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AROS
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MIGOS E SEU MODO DE NARRAR HISTÓRIAS
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ANEIRO
N
OVEMBRO DE
2009
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L
UCIANA
A
LMEIDA DAS
C
HAGAS
A
REVISTA
C
AROS
A
MIGOS E SEU MODO DE NARRAR HISTÓRIAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre.
Área de concentração: Comunicação e Mediação.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
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____________________________________________
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– UFF
____________________________________________
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ANEIRO
N
OVEMBRO DE
2009
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3
Para Denilson Botelho, meu grande amor,
sem seu apoio, eu não teria chegado até aqui.
4
A
GRADECIMENTOS
Durante a minha trajetória no Programa de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade Federal Fluminense vivi muitos desafios, muitas surpresas e muitas
dúvidas. Nenhum deles pairava exatamente sobre a minha pesquisa, mas foram
inúmeros problemas pessoais, que me fizeram refletir sobre a minha capacidade de
enfrentá-los e ainda ter forças para continuar a minha pesquisa. Mas sobrevivi e aqui
estou!
Ao redigir esses agradecimentos, sinto-me vitoriosa. As lágrimas escorrem pelo
meu rosto, pois não foi fácil chegar até aqui. Mas tudo que vivi durante esse período,
transformou-se em aprendizado, assim como tudo que precisei estudar para escrever
essa dissertação.
Desta forma, quero agradecer inicialmente, ao meu marido Denilson Botelho,
pelo seu apoio incondicional e pelas inúmeras trocas, impressões e comentários sobre a
minha pesquisa, que muitas vezes foram motivos de longas conversas entre nós. Seu
inestimável apoio familiar também preencheu as diversas lacunas deixadas por mim no
cotidiano da nossa família. Também agradeço a sua compreensão, a sua amizade e o seu
amor durante toda a nossa vida, especialmente nesses últimos meses.
Às minhas filhas, Maria Eduarda e Milena, pela compreensão e ternura sempre
manifestadas apesar das minhas ausências; e pela excitação e orgulho com que sempre
reagiram as minhas vitórias. Espero que meu entusiasmo, a minha seriedade e o meu
empenho neste trabalho, sirvam de estímulo para fazerem sempre mais e melhor.
Obrigada por tudo, minhas filhas amadas!
À Fernando Resende, orientador atento e cuidadoso, que foi também responsável
por essa conquista, pois nos encontramos pouco tempo. Em nove meses de
convivência, conseguimos trocar, conversar e parir esse trabalho. Sem seu auxílio seria
impossível percorrer os caminhos rigorosos da academia. Fernando, registro aqui o meu
muito obrigada pelos ensinamentos e pela compreensão durante nossa breve trajetória.
No Programa de Pós-graduação da UFF, agradeço as professoras Marialva
Barbosa e Ana Enne, pelos ensinamentos em sala de aula e pelos “toques” extra-classe.
Aos coordenadores, João Luiz, Afonso Albuquerque e Simone Pereira de Sá, pela
presteza nos atendimentos. E a Silvinha, secretária do programa, sempre prestativa e
carinhosa com as minhas solicitações.
À Ronaldo Helal, professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação da
UERJ, que também contribuiu imensamente com a minha trajetória acadêmica.
5
Aos amigos que fiz nessa trajetória, especialmente Hadija e Lia Bahia.
Aos meus amigos da vida, agradeço mais uma vez pela nossa amizade: Juliana
Pate, Cris Monteiro, Flávia Vinhaes, Virgínia Lencastre, Jader Carvalho, Valter
Bernardo e Sérgio Brandão.
À Ronize Aline, Jorge Moutinho e Carmen Pereira, que além de amigos, foram
grandes incentivadores desde a elaboração do projeto até a seleção para o mestrado.
À Marildo Marcolini e Afonso Albuquerque pelas críticas e sugestões durante o
meu exame de qualificação.
À Isabel Travancas e novamente a Afonso Albuquerque por aceitarem o convite
para integrar a banca de defesa final deste trabalho.
À Equipe da Caros Amigos pelas entrevistas e pelas informações prestadas.
À Socorro e Stela Rangel pela compreensão na etapa final.
Aos meus sogros Ângela e Adilson e a minha cunhada Dayse pelo carinho.
À Carol, minha querida enteada, pela sua alegria. Acho que Carolina foi quem
menos percebeu as minhas dores dessa jornada, mas seria injusto não citar seu nome,
pois ela faz parte da minha vida.
À Neide, minha mãe, pelo seu amor incondicional e pela sua torcida. Mãe, tudo
que sou hoje, devo a você, seja pelas faltas cometidas, seja pela presença e por tudo que
me ensinou.
Por último, agradeço aos Espíritos de Luz de Argemiro Francisco das Chagas,
meu pai, e de Tomaz Nunes de Almeida, meu avô materno, por toda a energia que
emanaram dos céus sobre mim.
6
"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não
altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A
gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...”
Clarice Lispector
7
R
ESUMO
O campo jornalístico cria normas que legitimam um único fazer jornalístico: o
jornalismo hegemônico feito pela grande mídia. A partir da análise das narrativas
utilizadas nas reportagens da revista Caros Amigos, essa dissertação evidencia que o
modo de fazer jornalismo da revista não segue, necessariamente, O autorizado pelo
campo jornalístico, causando assim o seu transbordamento. Nesta pesquisa é também
contemplada a história da revista Caros Amigos, ressaltando especialmente o seu modo
de produção, o perfil dos seus jornalistas e a estrutura narrativa das suas reportagens. O
presente trabalho compreende que o fazer jornalístico da revista Caros Amigos pode,
também, contribuir com a reflexão e a revisão do jornalismo praticado em nossa
sociedade atualmente.
P
ALAVRAS
-
CHAVES
: campo jornalístico, jornalismo de revista, Caros Amigos,
reportagem e narrativa
8
A
BSTRACT
The journalistic field creates norms that legitimate a unique mode of making
journalism: the hegemonic journalism made by the mass media. Based on an analysis
of narratives used in reports published in the Caros Amigos magazine, this dissertation
makes it evident that a magazine's mode of making journalism does not necessarily
follow what is authorized by the journalistic field, and thus it may cause an overflow.
This research encompasses the history of the Caros Amigos magazine and it specially
points out its mode of production, its journalists’ profiles and its narrative structure of
reports. In this work it is understood that the mode of making journalism in the Caros
Amigos magazine may also contribute to the reflection and the review of journalism as
practiced in our society today.
K
EYWORDS
: journalistic field, magazine journalism, Caros Amigos, reports and
narratives.
9
S
UMÁRIO
I
NTRODUÇÃO
____________________________________________________________ 10
C
APÍTULO
1: C
AROS
A
MIGOS
:
O TRANSBORDAMENTO DO CAMPO JORNALÍSTICO
1.1 J
ORNALISMO E
H
ISTÓRIA
:
CONSTRUINDO VERSÕES DA REALIDADE
______________
16
1.2 S
IGNOS
,
SINTOMAS E INDÍCIOS
_ ______ _____________
17
1.3 O
JORNALISMO E SUAS HISTÓRIAS DO MUNDO
:
AS NOTÍCIAS
_____________ 19
1.4 C
AMPO JORNALÍSTICO
:
LIMITES E TRANSBORDAMENTOS
__ _______ 23
1.5 O
JORNALISMO E A
I
NDÚSTRIA
C
ULTURAL
__________
27
1.6 F
ÁBRICA DE SONHOS
?
_____________________ 28
1.7 P
ENSAR JORNALIMO
,
FAZER JORNALISMOS
______________ 33
C
APÍTULO
2: O
JORNALISMO E SUAS HISTÓRIAS
2.1 C
ONTANDO HISTÓRIAS
:
SER JORNALISTA
,
SER ESCRITOR
______________________36
2.2 R
EVISTA
:
O EXERCÍCIO DA AUTORIA
______________________________________ 40
2.3
R
EVISTA
:
QUE VEÍCULO É ESSE
? _________________________________________ 45
2.4
C
AROS
A
MIGOS
,
TRANSBORDAMENTOS À VISTA
! ___________________________ 48
2.4.1 R
EALIDADE
:
HERANÇA OU INSPIRAÇÃO
?
______________________________ 50
C
APÍTULO
3:
REPORTAGEM
:
PARA ALÉM DO JORNALISMO DIÁRIO
3.1. F
ATOS E NARRATIVAS
:
A CONSTRUÇÃO DE UMA REPORTAGEM
________________ 67
3.2. N
EW
J
OURNALISM
:
NOVOS ESTILOS DE NARRAR
____________________________ 68
3.3. N
ARRATIVA JORNALÍSTICA
:
CAUSOS E FORMAS
___________________________ 70
3.4. A
NÁLISE
__________________________________________________________ 75
3.4.1. R
EPÓRTER
-
PERSONAGEM
:
UMA NARRATIVA DIFERENCIADA
_____________ 77
3.4.2. A
NOTÍCIA E SEUS POSSÍVEIS RECORTES
_____________________________ 85
3.4.3. E
M PAUTA
:
O JORNALISMO
_______________________________________ 93
C
ONCLUSÃO
___________________________________________________________ 99
R
EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
___________________________________________ 104
A
NEXOS
_______________________________________________________________112
1. Entrevista Sérgio de Souza
2. Reportagem Realidade
3. Reportagens Caros Amigos
10
I
NTRODUÇÃO
Essa pesquisa discute a natureza da narrativa jornalística nas reportagens da
revista Caros Amigos. A análise tem como ponto de partida a definição do que é
jornalismo a partir do conceito de campo jornalístico de Pierre Bourdieu
1
. O autor
define campo jornalístico como o lugar de uma lógica específica, constituída por
princípios de legitimação: o do reconhecimento dos jornalistas pelos pares e o da
sociedade. Bourdieu analisa os mecanismos próprios ao campo e o que chama de
“efeitos da intrusão”. Esses efeitos são as influências que os outros campos exercem
sobre o fazer jornalístico, gerando inclusive perda de autonomia do jornalismo. O fazer
jornalístico na revista Caros Amigos é um exemplo de transbordamento
2
, pois apresenta
ao leitor um outro jornalismo, com informações sobre a atualidade, tal qual é feito pelo
jornalismo tradicional. É na construção das narrativas jornalísticas que a Caros... , em
certo sentido, se diferencia das outras revistas.
O jornalismo é uma atividade profissional que tem como processo a apuração, a
produção e a transmissão de informações. O jornalismo abarca em seu campo os
assuntos mais variados e é pautado pelos acontecimentos a partir das demandas da
atualidade. Sua matéria-prima é a notícia, definida classicamente para responder às
questões do lide, como define Nilson Lage.
3
O conceito de notícia apontado pelo autor
tem como pressuposto as normas do campo jornalístico, o que consideramos limitado
para o desenvolvimento desse trabalho. Desta forma, recorremos a uma segunda
definição: para Motta o trabalho da notícia é um “processo cognitivo de construção de
sentidos, especialmente nos seus aspectos simbólicos”
4
. Motta vida à notícia,
contempla, no seu significado, o seu produtor.
Ao analisar essas diferentes definições, verifica-se que o jornalismo tradicional
utiliza-se cotidianamente da concepção de notícia atribuída por Lage. Portanto,
dificilmente encontramos notícias diferentes em matérias jornalísticas que consistem em
cobrir o mesmo fato. Eis aqui um terreno que deve se tornar objeto da nossa reflexão.
Bourdieu criou a expressão "circulação circular da informação", que traduz o que
acontece atualmente na grande mídia: "todos os veículos copiam-se mutuamente e
1
Cf. BOURDIEU, Pierre. Sobre Televisão. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed, 1997.
2
O termo transbordamento foi utilizado para identificar quaisquer formas de fazer jornalístico que não sejam
consideradas pelo conceito de campo jornalístico de Pierre Bourdieu.
3
LAGE, Nilson. A Reportagem: Teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro / RJ. Record,
2002.
4
MOTTA, Luiz Gonzaga. O trabalho simbólico da notícia. XII Reunião Anual da Compós. Recife/ Pernambuco,
2002.
11
costumam cobrir os fatos porque o concorrente noticiou" (BOURDIEU, 1997:51).
Existe uma outra realidade que é a preocupação com a notícia do concorrente e não
exatamente com a qualidade da informação que determinado veículo transmite à
sociedade.
O fazer jornalístico, especialmente o legitimado pelo campo, ocupa lugar
primordial em nossa sociedade. Desta forma, este trabalho pretende contribuir também
com as pesquisas em jornalismo que têm como objetivo a reflexão sobre os distintos
modos do fazer jornalístico. A nossa percepção central é de que é possível pensar o
jornalismo e ter na prática vários modos de fazer jornalismo. lacunas entre um e
outro, e, por esta razão, é preciso reunir esses fazeres e repensar o que de fato é
possível, viável e favorável ao jornalismo. Para isso é necessário escolher uma
metodologia de pesquisa que possibilite a junção e a análise da práxis do jornalismo.
Claudia Lago e Márcia Benetti indicam que
a metodologia cola-se aos paradigmas que orientam a pesquisa,
havendo uma necessidade de adequação concreta, e não apenas
protocolar, entre teoria, problematização, objeto e método. O
pesquisador, em sua permanente vigilância epistemológica, precisa
ter, ao mesmo tempo, uma profunda percepção sobre a singularidade
de seu objeto e um indiscutível compromisso com a legitimidade dos
resultados de sua pesquisa. Nesse difícil arranjo, é preciso ter
sensibilidade para encontrar o método mais adequado àquela
investigação em particular, respeitando os critérios que a ciência
estabelece para validar o trabalho acadêmico
5
.
Para analisar as narrativas das reportagens da Caros Amigos levamos em
consideração o fato de que a revista é uma mídia impressa alternativa - no sentido de ser
uma outra possibilidade de leitura diante das revistas de notícias editadas pela grande
mídia e independente pois, não se sustenta a partir de receitas advindas da
publicidade. Desta forma, o fazer jornalístico desse veículo não se prende às normas
legitimadas pelo campo jornalístico e utilizadas pela grande mídia, pois não recebe
tantas interferências dos outros campos com os quais o jornalismo dialoga. A pesquisa
empírica tem como ponto chave a narrativa diferenciada utilizada pela revista. Nossa
análise leva em conta o fato de que a narratologia busca entender como os atores
sociais, nesse caso, os jornalistas, produzem significados através da compreensão e
expressão da narrativa.
5
LAGO, C e BENETTI, M. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis / Rio de Janeiro. Vozes, 2007 p. 17
12
As matérias analisadas são vistas como reportagens. A reportagem é um
desdobramento da notícia e para sua elaboração é necessário um conjunto de
elementos jornalísticos. Dentre eles: cobertura, apuração, pesquisa, entrevista,
seleção de dados e o desenvolvimento psíquico e físico do repórter. Sendo
assim, reportagem não é notícia grande. É uma grande notícia porque sem um
fato importante não se tem reportagem de interesse para o leitor. Pesquisar,
checar dados, consultar fontes, recorrer a especialistas, quando necessário, e
observar muito são ações necessárias na elaboração de uma reportagem.
Assim, no primeiro capítulo, apresentamos um panorama histórico do fazer
jornalístico, privilegiando o conceito de campo jornalístico (BOURDIEU, 1997) e seus
transbordamentos. Para tal é utilizado os conceitos de autoridade e autoria jornalística.
A autoridade jornalística está presente num processo comunicacional que tem, como
sujeitos principais, o jornalista e a sociedade. O primeiro recebe a autorização do
segundo para conferir-lhes informações através dos veículos de comunicação.
Utilizamos Zelizer (1992) para pensar os jornalistas como porta-vozes legitimados, e
Medina (2003), que entende a gramática jornalística como aspecto que valoriza a
autoridade do profissional do jornalismo. Assim, o público deposita confiança num
texto que será elaborado a partir de normas conhecidas. Tais normas trazem crédito
para a narrativa estabelecida pelo campo jornalístico, levando em consideração a clareza
e a uniformidade da notícia. Estes elementos constroem o sistema de crenças, que
reafirma o fazer determinado pelo campo jornalístico e a superioridade desta profissão e
deste profissional.
A autoria jornalística permite que o jornalista seja também um autor, assim
como os cronistas, articulistas e escritores. Nesta prática, o repórter não segue as normas
estabelecidas pelo campo jornalístico. O profissional tem liberdade para escolher a
narrativa que será utilizada em suas reportagens, podendo inclusive inserir-se no texto.
Aqui, o profissional pode agrupar em sua narrativa elementos distintos, a fim de criar
um texto informativo, coerente e que ofereça uma leitura agradável ao público.
Independente do jornalista recorrer às técnicas que legitimam a autoridade
jornalística ou utilizar-se das narrativas que reiteram a idéia de autoria, questionamos o
fato da presença da objetividade no texto jornalístico. Sugerimos que se entenda a
reportagem como uma narrativa polifônica e dialógica (Cf. BAKHTIN, 1997), e que
seus autores, os jornalistas, vivem diferentes experiências pessoais e evidentemente vão
ter compreensões diferentes dos fatos por eles narrados. As múltiplas técnicas existentes
13
não vão impedir que as vivências pessoais dos jornalistas estejam presentes - direta ou
indiretamente - em sua narrativa. A partir do momento em que o repórter escolhe um
recorte para sua reportagem, algumas de suas sensações estão interferindo na
construção daquele texto.
No segundo capítulo é feita uma retrospectiva do processo de transformações
pelo qual passou o jornalismo no final do século XIX e no século XX, evidenciando o
conflito que existiu entre os escritores e os jornalistas daquela época. Em seguida,
traçamos um perfil do jornalismo de revista, apontando especialmente as peculiaridades
do seu modo de fazer jornalismo. Também é feito um breve histórico de algumas
revistas semanais e/ou que causaram o transbordamento do campo jornalístico - a fim
de, posteriormente, situarmos a história da revista Caros Amigos, assim como as
influências que recebeu da revista Realidade. Sérgio de Souza, criador da Caros..., foi
um dos jornalistas que na década de 60 ajudou a construir a Realidade, o que se justifica
na sua trajetória, para o uso de uma narrativa diferenciada na Caros Amigos.
No terceiro e último capítulo situamos os conceitos de reportagem e narrativa, e
resgatamos o movimento do New Journalism. Posteriormente é feita a análise das
narrativas da revista Caros Amigos. As reportagens foram selecionadas por amostragem
e divididas em três categorias, de modo que contemplassem tanto a forma como o
conteúdo das matérias. São elas: registro dos gestos na perspectiva do repórter, onde os
jornalistas vivenciam o fato junto com as personagens; o outro lado da notícia, em que
são contempladas matérias que têm o recorte inverso ao da grande mídia; e natureza do
jornalismo, onde analisamos reportagens que têm como objeto o próprio jornalismo. No
que diz respeito à forma, em todas as categorias, verificamos a construção dos cenários
e personagens, a expectativa do discurso e as estratégias discursivas.
Além desse, outros trabalhos acadêmicos têm a revista Caros Amigos como
objeto de análise. Francisco Bicudo Pereira Filho
6
desenvolveu o primeiro trabalho
sobre a revista. O autor analisou a revista como representante da imprensa alternativa e
independente. Bicudo narrou a história os dois primeiros anos - da Caros Amigos e
dos jornalistas fundadores. Também revelou o fazer jornalístico desse impresso,
ressaltando as entrevistas.
Rosselene Giorndani
7
elegeu dez entrevistas e analisou os pressupostos teóricos
e os movimentos argumentativos utilizados. Já, Carla Nascimento
8
fez uma conexão
6
A dissertação do autor foi publicada. Cf. PEREIRA Filho, Francisco Bicudo. Caros Amigos e o Resgate da
Imprensa Alternativa no Brasil. São Paulo / SP. Annablume, 2004.
7
GIORDANI, Rosselene. Persuasão e subjetividade na entrevista jornalística. Dissertação apresentada aos
Departamento de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Campus Cascavel). Paraná, 2007.
14
entre a mídia e a literatura. A autora compara a proposta editorial da revista no
período de agosto de 2001 e abril de 2002 - com os textos publicados em suas páginas.
Ela concluiu que no período e nas entrevistas analisadas existe oscilação entre a
intenção e a narrativa publicada.
Outras pesquisas também utilizaram a Caros Amigos como objeto, embora de
forma indireta. Claudia Luz
9
elaborou uma dissertação sobre as tensas relações entre as
manifestações culturais periféricas e a mídia. O corpus do trabalho de Luz foram
entrevistas de integrantes de grupos de Hip Hop publicadas nas revistas Caros... e Carta
Capital. Outros dois trabalhos utilizam a revista como objeto secundário evidenciando o
discurso do Movimento dos Sem Terra. Núbia Santos
10
revelou - a partir da análise da
entrevista de João Pedro Stédile - a convergência dos discursos de Caros e o MST. E
concluiu que a revista reafirma a diferença que existe entre o jornalismo praticado pela
Caros Amigos e por outros veículos, ao dar espaço a discursos que são conflitantes com
a grande imprensa. Já, Lucília Romão
11
coletou dados publicados em três jornais e duas
revistas, uma delas a Caros Amigos. Iniciou então um minucioso exame do discurso do
MST representado naquelas matérias e o discurso real daquele movimento. Maria do
Carmo de Paulo
12
trabalhou com reportagens - das revistas Caros Amigos e a
Catolicismo - sobre o Fórum Social Mundial. Pesquisou comparativamente os
enunciados contidos nas matérias em questão e verificou também a presença de
discursos conflitantes nas publicações.
Trabalhos nas áreas de Antropologia, História e Letras também trouxeram a
Caros...como objeto. Érica Nascimento
13
e Marcos Zibordi
14
versam sobre a literatura
marginal nas páginas da revista. Wellington Figueiredo
15
, Hélio Silva
16
, Talita
8
NASCIMENTO, Carla Ferreira. A força fictícia na narratologia de Caros Amigos. Dissertação apresentada ao
Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2004.
9
LUZ, Claudia Neves da Luz. Comunicação e cultura: relações (tensas) entre manifestações culturais periféricas e
mídias: o caso Hip Hop. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Estudos da Linguagem da
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Mato Grosso, 2006.
10
SANTOS, Núbia Silva. As relações de poder no discurso midiático de Caros Amigos sobre o MST. Dissertação de
mestrado apresentada ao Departamento de Lingüística da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. São Paulo,
2004.
11
ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso do conflito materializado no MST: a ferida aberta na nação. Tese de
doutorado apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (Campus Ribeirão Preto – USP.
São Paulo, 2002.
12
PAULO, Maria do Carmo Ivo de Medeiros de. Duas leituras do Fórum Social Mundial: Caros Amigos e
Catolicismo. Dissertação apresentada ao Departamento de Lingüística da Universidade Estadual de Campinas. São
Paulo, 2004.
13
NASCIMENTO, Érica Peçanha do. Literatura marginal: os escritores entram em cena. Dissertação apresentada ao
Departamento de Ciência Social (Antropologia Social) da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2006.
14
ZIBORDI, Marcos Antonio. Jornalismo Alternativo e literatura marginal em Caros Amigos. Dissertação
apresentada ao Curso de Pós-graduação em Letras, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de
Lingüística, Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004.
15
FIGUEIREDO, Wellington dos Santos. A cobertura do terror e o terror da cobertura: produção de sentidos em
revistas – atentados de 11 de setembro de 2001. Dissertação apresentada ao Departamento de Comunicação da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Campus Bauru). São Paulo, 2007.
15
Gondim
17
e Paulo Vilaça
18
fazem análises comparativas entre reportagens específicas da
Caros Amigos e de outras revistas.
Artigos sobre a revista Caros Amigos também foram fontes de informação para a
construção desse trabalho, assim como entrevistas com jornalistas que fazem e
fizeram parte da história dessa revista. Também serviram de fonte as palestras
assistidas durante o primeiro Anticurso de Jornalismo da Caros Amigos. A intenção era
conhecer de perto o objeto dessa pesquisa. O anticurso aconteceu em setembro e
outubro de 2007 na redação da revista. Durante os quatro sábados em que aconteceram
as palestras, foi possível conversar com os jornalistas, o que enriqueceu o olhar sobre
esta publicação.
Além da bibliografia, esta pesquisa diferentemente das outras, fixa o olhar no
tratamento narrativo das reportagens da revista, colaborando assim com a discussão do
fazer jornalístico da nossa sociedade a partir do transbordamento causado pelo modo de
fazer jornalismo da revista Caros Amigos. Desta forma, espera-se, essa dissertação nos
ajuda a compreender de que forma a narrativa jornalística utilizada na Caros... pode
ampliar o nosso olhar sobre outros modos de fazer jornalismo, além de situar o lugar
ocupado pela revista Caros Amigos em meio ao cenário do jornalismo de revista.
16
SILVA, Hélio César Oliveira da. A construção do marketing na era da comunicação: o papel das tecnologias
comunicacionais/discursivas. Dissertação apresentada ao Departamento de Comunicação e Semiótica da Pontifica
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. São Paulo, 2003.
17
GONDIM, Talita Maria Ribeiro. As ocorrências aspectuais nas perífrases com gerúndio. Dissertação apresentada
ao Departamento de Lingüística e Língua Portuguesa da Universitade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
(Campus Araraquara). São Paulo, 2005.
18
VILAÇA, Paulo Ignácio Corrêa. Imprensa e luta pela terra no Pontal do Parapanema: do direito de resistência ao
fato jornalístico. Dissertação apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal Fluminense – UFF.
Rio de Janeiro, 2007.
16
C
APÍTULO
1: C
AROS
A
MIGOS
:
O TRANSBORDAMENTO DO CAMPO JORNALÍSTICO
“O poder torna-se espaço de lutas a partir dos múltiplos enfrentamentos do sujeito no mundo
por busca de posições nos campos”.
19
1.1 J
ORNALISMO E
H
ISTÓRIA
:
CONSTRUINDO VERSÕES DA REALIDADE
Na introdução do livro Visões da liberdade
20
, Sidney Chalhoub nos apresenta o
romance Zadig ou do destino, de Voltaire. Nesse romance a personagem Zadig, um
estudioso das propriedades dos animais e das plantas, descreve com precisão uma
cadela e um cavalo sem nunca tê-los vistos. A descrição é feita a partir de pegadas na
areia e outros rastros deixados pelos animais no bosque. O relato de Zadig é tão preciso,
que ele é acusado de ter roubado os tais animais. A partir de pesquisas e métodos
empíricos a personagem aprende a descrever os fatos mesmo sem vê-los. Os
historiadores contam os fatos sem presenciá-los, assim como os jornalistas também os
fazem algumas vezes. Os historiadores podem recorrer a documentos para elaborar seus
estudos. os jornalistas podem não recorrer a documentos, mas também ir até o
local, observar, e ainda realizar entrevistas, isto se deve ao fato de o jornalista ter como
cenário para seu trabalho o presente. Mas sabe-se que isto nem sempre é possível. Ao
escrever sobre as possibilidades de elaboração de uma notícia por um jornalista,
levamos em consideração uma situação ideal, mas sabe-se que os acontecimentos
jornalísticos estão cada vez mais distantes de seu interlocutor. Atualmente a internet é
uma grande aliada na apuração e na comunicação dos fatos jornalísticos, mas, sabemos
todos, deve ser utilizada com cautela. Independente do lugar a partir do qual a
informação tenha sido retirada, a apuração é sempre imprescindível. Todo o conteúdo
disponível na internet, seja imagem ou texto, foi editado por alguém. Desta forma, o
jornalista não deveria usar as informações da rede como utiliza os dados colhidos a
partir de suas próprias observações . Entre a internet e as vias públicas existe uma
grande distância no que diz respeito à realidade. E é a partir da realidade que a
construção da notícia é feita.
19
BARBOSA, Marialva. Percursos do olhar: comunicação, narrativa e memória. Niterói, Rio de Janeiro: EDUFF,
2007. p. 28
20
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo:
Cia da Letras, 1990.
17
Zadig reúne indícios e produz um testemunho, mas não um testemunho real e
sim uma representação, mas para jornalistas, rastros não bastam para construção de uma
narrativa. É pouco provável que Zadig conseguisse descrever a cor da penugem ou o
peso corpóreo dos animais ou mesmo uma característica marcante como um sinal.
Também não poderia descrever sensações como cansaço ou dor, por exemplo. Por essa
razão a observação no local do acontecimento feita pelo jornalista contribui de
forma imensurável para a construção da narrativa jornalística.
Partindo desse romance, Chalhoub constrói uma metodologia para o processo
histórico que será analisado nesse livro.
21
O autor defende que é essencial recuperar a
indeterminação e a imprevisibilidade dos acontecimentos para a compreensão do
sentido das personagens. No que diz respeito à busca de informações, apuração e
checagem de dados, historiadores e jornalistas podem caminhar na mesma direção.
Chalhoub também cita, na introdução de seu livro, o autor Carlo Ginzburg
22
, que
pretende discutir a natureza do conhecimento em história e como esta adquire o estatuto
de “verdade”. Como história e jornalismo estão no mesmo campo de atividade, pode-se
trabalhar em paralelo: a história reconstruindo o passado e o jornalismo na reconstrução
do presente.
Joelle Rouchou, por exemplo, observa com minúcia a relação peculiar entre a
história oral e uma das ferramentas incondicionais do trabalho do jornalista, a entrevista.
Segundo a autora,
se o jornalista se conscientizasse de que a entrevista que fez, redigiu e
publicou transforma-se numa fonte da História, de que pesquisadores
baseados em seu texto, produzirão outros textos, ele não teria
preocupações pelo menos metodológicas quanto à utilização da
entrevista.
