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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em História
Éder Cristiano de Souza
OS EXCLUÍDOS DO CAFÉ:
As classes populares e as transformações no espaço urbano
de Londrina. 1944 – 1969.
Maringá – Pr
2008
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Éder Cristiano de Souza
OS EXCLUÍDOS DO CAFÉ:
As classes populares e as transformações no espaço urbano
de Londrina. 1944 – 1969.
Dissertação de mestrado apresentada
para apreciação da banca examinadora do
Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual de Maringá, sob a
orientação do Prof. Dr. Reginaldo Benedito
Dias.
Maringá – Pr
2008
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Souza, Éder Cristiano de.
Os excluídos do café : as classes populares e as
transformações no espaço urbano de Londrina,
1944-1969 / Éder Cristiano de Souza. - Maringá, 2008.
220 f. : il. ; 30cm.
Orientador: Reginaldo Benedito Dias.
Dissertação ( Mestrado ) - Universidade Estadual
de Maringá.
Bibliografia: f. 210-218.
1. Londrina (PR) – História. 2. Urbanização -
Londrina (PR) – História. I. Dias, Reginaldo
Benedito. II. Universidade Estadual de Maringá.
III. Título.
CDD ( 22ª ed.)
981.622
II
SUMÁRIO:
Agradecimentos ..................................................................................................... IV
Lista de Siglas ........................................................................................................ V
Introdução............................................................................................................... 06
As lacunas de Pelegrini................................................................................... 09
A natureza da pesquisa................................................................................... 12
As etapas do trabalho...................................................................................... 20
Capítulo I – De “Cidadela dos Ingleses” a “Capital Mundial do Café”:
a formulação de um ideal de cidade e de uma hegemonia................................. 30
1 – Questões iniciais............................................................................................ 31
1.1 - O projeto urbano inicial de Londrina e sua superação ........................ 31
1.2 – Transições e rupturas, algumas análises sobre o período ................... 35
1.3 – O surgimento de problemas e soluções urbanísticas .......................... 39
2 - Progresso, modernidade e planejamento urbano ...................................... 42
2.1 - Um País moderno, uma cidade moderna............................................. 42
2.2 - Modernização, modernismo e modernidade........................................ 43
2.3 – Estado e legislação – uma análise teórica .......................................... 47
2.4 – A legislação urbanística – Modernização e segregação sócio-
espacial......................................................................................................... 52
3 - Conflitos e identidades sobre o espaço urbano e as práticas sociais ........ 71
3.1 – O progresso e suas facetas – a construção da hegemonia .................. 71
3.2 – Pioneirismo, modernidade e exclusão ................................................ 76
3.3 - A definição dos espaços e territórios urbanos .................................... 80
4 – A classe dirigente define seus antípodas .................................................... 94
4.1 – A presença indesejável da migração nordestina ................................ 95
4.2 – O autoritarismo da moralidade cristã.................................................. 98
4.3 - O “perigo vermelho”............................................................................ 100
III
Capítulo II – As classes populares e os territórios urbanos .............................. 106
5 – O popular em questão .................................................................................... 107
5.1 - O conceito de ‘classes populares’ ........................................................ 108
5.2 - A imprensa local e as classes populares ................................................ 111
5.3 - Os territórios urbanos ............................................................................ 115
5.4 - O combate às pensões e a expansão da periferia.................................... 127
Capítulo III – As transformações históricas na década de 1960: uma
reflexão sobre o lugar das classes populares neste contexto .............................
133
6 – O espaço político das classes populares ......................................................... 134
6.1 – Populismo, democracia e golpe militar - algumas balizas históricas .... 134
6.2 – Movimentos sociais – a edificação de um espaço público de
reivindicações e debates .................................................................................
140
7 – A administração pública e a questão urbana – transições e rupturas ....... 153
7.1 – O “teatro político” em Londrina .......................................................... 153
7.2 – Uma nova racionalidade administrativa e os projetos de
desenvolvimento ...........................................................................................
160
7.3 – A presença da questão popular na legislação urbanística ..................... 166
7.4 – Habitação Popular ............................................................................... 169
8 – A redefinição dos papeis políticos das classes populares ............................ 178
8.1 – O Bipartidarismo em Londrina - uma rearticulação do cenário
político ...............................................................................................
145
8.2 - O direito à moradia: um apelo da pobreza ou um canal de negociação
e construção da cidadania?............................................................................
182
Considerações Finais ............................................................................................. 203
Fontes ..................................................................................................................... 208
Referências Bibliográficas..................................................................................... 210
IV
Agradecimentos
A princípio, gostaria de deixar claro que os nomes aqui citados estarão restritos
àqueles que tiveram participação direta na elaboração deste trabalho. Portanto, agradeço
também a todos que me apóiam e que indiretamente me auxiliaram neste esforço, ainda que
seus nomes não apareçam na seqüência.
Sônia M. L. S. Adum e Carlos José F. Santos me orientaram durante a graduação, e
contribuíram para as primeiras idéias que resultaram no projeto que deu forma a esta
dissertação.
Gilmar Arruda foi especialmente importante na fase de consolidação do projeto, com
leituras criteriosas e com extrema presteza nas orientações, para que se formulasse o projeto
que defendi no processo seletivo para o PPH-UEM.
Rivail Carvalho Rolim e Ângelo Priori contribuíram através das críticas pontuais e
sugestões interessantes durante a banca de qualificação.
Reginaldo Benedito Dias, meu orientador e um profissional competentíssimo, foi
essencial para que este trabalho se consolidasse. Com suas análises precisas, sugestões
adequadas e observações bem humoradas de minhas gafes, foi quem forneceu o suporte
teórico-metodológico necessário ao desenvolvimento da pesquisa durante os dois anos de
trabalho que agora se concluem.
Kellin R.C. Martins tem me apoiado muito e sua amizade é imprescindível em minha
caminhada profissional, além disso, sua revisão do texto contribuiu para uma melhora
significativa na redação e na articulação dos conteúdos da pesquisa.
Finalmente, quero agradecer e dedicar o trabalho a minha esposa Susyane Katlyn
Thum de Souza, pelo amor, pela amizade, pelo companheirismo e pela cumplicidade com que
temos vivido os últimos quatro anos. É desta relação que tiro a força que preciso para
continuar transpondo todos os obstáculos que a carreira acadêmica impõe.
Éder Cristiano de Souza
26 de Junho de 2008.
V
LISTA DE SIGLAS
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
BNH – Banco Nacional da Habitação
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CEC – Centro de Educação e Cultura
CEF - Caixa Econômica Federal
CGT – Comando Geral dos Trabalhadores
CMNP – Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
CODEPAR – Companhia de Desenvolvimento do Paraná
COHAB-LD – Companhia Habitacional de Londrina
COHAPAR – Companhia Habitacional do Paraná
CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná
CVL – Câmara de Vereadores de Londrina
FL – Folha de Londrina
FSL – Fórum Sindical de Londrina
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
OC – O combate
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PML – Prefeitura Municipal de Londrina
PR – Partido Republicano
PSD – Partido Social Democrático
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RPC – Coluna Ronda Pela Cidade
SAS – Serviço de Água e Saneamento de Londrina
SCECL – Sindicato dos Carregadores e Ensacadores de Café de Londrina
SERCOMTEL – Serviço de Comunicações Telefônicas de Londrina
SUDESIL – Superintendência de Desenvolvimento Industrial de Londrina
UDN – União Democrática Nacional
UTL – União dos Trabalhadores de Londrina
INTRODUÇÃO
O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas,
Que cresceram com a força de pedreiros suicidas.
Cavaleiros circulam, vigiando as pessoas,
Não importa se são ruins, nem importa se são boas.
A cidade não para, a cidade só cresce,
O de cima sobe e o de baixo desce.[...]
E a situação é sempre mais ou menos,
Sempre uns com mais e outros com menos.
Chico Science.
O que se busca com esta pesquisa, é traçar uma análise político-social sobre o lugar
das classes populares na história de Londrina, objetivando o entendimento dos limites de sua
participação no contexto político sob o qual viviam. Para isto, foi eleita como foco de análise
a legislação urbanística que, em Londrina, tem uma particularidade: enquanto na maioria das
grandes cidades os projetos urbanísticos se pautaram pela imposição de uma ordem espacial
sobre uma realidade anterior, o objeto deste trabalho é uma cidade em que as medidas
impositivas se basearam na projeção desta realidade.
A cidade era recém-formada, e seus espaços não carregam um valor simbólico como
em urbes mais antigas. Desta forma, os projetos urbanísticos em Londrina se basearam em
padrões ideais de racionalização e ocupação do solo, bem como de uma distribuição sócio-
espacial dos habitantes. Esta distribuição feita através da diferenciação de categorias entre os
loteamentos de acordo com as condições financeiras de seus futuros moradores, estimulava a
segregação dos habitantes e o sentimento de diferenciação da elite.
Enquanto isto, as classes populares se viam num espaço que lhes era negado, em uma
cidade sobre a qual não possuíam o direito de tomar decisões. Portanto, a legislação
urbanística carrega a memória da exclusão, da busca pela negação do direito de participação
das classes populares. Esta divisão da sociedade, de acordo com o valor monetário de cada
cidadão, reflete um momento na história brasileira, em que cidadania e justiça social não eram
termos sequer mencionados. Pressupunha-se que as diferenças sociais eram frutos da sorte de
cada um, pobreza e riqueza eram as duas faces da mesma moeda, e era tido como natural que
uma administração pública deixasse demarcadas estas diferenças.
É preciso salientar, que não era só nos textos legislativos que se demarcava esse
quadro de diferenciação social, pois a mídia escrita e falada eram veículos da elite para
7
consolidar um discurso que, ao mesmo tempo, buscava sacralizar seus interesses e incutir no
restante da população, a idéia de que era bom para todos manter aquela situação. Era assim,
que se construía a hegemonia da elite cafeeira nos anos iniciais da década de 1950, de um
lado os aparelhos de estado consolidando a disparidade de tratamento entre as classes sociais,
de outro os intelectuais disseminando os ideais de sociedade que lhes eram convenientes.
Do lado avesso deste espetáculo, situava-se o povo, a “plebe rude”, a massa. Se há
possibilidade de afirmar que num primeiro momento, o discurso sobre as maravilhas da
cafeicultura contagiou a população pobre a ponto de manter quase intacta a dominação dos
fazendeiros e seus sócios, também é necessário observar, que é da própria lavoura cafeeira
que surge ao primeiro fenômeno contra-hegemônico: os trabalhadores rurais remanejados das
fazendas de café para a periferia da cidade. A partir desse movimento, surgiriam choques
inevitáveis, ações e reações, que transformariam a cidade de maneira intensa e duradoura.
Hoje em dia, a palavra cidadania se tornou de uso comum. Imprecisa e volúvel, esta
mistura entre o real e o sonhado, se funde no ideal de participação, de direitos e deveres.
Questões que, teoricamente, devem nortear o viver em sociedade. Entretanto, se hoje a luta é
pela consolidação do que se considera cidadania, a história do nosso país demonstra como
esse direito de participação foi uma conquista lenta e penosa. Os direitos ao voto, à
organização, à reivindicação, sempre foram objeto de desejo das populações pobres, e sempre
foram resultantes de longos processos de negociações e conflitos entre este grupo social e o
grupo dirigente.
A presente reflexão se foca sobre as trajetórias do que geralmente é designado pelo
termo povo. Procurando entender como ele se inseriu num universo formatado de acordo com
os valores da classe dirigente, em uma história que insistia em ser contada sem sua presença,
em um universo político que formulava parâmetros que o excluía do direito à participação.
Trata-se, portanto, de uma via de reflexão sobre como esses anônimos e excluídos buscaram
seus espaços, lutaram por um lugar ao sol, seja através da manifestação de suas aspirações,
seja pela rejeição a imposições vindas a partir de projetos e ideais alheios a suas necessidades.
A ascensão e queda da cafeicultura como elemento unificador da classe dirigente em
Londrina, foi um processo de duas décadas que significou muito para sua história. É deste
processo que surgem as perguntas: como a elite cafeeira abandonou o seu discurso pomposo e
buscou novas formas de defender seus interesses? Qual a relação entre a reformulação dos
discursos da elite e a ascensão dos movimentos de protesto popular? A reorientação dos
discursos da elite, deixando de lado o ideal da cafeicultura de e para todos e, encampando a
8
idealização de uma industrialização para todos, apresenta-se como uma transformação
importante na história da cidade.
Foram identificados dois momentos significativos na história de Londrina. O primeiro
se inicia em 1947 e dura mais ou menos uma década, quando ocorre a caracterização da
imagem local intimamente ligada à cafeicultura, pela estreita vinculação entre o campo e a
cidade, e pela hegemonia dos discursos favoráveis ao predomínio dos interesses da burguesia
cafeeira. No segundo período, que avança até o final da década de 1960, o que se percebe, é o
surgimento de movimentos sociais na cidade e no campo reivindicando transformações
pontuais na situação das classes populares e nas relações entre capital e trabalho. A partir
deste momento, verifica-se a transformação nas atitudes da elite dirigente, que passa a se
preocupar com aquilo que vai se edificando como um sério problema: as classes populares
como um grupo que reivindica direitos que antes sequer eram considerados.
No bojo das transformações do segundo período, surgem questões como: os caminhos
para a industrialização da cidade e soluções para os problemas de falta de infra-estrutura
urbana e habitação popular. Esta reorientação das ações do poder público no sentido de
atender parcialmente às demandas populares pode ser pensada como uma crise de hegemonia?
Ou seria apenas uma reestruturação da própria hegemonia burguesa? Outra questão relevante
refere-se a compreensão de como a participação popular organizada através de um movimento
de moradores que ocuparam um terreno pertencente à Caixa Econômica Federal, entre 1966 e
1969, criou um espaço de negociação entre classes populares e poder público, algo inédito na
história de Londrina.
São esses os caminhos deste trabalho de pesquisa, um exercício de reflexão que busca
entre os discursos e os acontecimentos, uma análise sobre os espaços de ação popular,
investiga quais os caminhos das classes populares na história da cidade e, como os
movimentos reivindicatórios transformaram esses caminhos. Buscando responder estas
indagações, formulou-se uma interpretação sobre como o espaço urbano se torna o palco
sobre o qual a história é desvelada. No que tange à memória coletiva, o que se busca é
entender até que ponto a memória instituída por uma minoria se consolida e passa a
influenciar profundamente o que deve ou não ser lembrado.
9
As lacunas de Pellegrini
Em 1999, Domingos Pellegrini, aclamado escritor, poeta e ufano de Londrina,
publicou um artigo do qual destaca-se o seguinte trecho:
Passo tanto tempo na chácara, que ir para a cidade é como visitar uma
cidade estranha, com olhar de forasteiro.
Olha só, a Rua Sergipe, aos poucos ameaça ir se civilizando: na segunda
quadra depois da delegacia, eis que transformaram um velho imóvel em
lojinhas atraentes, fachada alegre e de bom gosto, com plaquetas discretas,
em vez do usual fachadão metálico com letras garrafais em cores berrantes.
São poucos ainda os comerciantes da velha Sergipe a perceber que ou
renovam ou, mais dia ou menos dia, fecharão as portas.
Enquanto os Shoppings oferecem ambiente mais seguro, com ar
condicionado e estacionamento, um local de compras e lazer, como diz a
propaganda, ruas como a Sergipe oferecem atropelo, insegurança,
barulheira, fumaça de trânsito intenso, inclusive dos ônibus, calçadas
atravancadas, arborização quase nenhuma, portanto mais calor. Não é
rua para se passear, mas poderia ser.
Para isso, seria preciso mudar o terminal urbano, que, onde e como está,
necessariamente congestiona e castiga as estreitas ruas centrais com o
tráfego pesado dos ônibus.
O calçadão poderia ser estendido para a Sergipe, a rua toda poderia até
ser coberta, como sonham arquitetos (cobertura transparente,
permitindo ar condicionado e criando uma rua-shopping).
Mas será que aquele comerciante, daquela loja em cuja calçada “morreram”
todas as árvores plantadas durante décadas, vai de repente abrir a mente
para se associar aos outros e criar uma nova Sergipe? Há lojas ali com o
mesmo visual desde o tempo em que o povo da roça descia na rodoviária
velha, hoje museu, e ia fazer suas compras na primeira rua, com medo de se
aventurar pela cidade [...] (JL, Passeio pela cidade, 14/11/1999, Grifos
Nossos).
Já se passaram oito anos desde a publicação do texto acima e o que é interessante
registrar a princípio, é que ainda não foi construída a tal rua-shopping na referida artéria da
cidade. Até o presente momento, a grande renovação foi a construção de uma espécie de
shopping popular, conhecido como “Camelódromo”, por iniciativa do poder público, em
parceria com os comerciantes informais. Um fato que não se parece muito com o que
Pellegrini chama de “ir se civilizando”.
10
Shopping Popular de Londrina (Camelódromo). Localizado na Rua Sergipe.
Ano de 2008. Acervo do autor.
O que se deve notar, é que Pellegrini entende modernizar, renovar e civilizar como
termos indissociáveis, quase sinônimos. O autor adere a um discurso há muito tempo presente
na fala daqueles que entendem que o espaço urbano deve ser o lócus da renovação constante
sob a ordenação dos interesses de uma elite dirigente. E, sob este prisma, acaba por confundir
civilização com modernização, o que tornaria possível, sob a ótica do autor citado, pensar que
os comerciantes tradicionais não são civilizados. Sob o olhar do escritor, a Rua Sergipe é
entendida como um espaço antiquado e desajustado diante do crescimento e da modernização
da cidade. O desajuste da paisagem da Rua Sergipe com relação à modernidade, que invade
toda a cidade, resultaria num contraste latente, numa barreira quase intransponível à sua
adequação aos novos tempos.
Pellegrini buscou ilustrar estes desajustes lançando mão de imagens, idéias e valores
que se confundem na sua fala. Neste emaranhado de questionamentos, o escritor se posiciona
como um visionário e dá um “xeque mate” aos comerciantes que insistem em se manter fiéis
aos antigos padrões estéticos e estruturais. Entretanto, o escritor, ainda não viu cumpridas
suas previsões, uma vez que até hoje o ritmo das transformações naquela rua sequer de longe
tem ameaçado a permanência das fachadas tradicionais.
11
Vista parcial e atual da rua Sergipe em Londrina. Ano de 2008. Acervo do Autor.
É possível observar que a arquitetura e as fachadas das lojas têm um
aspecto comum ao comércio da década de 1950.
O que o escritor londrinense não aponta é que a beleza dos contrastes é uma riqueza
londrinense, e não apenas um flagelo aos olhos de magnatas modernistas. A convulsão
cotidiana da Rua Sergipe, abarrotada de carros e ônibus se espremendo entre seus menos de
doze metros de largura, das centenas de milhares de pessoas transitando por esta e pelas
demais vias estreitas do centro da cidade diariamente, a disputa de espaço entre os edifícios
modernos, com suas imensas lojas de departamento, e as velhas barbearias, botecos e brechós,
são os aspectos mais interessantes de uma rua que pode ser entendida como uma síntese da
cidade.
Pellegrini critica a fachada das lojas que não mudaram desde o tempo que o povo da
roça vinha à cidade, descendo na rodoviária velha e fazendo compras por ali mesmo, sem se
arriscar em uma caminhada pelas demais ruas. Entretanto, o que este autor não observa é que
aquele “povo da roça” ainda freqüenta a Rua Sergipe, bem como seus filhos e netos. A
diferença é que, na sua maioria, o tal povo já não vem do campo até a rodoviária da cidade,
pois eles atualmente desembarcam no terminal urbano e sobem uma quadra, voltando à Rua
Sergipe. O ônibus que utilizam não vai buscá-los na zona rural, pois não estão mais lá. A
periferia da cidade hoje é o reduto de grande parte daqueles que há algumas décadas
precisavam vir à cidade para fazer suas compras. Sendo assim questiona-se: por que seria
conveniente a um comerciante com sua lojinha de tecidos, seu boteco ou sua barbearia, mudar
a velha fachada de sua loja, se os clientes estão mais do que acostumados com o local? Por
que os pobres precisariam de Shoppings com grandes estacionamentos se, normalmente, não
12
têm carros? Por que pagariam mais caro por um espaço de compras e lazer, se podem
pechinchar nos tradicionais bazares da Rua Sergipe?
Este “povo da roça” hoje é o “povo da cidade”, mais especificamente, de seus bairros
pobres. A “roça” que deixaram para trás hoje se transformou em área urbanizada, parque de
indústria, plantação de soja ou pasto para gado. E este agora é o povo da periferia, ao qual os
políticos recorrem na época da eleição. A Rua Sergipe, atualmente, é caracterizada de maneira
como a rua dos pobres, e é por esta mesma identificação com as camadas populares que ela
sobrevive, sendo atualmente um dos maiores centros do comércio varejista na cidade.
A natureza da pesquisa
O presente trabalho surgiu da observação das características da Rua Sergipe, de muitas
outras ruas da cidade, e da visualização das contradições inerentes ao desenvolvimento
urbanístico de Londrina. Não apenas no que diz respeito à contradição entre o tradicional e o
moderno, mas também entre o rico e o pobre, o pomposo e o simplório, o planejado e o
espontâneo, a Londrina pensada e a realmente existente, múltiplas faces de uma cidade, que se
confundem e se complementam, constituindo sua singularidade.
Busca-se efetuar uma análise quanto a alguns dos movimentos históricos que deram
origem às facetas da urbe em questão. Mais do que a presença de uma modernidade que
deglute e expele os incautos e desavisados, a preocupação é com a presença humana no
espaço e na história da cidade. Esta não se compõe apenas de um amontoado de concreto e
asfalto, mas de lutas e negociações, de presenças e ausências, de homens e mulheres, de
histórias que vão se entrecruzando para formar aquilo que os olhos presenciam.
A pesquisa marca seu início a partir de 1944 e se estende até o ano de 1969. O
primeiro marco cronológico se fundamenta a partir da observação dos dados populacionais de
Londrina, pois foi a partir deste período que a população urbana do município superou as
expectativas do seu projeto inicial, e foi quando a preocupação com a reordenação deste
espaço e alocação das classes populares se tornou algo presente no cotidiano do poder público
municipal.
Já o marco derradeiro da pesquisa se justifica por 1969 se tratar do ano em que houve
o desfecho de uma negociação direta entre o poder público e grupos populares que defendiam
seu direito à moradia. Assim, este evento é símbolo da transição que este trabalho busca
evidenciar. De uma postura autoritária do poder público na implantação de leis urbanísticas,
13
que criavam um ideal modernista de uma sociedade excludente, e uma cidade de elite
vinculado à consolidação do processo de construção da hegemonia de uma “burguesia
cafeeira”, para uma atitude mais aberta a concessões e reformulações de prioridades, diante do
surgimento de uma organização popular ativa e inovadora.
Trata-se também do período de implantação do Plano Diretor de Londrina, aprovado
em 1968, que se formulou a partir de um projeto urbanístico vinculado à idéia de um
crescimento planejado da cidade com base na industrialização. Este Plano Diretor foi
resultante de uma transição na racionalidade administrativa de Londrina, quando os padrões
ideológicos da urbanização modernista, que haviam se consolidado dentro do projeto de
hegemonia da “burguesia cafeeira” na década de 1950, foram deixados de lado em nome de
novos patamares de planejamento urbano, que representaram uma redefinição do
entendimento da cidade e um gradual enfraquecimento da imagem de Londrina como “capital
mundial do café”, sendo esta imagem gradualmente relegada a um passado idealizado.
Dentro de um processo constante de readequação da legislação às necessidades que
surgiam, foram aprovadas na cidade diversas leis em um período aproximado de duas
décadas. A motivação deste trabalho foi a de evidenciar como, neste curto período de tempo,
houve uma transformação nas prioridades do poder público que, primeiramente, queria
constituir um ideal amplo de planejamento urbano moderno, mas que acabou por se deter na
questão do popular, e se viu impelido a dirigir suas atenções a este problema.
A princípio, o que se analisa é como a ascensão da cafeicultura fez com que, aos
poucos, fosse consolidando-se um discurso sobre a cidade, que interessava muito a
determinada classe social, formada predominantemente por cafeicultores e por outros
profissionais vinculados à economia cafeeira. Utiliza-se o conceito de “burguesia cafeeira”
para definir uma classe que se tornou hegemônica em Londrina a partir da segunda metade da
década de 1940, mas não se tratavam simplesmente de cafeicultores, pois o entendimento é
mais amplo. Segundo Bravo:
Num sentido mais fecundo e mais atual, à luz dos acontecimentos
históricos contemporâneos, da Revolução Industrial, da revolução política
de 1789 e da revolução social ainda em curso, pode-se dar uma segunda
definição mais que corresponde à atual realidade. A burguesia, pois, seria a
classe que detém, no conjunto, os meios de produção e que, portanto, é
portadora do poder econômico e político (BRAVO, 1991: 119).
Compreendemos que se formou, a partir do crescimento da produção cafeeira no final
da década de 1940, uma classe que se distinguia no conjunto dos habitantes por toda a região
14
norte do Paraná. Não falamos apenas de produtores de café, mas de todos aqueles que
detinham os meios de produção e circulação de mercadorias na cidade e região, assim, o
complemento “cafeeira” é uma alusão ao fato de que a grande maioria dos empreendimentos
locais tinha um vínculo direto com a cafeicultura. Desta forma:
[...] é inegável que, na sociedade capitalista pertencem sociologicamente à
Burguesia, como algo que lhe é peculiar, o predomínio econômico, ou
intelectual-profissional, exercido diretamente, mediante a atividade pessoal
de cada indivíduo, e para atender exclusivamente a interesses egoístas,
inseridos, todavia, num contexto e numa dinâmica bem mais amplos. O
conceito de Burguesia é, pois, omnicompreensivo e totalizante, englobando
em si, ao mesmo tempo, uma categoria econômica, imediatamente
caracterizada, e um complexo de atributos, positivos e negativos, que
contribuem para esclarecer uma ou mais partes desta totalidade. É possível,
portanto, falar em espírito burguês, mentalidade burguesa, arte burguesa e
assim por diante, até se chegar ao 'modo de vida' burguês, às tradições
burguesas, à democracia burguesa e finalmente à 'história' burguesa ou da
Burguesia (BRAVO, 1991: 119).
Esta burguesia, que se consolidou a partir do crescimento da cidade e da cafeicultura,
construiu seus próprios padrões de identificação, defendeu ideais que lhe eram favoráveis,
construiu uma hegemonia que durante certo tempo se identificou ao signo da “capital mundial
do café”. A forma de entendimento deste grupo sobre a cidade em que viviam era um reflexo
particular de uma situação geral, ou seja, o tratamento que os administradores deram às
questões sobre a cidade, era justificado por um discurso de modernidade e racionalidade
urbana defendido por seus porta-vozes como uma onda irrevogável de progresso e civilização,
que refletia a entrada de Londrina no mundo moderno. Como corrobora Bravo:
Passando do campo econômico para o político, a afirmação da Burguesia
se amplia e atinge todos os outros campos da vida social. Por esta razão,
como classe, a Burguesia busca resumir em si as necessidades e as
tendências da sociedade inteira, identificar-se com ela na sua totalidade,
apresentar-se como algo de 'absoluto' que, por si mesmo atingida a
perfeição interna, permanece do mesmo jeito, sem modificações, no tempo
e no espaço. Para comprovar a validade deste absoluto não é necessário
procurar as origens espirituais de sua afirmação. É suficiente analisar o
comportamento da Burguesia, sua força e sua hegemonia, isto é, sua
capacidade de generalização econômica e política no presente, seu
predomínio que, pela primeira vez na história, graças a sua entrada em
cena, não pertence a indivíduos e sim a uma classe, na medida em que
corresponde às necessidades de uma época histórica (BRAVO, 1991: 121).
A consolidação deste discurso hegemônico, que faria sentido em outros contextos, só
viria a fazer sentido entre os recém chegados moradores deste rincão, se fosse relacionado à
realidade vivida por todos os que faziam parte desta sociedade. Em outras palavras, a
hegemonia da “burguesia cafeeira” só viria a se consolidar se, ao invés desta classe dirigente
15
apenas reproduzir os discursos e mecanismos de dominação utilizados pelo capitalismo no
mundo todo, houvesse peculiaridades locais, se a voz da classe dirigente fosse capaz de criar
algum consenso e legitimar seu domínio.
Nesse sentido, pode-se trazer à tona o conceito de hegemonia desenvolvido pelo
italiano Antônio Gramsci. Segundo este intelectual, uma classe social pode chegar ao poder
político e governar a sociedade da qual faz parte, entretanto, este poder político não significa
uma efetiva governabilidade por parte de seus detentores. O processo de consolidação
depende muito da relação entre o estado e a sociedade, ou melhor, entre sociedade política e
sociedade civil. Gramsci argumenta que:
[...] numa sociedade de classes, a supremacia de uma delas só se exerce
sempre através das modalidades complementares e, de fato, integradas, se
bem que analiticamente dissociáveis, do domínio e da Hegemonia. Se o
domínio se impõe aos grupos antagônicos pelos mecanismos de coerção da
sociedade política, a Hegemonia se exerce sobre grupos sociais aliados ou
neutrais, usando dos 'mecanismos hegemônicos' da sociedade civil. Uma
conjunção de força e de consenso, de ditadura e de Hegemonia é
fundamental em todo o Estado; o que varia é a proporção entre ambos os
elementos, em razão do grau de desenvolvimento da sociedade civil, que,
como sede da ação ideologicamente orientada, é o locus de formação e
difusão da Hegemonia, o centro nevrálgico de toda estratégia política
(GRAMSCI apud BELLIGNI, 1991: 580).
Quando uma classe está no poder, é comum que esta dissemine valores e idéias que
arregimentem grande parte dos governados em seu favor. Estes valores e idéias geralmente
estão intimamente ligados aos seus interesses em específico, entretanto, seus porta-vozes as
disseminam como se fossem de interesse geral e um bem para toda a sociedade. Desta forma,
Gramsci compreende o conceito de Estado distintamente do que os pensadores iluministas
haviam formulado no século XVIII. Enquanto para estes o Estado funcionaria como árbitro,
como mediador nos conflitos entre as diversas classes sociais, para o teórico Italiano o Estado
é um braço da classe no poder, e esta classe governa de acordo com seus interesses.
Entretanto, uma vez que estes interesses geralmente são muito diferentes daqueles das classes
subordinadas, o grupo dominante busca fundamentar sua atuação, legitimar seu domínio e
criar um consenso mínimo na sociedade civil, para que esta dê sustentação às suas ações,
como acrescenta Gruppi:
(...) mas, se as classes subalternas são dominadas por uma ideologia que as
atinge através de mil canais, sob a ação das classes dominantes, o fato é que
as necessidades efetivas, as reivindicações, inclusive relativamente
espontâneas, das classes subalternas impulsionam tais classes a ações, lutas
e movimentos, a um comportamento mais geral que entra em contradição
com a concepção do mundo na qual elas foram educadas. Gramsci
16
pergunta: onde está a filosofia real, tendo em vista a ocorrência dessa
ruptura entre a concepção e a ação? A filosofia real do indivíduo e da
coletividade deve ser buscada no agir. A filosofia de uma pessoa está na
política dessa pessoa (GRUPPI, 1978: 69).
É a partir deste entendimento que se questiona as transformações na legislação
urbanística em Londrina nas décadas de 1940, 1950 e 1960, sendo: como e quando surgiram
as necessidades de reformulação legislativa? Quais interesses cada uma destas leis servia?
Como a classe no poder forneceu elementos para que estas atitudes fossem justificadas
perante a sociedade civil? Com isto, não se pretende negar a existência de um amplo processo
de controle hegemônico da burguesia no sistema capitalista em nível internacional, apenas
busca-se denotar as nuances, as particularidades, as várias formas de reprodução desta
hegemonia em um local e um processo histórico determinados. Esta foi uma concepção
defendida pelo próprio Gramsci, a de que em cada sociedade e cada período as classes sociais
lutam entre si pelo controle político e econômico, entretanto, a forma como cada uma legitima
sua dominação é inerente às peculiaridades dessa sociedade.
Por outro lado, através da interpretação do conceito de hegemonia, chega-se a outro
problema: Como os trabalhadores pobres, com interesses muito distintos dos ideais pregados
pela hegemonia burguesa, poderiam criar mecanismos de participação política num país em
que o comum sempre foi uma exclusão daquele grupo de tais direitos. Neste caso, entende-se
que a política local, apesar de ter suas peculiaridades e nuances, não deixa de se direcionar
fortemente pelas tradições e características principais da política nacional.
Segundo Paoli:
As negociações restritas que responderam à pressão popular geraram e
mantiveram os direitos em patamares que se querem, ao mesmo tempo,
esclarecidos e cerceadores de sua eficácia, certamente eliminando também
da memória histórica o ato original de demanda e pressão popular. [...] no
Brasil, o caráter estreito, precavido e tardio dos atos com vistas a cumprir os
requisitos das transições modernas, que implicam direitos de cidadania,
induziu à criação de formas de subjetividade política afastadas tanto da
referência concreta de um contrato social quanto da aspiração por uma
cidadania ativa autônoma (PAOLI, 2003: 164).
O caráter da direção política nacional, que se reproduziu na política local, se orientou
pela exclusão das classes populares do acesso direto às tomadas de decisão, e pela solução das
demandas populares com medidas paliativas e que, de maneira geral, eram disseminadas
como se fossem elementos de ação direta dos legisladores, como uma espécie de benesse
paternalista, e não como resultados de pressões políticas efetivas por parte das classes
populares.
17
É necessário, neste caso, buscar o avesso do discurso oficial, ir além do que diziam os
jornais e documentos do poder público, que geralmente buscavam apresentar uma sociedade
sem grandes conflitos, segundo os quais a natureza contraditória do sistema capitalista não
deveria ser entendida como resultado da exploração de classes, mas apenas da justa ordenação
divina, e as mudanças na legislação não seriam o resultado de um processo de intensa luta
social, mas apenas satisfação de necessidades da população por parte de administradores bem
intencionados e concatenados com as novidades do mundo afora. Para transpor a barreira dos
discursos oficiais e hegemônicos, o historiador precisa ler nas suas entrelinhas, entender os
seus silenciamentos, compreender o processo de luta social que antecede à aplicação de uma
lei, à instauração de um projeto de transformação urbanística, à implantação de obras e
melhorias nos equipamentos urbanos.
Entendendo que a cidade é composta por elementos de classes distintas, busca-se
traçar as experiências de um grupo em específico desta sociedade, que denominamos “classes
populares” e, reivindicar seu espaço na história da cidade. Para isto, toma-se como referencial
principal a obra de E. P. Thompson (1976), que mesmo trabalhando em um espaço distinto e
com outros objetivos, contribuiu enormemente para o entendimento da situação das classes
populares na história do capitalismo.
Segundo as pesquisas de Thompson, o desenvolvimento do capitalismo e da
exploração da mão de obra dos camponeses ingleses, expropriados de suas terras comunais,
na nascente indústria têxtil inglesa na passagem do século XVIII para o XIX, colocou os
trabalhadores em uma realidade muito diversa daquela à qual estavam habituados. Estes
camponeses que traziam de suas vidas precedentes os mais diversos hábitos, dentro das
fábricas, foram interagindo e construindo experiências em comum, identificando-se aos
poucos como membros de uma classe social. Assim sendo, segundo o trabalho do historiador
inglês, a classe operária não surgiu como um simples produto do desenvolvimento industrial,
mas sim como resultado da interação entre os trabalhadores que, aos poucos, foram tomando
consciência de sua condição de explorados e identificando-se como pertencentes a uma
mesma classe. Thompson considera que o termo classe é:
[...] um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos
díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da
experiência como na consciência. Não vejo a classe como uma “estrutura”,
nem mesmo como uma “categoria”, mas como algo que ocorre efetivamente
(e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas
(THOMPSON, 1987:9).
18
Para definir os trabalhadores pobres de Londrina como pertencentes a uma classe
social, como portadores de um mesmo conjunto de interesses, foi necessário tratar os aspectos
básicos da experiência destes trabalhadores: quais suas origens e suas formas de organização
no espaço hostil ao qual adentravam quando chegavam à região. Basicamente, estes migrantes
nacionais e alguns estrangeiros chegaram a Londrina com a esperança de uma vida melhor,
mas não encontraram facilidades, pois o que se formava naquele momento, era uma cultura
dos vencedores, uma sociedade que se organizava a partir do interesse dos mais poderosos, e
tentava convencê-los de que esta era a única opção viável para administrar a cidade e
organizar a sociedade.
Como não havia um termo específico para classificar as áreas pobres da cidade, o
poder público optava por denominá-las “de tipo popular”. O termo popular, neste caso, é
sempre vinculado a uma idéia abstrata de povo, que é visto como um conjunto homogêneo
identificado pelas condições econômicas. Jamais se ouvirá das autoridades uma definição
desta população como heterogênea ou alguma menção a respeito da multiplicidade de origens
e interesses inerentes à existência deste “povo”.
Segundo Hall (1984), a idéia de “classe” existe a partir do conceito de luta, como
havia sido estabelecido por Thompson. No entanto, no bojo das categorias sociais, surge o
conceito de “popular”, que não existe em si, mas a partir da luta entre uma classe oprimida e
uma classe opressora. Ou seja, este termo popular é observado como inerente às classes
subjugadas, sendo criados termos ambíguos como vontade popular, bairro popular, moradia
popular, cultura popular. Não se enxergam as diversidades, as contradições internas, às
múltiplas possibilidades que se colocam na existência das populações pobres, pois o olhar de
cima é parcial e observa o povo como uma massa homogênea.
A preocupação do poder público com a demarcação e ordenação dos territórios
destinados às “habitações de tipo popular” evidencia a idéia de que aquela classe deveria ser
regulamentada a partir dos interesses da classe dirigente, e não de uma possível auto-
regulamentação. Porém, este projeto preocupa-se com a análise das formas de inserção e
apreensão desse conflito entre classes populares.
O que se busca apresentar aqui, portanto, é a possibilidade de inclusão da experiência
das pessoas comuns, e suas relações com o espaço urbano, no contexto das preocupações do
poder público, e estabelecer a dimensão da luta de classes, representada pelo conflito entre as
experiências da população pobre e as determinações de uma legislação de ordenação urbana.
Analisar se as normas são ou não aceitas passivamente pelas camadas populares, e contribuir
19
para um diálogo entre as perspectivas conceituais da História Social e análises sobre os
conflitos da demarcação de territorialidades no campo da cultura urbana moderna.
A documentação analisada neste trabalho esteve basicamente circunscrita a dois tipos
de fontes: as oficiais, legislação e notas do poder público, e as jornalísticas, basicamente dos
jornais Folha de Londrina e O Combate. No caso das fontes oficiais, geralmente documentos
legislativos, observa-se não apenas seus conteúdos, mas também seus detalhes, pontos em que
a pressuposta objetividade dos documentos oficiais deixa transparecer os valores e ideais
inerentes ao grupo no poder. Os textos jornalísticos foram interpretados a partir do papel dos
jornais na consolidação da hegemonia da classe dominante, pois os periódicos, especialmente
a Folha de Londrina, foram largamente utilizados como aparelhos de reprodução do discurso
hegemônico, inclusive, em alguns casos, de maneira didática e doutrinária. Como contribui a
este respeito Capelato:
A objetividade dos fatos configura-se, em última instância, como técnica de
manipulação do leitor. Ela não se faz apenas pelo conteúdo, ou seja, pela
transmissão de valores a serem identificados como universais ou
universalizáveis. Dá-se, também, de maneira invisível – o fato exposto não
evidencia os critérios de seleção e ordenação. Na sua leitura, produz-se uma
transparência de linguagem que esconde a opacidade da prática de produção
do jornal e do público. Por meio de astúcia (que articula o leitor à estrutura
do jornal), disseminou-se a crença de que “deu no jornal, é verdade.
(CAPELATO, 2003: 142)
O jornal é composto por várias partes distintas, que vão sendo unidas para formar o
seu todo. Seu interesse comercial em alguns casos antecede sua postura ideológica. Assim,
mesmo entendendo esta fonte como emanada dos porta-vozes da classe no poder, não se deixa
de utilizá-la como documentação informativa, porque muitas de suas matérias possibilitam
transparecer as tensões sociais, os conflitos de classe, os interesses em jogo na política, na
economia e em todos os debates de interesse para uma dada sociedade, dados relevantes para
esta investigação. De acordo com Capelato:
Cabe, finalmente, salientar que a imprensa se configura como um veículo de
ideologia muito particular. Sua especificidade reside no fato de que ela se
expressa em dois campos: nas informações (notícias) e nas idéias, (contidas
nos editorais e artigos). Esses dois aspectos da imprensa não se excluem, ao
contrário, entrecruzam-se. Disso resulta a particularidade dos jornais na
atuação social. Como o discurso e a prática jornalística situam-se entre os
resultados da cultura burguesa e a quase infinita variabilidade dos
acontecimentos, opinião e informação aí se complementam. Nesses dois
planos, a “consciência” jornalística exerce o papel de intermediária,
adequando os “valores eternos” às necessidades imediatas suscitadas pelas
lutas na sociedade civil (CAPELATO, 2003: 147).
20
Cabe também salientar que os dois jornais citados trazem diferenças entre si. Segundo
Arias Neto (1998), o jornal Folha de Londrina tentava apresentar notícias conciliadoras, não
fazia grandes críticas à sociedade local, preocupava-se também com notícias a nível nacional
e mundial, e possuía fortes vínculos com as elites locais. Quanto ao jornal O Combate, era
muito mais polêmico e se restringia praticamente a notícias em nível local e regional,
abordando de maneira mais intensa os problemas do cotidiano da cidade.
Uma outra diferença muito importante, é que enquanto a Folha de Londrina se
apresentava como uma grande empresa jornalística e tratava de se filiar aos interesses dos
mais poderosos para obter sucesso em sua empreitada, o jornal O Combate buscava uma certa
independência, tratando de forma polêmica alguns assuntos de mais impacto, e confrontando-
se com alguns interesses da elite local. Porém, os jornais da época acabavam por reproduzir
um discurso de modernidade, que era muito adequado aos interesses da classe dirigente,
especialmente no que diz respeito ao enaltecimento da modernização embasada num
moralismo conservador da hierarquia social, e ao enfrentamento do comunismo e da
marginalidade, peças chave no discurso hegemônico da burguesia cafeeira.
Enfim, mesmo trabalhando com um arcabouço documental que na sua maioria
reproduzia o discurso dominante e privilegiava a classe no poder, esta pesquisa busca traçar
uma análise das experiências das classes populares no espaço urbano de Londrina.
Especialmente em suas relações com a política e com o poder público, constituindo espaços
de diálogo e debate, com foco na questão urbanística e uma noção específica de direito à
habitação e a dignidade, que se edificariam em caminhos para a construção da cidadania.
As etapas do trabalho
A cidade de Londrina se formou como elemento de um processo de colonização
empreendido pela CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná, uma empresa de capital
inglês que obteve a concessão de uma grande porção de terras na região Norte do Paraná,
procedendo a sua divisão em lotes rurais, e também, a constituição de algumas glebas com
loteamentos urbanos. Desta forma, Londrina foi o primeiro loteamento com características
urbanas a ser constituído na área adquirida pela CTNP, onde a referida empresa instalou seu
escritório administrativo, além de construir, posteriormente, uma estação ferroviária, que
21
facilitou a chegada dos compradores das terras. Estas glebas eram vendidas a baixo custo,
com planos de pagamento favoráveis e com um amplo programa de divulgação.
A abertura da mata e o início das construções no espigão, que deu origem a Londrina,
aconteceram em 1929 e, em 1934, este núcleo se tornou um município politicamente
emancipado. Desde os primeiros anos de sua existência, a cidade já se consolidava como
principal centro urbano da região, crescendo a passos largos com o sucesso da colonização
empreendida pela CTNP, que se encarregara de fundar novos municípios por toda a área
loteada. As propagandas veiculadas pela CTNP tratavam Londrina e o Norte do Paraná como
a “Terra da Promissão”, ou “Nova Canaã”, e atraía cada vez mais migrantes. A cidade crescia
junto com a Cia colonizadora, ampliando sua área urbana na medida em que era feita a
ocupação dos lotes.
Havia, portanto, uma estreita vinculação entre a Companhia de Terras e a cidade. Não
se quer com isso, dizer que a Companhia de capital inglês tenha monopolizado o processo
colonizador em toda a região, que hoje é conhecida como o Norte do Paraná, pois isso seria
um equívoco, considerando a pesquisa de Nelson Tomazi (1997), na qual demonstra que a
região foi ocupada, ou nos seus termos (re) ocupada, num processo de mais de meio século,
por vários agentes imobiliários e políticos, os quais avançaram sobre um território já habitado
por posseiros, caboclos e tribos indígenas, num violento movimento de ocupação da terra e
expulsão destes habitantes.
A pesquisa de Sonia Adum (1991) contribui que o processo de formação da cidade de
Londrina esteve estritamente vinculado aos interesses da CTNP, e esta empresa foi muito
presente no cotidiano da cidade nos seus primeiros anos de existência, inclusive no que diz
respeito às ações políticas, pois os funcionários do alto escalão da CTNP eram participantes
ativos da política local.
Este quadro foi gradativamente alterado a partir de meados da década de 1940. A
cultura do café nas fazendas da região obteve grande êxito, e os plantadores mais bem
sucedidos compravam terras de colonos vizinhos tornando-se fazendeiros enriquecidos. Aos
poucos, estes novos fazendeiros, magnatas do café, tornaram-se membros importantes no
cenário político local. Um claro exemplo da perda do monopólio administrativo da CTNP
sobre o município de Londrina, foi o fato de a Cia. ter passado para a administração de um
grupo de empresários brasileiros, desvinculando-se do capital inglês, e nesta mesma época ter
transferido seus escritórios para Maringá.
Apesar da postura autoritária e excludente do poder público, em relação à participação
22
popular, ter mantido o mesmo padrão praticado pelo monopólio da CTNP, a gradativa
renovação dos agentes políticos e a redefinição das imagens sobre a cidade, agora mais
intimamente vinculadas à cafeicultura, foram aos poucos alterando os aspectos da cidade e
redefinindo as prioridades da elite dirigente. Ou seja, o que será evidenciado é que o gradual
distanciamento dos dirigentes da CTNP dos quadros administrativos do poder público
municipal, não significou uma alteração significativa na postura da administração municipal
em relação às classes populares. O padrões excludente, elitista e autoritário se mantiveram, o
que mudou foram os ideais e as imagens das quais o poder público e a “burguesia cafeeira”
lançaram mão para consolidar seu controle sobre a cidade.
No capítulo inicial deste trabalho é efetuada uma análise sobre a configuração
urbanística de Londrina a partir de 1944 com a observação da transição de projetos
hegemônicos sobre a política local, através do acesso ao poder por parte dos agentes ligados à
cafeicultura. Foi a partir deste período que a imagem da cidade passou a ser vinculada à
economia cafeeira, pois esta obteve um desenvolvimento muito acelerado, e a fama desse
progresso se expandiu por todo o território nacional. Atraiu-se então, para Londrina, um novo
e grande contingente migratório, que não vinha mais em busca de terras baratas para cultivar,
mas sim, em busca de uma riqueza que era amplamente divulgada e que alimentava as
esperanças de uma vida melhor para muitos migrantes pobres que depositavam suas
economias e expectativas nestas terras.
Várias análises sobre a história londrinense caracterizaram a década de 1950 como o
momento em que a cidade entrou num processo de expansão muito acentuado, sendo que isso
resultou num gradual distanciamento entre a imagem da cidade e a atuação da Companhia de
Terras Norte do Paraná, pois a população crescia e se diversificava, possibilitando o
surgimento de novos agentes no contexto urbano do município. Sobre esse contexto, os
principais trabalhos historiográficos surgiram nas décadas de 1980 e 1990.
Nelson Tomazi (1997) analisou o projeto de colonização da região, e notou que o
período posterior ao monopólio da CTNP sobre a organização de Londrina se caracterizou
pelo surgimento de indivíduos que reivindicavam o direito a tomar decisões, como se fossem
herdeiros do poder da CTNP, pois se aclamavam como aqueles que participaram da
construção e fundação da cidade, auto-intitulando-se pioneiros. O progresso da região seria,
então, resultado do trabalho heróico de seus primeiros habitantes, que deveriam deixar para
seus herdeiros o poder político local. Segundo Tomazi (1997), essa classe política dominante
buscou construir uma memória local que ignorava a atuação de outros indivíduos, de outros
23
grupos, na edificação e manutenção do progresso da cidade, dando ênfase à atuação de
funcionários da CTNP e de seus parceiros, como os grandes responsáveis pelo
desenvolvimento da região.
Outro ponto que Tomazi analisa é a questão da violência e da exclusão social (1999),
uma vez que a idéia de uma colonização pacífica do Norte do Paraná foi uma construção
propagandística elaborada pela própria CTNP, buscando ocultar a violência praticada na
expulsão daqueles que ocupavam as terras da região, criando uma memória particular que
seria tomada como referência por muitos pesquisadores sobre esta história.
Mais tarde, José Miguel Arias Neto (1998), classificou o surgimento desses vários
discursos da CTNP e das elites locais como representações, constituídas a partir da
necessidade de exercício autoritário do poder sobre um espaço que esses indivíduos tratavam
como sua propriedade particular. O espaço urbano que deveria ser público passou a ser
ordenado segundo os interesses de um grupo de indivíduos enriquecidos através da produção
cafeeira, exercendo um poder que buscava ocultar os conflitos e criar a imagem de uma
cidade identificada com o trabalho heróico dos seus pioneiros, especialmente constituindo a
imagem superficial de um progresso democrático.
Arias Neto (1998) analisou a constituição dos ideais que classificou como
representações do “Eldorado Cafeeiro”. Segundo estas representações, seria possíveis o
enriquecimento e a modernidade a todos, o que se tratava de uma construção discursiva que
buscava ocultar as contradições sociais inerentes ao desenvolvimento capitalista da cidade, e
que se constituía como forma de legitimar as ações da elite dominante na busca pela
racionalização do espaço urbano:
Essa questão é fundamentalmente política uma vez que através de uma
legislação implacável o poder buscou ordenar e racionalizar a cidade que
crescia aceleradamente e, ao mesmo tempo, legitimar as desigualdades
sociais que se aprofundavam nos anos cinqüenta. Tratava-se, portanto, de
assegurar as condições de reprodução do desenvolvimento econômico, sob
a égide da centralização do poder político (ARIAS NETO, 1993: 143).
Para Sônia Adum (1991), essas representações foram formuladas por uma elite
identificada com um ideal de civilização em contraste com a situação real da cidade. Tais
representações deixavam transparecer o conflito entre os desejos desse grupo dominante e a
situação crítica que vivia a cidade com a chegada de milhares de migrantes vindos de todas as
regiões do país e outras partes do mundo, em busca do enriquecimento fácil, que era
propagado a respeito do Norte do Paraná, ou vinham simplesmente na esperança de uma vida
24
melhor:
É possível concluir que o Poder Urbano lutou para estabelecer a cidade
ordenada e que todos os mecanismos possíveis para expulsar ou contornar
a desordem foram criados na época. Percebe-se, no entanto, que na mesma
proporção em que se agigantava a cidade, crescia a barbárie. Este
movimento é o que podemos chamar de progresso (ADUM, 1991:12).
Em meados da década de 1990, acompanhando a tendência de pesquisas sobre os
“excluídos da história”, ocorreu o aparecimento de novas análises, preocupadas com a
identificação de outros sujeitos dessa mesma história. O trabalho de Antonio Paulo Benatti
(1993), particularmente expressivo dessa tendência, discute o papel da prostituição e da
marginalidade boêmia no desenvolvimento histórico da cidade, assim como as experiências
dos boêmios e a memória de uma cidade que se edificava às “margens” da cidade oficial, da
história contada oficialmente.
Rivail Rolim (1999) analisou a atuação dos policiais, que serviam o poder público
praticando a repressão contra indivíduos que se opusessem àquela ordem estabelecida,
notando que a ordem vigente continha uma racionalidade própria de opressão violenta aqueles
indivíduos considerados suspeitos e nocivos à ordem social. Este trabalho buscou também
revelar a existência de uma faceta “independente” da cidade, onde o que se encontrava era a
rebeldia daqueles elementos que não se adequavam aos padrões ideais de ordem e segurança
construídos pela elite local e reproduzidos nos aparelhos repressivos.
Tony Hara (1997) realizou a análise do lugar dos jornalistas no cotidiano local,
demonstrando através da apresentação de casos de homicídios ocorridos entre 1948 e 1970,
como os jornalistas eram sujeitos que participavam ativamente da vida da cidade, transitando
por entre os mais diversos ambientes e se localizando no entremeio do conflito entre o poder
público e a marginalidade.
Destaca-se também a análise de Fausto Lima (2000), sobre a Lei de Zoneamento nº
133-51, com a perspectiva de que essa legislação representava o desejo de modernidade
urbana da elite londrinense naquele período, demonstrada nos projetos e nas ambições das
lideranças políticas que se interessavam por instalar uma ordem moderna ao espaço, sendo
esta ordenação uma forma de legitimar o seu poder.
Seguindo o caminho de Benatti, foi publicado o trabalho de Edson Holtz Leme (2001),
apresentando as manifestações da prostituição, e como essa prática ocupou seu lugar na
história da cidade, inclusive como era aceita pela elite, desde que se mantivesse no espaço a
ela destinada. Também demonstrou como esses indivíduos, avessos ao discurso modernista
25
dos grupos dominantes, tornaram-se objetos de campanhas de higienização do espaço público
e opressão de suas práticas, o que revela o exercício de um poder disciplinador e ordenador
através do discurso da moral e da segurança.
Silmara Oliveira (2002) investigou a vadiagem e a mendicância da década de 1950, e
observou que os indivíduos vinham à cidade atraídos pelo progresso, mas nem sempre
conseguiam desfrutar das benesses do propagado desenvolvimento econômico da região. Esta
pesquisadora buscou demonstrar como os presos por vadiagem e mendicância buscavam se
defender alegando certa transitoriedade da sua situação, pois o contrário seria motivo de
constrangimento, demonstrando que os próprios marginais justificavam sua situação,
buscando subterfúgios para não serem enquadrados naqueles padrões impostos pelas elites
dominantes.
No entanto, os trabalhos que se preocuparam em apresentar os agentes do conflito da
modernidade londrinense na década de 1950 deram pouca ênfase a uma camada muito
significativa da população, composta por vendedores ambulantes, carroceiros, domésticas,
pequenos comerciantes, funcionários públicos mal remunerados, empregados com baixa
qualificação da indústria, do comércio e da construção civil, etc., gente comum e ordinária.
Esta população talvez não tenha recebido destaque por não se enquadrar em uma categoria
específica, como os vigiados, os marginalizados, a elite, porém, não há como negar que
fizeram parte desta história e suas experiências podem ser significativas para entendimento do
período.
Esta pesquisa busca entender qual a participação das classes populares no processo de
readequação da legislação, em que o poder público alterava constantemente as determinações
de uma legislação que, em 1951, atribuía uma série de exigências de infra-estrutura às áreas
de moradia popular, mas que passou a se reformular de acordo com as transformações sociais
que se processavam na cidade. Ou seja, o que se busca na experiência das classes populares é
a existência desse conflito que se manifesta na legislação entre aquilo que é exigido e o que
realmente pode ser cumprido, num processo dialético que resultava em alterações na postura
do poder público e nas determinações da legislação urbanística.
Dentro deste movimento, constituía-se uma oposição simbólica entre aqueles que
enriqueciam e se diziam pioneiros do progresso e a população pobre que adentrava à cidade e
ocupava os espaços marginais à planta inicial da companhia colonizadora. Este assunto é
colocado em questão no Capítulo I, que analisa o conflito do ponto de vista da construção de
um projeto de hegemonia política na cidade, por parte da “burguesia cafeeira”. Na
26
consolidação deste projeto hegemônico observa-se como surgiram os porta-vozes do grupo
mais forte, uma elite que aos poucos foi dominando o cenário político e econômico da cidade,
e sendo representada por intelectuais que divulgavam e defendiam ideais, valores e mitos,
através de representações que justificavam e reafirmavam um projeto hegemônico de
organização e estruturação da cidade e que favorecia a “burguesia cafeeira”.
Foi no bojo destas transformações que surgiram ideais que marcaram a imagem de
Londrina de uma forma intensa: o modernismo arquitetônico e uma postura política
fortemente ligada aos interesses elitistas, a construção de valores de comportamento e ideais
excludentes. Portanto, o capítulo inicial deste trabalho se desenrola a partir da observação do
desenvolvimento da cidade entre 1944 e meados da década de 1950, do ponto de vista
urbanístico, pela via das análises econômica e social, pela leitura das imagens e símbolos
constituídos para concretizar o projeto hegemônico da “burguesia cafeeira”, que se
consolidava gradativamente como elite dirigente.
A legislação urbanística é visitada no sentido de entender os valores e ideais da elite
local que se manifestam na exclusão espacial das classes subordinadas, sob a retórica da
modernidade e da objetividade da lei. E os discursos da elite quanto às posturas, aos valores
culturais, aos posicionamentos políticos dos demais grupos são expostos como forma de
decifrar o conjunto de códigos e símbolos que vão se formulando para consolidar a
hegemonia desta classe no poder.
É realizado um estudo dos códigos municipais instituídos em Londrina no início da
década de 1950. Há ênfase sobre as discussões a respeito da instauração e aplicabilidade da lei
de zoneamento de 1951, com o levantamento das formas de apropriação discursiva dos
espaços e territórios urbanos por parte das classes dirigentes locais. O conteúdo desta
legislação revela um interesse de segregação dos habitantes da cidade em núcleos
diferenciados pela condição social dos habitantes, e consolida um discurso de modernização
conservadora, através da qual o córpus legislativo apresenta uma reestruturação dos
equipamentos urbanos mantendo a hierarquia social, utilizando o discurso da modernidade
para justificar a dominação burguesa sobre todos os cantos da cidade.
No Capítulo II, é formulado um exercício de interpretação que pretende expandir o
quadro de abordagens históricas sobre Londrina e fugir de dois elementos que se tornaram
lugares-comuns nas análises sobre esta mesma história: em primeiro lugar, a questão do
recorte temporal, e em segundo lugar, a temática das classes populares.
27
Os autores analisados: Castro (1994); Rolim (1997); Adum (1991); Benatti (1997); e
Oliveira (2003), abordam temáticas sobre o cotidiano, as práticas culturais, sociais, políticas,
enfim, sobre todas as conjunturas trabalhadas a respeito da história de Londrina, e se limitam
a análises que impõem como data limítrofe no máximo os dois primeiros anos da década de
1960. Essa escolha geralmente é feita de acordo com a opção teórica e metodológica de cada
autor. Mas, de certa forma, acabou se transformando em uma fronteira temporal que aparece
articulada com elementos importantes sobre a própria historiografia que trata da cidade de
Londrina, que consagraram a década de 1960 como um período de crise, decadência, inchaço
urbano, sem que efetivamente alguém se interessasse por produzir uma análise mais detalhada
do desenrolar dessa década e da sua importância para a configuração histórica da cidade.
Dentre os elementos definidores da delimitação temporal nos trabalhos
historiográficos até então, está o fato de que muitos se preocupam em articular as questões
ligadas ao processo hegemônico de construção da história da cidade, vinculado aos interesses
da cafeicultura, mesmo que os objetos de análise não fossem ligados diretamente à produção
cafeeira. Ou seja, a hegemonia dos cafeicultores sobre a cidade durante a década de 1950, fez
com que esta fosse consagrada como um período ímpar na sua história, uma “era de ouro”,
uma década gloriosa. Desta forma, as pesquisas acabaram sendo influenciadas interessando-se
pela propagada importância do período para a história da cidade, uma idéia construída pela
própria elite local.
Além da questão da temporalidade, ainda há o outro ponto a ser questionado sobre
esta mesma historiografia, o que trata das classes populares propriamente ditas. As pesquisas
já empreendidas visando caracterizar modos de vida, práticas sociais, conceitos, hábitos, e
vivências dos grupos populares, acabaram por realizar um trabalho que privilegiava a idéia de
marginalidade: prostitutas, boêmios, mendigos, vigiados conforme Leme, 2001; Oliveira,
2003; Benatti, 1997; Rolim, 1997. Ou então sobre a já citada dicotomia dominante versus
dominados, apresentando um enfoque que deixa transparecer em muito maior grau aquilo que
era elaborado e disseminado pelos dominantes, mesmo que a intenção do texto fosse mais a
crítica à exploração e à dominação como corroboram Adum (1991); Arias Neto (1993); e
Tomasi (1997).
Este trabalho busca contribuir para os estudos sobre as classes populares em Londrina,
a partir da visualização deste grupo social de uma maneira ampla: como elementos pobres,
excluídos dos processos decisórios, das profissões importantes, do acesso às riquezas, às
vezes prostitutas, policiais mal pagos, jornalistas de porta de cadeia, bêbados, mendigos,
28
ambulantes, trabalhadores braçais. Ainda assim, agentes que atuam no espaço público, mesmo
que não de forma organizada, constituindo laços e identidades, e trazendo suas experiências
como forma de expressão.
O Capítulo III retoma a questão das classes populares e o espaço urbano, entretanto,
avançando nas análises das transformações de postura do poder público em Londrina,
especialmente a partir de meados da década de 1960, buscando entrever nesta transformação o
nexo histórico entre o reposicionamento das classes populares no jogo político nacional, e a
reordenação das políticas urbanísticas da administração municipal e estadual.
