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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Michelle Marie Caldas Cruz
Sanções tributárias: uma visão constitucional
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Michelle Marie Caldas Cruz
Sanções tributárias: uma visão constitucional
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito Tributário, pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor
Doutor Antonio Carlos Mendes.
SÃO PAULO
2009
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BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
INRJ
Dedico este trabalho
À minha amada avó, ALBA DE MACÊDO CALDAS, pelo exemplo de fé,
sabedoria, benevolência, retidão e infinita ternura.
A meu pai, CLODOALDO CRUZ FILHO, meu maior orgulho, por ter me
proporcionado uma base familiar forte, pautada na fé, no amor ao próximo, na
caridade, na mais absoluta retidão, sem esquecer jamais de ser um pai extremoso e
bem humorado.
À minha mãe, MARIA DA SALETE CALDAS CRUZ, que sempre soube exercer
com excelência a sua missão de mãe e avó dedicada e amorosa.
Ao meu esposo, WILL KAMAYO ANDRADE SANTOS YVY, pelo exemplo de
que a busca do saber é uma prática prazerosa e instigante que deve ser exercitada
continuamente; e especialmente por todo o amor, carinho e paciência demonstrados.
À minha filha, ANNIE MARIE CRUZ SANTOS, linda luz da minha vida, razão
de minha alegria, amor infinito e incondicional.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a presença constante de Jesus Cristo e de Nossa Senhora Mãe
Santíssima no seio de minha família, sem Eles essa conquista não teria ocorrido.
Aos meus pais Clodoaldo Cruz Filho e Maria da Salete Caldas Cruz pela
torcida e apoio incondicional; aos meus irmãos Marcelle Marie Cruz Lopes e
Michell Ievisk Caldas Cruz pelo amor incomensurável; à minha vovó Alba por tudo
que ela representa na minha vida. A todos, peço perdão por ter tido de me ausentar
durante os seis longos anos em São Paulo. Saibam que a saudade foi muita, mas que
todo o sofrimento valeu para o meu crescimento pessoal e profissional.
Preciso agradecer aos meus compadres Gláucia Christiane e Euler Dave, não
pela dádiva de ser madrinha de Eric Dave, uma criança linda e amorosa, mas
também pelo apoio irrestrito de todas as horas, pela construção de uma amizade
sólida que certamente vai perdurar por todas as nossas vidas, independentemente da
distância física.
À “Dona Jandira”, a “Seu Zé”, e a “Binho eternos amigos paulistas que
conquistaram nossos corações para sempre. Agradecemos pelo convívio, por toda a
delicadeza, paciência, preocupação e carinho que nos oferecem.
Serei eternamente grata ao Professor Robson Maia Lins, por toda
demonstração de amizade, generosidade e apoio desmedido, principalmente no
momento mais difícil da minha vida, quando minha pequena Annie Marie adoeceu.
Confesso que me sinto incapaz de verbalizar fielmente meu sentimento de gratidão
e minha admiração por este homem de coração gigantesco, de alma pura e de uma
inteligência extraordinária. Preciso frisar ainda que este mestre, pai adotivo de todo
potiguar que chega à PUC-SP, é o responsável pela escolha do meu tema.
Ao mestre Paulo de Barros Carvalho por ter me acolhido com carinho no
Mestrado e em seu grupo de estudos. Por ser um exemplo de homem devoto,
humilde, determinado, generoso, e apaixonado pelo estudo científico tributário.
Preciso agradecer ainda ao Professor Roque Antonio Carrazza por seus
ensinamentos, por sua disponibilidade em ajudar a todos que o procuram, e
principalmente dizer da realização do sonho de ser sua aluna.
Aos professores do IBET que muito contribuíram nas minhas reflexões
acerca do direito tributário. Aos professores do Mestrado: José Artur Lima
Gonçalves, Tácio Lacerda Gama, Aurora Tomazini de Carvalho, Nelson Luiz Pinto,
Fabiana Del Padre Tomé, Tárek Moysés Moussallem, que muito colaboraram para a
construção deste trabalho.
Ao meu orientador Antônio Carlos Mendes por ter me apresentado com
profundidade Hart, Bobbio, Kelsen, dentre outros grandes cientistas do Direito.
Ao professor Paulo Roberto Coimbra Silva que, através de seu rico e
detalhado estudo sobre o Direito Tributário Sancionador e de sua gentileza,
humildade e prontidão em colaborar com o debate jurídico, trouxe-me a luz que
norteou meus estudos.
Não posso deixar de agradecer ao CNPq que viabilizou financeiramente
meus estudos, possibilitando minha dedicação exclusiva ao Mestrado.
À PUC-SP agradeço a oportunidade de ter conhecido, convivido e aprendido
muito com os maiores juristas do País, personalidades que conhecia através dos
livros e que sonhava um dia poder beber diretamente em suas fontes.
SANÇÕES TRIBUTÁRIAS: UMA VISÃO CONSTITUCIONAL
RESUMO: O presente trabalho se propõe a estudar as sanções tributárias sobre a
ótica da Constituição Federal analisando os limites do poder punitivo estatal. Para
tanto promovemos um exame doutrinário acerca das teorias da norma jurídica e do
conceito de sanção. Consideramos a sanção, em sua acepção estrita, como
penalidade. Defendemos a existência de um Direito Sancionador único pautado nos
princípios constitucionais e na intervenção mínima do direito penal. Trabalhamos na
distinção entre ilícito tributário e delito tributário, entre a multa tributária e a multa
decorrente de delito fiscal, ponderando sobre a cumulação de penalidade nas esferas
tributária e penal, diferenciando a inadimplência da sonegação fiscal. Enfatizamos
ainda a questão da ausência de dispositivo legal que regule a correção monetária e a
aplicação desta, através do índice Selic.
PALAVRAS-CHAVE: Sanções tributárias Delitos fiscais Cumulação de punições
Limites constitucionais Poder punitivo.
TRIBUTARY SANCTIONS: A CONSTITUTIONAL VIEW
ABSTRACT: The present work has the aim to study tributary sanctions in the light of
the Federal Constitution, analyzing the limits of the punitive power of the State.
Therefore, a doctrinal review was made about the juridical norms theories and the
concept of sanction. Sanction, in its basic meaning, is considered a penalty. We
defend the existence of a unique Punishment Law, based on constitutional
principles and in the least intervention of criminal law. We work in the distinction
between illicit tributary and tributary crime, between tributary fee and fee due to
fiscal crime, pondering about the accumulation of penalties in the criminal and
tributary law, showing the differences between insolvency and fiscal evasion. We
also emphasize the question of the lack of a legal device that regulates indexation
and its application through the Selic index.
KEYWORDS: Tributary sanctions Fiscal crime Accumulation of penalties
Constitutional limits Punitive power.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13
Capítulo I
PROPOSIÇÕES PRELIMINARES ............................................................................... 17
1. A escolha do tema e do seu enfoque constitucional .............................................. 17
2. A teoria do conhecimento e a verdade no conhecimento científico ......... ............ 21
3. Demarcando o objeto de investigação .................................................................. 27
4. Direito, linguagem e realidade .............................................................................. 27
Capítulo II
NORMA JURÍDICA ..................................................................................................... 33
1. Conceito de norma jurídica ................................................................................. 33
1.1 Na Teoria da Norma de Hans Kelsen .......................................................... 34
1.2 Na teoria do direito de Norberto Bobbio ...................................................... 36
1.3 Na teoria do direito de Herbert Hart ............................................................ 39
1.4 Na teoria do direito de Lourival Vilanova ................................................... 41
1.5 Na teoria da norma de Paulo de Barros Carvalho ........................................ 43
1.6 Conclusões .................................................................................................. 46
2. Dos enunciados prescritivos à norma jurídica ...................................................... 48
3. A semiótica no estudo do Direito ......................................................................... 50
3.1 A estrutura lógica (sintática) das normas jurídicas e sua importância para
o direito ........................................................................................................ 51
3.1.1 Norma primária e norma secundária ................................................ 53
3.2 A norma jurídica analisada sobre o aspecto semântico ................................ 55
3.3 A norma jurídica e a importância de sua análise pragmática ..................... 56
4. Validade e constitucionalidade ............................................................................ 58
Capítulo III
SANÇÃO ...................................................................................................................... 61
1. O conceito de sanção ............................................................................................ 61
1.1 Na visão de Hans Kelsen .............................................................................. 62
1.2 Na visão de Norberto Bobbio ....................................................................... 64
1.3 Na visão de Herbert Hart.............................................................................. 66
1.4 Na visão de Lourival Vilanova .................................................................... 67
1.5 Na visão de Paulo de Barros Carvalho ........................................................ 67
1.6 Conclusões .................................................................................................. 68
2. Espécies de sanções .............................................................................................. 70
2.1 Sanções civis ................................................................................................ 74
2.2 Sanções penais ............................................................................................. 74
2.3 Sanções administrativas ............................................................................... 76
2.4 Sanções tributárias ...................................................................................... 78
3. Sanções positivas e sanções negativas ................................................................ 82
4. Conclusões ........................................................................................................... 84
Capítulo IV
PRINCÍPIOS LIMITADORES AO PODER SANCIONADOR TRIBUTÁRIO ..... 86
1. Considerações introdutórias .............................................................................. 86
2. Princípios aplicados ao direito tributário sancionador .......................................... 90
2.1 Princípio da legalidade ................................................................................. 90
2.2 Princípio da igualdade (Javier de Lucas, Roque Carrazza, Celso Antônio
Bandeira de Mello, Humberto Ávila) ........................................................... 92
2.3 Princípio da irretroatividade ......................................................................... 99
2.4 Princípio da personalização da pena ........................................................... 100
2.5 Princípio de individualização da pena ......................................................... 102
2.6 Princípio da capacidade econômica ............................................................ 103
2.7 Princípio do não-confisco direito de propriedade ..................................... 104
2.8 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade ...................................... 111
2.9 Princípio da anterioridade ............................................................................ 112
2.10 O princípio da segurança jurídica (Geraldo Ataliba, Roque Carrazza,
Antonio-Enrique Pérez Luno) ...................................................................... 113
Capítulo V
INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS ...................................................................................... 116
1. Considerações relevantes conceito e estrutura lógica ....................................... 116
1.1 Antecedente da norma que prevê a infração ............................................. 119
1.1.1 Critério material da norma sancionadora ......................................... 119
1.1.2 Critérios espacial e temporal ............................................................ 120
1.2 Consequente da norma sancionadora ........................................................... 121
1.2.1 Critério pessoal ................................................................................ 121
1.2.2 Critério quantitativo ......................................................................... 123
2. Culpabilidade e imputabilidade ............................................................................. 123
3. Espécies de infrações tributárias .......................................................................... 127
4. Responsabilidade por infrações tributárias ........................................................... 130
5. Excludentes de ilicitude e de punibilidade ........................................................... 136
6. Denúncia espontânea ............................................................................................ 138
Capítulo VI
SANÇÃO TRIBUTÁRIA .............................................................................................. 142
1. Norma jurídica sancionadora que estabelece a multa tributária .......................... 142
1.1 Regra-matriz da sanção tributária ................................................................ 142
1.2 Normas sancionadoras concretas e a coercitividade do direito .................... 144
2. Espécies de sanções tributárias ............................................................................ 145
3. Multas tributárias natureza punitiva .................................................................. 149
3.1 Espécies de multas tributárias (não pagamento do tributo, atraso do
pagamento do tributo, pagamento menor que o devido, descumprimento
ou cumprimento irregular de dever instrumental) ......................................... 151
4. Juro tributário ....................................................................................................... 152
5. Correção monetária .............................................................................................. 154
5.1 Aplicação da “taxa” Selic em substituição à correção monetária ................ 156
6. Qual o custo do dinheiro para o Fisco? ................................................................ 159
7. Há limites quantitativos aplicáveis às multas tributárias? .................................. 161
8. Poder-dever estatal de punir versus as garantias constitucionais dos cidadãos .... 164
Capítulo VII
INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS VERSUS DELITOS FISCAIS ..................................... 167
1. Distinção entre ilícito tributário e delito fiscal ...................................................... 167
2. O poder punitivo .................................................................................................... 168
3. Inadimplência e sonegação fiscal .......................................................................... 170
Capítulo VIII
MULTAS
TRIBUTÁRIAS
VERSUS
MULTAS
PENAIS
ADVINDAS
DE
DELITOS
TRIBUTÁRIOS............................................................................................ 173
1. Multas tributárias e multas penais ......................................................................... 173
2. Proibição da aplicação cumulativa da sanção tributária com a sanção penal ........ 174
3. Conflito de normas entre a legislação tributária e a legislação penal ................. 177
4. Distinção entre o fato jurídico que constitui o ilícito tributário e o fato jurídico
que constitui o delito fiscal .................................................................................... 180
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 184
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 185
INTRODUÇÃO
A nossa dogmática jurídica tem se restringido a uma análise bastante superficial
sobre o tema sanções tributárias, restando ao Judiciário e aos órgãos da Administração
Pública o papel de responder às indagações teóricas e práticas, seja mediante decisões
judiciais e administrativas ou respostas a consultas feitas pelos contribuintes, e até
mesmo por meio de orientações fornecidas por sites oficiais do Governo.
Contudo, a compreensão das questões que envolvem essa temática se
estabelecerá diante de uma investigação científica revestida de linguagem descritiva
bastante rigorosa e precisa, onde seu objeto-formal esteja perfeitamente delimitado.
Para tanto, devemos fincar nossa mente na unidade do direito, nos princípios gerais do
Direito, através do ramo da ciência do direito conhecido como Teoria Geral do Direito.
É imperioso conhecer também os princípios atinentes ao direito constitucional,
ao direito administrativo, ao direito civil e ao direito penal que esses ramos do
direito possuem uma ciência milenar edificada sob os sábios pilares do conhecimento
científico ocidental e, portanto, não podem ser renegados, nem esquecidos em nenhum
estudo científico sério que se pretenda fazer sobre o direito.
quem sustente a necessidade de se criar uma legislação específica
regulamentando exclusivamente as infrações e as sanções tributárias, como se essas
matérias não fossem tratadas pela legislação tributária, ou a ela não pertencessem.
Ademais, como dito anteriormente, temos a teoria geral do direito que viabiliza a
compreensão do direito sancionador em sua totalidade.
O mais urgente é reclamar por uma doutrina mais consistente que possa orientar
uma construção legislativa mais justa e adequada a nossa realidade política,
econômica, social e cultural, e com isso consolidar uma jurisprudência mais coerente
com os anseios do nosso povo.
Sabemos que a doutrina não tem força de alterar os enunciados prescritivos do
direito positivo, não são veículos introdutores de normas jurídicas, como bem explica
o professor Tárek Moysés Moussallem em seu livro Fontes do direito. Contudo, tem a
14
força de ser ciência, ou seja, de dizer quais as formas possíveis de se interpretar o
direito positivo. E ainda, de instigar a discussão entre os legisladores e os aplicadores
do direito, de promover maiores reflexões sobre temas objeto de vários enunciados
prescritivos, e consequentemente acaba por estabelecer diretrizes ao pensamento
jurídico influenciando desta maneira a criação normativa e jurisprudencial.
Pois bem. Diante do pouco debate doutrinário do tema sanções tributárias,
vemos que o cenário legislativo e jurisprudencial fica propício ao surgimento de várias
arbitrariedades.
É notório o vertiginoso aumento de receita estatal derivada de multas
tributárias, grande parte em decorrência de cobranças abusivas. Percebemos a
variedade de apelidos dados às multas tributárias, tudo em decorrência da incerteza de
sua natureza jurídica (se punitiva, sancionatória, reparatória, penal, de ofício, de mora,
isolada, indenizatória, enfim). Observamos ainda a desproporcionalidade e a falta de
razoabilidade na quantificação dessas normas sancionatórias.
Acreditamos que uma vez estabelecida a natureza jurídica das multas
tributárias, e fixados os limites ao poder-dever punitivo do Estado, esses abusos
tenderiam a ser extirpados com mais facilidade do nosso ordenamento jurídico.
Ives Gandra da Silva Martins e Sacha Calmon Navarro Coêlho foram uns dos
poucos que se debruçaram sobre a temática das sanções tributárias produzindo obras
importantíssimas tanto para a ciência jurídica quanto para a ciência política e para a
sociologia. Não podemos dizer que esses autores esgotaram o assunto somente porque
no direito inexiste essa possibilidade. Contudo, ao final de suas leituras nos resta a
impressão de que todos os pontos relevantes foram abordados, mas que muito ainda se
tem a debater.
Na doutrina mais recente, temos em grande destaque as lições do professor
Paulo Roberto Coimbra que se dedica ao tema Direito tributário sancionador (título
atribuído a sua obra) de forma séria, trazendo posicionamentos fincados em
argumentos sólidos, precisos, revestido de uma linguagem científica que conduz o
leitor a uma compreensão mais clara a respeito do assunto. Uma obra digna de
aplausos.
15
Por certo que outros grandes autores também veem contribuindo com esse tema,
mas a doutrina nacional necessita mais, pois essa temática envolve uma vasta
legislação que estabelece consequências jurídicas ferozes, capazes de atingir vários
bens tutelados pela Constituição Federal.
A legislação por si é um aglomerado de leis que surgem em decorrência de
conquistas políticas e sociais, e que, muitas vezes, servem apenas a determinadas
classes sociais, e nem sempre nasce com escopo de promover o bem-estar comum. São
apenas textos escritos mediante uma linguagem técnica que adquirem vida quando
revestida de significação. E quem empresta significação ao suporte físico (lei) é o
intérprete que inevitavelmente utiliza a inteligência da ciência para construir normas
jurídicas.
A importância da integração entre a dogmática jurídica e o direito positivo é
evidente. O que pretendemos dizer, reiterando, é que, quando deparamos com assuntos
pouco discutidos pela dogmática, temos uma forte tendência à proliferação de abusos
de poder, e evitaremos os excessos do Poder Público quando construirmos uma
metalinguagem
1
coerente e forte, pautada em um discurso lógico que faça o Judiciário
se convencer de que determinada norma jurídica está contaminada pelo vício da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade, ou que simplesmente ela não promove o bem-
estar comum, não cumpre com sua finalidade.
Ao longo do nosso estudo nos confrontaremos com conceitos importantes para
a construção de uma linguagem científica, capaz de despertar uma inquietude no
espírito do leitor, a ponto de levá-lo a promover maiores debates sobre o tema esse é
o nosso maior propósito.
No Capítulo I justificaremos a escolha do tema e seu enfoque constitucional,
demonstraremos a importância da teoria do conhecimento e do estabelecimento da
verdade para a ciência do direito, delimitaremos o objeto de estudo e fixaremos
algumas premissas importantes.
No Capítulo II analisaremos as teorias da norma jurídica segundo Hans Kelsen,
Norberto Bobbio, Herbert Hart, Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho.
1
Metalinguagem é aquela linguagem que fala sobre outra linguagem, ou seja, a ciência do
direito fala sobre o direito positivo que é uma outra linguagem.
16
Estudaremos a construção da norma jurídica a partir dos enunciados prescritivos e a
relevância da semiótica no Direito. Abordaremos ainda a questão da validade e da
constitucionalidade das normas jurídicas.
No Capítulo III trataremos sobre o conceito de sanção mediante a análise
daqueles cientistas. Estabeleceremos as espécies de sanções existentes no Direito e as
suas teorias; abordaremos ainda a classificação das sanções em positivas e negativas.
No Capítulo IV estudaremos alguns princípios que informam os limites ao
poder-dever de multar que serviram de base para uma visão geral e constitucional do
tema. Esses princípios pertencem aos vários ramos do Direito.
No Capítulo V estudaremos o conceito e a estrutura lógica da norma tributária
infringente, a problemática sobre a existência da culpabilidade, a imputabilidade, as
espécies de infrações tributárias, da responsabilidade por infrações tributárias, as
excludentes de punibilidade, a questão da denúncia espontânea.
No Capítulo VI trataremos das sanções tributárias, delimitando os contornos de
sua regra-matriz, a importância da coercitividade e das normas concretas, as espécies
de sanções tributárias, a natureza jurídica da multa tributária e suas espécies, a questão
dos juros tributários e da aplicação da extinta correção monetária, além de abordarmos
os limites quantitativos das multas e o poder punitivo estatal frente às garantias
constitucionais dos contribuintes.
Nos Capítulos VII e VIII cotejaremos as infrações tributárias com os delitos
tributários e as multas tributárias com as multas aplicadas em decorrência de delitos
tributários abordando alguns aspectos relevantes quanto à proibição de cumulação de
sanções tributárias e penais.
17
Capítulo I
PROPOSIÇÕES PRELIMINARES
1. A escolha do tema e do seu enfoque constitucional
As questões que envolvem o tema sanções tributárias chamaram minha atenção
desde o meu primeiro contato com o estudo do direito tributário principalmente
quando deparei com algumas lições do mestre Geraldo Ataliba, que me revelaram
conceitos essenciais à construção de um pensamento jurídico constitucionalizado.
Seus ensinamentos nos conduzem à compreensão de que o sistema jurídico,
apesar de ramificado, é uno, coeso e harmônico e que essa unidade se
principalmente em virtude da existência de princípios, os grandes norteadores do
ordenamento jurídico.
2
Aprendemos ainda que o Sistema Tributário Nacional tem de
ser compreendido dentro do contexto dos enunciados prescritivos constitucionais.
Nesse sentido podemos inferir que limites constitucionais ao poder de punir
e ainda, que toda força que o Estado exerce sobre o contribuinte depende do
consentimento do próprio povo, e este consentimento necessariamente precisa estar na
Constituição Federal.
Geraldo Ataliba
3
enfatiza a importância dos princípios não para o
estabelecimento da harmonia do ordenamento jurídico, mas também para a
compreensão dos enunciados prescritivos. Vejamos a precisão de suas palavras:
“O sistema jurídico ao contrario de ser caótico e desordenado tem
profunda harmonia interna. Esta se estabelece mediante uma
hierarquia segundo a qual algumas normas descansam em outras, as
quais, por sua vez, repousam em princípios quem, de seu lado, se
assentam em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia
decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema
e subordinam os princípios menores. (...)
2
Utilizaremos a expressão sistema jurídico como sinônimo de ordenamento jurídico.
3
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. ed, tir. atual. por Rosalea Miranda
Folgosi, p. 33-34, 173.
18
Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes
magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por
toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do
governo (poderes constituídos). (...).
Celso Antônio Bandeira de Mello
4
já registrou com maestria que:
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define
a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a
tônica que lhe dá sentido harmônico. (...)
(...) Violar um principio é muito mais grave que transgredir uma
norma, a desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um
especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio violado,
porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de
seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Diante disso nos propomos a enfrentar o desafio de investigar as normas
sancionadoras tributárias (as multas tributárias) sob a perspectiva constitucional,
mormente porque partimos da premissa de que o direito tributário é um subsistema do
sistema de direito positivo constitucional.
Adotamos a distinção consagrada pela doutrina dos dois grandes ramos do
Direito: público e privado. Cremos que o direito tributário pertence ao ramo do direito
público e que este bebe na mesma fonte que alimenta o direito administrativo,
constitucional, penal. Falar em autonomia do direito tributário é renegar os verdadeiros
sustentáculos do conhecimento científico do direito. Não como se negar a
influência daqueles ramos do direito público.
Não cremos que o direito tributário seja um ramo autônomo, nem encontramos
qualquer utilidade científica para tal divisão. Não se pode compreender o direito
tributário de forma apartada dos demais ramos do direito; estudar a parte desprezando-
se o todo, não faz sentido.
4
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Ed.
RT, 1980, p. 230.
19
Conforme assevera Paulo de Barros Carvalho
5
o direito tributário é uma
subclasse, um subconjunto do sistema constitucional. São seus os seguintes
ensinamentos:
“(...) o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo,
dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação,
ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à
liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. Empreende, na trama
normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a
atingir o valor supremo da certeza, pela segurança das relações
jurídicas que se estabelecem entre Administração e administrados. E,
ao fazê-lo, enuncia normas que são verdadeiros princípios, tal o poder
aglutinante de que são portadoras, permeando, penetrando e
influenciando um número inominável de outras regras que lhe são
subordinadas.”
Não como negar que a nossa Carta Magna se dedicou de forma
pormenorizada aos assuntos de natureza tributária a ponto de se perceber com nitidez
que dentro do sistema de direito positivo constitucional existe um conjunto de regras,
princípios e conceitos peculiares à tributação. Por certo que esse subsistema deve
guardar uma relação de conformidade com os demais preceitos do sistema de maior
dimensão a Constituição Federal haja vista a unicidade e harmonia do
ordenamento jurídico.
Normas tributárias inseridas em diplomas infraconstitucionais também devem
obedecer à Constituição Federal como um todo por esta ser o fundamento último de
validade de toda e qualquer norma jurídica.
As espécies de sanções tributárias objeto de nosso estudo são certamente
normas jurídicas que dão consistência à atividade estatal tributária, uma vez que
estabelecem uma consequência jurídica ao descumprimento da obrigação de pagar
tributo ou de cumprir com deveres instrumentais, portanto, também devem ser
reguladas pelas mesmas regras e princípios constitucionais que regem a tributação.
O nosso enfoque es na limitação constitucional ao poder-dever punitivo da
Administração Pública nos casos de inadimplência de tributos e de seus deveres
instrumentais. A classificação, a quantificação e finalidade das multas tributárias estão
5
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 142.
20
necessariamente atreladas ao nosso estudo, que se relacionam com a natureza
jurídica dessas sanções tributárias.
Pois bem. Os termos sanção e normas jurídicas precisam estar definidos com
bastante exatidão no texto jurídico, haja vista se tratarem de vocábulos polissêmicos
capazes de gerar graves ambiguidades e contradições incompatíveis com a rigorosa
linguagem da ciência jurídica.
Nesse sentido, visando construir um texto jurídico coeso, reuniremos alguns
posicionamentos doutrinários que nos ajudarão a definir esses conceitos com maior
precisão.
Pontue-se que o poder-dever de tributar e de punir não poderia deixar de ter
limites constitucionais, pois se trata de atividade Estatal capaz de ferir fortemente o
contribuinte, não em seu patrimônio, mas também em outros direitos e garantias
constitucionais. Desse modo, não podemos esquecer que esse tipo de poder tem a força
suficiente para cumprir apenas e tão-somente com os desígnios almejados pelo cidadão
já que “o Estado tem a força que os cidadãos lhes conferem”.
6
Observe que estamos nos atendo à espécie de sanção tributária decorrente de
infrações a leis tributárias que não configurem crime ou contravenção penal.
É bem verdade que, apesar das inúmeras controvérsias jurídicas que recheiam
esse tema, deparamos com certa escassez bibliográfica. Contudo, o aumento
significativo nas arrecadações fiscais de multas parece ter despertado em muitos
juristas a paixão pelo tema.
A aplicação desenfreada e desmedida dessas sanções parece saltar aos olhos de
todos os cidadãos. Percebe-se que todos se sentem fortemente feridos em seu
patrimônio e em sua dignidade humana. A desproporção instaurada entre o ilícito e a
quantificação de suas sanções precisa encontrar limites.
Outro ponto importante e que parece não ter sido notado por muitos
doutrinadores é que, dentro da perspectiva da coesão do Direito, encontramos também
6
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. ed, tir. atual. por Rosalea Miranda
Folgosi, p. 167.
7
HESSEN, Joannes. Teoria do conhecimento. Trad. João Vergílio Gallerani Cuter; revisão
técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 19.
21
a figura da sanção como sendo um poder punitivo unificado. Existe um direito
sancionador que age na totalidade do Direito obedecendo à baliza constitucional do
non bis in idem.
Notamos ainda que algumas normas jurídicas garantem que o agente fiscal em
ato discricionário quantifique a multa em percentuais elevados apenas baseado em sua
percepção com relação à gravidade da infração tributária cometida. Isso é obviamente
inconstitucional. Todas as normas precisam encontrar fundamento de validade na
Constituição Federal e esta certamente não encontra, pois fere o princípio da estrita
legalidade ao dosar a pena conforme a conveniência do agente público. Não há uma lei
determinando de forma clara, objetiva e pormenorizada, o que seria grave ou
extremamente grave. Destaque-se que ato discricionário nada tem a ver com ato
arbitrário, nem muito menos se justifica pela simples alegação de interesse fazendário
quando este é claramente contrário aos princípios constitucionais.
2. A teoria do conhecimento e a verdade no conhecimento científico
Conhecimento, segundo o dicionário Houaiss é, dentre outras coisas, a
percepção das causas de um fenômeno; fato, estado ou a condição de compreender;
entendimento; o domínio sobre um tema; é algo que o ser humano sempre buscará.
Autor de uma obra primorosa intitulada Teoria do conhecimento, Johannes
Hessen
7
assevera que o conhecimento é um fenômeno peculiar da consciência e que a
teoria do conhecimento é uma interpretação e uma explicação filosófica do
conhecimento humano.
Johannes constata que existem várias teorias que tentam explicar como se
alcança o conhecimento, qual sua origem e qual sua essência, porém, somente através
da teoria do conhecimento isso é possível. Explica ainda que a fenomenologia é um
método que procura apreender a essência geral do fenômeno concreto, e que esse
método jamais decidirá sobre a justeza e/ou a veracidade do conhecimento.
De acordo com a fenomenologia, o conhecimento surge mediante uma relação
entre dois elementos (sujeito e objeto), que permanecem eternamente separados um do
7
HESSEN, Joannes. Teoria do conhecimento. Trad. João Vergílio Gallerani Cuter;
revisão técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 19.
22
outro apesar de se relacionarem reciprocamente. “O sujeito só é sujeito para um objeto
e o objeto é objeto para um sujeito. (...) A função do sujeito é apreender o objeto; a
função do objeto é ser apreensível e ser apreendido pelo sujeito”.
8
Destarte, o conhecimento pode se definir como uma determinação do sujeito
pelo objeto. Contudo, o determinado não é o sujeito puro e simplesmente, mas apenas
a imagem do objeto por ele projetado. Explica que o conhecimento somente se torna
verdadeiro quando o seu conteúdo concordar com o objeto designado; que o conceito
de verdade obtido ao considerarmos o conhecimento sob o aspecto fenomenológico
pode designar-se como conceito transcendente da verdade. No entanto, frisa Johannes
que, tanto na consciência ingênua quanto na consciência científica, o conceito de
verdade é obtido através da concordância do conteúdo do pensamento com o objeto a
que ele se reporta. Pois bem. “Não basta, porém, que o conhecimento seja verdadeiro.
Devemos chegar também à certeza de que ele é verdadeiro. (...) Os achados
fenomenológicos nada dizem sobre a existência de tal critério”.
9
Outros meios de se alcançar o conhecimento, apontados por Johannes Hessen,
são: o dogmatismo, o ceticismo, do subjetivismo e o relativismo, o pragmatismo e o
criticismo. Contudo, segundo ele, no dogmatismo falta a reflexão epistemológica; o
ceticismo é importante apenas para aguçar a dúvida no espírito dos filósofos; o
subjetivismo e o relativismo partilham do entendimento apontado pelo ceticismo, uma
vez que negam a verdade de forma indireta quando eles atacam a validade universal; o
erro do pragmatismo consiste em não ver a esfera lógica, em desconhecer o valor
próprio, a autonomia do pensamento humano. No criticismo seria possível o
conhecimento, pois uma verdade, se examina todas as afirmações da razão humana
e não acolhe nada de forma descompromissada, ou seja, seu comportamento não é
dogmático nem cético, mas sim reflexivo e crítico.
Explica Tárek Moysés
10
que a teoria do conhecimento ou epistemologia é um
ramo da filosofia que estuda o conhecimento. Afirma que o conhecimento não surge
8
HESSEN, Joannes. Teoria do conhecimento. Trad. João Vergílio Gallerani Cuter; revisão
técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 20.
9
Idem, ibidem, p. 23.
10
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. ed. São Paulo: Noeses,
2006, p. 5.
23
da relação entre os termos sujeito e objeto como se imaginava antes, mas que ele
ocorre dentro do processo comunicacional instaurado entre sujeito-objeto. Desse
modo, afirma que o conhecimento é a relação entre linguagens-significações. Essa
forma de constatar o conhecimento é baseada na concepção do giro linguístico.
A professora Aurora Tomazini de Carvalho
11
condensou com maestria o
pensamento de Dardo Scarvino, Lenio Luiz Streck, Paulo de Barros Carvalho, entre
outros autores renomados, quando tratou sobre a concepção do giro-linguístico em seu
livro Direito penal tributário. Para compreendermos melhor esse movimento
filosófico vejamos um trecho de sua obra:
“Com o giro-linguístico, a linguagem deixa de ser considerada como
instrumento que une sujeito e objeto e passa a ser o próprio objeto, „os
objetos não precedem o discurso, mas nascem com ele, nascem
quando deles se fala, pois o discurso lhes significado‟.
Compreender não mais é a procura da essência do objeto, mas a
interpretação da linguagem que o constitui. Não mais uma verdade
absoluta no discurso científico, pois o objeto importa inúmeros pontos
de vista. O cientista não busca a verdadeira natureza do objeto, busca
descrevê-lo, e a verdade depende do seu posicionamento perante o
objeto material. Uma proposição será verdadeira de acordo com as
premissas fixadas como base na experiência científica.
Sem dúvida que esse movimento do giro linguístico desencadeou uma nova
postura cognoscitiva entre os cientistas do direito. Os métodos científicos tradicionais
que focalizavam apenas a dualidade sujeito-objeto foram superados não pela
derrocada da verdade absoluta e o surgimento da verdade construída a partir de um
sistema de referência bem delimitado, mas principalmente pela concepção da
linguagem como objeto-formal de investigação científica e não mais como instrumento
que liga o sujeito ao objeto. Surge a seguinte realidade: o conhecimento científico não
se estabelece mais na relação instaurada entre sujeito e objeto, mas sim através de um
corpo de linguagem científica. Desse modo, todos os conceitos construídos sobre o
sujeito, o objeto e o próprio conhecimento tiveram de ser reconstruídos.
12
11
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito penal tributário (uma análise lógica,
semântica e jurisprudencial). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 34.
12
Sobre a superação dos métodos tradicionais pelo giro lingüístico ler Paulo de Barros
Carvalho. Direito tributário, linguagem e método, p. 156 e ss.
24
Diante dessa nova forma de enxergar o conhecimento, novos problemas
surgiram. Os cientistas do direito tiveram de se confrontar com os limites da
linguagem, com os limites do próprio pensamento humano. Contudo, essa limitação
não inviabiliza a construção de uma ciência sólida e coesa; apenas exige que o
cientista estabeleça suas premissas e as siga fielmente.
Diante das várias teorias que se propõem a buscar o conhecimento científico,
optamos pela concepção do giro-liguístico, haja vista termos como definição de
conhecimento a captura da realidade pelo intelecto humano através do processo
comunicacional, ou seja, percebemos que o conhecimento surge como relação entre
linguagens, entre significações e que, portanto, o objeto-formal é a própria linguagem,
visto que fora do universo da linguagem não possibilidade de se estabelecer
nenhuma espécie de realidade jurídica, sequer de alguma fuligem de conhecimento.
Estabelecido isso, resta distinguirmos o conhecimento científico do
conhecimento comum. Essa distinção é necessária uma vez que reflete ainda mais a
importância da linguagem para se alcançar o conhecimento.
Pois bem. O conhecimento científico é o saber qualificado como científico, é o
conhecimento específico de determinado ramo do direito, sendo o objeto de estudo da
Epistemologia; pressupõe uma linguagem rigorosa, bem elaborada, com proposições
formuladas de forma precisa, sem vícios da linguagem como vaguidade e
ambiguidade, ou seja, possui uma linguagem pautada em regras rígidas que viabilizam
o cientista a alcançar o objeto perseguido. O segundo é aquele traduzido pela
linguagem ordinária utilizada no cotidiano.
Quanto à certeza da verdade temos primeiro que analisar o termo verdade,
que se trata de palavra fruto de inúmeras indagações em diversos campos do saber,
para só então adentrarmos a questão de sua certeza.
Então, a verdade é um signo carregado de ambiguidades que possui campo fértil
e propício ao surgimento de várias teorias. A ciência do direito aponta a teoria da
verdade pragmática, da verdade consensual, da verdade por coerência, da verdade por
redundância, da verdade por correspondência, dentre outras.
Acreditamos que no conhecimento científico a verdade se por consenso e
não por coerência, pois a coerência é algo convencionado e o consenso é uma forma de
25
legitimação. Lembrando que a verdade tem de ser verificada entre as linguagens
criadoras da realidade.
Sobre a essência e a natureza desse termo também existem antigas discussões.
Escolas importantes se dedicaram ao problema que envolve o conceito de verdade.
Para os realistas, a verdade está na relação de conformidade entre sujeito cognoscente
e objeto conhecido; deste modo, eles defendem que o conhecimento verdadeiro é
aquele que condiz com os fatos e que a verdade existe objetivamente, que a
inteligência é capaz de penetrar na essência da realidade. os céticos afirmam que a
certeza plena é inacessível ao espírito humano que o homem conhece as
aparências das coisas sem nunca alcançar as coisas em si mesmas. Os pragmáticos, por
sua vez, associam a verdade à sua utilidade e deste modo a verdade é relativa, depende
do sistema de referência que se adota. Os agnósticos afirmam que o espírito humano se
limita à mera observação do mundo e jamais encontrará a verdade absoluta.
13
A verdade não é um valor absoluto: ela depende de um sistema de referência.
Não se pode conceber que a verdade de uma realidade ocorrida 2 mil anos seja a
mesma verdade da realidade de hoje. A verdade se relaciona diretamente com as
dimensões de tempo e de espaço.
Para a ciência do Direito isso não seria diferente. A verdade jurídica depende da
existência de um ordenamento jurídico em um determinado tempo e espaço. Caso esse
sistema jurídico se renove, as suas verdades jurídicas também tendem e a se
modificarem com ele.
No entanto para o direito positivo a verdade não se confunde necessariamente
com a correlação entre os acontecimentos do universo fenomênico e a linguagem
prescritiva. Para o direito positivo, o que importa é a verdade lógica que se alcança
mediante a linguagem das provas pois, para que o fato jurídico tributário seja
considerado verdadeiro para o direito, não se requer a certeza de que o relato
corresponda fielmente ao evento, mas a certeza de que o enunciado prescritivo tenha
sido elaborado conforme as regras do sistema, submetendo-se às provas e resistindo às
13
Fundamental para compreensão deste assunto é a leitura do livro Teoria do conhecimento
de Johannes Hessen, Ed. Martins Fontes.
26
refutações, assim como nos ensina Fabiana Del Padre em seu livro A prova no direito
tributário.
14
A verdade é um valor que se contrapõe à falsidade sendo comumente utilizada
como pressuposto lógico do discurso argumentativo, na ciência do Direito.
Cabe dizer que a verdade está na concordância do juízo com a realidade
objetiva. No entanto, ela dependerá do sistema de referência adotado, das premissas
adotadas. Assim, uma coisa pode ser verdade para determinado grupo e falsa para
outro grupo, vai depender do sistema de referência adotado por ambos.
Para Flusser, não uma verdade absoluta por correspondência, não existe uma
realidade absoluta; caso exista, não é articulável sendo, portanto, incompreensível.
Desse modo, a verdade é relativa.
A verdade dentro da ciência é algo bastante objetivo, é a ausência de
contradição. Assim, quando um cientista formula uma proposição, de forma coerente e
que respeite as regras da língua, eliminando ao máximo os vícios da linguagem,
articulando-as de forma coerente e precisa, ela será passível de ser tida como
verdadeira, como isenta de contradições e ambiguidades. Quando cientistas partilham
um entendimento, diz-se que um paradigma. Paradigma é aquilo que uma
comunidade científica compartilha entre si. Daí porque a ideia de paradigma es
associada à ideia de verdade. Caso uma comunidade científica adote um entendimento
como verdadeiro, surge o paradigma.
A ciência do Direito estuda o direito positivo cabendo-lhe tão-somente a
verificação da verdade e da falsidade de seu objeto de estudo. Assim, os fatos jurídicos
podem ser refutados pelos cientistas do direito a todo momento. Aliás, são as
refutações que fazem os juristas alcançarem a verdade de seu objeto de estudo.
Contudo, as refutações feitas pela ciência do Direito dizem o que é verdade e o
que é falsidade dentro do universo da ciência e não dentro do universo do objeto da
ciência.
O objeto da ciência é o direito positivo e ele está sujeito aos conceitos válido e
não válido. Assim, mesmo que a comunidade científica do direito entenda que uma
norma é falsa, somente o órgão judiciário competente é que pode determinar a
14
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005.
27
invalidade de uma norma jurídica e sua consequente expulsão do ordenamento
jurídico. O que nos mostra que nem sempre a falsidade atestada pelos cientistas se
converte em invalidade no universo do direito positivo.
3. Demarcando o objeto de investigação
É preciso enfatizar que adotamos a concepção do giro-linguístico, o que nos
conduz à utilização de um método investigativo baseado na análise linguística do
direito positivo válido em seus aspectos sintático, semântico e pragmático.
O método científico servirá para nos aproximar do nosso objeto de estudo, ou
seja, as normas que estabelecem multa pelo não pagamento do tributo, pelo
descumprimento do dever instrumental e pela mora.
Pontue-se que as normas objeto da nossa investigação científica é um corpo de
linguagem prescritiva, ou seja, são os enunciados prescritivos do direito posto,
principalmente aquelas normas constitucionais que estabelecem princípios aplicáveis
às normas tributárias sancionadoras.
Focaremos o estudo das sanções tributárias à luz da Constituição Federal.
Faremos um breve estudo comparativo entre os delitos fiscais e os ilícitos fiscais, as
multas penais e as multas tributárias, principalmente visando descriminalizar as
infrações tributárias e construir argumentos que impeçam a aplicação desenfreada de
inúmeras sanções de natureza jurídica diversa a uma mesma conduta.
A verdade é que muitos contribuintes cumprem com suas obrigações tributárias
de forma correta, mas não conseguem pagar o tributo e por isso acabam cometendo
ilícito tributário e muitas vezes acabam por suportar multas desproporcionais.
4. Direito, linguagem e realidade
Quando refletimos sobre o direito como um conjunto de normas jurídicas
existentes num determinado espaço de tempo e de lugar, capaz de regular as condutas
intersubjetivas, logo temos de ter em mente a relevância que a linguagem possui nesse
sistema de direito positivo. E ao estudarmos as raízes que sustentam a árvore do
conhecimento apresentada na Escola de Estudos Tributários do professor Doutor Paulo
28
de Barros Carvalho fica fácil compreendermos essa importância. A linguagem dá vida
ao direito.
Pensar em direito sem linguagem seria tarefa impossível ao intelecto humano
que o simples ato de pensar exige a presença de linguagem. Nada existe que não
possua um traço de linguagem. Uma penalidade tributária jamais poderia ser imposta
se não existisse uma norma jurídica tributária sancionadora introduzida no sistema
jurídico por meio de linguagem jurídica e por agente competentes.
A linguagem não tem a força de romper o silêncio, mais que isso, ela tem o
condão de dar vida a tudo que ela constrói. Compreendemos a linguagem numa
acepção ampla, como expressão da racionalidade, da essência da humanidade.
Quando falamos que a língua forma a realidade, não podemos esquecer que
segundo Vilém Flusser
15
quem mais tratou sobre esse tema foi Wittgenstein e que este
define a filosofia como sendo um conjunto de contusões que o intelecto acumula ao
deparar com os limites da língua, mas se equivoca ao não considerar a pluralidade da
língua. Afirma que: “Wittgenstein é o único entre os analistas matemático-lógicos da
língua que encara as consequências honestamente. Confessa a tautologia da língua,
confessa o valor negativo da razão discursiva como instrumento de conhecimento
extralinguístico, cala-se e cai num misticismo surdo e mudo. Abandona a peroração,
para abandonar-se a uma adoração silenciosa.
