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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO
LOURIVAL JOSÉ MARTINS FILHO
“TEM AZEITE NA BOTIJA?”
ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL EM FLORIANÓPOLIS – SC
SÃO LEOPOLDO-RS
2009
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LOURIVAL JOSÉ MARTINS FILHO
“TEM AZEITE NA BOTIJA?”
ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL EM FLORIANÓPOLIS – SC
Tese de Doutorado apresentada à Escola
Superior de Teologia do Instituto Ecumênico de
Pós-graduação (Área: Religião e Educação) para
obtenção do título de Doutor em Teologia.
Orientador: Manfredo Carlos Wachs.
SÃO LEOPOLDO-RS
2009
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Bibliotecária: Paula Carina de Araújo – CRB 9/1562
M379t
Martins Filho, Lourival José.
Tem azeite na botija?: ensino religioso nos anos iniciais do ensino
fundamental em Florianópolis-SC / Lourival José Martins Filho;
orientador: Manfredo Carlos Wachs. – São Leopoldo, 2009.
153 f. ; 30 cm.
Inclui referências.
Tese (doutorado) – Escola Superior de Teologia, Instituto
Ecumênico de Pós-graduação, São Leopoldo, 2009.
1. Ensino religioso. 2. Ensino Fundamental. 3. Ensino fundamental
– Anos iniciais. 4. Ensino fundamental – Florianópolis-SC.Pesquisa –
ação.Pedagogia da Infância. I. Wachs, Manfredo Carlos. II. Título.
CDD 377
CDU 37.03
LOURIVAL JOSÉ MARTINS FILHO
TEM AZEITE NA BOTIJA?”
ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL EM FLORIANÓPOLIS – SC
Tese de Doutorado apresentada à Escola Superior de Teologia do Instituto
Ecumênico de Pós-graduação (Área: Religião e Educação) para obtenção do título
de Doutor em Teologia.
Banca Examinadora:
Orientadora: ___________________________________________________
Professor Dr. Manfredo Carlos Wachs.
Escola Superior de Teologia - EST
Membros: ___________________________________________________
Professora Dra. Laude Erandi Brandenburg
Escola Superior de Teologia – EST
___________________________________________________
Professor Dr. Remi Klein
Escola Superior de Teologia – EST
___________________________________________________
Professor Dr. Leomar Brustolin
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC
___________________________________________________
Professora Dra. Sandra Vidal Nogueira
UNILASALE -
São Leopoldo, 2009.
À Saionara, meu amor tão grande amor.
Ao Gabriel meu filho amado.
AGRADECIMENTOS
A Deus, sem Ele não teria conseguido... E ao seu Filho... Razão maior do
meu viver.
À Saionara e ao Gabriel, vidas da minha vida, que entenderam minhas
ausências e desafios do percurso.
À minha família.
Ao professor Manfredo Carlos Wachs, meu orientador... Um estímulo
constante e força na caminhada.
Aos professores e professoras, às equipes pedagógicas e unidades
educativas participantes da pesquisa pelo exercício fraterno de compartilhar.
À professora e amiga Alba Regina Batisti de Souza, por nossos diálogos na
área da Didática e Prática de Ensino na busca por práticas pedagógicas
significativas no contexto escolar.
Ao professor e amigo Altino José Martins Filho, parceiro na luta pela infância
e na feitura de um mundo melhor para nossas crianças.
À professora e amiga Ivonir Terezinha Henrique, exemplo de dedicação,
profissionalismo e ser humano.
À Paula, pelo carinho permanente no processo de construção da tese.
Aos educadores e educadoras do Grupo de Pesquisa em Currículo,
identidade religiosa e práxis educativa da EST, pelo diálogo sincero e fraterno que
norteia nossa amizade.
À Faculdade de Educação da UDESC e à Escola Superior de Teologia
FAEST: espaços de aprendizagens e pessoas brilhantes.
Aos educadores (as) e amigos (as) que conheci até aqui, citar os nomes seria
impossível e correria o risco de esquecer alguns.. Deus sabe o quanto vos amo.
Obrigado!
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo que buscou analisar como e a partir
do quê os docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em
Florianópolis, devidamente habilitados em Pedagogia, desenvolvem suas práticas
pedagógicas do componente curricular Ensino Religioso. A inquietação que gerou o
tema/problema surge desde nossa infância e vai se alimentando na trajetória
acadêmica, como profissional da educação e como pesquisador. Optou-se pela
pesquisa-ação como percurso metodológico, sendo que participaram da pesquisa
dezesseis docentes que balizaram os procedimentos para a observação nas
unidades educativas, as questões para as entrevistas, a realização dos seminários e
as construções teóricas decorrentes deste exercício de pesquisar/compartilhar. A
necessidade de repensar a formação inicial e continuada dos docentes dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, a inserção do Ensino Religioso nos projetos
pedagógicos escolares como compromisso de todos os profissionais envolvidos e a
busca coletiva por práticas pedagógicas interdisciplinares em Ensino Religioso são
algumas das reflexões decorrentes da pesquisa. Entende-se que este estudo
possibilita uma reflexão do componente curricular Ensino Religioso nos anos iniciais
do Ensino Fundamental e contribui com as vozes que ainda lutam em favor da vida e
da escola em uma perspectiva de currículo em que o Ensino Religioso não é anexo
nem apêndice, mas possibilidade de produção e apropriação de conhecimentos na
feitura de um mundo mais bonito e equânime.
Palavras-chave: Ensino religioso. Ensino Fundamental. Ensino fundamental Anos
iniciais. Ensino fundamental Florianópolis-SC. Pesquisa-ação. Pedagogia da
infância
ABSTRACT
This is a qualitative research that sought to analyze how and from what the teachers
who work in the early years of elementary school in Florianópolis, all duly qualified
professionals with a degree in Pedagogy, develop their teaching practices in
Religious Education as a school subject. The concern that generated the
theme/problem arises in our childhood and builds up through our academic
trajectory, as a teacher and researcher. An option was made for the methodological
trajectory of an action research: sixteen teachers took part of the research who
guided the process for the observation at the schools, the interview questions, the
workshops and the theoretical constructions of this exercise in researching/sharing.
The need to rethink the beginning and continual training of teachers of initial
elementary school, the insertion of religious education in the school teaching projects
as a commitment of all involved professionals and the search for interdisciplinary
teaching practices in religious education, are some of the reflections resulting from
this research. It can be understood that this study provides for a reflection of
Religious Education as an academic component of the elementary school curriculum
and contributes to the voices that are still fighting for life and school in a perspective
that makes religious education neither an attachment nor an appendix, but a
possibility to produce and take possession of knowledge in the construction of a
more beautiful and fair world.
Key words: Religious Education. Higher Education. Primary and Secondary
Education. First years of higher education. Higher Education - Florianopolis-SC.
Children Pedagogy.
SUMÁRIO
PRIMEIRAS PALAVRAS..........................................................................................10
CAPÍTULO I PONTOS DE PARTIDA .......................................................................13
1.1 LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA ............................................................................13
1.2 IMAGENS DO PERCURSO ESCOLAR ..............................................................15
1.3 DESAFIOS PROFISSIONAIS NA UNIVERSIDADE............................................19
1.4 DIMENSÕES DA PESQUISA..............................................................................20
1.5 O PERFIL DOS DOCENTES PARTICIPANTES DA PESQUISA: DADOS
PESSOAIS E PROFISSIONAIS................................................................................27
1.6 UM OLHAR PARA O TODO................................................................................31
CAPÍTULO II DA VIÚVA: ENSINO RELIGIOSO, CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E
TRABALHO DOCENTE PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
..................................................................................................................................32
2.1 DO SENTIMENTO DA VIÚVA.............................................................................33
2.2. CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA: DEMARCANDO PERSPECTIVAS ....................34
2.3 A “PEDAGOGIA DA INFÂNCIA” NO CONTEXTO DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL.........................................................................................45
2.4 TRABALHO EDUCATIVO COMO ATIVIDADE SOCIAL MEDIADORA ..............50
2.5 ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE DOS PROFESSORES DOS
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL ........................................................55
CAPÍTULO III DO AZEITE: CONEXÔES ENTRE CURRÍCULO, ALFABETIZAÇÃO
E ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL........59
3.1 CONCEPÇÃO DE CURRÍCULO E ENSINO RELIGIOSO ..................................61
3.2 ENSINO RELIGIOSO E ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO...........................79
CAPÍTULO IV DA BOTIJA: ENSINO RELIGIOSO E PRÁTICA PEDAGÓGICA NOS
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL .......................................................91
4.2 PRÁTICA PEDAGÓGICA E CURRÍCULO ..........................................................98
4.3 A “ATIVIDADE EDUCATIVA” COMO CONSTRUTORA DA APRENDIZAGEM 105
4.4 TRABALHO DOCENTE E A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR NOS PROCESSOS
DE ENSINO E APRENDIZAGEM............................................................................113
4.5 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO: O PLANEJAMENTO PARA
ALÉM DE UM DOCUMENTO BUROCRÁTICO ......................................................120
4.6 AINDA COMPARTILHANDO.............................................................................129
CONSIDERAÇÕES PROPOSITIVAS.....................................................................136
REFERÊNCIAS.......................................................................................................140
APÊNDICE 1 – ENTREVISTA ................................................................................149
APÊNDICE 2 – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO......................................................151
10
PRIMEIRAS PALAVRAS
No diálogo com educadores e educadoras da educação básica e superior
aprendemos que a ação e a reflexão são constituintes inseparáveis do fazer
educativo. Ao pesquisarmos o Ensino Religioso nos anos iniciais do ensino
fundamental, compartilhamos que a práxis é esse “que faze” dos seres humanos
sobre o mundo na perspectiva de transformá-lo”
1
.
Neste caminhar com o outro buscamos, sempre coletivamente, refletir,
construir e reinventar outros cenários para o Ensino Religioso nos anos iniciais do
ensino fundamental. Paulo Freire ensinou que o podemos renunciar à luta pelo
exercício de nossa capacidade e de nosso direito de decidir e de romper, sem o que
não reinventamos o mundo. Viver é possibilidade e não determinismo
2
.
Registramos que em cada passo da pesquisa nossa inquietação soava forte
na busca em refletir sobre como e a partir do quê os docentes que atuam nos anos
iniciais do Ensino Fundamental em Florianópolis, devidamente habilitados em
Pedagogia, desenvolvem suas práticas pedagógicas do componente curricular do
Ensino Religioso.
Neste ir e vir, trilhado qualitativamente com os participantes da pesquisa, a
tese vai se estruturando. Tornou-se necessário no percurso humildade,
determinação e atitude crítica. E isso tudo veio explicitado ou sugerido ou escondido
no que chamamos “leitura do mundo que precede sempre a leitura da palavra”
3
.
1
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 38.
2
FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’água, 2005, p. 23.
3
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 16. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 90
11
Assim, no capítulo PONTOS DE PARTIDA realizamos a introdução da tese,
contextualizamos a nossa inserção no tema e apresentamos criteriosamente os
caminhos da pesquisa com destaque para os aspectos metodológicos, e dados
gerais dos professores e professoras participantes da pesquisa.
no capítulo DA VIÚVA: ENSINO RELIGIOSO, CONCEPÇÃO DE
INFÂNCIA E TRABALHO DOCENTE PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL apresentamos algumas idéias de âmbito teórico sobre a
concepção de infância, e a formação docente para o segmento do Ensino
Fundamental da educação básica, tendo como foco principal os anos iniciais.
Destacamos alguns elementos para pensar e refletir sobre a necessidade da
consolidação e difusão de uma pedagogia específica para este segmento
educacional buscando os fundamentos para uma Pedagogia da Infância e sua
relação com o Ensino Religioso.
Em DO AZEITE: CONEXÕES ENTRE CURRÍCULO, ALFABETIZAÇÃO E
ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
procuramos abordar algumas questões teóricas que compõem o pensamento
pedagógico quando se pretende discutir uma proposta de currículo tendo como
dimensão fundamental a presença do Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Em nosso entendimento: “O Ensino Religioso também é uma área de
conhecimento, indispensável para a construção da cidadania”
4
.
Então, no capítulo DA BOTIJA: ENSINO RELIGIOSO E PRÁTICA
PEDAGÓGICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL trazemos
alguns elementos teóricos para anunciar que o trabalho pedagógico com a área
curricular Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental precisa tomar
como base o respeito às particularidades das crianças, jovens e adultos que
frequentam os contextos escolares visando que sejam considerados sujeitos sociais
de direitos, produtores de culturas e partícipes da histórica e da construção do
conhecimento.
Finalmente em CONSIDERAÇÕES PROPOSITIVAS continuamos refletindo e
apontamos algumas considerações. Entendemos que quando estamos diante de
4
HACK, Daniela; BRANDENBURG, Laude Erandi. O ensino religioso nos sistemas municipais de
ensino: alguns hiatos a serem enfrentados. In: KLEIN, Remi; BRANDENBURG, Laude Erandi;
WACHS, Manfredo Carlos. O ensino religioso: diversidade e identidade (Orgs.).: SIMPÓSIO DE
ENSINO RELIGIOSO, 5. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008. p. 108.
12
uma situação existencial que nos desafia a buscar sentido, o encontro do sentido
inicia-se justamente na sua busca.
Destacamos que é imperioso afirmar que a análise desenvolvida demonstra
que ainda muito a discutir, estudar e pesquisar sobre a docência e o Ensino
Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O dialogo está lançado!
