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UFSM
Dissertação de Mestrado
SABERES DOCENTES DO PROFESSOR DE FILOSOFIA NO
NÍVEL MÉDIO
__________________________________________
Paulo Ricardo Tavares da Silveira
PPGE
Santa Maria, RS, Brasil.
2005
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SABERES DOCENTES DO PROFESSOR DE FILOSOFIA NO
NÍVEL MÉDIO
______________________________________________
por
Paulo Ricardo Tavares da Silveira
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Educação, linha de Pesquisa na Formação
de Professores, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação
PPGE
Santa Maria, RS, Brasil
2005
3
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
SABERES DOCENTES DO PROFESSOR DE FILOSOFIA NO
NÍVEL MÉDIO
elaborada por
Paulo Ricardo Tavares da Silveira
Como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Educação
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________________
Profa. Dra. Elisete Medianeira Tomazetti
(Presidenta / Orientadora)
_______________________________________________
Prof. Dr. Walter Omar Kohan
________________________________________________
Prof. Dr. Amarildo Trevisan
________________________________________________
Prof. Dra. Claudia Ribeiro Bellochio
Santa Maria, 07 de julho de 2005.
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DEDICATÓRIA
A Maria Alice, companheira de lutas, de sonhos e de
reflexões, com quem aprendi o valor dos pequenos gestos, no
cuidado, no zelo, no amor. Aos meus filhos Moisés e Maira
com quem compartilho bom humor, música e
companheirismo.
5
AGRADECIMENTO
Agradeço e manifesto minha estima e admiração pelo
trabalho de minha orientadora que refletindo com
sensibilidade e condescendência me mostrou caminhos e
alternativas. Agradeço também aos professores Walter Omar
Kohan, Amarildo Trevisan, Claudia Ribeiro Bellochio que
com suas valiosas observações contribuíram sobremaneira
para a realização deste trabalho. Agradeço também aos
professores que, dispondo de seu tempo, gentilmente
aceitaram o convite para serem entrevistados para este
trabalho. Enfim, agradeço a todos que de uma forma ou de
outra me ajudaram.
6
SUMÁRIO
SUMÁRIO..................................................................................................vi
RESUMO..................................................................................................viii
ABSTRACT................................................................................................ix
INTRODUÇÃO: O ensino da filosofia numa perspectiva histórico-teórica
a partir dos anos 80.......................................................................................1
TRAJETÓRIA DA PESQUISA...............................................................17
Cap.I. O DUALISMO ENTRE FILOSOFAR E ENSINAR
FILOSOFIA ..............................................................................................27
1.1. Relações entre educação e filosofia no contexto da prática docente....27
1.2 Sócrates: afirmação ou negação do dualismo entre filosofar e ensinar
filosofia.......................................................................................................33
1.3. Platão : A idéia de natureza humana e o ensino da filosofia................42
1.4. O dualismo entre filosofia e ensino......................................................48
Cap.II. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE HUMANA: ENTRE A
SUBJETIVIDADE E A INSTITUCIONALIZAÇÃO............................55
2.1. A institucionalização dos saberes da ação pedagógica........................61
2.2. Os esquemas e os saberes da ação educativa.......................................72
2.3. Os saberes da prática na ação educativa..............................................76
7
Cap. III. A AÇÃO EDUCATIVA DO PROFESSOR DE
FILOSOFIA...............................................................................................81
3.1. A concepção de filosofia como elemento constitutivo da ação
pedagógica do professor de filosofia..........................................................93
3.2. Os dualismos do ensino da filosofia no nível médio........................ 110
3.2.1. Espaço/tempo na relação ensino e aprendizagem da filosofia........111
3.2.2. Organização dos conteúdos em grupo e o trabalho individual do
professor...................................................................................................115
3.2.3. Formação inicial e atuação docente................................................116
3.2.4. Maneira tradicional de trabalhar e alternativas docentes................118
3.2.5. História da filosofia e temas...........................................................119
3.2.6. Burocracia e docência.....................................................................123
3.2.7. Filosofia como formadora e utilitarismo/imediatismo...................125
Cap. IV. SABERES DOCENTES DO PROFESSOR DE FILOSOFIA
NO ENSINO MÉDIO.............................................................................127
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................147
OBRAS CONSULTADAS......................................................................156
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RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de pós-graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil
SABERES DO PROFESSOR DE FILOSOFIA NO NÍVEL MÉDIO
AUTOR: Paulo Ricardo Tavares da Silveira
ORIENTADORA: Elisete Medianeira Tomazetti
A luta pela obrigatoriedade da filosofia no ensino médio, que vem desde os anos
80, trilhou um caminho em que as discussões sobre o tema não colocavam como pauta
importante as questões micro que envolvem a discussão sobre a especificidade do
ensino da filosofia na sala de aula e as alternativas possíveis para que a filosofia
realmente se inserisse no ensino médio. Para efetivar esta pesquisa que procura
identificar a existência de saberes construídos na ação pedagógica pelo professor de
filosofia em sua atuação na sala de aula no ensino médio, foram entrevistados
professores que são formados em filosofia e que atuam no ensino médio e na escola
pública da 8ª CRE sediada em Santa Maria-RS. A entrevista semi-estruturada foi
gravada e posteriormente analisada através das seguintes categorias: 1° - Ação do
professor de filosofia. 2° - Concepção de filosofia. 3° - Dualismos da prática docente.
4° - Saberes do ensino da filosofia. A partir desta análise são identificados alguns
dualismos que perpassam a ação do professor na sala de aula. Estes dualismos são:
Espaço/tempo na relação ensino e aprendizagem da filosofia; Organização dos
conteúdos em grupo e trabalho individual do professor; formação inicial e atuação
docente; maneira tradicional de trabalhar e alternativas docentes; história da filosofia e
temas; burocracia e docência; filosofia como formadora e utilitarismo/imediatismo. A
compreensão e a administração dos conflitos gerados por esses dualismos possibilitam a
identificação de saberes docentes inerentes à ação do professor de filosofia. A
possibilidade de aproximar estes dualismos aponta para um professor muito preocupado
em se achegar afetivamente ao seu aluno, que é o primeiro passo para o ensino da
filosofia. Uma filosofia que desperte o aluno dos dogmatismos do senso comum, sendo
significativa para ele. Este mesmo professor percebe que sem diálogo o exercício do
filosofar torna-se inviável. No entanto sua atuação fica comprometida devido a
experiências que o marcaram em sua formação inicial. O professor olha para si como
alguém que fala demais, e que centraliza as discussões. Esta sua atitude centralizadora
tem relação com o conceito de filosofia que ele utiliza para organizar seu trabalho
pedagógico. Falando sobre seu trabalho hoje o professor afirma que sua formação
inicial pouco contribui para a sua ação docente, a não ser o encontro com os grandes
referenciais teóricos da história da filosofia. Ao aproximar a história da filosofia dos
temas de interesse dos alunos, e ao despertar neles a necessidade de pensar o próprio
cotidiano, os professores acreditam estar filosofando, o que a formação inicial não o
ensinou, por estar muito distante da realidade do aluno do ensino médio. Este trabalho
se propõe a mostrar que é possível ensinar filosofia e que na prática não há separação
entre ensinar filosofia e filosofar, desde que sejam rompidos os dualismos inerentes a
ação do professor no ensino médio.
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ABSTRACT
Master Dissertation
Post Graduation Program in Education
Federal University of Santa Maria
THE HIGH SCHOOL PHILOSOFHY TEACHER’S KNOWLEDGES
AUTHOR: PAULO RICARDO TAVARES DA SILVEIRA
ADVISER: ELISETE MEDIANEIRA TOMAZETTI
Data e local da defesa: Santa Maria, 07 de julho de 2005.
The struggle for the mandatory philosophy class in High School since the
eighties, has drawn many discussions. However, these discussions did not take into
account the specifics of teaching philosophy in the classroom and the possible
alternatives to really insert philosophy into High School. This research aimed to identify
the knowledges which were built within the educational action by the philosophy
teacher in his/her practice in the High School classroom. The participants were teachers
with a degree in philosophy who taught at High School within the public schools at the
8
th
CRE in Santa Maria – RS. The participants were submitted to a semi-structured
interview, which was tape recorded and later analized using the following categories: 1
st
– Action/practice of the philosophy teacher. 2
nd
– Philosophy conception. 3
rd
– Dualism
of the faculty practice. 4
th
– Knowledges of teaching philosophy. It was identified by
this analysis that some dualims go beyond the action of the teacher in the classroom.
These dualisms are: Space/time in the teaching and learning philosophy relationship;
teacher´s organization of the group and individual work contents; initial academic and
teaching performance; traditional and alternative ways to work; philosophy history and
themes; bureaucracy and faculty practice; philosophy as forming (a way to form) and
ulititarims/imediatism. The understanding and the administration of the conflicts created
by these dualisms made possible to identify the teacher´s knowledges which are
inherited to the philosophy teacher´s practice. The possibility to approach these
dualisms points to a teacher who is worried to become close to his/her students, which
is the first step to teach philosophy. It means a philosophy that awakens the student to
the dogmatisms of the common sense in order to be significant to himself/herself. This
same teacher perceives that it is impossible to do philosophy without dialogue.
However, his/her practice becomes compromised due to the experiences that marked
his/her initial academic formation. The teacher looks to him/herself as someone who
talks too much, and that centralizes the discussion. This centralizing attitute is related to
the concept of philosophy that he/she uses to organize his/her pedagogical work. The
teacher reports that his/her initial academic formation had a small contribution to
organize his/her current teaching practice. The only important contribuition was the
great theoretical referenciais of the philosophy history. When trying to approach the
philosophy history with the theme of interest to the students, and when encouraging
them the need to think about one´s own daily routine, the teachers believe to be
philosophying, which the initial academic formation did not teach because it is far from
the High School student reality. This study aimed to show that it is possible to teach
philosophy and there is no difference between teaching philosophy and to practice
philosophy once the dualisms inherented to the High School teacher are understood and
managed.
10
INTRODUÇÃO
O ENSINO DA FILOSOFIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-
TEÓRICA A PARTIR DOS ANOS 80
Em meados dos anos 80 fiz estágio supervisionado na então Escola
Estadual de 2º Grau Cilon Rosa
1
em Santa Maria. A professora supervisora
do estágio não exigiu que fizéssemos um relatório por escrito justificando
que a maioria destas experiências ficava apenas entre o aluno que
estagiário, o professor supervisor e os alunos da turma em que foi realizado
o estágio. Com o objetivo de socializar nossas experiências, o que fizemos
ao final do estágio de todos daquele ano, foi uma apresentação do que
produzimos e uma posterior discussão entre os estagiários sobre os
problemas enfrentados e as soluções que foram sendo encontradas ao longo
do processo. Esta experiência, na prática, substituiu o relatório escrito.
Mesmo sem essa exigência oficial produzi, junto com outro colega
estagiário, alguns textos que retrataram aquela experiência inicial como
professor de filosofia. Escritos que me ajudaram a reviver aqueles
momentos iniciais na profissão de professor. Apesar de vir, naquele
momento, de uma formação inicial não muito preocupada com a questão do
ensino da filosofia, hoje me dou conta que mesmo sem saber eu já tinha
uma preocupação com o ensino da filosofia, mesmo que naquele momento
isto não fosse tão evidente para mim. Presenciamos, enquanto fazíamos a
observação do trabalho da professora titular da turma, o distanciamento
entre a ação docente e o interesse do aluno. Tínhamos a sensação de que o
1
No atestado de conclusão do estágio está registrado que “Paulo Ricardo Tavares da Silveira realizou
estágio da disciplina de filosofia (...) no período de 28/04 a 09/06 de 1984”.
11
ensino da filosofia era indiferente ao interesse e a compreensão dos alunos,
que as problemáticas filosóficas propostas poderiam ser descartadas que
não fariam qualquer diferença. Não vimos o aluno trabalhar com texto,
entretanto, vimos exposição teórica em grande intensidade e muita
exigência de silêncio para que a mensagem fosse comunicada aos alunos.
Nossa preocupação com o ensino da filosofia não era, no entanto, algo
isolado do contexto social e político da época. Hoje, olhando com mais
distanciamento e menos emoção, percebo que o que a professora da turma
fazia quando ensinava filosofia era muito mais conseqüência dos anos de
ditadura militar do que simplesmente resultado de decisões meramente
individuais. Através da bibliografia hoje disponível percebe-se que a
atuação do professor de filosofia dificilmente seria diferente visto que
quem lecionava nas escolas de então, formou-se como professor sob a
égide da ditadura
2
, onde as questões pedagógicas na formação inicial eram
colocadas em segundo plano e o aluno só se dava conta que seria professor
de filosofia quando chegava à época de fazer o estágio supervisionado.
Vivia-se concreta e historicamente a separação entre a produção filosófica
e o ensino da filosofia no “segundo grau” da época. Nesta perspectiva, em
termos de formação inicial, as questões referentes à atuação do professor
eram resumidas a uma disciplina de didática e ponto final.
Olhando do ponto de vista conjuntural, poderíamos dizer que este
período da vida brasileira (de 1964 a 1980) gerou no ambiente escolar um
2
Temos consciência que a origem do distanciamento entre formação inicial e atuação docente não está
diretamente vinculada à ditadura militar e sim a história dos cursos de formação no Brasil, pois ao findar
a ditadura, no início dos anos 80, o problema deveria também acabar, ou no mínimo amenizar, e não é
isso que aconteceu. O que gostaríamos de ressaltar, no entanto, é que no período ditatorial este problema
sequer era discutido ou visualizado.
12
grande conformismo e apatia quanto às expectativas e possibilidades de
uma educação filosófica.
O movimento da volta da filosofia para o segundo grau nos anos 80
trazia em seu âmago as aspirações de um novo tempo que recém tinha
rompido com a ditadura militar, e que concebia a filosofia como uma
espécie de salva-vidas curricular, capaz de servir como instrumento para
interpretar, compreender e ajudar a modificar o mundo. Era um tempo de
negar os discursos produzidos pelos professores de OSPB (Organização
social e política do Brasil) e EMC
3
(Educação Moral e Cívica) quando
alertavam sobre o perigo da invasão comunista no país, sobre o temor que
devíamos ter do marxismo, etc. Ao publicar o livro “Filosofia no ensino do
segundo grau” em 1985, Maria Tereza Penteado Cartolano (1985, p. 99),
alertava para a situação em que se encontrava o ensino da filosofia no
momento. Diz-nos ela que:
A realidade educacional gerada pela Lei de Diretrizes e Bases de
1971, incentivando a formação básica profissionalizante, acabou
por desintegrar o que ainda restava das classes de filosofia. Apesar
da possibilidade de permanecer nos currículos através das lacunas
deixadas pela legislação do ensino, a atividade filosófica nas salas
de aula vem caindo num marasmo estéril.
Ao justificar a pesquisa que almejava realizar, a autora procurava
segundo sua própria expressão, “descobrir” a realidade do 2º grau, quanto
às expectativas dos alunos em relação ao ensino da filosofia em Campinas,
3
A Lei 5692/71 assegurou a organização do currículo do 2° Grau de maneira a assegurar a formação
profissional do adolescente. Além do núcleo comum fixado pelo Conselho Federal de Educação contendo
as disciplinas: língua portuguesa e estrangeira moderna, estudos sociais (história, geografia e organização
social e política do Brasil), Ciências (Matemática e ciências físicas e biológicas), o Conselho Federal
fixou outras matérias obrigatórias, dentre elas “educação moral e cívica”, que segundo análise de
Cartolano (1985, P. 77) fundada na moral católica e no patriotismo.
13
Cartolano lança mão de um instrumental teórico marxista afirmando que a
classe dominante, a fim de legitimar e reproduzir as relações materiais e
sociais e ideologicamente manter a coesão social encarrega a escola, assim
como outras instituições, de atuarem no interesse das estruturas de
dominação social. Afirma categoricamente que, a “... escola é o
instrumento privilegiado para criar e perpetuar essa situação de
desigualdade e impedir a emergência da visão crítica da realidade”.
(CARTOLANO, 1985, p.105,106). Conforme Cartolano, o espaço das
aulas de filosofia constituía uma ameaça para a visão de mundo da
burguesia de então. Seria um espaço livre para se refletir sobre os
problemas da sociedade brasileira. Há aqui uma preocupação,
compreensível no contexto oriundo da ditadura militar, de garantir na
escola um espaço de discussão. Não se faz menção à tradição filosófica,
nem a abordagens sobre o ensino da filosofia. A pesquisa concluía que
O ensino de filosofia no 2º grau deve surgir como uma necessidade
de se exercer a reflexão e a crítica a respeito de um determinado
contexto econômico, político, social e cultural; o ensino de filosofia
não deve ter a pretensão de elaborar conhecimentos absolutos e
definitivos, de modo a fixar o real em representações, sejam elas
fatos ou idéias; deve ser mais ‘ modesto’ em suas intenções e se
propor acompanhar reflexivamente os acontecimentos da realidade,
questionando-os em seus fundamentos e sempre colocando-os
como problemas provisórios que exigem soluções também
provisórias. (CARTOLANO, 1985, p.127,128)
Aponta-nos também que a filosofia deve incentivar “... os alunos a uma
participação política e econômica na produção da sociedade; essa
participação implica engajamento e tomada de decisão, o que a atividade
filosófica viabiliza”, (CARTOLANO, 1985, p.128) sendo essa, a filosofia,
14
um instrumento valioso do pensamento crítico. O objetivo de reportar-me a
uma pesquisa realizada na década de 80 tem como propósito fazer um
recorte na história do ensino da filosofia no Brasil, capaz de nos localizar
na situação atual sobre o ensino da filosofia no nível médio.
Tendo como pano de fundo a redemocratização do Brasil, no início
dos anos 80, a reintrodução da filosofia no currículo escolar é a
culminância de um processo que se inicia em meados dos anos 70 com o
surgimento de vários movimentos
4
pela volta da filosofia no 2° grau. A
volta gradativa da filosofia nos anos 80 deu-se legalmente pela
promulgação da lei n. 7.044/82 que alterou a norma da lei 5.692/71 que
havia retirado a filosofia do currículo escolar em plena ditadura militar.
Essa volta, no entanto, não era exatamente o que reivindicavam as várias
entidades representativas do movimento pela volta da filosofia. Este
descontentamento tinha basicamente dois motivos: a filosofia voltava em
caráter optativo e podia ser ministrada por professores que não tivessem
formação específica em filosofia. Na prática, no contexto da época esta
“reintrodução” da filosofia foi barrada, mesmo que informalmente, por uma
série de fatores contextuais, como o fato de que sendo deixada a critério
das escolas, ela foi vitima dos vícios
5
que as relações de poder fazem brotar
nas escolas, dentre outros fatores.
4
No ano de 1975 foi criado, no Rio de Janeiro, com a presença de filósofos de vários Estados brasileiros,
o Centro de Atividades Filosóficas (SEAF). Cujo objetivo era lutar pelo retorno da filosofia ao currículo
do segundo grau como disciplina obrigatória.
5
Sob a alegação da falta de professores habilitados para ministrar filosofia na escola; diante da situação
de aproveitamento dos professores na mesma escola; mediante privilégios de alguns professores dentro do
contexto escolar, a filosofia ficou descaracterizada como uma disciplina ministrada por professores
formados exclusivamente para tal.
15
A filosofia voltava de forma controlada, segundo nos observa Alves
(2002, p. 49), tendo como pano de fundo o contexto econômico da época.
Diz-nos ele que:
Vivia-se nesse período o desgaste do ‘milagre econômico’, que
resultou dentre outras coisas, na queda do nível de vida das
camadas médias, contribuindo para aumentar o clima de oposição
ao regime militar. Com uma oposição quase generalizada, vinda de
vários setores da sociedade, inclusive de setores da elite, como a
OAB (Ordem dos advogados do Brasil), ABI (Associação
Brasileira de Imprensa), CNBB (Conferência Nacional do Bispos
do Brasil), universidades etc., o governo começou a não poder
mais assegurar o ‘ordem’ por meio da repressão indiscriminada e
violenta, sendo obrigado a buscar outras formas de legitimação.
É importante registrar que mesmo com dificuldades para se manter através
da repressão, a transição para a democratização do país, quando o assunto
era o ensino da filosofia, esta “democratização” foi de forma gradual e
controlada, procurando instrumentalizar a própria filosofia para ajudar a
continuar o modelo econômico vigente. Observa Alves (2002, p. 53) que
[...] após o retorno da filosofia ao currículo, mesmo que de forma
optativa, isto terminou esvaziando as discussões que
impulsionaram a defesa pelo retorno da filosofia ao ensino
secundário, causando a desarticulação de todo o movimento
liderado pela SEAF nacional.
Esta situação histórica gerou uma sensação de ausência da filosofia no
ensino médio, indicada pela falta de uma articulação mais intensa dos
profissionais da área de filosofia a nível nacional. Este mal estar é causado
pela ambigüidade em que se encontra a filosofia na escola. Como nos
afirma Alves (2002, p. 54):
16
[...] todas as vezes que a filosofia teve seu espaço reduzido no
currículo coincidiram com os momentos em que a legislação
federal tornou-a optativa ou quando se pronunciou de forma
ambígua e contraditória a respeito desta questão.
Cabe-nos observar que a luta pela volta obrigatória da filosofia no
segundo grau, transitou em nível macro, ou seja, no âmbito das relações de
poder com a criação de movimentos em nível nacional com o objetivo de
tornar obrigatório o retorno da filosofia que tinha sido banida do segundo
grau nos anos 70, trilhando um caminho em que as discussões sobre o tema
não colocavam como pauta importante as questões micro que envolvem as
discussões sobre a especificidade do ensino da filosofia na sala de aula e as
alternativas possíveis para que a filosofia realmente se inserisse no segundo
grau. Tinha-se a meta de que a filosofia fosse inserida de forma obrigatória,
o que era e é uma bandeira legítima e necessária. No entanto, a filosofia
que estava sendo ministrada naquele momento em sala de aula não era
pauta de discussão. Esta ausência de discussão trazia como conseqüência o
abandono da discussão sobre o professor de filosofia como agente racional;
pôs de lado a discussão sobre a intrínseca relação entre a produção
filosófica e o ensino da filosofia, desconheceu as questões de conteúdo e de
didática referentes ao ensino da filosofia, para citar algumas questões.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9394/96, de
20 de Dezembro de 1996) o ensino da filosofia volta a figurar como um
conhecimento importante para a formão do jovem no atual ensino médio.
Na seção IV, § 1º (que trata dos conteúdos, metodologias e formas de
17
avaliação) mais especificamente no capítulo III, a LDB afirma que no final
de sua formação é necessário que o educando seja capaz de demonstrar
“domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania”. Esta afirmação por si só já despertou inúmeros
questionamentos e descontentamentos. Não só por aquilo que ela afirma de
forma explícita assim como o que está subentendido nas entrelinhas do
texto. A referida LDB não assinala o ensino da filosofia como obrigatório
no currículo escolar, colocando-a como disciplina complementar, ficando a
cargo da direção da escola ofertá-la ou não, dentro do percentual de 25%
reservado às disciplinas optativas. Neste aspecto a filosofia precisa ainda
conquistar o seu espaço tanto a nível político institucional (que seria sua
inserção como disciplina obrigatória) quanto ao nível de sua efetivação no
currículo ao lado de outras disciplinas. O fato de colocar a filosofia como
disciplina transversal abre a possibilidade de que ela seja ministrada por
professores de outras áreas o que descaracteriza a disciplina (pois ensiná-la
sem o devido conhecimento da história da filosofia, facilmente fará o
professor perder-se numa filodoxia que transforma a filosofia numa
discussão vulgar, recheada de senso comum). Existe também o perigo da
filosofia simplesmente ser instrumentalizada do ponto de vista teórico, pois
como nos afirma Kohan (2003, p. 47):
Quando se ensina filosofia para afirmar uma política – ou uma
moral, uma pedagogia, uma religião, que para este caso é o mesmo,
são todas ordens determinantes-, se impossibilita a filosofia porque
a moral, a pedagogia, a política e a religião são para a filosofia um
problema e não um ponto de chegada. Quando se busca finalidades
morais, políticas, pedagógicas, religiosas, a filosofia se torna
impossível.
18
Assim, quando a LDB afirma que o domínio dos conhecimentos de
Filosofia e de Sociologia são necessários ao exercício da cidadania, o alvo
principal de tal afirmação é o exercício da cidadania, ou seja, a filosofia
está a serviço de algo que lhe é exterior. Poderíamos perguntar, a que
conceito de cidadania se refere a LDB? Ter uma postura filosófica é
abordar a cidadania não do ponto de vista de quem já determinou a que tipo
de cidadania devemos desejar. De uma perspectiva filosófica discutir o que
é cidadania é o início do filosofar.
Um ano depois da promulgação da LDB, o deputado federal Roque
Zimmermann, através da alteração do artigo 36 da lei n°. 9.394 de 20 de
dezembro de 1996, propôs a inclusão da filosofia e da sociologia como
disciplinas obrigatórias no ensino médio. O referido projeto foi aprovado
pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados no dia
22 de setembro de 1999, posteriormente seguindo para o Senado Federal
sendo aprovado no dia 18 de setembro de 2001. Entretanto no dia 08 de
outubro de 2001, o então Presidente da República Fernando Henrique
Cardoso vetou o projeto alegando que não há no país formação suficiente
para atender a procura que se sucederá caso o projeto fosse sancionado.
Como bem nos observa Alves (2002, p. 141): “... existem 90 cursos de
filosofia em atividade no país formando professores de filosofia”. Além
desta pertinente observação acrescenta o autor que: “... outras disciplinas
do currículo, matemática, por exemplo [...] têm enormes problemas com a
falta de professores e nem por isso se cogita a sua não-inclusão no
currículo”.
19
Concomitante a esta luta em nível macro apela obrigatoriedade da
filosofia no ensino médio, nos últimos anos os Congressos e Encontros de
filosofia no Brasil têm mostrado uma preocupação com o ensino da
filosofia através de inúmeras publicações abordando as relações entre
educação e filosofia; questões relacionadas a ética e política da perspectiva
filosófica e em alguns textos a sua relação com a atual LDB; a questão da
formação inicial e seus desdobramentos na atuação do professor; a filosofia
para crianças ou a partir delas; narrativas de experiências no ensino da
filosofia e tanto outros temas e questões. Apesar das discussões muitas
questões ainda permanecem abertas quando pensamos no ensino da
filosofia no nível médio como, por exemplo, sobre a natureza dos
conteúdos a serem ensinados, os pressupostos metodológicos que
fundamentam a prática do ensino da filosofia, quais as condições que
possibilitam o filosofar, que saberes são necessários à docência filosófica,
como a filosofia influencia o ensino da filosofia para além das questões
didáticas e metodológicas, como é possível o exercício livre da filosofia
numa instituição dominada por determinismos burocráticos etc.
Acreditamos que para a filosofia efetivamente ingressar no ensino médio,
não basta apenas que ela seja obrigatória, é preciso trilhar um caminho que
possa visualizar as práticas dos professores de filosofia. E nesta direção é
possível propor uma discussão dos saberes do professor que ensina
filosofia, enfocando a ação deste mesmo professor no processo de ensino,
através de uma crítica que rompa com o obscurantismo ideológico que
procura insistentemente instrumentalizar a filosofia. Compreender os
saberes da ação pedagógica que estão inerentes na prática do professor é
20
pensar o professor como agente racional ativo, que através de sua prática
peculiar rompe o dualismo entre filosofar e ensinar filosofia.
Quando se trata do ensino da filosofia nos vinculamos a Gallo (2004)
quando o mesmo afirma que “... cada área tem suas especificidades, que
implicam num ‘ser professor diferenciado’.” (Gallo, 2004, p.213). Esta
afirmação nos sugere pensar que a docência em filosofia comporta certas
especificidades. Dentre muitas, destacamos aqui uma característica que é
própria do ensino da filosofia no nível médio, ou seja:
[...] a de ser um discurso originário da e voltado para a prática, sem
que disso se deduza sequer uma distinção esquemática entre teoria
e prática, quanto mais uma prioridade da prática sobre a teoria...
seja como for, neste sentido de uma urgência que advém da
prática...”. (CEPPAS, 2002, p. 88).
Uma urgência que nos aponta a ausência da filosofia no contexto
escolar. Resultado da supremacia da prática pela prática. Uma ausência da
filosofia orquestrada pela idéia de que as coisas, as pessoas, as idéias são
descartáveis. A luta do professor de filosofia para criar um espaço de
resistência na sala de aula deveria ser uma constante. Como nos afirma
Lyotard (1993 p. 121,122):
As nossas dificuldades de professores de filosofia consistem
essencialmente na exigência de paciência. Que se deve suportar
não progredir (de forma calculável, aparente), começar sempre, é
contrário aos valores ambientes de prospectiva, de
desenvolvimento, de valorização, de ‘performance’, de velocidade,
de contrato, de execução, de gozo.
21
Compreendendo esta questão a partir da ótica que nos aponta Lyotard
a filosofia parece não pertencer ao mundo atual, onde refletir é perder
tempo, retomar a própria história para compreender o presente e projetar o
futuro é complicado demais. Na atual realidade do senso comum é preciso
reduzir tudo ao presente. A urgência do mundo atual coloca o prático acima
do teórico e esta primazia do prático sobre o teórico precisa ser
administrada pelo professor de filosofia em sua ação docente, visto que,
sendo a filosofia uma disciplina eminentemente teórica, quando ensinada
transfigura-se em uma prática pedagógica que não pode descaracterizar-se
enquanto filosofia. O professor não pode perder a perspectiva de que não é
possível entender uma ação humana que não contenha em si elementos
teóricos e práticos relacionados de forma dialética. Conceber que o ensino
de filosofia no nível médio deve estar em sintonia com a prática, é pensar,
a existência de alunos que pertencem a uma determinada faixa etária, têm
uma vida pela frente a ser conquistada, que estão num momento de
escolhas e decisões importantes de suas vidas. Como nos indica Severino
(2003, p. 50):
Falar da prática e do ensino de filosofia nos remete ao exercício de
subjetividade - o que nos faz lembrar que toda atividade intelectual
humana, todo conhecimento como expressão dessa subjetividade,
já emerge no plano histórico e antropológico da espécie,
intimamente articulado com o todo da prática existencial do
homem.
Uma outra questão urgente nas relações escolares que afeta
consideravelmente a filosofia na atualidade é a queda de escrita e sua
prostração pela imagem. A linguagem verbal “... é abstrata e a
22
ambigüidade da palavra exige o deciframento, pede distância, penetrá-la
implica um esforço de mediação simbólica” (XAVIER, 2004, p. 136). A
filosofia encontra-se em situação desconfortável na cultura brasileira atual
quando inserida no currículo escolar. Pois neste contexto ela apresenta-se,
fruto de toda sua tradição, como um ensino verbal, baseado em leituras,
interpretação de textos e discussões. Estas opções de sala de aula feitas pela
filosofia, não estão em consonância com a idéia de prazer corpóreo
travestido pelo conceito de lúdico, onde a palavra de ordem é aprender sem
fazer esforço. Não queremos dizer que o ensino da filosofia não possa
proporcionar prazer, o que queremos deixar claro é que em nome desta
idéia de prazer muitas vezes se anula a relação pedagógica entre professor e
aluno. Temos consciência que estes não são os únicos fatores que
dificultam a inserção efetiva da filosofia no contexto escolar, mas são
dificuldades que o ensino da mesma terá que enfrentar, sem perder o que
lhe é essencial, se quiser fazer parte da vida do aluno, e conseqüentemente
da realidade social atual. Ao propor uma pesquisa sobre o ensino da
filosofia no nível médio, nos deparamos igualmente com muitos outros
desafios. Dentre eles um que nos menciona Silvio Gallo (2003, p. 24), em
um texto denominado “O ensino da filosofia no contexto de uma educação
menor”. Para ele:
As pesquisas e as práticas em torno do ensino da filosofia no
Brasil, desde a década de noventa (sobretudo em sua segunda
metade) têm estado voltada para a ‘grande educação’, para uma
‘educação maior’
6
.