16
No entanto, Flusser faz várias críticas a Wittgenstein, afirmando que ele possuía
uma visão deturpada da língua, pois percebia a língua como algo estático, que não
cresce nem se expande. Afirmava que ele não sabia avaliar a extensão ontológica da
língua; negava a realidade da língua; chamava a potencialidade do nada de realidade,
chamava de vazio da língua o que seria a realidade na ngua; desconhecia todos os
aspectos da ngua, exceto o formal; desconhecia o poder criador da conversação e da
poesia; desconhecia a vivência existencial da língua; desconhecia a projeção do
intelecto rumo à autenticidade dentro da língua, bem como sua recaída rumo ao
15
FLUSSER, Vilém, Língua e realidade. 2ª ed. São Paulo: Annablume, 2004, p. 87.
16
Idem, p. 156.
29
aniquilamento; desconhecia a pluralidade da língua e o seu valor criador oriundo da
tradução.
17
Vilém Flusser se propôs a analisar a língua como o conjunto dos sistemas de
símbolos, como a totalidade da realidade, daquilo que é apreendido e compreendido.
Conclui que somente símbolos podem ser apreendidos e compreendidos e que língua é
realidade, não há realidade além da língua. Para ele, investigar a língua é o mesmo que
investigar a realidade de forma imediata.
O Professor Paulo de Barros Carvalho lida com a linguagem baseando-se no
princípio da auto-referência do discurso, seguindo as teorias retóricas e
desconsiderando as teorias ontológicas. Partindo da premissa de que a linguagem é o
fundamento de si própria, não existindo objetos fora da linguagem. Com isso reduz
ainda mais a complexidade do objeto, realizando, assim, outro corte metodológico
onde isola o fenômeno da incidência tributária e busca saber como se a percussão
da norma, juridicizando o fato social e fazendo surgir seus efeitos.
18
Nesse sentido, trazendo essa abordagem da língua e da linguagem para a
realidade dentro do Direito, temos o importante esclarecimento do mestre Paulo de
Barros Carvalho,
19
de que a linguagem natural cria a nossa realidade e a linguagem do
direito cria a nossa realidade jurídica. O mestre nos ensina que direito positivo possui
uma linguagem técnica, ou seja, uma linguagem comum que se assenta no discurso
natural, mas com uma quantidade considerável de palavras científicas que se projeta
sobre o campo social e possui uma função prescritiva. a ciência do Direito possui
uma condição de metalinguagem, de cunho descritivo, submetida à lógica deôntica.
Conhecer a distinção entre a linguagem do legislador e a do cientista do direito é
extremamente relevante para o jurista. A constatação dessas diferenças de linguagem
leva o intérprete a conhecer melhor o Direito como um todo (legislação e ciência). Ele
passa a perceber que cada linguagem possui um universo próprio, rico em valores e
17
FLUSSER, Vilém, Língua e realidade. 2ª ed. São Paulo: Annablume, 2004, p. 156-157.
18
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.
2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 5.
19
CARVALHO, Paulo de Barros. IPI Comentários sobre as regras de interpretação na
tabela NMB/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário.
30
sentidos. Com isso também fica destacada a função, a força e o alcance de cada
linguagem.
A ciência do direito tem a função de falar sobre o direito positivo, de debater
sobre a verdade e a falsidade das normas jurídicas, de criar teorias que possam
persuadir ou dissuadir o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, no sentido de alterar a
validade, a eficácia, a vigência, a constitucionalidade, a forma de se interpretar as
normas, entre outras coisas.
No entanto, a tarefa assumida pelos cientistas não é fácil; eles depararem com
uma linguagem técnica, repleta de impropriedades e contradições e buscam produzir
uma metalinguagem fincada num rigor linguístico necessário à construção do
verdadeiro conhecimento científico, ou seja, o cientista almeja construir um discurso
sem contradições, coeso, pautado na lógica apofântica e com o objeto de apreciação
perfeitamente delineado.
O direito positivo já possui uma linguagem prescritiva que tem a função de
regular condutas intersubjetivas e sofre alteração mediante procedimento previsto
em lei e por órgão competente. Não se trata de algo estático. O direito positivo é
constantemente alterado, principalmente por influência da ciência do direito.
Quando falamos em linguagem, direito e realidade temos de frisar a contribuição
que o estudo da linguagem tem dado ao direito. A preocupação com a linguagem
jurídico-normativa fez com que os estudos sobre a lógica jurídica adquirissem um
espaço importantíssimo dentro da grade curricular dos cursos de graduação e pós-
graduação das melhores universidades do Brasil e essa inclusão mudou a forma de se
pensar juridicamente.
20
Por certo que a lógica jurídica sozinha não esgota a análise do direito positivo, ela
aborda apenas o seu aspecto sintático, estudando as proposições prescritivas sob a
ótica da matemática, formalizando o pensamento humano em sistema notacional a
20
Temos como exemplo o Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET-SP) que adota
o movimento do giro lingüístico mais de 23 anos e é uma instituição modelo,
extremamente respeitada no meio jurídico, principalmente por ser uma escola de
cientistas empenhados em encontrar “o ponto de intersecção entre a teoria e a prática,
entre a ciência e a experiência”. Esse pensamento de Lourival Vilanova citado por Paulo
de Barros Carvalho em sua obra Direito Tributário Fundamentos Jurídicos da Incidência
(p. 6) tornou-se um verdadeiro axioma perseguido por muitos tributaristas.
31
ponto de formar esquemas intelectuais que alcancem o valor-verdade. É preciso ter em
mente que o direito é um objeto cultural multidisciplinar e que pode ser abordado
também seu aspecto pragmático e semântico. Contudo, não se pode negar as
conquistas científicas obtidas através desse estudo sintático.
O professor Tércio Sampaio afirma que o direito é um objeto que pode ser
analisado sob vários enfoques e que não se trata apenas de um fenômeno linguístico,
nem mesmo um fenômeno basicamente linguístico, isso porque ele não admite a
redução do direito à linguagem, que defende que no direito também existe “uma
série de fatos, empíricos, que não são linguagem, como as relações de força, conflitos
de interesses, instituições administrativas, etc., os quais, portanto, se não deixa de ter
uma dimensão lingüística, nem por isso são basicamente fenômenos lingüísticos”.
21
Importante a abordagem pragmática feita pelo professor rcio. Realmente
precisamos analisar o direito como um todo, sem reduzir seu estudo ao fenômeno
comunicacional, linguístico. Contudo, para que exista força (coação e sanção), conflito
de interesses, instituições administrativas, enfim, para que todos esses fatos existam, é
preciso que eles saiam do plano das ideias e se concretizem na linguagem através de
documentos que criem as instituições, que caracterize a imposição de força seja do
Estado, seja por requerimento de particular, que estabeleça a existência de conflito de
interesses. O que queremos dizer é que concordamos que não devemos estudar apenas
e tão-somente os aspectos linguísticos, a sintaxe. Mas isso não nos faz crer que algo
possa existir juridicamente em decorrência de fatos empíricos que não tenham sido
convertidos em linguagem jurídica competente.
É oportuno dizer que os ensinamentos do Professor Paulo de Barros Carvalho são
bastante significativos nessa evolução científica que vem ocorrendo dentro do direito
tributário brasileiro, não pelo fato de ele ser o presidente do IBET desde 1977, ou por
ser professor titular da PUC-SP e da USP, e com isso pertencer durante um longo
período à casta dos mestres do Direito nacional, mas principalmente pela sua aguçada
percepção científica que conduz inúmeros alunos ao estudo das mais qualificadas
21
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da
comunicação normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 7.
32
doutrinas existentes nos quatro cantos do mundo e isso é uma contribuição
imensurável, porque são várias sementes plantadas.
Frise-se que o giro linguístico teve início com a filosofia da linguagem
apresentada por Ludwing Wittgenstein e sobre esse tema é imprescindível a leitura da
obra prima produzida pela professora Sônia Maria Broglia Mendes.
22
Diante dessa breve exposição, pretendemos demonstrar a força e a importância
que a semiótica
23
tem para o Direito. O estudo dos vários aspectos da linguagem
contribui para destrinchar os equívocos ocasionados pela utilização dos signos, ou
pela utilização de termos ambíguos e contraditórios dentro do sistema de direito
positivo.
Deparamos com leis que utilizam os mesmos termos jurídicos para dizerem
coisas distintas e ao mesmo tempo utilizam palavras distintas para dizer a mesma
coisa. Isso pode assumir proporções catastróficas.
22
MENDES, Sônia Maria Boglia. A validade jurídica pré e pós giro lingüístico. São
Paulo: Noeses, 2007.
23
De acordo com enciclopédia livre Wikipédia: “A Semiótica (do grego semeiotiké ou „a
arte dos sinais‟) é a ciência geral dos signos e da semiose que estuda todos os fenômenos
culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação. Ocupa-se do
estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito
ou da idéia. Mais abrangente que a lingüística, a qual se restringe ao estudo dos signos
lingüísticos, ou seja, do sistema sígnico da linguagem verbal, esta ciência tem por objeto
qualquer sistema sígnico Artes visuais, Música, Fotografia, Cinema, Culinária,
Vestuário, Gestos, Religião, Ciência, etc.”
33
Capítulo II
NORMA JURÍDICA
1. Conceito de norma jurídica
A expressão norma jurídica é utilizada pela doutrina em várias acepções e
muitas vezes se mostra de forma imprecisa, o que reflete a presença de vícios de
ambiguidades e de vagueza.
24
Percebemos que essa expressão é empregada como sinônimo de texto de lei,
regra jurídica, comando geral e abstrato, leis concretas, enunciados prescritivos,
proposições, e entre outras coisas, até mesmo de regras não escritas.
O professor Tércio Sampaio, antes de fazer uma análise pragmática da norma
jurídica, coloca o problema da imprecisão da expressão norma jurídica e afirma que
este termo é utilizado em várias situações: quando o juiz aplica leis, costumes, dita
sentença; quando o poder Legislativo edita leis; quando o Executivo expede
regulamentos; quando a Administração Pública age através de atos administrativos; e
até mesmo quando os particulares celebram contratos e os árbitros promovem
mediações; quando os Estados assinam acordos, tratados, convenções, enfim.
25
Reconhecendo a ambiguidade da expressão norma jurídica, adverte o ilustre
mestre Paulo de Barros Carvalho que este vício de linguagem “não demora a provocar
24
Constata-se a ambigüidade diante da possibilidade de o intérprete atribuir várias
significações a um mesmo signo em decorrência da multiplicidade de significações que o
próprio código da mensagem tem, ou seja, as palavras são polissêmicas desde sua
formação, de sua convenção e a expressão norma jurídica não foge a essa regra. Já a
vaguidade que se traduz na imprecisão das palavras, é de certa forma característica de
praticamente todas as palavras.
25
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da
comunicação normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 35.
34
dúvidas semânticas que o texto discursivo não consegue suplantar nos seus primeiros
desdobramentos”.
26
Frente a isso faremos um breve passeio sobre as teorias de Kelsen, Bobbio,
Hart, Vilanova e Paulo de Barros. Frise-se que não é nosso objetivo promover um
estudo aprofundado sobre as teorias formuladas acerca da norma jurídica. O que
pretendemos é fazer uma análise doutrinária sucinta, porém que nos permita perceber
o que esses grandes juristas entendem por normas, como as classificam e qual a
relevância delas para o ordenamento jurídico e frente às relações jurídicas, dentre
outras questões relevantes.
Dissertar sobre as teorias desses grandes juristas implicaria conhecer a
completude de suas obras, mergulhar no contexto histórico em que eles estavam
inseridos, observando o amadurecimento de suas ideias, a trajetória de suas vidas, suas
raízes culturais e intelectuais, enfim, demandaria um esforço que certamente mereceria
ser objeto central de qualquer estudo. Aqui, pretendemos agregar conhecimentos ao
nosso objeto central que são as multas tributárias.
1.1 Na Teoria da Norma de Hans Kelsen
Pois bem. Segundo Kelsen,
27
“A norma funciona como esquema de
interpretação Por outras palavras: o juízo em que se enuncia que um ato de conduta
humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação
específica, a saber, de uma interpretação normativa”. Para esse mestre, o direito é uma
ordem normativa da conduta humana, é um sistema de normas, e essas normas são
comandos que estabelecem algo que deve ser ou algo que deve acontecer. Ele
distingue norma jurídica de proposição jurídica. Explica que:
“Proposições jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam ou
traduzem que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurídica
nacional ou internacional dada ao conhecimento jurídico, sob
certas condições ou pressupostos fixados por esse ordenamento,
26
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 128.
27
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado, ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 4.
35
devem intervir certas conseqüências pelo mesmo ordenamento
determinadas. As normas jurídicas, por seu lado, não são juízos, isto é,
enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, de
acordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos,
imperativos. Mas não são apenas comandos, pois também são
permissões e atribuições de poder ou competência.
28
As normas jurídicas são para ele prescrições que determinam comandos,
permissões e atribuições de competência, e não se submetem aos valores de verdade e
falsidade. As normas jurídicas estão no mundo do dever-ser, do direito positivo
devendo se submeter aos valores, válido e inválido.
No entanto, de acordo com os ensinamentos desse autor, os princípios lógicos
(por exemplo, o princípio da não contradição representado pela lógica mediante a
expressão: (p.-p)), apesar de se submeterem aos valores de verdade e falsidade
próprios da ciência do direito também podem ser aplicados às normas prescritivas, ou
seja, a lógica exerce um papel importante no direito positivo, podendo ser aplicadas,
senão direta, mas indiretamente, as normas jurídicas, uma vez que essas regras lógicas
são aplicadas às proposições jurídicas que descrevem as normas jurídicas.
29
Lourival Vilanova
30
explica que a fórmula kelseniana distingue a lei natural da
norma jurídica utilizando-se das respectivas estruturas: “se A é, B é”; “Se A é, B deve
ser. Afirma que as duas fórmulas possuem a mesma forma sintática, que ambas são
enunciados condicionais. Contudo, o que as distingue é a incidência do operador
“dever-ser” sobre a relação de implicação.
Em seu livro Teoria geral das normas ele define norma como sinônimo de
mandamento (conferir poderes, permitir, derrogar), de prescrição, de ordem. Afirma
que se trata de uma expressão linguística imperativa ou de uma proposição do dever-
ser. O dever-ser é por sua vez o sentido de um querer, de um ato de vontade.
31
28
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado, ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 80-81.
29
Idem, p. 83-84.
30
LOURIVAL, Vilanova. Causalidade e relação no direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
1989, p. 54.
31
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986.
36
Enfatiza que norma e enunciado o se confundem. O enunciado é um ato de
pensamento, não é um ato de vontade intencionalmente dirigido a certa conduta
humana, como é a norma. Alerta ainda que nem toda ordem é uma norma. “Como
norma vale o sentido de um ato de comando qualificado de certo modo, a saber: de
um ato de comando autorizado pela norma de um ordenamento moral ou jurídico
positivo.”
32
Explica que uma norma não tem apenas a função de impor determinada
conduta, ela também autoriza certa conduta, revoga a validade de uma norma, derroga
outra norma.
Segundo sua teoria, uma norma é aplicada quando a sanção prescrita (pena ou
execução civil) é dirigida contra a conduta contrária à norma. Percebemos diante disso
que a sanção é o centro de tudo, ela que estabelece a aplicação efetiva do direito.
Hans Kelsen classifica as normas em primária e secundária e reformula essa
classificação explicando que a norma primária é aquela que prescreve determinada
conduta e a secundária prescreve uma sanção para violação da norma primária e não o
contrário como outrora defendia. Afirma que a norma primária pode aparecer
inteiramente independente da secundária. Mas admite poder existir a secundária sem a
primária porque esta é supérflua uma vez que a secundária implica a norma
primária. Quando se estabelece uma sanção, se sabe qual a conduta seria desejável e
essa conduta não precisaria ser expressamente formulada. “Nisto se expressa o
decisivo papel que a sanção existe num ato de coação desempenha no Direito como
uma ordem de coação.”
33
1.2 Na teoria do direito de Norberto Bobbio
Bem enfatiza Gisele Mascarelli Salgado
34
em estudo aprofundado sobre a
Sanção em Bobbio que o confronto com algumas obras deste jusfilósofo italiano
32
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre:
Fabris, 1986, p. 34-35.
33
Idem, ibidem, p. 182.
34
SALGADO, Gisele Mascarelli. Sanção na teoria do direito de Norberto Bobbio. São
Paulo: s.ed., 2008, p. 9 e ss.
37
demonstra que o método por ele utilizado, a filosofia analítica, se ocupa em analisar
vários temas sobre diversos enfoques e por vezes acaba por não deixar bem claro quais
são as suas próprias conclusões. Esclarece ainda que Bobbio deixou um vasto acervo
bibliográfico, em sua maioria artigos e textos esparsos frutos de suas aulas e que
alguns autores afirmam que ele passou por várias fases mas que não uma fase
principal ou uma classificação correta para sua teoria. Vejamos suas fases apontadas
por Gisele Mascarelli:
“Ao lidar com as obras de Bobbio a preocupação com a datação é
fundamental, isso porque é possível estabelecer diversas fases na vasta
obra do jusfilósofo italiano. Entende-se que Bobbio apresenta pelo
menos cinco fases em relação ao Direito: 1) busca da superação da
teoria kelseniana via fenomenologia, 2) busca da superação da teoria
kelseniana via teoria da linguagem, 3) aceitação da teoria kelseniana,
com algumas reservas, 4) busca da superação da teoria kelseniana via
teoria funcionalista, 5) mistura de um padrão conservador e reformista
ao pensar o Direito por meio da Política. ainda outras fases de
Bobbio, que podem ser identificadas, quando suas preocupações não
se limitam ao Direito.”
Destarte, é preciso pontuar que utilizaremos as obras Teoria da norma jurídica,
O positivismo jurídico, Teoria do ordenamento jurídico, Studi per uma teoria generale
del diritto, Da estrutura à função, entre outras obras de autores que se dedicam ao seu
estudo.
Este grande pensador considera a norma jurídica independentemente do seu
conteúdo. Aprecia a sua estrutura lógico-linguística e define, conforme o ponto de
vista formal, as normas jurídicas como sendo proposições pertencentes à categoria
geral das proposições prescritivas. Propõe estudá-las por meio de quatro fases, a saber:
“1) estudo das proposições prescritivas e sua distinção dos outros tipos de proposições;
2) exame e critica das principais teorias sustentadas sobre a estrutura formal da norma
jurídica; 3) estudo dos elementos específicos da norma jurídica enquanto prescrição; 4)
classificação das prescrições jurídicas”.
35
Ao contrário de Kelsen, que distingue os signos proposições e normas
jurídicas, Bobbio afirma que proposição é um conjunto de palavras que possuem um
35
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani
Bueno Sudatti. Apresentação Alaôr Caffé Alves. ed. rev. Bauru: Edipro, 2005, p. 69,
72-73.
38
significado em sua unidade. Sua forma mais comum é o que na lógica clássica se
chama juízo, uma proposição composta de um sujeito e de um predicado, unidos por
uma cópula (S é P).
36
O termo proposição utilizado por Bobbio não engloba o conjunto de palavras
sem significado e este conjunto igualmente não se confunde com as proposições falsas.
Para uma proposição ser tida como falsa, ela ainda assim precisa ter significado; o que
determina a sua falsidade são os critérios de verdade utilizados, seja a coerência, a
validade formal, a maior ou menor correspondência dela com os fatos, enfim, nada tem
a ver com a ausência de significado.
Explica o autor que proposição também não se confunde com enunciado. Este é
a forma gramatical e linguística pela qual um determinado significado é expresso.
Esclarece ainda que existem vários tipos de proposições e eles podem ser
diferenciados a partir de suas formas gramaticais, em declarativas, interrogativas e
exclamativas, e a partir de suas funções, em asserções, perguntas, comandos e
exclamações.
A tese de Bobbio sobre as “características diferenciais” tenta explicar que as
normas jurídicas vão ser diferentes dos outros tipos de normas se as proposições
prescritivas do direito possuírem características inerentes à sua natureza prescritiva.
Afirma que até mesmo a fórmula (Se é A, deve-ser B) mais aceita da norma jurídica
pode ser aplicada a vários tipos de normas que não sejam as de direito e, portanto, isso
não seria suficiente para diferenciá-la das demais normas.
Depois de analisar vários critérios de diferenciação das normas, conclui o
mestre italiano que inexiste um critério exclusivo que diferencie as normas jurídicas
das demais. Afirma que o critério da sanção externa e institucionalizada serve para
distinguir as normas jurídicas das demais. Contudo, admite a existência de norma sem
sanção e relaciona a juridicidade das normas à questão da pertencialidade delas ao
sistema jurídico e não a questão da sanção esta se refere à eficácia das normas.
36
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica, p. 73.
39
1.3 Na teoria do direito de Herbert Hart
Hart
37
utiliza a nomenclatura regras jurídicas e explica o direito a partir da
união entre regras primárias e secundárias.
Segundo este autor, as regras primárias são aquelas dirigidas aos particulares e
que estabelecem apenas obrigações, enquanto as regras secundárias são aquelas que se
relacionam com as regras primárias com o fito de estabelecer reconhecimento,
alteração e julgamento. Ele nega veementemente as teorias reducionistas que
defendem a existência de apenas um tipo de regra no Direito e afirma já no prefácio de
sua obra O conceito de direito a sua preocupação em combater a deficiência desse
modelo simplista liderado por Austin, que acredita que “a chave da compreensão do
direito se encontra na noção simples de uma ordem baseada em ameaça”
38
e que ele
próprio denomina de comando.
podemos falar em sistema jurídico quando o regime de regras primárias
estiver complementado pelas regras secundárias, pois estas trarão os remédios
necessários aos defeitos principais das regras primárias.
O autor aponta três defeitos inerentes às regras primárias a incerteza, o
caráter estático das regras e a ineficácia e os explica quando afirma que estas
regras não formam um sistema e se assemelham às nossas regras de etiqueta e
portanto, são incapazes de solucionar dúvidas em relação a qual regra se deve seguir
ou acerca do preciso âmbito de certa regra dada. Igualmente são incapazes de alterar
deliberadamente as regras existentes mesmo diante das mutações das condutas sociais
advindas com o processo natural de crescimento social. Também o podem punir os
infratores sem que tenha autoridade para tanto. Assim afirma Hart que:
O remédio para cada um desses três defeitos principais, nesta forma
mais simples de estrutura social, consiste em complementar as regras
primárias de obrigações com regras secundárias, as quais são regras de
diferentes espécies. A introdução de um corretivo para cada defeito
37
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. ed. Com um pós-escrito por Penélope A.
Bulloch e Joseph Raz. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2007.
38
Idem, ibidem, p. 21.
40
poderia em si ser considerado um passo na passagem do mundo pré-
jurídico para o mundo jurídico, uma vez que cada um desses remédios
traz consigo muitos elementos que vão permear o direito: os três
remédios em conjunto são sem dúvida o bastante para converter o
regime de regras primárias naquilo que é indiscutivelmente um
sistema jurídico.”
39
As regras primárias são simples formas de controle social que estabelecem
obrigações ou deveres, ou seja, elas dizem às ações o que os indivíduos devem ou não
fazer, ao passo que as secundárias respeitam as primárias mas “especificam os modos
pelos quais as regras primárias podem ser determinadas de forma concludente, ou ser
criadas, eliminadas e alteradas, bem como o fato de que a respectiva violação seja
determinada de forma indubitável”.
40
Nesse sentido, o autor estabelece quais os remédios devem ser usados para cada
defeito por ele apontado. Pois bem. Para solucionar o problema da incerteza, restaria a
introdução da regra de reconhecimento; o problema relacionado à qualidade estática
seria a introdução das regras de alteração; e para a questão da ineficácia remediaria a
introdução das regras de julgamento. Enfatizando que todas essas regras são regras
secundárias.
também as “regras que atribuem poder aos indivíduos para alterar as suas
posições iniciais sob o domínio das regras primárias”. São as regras privadas de
atribuição de poder que conferem à sociedade a “outorga de testamentos, contratos,
transferências de propriedades e muitas outras estruturas voluntariamente criadas de
direitos e deveres que tipificam a vida sob o império do direito”.
41
Observe que o autor, além de não utilizar a terminologia da doutrina tradicional,
ele compreende o sistema jurídico a partir de uma estrutura normativa diferente e
utiliza o signo regra quando se refere a texto de lei, a comando prescritivo, a
significação que se obtém a partir da leitura de texto e até mesmo a conjecturas
39
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. ed. Com um pós-escrito por Penélope A.
Bulloch e Joseph Raz. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2007, p. 103.
40
Idem, ibidem, p. 104.
41
Idem, ibidem, p. 106.
41
formuladas no intelecto humano e que não estão relatadas em linguagem escrita, são
chamadas regras de reconhecimento.
As regras de comportamento, na maior parte dos casos, não são enunciadas, não
são escritas, são normas que se manifestam de forma empírica.
42
Nas suas palavras “a
sua existência manifesta-se no modo como as regras concretas são identificadas, tanto
pelos tribunais ou outros funcionários, como pelos particulares ou seus consultores”.
43
É preciso adiantar que, conforme nossas premissas estabelecidas no primeiro
capítulo deste estudo, não conceber a existência de normas não escritas pois, o que não
está escrito não existe no universo jurídico. Igualmente não podemos compreender que
o Direito seja resultado da combinação harmônica entre normas primárias e normas
secundárias. O termo Direito não significa tão-somente o universo de normas.
1.4 Na teoria do direito de Lourival Vilanova
VILANOVA
44
compreende o direito como um sistema de normas. Faz uma
macroanálise estrutural do sistema normativo e uma microanálise das normas jurídicas
e conclui que se pode reconstruir o todo a partir da investigação das operações que
interligam as partes (as normas jurídicas). Ou seja, defende que o sistema normativo
pode ser compreendido através da análise dos enunciados, das relações combinatórias
das normas e de seus processos de construção (regras de formação, regras de
transformações dos enunciados, ou das normas como enunciados proposicionais).
É categórico ao afirmar que o Direito é um sistema empírico aberto aos fatos e
que esses fatos ingressam no sistema jurídico mediante normas. São as normas que
qualificam os fatos do mundo (natural e social) como sendo fato jurídico, ou seja, elas
juridicizam ou desjuridicizam os fatos, os introduzem ou os expurgam do sistema
42
O termo empírico foi utilizado pelo próprio autor em notas feitas ao capítulo VI na p. 274.
Nestas notas ele admite ter utilizado uma terminologia distinta de KELSEN (regra de
reconhecimento versus norma fundamental) apenas para enfatizar que eles possuem
alguns pontos de vistas diferentes, mas que na verdade em alguns aspectos essa tese da
regras de reconhecimento se assemelha à tese da norma fundamental de Kelsen.
43
Idem, ibidem, p. 113.
44
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. ed. São Paulo: Saraiva,
1989, p. 14-15.
42
positivo, sempre conforme critérios de valoração existente no próprio sistema jurídico
e mediante uma relação de causalidade jurídica. É o que se percebe diante das palavras
do autor:
“O fato jurídico, pois, é uma concreção que se dá num ponto do tempo
e num ponto do espaço. Mas o fato é jurídico porque alguma norma
sobre ele incidiu, ligando-lhe efeitos (pela relação de causalidade
normativa). Suprimam-se normativamente efeitos e o fato jurídico fica
tão-só como fato. O direito é um processo dinâmico de juridização e
de desjuridização de fatos, consoante as valorações que o sistema
imponha, ou recolha, como dado social (as valorações efetivas da
comunidade que o legislador acolhe e as objetiva como normas
impositivas).
45
Defende que a norma jurídica completa possui uma estrutura dúplice composta
pela norma primária e pela norma secundária. O mestre pernambucano entende que as
primárias são aquelas de natureza material (advindas de normas civis, comerciais,
administrativas) e as secundárias são as de natureza processual. Que ambas possuem
hipótese fática e consequência, mas se tratam de proposições normativas distintas, com
sujeitos intervenientes, fatos jurídicos e efeitos diversos.
A relação jurídica que se compõe na norma secundaria é entre um fato jurídico
ilícito e uma sanção. a estrutura relacional que se estabelece nas normas primárias
decorre de um fato jurídico lícito e uma consequência. De acordo com suas palavras:
Na norma primária “estatuem-se as relações deônticas
direitos/deveres, como conseqüência da verificação de pressupostos,
fixados na proposição descritiva de situações fáticas ou situações
juridicamente qualificadas”; na secundária “preceitua-se as
conseqüências sancionadoras, no pressuposto do não-cumprimento do
estatuído na norma dominante da conduta juridicamente devida”.
46
Esclarece ainda que as relações jurídicas primárias e secundárias não se
verificam autonomamente, ou seja, elas necessariamente precisam se unir. Caso não
exista uma norma secundária sancionadora da norma primária, esta fica desprovida de
45
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. ed. São Paulo: Saraiva,
1989, p. 90.
46
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. Prefácio
Geraldo Ataliba. Apresentação de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2005, p.
105.
43
juridicidade, ou seja, perderá seu caráter jurídico. Caso haja a secundária sem a
primária, aquela se reduz a mero instrumento sem fim material.
47
Para Vilanova a norma primária não é supérflua como afirmava Kelsen. A
norma primária é quem dá sentido à norma secundária, uma vez que no Direito-norma,
em sua integridade constitutiva, compõe-se de duas partes. Não se trata de relação de
ordem temporal ou casual, mas sim de antecedente lógico e consequente lógico.
48
Frise-se que o autor fala em norma secundária sancionadora mas isso não
implica que ele compreenda que as sanções são exclusividade dessas normas. Ele
admite que pode existir sanção nas normas primárias seria o caso de
descumprimento de obrigações contratuais na esfera privada.
49
1.5 Na teoria da norma de Paulo de Barros Carvalho
O professor Paulo de Barros, ao trabalhar o conceito de norma jurídica em seu
livro Teoria da norma jurídica, corrobora com os ensinamentos de Bobbio de que as
normas jurídicas são prescrições abstratas e que não podem servir para individualizar
outros tipos de prescrições que não aquelas. Enfatiza que o que qualifica a proposição
prescritiva como norma jurídica é o fato de o comportamento previsto na proposição
assumir a forma de ação-tipo que se repete todas as vezes que os destinatários realizem
a situação descrita. Os atributos de generalidade ou individualidade são apenas
aspectos acidentais da norma.
50
Esclarece ainda na esteira do pensamento do mestre da Universidade de Turim
que “as prescrições concretas (comandos jurídicos) e prescrições abstratas (normas
jurídicas) têm existências coalescentes no mesmo sistema, essas últimas,
47
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
1989, p. 123 ss.
48
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. Prefácio
Geraldo Ataliba. Apresentação de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2005. p.
105-106.
49
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. ed. São Paulo: Saraiva,
1989, p. 130.
50
CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. ed. São Paulo: Quartier
Latin, 2009, p. 38.
44
inequivocamente, desempenhando preponderante, sendo possível dizer-se que
constituem o fundamento da ordem jurídica.”
51
O professor Paulo de Barros explica a dicotomia das regras de direito em
primária e secundária defendida por Kelsen quando este ainda concebia a norma
primária como sendo a sancionadora e a secundária como aquela que estabelece o
comportamento desejado pela ordem jurídica. Por certo que Kelsen reviu esse seu
posicionamento admitindo que a norma que prescreve uma sanção pela violação de
outra norma poderá ser a primária, ao passo que a sancionadora certamente sea
secundária.
Afirma que não segue a terminologia inicialmente utilizada por Kelsen e que se
mantém na linha do pensamento de Lourival Vilanova, que coincide com o recuo
doutrinário registrado em obra póstuma do mestre de Viena.
52
Critica a distinção kelseniana de “norma” (direito positivo) e “proposição”
(ciência do direito) e adota respectivamente as terminologias “proposições
prescritivas” e “proposições descritivas” muito utilizadas pelas teorias linguísticas.
53
Faz a distinção entre enunciados prescritivos e “proposições prescritivas
explicando que aqueles enunciados recebem tratamento formal ao serem acolhidos na
mente do intérprete que os agrupa e os dispõe na conformidade lógica de um juízo
hipotético condicional, ou seja, os enunciados prescritivos ingressam na estrutura
sintática das normas, na condição de proposição-hipótese (antecedente) e de
proposição-tese (consequência), eles prescrevem as condutas. Desse modo, as
proposições são significados que se abstraem dos enunciados.
Esclarece que os enunciados prescritivos usados em sua função pragmática de
prescrever condutas não podem ser confundidos com as normas jurídicas, pois estas
são significações construídas a partir de textos positivados e estruturadas consoante a
51
CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. ed. São Paulo: Quartier
Latin, 2009, p. 38-39.
52
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência
tributária. 7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 35.
53
Idem, ibidem, p. 22.
45
forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais
proposições prescritivas.
54
Utiliza as expressões “norma jurídica” e “regras de direito” como sinônimas e
frisa de forma pontual que não há norma sem sanção correspondente.
Explica que as regras do direito possuem caráter dúplice, ou seja, compõe-se de
norma primária ou endonorma (que o aquelas que prescrevem um dever quando
ocorre no mundo fenomênico o que está descrito no suposto desta norma) e norma
secundária ou perinorma (que são as normas que preveem uma sanção ao
descumprimento da conduta prevista pela norma primária). Esclarece ainda que a
estrutura formal dessas normas é idêntica, vejamos a precisão de suas palavras:
A organização interna de cada qual, porém, será sempre a mesma, o
que permite produzir-se um único estudo lógico para a análise de
ambas. Tanto na primária como na secundária a estrutura formal é
uma [D(p→q)]. Varia tão-somente o lado semântico, porque na
norma secundária o antecedente aponta, necessariamente, para um
comportamento violador de dever previsto na tese da norma primária,
ao passo que o conseqüente prescreve relação jurídica em que o
sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado, exercitando sua função
jurisdicional, passa a ocupar a posição de sujeito passivo.”
55
Com extrema precisão o mestre Paulo de Barros Carvalho esclarece a
importante distinção entre texto de direito positivo e norma jurídica, vejamos sua
lição:
“A norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos
textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa
mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos
sentidos. Veja os símbolos lingüísticos marcados no papel, bem como
ouço a mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem.
Esse ato de apreensão sensorial propicia outro, no qual associo idéias
ou noções para formar um juízo, que se apresenta, finalmente, como
proposição.
Dito de outro modo, experimentamos as sensações visuais, auditivas
tácteis, que suscitam noções. Estas, agrupadas no nosso intelecto,
fazem surgir os juízos ou pensamento que, por sua vez, se exprimem
verbalmente como proposições. A proposição aparece como o
54
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 129.
55
Idem, ibidem, p. 34.
46
enunciado de um juízo, da mesma maneira que o termo expressa uma
idéia ou noção.
A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura
do texto provoca em nosso espírito.”
56
A sua teoria da norma se fixa na manifestação do deôntico, em sua unidade
monádica, no seu arcabouço lógico, mas também em sua projeção semântica e em sua
dimensão pragmática, examinando a norma por dentro, num enfoque intranormativo, e
por fora, numa tomada extranormativa, norma com norma, na sua multiplicidade
finita, porém indeterminada”.
57
1.6 Conclusões
Compreendemos o Direito como sendo a união de vários tipos de linguagens
interligadas num enorme e complexo emaranhado de textos tecidos com o fito de
regular as relações intersubjetivas a ponto de viabilizar a existência humana em
sociedade. Direito então, dentro desse contexto, engloba as proposições prescritivas,
ou seja, os textos prescritivos validos em um determinado espaço e tempo, próprios do
ordenamento jurídico; e as proposições descritivas, aqueles textos descritivos
submetidos a conceitos de verdade e falsidade que são próprios da dogmática jurídica.
Desse modo, dividimos o Direito em duas formas de linguagem. A linguagem
das normas (as que prescrevem condutas a serem seguidas e consequências ao
descumprimento dessas condutas desejadas) e a linguagem da ciência (que é uma
metalinguagem, uma linguagem que fala sobre a linguagem das normas).
Podemos dizer então que norma jurídica numa acepção mais ampla seria uma
linguagem que estabelece condutas, garantias e princípios, que impõe regras de
competência, regras de criação, do próprio direito que preveem limites, sanções,
exceções, enfim, que regula as relações intersubjetivas, sempre mediante uma relação
de causalidade entre sujeitos de direitos e de deveres. Frise-se que essa linguagem
possui um caráter eminentemente prescritivo, ou seja, é impositiva, forçosa, cogente.
56
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 8.
57
Idem. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 127.
47
Esse caráter decorre indubitavelmente da relação de pertencialidade da norma ao
sistema jurídico. Pertencer ao sistema significa existir em conformidade com suas
regras.
Numa perspectiva ampla a expressão norma jurídica é sinônima de regra
jurídica, de enunciado prescritivo; são na verdade textos de leis, frases soltas que
possuem conteúdos deonticamente incompletos e que pertencem ao mundo do dever-
ser.
Numa abordagem mais estrita a norma jurídica seria a exteriorização escrita do
processo de cognição alcançado mediante a interpretação e compreensão dos
enunciados prescritivos. Esse resultado linguístico seriam as chamadas proposições
prescritivas; seria algo abstrato, hipotético, criado na mente do intérprete e convertido
em linguagem jurídica prescritiva. Frise-se que, apesar deste processo de construção
normativa que ocorre dentro da mente humana, a norma existe, se torna válida
para o direito positivo, depois de sua conversão em linguagem jurídica escrita.
Nessa perspectiva a norma jurídica também pode ser chamada de regra
jurídica e de proposição prescritiva.
O professor Robson Maia Lins
58
observando a existência de vaguidade e
ambiguidade na expressão norma jurídica afirma que a Semiótica estuda os
componentes da linguagem e serve de poderoso instrumento analítico à disposição da
dogmática jurídica para reduzir aqueles vícios de linguagem e explica a norma jurídica
sob os aspectos sintático, semântico e pragmático. Vejamos a clareza de sua síntese:
“(...) pelo enfoque semântico (v.g., norma jurídica é o instrumento
elaborado pelos homens para lograr aquele fim consistente na
produção da conduta desejada); (...) o nível pragmático (v.g., norma
jurídica é um programa de ação em face de crescente estabilização e
burocratização dos sistemas sociais); (...) aspecto sintático (v.g.,
norma jurídica é um juízo hipotético-condicional, que, por meio de
imputação deôntica ou causalidade jurídica, liga o antecedente ao
conseqüente).”
Maia Lins segue apontando o aspecto estrutural da norma jurídica como sendo
um enfoque que garante um limite sintático da norma, que todas as normas possuem
58
LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária. Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 52 ss.
48
o mesmo esquema estrutural: hipotético-condicional. Afirma ainda que essa estrutura
normativa é recheada de conteúdo, de significação, e que é a partir dessa estrutura
lógica da norma que se avança ao enfoque semântico, ou seja, que encontramos os
critérios para identificar se a norma é primária ou secundaria (processual), e entre elas,
se sancionatória ou dispositiva.
59
Corroboramos com os ensinamentos do professor Tácio Lacerda Gama
60
que,
de forma bastante didática e pontual, conceitua norma jurídica em sentido amplo,
completo e estrito; vejamos:
“Norma jurídica em sentido amplo compreende todas as proposições
prescritivas que possam ser construídas a partir da leitura dos textos
de direito positivo. É a acepção mais ampla.
Norma jurídica em sentido completo composição formada por duas
normas conectadas entre si, sendo primária aquela que prescreve a
conduta lícita, e secundária a que prevê o ilícito, consubstanciado no
descumprimento da primária, e lhe imputa uma sanção coercitiva.
Norma jurídica em sentido estrito juízo hipotético-condicional que
vincula a realização de um fato à previsão de uma conseqüência,
invariavelmente, consistente numa relação jurídica.”
2. Dos enunciados prescritivos à norma jurídica
O direito positivo é formado por um conjunto de enunciados prescritivos válido
em um determinado espaço e tempo. Esses enunciados prescritivos são textos de leis,
frases soltas que possuem conteúdos deonticamente incompletos e que pertencem ao
mundo do dever-ser, não se confundem com norma jurídica, como pudemos
perceber no item anterior.
Observe que somente mediante uma análise sistemática do conjunto desses
enunciados prescritivos é que o intérprete conseguirá construir uma norma jurídica em
sentido estrito.
59
LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária. Decadência e
prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 55-56.
60
GAMA, Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São
Paulo: Noeses, 2009, p. XLIX.
49
O professor Carvalho
61
explica o percurso da construção do sentido. Afirma que
se trata de um processo de construção intelectual realizada pelo intérprete do direito a
partir dos enunciados prescritivos do direito posto. De acordo com os ensinamentos do
professor, o direito se manifesta sempre em quatro planos. No primeiro plano (S1) o
intérprete se depara com as formulações literais, é o chamado plano de expressão, é a
primeira etapa da construção do sentido, onde ele se depara com a literalidade textual,
com estruturas atômicas que não encerram uma unidade completa de significado
limitando-se apenas a fazer uma leitura desses signos. Depois de manter o primeiro
contato com o sistema objetivo das literalidades o intérprete se defronta com o
conjunto dos conteúdos de significações dos enunciados prescritivos, essa é a segunda
etapa (S2), onde ele avança disposto a atribuir valores unitários aos signos,
selecionando significações associando-as e comparando-as para estruturar as
significações de cunho jurídico, mas ainda não que se falar em norma jurídica,
ainda são significações construídas a partir de frases prescritivas, enunciados ditados
por órgãos competentes e que integram o corpo legislado. Depois dessa segunda etapa
ele chega ao terceiro plano (S3) que é a articulação de sentido dos enunciados
recolhidos no plano S2. Neste plano feixes de enunciados reunidos conforme
esquema formal de implicação deôntica. O exegeta promove a contextualização dos
conteúdos com a finalidade de produzir unidades completas de sentido para as
mensagens deônticas, ou seja, as significações se agrupam no esquema de juízos
implicacionais (normas jurídicas). Diante das normas construídas no plano S3 o
intérprete passa ao plano S4 onde ele se ocupa em organizar aquelas normas de
maneira escalonada com traços de coordenação e subordinação entre as regras
jurídicas. É no plano S4 que se completa o processo interpretativo, pois o intérprete
depara com o contexto em que as normas estão inseridas.
Diante da construção da norma jurídica percebe-se a clara distinção entre texto
de lei e norma jurídica. Notamos que muitas vezes é preciso ler vários textos de lei
para conseguirmos construir uma única norma jurídica, haja vista a relação de
coordenação e subordinação existente entre as normas e a unicidade do sistema
61
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 109 e ss.
50
jurídico. Ao mesmo tempo percebemos que de um único texto de lei podemos também
construir várias normas jurídicas.
Na esteira do pensamento carvalhiano percebemos que a construção da norma
jurídica pode ser feita pelo intérprete quando este se propõe a fazer uma leitura
contextualizada dos enunciados prescritivos do direito positivo. Não se pode querer
compreender a parte (o texto solto) sem se conhecer o todo (conjunto dos textos).
Desse modo, textos fora de contexto não podem promover a compreensão do todo.
3. A semiótica no estudo do Direito
A semiótica é uma ciência que estuda os signos de vários sistemas, sendo,
portanto, disciplina independente, porém voltada principalmente para a filosofia. Foi
apresentada pelo americano Charles Pierce que sistematizou os signos em três planos
de investigação: sintático, semântico e pragmático.
Saussure também desenvolveu um estudo sobre os signos na mesma época que
Charles Pierce e a denominou semiologia, por isso muitos estudiosos utilizam
semiologia e semiótica como sinônimos da teoria geral dos signos.
Como havíamos dito, compreendemos o Direito como sendo um corpo de
linguagem e, como toda linguagem, manifesta-se através de signos. Desse modo, a
relação da semiótica com o direito é, a nosso entendimento, uma inevitável ponte para
a construção da ciência jurídica. Sem sombra de dúvidas é uma ferramenta importante
para a investigação do fenômeno linguístico chamado Direito. Principalmente porque
não concebemos a existência do Direito sem linguagem.
Pois bem. Aprendemos que a sintática estuda os signos, mesmo independente
de seus significados, estuda a construção das frases dentro das regras do idioma. Que a
semântica estuda os signos e os objetos designados. E a pragmática se ocupa com a
relação entre os signos e as pessoas que o utilizam. Vejamos os ensinamentos de
Ricardo Guibourg:
62
“Pues bien, la sintaxis estudia los signos mismo con independencia de
su significado (en el caso, la construcción de la frase dentro de las
62
GUIBOURG, Ricardo A. Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba,
1985, p. 31.