Buscar-se-á traçar uma discussão que evidencie as transformações históricas, no
período analisado, quanto ao lugar das classes populares no campo político, especialmente em
relação à construção de um espaço público de debates e reivindicações. Este fenômeno não
ocorreu através da questão do espaço urbano, e sim por outra via, a questão trabalhista e das
organizações sindicais que, apesar não se deterem especificamente nas discussões a respeito
das políticas urbanísticas, ainda assim agiram de forma a possibilitar que os canais de diálogo
entre a sociedade e o poder público fossem alargados e possibilitassem uma reflexão acerca
do lugar das classes populares na sociedade.
Será observada também a transição entre uma ação ordenadora idealística e uma nova
postura, mais tecnicista de planejamento, com atendimento a demandas populares,
especialmente no campo da habitação, que antes eram pensadas de forma distinta da que se
apresentava naquela época. Ou seja, neste momento observa-se como a legislação urbanística
aos poucos vai se direcionando para o atendimento das classes populares, uma vez que os
códigos aprovados na década de 1950 não se adequavam à realidade vivida pelos habitantes
pobres da cidade. Entra em cena também um pragmatismo, a partir da ação do poder público
no sentido de resolver questões pontuais, ao invés de manter aquele discurso de uma
modernidade hierarquizada e autoritária que era alheio à vivência da maioria dos habitantes.
Nesta mesma parte do texto, é analisada a questão da redefinição do jogo de forças na
política nacional com a conquista do Estado pelos militares através do Golpe 31 de março de
1964, e como esta situação se refletiu em Londrina. A partir deste fato, é analisada a questão
da sobrevivência à perseguição do governo golpista, de um canal de reivindicações populares,
que se focava na questão do direito à moradia, e que tomou forma a partir da organização
espontânea de trabalhadores pobres em ocupações de terrenos vazios, formando favelas e
depois reivindicando, junto ao poder público municipal, a legalização de suas áreas.
29
Um outro ponto em debate neste capítulo é com relação aos limites da cidadania em
questão naquele período. Tratou-se de um momento paradoxal, pois ao mesmo tempo em que
o governo podava de todas as formas possíveis os direitos civis dos cidadãos, a via da
reivindicação do direito à moradia se colocava como o canal utilizado para expor a
insatisfação popular com o regime e busca pelo alargamento dos limites da cidadania naquela
época. Aliás, não se tratava da construção de um ideal amplo de cidadania e poder de
influência nas decisões do poder público, mas da construção de um campo de atuação que era
possível dentro do contexto em que se vivia e das questões que se debatiam.
Enfim, este trabalho busca pensar o espaço urbano enquanto resultado de processos
históricos que se sobrepõem, e que se formulam a partir de conflitos e negociações de
interesses entre classes e grupos sociais distintos. Desta forma, é feita uma análise de grande
parte do material produzido sobre a história e a cidade, refletindo sobre suas contribuições e
seus limites, ao mesmo tempo em que se busca uma contribuição à renovação das questões
debatidas no campo da história política e social, especialmente em relação às classes
populares e suas experiências no espaço urbano.
CAPÍTULO I
De “Cidadela dos Ingleses”
a “Capital Mundial do Café”: a formulação de
um ideal de cidade e de uma hegemonia.
31
1 – QUESTÕES INICIAIS
1.1 - O projeto urbano inicial de Londrina e sua superação
Já era realidade a presença de duas dezenas de milhares de habitantes na área urbana
da cidade que crescia a passos largos, adentrava-se então ao ano de 1944. Os devastadores da
floresta haviam sido os funcionários de uma empresa colonizadora comandada por
investidores ingleses, a CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná, em 1929. Fixou
acampamento esta colonizadora em uma região a mais de três centenas de quilômetros de
Curitiba, e providenciara a derrubada da mata, onde se efetuou a demarcação dos futuros
lotes, numa aglomeração urbana que viria a ser chamada de Londrina.
A determinação inicial dos técnicos da CTNP, era que neste espaço se formasse uma
cidadela com aproximadamente 30 mil habitantes, ocupando uma planta com o formato de um
tabuleiro de xadrez com as quadras cortadas por ruas estreitas, constituindo-se um núcleo
urbano que serviria de entreposto avançado no processo de colonização de extensa área
territorial. O pensamento dos técnicos da empresa colonizadora, segundo alguns analistas, era
colocar em prática o plano das Cidades Jardim, do conhecido urbanista francês Ebenzer
Howard, segundo o qual seria possível criar
[...] uma cidade planejada, que não deveria passar de trinta ou cinqüenta e
oito mil habitantes e deveria reunir as vantagens da cidade com os serviços
e as atividades sociais com as vantagens do campo, com as zonas verdes, a
tranqüilidade e a salubridade (HOWARD apud CHOAY, 1994:26).
O ideal urbanístico das Cidades Jardim, que possibilitaria maior integração entre o
homem urbano e a natureza, com aglomerados urbanos não muito povoados, cercados de
matas e parques, pode ser colocado como um elemento importante no projeto da CTNP.
Entretanto, o fundamental é entender a questão econômica envolvida, pois, para além de
qualquer ideal de planejamento urbano, estavam os interesses dos agentes que aplicavam o
seu capital neste território. Assim, foi instaurada uma planta urbanística sem muitos
incrementos do ponto de vista estético. A planta inicial de Londrina tinha o aspecto de um
tabuleiro de xadrez, pois se tratava um desenho quadriculado, com os quarteirões cortados por
ruas estreitas e retilíneas, que davam um aspecto simples ao desenho. O ponto mais polêmico
do projeto se colocou sobre a largura das ruas, que não comportavam um trânsito muito
intenso, pois mediam por volta de 12 metros de Largura.
32
Projeto inicial de Londrina – Autor Eng. Alexandre Rasgulaef .
Acervo do Museu Histórico de Londrina Pe Carlos Weiss
Na formulação do projeto de Londrina, o engenheiro responsável pelos trabalhos havia
traçado ruas mais amplas, entretanto, foi obrigado a se render à força dos interesses de lucro
da empresa colonizadora. Depois de algumas controvérsias, o engenheiro Alexander
Rasgulaef assinou o projeto. Quarenta e três anos mais tarde veio a criticar sua obra
*
,
alegando que as medidas da planta urbana foram definidas a partir de pressões vindas da
Inglaterra para que as ruas fossem estreitas e o traçado retilíneo, como medida de redução de
custos.
Vejamos a descrição de um trecho de sua entrevista em que Rasgulaef relembra seu
diálogo com o presidente da CTNP na época:
[...] – Uma cidade, você sabe, no meio do mato, abre ruas de trinta metros
de largura, ruas com vinte e quatro metros, não convém. Quem vai construir
ruas?
- Nós!
- Quem vai pagar impostos?
- Nós, não, não...
*
Depoimento gravado no Museu Histórico Padre Carlos Weiss – UEL, 1972.
33
Se notarmos que tais críticas foram feitas por este engenheiro quarenta anos depois do
ocorrido, sem negar a veracidade das informações por ele prestadas, pode-se cotejar tais dados
com o fato de que a essa altura, década de 1970, a cidade já passava dos duzentos mil
habitantes, e o trânsito no centro da cidade era motivo de muitas queixas devido à falta de
ruas e avenidas amplas. Percebemos então, que não havia nada mais oportuno, para o
profissional que assinou o projeto dessas vias, que tentar se eximir da responsabilidade por
tais problemas.
O caso do engenheiro é elucidativo das questões que se refere esta primeira parte do
trabalho. A principal delas é entender como o poder público lidou com a questão urbanística
diante de uma cidade que crescia rapidamente e contrariava as expectativas iniciais dos seus
planejadores. O planejamento do loteamento da área urbana da futura Londrina pela CTNP se
deu em 1929, mas depois de uma década e meia o que havia sido planejado não condizia mais
com a realidade.
Londrina, em 1944, já superava as proporções da cidadela pensada inicialmente pelos
planejadores a serviço da Cia Inglesa. Efetivamente, servia de entreposto avançado para os
negócios da colonizadora. Abrigava seus principais corretores, hospedava os futuros
compradores e trabalhadores que chegavam à procura de emprego em alguma atividade
urbana ou rural, o que logo conseguiam devido ao crescimento econômico avassalador da
cafeicultura, que varrera a mata em pouco mais de uma dezena de anos, levantando a cidade e
fazendo crescer pés de café.
Já o traçado xadrez da planta de Londrina se baseava num racionalismo simplista, com
poucas inovações do ponto de vista urbanístico e paisagístico, obedecia à determinação da
construção de um ponto de transição, por onde os compradores de lotes passariam para
negociar as suas futuras propriedades rurais, ou então urbanas, nas novas e mais bem
elaboradas cidades que estavam sendo edificadas em toda a região.
A divulgação do projeto foi tão intensa, e as promessas de riqueza aos novos
habitantes do Norte do Paraná eram tão enfatizadas pelas propagandas da CTNP, que atraíram
um contingente migratório extraordinário, como já citado. Dentre esses migrantes,
encontravam-se pessoas com poucas condições de adquirir os encarecidos terrenos vendidos
pela colonizadora. Estas pessoas chegavam a Londrina e se instalavam primeiramente em
pensões e hotéis baratos, para depois buscarem terrenos na periferia da cidade ou nos novos
centros urbanos que eram abertos diariamente por toda a região.
34
Às margens da planta principal haviam sido traçados lotes maiores, que os técnicos
denominaram “cinturão de chácaras”, os quais serviriam como uma barreira natural à
expansão da cidade, além de serem habitados por famílias de pequenos produtores que
abasteceriam os mercados locais com produtos hortifrutigranjeiros e outros gêneros de
primeira necessidade. Esse conjunto de lotes fora constituído com vistas a manter a cidade
estagnada sobre a planta inicial, funcionando apenas como a porta de entrada do processo de
colonização. Segundo Lima:
O comércio de terras [...] esteve nas mãos da Companhia de Terras até
1944, quando foi vendida pelos ingleses ao grupo paulista Mesquita e
Vidigal, mudando o nome da empresa para Companhia Melhoramentos
Norte do Paraná – CMNP. A partir deste ponto a colonizadora abandonou o
mercado urbano de terra, e abriu campo para o aparecimento de novos
agentes, os loteadores, na produção do espaço urbano (LIMA, 2000: 131).
Todo projeto urbano só pode ser concretizado caso as pessoas que habitarem tal
espaço se comportarem de acordo com o que foi previsto pelos planejadores, o que
geralmente não acontece. Segundo Hara (2000: 7): “Por mais que se esforçasse o time de
capitalistas e engenheiros que projetaram a cidade, não havia como conter as indeterminações,
os desejos, os acasos, as contradições, as incongruências às quais a vida urbana estava
sujeita”. Às bordas do traçado original foram tomadas por loteamentos irregulares. Donos de
terrenos no chamado “cinturão de chácaras”, que não conseguiam pagar as prestações do
financiamento da propriedade, ou não mais se interessavam por esses lotes, os
compartimentavam, vendendo suas subdivisões a pessoas pobres, que construíam seus
casebres onde tinham condições de pagar o terreno. Deise Maia explica esse fenômeno
decorrente da seguinte situação:
[...] A alteração do plano urbanístico proposto pela CTNP, através da re-
apropriação de um espaço como núcleo urbano secundário, manifesta um
mecanismo criado por determinados colonizadores que adquiriram glebas
rurais e perceberam os seus projetos agrícolas fracassados, na medida em
que se viram impossibilitados de saldar suas dívidas com a companhia
(MAIA,1993: 32).
Devemos notar que o aparecimento de loteamentos no plano externo ao proposto pelo
projeto dos técnicos da CTNP, não significava um esgotamento dos lotes no traçado original,
mas sim, a inviabilidade de compra desses lotes pelos novos habitantes, devido a seu alto
preço. Esta situação tornava o espaço desenhado pela CTNP um plano irregular, com
inúmeras construções prontas ao lado de vários terrenos vazios, para os quais não se achava
compradores, pois as ofertas fora do quadrilátero planejado eram mais atraentes aos novos
35
habitantes do município. Segundo Lima, surgiram assim: “[...] as novas vilas, sem projeto
regular e infra-estrutura, em continuidade ao traçado xadrez. Aproveitando as áreas nos
limites da cidade [...]” (LIMA, 2000: 131).
Essa realidade foi também detectada em estudo divulgado em 1951, pela pesquisadora
paulista do campo da geografia Neyde Prandini, através do qual era analisado o processo de
ocupação do solo urbano da cidade:
De 1944 em diante, Londrina, graças à valorização desse produto (Café) e,
por conseguinte, de toda a zona norte (sic) do Paraná, toma grande impulso.
A cidade atinge seu perímetro urbano, fazendo recuar os cafezais, que são
cortados para dar lugar às construções. A Cia. De Terras não previra este
desenvolvimento extraordinário, e assim Londrina começa crescer
desordenadamente além da área urbana. Hoje, a “Cidade Menina” possui,
na área suburbana, cerca de 53 vilas, quase todas instaladas entre 1944 e
1947 (PRANDINI, 1951: 66).
Como se pode observar, a análise desta pesquisadora possibilita o entendimento da
questão do parcelamento do solo urbano, foi este mesmo trabalho que levantou o problema
das ocupações irregulares que deixavam espaços vazios no centro e se estendiam pelas áreas
periféricas:
[...] ao mesmo tempo em que a cidade ia se espalhando, a área propriamente
urbana permanecia com quadras inteiramente vazias, pois eram caras [...]. A
prefeitura via as suas despesas aumentarem cada vez mais, e assim mesmo
não conseguia acompanhar o crescimento da cidade, pois à medida que
apresentava os melhoramentos urbanos numa proporção aritmética, os
loteamentos eram feitos numa proporção geométrica (PRANDINI, 1951:
66).
Prandini detectava a incongruência dos preços praticados pela CMNP, o que
provocava o surgimento contínuo de loteamentos irregulares ao redor do plano quadriculado
inicialmente tracejado. Com o crescimento da cidade no decorrer da década de 1940, apenas
havia se agravado a situação, sem que medidas efetivas fossem tomadas pela prefeitura no
sentido de sanear os problemas e definir um melhor planejamento para a cidade.
1.2 – Transições e rupturas: algumas análises sobre o período
Em finais da década de 1980, surgiram os primeiros trabalhos historiográficos que
analisaram a questão da configuração do espaço urbano de Londrina nas suas primeiras
décadas de existência. Sonia Adum (1991) dividiu as três décadas iniciais desde o surgimento
36
da cidade em duas partes: a primeira teria durado do surgimento do projeto a meados da
década de 1940, sendo caracterizada como uma “Fase monopolítica da Companhia de Terras
Norte do Paraná”, quando a cidade se ordenou quase sem a intervenção do poder público, nos
limites da área inicialmente projetada, sendo a ordenação regulada através das exigências dos
contratos estabelecidos entre a CTNP e os compradores dos lotes (ADUM, 1991:19-21). O
segundo período ocorreu a partir da segunda metade da década de 1940 até 1960, se tratando
do espaço de tempo que a historiadora chama de “nova civilização do café”. Nesta fase, o
poder público passou a praticar maior ingerência nas questões urbanas, direcionadas pela
crescente importância do capital advindo das exportações do café, e cada vez mais direcionar
as decisões políticas para a defesa dos interesses dos grandes fazendeiros. “Todo esse
processo significou, também, uma reorientação da política urbana segundo os moldes comuns
à maioria das cidades médias e grandes, isto é, de natureza pragmática e atendendo aos
objetivos de controle social e interesses do grupo empresarial” (ADUM, 1991: 21).
As determinações iniciais da CTNP persistiram enquanto a empresa conseguiu manter
sob seu controle grande parte do território de Londrina, agindo na elaboração de contratos que
previam as construções, a infra-estrutura, a ordenação e a utilização dos terrenos. Em 1944, a
Inglaterra estava envolvida no esforço de guerra contra o Nazismo, e ordenou que seus
capitais investidos no exterior retornassem ao país para serem investidos no conflito. Assim, o
controle da CTNP passou a um grupo de investidores nacionais. Os novos dirigentes da
companhia logo mudaram sua sede para Maringá, demonstrando uma reorientação de suas
ações e um menor interesse pela área urbana de Londrina.
Porém, a expansão desordenada de Loteamentos irregulares não refletia apenas a
ausência da Cia. Colonizadora, era também resultado de uma desorganização da política local,
que era gerida por um poder executivo pouco empenhado no enfrentamento das questões
locais. Segundo a cientista política Ana Cleide Cesário (1986: 266), entre 1940 e 1947 a
cidade foi governada por 13 prefeitos, todos nomeados pelo Governo Estadual, sem que
nenhum desses houvesse caído no gosto da população.
No plano nacional, o período pós 1945 é conhecido como a época de desestruturação
do Estado Novo de Getúlio Vargas e de democratização política com a implantação de
eleições diretas para os cargos do Executivo. Mas para Londrina essa época teve um
significado especial, pois a saída da CTNP da cidade e o descontentamento de parte da
população com as administrações dos aliados do antigo sistema, fizeram surgir em Londrina
um grupo de notáveis comerciantes, profissionais liberais, cafeicultores, entre outros, que
37
formariam o corpo político que comandaria os destinos da cidade nas duas décadas seguintes.
Sua atuação se iniciou em 1945, com a publicação do “Manifesto do povo do Norte do
Paraná”, segundo Cesário:
(Uma) Declaração pública que representava o embrião da UDN
*
em
Londrina, sufragado por 45 signatários e que demonstrava que o movimento
nascia liderado por um grupo de profissionais liberais – a maioria formada
por advogados – e outros profissionais urbanos, como um cartorário, um
professor e muitos comerciantes. Os fazendeiros irão aderir ao movimento
um pouco mais tarde (CESÁRIO, 1986: 266).
Os interesses dos agentes da cafeicultura se tornavam os parâmetros de definição da
situação local. Tanto Adum (1991) quanto Cesário (1986) concordam que, de meados para o
final da década de 1940, a cidade de Londrina viveu um momento importante em sua história,
caracterizado-se por uma transição de comando, da CTNP para os cafeicultores e seus aliados.
Se a questão política passava por um momento de redefinição de rumos, a questão
urbana agravava o quadro de instabilidade. O crescimento do poder econômico e político da
cafeicultura era acompanhado pelo crescimento demográfico. Cada vez mais migrantes pobres
chegavam e ocupavam os loteamentos irregulares, bem como os hotéis baratos e pensões na
região central, criando a imagem de uma cidade multifacetada, onde conviviam em um
mesmo espaço a riqueza e a pobreza, ou, nas palavras de Sonia Adum (1991), “a Civilização e
a Barbárie”.
Arias Neto (1993) foi outro historiador a se aprofundar nas pesquisas sobre a questão
da transição entre uma Londrina vinculada à imagem da companhia colonizadora e uma outra,
identificada pela sua interdependência em relação à cafeicultura. Este historiador definiu essas
transformações como uma ruptura na forma que a elite local representava a cidade, sendo que
se passou da idéia de Terra da Promissão, imagem idílica criada pela CTNP para atrair
compradores aos lotes, representando Londrina como a Nova Canaã, ou a Terra em que se
plantando tudo dá, para o Eldorado Cafeeiro, outra forma de representação, que agora
buscava contemplar o enriquecimento dos fazendeiros de café, atrair mão-de-obra para o
campo e legitimar sua intervenção nas decisões políticas locais.
Arias Neto (1998) buscou traçar a história da cidade em dois momentos:
Verificou-se que as noções de Terra da Promissão e Eldorado designam
tempos e espaços distintos que se definem por um conjunto específico de
relações sócio-políticas a partir das quais os homens do período concebiam
*
União Democrática Nacional. Partido político de grande influência no período 1945-1964, liderado por grandes
empresários e políticos ligados ao capital estrangeiro, sempre se colocando a favor de uma ampliação dos
investimentos estrangeiros no país, bem como do fortalecimento do mercado agro-exportador. Em Londrina
significou a união do capital da cafeicultura com profissionais liberais e lideranças políticas identificadas como
os bacharéis da UDN.
38
a cidade e região. Essa constatação fundamenta-se no fato de que os
discursos sobre Londrina e o norte (sic) do Paraná, apesar de sua aparência
de linearidade, portam sinais de rupturas e transformações na ordem
regional (ARIAS NETO, 1998: 267).
Sua formulação não foi inovadora, pois reafirmava a idéia de transição já trabalhada
por Adum (1991), no campo econômico-social, e por Cesário (1986), no campo político.
Entretanto, o trabalho de Arias Neto (1998) foi mais ambicioso, pois buscava englobar todo o
conjunto da sociedade no campo das representações, ou seja, em sua obra as idéias de Terra
da Promissão e Eldorado não eram apenas ideais, construções imaginárias, na verdade se
tratavam de lugares-comuns utilizados como forma de constituição de um imaginário social
que legitimava o poder, primeiramente dos dirigentes da CTNP, e depois da “burguesia
cafeeira”, mantendo-se o ideal de racionalidade e modernização de um espaço urbano
excludente e vinculado aos interesses da elite:
Esse grupo que se articulou em uma Frente-Única das oposições e
posteriormente na UDN – União Democrática Nacional – apresentava-se
como Pioneiro, porque criador de uma nova civilização e, por isso mesmo,
poderia legitimamente representar os interesses ‘peculiares’ do Norte do
Paraná tanto no âmbito estadual como federal. Este movimento coincidiu
com o boom da economia cafeeira e com o rush migratório – sem
precedentes na história do Estado do Paraná – do Pós-Segunda Guerra [...]
(ARIAS NETO, 1998: 269, grifo nosso).
Arias Neto (1998) diz que o exercício do poder pela elite local legitimava as
desigualdades sociais, através autoritarismo que se pratica pela exclusão da grande maioria
dos atores sociais do processo decisório.
A elite cafeeira, através de um projeto ordenador racionalista procurou
disciplinar o crescimento urbano através da hierarquização dos espaços
sociais e do controle dos conflitos, objetivando garantir a manutenção das
condições de reprodução do progresso. Ao contrário da idéia de Terra da
Promissão que se anunciava sob o pressuposto da igualdade, a
representação do Eldorado porta um sentido de legitimação das
desigualdades sociais (ARIAS NETO, 1998: 269).
Nelson Tomazi (1997) constituiu um trabalho que questionava a idéia de transição
entre a Terra da Promissão e o Eldorado. Segundo este autor, tais representações fizeram
parte de um conjunto de construções discursivas, que ele chama de Fantasmagorias,
utilizadas para construir uma versão do processo de (re)ocupação
*
de toda a região Norte do
*
Tomazi utiliza o termo (re)ocupação para definir o processo de colonização do Norte do Paraná como ocupação
de uma região já ocupada. Mesmo que os agentes colonizadores tenham insistido na idéia de pioneirismo, de
terem desbravado uma floresta inóspita e desabitada. Este pesquisador demonstra que este fenômeno foi
constituído a partir de um processo violento de entrada em um território que já era habitado por índios,
ribeirinhos, posseiros e outras populações sertanejas. Assim, para Tomazi, a (re)ocupação do Norte do Paraná foi
39
Paraná, não sendo exclusividade da cidade de Londrina, e não pertencendo a um período em
específico. Para Tomazi (1997), tais imagens fizeram parte da construção de uma história
contada pelos grupos dominantes da região, que buscaram engrandecer sua obra e perpetuar
seu domínio, apagando assim da memória da região a atuação de outros agentes, como as
classes populares e outros grupos marginalizados.
A discussão retratada até o presente momento se coloca, portanto, da seguinte forma:
poderíamos definir uma ruptura histórica em Londrina na década de 1940? Ou essa questão se
trata apenas de uma construção a posteriori feita para legitimar as aspirações políticas dos
elementos ligados à cafeicultura? Na presente abordagem, ressalta-se que a década de 1940
representou uma efetiva transformação na história da cidade de Londrina, como uma transição
da hegemonia entre a classe política e uma redefinição da própria identidade local.
1.3 – O surgimento de problemas e soluções urbanísticas
Em 06 de outubro de 1947, foi tomada a primeira medida urbanística efetiva pela
administração municipal de Londrina. Com o decreto de lei nº 159, o executivo municipal
publicava uma resolução através da qual proibia a abertura de novas áreas de loteamento
urbano nas adjacências da cidade, até que fosse aprovada uma lei que regulamentasse esse
comércio, bem como o zoneamento da cidade, o que acabaria ocorrendo apenas em 1951.
A imagem de crescimento harmônico se desfaz sob o impacto do
desordenamento causado pela explosão do progresso de (sic) fins dos anos
quarenta e início dos anos cinqüenta. De fato, o sítio urbano desagregou-se
com a proliferação de loteamentos clandestinos e os equipamentos públicos
tornaram-se insuficientes (transportes, comunicações, abastecimento e
energia elétrica). Os conflitos sociais agravaram-se com a presença de
milhares de pessoas que aportavam na cidade em busca da fortuna ou de
vida melhor (ARIAS NETO, 1993: 269).
Assim, a medida tomada pelo executivo municipal em 1947 não resultava de uma
atitude inconseqüente da administração municipal. Então, como explicar o porquê de um
prefeito proibir a abertura de novos terrenos urbanos diante do fluxo migratório avassalador
que adentrava à cidade diariamente?
Esta atitude possibilitaria a ampliação da arrecadação tributária do município, que via
o surgimento de novos loteamentos irregulares que não contribuíam com o fisco municipal. Já
os terrenos regularizados e ociosos no centro da cidade, não eram transformados em casas,
um processo de expulsão dos habitantes lá existentes, e de exclusão desses elementos dos relatos sobre a
colonização, ou seja, a formulação da história dos vencedores através da ocultação da presença dos vencidos.
40
prédios, enfim, não passavam pelos melhoramentos necessários, o que seria muito mais
interessante à administração municipal.
Apesar da medida ter enfrentado a resistência de muitos loteadores, que insistiam em
abrir novas áreas irregulares, o decreto também provocou a satisfação dos interesses dos
proprietários dos terrenos centrais, pois a falta de novos empreendimentos imobiliários em
número suficiente, entre 1948 e 1951, possibilitou o aquecimento do mercado de venda de
terrenos na área central da cidade, mudando a configuração paisagística da mesma.
Desta forma, a demanda crescente por reformulações na legislação resultou numa
medida ordenadora, de emergência. Observa-se o jogo de interesses que envolvia a questão
legislativa, e nota-se que aquela medida não tinha nada de fortuita. O decreto satisfazia os
interesses de grupos ligados à economia da construção civil, visto que a área central exigia
mais investimentos para a construção por parte dos compradores, o que não acontecia em
áreas irregulares, onde a autoconstrução prevalecia, com materiais precários. Além de revelar
a necessidade de enquadramento das preocupações com o espaço urbano como prioridade
para o poder público municipal, que até então se mostrava relapso em relação a tal questão.
Mas o cumprimento do decreto de 1947 dependeria da fiscalização do poder público, e a
prefeitura não dispunha do pessoal necessário a essa atividade.
Quando Hugo Cabral, eleito por uma aliança que agregava os interesses das elites
emergentes, assumiu a prefeitura em 1948, a preocupação não era apenas de fiscalizar o
cumprimento do decreto nº 159, mas também a constituição da nova Lei de zoneamento, que
seria aprovada quatro anos depois. Deve-se levar em conta que Hugo Cabral foi o primeiro
prefeito eleito por voto popular, depois de a cidade ter sido governada por prefeitos nomeados
por quase uma década. Assim, a legitimação da autoridade municipal não seria resultante
apenas de suas alianças políticas, mas também da própria aprovação popular.
Naquela época grande parte da população, especialmente os setores populares, estava
excluída dos processos decisórios e participava da política apenas nas estatísticas eleitorais.
Mas havia um grupo que tomava as rédeas da vida política, e por isso possuía um
determinado nível de legitimidade na direção do poder público local. Os sucessos desta
administração se tornariam o reflexo do próprio desenvolvimento econômico da cidade,
através do qual Londrina enriquecia e criava um clima favorável a políticas urbanísticas das
quais se alegava que a cidade carecia.
A década de 1940 significou muito para a história de Londrina, pois foi o período em
que ocorreu a transformação de uma planta urbana encravada no meio da mata, em uma
41
cidade efetivamente instituída. De um município governado por interventores nomeados de
fora, para uma administração eleita pela própria população. Do controle de uma Cia.
particular, para a gestão a partir dos interesses e uma parcela seus habitantes, um grupo que na
década seguinte consolidaria seu poder e seu projeto de hegemonia. A área urbana de
Londrina passou de aproximadamente dez mil habitantes no início da década, para mais de
quarenta mil ao seu final. Portanto, é preciso ressaltar que a falta de intervenção sobre a
ordenação do solo urbano durante quase toda esta década não foi resultante de alguma
imobilidade em relação à configuração sócio-espacial, mas sim, da falta de estabilidade das
administrações municipais, bem como da ausência de uma autoridade efetiva no poder local.
A eleição do fazendeiro Hugo Cabral, ao cargo de prefeito municipal em 1947,
consolidou a hegemonia dos elementos ligados à cafeicultura no controle das decisões sobre a
cidade ao final da década de 1940. Mas esta hegemonia não foi conquistada apenas através da
organização em torno das alianças políticas, foi também resultante da alta influência política
dos cafeicultores, visto que nessa época a relação campo-cidade era intrínseca. Não se pode
falar dos fazendeiros de café da época como uma classe exclusivamente rural, mas sim como
agentes sociais diretamente vinculados às questões urbanas.
A supremacia como maior região produtora de café do país, que há quase um século
pertencia ao estado de São Paulo, ia aos poucos sendo conquistada pela região Norte do
Paraná. Londrina começava a ser aclamada como a “Capital Mundial do Café”, pois se
transformava num grande centro de negócios, por onde passava toda a produção da região, e
se negociava o produto com os compradores em nível nacional e internacional. A exportação
do café injetava um montante extraordinário de capitais na cidade, que era transformado em
prédios, ruas, praças, avenidas, mansões, palacetes. A configuração da paisagem citadina se
transformava aceleradamente, a cafeicultura era o mote das metamorfoses urbanas, e os
cafeicultores ditavam o ritmo das transformações políticas.
A vinda de centenas de novos habitantes à região todos os dias, tornava a cidade
extraordinariamente movimentada, pois, tanto os que estavam de passagem, quanto os que
chegavam para ficar, ocupavam as ruas da cidade, lotavam os hotéis e pensões. Todos os dias
surgiam novos empreendimentos comerciais, bares, casas de Show, agências de negócios,
enfim, o cotidiano da cidade era conturbado, a movimentação constante. A administração
política corria para tentar coordenar todas essas transformações constantes pelas quais passava
Londrina ao final da década de 1940.
42
2 - PROGRESSO, MODERNIDADE E PLANEJAMENTO URBANO
2.1 - Um País moderno, uma cidade moderna.
A década de 1950 representou para o Brasil um momento ímpar. Em termos políticos,
o país confirmava a manutenção do processo democrático de escolha do governante, iniciado
com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas e as eleições diretas para a presidência. O fato
da eleição presidencial de 1950 ter sido vencida por Getúlio Vargas, aquele que havia
implantado uma ditadura 13 anos antes, era questionado pela elite Udenista que alegava que
tal fato poderia abalar as estruturas da democracia no país. Mas isto não ocorreu, e o período
democrático perduraria por quase duas décadas.
Mas não foi só na estruturação política que a década de 1950 representou uma
transformação histórica efetiva para o país. O período foi marcado pelas transformações
sócio-econômicas, advindas especialmente do modelo de industrialização baseado na
substituição de importações, e numa burocracia estatal bem mais estruturada pelos anos do
Estado Novo.
O país entrava na década que ficou conhecida como os “Anos Dourados”, quando os
setores econômicos nacionais, apoiados pelo nacional-desenvolvimentismo dos governos
Getúlio Vargas (1950-1954) e Juscelino Kubistichek (1956-1960), cresceram
vertiginosamente, gerando um processo de modernização e crescimento econômico dos
grandes centros produtivos jamais visto na história nacional.
Segundo Mello e Novais (1998), a população passou a constituir novos padrões de
consumo e sociabilidade, fundamentados nos valores e ideais importados dos grandes centros
do capitalismo mundial. A sensação era de que faltava pouco para que o Brasil se tornasse
uma nação moderna. Havia a empolgação generalizada com o desenvolvimento econômico, e
um otimismo, que na visão dos autores citados, foi marca característica daquele período, e
duraria até meados da década de 1960.
As transformações econômicas, pelas quais o país passava, levaram a população a
entrar em movimento, seja através da migração para as novas fronteiras agrícolas recém
abertas – Norte do Paraná, Goiás e Mato Grosso – ou então pela migração campo-cidade. A
princípio através da forte atração exercida pela promessa de riqueza das cidades em
desenvolvimento, mais tarde pela redução significativa da necessidade de mão de obra no
43
campo, com um processo de mecanização da agricultura e desaparecimento gradual dos
minifúndios (MELLO e NOVAIS, 1998).
A região Norte do Paraná entrou nesse processo como elemento fundamental, pois no
início da década de 1950 o principal produto de exportação nacional era o Café, e uma das
maiores regiões produtoras era justamente esta, e a principal cidade da região era Londrina. O
clima de otimismo com a modernização do país era sentido de forma muito intensa por parte
da população local. Modernização e desenvolvimento eram entendidos como elementos
constitutivos de uma nova sociedade, mais voltada para o mundo e para suas novidades.
Londrina era tratada por alguns de seus interlocutores, como portadora dessa
modernidade e, durante toda a década de 1950, isto viria a se mistificar sob a égide do
modernismo na arquitetura e no planejamento urbano. A presente análise busca compreender
como este ideal de modernidade foi utilizado de forma a justificar as medidas
intervencionistas sobre o espaço e a paisagem urbanos, partindo da análise do modernismo
como conceito, e do planejamento urbano como problema.
2.2 - Modernização, modernismo e modernidade.
A busca por analisar o contexto de planejamento e reflexão sobre a cidade, a partir do
conceito modernismo, não se trata simplesmente da reflexão sobre a constituição de
parâmetros racionalistas de formulação do espaço urbano. O modernismo trata-se de um
movimento complexo que contempla o progresso como finalidade essencial da humanidade,
buscando nesse processo a instituição de formas e padrões estéticos que contemplem esse
mundo novo e retilíneo, pensado e projetado para funcionar conforme a linearidade do
progresso.
Segundo Choay (1994: 08), essa forma de entendimento do espaço urbano se enquadra
nas perspectivas do chamado “urbanismo progressista”, uma corrente de pensamento que
privilegiava como lócus de sua ação a higiene, a racionalidade e a produtividade do espaço
urbano. Estes planejadores e pensadores do “urbanismo progressista” se opõem à chamada
corrente culturalista, que vê na cidade uma obra de arte única, que deve ser conservada em
sua essência e preservada como artefato da história humana.
Conforme constatou Baudelaire, (apud BERMAN, 1987) “o progresso é como o
escorpião que se fere com a própria cauda”, e se por um lado levou a humanidade ao auge do
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seu desenvolvimento tecnológico e econômico, construindo obras e sistemas jamais
imaginados anteriormente, também se efetivaram com este progresso as contradições sociais
que evidenciaram um mundo desigual, da exploração do homem pelo homem, da oposição de
classes sociais, das grandes disputas por poder que resultaram conflitos incomensuráveis,
destruindo milhões de vidas.
O progresso econômico compreendido como base fundamental para o avanço das
formas democráticas de organização política e social, tem resultado em contrastes sociais
jamais vistos. Para Berman (1987), que observa a cidade sob o ponto de vista culturalista, o
conceito de modernismo não pode ser, senão, a busca pela instituição da arte em meio ao
turbilhão de transformação das sociedades contemporâneas, que este estudioso denomina de
Modernidade:
Existe um tipo de experiência vital – experiência do espaço e do tempo, de
si mesmo e dos outros, das possibilidades e dos perigos de vida que é
partilhada por homens e mulheres em todo mundo hoje. Designarei esse
conjunto de experiências de ‘modernidade’. Ser moderno é encontrar-se
num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento,
autotransformação e transformação das coisas em redor, - mas ao mesmo
tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo que
somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras
geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, da religião e da
ideologia[...]. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade da
desunidade; ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente
desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia.
Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, ‘tudo
o que é sólido desmancha no ar (BERMAN, 1987: 16).
O que Berman buscou sintetizar é um conceito muito amplo e complexo, embasado na
visão da cidade como obra de arte, sem, com isso, negar seu presente histórico. Segundo
Choay (1994), o equívoco dos culturalistas é tratar a história de forma contemplativa,
remetendo-se ao passado das cidades, negando o valor estético, artístico e cultural da cidade
moderna, crítica que não se aplica a Berman. Segundo este pesquisador, a modernidade se
definiu pelos padrões de consumo e sociabilidade surgidos no século XVI com a expansão do
comércio marítimo europeu e a descoberta das novas terras além mar, e se acentuou com
força total a partir do advento da Revolução Industrial no século XVIII, na Inglaterra, que
ampliou a capacidade produtiva, acelerou os processos de transformação social, econômica e
política em nível mundial, criou novos padrões de organização e comportamento, expandiu a
mobilidade das populações e fez com que o mundo se urbanizasse, as distâncias diminuíssem,
e as desigualdades sociais se acentuassem.
45
As transformações sócio-econômicas vieram acompanhadas da mudança na
racionalidade. O crescimento contínuo da cidade fez surgir uma modalidade de ciência que se
baseava na racionalização da utilização dos espaços urbanos, bem como na definição de
setores e funcionalidades para cada região. O chamado “Urbanismo Moderno” foi então uma
modalidade de reflexão e planejamento das cidades que, surgido a partir de meados do século
XIX, passou a coordenar as intervenções sobre o espaço urbano de todas as cidades do mundo
capitalista.
Porém, estas intervenções urbanísticas sempre foram definidas a partir das premissas
de organização da sociedade de acordo com as determinações das necessidades do processo
produtivo. O capitalismo e os interesses da burguesia foram então os direcionadores das
políticas de intervenção urbanística.
Haussmann, que formulou e administrou um projeto de transformação de Paris em
meados do século XIX, é considerado um dos fundadores desse urbanismo moderno. Segundo
Berman (1987), quando Haussmann
[...] deu início aos trabalhos nos bulevares (grandes avenidas de Paris),
ninguém entendeu porque ele os queria tão espaçosos: de trinta a cem
metros de largura. Só depois que o trabalho estava concluído é que as
pessoas começaram a ver que essas estradas, imensamente amplas,
meticulosamente retas, estendendo-se por quilômetros, seriam vias
expressas ideais para o tráfego pesado (BERMAN, 1987: 153).
As intervenções de Haussmann no espaço urbano de Paris no século XIX foram
historicamente muito importantes, pois representaram a instituição do planejamento e das
intervenções urbanísticas como campos de atuação direta do poder público. A cidade se
tornou o espaço privilegiado de sociabilidade da burguesia, bem como território por
excelência do capitalismo.
Mas esta urbe moderna, a Paris do século XIX, abrigava as contradições que ainda
hoje povoam as grandes cidades do mundo todo: a luta de classes. Evidenciava-se assim o
conflito entre os privilégios de alguns beneficiários do sistema, e a exclusão de elementos
que, mesmo sendo impelidos para fora das cidades e do sistema permanecem em seus guetos,
em suas esquinas, mostrando, com sua presença, as contradições do sistema.
Berman (1987) traz à tona um poético e dramático relato das contradições dessa
cidade moderna. Trata-se de um dos poemas de Baudelaire, um poeta francês do século XIX,
intitulado “Os olhos dos pobres”. Neste trabalho, apresenta-se uma cena comovente e amarga
do encontro entre um casal de jovens burgueses, sentados no terraço, “em frente a um novo
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café, na esquina de um novo bulevar”. O detalhamento das novas obras urbanas que
formavam a paisagem em redor do casal apaixonado, como espetáculo da modernidade, é
interrompido pela presença de outros personagens. O casal que se olhava apaixonado percebe
o olhar de uma família de pobres, “vestida com andrajos – um pai de barba grisalha, um filho
jovem e um bebê”. A cena angustiante do encontro entre os olhos do casal burguês e os olhos
da pobreza representada naquela família, é assim definida por Berman:
[...] O que torna esse encontro particularmente moderno? O que o distingue
de uma vasta quantidade de outras cenas parisienses, que também falam de
amor e luta de classes? A diferença está no espaço urbano onde acontece
nossa cena: ‘No fim da tarde você quis sentar-se em frente ao novo café, na
esquina do novo bulevar, ainda atulhado de detritos, mas já mostrando seus
infinitos esplendores’. A diferença, em uma palavra, é o Boulevard: o novo
bulevar parisiense foi a mais particular inovação urbana do século XIX,
decisivo ponto de partida para a modernização da cidade tradicional
(BERMAN. 1987: 145).
Dessa forma, o que se retrata não é apenas o conflito de classes em meio às cenas de
modernização de uma cidade em processo de reformulação urbanística. Mas sim a própria
contradição interna de um sistema que transformou, em menos de dois séculos, toda a
paisagem mundial, que proporcionou a sua expansão por todos os cantos do mundo, que
provocou intensas mutações nas cidades tradicionais, assim como o surgimento de milhares
de novos centros urbanos, sem com isso ter conseguido sanar os problemas advindos da
distribuição desigual de renda, da exclusão das classes populares, do antagonismo entre os
desejos de racionalidade e funcionalidade dos planejadores urbanos e as necessidades das
classes menos favorecidas.
Uma outra experiência de modernização urbana que pode ser ressaltada foi a que
ocorreu no Rio de Janeiro, capital do Brasil, no final do século XIX. Naquela época, a cidade
era administrada por Pereira Passos, este prefeito tentou seguir a trilha de Haussmann e
ampliar a Avenida Rio Branco, no centro da cidade. No entanto, a região que precisava ser
desocupada para a ampliação da avenida era composta por vários cortiços, nos quais vivia a
população pobre, em especial ex-escravos e imigrantes europeus e árabes recém chegados ao
Brasil. As condições de moradia desta população eram precárias, e a administração pública
utilizou-se do argumento de que aqueles cortiços eram responsáveis pela propagação de
doenças naquela região da cidade. Alegando a insalubridade daquelas moradias, o prefeito
não tentou resolver o problema dos pobres, mas simplesmente ordenou que os operrários
avançassem com suas máquinas sobre aqueles casebres e os derrubassem, sem nenhum tipo
de preocupação com o destino dos moradores. Estes acabaram por utilizar os restos de
47
madeira da derrubada para construir suas casas nas encostas dos morros da cidade, formando
as conhecidas favelas cariocas (CARVALHO, 1987).
Este episódio sintetiza a forma como eram tratadas as classes populares no Brasil no
período pós-abolição, especialmente no que diz respeito ao destino dos ex-escravos nos
grandes centros urbanos. Uma postura autoritária seria que reproduzida em muitos outros
episódios da história nacional, não só na questão urbanísticas, mas em muitos outros conflitos
de interesses entre a “república oligárquica” e as classes populares. Após o Governo Vargas
esta postura se alteraria mas não deixaria de ter o caráter excludente das vozes populares, uma
espécie de tradição da cultura política brasileira.
A presente análise dará ênfase às questões sobre a forma como a intervenção sobre o
espaço urbano, praticada pelas autoridades locais, baseou-se em ideais racionalistas e
segregacionistas. A ação sobre o espaço físico se dava de maneira ideológica, tentando criar
uma cidade fundamentada nos padrões de sociabilidade e organização burgueses, impondo a
toda uma camada populacional pobre uma ordenação espacial que ia à contramão de muitas
das reais necessidades dessa população.
2.3 – Estado e legislação – uma análise teórica
*
O entendimento do conceito de Estado é fundamental no que tange a uma análise da
legislação como documento histórico. Uma vez que o texto legislativo é elaborado e
sancionado por representantes do poder instituído, a análise de sua formulação depende das
referências a partir das quais se compreende a sociedade capitalista e as funções do poder
público.
O Estado de direito moderno é historicamente recente, surgiu como instituição a partir
da Revolução Francesa, que derrubou o absolutismo e implantou um sistema de governo
baseado na representatividade dos cidadãos e facções de classe. As primeiras formulações
teóricas a respeito desta instituição surgiram antes mesmo dela surgir de fato, ou seja, o
Estado de direito moderno foi pensado antes mesmo de ser efetivamente instituído. Os
primeiros grandes teóricos do Estado moderno foram Hobbes, Locke e Rousseau. Cada um
*
As análises efetuadas neste tópico tomam como referência a aulas da Profª Drª Sônia Regina de Mendonça, do
Departamento de História da UFF – Universidade Federal Fluminense, ministradas no mês de Junho de 2006
para os alunos do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá.
48
formulou teorias próprias, que vieram a ser constitutivas das sociedades que seguiriam às
Revoluções Francesa e Industrial.
Segundo Thomas Hobbes, o Estado seria a instituição responsável por controlar a
sociedade conflituosa que se instituía com a ascensão do capitalismo. Assim, seria formulado
a partir do preceito básico de dar segurança aos membros de uma sociedade em que as
divisões de interesses e de classes tendiam à violência. O Estado seria a instituição portadora
da violência legítima, enquanto que as demais formas de violência seriam reprimidas por ele.
John Locke se preocupou com outra característica do Estado, pois para ele mais do
que a regulação dos conflitos, a obrigação do poder instituído era a de garantir a propriedade
privada e dar segurança aos cidadãos no sentido de não serem expropriados de seus bens,
garantindo seu direito à livre propriedade individual.
Jean-Jacques Rousseau, que participou do chamado movimento iluminista francês,
influenciou o processo revolucionário do final do século XVIII. Suas análises do contexto de
uma França pré-revolucionária, buscaram compreender a natureza do homem, que para ele
tenderia ser uma natureza boa, ao contrário do entendimento dos dois filósofos anteriormente
citados. Para Rousseau, o convívio social seria resultante de um contrato social, que
posteriormente tomaria forma no Estado Burguês formado a partir de 1789 na França.
Estes três pensadores formularam uma matriz de pensamento acerca do Estado que
viria a influir na teoria liberal. Para estes o Estado trata-se de uma instituição acima dos
interesses de classe, acima das particularidades de cada cidadão, que age no sentido de regular
os conflitos, formulando e aplicando as leis, e garantir a propriedade privada reprimindo as
transgressões dos limites instituídos.
O pensamento liberal se formulou no sentido de um método dito racionalista, que
entende a sociedade como uma soma de indivíduos que formam um todo, portadores de
direitos individuais que lhes garantem a participação. A crença na individualidade pura se
tornou uma premissa básica do liberalismo, através da qual o homem passa a ser entendido
como um ser natural e não um ser social, rompendo com a filosofia aristotélica que entendia o
homem como um animal político. Reformulando-se a questão do direito natural e partindo na
noção de indivíduo e não de coletividade. Uma falsa individualidade, uma vez que os gostos e
valores pessoais são condicionados pelo convívio em sociedade, criando a ilusão de uma
autonomia possível dentro da propriedade privada e da livre iniciativa, mas que são iniciativas
limitadas dentro de um contexto amplo.
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Este entendimento do homem indivíduo se formula na teoria “jusnaturalista”, que no
seu sentido clássico não isola indivíduo e sociedade, mas sim a estrutura a partir de
comunidades hierarquicamente instituídas, onde a diferença se torna uma premissa e a
igualdade uma transgressão. Formula-se assim uma ética do vencedor, onde a desigualdade
social seria entendida como natural. O liberalismo surge a partir deste “jusnaturalismo”, e
busca avançar no sentido de entender o homem como indivíduo puro, que só pode se
relacionar com a sociedade por meio de um contrato social, um pacto. Desta forma, o
liberalismo nega o homem como ser naturalmente social, sendo possível sua integração
apenas a partir do momento em que se insere nesta sociedade por meio do contrato, se
tornando assim um cidadão.
Os liberais avançaram no sentido de defender sua visão de sociedade como uma lei
geral que rege o comportamento humano em suas várias manifestações. Alegaram ter
descoberto, portanto, o caráter universal do comportamento humano. Os liberais passam a
tratar a lei como instrumento de conhecimento, e não como instrumento de coerção. Tentam
configurar objetivamente a ética, pressupondo a previsibilidade humana. Desta forma fundam
uma dicotomia entre Estado da Natureza e Estado Civil, sendo ambos excludentes, uma vez
que a integração do homem à sociedade o excluiria do estado natural.
Segundo o conceito liberal, o Estado torna-se necessário para governar os indivíduos
que por si só levariam a humanidade à autodestruição. O indivíduo deve abrir mão de sua
liberdade natural, e legitimar a tutoria do seu governante para garantir a sua liberdade social.
Mas o governante não tem seu poder garantido pela providência divina, e sim pela
legitimação daqueles indivíduos que abriram nome de sua liberdade natural em nome daquela
estrutura social. Neste sentido, o Estado seria uma instituição acima da sociedade,
governando-a e sendo por ela legitimado. O vínculo entre Estado e Sociedade se atualizaria
em dois momentos: por um lado pela escolha dos governantes e sua legitimação por parte dos
cidadãos; e por outro lado, no período de anarquia e/ou guerra civil, quando há uma ruptura
do pacto social, e quando se busca o estabelecimento de um novo contrato.
O homem entrega ao Estado a tarefa de governar seus direitos, sem passar por cima
deles, como acontecia no antigo regime. O estado institui o direito e julga o seu cumprimento,
através de um contrato de reciprocidade em que os indivíduos podem escolher o melhor
governo, e podem derrubar o que não lhes convém, entretanto esta atuação da sociedade não
pode romper os limites do contrato social.
Esta visão do Estado como agente de conciliação, como todo poderoso e acima dos
50
interesses de classes passou a ser questionada a partir das filosofias de Hegel e Marx. O
conceito de dialética, de auto-superação através do conflito, passou a reconhecer a diversidade
de interesses dentro da sociedade civil, e como seus membros competem para controlar a
política. Desta forma, não existiria um interesse individual a priori, pois toda a existência
humana volta a ser considerada como uma vivência política, e o homem como indivíduo
deixa de ser considerado. Especificamente em Marx, a vivência coletiva dos indivíduos se
processaria no campo da produção de mercadorias, não se enquadrando o entendimento dos
interesses individuais sem compreender sua situação dentro de uma classe social.
O trabalho de Antônio Gramsci (1978) deriva da matriz hegelo-marxista. Este teórico
se inseriu no quadro de discussão sobre as relações de poder e de classe que se estabelecem no
mundo capitalista e como a ação popular, a organização operária partidária e sindical,
poderiam superar o capitalismo que se edificava na Itália no início do século XX. Para este
intelectual, a luta dos operários italianos tinha duas frentes naquele momento, por um lado o
enfrentamento da burguesia industrial, por outro a conquista dos camponeses meridionais para
a causa operária. Desta forma, aproximando-se mais de Hegel que de Marx, Gramsci entende
que a centralidade da cultura seria primordial para o entendimento das relações sociais que se
estabeleciam naquela sociedade, uma vez que a agregação dos camponeses à causa operária se
faria através de uma “associação cultural”, e não de uma conquista política ou de outra
natureza.
Desta forma, para Gramsci, Estado e sociedade civil não seriam elementos intrínsecos,
mas faces de uma formação social existindo paralelamente, processando lutas intrínsecas e
extrínsecas. A sociedade civil, formada por várias classes sociais com interesses distintos,
estaria em permanente litígio pela conquista do Estado. A hegemonia de uma das classes se
formaria quando associasse a conquista política do Estado com o controle cultural da
sociedade civil, através de um consenso. Foi isto que os liberais tentaram fazer quando
criaram um conceito de Estado como onipotente e natural, ou seja, buscaram incutir na
sociedade civil a sua submissão e o entendimento daquela realidade enquanto algo dado,
atemporal e natural.
Segundo Gramsci, ao lado do sistema coercitivo, o Estado desenvolve o sistema
ideológico representativo da classe no poder. Este sistema ideológico se formula a partir da
constituição de aparelhos privados de hegemonia, que seriam os divulgadores das idéias
dominantes e educariam a sociedade para a naturalização da ideologia dominante. Estes
aparelhos se instituiriam a partir de escolas, igrejas, instituições, jornais e outros meios de
51
comunicação, ou seja, toda uma gama de entidades encarregadas de defender valores e
divulgar ideais inerentes aos interesses da classe dominante.
Por enquanto, pode-se fixar dois grandes ‘planos’ superestruturais: o que
pode ser chamado de ‘sociedade civil’ (isto é, o conjunto de organismos
chamados comumente de ‘privados) e o da ‘sociedade política ou Estado’,
que correspondem à função da ‘hegemonia’ que o grupo dominante exerce
em toda a sociedade e àquela de ‘domínio direto’ ou de comando, que se
expressa no Estado e no governo ‘jurídico’. Essas funções são
precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os
‘comissários’ do grupo dominante para o exercício das funções subalternas
da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso
‘espontâneo’ das grandes massas da população quanto à orientação
impressa pelo grupo fundamental dominante, à vida social, consenso que
nasce ‘historicamente’ do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo
dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo da
produção; 2) do aparato de coerção estatal, que assegura ‘legalmente’ a
disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente,
mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de
crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo
(GRAMSCI, 1991: 13-14).
Pode-se concluir, a partir das afirmativas de Gramsci, que a sociedade vive sob um
conjunto de regras ditadas pelas classes dominantes, executadas pelo poder estatal e
disseminadas pelos aparelhos privados de hegemonia. Neste caso, a legislação é entendida
como resultante desta combinação de fatores: interesses da classe no poder, legitimidade dos
governantes para implantá-las e sua justificação e fundamentação perante a sociedade através
dos aparelhos privados de hegemonia. A análise sobre a documentação legislativa prescinde
da observância da conexão de cada um destes fatores numa realidade e num período
determinados.
Não se pode deixar de entender que as coisas não fluem com uma linearidade absoluta,
como às vezes acaba-se interpretando. Mesmo no seio da classe dominante os interesses
podem divergir, a legitimidade dos legisladores pode ser questionada e os aparelhos de
hegemonia podem não dar conta de fundamentar as medidas de regulamentação da sociedade.
Ou seja, a legislação é entendida como resultado de uma sociedade em conflito, onde o grupo
que possui a hegemonia busca se manter no poder através da regulação social, entretanto não
se pode acreditar que suas medidas serão sempre pontuais e eficazes, pois na maioria das
vezes envolvem todo um conjunto de fatores complicadores, que revelam como a sociedade
capitalista está em constante litígio.
52
2.4 – A legislação urbanística: modernização e segregação sócio-espacial
No início da década de 1950, em Londrina, era urgente a instauração de uma lei que
regulamentasse a ocupação do solo urbano, bem como a infra-estrutura e os equipamentos
necessários à sua ordenação, para que as áreas periféricas da cidade não continuassem sendo
ocupadas desordenadamente sem nenhum tipo de regularização. A princípio, este discurso
parece um lugar comum, uma evidência surgida das necessidades reais de um espaço urbano
em crescente ampliação. E não há como negar o fato de que a configuração urbanística de
Londrina se tornava uma preocupação constante das autoridades locais, dentro do processo de
acelerado crescimento econômico, espacial e demográfico.
O que se pretende evidenciar é que a relação entre aquilo que é definido como
prioridade nos projetos urbanísticos elaborados pelo poder público, ou por técnicos a seu
serviço, não depende somente das reais necessidades de infra-estrutura e regulamentação que
se manifestam nestes espaços. Quando foi colocado em pauta um projeto de ordenação da
cidade, entrou em cena um jogo de interesses que vai muito além da reivindicação de infra-
estrutura por parte dos moradores de determinadas regiões, e também é muito mais profundo
do que simplesmente a questão dos interesses do setor administrativo em aumentar o fluxo de
caixa com a tributação de áreas antes não abarcadas pelo fisco municipal.
Se estas questões são explicitadas como elementos decisivos para a aprovação dos
projetos, e são utilizadas como justificativa de sua aplicação em forma de legislação, por parte
daqueles que aprovam estas leis, isto pode ocultar muitos dos interesses envolvidos na
elaboração de seus artigos, na definição de seu conteúdo, na satisfação dos desejos e ambições
dos grupos diretamente ligados ao poder, que lutam pela configuração, na medida do possível,
de uma cidade de acordo com suas aspirações.
A análise da legislação urbanística exige dois patamares de investigação: por um lado,
a questão ideológica, ou seja, aí entra a questão: o que direciona a formulação de planos de
zoneamento da cidade, a segregação dos espaços e a definição da racionalidade e do
funcionamento do espaço urbano? Por outro lado, temos a própria existência da urbe como
um espaço de congregação de indivíduos reais, com necessidades e desejos, que transpõem
muitas vezes aquilo que é previsto pelas teorias. Em outras palavras, o conhecimento técnico
em suas raízes filosóficas e formulações a priori, não pode se transformar em leis, em obras,
em programas assistenciais, sem confrontar-se com a situação da cidade, com a existência de
53
setores da população sem condições financeiras e estruturais para satisfazer o que geralmente
é idealizado pelos legisladores.
É problemático colocar em prática um projeto urbanístico a partir de parâmetros
filosóficos que vão à contramão das necessidades da população, pois se constitui um quadro
instável, e surge a questão formulada por Bernard Légé:
Os instrumentos utilizados pelo Estado parecem, por vezes, estar
fundamentados na idéia de que eles poderiam ‘mudar a vida mudando a
cidade’. No entanto, a questão das finalidades continua sem resposta. As
políticas do Estado fazem parte de uma filosofia ou são, na verdade, a
expressão de idéias claras sobre a cidade, seu futuro, sobre o acesso das
camadas menos favorecidas à moradia, enfim, sobre a tomada de
consciência da pobreza na cidade? (LÉGÉ, 1999: 16).
É importante entender os questionamentos acima formulados, pois eles chamam a
atenção para o fato de que as medidas de transformação do espaço urbano, muitas vezes, vêm
carregadas de idéias não experimentadas, de valores e ideais que na prática não resultam em
melhorias efetivas à vida da população, apenas satisfazem aos ímpetos daqueles que
formularam tais determinações.
Segundo Raquel Rolnick (1988), a ordem idealizada nos projetos de intervenção
urbanística,
[...] é antes de mais nada um modelo que a classe dominante estabelece para
si mesma e que pressupõe e propõe uma absoluta homogeneidade social.
Assim a diferença é considerada desvio e transforma-se imediatamente em
‘objeto de intervenção’. Um poder urbano que intervem diretamente na vida
dos habitantes é posto então em funcionamento. Este poder agirá
basicamente de duas formas: através de um discurso que estabelece o
modelo de cidade e cidadão, e através de intervenções diretas. A eficácia do
discurso está na estigmatização de certos grupos sociais e
consequentemente – pela via de condenação de suas ações – na reificação
da ordem urbana dominante (ROLNICK, 1988: 79-80).
Quando Rolnick trata da ordenação da cidade como ação de uma classe dominante,
que cria padrões ideais de organização, que congregam seus interesses em detrimento do
restante da população, criando mecanismos para reafirmar esta ordem como um projeto
amplo, que interessa a todos, e estigmatizando grupos sociais avessos a essa ordem, ela coloca
em evidência a questão dos interesses diretos de um grupo no poder. Trata-se, portanto, do
projeto de hegemonia que a classe dominante tenta consolidar através da busca pela
universalização de seus interesses e da exclusão daqueles que são contrários a esta postura e
que não se enquadram nos padrões pré-estabelecidos.
Em outro trabalho, Rolnick (1999) analisa o reverso da questão. Observando o espaço
54
urbano de São Paulo, a pesquisadora nota uma marca histórica de 70% da cidade construída
sobre loteamentos não legalizados em sua época de instalação. Ou seja, a legislação urbana
cria vários mecanismos de ordenação e coerção das classes subalternas, evidenciados na
legislação urbanística, entretanto esta mesma legislação não é colocada totalmente em prática
quanto aos loteamentos populares, criando-se o binômio “Cidade Legal / Cidade
Clandestina”.
Quer dizer, a idéia que está colocada aqui é que se tem a legislação e a sua
história, que se tem um pacto territorial paralelo à própria legislação, que
admite que existam coisas irregulares, ilegais, e até destina determinados
espaços da cidade – normalmente os espaços mais desqualificados,
distantes, desurbanizados, longínquos – para essas coisas ilegais
acontecerem. E que esse é um pacto que, ao mesmo tempo, permite que a
maior parte das pessoas resolva o seu problema de moradia por sua
própria conta e, ao assim fazer, não tensiona todo o esquema político
de dominação (ROLNICK, 1999: 140, Grifo Nosso).
De um lado há o espaço das classes média e alta, devidamente regularizado, com todos
os equipamentos e infra-estrutura necessários. De outro, a cidade das classes populares,
clandestina, edificada a partir de um processo denominado por Kowarick e Bonduki (1988)
como “Laissez-faire” urbano, um processo em que grande parte da cidade é construída sem o
mínimo de regulação pelo poder público, a partir do princípio da autoconstrução por etapas
das residências. Neste caso, os melhoramentos urbanos são instalados a posteriori,
demonstrando como o espaço das classes populares se torna elemento importante da política
urbana.
A partir da visão de Rolnik, a “cidade clandestina” surge como uma transgressão
consentida, ou seja, apesar de saber da existência da mesma, a classe no poder não toma
atitudes veementes contra ela, pois sabe que a satisfação das exigências legislativas por parte
desta população é praticamente impossível e impensável, e uma ação nesse sentido se tornaria
um choque inconseqüente contra esta população. Para Kowarick e Bonduki, o “Laissez-faire”
foi produto de um período político que eles chamaram de populista, onde a existência de uma
grande faixa de espaço urbano carente de melhoramentos tornava possível a ação de políticos
que faziam carreira nestes setores, jogando com as necessidades populares e angariando votos
a partir de promessas de investimentos neste setor.
Durham (1988) apresenta resultados muito relevantes de uma pesquisa sobre as
periferias da grande São Paulo e de mais três cidades médias do estado na década de 1980.