6
Gallo entende por educação maior aquela gestada no âmbito das políticas gestadas nos ministérios e nas secretarias.
23
Toma-se esta postura em detrimento de uma educação menor
7
, cujo campo
de investigação carece de pesquisa e discernimento. Neste contexto,
investigar a filosofia através do seu ensino, é dar crédito a uma tentativa de
abandonar as posturas que se preocupam em justificar a presença da mesma
no currículo escolar, apelando para uma visão onde esta disciplina tem a
missão de humanizar o contexto escolar
8
, assim como ensinar a pensar. É
procurar partir de uma concepção onde a filosofia não seja um meio para
algo que não lhe é inerente
9
, mas que tenha existência e propósitos
próprios, ou seja, esteja identificada com a sua própria maneira de existir
enquanto discurso filosófico. Trazer a filosofia para sua própria terra é não
concebê-la somente como um instrumento de libertação, alicerçada na idéia
de que existe uma realidade verdadeira a ser descoberta e transmitida aos
demais. É recusar a distinção entre aparência e realidade, que se
fundamenta na ‘noção de correspondência’ e na idéia de ‘natureza
intrínseca, tão a gosto das concepções metafísicas existentes. É aceitar o
desafio de investigar maneiras de vivenciar a filosofia que não se reduzam
a um enciclopedismo e ao mesmo tempo não caiam no vazio das opiniões.
Percorrer estes caminhos passa pela discussão de saberes do ensino de
filosofia. Já existe uma discussão sobre saberes da docência em geral. Ao
7
Segundo Gallo, educação menor é a educação que se pratica no silencio da sala de aula.
8
A dissertação de mestrado de Rejane Justen Ramborger, quando aborda a relação do professor de filosofia e a
escola (outros professores, direção e outros), diz que o professor de filosofia, no cotidiano escolar, percebe-se como
alguém que tem uma função recreacionista, na medida em que se envolve com atividades extracurriculares, pois ele é
aquele que entende um pouco de tudo. P. 54. RAMBORGER, Rejane Justen. O professor de filosofia no ensino
médio: Uma reflexão sobre sua formação inicial.(Dissertação de Mestrado em Educação) Centro de educação da
Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria. 2003.
9
O professor Silvio Gallo em seu texto “O ensino da filosofia no contexto de “educação menor” coloca o grande
desafio do professor de filosofia na sociedade contemporânea. Nos diz que: “Em lugar de sermos mais uma
engrenagem na grande máquina de controle em que se converteu a sociedade contemporânea, agindo como vetores da
educação maior e contribuindo na produção de cidadãos, indivíduos massificados e prontos a serem controlados,
embora aparentemente vivem em liberdade e no regime dos direitos democráticos, podemos investir na autonomia, na
singularização, na fuga a qualquer controle”. GALLO, 2003. P. 32.
24
propor a possibilidade da existência de saberes específicos da docência em
filosofia, parto da idéia de que a mesma tem peculiaridades quanto ao seu
acontecer na sala de aula. É preciso olhar sob dois aspectos. Um deles é a
gestão do conteúdo, e o outro se refere a gestão da sala de aula. O conteúdo
da filosofia não pode prescindir da história da filosofia, da construção dos
conceitos na história e de como eles se transformam no tempo e no espaço.
Mas para que a docência em filosofia não se transforme apenas em uma
história distante e estranha, feita por pessoas estranhas é preciso perguntar
como o professor gesta o conteúdo na sala de aula? Como ele organiza a
aprendizagem? De que tipo de saberes ele lança mão para que a filosofia
esteja viva no contexto escolar? Ao racionalizar sobre a sua ação o
professor estará definindo que tipo de saberes são importantes para que a
filosofia tenha uma existência efetiva no contexto escolar, mostrando que
não basta estar na grade curricular da escola. Com a convicção de que esta
não é uma questão meramente metodológica, intento no primeiro capítulo
dissertar sobre a necessidade de se romper com o dualismo entre filosofar
e ensinar filosofia, a partir da visão socrática. Colocar esta discussão no
seio da escola é pensar a aproximação entre educação e filosofia na medida
em que ambas tem a questão da formação humana como um alvo a ser
atingido. Como nos observa Kohan (2003, p. 36): “... o sentido da filosofia
está a serviço da formação ou fabricação de certo ideal de pessoa. Em
outras palavras, que a filosofia contribui para uma Paidéia formativa,
fabricadora”. Intento uma reflexão que procura discutir se a visão socrática
afirma ou nega o dualismo entre filosofar e ensinar filosofia. Ainda no
capítulo primeiro faço uma abordagem da visão platônica de ser humano e
sua relação com o ensino da filosofia, baseado em seu livro da maturidade,
25
A República. Posteriormente abordo com mais nitidez a questão do
dualismo entre filosofar e ensinar filosofia através das idéias de Kant e de
Hegel. Completo este capítulo abordando algumas relações entre o
aprendizado da filosofia e a formação do ser humano.
No segundo capítulo, através do caminho aberto por Sócrates, parto
de uma antropologia que define o ser humano com um ser de ação, que se
constrói na ação. Uma ação que acontece na tensão entre uma sociedade
pré-existente e a subjetividade do indivíduo. E é desta tensão que surge a
possibilidade da institucionalização, pois esta só é possível na relação
dialética com o sujeito. No terceiro capítulo, partindo da concepção de
institucionalização da ação pedagógica, intento discutir sobre saberes do
professor de filosofia. Para trilhar este caminho inicialmente disserto sobre
a ação educativa do professor de filosofia no ensino médio. Procuro
identificar nesta ação qual o conceito de filosofia inerente a prática do
referido professor; posteriormente identifico os dualismos a que está
submetido o ensino da filosofia emvel médio; e por último, através do
rompimento e/ou aproximação dos dualismos identificados, procuro
identificar alguns saberes da prática do docente de filosofia no nível médio.
26
TRAJETÓRIA DA PESQUISA
As pesquisas na área de filosofia, em sua grande maioria, ao
referirem-se ao cotidiano escolar, o fazem a partir de uma visão
normativa
10
. Mesmo estando em um contexto político diferente dos anos
80, o fato de a filosofia estar inserida concretamente no ensino médio de
algumas escolas públicas, este fato por si só, não garante a presença da
filosofia na sala de aula. A experiência como aluno e posteriormente como
professor mostrou-nos que se pratica na escola muito mais uma filodoxia
do que propriamente filosofia, como já foi explicitado anteriormente. Mas
temos que ter em conta que quem trabalha com a filosofia teve uma
formação para exercer esta função. Em algum momento de sua formação
recebeu conteúdos disciplinares selecionados e organizados pela
universidade que estudou; teve acesso aos saberes das ciências da educação
que são próprios da sua profissão; aproximou-se da tradição pedagógica
através da cristalização de determinada maneira de ministrar o conteúdo
disciplinar; mesmo que de forma solitária acumulou experiências do
cotidiano escolar; possibilitou através de sua prática que se pudesse pensar
nos saberes da ação pedagógica, campo aberto de discussão e pesquisa.
Sendo assim, é desta perspectiva que este trabalho pretende se aproximar
da ação docente do professor de filosofia que atua no ensino médio,
investigando os saberes específicos que o identificam como docente da
referida disciplina.
10
O ponto de vista normativo na prática significa que os pesquisadores se interessam muito mais
sobre o que os professores deveriam ser, fazer e saber, e não pelo que eles são, fazem ou realmente
sabem.
27
As questões de pesquisa que orientaram este trabalho foram:
* Como caracteriza-se a ação do professor de filosofia no ensino médio?
* Como o conceito de filosofia adotado pelo professor influencia a sua ação
docente?
* Na relação entre filosofia e ensino, quais são os dualismos encontrados e
como eles se manifestam na prática do professor no ensino médio?
* Qual a influência da formação inicial na ação docente do professor de
filosofia?
* O que possibilita a formação de saberes inerentes a docência em
filosofia?
* Quais são os saberes inerentes a ação do professor de filosofia em nível
médio?
Para tornar mais nítida esta busca de conhecimento, o presente
trabalho tem como objetivo geral: Identificar os saberes construídos na
ação pedagógica pelo professor de filosofia em sua atuação na sala de aula
no ensino médio. Os objetivos específicos são: 1- Identificar como os
professores atuantes no ensino de Filosofia articulam os saberes da ação
pedagógica na constituição de sua prática docente a nível médio. 2-
Verificar, através da ação docente, a manifestação de uma saber
eminentemente filosófico, ao interagir de forma dialética a história da
filosofia e o filosofar na sala de aula. 3- Verificar se o dualismo entre
ensinar filosofia e filosofar sustenta-se mediante a ação pedagógica do
docente de filosofia. 4- Perceber como a visão sobre os jovens que
freqüentam o ensino médio, orienta a ação pedagógica do professor de
filosofia. 5- Identificar como o conceito de filosofia, enraizado nas
28
concepções dos professores, influencia a sua ação educativa na sala de aula.
6- Averiguar a existência de dualismos na prática docente do professor de
filosofia em nível médio.
Para realizar estes objetivos optamos por uma abordagem qualitativa.
Esta abordagem trabalha com um universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que a situa num espaço mais
profundo das relações humanas. A referida abordagem procura
compreender a conduta humana a partir do marco referencial de quem atua.
Orienta-se para a descoberta sendo exploratório, descritivo e indutivo.
Assume o dinamismo e a complexidade da realidade através do imaginário
do professor. Para que possamos, no entanto, compreender a ação
pedagógica do professor de filosofia lançamos mão de entrevista objetiva,
com a qual traçamos um perfil da atuação docente quanto a instituição em
que atua, formação inicial, se possui pós-graduação, há quanto tempo
leciona filosofia no ensino médio, em quantas escolas já trabalhou com
filosofia, e se sempre lecionou esta disciplina.
O outro instrumento de pesquisa utilizado foi entrevista semi-
estruturada
11
. Estas entrevistas que foram gravadas e posteriormente
transcritas para análise dos dados, constaram de questões previamente
elaboradas que serviram de roteiro a ser seguido. Iniciaram com
questionamentos que indicaram como o professor concebe o aluno que ele
trabalha, qual o conceito de filosofia que ele adota em sua ação, de que
11
Os nomes das professoras foram substituídos por letras, para manter o sigilo nas declarações
feitas. Junto às entrevistas digitadas estão uma autorização dada por cada entrevistada para que
o pesquisador possa usar as informações concedidas. Embora esta pesquisa tenha feito referência
às escolas que concentraram maior número de entrevistas, esta pesquisa não se resumiu a estas
escolas, abarcando também outras escolas que pertencem a 8ª CRE, com sede em Santa Maria.
29
forma esta conceituação afeta sua maneira de trabalhar, a relação dos
conhecimentos adquiridos na formação inicial e a sua prática docente,
como sua experiência de professor foi mudando a sua ação docente, a
existência de saberes específicos da docência em filosofia, como ele
trabalha suas aulas, como ele avalia o seu aluno, entre outras questões que
surgiram de forma espontânea ao longo do diálogo estabelecido, que
possibilitaram compreender como dá-se sua atuação como professor de
filosofia, e como ele justifica (fundamenta) racionalmente sua ação
educativa.
A análise das entrevistas foi feita através das seguintes categorias: 1°
- Ação do professor de filosofia. 2° - Concepção de filosofia. 3° -
Dualismos da prática docente. 4° - Saberes do ensino da filosofia.
Público Alvo
O projeto inicial desta pesquisa seria realizado com professores que
atuassem com filosofia no ensino médio. O público alvo teria uma
delimitação geográfica, por que atingiria os professores lotados na 24ª
Coordenadoria Regional de educação situada em Cachoeira do Sul. Como a
intenção era verificar a prática da disciplina filosofia, o pesquisador não
tinha colocado como fator importante o fato do professor atuante no ensino
médio ter sido formado em filosofia na formação inicial. Porém, ao iniciar
uma leitura mais aprofundada sobre os caminhos e descaminhos da
filosofia na luta por sua inserção no ensino médio, desde sua completa
exclusão na década de 70, passando pela luta para sua volta nos anos 80 e
30
chegando até a atual LDB, onde a filosofia foi colocada como optativa e
com a possibilidade de ser tratada no ensino médio como tema transversal,
é que a questão disciplinar transformou-se numa questão imprescindível.
Retomar o espaço disciplinar da filosofia no currículo escolar tornou-se de
vital importância para a volta da referida disciplina como obrigatória.
Como conseqüência deste fato a questão do docente que trabalha com
filosofia adquiriu um outro contorno, pois a forma de valorizar o ensino da
filosofia passa pela necessidade de que o docente que atua no ensino
médio, seja formado em filosofia. Esta reivindicação dos docentes de
filosofia através dos movimentos que lutaram e lutam pela inclusão da
referida disciplina como obrigatória no ensino médio, tornou-se um fato
relevante para a pesquisa em questão.
Esta constatação histórica mudou o público alvo de minha
investigação. O critério inicialmente geográfico (atendendo o critério de
acessibilidade do público alvo) tornou-se inviável. Pois os professores
relacionados no projeto de pesquisa, em sua grande maioria não são
formados em filosofia. Os docentes em sua grande maioria são formados
em pedagogia, estudos sociais, história e áreas afins. Este fato que acontece
na escola pública é decorrente da organização do quadro de professores
disponíveis no momento na escola, motivado pela idéia de que professores
formados em outras áreas podem tranqüilamente lecionar filosofia, o que
não acontece com disciplinas como matemática, física e química. Há uma
compreensão, por parte de quem organiza estes quadros, de que a filosofia
carece de uma especificidade que necessitaria de um profissional formado
na área. Este fato que afeta a escola pública situada na 24ª Coordenadoria
31
fez a pesquisa em questão enfocar o público alvo de outra maneira. A
definição do público alvo ficou delineada da seguinte maneira: Seria o
professor que é formado em filosofia, leciona na escola pública no ensino
médio. Este perfil do público alvo me remeteu a Santa Maria
12
, visto que a
proximidade com a Universidade Federal de Santa Maria, proporciona um
acesso facilitado ao docente com formação inicial em filosofia.
A Coordenadoria Regional de Educação (CRE) com sede em Santa
Maria, abarca 21 Municípios que têm ensino médio: Cacequi, Dilermando
de Aguiar, Faxinal do Soturno, Formigueiro, Itaara, Ivorá, Jaguarí, Julio de
Castilhos, Mata, Nova Palma, Pinhal Grande, Quevedos, São Francisco de
Assis, São João do Polêsine, São Martinho da Serra, São Pedro do Sul, São
Sepé, São Vicente do Sul, Silveira Martins, Toropi, Vila Nova do Sul.
Destes 21 municípios dezesseis (16) têm filosofia no ensino médio. Dos
professores que atuam no ensino médio apenas cinco (5) são formados em
filosofia. Sendo que os demais são formados em outras áreas como
especifica o quadro abaixo.
Número de cidades abrangidas pelo ensino médio, com exceção de Santa
Maria.
21
Número de escolas com ensino médio 25
Número de escolas que têm filosofia
16
Número de professores formados em filosofia lecionando filosofia 5
12
A fim de conhecer a realidade local e dar mais nitidez a investigação, realizei uma pesquisa quantitativa
com o objetivo de verificar o número de escolas que trabalham com filosofia no ensino médio na 8ª CRE
no ano de 2005.
32
Número de professores formados em história lecionando filosofia 03
Número de professores formados em pedagogia lecionando filosofia 03
Número de professores formados em português lecionando filosofia 01
Número de professores formados em Estudos Sociais lecionando filosofia 01
A escola não informou 03
É importante observar que o número de professores formados em
outras áreas lecionando filosofia é muito alto. Mesmo que, os que não
informaram sobre a formação do professor fossem todos formados em
filosofia, ainda assim ficaríamos em 50% formados em filosofia e 50% não
formados em filosofia. Mas a tendência do que observamos não é a
sugerida acima.
A maior parte dos professores formados em filosofia estão lotados na
cidade de Santa Maria. O número de professores formados em filosofia que
estão atuando no ensino médio na escola pública de Santa Maria são 23,
sendo que destes, cinco professores a escola em que ele atua não quis
informar a formação dos mesmos. Mediante o quadro dos professores que
se encaixavam nas exigências propostas a presente pesquisa entrevistou 09
professores.
33
O quadro das escolas da rede pública de Santa Maria em 2005 configura-se
da seguinte maneira.
O perfil dos entrevistados apresentou-se da seguinte maneira:
ESCOLAS DA REDE PÚBLICA EST.COM ENSINO MÉDIO NA 8ª CRE. 18
ESCOLAS PÚBLICAS COM FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO. 10
NÃO INFORMARAM 06
NÚMERO DE PROFESSORES FORMADOS EM FILOSOFIA
ATUANDO COMO DOCENTE NO ENSINO MÉDIO NA 8ª CRE
23
NÚMERO DE PROFESSORES FORMADOS EM FILOSOFIA,
ATUANDO NA CIDADE DE SANTA MARIA.
18
NÃO INFORMARAM 05
NÚMERO DE PROFESSORES ENTREVISTADOS NESTA PESQUISA 09
GRADUAÇÃO
PERÍODO
INÍCIO-
TÉRMINO
TEMPO DE
DOCÊNCIA
EM
FILOSOFIA
SEMPRE
LECIONOU
FILOSOFIA NO
ENSINO MÉDIO?
QUANTAS
ESCOLAS VOCÊ JÁ
TRABALHOU COM
FILOSOFIA?
A
FILOSOFIA 1990/1994 5 ANOS SIM 1
B
FILOSOFIA 1978/1982 11 ANOS SIM 2
C FILOSOFIA 1982/1985 04 ANOS SIM 2
D
FILOSOFIA 1989/1999 03 ANOS NÃO(psic. Soc.) 2
E
FILOSOFIA 1990/1993 05 ANOS NÃO (psic.) 2
F
FILOSOFIA 1990/1994 02 ANOS SIM 1
G
FILOSOFIA 1982/1986 13 ANOS SIM 2
H
FILOSOFIA 1983/1987 05 ANOS NÃO (psic.) 3
I
FILOSOFIA 1975/1978 30 ANOS NÃO(Soc/psic.) 6
34
A primeira escola que me aproximei foi a Escola Estadual Cilon
Rosa, (a mesma escola que estagiei em meados dos anos 80). Uma
curiosidade: fui informado que a professora que lecionava na escola na
época em que estagiei já se aposentou, e não era formada em filosofia.
Nesta escola foram entrevistados seis professores. Pelo levantamento feito
pelo pesquisador, dos professores que se enquadravam nas exigências da
pesquisa, duas escolas, em Santa Maria, concentram o maior número de
professores. A saber, a Escola Est. Cilon Rosa e o Col. Est. Manuel Ribas.
O maior número de professores entrevistados foi destas escolas, mas
também entrevistei alguns professores que trabalham em outras escolas da
cidade de Santa Maria. Como os professores das escolas Cilon Rosa e
Manuel Ribas fazem parte de um grupo dentro da própria escola, eles têm
muita coisa em comum no trabalho. Então para verificar a existência de
determinadas posturas do professor em sala de aula, fora da influência do
grupo, entrevistei professores que são os únicos professores de filosofia nas
suas respectivas escolas. Muitas destas entrevistas foram feitas em horários
alternativos, depois de uma jornada de dois turnos de trabalho, na própria
escola (na sala dos professores, na sala de aula), na casa do próprio
entrevistado que gentilmente recebeu este pesquisador. É interessante
observar a disponibilidade dos professores e a compreensão que os mesmos
manifestaram sobre a importância do trabalho proposto. É claro que
existiram exceções. Falar do seu próprio trabalho enquanto professor é
também falar de si mesmo, explicitar a sua ação é mostrar o que se é, e isto
nem sempre é fácil de fazer para uma pessoa que você não conhece. Acho
que consegui deixar os entrevistados bem à vontade, conseguimos até fazer
35
piadas e rir muito. As entrevistas, apesar de serem guiadas pelas mesmas
questões, variaram de tamanho, devido às peculiaridades de cada professor
(a) entrevistado (a). Alguns são mais emotivos em suas colocações,
exemplificando e vivificando momentos significativos, através de
episódios, as suas convicções, outros um pouco mais frios e técnicos,
ressaltando pontos importantes. Todos, no entanto, com uma profunda
convicção de que estão fazendo o melhor de si para que o aluno tenha
acesso à filosofia. O que não se configura como uma tarefa fácil, devido às
peculiaridades da disciplina e os desafios conjunturais a que estamos
submetidos. Desafios estes que vão desde a situação existencial e as
aspirações da juventude que estuda no ensino médio, passando pelas
exigências de uma postura filosófica, até as questões relacionadas ao
utilitarismo imposto pela cosmovisão da sociedade atual.
36
CAPÍTULO I - O DUALISMO ENTRE FILOSOFAR E ENSINAR
FILOSOFIA.
Cap.1.1 Relações entre ensino e filosofia no contexto escolar
[...] a prática é o que fazem os professores, a teoria
é o que fazem os filósofos, os pensadores e os
pesquisadores da educação. Essa suposição é
claramente errônea: nem os primeiros são donos
ou criadores de toda prática, nem os segundos o
são de todo o conhecimento que orienta a
educação. (SACRISTÁN, 1999, p. 21)
A discussão sobre o dualismo entre filosofar e ensinar filosofia
apresenta-se como uma preocupação primordial daquele que leciona
filosofia
13
. Este se sente inconformado com a idéia de que sua atividade
seja considerada uma atividade menor, não digna do brilhantismo teórico
exibido pelos assim denominados filósofos. Este inconformismo de quem
está na docência filosófica, esconde em seu âmago, uma necessidade de
mudança, de transformação. Como nos alerta Sacristán (1999, p. 21):
Somente aqueles que se questionam entre o que é a realidade e o
que poderia ser. Aqueles que se preocupam e se ocupam de como
pode chegar a ser a realidade desejável, somente aqueles que se dão
13
Rejane Justen Ramborger dedica o capítulo II, Íten 2.2, de sua Dissertação de Mestrado, a discussão
sobre a forma como o docente de filosofia percebe na prática esta dicotomia entre o filosofar e o ensinar
filosofia. Os professores têm a percepção de que o pesquisador se dedica a um determinado autor ou tema
filosófico e acaba desenvolvendo um preconceito em relação ao trabalho de sala de aula. As falas dos
professores denotam um sentimento de inferioridade. Não se sentem um intelectual porque, diferente do
pesquisador, está imerso no universo da sala de aula. Este distanciamento aparece também quando a
pesquisadora indaga sobre a questão da inserção da filosofia no vestibular. Segundo o docente de
filosofia, o professor do ensino médio, do ponto de vista do conteúdo ficará atrelado a um outro
profissional que não conhece a ‘realidade’ do ensino da filosofia no nível médio. Percebe-se que a
aversão entre o filósofo e o docente de filosofia no ensino médio, embora por motivos diferentes, é
recíproca.
37
conta a si mesmos e unicamente aqueles que se dão conta aos
demais do porque ocorre o que ocorre e as razões do que fazem, ou
porque se deve fazer o que convém fazer, fixam suas inseguranças
no binômio problemático do conhecimento-ação, teoria-prática.
Este docente ao qual nos referimos, não só aponta a existência deste
dualismo, e isto por si só já é um problema filosófico, como também
discute a possibilidade de compreender e administrar o mesmo ao nível de
ação docente. É uma difícil batalha num contexto onde fazer filosofia do
ensino da filosofia parece soar como uma heresia, frente a tácita separação,
entre filosofar e ensinar filosofia. Se esta dicotomia, quando refere-se ao
ensino da filosofia é aparente, do ponto de vista prático é sair de um
universo teórico que é o filosófico e penetrar num mundo prático que é o
ambiente educacional. Conforme Gauthier (1998, p.341) “(...) o professor
não busca conhecimento puro, pois toda a sua atenção está voltada para a
eficácia da ação a ser realizada”. Assim, transpor estes espaços é
perceber na ação docente a possibilidade de relação entre a filosofia e
ensino. Pensar esta relação do ponto de vista histórico, situado na época
atual, num sistema nacional de ensino, numa determinada escola pública,
relacionada a um rol de outras disciplinas é identificar os dualismos que
tornam a referida relação, entre filosofia e ensino, um desafio constante e
diário.
No contexto visualizado a educação é
[...] um conjunto heterogêneo de práticas e teoria vinculadas à
transmissão de conhecimentos, à cultura e às relações sociais, que
afirma certos enunciados, enfoca alguns problemas funcionais e
propõe, por sua vez, soluções funcionais a respeito. (CERLETTI,
2002, p. 14)
38
Ela move-se impulsionada por valores saberes e práticas, e que enquanto
instituição social tem um caráter não só persuasivo, mas principalmente
coercitivo e punitivo, desta forma parece que nos distanciamos mais e mais
da filosofia. Vislumbramos aqui uma distinção e distanciamento entre o
caráter imperativo do universo educacional e uma concepção de filosofia
que manifesta-se pela reflexão e pelo convencimento. Concordamos com
Cerletti (2002, p.14) quando o mesmo afirma que “...há uma educação
fora da filosofia...” e posteriormente acrescenta que “... há uma filosofia
fora da educação. Ou seja, “... ambas não se pressupõem
necessariamente...”. Olhando, porém, de outra perspectiva e em um sentido
restrito, a prática da educação tem uma dimensão que aponta para ações
que têm relação com o cuidado, o ensino e a direção dos outros. Ela é
constituída de conhecimentos estratégicos, conhecimentos sobre esses
saberes e motivações e desejos compartilhados, o que torna menos árduo o
modo de ser unilateral e dominador da ação educacional. O que abre um
lugar delimitado de congruência entre a filosofia e educação. Na prática
diária da docência os professores têm consciência
14
de que suas ações
[...] pertencem a eles mesmos, embora, por nutrirem-se da
experiência coletiva depurada e por reagirem a situações
cristalizadas no percurso histórico, devam situar-se nessa
experiência coletiva, que podem não aceitar. (SACRISTÁN, 1999,
p. 73)
14
Entendemos a concepção de consciência, a partir dos conceitos de Luckmann, quando o mesmo afirma
que ela é sempre intencional. Sendo que nunca podemos apreender um suposto substrato de consciência
enquanto tal, mas somente a consciência de algo. Minha consciência então, é capaz de deslocar-se através
de diferentes esferas da realidade. E entre as múltiplas realidades há uma que se apresenta como sendo a
realidade por excelência, que a realidade da vida cotidiana.
39
Consciente desta tensão entre filosofia e educação Cerletti (2002, p. 17) nos
afirma que
A filosofia que vai ao encontro da educação deverá ser vista então
como uma tensão entre a liberdade (ou a irrupção do novo) e os
mecanismos institucionalizados de reprodução social e cultural.
Digamos que em nossas sociedades essa relação se encontra
normalizada através da figura política do Estado.
Neste contexto institucional a aceitação ou não dos condicionantes
históricos e culturais, nos indica a existência de concepções que norteiam a
ação docente do professor de filosofia, quer ele as identifique ou não, pois
como nos ensina Rorty (1998, P. 26):
A tentativa de estabelecer a natureza, ou a tarefa, ou a missão da
filosofia é, quase sempre, apenas uma tentativa de traduzir as
próprias preferências filosóficas sob a forma de uma definição de
‘filosofia’.
Existe aí uma intrínseca interdependência entre como o professor conceitua
a filosofia e os propósitos da mesma que determinam as ações
desencadeadas no contexto escolar. Sendo assim, a ação educativa do
professor de filosofia não está imune a uma determinada concepção de
filosofia, o que nos desafia a pensar duas possíveis concepções de filosofia
que partem de princípios excludentes e que muitas vezes convivem lado a
lado na prática docente do professor de filosofia. Silvio Gallo (2003 b, p.
84,85), inter-relacionando antropologia, educação e filosofia, detecta a
existência na prática de uma concepção de educação que busca a formação
de um homem universal, que segundo ele atende aos interesses do Estado.
40
Este é o processo que ele denomina de subjetivação. Em outras palavras
Kohan (2003, p. 38) nos afirma que se encontram aqui
[...] os elementos clássicos que definem a pedagogia formativa [...].
Por um lado educa-se para desenvolver certas disposições que, se
considera, existem em bruto, em potência; por outro lado, educa-se
para com-formar, para dar forma e, a um modelo prescritivo, que
tenha sido estabelecido previamente.
Esta concepção educacional, em congruência com uma determinada
conceituação de filosofia voltada também para a subjetivação, remete ao
transcendente, sempre em busca de uma totalidade que não suporta a
multiplicidade e supõe sempre o Universal como a realidade primeira.
Como vimos, “... nem toda filosofia contribui para a singularização; ao
contrário, encontramos na história muitas filosofias voltadas para a
subjetivação” (GALLO, 2003 b, p. 84). Afirma-nos ainda que uma
filosofia que “... opere em sintonia com a singularização é
necessariamente uma filosofia imanente, atenta ao cotidiano e ao
particular”. A conseqüência prática da opção pela subjetivação
transparece
No contexto de uma educação massificada e voltada para a
subjetivação, cujo resultado é a formação de cidadão passivo, o
ensino de filosofia só pode mesmo ser um ensino de história da
filosofia, que apresente de forma condensada os principais sistemas
filosóficos, sem se importar em examinar em que medida eles
podem ou não apresentar algum sentido para a vida dos jovens.
(GALLO, 2003 b, p.86)
Não podemos, no entanto, descartar a priori, o papel indispensável da
história da filosofia, quando abordamos o ensino da filosofia. Partimos da
41
idéia de que não se pode ensinar filosofia sem levar em conta a
historicidade do conhecimento. Parte-se da convicção expressa por
Severino (2003, p. 54) de que “... o filosofar, como toda a modalidade de
conhecimento humano, se faz também pela prática histórico-social de um
sujeito coletivo.”. Esse processo de apropriação do conhecimento
produzido ao longo da história só se torna legítimo no processo de
ensino/aprendizagem da filosofia enquanto disciplina se nos ajuda na
compreensão das nossas experiências atuais. Ensinar filosofia está dentro
de uma tradição em um constante devir que a partir do presente re-significa
o passado e nos lança em direção ao futuro, dentro de uma idéia mais
ampla de continuidade da construção do futuro da espécie. Retomar a
história da filosofia é legitimar uma caminhada que é ao mesmo tempo
individual e coletiva e que tem a capacidade de nos educar para um
processo constante de hominização. Nas palavras de Severino (2003, p. 55)
[...] com relação aos pensadores do passado não cabe exibi-los num
museu de idéias antigas, com relação aos pensadores atuais não
cabe expô-los no museu das idéias contemporâneas. Entendam-me
bem: a mediação pedagógica exige a retomada e a exposição destas
idéias, não como uma peça de anatomia ou de museu, mas como
uma dinâmica energética do pensar que problematiza a nossa
própria atualidade.
Restabelecer continuamente esta dinâmica energética a que se refere
Severino constitui-se no desafio primordial do professor de filosofia que
procura frustrar o projeto de massificação idealizado pela sociedade que
não se refere mais aos seres humanos como cidadãos e sim como
consumidores. O efetivo encontro da educação com a filosofia no contexto
da educação formal, no seio do ensino médio, convive com dualismos
42
difíceis de administrar na dinâmica do ensino da filosofia, pois esta relação
não é simplesmente uma questão didática, mas uma maneira de ser da
filosofia que se faz existir enquanto tal no calor da discussão e da
argumentação entre professor e alunos. Embora o dualismo entre educação
e filosofia, na prática, precise ser ‘reescrito’ a cada aula ministrada pelo
professor, numa relação sempre nova e no contexto urgente da educação,
do ponto de vista filosófico é preciso discutir como se da esta relação
fazendo a clássica pergunta: É possível ensinar filosofia, ou apenas
podemos ensinar a filosofar? É esta a temática que vamos nos ocupar no
item seguinte deste capítulo.