51
reglas del idioma). A semántica, los signos en su relación con los
objetos designados (en el ejemplo, la de la expresión lingüística con el
hecho mismo de desembarco). Y la pragmática, la relación entre los
signos y las personas que los usan (la acción de Fortunato y su
influencia sobre Ronaldo).”
Seguindo seus ensinamentos temos que a semântica percebe a concepção do
significado das palavras e das orações. Contudo, este enfoque não se esgota no vínculo
entre os signos e a realidade, pois o significado é apenas um dos elementos da
linguagem, é uma ferramenta para a comunicação entre os homens. Desse modo, é
inevitável que a análise desse aspecto da comunicação nos conduza à dimensão
pragmática do signo.
A pragmática tem sido definida como a disciplina que estuda o discurso, no
entanto, ela é a parte da semiótica que trata da origem dos signos, de seus usos e dos
efeitos que eles produzem na conduta dentro da qual ele aparece.
o enfoque semântico nos oferece uma base necessária para a pragmática, em
virtude de o uso da linguagem pressupor o manejo dos significados atribuídos aos
signos.
Por certo que os três campos de investigação do signo se interligam
harmonicamente. Eles se complementam e possuem a finalidade de destrinchar os
signos de determinado corpo de linguagem a fim de levar o investigador ao
conhecimento científico estrito.
3.1 A estrutura lógica (sintática) das normas jurídicas e sua importância para o
direito
Ao estudar as obras carvalhiana, podemos perceber claramente a importância da
semiótica na análise do direito. Esse Mestre examina cuidadosamente a norma jurídica
em todos os planos de investigação do signo, o sintático (lógico), o semântico e o
pragmático, correlacionando-os.
No entanto, percebemos sua paixão pela organização do pensamento através de
entidades formais, ou seja, mediante o estudo da lógica. Frisa que a lógica é um
poderoso instrumento descritivo capaz de racionalizar o discurso jurídico e de detectar
inúmeras características, vícios e contradições no direito positivo. A lógica formaliza o
52
direito positivo, a ciência do direito e a retórica do direito. Carvalho
63
cita os
ensinamentos de Vilanova:
“A ciência da Lógica, sim, é que é a sobrelinguagem que formaliza a
linguagem das proposições jurídicas (ciência jurídica) e a linguagem
das normas (do direito positivo), pois é nesse seu nível que se
reduzem as duas capas de linguagem a fim de se obterem estruturas
formais, constituídas de variáveis lógicas, de constantes lógicas e de
functores infra/proposicionais.”
Analisaremos a estrutura lógica da norma jurídica completa, ou seja, da norma
primária e da norma secundária, haja vista que somente a partir da análise dessas duas
normas é que o intérprete é capaz de alcançar a compreensão exata da regra que se
destina a regular as relações intersubjetivas. Vejamos os ensinamentos de Lourival
Vilanova estampados nas lições de Carvalho:
“Seguimos a teoria da estrutura dual da norma jurídica: consta de duas
partes, que se denominam norma primária e norma secundária.
Naquela, estatuem-se as relações deônticas direitos/deveres, como
conseqüência da verificação de pressupostos, fixados na proposição
descritivas de situação fáctica ou situações juridicamente
qualificadas; nesta, preceituam-se as conseqüências sancionadoras, no
pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante
da conduta juridicamente devida (...) As denominações adjetivas
„primária‟ e „secundária‟ não exprimem nem relações de ordem
temporal ou casual, mas de antecedente lógico para conseqüente
lógico”.
Não resta dúvida de que a estrutura lógico-sintática da norma jurídica é
bimembre. No primeiro membro possui uma hipótese (pressuposto) e no segundo
membro uma tese (consequência) e que essas estruturas se relacionam mediante uma
forma lógica de implicação que possui um modal neutro.
Ao analisarmos a norma jurídica em sua estrutura sintática, podemos logo
perceber que para uma regra jurídica estar completa, é necessário que exista uma
norma primária impositiva (antecedente + consequente) atrelada a uma norma
secundária sancionadora (antecedente + consequente), onde o antecedente da norma
secundária prevê o descumprimento da norma primária, ou seja, a existência de um ato
ilícito tributário.
63
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 69.
53
Assim temos: norma primária impositiva prevendo no antecedente uma conduta
lícita (quem auferir renda e proventos de qualquer natureza) e uma consequência
(deve pagar imposto sobre a renda); ligada a essa norma temos uma norma
secundária (sancionadora) prevendo em seu antecedente um ato ilícito, ou seja, uma
infração àquela norma primária (o não pagamento do imposto sobre a renda) e em seu
conseqüente uma sanção tributária (o dever de pagar uma multa).
Não podemos admitir a inexistência de regra jurídica completa sem a presença
de uma sanção correspondente. O que não implica dizer que a norma sancionadora
exista independentemente de uma norma primária. Para que exista uma norma
secundária é preciso haver uma norma primária que preveja qual a conduta correta a
ser seguida. Pontue que não estamos aqui a dizer que o direito se ocupa em estabelecer
conceitos de certo e de errado, moral e amoral, justo e injusto, o que dizemos é que o
direito, como instrumento linguístico prescritivo que visa regular a vida em sociedade,
presta-se a determinar quais condutas são lícitas e quais condutas são ilícitas. Não cabe
ao povo estabelecer ao seu bel prazer o que é lícito ou ilícito. A licitude e a ilicitude
são convenções fixadas, preestabelecidas em normas jurídicas.
O ilícito está vinculado à noção do que seria lícito e essa dicotomia está
presente na essência do próprio conceito de Direito, na sua existência. E, justamente
por isso, admitimos a classificação da norma completa em primária e secundária,
porque ela nos conduz à ideia de que não existe norma sem sanção, não existe lícito
sem ilícito, ou seja, não existe uma norma que estabeleça a conduta a ser seguida e não
preveja uma consequência a sua violação, da mesma forma que não se pode conceber
que exista a previsão do que é ilícito e não exista a previsão do que seria lícito.
Adentraremos a estrutura da norma primária e da norma secundária à luz da
lógica jurídica.
3.1.1 Norma primária e norma secundária
A norma primária é uma proposição prescritiva composta de antecedente e
consequente. Em seu antecedente temos uma hipótese factual que prevê a possível
ocorrência no mundo fenomênico de determinado fato jurídico. Em seu consequente
54
a descrição da relação jurídica que irá se instaurar no momento em que ocorrer o
fato descrito no antecedente da norma primária e for convertido em linguagem jurídica
competente por um agente competente. Formalizando em símbolos teríamos: H→C,
onde “H” é a hipótese que está ligada pelo operador implicacional “→” ao “C” que é a
consequência.
A norma secundária possui a mesma estrutura formal da norma primária, ou
seja, possui uma hipótese e uma consequência ligada por um operador implicacional.
O que difere a norma primária da norma secundária é o aspecto semântico. Enquanto
na norma primária se prevê uma conduta lícita, na secundária se prevê uma conduta
ilícita. Observe que essa conduta ilícita se relaciona diretamente com a norma primária
que a ilicitude prevista no antecedente da norma secundaria é sempre o
descumprimento da hipótese prevista na norma primária. também outra distinção
semântica: o consequente da norma secundária prescreve uma sanção que será
exercida pelo Estado-Juiz em sua função jurisdicional, esse sujeito passivo não é o
mesmo da norma primária (Administração Pública).
Desse modo, temos que a norma secundária cumpre a função de positivar a
norma primária. Contudo, não devemos reduzir a norma secundária a esta finalidade
exclusiva.
Segundo Carvalho essas duas entidades juntas expressam a mensagem
deôntico-jurídica em sua integridade constitutiva. Temos a conduta desejável e a
providencia sancionadora prevista em seu descumprimento. Ele formaliza e explica:
“D{(p→q) v [(p→-q) →S]}. Ambas são válidas no sistema, ainda que
somente uma venha a ser aplicada ao caso concreto. Por isso mesmo,
empregamos o discunjor includente (“v”) que suscita o trilema: uma
ou outra ou ambas. A utilização desse disjuntor tem a propriedade de
mostrar que as duas regras são simultaneamente válidas, mas que a
aplicação de uma exclui a da outra.”
64
64
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 139.
55
3.2 A norma jurídica analisada sobre o aspecto semântico
A semântica é o estudo dos signos em relação com os objetos designados, ou
seja, é o estudo do significado dos signos. Essa abordagem nasceu antes de tudo como
uma disciplina empírica onde se examinavam as várias formas de linguagens naturais e
estudavam o modo em que os significados eram atribuídos às palavras, suas
modificações através do tempo e as variações surgidas através de novos significados.
65
Esse aspecto nos remete ao estudo do significado dos signos. O significado é
sem dúvida um dos elementos poderosos da linguagem, é uma ferramenta para a
comunicação entre os homens. Quando falamos em significado de signos ou de
conjunto de signos não podemos esquecer que estamos nos referindo a definições fruto
de elucubrações da mente humana. Os significados são invenções humanas,
convencionadas e formalizadas em linguagem. O significado é na verdade um
conectivo lingstico que insere o dado bruto na realidade. O dado bruto seria tudo
aquilo que os sentidos humanos conseguem perceber. Quando falamos em realidade
estamos nos referindo ao universo linguístico no qual o homem está inserido.
Quando deparamos com a norma jurídica completa precisamos estabelecer de
forma estrita o seu significado. E é através da semântica que encontraremos o
significado mais oportuno à norma primária e à norma secundária. Essa delimitação de
significado facilita a compreensão do texto evitando contradições, ambiguidades e
vagueza, além de compatibilizar as normas com os interesses do povo e com as
garantias constitucionais.
distinções semânticas entre as normas primárias e as secundárias:
antecedentes prevendo conduta lícita e ilícita respectivamente.
Explica o professor rek Moysés que o fato de as normas jurídicas possuírem
a mesma forma sintática elas não possuem conteúdos iguais, cada norma aponta para
determinado tipo de conduta. Explica de forma clara e coesa:
“(...) a norma jurídica tem um conceito lógico-jurídico, dotado,
portanto, de universalidade. Nele a previsão de um fato de possível
65
GUIBOURG, Ricardo A. Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba,
1985, p. 33.
56
ocorrência está ligada a um fato relacional intersubjetivo. A isto se
chama relação de imputação deôntica.
Apesar de desfrutarem de idêntico arquétipo sintático, as normas
jurídicas referem-se aos mais variados tipos e condutas humanas,
conforme valoração a ser realizada pelo legislador.
Isso nos força a concluir que as normas jurídicas possuem
homogeneidade sintática e heterogeneidade semântica.
66
3.3 A norma jurídica e a importância de sua análise pragmática
Johannes Hessen explica o enfoque pragmático afirmando que esse tipo de
análise não considera que a verdade se estabeleça na concordância entre o pensamento
e o ser; a verdade estaria relacionada a conceitos de utilidade. Assim, nessa concepção,
o homem deixa de ser apenas um ser teórico e pensante e passa a ser um prático, um
sujeito que tem vontades. Dessa forma, a verdade passa a ser a concretude dos
pensamentos com os fins práticos do homem. O erro desse pensamento consiste em
não ver a esfera lógica, em desconhecer o valor próprio, a autonomia do pensamento
humano.
67
Por isso não se pode aplicar a análise do discurso apenas sob um aspecto da
semiótica, é sempre coerente que o texto seja analisado sob os três prismas: semântico,
sintático e pragmático.
rcio Sampaio Ferraz Junior, desde a década de 80 quando retornou da
Alemanha para lecionar na PUC-SP, vem influenciando fortemente a doutrina nacional
com a abordagem pragmática do discurso jurídico. Este ilustre professor afirma que a
pragmática tem sido definida como a disciplina que estuda o discurso, contudo esse
campo é bem mais amplo, pois ela trata da origem dos signos, de seus usos e dos
efeitos que eles produzem na conduta dentro da qual ele aparece.
68
66
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. ed. São Paulo: Noeses,
2006, p. 76.
67
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Trad. João Vergílio Gallerani Cuter;
revisão técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 39-42.
68
GUIBOURG, Ricardo A. Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba,
1985, p. 65.
57
Segundo o entendimento de Sampaio as características pragmáticas da norma
jurídica são fundamentais para entendê-la, ao contrário de uma análise semântica e
sintática que, sem as características pragmáticas, dificilmente conseguem descrever as
normas jurídicas a contento. Afinal, a pragmática nos permite entender que:
O direito existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a
verdade do direito; ela é o próprio direito. O que não passa à
realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais
do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao contrário,
o que se realiza como direito é o direito (...).”
69
Compreender a norma jurídica sob o enfoque da pragmática é compreender o
discurso jurídico dentro de sua complexidade, ou seja, é estudar a relação entre os
interlocutores sem apenas se ater à literalidade da mensagem que está sendo
transmitida, até mesmo porque nem sempre a linguagem consegue transmitir
perfeitamente o que os falantes desejam e somente a partir da análise do texto (da
mensagem escrita) e do contexto (que envolve as falas e os falantes) se consegue
compreender o que a norma jurídica pretende estabelecer. Explicando melhor:
“Sob o ponto de vista da pragmática, a descrição da ação e a descrição
da condição da ação constituem o aspecto-relato da mensagem
normativa. Nisto, porém, não se esgota a sua análise, pois dela fazem
parte o editor e o sujeito mais a relação meta-complementar que entre
ambos se estabelece. A meta-complementariedade se determina ao
nível ou aspecto-cometimento do discurso e é prevista, a nosso ver,
pelos operadores normativos. Em outras palavras, os operadores
normativos têm uma dimensão pragmática além da dimensão sintática,
pelas quais, não só é dado um caráter prescritivo ao discurso ao
qualificar-se uma ação qualquer, mas também lhe é dado um caráter
meta-complementar ao qualificar a relação entre emissor e receptor.
Estabelecida uma norma, o editor, ao transmitir uma mensagem,
define as posições de tal modo que o endereçado assuma uma relação
complementar (meta-complementariedade). Para fazê-lo, ele pode
simplesmente transmitir a mensagem ou pode, além disso, fazer um
comentário sobre ela.
70
69
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas,
1991, p. 12, 25.
70
Idem, Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p. 55.
58
4. Validade e constitucionalidade
Os cientistas do direito têm por escopo descrever o direito posto criando uma
metalinguagem, ou seja, um conjunto de enunciados que fala sobre a linguagem do
direito positivo, e nessa atividade ele pode concluir que determinada norma jurídica ou
enunciado prescritivo é verdadeiro ou falso. Essas conclusões doutrinárias podem
exercer forte influência persuasiva ou dissuasiva nas decisões judiciais e até mesmo
nas atividades legislativas o que não significa dizer que têm a força de invalidar ou
expurgar do sistema aquelas normas apontadas como falsas.
Afirma o professor Carvalho
71
que mesmo que um juiz deixe de aplicar
determinada norma por considerá-la inconstitucional e utilize outra que considere mais
adequada ao caso concreto, isso não seria o bastante para expurgar do sistema a regra
preterida. Afirma que ela permanecerá no sistema e será válida, apta a ser aplicada em
outro caso concreto.
A melhor doutrina estabelece que os enunciados descritivos da ciência do
direito se submetem aos valores verdade e falsidade, ao passo que as normas jurídicas
do direito positivo se submetem aos valores válido e inválido.
Contudo, não podemos considerar que os valores usados na linguagem da
ciência do direito não possam ser mencionados na linguagem do direito positivo até
mesmo porque a verdade jurídica está muito associada à linguagem das provas e ao
conceito de justiça que é um outro valor bastante perseguido por todos que estão
submetidos aos ditames legais.
Pontue-se que a finalidade do direito positivo é regular as condutas
intersubjetivas e, nesse sentido, não se pode descartar a necessidade de se utilizar a
linguagem das provas nas contendas judiciais. Assim, admitimos que a prova (signo
que representa um fato jurídico que se pretende provar) se submete aos valores
verdade e falsidade uma vez que o juiz, ao deparar com o conjunto probatório
apresentado nos autos do processo, precisa constatar a existência de verdade ou
falsidade nos fatos jurídicos alegados, para então julgar de forma justa e coerente.
Ou seja, a linguagem das provas promove o convencimento do juiz, auxilia na
71
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, p. 404.
59
fundamentação de sua decisão. A verdade jurídica se estabelece a partir das evidências
que a linguagem das provas consegue expressar.
Contudo, a decisão judicial é que é norma jurídica. É ela que se submete ao
crivo da validade. Pouco importa ao direito positivo se o juiz mencionou o valor
verdade ou falsidade em sua fundamentação, o que interessa é saber se aquela norma
jurídica é válida ou não.
Os enunciados descritivos construídos pelos cientistas do direito não se
relacionam entre si por força de uma causalidade normativa, nem atingem diretamente
a conduta humana, eles apenas descrevem as possibilidades de se interpretar o
conjunto de normas do direito positivo. São posicionamentos científicos acerca do
direito positivo. É a manifestação livre do pensamento humano que não pode ter como
obstáculo o crivo da validade, ou seja, não se pode dizer que determinado pensamento
é válido ou inválido, que determinado pensamento pode ou não pode existir. O que
podemos é dizer sobre a sua verdade ou falsidade com base nas premissas adotadas e
nas conclusões alcançadas.
Então resta-nos agora compreender a validade da norma jurídica. Ela seria uma
mera aptidão ou a própria essência da norma jurídica? Quando uma norma jurídica é
tida como válida? Quando ela é inválida?
Quando se admite que a validade é mera aptidão da norma, entende-se que
validade e existência são coisas idênticas. Basta à norma pertencer a um dado sistema
para que ela seja válida. Dizer que uma norma é válida é dizer que ela pertence a
determinado sistema. Todas as normas que estão no sistema se revestem de validade e
serão consideradas inválidas quando forem ab-rogadas por outras, ou seja, quando
for expurgada do sistema jurídico.
Para quem entende que a validade da norma se refere a sua aptidão, crer que a
norma existente é a norma posta no sistema enquanto norma válida é aquela que
guarda conformidade com a norma que representa o seu fundamento, ou seja, para
uma norma ser válida não basta que ela esteja no sistema, é preciso que ela tenha sido
criada por órgão competente e tenha obedecido aos procedimentos de sua criação.
Por certo que uma norma só passa a existir no sistema jurídico quando é
introduzida por órgão e agente competentes e mediante o cumprimento das regras
60
preestabelecidas pelo próprio sistema para a sua instituição. Com isso, temos que a
existência acaba por se confundir com a validade. Até porque, mesmo que seja
declarada a inconstitucionalidade de uma norma, ela continua a existir no sistema e
permanece válida e vigente; o que ocorre é apenas a suspensão de sua eficácia técnica.
Desse modo, para uma norma ser considerada inválida, ela precisa não mais
pertencer ao sistema e isso ocorre quando ela é expurgada por agente competente e
conforme procedimento estabelecido para essa finalidade.
Para o professor Paulo de Barros Carvalho, existência e validade se confundem.
São suas as seguintes palavras: “A validade não é, portanto, atributo que qualifica a
norma jurídica, tendo status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a
proposição normativa e o sistema de direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u‟a
norma “N” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”.”
72
A inconstitucionalidade de uma norma diz respeito a sua desconformidade com
as regras e princípios constitucionais. Desse modo, uma norma pode existir, ser válida,
eficaz e ser em tese inconstitucional. Quando a inconstitucionalidade é decretada pelos
órgãos competentes ela pode fazer com que a norma tenha sua eficácia suspensa até
que ela seja definitivamente expurgada do sistema mediante procedimento
preestabelecido e se torne inválida.
Destarte concluímos que a norma que impuser determinada multa ao infrator
deverá ser expedida por agente competente e estar em conformidade com regras do
sistema para que ela seja válida; além disso, precisa guardar pertinência lógica e
temática com a Constituição Federal para que não seja inconstitucional e não tenha sua
eficácia suspensa. Além disso, ela precisa reunir elementos que, quando refutados pela
linguagem das provas, evidenciem os fatos que lhe deram origem.
72
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, p. 404.
61
Capítulo III
SANÇÃO
1. O conceito de sanção
Autores de grande envergadura estudaram profundamente o tema sanção e
superaram a ideia equivocada de que o seu conceito estava atrelado somente ao de
castigo proveniente de conduta delituosa.
Importante compreendermos o conceito de sanção, qual sua finalidade jurídica,
suas espécies, seu posicionamento dentro do ordenamento jurídico, quais os agentes
competentes para sua imposição, bem como quem se submete às sanções e em que
condições, e principalmente seus limites frente aos direitos e garantias constitucionais
dos cidadãos.
Não se pode perder de vista que a sanção é uma parcela enorme de poder
conferida pelo povo ao Estado-Juiz e à Administração Pública; isso é o bastante para
delimitarmos esse tema com bastante precisão sintática, semântica e pragmática.
Procuramos estudar esse tema na visão de grandes doutrinadores, e sem dúvidas
que esse estudo servirá de base introdutória à análise das multas tributárias que são
espécies de sanção aplicadas pela Administração Pública.
Frise-se que não compreendemos o Direito sem a sanção e seguimos a premissa
de que é a sanção que vida ao direito; não existe ordenamento jurídico sem sanção.
Desse modo, não estudaremos autores que o utilizam a sanção como parte essencial
do direito porque certamente esses autores não adotam as premissas do juspositivismo.
Importante pontuarmos que não confundimos sanção com consequência jurídica
positiva. Entendemos a sanção em seu sentido estrito, como penalidade, punição,
sempre presente onde houver um ilícito.
62
1.1 Na visão de Hans Kelsen
Kelsen concebe o direito como uma ordem coercitiva, ou seja, como um sistema
jurídico que tem o escopo de estabelecer atos de coerção, verdadeiras técnicas de
controle social. Desse modo, a coerção é um elemento essencial ao direito, é uma
técnica específica que diferencia o direito das demais ordens sociais. Ele afirma que se
um homem deixa de praticar alguma conduta delituosa por convicções religiosas, isso
pouco importa ao direito, isso diz respeito à sociologia da religião ou a outra ciência
qualquer. A sanção existe justamente porque o legislador supõe que as convicções
filosóficas, religiosas ou motivações de qualquer origem não o suficientes para
evitarem condutas indesejáveis. A sanção é um instrumento essencial ao Direito.
73
Nesse sentido, a sanção adquire uma importância extraordinária dentro de sua
teoria e se fundamentada no princípio retributivo, onde a conduta não-reta é ligada à
pena e a conduta reta é ligada ao prêmio. A conduta desejada é retribuída com um
prêmio ao passo que a conduta indesejada prevê um castigo.
74
Explica o princípio da retribuição e o compara com a lei de Talião afirmando
que este princípio retrata o princípio da Justiça da igualdade. Exemplifica: “se um
membro da comunidade conduz-se de uma maneira que lesa os interesses da
comunidade, deve ser punido, i.e., deve ser-lhe causado um mal. Se se conduz, porém
de uma maneira que fomenta os interesses da comunidade, deve ser recompensado,
i.e., deve ser-lhe causado um bem”.
75
Na visão desse autor uma conduta é ilícita se existir uma sanção prevista para
ela, pouco importando a existência de normas metajurídicas de ordem natural ou
divina. Nada que esteja fora do direito positivo estabelecerá o ilícito.
76
Esse mestre inicialmente chegou a classificar a norma sancionadora como
norma primária. Nesse contexto a norma secundária seria apenas um recurso
73
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado, p. 36-37.
74
Idem. Teoria pura do direito, p. 94.
75
Idem. Teoria geral das normas, p. 173.
76
Idem. Teoria pura do direito, p. 124 e 125.
63
linguístico para enfatizar a ordem coercitiva contida na norma primária.
Posteriormente passou a classificar a norma primária como impositiva de conduta e a
secundária como sancionadora, mas sempre deixando evidente a importância da
sanção na estrutura das normas jurídicas completas.
Distingue duas espécies de coação: sanções (atos coercitivos aplicados diante de
ação ou omissão previstos pelo ordenamento) e outros atos de coação que a ordem
jurídica não especifica. “Por exemplo, o internamento compulsório de indivíduos que
atacados por uma doença perigosa ou que o considerados perigosos por causa da sua
raça, das suas convicções políticas ou de seu credo religioso, ou ainda a aniquilação ou
privação compulsória da propriedade no interesse público”.
77
Desse modo vemos que nem todos os atos coercitivos são para Kelsen sanções.
Ele admite a existência de coação para atos que não são ilícitos ou não são delitos
previstos de forma taxativa, especificada no ordenamento jurídico. O que nos parece
estranho diante do rigor normativo que ele se fundamenta. Ademais podemos dizer se
tratar de uma passagem obscura haja vista sua afirmação segura e reiterada de que o
ilícito é definido pela sanção.
Classifica as sanções em penas (judiciais e administrativas) ou execuções
(judiciais ou administrativas). Afirma que ambas consistem na realização compulsória
de um mal ou de um bem e podem ter um efeito preventivo. As execuções distinguem-
se da pena pelo fato de indenizar o ilícito que está sendo motivo de sanção. Afirma
Kelsen que:
“Ambas as espécies de sanções pena e execução (civil) são
aplicadas tanto pela autoridade judicial com pela autoridade
administrativa, em processo para o efeito previsto. Por isso devem
distinguir-se penas judiciais, aplicadas pelos tribunais penais, e penas
administrativas, aplicadas pelas autoridades administrativas;
execuções judiciais, feitas pelos tribunais civis (execuções civis) e
execuções administrativas, feitas pelas autoridades administrativas.
78
A sanção kelseniana parece estar ligada à ideia de pena, castigo, de
consequência maléfica. Não se cogita a noção de reeducação, de orientação, de
ensinamento. No máximo se vislumbra a sanção de caráter indenizatório quando o erro
77
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 121.
78
Idem, ibidem, p. 123.
64
é de natureza civil, administrativa ou tributária. A sanção seria um ato de coação
que é aplicado mediante força em caso de resistência, ou melhor, seria a consequência
de um ilícito que está previsto, prescrito no direito posto.
Frise-se que ele foge à ideia de que o ilícito estaria fora do direito ou que
negaria o direito. Ao contrário, o ilícito, além de pertencer ao direito, é regulado por
ele, é condição de existência do direito, é o que o distingue das demais ordens sociais.
Kelsen faz a distinção das normas em autônomas e normas não autônomas.
Todas aquelas que não preveem uma sanção seriam normas não autônomas (as normas
secundárias, as meramente conceituais, as de competência, as permissivas positivas, as
revogadoras). As sanções seriam o núcleo de sua Teoria Pura.
1.2 Na visão de Norberto Bobbio
A sanção para Bobbio seria a resposta à violação. Afirma ele que: “Todo
sistema normativo conhece a possibilidade da violação e um conjunto de expedientes
para fazer frente a esta eventualidade. Podemos dizer que todo sistema normativo
implica o expediente da sanção”.
79
Destaca que nem todas as sanções são iguais e as distinguem em três grupos: a
sanção moral, a sanção social e a sanção jurídica. A sanção moral teria uma
consequência puramente interior, seria o desabrochar de um sentimento de culpa, de
remorso e até de arrependimento frente à violação de uma norma moral. No entanto,
esse tipo de sanção não garante eficácia sequer das normas morais principalmente
porque funciona apenas para um determinado grupo de pessoas, ou seja, só tem
eficácia para os indivíduos que se sensibilizam verdadeiramente frente à necessidade
de respeito às normas. A sanção social por sua vez proporciona uma consequência
externa diante da realização de uma conduta indesejada socialmente. O linchamento, a
reprovação pública de determinada conduta, a exposição ao ridículo, o isolamento por
parte de um grupo são exemplos de sanções sociais e elas têm eficácia pois são
respostas muitas vezes enérgicas. No entanto, esse tipo de sanção peca no que se refere
à proporcionalidade da resposta, à violação da conduta desejada. A sanção jurídica por
79
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica, p. 154.
65
sua vez é uma sanção externa porém institucionalizada, o que garante uma resposta
segura, proporcional e aplicada por agente competente.
Assim, temos a sanção jurídica como o tipo de sanção que tem como
consequência uma resposta externa e institucionalizada, que estabelece três limites,
simultaneamente, que asseguram o máximo de eficácia às normas: 1) violada uma
norma primária é estabelecida a relativa sanção que assegura a certeza da resposta; 2)
esta sanção é estabelecida dentro de certos termos, o que garante a sua
proporcionalidade; e, por fim, 3) são determinados quais agentes são competentes para
aplicarem a execução, o que certifica a imparcialidade.
normas, segundo o autor, não sancionadas em um ordenamento. Destarte,
sugere aos que defendem a sanção como elemento constitutivo do direito que não
negue às normas não sancionadas o caráter de norma jurídica. Aconselha admitir-se
que a questão da sanção organizada como elemento constitutivo do direito se refira ao
ordenamento jurídico como um todo (em sua maioria as normas seriam sancionadas) e
não a individualidade das normas. Explica que as normas singulares que não são
sancionadas são válidas, pois o critério da juridicidade não é a sanção mas sim sua
pertinência ao sistema, com isso a sanção não se relaciona com o critério de validade
mas sim de eficácia.
80
No entanto, deixa claro que admitir que existe norma sem sanção não significa
admitir a existência de um ordenamento sem sanção. Para Bobbio, quanto mais
aperfeiçoada for a técnica da sanção, mais jurídico é o ordenamento.
81
O conceito de sanção não pode ser visto apenas pelo lado formal; é preciso,
segundo Bobbio, compreender o conteúdo e a validade das normas, e talvez até mesmo
os seus destinatários.
Gisele Mascarelli Salgado
82
estudou profundamente a sanção na teoria de
Bobbio e afirma que este autor buscou através dos estudos de Teoria Geral do Direito
e de Política superar o conceito tradicional de sanção quando afirma que o Direito não
80
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito, p. 147.
81
Idem, ibidem, p. 150.
82
SALGADO, Gisele Mascarelli. Sanção na teoria do direito de Norberto Bobbio. São
Paulo: s. ed., 2008, p 23-24.
66
é apenas coativo mas também exerce uma função promocional quando incentiva
comportamentos ao invés de reprimi-los. Essa nova roupagem exige nova
reformulação do conceito de Direito.
Segue a autora detalhando que no livro Positivismo jurídico, Bobbio utiliza o
método histórico mencionando autores de diversas épocas para tratar sobre a sanção.
Em seus livros Teoria da norma jurídica e Teoria do ordenamento jurídico, ele
apresenta a sanção a partir dos cânones formais da ciência do Direito. no livro Da
estrutura à função, Bobbio se dedica mais profundamente à teoria da função do direito
e coloca a sanção como elemento principal para um estudo e crítica do direito.
83
1.3 Na visão de Herbert Hart
Em seu livro O conceito do Direito, Hart amplia os horizontes não do
conceito de direito, mas também da noção de sanção. Para ele a sanção é um aspecto
relevante para as regras jurídicas, mas não é a previsibilidade de um castigo que
determina necessariamente a existência de uma regra jurídica. Afirmar que o Direito se
restringe a normas sancionadoras seria distorcer as diversas funções sociais que as
diferentes regras jurídicas cumprem.
Hart percebe o Direito de forma ampla, não o restringe a uma ordem coercitiva e
critica os que reduzem a complexidade do direito apoiando-se nesta concepção
coercitiva do direito; aponta diversos outros modos de controle da sociedade inclusive
demonstrando preocupação com a aplicação das sanções. Assevera que:
“As funções principais do direito como meio de controle social não
podem ser apreendidas nos litígios privados ou nos processos penais,
que representam disposições vitais, mas mesmo assim subsidiarias,
para as falhas do sistema. Devem ser vistas nos diversos modos como
o direito é usado para controlar, orientar, e planejar a vida fora dos
tribunais.
84
83
SALGADO, Gisele Mascarelli. Sanção na teoria do direito de Norberto Bobbio. São
Paulo: s. ed., 2008, p. 40.
84
HART, Herbert. O conceito de direito, p. 48.
67
Hart afirma que não é necessário que exista uma sanção prescrita para cada
violação de cada lei, basta que exista uma lei genuína dirigida à aplicação de qualquer
sanção. Essa lei genuína são fragmentos incompletos de regras coercitivas.
85
1.4 Na visão de Lourival Vilanova
86
Lourival Vilanova esclarece que a sanção está na norma secundária e pode estar
na norma primária. Também no caso de haver descumprimento de obrigações
contratuais na esfera privada certamente existirá uma sanção. Isso porque ele concebe
a ideia de que a sanção seria uma relação jurídica instaurada entre sujeitos de direitos e
deveres.
Por certo que para Vilanova somente o Estado-juiz tem o condão de coagir o
sujeito faltoso a cumprir com suas obrigações e a responder judicialmente por suas
ilicitudes. No entanto, isso não significa que não possa sobrevir sanção do
descumprimento de cláusulas contratuais.
Sanção e coação para ele são coisas distintas. A coação seria a execução forçada
das sanções preceituadas nas sentenças judiciais mediante agente competente.
1.5 Na visão de Paulo de Barros Carvalho
87
Segundo o professor Paulo de Barros a coatividade é traço característico do
Direito e esta é exercida, em último grau, pela execução forçada e pela restrição da
liberdade. Explica que a coatividade não é característica que diferencia o Direito dos
demais domínios sociais, pois todos os sistemas normativos são coativos: o que os
diferencia é a forma de coação.
Ciente da ambiguidade que permeia o termo sanção o professor Paulo adota sua
acepção mais precisa: “é a providência que o Estado-jurisdição aplica coativamente, a
pedido do titular de direito violado, tendo em vista a conduta do sujeito infrator. Por
85
HART, Herbert. O conceito de direito, p. 44-45.
86
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito.
87
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 543 e ss.
68
este modo, estaria contida no consequente de norma individual e concreta, como traço
identificador do jurídico”.
1.6 Conclusões
Sobre o conceito de sanção está necessariamente ligado o conceito de Direito.
Assim, faz-se necessário primeiro dizer o que entendemos por Direito. Pois bem.
Acreditamos que o Direito seja uma organização institucionalizada que serve
para regular condutas intersubjetivas e promover o bem-estar social. Essa organização
é composta por regras jurídicas que ora determinam condutas desejadas, ora preveem
sanções ao descumprimento de determinadas condutas, ora estabelecem meros
comandos que auxiliam os sujeitos de direitos e deveres nas suas tomadas de decisões.
A sanção é um “dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado
utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular diretamente um ato ou
fato que a ordem jurídica proíbe”.
88
O Direito certamente é um instrumento de força que limita os atos humanos
através de sanções aplicadas por órgãos competentes mediante coação. É a sanção
institucionalizada, aplicada por órgão competente e mediante procedimento previsto
em lei que diferencia o Direito das demais ordens sociais. Sem sombra de dúvidas a
sanção é elemento essencial à existência do Direito e a sua efetividade. Mas o Direito
não se restringe ao conceito de sanção, nem a ideia de coerção; o Direito também
oferece prêmios (garantias, privilégios...) que fazem com que os cidadãos reflitam
antes de praticarem determinadas condutas ou de se omitirem de outras.
Frise-se que compreendemos sanção e coação como sendo normas distintas
haja vista possuírem consequentes normativos diferentes, dirigidos a agentes diversos.
A sanção é uma norma dirigida ao infrator que estabelece uma penalidade, ao passo
que a norma de coação se dirige ao agente competente para se fazer cumprir a norma
sancionadora.
88
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 556.
69
As normas sancionadoras podem ser impostas sem que seja necessária a
aplicação da norma coercitiva estatal. A norma coercitiva surge apenas para se fazer
cumprir no plano concreto a norma sancionadora.
O Direito não se compõe apenas de normas sancionadoras. Por mais que estas
implicitamente acabem por refletir quais condutas são desejáveis pela sociedade, ou
seja, por mais que dessas normas secundárias (sancionadoras) se possa abstrair as
normas primárias. O Direito não é apenas um sistema punitivo, nem um conjunto de
normas primárias e secundárias. O Direito abrange não o ordenamento jurídico
(conjunto de normas dispostas de maneira hierarquizada), mas também a ciência do
direito e ciências afins.
É preciso diferenciar uma abstração isoladora de uma abstração lógica. Na
abstração isoladora vemos determinado objeto e vamos pressupondo ideias, palavras,
orações, até chegarmos a outro objeto ou ideia qualquer. a abstração lógica ou
formalização é um processo cognitivo lógico que nos conduz a uma proposição que se
insere no universo das formas lógicas. Essas formas lógicas se relacionam entre si de
maneira que a relação entre elas é que ganha destaque conceitual e não elas
separadamente. Assim, temos que o supremacia lógica entre os conceitos de
norma primária e norma secundária.
Como já vimos, norma jurídica é uma construção do intelecto humano que tem
como base todo o ordenamento jurídico. O Direito assenta-se num conjunto de
enunciados que precisam ser analisados de forma sistemática e contextualizados.
Todos os enunciados precisam ser vistos em seus aspectos sintático, semântico e
pragmático. Diante disso, temos de ver o ordenamento jurídico em sua unicidade, onde
a sanção é um elemento essencial para a eficácia das normas primárias. Não como
cogitar a existência de norma impositiva sem a norma sancionatória e vice-versa.
Imperioso é sabermos que a sanção é uma norma jurídica vigente num dado
ordenamento jurídico que garante a efetivação do Direito e não extrapola os limites
constitucionais e infraconstitucionais. É preciso destacar reiteradas vezes que nenhuma
forma de poder consentido pelo povo seja na esfera administrativa, legislativa ou
judiciária poderá criar, extinguir, aplicar ou deixar de aplicar determinada sanção sem
que esteja tudo detalhadamente previsto no script legal. Assim, veremos quais as
70
espécies de sanção objeto de nosso estudo, depois veremos os princípios que serão
aplicados a elas, para então iniciarmos o estudo, propriamente dito, das normas
sancionadoras que estipulam as multas tributárias.
2. Espécies de sanções
Pontue-se que a sanção, como bem restou definida, é parte integrante do
Direito. Sempre que houver uma conduta prescrita haverá uma consequência
sancionadora para o seu descumprimento, ou seja, ocorrida uma infração a qualquer
norma jurídica surgirá sempre uma sanção.
Assim, para cada ilícito existirá uma providência sancionadora. E quando
falamos em ilícito ou infração estamos nos referindo ao descumprimento de qualquer
norma jurídica, independentemente de sua natureza.
Paulo Roberto Coimbra Silva
89
afirma que a tendência sobre as espécies
tributárias é aumentar seu rol na medida em que se reconheça a autonomia didática dos
ramos do direito. Para o autor, as sanções podem ter natureza civil, comercial,
trabalhista, processual, penal, administrativa, tributária etc. Adverte ainda que a
natureza jurídica da sanção é determinada pelo ato ilícito que deve anteceder a sua
imputação.
Segundo Ângela Maria da Motta Pacheco,
90
a natureza das sanções se prende à
natureza do ilícito que reprimem, e elas podem ser de natureza civil, penal ou
administrativa. As sanções que se referem ao direito tributário teriam as mesmas
características das sanções de direito civil. Esta autora expõe o pensamento de alguns
autores quanto à pertinência das sanções tributárias, se estas pertenceriam ao direito
penal, ao direito administrativo ou ao direito tributário.
Juan Álvarez Echagüe
91
afirma que o maior expoente da doutrina Argentina que
defende a teoria tributarista é o Dr. Carlos Giuliane Fonrouge. Este defende que o
89
SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quatier
Latin, 2007, p. 88.
90
PACHECO, Ângela Maria Motta. Sanções tributárias e sanções penais tributárias. São
Paulo: Max Limonad, 1997, p. 79.
91
ÁLVAREZ ECHAGÜE, Juan Manuel. Las sanciones tributarias frente a sus límites
constitucionales, p. 40-41.
71
ilícito tributário tem características especiais e que as sanções fiscais derivam do
próprio poder tributário estatal independentemente de sua gravidade. Vejamos a
citação oportunamente feita por Juan sobre os ensinamentos de Fonrouge:
“... Las sanciones fiscales ofrecen acentuado particularismo que
justifica su consideración independiente, pero en lo esencial tienen un
carácter sancionador, establecido para prevenir y reprimir las
transgresiones y no para reparar daño alguno, como bien se ha dicho,
de manera que en su esencia son de naturaleza penal, a condición de
entender esta expresión en un sentido genérico y no circunscripta a la
ilicitud contemplada en el Código Penal. No se rigen por éste, pero
tampoco pertenecen a lo que ha dado en llamarse: „derecho penal
administrativo‟ o „derecho penal económico‟, cuya autonomía
científica resulta inadmisible.”
Dino Jarach, também adepto a teoria tributária, pautando-se em argumento
diverso do apresentado por Fonrouge, afirma que o direito penal não pode
monopolizar a ideia de pena, pois esta é universal. Desse modo, as regras penais que se
referem a tributos são abarcadas pelo direito tributário. Para Dino: “violações à
obrigação tributária substancial que correspondem ao direito tributário pena e
infrações que correspondem ao descumprimento dos deveres formais que a
administração impõe aos contribuintes e terceiros que correspondem ao direito
administrativo penal”.
92
Argentinos renomados como Goldschmidt, Núñez e Andreozzi, defendem a
teoria administrativista alegando que os ilícitos tributários possuem natureza
administrativa, pois os bens jurídicos tutelados pelo ilícito tributário são
ontologicamente e quantitativamente diversos dos protegidos pelo direito penal.
93
Os defensores da teoria penalista têm defendido que não existem diferenças
ontológicas essenciais entre as sanções penais e as administrativas; há na verdade uma
unidade substancial. Horácio Garcia Belsunce afirma que ... el ilícito tributario y sus
sanciones genericamente pero no en todas sus espécies son de naturaleza penal.
94
92
PACHECO, Ângela Maria Motta. Sanções tributárias e sanções penais tributárias. São
Paulo: Max Limonad, 1997, p. 84.
93
ÁLVAREZ ECHAGÜE, Juan Manuel. Las sanciones tributarias frente a sus límites
constitucionales, p. 39.
94
Idem, ibidem, Las sanciones tributarias frente a sus límites constitucionales, p. 43.
72
Fundamentam-se nos argumentos de que o bem que está sendo protegido é o
bem público, que o tributo é riqueza que pertence ao povo e que fraudar esse
pagamento seria crime equiparado àqueles contra o patrimônio e, portanto, o infrator
seria um infrator comum. As infrações tributárias teriam de ser enquadradas no direito
penal comum.
95
Juan Álvarez afirma que devem ser aplicadas às sanções tributárias os
princípios constitucionais que regem o direito penal, bem como os princípios gerais do
direito penal. Assevera que esse pensamento é dominante na Argentina, e em países
europeus como a França, a Alemanha, Espanha e Itália. Cita inclusive decisões do
Tribunal Constitucional espanhol.
Podemos perceber diante de tantas teorias que o problema da natureza jurídica
da sanção é solucionado mediante a identificação do tipo de infração que está sendo
sancionada, ou seja, a classificação das espécies de sanção dependerá do entendimento
que adotamos sobre os ramos do direito que são tidos como didaticamente autônomos.
Assim, se considerarmos o direito penal, o direito administrativo, o direito
trabalhista, o direito civil, o direito comercial, enfim, como ramos didaticamente
autônomos do direito, teremos sanções de natureza penal, administrativa, trabalhista,
civil, comercial, respectivamente.
Por certo que as normas que estabelecem sanções não pertencem a este ou
àquele ramo do direito. Como dito anteriormente, a sanção é peculiaridade do direito
como um todo e não apenas do direito penal. Existe um direito sancionador que
precisa ser analisado conforme a Constituição Federal e o bem-estar geral.
Frise-se também que não podemos confundir a natureza jurídica da sanção com
suas funções, com sua finalidade. Não podemos crer que sanção tenha sempre o
caráter de penalidade criminal. A sanção assume vários papéis dentro do ordenamento
jurídico.
95
PACHECO, Ângela Maria Motta. Sanções tributárias e sanções penais tributárias. São
Paulo: Max Limonad, 1997, p. 85.
73
O mestre Ives Gandra Martins
96
afirma, mesmo na contramão dos doutrinadores
nacionais e estrangeiros, que as sanções jurídicas se dividem em quatro grandes ramos:
1) sanções penais; 2) sanções civis; 3) sanções administrativas; 4) sanções tributárias.
