959.Há 50 anos, uma revolução socialista aconteceu na América Latina e ainda
hoje, percebemos seus ecos. Ainda que enfraquecidos em alguns países que passaram, ou
tentaram reproduzir experiências semelhantes àquelas vividas por Fidel Castro. A exemplo
da metáfora utilizada, do anjo e do demônio falando ao ouvido, temos duas facetas de
uma mesma revolução. O anjo fala do valente e romântico exército que derrubou a ditadura
de Fulgêncio Batista e mostrou aos demais povos americanos que a revolução seria
possível, que bastaria boa vontade e armas para que mudanças sociais sejam realizadas em
benefício de todos. Já o demônio, fala em um sirênico canto, que houve foi apenas uma
“troca de ditaduras” e que, apesar de melhoras, o povo cubano ainda sofre a falta de
liberdade.
1969.Dez anos da Revolução Cubana se passaram e a organização revolucionária
Comandos de Libertação Nacional (COLINA) foi desmantelada em Belo Horizonte. O
núcleo dirigente do grupo foi detido e levado para Juiz de Fora. Ficando conhecido por ser
o primeiro grupo guerrilheiro a “cair” e a assumir a autoria de um assalto com fins
políticos. Posteriormente, também tiveram publicidade em função de redigir a primeira
carta de denúncia sobre os “porões da ditadura”, que apenas foi tornada pública no exterior
poucos anos depois. Tratou-se da “Carta de Linhares”. Levou este nome, pois foi escrita
enquanto tais militantes estavam encarcerados na penitenciária Edson Cavalieri, no bairro
de Linhares, em Juiz de Fora/MG. Conhecida por Penitenciária de Linhares, havia sido
adaptada especialmente para receber presos políticos.
1979. Uma década após a “queda” do COLINA e duas após a Revolução Cubana,
foi promulgada a Anistia parcial, não por acaso, propagada como “ampla, geral e irrestrita”,
ensejando o retorno do exílio e o fim da clandestinidade de vários militantes. Em tese, a
luta agora ocorreria de modo legal e pelas liberdades democráticas.
Considerando o conceito utilizado por Jean François Sirinelli, de que as gerações
seriam “criadas ou modeladas por um acontecimento inaugurador”
1
, refletimos, ou melhor,
questionamos: em que medida seria possível entendermos cada um destes recortes
temporais como gestores dos que os precederam? Se cada novo evento é conseqüência das
1
SIRINELLI, Jean-François. A geração. IN: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. Os usos e
abusos da História oral Rio de Janeiro, FGV, 2000.
experiências anteriores, seria possível entender a Revolução Cubana como inauguadora do
movimento guerrilheiro no Brasil? Seria a queda dos guerrilheiros do COLINA um
processo inaugurador do movimento pela Anistia no Brasil?
Para além destes questionamentos buscamos, com este trabalho, contribuir
para a compreensão do que foi o processo de radicalização dos movimentos de
oposição à ditadura no Brasil no fim da década de 1960. Nosso principal objetivo é
contar e analisar a breve trajetória do grupo COLINA, uma das dissidências e, em
grande medida, herdeira do grupo Política Operária (POLOP), caracterizado
essencialmente por discussões teóricas.
Formado em 1967, o COLINA imprimiu uma forma de oposição e resistência
à ditadura militar, sob inspiração foquista cubana. Embora tenha existido por um
período muito curto, haja vista ter sido desarticulada ainda em 1969, o estudo de tal
grupo se justifica, principalmente, devido à falta de estudos aprofundados sobre a
esquerda revolucionária em Minas Gerais
2
. Nos interessa saber, quais as
peculiaridades do COLINA face às tantas outras organizações existentes, qual o
perfil de seus militantes, e por fim, que tipo de projeto revolucionário defendiam.
O COLINA se insere na chamada “nova esquerda”, que abrange as
organizações e partidos clandestinos críticos ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),
surgidos no início da década de 1960. O termo nova” quer dizer diferente” e não
se opõe a velha”, no sentido de ultrapassada
3
. A origem da expressão (new left),
remonta aos historiadores ingleses oriundos do PC Britânico – dentre os quais
figuravam Eric Hobsbawn, Edward P. Thompson, Christopher Hill e Perry
Anderson, que pretendiam “escrever a história por baixo”. Os debates derivados
desta perspectiva foram de grande valia para a compreensão das nuances existentes
no interior do marxismo, uma vez que colocaram em evidência a participação de
grupos políticos, movimentos sociais, organizações e partidos, realçando a riqueza
2
Recentemente foi defendida na PUC/MG a monografia Corrente Revolucionária de Minas Gerais: uma
resistência armada ao regime militar brasileiro no Estudo de Minas Gerais (1967-1969), de Thiago Veloso
Vitral.
3
REIS FILHO Daniel & SÁ, Jair. Imagens da revolução Rio de Janeiro, Marco Zero, 1985. pp.7.
das discussões e contradições teóricas, ao promover um deslocamento da análise
superestrutural
4
.
Algumas peculiaridades caracterizariam a “novidade” de tal esquerda. De modo
sucinto
5
: a) diferentes interpretações e práticas políticas, que divergiam acerca do caráter
da revolução (libertação nacional ou diretamente socialista?); da orientação doutrinária,
(revolucionária - se pegariam em armas, ou reformista- fariam trabalho com as massas?); b)
a busca de um modelo internacional para legitimação de suas ações (o modelo chinês ou
cubano?); c) marcada pela problemática do choque de gerações (se antes do golpe os
militantes eram mais velhos, com longa trajetória política geralmente ligada ao PCB, na
“nova esquerda”, a média de idade seria de 20-22 anos); d) fragmentação da esquerda,
gerada pela atuação na clandestinidade, que influiu muito na dinâmica desses grupos, na
medida em que foram formados vários microcentros de poder
6
.
Para responder algumas das questões que nos permitirão uma maior compreensão
dos princípios organizacionais do COLINA, utilizaremos, principalmente, os conceitos de
cultura política, terrorismo, violência e memória emblemática. Em termos metodológicos
procedimentais, optamos por cruzar tipos diversos de fontes: jornais, depoimentos,
documentos produzidos pelas duas organizações e que foram apreendidos pelo DOPS, bem
como cartas escritas por militantes no exílio.
No que tange às fontes, primeiramente trataremos das entrevistas.
Trabalhamos com analises de três tipos: a) as inéditas por mim coletadas: Ângela
Pezzuti, Apolo Heringer, Berenice Machado, Carmela Pezzuti, Cláudio Galeno
Linhares, Elza Porto, Irani Campos, Jorge Nahas, José Maurício Gradel, Maria do
Carmo Brito, Maria José Nahas, Leovegildo Leal (esta coletada em parceria com
pesquisador Samuel Oliveira), e depoimento de Guido Rocha, escrito e cedido pelo
mesmo; b) entrevista inédita realizada pela professora Priscila Brandão, com antigo
chefe do Centro de Informações do Exército (CIE), responsável pelo
desenvolvimento do Projeto ORVIL, cujos resultados caso fossem publicados,
4
Cf. ARAÙJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada. Novas esquerdas no Brasil e no mundo na
década de 1970.Rio de Janeiro: FGV, 2000. pp. 12.
5
Tais peculiaridades serão melhor discutidas ao longo do trabalho.
6
Idem. pp.16.
resultaria na obra “As quatro tentativas de tomada do poder”, e por fim, c)
entrevistas coletadas por outros pesquisadores, disponibilizadas no programa de
História Oral da UFMG e no Acervo Luta Armada no Brasil, do Arquivo Edgard
Leuenroth /UNICAMP. A metodologia que envolve as fontes orais privilegiará tanto
uma análise das trajetórias particulares quanto o trabalho de reconstrução
memorialística destas pessoas, no que tange à luta armada e questões conexas.
A segunda tipologia documental refere-se aos jornais. Analisaremos dois
grandes veículos de comunicação da imprensa escrita, com destacada circulação nos
estados em que esta organização atuou. Focaremos as ações do COLINA e as
evidências do destino de seus militantes, sobretudo no jornais Estado de Minas e
Jornal do Brasil, bem como em jornais da imprensa alternativa, a exemplo dos
jornais De Fato e Movimento, sendo estes de maior popularidade dentro dos
militantes de esquerda.
A terceira tipologia documental são documentos produzidos, que podem ser
divididos em duas categorias: a) documentos produzidos pelo COLINA e
apreendidos pelo DOPS, nos quais buscaremos analisar os debates existentes dentro
da organização e identificar as motivações que conduziram à dissidência da POLOP
e formação do COLINA e; b) documentos disponibilizados pela Secretaria Especial
de Direitos Humanos. Este acervo foi incorporado a partir de pesquisa baseada no
livro-documento Direito à Memória e à Verdade, publicado pela mesma, o qual
discorre sobre os processos relacionados aos desaparecidos políticos brasileiros.
Analisaremos, ainda, as correspondências enviadas do exílio por militantes
que passaram pela organização. A partir das cartas, pretendemos inferir análises
sobre determinados sentidos que a luta revolucionária adquiriu para tais atores.
Dentre vários aspectos relevantes, interessa-nos avaliar as autocríticas previamente
identificadas, no que tange envolvimento guerrilheiro, bem como compreender a
forma em que teoria e prática revolucionária foram revisitadas.
Por fim, identificaremos perspectivas militares relacionadas ao COLINA em dois
acervos: primeiro, nos arquivos da Assessoria Especial de Segurança e Informação na
Universidade (AESI), órgao responsável pelo monitoramento e repressão dos militantes do
COLINA dentro dos institutos da UFMG: Escola de Medicina, ICB, FACE e FAFICH; o
segundo refere-se ao ORVIL.
Uma vez explicitados métodos e fontes, apresentaremos o plano de redação com os
objetivos de cada capítulo.
O primeiro capítulo consiste no estabelecimento de um duplo debate em torno dos
conceitos de Culturas Políticas e Terrorismo. O primeiro será importante para o
entendimento da complexidade dos signos e ritos políticos no âmbito da luta armada. O
segundo será útil na problematização da relação entre Estado e oposição no Brasil, uma vez
que seu emprego é normalmente associado às tentativas de desqualificar politicamente os
adversários. Terrorismo é, ao mesmo tempo, um fenômeno político e um termo
depreciativo.
No segundo capítulo analisaremos a conjuntura internacional entre as décadas de
1960 e 1970, com o objetivo de compreender, de uma perspectiva crítica, aspectos da
Doutrina de Segurança Nacional, que balizaram o discurso e as práticas desencadeadas na
América Latina. A ênfase deste capitulo recairá sobre a Revolução Cubana buscando
perceber, dentro dos limites possíveis, os alcances mais plausíveis de seu impacto sobre as
esquerdas radicais da América Latina, com destaque para as organizações brasileiras. Com
a abrangência do debate e o exercício da história comparada, teremos argumentos
enriquecedores para a compreensão do nosso objeto de estudo.
O capítulo três analisa os conflitos finais da POLOP, que levaram à sua ruptura
durante o IV Congresso, realizado em Santos, no ano de 1967. A importância da análise
deste Congresso está no “racha” que levou ao aparecimento de outras organizações, dentre
elas o COLINA. Analisaremos a história da mesma, sob vários aspectos: suas ações, teoria,
práticas revolucionárias e influências doutrinárias.
Finalmente, o capítulo quatro abrange a questão da disputa pela “memória oficial”
do período. Luta que consideramos tanto a partir da tentativa de imposição de uma
memória pelos militares, seja por meio de propagandas, do sistema educacional etc., quanto
a partir de uma reivindicação da legitimidade da leitura deste passado, por parte de
militantes da esquerda atingidos em sua integridade física ou civil durante ditadura militar
brasileira. Para tanto, utilizaremos o conceito de “memórias emblemáticas”, elaborado por
Steve Stern, entendido como uma espécie de marco, uma forma de organizar as memórias
concretas e seus sentidos.
C
APITULO
I
–C
ULTURA
P
OLÍTICA E
V
IOLÊNCIA
A expressão culturas políticas não é recente, data da década de 1960 e foi cunhada
por Sidney Almond e Gabriel Verba. Buscava representar uma interface entre distintas
perspectivas, como da sociologia, antropologia e psicologia, aplicadas ao estudo dos
fenômenos políticos
7
. A definição de cultura foi amparada, sobretudo, pela antropologia,
que a entende como uma articulação de comportamentos apreendidos socialmente, por
meio de processos de transmissões de pensamentos e idéias, sem qualquer intervenção
biológica.
Uma série de estudiosos nos fornece apontamentos sobre como pensar e aplicar o
conceito cultura política. Para Daniel Cefai, as culturas políticas são aquelas:
que se coloca(m) em diferentes espaços teóricos e se inscreve(m) em diferentes
espaços empíricos, desafia(m) uma produção consensual (...) que seja apropriada a
todas as constelações de temas e a todas as grandezas de escala em uso nas ciências
sociais, históricas e políticas
8
Serge Berstein propôs pensar a cultura política a partir de uma perspectiva histórica,
distinta da sociologia e antropologia, embora dialogue com ambas. Para o autor, culturas
políticas seria a junção de componentes antagônicos
9
. Assim como a história cultural teve
sua renovação quando mostrou convergência com as ciências sociais a partir da Escola dos
Annales, para Berstein, o mesmo ocorreu com o fenômeno do político, sob inspiração de
René Rémond. Este autor analisa o chamado “retorno do político”, de forma que o político
“pode ser um objeto de conhecimento científico, assim como um fator de explicação de
outros fatos além de si mesmo”
10
. Sua análise trás à cena a História Política, que bem como
a narrativa e a biografia retornaram após a crise da Nova História. Até este momento de
7
KUSHNIR, Karina & CARNEIRO, Leandro. As dimensões subjetivas da política: cultura política e
antropologia política. IN: Estudos Históricos. N.24
8
CEFAI, Daniel, citado por DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Arqueologia do conceito de cultura política.
In: Vária História, n.28, dez. 2002 , Belo Horizonte. pp.13-29.
9
BERSTEIN, Serge. A cultura política. IN: ROIUX & SIRINELLI. Para uma historia cultural. Lisboa:
Estampa, 1998. Pp.349.
10
Cf.RÉMOND, René. O retorno do político.IN:CHAUVEAU & TÉTART. Questões para a história do
presente. Bauru: Edusc,1992. pp.51-60.
crise, a política, assim como a narrativa e biografia estavam sob controle dos Annales em
proveito da História Econômica e Social.
O político não é um fato isolado, tampouco imutável. Pode-se inscrevê-lo na longa
duração e na mudança. É ligado ao estudo da história do tempo presente. A cultura política
deve ser pensada como uma interseção entre a história política com a cultural, porém, como
um elemento que diz respeito tão somente aos fenômenos políticos. Na sua tentativa de
definição do conceito, ele crê em uma espécie de código e de conjunto de referências
definido dentro de uma determinada “família” política, ou partido. Deriva daí, a
importância das representações, dos signos, das normas e valores como elementos de
coesão e para a definição de diversas culturas políticas
11
.
Haveria a necessidade de uma estabilidade de procedimentos de no mínimo duas
gerações para que uma nova cultura política penetre na sociedade sob forma de
representações. Seus principais expoentes seriam, por exemplo, a família, o Exército, o
partido e a escola, o que caracterizaria mobilidade e mutabilidade destas culturas
políticas
12
. Em certos casos a formação de uma sub-cultura política. Esta consiste em
uma forma mais específica de comportamento político dos militantes
13
. Tendo em vista esta
afirmação, nos interessa aplicá-la ao caso das culturas políticas de esquerda e analisarmos
duas de suas tradições que mais se influenciaram em graus diferentes a vertente escolhida
por alguns grupos revolucionários, em especial, o COLINA. Tratamos das tradições
comunista e nacional-estatista.
Segundo Daniel Aarão Reis, ao fazer uma revisão da trajetória das esquerdas, seja
no Brasil ou no mundo, de se reconhecer sua pluralidade. Costumamos empregar o
termo no singular. Esta tendência ao singular nos reporta a uma tradição do inicio do século
XX, que entendia a representação da esquerda legitimada em um partido. Antes da I
11
Para debate mais amplo sobre o “Retorno do político”: CHAUVEAU & TÉTART. Questões para a história
do presente. Bauru: Edusc,1992; REMOND, R.(org.) Por uma história política.Rio de Janeiro: FGV, 2006;
FALCON, Franscisco. História e poder. IN: CARDOSO & VAINFAS. Domínios da História – Ensaios de
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
12
BERSTEIN. Op. cit. pp. 356.
13
LAZAR, Marc. Fort et fragile, immutable et changeante… la culture politique communiste. IN:BERSTEIN,
Serge. Les cultures politiques en France. Paris: Seuil, 1999.
guerra, quem não estivesse vinculado ao partido social-democrata não seria de esquerda.
Depois da Internacional Comunista, essa tradição passou aos Partidos Comunistas
14
.
O Partido Comunista Brasileiro tem duas singularidades face aos PC’s europeus.
Inicialmente, não teve origem na social-democracia, pelo simples fato de não ter havido
social-democracia neste país. Saímos de uma sociedade escravista e em pouco tempo
emergiram os primeiros centros industriais, formando um núcleo operário. Este núcleo era
composto por vários imigrantes italianos e espanhóis, de influência anarquista e foram eles
quem fundaram o PCB
15
. Com o objetivo de:
"conquistar o poder político pelo proletariado e transformar a sociedade capitalista
em comunista. O partido da classe operária brasileira deveria também, lutar e agir
pela compreensão mútua internacional dos trabalhadores"
16
.
A segunda característica do PCB e rara na história do comunismo mundial é a
influência militar. Com exceção do PC Chinês, nenhum outro teve esta característica
de modo tão marcante. Esta adesão de militares deve-se a Luis Carlos Prestes. A
década de 1930 é marcada pelo que Dulce Pandolfi chamou de "Prestismo". Com a
filiação de Luis Carlos Prestes, o partido saíra do gueto. Ela observou que neste
período o “Prestismo” foi maior que o “pecebismo”
17
. O partido passou, então, a ser
o representante dos camponeses, marinheiros e soldados revolucionários, não mais
exclusivamente do proletariado. Depois de 1933, com a subida de Hitler ao poder, a
Internacional Comunista não mais incentivava as insurreições, mas sim frentes
populares compostas de outros partidos que não o comunista. A exceção da regra
foi o PCB cuja prática insurrecional fora recomendada, pois confiavam no potencial
militar do Partido. Esta é uma prova concreta do reconhecimento a tal influência
18
.
14
REIS FILHO, Daniel. As esquerdas no Brasil. Culturas Políticas e Tradições. IN: FORTES, A. História e
perspectivas da esquerda. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.175.
15
GORENDER, Jacob. O ciclo do PCB: 1922-1980. IN: FORTES, A. História e perspectivas da esquerda.
São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.164.
16
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros: História e memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume
Dumara, 1995. pp.71.
17
Idem.
18
GORENDER. op.cit. pp.167.
Quando miramos a esquerda no Brasil, fica em evidencia suas múltiplas culturas
políticas. A mais consolidada delas, que por muito tempo obteve o monopólio do ser de
esquerda” no Brasil foi sem dúvida, a comunista. Esta tradição comunista, segundo Reis
Filho,
seria uma árvore de vários ramos, que se tornou mais complexa após a década de
1960.
Marc Lazar, ao fazer uma análise do Partido Comunista Francês nos fornece
argumentos para a discussão acerca da cultura política comunista. O autor fez um diálogo
direto com Berstein ao definir cultura política como um conjunto de idéias, símbolos,
crenças, tradições e uma diversificação de regras e práticas que combinados, dão um
significado ao real estabelecendo as regras do jogo, formando os comportamentos políticos
e conduzindo à incorporação de normas sociais. A cultura política comunista teve seu ápice
dos anos 1930 aos anos 1950, tendo o Partido como instituição-chave. Como demonstra
Lazar, no caso comunista, é o partido que ocupa lugar central e determinante como um
meio de socialização e na definição do pensamento político
19
.
Dulce Pandolfi, qualifica a cultura comunista como a uma determinada visão de
mundo compartilhada por todos, vinculados a uma tradição iniciada com a vitória da
Revolução Russa e se identificou com o modelo de sociedade implantado pela URSS e se
inspirou nos escritos de Marx, Engels e Lenin
20
.
Para a análise de outra face da cultura comunista citamos Marco Aurélio Garcia,
que trabalha com hipótese da revolução cubana ser o marco que separaria a passagem de
um primeiro momento, marcado pelos ecos da revolução russa, que se estendeu até final
dos anos 1950, para uma segunda fase, que seria o surgimento de novas organizações de
esquerda influenciadas, em grande parte, pelos valores e pela teoria foquista
21
.
A partir deste novo referencial, a cultura política comunista toma uma nova direção,
todavia, se difere radicalmente da antecedente russa no que tange à estratégia de tomada do
poder. que se relativizar, entretanto, a mudança de valores entre pró-soviéticos e pró-
cubanos. Como constatamos em documentos e depoimentos de militantes do COLINA, por
19
LAZAR.op.cit.pp. 217.
20
PANDOLFI.op.cit. pp.35.
21
GARCIA, Marco Aurélio. As esquerdas no Brasil e o conceito de Revolução: trajetórias. In: ARAÚJO,
Angela. (org.). Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997. pp.38.
mais que tentassem se desvincular desta esquerda tradicional, leia-se PCB, as normas e
valores não se diferem tanto.
Foi fazendo uso de uma série de rituais e símbolos que se formou a identidade do
militante comunista. Abrigados sob uma mesma sigla, pessoas que militavam mesmo com
posições divergentes conseguiam uma prática unitária, ou seja, mesmo com diferenças,
todos eram comunistas. E ser comunista, é, sobretudo, estar ligado ao Partido
22
. Os valores
comunistas mais difundidos são: a obediência incondicional, a disciplina de ferro, a
dedicação completa a exaltação da unidade, seja da URSS, do partido ou de seus chefes.
Estes valores ou imagens são interiorizados e acompanhados obrigatoriamente de uma
submissão e de conformidade ao modelo oficial. O comunismo possui próprio calendário,
comemorações e ritos, como por exemplo, a morte de Stalin.
23
Valores parecidos pertencem a esta vertente “nova” do comunismo, todavia, ambas
se condenavam. O PCB era considerado reformista pelos revolucionários e estes de
aventureiros pelo mesmo Partido. Temos dentro destas organizações armadas as suas
representações que a seu modo lhes mantinham coesos. Assim como o PCB, eles estariam
coesos sob a premissa da formação de um partido de vanguarda, responsável por guiar as
massas à revolução, entretanto, sem a aliança com a burguesia como pregavam os
comunistas. Como exemplo destas representações, podemos citar a do grande líder
revolucionário, incontestável, que para o COLINA (e claro, tantas outras organizações
armadas) seria o guerrilheiro Che Guevara, assim como lideranças internas, seja o mais
velho, o teórico, o melhor atirador. A influência deste ícone da esquerda militarista é citada
de modo recorrente em algumas falas de militantes do grupo em questão.
Para Fernando Pimentel, político, ex-militante do COLINA, VAR-Palmares e
VPR
24
, foi exatamente a morte de Guevara que influenciou sua decisão pela via armada.
Ele militava no movimento estudantil secundarista que à época, 1967, era fortemente
influenciada pela esquerda católica, via organização Ação Popular (AP). Tinha dois amigos
que o convidavam para integrar suas respectivas organizações, um era do COLINA e outro
da AP:
22
PANDOLFI. op.cit. pp.29.
23
VIDAL, Adriane. Pablo Neruda: uma poética engajada. Dissertação de mestrado. UFMG, 2003. pp.224.
24
VAR-Palmares: Vanguarda Armada Revolucionária Palamares, foi uma organização armada surgida após a
dizimação do COLINA. VPR: Vanguarda Popular Revolucionária, surgiu, assim como o COLINA da cisão da
POLOP.
Uma das coisas que pesou engraçado eu lembrar disso - na minha opção foi a
morte de Guevara em outubro de 1967.O Guevara era,de certa forma, um mito, uma
referencia muito forte pra nós, pra minha geração. E (...) as circunstancias da morte
dele na Bolívia, aquela aura de heroísmo que aquilo carregou (...) Me marcou muito
e me impulsionou fortemente pra concepção de organização que era expressa pelo
COLINA
25
.
Tal adoração ao guerrilheiro morto e ao seu método de combate, que seria, nas
próprias palavras de Pimentel, “quase uma vara de condão” que estaria “fadado a dar certo
onde for”, levou à época a uma análise acrítica da idéia e das circunstancias necessárias a
instauração do foco guerrilheiro:
A gente atribuiu isso (a morte de Guevara) a uma derrota momentânea. Quer dizer,
o método era correto, só que ele foi infeliz naquela circunstancia
26
.
A fala de Irani Campos, sindicalista, ex-militante do COLINA, também vai de
encontro à do anterior no sentido da adoração ao comandante argentino e ao seu método:
Nós demos naquele momento, de sair daquela luta política tradicional, para outras
formas der luta que tinha de certa forma dado resultado, uma grande influencia
que nós tivemos da revolução cubana, e é por isso que também falo que quando eu
lembro da historia do Che Guevara, eu lembro de todo o exemplo dele de um cara
que podia ter morrido sentado em cima do ouro, né? Foi morrer brilhantemente,
heroicamente, Don Quixoticamente e mais a quantidade de adjetivo que você por,
pelo mundo. Hay que endurecer sin perder la ternura
27
.
Um relato que destoa aos citados quanto a crítica à estratégia Guevarista é o de
Apolo Heringer Lisboa, médico, ex-militante do COLINA e VAR-Palmares:
25
Entrevista de Fernando Pimentel a Marcelo Ridenti em 16/07/1985. Disponível no AEL/UNICAMP.
26
Idem.
27
Entrevista de Irani Campos a autora em 17/01/2006 em Belo Horizonte.
Apresentei um trabalho (em 1969) que era “revolução e o foquismo” (...) e criticava
o Debray como tendo feito uma interpretação errada da revolução cubana e tinha
aconselhado os outros paises a importar, claro, nos cometemos o erro de importar
uma coisa eu era um erro (...) simplismo do Debraismo. A gente combateu isso,
não poupamos nem o Che Guevara, com todo o respeito que ele merece da gente
28
.
Mais um elo entre PCB e COLINA no âmbito da cultura comunista refere-se
às imposições de disciplina e respeito à hierarquia e normas de conduta. O COLINA
investiu mais na perspectiva da guerrilha do que na formação do partido o
dispositivo militar superava a questão política, por isto é uma organização
militarista. Como tal fez suas regras semelhantes às militares para serem seguidas.
Deixam claro que são apenas semelhantes, pois os militares não compactuavam com
o ideal de Exército Leninista, muito pelo contrário. Na visão daqueles
revolucionários, esta disciplina seria mais que necessária para a formação do
Exército que se transformaria no “Grande Exercito de Libertação Nacional”. A
aceitação destas normas disciplinares deveria ser de modo consciente por parte dos
militantes, já tendo conhecimento da necessidade da aplicação destas, contudo tal
aceitação consciente “provém da própria prática concreta da disciplina
revolucionária”.
Tais normas designavam desde o perfil ideal do militante ao como agir na
prisão, pois, afinal, acreditavam estar numa guerra.
Para exemplificar, citamos Maria do Carmo Brito, ex-militante da COLINA.
Seu relato demonstra que a ordem da Organização era o suicídio em caso de prisão.
Todos os militantes andavam com uma cápsula de veneno em um alfinete na roupa.
O problema é que o veneno era mal feito e só dava cólicas
29
. Outras regras referiam-
se à questão de agüentar por mais tempo à tortura (física ou psicológica) para que
tempo de os companheiros saberem da prisão e não irem aos pontos de encontro,
evitando um efeito “dominó”; não falar sobre demais militantes; simular desmaio
28
Entrevista de Apolo Lisboa a Marcelo Ridenti em 13/07/1985. Acervo AEL/UNICAMP.
29
Cf.CARVALHO, Luis M. Mulheres que foram à luta armada. Rio de Janeiro: Globo, 1998. pp.142.
quando da aplicação do Pentotal dico (soro da verdade); aproveitar as situações
para o suicídio e bater a cabeça na parede até desmaiar. Em pouco tempo, a militante
descobriu que algumas das orientações na prisão apenas a deixavam situações
tragicômicas, como no dia em que tentou bater a cabeça para desmaiar e o torturador
Gomes Carneiro
30
postou-se atrás dela fazendo com que sua cabeça batesse no peito
deste
31
.
Caso fossem infligidas as regras, o militante sentiria “todo o peso da
disciplina”, pois seriam com estas medidas que o indisciplinado refletiria sobre seus
erros e utilizaria da auto-critica na prática
32
.
A própria estrutura interna do COLINA por células demonstra sua preocupação
com a ordem e disciplina
33
. O contraponto desta estratégia seria a da Aliança Libertadora
Nacional (ALN), por exemplo, onde as ações não eram coordenadas; ocorriam, às vezes,
diversas ações no mesmo dia, no mesmo local, em horários diferentes, e um agrupamento
não tinha conhecimento do outro
34
. Havia, evidentemente, uma hierarquia entre as células e
por questão de segurança somente um representante de cada comando se reunia com a
direção. As decisões eram verticalizadas e centradas mais em torno do comando armado,
onde se encontravam os maiores expoentes. Um exemplo das normas disciplinares diz
30
Major Gomes Carneiro, torturador, comandante do CODI/DOI Rio a partir de 1970. Antes desta data,
torturava no CODI/MG quando ainda era capitão. Seu nome aparece no “listão” que possui o nome de 443
torturadores. O Major esteve envolvido diretamente na morte do político Rubens Paiva, em 1971. Para o
psiquiatra a serviço da repressão Amílcar Lobo, Carneiro era um dos mais violentos torturadores que
conheceu. Em 1976 o Comitê Pró-Amnistia dos presos políticos no Brasil CAB, em Portugal, publicou pela
primeira vez a coletânea dos Documentos dos presos políticos brasileiros. É uma esmiuçada descrição do
“aparelho repressivo”, incluindo, instrumentos e métodos de tortura; mandantes de tortura, presos políticos
mortos e desaparecidos; torturadores e informantes. Os autores montaram esta lista até então inédita e ainda
demonstraram a ligação da ditadura com o empresariado nacional e estrangeiro. No Brasil, esta relação de
nomes se tornou mais conhecida em dois momentos: em junho de 1978 e março de 1979, através do
semanário Em Tempo, ambos exemplares apreendidos e destruídos. Para entrevista de Amílcar Lobo sobre a
repressão e Gomes Carneiro: Cf. JORNAL DO BRASIL. 8/09/1986.Arquivo digital Ana Lagoa/UFSCAR:
http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R06878.pdf Para a lista completa dos torturadores:Cf.
VENTURA , Maria Isabel Pinto (ed.). Dos presos políticos brasileiros Acerca da repressão fascista no
Brasil. Lisboa: Edições Maria da Fonte / Comitê Pro Anistia Geral no Brasil, 1976; BRASIL: NUNCA
MAIS. Projeto A, Tomo II. Para saber mais sobre o CAB e a história da repressão sobre o Em tempo:
GRECO, Heloísa.Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História:
UFMG, 2003.pp.155-158.
31
VIANNA, Martha.Uma tempestade como a sua memória. A história de Lia, Maria do Carmo.Rio de
Janeiro: Record, 2003, pp. 75 -79.
32
Por uma disciplina revolucionária. Rolo 2: Pasta 16: Sub-Pasta 17: Imagem:0186. Acervo DOPS/MG.
33
A questão da estrutura interna do grupo assim como questões ligadas ao ideal de democracia tipo por estas
serão tratados com mais detalhes no capitulo 2.
34
Cf. ROLEMBERG, Denise. Exílio: entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999.
respeito ao “contato mínimo” entre militantes para preservar a clandestinidade do grupo
35
.
Comentar algo da organização para alguém de fora, mesmo que de confiança, é considerada
falta gravíssima
36
. Sobre a disciplina, conta Jorge Nahas, médico, ex-militante da POLOP e
COLINA:
Nós éramos muito duros, inclusive, fomos muito duros com as companheiras que
caíram, inclusive, estavam presas conosco. Companheiros que falaram o que a
gente achava que não deveria falar, companheiros que foram muito estigmatizados.
(...)Essa sensação de responsabilidade com o momento político exagerada, nós
tínhamos em alto grau. Era mais importante que essas coisas de patrulhamento
interno, que existiram. Muitos companheiros padeceram com isso, mas eu acho um
erro.
37
.
Para o COLINA, militante deveria “ter compromisso com o seu destino”,
compromisso este que se faria completo no processo de proletarização da prática
guerrilheira
38
. Isto significa que somente com a luta pela sobrevivência diária, o
contato concreto com a necessidade revolucionária que daria a força para a luta de
libertação.
Outra característica marcante da cultura política comunista estaria relacionada à
moral comunista. Em referência ao PC, como observam Rodrigo Pato Mota e Gerard
Vicent, muitas vezes, a severidade dos comunistas em relação à conduta moral pode
parecer contraditória, uma vez que, levamos em conta a dimensão libertária da tradição
revolucionária. Para Mota: “é paradoxal que um projeto visando a emancipação humana
tenha dado origem a normas de comportamento tão rígidas”
39
. Os dois autores descrevem
em seus textos como o partido regula severamente a vida privada do militante, tendo este
que ser um exemplo para a sociedade. Assim como Mota, Vicent trabalha com depoimentos
de militantes comunistas e conclui pelas falas destes, que o comunista “deve ser excelente
35
“Por uma disciplina revolucionária”. Rolo 2. Pasta 16. Subpasta 17. Imagem 186. Acervo DOPS/MG.
36
“O militante”. Rolo 2. Pasta 16. Subpasa 13.Imagem 119. Acervo DOPS/MG.
37
Entrevista de Jorge Nahas a autora em 06/01/2006 em Belo Horizonte.
38
“Concepção da luta revolucionária”.IN: REIS FILHO & SÁ. Imagens da Revolução. Rio de Janeiro: Marco
Zero, 1985. pp. 159.
39
Cf. MOTTA, Rodrigo. O PCB e a moral comunista. IN: LOCUS. Revista de Historia.vol. 3. 1997. pp. 73.
profissional, bom marido, pai “normal”, conformista, em consonância com o tipo ideal
derivado da tradição judaico-cristã”
40
.
De acordo com Eric Hobsbawn para que os guerrilheiros obtenham êxitos entre
outras áreas além das que saíram é necessária uma transformação completa. Terão não
apenas coesão, mas também uma moral e disciplina sem precedentes. Desta forma,
deverão:
Pagar por tudo o que é fornecido pela população local; Não violentar as mulheres
da região; dar terra, justiça e escola onde quer que vá; nunca viver melhor ou
diferente que os habitantes locais
41
.
Na “nova esquerda” um apelo à moral, mas não em um sentido de conduta
exemplar, como no caso do PCB. Diz respeito mais à segurança da organização que ao
comportamento em si. O indivíduo era orientado a adaptar-se ao local em que faz seu
trabalho, atento à cultura, linguagem, vestimenta, de modo que não destoe da comunidade e
levante suspeitas. Um comportamento desregrado também é condenado, como o excesso de
bebida e mentiras. O curioso do documento é a represália à “falta de critério nas relações
sexuais”
42
. Em outro momento, relata Jorge Nahas:
Esse tipo de militância (armada) não permite muita vacilação, é tudo tratado num
plano moral, isso sem duvida alguma. Você tem a visão muito ideologizada e moral
das coisas. O sujeito começava a duvidar (politicamente ou pessoalmente sobre a
organização), você podia achar que ele estava afrouxando
43
.
O guerrilheiro seria, desta forma, um herói e como tal, cheio de virtudes e poderes.
A crença nestes valores também é recorrente nos relatos, porém apontam decepções com a
realidade do período, como pode ser vislumbrado em depoimento de Jorge Nahas:
40
Cf.VICENT, Gérard. Ser comunista? Uma maneira de ser. IN: PROST, Antoine. Historia da vida privada.
Vol. 5.Sao Paulo: Companhia das letras, 1995. pp.445.
41
HOBSBAWN, Eric. Soldados e guerrilhas. In: Revolucionários. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985. pp.169.
42
“O militante”. Rolo 2. Pasta 16. Subpasa 13.Imagem 119. Acervo DOPS/MG.
43
Entrevista de Jorge Nahas a Marcelo Ridenti em 15/07/1985. Disponível no AEL/UNICAMP.
[Eu] Achava que todos nós tínhamos têmporas de heróis. E a ditadura impunha isso
também, ou você era um herói, ou você era um traidor. O cruel, o perverso de uma
ditadura é que ela te obriga o tempo inteiro a você ser herói, resistir, ou a ser um
covarde
44
.
A estreita e curiosa analogia entre Comunismo e Igreja nos primórdios do
surgimento dos PCs também é marcante: Os ídolos são diferentes, mas a liturgia é
parecida”
45
. No caso o PCB, Dulce Pandolfi relata um discurso de Astrojildo Pereira onde
ele lembra que o Partido fora fundado por 12 militantes, “o mesmo numero de apóstolos de
Cristo”, e que na platéia alguém aparteou dizendo que “não faltara também o Judas”, numa
alusão a Antonio Canellas, o único militante de voto contrário a Trotsky na IV
Internacional Comunista
46
. Mesmo com radicalismo exacerbado esta ligação continua
existindo dentro da guerrilha, como podemos ver com as resignificações dos depoimentos.
Apolo Heringer é quem mais evidenciou a assimilação entre a católica e a militância
armada:
Tem gente que tem jeito pra sica, não tem? Eu desde cedo tive inclinação pra
questão social. Eu sempre tomava partido dos pobres, aquilo ali é intuitivo.(...)
Minha leitura da bíblia foi mais dirigida para esta questão de Moisés e os profetas,
eu vibrava com Geroboão que se revoltou contra Salomão, eu vibrava com a luta de
44
Entrevista de Jorge Nahas a autora. Já citada.
45
VINCENT. op. cit. 446.
46
Antonio Canellas, militante de origem anarquista, com 24 anos, equivocadamente achou que sua indicação
para participar dos trabalhos do congresso incluía direito a "voto deliberativo" com a admissão do PCB na
Internacional Comunista. Não percebeu tampouco o esquema de funcionamento do congresso, segundo o qual
as questões se decidiam nas comissões ampliadas ou restritas para serem apenas homologadas nas reuniões
plenárias. Além disso, diante da condenação de Leon Trotsky à participação de maçons nos partidos
comunistas (dirigida principalmente ao PC francês) defendeu a idéia de que "nosso gênero de socialismo é
neutro em moral", podendo o partido brasileiro ter como membros elementos maçons, protestantes, católicos
etc. Ao afirmar que o PCB contava com "alguns bons camaradas maçons, cuja ação revolucionária no seio da
maçonaria é notável e notória", ele se referia principalmente a Cristiano Cordeiro e Everardo Dias, membros
da maçonaria e do partido. Finalmente, ao prestar informações sobre o PCB, Canellas cometeu algumas
falhas, afirmando que o partido contava com 500 militantes, quando na verdade não passavam de 250, e
declarando que ele próprio havia colaborado numa revista de orientação anarquista. Diante da atuação do
delegado brasileiro, o comitê executivo da Internacional Comunista considerou que o PCB ainda não era um
verdadeiro partido comunista, pois conservava "restos de ideologia burguesa alimentados pela presença de
elementos da maçonaria e influenciados por preconceitos anarquistas, o que explica a estrutura
descentralizada do partido e a confusão reinante sobre a teoria e a tática comunista". A Internacional decidiu
aceitar apenas provisoriamente o PCB dentro de seu organismo como um "partido simpatizante".Cf. Verbete
Partido Comunista Brasileiro (PCB).In:CPDOC/FGV. Dicionário Histórico-biográfico brasileiro.
www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6069; PANDOLFI. op.cit. pp.75.
libertação do povo. Eu tinha raiva do faraó isso logo depois fui transferindo essa
posição para a vida real.(...) Minha formação da Bíblia me legitimou inclusive pra
luta armada. Na blia, são inúmeros casos de guerrilha, inclusive, da libertação do
povo hebreu
47
.
Em se tratando das questões referentes à gênero, é válido ressaltar que, por mais que
os comunistas criticassem modo como a sociedade burguesa tratava a mulher (como objeto
em sua visão), não se pode dizer que tais comunistas propunham igualdade absoluta entre
os sexos. Acreditavam nas diferenças inatas entre homens e mulheres, nos quais os papéis
sociais eram distintos de forma natural, todavia, em algum grau, contestavam os papéis
tradicionais femininos. O exemplo de Auxiliadora Bambirra, esposa de Sinval Bambirra,
deputado operário pelo PTB cassado durante a ditadura militar, serve para ilustrar tal
afirmação. Em uma passagem de seu depoimento ela afirma que o marido cobrava dela
uma militância política. Em outra passagem, ela fala das situações em que Bambirra
questionava sua atuação pública reclamando maior atenção aos filhos
48
.
Se voltarmos às referências diretas do PC, Engels e Marx, temos uma visão mais
avançada que a defendida por seus seguidores:
“a emancipação da mulher e sua equiparação ao homem o e continuarão sendo
impossíveis, enquanto ela permanecer excluída do trabalho produti vo social e
confinada ao trabalho doméstico, que é um trabalho privado. A emancipação da
mulher se torna possível quando ela pode participar em grande escala, em escala
social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo
insignificante
49
O consenso entre Marx, Engels e Lênin está na análise de que o capitalismo iniciou
revolução democrática, mas foi incapaz de concluí-la, pois a forma monogâmico-patriarcal,
inicio da dominação de um sexo sobre outro, nasceu justamente da “concentração das
47
Entrevista de Apolo H. Lisboa a Marcelo Ridenti em julho de 1985. Disponível no AEL/UNICAMP.
48
Cf. MOTTA. Op. cit. 79.
49
Engels, F. A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira,
1974. pp.182.
grandes riquezas nas mesmas mãos (as dos homens) e do desejo de transmitir essas riquezas
por heranças aos filhos desses mesmos homens”. Assim, “a preponderância do homem no
casamento é uma simples conseqüência da sua preponderância econômica e desaparecerá
com esta”
50
. Obviamente a mudança neste padrão só iria ocorrer após uma revolução social
que transformasse os meios de produção, e a riqueza dos homens, em propriedade coletiva.
Seria com a revolução socialista, que a libertação da mulher estaria a caminho, porém, não
é ainda suficiente. A emancipação exigiria uma prolongada luta de idéias no interior do
Partido e da sociedade, logo, não será o resultado “natural” do processo de expropriação
dos principais meios de produção das mãos da burguesia.
Lênin em 1916 defendeu a emancipação feminina através do trabalho, pois somente
nas fábricas haveria possibilidade de igualdade entre os sexos. Acreditava que as mulheres
teriam as mesmas responsabilidades tanto no emprego quanto em casa. Ele cita casos de
operárias que ajudam no sustento do lar da mesma forma que seus maridos. Foi também
defensor do divórcio, atitude esta que serviu de argumento para os conservadores de todo
mundo: o comunismo pregava o fim da família (além, claro, e acabar com a propriedade e o
clássico “come criancinhas”)
51
.
O exemplo do divórcio mostra de maneira evidente que é impossível ser democrata
e socialista sem exigir, nos dias de hoje, a inteira liberdade de divórcio, pois a falta
dessa liberdade constitui a forma extrema de humilhação da mulher, do sexo
oprimido. (...) A República dos Sovietes tem a tarefa de abolir, antes de tudo,
qualquer limitação dos direitos femininos. Para obter o divórcio, já não se exige um
processo judiciário: essa vergonha burguesa, fonte de aviltamento e de humilhação,
foi completamente abolida pelo poder soviético
52
.
Outro revolucionário que se referiu ao papel da mulher foi Che Guevara, contudo, com
um discurso conservador em relação aos demais. O guerrilheiro afirmou que “a mulher é
50
MARX, K., ENGELS, F. e LENIN, V. Sobre a Mulher. São Paulo: Global Editora, 1980. pp. 24-25.
51
Para imaginário comunista no Brasil e movimentos conservadores pré-golpe: DREIFFUS, René. 1964: A
conquista do estado. Petrópolis: Vozes, 1981; SIMOES, Solange. Deus, pátria e família. As mulheres no
golpe de 64. Petrópolis: Vozes, 1985. STARLING, Heloisa. Os senhores das Gerais. Os novos inconfidentes
e o golpe de 1964. Petrópolis: Vozes, 1986; MOTTA, Rodrigo Pato. Em guarda contra o perigo vermelho.
São Paulo: Perspectiva, 2002.
52
LENIN, V. O socialismo e a emancipação da mulher. Editoria Vitória, 1956.
capaz de realizar os trabalhos mais difíceis e combater ao lado dos homens”, porém, em
seguida diz: “embora mais débil que o homem, não é menos resistente que ele”. Em
outro parágrafo afirma que “a mulher como cozinheira (na guerrilha), pode melhorar
muito a alimentação e, além, disso, é mais fácil mantê-la em sua tarefa domestica”
53
.
A proposta de Che Guevara seria a criação de homens e mulheres novos após a
revolução, não de liberação da condição feminina. Maria Paula Nascimento diz que estes
movimentos traziam uma critica radical no interior do marxismo ortodoxo, que
enfatizava a dimensão econômica da noção de classe. Ao privilegiar a opressão de
classe, o marxismo teria secundarizado ou ocultado outras formas de opressão sexual,
religiosa e racial
54
.
Dentro do COLINA estas diferenças, ao que parece, não existiam. Ou pelo
menos as mulheres que militavam cumpriam as mesmas tarefas e tinham as mesmas
responsabilidades. Duas destas militantes tomaram consciência da existência desta
divisão sexual quando se encontravam no exílio
55
. Tomemos como exemplo as falas
de Maria do Carmo Brito e Maria José Nahas ambas ex-militantes do COLINA. Em
tempo, a primeira chegou a ser a única mulher a comandar a VPR e a outra foi uma das
pioneiras a pegar em armas e praticar assaltos:
“É claro que existia machismo na organização, mas, para mim, francamente, dentro
do Brasil nunca fez diferença o fato de ser mulher. isso não existia”
56
“Esse negócio de masculino, feminino, feminista, isso para mim não existia. Eu
tomei conhecimento disso quando eu cheguei do exílio. Não existia”
57
.
53
GUEVARA, Che. A guerra de guerrilhas. Edicoes Futuro, 1961.pp112.
54
NASCIMENTO, Maria Paula. A utopia fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década
de 1970.Rio de Janeiro: FGV, 2000.pp.10.
55
RIDENTI, M. S. As Mulheres na Politica Brasileira: Os Anos de Chumbo. Tempo Social. Revista de
Sociologia da USP, v. 2, n. 2, p. 113-128, 1990. pp.118.
56
Maria do Carmo Brito. IN: RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: Os anos de chumbo.
Tempo social; Revista de sociologia da USP. V.2, 2 sem.1990. pp. 118.
57
Maria José Nahas em entrevista à autora em 02/04/2005.
A participação de Maria José Nahas no comando armado do COLINA e nos
assaltos tornou-a conhecida como a “Loura da Metralhadora”. A presença feminina na
guerrilha causou a formação de uma imagem sexualizante da militante, muito em função
do imaginário anticomunista difundido. Ela é a antítese das mulheres que marcharam
“com Deus e pela Liberdade” a favor do golpe em 1964. Há clara alusão ao estereótipo
de prostituta:
Claro, a presença de uma mulher era... E aí saiu na imprensa a questão da loura. Era
a Loura, a loura dos assaltos, a loura de Sabará. E quando eu fui presa, nossa! Eu
fui interrogada dias para afirmar que eu era loura, se eu usava botas, se [tinha] um
vestido verde esvoaçante. E eu fui enrolando aquilo, no final eu falei assim: ‘Gente,
se é tão importante para vocês eu ser loura, ok! Eu sou loura, tudo bem’. Tava de
botas e tava com um vestido, só que nada disso é verdade”
58
.
Para Irani Campos, um dos maiores exemplos que existiu no COLINA foi
Carmela Pezzuti. Ela entrou na militância por conta de seus dois filhos que eram da
direção da POLOP e depois do COLINA. São eles Ângelo Pezzuti e Murilo Pezzuti
59
.
A disposição, a coragem e a determinação que a Carmela Pezzuti tinha de ser
guerrilheira (...) Aquilo era uma fortaleza pra gente. Além dela [sic] ser mais velha
que a gente e mulher. Tem um entrave, nessa diferencinha, mulher. E às vezes até
tinha gente que tinha dela, porque mulher não tinha que agüentar tipo de coisa
que ás vezes era difícil pra homem,né? Tinha menos prática, menos vivência, por
exemplo, de andar no mato, esses negócio todo. (...) Subir montanha com mochila,
esse negócio, era difícil. A gente achava que aquilo era um sacrifício muito maior
pra mulher que pra gente. Isso eu não acho desnível nem nada não, acho natural. A
gente ia nessa Serra do Curral subindo aí, com coisa que era tranqüilo e ficava
adimirado com o esforço da Carmela. E outras que participaram de outras coisas.
Era coisa admirável
60
.
58
Depoimento de Maria José Nahas a autora em 2002.
59
Tais biografias serão tratadas nos próximos capítulos.
60
Entrevista de Irani Campos já citada.
Como ultima característica desta cultura politica, é a existência de um vocabulário
próprio ou de resignificações das palavras, como:
- Autocrítica: é uma palavra de apropriação das organizações marxistas-leninistas,
cuja prática constante afastaria do militante revolucionário das idéias reformistas. Segundo
Lênin, “é reconhecer abertamente um erro, descobrir suas causas, estudar atentamente o
que a gerou e estudar atentamente os meios de corrigir”
61
. Desta forma será um meio
didático de aprendizado prático dos erros para que não atrapalhe a formação do partido
revolucionário. Em alguns casos esta autocrítica era feita presente ao grupo, o que valia
constrangimentos.
- Desbundado foi um termo usado pelos segmentos politizados da esquerda como
forma pejorativa de qualificar os não-engajados, os que são considerados alienados.
Todavia, quando um militante abandonava a organização também levava esta pecha, ficava
estigmatizado entre os demais. O desbunde significava a “morte” política do
revolucionário.
- Intelectuais. Usado pejorativamente para tentar desqualificar os que não iam para
o front da luta armada. Um documento escrito por um militante insatisfeito com a POLOP,
é uma crítica à vaidade e à falta de conhecimento da situação concreta em que se
encontrava a luta por parte dos “intelectuais da revolução”
.
Segundo o autor do documento
o que estava ocorrendo dentro do grupo era um cerceamento e desqualificação dos
“companheiros” que questionavam as orientações da direção central, taxando-os de
pequenos burgueses (o que representava um demérito aos olhos dos revolucionários)
62
.
Tais designações (desbundado e intelectual) neste contexto dentro da esquerda nos
remetem à uma tipologia de negação do reconhecimento de um grupo por outro. De acordo
com Axel Honneth, quem mais sistematicamente tratou da teoria do reconhecimento
63
, o
uso de conceitos negativos deste tipo, deve ser considerado uma injustiça pois:
61
LÊNIN citado por BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brsilia: Ed.UNB, 2002. pp 69.
62
Cf:Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo
Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207
63
A Teoria do reconhecimento foi formulada a partir da filosofia da consciência de Hegel. Em Hegel a o
encontro conflituoso da consciência de si com os outros objetos do mundo foi chamado de reconhecimento.
Ser reconhecido significaria ser respeitado. Cf. FERES JR., João. A historia do conceito de “latin
america”nos Estados Unidos. São Paulo: EDUSC, 2005. pp. 30.
“não apenas ele priva a pessoa de sua liberdade de ação, ou lhes é insultante, mas
também porque interfere negativamente na compreensão que as pessoas em de si
próprias uma compreensão adquirida por meios inter-subjetivos (...) A
“dignidade” de uma pessoa corresponde ao grau de aceitação social dentro do
horizonte cultural daquela sociedade. Caso a hierarquia de valores seja estruturada
de modo a imprimir um rótulo de inferioridade sob seu estilo de vida, essa pessoa é
impedida e atribui valor social às suas habilidades”
64
Podemos afirmar, desta maneira, que os dois conceitos seriam seria uma oposição
assimétrica. Está é uma das formas semânticas que o desrespeito assume, pois o eu o
outro como reflexo invertido de sua própria imagem
65
. Os usos pela esquerda da prática da
autocrítica, do desbunde e do suposto afastamento dos intelectuais são uma das facetas
cruéis da guerrilha, contudo deve ser entendida dentro do contexto de ditadura militar em
que estavam envolvidos.
Buscamos com estes exemplos compreender o quão abrangente é a cultura política
comunista. As grandes mudanças que significaram a transição entre os dois momentos são:
as referências revolucionárias, o rompimento do monopólio do PCB e do reformismo na
esquerda. Apesar das significativas mutações citadas, os códigos e valores não mudam de
modo tão significativo ao ponto que se possa pensar em alguma outra sub-cultura política
para o caso da “nova esquerda”.