Cap. 1.2. Sócrates: afirmação ou negação do dualismo entre filosofar e
ensinar filosofia
Histórica e filosoficamente, um dos primeiros encontros entre
filosofia e educação aconteceu no século V a.C., sob o governo de Péricles,
em Atenas, na figura emblemática de Sócrates
15
. Esta relação aconteceu
permeada pela presença do pólis ateniense cuja religião oficial e
organização social não se apresentavam em condições de tolerar a ação
filosófica e simultaneamente pedagógica de Sócrates. Se contextualizarmos
esta relação entre filosofia e educação a partir da atuação socrática veremos
que o próprio Sócrates, quando ensinava filosofia não tinha uma intenção
educacional explícita em relação aos seus seguidores. Em contraposição
aos Sofistas, Sócrates afirma, na Apologia de Sócrates de Platão (2004, p.
47), que
15
Sócrates nasceu em Atenas em 470 ou 469 a. C. Sua morte data de 399 a.C.
43
[...] os jovens que espontaneamente me acompanham, e são os que
dispõem de mais tempo, os das famílias mais ricas, sentem prazer
em ouvir o exame dos homens; eles próprios imitam-me muitas
vezes; nessas ocasiões, põem-se a interrogar os outros; acredito que
descobrem uma multidão de pessoas que supõem saber alguma
coisa, mas pouco sabem, talvez nada.
Em outro momento do texto afirma Sócrates, de forma mais clara, esta sua
isenção quanto ao ensino, dizendo que nunca foi mestre de ninguém, mas
se alguém se mostrasse desejoso de sua presença, tanto jovens quanto
velhos, dizia ele que nunca se recusaria ao diálogo. Em suas palavras:
[...] nunca me recusei a ninguém. Nunca, ao menos, falei de
dinheiro; mas igualmente me presto a me interrogar os ricos e os
pobres, quando alguém, respondendo, quer ouvir o que digo, e se
algum deles se torna melhor, ou não se torna não posso ser
responsável, pois que não prometi, nem dei, nesse sentido, nenhum
ensinamento. E, se alguém afirmar que aprendeu ou ouviu de mim,
em particular, qualquer coisa de diverso do que disse a todos os
outros, sabei bem que não diz a verdade. (Platão, 2003, p. 76 )
Tentando fugir das acusações que pesavam sobre a sua atuação como
filosofo na democracia ateniense, ao mesmo tempo em que se eximindo em
relação aos seus alunos, Sócrates não se furta de interpelar os interlocutores
que pudessem comprovar suas teses sobre a sabedoria, a virtude etc. Esta
sua posição de isento, para fugir da acusação de corruptor de jovens,
parece-nos depor contra sua reputação de grande educador, pois o
fenômeno educativo supõe a responsabilidade sobre quem é ministrado
determinado conhecimento. No ato educativo o aluno é o escopo do
professor e não o conteúdo em si mesmo. O professor tem consciência que
sua missão só é satisfatória se houver aprendizagem, em outras palavras, há
44
ensino quando há aprendizagem. Por outro lado este distanciamento pode
ser entendido como a necessária autonomia do aprendiz de filósofo em
relação ao mestre. Mas ao mesmo tempo em que a fala socrática demonstra
este distanciamento do discípulo, ela mostra a eficácia que estes contatos
entre mestre e discípulo produzem. Ou seja, a acusação feita a Sócrates está
relacionada com a eficiência de seu ensino, pois a acusação corre por conta
do gosto dos discípulos de ficar examinando os raciocínios alheios, no
estilo do mestre. Embora esta imitação seja de completa responsabilidade
do discípulo, denota a força pedagógica do diálogo socrático.
16
Então se é
verdade que só há ensino quando há aprendizagem, no caso socrático o
contrário também é verdadeiro. Ou seja, se Sócrates é acusado por aquilo
que seus discípulos fazem, significa que houve ensino. O mesmo diálogo,
como forma de ensino socrático, colocado como o grande encontro da
pedagogia com a filosofia, desperta desconfiança quando pensamos diálogo
como troca ou discussão de idéias, de opiniões, de conceitos, com vista à
solução de problemas, ao entendimento ou à harmonia. Quando há
harmonia não pode haver submissão. Se observarmos a estrutura dos
diálogos, e o que se esconde nas entrelinhas da intenção socrática, como
nos sugere Kohan (2002), iremos certamente transcender a idéia ingênua e
romântica do senso comum sobre o diálogo socrático. Aparentemente,
como nos narra Wolff (1982, p. 52).
16
Uma idéia consensual, veiculada pelos livros didáticos de introdução à filosofia, e adotada por uma
grande maioria dos professores que hoje trabalham com o ensino médio, dão conta de que para produzir
conhecimento Sócrates usava o método maiêutico, através do diálogo. Este método dividia-se em duas
partes. Ironia (destruição) e maiêutica (construção). O método Socrático, que fazia a desconstrução e
posterior construção de conceitos, era feito através do diálogo, da discussão. Muitas vezes (inicialmente)
uma discussão ocasional, como nos mostra os diálogos platônicos. É fundamental observar que o diálogo
e a discussão não são para Sócrates a filosofia, ela é sim o resultado desta discussão que é a criação de
conceitos.
45
Sócrates faz os outros falarem a cerca do que dizem para fazê-los
refletir sobre o que fazem. Mas o diálogo é também contra o
dogmatismo, isto é, a verdade cristalizada ou proclamada: Sócrates
não fala aos outros , fala com eles; cada um deve poder fazer a
experiência do exame moral interrogando-se sobre sua própria
prática. [...] Sócrates interroga, pois supostamente é ele que está
informando e o outro responde, pois supostamente ele é o que sabe.
Esta situação dialógica não teria problema de ser assimilada se não
suscitasse outras interpretações a partir de uma leitura mais minuciosa
destes confrontos produzidos por Platão, no qual Sócrates é o personagem
principal. Nossa questão aqui é verificar como a postura socrática
aproxima educação e filosofia, através da relação entre ensinar filosofia e
filosofar. Ao analisar a postura socrática quanto a questão do
conhecimento, Kohan (2002) nos afirma que “Sócrates se coloca a si
mesmo como alguém que sabe e desloca todos os outros para a posição
dos que não sabem”. Esta afirmação certamente contraria tudo o que o
próprio Sócrates diz de si mesmo, pois ele se apresenta como aquele que
nada sabe, e sua sabedoria consiste justamente no fato de ter consciência de
sua ignorância, enquanto os outros pensam que sabem, mas não sabem. E
isto os torna ignorantes. Pode-se dizer que a sabedoria é uma postura frente
ao conhecimento. Nesta visão da postura socrática fica claro que o próprio
ato de filosofar, de buscar a sabedoria já é um ato pedagógico na medida
em que acontece uma mudança no interlocutor socrático. Ao iniciar o
diálogo ele pensava que sabia e isto era sua ignorância, ao fim do diálogo
ele parece mais sábio porque percebe-se um pouco mais ignorante, e por
isso mais sábio. Mas uma observação mais atenta nos revela que a relação
entre mestre e discípulo seria realmente emancipatória se Sócrates,
46
sutilmente, não tivesse o controle absoluto
17
do diálogo desde o início até
o fim. Aquele mesmo Sócrates que na Apologia de Sócrates apresenta-se
como desinteressado de seus seguidores é visto agora (No Mênon) como
um guia que conduz passo a passo o caminho a ser percorrido pelo
discípulo. Na época atual, quando tenta-se superar a relação unilateral entre
professor e aluno, onde certas práticas arraigadas na ação pedagógica
precisam ser superadas, pois não condizem com a idéia de construção de
conhecimento, o diálogo, aparece mais nitidamente como uma alternativa.
Ninguém hoje ousaria repudiar o diálogo como meio para o conhecimento.
Assim, Madrid ( 2002, p. 31) nos alerta que
A reconstrução de nossa prática docente tem que passar pela crítica
e pela crise do modelo atual de transmissão de conhecimentos e de
informação. Mas, da mesma forma, também a organização escolar.
A prática docente deve ser convertida em instância de democracia,
onde seja possível a invenção reinvenção da democracia a partir da
aula, da formação de uma comunidade de indagação que dialoga:
questiona, elabora hipóteses, obtém consensos, reconhece dissensos
etc. Já sabemos que o diálogo é o modo de proceder de cada
instância de comunicação e de ação, na dimensão educativa.
Pensamos, porém, um diálogo inserido na imprevisibilidade da relação
professor aluno, uma relação que rompa o paradigma da simplicidade, pois
este é um paradigma que impõe ordem na relação professor/aluno e expulsa
dele a desordem, a possibilidade de criar o novo. O referido texto de Kohan
(2002), fazendo uma leitura do Mênon platônico, quando Sócrates procura
provar a eficácia de seu método maiêutico e de suas idéias sobre a
reminiscência do conhecimento, nos alerta para o fato de que
17
Não estou querendo dizer que o professor não deva ter um certo controle sobre o ato educativo, pois se
não fosse assim não teria a responsabilidade de ensinar. O aluno, no entanto, deve ter um espaço para sua
auto-educação.
47
Tudo seria muito bonito se Sócrates tivesse feito o que diz fazer.
Mas o problema é que, de fato, Sócrates ensina e tudo o que o
escravo pode fazer é deixar-se levar, mansamente, pela mão, ali
onde Sócrates quer levá-lo. Assim, o caminho do escravo é o
caminho de Sócrates. Mais do que um caminho de rememoração é
um caminho de espelhamento do conhecimento do outro. É
Sócrates que marca o caminho que vai do acreditar saber o que não
se sabe até o saber, - sempre -, passando pela aporia. Tudo o que o
escravo pode fazer é acompanhar Sócrates, seguir o caminho do
mestre, de quem sabe, pelo menos uma coisa que ele não sabe:
como percorrer o caminho do saber. É isso que o escravo aprende e
que Sócrates ensina, e que é muito mais importante do que a
matemática contida no exercício: aprende que o mestre sabe e que o
melhor a fazer, quando se quer aprender, e não se quer perder-se, é
acompanhar o caminho traçado pelo mestre; deixar-se levar,
mansamente, para lá onde o outro quer ir.
O discípulo caminha no raciocínio socrático sem saber exatamente
para onde ir, em contraposição a Sócrates que sabe exatamente aonde quer
chegar. A educação aqui não é uma construção coletiva, onde se estabelece
o confronto entre os objetivos do professor e as expectativas do aluno a
partir de sua atual condição cultural. Por isso acrescenta Kohan que
O escravo apenas pode aprender o que Sócrates já rememorou; é
esse saber socrático que induz ao único e verdadeiro saber que o
escravo pode repetir. Não é verdade que Sócrates não transmita
qualquer saber. Ele não o faz à maneira tradicional, de quem
responde a pergunta do outro.
Mesmo porque não existe uma pergunta do outro, é o próprio Sócrates que
pergunta, e a conseqüência disto é que “depois de falar com Sócrates ele é
muito mais escravo do que era no início” (KOHAN, 2002). Assim, se
Sócrates aparentemente parece ser o mestre da persuasão, em seu diálogo
não existe espaço para o silêncio, para a dúvida, para o questionamento,
48
possibilitando ao outro um convencimento ativo. O que vemos é uma
inquirição sobre um determinado tema cujo enredo final já está pré-
determinado. A expectativa positiva criada em torno da palavra diálogo
não corresponde exatamente ao que acontece efetivamente no diálogo
socrático, pois se o meio empregado por Sócrates parece fugir daquilo que
denominamos de tradicional, certamente as entrelinhas de tal empreitada
filosófica não acrescenta muita novidade à relação professor/aluno.
Quando falamos tradicional, nos referimos a uma postura onde o professor
imbuído de um pretenso saber, ignora a existência do aluno enquanto ser
histórico e possuidor também de conhecimentos, e quer transformá-lo na
sua imagem e semelhança. É isto precisamente que faz Sócrates, alicerçado
por uma pretensa relação que o mesmo faz transparecer nos diálogos
platônicos. Nas palavras de Kohan (2002):
Sob a máscara de quem nada sabe, Sócrates é, de fato, o único que
sabe o que é necessário saber e que todos os outros ignoram.
Sócrates é a imagem do filósofo, do professor de filosofia, que se
coloca por cima de todos os outros. Ele sabe o que os outros
deveriam saber.
Na mesma linha de raciocínio, Kohan (2002) continua afirmando que
Sócrates é a imagem do filósofo erigido em legislador, que instaura
a lei do que deve ser a experiência de si, da forma do encontro
consigo mesmo, a figura do juiz que sanciona epistemológica,
política e filosoficamente os desvios, as debilidades, as faltas dos
outros. Tamanho autocentrismo epistemológico e político da
filosofia e do professor. Sócrates cala os outros. Gera impotência,
raiva, rancor. Todos os que falam com Sócrates perdem poder de
expressão. Todos estão, depois, mais inseguros, impotentes. Ele
torna a voz dos outro mais débil, quase inaudível, inapresentável.
Frente a Sócrates, todos ficam enfeitiçados, ninguém consegue
mais falar.
49
Esta idéia de partir de uma verdade absoluta está arraigada na
impossibilidade de não agir racionalmente, imposta pelos próprios
pensadores gregos a si mesmos. A razão se impõe como libertadora com
um medo doentio, sob a ameaça dos instintos. Os instintos significam a
desordem, o caos. A razão significa a ordem. Nesta perspectiva Nietzsche
(1976, p. 21,22) nos chama a atenção que,
Quando não há mais remédio senão elevar a razão á condição de
tirano, como fez Sócrates, o perigo de que outra coisa nos tiranize
não deve ser pequeno. Ante esse outro perigo a razão aparece como
liberadora. Nem Sócrates nem seus doentes gozavam da liberdade
de ser ou não racionais; isto lhes foi forçoso, era seu último
remédio. O fanatismo com a reflexão grega na sua totalidade se
arroja aos braços da razão, denuncia uma grande angústia; existia
um perigo e restava apenas esta alternativa: ou sucumbir ou ser
absurdamente racional.
Sócrates é assim um homem de seu tempo, preocupado em estabelecer um
estatuto de verdade, frente ao relativismo apregoado pelos Sofistas. Talvez
o diálogo platônico não passe apenas de uma maneira mais suave de
apresentar as temáticas filosóficas intentando envolver o leitor nas
temáticas discutidas. Não se trata aqui de fazer uma segunda condenação
socrática, mas apenas de reavaliar o alcance da filosofia daquele que
muitos historiadores da filosofia colocam como a encarnação da própria
filosofia no contexto grego. O consenso, no meio filosófico, é que Sócrates
foi pioneiro ao mostrar a estreita ligação existente entre ensino e filosofia.
O fato de sua postura filosófica, que se funde com sua filosofia, não
corresponder exatamente aquilo que ostenta fazer, não invalida a relação
estabelecida por Sócrates entre filosofar e ensinar filosofia. De lá pra cá
“... a filosofia foi vista, por muitos filósofos, como forma eminente de
50
pedagogia”. (OBIOLS. 2002. P.94.) Embora possamos diferenciar
teoricamente a atividade do filósofo da atividade do professor de filosofia,
na prática docente, a relação entre filosofar e ensinar filosofia praticamente
se fundem, pois o ensino da filosofia adquire um caráter formativo/
educativo, e o ensino transforma-se numa instância do filosofar.
O fato historiográfico é que mudando o foco da filosofia pré-
socrática, que estava interessada na procura da ordem do universo através
da Physis (natureza), Sócrates debruça-se sobre a condição humana como
fundamento para a ação humana. Há aqui dois conceitos que se entrelaçam:
A natureza humana que é racional, e a capacidade de responder sobre os
motivos da ação humana. O primeiro conceito nos reporta a uma condição
intrinsecamente humana, que é o ato de possuir uma razão. O segundo
refere-se à capacidade de aplicação pratica da razão. Na natureza as
relações de causa e efeito são cegas.
Só o homem sabe o que faz antes de fazê-lo e o faz com
consciência: e nem a física, nem a teologia não lhe prestam auxílio
algum. [...] Só o homem se conduz com conhecimentos de fins, só
ele possui os objetivos de sua escolha. (WOLFF, 1982. P. 47.)
Assim, é na antropologia socrática que repousa a idéia de que é possível
ensinar filosofia, filosofando. Pensar os dois conceitos de forma separada e
independente é mutilar tanto a educação quanto a filosofia.
51
1.3. Platão: a idéia de natureza humana e o ensino da filosofia
A questão sobre a possibilidade ou não do acesso ao ensino à
filosofia, é uma discussão que remonta as concepções platônicas. Platão
18
em sua República (2004, p. 236,237), com a idéia de se precaver da
irresponsabilidade juvenil, e alertando para o perigo que o aprendizado da
dialética pode trazer aos jovens, nos diz que
[...] os rapazes novos, quando pela primeira vez provam a dialética,
se servem dela, como de um brinquedo, usando-a constantemente
para contradizer, e, imitando os que os refutam, vão eles mesmos
refutar outros, e sentem-se felizes como cachorrinhos, em derriçar
e dilacerar a toda hora com argumentos quem estiver perto deles.
É óbvio que esta observação de Platão não diz respeito somente a
questões intrínsecas à natureza da filosofia, mas sim também a questões
sociais que envolvem confronto de gerações. Questões que delimitam
papéis atribuídos a adultos e a crianças e jovens em período de formação.
Para Platão, não importa nem um pouco o que as crianças são enquanto
seres históricos e existenciais, e sim o que elas serão. O foco de sua
existência atual está em um futuro pré-determinado, pois a infância e a
juventude não significam mais do que uma passagem para o estado de
adulto. Na utopia platônica as crianças se educam sob a idéia de natureza
humana. Esta idéia de natureza humana é que vai determinar a atividade de
cada uma no futuro, garantindo-lhe ser feliz. Pois para alcançar a justiça e
a felicidade é necessário fazer aquilo para o qual a natureza dotou cada um.
Assim, segundo Platão, o procedimento humano provém de três fontes
principais: desejo (apetite, impulso, instinto), emoção (entusiasmo,
18
Platão nasceu em Atenas entre 428-427 a.C. e morreu entre 348-347 a.C. em Atenas.
52
ambição, coragem), conhecimento (pensamento, inteligência). O desejo
tem sede nos rins-reservatório de energia sexual. São almas inquietas e
gananciosas, absorvidas por preocupações materiais, ansiando opulência e
ostentação. Sempre querem mais do que já tem. São os senhores da
indústria. A emoção tem por sede o coração. São pessoas que não se
preocupam tanto com a causa pela qual combatem, como pela vitória “em
si mesma”. Orgulha-se mais com o poder do que a posse de riquezas. São
os militares. O conhecimento tem por sede a cabeça. Seu prazer constitui-se
na meditação e na compreensão, não desejam bens materiais, nem vitórias,
e sim o saber. Sua vontade é mais luz do que fogo e sua aspiração suprema
não é o poder e sim atingir a verdade. Num Estado perfeito as forças
industriais deverão produzir, os militares deverão proteger, os versados em
ciência e filosofia deverão ser sustentados e protegidos, competindo-lhes
governar. Governar é uma ciência e uma arte, o governante deve dedicar a
vida a esse fim, depois de longa preparação. Só um rei filósofo está apto a
dirigir uma nação. Enquanto filósofos não forem reis ou reis e príncipes
deste mundo não tiverem a filosofia de modo que a sabedoria e a aptidão
para governar se encontrem reunidas no mesmo homem, não terminarão os
males da cidade nem da raça humana.
A natureza humana enquanto elemento fundamental desta utopia
platônica só é possível de desenvolver-se através da educação
proporcionada pelo Estado, para que cada criança descubra a sua
verdadeira função no contexto social. Ao analisar a concepção educacional
de Platão intrincada em sua utopia - A República -, Charlot (1983, p. 45)
nos adverte que
53
Platão não julga a divisão do trabalho em termos de estruturas ou
de lutas econômicas, sociais e políticas, mas em termos de
complementaridade de atividades individuais que refletem as
capacidades de cada um. - A sociedade é para Platão, uma reunião
de indivíduos diferentes sobre um território comum. Cada um deve
exercer na cidade uma atividade conforme as suas possibilidades
naturais. O destino de cada um e o equilíbrio da sociedade
dependem, portanto, da justiça na alma do indivíduo. A educação
deve restabelecer a justiça na divisão do trabalho; deve, portanto,
formar todos os tipos de indivíduos necessários à cidade. Mas a
pedagogia não se preocupa diretamente com isso; ela se diz
essencialmente teoria da educação como instauração da justiça na
alma. A pedagogia platônica desempenha um papel ideológico,
camuflando por trás dos argumentos culturais a justificação das
desigualdades sociais na divisão do trabalho: na cidade somos
artesãos, guarda ou filósofo, não porque as estruturas sociais não
igualitárias o exigem, mas porque cada um recebeu uma educação
de acordo com suas aptidões naturais.
Trata-se de uma concepção que poderíamos denominar tradicional, pois
alicerça todas as relações sociais, e por extensão o papel da educação, a
partir da idéia de indivíduo, possuidor de uma determinada natureza, para a
qual toda atividade do Estado converge. Através desta idéia de natureza
humana o indivíduo é visto como acabado, pronto ao nascer, precisa,
entretanto do Estado como meio para se tornar aquilo que ele
potencialmente já é. Ou seja, o futuro já está no presente em forma de
potência, portanto o presente é apenas uma passagem para algo que já está
definido desde o nascimento do indivíduo. Na utopia educacional
platônica, a cada fase que a criança passa lhe é proporcionada um tipo de
formação com um conteúdo específico, nos quais a filosofia e a capacidade
de argumentação só poderá ser apresentada aqueles que, com a idade
adquirem maturidade para usá-la. O auge deste processo é a formação do
rei-filósofo. Este, segundo Platão (1996, p. 150), mantém
54
[...] todas as suas paixões em perfeita tranqüilidade, tendo sempre a
razão como guia, contempla incessantemente o que é verdadeiro,
divino, imutável e está acima das crenças vulgares.
É curioso chamar a atenção para o fato de que nesta concepção platônica
nem todos os seres humanos tem acesso à filosofia, não por uma questão
circunstancial (política, social, cultural ou religiosa), mas pela característica
de sua alma. Assim justifica Platão (2004, p. 181): “... se quiseres
distinguir a alma filosófica da que o não é, observarás se, desde nova, é
justa e concordata ou insociável e selvagem.” O acesso ao conhecimento
filosófico não é fruto apenas de uma livre decisão racional. Se alguém
nascer com alma de bronze - que determina os seres humanos pelo mundo
prático – necessariamente para eles a filosofia não terá nenhum atrativo,
nenhuma utilidade prática. O que pode soar como pejorativo na realidade
atual – a idéia de inutilidade – na utopia platônica é característica de uma
alma de ouro, determinada pela natureza para governar sabiamente. O útil
refere-se ao mundo prático, ao mundo que atende as necessidades do corpo,
ao contrário o inútil, está relacionado com a alma, com as essências. Seria
absurdo para Platão o que muitas vezes se faz com a filosofia atual, quando
se quer achar uma utilidade para a mesma. Tudo o que é útil é meio para
outra coisa. Colocar a filosofia como meio é descaracterizá-la. Na visão
platônica a educação – cujos meios materiais são fornecidos pelo Estado –
constitui-se no meio que possibilita a formação do rei-filósofo. Na
formação do rei-filósofo não há uma cisão entre filosofia e educação (pelo
menos na educação do rei-filósofo), e sim complementaridade. A filosofia,
através da dialética, é parte e ao mesmo tempo o fim da formação do rei-
55
filósofo. É preciso que a filosofia e a política estejam no mesmo ser, para
que o governante seja justo.
[...] são os filósofos a que nos referimos quando ousamos afirmar
que são eles que devem governar, a fim de que, uma vez
esclarecidos, possamos defender-nos, demonstrando que a uns
compete por natureza dedicar-se à filosofia e governar a cidade, e a
outros não cabe tal estudo, mas sim obedecer a quem governa.
(PLATÃO, 2004, p. 171)
Só o filósofo, que concebe racionalmente as formas perfeitas que habitam o
mundo das idéias, é capaz de perceber a essência dos seres. Só ele pode
voltar ao fundo da caverna, onde os homens permanecem aprisionados às
ilusões dos sentidos, e libertá-los de sua condição de prisioneiros. O
filósofo, personagem do mito da caverna, tem uma missão libertadora, e
porque não dizer pedagógica, mesmo que no sentido tradicional desta
acepção. Tradicional porque os outros não têm muito a dizer àquele que
vislumbrou a realidade em sua essência. Resta apenas calar, absorver e
seguir. Como se poderia questionar aquele que transcendeu ao contingente
alcançando o absoluto?
Na utopia platônica o acesso à filosofia não está ligado nem a
questões históricas ou sociológicas, nem tampouco a questões que dizem
respeito a características próprias da filosofia, e sim a idéia de que a
natureza humana é que possibilitará o aprendizado da filosofia. Pela própria
característica da alma do indivíduo é que existe ou não a possibilidade de
avançar no processo educacional que possibilita as almas de ouro chegarem
a ser reis-filósofos. A educação tem aqui um papel fundamental na
atualização de uma essência que estava em forma de potência. Há aqui uma
56
relação de complementaridade entre educação e filosofia, na medida em
que a última é componente fundamental na formação dos reis-filósofos,
embora a educação, em seu sentido de transformar em ato o que está em
potência nos indivíduos, afete a criança desde a mais tenra idade. Se o
termo dualismo se caracteriza consensualmente como a coexistência de
dois princípios irredutíveis, o acesso à filosofia, no caso platônico, é
trespassado pela idéia de natureza humana, sendo que aqueles que não tem
acesso a mesma são felizes sem ela. Pois a felicidade do indivíduo,
segundo Platão, é o resultado de cada um fazer aquilo para o qual a
natureza lhe dotou. Duas idéias irredutíveis, no entanto, aparecem quando
Platão (2004, p. 183), na República procura definir quem é o filósofo.
Quando Glauco pergunta a Sócrates, afinal quem são os filósofos, Sócrates
responde que existem:
[...] de um lado, os que amam os espetáculos, as artes e são homens
práticos; e, de outro, aqueles a quem nos referimos no nosso
discurso, os únicos a quem com razão podemos denominar
filósofos.
Esta pequena referência feita na citação acima sobre a diferença entre o
filósofo e o homem prático, é a ponta de um iceberg que separa teoria e
prática, num dualismo que, através da educação, tanto homem prático como
o filósofo, descobre sua natureza e a função que vai desempenhar para a
construção de uma cidade justa. Se não há um dualismo entre a filosofia e a
formação do rei-filósofo, não podemos dizer o mesmo quando se trata da
formação do homem prático. Este segundo Platão “... conhece as coisas
belas, mas não conhece a beleza em sua essência e não é capaz de seguir
57
aos que poderiam levá-lo a esse conhecimento...”. O homem prático não
percebe a essência das coisas e pior do que isto é incapaz, o que nos diz que
ele não tem possibilidade mesmo que quisesse, de aprender com aquele que
vê o mundo através de suas essências, em outros termos o chamado
filósofo.
1.4. O dualismo entre filosofia e ensino
A história da filosofia nos ensina que com o fim da idade média, mais
precisamente na idade moderna, a filosofia passou a vincular a existência
humana ao processo de desenvolvimento cognitivo, superando os
momentos anteriores da história onde à criança era barrado o trabalho
cognitivo.
19
O ensino da filosofia encontrou um novo interesse somente
na modernidade, criando a possibilidade de seu ensino ter início em idade
mais prematura, do ponto de vista cronológico. Historicamente esta
discussão dá-se no momento em que se iniciam os sistemas nacionais de
ensino, com sua democratização.
Neste contexto, a questão levantada por Kant
20
sobre o ensino da
filosofia dá-se em outro patamar de discussão porque o próprio Kant já
19
Em termos de concepção filosófica é a teoria kantiana que fundamenta uma outra visão sobre a
infância. Anteriormente, referindo-se ao conhecimento, Locke havia concebido que o conhecimento era
impresso em nossas mentes, metaforicamente compreendida como uma tabula rasa. Esta concepção da
mente como tabula rasa pode ter condicionado um determinado tipo de relação com a criança onde a
mesma era alguém a ser moldado, sendo sua mente passiva e não ativa como posteriormente concebeu
Kant.
20
Immanuel Kant nasceu em 22 de abril de 1724 em Königsberg, Prússia. Morreu em 12 de fevereiro de
1804.
58
havia superado esta visão estreita de infância
21
apregoada por Platão. Nas
palavras do próprio Kant (1985, p. 100),
O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela
não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e
coragem de servir-se de si mesmo se a direção de outrem.
Se até então o termo infância estava associado à condição de ser
cronologicamente uma criança, Kant (1985), em seu texto “Resposta à
pergunta: Que é esclarecimento?”, faz uma dissociação importante ao
separar o conceito de menoridade da razão e o conceito de infância. Kant
desloca o problema da menoridade de uma questão simplesmente ligada ao
transcorrer do tempo, para uma questão de maturidade psicológica, de
tomar as rédeas de suas próprias ações. Esta concepção abre a possibilidade
para que seres humanos numa tenra idade possam aprender a serem
autônomos, donos de seu próprio destino. Segundo Kant os seres humanos
menores não só não crescem como não deixam as crianças crescerem,
impedindo que elas aprendam através das quedas e dos riscos que as
tentativas lhes proporcionam. Assim a menoridade do entendimento se
aplica quase que exclusivamente ao adulto mandrião, que tem todas as
possibilidades de se emancipar e chega a conclusão que é melhor ser
menor.
Retomando a questão do ensino da filosofia, nos alerta Guido (2000,
p. 85) que
21
Etimologicamente a palavra infância, derivada do latin significa dificuldade ou incapacidade de falar,
mudez; infância, meninice, primeira idade dos animais; [...] conforme o Dicionário Eletrônico Houaiss da
língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2001.
59
A discussão sobre o ensino da filosofia seja para as crianças, seja
para os adolescentes, deve levar em conta a reflexão Kantiana,
porque o filósofo na mesma medida em que defende a instrução da
criança também alerta para que não sejam antecipados os anos de
vida pelo conhecimento.
Ao mesmo tempo em que é um renitente defensor da instrução
cognitiva em relação à criança, quando se trata do ensino da filosofia, Kant
levanta as dificuldades que esta tarefa apresenta não só em relação à
criança e ao jovem, mas a todo aquele que se aproxima da filosofia afim de
ensiná-la a alguém. Ao afirmar que dentre “... todas as ciências racionais
(a priori), portanto, só é possível aprender Matemática, mas jamais
Filosofia (a não ser historicamente)”, Kant (1980, p. 407) nos sugere que
não podemos aprender filosofia de maneira filosófica e sim de maneira
histórica. A filosofia mesma seria inacessível. Ao definir a filosofia como
uma ciência possível, que não é encontrada em parte alguma, Kant (1980,
p. 407,408) nos alerta que
Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da
razão, fazendo-a seguir os seus próprios universais em certas
tentativas filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o
direito de investigar aqueles princípios até mesmo em suas fontes,
confirmando-os ou rejeitando-os.
Segundo Guillermo Obiols (2002. P. 77), das idéias de Kant podemos dizer que ele
não é um
formalista que preconiza que se deve aprender um método no vazio
ou uma forma sem conteúdo; tampouco se segue que Kant tivesse
avalizado a idéia de que é necessário lançar-se a filosofar sem mais,
nem muito menos a idéia de que os estudantes deveriam ser
impulsionados a pensar por si mesmos, sem necessidade de se
60
esforçar na compreensão crítica da filosofia, de seus conceitos, de
seus problemas, de suas teorias etc .