Afirma de forma brilhante e bastante convincente que:
“Não sou, portanto, favorável à colocação da existência de um direito
penal tributário e de um direito tributário penal, ou de um direito
administrativo penal ou de um direito penal administrativo, por
entender possível a delimitação dos diversos campos, repensando
sempre a sanção penal aquela mais transcendente e não de aplicação
operacional nas demais áreas jurídicas, vale dizer, cuja natureza não
seja nem civil, nem tributária, nem administrativa, pois não
desembocam estas nas soluções maiores de reajustes necessários à
fluência natural de cada ramo. Em verdade, ou a sanção é pertinente e
própria dos direitos tributários, administrativos e civil, para torná-los
correntes, ou ela é apenas de natureza penal e abrange valores mais
amplos a serem preservados que as limitações próprias dos demais
ramos.”
Corroboramos veementemente com os ensinamentos do mestre Ives Gandra.
Não podemos compreender que as sanções penais, que possuem um objetivo maior de
preservar o sistema jurídico como um todo e a sociedade em sua plenitude, possam se
confundir com as demais sanções que visam tão-somente dar eficácia às normas
daquele ramo específico do direito.
Desse modo, analisaremos as sanções civis, penais, administrativas e as
tributárias por crermos que as sanções se dividem didaticamente conforme esses ramos
do direito. Frise-se que essa autonomia não implica que determinada sanção
pertencente a um dado ramo do direito não possa utilizar princípios e regras de outros
ramos, haja vista a unicidade do sistema e do direito punitivo. O que significa é que os
princípios e regras daquele ramo específico precisam prevalecer aos demais e estar em
conformidade com a Constituição Federal.
Ademais, existem princípios e regras comuns a todos os ramos do direito como
veremos no capítulo seguinte.
96
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da sanção tributária. ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 58-59.
74
2.1 Sanções civis
Sanções civis são aquelas oriundas do descumprimento (legal ou contratual) de
obrigações civis estabelecidas por lei ou por particulares. Essas sanções podem ser
cumpridas independentemente da atuação Estatal, ou seja, nem sempre é necessário
que o Estado-Juiz interfira emitindo norma individual e concreta, coercitiva.
Essas sanções podem ser vistas nos contratos privados de locação, de compra e
venda, nos acordos de pensão alimentícia, enfim. Essas convenções particulares
normalmente preveem o valor da multa e as correções em caso de inadimplemento
ou atraso da obrigação firmada.
As sanções civis geralmente possuem a função indenizatória. Contudo,
podemos identificar funções compensatórias e até mesmo punitivas; dependerá do caso
concreto.
A função compensatória se presta a compensar os prejuízos decorrentes do
inadimplemento da obrigação de dar, de fazer e de não fazer, que podem ocasionar
perdas e danos, lucros cessantes, e certamente os juros de mora.
A função punitiva ocorre em determinados casos previstos em lei ou convenção
privada. Nesse caso, a sanção civil pode estabelecer a restrição de liberdade como é o
caso do despejo do imóvel locado em caso de não pagamento do aluguel ou da busca e
apreensão do veículo em caso de não pagamento das parcelas, enfim, são providências
punitivas, que afetam diretamente a pessoa do infrator e não seu patrimônio. Não
são sanções de natureza pecuniária. No entanto, essas sanções não dispensam o
cumprimento da obrigação principal, ou seja, pode haver duas ou mais sanções civis
para o mesmo caso de inadimplemento sem que, com isso, haja necessariamente
locupletamento sem causa ou bis in idem.
2.2 Sanções penais
As sanções penais são aquelas normas sancionadoras que preveem
consequência jurídica às condutas omissivas ou comissivas tipificadas em lei penal
como crimes ou contravenções penais. Preveem penas privativas de liberdade,
75
restritivas de direitos, medidas de segurança e multas penais. Possuem diversas
funções. Visam reprimir a conduta indesejada, punir o infrator, reeducá-lo e prevenir a
ocorrência de mais delitos.
Além dessas funções, a sanção penal visa manter a ordem e os bons costumes. É
uma garantia de que o Estado vai se subsumir nos direitos e garantias dos cidadãos
punindo de forma justa e institucionalizada os malfeitores sem que com isso se
instaure a lei de talião. Isso ocorre porque a sanção penal decorre exclusivamente da
relação jurídica processual instaurada entre o Estado-Juiz, o Estado-Administração
através do promotor, e o autor do crime.
É preciso frisar que as sanções penais só podem ser aplicadas por juízes
criminais e conforme o que a lei estritamente prevê, segundo as regras e princípios que
informam o direito penal e processual penal, além de respeitar os princípios e garantias
constitucionais. Também não podem ir além da pessoa do infrator e deve ser
proporcional ao delito praticado.
O direito penal deve ser acionado quando outro ramo do direito não consiga
solucionar a contenda. Enquanto houver punição menos danosa às partes, o direito
penal não deve prevalecer.
Podemos mencionar o exemplo da sonegação de tributos. Havendo a sonegação,
há certamente a inadimplência e, neste caso, é preciso verificar quais sanções se
ajustam ao caso concreto. A sanção de natureza punitiva não pode ser aplicada pela
esfera tributária e penal, cumulativamente. se permite a aplicação de ambas se elas
pretenderem tutelar bens jurídicos distintos e visarem uma finalidade diversa.
Nem toda inadimplência é delituosa, mas todo delito tributário acarreta
inadimplência, débito fiscal. Nesse caso, é direito do Fisco receber o tributo com o
juro que possa lhe ressarcir o prejuízo pela mora. Certamente as sanções punitivas
precisam ser analisadas para que não haja bis in idem.
76
2.3 Sanções administrativas
Celso Antônio Bandeira de Mello,
97
corroborando com o posicionamento de
Heraldo Garcia Vitta, defende que a natureza da sanção se evidencia através da
competência para impô-la, sendo esta a única e exclusiva característica que distingue
as infrações e sanções administrativas das infrações e sanções penais. Define e
classifica a sanção administrativa assim:
“Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de
incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é
da alçada da própria Administração. Isso não significa, entretanto, que
a aplicação da sanção, isto é, sua correta efetivação, possa sempre se
efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos
casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à
via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma
multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada.
Sendo muito variadas as relações de Direito Administrativo, são
também muito variadas as modalidades de sanção. Assim, existem: a)
advertência; b) sanções pecuniárias isto é, multas; c) interdição de
local ou estabelecimento como o fechamento de uma fábrica por
poluir as águas; d) inabilitação temporária para certa atividade como
a suspensão do direito de licitar, ou da carteira de habilitação de
motorista; e) extinção da relação jurídica entretida ao Poder Público
como as cassações de licença de funcionamento ou a decretação de
caducidade de uma concessão de serviço público; f) apreensão ou
destruição de bens como, respectivamente, de equipamentos de
pesca ou caça utilizados fora das normas e de edificação construída
em desobediência à legislação edilícia (...).
Segundo Regis Fernandes de Oliveira,
98
o que distingue os ilícitos civil, penal e
administrativo é a função exercida pelo órgão aplicador. Vejamos suas palavras:
“A distinção entre o ilícito civil e penal do ilícito administrativo vai
depender do órgão que impõe a sanção, no exercício de sua função
típica ou atípica. Juridicamente, a distinção encontra-se no regime
jurídico a que a repulsa estiver subordinada. Assim, se necessidade
de um processo judicial (meio próprio para a apuração da
antijuridicidade e aplicação da sanção), com as garantias previstas na
Constituição Federal, através do órgão jurisdicional, cujo ato final
97
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. rev. e atual.
até a EC n. 57. São Paulo: Malheiros, p. 840 e ss.
98
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Infrações e sanções administrativas. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Ed. RT, 2005, p. 20.
77
possua força especifica de coisa julgada, estamos diante da pena
criminal ou da sanção civil.
De outro lado, estamos diante de sanção administrativa se a apuração
da infração resultar de procedimento administrativo, perante
autoridade administrativa, funcionando a Administração como parte
interessada em uma relação jurídica, deflagrada sob a lei e em que o
ato sancionador não tenha força própria de ato jurisdicional, possuindo
presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e
executoriedade (quando não vedada por lei).”
Os critérios que justificam a diferenciação das sanções mediante a análise do
órgão competente para exercer a função sancionadora, ou que se fundamentam na
função exercida pelo órgão aplicador da sanção, não se sustentam de forma isolada,
não diferenciam efetivamente as espécies de sanções, é preciso também haver uma
análise mais apurada do regime jurídico adotado.
Rafael Munhoz de Mello
99
classifica as sanções administrativas em retributiva e
ressarcitória e finca seu entendimento no argumento que ambas são impostas pela
Administração Pública e no exercício de sua função administrativa. Contudo, apesar
de reconhecer que ambas possuem regimes jurídicos distintos, acaba por incluir as
multas tributárias como sendo sanções administrativas desconsiderando que tais
sanções decorrem de infrações tributárias e possuem regime jurídico diverso das
infrações administrativas. Vejamos algumas passagens de seus ensinamentos:
“Reconhecer que a sanção retributiva esgota-se na imposição de um
mal ao infrator não significa aceitar que a finalidade de tal medida seja
a de punir. A finalidade da sanção retributiva, penal ou administrativa,
é preventiva: pune-se para prevenir a ocorrência de novas infrações,
desestimulando a prática de comportamentos tipificados como ilícitos.
a sanção administrativa ressarcitória não se esgota na imposição de
castigo ao infrator, mas vai além: a medida aflitiva imposta pela
Administração Pública altera a situação de fato existente, reparando o
dano causado à vítima da infração. O ilícito consiste, aqui, na violação
do dever geral de não causar danos a terceiro.
Exemplo típico de sanção ressarcitória imposta pela Administração
Pública é a cobrança de juros moratórios pelo atraso no recolhimento
de tributos, sanção prevista no art. 161 do Código Tributário Nacional.
Como ensina Paulo de Barros Carvalho, „sua cobrança não tem fins
punitivos‟, tendo por características „um traço remuneratório do
99
MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo
sancionador As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São
Paulo: Malheiros, 2007, p. 75 ss.
78
capital que permanece em mãos do administrado por tempo
excedente‟. A mesma opinião é compartilhada por Sacha Calmon
Navarro Coêlho (...).” (grifos nossos)
É preciso destacar que o autor se valeu de posicionamentos de Paulo de Barros
Carvalho e de Sacha Calmon Navarro, mas que estes grandes doutrinadores não
corroboram com seu enquadramento das sanções advindas de infrações tributárias
como sendo sanções administrativas.
As sanções correspondentes às infrações tributárias, apesar de serem aplicadas pela
Administração Pública, não possuem conteúdo administrativo e se submetem a regime
jurídico próprio, não podendo ser denominadas sanções administrativas, mas sim
sanções tributárias.
As sanções administrativas são aquelas insertas na legislação que informa as
atividades da Administração Pública e que regem algumas relações entre particulares e
Administração Pública. Também podem surgir sanções administrativas diante do
descumprimento de normas administrativas com função didática e preventiva que
visam ao bem-estar da coletividade.
Os ilícitos que envolvem a relação entre tributos, Fisco e contribuintes
certamente ocasionam sanções de natureza tributária que se submetem ao regime
jurídico tributário.
2.4 Sanções tributárias
Em palestras realizadas no XI Congresso Internacional de Direito Tributário,
ocorrido de 10 a 12 de setembro de 2009, em Porto de Galinhas-PE, ilustres
professores como Fábio Medina Osório, Paulo Roberto Coimbra Silva e Robson Maia
Lins debateram sobre a temática das Sanções Tributárias evidenciando a relevância de
seu estudo frente à complexidade e divergências doutrinárias que permeiam o assunto.
Paulo Roberto Coimbra Silva destacou a problemática das três correntes
doutrinárias: administrativista, penalista e tributarista. Explicou a superação da
corrente administrativista, principalmente na Europa, em decorrência da
insubordinação dos princípios e normas gerais de repressão; da não sujeição aos
limites impostos ao ius puniendi e ao ius tributandi; e do desprezo à necessidade de
79
regime jurídico próprio. Afirma que os óbices à adoção da corrente penalista no Brasil
(prevalece ainda na Europa) foram motivados pela competência legislativa privativa da
União; pelo princípio da reserva jurisdicional; pela intransmissibilidade da pena; pelos
limites qualitativos e quantitativos, específicos e distintos, que estariam sendo
desprezados. Apontou os fatores de aproximação entre sanções tributárias e sanções
penais como sendo a identidade substantiva e estrutural; a unicidade (o ilícito no
direito é sempre a violação de uma norma); o caráter tutelar (bem jurídico tutelado); a
responsabilidade subjetiva e a identidade funcional e teleológica.
Brilhante abordagem também foi apresentada pelo Professor Robson Maia Lins
que, surpreendido pela semelhança do que havia preparado para expor e a explanação
do professor Coimbra Silva, improvisou com maestria trazendo questões relevantes
acerca do artigo 136 do CTN. Explicou que este artigo parece fixar uma
responsabilidade objetiva porque, na época de sua elaboração, quase todos os tributos
eram feitos por lançamento de ofício, o que conduzia o contribuinte a uma obrigação
objetiva e simples: a de pagar o tributo; não havia a necessidade de quase nenhuma
ação repressiva. Contudo, atualmente, a maior parte dos tributos se sujeita ao
lançamento por homologação e isso acaba por submeter o contribuinte ao poder de
polícia e consequentemente à verificação da existência de culpa ou dolo. Até mesmo
porque a partir da leitura dos próximos artigos (137, II, VII, 150, §4º) fica claro que há
separação entre dolo e culpa e consequentemente existe uma responsabilidade
subjetiva. Fazendo uma análise intranormativa (antecedente e consequente normativo),
é preciso compreender a distinção entre sanção, indenização e remuneração.
Ensina o professor Robson Maia que o antecedente normativo da norma
sancionadora pode ser mais complexo e conter não o ilícito, mas também a culpa e
com isso teríamos a consequência da necessidade de se medir a culpa na dosimetria da
pena. Isso o seria dar à Administração discricionariedade, ao contrário, estaria
vinculando a Administração. A fixação da pena deve levar em consideração a medição
da culpa no caso concreto e os princípios da razoabilidade.
Segue ensinando que ao antecedente normativo ainda pode ser adicionado à
figura do dano (então no antecedente teria: fato ilícito + culpa + dano). E questiona:
qual a consequência quando se adiciona o dano ao antecedente da norma
80
sancionadora? É preciso medir o dano ao erário. Para o professor, o dano é uma
indenização e não uma reparação, pois quem remunera são os juros. Esse dano não
pode ser presumido, tem que ser medido pela teoria das provas.
Para o Dr. Robson, indenização, ressarcimento, reparação e compensação são a
mesma coisa e servem para medir o dano.
Coimbra Silva obtempera afirmando que a lesão que ocorre no Fisco, quando
não se paga o tributo, é uma lesão objetiva; o Fisco precisa captar aquele recurso no
mercado financeiro e se submeter à taxa Selic buscando uma indenização. Explica que
por isso os juros cobrados ao contribuinte não podem exceder a taxa Selic e que esses
juros exercem uma função indenizatória, pois custeia a inadimplência, mas possui
caráter remuneratório. Assevera que não podemos confundir as funções das sanções
com o seu conceito estrito. As funções assecuratória, repressiva, preventiva e didática
podem até cumular-se, mas não pode cumular aquelas funções com a função
indenizatória. O pressuposto fático da indenização não é o ilícito é a lesão e, portanto,
não podem compor o antecedente normativo da norma sancionadora.
Em seu livro, Coimbra Silva afirma que é perfeitamente sustentável e coerente a
natureza tributária das sanções aplicáveis ao ilícito fiscal, desde que esse ilícito o
seja delituoso, pois neste caso teriam natureza penal induvidosa. Explica que existem
duas espécies de sanção à infração tributária: i) as estritamente tributárias que possuem
duas subespécies, a saber, a multa, com função preponderantemente repressiva, e os
juros, com função essencialmente ressarcitória; ii) e as penais de índole fiscal.
Juan M. Álvarez Echagüe
100
tributarista argentino, membro ativo da Associação
Argentina de Estudos Fiscais, professor catedrático, afirma que o sistema normativo
tributário possui duas espécies sancionadoras: uma civil e outra penal. Vejamos seus
argumentos:
“En el plexo normativo tributario podemos distinguir dos especies de
sanciones: las civiles, como son los intereses por pago fuera de
término de la obligación tributaria y, sanciones penales, como son, por
ejemplo, las multas, la clausura o las penas privativas de libertad. Las
primeras, es decir las sanciones civiles, se caracterizan, como es
sabido, por tender a restituir a la víctima al estado anterior al hecho
100
ÁLVAREZ ECHAGÜE, Juan Manuel. Las sanciones tributarias frente a sus límites
constitucionales. 1ª ed. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2004, p. 37.
81
ilícito; en tanto que las de tipo penal no tienen naturaleza resarcitoria,
sino represiva, castigando la conducta antijurídica e intentando
prevenir otras transgresiones al orden jurídico.
Sacha Calmon Navarro Coêlho
101
também defende que as sanções fiscais são
somente aquelas impostas pela legislação tributária que não configurem crimes em
matéria tributária, afirmando que este assunto deve ser tratado por penalistas. Afirma
que a lei tributária pode prever sanções administrativas-fiscais, para os ilícitos fiscais,
as quais são aplicadas pelas autoridades administrativas.
Contudo, para o mestre Ives Gandra Martins
102
qualquer que seja a sanção
tributária sua natureza é a mesma. Explica que as sanções tributárias visam forçar o
pagamento do tributo, não visam proteger a sociedade contra a violação das normas
que as regem, como ocorre na sanção criminal. Desse modo, defende que até mesmo
as sanções que acarretam perda da liberdade visam exclusivamente garantir a cobrança
da penalidade menor, que seria o tributo, e desestimular a sonegação, a fraude, o
conluio por meio de uma penalidade maior. Explica que a graduação da penalidade é
somente uma questão de gravidade do ato ilícito. Exemplifica o mestre:
“Os próprios crimes definidos como de sonegação fiscal, onde a perda
de liberdade pode ocorrer, são elidíveis pelo pagamento de tributo e
multa até o julgamento do processo administrativo em primeira
instância, em inequívoca demonstração de que a penalidade, no direito
tributário, tem como único escopo permitir ao Estado o recebimento
de valores, que foram ganhos e pertenciam ao contribuinte. A sanção
representa, em tese, a certeza de que, na maior parte dos casos, a
penalidade maior desincentiva o não-pagamento da penalidade menor,
que é o tributo.”
Ives Gandra é bastante taxativo ao afirmar que tributo é uma penalidade que,
na sua realidade ôntica, o tributo é uma prestação que excede as necessidades do
Estado, e para o contribuinte é consequentemente uma verdadeira penalidade. Parece-
nos que essa afirmação está fincada num estudo de aspecto econômico e sociológico
do tributo o que justifica o seu entendimento acerca do tema.
101
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995, p. 48.
102
Da sanção tributária, p. 56.
82
Contudo, na visão da ciência do direito tributário este posicionamento não
merece prosperar. Tributo não é uma penalidade, não decorre de ato ilícito; ao
contrário, é um dever fundamental de todo cidadão.
Reconhecemos que quando o Fisco descumpre com suas obrigações seja por
culpa ou dolo, esse dever fundamental de pagar o tributo passa a ser um peso, um
estorvo ao desenvolvimento social, uma verdadeira injustiça praticada contra o
cidadão que estaria pagando por um serviço que não lhe foi prestado, ou pior, o
contribuinte em última análise estaria de certa forma fomentando o crime. No entanto,
essa injustiça não pode ser denominada penalidade, ao menos, dentro do rigor
linguístico exigido na ciência do direito tributário.
Alguns doutrinadores colocam a questão do imposto progressivo como sendo
uma penalidade, confundindo claramente a função e a finalidade dos tributos com sua
natureza jurídica. o pretendemos aqui tratar sobre a progressividade deste ou
daquele tributo, nosso escopo é o de afirmar apenas e tão-somente que a função ou a
finalidade do tributo não desnatura sua natureza jurídica.
3. Sanções positivas e sanções negativas
É notório que o Estado não se limita mais a exercer uma função repressiva para
proteger os interesses do povo, impondo tão-somente penalidades. Percebe-se que o
Estado está mais atuante no sentido de promover políticas de incentivos, de
desencorajamento de condutas ilícitas.
Por certo que as sanções que estabelecem penalidades cumprem com a função
de desencorajar a prática de condutas indesejáveis, haja vista a existência do temor em
sofrer o “castigo” previsto. No entanto, a sensação de impunidade que se instaurou no
Brasil parece ter despertado o Estado para agir de forma diferente, conferindo
“prêmios” àqueles que agem de maneira desejada, encorajando a prática de condutas
desejadas.
No entanto, precisamos pontuar que a distinção entre sanção positiva e sanção
negativa nos causa estranheza, pois o conceito de sanção está diretamente ligado ao
conceito de consequência jurídica de conduta ilícita, e não a uma premiação, a um
incentivo estatal que vise alcançar uma conduta desejada.
83
Entendemos que sanção é uma norma que surge mediante a ocorrência no
mundo fenomênico de um ato ilícito. Desse modo, em não sendo cumprida
espontaneamente a norma geral e abstrata que prevê determinada penalidade, surge
através de agente competente uma norma individual e concreta sancionadora. Esta
norma é uma coerção estatal, ou seja, é a força que o Estado exerce sobre o infrator,
fazendo-o cumprir efetivamente os desígnios legais. Assim, a ideia de haver uma
norma sancionadora que prevê uma premiação (sanção positiva) foge à nossa
compreensão.
Para todo e qualquer ato ilícito necessariamente se prevê uma consequência
jurídica sancionadora, ou seja, prevê-se uma penalidade (sanção negativa). Contudo, o
ordenamento jurídico não prevê como consequência jurídica sanções negativas, ele
pode prever premiações, mas somente em casos de condutas lícitas. Logo, denominar
essa consequência jurídica que concede incentivos ou prêmios como sanções positivas
nos parece uma impropriedade.
Por exemplo: um cidadão que não declarou corretamente seu imposto de renda
e arrependido decide retificar sua declaração antes de ser notificado pelo Fisco será
certamente beneficiado com o não pagamento da multa tributária devida para esses
casos. Assim, após a retificação, ele recolherá o tributo corretamente com a devida
correção monetária e juros de mora. No entanto, a este incentivo não cabe a
denominação de sanção positiva. Apenas de incentivo estatal ao cumprimento de
conduta desejada.
Edmar Oliveira Andrade Filho explica através dos ensinamentos de Bobbio que:
“A sanção positiva pressupõe a prática de um ato lícito que esteja
conforme com a norma que prevê como conseqüência de uma ação.
Essa espécie de conseqüência jurídica pressupõe a existência de uma
norma que estabelece permissões ou faculdades de ação, isto é, a ela
não convém a idéia de obrigação ou proibição. O objetivo imediato de
certas normas premiais é o de facilitar ou a remover empecilhos ou
dificuldades.
Explica Gisele Mascarrelli Salgado
103
que Bobbio não explicou muito bem a
distinção entre a sanção negativa e a positiva, apenas as diferenciou em virtude do
103
SALGADO, Gisele Mascarelli. Sanção na teoria do direito de Norberto Bobbio, p. 100,
120-121.
84
meio como o poder é exercido. Desse modo, a sanção positiva seria exercida na forma
de direção social apresentando um aspecto mais positivo, já que não restringe a
liberdade do indivíduo, e não propriamente de controle social como é o caso da sanção
negativa. Esse controle possui uma carga valorativa voltada para a privação da
liberdade. Bobbio parece relacionar sempre o Direito a uma forma de restrição de
liberdade. A autora afirma segundo o entendimento de Bobbio que:
“Quando a sanção é a negativa pode-se entender que o que na está
proibido pela lei é permitido, gerando com isso uma zona de liberdade
positiva no silêncio da lei. Deste modo a sanção positiva apenas lida
com a liberdade positiva (liberdade residual) como uma exceção à
liberdade negativa, que está estipulada nas leis. O controle social
através do Direito é exercido por meio da positivação das condutas e
efetivado pelo Estado, quando exige o comportamento desejado.
(...)
O que diferencia as sanções positivas é a utilização de cnicas de
encorajamento, em oposição às sanções negativas que privilegiam a
técnica de desencorajamento de conduta. As sanções positivas podem
ser classificadas, segundo Bobbio, em: a) atributivas ou privativas, b)
com medidas retributivas ou reparadoras, c) com medidas preventivas
e sucessivas. Essas características estão presentes tanto nas sanções
positivas quanto nas sanções negativas.”
Que o ordenamento preveja prêmios para condutas lícitas isso é facilmente
compreensível. No entanto, classificar essas normas premiais ou incentivadoras como
sendo sanções premiais não nos parece correto, que sanção não pode ser
consequência jurídica de conduta lícita.
4. Conclusões
A finalidade ou função das sanções não definem a sua natureza jurídica, a sua
definição decorre das infrações a elas atreladas, da existência de um regime jurídico
próprio ao direito tributário, aos princípios que limitam o poder sancionador tributário
exercido pelo Estado-Administração contra os contribuintes, enfim, a uma série de
fatores concomitantes.
Os argumentos defendidos pelos administrativistas não merecem prosperar,
uma vez que as sanções aplicadas pela Administração Pública às infrações tributárias
se submetem a regime jurídico próprio.
85
Quanto aos argumentos dos penalistas, precisamos destacar que a sanção
tributária é uma penalidade que não se confunde com a sanção penal. Vejamos que
diante da ocorrência de crime ou de contravenção penal haverá sempre uma infração
de natureza penal, independentemente de estar tratando sobre tributos ou relações
estabelecidas entre o Fisco e o contribuinte, uma vez que tais infrações se submetem às
regras e aos princípios de direito penal e processual penal, sendo aplicadas
obrigatoriamente por juízes criminais.
A sanção é essencial à existência do Direito. Em todos os ramos e sub-ramos
criados pela ciência do direito teremos a presença da sanção atrelada à da infração.
Desse modo, acreditamos que dentro do ramo do direito tributário existe um conjunto
de normas sancionadoras próprias deste ramo, mas não desconsideramos a existência
de um direito sancionador geral, onde deste decorre o direito sancionador tributário.
86
Capítulo IV
PRINCÍPIOS LIMITADORES
AO PODER SANCIONADOR TRIBUTÁRIO
1. Considerações introdutórias
O ordenamento jurídico é reconhecidamente uma estrutura normativa
hierarquizada que encontra na Constituição Federal seu fundamento último de
validade. Frise-se que o povo, verdadeiro Senhor do poder, foi quem conferiu
legitimidade à Carta Magna através dos atos de fala que a introduziram no sistema
jurídico vigente. Assim, podemos concluir que o fundamento de validade da
Constituição Federal está na vontade soberana do povo convertida em linguagem
jurídica competente.
Compreendendo o ordenamento jurídico dessa forma podemos questionar se
existem dentro da própria Constituição Federal normas que são mais relevantes que
outras. Explica o ilustre professor Carrazza, doutor em analisar o direito tributário sob
a perspectiva constitucional, que:
“De fato, ao contrário do que pode parecer ao primeiro súbito de vista,
as normas constitucionais não possuem todas a mesma relevância,
que algumas veiculam simples regras, ao passo que outras,
verdadeiros princípios. Os princípios são as diretrizes, isto é, os
nortes, do ordenamento jurídico. Não é sem razão que Prosper Weil
afirma que algumas normas constitucionais são mais diretrizes;
outras, menos”. A Constituição é, pois, um conjunto de normas e
princípios jurídicos, atuais e vinculantes. Os princípios possuem
acentuado grau de abstração, traçando destarte, as diretrizes do
ordenamento jurídico. Enunciam uma razão para decidir em
determinado sentido.”
104
Segue explicando o festejado jurista a importância dos princípios dentro do
ordenamento jurídico-positivo e afirma que os princípios não servem para orientar,
104
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22ª ed. rev.
ampl. e atual. até a EC 52. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 36.
87
condicionar e iluminar a interpretação das normas jurídicas (inclusive as individuais
com efeitos concretos), mas são os responsáveis pela coesão do ordenamento jurídico.
Geraldo Ataliba defendia com veemência a importância dos princípios
constitucionais. Vejamos seus ensinamentos:
“Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes
magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por
toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do
governo (poderes constituídos).
105
Paulo de Barros Carvalho pensa do mesmo modo e acrescenta de forma objetiva
que: “O quadro das imposições tributárias, no Brasil, encontra-se sob o influxo de
muitos princípios constitucionais. Atuam sobre essa área postulados constitucionais
genéricos, que se irradia por toda a ordem jurídica, ativando e ao mesmo tempo
tolhendo o Estado nas relações com seus súditos, e princípios constitucionais
especificamente canalizados para o terreno dos tributos, conhecidos como princípios
constitucionais tributários”.
106
De acordo com esse autor, os princípios podem ser classificados como valor ou
como limite subjetivo. Para identificar um princípio-valor devem estar presentes as
seguintes características lógico-sintáticas:
107
a) bipolaridade onde houver um valor haverá como contraponto um
desvalor;
b) implicação cada valor implica o seu desvalor;
c) referibilidade o valor importa sempre uma tomada de posição do
homem perante a coisa referida;
d) preferibilidade a tomada de posição indica a direção determinada,
ou seja, a preferência do homem;
e) incomensurabilidade seria o sem-sentido semântico acabaria por
determinar as proporções de medida aos valores;
f) tendência à graduação hierárquica é possível ordenar os valores
segundo uma ordem escalonada;
g) objetividade é o atributo inerente a todos os valores, que a
atividade congnoscitiva se processa mais emocionalmente.
105
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. ed., tir. atual. por Rosalea Miranda
Folgosi, p. 34-35.
106
Curso de direito tributário, p. 158-161.
107
REALE, Miguel. Filosofia dos valores. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 188.
88
h) historicidade o valor é produto de uma evolução histórica;
i) inexauribilidade o valor sempre exceda os bens em que se
objetivam;
j) atributividade os valores são preferências por núcleos de
significações que atribuem qualidades positivas ou negativas ao
objeto.
Para se identificar um princípio como limite objetivo é mais fácil, pois basta
verificar se o preceito constitucional foi respeitado no caso concreto.
Assim, temos princípios constitucionais que são verdadeiros limitadores do ius
puniendi
108
do Estado, são o alicerce da cidadania, a âncora que impede os ventos
impetuosos gerados pela fúria arrecadatória de conduzir a grande nau cidadã para os
confins do direito, para lugares já d‟antes navegáveis, onde a humanidade se perdia em
meio a abusos de poder, injustiças, arbitrariedades e calamidades.
O Estado deve proteger os cidadãos, mas os cidadãos também devem se
proteger do Estado, pois o poder que é conferido ao Estado pelo povo pode ser
utilizado contra o próprio povo de forma esmagadora. Da situação de administrados
para a condição de súditos, basta algumas manobras escusas e ardilosas do Poder
Público, principalmente no que se refere à quantificação da carga tributária e às
penalidades confiscatórias e usurpadoras. Os princípios constitucionais servem
justamente para limitar esses mecanismos atentatórios ao Estado Democrático de
Direito.
Os princípios e as garantias inseridas na Constituição Federal são frutos de
conquistas sociais e podem ser aplicados a todo o ordenamento jurídico, a todos os
subsistemas de direito, conforme a destinação que lhe é conferida.
Assim, temos o subsistema do direito constitucional tributário que além de
seguir os princípios e as garantias inseridas a partir do Título VI (Da Tributação e do
Orçamento da Constituição Federal), também se baseia nos postulados constitucionais
genéricos. Vejamos o que diz o mestre Ataliba:
108
Estamos nos referindo principalmente a norma sancionadora que aplica as multas
tributárias em decorrência de infração tributária que não configura crime ou contravenção
penal. Neste momento não estamos nos referindo ao poder punitivo do Estado voltado a
punir delitos penais tributários.
89
“Por sistema constitucional tributário entende-se o conjunto de
princípios constitucionais que informa o quadro orgânico de normas
fundamentais e gerais do direito tributário, vigentes em determinado
País. Se “sistema é um conjunto ordenado de elementos segundo uma
perspectiva unitária”, o sistema constitucional tributário brasileiro é o
conjunto ordenado das normas constitucionais que tratam da matéria
tributaria, matéria esta tomada como principio de relação que as
unifica.”
109
É preciso pontuar que o Sistema Tributário compreende o subsistema
constitucional tributário mais o conjunto de leis tributárias infraconstitucionais. Desse
modo, os princípios constitucionais estão inseridos no próprio sistema tributário e a
este se aplica. Outros princípios específicos ao direito tributário também são aplicados
às sanções tributárias.
Frise-se que alguns princípios constitucionais que informam o campo da
legislação penal também podem ser utilizados nas sanções tributárias. Todo e qualquer
princípio constitucional deve ser utilizado para proteger o cidadão contra abusos do
Poder Público.
Importante é a distinção feita por José Afonso da Silva
110
entre os princípios
constitucionais e os princípios fundamentais da Constituição. Vejamos:
(...) os princípios constitucionais são de três tipos.
Princípios políticos constitucionais São os princípios constitucionais
fundamentais, positivados em normas-princípios „que traduzem as
opções políticas fundamentais conformadoras da Constituição
segundo Canotilho; ou decisões políticas da Nação, na concepção de
Carl Schmitt, que constam os arts. a 5º, integrantes do Título I da
CF, (...)
Princípios jurídico-constitucionais São princípios constitucionais
gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas
normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos (ou
princípios derivados) dos fundamentais, como o princípio da
supremacia da Constituição e o conseqüente princípio da
constitucionalidade, o princípio da legalidade, o princípio da
isonomia, o princípio da autonomia individual, decorrente da
declaração dos direitos.
Princípios institucionais (ou regionais) São os que regem e modelam
o sistema normativo das instituições constitucionais, como os
109
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Editora RT, 1968, p. 8.
110
Comentário contextual à Constituição, p. 28-29.
90
princípios regedores da Administração Pública (art. 37), os princípios
do Sistema Tributário (art. 150), os princípios orçamentários (...).
(...)
Os princípios fundamentais da Constituição de 1988 podem ser assim
discriminados:
(a) princípios relativos à existência, forma e tipo de Estado (...);
(b) princípios relativos à forma de governo (...);
(c) princípios relativos à organização dos Poderes (...);
(d) princípios relativos à organização da sociedade (...);
(e) princípios relativos à vida política (...);
(f) princípios relativos ao regime democrático (...);
(g) princípios relativos à prestação positiva do Estado (...);
(h) princípios relativos à comunidade internacional (...).”
O texto constitucional trata de forma expressa Das Limitações do Poder de
Tributar. Contudo, o traz tópico que destaque quais as Limitações ao Poder de
Sancionar o que não significa que este poder não possua limites constitucionais. Ao
limitar aquela atividade estatal esta, consequentemente, possui parâmetros limitantes.
Ademais, a punição é assunto que se escora em diversos princípios e regras
constitucionais tendo em vista seu alto potencial de aniquilamento.
De se atentar para a necessidade de o poder sancionador tributário ter uma
regulamentação esmiuçada. Quando se tem o poder de punir, tem-se um poder
formidável de se aplicar a Justiça e estabelecer a ordem, mas também se tem o poder
de destruir não a dignidade humana, mas, pior, de se extinguir direitos e garantias
conquistados a duras penas.
Se o Estado tem o poder de punir determinada infração, deve fazer pautado na
razoabilidade, na proporcionalidade e nos demais princípios consentâneos à obtenção
da justiça.
2. Princípios aplicados ao direito tributário sancionador
2.1 Princípio da legalidade
Sua existência genérica está contida no art. 5º, II, da Constituição Federal. Para
o direito tributário, esse princípio está especificamente previsto no art. 150, I, do
mesmo diploma legal. O Código Tributário Nacional também reitera esse princípio em
91
seu inciso V do art. 97, onde informa que somente a lei pode estabelecer penalidades
para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos.
De acordo com os ensinamentos de Paulo de Barros, esse princípio é um
verdadeiro limite objetivo que pode ser facilmente constatado. Basta que se verifique
no caso concreto uma norma sancionadora sendo aplicada, sem que haja lei que a
preveja. Explica que:
“O princípio da legalidade é limite objetivo que se presta, ao mesmo
tempo, para oferecer segurança jurídica aos cidadãos, na certeza de
que não serão compelidos a praticar ações diversas daquelas prescritas
por representantes legislativos, e para assegurar observância ao
primado constitucional da tripartição dos poderes. O princípio da
legalidade compele o intérprete, como é o caso dos julgadores, a
procurar frases prescritivas, única e exclusivamente, entre as
introduzidas no ordenamento positivo por via de lei ou de diploma que
tenha o mesmo status. Se do conseqüente da regra advier obrigação de
dar, fazer ou não fazer alguma coisa, sua construção reivindicará a
seleção de enunciados colhidos apenas e tão-somente no plano
legal.”
111
Certamente, esse princípio tem origem no sistema democrático e republicano de
governo. Ele é a maior segurança jurídica que o cidadão pode ter, haja vista que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada que não seja por virtude de lei.
Importante mencionarmos que esse princípio enseja a observância de outros
pontos relevantes. Por certo que não basta existir uma lei prevendo determinada
penalidade, é preciso que essa lei seja válida, vigente e esteja conforme os parâmetros
constitucionais. Ou seja, a lei precisa ter sido criada por agente competente e mediante
as regras previstas no ordenamento jurídico.
No caso das penalidades tributárias, controversas sobre a pessoa competente
para instituí-la. Edmar Oliveira Andrade Filho
112
aponta justamente essa dúvida que
gira em torno do que ele chama de indeterminação semântica da expressão direito
penal”, haja vista que a EC n. 32 registrou a proibição do uso de medidas provisórias
como veículo introdutor de regras penais. Afirma com sabedoria, o autor, que se deve
tomar essa expressão em sua acepção mais ampla, visando abarcar toda e qualquer
111
Direito tributário, linguagem e método, p. 282-283.
112
Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p. 78.
92
norma penal, mesmo as que não configuram crimes, porque isso dá efetividade a
diversas normas constitucionais, como as que prescrevem a individualização da pena e
a que proíbe penas de caráter perpétuo.
Devemos observar ainda que, além da sanção, existem os juros e a correção
monetária; estes institutos também devem observar o princípio da legalidade. Não se
podem impor condutas, seja repressiva (sanções) ou de qualquer outra natureza
indenizatória, ressarcitória, enfim.
2.2 Princípio da igualdade (Javier de Lucas,
113
Roque Carrazza,
114
Celso Antônio
Bandeira de Mello,
115
Humberto Ávila
116
)
Sua existência genérica está contida no caput do art. 5º da Constituição Federal.
Para o direito tributário, esse princípio está especificamente previsto no art. 150, II, do
mesmo diploma legal.
Para o autor Javier de Lucas, a ideia de igualdade é uma construção humana
frente às desigualdades naturais. Esclarece que na natureza não fatos iguais; esse é
o grande erro da tradição clássica (de Aristóteles a Hobbes, de Locke a Rousseau) é
argumentar que a defesa das igualdades se em termos de argumentos fáticos de
ordem cognitiva, ou seja, somos iguais porque todos morremos ou porque todos nós
podemos ter as mesmas faculdades e inclinações; essa concepção não merece
prosperar que existe efetivamente desigualdade de talentos, de saúde, de condições
físicas, enfim.
Afirma que a igualdade diante da lei não é uma igualdade imposta, mas sim
uma igualdade acordada e que por isso a noção jurídica de igualdade é por definição
normativa, valorativa e relacional. O direito tem uma tarefa classificatória e de
113
GARZÓN VALDÉS, Ernesto; LAPORTA, Francisco J. (Ed.). El derecho y la justicia.
Boletín Oficial del Estado, Madrid: Trotta, Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 2000, p. 493-500.
114
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2006.
115
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do principio da
igualdade. 3ª ed., 5ª tir. São Paulo: Malheiros, 1998.
116
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008.
93
justificação, que consiste em estabelecer os critérios legítimos conforme os quais se
tratará uma situação em termos de equiparação, bem como os de descriminação. Desse
modo, o Direito pode arbitrar diversas soluções: pode proclamar um princípio geral,
segundo o qual todos os seres humanos são iguais entre as leis, ou que a lei é igual a
todos isonomia em sentido estrito. Pode adotar diferentes critérios em relação com a
relevância das diferenças e estabelecer a indiferença jurídica das diferenças, a
diferenciação jurídica entre elas, a negação jurídica de todas as diferenças ou a igual
valoração jurídica de todas elas.
Desse modo, esclarece que a igualdade diante da lei não tem como objetivo
acabar com a diversidade, com as diferenças, senão fazê-la realmente possível para
que não signifique uma discriminação injustificada, uma desigualdade inadmissível.
Aponta a questão das políticas de discriminação inversa que se dirigem a
restaurar os efeitos das desigualdades prévias e duradouras que afetam indivíduos que
pertencem a determinada coletividade que, por certas características, padecem
historicamente em situações de graves desvantagens. Trata-se de uma manifestação
específica de políticas de diferenciação para a igualdade (ações afirmativas) como as
ações voltadas à educação e a sistemas progressivos de carga fiscal.
Destarte podemos perceber a importância de se conhecer a essência do princípio
da igualdade. Por certo que precisamos tratar de forma igual os iguais e de forma
desigual os desiguais na medida de suas desigualdades. Assim, é preciso verificar o
caso concreto para diferenciarmos os contribuintes que sofrem determinada penalidade
pecuniária.
Imaginemos que determinado contribuinte sofra um acidente automobilístico e
precise arcar com despesas hospitalares altíssimas para proteger sua vida, e com isso
tenha de pagar em atraso determinado tributo. Vejamos que esse contribuinte não
estava em de igualdade com aquele contribuinte que deixou de pagar determinado
tributo porque é um sonegador contumaz.
Observe que o direito à vida é supremo, absoluto, é o maior bem jurídico
tutelado pelo nosso sistema jurídico constitucional, e isso não é levado em
consideração. Note também que os impostos deveriam manter o Estado e garantir a
existência de hospitais públicos de boa qualidade, com profissionais e equipamentos
94
adequados, e essa não é a nossa realidade; a realidade é que o contribuinte precisa
pagar uma carga tributária astronômica e ainda desembolsar verdadeiras fortunas com
planos de saúde, educação, segurança, enfim.
Nossa discussão não é a de não pagar a multa, mas sim a de repensarmos a
questão da aplicação de multas exorbitantes que desconsideram o caso concreto. Até
mesmo casos de força maior, estado de necessidade, caso fortuito, são ignorados pela
Administração Pública que fez as multas assumirem a roupagem de tributo, que as
cobram como se fossem verdadeiros tributos.
Celso Antônio Bandeira de Mello explica que o alcance desse princípio o
se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei
não pode ser editada em desconformidade com a isonomia.
A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento
regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Esse é
o conteúdo político-ideológico absorvido pelo principio da isonomia e juridicizado
pelos textos constitucionais.
O professor Celso Antônio cita a afirmação de Aristóteles na qual igualdade
seria tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, mas logo questiona
quem são os iguais e os desiguais? O que permite legitimamente manipular essa
realidade? Quais as discriminações juridicamente intoleráveis? quando é vedado à lei
estabelecer discriminações?
E tenta responder a suas próprias indagações.
Afirma que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações, pode
ser escolhido pela lei como fator discriminatório, o que devemos observar não é o
traço da diferenciação escolhido, mas sim algum desacato ao princípio da isonomia.
Mas como fazer isso? Ele responde também.
As discriminações são aceitas quando compatíveis com a cláusula igualitária
se, e somente se, existir um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade
diferencial escolhida por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função
dela conferida, desde que essa relação não seja incompatível com interesses
prestigiados na CF. O que não se admite são desequiparações fortuitas ou
injustificadas.
95
Apenas a existência de uma correlação gica abstrata não é suficiente; é
preciso haver uma correlação lógica concreta.
Segundo o professor Celso, a formulação de lei em termos aparentemente gerais
e abstratos, que em seu teor não individualize um destinatário, não resolveria o
problema.
A lei pode atingir uma categoria de pessoa ou então se voltar para um só
indivíduo se, em tal caso, visar a um sujeito indeterminado e indeterminável no
presente.