5
5
ENGERS, Maria Emília A. Paradigmas e metodologias de pesquisa em educação: notas para
reflexão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994, p. 82.
13
CAPÍTULO I PONTOS DE PARTIDA
1.1 LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA
Nossa infância foi em Laguna, uma cidade litorânea do interior de Santa
Catarina. Mamãe era uma católica fervorosa que passou para a tradição pentecostal
quando tínhamos oito anos de idade. Papai era espírita por convicção, chegou a
frequentar a tradição pentecostal, mas sempre se revelou acreditar mais no
espiritismo. Sendo o mais novo de quatro irmãos, contexto popular, aprendíamos
desde cedo a batalhar pelo sustento da vida e ajudar com a manutenção da família.
Ainda criança, compreendemos que no mundo, qualquer que seja a atividade
exercida, será no encontro com o “outro”, na abertura para o diálogo, que
encontraremos os subsídios e as condições favoravéis para nossa existência. Ao
tentar compreender este mundo, bem como ao possibilitar ao outro que também nos
compreenda, estaremos ampliando nosso espaço como gente e como profissionais
da Educação.
Até os oito anos de idade nossa mãe depositava uma determinada
expectativa de que nos tornássemos padre. Chegamos a conhecer e frequentar
seminários. Estávamos começando a nos acostumar com a ideia quando a família
passou ao pentecostalismo.
Essa mudança na prática religiosa e de crença custou-nos caro na infância.
Fomos excluídos da roda de nossos amigos, a comunidade não aceitava a ideia de
nossa mãe “mudar de religião”. Na escola, os professores olhavam-nos com certo
14
preconceito. Apelidaram-nos de “louquinho” e com oito anos de idade sofremos na
alma o preconceito das pessoas. Como uma criança de oito anos, vivemos o conflito
de ser excluído das brincadeiras por não ser católico.
Hoje, no processo de reflexão sobre a questão religiosa, realizamos o
processo de olhar para trás. Aqui queremos utilizar a metáfora do espelho retrovisor.
Acreditamos que conseguimos compreender melhor e principalmente ter a
sensibilidade para determinarmos aspectos das relações de processo de ensino e
aprendizagem, quando conseguimos mirar o espelho retrovisor da nossa própria
existência e perceber os impactos de determinados fatos e acontecimentos na nossa
vida e no nosso período de escolaridade. Por isto, constatamos que ao realizarmos
uma pesquisa desta envergadura nós não trabalhamos somente com elementos
cognitivos, mas operamos em nós mesmos uma releitura da nossa existência e uma
ressignificação de nossas experiências. Podemos dizer também que produzir uma
tese é também reescrever a si mesmo. Conseqüentemente, nós não somos mais
nós mesmos. Nós somos modificados e nós nos modificados no ato de escrever um
texto sobre um tema pesquisado e de reescrever a nossa própria existência, a nossa
história.
Este ato de produzir uma escrita de si opera através de nosso inconsciente
uma ação de auto-regulação, antes mesmo da produção da reescrita consciente e
acadêmica. O que isto significa? O processo de reescrita operando no nosso
inconsciente vai realizando uma mudança na nossa forma de pensar, de agir, de se
relacionar com as pessoas e de lidar com determinadas questões como com o
respeito à diversidade religiosa e a própria temática do ensino religioso. Estas
mudanças se tornam conscientes em nós, após um período de encubação, de
germinação e dos primeiros sinais de vivência, de manifestação. Por que usamos o
termo encubação? Para olharmos o processo numa dimensão metafórica e
percebermos que algumas pessoas, este processo pode se transformar em “ovo
choco”. Isto é, não produz nova vida.
Hoje lutamos para que as crianças possam ter o direito de brincar, de viver a
plenitude da infância, independente dos contextos confessionais em que vivem.
Percebemos que estamos em um novo tempo histórico, que as relações religiosas
se modificaram, mas nós também lutamos e nos envolvemos nesta luta, porque
dentro de nós, em nosso processo inconsciente de autoregulação ocorria uma
15
encubação de novo tempo, de uma nova compreensão da vida. Podemos ainda
acrescentar que não é uma negação do tempo anterior, pois não é um ignorar, mas
um ressignificar a partir da compreensão do sentido destes acontecimentos. É na
verdade, tornar revelado o que já estava oculto em nós.
1.2 IMAGENS DO PERCURSO ESCOLAR
em relação à nossa vida escolar, começamos a alfabetização em 1979, na
Escola Reunida Francisco Zezuíno Vieira. Temos a lembrança de que de 1ª a 4ª
série o componente curricular do Ensino Religioso era ministrado apenas uma vez
por semana, com forte apelo confessional. Em nenhum momento vimos ser discutida
em nossa escola dos anos iniciais alguma dimensão substancial que nos ajudasse
no grupo. No entanto, entendemos, hoje, que o Ensino Religioso deve contribuir
para a vida coletiva dos educandos, fato este que não ocorreu na referida escola. O
boletim escolar a revela que nossas médias foram 10 (dez) de a 4ª série.
Porém, acreditamos que os professores colocavam estas notas para todos os
alunos.
A partir de 1983, da 5ª à 8ª série, realizamos nossos estudos na Escola Adélia
Cabral Varejão. Uma instituição particular vinculada à Fundação Bradesco. Nesta
escola o Ensino Religioso era componente curricular obrigatório no contexto da
proposta da pedagógica. Todos os alunos frequentavam a disciplina. Nesta etapa da
vida escolar, mesmo que os outros professores até inconscientemente enfatizassem
mais as outras disciplinas, havia uma preocupação da referida escola em nos
oportunizar naquela época esta área do saber, o que só podemos perceber hoje.
Em 1987 ingressamos no curso Normal, em nível de Ensino dio, para
atuação docente da à rie. Neste processo de formação, cursamos também,
mesmo que em carga horária mínima, a disciplina de Ensino Religioso. No entanto,
não sentimos que o curso Normal nos preparasse para lecionar esta área de a
série.
16
A professora ministrou a disciplina em apenas uma fase do curso como um
todo. Não vivemos nenhum momento de estágio na área. Registramos que em
nossa experiência do curso Normal, em nível de Ensino Médio, fizemos vários
planos de ensino para as diferentes áreas, mas não nos foi oportunizado a
perspectiva de ensinar Ensino Religioso.
Em 1992 somos aprovados no vestibular como acadêmico do curso de
Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina. Nem de longe vimos a
discussão do Ensino Religioso no espaço do curso.
Para sermos mais preciso, a matriz curricular do curso, aprovada pela
Resolução 033/88
6
, previa a oferta de uma disciplina optativa denominada Educação
Religiosa. Para a mesma ser oferecida era necessário que dez alunos do curso a
escolhessem, assim o colegiado disponibilizaria a disciplina.
Com quatro anos de formação nunca foi oferecida a disciplina, foi no ingresso
no mercado de trabalho, na função de orientador educacional, que percebemos que
a instituição nos sonegara esta área de conhecimento, privando-nos de orientar com
mais qualidade os professores que trabalhariam os anos iniciais do Ensino
Fundamental.
em 1997 realizamos a especialização em alfabetização pela UDESC.
Como o currículo do curso previa seminários especiais, começamos a partir daí a
perceber a importância de, enquanto profissional de educação, estarmos atentos a
todas as áreas que nossas crianças têm direito, inclusive ao Ensino Religioso.
Não conseguimos encontrar, entretanto, orientador que se dispusesse a
contribuir com nossa indagação. Assim, a alfabetização e o Ensino Religioso ficaram
adormecidos em nosso processo de pesquisa. Acabamos produzindo a monografia
com base em uma leitura de Paulo Freire. Essa aproximação maior com Paulo Freire
foi de fundamental importância para nossa prática pedagógica e o entendimento do
fenômeno educativo.
Freire ensinou-nos que:
6
Resolução 033/88 aprovada no CONSEPE Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão
UDESC. Disponível em: http://secon.udesc.br/ . Acesso em: 10 out. 2007.
17
Sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros,
tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo,
disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos,
identificação com a esperança, abertura a justiça, não é possível ver a
prática pedagógica - progressista, que não se faz apenas com a ciência e
técnica.
7
em 1999 entramos para o Mestrado em Educação, continuamos nossa
pesquisa sobre a alfabetização na perspectiva de Paulo Freire. No mestrado, foi
maravilhosa a experiência com a disciplina “Alfabetização na sociedade e na
história”, na medida em que a docente colocou como uma de suas preocupações o
Ensino Religioso como pauta de discussão.
Aprendemos no contexto dessa disciplina que à escola cabe a socialização
dos conhecimentos e também a tarefa de criar novos conhecimentos. E, como sua
utilização depende das condições sócio-econômicas da comunidade, todo
conhecimento (político, religioso, científico) uma vez produzido é patrimônio da
humanidade. Com isso torna-se claro que o Ensino Religioso não visa à adesão ou
vivência desse conhecimento religioso, enquanto princípio de conduta religiosa e
confessional, mas necessita subsidiar o entendimento do fenômeno religioso com
elementos que antecedem sua prática.
Refletindo com o olhar neste espelho retrovisor da trajetória pessoal e
desobstruindo as barreiras da auto-regulação do inconsciente, permitindo que aflore
o que estava na “encubação”, começamos um processo transposição da dimensão
experencial para a categoria reflexiva. O que anteriormente se caracterizava mais
em algo do âmbito das relações pessoais passa, gradativamente, a se transformar
em uma construção de conhecimento consciente, num processo cognitivo. Desta
maneira, vamos nos dando conta que muitos processos reflexivos em nós, precisam
ser provocados para que possam se transformar em conhecimento. Provavelmente,
a docente, acima mencionada, nem estava operando em nós.
E talvez, nem s mesmos, naquela ocasião tínhamos a consciência no que
aquela provocação iria resultar. Além disto, podemos também perceber que nem as
mudanças cognitivas e existenciais provocadas em nós, são resultados de uma
intencionalidade consciente dos agentes de mudança.
7
FREIRE, Paulo. Desafios da educação de adultos frente à nova reestruturação tecnológica.
SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, 1997, Brasília. Anais...
Instituto de estudos e apoio comunitário. Brasília: MEC, 1997, p. 136.
18
Foram as inquietações vivenciadas no contexto escolar, bem como inserção
na universidade na área do estágio supervisionado dos anos iniciais do ensino
fundamental que impulsionaram nossa ida ao doutorado visando construir com o
departamento de Pedagogia da UDESC como docente efetivo, na interface do
ensino religioso e sua realidade no currículo de educação básica.
Prosseguindo os estudos de pós-graduação no segundo semestre de 2002,
iniciamos nossas atividades na Escola Superior de Teologia EST. Por motivo de
perda de nosso primeiro filho e o abalo emocional decorrente desse processo, foi
necessário trancarmos o curso em 2004, retornando ao programa no segundo
semestre de 2005.
Registramos que antes da entrada no Programa de Pós-Graduação da EST –
PPG/EST, o aprendizado da teologia se dava no contexto da Igreja da Assembleia
de Deus. A partir do ingresso no curso, nossa compreensão neste campo do
conhecimento toma outras dimensões. Além do compromisso político e
epistemológico dos docentes do PPG/EST, foi a partir da vivência em estratégias de
ensino e aprendizagem oportunizadas no programa que começamos a desencadear
outros olhares para a teologia.
Ingressar no curso de Teologia, na área de Educação e Religião, representou
uma contribuição efetiva ao Departamento de Pedagogia da UDESC na formação de
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esta é uma das preocupações
da Faculdade de Educação FAED, sendo que faltavam pesquisas e professores
formadores envolvidos com a temática do Ensino Religioso como campo
epistemológico, área de conhecimento e de atuação docente.
O Departamento de Pedagogia da UDESC possui doutores na área de
Educação, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Biologia e Linguagem. A Teologia com
a interface em Educação representa o preenchimento de uma lacuna epistemológica
e de pesquisa que, por meio da formação da EST, buscamos tentar suprir
significativamente em nossas atividades na UDESC:
19
1.3 DESAFIOS PROFISSIONAIS NA UNIVERSIDADE
Após o mestrado por meio de concurso público, tornamo-nos efetivo no
Departamento de Pedagogia da UDESC. Percebemos que no âmbito da Faculdade
de Educação faltavam profissionais que dialogassem com a interface Educação e
Religião.
A responsabilidade pelo acompanhamento do estágio supervisionado dos
alunos que atuavam nos anos inicias do Ensino Fundamental reforçou a inquietação
sobre a falta deste componente curricular e instigou-nos a vontade de contribuir com
maior consistência para sua efetivação nas escolas dos anos iniciais do ensino
fundamental.
Ao acompanhar o estágio, percebemos esta lacuna epistemológica no
processo de formação de pedagogos e pedagogas. Visando qualificar o ensino no
âmbito do curso de pedagogia da UDESC, começamos a manter um vínculo mais
significativo com os professores de à série habilitados para a docência do
Ensino Fundamental. A partir destes professores que vamos tecendo nossa
pesquisa e fortalecendo-nos para melhorar a formação inicial dos pedagogos na
interface com o Ensino Religioso.
Registramos ainda que com o surgimento da Lei 9475/97, que dá nova
redação ao Artigo 33 da LDBEN 9394/96, o Ensino Religioso deixou de ser
confessional, exigindo uma radical transformação de sua maneira de compreendê-lo
e administrá-lo.