Então para Kant não se pode aprender filosofia, por que não há um
saber filosófico aceito (como há um saber matemático), senão tentativas de
saber filosófico. Este filosofar, entretanto, apresenta-se como uma
atividade menor e provisória visto que seu objetivo final é descobrir uma
única senda. Afirma-nos ainda Kant (1980, p. 407) que
“ A filosofia,é pois, o sistema de todo o conhecimento filosófico. É
necessário tomá-la objetivamente caso se compreenda por Filosofia
o arquétipo para se julgar todas as tentativas de filosofar; este
arquétipo deve servir para julgar toda a filosofia subjetiva, cujo
edifício é freqüentemente tão diversificado e tão mutável.
Na visão kantiana a história da filosofia é constituída de tentativas de
filosofar. Ensinar filosofia seria então, através de um arquétipo de filosofia,
julgar estas tentativas de filosofar, que se apresentam ao longo da história
de maneira diversificada e mutável. Em outras palavras, para exercitar o
seu talento filosófico, ao filósofo só é possível considerar todos os sistemas
de filosofia como história do uso da razão.
No contraponto dessa afirmação, Hegel
22
nos diz que compreender
devidamente a relação entre o mundo preexistente da história e transformá-
lo no ato de sua posse , permite “...alcançar como pelo estudo da história
desta ciência somos iniciados no conhecimento da própria
22
Hegel nasceu em 27 de agosto de 1770 em Stuttgart. E morreu em 1831.
61
ciência”.(HEGEL, 1980, p. 323). O referido autor nos diz que “à primeira
vista, a história parece ser uma sucessão de fenômenos contingentes,
isolados, e que só do tempo recebem o nexo que os prende” (HEGEL,
1980, p. 324).. Entretanto, tudo “... na história, tem significado só pela sua
relação com algum fato geral e em virtude de sua ligação com ele;
descobrir este fato geral chama-se compreender o seu significado”.
(HEGEL, 1980, p. 324) Assim,
[...] a história da filosofia não se limita a expor os fatos externos,
os acontecimentos acidentais que formam o seu conteúdo, mas
procura demonstrar como este mesmo conteúdo, embora pareça
desenvolver-se historicamente, na realidade pertence à ciência da
filosofia: a história da filosofia é, também ela, científica, e
converte-se, pelo que lhe é essencial, em ciência da filosofia”. (
HEGEL, 1980, p. 324.)
Em contraposição a idéia kantiana que argumenta não podermos aprender
filosofia devido caráter provisório das filosofias existentes, Hegel (1980, p.
333,334) nos diz que
Por mais diversas que sejam as filosofias, uma coisa têm sempre de
comum: o serem filosofias. Por conseguinte, quem tiver estudado e
compreendido uma filosofia, contanto que seja filosofia, por isso
mesmo compreendeu a filosofia. Aquela maneira enganadora de
raciocinar que somente olha a diversidade, por aversão e medo do
particular no qual só se atua o universal, não conseguirá nunca
captar e reconhecer esta universalidade. Eu equiparo tal maneira de
raciocinar a um doente a quem o médico tivesse aconselhado a
comer fruta, e que tivesse diante de si cerejas, ameixas, uvas, mas
que por pedantismo se recusasse a tomá-las pela simples razão de
que nada do que lhe haviam oferecido era fruta, senão cerejas,
ameixas ou uvas.
62
No entanto a defesa que Hegel faz do conteúdo não “... deveria servir de
aval às posturas que explícita ou implicitamente entendem que aprender a
filosofia é um ‘aprender ao pé da letra’, aprender de memória ou aprender
servilmente as idéias de um filósofo” (OBIOLS,2002. P. 80).
Esta discussão sobre os dualismos que envolvem o ensino da filosofia
transcende o nível teórico e avança no terreno prático onde o professor
efetivamente leciona filosofia. Para que a filosofia esteja viva na relação
professor/aluno no interior da sala de aula, é necessário compreender e
administrar na prática docente, o dualismo entre a filosofia e seu ensino. É
como vislumbrar em um instante a história da filosofia com seus filósofos e
as temáticas atuais que inquietam a nossa contemporaneidade. Através da
experiência desta aproximação é que podemos pensar na possibilidade da
existência de saberes docentes da ação do professor de filosofia no ensino
médio. Subentendido a eliminação ou não do referido dualismo,
percebemos concepções de ser humano. Concepções que nesse caso
oscilam entre autonomia de pensamento e alienação de um indivíduo no
pensamento do outro. Só é possível filosofar a partir de uma razão que se
liberta no e através do diálogo. Sem refletir sobre o dualismo entre filosofia
e ensino, não há possibilidade de diálogo. Vivenciando o referido dualismo,
é possível, no caso da filosofia, filosofar. O filosofar dá-se na ação. No
processo criativo de discussão coletiva, no encontro e desencontro de idéias
e conceitos. E este processo confunde-se com a formação de um ser
humano melhor, mais justo e mais feliz. Embora a filosofia apareça na
história da humanidade em data e lugar bem determinado, ela insere-se
num processo de formação que instaurou-se desde o momento em que o
63
homem tomou consciência de sua condição humana, que é o momento em
que sua ação o levou a questão do saber.
No capítulo a seguir, partimos da idéia de uma concepção de ser
humano que se constrói na ação, e que para construir-se precisa saber,
estando por isso condenado a aprender. Este aprender apresenta-se de
duas maneiras: de forma objetiva (através de uma sociedade pré-existente)
e de uma forma subjetiva ( através da capacidade de racionalização do
sujeito). Mostraremos que a institucionalização da ação humana só é
possível na constante tensão entre estas duas dimensões. Assim, se a
institucionalização da ação é viável, igualmente é viável pensar a ação
docente como passível de ser compreendida em sua forma
institucionalizada através da ação do professor em sala de aula. Esta
situação gera a possibilidade de pensar saberes docentes que são
compartilhados pelos professores.
64
CAPÍTULO II - A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE HUMANA:
ENTRE A SUBJETIVIDADE E A INSTITUCIONALIZAÇÃO
Ao definir-se o homem não só se auto-objetiva, condição
essencialmente humana, mas também define as suas possibilidades de ação.
A auto-produção humana, como nos afirmam Berger e Luckmann (1985, p.
75), é sempre e necessariamente uma realização social. Com base na
afirmação acima deduz Berger e Luckmann (1985, p. 75) que: “Assim
como é impossível que o homem se desenvolva como homem no
isolamento, igualmente é impossível que o homem isolado produza um
ambiente humano”. Temos aqui o entrelaçamento intrínseco entre o que é
essencialmente humano e a condição de ser social. É quando percebemos
na ação humana que o “... homo sapiens é sempre, e na mesma medida,
homo socius”. (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 75). Pelo fato de concluir
o seu desenvolvimento orgânico depois que se separa biologicamente de
sua mãe, o organismo humano, para completar seu desenvolvimento,
necessita da relação com o meio ambiente, sendo que o processo de se
tornar homem depende desta relação. Mesmo que a possibilidade de ser
humano seja intrínseca a espécie humana, ele verdadeiramente completará
este processo na sua relação com o meio ambiente. Nas palavras de Berger
e Luckmann (1985, p. 75): “Não apenas a sobrevivência da criança
humana depende de certos dispositivos sociais, mas a direção de seu
desenvolvimento orgânico é socialmente determinada”.
É indispensável ressaltar, no entanto, que neste processo não há uma
relação determinista entre o meio ambiente e as repostas do organismo
humano, pois mesmo sendo a humanização variável em sentido sócio-
65
cultural, “... não existe natureza humana no sentido de um substrato
biologicamente fixo, que determine a variabilidade das formações sócio-
culturais”. (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 72). Poderíamos dizer que
a natureza acabou toda a sua obra, menos o homem. Apenas o entregou a si
mesmo para que se completasse por si próprio. A imperfeição humana é o
seu grande trunfo quando pensamos nas transformações históricas que
somos ao mesmo tempo autores e atores, pois sabendo-se incompleto o
homem se põe a caminho da perfeição, mesmo sabendo que jamais irá
encontrá-la, e que se algum dia porventura a encontrasse seria o seu fim.
Esta caminhada, porém o homem não a faz de forma solitária e individual,
pois ao nascer encontra um mundo pré-existente que já está estruturado.
Como nos lembra Lucien Sève, citado por Charlot (2000, p. 52): “... a
essência originária do indivíduo humano não está dentro dele mesmo, mas,
sim, fora, em uma posição excêntrica, no mundo das relações sociais”.
Assim a condição humana é ser ausente de si mesmo, carregando esta sua
condição na forma de desejo, um desejo de si mesmo, do que lhe falta, do
que é impossível saciar. Nesta caminhada sabe que completar-se seria o fim
de sua humanização. Neste contexto, nascer é
[...] penetrar nesta condição humana. Entrar em uma história, a
história singular de um sujeito inscrita na história maior da espécie
humana. Entrar em um conjunto de relações e interações com
outros homens. (CHARLOT, 2000, p. 53)
Esta condição humana nos leva a inferir que o homem, para trilhar o
caminho de humanização, está condenado a aprender.
66
Aprender para construir-se, em um triplo processo de
‘hominização’(tornar-se homem), de singularização (tornar-se um
exemplar único de homem), de socialização (tornar-se membro de
uma comunidade, partilhando seus valores e ocupando um lugar
nela). (CHARLOT, 2000, p. 53)
Este aprender, todavia, não é um ato intelectual isolado ignorando o
sentido social e as atividades de interesse comum. Enquanto isolado este
ato deixa de ser educativo, pois contradiz o seu próprio fim. Sendo que o
fim da educação, de modo geral, nos afirma Anísio Teixeira, na introdução
ao livro Vida e Educação de Dewey, é
[...] levar os educandos a ter as mesmas idéias que prevalecem
entre os adultos, e, assim, como membros reais de um grupo social,
dar às coisas e aos atos o mesmo sentido que os outros. (DEWEY,
1978, p. 27).
Não sendo então, um ato simplesmente impositivo os significados e
condutas compartilhadas que formam a cultura encontram-se tanto nas
instituições, costumes, objetos e formas de vida quanto nas representações
mentais que os indivíduos e os grupos elaboram. Compartilhamos um
movimento dialético entre reprodução e transformação de significados que
nos faz entender a relação ativa do indivíduo na sua cultura. Entretanto nos
afirma Sacristán (1999, p. 70.) que:
Embora a ação humana sempre incorpore criatividade,
singularidade e originalidade e seja, por isso, imprevisível, de certa
forma deixa pegadas e assegura ‘roteiros’, esquemas ou rotinas
para as ações posteriores, cada ação do sujeito incorpora a
experiência passada e gera a base para as seguintes, que já não
podem partir do nada.
67
Segundo Sacristán (1999. p.88) esses esquemas coletivos “... são
marcos consolidados pelas idéias, pelos modos de fazer e pelas opções de
valor, campo endurecido de emaranhados e regras de jogo...”.
O conhecimento da história humana nos ensina que a existência do
homem decorre de um contexto de ordem, direção e estabilidade. Como o
mesmo não é um ser programado biologicamente e transcende ao mundo da
natureza, cujas regras são imutáveis, ele vive no mundo da liberdade. Esta
estabilidade decorre especificamente do fato de que uma determinada
ordem precede qualquer crescimento humano individual. O caráter
“artificial” desta ordem que acima nos referimos impede que o homem se
aproxime do fechamento a que está submetida a existência animal.
Entretanto, apesar deste fato, essa ordem é capaz de garantir o rumo e a
estabilidade para a maior parte dos procedimentos humanos, embora a
“...ordem social exista unicamente como produto da atividade
humana”.(BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 76). Complementam Berger
e Luckmann (1985, p. 76), afirmando que:
Tanto em sua gênese (ordem social resultante da atividade humana
passada) quanto em sua existência em qualquer instante do tempo
(a ordem social só existe na medida em que a atividade humana
continua a produzi-la) ela é um produto humano.
Temos assim o fato de que a “... inerente instabilidade do organismo
humano obriga o homem a fornecer a si mesmo um ambiente estável para
sua conduta”. (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 77). Embora sabendo
que nenhuma ordem social existente possa ser originada de fatores
68
biológicos, a necessidade da ordem social enquanto tal provém do
equipamento biológico do homem, mesmo que por sua deficiência.
O fato de este ambiente estável provir de um ato humano coletivo,
não deixa de colocar este mesmo ser humano como um ser que se forma na
ação. Sacristán (1999, p. 31), fazendo referência à concepção de Arendt
sobre a ação humana diz: “... pode-se dizer que o agir é condição do ser
humano – pois uma vida sem ação deixou de ser vida humana”. Na
mesma proporção em que o ser humano se humaniza na ação, esta
atividade humana está sujeita a produzir hábitos. As vantagens dos hábitos
residem no fato de que eles proporcionam economia e esforço empregado
na feitura de tarefas e na tomada de decisões. Ao oferecer um fundamento
estável no qual a atividade humana pode prosseguir com o mínimo de
tomada de decisões durante a maior parte do tempo, liberta energia para
decisões que podem ser necessárias em certas ocasiões para pensar projetos
futuros. Segundo Berger e Luckmann (1985, p. 78) o hábito se relaciona
com a ação na medida em que este “... fornece a direção e a especialização
da atividade que faltam no equipamento biológico do homem, aliviando
assim o acúmulo de tensões resultantes dos impulsos não dirigidos. Não
podemos inferir deste fato a idéia de que o homem fica nulo em sua
criatividade mediante a instauração de hábitos em sua prática hodierna.
Segundo Berger e Luckmann “... o fundamento da atividade tornada
habitual abre o primeiro plano para a deliberação e a inovação”
(BERGER; LUCKMANN, 1985, p.78). Em outras palavras, a criação do
novo depende da formação do hábito que se construiu ao longo da ação
humana. O hábito, enquanto tal, entretanto, mantém o sujeito a nível
69
individual, destacado, mesmo que hipoteticamente, de qualquer interação
social. O hábito precede toda a institucionalização. Assim é que a “...
institucionalização ocorre sempre que há uma tipificação recíproca de
ações habituais por tipos de atores”. (BERGER; LUCKMANN,
1985,p.79) Assim, Berger e Luckmann (1985, p. 79) prosseguem
afirmando que :
As tipificações das ações habituais que constituem as instituições
são sempre partilhadas. São acessíveis a todos os membros do
grupo social particular em questão, e a própria instituição tipifica os
atores individuais assim como as ações individuais.
É fundamental esclarecer que essas tipificações das ações são construídas
no curso de uma história partilhada entre os seres humanos, não podendo
ser criadas individual nem instantaneamente. As instituições, por suas
características controlam a conduta humana determinando padrões
previamente definidos de conduta, que as conduzem em uma determinada
direção em detrimento de outras. O que infere-se que quando uma parte da
atividade humana foi institucionalizada significa que esta parte foi colocada
sob controle social. Da perspectiva do indivíduo verifica-se que a vantagem
mais importante reside no fato de que cada qual será capaz de prognosticar
as ações de outrem. Não se trata mais só de uma ação individual, mas sua
“...vida conjunta define-se agora por uma esfera ampliada de rotinas
supostas naturais e certas”. Berger e Luckmann seguem dizendo que cada
“...ação de um deles não é mais uma fonte de espanto e perigo potencial
para o outro”. (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 83) Este caráter de
previsibilidade nos mostra que as instituições estão aí queiramos ou não e
não podemos fingir que não existem, pois elas são capazes de resistir às
70
tentativas empreendidas pelos agentes racionais no sentido de prostrá-las.
Cabe-nos, no entanto, lembrar que a “... relação entre o homem, o
produtor, e o mundo social, produto dele, é e permanece sendo uma
relação dialética...” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 87).
É nesta relação conflituosa entre uma realidade que se objetiva fora
da individualidade humana e o ser humano enquanto ser de ação racional é
que procuraremos situar a ação pedagógica empreendida pelo professor no
contexto educacional.
2.1. A institucionalização dos saberes da ação pedagógica
Ao dissertar sobre os tipos de saberes inerentes ao ofício de professor,
Gauthier (1998, p.29) enumera ao todo seis saberes. O saber disciplinar, o
saber curricular, o saber das ciências da educação, o saber da tradição
pedagógica, os saberes experienciais, e por fim os saberes da ação
pedagógica. O saber disciplinar não é produzido pelo professor, mas pelos
pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. Ele faz parte dos
conhecimentos disponíveis a serem ensinados. Sabemos, entretanto, que a
posse de saberes disciplinares não produzem por si só o saber docente,
embora eles sejam indispensáveis para que a mesma aconteça. O saber
curricular, por seu lado, é o saber selecionado e organizado pela escola,
entre os saberes produzidos pelas ciências. A escola transforma assim estes
saberes em programas escolares. O saber das ciências da educação é
entendido por Gauthier (1998, p. 31) como aquele que abarca
71
[...] um conjunto de saberes a respeito da escola que não é
conhecido pela maioria dos cidadãos comuns e pelos membros de
outras profissões. É um saber profissional específico que não está
diretamente relacionado com a ação pedagógica, mas serve de pano
de fundo tanto para ele quanto para os outros membros de sua
categoria.
O saber da tradição pedagógica instala-se a partir do século XVII, quando
o professor deixa de ministrar aula individualmente e passa a trabalhar
ensinando simultaneamente para vários alunos. Ao longo da história da
profissão foi se cristalizando determinada maneira de ministrar o conteúdo
disciplinar, o que acabou formando uma tradição pedagógica que vem
desde as nossas recordações da infância até o cotidiano das escolas atuais.
O saber experiencial nos indica a experiência individual do educador no
cotidiano da sala de aula ao longo de sua ação pedagógica. São
experiências que infelizmente ficam limitadas ao contexto de uma turma
determinada, numa determinada escola. Os limites deste saber se situam no
fato de que seus pressupostos e argumentos não são verificados através de
métodos científicos. E por fim os saber da ação pedagógica. Estes saberes
são os saberes experienciais tornados públicos e testados pelas pesquisas
realizadas no seio das classes escolares. Há aqui neste saber um campo
aberto para pesquisa e discussão para com o intuito de aperfeiçoar a
formação docente. Gauthier (1998, p. 34) nos alerta que os saberes da ação
pedagógica legitimados pelas pesquisas são
[...] atualmente o tipo de saber menos desenvolvido no reservatório
de saberes, e também, paradoxalmente, o mais necessário à
profissionalização do ensino. Não poderá haver profissionalização
do ensino enquanto esse tipo de saber não for mais explicitado,
72
visto que os saberes da ação pedagógica constituem um dos
fundamentos da identidade profissional do professor.
Gauthier entende que para a profissionalização do ensino é
fundamental identificar os saberes da ação pedagógica a fim de levar outros
atores aceitarem a pertinência desses saberes. Por isso ele indaga: “... como
a população em geral poderia reconhecer a pertinência e a especificidade
de um saber pedagógico de alto nível se os próprios docentes não o
fazem?” (GAUTHIER, 1998, p. 35).
Colocar em pauta a discussão sobre a ação docente é direcionar o
olhar para as práticas educativas, como elas se cristalizam enquanto
experiências pessoais e, indo mais além, como esta experiência pessoal é
compartilhada com outros profissionais da área, passando do hábito (nível
individual) para a institucionalização (tipificação mútua de ações
freqüentes dos professores no exercício de sua profissão). As práticas
educativas
23
, como as concebemos hoje, dão-se no contexto da sala de aula.
Sala de aula interpretada como ambiente complexo
24
. Como a
complexidade se diferencia do que chamamos de complicado, pois o que é
complicado pode reduzir-se a um princípio simples, não podemos ignorá-
23
Na educação é necessário ter-se um projeto explícito de transmissão da cultura. Há de se distinguir
entre a inserção cultural que é socialização, e o processo educacional, que tem a ver com o papel da
instituição escola no contexto educacional. Nóvoa citando Philippe Ariès, diz que a idade média esqueceu
a Paidéia grega. Não existia na época medieval a idéia de educação, pois o grande acontecimento em
termos educacionais da idade moderna foi o reaparecimento da preocupação educativa. (NÓVOA,1991.
P.110)
24
Perrenoud, tomando como base Morin, define complexidade como algo que está na base,que
constitui a natureza das coisas, do pensamento e da ação. Diz também que ela é feita da irrupção dos
antagonismos no centro dos fenômenos organizados, e por fim afirma que para dominar a complexidade,
teremos que pensar estas contradições de forma conjunta. (PERRENOUD,2001.P. 31). Gauthier percebe
o ensino como uma tarefa complexa que força o professor a julgar, a agir e, portanto tomar decisões
muitas vezes em situação de emergência, tarefa que exige constante reflexão.(GAUTHIER, 1998. p. 341)
73
la, nem nos livrar dela. Temos que entendê-la como parte constitutiva do
contexto da ação educativa na escola. Assim percebemos que no ambiente
da sala de aula convivem por um lado a subjetividade humana através da
ação racional do professor e por outro a institucionalização da ação, deste
mesmo professor, que é compartilhada pelos demais docentes através de
tipificações que tornam a atividade docente possível de ser pensada do
ponto de vista científico, visto que podemos fazê-la sair do ostracismo da
sala de aula. A tensão estabelecida através destas duas realidades estimula
uma discussão de fundo sobre a relação entre teoria e prática, pois ao
pensar a possibilidade de discutir do ponto de vista científico a ação
docente pensamos na possibilidade de que a ação docente possa ser
enquadrada em determinados preceitos teóricos que a oriente e guie, que
tenha um caráter universal, visto que esta é uma característica das teorias.
Temos que pensar também que o professor é um profissional teórico-
prático que, mergulhado no ato educativo de forma intencional, precisa a
todo instante tomar decisões, que envolvem discernimento teórico e
capacidade de reflexão. Entretanto, mesmo sendo a razão persuasiva, ela
não é determinante para a ação, ou seja, a razão sozinha não desencadeia a
ação. O que proporciona a ação é a combinação de desejo e razão. As ações
humanas necessitam então de três elementos básicos, quais sejam: Teoria,
prática e intenções. Como nos sugere Madrid (2002, p. 29.) “... trata-se de
unir paixão e razão, a razão como um guia que me aclare e me ajude a
decidir, e as paixões, os sentimentos, como um motor que nos impulsione e
nos dê força para mudar”. Além de envolver paixão e razão a ação
docente suscita questões epistemológicas, quando discute os fundamentos
lógicos, o valor e o alcance da aproximação entre estas duas dimensões da
74
ação humana, teoria e prática. A primeira expressão desta questão se
manifesta de fato na percepção do distanciamento entre o que é a realidade
e o que deveria ser. Manifesta-se concretamente naqueles que percebem a
realidade em movimento, anseiam por transformações e acham que é
possível alcançá-las. Ao perceber a relação teoria/ prática pela ótica
daqueles que Sacristán denomina de práticos, a teoria está quase sempre
defasada em relação à prática, pois não responde aos desafios da realidade.
Como nos ilustra Sacristán (1999, p. 25):
O reflexo antiteórico que certos setores do magistério mostram, em
algumas ocasiões, baseia-se, freqüentemente, em avaliações como:
distância, incongruência, incompreensão da linguagem., inutilidade
da teoria para a prática.
Por outro lado, da ótica dos teóricos, a questão está vinculada a uma atitude
epistemológica...
[...] que sustenta que o trabalho da ciência é buscar as leis gerais
que necessariamente teriam que romper com a experiência
cotidiana ou com o particular que caracteriza a prática, pois
enquanto esta se refere ao singular, ao factual, ao ideográfico, a
teoria aspira à generalidade da explicação nomotética’.
(SACRISTÁN, 1999, p. 25).
Estas duas posturas epistemológicas, em separado, não produzem qualquer
tipo de transformação, nem ajudam a perceber as particularidades da ação
docente. O trabalho produzido por Sacristán vem ao encontro da
necessidade de relativizar estas duas posturas, para que se possa produzir
uma teoria engajada e uma prática reflexiva. Segundo o mesmo autor:
75
“Uma epistemologia que queira dar conta dos comportamentos na
educação e da prática dos professores, em particular, deve sair da
perspectiva racionalista pura e do positivismo científico; precisa da
consideração e do estudo da articulação de três categorias básicas:
conhecimentos, formas de fazer e componentes intencionais ou
morais. ( SACRISTÁN, 1999, p. 49).
Os componentes intencionais são parte constitutiva da ação humana,
visto que só os humanos situam-se no campo da ética e dos valores.
Percebendo o ato educativo como intencional e por isso contendo objetivos
delimitados entendemos que é a partir do agente da ação educativa que
podemos compreender com mais propriedade a relação teoria e prática.
Seguindo na perspectiva de Gimeno Sacristán em seu livro Poderes
instáveis em educação percebe-se que o resgate do sujeito é o ponto de
partida para compreender as interações entre teoria e prática na educação.
Assevera-nos ele que, “executar ações, querer fazê-las e pensar sobre elas
são três componentes básicos entrelaçados da atividade do
sujeito”.(SACRISTÁN, 1999, p. 48). A ação deste mesmo sujeito supõe
compreensão e pensamento como algo indissociável a esta mesma ação. O
sujeito enquanto portador de uma racionalidade (não é uma racionalidade
explicativa) compreende um
[...] método que pressupõe o exercício de certas faculdades, , o uso
das informações disponíveis utilizadas de forma mais adequada,
fundamento as crenças do melhor modo possível (...) e procurando
a coerência entre os fins pretendidos, as crenças e os meios
empregados. ( SACRISTÁN, 1999, p. 62).
76
Não concebemos aqui um tipo a priori de racionalidade que
transforme o professor num especialista e nem uma racionalidade que o
coloque como intermediário do saber científico. O professor está inserido
num contexto de comunicação onde as ações são decididas através da
comunicação entre os agentes e sua capacidade de argumentar. O que está
em pauta quando se fala de razão na ação, não é uma racionalidade técnica
/ instrumental, fala-se de uma racionalidade dialógica, longe do ideal
cientificista que supõe a pretensão de um controle da ação. Esta ação do
educador supõe o discernimento de três dimensões bem definidas que se
entrelaçam no fazer pedagógico. Assim, a ação do sujeito em relação ao
contexto em que está inserido é permeada de teoria, ou seja: o componente
cognitivo (consciência, conhecimento pessoal); pelo impulso que é o
componente dinâmico (motivos intenções) e o saber fazer que é o
componente prático (experiência do saber fazer pessoal). No processo da
ação docente estes elementos não têm sempre a mesma preponderância,
pois as ações nem sempre surgem dos mesmos, por vezes partem do
professor, outras são sugeridas ou impostas. É preciso tomar como ponto
de partida a idéia de que no sujeito o conhecer, o pensar tem uma só
substância, possuem uma mesma natureza. Por isso nos afirma Sacristán
(1999, p. 50) que o
[...] primeiro significado que deve ser contemplado na relação entre
teoria e prática é o de sua indefectível proximidade e coexistência
no plano da subjetividade, no sentido de que o pensamento é uma
peculiaridade reflexiva da ação. Somos reflexivos, porque
adquirimos consciência do que fazemos.
77
E esta característica recoloca a questão da relação teoria/ prática, no
sentido de que o mais importante
[...] não é a passagem da teoria à prática, como se naquela estivesse
contido o modelo das boas realizações, mas sim a mudança da
racionalidade-irracionalidade à racionalidade possível, da rotina e
inconsciência à reflexão. (SACRISTÁN, 1999, p. 50)
Assim, quando o professor conta suas experiências, ele o faz mediante suas
representações mentais sobre o fato narrado. Há uma diferença entre aquilo
que faz e a narração feita.
O esquema da ação não é a ação mesma. Assim como um
esquema de um motor não é o motor nem a materialidade das
operações para montá-lo e desmontá-lo”. (SACRISTÁN, 1999, p.
52). “Os esquemas são uma manifestação do pensamento que
permite representar, examinar, reelaborar, comunicar e projetar
essa ação e outras parecidas. (SACRISTÁN, 1999, p. 53)
O saber/fazer nas ações práticas, no âmbito da educação, são
permeadas de esquemas, pois existe uma aproximação entre fazer e ouvir a
narrativa sobre o fazer, na medida em que representamos essas ações por
seus esquemas que nós assimilamos ou elaboramos. Esta possibilidade nos
indica que, em certo sentido, é possível “... aprender a prática sem realizá-
la, simulando-a, vendo-a ou lendo-escutando narrações sobre ela”
(Sacristán, 1999. P. 50). Sacristán diferencia destreza prática de esquema
dizendo que a primeira exige a garantia da experiência individual inserida
em situações particulares. A destreza prática não se pode ensinar, pois pelo
fato de estar ligada às condições concretas do contexto da prática. Assim,
78
na relação entre teoria e prática na ação do professor como sujeito
reflexivo,
Seria ridículo renunciar à bagagem de informação acumulada,
argumentando que o professor só se forma na prática, mas seria
igualmente errôneo esperar que todo esse conhecimento
substituísse a prova da experiência. (SACRISTÁN, 1999, p. 54)
O fato de não poder pensar de forma afastada e isolada o binômio teoria/
prática, possibilita que se construa um repertório de esquemas de ação,
constituindo-se assim um depósito de sua experiência teórico/ prática que
facilita o decorrer da ação docente.
A ordem propiciada pela estrutura dos esquemas, aplicada com
uma certa flexibilidade, segundo as circunstâncias, compõe o
profissionalismo como um ofício –arte, que se expressa em um
saber fazer com base cognitiva e um significado relacionado com
suas intenções e motivos. (SACRISTÁN, 1999, p. 55)
Mesmo sabendo teoricamente da complexidade do ambiente de sala
de aula, a aceitação de esquemas práticos compartilhados pelos
professores, transformam o ensino em algo relativamente simples. Pois
através destes esquemas cognitivos ligados a conhecimentos práticos,
compartilhados pelos docentes, caracteriza-se o que se chama de profissão
docente. Assim sendo a compreensão do ato educativo necessita da
institucionalização dos esquemas cognitivos.
79
Ao abordar a questão da competência profissional do educador nos
assevera Philippe Perrenoud (2001, p.135) que
[...] a capacidade para resolver problemas complexos baseia-se em
saberes amplamente organizados (reconhecidos e compartilhados
no seio da profissão) e, em grande parte transmissíveis aos futuros
profissionais (através de conceitos, teorias, procedimentos, clínica,
trabalhos práticos). Portanto [...] as competências profissionais não
se limitam ao domínio dos saberes (fundamentais ou aplicados,
teóricos ou procedimentais), mas mobilizam savoir-faire, e
sobretudo esquemas de pensamento ou de ação cuja codificação
nunca é total.
Os esquemas de pensamento e de ação apontados por Perrenoud, na
citação acima, aparecem como uma possibilidade de aproximar teoria e
prática, ou seja, de aproximar a prática diária do professor individual com
as práticas de outros professores, visto que não podemos “aplicar” teoria
na prática. A primeira apresenta-se sempre como universal, abstrata no
sentido em que não se refere apenas a uma realidade específica, mas à
totalidade; e a prática é sempre particular, individual, não sendo possível
repetir a mesma prática educativa, pois se a prática está em eterno
movimento, como posso pensar que vou ter uma teoria específica para cada
prática que eu for realizar? E se isso fosse possível a teoria não seria mais
teoria, pois perderia o seu caráter de universalidade. Por serem distintas
(teoria/ prática) não significa que não tenham relação entre si. Também
não se pode pensar que a teoria não tem validade em si, porque não
corresponde a uma prática particular minha. Isto seria não só uma
generalização apressada (um argumento falacioso), mas também significa
ter em mente que a teoria se desfiguraria se sua existência estivesse
80
submetida à prática. Seria o fim das utopias. Por outro lado, pensar que a
prática por si só, é o bastante para ser professor, é desconhecer os próprios
limites desta mesma prática. É pensar que ser professor é ser um técnico
que aplica nos alunos aquilo que aprendeu em sua formação. Temos assim
então que no cotidiano da sala de aula, para executar métodos e
procedimentos o professor se socorre não de saberes, mas sim de esquemas
de pensamentos (esquemas de raciocínio, interpretação, elaboração de
hipóteses, de avaliação).