Diante dessas considerações, Celso chega a algumas conclusões:
- a regra simplesmente geral não poderá nunca ofender a isonomia pelo aspecto
da individualização abstrata do destinatário.
- a regra abstrata também jamais poderá adversar o princípio da igualdade no
que concerne ao vicio de atual individualização absoluta.
- a regra individual poderá ou não incompatibilizar-se com o princípio da
igualdade no que atina à singularização atual absoluta do sujeito.
- a regra concreta será ou não harmonizável com a igualdade. Se em sendo
concreta for também geral, será harmonizável, mas se for concreta e individual, não
será.
O que autoriza discriminar é a diferença que as coisas possuem em si e a
correlação entre o tratamento desequiparador e os dados diferenciais radicados nas
coisas. Não se podem discriminar pessoas, situações ou coisas mediante traço
diferencial que não seja nelas mesmas residentes.
O vínculo de conexão lógica entre o elemento de discriminação e os efeitos
jurídicos atribuídos a ela é que determina a violação ou não ao princípio da isonomia.
Assim, a discriminação deve guardar relação de pertinência lógica com a disparidade
de tratamento jurídico dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada. Essa
correlação lógica nem sempre é absoluta, pode variar de acordo com as concepções da
época.
A discriminação não pode atingir interesses constitucionais. Assim, ela não
pode atingir de modo atual e absoluto um só indivíduo; os traços diferenciadores
devem estar presentes nas situações ou pessoas; deve existir em abstrato uma
96
correlação lógica entre o critério desigualador e a desigualdade de tratamento; que
concretamente o vínculo de correlação seja pertinente em função dos interesses
constitucionais.
Afirma de forma categórica que o maior dos princípios garantidores de direitos
individuais é o da igualdade.
Roque Carrazza, numa abordagem inédita e genial, interliga o princípio da
igualdade com o principio republicano. Para ele, o princípio republicano exige que os
contribuintes recebam tratamento isonômico. Explica o mestre:
“A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada
com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação
jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será
inconstitucional por burlar o princípio republicano e ao da isonomia
a lei tributária, que selecione pessoas, para submetê-las a regras
peculiares que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições
jurídicas.
(...) o princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada,
quanto ao ser aplicada: a) não discrimine os contribuintes que se
encontrem em situação jurídica equivalente; b) discrimine, na medida
de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em
situação jurídica equivalente.
Brilhante também é a obra do professor Humberto Ávila sobre a teoria da
igualdade tributária. Ele inicia sua tese analisando o problema da isonomia diante de
alguns casos concretos. E afirma diante das análises que o mesmo contribuinte que
clamava por uma legislação atenta às suas particularidades, agora se insurge contra o
resultado daquilo que ele clamou, alegando violação ao princípio da igualdade pelo
fato de a norma tratar de modo diferente cada contribuinte.
Para o autor, igualdade é uma relação entre dois ou mais sujeitos em razão de
um critério que serve a uma finalidade. O problema da igualdade não está apenas em
saber se as pessoas são ou não são iguais (igualdade descritiva). É preciso saber,
também, se elas devem ou não devem ser tratadas igualmente (igualdade prescritiva).
Define ele igualdade como sendo a relação entre dois ou mais sujeitos, com
base em medidas ou critérios de comparação, auferidos por meio de elementos
indicativos, que servem de instrumento para a realização de uma determinada
finalidade.
97
Reconhece também que a legislação tributária fica cada vez mais complexa,
cheia de regras específicas e excepcionais e que a norma tributária seria injusta por
levar em conta as particularidades do caso ou do destinatário e sua injustiça residiria
na circunstância de, ao pretendermos tratar cada um diferentemente, gerar uma
dificuldade soberba para ser aplicada para todos. Justiça particular versus justiça geral.
Direito tributário justo é aquele que sempre leva em consideração as
particularidades dos casos concretos e dos contribuintes neles envolvidos; é aquele que
privilegia o denominado princípio da capacidade contributiva subjetiva acima de tudo,
em suposto detrimento da legalidade.
O direito tributário brasileiro adota um sistema misto de justiça individual e
justiça geral. O embate entre a necessidade de generalização e o dever de atentar às
particularidades dos casos e dos contribuintes implica um outro problema: basta o
legislador tributário tratar os contribuintes apenas igualmente ou ele precisa tratá-los
como iguais, isto é, por meio de uma legislação que permita que eles atuem, que sejam
como eles livremente podem atuar e podem ser?
A busca da igualdade deve estar permanentemente em harmonia com a busca da
segurança jurídica. O professor aborda vários temas como: igualdade na lei e diante da
lei; igualdade geral e igualdade particular; igualdade na norma e igualdade nos efeitos
das normas; igualdade como exigência de tratar igualmente ou como igual. Enfim, são
várias as problemáticas colocadas no livro Teoria da igualdade tributária. Um livro de
fácil leitura, porém, de questões complexas e relevantes que precisa ser estudado com
bastante atenção. Suas colocações são inovadoras, apesar de embasadas nos
questionamentos outrora pensados pelo mestre Celso Antônio Bandeira de Mello.
Afirma que sua investigação revelou diferentes facetas da igualdade, não apenas
mostrando que a igualdade é regra, princípio e postulado, mas, muito mais,
evidenciando a existência de uma espécie de crise no seu próprio interior: quando
busca generalidade, trata todos os contribuintes igualmente, apesar das suas diferenças;
quando persegue particularidade, trata-os diferentemente, mesmo que sejam iguais.
Assim, o termo igualdade pode ser empregado para denotar aquela norma que
orienta o intérprete na aplicação de outras normas (igualdade-postulado); para
expressar aquela norma que estabelece um estado ideal de igualdade a ser alcançado
98
(igualdade-princípio); para referir a norma que delimita substancialmente o poder
legislador proibindo o emprego de determinadas medidas de comparação (igualdade-
regra).
Afirma que cabe à doutrina reconstruir, a partir da Constituição, critérios claros
e objetivos que permitem saber como ela deve ser realizada, ao mesmo tempo em que
possibilitem saber quando ela não é efetivada; o Poder Legislativo, a quem incumbe,
no uso da liberdade de configuração, fixar, sem depois se contradizer, os elementos
básicos da concretização da igualdade; o Poder Executivo, a quem cabe especificar os
padrões legais, de modo a permitir a manifestação da individualidade dos
contribuintes; e o Poder Judiciário, a quem concerne controlar a preservação da
harmonia das normas de competência com os direitos fundamentais dos contribuintes.
A Constituição, ao estabelecer que os contribuintes devam ser tratados
igualmente, a não ser que existam razões para tratá-los diferentemente, instituiu o
dever de justificativa do tratamento desigual, não do igual, razão pela qual não são os
contribuintes que devem apresentar razões de extrema importância para serem tratados
da mesma forma, mas é o ente estatal que deve aduzi-las para tratá-los de forma
diferente.
O tratamento mais prolongado desse princípio se justifica diante da afirmação
do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello de que o maior princípio garantidor de
direitos individuais é o da igualdade.
Sem dúvidas que a partir de uma concepção ampla do princípio da igualdade
podemos resguardar direito dos contribuintes a partir de uma análise judicial do caso
concreto.
Desse princípio decorre o princípio da individualização da pena, da
proporcionalidade, da razoabilidade, entre outros, uma vez que a inobservância desses
outros princípios certamente fere o princípio da isonomia.
Assim, a aplicação de uma penalidade pecuniária para ser isonômica precisa
levar em consideração as nuances do caso concreto.
99
2.3 Princípio da irretroatividade
Sua existência genérica está contida no art. 150, III, a, da Constituição Federal.
Para o direito tributário sancionador pode ser aplicado também o art. 5º, XL, do
mesmo diploma legal, que determina que “a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu”. Aqui interpretamos de forma ampla o termo lei penal de modo que
todas as penalidades existentes no sistema jurídico estão protegidas por este princípio
constitucional.
Por certo que este princípio está intimamente ligado ao princípio da legalidade,
da segurança jurídica, da anterioridade, enfim, trata-se de princípio importantíssimo
que precisa ser interpretado conforme as delineações do sistema constitucional.
Não se pode conceber que uma norma que impõe pena, qualquer que seja a sua
natureza, possa surgir para regular condutas ocorridas antes de sua entrada em vigor.
Contudo, como podemos perceber, a vedação à retroatividade não é absoluta
para todos os tipos de sanções, mas apenas para as sanções criminais onde a
retroatividade alcança até mesmo ação que tenha transitado em julgado.
No entanto, é preciso pontuar que os atos ilícitos praticados na vigência de leis
transitórias ou excepcionais o são beneficiados por lei posterior mais benéfica, nem
no próprio direito penal (art. do CP), isso porque se deve respeitar a finalidade e a
natureza jurídica dessas espécies normativas. Contudo, há quem defenda que este
dispositivo do Código Penal foi revogado tacitamente pela CF. Discordamos desse
posicionamento, pois percebemos que essas leis também servem para proteger e
garantir o bem-estar dos cidadãos; então acreditamos que seria precipitado afirmar que
esse dispositivo do CP foi revogado.
O CTN prevê as exceções a este princípio, bem como os casos de retroatividade
da lei mais benéfica, explicando que ela não alcança os atos definitivamente julgados.
Vejamos os artigos 106, II, e 112:
“Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito; (...)
II tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
100
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de
ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha
implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei
vigente ao tempo de sua prática.
(...)
Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina
penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em
caso de dúvida quanto:
I à capitulação legal do fato;
II à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou
extensão dos seus efeitos;
III à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.
Não se pode admitir a existência de exceções a uma garantia consagrada pela
CF que assegura a estabilidade do Estado Democrático de Direito.
Edmar Oliveira Andrade Filho explica que esse princípio constitucional repele
normas que veiculam retroatividade absoluta e, em certas circunstâncias, repele
também os casos de retroatividade relativa, a qual ocorre quando fatos são acolhidos
por novas regras depois do início de sua produção, sem que as pessoas tivessem
condições de prever tais mudanças.
117
Não podemos conceber que aos fatos concebidos se apliquem consequências
jurídicas não previstas no momento da ocorrência do fato, principalmente quando se
trata de sanções. O que não pode ser previsto não deve ser exigido porque não pode ser
evitado.
2.4 Princípio da personalização da pena
Sua existência genérica está contida no inciso XLV do art. da CF que
assevera que “a pena não passará da pessoa do condenado”. no Direito Tributário
podemos mencionar os artigos 132 e 133 do Código Tributário Nacional que exclui a
responsabilidade dos sucessores no que diz respeito às penalidades.
117
Ob. cit., p. 81.
101
Pontue-se, mais uma vez, o nosso entendimento de que quando a Carta Maior
não determinar a natureza jurídica da pena adotaremos sempre a concepção mais
benéfica ao contribuinte.
Esse princípio garante que quem deu causa ao ilícito terá de arcar com suas
penalidades. Assim, os sucessores devem arcar com o pagamento da obrigação
principal e do juro. as multas decorrentes desse descumprimento, quando não
beneficiar o sucessor, não lhes são devidas, haja vista que de forma alguma este
sucessor teve alguma participação na infração tributária. Ademais, a toda pena se
pressupõe uma culpa e dessa culpa se presume uma responsabilidade subjetiva,
independentemente de ser pena advinda de crime ou da inobservância de uma lei
tributária.
No entanto, assim não entende a ilustre professora Maria Rita Ferragut
118
que
defende a transmissão da responsabilidade das multas ao sucessor, baseando-se na
afirmativa de que a multa faz parte do passivo fiscal.
Explica a autora que o termo crédito tributário (art. 129) abarca o principal e as
cominações legais. três justificativas para seu posicionamento: justifica a sua
localização (os arts. 132 e 133 estão inseridos na Seção II do Capítulo V do Título II
do Livro Segundo do CTN, que trata da responsabilidade dos sucessores) afirmando
que o artigo inaugural daquela seção se refere à responsabilidade pelo crédito
tributário; essa interpretação evitaria a criação de artifícios que beneficiassem o
devedor com a anistia fiscal; que a sua pretensão em estender a abrangência da
responsabilidade por sucessão não fere os princípios da legalidade e da tipicidade;
vejamos na íntegra as palavras da autora neste terceiro argumento:
“Nossa conclusão não fere o princípio da legalidade nem o da
tipicidade, ao pretensamente estender a abrangência da
responsabilidade por sucessão. É sabido que o direito positivo trabalha
com diversos vocábulos ambíguos, devendo o intérprete procurar
elucidá-los por meio de uma interpretação sistemática, que construa o
melhor sentido para o termo. E a melhor, em nosso entendimento, é a
que considera que o conteúdo semântico do vocábulo “tributo” não é
somente o do artigo 3º do CTN, e sim dessa quantia acrescida de juros
e multas.”
118
Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002, p. 94-98.
102
Contudo, pontua que nem todas as espécies de multas podem ser transferidas
aos sucessores. Ela distingue as multas em moratória (aquelas decorrentes de
inadimplência ou atraso do pagamento de tributo) e as punitivas (decorrentes de ato
ilícito tipificado como doloso) e afirma que somente as moratórias podem ser
transferidas aos sucessores, haja vista que as punitivas não podem ultrapassar a pessoa
do infrator.
Explica que seu posicionamento destoa da jurisprudência, mas diante de seus
fundamentos compreende que as multas moratórias, e somente estas, são transferíveis
independentemente de terem sido constituídas antes ou depois do ato que motivou a
sucessão.
Multa tributária, como veremos mais adiante, sempre terá a natureza punitiva. O
que recompõe o patrimônio em decorrência da mora não é a multa, mas sim os juros.
Desse modo, não se admite a aplicação de duas multas ao mesmo fato jurídico.
2.5 Princípio de individualização da pena
O princípio da individualização está inserido no inciso XLVI do art. da CF.
Esse princípio que aparentemente delega à lei infraconstitucional o dever de regular
a individualização das penas é a garantia constitucional de que cada caso específico
merecerá providências adequadas e coerentes. Acreditamos que esse princípio diz
mais: diz que cada um receberá a penalidade que lhe couber de forma razoável e
proporcional, já que ele está associado ao valor-justiça.
Segundo Edmar Oliveira,
119
esse princípio constitucional tem uma função
importante no direito tributário que é a de invalidar as normas que estabelecem
sanções baseadas em responsabilidade objetiva, ou seja, o art. 136 do CTN não teria
sido recepcionado pela CF.
Maria Rita Ferragut defende que a infração fiscal é objetiva, configura-se pelo
mero descumprimento dos deveres tributários de fazer e não fazer e da obrigação de
dar, todos previstos na legislação. O dolo e a culpa, certamente, são prescindíveis”.
120
119
Ob. cit., p. 93.
120
Ob. cit., p. 146.
103
Data vênia. Quando se concebe a aplicação de uma penalidade baseando-se em
responsabilidade objetiva, teremos uma norma sancionadora descrevendo uma sanção
sem culpa, desconsiderando as circunstâncias fáticas e jurídicas dos casos concretos,
tratando todos de forma igual, inclusive os desiguais, violando claramente o princípio
da igualdade, entre outros.
Observe que o contribuinte zeloso que nunca descumpriu com suas obrigações
tributárias acaba se igualando àquele que é contumaz infrator. A mera constatação da
falta ocasiona a aplicação de uma penalidade a todos sem que seja levado em conta o
histórico dos contribuintes.
Não se pode negar que as previsões de hipóteses de redução e agravamento da
pena tentam valorizar o princípio da individualização da pena. É óbvio que não
estamos diante de uma relação jurídica simplória que envolve um vendedor de
verduras e sua singela clientela de bairro, onde o verdureiro pode conceder descontos
individualmente de acordo com a boa fama de pagador de seus clientes. Estamos
diante de um sistema tributário que atinge milhares de contribuintes e inúmeras
situações de descumprimento de obrigação tributária. Contudo, a Administração
Pública tem meios de viabilizar a distinção dos contribuintes “bons pagadores” e
“maus pagadores” proporcionando assim uma forma igualitária de imposição de
penalidades.
2.6 Princípio da capacidade econômica
A Carta Maior, dispondo sobre os princípios gerais, aponta em seu §, art. 145
o princípio da capacidade econômica. Vejamos:
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado
à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade a
esses objetivos, identificar, respeitando os direitos individuais e nos
termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte.
Por certo que uma análise apressada desse parágrafo constitucional nos conduz
a um pensamento equivocado de que a Constituição Federal pretendeu apenas graduar
de forma proporcional, razoável e justa os impostos. Esse princípio assume proporções
104
bem maiores quando se faz uma análise sistemática dos princípios e se avalia a
intenção do legislador originário. Certamente se pretendeu proteger o patrimônio do
cidadão contra injustiças fiscais. Foi taxativamente estabelecido que os impostos o
podem ser cobrados sem respeito ao princípio da personalização e da capacidade
econômica individual dos contribuintes, sendo vedada a violação de seu patrimônio.
O professor Paulo de Barros Carvalho, analisando o art. 145, § 1º, da Carta
Política, tem explicado o princípio da capacidade contributiva absoluta e relativa
através de duas proposições afirmativas:
“(...) realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva
absoluta ou objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa
competente, de fatos que ostentem signos de riqueza; por outro lado,
torna efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou
subjetiva quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal
modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo
com o tamanho econômico do evento.
A segunda proposição, transportada para a linguagem técnico-jurídica,
significa a realização do princípio da igualdade, previsto no art. 5º,
caput, do Texto Supremo. Todavia, se torna exeqüível na exata
medida em que se concretize, no plano pré-jurídico, a satisfação do
princípio da capacidade contributiva absoluta ou objetiva,
selecionando o legislador ocorrências que demonstrem fecundidade
econômica, pois, apenas deste modo, terá ele meios de dimensioná-
las, extraindo a parcela pecuniária que constituirá a prestação devida
pelo sujeito passivo, guardadas as proporções do acontecimento.”
121
Destarte, não como negar que se a obrigação principal não pode extrapolar
os limites da capacidade econômica do contribuinte e precisa guardar pertinência com
o acontecimento, muito menos ainda poderia admitir-se que uma sanção tributária
fosse aplicada sem limites, independente da capacidade econômica do contribuinte.
2.7 Princípio do não-confisco direito de propriedade
O princípio do não-confisco está inserido no inciso IV do art. 150 da
Constituição Federal e faz menção aos tributos. No entanto divergências
doutrinárias quanto a sua aplicação às multas tributárias.
121
Direito tributário, linguagem e método, p. 305.
105
Hugo de Brito Machado
122
entende que esse princípio não se aplica às multas,
mas somente aos tributos. Segundo este professor, as multas são condutas ilícitas que
precisam ser reprimidas, desestimuladas e, portanto, podem ser confiscatórias. Explica
que numa interpretação literal do art. 150, inciso IV, da CF tal princípio se refere
exclusivamente aos tributos. Numa análise teleológica, as multas servem para
desestimular as práticas ilícitas e, portanto, não se aplica o princípio do não-confisco.
Por fim, numa perspectiva lógico-sistêmica, este princípio é garantia que preserva
apenas ao livre exercício da atividade econômica e não serve para garantir o exercício
de ilicitude. Vejamos seus argumentos:
“Às multas, porém, não se aplica aquela garantia, pois seria absurdo
dizer que a Constituição garante o exercício da ilicitude. As multas
têm como pressuposto a prática de atos ilícitos, e por isto mesmo
garantir que elas não podem ser confiscatórias significa na verdade
garantir o direito de praticar atos ilícitos.
Sustentar que a garantia do não-confisco aplica-se às multas é
defender claramente o direito de sonegar tributos. Afinal as multas
elevadas para a inobservância das leis tributárias constituem, com toda
certeza, o meio mais eficaz no combate à sonegação.
Com a devida vênia, o professor Hugo de Brito baseia seus argumentos na
espécie de multa que serve de instrumento de combate ao crime, pecando ao
generalizar que as multas possuem uma natureza confiscatória. Parece ter se instaurado
uma confusão conceitual entre ilícito penal e ilícito tributário, multa penal e multa
tributária.
Nem todas as infrações as leis tributárias são infrações criminosas. Os ilícitos
tributários decorrem da inadimplência de obrigação tributária. Quando houver uma
conduta delituosa, ou seja, um crime contra a ordem tributária, passa a existir uma
infração penal. Nesse caso, quando temos uma mercadoria sem nota fiscal que
provavelmente seja produto de crime, certamente esta mercadoria deve ser confiscada
porque é produto de crime. No entanto, restando provado que a mercadoria tem origem
lícita, mas que se pretendia sonegar, certamente caberá uma multa pesada que vise
coibir aquela tentativa de prática delituosa. Nesse sentido, concordamos com o
professor Hugo de Brito de que a multa a ser aplicada não merece o respaldo do
122
Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988.
106
princípio do não-confisco, mas isso no caso da multa penal, aquela decorrente de
prática de crime ou contravenção penal.
A multa tributária, por sua vez, que visa punir conduta ilícita não delituosa e
deve obedecer ao princípio do não-confisco.
Ensina o professor Estevão Horvath
123
que a sanção tributária tem a finalidade
de punir o infrator, aplicar o princípio da igualdade entre os contribuintes, além de
fornecer receita aos cofres públicos, sem que com isso haja confisco patrimonial.
Afirma o autor que o princípio da não-confiscatoriedade (art. 150, V, CF) não se
reporta às multas tributárias, mas sim aos tributos. Contudo, admite que elas estejam
protegidas de forma genérica pelo princípio que garante proteção ao direito de
propriedade estando de certa forma amparada pela vedação ao confisco.
Explica Regis Fernandes
124
que “não se pode atribuir à Administração o
descomedimento sancionatório. Nem mesmo a lei pode estipular gravame
incompatível com a falta que se pretende punir. Comentando as penas pecuniárias,
escreve García de Enterría: Pelo jogo combinado e sistemático de outros princípios
do ordenamento não pode admitir-se, pois, uma interpretação simplista dessas leis que
facultam multas ilimitadas.”
Realmente, quando a Constituição Federal estabelece limites ao poder de
tributar, ela menciona a questão do confisco relacionando-a com o tributo. O Código
Tributário Nacional, por sua vez, também faz a distinção entre tributo e sanção de ato
ilícito (art. 3º). Porém, adiante trata da obrigação tributária principal (art. 113) falando
do pagamento do tributo e da penalidade pecuniária sem fazer maiores distinções entre
essas receitas.
Desse modo cremos que o CTN utiliza as expressões “sanção por ato ilícito” e
“penalidade pecuniária” para dizer coisas distintas. Quando o legislador diz sanção
por ato ilícito parece querer dizer sanção penal (e com toda razão a diferencia de
tributo, pois a natureza jurídica de uma sanção penal não pode ser confundida com a
natureza jurídica de um tributo); quando menciona penalidade pecuniária, parece
querer dizer sanção tributária (multa).
123
O principio do não-confisco no direito tributário, p. 114 e ss.
124
Op. cit., p. 94.
107
Nesse sentido, apesar de a multa não ser tributo, ela é parte da obrigação
tributária principal e deve se submeter ao princípio do não-confisco, haja vista que
esse princípio visa vedar de uma forma geral a imposição de pena de confisco às
infrações tributárias.
Esse princípio impõe limites às penalidades excessivas, explicava o
extraordinário jurista Sacha Calmon Navarro Coêlho que com maestria ensina:
“(...) é de se concluir que o confisco é genericamente vedado, a não
ser nos casos expressamente autorizados pelo constituinte e pelo seu
legislador complementar, que são três:
a) danos causados ao Erário;
b) enriquecimento ilícito no exercício do cargo, função ou emprego na
Administração Pública;
c) utilização de terra própria para cultivo de ervas alucinógenas.
(...)
Três conclusões é preciso extrair:
Em primeiro lugar, a de que no Brasil, a infração tributária não pode
gerar o perdimento de bens e confisco, que isto é vedado pela
Constituição.
Em segundo lugar, a de que a infração tributária pode ocasionar penas
pecuniárias mas não privativas da liberdade, atribuição da lei penal,
nem pena de confisco ou perdimento de bens, que exige lei especifica
tipificante e um processo de execução especial.
Em terceiro lugar, a de que uma multa excessiva ultrapassando o
razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores
(caracteres punitivo e preventivo da penalidade), caracteriza, de fato,
uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe
o confisco.
Paulo Coimbra Silva afirma que a orientação pretoriana é a de que não se pode
conceder efeito confiscatório às multas estritamente fiscais e cita algumas ementas:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO 81.550-MG
(...)
2. Multa moratória de feição confiscatória. Redução a nível
compatível com a utilização do instrumento da correção monetária.
(...)
DO VOTO
Conheço do recurso e lhe dou parcial provimento para julgar
procedente o executivo fiscal, salvo quanto à multa moratória que,
fixada em nada menos de 100% do imposto devido, assume feição
108
confiscatória. Reduzo-a para 30% (trinta por cento), base que reputo
razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte. Inverto
os ônus da sucumbência.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 91.707-MG
ICM. Redução de multa de feição confiscatória.
Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base
em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcional, feição
confiscatória.
Dissídio de jurisprudência não demonstrado.
Recurso extraordinário não conhecido.
RELATÓRIO
(...)
Logo, pode ser aplicada com benignidade. „Multa moratória fixada em
nada menos de 100% do imposto devido em caráter confiscatório,
devendo ser reduzida para 30%.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 82.510-SP
Multa fiscal. Pode o Judiciário, atendendo às circunstancias do caso
concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco. Precedentes do
STF.
Recurso não conhecido.”
Paulo Cesar Baria de Castilho,
125
em seu livro Confisco tributário, trata este
tema relacionando às multas tributárias e explica que Estado Democrático de Direito
não permite qualquer tipo de confisco, seja de ordem tributária ou não. Até mesmo as
multas por sonegação, ou seja, as de natureza penal, estariam vedadas. Vejamos suas
palavras:
“Num Estado Democrático de Direito, devidamente fundamentado no
art. da nossa Carta Política, não espaços para o confisco, seja de
que ordem for, tributária ou não. As multas tributárias não refogem a
isso.
(...)
Vale dizer, não é o confisco tributário que esvedado por nosso
ordenamento jurídico, mas qualquer forma de expropriação da
propriedade sem justa indenização. E isso pode ocorrer por meio de
multas tributárias com valores abusivos.
Essa garantia está amparada no próprio direito de propriedade
assegurado no art. 5º, inc. II, e art. 170, inc. II, ambos da Carta Magna
125
CASTILHO, Paulo Cesar Baria de. Confisco tributário. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2002, p. 121 e ss.
109
de 1988 e nas demais garantias dos contribuintes próprias de um
Estado Democrático de Direito (art. 150, caput, e art. 5º, § 2º, também
da Constituição da República de 1988).
(...)
Ora, se há limites para a tributação, se limites de proteção à
propriedade privada certo é que também há limites em nosso
ordenamento jurídico, ainda que implícitos, para a exigência de multas
decorrente do Sistema Tributário.
Vejamos as citações deste autor que fortalecem suas palavras:
O TRF Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim decidiu nos
autos da ApCiv 94.03.076566-6, 5ª Turma, na qual foi relatora a douta
Desa.Federal Ramza Tartuce, in verbis:
„EMENTA
EMBARGOS À EXECUÇÃO DÍVIDA PREVIDENCIÁRIA 13º
SALÁRIO NATUREZA DE SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO
LEI 7.789/89 DEC. 612/92 TRD E UFIR APLICAÇÃO
JUROS MULTA HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
PERCENTUAL DESTINADO A ACIDENTE DO TRABALHO.
(...)
4. A multa fixada em 60% do débito assume feição confiscatória, eis
que seu valor se torna desproporcional ao montante do débito.
Redução a 30%.
(...)
8. Apelação parcialmente provida.‟
O entendimento esboçado pela decisão acima transcrita não é novo. O
STF Supremo Tribunal Federal a longa data, reconhece que multa
moratória superior a 30% torna-se confiscatória. Vejamos a decisão
proferida nos autos do Recurso Extraordinário 81.550 MG, na qual
foi relator o eminente Min. Xavier de Albuquerque, cujo acórdão foi
publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência 74/318, in verbis:
„RECURSO EXTRAORDINÁRIO 81.550-MG
(...)
2. Multa Moratória de feição confiscatória. Redução a nível
compatível com a utilização do instrumento da correção monetária.
(...)
DO VOTO
Conheço do recurso e lhe dou parcial provimento para julgar
procedente o executivo fiscal, salvo quanto à multa moratória que,
fixada em nada menos de 100% do imposto devido, assume feição
confiscatória. Reduzo-o a 30% (trinta por cento), base que reputo
razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte. Inverto o
ônus da sucumbência. (RTJ 74/318)
110
No mesmo sentido, decidiu a Turma do STF, cujo relator foi o
Min. Moreira Alves, conforme decisão publicada na Revista
Trimestral de Jurisprudência 96/1354, in verbis:
„RECURSO EXTRAORDINÁRIO 91.707-MG
ICM. Redução de multa de feição confiscatória.
Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base
em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcional, feição
confiscatória.
Dissídio de jurisprudência não demonstrado.
Recurso extraordinário não conhecido.
RELATÓRIO
(...)
Logo, pode ser aplicada com benignidade. „Multa moratória fixada em
nada menos de 100% do imposto devido em caráter confiscatório,
devendo ser reduzida para 30%.‟
E a mesma Turma, agora tendo como relator o Min. Leitão de
Abreu, assim decidiu (RTJ 78/610), in verbis:
„RECURSO EXTRAORDINÁRIO 82.510-SP
Multa fiscal. Pode o Judiciário, atendendo às circunstancias do caso
concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco. Precedentes do
STF.
Recurso não conhecido.‟
(...)
(...) decisão proferida pelo Min. Ilmar Galvão, do STF Supremo
Tribunal Federal , nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade
5511/600, abaixo transcrita, in verbis:
„AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
EMENTA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
PARÁGRAFOS 2º E 3º, DO ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES
CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, QUE DISPÕE SOBRE MULTA PUNITIVA NAS
HIPÓTESES DE MORA E SONEGAÇÃO FISCAL.
Plausibilidade da irrogada inconstitucionalidade, face não apenas à
impropriedade formal da via utilizada, mas também ao evidente
caráter confiscatório das penalidades instituídas.
Concorrente risco de dano, de difícil reparação, para o contribuinte.
Cautelar deferida.”
111
2.8 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade
Esses dois princípios estão implícitos nos princípios constitucionais da
isonomia, do devido processo legal, do direito à propriedade, da capacidade
econômica, e principalmente na garantia constitucional à justiça.
Não se pode conceber que seja aplicada uma penalidade que o seja razoável
ou que seja desproporcional. A penalidade deve sempre estar em conformidade com a
gravidade do ilícito, com sua repercussão e os prejuízos causados a outrem.
É preciso haver uma coerência entre a sanção e a pena. Não se pode permitir
que se instaure no Brasil um regime ditatorial onde as leis não são obedecidas e o
patrimônio do cidadão seja usurpado com excessos de poder. Não podemos esquecer
também que, quando o Estado aplica multas que diminuem consideravelmente o
patrimônio do contribuinte surrupiando o seu direito de propriedade, ele acaba por
adentrar a seara penal de forma a afrontar o princípio da intervenção mínima estatal. O
Estado deve intervir somente quando necessário, adotando condutas menos ofensivas
sempre que possível.
Ao afirmarmos que a penalidade deve respeitar tais princípios nos confrontamos
com o fato de admitirmos que o Judiciário deve reduzir o valor da penalidade já fixado
pela Administração Pública quando entender exorbitante. Daí surge o questionamento
se isso não feriria o princípio da estrita legalidade. Acreditamos que não, pois o juiz
não estaria criando penalidades.
O cidadão que se sentir lesado pode e deve recorrer ao Judiciário e requerer ao
juiz o devido enquadramento da multa aos princípios constitucionais da razoabilidade
e da proporcionalidade sem que com isso esteja invadindo outras competências, já que
a função do Judiciário é justamente a de garantir o fiel cumprimento da lei e coibir
abusos do Poder estatal.
No entanto precisamos perceber que esses princípios não estão direcionados
somente aos juízes ou àqueles que exercem o poder de polícia, mas também ao
legislador que deve meditar profundamente sobre as consequências jurídicas que eles
preveem e aos enunciados prescritivos que introduzem no sistema jurídico.
112
2.9 Princípio da anterioridade
Sua previsão legal está presente nos arts. 150, III, b e c, 150, § 1º, e 195, § 6º,
todos da Constituição Federal. Trata-se de princípio específico do direito tributário,
haja vista sua projeção apenas no campo da tributação. Suas exceções estão previstas
na própria Constituição Federal e se trata de rol taxativo.
Segundo Roque Carrazza,
126
em razão da anterioridade, a lei entra em vigor,
mas fica com sua eficácia paralisada até o exercício financeiro seguinte. Assim, o
contribuinte não é pego de surpresa e pode programar suas atividades econômicas a
cada ano, preservando a segurança jurídica.
Enfatiza o mestre Carrazza que esse princípio é corolário lógico do princípio da
segurança jurídica pois ele veicula a ideia de que deve ser suprimida a tributação de
surpresa que impede que, da noite para o dia, alguém seja surpreendido com uma
exigência fiscal, além de dar conhecimento prévio dos tributos que serão exigidos ou
majorados.
Frise-se que bem antes da introdução da anterioridade nonagesimal no
ordenamento jurídico, Carrazza entendia que a instituição e majoração dos tributos
deveriam respeitar esse lapso de noventa dias. Para tanto, interpretava o art. 150, III,
b, CF, juntamente com o art. 195, § 6º.
O principio da anterioridade preserva a segurança jurídica, e este é um
sobreprincípio que vale para todo o ordenamento jurídico.
Destarte, se o imposto não pode ser criado nem majorado de forma imprevisível
de modo a surpreender e prejudicar o contribuinte, do mesmo modo não se pode
conceber que seja criada ou majorada uma sanção prevista para a infração daquele
imposto.
126
Curso de direito constitucional tributário.
113
2.10 O princípio da segurança jurídica (Geraldo Ataliba,
127
Roque Carrazza,
128
Antonio-Enrique Pérez Luno
129
)
Segundo Geraldo Ataliba, as normas jurídicas carregam em si uma ideia de
previsibilidade estatal. Além disso, o fato de o Poder Legislativo ser representativo
gera aos cidadãos um sentimento de paz e traz um clima de confiança em relação aos
atos estatais. No entanto, em se tratando de matéria tributária não é raro ver o Estado
formulando inovações e surpreendendo o cidadão. Ocorre que tais atitudes são vedadas
pela ordem jurídica. Geraldo Ataliba explica que o povo consente que haja a
tributação, mas não admite que seja surpreendido, ou seja, a previsibilidade da ação
estatal está intimamente ligada ao sentimento de segurança jurídica.
O mestre explica que o elemento surpresa é vedado pela ordem jurídica e que a
previsão da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido são
mecanismos que possibilitam a consolidação da segurança jurídica. Assim, o princípio
da certeza do direito representa as ideias de confiança, lealdade, autorização,
consentimento, segurança, previsibilidade e representatividade. Isso tudo garante o
bom desenvolvimento da República Federativa do Brasil.
Roque Carrazza nos ensina com a clareza que lhe é pertinente que a
Constituição Federal acolheu a ideia central de sujeição e acomodamento do Estado ao
Direito. Ela limita a ação do Estado, não só proibindo-o de prejudicá-los, como
obrigando-o a encaminhar-se no sentido do interesse público primário, garantindo
inúmeros direitos fundamentais que em sendo violados são passiveis de
inconstitucionalidade.
Segue afirmando que a segurança jurídica está atrelada a vários princípios, entre
eles o princípio da boa-fé, o princípio da tipicidade fechada e a correspondente
proibição do emprego da discricionariedade fazendária e da analogia in peius, ao
127
República e Constituição.
128
Curso de direito constitucional tributário.
129
El derecho y la justicia.
114
princípio do exclusivismo, com a consequente proibição do emprego de normas
indeterminadas, entre outros.
Lembra o professor Roque que a segurança jurídica exige que a lei tributária
seja interpretada estritamente e que a ação-tipo tributária valha para todos igualmente,
trazendo à baila a extrema importância do princípio da igualdade e sua estreita relação
com a segurança jurídica, com uma tributação justa, com a legalidade isonômica.
Pontua ainda que a segurança jurídica exige que os contribuintes tenham
condições de antecipar objetivamente seus direitos e deveres tributários, que, por isto
mesmo, só podem surgir de lei, igualmente para todos, irretroativamente e voltada pela
pessoa política competente, o que acaba desembocando no princípio da confiança na
lei fiscal.
É certo o que pontua Carrazza ao destacar que as presunções, indícios ou
ficções não podem suprir lacunas da realidade e que os agentes fiscais devem motivar
os casos que lhe são afetos, observando sempre os direitos e garantias individuais. Pois
trata-se de pressupostos de meios de provas que absolutamente não podem levar a
lançamentos tributários ou a imposição de sanções fiscais.
Antonio-Enrique Pérez Luno explica que a segurança jurídica não tem sido
consequência de uma elaboração lógica, mas sim fruto de conquistas políticas da
sociedade. Trata-se de um valor extremamente ligado aos Estados de Direito que se
concretiza em exigências objetivas de correção estrutural (formulação adequada das
normas do ordenamento jurídico) e correção funcional (cumprimento do Direito por
seus destinatários e especialmente pelos órgãos de sua aplicação).
Com relação às condições de correção estrutural, o autor nos diz que são as
seguintes: promulgação de lei, lei manifesta (clara, inequívoca, que evite abusos de
conceitos vagos e indeterminados, delimitações imprecisas de consequências jurídicas,
enfim), lei plena (onde não haja situação carecedora de resposta normativa, sem
lacunas), lei estrita, lei prévia, lei perpétua.
A certeza do direito supõe uma faceta subjetiva de seguridade jurídica, se
apresenta como uma projeção nas situações pessoais de segurança objetiva. Os
destinatários do direito devem saber com claridade e de antemão aquilo que lhe é
115
permitido, proibido e obrigatório. E em função desse conhecimento, poder organizar
suas condutas.
116
Capítulo V
INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS
1. Considerações relevantes conceito e estrutura lógica
O termo jurídico infração é usado em todos os ramos do direito para designar a
violação a uma norma jurídica. A distinção das infrações jurídicas ocorre justamente
através da análise da norma jurídica violada, pois é ela quem fornece os subsídios para
se especificar qual o tipo de infração.
O conceito de infração oscila no tempo e no espaço, conforme circunstâncias
sociais, culturais, políticas, econômicas, éticas e religiosas de determinado povo.
Numa acepção ampla, temos que a infração tributária é uma transgressão à
norma jurídica tributária. Numa acepção mais estrita podemos dizer que a infração
tributária é a realização de uma conduta omissiva ou comissiva que resulte no
inadimplemento de uma obrigação tributária principal ou de algum dever instrumental.
Essa conduta tem de ser necessariamente ilícita, ou seja, tem de ser contrária à norma
primária, oposta àquela que impõe obrigação tributária.
Podemos situar a infração tributária dentro da estrutura normativa completa que
estudamos. Assim, temos que essa infração é uma violação à norma primária
(impositiva) que está prevista no antecedente da norma secundária (sancionadora) e
contém em seu consequente a previsão de uma multa tributária, ou seja, de uma sanção
tributária.
Importante foi a colocação feita por Luciano Amaro,
130
quando afirma que o
Código Tributário Nacional não define infrações nem comina penalidades, apenas
estabelece normas gerais a respeito do tema, dispondo imperativa e supletivamente
sobre regras atinentes à responsabilidade por infrações, anistia, exclusão de
130
Ob. cit., p. 447.
117
penalidades, restituições de penalidades pecuniárias indevidas, infração como hipótese
que enseja lançamento de ofício, enfim.
Realmente não temos no CTN uma previsão taxativa prevendo uma infração e sua
penalidade, como ocorre no Código Penal. Contudo, o intérprete o analisa em conjunto
com a legislação tributária complementar e é capaz de construir as normas primárias
(dispositiva e conseqüência) e secundárias (sancionadora) atinentes ao direito
tributário. Zelmo Denari defende que as infrações tributárias materiais são
violações às normas jurídicas que disciplinam o tributo, seu fato gerador, suas
alíquotas ou base de cálculo, e as infrações formais são violações ao descumprimento
dos deveres administrativos do contribuinte com o Fisco, tendentes ao recolhimento do
tributo. Destaca que as infrações tributárias devem ser estudadas como parte do direito
tributário e integrar o campo de investigação do Direito Tributário Penal. Explica que:
“(...) na ordem jurídica tributária, uma infração se converte em delito
fiscal na exata medida da exacerbação do seu grau de nocividade
social. Em determinado momento histórico, por convenção social,
certas condutas colocam-se em conflito com os mais significativos
valores de uma sociedade politicamente organizada. Quando isto se
dá, ocorre, no plano normativo, uma ruptura, e o ilícito fiscal, em
decorrência da especificidade da respectiva sanção e por razoes de
política criminal, converte-se em delito.”
131
Segundo Denari,
132
o conceito de ilícito tributário não pode ser muito amplo,
se pode qualificar como infração tributária as condutas que violam normas
sancionadas por prestação pecuniária autônoma, de caráter repressivo, comumente
designada como multas punitivas”. Explica que, pelo rigor terminológico, as multas
de mora são prestações acessórias, de caráter reparatório, e, portanto, não se
confundem com as infrações tributárias; são sanções civis de direito público, assim
como os juros de mora. Frisa ainda que as atualizações monetárias também possuem o
caráter de acessoriedade relativamente à obrigação tributária subjacente, sendo sanções
civis próprias do ordenamento jurídico tributário.
131
COSTA JUNIOR, Paulo José da; DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais.
4ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 6-7.
132
Idem, ibidem, p. 78-82.
118
O autor distingue “violação ao ordenamento jurídico tributário” de “violação ao
direito de crédito da Fazenda Pública”. E afirma que para aquela violação cabe a
aplicação das penalidades pecuniárias autônomas, ou seja, das multas punitivas, e para
esta violação cabem as multas de mora, juros de mora e a atualização monetária.
Assim, espécies de sanções tributárias recebem a denominação genérica de
penalidades pecuniárias.
O professor Paulo de Barros Carvalho define a infração tributária como sendo
toda ação ou omissão que de forma direta ou indireta resulte no descumprimento de
deveres jurídicos estatuídos em leis fiscais. O mestre alerta para a importância do
estudo pormenorizado dos critérios que compõem a regra sancionadora tributária.
Afirma que:
“Tudo o que dissemos sobre os critérios da hipótese tributária vale
para o antecedente da norma sancionatória, que tem o seu critério
material uma conduta infringente de dever jurídico , um critério
espacial a conduta de ocorrer em certo lugar e um critério
temporal o instante me que se considera acontecido o ilícito. Na
conseqüência, depararemos com um critério pessoal o sujeito ativo
será aquele investido do direito subjetivo de exigir a multa, e o sujeito
passivo o que deve pagá-la e o critério quantitativo a base de
cálculo da sanção pecuniária e a percentagem sobre ela aplicada.”
133
O intérprete, ao analisar as regras jurídicas do sistema tributário, deve ater-se a
sua estrutura lógica, desmembrar seus componentes para entendê-lo de forma
independente e conjugada. É preciso compreender sua composição bimembre que une
a previsão de acontecimentos fenomênicos e de uma consequência jurídica através de
um juízo condicional.
Como bem ensina Paulo de Barros, o antecedente da norma sancionatória prevê
os critérios material, espacial e temporal, e em seu consequente, os critérios pessoal e
quantitativo. Esses critérios se interligam numa estrutura lógica, não existem de forma
isolada, unem-se para compor a norma jurídica sancionadora. Esse mestre expressa a
dificuldade de grandes autores de promover o isolamento de alguns critérios, de
analisar as suas essências. Abstrair o tempo e o espaço do núcleo da hipótese
normativa, por exemplo, é tarefa difícil que remete ao desejo de separar o inseparável.
133
Curso de direito tributário, p. 552.
119
Contudo, em se tratando de entidades lógicas, é admissível abstrair em diversas e
repetidas gradações.