8
No município de Florianópolis, o Ensino Religioso vem sendo alvo de
preocupação das equipes pedagógicas das unidades de ensino. Assim o Ensino
Religioso, passou a fazer parte dos projetos pedagógicos como disciplina de caráter
científico e constante da grade curricular de 1ª a 8ª série.
8
BRASIL. Lei 9475, de 22 de julho de 1997. nova redação ao art. 33 da Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência da
República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L9475.htm
Acesso em: 15 mar. 2008.
20
Atendendo as orientações pós LDB e consequentemente a Lei complementar
170/98 que estabelece as diretrizes educacionais para o estado de Santa Catarina,
em Florianópolis, de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental, realizou-se concurso para
professores de Ensino Religioso, todos licenciados em Ciências da Religião com
habilitação em Ensino Religioso, cursos estes oferecidos pelas seguintes
universidades: FURB em Blumenau, UNISUL em Tubarão e UNIVILLE em Joinville.
Entretanto, cabe ressaltar que a disciplina Ensino Religioso também é
componente essencial no currículo de a rie do Ensino Fundamental das
escolas da Rede Estadual de Ensino. Os professores que atuam nesta etapa do
Ensino Fundamental são licenciados em Pedagogia, habilitados para a área dos
anos iniciais.
Fluía então cada vez mais forte em nossa prática profissional, como professor
formador na universidade, o questionamento e a necessidade urgente de pensar, a
partir da própria prática pedagógica dos professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, o componente curricular Ensino Religioso.
Registramos que compreender esse processo, para os pesquisadores que
investigam a construção das práticas pedagógicas na área de Ensino Religioso,
pode contribuir significativamente com os cursos e atividades de formação inicial e
continuada em anos iniciais, bem como fornecer elementos para disciplinas como:
didática, metodologias e prática de ensino, tópicos especiais, didática de estudos
sociais dentre outras. No caso da presente pesquisa, buscamos priorizar de forma
inicial o curso de Pedagogia da UDESC/FAED e as instituições envolvidas no
município de Florianópolis.
1.4 DIMENSÕES DA PESQUISA
Assim, partindo de nossa trajetória existencial e profissional, tornou-se cada
vez mais forte e presente a questão central da pesquisa: Como e a partir do quê os
docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em Florianópolis,
21
devidamente habilitados em Pedagogia, desenvolvem suas práticas pedagógicas do
componente curricular do Ensino Religioso. Para este desafio foi necessário, na
caminhada da pesquisa, identificar as práticas pedagógicas dos docentes em Ensino
Religioso considerando o planejamento, seleção de conteúdos e ação docente;
evidenciar pertinências e divergências entre a ação docente no Ensino Religioso, e o
processo de formação inicial e continuada do (a) professor (a) dos anos iniciais do
Ensino Fundamental no município de Florianópolis; destacar procedimentos
didáticos construídos diante de situações de ensino do Ensino Religioso nos anos
iniciais do Ensino Fundamental; e discutir o Ensino Religioso em uma interface com
a infância, a prática pedagógica e os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Para tanto realizamos uma pesquisa-ação cientes do rigor acadêmico,
buscando promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações
coletadas, o conhecimento teórico do componente curricular Ensino Religioso e as
práticas pedagógicas realizadas por professores habilitados em Pedagogia que
atuam como docentes nos anos iniciais em Florianópolis.
Uma pesquisa que se voltou para a descrição de situações concretas e para a
ação compartilhada em função da resolução de problemas efetivamente detectados
no contexto da docência do Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
9
Sabemos que “[...] à pesquisa-ação, enquanto linha de pesquisa
associada a diversas formas de ação coletiva que é orientada em função da
resolução de problemas ou de objetivos de transformação”
10
.
Sendo qualitativa, a pesquisa não assumiu uma posição de neutralidade
cientifica frente ao fenômeno pesquisado. Estando imerso nas discussões do Ensino
Religioso desde 1991, em função do acompanhamento aos estágios
supervisionados dos anos iniciais do Ensino Fundamental, consideramos que um
dos desafios dos cursos de Pedagogia é também garantir a inserção da discussão
do Ensino Religioso como área de conhecimento no processo de formação docente.
Que espaço ocupa o Ensino Religioso na formação de pedagogos?
Acreditamos que conhecer a dinâmica das aulas dos egressos dos cursos de
Pedagogia, habilitados para os anos iniciais, é uma das formas de repensar a
formação inicial e continuada desses cursos e sua relação com Ensino Religioso.
9
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 14 ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 11.
10
THIOLLENT, 2005, p. 9.
22
Sabemos que as pesquisas qualitativas colocam o pesquisador no meio da
cena investigada, participando dela e tomando partido na trama da peça. Não se
trata de simples levantamento de dados ou de relatório a serem arquivados. Com a
pesquisa os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria
realidade dos fatos observados”.
11
Optamos firmemente pela pesquisa-ação como abordagem metodológica.
Entre as diversas definições, nós optamos pela seguinte:
[...] a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos
de modo cooperativo ou participativo
12
.
Com esta compreensão a pesquisa se pautou no contato de doze meses com
16 (dezesseis) professores egressos dos cursos de Pedagogia, habilitados para o
magistério dos anos iniciais e que atuam na rede de ensino em Florianópolis.
Tínhamos sempre em mente que na pesquisa-ação um dos principais
objetivos consiste em dar aos pesquisadores e grupos de participantes os
meios de se tornarem capazes de responder com maior eficiência aos
problemas da situação em que vivem. Trata-se de facilitar a busca de
soluções aos problemas reais para os quais os procedimentos
convencionais têm pouco contribuído
13
.
A amostra marcou pela intencionalidade, pois os sujeitos da pesquisa foram
escolhidos considerando experiências entre quatro e quinze anos de exercício de
magistério, situação profissional estável (quadro efetivo), além de terem cursado
Pedagogia com a habilitação para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Visando
analisar e socializar os resultados que “são marcados pelo caráter coletivo do
processo de investigação foi necessário uso de técnicas de seminário, entrevistas
coletivas e reuniões de discussão com os interessados etc”
.
14
Os dados coletados foram sistematizados descritivamente privilegiando
observações nas unidades educativas, transcrições de entrevistas e seminários
realizados na Faculdade de Educação. Registramos que a pesquisa-ação exige uma
estrutura de relação entre pesquisadores e pessoas da situação investigada que
11
THIOLLENT, 2005, p. 18.
12
THIOLLENT, 2005, p. 16.
13
THIOLLENT, 2005, p. 10.
14
THIOLLENT, 2005, p. 103.
23
seja de tipo participativo. Assim, em todo momento, nossa intencionalidade pautou-
se em como o Ensino Religioso, enquanto componente curricular dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, manifesta-se nas práticas pedagógicas dos professores,
em suas interações cotidianas com os alunos.
Ficamos satisfeitos em captar os significados que os professores no contexto
da pesquisa deram à essa área do conhecimento. Sabemos que na pesquisa-ação a
ênfase pode ser dada a um dos três aspectos: resolução de problemas, tomada de
consciência ou produção de conhecimento
15
. Buscamos coletivamente atingir os três.
Nesta direção observamos a prática pedagógica de 16 professores
participantes da pesquisa de forma sistemática no ano de 2008, com cronograma de
observação validado pelos professores participantes da pesquisa bem como pelas
equipes pedagógicas das unidades educativas envolvidas.
A principal delimitação do foco a ser observado foi a prática pedagógica dos
docentes ao lecionarem o Ensino Religioso nos anos iniciais, ou seja, como e a
partir do que os docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em
Florianópolis, devidamente habilitados em Pedagogia, desenvolveram suas práticas
pedagógicas do componente curricular do Ensino Religioso.
Cada professor participante foi observado durante três dias com cronograma
previamente agendado entre o pesquisador, o docente envolvido e a equipe
pedagógica escolar. Na ocasião das observações, realizamos registros em diário de
campo que serviram como material de análise. Os registros das observações foram
validados e socializados por todos os participantes nos seminários realizados na
Faculdade de Educação. Algumas práticas pedagógicas observadas não foram
autorizadas pelos participantes para serem socializadas na escritura da tese ou no
contexto da pesquisa. È imperioso destacar que o planejamento de uma pesquisa-
ação é muito flexível. Contrariamente a outros tipos de pesquisa, não se segue uma
série de fases rigidamente ordenadas. “Há sempre um vaivém entre várias
preocupações a serem adaptadas em função das circunstâncias e da dinâmica
interna do grupo de pesquisadores no seu relacionamento com a situação
investigada”
16
.
15
THIOLLENT, 2005, p. 21.
16
THIOLLENT, 2005, p. 51.
24
Buscamos, por meio das observações, registrar e analisar a visão dos
professores frente ao Ensino Religioso, destacando as dificuldades, desafios e
práticas pedagógicas significativas.
Destacamos que os objetivos do estudo foram socializados e
redimensionados com os 16 professores envolvidos no primeiro encontro do grupo
com o pesquisador, bem como foram retroalimentados na realização dos três
seminários durante o percurso da pesquisa. Registramos que o seminário reúne os
envolvidos com a pesquisa e implicados no problema sob observação. O papel do
seminário consiste em examinar, discutir e tomar decisões acerca do processo de
investigação
17
.
No primeiro seminário
18
na Faculdade de Educação da UDESC, os docentes
participantes da pesquisa propuseram uma dinâmica onde cada um escolheria um
nome que representava o Ensino Religioso. O grupo de participantes utilizou tarjetas
de cartolina e individualmente cada participante socializou ao grupo o porquê da
escolha do nome.
Tivemos então a seguinte configuração:
Figura 1 – Palavras que representam o Ensino Religioso para os 16 participantes da pesquisa.
17
THIOLLENT, 2005, p. 63.
18
O primeiro seminário foi realizado no auditório da Faculdade de Educação da UDESC no dia
03/03/2008
25
Estes nomes foram também validados pelo grupo de participante para serem
atualizados no decorrer da tese. Vale registrar também que as escolas escolhidas no
contexto da pesquisa são integrantes da rede municipal e estadual de ensino e
participam como campos de estágios fixos do Departamento de Pedagogia da
UDESC. O vínculo do pesquisador com os campos de estágios é parte integrante do
percurso da pesquisa. Entendemos que no decorrer desta pesquisa que a identidade
docente se configura quando as pessoas vivem em um ambiente de liberdade de
manifestação, quando há uma reciprocidade
19
.
Assim, nas unidades educativas, por meio do registro escrito, foram feitas as
anotações na ficha roteiro
20
durante as visitas às turmas em que os professores
lecionam. Salientamos que o registro escrito das observações foi realizado na
presença do professor, ao fundo da sala e na dinâmica das aulas. Os docentes
conheceram a caminhada e os objetivos da pesquisa validando inclusive,
posteriormente, as sínteses realizadas.
Registramos no diário de campo o dia, a hora, e o local para cada
observação, bem como a duração do período de observação. Salientamos que “os
membros representativos da situção-problema sob investigação nunca são
considerados como meros informantes. Também desempenham uma função
interrogativa, fazendo perguntas e procurando elucidar os assuntos coletivamente
investigados”
21
.
Por isso, em termos de unidades de ensino, todas as escolas, por meio de
suas equipes pedagógicas, receberam o cronograma de nossas observações
22
.
Além das observações, foram realizadas entrevistas com os 16 professores
participantes. As questões da entrevistas foram validadas pelo grupo no segundo
seminário na Faculdade de Educação da UDESC. Buscamos o tempo todo um clima
de interação entre os entrevistados. Registramos que as entrevistas com cada
docente não tiveram um tempo estipulado de duração, o que permitiu que os
professores falassem com cumplicidade de como percebem e desenvolvem suas
práticas pedagógicas do componente curricular Ensino Religioso nos anos iniciais do
19
WACHS, Manfredo Carlos. Aportes para uma hermenêutica da identidade e da práxis docente.
2004.Tese (Doutorado em Teologia) - Escola Superior de Teologia, São Leopoldo-RS, 2004, p. 295.
20
Observar Apêndice 2.
21
THIOLLENT, 2005, p. 104.
22
O modelo das fichas encontra-se em anexo. O questionário de entrevista foi aprovado no Exame
de Qualificação e pelo comitê de ética da EST.
26
Ensino Fundamental. Realizamos um roteiro com as principais dimensões para as
perguntas, que a pedido dos participantes, foi flexível e aberto durante todo o
percurso. As entrevistas também foram realizadas de março a dezembro de 2008.
Na pesquisa-ação a argumentação é realizada “ao vivo”, sob forma de
discussões e deliberações entre diferentes interlocutores na realização de
entrevistas, seminários ou reuniões.
23
Os registros das entrevistas foram realizados em formulários próprios
24
, a
pedido dos participantes não foram gravados, sendo que as respostas foram escritas
na íntegra na própria entrevista pelo pesquisador e foram e validadas por cada
docente após o término e após a sua sistematização, nos seminários. Procuramos
registrar em cada entrevista a fala inicial dos participantes sem a transformação da
norma culta visando não perder a subjetividade e riqueza de expressão dos
participantes. Alguns docentes também não autorizaram a socialização das
entrevistas após a sistematização final.