23
O jornalismo, tal qual a história, não trabalha com fatos, mas também com
documentos e com os sujeitos que vivenciaram tais acontecimentos. São essas
percepções que nos permitem acompanhar os processos de construção de identidade,
seja de um determinado fato, de uma sociedade, pessoa ou história. A partir das fontes,
a história e o jornalismo constroem versões de determinados fatos e acontecimentos.
21
O assunto do livro não nos interessa nesse trabalho, utilizamos apenas a metodologia de Chalhoub como referência
para o trabalho.
22
Carlo Ginzburg é historiador e antropólogo italiano, conhecido como um dos pioneiros no estudo da microhistória.
Tornou-se mundialmente conhecido com a obra O queijo e os vermes: cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido
pela Inquisição, que abordava a vida de um camponês numa cidade do interior da Itália.
23
ROUCHOU, Joelle. Noites de Verão com cheiro de Jasmim. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2008.
18
1.2 S
IGNOS
,
SINTOMAS E INDÍCIOS
Ginzburg
24
apresenta três pensadores que contribuíram para a formulação de um
paradigma do conhecimento ou um modelo epistemológico das ciências sociais –, que
surgiu no final do século XIX. O primeiro é Giovanni Morelli, médico e crítico de arte,
que desenvolveu um método para identificar um quadro original de uma cópia.
Os museus, dizia Morelli, estão cheios de quadros atribuídos de
maneira incorreta, mas devolver cada quadro ao seu verdadeiro autor é
difícil: muitíssimas vezes encontramo-nos frente a obras não
assinadas, talvez repintadas ou em mau estado de conservação. Nessas
condições, é indispensável poder distinguir os originais das cópias.
Para tanto, porém, é preciso não se basear, como normalmente se faz,
em características mais vistosas, portanto mais facilmente imitáveis,
dos quadros [...] Pelo contrário, é necessário examinar os pormenores
mais negligenciáveis, e menos influenciados. (GINZBURG, 1989, p.
144)
O segundo é Sigmund Freud, médico e fundador da psicanálise, que defende a
teoria de que a “verdade” aparece de forma indireta, quase despercebida, na fala do
analisado. O pai da psicanálise teria recebido influência de Morelli, especialmente ao
escrever o ensaio Moisés de Michelangelo (GINZBURG, 1989:147). Freud acolheu o
método morelliano, e percebeu que “os nossos pequenos gestos inconscientes revelam o
nosso caráter mais do que qualquer atitude formal, cuidadosamente preparada por
nós”.
25
A psicanálise médica tem por hábito “penetrar em coisas concretas e ocultas
através de elementos pouco notados ou desapercebidos, dos detritos ou ‘refugos’ da
nossa observação”. (GINZBURG, 1989: 147)
E finalmente Arthur Conan Doyle, médico e criador do personagem Sherlock
Holmes, que desvenda a “verdade” dos crimes através das pistas que os criminosos
deixam e são em geral desprezadas. Doyle é o “avô” dos seriados norte-americanos de
elevada audiência como CSI, Law and Order entre outros. Desta forma, Ginzburg
afirma que:
o conhecedor da arte é comparável ao detetive que descobre o autor do
crime baseado em indícios imperceptíveis para a maioria. Os
exemplos da perspicácia de Holmes ao interpretar pegadas na lama,
24
GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário” In: GINZBURG. Mitos, emblemas, sinais:
morfologia e história. São Paulo: Cia das Letras, 1989. pp 143-179
25
WIND apud GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário” In: GINZBURG. Mitos, emblemas,
sinais: morfologia e história. São Paulo: Cia das Letras, 1989. pp 143-179 p. 146
19
cinzas de cigarro etc são, como se sabe, incontáveis. (GINZBURG,
1989: 145)
Sendo assim, conclui-se que é possível captar uma realidade mais profunda a
partir de signos pictóricos, sintomas e indícios. Para Ginzburg o paradigma indiciário é
uma contribuição das ciências humanas. Chalhoub reconheceu a importância desse
modelo epistemológico para a história. Esse tipo de procedimento pode contribuir
também para a prática do trabalho do jornalista, tendo em vista que quanto mais
detalhes, mais rica poderá ser a narrativa jornalística. Ou seja, o jornalismo teria assim
muito a ganhar apropriando-se do método indiciário.
1.3 O
JORNALISMO E SUAS HISTÓRIAS DO MUNDO
:
AS NOTÍCIAS
Assim como para a história, compete ao jornalismo o trabalho de relacionar o
fato real com o discurso. Para análise desse paradigma indiciário na produção da
notícia, é necessário reconhecer a importância de uma postura epistemológica na
pesquisa do jornalismo (Benetti e Lago, 2007). Marialva Barbosa enfatiza essa
afirmação ao declarar que:
o jornalismo como a história contam histórias [...] A história é uma
história. Também o jornalismo é uma história, já que, se valendo de
um sentido de tempo presente, conta histórias em relação a este nosso
aqui e agora. Contar uma história significa estar no mundo. É dessa
forma que se organiza a informação a respeito do mundo em que o
evento ocorreu, podendo-se, a partir dessa organização, informar de
modo coerente sobre o que, como e por que o evento ocorreu daquela
forma. Se o jornalismo faz exatamente esse exercício, no
desvendamento de sua ação interpretativa, o pesquisador deve
recuperar na sua análise a questão da narratividade. (BARBOSA,
2007:155)
Barbosa define narrativa jornalística como “o mundo contado” (BARBOSA,
2007). E de fato poderíamos assim explicar os relatos jornalísticos, pois as notícias
desorganizam e reconfiguram o cenário, também recuperam ausências, são
transformadoras e em muitos momentos são relatos de resistência: espaços parciais
reveladores de diferentes vozes.
26
Novas leituras do mundo partem do jornalismo. Mas
26
RESENDE, Fernando. “Espaços parciais, espaços de resistência: relatos e conflito no cenário contemporâneo” in
MARGATO, Izabel e GOMES, Fernando Cordeiro. Espécies de espaço: territorialidades, literatura, mídia. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2008.
20
para isso é necessário não elaborar textos que se pretendem absolutos e verdadeiros. A
intenção da notícia é de informar e deveria também colaborar para a reflexão, análise e
participação do leitor nos discursos que a ele pertence. Esse é o papel do jornalismo.
Para Michael Johnson, os jornalistas são os “artistas da não-ficção”
27
É comum a esse profissional ouvir relatos, além de observar o cenário do
acontecimento. Desta forma, o repórter constrói a notícia, baseado em relatos que serão
somados às suas anotações e à sua compreensão daquele determinado fato. Para Ricardo
Kotscho, existem diferentes formas de fazer uma reportagem, pois vai depender da
cabeça e do coração daquele que escreve.
28
Essa é a origem da notícia, que é apenas a
representação de um evento, a partir dos indícios encontrados. O texto jornalístico é
uma versão plausível de um determinado evento, é elaborado a partir dos vestígios do
tempo e da capacidade do profissional de construir a sua narrativa. Motta (2002:2), ao
analisar essa “verdade jornalística, afirma que “aquilo que os homens crêem ser a
sólida realidade dos fatos sempre foi uma realidade construída que lhes foi repassada
por alguma outra fonte de informação”.
Contudo, notícia continua sendo, como na definição de um dicionário de
comunicação, "relato de fatos ou acontecimentos atuais, de interesse e importância para
a comunidade e capaz de ser compreendido pelo público”
29
. E dentro desta definição,
cabem as notícias sobre ciência, tecnologia, medicina, porque são sobre o novo, o fora
do comum, o que está promovendo a transformação desse mundo e que, de passagem,
ainda não mudou significativamente as sociedades. Se levarmos em consideração o
senso comum do que é notícia, temos inicialmente uma questão a ser desenvolvida: a
relação entre notícia e verdade. Existem casos em que a notícia se sobrepõe ao
acontecimento. Quando isso ocorre, o trabalho do jornalista extrapola e perde a sua
função. Nelson Traquina afirma que a função do jornalismo é “ser um guardião dos
cidadãos, protegendo-os do abuso de poder, e ser simultaneamente um veículo de
informação para equipar os cidadãos com ferramentas vitais ao exercício dos seus
direitos”. (TRAQUINA, 2005: 190)
O jornalismo é aprendido como uma atividade profissional que tem como
objetivo a apuração, a produção, o processamento e a transmissão da notícia via
veículos de comunicação. É por si uma atividade complexa que envolve debates
polêmicos. O jornalismo é dividido e classificado em sub-áreas, dentre elas: o
27
JOHNSON, Michael apud RESENDE, Fernando. Textuações: ficção e fato no novo jornalismo de Tom Wolfe. São
Paulo, Anablume / FAPESP, 2002. p. 20
28
KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 1986. p. 8
29
RABAÇA, Carlos Alberto e BARBOSA, Gustavo. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 1995. p. 418.
21
jornalismo científico, esportivo, político, cultural, investigativo entre outras. Mas como
exercer o jornalismo prescindindo da investigação? Se entendermos, por exemplo, a
palavra investigação como sinônimo de apuração, percebemos que na prática do
jornalismo é fundamental investigar / apurar.
Para Glasser
30
, no entanto, foram os excessos do jornalismo investigativo,
juntamente com as experiências do New Journalism, que criaram um caos que abalava a
autoridade jornalística. Então, ocorreu a tecnificação do jornalismo, modelo que nega ao
leitor ferramentas para uma eventual compreensão da notícia. Segundo Alzira Alves de
Abreu
31
, seguindo essa mesma linha de raciocínio, a difusão da informática e os
avanços na área das telecomunicações fizeram com que novas possibilidades de
impressão e de registro audiovisual ocorressem em escala mundial, afetando a coleta da
informação, a produção da notícia e sua distribuição.
Os jornalistas foram obrigados a produzir textos mais curtos, a
escolher títulos sintéticos, a se preocupar com o uso da imagem.
Proliferaram as colunas de notas curtas, que têm um número elevado
de leitores. Passou-se a utilizar com maior intensidade recursos
gráficos como tabelas, quadros e mapas. Na transmissão da notícia, foi
adotado um padrão de texto impessoal, seco, descritivo, rigoroso, no
sentido de não expressar juízo de valor. Os comentários pessoais
foram reservados aos artigos e as colunas assinadas. (ABREU,
2002:30)
É este o processo de instauração do modelo hegemônico de jornalismo, que se
perpetua até os dias de hoje, e é defendida pelas grandes empresas jornalísticas.
A notícia é por si complexa. Desde a escolha até a recepção, passando pelo
processo de construção, que é a etapa que mais sofre com as interferências. Esse
processo se inicia “numa escolha e seleção sistemática de acontecimentos e tópicos de
acordo com um conjunto de categorias socialmente construídas” (HALL, 1999:224). O
jornalismo vivencia cotidianamente a escolha dos fatos que serão realçados e dos que
não serão divulgados. Para tal análise, pode-se atribuir o conceito de “valor-notícia”:
é a atividade de transformar um acontecimento numa matéria acabada.
Isto tem a ver com a maneira como um item é codificado pelos media
numa forma de linguagem particular. [...] como cada jornal tem um
enquadramento organizacional específico, um sentido noticioso e os
leitores, assim também cada um desenvolverá um modo de discurso
regular e característico. Isto significa que o mesmo tópico, fontes e
30
GLASSER, Theodore. O jornalismo investigativo e a ordem moral. In: Critical perspectives on media and society.
New York & London: The Guilford Press, 1991. p. 203-225.
31
ABREU, Alzira Alves de. A Modernização da Imprensa. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002.
22
estruturas inferenciais aparecerão diferentemente mesmo em jornais
com uma perspectiva semelhante, uma vez que as diferentes retóricas
de discurso terão um efeito importante em modificar o item original.
(HALL, 1999:232)
Em meio às diferentes formas do fazer jornalístico apresentadas pelos veículos
de comunicação à sociedade, existem também distintas maneiras de narrar os fatos.
Alfredo Vizeu
32
utiliza o conceito de campo jornalístico tomando por base a construção
da notícia como representação social da realidade. A versão apresentada possibilitaria o
acesso da sociedade ao “mundo dos fatos” a partir das normas de noticiabilidade
33
definidas pelas mídias, além dos critérios de escolha para veicular uma notícia em prol
de outra. Para Hall
34
,
os valores-notícias fornecem critérios nas práticas do jornalismo que
permitem aos jornalistas, editores e agentes noticiosos decidir
rotineira e regularmente sobre quais as “estórias” que são noticiáveis e
quais não são “estórias que merecem destaque e quais as que são
relativamente insignificantes, quais as que são para publicar e quais as
que são para eliminar.
Os valores-notícias são quase sempre estabelecidos em parceria pelo campo
jornalístico e pelos outros campos. Eles são definidos a partir das interferências ou não-
interferências, sendo assim a notícia pode perder o seu valor. Os veículos de
comunicação não expõem os critérios da sua escolha para a sociedade. O que leva a
imprensa a veicular determinado acontecimento – ou versão?
Com Hall, entendemos que a notícia é um processo de construção social e os
veículos de comunicação buscam a aceitação do discurso e da narrativa por eles
utilizada.Os diversos estilos existentes fizeram com que as grandes mídias redigissem
manuais para o repórter, determinando palavras que podem ou não ser escritas ou ditas.
Essas normas impostas por alguns veículos de comunicação aos jornalistas foram
classificadas por Cremilda Medina
35
como parte de uma “gramática jornalística”.
As empresas jornalísticas pretendem tornar o trabalho do jornalista mais
mecânico. Ali Kamel, um dos detentores do modelo hegemônico de jornalismo, afirma
que “os jornalistas são treinados para discernir que fatos têm relevância e narrá-los e
32
VIZEU, Alfredo. O newsmagink e o trabalho de campo. In: LAGO, Claudia & BENETTI, Marcia. Metodologia de
pesquisa em jornalismo. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007. p. 223-236
33
A noticiabilidade é a probabilidade que um fato tem de tornar-se notícia, a partir do conjunto de elementos
controlados e produzidos pelas as empresas jornalísticas
34
HALL, Stuart et al. A produção social das notícias: O muggin nos media. In: TRAQUINA, Nelson. (Org).
Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega, 1999. p. 224-262 p. 225
35
MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presentenarrativa e cotidiano. São Paulo: Summus, 2003.
23
analisá-los de maneira lógica e isenta
36
. Como deve ocorrer esse treinamento? Os
jornalistas se libertam de suas vivências e experiências para exercer a profissão?
Foi a partir do ‘pensamento único” que corrobora com a lógica mercadológica
que o modo de fazer jornalístico legitimado pelo campo tornou-se hegemônico.
Gramsci
37
cria o conceito de hegemonia a partir da compreensão de que a sociedade é
um todo orgânico e unitário, que se explica a partir da base econômica, mas estende-se
também à ação política. Para Gramsci, a hegemonia de uma classe significa sua
capacidade de subordinar-se intelectualmente às demais classes, através da persuasão e
da educação, sendo esta entendida em seu sentido amplo.
No jornalismo, “os valores-notícias operam no sentido de possibilitar uma certa
organização no caos circundante, tornando assim possível a rotinização do trabalho”.
(VIZEU, 2007) Assim, é a partir dessa contextualização que o jornalista-produtor lida
com o inesperado e com a produção de matérias em quantidade. Este aspecto
empreendedor de fazer jornalismo utiliza-se dos manuais das redações a fim de
enquadrar-se no modelo hegemônico.
1.4 C
AMPO JORNALÍSTICO
:
LIMITES E TRANSBORDAMENTOS
A concepção de campo jornalístico é limitada. O que a extrapola não é
considerado pelo modelo hegemônico. Bourdieu define campo jornalístico como o lugar
de uma lógica específica, constituída por princípios de legitimação: o do
reconhecimento dos jornalistas pelos pares e o da sociedade. O autor analisa os
mecanismos próprios ao campo e o que chama de “efeitos da intrusão”. Esses efeitos
são as influências que os outros campos exercem sobre o fazer jornalístico, gerando
inclusive perda de autonomia do jornalismo.
O campo jornalístico é um espaço social estruturado, onde existe lugar de
negociação no qual são notadas relações de desigualdade, mas é também um lugar de
lutas para transformar ou conservar esse campo de forças. Assim como os outros,
apresenta preceitos éticos, como a tradução da estrutura do campo através de uma
pessoa que ocupa certa posição nesse espaço. (BOURDIEU, 1997:57)
36
KAMEL, Ali. “O jornalismo” In. O Globo. Rio de Janeiro. 23/01/2007.
37
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1997
24
O fazer jornalístico, especialmente o que é dado como legítimo pelo campo,
ocupa lugar primordial em nossa sociedade. Mas existem iniciativas independentes que
provocam o transbordamento do campo jornalístico. A revista Caros Amigos é um
exemplo, pois não segue as normas físicas e simbólicas estabelecidas pelo modelo
padrão, por apresentar ao leitor um outro jornalismo, com informações sobre a
atualidade, tal qual é feito pelo jornalismo tradicional.
Foi a partir de um fazer jornalístico que transborda os limites do legitimado que
a revista criou o anticurso de jornalismo da Caros Amigos, que teve como objetivo
apresentar a visão da revista sobre o jornalismo o fazer e o pensar. Mylton Severiano,
um dos palestrantes, afirma que a Caros Amigos é a retomada, a continuação de tudo
que nós sempre fizemos: jornalismo. Imprensa magra, pobre, com o que podemos fazer.
Não por acaso tem pouco anúncio”.
38
Ao relatar durante o anticurso o motivo de sua
coluna na revista intitular-se “Enfermaria”, entendemos a lógica do anticurso. Severiano
declara que “se jornalismo é isso que a mídia gorda vem fazendo, então não sou
jornalista, mas enfermo; ou, ao contrário, eu sou jornalista, e eles, enfermos”.
A primeira edição do anticurso de jornalismo da Caros Amigos aconteceu em
setembro de 2007 e foi ministrado pelos jornalistas da revista na redação da Caros... em
São Paulo. Todas as vagas disponibilizadas foram preenchidas. A maioria dos alunos
era paulista, mas também estiveram presentes cariocas, goianos, mineiros e alguns
poucos representantes das regiões sul e nordeste do Brasil. Os temas abordados foram a
exigência do diploma, a grande mídia, o mito da imparcialidade, o ouvir os dois lados, o
manual da redação, o repórter telefônico, a supressão de criatividade e as fontes.O
anticurso teve carga horária de 16 horas, divididas em encontros semanais de quatro
horas cada. Os jornalistas abordavam nas palestras suas opiniões sobre os diversos
assuntos, isto porque a revista considera que a postura de cada jornalista que lá trabalha
é responsável pelo resultado do produto: Caros Amigos. A partir da intenção do
anticurso e do perfil da revista, acreditamos que o mesmo teve como método a
pedagogia do transbordamento, pois explicitou aos alunos todo o conteúdo sobre o fazer
jornalístico da Caros Amigos, o que difere do jornalismo feito pelas grandes mídias.
As grandes corporações jornalísticas agem, muitas vezes, de acordo com
interesses próprios. Segundo Bourdieu, o campo jornalístico, que representa as
empresas, detém o monopólio dos instrumentos de difusão, a representação da
expectativa da maioria (construída por demagogia comercial dos que têm os meios de se
38
Aqui Milton Severiano se refere ao grupo de jornalistas que atuaram com ele na revista Realidade e em outros
veículos alternativos. Todos os depoimentos, de jornalistas da Caros Amigos, foram retirados das palestras do
Anticurso de Jornalismo realizado pela revista.
25
interpor entre os produtores culturais e a grande massa dos consumidores) e o
monopólio da “opinião pública”. Desta forma, o campo jornalístico exerce efeitos sobre
os outros campos, assim como os outros campos exercem sobre o jornalismo. É uma
troca simultânea e constante (BOURDIEU, 1997). É nesse campo de batalha, queremos
ressaltar, que as narrativas jornalísticas são construídas.
Martín-Barbero utiliza a expressão campo de batalha
39
para designar essa
relação dúbia que o jornalismo mantém com a sociedade.
A la vez que objetos de políticas, la comunicación y la cultura
constituyen hoy un campo primordial de batalla: el estratégico
escenario que le exige a la política recuperar su dimensión simbólica –
su capacidad de representar el vínculo entre los ciudadanos, el
sentimiento de pertenencia a una comunidad para enfrentar la
erosión del orden colectivo. (BARBERO, 2001: 70)
A comunicação mantém em seu campo elementos interferentes, além da
sociedade que atua como receptora. Neste cenário, a comunicação autoriza a política a
evidenciar sua presença e assim representa o vínculo perante aos cidadãos. Essa
interação entre campo e subcampo cria um pensamento dominante que não favorece a
sociedade. Rossana Reguillo
40
considera violento o discurso utilizado pela mídia
neoliberal. E utiliza o termo violências disciplinantes para definir o conteúdo da mídia.
Mas a autora ainda tem esperança.
El debate em torno a la ciudadanía es hoy día uno de los más
vigorosos, tanto en los foros sociopolíticos como académicos, y ello se
explica en parte, por la necessidad de re-nombrar um conjunto de
procesos de incorporación y reconocimiento social que no se agotan
en la pertenencia a un territorio, en el derecho al voto y a la seguridad
social, sino que de manera creciente se articulan a la revindicación de
la diferencia cultural como palanca para impulsar la igualdad. Se
debate ya una cuarta dimensión de la ciudadanía ‘la cultural’,
dimensión que se ha hecho visible en las luchas políticas de minorías
y exlcuidos de los circuitos dominantes, en donde el reconocimiento a
la pertenencia a una comunidad específica, con los derechos y
obligaciones que de ello se derivan, son la demanda central a la que se
integran las otras dimensiones, sin anularlas ni contradecirlas.
(REGUILLO, 2001: 73-74)
39
BARBERO, Jesús Martín. “De las políticas decomunicación a la reimaginación de la política”, Nueva Sociedad,
Caracas, nº 175, setembro-outubro de 2001.
40
REGUILLO, Rossana. “Cuatro ensayos de comunicación y cultura para pensar lo contemporáneo”. Oficios
Terrestres, nº9-10, Universidad Nacional de La Plata, Argentina, 2001.
26
É possível enxergar as críticas de Martín-Barbero e Reguillo nas teorias de
Bourdieu. Para este autor, esse fazer jornalístico compreende notícias, notícias
sensacionalistas, objetividade, a busca pelo furo, a preocupação com o número de
vendas ou audiência e a vigilância do trabalho alheio - que consiste na busca de uma
cobertura quase idêntica entre os veículos de comunicação. O campo jornalístico está
sujeito a veredictos, tendo em vista que vários e distintos campos - econômico, político,
jurídico, religioso, científico, artístico entre outros - colaboram com o seu fazer. Sendo
assim, o jornalista fica sujeito a aceitar interferências, pois depende da contribuição
desses outros campos, isto é, utilizam entrevistas ou depoimentos de especialistas para
corroborar suas próprias afirmações. Desse modo, o fazer jornalístico reconhecido pelo
campo torna-se um cotidiano campo de batalhas, pois a prática da profissão recebe
inúmeras interferências tanto no modo de produção quanto na construção narrativa
O jornalismo carece de depoimentos e muita apuração para produzir a notícia.
Para Motta, a notícia é uma construção social, mas ela não existe enquanto
acontecimento externo à percepção dos homens, isto é, do jornalista. Quando o repórter
percebe o fato como notícia, ele parte para a compreensão deste acontecimento. Desta
forma,
a notícia não é uma ocorrência que acontece no mundo “lá fora” e que
se impõe enquanto acontecimento. Na verdade não existem
acontecimentos, percepções das ocorrências do mundo físico ou
social [...] A notícia é um significado criado a partir da percepção de
uma anormalidade relativa, assumindo-se que toda anormalidade é
anormal em relação a algum tipo de ordem, quase sempre a ordem que
aceitamos e vivemos. (MOTTA, 2002: 4)
Portanto, a notícia não é um texto objetivo que revela a verdade, como é
estabelecido pelo senso comum. É apenas uma versão do fato acontecido, imbuída de
subjetividades daquele que a construiu.
Contudo, é a partir do pensamento dominante que o jornalismo unifica seus
leitores / espectadores. É nos bastidores da notícia que se define o público-alvo que será
alcançado por uma ou outra publicação.
27
1.5. O
JORNALISMO E A
I
NDÚSTRIA
C
ULTURAL
Sylvia Moretzsohn afirma que o processo de construção e transição do
jornalismo em produto de uma indústria deu-se
ao longo do século XIX, viria a profissionalizar essa prática e a
submetê-la, embora nunca sem conflitos, às demandas do mercado.
Nas últimas cadas do século XX, o chamado processo de
globalização, favorecido pelo desenvolvimento exponencial das novas
tecnologias de informação, conduziria à constituição dos grandes
conglomerados de comunicação, nos quais o jornalismo é apenas mais
um dos múltiplos ramos de um negócio que envolve entretenimento,
propaganda, telefonia e tantos quantos forem os campos que se
convencionou chamar de mídia.
41
Antes da década de 50 a imprensa dependia do governo e de pequenos anúncios
publicados até então nos classificados. Entretanto, com o desenvolvimento industrial,
aumenta a força da propaganda. E assim a publicidade começa a conquistar espaços na
imprensa e como conseqüência as mídias passam a depender da publicidade para manter
o padrão alcançado.
Desde meados do século XVIII, quando se deu a Revolução Industrial na
Inglaterra, até hoje, ainda surgem conglomerados industriais. Depois da Era da
Eletricidade, no final do século XIX, e da Era da Eletrônica, a partir da terceira década
do século XX, a produção dos meios de comunicação se automatiza cada vez mais
rapidamente, fabricando não produtos, mas também consumidores. A sociedade de
consumo e a economia de mercado estão em permanente sintonia, criando condições
para um consumo cimentado sempre mediado pelos veículos de comunicação. Os
muitos produtos oferecidos pela indústria para a sociedade, composta por distintas
classes sociais, não são tão diferentes assim.
Onde as pressões coletivas são muito fortes, em especial as
pressões da concorrência, cada um dos produtores é levado a escolher
aquilo que ele não faria se outros não existissem; ele faz para chegar
antes dos outros. (BOURDIEU, 1997: 51)
Bourdieu aborda questões importantes para aqueles que estudam a imprensa, os
profissionais da comunicação e o meio em que atuam. Sua análise abandona a
41
MORETZSOHN, Sylvia. Pensando contra os fatos: jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso critico. Rio
de Janeiro: Revan, 2007. p. 117
28
explicação de que uma determinada ideologia dos dirigentes dos meios de comunicação
seja a principal responsável pelo que é produzido pela mídia, mostrando as diversas
variáveis que influenciam o campo jornalístico.
Ao abordar os constrangimentos inerentes ao campo jornalístico, impostos aos
jornalistas, Bourdieu discute a pressão que permeia a atividade jornalística. Essa
pressão, do ponto de vista externo, é oriunda do marketing e da política. Internamente,
essa pressão influencia o comportamento dos próprios jornalistas, que buscam atender a
expectativas de um determinado público e das empresas para as quais trabalham. O
resultado disso é a produção de informações e abordagens homogêneas.
1.6 F
ÁBRICA DE SONHOS
?
Podemos dizer que Indústria Cultural significa a transformação da mercadoria
em cultura e da cultura em mercadoria e que ela representa a mercantilização da cultura
de forma vertical e autoritária. A Indústria Cultural nos ajudou a entender que os meios
de comunicação também vendem sensações através das propagandas.
O processo de homogeneização no jornalismo, se pensarmos o advento desse
campo como propõe a concepção de Indústria Cultural, parte do pressuposto de que
tudo que é produzido pelas mídias é elaborado de forma a influenciar, aumentar o
consumo, transformar hábitos, educar, informar, pretendendo-se ainda, em alguns casos,
ser capaz de atingir a sociedade como um todo.
Atualmente se fala da mídia como se tudo que é veiculado / publicado fosse
importante para a sociedade como se a qualidade e o tipo de lazer da população não
pudesse ser também uma escolha individual. Os fatos jornalísticos, aqueles que dizem
respeito a toda sociedade, merecem destaque perante assuntos de outra ordem. Essa
confusão de publicações feitas pelos veículos jornalísticos deixa o público sem saber o
limite entre notícia e entretenimento. Existe uma linha tênue, pois atualmente as
empresas de comunicação são responsáveis não pelo jornalismo, que consiste em
coletar, investigar, analisar e transmitir periodicamente ao público informações da
atualidade, como também propagar todo tipo de entretenimento. Por esse motivo
surgem cada vez mais segmentos em nossos veículos de comunicação, pois agem no
intuito de conquistar as diferentes classes sociais, faixas etárias e tribos.
Neveu analisa a realidade do jornalista da grande mídia -, que às vezes se
confunde com a profissão de vendedor:
29
O jornalista de comunicação age como intermediário, vulgarizador,
conselheiro ou até mesmo como um conhecido que mantém relação de
familiaridade com o seu público, divertindo-o. Aliás, a segmentação
da imprensa faz que ele se comunique mais com um certo tipo de
público definido por um estilo de vida ou de consumo do que com
uma opinião pública. Essa redefinição de papel implica uma
redefinição de competências. O jornalista de comunicação está, antes
de mais nada, atento ao conforto de recepção de seu público-alvo. Ele
trabalha a forma e até mesmo a estética de sua mensagem como se
fossem recursos-chave para conquistar a fidelidade num contexto de
concorrência.