Esses esquemas permitem identificar os saberes pertinentes,
selecioná-los, combiná-los, interpretá-los, extrapolá-los e
diferenciá-los para enfrentar uma situação singular.
(PERRENOUD, 2001, p.148)
Seria então a capacidade do professor de no cotidiano escolar mobilizar
saberes em sua ação docente. Estes esquemas cognitivos não são ainda
tipificações, pois como afirmei anteriormente, estas (as tipificações)
dependem de ações compartilhadas ao longo da história que envolve os
sujeitos. São experiências que ficam restringidas ao convívio de um
grupo determinado, numa escola determinada, numa sala de aula
determinada. Na medida em que estas ações são permutadas entre duas
pessoas ou dois grupos, elas se institucionalizam, possibilitando uma
melhor compreensão da ação individual desencadeada no interior da sala
de aula. Para esta situação descrita acima somos partidários de Aristóteles
quando ele afirma que “...o todo deve necessariamente ter precedência
81
sobre as partes” (ARISTÓTELES, 1988, p. 15)
25
, pois as partes
isoladamente são incompreensíveis. Precedência deve ser aqui entendida
como preferência, primazia. No ato educativo, o professor, isoladamente,
ao contar sua experiência singular pode gerar admiração, ou indiretamente
coincidir com a experiência de alguém, mas não contribuirá
significativamente para compreender o ato educativo, pois este só se torna
visível através de pesquisas ou de trabalhos interdisciplinares.
2.2. Os esquemas e os saberes da ação educativa
A convivência com o professor, mostra que o mesmo compartilha de
uma certa representação sobre a sua profissão que se construiu através dos
seminários
26
que participou, dos livros didáticos que utiliza no seu trabalho
docente, das conversar informais entre colegas, do convívio como
profissional da educação no contexto escolar, da participação nos
sindicatos da categoria, através da longa permanência nos bancos escolares
desde a infância, etc. Alda Mazzotti (2003, p. 62), através dos conceitos de
Moscovici, afirma que:
[...] nas representações sociais, parte-se da premissa de que não
existe separação entre o universo externo e o universo interno do
sujeito: em sua atividade representativa, ele não reproduz
25
É interessante observar que esta relação entre o todo e as partes, na teoria aristotélica, está inserida
numa concepção metafísica e não dialética. Do ponto de vista dialético, mais especificamente da dialética
hegeliana, o todo é anterior às partes, e as partes só podem ser entendidas em termos de todo. Na questão
aqui discutida, o ato educativo só será compreendido em sua plenitude se o professor for capaz de
perceber a relação entre sua ação individual na sala de aula e a totalidade das características de sua ação
enquanto educador, num processo de constante aperfeiçoamento.
26
O entusiasmo do professor ao ouvir palestras sobre o cotidiano escolar, não tem força para desencadear
ações significativas quando o professor volta ao contexto de sua escola. Ele parece mais um guerreiro
solitário que entra novamente na estrutura da rotina escolar.
82
passivamente um objeto dado, mas, de certa forma, o reconstrói e,
ao fazê-lo, se constitui como sujeito, pois, ao apreendê-lo de uma
dada maneira, ele próprio se situa no universo social e material.
Estas representações
27
, no caso do professor, na sua grande maioria,
não partem de uma análise mais detalhada da ação docente no espaço da
sala de aula, embora façam referência a este fato. Em outras palavras, esta
representação o professor constrói em relação à sua atuação, mas nem
sempre parte dela, de maneira indutiva, ou seja, da ação educativa
enquanto tal. O professor sabe que sua ação tem semelhança com a dos
demais professores, mas muitas vezes não tem como compreender, em
profundidade, o que acontece, por que teria que olhar os fatos isolados a
partir de uma visão mais ampla proporcionada pelo compartilhamento de
esquemas cognitivos. Na concepção de Sacristán, Um esquema abstraído
a partir de ações semelhantes é uma primeira generalização que se
prolonga além da experiência atual e pontual” (SACRISTÁN, l999, p. 70)
Então a experiência é o capital que acumulamos para as ações
subseqüentes. Entre si
[...] os esquemas são organizados, subordinados, incluídos uns nos
outros, modificando-se entre si, criando uma estrutura que organiza
as ações posteriores - é uma acomodação ordenada.(SACRISTÁN,
l999, p. 71.)
Se os esquemas têm certa autonomia sobre o fazer individual prático,
se ele é uma primeira generalização possível da ação docente, significa que
27
Segundo Moscovici, estas representações sociais não são apenas “opiniões sobre” ou “imagens de”,
mas teorias coletivas sobre o real.
83
ele pode ser compartilhado por dois ou mais professores constituindo assim
uma aproximação significativa com os pressupostos fundamentais
necessários para identificar um saber. Se os saberes são um conjunto de
conhecimentos que apresentam uma certa unidade, em virtude de suas
fontes ou de seus objetos, só é possível reconhecê-los na medida em que
forem compartilhados, mas também só serão compartilhados na medida
em que forem potencialmente saberes. Temos em mente que o
[...] sujeito do saber desenvolve uma atividade que lhe é própria:
argumentação, verificação, experimentação, vontade de
demonstrar, provar, validar. Essa atividade é também ação do
sujeito sobre ele mesmo: tomar o partido da Razão e do saber é
endossar exigências e proibições relativas a si próprio.
(CHARLOT, 2000, p. 60).
A experiência é individual, mas o saber é construído em uma história
coletiva que é a da mente humana e das atividades do homem e está
submetida a processos coletivos de validação, capitalização e transmissão,
sendo que não há saber sem uma relação do sujeito com esse saber.
Conforme Gauthier (1998,p. 35), “... os saberes não são de modo algum
informações desordenadas, mas possibilidade de estruturação , de
organização e de simplificação, passaporte para uma melhor apreensão do
real”. Imerso no ato educativo, o educador enquanto agente racional,
produz uma ação educativa, pois esta é própria dos seres humanos e é o
canal de expressão do mesmo. Ensina-nos Sacristán (1999, p. 32) que
[...] as ações educativas são empreendidas por seres humanos, no
que a educação tem de fenômeno especificamente humano, sobre
ou com seres humanos e, à margem do que são uns e outros, não se
84
pode entender os processos que constituem suas atividades. A
educação reveste-se inexoravelmente, da condição humana,
aproveita-se dela, afeta a mesma, é constituída por ela.
Ao mesmo tempo esta ação é educativa porque tem um propósito, resultado
de um projeto explícito, pois não é algo espontâneo, e sim uma invenção
dirigida, uma construção humana portadora de um significado e que como
conseqüência seleciona possibilidades, conteúdos, caminhos possíveis.
Assim,
[...] os desejos que nos levam a agir entrosam-se com as
necessidades humanas dos demais, estruturam-se em pautas
culturais de impulsos e prolongam-se em orientações estáveis na
forma de projetos e de lutas para a ação coletiva: em esquemas
dinâmicos de desejos compartilhados. Dito de uma outra maneira,
os motivos das ações do docente são seus motivos em interação
com os demais e com os quais são ressaltados pelos modelos ético-
pedagógicos: com os do sistema escolar, os dos pais, os modelos
sociais em geral, as finalidades da política educativa e as
recomendações deduzidas dos modelos ou filosofias normativas da
educação. (SACRISTÁN, 1999, p. 42.).
Através desta citação de Sacristán percebemos que a condição para
pensarmos um saber da ação docente é pensá-lo enquanto esquemas
dinâmicos compartilhados pelos agentes racionais num processo que é ao
mesmo tempo pessoal e coletivo.
85
2.3. Os saberes da prática na ação educativa
O fenômeno da educação de massa a partir do século XVIII trouxe
consigo a idéia de que o professor aos poucos passa de alguém que é a
encarnação do próprio saber para alguém que é mediador de um saber que
não lhe pertence. Dividiu-se de um lado o saber produzido pelo cientista,
pelo filósofo e de outro o ensino deste saber. Difundiu-se, então, a idéia de
que o professor enquanto tal reproduz um conhecimento que ele não
produziu. Ele é um repassador de conhecimentos alheios. O professor
transmite conhecimentos. Estas idéias, que ainda hoje subsistem não
resistem a menor crítica. O material de trabalho do professor são conceitos,
idéias, cosmovisões. Este “material” de trabalho não pertence ao mundo
físico, não está sujeito aos ditames dos sentidos. Como não pertence ao
mundo físico não é possível transmitir (transferir) para alguém. Pensar que
alguém possa captar exatamente o que lhe foi dito, é pensar que um dos
sujeitos é um tabula rasa que recebe passivamente o que lhe foi dito. O ser
humano, por ser racional, não percebe o mundo desta maneira. Tudo o que
ele compreende passa pelo filtro da cultura, do conhecimento, da classe
social a que pertence etc., ou seja, em educação a palavra transmitir não se
apresenta como adequada para compreender o fenômeno educativo. A
palavra “reconstruir” constitui-se num vocábulo mais apropriado, pois
professor e aluno reconstroem conhecimentos em sua relação pedagógica.
Esta construção na prática pedagógica da sala de aula supõe a existência de
saberes. Estes saberes ocorrem em um ambiente em que cada encontro na
sala de aula, proporcionado pela organização escolar, é sempre único.
Cada relação é original e nova. Não raras vezes os alunos reclamam que o
86
professor organiza a aula sempre do mesmo jeito, que o professor não é
criativo, que não traz nenhuma novidade. O que o aluno não percebe é que
o professor que entrou neste processo está na verdade se degenerando como
profissional da educação. Está perdendo a cada dia sua identidade como
professor. Está perdendo diariamente o encantamento necessário para
transformar a relação educativa em algo melhor. O que quero enfatizar é
que não é possível repetir a mesma aula infinitamente, que o professor
sempre cria na sua relação pedagógica, às vezes melhorando, às vezes
piorando-a, mas nunca igual. Sendo assim, os saberes são “... o resultado
de uma produção social e, enquanto tal, está sujeito a revisões e às
reavaliações que podem mesmo ir até a refutação completa”.
(GAUTHIER, 1998, p. 339). Mas se o ensino se apresenta sempre como
novo, e não pode reduzir-se a uma simples aplicação de uma técnica
transmissível de forma exterior, como é possível pensar um saber da ação
pedagógica que transcenda a mera experiência individual? Mesmo com
essas dificuldades, nos afirma Gauthier que “... a busca de eficiência e de
competência, com base em saberes positivos comprovados, constitui um
objetivo legítimo e desejável”. (GAUTHIER, 1998, p. 338). Um saber
que dá-se na contingência da sala de aula,
[...] é muito mais o fruto de uma interação entre sujeitos, o fruto de
uma interação lingüística inserida num contexto. Por isso mesmo o
saber remete a algo intersubjetivamente aceitável para as partes
presentes. (GAUTHIER, 1998, p.339).
Esta interação entre sujeitos, no entanto não é suficiente para a
identificação de saberes da ação educativa do professor de filosofia em sua
prática docente. Como nos afirma Gauthier: “... nem toda prática social é
87
obrigatoriamente um saber, pois não estamos sempre prontos a fornecer
argumentos para justificar nossas ações”. (GAUTHIER, 1998, p.337).
Introduz-se aqui um elemento essencial na identificação do saberes na ação
pedagógica, a exigência da racionalidade. Para identificar o que chamamos
de saber, tomamos emprestada esta definição de Gauthier (1998, p.
336,337):
Quando falamos de saber, englobamos assim os argumentos, os
discursos, as idéias, os juízos e os pensamentos que obedecem a
exigências de racionalidade, ou seja, as produções discursivas e as
ações cujo agente é capaz de fornecer os motivos que as justificam.
O saber da ação docente como o descrevemos manifesta-se através de
uma razão prática. E essa razão prática “... depende muito mais da
argumentação e do juízo do que da cognição e da informação”.
(GAUTHIER, 1998, p.339). Esta razão prática manifesta-se no momento
em que o professor, no ato pedagógico, toma decisões. O ato de tomar
decisões, no entanto, implica julgar. O professor julga não só os atos dos
alunos, como também os seus próprios atos. Seu desempenho como
professor depende dos julgamentos que pratica. A questão que se coloca é a
seguinte: qual o critério utilizado pelo professor para este necessário
julgamento? Esclarece-nos Gauthier que o “... julgamento, constantemente
solicitado, se apóia em saberes, isto é, nas razões que levam a orientar o
julgamento num sentido e não no outro.” (GAUTHIER, 1998, p.341).
Argumenta Gauthier (1998, p.344, 345) que este saber tem as seguintes
características:
88
[...] 1) Eles são adquiridos em parte numa formação universitária
específica; 2) A aquisição destes saberes é acompanhada de uma
socialização profissional associada a uma experiência da prática
docente; 3) eles são mobilizados numa instituição especializada, a
escola, e, sendo assim, estão ligados ao contexto desta instituição;
4) eles são usados no âmbito de um trabalho, o ensino; 5) eles tem
como pano de fundo a tradição, pois, na prática, todo indivíduo já
viu alguém ensinando[...]
Temos consciência, através das palavras de Sacristán, que no
“momento de explicar como as práticas educativas funcionam, é
fundamental entender esses processos de cristalização das experiências
pessoais e compartilhadas.”. (SACRISTÁN, 1999, p. 72) Essas práticas
pessoais e cristalizadas estão intimamente relacionadas com a disciplina
que o professor trabalha, com sua formação inicial, com uma tradição
pedagógica etc. Isto nos faz pensar como Obiols (2002, p. 118) quando o
mesmo afirma que: “... é legítimo buscar na própria disciplina, em nosso
caso a filosofia, em suas características próprias e em sua história, os
elementos fundamentais para seu ensino”.
Compreender as peculiaridades do ensino da filosofia no âmbito das
discussões sobre os saberes necessários à docência, nos faz pensar na
possibilidade de saberes específicos do ensino de filosofia. Visto que a
filosofia enquanto pedagogia, ou seja, enquanto passível de ser ensinada,
não pode prescindir da construção filosófica ao longo da história, assim
como não pode existir no presente sem uma abordagem que se dá através
da discussão filosófica que acontece nas relações professor/aluno na sala de
aula. Ao buscar os saberes necessários a atuação do professor de filosofia
pretendemos contribuir para que a filosofia não esteja na matriz curricular
89
da escola como apenas mais uma disciplina, mas que efetivamente faça
diferença em suas relações com outras áreas do saber. Ao tomar como
possibilidade de análise o saber da ação pedagógica do professor de
filosofia, inserimos nosso trabalho no movimento geral da pesquisa atual
sobre o ensino. Tendência que procura analisar a natureza do ensino, seus
componentes, seu funcionamento, enfim, a possibilidade de um repertório
de conhecimentos próprios do ensino.
90
CAPÍTULO III. A AÇÃO EDUCATIVA DO PROFESSOR DE
FILOSOFIA
A ação humana diferencia-se dos gestos dos animais por que, a
mesma é feita sempre com referência a fins. Os gestos têm apenas um
significado imediato, ao contrário das ações que se justificam por seus fins.
Os fins dão sentido a ação. Os fins não só projetam a ação, como, de certa
forma, estão contidos nela. Assim para conhecer uma ação é preciso
compreender os seus fins. A ação possui uma dimensão epistemológica
como nos sugere Kosik (1976, p. 22), quando afirma que “Não é possível
compreender imediatamente a estrutura da coisa ou a coisa em si mediante
a contemplação ou a mera reflexão, mas sim mediante uma atividade”.
Compreender mediante a ação, no entanto, não é algo simples, por que não
temos acesso direto a prática, e sim a representação da mesma na
linguagem. Como bem nos afirma Sacristán (1999, p. 52):
Depois de uma ação detalhada, transcorrida numa sessão de aula ou
depois de uma experiência prolongada, podemos relatar o ocorrido
(comunicar a representação consciente da ação) e tornar público o
esquema específico da ação detalhada ou o da concatenação e
subordinação de esquemas correspondentes a ações específicas
incluídas em experiências mais dilatadas.
Mas não estaremos falando nunca da prática em sua singularidade. Como
ela faz parte da experiência individual é impossível de ser transmitida ou
ensinada. Os recursos individuais que se ativam na ação são de natureza
tácita, e sua eficácia só pode ser percebida quando são vinculados a
esquemas que o professor usa para lidar com o inesperado. Na prática
91
quando os professores dizem que estão “trocando” experiências, estão
realmente expondo esquemas, o que como já foi explicitado em outro
capítulo, não estão mais no nível prático.
No trabalho de pesquisa que realizei tenho a compreensão de que,
através das entrevistas sobre a ação docente, jamais tive acesso a destreza
prática do professor, pois esta exige, como nos salienta Sacristán ( 1999, p.
53),
a prova da experiência pessoal dentro de situações particulares.
Daí a dificuldade de comunicar aos novos professores o
conhecimento prático a partir da experiência de outros, por que está
ligado às condições concretas do contexto da prática.
Não tendo acesso à prática do professor, o resultado das entrevistas
que fiz, embora tenham como alvo a narrativa das ações docentes, é na
verdade “a imagem reflexiva da ação, que é a representação”, constituindo
se em um esquema, “no sentido de ser um resumo esquematizado, e não
cópia exata da atividade” (SACRISTÁN, 1999, p.53) Façamos nossas as
palavras de Sacristán (1999, p. 53), quando o mesmo afirma que: Quando
recordamos, atualizamos o esquema, ‘re-agimos’, reconstruímos a ação,
mas isso não é a ação mesma, mas uma abstração do essencial dela que
não retém todos os detalhes. Arrisco-me a dizer que uma pesquisa que
registrasse todos os detalhes de uma determinada ação, seria uma
monstruosidade, pois desconsideraria a condição humana de olhar sempre a
partir de um ponto, a partir de uma perspectiva. E ao narrar a partir de um
ponto de vista os acontecimentos, aparentemente insignificantes sob o
92
fundo incolor da cotidianidade, é que compreendemos os gestos e as falas
mais significativas. O ato então de narrar estes fatos obriga o professor a
pensar a própria ação enquanto tal. E essa “... atividade é também ação do
sujeito sobre ele mesmo: tomar o partido da Razão e do saber é endossar
exigências e proibições relativas a si próprio”. (CHARLOT, 2000, p. 60).
Esta façanha, apesar de ser possível, apresenta-se como tarefa difícil, pois
embora o professor possa demonstrá-la, muitas vezes ele é incapaz, não
só de descrevê-la de forma coerente e com um sentido, mas também de
estabelecer uma reflexão crítica sobre ela. A prática cotidiana absorve de
tal modo a ação do professor que o mesmo muitas vezes tem dificuldade de
racionalizar esta mesma ação. Este ato, entretanto, apresenta-se como de
fundamental importância na medida em que “... é da consciência das ações
de ensinar, graças as representações que obtemos das mesmas, temos
conhecimento de e sobre
28
a própria ação ou da que observamos nos
outros”( SACRISTÁN, 1999, p. 53). Solicitar que o professor manifeste,
mesmo que de forma implícita nas entrelinhas de sua narrativa, as tomadas
de decisões inerentes a sua ação pedagógica, é crer que “... o professor age
e sabe (ou pode saber ) por que o faz: sua ação se baseia em motivos
justificáveis pela razão” (GAUTHIER, 1998, p. 341).
Os professores interpelados nesta pesquisa formaram-se em filosofia
entre os anos 1978 e 2000, que abrange o fim da ditadura militar, até a
virada do milênio. O professor com menos tempo de atuação docente tem
três anos, e o de maior tempo de docência declarou ter trinta anos de
atuação. O número de escolas em que eles já trabalharam com filosofia
28
Grifo do autor.
93
foram em média duas escolas. Na entrevista que executamos ao longo desta
pesquisa, ao serem perguntados sobre a visão que estes professores têm do
aluno ao qual ele leciona, a abordagem diversificada ficou por conta do
fato de que uns professores trabalham no diurno e outros no noturno.
Enquanto que a faixa etária dos do diurno ingressa no ensino médio com
13, 14 anos, o noturno tem uma variação de idade que vai de 15 anos a 60
anos. Os referidos professores, por terem experiência de ter trabalhado já
nas três séries do ensino médio, são unânimes em afirmar as diferenças de
maturidade que existem entre quem está com 14 anos e quem está com 16
anos, ou seja, quem ingressou na primeira série e quem está na terceira
série, independente se for do diurno ou do noturno. Dizem os professores
que estas transformações são perceptíveis a cada ano. Estas diferenças
afetam o jeito de trabalhar com a filosofia. Na primeira série os alunos,
apesar de não terem ainda formalmente a disciplina filosofia, nutrem uma
idéia sobre a mesma que o professor capta nos primeiros contatos com o
aluno. Como nos afirma a professora “C”:
Como eles não conhecem nada de filosofia, eles são muito
interessados em descobrir alguma coisa... Quando eles percebem
que a filosofia não é aquela coisa assim... Que os padres dão, que
não é aquilo que ensinaram pra eles que é coisa de louco. É a
primeira coisa que eles perguntam na aula: Professora é verdade
que filósofo é louco?
A professora “E” nos diz que o
aluno de primeiro ano, é aquele aluno que chega, as vezes vem de
uma outra escola que só tinha ensino fundamental, e chega com
uma expectativa. Mas é um aluno que ainda não está bem certo do
que ele quer. Ele tá aí por que os pais o fazem estudar, e que não é
pra eles ficarem em casa e que é pra ter uma vida melhor. Eu os
94
vejo como alguém, que ta ali pra descobrir alguma coisa, e isto tem
que despertar a atenção dele, pra que ele se interesse.
Na medida em que os alunos
29
avançam para o segundo ano, acontecem
algumas mudanças que afetam o desenrolar das aulas. Estas mudanças, no
entanto não são só resultado de um amadurecimento psicológico, mas
também de uma determinada percepção da realidade consoante com a
época em que vivemos. A professora “C” querendo dimensionar esta
rebeldia dos alunos organizou um trabalho no qual ela queria
ver se realmente eles eram contestadores, se eles entendiam
alguma coisa de contestação... Anarquista por exemplo, né... Eu
trabalhei a música do John Lennon, “Imagine”. “Odeio os
indiferentes” do Gramsci, e o “analfabeto político”. Por incrível
que pareça, eles acharam o “Imagine” , essa idéia de um mundo
mais irmão... mais amigo... Mais fraterno... Eles não gostaram. Eles
acham bom, mas impossível.
A professora referida acima se assustou com o resultado deste trabalho
devido a total falta de utopia dos seus alunos. Segundo as próprias palavras
deles, eles vivem o hoje, o amanhã a Deus pertence, se ele existir, relata a
professora. A partir desta constatação a professora organizou um trabalho
mais demorado e intenso sobre as questões que versam sobre o sentido da
vida etc. Mas, apesar de já ter feito outros trabalhos com colegas de outras
disciplinas, este trabalho, no entanto, não conseguiu parceiros.
29
Não podemos perder de vista que, mesmo falando do aluno, o nosso alvo enquanto pesquisa é o
professor enquanto alguém que ensina para uma determinada clientela. Mesmo porque ao falar do aluno
com o qual desenvolve atividades educativas, o professor está falando de si mesmo, de suas percepções e
de suas expectativas em relação ao aluno.
95
No geral, as características da adolescência como o questionamento
constante em relação e tudo, beirando a uma rebeldia sem um motivo
explícito, a necessidade de auto-afirmação frente aos colegas vai
amenizando, e eles começam a perceber um pouco mais a importância da
filosofia. Vão aos poucos entendendo os motivos por que se deve estudar
esta disciplina. É lógico que isto não acontece com todos, sempre tem um
que outro que sempre acha que estudar filosofia é pura perda de tempo. O
noturno como trabalha com uma faixa etária mais heterogênea, tem um
comportamento diferenciado em relação à filosofia. Uma grande maioria
30
do noturno já trabalha e têm alguns que estão no noturno por que não
sobrou vaga de dia. Do ponto de vista sociológico enquanto o diurno
pertence a uma classe média que tem acesso internet e outros bens de
consumo, o noturno configura-se como pertencente a uma classe média,
mas não alta. Alguns têm acesso à internet apenas no trabalho ou na escola,
não têm nem computador em casa.
31
Geralmente o noturno tem um
relacionamento melhor com o professor de que o diurno. Em seu livro Da
relação com o saber Charlot ( 2000) , nos diz que o sujeito tem uma
relação epistêmica com o aprender, que este aprender pode ser também
dominar uma atividade, segundo suas palavras, seria passar do “não
domínio para o domínio de uma atividade”( 2000, p.69). Então,
30
Estas idéias apareceram quando o professor foi inquirido a responder como ele conceituava o seu aluno.
Como esta pesquisa não tem uma abordagem quantitativa, as referências à quantidade são apenas
ilustrativas, cujo objetivo é indicar o sujeito epistêmico com o qual o professor de filosofia no ensino
médio leciona.
31
Não é aqui intenção deste pesquisador usar o acesso à internet como um indicativo para distinguir
classes sociais. Esta pesquisa está se referindo a essa realidade pelo viés das observações feitas pelo
professor em sua ação educativa. O fácil acesso a informação é um elemento importante para o professor
que não quer seu aluno passivo e indiferente ao mundo que o cerca.
96
O sujeito epistêmico é [...] o sujeito encarnado em um corpo,
entendendo-se por isso, no caso, não um sistema de órgãos distinto
da alma, mas, sim, o corpo como foi definido por Merleau-Ponty.
O corpo é um lugar de apropriação do mundo, um “conjunto de
significações vivenciadas”, um sistema de ações em direção ao
mundo, abertos às situações reais, mas, também virtuais.
Se o alvo do professor de filosofia é ensinar filosofia, ele não pode se
abster de compreender esta situação existencial com a qual terá que
trabalhar.
A esta condição existencial do aluno confronta-se um determinado
conteúdo específico da disciplina. Numa das escolas pesquisadas, que
comporta seis professoras de filosofia, foi organizado pelas próprias
professoras, em reunião, um material chamado de Caderno Didático que
divide os conteúdos a serem ensinados conforme a série do ensino médio.
Assim, para o primeiro ano do ensino médio ficou decidido que os alunos
estudariam uma introdução à filosofia. O professor procura concatenar
questões da filosofia antiga com temáticas atuais ligadas a existência do
aluno enquanto adolescente/jovem. Em termos de história da filosofia este
procedimento abrange idade antiga e idade média. No segundo ano, o
Caderno Didático contém como temas principais a questão da política e da
ética. E no terceiro ano o tema principal é teoria do conhecimento. Cabe-
nos observar que estas escolhas coletivas ou não, não têm uma influência
direta sobre a ação do professor enquanto agente racional no processo de
ensino. Este material funciona como um guia que aponta temas importantes
no contexto filosófico. A ação pedagógica é composta de pequenas
97
decisões que são desencadeadas a todo instante na relação pedagógica.
Como podemos ver na citação retirada de uma das entrevistas realizadas.
Hoje, algumas vezes, eu utilizei o quadro, eles estavam sentadinhos
um atrás do outro, mas de manhã em compensação eu fiz trabalho
em grupo... Dei o texto, eles foram ler o texto, então, vai depender
da circunstância, vai depender da motivação dos alunos que às
vezes tu não consegue nem trabalhar em grupo, que eles não tão
afim, eles querem só conversar, o trabalho não sai... (professora A)
O professor de filosofia precisa estar atento em relação a esse cotidiano,
fazer uma leitura permanente de sua ação e dos efeitos dela na motivação
do aluno.
O professor deve atuar como clínico que diagnostica
permanentemente a situação e elabora estratégias de intervenção
específicas e adaptadas para a situação concreta da aula,
comprovando as reações, esperadas ou não, lógicas, ou irracionais,
dos alunos e avaliando o significado das trocas que se produziram
em conseqüência. A comunicação na aula deve começar
respeitando e mobilizando os esquemas de pensamento,
sentimento
e ação de cada indivíduo e de cada grupo. (GÓMEZ 1998. p. 87)
O professor ao mostrar-se atento aos desafios da atuação docente
procurará identificar e mobilizar não só os seus esquemas de pensamento,
mas também os esquemas e as ações dos alunos. O ato de aprender
manifesta-se na ação do indivíduo no contexto da sala de aula. Assim, ao
manifestar a sua subjetividade, o professor de filosofia estabelece uma
mediação de maior qualidade entre o aluno e o conteúdo que a história da
filosofia nos legou.
98
No universo das profissões, esta mediação, conforme o tipo de
atuação na sociedade se dá em níveis como nos mostra Gauthier (1998, p.
372, 373). No primeiro nível “... o usuário é particularmente dependente e
a interação é reduzida ao mínimo. [“...] a cooperação do cliente não é
realmente necessária” sendo o usuário “ reduzido aqui ao estado de
objeto”. O segundo nível é o que Gauthier denomina de interações de
atribuição. Neste tipo,
[...] o trabalho se reduz principalmente a um conjunto de transações
que intervêm entre o trabalhador interativo, o usuário e as
informações sobre este último. [...] aparece na maioria das vezes
como um recurso habilitante que simplifica a tarefa do trabalhador
interativo, conferindo-lhe uma autoridade legal em sua interação
com o usuário.
O terceiro tipo de interação e o que mais se adapta a condição da docência
são as interações de transformação. Este nível tem como objetivo agir sobre
o que é próprio ou peculiar de alguém, tendo em vista melhorar seu bem
estar e sua inserção no meio social. Segundo Gauthier (1998, p. 373),
Esse terceiro tipo comporta duas subfunções: a “restauração”, que
consiste em reduzir ou eliminar uma deficiência ou então uma
incapacidade, de modo a permitir que o cliente ou o usuário
funcione adequadamente na sociedade; “o aperfeiçoamento”, que
põe ênfase na melhoria da adaptação e do bem estar do indivíduo
na sociedade, de acordo com etapas de crescimento consideradas
normais.
Os professores entrevistados ao serem perguntados sobre o que eles já
fizeram como professor de filosofia e hoje não fazem mais, ou seja, o que
mudaram em sua interação com o aluno, algumas respostas encaixaram-se
99
na subfunção de aperfeiçoamento. O diálogo com a professora “B” foi nos
seguintes termos:
Entrevistador: tu achas que tua experiência de professora foi
mudando a tua atuação ao longo deste tempo que tu leciona
filosofia? O que tu fazia que hoje tu não fazes mais?
Professora B: Ditar... (risos) ditar texto (risos). Isto é uma coisa
que eu nunca mais fiz.
Entrevistador: Chegou a fazer um dia...
Professora B: Cheguei a fazer.
Entrevistador: e o que tu sentias que estava errado?
Professora B: Não tinha resposta à nível de reflexão nenhuma.
Eles decoravam aquilo e repetiam. Quando eu pedia na prova saía,
mas só. Se eu colocasse numa avaliação sobre o que ele pensava,
ele não sabia colocar. Ele queria saber o que eu pensava.
Esta postura não foi privilégio só da professora “B”, a Professora
“A”, num certo momento também trilhou o mesmo caminho. Ao ser
inquirida com a mesma pergunta ela respondeu:
Professora A : Ditar matéria e fazer com que os alunos fiquem
como um “dois de pau” dentro da sala de aula.
Entrevistador: Tu já fizeste isso então?
Professora A: Fiz. Fiz o ano passado para experimentar. Porque eu
via pessoas que faziam né. Me diziam porque tu não dita matéria
que eles ficam bem quietos. Eu vou tentar. Só que também não
resolve, por que eles ficam com tanta raiva daquilo que eles estão
fazendo que eles acabam não aprendendo. Então eu larguei de mão
de novo... eu disse pra eles... ó, eu vou parar de ser a “ditadora” e
vou voltar a ser eu mesma. Vou voltar com a brincadeira na sala de
aula...