Esclarecemos que todos os dados sistematizados das entrevistas e
considerações da prática pedagógicas eram lidos individualmente pelos
participantes das pesquisas nos seminários que ocorreram na Faculdade de
Educação. Alguns participantes após leitura individual dos dados solicitaram ao
pesquisador que não os divulgássemos tanto no âmbito da socialização do grupo no
seminário bem como para aproveitarmos para análise e escrita da tese. Assim
cumpre-nos registrar que os dados que aparecem nas botijas foram validados por
todos. A tese não conta com depoimentos e observações desconhecidas do grupo
participante. Este respeito e aprendizagem nortearam todo o percurso até porque
“não se trata de tomar posse do outro, a nossa abertura ao querer bem significa,
sobretudo disponibilidade de diálogo e respeito ao ser humano”
25
.
Os dados decorrentes das observações nas unidades educativas, entrevistas
e seminários foram analisados em uma perspectiva crítica e qualitativa, a partir de
categorias construídas ao longo do processo de coleta, reflexão e sistematização
que aparecem na produção dos capítulos subsequentes.
A organização do trabalho e a coleta de dados obedeceram aos seguintes
procedimentos:
23
THIOLLENT, 2005, p. 105.
24
Observar Apêndice 1
25
FREIRE, 1996, p. 160.
27
Revisão de literatura: realizamos uma revisão de literatura relativa ao
Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental e sua
relação com as práticas pedagógicas.
Levantamento de dados e indicadores: aconteceram no espaço de
atuação dos docentes através de entrevistas e observações nas aulas
de Ensino Religioso de 1ª a 4ª série;
Análise e síntese dos dados: demonstração dos dados coletados de
forma articulada aos objetivos e ao problema da pesquisa, com
inferências e análises paralelas;
Considerações e proposições: reunião das premissas mais relevantes,
decorrentes da pesquisa, com apresentação de propostas.
A partir da pesquisa e de sua divulgação esperamos poder contribuir com
elementos significativos na área da docência em Ensino Religioso, para a formação
inicial e continuada de professores (as) dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
1.5 O PERFIL DOS DOCENTES PARTICIPANTES DA PESQUISA:
DADOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS
Precisamos compreender que os docentes dos anos iniciais do Ensino
Fundamental trazem consigo a marca de uma trajetória existencial que os identifica.
Apresentar estas características é reconhecer que elas também configuram a ação
docente. A vida é permeada por diversas escolhas. Para estas pessoas uma delas é
a opção em serem docentes no âmbito do Ensino Fundamental e lecionarem o
Ensino Religioso nos anos iniciais.
Registramos então que a idade dos professores participantes assim se
configura; de dezesseis professores contamos com os seguintes dados: De vinte e
cinco a trinta e cinco anos contamos com nove docentes. De trinta e cinco a
quarenta e cinco anos contamos com quatro docentes. De quarenta e cinco a
cinquenta e cinco anos contamos com três docentes. Trata-se de um grupo de
28
professores que preponderantemente está na faixa dos trinta anos, assim terá uma
grande caminhada na prática do magistério e poderá contribuir efetivamente para
que o Ensino Religioso seja efetivamente lecionado para crianças, jovens e adultos
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Estes professores ainda podem
resignificar sua atuação profissional no sentido de realizar uma docência em que o
componente Ensino Religioso faça efetivamente parte do currículo e do cotidiano
escolar. Dois dos docentes estão em processo de aposentadoria para daqui a cinco
anos, mas optaram em participar efetivamente com a pesquisa na busca de
contribuir com a inserção do Ensino Religioso na docência dos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
Quanto ao gênero, o grupo compõe-se de onze mulheres e cinco homens.
Percebe-se uma inserção significativa do sexo masculino no âmbito dos anos inicias
do Ensino Fundamental.
Com relação à formação acadêmica, todos os professores têm formação em
Pedagogia com Habilitação para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Este foi
um pré-requisito no processo de escolha dos participantes.
Registramos que cinco docentes cursaram Pedagogia na Universidade
Federal de Santa Catarina UFSC. Outros cinco docentes realizaram Pedagogia na
Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC. Ainda quatro docentes
cursaram Pedagogia na Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI e dois docentes
na UNISUL. Percebe-se, então, que dez docentes realizaram Pedagogia em
universidades públicas e seis docentes em universidades particulares.
Dentre os docentes, cinco possuem especialização em áreas diversas, como:
currículo, gestão de pessoas, avaliação da aprendizagem, movimentos populares e
educação, educação e infância e alfabetização.
Quanto ao tempo de experiência como docente no Ensino Fundamental, o
quadro é o seguinte:
De cinco a dez anos contamos com seis docentes. De onze a 20 vinte anos
contamos com oito docentes. De vinte e um a trinta anos, contamos com dois
docentes.
29
Este tempo de experiência dos docentes representa uma caminhada
construída ao longo dos anos. Para Tardif
26
com o passar do tempo, o professor vai
incorporando aspectos de sua atividade profissional, vai se tornando um professor
com sua cultura, seu estilo, suas ideias, funções, seus interesses e outras
características mais. Esse aspecto temporal representa também saberes ligados ao
trabalho, construídos no decorrer de experiências e dominados em contato com as
situações advindas de sua natureza e especificidade.
Com relação às redes, cinco docentes atuam na Rede Municipal de Ensino de
Florianópolis, onze docentes na Rede Estadual de Ensino, sendo que destes, cinco
atuam em escolas particulares.
Quanto à tradição religiosa dos participantes assim se configura:
Tradição Católica – quatro docentes;
Tradição Espírita – três docentes
Tradição Assembleia de Deus – três docentes
Tradição Testemunha de Jeová – um docente
Tradição Adventista do Sétimo dia – dois docentes
Tradição Batista – um docente
Tradição Universal do Reino de Deus – dois docentes
Em relação às séries em que lecionam temos a seguinte configuração:
1ª série – cinco docentes
2ª série – três docentes
3ª série – cinco docentes
4ª série – três docente
Os docentes, em sua maioria, doze, afirmam não ter tido formação para atuar
no Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Quanto à participação
em cursos de formação continuada na área de Ensino Religioso, quatorze docentes
participaram, entretanto, destes dez sinalizam que na maioria dos cursos pensa-se
26
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
2002.
30
somente no professor de a 8ª série que tem formação específica e esquece-se do
docente pedagogo. Para os professores uma preocupação maior com os anos
finais do Ensino Fundamental deixando os de primeiras séries solitários na ação
docente.
Registramos ainda que os eventos em geral representam para os docentes a
possibilidade de conhecer as discussões que são veiculadas nas áreas de atuação.
O índice de participação de professores em eventos, como congressos, seminários e
outros, na área de Ensino Religioso é o seguinte:
Seis docentes têm participado de seminários na área;
Oito docentes não têm participado e alegam a falta de incentivo
institucional e desconhecimento dos eventos;
Dois docentes alegam que participam esporadicamente, a cada
dois anos, quando são informados pela direção escolar.
32
CAPÍTULO II DA VIÚVA: ENSINO RELIGIOSO, CONCEPÇÃO DE
INFÂNCIA E TRABALHO DOCENTE PARA OS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Neste capítulo pretendemos apresentar algumas ideias de âmbito teórico
sobre a concepção de infância, e formação docente para o segmento do Ensino
Fundamental da educação básica, tendo como foco principal os anos iniciais.
Destacaremos alguns elementos para pensar e refletir sobre a necessidade da
consolidação e difusão de uma pedagogia específica para este segmento
educacional, buscando os fundamentos para uma Pedagogia da Infância e sua
relação com o Ensino Religioso.
Os participantes da pesquisa dão vida ao texto a partir de falas e reflexões
que foram fluindo nos momentos de observação em sala de aula, nos registros do
diário de campo e nas entrevistas. Todas estas ações foram realizadas nas
unidades educativas dos participantes. Constam ainda neste capítulo depoimentos
reflexivos que surgiram nos seminários que ocorreram na Faculdade de Educação
da UDESC.
Por isso em uma relação entre Ensino Religioso, Infância e participantes da
pesquisa, afirmamos o reconhecimento dos direitos fundamentais das crianças, o
desenvolvimento da construção de conhecimentos como algo essencialmente
dialógico, o processo de ensino-aprendizagem em uma dimensão colaborativa e a
docência como profissão complexa permeada de interações
33
2.1 DO SENTIMENTO DA VIÚVA
Conta-nos a Bíblia no livro de Reis, capítulo 4, que certa mulher que era viúva
de um dos membros do grupo de profetas da época, dialogando com o profeta
Elizeu, contou da morte de seu marido. A referida viúva estava apavorada, pois lhe
vieram cobrar uma dívida e ela não sabia o que fazer.
Particularmente sentimo-nos como aquela viúva. Este sentimento esteve
conosco em várias situações. Primeiro na função de orientador educacional da rede
municipal de ensino de Florianópolis, ficávamos angustiados pela impossibilidade de
ajudar criticamente os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental que
gostariam de trabalhar o componente curricular do Ensino Religioso.
Posteriormente, este sentimento também reapareceu após nossa efetivação
no Departamento de Pedagogia da UDESC, como professor de estágio
supervisionado dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Percebíamos nas ações
docentes dos educadores dos campos de estágios a presença do componente
curricular Ensino Religioso no cotidiano das aulas. Era como se estivéssemos na
pele da viúva. Como professor formador tornou-se necessário mergulhar na área
para poder articular projetos de estágios para o Ensino Religioso nos anos iniciais.
Além do mais, o Ensino Religioso estava ali de forma pulsante nas escolas.
Professores do campo de estágio e os alunos no processo de formação nos faziam
refletir. Então, como professor de estágio supervisionado dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, tornou-se imperiosa a necessidade do aprofundamento nas questões
do Ensino Religioso no contexto do currículo do curso de Pedagogia, qualificando o
processo de formação inicial a partir do diálogo e da análise das práticas
pedagógicas dos professores habilitados em Pedagogia e que atuam na
Educação Básica.
Salientamos que na atividade docente, como professor supervisor de
estágios, mais precisamente na habilitação séries iniciais, percebemos nas escolas
de Florianópolis, docentes desenvolvendo em suas práticas pedagógicas também o
componente curricular Ensino Religioso. Entretanto no contato sistemático com
estes profissionais, aprendemos que eles também se sentem como aquela viúva,
34
“endividados” com suas crianças e muitas vezes sem nenhum apoio para a sua
prática pedagógica nesta área.
Entre os desafios podemos colocar como a reflexão sobre os métodos de
ensino e aprendizagem, as condições materiais de trabalho dos professores, as
concepções de infância, criança e educação disseminadas nas escolas e,
principalmente, as práticas pedagógicas que se concretizam cotidianamente na área
curricular Ensino Religioso. Registramos que estas dimensões farão parte de nossas
análises no decorrer da tese.
2.2. CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA: DEMARCANDO PERSPECTIVAS
A infância e a criança atualmente ocupam com grande intensidade os estudos
e os debates, seja por parte do governo, como também por setores significativos da
35
academia.
27
Podemos afirmar que o reconhecimento da categoria infância como
construção social e das crianças como sujeitos sociais, culturais e de direitos foi
construído historicamente e é fruto de longas lutas e profícuas resistências às
concepções que consideram a infância e a criança como natural, universal, absoluta
e abstrata.
28
Nesse sentido, demarcar a concepção que orienta nossas
considerações sobre esta categoria geracional é, antes de tudo, algo emergente e
necessário. Sendo assim, os aspectos aqui levantados pretendem desenvolver
reflexões no sentido de rever a condição das crianças na vida social, cultural e
educacional. Cabe ainda lembrar que tais questões implicarão rever também o papel
da formação do sujeito humano na própria sociedade, sujeitos que estão imersos
nas construções culturais, sendo influenciados por essas construções e
influenciando-as.
27
SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da
infância. Educação & Sociedade: revista de ciência da educação. São Paulo: Cortez; Cedes, v. 26,
n.91, mai/ago 2005.
QUINTEIRO, Jucirema. Infância e escola: uma relação marcada por preconceitos. 2000. Tese
(Doutorado). Universidade Estadual de Campinas/SP - Ciências Sociais Aplicado à Educação,
Campinas, 2000. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?down=vtls000205851 Acesso
em: 10 nov. 2008.
MARTINS FILHO, Altino José. Crianças e adultos nas malhas das relações sociais: um estudo sobre
os processos de socialização no interior da creche. Reunião Anual da ANPED, 28. Caxambu/MG:
2004. Disponível em: www.anped.org.br.
MELLO, Suely Amaral. Enfoque histórico cultural. CONFERÊNCIA INTERNACIONAL, 1, 2006. Em
busca de suas implicações pedagógicas para a educação de 0 a 10 anos. 2006.
28
O conceito de criança natural, universal, absoluta e abstrata que estamos criticando, historicamente
é referenciada pela psicologia desenvolvimentista e autores clássicos como Rousseau. Em relação a
psicologia desenvolvimentista é importante frisar que o próprio campo já aponta tal critica, neste caso
ver Jobim & Souza (1997).
36
Salientamos que, como área do conhecimento, o Ensino Religioso torna-se
responsável em proporcionar o conhecimento do patrimônio cultural de diferentes
tradições religiosas para que o educando compreenda o pluralismo e a diversidade
cultural presentes na dinâmica social. “Esse é um processo educativo em que a
formação do educando cidadão se faz a partir do existir, do saber de si (da sua
tradição religiosa) e estende-se para o saber do outro, por meio do conhecimento de
diversas manifestações religiosas”.