42
Sob essa perspectiva esta pesquisa aponta para o fato de que outros modos de
fazer jornalismo podem colaborar para a redefinição do papel do jornalista no mundo
contemporâneo. A responsabilidade social também é um compromisso do profissional
de comunicação, cabe trazer para o público distintas reflexões sobre outras formas de
olhar a dia. Para isso é necessário que haja uma cobertura mais plural e
contextualizada dos fatos. Na opinião de Verena Glass, também palestrante do
anticurso, “jornalista não é o cara que vai trabalhar no jornal, mas é aquele que vai
contribuir como ator social na sociedade”. Para a jornalista, a análise dos fatos é a
função social da profissão, pois trabalha-se para um público que não é homogêneo.
No nosso entendimento, o modelo hegemônico instituído é contrário a este
princípio. As empresas jornalísticas elaboram para a sociedade um discurso linear que
corrobora a unificação do fazer jornalístico, pois desta forma, fica mais fácil apresentar
uma “verdade”.
Segundo Traquina (2005), o jornalismo está em crise e desta forma, o jornalista
também, pois o exercício do primeiro está diretamente relacionado ao segundo. A crise
atual está inserida no modo de fazer do campo jornalístico que está imediatamente
fixado no mundo globalizado.
O jornalista é responsável pela busca da notícia. É ele quem apresenta os
acontecimentos para a sociedade. A disputa é acirrada entre os meios de comunicação.
As empresas jornalísticas competem pela publicação em primeira mão de determinado
acontecimento, isto é, competem pelo furo de reportagem. E muitas vezes é nessa onda
que esse profissional embarca. Quando isso acontece, decai a preocupação com a
apuração e a notícia torna-se um conceito reduzido, corroborando a perspectiva de uma
padronização. Esse é o cenário atual dessa profissão. É o legado que a globalização
trouxe para o jornalismo. Milton Santos afirmou que “há uma busca de uniformidade,
42
NEVEU, Eric. “O jornalismo entre crise e renascimento” in Comunicação e Espaço Público. Ano V, nº 1 e 2.
Brasília, 2002. p.47
30
ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais
distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao
consumo é estimulado”.
43
Para Renato Pompeu, também palestrante do anticurso,
o jornalismo da grande mídia alcançou grandes progressos técnicos,
inclusive na técnica de redação para tornar o noticiário mais legível e
mais rapidamente compreensível. No entanto, o padrão editorial
também foi tecnificado para dar sempre a visão do ‘pensamento
único’.
E relata que 40 anos depois de atuar na grande imprensa, resolveu deixá-la, pois
só dava para continuar jornalista estando fora do jornalismo. Caros... é
reconhecida como uma revista de esquerda, mas o estou aqui
porque ela é de esquerda e sim porque me permite revelar fatos que,
em outros órgãos de imprensa eu não posso.
Ao ser questionado, por um dos alunos, se gostaria de voltar a atuar na grande
mídia, o jornalista respondeu: “Se eu pudesse voltaria porque meu orçamento ficaria
mais folgado. Para você ter uma idéia, na Veja eu ganhava trinta vezes mais do que na
Caros Amigos. Mas não posso me violentar”.
Assim, cada vez mais a máquina da Indústria Cultural, ao preferir a eficácia dos
seus produtos, determina o consumo dos mesmos e exclui tudo o que é novo, isto é, que
não foi criado por ela e que desta forma configura risco. O domínio que a Indústria
Cultural exerce sobre os indivíduos, aquilo que ela oferece de continuamente novo não é
mais do que a reapresentação, sob formas diferentes, de algo que é sempre igual. Desta
forma, a criação de um outro fazer jornalístico advinda de um grupo que não atende ao
modelo hegemônico, não será aceita. Ela poderá existir em nossa sociedade, mas será
sempre contra-hegemônico.
Nessa ‘Indústria Cultural’, o homem não passa de mero
instrumento de trabalho e de consumo, ou seja, objeto. Com efeito, as
massas a quem ela se dirige, nas vozes do rádio e nas imagens do
cinema e da televisão, não o anteriores a esta indústria elas são o
seu efeito, a sua ideologia. A Indústria Cultural’ produz, num só
tempo, o produto e o seu consumidor. Trata-se, portanto, de um
sistema que faz coincidir a produção de coisas com a produção de
necessidades, um instrumento de domínio e integração social que
43
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único a consciência universal. Rio de Janeiro:
Record, 2000. p. 19
31
configura, segundo Adorno e Horkheimer, uma forma de
despolitização da sociedade.
44
Adorno e Horkheimer acreditavam que a Indústria Cultural desempenha as
mesmas funções que um Estado fascista e que ela promove a alienação do homem.
Existe, porém, outra corrente que defende a idéia de que a Indústria Cultural é um
processo de socialização da cultura. Umberto Eco
45
,trabalha os dois lados dessa
questão: os apocalípticos, que como Adorno e Horkheimer, percebem a mídia de forma
negativa, e os integrados. Para aqueles o interesse na dominação, na influência e na
manipulação da sociedade estaria em primeiro lugar para a mídia com um objetivo
único: o lucro. Já os integrados percebem a mídia de forma mais amena, de acordo com
o olhar dos espectadores. São aqueles que analisam a recepção das informações
prestadas pelos veículos comunicacionais, de forma a perceber alguma contribuição
para a sociedade. Entre esses dois conceitos, Eco elabora um estudo sobre a
comunicação de massa e a cultura na era tecnológica.
Os veículos de comunicação que compõem a grande mídia - as revistas, jornais,
programas de TV e rádio e ainda os sites do mesmo segmento - publicam e veiculam um
conteúdo quase idêntico. Até as palavras são iguais em alguns casos. Mágica ou
coincidência? Lucro ou briga por audiência?
Para José Arbex
46
, jornalista da Caros Amigos, “a crescente semelhança entre as
matérias e reportagens veiculadas pelos jornais diários tem um na aplicação de tudo
aquilo que prevêem os manuais de redação”. Arbex acredita que o texto está tão
submetido às regras, que não interessa quem escreveu a matéria, sendo assim os
jornalistas fazem o papel de cães de guarda dos donos de jornal. Para o jornalista “a
grande imprensa apresenta os fatos como se fosse a verdade objetiva, retratos do
mundo. E o que não está de acordo com a versão deles é ideologia, é antijornalismo, é
militância”. Para ilustrar as verdades da grande imprensa, Arbex diz que eles escolhem
o certo e errado. Durante o anticurso de jornalismo da Caros Amigos acontecia o caos
aéreo e também a votação sobre o plebiscito da VALE, Arbex relatou que
hoje, cada um de nós sabe aproximadamente quantos centímetros tem
de haver entre uma ranhura e outra na pista do aeroporto de
Congonhas para que um avião, pesando 250 toneladas e 70
passageiros, seja capaz de aterrissar em 300 metros, mas nenhum dos
44
HELAL, Ronaldo, FREITAS, Ricardo e PIZZI, Fernanda. “Indústria Cultural” in GOMES, Christiane Luce (org).
Dicionário Crítico do Lazer. Belo Horizonte. Autêntica, 2004. Volume 1, p. 114.
45
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1979.
46
Declaração obtida durante o 1º Anticurso de Jornalismo da Caros Amigos.
32
jornais de grande circulação divulgou que seis milhões de brasileiros
foram às urnas votar pela reestatização da Vale do Rio Doce.
E acrescenta que durante o fechamento da edição de número 126, em setembro
de 2007, chegou na redação um anúncio da VALE. Esta edição antecedia o plebiscito -
que tratava de anular ou não a privatização da empresa. Sendo assim, o próprio
jornalista redigiu um segundo artigo, que defendia a reestatização da Companhia Vale
do Rio Doce para aquela edição. Do contrário, ficaria subentendido para os leitores da
Caros... que a revista era a favor da privatização da empresa.
Navegar entre os malefícios e as novas possibilidades que surgiram
concomitantemente com a Indústria Cultural é necessário para que o jornalista
vislumbre outras formas do fazer jornalístico. Assim como em outras profissões, o
jornalismo pode encontrar mais de uma forma de realizar sua prática. E não
necessidade de julgá-la melhor nem pior. Seria uma constatação de que o jornalismo é
um campo amplo no que diz respeito à sua práxis.
1.7 P
ENSAR JORNALIMO
,
FAZER JORNALISMOS
Zelizer ao analisar as narrativas jornalísticas feitas durante o assassinato de John
F. Kennedy – nos Estados Unidos em 1963 - afirma que:
o jornalismo está cheio de exemplos que deveriam fazer com que as
pessoas questionassem o direito dos repórteres de contar notícias.
Poucas pessoas analisam que fatores tornam os media mais bem
equipados para oferecer uma versão ‘privilegiada’ da realidade. Os
limites dessa autoridade cultural têm conseqüentemente permanecido
inexplorados, principalmente porque poucas pessoas se preocupam em
questioná-los (ZELIZER, 1992).
No que diz respeito à narrativa utilizada é comum usar como critério a economia
de palavras, quando o assunto não pode ser deixado de lado. Esta prática é utilizada a
fim de beneficiar os outros campos pertencentes ao campo jornalístico. Para Michael
Shudson,
33
o poder dos mídia não está (nem principalmente) no seu poder de
declarar as coisas como sendo verdadeiras, mas no seu poder de
fornecer as formas sob as quais as declarações aparecem
47
.
Na perspectiva de um modelo único, as narrativas que fogem aos padrões
impostos pelo que se entende por campo jornalístico não são consideradas jornalismo. O
pensamento hegemônico dentro do campo considera como características centrais do
fazer jornalístico o lide
48
e a objetividade. Outras formas e/ou técnicas são rotuladas,
como se fossem menores perante o que é estabelecido por esse campo. Além da
narrativa, o ineditismo é considerado primordial, matérias que lancem um outro olhar
sobre um tema pautado, também são desconsideradas pelo campo. A função social do
jornalismo também é ignorada, nos preceitos do campo jornalístico valoriza-se o
número de vendas e a audiência.
Ao que parece, os transbordamentos das narrativas jornalísticas acontecem a
partir das insatisfações dos jornalistas com as regras instituídas pelo hegemônico. Seria
a sustentação deste pensamento hegemônico uma forma de manter a autoridade
jornalística? Zelizer (1992) declara que a autoridade age como uma fonte de
conhecimento codificado que orienta as pessoas acerca de padrões adequados de ação. É
na construção da narrativa jornalística que os jornalistas podem se utilizar dessa
autoridade para o exercício da profissão. É a partir dessas pré-construções da realidade
que o jornalista inicia o relato da sua versão sobre determinado assunto, além disso, são
pessoas com livre direito de escolhas e vivências religiosas, políticas, culturais e
sexuais. Assim sendo, o caminho mais sensato para a prática jornalística seria aquele
munido de honestidade e humildade. Seria ético declarar que os veículos de
comunicação veiculam apenas uma versão dos acontecimentos da sociedade, pois a
isenção não pode ser um dos objetivos dessa prática, já que não é inerente ao ser
humano.
Para Medina (2003) o ponto de partida para o reconhecimento de outras práticas
jornalísticas seria a revisão do que é determinado pelo pensamento hegemônico e pela
concepção de uma “gramática jornalística” nas redações. Cláudio Tognolli, palestrante
do anticurso, afirmou que “todo manual de redação diz que você tem de ser fiel com a
sua fonte. Ás vezes, porém, você tem que ser infiel com a fonte em prol daquilo que
você está representando, o seu público”. O jornalista relatou um caso em que divulgou
47
SHUDSON, Michael apud TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo / RS:
Unisinos, 2005. p. 30
48
Abertura de notícia e reportagem onde apresenta sucintamente o assunto respondendo as seguintes perguntas: o
quê, quem, quando, onde, como e por quê.
34
uma informação não permitida por uma fonte. Nesse caso, Tognolli perdeu uma fonte
para futuras matérias, mas declarou que se utilizou do que chama de ética
consequencial, isto é, fazer tudo o que for preciso para que a conseqüência última seja
informar o leitor.
Tognolli, no nosso entender, assume, nesse caso, sua condição de
autor.
Não são muitos os veículos que cedem espaço a esse tipo de procedimento, mas
o jornalista-autor tem encontrado lacunas no transbordamento do campo jornalístico.
Medina e Greco declaram que
um mediador-autor constrói uma narrativa contemporânea que
ultrapassa a função disciplinada nas sociedades industriais e pós-
industriais. Justamente autor, porque a identidade lhe dá o diferencial.
Por sua vez, a marca de autor denuncia a identidade de cultura: aquele
autor poderia surgir daquele grupo humano que se expressa numa
textualidade registrada a literatura - e numa textualidade da rua, do
cotidiano, que atinge a dignidade e a grandeza da oratura
49
.
É possível criar uma narrativa solidária, isto é, apoiada na percepção de mundo
dos receptores. Não basta ao jornalista a competência técnica e científica para elaborar a
notícia. Sacudir as subjetividades determinadas pelo signo social é trazer para o
jornalismo a realidade psíquica e emocional do jornalista-autor. A fusão desses olhares
será verificada na cultura criadora. Segundo Alfredo Bosi, a cultura criadora consiste na
criação de uma pessoa individualmente sem que seja necessário suporte de qualquer
instituição. Desta forma,
a cultura criadora vive precisamente, de modo mais intenso e mais
dramático, a relação intelectual-sociedade, com todas as
conseqüências do desenvolvimento e do desencadeamento próprios do
sistema de classes e do consumismo que marcam a vida de relação em
nosso país.
50
Numa sociedade capitalista, como a nossa, o criador concorre cotidianamente
com os produtos da grande mídia. Assim, explica-se a dificuldade do jornalista-autor em
encontrar espaço para veiculação de seus textos. É necessário considerar que esse
jornalista utiliza os transbordamentos do campo jornalístico para construção de suas
narrativas. Medina afirma que “o jornalista pode inquietar-se e empreender a batalha da
49
MEDINA, Cremilda e GRECO, Milton. Planeta Inquieto: direito ao século XXI. São Paulo: ECA/USP, 1998. p.
195
50
BOSI, Alfredo. “Cultura Brasileira e Culturas Brasileiras” In. BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo:
Cia das Letras, 1992. pp. 337-340
35
autoria dos sentidos renovadores e reestruturadores ou ser guardião dos sentidos
conservadores” (MEDINA e GRECO, 1998, p. 196). Essa dualidade é facilmente
verificada no jornalismo presente em nossa sociedade. O jornalismo que é determinado
pelo pensamento hegemônico reitera uma prática conservadora.
Marcos Zibordi, jornalista da Caros... defende a utilização do texto autoral:
“é muito mais ético porque tem a coragem de expor o seu
posicionamento e provoca um diálogo verdadeiro. A interpretação não
é uma verdade. Nesse mundo Google não mais o que informar, e
sim uma necessidade interpretativa”.
Sabe-se que a função do jornalismo é informar. E a função de contar os fatos
pode ser feita de diversas formas. A autoria jornalística é constituída na narrativa, e
assim, evidencia-se a diferença entre os modos de fazer jornalismo.
36
C
APÍTULO
2: O
JORNALISMO E SUAS HISTÓRIAS
“O jornal oscila entre o que recolhe do real, operando como antena da sensibilidade social, e a
força da palavra impressa de induzir, pela narrativa montada, uma reação determinada. Como
resposta à sociedade na qual se insere, o jornal vende uma mercadoria que é a notícia ,
devendo fazer da banalidade do cotidiano um objeto de interesse”.
51
2.1 C
ONTANDO HISTÓRIAS
:
SER JORNALISTA
,
SER ESCRITOR
No romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, Lima Barreto faz uma
caricatura do meio jornalístico a partir da personagem principal, um contínuo que
trabalha na redação de um grande jornal carioca. O autor discorre sobre os meandros do
jornalismo, e dentre as características presentes na redação e enumeradas pelo autor
estão a sordidez, o preconceito, o despreparo e o medo da denúncia que muitas vezes
levava a troca de favores. Essa permuta prejudicava a qualidade daquele jornalismo
denunciado por Lima Barreto.
Naquela época existia também um paradoxo entre as atividades de escritor e
jornalista, pois ambas misturavam-se por ter a escrita como meio de expressão. As
características do profissional que iria exercer a profissão de jornalista ainda estavam
sendo definidas. Os escritores eram convidados para trabalhar nas redações de jornais e
muitos tornavam-se jornalistas. Alguns homens de letras buscavam encontrar no jornal
o que não encontravam no livro: notoriedade em primeiro lugar e um pouco de
dinheiro”
52
. Outros escritores consideravam que trabalhar com o jornalismo seria uma
rendição dos seus princípios éticos e profissionais.
No início do século XX, a generalização das relações capitalistas com as quais o
jornalismo era incompatível, fez com que mudanças começassem a surgir na imprensa.
Tais alterações foram introduzidas lentamente, mas acentuavam-se nas seguintes
tendências: o declínio do folhetim, que foi substituído pelo colunismo e mais tarde pela
reportagem; a entrevista, que foi substituída pelo artigo político e no predomínio da
informação sobre a doutrinação. O aparecimento de temas, antes tratados como
secundários, como os policiais, esportivos e mundanos ampliavam-se nas páginas dos
jornais.
51
PESAVENTO, Sandra. “Na contramão da vida: de onde a imprensa faz, da história, um folhetim” In LUSTOSA,
Isabel. (org.) Imprensa, história e literatura. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008. p. 368
52
WERNECK, Nelson SodHistória da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 334
37
Naquela época, segundo Marialva Barbosa
53
, os veículos de comunicação
pretendiam possibilitar a migração de “falas” e a integração de múltiplas faces de uma
mesma sociedade, informar sobre as experiências comuns da vida urbana, relacionar
patrimônios históricos, étnicos e regionais e difundí-los com a intenção de coordenar
múltiplas temporalidades de um público diversificado; o jornal era espaço de ascensão
social. Alguns escritores-jornalistas conseguiram vender seus livros, somente após
adquirir status escrevendo artigos e reportagens para jornais. Antes de enveredar pelo
jornalismo, esse escritor era frustrado, pois não conseguia ter sucesso com seus textos.
Desta forma, Barbosa afirma que “o jornalismo é bom para a literatura na medida em
que possibilita ao autor ser lido, permite sua difusão, prepara o público, cria o trabalho”
(2000:101).
Inúmeras transformações ocorreram no jornalismo no final do século XIX: a
reprodução de fotos e ilustrações nas páginas dos jornais e revistas, maior rapidez no
processo de produção e a utilização de modernas impressoras. Nas redações surge uma
nova personagem: o repórter, que substitui os redatores de banca
54
. A apuração ganha as
ruas, a cobertura passa a ser feita junto às instituições - Ministérios, Câmara, Senado,
teatros, delegacias de polícia entre outras. Surge uma divisão interna no trabalho dos
jornalistas: criam-se setores de reportagem e crônica social. Os literatos passam a
ocupar a primeira página das publicações. A imagem é cada vez mais utilizada como
representação da realidade. Paralelamente acontece o desenvolvimento do sistema de
correios, dos transportes e do sistema telegráfico.
Desta forma, inaugura-se um novo modo de fazer jornal. O jornal fica mais
barato, as notícias passam a conter o ineditismo, além da valorização das ilustrações e
outros recursos gráficos. A partir desse momento o jornal se populariza. E passa a
estampar em suas páginas as tragédias do cotidiano e os fatos políticos.
Mas nem todos os escritores aceitavam aquela nova realidade. Enquanto José
Veríssimo, no Jornal do Comércio, dirigiu todo o movimento literário, Aluízio de
Azevedo resmungava que “é melhor ser calceteiro ou condutor de bonde do que homem
de letras em um país como este”
55
. Para homens como Aluízio de Azevedo “o
engajamento passa a ser condição ética do homem de letras” (SEVCENKO, 2003:97)
que vivia um processo de transformação. Esses intelectuais preocupavam-se com a
“atualização do Brasil”. Na medida em que se verifica que nem todos os escritores
53
BARBOSA, Marialva Carlos. Os donos do Rio. : imprensa, poder e público. Vício de Leitura. Rio de Janeiro, 2000.
54
Os redatores de banca eram indivíduos que escreviam sobre qualquer assunto na redação, sem ir às ruas.
55
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 114
38
aderiam à nova realidade das redações, percebe-se através da insatisfação, o
transbordamento do campo jornalístico, já no século XIX.
O jornal também se utilizava dos literatos conhecidos pela sociedade para
corroborar sua popularização. Os literatos, em contrapartida, faziam deste veículo o
meio de divulgação e de publicação de seus escritos. Desta forma,
o jornal passa a fornecer o público necessário à própria configuração
da obra do escritor, a sua remuneração e às condições para que
assuma, ao mesmo tempo, um lugar na burocracia oficial, melhorando
suas condições de subsistência e satisfazendo a sua ambição de se
integrar às elites. (BARBOSA, 2000:98)
“Na Belle Epóque, a literatura se tornou um espaço cultural facilmente
identificável por um repertório limitado de clichês que mudavam na ordem e no
arranjo com que apareciam” (SEVCENKO, 2003:123). Os literatos preocupavam-se
com a concorrência do jornalismo, que criava padrões para a linguagem e oferecia
empregos com baixas remunerações aos homens de letras. Surgia, nesse momento,
críticas e também resistências à banalização e à neutralização da força cultural da
literatura. “Mas nada embaraçava a expansão vitoriosa do jornalismo [...] Sua força e
ação, quer sobre as classes conservadoras, quer sobre a massa de caixeiros, aventureiros
e funcionários de toda espécie, é uma evidência indiscutível” (SEVCENKO, 2003:126).
E, ao mesmo tempo, esse jornalismo que surgia representava a consciência de massa e
alterava os hábitos e valores daquela sociedade. Desta forma, os escritores-jornalistas
preocupados com a recepção de seus escritos, adotavam novas formas de produção
cultural e impunham seus julgamentos críticos à ratificação de uma aparente autoridade
perante as massas.
Contudo, com a crise econômica, houve restrição à importação do papel e a
redução de consumo. Os jornalistas se ressentiram do tempo em que sua sobrevivência
era assegurada pela generosidade de um aristocrata de gosto refinado. Até então
publicavam seus textos em livros que eram adquiridos pela alta burguesia. Nesse
momento surgem as primeiras sociedades que protegeriam e lutariam pelos direitos dos
homens de letras. “A produção intelectual é tão digna quanto as outras e tanto quanto as
outras merece a proteção das leis”
56
. Surgem também as agências literárias que
elaboravam textos - discursos parlamentares, conferências e artigos de crítica literária
sobre qualquer obra - sob encomenda.
56
Revista Fon Fon apud SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 128
39
Essa mudança criou a concorrência da literatura com o cinema, a fotografia, o
gramofone, o jornal diário, o livro didático, as revistas mundanas e os manuais
científicos. As modificações das técnicas de comunicação fizeram com que o modo de
vida se alterasse num curto espaço de tempo, o que modificou o lugar ocupado pela
literatura. Os escritores–jornalistas redigiam seus textos para poucos: 15 em cada 100
brasileiros eram letrados. O restante da população era analfabeto. Até então nenhum dos
escritores vivia de letras, o salário que os sustentava era garantido por meio de outros
ofícios. Não se concebia a atividade literária como profissão e o mercado de livros
nacionais era incipiente (SEVCENKO, 2003).
A literatura brasileira estava dividida em dois campos opostos. O primeiro grupo
era de jornalistas que faziam parte da imprensa burguesa, aquela que representava o
fazer jornalístico referente às normas legitimadas pelo campo jornalístico. E o segundo
grupo - que fazia parte do outro jornalismo encontrava-se inquieto e inconformado.
Lutavam por uma mudança histórica e buscavam novas publicações de suas obras.
Formavam uma espécie de “escritores-cidadãos”. Exerciam suas funções com os olhos
postos nos centros de decisão e nos rumos da sociedade numa atitude perspicaz de
“nacionalismo intelectual” (SEVCENKO, 2003:134). Como escritores independentes,
tentavam revalidar a literatura. os jornalistas estavam fascinados com o poder e o
mérito que a opinião pública os trazia.
2.2 R
EVISTA
:
O EXERCÍCIO DA AUTORIA
Paralelamente, o mercado editorial de revistas começava a crescer. Lima Barreto
inaugura uma publicação que transborda o campo jornalístico. O primeiro número da
revista Floreal foi publicado em outubro de 1907. A revista era simples e pequena
(media 15 X 22 cm), mas seu conteúdo era extenso. Eram 40 páginas de texto em uma
circulação mensal. Essa publicação
representa a concretização do desejo [de Barreto] de tornar-se escritor
e ao mesmo tempo um veículo da sua militância literária. Afinal,
poderia expor livremente suas idéias, abrindo espaço para aqueles que
compartilhavam os mesmos ideais políticos e literários, além de
40
construir as redes de sociabilidades indispensáveis a qualquer
trajetória intelectual
57
.
Passado o primeiro mês da publicação de Floreal, Lima Barreto foi ao encontro
de Thomaz Labanca, o distribuidor, a fim de tomar conhecimento do primeiro saldo das
vendas. Apenas 38 exemplares foram vendidos. Para Labanca o que prejudicou a
vendagem foi a falta de uma capa atraente. Não havia nenhum chamariz naquele
exemplar. Mas Lima Barreto não tinha essa intenção. Ele gostaria que a revista fosse
vendida somente pelo seu conteúdo. Em seu primeiro editorial estava registrado que se
tratava de uma “publicação individualista em que os leitores poderiam manifestar as
suas preferências, além de comunicar suas intuições ou ainda dizer seus julgamentos”
58
.
Para Botelho (2005:150),
era a materialização de um sonho acalentado por um jovem de 26
anos: dirigir sua própria revista e fazer dela um instrumento de
intervenção na sociedade em que vivia.[...] A revista é como um grito
de afirmação ainda que um grito rouco e ouvido por poucos,
pouquíssimos na época de um indivíduo que sonha e deseja pra si
um destino literário. Um grito de desabafo de quem quer escrever e
não encontra espaço.
Lima Barreto tinha a intenção de transmitir ao seu público, através das páginas
daquela revista, idéias que poderiam ser úteis ao exercício da cidadania. Aquela
publicação tinha como objetivo materializar as idéias através da palavra escrita para um
povo excluído social e politicamente. O quarto número também foi o último; as
despesas originadas com seu custeio não eram pequenas. Floreal não conseguiu se
sustentar.
A geração nova de então surgia nesse clima diferente, em que já
não se compreendia a atitude do artista morrendo de fome, do escritor
sacrificando tudo pelo ideal literário e fazendo uma própria vitória de
seu desajustamento no ambiente social
59
.
Ao contrário da Floreal, comemoravam o sucesso editorial, Fon-Fon, Careta e
O Malho, mas essas revistas produziam os seus conteúdos dentro dos limites do fazer
57
BOTELHO, Denilson. Sob o signo da Floreal: uma perspectiva histórica da iniciação literária de Lima Barreto.
Itinerários: Literatura e História 2. Revista de Literatura. Pós-graduação em Letras. Estudos Literários. UNESP.
Araraquara / SP, 2005. p. 149
58
Floreal. Rio de Janeiro, 1, Outubro/1907. Consulta feita na edição virtual da revista disponibilizada no site da
Biblioteca Nacional:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/per164623/per164623_contente/per164623_item1/P1.html
.
Acesso em 23/06/2009.
59
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. p. 45
41
jornalístico concebido pelo campo jornalístico. Por exemplo, Fon-Fon tinha como
slogan “na cidade não quem me anteceda”, um lema que denunciava a
preocupação com o furo de reportagem. Em seu primeiro editorial afirmava: “Queremos
fazer rir, alegrar a tua boa alma carinhosa, amado povo brasileiro, com a pilhéria fina e
a troça educada, com a glosa inofensiva e gaiata dos velhos hábitos e dos velhos
costumes, com o comentário levado às coisas da atualidade”.
60
Fon-Fon queria
conquistar o público e vê-lo feliz, diferentemente de Floreal que tinha como meta
colaborar com a cidadania, independente da alegria do povo. Fon-Fon teve uma vida
longa. Foi lançada em 13 de abril de 1907 e intitulava-se como um semanário alegre,
político, crítico e esfuziante. O nome era uma referência à onomatopéia do barulho de
buzinas, símbolo da modernidade sobre rodas que se difundia. Nela, o colunista Álvaro
Moreira, por exemplo, revelava em seus artigos os novos costumes da sociedade.
Lançada um pouco mais de um ano após a estréia de Fon-Fon, a Careta tinha
como característica central o humor. Seu primeiro exemplar foi publicado em junho de
1908. Era uma revista semanal, tinha também fotografias e charges, sendo suas páginas
iniciais destinadas aos cronistas. Em 1920 suas páginas ganharam cor. Sua concorrente
direta era a revista O Malho, a publicação mais antiga, que havia sido lançada em 1902.
Esta também era uma revista semanal de humor, mas apresentava uma visão nacional
dos acontecimentos. Contudo, em 1930 teve uma brutal interrupção na sua publicação; a
redação sofreu um incêndio. O Malho se recuperou somente após cinco anos, voltando a
produzir seus exemplares até1954, quando foi extinta.
Aqueles escritores que criticavam a concepção de jornalismo reconhecido pelo
campo jornalístico e praticado pelas revistas de alta vendagem ressentiam-se da falta de
autonomia e da preocupação com a cidadania desses veículos de comunicação. Barbosa
resume que:
o jornalismo limita a criatividade, ao submeter o escritor a uma
produção maciça, baseada em atos e não na imaginação. O jornalismo
para esses asfixia a originalidade, sendo ruim para a atividade
criadora. (BARBOSA, 2000:101)
Para Brito Broca, os fatores que contribuíram para a transformação do cenário
no qual viviam os escritores e jornalistas foram o desenvolvimento e a remodelação da
60
Fon-Fon, Rio de Janeiro, nº 1, Abril/1907. Consulta feita na edição virtual da revista disponibilizada no site da
Biblioteca Nacional: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon_anos.htm
. Acesso em
23/02/2009.