100
É importante observar que as mudanças empreendidas pelas
professoras tiveram a explícita intenção de melhorar a aprendizagem dos
alunos, suprindo a deficiência gerada pela ação de “ditar” conteúdos. Pelas
falas das professoras este parece ser um dispositivo que “funciona” com
outras disciplinas, com o objetivo de manter os alunos quietos. Ao ditar o
conteúdo com o objetivo de que o aluno fique quieto diminui a intensidade
da interação. Por incrível que isto possa parecer ainda existem professores
que ministram aula com um mínimo necessário de interação com o aluno,
sendo mediados pelo ditado e/ou pelo quadro cheio de conteúdo e cópia no
caderno. Seguem “religiosamente” os passos sugeridos por Herbart
32
.
Primeiro passo: lição anterior recordada. Segundo passo: lição
recordada ligada à lição do novo dia. Apresentação da nova
matéria. Formulação de teorias sobre a nova matéria e explicação
de questões com exemplos e respostas. Terceiro passo: exercícios
com questões já ensinadas e com questões novas. Verificação da
aprendizagem através da correção das questões. (GHIRALDELLI,
2000, p. 23,24).
Este esquema, embora largamente usado pelos professores, pelas
considerações dos professores não satisfaz as exigências do filosofar. Com
um esquema como este jamais se romperia o dualismo entre filosofar e
ensinar filosofia. Talvez se pudesse ensinar história da filosofia, falar de
pessoas que produziram filosofias em um passado distante. Apenas como
curiosidade histórica. A fala da professora “C” revela o quanto uma
interação mais profunda pode propiciar o filosofar. “Nas primeiras vezes
32
Paulo Ghiraldelli Jr. elabora um quadro fazendo uma comparação entre Herbart, Dewey e Freire,
quanto aos passos sugeridos pela teoria educacional de cada um, descrevendo o processo de ensino-
aprendizagem.
101
eu partia assim... Mesmo que a turma não aceitasse provocação eu ia pro
debate, eles aceitando ou não, não faço mais isso”.
Nesta pesquisa encontrei professores muito motivados com seu
trabalho, e bastante convictos de suas opções didático/metodológicas,
decorrentes de suas concepções filosóficas. É interessante observar que o
aluno do ensino médio precisa de tarefas. Como bem nos ilustra a
professora “B”.
O adolescente precisa da coisa mais prática, né. Eles gostam de
fazer isto. Tu pedindo coisa assim, ele corre prá buscar. Se ele tem
que fazer um boneco de sucata, ele se envolve... ele faz...ele
escreve...ele conta a história do boneco. Nós temos este trabalho
junto com educação artística e português.
No entanto, é importante lembrar que as tarefas propostas trabalhem
habilidades mentais, e não sejam meramente distração para o aluno. Há
uma distorção na idéia de que se deve trabalhar de forma lúdica com o
aluno, entendendo por isso não fazer esforço, não pensar, não produzir, ou
melhor, considerar a ação com fim nela mesma, o que elimina qualquer
possibilidade de uma relação pedagógica entre professor e aluno. As
experiências interdisciplinares, narradas pelos professores, correm o risco
de se transformarem em algo confuso, pois se o aluno não consegue
identificar as diferenças de abordagem entre história e filosofia, entre artes
e filosofia, como pode haver interdisciplinaridade? De qualquer maneira
as atividades que são feitas na escola, que incluem a filosofia e outras
disciplinas como artes, história, geografia, biologia e outras, despertam
interesse e motivação.
102
Professora “H”: Nós temos projetos interdisciplinares, por
exemplo, o projeto de cinema que é com a área de história e
literatura. Então a gente vê os filmes importantes, né, relacionado
com os temas que as professoras estão trabalhando, e a gente
procura passar no turno inverso, eles tem aula de manhã, então nas
quartas feiras a tarde a gente passa o filme, a gente dá uma
“faladinha” antes, cada uma de nós dá uma falada em termos de
história... Filosofia...
Entrevistador: como é a freqüência, eles vêm?
Professora “H”: Vem. No terceiro ano, nós temos um auditório
que fica lotado.
O professor de filosofia precisa desencadear uma ação (sozinho ou de
forma interdisciplinar) que consiga transparecer uma abordagem filosófica,
que marque um espaço disciplinar em relação a outras disciplinas, e que
isto seja percebido e compreendido pelo aluno, sob pena de cair num
praticismo prejudicial a qualquer tentativa de filosofar no contexto escolar.
3.1. A concepção de filosofia como elemento constitutivo da ação
pedagógica do professor de filosofia
Mestre e alunos - À
humanidade do mestre compete
pôr os alunos em guarda contra
ele mesmo. (Nietzsche ,
Aurora, aforisma 447)
A preocupação inicial do professor de filosofia é trabalhar com um
conceito de filosofia que o aluno compreenda. Segundo depoimento dos
entrevistados, de nada adianta fazer uma lista de conceitos que os alunos
103
irão decorar ou memorizar, e no ano que vem não lembram mais. A simples
maneira de apresentar, ou de levantar a discussão sobre o que é filosofia, já
transparece uma determinada concepção utilizada pelo professor como guia
de seu trabalho pedagógico. Ao apresentar a filosofia para o aluno que está
entrando no ensino médio, e nunca teve contato com a mesma, é de certa
forma escolher um caminho, uma forma de trabalhar o ensino da filosofia.
Antonio Joaquim Severino (2003, p. 53) nos alerta que “... o ensino da
filosofia merece um cuidado muito especial, na medida em que é o lócus
principal de desencadeamento de todo o processo da busca de sentido”. A
busca do sentido remete ao sujeito que aprende e que ensina numa relação
de troca. A professora “A” ao ser inquirida sobre qual a visão de filosofia
que orienta o seu trabalho disse: “eu vejo a filosofia tanto o seu sentido
histórico como o sentido do nosso dia a dia. Acho que a filosofia é no
nosso dia a dia.” Ela apresenta aqui uma relação difícil de estabelecer na
ação pedagógica. Pois ao
[...] recorrer à história da filosofia no processo
ensino/aprendizagem da filosofia, deve-se estar levando em conta a
afirmação da historicidade do conhecimento e não uma convicção
de historicismo (SEVERINO, 2003, p. 54)
Esta afirmação da importância da dimensão da historicidade não é um ato
isolado, mas configura-se como uma prática histórico-social de um sujeito
que se percebe como coletivo.
Mesmo determinado a pensar e agir de um ou outro modo, o
homem concreto permanece capaz de pensar e agir apesar desses
104
determinismos. Ou melhor: ele entra verdadeiramente na filosofia a
partir do momento em que decide pensar esses próprios
determinismos; em resumo, pensar sua condição de homem
concreto, de homem comum. (GO, 2004, p. 195, 196)
Este pensar a si mesmo, no entanto, não se faz a partir de uma simples
introspecção individual, pois a dimensão subjetiva do filosofar enquanto
esforço sistemático para captar a estrutura oculta da coisa em si, na
tentativa de descobrir o modo de ser do existente, este ato não é de todo
solitário. Assim, filosoficamente só se justifica retornar ao passado na
medida em que esse passado é compreendido como um subsídio para a
compreensão das articulações de nossa existência atual.
No processo de ensino/aprendizagem da filosofia [deve-se]
articular bem o produto e o processo. Incorpora-se o processo pelo
resgate reconstrutivo do produto, revivendo o processo que foi
como que objetivado no produto. Praticar o processo puro, a partir
de um debate supostamente originário, é desconhecer a
historicidade do próprio processo. Só posso aprender a pensar,
pensando, mas, para nós, pensar implica retomar aquilo que é
resultante do já pensado. Esta é a justificativa e a significação mais
profunda do diálogo com os pensadores que nos antecederam no
tempo e com aqueles que convivem conosco num mesmo espaço
social, na contemporaneidade. (SEVERINO, 2003, p. 55).
A mediação pedagógica do professor na sala de aula supõe retomar e
expor as idéias dos filósofos, não como peças de uma máquina antiga cujo
uso hoje despertaria não mais do que curiosidade, mas sim como uma
dinâmica própria do pensar que tem o poder de problematizar a nossa
própria história pessoal e coletiva. Esta percepção de que a filosofia só
105
será compreendida e vivenciada verdadeiramente se estiver entranhada na
existência pessoal do aluno, parece ser o que caracteriza com mais
intensidade a presença da filosofia no ensino médio. Por isso a importância
da presença de uma dimensão antropológica na ação pedagógica do
docente de filosofia. O professor precisa pensar nas condições existenciais
do aluno que ele trabalha. Professores que têm alunos no noturno e no
diurno são unânimes em dizer que as condições objetivas da existência
destes grupos afetam em muito o andamento do trabalho e o interesse pela
filosofia. No geral o noturno é mais interessado na aprendizagem da
filosofia, talvez por uma questão de maturidade, visto que a idade do
noturno fica entre dezoito e sessenta anos. Quando nos referimos ao
conceito de filosofia que norteia o trabalho docente, praticamente todos os
entrevistados fazem referência ao fato de que sua maneira de apresentar a
filosofia está intrinsecamente ligada ao fato de que esta filosofia esteja
ligada a vida deles. Esta é uma posição inevitável, pois não trilhar este
caminho é transformar a filosofia no contexto escolar em um conteúdo
estéril e descartável. A pergunta sobre a utilidade da filosofia, que muitas
vezes aflora na mente dos alunos, passa longe de outras disciplinas. Não
que os alunos saibam justificar a presença das outras disciplinas no
currículo, mas pelo fato de que a própria filosofia volta-se sobre si mesma e
pergunta sobre a sua função. Muitas vezes o professor de filosofia fica
lembrando a utilidade da filosofia com justificativas que são extrínsecas às
características da própria filosofia, quais sejam: O Peies
33
, o vestibular etc.
33
Criado em 1995, o Programa de Ingresso ao Ensino Superior é uma modalidade alternativa de
vestibular, seriada, que já possibilitou o ingresso de oito turmas na UFSM, totalizando 3.697 candidatos
classificados. Entre as instituições de ensino superior do Brasil, a Universidade Federal de Santa Maria é
pioneira na implantação dessa forma de ingresso aos cursos de graduação. O PEIES tem como objetivo
integrar, orientar e classificar alunos-candidatos de escolas credenciadas localizadas na Região de
Abrangência do PEIES (RAP) e selecionar e classificar os demais candidatos inscritos para preencher um
106
Não contar com estes subterfúgios é cair necessariamente num terreno onde
não só o convencimento racional, mas sim uma relação afetuosa pode
resultar em algo interessante no ensino da filosofia. Se procede o fato de
que a relação do sujeito com o meio é permeada pelo componente
cognitivo, ou seja a teoria; o componente dinâmico representado pelo
impulso e o saber fazer que é o componente prático deste tripé, no ensino
médio o componente dinâmico que lida com motivos e intenções, tem sua
intensidade aumentada em relação aos demais, quando a questão é
“aprender” filosofia. Os professores que esta pesquisa investigou parecem
ter descoberto isto na prática docente. É preciso estabelecer laços de afeto
para que o aluno ouça o mundo da razão, nesta relação representada pelo
professor.
[...] trabalhar a filosofia de forma dura não funciona. Eles ficam
com mais raiva da disciplina, eles já tem uma dificuldade muito
grande em aceitação da filosofia, eles acham que a filosofia é perda
de tempo. Uma tradição que a filosofia adquiriu ao longo destes
tempos proibidos
34
de filosofia, então eles acham que a filosofia é
uma coisa inútil. Até que eles se dêem conta que a filosofia é
realmente algo necessário para que eles tenham uma visão crítica
das coisas, vai levar um tempo. (Professora A)
Não raras vezes os professores entrevistados se referem aos seus alunos
com palavras afetuosas, que remetem a uma proximidade necessária,
segundo estes mesmos professores, para uma filosofia participativa e
percentual de 20% das vagas dos cursos de graduação da UFSM. A classificação final dos alunos é feita
mediante a realização de três provas, chamadas de Provas de Acompanhamento, ao final da 1a, 2a e 3a
séries do Ensino Médio.
34
Pelo contexto da entrevista deve-se entender que a entrevistada referia-se a ditadura militar quando
usava a expressão “tempos proibidos”.
107
dialogada. Muitas vezes esta relação é prejudicada pelo número excessivo
de alunos e apenas quarenta e cinco minutos de aula, duas vezes por
semana. Entrevistei professores que neste ano estão trabalhando com
setecentos alunos. O que dificulta não só a relação como também qualquer
tipo de avaliação em termos de produção escrita. Esta relação de
proximidade com o aluno faz cair por terra a visão enigmática que o aluno
possa ter em relação ao professor.
Pensando na relação desta postura do professor com a questão do
conhecimento, elemento que permeia necessariamente a relação
pedagógico/filosófica, Silvio Gallo (2004, p. 223) nos afirma que
O professor de filosofia é aquele personagem que, a um só tempo,
sabe e ignora; com isso, não explica , mas media a relação dos
alunos com os conceitos, saindo de cena em seguida para que a
relação com os conceitos seja feita por cada um e com todos.
Esta postura, entretanto, na prática diária da sala de aula é muito difícil de
ser adotada. A citação acima usa a palavra ‘cena’, e isto me fez lembrar o
depoimento da entrevistada “D”:
Eu tive alguma vivência com teatro, eu tive algumas vivências em
comunidades alternativas, eu tive algumas vivências diversas, e
isso logicamente por que faz parte da minha vida e eu trago pra sala
de aula, em termos de um método de chegar no outro, então como
eu tive sorte de ter algumas aulas de técnica vocal, de vez em
quando eu coloco a voz e se eu quiser eu largo a voz, lá... o
vozeirão e todos escutam. E até brinco com eles que se eu colocar
a voz de tal maneira aquilo que eu to falando vai grudar tanto no
cérebro dos coitadinhos que eles nunca mais vão esquecer. Por isso
que faço as coisas muitas vezes com brincadeira, eu gosto bastante
de piadinhas, me dou o trabalho de procurar na internet algumas
108
piadas assim... é claro pra ilustrar algumas coisas, ou situações,
tudo e eu faço um tipo de... como eu tenho uma vivência de teatro
eu faço um pouco de jogo de teatro na sala de aula, aonde eu
muitas vezes coloco eles como participantes também, né.
Participante dentro do conteúdo que eu estou desenvolvendo. Uma
coisa que eu tento segurar é a platéia. E a platéia eu sou um pouco
dominadora, eu não posso negar eu sou um pouco dominadora e eu
gosto de dominar a platéia, muitas vezes como técnica de sala de
aula poucas pessoas utilizam isso...
Alguns elementos deste depoimento são importantes para perceber esta
relação de dependência criada pelo professor em relação ao aluno. É
interessante perceber que apesar do professor ter como alvo a autonomia do
mesmo, a sua ação pedagógica do dia a dia tem indícios de dependência e
não de autonomia. Em primeiro lugar esta professora aprendeu esta
maneira de ‘dar’ aula em outros lugares, que não a universidade. Dá pra
perceber nesta fala que a ação do professor é um espetáculo. O professor
entra em cena. O domínio da platéia através da impostação da voz. Esta
cena tem um objetivo bem claro: inculcar idéias no cérebro dos
‘coitadinhos’, conforme expressão da entrevistada. Durante a entrevista
percebi que a entrevistada se sentia um pouco inconfortável com esta
imposição, mas julga que isto é um mal necessário, por isso se refere aos
alunos como coitadinhos. Os alunos neste teatro são participantes, na
maioria das vezes. O que sugere que às vezes são meros expectadores. O
importante é dominar a platéia. Por vezes bate uma culpa e a professora
admite ser um pouco dominadora. Mas dura pouco esta culpa. É preciso
manter o olhar do aluno em sua direção.
[...] o modelo explicativo gera a dependência absoluta do estudante
em relação ao professor, do discípulo em relação ao mestre, na
109
medida em que é necessário que sempre haja alguém que explique
para que o outro aprenda. (GALLO, 2004, p. 220)
Esta idéia de uma filosofia centrada no professor perpassa várias
falas.
Desde o primeiro dia eu digo pra eles que a pessoa mais
importante aqui na sala de aula sou eu. Não que eu seja melhor do
que vocês, mas é filosofia teoricamente eu sou monitora,
teoricamente eu devo ter alguma coisa mais que vocês, então as
conversas passam por aqui. (Professora C)
Durante as entrevistas realizadas com os professores atuantes no
ensino médio, quando perguntados sobre qual a relação que eles
estabeleciam entre sua formação inicial em filosofia e sua prática como
professor, praticamente todos concordam que na comparação entre sua
atual prática docente e a sua formação inicial há uma grande distancia.
Exemplificando com as falas de alguns professores:
Professora B: Não tem relação. Não tem porque a nossa formação
foi pra bacharel, né, não foi nada didático, não teve nada de
educação. Nós descobrimos que íamos ser professores de filosofia
no último semestre, foi um choque pra todo mundo, né. Então a
gente não foi preparada para isso.
Professora D: Os grandes pensadores.. a parte teórica....
Explicitamente, eu diria unicamente a parte teórica. Por que o
modo como as aulas são dadas na universidade, se fosse dar aquele
tipo de aula eu ia causar um sofrimento muito grande nos
pobrezinhos.
Professora A: Nenhuma. Nem o conteúdo. Porque quando a gente
ta lá na graduação a gente estuda o filósofo tal qual ele é, vida e
obra. Para o aluno de ensino médio tu não pode trabalhar
Aristóteles vida e obra e a política de Aristóteles. Não dá. Tu tem
que conversar algumas coisas sobre a vida de Aristóteles, algumas
110
coisas sobre o que ele fez, e diluir a política. Ele não vai conseguir
entender. Já vi gente tentando fazer isto e dar com a cara na parede.
Professora C: Só os grandes marcos teóricos. Que me fazem
pensar e buscar. E tem uma coisa. Tem duas pessoas que eu tenho
um grande respeito pela... que trabalhavam muito diferente do que
eu to trabalhando, mas que me deram liberdade pra trabalhar. [...]
Foram os dois professores que eu... essas loucuras que a gente
tem... eu deslanchava, eu voava com eles e eles me
incentivavam...eu viajava junto.
Temos que convir que a formação inicial tenha limitações inerentes a
sua própria forma de acontecer. É praticamente impossível que se pudesse
em nível de sala de aula, na formação inicial, se reproduzir situações que
acontecem ao nível de ensino médio. Por mais que o professor faça
trabalhos em grupo, e que os alunos tenham que apresentar estes trabalhos,
mesmo assim é uma situação artificial se comparada à situação específica
do ensino médio com turmas enormes e adolescentes com determinadas
especificidades. Como já foi explicitado antes não se pode aplicar teoria na
prática. Assim, subjacente a estes posicionamentos percebemos no
professor entrevistado uma dificuldade em relacionar teoria e prática na
relação entre formação inicial e sua atuação docente. Como nos alerta
Giroux (1983, p. 51,), a
[...] teoria não pode nunca ser reduzida à prática, por que a
especificidade da prática tem seu próprio centro de gravidade
teórico e não pode ser reduzida a uma formulação predefinida.
Isto é, a especificidade da prática não pode ser abstraída do
complexo de forças, lutas e mediações que dão a cada situação sua
exclusiva qualidade definidora.
111
Olhando através da citação acima, percebe-se certa idéia de praticismo,
uma preocupação exagerada com a aplicação de um determinado
conhecimento quando o docente pensa teoria e prática, formação inicial e
atuação docente. Alguns entrevistados chamam a atenção para o preparo
teórico, para o encontro com os filósofos proporcionado pela formação
inicial. Mas quando pensam seu trabalho como docente este conhecimento
é colocado como insuficiente para dar conta das situações de
aprendizagem. Como sugere a professora “A”, o conteúdo deveria ser
trabalhado de uma outra forma, pensando no tipo de aluno que o futuro
professor irá se ocupar. É oportuno lembrar aqui que o saber disciplinar não
faz de ninguém um professor, e neste aspecto os entrevistados têm razão.
Por outro lado não podemos confundir destreza prática com esquemas
cognitivos. Destreza prática como já foi evidenciado neste trabalho, não é
passível de ser ensinada. É uma experiência individual e intransferível.
Portanto se aprende na prática. O professor vai ao longo de sua atuação
como docente desenvolvendo uma destreza prática que é sua característica
própria. Por este ângulo não seria possível a formação inicial querer ensinar
alguma coisa ao futuro professor, por ser uma empreitada sem sentido.
Treinar alguém para ser professor soa de forma absurda. Por outro lado,
quando falamos de esquemas cognitivos, é possível estabelecer uma
discussão com o objetivo de compreender os esquemas cognitivos
acionados em certas situações de aprendizagem. Deste tipo de discussão os
cursos de formação estão carentes. E aí os professores têm razão de
reclamar, pois não é possível que alguém que vai ser professor apenas se dê
conta deste fato quase ao fim de seu curso. Uma discussão filosófica sobre
a ação do professor de filosofia ou a partir dela pode proporcionar uma
112
compreensão melhor da realidade que o futuro professor irá enfrentar
enquanto docente no ensino médio. Esta aproximação é necessária para
repensar o curso de formação inicial e para melhorar a atuação do professor
de filosofia junto ao adolescente.
O curioso é que os professores entrevistados, unânimes em criticar a
postura de seus professores da época de sua formação inicial dizendo que
os mesmos falavam para eles mesmos, não raras vezes acabam repetindo
esta mesma postura com seus alunos, mesmo que de maneira mais
sofisticada. Mascarada sob um manto de proximidade afetiva. Dito de outra
maneira, a afetividade mascara os efeitos nocivos de uma relação onde um
ensina e o outro aprende. É difícil romper uma estrutura baseada numa
relação unilateral, seja ela uma simples leitura de um texto ou uma
representação teatral. Enquanto o aluno não passar de alguém que assiste
para alguém que participe, dificilmente terá autonomia de pensamento.
Como nos alerta Silvio Gallo (2004, p. 213)
[...] a tendência do professor de filosofia recém-formado, ao ver-se
numa sala de aula frente a um grupo de estudantes, sozinho consigo
mesmo na tarefa de agir como professor e não apenas como aluno,
é reproduzir as experiências que ele mesmo, na condição de
estudante, vivenciou na sala de aula.
Os entrevistados de minha pesquisa, no entanto, não são recém
formados. Eles têm no mínimo três anos de docência em filosofia, alguns
com experiência em mais de uma escola e inclusive em disciplinas
diferentes como sociologia e psicologia. Supondo que esta idéia de estar
em “cena” possa ser interpretada como a presença do professor enquanto
113
agente racional
35
, com uma missão bem definida por estar numa instituição
educacional a qual têm objetivos a cumprir, poderíamos perguntar: Qual é a
hora de sair de cena? No final dos quarenta e cinco minutos de aula,
quando o aluno só quer ir embora? Esta situação nos coloca um problema
importante na medida em que nos aponta a necessidade do professor ocupar
um lugar importante na relação do aluno com a filosofia sem, no entanto,
anular a capacidade de pensamento do aluno. É preciso que o professor, em
um determinado momento, deixe de ser professor, para que o aluno deixe
igualmente de ser aluno. Não falamos aqui de uma simples troca de papéis,
ou de uma eliminação das especificidades e responsabilidades de cada um
na relação pedagógica que eles estabelecem. O que queremos salientar é
que sem autonomia de pensamento o ensino da filosofia torna-se
enfadonho. Trabalhar para a autonomia intelectual do aluno não é tarefa
fácil. Em entrevista a este pesquisador a professora “C” nos diz: “Eu
provoco o tempo todo, Eles ficam me olhando... baixam a cabeça. Uns
ficam vermelhos...” . Por conta deste esforço do professor é que
entendemos uma compreensão da filosofia como situada no contexto do
aluno. “... eu diria é o seguinte, a filosofia é um instrumental, como eu
trabalho instrumental teórico, mas que tem uma ligação com a vida
deles...” (professora C). Mesmo sendo um desafio constante, que não se
estabelece definitivamente, o professor entrevistado acredita que além de
estar ligada a vida dos alunos a filosofia precisa despertar o senso crítico.
35
O professor em sua ação está condenado a decidir. Suas constantes decisões estão alicerçadas em
saberes, em razões que o levam a decidir num sentido ou no outro. Através de uma razão prática ele
produz um saber ligado ao trabalho. Como nos afirma Gauthier o professor não é um simples técnico,
pois longe de somente aplicar um saber produzido pelos outros ele constrói boa parte de seu saber na
ação.
114
Então a princípio é isto eu espero que a filosofia sirva pra eles
começarem a indagar a respeito da própria vida, e se conhecerem
um pouco melhor... Esse conhecimento e essas indagações de
modo bem... com alguns instrumentos que levem eles a pensarem
sobre sua própria vida, e a responsabilidade que eles têm consigo
mesmo e com a sociedade. (professora D).
Como também nos diz a professora B: “Eu penso que trabalhar filosofia
no ensino médio é para torná-lo principalmente mais crítico sobre a
realidade dele”. Ao ser perguntado se esta sua concepção de filosofia afeta
a sua forma de trabalhar e como isto acontece, praticamente a maioria dos
professores pensam que seu conceito de filosofia é o guia de sua ação. Nas
palavras da professora D:
Afeta muito. Muito. Porque tem temas que eu abordo com eles
durante o correr do ano, e são temas assim que todo mundo passa
na vida, a questão da morte, a questão da ética, a questão das
escolhas, ser drogado ou não... Essas questões que eu abordo com
eles, então são exatamente por encará-los assim que eu tenho um
modo de abordagem. Eu não vou abordar a questão da morte do
mesmo jeito que eu vou abordar com a minha avó.
Como a ação do professor desencadeia-se numa relação que ele
estabelece com o aluno, não podemos deixar de registrar que o professor
que trabalha na primeira série do ensino médio reclama do aluno que ele
recebe do ensino fundamental.
Eu tento me aproximar o máximo do aluno no sentido assim, de
tentar descobrir o mais rápido possível, em um ano de trabalho com
eles, quanta defasagem que ele tem no sentido assim, tem aluno
que vem com problema psicológico, tem aluno que vem com
problema social, tem aluno que vem econômico aos montes, tem
115
aluno com carência educacional anterior, seqüelas de falta de
leitura, de falta de vocabulário, de hábitos de estudo, cultural na
verdade né... (professora “G”)
Esta visão em relação ao aluno - realidade indiscutível e que precisa
ser mudada-, acaba sendo a ponta de um iceberg que esconde uma
determinada concepção de filosofia. Uma concepção que remonta uma
postura socrática, no sentido de que o filósofo liberta o seu interlocutor da
ignorância em que se encontra. Diz-nos a professora “B”: Eu penso que
trabalhar filosofia no ensino médio, no terceiro ano noturno, é para torná-
lo principalmente mais crítico sobre a realidade dele.
Professora A: Nós temos o objetivo de fazer com o aluno se torne
um bom cidadão. Tenha conhecimento como cidadão. A partir de
uma visão filosófica. Que ele possa ser crítico, possa fazer uma
análise do dia a dia dele, e possa buscar as próprias respostas.Essa
é nossa proposta.
Professora G:Uma disciplina que vai preparar eles a ter uma visão,
um senso crítico, do mundo, da realidade em que eles estão
inseridos, num contexto geral, pensar e se questionar e se crítico
em relação ao que está acontecendo a sua volta.
Professora D: Meu conceito de filosofia provém lá da Grécia
antiga. Começa com Sócrates e anterior mesmo, né. Naquela época
é o conhece-te a ti mesmo que conhecerás o mundo dos homens e
dos deuses. Então a princípio é isto eu espero que a filosofia sirva
pra eles começarem a indagar a respeito da própria vida, e se
conhecerem um pouco melhor. Esse conhecimento e essas
indagações de modo bem... Com alguns instrumentos que levem
eles a pensarem sobre sua própria vida, e a responsabilidade que
eles têm consigo mesmo e com a sociedade.
Professora H : Eu penso a filosofia como aquela... Aquela postura
que a pessoa tem, de não aceitar o óbvio, o evidente sem antes
investigar, pra compreender. Acho que nesse processo de não
aceitar o óbvio, e investigar pra compreender, isso aí vai libertando
a pessoa, vai deixando ela livre daquelas ideologias, daqueles
mitos, de falsos valores.
116
Pelas afirmações acima podemos perceber que ao conceber uma visão
filosófica que conduza à sua ação, o professor atribui à filosofia um papel
salvacionista. E esta salvação se consumará no momento em que o aluno se
apossar desta postura filosófica. É curioso que apenas a ultima entrevistada
(professora “H”) faz referência a filosofia como estranhamento do mundo.
Aprender a estranhar o óbvio para ela já um exercício que coloca no aluno
em uma postura filosófica. O exercício de estranhamento é próprio do
aluno, de sua própria autoria, fruto de sua autonomia de pensamento. As
demais professoras supõem a passagem de uma situação de escuridão para
a luz da razão. Esta tarefa é colocada para a filosofia, e o professor é o
intermediário. Resta aqui sempre o perigo de se confundir, pensar o
pensamento do professor, com postura crítica. De todas as professoras
entrevistadas, quando se falou de avaliação, somente uma delas colocou
que em suas provas cobra coerência argumentativa e não se o aluno tem a
sua mesma concepção filosófica. É claro que eu não fiz esta pergunta de
forma explícita, mas se as outras entrevistadas não colocaram nestes
termos, podemos pensar que não é uma coisa tão importante assim.
Ao retomar os conceitos emitidos pelas entrevistadas quanto a sua
visão de filosofia, percebemos uma postura de pastor, de guia em relação
ao aluno. Uma das professoras admite que seu conceito remonta Sócrates.
Não sabemos, no entanto se ela refere-se ao Sócrates consensual apregoado
pelos livros didáticos ou ao Sócrates que surge de uma leitura mais atenta
dos diálogos Platônicos dos quais Sócrates é o protagonista. Se olharmos
através da segunda opção veremos que ela não está muito longe das
expressões: “ Nós temos o objetivo de fazer com o aluno” e Uma
117
disciplina que vai preparar eles a ter uma visão, um senso crítico”, onde o
aluno é conduzido pelo professor, com o objetivo de tirá-lo das trevas em
direção à luz. Criticar esta posição não é eximir o professor da sua
responsabilidade enquanto formador das gerações futuras. Mas é em nome
desta responsabilidade que o professor deve relativizar suas posturas e suas
certezas. Talvez devêssemos conceber e colocar em prática o ensino da
filosofia como bem expressa Kohan (2003, p. 47):
Se o ensino da filosofia quer voltar à filosofia, precisa inverter seu
platonismo político, recusar a formação política dos cidadãos.
Entendida como experiência do pensamento filosófico, esse ensino
não admite nenhuma ordem determinante. Pensa o impensável.
Suspeito que o impossível é possível. Dá testemunho da soberania
da pergunta. Afirma a diferença, as outras bases da ordem, suas
outras possibilidades, seus pontos negros, seus enfrentamentos,
suas exclusões, seus devires.
A graduação a qual o professor foi submetido na sua formação inicial
não propiciou uma discussão sobre o ensino da filosofia. Sendo que o
modelo que o professor interiorizou foi o modelo dos professores que ele
teve na graduação. Que segundo os entrevistados desta pesquisa
centralizavam a experiência filosófica na sua pessoa. Quando chegam ao
ensino médio para trabalhar com o aluno adolescente os professores
enfrentam dificuldades ao perceber que não podem reproduzir o ensino que
receberam, acreditando que a filosofia deve ser ensinada de outra maneira.