29
Ao voltarmos para a questão da infância verificamos que na sociedade
medieval europeia a criança não era efetiva e cognitivamente diferente do adulto. A
criança participava de todas as atividades, envolvendo-se integralmente nos
espaços dos adultos, não se diferenciavam as atividades dos adultos do grupo de
crianças, apenas era respeitado o grupo social em que a criança estava inserida.
De acordo com a obra “História social da criança e da família”
30
, a descoberta
da infância começou sem dúvida no século XIII e sua evolução pode ser
acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas, os
29
OLENIKI, Marilac Loraine R.; DALDGAN, Viviane Mayer. Encantar: uma prática pedagógica no
ensino religioso. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 10.
30
ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. São Paulo: Zahar,1982, p. 65.
37
sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e
significativos a partir do século XVI e durante o século XVII. Do mesmo modo, o
autor salienta que o sentimento de infância se caracteriza não por uma maior
sensibilidade à infância, mas por uma formulação sobre a particularidade da infância
em relação ao mundo dos adultos.
A pesquisadora Sonia Kramer
31
também assevera que a idéia da infância não
existiu sempre e da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade
capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social
da criança na comunidade. Se na sociedade feudal a criança exercia um papel
produtivo assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade
burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada
para uma atuação futura. Dessa forma, afirmamos que o conceito de infância é, pois,
determinado historicamente pela modificação nas formas de organização da
sociedade.
Assim, quando se pretende demarcar uma perspectiva para a concepção de
infância no mundo contemporâneo, o estudo de Áries é considerado um marco
referencial no campo da história da infância, devido à importância de suas análises.
O autor demonstrou que nas sociedades pré-industrial a criança era alguém sem
identidade individual de cidadã e apenas uma possibilidade remota de um dia tornar-
se adulto.
Neste sentido, o estudo de Áries
32
é uma contribuição para pensarmos a
construção da infância como categoria social. Contudo, a abordagem histórica da
concepção de infância veio contrapor-se à concepção calcada na ideia de natureza
infantil, a qual ressalta a visão idílica de uma criança que representa somente a
bondade e que busca também esta bondade entre os que a cercam.
Em relação à questão da natureza infantil, esclarece-se que esta concepção
de natureza influenciou decisivamente a constituição da Pedagogia da Escola
Tradicional e da Pedagogia da Escola Nova, pedagogias estas cujas principais
ideias ainda hoje marcam forte presença no campo educacional. Ambas partem da
ideia de que a criança seria possuidora de uma natureza infantil, que poderia ser
31
KRAMER, Sônia e LEITE, Maria Isabel (Orgs.). Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas:
Papirus, 1997, p. 12.
32
ARIÉS, 1982.
38
essencialmente no caso da Escola Tradicional ou essencialmente boa
como se acreditava na Escola Nova. Boa ou má, a concepção de natureza infantil
escamoteia a ideia de construção social da infância, naturaliza o que é social,
desconsiderando a criança como produto e processo de múltiplas relações.
33
Na busca pelo reconhecimento da singularidade da categoria social infância,
é importante destacar que as crianças são sujeitos sociais e históricos, marcadas,
portanto, pelas contribuições das sociedades em que estão inseridas. Assim,
podemos dizer que o conjunto de experiências vividas pelas crianças em seus
diferentes contextos é muito mais do que uma representação dos adultos sobre essa
fase da vida. Nesta lógica estaremos reconhecendo a especificidade de cada sujeito
humano, e a infância sendo considerada como uma categoria geracional com valor
no presente, e não mais somente uma preparação para o futuro. Neste caso, o
conceito de geração não pode ser entendido como momento de transição de uma
idade infantil à adulta. Se for pensado assim, as outras gerações também são de
transição, temos que olhar como um contínuo, e não mais pautados na negatividade
e na falta.
34
Analisando a concepção de infância e pensando na possibilidade de
demarcar sua especificidade, relata-se que em diferentes momentos históricos e
espaços geográficos são produzidas diferentes infâncias e crianças, o que as
constitui enquanto categoria plural. Destarte,
[...] preciso chamar atenção para as formas de constituição das crianças,
traços e retratos que as identificam e as diferenciam, pois essas não
existem no singular, sendo mais apropriado falarmos em crianças, que
juntas, em sua pluralidade, formam a categoria infância. Dessa forma,
referimo-nos aos meninos e às meninas que são negros, brancos,
amarelos, vermelhos, mulatos, moradores dos morros, da zona rural e
urbana, em zonas de imigração, que freqüentam cinema, shopping, jardins
de infância particulares, creches e pré-escolas públicas ou que estão nos
estacionamentos, semáforos e nas ruas, driblando a exclusão social e
tentando sobreviver em atividade de trabalhos... Contudo, podemos inferir
que a variedade de vivências e contextos socioculturais das crianças
permite-nos falar não numa infância, mas em infâncias, que são múltiplas e
plurais nas suas mais diversas formas de manifestações e produções
culturais.
35
33
CHARLOT, Bernard. A mistificação pedagógica. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 13
34
SARMENTO, 2005, p. 112.
35
MARTINS FILHO, Altino José. Criança e adulto na creche: marcas de uma relação. Florianópolis,
Dissertação 2005. 185p. (Mestrado em educação). Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2005b, p. 13.
39
Desta forma, o autor enfatiza que o desenvolvimento dos sistemas de
produção, as formas de divisão de trabalho e as diferentes relações de produção
situam também a criança, de forma específica, no sistema de relações sociais.
Esse quadro de compreensão sobre as crianças e as infâncias amplia e
modifica nossa forma de pensar a educação escolar, traçando caminhos para além
das concepções tradicionais subjacentes dos estudos e pesquisas no campo
“psicopedagógico” e “bio-psicológico”, que as compreendia (em muitas situações
ainda as compreende) como sujeitos passivos, natural, universal e biologicamente
determinados, necessitando viver exclusivamente em uma ordem social e cultural
definida pelos adultos. Esta concepção agia em função de uma simples adaptação
das crianças às regras, hábitos e valores sociais formulados pelo mundo dos
adultos.
Nossa perspectiva entende a construção da ideia da especificidade da
infância, pois explicita que é necessário conhecer as representações de infância e
considerar as crianças concretas, localizá-las nas relações sociais no tempo e
espaço de convívio coletivo. Pois, há de que se considerar as experiências da
infância como radicalmente diferenciadas, definidas pela sua inserção social, por
pertencimentos raciais, de gênero, de classe, etnia, religião; fatores que são
determinantes da constituição das infâncias e de suas produções culturais.
36
Portanto, cada criança vive a experiência das infâncias no interior de uma
determinada cultura que lhe significação, isto determinará processos de
socialização diversos.
Nesta direção, assim como a concepção de infância é construção histórica,
sabemos também que no Brasil o Ensino Religioso surgiu historicamente como
elemento de doutrinação. Entretanto, entre tantas variáveis, encontramos de
maneira especial as recentes reformas de educação nacional, que exigiam uma
reformulação desta concepção. “A partir do momento que se configura como área de
conhecimento, o Ensino Religioso passa a construir uma identidade pedagógica,
36
MARTINS FILHO, Altino José et al. Infância plural: crianças do nosso tempo. Porto Alegre:
Mediação, 2006, p. 13.
40
dentro do referencial de componente curricular como os elementos que contribuem
na formação e informação da Educação Básica Nacional”.
37
A partir da nova lei, (LDB 9.475/97, de 22 de julho de 1997) o Ensino
Religioso passa a ser compreendido como uma área de conhecimento que afirma a
abertura do ser humano ao Transcendente, contribuindo decisivamente para o
desenvolvimento do cidadão em suas relações consigo mesmo, com o outro, com o
mundo e com a divindade. No processo da educação, o Ensino Religioso tem sua
parcela de contribuição para a formação do cidadão, independente da raça, cor,
cultura e religião ao direito de participação na construção do exercício da
cidadania.
38
Nesse sentido, avançamos em direção a uma concepção de Infância e Ensino
Religioso que integra adultos e crianças e crianças e crianças, a tal ponto que as
manifestações e experiências infantis não sejam despercebidas e reduzidas ou,
ainda, como é definido
39
, que não sejam levadas a processos de socialização
invisível. Por essa abordagem as crianças não são socializadas, mas também se
socializam. Isto exige que o professor, ao lecionar Ensino Religioso no âmbito dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, perceba nossas crianças como seres humanos
que tem o direito de se apropriarem desta área do conhecimento.
37
JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; MENEGHETTI Rosa Gitana Krob; WASCHOWICZ, Lílian
Anna. Ensino religioso e sua relação pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 29.
38
CARON, Lurdes. Ensino religioso: um olhar retrospectivo a partir da legislação atual. In: FUCHS,
Henri Luiz et al (Org.). Ensino religioso na escola: bases, experiências e desafios. São Leopoldo:
Oikos, 2005, p. 16.
39
PLAISANCE, Eric. Para uma sociologia da pequena infância. Cedes, São Paulo, n.86, v.25, p.220-
241, 2004.
41
Entendemos então que os conteúdos de Ensino Religioso deverão
proporcionar na infância o relacionamento com a vida e os aspectos que a
constituem na perspectiva da dimensão religiosa: símbolos, orações, livros
sagrados, atitude de líderes religiosos (histórias), para estabelecer a pertença do
educando ao seu grupo religioso e a familiarização com o diferente.
40
Wachs nos alerta que:
[...] é fundamental que o educador das series iniciais integre o Ensino
Religioso, pois o mesmo deve ser o mediador entre o educando e o
conhecimento religioso. A relação interpessoal deve ser respeitosa,
saudável, amigável, cordial e clara entre ambos, evitando o autoritarismo,
para assumir um caráter de autoridade componente. A interação é um
processo muito importante no processo de ensino-aprendizagem.
41
E então algumas inquietações nos perseguem. Será que quando
sistematizamos os processos de ensino e aprendizagem para os anos iniciais do
Ensino Fundamental estamos pensando nas crianças como seres humanos do
40
OLENIKI, 2004, p. 60.
41
WACHS, Manfredo Carlos. A didática do ensino religioso em cursos de formação de professores de
ensino médio. WACHS et al. (Org.). SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 4, 2007, São Leopoldo.
Práxis do ensino religioso na escola. São Leopoldo: EST/Sinodal, 2007, p. 70.
42
presente ou como “telas de projeção”? Salientamos aqui as oportunas palavras
42
que explicitam que “quanto mais os adultos conseguem reconhecer que o ciclo da
vida humana envolve uma interação entre ‘adulto’ e ‘criança’, menos estão
propensos a ver a infância como algo a ser superado ou erradicado, e são mais
capazes de relacionar-se com as crianças como pessoas, e não como se elas
fossem telas de projeção.
Em nosso entendimento as orientações do Fórum Permanente para o
Ensino Religioso
43
apontam pistas fundamentais e sempre em construção para o
trabalho educativo nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Espera-se que neste
percurso a criança possa: compreender sua identidade religiosa em uma construção
em reciprocidade com o outro e na percepção da ideia do Transcendente, expressas
de maneira diversas pelos símbolos religiosos; perceber os símbolos mais
importantes da sua Tradição Religiosa e os da Tradição de seus colegas; entender
os diferentes significados dos símbolos religiosos na vida e convivência das pessoas
e grupos, assim como o valor da reverência ao Transcendente, que é Um e
expresso de maneiras diversas pela simbologia religiosa.
Para o FONAPER, pelo entendimento das práticas religiosas diferenciadas, o
educando valorizará o direito à expressão religiosa do outro e, pelas descrições das
representações culturalmente diferentes do Transcendente, aprenderá a conviver,
respeitar e reverenciar o Transcendente do outro. Partimos da compreensão que
é possível também desenvolvermos valores como respeito ás diversas
religiões e formas de expressão. Mostrar para os pequenos que a tolerância
ás diferenças é muito importante, pois dessa forma aprendemos um com o
outro. Mesmo que sejamos de religiões diversas, podemos ter o mesmo
principio humanitário, buscando objetivos comuns, como a paz , a união e a
solidariedade
44
.
42
KENNEDY, David. As raizes do estudo da criança: história social, arte e religião. In: KOHAN, Walter
Omar & KENNEDY, David. (Orgs.) Filosofia e infância: possibilidades de um encontro. 2. ed., v.3.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 153.
43
Essas reflexões foram feitas com base na leitura do material FONAPER. Ensino religioso:
referencial curricular para proposta pedagógica na escola: Caderno temática, n.1, 1997.
44
KLEIN, Remi. Práxis do ensino religioso: olhares em perspectivas e novos olhares em formação.
WACHS et al. (Org.). SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 4, 2007, São Leopoldo. Práxis do ensino
religioso na escola... São Leopoldo: EST/Sinodal, 2007, p. 49.
43
Compreendemos então que assumir a criança como sujeito histórico, social e
cultural, nos permite tratá-la radicalmente diferente das concepções que as
naturalizavam. Neste caso, a criança e o seu desenvolvimento passam a ser vistos
como produto do acesso social e cultural, os quais devem ser intencionalmente
organizados, estruturados e sistematizados, ainda que sempre em via de mão dupla
(mundo adulto e infantil) e essencialmente de forma colaborativa entre os sujeitos
(adultos e crianças). Desse modo, a concepção de infância que trazemos neste texto
pretende enfatizar que a infância deve ser considerada como uma forma estrutural, e
as crianças como um povo de traços específicos, tendo, segundo o sócio tipo
estudado, uma cultura própria, um sistema de trocas e, portanto, de ritualização
própria, sendo, em uma palavra, um ser com seu mundo particular.