Outra tradição, ou sub-cultura política marcante em nosso objeto é a nacional-
estatista, ou trabalhista. Segundo Daniel Aarão Reis, é indispensável para entender a
cultura política das esquerdas no Brasil em suas especificidades, considerar a tradição
trabalhista. Esta tradição foi herdada dos russos e baseava-se na busca de projetos de
modernidades alternativas no inicio do século XX, quando o país estava em processo de
desenvolvimento e industrialização. Estes militantes queriam que o Estado protegesse e
amparasse os trabalhadores através de leis. Procuravam um acordo com o Estado para
controlar a exploração dos patrões.
Foi no primeiro governo de Getúlio Vargas que a perspectiva nacional-estatista
começou a se enraizar dentre os trabalhadores urbanos. Ela seguia os padrões dos
64
HONNETH citado por FERES JR. op.cit. pp.34.
65
Contraconceito assimétrico é uma noção de Reinhart Koselleck e explorado por João Feres Jr. na obra
citada.
amarelos
66
, que se basearia em uma aliança com o Estado, que garantiria um maior
desenvolvimento econômico autônomo, com proteção social. Este diálogo com o governo
se tornou uma possibilidade graças à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT-1943) e
alguns ganhos simbólicos bem articulados com Vargas
67
.
O que veio a se tornar expoente maior desta tradição, foi o Partilho Trabalhista
Brasileiro (PTB). Em seus primórdios, além dos sindicalistas de variadas tendências, havia
um político e pensador chamado Alberto Pasquali, que tentou aproximar os trabalhismos
brasileiro e britânico. Este último repleto de tradições reformistas, estatistas e conciliadoras.
O resultado foi a introdução e fixação de uma corrente reformista, relativamente sólida no
interior do PTB
68
. Este reformismo foi importante, pois a partir das atitudes de seus
adeptos, foi aberto espaço para o surgimento de uma determinada tendência dentro do
partido, de cunho radical liderada por Leonel Brizola. Seus adeptos se nomeavam
“nacional-revolucionários”.
69
O período anterior a 1964, no governo João Goulart, é
marcado pelo crescimento da identificação dos trabalhadores com o trabalhismo e com o
PTB. Esta foi a fase mais aguda da tradição nacional-estatista, cuja materialização deu-se
pelas propostas de Reformas de Base.
Os nacional-revolucionários de Brizola, criaram a Frente de Mobilização Popular
(MFP), qualificada por Ruy Mauro Marini, ex-militante da Política Operária (POLOP)
como um "parlamento das esquerdas"
70
. A FMP reuniu as principais organizações de
esquerda que lutavam pelas reformas de base, principalmente pela reforma agrária, mesmo
66
Amarelos seriam o que alguns anos depois seriam chamados de pelegos. A origem do termo remete aos
Sindicatos constituídos no século XIX na França e na Alemanha. Normalmente formados ou financiados
pelos patrões com o objetivo de, pela divisão os trabalhadores, defender seus próprios interesses e não os da
classe trabalhadora. São contrários à greve e adotam posição conciliadora. A denominação de "amarelos" (ou
Krumiros) decorre da fama de fura-greves que tinham os orientais no século XIX na França. Cf.: Dicionário
Político Marxista. Retirado de: www.marxists.org . Para saber mais sobre os amarelos brasileiros, conferir:
BATALHA, Cláudio. Le Syndicalisme ‘Amarelo’ à Rio de Janeiro (1906-1930). Thèse de Doctorat de
l’Université de Paris I, 1986.
67
REIS FILHO, D. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil: 1934-1964. IN:
RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil: partidos e
organizações dos anos 20 aos 60. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002. v.5. pp.72. Quem melhor e
primeiramente desenvolveu a tese de considerar as relações entre Vargas e as classes urbanas como recíprocas
e multilaterais, permeadas por ganhos materiais e simbólicos para ambos foi Ângela de Castro Gomes, em A
invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1994.
68
REIS FILHO. op. cit. 2007. pp.93.
69
FERREIRA, Jorge. O trabalhismo radical e o colapso da democracia no Brasil. IN: Seminário dos 40 anos
do golpe de 1964. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. pp.42.
70
Citado por NEVES, Lucília de Almeida. PTB. Do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo, Marco
Zero, 1989, p. 236.
que a conseqüência fosse um confronto com a direita e os conservadores. Ao mesmo tempo
a FMP procurava se impor como força viável às reformas diante das posições consideradas
por eles moderadas do PCB. Dentre seus projetos estava a desmoralização do Legislativo
Federal, uma vez que os parlamentares não aprovavam a reforma agrária sem indenizações
aos latifundiários. Para a FMP o Legislativo seria uma instituição ultrapassada, formada por
políticos distantes do povo. O inicio das medidas mais radicais se deram em 1964, quando
a Frente passou a defender a realização de um plebiscito popular para a consulta acerca de
uma possível convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Uma vez que não haveria
membros da elite econômica, o próprio o povo elegeria operários, camponeses, sargentos e
oficiais militares nacionalistas. Tal “Assembléia popular” teria duas funções importantes:
escrever uma nova Constituição e aprovar as reformas de base
71
.
Brizola continuou como feição mais radical do nacional-estatismo, mesmo no exílio
uruguaio. Logo após o golpe, alguns ex-militares nacionalistas, militantes egressos do PTB,
além de seus seguidores da época dos Grupos de 11
72
se juntaram novamente ao político
para formar o Movimento Nacional Revolucionário (MNR)
73
. Outro expoente deste
radicalismo foi Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas e do que seria seu braço
político Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
O que ocorreu com a tradição nacional-estatista após o golpe militar em 1964 e a
dissolução do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1965 foi ser denominada populista,
por estudiosos da época, principalmente a partir de Otávio Ianni. Na visão deste autor,
característica do populismo seria constituir uma política de massas da burguesia.
Promoveram a industrialização e criaram uma ilusão do Estado atuante como mediador dos
conflitos entre classe
74
. Seu discurso tem nuanças libertárias, sedutoras aos baixos setores
sociais, contudo, demagógicas. Tal estigma do populismo acabou fazendo com que esta
71
FERREIRA, Jorge. Leonel Brizola, as esquerdas e a radicalização política no governo Goulart (1961-1964).
s.n.t. pp.8.
72
Em 1963, Brizola lançou oficialmente um documento propondo a formação em todo o Brasil de
“Comandos Nacionalistas ou “Grupos de 11 companheiros”. Assim como no futebol cada militante deveria
ter sua função. Queriam reformas imediatas, libertação nacional e defesa das conquistas democráticas. Após o
golpe tais grupos foram dizimados.
73
A única ação efetiva destes foi a “Guerrilha do Caparaó”, que consistia na formação de um foco
guerrilheiro na serra do Caparaó, nas imediações do Pico da Bandeira. Foi rapidamente liquidada. Cf:
COSTA., José Caldas. Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditaura. São Paulo: BOITEMPO, 2007.
74
IANNI, Octávio. O Colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. A
primeira edição é de 1968.
tradição nacional-estatista fosse banida do campo das esquerdas. De acordo com Reis
Filho:
A geração da qual faço parte, que iniciou a vida e participação políticas nos anos
imediatamente anteriores ou posteriores a 1964, que formou a então
autodenominada esquerda revolucionária ou”nova esquerda” considerava o
trabalhismo um lixo. Tinha ido para a lata de lixo da história. A partir daí, conosco,
a história iria recomeçar do zero
75
.
Após o golpe militar, muitos dos que integraram a Frente proposta por Brizola,
continuaram a luta, contudo dentro da perspectiva armada. Daniel Aarão Reis, baseando-se
nos programas de algumas organizações revolucionárias armadas, incluindo o COLINA,
afirma que estas seriam herdeiras desta tradição, por mais que a negassem.
Se recorrermos a alguns discursos trabalhistas “clássicos” como os de Getúlio
Vargas e João Goulart, ao discurso “trabalhista radical” de Brizola e compararmos ao
primeiro documento produzido pelos militantes do COLINA, fica clara a conclusão do
pesquisador. Ressaltamos que não estamos afirmando que discurso da esquerda armada é
de proposta trabalhista, tampouco que os trabalhistas “clássicos” propunham guerrilha.
Somente apresentamos alguns resquícios desta tradição no linguajar da “nova esquerda”, e
que a historia não “começou do zero” com estes. Mostraremos alguns trechos de retórica
semelhantes entre nacionais-estatistas e COLINA:
Getulio Vargas em um de seus discursos no 1 de maio propunha o fim das castas e
a unidade dos brasileiros “em prol da independência econômica da nacionalidade”. De
acordo com o estadista os trabalhadores estariam “relegados a existência vegetativa,
privados de direitos e afastados dos benefícios da civilização, da cultura e do conforto, os
trabalhadores brasileiros nunca obtiveram”. Seriam vítimas de “políticos profissionais”
tinham de mantê-los desorganizados e sujeitos à vassalagem dos cabos eleitorais
76
. A
similaridade entre as falas aparece nítida na “carta testamento”. Conforme apresentado
75
REIS FILHO, Daniel. As esquerdas no Brasil. Culturas Políticas e Tradições. IN: FORTES, A. História e
perspectivas da esquerda. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.177.
76
Discurso de Getulio Vargas em 1 de maio de 1940. Vários discursos de Vargas em: www.cpdoc.fgv.br ou
http://www.cgtb.org.br/Atualizacoes/Agosto_2007/Getulio/DiscursoGetulio.htm. Retirados em 19/03/2009.
anteriormente, o “espírito heróico” de “libertação nacional” com o qual os guerrilheiros são
dotados aparece na fala do estadista :
“Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. (...) Não
querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante,
incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim
mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos
posso dar a não ser meu sangue. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome
será a vossa bandeira de luta. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a
espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto
77
.
No programa inicial do COLINA intitulado “Concepção da luta revolucionária”, a
descrição do revolucionário seria aquele que conhece a realidade concreta da luta de
classes, é aquele que “corresponde às aspirações do seu próprio povo em sua luta para
libertar-se da exploração e da opressão em cada minuto das 24 horas por dia”
78
. Era uma
relação assimétrica ao passo que “sacrificavam” suas vidas pela libertação do povo, este
mesmo estava distante da sua luta. Ao que nos parece Vargas também sentiu esta
“injustiça”. Para Fernando Pimentel:
“Acho que tinha um misto de heroísmo, aquela coisa juvenil de estar fazendo uma
tarefa, de estar salvando o mundo, salvando o povo (...) Não passava pela minha
cabeça a possibilidade de prisão, porque a gente estava tão imbuído do espírito
guerrilheiro que andávamos armados 24 horas por dia. (...) (Há) uma angustia de
você saber que está certo, saber que tem a verdade que é profeta de um mundo novo
no entanto, não tem nenhum respaldo. As pessoas estão querendo viver suas
vidas”
79
.
No próprio documento, como não é de se espantar, críticas à política industrial
iniciada por Vargas que teria sido a base da aliança entre burguesia e latifúndio. Afirmavam
77
Verbete Getulio Vargas. In:CPDOC/FGV. Dicionário Histórico-biográfico brasileiro.
www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes
78
“Concepção da luta revolucionária”.In; REIS FILHO & SÄ. op.cit. pp.136.
79
Entrevista com Fernando Pimentel, já citada.
que o populismo paternalista deste governante deixou o proletariado incapaz de romper
com a burguesia, transformando-se em massa de manobra desta classe. A “libertação
nacional” se daria através do proletariado
80
. Este é um ponto fundamental na divergência
dos discursos. Vargas se achava o representante direto do povo, não valorizava o papel de
vanguarda do proletariado, como previa parte significativa da “nova esquerda”. Para o
COLINA, a ditadura representava o fim de uma era política, pois “ao mesmo tempo que
passa ao proletariado a liderança na luta de libertação nacional, lhe retira a oportunidade de
organizar-se para responder a esta tarefa”
81
.
O herdeiro político de Vargas, João Goulart, anunciava sua pretensão de
transformação nas estruturas por uma nova concepção de democracia iniciada,
fundamentalmente pelas reformas de base desde 1961. Em 13 de março de 1964, no
comício da Central do Brasil, ele reafirmou este seu compromisso:
“Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do seu dever,
não para interpretar os anseios populares, mas também conquistá-los pelos
caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social.
Estaríamos ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da
Nação, que levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela
reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas
de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de
miséria.(...) Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-
econômica superada, injusta e desumana; (...) A reforma agrária não é capricho
de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de
todos os povos do mundo.”
82
Caso trocássemos o termo “reforma” por “revolução”, a proposta poderia ser
quaisquer grupos guerrilheiros brasileiros. Tendo em vista que o COLINA se insere em um
80
“Concepção”... pp.142.
81
Idem.
82
Discurso pró-reformas de base na central do Brasil em 13 de março de 1964. Cf: FICO, Carlos. Além do
golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp.293-291. Diversos discursos de Jango também podem ser lidos na
íntegra no site: http://www.institutojoaogoulart.org.br
método radical de luta, guardadas tais proporções, notamos uma de aproximação com o
discurso proferido pelo ex-presidente:
Em época de democracia burguesa (governo Jango), se realizou um amplo trabalho
camponês (...) A falta de perspectiva política levou ao fracasso esta tentativa. Se um
posseiro luta por sua terra, contra ele é mobilizada não a policia comum, mas a
política.(...) No Brasil, o elo fraco é o campo. (...) O governo revolucionário no
Brasil deverá ser construído a partir do campo (...) A luta armada insere-se na
política burguesa, no ponto mais fraco do exercício de poder das classes dominantes
e encontra sua expressão social completa na luta dos camponeses pela reforma
agrária
83
.
A analogia entre discursos é maior quando se trata de Brizola. Mesmo pouco antes
da década de 1960, este estava no tênue limiar do trabalhismo radical e “nova esquerda”.
Seu caloroso pronunciamento no referido comício de 1964 e sua análise posterior ao evento
mostra sua sintonia com os guerrilheiros.
“O povo esaqui para clamar, para reivindicar, para exigir e para declarar a sua
inconformidade com a situação que estamos vivendo. Povo e governo devem ser
uma unidade. Unidade esta que já existiu em agosto de 1961, quando o povo
praticamente de fuzil na mão, repeliu o golpismo que nos ameaçava e garantiu os
nossos direitos (...) Quando uma multidão se reúne como nesta noite, isto significa
o povo nos caminhos de sua libertação se conseguirmos, hoje, a restauração daquela
unidade. Presidente poderá proclamar através da manifestação do povo, as origens
de seu governo e, para isso, será suficiente que ponha fim à política de conciliação
e organize um governo realmente democrático, popular e nacionalista.(...) Nosso
caminho é pacífico, mas saberemos responder à violência com violência. Quem tem
o povo ao seu lado, nada tem a temer
84
.
83
“Concepção...”. pp. 147-152.
84
Grifo nosso. Cf: O panfleto. 16.03.1964. Retirado do Grupo de Estudos sobre Ditadura, coordenado por
Carlos Fico na UFRJ: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br em 12/03/2009.
Em suas conclusões acerca do referido comício, notamos uma compreensão realista
em relação à conjuntura, ao contrário de Prestes, que não acreditava em um golpe de
direita, neste mesmo período
85
.
“É preciso que o povo brasileiro nesse momento esteja atento e vigilante, é preciso
que os democratas apressem a organização popular, pois com a sua consciência
de organizado poderão conter os impulsos golpistas prestes a se desencadear. Com
esta vigilância e a defesa da verdadeira democracia impediremos que através de um
regime de força seja usado como solução ato tão conhecido, principalmente nos
países sul-americanos: transferir pela violência, pelo amordaçamento das massas, o
ônus das distorções da nossa estrutura social para as grandes e já espoliadas
camadas baixas de nossa população”
86
.
Tal radicalização proposta anos antes pelo político, foi introjetada pelo COLINA.
Logo no início do seu documento-base já anunciavam sua proposta:
“A defesa da violência é um dos aspectos da luta ideológica que os marxistas-
leninistas travam contra os reformistas (...) A luta armada é a única forma de alijar
do poder os representantes de uma classe social (...) É preciso conhecer o caráter
das forças revolucionárias: o nível de consciência política do proletariado e das
demais classes exploradas, o seu grau de organização”
87
.
Os excertos apresentados foram para melhor vislumbrar a “permanência, a
impregnação de valores, referências, proposta e linguagem da tradição nacional-estatista”
88
na esquerda armada. A seguir aprofundaremos o debate acerca do que tal esquerda
interpretou como terrorismo.
1.3.
T
ERRORISMO
85
VILLA, Marco A. Jango, um perfil. Rio de Janeiro: Globo, 2004.
86
Cf: O panfleto. 23.03.1964. Retirado do Grupo de Estudos sobre Ditadura, coordenado por Carlos Fico na
UFRJ: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br em 12/03/2009.
87
“Concepção...” pp.135-136.
88
Idem. pp.179.
De acordo com Koselleck, a língua é pensada como parte fundamentalmente
importante na compreensão e entendimento do uso de certos conceitos e não de outros (isto
é a Seleção) para a inteligibilidade de realidades históricas.
Com esta seleção construímos
uma cadeia, através do conjunto da língua, que articula um conceito a outro. Para
exemplificar, o autor lembra da estreita articulação dos conceitos de Estado e Sociedade,
articulação hoje esquecida, pois a partir de Hegel esses dois conceitos foram pensados
separadamente
89
.
Podemos desta forma, aplicar esta teoria para nuançar e separar conceitos tornando
possíveis de serem ditos e expressos, como é o caso dos conceitos de terrorismo e
violência, que tendem sempre a serem pensados juntos. Norberto Bobbio
90
afirma que o
ponto inicial para se entender este fenômeno do terrorismo é saber a diferença entre ambos.
Definir terrorismo não é tarefa fácil. De acordo com Renata Schittino, não um
consenso entre especialistas nas suas caracterizações sobre fenômeno. A prova disto é que
em muitas vezes os autores chegam a se contradizer em suas conclusões, sendo considerado
por alguns como uma manifestação da política e outros o consideram uma pseudo-
política
91
. A autora faz um amplo trabalho para caracterizar de forma mais completa o que
seria este fenômeno. Ela chama a atenção para o fato de que:
Associar o terrorismo à revolução ou à guerrilha não esclarece o significado do
termo e não torna possível pensar o aparecimento do terrorismo em situações
políticas que não necessariamente estas. Ainda que seja comum a todos os trabalhos
a idéia de que terrorismo envolve uso intensivo e indiscriminado de violência,
direcionada principalmente contra civis a partir dessa definição ampla não é
possível diferenciar formas políticas que fazem uso de violência.
92
89
KOSELLECK. op.cit. 1992. pp.4.
90
Cf.BOBBIO,Norberto. Terrorismo Político. IN: Dicionário de política. Vol.2. Brasília: UNB, 2004.
pp.1242.
91
Deixamos claro que o terrorismo não acontece somente dentro do campo da política. Podem ocorrer
atentados de motivações religiosas, por exemplo. Assim como nem sempre os atos terroristas são realizados
em grupos. Podem ser praticados individualmente. Não abordaremos estes casos, pois nosso objeto não se
enquadra nestas categorias. Sobre o debate ver: SCHITTINO, Renata. Terrorismo: a violência política como
espetáculo. Dissertação de Mestrado. PUC/RIO, 2004.
92
SCHITTINO. op.cit.pp.20.
Concordamos plenamente que a associação do terrorismo aos grupos guerrilheiros e
à revolução é realmente inevitável. Nos limitarmos a eles também não um sentido
completo ao fenômeno, contudo, cabe ressaltar que a proposta da pesquisadora é de
abranger uma história do conceito de terrorismo e para tanto, ela recorta outros marcos
cronológicos e situações, como por exemplo, o atentado de 11 de setembro de 2001
93
. A
linha de pensamento que nos interessa - terrorismo como parte da política pode ser
explicado em parte como:
O terrorismo político propriamente dito é uma política continuada que envolve a
deflagração o terror organizado seja por seja de parte do Estado, de um movimento
ou facção, ou por um pequeno grupo de indivíduos. O terrorismo sistemático
invariavelmente obriga a uma estrutura organizacional, por rudimentar que seja, e a
alguma teoria ou ideologia do terror
94
.
O que fica evidente é que o termo terrorismo é sempre usado de forma pejorativa.
Seria sempre o método do inimigo. Ao centramos em nosso período estudado, a Ditadura
Militar, vemos que tanto militares quanto guerrilheiros se acusavam de terroristas. O
sentido depreciativo o termo estaria ligado à idéia de violência.
Numa outra vertente, Schittino escreveu que o terrorismo aparece quando o uso
da violência espetacular
95
com a intenção de promover transformações políticas na
estrutura social. Para a autora esta violência é característica da sociedade contemporânea,
onde os eventos políticos se apresentam na esfera pública como espetáculo. Desta forma
apareceu a violência-show. A vítima deste tipo de violência seria a sociedade civil que
assiste aos atentados. A imagem das vítimas é mais importante que o numero de vítimas.
Hector Saint-Pierre dialoga de certa forma com a autora quando trata do terrorismo, como
uma luta que se dá no nível psicológico, intimo. O terror seria um pavor incontrolável,
desta maneira, o alvo nunca é a vítima direta, que morre no atentado (ou é seqüestrado,
assaltado, etc.), mas os ausentes na ação, os expectadores que se identificam de alguma
93
Para a autora, por mais que o terrorismo em si não represente uma novidade, o 11 de setembro inovou
sendo um novo tipo de espetáculo de violência terrorista, uma vez que foi transmitido ao vivo.
94
WILKINSON, Paul. O terrorismo político. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. pp.21.
95
Idem. pp.17.
forma com o que sofreu. Assim sendo, quanto mais genéricas e comuns forem às
características da vítima, mais pessoas se identificarão e mais inseguras se sentirão. O
triunfo do terror acontece na medida em que aumenta o seu impacto na opinião pública. O
terrorismo pode também, ao contrário do primeiro caso, servir para a demarcação entre o
nós e os outros, através da localização de um alvo preterido pela sociedade fazendo com
que esta se identifique com os que praticam atos terroristas. Neste caso ficaria explicita a
divisão política existente na sociedade e a violência passa a ser a forma de relação política
entre os lados. A notoriedade ocorre de acordo com o simbolismo da ação, não importando
a tática
96
. Um exemplo disto foi o caso do assassinato de Pedro Eugênio Aramburu pelos
Montoneros
97
. A tática o teve importância, o que valeu foi o simbolismo político do ato
cuja conseqüência foi consolidar este grupo dentro da esquerda peronista. Se pensarmos
dentro do nosso objeto, podemos levantar a hipótese de que este mesmo objetivo, o de
notoriedade e consolidação dentro da esquerda, tenha sido almejado pelo COLINA, ao
tentar eliminar Gary Prado, executor de Che Guevara
98
.
Eugenio Diniz nos ajuda a problematizar o uso do termo terrorismo” para
qualificarmos a esquerda armada brasileira. O autor nos fornece apontamentos para a busca
de uma definição do termo:
A consideração dos meios nos ajudará a distinguir a ação terrorista de
outras ações cujas finalidades sejam de mesma natureza; e a consideração
dos fins nos ajudará a distinguir a ação terrorista de outras ações que
empreguem os mesmos meios. Com isso, podemos ter uma definição
suficiente. Por outro lado, uma vez que o termo tem uma história, não é
possível enfrentar o problema conceitual do zero: é preciso levar em conta
96
SAINT-PIERRE, Hector. A política armada. São Paulo: UNESP, 2000. pp.213.
97
Montoneros foi a organização revolucionária armada peronista de maior destaque na Argentina. Em meados
dos anos 1970 cresceu o numero de jovens de vários setores da sociedade que ingressam neste grupo para
fazer oposição à ditadura militar. Braço armado de Perón tinha em Evita um ícone. “Perón ou morte” e “Se
Eva fosse viva seria Montonera”, eram seus lemas, todavia, a relação entre Perón e Montoneros nem sempre
foi pacifica. Tal adoração à figura de Evita, levou o grupo a seqüestrar e assassinar, em 1970, Pedro Eugênio
Aramburu, general que presidiu o país de 1955 a 1958, após um golpe que depôs Perón. Foi a primeira grande
ação do grupo. A exigência era a localização do cadáver embalsamado de Evita e pretendiam vingar o
fuzilamento de civis e militares peronistas neste mesmo período ditatorial. Cf: BRASCHETTI,
Roberto.Documentos vol. I e II. Buenos Aires. De la campana, 2004;GUILLESPIE, Richard. Soldados de
Perón. Los Montoneros. Buenos Aires. Grijalbo,1987; SARLO, Beatriz. A paixão e a exceção: Borges, Eva e
os Montoneros. Belo Horizonte: UFMG/Cia. Das Letras, 2005.
98
O caso será melhor trabalhado no próximo capítulo.
essa história, sob pena de que a reflexão se torne estéril e sem sentido
quando o tema em si mesmo é tão relevante para a vida de tantas pessoas.
99
.
Quase a totalidade das compreensões acerca do terrorismo faz alusão ao emprego
ou a ameaça de emprego da força física, contudo, na visão do autor , uma característica
específica no uso (ou ameaça) da força: sua indiscriminação. Deste modo, qualquer
indivíduo que tenha alguma relação, em maior ou menor grau, com o alvo de um grupo
terrorista, está sujeito a ser alvo imediato de uma ação, sem algum indício de que seria
melhor evitar aquele determinado lugar. Como exemplo, cita o caso de algum local publico
que não esteja perto de embaixada ou outro alvo em potencial. Se alguém avisar à polícia
ou o estabelecimento que uma bomba em determinado lugar, programada para explodir
em determinadas condições, o local será esvaziado de forma que o objeto seja (ou não)
encontrado. Uma vez que o caso se espalhou pelos cidadãos, generaliza-se o pânico.
“O efeito é muito maior que o da destruição efetivamente causada. E quanto
mais pessoas ficam sabendo, maior é o efeito. Na verdade, o efeito advém
exatamente de as pessoas ficarem sabendo. É seu efeito psicológico que
importa. Daí o nome de ‘terror’”
100
.
O ponto alto da discussão levantada é a distinção entre o terror e o terrorismo. A
especificidade do terror - e não necessariamente do terrorismo “é a virtual irrelevância,
para a relação numérica ou material de forças, da destruição material (pessoas,
equipamentos, suprimentos) causada”. Concluiu-se, portanto, que o terrorismo não seria tão
somente o uso da força, mas seu emprego através do terror. O terror seria o meio. Para que
o conceito não fique restrito, haja vista que, o uso de elementos do terror podem ser usados
em outras situações que não se configuram em terrorismo (como um assalto à banco
comum), de se considerar os fins, mas não tão somente o fim político. A saída
encontrada por Eugenio Diniz foi dividir a utilização política do terror em duas: emprego
político não-terrorista do terror e o emprego político terrorista do terror. O primeiro caso,
uso político não-terrorista do terror, tem como objetivo forçar o alvo a comportar-se da
99
DINIZ, Eugenio. Para compreender o fenômeno do terrorismo. pp.9.
100
Idem. pp.11.
maneira desejada por quem está empregando o terror, ou seja, ligação direta entre o uso
do terror e o objetivo último buscado por quem o emprega. O segundo caso, de uso político
terrorista do terror, as conseqüências do atentado têm grande importância. Além da
divulgação do grupo que quer “chamar a atenção” para si e suas inquietações diante de uma
determinada situação política, pretendem desmascarar a opressão. O modo é provocá-lo até
que reaja de forma violentamente, de modo a não deixar dúvidas quanto ao seu caráter.
No terrorismo, não vinculação direta entre a utilização do terror e o objetivo
último buscado pelo grupo, porque o grupo não dispõe de força suficiente para fazê-lo.
Pretendem somente aumentar sua força e influencia na sociedade para por fim ao inimigo:
para Diniz, seria um estratagema, num sentido um pouco mais rigoroso que o de uma
simples emboscada, mas envolvendo necessariamente a idéia de despiste e ocultação de
seus objetivos imediatos — mas não dos seus objetivos últimos
101
. O pesquisador salienta o
risco deste estratagema: o emprego do terror tende geralmente a alienar a população,
dessolidarizando-a com a causa defendida pelo grupo; é por isso que, em algumas situações
como quando se trata simplesmente de publicizar uma causa —, a destruição efetiva
deve ser minimizada e os próprios atentados não devem se multiplicar muito. A sensação
de urgência ou de premência é que é o diferencial. O que é relevante é que o grupo
considera que não tempo para processos demorados, e decide acelerar as coisas através
do estratagema arriscado do terrorismo.
Desta forma, o autor conclui que terrorismo seria:
o emprego do terror contra um determinado público, cuja meta é induzir (e não
compelir nem dissuadir) num outro público (que pode, mas não precisa, coincidir
com o primeiro) um determinado comportamento cujo resultado esperado é alterar
a relação de forças em favor do ator que emprega o terrorismo, permitindo-lhe no
futuro alcançar seu objetivo político qualquer que este seja (...) O terrorismo é
intrinsecamente, e não apenas empiricamente, um estratagema do fraco
102
.
101
Idem. pp.33.
102
DINIZ. pp. 26
Uma vez delineado o que seria terrorismo, chegamos ao ponto de interesse à nossa
pesquisa: qual a diferença entre o terrorismo e outras formas de luta que empregam a força,
como a guerrilha? E como classificaríamos os grupos guerrilheiros brasileiros?
Segundo Diniz, os guerrilheiros combatem outras forças, com a finalidade de
enfraquecer o inimigo e desestabilizá-lo psicologicamente. Assim, possivelmente acresce
sua própria força às custas de seus inimigos, contudo, o autor ressalva que este emprego da
força nada tem de indiscriminado nem de irrelevante em termos materiais. O que acontece é
que os guerrilheiros apostam na ação em um tempo diferenciado, mais lento, em que
manifestam sua disposição de lutar, para desta maneira fazer variar a seu favor a relação de
forças, psicológica e material, inclusive atraindo, a partir de seus sucessos pontuais, mais
gente para a sua causa
103
.
No Brasil, quem mais claramente propagou o terrorismo e a violência à esquerda foi
Carlos Mariguella, ex-dirigente da organização Aliança Libertadora Nacional (ALN). No
que tange a esta questão, teoricamente ele se mostra mais radical que Che Guevara. Em seu
“Manual do guerrilheiro urbano”, o terrorismo é definido como qualquer ação que envolva
explosão, sendo, deste modo, uma arma “que o revolucionário não pode abandonar”. A
chamada “guerra de nervos” serviria para desestruturar psicologicamente e desmoralizar o
governo. Viria como aliado dos atos terroristas na medida em que deveria ser usado para
anunciar falsos atentados.
Para Mariguella:
“A acusação de "violência" ou "terrorismo" sem demora tem um significado
negativo. Ele tem adquirido uma nova roupagem, uma nova cor. Ele não divide, ele
não desacredita, pelo contrário, ele representa o centro da atração. Hoje, ser
"violento" ou um "terrorista" é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa
honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada
contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades”
104
.
Baseando-nos nas discussões feitas até o momento podemos afirmar que a esquerda
brasileira utilizava-se do emprego político terrorista do terror, uma vez que utilizavam-se
103
Idem. pp. 12.
104
MARIGUELLA, Carlos. Mini-manual do guerrilheiro urbano. 1969. Retirado de http://www.marxists.org
em 25/11/2008. Grifo nossos.
da violência revolucionária como forma de combate à ditadura e tomada de poder. É a idéia
expressa inclusive pelo grupo por nós estudado em que “um exército se destrói com
outro exército”
105
. Os assaltos e os atentados à bombas tanto serviram como táticas de
enfraquecimento do regime, para almejada tomada de poder, como para as chamar a
atenção da sociedade para as arbitrariedades do regime. No caso dos seqüestros de figuras
políticas internacionais foi uma prática que visava algo além das denúncias: foi um modo
encontrado para salvar vidas dos companheiros encarcerados
106
. Este epíteto de terroristas
foi cunhado pela própria repressão, como forma de conter o número de opositores ao
regime.
Marcelo Ridenti afirma que a esquerda armada no Brasil não foi mais do que a
manifestação mais radical do romantismo revolucionário
107
. Segundo o autor, este
romantismo enfatizava “a prática, a ação, a coragem, a vontade de transformação”.
Buscavam no passado elementos para a transformação: “o homem novo” que surgiria após
a revolução, tinha suas raízes no homem do povo, do campo. Este romantismo não era tão
somente essa volta às origens, era no passado que buscavam elementos para a construção
do futuro uma sociedade não consumista e não desumanizada. Reis Filho faz coro a
Ridenti, e chama a atenção para certos aspectos que fazem parte da esquerda e que devem
ser revisados como o autoritarismo revolucionário e o messianismo de classes e partidos.
Esta exposição é para a relativização da imagem mais difundida sobre os guerrilheiros que
é a figura de jovens pouco responsáveis com ações ousadas. De boas intenções, mas
equivocadas
108
.
uma discussão entre a relação terrorismo e marxismo. Dois autores que
trabalham diretamente com esta são Philipe Raynald e François Furet.
Philipe Raynald, ao tentar propor uma teoria acerca do terrorismo, afirma que é o
estimulo das teorias marxistas que servem de motor para as atividades terroristas. Seria a
105
“Concepção...” pp.151.
106
Em novembro de 78 havia 130 banidos do território brasileiro: 15 trocados pelo embaixador americano em
set./69; 5 trocados pelo cônsul japonês em mar/70; 40 trocados pelo embaixador alemão em jun/70 e 70
trocados pelo embaixador suíço em jan/71. Cf.: GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela
anistia.Tese de doutorado.Departamento de historia. FAFICH. UFMG. 2003. pp.51.
107
RIDENTI, Marcelo. O romantismo revolucionário dos anos 60. IN: FREIRE, Alípio et. all. Tiradentes, um
presídio da ditadura.São Paulo: Scipione, 1997. pp. 414.
108
REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In:
REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997.
partir destas influências que os terroristas escreviam seus próprios manuais, onde se faz
evidente a apropriação das tendências marxistas. Por acreditarem em uma realidade
idealizada crêem que através da violência seria possível realizar o desenvolvimento
revolucionário histórico. O autor acredita que o terrorismo não é pensado como ideologia
em si mesma, baseada no terror, mas age como um movimento que toma emprestado
ideologia marxista
109
. François Furet argumenta de modo diferente tal aproximação. Em
sua visão, a sociedade seria uma ordem hierarquizada onde a ordem estatal seria definida
por uma determinada classe. Este seria o legado do marxismo ao terrorismo. Desta forma,
ambos justificam a violência como forma de se estabelecer a verdadeira democracia
110
.
Renata Schittino faz três ressalvas às aproximações feitas pelos autores, sendo:
1- o é plausível caracterizar toda manifestação terrorista como marxista, pois
existem grupos denominados terroristas com intenções político-religiosas; 2- a
prática terrorista é condenada pelo pensamento marxista, desde Lênin até Luckács;
3- existe uma pluralidade de idéias diversas nisso que se está denominando
marxismo
111
.
Fazemos um acréscimo à autora quanto à condenação do terrorismo por toda a
corrente marxista. De acordo com Leon Trotsky, a revolução não significaria "logicamente"
o terrorismo, nem implica a insurreição armada, contudo, ela exige que a classe
revolucionária deve usar todos os meios possíveis para alcançar os seus objetivos, tanto a
insurreição armada, se necessário, quanto o terrorismo, se necessário. Ele escreve sobre a
situação revolucionaria ocorrida durante guerra civil em que lutavam contra pessoas
armadas. Isto não implica em terrorismo. São armas contra armas. A classe trabalhadora,
que ganhou força com armas, em contrapartida, deve com a violência anular todas as
tentativas de retirada de poder das suas mãos. Em suas palavras:
O princípio de que a renúncia ao terrorismo, ou seja, das medidas de intimidação e
de repressão no que diz respeito à contra-revolução armada também deve renunciar
109
RAYNAULD, P., Les Origenes Intellectuelles. IN: FURET, F.; RAYNALD, P.; LINIERS, A. Terrorisme
et Democratie. Paris: Fayard, 1985. pp. 42.
110
FURET, F. Terrorisme et Democratie. IN: FURET, F.;RAYNALD, P.; LINIERS, A. op.cit. pp.12.
111
Cf.:SCHITTINO. op. cit.pp. 28-31.
a dominação política da classe trabalhadora, a sua ditadura revolucionária. Aqueles
que renunciam a ditadura do proletariado, a renunciam à revolução social e colocam
uma cruz sobre socialismo
112
.
Para fazer um breve contraponto a Furet e Raynauld apresentaremos outros dois
teóricos marxistas que defendem a ilegitimidade dos atos terroristas.
Para Lênin, o terrorismo é a estratégia a que recorrem grupos de intelectuais não
ligados organicamente à massa. Sua ação terrorista caracterizaria por uma luta
individualista e com desconfiança em relação à possibilidade de insurreição quando as
condições não são favoráveis ao seu desencadeamento. Segundo ele:
“os ‘economistas’ e os terroristas prestam culto a dois pólos opostos da corrente
espontânea: os ‘economistas’ à espontaneidade do ‘movimento nitidamente
operário’ e os terroristas à espontaneidade da mais ardente indignação dos
intelectuais, que não sabem ou não têm a possibilidade de ligar num todo o trabalho
revolucionário e o movimento operário”
113
.
Deste modo, a crença de Lênin é no processo de conscientização do proletariado
para uma segunda etapa de formação de líderes revolucionários. Aderir completamente à
violência seria continuar a pensar como a classe burguesa.
Outro revolucionário que tocou na questão do terrorismo foi Che Guevara. O
guerrilheiro não chega conceituar claramente o que seria o terrorismo, contudo o condena
quando é praticado de forma indiscriminada, pondo em risco a vida do militante.
Acreditava ser mais produtivo “o trabalho nas grandes concentrações humanas, nas quais se
pode inculcar as idéias revolucionarias e fazê-las amadurecer (...) para que as massas
possam mobilizar-se e fazer pender a balança para o lado da revolução”
114
.
Introduziremos a discussão da faceta do terrorismo de Estado. Notamos de acordo
com a literatura referente que ele não caracteriza somente pelas práticas repressivas físicas
112
TROTSKY, L. La dictadura del proletariado. IN: Terrorismo y comunismo. Coleção Clássicos do
Marxismo. 2005. Disponível para download. pp.40.
113
LÊNIN, V. O que fazer? IN: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. v.2. pp. 132.
114
GUEVARA, Che. A guerra de guerrilhas. Edições Futuro. s/d. pp. 110.
ou psicológicas, pode ser vislumbrada em outros âmbitos sociais, como na educação, na
mídia ou na economia.
Gianfranco Sanguinetti, militante da chamada Internacional Situacionista
115
, na
Itália, traça uma definição de terrorismo tendo como referencia seu país na década de 1970.
Na Itália também houve a designação Anni di Piombo (anos de chumbo), que servia
igualmente para caracterizar os acontecimentos ocorridos naquele país na mesma década.
Grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita, fortemente críticos da democracia
parlamentar e convencidos da utilidade da violência como arma política, dedicaram-se a um
conjunto variado de ações terroristas que visavam desestabilizar o ordenamento político
resultante do pós-guerra. De acordo com Sanguinetti, os atos de terrorismo e atentados que
tiveram impacto sobre os homens seriam classificadas de dois modos: ões ofensivas ou
ações defensivas. O que as diferencia seriam os comandantes, ou seja, de que lado
posicionam-se. As primeiras seriam executadas por desiludidos com o Estado e a outra
seria a resposta deste frente aos ataques sofridos. Desarte, a ação terrorista do Estado ainda
se dividiria de duas maneiras: direta ou indireta. A ação direta atinge toda a população
como no caso do massacre da Piazza Fontana em 1969
116
, e a indireta ocorre quando o
Estado age contra si como ocorreu no caso Aldo Moro
117
. Neste clima de tensão estratégica
de ambos lados a população em relação ao terrorismo:
115
A IS foi fundada em 1958 e dissolvida em 1972 (o último número da revista do movimento, num total de
doze edições, é de 1969). Fundada e dissolvida por Guy Debord, a IS no período de sua existência, não reuniu
mais que setenta membros. Desses, dezenove desligaram-se e quarenta e cinco foram expulsos (expulsos,
obviamente, por Debord). Tal característica, a de pequeno grupo, atendia bem aos propósitos do movimento A
IS foi um movimento internacional de cunho político e artístico. Do ponto de vista situacionista, a arte ou é
revolucionária ou não é nada. Desta forma, os situacionistas se viam como os responsáveis por completar o
trabalho dos dadaístas e surrealistas, enquando aboliam os dois movimentos. A despeito disso, os
situacionistas respondiam a pergunta "O que é revolucionário?" de maneiras diferentes em momentos
diferentes. s.n.t.
116
No dia 12 de dezembro de 1969, a bomba que rebentou no interior do Banco Nacional de Agricultura, em
Milão, marca o início deste processo de tensão crescente. A explosão causou 16 mortos e 88 feridos. Nos
quarenta minutos seguintes, outros explosivos rebentaram em Roma e Milão, provocando mais 17 feridos. O
episódio ficou conhecido como “Massacre de Piazza Fontana”. À comoção imediata juntou-se a certeza
policial de que por detrás do atentado estariam grupos anarquistas. Descobriu-se que os responsáveis
pertenciam a uma pequena organização extremista de direita influenciada por um vigoroso espírito anti-
comunista e por elementos no interior do aparelho de Estado italiano. Para mais informações: CALVI,
Fabrizio & LAURENT, Frederic. Piazza Fontana. La verità su una strage. Milano: Mondadori, 1997. E
depoimentos e textos no site: http://www.archivio900.it/it/libri/lib.aspx?id=432 pesquisado em 15/12/2008.
117
O grupo Brigadas Vermelhas (Le Brigate Rosse) nasceu oficialmente em outubro de 1970. A organização
de esquerda Sinistra Proletária anunciou sua criação num folheto, apresentando o movimento como uma rede
político-militar cujo objetivo era responder com violência à opressão exercida pelo Governo sobre as massas
proletárias. As Brigadas Vermelhas faziam parte do movimento da Esquerda Proletária, criado na França, em
deve assim convir que, pelo menos neste campo, ela carece do Estado, em quem
deverá portanto delegar os poderes mais amplos para que ele possa enfrentar com
vigor a árdua tarefa da defesa comum contra um inimigo obscuro, misterioso,
pérfido, impiedoso, em suma, quimérico. Perante um terrorismo sempre
apresentado como o mal absoluto, o mal em si e para si, todos os outros males, bem
mais reais, passam para um segundo plano, e devem mesmo ser esquecidos; uma
voz que a luta contra o terrorismo coincide com o interesse comum, essa luta torna-
se o bem geral e o Estado que generosamente a conduz passa a ser o bem em si e
para si
118
.
No Brasil há um desconforto entre estudiosos na aplicação do termo terrorismo para
falar no caso do nosso Estado. Uma das primeiras a assim classificar a ditadura brasileira
foi Irene Cardoso. A autora afirma ter havido uma produção do terror e sua produção do
esquecimento, via lei de Anistia
119
. A própria experiência do terror, com seu efeito residual,
maio de 68.Os primeiros ataques dos brigadistas foram contra importantes grupos de industriais. A tática
consistia em se fazer contratar como operários dasbricas desses grupos para combater desde o seu interior.
No dia 16 de março de 1978, as Brigadas Vermelhas realizaram sua ação mais radical e mais espetacular
seqüestrando Aldo Moro, presidente da Democracia Cristã. Moro era articulador da coalizão entre seu partido
e o Partido Comunista. Ele representava, aos olhos dos brigadistas, o símbolo de uma coalizão insuportável
entre as forças reacionárias e os representantes do proletariado, acusados de revisionismo. Aldo Moro foi
assassinado, no dia 9 de maio de 1978. Foi uma tragédia que marcou a história da Itália e do terrorismo na
Europa. Sua política de abertura aos comunistas gerava incômodo aos seus partidários e aos EUA, fator que
reforça teorias de que o governo não fez questão de negociar sua liberdade. Moro era um inconveniente para
ambos. Cf; SANGUINETTI, Gianfranco. Do terrorismo e do Estado. Antígona: Lisboa, 1981.
118
SANGUINETTI.op.cit.pp.66.
119
Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o
trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia
traz as duas polaridades citadas, sendo, anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial
da memória) se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e
excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o
esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação
nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, op.cit. pp.319.
cria dificuldades e mesmo impossibilidades de nomear esta experiência, dificultando a
construção de simbolização ou representação
120
.
Esta representação leva à inversões político-ideológicas, manifestadas na
grande importância dada à noção de legalidade e legitimidade pelo regime, tendo
como conseqüência a inversão de valores. Em análise de Marilena Chauí:
“É porque se governa que se é representante. Este aspecto é fundamental para que
compreendamos porque a tortura foi institucionalizada. Em outras palavras:
governar transforma alguns em representantes que é preciso saber o que
representam. Representam o governo o qual, representando-se a si mesmo,
identifica-se com a vontade geral, isto é, com a nação sob o signo da Segurança
Nacional. Uma vez que representam a Segurança Nacional, os membros do governo
consideram-se providos do direito e do dever de defendê-la e, nessa defesa,
institucionalizam a tortura. Em outros termos, recuperam do terror e da monarquia
absoluta o direito de vida e morte sobre toda a sociedade. É essa inversão fantástica
que designei como impossibilidade da política”.
121
Chamamos a atenção para mais um fator na dificuldade de caracterização em
terrorismo de Estado. O regime ditatorial nunca se assumiu como tal. Para tanto, todo um
aparato publicitário foi montado para atingir a sociedade e convencer que éramos o país do
“futuro”, o país do “milagre econômico”, de forma que tudo ia dentro da normalidade.
Havia, também, a preocupação da divulgação dessa imagem no exterior, principalmente
depois das denúncias feitas pelos exilados. É a “cultura do simulacro
122
”. Além das
propagandas, o regime contou com outros meios para se legitimar acabar com possíveis
oposições ao regime. Uma série de profissionais “psi”, mais ligados à psicanálise, como
afirma Cecília Coimbra
123
colaboraram “patologizando” a militância contra a ditadura.
Para Heloísa Greco, esta “cultura do simulacro” criado pela propaganda, aliado a
fatores como os êxitos econômicos do regime, “produz efeitos duradouros na nossa cultura
120
CARDOSO, Irene. Memória de 68: terror e interdição do passado. Tempo social. São Paulo.2 sem.1990.
pp. 101-112.
121
CHAUÍ, Marilena. “A tortura como impossibilidade da política” IN: BRANCA, Eloisa (org.). I Seminário
do Grupo Tortura Nunca Mais . Petrópolis: Vozes, 1987, p.32.
122
Cf. CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. IN: FREIE et. all. op.cit. pp.474.
123
Cf. COIMBRA, Cecília. Algumas práticas “psino país do milagre. IN: FREIRE, el all, op. cit. pp. 423-
436.
política: se a ditadura não consegue se nomear, tampouco a mídia e a chamada intelligenzia
vão dar conta de fazê-lo”
124
.
Nas ditaduras militares latino-americanas, a utilização da Doutrina de Segurança
Nacional (DSN) para a defesa da democracia assumiu o perfil de violência estatal e de
terror de Estado. Assim sendo:
O Estado, que deveria ser uma estrutura de mediação e de proteção da sociedade,
agindo como fiador da segurança das pessoas, foi utilizado, de forma geral, em toda
a região, como um mecanismo que deveria enfrentar e derrotar o “inimigo interno”.
Sob as diretrizes gerias resultantes da interpretação particular que a DSN recebeu
em cada país e através da guerra contra-insurgente, o aparato estatal extrapolou os
limites coercitivos constitucionais desencadeando práticas e ações que acabaram
configurando num sistema de terror de Estado
125
.
O terror de Estado (TDE) na América Latina é, na opinião de Enrique Padrós, um
terrorismo em grande escala que sai do centro do poder estatal para dentro ou fora das suas
fonteiras. Tinham por características: ser abrangente, porque não houve setor da sociedade
que estivesse fora do alcance de sua repressão ou livre de suas ameaças; ser prolongado,
porque as modalidades foram aplicadas ate o final das ditaduras e suas seqüelas se
projetaram no período posterior; ser indiscriminado, pois a ão repressora contra a
população não teve limites. O conceito de “inimigo interno” permitiu a incorporação de
novos subversivos, num processo sem fim; ser retroativo: pois, após o combate aos
guerrilheiros e comunistas e demais alvo da “segurança nacional” desenvolveu-se uma
pratica de vasculhar o passado das pessoas e suas simpatias políticas, existência de
militância, ou qualquer outra questão que colocasse em questão sua fidelidade ao novo
regime, podendo, assim, significar um processo de estigmatização; ser preventivo: gerando
a “cultura do medo”, que evita correntes de solidariedade, isola as vitimas diretas, fomenta
a passividade, alienação e amedrontamento, e, por fim, ser extraterritorial, perseguindo fora
das fronteiras nacionais. Enfim, tratou-se de uma violência organizada e clandestina cuja
124
GRECO, op.cit.pp.33.
125
PADRÓS, Enrique. Repressão e violência: segurança nacional e terror de Estado nas ditaduras latino-
americanas. IN: FICO et.all. (org.). Ditadura e democracia na America Latina. Rio de Janeiro: FGV,
2008.pp. 151.
estrutura de funcionamento deu-se através de uso arbitrário de mecanismos coercitivos
legais
126
.
A discussão acerca do conceito de terrorismo é ampla e não nos propormos a
esgotá-la. Os apontamentos principais sobre esta questão servirão para aprofundamento do
debate no próximo capítulo. A partir de uma análise comparativa teremos uma
compreensão de como ocorreu o terrorismo de Estado no período ditatorial brasileiro e
porque a esquerda não se enquadrou em atos ou propostas como organizações terroristas.
Cremos necessárias algumas considerações sobre a violência. Como percebemos é
um elemento que permeia o debate acerca do terrorismo. Queremos desenvolver alguns
apontamentos da violência para compreender o modus operandi das organizações
guerrilheiras e do aparato repressivo. Com este mote apresentaremos os principais teóricos
da violência, que em sua maioria, influenciaram diretamente nossos guerrilheiros.
1.4
D
OS
A
UTORES E DA VIOLÊNCIA
No clássico Da Guerra, Clausewitz afirma que “a guerra não constitui
simplesmente um ato político, sim um verdadeiro instrumento político, uma continuação da
atividade política, uma realização desta por outros meios”
127
. A política manifestada por
meios violentos tem na guerra uma de suas manifestações. A guerra diz respeito a todos os
elementos relacionados à violência, elemento não necessariamente presente em todas as
ações políticas.
Mesmo assim, no nosso caso, entendemos a violência como uma forma de
instrumento de pressão para fins políticos. No caso das guerrilhas contra ditaduras
militares, é uma forma peculiar de se fazer política quando todos as vias legais estão
cerceadas. A guerrilha é um tipo de luta que emprega o uso da força, contudo, na guerrilha
rural não notamos tanto a violência espetacular como podemos ver na guerrilha urbana.
Para Maria Ribeiro Valle, a opção das organizações estudantis pela violência
revolucionária está vinculada à retomada das grandes teorias anticapitalistas do século XIX,
principalmente a marxista. A destruição do “sistema capitalista, violento e injusto”, só pode
ocorrer com a “utilização da violência”, “arma fundamental para que tenha fim toda a sorte
126
Idem. pp.173.
127
CLAUSEWITZ, Carl. De la guerra. Editado por Librodot, 2002. pp.19.
de violências”. A revolta da juventude irrompe carregando a bandeira da “ruptura”. As
formas de luta adotadas pelo ME, no entanto, articulam-se com as experiências e
proposições revolucionárias internacionais, em especial o “guevarismo” e o “maoísmo”
128
.
A violência como forma de libertação foi proferida por autores ainda no século
XIX, como Engels e Marx
129
. Para estes, somente pelas armas se construiria uma nova
sociedade. Neste período de Guerra Fria, descolonizações e ditaduras militares foram
relidos pela juventude. Revolução para tais autores seria um fundamento epistemológico,
seria um elemento do materialismo histórico.
As análises de Marx e Engels sobre a necessidade da revolução violenta refere-se ao
fim do Estado burguês que fatalmente cederia lugar ao Estado Proletário. Este mbio de
poderes se daria por meio da revolução violenta. A apologia que ambos fizeram sobre a
inevitabilidade deste tipo de revolução foi proferida no clássico Manifesto Comunista:
Os comunistas não se rebaixam em dissimular suas idéias e seus objetivos.
Declaram abertamente que seus fins só poderão ser alcançados pela derrubada
violenta das condições sociais existentes. Que as classes dominantes tremam diante
da revolução comunista! Os proletários nada têm a perder senão os seus grilhões.
Têm um mundo a ganhar
130
.
Engels seguia na definição desta violência citando Marx em outras obras, como
Anti-During:
Que a violência desempenha ainda outro papel na história, um papel
revolucionário; que é, segundo Marx, a parteira de toda velha sociedade, grávida de
128
VALLE, Maria Ribeiro. O debate teórico sobre a violência revolucionária nos anos 60: “Raizes e
polarizações”.Tese de doutorado. UNICAMP, 2002.