42
cidade que encarregou-se de dispersar os grupos. Um outro fator foi a fundação da
Academia Brasileira de Letras, que serviu de peneira, dividindo os escritores. Alguns
passaram a integrar o grupo de escritores intelectuais da Academia e os que não eram
aceitos pela ABL, eram freqüentemente tachados de escritores-boêmios.
Certamente os fatos relacionados por Brito Broca foram determinantes para a
mudança do fazer jornalístico e também para a transformação da literatura. Essas
atividades passavam por uma mutação necessária se levarmos em consideração a
transformação da cidade, do povo e do estilo de vida. O jornalismo passou por diversas
modificações, mas vozes contra-hegemônicas, provocando transbordamentos,
continuaram a pleitear novas mudanças na concepção do fazer jornalístico legitimado
pelo campo.
Durante a década de 70, Bondinho foi um exemplo de
transbordamento do
campo jornalístico durante a Ditadura. Inicialmente, a publicação era inofensiva aos
militares. O projeto dessa revista pertencia à Arte & Comunicação
62
e consistia numa
publicação de serviços para a rede de supermercados Pão de Açúcar. Era distribuída de
graça aos clientes do mercado. Bernardo Kucinski
63
destaca o início do projeto da
Bondinho, que estava diretamente ligado aos princípios do grupo de jornalistas: oferecer
um produto diferenciado ao cliente, independente de ser alternativo ou não.
Bondinho não começou como revista alternativa. Nem mesmo como
revista de contracultura, apesar das raízes de seus fundadores. Sua
linguagem, de diálogo direto com o leitor, fluente e moderadamente
pasteurizada, evitando ofender os tímpanos da classe média, denotava
muito mais a influência do Jornal da Tarde e da técnica publicitária.
Sua proposta de prestação de serviços tinha raízes no projeto Quatro-
Rodas, pelo qual haviam passado Sérgio de Souza e Hamilton Ribeiro.
Distinguia-se como produto de excelência do texto e do acabamento,
pela precisão da informação. (2003:236)
Bondinho incluía mini-reportagens, além de serviços de horóscopo, culinária,
roteiros de passeios e críticas de cinema e literatura. E assim seguiu durante seu
primeiro ano. No segundo, a revista passou por grandes modificações, sendo vendida
em bancas de jornal. O número de páginas dobrou, abrindo espaço para entrevistas. As
62
Arte & Comunicação era uma editora de caráter semicooperativo formada pelos seguintes jornalistas: Os jornalistas
que fundaram a Arte&Comunicação: Roberto Freire, Sérgio de Souza, Eduardo Barreto, Narciso Kalili, José
Hamilton Riberiro, Mylton Severiano , Hamilton Almeida Filho, Woyle Guimarães, Ruy Barboza e J.A Granville
Ponce. A estratégia do grupo era oferecer ao mercado uma equipe pronta de profissionais: jornalistas experientes e
disponíveis no mercado que poderiam desenvolver qualquer trabalho solicitado por quem os contratasse, não ficando
à disposição da grande mídia.
63
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2ª edição revista e
ampliada. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 2003.
43
capas, antes destinadas a acontecimentos românticos da cidade paulista, agora
estampavam fotos de personalidades, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano
Veloso, entre outros. Numa entrevista a Kucinski, em 1990, Sérgio de Souza explicou o
motivo da transformação de editorial: “O dinheiro era pouco e também cansava fazer
revista para ser distribuída em supermercado”. (KUCINSKI, 2003: 239) Daí
Bondinho ter se proposto a intervir nos processos políticos e socioculturais, tornando-se
um veículo alternativo e provocativo. Não é mais a revista bem-comportada da família
que vai às compras no Pão de Açúcar, é a revista da juventude inquieta e contestadora,
dos quadrinhos de Wolinsky
64
, da antipisiquiaria, da contracultura. (KUCINSKI,
2003:242)
O fazer jornalístico de Bondinho revela que o exercício do jornalismo pode ser
feito a partir das normas ou dos transbordamentos do campo jornalístico. Na década de
70, o jornalismo feito pela Bondinho precisou enfrentar a Ditadura e posicionar-se
diante do público e dos anunciantes, além de enfrentar a concorrência ferrenha dos
veículos pertencentes à grande mídia.
Paralelamente, outras revistas ganhavam espaço em nossa sociedade. Visão foi a
revista que antecedeu as revistas semanais no Brasil. Lançada em 1952 aproveitou a
consolidação de uma sociedade urbana e industrial para praticar um jornalismo que
privilegiava a análise e a clareza das informações em tom de síntese. Durante a ditadura
tornou-se referência nacional na cobertura jornalística econômica e política. Foi extinta
em 1993, depois de passar por inúmeras orientações editoriais e diferentes proprietários.
Atualmente existem quatro grandes revistas de informações que seguem os
padrões reconhecidos pelo campo jornalístico: o jornalista Mino Carta esteve à frente do
projeto editorial de todas elas. As revistas abordam temas do cotidiano, da sociedade
brasileira e, por vezes, mundial, como política, economia, cultura, comportamento e
guerras. Tratam também de temas como tecnologia, saúde, ecologia e religião com certa
regularidade. Possuem algumas seções fixas e guias práticos sobre assuntos diversos.
Todas são revistas semanais.
A Veja que teve sua primeira edição publicada em 1968, foi criada por Victor
Civita e Mino Carta. É uma publicação da Editora Abril. A Istoé é editada pela Editora
Três desde 1976 e a Época, lançada em 1998, pertence à Editora Globo. CartaCapital
foi lançada em 1994 e possui um perfil um pouco distinto das outras três. Sua proposta
editorial é ancorada nos três fundamentos básicos do jornalismo: fidelidade à verdade
64
Cartunista francês Georges Wolinky. Satirista, chamado de erotômano, desenhista maldito, o próprio espírito do
maio de 68. Foi responsável pelas ilustrações das páginas do L'Humanité, Libération, Le Nouvel Observateur, além
de ser autor de 80 álbuns de quadrinhos.
44
factual, espírito crítico e fiscalização do poder onde quer que ele se manifeste. Mas
todas essas publicações têm tamanhos, diagramação, colunas e por vezes a capas
parecidas, um modelo que surgiu em 1923, nos Estados Unidos. Segundo Marília
Scalzo
65
, Briton Haden e Henry Luce, dois jovens jornalistas americanos, visavam
atender à necessidade de informar de maneira rápida.
A idéia era trazer notícias da semana, do país e do mundo,
organizadas em seções, sempre narradas de maneira concisa e
sistemática, como todas as informações pesquisadas e checadas.
Mesmo sem ter essa receita editorial definida desde o primeiro
número, Haden e Luce foram aperfeiçoando a fórmula, tendo sempre
em vista a necessidade de não deixar homens ocupados perderem
tempo na hora de consumir a informação. (SCALZO, 2006:22)
Os jornalistas tinham como meta a defesa e a conservação do modelo
hegemônico de jornalismo no veículo de comunicação revista. Além de criar um novo
modelo que seria, posteriormente, seguido no mundo todo, garantiam uma concorrência
mais igualitária, afinal o modelo havia sido concebido por eles.
2.3
R
EVISTA
:
QUE VEÍCULO É ESSE
?
No verbete “revista”, segundo o Dicionário de Comunicação, temos a seguinte
definição:
Publicação periódica que trata de assuntos de interesse geral ou
relacionados a uma determinada atividade ou ramo do conhecimento
(...). Produzida de forma de brochura, a revista apresenta-se
geralmente em formato menor que o jornal, maior número de páginas
e capa colorida, em papel mais encorpado. Veículo impresso, de
comunicação e propaganda, quase sempre ilustrado, que atinge a um
público determinado de acordo com as suas características específicas
e sua linha editorial: revistas de informação , entretenimento, de
propaganda institucional ou doutrinária, artísticas, literárias,
educativas, culturais, científicas, de humor. (RABAÇA e BARBOSA,
1995, p. 516).
O mercado editorial de revistas no Brasil é imenso. Nem todas as revistas têm
teor jornalístico. São revistas em quadrinhos e outras direcionadas a públicos
específicos, que poderiam ser classificadas como científicas. Existem também as
65
SCALZO, Marília. Jornalismo de Revista. Contexto. São Paulo. 2006.
45
ilustradas e as informativas. A linguagem da revista pode ser conotativa, opinativa ou
literária. As publicações de caráter jornalístico têm o compromisso com a busca da
verdade, o esclarecimento e a compreensão da realidade. As revistas podem preencher
as lacunas deixadas pelos veículos que transmitem informações diárias: tv, rádio e
jornais, pois o tempo jornalístico da revista permite que ela conheça a produção das
informações de outros veículos e posteriormente escolha o enfoque que será elaborado
em sua reportagem. Em geral “as revistas fazem jornalismo daquilo que ainda está em
evidência nos noticiários, somando a estes, pesquisa, documentação e riqueza textual”
66
.
Para Scalzo uma boa revista começa com um bom plano editorial e uma missão
definida um guia que vai ajudá-la a posicionar-se objetivamente em relação ao leitor e
ao mercado.
É o plano editorial que vai alimentar o plano de negócios e, por
conseqüência, deve reapresentar a visão exata da redação sobre a
publicação e sua relação com o leitor. O plano estabelece a missão os
objetivos e a fórmula editorial. Define quem são os leitores da revista,
planeja os cenários futuros para a publicação, levanta dados de ação.
Contudo, deve ser constantemente reavaliado e atualizado, para não
envelhecer. (SCALZO, 2006: 62)
A revista ganha espaço entre os séculos XIX e XX, depois cresce, vira e dita
moda. Para Alberto Dines, “todas as atividades jornalísticas são regidas pelos mesmos
padrões. Jornalismo de jornal, jornalismo de revista ou eletrônico embora com
periodicidades, ritmos e formatos diferentes são basicamente idênticos – atitudes e
compromissos, iguais”
67
. Com o avanço das artes gráficas, a revista passa a ser um
veículo de comunicação múltiplo, pois tem a possibilidade de veicular vários assuntos
num exemplar. Inicialmente as revistas tinham o papel de complementar a educação,
relacionando-se com a ciência e a cultura. Os jornais eram mais engajados, ligados a
tendências ideológicas, a partidos políticos e à defesa de causas públicas.
O Cruzeiro deu fisionomia à reportagem de revista, pois introduziu novos meios
gráficos e visuais na imprensa brasileira. Utilizava gráficos, desenhos e fotografias entre
as matérias. Por exemplo, em dezembro de 1928 uma chuva de folhetos tomou conta da
avenida Rio Branco. Eram arremessados do alto dos prédios. Nesses folhetos estava
escrito “Compre amanhã O Cruzeiro em todas as bancas, a revista contemporânea dos
66
VILAS BOAS, Sergio. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo: Summus, 1996. p. 9
67
DINES, Alberto. O papel do jornal: uma releitura. São Paulo. Summus, 1986. p. 22
46
arranha-céus”
68
. Havia também bandas de músicas na avenida. A revista era colorida.
Sua impressão era realizada em Buenos Aires pelo sistema de rotogravura
69
. O primeiro
exemplar tinha 64 páginas, metade ocupada por publicidade. Teve circulação nacional.
Destacou-se com a reportagem sobre o suicídio de Getúlio Vargas quando alcançou sua
tiragem máxima de 750 mil, até então tinha como média a venda de 80 mil exemplares.
Diferentemente do que acontecia nas redações daquela época, os jornalistas de O
Cruzeiro tinham um bom salário, o que os levava a ter apenas um emprego
(VELASQUEZ, 2001).
Atualmente, o meio de comunicação revista mescla nas suas páginas a
publicidade que garante a renda e as reportagens que representam o produto revista de
fato. Desta forma, esses veículos concorrem pela atenção do leitor e dos anunciantes. A
publicidade é uma das grandes responsáveis pela publicação da revista, pois são
produtos caros. Existe uma relação conflituosa entre os jornalistas que trabalham para o
leitor e o setor comercial que trabalha para os anunciantes, pois nem sempre os
interesses são os mesmos. Mas a credibilidade e qualidade da revista produzida pelos
jornalistas – são responsáveis pela procura da publicidade.
Para os leitores, o valor das revistas está tanto no conteúdo editorial
como na publicidade. [...] Se não houver clara distinção entre editorial
e publicidade, ambos perdem a credibilidade (...) Estas normas
representam o desenvolvimento de um trabalho realizado pela
primeira vez em 1982 por um comitê de experientes editores. (...)
Assim, representam respeitáveis parâmetros de nossa profissão.
(SCALZO, 2006, p. 85)
O formato, a qualidade do papel e da impressão, os recursos gráficos utilizados e
a periodicidade desse veículo fazem com que o leitor tenha uma relação diferenciada
com a revista. A linguagem também atrai o leitor. Algumas publicações utilizam o
serviço de atendimento ao leitor via correio eletrônico, telefones e cartas - como o
coração da redação. São pedidos, críticas e elogios que chegam e devem ser analisados.
É fundamental conhecer o blico-alvo e esse espaço é ideal para a troca. A revista
pode identificar o estilo e reconhecer os valores do leitor. Para isso, é necessário
também realizar pesquisas qualitativas e quantitativas. Para Muniz Sodré, o
entendimento dos padrões editoriais do jornalismo de revista resume-se a três termos:
sensação, sucesso e relaxamento. E “tais padrões visam atingir o leitor em seus tempos
68
VELASQUEZ, Muza Clara Chaves. “O Cruzeiro” In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930. Rio de
Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. v.II, p. 1727-1730.
69
Rotogravura é o processo fotomecânico de impressão. É feita a partir de formas cilíndrica de cobre e utilizada
exclusivamente para impressão rotativa. Nesse momento, a técnica de rotogravura ainda não havia chegado ao Brasil.
47
mortos com relação ao trabalho, proporcionando-lhes horas de entretenimento
evasivo”
70
.
Para que os leitores tenham essa vivência, a linguagem deve ser leve e clara.
Villas Boas (1996) acredita que submeter os dados colhidos a uma seleção crítica e
depois transformá-los em matéria significa interpretar. É na construção da notícia para a
revista que o jornalista pode fugir do texto técnico e uniforme que parece inerente à
concepção do jornalismo burocrático. Desta forma, à narrativa das revistas é permitido
usar e abusar de elementos literários para elaborar uma reportagem leve e agradável aos
olhos de seu público. Nem todas as revistas utilizam-se de uma narrativa diferenciada, a
maioria desses impressos produz suas matérias baseada nas determinações reconhecidas
pelo campo jornalístico. Mas em algumas revistas, como a que é objeto dessa pesquisa,
os transbordamentos são autorizados. A Caros Amigos, no entender desta pesquisa,
extrapola os limites estabelecidos pelo campo, produzindo um jornalismo autoral.
2.4
C
AROS
A
MIGOS
,
TRANSBORDAMENTOS À VISTA
!
Enquanto os grandes veículos de informação preferiam não se manifestar contra
a política neoliberal na década de 90, surgia a revista Caros Amigos com a intenção de
ser uma alternativa à grande imprensa. O neoliberalismo contribuiu para a mutação dos
jornalistas, da informação, do jornalismo e da imprensa. Desta forma, aqui começa a
história da revista que é uma das representantes atuais do transbordamento do campo
jornalístico: Caros Amigos é uma revista mensal de circulação nacional - lançada em
abril de 1997 pela Editora Casa Amarela
71
-, que traz em cada edição uma grande
entrevista, um ensaio fotográfico, reportagens, a opinião dos leitores e a colaboração de
colunistas.
O projeto dessa revista nasceu em 1996 quando José Carlos Marão procurava
jornalistas experientes e que haviam deixado as grandes redações por conta de seus
primeiros fios de cabelos brancos. A intenção era a produção de um impresso inteligente
e não apelativo. As primeiras reuniões foram realizadas por José Carlos Marão, Juca
Kfouri, Alberto Dines, Sérgio de Souza, João Noro, Matthew Shirts e o designer Hélio
de Almeida. Depois de alguns encontros, mais um jornalista se juntou ao grupo:
Roberto Freire.
70
SODRÉ, Muniz e PAIVA, Raquel. Comunicação do grotesco - Introdução à cultura de massa no Brasil. Petrópolis
/ Rio de Janeiro: Vozes, 1971.
71
Atualmente Editora Caros Amigos.
48
Dines, que havia chegado recentemente de Portugal, afirma que propôs um
formato diferenciado berliner em papel off-set branco, com redação provocativa e o
título Caros Amigos. O projeto consistia em matérias escritas em forma de cartas. A
publicação seria uma grande seção de cartas, sempre elaboradas pelos jornalistas da
equipe, mas não se descartava a possibilidade de receber a contribuição de outros
profissionais e quiçá de leitores. Inicialmente, a proposta foi aprovada pela equipe e
assim surgia a revista Caros Amigos. O grupo buscava resgatar justamente um
jornalismo mais opinativo, com espaço para a reflexão do leitor. As matérias seriam
sempre direcionadas aos leitores desta forma. O grupo de jornalistas pretendia buscar a
excelência do jornalismo.
72
Sérgio de Souza sustenta que não existiu outra Caros Amigos, que não fosse essa
que está nas bancas há 12 anos. Já Alberto Dines garante que houve o número zero:
Foi aprovada uma plataforma editorial (existe uma cópia) baseada na
combinação do não-engajamento político com reportagens incisivas.
O ‘progressismo’ não seria ideológico, mas teria como base a
inovação, a busca de excelência jornalística numa época em que nas
redações mandavam os marqueteiros. [...] O experiente João Noro, da
Editora Casa Amarela, encarregou-se de montar o projeto jurídico-
empresarial enquanto os outros discutiam o número zero. Demorou,
chegaram os pára-quedistas, o projeto inicial foi seqüestrado e quando
finalmente o número zero foi impresso, o produto final era outro.
(DINES, 2007)
Dines confirma que deixou o título Caros Amigos -, antes de sua saída, para
Sérgio de Souza e os que permaneceram naquele projeto, pois o mesmo havia sido
registrado pela Editora Casa Amarela. No primeiro editorial da revista, Sérgio de Souza
relata sua versão da história:
Caros Amigos é uma reunião de inteligências e talentos que andam
espalhados por diversos meios de comunicação, alguns; e outros que
estão marginalizados por todos os meios.
Têm, esses talentos e inteligências, diferentes modos de pensar e
interpretar a realidade, mas se identificam, todos, no ponto crucial: a
ética, preocupação primeira desta revista mensal que estréia nas
bancas do país inteiro com a intenção de discutir o Brasil e o mundo
de hoje de um ponto de vista original, pelo menos no que se refere ao
atual mercado de publicações.
72
DINES, Alberto. “Nova História Oficial a cada década” in Observatório da Imprensa. 08/05/2007.: Disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=432CIR002. Acesso em 18/12/2007
49
Na época de sua criação, Roberto Freire e Sérgio Souza queriam uma revista na
qual os jornalistas tivessem independência, que pudessem escrever o que quisessem, da
maneira que quisessem, mas com comprometimento e com inserção nacional. A revista
incorporou a filosofia de seus idealizadores e ganhou seu espaço no mundo do
jornalismo.
Começamos a organizar a ação. O Sérgio ficou encarregado de
preparar um número zero e eu fui em busca dos colaboradores. Não
precisamos escrever e registrar oficialmente que “a ideologia da
revista seria isso e isso”. Todos sabíamos qual era a ideologia do outro
e que éramos caras de esquerda. Isso, claro, se refletiria na revista. E,
desde o começo, eu sempre disse que o iria trabalhar para qualquer
órgão de imprensa que fizesse algum tipo de política partidária. Se a
gente não conseguisse dinheiro para sustentar a revista, eu achava
melhor que ela fosse fechada (...) Foi uma tentativa de reedição do
jornalismo da paixão, que a gente conseguiu fazer em Realidade.
73
2.4.1 R
EALIDADE
:
HERANÇA E INSPIRAÇÃO
Como uma parcela dos jornalistas que fazia parte do grupo havia trabalhado na
revista Realidade, eles estavam sedentos por uma publicação que desse a liberdade para
a realização do trabalho jornalístico, como foi naquela revista.
Realidade era uma revista mensal de âmbito nacional - lançada em abril de 1966
e extinta em 1976. Em seu primeiro editorial a revista destacava um breve histórico da
Editora Abril, que dizia: “há 16 anos editando revistas para o público brasileiro,
acompanhando a extraordinária evolução do país. O Brasil vai crescendo em todas as
direções”.
74
Em seguida Realidade era apresentada como uma revista que conhecia o
país e seu público e que tinha como intenção informar, divertir, estimular e servir os
leitores, sempre com seriedade, honestidade e entusiasmo. Durante os anos em que foi
publicada, a revista sofreu diversas modificações em sua linha editorial, na composição
gráfica e na tiragem devido a acontecimentos políticos no país e a mudanças estruturais
na Editora Abril. Sendo assim, considera-se que Realidade teve três distintas fases.
Segundo Faro, que pesquisou a primeira fase da revista, de 1966 a 1968, durante
esse período as edições abordavam temas polêmicos ligados à política e ao
73
FREIRE, Roberto (depoimento). Cf. PEREIRA Filho, Francisco Bicudo. Caros Amigos e o Resgate da Imprensa
Alternativa no Brasil. São Paulo: Annablume, 2004. p. 112.
74
Editorial da revista Realidade número 1, de abril de 1966, escrito por Vitor Civita. Pesquisa realizada na Biblioteca
Nacional.
50
comportamento. No entanto, é preciso levar em consideração a incompatibilidade do
projeto editorial com o “clima” de repressão que o país enfrentava, em especial a
censura instalada com o Ato Institucional 5 (AI-5) - que foi o instrumento utilizado
pelos militares para aumentar os poderes do governo e permitir a repressão.
Desde cedo a revista tornara-se uma preocupação para a
censura, mas foi com uma reportagem de comportamento que a revista
teve sua primeira apreensão em janeiro de 1967, por ordem dos
Juizados de Menores dos Estados da Guanabara e de São Paulo.
Tratava-se de uma edição especial sobre a mulher que trazia
estatísticas sobre aborto, entrevistas com mãe solteiras, debates sobre
a virgindade, fotografia de um parto. Dos 465 mil exemplares que
haviam sido publicados, apenas 200 mil chegaram aos leitores, sendo
o restante apreendido sob a alegação de ser “obscena e ofensiva à
dignidade da mulher”. Na edição seguinte a revista reagiu em seu
editorial alertando sob os riscos que a imprensa corria.
75
Apesar da censura, a revista não foi perseguida no seu primeiro ano, inclusive
Assis Chateaubriand, responsável pela sua concorrente, a revista Cruzeiro, resmungava
de que a Realidade estaria sendo protegida, pois um decreto-lei, publicado em fevereiro
de 1967, alterou a Lei de Imprensa permitindo que empresários estrangeiros, como era o
caso de Victor e Roberto Civita, publicassem edições científicas, técnicas, culturais e
artísticas. Até então, apesar da liberdade de expressão, era vetada a propriedade e
administração de empresas jornalísticas por estrangeiro
s.
Em depoimento à Letícia
Nunes, José Hamilton Ribeiro lembra o que facilitou a publicação de uma revista como
a Realidade naquele momento:
Dois dados conjunturais importantes ao vel local - o mido
liberalismo de Castelo Branco e uma sensação de mudança que
permitia ousadias e ambições, mais a maturidade da Abril para uma
“revista maior” juntou-se uma fermentação mundial que
desembocaria no ano do macaco, em 1968, na explosão da juventude
em todo o mundo, que nunca mais seria o mesmo.
76
Ribeiro acredita que o presidente Castelo Branco governava o país com um
conservadorismo permissivo, o que contribuiu para o sucesso da Realidade. Caso
Médici estivesse no poder em 66, possivelmente a revista não seria publicada.
Paulo Patarra, que ao lado de Roberto Civita comandava a redação, foi o
jornalista responsável pelo projeto editorial: revista mensal, colorida, com boa
75
PEREIRA JUNIOR, Dimas Sales. “Realidade” in Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de
Janeiro, Editora FGV / CPDOC, 2001. Volume IV. P.p. 4910-4911
76
NUNES, Letícia de Moraes. Leituras da revista Realidade (1966-1968). São Paulo: Alameda, 2007. p. 44
51
diagramação, de interesse geral, que tivesse equilíbrio entre texto e ilustração. Patarra
revela que a revista Quatro Rodas foi um laboratório para a criação da Realidade:
“estávamos de passagem, à espera do lançamento. Na redação produzíamos matérias
que fariam parte da Realidade. Levei para Realidade todos os que tinha enfiado na
Quatro Rodas”.
(PATARRA, 2007) Durante a sua primeira fase, Realidade teve a cada
exemplar 12 reportagens sobre diferentes assuntos. Mylton Severiano revela a fórmula:
o “caleidoscópio” era a fórmula mensal num sistema de escaninhos.
Todo o número tinha de abarcar realidade em 12 facetas, tais como:
infância, política, esporte, mulher, doença, Brasil, internacional,
educação, tragédia, religião, sexo, depoimento, pesquisa, perfil,
documento, ensaio, problema, estudantes, espaço, saúde, esquerdas,
ciência, racismo, guerra, polícia, assim por diante. Na afinação,
procurava-se abarcar o maior numero possível de itens, ou seja, nunca
permitir que no mesmo mês houvesse duas matérias no mesmo
escaninho.
77
Além disso, Realidade deveria ser considerada o cartão de visita da Editora
Abril, deixando em segundo plano as revistas Claudia e Quatro Rodas, também bem-
sucedidas editorialmente, embora com públicos específicos. Realidade
será a revista dos homens e mulheres inteligentes que desejam saber
mais a respeito de tudo. Pretendemos informar, divertir, estimular e
servir nossos leitores com seriedade, honestidade e entusiasmo.
Queremos comunicar com nossa fé inabalável no Brasil e no seu povo,
na liberdade do ser humano, no impulso renovador que hoje varre o
país e nas realizações da livre iniciativa. Assim é com humildade,
confiança e prazer que dedicamos Realidade a centenas de milhares de
brasileiros lúcidos, interessados em conhecer melhor o presente para
viver o futuro.
78
Durante o tempo que permaneceu no mercado a revista ganhou sete vezes o
Prêmio Esso de Jornalismo. Os repórteres da revista romperam com o uso do texto
convencional, as matérias tinham narrativa autoral e era comum a presença do repórter
na matéria. Não a narrativa utilizada na revista era diferente, mas o modo de
produção. A observação era intensa e detalhada: os gestos e expressões faciais, além dos
detalhes do cenário. Consumia-se tempo também com os diálogos. O subjetivo e o
emocional da personagem também eram contemplados na reportagem, assim como
acontecia no New Journalism. Para Faro, as reportagens da revista continham o
77
SILVA, Mylton Severiano da. Uma revista que dividiu as águas na imprensa brasileira. In: Imprensa, ano XIII,
1999, nº 143, p. 83. Resenha sobre o livro de José Salvador Faro, Revista REALIDADE – 1966-1968 –Tempo da
reportagem na imprensa brasileira. Ulbra/AGE: Porto Alegre: 1999.
78
Editorial da revista Realidade número 1, de abril de 1966, escrito por Victor Civita.
52
aprofundamento da informação social. O estilo narrativo e o tom investigativo faziam
com que a revista atuasse na trincheira da luta democrática. O repórter da Realidade era
também
pesquisador do tema sobre o qual estava escrevendo, nenhum detalhe,
nenhuma personagem, nenhuma causa ou efeito poderiam estar fora
do texto; nenhuma relação entre eles poderia deixar de ser feita sob
nenhum ângulo. A ambição era a totalidade do real, a integração entre
as partes aparentemente desconexas do fato, eram assim apropriadas
pelo jornalista.
79
Na reportagem “Meninos do Recife”,
80
a cabeça da menina adormecida ao lado de Maria pendeu para a frente,
Maria pousa-a em seu colo. Olhou Mauricio que dormia, apanhou um
doce de coco e comeu-o devagar, enquanto pensava numa oração. O
amém chegou junto com o sono. No céu, entre os edifícios, surgia
uma leve mancha amarela.
O trecho acima descreve uma noite em que meninos de rua na cidade de Recife
preparavam-se para dormir. A reportagem apontava a preocupação com o menor
abandonado. Com essa reportagem, Roberto Freire mostrava ao leitor um pedacinho da
realidade do país. A narrativa, ao trabalhar com a ambientação, nos leva a imaginar a
cena, nos leva a refletir sobre a dura realidade dos menores abandonados. O estilo
literário utilizado para a construção da reportagem nos remete a pensar como foi feita a
produção da reportagem e a que circunstâncias o jornalista se submeteu para a produção
da reportagem. A matéria ganhou o prêmio Esso em 1967. Tal reportagem teria
continuidade, mas a revista foi advertida pelo Juizado de Menores. Desta forma, a
direção decidiu não prosseguir, pois não queriam conflitos com as autoridades.
Os jornalistas da revista procuravam estar o mais próximo do tema de suas
reportagens. Para eles, a observação e a vivência eram fundamentais para a construção
da matéria. Certa vez, ao produzir uma reportagem sobre a tortura durante a Ditadura,
José Hamilton Pereira Filho, levou para a redação um pau de arara
81
e se pôs. Queria
transmitir ao leitor a verdadeira sensação. Não suportou mais do que dez minutos. Foi a
partir dessa experiência que o jornalista redigiu sua matéria.