45
45
MONTANDON, Cléopâtre. Sociologia da infância: balanço dos trabalhos em língua inglesa. Trad.
Neide Luzia Resende. Cadernos de pesquisa, São Paulo. FCC, n. 112, mar. 2001, p. 48.
44
Assim, ao desenvolver o Ensino Religioso pretende-se formar seres
espontâneos, vivos dinâmicos, capazes de exteriorizar seus pensamentos,
sentimentos e sensações e de utilizar diversas formas de linguagem, sendo
também seu objetivo formar um ser social, apto a construir gradualmente
sua própria escala de valores
46
.
No entanto, é preciso cautela e cuidado epistemológico, quando se quer
evidenciar as particularidades das crianças, ou seja, as produções das culturas
infantis
47
. Concordamos com Martins Filho
48
quando alerta que é preciso clareza e
precisão ao explicitar nossas ideias referentes ao não querer subestimar as crianças
em seu desenvolvimento, pois não podemos concordar com concepções
pedagógicas que simplesmente colocam as crianças no centro do processo
pedagógico, apregoando um espontaneísmo natural na sua relação com os
processos de ensino e aprendizagem. Tais tendências geralmente propõem que o
ensino pertence ao próprio aluno e acabam secundarizando e negando a mediação
qualificada do professor. Nossa proposta ao trazer a criança como partícipe e como
protagonista de sua educação não pretende supervalorizá-las em si mesma,
atribuindo-lhes comportamentos muito além de suas capacidades e condições
emocionais, afetivas, cognitivas e socioculturais.
Não podemos compartilhar com propostas educacionais que alimentam uma
separação, cisão, afastamento entre o mundo adulto e o mundo da criança. Por
outro lado, nos faz anunciar e destacar o movimento que exige não apenas uma
nova visão de infância, mas também de homem, educação, professor e relações
sociais.
Se a criança passa a ser reconhecida como sujeito na época moderna e
ganha novo status sendo valorizada na sua capacidade de constituir
diálogo, a ausência do interlocutor adulto faz com que ela seja condenada a
um monólogo.
49
Assim compreendemos que é fundamental que o pedagogo docente dos anos
iniciais do Ensino Fundamental tenha uma concepção de infância dialética e plural
que reconheça nossas crianças como seres sociais capazes de ousar e contribuir na
46
STEFFENS, Marceli Porn; KLEIN, Remi. A primeira infância e o ensino religioso: encontro
essencial. In: FUCHS, Henri Luiz et al. Ensino religioso na escola: bases, experiências e desafios.
São Leopoldo, RS: Oikos, 2005, p. 160.
47
MARTINS FILHO, 2006, p. 56
48
MARTINS FILHO, Altino José. O lugar da criança. Pátio Educação Infantil, v.6, n. 17, p. 10-13,
jul/out 2008.
49
SOUZA, Alba Regina Battisti de. Avaliação escolar: micropolítica da exclusão e fracasso. 1998.
Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUC/RS. 1998. Rio
Grande do Sul, p. 12.
45
feitura de um outro mundo com outras formas, cores e tons. Pedagogos que
percebam o Ensino Religioso inserido na discussão da infância como componente
curricular que pode contribuir de forma crítica e criativa na formação das novas
gerações. “O Ensino Religioso é, na escola, um campo mediador da questão
religiosa, da espiritualidade ou do saber religioso. Funciona como interlocutor entre o
elemento religioso presente na realidade social e a realidade pedagógica própria da
escola”
50
.
2.3 A “PEDAGOGIA DA INFÂNCIA” NO CONTEXTO DOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
O conceito Pedagogia da Infância foi cunhado por Rocha
51
e Osteto
52
em
suas teses de doutoramento, a partir dos estudos da abordagem italiana de
educação para a infância, especificamente os trabalhos de Reggio Emília, norte da
Itália. As autoras indicam a possibilidade de constituição de uma pedagogia que
considere, entre outros argumentos, as crianças como sujeitos de direitos, a
heterogeneidade da infância, a sua alteridade e a participação das crianças na
estruturação dos contextos educativos.
Assim, com base no debate que temos traçado na definição dos princípios
educacionais de uma pedagogia para a infância, é importante destacar o que temos
chamado de núcleo de ensino e aprendizagem específico para as crianças dos anos
iniciais do Ensino Fundamental. A construção desse núcleo de ensino e
aprendizagem tem procurado contemplar o protagonismo compartilhado de adultos e
crianças nas práticas pedagógicas da escola da infância. Sendo assim, a construção
50
BRANDENBURG, Laude Erandi. A interação pedagógica no ensino religioso. São Leopoldo.
RS: Sinodal, 2004, p. 58.
51
ROCHA, Eloísa Acires Candal. A pesquisa em educação infantil no Brasil: trajetória recente e
perspectivas de consolidação de uma pedagogia da educação infantil. Florianópolis:
UFSC/CED/NUP, 1999.
52
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Planejamento na educação Infantil: mais que a atividade a criança
em foco. In: OSTETTO, Luciana Esmeralda (Org.) Encontros e encantamentos na educação
infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas: Papirus, 2000.
46
coletiva e a troca de experiências nos contextos escolares dão corpo ao seu
cotidiano colocando em ação interativa adultos/professores e crianças/alunos
Dessa forma, é importante afirmar que ao preconizarmos uma especificidade
para a educação das crianças do Ensino Fundamental, particularmente dos anos
iniciais, não pretendemos produzir uma pedagogia para a infância que
descaracterize o papel dos professores, dos processos de ensino e aprendizagem,
na qual a escolarização, o ensino e a transmissão de conhecimentos são
considerados prejudiciais ao desenvolvimento das crianças. Para tanto, buscamos
referenciais teóricos dos diversos campos disciplinares para localizar e defender o
grupo geracional infância, como seres concretos, contextualizados e que
apresentam atuação social ativa, seja na escola, em casa, no grupo familiar e de
amigos ou mesmo na própria sociedade.
53
De outro lado, podemos inferir que os intelectuais interessados pela causa da
infância na escola, os quais vêm salientando os fundamentos para uma pedagogia
da infância, observam e declaram que as propostas, programas e currículos
educacionais que servem de orientação para a prática educativa ainda não
consideram a importância de levar em conta este alto grau de protagonismo infantil.
Tais propostas apresentam-se vinculadas às tendências pedagógicas que se
pautam por um processo de regulação da infância em um movimento de mão única:
do adulto para a criança, não obstante as evidências empíricas e teóricas de que as
crianças não são passivas diante das exigências de tal regulação.
Em consonância a esta perspectiva, não pretensão de furtar a educação
escolar das series iniciais de sua função precípua, ou seja, pensar os processos
metodológicos do ensinar e aprender. Diante deste argumento, afirmamos que para
nós, não seria possível existir uma educação escolar formal, sem ensino de
conteúdos e transmissão de conhecimentos. Porém, torna-se necessário destacar e
evidenciar o lugar que as crianças ocupam no processo de escolarização, uma vez
que o homem se constitui como ser humano na relação com o outro, ou seja, por
meio de sua inserção sócio-histórica.
53
MARTINS FILHO, 2005, p. 66.
47
Surge d nossa insistência que se o Ensino Religioso é área de
conhecimento deve ser intencionalmente planejado, fazer parte dos projetos
pedagógicos escolares e sobretudo estar inserido no processo de formação inicial e
continuada de pedagogos e pedagogas. O Ensino Religioso, a partir dos referenciais
curriculares e dos textos legais, é componente curricular que deve estar,
obrigatoriamente, em todos os currículos escolares. Essa obrigatoriedade não
significa catequese, mas processo de construção do conhecimento a partir do
diálogo com os diferentes que estão no caminho da construção da identidade.
54
Ao pensarmos o Ensino Religioso no âmbito dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, a pedagogia para a infância tem nos ensinado que tomar a criança
com sujeito protagonista de todo o processo educacional exige compreender que
para ela conhecer o mundo envolve afeto, os conhecimentos produzidos pela
humanidade, o prazer e o desprazer, a fantasia, o brincar e o movimento, a poesia,
as ciências, as artes plásticas e dramáticas, as linguagens, a música e a
matemática. Consideramos estas dimensões em uma perspectiva que propõe ao
54
KLEIN, Remi; BRANDENBURG, Laude Erandi; WACHS, Manfredo Carlos. (Org.). O Ensino
religioso: diversidade e identidade. In: SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 5., 2008, São Leopoldo.
Anais... São Leopoldo, RS: Sinodal/EST, 2008, p. 130.
48
processo de ensino e aprendizagem o seguinte tripé: ensinar-educar-aprender, estes
três verbos contemplam os cleos de aprendizagem da escola da infância. Vale
ressaltar que, nem por isto o lugar do professor e do conhecimento é desprestigiado.
no processo de ensino-aprendizagem do Ensino Religioso “o
encantamento será a mola motivadora que favorece educador e educando, a
reconhecer, pelo prisma do conhecimento e do respeito, o seu universo religioso e o
do outro".
55
Encantamento que flui em uma aula planejada e preparada com o
carinho de quem reconhece as crianças como seres da aprendizagem.
Com essa compreensão, salientamos que o trabalho intencional do professor
na prática pedagógica do componente curricular do Ensino Religioso deve garantir e
sistematizar prioritariamente o desenvolvimento em cada sujeito-criança de saberes
fundamentais para a vida e o mundo com todos seus desafios. Esse processo se
configura como essencial a ser desenvolvido na escola, o qual passa a ser
responsável pela criação de novas necessidades nas e das crianças. Portanto,
nosso desafio é evidenciar uma Pedagogia para a escola da infância dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, cuja essência é ser o campo de desenvolvimento
dos processos de humanização, isto é, da formação da individualidade humana, seja
nos adultos/professores e, especialmente, nas crianças/alunos. Ao anunciar uma
pedagogia específica para as crianças que abarque os processos de humanização
inter-relacionados com a transmissão/produção de conhecimentos, acreditamos que
seja o canal para proporcionarmos:
[...] o acesso ao conhecimento e à cultura e afirmar a escola em sua função
precípua de ensinar o que as pessoas não sabem, de elevar o grau de sua
experiência cultural, uma vez que sob condições adequadas de vida e de
educação, ou seja, a partir da vivencia coletiva da experiência social
intencionalmente organizada e apresentada, as crianças desenvolvem
intensamente diferentes capacidades práticas, intelectuais e artísticas,
começam a formar suas idéias, seus hábitos morais e traços de caráter.
56
Na esteira das ponderações da autora Suely Mello, afirmamos nossas
convicções propondo uma educação escolar integral, que a vida é algo que se
experimenta por inteiro, sem divisões em âmbitos hierarquizados. Essa integralidade
se constitui como essencial para a formação da identidade, da inteligência e da
personalidade da criança. Neste sentido, temos chamado atenção para a
55
OLENIKI, 2004, p. 14.
56
MELLO, 2006. p. 97.
49
necessidade da revisão dos processos de ensino e aprendizagem, tendo em vista
melhor adequá-los à realidade concreta de vida das crianças/alunos e aos seus
diferentes ritmos de aprendizagem. Isto significa que para aprender matemática,
português, história ou Ensino Religioso, ou seja, os diferentes conteúdos
correspondentes à cada disciplina que citamos, é preciso que o professor consiga
criar um sentido e um significado para os mesmos, caso contrário tal aprendizagem
não terá atingido seu objetivo e provavelmente não provocará a curiosidade das
crianças.
Enfatizamos ainda:
O Ensino Religioso na escola não pode se manter apenas conceitualmente.
Ele é real, tem uma episteme própria, localiza-se ao lado de outros campos
de saber e acrescenta, à visão sobre a realidade, mais um modo de discuti-
la para compreendê-la.
57
Damos ênfase a este destaque pelo fato de o desconsiderarmos a
necessidade do professor conhecer quem são as crianças, como pensam e
exploram o mundo, mas esta subjetividade não pode substituir o Ensino Religioso
sistematizado teoricamente. Na lógica deste pensamento, propomos uma pedagogia
para a infância onde o Ensino Religioso, enquanto processo de ensino do currículo,
tenha objetivos claros, sem sedução aos encantos de teorias que camuflam o papel
do professor, o qual consideramos primordial para o desenvolvimento intelectual e
humano das crianças.
Assim, reafirmamos que ao oportunizar espaço e tempo para a voz da criança
(aluno dos anos iniciais do Ensino Fundamental), propondo um trabalho pedagógico
que atenda aos seus interesses e desejos, não desconsideramos o diretivismo
intencional e planejado por parte do professor como eixo norteador do trabalho
docente. Entretanto, salientamos que a criança precisa ganhar status de
protagonista no cenário da escola, pois, enquanto sujeito que se encontra em
processo de humanização, precisa ser respeitada em sua especificidade, tendo
evidenciado sua peculiaridade na forma de aprender. E isso também terá que ser
considerado pelo professor em sua forma intencional de ensinar/educar/aprender.
57
JUNQUEIRA, MENEGHETTI e WASCHOWICZ, 2002, p. 57.
50
É necessário que o Ensino Religioso proporcione a alunos e alunas
experiências, informações e reflexões que os ajudem a cultivar uma atitude
dinâmica de abertura ao sentido mais profundo de sua existência, de sua
vida em comunidade, da organização de seu projeto de vida.