134
1.1 Antecedente da norma que prevê a infração
A norma que prevê a infração tributária é chamada de norma sancionadora
tributária porque ela se presta a sancionar a conduta ilícita tributária. Essa norma
prescreve em seu antecedente a realização de um fato jurídico ilícito ocorrido em
determinado tempo e espaço. Ela é na verdade a violação a uma norma impositiva, o
descumprimento de outra regra jurídica.
A função do antecedente é a de exteriorizar preceitos através de critérios que
viabilizam o reconhecimento de um fato ilícito, fazendo romper o vínculo abstrato que
o legislador estipulou na consequência, no momento da concretização deste fato.
Esse antecedente pode ser analisado de forma pormenorizada. Sua estrutura
lógica pode ser desmembrada em três critérios: material, espacial e temporal. Este
desmembramento é possível graças à capacidade humana de identificar, captar e
abstrair categorias lógicas inerentes a fatos. Fazemos essa abstração através da lógica:
ela permite separar o inseparável.
Inexiste fato apartado do conceito de espaço e de tempo, até mesmo os
fenômenos da natureza ocorrem dentro de determinado lugar e em determinado lapso
temporal.
O critério material traz a previsão de uma ação ou omissão infringente a outra
norma jurídica. O critério espacial indica o local da ocorrência do fato jurídico. O
critério temporal revela o momento em que o fato ocorreu.
1.1.1 Critério material da norma sancionadora
O critério material da norma sancionadora é o descumprimento da obrigação
tributária ou de um dever instrumental imposto ao contribuinte. É a realização de uma
conduta omissiva ou comissiva violadora de norma tributária impositiva.
134
Curso de direito tributário, p. 288.
120
Desse modo, afirmamos que o que compõe o critério material é a prática de um
ato ilícito tributário que surge mediante o descumprimento de uma norma jurídica que
estabelece uma obrigação tributária. Segundo Paulo de Barros Carvalho,
135
sempre
haverá um constante e invariável traço que identifica, prontamente, estarmos diante de
uma hipótese de ilícito tributário: é a não-prestação (não-p), presente onde houver
fórmula descritiva de infração.
1.1.2 Critérios espacial e temporal
O critério espacial aponta para o lugar onde deve ocorrer a conduta infringente,
delimita explícita ou implicitamente o espaço geográfico onde ocorreu o ilícito
tributário.
o critério temporal prevê o momento em que ocorre o ilícito. Note que o
critério temporal se materializa no momento em que o contribuinte deixa de pagar
tributo ou de prestar as informações exigidas naquela data. Caso o contribuinte pague
ou cumpra o exigido em atraso ou em desconformidade com o que se estabeleceu,
mesmo assim, ele já incorreu em infração, pois não pagou corretamente no prazo
estabelecido e, portanto, pode ser sancionado. Entretanto, é preciso analisar o conjunto
normativo que envolve o tema para verificar se previsão legal de dispensa de
pagamento de penalidades em caso de retificações ou excludentes de ilicitude.
Quando dizemos que o critério temporal se materializa no momento em que o
sujeito passivo descumpre com a obrigação tributária, é preciso destacar que não
concebemos realidades jurídicas surgindo de forma instantânea em virtude de
acontecimentos factuais não convertidos em linguagem jurídica competente. Os fatos
ocorridos no mundo fenomênico somente se juridicizam depois de introduzidos no
universo jurídico mediante linguagem própria.
É necessário distinguir o critério espacial do campo de eficácia da lei tributária.
São entidades ontologicamente distintivas, embora possam coincidir em alguns casos
concretos. Tal critério traz expresso ou dá indícios dos locais em que o fato descrito
naquela norma específica deve ocorrer, vai depender do legislador; o âmbito
135
Curso de direito tributário, p. 552.
121
territorial de validade da lei refere-se à área em que se estende a competência do
legislador tributário sendo, portanto, algo já estabelecido pela legislação.
O critério temporal também o pode ser confundido com a vigência da lei no
tempo. O critério trata-se de um grupo de indicações, contidas no antecedente da
norma, que não permite identificar, com precisão, o momento em que acontece o fato
ilícito descrito, ao passo que a vigência da lei no tempo é regulada de modo geral, pela
LC n. 95/1998 e pela LICC, além de leis específicas contidas no CTN, ou seja, sua
amplitude bem maior.
1.2 Consequente da norma sancionadora
O consequente da norma sancionadora prevê os sujeitos da relação jurídica e o
quantum a ser fixado a tulo de sanção tributária.
Assim, podemos desmembrar dois aspectos dessa consequência normativa, o
critério pessoal que determina os sujeitos da relação jurídica e o critério quantitativo
que fixa a sanção a ser cumprida.
1.2.1 Critério pessoal
Notem que no polo ativo da norma sancionadora tributária sempre estará o autor
da conduta ilícita o contribuinte; e no polo passivo, o titular do direito transgredido
o Fisco.
O sujeito ativo da norma jurídica impositiva é o mesmo da regra sancionadora.
Contudo, precisamos analisar se o sujeito passivo da regra impositiva será também o
mesmo da regra sancionadora, mas essa questão será estudada mais a seguir no tópico
da responsabilidade por infrações tributárias.
Eis importante observação feita pelo professor Luciano Amaro
136
sobre a figura
do infrator no Código Tributário Nacional. Afirma o autor que essa figura é bastante
confusa, o termo responsável é utilizado com várias acepções, ora para se referir a
sujeição passiva indireta, ora para tratar da sujeição de alguém às consequências de
136
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 442.
122
seus atos; ora para se reportar às consequências dos atos de outras pessoas (como os
seus prepostos ou mandatários).
A redação deste artigo é a seguinte: “Art. 136. Salvo disposição de lei em
contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da
intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos
do ato”. Amaro afirma que este artigo não obedece à boa técnica, que ele desconsidera
a lógica, pois “se alguém é chamado de responsável, é óbvio que o atributo inerente
a essa condição (ou seja, a responsabilidade) não poderia mesmo, logicamente, vir a
depender de coisa alguma, pois se dependesse, o indivíduo ainda não poderia ser
chamado de responsável.
Oportuno ainda é pontuar que quando o Fisco pratica conduta ilícita contra o
contribuinte, ele está incorrendo em ilícito de natureza diversa da tributária, pois
conforme regra matriz de incidência da norma sancionadora tributária, não se pode
admitir que o Fisco ocupe a posição de sujeito ativo dessa norma jurídica.
Ao infringir uma norma tributária, o Fisco age de maneira nociva ao
contribuinte e ao interesse público. Este ente público acaba por violar normas da
Administração Pública e por cometer infração de natureza jurídica administrativa que
merece reprimenda administrativa, civil ou até mesmo penal, a depender do caso
concreto.
Não se pode conceber que o Fisco cometa infração tributária, o que ele comete
é infração administrativa que atinge interesse do contribuinte e da sociedade em geral.
Desse modo, as infrações cometidas por agentes administrativos no exercício de suas
funções administrativas, mesmo que relacionadas às normas tributárias, possuem
natureza administrativa, pois os agentes e entes públicos se submetem diretamente ao
regime jurídico da Administração Pública e seus atos ilícitos são infrações
administrativas. Nesses ilícitos há uma responsabilidade estatal para com a sociedade e
aquele indivíduo prejudicado concretamente que deve ser apurada de forma séria.
123
1.2.2 Critério quantitativo
O critério quantitativo determina a base de cálculo e o percentual a ser aplicado.
Esse critério deve se submeter ao crivo da constitucionalidade e respeitar os princípios
e as garantias inseridas nos ditames legais. Quando nos propomos a estudar as multas
fiscais, temos obrigatoriamente de nos ater com mais afinco a este critério tão decisivo
na abordagem constitucional do tema.
Uma reflexão mais apurada deste critério nos conduz à evidência da gravidade
da conduta violada, ou seja, a percentagem estabelecida no critério quantitativo da
norma sancionadora tributária depende da gravidade do ilícito tributário e precisa estar
estabelecida em lei.
Esse critério é que determina o objeto da sanção punitiva, ele diz quanto se deve
pagar aos cofres do governo, diante da infração cometida.
É razoável compreender que a base de cálculo das sanções tributárias é o valor
do tributo que sofreu a violação. Quanto ao percentual a ser arbitrado, este precisa
guardar proporcionalidade entre a gravidade da infração e com o direito à propriedade
do contribuinte.
A quantificação da multa é realmente uma questão problemática que exige a
utilização do princípio da razoabilidade.
Decerto que uma conduta infringente que se reveste de culpa merece percentual
menor que aquela que se reveste de dolo. No entanto, a problemática gira justamente
ao redor da responsabilidade, se esta é objetiva ou subjetiva. A falta de apreço a
intencionalidade da conduta do autor e da sua presunção constitucional de inocência
não merece respaldo, como veremos a seguir.
2. Culpabilidade e imputabilidade
A doutrina e a jurisprudência promovem enorme discussão acerca da existência
de culpabilidade na configuração do ilícito tributário.
124
Conforme entendimento de Zelmo Denari,
137
o legislador nacional acolheu sem
qualquer restrição a responsabilidade objetiva. Afirma que o art. 112, III, do CTN
refere-se tão-somente aos delitos fiscais, assim, este dispositivo destina-se apenas à lei
tributária penal. Defende que a configuração do ilícito fiscal deve ater-se estritamente
à comprovação do nexo de causalidade existente entre a conduta e o evento
antijurídico, pouco importando a prova do nexo introspectivo da vontade. Contudo,
algumas soluções de defesa para o infrator, considerando que, apesar de objetiva,
existem outros critérios que não podem ser olvidados. Assim:
“Quanto ao infrator, poderá defende-se de diversas maneiras:
a) alegando que não deu causa àquele resultado e rompendo-se, assim,
o nexo de causalidade subjacente;
b) demonstrando erros de tipificação da sua conduta fiscal, constante
do auto impositivo; ou ainda
c) vícios de legalidade relativos à instituição da infração tributária, ou
seu procedimento constitutivo, em obséquio ao princípio do devido
processo legal.”
Ora, a alegação de que não se deu causa ao resultado permite inúmeros
desdobramentos argumentativos que acabam por adentrar a essência da culpabilidade.
Não deixa de ser um traço que conduz à análise da culpabilidade do agente. Essa
defesa não se trata de provar que o acusado não é o agente causador do dano, vai além,
ela percorre o mesmo caminho retórico da defesa por exclusão de culpabilidade.
Analisando o texto do artigo 136 do CTN, Ives Gandra Martins
138
afirma que
esse dispositivo tem aplicação limitada, que estampa um princípio excepcional que
quase sempre a lei tributária determina a penalidade aplicável e a extensão da
responsabilidade em função da intenção do agente. Assevera que os ilícitos tributários
são em sua maioria subjetivos.
Outra distinção bastante interessante é aquela feita entre o ilícito delituoso e o
ilícito não-delituoso. Ambos não prescindem da responsabilidade subjetiva. Esclarece
Paulo Roberto Coimbra Silva que:
137
Ob. cit., p. 69.
138
Da sanção tributária, p. 74-75.
125
(...) a culpabilidade é um elemento essencial do ilícito fiscal não-
delituoso, não prestando, por isso, para diferenciá-lo do direito de
índole fiscal. O dolo, esse sim, é um elemento acidental das infrações
estritamente tributárias e, por isso, também não serve para delimitar
com a necessária segurança a sua identidade ontológica esta de
ser demarcada por seus elementos essenciais e não contingentes”.
139
Luciano Amaro
140
faz uma interpretação diversa dos demais autores aqui
mencionados, ele afirma que o art. 136 o afasta a discussão da culpa no sentido
estrito. Na verdade, para este autor, não se pode afirmar que a responsabilidade
tributária por infrações seja objetiva. Vejamos seus argumentos:
“Talvez o Código não mereça nenhum desses comentários. O preceito
questionado diz, em verdade, que a responsabilidade não depende da
intenção, o que torna em (princípio) irrelevante a presença de dolo
(vontade consciente de adotar a conduta ilícita), mas não afasta a
discussão da culpa (sentido estrito). Se ficar evidenciado que o
indivíduo não quis descumprir a lei, e o eventual descumprimento se
deve a razoes que escaparam a seu controle, a infração ficará
descaracterizada, não cabendo, pois, falar em responsabilidade.
(...)
O art. 136 pretende, em regra geral, evitar que o acusado alegue que
ignorava a lei, ou desconhecia a exata qualificação jurídica dos fatos,
e, portanto, teria praticado a infração „de boa-fé‟, sem intenção de
lesar o interesse do Fisco.
Realmente. A imposição de sanção sem aferição de culpa ou dolo é certamente
inconstitucional. Esses elementos são inerentes a todos os atos humanos e precisam ser
considerados ao menos na dosimetria da penalidade.
Admitir a aplicação de uma penalidade mesmo diante da ocorrência de uma
fatalidade que justifique a inadimplência temporária do contribuinte, além de ser uma
injustiça, certamente é um abuso de poder punitivo, é ato que está em desarmonia com
a Constituição Federal, que não pondera os bens jurídicos entrelaçados na relação
jurídica.
Imaginar que um contribuinte que deseja pagar o tributo e não o faz
tempestivamente em virtude de um acidente, de uma fatalidade, de um evento
imprevisível qualquer, deva ser penalizado, é realmente um absurdo! Vejam que se o
139
Ob. cit., p. 263.
140
Ob. cit., p. 444 e ss.
126
contribuinte sofreu um acidente, ele deve primeiramente se preocupar em proteger a
sua vida, o bem jurídico mais importante de nossa sociedade. Essa situação não pode
acarretar mais prejuízo ao indivíduo, nenhuma consequência advinda deste ato deve
ensejar penalidades, seria ilógico e desproporcional.
Óbvio que esse contribuinte tem de pagar o tributo e os juros de mora, mas o
lhe pode ser aplicada uma sanção por este inadimplemento. Seria absolutamente
inconcebível, confrontaria o princípio da presunção de inocência além de
desconsiderar a unicidade do direito, pois desprezaria a existência de outros bens
jurídicos que também merecem tutela e que seriam afrontados diante da imposição da
penalidade a qualquer custo.
Observe que até mesmo o direito penal prevê a exclusão de culpabilidade de
crimes contra a vida quando motivos que justifiquem aquela conduta tão danosa à
sociedade. Se o direito penal que se propõe a resguardar bens como a vida pondera a
intenção do autor antes de penalizá-lo, por que o direito tributário não ponderaria?
Desse modo, ao tratarmos das penalidades tributárias, não podemos
desconsiderar o dolo e a culpa, pois esses são critérios exigíveis à aplicação de
qualquer espécie de sanção. Como assevera Edmar Oliveira:
141
“A demonstração da culpabilidade é condição sine qua non para
aplicação de toda norma penal. Ninguém pode ser punido se não
violou uma norma que tutelava um bem jurídico de qualquer natureza
se ação não decorreu de dolo ou culpa em sentido estrito. Esse é um
princípio inerente a toda e qualquer norma penal, e portanto, exigível
também para as que prescrevem sanções pelo não-cumprimento de
normas tributárias.
A exigência de culpabilidade proscreve (invalida) toda e qualquer
norma penal baseada na responsabilidade objetiva onde não é feita
nenhuma valoração sobre ilicitude. A responsabilidade objetiva
glorifica, unicamente, o fato e a norma que lhe dá concretude aplica-se
na base do tudo ou nada, de forma mecânica, sem considerar qualquer
circunstancia envolta para a produção do fato e sem considerar a
condição pessoal ou situacional do infrator.
A demonstração de culpabilidade sofre interferência de diversas
causas de justificação como a boa-fé, o erro o caso fortuito.
141
Ob. cit., p. 45.
127
A sabedoria do texto constitucional nos mostra que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”. Por certo que este
enunciado não se dirige exclusivamente à seara penal, mas sim ao Direito como um
todo, a toda e qualquer tentativa de se punir alguém de forma objetiva desconsiderando
a culpabilidade e o devido processo legal. Não se pode conceber que alguém seja
apenado sem se verificar a sua culpabilidade ou que a penalidade seja desproporcional
a sua infração cometida.
Admitir que a constatação da existência de uma conduta e de seu efeito é o
bastante para configurar o ilícito, qualquer que seja sua natureza, desconsiderando a
intenção do infrator, ou até mesmo a sua voluntariedade consciente, seria um
retrocesso jurídico.
Diante disso não defendemos que o Fisco tenha de provar a culpa ou o dolo, em
cada caso concreto. Isso seria inviável. Defendemos a existência de uma presunção
relativa de culpa diante do inadimplemento do tributo ou do dever instrumental.
Queremos com isso dizer que o contribuinte pode arguir em sua defesa administrativa
ou judicial causas excludentes de culpabilidade. O Fisco não pode desconsiderar a
figura da culpa e do dolo nas decisões referentes à imposição de sanções tributárias.
Por certo que o simples inadimplemento gera um dano ao Fisco no instante
em que ocorre a infração, mas isso não justifica o direito de aplicar uma penalidade ao
contribuinte. O Fisco deve receber por isso o juro de mora e ser ressarcido do prejuízo
causado. O dano é objetivo, mas a responsabilidade pela infração é subjetiva e
portanto cabe arguição de exclusão de punibilidade.
3. Espécies de infrações tributárias
Percebemos inúmeras classificações doutrinárias divergentes em razão dos
critérios utilizados pelos cientistas. Inexiste uma classificação verdadeira ou falsa, o
que existe são classificações úteis ou de pouca utilidade no que se refere ao propósito a
que ela se destina.
“Segundo a existência de vínculo, podem ser genéricas e especificas,
ou internas e externas. Isso quando são dirigidas a todos ou quando
alcançam apenas certa classe de pessoas. Serem genéricas ou externas
as infrações às normas de polícia; seriam especificas ou internas as
128
infrações disciplinares ou as que se relacionam a concessionário, às
autarquias etc. É a orientação do Prof. C. A. Bandeira de Mello.”
142
Zelmo Denari
143
distingue as infrações em materiais e formais. As infrações
materiais são aquelas que violam normas jurídicas que disciplinam o tributo, seu fato
gerador, suas alíquotas. as formais são aquelas que descumprem deveres
administrativos referentes ao recolhimento de tributos.
A classificação mais usada pela doutrina é a que distingue as infrações em
objetiva e subjetiva, pautando-se no critério de participação do agente na realização da
figura típica. As infrações objetivas são aquelas nas quais independe a intenção do
agente, ou seja, apura-se apenas o resultado, ao passo que nas subjetivas, exige-se
necessariamente a presença do dolo ou da culpa, sem a qual o resultado não é
imputado ao agente. Vejamos os ensinamentos do Paulo de Barros Carvalho:
“(...) Infração subjetiva é aquela para cuja configuração exige a lei que
o autor do ilícito tenha operado com dolo ou culpa (esta em qualquer
de seus graus). Caso de infração subjetiva é o comportamento do
contribuinte do imposto sobre a renda que, ao prestar sua declaração
de rendimentos, omite, propositadamente, algumas receitas, com o
objetivo de recolher quantia menor do que a devida. As infrações
objetivas, de outra parte, são aquelas em que não é preciso apurar-se a
vontade do infrator. Havendo o resultado previsto na descrição
normativa, qualquer que seja a intenção do agente, -se por
configurado o ilícito.”
144
Guilherme Adolfo dos Santos Mendes
145
estudando as posições doutrinárias
acerca da classificação das sanções tributárias percebeu que alguns doutrinadores
partiam da distinção das sanções para chegarem à distinção de infrações, como é caso
de Bernardo Ribeiro de Moraes que distingue as infrações a partir da ação do infrator
em infrações por ação e infrações por omissão; outro como Hector Villegas “critica as
posições que classificam as infrações pelas sanções (legislação italiana), bem como o
contrário, vale dizer, aquelas que classificam as sanções pelas infrações (legislação
142
Ob. cit., p. 70.
143
Ob. cit., p. 21.
144
Curso de direito tributário, p. 555.
145
Ob. cit., p. 145.
129
francesa). Também não aceita que as sanções pertençam a uma mesma categoria
jurídica e nem que devam ser classificadas segundo a natureza do direito violado”.
O autor segue citando o entendimento de Ruy Barbosa Nogueira que não
considera infração a „simples mora de pagamento‟ do tributo. Segundo este autor a
multa de mora não é sanção, mas apenas indenização.
Rubens Gomes de Sousa,
146
estudando as infrações tributárias e suas
penalidades, fez a seguinte distinção, para estudo: 1) crimes em matéria tributária
(aquelas condutas apenadas pela legislação penal e pela legislação tributária); 2)
contravenções em matéria tributária (atos punidos ao mesmo tempo pela lei de
contravenções e pelo direito tributário); e 3) infrações tributárias simples (punidas
apenas pelo direito tributário). As infrações tributárias simples podem ser classificadas
em três tipos:
“A) Fraude fiscal, que pode ser definida como toda ação ou omissão
destinada a evitar ou retardar o pagamento de um tributo devido, ou a
pagar tributo menor que o devido. Todavia, um problema muito
importante é a distinção entre fraude fiscal e evasão: também esta é
uma ação ou omissão destinada a evitar, retardar ou reduzir o
pagamento de um tributo, mas a diferença está em que fraude fiscal
constitui infração da lei e portanto é punível, ao passo eu a evasão não
constitui infração da lei e portanto não é punível. (...)
B) Infração regulamentar: É o ato praticado pelo contribuinte ou por
terceiro, contrariamente a um dispositivo da lei tributária que imponha
uma obrigação tributária acessória (§18), isto é, uma obrigação que
não seja a de pagar o tributo, mas que esteja prevista na lei para
assegurar o cumprimento e a fiscalização dessa obrigação de pagar.
(...)
C) Mora: Finalmente, a mora é simplesmente o não pagamento do
tributo no prazo devido, isto é, o pagamento com atraso, depois do
vencimento (§31). A mora não é um conceito próprio do direito
tributário: é um conceito geral do direito das obrigações e aplica-se a
todas as hipóteses de obrigações de fazer e especialmente às de pagar,
como é a obrigação tributária. A mora, a rigor, não é propriamente
uma penalidade, porque se destina, não tanto a punir o contribuinte
que pagou fora do prazo, mas a compensar o Estado pelo prejuízo que
sofreu com o atraso no recebimento do que lhe era devido. Nessas
condições, a sua natureza é comparável à das indenizações por
146
SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. coord. IBET, Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários; obra póstuma. São Paulo: Ed. Resenha Tributária,
1975, p. 137 ss.
130
prejuízo, previstas no direito civil, e por isso se diz que a mora é uma
penalidade de caráter civil.”
Data vênia. Entendemos que, ocorrendo atraso no pagamento do tributo, ocorre
infração tributária, uma vez que viola um dos critérios da regra-matriz de incidência
tributária e, portanto, em tese, merece ser sancionada com pena de multa. A multa no
caso de atraso, às vezes chamada de multa de mora, não possui natureza indenizatória,
mas sim punitiva. Toda sanção tributária possui natureza punitiva. O atraso no
pagamento gera um dano objetivo que merece reparação através do juro, instituto
responsável pela recomposição do capital do Fisco. Sendo assim, no nosso
entendimento temos as seguintes espécies de infrações tributárias:
1 infrações pelo descumprimento da obrigação principal;
1.1 infração pelo atraso no pagamento do tributo devido;
1.2 infração pelo pagamento menor que o tributo devido;
2 infrações pelo descumprimento de deveres instrumentais;
2.1 infrações pelo atraso no cumprimento dos deveres instrumentais;
2.2 infrações pelo cumprimento irregular dos deveres instrumentais.
4. Responsabilidade por infrações tributárias
Os arts. 136 a 138 do Código Tributário Nacional que regulam a
responsabilidade por infrações geram bastante divergência doutrinária. os que
afirmam que a responsabilidade por infrações é subjetiva, os que defendem ser
objetiva, centrando-se ambos na necessidade ou desnecessidade de se verificar a
presença de dolo ou de culpa; ainda o entendimento de que a intencionalidade que
se refere o art. 136 se restringe ao dolo, mas não afasta a discussão da culpa em
sentido estrito.
Edmar de Oliveira Andrade Filho
147
explica que, em princípio, o CTN autoriza
a transmissão das penalidades que as considera como parte integrante do crédito
tributário, contudo, excepciona as situações previstas nos arts. 132 e 133 e a espécie de
penalidade moratória inserta no art. 134 do CTN. Afirma que a jurisprudência se
posiciona no sentido de admitir a sucessão de penalidades quando elas já foram
147
Ob. cit., p. 186 e ss.
131
impostas ao sujeito passivo original antes da causa que determina a sucessão. São suas
palavras:
“(...) De fato, o CTN estabelece uma diretriz de que as penalidades
não são transmissíveis, e quando pretendeu matizar essas regras, o fez
de forma ostensiva, como ao permitir que as penalidades de natureza
moratória possam ser transmitidas nas condições e nas circunstancias
previstas no art. 134. Portanto, em face desse princípio, nem mesmo
as infrações notificadas (com lançamento definitivo) poderiam ser
transferidas. Não se pode olvidar, todavia, a existência da „cláusula
geral‟ do art. 128 do CTN que admite que uma lei ordinária disponha
sobre a sucessão, mas condiciona tal possibilidade a que o sucessor
tenha vinculação ao fato gerador da obrigação tributaria principal ou
acessória, o que poderia justificar a responsabilidade penal dos
sucessores nos casos de operação realizada no âmbito de uma mesma
sociedade ou de um mesmo conglomerado. Reitere, contudo, que tal
temperamento seria cabível se existisse lei que adotasse a
mencionada cláusula geral, de modo que, não havendo tal lei, a
atribuição de responsabilidade penal por sucessão é proibida também
em tais circunstancias.”
Entende ainda que os juros de mora sejam penalidades e, portanto, não são
transmissíveis. Distingue os juros em moratórios, compensatórios ou remuneratórios.
Explica que os juros de mora decorrem do atraso na prestação devida e que não
servem para recompor o patrimônio do Fisco pelo uso do capital alheio, afirma que o
que recompõe são os juros remuneratórios e estes precisam ser autorizados em lei
complementar em face do art. 146 da CF.
Ângela Maria Pacheco
148
faz uma distinção sobre a multa de mora pelo
recolhimento do tributo das multas decorrentes de atos ilícitos. Afirma que a primeira
se transmite por ter uma finalidade ressarcitória, mas a segunda não se transmite.
Explica que:
“(...) se as multas impostas às empresas sucedidas, antes da sucessão,
em virtude da cisão, incorporação ou fusão, tiverem a natureza
reparatória (multas de mora) estas transmitir-se-ão às empresas
sucessoras. Caso contrário não. (Diga-se o mesmo com relação aos
artigos 121,II, 124, II, 128, 130, 131, 132 e 134).
(...)
a responsabilidade por ato ilícito (artigos 135 e 137) pode ser
derivada da conduta do próprio contribuinte. É ele que, através de
ações consideradas fraudulentas, impede o pagamento do tributo. A
148
Ob. cit., p. 239.
132
sua responsabilidade ai é pessoal. Anteriormente apontamos que
estes dois artigos estariam melhor inclusos no capitulo das infrações e
sanções tributarias e não naquele da responsabilidade, justamente por
entendermos que nestes, o objeto é a própria obrigação tributaria
principal.”
Denari,
149
analisando o tema “transmissão das penalidades pecuniárias”,
reconhece que se trata de assunto bastante polêmico e traz comentários esclarecedores
sobre três correntes doutrinárias: intransmissibilidade das multas, transmissibilidade
secundum natura e transmissibilidade secundum eventus. Explica que a primeira
corrente parte do pressuposto de que, em direito penal, a pena não pode passar da
pessoa do delinquente, e em sendo penalidade a multa fiscal não deve atingir o
infrator. Os defensores dessa corrente atribuem caráter essencialmente punitivo às
multas tributárias. a segunda corrente distingue as multas em punitivas e de mora
admitindo a transmissibilidade apenas desta última. A terceira corrente segue o
raciocínio da segunda e aprofunda no que se refere às multas punitivas. Analisa a
ocorrência desta multa no tempo, tomando como ponto referencial a ocorrência do
fenômeno sucessório. Explicam que se a sanção foi aplicada antes ou depois deste
episódio, a sua transmissibilidade varia. São transmissíveis aquelas aplicadas antes da
sucessão e intransmissíveis aquelas aplicadas depois da sucessão. Conclui o autor que:
“a) as multas de mora derivadas de inadimplemento da obrigação
tributária principal são transmissíveis, sem ressalvas ou restrições, a
todas as espécies de sucessores tributários;
b) as multas por infração decorrentes de procedimentos impositivos
se transmitem aos sucessores quando, na data da ocorrência do
fenômeno sucessório, se encontram cominadas aos respectivos
antecessores;
c) as multas por infração de correntes de procedimentos impositivos
falimentar não se transmitem à massa falida, ex vi do disposto no art.
23, parágrafo único, III, da Lei de Falências.”
A ilustre professora Maria Rita Ferragut
150
defende que as multas são parte
integrante do passivo fiscal e que por isso podem ser transferidas aos sucessores. A
interpretação literal dos arts. 132 e 133 do CTN não conduz o intérprete a uma análise
149
Ob. cit., p. 39 ss.
150
Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 94-98.
133
correta, pois o termo tributo contido em suas redações equivale a crédito tributário e,
portanto, abarca o principal e as cominações legais.
três justificativas para seu posicionamento: justifica a sua localização (os
arts. 132 e 133 estão inseridos na Seção II do Capítulo V do Título II do livro Segundo
do CTN, que trata da responsabilidade dos sucessores) afirmando que o artigo
inaugural daquela seção se refere à responsabilidade pelo crédito tributário; essa
interpretação evitaria a criação de artifícios que beneficiassem o devedor com a anistia
fiscal; 3º que a sua pretensão em estender a abrangência da responsabilidade por
sucessão não fere os princípios da legalidade e da tipicidade. Vejamos na íntegra as
palavras da autora neste terceiro argumento:
“Nossa conclusão não fere o princípio da legalidade nem o da
tipicidade, ao pretensamente estender a abrangência da
responsabilidade por sucessão. É sabido que o direito positivo trabalha
com diversos vocábulos ambíguos, devendo o intérprete procurar
elucidá-los por meio de uma interpretação sistemática, que construa o
melhor sentido para o termo. E a melhor, em nosso entendimento, é a
que considera que o conteúdo semântico do vocábulo “tributo” não é
somente o do artigo 3º do CTN, e sim dessa quantia acrescida de juros
e multas.”
Contudo, alerta que nem todas as espécies de multas podem ser transferidas aos
sucessores. Ela distingue as multas em moratória (aquelas decorrentes de
inadimplência ou atraso do pagamento de tributo) e as punitivas (decorrentes de ato
ilícito tipificado como doloso) e afirma que somente as moratórias podem ser
transferidas aos sucessores haja vista que as punitivas não podem ultrapassar a pessoa
do infrator.
Explica que seu posicionamento destoa da jurisprudência, mas diante de seus
fundamentos compreende que as multas moratórias, e somente estas, são transferíveis
independentemente de terem sido constituídas antes ou depois do ato que motivou a
sucessão.
Defende Ives Gandra que o art. 136 do CTN traz uma exceção que tem
aplicação limitada. Afirma que quase sempre a lei tributária determina a penalidade
aplicável e a extensão da responsabilidade em função da intenção do agente. “Em
verdade, as infrações fiscais são quase sempre subjetivas (culposas ou dolosas).”
134
Sacha Calmon Navarro Coêlho afirma que no Brasil duas disposições
aparentemente conflitantes sobre o tema: a primeira sugere a objetividade fiscal
conforme o art. 136 do CTN, mas permite que o legislador federal, estadual e
municipal fixe hipóteses em que se considere a vontade do infrator para a configuração
do tipo; a segunda é mais atenuadora, cogita a possibilidade de se considerar através
de princípios de interpretação aspectos subjetivos (art. 112, CTN). Mas afirma que
“não se pode, definitivamente, é querer aplicar ao ilícito fiscal o princípio da
responsabilidade subjetiva (dolo e culpa) como regra ao invés da responsabilidade
objetiva, com atenuações interpretativas.
Esclarece Luciano Amaro que o CTN não quis com este art. 136 estabelecer
uma responsabilidade objetiva, ele apenas estabelece que o Fisco o precisa provar a
existência de dolo do contribuinte para lhe aplicar a penalidade pecuniária. Resume
seu entendimento com as seguintes palavras: “Em suma, parece-nos que não se pode
afirmar ser objetiva a responsabilidade tributária (em matéria de infrações
administrativas) e, por isso, ser inadmissível todo tipo de defesa do acusado com base
na ausência de culpa. O que, em regra, não cabe é a alegação de ausência de dolo para
eximir-se de sanção por infração que não requer intencionalidade.”
Nos casos de sucessão empresarial (fusão, cisão, incorporação), aquisição de
fundo de comércio ou estabelecimento comercial, na transformação do tipo societário
Sacha Calmon
151
se posiciona no sentido de que nesses casos não ocorre uma sucessão
real, mas sim uma sucessão legal onde o sujeito passivo é a pessoa jurídica que
continua total ou parcialmente a existir juridicamente sob outra roupagem
institucional”; desse modo a multa não se transfere, ela apenas continua a integrar o
passivo da empresa fusionada, incorporada, dividida pela cisão, adquirida,
transformada. Explica que essa multa precisa integrar o passivo da pessoa jurídica no
momento da sucessão empresarial, caso contrário o se transfere. Frisa que nesses
casos seria muito fácil apagar multas através do simples subterfúgio da alteração do
tipo societário.
Realmente o professor Sacha faz uma brilhante interpretação do ordenamento
jurídico no que se refere à transmissibilidade da multa tributária. Ele não admite que
151
Teoria e prática..., p. 90.
135
uma penalidade possa passar da pessoa do infrator, e uma solução jurídica sábia e
constitucional, atenta ao aspecto pragmático do direito quando assevera que a multa
fiscal não se transfere, simplesmente continua a integrar o passivo da empresa
fusionada, incorporada, dividida pela cisão, adquirida ou transformada.
Realmente o art. 136 analisado isoladamente e de forma apressada parece ser
taxativo quanto ao fato de a responsabilidade por infrações ser objetiva, que a
responsabilidade prescinde de intencionalidade.
Ocorre que os dispositivos normativos precisam ser analisados dentro de todo o
contexto jurídico, a partir dos conceitos gerais do direito, de seus princípios
norteadores e principalmente mirando os desígnios estampados na Constituição
Federal.
É preciso ponderar que os elementos, culpa e dolo, são inerentes a toda conduta
humana, a ela não se desvincula. É imperioso ter em mente que o se pode aplicar
nenhum tipo de punição pautando-se numa perspectiva puramente causalista e
formalista. Seria absurdo desconsiderar o contexto em que se deram os fatos isso em
qualquer área do direito principalmente quando estamos diante de um direito
sancionador.
Pois então. A multa tributária é uma penalidade, uma punição que afeta o
patrimônio do contribuinte, lesa um bem jurídico protegido pela Constituição Federal.
Desse modo, o se pode olvidar que a imputação de qualquer sanção requer uma
análise axiológica dos fatos.
Ora, quando o legislador prevê uma conduta ilícita e a sua sanção
correspondente, ele está valorando esta conduta que é tão mais grave quanto maior
for a sua penalidade. Sendo assim, como pode ele desconsiderar a intenção do autor da
infração e ao mesmo tempo aplicar a uma penalidade justa, adequada ao ato infrator?
Diante dessas reflexões não podemos entender diferente qualquer espécie de
punição não pode passar da pessoa do infrator, em respeito aos princípios da
individualização da pena e da razoabilidade. Toda multa tributária sempre te
natureza punitiva, assim, a responsabilidade pela multa será sempre pessoal e
intransferível. O que se pode transferir é o pagamento do tributo e do juro, mas nunca
da multa. A penalidade deve seguir sempre seu infrator.
136
A transmissibilidade de responsabilidade por infração deve levar em conta a
natureza jurídica do instituto que está se pretendendo transferir.
5. Excludentes de ilicitude e de punibilidade
Nem todo ato ilícito tributário é punível. Não basta ocorrer uma infração
tributária para que se pressuponha a aplicação de uma sanção. Certo que a toda
infração se pressupõe uma sanção. Entretanto, essa análise não pode ser estática. Não
podemos nos apressar, é preciso proceder com uma análise sistemática do conjunto
normativo e probatório que gira em torno do fato jurídico típico para saber se não
existe nenhuma causa legal que exclua a ilicitude. Vejamos o que nos alerta Edmar
Oliveira:
152
“Nem toda ocorrência do „fato típico‟ é punível. De fato, a ilicitude
nem sempre constitui um elemento da tipicidade porque pode haver
ações ou omissões típicas (que se amoldam perfeitamente ao suposto
normativo) que, a despeito disso, não são antijurídicas em face da
concomitante aplicação de regra de exclusão. De fato, certas
situações em que violação de uma norma e um conseqüente dano
ou exposição a perigo de um bem tutelado normativamente sem que o
resultado seja sancionável. Tal fenômeno ocorre porque a ordem
jurídica positiva contem normas que, em certas circunstancias,
autorizam o dano, isto é, excluem a ilicitude mesmo na ocorrência do
fato típico, como são as hipóteses de „estado de necessidade‟ e
„legitima defesa‟, dentre outras.”
Notem que o Código Tributário Nacional prevê em seus arts. 180 a 182 a
possibilidade de renúncia ao direito de punir através da anistia, uma espécie de
indulgência, de perdão. Prevê ainda a exclusão de penalidades em caso de observância
a normas complementares. Além dessa exclusão de punibilidade existem causas que
excluem a ilicitude.
Diante da concepção constitucionalista do direito penal podemos dizer que as
causas legais que excluem a ilicitude no direito penal podem ser aplicadas por analogia
aos demais ramos do direito, aqui chamadas de causas supralegais capazes de excluir a
ilicitude tributária, são elas: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito
cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito.
152
Ob. cit., p. 36.
137
Cremos que o contribuinte pode ter cometido a infração e estar protegido por
outras normas que retirem a natureza ilícita daquele ato e, consequentemente,
impeçam a incidência da sanção tributária ao menos a ele, diante da sua boa-.
Certamente aquele que deu causa à ilicitude deve responder por ela.
Luciano Amaro
153
defende que “(...) diante da inexistência de intenção dolosa, a
escusabilidade do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a ausência de culpa são
fatores que podem levar à exclusão de penalidade. Na dúvida, prestigia-se a presunção
de inocência (art. 112)”.
As figuras da denúncia espontânea (art. 138 do CTN) do caso fortuito e da força
maior (art. 393 do CC) são excludentes de punibilidade. Afirma que o Conselho de
Contribuintes se manifesta reiteradamente no sentido de excluir a responsabilidade por
infração no caso de denúncia espontânea, e que o Superior Tribunal de Justiça entende
de forma pacífica que as figuras do caso fortuito e da força maior excluem a
responsabilidade. De acordo com o mestre a imposição de sanções diante dessas duas
figuras jurídicas dependeria da existência de prova de conduta dolosa, o que
indiscutivelmente não se verifica, e explica as duas figuras:
“Tem-se por caso de força maior a verificação de fato extraordinário
cujo acontecimento é suposto, porém inevitável. O caso fortuito
também decorre de acontecimento extraordinário, o qual além de
irresistível, advém de causa desconhecida ou de ato de terceiro, sendo
portanto, imprevisível. O legislador houver por bem equiparar os
efeitos jurídicos de ambas as hipóteses, considerando-as excludentes
de responsabilidade.
Nem poderia ser diferente, visto que as normas jurídicas sujeitam-se
ao limite ontológico da possibilidade. Se a hipótese normativa eleger
fato de impossível realização, a relação prevista na conseqüência
jamais se instalará, sendo a norma carente de sentido deôntico. Do
mesmo modo, a modalização das condutas interpessoais somente terá
sentido dentro do quadro geral da possibilidade, não havendo como
prescrever, logicamente, a prática de conduta possível.”
154
153
Ob. cit., p 446.
154
Direito tributário, linguagem e método, p. 769.
138
6. Denúncia espontânea
O contribuinte que infringiu uma norma tributária tem a opção legal de ver
excluída a sua penalidade caso resolva, de forma espontânea, antes do início de
qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização atinente a sua
infração, comunicar ao Fisco sua infração. Resta saber se a exclusão se configura
diante do pagamento do tributo e do juro.
O dispositivo legal garante: “A responsabilidade é excluída pela denúncia
espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e
juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa,
quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera
espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento
administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” (grifos
nossos)
De acordo com Luciano Amaro
155
a expressão destacada se explica em virtude
da existência de infrações que resultam na falta de pagamento, e a estas é que o
Código reclama o pagamento, e outra que resultam do desrespeito a obrigações
acessórias e portanto, não acarretam, diretamente, nenhuma falta de pagamento de
tributo, embora sejam também puníveis, porque a responsabilidade não pressupõe,
necessariamente, dano (art. 136). Para ele o dispositivo é auto-aplicável e independe
de previsão na legislação ordinária.
No mesmo sentido temos o professor Sacha Calmon
156
afirmando que o
autodenunciante, ao confessar-se, deverá pagar o tributo não pago. Explica o mestre
que o art. 138 abrange a responsabilidade pela prática de infrações substanciais e
formais, indistintamente, e é esse o motivo da expressão em destaque.
Segundo Edmar Oliveira Andrade Filho,
157
a denúncia espontânea prevista no
art. 138 do CTN é uma norma que exclui a responsabilidade pela infração impedindo a
aplicação da norma penal sempre que o contribuinte espontaneamente denuncia a sua
155
Ob. cit., p. 451.
156
Ob. cit., p. 106.
157
Op. cit., p. 145-147.
139
infração e paga o tributo devido com juros de mora antes da existência de qualquer
procedimento ou medida de fiscalização, ou seja, essa norma extingue a pretensão
punitiva do Estado tornando o contribuinte imune à responsabilidade por infrações.
Afirma ainda que na verdade essa norma veicula uma hipótese de anistia que não
exclui o fato ilícito nem a sua correspondente infração, mas retira apenas a
possibilidade de aplicação da norma penal. Essa norma muito se assemelha ao
“arrependimento eficaz” previsto no direito penal.
Ângela Maria da Motta Pacheco faz algumas ponderações importantes sobre o
tema. Afirma que a denúncia espontânea se configura de forma completa somente
diante da realização no plano fático de três requisitos:
a) espontaneidade (que pode ocorrer se não tiver sido iniciado o
processo fiscal);
b) auto denúncia, ou seja, a denúncia tem de ser realizada pelo próprio
contribuinte, aquele que obrigado deixou de cumprir a obrigação;
c) objeto da denúncia: a infração à legislação tributária, seja esta
infração relativa a: c.1) obrigação de dar‟, pagar tributo e c.2)
obrigação de fazer declarações, preencher livros, documentos
fiscais:
1. acrescidos do pagamento do tributo e juros de mora, se a infração
consistir no descumprimento desse pagamento;
2. acrescida do depósito da importância arbitrada pela autoridade
administrativa.”
158
Contudo pontua que a confissão da infração gera efeitos jurídicos no sentido de
evitar a imposição de multas de ofício ou multas majoradas, de excluir a
responsabilidade objetiva (art. 136) e subjetiva (art. 137) mesmo havendo dolo, de
excluir a responsabilidade patrimonial e a decorrente de ato ilícito.
Utilizamos o argumento apresentado pela autora de que a situação de duas
pessoas que tenham cometido o mesmo tipo de infração não se equivalem, se uma a
confessa e a outra não. Todavia, não o tomamos apenas e tão-somente para excluir a
aplicação de multa de “ofício” ou majorada, mas sim a toda e qualquer espécie de
punição. Somado a esse argumento temos as razões apontadas pelo eminente professor
Ives Gandra Martins que defende que a denúncia espontânea somente terá de ser
158
Ob. cit., p. 246.
140
acompanhada do pagamento do tributo e juros de mora quando a lei assim
expressamente determinar em homenagem ao princípio da legalidade.
De acordo com Ives Gandra, somente quando o tributo depender de apuração é
que a denúncia terá que ser acompanhada do depósito da quantia arbitrada pela
autoridade administrativa, lembrando que este depósito equivale ao pagamento do
tributo.