129
Cabe a observação de que não podemos desconsiderar a importância de Georges Sorel, teórico do chamado
sindicalismo revolucionário. Contudo nao foi muito lido no Brasil. Teve uma trajetória controversa, foi ligado
ao sindicalismo revolucionário de extrema esquerda, flertou por algum tempo com a extrema direita
monarquista.Entre as peculiaridades do marxista francês está a preocupacão com os aspectos jurídicos do
socialismo e a violência, que exalta em seu livro Reflexões sobre a violência. Um ponto destacavel da obra
refere-se aos mitos políticos: "conjuntos de imagens capazes de evocar em bloco e somente pela intuição,
antes de qualquer análise refletida, a massa dos sentimentos". Suas idéias foram assimiladas tanto pelo
fascismo italiano quanto pelos comunistas Italianos.
130
MARX, K. & ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Texto sem referência. pp. 58.
uma sociedade nova; que é a arma com a qual o movimento social abre caminho e
quebra formas políticas petrificadas e mortas
131
.
Dentre os livros que diretamente foram referência para a guerrilha está Guerra de
guerrilhas, escrito por Ernesto Guevara e publicado no Brasil em 1960 - traduzido por
Mauricio Grabois
132
- foi o primeiro contato brasileiro com as obras da revolução. Segundo
Guevara, a contribuição da revolução de Cuba para os movimentos revolucionários da
América Latina seriam basicamente três, a saber: 1) as forças populares podem ganhar uma
guerra contra o exército; 2)nem sempre é preciso esperar que se dêem todas as condições
para a revolução, o foco insurrecional pode criá-las; 3) na América subdesenvolvida, o
terreno da luta armada deve ser o campo
133
. O livro, escrito de forma didática, nada mais é
do que a sistematização, e, em parte, a teorização das ações desenvolvidas pelos
guerrilheiros cubanos. Guevara escreve qual deve ser a essência da luta guerrilheira: a
libertação do povo. Fornece os ensinamentos das estratégias e táticas da guerrilha, que
incluem mobilidade e sobrevivência na selva, em terrenos favoráveis ou não, para que se
chegue, no final, às cidades. Define o duplo papel do guerrilheiro, sendo o de reformador
social, “o homem que encarna os anseios o povo”, cuja bandeira maior é a reforma agrária,
e o outro papel de combatente, cheio de características e virtudes (habitante da zona rural,
combatente noturno, arrisca a sua vida, trata do companheiro ferido, é audaz, e, sobretudo,
discreto)
134
.
Como vemos, havia uma concepção inabalável de que pelas armas poderia se
libertar os povos: “Na América, o caminho para a libertação dos povos, que será o caminho
do socialismo, se fará pelas armas em quase todos os países”
135
. Seria, na visão de Michel
131
ENGELS. F. citado por LENIN, V. O Estado e a Revolução. Obras Escolhidas. Moscou: Progresso, 1979.
pp. 114.
132
Mauricio Grabois foi integrante do PC do B e desapareceu no Araguaia em 1973, aos 61 anos. Nos anos
1930, foi um dos primeiros a organizar o Partido Comunista dentro das Forças Armadas. Em 1962, foi um dos
fundadores PC do B. Seu filho, André Grabois, também foi morto na Guerrilha do Araguaia em 1972. Cf.
BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos
políticos. Direito à verdade à memória. Brasília: SEDH, 2007. pp.229.
133
GUEVARA, Ernersto. A guerra de guerrilhas. Rio de Janeiro: Futuro, 1960. pp.17.
134
Idem. pp.59.
135
GUEVARA, Che. Citado por LOWY. Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão
Popular, 2002. pp. 117.
Lowy, uma teoria guerrilheia “causewitziana”, pois compreende a guerrilha como a
continuação pelas armas da política revolucionária
136
.
Sobre a questão da organização da guerrilha, o próprio Guevara afirma que não deve
ser feita como um esquema gido, ou seja, deve haver uma adaptação desta fórmula aos
meios, para que então, se lance ao combate. Percebemos em Guerra de guerrilhas que a
ação da guerrilha desmascara o poder, forçando-o a mostrar sua violenta face.
Outra obra revolucionária cubana foi a Revolução na revolução
137
escrita por Regis
Debray em 1967 é embasada na experiência do autor, que militou na guerrilha ao lado de
Che Guevara. Narra a teoria e a prática da ação guerrilheira, que conduziu à vitória da
revolução cubana. Para Debray, a guerra de guerrilhas latino-americana constituiu “uma
guerra ‘irregular’ para sitiar as cidades a partir do campo”
138
. O autor fala da importância
das regras militares a serem seguidas, da disciplina revolucionária, e critica o papel dos
intelectuais que, ao se prenderem aos livros, distanciaram-se da realidade guerrilheira, sem
o desenvolvimento de um preparo físico e com dificuldade de improviso em situações de
risco. Também explica a necessidade da análise da realidade do lugar em que a luta armada
será desencadeada, na medida em que cada local possui condições específicas. Pouquíssimo
se difere de Guevara. A guerra de guerrilhas acontece por etapas, sendo elas: 1) a do
estabelecimento primário em um local de difícil acesso para a repressão; 2) trabalho com a
população local para conseguir adesão à luta neste ponto Debray ressalta o papel de
mulheres e crianças, que não participam diretamente na luta armada, porém devem ser
integrados à produção, à sabotagem, à informação e ao transporte
139
. Uma vez conquistados
os camponeses, eles seriam o braço armado da revolução, formando o exército popular. O
radicalismo da causa é expresso sem meias palavras quando o autor afirma que vencer é
aceitar desde o princípio que a vida não é o bem supremo do revolucionário”
140
. O foco
guerrilheiro seria o “pequeno motor” que acionaria “grande motor” - ou seja, as massas - e
que desencadearia a sonhada revolução. Outro tema não menos relevante é tratado como a
importância do partido de vanguarda, que deveria ser fortalecido para a condução firme da
conquista do poder para os trabalhadores.
136
LOWY. Op. cit. pp.118.
137
DEBRAY, Regis.A revolução na revolução. São Paulo: Centro Editorial Latino-Americano, s.d.
138
DEBRAY. op. cit. pp.8.
139
Idem.pp.33.
140
Idem.pp.42.
Havemos que considerar dois autores que também contribuíram, em graus
diferentes, para a justificativa pela violência armada. São Franz Fanon e Herbert Marcuse.
Franz Fanon, nascido na Martinica, serviu o exército francês contra o nazismo,
formou-se em psiquiatria e estudou filosofia. Formado, foi para a Argélia como médico-
chefe. Aí começou sua militância, a partir do seu contato com a realidade da colônia,
tornando-se cidadão argelino.
O Brasil começou a se familiarizar com suas idéias durante a estadia de Jean-Paul
Sartre e Simone de Beauvoir no país, entre agosto e setembro de 1960. O casal chegou ao
Rio de Janeiro, vindos de Havana, para solicitar a solidariedade internacional necessária
para sustentar a revolução cubana e a guerra de libertação da Argélia. Certamente a
intelectualidade brasileira, tão próxima do que se passava em Paris, acompanhava, através
de Les Temps Modernes, as posições anticolonialistas do filósofo. A sua peregrinação à
China, a Cuba e ao Brasil tinha claramente um caráter militante.
A esquerda brasileira tomou conhecimento de Fanon através do extrato de Damnés
de la terre (1961), publicado em Les Temps Modernes; e do prefácio de Sartre. Michel
Löwy, por exemplo, se lembra de ter discutido o prefácio com seus companheiros em São
Paulo, provavelmente ainda em dezembro de 1961. que se notar dois fatos na
informação: primeiro, foi o prefácio de Sartre e não o artigo ou o livro de Fanon que foi
discutido; segundo, a esquerda brasileira discutia seriamente a violência revolucionária,o
que significava que os autores que escreviam sobre a América Latina, sobre táticas de
guerra urbana ou guerrilha, ou faziam a teoria geral da revolução em sintonia com a
filosofia européia, eram privilegiados na leitura
141
.
Antônio Sérgio Guimarães, levanta a hipótese de que alguns fatos fizeram com que
dificultasse a maior divulgação de Fanon entre a esquerda no Brasil. O primeiro deles é que
pouco depois desse primeiro contato sobreveio o golpe militar de 1964, que levou ao exílio
um grande mero de militantes. O segundo é que aqueles que acreditavam na violência
revolucionária passaram à clandestinidade, tornando tênues os seus elos com o mundo
cultural, assim, o que se lia sobre Fanon nos anos 1960, é muito pouco. No Brasil, a
141
Informação de Michel Löwy a Antonio Sergio Guimarães, em dezembro de 2007. Löwy sai do Brasil em
agosto de 1961 e volta em dezembro do mesmo ano por dois ou três meses, provavelmente trazendo uma
cópia do Damnés de la Terre, recém-lançado em Paris. Cf. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A
recepção de Fanon no Brasil e a identidade negra. IN: NOVOS ESTUDOS CEBRAP. julho 2008. pp.103.
esquerda reverenciava o autor, mas, se o lia em francês, não o citava; impondo-se um
silêncio obsequioso O certo é que, finalmente,em 1968,aparece a edição brasileira de
Condenados da terra, rapidamente retirada de circulação pelos órgãos de repressão
política,mas não antes de cair nas mãos de dezenas de militantes
142
.
A questão da violência, tanto a do colonizador como a do colonizado é a análise
central de Fanon no livro citado. O famoso prefácio de Sartre evidencia a originalidade
deste trabalho:
“Fanon é o primeiro desde Engels a repor em cena a parteira da história (...) a
violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens
subjulgados; procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para acabar com suas
tradições, para substituir sua língua pela nossa, para destruir sua cultura sem lhes
dar a nossa”
143
.
Em outra passagem, Sartre relata o que chamou de “momento do bumerangue”,
quando:
ela (a violência) se volta contra nós, atinge-nos e, como das outras vezes não
compreendemos que é nossa. (....) Essa violência irreprimível ele (colonizado) o
demonstra cabalmente, o é uma tempestade absurda nem a ressurreição de
instintos selvagens e nem mesmo o efeito de um ressentimento; é o próprio homem
que se recompõe. Sabíamos, creio eu, e nos esquecemos esta verdade: nenhuma
suavidade apagará as marcas da violência; só a violência é que pode destruí-las. O
colonizado cura da neurose colonial, passando o colono pelas armas”
144
Fanon justifica a utilização de meios violentos para derrubar o colonialismo e na
violência anticolonial uma práxis absoluta que liberta o colonizado de suas alienações: “O
homem colonizado liberta-se na e pela violência”
145
. Ele supõe que a revolta violenta
142
GUIMARÃES. op.cit. pp.104.
143
SARTRE, J.P. Prefácio. IN:FANON, Franz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1981. pp. 09.
144
Idem, pp.14.
145
Ibdem. pp.66.
desmistifica a suposta inferioridade do colonizado, tendo o adentrado profundamente nesta
verdadeira sociologia da violência. O contexto em que foi escrito o livro demandava um
estudo da violência e de justificativas de sua utilização como meio para acabar com o
colonialismo, haja vista que diversos povos colonizados cada vez mais se revoltavam
contra os colonos europeus.
“O argumento escolhido pelo colonizado foi-lhe indicado pelo colono e, por uma
irônica reviravolta das coisas, o colonizado é quem agora afirma que o colonialista
entende a força”
146
. O colonizado sempre conviveu com a violência. A situação colonial,
por sua fatalidade interior, convoca à revolta esta condição. A violência aproximou os
militantes, serviu-lhes como coesão, por isso os militantes argelinos da FLN e também os
Mau-Mau quenianos tinham que executar um atentado pessoal contra os colonialistas para
fazer parte de suas respectivas organizações. No momento em que a violência tornou-se
explícita na sociedade colonial, ela revelou ao colonizado a verdadeira face da ação
colonialista e isto desalienou os indivíduos, ela desmistificou as ilusões fundadas nas
superestruturas colonialistas. Sob vários aspectos, a violência é um evento heurístico de
excepcional significação. Revelaria o visível e o invisível, o objetivo e o subjetivo, no que
se refere ao social, econômico, político e cultural, compreendendo o individual e o coletivo.
A temática das seqüelas psicológicas da guerra e da tortura
147
praticada pelo
franceses também é um ponto destacável na obra. Encontramos a defesa por parte do autor
que processos de contínua violência, tortura, repressão e opressão resultam em estados
psicológicos ligados à infelicidade, à depressão e ao desequilíbrio. “Há, portanto, nesse
período calmo de colonização vitoriosa uma regular e importante patologia mental
produzida diretamente pela opressão”
148
e acrescentava que “ainda assim, nosso propósito
é mostrar que a tortura sofrida desarticula profundamente, como seria de presumir, a
personalidade do torturado”
149
.
146
Ibdem. pp.65.
147
Desde inicio do século XX alguns estudiosos se debruçaram sobre o tema da resiliência. Resiliência é a
capacidade humana de se recuperar ou ser imune psicologicamente quando se é submetido à violência de
outros seres humanos ou das catástrofes da natureza. A maioria dos indivíduos se torna então vítima,
adquirindo transtornos do desenvolvimento ou psicológicos na infância, transtornos de conduta na
adolescência e juventude e transtornos psiquiátricos na vida adulta. Alguns indivíduos são resilientes. Ser
resiliente sempre é conseqüência dos fatores de risco, de sua intensidade de duração, e dos fatores de proteção
que o indivíduo possui. Cf. GRUNSPUN, Haim. Violência e resiliência. Texto sem referência.
148
FANON. pp.212.
149
Ibdem. pp.231.
Tais afirmações refletiriam a realidade brasileira no período da ditadura militar, em
que um medo generalizado pairava a sociedade. As formas detalhadas das seqüelas mentais
decorridas da violência sofrida pelos argelinos, não diferem muito das seqüelas relatadas
pêlos sobreviventes de tortura em todos as partes do mundo, fato esse evidenciado pela
Anistia Internacional em seu relatório de 1973, quando pela primeira vez esse órgão se
mobilizou para esclarecer esse tipo de violência, considerando uma avaliação das seqüelas
a nível médico e psicológico.
Para Michel Lowy, uma semelhança notável entre as idéias de Fanon e as de
Guervara, sendo: o papel revolucionário do campesinato, a violência dos oprimidos, a
unidade anti-imperialista do Terceiro mundo e a procura de um modelo de socialismo.
Guevara tinha grande interesse na literatura de Fanon. Lowy acredita que esta leitura tenha
sido um dos fatores que o inspirou em lutar na África entre 1965-1966
150
.
O outro autor a quem nos referimos e que de certa forma também forneceu
argumentos para a esquerda armada foi Herbert Marcuse. Este militante nos movimentos de
oposição dos Estados Unidos e da Alemanha, portanto enfatizava o papel do movimento
estudantil e dos intelectuais como uma força potencialmente revolucionária. Em O fim da
utopia, temos algumas das principais idéias que influenciaram nossos militantes radicais.
A oposição, que tem como meta “o desenvolvimento histórico da liberdade”, desde
o seu surgimento, está no terreno da violência, pois “(...) a pregação do princípio da não-
violência não faz mais do que reproduzir a violência institucionalizada da ordem
existente”
151
. Esta publicação deu-se em função de palestras pronunciadas em Berlin pelo
autor no ano de 1967.
Para ele o problema da violência na ação não seria apenas um problema tático, mas
também, de estratégica, pelo menos, se não for uma questão de princípios humanitários. E a
questão estratégica não pode ser definida uma vez para uma sociedade global. O autor
pondera a declaração de que a defesa em relação à violência é diferente da agressão.
Exemplo: a violência da polícia para dominar um assassino é muito diferente da
violência que derrubou grandes polícias batendo um protestante, a diferença não é
150
LOWY, Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 2002. pp. 110.
151
MARCUSE, Herbert. El final de la Utopia. Barcelona: Planeta de Agostini, 1986. pp.51.
externa, mas reside na estrutura instintiva, na substância. Eles são atos violentos,
mas funções totalmente diferentes
152
.
Ele cita este exemplo para mostrar que a violência em escala individual também se
reflete à dimensão social e histórica. Outro exemplo citado seria da violência do terror
revolucionário que seria muito diferente do terror branco, pois o terror revolucionário
implicaria, como terror uma auto-trascendência em uma sociedade livre, que não acontece
com o terror branco. Terror usado para defender os vietnamitas do Norte é essencialmente
diferente da utilizada no atentado terrorista na Alemanha. Marcuse aponta como outro
problema o terror revolucionário se degenerar em crueldade e brutalidade, pra isto não
ocorrer deve acontecer um mínimo de prevenção. Em qualquer caso, uma revolução sempre
oferece as formas e os meios para impedir a degeneração de terror. No início da revolução
bolchevique não houve terror para além da eliminação da resistência daqueles que ainda
estavam no poder. Quando, no decurso de uma revolução está a transformar o terror em
atos de crueldade e tortura brutal é que a revolução foi pervertida
153
. Tal autor demonstra o
surgimento dos “novos sujeitos da transformação”, marcados pela Revolução Cubana,
Revolução da Argélia, Guerra do Vietnã e Revolução Cultural Chinesa. Ao analisar o
potencial revolucionário destes novos opositores atrela-os ao “terreno da violência”, ao da
“resistência”:
(...) o choque com a violência, com a violência institucionalizada, parece ser inevitável, a
não ser que a oposição se transforme num inócuo ritual destinado tão somente a pacificar as
consciências, a comprovar a sobrevivência dos direitos e das liberdades no quadro da ordem
constituída. (...) a ordem constituída tem de seu lado o monopólio legal da violência, bem
como o direito positivo, ou melhor, o dever, de exercer essa violência em sua defesa. Mas a
isso se opõem o reconhecimento de um direito mais alto e o reconhecimento do dever de
resistir como força propulsiva do desenvolvimento histórico da liberdade, o direito e o dever
da desobediência civil como violência potencialmente legítima
154
.
Desta maneira, como destaca Maria Valle, a análise da conjuntura elaborada por
Marcuse é na defesa da atualização do marxismo em um momento histórico onde emergem
152
Idem. pp.82.
153
Idem. pp.81.
154
MARCUSE citado por VALLE. op.cit.pp.07.
os supostos “novos sujeitos” da transformação social, recolocando a necessidade da
violência revolucionária. A autora separa a argumentação em duas: sua argumentação
teórica em torno da “desobediência civil”; e da diferença entre a “violência da agressão”
a violência legítima da ordem constituída – e a “violência da libertação” – violência ilegal -,
enfim, da violência tematizada a partir da perspectiva da revolução.
Assim, partindo dos escritos marcuseanos nascidos da experiência contestatória dos
anos 60, onde se configura uma nova concepção de revolução social em contraste
com o “pessimismo” anterior, reconstruímos os seus argumentos em favor da
legitimidade ética e política da violência transformadora
155
.
A dicotomia violência institucionalizada x força revolucionária deve ser separada e
entendida, sendo a primeira a “arma das instituições”, ou seja, o Estado o detentor de seu
monopólio legítimo, e a segunda exercida pelos grupos de oposição capazes de fazer ruir
toda esta estrutura de dominação inerente à sociedade capitalista, através da desobendiencia
civil.
Esse conflito entre os dois direitos entre a violência institucionalizada e o direito de
resistência, leva em si o permanente perigo de um choque da violência consigo
mesma, e isso ainda que o direito à liberdade seja sacrificado ao direito da ordem
constituída e ainda que - como sempre ocorre na história - as vítimas sacrificadas à
ordem superem numericamente às vítimas caídas pela libertação. Mas isso significa
que a pregação do princípio da não violência não faz mais do que reproduzir a
violência institucionalizada da ordem existente. Na sociedade industrial
monopolista, a violência institucionalizada concentra-se, como jamais ocorreu no
passado, no poder que permeia todo o corpo social
156
.
A utilização da “violência revolucionária”, pela “esquerda radical organizada”,
transforma-se em uma arma que, é capaz de se opor à violência inerente à manutenção do
sistema para defender sua liberdade.
155
VALLE. op.cit.pp.15.
156
MARCUSE. Citado por VALLE, Maria Ribeiro. Herbert Marcuse e a defesa da violência revolucionária
nos anos 60. IN: Estudos de Sociologia. Araraquara. n.15. 2003. pp. 57.
Maria Ribeiro do Vale conclui que na visão de Marcuse não há, apesar da eclosão
dos movimentos estudantis, de libertação colonial, dos direitos civis, dos hippies, uma
organização solidária que promova a confluência de tendências tão diversas. As
contestações nos âmbitos da política, economia ou cultura momento algum deixa de
reconhecer as suas limitações, forças que permitem vislumbrar a “realização da utopia”,
desde que estejam dirigidas à ruptura do sistema. Marcuse, em sua alusão ao fim da utopia,
diz encontrar somente no marxismo o guia da oposição, que deve se comprometer na
atualização dos seus conceitos com o escopo de demonstrar as possibilidades de superação
da ordem existente, contudo, somente a partir da identificação dos “portadores sociais da
transformação”, uma vez que os operários americanos repelem as propostas da”nova
esquerda” de contestação
157
.
De uma maneira geral, foram estas as principais obras que influenciaram as
esquerdas armadas revolucionarias brasileiras. Refletiam como a violência poderia ser
viável para a libertação dos povos, e virou a raison d'être deste setor conforme pudemos
identificar na documentação e bibliografia analisadas. E é a partir destes teóricos que a
violência, ao nosso entender, tornou-se uma forma de se fazer política aplicada contra o
regime militar e, por outro lado, contra a esquerda radical em que está inserido nosso objeto
de estudo.
157
VALLE.op.cit. 2002. pp.05.
C
APITULO
2
D
O
T
ERROR DE
E
STADO E
D
OS
R
EVOLUCIONÁRIOS
.
Propomos neste capítulo uma contextualização do período que se segue à revolução
bem como discutir os efeitos desta no que tange às esquerdas e o combate a estas. Através
da história comparada entre Brasil e Argentina pretendemos analisar a influência da
revolução cubana nas esquerdas destes países que levou na configuração do terror de
Estado, como método de contenção das idéias “subversivas”. Tomamos o exemplo da
Argentina em função da conhecida violência de sua política no combate ao inimigo interno
propagado pela Doutrina de Segurança Nacional.
Iniciaremos com a discussão acerca da Revolução e a preocupação em exportá-la a
outros países latinos.
2.1
C
UBA E A
“E
XPORTAÇÃO A REVOLUÇÃO
”.
A Revolução Cubana foi “inquestionavelmente o maior acontecimento da América
Latina no século XX”, de acordo com Luiz Alberto Moniz Bandeira
158
. Tal fato ocorreu em
um contexto particularmente tenso no século XX onde a luta pela hegemonia estava
polarizada entre EUA e URSS após a II Guerra Mundial. Era a chamada Guerra Fria.
Segundo Eric Hobsbawn, a peculiaridade desta disputa era que objetivamente não
existia um risco de guerra mundial, contudo, havia uma retórica de ambos que aceitaram a
divisão desigual das zonas de influência e que era desigual em sua essência. Do lado
oriental, a URSS controlava ou exercia grande poder onde o Exército Vermelho e/ou as
Forças Armadas comunistas estavam ao término da Guerra e não tentava ampliá-la com uso
de força militar. os EUA, exerciam controle sobre o restante do mundo capitalista,
assumindo o que restava da antiga hegemonia imperialista colonial. Em pleno acordo, não
intervinha nas áreas de dominação soviética
159
. Até a década de 1970 diariamente
creditava-se que uma guerra nuclear eclodiria e devastaria metade da humanidade. Depois
deste período, optaram por uma “coexistência pacífica”.
158
BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1998.
159
HOBSBAWN, Eric. A Guerra Fria. IN: A era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. pp.224.
Este mesmo autor chama-nos a atenção sobre a preocupação dos países
hegemônicos sobre o futuro do “terceiro mundo”. Sistemas políticos derivados do julgo de
antigos regimes imperiais, uma minoria saída de revoluções sociais ou guerras de libertação
fatalmente inclinariam-se ao modelo da URSS. As regiões de caráter socialista conseguiram
manter-se em um “subuniverso separado e em grande parte auto-suficiente econômica e
politicamente”
160
, mantendo, deste modo relações pontuais com o mundo capitalista.
A vitoriosa Revolução ocorrida em janeiro de 1959 em Cuba representou um marco
na história da esquerda. O rompimento com os laços de dependência econômica dos
Estados Unidos deu inicio a uma série de transformações radicais em todos os âmbitos da
sociedade. Antes de Fidel, Cuba vivia sob o domínio de Fulgência Batista que cedeu ao
governo norte-americano o controle de vários setores da economia, como comunicação,
transporte e turismo, além de importar grande parte da cana-de-açúcar produzida pelo país.
A grandiosidade desta revolução, segundo Moniz Bandeira, não está no seu caráter
heróico e romântico, mas na evidência das relações mal resolvidas entre EUA e America
Latina. Não foram os comunistas que promoveram a revolução cubana, este governo se
declarou comunista anos mais tarde:
Alguns de seus líderes, como Che Guevara e o próprio Fidel Castro, em
pequena medida, acolhessem idéias marxistas, eles o pertenciam a
nenhum partido comunista e não era inevitável que a revolução cubana se
desenvolvesse a tal ponto de identificar-se com a doutrina comunista e
instituísse a sua forma de governo
161
.
Moniz Baneira defende com veemência o caráter autóctone, nacional e democrático
da revolução de Fidel e que o seguimento de um regime nos moldes comunistas foi
conseqüência de uma “contingência histórica”, não tramada pela URSS, mas empreendida
pelos Estados Unidos que:
160
HOBSBAWN, Eric. O socialismo real. IN: A era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. pp.365.
161
BANDEIRA, Luis Alberto Muniz. Fidel Castro, a revolução cubana e a América Latina. Revista Espaço
Acadêmico. N.82. Março de 2008.
sem respeitar os princípios da soberania nacional e autodeterminação dos
povos, não aceitaram os atos da revolução, como a reforma agrária, e
transformaram contradições de interesses nacionais em um problema do
conflito Leste-Oeste
162
.
O novo programa de governo incluiu aumento de salários e redução de tarifas. A
reforma agrária beneficiou trabalhadores rurais e sem terra, prejudicando propriedades de
empresas dos EUA. Frente a esta situação este ultimo país reduziu a cota de importação de
açúcar cubano. E Cuba, por sua vez nacionalizou as empresas, bancos e propriedades
estadunidenses sediadas na ilha. A reação americana foi de cortar o fornecimento de
Petróleo a ilha, assim, os cubanos estabeleceram acordos com o governo soviético onde
estes importavam açúcar em troca de petróleo. O governo dos EUA acabou de vez com a
importação do açúcar e rompeu relações diplomáticas com Cuba em 1961.
As conquistas revolucionárias se evidenciaram nas áreas de saúde e educação. Uma
vez consolidada, a tarefa seguinte seria “exportar a revolução”. Conforme vimos no
capítulo anterior, Che Guevara escreveu Guerra de Guerrilhas em 1960, cuja apologia se
dava à guerrilha rural como a “via cubana” para insurreição, levando à revolução. Fidel
Castro almejava fazer da Cordilheira dos Andes a Sierra Maestra do continente sul-
americano
163
.
Para impulsionar a exportação da “via cubana” pela América Latina havia um
incentivo ao surgimento de
organizações armadas ao longo dos anos 1960-1970. Desta
maneira, consolidaria a sua própria revolução e para tanto foi centro de treinamento
guerrilheiro e não tão somente um modelo distante a ser seguido. Houve o apoio
efetivo deste país à luta armada, com o envio de dinheiro para algumas dessas
162
Idem.
163
Não é nosso escopo reproduzir a trajetória guerrilheira até a revolução. Vários trabalhos de ambas
tendências já discutiram o assunto: BAMBIRRA, Vânia. A revolução cubana: uma reinterpretação. Coimbra:
Centelha, 1975; BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América
Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998; DRAPER, Theodore. Castrismo. Teoria e prática. Rio de
Janeiro: GRD, 1996; FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo. A revolução cubana. São
Paulo:Expressão Popular, 2007.
organizações e financiamento para que os quadros fossem àquele país trabalhar
“com quem entendia do assunto”
164
.
A Revolução Cubana teve um grande impacto na esquerda da América Latina,
que a guerrilha como instrumento para se fazer a Revolução rompia com a doutrina do
marxismo-leninismo que defendia a necessidade da existência de um partido operário
revolucionário. Estas proposições questionavam a política de coexistência pacífica proposta
pelo Partido Comunista da União Soviética e aceita pelos Partidos Comunistas da América
Latina. Após a experiência cubana, setores da esquerda começaram a questionar a linha
política adotada pelos Partidos Comunistas, que apostavam na aliança com a burguesia em
busca de reformas. A influência de Cuba como modelo político tornou-se mais direta
quando uma parte da esquerda latino-americana passou a propor a revolução armada,
através da guerra de guerrilhas e da tática do foco revolucionário. Surgiu uma série de
novas organizações, fruto de dissidências dos Partidos Comunistas e de outros partidos, que
propunham seguir o exemplo cubano
165
.
O governo cubano realizou diversas tentativas de organizar uma internacional
que pudesse agrupar os movimentos guerrilheiros e de libertação do Terceiro Mundo.
Em 13 de janeiro de 1966, o governo cubano realizou em Havana a Tricontinental. O
encontro reuniu representantes da esquerda legal, clandestina e dos movimentos
nacionalistas radicais dos três continentes. A luta de libertação foi concebida como
antiimperialista, anti-colonialista e como parte da revolução social anti-capitalista.
Em 1967, houve a tentativa de unificar as atividades guerrilheiras na América
Latina através da OLAS, Organização Latino-Americana de Solidariedade, que foi criada
na conferência ocorrida entre 31 de julho a 10 de agosto de 1967. A OLAS era uma
tentativa de organizar uma Internacional no continente americano e fazia parte de uma
estratégia do governo cubano para defender e apoiar movimentos de luta armada e grupos
guerrilheiros no Terceiro Mundo. Propôs-se a revolução socialista como principal objetivo
da América Latina, através da reafirmação da luta armada e da guerrilha e colocando como
inimigo comum os Estados Unidos e a luta antiimperialista.
164
ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil o treinamento guerrilheiro. Rio de
Janeiro: Mauad, 2001.
165
MISKULIN, Silvia. A revolução cubana. Comunicação apresentada na ANPHLAC.
http://www.anphlac.org/gts/ehmf/bloco3/tema34/apresentacao.doc retirado em 24/02/2008.
Neste Congresso foi lida a mensagem à Tricontinental, escrito por Che Guevara, em
1967, durante sua luta guerrilheira nas montanhas da Bolívia e dirigida ao secretariado da
OLAS. Na carta, defendia o conceito de revolução mundial, o internacionalismo operário e
a inevitabilidade da luta armada. Guevara sustentava a necessidade de expandir a luta
guerrilheira para o restante da América Latina, criando “dois, três, muitos Vietnãs”. Che
também criticou as burguesias nacionais, como sendo incapazes de resistir ao imperialismo.
Para ele, a América Latina necessitava de uma revolução socialista, que deveria ser
alcançada pela luta armada, por meio da guerrilha rural, que seria apoiada pelo restante da
população. Esta carta de Che Guevara teve uma grande repercussão, não nos
movimentos de libertação latino-americanos, mas também em outras partes do mundo.
As iniciativas cubanas de financiar e treinar movimentos guerrilheiros, bem como a tentativa de organizar a OLAS,
desagradavam o governo soviético liderado por Brejenev, contrário às tentativas de expandir revoluções na América Latina e
favorável a coexistência pacífica. O ano de 1968 foi decisivo para a Revolução, que marcou o alinhamento político do governo
cubano com a União Soviética, sobretudo em relação a sua política externa. A invasão das tropas soviéticas em Praga, na
Checoslováquia, para reprimir um movimento que propunha um socialismo com democracia e mais humano, foi apoiada pelo
governo de Fidel Castro. Com o assassinato de Che Guevara na Bolívia, o governo cubano aproximou-se mais da União Soviética,
tornando-se dependente em relação à grande potência socialista e aplicando a política de socialismo num só país
166
.
Esta política de “exportar a revolução” começara ainda em 1959, quando Fidel
vitorioso, viaja pela América Latina em busca de apoio. A primeira viagem como líder
cubano foi a Buenos Aires, a fim de participar conferência do Comitê dos 21”,
encarregado de estruturar a “Operação Pan-Americana”
167
Da Argentina Fidel Castro passou pelo Rio de Janeiro e fez um discurso na Praça
Barão Rio Branco, organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e no qual repetiu
basicamente o que dissera em Buenos Aires: “Ni pan sin liberdad ni libertad sin pan”
168
.
166
Idem.
167
Principal iniciativa diplomática do governo Kubitschek. Propunha aos EUA a assumir um compromisso
político para ajudar a colocar fim no subdesenvolvimento latino-americano. Este acordo foi interessante aos
estadunidenses uma vez que o subdesenvolvimento contribuía para a instabilidade política do continente,
abrindo inclusive a possibilidade de que ideologias contrárias ganhassem influência devido aos baixos
padrões de vida destas populações. Cf: O Brasil de JK. Política Internacional. www.cpdoc.fgv.br
168
Um episódio pitoresco ocorreu em Belo Horizonte, quando da vinda de Fidel ao Brasil. O grupo de
militantes que posteriormente integrariam a POLOP divulgou que o cubano iria a esta cidade falar na sacada
do DCE, no centro. Convidaram “toda a população” para assisti-lo, contudo, Fidel não veio. Cerca de mil
pessoas estavam ansiosas e agitadas. A saída encontrada pela “organização” foi arrumar uma túnica verde-
oliva e uma barba falsa com os alunos do curso de teatro. Vestiram Theotonio dos Santos como se fora Fidel e
ele representou o comandante com discurso inflamado em “portunhol”. Ele fora o convincente que um
grupo de ex-integralistas resolveram invadir o DCE para atacar o “assalariado de Moscou”. Houve muita
pancadaria até que a polícia chegou. O “Fidel das Alterosas” escapou ileso por uma saída secreta.Cf: LEAL
No seu retorno a Cuba reafirmou:
“Nosotros nos vamos poner a la derecha, no nos vamos poner a la
izquierda, ni nos vamos poner en el centro, que nuestra Revolución
no es centrista. Nosotros no vamos poner un poço más adelante que
la derecha y que la izquierda. Ni a la derecha ni a la izquierda, un
paso más.allá de la derecha y de la izquierda”
169
.
Em 1965 foi a vez de Guevara ir ao Congo para defender a união das nações
socialistas para constituir uma grande força mundial favorecendo “os movimentos de
libertação do Terceiro Mundo”. Ainda lá, criticou a URSS, que na sua visão não se
empenhava em ajudar os paises em fase de revolução, pois apenas havia interesses
específicos. O que este país queria, segundo Guevara, era busca de apoio para a
consolidação de suas próprias forças frente às outras potencias mundiais. O revolucionário
defendia o “internacionalismo proletário” através da solidariedade entre paises para dever
as novas nações subdesenvolvidas a se separarem do mundo capitalista: “Só pode existir
socialismo se houver uma mudança na percepção do homem capaz de gerar uma nova
atitude fraternal para com a humanidade”
170
. Não foi o que percebia nos países socialistas
mais desenvolvidos, como o caso da União Soviética. Com um grupo de cubanos, lutou na
Guerra Civil Congolesa ao lado dos rebeldes, contra os mercenários brancos contratados
pelo ditador Tshombe. Lá fica até o início de 1966. Com a derrota dos rebeldes, os
sobreviventes voltam para Cuba, contudo Guevara decide-se em novembro ir para a
Bolívia, ao encontro dos militares cubanos que lá se encontram, para dar apoio à luta
contra a ditadura comandada por Barrientos.
Na Bolívia, somente desventuras. Havia a dificuldade de mobilidade nas montanhas.
Um de seus guerrilheiros chegou a comparar as serras cubanas com as bolivianas, dizendo
que as primeiras Eram Paris”. As longas distâncias entre vilarejos, terreno muito estranho
aos militantes e traços culturais peculiares são algumas das explicações do fracasso da luta
Leovegildo. Política Operaria: a quebra do monopólio político. Teórico e ideológico do reformismo na
esquerda brasileira. Deissertacao de Mestrado. UFF, 1992. pp.128.
169
CASTRO, Fidel. Citado por Bandeira. Op.cit.
170
ANDERSON, Jon Lee. Che Guevara: uma biografia. São Paulo: Objetiva, 1997. pp.708.
no local
171
. Além destes problemas geográficos, havia problemas políticos. Mário Monje,
chefe do PC da Bolivia achava que os comunistas bolivianos estavam sendo usados
somente para que Guevara chegasse à Argentina. Apesar de fracassos anteriores naquele
país, Che acreditava que sua presença catalisaria as energias revolucionárias, o que, por si
só, poderia fazer eclodir a revolução. Monje comprou uma propriedade ao sul, em
Ñacahuazú, na Bolívia, mais próxima da fronteira da Argentina e naquele local Guevara se
instalou juntamente a seu grupo. O comandante comunicou a Monje que o objetivo
primeiro era dar início a uma guerra na Bolívia e, depois, dependendo da evolução dos
acontecimentos, expandi-la para outros países vizinhos. Monje então exigiu que a chefia do
movimento fosse entregue a um boliviano. Guevara rejeitou. Para um "internacionalista"
como ele, um revolucionário itinerante, essas questões nacionais tinham menor significado.
Não conseguiu apoio da população local, que os viam como intrusos. Não tardou ser
assassinado, só e sem apoio, em 1967
172
.
Mesmo sem Guevara, Fidel continua em busca de apoio nos países do sul, contudo,
uma viagem ao Chile foi um “divisor de águas” na política deste país. Alberto Aggio a
descreve como “uma viagem incomum, distinta de qualquer padrão diplomático, e abrigou
silenciosamente uma profunda disputa política no interior da esquerda latino-
americana”
173
. Fidel ficou 24 dias. Houve um aparato de segurança muito forte, fora dos
padrões chilenos e foi ansiosamente aguardado pela população, todavia com o passar dos
dias a situação foi ficando incômoda para Salvador Allende, pois:
[Fidel chegou se] apresentou como um “amigo” e, por fim, um
“protagonista” do processo chileno, afirmando que “compartilhava aliados e
inimigos no plano interno”. Em certo sentido isso acabou por estabelecer
uma situação bastante delicada nas relações diplomáticas entre Chile e
Cuba. A cada intervenção vocalizada pelo Comandante, o governo se via
forçado a assumir também um posicionamento que respondesse às
interpelações feitas, problematizando seu status representativo de toda a
171
PERICAS, Bernardo. Che Guevara e a Luta revolucionária na Bolívia. São Paulo: XAMÃ, 1997. pp.153 e
GUEVARA, Che. Diário de Che na Bolívia. s.n.t
172
Para maiores detalhes: ANDERSON; PÉRICAS; GUEVARA. Ambos citados.
173
AGGIO, Alberto. Uma insólita visita: Fidel Castro no Chile de Allende. História: São Paulo, n.22, 2003.
pp.151.
nação. Com Fidel no Chile, introduzia-se um elemento de questionamento
do sistema político chileno queo existia antes, bem como o processo que
estava sendo conduzido pela Unidade Popular e por Allende
174
.
O discurso de Fidel no Chile foi intencionalmente pedagógico. Ele fazia
questão de demonstrar que estava para ensiná-los e aconselhá-los sobre os
problemas que se apresentam em todas as revoluções, principalmente as
antiimperialistas, que deveriam ser o eixo central das revoluções na América Latina.
Na avaliação de Aggio, com a presença do cubano os problemas políticos
existentes se aprofundaram, complicando a convivência política entre as forças
representantes da sociedade Chilena:
Não havendo possibilidade de desautorizar as iniciativas e intervenções de
Fidel, o governo ficava cada vez mais refém do seu visitante, enquanto se
aprofundava o fosso entre as forças de esquerda e as de oposição. A visita
de Fidel, portanto, atuou no sentido de favorecer o desaparecimento de
qualquer “vontade negociadora” entre as forças políticas, com o
conseqüente e gradual estabelecimento de uma “vontade de extermínio” que
mais tarde acabaria por se impor
175
.
Ao fim da visita, Fidel havia desmoralizado Allende e sua “via chilena”, julgando-a
pouco revolucionária e frágil. Palavras como fascistas e reacionários tornaram-se comuns
no vocabulário politico, até então “polido”. Como se fosse uma profecia no dia 11 de
setembro de 1973 acabara o sonho revolucionário, com o golpe de Pinochet.
A revolução cubana trouxe várias conseqüências para a América Latina,
principalmente no que tange à questão dos golpes militares. Local cujas Forças Armadas
tendem a no processo político, a partir de 1960. Como ressalta Moniz Bandeira, não
decorreu apenas de fatores endógenos e constituiu muito mais um fenômeno de política
internacional continental do que de política nacional. Depois que os EUA decidiram
divulgar a estratégia de segurança do hemisfério, redefinindo as ameaças, com prioridade
para o inimigo interno, e difundindo principalmente pela Junta Interamericana de Defesa, as
174
Idem.pp.153
175
Ibdem. pp. 159.
doutrinas de contra-insurreição e da ação cívica. Assim, o “surto militarista”, com a
propagação dos golpes de Estado, que tinham como principal fonte de inspiração a Junta
Interamericana de Defesa, visando a impedir que outro Fidel Castro surgisse na América
Latina
176
.
Analisaremos agora a recepção das idéias de Cuba nas esquerdas de Brasil e
Argentina.
2.2
C
UBA E AS
E
SQUERDAS
R
ADICAIS
Para melhor compreensão do que foi o fenômeno da luta armada emergente na
América Latina nas cadas seguintes à revolução cubana, não há como deixar de
mencionar sua influência nestas investidas revolucionárias. Tais investidas ocorreram com
mais intensidade ao longo dos anos 1960 e 1970, no Cone Sul
177
. É válido ressaltar que a
revolução de Fidel e Che Guevara transcende à Ilha, inserindo as Américas no próprio
circuito de formação, difusão e expansão de um novo tipo de civilização, conforme afirma
Florestan Fernandes
178
. A análise do autor, sobre a importância da revolução na América
Latina, vai além:
Representa, para todas as Américas, a conquista de um patamar histórico-
cultural que parecia nebuloso ou improvável, e, para a América Latina, em
particular, a evidência de que existem alternativas socialistas para a
construção de uma sociedade nova no Novo Mundo
179
.
Jorge Castañeda, complementa a afimação ao dizer: “Cuba foi denegrida por
Washington, ofendida por Moscou, mas admirada e reverenciada em todo o Terceiro
Mundo”
180
.
Como a esquerda guerrilheira poderia saber se o caminho escolhido era certo se,
apesar das influências, os modelos de revolução que se apresentavam estavam tão distantes
176
MONIZ BANDEIRA, Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1998.
177
O Cone Sul, baseado em Castro & D’Araújo, é o conjunto de seis países a saber: Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. O que o caracteriza é a recente experiência e governos ditatoriais mais ou
menos no mesmo período histórico. Cf. Democracia e forças armadas no Brasil da Nova República. In:
ABREU, Alzira (org.). A democratização no Brasil: atores e contextos. Rio de Janeiro: FGV, 2006. pp.18.
178
FERNANDES. op. cit. pp.91.
179
Idem.
180
CASTAÑEDA. op.cit. pp.58.
de sua realidade? Daniel Aarão Reis nos fornece apontamentos para a reflexão sobre essa
questão. Segundo ele:
A procura de um modelo internacional – o cubano ou o chinês, não importa
é uma operação posterior, para legitimar a opção tomada (pela luta
armada).Isto o quer dizer que os modelos internacionais devam ser
subestimados. Ao contrário, são cruciais, o papel legitimador que
desempenham é crucial na manutenção dos laços de coesão internos às
organizações comunistas.
181
Entendemos que a revolução de 1959, ocorrida em Cuba representou para as
esquerdas de todo o mundo uma nova etapa em que se mostrou possível a substituição de
um modelo econômico já consolidado por outro considerado justo e humanitário. Além
disso, evidencia a vitória conquistada através de uma estratégia de luta armada organizada
em focos guerrilheiros. Esta idéia do foco serviria de base para as organizações militaristas
atuantes, em sua maioria, a partir de 1968.
Dentre as mais relevantes organizações armadas latino-americanas que tiveram
efetivo apoio cubano (tanto oferecendo armas e dinheiro, quanto treinamento em Cuba com
todas as despesas pagas), podemos citar: Montoneros (Argentina), MIR (Chile), ALN
(Brasil). Além destes países, Cuba esteve diretamente ligada às revoluções Nicarguense, de
El Salvador e da Guatemala. Estas foram organizações “político-militares”e que além de
pegar em armas sob inspiração cubana, fizeram dos Estados Unidos seu inimigo maior.
De acordo com Afonso Lessa, a organização uruguaia Tupamaros, teria surgido
mais em função do “furacão revolucionário” cubano, do que pelas condições locais
182
.
Atuaram apenas em Montevidéu, mantendo com Cuba discussões acerca da guerrilha
urbana. Logo após a revolução cubana, os Tupamaros foram os primeiros guerrilheiros com
êxito aparente entre os adeptos da luta armada. O MIR, chileno também foi essencialmente
181
REIS FILHO, Daniel Aarão. Exposição em Seminário. IN: GARCIA, Marco Aurelio (org). As esquerdas e
a democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. pp.48.
182
LESSA, citado por SALES, Jean Rodrigues. O impacto da revolução cubana sobre as organizações
comunistas brasileiras. Tese. UNICAMP, 2005. pp.19.
urbano, apesar de afirmar a existência de uma frente camponesa
183
. Os casos do Brasil e
Argentina veremos a seguir:
A)
B
RASIL
A influência de Cuba na esquerda brasileira teve uma série de significados, sendo: a
atualização da revolução, pois, até então, o exemplo estava no longínquo 1917, com a
Revolução Russa; a legitimação do exercito rebelde e não do partido na condução dos fatos;
uma nova estratégia a guerra de guerrilhas; a questão do anti–imperialismo e do anti–
capitalismo, sendo os Estados Unidos a “personalização” do inimigo; a solidariedade
internacional como ideologia desde seu inicio; a ética e compromisso do revolucionário; a
ênfase no papel da vanguarda e a criação do “homem novo”, solidário e participativo
184
.
Cuba não foi somente um modelo distante a ser seguido. Foi o centro de
treinamento guerrilheiro. Houve o apoio efetivo deste país à nossa luta armada, através do
envio de dinheiro para algumas dessas organizações e financiamento para que os quadros
fossem àquele país trabalhar “com quem entendia do assunto”
185
. Segundo Denise
Rollemberg, o apoio de Cuba à luta armada no Brasil ocorreu em três momentos: primeiro,
com as ligas camponesas em 1962; segundo, em 1965, logo após o golpe com o MNR de
Brizola e a frustrada guerrilha do Caparaó, e terceiro: em 1967 com ALN de Mariguella
186
.
A intenção de Cuba era “exportar a revolução” para toda a América Latina e, dessa
maneira, consolidar a sua própria revolução. O maior fluxo de brasileiros indo para
treinamento foi a partir de 1968, mas, m-se notícia de que essa prática ainda persistiu
depois do fim da guerrilha no Brasil, em 1975, quando, mesmo no exílio, muitos tinham a
esperança de voltar e continuar a luta, como no caso de Maria José Nahas e Jorge Nahas,
ex-integrantes do COLINA
187
.
Através de relatos colhidos por Denise Rollemberg, duas questões antagônicas
ficaram evidentes: de um lado o status que se alcançava sendo um guerrilheiro habilitado
183
CASTANEDA.op.cit. 76.
184
SADER, Emir. Cuba no Brasil: Influências da revolução cubana na esquerda brasileira. IN: REIS FILHO,
Daniel et. all. História do Marxismo no Brasil.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.pp.159-183.
185
ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil. O treinamento Guerrilheiro.Rio de
Janeiro: Mauad, 2001.
186
Idem. pp.19.
187
Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005.
em Cuba. Por outro lado, a habilitação tinha uma parte negativa: o treinamento afastava o
militante do dia-a-dia de luta numa realidade que mudava muito rápido. Ao voltar à
realidade, era desconhecida a dinâmica do combate
188
.
Jean Rodrigues Sales aponta para um outro debate em que reflete os “ecos da
revolução (cubana)”, que é o debate acerca da teoria da dependência. Ainda que não haja
vínculo causal entre ambas - revolução cubana e teoria da dependência - elas se
fortaleceram concomitantemente. Gunder Frank, via em Cuba uma solução para o circulo
vicioso da dependência. Nesta teoria, a revolução aprecia como uma forma possível de
resolver o problema da dependência econômica dos paises latino-americanos
189
. Citando
Ruy Marini:
A ação internacionalista de Guevara, a política revolucionária de Cuba,
antecipam a resposta que darão os povos do continente a seus opressores.
Mais ainda, fazem com que apareça no horizonte o que parece ser a
contribuição mais original da América Latina, a luta do proletariado. Aqui
onde o internacionalismo proletário alcançará uma nova etapa de
desenvolvimento e assentara as bases de uma sociedade mundial de nações
livres da exploração do homem pelo homem
190
.
Como podemos ver, a influência cubana na esquerda vai além das questões táticas
revolucionárias, da guerra de guerrilhas. Se nos quedarmos em duas organizações que nos
interessam diretamente POLOP e COLINA .
A marca principal da POLOP é o seu caráter teórico. Antes mesmo do surgimento
da organização, em 1961 seus ideólogos já refletiam sobre os caminhos da revolução
cubana. Ruy Marini, um dos fundadores da POLOP, escreveu, ainda em 1960, três artigos
no jornal O metropolitano impressões sobre a revolução, ressaltando que “anti-
imperialismo e revolução social nada mais são que aspectos de uma só realidade”
191
188
ROLLEMBERG. op. cit. pp. 55.
189
Para um maior debate sobre a teoria da dependência e Cuba ver: SALES. op.cit. pp. 29-31
190
MARINI citado por SALES. op.cit.31
191
Idem. pp.183.
No primeiro número do jornal Política Operária
192
, que dá nome à organização,
analisa a revolução de Cuba, afirmando que este pais provou “que subdesenvolvimento
econômico ainda não implica em subdesenvolvimento político”. Em abril de 1962
publicaram um artigo analisando o livro Guerra de guerrilhas, de Che Guevara. Em tal
artigo, seus autores reforçam os três ensinamentos da revolução, que estão apontadas no
livro e foram citadas anteriormente. Mesmo assim, a POLOP neste momento acreditava que
as condições não se repetiriam facilmente na América Latina. Para estes militantes isto se
explica pelo fato que o MR-26 agiu de forma que não levantou suspeitas por parte dos
EUA, o que não aconteceria depois em nenhum país, pois a revolução deixaria de ser
novidade e haveria intervenção norte-americana. Outro fator da impossibilidade da
repetição é que na visão da POLOP, em muitos países do continente as burguesias estavam
dispostas a resolver o problema agrário para fim à tensão revolucionária, desta forma,
eliminaria nestes países o papel preponderante que a guerrilha teve em Cuba
193
.
As discussões do grupo acerca da viabilidade da luta armada apareceriam somente
nas “Teses de Tiradentes”, em 1966. A tese numero 8 dava destaque para o caminho
armado na luta contra a ditadura: “A guerrilha tem uma função eminentemente política: a
de conquistar, mediante a ação revolucionária, a liderança das massas exploradas do país”.
A tese de número 9 radicaliza mais dizendo que nenhuma “redemocratização” justificaria o
abandono da guerrilha em ação
194
. De acordo com Éder Sader, as análises da organização
colocavam a guerrilha em um prazo maior. Mesmo assim, a concepção de um foco
guerrilheiro catalizador da luta insurrecional permaneceria
195
. Em outras edições do
Política Operaria, existem mais referências ao foco
196
.
A aceitação da teórica do foquismo ocorreu a partir de 1967. Todo este processo de
radicalização gradual da POLOP na aceitação da guerra de guerrilhas pode, segundo Sales,
ser vislumbrado pela imprensa da POLOP. E será em parte desenvolvido em nossa
pesquisa.
192
Política Operaria foi o primeiro periódico produzido pela POLOP, onde seus militantes difundiam suas
teses.
193
O artigo da POLOP se intitula: A propósito da guerra de guerrilhas. Política Operaria. n. 2. abril de 1962.
citado por SALES. op.cit.184.
194
Teses de Tiradentes. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência 00384. Data: Abril de 1966.
195
SADER, citado por SALES. p.190.
196
Sales menciona cada exemplar em que tal debate é realizado.
Não podemos deixar de mencionar, o documento Programa Socialista para o
Brasil, de 1967. Neste documento consta a análise do capitalismo estagnado no Brasil, a
necessidade de se formar o partido do proletariado para a instalação da ditadura do
proletariado, a proposta de criação de uma frente de trabalhadores da cidade e do campo, a
formação dos comitês de fábrica”, e a proposta da adesão de setores militares das baixas
camadas. Para os militantes da organização, o governo dos trabalhadores seria de transição.
O que se pode notar no documento é que apontamentos mais radicais nas propostas da
POLOP, uma vez que há o reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de
uma “Frente de esquerda revolucionária”. Este programa apresenta uma certa abertura, em
tese, às novas idéias radicais dentro da organização.
Em seu último parágrafo há a clareza da influência cubana na organização:
A primeira tarefa política do foco guerrilheiro há de ser, desta maneira, a de
colocar claramente no cenário político do país uma nova liderança, uma
nova alternativa ao poder revolucionário ao poder das classes dominantes.