Concebem uma filosofia que parte da realidade do aluno, das
especificidades de sua condição existencial, mas ao mesmo tempo o pano
de fundo desta concepção supõe a idéia de tirar o aluno da escuridão, da
ignorância, do erro. Assim, não conseguem se desvencilhar da relação
118
pedagógica a qual foram submetidos na graduação. Nas entrevistas que
realizei, não consegui perceber a visão de ensinar filosofia externada por
Kohan na citação abaixo, para o qual
[...] ensinar filosofia bem pode ter que ver com promover
experiências de pensamento filosófico. A noção de experiência de
pensamento nos parece fundamental enquanto delimita um espaço
que alude as clássicas dicotomias entre professor de filosofia e
filósofo, filosofia e filosofar, teoria e práxis. Uma experiência de
pensamento é uma prática teórica, intersubjetiva, irrepetível,
intransferível, uma forma de exercer o pensar que chamamos de
‘filosófica’ quando dá ênfase à crítica, à criação, à diferença, à
resistência e a uma interlocução com uma história de pensamentos
que no ocidente tem mais de 26 séculos. (KOHAN, 2003, p. 45)
Mas não basta apenas propiciar estes momentos para que a filosofia
encontre seu caminho através do ensino. É preciso que ela se questione a si
mesma, através de uma filosofia do ensino da filosofia, que possa, como
nos afirma Cerletti (2003. p. 66):
[...] - Revalorizar a função do professor, que agora já não será
predominantemente um repetidor ou um mero reprodutor de teses
filosóficas mais ou menos canonizadas, mas se ressaltará a sua
capacidade crítica e criativa especificamente filosófica. [...]o
desafio da aula o interpela como filósofo”. [...] Gera um campo
novo de reflexão filosófica: a filosofia do ensino, que é o que ao
meu ver se deve deprender do adjetivo ‘filosófico’ ( de ‘ensino
filosófico’). Poder-se-á, então falar, e neste preciso sentido, de uma
filosofia do ensino filosófico. 3º - Recorta um novo campo de
conteúdos, por que se estamos de acordo que a filosofia tem com
uma de suas funções principais a reflexão e a problematização, dos
pressupostos ou das condições de possibilidade de certos saberes e
práticas, a consideração filosófica do ensino da filosofia fará que
seja agora um tema próprio da filosofia a análise ( ou a evolução
crítica) das condições de seu próprio ensino.
119
3.2. Os dualismos do ensino da filosofia no nível médio
O conceito de dualismo compreende algumas idéias básicas como:
coexistência irredutível, compreensão da realidade e da condição humana
dividida em dois princípios básicos, antagônicos e dessemelhantes. A
palavra antagônico indica a oposição entre forças ou princípios. Olhando
através das idéias que estes conceitos nos indicam percebemos que a
formação do ser humano dá-se através do dualismo entre a objetividade da
sociedade pré-existente e a individualidade que é própria do ser humano.
Apesar de estes princípios permanecerem irredutíveis, é a tensão entre
ambos que proporciona a originalidade humana num mundo em constante
devir. A institucionalização de esquemas cognitivos com o objetivo de lidar
com o inesperado é uma tentativa de trilhar um caminho que possibilite a
inserção do ser humano no contexto de forma satisfatória. Embora estando
ligadas as ações dos sujeitos em um determinado contexto específico, os
esquemas cognitivos criam certa autonomia na medida em que podem
orientar ações futuras.
As tensões que se apresentam a um indivíduo são fruto dos dualismos
inerentes ao cotidiano ao qual este mesmo indivíduo está submetido. A
presença da filosofia no contexto escolar instaura um dualismo entre ensino
e filosofia. É das tensões deste dualismo que podemos pensar o ensino da
filosofia. Talvez não exista uma maneira de superar estes dualismos, mas é
justamente este fato que possibilita o desafio e as reflexões que tornam o
ato de ensinar filosofia um desafio constante.
120
A seguir apresentaremos alguns dualismos que povoam as
representações de alguns professores que trabalham filosofia no ensino
médio das escolas públicas da 8ª CRE de Santa Maria.
3.2.1. Espaço/tempo e ensino da filosofia
Ao nos referir-nos ao trabalho do professor hoje, inevitavelmente, o
percebemos no contexto de sala de aula. Essa invenção humana, que é a
sala de aula, comporta sempre uma finalidade e se transforma ao longo do
tempo. Mas isto não impede que possamos compreender alguns aspectos
que são importantes na relação da filosofia, enquanto uma área do
conhecimento, e este espaço e tempo que possibilita o encontro entre a
filosofia e seu ensino.
Todo o professor entrevistado demonstrou ao longo de nossa
conversa a sua preocupação em que a filosofia não fosse apenas uma
disciplina a mais no currículo escolar. Ocupar um lugar na grade curricular,
façanha conseguida ao longo da luta organizada no interior da escola, não
basta para o professor entrevistado. Ao ser perguntado sobre sua rotina de
trabalho em sala de aula, o professor mostrou uma preocupação em
estabelecer certos ritos de demarcam o início da aula de filosofia. Este é um
fato interessante porque em outras épocas o simples fato do professor entrar
na sala de aula, o aluno encerrava a conversa e preparava-se para o início
da aula. Na situação hoje, o professor entra na sala e o aluno continua
comportando-se como se nada tivesse acontecido. Para demarcar um tempo
de ensino/aprendizagem, vejamos o que dizem alguns professores:
Professora “C”:
121
Quando eles estão muitos agitados eu faço o esquema da aula,
enquanto eles vão copiando baixa a adrenalina do intervalo, quando
eles tão bem no ponto de discutir. Quando baixa a adrenalina eu
entro. É claro que eu dou o tempo deles, espero um pouco...[...] Na
segunda série, que eles já têm mais uma trajetória, tem muitos
repetentes, geralmente é no debate. Dificilmente eu vou pro quadro.
O esquema vem depois. As três turmas que eu tenho elas vão pro
debate.
A professora “H” diz “A primeira coisa é apagar o quadro. Escrevo
filosofia no cantinho. Parece que se eu não faço isso eu não começo a
aula. Nos rituais que marcam os espaços e os momentos da sala de aula, o
quadro desempenha o papel de instrumento de um rito de passagem,
através do qual se passa do caos para a ordem. Da conversa em geral, para
a conversa com o professor, do olhar disperso para o olhar direcionado, do
colega para o professor. Escrever no quadro é chamar a atenção sobre si. O
professor escrevendo no quadro e o aluno copiando no caderno, só assim se
tem o status de sala de aula. Mesmo que mude a ordem entre esquema no
quadro e debate, visualizar e anotar no caderno é um ritual já cristalizado
na ação pedagógica. É importante observar que o professor que tenta
quebrar esta tradição usa o quadro como um elemento de síntese e fixação
de idéias, não colocando-o como centro do processo de ensino e
aprendizagem. Quando o professor não usa o quadro como referência
inicial ele usa a chamada. Um ritual que se repete a cada troca de professor.
Só o ritual da chamada, se eles colaboram, eu consigo fazer em 5
minutos. Se eles não colaboram vai uns 10 minutos. E muitas
vezes eu chamo... Paro a chamada... A estrutura da sala de aula é
uma coisa muito difícil de romper. E é uma coisa assim ó que...
Pode ser rompida, mas aí não vai ser filosofia no ensino médio.
(professora “D”)
122
Muitas vezes esta tradição não é quebrada por fatores que são externos a
vontade do professor. Como bem nos ilustra a professora “G”:
É por isso que eu digo que o sistema pra filosofia tá errado. Como é
que eu vou discutir com uma turma... Eu gosto trabalhar em
circulo, só que aí uma turma de 35 como que tu vai fazer um
círculo. Pra começar não tem lugar pra todos. Para montar o
círculo tu perdes 10, 15 minutos. A bagunça que tu vai fazer
incomoda quem está do lado. Então tu vai discutir com o aluno
olhando a nuca do outro? Não vê o olho do outro, não vê o que o
outro ta falando, em circulo tu olha um pro outro, tu visualiza,
presta mais atenção... Mas é uma coisa complicada se tu for fazer
em 50 minutos.
Percebemos que não uma preocupação dos responsáveis em
distribuir as turmas nas salas levando em consideração a relação entre as
características da filosofia, o número de alunos e o espaço disponível. O
importante é colocar uma classe a mais, não importando se isso vai afetar
ou não a qualidade da aprendizagem. Assim se expressa a professora “A”:
Algumas salas são poucos alunos para o tamanho da sala, as salas são
muito grandes... e outras salas é exatamente o sentido inverso... as salas
são pequenas e trinta alunos dentro da sala parece que tu tem 50”. O
número excessivo de turmas que o professor trabalha durante um ano,
também é um fator que prejudica a atuação do mesmo. Como nos alerta a
professora “G”:
Falando assim da minha experiência, no meu dia a dia, eu tenho em
média, por ano, 400 e poucos alunos. Aí todo mundo fala da
questão de conhecer o aluno no íntimo, na pessoa né. Por que cada
um tem diferenciações. Mas eu não vejo como conhecer este aluno
já que eu tenho 500 e poucos alunos.
123
Ciente destas limitações o professor de filosofia muitas vezes se rende
a uma relação mais tradicional.
[...] eu tenho 50 minutos, né. Pra desempenhar meu papel. Se eu
for romper as estruturas teria que ter no mínimo duas horas pra
mim preparar a festa. Por que aí vai ter festa da filosofia. é festa
temática. Eu já fiz isso em sala de aula e todos os professores
reclamaram. Reclamaram por que eu deixei a gurizada a mil, e aí
eu quase fui massacrada pela professora de matemática. (professora
“D”)
Administrar a relação do conteúdo, com o aluno como ser humano,
num espaço e num tempo disponível para que se produza alguma tipo de
conhecimento, apresenta-se como um desafio diário que vai sendo
contornado pela experiência da ação pedagógica do professor. Isto parece
claro quando nos deparamos com futuros professores que se aventuram
nessa empreitada. O depoimento da professora “G” ilustra devidamente
esta situação.
[...] no ano passado duas meninas chegaram queriam que os alunos
lessem num período de 50 minutos cinco folhas de ofício da Ética a
Nicômaco, e fizesse uma síntese oral. Rapidíssima. Isto pra terceiro
ano. Eles não têm essa noção.
Observando esta situação percebemos que administrar estas relações
compõe-se um saber da ação, onde o professor procura diminuir a distancia
entre um dualismo que coloca de um lado o espaço e o tempo da aula, e de
outro o ensino da filosofia. Superar este dualismo é criar a possibilidade do
filosofar no contexto da sala de aula.
124
3.2.2. Organização dos conteúdos em grupo e o trabalho individual do
professor
Os professores entrevistados são unânimes em afirmar que o
“Caderno Didático”, espécie de compilação feita por eles mesmos, foi uma
grande “descoberta” de sua prática. Poderíamos perguntar qual a diferença
deste caderno para um livro que fosse adotado pelo professor. A resposta é
a seguinte: 1- Nenhum livro individualmente satisfaz plenamente o
professor. 2- Este material o professor pode e efetivamente mexe todo ano,
acrescentando ou tirando textos que não se adaptaram plenamente as suas
expectativas e as necessidades do aluno. 3-Ele coloca além dos textos
clássicos dos filósofos, artigos, estórias em quadrinhos, charges e outros. 4-
O aluno tem um material de consulta e de acompanhamento dos temas e da
seqüência das aulas. É interessante observar que nas escolas onde os
professores de filosofia constituem um grupo, este material é selecionado
em conjunto, fruto dos encontros destes grupos. Estes textos de certa forma
normatizam os temas e os textos a serem trabalhados em cada ano do
ensino médio, o que de certa maneira dá um caráter institucional ao
trabalho do professor de filosofia nestas escolas. Além deste material
confeccionado pelo professor também são recomendados ao aluno o
material bibliográfico indicado para o Peies
36
. Os professores que usam
este material consideram muito difícil para o aluno, pois os mesmos sempre
carecem de explicações por parte do professor. Em geral os professores
consideram uma boa bibliografia, porém com uma linguagem não adaptada
36
O anexo sobre o Peies no final deste trabalho disponibiliza a bibliografia recomendada pela Coperves
(Comissão Permanente do Vestibular) da UFSM.
125
às condições intelectuais do aluno. Este contexto propicia a figura do
“professor explicador”, o que não contribui para a autonomia do aluno.
A relação deste material com a ação docente, porém, não é
determinista. Como testemunha a professora “H”:
Cada turma que a gente tem eles tem uma reação diferente. Até
porque a gente chega diferente de uma turma pra outra. Mas não
são todas as turmas que a gente tem essa abertura, essa acolhida...
Tem umas que tu pensa que faz o mesmo trabalho, mas não dá o
mesmo resultado da outra. Todos os anos têm isso.
É preciso que o professor faça constantemente uma leitura das
motivações da turma, de seus objetivos naquela aula, dos conteúdos a
serem desenvolvidos para que desencadeie ações compatíveis com suas
expectativas. Lidar com este dualismo, entre um conteúdo pré determinado
e sua ação como professor, exige do professor que ele saiba perceber os
sinais emitidos pela turma, sensibilidade que só se aprende ou se
aperfeiçoa ao longo da profissão.
3.2.3. Formação inicial e atuação docente
Nesta pesquisa constatamos que a idéia de coexistência irredutível
que explica o conceito de dualismo se percebe enfaticamente quando o
professor fala da possível relação entre o que aprendeu na universidade e o
que o contexto de professor no ensino médio lhe exige. Não raras vezes o
126
professor lembra da universidade como o lugar onde se aproximou dos
grandes pensadores que fizeram a história da filosofia. Uma professora fez
referência a dois professores que na época mostraram na prática outras
possibilidades de ensino da filosofia. No geral quando se refere à forma
como eram lecionadas as aulas na universidade os professores não vêem
paralelo algum com sua atuação atual. Referindo-se a sua prática nos diz a
professora “H”:
Quando eu comecei a lecionar eu tinha aquela imagem ideal de sala
de aula. Que é aquela imagem que a universidade passa. Na sala de
aula eu vou ter trinta alunos atentos, e eu vou dar um show de
cultura e de conhecimento, alguns vão questionar.. e quando tu
chega na aula real, meu Deus. Para conseguir falar tinha que pedir
com licença.
O professor entrevistado atribui o aprendizado de sua atuação, com
exceção de uma professora, à sua experiência de sala de aula. Ao ser
inquirido sobre o que ele fazia no início de sua carreira e que hoje não faz
mais, os entrevistados atribuem essas mudanças aos experimentos que
fizeram ao longo dos anos de magistério. Mesmo que falte um
discernimento maior, por parte do professor, sobre as diferenças de um
período de formação e o de atuação docente, o que caracteriza o dualismo
aqui apontado, não podemos deixar de registrar que formar um professor
para ensinar filosofia no nível médio, é uma atividade que necessita de uma
reflexão que se direcione para a prática e também parta dela. Relativizar os
conteúdos filosóficos em sua relação com o seu ensino no nível médio,
pode aproximar este dualismo que separa formação inicial e atuação
docente. Filosofar o ensino da filosofia.
127
3.2.4. Maneira tradicional de trabalhar e alternativas docentes
Quando o professor entra na sala de aula o ambiente conspira para
que ele vivencie com seu aluno uma relação bem tradicional de educação.
Não só através da distribuição das classes uma atrás da outra, como através
da disposição do aluno para mudar uma relação que lhe foi inculcada desde
que ele entrou na escola, fundamentada na seguinte idéia: O professor dá
aula e o aluno assiste. E ponto final. Tornar o aluno co-participante da aula
é um desafio constante do professor que acredita que o mesmo só irá
aprender se envolver-se com o conteúdo desenvolvido. Este desafio
transparece na fala da professora “G”:
[...] é impressionante... Tu quer fazer uma mesa redonda, tu quer
fazer um júri simulado, tu quer fazer uma dinâmica de grupo, -o
que é isso professora? O que tu ta fazendo? Eles são acostumados a
cada um olhar para a nuca do outro, e olhar o professor lá na frente,
o professor fica né, colocando as coisas no quadro, falando,
falando, falando, às vezes o aluno não está nem ouvindo, ta ali de
corpo presente, e de mente ausente como eu digo, mas eles se
viciaram... É um vício... Tu tenta fazer um júri simulado, uma
dinâmica, eles às vezes.. Não, não, não, não vamos fazer isto
porque é difícil, e eu não sei o que falar, eles tem uma certa
resistência... Impressionante, por que no nosso tempo a gente não
era assim, acho que o jovem era mais aberto, não sei né, e agora
eles têm um medo, aquele pavor... Vão rir de mim se eu falar
alguma coisa errada, se eu tiver que ler alguma coisa, eu não tenho
o hábito de leitura...
Mediante as imposições do contexto a professora “A” diz resignada:
Eu já experimentei diversas coisas pra ver se diferenciava disso. Volta e
meia tu cai na tradição. Infelizmente tu entra dentro de um sistema que
não tem como tu escapar dele”. Conviver diariamente com este dualismo
128
entre renovar e o peso da tradição afeta o professor de filosofia que acredita
ser a filosofia muito maior do que o que consegue efetivamente fazer em
sua aula.
3.2.5. História da filosofia e temas
O dualismo entre ensinar história da filosofia ou ensinar filosofia a
partir de temas divide os professores em dois grupos. Embora nenhum
professor entrevistado acredite que se possa lecionar filosofia ignorando as
temáticas importantes e a história da filosofia, cada grupo dá ênfase
diferente a estes dois pólos.
Exemplificando esta relação entre história da filosofia e temas, temos
o seguinte depoimento:
Entrevistador: como tu relacionas história da filosofia e as
temáticas?
Professora “D”: acho que é melhor falar através de exemplos né.
Eu vou trabalhar este ano o “Aristóteles”.Está dentro do nosso
programa. Depois do Platão, né. Tem a seqüência histórica, o
Aristóteles é posterior a Platão. Como é que eu vou trabalhar a
temática aí com o Aristóteles, o que eu vou trabalhar? Eu vou
trabalhar com eles um pouco lógica formal e antes da lógica formal
a dialética. Isto eu trabalho quando vejo Sócrates e Platão. Eles têm
que ver um episódio que passa na tv livre e a cabo que é uma
investigação policial da cena de crime, e aparece o método
dedutivo ali, a dedução, aparece toda a investigação policial através
da dedução. E é a policia científica, daí tem um viés pra estudar o
método científico, que eu vou estudar junto com a professora de
biologia, nós já combinamos... Então vamos estudar os passos da
indução, e os passos da dedução que é o método da investigação
policial. Então aí, qual é o tema que eu vou trabalhar aí? Vou
trabalhar a violência, responsabilidade... Um monte de coisa, por
que o tema da campanha da fraternidade é a paz e a questão da
violência, quando chegar este momento eles já poderão opinar a
respeito da violência, o que gera violência... Daí eu vou trabalhar o
tema da violência dentro deste contexto.
129
Na verdade a professora usa a história da filosofia como apoio para
refletir temas. Como bem no exemplifica a professora “C”. “Uso como um
suporte, por que é por temas, né. É a gente trabalha cultura, mito
relacionando com os mitos de hoje, quais as diferenças que existem... Acho
que isto é importante, e isto eu aprendi...”. Vale lembrar que esta
aprendizagem segundo a mesma professora, aconteceu na prática como
professora de filosofia no ensino médio.
Por outro lado, exemplificando a outra postura temos a professora
37
“H” que acredita que o conteúdo abordado na sala de aula, deve ser
temático. Que retomar a história da filosofia só tem o objetivo de trazer
para a atualidade a contribuição dos filósofos sobre determinado tema.
Nesta posição o ponto de apoio são as temáticas.
As duas concepções não ignoram a história da filosofia e os temas,
porém dão uma ênfase diferente a cada um deles. Quem trabalha mais
numa ótica da história da filosofia procura contextualizar os textos no seu
contexto, para num segundo momento relacioná-los às questões atuais.
Quem opta por temáticas justifica sua posição dizendo que este
procedimento aproxima mais a filosofia da realidade atual, e por
conseqüência da realidade do aluno.
37
Esta entrevistada segue o conteúdo que foi estipulado pela Coperves para o ingresso na Universidade
Federal de Santa Maria através do Peies. O referido programa tem como conteúdo programático os
seguintes temas: a filosofia no contexto dos saberes, Ética, Política e cidadania. Maiores detalhes sobre
este programa serão encontrados em anexo ao final deste trabalho.
130
Gostaria de retomar aqui os níveis de interação descritos por
Gauthier, e reiterar que a interação entre professor e alunos que esta
pesquisa percebeu através das entrevistas realizadas, não consegue maiores
resultados devido ao fato de que o professor ainda centrar muito o processo
de ensino e aprendizagem na sua pessoa. Talvez por receio de cair numa
filodoxia. Reside aqui a dificuldade de abordar temas de interesse do aluno
sem cair no vazio das opiniões, e sem desconsiderar toda uma história do
pensamento. Muitas vezes o professor se retrai em relação ao debate na sala
de aula, retém a palavra e corta pela raiz a possibilidade de não considerar
o pensamento do qual somos herdeiros. Retoma aqui o conteúdo disciplinar
que ele estudou nos anos de formação inicial. Esta é uma difícil relação.
Como concatenar interesses próprios da idade e questões fundamentais do
pensamento filosófico. Como bem nos ilustra a professora “D”:
[...] debates temáticos em 50 minutos não dá. Não dá debate, por
que eles só ficam batendo boca, e só falam aqueles que sempre
falam. Aquelas pessoas que não falam nunca, se sente intimidados
e não falam mesmo, e muitas vezes o que eu faço, eu procuro
colocar o tema, no ano passado a gente trabalhou
bastante...trabalhei um texto do Jean Paul Sartre, o “estar
condenado a ser livre”, como é que eu trabalhei isso aí: daí eu
coloquei uma série de situações para eles e eles tiveram que
escrever histórias a respeito daquilo. Ou como nós fizemos também
quando eu trabalho os mitos eles tem que inventar uns mitos.
Então nessa parte assim de escrever muitas vezes aqueles que não
falam tanto na sala de aula são os que escrevem mais. Eu procuro
alternar. Eu faço o debate no jogo do advogado. Por exemplo, eu
trabalho rudimentos de lógica, argumentação, pouquinhas... coisas
poucas... daí chega lá numa determinada aula que eles vão ter que
argumentar, e contra argumentar, eles vão ter que treinar, né. Daí
tem um tema. O grupo lá vai fazer uma festa, uma viagem alguma
coisa.. e outra parte da aula vai botar areia na história. Dizer, vocês
não vão poder viajar porque vai chover, daí ...o outro diz, não
importa se chova a gente leva guarda chuva, mas vai chover muito
que vai inundar, nós vamos levar barcos infláveis. Assim
funciona!! Agora vou colocar por exemplo, o tema do aborto, pra
131
eles darem opinião em sala de aula vira bagunça e não adianta
nada, só sai os preconceitos, a única coisa que eles vão despejar vai
ser preconceitos. Em primeiro momento eles não vão discutir a
questão de uma maneira crítica. Então, que que eu já fiz e não faço
mais: debate sobre um tema, ah! Agora vamos discutir o aborto.
Isso eu não faço mais porque que vi que a única coisa que eles vão
colocar... São meras opiniões.
Neste depoimento percebe-se não só a dificuldade de abordar temas
filosóficos, mas qualquer tema, que não seja trabalhado em forma de
exercício. O professor tenta se adaptar a concepção de que tudo tem que ter
uma aplicação, mesmo não sabendo bem pra que serve, é preciso fazer
alguma coisa. Falar e argumentar sobre determinado tema não consiste em
ações possíveis. É preciso ocupar o corpo para que a mente possa ser
controlada. A única forma de ocupá-los teoricamente é proporcionando um
debate que ignora um conteúdo relevante, trabalha apenas com a forma do
raciocínio através de um conteúdo descartável. Existem situações em que o
professor depara-se com o conflito
[...] entre sua responsabilidade de manter o controle sobre a ordem
social e as relações na aula, assim como a distribuição do currículo
disciplinar e sua responsabilidade profissional de estimular a
aprendizagem significativa e relevante de todos e cada um dos
indivíduos do grupo de sala de aula. (GOMEZ, 1998, p.87)
Partindo dos temas ou da história da filosofia, na prática este é um
difícil encontro se o professor quer que sua aula tenha debates e discussões
relevantes, se quer que o aluno exerça sua criticidade através de uma
abordagem especificamente filosófica.
132
3.2.6. Burocracia e docência
O fato de estar em uma instituição de ensino exige do professor de
filosofia que ele cumpra determinadas tarefas não muito agradáveis, do seu
ponto de vista, mas no entanto necessárias à organização institucional da
escola. Assim, estar envolvido com caderno de chamada e atribuir nota aos
trabalhos dos alunos, neste contexto é um mal necessário. A professora “A”
expressa suas preferências da seguinte maneira: “Eu prefiro dar 700 horas
de aula, mas não me dêem um caderno de chamada para preencher. Não
me dêem nota para somar... pra mim isto é castigo. A parte burocrática
38
pra mim é castigo”. Esta reclamação, quando se trata do professor de
filosofia , não é uma voz solitária. Os professores acreditam que em termos
de filosofia a simples presença corpórea do aluno na sala de aula, muito
pouco contribui para a aula. O aluno pode estar de corpo presente. Segundo
os professores entrevistados se perde entre dez e quinze minutos dos
quarenta e cinco minutos que compõe a hora/aula. Se o professor quiser
reunir os alunos em círculo ou em grupo o tempo de aula se reduzirá
significativamente. Já se foi o tempo em que os alunos faziam silêncio para
que o professor fizesse a chamada. Se o aluno não colaborar a chamada
chega aos quinze minutos ou mais. Mas não é só a chamada que incomoda
o professor. Correção de provas também está inserida neste contexto. Por
estar em uma instituição educacional o professor de filosofia sabe que vai
ter que atribuir uma nota ao aluno no final do trimestre, mas o fato de saber
não ameniza a antipatia que o professor alimenta por esta situação. Como
bem nos ilustra a professora “H”:
38
Nesta abordagem, o que os professores denominam burocracia é certo exagero de papéis a preencher
que não contribuem diretamente à sua ação como professor. Nenhum deles afirmou que estes registros
não são necessários ao andamento da escola. O que se questiona é o excessivo tempo em que o professor
fica envolvido em detrimento de atividades diretamente ligadas ao ensino, como o preparo das aulas,
leituras etc.
133
Costumo usar todas, faço prova, faço teste, trabalho em grupo,
seminário... eu noto que o fato de fazer uma prova no final do
trimestre, faz eles valorizar mais a disciplina, prestar mais atenção,
eu acho que isto só vem em benefício do aluno, elaborar e corrigir é
uma saco, mas eu acho que se se pensa em qualidade de educação
este é um caso importante.
Os professores são praticamente unânimes em dizer que avaliam todo
e qualquer trabalho que o aluno faz. Embora esta atitude, segundo alguns
valoriza a disciplina por que o aluno precisa se interessar mais, levar à sério
as tarefas propostas, ela acaba alimentando a idéia de que o fim é mais
importante que o meio. Ou seja, a nota é mais importante que a
aprendizagem em si. O que acaba indo contra uma crença do professor de
filosofia de que o aluno devia se interessar pela filosofia pela sua
importância, e não por fatores externos a ela.
Ao pensar a avaliação, o professor de filosofia procura avaliar no
trabalho do aluno critérios que vão além da simples apreensão do conteúdo,
embora admita que apreender o conteúdo já é uma vitória no contexto de
dificuldades que apresenta o aluno ao chegar no ensino médio. Em geral o
aluno tem dificuldade de entender que o professor de filosofia irá avaliar
não somente o seu posicionamento em relação a questão analisada, mas
igualmente a sua capacidade argumentativa . O aluno acaba sempre
perguntando para o professor se esta é a resposta que ele quer. O aluno está
preocupado com a nota e não com sua auto-aprendizagem.
134
Fazer o aluno experimentar outras possibilidades, outras maneiras de
perceber o mesmo fenômeno, apresenta-se como uma tarefa hercúlea, por
outro lado, as demais ações docentes são percebidas pelos professores com
agradáveis e prazerosas. Conviver no contexto escolar com o dualismo
entre as ações docentes e as exigências da burocracia escolar, é um
enfrentamento necessário se a filosofia quiser ser valorizada como
disciplina e marcar um espaço no contexto escolar.
3.2.7. Filosofia como formadora e utilitarismo/imediatismo
A questão que abordamos anteriormente que versa sobre avaliação
tem subentendida uma idéia de filosofia. Uma filosofia que se submete ao
contexto, mas mantém uma especificidade que lhe é própria. O aluno
quando pensa na nota, pensa em passar de ano. Dificilmente transcende ao
pragmatismo em que está culturalmente inserido. Esta é apenas a ponta de
um iceberg mergulhado num mar de imediatismo. As inquietações da
professora “C” revelam esta situação.
O ano passado foi o ano das provações, como eu digo. As minhas
convicções de que tudo tem que ter um sentido, tudo tem que ter
fundamentação... não. To aqui por que eu quero tirar um
certificado, este certificado eles exigem pro trabalho. Se não fosse
isso eu não vinha aqui.
No geral o alunado está muito longe de uma autonomia necessária
para a uma docência satisfatória em filosofia. Não raras vezes o professor
se vê tentando justificar a sua disciplina frente ao pragmatismo utilitarista a
que está submetido o aluno. Talvez o dualismo pontuado aqui esteja mais
135
profundamente relacionado com, de um lado um ser humano que se
conceitua pela liberdade de ser, e uma concepção que percebe o homem
submerso em um cotidiano fragmentado em tarefas, no qual ele procura
incessantemente tirar alguma vantagem. Administrar estas duas realidades
no contexto escolar não é uma tarefa fácil, pois mesmo o professor, por
força das circunstâncias, muitas vezes acaba sucumbindo à cobrança de
tarefas que beiram o absurdo, com o objetivo de que o aluno trabalhe em
sala de aula.
136
Cap. IV. SABERES DOCENTES DO PROFESSOR DE FILOSOFIA
NO NÍVEL MÉDIO
Ao buscar os saberes da ação docente do professor de filosofia no
nível médio, entendemos que nossa busca os conceitua como saberes
experienciais compartilhados, transformados em saberes da ação
pedagógica, devido a sua exigência de racionalidade e à necessidade de um
propósito a ser alcançado. Retomando os saberes elencados por Gauthier, já
expostos nesta dissertação, não é nosso intento detectar a existência de
mais um saber que esteja em consonância com o magistério em geral.
Como nosso alvo é o ensino da filosofia, procuraremos delinear, através da
especificidade do ensino da mesma, saberes desta ação pedagógica,
inerentes as práticas dos professores de filosofia no ensino médio. Como
são saberes peculiares à ação do docente, remetem a especificidade do
ensino médio, do aluno do ensino médio, das condições em que este
professor trabalha. Os saberes que procuraremos reconhecer são
identificados com esquemas que se processam no intelecto e são ligados à
ação docente, que sendo institucionalizada pelo professor quando o mesmo
consegue compreender e administrar os dualismos que são inerentes ao
ensino da filosofia.
Ao longo desta pesquisa percebemos que os professores entrevistados
institucionalizaram determinadas práticas a partir de uma leitura feita
através da relação entre sua formação inicial e sua prática docente. É
importante perceber que esta leitura feita pelo professor, no caso
investigado, é sempre feita a partir da ação docente, devido ao fato
137
existencial de estar cronologicamente mais perto do professor
39
, do que
sua formação inicial. As críticas à formação inicial, feita pelos professores
a partir de sua prática docente, denunciam não só o distanciamento da
formação inicial em relação ao ensino médio, com também a falta de uma
formação continuada do professor
40
de filosofia.
Não temos a idéia de que estas práticas dos professores de filosofia
não sejam de certa forma, compartilhadas com outros professores de outras
áreas, o que queremos salientar é que estas ações adquirem outra dimensão
quando relacionadas com um conceito de filosofia, que contém em si a
idéia de que ao ensinar e aprender filosofia, professor e aluno já estão
filosofando. Não temos a intenção de criar uma tipologia diferenciando
tipos de professores e identificando em qual categoria os saberes se
manifestam. Este procedimento cria caricaturas que nem sempre
percebemos com nitidez na prática docente, além de sustentar a idéia de
que simplesmente adotando determinados procedimentos o professor estará
cumprindo plenamente sua “missão”. Não pensamos os saberes inerentes à
ação do professor de filosofia no ensino médio como regras a serem
seguidas, como se a ação educativa pudesse ser aprisionada de forma a não
mais surpreender o professor. Também não pensamos os saberes como
simples procedimentos metodológicos que de forma exterior possam ser
aprendidos e aplicados no dia a dia na sala de aula. Este nosso trabalho não
tem seu centro na didática e sim no professor enquanto agente racional que
39
Dos professores entrevistados, cinco estudaram na década de 80, três na década de 90, e uma na
década de 70.