Este trabalho demonstra como a noção de um espaço urbano precário e marginal, onde a
população pobre se instala e passa a lutar por melhorias junto à administração municipal, é
55
uma lógica interiorizada na própria cultura dos habitantes pobres destas cidades. Ou seja, a
população das periferias acha normal a existência de áreas urbanas não adequadas às
exigências da legislação vigente, e a gradual instalação de melhorias – asfalto, luz elétrica,
água encanada, esgoto, postos de saúde, escolas, transportes, entre outras – é vista como
progresso, como melhoria das condições de vida. Enfim, as classes populares interiorizam
estas práticas como inerentes à própria existência da cidade.
As relações que definem a configuração de uma cidade são amplas, envolvem uma
complexidade que abrange não só as questões internas, vinculadas aos grupos sociais que a
compõem, mas também transformações e crises econômicas, determinações dos governos
estadual e federal, movimentos migratórios, instabilidades sociais, e toda uma gama de fatores
externos que influem na situação interna. São experiências de luta, negociação e acomodação
que vêm à tona quando os textos legislativos são elaborados.
A Lei nº 133 de 1951, foi aprovada pela câmara de vereadores de Londrina e
sancionada pelo gestor municipal em 7 de dezembro daquele ano. A partir desta lei, a
prefeitura poderia contar com um instrumento efetivo de ordenação da cidade, através da
regulamentação das exigências para os novos loteamentos e arruamentos na cidade, bem
como da criação de um plano específico de zoneamento.
Como suas determinações eram onerosas aos loteadores e demais investidores do
mercado imobiliário, que estavam acostumados com o lucro certo e exacerbados do negócio,
não demorou a surgirem protestos, e a oposição se organizou no sentido de derrubar a recém
sancionada lei.
O jornal Folha de Londrina era o espaço de debate público sobre a Lei, no entanto a
linha editorial do jornal era claramente favorável ao gestor municipal:
[...] realizou-se já ontem o célebre ‘comício monstro’[...]. Ficou bem claro o
objetivo desse comício, pela simples enumeração dos que repetindo a velha
e cansada tecla de ‘na defesa dos sagrados interesses do povo’ virem à praça
pública, num comício financiado por interessados em loteamentos
clandestinos, pregarem a revogação pura e simples de uma lei hoje
conhecida em todo o Brasil, da qual, vem sendo insistentemente solicitada
cópia, por inúmeras prefeituras do interior de S. Paulo, para a sua aplicação
nos respectivos municípios.
O que essa gente procura é na verdade fazer demagogia política, alguns, e
outros defender heroicamente seus interesses, porque nós sabemos e como
nós a camada esclarecida da população londrinense, que loteamento em
Londrina é hoje o melhor negócio do mundo [...]. Estamos dispostos a
revelar a (sic) público a origem da fortuna de alguns dos que andam a
pregar a derrocada da lei 133, para continuar auferindo as custas do povo,
lucros inconcebíveis em qualquer lugar do mundo (FL, Demagogia e
Interesses, 14/05/1952: 01, Grifo Nosso).
56
Com esta postura, o jornal era acusado de se tornar partidário, e tentava se defender
alegando que estava a favor do interesse público, que suas boas relações com a UDN não
tiravam o caráter independente e imparcial da Folha:
Várias vezes já foi dito e hoje repetimos, ‘Folha de Londrina’ é um órgão de
imprensa absolutamente independente e não está ligada a partidos ou
entidades. Seus diretores, como quaisquer cidadãos brasileiros, no gozo de
seus direitos políticos, estão integrados no partido de suas preferências e
nunca procuraram saber a que partidos pertencem os seus redatores ou
funcionários. Muito nos honramos da amizade dedicada a esta casa pelos
ilustres srs. Hugo Cabral e Milton Ribeiro Menezes e bem assim, de todos
os integrantes da UDN Municipal, Estadual e Federal e de muitos outros
partidos políticos integrados em diferentes agremiações partidárias que
sempre nos honraram com a sua estima (FL, O comentário do dia,
14/05/1952).
Obviamente o discurso de independência do jornal era um meio de não perder seu
mercado consumidor que era variado e não apenas de eleitores e membros da UDN. Ainda
assim, para tentar mostrar uma face democrática à sua linha editorial, o jornal lançou uma
série de entrevistas com os vereadores do município, sendo que durante vários dias
consecutivos foram publicadas as respostas destas autoridades às seguintes perguntas: “Qual
sua opinião sobre a Lei 133? Qual sua opinião sobre a agitação a respeito da Lei 133? Você
tem alguma emenda à Lei 133?”
Estas perguntas eram respondidas de acordo com a opinião de cada vereador, desde
aqueles da situação, que elogiavam o texto legislativo, passando pelos mais moderados que
alegavam que não tinham conhecimento técnico para questionar as determinações da lei que
haviam sido planejadas pelo engenheiro paulista Francisco Prestes Maia, até os mais
exaltados, que tinham opiniões enfáticas e questionavam seriamente a aplicabilidade da lei.
Entre as opiniões, o que parece ter sido um consenso foi o fato de quase todos os
vereadores terem concordado em formar uma comissão especial para debater a lei, e que todos
alegavam que havia pontos que deveriam ser alterados. Assim, o descontentamento dos
interessados no jogo econômico que representava aquela legislação surtiu efeito, tanto que
não houve vereador que negasse a possibilidade de revisão da lei, entretanto, não
concordavam com a sua revogação completa, como era exigido pelos mais afoitos.
Segundo o Vereador da situação Casemiro Almeida Machado:
Como toda lei, (a nº 133 também) é susceptível de alteração. Como se trata
de uma lei de grande e vital importância para o nosso município, é possível
que não tenha agradado, no seu todo, a muitos. Sabemos perfeitamente que
os loteadores que adquiriam determinadas áreas de terras a preços
relativamente baratos, auferiram, depois, com o loteamento das mesmas,
57
elevadas margens de lucros, sem preocupação de oferecer aos adquirentes,
as mínimas garantias de habitabilidade e conforto [...] (FL, O que pensa
sobre a Lei, 14/05/1952: 01).
Já o vereador Dr Walter Pereira era mais moderado:
Eu tenho evitado comentar esta lei, porque esta lei é profundamente técnica
e, se é verdade que eu entendo um pouco de medicina, de engenharia eu não
entendo nada. E de engenharia urbanística, nada, nada. [...] É um direito que
assiste a qualquer cidadão, agitar os problemas de maneira que, ou lhe
convenha, ou de acordo com seu grau de cultura, o seu temperamento e a
sua maneira de encarar as suas responsabilidades em face de seus
concidadãos. (FL, O que pensa sobre a Lei, 15/05/1952: 01).
Ulisses Xavier da Silva também seguia a linha branda, mas não se eximia de comentar
o conteúdo da lei:
A lei é boa. Reconhecemos, no entretanto, que na prática, muitos dos seus
artigos deixam algo a desejar, e por isso, sou favorável à uma revisão, na
parte que me parece não aplicável às condições de nossa cidade. [...]
Acredito que seja desnecessária a agitação que se faz em torno da referida
lei, em face da própria decisão da câmara, constituindo uma comissão
especial para reexame da mesma. Os vereadores saberão como encontrar a
solução que melhor consulte aos interesses do povo. (FL, O que pensa
sobre a Lei, 16/05/1952: 01).
Saulo Ribeiro, da UDN, defendia a aprovação da Lei nº 133/51, e não economizava
elogios ao seu conteúdo e crítica a seus opositores:
A lei 133 vem regular um assunto de relevante importância para nossa
cidade, cuja falta já estava se fazendo sentir. O mérito da lei é indiscutível.
Os benefícios que ela trará para Londrina são incalculáveis. O tempo dirá
do acerto de sua aprovação. [...] Julgo simplesmente desnecessária essa
agitação provocada por alguns, entre os quais, se imiscuíram alguns
interessados na revogação da Lei, visando interesses personalistas (FL, O
que pensa sobre a Lei, 18/05/1952: 01).
O Petebista Dr. José de Queiroz defendia a lei e minimizava as manifestações de
descontentamento:
A finalidade da Lei é ótima, pois trata do crescimento arquitetônico da
cidade. [...] Em vista da expansão desordenada da cidade e construção de
vilas, sem princípios de urbanização, precisa haver modificação na lei, para
adaptação do que já existe. [...] Prefiro não comentar sobre essa agitação,
pois a sua origem ainda não está definida. Os leigos na matéria, por
exemplo, dizem absurdos que não constam na mesma e não tem
fundamentos (FL, O que pensa sobre a Lei, 20/05/1952: 01).
Enquanto José Maurício Barros, do PR, que apoiava a necessidade de tal legislação,
defendia a atuação do movimento dos descontentes:
Eu acompanho a opinião dos meus pares, isto é, a lei, em princípios, é boa.
[...] Há, no entanto, diversos artigos que jamais se adaptam à cidade [...]. O
58
povo recebeu de sopetão, uma lei que veio modificar completamente a
rotina de suas construções e daí essa reação imediata (FL, O que pensa
sobre a Lei, 21/05/1952: 01).
O Petebista Dr. Ammon Saraiva demonstrava o que considerava falho na legislação:
A lei 133 é necessária. No entretanto, é necessário que se façam algumas
modificações [...]. É natural em vista do povo não estar bem esclarecido,
desconhecendo o significado exato de muitos de seus artigos, devido a
redação dos mesmos [...]. É incontestável a capacidade urbanística do
grande engenheiro patrício Prestes Maia, no entretanto (sic), S. S. pecou na
parte jurídica (FL, O que pensa sobre a Lei, 22/05/1952: 01).
Quem demonstrou a maior combatividade à lei, se revelando uma das principais
referências do movimento opositor foi Dr. Aristeu dos Santos Ribas, este claramente defendia
interesses do grupo imobiliarista, e levava a público sua postura:
A lei 133, inclui duas situações que ao meu parecer devam ser revogadas. A
primeira, no que concerne ao ônus total da urbanização a cargo dos
proprietários de lotes ou datas. No meu modo de pensar o ônus da
urbanização deve ser dividido em três partes, cabendo duas aos referidos
proprietários e uma à municipalidade. O segundo ponto de crítica à lei 133 é
o que diz respeito ao zoneamento e conseqüente invasão de propriedade
privada. Segundo as nossas leis, o direito de propriedade é fundamental e
além das exigências de saúde pública e segurança, e excepcionalmente o
caso de desapropriação para utilidade pública, mediante prévia indenização,
ele não poderá sofrer limitações. [...]. Como já é de conhecimento público,
há um inquérito parlamentar para se apurar o descontentamento do povo, e
faço parte dessa comissão. Somente após colher informes concretos, junto
ao povo, poderei me manifestar nesse sentido [...] (FL, O que pensa sobre a
Lei, 24/05/1952: 01. Grifos Nossos).
Pelo que se pode ver, a postura em relação à lei dependia muito mais da opção política
de cada entrevistado, do que realmente de seu conhecimento técnico em relação ao
planejamento e organização da cidade. O que estava em jogo eram os interesses de lucro dos
agentes imobiliários que, em nome do povo, atacavam a legislação e combatiam a
administração municipal. O prefeito e seus partidários rebatiam as acusações argüindo que as
medidas eram necessárias, para que a cidade continuasse a crescer, pois um espaço urbano
bem planejado poderia atrair novos moradores e investidores que contribuiriam para o
progresso. Além disso, o prefeito tachou os opositores de “inescrupulosos”, pois estes
estariam colocando sua “ganância” acima das necessidades “reais” da cidade.
No entanto, em nenhuma das posições apresentadas observou-se uma voz que
efetivamente representasse as aspirações populares, uma vez que o povo era apenas um
elemento importante na retórica entre situação e oposição, entre os interesses de ordenação
por parte das autoridades e os interesses de lucro por parte dos seus antagonistas. O debate foi
59
levado a público, mas estava circunscrito entre as vozes dos políticos que representavam uma
ou outra posição, sendo que nenhuma das duas pudesse ser considerada como advinda do
“povo”.
O que fica claro, ao observar as declarações dos vereadores entrevistados, é que o
comércio da terra na área urbana de Londrina era um negócio rentável e que era amplamente
praticado, mesmo sem uma regulamentação oficial. Desta forma, a busca da autoridade
municipal era conter os excessos, uma vez que sem esta regulamentação a população pobre
acabava sendo sujeitada à ação de agentes imobiliários mais interessados em lucros imediatos
do que em fornecer alguma infra-estrutura básica aos compradores dos lotes, especialmente
nas áreas populares, mais propensas a serem submetidas a esta lógica.
Havia um ponto que parecia ser lugar comum no discurso das autoridades, seja da
situação quanto da oposição, que era sobre a necessidade de modernização, racionalização e
ordenação do espaço urbano, a partir dos moldes de um urbanismo modernista e excludente.
Para se ter uma idéia dos parâmetros utilizados para a gestão do planejamento urbano de
Londrina, note-se que:
[...] Para elaborar o plano urbanístico, [...], foi contratado o engenheiro
Francisco Prestes Maia, que havia elaborado o Plano de Avenidas para São
Paulo, em 1930. O plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas, entre
1934 – 1938 e nomeado o prefeito (interventor) de São Paulo entre 1938 –
1945. [...] A cidade nova (Londrina), sem referencial histórico próprio e
com grande potencial econômico, adota o moderno como meta, o moderno
como progresso, sendo São Paulo, seu espelho, a imagem visível ao
forasteiro – pela verticalização, as grandes avenidas, o dinamismo, a
transformação (LIMA, 2000: 133).
Fausto Lima, analisando o caráter do modernismo empregado na ordenação de
Londrina na década de 1950, demonstra como os planejadores da cidade entendiam-na como
uma futura metrópole, comparada a outras cidades em franco processo de expansão, tanto que
não foi por acaso que o nome do engenheiro paulista Prestes Maia foi escolhido para dar
direcionamento à implantação da legislação em questão. A retórica da modernidade era
utilizada para justificar as atitudes excludentes da legislação em relação às classes populares.
As utopias modernistas, porém, tiveram vida efêmera, malogrando com a
entrada na cidade de grandes levas de trabalhadores rurais e migrantes de
origens diversas. Associada à utopia da criação de uma cidade moderna, que
não se diferenciou dos parâmetros sociais e políticos das muitas cidades
médias e grandes brasileiras, houve a implantação de uma política urbana
de natureza pragmática, de controle social, de profilaxia urbana e de
‘moralização’ ampla dos costumes dos populares. Como a burguesia
européia, a elite local – os novos ricos – criou mecanismos para definir e
distinguir-se socialmente, bem como delimitar seus espaços e conteúdos,
60
isolando e controlando as sobrevivências concretas das contradições e
incongruências do fantasmagórico progresso, tais como a pobreza, a
prostituição, o jogo, a mendicância, etc (CASTRO, 1994: 43).
Houve um projeto de lei, em meados de 1952, que propôs a revogação da lei nº 133/51
e foi aprovado na câmara, mas um veto do prefeito impediu que a medida fosse implantada.
Esse jogo político entre situação e oposição, entre os interesses de lucro dos loteadores e a
necessidade da prefeitura em tributar e ordenar a cidade, promovia um debate aberto ao
público que não escondia de ninguém que a lei era controversa.
Alguns órgãos de imprensa eram favoráveis elogiavam a Lei como elemento
importante na ordenação do crescimento e modernização da cidade:
A alta dos preços do café nos últimos anos operou uma grande
transformação na fisionomia da cidade. A febre de construção e a expansão
da cidade que se fizeram sentir sempre de maneira intensa acentuaram-se,
principalmente, a partir de 1948. [...] Quem viu Londrina em 47 e 48, e a vê
novamente agora, surpreende-se com seu progresso e a sua expansão.
A cidade hoje não só cresce verticalmente como avança pela periferia,
conquistando os cafezais circundantes, que cedem lugar a modernos bairros
residenciais. [...] Baseados nos dispositivos dessa lei (lei nº 133) os bairros
que surgem nas adjacências, trazem características urbanísticas bem
definidas pois são projetados levando em consideração não só a topografia,
como a zona em que se localizam e o seu entrosamento com a cidade
[...] (RAP, A transformação da fisionomia de Londrina nestes últimos 5
anos, maio/ junho de 1953, n 14 – Grifo Nosso).
O que se discutia a respeito da legislação era o impacto econômico que ela teria sobre
determinados setores da sociedade, mas jamais se discutia a fundamentação ideológica de seu
texto e como o planejamento urbano moderno viria influir na vida social e cultural das
pessoas da cidade. Ou seja, a importância da questão econômica era colocada em foco, sem se
discutir como a vida das pessoas seria efetivamente atingida pelas determinações legislativas.
O próprio destaque que a matéria acima referida dá à questão da localização dos
bairros, se refere às determinações da lei nº 133/51, que segregavam a cidade em zonas
residenciais, de acordo com o valor e dimensão espacial dos terrenos, provocando assim a
distribuição populacional em setores socialmente definidos. Essa segregação, que parece
natural aos olhos do jornalista que produziu tal matéria, é problemática do ponto de vista da
democratização da divisão do solo urbano. Segundo Sônia Adum:
[...] a conclusão importante a ser tirada é que, mais que o parcelamento do
solo e de sua constituição enquanto espaço possível de ser ocupado pela
população de forma confortável e digna, o conteúdo da lei está muito mais
voltado – e é mais eficiente - para concretizar o controle deste mesmo
espaço urbano. Em primeiro lugar, promove uma redistribuição espacial das
atividades; em segundo, segrega a população em territórios delimitados de
61
modo classista. Cumpre salientar que a cidade que se vangloriava de não
apresentar desigualdades sociais, assume as diferenças em sua própria
legislação. [...] A lei 133 planeja a espacialização das atividades em zonas
urbanísticas, ou seja, o Poder Público passa a deter, a partir deste momento,
um mecanismo para a orientação e controle do crescimento urbano (1991:
189).
Conforme Adum (1991), a Lei nº 133/51 foi aprovada com base nas diretrizes
urbanísticas em voga na época, sendo a cidade classificada em setores, em regiões definidas
de acordo com o custo e infra-estrutura dos lotes, o que possibilitava às classes dirigentes a
pré-definição dos espaços privilegiados para seus investimentos imobiliários, enquanto às
classes populares restariam os bairros mais distantes e precários, aos quais teriam condições
de pagar.
Entretanto, o que se aponta é que o entendimento elitista de sociedade era refletido no
texto legislativo. A lei nº 133/51 não partia do pressuposto de que a cidade era um espaço
diversificado, povoado por habitantes advindos de várias origens territoriais e culturais
distintas, anteriores à sua chegada em Londrina. O que a lei apresentava era uma pré-
classificação da cidade através de parâmetros puramente economicistas, ignorando as várias
formas de auto-ordenação dos grupos sociais.
Não se pode negar a possibilidade de que determinados grupos sociais que se
instalassem na cidade pudessem procurar espaços de moradia a partir de vínculos de
parentesco ou outros laços de identidade. De uma certa forma, mesmo com uma lei impositiva
de espaços socialmente pré-definidos, era possível que houvesse esforço de identidade entre
os grupos de migrantes e imigrantes que chegavam à cidade. Este foi o caso do patrimônio do
Heimtal, que surgiu numa região afastada da cidade, a partir de um núcleo colonizador de
origem alemã, e com o tempo foi procurado por outros grupos de imigrantes europeus,
constituindo um espaço diferenciado da cidade, pela origem étnica dos moradores, e não
propriamente pela sua condição social (ALMEIDA, 1997).
Veja-se os seguintes trechos da lei nº133:
Art. 16. Nos grandes arruamentos e na criação de novos núcleos urbanos,
aplicar-se-ão, conforme as circunstâncias, as idéias das "unidades
residenciais" (Neighbourhoog - unit), cidades-jardins, bairros-jardins,
cidades lineares e outras concepções urbanísticas referentes a organização
e conjuntos.
Art. 20. São da responsabilidade dos proprietários - arruadores, além das
de terraplenagem, escoamento pluvial, drenagem, regularização de cursos
d'água, as despesas para obras e instalações locais complementares do
arruamento, consideradas essenciais à habitalidade dos mesmos, a saber:
abastecimento de água, esgoto sanitário, pavimentação e guias,
62
arborização e iluminação.
Como se pode notar, o Artigo 16 explicita a orientação teórica dos formuladores das
leis, sendo que estas concepções não refletem senão uma filosofia de trabalho embasada na
idéia de que os loteamentos deveriam ser formulados com uma pré-definição do seu uso, e as
classes sociais dos seus futuros habitantes seriam já definidas pelos loteadores.
No Artigo 20 se notabilizou como o mais discutido desta lei, visto que foi contestado
pelos imobiliaristas que acreditavam que o ônus da infra-estrutura recairia sobre o preço dos
lotes, o que não interessava naquele momento. De uma certa forma, o texto da lei era uma
idealização da atividade imobiliária, como se este fosse agir no sentido de entregar terrenos
ideais para a moradia. Neste sentido, o Artigo 20 deixa clara a relação entre aquilo que a
legislação determinava e aquilo que realmente era passível de ser cumprido pelos loteadores,
pois se os questionamentos iniciais a este artigo não surtiram efeito, o que ocorreu por mais
de uma década foi sua transgressão pura e simples quando se tratava de sua aplicação nos
loteamentos populares
*
.
A Lei possui outros trechos importantes, e o mais notável é o Artigo 84, que define o
zoneamento da cidade em:
Zona - C - (Comercial) CR - Comércio regional
CL - Comércio local
CP - Comércio principal
RI - Sub-zona de residências individuais
RI-A - Sub-zona de residências individuais, secção de prédio isolados, de
classe superior.
Zona - R - (Residencial) RI-B - Idem, com características e exigências
menores.
RI-C - Sub-zona de residências individuais, secção de prédio isolados, da
classe considerada média.
RI-D - Idem, com exigências menores.
RI-E - Sub-zona de residências individuais, secção de prédios
"econômicos" geminados.
RI-F - Idem, admitidos em renques.
RI.PpG - Sub-zona de residências individuais, "populares", admitidas em
renques.RI.PpH - Idem em conjuntos. (Grifos Nossos)
Conforme visto, o Artigo 84 trata da classificação dos loteamentos de acordo com a
infra-estrutura e com a categoria de seus moradores. Assim, o que ocorreu foi que, a partir de
*
No terceiro capítulo deste trabalho será observado como este fato provocou a revisão deste artigo na década de
1960.
63
da execução da legislação, as regiões da cidade foram sendo definidas como: áreas nobres,
setores da classe média e setores populares.
Nota-se que a busca pela segregação dos habitantes da cidade foi como um objetivo
primordial na definição da lei, e a própria construção das residências era instituída,
antecipando o código de obras do município que seria elaborado quatro anos mais tarde. O
recuo em relação à rua, a categoria da moradia, como moradia econômica, habitação popular,
o número de casas a serem construídas em um mesmo terreno, o material a ser utilizado, o
tamanho dos lotes e das garagens, enfim, não só a infra-estrutura do loteamento era regulada
de acordo com a classe econômica dos futuros moradores, mas também a forma de construção
dentro destes terrenos. Ou seja, por um lado, a legislação reconhecia a existência de muitos
habitantes pobres na cidade, e permitia a construção de moradias de baixo custo, várias
famílias instaladas em um mesmo lote. Mas por outro, determinava que um mesmo
loteamento não possuísse terrenos de categorias distintas em uma mesma área, ou seja, os
moradores deveriam todos ter condições econômicas parecidas, buscando instituir territórios
urbanos através da identificação de áreas das cidades segundo a condição econômica de seus
habitantes.
A princípio, poderia-se pensar que se trata de uma questão de lógica econômica, pois
se a cidade abriga várias classes sociais, nada seria mais natural do que uma lei que
percebesse essa realidade e definisse vários padrões de construção e habitação. Entretanto, a
segregação sócio-espacial também era resultado do sentimento de diferenciação entre os
habitantes da cidade. Havia, portanto, a busca pela consolidação do poder das classes
dirigentes que se instalariam em bairros de alto padrão, afastando-se da convivência com a
parte pobre da cidade.
Posteriormente, nos anos que se seguiram, novas leis de ordenação do espaço e da
sociabilidade urbana foram sendo criadas e aplicadas. Foi um período de definição do
direcionamento das políticas públicas em relação à ordenação da sociedade, ao espaço urbano
e à construção sobre seu solo.
Em 1952, devido aos questionamentos quanto à aplicabilidade da Lei 133/51 em
relação aos loteamentos instalados anteriormente à sua aprovação, a Câmara Municipal de
Londrina aprovou a Lei 147 de 1952 que, em meio às discussões públicas sobre lei de
Zoneamento, veio apaziguar a situação, pois permitia que os loteamentos instituídos antes da
aprovação da Lei 133/51 fossem regularizados sem nenhum ônus adicional, se adequando às
novas exigências na medida do possível e com o apoio de técnicos da prefeitura.
64
Em 1953 o poder público sancionou um novo código municipal de ampla abrangência,
como havia sido a Lei 133/51. O Código de Posturas do Município buscava regular a
convivência dos habitantes e, se a característica principal da Lei de Zoneamento foi tentar
instituir a separação dos habitantes de acordo com suas condições econômicas, o código de
1953 se caracteriza pela forma autoritária com que condenava as práticas e costumes das
camadas populares da cidade.
A referida legislação buscava instaurar padrões de higiene que, no fundo,
funcionavam como repressão a manifestações típicas em áreas populares, como a proibição de
“(...) lavar roupas em chafarizes, fontes ou tanques situados nas vias públicas” (Art. 31).
Não era só o comportamento público das classes populares que era regulado, mas a própria
vida íntima dos pobres era objeto de regulamentação, desta forma, o poder público
ultrapassava os limite das questões públicas e buscava regularizar a vida privada dos
habitantes do município:
Art. 44. A Prefeitura Municipal, procurando servir o interesse público sem
sacrificar o particular, adotará medidas convenientes no sentido de
extinguir, gradativamente as residências insalubres, consideradas como
tais as caracterizadas nos regulamentos sanitários e especialmente as:
I - Edificadas sobre terreno úmido ou alagadiço;
II - Com cômodos insuficientemente arejados ou iluminados;
III - Com superlotação de moradores;
IV - Com porões servindo simultaneamente de habitação para pessoas e
depósitos de materiais de fácil decomposição ou de habitação para pessoas
e animais em promiscuidade;
V - Em que houver falta de asseio geral no seu interior e dependências;
VI - Que não dispuserem de abastecimento d'água suficiente e as
indispensáveis instalações sanitárias.
Através do trecho citado, é possível entender a busca por um padrão ideal de moradia,
embasado na idéia de uma casa com dimensões adequadas, na qual morasse uma família
nuclear com número máximo de membros, sobre um terreno adequado, servindo também
como medida de profilaxia diante das doenças causadas pelas moradias irregulares.
Entretanto, o que a lei não levava em conta era o fato de que muitas das pessoas que viviam
em tais condições o faziam por falta de possibilidades econômicas para morar em locais mais
“adequados”, determinando que os habitantes seguissem um padrão de vida, ao qual na
maioria das vezes, não possuíam acesso. Neste caso, a legislação ignorava a situação de vida
de grande parte dos habitantes da cidade, e idealizava um padrão higiênico e salubre de
moradia. Entretanto, seria impensável, quando não impossível, imaginar que o poder público
realmente entraria nas casas das pessoas para contar o número de habitantes, a suficiência de
65
água para todos, as condições de higiene. Enfim, o que a lei refletia era um ideal de moradia,
salubridade e comportamento e não regras coerentes para ordenação da cidade.
Outros trechos da Lei buscavam intervir no comportamento das pessoas, impedindo
“excessos” nos festejos de rua, como sair à rua fantasiado fora dos dias de folia carnavalesca
(art. 73). Além daqueles que buscavam eliminar traços de pobreza e atraso diante do avanço
da modernidade:
Art. 78. É absolutamente proibido nas Ruas da Cidade, das Vilas e
Povoados do Município:
I - Conduzir animais ou veículos de tração animal em disparada;
II - Conduzir animais bravíos sem a necessária precaução;
III - Conduzir ou conservar animais sôbre (sic) os passeios;
IV - Amarrar animais em postes, árvores, grades ou portas;
V - Conduzir, a rastos, madeiras ou quaisquer outros materiais volumosos
e pesados. Esta proibição aplica-se somente à Cidade;
VI - Conduzir carros de boi sem guieiros;
VII - Armar quiosques ou barraquinhas sem licença da Prefeitura;
VIII - Atirar quaisquer corpos ou detritos que possam ser nocivos ou
incomodar os transeuntes.
No artigo citado pode-se observar a proibição do comércio informal, uma das práticas
mais comuns de sobrevivência entre as populações pobres. Aquilo que se caracterizava como
contrário ao ideal de modernidade que povoava as mentes dos legisladores, era tratado
transgressão e previsto na lei. Enfim, com a proposta de organização do espaço urbano,
visando “servir o interesse público sem sacrificar o particular”, o legislativo aprovou um
código municipal que, mais do que impor obrigações e restrições aos habitantes da cidade,
comprovava como os interesses de uma elite dirigente eram atendidos pela legislação. Como
corrobora Castro:
O desenvolvimento acelerado e desordenado da cidade acarretou problemas
urbanos que feriam a imagem da ‘civilização’. Um certo mal estar era
visível se se atentasse para a convivência da arquitetura modernista com os
bairros periféricos, para as construções diferenciadas das camadas abastadas
próximas Às casas pobres, desprovidas de infra-estrutura, bem com à
proliferação de espaços decaídos, onde se alojavam uma orda de seres
‘suspeitos’, como ‘vadios’, ‘jogadores’, ‘mendigos’, prostitutas, em pleno
centro. Era urgente ordenar e racionalizar a cidade (CASTRO, 1994: 241).
O texto do código de posturas refletia a busca pela instituição de um modo de viver
que se configurava como base de sustentação da vida urbana moderna: fragmentação dos
setores sociais, instituição da formalidade nas atividades econômicas, proibição da criação de
animais nas residências, busca por controlar o excesso de habitantes por residência. O ideal
seria, portanto, fragmentar os grupos familiares, expandindo o comércio de novas residências,
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e estimular o crescimento do mercado de automóveis motorizados, proibindo o
estacionamento de animais na área urbana.
O fato de a legislação instituir tais regras, por si só, não resolveria tais questões. Mas
os legisladores agiam como se fosse possível a um trabalhador desempregado deixar de tentar
sobreviver à sua maneira, praticando comércio ambulante, transportando objetos de grande
porte pelas ruas da cidade (como toras de madeira), transitando com animais pela cidade, se
alojando na casa de parentes e vivendo em condições precárias. Enfim, como já se enfatizou,
a idealização de uma cidade ordenada e racional, tornava a legislação superficial, com artigos
e imposições que fugiam do real e impunham sanções que dificilmente a população poderia
cumprir. Especialmente a população pobre à qual a legislação afetava de forma mais
profunda.
Segundo Flávio Villaça:
[...] O capitalismo provocou uma separação entre os locais de moradia e de
trabalho juntamente com a expropriação do trabalhador dos seus meios de
produção. [...] Com o desenvolvimento do capitalismo monopolista de
Estado e o crescimento urbano, essa separação virá a ser a base da estrutura
interna da cidade capitalista. Através da formação de suas áreas industriais,
comerciais e residenciais e com a expulsão dos trabalhadores para a
periferia das cidades, aquela separação virá a ser uma das causas de uma
das maiores torturas a que eles ficaram submetidos nas metrópoles do
Terceiro Mundo: a ida e volta ao trabalho (VILLAÇA, 1986: 85).
O que as leis urbanísticas de Londrina no início da década de 1950 refletiam não era
apenas a busca pela satisfação das necessidades da população em relação à infra-estrutura
urbana, mas especialmente a instituição de um padrão de cidade vinculado à produtividade do
sistema capitalista, aos interesses da burguesia, um processo pelo qual a maioria das grandes
cidades do mundo ocidental já havia passado. Segundo Arias Neto:
[...] Tudo indica que o discurso da modernidade urbana foi incorporado à
representação do Eldorado. Essa questão é fundamentalmente política uma
vez que através de uma legislação implacável o poder buscou ordenar e
racionalizar a cidade que crescia aceleradamente e, ao mesmo tempo,
legitimar as desigualdades sócias que se aprofundavam nos anos cinqüenta.
Tratava-se, portanto, de assegurar as condições de reprodução do
desenvolvimento econômico, sob a égide da centralização do poder político
(ARIAS NETO, 1993: 143).
Note-se como este historiador, anteriormente citado na questão sobre o
estabelecimento de marcos históricos para cada época da cidade, não deixou de perceber que a
legislação buscava ordenar o crescimento da cidade segundo os interesses da economia
capitalista. Mas a vinculação que é feita entre a idéia de eldorado e o discurso de
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modernidade urbana não dá conta de analisar o todo da questão, pois, conforme já analisado,
as políticas públicas de intervenção sobre o espaço urbano e as práticas sociais são mais
amplas, vem de longa data, e se vinculam aos interesses dos grupos dirigentes do capitalismo
em todas as regiões do mundo que hoje conhecemos por “civilização ocidental”.
Assim, o discurso de modernidade urbana constrói suas justificativas: necessidades de
infra-estrutura e equipamentos adequados, de ordem, higiene, de utilização racional do solo,
de modernização da paisagem e dos processos produtivos. Estes são os argumentos que
tentam legitimar as medidas de intervenção, não porque sejam necessariamente justas, mas
porque fazem parte da construção de saberes e lugares-comuns sobre a cidade que,
amplamente divulgados como necessidades da população como um todo, acabaram por se
impor como necessários, ocultando muitos dos interesses de satisfação das necessidades e
ambições das classes dirigentes.
Para complementar o corpus legislativo que consolidaria a década de 1950 como o
período de instituição da questão de infra-estrutura urbana dentre as atribuições do poder
público municipal, foi aprovado em 26 de outubro de 1955 o Código de Obras do Município,
que serviria como complementação à Lei nº133/51 e ao Código de Posturas, instituindo as
formas de construção possíveis em cada região da cidade, as exigências a serem satisfeitas
para tais construções, enfim, toda uma regulamentação sobre as obras edificadas no
município.
Uma questão interessante é que o artigo 6º Código de Obras proibia qualquer tipo de
construção, reforma ou demolição no perímetro urbano, sem a prévia autorização da
prefeitura, buscando instituir um controle efetivo sobre as obras dentro da área propriamente
urbanizada. Este mesmo artigo definia que os calçamentos nas vias públicas deveriam ser
construídos pelos proprietários dos imóveis, com material permeável e antiderrapante,
instituindo uma exigência que ia muito além das reais possibilidades de investimento dos
habitantes pobres.
As exigências do Código de Obras foram sendo instituídas de maneira ampla,
abarcando praticamente todas as formas de construção de imóveis na cidade, impondo
exigências descabidas e quase irreais, uma vez que seria praticamente impossível ao poder
público fiscalizar e fazer cumprir todas as exigências contidas na lei. O texto legislativo era
tão abrangente e detalhista que definia, inclusive, a forma como as solicitações de aprovação
das obras deveriam ser escritas e a cor da tinta da caneta dos signatários do documento.
Outro ponto importante da lei pode ser observado no seguinte artigo:
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Art. 89. Nas habitações, as salas e os aposentos devem satisfazer as
seguintes condições:
a) na habitação "popular" a área mínima das salas será de oito metros
quadrados. Se houver um só aposento, a sua área não será inferior a doze
metros quadrados; se dispuser de dois, um terá a área de dez metros
quadrados, podendo o outro ter oito metros quadrados. Havendo um
terceiro aposento, este poderá ter seis metros quadrados. Em edícula, é
facultada a construção de um quarto para empregada com área mínima de
seis metros quadrados e máxima de doze metros quadrados;
b) na habitação "residencial", os aposentos e as salas não poderão
apresentar, na edificação principal, área inferior a dez metros quadrados.
Nas edículas destinadas a empregados, serão permitidos aposentos com
área mínima de oito metros quadrados, e seu número não poderá exceder à
relação de um para quatro aposentos e salas da edificação principal;
c) na habitação da classe "apartamento", quando só houver um aposento,
sua área não poderá ser inferior a dezesseis metros quadrados. Se o
apartamento dispuser de uma sala e um aposento, a área mínima de cada
um será de dez metros quadrados;
d) na habitação da classe "hotel", os aposentos, se isolados, terão área
mínima de doze metros quadrados e se grupados, formando apartamento, a
área mínima será de dez metros quadrados.
É interessante observar como o poder público buscava interferir diretamente na vida
das pessoas, pré-definindo os padrões de construção de acordo com a sua categoria social. Em
primeiro lugar, pela exigência mínima da área interna dos cômodos de uma residência,
abolindo qualquer possibilidade de autodeterminação das famílias, a legislação interferia
diretamente nos padrões de conforto das classes sociais. Além, é claro, de que o texto da lei
praticamente impossibilitava que uma pessoa humilde construísse sua casa de acordo com sua
condição financeira, uma vez que se não tivesse condições de se adequar aos padrões, não
poderia iniciar a construção de seu imóvel. Em segundo lugar, pelo fato de que apenas os
quartos de empregados poderiam ter um tamanho inferior ao do restante da casa. Ou seja,
além da já consolidada diferenciação social dos habitantes da cidade, a disparidade de classes
se refletiria inclusive no interior das residências, como uma reafirmação cotidiana da
diferença de valoração social que existia entre os habitantes do município.
O código de obras foi formulado instituindo o tamanho das cozinhas, salas, aposentos,
corredores e banheiros das pessoas. Neste caso, a referência básica para as determinações
legislativas eram fatores econômicos, uma questão criticada por Durham (1988), que
demonstra que o poder público ignora as várias possibilidades de auto-regulação das classes
populares a partir de seus referenciais culturais. Ou seja, a padronização econômica dos
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setores sociais por parte da legislação comumente ignora as múltiplas variantes culturais
possíveis, mesmo em se referindo à organização interna das residências, que deveria
contemplar as peculiaridades das tradições de cada grupo.
O código de obras de Londrina também proibia a construção de casas de madeira nos
lotes centrais, estabelecendo uma divisão clara entre a área da cidade de alvenaria, das
empresas e das classes altas, e a periferia popular, com suas habitações de madeira. Neste
ponto, o interessante é notar que esta determinação do Código de Obras de 1955, ainda hoje,
mais de meio século depois, é elemento presente na configuração paisagística da cidade.
Quando se observa os bairros que margeiam o centro, e que existiam na época da vigência
desta legislação, encontra-se uma paisagem em que predominam as casas de madeira, que
seguem os mesmos padrões de construção definidos pela legislação da década de 1950. Este
contraste é uma característica interessante de Londrina, pois uma caminhada de duas quadras
possibilita a transição de avenidas amplas com grandes edifícios, para ruas estreitas com casas
de madeira e quintais tradicionais.
O cumprimento desta determinação do código de obras na área central era prioridade,
e nesta área a fiscalização foi intensa, pois ao mesmo tempo em que satisfazia as
determinações legislativas, esta ação possibilitava uma medida de pressão sobre moradores
pobres da área central. Assim, tornava-se comum que estes se mudassem para a periferia,
onde suas condições financeiras se adequavam às exigências da legislação urbana, e seus
terrenos acabavam sendo vendidos a grupos com maior poder aquisitivo, que usufruiriam o
terreno em suas empreitadas comerciais ou em obras mais concatenadas com a paisagem
central.
Enfim, o Código de Obras interferia diretamente na vida privada dos moradores do
município, estabelecendo suas formas de habitação e exigindo que todas as construções
passassem pelo crivo dos técnicos do poder público. Entretanto, ao contrário da Lei nº133/51,
o Código de Obras não foi tão polêmico e também não chegou a ser levado a debate público.
Este fato pode ser interpretado sob dois prismas: de um lado, poderia-se inferir que a
autoridade municipal estaria politicamente fortalecida, uma vez que o prefeito que sancionou
o Código de Obras, foi o mesmo que havia defendido tenazmente e com sucesso a Lei nº
133/51, três anos antes. Por outro lado, pode-se entender que, em 1955, o Código de Obras
não foi tão combatido porque não onerava diretamente os imobiliaristas, uma vez que a
maioria das exigências recaía sobre os proprietários dos imóveis. E a sua regulamentação era
muito interessante aos capitalistas locais, pois possibilitaria o crescimento do mercado da
70
construção civil e, por conseqüência, estimularia a economia da cidade como um todo.
É efetivamente relevante observar que o referido código foi mais um elemento
alegórico dos valores e interesses da burguesia local. A padronização das construções,
classificação dos imóveis, instituição de medidas específicas para as habitações, eram quase
um blefe, uma vez que era praticamente impossível que tais exigências fossem cumpridas
pelos setores populares. Nesse sentido se coloca a questão levantada por Rolnick (1999), de
uma transgressão consentida que se formula dentro da própria lógica da questão urbanística
em uma sociedade em que a grande maioria da população não tem poder aquisitivo para
adquirir um lote adequado às exigências mínimas de infra-estrutura.
O que se faz necessário compreender, é como o processo de afirmação dos interesses da elite
londrinense fundamentou-se em padrões de intervenção urbanística muito em voga na época,
que recorriam aos argumentos de que a modernização da cidade era imprescindível à
satisfação das necessidades estruturais de ocupação, higiene, convivência e construção sobre o
solo urbano, sem, com isso, conseguirem ocultar o fato de que os interesses da elite
dominante estiveram em jogo o tempo todo e sempre se buscou favorecê-los.
71
3 - CONFLITOS E IDENTIDADES SOBRE O ESPAÇO URBANO
E AS PRÁTICAS SOCIAIS
3.1 – O progresso e suas facetas – a construção da hegemonia
Entre 1950 e 1960 Londrina viveu um crescimento populacional que, em números
totais, ultrapassou a marca dos oitenta por cento (ARIAS NETO, 1998). Esse processo foi
acompanhado pela reestruturação da espacialidade e da configuração arquitetônica da sua área
urbana. Este foi também o período de ascensão e queda da economia cafeeira, grande
responsável por esse amplo processo de transformação da cidade e de toda a região norte do
Paraná.
Nos jornais locais, era comum a divulgação da imagem da cidade como símbolo de
civilização e progresso. Os jornalistas e literatos a concebiam como a capital do Norte do
Paraná. Toda a euforia com o crescimento econômico repentino, que transformava em pouco
mais de duas décadas, uma clareira aberta em meio à mata, numa cidade rica e próspera, era
alardeada em nível nacional, e atraía cada vez mais migrantes de todo o país. Uns chegavam
interessados em trabalhar nas lavouras, outros em encontrar emprego na cidade que se tornava
grande, além de alguns que vinham interessados em se aproveitar de forma ilícita dos louros
do progresso tão divulgado.
No entanto, neste período também surgiram conflitos, pois se o crescimento
econômico era comemorado e celebrado nos textos dos jornais locais, que falavam do
‘milagre do progresso’, conseqüentemente, os contingentes migratórios excediam a
necessidade de mão de obra no campo, e acabavam por constituir uma população urbana
marginalizada, sem emprego e sem perspectivas de enriquecimento. Estas populações
marginais se tornavam preocupação constante, visto que contrariavam um ideal de ordem e
estética da elite local, e passaram a ser um problema que causou constante preocupação para
as autoridades e para a imprensa.
Tais preocupações constituíram uma série de concepções acerca daquelas pessoas que
diariamente chegavam em Londrina sem rumo. Surgiu a necessidade de tomar conta da
situação, de investigar a procedência destas pessoas e definir qual o tratamento que deveriam
receber dos “londrinenses”. A partir deste panorama, evidencia-se a constituição de uma
72
identidade sobre o que seria um cidadão londrinense e, por conseguinte, identificaram-se os
que não eram.
Os fazendeiros que enriqueciam com o plantio do café, assim como alguns
profissionais liberais, jornalistas, exportadores de café, grandes comerciantes, imobiliaristas,
entre outros, compunham uma elite local, e passaram a reivindicar um status de identificação
com a cidade. Ou seja, sentiram a necessidade de constituir elementos reais ou simbólicos que
destacassem as peculiaridades do progresso de Londrina, que identificassem os grupos sociais
responsáveis por este progresso e, portanto, seriam entes privilegiados nas questões que
dissessem respeito à cidade. Para isto, era necessário constituir um projeto que lhes fornecesse
este estatuto de preponderância sobre as decisões dos rumos locais, e que ao mesmo tempo
legitimasse sua atuação diante dos outros habitantes, excluídos do acesso ao poder.
Esta elite se configurava como uma classe dirigente e atuava no sentido de construir
uma cidade afeita a seus interesses políticos e econômicos, assim como seus ideais culturais e
estéticos. Antagonicamente a esta classe dirigente, viviam pessoas que não prosperavam
economicamente, e que constituíam classes subalternas, que por não terem obtido as benesses
da cultura cafeeira, pouco tinham em comum com a elite.
Para legitimar seu domínio sem instaurar um clima de tensão com os grupos
subordinados, a elite dirigente precisava defender idéias que garantissem a legitimidade de
suas ações e, ao mesmo tempo, identificassem os grupos subordinados com esses projetos.
Buscava-se assim, constituir uma forma de dominação que não se exerce pela coação, mas
sim através da constituição de ideais que possibilitam o exercício da dominação sem que os
sujeitos dominados compreendam sua situação subalterna. Buscaram constituir um projeto
fundamentado num discurso que levaria os dominados à noção de que estavam inseridos neste
programa, mesmo que o projeto atendesse somente aos interesses do grupo dirigente, ou seja,
constituir a “hegemonia”. Nesse sentido, “a hegemonia atua como princípio de unificação dos
grupos dominantes e, ao mesmo tempo, como princípio de disfarce do domínio de classe”
(BELLIGNI, 1991: 581, grifo nosso).
Antônio Gramsci buscou perceber de que forma se organizam os Estados e quais suas
formas de dominação, e notou que nas sociedades capitalistas ocidentais, os blocos históricos
se configuram a partir da relação entre dois pólos, distintos e complementares ao mesmo
tempo: a sociedade política e a sociedade civil. A dominação de uma classe social sobre este
Estado não pode ser feita apenas a partir do controle da sociedade política, deve também
73
legitimar essa dominação diante da sociedade civil. Segundo Magalhães, Gramsci colocou em
questão o caráter:
[...]subordinado do Estado, atribuindo-lhe um papel político. Para que as
classes subalternas aceitem a dominação, não é suficiente apenas a coerção,
mas principalmente o consenso. Tal conceito centra-se na capacidade de
direção intelectual e moral, em virtude da qual a classe dominante, ou
aspirante ao domínio, consegue ser aceita como guia legítimo, constitui-se
em classe dirigente e obtém o consenso ou passividade da maioria da
população diante das metas impostas à vida social e política de um país [...]
(MAGALHÃES, 2001: 14-15, grifo nosso).
Quando uma classe obtém o controle político de um Estado, não conquista
necessariamente o controle hegemônico da sociedade, pois é necessário que o seu projeto de
dominação seja incorporado ou no mínimo, aceito pelos grupos dominados. A obtenção dessa
hegemonia se faz, portanto, com a vitória de um projeto de dominação sobre os projetos
opositores, sendo o controle do Estado uma das faces dessa vitória.
Na mesma medida em que as classes sociais concorrem entre si para se
apropriar do Estado, também competem – e Gramsci deseja identificar esse
processo e torná-lo consciente – pela influência na sociedade civil. Nesse
passo, o projeto político das classes subalternas deve visar a separação de
determinados aparelhos ideológicos da sua aderência ao Estado, a fim de se
tornarem agências privadas de hegemonia sob sua direção (VIANNA, 1978:
XIII).
Desta forma, um projeto de hegemonia se fundamenta em dois elementos primordiais:
a conquista efetiva do poder político, através de golpes ou eleições, e a consolidação deste
poder através da edificação de um aparato de idéias que o justificam. Deste ponto de vista, o
Estado, longe de ser o ponto de equilíbrio e negociação entre as classes sociais, é na verdade
objeto de disputa. Uma vez alcançado o domínio desta instituição, a classe dirigente passa a
ser representada por suas ações. Entretanto, para que estas ações se legitimem perante as
classes subordinadas, se torna necessário o surgimento de uma sociedade civil ativa na defesa
dos interesses da classe no poder, e é neste contexto que se destaca a atuação dos intelectuais
orgânicos.
Sob a ótica gramsciana, os intelectuais orgânicos são “membros de uma determinada
classe social que se encarregam de defender os ideais de seu grupo” (SCHLESENER, 1992:
19), justificando suas ações e valorizando suas idéias. Estes intelectuais disseminam valores e
conceitos através da mídia, dos estabelecimentos educacionais e dos órgãos associativos. Suas
proposições passam a ser repetidas à exaustão, justificando as ações da sociedade política e,
ao mesmo tempo, buscando convencer o restante da população de que não se tratam de idéias
74
de um grupo em particular, mas sim de valores e ideais inerentes àquela sociedade, que devem
ser conhecidos e compartilhados por todos.
A hegemonia é isso: capacidade de unificar através da ideologia e de
conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado
por profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e
dominante, até o momento em que – através de sua ação política,
ideológica, cultural - consegue manter articulado um grupo de forças
heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças
exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à
recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças
no poder (GRUPPI, 1978: 70).
Foram estes os mecanismos utilizados pelo grupo que chegou ao poder em Londrina
no ano de 1947, reunido em sua maioria sob a sigla partidária da UDN, com seu perfil
elitistista e liberal, e sob a bandeira da cafeicultura como símbolo da cidade. Enquanto as
administrações municipais promoviam reformas urbanas sob o ponto de vista da ordenação
sócio-econômica dos espaços, os jornalistas e ideólogos construíam a imagem de uma cidade
dualista. Desta forma, tudo que não fizesse parte dos projetos e valores da elite cafeeira,
daquilo que este grupo denominava moderno, moral e ético, se tornava objeto de combate dos
intelectuais da classe dirigente. A legislação se filiava a esta ideologia e marginalizava tudo o
que se opusesse à imagem que se buscava construir a respeito da cidade.
Os intelectuais, portanto, não são um grupo social autônomo, mas cada
grupo social – afirmando uma função específica na produção econômica –
forma intelectuais que se tornam os técnicos da produção. Esses intelectuais
não se limitam a ser apenas os técnicos da produção, mas também
emprestam à classe economicamente dominante a consciência de si mesma
e de sua própria função, tanto no campo social quanto no campo político.
Dão homogeneidade à classe dominante e à sua direção (GRUPPI, 1978:
80).
Há que se notar que existia o discurso amplo da dominação burguesa sobre as classes
populares. Londrina surgiu de um processo de expansão capitalista formulado por uma
empresa privada, e muitos dos seus primeiros habitantes vieram em busca de ganhos
econômicos através do investimento privado e da livre iniciativa, assim, o discurso burguês e
liberal foi predominantemente entre as vozes que se faziam ouvir.
Além disso, não existia nas terras norte-paranaenses uma elite tradicional que
possuísse algum tipo de vínculo clientelístico ou paternalista com os trabalhadores pobres,
assim a busca pela hegemonia de uma burguesia que era tanto rural quanto urbana, não
encontrou grandes entraves. Por esta razão, o ideal liberal-burguês se disseminou rapidamente
na cidade, e as relações sociais passaram a se basear nos pressupostos da sociabilidade
75
moderna. A exploração das classes subalternas era vista como algo natural dentro do sistema,
e este discurso era amplamente sustentado em uma sociedade povoada pelo ideal do homem
que vence pelo trabalho, o pioneiro desbravador que se torna um líder nato na sociedade.
Vemos assim a ideologia das classes ou da classe dominante chegar às
classes subalternas, operária e camponesa, por vários canais, através dos
quais a classe dominante constrói a própria influência ideal, a própria
capacidade de plasmar as consciências de toda a coletividade, a própria
hegemonia (GRUPPI, 1978: 68).
Enquanto este discurso geral de modernidade era utilizado em âmbito nacional para
consolidar um ideal de sociedade, em Londrina e no Norte do Paraná surgiam discursos
paralelos, que buscavam evidenciar as particularidades locais, criar vínculos identitários entre
os habitantes de uma sociedade recém formada, para a qual se buscava inventar tradições e
legitimar a dominação da elite. O amplo espectro do discurso liberal e conservador que
fundamentava os discursos da elite Londrinense não teria tanto êxito se não fosse a construção
de outros parâmetros de legitimação, que buscavam consolidar a hegemonia paralelamente ao
discurso geral da liberal-democracia burguesa.
Segundo Gramsci, se “a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também
econômica, de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo
essencial da atividade econômica” (apud PORTELLI, 1977: 77-78). O grupo dominante que
ascendeu ao poder em Londrina em meados da década de 1940, possuíra interesses
econômicos no domínio político sobre a cidade, mas também via a necessidade de vincular
seus interesses aos da sociedade como um todo, pois essa forma de controle poderia ser
eficiente e duradoura.
A elite passou a constituir uma série de ideais que foram inseridas no cotidiano da
cidade através de jornais, revistas, livros, documentos oficiais, entre outros, e tinham como
pano de fundo a construção de uma identidade local, não só para Londrina, como para toda a
região Norte do Paraná. Dentre as várias formas de constituição do discurso dominante a
respeito da cidade de Londrina, configuram-se com principais as seguintes: Capital Mundial
do Café”, “Exemplo de Civilização”, “Cidade do Progresso”, “O Eldorado”. Ou mesmo a
consolidação e releitura daquelas que foram o mote da colonização da CTNP, como: “A Nova
Canaã”, “A Terra da Promissão”.
Alguns analistas propuseram interpretações específicas sobre este contexto. Arias
Neto (1993) distinguiu as duas principais representações discursivas: a idéia de Terra da
Promissão foi utilizada pela CTNP para a atração de colonos para a região, se tornando o
76
símbolo de identificação da região até meados da década de 1940. Depois disso, num
processo de ruptura não muito esclarecido pelo autor, a cidade passou a ser identificada pela
idéia de um Eldorado Cafeeiro. Este historiador trata destas “representações" como
construções propagandistas que acabam criando vínculos identitários entre os habitantes da
cidade, tornando-se marcos históricos.
Nelson Tomasi (1997) buscou relativizar algumas posições de Arias Neto, argüindo
que todos os enunciados acima citados que procuraram constituir uma identidade à cidade de
Londrina e à região Norte do Paraná, foram e continuam sendo meios utilizados pelo grupo
dominante da cidade para construir uma identidade e uma memória vinculadas diretamente à
manutenção de seus interesses e à exclusão de outros agentes da história da cidade. Ou seja,
mesmo sem explorar profundamente o conceito de hegemonia, Tomasi relata como o projeto
hegemônico da burguesia cafeeira estendeu sua atuação à própria da cidade, criando imagens
e valores que ainda hoje são reiterados sobre uma possível identidade norte-paranaense e
londrinense. Sendo estes vínculos identitários construtos ideológicos que buscam legitimar
uma história dos vencedores.
Sonia Adum (1991) destacou em sua pesquisa um traço específico desta história que
deu mote às construções discursivas citadas. Esta historiadora diz que a elite local traduzia um
sentimento muito vinculado à república brasileira no período Vargas, que era o ideal
“ordem/progresso/civilização”, e todo o jogo de configuração das representações veio a ser
utilizado como forma de combater os indivíduos que eram considerados transgressores da
ordem vigente. Caracterizados como avessos ao trabalho e ao progresso eram, em
conseqüência, tratados como bárbaros, pois não se adaptavam aos padrões de civilização
idealizados naquele momento.
O que se pode perceber é que, mesmo com disparidades quanto à interpretação sobre a
temporalidade e origem dos elementos simbólicos e discursivos utilizados nos anos 1950 para
identificar a cidade de Londrina, os pesquisadores citados concordam quanto ao fato de que as
classes dirigentes da cidade se beneficiaram dessas representações para tornar legítimo seu
domínio também no campo do imaginário social. O entendimento do conceito de hegemonia,
neste sentido, é fundamental para compreender como se edifica certa legitimidade destes
constructos ideológicos diante das referências à memória local
*
e dos parâmetros de pesquisa
que até hoje se estabelecem quando se formula um trabalho historiográfico sobre Londrina.
*
Ainda hoje são comuns as referências à “Londrina dos pioneiros”, e à “Era de Ouro do Café”. Há um conjunto
de temas que valorizam um passado idealizado em que o período da cafeicultura é prestigiado como uma época
77
Se a cidade crescia a passos largos, com grande contribuição do desenvolvimento da
cultura cafeeira, os elementos vinculados à produção e comercialização do café eram seus
principais beneficiários. Entretanto, buscava-se constituir a idéia de que o crescimento e o
desenvolvimento da cidade era produto quase exclusivo do trabalho dos cafeeiros, e os demais
habitantes, que gozavam deste progresso, deveriam sentir-se privilegiados e gratos ao trabalho
honesto e dedicado dos cafeicultores.
Não foi só a comemoração e a aclamação da cafeicultura como motor do progresso da
região que buscou legitimar o domínio de um grupo de moradores sobre o outro. O discurso
do progresso era, de certa maneira, simultaneamente o discurso da inclusão e da exclusão.
Falando de trabalho, de ordem, de civilização, este discurso mantinha-se vinculado aos
trabalhadores pobres da cafeicultura e também aos trabalhadores urbanos pobres, assim,
apenas aqueles que não se interessassem pelo trabalho honesto e por manter a ordem vigente,
é que deveriam sentir-se excluídos.
3.2 – Pioneirismo, modernidade e exclusão
Qualquer outro enunciado que buscasse criar vínculos identitários entre os habitantes
de Londrina não possuía características tão excludentes quanto o que foi constituído como a
idéia do Pioneiro, uma personagem que ainda hoje se apresenta como elemento ativo na
memória da cidade de Londrina. Para exemplificar o que significa essa construção dentro do
contexto de auto-afirmação da elite local, pode-se utilizar a interlocução de Adum:
[...] No caso da produção simbólica acerca do Norte do Paraná, a noção de
pioneiro adquire nuances diferenciadas conforme a época e o grupo
produtor da representação. [...] O que é necessário ressaltar, no entanto, é
que o grupo pioneiro em Londrina e no Norte do Paraná, partilha de um
mesmo conjunto de representações e de uma memória comum acerca da
cidade, que parece se caracterizar por uma atribuição de valores de
heroísmo à ação colonizadora com base na livre iniciativa, capitaneada pela
CTNP (ADUM, 1991: 32, nota de rodapé número 12).
A posição citada se trata do olhar analítico de uma pesquisadora que enxerga todo o
arcabouço cultural criado sobre o ideal de pioneirismo. Pode-se trazer à tona a posição de
Álvaro Godoy, importante cafeicultor da região e que foi líder da ALNP - Associação dos
na qual tudo era melhor e a cidade era mais justa e familiar. Nesse sentido, a retórica da elite dos anos 1950,
ainda ressoa fortemente nos discursos sobre a “memória oficial” de Londrina, sobre a “Capital Mundial do
Café”. Um discurso que exclui as histórias de muitos que padeceram sobre as intempéries e contratempos de
uma época marcada por desigualdades sociais e exclusões de toda ordem aos setores populares.
78
Lavradores do Norte do Paraná. Este personagem foi muito importante em Londrina na
década de 1950, pois, ao lado de Nelson Maculan, liderou na região, um movimento de
cafeicultores em 1958, que ficou conhecido como “A Marcha-da-produção”, e que tinha como
intuito, levar uma imensa massa de agricultores do Paraná, de São Paulo e de Minas Gerais,
em marcha até o Palácio do Catete, sede do Governo Federal naquela época, para reivindicar
maiores investimentos na política agrícola, isenção de impostos, e especial atenção à lavoura
cafeeira.
A observação do discurso desse importante agente político pode ser significativa na
busca pelo entendimento da estreita vinculação entre os cafeicultores e a imagem do Pioneiro,
pois Álvaro Godoy buscava associar, em seus discursos, a importância do café para a cidade e
para a região, com o trabalho dos lavradores pioneiros, que para ele seriam os grandes
responsáveis pelo progresso e pela civilização da região.
O enunciado “lavradores”, que Godoy tentava vincular aos pequenos proprietários e
colonos, funcionava como forma de silenciamento dos interesses desse que era o
representante de uma importante associação de fazendeiros, que tinha muita força política e
econômica, influenciando de maneira expressiva as decisões políticas da administração de
Londrina, e também exercendo influência sobre o Governo Estadual:
Pioneiros são os homens que vêm na frente, descobrindo e destruindo os
obstáculos, e preparando o caminho para a implantação da civilização. A
chegada do pioneiro nos sertões ínvios representa o início do progresso. O
pioneiro vem para ficar e quando se desloca, já traz a família e os haveres,
quando os possui (GODOY apud ZORTEA, 1975: 52-53).
O Pioneiro seria aquele que chegou primeiro, participou da construção da cidade e que
venceu. Portanto, estes pioneiros teriam mais direito a tomar parte nas decisões sobre a
cidade, que não era só sua morada, pois também era como se fosse sua propriedade, não
individual, mas coletiva, dividida com todos os outros pioneiros, mais que vizinhos, irmãos na
luta pela derrubada da mata, na introdução da civilização em meio ao sertão inóspito.
Nos anos do Eldorado, a representação do ‘pioneiro’ possuiu distintas
significações: identificando à saga-heróica do bandeirante paulista –
desbravador do sertão, associado ao fazendeiro de café – bandeirante
moderno, e também à coragem e ao despojamento do pioneiro norte-
americano. Essas associações não emergiam soltas no espaço/ tempo, mas
atreladas a um movimento geral de redefinição política, espacial, econômica
e simbólica da região Norte do Paraná, caracterizada pela marcha do
progresso dos cafezais. [...] A representação do ‘pioneirismo’ que se
pretende homogeneizante – mesmo em tempos atuais – ocultou as
diversidades de classe e, principalmente, as de gênero que se estabeleceram
na cidade (CASTRO, 1994: 87).