58
Compreendemos que este é um importante passo para a construção de uma
pedagogia própria para a infância, a qual concretize uma escola como lugar
privilegiado para se viver as infâncias. Lugar onde os diferentes sujeitos possam
falar, ouvir, ver, sentir, ensinar, aprender, pensar, resistir, concordar, discordar,
escrever, ler, ou seja, onde podem tecer suas histórias, se perceberem como
produtores de culturas e transformadores da sociedade. A escola, sendo
reconhecida como o lugar da criança e do professor, talvez possa, de forma
consistente e compartilhada, explorar os preceitos de uma pedagogia histórico-
social, onde de maneira indissociável desenvolverá as dimensões do
ensinar/educar/aprender, em um processo contínuo de complexificações crescentes.
2.4 TRABALHO EDUCATIVO COMO ATIVIDADE SOCIAL MEDIADORA
É inegável que a aprendizagem, a construção da cultura e a formação
humana ocorrem desde o nascimento e precisam ser mediadas e qualificadas por
parceiros mais experientes e com formação para travar relações positivas e bem
sucedidas, com as crianças
59
. Dessa forma, podemos afirmar sob a perspectiva de
autores como Vygotsky, Lúria, Leontiev e Davidóv que descrevem, em suas análises
sobre a natureza do trabalho educacional, que é pela apropriação da experiência
humana que o homem se constitui como ser humano. Os autores citados
esclarecem que o processo de constituição do ser humano ocorre por meio da
própria atividade do indivíduo, pois ela reproduz as capacidades que historicamente
o ser humano desenvolveu e que estarão incorporadas nas mais variadas
manifestações culturais, materiais e ideais. Sob esta ótica, a educação escolar pode
58
SILVA, Valmor da (Org.). Ensino Religioso: educação centrada na vida: subsídios para a
formação de professores. São Paulo: Paulus, 2004, p. 83. (Pedagogia e educação).
59
MARTINS FILHO, 2007, p. 12
51
ser considerada a atividade, por excelência, do processo de constituição de
humanização do próprio ser humano.
Nessa perspectiva, defendemos a necessidade de uma escola pautada em
outros parâmetros, exigindo-se uma mudança seja na organização estrutural ou
acerca da organização do trabalho pedagógico. No contexto educacional brasileiro,
é necessário analisar as contradições e possibilidades que a área curricular do
Ensino Religioso tem sido desenvolvida. Entendemos que o Ensino Religioso,
reconhecido pelo Ministério da Educação como disciplina do conjunto das dez áreas
do conhecimento, visa, entre outros objetivos, proporcionar ao educando o
conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, a partir
das experiências religiosas percebidas no contexto em que vive
60
.
Ainda nesta direção sabemos que o Ensino Religioso, a partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB, Lei 9.394 de 20/12/1996, no
artigo 33, com a Redação da Lei nº 9475/97, passa ter uma nova concepção.
Optamos aqui pelo registro da Lei na íntegra.
60
CARON, 2005, p. 8.
DIÁRIO OFICIAL 15824 SEÇÃO 1
Nº139 QUARTA-FEIRA, 23 JUL 1997.
LEI Nº 9.475, DE 22 DE JULHO DE 1997.
Dá nova redalão ao art. 33 da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA faz saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso
e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a
definição dos conteúdos do ensino religioso."
Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3° Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 22 de julho de 1997; 176º da Independência e 109º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Paulo Renato Souza
52
É a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental,
Resolução CEB nº 2 de 07 de abril de 1998, que o Ensino Religioso passou a ser
reconhecido como área do conhecimento. Isto é importante, sobretudo, quando se
pretende construir uma proposta curricular para os anos iniciais do Ensino
Fundamental alicerçada na diversidade, na solidariedade, na formação das
humanidades, centrada nos processos de interações humanas e tendo a produção e
transmissão de conhecimentos como eixos norteadores. Ou seja, quando se
pretende valorizar as relações e mediações que se dão entre os diferentes sujeitos:
crianças e adultos/professores, adultos/professores e crianças e entre as próprias
crianças.
Assim na busca de compreender as crianças e os adultos como sujeitos do
processo educacional, consideramos como essencial entender as intricadas
relações entre o meio, como fonte de humanização e os sujeitos em uma
perspectiva que percebem significados e atribuem sentidos ao que vivem, e o
professor, com um papel substancial e mediador e criador de mediações que
apresenta, para as crianças/alunos, o mundo da cultura que se abre cada vez mais
para eles.
Tais desafios nos possibilitam entender o currículo e a prática pedagógica em
Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental mergulhados nessas
relações. Podemos afirmar que a profissão professor e consequentemente a
docência em Ensino Religioso é pautada essencialmente nas relações humanas.
Nessas relações, notamos que a criança/aluno não é, portanto, mero consumidor da
aula ou puro e simples objeto de trabalho do professor, mas é, principalmente,
sujeito ativo da atividade de ensino. Entendemos que o professor de Ensino
Religioso, antes de desenvolver as habilidades e competências necessárias para o
desempenho docente, precisa cuidar do seu desenvolvimento pessoal e espiritual.
“Nenhuma mudança acontece na prática educativa se não passar antes pela
mudança pessoal. Ninguém trabalhará o Ensino Religioso se não descobrir a
importância da religiosidade na vida humana”.
61
Acreditamos que o professor precisa ter uma compreensão do processo
educativo em sua complexidade, precisa conhecer a cultura, sem o que não poderá
criar mediações que garantam o acesso do aluno ao mundo da cultura, uma vez que
61
KLEIN, 2008, p. 174.
53
o mediador pode intencionalmente mediar o acesso ao que é capaz de ver no
mundo da cultura humana.
62
Nesse sentido, afirmamos a necessidade de elaborarmos uma proposta
educacional com conteúdos humanizadores, a qual forneça ao professor suporte
material (por meio da formação e da apropriação de conhecimentos), ajudando-o na
seleção de conteúdos em Ensino Religioso que garantam às crianças/alunos a
apropriação das máximas qualidades humanas.
Entendemos ainda, que o Professor-pesquisador no Ensino Religioso
precisa ter consciência de sua religiosidade e fazer dela um objeto de
pesquisa e reflexão constantes. Precisa reconhecer o fenômeno religioso
não somente como o estudo de comportamentos e rituais de de grupos
sociais e das tradições religiosas historicamente constituídas, mas no
cotidiano da vida.
63
Esta concepção, de ouvir, considerar o outro, ser capaz de ver e de se deixar
ser inspirado pelas relações e mediações de todos os sujeitos (adultos e crianças)
poderá, em nossa opinião, nos ensinar a aprender o que as crianças dizem, fazem e
pensam.
A consideração da criança como parte do ser social e, portanto, histórico, que
nasce em uma sociedade cujas estruturas, organização, modo de produção e de
vida a ela pré-existem, possibilita afirmar a complexidade das relações sociais e
educacionais dos diversos sujeitos. No caso do trabalho docente, podemos dizer
que consiste fazer do desenvolvimento humano um processo de mediação com o
mundo em sua estrutura existencial, oportunizando, contudo, espaço e tempo para a
transformação social, construção da identidade, edificação da personalidade social.
Neste caso, sem dúvida uma necessidade de pensarmos os processos
educativos como atividade social mediadora qualificando o trabalho docente. Isso
provavelmente significa que a apropriação da cultura no ambiente escolar, cultura
tanto material como intelectual, perpassa pela mediação qualificada do professor.
Este profissional irá selecionar, organizar, sistematizar e planejar os conteúdos a
serem explorados nos ambientes escolares, sem, contudo, desconectá-los do
acompanhamento do desenvolvimento das crianças, pois “a educação à abertura e
62
MELLO, 2006, p. 32.
63
KLEIN, 2008, p. 176.
54
ao questionamento de uma descoberta existencial da vida no que ela tem de mais
radical e profundo chama-se ensino religioso”.
64
Dessa forma, ao considerar a criança sujeito do processo da produção e
transmissão de conhecimentos, o podemos fazer uma inversão, retirando a
responsabilidade dos adultos como mediadores desse processo. Não é possível
alimentarmos tendências pedagógicas que reduzem dimensões humanas que se
desenvolvem socialmente à processos individuais, tomando como referência
somente o que a criança apresenta de imediato, ou seja, o que está ligado ao
cotidiano.
Temos dito que, na elaboração das propostas pedagógicas, a criança é o
ponto de partida, porém não o ponto de chegada
65
. Por isso reafirmamos que o
adulto precisa ser referência nos processos de desenvolvimento das crianças.
Assim, mesmo com algumas diferenças epistemológicas ao que se tem concebido
para a educação na infância, podemos concordar com a seguinte passagem:
Compreender como a criança raciocina, como reage a diferentes situações,
como explora o mundo, como se apropria dos conhecimentos e interage
com eles é fundamental para o trabalho educativo. É preciso compreender,
no entanto, que criança e adulto não são ontologicamente diferentes, são
parte do ser social.
66
Aludimos dessa forma que o agir humano pressupõe estruturas sociais que
lhe são anteriores, ainda que, como objetos sociais, tais estruturas não possam ser
independentes da atividade humana.
67
No âmbito da docência em Ensino Religioso afirmamos que
[...] é importante que os professores trabalhem no sentido de criar em
nossas crianças uma nova mentalidade de convivência humana, de respeito
às diferenças, sem discriminação de qualquer natureza: sexo, raça, religião
minorias. Dogmatismos e radicalismos em assuntos religiosos o são
caminhos de libertação, mas de alienação e escravidão de consciências.
68
64
FERNANDES, Maria Madalena S. Afinal, o que é o ensino religioso? São Paulo: Paulus, 2000,
p. 44.
65
MARTINS FILHO, 2005, p.12.
66
STEMMER, Márcia Regina Goulart da Silva. Educação Infantil e pós-modernismo: a abordagem
Reggio Emília, 2006. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina - Programa de Pós-
Graduação em Educação, Florianópolis, SC, 2006. Disponível em:
http://tede.ufsc.br/teses/PEED0586.pdf Acesso em: 10 out. 2008.
67
MEDEIROS, João L. A economia diante do horror econômico. Tese (Doutorado), Universidade
Federal Fluminense - Economia, Rio de Janeiro, 2005.
68
SILVA, 2004, p. 31.
55
Portanto, ao se apropriar das objetivações que lhe precedem mediante
processos educativos que lhe transmitem o conhecimento e a experiência, ou seja,
por meio de um processo de inserção na continuidade da história das gerações,
processo que pressupõe necessariamente a participação dos adultos, a criança se
forma como indivíduo do gênero humano.
69
Nesse sentido que a educação é
elemento essencial no processo de humanização e o professor ao organizar,
sistematizar, selecionar, transmitir e intencionar seu projeto de educação também
reorganiza e contribui de maneira direta para formar as humanidades no grupo de
crianças/adultos que coordena.
2.5 ELEMENTOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE DOS
PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Nossa pretensão é anunciar a formação intelectual como marca essencial da
docência. E isto passa a ser possível quando o professor participa de processos de
formação que o humaniza, o intelectualiza e amplia sua formação cultural. Para o
Ensino Religioso nossa “justificativa está baseada no princípio de que o Ensino
Religioso é componente curricular da Educação Básica e de importância para a
formação do cidadão e para seu pleno desenvolvimento como pessoa humana”.
70
Podemos apresentar o posicionamento de como deveria ser a formação do
professor, destacando que:
A formação do professor precisa contemplar as diversas áreas de
conhecimento humano para que sua cultura seja vasta. Fornecendo-lhe
assim elementos para que possa ensinar os alunos, possibilitando-lhes
enxergar a humanidade, seus anseios e necessidade e não somente os
seus próprios interesses imediatos. O conhecimento deve inquietar, ser uma
vacina contra a apatia e o egoísmo. Ainda não possuímos melhor forma de
69
STEMMER, 2006, p. 162.
70
JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; WAGNER, Raul (Orgs.). Ensino religioso no Brasil.
Curitiba: Champagnat, 2004, p. 27.
56
fazer isso do que a leitura e o ensino. Eis o que a educação do professor
deveria fazer.
71
Salientamos, portanto, que existe um número considerável de estudos que
procuram caracterizar e denunciar o caráter simplista e que lutam contra a
massificação dos cursos de formação de professores. Pesquisadores como
Alessandra Arce
72
, Altino José Martins Filho
73
e Márcia Regina Stemmer
74
indicam
que a supervalorização dispensada à formação do professor por meio de vieses que
enaltecem o cotidiano em si, a prática imediata, a prática reflexiva e espontaneísta
fazem acompanhar, contraditoriamente, uma formação fragmentada, emergencial,
instrumental, utilitarista e esvaziada de conteúdos teóricos e críticos. Isto preocupa,
sobretudo pelo fato do empobrecimento que vem causando no campo educacional,
com uma visível perda na qualidade do desenvolvimento intelectual do professor e
no processo de formação do próprio ser humano de maneira geral.
Defendemos uma formação que abra corações e mentes e que ao mesmo
tempo possa desenvolver a sensibilidade, a sutileza, os valores humanos, a
consciência crítica e a própria humanidade em cada sujeito. Percebemos que não
desvaloriza a figura do professor e/ou do processo educativo que envolve o ensino e
a aprendizagem, ao contrário, luta contra o empobrecimento ou mesmo o
esvaziamento dos sentidos mais próprios e amplos do conhecimento. Assim,
defende que o homem deveria poder ser dotado de múltiplas aptidões, tanto
manuais quanto intelectuais e este deveria ser o objeto dos cursos de formação de
professores, que consequentemente se reverteria nas práticas educativas das
escolas.