82
79
FARO, J. S. Revista REALIDADE – 1966-1968 –Tempo da reportagem na imprensa brasileira. Porto Alegre:
Ulbra/AGE, 1999. p. 51
80
Revista Realidade. Ano II. Número 17. Agosto 1967. Pp. 24-34.
81
É um instrumento de tortura, que consiste numa barra de ferro que e atravessada entre os punhos amarrados e a
dobra do joelho, sendo o “conjunto” colocado entre duas mesas, deixa a pessoa pendurada.
82
Essa história foi contada por Mylton Severiano durante o 1º Anticurso de Jornalismo da Caros Amigos.
53
Outro exemplo de ousadia foi de Patarra, que em dezembro de 1968, conseguiu
uma entrevista exclusiva com o dirigente do Partido Comunista Brasileiro, Luiz Carlos
Prestes. Redigiu na reportagem as regras de segurança a que teve que se submeter para
não descobrir e manter secreto o local do esconderijo do político.
A partir de dezembro de 1968, Realidade passou a ser censurada. A censura
chegava à redação através da direção da Editora, pois se tratava de uma publicação
mensal. Como a Abril não queria se indispor com os governantes, acatavam as
solicitações. Nesse momento Patarra e Sérgio de Souza deixaram a redação.
Sendo assim, a segunda fase da revista Realidade teve início em 1969. Paulo
Mendonça e Milton Coelho da Graça tomaram as rédeas da redação. Houve
modificações no elenco de temas tratados e na composição das matérias. As reportagens
com teor comportamental passaram a ganhar mais destaque, principalmente as que
enfocavam temáticas sobre medicina e curiosidades científicas. Houve uma queda
considerável na tiragem da revista. Em 1971, houve uma tentativa de recuperar o
público. José Hamilton Ribeiro, relata que uma das estratégias para o sucesso editorial
da revista, na segunda fase, foi contratar escritores para atuarem como repórteres. Nesse
momento a tiragem teve uma melhora, mas nada comparado à primeira fase da revista
Em 1973, o início da terceira e última fase, foi anunciado o término do projeto
jornalístico original. Ulisses Alves de Souza assumiu a direção. O formato da revista foi
modificado e os textos ficaram menores e mais diversificados. A revista passou a
publicar 24 matérias a cada edição. As diversas reportagens muito se aproximavam de
certos guias para o dia-a-dia ou manuais de auto-ajuda. As abordagens tornaram-se
superficiais, não lembravam em nada aquelas reportagens que traziam o leitor para a
reflexão. A preocupação maior era mostrar aos leitores como era possível “vencer na
vida”, sendo inclusive esse o tema principal da edição de novembro desse mesmo ano.
Apesar do nome, já não era a mesma revista. Chegou a ter um
relançamento, inclusive com a carta de apresentação assinada por
Victor Civita, na qual ele procurou associar a nova revista com o
sucesso dos primeiros anos. Explica o sucesso, cita os prêmios de
reportagem e diz que o Brasil continua mudando. (NUNES, 2007:64)
Apesar das mudanças radicais, a revista ainda se sustentou por 30 meses, mas
com certeza não era mais a mesma revista. Realidade teve lento declínio, que
começou talvez com a saída de Roberto Civita para cuidar dos negócios da empresa,
possivelmente do lançamento da revista Veja, que seria apresentada ao mercado no ano
54
seguinte, em outubro de 1968. Mas ambas revistas ainda permaneceram juntas nas
bancas durante alguns anos.
Em janeiro de 1976, Realidade publicou previsões para o ano que
então começava. Tais previsões eram muito pessimistas em relação
aos rumos da economia brasileira e mundial, com a revista fornecendo
algumas dicas aos seus leitores de como tentar passar ileso pela onda
de crise. Realidade, porém, foi extinta alguns meses depois.
(PEREIRA JÚNIOR, 2001: 4911)
Contudo, a Editora Abril foi responsável por um dos principais fenômenos do
transbordamento do campo jornalístico: Realidade foi responsável pelo crescimento da
empresa, que após o sucesso financeiro se rendeu às normas jornalísticas legitimadas
pelo campo jornalístico.
Hoje, o Roberto Civita é presidente da Editora Abril, até nem é mais
presidente, se afastou da presidência, mas ele, enfim é dono da Editora
Abril. Quantas revistas têm a Editora Abril hoje? Então ele dirige
cerca de 150 revistas. Naquele tempo, ele dirigia Realidade e só, ele
dedicava toda a sua energia, todo o seu talento, que todo mundo
reconhece, para fazer uma revista só. Ele apostou muito, muito pesado
na revista, inclusive pessoalmente. Eu me lembro de ele dormir em
sofá na redação quando a gente estava fazendo uma reportagem de
madrugada e tal, tinha que fechar, fazer edição de texto, titulação de
página (...). De manhã cedo tinha que estar pronto. Imagina ele
fazendo isso hoje, numa redação. (NUNES, 2007: 73)
Realidade é um marco na história da imprensa brasileira. Seus textos longos, as
narrativas que proporcionavam o diálogo com o leitor, a compreensão e a repercussão
de suas reportagens fizeram com que o jornalismo praticado fosse classificado como
inovador. Assim, como o New Journalism, ficou conhecida como revolucionária e sua
contribuição ao jornalismo é imensurável. Edvaldo Pereira Lima acredita que Realidade
foi
a chance que o jornalismo poderia ter para se igualar, em qualidade
narrativa à literatura, seria aperfeiçoando meios sem porém jamais,
perder sua especificidade. Isto é, teria de sofisticar seu instrumental de
expressão, de um lado, elevar seu potencial de captação do real de
outro (LIMA apud NUNES, 2007:28)
Foi a partir da experiência nessa escola que Sérgio de Souza se inspirou para
criar a Caros Amigos:
55
trabalhava-se muito com prazer. Criou-se uma relação de vínculos
profundos de amizade entre quase todos que faziam parte da equipe.
Cada assunto profissional era discutido exaustivamente, assim como
os assuntos pessoais, até íntimos. As conversas, a troca de opiniões, a
crítica o elogio, tudo isso perpassava o ambiente da redação e
transbordava para os bares, restaurantes, a casa de um e do outro. Essa
era a dinâmica anímica (com o perdão da palavra); agora, se você quer
se referir a dinâmica prática, concreta, também não era uma coisa
corriqueira, burocrática, trabalhava-se com a liberdade própria de
quem confia no outro e no profissionalismo de cada um. Claro que
seguiam-se certas rotinas, como a reunião de pauta, a feitura do
“espelho” da edição, o organograma de fechamento etc., como em
qualquer outra redação. (NUNES, 2007: 69)
Sendo assim, Souza tinha o desejo de recriar o ambiente e a forma de trabalhar
proporcionada pela revista. Para ele, trabalhar num veículo como a Realidade na década
de 60 foi uma realização profissional. Os jornalistas tinham liberdade para criar e para
produzir as reportagens, tinham também independência em relação à opinião do patrão,
existia afeto e companheirismo na redação, além do espírito de equipe. Ganhavam um
bom salário e havia os recursos necessários para cumprir as pautas e o mais importante,
na opinião dele a satisfação de mexer com a cabeça da sociedade - para Souza, o
objetivo do jornalismo.
Instado a analisar semelhanças entre Realidade e Caros Amigos, Faro observa
que:
as matérias [nas duas revistas] são produzidas a partir da perspectiva
pessoal e investigativa do repórter e as narrativas mesclam os dados
da objetividade com elementos da percepção do jornalista. Esta é uma
herança que a revista Realidade deixou para toda a imprensa
brasileira. Mas as semelhanças param por aí. Realidade foi fruto de
uma conjuntura específica e esteve muito relacionada com os
movimentos culturais dos anos 60 e 70. a Caros Amigos responde a
outras demandas. (FARO, 1999)
Realidade e Caros Amigos são projetos distintos, desenvolvidos em tempos
históricos diferentes, embora alguns jornalistas tenham atuado em ambas publicações. A
bagagem profissional e a persistência de cada um contribuíram para a produção da
Caros Amigos. Realidade contribuiu para a história do jornalismo de revista e da
imprensa brasileira. Caros... vem também incomodando a grande dia com assuntos
não abordados pelos tradicionais veículos de comunicação. Com a exceção dos bons
salários e dos recursos para realização das pautas que tinha a revista Realidade -, pois
fazia parte de uma grande empresa de comunicação, a Editora Abril. -, Caros Amigos
56
consegue aproximar-se de seu objetivo editorial. A falta de recursos não intimida os
jornalistas que trabalham na redação da revista. Natália Viana, repórter da revista,
afirma:
faço reportagens de ônibus, porque o motorista da redação vive
ocupado. Não podemos fazer matérias fora de São Paulo, e como a
verba é curta qualquer despesa extra precisa ser estudada. Os
computadores o velhos, poucas linhas telefônicas, a internet é
lenta, o salário não é essas coisas. Mas para mim isso tudo é detalhe.
Só prova que quem está aqui está por tesão.
A primeira edição de Caros Amigos trazia a entrevista com Juca Kfouri. A
tiragem inicial da revista - que foi idealizada em formato tablóide (33 x 27 cm), maior
do que o tamanho convencional de outras revistas - foi de 50.000 exemplares, dos quais
apenas 20.800 foram vendidos, assim conquistaram seus primeiros leitores
83
.
O editor-chefe buscava o êxito numa publicação que tivesse compromisso e
fosse leal ao seu leitor e à sociedade. Talvez motivos comerciais possam explicar a sua
intenção - e do grupo que ficou -, após as mudanças ocorridas para o nascimento da
Caros Amigos que está nas bancas doze anos. Sérgio de Souza não acreditava que o
projeto proposto por Dines tivesse uma vida longa.
Caros Amigos, mesmo com sua imagem consolidada e indiscutível prestígio por
parte dos leitores conquistados, recebe pouquíssima publicidade e não sobreviveria se
dependesse dela. A solução foi diversificar. O site tem alguns anúncios e uma loja
virtual. A Editora Caros Amigos publica também um fascículo paradidático e livros que
ajudam a manter a empreitada. O site promove a revista, que, por sua vez, promove o
site
84
. Numa entrevista concedida a Verena Glass para a Carta Maior, Sérgio de Souza
relatou que o maior desafio da revista é manter a distância apropriada do poder, seja ele
político-partidário, seja econômico:
nosso papel é o papel reservado ao jornalismo numa sociedade
democrática, qual seja: informar, de modo a não apenas manter as
pessoas a par dos fatos que ocorrem no cotidiano das cidades e países,
mas, principalmente, tratar de interpretar o significado dos fatos mais
relevantes, o que acaba por promover a consciência do leitor,
espectador ou ouvinte, de forma a olhar o seu meio e o mundo com
mais acuidade, maior capacidade de julgamento. (GLASS, 2007)
83
Os dados sobre a tiragem e vendagem inicial foram extraídos da Caros Amigos, Ano I, Nº 2, maio de 1997.
84
KUCINSKI, Bernardo. Comunicação o Desafio da esquerda in Revista do Brasil. Dez. 2007. Disponível em:
http://www.revistadobrasil.net/rdb19/midia.htm . Acesso em 03 fev 2008
57
Caros Amigos também conta com a participação de muitos colaboradores
desde jornalistas experientes a estudantes de jornalismo -, para combater a falta de
dinheiro que paira na redação. O secretário de redação, Thiago Domenici, relatou
durante o Anticurso de Jornalismo Caros Amigos, por exemplo, que para viabilizar a
reportagem “Quem é Renan Calheiros”, publicada em agosto de 2007, a equipe precisou
após uma decisão consensual numa reunião de pauta abrir mão de salários e pró-
labores no mês de julho do mesmo ano. Desta forma, o repórter João de Barros viajou
para Alagoas e permaneceu durante sete dias com o intuito de cobrir o escândalo
que envolveu o nome de Renan Calheiros. Mylton Severiano
85
é colaborador da revista
desde a sua primeira edição e nunca foi remunerado. O jornalista afirma que trabalhar
com o que se gosta é uma diversão que ele leva a sério. Severiano classifica o
jornalismo da revista Caros Amigos como independente:
a diferença, para usar uma terminologia do historiador Nelson
Werneck Sodré, está em que a grande imprensa é ‘subsidiada’ e a
imprensa independente não. Assim, a mídia gorda não pode
desconsiderar muito seus subsidiadores, tais como bancos e outras
empresas.
Desta forma, a revista conta com pouquíssimos profissionais exclusivos. A
maior parte da pequena equipe da revista tem um segundo trabalho. Além disso,
Caros... tem colaboradores que não participam do cotidiano da redação. É raro a
redação da revista ficar em balbúrdia.
O vínculo que existe entre a Editora Caros Amigos e os profissionais por ela
contratados nos faz relembrar a relação que existia entre os escritores e o jornalismo em
seus primórdios. No início do século XX os escritores exerciam a profissão de jornalista
nos veículos de comunicação, mas não tinham o jornalismo como ofício principal, tendo
em vista que o sustento advinha de outro trabalho. Atualmente, os jornalistas que
trabalham na Caros Amigos apreciam a possibilidade de trabalhar numa mídia que
permite a liberdade na forma de fazer e escrever o jornalismo, apesar de não tê-lo como
emprego principal . Para Renato Pompeu, um dos editores especiais da revista, essa
liberdade se sobrepõe às deficiências da revista.
Existe na redação da revista um sentido de equipe que não pode ser desprezado,
pois esse é o elemento chave para construção e compreensão da história da revista
Caros Amigos. Ao analisar o trabalho em equipe no veículo revista, Scalzo afirma que a
85
Após a morte de Sérgio de Souza, em março de 2008, Mylton Severiano que era colunista, assumiu a função de
Editor-chefe da revista. Atualmente não faz mais parte da equipe da revista
58
integração entre os jornalistas, os fotógrafos e o restante da equipe é primordial para que
se obtenha um bom resultado final (SCALZO, 2006:33).
Na redação da Caros... não existem editorias, pauteiros, diretores e chefias. As
funções se misturam. A redação funciona num galpão onde o intercâmbio e a troca de
informações e funções acontecem naturalmente. Existe uma única regra a ser cumprida:
obedecer à periodicidade. Não são feitas avaliações ou relatórios sobre o desempenho
dos profissionais. Também não existe horário a ser cumprido. Trabalha-se em clima de
confiança naquilo que cada um está produzindo. Todos têm o compromisso de cumprir
bem o seu papel para que tudo possa sair a contento, de modo que a revista chegue às
bancas. Rompe-se de forma significativa com os padrões das redações convencionais e
com as regras das rotinas produtivas delimitados também pela concepção de campo
jornalístico. Não é sempre que acontece reunião de pauta. Naquele galpão essa reunião é
esporádica, ocorre de fato quando é preciso tomar uma decisão. As matérias vão
surgindo, os assuntos aparecem, os colaboradores escrevem, os artigos são produzidos e
a entrevista é feita.
86
Para a realização das entrevistas, carro-chefe da revista, cada repórter estuda
sobre o entrevistado e faz sua pauta. No momento da entrevista, é como se estivessem
numa mesa redonda
87
. Sérgio de Souza e sua equipe concordam que “se não houver o
mínimo de tranqüilidade e prazer no que se faz, é melhor não fazer”.
(PEREIRA Filho,
2004:119) É no momento do fechamento que o grupo se reúne. Natália Viana vai além:
“Tenho todo o prazo do mundo, posso aprofundar. O Sérgio me apóia em todas as
pautas, temos o respaldo de uma revista conceituada e a edição é primorosa, sempre
respeita nossas idéias e o nosso texto”.
Pereira Filho, ao analisar a estrutura da redação da revista Caros Amigos, critica
a falta de normas. Ele acredita que
essa é uma das lacunas e falhas da revista. Uma pedra no sapato que
precisa ser melhor pensada e equacionada pela redação. (...)
Planejamento, pesquisa e reunião de pauta são momentos
fundamentais da atividade jornalística. Não se deve confundir
organização e programação com burocracia, nem liberdade com
bagunça. (PEREIRA FILHO, 2004: 119)
86
Na Caros Amigos as entrevistas são feitas por vários repórteres. São, no mínimo, cinco jornalistas para que a
entrevista seja como um grande bate-papo. Na maioria das vezes a entrevista é realizada na redação da revista.
87
Em maio de 2009 a autora participou da entrevista realizada com o ator Wagner Moura. Foi uma oportunidade de
estabelecer um contato empírico com o “método Caros Amigos” de entrevistar. A entrevista foi capa da edição de
junho de 2009.
59
Tais características fazem parte das rotinas produtivas do jornalismo, que de
uma maneira geral, estão convencionadas dentro de parâmetros estruturais e
organizacionais das empresas, que por sua vez praticam o fazer jornalístico reconhecido
pelo campo. Segundo Mozahir Salomão as
rotinas produtivas devem significar, para o jornalista, acima de tudo,
utilizar-se bem das práticas e técnicas regulares e indispensáveis ao
seu trabalho cotidiano. Apuração, checagem e configuração de uma
narrativa jornalística que tenham como orientação principal o
compromisso com a informação correta e de qualidade.
88
Desta forma, podemos afirmar que existem diferentes rotinas produtivas a serem
utilizadas ou até criadas pelos distintos veículos de informação. Ao analisar a forma de
organização dos veículos impressos, Nilson Lage
89
- observa que os jornalistas planejam
através da pauta suas edições. Portanto, é importante trabalhar com flexibilidade e bom
senso. Na redação da revista quem administra os prazos e intervém, caso haja
necessidade, é a figura do secretário de redação, Thiago Domenici, que relata:
sou eu que mantenho contato com os colaboradores, solto prazos,
recebo pautas, distribuo, mantenho contato com o editor, Sérgio de
Souza, produzo as entrevistas de capa, contato com entrevistados e
entrevistadores, oriento os estagiários no que for preciso e dou suporte
na redação. Tomo conta do e-mail da redação e sou a ponte com o
mundo exterior. Se ligar na redação, provavelmente eu te atenderei.
Sabe o famoso faz de tudo? Sou eu. Quando pinta tempo, como
jornalista que sou, vou fazer minhas matérias.
Sendo assim, cada veículo de comunicação pode criar diferentes rotinas para o
funcionamento da redação e criação do seu produto, mas independente da estrutura o
fazer jornalístico e a narrativa de suas reportagens podem ser analisados como um
processo comunicacional tríade, que agrupa produção, circulação e recepção.
Na Caros... esse processo é valorizado, pois extrapola os limites do campo
jornalístico. Durante a elaboração das reportagens a função informativa daquela notícia
não é colocada em primeiro plano, e sim a mescla da objetividade com a percepção do
jornalista-autor. É daí que surge a narrativa da Caros Amigos, e é a partir verificação
das características do New Journalism e da autoria jornalística nas reportagens dessa
revista que reconhecemos que os jornalistas da revista têm papel semelhante ao dos
88
SALOMÃO, Mozahir. Melhorar as rotinas no jornalismo. Observatório da Imprensa. São Paulo, 25/05/2004.
Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=278SAI003. Acesso em 13/09/2009.
89
LAGE, Nilson. A Reportagem: Teoria e Técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro, Record, 2002.
60
jornalistas-escritores do início do século XX. Eles pretendem contribuir com a
informação e para a construção da cidadania em nossa sociedade, deixando de lado as
técnicas do lide. Ao destacar a notícia, a reportagem pode dar vida à narrativa e causar o
transbordamento do fazer jornalístico.
O trabalho do jornalista é que fará a diferença na construção da reportagem, daí
a preocupação com a apuração e o processo narrativo. Juntando as duas pontas, tanto do
cenário quanto do fazer jornalístico, é possível afirmar que a reportagem pode ser
entendida como algo que representa a busca por uma narração contextualizada. O
compromisso do jornalista com seu leitor é de um olhar múltiplo na observação direta
dos fatos - a partir de uma versão da realidade -, para que ele consiga formar sua própria
opinião e atuar como sujeito. O jornalismo tem o dever e pode fazê-lo de publicar
reportagens bem apuradas e desenvolvidas, para que cada indivíduo possa ter livre
arbítrio na leitura dos fatos que são publicados pela imprensa.
O texto são todos os sentidos da gente, e temos que exercitá-los
para escrever bem. Um texto também tem cor, cheiro, tem forma [...]
Quando o repórter está apurando uma matéria e sente o cheiro daquele
lugar, esse cheiro tem que entrar na matéria. Além do fato seco,
sempre um entorno, que você percebe com os outros sentidos e tem de
levar para a matéria
90
.
Ao comparar as narrativas de diferentes revistas, observa-se que o jornalismo de
revista utiliza-se de distintas linguagens na construção de suas reportagens. “A revista
se apropria de algumas formas literárias e assim faz um jornalismo que diagnostica,
investiga e interpreta. O tempo é preponderante nessa abertura de portas para a
criatividade e a elegância do texto” (VILLAS BOAS, 1996:101). As convenções
ajudam a dar legibilidade às mensagens. Elas fazem isso de modo que se ‘adequem’ ao
mundo social dos leitores, redatores, posto que as convenções de uma determinada
sociedade ou época não são as mesmas das outras
91
. A Caros... permite o
embaralhamento desses discursos em seu formato, a partir do momento em que acolhe
jornalistas que têm diferentes formações, vivências e experiências. Os profissionais que
nela atuam não recebem cartilhas nem precisam seguir uma gramática específica.
Marcelo Salles
92
, correspondente no Rio de Janeiro, afirma que a Caros... “poderia ser
90
NEDER, Márcia. apud VILLAS BOAS, Sergio. O estilo magazine: o texto em revista. Summus. São Paulo, 1996.
p. 23
91
SHUDSON, Michael. The politics of narrative form: the emergence of news conventions in print and television.
Daedalus: Journal of the american Academy of Arts and Sciences. P.97-112, Fall 1982. Trad. para o português de por
Albuquerque. p. 3
92
Marcelo Salles concedeu a entrevista à autora em abril de 2007.
61
definida como uma revista de interesse geral, essencialmente sobre política, que se
pauta pela defesa da aplicação dos direitos básicos a todos os cidadãos”. No primeiro
editorial já ficava clara essa escolha:
Outros muitos talentos e inteligências, brasileiros e estrangeiros, irão
desfilar nas páginas futuras de Caros Amigos - a lista é enorme e cada
um, como nós, tem a absoluta certeza da existência de um largo
contingente de leitores, mulheres e homens, jovens e maduros, ávidos
por uma publicação que lide com idéias, que seja crítica, que leve à
reflexão. E que traga tudo isso sem ser aborrecida, mas com bom
humor; sem academicismo, mas com linguagem cotidiana; sem
partidarismo, sem vanguardismo, sem voluntarismo, na verdade, sem
nenhum “ismo”.
93
A revista Caros Amigos utiliza em suas reportagens elementos literários. Existe
a valorização da narrativa jornalística que registra detalhes como gestos, hábitos,
cenários, vestuários entre outros. Nela, parece-nos possível entender, que “o repórter
humanizado não é mais sujeito da imparcialidade, ele depara-se com o seu próprio
trabalho, encontra-se em seu próprio texto” (RESENDE, 2002:118)
De alguma forma, Souza reconhece a influência que sofreu dos distintos
veículos pelos quais passou. Trabalhou quase a vida inteira com os transbordamentos do
campo jornalístico. E ainda manteve vivo esse fazer jornalístico enquanto esteve à
frente da Caros..., compartilhando e ensinando inclusive para os jovens jornalistas
que passaram pela revista durante esses 11 anos. Escreveu para compartilhar com seus
leitores e com a sua equipe. Souza considera o lide dispensável e não acredita em regras
para o jornalismo. Considera a Caros... uma revista contra-hegemônica, pois o segue
os padrões do jornalismo feito pela grande mídia.
Por outro lado, Caros... pode ser classificada como uma publicação institucional
e não alternativa: pertence a uma editora registrada na Junta Comercial; tem seu título
registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial; é membro da Associação
Nacional dos Editores de Revistas; tem periodicidade e chega às bancas do país inteiro
por intermédio da Distribuidora Nacional de Publicações, do grupo Abril; tem uma
tabela de preços do espaço publicitário a ser comercializado em suas páginas; é
produzida por profissionais tanto na área editorial quanto na comercial e administrativa,
na sede que tem endereço físico; paga aluguel e contas de luz, água e telefone; mantém
um site na internet; foi premiada por várias entidades de reconhecida expressão no
cenário nacional; consome toneladas de papel e de tinta gráfica mensalmente; circula
93
Caros Amigos, número 1, Ano I, abril de 1997.
62
nos meios que pensam o país - como a universidade, as escolas, as Câmaras Municipais
e Assembléias Legislativas, os Executivos Municipais e Estaduais, o Judiciário, o
Congresso Nacional e o Palácio do Planalto (GLASS, 2007). Souza relembra sua
intenção no momento em que criou a revista:
o meu propósito era criar uma publicação de interesse geral que se
posicionasse contrariamente ao “pensamento único” que então
transpirava de toda a grande imprensa do país, seguidora fiel do
governo privatista de Fernando Henrique Cardoso. Havia outras
propostas para a Caros Amigos, como a de uma revista “futurista”,
que tratasse de um mundo novo oferecido pelo avanço galopante da
tecnologia, ou uma revista para-literária. Ao final daquelas poucas
reuniões acabou vingando a minha idéia de criar uma publicação
mensal, de autor (...), [que] trouxesse reportagens, artigos, colunas,
seções, humor, fotografia e uma grande entrevista que batizei de
“explosiva”, para brincar com a clássica exclusiva”, e que, aliás, se
tornaria o prato forte de Caros Amigos. Todos os trabalhos publicados
levariam assinatura, não seriam admitidos pseudônimos e os autores é
que decidiriam que tema abordar, partindo de uma proposta simples:
fale sobre algo que o esteja incomodando muito ou agradando muito.
Somente as reportagens e a entrevista de capa eram decididas em
reunião de pauta.
Sendo assim, podemos considerar que a Caros Amigos se enquadra
administrativamente nas regras utilizadas pelas empresas jornalísticas, mas o seu fazer
jornalístico se a partir dos transbordamentos, o que a diferencia e a mantém distante
dos veículos que compõem a grande mídia. Desta forma, a revista apresenta uma outra
opção de jornalismo, especialmente no que diz respeito ao modelo narrativo de suas
reportagens.
Outro aspecto relevante é a relação da revista com o seu leitor. Ao que parece,
ele define junto com a editoria e através de suas opiniões, críticas e sugestões, o
caminho para que a revista continue produzindo.
Uma pesquisa publicada pela revista em agosto de 2001 traça o perfil de seus
leitores: 72% são homens com idade entre 20 e 49 anos; 91% têm nível superior
completo, 19% pós-graduados. Este nível de escolaridade se reflete nas classes
econômicas A (17%), B (49%) e C (30%). Pouco mais da metade são solteiros (55%) e
trabalham (67%). Grande parte dos leitores, 75% , têm acesso à internet; 22% recebem
o Correio Caros Amigos semanalmente e 32% visitam o site com certa regularidade. A
pesquisa analisou a forma como a revista é encarada pelos leitores: 89% consideram
uma publicação “objetiva”, 87% a avaliam como “independente”, 86% como
“verdadeira” e 79% como “indispensável”. Outro ponto a destacar é que 16% dos
63
entrevistados declaram passar a revista para outras pessoas após a leitura, evidenciando
a importância que ela tem, tanto do ponto de vista mercadológico, quanto institucional.
Scalzo faz uma análise dessa relação entre o veículo revista e os leitores:
revista é também um encontro entre um editor e um leitor, um contato
que se estabelece, um fio invisível que une um grupo de pessoas e,
nesse sentido, ajuda a construir identidade, ou seja, cria identificações,
dá sensação de pertencer a um determinado grupo. (...) Não é à toa que
leitores gostam de andar abraçados às suas revistas – ou de andar com
elas à mostra para que todos vejam que eles pertencem a este ou
àquele grupo. Por isso, não se pode nunca esquecer: quem define o
que é uma revista, antes de tudo, é o seu leitor. (SCALZO, 2006, p.
12)
Contudo, a receita da Caros Amigos vem das vendas em banca e da venda de
assinaturas, mas é insuficiente para cobrir seus custos. A primeira tiragem da revista, em
1997, foi de 50 mil exemplares. Foram vendidos quase 21 mil. E assim permaneceu nos
três primeiros meses. Em junho do mesmo ano as vendas caíram 10 mil exemplares,
passando para a casa dos 39 mil exemplares vendidos. Essa situação perdurou até agosto
de 1999, sendo que os números de venda, acrescido do das assinaturas - que começaram
em junho de 98 – variavam entre 33 e 39 mil. A tiragem já havia diminuído para 50 mil
exemplares desde junho de 1998, em setembro de 1999, as vendas em banca começaram
a melhorar chegaram a 43 mil exemplares vendidos e em seguida o número de
assinaturas pulou de 4 para 7 mil em 2000. E as vendas se mantiveram nessa média até
abril de 2004. Desde então, Caros... conta com a venda média de 25 mil exemplares na
banca e 12 mil assinantes. Em 2003 a revista chegou a ter 18 mil assinantes. Souza
revela que
a maior barreira é a falta de capital e de mais anunciantes. [...]o
verdadeiro patrocínio da Caros Amigos é a generosidade de todos que
a fazem, colaboradores e o grupo fixo, inclusive vários estagiários que
vêm passando por ela ao longo dos anos e continuam chegando,
voluntários sempre e com os quais aprendemos muito também. Para
ter idéia, de três, de todos os colaboradores, recebem um valor a
cada mês, o restante é de graça. E isso há anos, alguns desde a
primeira ou segunda edição, como Frei Betto, Guto Lacaz, Ana
Miranda e Mylton Severiano. Os estagiários a mesma coisa, e mais o
grande número de jornalistas, fotógrafos e ilustradores de São Paulo e
de outros lugares, ou profissionais de outras áreas que nos enviam
trabalhos que querem ver publicados. Temos ‘correspondentes’
(ponho entre aspas porque também são voluntários, o vínculo é
afetivo) em Berlim, Paris, Buenos Aires, Angola, Brasília, Rio, com
64
os quais podemos contar para eventuais pautas saídas daqui ou
oferecidas por eles. E conforme a necessidade, tenho certeza de que
podemos contar com alguém em muitíssimos lugares. No fundo, é
esse ‘patrocínio’ todo o milagre ‘Caros Amigos’.