79
Nota-se que não se atribuía a migrantes recém chegados, à procura de emprego, esse
título. Ou seja, quando novos migrantes pobres chegavam à cidade na década de 1950,
adentravam a um espaço que não era seu, portanto, um ambiente sempre hostil. Era um
espaço onde o sucesso econômico era quase que símbolo do pioneirismo, assim, riqueza e
sentimento de pertencimento a uma classe se vinculavam profundamente:
[...] o Norte do Paraná, nos primeiros anos de sua colonização, apresentava
ao observador um colorido bizarro e tumultuoso, com a sua mescla dos mais
diversos tipos humanos, onde se exerciam todas as profissões e onde se
confundiam a rudeza primitiva com a mais avançada. Não tardou, porém, o
surgimento de um denominador comum, para nivelar num só plano toda
aquela massa humana, e que denomina êxito, progresso e riqueza
(ZIMERMAN, 1955: 16).
Naquele momento a cidade de Londrina passou a ser tratada como “Capital Mundial
do Café”. Os cafeicultores, mesmo os que não participaram do processo de constituição da
cidade, se filiavam a esse discurso e buscavam algo que lhes desse o título de pioneiros: a
derrubada de mata para o plantio em uma área antes inexplorada, a implantação de uma
técnica agrícola inovadora, a comercialização de alguma qualidade de café especial, enfim,
desde que tivessem trazido algum progresso e modernização, acabavam se filiando ao título
de pioneiros.
Os migrantes e imigrantes pobres que chegaram a Londrina nos fins da década de
1940 e início da década de 1950, foram tratados como intrusos, ou no mínimo, indivíduos
indesejados, pois não representavam nenhum progresso, e sim o lado avesso do progresso: o
crescimento urbano exacerbado e descontrolado.
Vale lembrar que através da legislação oficial, buscava-se ordenar o espaço e a
estrutura dos equipamentos urbanos (Lei de Zoneamento de 1951 e Código de Obras de
1955), assim como regulamentar as práticas e ações dos indivíduos dentro do cotidiano da
cidade (Código de Posturas de 1953). E em outro âmbito, procurava-se ressaltar a insatisfação
com a presença desses indivíduos, e nesse caso, em vez da legislação, os principais
interlocutores foram os textos jornalísticos. Assim, dentro de uma estratégia de legitimação do
seu poder e da busca pela consolidação do seu projeto hegemônico, a elite local usou o ataque
aos elementos indesejados como forma de constituição de um inimigo comum à cidade, pois
representavam desordem e atraso.
Não foi só aos migrantes pobres que se buscou combater através dos textos
jornalísticos, pois as práticas de habitantes do município que representassem atraso, desordem
ou mesmo transgressão moral, eram igualmente combatidas. Assim, esses habitantes pobres
80
em quase a totalidade eram de recém chegados à cidade, não faziam parte do rol dos
Pioneiros, pois não teriam participado da construção daquela civilização, apenas haviam sido
incorporados em seu contexto e deveriam seguir suas premissas de sociabilidade e trabalho
para serem aceitos naquele ambiente.
O elemento financeiro, portanto, agia como indutor de identidades, e elas se
converteriam numa espécie de simbiose, através da qual os elementos do real se fundiam ao
imaginário, constituindo um caráter especial àqueles que pertencessem à classe dirigente. A
sociabilidade burguesa, dos clubes e reuniões pomposas, era uma das faces deste espetáculo,
pois ao lado estavam os elementos imaginados, como uma suposta predestinação daquela
classe ao progresso, à modernidade econômica e à valorização de uma moral conservadora.
Assim se edificava o arcabouço discursivo que abrigava elementos de toda ordem e
procedência, era este cenário da “Capital mundial do café”. A Londrina da década de 1950,
onde o dinheiro a tudo comprava, via surgir uma classe formada por capitalistas bem
sucedidos, intelectuais e outros afortunados, que constituía um status nobiliárquico à sua
existência, que buscava se vangloriar sob a insígnia de pioneiros.
Do lado de fora das reuniões sociais, edificava-se um grupo numericamente maior, ao
qual não importava a pompa e os símbolos de valoração social. Os “excluídos do café” eram
homens e mulheres de outras paragens, em busca de sobrevivência, para os quais aquela
cidade era simplesmente um reduto de esperanças. Em cada casebre modesto repousava uma,
ou mais de uma, família, que no dia seguinte iria ao trabalho, nas lojinhas da avenida, na
cozinha das mansões, nas oficinas, nos armazéns, nos cafezais. Homens e mulheres que
tiveram pouca chance de contar suas histórias, mas que mesmo assim fizeram com que seus
traços fossem marcados em cada esquina, nas letras miúdas dos jornais, às margens da
memória oficial instituída.
3.3 - A definição dos espaços e territórios urbanos
A recente colonização e as propagandas quanto ao sucesso da cultura cafeeira atraíam
pessoas de todas as origens para a cidade, neste contexto social havia vários grupos distintos.
Porém, o que é mais evidente, quando se analisa a documentação disponível, é que havia a
busca pela homogeneidade de um discurso sobre a cidade, que a identificava com o progresso
81
econômico e com uma idéia de civilização muito vinculada à busca por padrões modernistas
de cultura, de estética e de comportamento.
A linha que separava o moderno do arcaico, o progressista do atrasado, o moral do
imoral, o ordeiro do transgressor, era muito tênue. A cidade era uma só, mas em alguns
momentos parecia ser duas, e a imprensa divulgava essa contradição interna. Nos periódicos
da época, é possível perceber esses elementos conflituosos. Na Folha de Londrina, por
exemplo, numa página, a coluna social que apresentava as últimas tendências da moda, boas
práticas no trato com a casa, mostrava socialites dando recepções maravilhosas, senhoras de
alta classe que se reuniam no Rotary Clube para fazer caridade, para discutir os rumos da
cidade onde a pobreza crescia e era necessária a atenção da elite para ajudar os necessitados.
Noutra página, sempre na última de cada edição, a coluna “Ronda pela cidade”
divulgava os ensaios da Banda Municipal, as festas de confraternização de final de ano dos
filhos de londrinenses que estudavam em São Paulo e no Rio de Janeiro, as quermesses e
novenas que as paróquias promoviam. Mas, a coluna citada também falava do número
elevado de assaltos, do caos urbano com a chegada contínua de novos migrantes e suspeitos,
com as pensões que abrigavam senhoras de procedência duvidosa, trazia reclamações da
população quanto à falta de calçamento, de redes de água e esgoto, de energia elétrica nos
bairros mais carentes.
Era possível ver duas faces de Londrina, a divisão clara entre uma elite privilegiada
que ostentava sua riqueza, e uma série de problemas sociais e urbanísticos que imprimiam a
esta cidade características muito comuns a todas as áreas urbanas em processo de expansão
capitalista. O que deve ser ressaltado e era evidente nos jornais, é que não bastava apenas
denunciar os conflitos do cotidiano de uma cidade que crescia aceleradamente num processo
que fugia ao controle do poder público, era preciso identificar os motivos dessa conturbação,
fazia-se necessário encontrar culpados. Ou seja, não caberia ao jornal questionar a existência
de disparidades sociais, pois esse era um processo decorrente da expansão capitalista e do
princípio liberal, onde a riqueza depende da sorte e do oportunismo de cada um. A cidade
poderia conviver tranqüilamente com contradições de classe, desde que fossem respeitados os
limites impostos pelos dominantes para essa convivência. A existência de uma camada da
população em situação de pobreza era inevitável, mas o que não era aceito era a transgressão
dos territórios, a ruptura com a ordem imaginada e que se tentava por em prática.
O trabalhador urbano pobre era muito importante no processo de produção e
reprodução do capital, o movimento do progresso não se faria sem braços para o trabalho e
82
para suprir todos os quadros dentro de uma sociedade. E como integrantes desse movimento,
esses trabalhadores deveriam ter seu espaço, apesar deste ser um espaço muito restrito. O que
a elite através da legislação e do discurso da imprensa não admitia, era a transgressão desses
limites.
O centro da cidade Londrina foi concebido, na década de 1950, como o espaço que
representava o progresso e a civilização. Assim, construções suntuosas foram sendo erigidas,
enquanto as velhas casas de madeira eram derrubadas. Na Avenida Higienópolis, os grandes
fazendeiros construíam palacetes imponentes, os edifícios comerciais e de apartamentos
residenciais também representavam a entrada de Londrina na nova ordem capitalista nacional.
As vitrines das grandes lojas de departamento estimulavam o consumo, o conforto, os
eletrodomésticos, automóveis, roupas da moda, hábitos de lazer, tudo era divulgado,
praticado, inserido como habito dos moradores e visitantes do centro de Londrina:
Um fator que denotava o progresso e o enriquecimento foi o crescimento
vertical na área central de Londrina da década de 1950. A especulação
imobiliária se diversificou e passou a oferecer novas mercadorias para a
elite nascente. [...] Na percepção dos jornalistas a urbanização acelerada era
a própria concretização de um sonho coletivo. Para os empreendedores da
nova forma de especulação imobiliária, dos ranchos de palmito às ‘arrojadas
linhas arquitetônicas’ dos novos edifícios, a trajetória da cidade havia sido
linear e homogênea. Assim, a idéia que se queria propagar era a de que
todos deveriam se orgulhar dessas novas construções mesmo que a maioria
não tivesse acesso a esses novos patamares do paraíso (HARA, 1997: 15).
O Cine Teatro Ouro Verde foi um exemplo desse desejo de civilização, pois era ao
mesmo tempo o mais importante espaço de sociabilidade da cidade e um monumento à
modernidade, visto que seu projeto foi efetuado por Vilanova Artigas, uma das mais
proeminentes figuras da arquitetura modernista no Brasil. O próprio nome do cine-teatro era
uma referência ao poder econômico dos fazendeiros enriquecidos com o café, que era
conhecido como Ouro Verde. Este arquiteto também projetou a nova estação rodoviária da
cidade em 1952, tida como uma das construções mais modernas no país naquela época.
Este mesmo centro abrigava contrastes, que manchavam a imagem modernista e
civilizada da cidade: “[...] Incrível o número de pardieiros que existe na cidade, mesmo no
centro! O contraste resultante, de ver-se por aí tanta edificação suntuosa é, verdadeiramente,
de entristecer!” (FL, RPC, 16/01/1955).
83
Vista panorâmica do centro da cidade de Londrina, início da
década de 1950.Acervo: Museu Histórico Padres Carlos Weiss.
Matéria sobre a transformação paisagística do centro da cidade.
RAP, nº 3 e 4: 1948.
Nem todos os habitantes tinham condições de construir casa de alvenaria, de recuar
sua casa em relação à via pública, conforme as determinações da legislação. Muitos
comerciantes mantinham as fachadas amareladas e rústicas, como haviam sido construídas na
84
década de 1930. Assim, o espaço central representava aquilo que era a própria cidade, uma
contradição evidente entre o progresso e o atraso, entre o ordeiro e o desordeiro. O centro da
cidade, lócus privilegiado do progresso, abrigava também elementos indesejados. A questão
mais debatida na época era em relação à prostituição:
Há alguns anos atrás, a zona do meretrício de Londrina era situada na rua
Rio Grande do Sul, quase em pleno centro da cidade. As autoridades
locais, considerando que aquela localização estava em lugar inadequado,
providenciaram logo a remoção das casas de tolerância para um ambiente
afastado do convívio de famílias londrinenses [...]. Depois disso, a
mencionada via pública foi ocupada por bastante considerável número de
hotéis e pensões, como atualmente qualquer um pode constatar. Mas como
qualquer um pode também verificar, há naquela rua, ainda, remanescentes
de mulheres decaídas [...]. Se algumas daquelas mulheres se comportassem
direito, ainda era passável (FL, 24/09/52: 01, Grifo Nosso).
Pelo tom da reportagem, pode-se observar como o jornalista se posiciona. O centro da
cidade não era o Local adequado para a prostituição, e o poder público havia feito bem em
removê-la daquele espaço. Esta reportagem, como inúmeras outras, faz parte de uma
campanha promovida com o intuito de retirar a prostituição da região central da cidade. O
mesmo havia ocorrido em 1949, quando foram fechados e removidos os bares e as boates para
uma outra área, mais afastada do centro. Mas a medida não resolveu a questão, pois o espaço
havia sido apropriado pela prostituição, que o tornou seu território preferencial. Ainda em
1952, outro jornal insistia na questão:[...] Persiste ainda o baixo meretrício [...] O que vimos
e o que encontramos, foi tratar-se de uma rua propícia para a reunião de valentes, cachaceiros,
desocupados, larápios, cáftens, mulheres de vida fácil e etc. [...]” (OC, 10/1952: 02).
Em 1953 se comemorava o fechamento de algumas espeluncas na malfadada rua: “[...]
está ainda muito bem a polícia, em acabando, assim, aos poucos, com esses salões de 5ª classe
que tanto depõem contra os nossos foros de cidade civilizada” (FL, 18/01/1953: 06, grifos
nossos). No ano seguinte, a análise era menos otimista: “resta ainda muita coisa a se fazer, no
sentido de ser confinada ao local destinado a ela, a deslavada pouca vergonha que se
presencia em vários pontos da cidade, e a qualquer hora” (OC, 01/1954, grifo nosso).
Esta campanha durou toda a década, mas sem muito sucesso. O próprio nome daquele
trecho da rua foi alterado em 1953 para Rua Brasil, tentando apagar a imagem negativa da
“famosa Rua Rio Grande do Sul” e atrair compradores para ocuparem aquele espaço e
extirparem do centro da cidade aquela mancha: “[...] estão fechadas as espeluncas da ‘famosa’
Rua Brasil. A medida digna dos maiores encômios foi tomada, em ação conjunta, pela
Delegacia de Polícia, Saúde Pública e Prefeitura Municipal” (OC, 09/1955). Mas o fracasso
85
dessa iniciativa era evidente: “[...] a falta de fiscalização e a displicência da ronda policial fez
com que a antiga Rua Rio Grande do Sul voltasse a ser invadida, de maneira permanente, por
todo o tipo de marginais“ (OC, 09/1955). Assim, no contexto da cidade, uma rua ficou
estigmatizada, a “rua do vício e do pecado”. Esta imagem da Rua Rio Grande do Sul / Brasil,
demonstra muito bem o conflito que se estabelecia em torno do centro da cidade, que deveria
ser um local higiênico e moderno, para pessoas de boa índole. Ou seja, tentava-se excluir
elementos indesejados e perigosos, mas estes continuavam ativos, transitando livremente não
só por aquela rua, mas por toda a área central:
[...] espécie de população marginal, desencantados, porque não conseguiram
obter a fortuna fácil como esperavam. São deslocados insolentes, de caráter
frouxo e tíbio, dominados pela cachaça, pela prostituição, cujo fim remoto
ou próximo é uma cela na penitenciária ou a internação no mato agreste,
como foragido da justiça. Via de regra, o aventureiro não aprecia o
trabalho. E quando acontece de ser ativo, emprega quase sempre o seu
esforço em detrimento do patrimônio alheio, tornando-se vigarista,
pungista, chantagista, etc. Aqui, ao lado daqueles que lavram o solo,
prolifera os que exploram o solo, não no sentido são do termo, mas com o
objetivo de ludibriar os incautos, de fazer chantagem [...] (FL, 21/05/1955,
grifos nossos).
A elite da cidade, que tanto glorificava a aventura dos pioneiros, não tolerava os
aventureiros, pois era a terra do trabalho. O trabalho com o solo e com a agricultura, era o
símbolo maior dessa civilização. A cafeicultura enriquecia os fazendeiros e dava trabalho aos
que se dispusessem a trabalhar. Essa identificação entre os pequenos trabalhadores e o
progresso da cafeicultura se evidenciava especialmente nos momentos em que a veiculação
desta idéia era do interesse da elite. Veja-se um trecho do texto de Moraes:
[...] Sou esse modesto engraxate que levanta o nariz para o ar, cheirando
geada e medroso que alguma catástrofe caia sobre o bilhão de cafeeiros,
porque cada pé de café queimado pela mortalha branca significa algumas
engraxadelas a menos por dia, muitas por mês. [...] Sou essa balconista que
ganha comissão nas vendas e vê que a crise cafeeira precipitará a queda
vertical do movimento do patrão. Sou aquele humilde charreteiro que ainda
não pôde pagar totalmente o custo do veículo. Sou o modesto operário das
serrarias, das fábricas ou das oficinas. Sou o comerciário e comerciante, o
bancário e o banqueiro, o patrão e o empregado. [...] Eu sou o povo, meus
amigos, o maior cafeicultor do Paraná. Por isso não posso ficar indiferente à
sorte da cafeicultura [...]. (RRB, O Maior Cafeicultor, n.9, 1955: 92).
O que se nota é que de um lado estavam os marginais, os indesejados, os suspeitos, os
perigosos, elementos que queriam ganhar vida fácil, viver sem trabalho. A estes se devia
combater, e proclamava-se na época, que seria justo que fossem tratados assim, pois o
progresso da região era o fruto do trabalho dos humildes, que se identificavam com o
86
progresso da cafeicultura e dela retiravam seu sustento. Dessa forma, buscava-se criar um
vínculo entre os trabalhadores pobres e a elite, pelo trabalho, ordem, progresso e cafeicultura.
O caos urbano, denunciado nos jornais, não era provocado por cidadãos londrinenses, por
pioneiros, mas sim por invasores, por pessoas de má índole.
Pode-se perceber que o autor procurava colocar lado a lado trabalhador e patrão,
fazendeiro e colono, ricos e pobres, dominantes e dominados. Dessa forma, buscava deixar
subentendido que todos deveriam se dedicar ao trabalho árduo, pois a cafeicultura seria como
o laço que unia classes antagônicas em torno de um bem comum, uma forma de extirpar as
contradições sociais inerentes à sociedade capitalista.
Não é fortuito dizer que o artifício utilizado pelo autor do texto, de colocar lado a lado
a burguesia e os trabalhadores, se tratava de um estratagema decorrente da situação da cidade
naquela época. A cafeicultura, em 1955, via o progresso dos anos dourados do início da
década se tornar coisa do passado. A forte geada daquele ano sucedia outra que ocorrera dois
anos antes, e ambas enfraqueceram o poder econômico da cafeicultura.
Segundo Priori (1996), nestes períodos de crise, era comum entre os fazendeiros do
café a mudança das relações de trabalho com seus empregados. O colonato, forma de trabalho
através da qual os trabalhadores recebiam quantia certa por seu trato com os pés de café, era
geralmente substituído pela parceria, uma relação através da qual os trabalhadores dividiam os
rendimentos da produção com os proprietários, perdendo com os possíveis prejuízos na
lavoura. A diferença básica entre colonato e parceria, é que no primeiro caso o patrão arca
com os custos de pagamento dos funcionários, enquanto no segundo a produção é que
determina estes rendimentos. Assim, quando a certeza de lucro era maior, os fazendeiros
optavam, em sua maioria, pelo colonato, pagando uma quantia fixa aos colonos, e ficando
com os lucros de um período de mercado favorável. No entanto, se a situação era de crise,
após uma geada, por exemplo, os fazendeiros sabiam que não poderiam contar com o lucro
certo de outras épocas, assim, dividiam as responsabilidades com os trabalhadores através da
parceria. Ou seja, nas duas formas de trabalho o único prejudicado era o trabalhador pobre,
diante do poder de barganha dos grandes proprietários.
O texto de Moraes é representativo neste momento em que uma geada abalara
fortemente as lavouras cafeeiras, e quando muitos trabalhadores rurais estavam descontentes
em terem que arcar com o ônus da recuperação das lavouras. Foi justamente neste período que
começaram a surgir as primeiras contestações por parte dos trabalhadores rurais sobre suas
87
condições de trabalho, exigindo maiores garantias de ganho e tentando se organizar para
tornarem efetivas tais reivindicações.
Quando Moraes publicou seu trabalho, “O maior cafeicultor”, tentando identificar
todos os trabalhadores da região à dependência econômica em relação à cafeicultura, deixou
subentendido aquele não poderia ser um momento de desunião, mas sim de união de todos.
Isto reflete uma máxima muito comum na época, de que quando as coisas estavam boas,
quem desfrutava das benesses econômicas eram preferencialmente os mais ricos, já quando
tudo ia mal, eram os pobres que mais sofriam. Assim, mobilizava-se a opinião pública em
torno da recuperação da cafeicultura, criando uma imagem negativa dos trabalhadores que
contestavam a situação de exploração vivida nas fazendas de café.
Foi nesta mesma época que alguns estrangeiros chegaram ao Brasil como mão-de-obra
para o campo, mas preferiam o trabalho urbano, e passaram a ser identificados como
elementos de procedência suspeita. Era comum entender os trabalhadores estrangeiros como
rebeldes que normalmente organizavam greves e movimentos contestatórios contra os
patrões. Assim, a burguesia tratava de tentar criar uma imagem negativa destes indivíduos:
Centenas de suspeitos enchem nossas ruas de pasta na mão, vendendo
casemiras, tropicais e linhos; relógios, brincos e pulseiras. As facilidades
que permitem qualquer indivíduo estrangeiro de boa ou má procedência
ilegalmente, instalar-se nessa terra de Santa Cruz, dão-lhe o direito de
pensar que este Brasil é a casa da Noca. (GN, 01/12/1955).
Os imigrantes citados pelo jornal Gazeta do Norte também trabalhavam, não eram
vagabundos, mas eram considerados aproveitadores, pois estavam usando da facilidade em
conseguir autorização para trabalhar no Brasil, e praticando o comércio informal. Assim,
faziam concorrência aos comerciantes instalados, que pagavam impostos e contribuíam para o
progresso da região, e estes eram os mais indignados com a presença dos estrangeiros. Ou
seja, o que se apresenta é que o direito à cidade era restrito, não se poderia participar da vida
do município se não estivesse legalmente trabalhando, construindo casas, enfim, se não se
contribuísse com impostos para o progresso do município e da região.
Esse “direito à cidade” era ambíguo, pois se a todos aqueles que contribuíam
legalmente para o progresso era dada oportunidade de permanecerem na cidade e não serem
combatidos, ofendidos, expulsos, como foi o caso de muitos estrangeiros deportados, em
outro âmbito, era necessário que os grupos se situassem em seus devidos lugares. Foi o que
aconteceu com a prostituição, o problema não era a existência dessa atividade, mas o local em
que era praticada, desrespeitando os limites territoriais impostos pelo poder público.
88
Existiram outros agentes que sofreram com este conflito, pessoas honestas,
trabalhadoras, mas que não faziam parte da elite, e sofriam opressões e discriminações por
parte desta.
A pobreza na cidade não era um fato ignorado, visto que inúmeras eram as campanhas
beneficentes em prol dos necessitados. Estas campanhas se caracterizavam principalmente
pela iniciativa de integrantes da elite, que utilizavam a caridade como meio de afirmação da
idéia de que as desigualdades sociais era fruto natural do destino das pessoas, negando o
conflito de classes e reafirmando a benemerência como uma obrigação dos mais afortunados:
A caridade foi colocada, em Londrina, como solução para o enfrentamento
das manifestações da pobreza nas décadas de 40 e 50 do século XX. A
sociedade civil tinha, portanto, a responsabilidade de controlar os efeitos da
pobreza, bastava apenas apelar aos homens de boa vontade, que todos os
recursos necessários seriam arrecadados e a situação controlada. Até mesmo
as senhoras ligadas a entidades comandadas pelo poder público, como LBA
(Legião Brasileira de Assistência) e APMI (Associação de Proteção à
Maternidade e à Infância), demonstraram na caridade o fundamento de suas
realizações (ALVES, 2002: 380).
As contradições sociais eram reafirmadas como lógicas dentro do processo de
expansão capitalista. A “responsabilidade” da sociedade civil em “controlar os efeitos da
pobreza” era a retórica da época, que foi apropriada pela pesquisadora citada para justificar a
atuação das entidades sociais. Entidades estas que se transformavam em aparelhos
ideológicos, uma vez que consolidavam o discurso da caridade e da benevolência como
obrigações de uma elite bem-aventurada, dando sua contribuição para amenizar o sofrimento
daqueles a quem a sorte havia abandonado.
O processo de atendimento a essas necessidades sociais em Londrina se deu
seguindo os mesmo parâmetros característicos da sociedade brasileira, por
iniciativa das primeiras damas, inicialmente com a preocupação voltada a
ações básicas de saúde, acompanhada por atendimentos especiais e crianças
carentes. As Igrejas e a rede de organização das entidades filantrópicas da
sociedade civil se encarregaram de organizar a prestação de serviços
assistenciais: creches, lares para órfãos, asilos para velhos, hospitais. Como
resultado desse processo, Londrina possui atualmente um maior número de
entidades mantidas pela sociedade civil do que pelo poder público
municipal. Este, por sua vez teve atenções mais voltadas para a questão da
habitação e da saúde, permanecendo como subsidiários da assistência
social, cuja responsabilidade recaiu sobre as Organizações Não-
Governamentais (ALVES, 2002: 259).
O poder público atribuía aos membros da elite a responsabilidade de assistir os
necessitados. Assim, os pobres não eram vistos nem como agentes políticos, nem como
cidadãos autônomos, que pudessem conduzir suas vidas sem uma ingerência do grupo
89
dominante. Este mecanismo reflete o entrosamento entre o discurso da elite e a atuação da
administração municipal, pois ambos entendiam a pobreza como resultante natural do
progresso, e demandas populares eram motivos de campanhas que, ao mesmo tempo em que
atendiam algumas necessidades básicas da população, eram mote de propagandas políticas e
homenagens a agentes da elite, que aproveitavam estas campanhas para divulgarem sua
imagem e de seu grupo.
A assistência social servia como propaganda política e mecanismo de dominação
ideológica. Todo o discurso a respeito da inevitabilidade das disparidades sociais era
contrabalançado pela imagem de uma elite preocupada com a pobreza, interessada em ajudar
os pobres, formando uma comunidade de irmãos que se assistem e colaboram para a melhoria
das condições de vida dos necessitados. A busca era por uma homogeneidade social que na
prática não existia, pois se buscava ocultar um conflito que era latente.
Uma das faces desse conflito foram as discussões quanto ao fato de existirem
mendigos na área central, pois este fato gerava opiniões distintas. Pois mendigos manchavam
a imagem de uma cidade moderna e higiênica, porém eram fruto dessa sociedade, e o discurso
da caridade não deixava de marcar presença. As queixas sobre a mendicância eram comuns:
“(....) cada dia que passa, mais crescente se nos apresenta o número de mendigos em nossa
cidade. Londrina parece um asilo de inválidos [...]”(OC, 08/1952: 3). Ou:
Produto Lamentável de uma Sociedade Indiferente – Urge uma enérgica
medida da autoridade. [...] Neste magote lamentável, contam-se homens
sadios, fortes, capazes de todas as atividades físicas, que não fazem mais do
que [...] recolherem óbulos necessários para a aquisição de bebidas
alcoólicas [...].(OC, 10/1952).
Vale ressaltar que o posicionamento do jornal era controverso. Veja-se o caso da
Estação Rodoviária, porta de entrada de Londrina, um espaço muito procurado por mendigos
e por deficientes físicos que vendiam bilhetes e outros pequenos objetos para sobreviverem.
Quando se proibiu tal prática, o jornal O Combate publicou a seguinte opinião: “Quanta gente
forte, sadia e capaz para o trabalho vive por aí desocupada, encontrando no jogo a fonte de
lucros, enquanto que um inválido, querendo viver do trabalho, disso se vê impossibilitado”
(OC, 10/1952: 02). Assim, enquanto para o poder público a mendicância e o comércio
informal eram práticas que deveriam ser proibidas, em benefício de uma boa imagem da
cidade e do interesse dos comerciantes que pagavam impostos, para o jornal, o discurso ainda
era o da honestidade dos que tentavam sobreviver, e que a prefeitura deveria se preocupar
com os vadios e desocupados. Essa dubiedade de posições demonstra a própria contradição
90
interna dos ideais que se buscavam implantar para a cidade naquele momento: moralidade,
apego ao trabalho, progresso, racionalidade, modernidade, assistencialismo. Estes são ideais
que nem sempre caminham no mesmo sentido, pois do ponto de vista da moralidade cristã,
que prega a caridade e o trabalho honesto, o jornal defendia os mendigos. E a partir do ideal
modernista de cidade racional e ordenada, a informalidade daqueles elementos não poderia ser
tolerada.
O extremo desse conflito ocorreu quando O Combate publicou uma matéria com o
seguinte título: “O prefeito é contra os humildes” (OC, 01/1953, P.01). A matéria continha um
texto parecido com o das anteriores, defendendo a permanência do trabalho informal na
rodoviária. Mas o título evidenciava uma crítica política direta. A posição do jornal era de que
o estado deveria ser o benfeitor dos pobres e garantir determinadas benesses como forma de
promoção social. Esse discurso combatia o posicionamento progressista e modernista da
administração municipal, que buscava ordenar e racionalizar o espaço de acordo com as
prioridades da arrecadação e regulamentação das atividades econômicas.
Dec. 50. Quarta estação rodoviária de Londrina, localizada na rua Sergipe, projeto de João B.
Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi. Atualmente Museu de Artes de Londrina.
Foto: Autor desconhecido. Acervo: Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss.
91
Também transitavam pelos territórios da cidade alguns trabalhadores que eram vistos
de maneira ambígua. Coincidentemente personagens do poema de Aristides Moraes, citado
anteriormente, os engraxates e os charreteiros se tornaram, em certos momentos, alvos de
discussão pública. O poema referido falava desses trabalhadores que viam o progresso da
civilização cafeeira, e eram diretamente vinculados a este movimento. E ao mesmo tempo,
eram indivíduos avessos à imagem modernista da cidade, sua presença no centro era mal
vista:
Baixa o Juizado portaria proibindo aos menores o exercício da profissão de
engraxate ambulante. [...] vem pôr fim a cenas que depõem contra os
nossos foros de civilidade, e que se observam nas ruas mais centrais da
cidade, protagonizadas por grupos de pequenos engraxates, em que
predomina de preferência a linguagem indecorosa”(FL, 23/09/1954: 01,
Grifo Nosso).
Observa-se a comemoração da proibição dos engraxates ambulantes na cidade, mas
esse conflito não cessou por aí. No ano seguinte, os engraxates que não poderiam mais ser
trabalhadores ambulantes, se instalaram em barraquinhas na Praça Willie Davis, segundo a
orientação do poder público. Entretanto, sua presença naquele local era condenada pelos
jornais, que diziam que os meninos não trabalhavam, e sim, “aprendiam malandragens”
naquele espaço.
Os charreteiros também eram alvos de campanhas da imprensa devido à presença de
um estacionamento de charretes na Praça Gabriel Martins, em pleno centro da cidade. Porém,
neste caso não se colocava em dúvida o fato de serem trabalhadores e honestos, mas o que
estava em jogo era a imagem de uma cidade moderna que não poderia conviver com aquelas
cenas pitorescas. Evidenciava-se não apenas os ideais do modernismo que entusiasmava a
elite local, mas também os interesses de uma nascente indústria automobilítisca nacional. À
medida que a década avançava, e o governo nacional estimulava a compra dos automóveis
para transporte de pessoas e cargas, mais a pressão contra os charreteiros aumentava, fazendo
com que eles gradativamente se afastassem do centro da cidade, pois iam se tornando
malvistos pela sociedade.
92
Ponto de charretes na área central da cidade. Foto: José Juliani.
Acervo: Museu Histórico Pe. Carlos Weiss.
Um artigo denominado “O burro e o palácio” (OC, 06/1955, P.05), de título inusitado,
sintetizava bem esta situação. Este se referia à presença de charreteiros estacionados bem ao
centro da cidade, em meio a prédios modernos, criando um contraste que não poderia ser
aceito numa cidade como Londrina, onde a modernidade e o progresso deveriam superar essas
imagens:
De há muito que funciona, bem ali, junto ao Edifício Sahão, um ponto de
charretes, que apesar dos comentários e das críticas às autoridades [...],
tem conseguido resistir e continuar comodamente, sem que alguém
importune seus proprietários. Como nós, todos sabem e reconhecem a
impressão que causa, a quem chega, o degradante espetáculo além do mal
estar, pra nós em sermos obrigados a assistir o mais perfeito paradoxo de
uma cidade que cresce e é metida a ser ‘uma das melhores bem
administradas do interior do país[...]” (OC, 06/1956, grifos nossos).
Esta campanha foi mais frutífera do que a empregada contra os engraxates, pois a
proibição do comércio ambulante dos engraxates não os removeu do centro, apenas os fixou
em determinado ponto. Já no caso dos charreteiros, conseguiu-se que seu estacionamento
fosse removido do centro para uma área periférica e, gradativamente, foram se tornando
figuras raras no centro de Londrina. Com o tempo, os charreteiros se transferiram então para
93
os bairros periféricos, especialmente na Vila Matos, área decaída da cidade, espaço da
prostituição e da Boemia.
Os padrões estéticos modernistas não poderiam conviver com o trabalho informal,
com imagens de atraso, ou seja, a ordem sonhada para a cidade passava pela definição dos
espaços e segregação espacial. Obviamente, percebe-se diferenças entre os discursos dos
jornais: o Folha de Londrina, que apoiava a administração municipal em suas medidas
ordenadoras, modernistas e civilizatórias; e, O Combate, que se usava de idéias parecidas,
mas fazendo oposição à administração municipal. Ainda assim, independentemente da
posição política das empresas jornalísticas, a base ideológica de uma modernidade
excludente, que incluía e excluía as classes populares de acordo com os interesses da elite,
sustentava o discurso da imprensa local.
94
4 – A CLASSE DIRIGENTE DEFINE SEUS ANTÍPODAS
No trajeto percorrido, viu-se como uma elite local constituiu padrões de identificação
sobre a cidade de Londrina a partir de meados da década de 1940. Posteriormente, serão
analisados alguns dos conflitos presentes na definição dos territórios urbanos no início da
década subseqüente. Agora, busca-se elaborar uma análise sobre uma outra espécie de
conflito entre a elite e as classes subordinadas, que sai do plano da disputa pelos espaços e
passa a ter uma conotação distinta, que apresenta aspectos inseridos na questão das práticas
culturais.
Edward Palmer Thompson (1987), Historiador Inglês, identificou no movimento de
expansão da economia capitalista, a constituição de uma sociedade dividida em classes. Num
primeiro momento, parece simples identificá-las como decorrentes da diferenciação
econômica entre os grupos que compõem uma sociedade. Entretanto, Thompson
diagnosticou, que essa classificação da sociedade baseada em aspectos puramente econômicos
se trata de uma forma muito simplista de avaliação do conflito de classes.
Conforme as concepções de Thompson (1987), a classe não é uma categoria a priori,
ela se constitui através das relações humanas, e muitas coisas podem influir na constituição de
uma classe: padrões de comportamento, identidades territoriais, estilos de vida. Ou seja, a
condição de classe é diretamente ligada ao ambiente em que a pessoa vive e às formas com
que ela se relaciona com este ambiente. A metodologia de análise utilizada por Thompson
pode oferecer ferramentas para entender a consolidação da classe dirigente em Londrina.
Primeiramente, se a classe dirigente na década de 1950, à qual denominou-se
“Burguesia Cafeeira”, pode ser entendida como um grupo economicamente abastado, detentor
dos meios de produção e que por isso se constituía como a classe dominante na cidade. Essa
dominação não era decorrente apenas desse poder econômico que possuía. Ela se fazia
também no âmbito da constituição de uma identidade de classe e da ocultação dessa
identidade perante os outros grupos, fazendo-lhes crer que se tratava de um projeto de todos.
A elite criava padrões de identidade assentados basicamente nos ideais de
“pioneirismo, civilização, modernidade e moralidade cristã”. Foram esses elementos que
passaram a fazer parte de um código de condutas que vinculariam os grupos dominantes de
Londrina dentro de uma mesma classe. Esta não se constituía apenas através dessa
identificação por interesses, mas se configurava essencialmente através da constituição de
inimigos em comum. Esses inimigos não se tratavam de pessoas, grupos específicos, ou uma
95
classe em especial, e sim outros padrões de comportamento, outros ideais políticos, outras
formas de entender o mundo e se relacionar com ele. Ou seja, enquanto a elite londrinense
constituía os padrões culturais que os identificaria como uma classe, combatia uma série de
ideais, comportamentos e padrões culturais avessos aos seus interesses e, portanto, avessos ao
que buscavam tratar como a própria identidade da cidade.
4.1 – A presença indesejável da migração nordestina
Em 27/05/1952, a Folha de Londrina publicou um texto que questionava o progresso
da cidade, pois ao mesmo tempo em que atraía pessoas importantes para a cidade e a região,
trazia também “pobres, doentes e, inclusive, nordestinos”. O interessante é o padrão de
classificação que o texto do jornal faz para as pessoas que chegavam à cidade: pessoas
importantes, portanto quaisquer outros que fossem citados não eram importantes. E quem não
era importante? Os que traziam pobreza, os que traziam doenças, e os nordestinos. Veja-se,
portanto, que o fator econômico era relevante, e o fator sanitário também. A questão é
entender qual elemento classificava os nordestinos, se eles não foram citados nem entre os
pobres, e nem entre os doentes, mas como uma categoria extraordinária, à parte do conjunto
dos pobres e dos doentes.
Quatro dias depois, outro jornal publicava a notícia de que seria criado um serviço de
assistência às levas de nordestinos que chegavam à Londrina (OC, 01/1953: 03). Estes
migrantes continuavam sendo estigmatizados, como um grupo de pessoas que necessitava da
caridade, mas que era classificado como uma população que já traz em si uma “verdade”: são
pobres e doentes e sujos.
É este estigma que será analisado aqui, o que não é uma questão simples, pois se trata
da constituição de uma imagem do nordestino como aquele que vem para a cidade para trazer
sujeira, doença e pobreza e que, por conseqüência, não traz o progresso e, por isso, jamais
seria entendido como um cidadão londrinense, pois carregava a marca de ser nordestino.
um estigma que ainda hoje povoa a cultura nacional, nas cidades do Sul e do Sudeste, que
insiste em tratar ironicamente com termos pejorativos como “cabeças chatas” ou “paraíbas”, o
povo do nordeste que veio para essas regiões em busca de melhores condições de vida.
No caso de Londrina, o que é peculiar, é que mesmo uma cidade jovem, ou, como era
chamada, “Cidade Menina”, formada por migrantes e imigrantes de várias origens, os
96
estigmatizados foram os nordestinos, pois não se encontram caricaturas na imprensa sobre os
mineiros, paulistas, cariocas, italianos, japoneses, alemães ou árabes. Quem era tratado
sempre com ironia e preconceitos de forma jocosa, sempre foram justamente os nordestinos.
É interessante observar como essa figura do nordestino foi consolidada pela literatura
jornalística local. A estigmatização aparecia em textos como o do jornal O Combate (01/1953:
03): O título do artigo era sintomático dessa criação de estereótipos: “Retirantes – Temíveis
Jagunços”. Este texto começava dizendo que “(...) O povo daquelas bandas trepou num pau de
arara e debandou, cismado, para o lado de cá (...)”, dando a idéia de um bando de animais
ariscos que trepam num caminhão e vêm alvoroçados para o território “civilizado” da elite
londrinense. Continuando, o autor do artigo destaca que: “Os retirantes chegaram e trouxeram
suas dezenas de filhos [...]”, como se fossem animais que não fazem nada senão se
reproduzirem de maneira desenfreada.
Na seqüência, o texto conta que estes retirantes chegaram às terras do Norte do Paraná
e se deslumbraram com o mar verde que encontraram, como se na região de origem não
existissem áreas verdes. Passaram a trabalhar numa fazenda de café, mas como o trabalho não
lhes era de muito apreço, acabaram por se tornar jagunços em terras de posseiros magnatas.
Explicitando a existência de posseiros na região, não sendo compradores das terras da CTNP,
mas sim elementos que tinham a posse da terra sem a forma de aquisição tradicional, e que
precisavam se defender, contratando jagunços, como os nordestinos, elementos suspeitos que
se aliavam aos posseiros. Enfim, o texto diz tratar-se de uma ficção, algo como uma paródia,
mas não faz mais do que afirmar e reafirmar preconceitos incutidos no imaginário social do
período.
Também a partir desta paródia, é possível entender como a questão da terra era
litigiosa na região, ainda que durante muitos anos a CTNP tenha defendido a idéia de uma
ocupação pacífica. Como já foi observado, o trabalho de Tomazi (1999) questiona
profundamente esta visão de uma ocupação não litigiosa da região, demonstrando como este
olhar foi construído pela própria companhia colonizadora para edificar uma idéia de
legitimidade ao processo por ela empreendia. O texto sobre os “jagunços” apresenta a
existência de braços armados no campo servindo os grandes posseiros que ocupavam a terra
irregularmente, e busca atribuir esta situação à existência da disponibilidade de pessoal vindo
do nordeste para se tornarem seguranças particulares armados. Ou seja, revela ao mesmo
tempo o conflito de terras e busca incutir a idéia de que os migrantes nordestinos contribuíam
para esta instabilidade.
97
Em fevereiro daquele mesmo ano de 1953, o Rotary Club de Londrina lançou uma
campanha de assistência aos flagelados da seca, que enviaria recursos ao Rotary Club do Rio
Grande do Norte, para que distribuíssem entre as famílias de retirantes que sofriam com a
seca. Em 13/03/1953 se lia na Folha de Londrina: “Ninguém poderá negar ajuda aos nossos
irmãos flagelados do Nordeste. Seria antipatriótico e seria desumano negar a eles algum
sobrejo de nossa fartura
(Grifos Nossos). A observação apurada do tom deste discurso
demonstra que os nordestinos eram considerados irmãos porque pertenciam ao mesmo país,
no entanto, o melhor era que permanecessem distantes. O grande mote da campanha era
efetuar uma arrecadação através dos Rotary Clubs das regiões mais ricas do país, para manter
os nordestinos em sua terra natal, de onde não se desejava que saíssem.
É interessante imaginar como esse conjunto de representações acerca do nordestino
abrangeu todo o período pesquisado. Em 1959, O Combate publicou uma matéria com o
seguinte título “Acampou em Curitiba caravana da miséria e do sofrimento”, que continha um
texto do qual se destaca o seguinte trecho:
[...] 15 pessoas morando numa barraca de três metros por quatro (...). Por
todos os estados onde passaram, proprietários de fábricas e firmas
construtoras lhes negaram emprego [...] O grupo pretende ficar em Curitiba
até onde seja possível. Se não conseguirem, irão para o interior do Estado,
onde julgam que poderão empregar-se na lavoura [...] (10/1959: 06).
Novamente o trecho citado ressalta a idéia de que os nordestinos vivem amontoados,
em grupos familiares enormes, com padrões de higiene duvidosos, levando miséria e sujeira
por todos os lugares pelos quais passam. O interessante é notar o alerta que a reportagem faz
sobre estes indivíduos que ninguém quis em lugar algum, e pretendiam rumar para o interior
do estado – leia-se Norte do Paraná – para buscar trabalho na lavoura. Ou seja, havia um tom
de tensão nesta fala, certo receio pela possível vinda desses indivíduos à região. O mais
interessante é saber que o editor do jornal O Combate, grande divulgador dessas idéias
preconceituosas, era Marinósio Trigueiros Filho, um Baiano, portanto, um migrante
nordestino.
Não era só o jornal O Combate que tratava de forma anedótica e preconceituosa os
nordestinos. A discriminação não era sentida apenas nas ações, nas falas diretas, também
utilizava outras formas, mais rudes, mais grosseiras: a chacota e a pilhéria, formas de atacar a
presença nordestina utilizando-se do subterfúgio humorístico, comum nas falas
preconceituosas:
Qual a maneira mais simples de se identificar um elefante? Ora pela
tromba! E o nordestino se conhece pelo chapéu de couro cru e pelas
98
alpargatas. Vem de longe. Ora, pois, trazendo nos olhos a melancolia de
agreste e sombracando redes e esteiras. Busca mercado, trabalho e futuro. E,
na Praça Willi Davis – fez uma parada para ler a ‘Folha’ de Londrina, o
melhor e mais completo jornal do interior (FL, 21/07/1959: 08).
Ressalta-se, portanto, o nordestino como um elemento à parte nas representações
constituídas pelos jornais locais, para demonstrar como se elege um inimigo – que
supostamente representaria pobreza, miséria, atraso, hábitos anti-higiênicos, comportamentos
perniciosos, desleixo, falta de planejamento familiar – como o modelo que não deveria ser
seguido e do qual não queriam proximidade. Quando o nordestino chegava, era estigmatizado,
entrava logo num programa de caridade, que tentava “limpar e educar” esses elementos de
“cultura estranha”.
4.2 – O autoritarismo da moralidade cristã
Se por um lado se criticava um padrão de vida, ou melhor, aquilo que se entendia
como um padrão de vida, o dos nordestinos, por outro lado, a elite londrinense também
buscava todas as formas de oprimir práticas religiosas que não estivessem vinculadas ao
cristianismo. Essas práticas cultural-religiosas eram tidas como perniciosas, pois pertenciam a
um grupo da população que agia contra a “ordem normal das coisas”.
Em 1953, foi aprovado o código de posturas do município, que entre outros, possuía o
Artigo 62, onde se lia:
É expressamente proibido, sob pena de multa:
II - Promover batuques, congadas e outros divertimentos congêneres na
Cidade, Vilas e Povoados, sem licença das autoridades, não se
compreendendo nesta vedação os bailes e reuniões familiares.
A lei entendia que batuques e congadas não eram praticados por famílias, pois só os
bailes e reuniões familiares eram permitidos. E a difusão desse tipo de idéia era muito
presente na cidade, lia-se na Folha de Londrina em 1953: “Será aberta rigorosa campanha
contra curandeiros e macumbeiros, que vierem a ludibriar a boa fé e a ignorância da
população de Londrina” (02/10/1953: 06, Grifos Nossos). Nesse trecho já se qualifica a boa fé
das classes populares de Londrina, que eram consideradas ingênuas e ignorantes, e não
deveriam se deixar ludibriar por valores culturais que não fossem os pré-determinados pela
elite.
99
Para desqualificar essas práticas culturais, religiosas e místicas das classes populares,
a imprensa também tratava dessas manifestações como verdadeiras contravenções e insultos à
moral apregoada como a única possível: “A macumba em apreço, é freqüentada por gente de
todos os naipes, que se misturam comungando o mesmo credo, segundo eles, o ‘baixo
espiritismo’ para concluir madrugada a dentro em promiscuidade imoral” (A macumba come
solta, OC, 09/1955).
Enfim, moralidade e autoritarismo andavam de mãos dadas, tanto na fala do jornal que
representava um ideal de civilização, quanto no próprio texto legislativo, que representava a
legalidade instituída. O lugar das populações pobres e seus costumes eram o da exclusão, da
discriminação. A única forma aceitável de culto religioso, que não deixava de ser um ato
social, era dentro da religião cristã, formalmente institucionalizada na igreja, que poderia se
tornar uma forma de ordenar a cidade através dos costumes religiosos.
O projeto hegemônico da classe dirigente enquadrava uma ampla gama de questões,
desde a ordem ideal para a cidade, os tipos sociais aceitos em seu espaço, até as práticas
culturais e religiosas que eram defendidas como ideais. Desta forma, ao mesmo tempo em que
se criava um ideal de cidade padrão, se praticava uma perseguição muito intensa às minorias
étnicas e culturais.
Além disso, a associação entre o poder público e a Igreja Católica era muito frutífera
para o primeiro, uma vez que aquela instituição religiosa era a mais presente dentro da cidade,
sua força de mobilização social e de barganha política era muito forte. Assim, o poder
público, que era gerido por agentes políticos interessados em ampliar e consolidar suas bases
eleitorais, não hesitava em manter relações muito favoráveis com os valores e ideais pregados
pela instituição religiosa hegemônica. Ou seja, a moralidade cristã, preconceituosa e
autoritária, era muito interessante a uma classe que via nesta postura uma oportunidade de
manter sua dominação e consolidar seus discursos entre a sociedade através de um aparelho
legitimador de sua hegemonia, a Igreja Católica.
100
4.3 – O ‘perigo vermelho’
A crítica que pode ser subentendida de racista às religiões afro-brasileiras ou aos
povos do nordeste, veio elencar alguns dos “inimigos” da elite londrinense na década de 1950,
antagonistas constituídos discursivamente e aos quais se tentava atribuir pontos que os
desvinculassem dos padrões morais, culturais e comportamentais praticados pelos
“verdadeiros cidadãos londrinenses”. Mas havia também um outro inimigo, mais forte,
subsumido, quase oculto, no entanto, paradoxalmente mais presente, mais claro. Era o
comunismo, que ao nível internacional media força com o imperialismo estadunidense na
busca pela hegemonia internacional, e que no plano nacional e regional mobilizava os
trabalhadores urbanos e rurais, buscando a sua sindicalização e a luta por seus direitos.
Estes inimigos foram bem retratados pela elite londrinense, e durante um bom tempo
estiveram em pauta, como alvos que deveriam ser atingidos:
Hoje é dia do trabalho, universalmente comemorado desde 1880 (sic 1890),
quando primeiro afirmaram os operários as suas reivindicações. Nesta parte
do mundo ainda podem os obreiros de todas as raças e credos, felizmente,
pelo seu esforço próprio, se transformar em patrões. Grande vantagem
que a Democracia lhes oferece e que é negada aos que mourejam sob o
regime da foice e do martelo: o credo moscovita que visa torná-los todos
escravos! (FL, 01/05/1955: 01, Grifos Nossos).
Na mesma edição do jornal que publicou a notícia acima veiculada, é comemorado o
sucesso em Londrina em uma associação anticomunista, organizada e dirigida por Gustavo
Branco, que lançava a “Campanha de Educação Cívica e Democrática”, que veiculava
material destinado principalmente a crianças, adolescentes e trabalhadores pobres, trazendo
informações sobre o comunismo e educando-os contra este perigo.
O comunismo não é a fraternidade: É a invasão do ódio, entre as classes.
Não é a reconciliação dos homens: É a sua exterminação mútua. Não arvora
a bandeira do Evangelho: Bane a Deus das almas e das reivindicações
populares. Não dá tréguas à ordem. Não conhece a liberdade cristã.
Dissolveria a sociedade. Extinguiria a religião. Deshumanaria (sic) a
humanidade. Everteria, subverteria, inverteria a obra de Cristo (FL,
06/05/1955: 08).
O curioso é notar que esta campanha foi feita através da veiculação de uma história em
quadrinhos seriada sob o título “O comunismo não compensa”. Ou seja, se efetuarmos uma
breve análise do discurso contido no título da série, pode-se questionar: Por que o comunismo
não compensava? Para quem não era compensatório aderir ao comunismo? Por que houve a
escolha desse título? Não é possível dizer se a escolha do título foi deliberada ou o seu autor
101
se contagiou pela idéia de que o progresso material da região tornaria o comunismo uma
alternativa impensável. Talvez a própria escolha deliberada pudesse ser justificada pelo
imaginário coletivo que pensava a região Norte do Paraná como um lugar onde o progresso
material justificaria os ideais capitalistas de organização social.
Há um outro prisma através do qual a expressão também pode ser entendida: o
enunciado “o comunismo não compensa”, apesar de não haver uma documentação que
comprove a ligação, pode ter sido edificado com a intenção de ser remetido ao famoso dito “o
crime não compensa”. Neste caso, haveria a vinculação explícita entre comunismo e crime, o
que não era incomum na época, especialmente porque a ação comunista também era marginal
dentro da sociedade, tal qual a criminalidade. A seguinte imagem retrata bem esta associação
da imagem comunista com uma certa crueldade criminosa por parte dos seus agentes:
FL, 01/05/1955:10. Acervo: Biblioteca Pública de Londrina.
O conteúdo dos quadrinhos da Campanha de Educação Cívica e Democrática,
expostos a seguir, era educativo, contava a história de um garoto do interior paulista que
cresceu em um pequeno sítio, onde o plantio do Café era a principal atividade agrícola. Este
102
garoto cresceu muito interessado em aprender tudo o que lhe ensinavam, e quando maior
serviu o exército, depois se tornou um bem sucedido empregado de uma fazenda de café,
chegando a ser seu administrador. Quando elementos estranhos chegaram à região para
divulgar idéias de um outro povo entre os trabalhadores brasileiros, a personagem principal da
história, denominada Pascoalino, questionou estes agentes e liderou os trabalhadores na
resistência a essa invasão de idéias estrangeiras. Assim, este trabalhador rural cresceu
politicamente, estreitando os laços entre o capital e o trabalho, e acabou se tornando o prefeito
da cidade e um fazendeiro bem-sucedido.
103
.
FL, 02/07/1955:10. Acervo: Biblioteca Pública de Londrina.
Esta seqüência de artigos foi objeto de uma promoção da Folha de Londrina, através
da qual aqueles que juntassem todos os quadros da série e formassem a história completa
poderiam retirar um cupom e concorrer a uma bicicleta e um rádio em um sorteio. Assim,
104
utilizava-se uma estratégia de divulgação do assunto entre os jovens e trabalhadores pobres,
que eram os mais interessados no prêmio e não por acaso o público alvo da série.
As historietas retratavam muito bem o que deveria ser valorizado pelos jovens e pelos
trabalhadores em geral: amor à pátria, união entre trabalhadores e patrões pelo bem da
sociedade, crescimento pessoal e iniciativa privada para o progresso. O exemplo do jovem
que defendeu os trabalhadores contra idéias estrangeiras é uma síntese da preocupação das
classes dirigentes em Londrina com o processo de sindicalização rural, que se fazia a partir da
entrada de agentes comunistas no campo, para conscientizar os trabalhadores da situação de
exploração a que eram submetidos.
Não se pretende aqui dizer que a propaganda anticomunista fazia parte de um projeto
exclusivo da elite londrinense para minar a penetração comunista no Brasil. Até porque
propagandas anticomunistas existiram no mundo todo desde que o comunismo foi teorizado
por Karl Marx e divulgado por seus seguidores. Durante a segunda guerra mundial houve um
breve período de cooperação entre capitalistas e comunistas, a junção de forças entre União
Soviética e as forças capitalistas dos aliados, levaram o grupo à vitória sobre as forças do
eixo. Entretanto, após um breve período de coexistência pacífica, a partir de 1947 as
pregações anticomunistas se acentuaram como elemento fundamental da Guerra Fria que se
estabeleceu entre Estados Unidos e União Soviética.
O que se propõe é entender que essas propagandas foram assimiladas pela elite
londrinense dentro de um amplo projeto de dominação política, econômica e cultural, que
excluía os valores, comportamentos e ideais de outras classes, para impor à cidade padrões
burgueses de comportamento e sociabilidade, que deveriam ser aceitos e assimilados por toda
a população como se fosse a própria identidade da cidade, como um objetivo a ser alcançado
por todos. Ou seja, as práticas de exclusão utilizadas pela elite londrinense iam desde a
construção de um projeto de preservação da memória de suas conquistas e da constituição de
um espaço urbano excludente, até a veiculação de padrões de comportamento, valores
culturais e ideais políticos que excluíam outras possibilidades de se fazer um projeto amplo de
organização, identidade e história para a cidade. Foi no bojo destas questões que a classe
dirigente em Londrina conseguiu disseminar valores e idéias que consolidariam a dominação
da “burguesia cafeeira” sobre a vida política da cidade.
105
FL, 01/05/1955:10. Acervo: Biblioteca Pública de Londrina.
A relação intrínseca entre os discursos dos intelectuais e as determinações legislativas
reflete como a sociedade política e a sociedade civil estavam entrosadas na construção e
consolidação de um projeto hegemônico sobre a cidade. Entretanto, se esta classe hegemônica
se consolidou em menos de uma década e tornou possível a construção de valores e
representações que ainda hoje se vinculam à imagem da cidade. Deve-se observar que a
situação não era estável, e que os questionamentos a este projeto hegemônico surgiram e se
disseminaram, proporcionando transformações históricas na forma de se representar e se
organizar o espaço urbano londrinense. E por isso, a preocupação dos agentes da elite era
constante com a educação das classes populares, no sentido de arregimentá-las dentro de um
imaginário de comunidade e homogeneidade que não refletia em nada a real situação da
cidade, excludente e conflituosa, repleta de questões indissolúveis e litígios de classe.
106
CAPÍTULO II
As classes populares e os territórios urbanos
107
5 – O POPULAR EM QUESTÃO
A história do Brasil recente demonstra como as classes populares vêm sendo
desqualificadas no que diz respeito à participação nas decisões políticas e nos rumos da vida
social do país. Os momentos de maior participação, através da constituição de partidos
políticos, sindicatos e movimentos intensos defendendo suas reivindicações, foram
abruptamente interrompidos por golpes de Estado, que instauraram regimes ditatoriais, nos
quais as decisões sobre os rumos das classes populares foram tomadas de forma verticalizada,
de cima para baixo, passando por cima das opiniões e exigências dos movimentos sociais.
No capítulo anterior, viu-se que as classes populares foram identificadas como:
migrantes povoando a cidade de novas habitações improvisadas, sujeitos classificados por
uma legislação que pouco fazia em relação às reais necessidades desse povo, a quem os
políticos direcionavam seus discursos. Alvos de campanhas e condenações de grupos que
pregavam a moralidade, a higiene e a liberdade, e acabavam por estigmatizar essas classes,
criando padrões de classificação, distinção e ordenação social, territorial, cultural e religiosa,
que identificavam as livres manifestações das classes populares como desvios da ordem
idealizada.
Neste momento se pretende aprofundar as análises, buscando nesta mesma
documentação o revés, fugir do lugar comum dos discursos dominantes, aprofundando
determinadas questões para identificar as lutas sociais presentes no dia a dia das classes
populares. Neste caso, o que se coloca é o fato de que, como a grande maioria da
documentação disponível a respeito destas classes foi produzida por elementos que não
pertenciam a estes grupos, principalmente jornalistas e legisladores, o que surge são matérias
pautadas, textos direcionados para determinado público, enfoques específicos em abordagens
escolhidas sobre as matérias e documentos legislativos, que não necessariamente contemplam
os aspectos mais importantes nas análises dos grupos sociais.
Se a abordagem dos documentos for articulada com os demais dados sobre o espaço-
tempo da análise, é possível observar como os habitantes pobres de Londrina no período
estudado, não se portaram passivamente diante do processo acelerado de crescimento urbano.
Pois, não assistiram de camarote a esse desenvolvimento econômico, não ficaram totalmente
alheios às crises e depressões, estiveram presentes, participaram com seu trabalho, suas
práticas culturais, suas reivindicações, do desenrolar da história da cidade. O que se busca são
os limites desta participação e os espaços apropriados pelas classes populares dentro da
108
configuração urbana de Londrina.
5.1 – O conceito de classes populares
Quando se realiza o estudo das classes populares deve-se ficar atento para não cair em
conceituações pré-definidas, elaboradas a partir de idéias e estudos de outros contextos, que
não o pesquisado. Por outro lado, também é necessário um olhar criterioso para analisar a
história de um grupo social que não escrevia sua própria história, visto que as fontes
disponíveis para estudos, em geral, são escritas por elementos pertencentes a grupos
dominantes, ou a setores que não propriamente as populações pobres de uma determinada
sociedade. Parte-se do pressuposto de que as:
[...] classes sociais são uma conseqüência das desigualdades existentes na
sociedade. Isto já permite uma rigorosa delimitação dos fenômenos que
entram nos limites da aplicação do conceito de Classe, uma vez que: 1)
torna possível excluir tudo o que entra na categoria das desigualdades
naturais; 2) faz referência apenas às desigualdades que não são casuais e se
revelam de modo sistemático e estruturado (CAVALLI, 1991: 169).
A partir desta definição, das classes sociais como elemento inerente a uma sociedade
que possui disparidades internas, aproxima-se de E.P. Thompson (1997), que difundiu o
conceito de classe vinculado à experiência dos trabalhadores, sendo que a partir de sua
análise, não se pode definir uma classe como um grupo de pessoas submetidas a determinadas
condições de vida, se não existir entre estas pessoas, vínculos que as levem a se sentir
pertencentes a um mesmo grupo. Inclua-se nesse conceito: códigos de conduta, espaços de
convivência, hábitos de sociabilidade, o entendimento do interesse comum, enfim, um
conjunto de elementos que leva os próprios membros da citada classe a tomar consciência de
sua situação e identidade.
Não se analisa, no presente trabalho, um conjunto de pessoas ao qual se pode
classificar como classe operária, porém, se busca desenvolver o conceito de “classes
populares”. Mas se o conceito de classe é problemático, o de popular não deixa por menos.
Popular é um termo que se atribui a muitas situações: desde uma notícia no jornal que chama
de “populares” os passantes que presenciaram um acontecimento em praça pública; passando
por uma pessoa que ganha fama adquire “popularidade”; até o termo popular surgido da idéia
de povo, que seria mais ou menos uma multidão sem rosto, ignota, arregimentada e por um
líder carismático, como uma definição pejorativa do termo “populismo”; ou mesmo como
109
uma camada social protestando contra fatos e ações aos quais se opõem, através das chamadas
“manifestações populares”.
Segundo Thompson (1997: 10), “a classe acontece quando alguns homens, como
resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade
de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se
opõem) dos seus”. A partir desta definição, torna-se possível aproximar o conjunto dos
trabalhadores pobres de Londrina do conceito classe, especialmente pela possibilidade de
encontrar seu elemento de identidade, que se aloca parcialmente na questão do território e da
exclusão espacial a que eram submetidos e de como o poder público realizou uma demarcação
do espaço a eles atribuído.