Outra questão importante é a do parcelamento do tributo não pago e
denunciado. Não podemos conceber que um contribuinte que não tenha recursos
financeiros para depositar o valor arbitrado ou pagar o valor do tributo inadimplido de
forma integral não seja beneficiado com a sua confissão. Ora, a multa tributária serve
justamente para fazer com que o contribuinte cumpra com sua obrigação tributária, se
ele se propõe a parcelar o valor devido e a administração entende ser possível, porque
persistir com a multa?
O pedido de parcelamento equivale ao pagamento se, e somente se, for pago
tempestivamente. Se o contribuinte requer seja parcelado seu débito espontaneamente
denunciado, decerto deve ser contemplado com o benefício da exclusão da multa.
Entretanto, se atrasar ou inadimplir o valor estabelecido nas parcelas terá de arcar com
multa e juro desde a data do inadimplemento do tributo.
Sobre a pretensão da multa de mora nos casos de denúncia espontânea de
infração que tenha implicado inadimplência de tributo, Luciano Amaro
159
tece algumas
considerações pertinentes. Aponta que o Código Tributário Nacional se refere apenas e
tão-somente ao pagamento do tributo mais juros de mora e mantém silêncio quanto à
exigência de multa de qualquer espécie. O STF em acórdão sustentou a inexigibilidade
da multa de mora diante da denúncia espontânea acompanhado do pagamento do
tributo. O STJ reafirmava o entendimento do STF. Contudo, com o advento da Lei
Complementar 104/2001, que acrescentou o art. 155-A do CTN, o STJ modificou seu
entendimento no sentido de não mais defender que nos casos de pedido de
parcelamento seria inexigível a multa de mora sob o argumento de que parcelamento
não equivale ao pagamento de tributo e por isso deve ser aplicada a multa de mora.
Mas permaneceu com o entendimento de que denúncia eficaz não cabe multa de mora.
159
Ob. cit., p. 454.
141
Notem que o § do art. 155-A do Código Tributário Nacional prevê a
exigência de juros e multas, salvo disposição de lei em contrário, no caso do
parcelamento do crédito tributário. Ocorre que a denúncia espontânea é um exemplo
legal dessa exceção.
142
Capítulo VI
SANÇÃO TRIBUTÁRIA
1. Norma jurídica sancionadora que estabelece a multa tributária
A norma sancionadora tributária é aquela norma jurídica que prevê uma multa
(penalidade pecuniária) no caso de transgressão a determinada lei tributária. Ela fixa
em sua hipótese normativa a ocorrência de uma infração tributária e em seu
consequente estabelece uma sanção tributária.
As infrações tributárias são violações de normas primárias impositivas. Essas
normas prescrevem condutas lícitas em seu antecedente e estabelecem em seu
consequente a existência de uma relação jurídica obrigacional relacionada à
instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.
A norma sancionadora prevê sempre a realização de uma conduta ilícita. Essa
ilicitude é uma infração à legislação tributária que não se confunde com a ilicitude
criminal. A ilicitude tributária é o descumprimento de lei tributária que não configure
crime ou contravenção.
1.1 Regra-matriz da sanção tributária
De acordo com os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, as normas
sancionatórias são subclasse das normas secundárias, são regras de conduta que
possuem a mesma estrutura lógica da regra-matriz de incidência e o que diferencia esta
espécie das demais regras de comportamento está no seu antecedente que descreve fato
ilícito qualificado pelo descumprimento de dever estipulado no consequente da regra-
matriz de incidência.
Desse modo, temos no antecedente da regra-matriz da sanção tributária os
critérios: material, espacial e temporal; e no consequente os critérios: pessoal e
quantitativo.
143
Lembrando que o critério material prevê um ilícito tributário que pode ser: o
não pagamento do tributo, o atraso no pagamento do tributo, o pagamento menor que o
devido, o descumprimento de dever instrumental ou seu cumprimento irregular. Desse
modo, teremos cinco espécies de normas sancionadoras: a norma de multa pelo
inadimplemento do tributo; norma de multa de mora pelo atraso no pagamento; a
norma de multa pelo pagamento menor que o valor previsto em lei, a norma de multa
pelo descumprimento de dever instrumental e a norma de multa pelo cumprimento
irregular dos deveres instrumentais.
Os critérios espacial, temporal e pessoal da norma primária e da secundária são
os mesmos, o que difere são os critérios materiais e quantitativos.
Como vimos, o critério material da norma primária prevê uma conduta lícita
ao passo que o critério da norma secundaria prevê uma conduta ilícita diretamente
relacionada à norma primária. Já o critério quantitativo da norma primária se baseia no
valor da obrigação tributária ao passo que o da norma secunria toma como base a
gravidade da infração cometida, já que se trata de punição.
Tentaremos resumir a regra-matriz da norma primária e da norma secundária.
A norma primária é a norma tributária que prescreve uma conduta lícita em sua
hipótese e fixa uma relação jurídica obrigacional em seu consequente. Na hipótese
tributária, resta estampado o critério material, espacial e temporal da relação jurídica
tributária, ao passo que no consequente estão determinados os sujeitos da relação, ou
seja, o sujeito passivo e o sujeito ativo e o critério quantitativo.
A norma secundária, por sua vez, possui uma relação sintática de coordenação
com a norma primária fazendo com que esta norma se torne eficaz, que a norma
secundária prevê uma penalidade em caso de descumprimento da primária. Assim, a
norma secundária traz seu antecedente, uma conduta ilícita (o descumprimento da
obrigação tributária prevista no consequente da norma primária). e na consequência
prevê uma sanção tributária.
Pontue-se que, quando falamos em regra-matriz de incidência, seja tributária,
seja sancionadora, estamos nos reportando ao plano geral e abstrato. Somente quando
ocorre no mundo fenomênico a infração tributária é que surge através do aplicador do
144
direito a imposição de uma norma individual e concreta que estipula o quantum a ser
pago, o valor efetivo da multa tributária.
1.2 Normas sancionadoras concretas e a coercitividade do direito
A norma jurídica pode ter em seu consequente sujeitos determinados e
indeterminados. Podendo ter em seu consequente norma individual ou geral e em seu
antecedente norma abstrata ou concreta. Destarte teremos quatro possibilidades
normativas: normas individuais e concretas, normas individuais e abstratas, normas
gerais e concretas, normas gerais e abstratas.
As normas sancionadoras coercitivas são as normas concretas, ou seja, as
individuais e concretas e as gerais e concretas, pois elas materializam as sanções
tributárias, fazem ocorrer no mundo fenomênico os efeitos jurídicos das normas
individuais e abstratas, gerais e abstratas, através da coercitividade estatal. As normas
saem do plano da abstração e se concretizam.
Os enunciados prescritivos inseridos nos diplomas legais preveem de forma
abstrata o que se pretende regular no plano concreto. Contudo, diante da inobservância
das normas abstratas os aplicadores do direito expedem normas concretas, ou seja,
decisões judiciais ou administrativas que fazem o infrator cumprir efetivamente com
sua penalidade.
Por certo que as normas sancionadoras abstratas também possuem uma força
coercitiva implícita já que preveem um castigo e pode levar o sujeito passivo a cumprir
de forma espontânea a penalidade que lhe é devida, justamente por temor à repressão
coercitiva do Estado.
As normas sancionadoras coercitivas possuem em seu antecedente um fato
jurídico ocorrido no mundo fenomênico que configura um ilícito tributário prescrito no
antecedente da norma sancionadora abstrata.
145
2. Espécies de sanções tributárias
Ângela Maria da Motta Pacheco
160
apresenta a classificação das sanções
tributárias apresentadas por Geraldo Ataliba e por Rui Barbosa Nogueira, vejamos,
respectivamente:
“a) juros de mora, em geral 1%;
b) multas de mora, em geral, 10%;
c) multa reparatória (indenização) em geral até quantia igual do
imposto devido;
d) multas punitivas 100%, 150% e 200% do imposto devido;
e) outras penalidades as não compreendidas nas demais categorias;
f) penas.
(...)
a) penas pecuniárias: percentagem sobre o próprio imposto não pago
ou sonegado ou mesmo um múltiplo deste; estas poderão ser fixas e
pré-estabelecidas; as variáveis normalmente se referem às obrigações
acessórias;
b) apreensões: de documentos e objetos, como de veículos que
transportam mercadorias que estão desacompanhadas dos documentos
previstos para tal;
c) perda de mercadoria: como a prevista no imposto de importação
quando o veículo é introduzido no país de forma irregular;
d) sujeição a sistema especial de fiscalização: quando o contribuinte é
reincidente quanto a infração da legislação tributária;
e) interdições: as chamadas „medidas para defesa do crédito fiscal
pelas quais os contribuintes são declarados devedores remissos e
proibidos de transacionar a qualquer título com as repartições públicas
ou autárquicas federais e com estabelecimentos bancários controlados
pela União.
Diante dessas classificações, segue a autora fazendo algumas considerações
pertinentes. Vejamos:
i) os juros de mora e as multas de mora são regidos pelos princípios
gerais do direito, e as penas pelo direito penal;
ii) os juros de mora não é sanção é apenas rendimento do capital;
iii) reconhece a dificuldade em definir qual a natureza jurídica da
multa, se reparatórias ou punitivas;
160
Ob. cit., p. 240-242.
146
iv) afirma que a multa de mora (aplicadas pelo não recolhimento do
tributo a tempo) têm a finalidade de reparar a demora ocorrida pelo
atraso no pagamento do tributo;
v) as multas de ofício, por sua vez, são aquelas aplicadas pelo fisco
quando o contribuinte omite ou emite nota fiscal com erro e não
recolhe o tributo, estas multas teriam o caráter reparatório e punitivo;
vi) em caso de fraudes existem as multas punitivas; e
vii) condena a modalidade de sanção que prevê a apreensão ou a perda
de mercadoria ou de veículos por entender ser pratica inconstitucional
que priva o cidadão, mesmo que temporariamente, de seus bens,
sem o devido processo legal.
Destarte, podemos concluir que a autora admite a existência de multas de ofício,
multa punitiva e multa de mora como modalidades de sanções tributárias.
Edmar Oliveira Andrade Filho
161
sustenta que as sanções tributárias têm como
espécies as seguintes modalidades de multas: i) multa de ofício; ii) multa em caso de
sonegação, fraude ou conluio que seria a multa qualificada ou agravada (esta
estaria dentro da modalidade de multa de ofício); e a multa de mora exigida em
processo de parcelamento de contribuições previdenciárias.
Ives Gandra Martins
162
divide as sanções tributárias em: ressarcitórias,
punitivas, desincentivadoras, implícitas e corretivas. As ressarcitórias seriam as multas
por atraso no pagamento do tributo, bem como os juros que incidem sobre o tributo.
As punitivas decorreriam da falta de pagamento do tributo onde não está presente o
dolo, mas somente a culpa. As desincentivadoras seriam as multas por sonegação,
conluio ou fraude. As sanções implícitas são as que se incorporam ao tributo nos casos
específicos de tributação penal. As corretivas são as penalidades por descumprimento
da obrigação acessória. Resumindo, classifica em seis espécies as sanções tributárias:
a) multas por atraso no pagamento do tributo;
b) multas por falta de recolhimento do tributo;
c) multas por sonegação, conluio e fraude;
d) multas penais
e) multa por descumprimento de obrigação acessória;
f) juros;
161
Ob. cit., p. 119.
162
Ob. cit., p. 60-67.
147
Paulo de Barros Carvalho aponta três modalidades de sanções utilizadas pelo
legislador: as sanções pecuniárias de caráter punitivo, as sanções pecuniárias de índole
não-punitiva ou multa de mora e os juros de mora. Assevera que esses tipos podem ser
reunidos numa só denominação que todas apresentam os mesmos traços: “são ações
ou omissões que, direta ou indiretamente, representam o descumprimento de deveres
estatuídos por leis fiscais”.
Paulo Coimbra Silva
163
afirma a existência de duas espécies de sanções à
infração fiscal: as estritamente tributárias, e as penais de índole fiscal. Admite a
distinção entre sanções tributárias pecuniárias e as não-pecuniárias. Subdivide as
sanções pecuniárias de natureza tributária não-delituosa em: multa (função repressiva)
e juro (função ressarcitória). Afirma que:
“Não obstante ser pacífica a identificação e sanções penais e não
penais cominadas à pratica do ilícito tributário, ainda não se revela
pacífica a identificação da natureza das sanções fiscais constantes das
leis tributárias (não-penais), havendo autores que a consideram penal,
administrativa ou tributária. Entretanto, considerando-se a
indissociabilidade entre a natureza jurídica do ato ilícito e da correlata
sanção, que se encontram jungidos a um mesmo regime jurídico,
imperativo reconhecer, insista-se, as sanções tributarias como espécies
pecuniárias e não pecuniárias.
São as sanções pecuniárias estritamente fiscais as mais difundidas e
adequadas, melhor superando, desde que respeitados seus limites
quantitativos, o juízo de proporcionalidade, que usualmente reprova as
sanções não-pecuniárias, ditas morais, indiretas ou políticas.”
Admite as seguintes modalidades de multas: graduáveis, proporcionais, fixas,
ou progressivas. As multas graduáveis são aquelas estipuladas em lei com previsão de
limites mínimos e máximos que devem ser fixados conforme critérios de atenuação e
agravamento legal ou construídos conforme a doutrina e a jurisprudência. Essa
modalidade carece de regulamentação legal, é preciso elaborar normas gerais
disciplinando a graduação das multas tributárias. As multas proporcionais são “aquelas
estipuladas em razão de um parâmetro, legalmente definido, que sirva de referência
para a sua apuração, a exemplo de percentuais sobre o valor do bem, serviço ou direito
objeto do fato sonegado”. As multas fixas, ou seja, aquelas que o legislador fixou
163
Ob. cit., p. 117.
148
previamente, decorrem geralmente de descumprimento isolado de obrigações
acessórias que não causam prejuízo financeiro ao ente público. Elas possuem uma
função didática. As progressivas viabilizam uma maior conformidade entre a infração
e a sanção, pois permite uma dosimetria mais personificada, são aquelas que se pautam
em critérios previstos em lei (reincidência, reiteração...).
164
Partimos do pressuposto de que sanção, qualquer que seja ela, possui natureza
estritamente punitiva. Assim, não podemos enquadrar o juro como sendo uma espécie
de sanção tributária que este se trata de instrumento jurídico criado exclusivamente
para recompor o capital e não para punir infrações.
Desta feita, classificamos as sanções tributárias em: pecuniária (multas
tributárias) e não-pecuniária. As não-pecuniárias são as providências fiscais que
punem o contribuinte sem exigir quantia em dinheiro, como, por exemplo, negar o
parcelamento do débito fiscal, não conceder desconto, negar incentivo fiscal, enfim. O
que não se pode admitir é a adoção de providências de natureza confiscatórias e
atentatórias à dignidade humana, como negar informações, proibir o funcionamento de
estabelecimentos, entre outras coisas.
Reitere-se que medidas administrativas de apreensão de mercadorias e
documentos ou proibição de funcionamento de estabelecimento comercial, ou outras
tantas hipóteses de sanções aplicadas pela Administração Pública certamente são
inconstitucionais, pois não garantem a ampla defesa nem o contraditório, configuram
evidente abuso de poder estatal. Elas são aplicadas com o intuito de obrigar o
contribuinte a pagar o tributo e a multa. Ocorre que o STF se pronunciou afirmando
que esse meio coercitivo de apreensão de mercadoria é inadmissível (Súmula n.323).
Outra medida bastante utilizada é a sujeição a regime especial de controle
imposto a contribuintes tidos como “maus pagadores”. Contudo, entendemos que esse
expediente, quando não violar direitos constitucionais dos contribuintes, é apenas uma
forma eficaz de fiscalização, não se trata de sanção.
Frise-se que nos casos de flagrante inequívoco, por parte do Poder Público, de
condutas delituosas deve-se acionar o agente competente para serem tomadas às
providências legais cabíveis, restando à Administração blica apenas a exigência do
164
Ob. cit., p. 167 e ss.
149
tributo devido e do juro. A aplicação da multa tributária deve aguardar decisão do
Juízo criminal. Caso seja decidido pela aplicação da sanção penal como modalidade
punitiva mais adequada, não cabe mais aplicação da sanção tributária pelo princípio do
non bis in idem.
É preciso destacar que a sanção tributária ocorre através da imposição de multa
tributária. Essa é a forma de se punir. Contudo, ao signo multa se tem associado
inúmeros atributos que refletem o órgão aplicador (multa de ofício), a forma de
aplicação (multa isolada), a causa de sua aplicação (multa por infração), a sua
agravação pela existência de dolo, fraude ou simulação (multa agravada), os juros
(multa de mora), enfim, várias são as “espécies de multas tributárias” a depender do
critério de classificação adotado.
Contudo, o que se precisa ter em mente é que não se pode admitir a aplicação
de várias multas à mesma infração somente pelo fato de haver inúmeras designações
doutrinárias e jurisprudenciais. Daí a relevância do intérprete na aplicação do direito.
3. Multas tributárias natureza punitiva
Corroboramos com o entendimento de Sacha Calmon Navarro Coêlho de que
toda multa fiscal tem natureza punitiva. Este autor afirma que quem tem a função de
indenizar recompondo o patrimônio lesado pelo recolhimento do tributo em atraso é o
juro, ao passo que a correção monetária serve para atualizar o poder de comprar da
moeda.
Por certo que, além de castigar, as multas tributárias também causam temor e
agem por caminhos reversos de maneira a desencorajar o contribuinte que pretende
cometer a infração. No entanto, o se descobriu ainda, em nenhuma área do saber,
qual o mecanismo coativo que garante 100% de não violação de suas normas. Nem
mesmo a pena de morte, a promessa de ter a sua alma condenada eternamente ao
inferno, nada evita a prática de infrações, seja religiosa, moral, jurídica. Isso é uma
utopia.
O Código Tributário Nacional afirma em suas normas gerais de direito
tributário que em caso de ações contrárias à legislação tributária, ou seja, diante de
infrações tributárias que não configurem crime contra a ordem tributária, deve ser
150
estipulada em lei uma penalidade pecuniária. Disso se pode deduzir que a sanção
tributária deverá ser uma obrigação de dar dinheiro através da figura jurídica chamada
de multa. Essa autorização legal não implica que o Fisco esteja proibido de criar
penalidades não-pecuniárias, como destacamos anteriormente, basta que haja previsão
legal.
Conforme entendimento do Fisco,
165
as multas fiscais são aquelas impostas pela
lei tributária e se distinguem em sua natureza jurídica como punitiva e compensatória.
A multa punitiva se fundamenta no interesse público de penalizar o contribuinte
inadimplente. Ela é proposta por ocasião do lançamento de ofício pela autoridade
administrativa e pode ser excluída pela denúncia espontânea de acordo com o art. 138,
CTN. a multa compensatória visa compensar o Fisco pelo prejuízo causado em
virtude do atraso no pagamento que lhe era devido. Essa multa é uma penalidade de
caráter civil, pois se equipara à indenização prevista no direito civil. Nessa multa o
contribuinte não se beneficia com a denúncia espontânea.
Mas, ora, se o Fisco pretende uma indenização civil pelo descumprimento de
obrigação tributária, ele teria de provar caso a caso a existência de um dano maior que
o esperado e essa multa teria de seguir o procedimento referente à indenização civil.
No entanto, essa pretensão é satisfeita através do juro de mora cobrado ao
contribuinte, pois ele exerce essa função compensatória, ressarcitória, indenizatória. E
o dano não precisa ser comprovado pois, como mencionamos anteriormente, trata-se
de dano objetivo.
166
Não se pode conceber que diante de uma inadimplência o
contribuinte tenha de pagar: multa punitiva, mais multa compensatória, mais juro, mais
correção monetária. Multa é multa e sempre terá natureza jurídica punitiva, não sendo
autorizada a incidência de mais de uma sanção punitiva com o mesmo fito.
Observe que o dano está relacionado à ocorrência da infração tributária no
sentido de que, ocorrendo a infração, surge um dano patrimonial suportado pelo Fisco
e que precisa ser reparado através do juro. Ocorrendo o ilícito tributário, não restam
dúvidas de que o Fisco precisa receber o valor da obrigação tributária mais o juro para
recompor o dano causado ao erário.
165
<www.receita.fazenda.gov.br>.
151
Oportuno pontuarmos que a responsabilidade pelo dano não se confunde com a
responsabilidade pela infração. Esta não exclui a análise da culpa. Nem sempre a
realização de uma conduta ilícita enseja uma penalidade; como frisamos, é preciso
verificar os contornos dos fatos, a situação que permeou a conduta ilícita. Entretanto,
sempre enseja a recomposição do dano sofrido, porque ele ocorre independentemente
da vontade ou intenção do infrator e, neste caso, cabe o juro que algumas vezes é
chamado equivocadamente de multa de mora.
3.1 Espécies de multas tributárias (não pagamento do tributo, atraso do pagamento
do tributo, pagamento menor que o devido, descumprimento ou cumprimento
irregular de dever instrumental)
Identificamos cinco critérios materiais capazes de compor o antecedente da
norma sancionadora tributária (pecuniária). Esses critérios apontam os tipos de
infrações à legislação tributária, são eles: 1) o não pagamento do tributo; 2) o
pagamento fora do prazo estipulado; 3) o pagamento menor que o devido; 4) o
descumprimento de deveres instrumentais; 5) cumprimento irregular de dever
instrumental.
Para cada infração surge no universo jurídico uma norma individual e concreta
que estabelece o quantum a ser pago conforme a gravidade da penalidade.
Temos de convir que não pagar o tributo é infração mais grave que pagar em
atraso ou pagar um valor menor que o devido. Os deveres instrumentais, por sua vez,
exercem papel importantíssimo dentro da fiscalização e arrecadação do tributo, e
quando descumprida pode provocar danos graves ao erário devendo ser aplicado
conforme a extensão do dano causado.
Em não sendo pago o tributo, certamente será emitida uma norma individual e
concreta sancionatória prescrevendo o pagamento de uma multa, de juro e do tributo
devido. Nesse caso, a multa deve ser majorada conforme os ditames da lei, sempre de
forma proporcional e não confiscatória.
No caso de atraso no pagamento do tributo ou pagamento a menor, por certo
que o contribuinte terá de pagar uma multa punitiva pela ilicitude praticada mais o juro
152
para recompor o dano causado pela mora. A multa aplicada a este caso certamente
deve ser menor que a multa aplicada pelo não pagamento, pois a conduta infratora foi
menos grave aos cofres públicos.
Não se pode deixar de analisar a gravidade da infração tributária para se
estabelecer o quantum a ser exigido a título de multa.
4. Juro tributário
O juro tributário (chamado juro de mora) está previsto no art. 161 do CTN e
estabelece uma taxa de 1% ao mês independentemente do motivo que tenha
determinado a falta. Não se confunde com sanção tributária que possui a natureza
jurídica punitiva, também não visa enriquecer o Fisco, mas apenas recompor o seu
capital. Deve ser calculado conforme a lei e diante do lapso de tempo em que perdurou
a inadimplência.
O juro possui natureza jurídica indenizatória, pois custeia a inadimplência. Ele
tem a função de ressarcir, compensar, recompor, indenizar, remunerar. Todas essas
funções são unívocas.
O juro tributário independe de comprovação de dano causado ao erário.
Observe que a simples inadimplência gera ao Fisco um prejuízo financeiro facilmente
percebido, haja vista a existência de compromissos públicos que precisam ser
honrados com aquela receita que não adentrou aos cofres do governo. Diante da
inadimplência, o Fisco não tem alternativa senão captar recursos do mercado
financeiro através da emissão de títulos da dívida pública.
O professor Coimbra
167
entende que o juro é uma sanção moratória com feição
indenizatória e admite a exigência dos juros Selic sobre o valor do tributo devido e não
pago. Vejamos:
“Atualmente, são fixados os juros em percentual coincidente com a
Taxa SELIC, que abarca a atualização monetária do débito.
Consistem, pois, em sanção moratória, com feição indenizatória,
destinada a ressarcir o erário público dos prejuízos decorrentes da
intempestividade no recolhimento de tributos, mediante o repasse aos
sujeitos passivos da obrigação tributaria principal do custo da
167
Ob. cit., p. 127-128.
153
captação do dinheiro suportado pelo Estado quando da emissão de
títulos da dívida pública no mercado financeiro.
(...) Tais títulos, para se tornarem atraentes aos investidores, são
remunerados pela taxa Selic, cuja natureza é indisfarçavelmente
remuneratória. A despeito de desprovidos os juros Selic, quando de
sua fixação, de qualquer feição compensatória, sua exigência sobre o
valor do tributo devido e não pago é plenamente justificável, na
medida em que se destina a ressarcir o Estado do custo da captação de
recursos no mercado (...).
Ao referir-se aos juros como sendo sanção, o professor Coimbra Silva está
certamente utilizando uma acepção ampla do conceito de sanção. Contudo, precisamos
ponderar conforme nossa premissa de que sanção possui sempre uma natureza punitiva
e, assim, o juro jamais assumirá a feição de sanção. Sanção é penalidade, enquanto
juro é uma indenização, recomposição de capital. Destaque-se que esse índice de juro
não é instituído por lei, varia conforme a conveniência política do Comitê de Política
Monetária, fugindo ao princípio da legalidade.
Devemos tomar cuidado para não acabar admitindo a existência desta taxa Selic
como sendo um juro indenizatórioque deve ser cobrado cumulativamente ao juro de
mora. Isso seria um enriquecimento sem causa do Fisco e configuraria abuso de poder.
Observe que o § do art. 161 do CTN estabelece a possibilidade de se exigir
juro tributário diverso daquele previsto em seu caput, desde que estipulado por lei.
Contudo, isso não significa que possa ser cobrado o juro de 1% (juro de mora) do
caput, mais um juro indenizatório baseado na taxa Selic ou em índice diverso.
De acordo com o Banco Central do Brasil a taxa Selic:
“É a taxa apurada no Selic, obtida mediante o cálculo da taxa média
ponderada e ajustada das operações de financiamento por um dia,
lastreadas em títulos públicos federais e cursadas no referido sistema
ou em câmaras de compensação e liquidação de ativos, na forma de
operações compromissadas. Esclarecemos que, neste caso, as
operações compromissadas são operações de venda de títulos com
compromisso de recompra assumido pelo vendedor, concomitante
com o compromisso de revenda assumido pelo comprador, para a
liquidação no dia útil seguinte. Ressaltamos, ainda, que estão aptas a
realizar operações compromissadas, por um dia útil,
fundamentalmente as instituições financeiras habilitadas, tais como
bancos, caixas econômicas, sociedades corretoras de títulos e valores
mobiliários e sociedades distribuidoras de títulos e valores
mobiliários.”
154
Como se pode constatar do conceito dado pelo próprio Bacen, essa taxa não
se trata de juros tributários, nem sequer se destina a fins tributários. Também o se
confunde com o conceito tributário de taxa, trata-se de um índice que reflete o juro
médio que incide sobre os financiamentos diários lastreados por títulos públicos
registrados no Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia).
Se a aplicação desse juro Selic ao débito fiscal se justifica pelo princípio da
Justiça, ou por qualquer outro argumento político e econômico que se queira utilizar,
ainda assim, não podemos admiti-lo dentro do universo jurídico, pois, para o Direito,
só deve existir, principalmente em matéria tributária, o que estiver estabelecido em lei.
Deve prevalecer sempre o princípio da legalidade.
5. Correção monetária
A correção monetária é um tema que demanda uma longa e rigorosa análise
legislativa. Conhecer a sua origem, sua evolução e por fim sua extinção é realmente
tarefa árdua. Importante para nós é sabermos se sua cobrança é legal ou não.
Pois bem. A correção monetária é um ajuste periódico do valor da moeda,
baseado a partir de certos índices da economia que revelam o valor da inflação. Ela foi
instituída pela Lei 4.357/1964. Em seguida vieram as Leis 4.506/1964 e 4.862/1985,
ambas regulando o imposto de renda. Logo depois veio o Dec.-lei 401/1968 facultando
ao Ministro do Estado da Fazenda proceder com a atualização monetária dos valores
em cruzeiros na legislação tributária.
A Lei 6.899/1981 refletiu a situação econômica do País prescrevendo a
aplicação da correção monetária a todos os débitos resultantes de decisões judiciais.
No entanto, a Lei 9.249/1995 que complementou as medidas econômicas do
Plano Real, tomando por fundamento a redução inflacionária do País, resolveu
extinguir essa figura criada no Brasil.
Vejamos o art. 4º dessa Lei 9.249/1995:
“Fica revogada a correção monetária das demonstrações financeiras de
que tratam a Lei n. 7.799, de 10 de julho de 1989, e o art. da Lei n.
8.200, de 28 de junho de 1991. Parágrafo único. Fica vedada a
utilização de qualquer sistema de correção monetária de
demonstrações financeiras, inclusive para fins societários.”
155
Ora, se não mais existia o fantasma da inflação, não haveria porque sobreviver
um instituto que serviria apenas para compensar a perda de valor da moeda. Contudo,
a inflação é uma realidade que surge até mesmo nas maiores potências econômicas do
mundo. A estabilidade da moeda é mais uma maquiagem política que não sobrevive às
intempéries do mundo moderno.
Contudo, independentemente de haver ou não o fenômeno político e econômico
da inflação, a correção monetária como instituto jurídico poderá ser exigida sempre
que houver uma lei federal a instituindo pois, conforme a Constituição Federal, em seu
art. 22, VI, a competência para legislar sobre o sistema monetário e de medidas, títulos
e garantias dos metais é privativa da União.
Frise que o art. 97 do CTN não institui a correção monetária, apenas afirma que
ela não constitui majoração de tributos. Vejamos:
“Somente a lei pode estabelecer:
I (...)
II A majoração dos tributos ou sua redução
(...)
§ 2º Não constitui majoração de tributo para fins do disposto no inciso
II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de
cálculo.
Destaque-se a Súmula 45 do TRF se posicionando do seguinte modo: “as
multas fiscais, sejam moratórias ou punitivas, estão sujeitas à correção monetária. A
Súmula 162 do STJ prevê a aplicação da correção monetária na repetição de indébito
tributário a partir do pagamento indevido.
Atualmente todos os débitos tributários federais não podem sofrer incidência de
correção monetária por determinação legal da Lei 9.249/1995, que determinou em seu
art. 30: “Os valores constantes da legislação tributária, expressos em quantidade de
UFIR, serão convertidos em Reais pelo valor da UFIR vigente em de janeiro de
1996.”
o se pode conceber a incidência da correção monetária sem autorização
legal. Nem mesmo o Judiciário pode fazer essa correção por se tratar de matéria de
estrita competência da União. Atualmente inexiste previsão legal (que determine o
índice) sobre a correção monetária de débitos fiscais.
156
5.1 Aplicação da taxa Selic em substituição à correção monetária
Como dito anteriormente, a taxa Selic não é juro tributário nem foi instituída
por lei. A correção monetária, por sua vez, foi extinta e só pode ser exigida se regulada
por lei federal, em respeito à CF/1988. Contudo, tem-se utilizado o índice Selic em
substituição à correção monetária. Isso seria legal?
Vejamos alguns julgados que estampam o posicionamento do Judiciário de que
é devida a aplicação da correção monetária através da utilização da taxa Selic:
AgRg no Ag 1116539-MG
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2008/0244319-9
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL
EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
UTILIZAÇÃO DA TAXA SELIC, INCLUSIVE NO ESTADO DE
MINAS GERAIS POR TER LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA
DETERMINANDO SUA INCIDÊNCIA (LEI 6.763/75), COMO
ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA E DE JUROS DE MORA
NA ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS PAGOS EM
ATRASO. LEGALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Este Superior Tribunal tem jurisprudência, de ambas as Turmas que
compõem a Primeira Seção, de que é legítima a utilização da taxa
Selic como índice de correção monetária e de juros de mora na
atualização dos créditos tributários, e havendo, na legislação
tributária estadual, dispositivo determinando a sua incidência (Lei
6.763/75, do Estado de Minas Gerais, com redação atribuída pelo art.
29 da Lei 14.699/2003), aplicável a referida taxa desde o início da
vigência da legislação extravagante.
2. Agravo regimental não provido. (grifos nossos)
AgRg no Ag 998380-SP
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2007/0293778-6
Ementa
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. FAZENDA DO ESTADO
DE SÃO PAULO. TAXA SELIC. CABIMENTO. ENTENDIMENTO
CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL
REPETITIVO 1.111.189-SP.
157
1. É legítima a utilização da taxa Selic como índice de correção
monetária e juros de mora dos débitos do contribuinte para com a
Fazenda Pública, não na esfera federal (Lei 9.250/1995), como
também no âmbito dos tributos estaduais, contanto que haja lei local
autorizando sua incidência.
2. A Lei paulista 10.175/98 autoriza a adoção da taxa Selic.
3. Decisão agravada em sintonia com jurisprudência da Primeira
Seção, ratificada por ocasião do julgamento do Recurso Especial
Repetitivo 1.111.189-SP (art. 543-C do CPC).
4. Agravo regimental não provido. (grifos nossos)
EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1043746-RS
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL 2008/0067154-0
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO EXECUÇÃO CONTRA A
FAZENDA TAXA SELIC APLICAÇÃO EM FASE DE
LIQUIDAÇÃO SENTENÇA EXEQUENDA TRANSITADA EM
JULGADO QUE FIXA JUROS DE MORA DE 1% E CORREÇÃO
MONETÁRIA A PARTIR DO RECOLHIMENTO INDEVIDO
IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO OFENSA À COISA
JULGADA CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL AUSÊNCIA
DE EFEITOS INFRINGENTES.
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou que na
restituição de tributos, seja por repetição em pecúnia, seja por
compensação, são devidos juros de mora a partir do trânsito em
julgado, nos termos do art. 167, parágrafo único, do CTN e da Súmula
188/STJ, sendo que os juros de 1% ao mês incidem sobre os valores
reconhecidos em sentenças cujo trânsito em julgado ocorreu em data
anterior a 1º.01.1996.
2. A incidência da taxa SELIC ocorre apenas nos casos em que a
sentença exequenda ainda não transitou em julgado ou nada
dispôs acerca dos juros moratórios e índices de correção
monetária.
3. In casu, conforme informam as peças decisórias das instâncias
ordinárias, a sentença exequenda transitou em julgado e fixou os
juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do trânsito
em julgado da sentença, e correção monetária a partir da data do
recolhimento indevido, o que afasta a incidência da Taxa SELIC.
Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes, tão-
somente para sanar o erro material apontado. (grifos nossos)
158
REsp 1066614-PE
RECURSO ESPECIAL 2008/0128346-7
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO DE RENDA.
NÃO VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE OBSCURIDADE,
CONTRADIÇÃO, MISSÃO OU ERRO MATERIAL. TAXA SELIC.
CÔMPUTO DOS JUROS DE MORA. APLICAÇÃO A PARTIR DA
VIGÊNCIA DA LEI 9.250/95. ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA
SEÇÃO. AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE COM CORREÇÃO
MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
1. Na espécie, verifica-se que não desrespeito ao art. 535, II, do
CPC, visto que o Tribunal de origem assentou que a parcela pleiteada
é isenta da incidência de Imposto de Renda independentemente da
comprovação fática da necessidade de serviço do empregador e, no
tocante ao artigo da Lei Complementar n. 118/2005, não houve
declaração de inconstitucionalidade, haja vista que apenas seguiu-se a
orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. O único
ponto omisso no acórdão da apelação foi acerca dos juros moratórios;
todavia, os embargos declaratórios foram acolhidos para sanar esse
tópico.
2. O Tribunal de origem se manifestou acerca de todas as questões
relevantes para a solução da controvérsia, tal como lhe foram postas e
submetidas. Não cabe alegação de violação do artigo 535 do CPC,
quando a Corte de origem aprecia a questão de maneira fundamentada,
apenas não adotando a tese da recorrente.
3. A jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de que, a
partir de 1º/1/1996, com a vigência da Lei 9.250/95, incide a taxa
Selic para fins de cômputo de juros de mora, tanto na compensação
quanto na restituição de indébito. Na espécie, não ocorreu
cumulatividade, visto que o Tribunal de origem assentou que, antes da
vigência da Lei n. 9.250/95, a restituição seria corrigida pelo Manual
de Cálculos da Justiça Federal, e, partir de de janeiro de 1996,
exclusivamente pela taxa Selic, até o trânsito em julgado,data essa a
partir da qual incidiriam tão somente juros de mora de 1% ao mês.
4. Recurso especial não provido. (grifos nossos)
A jurisprudência dos Tribunais tem se posicionado algumas vezes no sentido
de utilizar o índice Selic tanto na correção monetária como nos juros.
Entretanto, devemos pontuar que o índice da correção monetária deve ser
instituído por lei; assim como a base de cálculo do juro de mora necessita de respaldo
legal, não pode ficar ao bel prazer dos disparates políticos. Notem que esse índice
criado pelo Comitê de Política Monetária Copom é publicado num Relatório de
159
Inflação apresentado trimestralmente conforme a política monetária nacional. Não é
instituído por lei e é instável; isso gera uma insegurança jurídica enorme aos
contribuintes.
6. Qual o custo do dinheiro para o Fisco?
Esse questionamento parece encontrar resposta apenas nas ciências econômicas
e políticas, mas não restam dúvidas de que se trata de tema com grandes implicações
jurídicas.
Pontue-se que não objetivamos proceder com análise econômica ou política
deste assunto, até mesmo porque isso exigiria um conhecimento técnico que somente
os especialistas poderiam perpetrar; aqui vamos nos ater somente ao “viés jurídico
que interessa ao contribuinte. Contudo, sabemos que fatos políticos e econômicos
interferem na esfera jurídica e, por isso, precisamos mencioná-los dentro do contexto
jurídico que nos propusemos a avaliar.
Pois bem. A ciência desta resposta permite ao contribuinte defender-se de
abusos relacionados à importância do juro de mora cobrado diante da inadimplência de
obrigação tributária. É o custo do dinheiro que viabiliza uma quantificação mais justa
do valor que deverá ser pago a título de remuneração do capital referente ao quantum
de tributo não pago.
Acreditamos que seria tarefa impossível mensurar com precisão o valor do
capital quando este está nas mãos do Poder blico, que são inúmeras as
possibilidades que o Governo tem de gerar riqueza com um capital disponível.
Contudo, essa questão precisa ser analisada dentro da perspectiva relacional mantida
entre credor (fisco) e devedor (contribuinte). Vários fatores precisam ser sopesados.
É preciso perceber que quando o contribuinte cumpre corretamente com suas
obrigações tributárias ele é quem é o principal beneficiário desta relação, ao menos em
tese, que o capital arrecadado com tributos deve ser convertido em prol da
sociedade, deve perseguir os objetivos da República Federativa do Brasil, insertos na
Carta Maior.
Em não recebendo o tributo, o Fisco sofre um dano que precisa ser reparado e o
instituto que se propõe a isso é o juro. Ele é quem remunera o capital. Consideramos
160
que a ocorrência do dano é objetiva, uma vez que o Fisco tem a obrigação jurídica de
converter todos os valores que recebe em prol de determinadas atividades que lhes são
inerentes, inclusive a obrigação legal de destinar algumas receitas de forma
específica.
Reitere-se. O dano causado pelo inadimplemento é objetivo, incide
necessariamente o juro. Entretanto, a incidência da penalidade requer a análise da
culpabilidade.
Assim, se o contribuinte não paga o tributo ao Fisco ele deve pagar o tributo
mais o juro de mora, conforme o art. 161 do CTN, além da multa, ou seja, da
penalidade pelo descumprimento de dever jurídico.
Como já vimos, o juro é um instituto que serve para recompor, indenizar,
ressarcir o Fisco pelo período em que ele ficou sem receber o que lhe era devido.
Desse modo, o juro sempre será de mora, ou seja, sempre incidirá em decorrência do
não pagamento do tributo no prazo estipulado.
Decerto que o Fisco pode ter de emitir títulos públicos com o escopo de captar
recurso para honrar seus compromissos, sua dívida mobiliária. E é a Secretaria do
Tesouro Nacional quem emite e controla esses títulos. Existem várias espécies de
títulos, cada qual com suas peculiaridades próprias. A rentabilidade diária da maioria
desses tulos está vinculada à taxa de juro sica da economia que é a conhecida taxa
Selic fixada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central. Mas essa taxa não se
confunde com o juro, que deve ser aplicado pelo inadimplemento do crédito tributário.
O Fisco pode não precisar se socorrer dessas manobras financeiras por motivo
de inadimplência de tributos, por isso alguns entendem que esse dano precisaria ser
comprovado para então ser cobrado juro ao contribuinte; ocorre que o juro cobrado
pela infração tributária já é devido independentemente de o Estado ter ou não de captar
recurso do mercado financeiro. O simples fato de deixar de receber o valor do tributo
pressupõe que ele deixou de produzir mais riqueza com aquele capital que lhe era
devido, e é por isso que existe a previsão legal da cobrança do juro.
Essa figura jurídica não se confunde com a multa, pois não tem a natureza de
punir, nem de enriquecer o Fisco. Também não necessita de outros termos associados
161
ao seu signo juro, como: juros de mora, juros ressarcitórios, juros indenizatórios,
enfim. Nem se confunde com a taxa Selic. Juro é juro e pronto.
7. Há limites quantitativos aplicáveis às multas tributárias?
A Constituição Federal estabelece limites à pata feroz do leão quando garante o
direito à propriedade e veda o não-confisco.
O interesse público deve visar tão-somente o recolhimento dos tributos que lhes
são devidos e não utilizar a imposição de penalidade como fonte de receita. Deve
procurar o meio mais adequado para solucionar os conflitos e para se atingir a
finalidade que a norma pretende alcançar, caso contrário, estaríamos diante de práticas
abusivas, desproporcionais e injustas.
Até mesmo no direito penal, onde se protegem os bens mais preciosos para a
coletividade, não se admite que a punição acarrete mais ônus, mais limitação social do
que beneficio à coletividade.
168
Não se pode conceber que uma penalidade de natureza
tributária tenha maior rigor que uma penalidade de natureza penal.
Sacha Calmon Navarro Coêlho aponta a realidade das multas elevadíssimas que
superam e muito o valor do imposto devido.
Sabe-se que a fixação das penalidades é atribuição do legislador
infraconstitucional. Sabe-se ainda que inexiste de forma explícita na Constituição
Federal princípios que estabeleçam limites objetivos a essas penalidades tributárias.
Ocorre que o legislador deve se deter à unicidade do sistema jurídico e perceber que
não se pode violar o direito à propriedade confiscando o patrimônio do contribuinte.
Difícil é estabelecer a percentagem adequada. Mas sabemos que ela depende do
bom senso do legislador, que deve estar assentado num estudo do quadro sociológico,
econômico e político do País. Sem dúvidas de que o legislador precisa observar qual
seria o percentual que puniria e inibiria o contribuinte infrator sem que com isso o
tenha de levar à ruína patrimonial.
168
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal Parte geral. VI. 1. ed. rev. atual. de
acordo com as Leis n. 10.741/2004, 10.763/2003, 10.826/2003, 10.886/2004. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 22-23.
162
O legislador precisa atentar para o fato de que a multa deve superar a
rentabilidade do contribuinte frente à inadimplência. Ou seja, é preciso considerar que
a multa tem de ser realmente punitiva a ponto de não ser mais rentável ao contribuinte
descumprir com seu dever de pagar o tributo devido e investir aquele capital em outras
atividades.
Imaginemos que os empresários, ao fazerem seus planejamentos tributários e
contábeis, constatem que é mais vantajoso não pagar tributos por 5 anos e investir
aquele capital em outra atividade econômica. A constatação de que o lucro advindo
com a inadimplência compensaria ao contribuinte, levaria o Fisco à ruína e a sociedade
estaria consequentemente prejudicada com o déficit arrecadatório.
É certo que a inadimplência precisa ser aniquilada. É preciso estabelecer uma
multa tributária justa e eficaz que coíba a inadimplência. Acreditamos que as multas
punitivas exorbitantes não são eficazes, não diminuiria essa tendência ao
inadimplemento, ao contrário, cremos que a solução está nas políticas de incentivos
fiscais.