Na revista de janeiro de 2008 o editorial pergunta “feliz ano-novo?” E declara o
caos financeiro em que a revista se encontra.
E viemos, a duras penas, conseguindo tocando o barco, à custa de
empréstimos bancários e de amigos [...] A situação que temos vivido
se estabeleceu por razões explicáveis: a receita de publicidade nas
páginas de Caros Amigos não cobre os custos. É sabido que qualquer
publicação jornalística periódica, seja de grandes ou pequenas
editoras, garante seu sustento principalmente como dinheiro dos
anúncios, além da venda em bancas e de assinaturas. É uma regra, às
vezes ingrata.E que não temos conseguido o número mínimo de
anúncios necessário para ir para frente, desenvolver os muitos planos
que temos na gaveta.Fazemos essa colocação seguindo nosso
princípio jornalístico aberto, sem peias e quase íntimo com o leitor. É
preocupante o cenário que temos pela frente em 2008, mas
continuaremos brigando, como temos feito até aqui.
94
Desde então, a revista vem sobrevivendo apesar das mudanças: de endereço, do
tipo de papel utilizado na impressão entre outras economias, mas toda essa dificuldade
não tem interferido no resultado de suas narrativas. E, nesse trabalho estamos
analisando justamente as reportagens dessa revista que vem construindo uma história no
jornalismo brasileiro.
65
C
APÍTULO
3:
REPORTAGEM
:
PARA ALÉM DO JORNALISMO DIÁRIO
“Na narrativa imitamos a vida, na vida imitamos a narrativa”
(Luiz Gonzga Motta)
3.1. F
ATOS E NARRATIVAS
:
A CONSTRUÇÃO DE UMA REPORTAGEM
Investigar, segundo o dicionário, significa seguir os vestígios, as pistas de...
Sendo assim, o ato de investigar está diretamente ligado ao trabalho do repórter, pois
reportagem é o conjunto de providências necessárias para a confecção de uma matéria
jornalística: a seleção, a interpretação e o tratamento dos dados coletados para produção
da mesma. Ricardo Noblat afirma quetodo jornalismo pressupõe investigação”
110
,
assim como o faz Neveu, ao declarar que “a prática jornalística carrega, de seu lado, a
dimensão da investigação na escrita”.(NEVEU, 2002:132)
Como? Se as normas legitimadas pelo campo jornalístico definem que os
jornalistas devem escrever seguindo as técnicas do lide, além de utilizar a objetividade
como parâmetro central. Existe um antagonismo entre a concepção de jornalismo
reconhecido pelo campo e pelo jornalismo praticado por outros veículos, como por
exemplo, a revista Caros Amigos que utiliza em sua narrativa as características do New
Journalism. Para Theodore Glasser (1991: 226) a forma detalhada de narrar feita pelo
New Journalism e pelo jornalismo investigativo criaram uma desordem no campo
profissional dos jornalistas. Talvez, a partir desse momento, foram determinadas as
normas do campo jornalístico com a intenção de reduzir o número de informações
repassadas a sociedade. Para Glasser,
o empobrecimento dos recursos morais do jornalismo poderão bem
equipá-los para supervisionar confortavelmente o processo de
corrupção e dissolução de valores, mais confortavelmente, sem
dúvida, do que o processo de definição e desenvolvimento de valores.
(GLASSER, 1991:227)
110
NOBLAT, Ricardo. Sem investigação não há jornalismo In. FORTES, Leandro. Jornalismo Investigativo. São
Paulo: Contexto, 2005. p.
66
Desta forma, só nos é possível entender o termo jornalismo investigativo,
deixando de lado os preceitos reconhecidos pelo campo jornalístico, pois o jornalismo
da grande mídia apresenta as premissas defendidas pelas empresas jornalísticas. Além
de usar as ferramentas do paradigma indiciário (signos pictóricos, sintomas e indícios)
para compreender o fato, o jornalista pode, ao elaborar a narrativa jornalística,
apresentar ao leitor os caminhos por ele percorridos para a confecção de tal reportagem.
Esse é um modelo de narrativa comum nas páginas da Caros Amigos. E para Faro, o
instrumental narrativo do New Journalism permitia a revisão do papel
do profissional de imprensa no âmbito da Indústria Cultural, que o
nível de autonomia de seu trabalho ampliava em função dos novos
códigos de abordagem propostos pelo movimento. (1999:55)
Foi num cenário parecido que a Caros Amigos utilizou esse mesmo instrumental
narrativo, para enfrentar o jornalismo tradicional feito por grande parte dos veículos
jornalísticos na década de 90, enquanto o neoliberalismo se instalava no país.
3.2. N
EW
J
OURNALISM
:
NOVOS ESTILOS DE NARRAR
O New Journalism foi um movimento que surgiu por volta de 1960 nos Estados
Unidos, utilizando uma forma de escrita que abusava da riqueza dos detalhes e, não
raro, injetava os sentimentos do jornalista nos textos. Ficou conhecido como
revolucionário e foi uma tentativa desesperada de salvar o jornal New York Harold
Tribune da falência. Os jornalistas daquele periódico receberam “carta branca” com o
objetivo de tentar reverter o quadro de crise. O que surgiu foi uma produção de textos
jornalísticos quase literários. Este movimento era liderado por Tom Wolfe, um dos
repórteres do jornal. No entanto, permanecia a obrigação primordial da imprensa, que é
a de servir à sociedade informando criticamente sobre o que acontece nela e no mundo.
Ao relembrar o movimento, Wolfe afirma que:
Duvido que a maioria dos craques que vou exaltar neste texto tenham
entrado para o jornalismo com a mais remota idéia de criar um “novo”
jornalismo, um jornalismo “superior”, ou mesmo uma variedade
ligeiramente melhorada. Sei que eles nunca sonharam que nada que
fossem escrever para jornais e revistas provocasse tamanho torvelinho
no mundo literário número um, inaugurando a primeira novidade da
67
literatura americana em meio século... No entanto, foi isso que
aconteceu.
111
Antes de o Movimento chegar ao Brasil, o estilo literário estava presente nos
textos de escritores e jornalistas contemporâneos tais como Lima Barreto, João do Rio e
Euclides da Cunha. Mas foi em 1966 que o New Journalism chegou por aqui com o
lançamento, em São Paulo, da revista Realidade, trazendo reportagens que se
aproximavam da literatura.
O New Journalism resgataria, para essa última metade do século
XX, a tradição do jornalismo literário e conduzi-lo-ia a uma cirurgia
plástica renovadora sem precedentes. Mesmo no Brasil, é possível
conjeturar que o novo jornalismo americano tenha influenciado dois
veículos lançados em 1966 portanto auge da produção dos novos
jornalistas americanos -, que se notabilizariam exatamente por uma
proposta estética renovadora: a revista Realidade, considerada a nossa
grande escola da reportagem moderna, e o Jornal da Tarde.
112
O New Journalism trouxe liberdade para os jornalistas que, a partir do
movimento, puderam trazer um tom poético às reportagens, além de detalhar e escrever
para o leitor minúcias, tornando a matéria mais interessante, sem deixar de lado a
informação. Para Wolfe, o pai do movimento nos Estados Unidos, o estilo de escrever
do New Journalism realça a notícia, pois compreende todos os ruídos presentes na
elaboração da reportagem (FARO, 1999). Para que o jornalista perceba esses elementos
secundários e os utilize em sua narrativa, é necessário que seja também um flaneur.
Resende afirma que “esse modo de narrar é captador de um momento de
transição da revaloração de conceitos morais, enfim de mudanças de caráter social”.
(2002:23)
Os artistas da não-ficção, além de serem presenteados pela emergência
dos fatos que se sucediam insistentemente , encontravam-se num
campo livre, tendo à disposição técnicas que, segundo eles, fariam
aproximar a narrativa da realidade. (RESENDE, 2002:63)
A partir do acontecimento, das notícias, isto é, do factual, os repórteres criam
versões que contêm elementos literários em sua narrativa. O resultado é a versão de um
fato real com um estilo narrativo rico na descrição de seu cenário e suas personagens.
111
WOLFE, Tom. Radical Chique: o novo jornalismo. São Paulo. Cia das Letras, 2004. p. 9
112
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.
Barueri / SP. Manole, 2004. p. 192
68
Esta narrativa “se coloca no limiar entre o factual e o ficcional, entre o que anuncia a
verdade e o que se faz na ficção” (RESENDE, 2002:46).
Os jornalistas da Caros Amigos acreditam que a difusão de uma informação com
tratamento narrativo e com recorte diferenciado daquele feito pela grande mídia sejam
importantes para a luta por um outro fazer jornalístico. Wolfe declara ainda que “nos
anos 60 os novos jornalistas tinham nas mãos as emergências dos fatos sociais e
culturais que os romancistas insistiam em desconsiderar, optando por uma representação
menos comprometida” (WOLFE apud RESENDE, 2002:21).
A emergência citada por Wolfe continua a existir, mas existe também uma
desvalorização do jornalismo praticado pela revista. A riqueza de vozes textuais e as
influências do New Journalism permitem que a Caros... contribua para a compreensão e
para a reflexão do leitor através da construção diferenciada de uma das possíveis
versões do fato. É a partir dessas múltiplas possibilidades de produção e de escrita que a
Caros... compartilha com o público suas reportagens. Sua linguagem distendida
apresenta o seu modo de pensar e de fazer jornalismo.
3.3. N
ARRATIVA JORNALÍSTICA
:
CAUSOS E FORMAS
Muniz Sodré afirma que um fato pode gerar notícia, nota, artigo, crônica ou
reportagem. O que distingue a reportagem de outros textos jornalísticos é o tratamento
narrativo. O autor divide a reportagem em categorias: livro-reportagem, na qual o autor
narra uma detalhada e extensa reportagem que não seria suportada pelas mídias
convencionais do jornalismo; reportagem-crônica, que é produzida essencialmente para
ser veiculada nos veículos impressos com o intuito de informar e fazer as pessoas
refletirem sobre o assunto citado a partir da crítica e do humor. E por último, a
reportagem-conto, que surge “quando o repórter vai buscar no conto o modelo de seus
textos”.
113
Nessa narrativa, o jornalista escolhe a personagem para ilustrar a
reportagem, ela é o fio-condutor. É a partir da história da personagem que o repórter
conta a história, ou melhor, uma de suas versões. Realidade usou e abusou desse
recurso, influenciada pelo New Journalism, assim como a Caros Amigos vem fazendo.
Para Sodré e Ferrari, a reportagem é o lugar onde se narram as peripécias da
atualidade. A narrativa jornalística apresenta algumas características que, segundo os
113
SODRÉ, Muniz e FERRARI, Maria Helena. Técnica de Reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. Summus
Editorial: São Paulo, 1986.
69
autores, garantem a verossimilhança dos fatos: a humanização do relato, o texto de
natureza impressionista e a objetividade dos fatos narrados. Para Villas Boas “o texto
narrativo se caracteriza pela referência a ões de pessoas, descrições de circunstâncias
e de objetos” (1996:52). Para ambos, a narrativa jornalística é composta de alguns
elementos que estão em constante mutação e é isso que permite tornar o estilo do texto
mais literário. Quando o jornalista escolhe uma determinada versão para a sua narrativa,
ele utiliza-se da objetividade para que possa fazer a representação fiel do
acontecimento, pois “cada notícia é uma compilação de fatos avaliados e estruturados
pelos jornalistas. Estes são responsáveis pela exatidão de qualquer um desses fatos”.
114
Para Afonso de Albuquerque,
Mais do que simplesmente contarem o que aconteceu, as narrativas
jornalísticas falam sobre as prerrogativas e os deveres dos jornalistas
na descrição e interpretação dos acontecimentos, legitimam
determinados profissionais ou grupos jornalísticos como mais
autorizados do que outros para relatar determinados acontecimentos e
sustentam a autoridade interpretativa da comunidade jornalística como
um todo frente a comunidades interpretativas concorrentes.
115
De acordo com Roland Barhtes
116
, os modelos narrativos “instauram a narrativa
como um jogo regrado, e o narrador como jogador impõe as regras”. Portanto, narrativa
é qualquer discurso que represente o real ou o ficcional, a partir da descrição de
cenários, fatos e personagens.
Barthes (2008) afirma ainda que a estrutura da narrativa divide-se em três partes:
as ações, que significa a estruturação das personagens. É nesta primeira parte que as
personagens tomam forma e dão movimento à narrativa. “O narrador é ao mesmo tempo
interior a seus personagens (pois sabe tudo o que neles passa) e exterior (pois não se
identifica mais com um do que com outro)”. Já as funções, que representam a segunda
parte da estrutura narrativa, têm a tarefa de direcionar o significado da narrativa para o
leitor, além de dividir a história e organizar o surgimento dos elementos. Elas podem ser
cardinais (funções-articulações) que sentido ao texto; ou catálises, que preenchem o
espaço narrativo, embora sejam informações secundárias, pois não geram
desdobramentos para a história principal. A terceira e última parte dessa estrutura
114
TUCHMAN, Gaye. A objetividade como ritual estratégico In: TRAQUINA, Nelson. (Org). Jornalismo: questões,
teorias e estórias. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999. p. 77
115
ALBUQUERQUE, Afonso. A narrativa jornalística para além dos faits-divers.Lumina. Juiz de Fora, MG,
FACOM/UFJF – v.3, nº 2, p. 69-91, jul/dez./2000.
116
BARTHES, Roland. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
70
refere-se às narrações, que correspondem à forma narrativa. É o resultado da junção das
funções mais as ações
A composição de uma narrativa está vinculada às características do
acontecimento e ao modo de escrever escolhido pelo autor, mas a organização do fato,
levando em consideração o tempo, o ambiente, as personagens, a situação e a
intensidade do acontecimento é preponderante para a construção de um texto
jornalístico.
A narrativa jornalística constrói-se delimitada pelas dimensões de
tempo e espaço. Cada uma dessas dimensões pode ser vista como um
conjunto de círculos concêntricos. Em termos espaciais, no centro
encontra-se o fato nuclear, a ocorrência social central que desperta o
interesse da cobertura jornalística. Em torno, naquele mesmo círculo,
está o espaço geográfico imediato dessa ocorrência. Externamente ao
primeiro círculo circundante está centrado um outro fato secundário e
se encontra localizado mais um espaço geográfico. Num terceiro
círculo circundante, mais afastado do primeiro, poderão estar os
efeitos, as repercussões mais importantes, os espaços geográficos
adicionais relacionados com o fato nuclear. Num quarto círculo
poderá estar o espaço psicológico extra, mais sutil, onde o
acontecimento do primeiro círculo também provoca ressonância [...]
Cada um desses círculos concentra um numero de ações , de detalhes,
de personagens, de ambientes, de climas psicológicos que configuram
um acontecimento. (LIMA, 2004:41-42)
Desta forma, o texto jornalístico pode se reorganizar a partir das possibilidades
de elementos narrativos disponíveis. Para Motta “a organização dos discursos humanos
em ciclos encadeados ocorre espontaneamente e é intuitivamente conhecido pelos seres
humanos”,
117
pois as narrativas fazem parte do mundo. Contudo, a organização da
narrativa jornalística é como um preparativo que mergulha na realidade para apresentar
ao leitor uma possível versão. Desta forma, a análise das reportagens nos auxilia a
enxergar o trajeto percorrido pelas distintas coberturas jornalísticas.
Fazemos a análise da narrativa jornalística para compreender como
se integram os sentidos fragmentados das notícias do dia a dia, para
juntas o que a dinâmica da atividade jornalística separou. Precisamos
reunir em sentidos seqüências menores dispersas. Operamos com rigor
para remontar as conexões, para recuperar o anterior e reuní-lo ao
posterior, para tecer os fios e recuperar as expansões para trás e para
frente da história. Só a análise da narrativa permite isto, permite
integrar as unidades e orientar a compreensão dos elementos
descontínuos. (MOTTA, 2005:31)
117
MOTTA, Luiz Gonzaga. Narratologia: análise da narrativa jornalística. Brasília: Casa das Musas, 2005.
71
Além disso, sabemos que não é o suficiente para a prática jornalística, a
utilização das inúmeras tecnologias disponíveis atualmente. Existe uma dicotomia entre
o pensar e o fazer jornalístico. Dicotomia essa, que impede a revisão das práticas
utilizadas na profissão dentro do que é reconhecido pelo campo jornalístico - e exclui
também quaisquer outros modos produzidos por veículos independentes aqueles que
elaboram suas práticas a partir do transbordamento do campo.
A reportagem, nesse sentido, é um gênero jornalístico privilegiado, pois ela
encontra-se num lugar superior, devido ao seu tratamento narrativo. Para Muniz Sodré e
Maria Helena Ferrari,
A conquista do jornalismo moderno é usar essa sua força de maneira
sedutora: nenhum rebuscamento estéril, nenhuma força monótona
deve colocar-se entre o olhar do leitor e o fato restituído em sua
veracidade. É na reportagem – mais do que na notícia e no editorial ou
no artigo – que se cumpre esse mandamento. (1986:9-10)
Na narrativa jornalística temos como características centrais: a construção das
personagens, a descrição dos ambientes e a ação dramática do fato. O que difere a
narrativa jornalística da narrativa literária é o compromisso do jornalismo com a
informação factual.
A Caros... denomina seu trabalho como anti-jornalismo e desta forma, na
construção de suas reportagens estão presentes características como o detalhamento e a
contextualização da notícia.
Desta perspectiva, podemos afirmar que o jornalismo, especialmente através da
reportagem, é uma atividade “produtora de sentidos e estruturadora do pensamento
contemporâneo em todas as dimensões” (MOTTA, 2005:29), que recria os
acontecimentos a partir da reorganização dos fatos.
A análise das reportagens nessa pesquisa tomam como base alguns referenciais
do New Journalism, apontados por Fernando Resende (2002). São eles: construção
detalhista da cena; ponto de vista em pessoa e registro dos gestos cotidianos. Além
disso, a intenção é utilizar alguns dos métodos de análise sugeridos por Motta (2007)
que identificam-se com as características do New Journalism apontadas acima..
Motta utiliza o conceito de narratologia para entender como os jornalistas
constroem seus significados através da compreensão e expressão narrativa da realidade
através da mídia. Para melhor entendimento dessa construção, o autor utiliza-se de seis
procedimentos, dos quais destacamos três:
72
- Identificação dos conflitos e funcionalidade dos episódios: é a
expectativa do discurso, a partir dos seus conflitos, isto é, elementos
que serão ignorados e a função que a narrativa terá para o leitor.
- Construção de personagens jornalísticas: Reconhecimento das
personagens do fato a ser constituído. Aqui vale ressaltar, que nem
sempre as personagens terão a mesma função ou mesmo serão
incluídas na narrativa. O perfil ou ‘retrato’ jornalístico envolve uma
dimensão de pesquisa e inquérito, mas não é mera reprodução ou
reflexo do ‘real’, é uma construção que mobiliza a subjetividade do
repórter” (MOTTA, 2007:81).
- Estratégias comunicativas: consiste na escolha de estratégias
discursivas que o jornalista fará para construir determinada narrativa.
Assim como sugerido pelo autor, esses procedimentos serão utilizados para
melhor entendimento e compreensão das narrativas das reportagens analisadas. No
nosso entender, identificação dos conflitos e funcionalidade dos episódios é a análise da
construção detalhista da cena e dos diálogos, pois nesse procedimento é feita a seleção
do acontecimento para posterior construção da narrativa, assim como observamos no
New Journalism. a Construção de personagens jornalísticas é a análise do registro dos
gestos cotidianos, pois ambas têm como função a descrição dos personagens como um
todo. E por fim, as Estratégias Comunicativas representam o ponto de vista em 3ª
pessoa. Desta forma, os procedimentos elaborados por Motta vêm ao encontro das
estratégias do New Journalism destacadas por Resende.
Ao final dessas análises, pretende-se confrontar os pontos em comum e
identificar as características das narrativas praticadas nas reportagens da revista Caros
Amigos, formando, espera-se, um pequeno corpus de narrativas da revista pesquisada,
como sugere Roland Barthes (2001).
73
3.4. A
NÁLISE
No processo de análise das reportagens da revista Caros Amigos será destacado
o foco diferenciado que a revista procura mostrar em suas matérias. A análise será feita
por amostragem. As matérias foram divididas em três categorias distintas, segundo o
conteúdo:
1) Registro dos gestos na perspectiva do repórter
Análise de reportagens que os jornalistas participam do acontecimento junto
com as personagens.
2) O outro lado da notícia
Análise de reportagens que tenham como característica central o recorte
diferenciado em comparação com o tratamento dado pela grande mídia.
3) Natureza do Jornalismo
Análise de reportagens que abordem o jornalismo como tema central.
Desta forma, será evidenciado no processo de análise das reportagens tanto a
forma - tratamento narrativo quanto o conteúdo. Abaixo um quadro com as
reportagens divididas em categorias segundo o conteúdo. Todas as categorias abrangem
os procedimentos que serão adotados quanto à análise da estrutura narrativa.
74
CATEGORIA REPORTAGEM JORNALISTA CONTEÚDO REPORTAGEM
“Saudemos estes homens
famosos”
Guilherme Azevedo e
Marcelo Min (fotógrafo)
Repórter e fotógrafo passaram duas semanas no bairro
paulista Jardim Saint Moritz
“A grande marcha” Claudia Ferreira A repórter acompanha a grande marcha: de Uberlândia
à Brasília. Foram 22 quilômetros diários durante 17
dias. (capa)
“O Clandestino” Natalia Viana Sobre os ônibus que fazem transporte interestadual
ilegalmente. A repórter embarca num desses
“clandestinos”.
REGISTRO DOS
GESTOS NA
PERSPECTIVA
DO REPÓRTER
“A noite dos destelhados” Aloísio Hildebrand de
Abreu
O repórter acompanhou uma invasão de sem-tetos a
um prédio abandonado no centro de São Paulo.
“A imprensa não ouviu o
outro lado”
Marcos Zibordi Sobre os assaltos que ocorreram na rua da 8 DP
durante a cobertura do caso Isabella Nardoni.
“Fome na Terra e foguetes
no céu”
Flávia Regina Sobre a vida miserável dos moradores de Alcântara /
MA, enquanto o primeiro foguete brasileiro com seres
vivos era lançado do Centro de Lançamento de
Alcântara.
“Isto é possível” Carlos Azevedo Sobre uma cadeia exemplar localizada na cidade de
Bragança Paulista / SP. Lá a comunidade civil é
responsável pela administração da cadeia junto com os
presos.
O OUTRO
LADO DA
NOTÍCIA
“Um fato jornalístico Palmério Dória, João
Rocha, Marina Amaral,
Mylton Severiano, José
Arbex e Sérgio de Souza.
Sobre o filho de 8 anos de Fernando Henrique Cardoso
com uma jornalista da Globo. (capa)
“Paisagem mental dos
estudantes de jornalismo”
Marcos Zibordi Sobre o que pensam os estudantes de jornalismo em
relação à profissão.
“O que realmente pensam
os estudantes de
jornalismos”
Os estudantes entrevistados
na matéria anterior
Os estudantes não gostaram da edição da matéria do
mês anterior e pediram espaço para dizer o que eles
realmente pensam.
“Uma quase reportagem Marina Amaral A repórter relata uma meia reportagem e conta o que
não deu certo.
NATUREZA
DO
JORNALISMO
“Jornalismo Disney” Renato Pompeu Críticas a grande mídia
75
3.4.1. R
EPÓRTER
-
PERSONAGEM
:
UMA NARRATIVA DIFERENCIADA
(categoria Registro dos gestos na perspectiva do repórter)
Abaixo veremos narrativas com o processo de construção que muito se
assemelha às técnicas de produção do New Journalism, os repórteres mergulharam nos
cenários para desvendar o cotidiano dos grupos por eles escolhidos, utilizando a
descrição das cenas e das personagens, assim como a ampla utilização dos diálogos
como função narrativa. O tema das reportagens é também instigante, tem um olhar
distinto de outras matérias com o mesmo assunto.
Wolfe, ao analisar a prática do repórter na elaboração de matérias que tenham o
New Journalism como instrumental narrativo, afirma que “o nosso maior problema
como repórter é, apenas, conseguir ficar ao lado da pessoa sobre quem escrevemos
durante tempo suficiente para as cenas ocorrerem diante dos nossos olhos”
(WOLFE,2005: 64). Para o autor, é no texto que as observações do jornalista serão
contempladas. Os jornalistas abaixo seguiram os passos de Wolfe.
O repórter Guilherme Azevedo, que redigiu “Saudemos estes homens
famosos”
118
escreveu no início de sua reportagem:
É agora tempo de contar. Contar para mudar, contar para apaziguar,
para fazer sonhar. A tarefa, imensa, ficou comigo, cronista de pouca
monta. Perdoai. Ainda que a escrita o esteja à altura do que os
acontecimentos exigem, penso e isso me tranqüiliza um pouco, me
desentristece – que o pior mesmo seria calar.
E em seguida revela que:
aqui [nas páginas da Caros Amigos] se lerá a história de uma viagem
que eu e o fotógrafo Marcelo Min fizemos. Um simples relato dessa
jornada, um recorte de realidade que atravessamos e nos atravessou. O
que se seguirá não é uma realidade pura, mas apenas aquilo que se deu
visto por nós.
Nesses primeiros trechos, antes de anunciar o tema de sua reportagem, o
jornalista esclarece que não é possível relatar uma verdade, mas que a partir de indícios
e vestígios redigiu a sua narrativa. Ele afirma ainda que as histórias chegaram muito
antes de nós. Chalhoub (1990) concorda, pois defende que buscar a indeterminação dos
fatos é primordial para a compreensão da narrativa.
118
Caros Amigos, São Paulo, 68, agosto de 2000.
76
“Saudemos estes homens famosos” aborda em sua narrativa parte do cotidiano
do bairro de São Moritz, na cidade de São Paulo. As personagens serão os moradores
que residem ao redor de um campo de futebol. Existe um dilema que é a permanência
ou não do “campão” naquela comunidade.
As crianças, muitas descalças, no chão sujo, sem camisa brincam
no Campão, jogam bola, cantam e batem palmas, fazem algazarra. A
mulher estende as roupas na frente da casa, na beira do campo. O
homem esdesde cedo esperando trabalho, que não deu as caras por
aqui hoje. Entanto, se deve continuar. O almoço tem de estar pronto
logo porque o filho vai chorar. A vida ainda tem que se ganhar. O dia
é curto, a vida é curta, a grana e curta, não pode parar.
Outros moradores lutam pela construção de uma escola ou posto de saúde
naquele espaço. Reclamam da terra vermelha que suja suas casas e da falta de
infraestrutura do bairro.
O que não foi explicado até o momento, amigo leitor, é que o
conjunto de casas construídas à volta do campo, faz parte das
estatísticas da prefeitura com uma das 29 áreas de ocupação irregular
de Taboão.
A estrutura narrativa dessa reportagem é construída a partir das experiências
vividas pelo repórter: a observação e as conversas com as personagens.
Da laje de dona Toninha, onde estamos sentados em silêncio neste
final de tarde, podemos divisar o campo e suas casas e sua gente.
ao fundo, a leste, o Portal do Morumbi, um dos conjuntos residenciais
mais ricos da cidade de São Paulo. O campo mergulha em sombra,
e o sol, por capricho ou mesquinhez? derrama seus últimos raios
apenas sobre os altos dos prédios ricos. A noite cai. Apaga-se o
cenário ao fundo e, um pouco mais à esquerda, a nordeste e mais
distante acendem-se as luzes das torres de transmissão da avenida
Paulista. As casas ao redor do campo também se iluminam, e o
movimento fora delas começa a diminuir. Logo mais, por volta das 22
horas, não se vê mais ninguém ali, exceto os que retornam da escola.
Para Motta (2005), “a construção das personagens é uma estruturação de
condutas humanas, que fornecem ao narrador a matéria-prima e os modelos”.
77
Dárcio Marques, atleta do Remo, que na semana atua como
metalúrgico, justifica sua defesa do Campão argumentando que ele
existia bem antes da construção daquelas casas – o que é verdade, pois
o campo está ali pelo menos vinte anos e as primeiras casas
começaram a aparecer há cerca de dez anos – e destaca a função social
do futebol. “Se não tiver o campo, a cabeça da molecada vai ficar
aberta para coisa ruim”.
Sendo assim, é permitido ao repórter a escolha do comportamento e das
condutas, tanto na produção da matéria nas ruas, quanto na redação. Durante a narrativa,
Guilherme Azevedo descreve com riqueza de detalhes o cenário e as personagens. Traça
o perfil dos moradores a partir de depoimentos e revela o perfil profissional, religioso e
escolar de suas personagens, além de abordar a violência que por existe. Para isso, o
repórter utiliza integralmente os diálogos trocados entre ele e os moradores.