Como não se preocupava em estabelecer um termo específico para classificar as áreas
pobres da cidade, o poder público optou por denominá-las “setores populares”. Hall (1984)
demonstrou que a idéia de classe existe a partir do conceito de luta, como havia sido
estabelecido por Thompson. No entanto, no bojo das categorias sociais, surge o conceito
“popular”, que não existe em si, mas a partir da luta entre uma classe oprimida e uma classe
opressora. Sendo que para esta classe dominante, o popular existe para ser dominado, mas a
dominação não pode ocorrer sem resistência e luta, ainda que estes embates não sejam
facilmente identificáveis.
Entende-se assim o conceito popular como uma categoria de classificação, utilizada
pelas classes dominantes para descrever os denominados. Essa acepção pode ser aceita no
presente trabalho, mas apenas como elemento de análise da retórica utilizada pelos grupos
dirigentes para se referir à população pobre. No entanto, quando aqui se fala em classes
populares, o foco de análise é mais amplo. Thompson (2002) chamou de multidão o setor da
população inglesa que se constituía de trabalhadores pobres, não categorizados por um ofício,
nem pelo local em que moravam, mas sim pelos interesses e costumes que tinham em comum.
O historiador inglês analisou as revoltas populares, como eventos que proporcionavam a
integração de uma classe não organizada em comitês fabris ou sindicatos, na qual se
enquadravam elementos de origens diversas, mas que tinham em comum a situação de
exclusão social, de serem oprimidas e exploradas por grupos dominantes.
No presente caso, utiliza-se o conceito de “classes populares” para fazer referência a
uma grande massa de habitantes pobres que povoou e ainda povoa as áreas periféricas da
cidade de Londrina. Excluídos das benesses da riqueza e do poder, oprimidos e explorados,
vivendo sob condições adversas, sendo classificados e retratados por setores das elites, esta
110
população pôde criar vínculos identitários que a constituiriam enquanto uma classe social.
Portanto, por um lado tem-se a utilização do termo “popular”, inserido na fala dos jornais,
livros, textos legislativos, enfim, em toda a produção documental utilizada nesta pesquisa
como forma de referência à população pobre da cidade. Por outro lado, utiliza-se a idéia de
“classes populares”, como uma melhor alternativa ao termo “popular” empregado na época, e
também como forma de inserir esses habitantes como agentes históricos ativos, um grupo que
poderia criar padrões de identificação e rebelar-se contra a situação instituída, além de
organizar-se independentemente e não apenas como sujeitos passivos nos processos
históricos.
Busca-se aqui entender a inserção das classes populares na história da cidade como
um todo, especificando como esses atores sociais agiram durante o desenvolvimento das
políticas urbanísticas que lhes diziam respeito, ainda que esta ação não tenha se pautado por
movimentos estruturados e organizados com objetivos específicos. Algumas manifestações
espontâneas e não difusas podem ser entendidas como focos de resistência, e as alterações na
legislação no decorrer dos anos podem ser significativas para entender como a postura das
classes populares pode ter influenciado, ou ao menos funcionado como mecanismo de
pressão, em relação às ações do poder público e da iniciativa privada sobre o espaço urbano.
O Estado, neste trabalho, é entendido como um espaço de disputa, e não como agente
de conciliação entre as classes. Assim, se o poder público é claramente dominado por uma
classe dirigente como interesses específicos, suas ações não podem ignorar que a sociedade é
formada por classes com interesses divergentes. E a satisfação de determinadas demandas das
classes subalternas torna-se um instrumento de hegemonia, uma forma de manter sob seu
controle determinadas aspirações dos setores populares. Ou seja, a mudança na forma com
que o poder público trata a questão dos espaços populares na cidade, não significa
necessariamente a satisfação dos desejos e reivindicações daquela população. Mas a
possibilidade desta classe se tornar uma ameaça à hegemonia torna necessárias atitudes no
sentido de satisfazer determinadas demandas básicas, ainda que estas medidas sejam em geral
paliativas e não contemplem a totalidade dos habitantes necessitados de tais melhorias.
Desta forma, há a busca pelas classes populares enquanto um problema presente, uma
questão a ser resolvida pelo poder público e pela elite local. Neste caso, nem sempre as
classes populares agiram no sentido de reivindicarem, de forma ampla e organizada, seus
espaços, e a preocupação da pesquisa não é necessariamente esta, mas entender os limites da
participação popular naquele período, se esses limites foram alargados com o decorrer dos
111
anos e se estas mudanças significaram uma transformação nos parâmetros de cidadania da
época.
5.2 - A imprensa local e as classes populares
Como citado anteriormente, os textos da imprensa local foram os documentos mais
utilizados durante as investigações dessa pesquisa. Também já se analisou como estes escritos
retrataram as representações da elite londrinense sobre a história da cidade, sobre suas formas,
sobre seus padrões de comportamento, enfim, a imprensa local servia como meio de
divulgação dos ideais e ambições das classes dirigentes, sendo seu principal meio de
expressão.
Note-se a receita de sucesso do principal jornal da época, a Folha de Londrina,
explicada por um de seus antigos diretores, Walmor Macarini:
Porque os poderosos, em verdade, estavam noutra. Queriam mesmo era
curtir o dinheiro que, honestamente, ganhavam (Tudo era honesto naquele
tempo); curtir suas amantes; preservar, é verdade, sua vida familiar (e para
isso cuidaram também de construir o Country Club). Os jornalistas
conviviam bem com eles, eles conviviam bem com os jornalistas. Nós
escrevíamos a história de seus sucessos, eles escreviam a história dos
jornais. Porque, sem essa gente tão diferente que aqui aportou, o jornalismo
não teria frutificado. No que respeita a nós da “Folha de Londrina” que é o
jornal onde só e sempre trabalhei, acho que aprendemos a falar a linguagem
dos homens desta terra. Se tivemos sucesso, foi por isto (MACARINI Apud
TRIGUEIROS FILHO e TRIGUEIROS NETO, 1991: 66).
O que se pode verificar, portanto, é a existência de consciência, por parte do jornalista,
das relações de poder existentes na cidade naquela época. Assim, os jornais que servissem aos
interesses dos grupos dominantes teriam maior probabilidade de obter sucesso comercial,
como foi o caso da Folha de Londrina, ainda hoje em circulação, tendo se revelado um grande
empreendimento comercial desde sua fundação em 1947. Entretanto, se a documentação
jornalística pode revelar os interesses, ambições e ideais da elite dominante na época
pesquisada, esta também é a grande fonte para análise das classes populares, não como porta-
voz dos interesses e pontos de vista desta camada da população, mas como documentos
históricos que nos possibilitam entrever a situação e atuação dessa população no cotidiano da
cidade.
Analisar as manifestações das classes populares sobre a configuração urbana da cidade
112
é um trabalho complexo, devido à dificuldade em encontrar fontes a este respeito. Como o
texto da lei é muito genérico, não identifica os agentes sociais, a não ser pelo termo popular,
que é impreciso, se torna necessário buscar nos documentos jornalísticos essa manifestação,
com a consciência de que estes documentos também são imprecisos, mas sua diversidade
deixa mais espaço a interpretações diversas, que permitem um maior campo de análise.
A Folha de Londrina foi o jornal eleito ou que se auto-elegeu como
representante oficial dos interesses dessa elite do café. A sua postura
editorial foi muitas vezes repetida em seus editoriais – era de apoiar a todos
aqueles que estavam no poder (HARA, 2000: 16).
Segundo Capelato (2003), o jornal é um “veículo de ideologia muito particular”. A
empresa jornalística age em dois sentidos, por um lado é difundida como veículo de
informação dentro da sociedade, e como tal não pode transfigurar os fatos relevantes. Mas por
outro lado, a notícia é editada e enquadrada numa linha específica de pensamento, que se
formula a partir dos pressupostos políticos ideológicos propagados pelos agentes gestores
desta empresa. Assim, o jornal busca se fundamentar sobre o discurso da “objetividade”, da
“imparcialidade”, para obter sucesso empresarial e simultaneamente ocultar sua real posição
enquanto agente indutor de ideologias:
As metáforas óticas adotadas para definir a imprensa têm um significado
ideológico exato. A caracterização do jornal como espelho, reflexo ou vista
da sociedade, do país ou da nação faz com que ele assuma a aparência de
uma coisa “verdadeira”: a imprensa espelha o real, ou seja, a verdade. A
sociedade, o país ou a nação configuram-se como objetos exteriores
refletidos (diretamente) na consciência do jornalista – esse sujeito
conscientemente expressa, no jornal, a realidade de modo fiel. Nessa forma
de representação, as relações sociais que engendram a produção do jornal
desaparecem. O social, fragmentado, dividido e marcado pelo conflito,
pelos interesses contraditórios, oculta-se na aparência de um todo uniforme
e indiviso. A representação do mundo apresentada pela imprensa a seus
leitores é marcada pela ilusão da harmonia. Essa ilusão não significa erro ou
mentira: ela é real e ilusório é seu modo de aparecer. A ideologia veiculada
pelos jornais tem o seu lado de verdade; a verdade da imprensa é seletiva,
particular, produzida por muitos e sempre de acordo com interesses
inseridos na lógica dessa empresa que é uma instituição pública e privada e,
como tal, produz uma mercadoria comercial e política (CAPELATO,
2003:147).
A postura ideológica de um jornal como a Folha de Londrina, na década de 1950, era
efetivamente favorável aos interesses da incipiente burguesia cafeeira que ditava os rumos da
cidade. Porém, buscava-se ocultar essa base ideológica a partir da cobertura total do dia a dia
da cidade, apresentando notícias sobre vários temas: política, economia, esportes, notícias
internacionais, o cotidiano da cidade, enfim, toda uma gama de temas que dessem uma
113
impressão de que o jornal era o porta-voz da cidade, e que seu leitor estaria por dentro de
todos os assuntos importantes.
Assim, a postura daquele jornal, defensor árduo da imagem de uma cidade próspera e
moderna, resultante dos sucessos dos grandes capitalistas, como um grande divulgador dos
ideais da burguesia local, como aparelho ideológico da classe no poder, esbarrava na
necessidade do jornal manter o discurso da “objetividade”, da “cobertura total”, da
“imparcialidade”. É dentro deste espaço que se pode encontrar informações relevantes sobre
a história das classes populares em Londrina, e por mais que se esforçasse por construir uma
imagem ideal de cidade, o jornal não poderia se negar a publicar notícias sobre a camada
majoritária da população local, os pobres.
O primeiro passo nas análises dos textos jornalísticos sobre as classes populares em
Londrina foi dado no capítulo anterior, quando se observou como os interesses da classe
dirigente fizeram com que os grupos populares fossem classificados, estigmatizados,
ordenados, pelos discursos moralistas e autoritários dos textos jornalísticos. Além disso, as
análises de outros trabalhos historiográficos identificaram, especialmente na década de 1950,
o processo de construção de uma cidade dualista, dividida entre seu lado bom e seu lado mau.
O maniqueísmo da imprensa inspirou estudos sobre as dicotomias: civilização/barbárie
(ADUM, 1991), centro/ margens (BENATTI, 1997), ordem/ desordem (ROLIM, 1997).
O que se pode detectar é a existência de outros discursos surgidos especialmente a
partir de meados da década de 1950, que passaram a reconhecer Londrina como uma cidade
grande, multifacetada, de uma população diversificada, onde os elementos populares e
marginais se confundiam, na qual as classificações se tornavam cada vez mais imprecisas
diante do processo amplo de crescimento da cidade. Além da perda gradual da coesão entre os
elementos da elite, pois os discursos sobre a ‘capital mundial do café’ e sobre o ‘pioneirismo’,
disputavam espaço com a constatação da situação real de uma cidade com problemas e
características que pouco a diferenciavam de outros centros urbanos:
Londrina, Capital do norte – Bonita Paisagem, todos hão de conhecer! Isto é
Londrina. Uma cidade onde, apesar do dinamismo que transpira e das
fortunas de muitos de seus habitantes, existe muita miséria espalhada,
muitas crianças abandonadas, muito problema a ser resolvido. Uma cidade
que, como se vê, em nada se difere das demais do Brasil. Ou do mundo (FL,
08/06/1956: 01).
A partir da percepção de uma cidade em amplo processo de urbanização, com uma
população heterogênea e com problemas urbanos típicos, as classificações dos sujeitos
114
deixaram de ser prioridade nos textos jornalísticos. Passou-se a diagnosticar a situação caótica
do espaço urbano, notar como determinados segmentos sociais passaram a se organizar e lutar
por seus direitos, como o poder público precisava tomar medidas para satisfazer as
necessidades das classes populares, enfim, os campos de abordagem da imprensa se
ampliaram assim como a própria vida na cidade se transformava.
A década de 1950 se iniciou com a euforia pelo desenvolvimento da cultura cafeeira
como alavanca para o progresso da região Norte do Paraná. O desenvolvimento econômico se
refletiu na intensidade da imprensa londrinense em retratar esse progresso, em aclamar os
vencedores e os grandes beneficiários do desenvolvimento econômico. Entretanto, desde cedo
o avesso do progresso era também detectado: os suspeitos, os marginais, os miseráveis. Mas a
relação que se fazia, era que se tratava de um problema “natural” do desenvolvimento, uma
conseqüência do acaso, que alguns enriquecessem enquanto outros permanecessem na
miséria, que alguns tivessem vocação para o trabalho enquanto outros eram desviados da
moral dominante.
No decorrer da década, com o avanço do crescimento demográfico da cidade e o
agravamento dos problemas urbanos, essa realidade passou a ser encarada de forma diversa.
Os problemas de infra-estrutura urbana, de alocação da população pobre, passaram a ser
tratados como responsabilidade do poder público. A presença da miséria, da falta de
equipamentos urbanos em determinadas regiões, o surgimento de muitos terrenos e habitações
irregulares, as primeiras favelas, não eram mais tratados mais como problemas decorrentes do
progresso que atraía os incautos, nem como uma questão a ser enfrentada pela filantropia.
Ressaltava-se os problemas infra-estruturais de uma cidade que crescia aceleradamente
enquanto a principal responsável pelo seu desenvolvimento, a cafeicultura, estava em um
período de incertezas, e ao final da década já não se “andava sobre dinheiro”:
Assaltados por esses temores e inseguranças quanto ao próprio futuro da
cafeicultura, as elites – certamente um pouco reconfortadas como os sinais
positivos de 1959 – festejaram o Jubileu de Prata. A crônica histórica do
ano jubilar testemunha essa escansão entre o desejo de prolongamento da
ordem estabelecida – o Eldorado Cafeeiro – e o assalto da dúvida quanto a
esta possibilidade (ARIAS NETO, 1993: 243).
A esta altura, em 1959, quando Londrina comemorava 25 anos de sua emancipação
política, houve muitas publicações notáveis da cidade refletindo sobre a importância desta
data, sobre o desenvolvimento histórico da cidade, os pioneiros, o progresso, a cafeicultura.
Entretanto, nota-se, como bem assinalou Arias Neto (1998), uma nostalgia em relação à
cafeicultura, que havia entrado naquela década em franco processo de expansão, mas que
115
devido a duas fortes geadas, 1953 e 1955, havia se tornado uma cultura frágil que não
despertava mais tanta confiança nos seus investidores, criando uma insegurança na elite
cafeeira e uma redefinição no direcionamento de seus investimentos.
Neste período, mesmo com uma leve recuperação da cafeicultura, já se falava em
resolver o problema da pobreza na cidade investindo-se em indústrias e diversificando a
economia, sanando os problemas de habitação, enfim, não se tratava mais de glorificar o
progresso da cidade e atribuir aos elementos marginais e transviados as cenas de pobreza e
contradição social. Londrina já não era mais tratada simplesmente como uma terra
abençoada, e sim como uma cidade que enfrentava problemas graves de infra-estrutura que
deveriam ser sanados.
5.3 - Os territórios urbanos
A primeira evidência da segregação sócio-espacial das classes populares em Londrina
havia se manifestado já na sua planta inicial. A divisão entre áreas de alto padrão e regiões
populares, instaurada na Lei nº 133/51, não era inédita na cidade. Pouco tempo depois de a
CTNP ter iniciado a venda dos lotes da futura Londrina, em 1929, a empresa resolveu
também lotear um espaço externo ao plano inicial, para que trabalhadores mais humildes
pudessem ter seu pedaço de terra na cidade.
Na demarcação desta área externa, ficou definida uma fronteira física entre os lotes
maiores, mais bem equipados, e os terrenos populares. O espaço que seria concedido à
construção da linha férrea, que viria a ser instalada poucos anos após a abertura da mata,
serviu como a fronteira entre os lotes mais caros e bem equipados, que ficaram do “acima da
linha”, e aqueles destinados aos compradores mais pobres, que ficaram “abaixo da linha”. Os
diretores da CTNP buscaram constituir um espaço loteado com terrenos menores, quase sem
infra-estrutura, que servisse de moradia a trabalhadores urbanos pobres, sem condições de
adquirir os lotes maiores da parte de cima da marca divisória.
Esta fronteira física permitiu que os grupos dominantes ficassem ao alto, como uma
forma de reafirmação de sua situação de dominação. Enquanto os pobres estavam abaixo,
olhando todo dia os prédios e casarões lá em cima, sentindo-se como pertencentes a essa
cidade, vigiados por ela, no entanto sem poder ter acesso a esse alto, devido à linha do trem,
que após a finalização de sua construção, passou a servir também de barreira física e
116
simbólica a estes trabalhadores pobres, constituindo-se historicamente um imaginário a
respeito da divisão entre: a cidade, acima da linha; e as vilas, abaixo da linha.
Dentro desta perspectiva, conduzimos reflexões a respeito da estruturação
espacial urbana londrinense projetada, de um lado, pelos planejadores da
frente pioneira, na parte mais alta da cidade – acima da ferrovia, (espigão) –
ocupada, sobretudo, por migrantes com mais recursos de capital; de outro, o
processo urbano desencadeado na parte baixa – ‘abaixo da linha’ – (férrea)
e ocupada por migrantes que, com grandes dificuldades, aplicaram em
novas terras o seu pequeno capital (MAIA, 1993: 28).
Mapa da área urbana de Londrina, 1934, incluindo o
loteamento abaixo14a linha férrea.
Autor Alexandre Rasgulaef.
Acervo: Museu Histórico Padres Carlos Weiss.
O que aconteceu durante décadas em Londrina foi uma expansão da periferia que
ficava abaixo da linha. Em redor daquelas primeiras quadras, traçadas pela CTNP, abaixo da
linha do trem, foram surgindo novos loteamentos populares, fazendo com que a área norte da
cidade se expandisse, tornando-se uma grande aglomeração de casas de madeira, de ruas
estreitas e mal tracejadas, onde faltava água encanada, redes de esgoto, luz elétrica. Enfim, a
definição de territórios urbanos já se dava no início da constituição da cidade, e o crescimento
só veio reafirmar essa divisão entre ricos e pobres, entre dominantes e dominados: “(...) morar
‘abaixo da linha’ [...] não manifesta apenas uma separação física, mas tem outros
117
significados: de distinção social, de menor valor econômico dos terrenos, das ocupações
secundárias e do esquecimento pelos órgãos municipais [...]” (MAIA, 1993: 56).
Essa situação era vivida cotidianamente, os jornais denominavam os aglomerados
situados abaixo da linha como vilas, e não como bairros. Ou seja, a distinção bairro / vila não
era técnica, não demarcava o tamanho da área, ou a espécie de uso dos solos, mas sim a
situação social dos moradores e a região da cidade que habitavam. A prefeitura, na década de
1950, proporcionava melhorias urbanísticas nas áreas acima da linha, enquanto as “vilas”
abaixo da linha, que não paravam de crescer, eram praticamente esquecidas pela
administração municipal. Cada vez que a prefeitura anunciava a instalação de redes de água
tratada, de luz elétrica, de calçamentos nas áreas pobres da cidade, o jornal anunciava no
título da matéria: “Festa nas vilas”. O título repetitivo das notícias, sempre na última página
do primeiro caderno, na coluna Ronda Pela Cidade, que não ocupava mais que algumas
linhas em letras pequenas, demonstrava a insignificância das camadas populares para a elite
da cidade e para o poder público, ou seja, quando fossem lembradas, deveriam festejar.
A cidade da elite, da qual o jornal Folha de Londrina era o porta-voz oficial, não
poderia omitir o tempo todo à existência da outra, a cidade de baixo, do populacho, da plebe
rude, que era ativa e, mesmo que se tentasse sempre abafar suas vozes, às vezes era inevitável
que surgissem aos olhos dos leitores dos periódicos locais. Assim, pode-se encontrar matérias
formuladas a contrapelo do discurso oficial e da linha editorial do periódico.
Um caso singular e muito significativo ocorreu em 25/03/1958, na própria coluna
RPC, quando o signatário da coluna comentou a carta de um leitor à redação do jornal. Este
leitor, residente na área norte da cidade, reclamava sobre a baixa infra-estrutura na região da
cidade em que morava. O mais relevante é que o leitor acentuava o sentimento de exclusão
dos moradores das vilas abaixo da linha, e encerrava a correspondência com o seguinte
questionamento: “Será que o perímetro urbano termina na via férrea?” (FL, 25/03/1952: 08).
A percepção de que os novos investimentos do poder público na cidade eram
preferencialmente direcionados à região central e aos bairros acima da linha, provocava
indignação dos moradores das áreas de baixo. Não era raro surgirem notícias a respeito da
situação destas regiões da cidade, muitas vezes em textos mínimos, de pouco destaque no
contexto do jornal, mas que deixavam transparecer a insatisfação da população pobre quanto à
situação que enfrentava.
.
118
Vista parcial do centro de Londrina, da Estação Ferroviária e de
um trecho abaixo da linha férrea.
Década de 1950. Acervo: Museu Histórico Pe Carlos Weiss.
Em 1952, o jornal Folha de Londrina anunciava a edificação do Loteamento Shangri-
lá, o “mais moderno” da região, inspirado em projetos do famoso engenheiro Prestes Maia. O
que este loteamento tinha de novo era o traçado não retilíneo das ruas, com amplas vias
arteriais que cortavam os lotes e desembocavam em praças e rotatórias. As curvas das vias
traçadas acompanhavam o desnível do terreno, sendo anunciadas como uma inovação técnica
do urbanismo moderno.
Uma característica interessante é que esse bairro possuía e ainda hoje possui ruas
muito extensas, apropriadas para os moradores que se locomoviam por meio de automóveis
particulares, e o acesso de uma rua a outra dentro do bairro era feito por vielas, uma medida
econômica de aproveitamento do solo, evitando gastos com investimentos em vias
transversais, que ocupariam também muitos terrenos vendáveis.
No urbanismo, destaca-se o projeto de implantação do Jardim Shangri-lá na
zona oeste da cidade. Os conceitos introduzidos alteraram tudo o que vinha
sendo feito desde a primeira planta elaborada por Alexandre Razgulaeff
com as ruas em traçado ortogonal, independente da topografia. Elaborado
pela equipe do engenheiro Prestes Maia, que fez os ajustes topográficos
119
assumindo a responsabilidade do projeto para sua implantação. As diretrizes
viárias já não eram mais ortogonais, acompanhavam as curvas de nível da
topografia, constituindo um traçado em curvas, com hierarquia viária de
avenidas e ruas locais, localizando vielas nas quadras para que os pedestres
não percorressem longos percursos entre uma rua e outra. Após a
implantação do Jardim Shangri-lá, os novos projetos de loteamentos seriam
elaborados seguindo o conceito das diretrizes viárias compatíveis com a
estrutura macro-viária da cidade, sendo inclusive adotado pela prefeitura
(BORTOLOTI, 2007: 98).
O que é necessário ressaltar quando se traz à tona a questão do loteamento Shangri-lá,
é como a elaboração desse projeto foi introduzida de fora, conforme citado, entretanto
incorporou os padrões de classificação social presente na cidade desde sua fundação. O
loteamento Shangri-lá era dividido em quatro áreas, Shangri-lá A, B, C e D. A linha do trem
cortava o loteamento ao meio, e apenas o setor A, dos lotes mais amplos, das vias mais largas,
ficava acima da linha do trem. Os demais setores: B, C e D, ficavam abaixo da linha
*
. Os dois
primeiros setores, A e B, ainda hoje carregam o nome original de Shangri-lá, entretanto, os
dois outros setores sofreram um processo de subdivisão dos terrenos, sendo posteriormente
renomeados de Jardim do Sol:
A história do bairro ‘Shangri-lá’ é expressiva desse processo de
deterioração da estrutura urbana. Um corretor começou comprando uma
antiga fazenda de 25 alqueires, na periferia urbana, loteou-a em quatro
níveis e começou o loteamento com lotes grandes. São procurados por
fazendeiros e homens de posses. Só um deles compra 40 lotes. Com a
geada e o colapso da economia cafeeira, o projeto entra em declínio. Nesse
momento, o vereador-empresário adquire outra área do mesmo loteamento,
depois das linhas da estrada de ferro e reduzindo o tamanho dos lotes
procura atrair uma clientela de baixa renda. Daí nasceu o ‘Jardim do Sol’.
Os lotes eram pagos em 80 a 100 prestações. A conseqüência imediata
desse afluxo foi a desvalorização do bairro. A fim de pagar mais
rapidamente as prestações os novos moradores construíram mais de uma
casa no lote para fins de locação. O resultado era a favelização. Os que
melhoravam de vida partiam e cediam lugar a outros na mesma faixa
social. Já então o preço do café e a facilidade de emprego ajudavam essa
rotatividade dos moradores (RIOS, 1979: 14).
No fim daquela década, se lia o seguinte anúncio: “EXATO, os maiores sucessos
imobiliários de Londrina sempre foram iniciativas de ‘Dagon’. Agora aí vem: ‘Jardim do Sol’
- Um Loteamento Popular – Água – Meio Fio – Arborização. 10% de entrada e 5 anos, sem
juros [...]” (RRB, 1958, n 9: 17). A propaganda ressaltava o fato de que se tratava de um
loteamento popular, e que possuía boa infra-estrutura e condições de pagamento acessíveis.
*
Na década de 1970 a via férrea foi removida da sua localização original, entretanto permanece,
simbolicamente, a cidade dividida, pois no lugar da linha do trem foi construída uma ampla avenida, uma artéria
nomeada Avenida Arcebispo Dom Geraldo Fernandes, e que é conhecida como Avenida Leste-oeste. Uma
fronteira visível dessa demarcação, pois qualquer um que transite por esta via percebe a diferenciação nos
padrões de construção e urbanização das áreas divididas por esta avenida.
120
Esta situação pode refletir o fato de que naquele momento haveria um mercado consumidor
em ascensão para aquele tipo de empreendimento, mas não assinalava o fato de que o local
definido para um loteamento deste tipo seria abaixo da linha férrea. Entretanto, não é só o
traçado ou a configuração espacial do bairro Shangri-lá que demarcam o sentimento de
diferenciação entre os habitantes pobres e os mais abastados da cidade. A evolução urbana e
as políticas públicas serviram para acentuar esse caráter de distinção social e exclusão dos
menos favorecidos economicamente.
No início da década de 1950 era freqüente a reclamação de moradores da região
central quanto à poeira que invadia as casas durante os períodos de estiagem, e à lama que
atolava as conduções nas épocas chuvosas. Dez anos mais tarde isso já não era mais
problema, toda a área que formava o quadrilátero central da cidade, acima da linha, já estava
quase completamente coberta de asfalto ou outras espécies de calçamento, enquanto as vilas
reclamavam da falta de atenção do poder público, dos atoleiros, da poeira, da falta de água,
esgoto, coleta de lixo: “[...] moradores da Vila Recreio queixam-se de que há muito tempo os
coletores de lixo ‘não dão o ar da graça’ naquele bairro” (RPC, 28/04/1960:08).
Vista parcial do Loteamento Shangri-lá A. À direita a linha do trem
parte do loteamento ‘Jardim do Sol’. Década de 1950. Acervo: Museu
Histórico Pe Carlos Weiss.
121
Vila Recreio, Vila Cazoni, Vila Nova, Vila Santa Terezinha, Vila do Grilo, Jardim do
Sol, Vila Yara, Vila Brasil, entre outras, foram por diversas vezes palcos de protestos e
reivindicações populares. As associações de moradores se desenvolviam nestas regiões e
serviam como foco de pressão sobre o poder público. Os políticos profissionais aproveitavam
a situação instável para ganhar a confiança do eleitorado:
Atendendo apelo de moradores das Vilas do Grilo e Santa Terezinha, o
vereador Otássio Pereira da Silva, encaminha indicação à Câmara para
construção de ponte ligando as referidas vilas. O vereador participará
também de reunião no “Clube do Grilo” para a discussão e encaminhamento
para outros problemas, como o loteamento do bairro e a criação de uma
escola primária (FL, 10/08/1960: 08).
Assim ficava demarcada nitidamente a fronteira entre a Londrina dos beneficiados
pela era de ouro do Café, devidamente pavimentada, bem iluminada, com grandes edifícios e
mansões suntuosas, redes de água e esgotos; e a Londrina dos excluídos deste progresso. Uma
cidade cheia de problemas urbanos nas vilas que não cessavam de surgir cotidianamente, onde
iluminação e água encanada eram privilégios de poucos, calçamentos e redes de esgoto eram
apenas para os bairros importantes.
As associações comunitárias, como o “Clube do Grilo” eram formas de organização
dos trabalhadores para reivindicarem melhorias urbanísticas nas suas regiões. Porém, não foi
possível encontrar dados precisos em documentos sobre a atuação destas entidades. Elas
surgiram nas áreas mais carentes da cidade, lideradas por moradores locais e políticos que
faziam suas campanhas em nome dos habitantes destes bairros. Não existem evidências de
que estas organizações tenham se estruturado a ponto de pressionar o poder público de forma
articulada e direcionada, com ações de grande vulto. Mas sua existência demonstra um
princípio de tomada de consciência por parte dos trabalhadores da necessidade de agir sobre o
seu espaço, da percepção de sua situação de excluídos dos centros decisórios do poder local.
Quando se fala em participação popular, especialmente no que se refere aos anos 1950
e 1960, deve-se levar em conta o contexto político daquela época. Uma sociedade que
carregava pesadas heranças de uma política autoritária que se refletiu em uma república
inicialmente oligárquica e posteriormente ditatorial. Assim, o pós 1945 foi um período de
aprendizagem política para as classes populares no Brasil, este aprendizado foi gradualmente
proporcionando avanços na democracia, o que efetivamente não foi capaz de constituir uma
cidadania plena entre os trabalhadores pobres.
122
Para se ter uma idéia do baixo grau de adesão política dos grupos populares naquela
época, pode-se ressaltar o fato de que nas eleições que ocorreram em Londrina entre 1951 e
1968, o percentual de votantes foi muito baixo em relação ao total da população. Notando-se
um acréscimo gradual nestes números a cada nova eleição.
Ano População Total (Aprox.) Numero de Votantes Percentual
1951 61.000 7.781 12,7%
1955 100.000 12.942 12,9%
1959 128.000 24.706 19,3%
1963 154.000 28.241 18,3%
1968 200.000 52.195 26,1%
Tabela elaborada a partir dos dados de ARIAS NETO (1993: 199) e CESÁRIO (1986).
Observa-se que o número de eleitores em Londrina sempre foi baixo em relação ao
total da população do município. Este fator tem duas condicionantes principais: a cidade era
utilizada como ponto de passagem de vários migrantes, que pelo pouco tempo de moradia em
Londrina não se interessavam se tornar eleitores na cidade; e, os dados também podem
demonstrar o baixo interesse das classes populares em participar das eleições, sendo que o
sentido de democracia e participação era muito pouco difundido entre estas populações.
Estes fatores são resultantes de situações conjunturais, como baixo acesso à educação,
taxa elevada de analfabetismo, pouca abrangência dos meios de comunicação, baixo
entendimento dos trabalhadores quanto ao seu papel político. Mas também são fatores
determinados pela própria experiência destes cidadãos, que eram na sua maioria migrantes de
várias partes do país, especialmente Minas Gerais, São Paulo e Nordeste, originários do
campo, e com pouca tradição em participação política e exercício de cidadania.
Um olhar sobre o cotidiano das classes populares naquela época revela uma população
multifacetada, entretanto, a predominância era de pessoas vindas da zona rural de cidades do
interior paulista e mineiro. Esta população, em geral, era branca e católica, porém nos bairros
periféricos era comum também à presença de negros paulistas, cariocas e nordestinos. Os
principais pontos de encontro eram a Igreja para as famílias, o cinema para os jovens, e os
bares para os homens em geral.
Era comum aos jovens passearem no centro da cidade aos finais de semana, assim
como assistirem uma sessão de cinema. Mas em muitos casos, especialmente nos bairros
123
populares, as mulheres eram reprimidas em nome do moralismo machista, e sua única opção
de saída do recinto doméstico era ir às missas:
Enquanto a Igreja zelava de um lado, a família impedia por outro, sempre
em nome de certos valores considerados importantes para ‘honrar o nome
que tinha’. Aqui podemos perceber os mecanismos criados num espaço da
cidade, através de instituições formais que tendem a preservar o
comportamento dos indivíduos, na pretensão de resguardar a imagem
daqueles moradores e do bairro que é constituído por ‘famílias boas’, ‘de
gente direita’ e de ‘boa reputação’ (Maia, 1994: 68).
Este conservadorismo no que diz respeito à moralidade imposta às mulheres era
comum tanto no setor dominante quanto entre as classes populares, demonstrando que
determinados valores culturais vão além da questão financeira. Mas enquanto as filhas dos
trabalhadores de Londrina eram reprimidas pela moralidade dominante, aos jovens rapazes
pobres, que dificilmente tinham possibilidades de freqüentar o cinema e as festas da cidade, a
única opção de lazer e integração comunitária eram os bares:
Os bares da vila, em torno de 30, correspondem praticamente a um bar para
cada quadra, foram anteriormente os empórios ou armazéns do início da
formação do bairro, quando muitos ‘pioneiros’, habitantes oriundos do meio
rural, investiram aí o seu pequeno capital. O movimento dos bares reflete a
freqüência de grupos assíduos: o trabalhador que vai tomar seu café da
manhã, ou o seu aperitivo antes do almoço, ou final da tarde, antes de ir pra
casa; os aposentados que fazem daquele espaço um ‘ponto de passagem’
para irem ao bocha ou aos quintais de seus amigos, aqueles que se
encontram para uma conversa despretensiosa ou jogo de cartas e de
‘snooker’ (MAIA, 1994: 70).
Os bares, também conhecidos como botecos, são estabelecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural brasileiro. Geralmente um local não muito incrementado, com um balcão,
algumas mesas, cartazes nas paredes, uma estufa com aperitivos, vários tipos de bebidas em
exposição, mesas de sinuca, enfim, um típico ambiente onde pessoas com parcos recursos
podem passar o tempo e trocar experiências com os vizinhos e amigos. Em Londrina a
proliferação de bares na área periférica foi devida à falta de recursos dos trabalhadores para
procurar ambientes mais requintados.
É muito difícil que os laços de solidariedade e amizade entre os trabalhadores que
freqüentam os botecos se configurem em elementos de constituição de identidades políticas.
Em muitos casos se constroem e se reproduzem valores e identidades comuns ao grupo que
freqüenta o bar, mas a questão é muito mais cultural do que política. Assim, vários elementos
da cultura popular da época se disseminavam através dos bares: jogo do bicho, rodas de viola,
rodas de samba, carteado. Entretanto, a cultura política não chegou aos botecos, que se
124
tornaram espaços de interação social de trabalhadores, mas que geralmente os afastavam das
atividades políticas e de cooperação social. Ou seja, os botecos reuniam grande número de
trabalhadores, mas ao invés de formarem um espaço de debate em relação a questões políticas
e sociais, na verdade os afastavam destas discussões, se tornando espaços de alienação
política.
Muito destes trabalhadores chegavam a Londrina com alguma esperança de um futuro
melhor, porém grande parte acabou encontrando uma cidade em que a propaganda do
progresso era maior do que suas reais possibilidades de abrigar tanta gente a procura deste
afamado desenvolvimento econômico. Assim, restava a busca pela sobrevivência, trabalhando
em baixas condições de segurança e com poucas perspectivas de crescimento, vivendo em
regiões com pouca ou nenhuma infra-estrutura, encontrando milhares de pessoas na mesma
situação sem condições de organizar-se para lutar pelos seus direitos.
Os migrantes que vieram para Londrina nos anos 40 e 50, em busca de
novas oportunidades de vida, tiveram os amigos como um ponto de apoio:
no entanto provisório, até que ingressassem definitivamente no novo local.
Já os parentes foram os grandes responsáveis pela permanência desses
agentes sociais no novo ambiente, auxiliando-os constantemente na
construção e reconstrução de suas vidas. Em outros termos, esses laços
interpessoais permitiram tanto o ajustamento às condições impostas pelo
meio urbano, quanto se expressaram como um mecanismo para se tratar dos
problemas do cotidiano (MAIA, 1994: 44).
Enfim, em uma cidade recém fundada, na qual todos os que chegavam deveriam
buscar o crescimento pessoal por suas próprias forças, não havendo grandes grupos
estruturados e organizados, e a mistura de atores sociais de origens distintas era uma premissa
essencial. Os burgueses souberam construir seus vínculos e fazer valer sua hegemonia. Já os
trabalhadores pobres, mais preocupados com sua sobrevivência, com seus cotidianos
conturbados, acabaram por não criar vínculos fortes de identidade e mecanismos de luta
social, assim, o processo de hegemonia da burguesia cafeeira se consolidou rapidamente.
A queda da importância da cafeicultura no cenário econômico de Londrina começou a
se apresentar já em meados da década de 1950. Os pequenos cafeicultores foram muito
afetados, o que favoreceu a concentração de terras nas mãos de poucos grandes proprietários
que possuíam recursos para se manter em meio a crises sazonais. Era assim que se acentuava
o poder econômico de uma classe cada vez mais rica e poderosa, e se espalhavam pela cidade
antigos trabalhadores rurais que perdiam suas terras e procuravam ocupação na área urbana.
Por outro lado, a concorrência com do café colombiano, também em expansão no
mercado internacional, levou os cafeicultores da região a exigirem medidas protecionistas por
125
parte do Governo Federal. Assim, constituía-se um conflito que duraria anos, entre os
cafeicultores, aliados aos demais grandes produtores rurais, e o Governo JK, que não incluía
entre as diretrizes de seu governo a proteção efetiva da agricultura, pois estava mais
preocupado com a industrialização e desenvolvimento da infra-estrutura do país.
Enquanto os cafeicultores da região se defrontavam com o Governo Federal, exigindo
medidas favoráveis por parte do palácio do catete, nas fazendas os colonos buscavam se
sindicalizar, exigindo salários, maiores benefícios e garantias, um processo que gerou muitos
conflitos entre os fazendeiros e os trabalhadores rurais, provocando a remoção de milhares de
famílias camponesas. Estes trabalhadores não viam outra solução senão se instalar na periferia
das cidades e submeter-se ao trabalho sazonal no campo, como trabalhadores rurais volantes,
que viriam a serem conhecidos como os bóias-frias.
O deslocamento dos trabalhadores rurais para a cidade, não significava que os
migrantes externos deixassem de chegar à cidade em busca destes postos efetivos de trabalho
no campo, mesmo que estivessem se extinguindo as possibilidades de emprego nas fazendas:
“Famílias e famílias de desajustados podem ser vistas à noite, espalhadas pela estação
rodoviária. Pobre gente à espera de colocação em fazendas, geralmente” (RPC, 20/06/1956:
06).
A migração nordestina não deixava de ser um problema aos olhos da elite londrinense,
mas a questão filantrópica era, aos poucos, deixada de lado, e buscava-se atribuir às causas
conjunturais a situação destas pessoas:
[...] Levas de nordestinos que abandonam suas terras rumo aos grandes
centros, atraídos pelas promessas que lhes faziam os aliciadores, são
trazidos para o sul, como gado, no interior de caminhões, e, depois de uma
jornada longa, penosa, feita em total desconforto, são despejados aos
montes no Rio, em São Paulo e nas cidades novas do norte do Paraná. No
flagrante (foto da reportagem), famílias recém chegadas do norte e
totalmente desorientadas (FL, O drama dos ‘Pau de Araras’, 06/07/1957:
08).
Desta forma, o crescimento da cidade, que antes era entendido como conseqüência do
progresso, agravado pela ganância de alguns aventureiros, e pela pobreza endêmica dos
nordestinos, passava a ser encarado como problema estrutural, como conseqüência de uma
urbanização sem planejamento e um crescimento econômico desestruturado, e que careciam
de intervenção do poder público.
Evidencia-se esta situação, quando surge nos jornais e no discurso dos políticos locais
a questão do problema da falta de habitações, demonstrando a falta opções de moradia, o
126
encarecimento dos alugueis, e, a tendência de se valorizar a aquisição da casa própria, como
um ideal que ia se constituindo em torno da moradia particular. Além desta questão se
configurar como uma forma de incentivo à expansão do setor produtivo e da construção civil,
que via o aluguel consumir boa parte da parca renda dos trabalhadores, uma quantia que
poderia servir para estimular a diversificação do consumo e, portanto, o crescimento da
economia: “O problema das habitações está se agravando na cidade. Muita gente em busca de tetos
modestos, enfrentando os preços altíssimos que vigoram para os aluguéis. A tendência é de aumentar
as favelas por aí afora, se as soluções não aparecerem” (RPC, 22/10/1959:08).
Não era raro encontrar reclamações vindas de todas as partes sobre a falta de moradia
para as populações pobres. Assim, a preocupação com a situação caótica das habitações na
cidade viria proporcionar uma atenção maior dos grandes imobiliaristas para a possível
ampliação dos investimentos no setor, isto estimulava o surgimento de loteamentos cada vez
mais afastados, que barateavam o custo dos aluguéis e propiciavam as autoconstruções
irregulares. As novas vilas surgiam de forma acelerada, mas a especulação imobiliária não
deixava que os vazios urbanos fossem preenchidos.
Uma situação muito comum era que os moradores reclamavam da distância de suas
vilas do centro da cidade, da ineficiência e pouca qualidade do transporte público, enquanto
que os espaços vazios permaneciam desocupados, e poucos se atreviam a questionar tal
situação:
Leitor estranha que haja em Londrina tanto terreno vago ‘cujos donos
aguardam valorização deles’, quando a cidade enfrenta o problema da falta
de habitações. Acha que a prefeitura deveria aumentar a taxação sobre essas
áreas, muitas das quais não dispõem sequer de cercas (FL, 09/03/1960: 08).
A prefeitura não se ocupava com estes terrenos, pois a expansão horizontal da cidade
era bem-vinda. Os novos bairros com loteamentos de baixo custo, nos quais os próprios
moradores construíam suas casas com infra-estrutura precária, estimulavam o comércio de
materiais de construção, bem como a ampliação do setor de transportes públicos, dinamizando
a economia e favorecendo a concentração de renda na mão dos setores mais fortes da
economia.
Londrina começava, aos poucos, a se transformar em uma cidade auto-suficiente, na
qual a relação campo-cidade se modificava gradualmente. Ou seja, a dependência da cidade
em relação aos rendimentos da agricultura passou a se amenizar, enquanto que a cidade foi
diversificando sua economia e expandindo os setores ligados à questão da infra-estrutura
urbana e do abastecimento do seu mercado interno.
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5.4 - O combate às pensões e a expansão da periferia
O surgimento de inúmeras pensões na Rua Rio Grande do Sul, depois renomeada Rua
Brasil, foi um mecanismo de resistência por parte dos donos dos prostíbulos e boates que
foram fechadas em 1949, devido à ação do poder público. O que se pode observar,
primeiramente, é que as campanhas contra bares e lupanares na referida rua, serviram como
forma de alocar numa área periférica uma prática que ficava no limite entre a legalidade e a
ilegalidade, proporcionando assim uma satisfação às queixas de populações locais quando à
imoralidade e criminalidade.
Entretanto, a questão jamais fora tão simples assim, a retirada de prostíbulos da região
da Rua Rio Grande do Sul / Brasil foi um processo autoritário que envolveu muitos interesses,
especialmente do comércio imobiliário, que via naquela região um possível ponto de
valorização para investimentos futuros. Nada mais oportuno para reduzir os custos de
aquisição dos imóveis naquele local, do que campanhas moralistas que estigmatizassem
aquelas populações e derrubassem os valores dos imóveis. Para uma posterior revalorização
dos locais após a remoção das populações indesejadas naquele espaço.
A mudança da zona do meretrício em 1949 para a Vila Matos, havia ocorrido de forma
rápida e sem muitos protestos efetivos, mas os proprietários souberam se adaptar à nova
realidade sem abrirem mão de seus imóveis. Assim, em inícios da década de 1950, a então
Rua Rio Grande do Sul deixou de ser um espaço de prostituição aberta, e passou a ser um
local onde o comércio do sexo era velado, pois a região foi tomada por diversas pensões e
pensionatos, que ocupavam o espaço dos antigos lupanares, sem com isso perderem
completamente suas clientelas.
Entretanto, a utilização dos antigos lupanares como pensões irritava profundamente os
representantes da moralidade, pois estes alegavam que as pensões eram espaços de
prostituição, assim como os antigos estabelecimentos das ruas. Além disso, taxavam estes
espaços de moradia coletiva de “antros de gatunos, vagabundos, vigaristas e fugitivos” (RPC,
25/06/1952: 06). Desta forma, as pensões da Rua Rio Grande do Sul / Brasil passavam a ser
definidas como espaços de imoralidade e abrigos de criminosos, fazendo como que se
tornassem moradias de baixo custo, servindo então como alternativa para aqueles que tinham
poucas condições de pagar aluguéis nas casas da cidade, ou de comprar seus próprios imóveis.
Toda a década de 1950 foi significativa para o processo de crescimento demográfico
em Londrina. Os novos habitantes, que na sua maioria eram pobres a procura de emprego,
128
chegavam à cidade e viam como única alternativa de moradia aquelas pensões condenadas
pela sociedade. Assim, durante anos viveram nestes espaços de moradia coletiva, dividindo
banheiros, cozinhas, corredores, varandas. Homens, mulheres, crianças, idosos, todos
convivendo e constituindo práticas de sobrevivência. Em muitos casos, antigos bordéis se
tornavam casas habitadas por várias famílias ao mesmo tempo, como cortiços, hotéis baratos,
pensões e pensionatos. Sempre em edificações de madeira, com pouca infra-estrutura, falta de
pintura, manutenção, sofrendo com o frio, o calor, as goteiras, os insetos, os ratos, enfim, uma
alternativa de vida à qual a maioria das pessoas se via obrigada a se adaptar, à situação de
pobreza e falta de oportunidades, na cidade a qual haviam buscado como sonho de uma vida
melhor.
O discurso moralista se aliava ao interesse pela desocupação definitiva daquelas casas.
Assim, as campanhas na imprensa pela remoção das pensões, hotéis e cortiços da região,
faziam com que os habitantes pobres daqueles locais sentissem na pele o preconceito e a
discriminação. A necessidade de um emprego fixo, de uma remuneração, de receber
assistência, contrastava com a situação constrangedora de habitarem os espaços considerados
decaídos, imorais. O cotidiano num espaço vigiado e perseguido como aquele, fazia da vida
daquelas pessoas uma ingrata aventura, e muitos buscaram se refugiar nos longínquos
loteamentos recém lançados, onde o baixo custo dos lotes poderia ser uma esperança de vida.
Outros foram para as favelas, invadindo terrenos desocupados nas regiões adjacentes ao
centro da cidade: “[....] centenas de pessoas foram obrigadas a desocupar seus quartos em
moradias coletivas e pensões e mudar-se para bairros distantes e sem infra-estrutura e
planejamento ou habitar as favelas, ou ainda submeter-se aos aluguéis exorbitantes em casas
mais centrais” (CASTRO, 1994 : 243).
A desocupação das pensões e cortiços da região central da cidade culminou com o
surgimento das reclamações quanto ao aparecimento de ocupações irregulares de baixíssimo
nível de infra-estrutura, onde as populações pobres buscavam seu teto sob o qual repousar.
Em 15/08/1956, a primeira página do jornal Folha de Londrina trazia duas fotos retratando a
situação miserável de habitantes de uma recente ocupação de terreno na cidade, denominada
pelo jornal de “favela dos abandonados”, matéria na qual se concluía que “[...] em Londrina; a
opulência do progresso surpreendente de Londrina não significa apenas progresso e opulência
[...]... há aqui também problemas sociais e muita miséria [...]” (FL, “Favela e miséria não são
privilégios do Rio”, 15/08/1956: 01).
129
A partir de meados da década de 1950, constituiu-se o chamado problema da
habitação, que deveria ser resolvido especialmente para se combater o surgimento das favelas.
Uma matéria do jornal Folha de Londrina de 07/10/1960, demonstrava que a contradição
entre riqueza e pobreza era muito evidente, pois demonstrava que havia na cidade muitos
prédios “suntuosos”, muita ostentação, mas noticiava a existência de pessoas vivendo em
carcaças de ônibus velhos na periferia do município. Segundo a matéria, Londrina seria um
centro convergente da “pobreza de fora”, pois o “problema da moradia é nacional e universal,
porém, é preciso que a municipalidade procure soluções” (FL, 07/10/1960: 02).
A Vila do Grilo era chamada de eterna esquecida das autoridades. Os jornais traziam
a tona, a situação de miséria desta que pode ser considerada a primeira favela da cidade.
Povoada por moradores das mais diversas origens, convivia com a falta de água, luz elétrica,
sistema de esgotos. As casas eram de madeira, papelão e bambus, cobertas com chapas de
zinco e latão, as quais foram retratadas na imprensa para chamar a atenção sobre as
contradições sociais da cidade. Entretanto, o tom das reportagens era sempre de lamento pela
promiscuidade e falta de higiene das pessoas pobres, como se fosse uma opção deles viverem
sem as condições mínimas de infra-estrutura e conforto.
Foi nessa época que a questão da habitação popular passou a ser considerada como um
problema da administração municipal. O poder público, que antes se preocupava em legislar
sobre loteamentos e arruamentos, apoiar campanhas beneficentes de entidades filantrópicas,
racionalizar a distribuição espacial dos habitantes, se via na iminência de atender às
reivindicações de uma população que não cessava de queixar-se das suas dificuldades. Essas
emergências urbanísticas foram se constituindo historicamente, como resultados de um
conjunto de estruturas políticas e econômicas, que favoreciam cada vez mais a concentração
de renda entre uma minoria na cidade, e o aumento desenfreado da pobreza. Como Londrina
era a “cidade pólo da região, próspera, era natural que fosse procurada pelos que passaram a
serem deserdados da agricultura, que eram expulsos a todo o momento para dar lugar às
maquinas e ao gado” (LIMA, 1999: 26).
Um personagem interessante na história da cidade naquele período era a figura do
candango. Durante a construção de Brasília, milhares de trabalhadores pobres migraram para
o planalto central para trabalharem nas obras da cidade. Estes trabalhadores ficaram
conhecidos como candangos, e após o final das obras, se viram sem emprego, e foram sendo
despejados em outras cidades, dentre as quais estava Londrina: “Grupo de 55 trabalhadores
enviados para aliviar os excedentes de mão-de-obra de Brasília. É a primeira leva de um
130
contingente de 200 homens que serão aproveitados nas lavouras da região” (FL, 06/01/1962:
08).
Quanto à questão do excesso de migrantes pobres que aportavam na cidade, o jornal
Folha de Londrina opinava (12/01/1962: 08) que era necessária à criação de uma hospedaria,
pois “esse afluxo de imigrantes tem sido desordenado, produzindo situações que devem ser
prevenidas pelos poderes públicos”. Ou seja, a preocupação não era com a miséria dos novos
habitantes, mas sim com as possíveis desordens que poderiam causar, além da probabilidade
de virem a ocupar áreas irregulares e formarem favelas.
A pobreza era o elemento principal que levava as famílias a viverem em condições
precárias. As invasões nesse período se tornavam comuns, mas não era tarefa fácil se manter
nas áreas quando os donos requeriam sua reintegração de posse, uma vez que o poder público
agia com truculência diante destas manifestações da precariedade da questão habitacional. Os
agentes do poder público geralmente exerciam a violência sobre pessoas que procuravam
desesperadamente um teto, um pedaço de chão, sobre o qual construir seus humildes casebres,
como quando: “[...] outra favela estava se iniciando no lote nº39 da vila São Paulo, entre as
ruas Xavantes e Airacás. A prefeitura tomou providencias em tempo, solicitando à polícia que
destacasse alguns soltados para o local, a fim de evitar que se construam barracos ali” (RPC,
Outra favela, 18/05/1963: 04).
Em alguns episódios, a situação foi inusitada, como é o caso de um cidadão chamado
José de Oliveira Rocha. Vejamos primeiramente a notícia do Jornal:
[...] Ao que parece, uma nova favela está se formando abaixo da Linha
Férrea. (Ao Lado do armazém Cristo Rei). Os moradores do lugar até já
escolheram um nome para o núcleo: Vila Esperança. O terreno, segundo
apuramos, pertence ao senhor José de Oliveira Rocha, que acaba de
apresentar queixa à prefeitura pela invasão da propriedade. Já há vários
casebres na favela que principia (FL, Nova Favela em Londrina, 16/05/1963
–. P 03).
Não foi possível encontrar as informações detalhadas sobre as queixas que o
proprietário do terreno fez à prefeitura municipal. Mas pode-se deduzir que o senhor Rocha
não conseguiu mobilizar a prefeitura em seu favor, e encontrou melhor solução para o caso.
Cinco anos mais tarde, a antes chamada Vila Esperança, havia se transformado no Grilo do
Rocha:
‘Pior favela de Londrina’, fica a mil metros do centro da cidade, entre a
Rua Bituruna e a Via Férrea. [...] A favela tem um ‘dono’, que diz ser
proprietário da área e há quatro anos dá concessões para que as famílias se
instalem mediante pagamento (FL, ‘Grilo do Rocha’, 101 famílias vivem
em condições sub-humanas, 20/06/1968: 04).
131
O caso do senhor Jose de O. Rocha é um bom exemplo de como a prefeitura do
município não conseguia controlar as ocupações, loteamentos e favelas. Sem o poder público
intervindo na questão, o povo ficava sujeito à ação de aproveitadores que se beneficiavam das
carências dos trabalhadores pobres e lucravam com esta situação.
Vale ressaltar também que a especulação imobiliária era um bom negócio, pois a
demanda de moradia era maior que a oferta de imóveis, e as populações mais carentes
também eram atingidas por esse mercado especulatório.
Enfim, a pobreza em Londrina se manifestava nas mais diversas formas, e o sistema se
apropriava desta situação da forma mais lucrativa possível. Entretanto, com o tempo, a
questão foi saindo de controle e extrapolando os limites da hegemonia burguesa que imperava
sobre o poder público em Londrina, assim tornou-se necessária uma revisão na conduta do
poder público diante da situação conflituosa pela qual a cidade viria passar.
A questão da alocação do meretrício em áreas periféricas, portanto, sempre esteve
ligada a duas questões entrelaçadas. Por um lado, utilizava-se a justificativa da moralidade e
do perigo causado por estes estabelecimentos aos moradores das áreas circunvizinhas. Por
outro, havia os interesses de liberação de áreas urbanas muito próximas ao centro para a
especulação imobiliária. Isto pôde ser inferido a partir do fato de que o processo de
fechamento dos lupanares na Rua Rio Grande do Sul / Brasil, e sua transferência para a Vila
Matos, em 1949, não foi o último na história da cidade. Em 1963, discutia-se o deslocamento
da área do meretrício da Vila Matos para uma área ainda mais distante do centro, pois o
crescimento da cidade já circundava aquela região, que deixava de ser periférica. Esta
situação provocava descontentamento de vários agentes envolvidos:
[...] para protestar contra a escolha do novo local de confinamento do
meretrício, situado a 700 metros da Vila Iara, usou da palavra, ontem, na
câmara municipal, o Sr. Vicente de Carvalho Pinto, que encaminhou à
mesa, abaixo-assinado com 347 assinaturas de moradores daquele bairro.
Os signatários do documento sustentam que a ‘concretização da medida só
irá transferir o problema da população de uma vila a de outra, que também
terá que lutar contra a incômoda vizinhança’ O Sr. Carvalho Pinto
assinalou que ‘há indícios de negociata’ no caso, como se verificou com a
transferência dos lupanares da rua Brasil para a Vila Matos (14 anos antes),
mediante a exigência de certo preço pelos lotes, sob a alegação de que só ali
se poderia instalar casas de tolerância (FL, Câmara Municipal: protestos
contra a área escolhida para o meretrício, 03/05/1963: 06, grifos nossos).
Porém, o processo de resistência dos proprietários dos prostíbulos durou anos, e só em
janeiro de 1966 se fecharam os referidos estabelecimentos. E mesmo depois deste
132
fechamento, durante dois meses permaneceram protestando estes antigos donos dos bordéis
contra a atitude autoritária encabeçada pelo Delegado Bukowski Filho, famoso pela sua
truculência. No entanto, o que se pode ressaltar no que diz respeito ao fechamento dos bordéis
na Vila Matos, é que desta vez os seus proprietários não puderam recorrer ao subterfúgio
anteriormente utilizado na Rua Rio Grande do Sul / Brasil.
CAPÍTULO III
As transformações históricas na década de
1960: uma reflexão sobre o lugar das classes
populares neste contexto
134
6 – O ESPAÇO POLÍTICO DAS CLASSES POPULARES
6.1 – Democracia, populismo e golpe militar - algumas balizas históricas
A década de 1960 iniciou-se no Brasil como um momento de intensa atividade política
por parte dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda. Quinze anos após o fim do
Estado Novo, a classe operária e os agentes políticos de esquerda haviam se estruturado de tal
forma que não havia como negar sua importância no contexto histórico do período. A
exemplo, basta observar como o governo Juscelino Kubitschek, que havia promovido um
intenso desenvolvimento econômico e industrial do país, se findou sob protestos intensos
contra o alto custo de vida e outras manifestações populares, as quais mostraram a força que
os movimentos sociais tinham para mobilizar as massas descontentes.
A renúncia do Jânio Quadros em 1960, seis meses após sua posse, colocaria em xeque
a sobrevivência do regime democrático. A identificação de João Goulart, vice-presidente de
Jânio Quadros, com os movimentos sociais e principalmente com o sindicalismo, provocou
temores nas elites do país, que vinculavam a imagem de Jango à esquerda sindicalista, e que
buscaram impedi-lo de assumir o posto de presidente da república.
O golpe planejado pelas elites não obteve sucesso, pois seus atritos com alguns
partidários de Jango, chamados de legalistas, fez com que se instaurasse um regime de
governo que viria apaziguar a situação instável: o parlamentarismo. Este regime, que não
deixava de ser uma solução golpista, não durou muito, pois foi derrotado por um plebiscito
popular, que deu a Jango a vitória e o posto de chefe da república. João Goulart se viu
investido da legitimidade de comando, instaurada pela aprovação popular, e passou a propor
reformas que visavam desestruturar a máquina econômico-burocrática do Estado favorecendo
a distribuição de renda e atendendo aos apelos dos movimentos sociais. Entre estas propostas
estavam: a reforma tributária, a reforma universitária, e o ponto mais polêmico em questão, a
reforma agrária.
Toda esta tensão no quadro político nacional era reflexo do gradual aumento da
participação popular nas questões importantes do país. Esta tendência à ampliação do espaço
público de debate acerca da democracia, dos direitos civis e da justiça social, foi sendo
galgada aos poucos pelos movimentos sociais, e viu seu auge na liderança de João Goulart,
através de suas propostas reformistas. As questões em debate proporcionavam uma sensação
135
inédita de poder político por parte das classes populares. Se os movimentos eram impelidos
pela intensa atuação dos sindicatos classistas, isto não fazia com que os debates se
restringissem às questões referentes à relação capital / trabalho. O que estava em questão
naquele momento era a própria noção de cidadania das classes populares.
Segundo Toledo (1991), “[...] o recrudescimento da luta de classes no início dos anos
60 (1960) foi responsável por uma intensa politização de inúmeros movimentos sociais [...]”,
isto provocaria uma redefinição no entendimento quanto à situação antagônica em que se
encontravam as classes sociais no país. O que este autor sugere é que os sindicatos de
trabalhadores urbanos, unidos sob a sigla da CGT – Central Geral dos Trabalhadores, os
movimentos campesinos e o movimento estudantil, não se preocupavam somente com
questões referente às classes que representavam, sua atuação foi muito mais ampla, se
inserindo nos grandes debates em nível nacional. Segundo Dias (1999):
O alavancamento dos movimentos sociais adquiriu as formas mais variadas.
No meio estudantil, destacaram-se a UNE (União Nacional dos Estudantes)
e sua luta pela reforma universitária, inserida no programa mais amplo de
reformas de base. Os trabalhadores do campo, buscando a reforma agrária e
direitos trabalhistas, trilharam caminhos diversificados, cujos principais
desdobramentos foram as Ligas Camponesas e a emergência do
sindicalismo rural, expresso na fundação da CONTAG (Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura). Os trabalhadores urbanos,
muito ativos no período, avançaram em sua organização intersindical,
ultrapassando os restritivos limites da lei, que autorizava apenas a existência
de organização por corporação. A legislação que visava impedir que os
trabalhadores agissem como classe social e interferissem organizadamente
nos grandes temas da política nacional. O CGT (Comando Geral dos
Trabalhadores) foi o principal instrumento dessa organização intersindical
(DIAS, 1999: 181-182).