O fato consumado do foco de guerrilha elevará o nível da luta, apressará a
unificação das forças da esquerda revolucionária e a continuação do partido
revolucionário da classe operária. Da instalação do foco até a insurreição do
proletariado na cidade haverá um caminho prolongado, mas será um
caminho com um objetivo traçado: a Revolução dos trabalhadores
brasileiros no caminho do socialismo. Será essa nossa contribuição decisiva
para a construção de uma nova sociedade no mundo (...)
197
.
Com a votação vitoriosa deste programa, no IV Congresso, começaram as cisões.
Parte do núcleo dirigente da POLOP que defendeu o Programa Socialista, formou
organizações que defendiam a luta armada como estratégia imediata. Em Minas houve a
criação do COLINA, por Ângelo Pezzuti, Jorge Nahas, Apolo Lisboa, todos ex-integrantes
da POLOP. Os motivos da cisão e os debates acerca desta serão melhor explicados no
capítulo seguinte, sobre a POLOP.
197
Programa Socialista para o Brasil. Setembro de 1967. IN: REIS FILHO & (orgs.)Imagens da
revolução. Documentos políticos das organizações de esquerda no Brasil dos anos de 1961-1971. Rio e
Janeiro: Marco Zero,1985. pp.116.
De acordo com a análise de Jean Sales, o COLINA, tratou-se do mais representativo
caso de uma organização que assumiu, com pouco acréscimos, o foquismo como teoria que
embasasse sua política
198
. Maria do Carmo Brito, ex-militante, afirma que as idéias de
Debray e a OLAS foram mesmo fundamentais para o rompimento com a POLOP
199
.
A idéia central do foco permaneceu no COLINA, mesmo que com alguns reparos. O
trabalho do grupo girava em torno do foco no campo, segundo afirma Mauricio Paiva:
“A idéia era montar essa estrutura na cidade. Tinha-se a idéia de que a ciade
era o cemitério da revolução, dos guerrilheiros, da guerrilha, que tinha que
montar o foco guerrilheiro no campo. E se trabalhou neste sentido. Se fez
levantamento de áreas propicias para o foco guerrilheiro. Porque a idéia era
que o guerrilheiro vinha de fora mesmo”
200
.
A fala de Jorge Nahas complementa a de Mauricio Paiva:
(...) Nós não poderíamos dizer que seja uma organização estritamente
foquista, mas no fundo era. Digo que não éramos estritamente foquista
porque não abandonamos o trabalho de massa.Nos achávamos que uma
organização necessariamente teria que ser uma guerrilha, mas teria que ter
as suas ligações com o movimento de massa (...)
201
Alguns militantes do COLINA foram para Cuba no exílio, fazer treinamento
guerrilheiro, como é o caso de Maria José Nahas e Jorge Nahas. De acordo com Maria José
Nahas, em Cuba existiam muitos tipos de treinamentos, mas a sua opção foi pela medicina
de guerra. Esta área seria muito valorizada, segundo a entrevistada, que relatou a proposta
recebida de militantes argentinos para irem militar no seu país, pois na organização deles só
havia cardiologistas
202
. Na sua opinião um guerrilheiro médico é de fundamental
198
SALES. op.cit.pp.239.
199
Entrevista de Maria do Carmo Brito a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. op. cit. pp. 241.
200
Entrevista de Mauricio Paiva a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. pp.242.
201
Entrevista de Jorge Nahas à Marcelo Ridenti, citado por: SALES. op.cit.242.
202
Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005.
importância para a organização e é mais raro de se encontrar
203
.O convite, que não foi
aceito, ocorreu no início da ditadura na Argentina. Ela supõe que esses companheiros
tenham sido mortos pelo regime. Ela fez pouco treinamento de guerrilha rural e resolveu
fazer o treinamento de tiro quando ela e seu então companheiro Jorge Nahas,decidiram
voltar para o Brasil e continuar a luta
204
.Só desistiram de voltar após a queda do pessoal
delatado pelo cabo Anselmo
205
. Tal debate também nos remete à discussão relacionada à
elaboração do AI-5 e o crescimento da luta armada. Hoje em dia não dúvida sobre a
relação do aparecimento da luta armada e o Ato Institucional n°5. Sabe-se que não é
verdade que o primeiro apareceu como conseqüência do segundo, haja vista a existência
das Ligas Camponesas ainda no início da década de 60. Possuíam o projeto de pegar em
armas e tiveram, inclusive, apoio do governo cubano
206
. Como lembra Reis Filho, antes
mesmo da instauração do regime em 1964 estava no ar um projeto ofensivo por parte da
esquerda
207
.
Como podemos perceber, a influência foquista foi a essência do grupo em questão.
Segundo Sales, o COLINA se singularizou “por ter se deixado levar mais que as outras
(organizações) pelas idéias de Debray e Guevara”
208
, todavia, como todos os outros
grupos, não conseguiu fazer a sonhada revolução.
B)
A
RGENTINA
203
Esta fala está no documentário sobre Maria José Nahas, intitulado: “A loura da metralhadora”. Patrícia
Moran, 1996.
204
Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005.
205
José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, foi preso pela equipe do Delegado Sérgio Fleury, temido
torturador do Deops/São Paulo, no dia 30 de maio de 1971. A origem de sua prisão nunca foi esclarecida, mas
sabe-se que alguém foi preso no Rio de Janeiro e abriu, sob torturas, um contato com ele em São Paulo.
Anselmo, um marinheiro de primeira classe erradamente tratado como cabo pela imprensa, passou a ajudar a
repressão. Passou a ser assim o agente Kimble, nome dado por Fleury numa referência ao prisioneiro fugitivo
de um seriado de televisão de mesmo nome. Entrega seus companheiros e detalhes para que a polícia
encontre outros. Essa fase inicial de sua vida entre os torturadores dará lugar a um acordo em que ele passará
a ser um infiltrado nas organizações de esquerda, recebendo por "trabalho" a módica quantia de US$ 300,00
mensais. O episodio a que se refere M.J.N. é o massacre da chácara São Bento, onde morreram 7 militantes da
VPR, inclusive, Soledad Viedma, mulher de Anselmo, supostamente grávida.
206
Cf. GORENDER. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1990.; ROLLEMBERG, Denise. O apoio de
Cuba à luta armada no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2001, REIS FILHO. A revolução faltou ao
encontro.São Paulo, Brasiliense, 1989.
207
REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In:
REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997.
208
SALES.op.cit.pp.242.
Montoneros foi a organização revolucionária armada peronista de maior destaque na
Argentina. Primeiramente seguiam a orientação de guerrilha rural, sob inspiração
claramente cubana, contudo, com o passar dos anos, optaram apenas por ações urbanas em
função de fatores como: a)retrocesso do conjunto da guerrilha rural na América Latina; b) a
experiência dos Tupamaros que colocaram a guerrilha urbana em ascensão; c) alta das lutas
de massa urbanas. Muitos dos militantes receberam treinamento em Cuba
209
, contudo,
tinham senso crítico em relação à revolução: apesar de tecerem elogios e se dizerem
admiradores e apoiadores do modelo cubano, têm consciência de que não há como copiar o
modelo na Argentina, dadas as diferenças históricas e sociais deste povo
210
. Assumem,
contudo que seu método revolucionário é a guerra revolucionária.
Nossa estratégia define: objetivo estratégico - tomada de poder pelo povo
para a libertação nacional e a construção nacional do socialismo no marco
da liberação latinoamericana; métodos: a guerra revolucionária total,
nacional e prolongada. Esta guerra (...) implica a construção do exercito
popular com a participação do povo. (...) o método principal da guerra
revolucionária é a luta armada; (...) haverá expansão da guerra de
guerrilhas com a incorporação paulatina da base popular à guerra e inicio
das operações de aniquilamento do inimigo
211
.
Desde 1964 um intensivo movimento de guerrilheiros indo treinar em Cuba,
depois do aparecimento dos Montoneros em 1969, cada vez mais seus militantes iam para a
ilha. Originalmente seus quadros eram provenientes, em sua maioria, da esquerda católica
Em fins dos anos 1970 cresce o numero de jovens de vários setores da sociedade que
ingressam neste grupo para fazer oposição à ditadura militar vigente. Braço armado de
Perón, tinham em Evita um ícone. “Perón ou morte” e “Se Eva fosse viva seria
209
BASCHETTI, Roberto (comp.) Documentos 1970-1973. De la guerrilla peronista al gobierno popular.
Buenos Aires: De la campana, s.d. pp.39.
210
“El llanto del inimigo”. Reportaje a Montoneros. Abril 1971. In: BASCHETTI. op. cit.pp. 66.
211
Montoneros. Línea Político-Militar. 1971. In: BASCHETTI. op. cit.pp.265.
Montonera”, eram seus lemas, todavia, a relação entre Perón e Montoneros nem sempre foi
pacifica
212
.
Tal adoração a figura de Evita, levou o grupo a seqüestrar e assassinar, em 1970,
Pedro Eugênio Aramburu, general que presidiu o país de 1955 a 1958 após deposição de
Perón. As exigências do grupo eram a localização do cadáver embalsamado de Evita e
vingarem o fuzilamento de civis e militares peronistas no mesmo período ditatorial
213
.
Uma das particularidades da organização, e de certa forma, da luta armada na
Argentina é que, ao contrario do Brasil, os Montoneros não traziam somente para si a
responsabilidade da vanguarda da revolução. A vanguarda seria fruto da união de toda a
esquerda peronista, que era plural. Ainda dentro da discussão sobre vanguarda, a concepção
da esquerda peronista era diferente da concepção da esquerda marxista. Para os peronistas
radicais, era o movimento das massas trabalhadoras que criava a vanguarda e não ao
contrário, conforme afirma a teoria do foco. Entre os anos de 1970-1973 o grupo obteve
maior popularidade, por cultivar simpatizantes “mediante um mínimo de uso de violência
ofensiva e uma extremada seleção de objetivos, ao invés de praticar terrorismo ao azar.
Prestavam atenção às operações simbólicas, suscetíveis de provocar a adesão de todos os
peronistas
214
. Segundo Gillespie, as ações montoneras, mais que operações militares,
eram propagandas armadas.
A acumulação de recursos econômicos, militares e logísticos, assim como o
estimulo ao apoio da adesão popular, foram os principais objetivos
montoneros. Não houve assaltos a guarnições militares, tampouco exemplos
e comandos montoneros que provocavam deliberadamente o enfretamento
armado com o Exército ou a policia
215
.
Até 1973 acreditavam que os destacamentos armados seriam a vanguarda, no
momento em que se tonassem uma única organização. No inicio deste mesmo ano,
decidem, juntamente com a FAR Forças Armadas Revolucionárias se fundir e
212
GILLESPIE, Richard. Soldados de Perón. Los Montoneros. Buenos Aires: GRIJALBO, 1987.pp.47.
213
SARLO, Beatriz. A paixão e a exceção: Borges, Eva Perón e os Montoneros. Belo Horizonte: UFMG,
2007.pp132-137.
214
RODRIGUEZ, Laura. Militancia y memoria. Los montoneros en Missiones. In: Voces recobradas.Año 3.
n.4.pp.35.
215
GILLESPIE. Op.cit. pp.142-143.
centralizam na figura de Perón o papel de vanguarda da revolução
216
. Com o passar dos
meses, ficou explícito aos Montoneros a diferença de seu projeto e o do general. Perón, que
estava fazendo acordos com burocratas sindicais e setores liberais. Desta maneira, a
esquerda radical não teria mais lugar nas alianças. Resolveram, então, tomar para si o papel
da vanguarda rompendo com o general.
Um caso peculiar exemplifica o quanto Cuba se mostrava confiável e apoiadora à
todas as esquerdas revolucionárias latino-americanas. Estamos nos referindo aos seqüestros
realizados pelos “soldados de Perón” de dois grandes empresários argentinos (Jorge e Juan
Born), e outro seqüestro de um empresário alemão da Mercedes Benz, no ano de 1974. Ao
todo, conseguiram mais de 70 milhões de dólares. Parte do dinheiro ficara nos Estados
Unidos, parte na Europa e outra parte em Cuba, para evitar discórdia entre os militantes.
Deixar parte do dinheiro em Cuba significava para tais militantes que estaria “em boas
mãos”. Durante os anos seguintes aos seqüestros, Cuba doou pequenas somas a outros
grupos latino-americanos após muitas negociações com os montoneros, que não queriam
ajudar os demais países alegando precisar do dinheiro para a tomada de poder
217
.
Em 1975, optaram por uma ofensiva tática. Em suas análises a morte de Perón
levaria à transição do movimento de massas para uma opção revolucionária. Ao menos no
plano discursivo almejavam a proposta foquista cubana. Propuseram a criação do Partido
Peronista Autentico, mas com o objetivo de provar que a luta eleitoral não excluiria a luta
armada
218
. Data deste ano o Código de Justicia Penal Revolucionario, que prevê até o
fuzilamento dos militantes que ao cumprissem suas regras. Isto mostra quão radical o grupo
se mostra face à crescente violência de grupos paramilitares
219
. Em 1977 houve a formação
do Movimento Peronista Montonero que substituiria o Movimento Peronista, como forma
de resposta do “peronismo autêntico” frente à ditadura, contudo, não vingou dado o
aumento da repressão em cima deste movimento.
O declínio do movimento guerrilheiro argentino se em 1975, graças ao combate
intensivo das Forças Armadas e grupos paramilitares. Analisaremos como foi a recepção da
216
SALAS, Ernesto. El errático rumbo de la vanguardia montonera. In:Lucha armada em Argentina. Año 3.
n. 8. 2007. pp. 34-35.
217
CASTAÑEDA, Jorge. Acrobacias Argentinas. In:Utopia desarmada. Intrigas, dilemas e promessas da
esquerda latino-americana. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. pp.25.
218
DONATELLO, Luis. Los Montoneros y el golpe de Estado de 1976. In: Voces recobradas. Año 3. n 10.
pp.20.
219
Código de justicia penal revolucionario. Montoneros. Consejo Nacional. 4/10/1975.
Doutrina de Segurança Nacional, arcabouço ideológico das ditaduras em alguns países do
Cone-Sul, foi fundamental para a implementação do terror de Estado na América Latina.
Desta maneira compreenderemos como ocorreu o combate contra os grupos guerrilheiros, o
inimigo interno.
2.3
DSN:
C
ASOS
N
ACIONAIS
Buscamos compreender as características dos terrorismos de Estado implantados
pelas ditaduras balizadas pela DSN. A DSN foi idealizada aproximadamente em 1947, com
a doutrina Truman, que deu origem à guerra fria, justificada como doutrina de “defesa da
civilização ocidental e cristã”, a partir do pressuposto da existência de uma guerra oculta,
permanente e ideológica contra o comunismo internacional
220
. A ideologia de que é
imbuída a DSN constitui-se de acordo a uma perspectiva militar sobre a existência da
bipolarização mundial, assim sendo, baseia-se na convicção de duas concepções de mundo
em choque, ou melhor, é proposta um combate entre capitalismo (democracia) x socialismo
(totalitarismo). Para que se vença o inimigo socialista foi construída toda uma lógica para a
sua identificação, sendo eu sua maior característica é sua ubiqüidade. O subversivo inimigo
pode ser um membro da comunidade, e mais ainda, um de nós. Sua periculosidade é
baseada em sua capacidade de provocar reações inesperadas que possam perturbar a gica
interna do capitalismo
221
. Assim sendo:
A materialização da doutrina de segurança nacional consistia no
fortalecimento político e operativo das Forças Armadas de cada país,
preparando-as para combater o inimigo interno, estranho aos interesses
nacionais e de orientação marxista-leninista; essa política significava o uso
das armas contra seus próprios habitantes. A supressão das garantias
constitucionais, a ditadura militar e a imposição do terror constituíam
diferentes graus de aplicação da Doutrina
222
.
220
PASCUAL Alejandra. Terrorismo de Estado. A Argentina de 1973 a 1983. Tese de doutorado em Direito.
UFSC, 1997. pp.26.
221
IZAGUIRRE, Inés. Memorias de Guerra. Operativo Independencia. Revista Puentes. Julio/2004.
222
PASCUAL, op.cit.pp.35.
De acordo com Enrique Padrós, a DSN e a luta anti-subversiva foram justificadas
como: “terror benigno e banhos de sangue (bloodbath) saneadores, imprescindíveis e salutares,
pois eliminavam os elementos“comunistas” e “antidemocráticos”, fosse no Vietnã, no Camboja
ou na América Latina”
223
.
Assim sendo, o terror de Estado teria um caráter salvacionista
que procurava amenizar os meios empregados para garantir a “proteção da civilização
democrática, ocidental e cristã”
224
.
Veremos agora como ocorreu a assimilação destas idéias e o combate ao inimigo
subversivo nos dois países em questão:
A)
B
RASIL
A sistematização e difusão da Doutrina de Segurança Nacional foi responsabilidade
da Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 1949 cuja origem remonta ao curso de
Alto Comando, criado em 1942 pela Lei do Ensino Militar, destinada somente a generais e
a coronéis do Exército. O curso permaneceu no limbo até 1948, com a criada a ESG, ainda
sob as bases da referida lei
225
. A ESG ficaria com a obrigação de ministrar tal curso,
todavia, teve as bases institucionais ampliadas em pouco tempo. A inspiração imediata da
criação do instituto vinha do último conflito mundial e da conseqüente Guerra Fria, tendo
como pressuposto principal o “alinhamento inevitável ao País do bloco ocidental”
226
. Para
Douglas Puglia, uma das peculiaridades da ESG em relação às outras Instituições de ensino
223
PADRÓS, Enrique: Como el Uruguay no hay... Terror de Estado e segurança nacional no Uruguai. Tese
de Doutorado. UFRS. 2005. pp.813.
224
Idem.
225
A referência é o Decreto-Lei nº 4130, de 26/02/1942, que regulou o Ensino Militar no Exército. O Curso de
Alto Comando foi disciplinado pelos artigos 30 e 31 desse Decreto-Lei, e teria por finalidade o estudo das
questões referentes ao emprego das Grandes Unidades estratégicas e à direção da Guerra. Mesma lei referente
ao Decreto Lei 4130, da nota anterior, com a modificação instituída pelo Decreto n. 25705, de 22/10/1948,
que estabelecia normas para a organização da ESG. O decreto estatuía no Art. a extensão do curso aos
oficiais da Marinha e da Aeronáutica, e que deveria ser ministrado sob a direção do Estado-Maior Geral, e no
Art. atribuía à organização da ESG ao Estado-Maior Geral (depois EMFA), e no Art. à submissão da
aprovação do presidente da República, dentro de 120 dias, o regulamento da Escola. A denominação de
Escola Superior de Guerra teria sua origem na ênfase militar dessas duas primeiras leis, dados esses objetivos
iniciais. Os objetivos logo se alteraram; entretanto, o nome original do Instituto permaneceria, muito embora
houvesse tentativas de mudá-lo.Cf. MUNDIM, Luis Felipe César. Juarez Távola e Golbery do Couto e Silva:
ESG e a organização do Estado Brasileiro (1930-1960). Dissertação de Mestrado. UFG, 2007. pp. 40.
226
Síntese com base em: MUNDIM,op.cit.; GRECO, Heloisa. Questões fundacionais da luta pela Anistia.
Tese de doutorado. Departamento de História,2003.;Doutrina de Segurança Nacional ver: ARQUIDIOCESE
DE SÃO PAULO. Projeto ’Brasil: Nunca Mais’. O regime militar, Tomo I p. 53-57;
do Exército é a participação de civis em seus quadros, não caracterizando portanto uma
instituição militar tradicional
227
.
De acordo com Luis Mundim, vários autores discutiram a ESG a partir da matriz
de suas idéias, e de sua atuação conspiratória e política por meio de seus membros, antes e
durante o regime militar de 1964, contudo, encontra-se a matriz, também, em alguns
poucos estudos na história intelectual, em que as análises se voltam ao cerne ideológico no
qual os intelectuais da ESG se inseriram e a incursões interpretativas pelos seus textos
principalmente os de Golbery do Couto e Silva
228
, quem sistematizou mais claramente o
que seria a DSN, como veremos adiante.
A grande produção intelectual brasileira na década de 1950 possuía duas vertentes:
a primeira era nacional-desenvolvimentista, sobretudo do Instituto Superior de Estudos do
Brasil (ISEB) e a outra a nacional-conservadora e autoritária representada na ESG:
A polaridade ideológica existente entre essas duas instituições (mais
evidente na terceira fase do Iseb, sob a liderança de Nelson Werneck Sodré)
reproduzia-se não apenas no campo trico – como nas diferenças dos
conceitos que ambos tinham de segurança e desenvolvimento –, mas,
também, materializava-se em artigos jornalísticos com acusações entre
ambos os institutos, além da elaboração de documentos sigilosos, como a
Exposição de Motivos n. 003-B, de 10 de dezembro de 1959, documento
secreto encaminhado ao presidente Juscelino Kubitschek pelo general
Edgar do Amaral (que cursara a ESG, e era então Chefe do Estado Maior
das Forças Armadas), no qual as práticas do Iseb eram enquadradas como
“infiltração”
229
.
Da mesma forma, os Isebianos tinham ressalvas aos militares da ESG,
conforme afirma Hélio Jaguaribe, expoente da primeira instituição:
227
PUGLIA, Douglas.ADESG: Elites locais civis e projeto político. Dissertação de mestrado. UNESP,
2006.pp.20.
228
MUNDIM,op.cit.pp. 28.
229
MUNDIM. op.cit.pp.35.
ISEB ficou muito vinculado ao partido comunista, ficou muito “agit prop”
e começou, infelizmente, a haver uma hostilidade crescente dos militares.
Uma das primeiras coisas que o golpe militar fez foi fechar o ISEB. Mas no
meu período de atividades no ISEB as relações não eram de hostilidade (...)
Também não diria que seriam ao contrário. Eram relações não muito
estreitas. Eu fui convidado, naquela época, umas duas vezes, para fazer
conferências na Escola Superior de Guerra. Naquela ocasião, quando fui,
não tive muito boa impressão da forma pela qual os militares estavam
tratando as coisas, porque eles tinham uma perspectiva muito ingênua,
dicionarizada: A, para a-água, a-ar etc... Compilavam dados sob a forma de
tópicos de uma enciclopédia, sem uma estrutura conceitual organizadora, a
não ser a concepção pouco civilista do poder nacional. No nível puramente
intelectual, a Escola Superior de Guerra era então uma coleção de verbetes.
Agora, ao nível da visão do poder nacional, ela tinha uma certa filosofia,que
considero inclusive ingênua
230
.
Alfred Stepan chama-nos a atenção que as idéias que estruturaram a ESG tiveram
como base muitas das experiências trazidas pela Força Expedicionária Brasileira durante a
guerra na Itália eu foram subordinadas ao exército estadunidense. Desta maneira tiveram
contato intenso com os valores da segurança nacional daquele país. Tais valores se aliaram
à crença militar de que deveriam tomar frente às questões referentes ao desenvolvimento
nacional requisito para a segurança em caso de guerra
231
, contudo, o ela maior entre
militares brasileiros e EUA foi via National War College, local em que os brasileiros
entraram diretamente em contato com novos pensamentos e novas modalidades de guerra.
Era uma escola de aperfeiçoamento das Forças Armadas norte-americanas, onde se
discutiam possíveis melhoras para o aparato militar e também a conjuntura internacional.
Com o retorno dos brasileiros discutiu-se a necessidade da criação de um centro de estudos
similar ao norte-americano, mas tendo em vista a realidade brasileira e seu posicionamento
no cenário mundial
232
. É subproduto da ESG o Serviço Nacional de Informações (SNI),
230
Entrevista de Hélio Jaguaribe disponível em: http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/ehelio.pdf .
Acesso ao site em: 21/03/2009.
231
STEPAN, A. Os Militares na Política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Cristovão, RJ:
Editora Artenova, 1975.pp.128-129.
232
Cf.STEPAN. op.cit.pp.129; PUGLIA. Op.cit.pp.13; MUNDIM, op.cit.pp.40.
criado em 1964 , além de um curso de informações que durou de 1965 a 1972 e boa parte
da legislação da ditadura militar.
Em 1951 foi criada a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra
(ADESG), como órgão de vinculação permanente dos ex-estagiários da ESG, que
funcionam como difusores da DSN. Uma de suas características fundamentais é a
organicidade entre empresários e militares.
Nesse sentido, um outro ponto destaca-se ao se pensar na ESG como uma
instituição doutrinadora, preocupada com a formação de quadros, também
se deveria relacionar estas características com a ADESG. A ESG ao
considerar as elites políticas civis despreparadas, procurava implementar,
através de seus cursos, uma nova metodologia e forma de se gerir e encarar
a política
233
.
O mentor da DSN foi Golbery. Em uma sistematização breve, a DSN teria o
ocidente como ideal, a ciência como instrumento de ação e o cristianismo como
paradigma ético. Podemos observar neste esforço pela legitimação de uma
determinada visão de mundo, mediante a ESG, demonstra a articulação ideológica
das Forças Armadas, que na busca de autonomia produzem seu próprio sistema
simbólico que tende a constituir-se em poder e influência política na forma
autoritária. De forma alguma a DSN se limita, no caso brasileiro, à Lei de Segurança
Nacional, sendo este mero instrumento jurídico, bem como os atos institucionais, os
decretos-leis, os decretos secretos. Para Heloísa Greco, a DSN se baseia no
desmonte da esfera política:
A DSN seria um projeto geral para a sociedade que abrangeria vários
aspectos da coletividade e das decisões políticas brasileiras. A partir do
combate ao comunismo internacional em nome da democracia, adota-se o
conceito de “guerra de subversão interna”, compreendendo “guerra
insurrecional” e “guerra revolucionária” e a noção de “fronteiras
233
PUGLIA.op.cit. pp.17.
ideológicas” em oposição a “fronteiras territoriais” é, assim, estatuída a
categoria de “inimigos internos” cuja contenção e eliminação se tornam a
razão de ser do Estado de Segurança Nacional
234
.
O regime ditatorial nunca se assumiu como tal. Para tanto, todo um aparato
publicitário foi montado para atingir a sociedade e convencer que éramos o país do
“futuro”, o país do “milagre econômico”, de forma que tudo ia dentro da normalidade.
Havia, também, a preocupação da divulgação dessa imagem no exterior, principalmente
depois das denúncias feitas pelos exilados. É a “cultura do simulacro”. Carlos Fico
analisou o eficiente sistema publicitário do regime, mostrando que a imprensa, desde o
início dos governos militares, se preocupava em mostrar imagens de militares sempre
sisudos, em seus uniformes impecáveis, para que os setores sociais os apoiassem pois “tal
imagem representava segurança, a impressão de que ‘agora haveordem’”
235
. As agências
de propagandas da ditadura foram a Aerp (Agencia Especial de Relações Públicas) e a ARP
(Agencia de Relações Públicas). Para se diferenciar do antigo DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda), que serviu à ditadura Vargas. Negavam o personalismo dos
generais, (com exceção aberta durante a vitória do Brasil na copa de 1970) e a ligação com
a imagem de Médici
236
. Por motivos claros foi o governo mais enrijecido, mas, “em
compensação”, foi o governo do tricampeonato e do “milagre”. Esta foi uma jogada de
marketing, onde mostra que o “homem que faz”, não fica aparecendo e cortejando a opinião
pública, ao contrário dos outros homens públicos, que foram estereoptipados com
“demagogos, burocratas e incapazes”. A semelhança existente com o DIP estava na
abordagem de temas como: o congraçamento racial, o caráter positivo do povo, do trabalho,
da solidariedade, dentre outros. O objetivo era a “criação de um clima” de aprovação e
contentamento com as atitudes dos militares. Os temas variavam, desde boas maneiras,
comportamentos adequados (como o Sujismundo), a alusão às famílias felizes, hinos,
músicas (“Ninguém segura a juventude do Brasil”, ou a “corrente pra frente”, que, “parece
que todo o Brasil deu a mão”) etc.
234
GRECO,op.cit. pp. 17. Neste mesmo sentido: MUNDIM. Luis. Raízes de um pensamento autoritário:
possibilidades metodológicas em um estudo de Golbery do Couto e Silva. Anais do XXIII Simpósio da
ANPUH.
235
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil.Rio de
janeiro: FGV, 1997. pp.59.
236
FICO, op. cit. pp.70.
Além das propagandas, o regime contou com outros meios para se legitimar acabar
com possíveis oposições ao regime. Uma série de profissionais “psi”, mais ligados à
psicanálise, como afirma Cecília Coimbra
237
, ajudaram a explicar a contrariedade de jovens
com o regime. Assim como houve uma subjetividade construída pelas propagandas nas
idéias de “subir na vida”, de “progresso”, de “Brasil grande”, foi necessária a construção de
outra subjetividade especificamente ligada aos mais novos que não “engoliram” este tipo de
propaganda, para que o regime se defendesse. Foram criadas duas categorias ligadas a
estes, que em geral eram os que se encontravam na clandestinidade, na luta armada ou os
hippies. Sendo mais clara: o subversivo e o drogado. O subversivo é de altíssima
periculosidade. É violento. Não é contra o regime, mas também contra a família, a
moral, a religião. o drogado é vitima de um plano externo para poder ser presa fácil às
ideologias subversivas. O diagnóstico dado a essas duas categorias –já que fazem parte, em
sua maioria, das classes médias, é que está havendo uma “desestruturação na família”, logo,
a culpa do aparecimento desses filhos “rebeldes” não é a indignação contra a situação do
país naquele momento, mas sim, das famílias, que passam problemas para eles. Cecília
Coimbra ainda relata o resultado da primeira pesquisa feita nas penitenciárias com os
presos políticos no ano de 1969, encomendadas por Antonio Carlos Muricy- Chefe-Maior
das Forças Armadas, como forma de conhecer o perfil e as causas que levaram estes jovens
à radicalização. As conclusões foram:
“1) Desajustes; 2) descaso dos pais pelos problemas da mocidade; 3)
politização no meio escolar realizada por profissionais que despertam e
exploram o ódio nos jovens, com o fito de impor-lhes um idealismo
político, mesmo temporário; 4) o trabalho de alguns maus professores,
hábeis em utilizar a cátedra para fazer proselitismo político...”
238
O simulacro” criado pela propaganda, aliado a fatores como os êxitos econômicos
do regime e à patologização da militância opositora , “produz efeitos duradouros na nossa
237
Cf. COIMBRA, Cecília. Algumas práticas “psino país do milagre. IN: FREIRE, el all, op. cit. pp. 423-
436.
238
Reportagem intitulada: “Murici aponta aliciamento de jovens para o terror”. IN: COIMBRA, op. cit.
pp.431.
cultura política: se a ditadura não consegue se nomear, tampouco a dia e a chamada
intelligenzia vão dar conta de fazê-lo”
239
.
Desta maneira podemos inserir dois debates acerca da dificuldade de se nomear o
período militar como terror de Estado: o primeiro sistematizado por Heloísa Greco e o
outro por Carolina Bauer:
A primeira autora aponta um caos terminológico” que se deve à teoria do
autoritarismo, expressa por Fernando Henrique Cardoso, que se tornou referência
dentro da academia. Para FHC, existiria uma burguesia de Estado que seria
responsável pelo que de mau no regime, deste modo o caráter de classe da
ditadura militar é suprimido, uma vez que o capital nacional e internacional é
eximido de sua participação no processo de implementação do golpe. Desta maneira,
Greco conclui que “esta linha de análise ignora os verdadeiros atores do golpe de
64”, ou seja, “intelectuais orgânicos de interesses econômicos multinacionais e
associados formaram um complexo político-militar, o IPES/IBAD, cujo objetivo era
agir contra o governo de João Goulart e contra o alinhamento de forças sociais que
apoiavam a sua administração”
240
. O uso dos termos autoritário/autoritarismo de
forma indiscriminada, pode levar a este “caos terminológico”/ Citando Florestan
Fernandes:
“Tanto autoritarismo pode designar uma ‘variação normal’ (no sentido de
ditadura técnica, em defesa da democracia), como pode se confundir com
uma compulsão ou disposição ‘universal’ de exacerbação da autoridade (de
uma pessoa ou de um grupo; dentro da democracia ou fora dela). O que
permite aplicar o termo autoritarismo em conexão com qualquer regime, em
substituição ao conceito mais preciso de ditadura...”
241
Tal citação remete a dois outros autores que argumentam sobre o caráter técnico e
instrumental utilizados pelas ditaduras Franquista e Salazarista em nome da defesa da
239
GRECO, op.cit.pp.33.
240
Idem. pp.25.
241
FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a ‘Teoria do autoritarismo. São Paulo, Hucitec, 1979,
p.5-6. citado por Greco.pp.25
democracia (Carl Friedrich e Zbgniew Brzezinsky), e à Juan Linz, que se utilizou do termo
autoritário para se referir ao franquismo, sendo este entendido como equivalente a
“democracia forte” ou “ditadura branda”. São estas abordagens como sugere Fernandes,
que teria permitido a dissimulação, atenuação ou ocultação de “muitas manipulações
repressivas da ‘autoridade’ (...) através de operações semânticas”
242
.
Carolina Bauer afirma ter sido Irene Cardoso uma das primeiras autoras a
utilizar-se do termo terrorismo de Estado para caracterizar o caso brasileiro. Esta
designação é amplamente utilizada por pesquisadores dos países do Cone Sul cujos países
passaram por experiências ditatoriais. Causa-lhes estranheza o fato de que no Brasil tal
termo não seja recorrente na academia. A autora levanta um questionamento e três
hipóteses para a dificuldade de se empregar esta designação: O questionamento da autora é
sobre o “silêncio” dos intelectuais acerca do emprego deste termo, que não é de forma
alguma reflexo de um desinteresse pelo tema da ditadura militar, haja vista os diversos
livros lançados e vários seminários ocorridos nas Universidades acerca dos 40 anos do
golpe. Aliada a esta discussão está em voga outra, que é a da abertura dos arquivos da
repressão. Há um aumento a cada ano de estudos sobre o tema.
As três hipóteses formuladas por Bauer são respectivamente: a) ausência de empiria
para comprovar a prática terrorista do Estado. Ela chama a atenção para a falta de estudos
comparativos sobre este terror no Cone Sul que cite o caso brasileiro; b) esta hipótese diz
respeito à determinadas análises dominantes na historiografia brasileira que acabam por
restringir as possibilidades de novas interpretações. O exemplo mais notório é a
dicotomização ideológica das Forcas Armadas em “duros” e “moderados”
243
que se
alternavam o poder. Esta divisão simplista dificultaria a aplicação do terrorismo de Estado
242
Idem.pp.26
243
Esta dicotomização pura e simples foi questionada pelo trabalho de depoimento de militares desenvolvido
pelo CPDOC/FGV. Por mais que os depoimentos apontassem na existência destas das forças, os autores
perceberam que as relações internas das Forças Armadas eram mais complexas. Não era tão somente
revezamento de poder. Cf: D’ARAÚJO, Maria Celina et all.(org). Visões do golpe. A memória militar sobre
1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. pp. 20. Outro questionador desta divisão é João Roberto Martins
Filho, que discorre ser quase impossível encontrar um grupo militar "liberal" no governo brasileiro e a prática
política concreta dos Castelistas demonstra isso - promulgaram a Carta de 1967, impuseram o Ato
Institucional 4, a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa como medidas "revolucionárias" . E a
idéia mesma de um quadro militar dual no pós-64 é falsa. "Depois do expurgo das forças castrenses
nacionalistas e populares, a paisagem das correntes políticas atuantes nas Forças Armadas brasileiras
caracteriza-se por uma pluralidade de posições e por uma complexidade de fatores de desunião e cizânia que
impede uma análise em termos duais". MARTINS FILHO. João. O palácio e a caserna. Dinâmica militar das
crises políticas na ditadura (1964-19690). São Paulo: UFSCAR, 1995. pp. 113-115.
ao caso brasileiro, pois vincularia às “ondas de terror” aos períodos em que os “duros”
estivessem à frente do governo; e c) até que ponto as estratégias de legitimação do governo
(eleições, propagandas ufanistas) atrapalham esta visão de terror uma vez que parte da
população não estava envolvida no que acontecia nos “porões”
244
.
Outra dificuldade encontrada na aplicação do termo é explicitada por Irene Cardoso
que afirma ter havido uma produção do terror e sua produção do esquecimento, via lei de
Anistia
245
. A própria experiência do terror, com seu efeito residual, cria dificuldades e
mesmo impossibilidades de nomear esta experiência, dificultando a construção de
simbolização ou representação
246
.
Uma ala mais conservadora no meio militar afirma que havia sim uma
representatividade política durante o regime, o que impediria, inclusive de chamar de golpe
o que houve em 1964:
“Vá aos jornais de 64, O Globo, Folha de São Paulo e leia o que eles
falaram sobre o que você acabou de chamar de golpe. Depois que houve
doutrinação. Posteriori, com a tomada dos comunistas da cultura, da
universidade. Você foi doutrinada por isso. (...) Que democracia? Qual
conceito e democracia? Representatividade política. O que você chama de
ditadura tinha dois partidos, o Congresso não foi fechado, não houve um
244
BAUER, Caroline. Avenida João Pessoa, 2050 – 3 andar: Terrorismo de Estado e Ação Política do
DOPS/RS. Dissertação de Mestrado. UFRGS, 2006. pp.24-25.
245
Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o
trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia
traz as duas polaridades citadas, sendo, anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial
da memória) se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e
excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o
esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação
nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, Heloísa.
Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003.
pp.319.
246
CARDOSO, Irene. Memória de 68: terror e interdição do passado. Tempo social. São Paulo.2 sem.1990.
pp. 101-112.
ditador. A única cosa que não houve foi eleição direta. E quantos paises no
mundo tem eleição direta? São todos? Nós nhamos dois partidos e não
partido único, como tinha em Cuba.(...) Muitas pessoas foram cassadas
após 64 por subversão, mas, mais era por corrupção.”
247
A prática do terror no Brasil ocorreu de forma mais dissimulada que nos demais
países do Cone-Sul pelos motivos acima discutidos. Em dados mais precisos, os mortos
e/ou desaparecidos políticos no caso brasileiro são estimados em 378. Este número
demonstra que, ao contrário que aconteceu em outros países de experiências similares no
Cone-Sul, as estruturas de inteligência e de repressão eram mais organizadas, no sentido
que sabiam pontualmente quem pretendiam atingir como alvo último
248
.
Conforme pudemos vislumbrar, por ter tido o caso brasileiro uma ditadura sui
generis
249
na América Latina ao longo do anos de 1960-1970, a dificuldade de
caracterizá-la como terrorista, contudo, podemos tratá-la como tal uma vez que se utilizou
de métodos parecidos aos demais países para o extermínio de seus oponentes: tortura
sistematizada, desaparecimentos forçados, valas comuns, torturas psicológicas, etc
250
.
Analisaremos agora o caso tido como mais evidente no que tange à caracterização de
Estado terrorista: a Argentina.
B)A
RGENTINA
Do mesmo modo que os militares brasileiros, os argentinos tambem foram treinados
pelos norte-americanos, onde aprenderam a lidar com novas tecnologias e estudaram a
teoria, qu se configuraria na DSN.
No final do ano de 1975 o general Jorge Videla enviou um aviso às autoridades
constitucionais dizendo que não era suficiente ter ampliado as operações de guerra “anti-
subversiva”, tampouco ter nomeado generais da ativa para o comando da Policia Federal e
247
Entrevista de ex-agente do CIE realizada por Priscila Brandão.
248
Para análise da atuação dos serviços de Inteligência e repressão. Cf. BRANDÃO, Priscila. SNI & ABIN.
Rio de Janeiro.FGV, 2002; FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001; D`ARAUJO,
Maria Celina et.al. Memória Militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
249
A argumentação conservadora aponta que o contrário dos outros países houve sucessão presidencial,
existiam partidos, leis, eleições, o que impediria caracterizar o período como uma ditadura, quiçá um Estado
de Terror.
250
Projeto A Brasil: Nunca mais. Tomo IV. A tortura. 1985. Acervo Instituto Helena Greco.
da Secretaria de Informações do Estado se o governo não se livrasse “da imoralidade e da
corrupção”, pois caso contrário, seria destituído
251
. O ano de 1976 iniciou-se na Argentina
sob o signo da violência política, da crise institucional e do desastre econômico.
O ineditismo do golpe militar do referido ano é que não se configurou em mais uma
intervenção militar naquele país, vítima destes desde a década de 1930. A crise política sem
precedentes deu lugar a um regime de alto grau de messianismo, cujas promessas eram de
mudanças radicais e irreversíveis em vários âmbitos: político, econômico e social. Os
militares conseguiram por fim a uma época, ainda que viessem a demonstrar incapazes de
fundar uma nova. Desta forma se iniciava o Processo de Reorganização Nacional (PRN),
composta por representantes das três armas para criarem uma “autentica democracia”.
Publicizaram seus objetivos no jornal La nación, que se consistiam, assim como no caso do
Brasil na:
(...) vigência dos valores da moral cristã, da tradição nacional e da dignidade do
argentino; (...) a vigência da segurança nacional erradicando a subversão e as causas
que favorecem sua existência; (...) conformação de um sistema educacional que
sirva ao interesses da nação; inserção internacional no mundo ocidental e cristão.
252
Priscila Brandão caracteriza o regime militar argentino como uma “situação
ditatorial” e não como um “regime ditatorial”. A razão é que a ditadura não adquiriu nível
algum de institucionalidade, em função de seu sistema decisório débil, dependente de “uma
multiplicidade de lógicas e de divergentes interesses, afetando a geração de politicas
públicas e gerando um estado permanente de crise e instabilidade econômica e social”
253
.
Desta forma, o uso da violência foi marca deste regime como forma de extirpar os
opositores. Segundo Marcelo Saín, graças à tendência castrense auto-sustentada de
interferir no sistema político e mudanças estruturais no governo, houve uma fissura na ação
251
NOVARO, Marcos & PALERMO, Vicente. A ditadura militar Argentina. São Paulo: Edusp, 2007. pp. 25.
252
La nación em 25/03/1976. citado por NOVARO. op.cit.pp.27.
253
ANTUNES, Priscila. Ditaduras militares e institucionalização dos serviços de informações na Argentina,
no Brasil e no Chile. In: FICO, Carlos et al. (org). Ditadura e democracia na América Latina. Rio de Janeiro:
FGV, 2008. pp.202.
do poder militar
254
. Mesmo com ampla autonomia, a junta militar apenas governou à base
de decretos especiais e atos institucionais. Tomou como medidas imediatas: eliminação da
divisão de poderes, modificação de regras de funcionamento dos órgãos do governo,
dissolução do Congresso Nacional, outorgou funções legislativas ao Executivo, dentre
outros
255
. Ou seja, não apenas destruíram a estrutura político-social que sustentava o
governo populista, mas criaram uma outra estrutura que perpetuou a dominação de classe,
mas tudo isto “combinado a uma repressão política”
256
.
O órgão responsável pela caça ao inimigo interno foi, primeiramente, a Secretaria de
Informaciones del Estado (SIDE), que surgiu em 1956. Somente em 1961 este ficou
responsável pela luta contra o terror. Graças ao protagonismo da SIDE várias prisões ilegais
e desaparecimentos ocorreram mesmo durante o governo democrático de Frondinzi
257
,
contudo, o marco da incorporação da DSN naquele país foi em 1976 com a criação da
primeira ley de seguridad nacional. Tal lei serviu para a ampliação do poder militar nas
questões de insurgência interna. Deste modo quase todo país esteve sob extrema vigilância
militar
258
.
“Em abril de 1976,( ...) realiza-se na sede do Comando Geral do Exército
uma reunião com participação de ex-comandantes em chefe da arma e
generais da reserva, onde se expõem as características da doutrina de guerra
de forma detalhada. ... a doutrina ... basicamente compreendia a eliminação
física da chamada 'subversão apátrida' e uma orientação ideológica dentro
dos princípios da 'defesa da tradição, da família e da propriedade'. A
Doutrina também tinha como propósito implantar o terror generalizado na
população para evitar que a guerrilha semovesse como um peixe na água'.
São estes conceitos que fundamentaram a política de 'desaparecimentos' que
254
SAÍN, Marcelo. Decmocracia e Forças Armadas: Entre a subordinação militar e os defeitos civis. In:
CASTRO, Celso & D’ARAUJO. Maria Celina. Democracia e Forças Armadas no Cone Sul. Rio de Janeiro:
FGV, 2000. pp.23.
255
ANTUNES. op.cit.pp.203.
256
SAÍN,op.cit.pp.25.
257
ANTUNES.op.cit.pp.205.
258
Idem.
desde antes, mas especialmente a partir do golpe militar de 1976, começa a
executar-se de forma sistemática".
259
Conforme afirma Alejandra Pacual, não havia uma definição objetiva do que seria o
“subversivo”. O significado deveria ser buscado nos discursos dos próprios militares, que
davam apontamentos de quais seriam as características dadas a quem era considerado
inimigo. Entre os termos mais utilizados estavam: ser “inimigo ideológico”, ser “de
esquerda”, ser “não-argentino”, ser “judeu” ou ser um “irrecuperável”
260
. A perseguição aos
judeus foi uma característica marcante no regime argentino. Em analogia à Alemanha
nazista existem indícios de que, durante os regimes de SN na Argentina (e no Uruguai),
foram enterrados corpos de desaparecidos sob a sigla NN (no caso, com o sinônimo de
Ningún Nombre)
261
.
O que mais caracterizaria o terror de Estado argentino seria, a magnitude dos
milhares de desaparecidos das Juntas Militares.
262
O desaparecido possuiria um status
diferenciado: não está nem vivo, nem morto; não está nem preso nem em liberdade. O
Estado desconhece, pelo menos afirma, o seu paradeiro. Isto causaria uma “dor
congelada”
263
.
Como vimos, este tipo de terror ocorreu mesmo antes do golpe de 1976 com a
SIDE, contudo outra característica do TDE argentino que é a designação dos “excessos”
a grupos paramilitares de extrema direita, como a Triple A. Este grupo era protegido e
manipulado por integrantes do governo. Havia, deste modo, uma perfeita clandestinização
259
Declaração de Rodolfo Fernandés, colaborador do Ministro do Interior da Argentina em 1976. citado por
PASCUAL, op. cit.pp.39.
260
Idem. pp.49.
261
A sigla NN era utilizada, na Alemanha, anteriormente ao advento do regime nazista. Um dicionário de
1881, o Dutch Wörterbuch de Jacob et Wilhem Grimm definiam N.N. como sendo sinônimo de nome
ignorado (latim: Nomen Nescio) ou que não podia ser mencionado. Da mesma forma, o Grande Dicionário
Alemão-Francês (Le Grand Dictionnaire Allemand-Français) de Birman et G. Kister, publicado em 1920,
também associava a sigla N.N. a nomen nescio. Tudo indica que, no período da ascensão do nazismo, o
significado NN original teve uma interpretação popular figurada que simbolicamente representava a mesma
situação. Assim teria surgido a associação do NN com Nacht und Nebel (Noite e Nevoeiro). O nome dado ao
decreto hitleriano foi alusivo a essas situações. O mesmo significado dessas duas letras continua sendo
utilizado, atualmente, na Alemanha e em outros países. PADRÖS. op.cit.pp.661.
262
PADROS. op.cit.441.
263
PADROS. Enrique. Repressão e violência. In: Fico. op.cit.163.
da repressão, gerando uma dupla operacionalidade estatal: modalidades repressivas legais e
ilegais se complementavam e coexistiam.
Levando em conta que um dos principais objetivos foi a geração de um
medo global que deveria atingir todo o espectro social, foi de fundamental
interesse que suas requintadas práticas repressivas fossem reconhecidas
para generalizar o medo. Entretanto, ao mesmo tempo, o estado precisou
dissociar-se dessas ações, negando sua autoria para não se envolver em
situações embaraçosas que transgrediam normas jurídicas, sobretudo
internacionais, para evitar denuncias de desrespeito aos direitos humanos
264
.
Conta que periodicamente a Triple A publicava listas de pessoas que deveriam air
do país, caso contrário seriam assassinadas. Houve em certos momentos uma verdadeira
autonomização desta unidade repressiva para interesses privados. Às vezes, tais fatos
fugiam ao controle estatal, contudo, externamente, o regime tentava divulgar a imagem de
legalidade pari passu à repressão violenta interna. O exemplo mais claro deste caso ocorreu
em 1979, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi visitar o país e
foram espalhados milhares de cartazes que maquiavam a realidade, com os dizeres: “Los
argentinos somos derechos y humanos”
265
. A Junta e a Triple A desenvolveram um
exército secreto para levar a cabo uma plano de operações que aperfeiçoava o que os
paramilitares faziam, desta forma combateriam de vez o “inimigo mortal” subversivo
266
.
A este Estado clandestino em vigor ao Estado legal é dado o nome de paralelismo
global. Na Argentina, o paralelismo global foi uma opção: existiu na totalidade das
estruturas operativas de decisão organizadas por células de caráter secreto, nos métodos de
ação, nas prisões e execuções. Existem quatro motivos freqüentemente mencionados por
oficiais para a existência do paralelismo, sendo: a) a noção de que este seria o método o
mais eficaz e o mais rápido de eliminar a subversão; b) a idéia que era precisa evitar o
obstáculo que poderia se derivar das influências e das pressões internas e externas, causado
por uma ação cujos os efeitos estendessem publicamente; c) a proteção que em virtude dos
264
Idem.pp.157.
265
Idem. pp. 158.
266
NOVARO & PALERMO. op.cit. pp.109.
objetivos escolhidos os diretores e os executores das ações operativas exigiram; e d) a
incerteza e o terror que estas formas de atuação criam nos oponentes e na sociedade ao
todo
267
.
A Junta também usou de outras duas formas de privação de liberdade, com total
desrespeito à Lei Fundamental e a princípios fundamentais de direito: a prisão clandestina,
decorrente de seqüestros praticados em operativos militares, e a detenção determinada a
partir das Atas Institucionais sancionadas por ela mesma. A Corte Suprema de Justiça foi
chamada para se pronunciar em inúmeras oportunidades por casos de abuso de poder e
violação aos direitos humanos praticados pelas autoridades militares
268
. A noção de guerra
no lugar de terror de Estado são estratégias dos grupos de direita para justificativa de suas
ações
269
, bem como a obediência devida aos superiores.
O saldo de mortes leva a alguns autores a classificar como genocídio o que ocorreu
no país: entre 1976 a 1979 foram dadas como desaparecidas cerca de 9 mil pessoas
identificadas; outras 1.898 foram assassinadas e de 5 mil a 9 mil desaparecidas sem haver
denúncias
270
, mas há quem conteste a pecha de genocídio: por haver uma “condição
subversiva”, ou seja, a propagação do marxismo e o “esquerdismo”, não serve a aplicação
do termo uma vez que tratou-se de um massacre político. Genocídio teria ocorrido no
holocausto judeu, onde a vitima era objetiva e impessoal, uma vez que os algozes pouco
importam para como agem ou pensem; já na Argentina, os subversivos são altamente
identificáveis estão ou não vinculados à luta armada. Basta que queiram mudanças na
realidade
271
. Existiram, no entanto, 384 centros clandestinos de detenção:
Estos centros sólo fueron clandestinos para la opinión pública y familiares o
allegados de las víctimas, por cuanto las autoridades negaban
sistemáticamente toda información sobre el destino de los secuestrados a
267
CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. El caso argentino: desapariciones forzadas como
instrumento básico y generalizado de una política. La doctrina del paralelismo global. Su concepción y
aplicación. COLOQUIO: "La política de desapariciones forzadas de personas". París, febrero de 1981. S.N.T.
pp.12.
268
PASCUAL.op.cit. pp.140.
269
CATELA, Ludmila. Violencia política y dictadura em Argentina: de memórias dominantes, subterrâneas y
denegadas. In: FICO, Carlos et al. (org). Ditadura e democracia na América Latina. Rio de Janeiro: FGV,
2008. pp.194.
270
NUNCA MÁS. Informe de la Comission Nacional sobre la desaparición de personas. 1984; Assemblea
Permanente por los Derechos Humanos, 1988.
271
NOVARO & PALERMO. op.cit.116.
los requerimientos judiciales y de los organismos nacionales e
internacionales de derechos humanos. Pero va de suyo que su existencia y
funcionamiento furon sólo posibles merced al empleo de recursos
financieros y humanos del Estado y que, desde las más altas autoridades
militares hasta cada uno de los miembros de las Fuerzas de Seguridad que
formó parte de este esquema represivo hicieron de estos centros su base
fundamental de operaciones
272
.
O centro clandestino mais conhecido naquele país é a Escuela Superior de Mecanica
Armada (ESMA). Por lá passaram cerca de 5 mil pessoas, e destas cerca de 90% não saíram
com vida. O edifício de três andares possuía um sótão. Neste ultimo andar ocorriam
interrogatórios e torturas. A ESMA funcionava também como um eixo operativo de uma
complexa organização que pretendia, inclusive, ocultar o extermínio das suas vítimas.