“A sua casa é própria?”, pergunta o repórter. “Sei o que que é”,
responde dona Meire Brício Félix, esposa de seu Isaac.
Azevedo destaca também em sua reportagem a opinião dos moradores sobre a
permanência do campo de futebol. Por fim, busca na Prefeitura de São Paulo, a
informação de que o campo será de fato desativado.
Para a construção da narrativa o repórter e o fotógrafo ficaram duas semanas
vivendo naquela comunidade. Durante aqueles dias, os passeios pelo bairro e as visitas
aos moradores eram constantes. Numa das casas, por exemplo o repórter diz o que vê:
Dalila entra no quarto e traz de uma pasta com trabalhos que fez no
colégio. Mostra uma redação de duas páginas escrita por ela e conta
que prefere “escrever à noite”. A reportagem faz menção de partir,
“Não ofereço café porque não tenho”, desculpa-se a mãe. Depois, em
nova visita a casa: hoje tem café, oferece o marido.
Num outro momento, um dos moradores compara um prato de mocotó com o
medicamento viagra, após narrar o fato o jornalista redige que “o decoro impede que o
repórter teça comentários mais aprofundados sobre os efeitos de santo remédio”. Na
narrativa também fica registrada a impressão e o desejo do repórter.
Uma história bem brasileira em que um campo de futebol cede lugar a
uma escola. Triste, pelo lado da várzea. Feliz, pelo da educação. O
ideal mesmo seria que não houvesse a necessidade de fazer uma
escolha. Queremos tudo ao mesmo tempo, porque são todos bem
78
indispensáveis. Lazer e cultura, futebol e escola. E não isso:
queremos também um posto de saúde e uma creche e um posto
policial. E exigimos isso só porque não temos. E não é pedir demais, é
só o que se deve ter por direito.
Claudia Ferreira utilizou uma narrativa parecida em a “A grande marcha”
119
,
reportagem que narra a trajetória da repórter durante uma caminhada de vinte dias.
Cláudia acompanhou a Marcha Popular pelo Brasil – de Uberlândia até o destino final -,
que percorreu ao todo 1600km, do Rio de Janeiro a Brasília em 74 dias. Participaram do
evento mil e cem marchantes advindos de vinte e três estados diferentes. A caminhada
teve como objetivo a construção de um projeto de desenvolvimento que envolvesse o
povo. Foi uma manifestação blica contra o governo. A caminhada diária era de vinte
e dois quilômetros em média.
A narrativa dessa reportagem consiste num formato de diário. A cada dia, a
repórter cria tópicos: data e local, e assim relata os acontecimentos. Antes de iniciar a
descrição dia a dia, a repórter se apresenta como personagem da reportagem:
É o meu primeiro dia de caminhada. Mal podia imaginar que
presenciaria uma tragédia logo nesse primeiro dia. Com a mochila nas
costas, esforço-me para acompanhar os passos largos dos
caminhantes, que, desde a saída do Rio de Janeiro no dia 26 de julho,
mantém a média surpreendente de 6km por hora.
Nessa reportagem fica evidente como os acontecimentos secundários
enriquecem a narrativa da repórter. A indicação sobre a tragédia destacada no trecho
acima é referente ao fato de que um dos caminhantes se afogou durante o banho no rio
no fim daquele primeiro dia de caminhada da repórter. Ele havia desobedecido a uma
das regras do grupo, pois os marchantes, que não sabiam nadar, não poderiam passar de
um limite estipulado. O rapaz fazia parte desse grupo. Outros também não acataram as
normas e foram punidos pelo grupo.
Para Motta (2005) a identificação de conflitos pode promover a funcionalidade
da narrativa. Em vários momentos a repórter utiliza seus próprios dramas para narrar
episódios secundários: “enquanto subimos a serra, tento não pisar nas formigas que, tão
cedo como nós, estão na estrada, carregando lasquinhas de plantas”. Ao mesmo tempo,
é possível verificar que Cláudia preocupava-se com o cenário, assim como Wolfe, que
afirma ser impossível redigir uma narrativa sem interessar-se pela observação. Mas,
119
Caros Amigos, São Paulo, 35, Novembro de 1999.
79
diferente do autor, que utilizava em suas reportagens a terceira pessoa, a repórter redige
sua matéria em primeira pessoa.
Adiante, a repórter prossegue descrevendo em detalhes os cenários.
Às 4 da manhã, ainda escuro, levantamos e nos preparamos para mais
um dia de caminhada. Saímos em silêncio, para o incomodar os
moradores que nos receberam tão bem. Na saída da cidade, o cheiro
do pão quentinho provoca o estômago dos marchantes ainda em
jejum.
A cada depoimento inserido, as personagens eram identificadas: nome,
profissão, idade e naturalidade e a opinião de cada um sobre a Marcha Popular pelo
Brasil. Assim como Guilherme Azevedo, Cláudia utiliza os depoimentos a partir de seus
diálogos com as personagens. Num dado momento, deixa claro que seu objetivo naquela
marcha é distinto ao de todos aqueles marchantes: “Digo que estou cansada. Em coro os
companheiros entoam um dos ditos da marcha: Na luta do povo ninguém se cansa”.
O objetivo da marcha também está presente em toda a narrativa. A repórter
destaca os discursos políticos presentes nas falas das personagens.
Esses movimentos trazem a consciência , alertam. A sociedade
não recebe a mensagem como tem vontade de reagir, de valorizar o
que tem. Eles desempenham um papel educacional com vantagem de
lidar diretamente com a realidade. (depoimento da diretora de uma
escola visitada pelos marchantes)
Também estão presentes na reportagem personagens-temporárias. A cada
cidade-parada, surgem novas pessoas na narrativa. São eventos pontuais, como missas,
palestras, exibições de filmes e até eventos dançantes. Para a apresentação e
funcionamento desses episódios, as personagens-temporárias são apresentadas para dar
movimento à narrativa. A distensão dos símbolos ao longo da história e a inserção de
episódios eventuais podem enriquecer a forma narrativa. Barthes afirma que esses
eventos são expansões imprevisíveis.
Abaixo mais um exemplo de imprevisibilidade:
por causa da noite sem lua, os rapazes da minha brigada acendem uma
vela e percebem os fones no meu ouvido. Com saudade de casa, da
cama macia, dos lençóis limpos, do banho quente, permiti a mim
mesma um único conforto: levar a música comigo. Manoel Roque,
vinte anos, pergunta que tipo de música eu gosto. “Música negra
americana”, respondo. Ele faz uma careta. A palavra mágica
80
“americana” desperta uma discussão na barraca. “E você entende
tudo que eles falam na música?”, pergunta um. “Isso é mesmo coisa
de burguês”, define outro. Antes de me sentenciarem, peço que me
deixem contar um pouquinho da história do movimento negro
americano. Falo dos Panteras Negras e de Martin Luther King. Os
ânimos se acalmam. Quase todos já tinham ouvido falar do líder negro
assassinado em 1968. A conversa ainda se estende por meia hora.
Manoel encerra o debate. Tem de dormir cedo porque amanhã vai
integrar a equipe de panfletagem. Decido que vou com ele.
É a partir das conversas imprevisíveis que a repórter decide seu destino a cada
dia. Os caminhantes são divididos em brigadas e todos têm atividades pré-definidas para
o bom funcionamento da marcha. Apesar de passear entre as brigadas e os grupos, a
repórter também tem seu lugar definido.
“Nas fileiras, a conversa é a chegada a Brasília e o fim da marcha. Todos
estão sentindo ter de deixar os amigos de luta e voltar para casa”, enquanto isso a
repórter revela que “antes de pegar no sono, penso com preguiça nos 24 quilômetros de
amanhã”. Foi assim que nasceu “A grande marcha”. Também faz parte da reportagem o
esforço físico e mental da jornalista,
Rotina de marcha. Acordar às 4 horas da madrugada e caminhar.
Cansaço e mau-humor. Durante a noite, o temporal que caiu fez uma
fenda na barraca. Acordei toda molhada. Minhas coisas também
tomaram chuva, fiquei sem uma peça de roupa seca. Marchei com a
roupa e o tênis molhados e uma blusa de emprestada por causa do
friozinho. Quando chegamos em Luziânia, tratei de encontrar uma
lavanderia com secadora de roupas para resolver o problema.
Na reportagem intitulada “O clandestino”
120
, a repórter Natalia Viana aborda o
transporte interestadual ilegal. Para a elaboração dessa matéria, ela escolhe viajar num
ônibus clandestino. Aqui, a autora escolhe a estratégia comunicativa que será
utilizada na narrativa da reportagem. A partir do momento em que decide embarcar
junto com os passageiros daquele ônibus, a repórter escolhe ser testemunha daquela
vivência. Inicialmente, descreve a localização e o funcionamento das agências
clandestinas na cidade de São Paulo. Das três características do New Journalism
destacadas nessa análise, a única que não aparece em “O clandestino” é o ponto de vista
em 3ª pessoa. Todas as outras estão presentes em toda a narrativa.
A repórter começa a narrativa descrevendo a sua ida ao bairro da Sé na cidade de
São Paulo para comprar a sua passagem para o nordeste brasileiro. Ela escolheu como
120
Caros Amigos, São Paulo, 109, abril de 2006.
81
destino a cidade de Recife. Existe um cronograma de saída. A cada dia da semana os
ônibus partem em direção a determinadas cidades. A primeira descoberta da repórter é
no momento do embarque: todas as agências clandestinas espalhadas pela Sé vendem
passagem para um único ônibus. A chegada a Recife, que estava prevista para domingo
pela manhã, ocorreu à noite. Foram mais de 48 horas de viagem. O ônibus
clandestino leva cerca de oito horas a mais do que um regular, pois vai cortando
caminho por estradas sinuosas para evitar alguns postos da Polícia Rodoviária. Na
viagem São Paulo-Recife os motoristas dispensaram cerca de R$ 700,00 com subornos.
Natália divide sua reportagem em subtítulos: o momento da compra; o embarque, a
viagem, os companheiros de viagem, informações legais diversas e outros momentos
dramáticos vivenciados durante aquela viagem.
Quanto aos procedimentos estabelecidos por Motta, verifica-se que a função da
narrativa, a partir das cenas escolhidas pela repórter, é informar o leitor. Muitas das
informações apresentadas pela jornalista não seriam descobertas sem que ela
embarcasse num dos ônibus clandestinos. No entanto, sua reportagem não é
simplesmente informativa. A autora relata o funcionamento do transporte clandestino -
de São Paulo para Nordeste. E Ela revela também todas as agruras desse tipo de viagem,
a partir da descrição dos personagens, de seus gestos e de suas histórias de vida. A
repórter descreve o guichê de venda das passagens, explica que não adianta escolher
uma entre tantas agências, pois todas vendem passagens para o mesmo veículo. E ainda
contempla o leitor com informações sobre as leis rodoviárias, as empresas legais, as
condições das estradas entre outros dados factuais que têm gancho com o transporte
ilegal.
A jornalista utiliza a descrição das personagens em momentos distintos para
construir sua narrativa. Ora para situar sua posição naquela viagem,
Maria, ao meu lado, tem cerca de 60 anos, duas filhas que moram em
São Paulo e um filho que mora com ela em Arapiraca, Alagoas. É neta
de uma índia de cabelos claros e lisos, que diziam ter sido encontrada
no mato, entre cachorros selvagens.
Ora para trazer informações ao leitor, como quando descreve a reclamação de
um dos passageiros sobre o momento de seu desembarque na entrada de uma cidade.
Esse passageiro resmunga que comprou a passagem até a rodoviária. E o motorista fala:
“A gente não pode nem entrar na rodoviária!”. Ao destacar essa fala, a repórter sinaliza
para o leitor que as agências clandestinas vendem gato por lebre. Durante toda a
82
narrativa utiliza-se da primeira pessoa, mostrando ao leitor que serviu de testemunha
para todas aquelas descrições de cena e discursos. A última frase de sua reportagem é:
“E sigo o meu rumo. Sem deixar de reparar que, em Olinda e Recife, quase todos os
postes exibem um cartaz escrito a mão: “São Paulo ou Rio por 180 reais”. Esta frase
revela que a repórter teria mais para contar, desta forma deixa claro que “Clandestino” é
apenas uma versão, a sua versão daquela viagem. Claro que repleta de informações
importantes, mas aquela é apenas uma viagem dentre tantas outras que acontecem todos
os dias nas estradas do país.
Em “A noite dos destelhados”
121
, o repórter, Aloísio Hildebrand de Abreu,
acompanhou passo a passo uma ousada operação planejada e executada com sucesso
por moradores de rua de São Paulo: a invasão a prédios públicos e privados
abandonados.
Centro de São Paulo, 10 de maio de 2002, 10 e meia da noite. A sexta-
feira esta chegando ao fim e quem passa em frente ao edifício número
123 da rua Ana Cintra, esquina com a avenida São João, não pode
imaginar que por trás das três grandes portas de aço que dão acesso à
calçada está em curso um plano que vai sacudir a madrugada e dar
muita dor de cabeça às autoridades policiais e políticas da capital: a
ocupação em massa de prédios abandonados.
A partir daí, a narrativa ganha como tópicos os horários em que vão surgindo os
acontecimentos. As metáforas e o texto informal são características dessa narrativa.
Em 2 minutos, cronometrados as seiscentas pessoas já ocupavam o
edifício, que tem dez andares e amplos salões e está desativado
dezessete anos. Roupas e objetos que caíam ficavam esquecidos pelo
chão. Jovens puxavam os mais velhos e esses empurravam quem
tivesse na frente, sobre as cabeças da multidão crianças eram içadas e
atravessavam na horizontal, bebês eram entregues a estranhos para ser
carregados, até as famílias encontrarem seus espaços e se alojarem nos
salões acarpetados e empoeirados.
Posteriormente, quando
muitos já dormiam, encolhidos juntos a parede, urros de comemoração
voltam a ecoar. Chegava a informação de que mais sete prédios
haviam sido ocupados na cidade. Aquela era, sem dúvida, uma
madrugada atípica em São Paulo.
121
Caros Amigos, São Paulo, 63, junho de 2002.
83
Através de uma das personagens, o repórter acrescenta à sua narrativa o objetivo
daquela ação:
Marcos Antonio Moraes, 38 anos, que ocupou com a esposa e seus
oito filhos o San Marino naquela turbulenta madrugada, resume o
pensamento de todos que continuam no local “pretendemos
permanecer aqui até que nos seja dada uma solução, na rua é que não
podemos ficar”.
3.4.2. A
NOTÍCIA E SEUS POSSÍVEIS RECORTES
(categoria O outro lado da notícia)
O processo de produção da notícia da Caros Amigos não se assemelha em nada
com o dos veículos da grande mídia. A revista utiliza-se largamente da etnografia e do
trabalho de campo no processo de apuração das reportagens, desta forma a narrativa
também se diferencia, pois tendo uma boa quantidade de detalhes sobre o
acontecimento, a redação também torna-se mais rica e detalhada. Mas não é isso, é
permitido ao repórter da Caros... escolher a forma de escrita que utilizará nas páginas da
revista. Na redação da revista não existem manuais nem técnicas de fazer jornalismo.
Depois de ter a pauta definida o jornalista escolhe o caminho a seguir.
Nesse sentido, as reportagens da Caros... escapam o modelo hegemônico
também por valorizar como notícia, outros elementos. Deste modo, elas não se
submetem a uma padronização no âmbito da linguagem. Hall (1999:233) afirma que o
significado da utilização de uma linguagem única é a uniformização das idéias dos
veículos da grande imprensa. Para o autor, o processo de produção da notícia
é uma transformação; e tais transformações necessitam de trabalho
activo por parte dos media. O seu efeito geral é, todavia, o de ajudar a
fechar o círculo pelo qual as definições dos poderosos se tornam parte
da realidade dada como adquirido pelo público, traduzindo o mundo
não familiar para um mundo familiar. Tudo isto se encontra na
fórmula simples de os jornalistas, apesar de tudo, saberem melhor do
que ninguém, transmitir coisas ao público.
Em “A imprensa não ouviu o outro lado”
122
o repórter, Marcos Zibordi, fez uma
cobertura atípica diante do grande evento que ocorria na 89ª Delegacia de Polícia em
São Paulo. Tratava-se do caso da morte da menina “Isabella Nardoni”. A grande
122
Caros Amigos, São Paulo, 134, maio de 2008.
84
imprensa tomava conta das ruas para dar prosseguimento à cobertura do caso em seus
noticiários. Enquanto isso, casas e transeuntes eram assaltados ao redor da delegacia.
Zibordi inicia sua narrativa com uma crítica à grande imprensa: “nem sempre
quantidade é sinônimo de qualidade, e se alguém duvida da cegueira e surdez dos
nossos “profissionais”, vamos aos detalhes da ocorrência diante da delegacia mais
famosa de São Paulo, a 89ª DP”.
A partir de uma breve descrição do caso midiático, podemos afirmar que o
repórter utilizou a narração para iniciar sua reportagem:
Enquanto repórteres e curiosos entupiam a frente da delegacia onde
estava presa a madrasta de Isabella, um ousado assalto que envolvia
uma menina de 10 anos ocorria do outro lado da rua. E ninguém
percebeu nada do mais evidente dos roubos ocorrido nos primeiros
dias de abril na região da 89DP.
Mais adiante a narrativa detalhada da cena impressiona o leitor, pois o repórter
não estava presente durante a mesma. Toda a descrição do assalto contida na
reportagem foi construída a partir dos relatos das personagens envolvidas.
Avó, neta e cachorra ouvem a movimentação e descem até a garagem.
Também são rendidas. O motorista é quem pede para abrir o portão
eletrônico, manobra o carro na rua íngreme, meticuloso, entra de ré na
garagem.
Durante a entrevista com uma de suas personagens, Rita, o repórter indaga: “O
tumulto na rua facilitou o assalto? Caso os repórteres tivessem se dado conta, o roubo
teria virado notícia? As repostas também são contempladas na narrativa: “Sem
dúvida”, Rita responde a primeira pergunta e prossegue: “Não, porque pequenos
detalhes já não fazem mais diferença. São valores invertidos, literalmente”.
Para Medina (1988), a entrevista jornalística é uma técnica de obtenção de
informação unilateral. Mas o diálogo entre repórter e entrevistado pode-se dar de
diferentes maneiras. Assim como no New Journalism, a equipe da Caros... valoriza o
diálogo mais humanizado.
Rita, uma das personagens e cidadã já conhece as tramas da mídia e percebe com
clareza que o assalto em sua casa jamais seria notícia para a grande mídia. A
personagem tentou ir à delegacia algumas vezes. Numa delas ao descer do carro, se viu
entre repórteres e microfones. Zibordi surge como personagem:
85
Telefono para a 89ª DP na tarde de 23 de abril. Quero conversar sobre
o assalto à casa de Rita. O chefe dos investigadores estranha: “Assalto
no numero 90? É aqui do lado! Não estou sabendo de nada, mas no
final da tarde, quando meu pessoal voltar, terei uma posição. Você
tem o número do boletim de ocorrência aí?”
E mais uma vez:
No outro dia pela manhã, vou à delegacia. Explico a pauta a alguns
investigadores, termino a conversa na sala da delegada. Ela me mostra
cartas de Ana Carolina [...] Após vinte minutos saio e, da calçada,
avisto a viatura parada em frente ao sobrado assaltado. Caminho até o
número 90. Dois investigadores conversam com os proprietários [...]
São convidados a fazer o reconhecimento fotográfico naquela mesma
tarde, exatas duas semanas após o assalto.
É com o mesmo recorte jornalístico, chamando para um outro lado da notícia, e
valorizando a personagem que faz parte do cenário comum que a repórter Flávia Regina
constrói a reportagem “Fome na terra e foguetes no céu”
123
. O cenário é
Alcântara, cidade maranhense que abriga o Centro de Lançamento de
Alcântara. A data da reportagem é 15 de março de 1999. Todas as
atenções de governos e mídias estão voltadas para o envio dos
primeiros seres vivos ao espaço por um foguete brasileiro. Enquanto
isso moradores da miserável cidade vivem a fome.
Foi entre o foguete e a fome que a repórter se deparou e percebeu que a fome
dos moradores da cidade era bem mais importante do que o lançamento de foguetes.
Chamando atenção para o modo de falar do entrevistado ela conta: “Ao mesmo tempo
que verbas milionárias são destinadas aos espaços siderais, brasileiros morrem de
fome”.
No início da implantação da Base Militar, “eles ofertaro muita
coisa, diziam que quando a gente saísse de para cá, entonce iam
botar, a gente não ia sofrer necessidade, os homens tinham emprego,
as mulheres também, tudo ia se emprega para ter o seu o de cada
dia”.
(...)
Maximiana Seguins, 29 anos, [que] lamenta que quase todos os seus
seis filhos sofram como problema mais vulgar do
123
Caros Amigos, São Paulo, 35, fevereiro de 2000.
86
subdesenvolvimento: vermes na barriga. “Esse aqui com cuspideira
e vive dizendo: “Mãe, com um azedo no estomago! Esse outro
com problema de vômito.”
Desta forma, a repórter oferece ao leitor a possibilidade de perceber a
personagem com um outro olhar. É uma outra informação que vem embutida na fala de
Maximiana.
Na busca de outras personagens, a repórter observa que
o lamento das caxeiras ecoa em todas as agro-vilas. assim, por
volta, das 11h30m da manhã, avistamos um trabalhador magro
chegando da roça. “O que o senhor trouxe no cofo?”, pergunto
“Fome”, ele responde.
Enquanto os veículos da grande mídia veiculam notícias sobre as rebeliões,
fugas e a falta de estrutura dos presídios brasileiros, o repórter Carlos Azevedo buscou
notícia num presídio de Bragança Paulista em São Paulo. Lá, residem 250 presos e não
ocorrem fugas nem rebeliões nem existe superlotação. Os direitos dos presos são
respeitados, além disso são tratados como cidadãos. Trabalham, estudam, organizam a
disciplina e ajudam na administração da cadeia. O repórter narra que na visita que fez ao
presídio para a construção de “Isto é possível”
124
,
a primeira coisa que me chamou a atenção na cadeia pública de
Bragança Paulista é que não havia um soldado da Polícia Militar de
guarda. Também reparei que o delegado e os carcereiros ficavam
discretamente em suas salas e que fora as chaves da primeira porta, as
chaves de todas as outras, incluindo das celas e corredores, estavam
sob responsabilidade dos próprios presos. Isso é cadeia?
A mudança aconteceu depois que a comunidade criou uma sociedade civil sem
fins lucrativos para cuidar da cadeia. A narrativa dessa reportagem é feita em primeira
pessoa. É a partir da visita à cadeia que o repórter interage com o leitor. Ele descreve os
cenários a partir das suas entradas nos ambientes, assim como descreve personagens e
cita diálogos ao longo da reportagem
Fui até o banheiro coletivo bem iluminado, limpíssimo, as toalhas de
banho dos sessenta presos do bloco dobradas em ordem e penduradas
lado a lado. Chão de lajotas brancas, paredes também brancas, pias e
torneiras novas, brilhando. Marcelo me informa que é o encarregado
124
Caros Amigos, São Paulo, 23, fevereiro de 1999.
87
do banheiro, auxiliado por outro preso. Ficam o dia todo ali e não
deixam que nada comprometa a limpeza.. “o pessoal colabora”, diz.
Num outro momento, relata: conversei com os presos que estavam ali, todos de
cabelos cortados, barbeados e limpos, com roupas comuns, nada de uniforme de
sentenciados. As celas cheiravam bem”.
E prossegue sua visita...
Enquanto ando pelos corredores, recebo cumprimentos cordiais dos
presos eles gostam que você de um aperto de mãos - , vou pensando
nas outras cadeias e distritos policiais do Estado, em regra
superlotados, conturbados por violências policiais, fugas, rebeliões e
mortes. Aqui não há isso, mas já houve muito.
Enquanto redige a reportagem, o autor-personagem direciona seu olhar à
narrativa, o que para Resende, significa “dar primazia ao ato jornalístico como prática
discursiva”. (2002:46)
Vamos voltar no tempo, a 1994. converso com dona Sandra, uma
vizinha da cadeia, que mora ao lado 19 anos. Ela é presidente da
Associação de Moradores e conta uma história que parece
inacreditável.
em Bragança Paulista, existia uma cadeia como todas as outras que são
noticiadas pela grande mídia. A transformação do presídio aconteceu a partir da
insatisfação dos moradores, pois era incômodo viver ao lado da guerra constante que se
dava na cadeia. Atualmente existe uma única cela, a de número dez, que comporta os
presos que chegam, que passam posteriormente por uma triagem, além daqueles que não
querem fazer parte do sistema daquele lugar. A organização administrativa é tamanha
que parte da verba pública direcionada ao presídio tem sido devolvida ao governo.
A partir de uma personagem secundária, Carlos Azevedo, relata em sua
reportagem o preconceito da sociedade:
Nessa tarde em que conversamos, Luciana está contente porque
conseguiu um serviço como faxineira e sua carteira de trabalho acaba
de ser assinada.. Mas diz que se apresentou com “separada”. Assim ,
se descobrirem que meu marido está preso, direi que é ex-marido, não
é mais meu marido, né? Mas dói lá dentro a gente ter que mentir.
88
A frase de Luciana utilizada na narrativa revela o tom coloquial da conversa
entre personagem e repórter. “Ao sair, dou um último olhar para o prédio em ruínas, as
vidraças quebradas. E concluo que ele é bonito com um velho buraco rangendo na
tempestade”. O prédio ao qual se refere é a construção que abrigava o presídio que não
existe mais...
A reportagem “Um fato jornalístico”
125
começou assim: o jornalista Palmério Dória ofereceu para a Caros
Amigos um artigo cujo título era “Presidente, assuma!”, referindo-se
ao filho gerado do romance entre Fernando Henrique Cardoso e a
jornalista Miriam Dutra quando o atual presidente da República era
senador. A jornalista trabalhava, e trabalha ainda, para a Rede Globo,
na ocasião como repórter em Brasília , hoje como correspondente em
Barcelona, na Espanha.
Levando em consideração, a complexidade do tema e as dificuldades que
surgiram para ir ao encontro de personagens, a reportagem ganhou vários repórteres.
São eles, Palmério Dória, o precursor; João Rocha, um jornalista brasileiro que reside
em Barcelona e que colaborou com a matéria; Marina Amaral que foi a repórter
responsável por contatar alguns dos veículos da grande mídia atrás do motivo que os
levou a não publicar a notícia; Mylton Severiano, que ficou responsável pelos contatos
com a Istoé e com o jornal carioca O Dia. E José Arbex Jr. que também passou a
colaborar com a reportagem, pois recebeu o telefonema de um deputado federal que
dizia: “Rapaz, eu quero te dar um toque, mas é em caráter pessoal. Eles [o governo]
acham que vocês estão fazendo uma matéria escandalosa sobre o presidente”. E Arbex:
“Ih, não é nada disso. Para piorar os caras tão mal informados (sic). A reportagem não é
sobre a vida do FHC, mas sobre a relação da mídia com o FHC, o silêncio cúmplice,
essas coisas...” Sérgio de Souza também foi contatado por Tão Gomes, editor da revista
Imprensa, que buscava o mesmo que o tal deputado que não foi identificado.
A reportagem inicia com o resgate da história: o caso amoroso entre FHC e a
jornalista da Globo, Miriam Dutra. Durante a narrativa, é comunicado ao leitor cada
passo dos repórteres e as dúvidas que abateram sobre os mesmos em relação à noticia.
Tratava-se ou não de uma reportagem?
Antes de qualquer coisa, precisaríamos ouvir Miriam Dutra e
procurar confirmar o “segredo polichinelo”, como dizem jornalistas
que conhecem a história.
125
Caros Amigos, São Paulo, 37, abril de 2000.
89
Em Barcelona, João Rocha estabeleceu contato com Miriam Dutra. “Olha, João,
eu não vou falar nada sobre essa história. Eu não sou uma pessoa pública. Se vocês têm
algo a perguntar, não é para mim. Perguntem para a pessoa pública.”. O repórter
recorreu ao porteiro de um antigo prédio em que morava Miriam, mas não conseguiu
muitas informações. Foi quando, repentinamente, durante um almoço com um amigo
também brasileiro João esbarra com uma brasileira. E por acaso, ela pergunta:
“Vocês são brasileiros, não?” E se apresentou: “Me chamo Tânia, sou
de Brasília, estou fazendo doutorado aqui na faculdade...”. Foi justo
no momento em que me deu um estalo e, com aquele tipo de palavras
que você não sente sair da boca, perguntei: “Você é amiga da Mirian
Dutra, não?” E ela, surpresa: “Ah, a Mirian, sou, como você sabe?” E
eu, ainda naquele estado: “É que ela me falou de você, que havia
chegado a pouco tempo e que estava procurando apartamento para
alugar”. “Procurando apartamento? Não imagina! Moro aqui três
anos!” Nesse momento, o mundo se contorce e não se entende mais
nada. Mas, como eu, ela também fazia doutorado e, momentos depois,
coincidências esclarecidas, resolvo puxar o assunto do filho do
presidente e explico minha relação com Miriam: o interesse no
suposto caso que Miriam supostamente teria tido com o presidente, do
qual supostamente teria nascido um suposto filho, supostamente
presidencial. “Suposto”, me interrompe a moça. “Suposto, não! É do
Fernando Henrique. Ela não te contou? É a cara do presidente!”