O reformismo do governo Goulart e o posicionamento nacionalista ou entreguista do
país, quanto às relações econômicas internacionais, eram questões amplamente debatidas. Os
movimentos sociais pressionavam o governo, mobilizando manifestações e piquetes grevistas
por todo o país. Enquanto isso, o conservadorismo da elite era colocado em prática através de
pressões econômicas e políticas sobre o governo. Para se ter uma idéia da situação de
fermentação social sob a qual se vivia na época, pode-se trazer à tona um caso ocorrido com o
Jornal Folha de Londrina em fevereiro de 1963:
Acompanhado do sr. Carleto Ferrer Favalli, líder dos metalúrgicos em São
Paulo, visitou Londrina, sábado último, o capitão reformado Agildo Barata,
líder revolucionário comunista. Falando à reportagem na residência nº 30 da
Alameda Miguel Blasi, Barata disse que ‘veio à Londrina para conhecer o
norte do Paraná e solicitar apoio para o fortalecimento do Partido
Comunista’. Além de ‘pedir aos companheiros que coloquem o PC em
atividade o mais depressa possível’ (FL, 19/02/1963: 16).
136
Na mesma data da veiculação da notícia, na câmara municipal da cidade, um
pronunciamento descontente com a publicação era proferido por um dos vereadores. Já no dia
seguinte o jornal se retratava, ressaltando que não se justificava o “voto de desconfiança” do
vereador em relação ao jornal. Para se defender da acusação, o editor citava os nomes de
líderes comunistas internacionais como Nikita Kruschev e Fidel Castro, dizendo que a
publicação de notícias sobre estes líderes não indicaria que o jornal teria algum intento
político com isto, apenas que se interessava por noticiar os fatos importantes. Ou seja, o clima
de temor das classes dirigentes quanto à atuação da esquerda era visível e provocava tensões
no próprio seio da elite.
Os governos que precederam a década de 1960 no Brasil, desde o início da república,
sempre oscilaram entre golpistas, oligárquicos e paternalistas. Esta oscilação histórica
conferiu à república brasileira a imagem de uma instituição frágil, que não criava nenhum
nexo identitário forte do cidadão com a cidadania. Ou seja, os canais de participação política
das classes populares no Brasil sempre estiveram restritos a relações de troca e favores ou
então, como observou Ângela Castro Gomes (1998), a uma relação imbricada entre as
demandas públicas e os interesses privados.
Segundo Paoli:
Como acentuam os autores mais significativos que explicaram a gênese e a
ambígua consolidação da república brasileira, as escolhas dos elementos
que filtraram os sentidos da expressão república têm seu ponto mais
importante também no ambíguo processo de integração social e nacional
que recusaram a instauração de um espaço de cidadania pluralizado e
atuante, aprofundando a cisão entre as soluções buscadas para a exclusão
social e a desqualificação da participação política da população (PAOLI,
2003: 163).
O que a autora apresenta são os nexos históricos desta relação originados no
autoritarismo privatista do Brasil colonial, que tomou forma de uma “herança maldita” para a
política brasileira desde os anos iniciais da república. Ora com a negociação de interesses e
troca de favores no interior de uma oligarquia clientelista que mudava o nome do presidente
sem mudar a atuação política e sua relação com a população, ora com a imbricação entre um
estado paternalista e os sindicatos pelegos, através da criação de uma legislação trabalhista
que buscava apaziguar a insatisfação popular e calar a voz dos descontentes. Consolidou-se,
assim, a:
[...] persistência da desmedida e do arbítrio que perpassou a formação das
interações sociais no País, sobretudo se considerarmos a dificuldade,
posterior ao período colonial e particularmente problemática no período
137
republicano, de delimitar um espaço externo que regule um domínio público
consistente, capaz de desfazer a visão hierárquica, privatista, pessoalizada e
violenta, persistente no Brasil moderno. [...] (trata-se da) Negação da
possibilidade de relação igualitária com o outro, o diferente ou o desigual,
deixando evidente que o espaço público não se determina de modo
reconhecível como um componente importante na autoformação da vida
coletiva brasileira. [...] (É este o) vazio com que as instituições republicanas
comparecem perante os processos de urbanização e complexificação da
divisão social do trabalho no país moderno (PAOLI, 2003: 166 – 167).
Os rumos do país sempre se definiram por interesses públicos sendo precedidos pelos
interesses privados, seja de grandes fazendeiros, coronéis regionais, industriais, da burguesia
urbana ou dos dirigentes sindicais. Barganha política, clientelismo, Estado de compromisso,
são termos normalmente utilizados para designar as práticas da cultura política nacional.
O período entre 1945 e 1964 tratou-se do momento em que se buscou instaurar uma
democracia liberal no país, entretanto, os limites da cidadania e da participação popular
naquele período, levaram alguns interpretes entenderem este como de formação de um Estado
de compromisso:
Um compromisso junto aos grupos dominantes, consagrando um equilíbrio
instável e abrindo espaço para a emergência do poder pessoal do líder, que
passa a confundir-se com o Estado como instituição. E um compromisso
entre Estado-líder e as classes populares, que passam a integrar, de modo
subordinado, o cenário nacional. Ou seja, estilo de governo e política de
massas, envolvendo três atores básicos: uma classe dirigente em crise de
hegemonia; as classes populares pressionando por participação, mas fracas
e desorganizadas, e um líder carismático, cujo apelo transcende instituições
(co-partidos) e fronteiras sociais (de classe e entre os meios urbano e rural)
(GOMES, 1998: 546).
Populismo se tornou o termo chave para entender a política brasileira pós Estado
Novo, e a oscilação entre a manipulação das massas e o atendimento à suas demandas básicas
se configurou no histórico pêndulo da política nacional. Entretanto, esta pecha foi utilizada
por alguns teóricos que se inspiravam nos padrões europeus de democracia liberal e
participação popular, ignorando as peculiaridades da cidadania que se construiu no Brasil
naquele período, utilizando o termo populismo de maneira pejorativa, como uma democracia
incompleta, onde as classes populares não passavam de massas manipuladas por líderes
carismáticos e sindicatos “pelegos”.
O movimento operário, de inspiração anarquista e socialista, juntamente
com o movimento camponês e os movimentos urbanos, vem caracterizar,
mais propriamente, o que neste século chamamos “movimentos sociais”.
Estes movimentos sofrem, principalmente nos anos 30 a 60, fortes pressões
cooptadoras por parte de partidos políticos, de parlamentares e governos
que buscam instrumentalizá-los e submetê-los a seus interesses e diretrizes.
138
Esse período, conhecido na história do Brasil como populismo, caracteriza-
se pelas relações clientelistas, de tutela, de concessão de favores, como a
forma principal de relação entre Estado e sociedade. As relações
autoritárias, clientelistas, paternalistas, de compadrio e de favor já eram, no
entanto, fortemente enraizadas na tradição política brasileira do
“coronelismo” e em toda uma gama de relações promíscuas entre o público
e o privado. Por isso, pode-se talvez dizer que, no Brasil, nunca se
constituiu um Estado “público”, claramente dissociado do privado. Apesar
das relações de tutela e do atrelamento dos movimentos sociais promovidos
tanto pelos políticos tradicionais e populistas como pelo “centralismo
democrático” do partido comunista, os anos 50 e 60 são marcados por
intensa mobilização social que se expressa no movimento sindical, nas
Ligas Camponesas e numa ampla reivindicação por “Reformas de Base” de
cunho democrático, popular e nacionalista (CARVALHO, 1998: 02, Grifo
do autor).
Deve-se evidenciar o fato de que a aparente ausência de avanços políticos dos
movimentos sociais e das classes populares no período 1945-1964, no que diz respeito a
conquistas em relação a direitos sociais e cidadania participativa, não é resultante da inércia
daqueles movimentos sociais, mas sim do encobrimento de suas ações por parte das classes
dirigentes, que sempre buscaram criar a imagem de que as conquistas populares eram
resultantes da iniciativa de membros do poder instituído, e não de concessões feitas diante das
pressões dos movimentos sociais:
[....] a relativa secundariedade da presença dos trabalhadores organizados no
âmbito da política não tinha nenhum fator estrutural determinante de sua
impotência, nem de enganos ‘inatos’ a sua cultura, experiência, escolhas
estratégicas e formas de ação, e sim da continuada destruição de sua
visibilidade como reflexão e ação (PAOLI, 2003: 172).
A histórica negação das conquistas populares como advindas da própria ação dos
movimentos sociais, levou muitos teóricos a estigmatizarem o período democrático 1945 –
1964 como um momento de manipulação das massas, e centralização administrativa e de
concessões do estado às classes populares como ações populistas. Este ponto de vista resultou
de uma condenação dos movimentos sociais, uma vez que não seguiam um padrão ideal de
organização popular e cidadania. Mas esta postura vem aos poucos sendo revista,
especialmente no que tange ao entendimento da atuação dos sindicatos como promotores de
uma ação social ampla:
[...] o sindicalismo do período de 1945-1964 foi retirado do purgatório em
que estava colocado por seus pecados de burocratização, assistencialismo e
peleguismo. A ação dos trabalhadores de várias categorias tem sido
estudada, demonstrando-se a construção de uma ‘cultura sindical’ que,
como gosto de situar, ‘reinventava’ o trabalhismo, apropriando-se de
propostas e instituindo organizações, combativas e importantes para a
produção de muitas identidades ‘operárias’ (GOMES, 1996: 77).
139
Desta forma, entende-se que o mais importante é medir os avanços destes movimentos
no sentido de uma cidadania possível para o período, ou seja, buscar as transformações
históricas de um período em que os movimentos sociais tiveram certa relevância no contexto
político, e entender quais suas realizações dentro de um espaço limitado de ação e
participação política:
Assim, é a partir da recorrente negação da visibilidade política da demanda
autonomizada de direitos (ou seja, da barreira privatista e hierárquica,
peculiar à história política do País) que se pode avaliar o potencial e as
realizações dos movimentos organizados, em particular a novidade daqueles
que, em conjunturas específicas, ousaram afirmar-se publicamente (PAOLI,
2003: 175).
Por outro lado, houve o hábito de renegar os avanços sociais de governos autoritários.
Assim, as inovações no campo social, promovidas pelo poder central foram entendidas como
mecanismos de cooptação dos movimentos sociais. No entanto, esta visão acabou por
deturpar a imagem destas transformações históricas, e onde ocorriam grandes alterações na
situação das classes populares no Brasil, alguns teóricos viam apenas ações autoritárias de
governos centralizadores e burocráticos.
O longo período da era Vargas introduziu a dissociação entre interesses
privados, direitos sociais e ação política por meio da subordinação dos
conflitos políticos do mundo do trabalho à visibilidade de uma obra pública
do Estado, tendendo-se a centralidade política da luta por direitos sociais a
definir-se pela realização do próprio Estado. Desses deslocamentos e
inversões operados pelo Estado não estava ausente um caráter realmente
inovador, capaz de transformar de modo profundo as concepções sobre as
relações de trabalho e sua figuração no espaço público (PAOLI, 2003: 179).
Faz-se necessário entender, que os movimentos sociais jamais estiveram ausentes da
política nacional. Sua maior ou menor visibilidade variou de acordo com a postura das
autoridades e dos meios de comunicação em relação a estes movimentos, em alguns casos
foram combatidos abertamente, em outros violentamente silenciados e censurados, ou então
inseridos em um conjunto de práticas políticas peculiares a cada época.
No período Vargas as medidas do governo agiam no sentido de atender o que o
governo argumentava serem as reais demandas populares, mas ao mesmo tempo o
autoritarismo instituído perseguia os opositores e calava estes movimentos, criando
instituições oficiais que representavam os trabalhadores e inibiam a ação de organizações
independentes. Este estado de coisas consolidou uma forma de fazer política dos governantes
brasileiros que, simultaneamente, incluía e excluía as classes populares nas questões de
140
interesse coletivo.
Se é possível fazermos alguma afirmação de natureza mais geral sobre a
relação entre governantes e governados ao longo da história, esta é a de que
os detentores do poder nunca consentiram direitos sem pressão. Quanto os
novos grupos sociais (da mesma forma que os velhos grupos que
vivenciavam a perda do poder) lutaram pelos seus direitos, o fizeram, com
freqüência, violando a lei e recorrendo a ações de violência (PAMPLONA,
1996: 231).
Em muitos casos as massas foram colocadas como mote de ação do governo, no
sentido de atender suas demandas sociais e econômicas, mas ao mesmo tempo eram excluídas
do direito de reivindicar e atuar como agentes direcionadores destas políticas. Esta relação
que se construiu historicamente no país estava sendo, ainda que com certa relutância,
colocada em xeque no início dos anos 1960. O esgotamento das possibilidades de manobras
das massas, o acirramento da oposição de interesses entre as classes sociais, e a crise
institucional que se formulava com a contestação da legitimidade do governo João Goulart
pelos seus opositores, demonstra como se tratou de um período de efervescência social no
qual as classes populares e os movimentos sociais estiveram profundamente envolvidos:
[...] em inícios dos anos 60, segundo diversas avaliações de políticos e
intelectuais, esgotavam-se as condições históricas que possibilitavam a
‘manipulação populista’. Chegara-se a um momento em que as massas
finalmente ganhavam autonomia, o que apontaria para uma situação mais
favorável ao desenvolvimento de uma democracia não mais limitada pelos
controles estatais; não mais ‘populista’. Porém, como se viu, não foi o que
ocorreu (GOMES, 1998: 551).
Os limites desta democracia que estava em construção não chegaram a ser conhecidos,
mas isto não significa que não possam ser estimados. Faz-se necessária uma avaliação
histórica deste cenário, e o aceno quanto às possibilidades de interpretação de uma versão de
cidadania que estava em construção naquele momento, assim com a investigação das formas
de readequação dos movimentos sociais à realidade pós 64, buscando de que forma se
construíram “nichos” de resistência que carecem de análise.
6.2 - Movimentos sociais – a edificação de um espaço público de reivindicação e debates
Durante as duas primeiras décadas de sua história, Londrina se viu povoada por uma
maioria de habitantes dedicados ao trabalho rural. Como já se analisou no primeiro capítulo,
foi apenas no final da década de 1940 que a população urbana em Londrina superou a rural,
141
assim permanecendo até os dias de hoje. Entretanto, nestes anos iniciais a população urbana
era composta majoritariamente por elementos ligados à prestação de serviços para o setor
rural, e ainda alguns comerciários, imobiliaristas, funcionários públicos e profissionais
liberais – médicos, advogados, jornalistas, engenheiros, entre outros (CASTRO, 1994: 269).
Com o passar dos anos, e com os sucessos da lavoura cafeeira, os aspectos rural e
urbano do município começaram a se transformar. Os pequenos proprietários rurais que não
haviam conseguido obter sucesso com suas lavouras, e acabavam por vender suas terras a
proprietários maiores, mais bem sucedidos, que se tornavam rapidamente grandes
latifundiários. O crescimento econômico possibilitou a diversificação da economia citadina,
com o surgimento de novas empresas prestadoras de serviços, lojas, grandes armazéns de
café, indústrias de beneficiamento do produto e transportadoras. Também foram edificados
hospitais, centros de convivência, praças, escolas, enfim, uma gama de obras públicas que se
espalhou pela área urbana, que se esparramava para muito além do traçado original projetado
na época da colonização da cidade. Esta diversificação dos aspectos econômicos transformou
também a configuração social dos habitantes. Multiplicaram-se os setores, as classes, os
grupos que reivindicavam seus direitos, melhores condições de vida e trabalho, mais respeito
aos direitos da população.
Para se ter uma idéia desta situação, por volta de 1953, Londrina passou por uma
intensa crise econômica, advinda de uma queda acentuada nos rendimentos da lavoura
cafeeira devido à forte geada que atingiu grande parte dos cafezais impactando a produção em
toda a região. Dessa época, há apenas registros de reclamações em algumas matérias dos
jornais, nas quais apareciam queixas da sorte dos acontecimentos e da fatalidade da carestia.
Em nenhum momento surgiram protestos, manifestações públicas de insatisfação. A cidade
passava por um momento de dificuldade econômica, entretanto não surgia nenhuma voz
descontente que conseguisse mobilizar as massas para manifestarem sua insatisfação e
cobrarem alguma medida efetiva dos governantes no sentido de resolver o problema.
Com o passar dos anos, os agentes políticos de esquerda passaram a mobilizar as
organizações de trabalhadores e, mesmo com o PCB – Partido Comunista Brasileiro na
ilegalidade, seus militantes conseguiram articular vários movimentos e agitar os grupos
oprimidos para lutarem por seus direitos.
O primeiro caso de demonstração de força dos agentes de esquerda foi o movimento
de sindicalização dos trabalhadores rurais:
A liderança sindical do Norte do Paraná era composta exclusivamente por
142
trabalhadores rurais, como será evidenciado mais adiante. No entanto, teve
papel decisivo na formação do sindicato, a influência da União dos
Trabalhadores de Londrina (UTL), que era uma organização dos
trabalhadores urbanos. Além disso, diversos militantes do Partido
Comunista Brasileiro, entre eles alguns advogados e trabalhadores urbanos
foram agentes orientadores deste processo. O próprio Partido Comunista
Brasileiro enviou para a região, um dos mais importantes membros do seu
comitê Central, – o militante Gregório Bezerra – que fora inclusive
deputado constituinte em 1946, para orientar a organização do Sindicato.
Assim sendo, apesar de na Liderança Sindical todos serem trabalhadores
rurais, na realidade ela sofreu uma influência urbana (PRIORI, 1996: 55).
O movimento dos trabalhadores demonstrava força, e sua organização se dava em
nível local e regional, articulando diversos movimentos de trabalhadores e recebendo auxílio
de lideranças populares em nível nacional.
Paralelamente a esse movimento de concentração territorial, nos anos
cinqüenta iniciou-se, todo um processo de luta, caracterizada pela tentativa
de sindicalização do trabalhador rural no norte do Paraná, que objetivava
tanto a extensão da legislação trabalhista para o campo, bem como a
implantação de uma Reforma Agrária. Este foi o movimento detido
violentamente pelo regime militar. De fato, ele atinge o ápice quando se
realiza em Londrina, no mês de agosto de 1960, o I Congresso dos
Trabalhadores Rurais do Paraná, promovido pelos Sindicatos dos Colonos e
Assalariados Agrícolas de Londrina e dos Empregados Rurais de Maringá.
Neste congresso – cujo tema central era a Reforma Agrária – estiveram
presentes 300 delegados sindicais de todo o Paraná e mesmo de outros
estados, bem como autoridades federais, estaduais e municipais. Francisco
Julião, representando as Ligas Camponesas do Nordeste, foi aclamado
presidente de honra do Congresso (ARIAS NETO, 1998: 260).
Esta sindicalização estremecia os representantes das elites agrícolas norte-paranaenses,
que tentavam desmoralizar o movimento, acusando seus líderes de serem levados por ideais
comunistas e anticristãos. Uma outra estratégia foi a criação da referida FAP – Frente Agrária
Paranaense, um movimento anticomunista e anti-sindicalista que era liderado pela igreja
católica e mobilizava os trabalhadores para resistirem à influência dos movimentos de
esquerda:
[...] a Frente Agrária Paranaense foi fundada em 13 de agosto de 1961, na
cidade de Maringá, durante uma missa campal de grandes proporções,
realizada em frente à catedral. Para a igreja, esse movimento não poderia
mostrar fraqueza: ‘ou a FAP nasce com força, ou bem não precisa nascer’,
diziam os bispos norte-paranaenses (PRIORI, 1999: 165).
Esta entidade nasceu com um propósito bem definido, que era o de desestruturar o II
Congresso de Trabalhadores Rurais, que estava sendo realizado em Maringá entre os dias 12 e
15 de agosto de 1961. O Congresso reunia várias entidades sindicais camponesas da região e
do país, contando com a presença do líder das Ligas Camponesas do Nordeste, Francisco
143
Julião. A FAP era fundada na mesma cidade, um dia após o início do congresso, e conforme
já foi citado, nascia como um movimento de grandes proporções que pudesse afrontar os
congressistas.
Ocorreram graves enfrentamentos quando membros da FAP resolveram atacar o
prédio onde se realizava o congresso, praticando agressões e depredações, no intuito de
intimidar seus organizadores e mostrar a força da Igreja Católica e do anticomunismo na
região, sob a alegação de que o congresso estaria planejando articular as entidades
paranaenses às organizações nacionais, e para promover uma reforma agrária radical com
tendências comunistas e anticristãs. Enfim:
[...] cabe-nos afirmar, de um lado, que se aqueles anos foram conturbados,
pelo menos tivemos uma intensa participação e discussão em torno dos
problemas dos trabalhadores rurais. Excluídos da política e da cidadania até
os anos 50, estes surgiram com um vigor e uma aparente capacidade de
organização social jamais conhecida, até então, na história do Brasil. Sem
dúvida, mesmo com as diferenças e as disputas ideológicas, traduzidas
muitas vezes em confrontos e violências, a Igreja Católica e o PCB tiveram
importância fundamental no processo de organização dos trabalhadores da
década de 60. É uma pena que aquela disputa tenha sido acoimada pelo
insano golpe militar de 1964, para alívio de uns e desespero de muitos
(PRIORI, 1999: 176).
Já no setor urbano, alguns reflexos da mudança no comportamento político da
população começaram a ser evidenciados também em meados da década de 1950.
Primeiramente pela freqüente sindicalização das categorias de trabalhadores urbanos, veja-se:
Fundação dos Sindicatos de Londrina:
1954 – Sindicato dos trabalhadores de estabelecimentos bancários;
1955 – Sindicato dos empregados no comércio de Londrina;
1957 – Sindicato dos trabalhadores da indústria metalúrgica, mecânica e
materiais elétricos de Londrina;
1957 – Sindicato dos condutores de automóveis e veículos rodoviários de
Londrina;
1957 – Sindicato do comércio varejeiro de produtos farmacêuticos de
Londrina;
1959 – Sindicato dos empregados do comércio, hotelaria e similares de
Londrina;
1961 – Sindicato dos carregadores e ensacadores de Café e arrumadores de
Londrina.
1962 – Sindicato dos trabalhadores na lavoura de Londrina;
1962 – Sindicato dos corretores de café de Londrina;
1963 – Sindicato dos enfermeiros e empregados dos hospitais e casas de
saúde de Londrina;
1964 – Sindicato dos trabalhadores na indústria de energia elétrica de
Londrina;
1964 – Sindicato dos condutores de veículos rodoviários de Londrina;
1967 – Sindicato Rural de Londrina;
1967 – Sindicato dos oficiais, marceneiros e trabalhadores em serrarias e
144
móveis de madeira e da indústria da construção civil; (Fonte: PML, 1978).
Num primeiro momento, nota-se que vários dos sindicatos foram formados por
trabalhadores de escritório ou prestadores de serviços, e alguns se configuraram como
entidades empresariais. Observa-se que isso não representaria a constituição de instrumentos
de luta efetiva por parte dos trabalhadores pobres, mas deve-se levar em conta que foi um
período de organização em diversos setores, demonstrando que a diversificação da população
da cidade se ampliava com muita intensidade.
A atuação da UTL – União dos Trabalhadores de Londrina, uma entidade inspirada na
UGT – União Geral dos Trabalhadores era muito importante, pois articulava os diversos
movimentos e funcionava como órgão centralizador da ação destas várias organizações:
Entidades de base de representação heterogênea, as UGTs aglutinavam
várias categorias de trabalhadores urbanos e rurais. Embora não tivessem o
estatuto de sindicato nem o reconhecimento oficial, engajavam-se em
campanhas por melhores condições de vida e trabalho, esforçando-se, ainda,
para garantir assistência médica e jurídica. Tratava-se de uma organização
proto-sindical, que contribuiu progressivamente para a formação de
sindicatos de diversas categorias em toda a região e para a constituição de
um grupo de dirigentes sindicais do PCB (DIAS, 2003: 155).
Em 1958, ocorreu um movimento importante de convulsão social em Londrina. Os
estudantes e sindicalistas se uniram para protestar contra o alto custo de vida, assim como
contra o que eles consideravam abuso por parte dos comerciantes em relação ao preço das
mercadorias:
O PACTO DE UNIÃO SINDICAL e a UNIÃO LONDRINENSE DOS
ESTUDANTES solicitam às donas de casa que enviem à sede dessa última
entidade (edifício ‘Vitori’) as notas de compras em armazéns feitas durante
o mês de outubro. Como se sabe, o pacto e a ULE estão empenhados na
reestruturação da COMAP em Londrina e na criação de uma Delegacia de
Economia Popular aqui, para uma fiscalização eficiente do tabelamento de
preços, depois de congelados (RPC, 19/12/1958: 08).
Esta questão dos preços praticados pelos comerciantes se estendeu por anos. A
organização denominada COMAP – Comissão Municipal de Abastecimento e Preços era
formada por cidadãos descontentes com as práticas dos comerciantes, que os integrantes da
entidade entendiam como abusivas e denominavam como crimes contra aquilo que chamavam
de “economia popular”.
Esta entidade fazia forte apelo perante o público, e conseguiu autorização da
administração municipal para tabelar os preços, especialmente da carne. Isto provocou
diversas reações por parte dos empresários do ramo, que buscaram apoio público para suas
145
causas, alegando dificuldades no transporte do produto, na manutenção da qualidade, na
estocagem, e que os preços tabelados estavam tornando impossível manter o abastecimento
dos produtos. Chegaram inclusive a suspender a comercialização de algumas mercadorias:
As firmas abaixo assinadas, Walter Bussadori F. Cia Ltda, Pecuária
Londrinense Ltda e Antonio de Oliveira Muniz, responsáveis pela
distribuição de carne em Londrina, comunicam ao público em geral que,
impossibilitadas de continuar a entregar o produto abaixo do preço e custo,
conforme já foi amplamente exposto em publicações feitas na imprensa e no
rádio, ontem e hoje, decidiram de comum acordo, suspender,
temporariamente, a partir do próximo dia 12, o abate de gado, até que a
Comissão Municipal de Abastecimento e Preços (COMAP) realize novo
estudo sobre o problema (FL, Comunicado ao povo de Londrina,
11/06/1959:01).
Os ataques públicos e as trocas de acusações entre as partes duraram anos. Por um
lado a COMAP, representando a insatisfação da população com o alto custo de vida, por outro
os empresários se organizando para defender suas empresas e seus lucros. A questão do custo
de vida vinha à tona em um âmbito maior, os sindicatos participavam ativamente dos
movimentos e manifestações, e os protestos locais se vinculavam a outros movimentos, em
escala estadual e nacional:
Segundo a deliberação tomada na reunião sindical que se realizou aqui, no
último dia 4, Londrina participará do movimento denominado ‘Dia do
Protesto’, marcado para amanhã, e que em Curitiba obteve o apoio de todas
as classes trabalhadoras e da população, de modo geral. Como se sabe,
segundo o movimento, ninguém realizará compras no comércio, amanhã,
em sinal de protesto pela alta do custo de vida (RPC, 15/09/1960: P 08).
Estes protestos refletiam um quadro de instabilidade social. O alto custo de vida, o
elevado índice de criminalidade, a falta de providências do poder público em relação às
medidas para resolver tais situações, provocava um ambiente de agitação social contínua. A
questão mais evidente era a disputa entre a COMAP e os empresários donos e administradores
de açougues e frigoríficos: “
A Comissão Municipal de Abastecimento e Preços se reúne hoje com
os novos membros da entidade, como assunto principal: o problema dos preços abusivos que os
açougues estão cobrando, ‘o problema da carne” (FL, Reunião da COMAP, 17/02/1962: 08).
A atividade da COMAP se tornaria ainda mais forte no ano de 1962, com aplicação de
multas aos estabelecimentos que cometiam "crimes contra a economia popular”, com o
tabelamento do preço da carne. Por outro lado:“dezenas de estabelecimentos protestaram
contra a portaria da COMAP, que tabelou os preços da carne em Londrina” (FL, Açougues
contra a COMAP, 27/02/1962: 08). O prefeito Milton Menezes chegou a ameaçar a
intervenção na questão da disputa entre COMAP e açougues, aplicando multas aos
146
estabelecimentos que se negassem a fornecer o produto, entretanto, também negociando para
que a COMAP fosse menos severa quando aos preços exigidos no tabelamento.
Na 4ª Vara da Comarca de Londrina se instalou, em março de 1962, um tribunal
especial para julgamento daqueles que houvessem praticado crimes contra a economia
popular. Mas esta força da entidade que controlava o preço dos produtos no mercado era
contrabalançada com o peso da classe comercial na pressão sobre os agentes políticos. Para se
ter uma idéia da gravidade da situação, foi aprovado na Câmara Municipal o Projeto de Lei nº
12/62, que autorizava a prefeitura a adquirir gêneros ou produtos alimentícios para a
distribuição aos consumidores a preço de custo. Ou seja, o poder de pressão da COMAP sobre
as autoridades era revertido em projetos de lei, demonstrando a força da mobilização popular.
Por mais ou menos dois meses, no ano de 1962, permaneceu intensa a disputa entre a
COMAP e os empresários locais, especialmente quando a entidade anunciou o tabelamento de
outros gêneros alimentícios, como pão, arroz, feijão preto. A disputa foi grande, repercutiu
por toda a cidade e pela região, mas teve seu fim com os ajustes entre a entidade e os
empresários. Depois de um certo tempo, o tema do preço dos produtos alimentícios sequer era
levado a debate público.
Os anos de 1962 e 1963 foram de intenso protesto social na cidade. Sindicatos,
organizações estudantis e movimentos populares fizeram suas vozes ressoarem, assim como
ocorria em todo o país. Foi um período entendido como fundamental na história do país, pois
ocorreu a chegada de João Goulart à Presidência da República, o que representava o poder nas
mãos do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, reconhecido como o representante dos
sindicatos e organizações de trabalhadores. As propostas de transformação social do
presidente, como as reformas de base e a reforma agrária, ressoaram por todos os cantos do
país, e fizeram com que muitos grupos buscassem ter suas reivindicações atendidas.
Ao final da década de 1950 o café ainda atingia altos índices de produção em toda a
região Norte do Paraná, no entanto, as crises precedentes e a insatisfação com a política
cambial do governo JK, criava um ar de desconfiança em relação ao futuro da cafeicultura.
Enquanto a classe dirigente e o poder público debatiam sobre a criação de um plano de
industrialização para a cidade, alguns trabalhadores diretamente ligados à cafeicultura
buscavam se organizar de maneira autônoma, para terem maiores garantias trabalhistas e força
para negociar melhores condições salariais e empregatícias com os patrões.
Em Londrina, o primeiro caso foi o dos ensacadores e carregadores de café,
geralmente profissionais de baixa qualificação que prestavam serviços nas empresas de
147
estocagem e beneficiamento de café e nas fazendas, que em 1959, resolveram organizar-se em
uma associação de classe, para negociar diretamente o preço de seu trabalho com os
produtores e outros empresários ligados à cafeicultura, buscando eliminar deste negócio os
atravessadores. Então, foi fundada em Londrina, a Associação dos Ensacadores e
Carregadores de Café, que em novembro 1961 passaria a funcionar como um sindicato
reconhecido pelo Ministério do Trabalho. O princípio formador desta associação foi uma
necessidade de autodefesa destes trabalhadores, que na maioria dos casos não contavam com
carteira de trabalho assinada e nenhum tipo de garantia trabalhista legal. Os trabalhadores
ficavam submetidos a baixos salários, nenhuma garantia de estabilidade no emprego, falta de
assistência em relação à saúde e segurança, além de jornadas elevadas de trabalho. O
mecanismo de associação funcionou como uma estratégia dos trabalhadores para eliminar os
agenciadores de mão-de-obra, pois estes, além de ficarem com boa parte do salário dos
trabalhadores, não davam garantia de trabalho à mão-de-obra local, sendo que era comum
saírem à procura daqueles que aceitassem ganhar o menor salário possível, ainda que fosse
fora da região.
Segundo Sgarbi (1991), um fator importante para a criação desta entidade, foi à
chegada em Londrina de trabalhadores sindicalizados nos portos de Paranaguá e Santos, que
apoiaram os trabalhadores locais na instituição de sua entidade representativa. Os
empresários, a princípio, resistiram à sindicalização dos trabalhadores, especialmente
ameaçando aqueles que eram efetivos com o desemprego no caso de se filiarem ao sindicato.
Portanto, no início da formação do sindicato, o processo de atrair os
trabalhadores para se filiarem ao sindicato era uma tarefa muito complicada.
Existia um dilema em torno da representatividade do sindicato frente aos
dois tipos de trabalhadores (empregados fixos e temporários). No início, o
sindicato entendia que deveria representar somente os empregados fixos das
empresas, depois teria que representar somente os ‘avulsos’ e mais tarde ele
passa a representar os dois tipos (SGARBI, 1991: 09).
Dentre as conquistas do Sindicato, houve a eliminação dos agenciadores
intermediários no contrato de trabalhadores com as empresas, que passaram a serem
solicitados pelos empresários diretamente na entidade representativa dos trabalhadores.
Quando necessitavam de emprego, os trabalhadores procuravam o Sindicato, onde entravam
em uma fila de espera para serem contratados.
No momento em que o sindicato se formou, era específico para os
ensacadores e carregadores de café; com a crise da cultura cafeeira e
conseqüentemente queda da demanda de mão-de-obra utilizada na sua
produção, o sindicato abriu a porta para todos os trabalhadores que
empregavam sua mão-de-obra como movimentador e arrumador de
148
mercadoria. E hoje, só para se ter uma idéia, o Sindicato se chama:
“Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral e
Arrumadores de Londrina” (SGARBI, 1991: 09).
O Sindicato dos Ensacadores e Carregadores de Café de Londrina se tornou uma
instituição forte que conseguiu se manter em pé mesmo com intensas campanhas da imprensa
e dos empresários para enfraquecê-los, desmoralizá-los e combater suas ações. A maior
demonstração de força se deu em setembro de 1962, quando organizaram um movimento
grevista até então jamais visto na cidade, através do qual reivindicavam melhores condições
de trabalho e a instauração de contratos coletivos entre a entidade e os empregadores, a fim de
garantir os direitos dos trabalhadores:
Alegando que os empregadores se negam a firmar contrato coletivo de
trabalho, os carregadores e ensacadores de café de Londrina cruzaram os
braços, paralisando os serviços em todas as máquinas que utilizam, algumas
centenas de profissionais da categoria estão em greve. (FL, Greve Geral dos
ensacadores de café: Londrina Paralisada, 27/09/1962: 08).
Este movimento prosseguiu com a instituição de piquetes nos armazéns de estocagem
e nas fábricas de beneficiamento do produto:
Persiste a greve deflagrada pelos carregadores e ensacadores de café, com a
participação ativa de piquetes volantes organizados pelo sindicato dos
operários, que apóia o movimento. Os quarenta e quatro estabelecimentos
empregadores não funcionaram ontem e não houve qualquer contato entre
os líderes sindicais e os patrões para que fosse encontrada uma solução (FL,
Greve Geral dos carregadores e ensacadores de café: polícia guarnece as
máquinas, 28/09/1962: 08).
O movimento atingiu seus objetivos, conseguindo firmar os contratos coletivos de
trabalho. Entretanto, a situação no sindicato se tornou instável, com a infiltração de membros
favoráveis aos empregadores nos quadros administrativos do sindicato. Foi assim que disputas
intensas e violentas pelo controle da entidade se deram durante os meses subseqüentes.
Em janeiro de 1963, foi demitido o associado Adenoval Marques Barbosa, ex-
presidente da entidade. Este, indignado com a atuação da diretoria, realizou um movimento de
protesto, convocando para uma greve geral os associados da entidade:
Numerosos ensacadores e carregadores insatisfeitos com a atuação dos
dirigentes do sindicato de classe, ocuparam a sede social, a fim de impedir o
ingresso ali dos novos responsáveis pela administração do SCECL. Vários
incidentes ocorreram à tarde, inclusive dirigentes teriam ameaçado
trabalhadores descontentes com revólveres (FL, MTPS garante ação dos
novos dirigentes sindicais contra os ensacadores descontentes,
03/01/1963:08).
149
Os trabalhadores descontentes com a ação da diretoria, que entrara em negociata com
patrões e com o poder público, em detrimento dos interesses dos associados, buscaram
destituir estes dirigentes e tomar o controle da situação. Para resolver a questão, o Ministério
do Trabalho interveio, buscando inclusive, a ajuda de um dirigente do sindicato da categoria
em Paranaguá, a fim de que um elemento externo pudesse apaziguar a situação. Foi então
convocada uma assembléia geral com os membros do sindicato, para eleição de uma junta
governativa, que seria coordenada pelo Ministério do Trabalho. Entretanto, o novo presidente
não teve vida fácil no comando da entidade, pois na mesma semana apresentava queixa à
polícia por ter sido ameaçado de morte por um grupo de trabalhadores descontentes com sua
nomeação.
Enquanto o novo presidente viajava, os rebeldes liderados por Adenoval Marques, se
reuniram em assembléia independente para decidir as ações que deveriam empreender diante
do quadro de crise da instituição. Porém, esta reunião foi debelada pela polícia, e os
sindicalistas compareceram à Folha de Londrina em 17 de fevereiro 1963 para prestar uma
queixa contra a truculência das autoridades.
Dois meses mais tarde era Adenoval quem se dirigia à polícia, não para questionar sua
intervenção no sindicato, mas para dar queixa por estar sendo ameaçado de morte. Ou seja, os
ânimos na entidade estiveram exacerbados durante o período de quase um ano. Entretanto, o
caso ficou por isso mesmo e de nenhuma parte as ameaças de concretizaram. O que ficou foi
uma marca forte da presença daqueles lideres populares contra a ingerência do poder público
e dos patrões nas questões internas do movimento.
O caso do Sindicato dos Ensacadores e Carregadores de Café de Londrina se tornou
um registro da força de mobilização e independência dos trabalhadores no início dos anos
1960, e funcionou como alavanca de outros movimentos descontentes que se espalhariam pela
cidade e região, criando um momento de grande efervescência social.
Sob influência dos dirigentes daquela entidade, ocorreu a criação do FSL – Fórum
Sindical de Londrina, um movimento formado por representantes dos vários sindicatos da
região, a fim de discutir os rumos das políticas públicas em relação aos trabalhadores e o
posicionamento desta entidade diante das situações que viessem a surgir, pois o objetivo do
fórum, segundo seus representantes, era “coordenar esforços das entidades em torno das
reivindicações dos trabalhadores em geral” (FL, “Fórum Sindical: eleita a diretoria
provisória”, 09/04/1963: 02).
Um outro fato interessante, que até então era inédito, ocorreu com relação às
150
empregadas domésticas, uma classe que até aquele momento sequer era citada entre as
passíveis de organização e sindicalização, buscava se estruturar e organizar-se para lutar pelos
seus direitos:
(...) embaraça-se um movimento em Londrina para a fundação de entidade
profissional com o objetivo de coordenar a defesa dos interesses das
lavadeiras e empregadas domésticas. A entidade promoverá a fundação de
creches para os filhos das associadas, assistências médica, judiciária e
odontológica e campanhas de reivindicação salarial (FL, 08/05/1963: 02).
Outro movimento registrado foi o do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da
Construção Civil de Londrina, que rejeitou a oferta de aumento feita por parte dos
empregadores, criando uma ameaça de greve que atemorizava os patrões, a ponto de que no
jornal se noticiasse o envolvimento dos líderes sindicais com o comunismo:
Dizendo que as empresas de construção civil poderão paralisar
completamente as respectivas obras, com dispensa total de operários, uma
comissão de empregadores divulgou ontem, longo memorando dirigido aos
trabalhadores, às autoridades policiais e ao povo, denunciando advogados e
líderes de sindicatos como elementos comunistas responsáveis pelas greves
que se verificam, periodicamente, em certas atividades econômicas. No
documento, os empresários referem-se a violências e ameaças de que o
sindicato operário lança mão para constrangê-los a aumentar salários e a
aceitar reivindicações absurdas (FL, Industria da Construção Civil:
Sindicato operário é comunista, 08/05/1963:16).
Aquele ano de 1963 pode ser lembrado em Londrina como o ano das greves, pois os
operários da construção civil, trabalhadores da indústria, funcionários da prefeitura municipal,
motoristas de caminhões e ônibus, trabalhadores em serrarias, professores municipais e
estaduais, metalúrgicos, todos eles ameaçaram e alguns iniciaram greves e manifestações de
reivindicação por melhores salários, enfim, o quadro de instabilidade social era intenso.
Esta situação se agravava pela ascensão política de elementos advindos do Movimento
Estudantil, que cresceu muito na cidade com a criação da Faculdade de Filosofia, na qual se
reuniam futuros líderes locais e estaduais. Assim, o processo de ampliação das discussões
sobre a constituição de um espaço público de debate das questões sociais e políticas na
cidade, surgiu de forma intensa nos primeiros anos da década de 1960.
Não foram apenas nas relações de trabalho e na questão do preço dos gêneros
alimentícios que os grupos populares se mobilizaram. Um dos problemas mais discutidos em
Londrina no início dos anos 1960 era a questão do transporte coletivo. A expansão horizontal
da cidade esparramou a população pela periferia, e tornou urgente a criação de um sistema de
transporte público eficiente, o que não acontecia, provocando uma insatisfação geral com os
serviços oferecidos.
151
Um dos projetos mais discutidos foi à criação de um ponto de ‘peruas’, automóveis
que comportavam um número maior de passageiros do que os táxis. Alguns vereadores,
defendendo os interesses das frotas de táxis ameaçaram boicotar a aprovação deste projeto
(FL, 09/02/1962). Entretanto, depois do debate ser levado a público, a pressão popular fez
com que acabassem aprovando a criação do referido ponto de ‘peruas’(FL, 23/02/1962), e
posteriormente se determinou que o custo deste transporte fosse equivalente à metade do
valor cobrado pelos carros de aluguel tradicionais. Assim, o transporte público passou a ser
um ponto de discussão aberta, e as queixas chegavam cotidianamente à redação do jornal.
A população de Londrina tomava consciência de seus direitos e de seu dever de
participação, reivindicação e luta por melhorias em suas condições de vida. Esta situação
poderia ter se ampliado e criado mecanismos de participação popular na vida política da
cidade se não fosse a abrupta queda no nível de protestos e movimentos sociais ocorrida em
1964, com a instauração do Regime Militar e das práticas repressivas por parte dos órgãos
representantes desse governo.
O processo de diversificação social e de instituição de um espaço público de debates e
reivindicações tomou forma no quadro urbano de Londrina a partir de meados da década de
1950 até os anos de 1960. Esta situação seu refletiu nas políticas públicas da cidade, nas
formas de abordagem e intervenções da administração municipal sobre as classes populares.
A construção de um campo livre de discussões, de organizações de pressão sobre o poder
público e sobre a classe dominante, em relação às demandas populares, poderia ter tomado
maior amplitude. O que acontecia em Londrina era um traço local de um processo de
amplitude nacional, que poderia ter se transformado em algo maior, não fosse o golpe de 31
de março de 1964, que derrubou abruptamente o maior movimento de construção da
cidadania popular edificado no país até aquele momento.
O chamado Golpe de 64 arrefeceu os ânimos e bloqueou, em certa medida, o avanço
das lutas sociais. Para a UDN (leia-se elite), o Golpe de 1964 “seria a conjugação quase
perfeita do antigetulismo com o anticomunismo” (BENEVIDES, 1981: 281). A cassação de
direitos políticos dos principais representantes da esquerda, a vigilância pesada sobre os
sindicatos e entidades classistas, a truculência e autoritarismo de um governo que perseguia
incansavelmente seus adversários, fizeram com que cessasse no país todo o clima de
igualdade civil e democracia que havia se construído nos anos precedentes.
A sobrevivência dos movimentos sociais se deu através da atuação clandestina de
alguns agentes mais engajados nos processos de luta. Entretanto, o poder de mobilização
152
popular destes movimentos foi reduzido praticamente à insignificância, uma vez que o clima
de medo e terror funcionou de forma a reprimir os instintos de manifestação e
descontentamento por parte das massas.
Não se pode, entretanto, crer que o crescimento abrupto da repressão aos opositores,
tenha feito com que a vitória da Ditadura Militar fosse absoluta. Os agentes da esquerda,
conforme observou Dias (1999), concluíram que não mais se tratava do momento de discutir
ou planejar ação política de negociação com o governo golpista. Sua opção foi por avançar
através da luta armada, ou seja, era hora de fazer a revolução.
Enquanto os principais agentes políticos da esquerda, mais envolvidos no combate à
ditadura, formulavam estratégias de resistência e contra-ataque, para chegarem à tão esperada
revolução, os políticos moderados se acalmavam, e buscavam maneiras conciliatórias de não
deixar o status quo e não perder seus mandatos e posições como ocorria com os mais
exaltados. Neste clima de extremismo, ou como observou Florestan Fernandes (1986), de
“delírios políticos e ideológicos de parte a parte”, o que ficou em segundo plano foram às
questões mais abrangentes que haviam vindo à tona nos anos precedentes.
153
7 – A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A QUESTÃO URBANA:
TRANSIÇÕES E RUPTURAS
7.1 – O teatro político em Londrina
Durante quase duas décadas Londrina foi governada praticamente por uma única sigla
partidária, a UDN. Ainda que durante as eleições alguns políticos identificados com a UDN
migrassem para outros partidos para possibilitarem suas candidaturas, como aconteceu com
Hugo Cabral em 1947 e Antonio Fernandes Sobrinho em 1955. Além destes dois, Londrina
foi também governada por Milton Ribeiro Menezes, nos períodos 1952-1955 e 1960-1963, e
Hosken de Novaes, no período 1964-1968. Sendo que estes dois últimos foram diretamente
eleitos pela sigla hegemônica na cidade. O interessante a se notar é que, a exceção de Antonio
Fernandes Sobrinho, todos os outros citados eram advogados. Não é à toa que os políticos que
pertenciam a este grupo foram denominados como os Bacharéis da UDN. Uma classe política
muito presente na cidade, que se tornou hegemônica, com base num discurso da modernidade
e da iniciativa privada como promotora do desenvolvimento.
Segundo Cesário, (1986) com base nas análises de Sérgio Miceli, havia uma diferença
básica entre UDN e PSD, as duas siglas partidárias com maior força política e
representatividade no período 1945-1964. Enquanto o PSD tinha um maior compromisso com
o patronato industrial, a UDN era aliada dos setores financeiros. Entretanto, ambas as siglas
tinham fortes vínculos com os setores agrários. Assim, como a questão da agricultura era
muito forte em Londrina, os dois partidos eram muito semelhantes. A diferença estaria na
origem, pois o PSD teria sido formado a partir dos políticos londrinenses que estiveram no
poder durante o período das interventorias no Estado Novo, enquanto a UDN nasceu através
da ação dos “bacharéis” e dos agraristas tradicionais, vinculados à oligarquia pré 1930
(CESÁRIO, 1986).
Segundo Benevides,
[...] a principal diferença que existia entre PSD e UDN deriva da postura
tradicionalmente anti-estatista da UDN (nos moldes do liberalismo
clássico) e favorável ao capital estrangeiro, enquanto que o PSD, numa
linha mais 'progressista', admitia, ao mesmo tempo e com igual ênfase, a
intervenção estatal e o capital estrangeiro. O antigetulismo explica a
distância entre os dois partidos conservadores, mas há algo a mais: a
origem de pretensões aristocráticas da UDN, a ética moralista, a ênfase
bacharelesca no formalismo da lei e na tradição, a auto-imagem da
154
excelência, distinguiam-na, em termos de estilo e de padrão de atitudes
(BENEVIDES, 1981: 280).
Mesmo sob a bandeira do liberalismo, a UDN foi um partido com uma trajetória ímpar
na história nacional, pois nasceu da luta pela deposição de um regime autoritário e golpista.
Vinte anos depois, seria a sigla que abrigaria grande parte dos responsáveis pela instauração
de um novo regime autoritário e golpista.
A UDN surgiu como uma frente, organizou-se como um partido e
identificou-se, também, como um movimento (o Udenismo). Até que ponto
as contradições não pertenceriam à lógica própria de uma organização que
se define institucionalmente – a estrutura partidária, o espaço legal – mas
que se identifica com uma 'herança ideológica' (o liberalismo) que já é, em
si, marcada pela ambigüidade? (BENEVIDES, 1981: 12).
Partindo das análises de Benevides, torna-se possível dizer que a UDN foi um partido
capaz de congregar os mais diversos interesses da elite londrinense por duas décadas. Este
caráter ambíguo da sigla, que abrigava uma elite que valorizava a livre iniciativa e, de uma
forma aparentemente paradoxal, promovia intervenções governamentais em diversos setores
econômicos, é um reflexo claro de um partido que era mais identificado pelo elitismo de seus
componentes do que por alguma filiação ideológica bem definida:
A história da UDN é, na verdade, a história de um grupo restrito, de uma
elite que se queria elite, quer pelas origens sociais ou pelos interesses
econômicos, quer pela linha política, ou, ainda, pela auto-imagem de
excelência. [...] Esse liberalismo restrito remete diretamente ao elitismo do
partido, que foi caracterizado em torno de dois aspectos principais: a crença
na 'presciência das elites' sobre os anseios do povo (e daí a contestação dos
resultados eleitorais, pois o 'povo vota errado') e o 'sentido da excelência'
('acima de tudo o que importa é ficar bem')(BENEVIDES, 1981:280).
No cenário político dos anos iniciais da década de 1960, outro partido forte era o PTB,
que se ligava aos setores populares e aos sindicatos surgidos durante o governo Vargas. Em
Londrina, é interessante notar que o PSD teve muito pouca repercussão, perdendo força ao
longo dos anos, enquanto que o PTB se tornava o principal partido Getulista na cidade.
Enquanto isto, a UDN permanecia forte em todas as eleições municipais, ainda que os
candidatos locais desta sigla não lograssem grandes sucessos em eleições para cargos
estaduais e federais.
A UDN consolidou seu poder em Londrina com a aliança entre ‘bacharéis’ e
fazendeiros, e toda sua política foi voltada à satisfação de interesses destes grupos. A
formulação de um ideal de cidade tomou vulto na década de 1950, segundo este ideal,
Londrina era predestinada à grandeza do progresso da cafeicultura, e deveria ser organizada
155
de acordo com os pressupostos do urbanismo moderno, da racionalidade urbanística aliada à
sofisticação arquitetônica. Esta forma de entender a cidade era excludente e segregacionista,
buscando criar uma cidade onde as elites ficassem apartadas das contradições sociais
provocadas pelo progresso.
Com o passar dos anos as emergências sociais foram se acentuando, e aquele ideal de
cidade foi perdendo força, sendo sobreposto por outros discursos, que enxergavam a cidade
como um problema a ser enfrentado com planejamento e atendimento às demandas básicas
das classes trabalhadoras. Foi assim que a questão da pobreza e da moradia das classes
populares foi deixando de ser assunto apenas de entidades de assistência social e passando a
se tornar preocupação efetiva da administração municipal. Segundo Thompson:
O conceito de Hegemonia é muito valioso, e sem ele não saberíamos
compreender como as relações eram estruturadas. Mas embora essa
hegemonia cultural possa definir os limites do que é possível, e inibir o
crescimento de horizontes e expectativas alternativos, não há nada
determinado ou automático nesse processo. Essa hegemonia só pode ser
sustentada pelos governantes pelo exercício constante da habilidade, do
teatro e da concessão. Em segundo lugar, essa hegemonia, até quando
imposta com sucesso, não impõe uma visão abrangente da vida. Ao
contrário, ela impõe antolhos que impedem uma visão em certas direções,
embora a deixem livre em outras. (...) Por isso não posso aceitar a visão,
popular em alguns círculos estruturalistas e marxistas da Europa Ocidental,
de que a hegemonia impõe uma dominação abrangente aos governados –
ou a todos que não são intelectuais – até o próprio limiar de sua
experiência, e implantando em suas mentes, no momento do nascimento,
categorias de subordinação, das quais eles são incapazes de se livrar e que
sua experiência não é capaz de corrigir (THOMPSON, 2002: 79).
A partir deste olhar, percebe-se como os mecanismos utilizados pelo grupo
hegemônico para justificar sua dominação vão aos poucos sendo minados. E a opção do
grupo no poder é reformular sua ação e seu discurso ou ser deglutido pelas condições
estruturais que vão minando sua hegemonia. Segundo Cesário (1986), as ações tomadas por
Milton Ribeiro Menezes e Hosken de Novaes no sentido de racionalizar a máquina
administrativa da prefeitura de Londrina, criando empresas públicas independentes, viriam a
criar:
[...] um sentimento, na população local, de auto-suficiência na condução dos
serviços de infra-estrutura do município. Essa situação, certamente,
influenciou o comportamento político e eleitoral dos londrinenses que, em
vários momentos, denotaram ‘independência’ em relação à política
dominante no Paraná (CESÁRIO, 1986: 406).
Entretanto, esta constatação é lacunar em dois aspectos. Em primeiro lugar, suas
156
afirmações indicam que a atuação dos prefeitos Udenistas teria criado um sentimento de auto-
suficiência na população local. No entanto, este sentimento não era da população local, e sim
da elite. As medidas urbanísticas em Londrina sempre se pautaram por ações que
demonstrassem grandeza e auto-suficiência do município, pois isto fazia parte do conjunto de
valores defendidos pela burguesia cafeeira dentro de seu ideal de cidade e sociedade. Em
segundo lugar, dizer que este sentimento de auto-suficiência teria criado uma certa
independência do eleitor londrinense em relação ao eleitorado paranaense é uma constatação
que não se sustenta. Pois, as eleições em Londrina sempre se formularam de acordo com as
alianças políticas e a imagem de cada candidato, não exatamente com uma tendência do
eleitorado em seguir uma corrente oposicionista em relação ao restante do Estado. Além
disso, os partidos políticos daquele período não possuíam uma identidade forte, com exceção
do PTB e do PCB que estava na ilegalidade desde 1947, e seria complicado encontrar
vínculos identitários no eleitorado se eles não existiam nem entre os partidos, apesar de que
era comum os partidos serem identificados menos pelo significado de sua sigla que pelo nome
de seus políticos mais expressivos.
Outro ponto interessante a ser analisado foi o debate que se travou nas décadas de
1950 e 1960 quanto à melhor forma de promoção do desenvolvimento do país. Neste período,
a disputa foi entre aqueles que se posicionavam a favor da liberalização da economia,
favorecendo a entrada de capitais externos e da iniciativa de grandes empresas internacionais.
E também havia um grupo que defendia o nacionalismo e a intervenção do Estado na
economia como a melhor forma de promoção do desenvolvimento no país.
Esta disputa se intensificou no segundo governo Vargas, quando o nacionalismo e a
intervenção estatal foram direcionadores da política governamental, mas com uma forte
oposição dos lideres Udenistas, um conflito que se agravou em 1954, como o suicídio de
Getúlio Vargas e as ameaças de golpe por parte dos seus opositores. Assim, após assumir em
um clima de tensão em 1956, o Pessedista Juscelino Kubistcheck buscou formular uma
política desenvolvimentista conciliatória, que aliava a intervenção estatal na economia com a
abertura para investimento de grandes empresas estrangeiras, principalmente a indústria
automobilística.
Em Londrina, o governo JK sofreu grande oposição dos Udenistas, especialmente
porque sua política foi de favorecimento aos investimentos industriais e de poucas iniciativas
no sentido de apoiar o desenvolvimento da agricultura. Assim, os cafeicultores paranaenses
desenvolveram grande campanha contra o governo, pois mesmo pertencendo a um partido
157
que defendia a livre iniciativa e o liberalismo no comércio internacional, os líderes Udenistas
locais exigiam medidas protecionistas por parte do governo federal, para garantir os
rendimentos na exportação do café. Dentro deste jogo político entre nacionalistas e liberais,
chamados de entreguistas por seus opositores, os capitalistas londrinenses defendiam o
liberalismo como forma de promoção do progresso, mas paradoxalmente, exigiam a
intervenção estatal para melhorar as condições de seus negócios.
Uma grande discussão que se desenvolveu no início dos anos 1960 foi a respeito da
Reforma Agrária, uma vez que o governo João Goulart desenvolvia uma política nacionalista
e planejava a intervenção estatal na distribuição de terras. A esta altura, a CMNP começou a
defender a idéia de que o melhor exemplo de Reforma Agrária na história do país teria sido o
projeto de colonização do Norte do Paraná empreendido pela empresa nos anos 1930.
Segundo Gonçalves (1999), as propagandas da Cia Colonizadora a respeito de um caráter
positivo da ação da iniciativa privada sobre a distribuição fundiária, acabaram ressoando em
várias vozes que ainda hoje ecoam a respeito de uma suposta justiça social praticada no
parcelamento do solo norte-paranaense. Ou seja, o que esta empresa difundia era que os
investimentos privados na colonização de terras concedidas pelo Estado eram a melhor forma
de democratização do acesso a terra, uma vez que o seu parcelamento em pequenos lotes com
financiamentos de baixo custo garantiriam o sucesso da colonização.
Eis, portanto, a nova face do progresso: nos anos sessenta e setenta as
representações da Terra da Promissão e Eldorado encontram-se
sobrepostas e transmutadas na idéia de Reforma Agrária. Abre-se pois a
possibilidade de compreender a dimensão mais sofisticada da ideologia,
pois para legitimar o empreendimento liberal ela necessita dissimular as
desigualdades e conflitos sociais originados pela propriedade privada.
Assim, não se pode pretender encontrar na obra da CMNP uma discussão
sobre a Reforma Agrária que caracterize o direito e a concentração da
propriedade como expropriação dos meios de produção e subsistência dos
trabalhadores rurais do norte do Paraná nos anos sessenta e setenta. De
fato, a miserabilidade desse grupo e a própria confusão da questão agrária
no país só podiam ser, como foram, atribuídas ao intervencionismo
estatal, responsável – na versão liberal – pela perversidade da estrutura
social brasileira no período (ARIAS NETO, 1998: 263).
Construía-se, na região Norte do Paraná, um discurso de glorificação da iniciativa
privada como promotora do desenvolvimento e da distribuição de terras. Entretanto, este
discurso era pontuado ideologicamente pela forte oposição das elites ao governo do Petebista
João Goulart, que entendia a promoção de políticas públicas de investimentos e controle da
economia como principal forma de solução para os problemas nacionais. Este discurso
158
construído a respeito de um passado glorioso era parte do arcabouço ideológico da elite local,
que escamoteava os conflitos que ocorreram durante a o violento processo de ocupação da
região:
O discurso “Norte do Paraná” explicita a idéia de que há uma comunidade
imaginária de interesses econômicos e políticos; e assim procura-se
constituir uma solidariedade que tem vínculos com a própria terra roxa, que
é tida como base física para o sustento de uma visão triunfalista de
(re)ocupação. Esta visão tem por finalidade escamotear uma realidade que
foi e é contraditória e conflituosa, pois está estruturada num sistema de
classes. Entretanto, é necessário aos olhos de quem domina, que esta
realidade pareça uma, sem conflitos, procurando assim silenciar outros
discursos que demonstram e falam sobre as contradições e os conflitos entre
os diversos grupos, facções de classe e classes que viveram e vivem na
região situada ao norte do estado do Paraná (TOMAZI, 1997: 11).
Tal discurso, pontuado ideologicamente pela defesa do liberalismo econômico como
forma de desenvolvimento do progresso, era ambíguo e não se aplicava à realidade política
local. É necessário ter em mente que a defesa retórica do liberalismo servia ao interesse de
sustentar a oposição ao governo João Goulart. Entretanto, o espectro discursivo que se
construiu em torno da ação da Cia colonizadora, foi muito mais um constructo ideológico do
que propriamente resultado de uma análise histórica efetiva:
Pioneiros realizando uma verdadeira reforma agrária no norte paranaense é
uma imagem-síntese que resume toda uma epopéia conquistadora cujos
significados políticos ultrapassam, em muito, a mera remissão a uma
parcela do espaço brasileiro. Com efeito, observada com cuidado, uma
grande parte da literatura acerca dos processos de colonização das áreas
setentrionais do Paraná evidencia uma permanente preocupação em fazer da
descrição minuciosa um receituário normativíssimo de procedimentos que
deveriam ser copiados pelo mundo a fora. Nesse sentido, ela me parece
costurar, reforçando, uma narrativa aparentemente referenciada pelo
processo de colonização do Norte-novo do Paraná, encaminha-se para uma
verdadeira releitura – prenhe de viés liberal – da história das políticas de
territorialização do país (GONÇALVES, 1999: 120 - 121).
A releitura, realizada na década de 1960, do processo de ocupação do Norte do Paraná,
como um ‘exemplo de reforma agrária bem sucedida’, tinha duas funções específicas: era um
mecanismo publicitário da CMNP para divulgar e legitimar seus empreendimentos; e, era
utilizado pela burguesia regional para fazer oposição ao regime vigente no país, que tinha uma
tendência nacionalista e intervencionista.
A defesa do liberalismo era mais retórica do que concreta. No plano local, os mesmos
políticos que atacavam o governo federal por não reconhecer o valor da iniciativa privada na
promoção do desenvolvimento econômico e social do país, tomavam medidas
intervencionistas, regulavam a economia, favoreciam os interesses da classe dirigente. Ou
159
seja, as administrações udenistas em Londrina, baseadas no ideal de auto-suficiência da
cidade, intervinham na economia local no sentido de favorecer os membros da classe
dirigente e sanar as questões referentes às demandas das classes populares.
Enfim, a dubiedade dos discursos da elite londrinense era o reflexo de uma cultura
política desvinculada de propósitos ideologicamente fundamentados. As ações do poder
público variavam de acordo com os interesses da classe dirigente, e nem sempre o que era
defendido como ideal era refletido na prática dos legisladores e gestores municipais. Desta
forma, a análise das políticas públicas em relação às classes populares deve se fundamentar
neste entendimento, de que as ações da administração municipal se alteravam de acordo com
as contingências históricas e se transformavam com o decorrer dos anos.