Outra prática que caracteriza o TDE argentino foi a de seqüestro de bebês nascidos
em cárcere, principalmente. Existem diversas denúncias de crianças que foram doadas”,
sem qualquer ciência de parentes. Representantes da ditadura Argentina jamais negaram o
fato, contudo, afirmam que foi uma fase inicial do regime, já superada. As Madres de Mayo
crêem que cerca de 500 crianças foram seqüestradas, e somente 92 foram encontradas. Este
ainda é um dos resquícios autoritários da Argentina, jovens que ainda hoje desconhecem
seu passado
273
.
Uma das teorias criadas para justificar a violência do Estado argentino foi a
chamada teoria dos “dos demônios”, criada em 1984 após a publicação do informe Nunca
Más. Os dois demônios que tomaram conta da Argentina seriam a guerrilha e a repressão,
ou seja, a violência utilizada por um foi proporcionalmente utilizada pelo outro. Não se
poderia analisar a força utilizada pelo governo desconsiderando a existência da guerrilha, o
primeiro só agiu em função do segundo
274
. Assim como a ley do punto final
275
e da
272
NUNCA MÁS. pp.55.
273
DUSSEL, Inés. Haciendo la memória en el pais del Nunca Más. Buenos Aires:EDUEBA, 2006. pp.98;
Mais informações no site: http://www.madres.org/
274
BIETTI, Lucas. Memoria, violencia y causalidad en la teoria de los dos demonios. In: Finnish Journal of
Latin American Studies. n.3. April 2008.
275
Se extinguirá la acción penal respecto de toda persona por su presunta participación en cualquier grado, en
los delitos del art. 10 de la ley 23.049, que no estuviere prófugo, o declarado en rebeldía, o que no haya sido
obediência devida
276
, esta teoria faz parte da discussão acerca da transição Argentina e
força uma memória que tenta amenizar o grau de violência utilizado no combate ao
inimigo.
2.4
C
ONCLUSÃO
Conforme constatamos Cuba influenciou diretamente as esquerdas de tais países
seja diretamente no fornecimento de treinamento ou no financiamento da guerrilha, seja no
âmbito das idéias, que levaram ao “racha”da POLOP. De qualquer maneira, a simpatia das
esquerdas com a revolução serviu como uma formidável desculpa para o aniquilamento
destes simpatizantes, contudo, numa luta desigual de forças.
Uma vez entendido o funcionamento da repressão e parte da assimilação das idéias
revolucionárias, centraremos no nosso estudo de caso, o COLINA para a análise de como a
foi a interpretação do grupo acerca da revolução e da realidade brasileira e, em
contrapartida, como repressão agiu para aniquilá-los.
ordenada su citación a prestar declarsción indagatoria, por tribunal competente, antes de los sesenta días
corridos a partir de la fecha de promulgación de la presente ley. O problema é que foi sansionada em
24/12/1986, ou seja, em 60 dias não daria tempo de julgas todos os processos em função das férias. A saída
encontrada foi a suspensão destas para a agilização dos julgamentos. Lei 23.492/86.
276
Lei 23.251/87, complementava a lei do “punto final”. Esta previa que os militares de baixa patente
envolvidos em crimes de lesa humanidade fossem eximidos de julgamento uma vez que cumpriam ordens
superiores. Esta lei privilegiaria um numero considerável dos torturadores.
C
APITULO
3
DO
COLINA
A finalidade deste capítulo é contar e analisar a trajetória dos Comandos de
Libertação Nacional. Para além da história coletiva, trabalharemos com as trajetórias
individuais de seus militantes de forma a dar uma maior riqueza de detalhes para que
possamos reconstruir com b
A produção bibliográfica acerca da Nova Esquerda tem aumentado
significantemente, conforme explicitamos. Os primeiros trabalhos acerca do tema datam
ainda da década de 1970.
A esquerda armada no Brasil, de Antonio Caso, foi publicada em 1976, em edição
portuguesa e abrange o período entre 1967-1971. Seu prefácio é de Jose Ibrahim
277
, que
alerta a deficiência do livro:
O livro, porque não da uma visão crítica da prática da esquerda brasileira
durante aquele período que vai ate 1971, acaba por fazer tão-somente a
apologia a ações armadas
278
.
Contudo, o próprio Ibrahim foge ao espírito critico quando descreve a leitura do
livro como empolgante, pois “descreve ações heróicas praticadas contra o inimigo”.
Segundo ele, quando os revolucionários pegam em armas “para exercer a justa violência
revolucionária (...), deixam gravados na história seus exemplos de heroísmo e
dignidade”
279
.
O próprio autor alerta que o livro é uma coletânea de relatos e não é para “políticos
reformistas ou revolucionários sectários ou arrependidos”. Neste trabalho, encontramos
depoimento de Vladimir Palmeira, Fernando Gabeira, do próprio Jose Ibrahim, Vera Silvia
Magalhães, dentre outros, inclusive militares. relatos dos envolvidos sobre o seqüestro
de Charles Elbrick (embaixador americano) e do Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi. O que é
277
José Ibrahim foi sindicalista, e um dos 15 presos políticos trocados pelo embaixador americano em 07 de
setembro de 1969. Para saber mais sobre a história de Ibrahim e dos demais, ver documentário Hercules 56,
de Silvio Da-Rin.2006.
278
IBRAHIM, Jose.Prefacio. IN: CASO, Antonio. A esquerda armada no Brasil-1967-1971. Lisboa:Moraes
Editores, 1976. pp.7.
279
Idem.
válido este trabalho, sem dúvida, é o pioneirismo para tratar do tema da guerrilha e pelo
fato de ser um trabalho de cunho memorialístico, uma vez que os guerrilheiros expõem suas
opiniões e narram fatos.
No ano de 1979, Marco Aurélio Garcia, publicou uma série de reportagens no Jornal
Em Tempo
280
. Ao que nos parece, há um esforço do autor em teoricizar o aparecimento da
esquerda revolucionária brasileira à luz da revolução cubana. Só após um intervalo de
quase 10 anos, que apareceram os “clássicos” do tema, que tentaram, à sua maneira,
entender a derrota sofrida pela esquerda. O primeiro destes é o trabalho de Jacob Gorender,
em 1987, com Combate nas Trevas. Trata-se de uma mescla de trabalho de pesquisa
histórica com relato de ex-militante do PCB e fundador do PCBR. Segundo Gorender, as
duas vezes que esquerda pegou em armas (1935 e no período de 1968-1974), foi derrotada.
Dentro da esfera que privilegiamos neste trabalho - 1968-1974- o autor destaca que o fim
da luta armada foi em 1968. Foi uma “violência retardada”, pois:
“não foi travada (a luta armada) em abril de 1964 contra o golpe direitista,
começou a ser tentada a partir de 1965 e desfechada em 1968, quando o
adversário dominava o poder do Estado, tinha pleno apoio das Forças
Armadas e destroçava os movimentos de massa organizados”
281
.
Dado seu afastamento das massas, a esquerda não podia deixar de adotar a violência
incondicional para a justificativa da luta armada imediata. A violência incondicional se
reduziu ao foquismo e ao terrorismo, desta maneira, a derrota seria inevitável
282
. Em alguns
momentos, o autor indica o aumento da repressão como a causa do fim das esquerdas. O
livro constitui-se de pequenos capítulos, trata das principais organizações do período e
utiliza-se de termos muito datados da década de 1970, como opressor e oprimido.
O segundo trabalho com o qual dialogamos é A revolução faltou ao encontro, de
Daniel Aarão Reis Filho. Esta é a publicação de seu doutorado, e data de 1990. Daniel Reis
Filho, como Gorender, fora militante, mas do MR-8. Houve, por parte deste autor, um
aprofundamento no estudo das influências internacionais da esquerda, iniciado por seu
280
Reportagem: Como surge a esquerda armada brasileira. Em Tempo. São Paulo. N.81. 13 19/09/1979. Esta
referência está em SALES, contudo, não tivemos acesso a este documento ainda.
281
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987.pp.249
282
Idem. pp.250.
antecessor. Não a narrativa das ações, como também em Gorender, mas sim, um
esmiuçamento das organizações que se seguiram ao primeiro grande “racha” do PCB.
Apresenta os projetos políticos da Nova Esquerda, influências externas, pressupostos e
mitos coesionadores, o papel do intelectual (dentro e fora do partido, sendo este ultimo uma
ameaça às “verdades”partidárias). uma certa fração de autocrítica. A derrota está, para
Daniel Reis Filho, em grande medida na idéia de vanguarda, que colocou em evidência o
distanciamento entre prática e teoria revolucionária, e, por conseguinte, o distanciamento
com a sociedade.
O fantasma da revolução brasileira , é o ultimo dos três livros de referência direta.
Publicado em 1993, o que o torna pioneiro é o fato de Ridenti não ter sido militante
político. Ele, ao contrario dos anteriores, queria buscar uma resposta da derrota para toda
uma geração que não participou das lutas políticas anteriores. O isolamento da esquerda,
para este, ocorreu devido à incapacidade dessa em representar as massas. Trata-se de um
trabalho completo, na medida em que lança mão de vasta documentação e dezenas de
entrevistas com militantes das mais variadas organizações.
Sobre a Política Operária (POLOP), especificamente, não existem muitos trabalhos.
O mais recente é o texto de Daniel Aarão Reis, de 2007, e é o que abarca maior período da
organização, até 1986. Trabalhos anteriores temos de Marcelo Badaró Matos, realiza
análise até 1967
283
. uma dissertação de mestrado de 1992, de Leovegildo Leal
284
, ex-
polopista., e também trabalhos acadêmicos que perpassam este tema estão o de Denise
Rollemberg e Jean Rodrigues Sales
285
.
Acerca do COLINA, somente encontramos trabalhos genéricos, que citam uma ou
outra característica do grupo. Não há, ainda, uma história da organização. Apenas
283
REIS, Daniel Aarão. Classe operária, partido de quadros e revolução socialista. O itinerário da Política
Operária –Polop (1961-1986). IN: FERREIRA, Jorge & REIS FILHO, Daniel Aarão. Revolução e
democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução
socialista. A trajetória da POLOP (1961-1967).IN: RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do
Marxismo no Brasil. Vol.V. São Paul: UNICAMP, 2002.
284
LEAL, Leovegildo. Política Operaria: a quebra do monopólio poliico, teórico e ideológico do reformismo
na esquerda brasileira. Dissertação. UFF, 1992.
285
ROLLEMBERG, Denise. A idéia de revolução: da luta armada ao fim do exílio (1961-1979). Dissertação
de mestrado. Niterói: UFF, 1992 e SALES, Jean Rodrigues. O impacto da revolução cubana sobre as
organizações comunistas brasileiras. Tese. UNICAMP, 2005.
fragmentos em relatos biográficos de ex-militantes, como os de Maria do Carmo Brito,
Carmela Pezzuti, Mauricio Paiva e Herbert Daniel
286
.
Começaremos pelos momentos que antecederam o IV Congresso da POLOP que
culminaram no aparecimento do nosso objeto de estudo.
3.1 -
D
O
F
IM
.
O I Congresso da POLOP aconteceu em 1961, no Estado de São Paulo, e contou
com membros de variadas organizações, a exemplo da Juventude Socialista (Guanabara),
Liga Socialista, Juventude Trabalhista (Minas Gerais), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e
militantes independentes
287
. Segundo seus organizadores, deparavam-se, naquele momento,
com duas situações reais e distintas: por um lado, o estabelecimento do regime burguês,
com Jânio Quadros no poder, e de outro, a linha reformista dominante do PCB
288
.
Desde o inicio a organização fez questão de marcar a diferença entre suas propostas
revolucionarias e as teses do PCB, que compreendiam, para aquela, uma proposta
puramente reformista.
289
. Teriam os comunistas do PCB expressado, por meio da
Declaração de 1958, que o capitalismo brasileiro desenvolveu-se a partir de relações
atrasadas no campo pré capitalistas e baseadas no latifúndio, cuja economia seria
dependente do estrangeiro. Em sua análise, tais “resquícios feudais” interfeririam no
progresso da agricultura, que tende a ser lento, e em cujo processo o nível de vida das
massas é baixo e a exploração elevada. Neste caso, as possibilidades de expansão do
mercado interno são pouquíssimas, acentuando-se a desigualdade entre as diferentes
regiões do país, produzindo discrepâncias no desenvolvimento industrial e social.
Acreditava-se que, mesmo apesar de ser o Estado brasileiro um defensor dos interesses dos
latifundiários e dos grandes empresários ligados ao imperialismo, haveria uma “brecha” na
burguesia que seria progressista e estaria interessada na independência econômica do país,
e na superação dos atrasos causados pelo imperialismo norte-americano e pelas relações
286
VIANNA, Martha. Uma tempestade como a sua memória. A historia de Lia- Maria do Carmo Brito.Sao
Paulo: Record,2003; PAIVA, Mauricio.Companheira Carmela. Rio de Janeiro: MAUAD, 1996; PAIVA,
Mauricio. O sonho exilado. Rio de Janeiro: MAUAD, 2004 (2 ed) e DANIEL, Herbert. Passagem para
próximo sonho. Rio de Janeiro: CODECRI, 1982.
287
SALES.op.cit. pp.180.
288
Documento: As tarefas da POLOP.Arquivo CEDEM-UNESP. Referencia: 00141. Data: s.d.
289
MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução socialista. A trajetória da POLOP (1961-1967).IN:
RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do Marxismo no Brasil. Vol.V. São Paul: UNICAMP,
2002. pp.197.
semi-feudais na agricultura. Era a esses burgueses progressistas que os comunistas
propunham alianças, de modo a construir uma Frente Ampla e promover o fim aos
entraves. Ainda segundo a Declaração de 58, a questão da hegemonia nesta Frente Ampla
seria deixada para o futuro, uma vez que não desapareceriam as contradições entre
proletariado e burguesia. O que nos chama a atenção neste documento é o item relacionado
ao caminho tomado para a revolução etapista, antiimperialista e antifeudal brasileira. Um
caminho explicitamente pacífico, reformista e legalista
290
.
A POLOP articulou uma crítica à analise do PCB e da realidade brasileira centrada
nos limites estruturais do imperialismo e latifúndio e propunha uma revolução de caráter
socialista. O sujeito político da revolução eleito por eles foi o operariado. Junto a este, se
uniriam os demais setores, incluindo o campesinato e a pequena burguesia para formar uma
Frente Única dos Trabalhadores da Cidade e do Campo e uma Frente das Esquerdas para a
aplicação do “programa socialista para o Brasil”, que seria elaborado em um curto prazo e
serviria como uma resposta operária à crise que ocorria no Brasil
291
. Outra bandeira
levantada é a da organização dos “comitês de empresa” dentro de cada local de trabalho,
que seriam uma forma de organização autônoma dos trabalhadores, distante da influência
dos partidos considerados reformistas.
No II Congresso, realizado em 1962, foram tomadas decisões importantes no
sentido da organização interna da POLOP. Em As tarefas da POLOP” haveria uma
reorganização do Comando Nacional com as lideranças locais; a criação de uma literatura
própria; o recrutamento de operários; a formação de base em outros estados (Pernambuco,
Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro); e um programa de formação de quadros para a sua
profissionalização
292
.
A POLOP teve várias publicações, como por exemplo o jornal Política Operária,
Onde vamos?
,
meio pelo qual divulgavam suas teses e o caráter socialista da revolução,
além de Comitê de empresa e Piquete, que eram os principais meios de sua inserção no
meio operário.
290
Resolução de 1958 do PCB. IN: CHACON, Vamireh. História dos Partidos Políticos Brasileiros .
Brasília: UNB, 1985. pp. 348-363.
291
Documento produzido pela POLOP-SP: Política Operária. O que é? Arquivo CEDEM-UNESP.
Referencia:00138. Data provável:1963.
292
Documento: As tarefas da POLOP. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência:00141. s.d.
Sua composição era majoritariamente de setores intelectualizados. Podemos
destacar em seus quadros Emir Sader e Eder Sader, Michel Lowy e Eric Sachs - um
austríaco, membro da esquerda erudita européia, quem liderara em 1959 a revista O
movimento socialista. Tal revista viabilizou a expressão dos trotskystas e anarquistas, que
buscavam outra alternativa que não a do PCB, ou do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e
do PSB (Partido Socialista Brasileiro)
293
. A POLOP propunha fornecer cursos de formação
de lideres para os operários
294
. Segundo Maria José Nahas, em Minas Gerais eram
ministrados periodicamente cursos sobre o marxismo-leninismo, implementados como uma
forma de recrutar quadros mais dedicados, possibilitando maiores graus de
institucionalização. Contudo, sua atuação ficou restrita aos meios intelectuais, com pouca
inserção nas camadas populares. Três dos ministrantes que se destacavam eram Ângelo
Pezzuti, Apolo Heringer e Jorge Nahas, todos pertencentes à Escola de Medicina da
UFMG. Poucos anos depois, este tornar-se-ia o núcleo dirigente do COLINA. De acordo
com o Boletim Política Operária 2, o curso era basicamente dividido em 3 módulos: 1)
conhecimento dos princípios do marxismo, com a leitura de Bukarin, Marx, Engels, Lênin,
Rosa de Luxemburgo e Plekanov; 2) realidade internacional e história da luta de classes,
através das leituras de Lênin, Paul Sweezy, Paul Baran e Josué de Castro; 3) realidade
brasileira, subsidiados por obras de Caio Prado Júnior, Aristóteles Moura e Ignácio
Rangel
295
.
No Estado de Minas Gerais, a POLOP atuou não mo meio operário, mas também
no Movimento de Favelas em Belo Horizonte. O trabalho de Samuel Oliveira é bastante
elucidativo no que tange a inserção da organização neste setor
296
. Segundo o autor, a ação
da POLOP foi de destaque no movimento, mesmo sem constituir alguma célula dentro de
alguma vila. Os polopistas publicavam textos em jornais circulantes entre os favelados,
como o jornal O Barraco, ou faziam “canções de protesto” para a educação dos favelados
nos valores socialistas e nacionalistas
297
. Em 1962, a POLOP oferecia cursos de
293
REIS FILHO. 2007.
294
Documento produzido pela POLOP-SP: Política Operária. O que é? Arquivo CEDEM-UNESP.
Referencia:00138. Data provável:1963.
295
Boletim Política Operária n.2.Arquivo CEDEM-UNESP. Referência:00148. Data provável 1963.
296
OLIVEIRA, Samuel. “A favela vem à cidade e não é para sambar”: O movimento de favelas de Belo
Horizonte (1959-1964). Belo Horizonte, 2008. Dissertação de Mestrado. FAFICH.UFMG.
297
Estas canções foram feitas pelo militante da POLOP Ponce de León.Uma letra diz: (...) Se é pro bem que
vem/ Se é pro mal, amém [bis]/ O compadre contou/ pra comadre Sebastiana/ Que cubano tem casa/
alfabetização e de aspectos do “socialismo moderno”, para maior politização dos moradores
de favelas.Os facilitadores desse movimento político de alfabetização eram os estudantes
Ponce de Leon, Guido Rocha, Teotônio Santos Júnior, Jaime Samuel Katz, Armando
Muther, os cursos sobre o socialismo era elaborados por Guido Rocha e Sacha Calmon.
Como forma de legitimar sa atuação junto ao movimento, a POLOP participou da
organização do I Congresso dos trabalhadores favelados
298
.No Congresso, Ponce de Leon
desenhou junto com estudantes o painel que enfeitou o auditório em que se realizaria o
evento, além de fazer o distintivo de lapela (com um homem segurando seu filho com a
mão direita, e um martelo na mão esquerda) que foi distribuído para os participantes do
Congresso. Além disso, Guido Rocha, Vânia Bambirra, Teotônio dos Santos e Juarez de
Brito recepcionaram Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas) quando ele veio a Belo
Horizonte para falar no evento organizado pelos trabalhadores favelados.
A crítica da esquerda mais contundente à POLOP diz respeito à sua presumida
inércia e seu teoricismo. E realmente, a única tentativa de ação concreta prevista por esta
organização logo após a instauração da ditadura, em julho de 1964, teria sido uma
conspiração que contaria com a participação de militares de baixa graduação, no
desenvolvimento de uma frente de guerrilha.
299
Não teria sido efetivamente levada a cabo,
em função da infiltração de agentes do CENIMAR, ainda na fase de elaboração, o que
conduziu à prisão de todos os envolvidos. A (in) ação foi apelidada de foco de
Copacabana
300
pela própria esquerda, em função de os debates iniciais terem ocorrido em
“aparelhos”
301
na zona sul do Rio de Janeiro.
Fidel fez reforma urbana (...). Outra letra: Oi dizem que o homem é Mão/ Eu digo que ele é bom [bis]/ Já me
disseram que ele vem lá do outro lado/ Que ele tem olho rasgado/ Que é Mao, é mal se vê/ Mas eu sei que
esse homem trambuqueiro/ Luta o dia, o ano inteiro pra não ninguém sofrer (...) . Cf. OLIVEIRA. op. cit.
pp. 167.
298
Idem.
299
Referencias ao foco: REIS FILHO, Daniel. Classe operária, partido de quadros e revolução socialista. O
itinerário da Política Operária –Polop (1961-1986) IN: REIS FILHO & FERREIRA. Revolução e
Democracia.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São
Paulo: Atica, 1987; MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução socialista. A trajetória da POLOP
(1961-1967).IN: RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do Marxismo no Brasil. Vol.V. São
Paul: UNICAMP, 2002.
300
Anexo I Listagem dos integrantes do Foco de Copacabana”. Muitos dos integrantes depois da POLOP,
formaram o Movimento Armado Revolucionário (MAR) ou estiveram na guerrilha do Caparaó.
301
Aparelho foi uma designação utilizada pela esquerda (incorporada pelos militares) para designar o local
(como uma casa, por exemplo) clandestino onde ocorriam reuniões ou passavam a morar quando estavam na
clandestinidade.
Vale destacar que, inicialmente, a maioria dos membros da POLOP não enxergava
na luta armada um caminho viável para países como o Brasil, perspectiva que seria alterada
a partir do golpe militar.
302
Segundo Leovegildo Leal, em 1966 a POLOP colocava a
questão da luta armada, ainda que com ressalvas, em sua concepção de revolução.
“(...) A guerrilha tem uma função eminentemente política: a de conquistar,
mediante a ação revolucionaria, a autoridade de liderança das massas
exploradas do país.”
303
Foi
neste ano que os debates se intensificaram e os problemas dentro da organização
adquiriram uma nova e mais grave dimensão. O Comando Nacional (CN) incumbiu a Seção
Regional de Minas Gerais (SR-MG) de reimprimir o boletim Aonde Vamos? edição I, II e
III e a SR-MG negou-se a cumprir a ordem, por não concordar com as teses ali
desenvolvidas e por acreditar que haveriam outras publicações mais relevantes. Os mineiros
ainda foram acusados de não agir conforme o centralismo democrático da organização
304
.
Não tardou uma resposta por parte dos mineiros, por meio da carta “A bem da verdade”
305
,
demonstrando que se tratava, a última afirmação, de uma inverdade. Relataram que a não
publicação teria ocorrido em função da falta de recursos e que em termos de obediência,
haviam catado ordens de não publicar o jornal O Piquete durante meses, para que todo o
dinheiro ficasse centralizado nas mãos do CN. Tais discussões conduziram a um
afastamento dos operários e à elaboração de um plano de auto-financiamento do boletim.
Segundo os militantes da SR-MG, teriam ficado quase um ano solicitando recursos
mínimos para a reimpressão do material pedido. Também lembram ao CN que a maioria
dos integrantes da organização eram estudantes e operários, o que tornava a contribuição
mensal pequena, mas que, mesmo assim, financiaram viagens de membros à Brasília o
que seria responsabilidade do CN; contribuíram para a realização do III Congresso; e
fizeram depósito bancário para o caixa nacional da POLOP. O documento traz informações
de que o setor operário da POLOP em Minas seria a maior do país, tendo sido constituído
302
A propósito da ‘Guerra de Guerrilhas’. Política Operaria, n. 2, abril de 1962.
303
LEAL, Leovegildo. Política Operaria: a quebra do monopólio político, teórico e ideológico do
reformismo na esquerda brasileira. Dissertação. Niterói: UFF, 1992. Citado por SALES.op.cit.
304
“Um caso de indisciplina”. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência: 00310. Data21/12/1966.
305
“A bem da verdade”. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência:00320. Data: 29/12/1966.
após 1964. Não obstante, esta informação é contraditória às afirmações realizadas por
Maria José Nahas, cujo depoimento destacava a contradição de haver, em um movimento
denominado Política Operária, apenas um operário [nota]. O término da carta deixa
explicita a insatisfação da SR-MG com o CN:
É interessante notar que esta não é a primeira vez que o CN, ao sentir a
pressão dos nossos argumentos, colocados no nível ideológico , tenta
desviar o debate para o nível administrativo. E mesmo nesse nível é
obrigado a se utilizar da calúnia como arma de combate
306
.
A marca principal da POLOP é o seu caráter teórico. Antes mesmo do surgimento
da organização, em 1961 seus ideólogos já refletiam sobre os caminhos da revolução
cubana. Ruy Marini, um dos fundadores da POLOP, escreveu, ainda em 1960, três artigos
no jornal O metropolitano impressões sobre a revolução, ressaltando que “anti-
imperialismo e revolução social nada mais são que aspectos de uma só realidade”
307
No primeiro número do jornal Política Operária
308
, que dá nome à organização,
analisa a revolução de Cuba, afirmando que este pais provou “que subdesenvolvimento
econômico ainda não implica em subdesenvolvimento político”. Em abril de 1962
publicaram um artigo analisando o livro Guerra de guerrilhas, de Che Guevara. Em tal
artigo, seus autores reforçam os três ensinamentos da revolução, que estão apontadas no
livro e foram citadas anteriormente. Mesmo assim, a POLOP neste momento acreditava que
as condições não se repetiriam facilmente na América Latina. Para estes militantes isto se
explica pelo fato que o MR-26 agiu de forma que não levantou suspeitas por parte dos
EUA, o que não aconteceria depois em nenhum país, pois a revolução deixaria de ser
novidade e haveria intervenção norte-americana. Outro fator da impossibilidade da
repetição é que na visão da POLOP, em muitos países do continente as burguesias estavam
306
“A bem da verdade”. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência:00320. Data: 29/12/1966.
307
Idem. pp.183.
308
Política Operaria foi o primeiro periódico produzido pela POLOP, onde seus militantes difundiam suas
teses.
dispostas a resolver o problema agrário para fim à tensão revolucionária, desta forma,
eliminaria nestes países o papel preponderante que a guerrilha teve em Cuba
309
.
As discussões do grupo acerca da viabilidade da luta armada apareceriam somente
nas “Teses de Tiradentes”, em 1966. A tese numero 8 dava destaque para o caminho
armado na luta contra a ditadura: “A guerrilha tem uma função eminentemente política: a
de conquistar, mediante a ação revolucionária, a liderança das massas exploradas do país”.
A tese de número 9 radicaliza mais dizendo que nenhuma “redemocratização” justificaria o
abandono da guerrilha em ação
310
. De acordo com Éder Sader, as análises da organização
colocavam a guerrilha em um prazo maior. Mesmo assim, a concepção de um foco
guerrilheiro catalizador da luta insurrecional permaneceria
311
. Em outras edições do
Política Operaria, existem mais referências ao foco
312
.
A aceitação da teórica do foquismo ocorreu a partir de 1967. Todo este processo de
radicalização gradual da POLOP na aceitação da guerra de guerrilhas pode, segundo Sales,
ser vislumbrado pela imprensa da POLOP. E será em parte desenvolvido em nossa
pesquisa.
Não podemos deixar de mencionar, o documento Programa Socialista para o
Brasil, de 1967. Neste documento consta a análise do capitalismo estagnado no Brasil, a
necessidade de se formar o partido do proletariado para a instalação da ditadura do
proletariado, a proposta de criação de uma frente de trabalhadores da cidade e do campo, a
formação dos comitês de fábrica”, e a proposta da adesão de setores militares das baixas
camadas. Para os militantes da organização, o governo dos trabalhadores seria de transição.
O que se pode notar no documento é que apontamentos mais radicais nas propostas da
POLOP, uma vez que há o reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de
uma “Frente de esquerda revolucionária”. Este programa apresenta uma certa abertura, em
tese, às novas idéias radicais dentro da organização.
Em seu último parágrafo há a clareza da influência cubana na organização:
309
O artigo da POLOP se intitula: A propósito da guerra de guerrilhas. Política Operaria. n. 2. abril de 1962.
citado por SALES. op.cit.184.
310
Teses de Tiradentes. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência 00384. Data: Abril de 1966.
311
SADER, citado por SALES. p.190.
312
Sales menciona cada exemplar em que tal debate é realizado.
A primeira tarefa política do foco guerrilheiro há de ser, desta maneira, a de
colocar claramente no cenário político do país uma nova liderança, uma
nova alternativa ao poder revolucionário ao poder das classes dominantes.
O fato consumado do foco de guerrilha elevará o nível da luta, apressará a
unificação das forças da esquerda revolucionária e a continuação do partido
revolucionário da classe operária. Da instalação do foco até a insurreição do
proletariado na cidade haverá um caminho prolongado, mas será um
caminho com um objetivo traçado: a Revolução dos trabalhadores
brasileiros no caminho do socialismo. Será essa nossa contribuição decisiva
para a construção de uma nova sociedade no mundo (...)
313
.
Com a votação vitoriosa deste programa, no IV Congresso, começaram as cisões.
Parte do núcleo dirigente da POLOP que defendeu o Programa Socialista, formou
organizações que defendiam a luta armada como estratégia imediata. Em Minas houve a
criação do COLINA, por Ângelo Pezzuti, Jorge Nahas, Apolo Lisboa, todos ex-integrantes
da POLOP.
3.2
D
O
I
NICIO
A POLOP realizou em meados do ano de 1967 seu quarto congresso em Santos.
Tanto nos documentos da organização quanto nos depoimentos, fica claro que o
principal motivo do rompimento com a POLOP foi a defesa de alguns à adesão à luta
armada imediata. Para estes dissidentes não bastavam mais reflexões teóricas, havia
necessidade de agir.
Queriam a formação de uma vanguarda militar inspirada nos focos guerrilheiros,
para o enfrentamento armado à ditadura. Muito desta influência veio da revolução
cubana e da chegada da obra A Revolução na Revolução de Regis Debray nas mãos
destes militantes em meados de 1967. Em oposição a essa vanguarda militar estava
outra, que era a vanguarda teórica que “ensinaria a classe operária a se organizar”
314
.
313
Programa Socialista para o Brasil. Setembro de 1967. IN: REIS FILHO & (orgs.)Imagens da
revolução. Documentos políticos das organizações de esquerda no Brasil dos anos de 1961-1971. Rio e
Janeiro: Marco Zero,1985. pp.116.
314
Entrevista de Guido Rocha. Fita 3 lado A. pp.1. Concedida a Maria Eliza Borges e Marcelina das Graças
de Almeida em 11/11/1991. Acervo do programa de História Oral da UFMG.
Segundo Guido Rocha, o primeiro caso – a vanguarda militar - se refere ao grupo
COLINA e o segundo ao grupo que formaria a POC (Partido Operário Comunista), cuja
proposta era a de formação do partido de vanguarda que conduziria a classe operária à
revolução.
Meses antes do lançamento oficial do programa que seria a diretriz da POLOP
(este datado de setembro de 1967) já pairava um clima de descontentamento entre
quadros no interior da organização. Como um dos documentos que combate este
programa é datado de agosto de 1967, creio na hipótese do conhecimento do programa
por parte de Ferdinando Machado, membro da POLOP, antes de sua divulgação à
“grande maioria” de militantes da organização. A primeira parte do documento escrito
por Machado, é dedicada a recriminar a atuação de Ernesto Martins
315
, considerado um
dos grandes teóricos da organização. Segundo Ferdinando Machado, o que estava
ocorrendo dentro do grupo era um cerceamento e desqualificação dos “companheiros”
que questionavam as orientações de Martins, taxando-os de pequenos burgueses (o que
representava um demérito aos olhos dos revolucionários). A POLOP estaria se tornando
uma seita, presa ao passado de “vanguarda ideológica”, educadora da massa, que não
cabia mais naquele momento. Além disso, a POLOP não assumia seus erros, por
exemplo, no caso dos “comitês de empresa”, apesar de se terem mostrado ineficientes
foram utilizadas como palavras de ordem. Enfim, o documento é uma crítica importante
à vaidade e à falta de conhecimento da realidade dos “intelectuais da revolução”, na
pessoa de Ernesto Martins.
O ponto central deste documento é a análise e diferenciação do que seria a
“vanguarda ideológica” e a “vanguarda política”. A primeira trata do que seria a POLOP
naquele momento, como afirma Machado, onde os socialistas de cátedra” ficariam na
doutrinação da classe operária esperando que, através de seus ensinamentos, ela se
conscientizasse de seu papel revolucionário e se insurgisse. Essa idéia já estava por
demais ultrapassada naquele momento. A necessidade era da formação da “vanguarda
política”, essa sim, no entender de Machado, seria a que realmente levaria a cabo a
revolução. Era momento de tomada de atitude e “era preciso apresentar às massas uma
315
Um dos fundadores da POLOP, que faleceu recentemente. Seu nome real era Eric Sarchs. Cf: Entrevista
Jorge Nahas em 06/01/2006.
perspectiva imediata de ação”
316
. Antes do golpe era possível ser vanguarda ideológica
sem ser política; depois disso, com a maior radicalização das esquerdas, precisou-se da
prática para que o movimento operário saísse da “inércia”. O significado da defesa da
luta armada, para Machado, é a educação da classe operária pela prática.
“Programa socialista para o Brasil”
317
é a resolução do IV Congresso . Os pontos
principais dessa organizaçao estão contidos nesse documento. a análise do capitalismo
estagnado no Brasil, a necessidade de se formar o partido do proletariado para a
instalação da ditadura do proletariado, a proposta de criação de uma frente de
trabalhadores da cidade e do campo, a formação dos “comitês de fábrica”, e a proposta
da adesão de setores militares das baixas camadas. Para os militantes da organização, o
governo dos trabalhadores seria de transição. O que se pode notar no documento é que
apontamentos mais radicais nas propostas da POLOP, uma vez que o
reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de uma “Frente de
esquerda revolucionária”. “O fato consumado da guerrilha elevará o nível da luta,
apressará a unificação das forças da esquerda revolucionária e a constituição do partido
revolucionário da classe operária”
318
.Este programa apresenta uma certa abertura, em
tese, às novas idéias radicais dentro da organização, mesmo que não haja total apoio a
elas.
A resposta dos dissidentes a esse programa foi imediata.Datado da mesma época
que o “Programa”, “Carta aberta aos revolucionários” mostra a que veio esta nova
organização. Para os revolucionários rompidos, a POLOP estava numa reprodução de
discurso europeu que não cabia na realidade da luta brasileira e se denominava a
“vanguarda ideológica” com suas consideradas falsas concepções e frases feitas. Outra
crítica que os dissidentes fazem é que a POLOP acreditava que devia-se educar a classe
operária com a utilização de “artifícios de propaganda” para incutir-lhes a consciência
socialista, contudo, como vemos adiante, essa estratégia será defendida, mais tarde, pelo
COLINA.
316
Cf:Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo
Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207.
317
Programa socialista para o Brasil. setembro de 1967. In: REIS FILHO & SÁ. Imagens da Revolução. Rio
de Janeiro: Marco Zero, 1985. pp. 89- 116.
318
Idem. pp.116.
O ponto alto do documento e que marca bem a posição defendida até o fim da
organização é a parte em que se aborda a questão da luta armada como “forma
fundamental de luta de classes na atual conjuntura que terá que ser centralizada no
campo, sob forma de guerra de guerrilhas”
319
, sendo esta uma forma de organizar a
classe operária para acabar com o regime.
Guido Rocha, um dos mais antigos militantes que participou desde o inicio da
POLOP e da formação do COLINA acredita que, naquele momento, o problema da
POLOP estava em discutir problemas táticos de luta, quando a questão era política.
Segundo o entrevistado, seu questionamento era “luta armada pra quê, pra conquistar o
quê?”
320
. Ele chegou a apoiar a luta armada, mas em defesa de uma Assembléia
Constituinte (pois o problema, em seu entendimento, estava no âmbito da legitimação do
poder). Para tal objetivo era preciso uma preparação para o ingresso nesta forma de luta,
não a sua deflagração sem projetos.
A nova organização, em principio, assina como os revolucionários que rompem
com a POLOP”
321
, mais tarde seria conhecida como O “pontinho”,ou, Organização. O
nome COLINA Comandos de Libertação Nacional surge somente em 1968 com o
inicio das ações. “Comandos”, refere-se à composição interna por células (ou
comandos). Existiam as células de expropriação, sabotagem, inteligência, de
levantamento de área e a célula urbana, que englobava o trabalho junto ao movimento
operário e estudantil.Marcelo Ridenti chama a atenção para que o nome COLINA pode
parecer ambíguo, uma vez que, indicava uma postura pela revolução democrática
(libertação nacional) sendo que, pelos documentos, a opção é pelo socialismo
322
. Este
grupo surgiu em Minas, porém, teve adeptos na antiga Guanabara. De acordo com Maria
do Carmo Britto, a única semelhança entre os dois COLINA era a luta armada, não se
319
Carta aberta aos revolucionários. Setembro de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo
2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 13.
320
Entrevista citada. Fita 2 , lado B. pp 18.
321
Cf: Carta aberta aos revolucionários. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub
2 Imagem 14.
322
RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: UNESP, 1993. pp. 36.
discutia o caráter da revolução
323
. Em Minas indícios de maiores discussões, mesmo
por que é uma das praticas herdadas da POLOP trazida por seus ex-integrantes.
Alguns nomes recorrentes na transição POLOP-COLINA são: Ângelo Pezzuti,
João Lucas Alves, Carlos Alberto Soares, Guido Rocha, Oroslinda Goulart, Juarez Brito,
Apolo Lisboa, Jorge Nahas, Dilma Vana Roussef, Gilberto Martins Vasconcelos,
Herbert Eustáquio de Carvalho, Marcos Antonio Rocha, Reinaldo José de Melo, Jorge
Batista Filho e Cláudio Galeno Linhares
324
.
IV.2.Sistematização das ações: o Comando Nacional
Logo após o rompimento com a POLOP, em Minas, aventou-se a idéia da formação
de um Comando Nacional, juntamente com São Paulo e Rio de Janeiro (Guanabara), de
forma a sistematizar as ações destes grupos e seria “fruto da unidade de diversos grupos
organizados em torno de princípios ideológicos de uma linha política e de uma prática
revolucionária visando dar ao povo brasileiro uma alternativa real de libertação”
325
.
O que se propunha era um balanço crítico das organizações presentes em cada
estado, de forma que pudessem encontrar convergências. Em São Paulo analisaram duas
organizações: a POLOP e o MNR. O que se de negativo foi encontrado nestas organizações
foi a falta e uma política para aplicá-las às massas urbanas e uma grande centralização de
função nas mãos de alguns, o que prejudicaria o trabalho em grupo, levando, assim, a um
maior individualismo.
As análises feitas para as organizações da Guanabara apontaram para afinidades
com a organização de Minas. Houve a união de forças da então O pontinho” com outros
revolucionários da Dissidência pecebista Guanabara (DI-GB) para fortalecer e
homogeneizar a oposição armada ao regime. Isso fica claro no relatório policial
326
sobre o
grupo COLINA, que fala da ocorrência de ações de membros do COLINA aliados à
Dissidência no antigo estado da Guanabara. Apesar desta aliança, o agrupamento de Minas
323
Idem.
324
Cf. Entrevista Guido Rocha citada; Cópia da sentença do grupo COLINA. Rolo 1, pasta 15, imagem 2414;
Relatório final do IPM. Rolo 2 , pasta 24, imagem 1832. Os dois documentos presentes no Acervo do
DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro.
325
Documento “Informe Nacional”. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 3.
326
Relatório referente ao COLINA. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381.
tinha críticas a fazer a tal grupo como à sua origem sendo do ME, o que os tornou muito
imediatistas e sem estratégias políticas. Minas em sua própria análise, deixa clara a sua
opção pelas armas e a necessidade de se organizar em células para a formação de uma
organização político-militar preparada para agir e tendo em vista o seu caráter militarista e
o afastamento das massas
327
.
IV.3. Composição social e trabalho com as massas
A composição básica do COLINA era de estudantes universitários, ainda para endossar
divisão proposta por Daniel Reis Filho entre as gerações de militantes, já apresentada no
capitulo anterior.Pode-se afirmar que o COLINA era um grupo jovem em sua formação.
O documento referente às sentenças uma idéia disto. Ainda dentro destes indiciados,
16 têm menos de 25 anos (cerca de 60%), apenas 4 m mais de 30 anos (cerca de
15%)
328
. Além disto, nos depoimentos encontramos referências às questões das
diferenças de idade, seja na referência feita por Maria José ao Beto (Carlos Alberto
Soares), que todos admiravam e “que era o mais velho da turma, tinha 24 anos”
329
ou na
análise de Irani Campos que ao entrar para o COLINA, tinha pelo menos cinco anos a
mais que a maioria. Para ele esta diferença de idade fazia muita diferença no modo de
militar:
Não viveram 1964 como eu vivi. Então, a experiência acaba valendo. Você não
pode negar que ela é importantíssima na militância da gente. Depois disso, veio o
golpe militar, (...) eu já tinha participado da luta pela legalidade em 61, para
garantir a posse do Jango.
330
Para o trabalho no meio estudantil foi de suma importância o CEM como local de
recrutamento de quadros. É válido destacar que considerável parcela dos militantes desta
organização e que chegaram aos postos de comando, ou destacados agitadores, foram
estudantes de medicina da UFMG: Ângelo Pezzuti, Apolo Lisboa e Jorge Nahas, nomes
mais recorrentes. Maria José Nahas também foi da escola de medicina e a única mulher
a participar de ações armadas. Irani campos trabalhou como técnico na escola de
327
Documento “Informe Nacional”. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 3.
328
Sentença do Grupo COLINA. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 1: Pasta 15: Imagem 2415.
329
Entrevista de Maria José Nahas concedida a autora em 02/04/2005.
330
Entrevista de Irani Campos concedida a autora em 17/01/2006.
medicina e era membro do sindicato dos servidores públicos. Esta composição oriunda
da medicina foi um fator decisivo para se implementar o esquema médico”. Tal
esquema consistia na participação de médicos que viviam legalmente, não estavam
militando na organização, porém, estavam dispostos a ajudar.Desta forma, podiam ser
contatados em caso de emergência para atender dentro dos aparelhos ou ficasse de
plantão quando algum quadro precisasse ir ao pronto-socorro
331
.
Por serem estes militantes “brancos, jovens, estudantes, naturalmente oriundos das
classes médias
332
” passavam situações incômodas quando a teoria e a prática militante se
mostravam antagônicas. Por mais que se discutisse a respeito da união de teoria e prática
este “mal estar” persistia e se mostrava mais evidente quando dizia respeito a ter que
trabalhar junto aos operários. A documentação referente à prática desta militância
333
mostra uma visão bastante lúcida quanto às dificuldades a serem enfrentadas pelos
estudantes no meio operário. Tinham ciência do total desconhecimento da causa,
realidade e passado de lutas operárias. Para sanar este problema propunha-se uma
formulação de teoria mais ligada às lutas concretas do proletariado, a divulgação de uma
literatura de denúncia (que foi em parte suprida pelo Piquete), um modo e agir
apropriado de forma que não seja muito diferente destes trabalhadores, e, até que
militantes do ME que vão para o MO tranquem por até um ano seu curso para
trabalharem em fábricas ou morarem em bairros operários. Pode-se ilustrar a dificuldade
destes estudantes e classe média a se adaptarem a este outro meio pelo relato de Maria
José Nahas: “Eu me lembro que eu me sentia muito sem jeito, muito sem jeito, que eu
era aquela filha de médico do interior e indo pelos bairros operários, não é? Não tinha
nada a ver uma coisa com a outra. Eu me sentia muito sem jeito com isso”
334
Por melhores que fossem as intenções dos universitários, em apoiar os operários, a
junção dos dois movimentos seria improvável. Na reflexão exposta apresentou-se a
composição social dos universitários como sendo um grupo social com interesses
próprios. Eles sabiam da capacidade de mobilização e radicalização estudantil, porém
331
Cf. PAIVA, Mauricio. O sonho exilado. Rio de janeiro: Mauad, 2004. pp.63; Entrevista Apolo Lisboa
concedida em 01/04/2005.
332
PAIVA, Mauricio. Op.cit.pp.75.
333
Cf: Aspectos práticos do trabalho operário. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub: 5 Imagem 34 .
334
Entrevista de Maria José Nahas concedida a autora em 11/01/2003.
não poderiam se unir ao movimento operário mesmo sendo o objetivo comum aos dois:
combater o regime e fazer a revolução. Assim como o ME tinha perspectivas próprias, o
MO também as possuía e isto poderia causar atritos. Seria um erro uni-las.
Imperava o discurso em defesa dos operários, mas, dentro da própria organização, havia
uma certa distinção entre os “intelectuais” e os que tinham origem sindical. O
depoimento de Irani Campos é bem claro neste aspecto:
Era muito difícil, porque obviamente, uma grande quantidade do pessoal do
movimento estudantil eles eram, na maioria inexperiente. (...) Não tinha experiência
no movimento sindical, operário.(...) E a gente tinha divergências, (...) a gente
sentia a diferença, mas não trazia prejuízo individual nenhum pra mim, nem pro
movimento nem nada, mas eu sei de muitos companheiros que tiveram muita
dificuldade. Muito mais dificuldade que eu. Porque eu lembro de um fato que
mostra essa diferença, um companheiro nosso foi chamado de marginal porque era
cantador de samba.(...) Dentro do COLINA. Eu era militante do COLINA. Todos
dois. E pior que se deu isso na cadeia. Alguém tava cantando e um militante que
era muito intelectualizado achava que beber cachaça e cantar samba é coisa de
marginal. você vê. Tem esses problemas, às vezes a gente tinha. Então você
relacionar com umas pessoas que tem uma visão dessa, quer dizer, jamais um
trabalhador militante, como eu e tantos outros ia ter uma visão dessa
335
.
A restrição feita pelos intelectuais aos “outros” não é, de forma alguma, via de o
única, ou seja, os próprios guerrilheiros enxergavam os “intelectuais” como pessoas
incapazes para a prática da luta revolucionária. Para os integrantes dos “comandos” a
crítica faz coro à que foi feita por Machado anteriormente. Segundo eles, o intelectual se
compromete com a teoria e, não raras vezes, contradizem com a prática do cotidiano da
luta. É uminstrumento de auto-afirmação”
336
, que abre espaço para oportunistas.
Conforme afirma Jorge Nahas, o COLINA não conseguiu trazer os “grandes
intelectuais” da POLOP, mas trouxe, pelo menos, os quadros mais politizados. Quando
335
Entrevista de Irani campos concedida a autora em 17/01/2006.
336
“Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit.. pp. 159.
do surgimento da organização, após a cisão, eles criticavam muitos os intelectuais da
POLOP, que, com a luta armada, não tinham tempo a perder com este tipo de
coisa
337
.
O que se questionava em relação ao trabalho junto ao operariado no momento da cisão
era a questão dos “comitês de empresa” defendidos pela POLOP em seu programa de
1967. Estes “comitês” consistiam na organização independente dos trabalhadores dentro
das empresas de forma independente dos sindicatos “pelegos”. Acreditavam que, através
destes, conseguiriam superar o papel dos sindicatos que supunham estar sob controle da
burguesia, com a sua se política de base
338
.O grupo COLINA não concordava com esta
visão. Primeiramente porque bem ou mal, os sindicatos estavam legais e ofereciam
maiores condições de mobilização da grande massa mesmo não sindicalizada. O erro na
teoria do comitê” estaria na preparação dos quadros militantes destinados ao MO e
ainda na diferença, mais uma vez, entre teoria e prática. O “comitê” não deveria ser um
substituto do sindicato em seu papel de representante da classe, mas sim um instrumento
de propaganda que auxiliaria o desempenho deste e que o teriam como ponto de
referência
339
.Em suma, para o COLINA, as características dos “comitês” ou e qualquer
outro órgão que organizasse os trabalhadores em seu local de emprego, seriam órgãos de
delegação direta de representação operária; órgãos de defesa efetiva de trabalhadores
quando mediassem conflitos de caráter imediato com patrões; órgão educativo e
politizante, para a formação de quadros para o futuro partido dos trabalhadores
(vanguarda).
Jorge Nahas relata que o COLINA tinha “um pezinho” nos movimentos legais de massa
(ME e o MO), mas com as primeiras prisões do grupo e com a ida para a
clandestinidade, este trabalho teve que ser deixado de lado
340
. O que se deve ter em
mente é que a proposta desses grupos militaristas não era a atuação com as massas,
contudo seu apoio foi fundamental.
IV.4. O foco guerrilheiro
337
Entrevista Jorge Nahas em 06/01/2006.
338
Programa socialista para o Brasil. setembro de 1967. In: REIS FILHO & SÁ. Imagens da Revolução. Rio
de Janeiro: Marco Zero, 1985. pp. 109.
339
Cf: Diretrizes para o trabalho operário.Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub 4 Imagem 25.
340
Entrevista de Jorge Nahas concedida a autora em 06/01/2006.
O COLINA “importou” o modelo de resistência cubana, para fazer sua da revolução de
caráter anti-imperialista e anti-latifundiária
341
, sendo o foco guerrilheiro sua estratégia de
ação para a tão sonhada tomada de poder e implantação do socialismo. Eram convictos
de “que um exército só se destrói com outro exército”
342
. Seria através do foco
guerrilheiro que se formaria o exército popular revolucionário, cujo embrião são os
guerrilheiros, que acabariam com o inimigo e construiriam um poder novo,
revolucionário. Do mesmo modo surgiria o homem novo após a revolução, segundo
dizia o próprio Guevara. Para ele “a mais importante ambição revolucionária é libertar o
homem da sua alienação”
343
.
Tal teoria do foco sugeria a formação de uma força móvel estratégica para a formação da
guerrilha. Consistia no envio de quadros para uma região de difícil acesso para as forças
policiais e políticas, responsáveis por reprimir as ações da esquerda revolucionária. Esta
região era o campo, o “elo fraco da cadeia”, onde o nível de politização é menor. A
escolha do local não era aleatória, os militantes passavam meses pesquisando e
conhecendo bem a região. De acordo com gis Debray
344
, autor da teoria, em primeiro
lugar eles deveriam procurar conhecer todas as possibilidades, os caminhos e os
esconderijos para a fuga, caso necessário. O próximo passo seria o trabalho com as
massas, o começo da conscientização dos camponeses através dos quais tentariam
conquistar a confiança e o apoio para o grupo, transformando essa população no braço
armado da revolução.
Este modelo não era comum à toda nova esquerda. A proposta de revolução da
Ação Popular (AP), baseava-se na concentração e politização dos trabalhadores e negava
a guerrilha como estratégia. O argumento forte do COLINA, em oposição à AP, está no
fato de que os primeiros fariam o trabalho de massa antes do desencadeamento da luta
armada o que, no final do trabalho, teriam o apoio dos trabalhadores ao Partido de
Vanguarda; já a AP geraria o próprio Partido. A crítica ao modelo da AP ainda vai além,
341
Caráter a revolução brasileira. Contribuição de Minas. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub 17
Imagem 198.
342
“Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit.. pp. 51.
343
Cf. LOWY, Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 2002. pp.52.
344
DEBRAY, Régis. A revolução na revolução.São Paulo: Centro de Estudos Latino Americano: s.d.
pois um trabalho político com as massas, aberto, como faziam, fatalmente atrairia a
repressão para o lugar e inutilizaria a área de atuação
345
.
As decisões eram verticalizadas e centradas mais em torno do comando armado,
onde se encontravam os maiores expoentes. O que entra em debate nesse ponto é a questão
da democracia existente (ou não) dentro da organização. O discurso democrático dos
revolucionários seria somente um meio de alcançar o poder com o Partido de vanguarda,
que é o que conduziria as massas à revolução. Uma vez no poder, seria instaurada a
ditadura do proletariado mas acreditavam ser apenas um governo de transição até o fim
do status quo. Para Apolo Heringer Lisboa “a democracia interna era na medida do
possível, subordinada à disciplina militar. Não tinha outro jeito também não”
346
.
de se notar, também, que na contribuição do grupo do estado de São Paulo para a
discussão interna do “Comando Nacional”, a noção de democracia é classista, pois fala
da imposição da vontade da maioria dos trabalhadores sobre a minoria dos
exploradores
347
. É explicita a visão da luta de classes nos documentos. Daniel Aarão
Reis é bem enfático na questão: “Neste período de militarismo mais exacerbado, a
democracia não existe, mas isso é uma coisa assumida por todos”
348
.