40
Dos professores entrevistados a sua grande maioria não fez nenhum tipo de pós-graduação, e os que
fizeram foi em outra área que não a filosofia, com exceção de uma entrevistada que fez especialização em
Filosofia na América Latina. As áreas em que os professores fizeram especialização foram: Supervisão
escolar, ensino religioso, Psicopedagogia, Orientação educacional.
138
ensina filosofia em circunstâncias bem específicas. Pretendemos fazer uma
discussão que possa gerar mais discussão, por que entendemos que a
filosofia da discussão se “alimenta”, sendo esta discussão sobre o ensino da
filosofia, um problema filosófico.
Analisando a ação docente do professor de filosofia, percebemos que
a exigência de racionalidade que está intrínseca à caracterização de um
saber, muitas vezes se manifesta não de forma explícita pelo professor, mas
sua justificativa racional encontra-se na própria relação das ações entre si.
Como este saber se constitui a partir da ação, e sendo esta ação não um
amontoado de atos, é compreensível que o professor faça uma constante
releitura de sua inserção no contexto da sala de aula, e tome decisões
fundamentadas nestas análises. O professor não é um técnico que lida com
realidades estanques, ele é um ser humano que trabalha com outros seres
humanos, e isto, por mais óbvio que possa parecer, está na raiz da ação
docente.
Feitas estas ponderações gostaria de iniciar me referindo a questão da
afetividade. O que percebemos em nossa tradição escolar é que nos anos
iniciais da trajetória de um aluno, a escola é praticamente um
prolongamento de sua casa. Inclusive a professora é chamada de tia, por
mais que isto possa atrapalhar a idéia de que ela é uma profissional do
ensino. O que se percebe é que quando o aluno deixa de ter apenas uma
professora no final da 4ª série, as questões afetivas vão amenizando a
ponto de chegar no ensino médio quase que inexistentes. Nesta dicotomia
entre razão e emoção, no ensino médio acaba prevalecendo a razão, devido
139
a fatores como o número de alunos e o pouco tempo de convivência
semanal entre professor e aluno. O professor de filosofia em sua luta contra
um ensino massificado precisa chegar perto do aluno. Ele sabe que o êxito
de sua aula depende desta relação afetuosa. Isto não significa saber
peculiaridades sobre o aluno, mas sim manter um diálogo franco e honesto
onde o aluno percebe que o professor se interessa pelo seu êxito enquanto
estudante. Este fato não parte apenas da idéia de que o professor de
filosofia não tem outra saída e sim por compreender que
O humano se constitui no entrelaçamento do emocional com o
racional. O racional se constitui nas coerências operacionais dos
sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para
defender ou justificar nossas ações. (MATURANA,1998, p.18)
Se o professor de filosofia quiser ensinar uma filosofia que parta das
condições existenciais do aluno, ele precisa vivenciar esta proximidade. E
os professores entrevistados, em alguns momentos, de fato o fazem, seja
através da linguagem quando usam gíria, seja dividindo o mesmo espaço
quando pega o mesmo ônibus do aluno, seja ouvindo as músicas que o
aluno ouve, seja chamando o aluno pelo nome. Quebrar este dualismo entre
razão e emoção leva o professor instituir um saber que está na base do
ensino e da aprendizagem da filosofia no ensino médio. Nesta postura do
professor de filosofia está a possibilidade de romper, na prática, o dualismo
entre ensinar filosofia e filosofar. A partir desta base comum é que
podemos administrar racionalmente os dualismos que caracterizam a
prática docente do professor de filosofia. Quando inquirido sobre como
140
poderíamos aproximar o dualismo entre uma maneira tradicional de
trabalhar e alternativas docentes, a professora diz que:
[...] geralmente quando tem eleição eu aproveito, e daí eles tem que
ir para o calçadão pra fazer pesquisa, entrevistar pessoas, trazer o
dia a dia pra discussão em aula. Tu te envolve e aí vai o ano todo.
Em um ano tu tem 70 e poucas horas aulas, aulas de filosofia. É
rápido, são duas por semana. 72, 80 por aí.(professora “G”)
Esta fala torna-se significativa se percebemos que o professor está
atento aos acontecimentos do momento histórico que a sociedade está
vivendo. O que o leva a relacionar um tema atual com uma postura
filosófica frente às questões políticas relevantes. Temas que envolvem o
aluno acabam fazendo com que o tempo passe muito depressa. Explorar
devidamente um tema pode não ser possível no curto espaço de tempo que
a disciplina dispõe, contudo, se o tema for vivenciado a apreensão do
mesmo torna-se extremamente rica e compensadora para o aluno e para o
professor. Um outro aspecto relevante desta fala trata da questão da
pesquisa como subsídio para as discussões em sala de aula. Ao se deixar
afetar por certas situações com o compromisso de adquirir informações e
conhecimentos desperta discussões até nos relatos feitos em sala de aula.
Neste contexto entendemos a sala de aula como um espaço de síntese, de
encontro, de reflexão sobre o acontecido. Neste aspecto nós entendemos
quando o professor almeja tornar o seu aluno crítico. Entendendo crítico no
sentido de qualificar o olhar, estranhar o contexto vivido, objetivar as
experiências. Somente um professor com objetivos claros e capacidade de
141
exercitar com seu aluno este distanciamento pode propor atividades dessa
natureza sem perder-se na atividade em si.
Outro fator interessante deste depoimento é a possibilidade da
filosofia ocupar outros espaços que não seja só o da sala de aula.
Proporcionar este tipo de ação é acreditar que o aluno possa aprender sem a
constante tutela do professor. O aluno tem que ter um espaço para crescer e
poder contribuir na sua aprendizagem filosófica. Ao proporcionar este tipo
de experiência o professor transparece um saber que concebe a filosofia
como compromisso consigo mesmo e com a sociedade. O “conheça-te a ti
mesmo” socrático passa pelo conhecimento da sociedade em que se vive. A
experiência por si só não proporciona aprendizagem, ela precisa ser
refletida. Assim, nos voltamos para sala de aula onde tudo começa e para o
qual tudo converge quando falamos de ensino de filosofia no nível médio.
Neste contexto o professor precisa de diálogo, mas dialogar sobre um tema
desconhecido dos alunos não parece ser uma boa opção. Muitas vezes a
possibilidade de que eles leiam o texto antes de vir para a aula parece uma
tarefa inviável. O professor está na sala, o aluno também. Um conteúdo
precisa ser discutido e apreendido. O que fazer?
Eu lanço esquema no quadro explico rapidamente, assim 10, 15,20
minutos, faço eles interagirem, ah não querem falar, ficam todos
mudos olhando... Fulano lê pra mim aí um pedacinho... E aí tu
pedindo tu puxa eles e aí eles obrigatoriamente né... meio
imposto... Tem turmas que tu pode virar cambalhota lá na frente,
eles são apáticos, as vezes dois períodos que tu acha que vai
deslanchar com o conteúdo, aquilo não anda. Não sei, eles não
perguntam, eles são digamos... estáticos. E aí é uma dificuldade. É
que nem um sacarrolha que tu tem que ir puxando... puxando...
puxando até que eles desabrochem. (professora “G”)
142
Esta é uma situação interessante, onde o professor tem que ir em
direção ao aluno, não ter receio do seu silêncio. Não se amedrontar com sua
indiferença. Enfrentar o aluno atirado na cadeira feito um trapo. O
professor de filosofia não pode se deixar intimidar pelo silêncio aterrador.
Não raras vezes o entrevistado fez referência a imagem que ele tinha do
aluno, antes de iniciar a trabalhar como professor, na época em que ainda
fazia sua formação inicial. Imaginava ele um aluno interessado e
questionador, um aluno capaz de ler um texto filosófico e tecer comentários
sobre o mesmo. Este aluno imaginário é capaz de caminhar sozinho, talvez
nem precise de um professor. Esta não é a realidade do ensino médio. Esta
imagem do professor em relação a um aluno imaginário, infelizmente
continua sendo editada pelos cursos de formação ainda hoje. Os professores
entrevistados afirmam que estagiários/as hoje aparecem nas escolas com
pensamentos e procedimentos que remontam a década de 80.
Quando nos referimos ao ensino da filosofia é indispensável pensar
que o interesse do aluno está ligado também ao compromisso que ele
assume frente a proposta do professor. A proposta de trabalho parte do
professor, mas tem que ter o aval do aluno. Como nos diz a professora “G”
Eu geralmente tenho muito diálogo com meus alunos. Quando eu
to trabalhando algum filósofo eu coloco vários temas. Escolham
por que todos se encaixam de acordo com este filósofo. Qual que
vocês gostariam de trabalhar? Às vezes eles escolhem 3,4. Se der a
gente trabalha todo, se não se sorteia 2,3...Pra fazer um
trabalho...Mas geralmente eu entro em consenso com os alunos.
143
Uma atitude de consenso parece ser fundamental para que o aluno
não se submeta completamente ao professor, assim como o professor não
se submeta às vontades do aluno, o que seria uma lástima porque o
professor não teria nada a ensinar ao aluno. As escolhas dos alunos e
professores demonstram idéias sobre o que cada um julga importante em
relação à disciplina. O professor, porém, tem uma visão privilegiada em
relação ao aluno porque conhece os conteúdos a serem desenvolvidos, o
aluno, no entanto é capaz de mediante uma explanação do professor
compreender e optar. É preciso tentar quebrar esta autoridade
41
que o
professor impõe seja através do conteúdo, da nota ou simplesmente através
de sua presença na sala de aula.
Eu procuro quebrar esta autoridade. Eu procuro colocar pra eles
que eu não sou infalível. Eu gosto de dizer pra eles que eu estou
aqui na frente tremendo de medo. Não conheço vocês, vocês não
me conhecem... Todo mundo na mesma. E eu faço um pacto com
eles. Eu quebro inclusive as regras do colégio. Eu faço um pacto no
primeiro dia de aula. Eles falam das condições deles, eu falo das
minhas condições. E a gente fecha um pacto. Quem quebra permite
que o outro reaja. E assim a gente vai pactuando a nossa relação.
(professora “C”)
Estas relações precisam ser permeadas pelo conteúdo a ser
desenvolvido. Não podemos perder de vista a idéia de que o processo
educativo na sala de aula compõe-se de professor, conteúdo e aluno. A
41
Quando me refiro à autoridade não estou pensando naquele professor do passado que surtia medo no
aluno pela sua simples presença. Este professor não existe mais. Quando falo de autoridade refiro-me ao
poder que o professor ainda detém, qual seja: O conteúdo, a prova e a presença. Como aquele professor
distante e aterrador não existe mais, é preciso criar outros laços, e talvez a co-responsabilidade seja um
caminho.
144
realidade em que me propus a analisar os conteúdos tem duas fontes
básicas: Ou eles vêm do livro didático
42
, ou das indicações bibliográficas
do Peies. A ação do professor, no entanto, não pode ser compreendida
apenas pelo material que ele adota. Embora o material delimite a
abordagem por temas ou pela história da filosofia, o importante é como este
professor inter-relaciona estas duas formas de abordagem da filosofia no
contexto do ensino.
Eu já programei determinados temas e sentir que os alunos não
queriam aqueles temas, queriam outros. Tive que trocar
completamente de linha de trabalho. Teve uma primeira série que
invés de trabalhar com a história da filosofia trabalhei temas como
a gravidez na adolescência, aborto, eutanásia, a sexualidade na
adolescência. Houve uma época que os meus colegas me
chamavam para me mandar diminuir o barulho. (professora A)
A capacidade de perceber o andamento da sala de aula, a capacidade
de praticar uma reflexão na ação, parece-nos ser a tônica deste depoimento.
Sem contar com certa humildade de rever posições e decisões.
Retomar temas da história da filosofia no contexto atual parece ser
um desafio constante do professor de filosofia, que precisa constantemente
estabelecer relações em um ensino completamente fracionado,
fragmentado. Exemplificando esta tentativa a professor “D” nos diz:
Quando eu vou trabalhar Platão, por exemplo, eu trabalho Raul
Seixas. Como? Pego aqueles textos do intemperante, né. E do
moderado que aparece... Ele compara a pessoa a dois barris, um
furado e outro lá que não tem nenhum furinho, então é o
temperante que faz tudo certinho, e o outro lá o maluco o doidão.
42
Mesmo sendo um material elaborado pelo professor, ele não contém textos do professor. Uma das
autoras mais citadas nesta pesquisa é a autora Marilena Chauí.
145
Quer todas as sensações, mas como o barril lá é frágil, todo o
vinho se escoa. Aí eles lêem o texto, e a gente escuta o maluco
beleza. Que misturando e minha lucidez com a minha maluquez,
isto é com certeza, o maluco beleza. Daí eu já pego a questão das
drogas e da ética.
Estabelecer relação entre o conteúdo e as percepções do aluno no seu
dia a dia parece ser também uma alternativa para superar o dualismo entre
temas e história da filosofia.
Eu não pego, por exemplo, o mito da caverna, pra conversar sobre
os mitos. Faço uma sondagem o que eles conhecem de mitologia.
Da televisão, por exemplo. Aqueles filmes que passa à tarde.e a
partir dali começo a introduzir.Às vezes eles nem sabem que aquilo
é mitologia. Adoram o Matrix, mas não sabem que o Matrix tem
um fundamento bem filosófico até. Só que é muito difícil de
trabalhar, tem uma dificuldade de eles verem como se estabelece
alguma coisa. Eu trabalho letras de músicas, contextualizar com a
realidade, fazer uma análise de texto. Como a gente trabalha no
início de tudo em filosofia... (professora “C”)
Ainda sobre o mito da caverna a professora “H” nos diz:
O mito da caverna, por exemplo, eu pedi que cada um fizesse a sua
interpretação e aí cada grupo apresentou, teve alguns que pegaram
o mito da caverna e transpuseram para a questão do capitalismo,
que as nossas amarras seriam o capital, ficou bem interessante,
cada um fez uma interpretação um pouco diferente, outros bem
semelhante ao próprio Platão. Como eu ia dizer.. como a
linguagem do texto filosófico quando a gente pega da fonte, é uma
linguagem muito difícil pra eles, eu peço pra um da turma ler, pra
eles prestarem mais atenção... acho que ajuda.
Esta capacidade de estabelecer relações muitas vezes tem que
transcender a própria disciplina e ir ao encontro de outras áreas, numa
146
tentativa de dar uma visão de conjunto ao aluno. Estas atividades
geralmente são realizadas em outros ambientes da escola que não a sala de
aula, como nos exemplifica a professora “B”.
Já tivemos trabalhos assim ó, exposição de fotos, junto com a
educação artística. A 8ª CRE tem o acervo do Sebastião Salgado,
eles têm muitas fotos em tamanho grande... Aí a gente colocou as
fotos no salão, uns com cavalete, outros pendurados... Todo salão
foi acupado... Fizemos todo um trabalho de releitura... Podia ser
uma poesia, podia recolocar, montar um trabalho, refazer a forma
deles verem o quadro. Reconstruir... O ano passado também foi
feito com mitos, então eles tinham que recriar, inventar um
mito... Eles fizeram e expuseram no salão.
É oportuno lembrar aqui que estas atividades precisam ser compreendidas
através de discussões e produção posterior do aluno em forma textual, onde
se organizam as idéias e se pode avaliar melhor a perspectiva filosófica da
atividade. Todas essas atividades supõem saberes que vão sendo
incorporados a ação do professor enquanto agente racional ao longo do
período de docência. Saberes que necessitam, para existirem, de uma
constante reflexão, que os torne adequados à realidade que eles estão sendo
propostos. O professor precisa criar o hábito de fazer uma leitura constante
do andamento de seu trabalho numa reflexão que comporte as relações
entre teoria e prática. Não existe um saber definido a priori para uma
situação determinada. E o professor só saberá se vai ter êxito ou não em
suas decisões na medida em que desencadeia uma ação. Retomamos aqui a
idéia de uma razão prática que existe a posteriori, e também essencialmente
no ato em si. Ao conceber uma razão prática nos reportamos a uma
realidade histórica manifesta através de uma visão que percebe o ser
147
humano como individual e ao mesmo tempo social. Conceber a filosofia
como formadora é pensá-la relacionada a um sujeito, o aluno, que está num
determinado contexto, a escola. Sendo assim, o professor de filosofia tem
uma “missão” a mais, além de trabalhar determinados conteúdos. Tem uma
responsabilidade formativa. Não podemos, no entanto colocar a filosofia à
serviço de uma determinada ordem social com a missão de justificar o que
esta ordem social considera como verdade. Isto já não é mais filosofia e
sim ideologia
43
. Não é assim que concebemos a responsabilidade formativa
da filosofia. Proporcionar ao aluno a oportunidade de, na sala de aula,
fazer a experiência da filosofia é manter-se aberto ao exercício da liberdade
reflexiva, sem a qual, a vida não vale a pena ser vivida.
43
Ideologia no sentido marxista. Como mascaramento das relações de dominação.
148
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tecer estas considerações finais visualizamos as questões de
pesquisa que nos motivaram investigar o ensino da filosofia. Acreditamos
ter conseguido levantar algumas características do ensino da filosofia,
assim como apontar como a concepção de filosofia pode influenciar na
prática docente do professor no nível médio. A constatação do
distanciamento entre a formação inicial e a atuação docente é um fato que
ainda persiste apesar de outras pesquisas já terem abordado o tema.
Encontramos ao longo desta pesquisa dualismos inerentes a ação do
professor de filosofia. Da mesma forma como Kant afirmava teoricamente
a impossibilidade de ensinar filosofia e sim somente filosofar, em nível
prático constatamos que só através da administração dos dualismos da
ação docente é que podemos ensinar filosofia, filosofando.
Aproximar estes dualismos é quebrar o muro que separa o filósofo do
professor de filosofia. Esta proximidade possibilita a formação de saberes
inerentes a docência em filosofia no nível médio. Ao pensarmos em saberes
inerentes à ação docente do professor de filosofia precisamos abordar a
questão dos dualismos que se fazem presentes de alguma forma na atuação
do professor enquanto agente racional na sala de aula. Temos consciência
que nem todos têm origem na relação professor/aluno. Como nos diz
Azanha (1995, p.50):
149
[...] seria uma ilusão imaginar que a raiz dos problemas de
articulação do ensino superior com os ensinos de 1º e 2º graus
situa-se essencialmente num plano pedagógico. A questão é,
sobretudo de política educacional.
Quando pensamos na relação entre a atuação do professor e sua
formação docente, este problema envolve os cursos de formação de
professores que precisam repensar a sua atuação em função de trabalharem
com licenciaturas em filosofia. Inclusive promover atividades
44
trabalhando estas dificuldades, segundo sugestão dos entrevistados nesta
pesquisa. O professor quer discutir as dificuldades que encontra no trabalho
à luz das questões filosóficas que envolvem o nosso tempo. O aluno da
graduação por sua vez também se beneficiaria com esta relação. Pois como
nos explica Azanha (1995, p.51), para o aluno em formação inicial
Tudo se passa como se a formação do professor devesse
instrumentá-lo com métodos e técnicas, quando talvez fosse muito
mais interessante preparar o professor a partir da discussão de
questões substantivas de educação nos seus aspectos filosóficos,
históricos, sociais e políticos.
Isto geraria uma maior proximidade com a universidade e esmaeceria a
dualismo que separa o filósofo do professor de filosofia.
Quanto à questão dos professores que não são formados em filosofia
e lecionam a mesma no ensino médio, primeiramente, o problema carece
de um posicionamento da direção da escola em não aceitar este tipo de
decisão, vinda da CRE, ou simplesmente das circunstâncias movidas pela
44
Encontros voltados à discussão das dificuldades encontradas no nível médio quanto ao ensino da
filosofia. O que segundo os entrevistados aproximaria a formação inicial da atuação docente.
150
falta de professor graduado em filosofia. Quando falta professor de
matemática, nenhuma direção coloca um professor de português para
desempenhar esta tarefa. Por que então o professor de filosofia pode ser
substituído por um professor de português, de história ou de estudos
sociais? Se a direção da escola não toma atitude nenhuma em relação a esta
questão ou se a mesma é a responsável por esta decisão cabe ao professor
se organizar com seus pares e reivindicar junto a mesma que mude sua
decisão. Se esta questão acontece impunemente qual é a razão de termos
cursos em nível de graduação em filosofia, se com outra formação inicial é
possível assumir esta disciplina na escola? As direções que aceitam ou
decidem colocar professores não habilitados para lecionar filosofia,
denotam uma grande desinformação sobre o ensino da filosofia e suas
especificidades. Da parte dos professores que trabalham com filosofia nas
escolas é preciso que eles mostrem de forma mais efetiva o seu trabalho
no contexto escolar, conquistando um espaço no qual possam ser
valorizados. Conforme depoimento dos professores, a vinte anos atrás tinha
apenas uma professora de filosofia na escola , hoje conta com seis
professoras, todas graduadas em filosofia. Esses professores me relataram
que a colocação da filosofia na grade curricular nas séries que não existiam
no ensino médio, foi feito com muita luta e discussão, pois para inserir a
filosofia era preciso diminuir a carga horária semanal de outra disciplina.
Conforme os relatos, alguns professores de outras áreas do conhecimento
se acham mais importantes do que a filosofia. Resta-nos ainda indagar:
Como dividir esta responsabilidade entre o curso de formação inicial, o
trabalho do professor de filosofia na escola, a desinformação dos órgãos
competentes e da direção quanto a especificidade da filosofia?
151
Na questão espaço/tempo muito se tem falado sobre as dificuldades
de desenvolver um trabalho reflexivo, que envolva o aluno no
desenvolvimento de habilidades mentais, num espaço inadequado e num
tempo extremamente reduzido. Duas horas semanais de cinqüenta minutos
transforma o trabalho em algo fragmentado que a cada aula precisa ser
retomado, o que leva o professor a perder um tempo precioso recordando o
que foi discutido na aula anterior. Discutir a questão do espaço da sala de
aula em função de um tipo de aula que quebre a estrutura vigente, onde o
aluno fica em fila, pode ser uma discussão levada pelos professores de
filosofia no espaço escolar. A idéia seria de como o professor pode usar
espaço e tempo para desenvolver um trabalho que possa satisfazê-lo
enquanto professor de filosofia. Se o professor “passar” conteúdo no
quadro, os alunos copiarem, o professor explicar e posteriormente “passar”
exercícios, o tempo existente é mais do que adequado. E o espaço também
por que o aluno permanecerá em fila olhando ora para o professor, ora para
o quadro. Se, se pensa uma aula mais interativa e criativa começam
aparecer os problemas. Os professores disseram em suas entrevistas que
fazem reuniões por disciplina, e acreditamos que este seja o momento de
discutir estas e outras questões importantes para o andamento de uma aula
de filosofia. As discussões burocráticas são importantes, assim como as
discussões políticas, mas nenhuma delas afetaria de forma mais positiva o
trabalho do professor do que uma discussão que focasse esta relação entre
espaço/tempo e ensino de filosofia.
152
Existem dualismos que são criados dentro do próprio contexto da sala
de aula. O dualismo entre temas e história da filosofia, precisa ser
reavaliado pelo professor mediante o conceito de filosofia que ele adota e o
tipo de alunos com os quais se envolve. Não fazer esta análise constante é o
caminho para perder-se ou na história, ou nos temas. Na história corre-se o
risco de simplesmente contar uma história de um passado por ele mesmo.
Nos temas corre-se o risco de perder-se em temas que até geram discussão,
mas não passa de filodoxia. É preciso reavaliar a cada momento esta
caminhada filosófica para que se possa minimizar este dualismo num
encontro onde o filosofar possa existir de fato no contexto escolar.
Na questão de uma aula menos tradicional é preciso passar por uma
descentralização da figura do professor como aquele que ensina. Só é
possível o aluno filosofar na medida em que ele encontra espaço para
exercitar a sua capacidade intelectual. Numa aula tradicional o professor
filosofa, o aluno assiste o professor em sua elocução. Para transpor este
dualismo é preciso que o professor aproxime-se do aluno e procure olhar o
conteúdo de sua disciplina com critérios mais existenciais
45
, posição
compartilhada pela totalidade dos entrevistados. Ao centralizar o conteúdo
através das aulas expositivas (ou mesmo expositiva dialogada) o professor
transparece igualmente uma concepção filosófica semelhante à de Sócrates
quando o mesmo procura transformar seu opositor a sua imagem e
semelhança, ou como Platão que acredita que o filósofo após usufruir da
luz, do mundo das idéias, precisa retornar à caverna para libertar aqueles
45
Apesar de fazerem referência a uma postura mais existencialista do professor ao partir da condição
existencial do aluno para pensar o ensino da filosofia, em termos de conteúdo trabalhado em sala de aula
o professor fica preso as filosofias metafísicas, chegando às vezes a filosofia dialética de Hegel. Mas
raramente abordando temas a partir da ótica existencialista, seja ela cristã ou não.
153
que lá ficaram amarrados no mundo dos sentidos. Assim, não basta
problematizar as certezas dos alunos, é preciso tirá-los da escuridão. Esta
idéia, a meu ver, impede que o professor trabalhe de forma mais
participativa o ensino da filosofia.
A questão da organização dos conteúdos pelo grupo de filosofia e o
trabalho individual do professor parece ser a questão menos traumática. O
professor em geral sabe delimitar bem estas duas dimensões, por entender
que a feitura da aula é o exercício de sua subjetividade mediante a realidade
complexa da sala de aula, e que o material deve ser usado como um guia,
podendo e devendo ser modificado de um ano para o outro.
Quanto ao dualismo entre burocracia e docência, parece ser o preço
que a filosofia tem que pagar por estar inserida num currículo escolar. A
idéia do professor de filosofia é que o aluno deveria ter autonomia a ponto
de saber que ele não pode sair da aula, que tem que participar da mesma, e
se interessar pela filosofia por sua importância intrínseca. A “chamada”,
representante da burocracia escolar, iria contra esta autonomia que o
professor acredita que o aluno deva ter. O professor precisa ter em mente
que ao ser ensinada a filosofia se insere no contexto da complexidade do
conceito de educação. Que contém em si exterioridade e interioridade. A
educação é fundamentalmente auto-educação e aí reside o ser caráter de
liberdade, no entanto ela acontece num ambiente pré-estabelecido que
supõe regras e normas que são exteriores ao indivíduo, e portanto com um
caráter repressor. Compreender esta complexidade ameniza este dualismo
154
fazendo o professor dar o real valor que estas duas dimensões têm numa
determinada situação de sala de aula.
Ao enfocar o dualismo filosofia como formadora e
utilitarismo/imediatismo, temos a compreensão de que este é um
desconforto pelo qual passa a filosofia dentro e fora da escola. Assim nos
ilustra Franco Cambi (1999, p. 511) quando diz:
Este homem do século XX (presente nas áreas mais avançadas, mas
que serve de modelo a todo o planeta) cortou as pontes com o
passado, inebria-se de futuro (baseado no progresso e na segurança)
e, sobretudo no presente, daquele aqui - agora que é visto como o
vértice da história e o melhor dos mundos possíveis. Estamos
diante de um modelo antropológico novo, guiado pela idéia de
felicidade, a qual é medida pelo consumo, equiparada ao haver, à
acumulação de experiências, de bens, de relações (com o mundo e
com os outros).
Neste contexto, estudar um filósofo do passado ou as questões por ele
tratadas parece não ter sentido em um mundo onde os personagens sociais
aparecem e desaparecem numa velocidade espantosa, onde as músicas
fazem sucesso imediato e ao mesmo tempo fugaz, a efemeridade de moda
chega a assustar, os produtos utilizados são em grande parte descartáveis. É
esta atmosfera o mundo pré-existente que os alunos encontram ao nascer. A
filosofia, no entanto, embora se referindo ao mundo existente, parece não
pertencer a ele. Pois o ato de ler, de refletir, de discutir que são pré-
requisitos para o filosofar parecem não encontrar espaço num mundo que
prima pelo transitório. Compreender esta situação e tentar superá-la parece
já ser uma grande atribuição que o professor pode colocar como objetivo
do seu trabalho como professor de filosofia no ensino médio.
155
Nesta realidade que pesquisamos compreendemos que o que dificulta
para que o professor de filosofia manifeste de forma mais clara os saberes
inerentes a sua docência em filosofia em primeiro lugar foi sua formação
inicial que não lhe propiciou uma discussão sobre as especificidades do
ensino da filosofia no nível médio. Por outro lado os professores
pesquisados não procuraram uma formação continuada na área da filosofia,
por julgarem que o ensino da mesma no nível médio não necessita mais do
que a graduação. Num segundo momento o conceito de filosofia que o
professor aprendeu na graduação através de seus professores, seja de forma
explícita ou de forma implícita através da relação ensino e aprendizagem,
dificulta a construção de um trabalho que transcenda a figura do professor
explicador. Aquele que explica o conteúdo enquanto o aluno assiste. Somos
cientes de que conceber o professor como agente racional responsável por
uma ação educativa, não é pensá-lo como aquele que molda o aluno a sua
imagem e semelhança. E em terceiro lugar, em sua ação docente o
professor pesquisado não identifica de forma clara os dualismos aos quais a
sua ação docente está submetida. Não identificando estes problemas como
dualismos a serem administrados no interior da escola e em alguns casos
fora dela, o professor têm dificuldade de manifestar em sua ação docente os
saberes que são característicos do ensino da filosofia no nível médio.
156
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(Dissertação de Mestrado em Educação) Centro de Educação da
Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria. 2004.
170
APÊNDICE
171
Entrevista semi-estruturada para os professores que lecionam filosofia
no ensino médio
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO-
MESTRADO
PROFESSORA ORIENTADORA: Profª. Dra. Elisete Tomazetti
MESTRANDO: Paulo Ricardo Tavares da Silveira
Entrevista semi-estruturada para os professores que lecionam filosofia
no ensino médio
1- DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Instituição:
Formação: Período:
Pós - graduação: Período:
Há quanto tempo você é professor de filosofia?
Em quantas escolas já trabalhaste com filosofia?
172
Sempre lecionou filosofia no ensino médio?
2 - DADOS REFERENTE A ATUAÇÃO DO PROFESSOR COMO
DOCENTE
2.1. Como tu conceitua os teus alunos? Que perfil sociológico ele tem?
2.2. Pensando no aluno que tu trabalha como tu conceituaria filosofia?
2.3. Você acha que esta tua conceituação afeta tua forma de
trabalhar? De que maneira?
2.4. A filosofia não tem um conteúdo delimitado, como outras áreas do
ensino, como você seleciona os conteúdos a serem trabalhados?
2.5. Qual o tipo de relação que tu estabelece entre os conhecimentos
adquiridos em tua formação inicial e tua atuação como professor?
2.6. Existe uma maneira tradicional de dar aula que foi se
cristalizando ao longo da história do magistério. Em que sentido o
ensino da filosofia se adaptou a essa tradição e em que sentido a
filosofia questiona essa tradição?
2.7. Você acha que a experiência do professor vai mudando a sua
atuação? O que você fazia que hoje não faz mais? Por quê?
173
2.8. Você acredita que existem saberes que são específicos da ação
pedagógica do professor de filosofia? Quais? Por exemplo:
2.9. Você trabalha com a história da filosofia e temáticas? Como você
articula história da filosofia e temáticas?
2.10. Descreva a sua rotina de sala de aula.
2.11. Questões sobre avaliação. Como podemos caracterizar uma
avaliação que contemple as características da filosofia apontadas por
você?
Pesquisador: Paulo Ricardo Tavares da Silveira
174
ANEXO