Sob a administração Udenista, consolidou-se em Londrina, na década de 1950, uma
forma de estruturar a cidade com vistas à valorização de uma ideal de modernidade
excludente, na transformação da infra-estrutura urbana sem a redefinição dos papéis políticos.
Ou seja, buscou-se consolidar um ideal de cidade que ignorava os sujeitos, e se pautava na
formulação de um entendimento do espaço urbano como objeto inerte, e das classes populares
como elementos de classificação, jamais como conjuntos de indivíduos com valores e
vontades próprias.
Os espaços alteram a sociedade e são alterados por ela, segundo Khoury (1999:09)
“Em primeiro lugar é preciso considerá-los (os espaços) não mais como palco da história, mas
como um agente, um elemento constitutivo das relações sociais que nele, e por meio dele se
estabelecem; é preciso encará-lo como histórica e culturalmente produzido”. No presente
caso, o espaço em questão se transformava na medida em que se transformavam os agentes
que o habitavam. Entretanto, as mudanças não se formularam simplesmente como
determinação do acaso, foram na verdade resultados de formações históricas que se
converteram em ações, que por sua vez foram resultantes de relações de litígio e conciliação
entre os agentes envolvidos.
A presença da participação efetiva de movimentos sociais organizados e das classes
populares nos processos decisórios sobre a definição paisagística, espacial e infra-estrutural
da cidade, não foi uma situação comum na história desta, uma vez que esta realidade, de uma
organização popular efetiva e estruturada no sentido de interferir diretamente nas ações
políticas, não era efetivamente presente. Isto não anula a possibilidade de perceber que a
atuação da hegemonia burguesa se pautava por construir elementos discursivos que
legitimassem suas atuações perante as classes subordinadas, ou seja, não ignoravam a
160
presença popular e a sua possibilidade de ação, apenas buscavam mantê-la sob controle.
Se os canais de participação popular com relação à definição das políticas urbanísticas
não foram edificados pelas classes subordinadas de maneira efetiva e organizada, não se pode
deixar de perceber que as contingências históricas proporcionaram a transformação nas
diretrizes do poder público em relação a esta política urbanística. O entendimento destas
transformações passa pela compreensão da expansão da pobreza na cidade em certo período e
da pressão que esta situação exercia sobre as ações do poder público.
No capítulo precedente, efetuou-se uma descrição de como a cidade se diversificou
social e culturalmente em sua composição populacional. Esta diversificação se formulou pela
via do inchaço populacional deflagrado pela reestruturação das relações de trabalho no
campo, e por uma intensificação da migração externa para a cidade de Londrina. Esta
diversificação proporcionou uma redefinição das relações sociais, e no campo da luta operária
se refletiu na constituição de organizações sindicais urbanas e rurais, de entidades de classe e
do movimento estudantil.
Se as organizações e movimentos sociais supracitados não estiveram diretamente
envolvidos com as discussões sobre a configuração urbanística, paisagística e infra-estrutural,
entende-se que os mecanismos por eles utilizados e o espaço alcançado, possibilitaram uma
redefinição do papel das classes populares no que diz respeito aos processos decisórios em
relação à sociedade.
7.2 – Uma nova racionalidade administrativa e os projetos de desenvolvimento
Como observou Oliveira (2001), o governo paranaense adotou uma postura inovadora
nos anos iniciais da década de 1960, pois ao mesmo tempo em que estado se destacava no
cenário nacional e internacional pelos sucessos da agricultura, o governo estadual lançava as
bases da industrialização paranaense, com a criação da CODEPAR – Companhia de
Desenvolvimento do Paraná, uma instituição pública voltada ao fomento de obras de infra-
estrutura e de projetos de industrialização e urbanização dentro do território estadual.
Com este projeto de desenvolvimento, o governo inaugurou um momento importante
na história do Paraná, racionalizando a administração pública e investindo na estruturação
econômica voltada para projetos industriais, ao contrário das administrações precedentes, que
se preocupavam com a questão da ocupação do território, através da colonização, e com o
161
desenvolvimento da economia agrícola. Esta administração estadual também promoveu um
processo de estruturação das vias de transportes, especialmente de ramais rodoviários e
ferroviários que facilitassem o escoamento da produção agrícola do Norte do Paraná para o
Porto de Paranaguá, pois àquela época o porto de Santos era o que mais exportava os produtos
das lavouras norte-paranaenses.
Londrina, nesta época, também passou por um importante processo de transformação.
As mudanças no cotidiano da cidade se formularam a partir de um processo de transição da
elite cafeeira no cenário político local, com o enfraquecimento dos discursos e elementos
simbólicos que na década anterior havia constituído a imagem da “Capital Mundial do Café”,
e consolidado a relação intrínseca entre cidade e campo, especialmente nos processos
decisórios sobre os rumos da política local. Não é de se estranhar que entre 1947 e 1963,
todos os prefeitos eleitos de Londrina eram homens ligados diretamente à agricultura, sendo o
principal partido da cidade a UDN, sigla comumente vinculada aos interesses dos
latifundiários e da agricultura de exportação.
Assim como aconteceu no plano estadual, em Londrina os ideais de modernização
administrativa e desenvolvimento da industrialização também se tornaram muito fortes no
discurso político. A questão do espaço urbano também tomou novos contornos, deixando de
ter o caráter ideológico da década anterior, quando a retórica da modernização e da cidade
ordenada havia pautado os planos urbanísticos, passando a se erigir à articulação de um
planejamento estratégico para o desenvolvimento, que culminaria na constituição do plano
diretor de Londrina. Desta forma, as seguintes questões serão analisadas: como as
transformações políticas em âmbito local, estadual e nacional, promoveram a reestruturação
do pensamento sobre a urbanização de Londrina? Como estas manifestações também
refletiram as transformações sociais internas da cidade? Quais os limites da cidadania e da
participação popular erigidos pelos movimentos sociais? Qual era a participação possível das
classes populares na definição das políticas urbanísticas?
Um primeiro olhar sobre a realidade político-econômica da região Norte do Paraná nos
anos iniciais da década de 1960, evidencia uma ampla gama de fatores em âmbito estadual e
nacional, assim como transformações internas no quadro político municipal, que fez com que
as atenções do poder público se voltassem para uma questão emergente, que dizia respeito ao
futuro da cidade: a industrialização. A este respeito, a primeira medida efetiva da
administração municipal foi instituir a Comissão Municipal de Desenvolvimento Industrial,
através da Lei nº 592/60, em 09 de novembro de 1960, que definiu a composição de um grupo
162
de representantes do poder público e de entidades empresariais, para formar uma equipe de
trabalho encarregada de promover ações de incentivo à instalação de indústrias na cidade e
instituir o "Parque Industrial do Município".
Esta medida representou uma virada histórica para Londrina, pois a partir do princípio
da racionalização da administração municipal, do entendimento do poder público como
agente de desenvolvimento econômico, organizador de ações com este objetivo, a cidade
buscava se emancipar da estreita dependência em relação à cafeicultura e fomentava a
diversificação de sua economia. Além disso, o quadro social que se apresentava no cotidiano
da cidade deixava clara a necessidade de ampliação do mercado de trabalho na área urbana, já
que os postos de trabalho na área rural escasseavam rapidamente e provocavam o aumento
contínuo da procura por emprego.
A constituição da referida comissão surtiu efeito no que diz respeito ao interesse dos
empresários em instalar novas indústrias em Londrina, pois em menos de cinco anos dobraria
o número destas empresas instaladas na cidade, como é possível observar através do quadro
que se segue:
Data da Implantação das Indústrias Nº de Empresas %
Até 1955 27 6,59
De 1956 a 1960 26 6,34
De 1961 a 1965 56 13,66
De 1966 a 1970 130 31,70
De 1971 a 1973 158 38,54
Sem informações 13 3,17
Total 410 100
Fonte: SUDESIL, 1973: 06.
O aparente sucesso inicial não atendeu às expectativas da administração do município.
Em 19 de outubro de 1965, a Lei nº 1030, criou sob a denominação de “Cidade Industrial” o
núcleo industrial de Londrina. Esta medida definia: a área destinada à instalação de indústrias,
bem como espaços residenciais e comerciais que atendessem aos funcionários das respectivas
empresas. A lei determinava também que deveriam ser instaladas novas indústrias,
preferencialmente, nas proximidades da linha férrea e/ou de rodovia asfaltada, com os
seguintes requisitos mínimos: água potável, rede de esgoto, energia elétrica abundante e vias
de circulação interna pavimentadas. A venda dos lotes foi feita a preço de custo e com
163
preferência para indústrias locais, instaladas em áreas inconvenientes, que desejassem se
mudar para o setor industrial.
Além da instalação de infra-estrutura básica e da venda dos lotes a baixo custo, a
referida lei ainda dava incentivos fiscais, como: isenção de dez anos do chamado imposto de
indústrias e profissões para as novas empresas que se instalassem no local indicado, desde que
não houvesse similares na cidade; bem como, cinco anos de isenção para as indústrias já
instaladas na cidade que se transferissem para aquele setor industrial. A lei também criava o
“Fundo de Desenvolvimento Industrial”, advindo do orçamento anual da prefeitura, destinado
à aquisição de novas áreas para indústria e implantação de infra-estrutura.
Estas medidas revelam o interesse do poder público em promover o desenvolvimento
econômico através da industrialização, pois os incentivos foram grandes. Nota-se como a
diversificação da economia local era um intuito em voga naquele momento, pois os maiores
incentivos fiscais eram dirigidos empresas que não tivessem similares instaladas na cidade. A
referida legislação obteve resultados expressivos, visto que a instalação de novas indústrias na
cidade cresceu abruptamente, e transformou definitivamente a economia local.
Os relatórios da prefeitura demonstram também que dentre as indústrias que se
instalaram em Londrina, predominavam aquelas que transformavam a matéria prima local e
regional, especialmente o beneficiamento dos produtos agropecuários. Assim Londrina, que já
era o centro comercial e em certa medida político da região, passava também a ser um
importante pólo industrial. Esta atuação da administração municipal em relação à
industrialização refletia dois fatores importantes: internamente, a queda do número de
indivíduos ligados à cafeicultura nos quadros da política local, e externamente os incentivos
do governo do Paraná ao desenvolvimento industrial do Estado, após a criação da CODEPAR
– Companhia de Desenvolvimento do Paraná em 1962.
A CODEPAR, segundo Oliveira (2001), foi o resultado de uma transformação na
estrutura administrativa do Estado, quando as elites estaduais passaram a se preocupar com
um projeto de desenvolvimento baseado na industrialização, que possibilitaria o crescimento
do estado de uma maneira mais independente em relação aos sucessos da agricultura. Este
programa se baseou em investimentos infra-estruturais, com a criação de vias de transporte,
ampliação da oferta de energia elétrica, estudos sobre potenciais de desenvolvimento
regionais e, principalmente, o financiamento da instalação de novas indústrias, com o
privilégio para atividades de produção de bens de consumo e para empresários paranaenses.
Em 1966 um corpo técnico conveniado a CODEPAR, denominado “Comissão de
164
Desenvolvimento Municipal”, publicou um estudo sob o título “Londrina: A Situação / 66”,
no qual se sugeriu que o desenvolvimento econômico da cidade se condicionaria
primeiramente ao fomento da agroindústria, para que depois se criassem condições para o
desenvolvimento de uma industrialização mais avançada. Este mesmo estudo, apontava que a
situação em que a cidade se encontrava era de atraso em relação outros centros
industrializados, devido à falta de comprometimento dos grandes fazendeiros com o
desenvolvimento industrial:
Enquanto São Paulo usou o café como fonte de recursos para financiar o
processo de industrialização, o Norte do Paraná usou-o para o consumo
supérfluo. Entrevistas com capitalistas locais confirmaram a má orientação
da aplicação destes recursos, e, além disso, uma evasão de capitais para a
aplicação em outras regiões e mesmo fora do Estado. Tal situação se alterou
substancialmente nos últimos 5 anos, e o capitalismo londrinense sentiu-se
motivado a investir em sua própria região, e a pensar mais em termos de
futuro. De início, entretanto, verificou-se uma distorção baseada no espírito
regionalista, determinando o gigantismo dos empreendimentos como meio
de afirmação. Hoje, porém, há um retorno ao realismo que se afigura
promissor para o desenvolvimento e consolidação da economia londrinense
(
COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL, 1966:135).
A transformação social do espaço urbano, o surgimento de novos problemas
urbanísticos, o crescimento do desemprego e das reivindicações sociais, contribuíram para
que ocorresse um gradual enfraquecimento dos agentes ligados à cafeicultura no poder
público municipal. Foi assim que o idealismo das políticas urbanísticas foi sendo deixado de
lado e que surgiram questões como desenvolvimento industrial, planejamento técnico e
fomento econômico, temas que foram inseridos aos poucos nos projetos e ações do poder
público.
Neste quadro histórico, os agentes políticos urbanos ganharam força. Em 1963,
durante as eleições municipais, dos cinco candidatos ao cargo de prefeito, apenas um tinha
como profissão um trabalho ligado ao meio rural, e foi justamente o menos votado (Cesário,
1986). O vencedor daquela eleição foi o advogado José Hosken de Novaes, com uma proposta
modernizadora da máquina administrativa, e com ações voltadas ao desenvolvimento
econômico a partir da industrialização e da criação de órgãos de administração paralela.
A década de 1960 havia se iniciado com a transformação nas ações do governo do
estado do Paraná em relação à política econômica. O governo Ney Braga criou órgãos de
administração paralela que eram instituídos com dinheiro público, mas tinham certa
autonomia para agir como empresas privadas, encarregados de gerir determinados setores da
administração pública que o governo considerava estratégicos.
165
Surgiram a já citada CODEPAR, para o fomento econômico, a SANEPAR, para obras
e serviços de água e esgoto, a TELEPAR, na área das telecomunicações, a COHAPAR, para o
setor de Habitação. Além da ampliação da atuação da COPEL, que além da produção de
quase toda a energia elétrica que se consumia no estado, passou também a encampar as
subsidiárias e distribuir diretamente o seu produto, ampliando seu atendimento e sua receita.
Estas empresas seriam estratégicas na implantação de um sistema centralizado de
administração, no qual o governo era entendido como foco central de estruturação e
desenvolvimento do Estado.
Esta centralização administrativa do governo estadual contrastava com o desejo de
autonomia da administração municipal de Londrina. Enquanto o governo do estado buscava
atuar em todos os municípios, promovendo o desenvolvimento integrado, em Londrina as
ações do poder público se voltaram para a auto-suficiência, para a auto-gestão, através do
mesmo mecanismo que o governo do estado se utilizava, da racionalização da administração
pública e da criação dos órgãos de administração paralela.
Em 09 de outubro de 1964 foi aprovada em Londrina a Lei nº 934, que passava ao
controle público a administração dos serviços de telecomunicações. Um serviço auto-
suficiente, pois os usuários pagavam pelas linhas e pela manutenção dos serviços, mas a sua
administração era feita por agentes do poder público. Um ano e dois meses mais tarde
instituía-se a Lei nº 1.058/65, que criava a SERCOMTEL – Serviço de Comunicações
Telefônicas de Londrina, uma entidade de administração descentralizada, com personalidade
jurídica de direito público, autonomia financeira e administrativa, que se responsabilizava por
gerir os serviços indicados anteriormente na Lei nº 934/64.
Neste mesmo ano de 1965 a prefeitura de Londrina havia criado o SAS – Serviço
Autárquico de Saneamento (Lei nº 980 de 28/05/1965), e a COHAB-LD, Companhia de
Habitação de Londrina (Lei nº1008 de 26/08/1965). As duas entidades com as mesmas
características da anteriormente citada, instituídas a partir do ideal de prestação do serviço
pelo custo, empresas auto-sustentáveis, sem fins lucrativos, que seriam mantidas com o
dinheiro dos usuários dos serviços prestados ou dos pagamentos pelos financiamentos.
Este mecanismo de gestão administrativa, baseado na delegação de funções a órgãos
estabelecidos com este fim específico, profissionalizando a prestação de serviços e os
investimentos públicos, também serviu como forma de ampliação da capacidade de atuação
do estado, pois se antes os serviços de água e telefonia, por exemplo, eram delegados a
empresas privadas, agora o poder público poderia ter o controle e o monopólio sobre estas
166
áreas, abarcando um maior número de setores econômicos.
A busca pela autonomia nos serviços de infra-estrutura, bem como pela centralização
destas atividades, reflete um momento específico da administração de Londrina, quando os
objetivos de desenvolvimento econômico-industrial se aliaram ao ideal de autonomia na
gestão dos negócios públicos.
O tempo da cafeicultura, da “Londrina tradicional”, ia sendo relegado ao passado, à
medida que a cidade se modernizava e diversificavam-se os tipos sociais, as atividades
econômicas, os agentes políticos, ou seja, todo processo de transformação ia aos poucos
mitificando a imagem da “Capital Mundial do Café”, e consolidando a imagem de uma nova
cidade, enquadrada em uma nova ordem econômica e social.
7.3 – A presença da questão popular na legislação urbanística
Conforme já evidenciado, a configuração social de Londrina, a partir da segunda
metade da década de 1950, se diversificou com a entrada em cena de novos agentes políticos e
sociais, com a ampliação dos setores populares, das entidades de classe, das manifestações, as
emergências sociais se ampliaram no quadro urbano, e o poder público voltou-se para a
solução dessas emergências. A participação social das classes populares tomou forma em
Londrina em meados da década de 1950 e se ampliou em inícios da década seguinte.
Os projetos, que preconizavam a ampliação da participação popular nos processos
decisórios, foram abruptamente interrompidos pelo golpe militar, que derrubou o presidente e
perseguiu os principais agentes políticos envolvidos nos movimentos citados, cerceando as
liberdades e os direitos civis dos cidadãos, e constituindo um projeto de governo autoritário e
que inviabilizava a participação social. É necessário entender como se comportaram os
legisladores neste contexto, em dois momentos: no processo de intensificação da participação
dos movimentos sociais em nível nacional e no cerceamento da voz popular pelo regime
autoritário.
Deve-se notar como a Lei nº133/51 não deixou de ser revisitada pelas autoridades, e
seus artigos analisados e adequados às exigências de cada tempo através de novos projetos.
Observa-se que uma lei não é definitiva, pois a sua elaboração e manutenção estão
condicionadas à satisfação das necessidades as quais se apresentam no campo que ela
pretende regulamentar.
167
Foram várias as medidas no sentido de limitar ou abrandar algumas determinações da
Lei nº 133/51 e das demais legislações urbanísticas, como ocorreu em 1956, quando a Lei nº
341 de 27 de outubro autorizava a construção de edificações de madeira por moradores da
periferia da cidade. Desde que devidamente regulamentada a posse de seus lotes junto à
prefeitura, aqueles que se enquadrassem nesta lei receberiam apoio técnico da prefeitura,
através de um projeto de construção, mediante pagamento de uma taxa. Observa-se que foi
autorizada a construção de casas de madeira, desde que localizadas em um setor específico do
perímetro urbano, numa região periférica, e que os moradores não poderiam ter outras
propriedades imobiliárias, sendo o uso da edificação exclusivo ao proprietário e sua família.
A prefeitura reconhecia a existência de um grande contingente de habitantes pobres
nas áreas periféricas, especialmente nas regiões Norte e Oeste, e buscava regularizar as
construções que se faziam nesta região, fornecendo projetos para que as edificações
obedecessem a critérios mínimos de infra-estrutura. Sobre a autorização para construírem
edificações em madeira reconhecia-se que era absurda a exigência anterior, de que todas as
obras fossem de alvenaria, uma vez que o custo dos materiais era muito alto e as madeireiras
eram prejudicadas com a situação. Desta forma, o crescimento da periferia e a autoconstrução
das residências por parte dos seus moradores eram enquadrados pelo poder público, que
buscava regularizar sua situação ou, em outras palavras, ordenar e racionalizar as edificações
feitas pelos pobres.
Em 1961, a Lei nº 616 regulamentava o zoneamento de áreas não enquadradas pela
Lei nº 133/51, pois eram anteriores a esta. Neste caso, o poder público optou pelo
pragmatismo e definiu em suas determinações, que cada área que ficasse enquadrada como
residencial, comercial ou industrial, sendo que esta distinção seria dada pela própria natureza
das edificações já existentes em cada área.
Estas leis apresentam um quadro de preocupações do poder público municipal que se
reflete em duas situações específicas: em primeiro lugar, satisfazer os interesses do mercado
imobiliário, pois a legislação não poderia congelar este setor da economia; em segundo lugar
era o fato de que as exigências feitas aos loteadores e aos proprietários poderiam afastar os
habitantes da cidade, especialmente os pobres, que não conseguiam satisfazer as exigências da
lei, e tinham duas opções, permanecerem irregulares diante das determinações legislativas ou
procurarem terrenos em cidades vizinhas, onde eram menores as exigências e o custo dos
imóveis.
Estas preocupações do poder público contrastavam com a necessidade de manter o
168
nível de arrecadação e de dinamizar a estrutura da cidade, num jogo contínuo entre as normas
e sua transgressão, visto que o espaço urbano comporta constantemente tal situação. A partir
deste quadro, a administração de Londrina investiu na revisão da Lei nº133/51, que foi
modificada em alguns dos seus artigos, principalmente nos que diziam respeito às exigências
a novos loteamentos para os setores populares.
Foi assim que em 03 de novembro de 1963, através da Lei nº 762, se incluiu um sexto
parágrafo ao Artigo 20 da Lei nº 133/51. O seguinte texto foi inserido "§ 6º Nos loteamentos
considerados populares, onde os preços de lotes não sejam superiores a 200 mil cruzeiros
serão exigidos apenas os serviços de terraplanagem, água-encanada e luz elétrica". Já em 07
de novembro de 1963, através da Lei nº 844/63, o valor de 200 mil cruzeiros seria substituído
por 20 salários mínimos do município.
O artigo da lei originalmente era composto de cinco parágrafos, que exigia que os
loteamentos tivessem uma infra-estrutura mínima, mas em 1962 as exigências se tornaram
restritas aos loteamentos destinados aos compradores mais abastados. Este mesmo Artigo 20
foi alterado em 1968, pela Lei nº 1383 e passou a ter a seguinte redação: "§ 6º Nos
loteamentos de categoria popular, destinados à construção de casas populares, serão
exigidos, apenas os serviços de terraplenagem, abertura de ruas, serviços de abastecimento
de água potável, energia elétrica e caracterização perfeita da demarcação das quadras e
datas".
As mudanças na legislação foram os reflexos do gradual desencanto do poder público
quanto a um futuro promissor para a cidade. Ou a prefeitura se adaptava às mudanças que
ocorriam, ou sua perda de arrecadação e descontrole sobre o processo de urbanização seriam
inevitáveis diante de uma população carente de recursos, e que não via outra maneira senão
transgredir as determinações legislativas em nome de suas necessidades imediatas.
Outra questão importante a este respeito é o caso da Lei nº 1057 aprovada em 13 de
dezembro de 1965, a qual decretava que seriam dispensadas as exigências estabelecidas nas
letras C e D, do Parágrafo 4, do Artigo 111, da Lei nº133/51, que tratavam dos lotes nas
categorias RI-E e RI-F. O artigo 111 havia disposto que, no caso de áreas já definidas como
residenciais, a constituição de um novo núcleo comercial só poderia ser efetuada mediante: a)
iniciativa de um proprietário; b) reconhecimento da necessidade pela prefeitura; c)
autorização de 80 % dos moradores a uma distância de até 50 metros e de 60% dos que
morassem a menos de 150 metros; d) autorização dos vizinhos com edificação efetuada na
divisa do núcleo proposto; e) compromisso do proprietário-arruador, quando requerente, de
169
facilitar a devolução ou troca dos lotes àqueles compradores que se sentissem prejudicados.
Neste caso os itens C e D, que exigiam que houvesse aprovação dos compradores / moradores
para instalação de um núcleo comercial, foram suprimidos dos loteamentos ditos populares.
Ou seja, nestes loteamentos a mudança da categoria de um núcleo residencial para comercial,
seria resolvida entre a prefeitura, o proprietário proponente e aqueles moradores que
habitavam a divisa com o estabelecimento, o restante da vizinhança não seria consultada
quanto à sua aprovação ou não desse novo núcleo.
Esta medida revelava uma supressão ao direito da população pobre em opinar sobre as
mudanças efetuadas em seu bairro, medida que convinha muito bem ao clima autoritário do
período pós-1964. Isto demonstra que a prefeitura buscava dinamizar o processo de
regulamentação dos estabelecimentos comerciais em áreas populares, ampliando o alcance da
fiscalização e a receita com impostos comerciais. Neste caso, o que acontecia freqüentemente,
era que novos estabelecimentos comerciais nas regiões periféricas geralmente eram instalados
sem a autorização da prefeitura, o que a referida lei também buscava era facilitar o processo
de regularização, para amenizar o surgimento de estabelecimentos irregulares.
Esta característica da legislação urbana como um reflexo das emergências sociais
durou muitos anos em Londrina, e só foi revertida a partir de meados da década de 1960,
quando a palavra de ordem era que o poder público deveria planejar o desenvolvimento da
cidade, e não apenas regulamentar as transformações que ocorriam como resultado da
iniciativa dos setores privados da economia.
7.4 – Habitação Popular: as várias soluções para um problema
Em 1966 foi promovido o primeiro grande estudo sobre a condição social e econômica
da cidade de Londrina. Este estudo foi publicado através de um documento denominado
“Londrina – A Situação / 66”, já citado. Um trabalho que foi promovido como base para a
elaboração do Plano Diretor de Londrina, que ocorreria dois anos mais tarde. Segundo este
estudo, Londrina tinha um déficit habitacional de 16%, necessitando de aproximadamente
3.337 residências para suprir a carência habitacional de mais de quinze mil pessoas. O estudo
detectava que a tendência era de aumento progressivo do número de construções consideradas
populares, que já eram predominantes na cidade, conforme o quadro a seguir:
170
Características das construções em Londrina entre 1962 e 1966.
TIPO: %
Cortiço 3,3
Barraco 0,8
Barraco precário 9,2
Barraco modesto 29,2
Casa Popular 46,7
Apartamento Popular -
Casa Fina 10,8
Este estudo não definia exatamente qual era a diferença entre um barraco precário e
um barraco modesto, nem entre este e uma casa popular. São conceituações genéricas, não há
nenhuma definição de casas para classes médias, então se entende que uma casa a qual
estivesse acima do padrão popular, seria uma casa fina. Assim, não se pode ter certeza do que
os técnicos consideravam uma habitação popular, mas ao menos pode se verificar que mais de
quarenta por cento das construções estavam entre barracos e cortiços, notando-se uma grande
massa de pessoas vivendo em moradias com baixo nível de infra-estrutura.
Sobre a situação econômica da cidade, o estudo relatava que não seria possível
incorporar novas áreas agrícolas, visto que os limites municipais se restringiram com o
desmembramento de vários territórios e toda sua área rural já era ocupada e produtiva. Assim,
restava o desenvolvimento da agroindústria e do setor de serviços, como alternativas para a
geração de emprego, uma vez que o campo não gerava novos postos de trabalho.
A partir de 1959, tendências verificadas demonstram o crescimento relativo
do crédito destinado ao comércio e à indústria, e o decréscimo relativo
verificado, neste mesmo setor, com relação às atividades agro-pecuárias. Isto
significa que Londrina, além de movimentar sua própria produção primária,
comercializa produtos de outros municípios
COMISSÃO DE
DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL, 1966: 37)
O estudo também analisou a infra-estrutura da cidade, que conseguira superar um
problema de uma década no fornecimento de energia elétrica, pois com o reforço da produção
da COPEL, e um consórcio entre esta e a empresa distribuidora na cidade, este já não era mais
um problema. Assim, o desenvolvimento da indústria, e do setor de serviços eram prioridades,
desde que a especulação imobiliária deixasse de agir negativamente, pois esta encarecia os
lotes destinados a novas empresas:
Verificamos uma supervalorização das áreas disponíveis, sendo que nas
proximidades de Londrina, à margem da BR-87, o preço por metro quadrado
171
é equivalente ao de áreas em Curitiba situadas no eixo BR-2 – Marechal
Floriano, onde os terrenos para indústrias – tidos como a melhor área para
implantações industriais em Curitiba – tem preços considerados absurdos.
Essa oneração é bem representativa e pode afugentar para municípios
vizinhos empreendimentos de alta importância. É fundamentalmente
importante eliminar a especulação imobiliária neste caso, pois vem se
constituindo num sério obstáculo à implantação de indústrias em Londrina
(1966: 145).
O estudo supracitado deixou bem demarcadas as principais características da
conjuntura econômica e do zoneamento. A cidade crescia no sentido Oeste, margeando a
rodovia Londrina - Cambé, com o surgimento de novos e imensos bairros populares. Mas no
sentido Sul também se iniciava um processo de crescimento, a partir da instauração da
rodovia que ia até a cidade de Mauá, e ligava Londrina à Rodovia do Café, ampliando a
circulação neste sentido e favorecendo o crescimento dos negócios imobiliários na área Sul da
cidade.
A construção deste ideal de um projeto específico de cidade, de um controle do
desenvolvimento urbano pelo poder público, esbarrava nas necessidades básicas da
população, que surgiam cotidianamente e que eram explicitadas através das reivindicações
populares, do alastramento da pobreza pelas ruas, das queixas por parte da população que
resultavam em promessas políticas que se não eram totalmente cumpridas, ao menos se
tentava dar uma satisfação mínima aos eleitores.
Foi no bojo destas transformações que se constituiu o chamado “problema da
habitação”. Talvez, este seja o maior reflexo da presença popular nas preocupações do poder
público. Esta preocupação não é simples, não se trata de solidariedade dos políticos para com
os “sem teto”, nem de resultados exclusivos dos movimentos sociais por moradia. A
construção de casas populares e os incentivos à aquisição da casa própria eram resultantes de
políticas públicas em favor de um setor muito importante da economia: a construção civil.
Porém, a distribuição de recursos, a definição de prioridades, de áreas e populações atendidas,
dependia também do peso das massas nas decisões dos políticos.
Uma vez que em um cargo executivo é necessário se manter uma base ampla de apoio
no setor legislativo e entre a maioria da população, para se ter uma governabilidade que
permita tomar determinadas medidas, a preocupação com a habitação popular se manifesta
quando a presença de uma camada populacional carente de moradia, ganha visibilidade em
meio à sociedade, e passa a agir como elemento de pressão para a aprovação de projetos de
instalação e financiamento de habitação e infra-estrutura em setores populares.
172
Foi assim que em Londrina, com o crescimento das classes populares na cidade e seu
crescente peso entre o eleitorado local, surgiram os primeiros projetos preocupados com a
questão do financiamento e da produção de moradia para os setores populares. Estes projetos
se tornariam bandeiras políticas:
“Reiterando as promessas que tem feito como candidato [...] chefe do
executivo disse, a certa altura, que ‘a máxima preocupação do poder público
municipal, atualmente, é o problema da habitação, pois o povo não tem onde
morar, e tudo faremos para atenuá-lo” (FL, “Casas para o povo”,
14/01/1964:08).
Com a Lei nº 502 de 29/10/1959, a prefeitura municipal instituía um loteamento e
construções populares, em uma área de Quinhentos Lotes desapropriados. Todo o serviço
ficou por conta da prefeitura, denominando a área de “Vila São José Operário”. Os lotes eram
vendidos em sessenta prestações mensais, sem fins lucrativos, para os trabalhadores maiores
de idade, com carteira profissional assinada, que não possuíssem bens imóveis no município,
e que estavam há mais de dois anos trabalhando na cidade. A transferência do imóvel só
poderia ocorrer se os compradores cumprissem as mesmas exigências.
Este loteamento colocava a prefeitura municipal como um agente imobiliário, que não
construía a casa para os trabalhadores, mas que lhes fornecia um pedaço de terra a preço de
custo, com um parcelamento de longo prazo para pagamento, beneficiando os trabalhadores
locais. Esta medida se tornou recorrente entre as ações do poder público a respeito da questão
habitacional, promovendo a venda de lotes ou casas aos trabalhadores.
Em 1961, através da Lei nº 683, a prefeitura criou o chamado “Fundo de Construção
da Casa Popular ao Trabalhador de Londrina”, instituído um adicional de 5% sobre os
impostos municipais, criando uma reserva financeira que serviu para financiar a construção de
casas para os habitantes do município. Seis meses depois, já em 1962, este fundo mudou de
nome, se tornando o “Fundo da Casa do Trabalhador de Londrina”, através da Lei nº 732, que
especificava os objetivos deste fundo. Segundo esta lei, além do adicional de impostos, criado
pela Lei nº683/61, o fundo seria formado também por cotas consignadas no orçamento
municipal, juros dos financiamentos, rendas e contribuições de outra natureza. Sua aplicação
seria feita exclusivamente no financiamento da casa própria do trabalhador de Londrina,
desde que o interessado preenchesse os requisitos seguintes: residir há mais de cinco anos no
Município e não ser proprietário de outros imóveis.
A Lei nº 732, determinava que a partir de 1.964, o Fundo deveria ser administrado por
uma entidade autárquica, através de uma lei de iniciativa do Prefeito ou de qualquer vereador,
173
a menos que alguma lei especial determinasse o contrário. O financiamento das casas teria o
prazo de 10 (dez) a 20 (vinte) anos para pagamento. O valor da prestação teria o teto fixado
em 40% do salário mínimo. O valor máximo dos empréstimos era de até 60 (sessenta) salários
mínimos e os juros inferiores a 4% ao ano. Segundo esta lei, o executivo ficava também
autorizado a executar os loteamentos por iniciativa própria, desde que os investimentos não
fossem onerosos aos cofres públicos.
Estes fundos de investimento, elaborados e empreendidos pela administração
municipal, se tratavam de uma resposta às demandas populares por habitação, ao crescimento
da pobreza na cidade e ao constante crescimento de favelas e habitações irregulares:
Outro acontecimento de grande importância foi o lançamento em agosto
(1963) da União Fraternal Brasileira, com o objetivo principal de melhorar
a condição habitacional da Vila do Grilo (Hoje Vila da Fraternidade),
construindo casas-padrão, através de financiamento a longo prazo. Várias
dessas residências já estão de pé. Simultaneamente a UFB instalava um
posto de assistência na rua Antonina, para encaminhamento, aos hospitais e
instituições competentes, dos doentes e necessitados. (FL,“Os principais
acontecimentos do ano que findou em Londrina”. 01/01/1964: 03)
Além destas associações organizadas com o intuito de atender às demandas populares,
a prefeitura instituía mecanismos de intervenção no comércio imobiliário, comprando terrenos
e revendendo-os a preço de custo para os habitantes pobres, estabelecendo concorrência direta
com os imobiliaristas:
[...] assinalou o chefe do executivo municipal: a municipalidade tudo fará
no sentido de incrementar a abertura de loteamentos urbanos, esperando,
com o aumento do número de tais empreendimentos, que a abundante oferta
de terrenos para a construção possa resultar em benefícios para aqueles que,
na atual conjuntura, não estejam em condições de pagar os altos preços
exigidos, hoje, pelos lotes disponíveis. Entre os objetivos desta política de
estímulo à implantação de novos loteamentos, deseja o poder público
estabelecer uma salutar concorrência aos particulares que exploram, de
maneira irregular, a venda de datas (FL, Preços mais acessíveis para os
terrenos, 18/01/1964: 02).
O quadro de auto-sustentabilidade dos rendimentos municipais para resolver a questão
da habitação, entretanto, duraria muito pouco tempo, pois logo se percebeu que era necessário
recorrer a instâncias maiores para solucionar um problema local. Nestas circunstâncias, surgiu
o SFH – Sistema Financeiro da Habitação, o BNH – Banco Nacional da Habitação e a
COHAPAR – Companhia de Habitação do Paraná.
O BNH foi um banco criado em agosto de 1964, a partir da Lei nº 4.380, através da
arrecadação compulsória de 1% sobre a folha de pagamento dos trabalhadores de todo o país
174
sujeitos ao regime de CLT, e depois do FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Esta arrecadação compulsória proporcionou a criação do segundo maior banco do país,
voltado a resolver o problema habitacional em todo o território nacional.
A proposta de criação do banco era para dar prioridade à habitação popular, com o
intuito de eliminar favelas, mocambos e outras formas de habitação consideradas
“subumanas”, entretanto, “(...) o verdadeiro objetivo do BNH nunca foi oferecer casa própria,
especialmente à população de menor renda, mas sim o de usar a casa própria para promover a
acumulação” (VILLAÇA, 1986: 65). Desta forma, o governo federal centralizava a questão da
habitação, subsidiando os projetos de empresas estaduais e municipais, e abandonando a
lógica do serviço pelo custo, na qual se baseavam as políticas públicas até aquele momento,
como era o caso dos fundos de pensão e dos fundos de arrecadação compulsória criados em
Londrina. O BNH se tratava de um banco que investia em projetos de habitação e infra-
estrutura urbana, através de um fundo criado de forma compulsória, que movimentava a
economia da construção civil, promovendo o desenvolvimento do capitalismo monopolista,
centralizado no Estado como agente promotor desta situação.
É importante compreender que o fundo do BNH era retirado dos trabalhadores, e os
financiamentos se destinavam à construção da casa destes, entretanto, os conjuntos
habitacionais eram construídos sem a consulta popular sobre a qualidade dos materiais, o
estilo arquitetônico, enfim, o direito à individualidade não era respeitado. Além disso, os
trabalhadores acabavam pagando por décadas uma quantia que, ao final das parcelas, era
muito maior do que o valor real da casa construída. O lucro ficava todo com o banco e com as
empreiteiras.
Segundo Villaça (1986: 67-69), a política habitacional foi uma forma de o governo
autoritário tentar legitimar seu poder diante do descontentamento das massas, uma vez que a
idéia principal seria colocar a habitação como mecanismo de dominação, forçando a poupança
dos pobres, com a venda antecipada de mão-de-obra. Além do fato de que a propriedade de
uma casa possibilitava a constituição de um sentimento de cidadania, com a população se
identificando com o regime e recusando-se a participar de rebeliões e movimentos de
insurreição que colocassem em risco sua situação estável.
O número de financiamentos para as classes populares foi desprezível, e com o passar
dos anos a opção do BNH foi pelo financiamento de bens de consumo durável e obras de
infra-estrutura, através das empresas instituídas pelos governos estaduais, mais bem equipadas
e com condições de concluir seus projetos e pagar os financiamentos, especialmente na área
175
de saneamento básico. Foi através deste processo que Londrina perdeu o controle sobre o
SAS, em 1973, incorporado a SANEPAR. Entretanto, o que se deve ressaltar é que a criação
do BNH provocou uma corrida por parte dos governos estaduais e municipais para elaborar
projetos de habitação popular, buscando se beneficiarem da política habitacional do governo
federal.
Em Londrina ainda era forte o desejo de autonomia, mas a oferta de empréstimos por
parte do BNH, nos seus primeiros anos, era bem mais significativa que a receita dos fundos
municipais de arrecadação. Também havia o fato de o governo estadual ter criado a Caixa de
Habitação Popular do Paraná, um fundo de investimentos que tinha condições de empreender
grandes obras, à qual a prefeitura de Londrina recorria, para colocar em prática seus projetos
de construção de conjuntos habitacionais, como em janeiro de 1965: “o prefeito Hosken de
Novaes acaba de endereçar telegrama ao sr. Mario Augusto de Queiroz, presidente da Caixa
de Habitação Popular do Paraná, solicitando providências urgentes, para a construção de
novas casas populares em Londrina” (FL, 29/01/1965).
Este empreendimento foi encampado pela COHAPAR, e um ano mais tarde se
comemorava: “Inauguração de casas populares construídas pela Companhia de Habitação do
Paraná” (FL, 19/02/1966: 03). Mas a prefeitura reconhecia a necessidade de recorrer a
empresas de maior porte para colocar em prática seus projetos, porém, permanecia firme o
intuito de autonomia por parte da administração. Foi assim que em 26 de agosto de 1965, a
Lei nº 1008 instituía a COHAB-LD - Companhia de Habitação de Londrina. Esta empresa
tinha por finalidade estudar as questões relacionadas com a habitação de interesse social e de
executar as suas soluções, de acordo com as diretrizes e normas da Lei Federal nº 4.380/1964,
que havia instituído o SFH. Sua característica era de uma sociedade anônima, com capital
inicial de 100.000 cruzeiros e com a determinação de que 51% de suas ações deveriam ser de
propriedade do município.
O executivo municipal e a COHAB-LD poderiam assinar convênios ou contratos com
outras entidades públicas ou privadas para garantir financiamento ou outras operações de
crédito, destinadas às finalidades da Companhia. O orçamento anual do município destinava
metade da arrecadação instituída em 1962 pela Lei nº 732/1962 para a COHAB-LD, e a sua
atividade se estendia também a outros municípios. É interessante notar que a mentalidade do
serviço pelo custo, anteriormente vigente, era superada pela constituição de uma empresa
auto-sustentável, que geria projetos habitacionais a partir do princípio do investimento seguro,
mesmo fora dos limites da cidade, e o município seria o principal beneficiário dos
176
rendimentos desta empresa. Desta forma, era nítida a transição de uma postura política
paternalista, comum na década anterior, para uma mentalidade racionalista e economicista,
implantada a partir da chamada tecnocracia.
A atuação da COHAB-LD foi intensa e muito presente nos projetos habitacionais da
região, o número de seus empreendimentos era bem maior do que os projetos da prefeitura
municipal e da COHAPAR. Assim, em 1975, dez anos após a fundação da COHAB-LD, a
prefeitura municipal relatava a existência de 1371 unidades habitacionais construídas nos 14
conjuntos habitacionais do município. Deste total, oito conjuntos, com 824 casas, haviam sido
projetados e edificados pela instituição londrinense, enquanto que apenas três conjuntos com
248 residências haviam sido edificados diretamente pela prefeitura de Londrina, e outros três
conjuntos, com 295 residências haviam sido construídos pela COHAPAR.
Assim em 10 anos, o número de conjuntos habitacionais e residências havia triplicado,
a quase totalidade dos empreendimentos havia sido instituída e financiada pela empresa
habitacional londrinense. Apesar deste número ser irrelevante em relação ao que seria feito no
final da década de 1970, quando 30 mil residências seriam construídas pela COHAB-LD, é
importante ressaltar o que os projetos habitacionais da década de 1960 são representativos do
momento histórico vivido por Londrina.
A cidade, que na década anterior comemorava absurdamente os louros do progresso,
que aspirava a uma autonomia política e econômica, passava cada vez mais a buscar soluções
para os problemas estruturais da falta de planejamento dos anos anteriores, e tentava encontrar
soluções para a pobreza que se manifestava visivelmente. A busca pela amenização das
necessidades da população pobre ainda se manifestou na aprovação da Lei nº 1.161 de 20 de
dezembro de 1966, que criava o “Fundo Para a Construção de Casas Para Operários”, que era
constituído por 5% da receita de impostos municipais. Metade da arrecadação deste fundo se
destinava à aquisição de ações de capital da COHAB-LD, o restante deveria ser empregado
diretamente pelo município na construção de habitações para os operários da cidade. Um ano
mais tarde, a Lei nº 1.777 mudaria o nome para “Fundo da Casa do Trabalhador de Londrina”,
reduzindo-se para 2% dos impostos a arrecadação deste fundo.
O que se deve ressaltar, é que se edificou em Londrina o imaginário a respeito da casa
própria e dos conjuntos habitacionais como forma de satisfação das aspirações populares por
parte do poder público. A partir deste quadro, constrói-se a imagem de uma administração
pública interessada em resolver os problemas do povo, genericamente tratado como uma
massa de sem-tetos, sedentos de atenção por parte dos governantes. Entretanto, o que se
177
oculta neste caso, é a questão da habitação popular como um negócio rentável e vantajoso
para vários setores da elite, especialmente aqueles vinculados à indústria da construção civil.
Não se pode negar que a presença das classes populares como agentes politicamente
ativos também fundamentava estas políticas. As habitações populares geralmente foram
construídas através de conjuntos padronizados, em unidades residenciais individuais, e as
famílias foram alocadas aleatoriamente, sem respeito aos laços de amizade, parentesco e
cooperação, estabelecidos nas antigas moradias destes trabalhadores, como em cortiços e
favelas, que geralmente favorecem muito mais a solidariedade entre as populações pobres.
Assim, a produção industrial de moradias e a segregação dos trabalhadores de seus antigos
laços comunitários, servem como elementos de desagregação da capacidade de solidarização
e reivindicação das classes populares.
A edificação de conjuntos habitacionais populares se trata de um artifício dos
governantes para acalmar a insatisfação das massas, uma vez que estes projetos têm grande
impacto na opinião pública, e alimentam o ideal da casa própria entre aqueles que não
possuem condições de adquiri-la com seus recursos. Esta hipótese é defendida por Villaça
(1986), afirmando que o regime militar destinava a maioria dos recursos do BNH à habitação
popular, quando a insatisfação da população com o regime era mais acentuada. Quando as
manifestações de descontentamento da população se reduziam, consequentemente diminuíam
os recursos destinados este tipo de investimento habitacional.
Analisa-se aqui o surgimento da questão habitacional em Londrina sob este duplo
prisma, que define a ambigüidade das políticas habitacionais, pois ao mesmo tempo em que
representaram uma vitória das classes populares em terem uma de suas maiores necessidades
atendidas, por outro lado o mecanismo utilizado favorecia a acumulação de capital por parte
das empresas habitacionais, e ordenava os conjuntos de forma a desagregar os laços de
solidariedade, que se formavam nos setores populares onde predominavam as construções
improvisadas de moradias.
178
8 – A REDEFINIÇÃO DOS PAPÉIS POLÍTICOS DAS CLASSES POPULARES
8.1 – O Bipartidarismo em Londrina - uma rearticulação do cenário político
O Regime Militar instaurado em 31 de março de 1964 tinha um caráter autoritário e
elitista, sua busca era por instituir um governo forte e centralizado, que pudesse controlar
todos os ramos da vida política no país. Assim, as perseguições aos opositores e aos políticos
de esquerda se processaram como uma das faces desse regime. Porém, foi instaurado em
1965, através do Ato Institucional nº 2, o regime de Bipartidarismo no país. Segundo esta
medida, seriam necessários apenas dois partidos políticos para garantir a representatividade na
política nacional. Assim, foram criados: a ARENA – Aliança Renovadora Nacional, o partido
oficial do regime, e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro, que agregaria os políticos
que fizessem oposição ao governo.
É necessário ressaltar que a esta altura os partidos de oposição já estavam
desestruturados, especialmente aqueles mais à esquerda, pois os seus principais agentes
sofreram perseguições e perderam seus mandatos. A oposição ao regime se iniciou de forma
tímida, com poucos políticos se atrevendo a manobras no sentido de formular uma política de
enfrentamento do governo. Em Londrina, um reflexo desta situação foi o fato de que dentre
todos os políticos com cargos eletivos: prefeito, vice-prefeito e vereadores, apenas o vereador
Olivir Gabardo, do PDC, não se filiou à sigla oficial do regime, se tornando o principal
fundador do MDB local.
O receio dos políticos mais antigos quanto ao risco de uma oposição ao governo
autoritário era evidente, a filiação ao partido opositor poderia significar um sinal de rebeldia,
que poderia ser tratado como subversão. Além disso, existia o fato de que muitos políticos se
filiavam à ARENA no intuito de galgarem privilégios junto aos líderes do regime. Desta
forma, a iniciativa de fundar o partido opositor naquela época era um ato altruísta, os políticos
tradicionais receavam ter problemas futuros se aderissem a este partido. Aqueles que se
empenhavam nesta tarefa, buscavam junto à juventude novas lideranças que pudessem
encampar o projeto de fundação do MDB.
Porque com os candidatos do MDB caminhava sempre a pecha de que
estariam chegando os comunistas. Em função disso, acredito que as
lideranças políticas mais conscientes e que sobraram dos momentos mais
difíceis, após o 1964, buscaram no seio da juventude brasileira, paranaense,
londrinense, a conquista da confiança de jovens que pudessem oferecer
179
alguma coisa àquele partido político que nascia. E que nascia com muita
dificuldade por sinal (DEL CIEL apud CESÁRIO, 1986: 462-463).
Em Londrina, a tarefa de fundar o MDB coube a lideranças estudantis, especialmente
aquelas ligadas a movimentos de jovens católicos, filiados anteriormente ao PDC. José Richa
e Olivir Gabardo, que pertenciam ao partido de Ney Braga, divergiram do posicionamento do
governador. Enquanto Ney aderiu ao Regime Militar e se filiou à ARENA, Richa e Gabardo
em Londrina fundaram o MDB, e foram à luta para edificar um partido que nascia tímido e
sem grandes nomes:
Surpreendentemente, o MDB de Londrina, que foi fundado por dois
políticos do PDC – Gabardo e Richa – que até 64 eram os que mantinham
vinculações mais estreitas com Ney Braga, com o movimento político
militar, assumem uma posição contrária ao Governador. A princípio, o
partido restringiu-se a uma força política praticamente local, mas, até o final
do bipartidarismo, transformou-se em uma força expressiva em todo o
Estado, fruto de um paciente processo de organização e mobilização
políticas. Em grande medida, o fato responsável pelo crescimento do MDB
foi o ingresso de jovens londrinenses no partido, o que provocou, de
imediato, uma renovação na política local e, a longo prazo, na política do
Estado (CESÁRIO, 1986: 460).
Carente de uma estrutura partidária mais rígida, mas aberto à renovação e ousadia nas
suas ações, o MDB começou a receber filiações de cidadãos ligados aos setores populares. A
ampliação da população pobre na cidade, que era agravada cotidianamente, especialmente
com o processo de erradicação das lavouras de café e com o conseqüente êxodo rural que
fazia a periferia da cidade crescer de forma abrupta, contribuiu para o surgimento de
lideranças comunitárias, radialistas com grande audiência nos bairros pobres, lideranças
estudantis nas faculdades e nos colégios secundários, e lideranças operárias. Enquanto o
regime militar havia cooptado os políticos tradicionais de Londrina identificados com os
tempos áureos da lavoura cafeeira, com o afamado progresso dos anos 1950, com uma elite
tradicional de pioneiros, na cidade o crescimento da pobreza e dos setores populares fez com
que uma parcela dos eleitores londrinenses se identificassem às novas lideranças filiadas à
sigla do MDB.
Cabe ressaltar que das eleições de 1963 para as de 1968, o número de eleitores
aumentou consideravelmente, tanto no número total de votantes, quanto na proporção destes
em relação ao total de habitantes do município. Este aumento foi decorrente do crescimento
de Londrina com a chegada de muitos trabalhadores rurais da região, que agora buscavam
colocação na nascente indústria londrinense, e acabavam por se instalar nos bairros
180
periféricos, onde a penetração das novas lideranças era mais forte.
Em 1968, as eleições municipais refletiram este quadro de transformação histórica,
pois a ARENA sofreu fragorosa derrota nas eleições para o executivo municipal, sendo que os
dois candidatos mais votados ao cargo de prefeito eram do MDB:
O grupo que havia controlado até então a prefeitura local, em 1968, já
sobre a sigla da ARENA, sofreu clamorosa derrota imposta pelo
MDB, um partido que nascia liderado por Richa e Gabardo, dois
políticos sem tradição de vida pública no município, e composto por
jovens que se iniciavam na vida partidária. Essa vitória do MDB para
a prefeitura de Londrina foi expressiva, pois as condições não eram
favoráveis ao partido na esfera nacional nem tão pouco na estadual
(CESÁRIO, 1986: 463).
O candidato vencedor das eleições de 1968 foi Dalton Paranaguá, ex-secretário de
saúde do Estado durante a administração Paulo Pimentel, um dissidente do governo, que
buscou em Londrina dar prosseguimento à sua carreira política candidatando-se à prefeitura.
Ao chegar a Londrina, Dalton tentou candidatar-se pela ARENA, que não aprovou seu nome,
visto que era um reduto de vários políticos mais influentes na cidade. Assim, o ex-secretário
de saúde buscou um refúgio no MDB, que aceitou sua candidatura, uma vez que os partidos
poderiam lançar mais de um candidato a prefeito, e o novo filiado poderia ampliar as
possibilidades de o partido receber uma votação expressiva.
Cesário (1986: 476) considera que a vitória de Dalton se explicaria por se tratar de um
candidato com uma “proposta que estava acima dos partidos do que propriamente de uma
manifestação contrária ao regime político que se instalara com o movimento de 64”. Sendo
assim, esta pesquisadora considera que a vitória do emedebista foi assegurada pela sua
imagem como secretário de saúde do estado, por ser uma alternativa aos políticos
londrinenses tradicionais e representar uma renovação no eleitorado local:
[...] o aparecimento da candidatura de Paranaguá, com as características e
nas condições anteriormente analisadas, possibilitou que, após a vitória
eleitoral, o MDB local e o paranaense pudessem ostentar um importante
ganho político em todo o Estado, pois Londrina era a principal cidade do
Paraná dentre aquelas onde se realizavam as eleições, já que na capital não
havia mais o pleito direto para a Prefeitura. E mais, a cidade reafirmava a
sua ‘vocação oposicionista’ na primeira eleição municipal na fase
bipartidária, a exemplo do que havia ocorrido em 1947, no início do
pluripartidarismo após a queda do Estado novo (CESARIO, 1986: 477).
Sob a ótica de Cesário (1986), a vitória do MDB em Londrina afirmou uma “vocação
oposicionista” do eleitorado Londrinense, dando vitória a partidos que não obtinham grandes
vitórias em nível estadual e nacional. Esta afirmação é advinda da análise, que a cientista
181
política londrinense fez de duas eleições muito importantes na cidade, em dois momentos
relevantes da história nacional: 1947 e 1968. Entretanto, esta “vocação oposicionista” não se
trata de algum tipo de conceito dentro da ciência política, mas da impressão da pesquisadora
ao constatar que durante quase duas décadas a cidade foi governada por políticos da UDN,
enquanto que este partido não conseguia eleger nem o presidente do país ou o governador do
estado. E quando os grandes políticos udenistas londrinenses migraram em massa para a
ARENA, com a instituição do bipartidarismo, a primeira eleição municipal após a instauração
do regime militar, teve como vitorioso o MDB, partido de oposição ao regime.
Um outro olhar sobre a questão, vem demonstrar que em Londrina houve duas
situações diferentes durante as supracitadas eleições. No caso da primeira, em 1947, a vitória
de políticos dissidentes da UDN, que posteriormente viriam se reintegrar ao partido,
demonstrou a força da organização de grupos da elite local em torno de um projeto político.
Os primeiros udenistas londrinenses eram cidadãos bem-sucedidos, que compuseram um
grupo político que fazia oposição aos agentes que governaram a cidade até então, os
beneficiários do regime de indicação de interventores durante o Estado Novo. Entretanto, a
oposição dos udenistas londrinenses aos antigos políticos era uma questão local, a sua vitória
e consolidação de uma hegemonia nas décadas seguintes, foi conseqüência de seu
investimento na divulgação e defesa de seus projetos. Assim, o que existia não era uma
“vocação oposicionista” do eleitorado londrinense em relação ao grupo hegemônico em nível
estadual e federal, mas apenas a vitória de um projeto específico de hegemonia de uma elite
local que soube durante muitos anos consolidar sua dominação.
Na eleição de 1968, o crescimento do MDB também se tratou de um fenômeno local,
que diz respeito a uma transformação na realidade política da cidade de Londrina. Como já se
analisou, a diversificação social dos habitantes de Londrina levou a uma gradual
transformação nas ações do poder púbico, especialmente no que diz respeito às classes
populares. O crescimento dos movimentos sociais de trabalhadores e estudantes também
contribuiu para uma gradual renovação no cenário político londrinense. Desta forma, a vitória
do MDB em 1968, foi o resultado evidente de um longo processo de desgaste da classe
política londrinense, que durante vários anos serviu apenas aos interesses de um grupo
dirigente, não correspondendo de forma satisfatória às demandas populares que surgiam na
cidade e tomavam grande vulto.
O fato de Londrina em várias eleições para o executivo ter dado a vitória a candidatos
que faziam oposição ao governo estadual e federal, não resultou de uma “vocação
182
oposicionista” do eleitorado londrinense, mas de contingências históricas que diziam respeito
à realidade política local. Em 1947 o que ocorreu foi o nascimento da hegemonia da elite
cafeeira, já em 1968, o que houve foi resultante da decepção do eleitorado local com o
fracasso desta elite na solução das questões que se edificavam com as transformações sociais
que se processavam na cidade. É desta forma que se compreende a vitória do MDB, como o
resultado de uma transformação na configuração social na cidade e no modo de agir dos
setores populares, mudança esta que não foi acompanhada pelos velhos políticos udenistas,
ainda preocupados com a defesa dos interesses de uma burguesia que já não garantia mais
tantos votos.
8.2 - O direito à moradia: um apelo da pobreza ou um canal de negociação e construção da
cidadania?
Atualmente, é comum se observar nas cidades brasileiras imensos bairros projetados e
construídos a partir de recursos do extinto BNH. Para os mais jovens, esta realidade já faz
parte da paisagem urbana, como algo inerente à existência da própria cidade. Entretanto, a
questão de atendimento à moradia popular pelo poder público é recente na história nacional,
datada na década de 1960. Durante muito tempo, a questão da moradia popular esteve restrita
à iniciativa privada, e o poder público se preocupava simplesmente em regular o preço dos
aluguéis, quando estes se tornavam motivo de insatisfação popular generalizada (VILLAÇA,
1986).
Nesse sentido, vale a pena buscar na experiência popular dos trabalhadores
londrinenses, como o nascimento desta nova realidade, de intervenção do poder público sobre
a questão da moradia popular, foi vivenciado e compreendido pelas classes populares. Pode-
se evidenciar, assim, dois aspectos de uma mesma história: como a população lutou pela
consolidação de um direito recém adquirido e como esta luta possibilitou o alargamento dos
canais de diálogo entre o povo e o poder público.
Segundo Tonella:
[...] o trabalho do tempo e a intimidade com o poder favorecem as elites
dominantes e políticos de carreira que acrescentam em seus currículos feitos
'extraordinários' no campo da habitação popular, comprováveis através de
números, esquecendo, convenientemente, que as cifras só foram
transformadas através de muita luta e sofrimento por parte dos setores
populares (TONELLA, 1997:03).
183
A interpretação da autora revela a necessidade de observar como os programas de
habitação não são ações espontâneas de políticos bem-intencionados, mas geralmente de
processos de luta e negociação entre o poder público e os setores populares, que lutam por
este direito e o conseguem através de um processo longo e penoso. Estes momentos, de luta e
negociação, devem ser observados com um olhar diferente daquele que se atribui aos
processos de migração campo / cidade, em que as periferias são abarrotadas de casas mal
construídas e pessoas de todas as procedências. O elemento diferenciador nos dois casos é
que, por um lado há uma estratégia coletiva de ação popular, enquanto por outro o processo é
individual:
Por mínima que seja, em alguns casos, há uma estratégia de ação coletiva
diferente daquela que se constitui em uma migração inercial para a
periferia das cidades, responsável pelo fenômeno conhecido como
'inchamento das favelas', ou, nos termos de Kowarick, um laisez-faire
urbano (que permitiu que volumosas levas populacionais se fixassem onde
e como podiam) (TONELLA, 1997: 05).
Analisa-se aqui um movimento de luta e resistência dos moradores de uma favela em
Londrina, o “Grilo da Caixa”, que é similar aos movimentos sociais analisados por Tonella
(1997), entretanto se diferencia no que diz respeito à época em que ocorreu. Aquela autora
atribui à década de 1980, o fortalecimento de lutas populares pelo direito à moradia, que ela
chama de “novos movimentos sociais”, e que seriam resultantes do quadro de abertura
política que se formou no Brasil pós-ditadura:
Aponto, ainda, que esses movimentos se desenrolaram num novo contexto
político, marcado pelo processo de redemocratização e da abertura de
novos canais de participação política. Estabeleceu-se uma relação diferente
entre o poder público e os movimentos sociais. Já não era mais o simples
confronto entre forças desiguais, como se viu à época da ditadura, mas
criaram-se arenas específicas de negociação. Por esse conjunto de
fatores, a população pobre viu-se obrigada a se organizar em associações
para ocupar espaços – públicos e privados – para moradia e nesse momento
que uma carência fundamental se transforma em reivindicação. Através
da confluência de elementos de ordem econômica, política e cultural,
torna-se possível explicitar as lutas pela cidade cidadania nos anos 80-90
(TONELLA, 1997: 06, Grifos Nossos).
A citação acima sintetiza o que a autora pensa sobre a relação entre poder público e
classes populares no período da ditadura militar: era um “confronto entre forças desiguais”.
Neste sentido, fica implícito que os movimentos sociais no referido período, estiveram
reclusos a manifestações esparsas e pouco organizadas, uma vez que a repressão oficial não
deixaria espaço para que se formulasse uma “arena específica de negociação”.
184
Nesta pesquisa, busca-se evidenciar como em Londrina ocorreu um movimento de luta
por parte de moradores de uma favela, que pode ser interpretado sobre dois ângulos sendo:
um movimento organizado de luta pela moradia que galgou uma arena específica de
negociação com o poder público; e, um momento de ampliação da cidadania popular.
Acontece que este movimento ocorreu entre 1966 e 1969, em pleno período da ditadura
militar, tendo chegado ao seu desfecho durante a chamada “linha dura do regime”. Porém, não
se pode generalizar nas conclusões, dizendo que isto é uma evidência de que os campos de
negociação tenham sido amplamente alargados mesmo durante o regime militar. Ao contrário,
o que se busca é evidenciar como sob um regime centralizador e repressivo em âmbito
nacional, houve a possibilidade de que determinados canais de contestação pudessem ser
edificados, especialmente em relação à questão da moradia popular, que em parte era
resolvida no âmbito da política municipal.