Na avaliação de Nahas
349
, existiu dentro do grupo a estratégia da “tensão
máxima”, ou seja, controle muitas vezes psicológico da direção da organização para que
não houvesse desertores. Em um momento de autocrítica, ele afirma que realmente a
direção exigiu muito dos companheiros que estavam presos para não falarem e os que
falaram foram estigmatizados. O que existia eram os sentimentos de extrema
responsabilidade com a luta, compromisso com a militância e a dívida moral com os que
morreram. Acreditavam que não poderiam abandonar a luta em virtude de outros que
deram a vida por ela. Talvez um ponto que ajude a explicar a “tensão” e que endossa os
apontamentos de Reis Filho a respeito desta seja a vaidade militante. (complexo da
dívida, leque das virtudes, massacre das tarefas e celebração da autoridade, ambivalência
345
Cf: “Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit. pp. 146.
346
Entrevista de Apolo Lisboa concedida a autora em 01/04/2005.
347
Conteúdo e forma do governo revolucionário. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 17:
Imagem 0197.
348
RIDENTI. op.cit. pp.262.
349
Entrevista Jorge Nahas já citada.
das orientações e a síndrome da traição).
350
De forma alguma pretendo reduzir a análise,
mas uma significativa recorrência de evidências. Se, anteriormente, pudemos
observar esta crítica aos vaidosos intelectuais “polopeiros” nos documentos, a fala de
Nahas parece bastante próxima da explicação que se segue:
A gente achava que as coisas dependiam muito da gente. Nós achávamos
que... isso pra nossa auto-estima é importante, se você não achar isso
também você não faz nada. Esse é um outro lado da moeda. Se você achar
que você não é muito importante, mas a gente considerava que a nossa
militância era muito importante. Depois a gente foi pro exílio (...) achando
que tinha que voltar, porque se não voltasse, não ressurgiria a luta. Isso era
uma ilusão, uma bobagem. 1974, o PMDB ganhou eleições no país inteiro.
Nós ficamos surpreendidos com aquilo, nós achávamos que aquilo não
aconteceria
351
.
A origem do militante não era de muita importância no primeiro momento, porém,
os pequeno-burgueses deveriam ter preparação política maior e treinamento físico mais
completo, como se fosse para se redimir da “culpa” de sua origem. Além disso, deveriam
ser conscientes da vida guerrilheira: o trabalho de arar, plantar, colher, transportar os
mantimentos por léguas e léguas, além de possuírem, é claro, conhecimentos militares
como o manejo de armas, preparação de explosivo, compreensão política do segredo
militar, etc
352
.
Principais ações
Como os demais grupos guerrilheiros o COLINA se propunha a fazer guerrilha
rural, e também como os demais (à exceção do PC do B no Araguaia) fez
exclusivamente guerrilha urbana. Talvez por falta de experiência ou por sua pouca
duração.
350
REIS FILHO, Daniel. A revolução faltou ao encontro. São Paulo: Barasiliense, 1989.pp.118-135.
351
Entrevista Jorge Nahas já citada.
352
“Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit. pp.158.
A guerrilha urbana serviria apenas para angariar fundos para a implantação da
guerrilha rural e a ajuda aos integrantes que estavam na clandestinidade, uma vez que
somente o dinheiro doado por simpatizantes à causa era insuficiente. Ocorreram furtos
de carros e armas para as ações que foram poucas, mas de repercussão. As ações
armadas tiveram início na segunda metade de 1968.
A primeira ação ocorreu em 23 de agosto de 1968. Foi um assalto ao Jeep da
Secretaria da Fazenda cujo destino era a cidade de Guanhães. Fardados, interceptaram o
carro, mas por um desencontro de informações, o dinheiro não estava
353
. A segunda
ação ocorreu em 28 de agosto em assalto ao Banco do Comércio e da Industria, na
avenida Pedro II, contudo, não possuo mais informações sobre este assalto
354
.
No mês de outubro, três significativas ações. No dia 4, um assalto ao Banco do
Brasil na Cidade Industrial onde, após a ação, foram jogados panfletos assinados pelo
grupo. A importância dessa ação é que, provavelmente, foi o primeiro assalto
assumidamente de cunho político do país e foi a mise en scène do COLINA para a
sociedade
355
. Dias após, estavam envolvidos na segunda greve de Contagem ocorrida
naquele ano. A greve foi organizada e levada a cabo basicamente pelos grupos que
atuavam naquela região – entre eles COLINA e AP. De acordo com os relatos, a
participação do COLINA na greve ocorreu via Piquete, ou seja, na distribuição destes e
no apoio logístico. Com o fracasso da greve, que durou um dia, o sindicato sofreu
intervenção, e o COLINA, através do Piquete, divulgou suas conclusões. Para eles, da
organização, a greve não obteve sucesso por ter sido uma atitude precipitada e ter saído
antes do tempo,. Culpam os apressados que quiseram fazer a greve no peito mas
acharam válida a grande adesão de operários. O que pretendiam dali em diante seria
353
Cf. Relatório referente ao COLINA. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381;
Entrevista de Maria José Nahas em 11/01/2003; Entrevista de Irani Campos em 17/01/2006; “Toda a verdade
sobre os assaltos”. Jornal Estado de Minas. 30 de maio de 1969.
354
“Toda a verdade sobre os assaltos”. Jornal Estado de Minas. 30 de maio de 1969; Relatório referente ao
COLINA. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381
355
Cf. Entrevista Maria José Nahas em 11/01/2003; DANIEL.op.cit.pp.18; “Toda a verdade sobre os assaltos”
.Jornal Estado de Minas. 30 de maio de 1969.
organizar tudo clandestinamente, até para evitar que dedos-duros” boicotassem os
planos
356
.
No dia 18 do referido mês, atacaram com bombas caseiras a casa do então
delegado do trabalho Onésimo Viana e a casa do interventor do sindicato dos
metalúrgicos, fiação e tecelagem e bancários, Humberto Porto. De acordo com o
panfleto jogado na casa de Humberto Porto, tal ação foi um protesto contra a intervenção
nos sindicatos, a prisão de alguns líderes da greve e a demissão em massa de
trabalhadores com vários anos de trabalho dentro da empresa sem indenização. Segundo
o Piquete, chegaram a mais de 200 o numero de metalúrgicos despedidos com mais de
10 anos de trabalho
357
. A ação foi bem sucedida, conseguiu dar mais visibilidade ao
grupo e a própria polícia reconheceu o quanto foi bem executada
358
.Ainda em 1968
houve uma tentativa frustrada de assalto ao banco do estado da Guanabara em conjunto
com militantes daquele estado
359
.
O último ocorreu no dia 14/01/1969 em Sabará. O comando armado se dirigiu
para a cidade a fim de assaltar os bancos Lavoura e Mercantil. Somente Ângelo Pezzuti
e Pedro Paulo Bretas foram presos ainda no mesmo dia. Carmela Pezzuti nos relata
como a repressão conseguiu chegar a Ângelo:
E aí, na Sabará eles conseguiram passar, não foi ninguém preso mas eles,
naquela euforia de ter passado (...), o Ângelo pegou... Não tinha aquela
capacidade de ver que tava em perigo, não tinha limitação, eu acho que não
tinha, porque o Ângelo veio daquela passagem... Ele sabia que a polícia
sabia... Sabe onde ele deixou o carro? Deixou na porta do Palácio! Deixou
na porta do Palácio, e quando ele saiu, ele deixou a marca da digital dele.
356
Sobre a participação do COLINA na greve: RIDENTI. op.cit. pp.178-179; Entrevistas: Apolo Lisboa em
01/01/2005; PIQUETE . Ano 3, 94, 1968. Acervo DOPS/MG APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12.
Imagem 0188. PIQUETE . Ano 3, 92, 17/10/1968. Acervo DOPS/MG APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta
12. Imagem 0190; PIQUETE . Ano 3, nº 93, 1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12.
Imagem 0192.
357
Cf. Panfleto assinado pelo grupo COLINA jogado em 18/10/1968. Acervo pessoal Elza Correa da Silva
Porto; PIQUETE . Ano 3, 93, 1968. Acervo DOPS/MG APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem
0192. “Terroristas explodem casa de interventor”. Última Hora. 19/10/1968.
358
“Onésimo Viana tem proteção policial”. Estado de Minas. 22/10/1968.
359
“Toda a verdade sobre os assaltos” Estado de Minas. 30/05/1969; “Organização subversiva que agia em
Minas é descoberta”. Jornal do Brasil. 30/05/1969. p. 12.
Ele estava na clandestinidade, os outros não estavam na clandestinidade
ainda. E ele deixou a marca da digital dele e deixou na porta do Palácio.
Então foi preso. (...) Ele já estava na clandestinidade então não morava com
os outros. Ele morava numa casa sozinho
360
.
O plano era tentar resgatar Ângelo Pezzuti, porém, a polícia chegou antes e
conseguiu prender o restante do comando armado. O COLINA possuía três “aparelhos”.
O que ficou mais conhecido foi o do bairro São Geraldo, local onde foram presos na
madrugada de 29 de janeiro de 1969. Lá estavam Jorge Nahas, Maria José Nahas,
Murilo Pinto, Júlio Bittencourt, Nilo Sérgio Menezes, Afonso Celso Lana Leite e
Mauricio Paiva.Foram encontradas dentro do aparelho as metralhadoras Thompson, o
que causou o espanto aos policiais por estarem nas mãos de jovens quando nem a
própria repressão possuisse armas dessa categoria.Houve tiroteio, um policial morreu.
Mauricio Paiva levou um tiro na perna. Todos foram encostados na parede e passaram
por uma simulação de fuzilamento. O fato não se consumou porque Luiz Soares da
Rocha
361
temeu pelas conseqüências do ato e o impediu. Ainda ficaram amarrados um
ao outro pelo pescoço por um fio de arame, tudo isto acompanhado de espancamentos e
ameaças. Em seguida foram levados para o DOPS. O COLINA foi o primeiro grupo
armado a ser desmantelado. Começava para os integrantes a fase da prisão, torturas e das
angústias que só terminaria, para muitos, em 1979 com a anistia
362
.
V.5. A penitenciária e o Documento de Linhares
A Penitenciária Regional Jo Edson Cavalieri foi inaugurada em 1966 com
presos vindos de Belo Horizonte. Ficou conhecida por Penitenciária de Linhares por
causa da sua localização o bairro de Linhares na cidade de Juiz de Fora. A recepção
de presos políticos começou em 1967 com militantes presos na guerrilha do Caparaó,
360
Entrevista de Carmela Pezzuti concedida à autora em 28/03/2005.
361
Delegado e um dos torturadores citados na Carta de Linhares e no projeto Brasil: nunca mais, conforme
será apresentado no próximo capítulo.
362
Sobre a prisão: Cf. Depoimentos já citados de Maria José nahas, Jorge Nahas, Carmela Pezzuti;
Documento de Linhares datado de dezembro de 1969. Cedido por Maria José Nahas; PAIVA. op. cit. pp.35 ;
PAIVA, Mauricio. Companheira Carmela. Rio de Janeiro, Amuad, 1996.
contudo, somente em 1969 é que chegam os primeiros integrantes da guerrilha urbana
integrantes da COLINA e CORRENTE. A penitenciária tem esse caráter de prisão
política até 1980. De acordo com Flávia Ribeiro, pode-se classificar Linhares como uma
instituição de reclusão. Lá não havia tortura física e era um local onde se aguardava o
julgamento. Levando em conta a expressão utilizada pelos presos na época, “sair do
inferno e cair no purgatório” ou seja, sair do local onde se interrogava (torturava) e
levava para a penitenciaria, Linhares era o purgatório
363
.
Em entrevista com uma das agentes penitenciárias que trabalhou, ela relatou
que foi contratada exclusivamente para trabalhar com presas políticas, porém na
penitenciaria Estevão Pinto em Belo Horizonte. Sua transferência para Linhares ocorreu
em 1969 para cuidar das presas. Para ela, a experiência e o convívio com as militantes
foram muito bons para a sua formação:
Porque eu era nova, né? Era menina pobre, eu nunca tive esse convívio., então eu
achei muito bom pra mim. Eu cresci muito com isso também, viu? Além de pobre,
meu pai era militar, a gente era criado assim [quis dizer algo como rígido] né?
Então foi muito bom. Eu tinha colega que tinha esse medo (das militantes
“terroristas”) e até falava muito comigo.(...)Eu me dava bem com elas porque eu
não participava dos assuntos, mas ouvia tudo e não passava. Porque tinha aquela
coisa, né? De não poder comentar as coisas que você ouvia e tudo
364
.
Ela ainda contou que aprendeu a fazer tapete arraiolo com as detentas e quando elas
conquistaram o direito de receber as visitas dos namorados (não eram visitas íntimas) ela
fingia que não estava vendo o que acontecia e não ficava prestando atenção nos assuntos.
Rindo diz: “Pra quê? Eu sabia o quê que era”. Em contrapartida, as dificuldades do trabalho
apareciam regularmente com seu contato direto com as presas que eram torturadas. Ela não
as acompanhava para a sessão de tortura em outros locais, como cuidava delas depois do
suplício:
363
Cf: RIBEIRO, Flávia F. Linhares: Resistência e repressão num presídio na ditadura militar. IN: ANAIS
do IV Encontro Regional Sudeste de História Oral: História, Cultura e Poder. Juiz de Fora. 2005.
364
Entrevista com ex-agente concedida a autora em 02/04/2005.
(...) Ela foi torturada no DOPS, eles arrancaram o mamilo dela a dentada. Eles
torturavam tanto que eles chegavam na penitenciaria (...) era um prédio velho , onde
eu trabalhei tinham duas banheiras. A gente tinha que pôr elas na água com sal.(...)
E eles tiravam da penitenciaria, levavam pra torturar e voltava
365
.
Conforme já afirmado, Linhares foi o purgatório cuja rotina é descrita por Maria
José Nahas:
Tem horário pra tudo,né? Bate o sininho lá (...) Tinha o refeitório, você
entra no refeitório e depois entre o horário do café da manhã e o horário
para sair para o banho de sol, era o horário da higiene. Você tomava banho,
lavava roupa, não sei o quê, limpava a cela. Era nesse horário.(...) A gente
acabou tecendo uma rede de vôlei, a gente ficava jogando vôlei até a hora
do almoço. Na hora do almoço entrava outra vez para o refeitório, depois do
refeitório, cela. Eu não sei se era uma ou duas horas, na hora do lanche,
voltava para o refeitório outra vez e a gente não saía mais no pátio.(...)
Ficava no refeitório até a hora do jantar. Depois do jantar, recolhia para a
cela. Na cadeia eu lia muito e tinha mais, por exemplo, em Linhares eu
pedi à Ione Grossi para fazer um esquema para a gente estudar história do
Brasil. Então, nesse período a gente tinha uma hora por dia e uma outra
coisa política nesse horário que era higiene, a gente estudava todo o dia,
uma hora. A gente estudava, a gente estava fazendo um esquema de estudar,
sabe? E trabalho manual. (...) Aquela colcha que estava na minha cama,
com exceção da Carmela, que não bordou, todas as outras presas políticas
fizeram um crochê
366
.
Em dezembro de 1969 foi escrito nesta penitenciária, por alguns dos militantes do
COLINA, o primeiro documento de denúncia escrito por presos e divulgado para todo o
365
Idem.
366
Entrevista da Maria José Nahas em 02/04/2005 concedida a autora.
mundo. O documento, também conhecido como carta de Linhares”, é um manuscrito.
Relata tanto a trajetória do grupo da “casa do São Geraldo” pelos locais de tortura desde
a noite em que foram presos (29 de janeiro de 1969), quanto as torturas sofridas por
outros militantes de diferentes organizações que tiveram contato em algum momento
com esses integrantes. No documento constam os nomes dos torturadores atuantes,
principalmente na cidade de Belo Horizonte, sendo os mais citados: Luis Soares da
Rocha, Lara Rezende, Mário Candido da Rocha, José Pereira, José Reis. Também
apontam os locais onde ocorriam as torturas: Delegacia de Vigilância Social DVS,
onde funcionava o DOPS; Delegacia de furtos e roubos; 12 RI e na Policia do Exercito
no estado da Guanabara, assim como a descrição de alguns dos métodos utilizados, o
pau-de-arara, hidráulica, choque elétrico, palmatória
367
. Mais que mera citação de nomes
e técnicas, o documento contém uma reflexão consistente sobre o lugar ocupado pela
tortura na ditadura militar brasileira, seu caráter institucional dentro do regime, em
função da larga escala em que foi praticada, e pela legitimação deste caráter nas aulas de
tortura ministradas para sargentos das três forças.
Eram nesSas aulas que se aprendiam os métodos citados acima. Eram mostrados em
slides e aplicados ao vivo nos presos-cobaias
368
. Consta no projeto Brasil: Nunca Mais,
que Ângelo Pezzuti, Mauricio Paiva, Afonso Celso, Murilo Pinto, Pedro Paulo Bretas,
integrantes do COLINA, serviram de cobaias para a aplicação da tortura como “método
cientifico”; na Policia do Exército na Guanabara, cerca de 100 militares assistiram a
essas seções
369
.
Em 1974, o diretor Costa Gravas lança o filme Estado de Sítio; em uma das cenas, ele
reproduz uma dessas aulas. Herbert Daniel faz menção ao comentário de Ângelo Pezzuti
à dramaticidade da cena:
Anos depois, quando o reencontrei, iria me contar que a encenação de Costa
Gravas pecava, enquanto documentário, por ter dado um ar severo e
dramático à cena. De fato, a lição ocorreu num clima descontraído de
367
Para maiores informações sobre os métodos cf: Projeto Brasil: Nunca Mais.
368
Cf. Documento de Linhares. Datado de dezembro de 1969. Retirado do Arquivo de Maria José Nahas.
369
Projeto B Brasil: Nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985. pp.31-33.
verdadeira classe estudantil, de exercício escolar. Absolutamente
desdramatizado. O professor de tortura, um técnico muito bem humorado
expunha os torturados (...) como um catedrático de medicina usaria um
doente para relatar um caso
370
.
Não se tem notícia da carta original. A que foi trazida a público, além de reescrita,
continha um anexo manuscrito por Ângelo Pezzuti, esclarecendo os fatos. Segundo
Pezzuti, o original foi apreendido pelo diretor da penitenciária de Linhares, para ser
examinado. Sabendo da existência de tal documento, o major Vicente Teixeira da
PMMG (um torturador) foi até Linhares dizer ao diretor que ele tinha a autorização do
coronel Ledo – responsável pelos presos políticos – para tirar uma cópia deste. O
documento foi entregue, nunca mais foi visto e soube-se depois que o coronel Ledo não
havia dado autorização nenhuma
371
.
Ainda nesta questão de qual teria sido o fim do primeiro documento de Linhares, há uma
contradição entre o anexo manuscrito de Ângelo Pezzuti e a fala de Carmela Pezzuti,
que serve para ilustrar questões referentes à confiabilidade das fontes históricas
372
.
Segundo a entrevistada, o documento foi entregue por Ângelo ao seu pai e na saída foi
apreendido:
Então, para sair, na hora em que ficou pronto, o Ângelo entregou escondido
para o pai dele. Quando o pai dele foi visitar. Quando estava passando o
documento foi preso. Tanto que não tem o original. O original deve estar,
agora que eles estão queimando as coisas (...) Deve estar o original. Aí
eles fizeram outro. O primeiro eles prenderam. Prenderam e falaram que
iam devolver, mas eles não devolveram
373
.
370
DANIEL, Herbert. Passagem para o próximo sonho.Rio de Janeiro: CODECRI, 1982.pp.99
371
Manuscrito de Ângelo Pezzuti anexado ao documento de Linhares. Datado de 19 de dezembro de 1969.
372
Cf: VOLDMAN, Danièle. A invenção do depoimento oral .IN:FERREIRA, Marieta & AMADO,
Janaina.(org.) Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV, 2000. pp.247-266.
373
Entrevista de Carmela Pezzuti em 28/03/2005 concedida a autora.
Como esta carta saiu de Linhares? O curioso é que nenhum dos entrevistados soube
responder ao certo. O que ouvi foram especulações, seja “algum parente do Ângelo”, ou,
“a mãe do Nahas”. De acordo com Ângela Pezzuti
374
as suspeitas caíram sobre ela, o que
era plenamente justificável dada a articulação que tinha junto aos presos e aos parentes
destes. Ela respondeu a processo assim como o pai de Ângelo e Murilo.
Mistérios à parte, a importância desse documento é incontestável pelo seu pioneirismo,
por seu caráter de denúncia e mais que isto, pelas palavras de Jorge Nahas:
Eu sei que aquele documento é um relato (... ) Se não me engano, aquilo foi
palavra do Angelo Pezzuti. Aquela história do torturador e do torturado.
Não é um simples documento de denúncia da tortura. Um documento
muito bom, eu acho que foi um dos pontos altos. E ele conclui a finalidade
dele, porque ele é bem estruturado,as denúncias são bem circunstanciadas,
todo o mundo assinou de próprio punho, foi feito entre nós
375
.
Após todas as reflexões, o documento foi assinado por cada um dos 12 depoentes: Irani
Campos, Ângelo Pezzuti, Pedro Paulo Bretas, Antonio Pereira Matos, Mauricio Vieira
Paiva, Afonso Celso Lana, Murilo Pinto da Silva, Julio Bittencourt, Marco Antonio
Meyer, Jose Raimundo de Oliveira, Jorge Nahas e Erwin Rezende Duarte.
Com a divulgação do Documento de Linhares, houve mudanças dentro da
penitenciária:
Os presos passaram a se comunicar com as visitas através de um parlatório.
O objetivo era evitar o contato entre as partes, para a ditadura, o motivo da
difamação do país no exterior, com a passagem de informações. Portanto,
para o sistema repressivo a gravidade da situação não figurava nos atos
relatados no documento. Mas, ao contrário, na divulgação pública daquele
material
376
.
374
Entrevista de Ângela Pezzuti em 11/01/2006 concedida a autora.
375
Entrevista de Jorge Nahas em 06/01/2006 concedida a autora.
376
RIBEIRO. op. cit. pp.8.
São os presos políticos os primeiros a desmascarar a ditadura perante o mundo com uma
série de documentos que evidenciam o reconhecimento da real situação do país pela
Anistia Internacional. Conforme afirma Heloísa Greco, são estes, juntamente com os
exilados e desaparecidos, os principais alvos da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita
377
.
Este capítulo é, em grande parte, destinado ao trabalho com memória dos
entrevistados. É a fala destes que será valorizada, uma vez que, será apresentada a visão
deles quanto a questões estritamente individuais sobre sua experiência na militância, no
exílio e a autocrítica. Se não nas entrevistas, nas cartas escritas durante o exílio. A
recorrência mais freqüente de um ou outro nome não é uma questão meramente subjetiva,
mas sim das condições da entrevista. Além disto, é de meu conhecimento que o COLINA
não se restringe aos nomes citados, estes nomes, houve militantes cuja visibilidade foi a
mesma dos citados, contudo, estou valorizando minhas fontes orais.
Somente com Maria José Nahas consegui duas entrevistas, com os demais somente
uma, o que não é um grande problema tendo em vista que a história oral é antes de tudo
uma metodologia qualitativa. É certo que um ou outro ponto poderia ser mais explorado,
mas, conforme já afirmado, este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema.
VI.1. O golpe
Uma das questões levantadas e, creio eu, de grande relevância, é buscar entender o
que o golpe militar representou para estes ex-guerrilheiros, pois foi, sem dúvida , o que os
motivou a pegar em armas e mudar o rumo de suas vidas. As respostas convergiram em
dois blocos: um masculino, em que predomina o sentimento de surpresa e o outro,
feminino, em que as mulheres não enxergaram representatividade alguma no golpe no
instante em que ocorreu.
Para Irani Campos, foi uma “decepção muito grande”, pois ele militava
anteriormente no “grupo dos 11e na campanha pela legalidade. Segundo Irani, a vontade
era de tentar organizar uma proposta diferente do PCB, que era o único “mais organizado”;
com o golpe ficou mais difícil. Ainda nesta linha de análise, está Cláudio Galeno que relata
377
Cf: GRECO. A luta pela anistia nos cárceres.op. cit. pp.186.
sua “frustração”. Segundo ele, a POLOP já esperava algum golpe em 1961, mas mesmo
assim foram pegos de surpresa. Jorge Nahas relata a violência que representou para as
instituições democráticas e que julga o Partido Comunista incompetente no combate ao
golpe. Apolo Heringer lembra que o golpe acabou com os movimentos de massa.
De acordo com Carmela Pezzuti, o golpe não representou muita coisa para ela no
primeiro momento. Quem acompanhava a política eram seus filhos Angelo e Murilo,
que inclusive, a levaram para a militância. Maria José Nahas conta que o golpe não
representou muita coisa para ela naquele momento, pois ela não gostava muito de
“politicagem”, mas tinha curiosidade para “conhecer o outro lado”, no caso, o
comunismo. Ela contou que, quando chegou em Belo Horizonte, em 1964, participou,
sem saber, de uma das “Marchas da família”. Ângela Pezzuti, também endossa a fileira
das que não viam significado algum no golpe, no momento em que ocorre.
Pra eu te falar a verdade, eu senti o golpe num dia, eu não senti o golpe em
64. Eu tava em 65 aqui trabalhando na Universidade, participando de
algumas passeatas e tal. Eu senti o golpe realmente, numa ocasião em que
eu estava de férias, que foi 68 o Ato-5, não é? Eu tava indo com uma amiga
passar férias no Rio, alugamos um apartamento, e eu sai de manhã e vi nas
manchetes de jornais o Ato – 5. Aí, na hora em que eu li, escureceu tudo pra
mim. Falei: “Acabou tudo, né?”. Foi que eu senti o golpe. Eu senti o
golpe realmente com o Ato numero 5. Eu tava indo pra praia, comprei o
jornal e eu entendi a amplitude do negócio. eu achei que não tinha
solução. Eu sabia que o Ângelo participava das... das coisas estudantis,
fazia, eu ia em tudo. Ia em passeata, ia em tudo, mas o negócio ficou meio,
assim, no ar
378
.
VI.2. Militância
378
Entrevista de Ângela Pezzuti concedida à autora em 11/01/2006.
Outra questão que se colocou foi a que se referia à militância de cada um. No caso
dos militantes homens, todos já tinham uma história de militância antes ou iniciada na
POLOP e participaram desde o início do COLINA. Em contrapartida, Carmela Pezzuti e
Maria José começaram dentro da organização. O relato de Carmela sobre sua decisão
pela militância é constantemente resignificado:
(...) Dora me dava umas aulinhas e eu comecei a ler Debray, comecei a ler
A mãe, do Gorki, E comecei a entusiasmar também com aquilo, achando...
Porque, você sabe, eu sempre tive uma atitude muito... Eu sempre via... Não
sei se veio do papai. Eu tinha muito aquela coisa de luta.(...) Eu não sabia
porque aquilo. E tinha muita capacidade de ver aquilo e ficava sem saber o
que fazer. Então, como eu tinha eu acho que veio do papai- porque o
papai não era comunista, não era nada, ele era até meio fascista.(...) Então,
não foi de repente, foi mais ou menos uma coisa que vinha dentro de mim e
que estourou quando os meninos me chamaram. Não foi porque eles me
chamaram, foi porque eu também tinha aquela visão social tão ruim,
naquele tempo, como hoje, que também, eu acho que esta piorando cada
vez mais. Eu entrei, mas entrei primeiro eu com a Dora pra arranjar
dinheiro, porque não tinha dinheiro, a gente abriu uma lojinha de bijuteria.
Ela vendia bijuteria para poder ajudar nessa luta, mas não durou nada
porque não foi pra frente, nós não sabíamos fazer negócio, o negócio foi por
água abaixo. Aí, eu comecei a militar mesmo, mas aí, militar, mas ainda
no Palácio, funcionária do Israel [Pinheiro].(...) Então, eu continuei a luta e
primeiro de tudo eu comecei com essa lojinha, depois eu fui... Aí eu
comecei a fazer minha parte na COLINA fazendo [documento falso]
379
.
A busca de uma referência em na figura paterna também ocorre na fala e Maria
José: “Claro que na época não admitia isso, mas hoje eu vejo porque que eu fui estudar
medicina. Muito em função da figura paterna”
380
. Filha de médico na cidade de Muriaé,
o pai atendia em casa com a ajuda da mãe. Ela relata que cresceu em meio aos
379
Entrevista de Carmela Pezzuti concedida à autora em 28/03/2005.
380
Entrevista de Maria José concedida à autora em 11/01/2003.
empregados e aos filhos destes e isto a ajudou a desenvolver uma certa sensibilidade
social, primordial para a prática militante.
Já Ângela Pezzuti, teve sua entrada “oficial” na militância bem mais tarde, quando o
COLINA estava extinto. Seu relato tanto faz referência à figura do pai, que também
era médico na cidade de Araxá e ela frisa a importância dele para ajudar no
desenvolvimento do tratamento médico na região e da posição política dele, que era
“fascismo que seria um socialismo”.
E eu lembro muito de ouvir meu pai falar: “O futuro do mundo é o
socialismo”. Então, eu tive essa formação humanística, do meu pai e da
minha mãe, que a minha mãe não tinha nem o quarto ano primário
381
.
Se foi pelos pais a “formação humanística”, a militância foi pelos sobrinhos, filhos
de Carmela:
E eu lembro do Ângelo falando comigo: “Ô tia Ângela, vamos entrar pra nossa
organização? Voseria uma pessoa ótima.”. “Qual organização? Esse negocinho
de estudante, eu não quero não. No dia em que tiver alguma coisa séria, eu
entro.”Eu não sabia que eles já estavam, inclusive, fazendo assalto em banco
382
.
A importância de Ângela não está em sua participação específica dentro do
COLINA ou qualquer outra organização comunista. É de se destacar sua participação no
amparo aos presos políticos e seus familiares e dentro da comissão dos exilados dentro
do Movimento Feminino pela Anistia. Ela ficou conhecida carinhosamente como a “tia
Ângela”
383
.
Um caso que ilustra o compromisso com a causa é o que foi relatado por Maria José
sobre como conseguiu dinheiro para a compra das armas. Após o casamento ser adiado
381381
Entrevista já citada de Ângela Pezzuti.
382
Idem.
383
Cf. Entrevista de Ângela Pezzuti e Irani Campos.
algumas vezes, o dinheiro do enxoval foi revertido para a compra de armas. Segundo ela as
primeiras armas, inclusive as metralhadoras Thompson, foram adquiridas com o dinheiro
do enxoval de casamento:
(...) O comprometimento era tal que pra mim pegar o dinheiro do enxoval...
(...) “Olha o dinheiro aqui”, o Ângelo: “chegou o seu enxoval” com o
olho brilhando, o Ângelo era muito (...) disse “chegou seu enxoval, vamos
lá ver”? Tinham chegado as armas
384
.
A não ruptura com a militância clandestina se faz presente quando os filhos recebem
os nomes de guerra dos pais ou dos companheiros mortos. João Lucas, em referência a João
Lucas Alves é o nome do filho de Irani Campos, a história do nome das filhas de Maria
José e Jorge Nahas é mista:
Uma coisa forte é o seguinte, todos estes anos meu nome era Célia. O do
Jorge, Paulo. Então, quando a minha filha nasceu, a primeira chamou Célia,
a segunda chamou Paula e tem mais, o Jorge queria que se chamasse
Amélia. Amélia era o nome de guerra da Paulina Reinchpull. Eu falei:
“Então, chama Paula”, que era o nome (...) O nome verdadeiro dela era
Paulina mas o de guerra, Amélia. “Paulina e Paulo, que era seu nome de
guerra”. (risos) Então, mistura todas estas emoções, faz um saco de gato de
tudo mas é tudo muito misturado, não é ? Nos filhos, eu fui pôr os nomes de
guerra (risos). E o nome da Paula era o nome de guerra do Jorge e o
verdadeiro da Amélia
385
.
VI.3. Exílio
Dos entrevistados, todos continuaram ligados ou não a partidos, a militância no
exílio. Mostraram-se convictos em suas crenças ideológicas, e que, ao contrário do que se
divulgou no período, não eram “desajustados”, “drogados” e “terroristas”. Através das
384
Entrevista Maria José, já citada.
385
Idem.
cartas enviadas por Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas pode-se estabelecer uma trajetória linear
de sua estada no Chile. Ângelo, assim como Jorge e Maria José, estava entre os 40
banidos
386
para a Argélia, em troca pelo embaixador alemão em 1970.
Uma importante mudança na vida pessoal com o nascimento do filho foi relatada
carta a carta: “Maria e eu recrutamos um revolucionário sem os ‘vícios da velha esquerda’”.
Depois: “Vou começar a trabalhar agora, pois com a vinda do herdeiro é capaz que o
salário da Maria não dê”. E por fim, quando do nascimento: apesar de todas as
dificuldades, de tudo o que de miserável no mundo, a vida prevalece”. Mostra o que a
construção de “um eu” e de uma vida coerente
387
. Mesmo em meio a discussões políticas,
o assunto sobre um filho é recorrente. A felicidade com a nova situação é transparente
“somos jovens e a luta não está nos exigindo esse sacrifício agora. (...) Reflitam. Acho que
vocês merecem [um filho]
388
.
Outro aspecto notável é a dificuldade de conciliação entre militância e formação
profissional. Na carta de junho, ele relatou o não aproveitamento do curso de medicina em
decorrência da organização de uma “assembléia provisória de militantes” - uma tentativa de
reorganização de sua atividade política. E, evidentemente, ficaria mais difícil ainda pela
necessidade de um emprego para o sustento do filho.
O momento histórico vivido em 1972 no Chile é o do governo de Salvador Allende.
Previa- se uma “transição ao socialismo
389
”, de via pacífica. Seria o primeiro país latino
onde o socialismo chegava ao poder pela “via chilena”. Tornava-se, então, uma nova
esperança para a esquerda. Tal esperança é explícita na carta:
386
O ato de banimento foi criado pelo AI-13 de 05/09/1969. Em novembro de 78 havia 130 banidos do
território brasileiro: 15 trocados pelo embaixador americano em set./69; 5 trocados pelo cônsul japonês em
mar/70; 40 trocados pelo embaixador alemão em jun/70 e 70 trocados pelo embaixador suíço em jan/71. Cf.:
GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela anistia.Tese de doutorado.Departamento de historia.
FAFICH. UFMG. 2003. pp.51.
387
GOMES. op.cit..pp.15.
388
Carta de Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas escrita em 13 de outubro de 1972. Cedida por Maria José Nahas.
389
Para maior panorama do Chile neste período: POLOMER, Azun. El día interminable. Memoria y
instalación del 11 de setembrie de 1973 en el Chile (1974-1999). Beenos Aires. Siglo XXI, 2000.
“(...)Reitero o meu ponto de vista de que considero este país aqui o lugar
adequado para a etapa que vivemos. Para a reconstrução, para o trabalho,
para a discussão, para a continuidade da formação”
390
.
Como se sabe, o socialismo não se efetivou no Chile e outro golpe obrigou a
centenas de exilados a fugirem para outros países. Ângelo Pezzuti morreu na França em
1975.
Maria José e Jorge Nahas optaram por permanecer em Cuba. fizeram
treinamento guerrilheiro, terminaram o curso de medicina e voltaram. Para Jorge Nahas a
experiência de viver em Cuba o levou a uma conclusão:
Você era revolucionário, comunista, num país socialista, você tinha que
viver aquilo dali. Se tinha algum erro... Eu não adotei aquela famosa frase,
um pouco irônica, mordaz, de um companheiro que foi viver na Alemanha
socialista e de saiu pra viver na Alemanha capitalista ele dizia: “Morrer
pelo socialismo, agora, viver é no capitalismo”
391
.
Carmela Pezzuti passou por inúmeras “desventuras” pelos vários países em que
viveu. Grosso modo, conseguiu se virar no exílio sem saber se comunicar direito na língua
local. Cuidou de crianças de classe média numa escola na França, onde este problema de
não saber francês lhe causou problemas:
Quando a falava: “Você vai fazer isso, isso e isso”, eu entendia pouco, mas
os meninos ajudavam. Meus 10 meninos. Aí, menina, os pais ficaram
sabendo que tinha uma professora que não sabia falar. danou, né? Eu fui
dispensada. Aí eles fizeram até assinatura pra mim não sair, mas eles falaram
não. “Nossos filhos não podem ser educados por uma mulher que não sabe
falar francês”. Aí eu tive contato com uma outra que olhava criança de árabe.
390
Carta de Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas escrita em 8 de fevereiro de 1972. Cedido por Maria José Nahas
391
Entrevista de Jorge Nahas concedida a autora em 06/01/2006.
Filho de árabe servia. Servia qualquer coisa. Menina, mas não tinha infra-
estrutura nenhuma. Os meninos ficavam numa igreja tudo fechado ali
naquela igreja, não tinha um brinquedo, não tinha nada pras crianças
392
.
Depois, foi a vez de chegar na Itália e trabalhar como esteticista, até a anistia,
quando volta e continuidade ao trabalho que desenvolveu nas creches da França. Funda,
então, a Casa da Vovó, em Belo Horizonte, com dinheiro vindo do exterior e de uma ONG
no Rio de Janeiro. Sai de Belo Horizonte ( não explicita em que data) e vai para Cuiabá
auxiliar seu filho mais novo, Murilo, a trabalhar com os sem-terra. Começava mais um
período difícil onde passava fome, dormia no chão, “andava de qualquer jeito”. Uma noite,
quando já estava em casa, chega alguém para avisar que Murilo havia suicidado. Ela então
volta a Belo Horizonte e retoma a militância no movimento por creches.
VI.4. A volta ao Brasil
Depois de toda a sorte de experiências em várias partes do mundo, chegou a tão
esperada hora de voltar ao país. Dois pontos em que certa convergência nos
depoimentos é, primeiro, a segurança de que não haveria um outro golpe, após a anistia,
em 1979, a exceção é Apolo Heringer; o segundo ponto seria a dificuldade da
readaptação. De acordo com Ângela Pezzuti:
A adaptação foi assim, muito pesada. Muito pesada. Eu estive várias vezes
no exterior, no Chile, na Europa, e eu conheci a vida deles lá. Dos exilados.
Como também a gente, antes da anistia, a gente recepcionava os que estavam
sendo soltos. Muito desorientados. A barra muito pesada. Não se falava em
anistia ainda. Então, a gente, esse grupo que eu estou te falando, de mães, de
familiares, de amigos, a gente tentava entrosá-los. Era uma realidade
totalmente diferente.E depois com, em 79, com esse negócio da anistia, em
abril de 79, eu fui à Europa. E fui particularmente comigo pra conversar com
eles, porque eu sabia que ia ter problema aqui com a adaptação. (...)
392
Entrevista Carmela Pezzuti já citada.
“Ângela, vocês estão com esse negócio de anistia pra lá, pra cá, vocês
tinham que preparar uns psicólogos, pra receber esse pessoal que vai chegar
de lá”. Mas a gente nem tinha tempo, nem tinha dinheiro. Mas foi muito
pesado. Tanto com relacionamento familiar, readaptação familiar, como nas
outras áreas, de emprego, de adaptação. Tanto dos que começaram a sair da
prisão no inicio de 70, como nos depois da anistia, os exilados. Muito
pesado. Muito pesado pras famílias, muito pesado pra eles, muito pesado.
Loucura mesmo
393
.
O que há de se notar também é a participação destes na formação do Partido dos
Trabalhadores, no início da década de 80. Isto pode ser exemplificado nas fala de Apolo
Heringer:
Eu até 81 eu achava que podia ter um golpe, eles pegariam todo o mundo. Eu
tive até medo quando o PT começou a filiar todo o mundo. Eu achei que
aquilo dali podia dar um massacre. Porque você tem a história da Indonésia,
mataram 600 mil pessoas num contra-golpe ao Partido Comunista. Então,
eu sempre tive medo de que houvesse um massacre de uma hora para outra.
Porque a direita, a extrema direita, os caras do exército, estavam todos soltos
aí. Eles podiam de uma hora para outra dar um golpe militar. Houve ameaça
disso. Então, a gente que era mais visado tinha que ficar apavorado
mesmo
394
.
Maria José Nahas e Jorge Nahas não viram dificuldades na volta tampouco medo de
um contragolpe. Há referência à filiação no PT em ambas as falas:
O inicio da minha militância no PT foi sempre com a Célia [filha] aqui, no
canguru. Depois não... Não me senti bem com o tipo de militância. Gozado,
393
Entrevista Ângela Pezzuti, já citada.
394
Entrevista de Apolo Lisboa em 01/04/2005.
né? Na militância clandestina, para mim, era super tranqüilo, esta
militância não clandestina, e principalmente, eu acho que eu não dou conta é
quando tem que... A verborragia. Não agüento essa falação e não sei o quê...
Não dou conta, entende? Então, eu afastei. Dava o apoio todo. Eu tinha um
fusca, que o fusca era importante na história do PT. O fusca era que fazia
tudo. Então, por exemplo, quando tinha reunião nessa regional aqui, era o
meu fusca que ia de casa em casa chamando gente para fazer reunião, etc
395
.
Olha, eu não senti dificuldade nenhuma(...). Não senti. Agora, reconheço que
sou um cara meio privilegiado, mas um pouco pelo fato de eu ter ficado em
Cuba o tempo inteiro, me adaptado muito bem em Cuba, gostava dos
cubanos, do povo cubano, sentia muito bem em Cuba. Terminei meu curso
de medicina, coisa rara entre os exilados, voltei pro Brasil médico, isso me
ajudou demais do ponto de vista profissional, e voltei e me integrei
imediatamente na militância petista, que era uma coisa que eu pensava.
Honestamente não acho que foi dificil não. Eu não tenho essa visão de que
as coisas foram complicadas no exílio, que eu fiquei lá... Não é verdade. O
exílio é difícil, é duro, é um absurdo, mas eu terminei meu curso de
medicina, conheci o povo cubano, senti muito bem. Não tive essa depressão
de exílio não
396
.
Irani Campos relatou como se sentiu “um peixe dentro d’agua” em sua volta ao
Brasil, não viu a possibilidade de outro golpe naquele momento da anistia, mas é cauteloso:
Na medida em que veio a anistia, eu tinha a convicção que por um bom
espaço de tempo nós não teríamos esse risco [de outro golpe]. Agora eu
nunca descarto essa possibilidade. (...) A história me mostra que eu não
posso descartar essa possibilidade. Que hoje, às vezes, muitos militantes...
uma grande quantidade de militantes que aderem ao sistema, né? Tem
395
Entreista de Maria José, já citada.
396
Entrevista Jorge Nahas concedida a autora em 06/01/2006.
essa visão política de conseguir as coisas na adesão ao sistema. E é capaz de
esquecer que a direita é capaz de tudo a qualquer momento na história
397
.
Cláudio Galeno é enfático,dizendo que tanto a adaptação ao novo país quanto a
readaptação ao Brasil são complicadas. Sentia uma “segurança reservada” em relação a um
contragolpe. Segundo ele, o que mais chamou a atenção é o aumento do consumismo no
Brasil, pois de onde vinha, da Europa, tudo era mais modesto. Em oposição a essa visão,
Carmela Pezzuti diz que achou o país muito pobre.
VI.5. Autocrítica
As práticas da escrita de si podem evidenciar, assim, com muita clareza,
como uma trajetória individual tem um percurso que se altera ao longo do
tempo, que decorre por sucessão. Também podem mostrar como o mesmo
período da vida de uma pessoa pode ser “decomposto” em tempos diversos:
um tempo da casa, um tempo do trabalho etc
398
.
A partir dessa afirmação começaremos a análise e apresentação dos conteúdos das
correspondências entre dois expoentes da organização. As cartas foram escritas por Ângelo
e Maria do Carmo Brito (Cabral e Lia) e endereçadas a Jorge Nahas e Maria José (Clóvis e
Célia). Datam de fevereiro, junho e outubro de 1972 e foram remetidas do Chile durante o
exílio. Este período é marcado pela avaliação dos dirigentes das práticas e ações do grupo,
agora com o diferencial do distanciamento físico - fora do Brasil - de forma que tentam
fazer uma análise mais “fria” dos acontecimentos. As cartas mostram a ciência do
interlocutor a despeito do momento de crise das organizações mas sempre apontando para
possibilidades de luta.
Temos aqui o “tempo do trabalho” em que reflexões de Ângelo sobre o destino
da luta revolucionária e a mudança do que se escreveu em 1972 e o que já se escreveu nos
documentos da organização em fins de 1960. Ele começa a primeira carta falando em
“desabafar” (segundo ele não encontrou outra palavra). Um desabafo acarreta uma série de
397
Entrevista de Irani Campos concedida a autora em 17/01/2006.
398
GOMES, Ângela Maria de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. IN: Gomes, Ângela
(org.). Escrita de si, escrita da História.Rio de Janeiro: FGV, 2004.pp.13.
sentimentos e impressões sobre todos os assuntos que cercam a vida pessoal e a de
militante. É o novo país, é o destino da organização a insegurança quanto ao futuro. “Até
hoje não soube de ninguém a quem o exílio tenha feito bem”.
O autor “fez uma autocrítica ontem” e considerou um grave erro não manterem
correspondências políticas “durante todo esse tempo” - não sabemos ao certo qual seria
esse tempo. Desde o começo do exílio? Mas de toda forma é explicado o motivo: o medo
da censura. Ângelo via a organização (caracterizada como O.) em momento de crise
política. Citou a falta de unidade, problemas disciplinares, vacilação ideológica, o
“desbunde” e criticou os então dirigentes da organização em não conduzir lucidamente a
etapa de balanços no período de “refluxo” do movimento. Não havia, segundo ele,
explicações, somente “slogans e frases feitas”. O que se deve ter em mente é que nesse
momento, o grupo COLINA deixou de existir. Existem outras organizações como a VAR-
Palmares, e VPR, onde alguns de seus ex-integrantes se refugiaram.
A crítica aos “intelectuais” se fez presente e o autor se achava vítima deste
“preconceito”. Justificou-se dizendo que quando alguém se esforçava para entender a
situação, era sempre taxado de “teoricista” ou estava fazendo “intelectualismo”. Parece-nos
evidente a crise entre os quadros da organização. Ele é irônico quando se refere aos
“iluminados” , os supostos teóricos dentro da luta armada, que, segundo ele, jamais existiu.
“Cria-se o mito para se opor a ele”. Ele tem dúvidas se o erro da organização foi ter seguido
alguns destes “iluminados”, porém tem a consciência de que a sua geração não conseguiu
fazer uma teoria “de verdade”, mesmo porque não tiveram tempo.
Noutra carta, ainda um otimismo acerca na luta revolucionária que estava (a
passos lentos) ocorrendo. Lia, fala do surgimento de “coisas novas na terra”. Relata para
os companheiros, que estavam em Cuba, a “incrível resistência e capacidade de fuga da
turma do Araguaia”. A saber: o PC do B manda quadros para a região desde 1967. Ela
falava com o mesmo otimismo dos novos grupos que surgiam “de gente legal” por todo o
lado. Sua opinião acerca da importância das novas interpretações que estavam surgindo era
positiva, todavia, critica ao hábito de boa parte da esquerda de resolver teoricamente os
fenômenos. Segundo ela, devia-se compreendê-los minimamente e transformar essa
compreensão em ferramenta para a formação de uma nova orientação política.
Quando da última carta, de outubro do mesmo ano, a interpretação lúcida da real
situação das organizações de esquerda.
“(...) Nós não somos uma o. revolucionária hoje. Somos grupos
remanescentes espalhados no mundo, inclusive no Br. Estes grupos não têm
unidade política. (...) A causa básica dessa situação toda é a derrota política
que sofremos”
399
Em sua autocrítica, Angelo diz que de 1967 até 1972, quando escreve, as situações
que determinavam o emprego de uma ou outra tática mudaram, mas ele reafirmou sua
crença na violência como fator de impulso à iniciativa de tomada de consciência. Quer a
volta de sua militância no Brasil, porém um processo de discussão mais aberto dentro da
organização. Fica claro o espírito de luta nele, que de modo algum quer a posição cômoda
de “deixar a eles (os que estão no Brasil) a responsabilidade do mais importante da
militância”. Para ele, era necessário voltar para o Brasil para dar continuidade à luta, porém
em grupos organizados e com a comum consciência de que se tinha “um instrumento
revolucionário nas mãos”.
A crítica permanente à política reformista adotada pelo PCB foi abordada quando
ele escrevia sobre a organização de uma prática revolucionária pois, para ele: “nem todas as
práticas são revolucionárias, senão, por que não o PCB”?
Segundo Angela Castro Gomes, “o ato de escrever para si e para os outros atenua as
angústias da solidão”
400
. E, numa situação como o exílio, isso fica mais evidente na
freqüencia de frases do tipo “apesar de eu achar que vocês se esqueceram deste velho
companheiro”, ou, “você é mesmo a mais ranzinza, nunca me escreve”. O não abandono da
luta se destaca nessas correspondências e nos depoimentos de exilados.
Os relatos orais confirmam a análise de que eram realmente jovens idealistas e
amadores:
399
Carta de Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas escrita em 13 de outubro de 1972. Cedida por Maria José Nahas.
400
GOMES. op.cit.pp.20.
Eu acho que os jovens daquela época, que participaram, eu acho que eles não
tinham o no chão. Era um grupo de idealistas muito jovens, muito jovens,
e que não visualizaram o potencial do exército que tava por trás
401
.
Irani Campos termina reafirmando sua posição militante que o acompanha desde os
tempos de COLINA:
Vou continuar querendo discutir luta de classes, porque elas existem. E eu
não tenho como fugir disso. E pra muita gente militante, pra eles a luta de
classes acabou, a ideologia acabou. Então adere com facilidade a falsas
ideologias ou praticam falsas ideologias, pregam falsas ideologias e não tem
mais compromissos com a luta social de fato. Isso é lamentável. Mas quando
a gente lembra dos companheiros da COLINA que lutaram, dos
companheiros da COLINA que se foram, eu penso sempre: Seria uma
traição se eu não colocasse na minha militância política toda a forma de
homenageá-los
402
.
Onde estão estes ex-guerrilheiros hoje?
Jorge Nahas atualmente trabalha na Secretaria de Política Social na Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, assim como Cláudio Galeno, que está na Secretaria de
Relações Internacionais. A militância destes é dentro do Partido dos trabalhadores.
Carmela Pezzuti e a irmã Ângela Pezzuti, aposentadas, não militam em partidos, mas
continuam referência para a reconstrução da memória da luta contra a ditadura. Apolo
Heringer Lisboa é diretor do projeto Manuelzão da UFMG; Irani Campos é presidente
da ASSUFEMG (Associação dos Servidores da UFMG) e Maria José Nahas clinica em
um posto de saúde e não está filiada a nenhum partido.
401
Entrevista Angela Pezzuti, já citada.
402
Entrevista Irani Campos, já citada.
De acordo com a análise de Jean Sales, o COLINA, tratou-se do mais
representativo caso de uma organização que assumiu, com pouco acréscimos, o
foquismo como teoria que embasasse sua política
403
. Maria do Carmo Brito, ex-
militante, afirma que as idéias de Debray e a OLAS foram mesmo fundamentais para o
rompimento com a POLOP
404
.
Carta aberta aos revolucionários é o documento fundador, que mostra a que
veio esta nova organização. Para os revolucionários rompidos, a POLOP estava numa
reprodução de discurso europeu que não cabia na realidade da luta brasileira e se
denominava a “vanguarda ideológica” com suas consideradas falsas concepções e frases
feitas. Outra crítica que os dissidentes fazem é que a POLOP acreditava que devia-se
educar a classe operária com a utilização de “artifícios de propaganda” para incutir-lhes
a consciência socialista, contudo, como vemos adiante, essa estratégia será defendida,
mais tarde, pelo COLINA.
O ponto alto do documento e que marca bem a posição defendida até o fim da
organização é a parte em que se aborda a questão da luta armada como “forma
fundamental de luta de classes na atual conjuntura que terá que ser centralizada no
campo, sob forma de guerra de guerrilhas”
405
, sendo esta uma forma de organizar a
classe operária para acabar com o regime.
Guido Rocha, um dos mais antigos militantes que participou desde o inicio da
POLOP e também da formação do COLINA acredita que, naquele momento, o problema
da POLOP estava em discutir problemas táticos de luta, quando a questão era política.
Segundo o entrevistado, seu questionamento era “luta armada pra quê, pra conquistar o
quê?”
406
. Ele chegou a apoiar a luta armada, mas em defesa de uma Assembléia
Constituinte (pois o problema, em seu entendimento, estava no âmbito da legitimação do
poder). Para tal objetivo era preciso uma preparação para o ingresso nesta forma de luta,
não a sua deflagração sem projetos.
403
SALES. op.cit.pp.239.
404
Entrevista de Maria do Carmo Brito a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. op. cit. pp. 241.
405
Carta aberta aos revolucionários. Setembro de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Público Mineiro. Rolo
2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 13.
406
Entrevista de Guido Rocha a Maria Elisa Borges. Fita 3 lado A. pp.1. Concedida a Maria Eliza Borges e
Marcelina das Graças de Almeida em 11/11/1991. Acervo do programa de História Oral da UFMG. Fita 2 ,
lado B. pp 18.