Não podemos negar que um contribuinte que cometeu determinada infração
com dolo, simulando, fraudando situações para inadimplir com suas obrigações, deve
assumir uma penalidade mais severa, tanto que sua infração passa a ser regulada
também pela lei penal, pois se torna crime ou contravenção penal. Do mesmo modo
que aquele que age pautado na boa-fé, sem o intuito malicioso de ludibriar o Fisco,
deve arcar com uma penalidade menos severa ou até mesmo ser dispensado do
pagamento da penalidade. Isso estampa a importância da análise da culpabilidade na
graduação da pena.
Na quantificação da multa é preciso ter prudência para não majorar de forma
exorbitante causando danos morais e materiais ao contribuinte. Oportunos os
ensinamentos do professor Fábio Medina Osório:
169
“A apuração da gravidade não pode tornar-se um desafio para cada
caso concreto, sem mínimos parâmetros prévios de normatividade.
169
MEDINA OSÓRIO, Fábio. Devido processo administrativo sancionador no sistema
financeiro nacional. In: MEDINA OSÓRIO, Fábio (Coord.). Direito sancionador:
sistema financeiro nacional. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 13-39. ISBN 978-85-7700-
063-0.
163
Assim, distorção séria haveria se admitíssemos que a autoridade
pública pudesse, a seu bel-prazer, definir o conteúdo pico de uma
infração grave tão-somente na peça acusatória, sem lastro em normas
jurídicas prévias, sem fundamentação no ordenamento jurídico
passivo, nos dispositivos constitucionais ou legais, na estruturação e
descrição dos deveres jurídicos violados.”
Vejamos um julgado bastante contundente a respeito da exacerbação do
quantum.
ADI 1075 MC-DF
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Ementa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI 8.846/94
EDITADA PELA UNIÃO FEDERAL ALEGAÇÃO DE OFENSA
AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA FEDERAÇÃO E
DA SEPARAÇÃO DE PODERES INOCORRÊNCIA
EXERCÍCIO, PELA UNIÃO FEDERAL, DE SUA COMPETÊNCIA
IMPOSITIVA, COM ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS LIMITES
QUE DEFINEM ESSA ATRIBUIÇÃO NORMATIVA DIPLOMA
LEGISLATIVO QUE NÃO USURPA A ESFERA DE
COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DOS ESTADOS-MEMBROS E
DOS MUNICÍPIOS LEGITIMIDADE DO PODER
REGULAMENTAR DEFERIDO AOS MINISTROS DE ESTADO-
ATRIBUIÇÃO REGULAMENTAR DE SEGUNDO GRAU QUE
POSSUI EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 87,
PARÁGRAFO ÚNICO, II) INOCORRÊNCIA DE OUTORGA,
PELA LEI 8.846/94, DE DELEGAÇÃO LEGISLATIVA AO
MINISTRO DA FAZENDA PODER REGULAMENTAR
SECUNDÁRIO DESVESTIDO DE CONTEÚDO NORMATIVO
PRIMÁRIO TRANSGRESSÃO, NO ENTANTO, PELA LEI
8.846/94 (ART. E SEU PARÁGRAFO ÚNICO), AO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE
TRIBUTÁRIA SUSPENSÃO CAUTELAR DA EFICÁCIA DE
TAL PRECEITO LEGAL MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA, EM
PARTE. A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. É cabível, em sede de
controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal
Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio
constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da
Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma
legislativo (Lei 8.846/94, art. e seu parágrafo único) que instituiu
multa fiscal de 300% (trezentos por cento). A proibição
constitucional do confisco em matéria tributária ainda que se trate de
multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas
obrigações tributárias nada mais representa senão a interdição, pela
Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa
conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no
164
todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes,
comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o
exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade
profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades
vitais básicas. O Poder Público, especialmente em sede de tributação
(mesmo tratando-se da definição do "quantum" pertinente ao valor das
multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade
governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da
razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição
da constitucionalidade material dos atos estatais. (...). Grifos nossos.
8. Poder-dever estatal de punir versus as garantias constitucionais dos cidadãos
Não podemos conceber que a relação entre o contribuinte e o Fisco seja pautada
numa relação de poder ilimitado. O que é uma relação jurídica tributária
obrigacional onde o sujeito passivo tem a obrigação de pagar tributos e o Fisco tem a
obrigação de arrecadar em prol do bem-estar social, e de impor penalidade em caso de
infrações tributárias. Toda essa relação tributária es submetida ao crivo da
legalidade.
É preciso destacar que a Constituição Federal logo em seu art. 1º traz os
princípios da cidadania, da dignidade da pessoa humana, da soberania popular, da
participação direta do povo, dentre outros, que revelam o poder soberano do povo.
Em seguida, no art. 3º, explicita os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil que mais uma vez demonstra a obrigação estatal em promover o
bem-estar social e a justiça. Objetivos que evidenciam a posição de superioridade do
povo frente ao Estado. José Afonso da Silva
170
explica que:
“Este artigo correlaciona-se com as promessas do Preâmbulo, pois
„construir uma sociedade livre, justa e solidária‟ corresponde a formar
uma sociedade dotada dos valores supremos dos direitos sociais e
individuais, tais a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça que é aquela sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social”.
Deste modo, é de se notar que, além dos princípios limitadores da ação estatal,
inseridos em sua maioria no Título II da Constituição Federal, mais precisamente no
Capítulo Dos direitos e deveres individuais e coletivos, a Constituição cuidou em
170
Comentário contextual à Constituição, p. 46.
165
destacar a soberania popular e as garantias dos direitos fundamentais que se dividem
em dois grupos, segundo José Afonso da Silva:
“1) garantias constitucionais gerais, que são instituições
constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e contrapesos
dos Poderes, e assim, impedem o arbítrio com o quê constituem, ao
mesmo tempo, técnicas de garantias e respeito aos direitos
fundamentais; são garantias gerais precisamente porque
consubstanciam salvaguardas de um regime de respeito à pessoa
humana em toda a sua dimensão; 2) garantias constitucionais
especiais, que são prescrições constitucionais estatuindo técnicas e
mecanismos que, limitando a atuação dos órgãos estatais ou de
LP.particulares, protegem a eficácia, a aplicabilidade e a
inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo especial; são as
técnicas preordenadas com o objetivo de assegurar a observância
desses direitos considerados em sua manifestação isolada ou em
grupo.” (grifos do autor)
Desse modo, podemos afirmar que o Estado deve regular as condutas dos
cidadãos nos casos e nas medidas em que eles mesmos estabeleceram, pois possui a
força que o cidadão lhe conferiu. Vejamos o brilhantismo com que nosso saudoso
mestre Geraldo Ataliba
171
aborda o tema:
“A força desamparada do Direito é mais repugnante no regime
republicano que em qualquer outro: o Estado tem a força que os
cidadãos lhe conferem. O seu uso contra o cidadão deve ser repelido.
O Direito regula o exercício da força sobre o cidadão nos casos em
que, antes, teve seu consentimento patenteado no texto constitucional
e traduzido nas manifestações legislativas.
É inconcebível que o cidadão, detentor soberano do poder, seja rebaixado a
casta de súdito do Estado e admita ser surpreendido e compelido a pagar multas
exorbitantes que atinjam seu patrimônio, sua dignidade humana e demais princípios
constitucionais que limitam o poder punitivo. Os contribuintes não podem se tornar
reféns da Administração Pública e as sanções aplicadas aos contribuintes o podem
servir para satisfazer a fúria arrecadatória do Fisco. O contribuinte está amparado por
direitos e garantias constitucionais que vedam a imposição de multas abusivas.
A finalidade da multa não é a de destruir a dignidade do contribuinte, nem
dilapidar seu patrimônio levando o contribuinte à ruína econômica. A multa possui
natureza punitiva, mas tem a finalidade de evitar o inadimplemento da obrigação
171
República e Constituição, ob. cit., p. 167.
166
tributária. Para tanto, a punição deve ser conforme a capacidade econômica do infrator
e em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
É descabido aplicar uma multa que torne inviável ao infrator o cumprimento da
obrigação tributária inadimplida se o objetivo da multa é justamente o de compelir o
contribuinte a adimplir com sua obrigação e não mais reincidir nela.
O princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade,
dentre outros que consolidam o Estado democrático de direito são incompatíveis com a
imposição de sanções impossíveis de serem cumpridas.
É preciso destacar que o Estado é uma entidade criada com o fito de edificar e
manter a existência de uma sociedade politicamente organizada e para tanto se faz
necessária a presença de recursos financeiros que viabilizem o desenvolvimento das
atividades essenciais aos seus propósitos.
Desse modo, temos que o Estado limitado pelo art. 173 da Constituição Federal
poderá angariar receita através da livre iniciativa em casos extremos (por
imperativo de segurança nacional ou em decorrência de relevante interesse coletivo)
restando-lhe a arrecadação de tributos, a sua maior fonte de riqueza, ou na emissão de
títulos públicos como vimos anteriormente.
Sem recurso financeiro o Fisco nada pode fazer em prol da sociedade; torna-se
uma entidade meramente ilustrativa sem qualquer serventia. Sendo, portanto, dever
fundamental de todo cidadão cumprir com suas obrigações tributárias bem como exigir
a contraprestação estatal. Assim, temos que o tributo é um dever fundamental de todo
cidadão e em não sendo cumprido, requer sejam adotadas as medidas eficazes ao seu
adimplemento.
167
Capítulo VII
INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS VERSUS DELITOS FISCAIS
1. Distinção entre ilícito tributário e delito fiscal
A norma tributária que estabelece o ilícito tributário possui em seu antecedente
a previsão da realização de uma conduta ilícita, que não seja criminosa. Ao passo que
a norma penal que estabelece o ilícito penal prevê em seu antecedente a realização de
um crime ou de uma contravenção.
O principal critério de diferenciação está na exigência do dolo na configuração
do delito fiscal. Para que haja crime de natureza fiscal imperioso se faz que a
inadimplência tenha ocorrido dolosamente.
Além disso, temos que o ilícito tributário é instituído por lei de natureza
tributária ao passo que o delito fiscal é instituído por lei de natureza penal.
Outro fator de distinção é justamente a qualificação da gravidade da conduta e
sua quantificação. Percebe-se que, em geral, quanto mais grave for a infração, maior
será a sanção prevista pelo legislador; quanto mais branda, mais leve deverá ser a
sanção correspondente àquela infração. Frise-se que, em respeito ao princípio da
legalidade, que cabe ao legislador determinar o que é mais grave ou menos grave,
sempre buscando atingir os anseios do povo e o conceito de justiça.
A gravidade da infração está atrelada ao bem jurídico protegido. Dizemos que
uma infração é mais grave quando ela viola um bem jurídico mais importante e sendo
assim merece reprimenda maior. Certamente poderemos encontrar uma sanção penal
que seja menos severa que uma sanção administrativa ou tributária, mas isso o é
regra.
Os bens jurídicos considerados mais importantes estão tutelados pelo direito
penal, justamente porque este tem maior força punitiva. Assim, as infrações mais
graves se submetem às regras do direito penal e os menos graves se submetem aos
168
demais ramos do direito, a depender da natureza jurídica do bem violado, podendo se
submeter a mais de um ramo do direito.
2. O poder punitivo
Inicialmente o poder punitivo esteve nas mãos dos mais fortes que, mediante o
domínio da força física, faziam prevalecer o seu senso de justiça ou de simples desejo
injustificado. Depois vieram os mais aptos que através da sabedoria passaram a
persuadir e dissuadir os menos aptos e com isso tinham o poder de impor suas
vontades, suas ideias, e até mesmo os castigos que lhes eram convenientes. Mais
adiante surgiu a necessidade de se institucionalizar a punição na esperança de se
construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Atualmente no Estado Democrático de Direito as condutas humanas o
reguladas mediante normas que preveem a aplicação de sanções a suas infrações. Esse
poder sancionador concedido pelo povo ao Estado possui uma forte limitação
constitucional, haja vista se tratar de arma de grande potencial ofensivo.
O Direito é uno e precisa ser interpretado na sua unicidade também no que se
refere ao direito sancionador. Temos de preservar o entendimento de que o poder de
punir não é uma peculiaridade do direito penal, mas sim do Direito como um todo e
assim deve ser analisado. Como vimos na parte geral de nosso estudo, para que uma
norma jurídica esteja completa ela precisa trazer consigo uma providência
sancionadora, o que demonstra que a penalidade se revela em todos os ramos do
Direito.
O direito sancionador engloba todas as providências sancionadoras
independentemente de sua natureza jurídica. Resta apenas o cuidado de o penalizar
excessivamente o infrator, aplicando-lhe sanções em razão dos diferentes órgãos ou
instâncias punitivas.
É preciso destacar que a ideia de punição atrelada ao conceito de pena, de
castigo, está direcionada apenas ao direito penal. A este ramo do direito cabe punir as
condutas mais odiosas e rejeitadas pela sociedade. Todavia, a punição assume várias
funções e feições, podendo ser aplicada de várias maneiras e alcançar vários objetivos.
169
O professor Paulo Roberto Coimbra Silva chama nossa atenção para a forte
tendência de criminalização das infrações tributárias. Enfatiza a inegável existência de
tutela penal sobre a arrecadação estatal e afirma que essa realidade se instaurou no
Brasil. Vejamos:
“No Brasil, a exemplo do ocorrido em outros países, outrossim, o
legislador pátrio, tendo em vista o desvalor da ação fraudatória, aliado
aos indesejáveis efeitos dos ilícitos fiscais à coletividade, considerou a
ordem tributária um bem jurídico fundamental, susceptível da
proteção do Direito Penal, para assegurar e defender a eficácia da
ordem jurídica tributária.
Essa opção do legislador encontra amparo e peias na vigente Lex
Mater, que impõe ao Estado o dever de tutelar e respeitar o direito de
propriedade dos particulares, mas, d‟outra margem, outorga
competência aos entes federados para a instituição de tributos (arts.
145 a 156). Por certo, ao adotar o sistema capitalista, a Constituição
Federal de 1988 reconhece o direito de propriedade dos particulares
(art. 5º, XXII, CF/88), se trata de elemento indispensável para a
geração de novas riquezas.”
172
É inegável que os valores arrecadados através dos tributos são o combustível
necessário ao desenvolvimento social e econômico do País. Desprovida desta receita, a
República Federativa do Brasil não tem como cumprir com os seus objetivos
fundamentais.
O direito de arrecadar é na verdade um dever jurídico imposto pela própria
sociedade em seu favor, e merece ser tutelado de forma eficaz. Contudo, é preciso
separar o joio do trigo. É imperioso extrair com rigor as ervas daninhas para que a
colheita do trigo seja satisfatória. Mas isso não implica dizer que apenas um veneno
seja capaz de liquidar com essa praga. Cuidar para que o veneno seja o mais adequado
e não venha a matar também o joio é providência essencial.
É vão e ingênuo crer que, inexistindo sanção correspondente ao
descumprimento de obrigação tributária, o cidadão pagaria tributo de
livre e espontânea vontade, por acreditar que se trata de obrigação
justa e que traz benefício ao indivíduo e à sociedade. É utopia. Sem
sanção o direito não se concretiza. Contudo, essa sanção deve ser
adequada à infração, deve-se observar o grau de ofensa ao bem
jurídico para se analisar qual a sanção mais razoável a ser aplicada, e
se necessidade de se aplicar mais de uma sanção àquele mesmo ato
ilícito.
172
Ob. cit., p. 185 ss.
170
3. Inadimplência e sonegação fiscal
A inadimplência tributária se materializa com o não pagamento de tributo ou o
descumprimento de dever instrumental.
Poderíamos analisar a inadimplência como sendo a constituição de uma dívida
para com o Fisco. Poderíamos também pensar que o contribuinte, ao não pagar tributo
devido ao Fisco, estaria subtraindo deste, quantia em dinheiro, que o tributo é uma
parcela de dinheiro que nasce já destinada ao ingresso nos cofres do governo.
Poderíamos ainda, numa análise política e sociológica, dizer que a
inadimplência tributária é conduta esperada, haja vista a exigência de uma alta carga
tributária que inviabiliza a sobrevivência digna do contribuinte que se compelido a
não pagar tributo para conseguir sobreviver.
É certo que no Brasil não se tolera prisão por dívida, exceto em casos
excepcionados em lei, mas que também recebem tratamento diferenciado, como é o
caso da prisão pelo não pagamento da pensão alimentícia. E neste caso existe o direito
à vida sendo maculado, pois quando um genitor não prover sua prole, pode privá-la da
vida e de outros direitos fundamentais invioláveis que merecem tutela penal. É certo
também que o direito penal não serve apenas para resguardar o direito à vida, ele é
uma arma poderosa ao combate de inúmeras condutas que afrontam o patrimônio, a
saúde, a segurança blica, dentre outras realidades importantes ao desenvolvimento
pacífico e harmônico da sociedade.
Não se deve também fazer apologia ao crime, ou apoiar a anarquia. É preciso
ponderar e entender que o Governo precisa arrecadar recursos para promover a paz e o
bem-estar geral e que o cidadão deve colaborar com o Fisco.
Destarte, podemos inferir que o simples descumprimento da obrigação tributária
não viola bem jurídico que mereça reprimenda de natureza penal. A sanção tributária
deve ser suficiente. Ademais, temos notícia que as penas severas aplicadas no combate
à evasão fiscal não tem surtido efeito satisfatório em diversos países da Europa e da
América.
173
173
SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 187.
171
Contudo, a inadimplência pode ocorrer através de inúmeras manobras, como a
fraude, a simulação, a falsificação, o conluio, o dolo, enfim, condutas moralmente
reprováveis que o direito penal incluiu no cleo normativo de alguns de seus tipos.
Nesses casos, estaríamos diante de delitos fiscais.
Sabemos que a sonegação fiscal ocorre diante da prática de crimes contra a
ordem tributária (definidos na Lei 8.137/1990) e do crime de apropriação indébita (art.
168-A do Código Penal). Vejamos o que diz estes dispositivos legais:
Lei 8.137/1990
“Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas:
I omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias;
II fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou
omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro
exigido pela lei fiscal;
III falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda,
ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que
saiba ou deva saber falso ou inexato;
V negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou
documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação
de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a
legislação.
Pena reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade,
no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em
razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade
quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no
inciso V.
Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:
I fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou
fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente,
de pagamento de tributo;
II deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de
contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito
passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte
beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou
deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
172
IV deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído,
incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou
entidade de desenvolvimento;
V utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que
permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação
contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”
Código Penal
“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância
destinada à previdência social que tenha sido descontada de
pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II recolher contribuições devidas à previdência social que tenham
integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos
ou à prestação de serviços;
III pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas
ou valores tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência
social.”
Os delitos fiscais preveem condutas revestidas de dolo. São crimes que afetam a
ordem tributária, o bom funcionamento do Estado e por isso precisam ser reprimidos
de forma eficiente.
Não podemos confundir os delitos fiscais com as infrações tributárias. O
contribuinte que simplesmente deixou de pagar o tributo, ou o recolheu em atraso por
não ter condições financeiras de adimplir com suas obrigações tributárias, não pode ser
equiparado àquele que agiu de má fé, com dolo, lesando o erário mediante simulações,
fraudes, e outras tantas manobras ilícitas deste modo não merecem ser apenados com
o mesmo rigor.
173
Capítulo VIII
MULTAS TRIBUTÁRIAS VERSUS MULTAS PENAIS
ADVINDAS DE DELITOS TRIBUTÁRIOS
1. Multas tributárias e multas penais
Observando a lei penal n. 8.137/1990 (que define crimes contra a ordem
tributária, econômica e contra relações de consumo, e outras providências),
percebemos a imposição de pena restritiva de liberdade mais pena de multa. Essa pena
de multa se propõe a reprovar e prevenir o crime conforme assevera o art. dessa lei.
Assim, a legislação penal, além de atingir o direito de ir e vir do infrator, atinge
também o seu patrimônio.
Interessante distinguirmos a multa instituída pela legislação penal daquela
instituída por legislação tributária. Com o advento da Lei 9.268/1996, o art. 51 do
Código Penal recebeu nova redação e teve revogados seus parágrafos. Essa Lei
revogou ainda o art. 182 da Lei de Execução Penal, alterando o procedimento de sua
execução. Diante disso, surgem diversos questionamentos acerca da natureza jurídica
dessa multa, se tributária ou penal.
Fernando Capez
174
expõe detalhadamente esse tema trazendo duas posições
doutrinárias e se posicionando conforme a primeira, onde prevalece a aplicação da
legislação tributária. Vejamos:
posição: Damásio E. de Jesus sustenta que, nos termos da lei
nova, „transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da pena
de multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda
Pública. A execução não se procede mais nos termos dos arts. 164 e s.
da Lei de Execução Penal. Devendo ser promovida pela Fazenda
Pública, deixa de ser atribuição do Ministério Público, passando a ter
caráter extrapenal. Note-se que a multa permanece com sua natureza
penal, subsistindo os efeitos penais da sentença condenatória que a
impôs. A execução é que se procede em termos extrapenais. Em face
174
Ob. cit., p. 403-404.
174
disso, a obrigação de seu pagamento não se transmite aos herdeiros do
condenado. As causas suspensivas e interruptivas da prescrição
referidas na redação atual do art. 51 não são as do CP (arts. 116,
parágrafo único, e 117, V e VI), mas sim as da legislação tributária.
Legislação tributária referida na disposição: Lei n. 6.830/80 e CTN.
Prazo prescricional: 5 anos (art. 144, caput, do CTN)
(...)
posição: é do Ministério Público de São Paulo. houve duas
mudanças: a multa não pode mais ser convertida em detenção e as
causas interruptivas e suspensivas da prescrição passaram a ser as da
legislação tributária. No mais, a atribuição continua com o Ministério
Público, a competência permanece com o juiz das execuções
criminais, e o prazo prescricional é o previsto no art. 114 do Código
Penal.”
Entendemos que a multa decorrente de crime ou contravenção penal está
prevista em legislação penal e é aplicada por juiz criminal então, certamente, é de
natureza penal. Não importa se a sua execução se pela Fazenda Pública, ou se seu
valor é convertido para o Fisco. O que importa é o regime jurídico dessa multa. Ora, o
valor é arbitrado por juiz criminal e não é inscrito em dívida ativa, nem sequer se
submete a controle administrativo fazendário. A sentença penal que a arbitra é um
título executivo. Assim, apesar das alterações ocorridas na legislação penal, a natureza
jurídica da multa penal é e sempre será penal se submetida ao regime de direito penal.
Quanto à nomenclatura, temos que as normas que estabelecem sanções penais
são as normas penais, sem qualquer adjetivo. Preferimos não qualificar as normas
penais conforme a matéria que ela regula. Desse modo, não utilizamos a nomenclatura
norma penal tributária, norma penal administrativa, norma penal trabalhista, norma
penal comercial, enfim, basta dizer norma penal.
O que qualifica a norma jurídica como sendo uma norma penal é justamente o
seu antecedente, que prevê a ocorrência de condutas tipificadas como crime ou
contravenção penal.
2. Proibição da aplicação cumulativa da sanção tributária com a sanção penal
A doutrina e a jurisprudência nacional m aceitado a aplicação conjunta das
sanções tributárias e penais. Contudo, esse assunto suscita fortes indagações diante da
unicidade do direito sancionador, do princípio do non bis in idem, e principalmente
175
dos direitos e garantias fundamentais estampados na Constituição Federal que
rechaçam veementemente a punição desproporcional, descabida e excessivamente
onerosa.
Rafael Munhoz de Mello
175
defende que o princípio do non bis in idem não
impede a cumulação de sanção administrativa (tributária) com sanção penal. Uma
mesma conduta pode ser tipificada pelo legislador como infração administrativa e
como crime. Para ele, essas esferas são independentes, mas não de forma absoluta,
pois não é permitido à Administração Pública ignorar decisão judicial que em processo
penal absolva o réu pelo reconhecimento da inexistência do fato ou da autoria.
Segundo o autor, a proibição do excesso aplica-se à função legislativa e se o legislador
tipifica como crime e como infração administrativa uma mesma conduta, não há que se
falar em ofensa ao princípio da proporcionalidade.
Brilhante é o estudo desenvolvido pelo professor Coimbra
176
que defende a
impossibilidade jurídica de cumulação de sanções penais e extrapenais. Afirma que,
mesmo diante de mais de uma norma sancionadora aplicável a um único ilícito (não
importa qual seja a natureza jurídica ou instância punitiva que se pretenda aplicar a
175
Ob. cit., p. 210-217.
176
Este autor propõe a seguinte solução para esta questão jurídica: “i) Inicie-se e conclua-se
o processo administrativo tendente ao lançamento do credito tributário. Apurando-se a
prática coordenada de infrações tributarias principal e acessória, prossegue-se
normalmente a cobrança do tributo, com sua inscrição em dívida ativa e demais
procedimentos preparatórios a sua válida cobrança judicial, permanecendo, contudo,
suspensa a exigibilidade das correlatas sanções tributárias, inclusive as pecuniárias, até
ulterior decisão final no processo criminal. ii) Uma vez concluído o processo
administrativo, inicia-se a ação penal, que poderá culminar em decisão absolutória ou
condenatória. iii) Caso seja proferida decisão criminal condenatória, deverão ser
comparados os efeitos das sanções impostas em juízo com as sanções imputadas
administrativamente, de forma que delas sobressaia apenas uma, a saber, a mais gravosa,
que absorverá a menos severa lembre-se que nem sempre a sanção penal será mais
rigorosa que a sanção tributária, valendo ressaltar que a pena privativa de liberdade, por
seu caráter aflitivo e insuperável gravidade, sempre haverá de absorver as sanções
estritamente fiscais. iv) Caso seja proferida decisão criminal absolutória, desde que seu
fundamento e os fatos comprovados nos autos do processo criminal não sejam
incompatíveis com aquele apurados na instância administrativa, deverá ser dado
prosseguimento aos procedimentos necessários para a execução das sanções estritamente
tributárias, cuja contagem do prazo prescricional fica suspensa durante o trâmite do
processo criminal.” p. 384.
176
sanção), se elas exercerem a mesma função preponderante (punitiva ou ressarcitória)
não haverá cumulação.
Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato, garante a
Constituição Federal através do princípio da justiça, da legalidade, dentre outros.
O princípio do non bis in idem, amplamente aceito pela doutrina e
jurisprudência, não admite a imposição de mais de uma punição ao mesmo ato ilícito.
Seria injusto, pois desproporcional e abusivo, aplicar múltiplas punições para um
mesmo ato. Esse princípio não pode ser compreendido apenas dentro de um ramo do
direito, ele é um direito fundamental do cidadão que deve ser aplicado a todos os
ramos do direito da forma mais abrangente possível, não deve ser limitado a órgão ou
instância punitiva.
O cidadão confere ao Estado o poder de punir os seus atos ilícitos através de
todas as suas instâncias punitivas, mas isso não significa que ele deva sofrer repressão
de todas elas ao mesmo tempo e pelo mesmo ato ilícito. O Direito é uno e deve ser
analisado dentro de sua coesão. O direito sancionador também.
Sabemos que não cabe apenas ao direito penal o dever de punir, existem várias
instâncias punitivas interdependentes, aptas a aplicarem suas sanções. Contudo, a
sanção precisa ser adequada e justa.
Admite-se a aplicação de várias sanções ao mesmo fato infringente caso elas se
proponham a tutelar bens jurídicos distintos, objetivando alcançar funções distintas, ou
seja, pode-se conceber a imposição de uma sanção tributária (multa tributária) mais
uma sanção administrativa que pretenda facilitar a sua fiscalização.
Destaque-se o poder de repressão que a legislação tributária possui; a força que
a sanção pecuniária pode exercer contra o inadimplente contumaz. Frise-se ainda que o
objetivo do Fisco é arrecadar, receber os tributos que lhe são devidos. Não interessa ao
Fisco que seus contribuintes fiquem presos ou que tenham seus direitos restringidos,
isso contribuiria ainda mais para a diminuição de sua arrecadação, além de onerá-lo
com mais despesas com manutenção de presos e com o sistema prisional. As
penitenciárias do País já estão abarrotadas de presos que não produzem riquezas e que
só geram despesas para o erário.
177
Diante dessa análise outra questão precisa ser notada. Existe mesmo conflito de
normas? normas tributárias e normas penais sendo aplicadas ao mesmo fato
jurídico?
3. Conflito de normas entre a legislação tributária e a legislação penal
Considerando a existência de legislação penal (Código Penal e legislação
especial) e a legislação tributária (Código Tributário Nacional e legislação especial)
regulando o mesmo fato jurídico, vamos analisar alguns critérios tradicionais de
solução de conflito (o hierárquico, o de especialidade e o cronológico).
Pois bem. O critério hierárquico se baseia na superioridade do veículo
introdutor de normas, ou seja, será hierarquicamente superior àquele veículo que
possuir uma fonte produtora
177
que mais se aproxime do órgão maior, que é a
Assembleia Constituinte.
Vejamos o que leciona o brilhante professor Tárek Moysés: “O direito positivo
estrutura-se em uma hierarquia de veículos introdutores, em virtude da hierarquia do
seu órgão produto, em cujo cume encontramos a Assembléia Constituinte, na condição
de órgão-fonte superior, descendo verticalmente a „pirâmide‟ do direito positivo até os
órgãos encarregados de expedir os derradeiros comandos normativos.”
178
O Código Penal assim como o Código Tributário Nacional assumiram status de
lei complementar com o advento da Constituição Federal. Assim, podemos concluir
que não que se falar em hierarquia de normas, pois ambas são produtos do mesmo
órgão competente, ou seja, elas possuem o mesmo fundamento de validade na
Constituição Federal, então, não serão conflitantes no que diz respeito a esse critério.
No que se refere à legislação extravagante, as Leis 4.729/1965, 7.492/1986,
8.137/1990, 9.430/1996, 9.393/1996, 9.983/2000 são leis ordinárias.
Pontue-se que diante da existência de leis ordinárias e complementares, não
que se falar em hierarquia, pois a diferenciação se apenas nos aspectos material e
177
Aqui entendido como os atos realizados pelos órgãos credenciados pelo ordenamento para
introduzir a norma no sistema por meio da enunciação.
178
Fontes do direito tributário, ob. cit., p. 143.
178
formal de construção da norma, e não na sua fonte produtora que é quem determina a
existência de hierarquia entre os veículos introdutores.
É bem verdade que o legislador originário atribuiu uma carga valorativa
diferente para esses veículos introdutores, especialmente em seus processos
legislativos de constituição, mais precisamente na fase constitutiva. Como bem se
sabe, para que as leis complementares sejam aprovadas, faz-se necessário um rigor
bem maior no número de votantes, se comparado com aquele estabelecido para as leis
ordinárias. Além disso, o campo material daquela é previamente determinado,
enquanto na lei ordinária ele é residual. Mas isso não modifica a fonte produtora
desses veículos introdutores.
Não restam dúvidas de que essa celeuma surge diante da problemática
conceitual que envolve o tema fontes do direito.
Nossos doutrinadores têm apontado para a lei, a doutrina, o costume e a
jurisprudência quando se referem a fontes do direito, esquecendo-se que esse tema
não pode ser estudado de forma tão simplória e que necessita de um estudo mais
detalhado e comprometido com os pressupostos do conhecimento científico. Ou seja,
esse assunto deve ser abordado com certa precisão linguística, submetida a uma lógica
apofântica, somente mediante método científico e partindo de um corte metodológico
eficaz.
Na ausência desse comprometimento com as regras científicas de construção
da ciência jurídica, é nítida a confusão instaurada na doutrina. Onde o produto (lei), a
produção teórica (doutrina), os veículos introdutores de regras (costumes), os
resultados de atividade jurisdicional (jurisprudência), se confundem com a Fonte
geradora do Direito.
No entanto, convictos da relevância desse estudo para o Direito, alguns juristas
vêm se aprofundando seriamente nesse tema e trazendo contribuições interessantes a
nossa ciência jurídica, concluindo que fontes do direito são apenas e tão-somente os
atos de enunciação realizados pelos agentes competentes, ou seja, os fatos sociais
juridicizados, se tomados como enunciação.
O critério da especialidade considera a relevância da precisão com que a
matéria tratada pelo legislador foi edificada tomando por base o art. do Texto Maior
179
que, ao consagrar o princípio da igualdade, afirma que a lei deve tratar de maneira
desigual os desiguais, permitindo assim a existência de leis específicas para casos
específicos sem que com isso viole o direito de todos.
A legislação tributária extravagante, assim como o Código Tributário Nacional,
sem sombra de dúvidas trata de forma específica sobre as sanções tributárias. Quando
a lei dispõe sobre determinado tributo ela estabelece a providência sancionadora
para o seu descumprimento, regulando de forma específica as infrações tributárias e as
sanções tributárias.
O Código Penal e sua legislação extravagante tratam de diversas matérias,
inclusive a tributária, prescrevem um direito tipicamente sancionador, que se propõe a
penalizar todas as condutas que ele dita como sendo crime ou contravenção penal.
Diante disso, temos duas legislações tratando de forma especifica sobre a
mesma matéria. Assim, o critério da especificidade não ajuda neste conflito de normas.
Já o critério cronológico que considera o tempo em que as normas começaram a
ter vigência em nosso ordenamento, apesar de possuir fundamento legal no art. da
LICC e estar pautado no brocardo lex posterior derogat legi priori (norma posterior
revoga anterior), é o menos forte dos três, haja vista a existência de outros valores
claramente mais relevantes e justos para determinar qual norma é mais importante num
conflito de normas.
Diante dessa breve análise pautada nos critérios da hierarquia, da especialidade
e da cronologia, podemos perceber que não encontramos qualquer solução útil que
indique qual legislação deva prevalecer em caso de conflito.
Resta-nos cotejar tais legislações com a Constituição Federal.
Antes, cabe uma reflexão breve. As infrações tributárias e os delitos tributários
surgem diante do débito fiscal. O Fisco impõe uma sanção tributária visando punir a
inadimplência com a finalidade de arrecadar o que lhe é devido. O Estado-Juiz
criminal impõe uma sanção penal visando proteger a ordem tributária da sonegação
fiscal, mas tendo como finalidade maior o recolhimento do tributo, tanto que, diante do
pagamento do tributo, quase sempre se prevê a exclusão da punibilidade.
Pois bem. A Constituição Federal proíbe expressamente a prisão por dívida (art.
5º, XVII) e estabelece implicitamente através dos princípios fundamentais do Estado
180
Democrático de Direito que ninguém poderá ser punido pela mesma infração mais de
uma vez (non bis in idem), que o Estado, na figura do juiz criminal, deve intervir
minimamente, assim como o direito penal só deve ser utilizado de forma subsidiária.
Sabemos que as sanções penais não se limitam às penas privativas de liberdade,
elas preveem as restritivas de direitos, as medidas de segurança e as multas penais, e
que nem sempre suas sanções são as mais severas. Contudo, isso não é a regra,
geralmente as sanções penais são mais rigorosas que as demais.
Reitere-se que a sanção penal pode ser aplicada de forma cumulada à sanção
tributária, ao mesmo fato ilícito, se a sanção penal estiver a tutelar bem jurídico
diverso daquele tutelado pela sanção tributária, lembrando que a sanção penal precisa
também atingir outra finalidade para poder ser exigida ao mesmo tempo que a sanção
tributária.
4. Distinção entre o fato jurídico que constitui o ilícito tributário e o fato jurídico
que constitui o delito fiscal
O fato jurídico que enseja uma sanção tributária é o fato ocorrido no mundo
fenomênico que tem o condão de irradiar efeitos no direito sancionador tributário. Esse
fato jurídico tributário se enquadra na hipótese da norma geral e abstrata que prescreve
o ilícito tributário, ou seja, a ocorrência de uma inadimplência tributária quanto ao
tributo ou quanto ao dever instrumental.
Distinguimos o direito sancionador em tributário e penal. Contudo, o direito
sancionador é um só, no sentido de que deve ser aplicado em harmonia com os
princípios constitucionais.
Pois bem. Como vimos anteriormente, o ilícito tributário e o delito fiscal não
podem ser confundidos; à legislação tributária não cabe regular condutas delituosas,
assim como não cabe à legislação penal regular condutas não delituosas.
Mas não podemos negar que apesar de nem toda inadimplência resultar em
delito, todo delito fiscal resulta uma inadimplência tributária. Desse modo, cabe ao
Fisco proceder com a cobrança do tributo devido mais o juro. No que se refere à multa
não pode aplicar enquanto o juízo criminal não julgar o caso. após decisão judicial
é que se analisa qual multa é mais adequada ao caso concreto.
181
O direito punitivo deve ser imposto ao infrator de forma a respeitar a harmonia
do sistema e os princípios constitucionais.
O que não se pode conceber é a previsão de infração penal em legislação
tributária, pois, neste caso, teríamos o mesmo fato jurídico ilícito sendo regulado por
leis diversas com providências sancionadoras de mesma natureza jurídica. Como
ocorreu no advento da Lei 9.430/1996.
Antes da Lei 11.488/2007 tínhamos o inciso II do art. 44 da Lei 9.430/1996
prescrevendo:
Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as
seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo
ou contribuição:
(...)
II cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de
fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de 30 de
novembro de 1964, independentemente de outras penalidades
administrativas ou criminais cabíveis.” (grifos nossos)
Esse inciso II, sem dúvidas, previa uma hipótese de delito fiscal através de
diploma tributário, com a pretensão de impor sanção tributária. Nesse caso, o
contribuinte seria punido pela mesma conduta através da multa tributária agravada e
pela sanção penal.
Contudo, a Lei 11.488/2007 alterou a redação desse dispositivo que passou a
vigorar nos seguintes moldes:
Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as
seguintes multas:
(...)
II de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor
do pagamento mensal: (...).
Aquela multa agravada revestia-se certamente de natureza penal, pois visava
reprimir atos delituosos. Nesse caso, teríamos o direito sancionador agindo em esferas
distintas e punindo o mesmo ato. Isso era inconstitucional.
Devemos pontuar que, caso exista na legislação tributária a prescrição de multas
agravadas em virtude de conduta prevista em legislação penal como sendo delituosa,
cabe ao intérprete do direito não permitir que haja bis in idem.
182
Por certo que quase todos os crimes definidos na lei de crimes contra a ordem
tributária (Lei 8.137/1990) têm sua punibilidade extinta quando o infrator paga o
tributo ou cumpre com seu dever instrumental antes do recebimento da denúncia. Da
mesma forma ocorre com os crimes de apropriação indébita previdenciária e
sonegação de contribuição previdenciária: basta que o infrator, antes do inicio da ação
fiscal, pague o que é devido ao Fisco de forma espontânea e cumpra com os deveres
instrumentais devidos.
179
Contudo, isso não significa que possamos confundir a esfera tributária com a
penal.
Conforme alertamos, as infrações à legislação tributária que estejam também
previstas em legislação penal têm de ser analisadas em conformidade com todo o
sistema de direito positivo, ponderando os direitos e garantias dos indivíduos e da
coletividade, tendo em consideração que o direito penal deve ser utilizado somente em
último caso quando os demais ramos do direito não consigam solucionar a questão.
Segundo Fernando Capez, se existir um meio menos danoso que solucione o
conflito, torna-se abusivo e desnecessário aplicar outro mais traumático. Para este
autor, a intervenção mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal decorrem da
dignidade humana, pressuposto do Estado Democrático de Direito, e são exigência
para a distribuição mais equilibrada da justiça.
180
Entendemos que o direito penal deve servir à sociedade quando os demais
ramos do direito não lograrem êxito, não exercerem de forma eficaz a tutela desejada.
A intervenção do Estado-Juiz criminal deve ser mínima.
Em contrapartida, não podemos olvidar que a legislação penal estampa a
vontade soberana do povo de tutelar determinados bens jurídicos sob a égide do direito
penal. Entretanto, temos de esmiuçar com cuidado o alcance desse desejo do povo que
se demonstra de forma plena através das sanções penais previstas. Daquelas nossas
considerações justificarem a adoção do princípio da mínima intervenção do direito
179
Pontue-se que, apesar dessa consideração não responder nossos questionamentos de
forma direta, ela fundamentará nosso entendimento mais adiante.
180
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal Parte geral. VII, ed. rev. e atual. de
acordo com as leis ns. 10.741/2003, 10.763/2003, 10.826/2003 e 10.886/2006. São Paulo:
Saraiva, 2005.
183
penal em detrimento deste “desejo soberano”, que a sanção penal prevista para os
delitos fiscais acaba se assemelhando com a sanção tributária, por não ter mais aquela
aparência mais severa da punição penal.
O direito penal precisa reprimir as condutas que afetam bens jurídicos
essenciais como a vida, a honra, a liberdade sexual, a saúde, o patrimônio, entre outras.
Mas ele deve agir quando estritamente necessário. Não se pode conceber que somente
o direito penal solucione os problemas sérios de uma sociedade. Ele traz apenas uma
forma de controle, mas não é a única solução. Várias outras formas de controle podem
ser mais eficazes, mais adequadas, mais rápidas e mais benéficas à sociedade.
quem defenda que sem a coerção penal não se conseguiria arrecadar
tributos, mas isso o é verdade. O cidadão não teme somente a prisão ou a restrição
de direitos, ele também zela pelo seu patrimônio e teme -lo destruído diante da
exigência de penalidades pecuniárias. Ora, é sabido que o dinheiro não compra paz,
saúde, amor verdadeiro, muito menos a fé, dentre outras milhares de coisas essenciais
ao ser humano, mas ele pode trazer felicidade sim, ajudar na manutenção da saúde,
viabilizar a construção de uma família e de muitos outros sonhos. O patrimônio é um
bem extremamente importante ao homem, é objeto bastante perseguido e quando
ameaçado causa temor. Assim, cremos que a sanção tributária é uma forma de
penalidade que surte efeito adequado na arrecadação.
Não estamos defendendo a prevalência do direito tributário sobre o direito penal
ou o inverso. Nem estamos propondo solução pratica nos casos de cumulação de
sanções punitivas. Aqui estamos apenas chamando a atenção para a proibição do bis in
idem, propondo uma análise dos fatos ilícitos sob a perspectiva dos princípios
constitucionais limitadores do poder punitivo. Bem como estamos a pontuar a
impossibilidade de se aplicar pena de prisão por dívida fiscal, pois, por mais que se
justifique que o direito penal estaria neste caso a tutelar um bem importante que seria a
ordem tributária, sua sanção teria a mesma finalidade da sanção penal: evitar a
inadimplência.
184
CONCLUSÃO
O Estado não pode se confundir com a figura mal quista dos cobradores de
impostos da época de Cristo. A ele não cabe agir penalizando de forma inescrupulosa a
inadimplência tributária, nem mesmo a sonegação fiscal.
O inadimplente tributário não pode se assemelhar ao sonegador fiscal, não pode
ser sancionado com a mesma proporção, pois feriria o princípio da igualdade e da
justiça. Contudo, não se pode penalizar excessivamente o infrator penal a ponto de
torná-lo sempre inadimplente.
É preciso respeitar os limites constitucionais impostos ao poder sancionador
estatal. Esse poder, que na verdade é um dever jurídico concedido pelo povo ao Poder
Público, tem a função nobre e árdua de promover o bem-estar geral sem que, com isso,
lesione direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.
O direito sancionador estatal não pode amesquinhar o princípio da legalidade
aplicando multas tributárias desproporcionais e desarrazoadas. Não se pode penalizar o
contribuinte duas vezes pelo mesmo ato ilícito, ou seja, não pode haver cumulação de
penalidades mesmo diante da independência das instâncias.
Nenhuma cobrança estatal, seja de multa, juros ou correção monetária pode ser
feita sem amparo em lei ou em desconformidade com a Letra Maior. Nenhum cidadão
é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo sem que haja lei prevendo-a
antecipadamente e de forma justa.
A sanção tributária deve punir o ato ilícito tributário de maneira a desencorajar
a inadimplência e torná-la prejudicial ao infrator. Entretanto não pode servir para
abastecer os cofres públicos como fonte certa de receita estatal.
O Fisco precisa aumentar suas políticas de incentivo fiscal para que com isso
aumente sua arrecadação, ao invés de buscar aumento de receita na inadimplência
tributária e na sonegação fiscal através de penalidades pecuniárias.
185
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