Reaviva-se aqui, uma experiência das classes populares que contribuiu muito para que
a administração municipal de Londrina reformulasse sua postura no âmbito da questão
urbana, compreendendo as classes populares como agentes politicamente ativos, e abrindo
espaço ao diálogo em uma época em que o comum era a repressão pura e simples das
manifestações populares. E abre-se um precedente para que novas pesquisas sejam feitas em
outros espaços e contextos, observando como eram as relações entre poder público e setores
populares descontentes em âmbito local, uma vez que as características do regime autoritário
possibilitavam que algumas questões se resolvessem de forma independente pelos municípios,
e nestes nem sempre a lógica seria de uma ação truculenta ou repressiva aos movimentos
sociais.
Desta forma, a questão da pobreza e do acesso à moradia foi uma das poucas formas
de manifestação de descontentamento popular que sobreviveu à instauração do Regime
Militar. Enquanto os sindicatos eram calados, o movimento estudantil reprimido, os partidos
políticos extintos, a voz popular de insatisfação com a questão da moradia, não se calou. Ou
seja, a perseguição política empreendida pelo governo golpista após 31 de março de 1964, não
impediu que a população pobre se organizasse na luta pelo que consideravam seus direitos
mais básicos:
Ocupando cortiços erguidos da noite para o dia, 20 famílias,
compreendendo cerca de 80 pessoas, compõem a população da mais recente
favela surgida em Londrina. Fica ela ao sul da Vila Higienópolis, beirando
o Igapó, próximo da chamada ‘Vila do Pito Aceso’. As condições de vida
dos favelados são as mais precárias, pois se servem eles das águas poluídas
do rio para lavar roupa, cozinhar e até beber. Os barracos medem,
185
aproximadamente, 6 metros quadrados e foram levantados com o emprego
da madeira de caixões velhos e compensados finos. Os novos mocambos
representam um pequeno submundo, em chocante contraste com a pujança
da cidade (OC, ‘Favelados ameaçam instalar-se em plena Avenida Paraná
se houver despejo’, Julho de 1964: 03).
Quando esta ocupação foi ameaçada de despejo pelas autoridades, a ameaça foi assim
respondida por um dos moradores da ocupação:
Se isto acontecer – concluiu um dos favelados – as 20 famílias desalojadas
irão para a Av. Paraná e ali permaneceremos em sinal de protesto, até que
se resolva o problema. Nossos filhos não poderão ficar ao relento.
Esperaremos até que o prefeito, com a boa vontade de sempre, encontre
uma solução para o caso (OC, ‘Favelados ameaçam instalar-se em plena
Avenida Paraná se houver despejo’, Julho de 1964: 03).
Em pleno clima de repressão provocado pela truculência policial e patrocinado pelo
regime ditatorial, um trabalhador pobre ousava ir a público reivindicar direitos mínimos. É
uma questão a ser pensada não só em nível local, como também no âmbito nacional, ou seja,
deve-se tentar entender como foi possível que o governo militar tenha tolerado que a
insatisfação popular com a pobreza e falta de moradia viesse a ser manifestada sem repressão,
enquanto que as demais formas de protesto eram duramente reprimidas e seus agentes
perseguidos.
Para se ter uma idéia da dimensão deste clima de truculência policial, basta citar o
caso de cidadãos londrinenses que foram processados naquele ano, por crime de subversão e
infração à Lei de Segurança Nacional. (COMARCA DE LONDRINA, Inquérito Policial
145/64, 10/04/1964. Processo Crime 131/64, 21/05/1964. Processo Crime 135/64,
02/06/1964. Processo Crime 152/64, 25/06/1964. Processo Crime 158/64, 07/07/1964). Nos
autos em questão, o que se apresenta é um ambiente de agitação intensa, onde a polícia local
se aproveitava do poder que lhe era conferido e promovia uma perseguição intensa a possíveis
“elementos subversivos”, prendendo e abrindo inquéritos contra qualquer indivíduo que
considerasse suspeito de ser comunista ou agir contra o regime.
Este entusiasmo policial em defender o governo golpista, que eles chamavam de
revolucionário, e de se promover perante a hierarquia dominante a partir desta perseguição
aos oponentes do regime, não era mais forte do que a falta de legitimidade e legalidade dos
atos truculentos, sendo que em nenhum dos casos analisados houve uma punição efetiva dos
que sofreram os processos. A violência policial e sua “caça às bruxas” não foram capazes de
contagiar os juízes com o clima de euforia com a ascensão dos militares, porém esta atuação
policial foi capaz de suprimir os movimentos revoltosos, tão comuns nos meses precedentes
186
ao regime. Tanto que, a partir de março de 1964, em Londrina, não se noticiou nenhum
movimento forte, seja estudantil, grevista ou de outra natureza.
Tudo o que se havia edificado nos anos entre 1955 e 1964 na cidade, no que diz
respeito à construção de um espaço público de debates e reivindicações populares,
desmoronou diante da força com que o regime militar os impeliu para fora das bases do
sistema. Na cidade, mesmo que pareça paradoxal, a única forma de resistência registrada não
se tratava de um movimento político organizado, e nem se confrontava diretamente com o
regime em termos de lutas políticas. O nicho de resistência ao Regime Militar que se
encontrou no pós 1964, não era partidário nem revolucionário, não estava organizado através
de sindicatos ou de partidos políticos, não se formulava a partir de uma estrutura
organizacional e não tinha como intuito derrubar o regime, este grupo resistente era formado
por trabalhadores pobres que defendiam aquilo que consideravam seu direito à moradia e
melhores condições de vida, através das invasões de terrenos vazios e criação de favelas.
Os trabalhadores pobres, na sua maioria, egressos do campo, traziam consigo suas
experiências de coletividade, vivenciadas nas antigas colônias em fazendas de café. Esta
experiência contribuiu para os aspectos de colaboração e ajuda mútua na construção de casas
e ocupação de terrenos irregulares. Entretanto, o fato dos trabalhadores batalharem junto ao
poder público pelo direito à moradia nas áreas em litígio, pode indicar uma reformulação da
noção de direito por parte dos trabalhadores. Desta forma, o entender o provimento da
moradia popular como uma obrigação do poder público era algo novo, e as lutas por esse
direito, uma interpretação popular da questão. Não se tratava de um direito consuetudinário,
de algo imemorial, mas de uma visão popular de uma prática recentemente instituída na
história da cidadania brasileira.
Em alguns casos, os terrenos ocupados eram de pouco interesse para o poder público
ou para a iniciativa privada, e acabavam se tornando grandes favelas, sem infra-estrutura e
condições de higiene, como foi o caso da “Vila do Grilo”, ocupada em meados dos anos
cinqüenta, no extremo Norte do perímetro urbano de Londrina, e que era conhecida como a
“eterna esquecida das autoridades”. Também houve casos de terrenos particulares terem sido
loteados a baixíssimo custo e sem nenhuma infra-estrutura, transformando-se em favelas,
como o “Grilo do Rocha”, que surgiu no início da década de 1960 às margens da linha férrea.
O surgimento destas ocupações esteve vinculado ao processo de transformação nas
técnicas e tecnologias agrícolas e nas relações de trabalho no campo. O intenso crescimento
dos sindicatos rurais e de trabalhadores descontentes com as relações de colonato no campo,
187
no período pré-1964 (PRIORI, 1997), havia feito com que os fazendeiros começassem a
desocupar suas fazendas, demitindo colonos e despejando-os nas periferias das maiores
cidades da região:
As imagens da harmonia das relações sociais no campo e da crença nas
riquezas ilimitadas que adviriam da cafeicultura também se desfazem. Por
volta de 1955-6, os trabalhadores rurais iniciaram um processo de luta pela
sindicalização e por direitos sociais que pôs em questão a imagem da ‘vida
boa do colono bem sucedido’ no norte do Paraná. Por um lado os
fazendeiros do café, em um primeiro momento, procuraram uma solução
repressiva – caso de polícia – para a questão. Longo em seguida, no entanto,
a situação do trabalhador rural no norte do Paraná aparece no discurso dos
grandes fazendeiros como ‘problema social’ a ser resolvido através da
manutenção das condições de reprodução da cafeicultura. A defesa das
condições de vida do colono passou a ser um dos fundamentos da
legitimação da luta dos cafeicultores contra o confisco cambial exercido
pelo governo federal sobre a agricultura nos anos cinqüenta. A crise do
café, no entanto, era internacional e anunciava o fim do Eldorado (ARIAS
NETO, 1998: 270).
Uma vez que em 1966 já se encontrava no seu auge o processo de erradicação do café
na região norte do Paraná, a taxa de concentração de terras nas mãos de grandes latifundiários
se acentuava, as novas culturas agrícolas não necessitavam mais de mão-de-obra permanente,
e a utilização da mão-de-obra volante no campo era mais rentável. As relações de colonato e
parceria não interessavam mais aos grandes proprietários rurais, nem a permanência dos
colonos habitando as suas terras:
Paralelamente [...] à expulsão da mão-de-obra do campo – decorrente, por
um lado, da crise da cafeicultura e da implantação de culturas que se
beneficiaram com a crescente mecanização da agricultura ao longo dos anos
sessenta e, por outro, de uma violenta concentração da propriedade rural –
provocou um êxodo rural sem precedentes. Em 1970, 68 % da população do
município estava concentrada na cidade e 32% no campo. O processo de
favelização iniciado nos anos sessenta se acentua e surge um novo
personagem, que habita a cidade e trabalha esporadicamente no campo: o
trabalhador volante, mais conhecido como bóia-fria. Grande parte da
população expulsa do campo se dirige a novas fronteiras em processo de
abertura no norte do país (ARIAS NETO, 1998: 246).
O surgimento das favelas em Londrina possuía uma relação muito evidente com o
processo de decadência da cafeicultura como fator de promoção do desenvolvimento da
cidade. A falta de boas condições de trabalho e garantias trabalhistas era evidente:
[...] enquanto engrossava a massa de camponeses pobres, em processo de
depauperamento, a região se desenvolvia vertiginosamente, cidades de
arranha-céus e casas suntuosas, povoados de cinco em cinco quilômetros,
legiões imensas de cafeeiros vergando ao peso das cerejas. ‘Ouro ’, dos
exploradores. [...] Formadas as lavouras cafeeiras, surgiram a explorar os
assalariados agrícolas os grandes e pequenos proprietários: fazendeiros e
188
sitiantes. O fazendeiro logo passou a empregar colonos, cujo pagamento – a
mesada – fica em seus próprios armazéns, o qual não atinge o nível do
salário mínimo, enquanto toda a família desse trabalhador rural presta
serviços gratuitamente, sem qualquer direito consubstanciado em lei
(NASCIMENTO, 1962: 126).
Em 1965 houve outra grande geada que acelerou o processo de erradicação do café.
Os fazendeiros, que já tinham grandes problemas com a mão-de-obra camponesa devido ao
Estatuto do Trabalhador Rural de 1963, que estendia para o campo os direitos trabalhistas dos
empregados nas atividades urbanas, aproveitaram as ofertas de financiamento para
diversificar a sua produção, bem como para tornarem-se mais independentes em relação à
mão-de-obra assalariada:
A geada de 1965 foi o motivo para que muitos trabalhadores abandonassem
a terra. Os agricultores procuraram desenvolver outras atividades,
principalmente a criação de bovinos, transformando em pastagens as áreas
de maior incidência de geadas. A mão-de-obra ficou reduzida, sem a
mínima possibilidade dos fazendeiros manterem os funcionários que já
estavam contratados. Sem trabalho, sentindo-se dispensados do campo,
muitos tomaram rumo em direção às cidades, onde encontraram a garantia
de sobrevivência num primeiro momento. O aumento repentino da
população nas cidades não foi atendido pelos equipamentos e serviços
públicos, agravando os conflitos sociais (BORTOLOTTI, 2007: 109).
Desta forma, constituíam-se duas peculiaridades do processo de desenvolvimento do
sistema capitalista nos campos norte-paranaenses: o agravamento da questão urbana, devido
ao êxodo rural que provocava o inchaço das periferias das maiores cidades, especialmente de
Londrina, e o surgimento de favelas por todos os lados; e, o surgimento dos chamados “bóias-
frias”, que se tratavam de trabalhadores campesinos removidos de suas moradias na área rural
e instalados na periferia da cidade, trabalhando por jornadas ou empreitadas, sem vínculo
empregatício com os fazendeiros, o que evitava possíveis ações trabalhistas contra os
empregadores.
A economia regional articulava-se com as relações mais amplas do país e
sofria os influxos da política nacional. Em meados da década de 1960, no
compasso das mudanças que ocorriam no país, foi impulsionada uma
reviravolta no perfil econômico da região. O declínio da cultura cafeeira,
inserido num processo de exigências do mercado internacional em torno de
lavouras que tivessem alto valor comercial, levou à diversificação da
agricultura. O café não foi totalmente erradicado, mas cedeu lugar para as
lavouras temporárias, como o trigo e a soja, de maior produtividade e valor
comercial. Tal mudança se fez sentir na dimensão das propriedades e na
forma do uso da terra. O aumento de produtividade advinha tanto da
alternância de lavouras temporárias em um mesmo solo quanto da
introdução da mecanização e consecutiva redução da mão-de-obra. Por sua
vez, as relações de trabalho adquiriram a feição de assalariamento
explícito, incluindo a contratação de trabalhadores volantes, os chamados
189
bóias-frias. Perderam importância outras formas de trabalho ligadas às
culturas permanentes, como o colonato e parceria. Esse processo
articulava-se com as mudanças macroestruturais e com o modelo
econômico que se implantava no país (DIAS, 2003:23-24).
Segundo E. Gonzáles e M. I. Bastos (Apud CASAGRANDE, 1999: 226), a utilização
de trabalhadores rurais volantes na agricultura brasileira se formulou a partir de vários fatores,
dentre os quais se destacam:
- Implantação do Estatuto do Trabalhador Rural que, por um lado, teria
amedrontado os proprietários agrícolas e, por outro, lhes teria
acarretado uma série de encargos trabalhistas;
- A mecanização da agricultura, que, ao provocar o êxodo rural, afasta os
trabalhadores que depois emprega já sob nova forma;
- A substituição de culturas e/ou a extensão das atividades agropecuárias,
nas quais a utilização de mão-de-obra é mínima, provocando a expulsão
da população trabalhadora residente.
No caso específico do Norte do Paraná, o processo de erradicação dos cafeeiros tinha
dois princípios fundamentais: 1. a adequação da produção regional aos moldes do capitalismo
internacional, que exigia uma remodelação dos padrões produtivos, com investimento em
culturas temporárias de maior rendimento e menor dependência do trabalho humano; 2. a
satisfação do interesse de fazendeiros descontentes com o processo de sindicalização dos
trabalhadores rurais e com as constantes ações na justiça impetradas por estas entidades
classistas:
A aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), em 1963, que
estende aos trabalhadores rurais a maioria dos direitos adquiridos pelos
trabalhadores assalariados urbanos, de fato incidiu sobre a elevação do
número de trabalhadores rurais volantes. É que a sua aplicação prática
(reclamações trabalhistas, dispensa dos trabalhadores etc.) e a conseqüente
conquista, ante a lei pela lei, dos direitos recém-adquiridos fizeram com que
os proprietários se sentissem ameaçados nos seus lucros e prerrogativas, à
medida que os trabalhadores começavam a reivindicar o pagamento das
devidas indenizações para saída da propriedade e outros direitos trabalhistas
e obrigações contingentes de trabalhadores, ainda desconhecedores da nova
lei. São esses trabalhadores que migram para a periferia urbana e, ao
continuar geralmente exercendo atividades na zona rural, tornam-se
trabalhadores rurais volantes. Além disso, as geadas de 1965 e 1975 foram
fatores que indiretamente contribuíram para acelerar a capitalização do
campo no norte paranaense, através da política oficial adotada em
conseqüência das mesmas. As medidas tomadas promoviam a erradicação
do café, brindando financiamento para a passagem a outras lavouras e
oferecendo facilidades creditícias para mecanizar a lavoura e para compra
de insumos industrializados. Com essa atitude pretendiam-se dois objetivos
com essência comum: diminuir a quantidade de produtores cafeeiros e
elevar produtividade dos que ficavam, o que representava uma elevação da
competição via ‘modernização’ capitalista (CASAGRANDE, 1999: 232 –
233).
190
Tais questões resultavam no fato de que os antigos colonos eram obrigados a ocupar
terrenos públicos e particulares, para formar aglomerados urbanos sem nenhum tipo de infra-
estrutura ou equipamento urbanístico. Constitui-se, portanto, um novo perfil de morador nas
maiores cidades do Norte do Paraná: os trabalhadores rurais vivendo na periferia urbana. Na
sua maioria sem as mínimas condições de sobrevivência, estes trabalhadores se tornaram os
principais agentes de processos de ocupação de áreas subjacentes aos perímetros urbanos.
A princípio, os favelados tinham origem rural, depois rural e urbana. Eram
inicialmente ‘peões’ e ‘volantes’. Na fazenda de café tradicional moravam
no barracão. Passaram depois a diaristas e tinham de levar comida para o
trabalho. A situação se agravou com a erradicação do café. [...] Os
processos recentes de capitalização do campo, através da mecanização e dos
financiamentos preferenciais à grande propriedade – de 50 alqueires
paulistas a mais – agrava o problema (RIOS, 1979: 15).
O enriquecimento através da cafeicultura, no Norte do Paraná, foi uma ilusão, uma vez
que os trabalhadores sem condições de adquirirem terras acabaram empregados em condições
precárias e sem perspectivas de ascensão social. E quando os grandes proprietários rurais
resolveram promover mudanças substanciais na sua produção agrícola, optaram por
abandonar os trabalhadores à própria sorte:
A favela nascia como uma transferência da colônia da fazenda para a área
urbana, isto é, os empresários da zona rural precisavam de mão-de-obra dos
que lá habitavam anteriormente, mas não queriam ter o ônus da manutenção
das moradias para que o trabalhador do campo lá permanecesse. Nascia
uma ‘colônia’ na área urbana, nas cidades em desenvolvimento, de forma
desumana e cruel no franco desenvolvimento da ‘segregação social’
(LIMA, 199: 27).
O caso mais significativo da luta dos moradores pobres de Londrina por um teto
ocorreu em 1966, quando uma leva de ex-moradores das fazendas da região, colonos
despejados pelos fazendeiros na periferia da cidade, invadiu um terreno de propriedade da
Caixa Econômica Federal formando uma nova favela, que naquela época ficou conhecida
como o “Grilo da Caixa”:
À margem da rodovia, pouco além do Jardim Shangri-lá, está nascendo uma
favela – que na verdade já vai grandinha... Uma demonstração eloqüente
de que se agrava o problema habitacional em Londrina, reclamando
medidas urgentes das autoridades, que não têm dado muita atenção a esse
entristecedor aspecto da Capital do Café. As poucas casas populares que se
inauguraram de tempos em tempos jamais poderão, nesse ritmo, resolver a
angustiante situação de centenas de famílias. À medida que o número
desses aglomerados humanos aumenta, vão surgindo problemas de saúde
pública, originados pela promiscuidade e pela falta de higiene. Londrina
cresce assustadoramente, e é por causa desta realidade que exigem muito
191
dos homens públicos que se apresentam ao eleitorado e que o eleitorado
sufraga nas urnas. Há que saber medir a população da cidade e acompanhar-
lhe o ritmo, [...] (FL, Uma favela que nasce, 18/09/1996: 15, Grifos
Nossos).
A ocupação do terreno da Caixa Econômica Federal, que ocorreu em 1966, localizava-
se às margens de uma estrada aonde futuramente seria construída a BR 369, atualmente
Avenida Brasília, no setor Noroeste do perímetro urbano de Londrina, abaixo da Linha
Férrea, próxima ao Jardim do Sol e ao “famoso” Jardim Shangri-lá.
Os trabalhadores que ocuparam a área tinham origens diversas, mas segundo Lima
(1999: 27), sua maioria era formada por nascidos nos estados do Paraná, de São Paulo e de
Minas Geras, bem como uma parte advinda dos estados nordestinos (Bahia, Pernambuco,
Alagoas, Ceará) e do Rio de Janeiro. O abastecimento era realizado através de água buscada
em uma mina nos fundos da ocupação, os barracos iluminados através de velas e lamparinas a
querosene, o esgoto era lançado em fossas improvisadas ou no córrego que ficava próximo ao
local de onde tiravam água para beber, cozinhar ou realizar demais hábitos de higiene. Tais
condições de vida não eram tão diferentes daquelas vividas nas fazendas, entretanto, o espaço
era bem mais acanhado, a natureza em redor era hostil e o conforto praticamente inexistente.
Na construção dos casebres foram utilizadas várias formas de materiais, como tábuas
trazidas das antigas moradias desmontadas nas fazendas, placas de lata velha, material
plástico, e principalmente compensados de madeira doados pela agência Volkswagen da
cidade (LIMA, 1999: 28). No princípio não houve comércio de terrenos ou barracos, uma vez
que havia espaço para crescimento da área e não existia algum morador com condições de
construir vários barracos próprios para fazer negócios posteriores.
192
Vista aérea parcial do ‘Grilo da Caixa’, 1968. Acervo Museu Histórico Pe Carlos Weiss.
Segundo Lima (1999: 34), os primeiros moradores da ocupação relatam que foram
levados àquela área pelos próprios fazendeiros, ou seja, os patrões que despediam os colonos
se encarregavam de conduzi-los à sua futura moradia: a favela. Alguns moradores da área
também foram originários da Vila Mattos, região que passava por um processo de litígio na
disputa entre os proprietários dos prostíbulos e as autoridades municipais.
Os habitantes do “Grilo da Caixa” eram, na sua maioria, trabalhadores rurais volantes,
que em muitos casos trabalhavam nas fazendas que já haviam habitado. Entretanto, as novas
culturas agrícolas não necessitavam de seu trabalho o ano todo, e ao transferirem-se para a
cidade, os trabalhadores representavam uma redução de custos para os fazendeiros. Mas
também havia, na favela, catadores de papel, empregadas domésticas, jardineiros, entre outros
profissionais, na grande maioria trabalhando sem carteira assinada.
Os que trabalhavam de ‘bóia-fria’ embarcavam na carroceria dos caminhões
dos ‘gatos’ às 4 horas da manhã e retornavam em média às 18 horas. O
local de trabalho era as propriedades rurais do município, raras vezes fora
dele. Aqueles que trabalhavam como papeleiros iam empurrando seus
carrinhos logo cedo pela única rua asfaltada de acesso ao centro da cidade,
alcançando-o em não mais do que 40 a 45 minutos à pé. Outras categorias
profissionais existiam em número reduzido, tais como doméstico em geral,
carroceiro, posseiro, ensacador, jardineiro etc. (LIMA, 1999: 35-36).
193
A situação econômica da agricultura local favorecia o agravamento da questão
urbanística, uma vez que o êxodo rural era acentuado e praticamente irreversível, diante de
uma quase falência completa do regime de trabalho baseado no colonato e do processo de
concentração de terras nas mãos de grandes proprietários:
Nas décadas de sessenta e setenta a tendência concentracionista acentuou-
se. No município de Londrina ocorreu uma concentração da propriedade
entre os anos de 1965 e 1975. Enquanto em 1965, 61,41% dos
estabelecimentos rurais representavam propriedades de 10 a 1000 alqueires
e ocupavam 96,32% da área, dez anos mais tarde, os estabelecimentos da
mesma proporção representavam 59,26% das propriedades e ocupavam
60,55% das terras do município, o que significa que houve uma diminuição
de 35,77% na área das propriedades da faixa de 10 a 1000 alqueires. Em
1965, não havia propriedades acima de 1000 alqueires e em 1975 havia 28
ocupando 35,16% da área do município (ARIAS NETO, 1998: 286).
A crônica jornalística local já constatava a referida situação, de que o mercado de
trabalho no campo já estava saturado, e a erradicação da cultura cafeeira estava eliminando
milhares de postos de trabalho, e indicava que a solução para a cidade era investir na
industrialização para alocar estes trabalhadores que se espalhavam pela periferia da cidade:
[...] Londrina [...] depois da noite de caium casaste com o pioneiro. E desta
tua união com o lavrador nasceu um filho legítimo: o café. Não quiseram
até hoje reconhecer a legitimidade do teu rebento, que assou a ser olhado
como um bastardo, um fruto proibido. Chegaram até a responsabilizá-lo
pela inflação, pela desordem econômica das comunidades. O teu marido
quase sucumbiu na luta contra as injustiças de teu povo, até que
irreconhecível, desenhado desapareceu. Acoimado até de marginal, o teu
companheiro heróico – o cafeicultor – abandonou a batalha, levando
saudade da grande companheira que foste tu. Sozinha, incompreendida, mas
com o coração ainda palpitando de calor, casaste de novo. Do enlace com o
teu segundo esposo, o empresário, nasceu uma filha radiante e cheia de
vida: a indústria (OLIVEIRA JÚNIOR apud ARIAS NETO, 1998: 289).
O “Grilo da Caixa” representava a face evidente deste processo de decadência da
cafeicultura e de extinção de postos de trabalho nas lavouras. Assim a expansão da área foi
muito rápida, como jamais havia ocorrido na história da cidade. Em menos de dois anos, a
população da favela era estimada em aproximadamente 1000 habitantes, sendo que se
presumia que lá viviam aproximadamente 400 famílias
*
. Foi nesta época que a instituição
proprietária do terreno, a Caixa Econômica Federal, solicitou a reintegração de posse, e a
conseqüente expulsão dos moradores daquele local:
Cerca de 400 famílias que habitam a favela erguida em 90 lotes
pertencentes a Caixa Econômica Federal [CEF], à margem da rodovia BR
369, próximos ao viaduto, na saída para Cambé, poderão ser atiradas à rua
*
Trata-se de uma informação que varia de acordo com as notícias da Folha de Londrina, mas este número (400
famílias) é o mais citado, por isso é tomado como referência.
194
no dia 15 de abril se não forem adotas medidas capazes de sustar a ação de
despejo movida pela CEF. Para impedir que o despejo se concretize, o
Centro de Educação e Cultura – CEC – entregou ontem ao presidente da
Câmara Municipal, sr. João Tavares de Lima, ofício pedindo que o terreno
seja desapropriado pela Municipalidade. A entrega da solicitação, por uma
comissão do CEC, foi presenciada por grande número de favelados, que
também compareceram à sede do Legislativo. No ofício ao presidente do
Legislativo diz a srta .Maria Thereza Magalhães Forattini, presidente do
CEC, que na favela vivem aproximadamente 400 famílias, que não terão
para onde ir se forem mesmo despejadas, uma vez que são desprovidas de
quaisquer recursos. A ação de despejo foi movida através da 2ª Vara
Criminal de Curitiba, e ‘criará, por certo, crucial problema social para esta
cidade’. Depois de salientar a responsabilidade do legislativo perante o
problema, a presidente do CEC sugere a desapropriação da área e
construção de casas populares para serem vendidas aos ocupantes da favela.
Para tentar uma prorrogação da medida judicial que ameaça deixar os
favelados sem casa, o Centro de Educação e Cultura contratou o advogado
Francisco Leite Chaves, medida que foi também comunicada ao presidente
da Câmara. Depois de comparecer ao Legislativo, a comissão do CEC
esteve na redação da ‘Folha’ para falar a respeito do problema e solicitar o
apoio do jornal à reivindicação que fez aos vereadores em benefício dos
favelados (FL, 26-03-1968: 15).
Foi com a organização desta entidade chamada CEC, através da iniciativa de líderes
comunitários da favela e de outros bairros, de outros membros da sociedade civil e de alguns
políticos, que foi possível efetivar um mecanismo de diálogo entre as autoridades e a
comunidade, sendo que vários políticos se posicionaram na defesa do interesse dos habitantes
da favela. Esta atitude da população do “Grilo da Caixa” era algo inédito no cenário político
de Londrina, e a construção de um mecanismo de participação através da negociação e
pressão sobre o poder público foi uma forma de expansão dos horizontes da cidadania que
naquele momento estava sendo podada pelo governo militar. Segundo Doimo:
[...] não podemos classificar qualquer reivindicação urbana como
Movimento Social Urbano propriamente dito, pois este deve conter os
germes da transformação. Isoladas de outras lutas populares, as lutas
urbanas representam manifestações de fraco alcance político, pois mesmo
que consigam algumas vitórias imediatas, concorrem para a modernização
pura e simples da sociedade. Assim, para a compreensão do seu caráter,
impõe-se no plano metodológico a postura de aprendê-los como uma
expressão particular dos conflitos de classe para, teoricamente, entende-lo
com base nas relações estabelecidas entre as contradições urbanas e o
processo político. Isso evidentemente, implica na sua consideração como
parte do processo histórico assim como na apreensão das orientações
político / ideológicas presentes no seu interior (DOIMO, 1984 : 24).
O interesse na análise deste evento na história de Londrina pauta-se pela visão da ação
dos “favelados” e da entidade CEC como um germe de transformações futuras na cidade.
Desta forma, esta experiência promoveu duas transformações simultâneas: a mudança na
195
postura das classes populares em relação a seus direitos dentro do espaço urbano,
possibilitando movimentos posteriores que se edificariam em torno de questões de litígio
entre governo e cidadãos; e, a reformulação das ações do poder público em relação às favelas
e habitações precárias. Pois, a partir daquele momento em diante, uma das principais
preocupações dos administradores municipais foi de sanar o problema e conter novas
manifestações de mobilização popular, evitando possíveis atritos.
A luta dos moradores do “Grilo da Caixa” se estendeu por todo o ano de 1968. Como
se tratava de um ano importante na cidade pois seriam realizadas as primeiras eleições após a
implantação do sistema de bipartidarismo, os políticos fizeram concessões e abriram caminho
para a atuação das classes populares:
[...] O prefeito Hosken de Novaes informou à presidente do Centro de
Educação e Cultura (CEC) que está mantendo contatos com a Caixa
Econômica Federal para aquisição do terreno onde 400 famílias estão
ameaçadas de despejo. Há algumas casas em condições de abrigarem
famílias, que já contam com pintura, água e luz, porém, outras casas
precisam ser desapropriadas e substituídas por casas populares construídas
pela prefeitura (FL, 27/03/1968: 02).
A própria Caixa Econômica Federal acabou cedendo às exigências dos trabalhadores e
fez concessões, numa clara demonstração de abertura à negociação com a representação
popular:
A Caixa Econômica Federal do Paraná concordou em postergar o despejo
dos favelados que ocuparam terreno de sua propriedade em Londrina.
Informação nesse sentido foi prestada pelo Secretário do Trabalho e
Assistência Social, Coronel Ítalo Conti, em ofício ao Deputado Federal Léo
de Almeida Neves, que solicitara interferência daquela Pasta para solução
do problema. Acrescentou o Secretário que, em atenção à carta parlamentar,
determinou a observação ‘in loco’, por parte de um dos advogados da
STAS, que constatou o seguinte: Trata-se de área de 20 mil metros
quadrados, repartida em 97 datas, ali residem 210 famílias, perfazendo um
total de aproximadamente 1000 pessoas, das quais 40 por cento tem
atividade remunerada regular; a reintegração de posse da área ocupada foi
objeto de ação judicial por parte da entidade proprietária, tendo sido
concedida à mesma, pelo titular da 2ª Vara da Justiça federal, a medida
liminar de reintegração, atendendo à situação criada pela desocupação
imediata, característica das medidas liminares, sua excelência, o Juiz
Federal concedeu o prazo de 30 dias a partir da notificação pessoal dos
ocupantes para o abandono da propriedade. A Caixa Econômica Federal
concordou com postergação do cumprimento da medida judicial. A decisão
da CEF vem facilitar, assim, a concretização da intenção da Prefeitura em
adquirir o terreno (FL, 03-04-1968).
Pode-se observar como a própria requerente do terreno foi maleável no que diz
respeito ao atendimento dos apelos dos trabalhadores que o habitavam. O reconhecimento de
196
que grande parte dos moradores possuía trabalho remunerado, impossibilitava que as
autoridades agissem de forma truculenta, uma vez que não se tratavam de subversivos ou
agitadores, rótulos comuns àqueles que reivindicavam seus direitos contra os interesses do
regime autoritário. Os trabalhadores resistiam à desocupação por vários fatores, desde o
direito à dignidade de um teto sob o qual repousar, a manifestação de uma voz ativa num
regime que calava os descontentes, a necessidade de permanecerem em um local que
favorecia suas atividades, pois se tratava de uma área muita bem localizada, próxima de várias
indústrias, de bairros urbanisticamente bem equipados, do centro da cidade:
O acesso ao centro da cidade era fácil, pois a favela estava bem servida de
transporte coletivo, que para chegar aos bairros vizinhos, passava
obrigatoriamente na porta do “Grilo da Caixa Econômica”. Junta-se a isto o
fato de ser relativamente próxima do centro da cidade, fato que contribuiu
para a resistência dos moradores no local, visto que boa parte destes eram
catadores de papel, de profissão, e a pouca distância do centro facilitava
terem que empurrar seus carrinhos ruas afora (LIMA, 1999: 32).
No entanto, a questão não se resolveu naquele ano de 1968, porque por muito tempo
os trabalhadores continuaram resistindo às ordens judiciais de despejo. Vários agentes
políticos estiveram envolvidos no apoio aos moradores, e depois de um ano de disputa
judicial, o prefeito eleito em 1968, Dalton Paranaguá, do MDB, resolveu intervir:
A utilização de tropas do 5º BPM para desalojar as 100 famílias que vivem
na favela do ‘Grilinho’ continua em compasso de espera, enquanto são
iniciadas gestões, em diversos campos, visando encontrar uma solução que
evite a medida de força, que deixaria cerca de 1500 pessoas, entre homens,
mulheres e crianças, sem ter onde morar, de um dia para o outro, em pleno
inverno. Ontem pela manhã, tão logo tomou conhecimento do problema,
lendo a ‘Folha’, o prefeito Dalton Paranaguá dirigiu-se ao ‘Grilinho’, onde
manteve contato com os favelados. Assegurando-lhes que iria tentar
encontrar uma solução que evitasse o despejo de todas aquelas famílias. O
prefeito, em seguida, avistou-se com o Coronel João Mainguê, comandante
do 5º BPM, pedindo-lhe que aguardasse até segunda feria antes de qualquer
medida para o despejo dos favelados. Dalton, que à tarde esteve reunido
com diversos auxiliares, estudando o problema, deverá reunir-se hoje com
os Juízes e novamente com o Coronel João Mainguê, para tratar do assunto
(FL, Iniciadas ações para evitar despejo, 11/07/1969).
A alegação de que o prefeito não sabia do problema era uma forma de isentar de culpa
o prefeito pela lentidão na resolução do problema. Mas. ainda que tarde, a intervenção do
prefeito municipal demonstrou a importância da questão, a força da mobilização popular e,
principalmente, que havia uma possibilidade de vitória dos trabalhadores nesta disputa com a
CEF. Outro importante político emedebista, o então Deputado João Olivir Gabardo, interveio
na questão:
197
Procurado por um grupo de moradores da favela, o Deputado João Olivir
Gabardo, enviou radiograma ao presidente da Caixa Econômica Federal,
apelando no sentido de que seja sustada a ação judicial, ‘dando-se uma
solução compatível com o grave problema ali existente. No telegrama,
Gabardo informa também do pânico que reina entre os favelados e da
intranqüilidade que se estabeleceu em Londrina com a notícia da iminente
ação policial contra aquelas 100 famílias (FL, Iniciadas ações para evitar
despejo, 11/07/1969).
Uma entidade que também se envolveu na questão, e que atuou de forma decisiva na
resolução do conflito, foi a COHAB-LD, que tinha interesse em adquirir o terreno para
investir em obras de habitação popular: “Os srs Nércio Gaveti e Luiz Scandelari, diretores da
COHAB de Londrina, informam também que estão estudando a viabilidade de alguma
colaboração daquele órgão para a solução do problema, sem o emprego de uma medida de
força” (FL, Iniciadas ações para evitar despejo, 11/07/1969).
A demora na resolução do problema tinha duas razões principais pois, a busca pelo
atendimento aos apelos dos moradores da favela, era uma forma de promoção política por
parte das autoridades municipais, uma vez que a questão era complexa e chamava atenção da
população, e os governantes não queriam que o seu resultado manchasse a imagem de sua
administração. E o despejo dos moradores criaria um problema maior para o poder público,
pois seriam mais de mil pessoas ocupando espaço nas ruas da cidade, tendo que aguardar a
ação do poder público para sua realocação. Sendo assim, a prefeitura buscou uma para este
problema:
O prefeito Dalton Paranaguá manteve reunião ontem à tarde, com diversos
dirigentes da Caixa Econômica Federal do Paraná, e na ocasião foi estudada
uma solução para o caso surgido no ‘Grilinho”, um terreno que pertence
àquela organização e onde instalaram-se mais de 1200 pessoas, fazendo
surgir com os barracos uma autêntica favela. Aos que esperavam uma
solução rápida para o problema, não se pode dizer que algo ficou decidido,
de concreto. A reunião foi mais para que a prefeitura e os representantes da
Caixa Econômica analisassem a situação sob os diversos aspectos. Há dois
meses, a caixa Econômica estava em vias de ver executada uma ação de
despejo contra as famílias do ‘Grilinho’, mas, antes que se concretizassem
tal medida (sic), e diante de protestos e da perspectiva de uma situação
social insustentável no município, foi iniciado um contato preliminar entre
todas as autoridades interessadas no caso. A reunião ontem, no gabinete do
Prefeito, foi justamente melhor ocasião para começar o estudo, pois lá
estavam as pessoas indicadas para a discutir e decidir: Durval Eduardo
Pacheco, presidente da Caixa Econômica do Paraná; os assessores Olavo
Zagonel, consultor técnico; Gilberto Pereira Gomes, chefe da Divisão de
Hipotecas; e Aberlardo Alves Garcia, gerente da agência da CEF em
Londrina, além dos srs. Nércio Gavetti ,diretor da COHAB – LD, Francisco
Olivieri, vereador, e o prefeito Dalton Paranaguá. Depois de tomar
conhecimento dos diversos detalhes da situação surgida, o presidente da
Caixa Econômica prometeu procurar uma solução, o mais rapidamente
198
possível, pois, segundo declarou ao final do encontro, pretende não colocar
ninguém [a]o desabrigo. Finalizou dizendo que ‘a direção da CEF espera
que uma solução racional e humana seja encontrada com a máxima
brevidade’. Terminada a reunião informal que tinha por objetivo principal
estudar o caso do ‘Grilinho’, o sr. Durval Pacheco de Carvalho manteve
alguns entendimentos com o diretor da Companhia de habitação de
Londrina ficando acertado que, mediante um convênio a ser firmado
futuramente, será intensificado o ritmo de construção de casas populares no
município, porque só assim, entendem eles, poderia ser minorado o
problema da falta de habitação que faz surgir situações semelhantes ao da
favela do ‘Grilinho’. A equipe de dirigentes da Caixa Econômica também
manifestou ao prefeito Dalton Paranaguá o entusiasmo que lhes trouxe a
visita a Londrina e ao Norte do Paraná, e até começaram fazer
entendimentos para trazer aqui, em futuro próximo, uma caravana de 30
alunos da Faculdade de Engenharia Química da Universidade do Paraná, a
fim de que aqueles estudantes possam travar conhecimento com as
possibilidades industriais da região (FL, 03/10/1969: 15).
Quatro dias após a referida reunião, o prefeito Dalton Paranaguá resolveu por fim ao
problema, e através de um decreto determinou a desapropriação do terreno para fins de
utilidade pública, sendo que posteriormente o terreno seria destinado à construção de
habitações populares pela COHAB-LD:
O prefeito Dalton Paranaguá assinou decreto ontem declarando de utilidade
pública, para fins de desapropriação amigável ou judicial, a área de terras
onde esta a Favela do Grilinho, próximo ao Jardim do Sol. O decreto, que
vai ser encaminhado à Câmara, foi a medida inicial tomada pela Prefeitura
visando solucionar o problema das 1229 pessoas que estavam há tempos
ameaçadas de despejo face à ação proposta pela Caixa Econômica Federal
do Paraná, proprietária do terreno em questão. Quinta feira (sic) houve
reunião do prefeito com uma comissão de dirigentes da Caixa Econômica
vindos de Curitiba, à procura de solução para os diversos interesses
envolvidos na questão. Nesse encontro, vários aspectos foram debatidos,
sem que qualquer decisão fosse tomada, já que a intenção das autoridades
municipais e dos dirigentes de Caixa Econômica era apenas a de análise
preliminar do assunto. Assim, ontem pela manhã, a medida do sr. Dalton
Paranaguá, assinando o decreto que declara a utilidade pública do terreno
para desapropriação, constitui surpresa a todos os interessados na questão
(FL, Grilinho: Paranaguá assina desapropriação do terreno. 07/10/1969:
15).
A atitude do prefeito Dalton Paranaguá, desapropriando o terreno em favor dos
moradores, significou uma transformação efetiva na conduta da administração municipal de
Londrina em relação à questão urbanística e às classes populares. A solução dada pelo
prefeito foi ceder às pressões populares e contrariar as aspirações da instituição proprietária
do terreno, o que significa que efetivamente a organização dos trabalhadores em torno de um
objetivo comum surtiu efeito, e sua ação também funcionou como uma espécie de
enfrentamento e resistência ao clima de autoritarismo que vinha imperando no regime.
199
O padrão de atuação do poder público em relação às classes populares, até então se
pautou por dois planos: a instituição de projetos e planos de estruturação urbana que
ignoravam as classes populares e organizavam a cidade de acordo com os interesses de uma
classe dirigente; e, com o gradual agravamento da questão popular, o posicionamento da
administração municipal foi de revisar os textos legislativos, reformular suas ações.
Entretanto a forma utilizada para implantar estas medidas, não atendia diretamente aos apelos
da população, mas sim se formulava a partir de estudos técnicos que em grande parte
ignoravam as reais demandas das classes populares.
Desta forma, o movimento dos moradores do “Grilo da Caixa” representou uma
transformação efetiva na história das classes populares em Londrina. Foi a partir daquele
instante que os trabalhadores urbanos pobres estabeleceram mecanismos de pressão sobre o
poder público para verem atendidas suas reivindicações. Mesmo que este movimento não
tenha se vinculado a um projeto amplo de transformação social, ao menos se tratou da
abertura de um novo campo de negociações entre o povo e o poder público, o que antes não
existia na cidade. Este evento também proporcionou o surgimento de uma nova postura da
administração pública de Londrina, que viria edificar uma nova imagem para a cidade na
década de 1970.
Posteriormente à desapropriação do terreno da caixa, o poder público de Londrina
passou a investir muito na questão habitacional. As características do urbanismo que se
estabeleceria incluía a questão social como essencial nas ações do poder público. Ou seja, as
classes populares que na década de 1950 eram esquecidas nos projetos de melhoria urbana, na
década de 1960 foram gradativamente se tornando objeto de pressão sobre as autoridades
municipais, até que no derradeiro ano daquela década conseguissem uma vitória efetiva para,
na década seguinte, surgirem como presença constante nas preocupações governamentais, em
relação à habitação, infra-estrutura urbana, saneamento básico, saúde e educação.
Foi este conjunto de transformações na década de 1960, vitória do MDB nas eleições
municipais, êxodo rural, diversificação social dos habitantes de Londrina e um significativo
movimento que lutava pelo direito à moradia, que possibilitaram muitas das ações que seriam
implantadas na década seguinte em relação às classes populares. Para se ter uma idéia, nos
anos 1970 Londrina se tornou uma cidade de destaque no cenário nacional pelos projetos de
erradicação das favelas e de construção de conjuntos habitacionais, sendo a COHAB-
Londrina, em parceria com o BNH, responsável por grande parte destas medidas.
200
Imagens do projeto de ‘desfavelamento’ das Vilas Fraternidade e Pito Aceso.
Ano: 1971. Acervo: CDPH – UEL.
O que a COHAB de Londrina realizou nestes dois anos impressionou as
próprias autoridades do BNH. Núcleos habitacionais vão sendo construídos,
incessantemente, e agora acaba se ser entregue um conjunto no Jardim
Leonor, com 138 casas. Ao lado existe uma favela, que será erradicada pela
COHAB. Os moradores serão alojados em núcleo que será edificado
brevemente, noutro local. O prefeito Dalton Paranaguá afirma que vai
eliminar, de maneira racional, com todas as favelas de Londrina, e deverá
alcançar esta meta, pois os barracos da Vila da Fraternidade por exemplo,
já foram totalmente erradicados, enquanto se realizam ali obras de
terraplanagem e saneamento para dar lugar a um conjunto de 150
residências, destinadas exclusivamente a favelados. Quem descer hoje à
Vila da Fraternidade, acostumado como estava a ver aqueles barracos e as
águas poluídas escorrendo já não mais conhecerá o lugar. Os moradores dos
201
barracos derrubados foram abrigados em casas de madeira, construídos pela
Prefeitura, ali nas proximidades. As 150 casas a serem construídas
receberão favelados de vários lugares, entre os quais os do Pito Aceso,
cortiço que também será erradicado e em seguida saneado. Os tubos para os
escoamentos, aliás, já se encontram no local (FL, 01/06/1971: 15).
No ano de 1971, a administração Dalton Paranaguá implantou vários projetos de
extinção de favelas, que chamavam de “desfavelamento”. Eram construídas casas populares
em locais distantes e as famílias “faveladas” eram transferidas para estas novas moradias. As
principais favelas desocupadas naquele ano foram: a Vila Fraternidade e a Vila do Pito Aceso.
As fases deste processo encontram-se na imagem da página anterior:
O intuito da prefeitura era que o “Grilo da Caixa” fosse também “desfavelado”, tanto
que um dos conjuntos habitacionais construídos na época ficava justamente no antigo terreno
da Caixa Econômica Federal. Entretanto, muitos dos moradores rejeitaram esta proposta,
preferindo permanecer em seus barracos. Além disso, o terreno foi sendo ocupado por outras
famílias, que construíam casebres e moradias improvisadas, ampliando a ocupação a ponto de
que esta viesse se tornar a maior favela de Londrina na década de 1970.
É importante salientar que este movimento ocorrido em Londrina não seguiu uma
tendência que se expressava em nível nacional:
Depois de 1964, com a repressão que se bateu junto a todas as formas de
organização popular, e com perda da capacidade, por parte do Estado, de
acionar esquemas de legitimação através de barganhas – já que agora o
avanço das formas produtivas monopolistas exigia que os recursos públicos
ficassem quase que exclusivamente à mercê de sua reprodução ampliada –
houve um significativo descenso desses movimentos. Na década de 70,
particularmente depois de 1974, quando o chamado ‘milagre econômico’
vai chegando ao fim e as contradições urbanas se avolumam face à política
econômica centralizada e adversa à reprodução ampliada da força de
trabalho, começam a surgir, com certa intensidade, ao lado do
ressurgimento do movimento operário e de outras formas de manifestação
da sociedade civil, os movimentos urbanos. A incapacidade do Estado em
agir de forma populista, conjugada com a emergência de lideranças
comprometidas com um trabalho de emergência das lideranças
comprometidas com um trabalho de base e críticas em relação à política
clientelística, populista e personalista – tão própria do período 45 a 64 –
foram fatores que concorreram para uma nova configuração dos MSUs,
(Movimentos Sociais Urbanos) caracterizando-se agora como elementos de
pressão ao Estado e colocando-se a condição de autonomia e independência
em relação ele (DOIMO, 1984: 29).
O caso dos “favelados” de Londrina entre 1966 e 1969 tratou-se de um fenômeno
importante, uma vez que em plena ascensão da linha dura da ditadura militar, com o
ostracismo do sindicalismo e dos movimentos estudantis, surgiu um movimento
202
reivindicatório que representava uma voz popular ativa e insatisfeita com a possível
expropriação de seus lares, que negociou efetivamente com as autoridades no sentido de ter
suas reivindicações atendidas. Este mesmo movimento representou uma transformação na
postura do poder público municipal em relação às classes populares, especialmente no que diz
respeito à questão da moradia popular e da pobreza.
Para finalizar, é interessante ressaltar que durante quase dez anos a administração municipal
da cidade tentou desocupar o “Grilo da Caixa”, até que em 1978, sob a administração Antonio
Belinati, a prefeitura optou por uma nova alternativa, através da urbanização da área,
implantando redes de água, luz elétrica, calçamento, e subsidiando reformas e pinturas. O
poder público investiu na transformação paisagística da favela, entretanto permanecem no
local as marcas da urbanização improvisada, as ruas estreitas, os casebres e barracos, enfim, o
“Grilo da Caixa”, que teve o nome modificado para Jardim Nossa Senhora da Paz, permanece
vivo na memória dos habitantes da localidade e dos mais antigos da cidade, que
acompanharam esta luta. E a resistência dos moradores à desocupação da área pode ser
entendida como um grande símbolo das transformações pelas quais a cidade passava em
finais da década de 1960, e de como houve uma transição na postura das classes populares
quanto à aceitação das imposições do poder público, mesmo em uma época de autoritarismo
político, como foram aqueles anos.
203
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa investigou as transformações no espaço urbano de Londrina por duas
vias principais: analisando as determinações dos textos legislativos e sua aplicabilidade em
contextos históricos específicos, e observando o lugar das classes populares na cidade e na
sociedade londrinense no decorrer de duas décadas. Tais caminhos foram percorridos no
sentido de atingir o objetivo principal do trabalho: entender as mudanças na relação entre a
legislação urbanística e as classes populares no espaço-tempo analisado.
O capítulo inicial tratou de resgatar e rearticular determinados processos que haviam
sido, até então, tratados de maneira fragmentar pela historiografia precedente. O que se
buscou foi articular três fenômenos político-sociais dentro de um mesmo conjunto
interpretativo: a preocupação com a reestruturação do espaço urbano de Londrina com vistas a
readequação do mesmo a uma realidade social e demográfica emergente; os processos de
reelaboração da discursividade no campo político que faziam parte de um projeto de ascensão
e consolidação de uma hegemonia perseguida por uma classe que se optou por chamar de
“burguesia cafeeira”; e, a formulação do olhar do grupo dirigente sobre as classes populares e
seus espaços no seio da sociedade, entendendo como esse enquadramento se articulava com
os outros campos da pesquisa: o discurso hegemônico e a intervenção sobre o espaço urbano.
Com relação à questão urbanística que surge com força em Londrina a partir de
meados da década de 1940, o que ocorreu foi uma opção pela intervenção legislativa na
estrutura da cidade a partir de pressupostos filosóficos e técnicos que se orientavam pelo ideal
de uma modernização conservadora e excludente, através da qual o sentimento de
superioridade das classes mais abastadas era claramente evidenciado. Nesse processo, o
enfrentamento do poder público não se deu contra qualquer tipo de contestação à segmentação
social que a legislação buscava consolidar, mas diante dos protestos de determinados
segmentos econômicos que tinham muito interesse na manutenção do status quo, ou seja, o
que os legisladores enfrentaram foi a resistência de alguns setores do mercado imobiliário que
haviam se acostumado a auferir lucros com o repartimento do solo urbano sem qualquer tipo
de regulamentação e, muito menos, fiscalização por parte das autoridades.
Já no campo da direção política e moral da sociedade, o que se viu foi a gradual
consolidação de um discurso hegemônico, que criava imagens e ideais sobre a cidade e os
reproduzia como síntese de uma nova civilização edificada no setentrião paranaense. Foi na
década de 1950 que esta situação tomou proporções efetivamente amplificadas, a ponto de se
204
enraizar nos discursos sobre a cidade e se tornar ponto de passagem obrigatório a todas as
referências científicas e literárias subseqüentes. Ou seja, “Capital Mundial do Café”, “a saga
dos Pioneiros”, entre outros, foram constructos ideológicos apropriados pela “burguesia
cafeeirapara instaurar padrões moralistas e excludentes de valoração social, consolidando
seu projeto de hegemonia.
Constatou-se que uma modernização urbanística conservadora e um discurso
hegemônico moralista e excludente estiveram profundamente interligados dentro do projeto
de dominação da classe no poder. Esta relação intrínseca era também responsável por
formatar as representações e as ações da elite em relação às classes populares: marginalização
dos desviados, assistência aos necessitados, exclusão dos não conformados, moralização dos
não adequados, perseguição aos subversivos, segregação espacial e desqualificação de
qualquer discurso contrário a tais padrões. Nesse sentido, foi possível observar os lugares das
classes populares a partir das definições de uma elite que tudo fazia para impossibilitar o
acesso do “populacho” a algum tipo de tomada de decisões, ainda que esta situação tenha sido
gradualmente suprimida por uma pressão inevitável, pois o povo não se tratava de uma massa
homogênea e inerte como a burguesia insistia em retratá-lo.
O segundo capítulo traz o povo em sua essência, ou seja, neste trecho do trabalho a
preocupação foi de observar quem era, onde e como viviam e, principalmente, como puderam
as classes populares se estabelecer como uma força capaz de pressionar as elites a reverem
sua postura. Neste caso, foram observadas as classes populares como uma massa populacional
heterogênea e ativa, mesmo que em muitos casos sua atividade não tenha sido nem
organizada nem dirigida ao propósito específico e consciente de contestação à hegemonia
burguesa.
O resultado desta pesquisa foi a compreensão de que, mesmo não agindo sempre de
forma estruturada e difusa, as classes populares puderam se posicionar como mecanismos de
pressão sobre o poder público, o que acabou por se formular como uma confrontação não
estruturada ao discurso hegemônico. Agindo de forma instintiva e auto-regulatória, as classes
populares se instalaram na periferia de Londrina, construíram espaços de convivência e
sociabilidade e, assim, impuseram ao espaço urbano suas próprias lógicas, que contrastavam
com o discurso de homogeneidade social pretendido pela classe dirigente.
O terceiro capítulo fez uma leitura dos fenômenos resultantes entre o processo de
consolidação da hegemonia burguesa, analisado no primeiro capítulo, e a expansão das
classes populares de forma avessa ao discurso hegemônico, no segundo capítulo. Desta
205
relação, pôde-se observar como a partir de meados da década de 1950, os grupos populares se
organizaram no sentido de lutar por melhores condições de vida e trabalho. Observou-se
como os espaços públicos de debate e reivindicação foram galgados a partir da atuação de
agentes políticos de esquerda e líderes estudantis movimentando os trabalhadores na luta por
seus direitos.
As lutas que tiveram maior repercussão foram: a formação dos sindicatos de
trabalhadores rurais em toda a região e seu confronto com a elite cafeeira conservadora e
autoritária; as lutas contra o alto custo de vida e pela regulação dos preços pelos próprios
consumidores, especialmente na questão dos preços dos produtos alimentícios; e os embates
pela autonomia diretiva buscada pelo Sindicato dos Ensacadores e Carregadores de Café entre
1962 e 1963. Estes três movimentos foram importantes no sentido de estimularem outros
embates e possibilitarem a consolidação de laços de cooperação e solidariedade entre as
camadas populares na sua luta por um maior espaço de atuação e reivindicação de sua
cidadania.
Com o agravamento das questões sociais, especialmente com a abertura de canais de
manifestação popular a partir do governo João Goulart, as elites nacionais, e também as
locais, se viram na iminência de terem sua dominação fortemente abalada e entrarem numa
crise de hegemonia. Foi deste quadro de insegurança das elites quanto à manutenção de seu
poder, que surgiu o Golpe Militar de 31 de março de 1964. Este golpe instaurou um regime
fortemente autoritário e centralizador, perseguindo os opositores, tachando os líderes
populares de subversivos, reprimindo fortemente a atuação dos movimentos sociais e podando
toda e qualquer forma de atuação popular.
No plano local, esta reviravolta se fez sentir quando os políticos da UDN e do PSD,
que antes se opunham nas eleições municipais e regionais, se agruparam em torno da sigla da
ARENA, um partido instituído pelo Regime Militar para congregar os políticos que se
curvavam à força do governo golpista e viam vantagens na sua manutenção. Em Londrina, os
padrões de classificação das classes populares e a forma de atuação sobre a questão
urbanística, já estavam em constante transformação devido ao surgimento dos movimentos
sociais nos anos precedentes e, mesmo com esta unificação política das elites em torno de
uma sigla nascida para ser hegemônica, já não era possível ao grupo dirigente manter as
massas ocultas do jogo político, como nos tempos áureos da hegemonia burguesa no início da
década anterior.
O Regime Militar proibiu, através do AI-3 de 05/02/1966, a realização de eleições
206
para os governos estaduais e para as prefeituras das capitais. Este quadro fez com que diversas
forças políticas, que se opunham ao regime, preferissem tomar os rumos do interior e disputar
eleições municipais. No caso de Londrina, o MDB, partido de oposição consentida aos
militares, nasceu da liderança de forças populares do antigo PDC, congregou novas gerações
de políticos que renovaram o cenário local, e conseguiu vencer as eleições municipais de 1968
através do ex-secretário de saúde do governo estadual, Dalton Paranaguá, que havia rompido
com o governador.
Desta forma, em Londrina a resposta ao regime militar foi dada nas urnas. Os políticos
tradicionais ligados à cafeicultura derrocaram seriamente, foi rompida a estreita vinculação
entre a administração municipal e os interesses dos grandes produtores rurais. Surgia uma
nova realidade no cenário político, que representava uma significativa queda da antiga
hegemonia da “burguesia cafeeira”. Uma afirmação difícil, pois o fato dos projetos de
erradicação do café na região terem nascido no início da década de 1960, e se consolidado em
meados da mesma década, poderia dar argumentos a quem considerasse que a burguesia
mantinha sua hegemonia, com a simples sugestão de que o café é que deixava se ser seu
símbolo unificador. Por certo, o poder da elite londrinense não se esfacelou com a simples
substituição da produção cafeeira por outros produtos agrícolas ou pelo investimento em
indústrias. Entretanto, neste caso, o que ocorreu foi a manutenção do poder econômico de
uma classe que nunca deixou de ser poderosa.
O que mudou efetivamente não se tratou apenas de diversificação econômica, mas de
uma série de fatores superestruturais no seio da sociedade, foi que setores que reivindicavam a
voz popular, diante de uma elite que considerava o povo como um ser acéfalo que deveria ser
dirigido e classificado, conseguiram mobilizar eleitoralmente a população, e colocar no poder,
agentes que significaram uma real renovação no quadro na política local.
Esta renovação política veio acompanhada pela construção, por parte de setores
populares, de uma re-significação dos seus direitos quanto à moradia e uma vida digna. Neste
caso, é interessante observar como os processos de solução da questão habitacional, que eram
uma nova pauta criada pelo poder público em nível nacional, acabaram por gerar um efeito
não esperado. Os próprios trabalhadores constituíram sua interpretação do chamado direito à
moradia, que era uma conquista recente na história desta classe, e passaram a interpelar o
poder público exigindo a defesa daquilo que consideravam justo.
Desta forma, o caso do “Grilo da Caixa” em Londrina, entre 1966 e 1969, foi exemplo
de uma situação peculiar, em que os grupos populares, cientes de seu espaço enquanto
207
cidadãos ativos lutaram pela desapropriação de um terreno que haviam ocupado para
satisfazer sua necessidade imediata: ter um teto sob o qual repousar. Entretanto, se o intuito
inicial do processo de ocupação foi o de satisfazer demandas emergenciais, a de luta pelo
direito a este espaço possibilitou que os trabalhadores construíssem um novo sentimento de
pertencimento e re-significassem seu papel enquanto cidadãos portadores de direitos.
No campo da direção política, o que a luta dos moradores do “Grilo da Caixa” e a
ampla votação do MDB nas eleições municipais, minando as bases de sustentação dos
políticos tradicionais proporcionaram, foi uma reordenação do cenário político na cidade de
Londrina. Não é o caso de dizer que a burguesia local passou por uma séria crise de
hegemonia, mas que foi obrigada a repensar o lugar das classes populares na sociedade e
reorientar suas ações e discursos no sentido de rearticular seu projeto de direção.
Foi assim que a “Capital Mundial do Café” deixou de ser um símbolo vivamente
defendido pela elite local, para se tornar um símbolo de um passado áureo que não retornará.
Nesse sentido, o próprio discurso remetido a um tempo glorioso, uma “Era de Ouro”,
consagra a visão de que a participação popular na vida da cidade denigre sua imagem, uma
vez que o tempo do café passou a ser olhado com saudosismo por aqueles que, de alguma
forma, gostariam de reviver o tempo em que aos grupos populares não era permitida uma
atuação política efetiva.
A constante reafirmação deste discurso saudosista quanto à existência de uma “Era de
Ouro” da cafeicultura, relegada a um passado maravilhoso, acaba por confundir a própria
memória daqueles que viveram submetidos à exclusão que o grupo dirigente lhes
proporcionava na referida época. Assim, tal discurso apresenta uma visão histórica parcial,
construindo uma memória idealizada que oculta a voz dos excluídos, e acaba sendo tratada
como elemento inerente à própria existência da cidade, identificando-a e recriando esta
própria história, de uma forma que quem ontem sofria com a exclusão, hoje se alegra em
relembrar os tempos de glória que presenciou, mas da qual não participou.
A principal contribuição legada por esta pesquisa, foi mostrar que os grupos populares
estiveram presentes na história londrinense, que em determinados casos puderam agir de
maneira autônoma e inovadora, não se prostrando diante das medidas impostas pelas
autoridades, que, apesar de não contempladas pela memória oficial, pela memória das elites,
as classes populares participaram de momentos importantes da história da cidade e foram
fundamentais para a construção e estruturação de Londrina, tal qual é vista hoje.
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1986. (Cadernos de educação política. Série Sociedade e Estado; 16).
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