O grupo era essencialmente mineiro, porém com alguns militantes no antigo Estado
da Guanabara. Os militantes desta nova organização queriam a formação de uma vanguarda
militar inspirada nos focos guerrilheiros, para o enfrentamento armado à ditadura. Segundo
Guido Rocha, o primeiro caso a vanguarda militar - se refere ao grupo COLINA, e o
segundo, ao grupo que formaria a POC (Partido Operário Comunista), cuja proposta era a
de formação do partido de vanguarda que conduziria a classe operária à revolução
407
. Outra
crítica à POLOP é de que estaria se tornando uma seita presa ao passado de “vanguarda
ideológica”, educadora da massa, que não cabia mais naquele momento, segundo opiniões
expressas no documento Vanguarda Política e Vanguarda Ideológica
408
. O documento tem
como ponto central é a análise e diferenciação do que seria a “vanguarda ideológica” e a
“vanguarda política”. A primeira trata do que seria a POLOP naquele momento, como
afirma o autor no documento, uma organização na qual os “socialistas de cátedra” ficariam
na doutrinação da classe operária esperando que, através de seus ensinamentos, ela se
conscientizasse de seu papel revolucionário e se insurgisse. Na perspectiva do autor, essa
idéia estava por demais ultrapassada naquele momento. A necessidade era da formação
da “vanguarda política”, essa sim, seria a que realmente levaria a cabo a revolução. Era
momento de tomada de atitude e “era preciso apresentar às massas uma perspectiva
imediata de ação”
409
. Antes do golpe era possível ser vanguarda ideológica sem ser política;
depois disso, com a maior radicalização das esquerdas, precisou-se da prática para que o
movimento operário saísse da “inércia”. O significado da defesa da luta armada seria a
educação da classe operária pela prática.
A idéia central do foco permaneceu no COLINA, mesmo que com alguns reparos. O
trabalho do grupo girava em torno do foco no campo, segundo afirma Mauricio Paiva:
“A idéia era montar essa estrutura na cidade. Tinha-se a idéia de que a ciade era o
cemitério da revolução, dos guerrilheiros, da guerrilha, que tinha que montar o
foco guerrilheiro no campo. E se trabalhou neste sentido. Se fez levantamento de
407
Entrevista citada com Guido Rocha.
408
Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico
Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207.
409
Idem.
áreas propicias para o foco guerrilheiro. Porque a idéia era que o guerrilheiro
vinha de fora mesmo”
410
.
A fala de Jorge Nahas complementa a de Mauricio Paiva:
(...) Nós não poderíamos dizer que seja uma organização estritamente foquista,
mas no fundo era. Digo que não éramos estritamente foquista porque não
abandonamos o trabalho de massa.Nos achávamos que uma organização
necessariamente teria que er uma guerrilha, mas teria que ter as suas ligações
com o movimento de massa (...)
411
Alguns militantes do COLINA foram para Cuba no exílio, fazer treinamento
guerrilheiro, como é o caso de Maria José Nahas e Jorge Nahas. De acordo com Maria
José Nahas, em Cuba existiam muitos tipos de treinamentos, mas a sua opção foi pela
medicina de guerra. Esta área seria muito valorizada, segundo a entrevistada, que relatou
a proposta recebida de militantes argentinos para irem militar no seu país, pois na
organização deles só havia cardiologistas
412
. Na sua opinião um guerrilheiro médico é de
fundamental importância para a organização e é mais raro de se encontrar
413
.O convite,
que não foi aceito, ocorreu no início da ditadura na Argentina. Ela supõe que esses
companheiros tenham sido mortos pelo regime. Ela fez pouco treinamento de guerrilha
rural e resolveu fazer o treinamento de tiro quando ela e seu então companheiro Jorge
Nahas,decidiram voltar para o Brasil e continuar a luta
414
.Só desistiram de voltar após a
queda do pessoal delatado pelo cabo Anselmo
415
. Tal debate também nos remete à
410
Entrevista de Mauricio Paiva a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. pp.242.
411
Entrevista de Jorge Nahas à Marcelo Ridenti, citado por: SALES. op.cit.242.
412
Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005.
413
Esta fala está no documentário sobre Maria José Nahas, intitulado: “A loura da metralhadora”. Patrícia
Moran, 1996.
414
Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005.
415
José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, foi preso pela equipe do Delegado Sérgio Fleury, temido
torturador do Deops/São Paulo, no dia 30 de maio de 1971. A origem de sua prisão nunca foi esclarecida, mas
sabe-se que alguém foi preso no Rio de Janeiro e abriu, sob torturas, um contato com ele em São Paulo.
Anselmo, um marinheiro de primeira classe erradamente tratado como cabo pela imprensa, passou a ajudar a
repressão. Passou a ser assim o agente Kimble, nome dado por Fleury numa referência ao prisioneiro fugitivo
de um seriado de televisão de mesmo nome.Entrega seus companheiros e detalhes para que a polícia
encontre outros. Essa fase inicial de sua vida entre os torturadores dará lugar a um acordo em que ele passará
discussão relacionada à elaboração do AI-5 e o crescimento da luta armada. Hoje em dia
não dúvida sobre a relação do aparecimento da luta armada e o Ato Institucional
n°5. Sabe-se que não é verdade que o primeiro apareceu como conseqüência do segundo,
haja vista a existência das Ligas Camponesas ainda no início da década de 60. Possuíam
o projeto de pegar em armas e tiveram, inclusive, apoio do governo cubano
416
. Como
lembra Reis Filho, antes mesmo da instauração do regime em 1964 estava no ar um
projeto ofensivo por parte da esquerda
417
.
Como podemos perceber, a influência foquista foi a essência do grupo em questão.
Segundo Sales, o COLINA se singularizou “por ter se deixado levar mais que as outras
(organizações) pelas idéias de Debray e Guevara”
418
, todavia, como todos os outros
grupos, não conseguiu fazer a sonhada revolução.
a ser um infiltrado nas organizações de esquerda, recebendo por "trabalho" a módica quantia de US$ 300,00
mensais. O episodio a que se refere M.J.N. é o massacre da chácara São Bento, onde morreram 7 militantes da
VPR, inclusive, Soledad Viedma, mulher de Anselmo, supostamente grávida.
416
Cf. GORENDER. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1990.; ROLLEMBERG, Denise. O apoio de
Cuba à luta armada no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2001, REIS FILHO. A revolução faltou ao
encontro.São Paulo, Brasiliense, 1989.
417
REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In:
REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997.
418
SALES.op.cit.pp.242.
C
APITULO
IV-
D
ISPUTA DA
“M
EMÓRIA OFICIAL
Nesta ultima parte do nosso trabalho, procuramos demonstrar a atualidade do tema
da ditadura militar. Este passado recente abriu uma importante discussão política, na
medida em que aumentaram os esforços por parte das vitimas em obter justiça. Buscamos
agora tratar a questão da disputa pela hegemonia da “memória oficial” do período em
questão, à medida que novos arquivos aparecem. O evento de 31 e março de 1964 e seus
desdobramentos entendemos como um exemplo de “memórias emblemáticas”: elas são
uma espécie de marco, uma forma de organizar as memórias concretas e seus sentidos, e até
organizar os debates entre memória-emblemática e sua contra-memória
419
. Desta maneira,
poderemos demonstrar como duas visões que se diferem na essência se organizam a partir
desta data.
Após este debate, iremos analisar a documentação produzida pela repressão acerca
do COLINA, de forma a construir uma espécie de “memória militar” sobre esta
organização, principalmente nos documentos que compõem o ORVIL e os da AESI .
4.1.
D
A
M
EMÓRIA E DOS
“D
OCUMENTOS
O
FICIAIS
”.
No que tange à discussão sobre memória existe, atualmente, um número
considerável de trabalhos acerca da temática da ditadura militar e das esquerdas no
período
420
.Acreditamos que alguns fatores contribuem para tal afirmação: o
enfraquecimento do tabu existente em relação a violência durante a ditadura, possibilitando
a coleta de depoimento de militantes que a partir de então, se disponibilizam a falar sobre
419
STERN, Steve. Memorias soltas y memorias emblemáticas. s.n.t. 1998.
420
De acordo com o levantamento bibliográfico feito por Carlos Fico em 2004, que obviamente não lista tudo
o que há, existem 94 trabalhos, entre teses, artigos e livros sobre a esquerda no período e 23 livros
memorialísticos de militantes de esquerda. Marcelo Ridenti fala em mais de duzentos trabalhos acadêmicos
sobre este tema. Cf. FICO, Carlos. Além do Golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp.187-192; RIDENTI,
Marcelo. Esquerdas revolucionárias armadas nos anos 1960-1970. IN: Revolução e Democracia. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp.23.
suas experiências; o fato de haver ex-militantes revolucionários, principalmente no governo
federal; e finalmente, a (lenta) abertura de arquivos da repressão. Aliás, os dois primeiros
fatores (quebra de tabus e presença ex-militantes no governo) foram fundamentais para
fortalecer o terceiro: a questão da luta pela abertura de arquivos.
Em visita ao Brasil em agosto de 2008, Baltazar Garzón afirmou a necessidade da
abertura dos arquivos da ditadura militar
421
:
Quando não são tomadas as decisões necessárias, apoiadas na verdade e na
memória, para se estabelecer o que realmente aconteceu no passado, o país tem um
problema a resolver. Entendo que o mais acertado, o mais humano, o mais positivo,
é que os arquivos sejam abertos e os culpados responsabilizados. (...) A abertura
dos arquivos não tem nada a ver com o risco ao sistema político e sim com a
aplicação da justiça, com a recuperação da memória
422
.
Pierre Nora, no clássico Os lugares da memória, pondera que a memória é
construída por rastros: “desde que haja rastro, distância, mediação, não estamos mais dentro
da verdadeira memória, mas dentro da história”
423
. Para Elizabeth Jelín, a própria idéia de
arquivo está ligada à idéia de preservar os rastros do passado. Passar um papel ou um
objeto para um arquivo é transferi-lo do presente para a história. Jelin ressalta duas funções
distintas para um arquivo, ou, em especial, para os que guardam documentos produzidos
pelos militares durante as ditaduras do Cone Sul. A primeira função compreende o arquivo
como um lugar de “ordenamento de registros”, que fornecerá dados para o presente. A
outra é a função “para a história”, esta a que nós, pesquisadores, estamos habituados no
421
Baltazar Garzón é juiz espanhol, pioneiro na punição aos crimes cometidos por militares na América do
Sul. Ficou conhecido mundialmente em 1998, por ordenar a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, por
crimes contra a humanidade. Ano este em que Pinochet comemorou com seus ex-companheiros de armas o
25º aniversário do golpe contra o presidente socialista Salvador Allende. Com 82 anos, se vangloriava de ter
conseguido o que nenhum outro militar golpista havia: manter-se à frente do regime por 17 anos, promulgar
uma Constituição à sua medida, condicionando o regime democrático que o sucedeu, votar uma lei de anistia
para seus crimes e seus colegas que ficaram impunes e, finalmente, “tutelar” a democracia, nomeando-se
senador vitalício. Cf. MONTOYA, Roberto. El caso Pinochet y la impunidad em América Latina. Buenos
Aires: Pandemia, 2000. pp.15.
422
Entrevista de Baltazar Garzón à Daniel Pinheiro. Contra o cinismo. Revista Carta Capital. 20 de agosto de
2008. pp.16-17.
423
NORA, Pierre.Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP.
N° 10, 1993. pp.9.
processo de construção de nossas narrativas
424
. Na análise destes arquivos devemos
trabalhar de forma criteriosa na medida que estes governos tinham interesse em produzir
informações que legitimassem suas ações, alem do fato de que uma série de outras ões
provavelmente nunca foram registradas. Por isto o valor das fontes orais para a
reconstrução desta história e reelaboração de novas memórias. Reconhecido que
epistemologicamente exista uma distinção muito clara entre memória e historia não
podemos nos furtar a reconhecer a complementaridade que uma exerce sobre a outra. A
memória pode funcionar como um estímulo para a elaboração da pesquisa histórica e a
história, por sua vez, questiona e age sobre a reelaboração da memória, permitindo que
ambas ajudem na tarefa de “narrar e transmitir memórias criticamente estabelecidas e
comprovadas”
425
.
As duas funções de arquivo, “ordenamento de registros” e “para a história” puderam
ser claramente vislumbradas quando da abertura dos primeiros arquivos do DOPS
(Departamento de Ordem Política e Social), ainda na década de 1990. O público que
acessava tal acervo, em sua maioria, havia sido vítima naquele momento do regime militar.
Buscava-se, sobretudo, informações necessárias que confirmassem materialidade dos
crimes cometidos pelo Estado para terem direito às indenizações, ou estavam à procura de
pistas acerca de algum desaparecido político
426
. Após este período de busca dos militantes,
foi a vez dos pesquisadores começarem a adentrar estes arquivos, na tentativa de elaborar
reconstituições e promover melhor entendimento do que teria sido e como teria agido o
governo militar. A partir do final dos anos 90 ocorre um novo boom de livros
424
JELIN, Elizabeth. Gestión política, gestión administrative y gestión histórica: ocultamientos y
descubrimientos de los archivos de la repressión. IN:JELIN,Elizabeth & CATELA,Ludmila. Los archivos de
la repression:Documetos, memoria y verdad. Madrid: Siglo XXI, 2002.
425
JELIN, Elizabth. Los trabajos de la memoria. Madri. Siglo XXI, 2001. pp.75.
426
Somente em dezembro de 1995 que o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a “lei dos
desaparecidos” (Lei 9.140),que determinou o reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte de
136 "desaparecidos" políticos e criou a Comissão Especial de Reconhecimento dos Mortos e Desaparecidos
Políticos, para examinar outras denúncias apresentadas através de requerimentos de seus familiares. Novas
descobertas a respeito das circunstâncias das mortes e "desaparecimentos" surgiram e alguns restos mortais
foram encontrados, ainda que, o ônus da prova tenha recaído sobre as famílias. As investigações abriram
caminho para o desmascaramento da maioria das versões oficiais. Entretanto, os limites da lei permanecem e
têm sido explicitados durante todo o processo de sua elaboração e vigência. A lei não obriga o Estado a
investigar os fatos, a apurar a verdade, a proceder ao resgate dos restos mortais, a identificar os responsáveis
pelos crimes e a punir os culpados, deixando às famílias a incumbência de apresentar as provas dos crimes e
os indícios da localização dos corpos dos militantes assassinados. Além disso, a abrangência da lei é a mesma
da anistia, considera apenas os assassinatos por motivação política ocorridos até agosto de 1979, não
permitindo o reconhecimento das mortes do período transcorrido entre 1979 a 1985. Para mais detalhes:
http://www.desaparecidospoliticos.org.br/quem_somos_comissao.php?m=2
memorialísticos e os ex-guerrilheiros começam a relatar suas experiências, mesmo com
alguns silenciamentos
427
, ou com “memórias soltas” que fornecem contornos à um
determinado acontecimento compartilhado pelo coletivo
428
. É importante
problematizarmos a história oral seja como método, seja como fonte, uma vez que é sua
característica a subjetividade, onde cada depoente traz sua verdade.
De acordo com Elizabeth Jelín, a disputa da memória contra o silêncio
(esquecimento) esconde o que na realidade é uma oposição entre distintas memórias rivais,
cada uma delas incorporando seu próprio esquecimento ou silêncio. “A realidade social é
contraditória, cheia de tensões e conflitos. A memória não é uma exceção”. O campo da
memória da repressão não é algo homogêneo ou unificado. Existem lutas que surgem da
confrontação entre diferentes atores acerca das maneiras “apropriadas de lembrar (...) se
trata de afirmações e discursos, de feitos e gestos, uma materialidade com um significado
político, coletivo e público”
429
. Em Felipe Aguero e Eric Hershberg, buscamos uma
interrogação relevante para a construção da memória do período ditatorial: “quais são os
mecanismos que os atores sociais e políticos intervêm nas disputas sobre a memória e como
terminam estas canalizando-se e refletindo-se em instituições, normas e políticas em que se
molda a memória coletiva?
430
.
No que tange às memórias sobre o período produzidas pelos órgãos de Direitos
Humanos, como por exemplo os grupos Tortura Nunca Mais
431
, Comissão de familiares de
mortos e desaparecidos políticos, Centro de documentação Eremias Delizoicov
432
, Anistia
Internacional etc. reivindicam o lugar inquestionável da legitimidade. Ao trazer à tona
memórias traumáticas que apontam pessoas e instituições ligadas à violação de leis ligadas
a esta área, pedindo reparação e retratação dos acusados. Não raras vezes são chamados,
427
O silenciamento (pôr-se em silencio) mostra uma produção de sentidos que fazem entender a dimensão do
“não dito”, principalmente quando se trata de memórias traumáticas de situações-limite, como a tortura.
Segundo Orlandi o silêncio não interpretável, mas sim compreensível” e “fala por si mesmo, é explicativo”.
Cf. ORLANDI, Eni.As formas do silencio no movimento dos sentidos.Campinas: UNICAMP,1995. pp. 63.
428
Para melhor vislumbrar o conceito de memória solta. STERN, Steve.De la memoria suelta a la memoria
emblemática: Hacia el recordar y el olvidar como proceso histórico (Chile, 1973-1998). Retirado de:
http://www.cholonautas.edu.pe/modulo/upload/SStern.pdf em 01/08/2008.
429
JELIN, Elizabeth. Los niveles de la memória.
430
AGUERO,Felipe& HERSHBERG,Eric.Las fuerzas armadas y las memorias de La represión en El Cono
Sur. IN: AGUERO,Felipe& HERSHBERG,Eric(comps.).Memorias militares sobre La repression em El Cono
Sur:visiones em disputa em dictadura y deocracia Madrid: Siglo XXI, 2005.pp.5
431
www.torturanuncamais.org
432
O centro de documentação E.D. e a Comissão dos familiares mantém um site informativo:
http://www.desaparecidospoliticos.org.br/index.php?m=1
por simpatizantes do regime militar, de revanchistas. Tal adjetivação deriva do fato de que
por muito tempo os militares envolvidos no regime e no processo repressivo ficaram em
silêncio por muito tempo. Foi a partir de 1992 que passou a ser sistematizado um trabalho
de coleta de depoimentos de militares pelo Centro de Pesquisa e Documentação da
Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV). Os principais temas abordados estavam
relacionados ao golpe, repressão, abertura e processo de redemocratização
433
.
Na disputa pela legitimidade da construção deste passado recente, os militares
construíram uma racionalidade acerca do tema, enfatizando aspectos da vida militar e
subestimando valores da vida civil. Como os próprios atores da coletânea dizem: “uma das
qualidades (do livro) foi fazer com que os militares rompessem o pacto de silencio acerca
do tema”
434
. Aspecto que consideramos essencial nesta pesquisa de fôlego é o fato de ela
permitir vislumbrar a heterogeneidade existente dentro das Forças Armadas, demonstrando
divergências tanto entre as forças como nas relações internas de cada uma das forças. Por
exemplo, Priscila Antunes destaca a existência de disputas pela memória dentro do
Exército
435
, assim como Celso Castro, Maria Celina D’Araújo e Gláucio Soares chamam a
atenção para as distintas relevâncias que o tema da tortura assume para os militares no livro
Memória militar sobre repressão. O general Fiúza de Castro, por exemplo, representante da
“linha dura”, foi um dos poucos que afirmou ser a tortura prática recorrente nos DOI`s
(Departamento de Operações Internas)
436
. Afirmou também que “em certas circunstâncias,
ela é necessária. (...) Não sou um homem mau, mas também não sou contra a tortura.”
437
433
Série Os anos de chumbo: a memória militar sobre... De Maria Celina D’ARAÚJO; Gláucio SOARES, &
Celso CASTRO.
434
D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio & CASTRO, Celso.Os anos de chumbo: a memória militar
sobre a repressão. Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 1994.p.04
435
ANTUNES, Priscila.Bomba en Ríocentro: Militares y otras memorias. IN: HERSHBERG &
AGUERO.Memorias militares sobre el Cono Sur. Visiones em disputa em dictadura y democracia.Madrid.
Siglo XXI, 2005.
436
.Os “linha dura”, se definiam como uma concepção menos orgânica , formada por oficiais de baixa o media
patente, com uma linha tênue de coordenação. Pelas palavras de Coelho Netto “era a que exigia o
cumprimento das leis vigentes, das leis de segurança”. Em contraposição a esta, está a “linha Castelista”, que
era um grupo mais intelectualizado, ligado às Escolas superiores das forcas armadas , composto, em maioria,
por generais que estavam em sintonia entre si e entre os empresários.Cf.ANTUNES, Priscila.Bomba en
Ríocentro: Militares y otras memorias. IN: HERSHBERG & AGUERO.Memorias militares sobre el Cono
Sur. Visiones em disputa em dictadura y democracia.Madrid. Siglo XXI, 2005. pp.72; COELHO NETTO,
José.Depoimento. IN: D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio & CASTRO, Celso.Os anos de
chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.pp.235.
437
CASTRO, Adyr Fiúza.Depoimento.IN: D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio & CASTRO,
Celso.Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 1994.pp.73.
o general Coelho Neto, também vinculado à linha mais repressiva, não admite a existência
da prática da tortura.
“Nunca houve tortura. Nunca. Nem precisa. Com um interrogatório
inteligente, bem feito, o sujeito cai nas contradições e fala.(...) Os
comunistas aproveitaram esse mote da tortura para fazer sua campanha e
viram que deu resultado. (...) O sujeito dizia; “Eu apanhei em tal lugar. Me
queimaram em tal lugar”. E nem tinha marca de queimadura. E a imprensa
ajudou neste estado de coisas. Estou cansado de ver transformarem bandido
em herói. (...) Não dávamos nenhuma bola (à Anistia internacional).
Primeiro porque a AI não estava no Brasil tomando conhecimento dos
acontecimentos. (...) Eu considero a AI um bando de vigaristas (...)”
438
.
Os militares crêem que os vencidos tornaram-se “donos da história”, conforme nos
mostra os autores acima citados. Existiria um certo ressentimento de tais agentes em
relação ao esquecimento e à pouca valorização de sua história. A gica do pensamento
militar é: venceram a guerra contra os terroristas e foram derrotados na luta pela memória
histórica do período. Alguns acham que não foi apresentada uma versão militar sobre a
repressão que fosse legitimada pela sociedade
439
.
Em recente trabalho sobre a memória, Beatriz Sarlo cita o caso argentino em relação
ao PRN (Proceso de Reorganizacíon Nacional)
440
. Para a autora, foram os “atos de
memória” que possibilitaram a transição democrática naquele país e o julgamento dos
crimes de estado:
“É evidente que o campo da memória é um campo de conflitos entre os que
mantém a lembrança dos crimes de Estado e os que propõem passar a outra etapa,
encerrando o caso mais monstruoso. Mas também é um campo de conflitos para
438
COELHO NETTO. op. cit. pp.237-239.
439
Idem .pp.13.
440
PRN (Proceso de Roerganizacion Nacional) foi a auto-denominação dada pela junta militar que iria tomar
o poder em 1976. Integrava a junta o general Jorge Videla (nomeado presidente do país), o almirante Emilio
Massera e o brigadeiro Orland Agosti. Cf. ROMERO. Luis. El Proceso. IN: Breve Historia Contemporânea
da Argentina. México. Fondo de cultura Económica. 1994. pp.308.
os que afirmam ser o terrorismo de Estado um capitulo que deve permanecer
juridicamente aberto (...) e deve ser ensinado, divulgado, discutido”
441
.
Não obstante a supervalorização que a autora confere ao papel pragmático da
memória neste processo de transição concordamos que somente através destes “atos de
memória” é possível minimizar a prática social do esquecimento. De acordo com Mário
Silva, é esta prática uma das chaves necessárias para a compreensão da postura assumida
pela sociedade política e civil brasileira no que diz respeito ao regime militar: o
esquecimento “compulsório” foi uma condição para a implementação do processo de
distensão, incluída ai a Anistia
442
, e implementação da Nova Republica
443
.
Daniel Aarão Reis afirma que após a Anistia de 1979, houve a primeira
oportunidade da sociedade brasileira exercitar sua memória sobre a história recente do país,
contudo, o que houve foi um deslocamento de sentido que se fixou na memória nacional
como verdades absolutas, correspondentes ao processo histórico objetivo e não a versões
consideradas apropriadas por seus autores. Como exemplos deste deslocamento ou
reconstrução histórica, o autor cita três casos: dos partidários da Anistia, dos simpatizantes
da ditadura e da sociedade em geral.
No primeiro caso, dos partidários da Anistia, apresentaram os guerrilheiros como
parte da resistência democrática ao regime, ou melhor, como braço armado desta
resistência:
441
SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das
Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. pp.24.
442
Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o
trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia
traz as duas polaridades citadas, sendo, anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial
da memória) se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e
excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o
esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação
nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, Heloísa.
Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003.
pp.319.
443
SILVA, Mário. Os escritores da guerrilha urbana.Literatura de testemunho, ambivalêcia e transição
política (1977-1984). São Paulo: Anablumme, 2008. pp.31.
Apagou-se, assim, a perspectiva ofensiva, revolucionária, que havia moldado
aquelas esquerdas. E o fato é que elas não eram de modo nenhum apaixonadas pela
democracia, francamente desprezada em seus textos
444
.
o segundo caso, dos partidários da ditadura, reconstruíram a luta armada como
uma guerra revolucionária, discurso que, inclusive, a própria esquerda chegou a
reproduzir. E foi com base neste argumento, da guerra, ambos os lados deveriam ser
considerados. Desta forma não foi difícil adicionar dispositivos à lei de Anistia para que
esta se tornasse recíproca.
O ultimo caso diz respeito à reconstrução da memória pela sociedade. Esta teria se
reconfigurado como se tivesse sempre se oposto maciçamente à ditadura. As relações entre
sociedade e ditadura foram, desta forma, redesenhadas: A sociedade brasileira não
resistira a ditadura, mas a vencera. Difícil imaginar poção melhor para a auto-estima”
445
.
Destoando da prática do esquecimento citamos o caso da atriz Bete Mendes, ex-
guerrilheira da VAR-Palmares e ex-deputada, que em agosto de 1985 em visita oficial a
Montevideo encontrou-se com Carlos Alberto Ustra, antigo comandante do DOI, acusado
de praticar torturas inclusive contra a atriz. A reação desta foi chegar ao Brasil e pedir
exoneração de Ustra, que era adido militar no Uruguai. Em resposta, Ustra escreveu o livro
Rompendo o silêncio em que deixa clara a sua visão de um revanchismo por parte da
esquerda e com apoio da mídia:
No Congresso, em 30 meses de mandato, jamais defendeu qualquer medida
revanchista. Hoje, no entanto, também em respeito à memória dos que morreram
sob tortura,executados sem direito a julgamento, é obrigada a reclamar e exigir
providências (...) Durante a visita ao Uruguai do exmo. sr. Presidente da República,
cuja comitiva deputada Elizabeth Mendes integrou, ocorreu o reconhecimento
mútuo entre o coronel e a parlamentar, antiga militante de organização terrorista.
Na ocasião, o tratamento entre ambos transcorreu de acordo com as normas sociais,
funcionais e diplomáticas exigidas pelas circunstâncias, e em todas as
444
REIS FILHO, Daniel. Ditadura militar, esquerdas e sociedade.Rio de Janeiro: Zahar, 2005.pp.70. Uma
reflexão semelhante do autor pode ser lida no artigo: Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. In:
UFF,UFRJ, CPDOC & APERJ. 1964-2004: 40 anos do golpe. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. pp. 119-139.
445
Idem.pp.71.
oportunidades subseqüentes permaneceu o tratamento cordial, o que pode ser
atestado por funcionários da nossa embaixada naquele país. Em nenhum momento o
coronel desculpou-se por sua atuação no combate ao terrorismo no passado. Seu
comportamento modificou-se, queremos crer, em conseqüência da pressão dos
mesmos grupos que vêm radicalizando posições através da Imprensa e de
pronunciamentos de alguns parlamentares
446
.
Neste mesmo período, de consolidação da democracia, publicizou-se a luta pela
memória no âmbito dos “documentos oficiais”. Sem dúvida, neste campo trava-se uma
constante polêmica. Estes arquivos são lugares da memória absoluta
447
, que nos ajudam a
reconstituir, sob diferentes prismas, a história recente do país.
Ludmila Catela trabalhou com a relação arquivo público / vida privada, tomando
como caso uma ex-presa política do Rio de Janeiro, citada no Projeto Brasil:Nunca Mais.
Maria (nome fictício da militante) sabia da existência de uma pasta inteira sobre sua
militância no arquivo do DOPS, depositado no Arquivo Publico do Estado do Rio de
Janeiro; contudo, até então, nunca quis tomar nota do que existe sobre ela em tal arquivo.
Em seu depoimento à pesquisadora contou da dificuldade em enfrentar seu passado. Ela
sabia que, entre processos policiais e demais documentos burocráticos, existiam cartas e
outras recordações pessoais. Isso poderia trazer à tona lembranças e ativar memórias que
afetariam sua vida no presente; não sabia ao certo se aliviaria ou aumentaria seu
sofrimento. Ela acreditava que, um dia, iria tomar conta da “papelada” existente, mas sabia
que não seria bom ativar esta memória
448
.
A entrevistada, de fato, teve acesso aos documentos em 2000, quando da abertura
dos arquivos no Rio. Como historiadora, Maria levantou questões fundamentais para a
pesquisa histórica nestes arquivos, que devem ser dilemas do historiador: Que valor m
estes papéis como fonte histórica? O que acontece se um pesquisador os toma como
verdadeiros e não os confronta com os testemunhos dos perseguidos pelo regime?
449
Estas
questões somente reafirmam o arquivo como lugar da memória, mas de uma determinada
446
USTRA, Carlos Alberto. Rompendo o silencio. Rio de Janeiro: Blibliex, 1987.pp.16-18.
447
NORA, Pierre. Os lugares da memória. referencia
448
Cf. CATELA, Ludmila.Territorios de La memória política. Los archivos de La repression em Brasil. IN:
ELIN,Elizabeth & CATELA,Ludmila (comps). Los archivos de la repression:Documetos, memoria y verdad.
Madrid: Siglo XXI, 2002. pp.16.
449
Idem. pp.77.
memória, com determinada verdade. Bem sabemos que quem escreve, escreve de um lugar
específico. Se não o confronto entre as partes, não há uma problemática, tampouco,
pesquisa histórica. Apresentaremos, brevemente, um histórico da descoberta e publicização
de parte dos “arquivos da repressão”.
Após a aprovação da lei de Anistia (n. 6683/79)
450
, os advogados dos presos
políticos começaram a trabalhar para encaixarem seus clientes dentro da lei. Para tanto,
tinham acesso livre ao arquivo ao Supremo Tribunal Militar. Ao entrarem em contato com
tais documentos notaram ter em mãos uma sistematização de como o governo agia e de
como a tortura tornou-se prática sistemática, por mais que, por muito tempo, o aparato
publicitário montado atingiu uma grande parcela da sociedade e a convenceu de que éramos
o país do “futuro”, o país do “milagre econômico” e que tudo ia dentro da normalidade. É a
“cultura do simulacro
451
”.
Estes advogados procuraram o pastor protestante James Wright
452
e lhe relataram o
que haviam lido, sugerindo, então, a reprodução destes documentos. Wright procurou Dom
Paulo Evaristo Arns e estes foram pedir financiamento no Conselho Mundial e Igrejas que,
ao todo, contribuiu com 350.000 dólares para o custeio das fotocópias destes documentos e
para o pagamento de pesquisadores que trabalhavam todo o tempo, clandestinamente, na
reprodução do material. O que seria somente uma mostra para ilustrar como funcionavam
os mecanismos de violação de direitos humanos, transformou-se na duplicação completa do
arquivo do STM. Como afirma Ludmila Catela: “ironia do destino, o grande segredo dos
militares havia se transformado no grande segredo dos direitos humanos”.
453
Resultado
disso foi o chamado Projeto A Brasil:Nunca Mais composto por 12 tomos, sendo:
I.O regime militar: contém análise do regime implantado a partir de 1964.
II. volume 1. A pesquisa BNM: descreve o projeto e as fontes.
II. volume 2. Os atingidos: mostra, em ordem alfabética, os processados,
torturados, denunciados, etc.
450
Tal lei anistiou tanto militares quanto presos políticos. Abarcava todos os crimes cometidos entre 1961 e
1979 contudo excluía os condenados por “terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”.
http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6683.htm
451
Cf. CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. IN: FREIE et. all.Tiradentes:um
presídio na ditadura. pp.474.
452
James Wrigth esteve junto com Henri Sobel e Dom Paulo Arns no culto ecumênico em São Paulo quando
da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975.
453
CATELA,Ludmila.op.cit.pp.33.
II. volume 3. Os funcionários : contém lista alfabética de nomes de todos os
envolvidos direta ou indiretamente na violação de direitos humanos.
III. O perfil dos atingidos: mostra dados gerais sobre os processos realizados
contra 7.367 pessoas.Separados por organizações de esquerda, setores sociais e
outras atividades.
IV.As leis repressivas.
V. A tortura: 3 volumes: contém nome dos torturados, tipos de tortura, idade,
descrição dos métodos e locais onde aconteciam.
V. volume 4. Os mortos: contém nome dos mortos, descrição da morte, lugar onde
aonteceu e nome dos medico que deram aos atestados de óbito.
VI. volume 1. Índice dos anexos: sobre o material roubado das vítimas
VI. vol.2 Inventário dos anexos: descrição dos documentos roubados (cartas
pessoais e folhetos).
Tal projeto possui apenas 25 cópias, algumas passadas para o inglês e enviadas para
o exterior. Qualquer pessoa pode ter acesso. Em 1985, foi lançado o Projeto B, em livro,
para que tivesse maior divulgação. Chamado: Um relato para a história Brasil:Nunca
Mais. O prefacio é de Dom Evaristo Arns
454
. Quando do término do projeto e lançamento
do livro acreditou-se que havia “toda a verdade” sobre o que aconteceu nos anos que se
seguiram a 1964, ali. Antes do habeas data, de 1988, esta foi a única referência oficial que
os atingidos pelo regime tinham para buscar informações e reparações.
o individuo que o detém e o faz de maneira privada. A sociedade não
participa dessa transação nem se apropria das informações obtidas.(...)A
instituição que determina a quantidade e o conteúdo que deve liberar" .
455
Em 1992, os arquivos começaram a serem transferidos das instituições militares
para os arquivos públicos, sendo assim, mais uma forma de se conseguir informações tanto
sobre o indivíduo, quanto sobre o conjunto de ações do governo. Os arquivos da repressão
contêm documentos pessoais, declarações individuais, inquéritos, fotos, correspondências,
454
Projeto A Brasil: Nunca Mais, em Minas há uma cópia disponível para consulta no Instituto Helena Greco.
Projeto B, foi lançado pela editora Vozes, em 1985.
455
GRECO, Heloisa. A dimensão trágica da luta pela anistia. IN:Cadernos da Escola do legislativo.Belo
Horizonte, vol. 8. n.13.2005.pp.85-111.
enfim, tem-se o monitoramento diário por parte dos inimigos internos. Apesar disto, em
relação aos desaparecidos políticos, as lacunas ainda persistem, o que ficou claro, sobretudo
a partir da descoberta da Vala clandestina de Perus em 1990
456
.
Em abril do ano de 2007, o que somente alguns ex-integrantes do Centro de
Inteligência do Exército (CIE) sabiam e alguns pesquisadores sobre militares “ouviram
falar”, foi tornado público o chamado ORVIL (“livro”, de trás para frente). Apenas 40
páginas circulavam pela internet, todavia, até então, não se sabia a origem das informações
contidas no site
457
. Inicialmente acreditou-se que a história do Projeto ORVIL estaria ligada
à do Projeto Brasil: Nunca Mais. O ORVIL Seria uma “resposta” ao projeto assumido pela
Arquidiocese de São Paulo, lançado em 1985. Esta versão foi divulgada pelo jornalista
Lucas Figueiredo, em uma série de reportagens especiais no diário Estado de Minas
458
.
As reportagens contavam que em 1986, o Ministro de Exército do governo de José
Sarney, Leônidas Pires Gonçalves, deu ordem a cerca de 30 oficiais do CIE (Centro de
Informações do Exército) para trabalharem de forma sigilosa no Projeto Orvil. Levou dois
anos para ser concluído e seria lançado em livro, com o título: As tentativas de tomada de
poder. Aconteceu que o ex-ministro decidiu não publicá-lo e o documento ficou circulando
entre os oficiais da reserva. Segundo relato de Leônidas Pires , a decisão de não publicar
foi, na verdade, uma precaução contra um possível revanchismo contra as Forças Armadas
por parte de “quem perdeu a guerra”.
“Naquele tempo (em que o livro foi feito) não havia o que acontece agora,
um revanchismo sem propósito. (...) No meu período como ministro (1985-
456
Esta vala encontra-se no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo, construído em 1971, sob governo de Paulo
Maluf. Mais de 1049 ossadas foram encontradas entre indigentes, desaparecidos políticos e vítimas do
Esquadrão da Morte. A UNICAMP ficou com a responsabilidade identificar os corpos. Neste ano, o governo
resolveu voltar à identificação do restante das ossadas (147 ativistas). Em Minas e o Paulo ocorreram,
atos de coleta para o banco de DNA de familiares de desaparecidos. Segundo dados da Comissão Especial e a
Secretaria de Direitos Humanos (ambas ligadas ao Ministério da Justiça), existem 147 ativistas políticos
mortos pelo regime ainda não identificados. Cf: TELLES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos:
reparação o impunidade? São Paulo: Humanitas, 2002. FIGUEIREDO, Lucas procura dos corpos. Estado
de Minas.Caderno Política.22 de abril de 2007.pp.22.
Para mais informações: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/perus/perus.html e documentário premiado :
“Vala comum”. Direção:João Godoy.32 min. 1994.
457
Na pagina do grupo de extrema direita: Terrorismo Nunca Mais. www.ternuma.com.br
458
FIGUEIREDO, Lucas. “O livro negro do terrorismo no Brasil”. Estado de Minas. Reportagem Especial.
Abril de 2007
1990), não houve nenhum problema essa natureza, essas ‘mães não-sei-do-
quê’, Tortura Nunca Mais”.
459
No auxilio à construção do mosaico desta memória militar, Priscila Brandão
entrevistou um dos militares idealizadores e executores do projeto ORVIL, no final do ano
de 2007
460
. A versão do ex-agente do CIE revelou que a disputa pela memória ocorreu no
período anterior ao indicado pelo jornalista. Assim sendo, o ORVIL não foi uma reação ao
Brasil Nunca Mais. Sua idealização ocorreu em março de 1984, ou seja, antes mesmo da
divulgação do BNM.
O depoimento de N2 narra a seguinte versão: Ele ingressou na carreira militar em
1962 por sugestão de um tio. Até então, não havia militares em sua família. Sua área de
atuação sempre foi na análise de informações dentro do Exército e conjugou neste tempo o
trabalho com o curso de Filosofia na UREJ, quando era tenente. Trabalhou no DOI de
1975 a 1980, no período em que não havia mais luta armada e este órgão entrou em
processo de perda da sua função “operacional”, ou seja, não se prendia ou se torturava ali.
Funcionaria apenas a parte de segurança e inteligência. Em 1983 N2 foi convidado para
trabalhar como analista de informações no CIE. Em 1984 ele apresentou a idéia do Orvil
para seu chefe, este apresentou-a para o chefe do CIE, que por sua vez, enviou para o então
Ministro do Exército. Foi, desta maneira, autorizado a levar adiante o projeto. Os 17
analistas que trabalhavam no CIE souberam da proposta:
“Isso aqui deve ter ficado como um gérmen na cabeça de algumas pessoas.
Quando chegou em 1985, quando o Coronel Agnelo Del Nero assumiu a
Seção de Análise do CIE, eu mostrei isso aqui [o projeto] para ele. o sei
se ele já tinha vindo com essa idéia ou não, ele assumiu isso aqui. Para fazer
um livro. Aí ele levou pro chefe do CIE, que levou pro Ministro e o
Leônidas mandou a ordem”
461
.
459
FIGUEIREDO, Lucas. O Livro era uma arma, diz general. Estado de Minas. Reportagem Especial.12 de
abril de 2007.pp.4.
460
A entrevista com o agente N2 (nome mantido em sigilo a pedido do entrevistado) foi gentilmente cedida a
esta pesquisa por Priscila Brandão.
461
Entrevista de N2 à Priscila Brandão em: referencia.
Desta forma, não podemos afirmar que a ordem e a idéia do livro partiram de
Leônidas Pires quando Ministro em 1986, como divulgado. A idéia de escrever o livro
existia dentro do CIE, como comprovado por documentação pelo entrevistado
462
.
Quando oficializou-se o pedido do livro, o chefe do CIE reuniu os oficiais e disse
que queria idéias. Foi então que a Seção de Contra-Inteligência propôs contratar escritores
para organizar a pesquisa seria feita pelo setor de Inteligência, contudo, não foi aceita pois
exigia recursos.
Em meados de 1985, o coronel Del Nero adotou a metodologia de dividir as
principais organizações comunistas entre os analistas, com um prazo de mais ou menos dois
meses para cada um fazer a pesquisa e produzir um documento sobre a determinada
organização. Desta forma, por exemplo, o MR-8 ficou sob a responsabilidade de um
analista, a ALN sob a responsabilidade de outro analista, assim por diante. N2, relata que
produziu um documento mais rápido, sobre o MRT e encaminhou para o coronel. Del Nero
haveria gostado, e, ao receber outros documentos decidiu entregá-los ao agente, para que
fizesse uma revisão, verificando se as informações acerca das organizações estariam
corretas. As fontes pesquisadas foram: Informes, informações em relatórios periódicos, em
documentos das operações propriamente ditas e, “principalmente, depoimentos dos
interrogatórios. Esse era o principal, os depoimentos de preso
s”
463
.
Os problemas na pesquisa logo começaram a aparecer: nos textos havia militantes
assaltando banco que estavam mortos na data da ação. Em sua avaliação o erro teria sido
sim na composição heterogênea destes analistas e não na metodologia adotada:
Tinha analistas do movimento sindical, do clero, analistas no campo militar,
analistas que não sabiam nada das organizações comunistas. Eram analistas
que não conheciam o que era organização comunista, que não tinham
condições de fazer um trabalho sobre organizações comunistas. Então, essa
foi a gota d´àgua, ele mandou suspender o trabalho
464
.
462
Documento.
463
Entrevista de N2 a Priscila Brandão
464
Entrevista de N2 citada.
Logo, a solução seria pessoas selecionar melhor as pessoas que seriam analistas
dessas organizações. A melhor saída encontrada por Agnelo Del Nero, foi designar o
analista N2 para fazer toda a pesquisa acerca das organizações comunistas. Outra decisão
tomada foi de dividir a pesquisa não mais por organizações, mas por anos. Em janeiro de
1986 começou o trabalho que levou o nome de As quatro tentativas de tomada de poder,
cuja explicação do titulo advém desta nova metodologia:
O trabalho pendeu para ser cronológico. Então a primeira tentativa era a de
35, a segunda tentativa era a de 63/64, a terceira tentativa era essa da luta
armada, que nós...e a quarta tentativa que era essa, trabalho de massa, que
tava começando naquela época 84/85. Então, essa quarta tentativa abriu as
idéias para que nós íamos enfrentar um novo surto de tentativa de tomada
do poder. E deram. Não exatamente comunista, mas à esquerda
465
.
Havia um sargento que datilografava o que N2 escrevia e decidiram que este último
seria o escriba final. Coronel Del Nero (conhecido como N1) começou a escrever também e
a mandar para N2, de forma que a escrita não ficasse dispare, dadas as diferenças entre as
formas de escrever. Del Nero ficou com a incumbência de pesquisar e produzir textos
sobre as conjunturas, isto é, a conjuntura política, a conjuntura militar dos anos, e N2
escrevia seu o estudo sobre as organizações
466
.
O resultado desta pesquisa é a citação de mais de 1,7 mil pessoas, de guerrilheiros a
aristas famosos. Todos os dados foram retirados dos arquivos secretos militares,
principalmente do CIE. A importância deste tipo de documento está na comprovação de
que o Exército sempre soube do destino de pelo menos 23 desaparecidos, ao contrário do
que têm repetido ao longo de mais de 30 anos. São integrantes do PC do B (Araguaia),
MOLIPO , ALN e VPR. detalhes das mortes, circunstâncias, local e até a qual batalhão
pertencia o assassino. Por duas vezes o governo pediu dados dos mortos e desaparecidos e o
Exército não revelou coisa alguma. A primeira vez em 1993, e a segunda entre 1995-1998.
O ex-ministro da justiça, Maurício Correa, afirma que os dados fornecidos pelo Exército
465
Entrevista de N2 já citada.
466
Idem.
em 1993 foram evasivos, foram sonegadas informações e que não havia nada de concreto,
os relatórios eram apenas noticias retiradas de jornais, sem dizer quem fez o quê
467
.
O aparecimento deste documento reanimou o debate acerca da abertura dos arquivos
da ditadura e da reabertura de alguns processos para a indenização de famílias. Hoje se
sabe que, muitas das vezes, as informações (verbais ou escritas) foram retiradas sob tortura,
contudo, isto não está descrito no livro. Tais informações se liberadas à revelia, podem
causar transtornos e ativar memórias desnecessárias. aparece o limite entre
público/privado em tais arquivos.
Logo na introdução do ORVIL, é explicado que o primeiro corte temporal seria de
1967 a 1973, auge da luta armada. Os questionamentos que levaram à produção do livro
mostraram aos seus pesquisadores necessidade de abranger um espaço maior de tempo
pesquisado para compreenderem aquilo que estava se configurando como a “quarta
tentativa de tomada de poder”. De acordo com o documento:
Esta tentativa de fato teve seu inicio alguns anos. Vencida a forma de
luta que escolheu- a luta armada- , a esquerda revolucionária tem buscado
transformar a derrota militar que lhe foi imposta em todos os quadrantes do
território nacional em vitória política
468
Pela gica militar, a esquerda haveria mudado a estratégia de luta para garantir seu
assalto ao poder. Desta maneira, uniram-se à esquerda ortodoxa, com quem romperam anos
antes e ao clero progressista. Para os militares, isto mostraria como a “nossa memória é
fraca”. Superestimando o poder do inimigo, o ORVIL chama a atenção para fatos que
ilustram o quão ardilosa é a esquerda. Tendo em vista que os leitores do documento seriam
jovens na faixa dos 30 anos
469
, eles não haviam nascido na primeira tentativa de tomada de
poder (1935) tampouco se recordam da segunda (1964), tendo uma visão deturpada desta.
A terceira tentativa (período de 1966-1973), teria sido a mais violenta e mais nítida,
contudo não mais perigosa. A mais perigosa seria esta quarta tentativa, que abrange um
467
FIGUEIREDO,Lucas. Omissão de militares pode ser investigada. Reportagem Especial.16 de abril de
2007.
468
Projeto ORVIL.pp.11. www.averdadesufocada.org.br
469
Considerando a época da escrita do “livro”, 1986.
trabalho de massas e tem um projeto de deturpação da história, maculando a imagem do
período militar e se vitimizando
470
.
Somente em 1995 o Estado assumiu a responsabilidade do assassinato e
desaparecimento de opositores, a partir da Lei 9.149/95. Tal lei instituiu a Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, cuja função é a de localizar e buscar
soluções para cerca de 400 corpos de militantes. Devido a sua natureza, o crime do
desaparecimento de pessoas encobre a identidade de seus autores. Começa um jogo
perverso em que não se culpados, não cadáveres e os familiares das vítimas perdem
seu direito ao luto. Diversas valas clandestinas e até um cemitério subaquático foram
descobertos. O processo de identificação dos corpos é lento por dificuldades de
financiamento. A Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou em agosto de 2007, o
livro-documento Direito à Memória e à Verdade
471
, baseado nos processos políticos dos
mortos e desaparecidos. Esta seria a “palavra oficial” do Estado acerca destes militantes.
Um ultimo arquivo tornado público recentemente diz respeito aos da Assessoria
Especial de Segurança e Informação na Universidade (AESI).Neles encontramos o
monitoramento pela repressão de supostos “subversivos” dentro das Universidades de
reitores a estudantes. A AESI era subordinada à Divisão de Segurança e Informações (DSI)
do Ministério de Educação e Cultura, que, por sua vez, era subordinada ao Serviço
Nacional de Informações (SNI). Nos centraremos nos arquivos referentes à UFMG para
localizarmos informações sobre militantes do COLINA e de certa forma, entendermos uma
das vertentes da repressão, atuante nas Universidades.
4.2 –U
MA MEMÓRIA MILITAR SOBRE O
COLINA
Neste tópico privilegiaremos duas fontes: os documentos da AESI/UFMG e do
ORVIL, em função do ineditismo do uso destas fontes e mais ainda, para maior
esclarecimento da atuação dos órgãos de inteligência tanto na produção de informações
referentes às esquerdas, quanto no monitoramento dos funcionários e discentes da UFMG.
Uma vez que a história do Orvil foi contada, iniciaremos por analisar as poucas
informações existentes sobre o COLINA neste, contudo vale apresentar a estruturação do
470
Projeto ORVIL está totalmente disponível no site www.averdadesufocada.org.br
471
uma versão on-line, no endereço:
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf
livro e da gica nele composta para uma justificativa acerca do aparecimento da esquerda
armada.
Conforme explicamos o “livro” está separado por anos. Estes formam blocos
maiores que se configuram como as “tentativas de tomada de poder”. Nosso objeto em
questão está situado no ano de 1968, que integra o capítulo IV, na terceira parte, ou seja, no
bloco referente ao que seria a “terceira tentativa de tomada de poder”.
O início desta parte é a explicação do “ideário da revolução de março”:
A Revolução de 31 de Março de 1964 resultou de uma excepcional reação da
sociedade brasileira à corrupção, à subversão, à estagnação econômica, à espiral
inflacionária e a insegurança política e social, e cristalizou-se na manutenção do
regime democrático
472
.
É válido retomar a questão do “caos terminológico” existente nos termos revolução
e democracia. Neste período da história republicana brasileira há uma verdadeira subversão
de sentidos (para ambos os lados). E, uma vez estes conceitos introjetados na sociedade
neste sentido descrito pelos militares, faz com que se torne difícil qualificar o período em
questão como terror de Estado, conforme discutimos no capítulo II.
O Ato Institucional 1, criado pelo “Comando Revolucionário” desejava que o
Congresso votasse uma legislação “anti-subversiva” de emergência para facilitar a
restauração da ordem legal, após a necessária "limpeza ". De acordo com os organizadores
do ORVIL, ao contrário do esperado, o Congresso procedeu como se 1964 não tivesse sido
diferente das crises anteriores e haveria tentado viabilizar um “ato de emergência” próprio.
Seria este procedimento que teria provocado a pronta reação do “Comando
Rcvolucionário” que “praticou seu primeiro ato realmente revolucionário, outorgando o
Ato Institucional n. 1”
473
. Este ato seria uma outorga à “Revolução” de poderes para uma
rápida transformação no país, mantendo o Legislativo, o Judiciário e a Constituição. Estas
compõem, na visão de uma parcela militar, características de uma democracia e não de
ditadura
.
472
Projeto ORVIL. pp. 115.
473
Projeto ORVIL. pp. 117.
Entendemos que a visão dos “comandantes revolucionários” a razão do “movimento
político-militar” de 1964, não se tratavam apenas de depor o presidente João Goulart. O
objetivo central seria acabar com a "subversão e a corrupção" e a "infiltração comunista" na
administração pública, nos sindicatos, nos meios militares e em todos os setores da vida
nacional
474
.
Depois desta discussão inicial acerca de como o regime começou seu processo de
legitimação, o documento prossegue na busca de gênese na luta armada contra o regime,
relatando as dificuldades encontradas no “restabelecimento da ordem” dentro dos sindicatos
e principalmente dentro das universidades, considerados “alvos diletos da difusão das idéias
comunistas”:
Na área educacional as dificuldades foram maiores. Submetidos, havia anos, à
intensa propaganda marxista, os estudantes radicais, j á apoiados pelo nascente
"clero progressista ",tornaram-se o único pólo de oposição consistente, após a
Revolução. Doutrinados pelo PCB, PC do B, PORT, AP e POLOP, possuíam
uma visão de esquerda e os mais politizados estavam a favor da luta armada
475
.
Devido a esta “mentalidade radical” explicaria-se a dificuldade dos
“Revolucionários de Março” em pacificarem o meio educacional. O núcleo “duro”
acreditou que foram vãs as tentativas de obter-se a ordem, através da influência pessoal dos
reitores e dos professores serviram para acalmar o Movimento Estudantil. Dada a
474
Composto de 11 artigos, o AI-1 partia do precedente que, "a revolução, investia no exercício do Poder
Constituinte", ou seja, não procuraria legitimar-se pelo Congresso, muito pelo contrário, seria o Congresso
que receberia através do AI-1 sua legitimação. Além de conceder ao comado revolucionário as prerrogativas
de cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a
demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que tivessem "atentado" contra a segurança do país, o
regime democrático e a probidade da administração pública", o AI-1 determinava em seu artigo 2º. que dentro
de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para a presidência e vice-presidência da República. A data de
expiração do ato seria a data para convocação de eleições presidenciais, 31 de janeiro de 1966. O Congresso
Nacional tão logo ratificou a escolha feita pelo Comando Supremo da Revolução, e elegeu como presidente
da República o general Humberto de Alencar Castelo Branco, antigo chefe do Estado-Maior do Exército e um
dos principais articuladores da derrubada de Goulart. Para a vice-presidência foi eleito o civil José Maria
Alkmin, deputado federal do Partido Social Democrático (PSD), que fora um dos chefes civis do golpe. Para
as informações, cf.: FICO, Carlos. Além do golpe. São Paulo: Record, 2004; LEMOS, Renato. Justiça militar
e processo político no Brasil. IN: UFRJ, UFF, CPDOC, APERJ. 1964-2004.40 anos do golpe. Rio de Janeiro.