Enquanto isso, Marina Amaral ouve dos veículos da grande imprensa que a
matéria não foi publicada por não se tratar de um fato jornalístico. Neste fato evidencia-
se a interferência de outros campos sobre o jornalismo.
A Caros... publicou uma reportagem sobre a saga de cinco repórteres atrás de
uma história e de suas personagens. Na narrativa os diálogos travados entre os
repórteres e as personagens foram descritos na íntegra, assim como as ações de cada um
deles. Nesta matéria os jornalistas também se tornaram personagens. Abaixo um diálogo
de Mylton Severiano com Marcelo Pontes, do gabinete do Ministério da Fazenda, mas
que durante o suposto caso, trabalhava no JB:
Foi perceptível ao telefone seu desconforto quando anunciei o
assunto. Eu havia dito à secretária que falava em nome da Caros
Amigos. Mas atendeu logo. Ficou repetindo: 94, 94, 94, que que eu
fazia no JB. 94, 94, 94...” Lembrou-se então do que fazia o Informe.
Mas o jornal fez a matéria:
“Mas eu não posso falar pelo jornal. Ouvi boatos – boatos, estou
dizendo -, não tinha nenhuma prova. Nem considerei esse assunto de
vida pessoal fosse publicável.
“ – Mas nós sabemos que outras publicações foram atrás.”
“- Ah, me parece que o JB publicou algo sim, feito pelo Maklouf. Ta
bom? (louco para desligar)
90
“Agradeci, um abraço, desliguei”.
Após algumas tentativas de contatar o presidente Fernando Henrique, Marina
Amaral ouve de um membro da assessoria de imprensa da Presidência da República:
“Cabe a você como repórter encontrar uma maneira de falar com o presidente. Até
logo”.
3.4.3. E
M PAUTA
:
O JORNALISMO
(categoria Natureza do Jornalismo)
Não é comum ter como pauta o comportamento dos jornalistas, nem os furos
deixados por eles, a não ser em colunas criadas para tal fim. Mas na Caros...
encontramos diversas reportagens com esse tema. Algumas sobre o jornalismo de
maneira geral, outras contam causos vivenciados pelos repórteres da revista.
Renato Pompeu redigiu a reportagem “Jornalismo Disney
126
num tom de
crítica.
Se alguns órgãos da imprensa brasileira contam, décadas, com
seções de crítica à própria imprensa, e se são constantes as queixas
dos usuários e até de jornalistas quanto a manipulações que estariam
ocorrendo no noticiário, o fato é que , no mais das vezes, tais críticas e
queixas são baseadas em opiniões subjetivas e não em informações
objetivas sobre por que tal decisão editorial foi tomada pela direção de
cada meio de comunicação.
O jornalista descreve toda a narrativa citando jornais e revistas estrangeiros,
assim como alguns modelos de jornalismo. A personagem é o jornalismo, não existe
outro. Também não foi feita entrevista. citações de outros textos. Sendo assim, esta
reportagem é fruto não do cenário jornalístico, mas também das insatisfações do
narrador. Num dado momento cita Debray, ex-guerrilheiro que acompanhou Che e ex-
assessor do presidente François Miterrand : “Antigamente, quando você chegava com
uma novidade a um diretor de jornal, ele piscava os olhinhos e esfregava as mãos e dizia
entusiasmado: ‘Ótimo, ótimo, vamos publicar já. Ninguém está falando nisso”. Em
seguida, escreve: “Mas hoje, quando se chega a um diretor de jornal com uma novidade,
ele, faz um muxoxo de desprezo e diz isso não vamos dar. Não interessa . Ninguém está
falando nisso”.
126
Caros Amigos, São Paulo, 17, janeiro de 1998.
91
Na reportagem “A imprensa não ouviu o outro lado”, que já citamos numa
categoria acima, a crítica à imprensa também aparece, afinal enquanto jornalistas
aguardavam determinadas notícias na porta de uma delegacia, aconteciam assaltos ao
redor e nem repórteres, nem policias enxergavam outros fatos. Desta forma, o repórter
inicia seu texto:
Existem várias piadinhas sobre vacilos que repórteres cometem em
coberturas jornalísticas, anedotas contadas nas faculdades e redações,
tem a do sujeito que ia atrás da história de um morto, mas, no
caminho, a rua interditada. Prédio em chamas, pessoas saltando de
cima, bombeiros e ambulâncias. O caos impede a passagem do
repórter, que volta frustrado para a redação. Após relatar o sucedido
ao chefe, é despedido. trombou com o fato muito maior que a pauta
original e não percebeu.
Mas o contrário também acontece, quando outros interesses também estão em
pauta. Na reportagem “Um fato jornalístico” sobre o suposto filho do FHC:
o argumento de diretores de redação [de grandes veículos] em defesa
da não publicação da história que resolvemos contar é o de ela não ser
um fato jornalístico. Esquisito o considerar um Presidente da
República ter um filho fora do casamento com uma jornalista da Rede
Globo.
Ao analisar as duas notícias, percebe-se o quanto as rotinas produtivas dessas
redações interferem no campo jornalístico. Tais interferências podem fazer com que
fatos de interesse da sociedade deixem de ser publicados.
Durante dois meses penei com a espinhosa pauta vasculhar a
mentalidade dos futuros jornalistas. Seria reportagem de fôlego em
parceria com Marina Amaral, editora executiva de Caros Amigos, que
buscaria, nas redações e entre os profissionais, história para compor
um quadro descrevendo desde a formação universitária até o cotidiano
das empresas, incluindo os cursos de adestramento intermediários
entre a obtenção do diploma e o registro em carteira, entre outras
excrescências.
Assim começa a “Paisagem mental dos estudantes de jornalismo brasileiro”
127
.
Marcos Zibordi, o repórter, afirma que penou “por vários motivos, primeiro, que a dupla
de repórteres durou pouco. Marina, atribulada com esta e outras pautas, além dos
127
Caros Amigos, São Paulo, 121, abril de 2007.
92
preparativos dos dez anos da revista, tirou o doce da minha boca”. Desta forma, Zibordi
precisou encontrar outro fio condutor para a sua reportagem. Ele inicia a narrativa,
sempre na primeira pessoa, relatando as dúvidas que o arrebatavam na escolha de que
caminho traçar para aquela matéria. Pensou:
se como repórter e professor de jornalismo eu vivo discordando dos
paradigmas das duas profissões, como me posicionar escrevendo
sobre elas? Saquei a chance de expor algumas opiniões na forma e no
conteúdo deste texto, que era parcial, subjetivo e auto-crítico antes
mesmo de ser redigido. Ele também mostraria o meu ambiente
mental”
Resolveu cobrir durante uma semana um evento que aconteceria em São Paulo:
Congresso Brasileiro dos Estudantes de Comunicação Social (COBRECOS). Estava
disposto a dividir sua matéria entre os estudantes politizados e os não-politizados, mas
alega que não houve número de estudantes suficientes que mantivessem os grupos em
equilíbrio. Ficou então com a segunda opção: os perfil dos estudantes de jornalismo
não-politizados. Sendo assim, além de realizar entrevistas durante a cobertura do
evento, encaminhou questionários via comunidades de jornalismo do orkut, afim de
colher depoimentos dos estudantes de todo o país durante as férias escolares. A matéria
foi produzida no mês de julho.
A matéria não foi bem recebida pelos estudantes, a redação recebeu muitas
cartas criticando a matéria, afinal Zibordi havia escolhido um grupo que representava os
estudantes de todo o país.
Sou assinante, leitora da Caros Amigos e estudante de jornalismo.
Levei a edição de abril para a minha classe, do ano da USP, na
sexta-feira, dia 20 de abril. Todos ficaram interessados na matéria de
Marcos Zibordi, sobre nós mesmos. E compraram a revista. Passado o
fim de semana, quando tiveram tempo para ler o artigo, o sentimento
geral foi unânime: acharam a matéria superficial e tendenciosa.
Queríamos colocar fogo na redação da Caros Amigos.
Foi assim que começava a matéria “O que realmente pensam os estudantes de
jornalismo: por eles mesmos”
128
. A reportagem foi uma resposta ao repórter, publicada
na edição seguinte.
128
Caros Amigos, São Paulo, 122, maio de 2007.
93
De fato, Zibordi conseguiu nos tirar do sério! Merece uma resposta à
altura de sua provocação. Além disso, precisamos fazer com que os
leitores saibam que nem o que ele disse é verdade e que ainda existe
jornalistas, ou pelos menos estudantes de jornalismo preocupados com
muita coisa, além de virar âncora do Jornal da Globo.
Os jornalistas finalizam: Obrigada, Marcos Zibordi. Querido, estudar você!”
Nessa reportagem é evidenciado a maneira que a revista trata o seu leitor. A partir da
insatisfação desse grupo, Sérgio de Souza os convidou a responder diretamente na
revista, pois assim poderiam representar também outros estudantes através da resposta.
Nessa análise, observa-se que no fazer jornalístico contra-hegemônico também
acontecem divergências. A publicação da matéria “Paisagem mental dos estudantes de
jornalismo brasileiro” foi uma agressão o só aos estudantes, mas também aos leitores
da revista. É imprescindível considerar que os estudantes-personagens fazem parte do
círculo de leitores da Caros Amigos.
Marina Amaral revela sem pudores os bastidores de uma reportagem que não
deu certo. O título escolhido revela a frustração da repórter: “Uma quase
reportagem”
129
.
Ainda no Brasil, de malas feitas para uma viagem de férias à
Guatemala, lemos no site do jornal mexicano La Jornada, do dia 2 de
dezembro de 2000, que o subcomandante Marcos havia dado uma
coletiva em La Realidad, povoado sede da comandância do ELZIN.
(...) Parecia um momento ideal para tentar uma entrevista com o
homem, já que íamos a Guatemala, vizinha de Chiapas, não custava
dar um pulinho em San Cristóbal de Las Casas.
A repórter utiliza em sua reportagem os elementos do New Journalism: descreve
os cenários e as personagens com riqueza:
Em janeiro, as noites são frias mas não faltam xales, ponchos e
casacos de a bons preços, todos os dias centenas de famílias
indígenas provenientes da periferia da cidade ou das muitas aldeias ao
redor viajam a San Critóbal para vender artesanatos aos turistas. No
antigo e arborizado pátio das igrejas dominicanas de Caridad e Santo
Domingo, as mulheres quase sempre com um bebê no seio e um filho
maiorzinho nas costas, estendem suas esteiras e expõem a mercadoria,
tecidos fiados à mão, bonequinhas de cerâmica de pano nas ruas de
calçamento pé-de-moleque, como as de ouro preto, jovens europeus e
norte-americanos de bermudas desfilam suas mochilas coloridas,
atraindo os grupos de indiazinhas que tentam vender as muñequitas.
129
Caros Amigos, São Paulo, 48, março de 2001.
94
A reportagem revela toda a saga que a repórter viveu na tentativa de obter uma
entrevista:
Em nossa terceira noite em La Realidad, nos comunicaram que não
seríamos recebidos porque na semana anterior os zapatistas haviam
concedido entrevista para a nossa revista. Achamos um absurdo.
Como era possível alguém da Caros Amigos tivesse estado ali sem
que soubéssemos?
Marina Amaral fez um novo pedido.
Cometemos um erro fatal nessa tarde em La Realidad. Depois de ouvir
de Bernard que a resposta ao pedido de entrevista não viria antes do
dia seguinte, decidimos voltar a San Cristobal, sacar dinheiro com o
cartão de credito, pegar nossas roupas e fazer um novo contrato com a
locadora do carro. No dia seguinte voltaríamos a La Realidad. O plano
ocorreu bem até pegarmos de novo a estrada de terra. Depois de umas
duas horas de viagem, batemos em uma pedra e a luz do óleo acendeu.
Seguimos, mas o carro andava mais devagar e a viagem se tornaria
interminável. Os pequenos povoados surgiam a cada dez quilômetros,
não tinham postos nem mecânicos. Um morador disse para ir a El
Carmen, povoado um pouco maior, onde poderíamos conseguir óleo.
O sol estava caindo quando nos aproximamos de El Carmen. Um
jipe da televisiva, a maior emissora da televisão mexicana, passou por
nós e um mau pressentimento nos assaltou: será que o subcomandante
deu entrevista enquanto tentávamos fazer o carro andar? O fim de
semana foi perdido no resgate do carro, que acabou quebrando de vez
no meio da selva. Dormimos duas noites ao relento e gastamos todo o
dinheiro que nos restava com uma trinca de trencos um mecânico
mexicano, um guatemalteco, dono da perua que serviu de guincho e
um indiozinho que parecia empregado dos dois.
Para Marina Amaral “Boa parte do sucesso de uma reportagem depende de
chegar no momento certo e encontrar a pessoa certa. A sorte é um ingrediente
importante, mas o feeling não fica atrás é preciso perceber a oportunidade e agarrá-la na
hora. No fracasso em entrevistar o subcomandante nos faltaram as duas coisas”.
De volta ao Brasil, descobrimos que os comandantes do ELZIN o
haviam mentido. O fotógrafo Sergio Cardoso , colaborador da revista
que mora em Cuba e já tinha feito matéria para a revista sobre La
Realidad, esteve novamente nos dias em que tentávamos resolver
nossos problemas com o carro. Ele e o repórter André Deak
conseguiram se encontrar com o comandante Tacho e fotografar o
subcomandante Marcos, que também respondeu três perguntas.
95
As reportagens da Caros Amigos representam a possibilidade da feitura de um
outro jornalismo tanto sob o viés temático quanto sob à forma narrativa. A revista
rompe com os padrões delimitados pelo campo jornalístico e cria regras para cada
narrativa. No que diz respeito ao New Journalismo Wolfe afirma que
não há pecados capitais; não ainda, de qualquer modo... Se o jornalista
quer mudar do ponto de vista em terceira pessoa para o ponto de vista
de primeira pessoa na mesma cena, ou se quer entrar e sair do ponto
de vista de diferentes personagens, ou se quer saltar da voz do
narrador onisciente para o fluxo de consciência de outro alguém, ele o
faz. Para esses glutões do estilo a única regra é a do fora-da-lei, no que
se refere à técnica: tome-a, use-a, melhore-a.
130
Assim, também agindo “fora-da-lei”, a Caros Amigos é uma das representantes
de um movimento que fez revolução quase cinqüenta décadas. Traz em sua narrativa
elementos identificados por Sodré e Ferrari (1986), como: força, que tem a intenção de
arrebatar o leitor até a última palavra da reportagem; clareza com a intenção de
colaborar com força para que a história não se perca; condensação, que tem o objetivo
de aproximar os elementos da história; tensão, que causa suspense e por último,
novidade, que carrega consigo um ponto de vista diferente daqueles que os outros
veículos irão publicar. Para Medina e Greco “lidar com a visão de mundo do outro, dela
extrair a utopia humana e ceder competência técnica e cientifica para uma narrativa
solidária não é uma miragem, é uma possibilidade. A arte que o confirme”. (MEDINA
E GRECO, 1998:198)
130
WOLFE, Tom apud LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do
jornalismo e da literatura. Barueri / SP. Manole, 2004. p. 164
96
C
ONCLUSÃO
O transbordamento do campo jornalístico causado pela revista Caros Amigos é
percebido imediatamente na estrutura narrativa de suas reportagens. Durante a análise
das narrativas, percebemos que tanto a história o fato -, assim como o autor o
repórter -, são especialmente responsáveis pela produção e pelo resultado do texto, isto
é, pela reportagem. A valorização dos elementos secundários durante a produção da
matéria nos leva a crer que essas informações podem fazer com que o leitor conheça
mais de perto o cenário e as personagens daquele evento.
Notamos também diferentes recursos narrativos. Em alguns momentos o
tratamento utilizado parece ter a intenção de captar a atenção do leitor, aproximando-o
da situação. Em outros a escolha da personagem central e sua descrição se fazem
fundamentais para a elaboração da matéria. Além disso, existe na Caros... espaço para
assuntos que são “excluídos” pela grande mídia. Essa percepção foi importante na
escolha das reportagens selecionadas para análise. A soma da forma (tratamento
narrativo) e do conteúdo (tema) foi primordial para o resultado da análise das
reportagens.
Na categoria “registro dos gestos na perspectiva do repórter”, verificamos que a
imersão do jornalista no cenário e na convivência com as personagens é primordial para
que a descrição de seus relatos tenha mais vida. Na verdade, este modo de produção
permite que o repórter tenha conhecimento de fatos secundários, que valorizam não só a
narrativa, mas também a informação final. Os indícios e os motivos que levaram as
matérias a serem publicadas também são contemplados nas narrativas. A detalhada
exposição dos cenários e das personagens é traço marcante nestas reportagens, assim
como a utilização dos depoimentos para a construção dos perfis das pessoas envolvidas
nos acontecimentos. Percebemos, assim, a influência direta do New Journalism tanto na
apuração, quanto na produção da narrativa. Todas as matérias desta categoria
apresentam temas relevantes, inclusive, é esta a principal função dessas narrativas:
repassar a informação.
Em “o outro lado da notícia”, o recorte diferenciado é o que mais chama a
atenção, pois contrapõe com a oferta de notícias parecidas, às vezes idênticas, dos
grandes jornais e revistas. Essas narrativas também proporcionam ao leitor um olhar
diferenciado para determinados eventos. As reportagens são diferentes no conteúdo e na
forma, rompendo assim com a uniformização do campo jornalístico. Apesar de o
jornalista não estar presente durante o acontecimento do fato em si, as narrativas
97
possuem descrições detalhadas, o que revela uma apuração bem feita. O uso textual das
falas das
personagens também traz informações complementares sobre os eventos. O
modo de produção e os bastidores também estão presentes nas narrativas.
Em “a natureza do jornalismo”, a crítica e a discussão do jornalismo também
fazem contraste com outras reportagens. Não é comum encontrarmos nos veículos de
comunicação matérias sobre os modos de fazer jornalismo e seus insucessos. As
narrativas foram redigidas em primeira pessoa e a estrutura narrativa mantém certa
uniformidade com as reportagens das outras categorias, levando em consideração o
detalhamento dos relatos apresentados.
Em todas as narrativas da revista também percebemos um pouco das sensações,
desejos e até medos daquele que a escreve, pois o repórter está presente na estrutura
narrativa das reportagens. A presença do repórter na cena ou na narrativa, assim como o
compartilhamento desta informação com o leitor, permite que o relato não seja apenas
testemunhal, mas de alguém que participa dos fatos. É desta forma que o repórter se
coloca entre o leitor e o acontecimento.
A autoria jornalística é a herança do escritor que praticava no final do século
XIX e início do XX o jornalismo literário. Essa narrativa é um exercício de estilo, pois a
criatividade do jornalista-autor deve caminhar junto com as informações factuais que
devem ser repassadas naquele texto. Esse tratamento narrativo é também um
transbordamento das “normas”, pois extrapola todas as determinações reconhecidas pelo
campo jornalístico. Para melhor compreensão, deve-se perceber que entre a intervenção
do repórter, a estrutura da notícia e o tratamento narrativo, faz-se uma lacuna. Quando,
por exemplo, a reportagem é elaborada no formato do lide, não é repassado ao leitor
informações sobre os bastidores da notícia. No caso das narrativas aqui analisadas, esta
lacuna parece preenchida justamente com o compartilhamento do modo de produção.
Para Tuchman (1999), o jornalista é o sujeito do discurso, aquele que é produtor e
transmissor do conhecimento acerca da realidade. Esse é o cenário que encontramos nas
reportagens da Caros Amigos.
O resgate que se busca do New Journalism nos faz aproximar da autonomia que
têm tanto os repórteres da Caros Amigos como também o tinham os que criaram a
revista Realidade, em1966. Durante uma entrevista, Milton Severyano, questionado
sobre a influência do movimento americano no jornalismo da Realidade e da Caros
Amigos, respondeu que a maior influência recebida foi dos escritores-jornalistas João do
Rio e Lima Barreto.
98
Desta forma, constatamos que tanto o New Journalism como o jornalismo
literário brasileiro influenciaram o jornalismo da revista Realidade e posteriormente, a
Caros Amigos. A percepção dos jornalistas-autores diante dos acontecimentos é
compartilhada imediatamente com o leitor. A narrativa que mescla a objetividade com a
percepção dos jornalistas e que tem a observação como principal fonte de informação é,
sem dúvida, herança desses jornalismos.
As impressões pessoais do repórter, assim como suas inspirações e dificuldades
são reveladas durante a redação das reportagens. A autoria jornalística presente na
revista humaniza seus relatos, o que diverge mais uma vez da grande dia. Os
jornalistas das grandes empresas de comunicação em muito se assemelham aos
redatores de banca do século XIX – indivíduos que escreviam sobre qualquer assunto na
redação, sem ir às ruas. Aqui, ressaltamos, o impasse que existiu naquele século, ainda
paira sobre a nossa sociedade. As limitações impostas ao jornalismo pelo campo fazem
com que o fazer jornalístico seja único e não múltiplo como defendemos.
Nas reportagens da revista Caros Amigos, também percebemos que novamente a
autonomia do repórter com relação à escolha do tema contribui incomensuravelmente
para a produção de uma narrativa que privilegia em primeiro lugar a informação que
deverá ser repassada para a sociedade. Isso é possível, porque a revista não concede
privilégios para anunciantes nem para políticos e empresários. O caminho é árduo, pois
a revista tem uma receita baixa que não garante salários nem prerrogativas na produção
de uma ou outra reportagem.
A maioria dos jornalistas da Caros Amigos é constituída de colaboradores, isto é,
não tem salários. Mas colaboram mensalmente e são fiéis à proposta editorial da revista,
pois sentem-se livres para propor pautas e redigir suas matérias. Na redação não existem
manuais, os repórteres são também os autores de suas matérias. A descrição dos
cenários, objetos e pessoas, assim como das ações no texto jornalístico corroboram para
a aceitação de um outro escrever jornalístico. Nesse sentido, o modelo legitimado pelo
campo jornalístico, seria apenas uma outra possibilidade. A autoria jornalística presente
no modo de fazer jornalismo da revista Caros Amigos se sobrepõe ao modelo
hegemônico feito pela grande mídia e legitimado pelo campo.
Acreditamos que a finalidade do jornalismo seja fomentar um debate mais
consistente entre os indivíduos da sociedade na qual vivemos, desta forma seria uma
99
vitória permitir que o jornalismo contemporâneo utilizasse todas as ferramentas
disponíveis a fim de criar um fazer jornalístico
mais sedutor em prol da sociedade.
Analisando a hegemonia do jornalismo contemporâneo, percebemos o quanto
estamos distantes da busca de outro jornalismo. A revisão das práticas jornalísticas
reconhecidas pelo campo jornalístico se faz urgentemente necessária, pois a publicidade
e os outros campos que interferem na prática dessa profissão, interpõem-se à difusão das
informações via meios de comunicação. Não é raro perceber que o modo de produção
do jornalismo, em várias ocasiões, está impregnado por interesses pessoais, comerciais e
empresariais. Nesses casos, a coleta, a investigação e a análise de dados para a
elaboração da notícia tornam-se impraticáveis, pois o processo encontra-se imbuído de
determinada mensagem: aquela que responderá aos interesses individuais. Quando
acontece a veiculação, todos os cuidados foram tomados para que nenhuma
mensagem transmitida traga aborrecimentos. Afinal, essas empresas de comunicação
não podem perder futuras propagandas nem deixar de contar com seus benefícios
financeiros.
As rotinas produtivas e o lide podem possibilitar que os jornalistas tornem-se
guardiões dos interesses alheios em benefícios das empresas para as quais trabalham,
pois sabemos que o caminho desse jornalismo já foi desvirtuado há tempos. José Argolo
afirma que “o gosto pelo jornalismo investigativo infelizmente não se estende a todos os
profissionais que labutam no dia-a-dia das redações. Até porque esta opção se sobrepõe
ao jornalismo light adotado em alguns diários”.
135
Contudo, acreditamos que seja
possível a construção e a aceitação de um outro jornalismo em nossa sociedade. E para
tal, o ponto de partida seria exatamente a revisão do fazer jornalístico dominante das
grandes mídias.
A falta de transparência é o maior inimigo do jornalismo contemporâneo, mas a
sua estrutura física e jurídica, assim como a força que tais empresas jornalísticas
possuem seriam suficientes para darmos o pontapé inicial na busca de um outro
jornalismo. Sendo assim, o método indiciário de Ginzburg, as características do
movimento do New Journalism, o jornalismo literário, o resgate do jornalismo feito pela
revista Realidade e especialmente o jornalismo praticado atualmente pela revista Caros
Amigos podem contribuir para a revisão do fazer jornalístico hegemônico, para a
concepção de um outro jornalismo, que sem dúvida, se feito com ética e transparência,
pode contribuir para uma sociedade menos desigual e mais justa.
135
ARGOLO, José A. Caminhos para a investigação jornalística. Lumina. Facom/UFJF – v. 3, n. 1, p. 17-32,
janeiro/junho/2000.
100
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Universidade Federal de Uberlândia – UFU. São Paulo, 2004.
105
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Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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massa no Brasil. Petrópolis / RJ: Vozes., 1971.
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WERNECK, Nelson Sodré. A História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro:
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Humanas, Letras e Artes do Departamento de Lingüística, Letras Clássicas e
Vernáculas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004.
A
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FFLA de Albuquerque.
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Ulbra/AGE: Porto Alegre: 1999.
VILAS BOAS, Sergio. “O jornalismo é feito de muitos conteúdos não-noticiosos”. in
Observatório da Imprensa. (por Paulo Lima), 2006. Acessado 02/08/2007.
Endereço:.http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/site/busca.aspx?palavra=vilas+b
oas&procurar.x=26&procurar.y=60
ZELIZER, Barbie. Coverin the body: the Kennedy assassination,, tehe media and
shaping of collective memory. Chicago & London: University of Chicaco Press, 1992.
Cap. 1: Introduccion, narrative, collectvie memory ande journalistic authority. p. 1-13.
Traduzido para o português por MTGF de Albuquerque.
R
EVISTAS
:
Caros Amigos. Edições publicadas no período de Abril de 1997 até Maio de 2008.
Editora Casa Amarela. São Paulo.
Floreal. Rio de Janeiro, 1, Outubro/1907. (Consulta feita na edição virtual da revista
disponibilizada no site da Biblioteca Nacional)
Fon-Fon, Rio de Janeiro, 1, Abril/1907. (Consulta feita na edição virtual da revista
disponibilizada no site da Biblioteca Nacional)
Realidade número 1, de abril de 1966, escrito por Vitor Civita. Pesquisa realizada na
Biblioteca Nacional.
Revista Realidade. Ano II. Número 17. Agosto 1967. Pp. 24-34.
110
A
NEXO
I
Entrevista com Sérgio de Souza
Revista Caros Amigos, ano XII, número 123, abril de 2008. pp. 22-23
111
112
113
A
NEXO
II
Reportagem “Os Meninos do Recife”
Revista Realidades, ano II, número 17, agosto de 1967. pp. 24-34
114
115
116
117
118
119
120
121
122
A
NEXO
III
Reportagens da revista Caros Amigos
123
C
ATEGORIA REGISTRO DOS GESTOS NA PERSPECTIVA DO
REPÓRTER
Reportagem “Saudemos estes homens famosos”
Caros Amigos, número 68, novembro de 2002.
124
125
126
127
128
129
130
131
C
ATEGORIA REGISTRO DOS GESTOS NA PERSPECTIVA DO
REPÓRTER
Reportagem “A grande marcha”
Caros Amigos, número 35, novembro de 1999.
132
133
134
135
136
137
138
C
ATEGORIA REGISTRO DOS GESTOS NA PERSPECTIVA DO
REPÓRTER
Reportagem “O Clandestino”
Caros Amigos, número 109, abril de 2006.
139
140
141
142
C
ATEGORIA REGISTRO DOS GESTOS NA PERSPECTIVA DO
REPÓRTER
Reportagem “A noite dos destelhados”
Caros Amigos, número 63, junho de 2002.
143
144
145
C
ATEGORIA
O
OUTRO LADO DA NOTÍCIA
Reportagem “A imprensa não ouviu o outro lado”
Caros Amigos,
146
147
148
C
ATEGORIA
O
OUTRO LADO DA NOTÍCIA
Reportagem “Fome na terra e foguetes no céu”
Caros Amigos, número 23, fevereiro de 1999.
149
150
151
C
ATEGORIA
O
OUTRO LADO DA NOTÍCIA
Reportagem “Isto é possível”
Caros Amigos, número 37, abril de 2000.
152
153
154
155
156
C
ATEGORIA
O
OUTRO LADO DA NOTÍCIA
Reportagem “Um fato jornalístico”
Caros Amigos, número 17, setembro de 1998.
157
158
159
160
161
162
163
C
ATEGORIA
N
ATUREZA DO JORNALISMO
Reportagem “Jornalismo Disney”
Caros Amigos, número 17, setembro de 1998.
164
165
166
C
ATEGORIA
N
ATUREZA DO JORNALISMO
Reportagem “Paisagem mental dos estudantes brasileiros de
jornalismo”
Caros Amigos, número 121, abril de 2007.
167
168
169
170
171
172
C
ATEGORIA
N
ATUREZA DO JORNALISMO
Reportagem
“O que realmente pensam os estudantes de jornalismo: por eles
mesmos”
Caros Amigos, número 122, maio de 2007.
173
174
C
ATEGORIA
N
ATUREZA DO JORNALISMO
Reportagem “Uma quase reportagem”
Caros Amigos, número 48, março de 2001.
175
176
177
178
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