7 letras, 2004. pp.282-289; Os Atos Institucionais. IN: CPDOC/FGV. Dicionário Histórico Biográfico
Brasileiro. www.cpdoc.fgv.br/dhbb; GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo. Companhia das
Letras, 2002.
475
Projeto ORVIL. pp. 126.
conjuntura internacional em 1968, não foi de se espantar a radicalização dos estudantes
brasileiros. possuíam diversas opções para convergir suas pretensões em favor das ações
armadas. De acordo com ORVIL:
Das quase duas dezenas de organizações comunistas existentes ou então
formadas, oito foram as mais importantes para o Movimento Estudantil,
particularmente, na direção das agitações de rua: a Ação popuiar,(AP), o Núcleo
Marxista-Leninista (NML), a Dissidência da Guanabara (DI/GB), a Dissidência da
Dissidência (DDD), o Comando de Libertação Nacional (COLINA), o Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), a Vanguarda popular Revolucionária
(VPR) e a Ala Marighela (futura ALN)
476
Neste ínterim começa a análise do COLINA por N2, partindo dos momentos finais
da POLOP no IV congresso e a informação de que a Secretaria Regional da POLOP na
Guanabara apresentou no referido congresso um programa caracterizando a revolução
como sendo de “libertação nacional” e defendendo a estratégia da "guerra prolongada no
campo". Liderada por Juarez Guimarães de Brito e sua esposa, Maria do Carmo Brito, essa
dissidência carioca viria a juntar-se à dos mineiros, na formação do COLINA.
A analise desta organização começa por seu documento-base Concepção da luta
revolucionária”. Não encontramos nesta análise informações relevantes, ou desconhecidas.
O que pode ser observado seria muito pontualmente, no linguajar desqualificador de como
é tratados um apecto da luta do COLINA como, ao fazer alusão ao comando urbano referir-
se ao trabalho junto as massas via o jornaleco Piquete
477
. No mais, indica uma proposta
megalomaníaca do COLINA, ao afirmar que este escolheu uma área de mais de 100 mil
km2, englobando diversos municípios do Maranhão e Goiás para a instauração do foco
guerrilheiro. Das demais ações, o que se mostra inédito a nós é o asssassinato de um civil
por dois integrantes deste grupo após a expropriação” de um carro, na Guanabara
478
. Em
um último parágrafo sucinto, anunciam que o ano de 1969 foi crítico ao COLINA dada a
476
Idem. pp.223.
477
Projeto Orvil. pp.260.
478
Em 25 de outubro de 1968 no Rio de Janeiro, Fausto Machado Freire e Murilo Pinto teriam matado
Wenceslau Ramalho Leite com quatro tiros quando lhe tomaram o carro. Ibdem. pp.261.
série de prisões e da sua fusão de alguns remanescentes com VPR, para o surgimento da
VAR-Palmares.
O que se coloca como inédito no documento são as relações entre COLINA e outras
organizações. Por serem organizações de pouca atuação, ou com poucos militantes, quase
nada se sabia sobre elas. Através de Maria do Carmo Brito (Lia) foram iniciados os
entendimentos, com a fusão do que restou do COLINA em 1969 com o Núcleo Marxista
Leninista (NML)
479
. Após várias desventuras deste grupo, elegeram integrar o primeiro,
para que ficasse mais forte e atuante. Outro agrupamento que teve contato com nossa
organização de interesse, foi o Movimento Popular de Libertação (MPL), de Miguel
Arraes
480
, que ao tentar formar uma “frente antiimperialista” que teria uma face foquista,
mandou para fazer treinamento em Cuba militantes do PCBR,FARB e COLINA
481
. Mais
uma curiosidade diz respeito às trajetórias de COLINA e Corrente
482
. Até o
desmantelamento desta ultima, também em 1969 era confundida com o COLINA dada a
existência de ambos no mesmo período, proposta revolucionaria similar e também
composta por universitários em sua maioria
483
.
Não há mais referencias ao nosso grupo de interesse dentro do ORVIL, com isto, nos
debruçaremos agora ao rico material da AESI. A historia da AESI ainda está para ser
479
O NML surgiu como uma dissidência da Ação Popular em 1967, no estado da Guanabara. Após a AP optar
pela linha maoísta de “guerra popular”, os adeptos do foquismo constituíram esta organização. Dada a
debilidade de quadros buscou contatos com o Partido Operário Comunista (POC) e Dissidência da Guanabara,
para a constituição da “Frente Revolucionária”, que foi frustrada. pelo menos um militante que pertenceu
a esta organização que integra a lista de mortos e desaparecidos, contudo, estava militando na VAR-Palmares
quando da morte. É o mineiro Lucimar Brandão. Cf: Projeto ORVIL. pp. 276; TELLES, Janaína. Mortos e
desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? São Paulo: Humanitas, 2002. pp.193; SECRETARIA
ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Direito à Verdade e à memória. 2007.pp.132.
480
O MPL teve sua origem relacionada a políticos afastados após o golpe de 1964. Em 1966, ainda na
Argélia, Miguel Arraes decidiu construir uma frente antiimperialista, através de várias organizações de
esquerda no Brasil. Quando volta ao país, no mesmo ano, resolveu fazer uma reunião de fundação. Dada a
inexistência de um programa, a opção seria agir em duas frentes, sendo: a primeira, em andamento, que visava
a unificação das esquerdas e a segunda que seria a guerrilha tanto urbana quanto rural. Dentre os que
integraram este grupo estava o deputado Marcio Moreira Alves. Projeto ORVIL. pp.279-280.
481
A FARB (Frente de Ação Revolucionária), segundo consta no ORVIL, foi o nome dado a um grupo de 5
estudantes da União Estadual dos Estudantes/SP (UEE), que se diziam contrários às orientações da AP nesta
instituição. Sobre o COLINA, os dois militantes enviados a Cuba foram Edson Lourival Reis de Menezes e
Osvaldo Soares. Projeto ORVIL. pp.280-281.
482
Corrente Revolucionária de Minas Gerais surgiu em 1967 neste Estado. Tornou-se em 1969 em um
segmento da ALN de Mariguella. Cf. VITRAL. Tiago V. Corrente Revolucionária de Minas Gerais: uma
resistência armada ao regime militar brasileiro no Estudo de Minas Gerais (1967-1969). Monografia de
conclusão do curso de História. PUC/MG, 2008.
483
Projeto ORVIL. pp. 248.
escrita. A partir de poucos fragmentos, tentaremos reconstruí-la, principalmente no âmbito
desta Universidade.
De acordo com Carlos Fico, a espionagem nos Ministérios civis eram espionados
através dos “Sistemas Setoriais de Informação”, que por sua vez eram constituídos pelos
órgãos de informação de seus respectivos ministérios e demais fundações ou empresas
estatais que eram ligadas a eles. O principal órgão de informações de um ministério civil
era sua “Divisão de Segurança e Informações” (DSI). Em concomitância, em cada órgão de
relevância da administração pública havia uma “Assessoria Especial de Segurança e
Informações” (AESI). A influencia destes órgãos foi aumentando significantemente,
inclusive, chegou a ser decisiva em ministérios “problemáticos” como o da Educação , em
função do Movimento Estudantil. Nas universidades públicas existia a AESI,
fundamentalmente em razão do Decreto-lei 477/69
484
, que cuidava da “subversão” dentro
da academia, seja por alunos, professores ou funcionários
485
. A criação das AESIs foram
criadas muito em função do prestigio que os chefes imediatos conseguiriam. Caso a
repartição fosse importante, haveria de ter uma AESI, desta maneira seria conveniente pra
alocar os militares “linha dura” que buscavam maiores rendimentos, através de
comissões.
486
De acordo com informações contidas na Biblioteca da UFMG, a AESI, foi um órgão
instituído pelas Portarias Ministeriais nºs 360-BSB e 361-BSB, datadas de 27.06.73 e
posteriormente denominada ASI/UNI por Portaria Ministerial de 12.05.76. O processo de
extinção das AESI/ASI nas universidades brasileiras prolongou-se de 1979 a 1986
conforme ofícios 009/3000/79-SNM/DSI/MEC de 08.05.1979 e 0236/81/20/DSI/MEC de
21/10/81 e o Decreto 93.314
487
de 30/09/86. Este órgão existiu em todos os órgãos públicos
federais, incluindo, aí, as universidades. Na UFMG, este arquivo permaneceu lacrado sob a
484
Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de
estabelecimentos de ensino público ou particulares, e outras providências. Decreto-lei n 477 de 26 de
fevereiro de 1969.
485
FICO, Carlos. Como eles agiam. São Paulo: Record, 2001. pp.84-93; BRANDÃO, Priscila.SNI & ABIN:
uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao logo do século XX. Rio de Janeiro: FVG. 2002.
pp.57.
486
FICO, Calos. Espionagem, Policia Política e Propaganda: os pilares básicos da repressão. In:FERREIRA,
Jorge & DELGADO. Lucilia. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século
XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp.176.
487
Art. 1º Ficam extintas as Assessorias de Segurança e Informações integrantes das estruturas
organizacionais das instituições de ensino superior, vinculadas ao Ministério da Educação.
guarda da Imprensa Universitária da UFMG até 1989. Neste ano, uma arquivista do
Ministério da Educação e Cultura foi transferida para a Universidade, fazendo que desta
forma o arquivo fosse inventariado, todavia, seu conteúdo ficou em sigilo até o final do
referido ano, quando o trabalho foi entregue à Biblioteca Universitária. A finalidade seria
integrar o acervo de documentos relativos à memória da UFMG. Os documentos foram
primariamente classificados como "confidencial e secreto" devido à natureza especial do
arquivo.
“O tratamento visou compatibilizar o interesse de preservação da memória
institucional com a eficácia e proteção dos direitos e garantias individuais,
bem como de preservação da memória política e administrativa do país e do
seu sistema universitário”
488
.
Ao adentrarmos nestes arquivos encontramos processos sumários referentes ao
militantes do COLINA dentro de vários Institutos da UFMG: Faculdade de Medicina (com
vasto material), Instituto de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências Econômicas e
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Encontramos também depoimentos, relatórios
produzidos pelo DOPS e históricos escolares, contudo o mais importante é a percepção de
como o Sistema de Inteligência e Universidade estiveram afinados no combate à subversão.
Notamos isto em alguns diretores de institutos e professores mais que em outros, todavia
não exclui a conivência de todos com a repressão. Em trabalho sobre Memória de Reitores
da UFMG, organizado por Maria Efigênia Lage de Resende e Lucilia de Almeida Neves,
temos nestes depoimentos alguns apontamentos sobre as relações entre universidade e
governo militar serve como complementares às informações contidas no arquivo da AESI,
guardada toda a problemática da subjetividade da história oral e sabendo que neste caso de
memórias institucionais, os depoentes se preocupam em preservar sua boa imagem,
vangloriando seus atos.
O que mais se evidencia nos depoimentos é a defesa da autonomia universitária
durante o período militar. Aluísio Pimenta, reitor que assumiu em 1964 chama a atenção
para o fato que:
488
Informações no site www.bu.ufmg.br
A maioria dos membros do Conselho Universitário, onde eu mantinha a presença da
representação estudantil, muitos eram conservadores, mas dignos. Muitos deles
apoiaram o movimento de março de 1964, mas se uniram quando a questão foi a
defesa da autonomia da Universidade
489
.
A gestão deste entre 1964 e 1967, foi marcada pelo debate acerca da reforma
universitária e por turbulências com o General Carlos Luís Guedes, um dos líderes do golpe
em Minas Gerais. Guedes chegou ao ponto de afastar Aluísio e nomear-se interventor da
UFMG, contudo, não obteve apoio nem do Ministro Milton Campos tampouco de
Magalhães Pinto, governador. A saída destes foi promover Guedes e transferi-lo a São
Paulo.
O reitor que sucedeu Pimenta e esteve no mandato no período de existência do
COLINA foi jurista Gerson de Britto Mello Boson (1967-1969). Em 1968 este reitor
passou por duas situações delicadas. Primeiro, dia 3 de maio de 1968, dia em que ocorreria
uma assembléia resultou em cerca de 200 estudantes presos em uma invasão à Faculdade de
Medicina. Começou com uma batalha nas ruas e terminou dentro do prédio da escola.
“Na época, o que a gente queria era conversar com o diretor, o professor Oscar
Versiani Caldeira, para conhecer a posição dele a respeito dos fatos que vinham
acontecendo na sociedade brasileira, aos moldes do que tinham feito os diretores
das faculdades de Direito, Lourival Vilela e de Engenharia, Cássio Pinto, com seus
alunos”
490
,
Segundo Ajax Ferreira, posteriormente, os citados diretores interviram a favor dos
alunos da Medicina presos junto aos órgãos representativos da UFMG. Uma vez que o
diretor da Escola de Medicina de não quis dialogar com os alunos, estes decidiram prendê-
lo dentro da Faculdade, através de um cordão humano, que impedia a saída do prédio. Os
alunos realizaram uma assembléia e decidiram manter a ocupação. A policia, então, invadiu
o estabelecimento. Os alunos presos foram levados para o Departamento de Ordem Política
489
RESENDE, Maria Efigênia & NEVES, Lucilia. Memória de Reitores (1961-1990). Belo Horizonte:
UFMG, 1998. pp.56.
490
Fala do professor Ájax Ferreira, em palestra proferida acerca dos 40 anos a Invasão da Escola de
Medicina: http://www.medicina.ufmg.br/noticias/?p=1311
e Social DOPS, houve suspensão das aulas e o Diretório Acadêmico foi interditado. De
acordo com o ex-reitor Boson:
Na verdade teriam como refém qualquer outro que se apresentasse e que
pretendesse negociar com eles. Não é que eu tenha dado autorização à polícia para
invadir a Escola de Medicina. Não dei por duas razões. Primeiro, porque a polícia
não precisava de autorização minha para invadir. Ela havia, sem esta autorização
haviam invadido a FAFICH e a própria Faculdade de Direito. Segundo, porque
naquela ocasião eles estavam querendo a minha autorização, para depois jogar nas
cosas do reitor a responsabilidade por algumas tropelias que, por acaso, resultassem
desta invasão. Mas o episódio, afinal de contas, terminou bem”
491
.
A segunda situação ocorreu no final do ano, em 5 de outubro de 1968. Alguns
alunos da FAFICH estavam reunidos no subsolo da universidade cuja finalidade era a
organização da viagem ao Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Ibiúna
(SP). Mesmo sendo uma reunião sigilosa, os militares tomaram conhecimento dos planos
estudantis e decidiram boicotá-los. O então diretor da faculdade, professor Pedro Parafita
de Bessa, foi chamado à Secretaria de Estado de Segurança pela manhã, pouco antes da
invasão. Na sua volta Quando retornou, o prédio que funcionava na rua Carangola, estava
cercado pela PM, que queria prender o presidente do Diretório Acadêmico (DA) da Fafich,
à época o estudante de história Waldo Silva, e outros líderes estudantis. Os militares teriam
tirado Bessa da escola para cercá-la.
Tanto Aluísio Pimenta, como o ex-diretor da Fafich Pedro Parafita de Bessa foram
aposentados. Gérson Boson, foi cassado ainda como reitor, em 1969. Este último, foi uma
pessoa controversa. Embora não estivesse concordasse com as posições políticas de
esquerda era visto com desconfiança pelo regime, por suas atitudes democráticas. Um
exemplo foi reunir-se com representantes do movimento estudantil, no auditório da
Reitoria, para discutir questões como o preço das refeições no Restaurante Universitário.
“Você ouviu falar na história da luta entre o mar e o rochedo, em que sofrem os
mariscos? Na verdade, eu fui, nesse episódio [ele se referia ao relacionamento com
491
RESENDE. op. cit. pp. 93-94.
os estudantes, de uma maneira geral], um verdadeiro marisco. Porque os estudantes,
que eu não podia atender à maioria de suas reivindicações, me tinham como
partidário da ditadura. E, de outro lado, quando eu o admitia que a polícia ou a
segurança usassem dos seus processos violentos contra estudantes dentro da
Universidade ou contra a comunidade universitária, viam-me como esquerdista”
492
Após a cassação de Boson em 13 de outubro de 1969, o chefe do Serviço Secreto
em Belo Horizonte disse a este que o Exército nada teria a ver com seu afastamento, os
responsáveis eram alguns professores da Escola de Medicina que estavam armando um
complô contra ele
493
. Num determinado momento, o reitor resolveu ir atrás de Alfredo
Buzaid, Ministro da Justiça para buscar informações sobre sua cassação. Boson
encontrou uma ficha relativa a ele, em que atrás estava escrito: omisso. “Presumidamente
por não admitir atos de perseguição contra professores e alunos da Universidade”
494
. Mais
um caso relatado acerca da cassação foi o encontro de Boson com o então embaixador do
Brasil em Portugal Gama e Silva. Quando interrogado por este sobre “como ia a UFMG”?
O reitor respondeu que poderia dizer-lhe que ia tudo bem até o dia em que ele assinou o ato
de sua aposentadoria compulsória, ou seja, sua cassação como reitor. Foi então que Gama e
Silva surpreendeu-se e disse que jamais assinou o referido ato
495
. Um fato interessante, diz
respeito às relações institucionais. Quando interrogado sobre as relações com o vice-reitor,
Boson foi o único dos reitores a não falar sobre o seu vice, Leônidas Magalhães.
Quem assumiu após o afastamento de Gerson Bóson, foi Leônidas Machado
Magalhães. Como o início do processo sumário sobre o COLINA na UFMG data deste
mesmo mês, é Leônidas quem dialogou com o Exército. As referências a este ex-reitor
encontradas no livro citado é no depoimento de Aluisio Pimenta, relatando a formação
estadunidense de Leônidas, em que preservar autonomia universitária era fundamental e
neste mesmo depoimento em que é citado como um dos mais empenhados em auxiliar na
implantação das reformas na universidade, que, grosso modo teve como resultado o
estabelecimento de diretrizes para a transformação das universidades, então federações de
faculdades e escolas. A providência imediata foi estabelecer o reitorado em tempo integral,
492
RESENDE. op.cit.pp.93.
493
Idem. pp.95.
494
Idem.pp.99.
495
Idem.
alem de introduzir mudanças no gerenciamento da Universidade e fortalecer a
administração central, que praticamente não existia na Reitoria e era totalmente feita nas
faculdades e escolas. Não era escopo centralizar a execução orçamentária, mas coordenar o
seu planejamento, aprovação e a própria execução
496
. Leônidas terminou o mandato de
Bozon, sendo sucedido por Marcelo Coelho.
De acordo com a revista Diversa, da UFMG, Marcelo de Vasconcellos Coelho teve
como característica de seu mandato a não aceitação da interferência do governo militar na
Universidade, assim como seu sucessor, Eduardo Osório Cisalpino
497
. Coelho desafiou o
General Gentil Marcondes Filho, chefe da ID/4 ao responder às acusações de que não teria
designado “pessoas que não são de confiança do Exército”, para integrar sua equipe. O
reitor respondeu:
“Olha general, eu nunca designei um coronel seu, portanto, eu espero qe o
senhor não se meta nos meus designados, porque eu dirijo a Universidade,
escolhido pelo Presidente da República.
Foram eles os responsáveis por impedir o funcionamento, de fato, da AESI.
Segundo afirmações da revista, a AESI “atuou em todas as universidades brasileiras, menos
na UFMG”.
Num gesto de grande habilidade política, Marcelo Coelho incluiu a Aesi no
organograma da Universidade, mas concentrou as funções do órgão em um
único funcionário, Roberto Faria, ligado diretamente a ele. Faria chegou a
ser visto com desconfiança por parte da comunidade acadêmica, mas foi o
braço direito de Coelho e de Cisalpino na tarefa de driblar a repressão e
evitar que chegassem ao governo militar informações sobre a atuação
política de professores, funcionários e estudantes da UFMG
498
.
496
PIMENTA, Aluísio. Universidade: a destruição de uma experiência democrática. Petrópolis: Vozes,
1985.
497
Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007.
http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html
498
Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007.
http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html
Não é nosso escopo a discussão sobre esta política em relação à AESI e a vigilância
aos discentes e docentes após o mandato de Leônidas. O que questionamos é que ao
contrário da afirmação da revista, a UFMG sofreu interferência na AESI. O fato se não
haver um funcionário militar dentro da Universidade não exclui o funcionamento do órgão,
contudo, pode ser que comparando a ação deste órgão na UFMG frente a outras, a
interferência tenha sido menor. Tais arquivos abrangem o período de atuação dentro da
UFMG de 1964 a 1982. Como veremos o diálogo entre militares e universidade foi
constante no que diz respeito aos processos relacionados aos militantes do COLINA.
Como forma de melhor apresentar a pesquisa trabalharemos a partir da citação de
casos exemplares para a análise do conjunto do material, de forma que não se torne uma
enfadonha descrição de casos jurídicos.
Esta história se inicia dia 29 de setembro de 1969, quando o General Gentil
Marcondes Filho, comandante da Infantaria Divisionária ID/4, sediada em Belo Horizonte,
escreveu ao Reitor da UFMG comunicando que havia instaurado um Inquérito Policial
Militar para apurar as atividades da “organização subversiva” COLINA. Desta maneira,
enviou à Universidade uma lista de nomes dos alunos que estavam sendo indiciados e
solicitava que as “devidas providências” fossem tomadas e que se mantivesse o contato
com o referido Comando
499
. Em 13 de outubro de 1969 ocorreu a cassação do reitor Gerson
Boson. Neste mesmo dia, o vice-reitor em exercício Leônidas Machado encaminhou aos
diretores das Faculdades em que estavam matriculados os militantes indiciados, um ofício
solicitando informações sobre estes
500
. Dentre os que receberam a informação, está o
diretor da Faculdade de Medicina (FM) Oscar Versiani Caldeira.
A) F
ACULDADE DE
M
EDICINA
A pasta alusiva a esta Faculdade é a que mais contém documentos, haja vista que
boa parte do núcleo dirigente havia pertencido a esta. um funcionário, Irany Campos, e
seis estudantes de Medicina, que são: Ângelo Pezzuti, Herbert Carvalho, Maria José Nahas,
Jorge Nahas, Pedro Paulo Bretas e Athos Magno Costa e Silva, presos ou clandestinos no
ano de 1969. Nesta pasta também melhor podemos vislumbrar os tramites legais acerca dos
499
Oficio n.420-E2, de 23/09/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
500
Oficio “confidencial” de Leônidas Machado ao General Gentil Marcondes Filho em 13/11/1969. Pasta 11.
Arcevo AESI/UFMG.
inquéritos instaurados contra os militantes que pertenciam àquela instituição, pois todos
somente cortaram vínculos após a prisão em janeiro de 1969.
No início do mês de outubro de 1969, o Estado de Minas, publicou uma reportagem
com o chamado: “Preventiva para Mariguella e mais 33 da subversão”. O artigo relata o
decreto de prisão preventiva de duas listas de militantes. Uma lista de integrantes da
Corrente/ALN e outra de integrantes do COLINA, este com 19 nomes listados a pedido do
Gal. Otávio Medeiros. À exceção de Herbert Carvalho (conhecido como Herbert Daniel)
nenhum dos restantes estavam vinculados à UFMG, em sua maioria, estavam clandestinos
em outras organizações
501
.
No oficio remetido pelo então reitor em exercício é reiterado à Versiani a
“conveniência de ser mantido contato com as autoridades encarregadas do referido IPM
para a obtenção de dados e mais precisos informes acerca das ocorrências”, para as devidas
providências
502
. Uma vez comunicado, uma semana depois, Oscar Versiani, baseando-se no
artigo 3 do Decreto-lei 477
503
, decidiu nomear o professor adjunto Dr. Sylvio Gonçalves
Coutinho, da disciplina de cirurgia para ser responsável pela apuração das infrações
descritas no artigo 1, itens I a IV
504
do referido decreto que possivelmente tenham sido
praticadas pelo funcionário Irany Campos. No mesmo dia o referido professor nomeou Ural
Chaves Prazeres, auxiliar de secretaria da FM, secretário do processo sumário a ser
realizado
505
e para assessor jurídico o advogado Antonio Gomes Pereira, da mesma
Instituição. No dia 29 do mesmo mês, Coutinho encaminhou ao general um ofício
501
Consta na lista os nomes de: Carlos Alberto Soares de Freitas, Cláudio Galeno de Magalhes Linhares,
Dilma Vana Roussef, Apolo Heringer Lisboa, Tomás Weiss, Reinaldo de Melo, Marco Antonio Meyer, Badih
Melhem, Oroslinda Goulart, Irany Campos, João Marques Aguiar, Ageu Heringer Lisboa, Carmela Pezzuti,
Marcos Antonio Rocha, Guido Rocha, José Raimundo Alves Pinto, Caros Vilan Pinom, Pitágoras Machado.
“Preventia para Mariguella e 33 da subversão”. Estado de Minas. 03/10/1969. Hemeroteca blica de Minas
Gerais.
502
Documento “confidencial”, de Leônidas M. Magalhães a Oscar Versiani Caldeira.13/10/1969. Pasta 11.
Arcevo AESI/UFMG.
503
O processo sumário será realizado por um funcionário ou empregado do estabelecimento de ensino,
designado por seu dirigente, que procederá as diligências convenientes e citará o infrator para, no prazo de 48
horas, apresentar defesa. Se houver mais de um infrator o prazo será comum e de 96 horas.
504
Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino
público ou particular que: I - Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a
paralização de atividade escolar ou participe nesse movimento; II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em
prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele;
III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não
autorizados, ou dele participe; IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua
material subversivo de qualquer natureza.
505
Faculdade de Medicina de MG. Portaria n 1/69 de 20/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
comunicando a prisão de Irani no Estado da Guanabara e solicitando que o réu seja avisado
do processo contra ele baseado nos artigos citados. Desta forma, ele teria 48 horas para
apresentar sua defesa. Outro pedido feito ao Gal. Marcondes foi a transcrição literal das
declarações de Irany acerca de “sua conduta publicamente escandalosa decorrente da
filiação à OPM”
506
. O pedido foi atendido no dia seguinte, com a enumeração das ações
praticadas e confessadas, de acordo com o Exército, pelo réu
507
.
Com o passar dos dias, a “Comissão do 477” pesquisou como e onde pôde para
levantar acusações ao funcionário para que o fizesse culpado e julgado dentro da referida
lei. No dia 8 e novembro foi enviado o primeiro relatório do professor encarregado pelo
processo ao diretor da faculdade. Este descrevia a dificuldade da comprovação de algumas
informações relacionadas aos crimes cometidos pelo réu dado o exíguo prazo de 20 dias,
conforme a lei estipula. Uma vez que o objetivo era enquadrá-lo no 477, este não foi
alcançado em virtude dos seguintes fatores:
a) O processo sumário é nulo, pela falta de citação, podendo ser
convalidado por nova portaria de V. Exa;
b) No mérito propriamente dito, o indiciado não pode ser punido por atos,
que não eram considerados infrações disciplinares e que só vieram a sê-
lo em 26/02/1969;
c) Por desqualificação do delito, a atividade do indiciado merece ser
apurada frente ao Estatuto dos Funcionários Públicos via de processo
administrativo, prevista a pena de demissão
508
.
Uma vez não havendo punição via decreto 477, outra opção foi sugerida, que
pretendia-se o julgamento baseado na lei 1.711, 28 de outubro de 1952, que dispõe sobre o
Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. A partir do artigo 207, item II desta,
que afirma caso de demissão em decorrência de : ‘incontinência pública e escandalosa,
vício de jogos proibidos e embriaguez habitual’, buscaram argumentos para que Irany não
506
Oficio “onfidencial”de Sylvio Coutinho ao Gal. Marcondes em 29/10/1969.Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
507
Oficio de Gal.Marcondes a Sylvio Coutinho em 30/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
508
Relatório do Processo Sumário de Irany Campos. p.01 de 08/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
saísse tão somente inserido na Lei de Segurança Nacional. Pelo argumento do proprio
presidente da comissão Silvyo Coutinho :
17.Incontinente, se diz daquele que tem falta de moderação, que é
imponderado, irrefletido, descometido (Dicionário de Morais, 10 edição,
vol.5). A natureza e forma dos delitos, de sua vez, denunciam a publicidade
e o escândalo ;
18. A incontinência do indiciado é pública e escandalosa pela natureza das
mesmas ilicitudes praticadas, que foram largamnte difundidas pela
Imprensa e epelias pelas autoridades e pelo bom senso do povo ;
19. Se, pois, aparece-nos inaplicável ao indiciado o decreto lei 477 de 26 de
fevereiro de 1969, julgamos, viável a incontinencia publica e escandalosa
vedada pelo Estatuto dos funcionários, atraves de processo administrativo
ali previsto sob pena de demissão
509
.
Coube a Oscar Versiani a decisão final, que apenas indossou a proposta de Coutinho
e comunicou ao DSI do Ministério da Educação, à reitoria da UFMG e à Infantaria
Divisionária da 4 regiao militar (ID/4)
510
. Uma vez todos de acordo, Versiani compôs outra
comissão, valendo-se do artigo 219 da lei 1.711, para apurar os crimes caracterizados por
‘incotinência escandalosa’, tendo por base este mesmo Estatuto. Como responsável pela
investigação, manteve-se Coutinho e mais duas auxiliares : a técnica de laboratório Julia
Saud e a laboratorista Maria da Conceição Dias Coelho
511
.
No caso dos estudantes, o processo foi similar. O mesmo Coutinho foi responsável
por apurar os delitos através do processo sumário destes para o enquadramento no 477
512
. A
diferença está na busca dentro das entranhas burocráticas da universidade para um
mapeamento desde o desempenho acadêmico à militância estudantil. A procura se iniciou
pela seção de ensino que emitiu parecer certificando que todos não requereram matricula no
ano de 1969. Anexado ao certificado, estão anexos os históricos escolares dos acusados. É
509
Idem. p.03.
510
Relatório de Oscar Versiani às autoridades. 08/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
511
Portaria n.57 de 11/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
512
Portaria n.50 de 20/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
interessante como através destes notamos a clara opção pela militância em detrimento dos
estudos. Em 1967, ano conturbado na vida política destes jovens (transição entre POLOP-
COLINA) à exceção de Maria José Nahas, todos foram repetentes nos diferentes anos de
curso
513
. Ângelo Pezzuti teve que repetir a 4 série no ano de 1968, assim mesmo não foi
aprovado novamente em duas disciplinas. Herbert Daniel, cursou novamente a 3 série no
referido ano, que no ano anterior, das 6 disciplinas em que estava matriculado, somente
em Semiologia foi aprovado. Jorge Nahas, também cursou a 3 série em 1967 e por razões
políticas foi repetente, conseguindo sanar parte das disciplinas no ano que se seguiu. Pedro
Paulo Bretas, na 2 série trazia consigo em 1968 duas dependências do ano inicio da
organização
514
.
Todos tiveram suas informações pessoais, assim como o relatório policial e recortes
de jornais referentes às ações do grupo fornecidos pelo DOPS para melhor análise do grau
de periculosidade e melhores argumentos para punições. Assim como procedido no caso de
Irany, foram pedidas pelo encarregado do processo sumário, Silvyo Coutinho, as citações
dos acusados, uma vez que estavam alguns presos no Rio de Janeiro e outros em Juiz de
Fora
515
.
Uma vez concedidas as citações, Jorge Nahas e Maria José Nahas tiveram uma
advogada acionada pela família. Elizabeth Ferreira Diniz ficou encarregada de defender o
casal conta o enquadramento no processo sumário referente ao decreto 477
516
. O professor
Coutinho nomeou-a defensora também de Herbert Daniel, uma vez que este se encontrava
na clandestinidade em algum lugar desconhecido das autoridades
517
. Nos dias 6 e 7 do mês
de novembro, a advogada apresentou a defesa dos três. Citando os quatro primeiros itens
do artigo 1 do decreto 477, lembrando que são os mesmos que Irany Campos, a advogada
desconstruiu todos os argumentos da diretoria da escola de medicina. Comprovou como é
indevido o uso do 477 para o caso destes militantes:
513
Neste período o curso era contado por ano e não por semestre, como atualmente.
514
Histórico escolar de Ângelo Pezzuti; Histórico escolar de Maria José Nahas; Histórico escolar de Herbert
Eustáquio de Carvalho; Histórico escolar de Jorge Raimundo Nahas; Histórico escolar de Pedro Paulo Bretas.
Datilografados dia 15/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
515
Ofício de Sylvio Coutinho ao Gal. Gentil Marcondes, em 27/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
516
Carta da advogada Elizabeth Diniz ao professor Silvyo Coutinho em 03/11/1969. Pasta 11.Arquivo
AESI/UFMG.
517
Portaria 4/69 de 06/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.
8) um principio universal sagrado por todos os povos cultos, pelo qual não
crime sem lei anterior que o defina. Principio este admitido em nossa Lei Magna;
Deste modo, por dois motivos relevantes os indiciados não podem estar inscritos
nas sanções disciplinares descritos pelo art.1 do decreto 477:
a) (...) não está matriculado no corrente ano letivo na Faculdade;
b) O dec.lei 477 que define as penas disciplinares é de 26 de fevereiro do ano em
curso quando o indiciado sequer estava matriculado na Universidade
518
.
Desta forma não foi complicado para a defesa, uma vez que nenhuma lei pode ser
aplicada retroativamente. Em tempo: as prisões ocorreram em janeiro, cerca de 40 dias
antes da lei ser revogada. A outra colocação pertinente por parte da defesa é a
impossibilidade de um inquérito administrativo pelo regimento da Faculdade de Medicina,
pelo fato de não estarem matriculados, logo, não são mais alunos. A advogada sugere a
interrupção deste processo até que se resolva a situação dos indiciados até que se resolva o
julgamento da Justiça Militar, onde são processados dentro da LSN.
De acordo com o primeiro relatório enviado a Oscar Versiani, a resolução ficou a
seguinte: primeiramente, ficou anulado o processo de Ângelo Pezzuti e Pedro Paulo Bretas,
pela falta do aviso prévio a estes do processo sumário que estão indiciados; segundo, a
absolvição de Jorge Nahas, Maria José Nahas e Herbert Carvalho, pela não aplicabilidade
do decreto- 477; por fim, como os indiciados teriam praticado gravíssimas faltas, a partir do
segundo semestre de 1968, estão eles sujeitos a julgamento de acordo com o Regimento da
Faculdade de Medicina ,em seu artigo 201 em que serão apuradas as violações do art.195
do mesmo regimento, que podem levar à expulsão da universidade
519
.
Como podemos perceber um esforço por parte da comissão e da diretoria da
Faculdade de Medicina em indiciar seus alunos para além da LSN. O relatório final enviado
a Oscar Versiani reafirma a absolvição dos tendo como base o Decreto 477, contudo apura
pelo processo sumário atividades contra o regimento da Faculdade, ou seja: desobediência
518
Razões de defesa do indiciado Maria José Nahas e Jorge Raimundo Nahas em 06/11/1969; Razões de
defesa do indiciado Herbert Eustáquio de Carvalho em 07/11/1969. Pasta 11. Arcevo AESI/UFMG.
519
Relatório para Oscar Versiani, de Sylvio Coutinho de 08/11/1969. Pasta 11. Arcevo AESI/UFMG.
ao regimento e práticas perturbadoras da ordem, ofensivo dos bons costumes ou desacato a
autoridades universitárias ou a funcionários
520
.
O relatório informa que iniciaram-se dia 26 de novembro de 1969, após a
publicação no jornal do judiciário “Minas Gerais” em que pediam o aviso aos réus do novo
processo contra eles, e um deles, Herbert Daniel, foi comunicado por edital haja vista a
falta de noticias sobre seu paradeiro. Ficou determinado que teriam 15 dias para poderem
apresentar sua defesa escrita. Desta forma, quem se dispôs a defendê-los foi novamente
Elizabeth Diniz, que alegou a inexistência de faltas disciplinares, logo, a impossibilidade de
punição, dado que estavam sendo indiciados com base no artigo 201 do regimento, que diz:
Art.201: Por faltas que cometerem, estarão os alunos sujeitos às seguintes penalidades: 1-
Advertência; 2- Repreensão; 3- Suspensão; 4- Exclusão. § 1.- As faltas consideradas graves
serão comunicadas à Congregação que determinará abertura de inquérito a ser realizado
por uma Comissão Especial presidida por um catedrático
521
.
Além do mais, o presidente da Comissão, professor Orosmar Moreira afirmou
outros motivos que levariam à absolvição destes alunos, que em suma, são: os atos
praticados foram fora da Faculdade, sem qualquer desobediência ou infrigência do
regimento; os atos se tratam de fatos capitulados na Lei de Segurança Nacional e não de
faltas disciplinares escolares; que os indiciados, todos, não estavam, nem estão
matriculados nesta Faculdade no presente ano letivo (1969); por fim, os indiciados estão
respondendo a processo mediante a Justiça Militar, ainda sem julgamento, não podendo os
atos delituosos lhes serem atribuídos decisivamente. Desta maneira, a absolvição seria
sensata uma vez que se antecipassem este julgamento ao da Justiça Militar, a decisão final
atrapalharia a vida escolar deles. Caso não optassem pela absolvição ele solicitou ao menos
a suspensão temporária do caso até que a Justiça Militar julgasse o que lhe compete para
evitar dois julgamentos similares em duas instancias distintas: administrativa e judicial-
militar
522
.
520
Regimento da Faculdade de Medicina. Artigo 195, letras a e b, de 1966.
521
Regimento da Faculdade de Medicina, artigo 201 de 1966.
522
Defesa dos indiciados Jorge Nahas, Maria José Nahas, Herbert Carvalho, Pedro Paulo Bretas e Ângelo
Pezzuti em 15/12/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.
O presidente da comissão no referido relatório final não concorda com a
argumentação da advogada. Ele deixa claro que não lhes compete o processo dos militantes
dentro da LSN, contudo, crê “perfeitamente cabível a repercussão destes atos [criminosos]
diante dos preceitos do Regimento desta Faculdade”
523
, uma vez que em 1968 eram alunos
e praticaram a maioria das ações. Além disto, ele afirma que não comunicação entre a
esfera administrativa e militar, o que exclui a possibilidade da repetição de processos,
podendo, desta forma, serem absolvidos em uma e condenados na outra. Concluindo esta
discussão, o diretor afirma que o processo administrativo não os leva à prisão, mas poderá
afastá-los da universidade.
Outro ponto contestado tange à questão dos delitos, que foram praticados fora da
faculdade. Citando o artigo 195 do Regimento, são apontadas as infrações autônomas: que
perturbem a ordem, atos que ofendam os bons costumes e que importem à desacato às
autoridades universitárias ou a professores. Ele chama a atenção que os dois primeiros são
genéricos em contraposição ao terceiro que não se limita ao interior da Faculdade:
“Seria absurdo admitir - e nem a defesa o pretende, a coexistência de atos altamente
perigosos praticados fora da Faculdade, com um bom comportamento dentro dela,
pois aqueles que incompatibilizam o agente com as demais atividades, notadamente
a universitária, na qual se espera, pelo menos, uma dignidade mínima pessoal de
seus membros”
524
Julgam os alunos como perturbadores da ordem”, e mais grave que isto, à exceção
de Herbert, por não ter sido preso, todos são réus confessos e testemunhas dos crimes dos
outros. Em sua empiria, Orosmar demonstra como cada um deles participou de mais de um
delito considerado grave, perturbador da ordem: Ângelo em nove deles, seguido por Pedro
Paulo em sete, Jorge, em no mínimo cinco, Maria José em quatro e Herbert em dois. Mais
uma questão levantada no relatório é que o fato de Herbert não ter confessado nada não é
razão para sua absolvição, que a confissão o é pressuposto de condenação, e outro
523
Relatório da Comissão Especial entregue a Oscar Versiani de 22/12/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.
524
Relatório da Comissão Especial a Oscar Versiani de 22/12/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.
motivo porque “sua atividade terrorista resulta de depoimento de seus próprios
comparsas”
525
.
A decisão final da Comissão foi a exclusão dos alunos da Faculdade, por estar
convencida que violaram o Regimento cometendo atos que perturbem a ordem, conforme
reza o artigo 195. À exceção de Pedro Paulo, que não conseguimos informações posteriores
ao seu banimento dentre os 70 presos políticos, todos os demais alunos terminaram seus
cursos no exterior.
B
)
F
ACULDADE DE
E
NGENHARIA
O diretor da Faculdade de Engenharia Cássio Mendonça Pinto recebeu no mesmo
dia 13 de novembro o ofício avisando-o do inquérito aberto sobre o aluno Maurício Vieira
Paiva
526
. A resposta de Cássio Mendonça foi seca e direta:
Informo que esta Escola não adota o regime de matrícula automática e é por
isto que considera o aludido iniciado excluído do seu corpo discente. Não
sendo o sr. Mauricio de Vieira Paiva aluno desta Escola, não poderá, por
ela, sofrer qualquer punição. (...) As matrículas passam a ser centralizadas
na Secretaria da Coordenação de Administração. Pelo exposto, futuramente,
aquele órgão poderá determinar o que se deva fazer na eventualidade do
indiciado vir a pleitear renovação de sua matrícula
527
.
Com a resposta, coube a Leônidas Magalhães encaminhá-la à referida secretaria,
recomendando atenção caso houvesse tentativa de matrícula. Não há mais informações
nesta pasta a respeito desta unidade e aluno.
C)
F
ACULDADE DE
F
ARMÁCIA
525
Idem.
526
Ofício “confidencial” de Leônidas Machado para Cássio Mendonça Pinto de 13/11/1969. Pasta 12. Arcevo
AESI/UFMG.
527
Ofício 130/69 da Escola de Engenharia de 14/10/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.
Comunicado como os demais, o diretor da Faculdade de Farmácia Adalberto
Moreira dos Santos Pena, ficou incumbido de apurar as atividades de Carmem Helena
Barbosa do Valle e João Marques Aguiar, alunos da sua escola
528
.
Em resposta, ao Vice-Reitor em exercício, Adalberto Pena comunicou que Carmem
Lúcia havia colado grau em 1967, contudo iria encaminhar ao Gal. Gentil Marcondes as
informações que possuíam sobre esta. Sobre o outro estudante, João Marques Aguiar, ele
informa o equívoco, uma vez que não consta como aluno da Faculdade de Farmácia
529
.
Não há mais informações nesta pasta que se refere a esta unidade e aluno.
D)
F
ACULDADE DE
V
ETERINÁRIA
O diretor desta Faculdade, José de Alencar Carneiro Viana, ao tomar ciência do
caso do aluno Afonso Celso Lanna Leite
530
tomou a providência de relatar ao Vice –Reitor
em exercício em oficio que o indiciado Afonso Celso, por haver sido bi-repetente em 1968
encontrava-se desvinculado daquele departamento e desde aquela época não retornou mais
lá. A outra providência tomada por Jode Alencar foi a de enviar o secretário da referida
Escola ao ID/4 para relatar a esta situação, sendo recebido pelo Tentente Coronel Antonio
Curcio Neto:
Foi na ocasião informado que, não sendo o aluno vinculado à Escola, seria
suficiente apenas responder o ofício de Vossa Magnificência prestando as
informações que vão neste contidas
531
.
Não encontramos mais referências ao caso.
E)
F
ACULDADE DE
F
ILOSOFIA E
C
IÊNCIAS
H
UMANAS
Consta somente o oficio datado de 13 de outubro de 1969 do Vice-Reitor em
exercício comunicando a notícia de que o General Gentil Marcondes Filho solicita
informações sobre Reinaldo José de Melo. O vice-diretor em exercício Amaro Xisto de
528
Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a Adalberto Santos Pena de 13/10/1969. Pasta 12. Arcevo
AESI/UFMG.
529
Oficio 499/69 da Escola de Farmácia. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.
530
Oficio “confidencialde Leônidas Machado a José de Alencar Carneiro Pena de 13/10/1969. Pasta 12.
Acevo AESI/UFMG.
531
Oficio confidencial” de Jode Alencar Carneiro a Leônidas Machado em 20/10/1969. Pasta 12. Acervo
AESI/UFMG.
Queiroz instaurou um processo contra o aluno baseando-se no decreto 477, em 5 de
novembro de 1969. Nomeou como presidente da comissão o professor Saul Alves Martins,
do departamento de sociologia e antropologia
532
. Não há mais registros sobre o processo.
F)
I
NSTITUTO DE
C
IÊNCIAS
B
IOLÓGICAS
No dia 30 de outubro, o diretor Eduardo Osório Cisalpino, diretor do ICB, recebeu o
ofício do Vice-Reitor em exercício Leônidas Machado informando que a reitoria recebeu
um pedido do ID/4 para que se coletasse informações de Erwin Duarte, supostamente aluno
da Faculdade de Medicina. Após a pesquisa realizada na referida FM, Versiani relatou a
Leônidas que:
“Relativamente ao estudante Erwin Resende Duarte, considero-me incompetente a
submete-lo a processo sumário de que trata o decreto-lei 477, porque o estudante
não está vinculado à Faculdade de Medicina, mas provavelmente ao Instituto de
Ciências Biológicas. A cujo diretor merece cometido o encargo, nos termos do
referido diploma legal”
533
.
Deste modo, o diretor do ICB estava incumbido de levantar informações sobre o
estudante. Assim o fez. Comunicou ao reitor em exercício que Erwin era aluno do segundo
ano do currículo médio daquele instituto e que tomaria as “providências cabíveis”
534
.
Foi nomeado presidente do inquérito para apurar as faltas do aluno o professor
Carlos Américo Veiga Damasceno, que solicitou tomou a medida imediata de proibir a
freqüência deste às aulas até que se desse o julgamento, tendo como base o artigo 1 do
decreto 477
535
. o histórico escolar de Erwin. Assim como vários estudantes de medicina
indiciados, em 1968 este aluno foi repetente, não conseguindo êxito nas duas disciplinas
que cursou
536
.
Após ser comunicado do processo, Erwin não apresentou a defesa no prazo. A saída
encontrada pelo presidente do inquérito foi nomear a mesma advogada que cuidou dos
532
Oficio de Amaro Xisto a Leônidas de 5/11/1969. Pasta 12.Acervo AESI/UFMG.
533
Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a Eduardo O. Cisalpino em 30/10/1969. Pasta 12. Acervo
AESI/UFMG.
534
Oficio 136/69 do Instituto de Ciências Biológicas de 31/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG.
535
Oficio de Carlos Américo Damasceno a Eduardo Cisalpino de 13/10/1969. Pasta 11. Acervo AESI/UFMG.
536
Histórico escolar de Erwin Resende datilografado em 13/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG.
alunos da Medicina, Elizabeth Diniz, para enviar a defesa por escrito em 48 horas
537
. Assim
ela o fez, com a mesma argumentação utilizada na defesa da “turma da medicina”: pede a
sua absolvição em função do acusado ter se encontrado preso quando a lei foi decretada
538
.
Não foi acatado o pedido da advogada, e Erwin foi jubilado, pois, de acordo com Carlos
Américo Damasceno:
Mesmo antes do 477 as infrações disciplinarias eram previstas desde o
Regimento da Faculdade de Medicina no seu capítulo IV, art. 165, surgindo
o decreto supra citado apenas um reforço deste
539
.
Curiosamente, Erwin não conseguiu escapar da aplicação do 477, ao contrário dos
outros. Eduardo Osório Cisalpino considerou uma série de prerrogativas: as acusações de
que Erwin teria infrigido o artigo 1 do referido decreto; a confissão do acusado de que as
havia infrigido e as provas que constavam nos autos; que mesmo sabendo que teria direito à
defesa, não apresentou-a, fazendo com que a escola nomeasse uma advogada através do
art.3 do 477; que os motivos alegados pela defesa não convenceram e finalmente, que o
aluno já havia sido jubilado pelo Diretor da Faculdade de Medicina e pro ele, do ICB. Desta
maneira, Cisalpino manteve o jubilamento e aplicou o item II do art.1 do 477, em que
proibia o indiciado a “se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por três
anos”
540
.
Conforme constatamos, todos os meios “legais” foram colocados à disposição do
réu, contudo, prevaleceu a decisão das autoridades, aplicando o 477, mesmo não podendo
aplicá-lo retroativamente. Este último caso demonstra claramente a imagem de “regime
legalista” que a própria ditadura tentou manter. Conforme afirma Annina Alcântra de
Carvalho: Havia “leis”, apesar do direito e a justiça estarem ausentes do comportamento
estatal repressivo. Leis, autoridades judiciárias e advogados aparentemente eram
autorizados a exercer seus mandatos, contudo era uma farsa
541
. Irene Cardoso também
chama a atenção à ênfase na legalidade e na legitimidade do regime que significaria uma
537
Designação de Elizabeth Diniz de 18/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG.
538
Defesa de Erwin Resende Duarte de 20/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG.
539
Oficio de Carlos Américo Damasceno a Eduardo Cisalpino de 23/12/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG
540
Decisão de Eduardo Cisalpino em 24/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG.
541
CARVALHO, Annina. A lei, ora, a lei... In: FREIRE, Alipio et.al. Tiradentes, um presídio da ditadura.
São Paulo: Scipione, 1997.pp.402.
aparência de normalidade para a vida social e politica que impediria o reconhecimento do
arbítrio. A violência havia sido disfarçada sob uma “capa jurídica”, um simulacro de lei.
Citando Marcelo Viñar, o arbítrio foi transfigurado em lei, uma vez que é característico da
ditadura, além da violência, sua vocação de se apropriar da lei e nela se encarnar
542
. O
arbítrio configura um poder ilimitado e absoluto que na forma do simulacro, passa a ter a
força da lei.
542
CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. In: FREIRE, Alipio et.al. Tiradentes,
um presídio da ditadura. São Paulo: Scipione, 1997.pp.475.
Conclusão
O que procurei neste trabalho foi contribuir para a análise da participação de grupos
armados no combate ao regime militar, com um enfoque especial em Minas Gerais – estado
que no início da década de 60, primava por características conservadoras. Estado este em
que se podia encontrar discretos senhores da elite patrocinando qualquer manifestação
anticomunista enquanto distintas senhoras pegavam no terço defender suas famílias do
“grande mal” da “doutrina” comunista.
A violência durante o regime militar foi adotada pelos dois lados antagônicos.
Militares e comunistas, ao seu modo, tinham suas táticas de combate. Por um lado havia a
tortura como política de Estado, e, por outro, armas, bombas caseiras, seqüestros, etc.
Lembrando, que não está em questão se um ou outro é mais poderoso e detém as melhores
armas, é fato consumado que a capacidade bélica e tática dos militares é bem maior que a
dos guerrilheiros.
O que motivou centenas de jovens a pegarem em armas? Uma resposta reducionista
e que aparece com mais freqüência ultimamente mesmo entre os ex-guerrilheiros (à medida
que o tempo passa, pode-se olhar as coisas de um outro ângulo) é aquela que justifica o
radicalismo revolucionário como “coisa da juventude”, ou “porque éramos utópicos”. Em
certa parte sim, jovens utópicos, mas, que em meio à tempestade causada por um governo
que cerceia liberdades, valor inalienável, eram o que puderam ser em momentos onde falta
a visibilidade de melhora da situação. Democráticos ou não, esta foi a forma mais urgente
encontrada. Se havia dado certo em outro lugares, porque aqui não daria? Muitos pensaram.
Faltou estratégia, faltou a visão mais ampla da realidade, faltou tática. o deve ter faltado
vaidade, sim, quem sabe não se tornariam os “heróis da revolução”?
É neste radicalismo que se inseriu o COLINA. Um grupo que aderiu à violência
revolucionária, contudo, herdou da sua renegada POLOP um aparato de erudição com seus
mais politizados e teóricos quadros. Foi uma organização de curta duração, porém de
representatividade. Pioneira em vários aspectos ousados, como sendo a primeira a assumir a
autoria de um assalto como uma ação política, foi a primeira a denunciar os “castigos cruéis
e desumanos” dentro das prisões e do DOPS, teve uma das primeiras mulheres a pegar em
armas e assaltar bancos, em contrapartida, foi também a primeira a cair. O COLINA teve
militantes de grande destaque, seja por seu intelecto ou por coragem em ões e denúncias
contra o regime. Digna de destaque é a família Pezzuti que militou toda na organização.
Sejam os filhos Ângelo e Murilo, no enfrentamento armado, seja a mãe Carmela no apoio
logístico da organização e nas denúncias no exterior, ou na tia, Ângela lutando em favor
dos exilados.
A história do COLINA não se esgotou, esta é uma pequena contribuição, um estudo de
uma pequena parcela dos participantes, ainda muito a ser pesquisado, descoberto e
escrito
B
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