75
Os processos educativos, assim como a formação docente, nesta perspectiva
carregam consigo a função de desenvolver no sujeito a criticidade, a complexidade
do mundo objetivo, a pluralidade social, a complexificação do conhecimento
historicamente acumulado para a partir daí tentar romper com a massificação
conformista, reducionista e simplificadora da educação escolar, a qual retira do
71
ARCE, Alessandra. A formação de professores sob a ótica construtivista: primeiras aproximações e
alguns questionamentos. In: DUARTE, Newton. Sobre o construtivismo. Campinas: Autores
Associados, 2001, p. 59.
72
ARCE, 2001.
73
MARTINS FILHO, 2006, p. 13.
74
STEMMER, 2006.
75
CARDOSO, Miriam Limoeiro. Questões sobre educação. In: GOULART, Cecília (Org.). Dimensões
e horizontes da educação no Brasil. Niterói: UFF, 2004, p. 6.
57
professor a condição de intelectual e transforma o ensino em atividade meramente
instrumental, com conteúdo de caráter utilitário e pragmático.
Urge então reafirmar que a perspectiva de transformação social nas
sociedades contemporâneas exige a crítica. Porém, somente a crítica não basta. A
crítica transformadora é a crítica combatente, construída nas lutas concretas pela
transformação. Que não permitamos que nos roubem o que pouco nos resta, ou
seja, a condição de sujeitos capazes de criticar e lutar por uma transformação social
digna para todos.
Partimos do pressuposto que:
[...] nenhum cidadão pode ser discriminado por motivo de crença; em ter
assegurado uma educação integral, incluindo o desenvolvimento de todas
as dimensões de seu ser, inclusive a religiosa, independente de concepção
religiosa ou filosófica de qualquer natureza.
76
Trata-se de defender uma educação escolar que sustente a necessidade de
uma educação formadora (de discernimento, de crítica e de liberdade), instrutora (de
conteúdos, saberes) e estreitamente vinculada à produção de conhecimentos.
Assim entendemos
[...] que o Ensino Religioso é parte integrante essencial da formação do ser
humano, como pessoa e cidadão, estando o Estado obrigado a promovê-lo,
não pela previsão de espaço e tempo na grade horária curricular da
Educação Básica, mas também pelo seu custeio, quando não se revestir de
caráter doutrinário ou proselitista, possibilitando aos educandos acesso à
compreensão do fenômeno religioso e ao conhecimento de suas
manifestações nas diferentes denominações religiosas.
77
Coloca-se como desafio a necessidade do professor desenvolver um olhar
investigativo fundamentado na teoria, no sentido de reorientar o planejamento da
instituição. Ser professor nestes termos é ser um intelectual que planeja, repensa e
replaneja o seu fazer pedagógico e isso, por sua vez, exige leitura, análise e
interpretação.
78
Diante destas propostas de formação, não podemos deixar de enfatizar que a
garantia de uma formação realmente possibilitadora da apropriação do
conhecimento, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, exige ainda não a luta
76
SILVA, 2004, p. 82.
77
JUNQUEIRA e WAGNER, 2004, p. 28.
78
ARCE, 2001.
58
pelo direito à formação como também por condições concretas para a sua
realização. A formação, nestes termos, exige que se parta da prática pedagógica,
problematizando-a, para buscar a sua instrumentalização por meio da teoria e que
responda as demandas práticas para se chegar à reflexão da prática social,
resultando em mudanças reais nas concepções dos profissionais. Tendo como
parceira a universidade, como lócus a instituição e partindo da prática pedagógica
dos profissionais para avançarmos e transformarmos o que nos parece impossível:
uma formação intelectual como marca da docência do professor dos anos iniciais do
Ensino Fundamental. É preciso uma formação docente voltada às especificidades do
ser professor. Acreditamos que é este reflexo que está ausente nos cursos de
formação e nas práticas escolares dos professores.
59
CAPÍTULO III DO AZEITE: CONEXÔES ENTRE CURRÍCULO,
ALFABETIZAÇÃO E ENSINO RELIGIOSO NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
“Tua serva não tem nada em casa, senão uma botija de azeite” Esta
dimensão do capítulo 4 de segunda Reis, se fez presente no contexto da pesquisa.
Foi fluindo que o azeite disponível na botija é o próprio Ensino Religioso como área
de conhecimento e desafio permanente no currículo dos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
60
Percebemos nitidamente entre os participantes da pesquisa o processo de
construção de suas identidades docentes, na área do Ensino Religioso, pois a partir
dos referenciais curriculares e dos textos legais, o Ensino Religioso é componente
curricular que deve estar, obrigatoriamente, em todos os currículos escolares. Essa
obrigatoriedade não significa catequese, mas processo de construção do
conhecimento a partir do diálogo com os diferentes que estão no caminho da
construção da identidade
79
.
Assim, neste capítulo procuraremos abordar algumas questões teóricas que
compõem o pensamento pedagógico quando se pretende discutir uma proposta de
currículo tendo como dimensão fundamental a presença do Ensino Religioso nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Em nosso entendimento “o Ensino Religioso
também é uma área de conhecimento, indispensável para a construção da
cidadania”
80
.
Ao pensarmos um currículo com a presença do Ensino Religioso, refletiremos
também sobre a função social da escola, concepção de alfabetização e letramento e
a compreensão do desenvolvimento humano da criança em seu processo que se
afirma cada vez mais complexo em que o Ensino Religioso é fundamental
Nossa perspectiva de currículo caminha pelo viés que considera os processos
educativos escolares constitutivos e construtores de relações humanas, crianças,
professores, que sendo humanos carregam diversas formas de culturas, memórias,
valores, identidades, universos simbólicos e imaginários, portanto, tomamos como
objeto de preocupação de constituição do conhecimento as dimensões do ensinar,
educar e aprender, as quais envolvem os dois atores: crianças e professores.
Entendemos que o currículo de Ensino Religioso não é um espaço reservado
para a legitimação, a doutrinação ou a evangelização, de expressão de ritos,
símbolos, campanhas e celebrações. Os conteúdos curriculares do Ensino Religioso
79
FUCHS, Henri Luiz. O ensino religioso: a diversidade, a identidade na escola. In: KLEIN, Remi;
BRANDENBURG, Laude Erandi; WACHS, Manfredo Carlos. O ensino religioso: diversidade e
identidade (Orgs.).: SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 5. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008. p.
130.
80
HACK, 2008, p. 108.
61
estão relacionados com as diversas manifestações do sagrado que constituem o
conhecimento religioso, patrimônio cultural da humanidade
81
.
Registramos que o percurso deste capítulo foi construído em um diálogo com
os participantes da pesquisa ora nos seminários realizados, ora nos momentos de
observações bem como nas entrevistas. Tínhamos em mente sempre que o “Ensino
Religioso pode ser um espaço democrático pelo qual se expõe a diversidade de
opiniões, afins e contraditórias, (...) sobre os mais variados temas que dizem
respeito à dignidade humana
82
.
3.1 CONCEPÇÃO DE CURRÍCULO E ENSINO RELIGIOSO
81
FUCHS, Henri Luiz. Análise do material didático para o ensino religioso de Henri Luiz Fuchs. In:
WACHS, Manfredo Carlos et al. Práxis do ensino religioso na escola. : SIMPÓSIO DE ENSINO
RELIGIOSO, 4, 2007, São Leopoldo: Sinodal/EST, 2007, p. 133.
82
BOBSIN, Oneide. Instituições religiosas e escola no espaço público. In: KLEIN, Remi;
BRANDENBURG, Laude Erandi; WACHS, Manfredo Carlos. O ensino religioso: diversidade e
identidade : SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 5. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008, p. 14.
62
Nesta linha de pensamento em que Crença nos inquieta, ressaltamos que o
currículo e o projeto político-pedagógico da escola devem explicitar claramente as
condições e os meios necessários para que a concepção de educação seja
efetivada em sua concretude. Isto significa que a escola (constituída por todos os
profissionais), ao elaborar e executar seu projeto de educação, precisa desenvolver
discussões sobre as concepções que permeiam sua proposta curricular.
Argumentamos que esta ideia segue um movimento que denota o debate e o
embate sobre o que se faz na escola (no campo das práticas pedagógicas, das
experiências escolares) e suas concepções (no campo das ideias, das intenções)
para assim poder elaborar um currículo que expresse e interaja com as concepções
e as práticas didáticas escolares
83
.
Torna-se então fundamental o compromisso dos gestores educacacionais e
profissionais da educação em todos os níveis e modalidades de ensino para sua
inserção crítica e duradoura. O Ensino Religioso como dimensão curricular não pode
ser mais um compromisso individual como sinalizado por Crença, mas busca de
todos em uma escola que realmente se pretende chamar inclusiva.
Nesta perspectiva, ao falarmos em Ensino Religioso, optamos pela
construção de um currículo que respeite a diversidade e transite por caminhos da
interdisciplinaridade. Em nossa compreensão, as práticas didáticas escolares devem
ser pensadas considerando as transformações sociais produzidas pela história
humana bem como as diferenças sócio-culturais e seus reflexos nos processos
escolares. Tais transformações não são lineares, mas estão presentes na realidade
material do trabalho e nas relações sociais. Neste caso, o desenvolvimento humano
se amplia e se constitui a partir das relações sociais e o homem como um sujeito
histórico que tem sua existência mediada pela cultura e pelas condições objetivas de
vida, apresenta-se como síntese das próprias relações sociais que estabelece.
Conforme afirma Vygotsky
84
“é a sociedade e não a natureza que deve aparecer em
primeiro lugar como o fator determinante da conduta do homem”. Logo, o currículo,
83
Estamos indicando uma perspectiva histórico-social, pautada nos estudos de Saviani (1985);
Vasconcellos (2007); Kramer (1984) e Sacirstán (1998); Os autores argumentam que, a forma de se
organizar o currículo esestritamente vinculada à intencionalidade educativa. Portanto, a partir de
uma opção por um determinado horizonte formativo, busca-se a melhor forma de organizar as
experiências escolares, ou seja, a própria vida na escola.
84
Na versão em espanhol do original russo lê-se: “es la socieda y no la naturaleza la que deve figurar
em primer lugar como el factor determinante de la conducta del hombre”
VYGOTSKY, l. S.. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1982, p. 89
63
não pode ser um recurso rígido, mas sim modelado a cada passo que avança, a
cada parada em que se retomam os passos anteriores, para então seguir adiante
em um movimento sem fim
85
.
No âmbito do Ensino Religioso isto nos leva a refletir que enquanto área de
conhecimento, o mesmo traz uma contribuição significativa para a compreensão da
religiosidade humana, do fenômeno religioso e de seus desafios. Ou seja, é preciso
resgatar, na educação, o conhecimento religioso, porém sem deixar de lado a
riqueza do mundo imaginário que o aluno traz de forma imprevista e tímida para a
escola
86
.
Isso nos leva a pensar em um currículo para a diversidade, que dialogue com
os vários campos disciplinares do conhecimento, ou seja, que tenha como dimensão
primordial a diversidade e a interdisciplinaridade. Em um sentido, de expressar e ser
promotor dos direitos sociais humanos, proporcionando aos sujeitos de qualquer
nível educacional o acesso a uma escolarização de boa qualidade e transformadora.
Assim, enfatizamos que uma proposta curricular, quando é social e
culturalmente significativa, intervém e potencializa de maneira favorável o próprio
processo de formação humana. “Com isso, o Ensino Religioso liberta-se de valores
universais abstratos e passa a se ocupar com temas quentes sobre a vida humana,
como aborto, reprodução humana, células tronco, igualdade racial e de gênero,
métodos contraceptivos, Aids, entre outros”
87
.
85
WIGGERS, Verena. A educação infantil no projeto educacional-pedagógico municipal. Editora
Erechim: São Cristóvão, 2000.
86
STUMER, Rosangela. Religiosidade popular e os PCNs do ensino religioso. SIMPÓSIO DE
ENSINO RELIGIOSO, 5, 2008, São Leopoldo. O ensino religioso: diversidade e
identidade...Organizadores: Remi Klein; Laude Erandi Brandenburg; Manfredo Carlos Wachs. São
Leopoldo: Sinodal/EST, 2008.
87
BOBSIN, 2008, p. 15.
64
Este diálogo interdisciplinar de Boa Nova nos revela a necessidade dos
profissionais da educação estarem atentos para o que estão fazendo, lançando um
olhar e uma escuta sofisticada para o desenvolvimento da própria vida, que é
experimentada de diversas formas por cada sujeito humano
88
.
Isto quer dizer que o desenvolvimento em uma área do conhecimento
diretamente afeta o desenvolvimento em outra área. Por exemplo, o
desenvolvimento da linguagem diretamente afeta o desenvolvimento da socialização
da criança com outras crianças e adultos, ou ainda, o desenvolvimento da
capacidade de entender a sequência lógica de uma história influencia a capacidade
de compreender a sequência lógica do sistema numeral. E assim por diante.
Portanto, as várias dimensões do desenvolvimento infantil (físico, motor, cognitivo,
mental, sensorial, linguístico, cultural) não podem estar desconectadas das diversas
áreas do conhecimento. A dinâmica interação de todas as áreas do desenvolvimento
deve ser considerada, e o currículo deve ser desenvolvido e implantado de forma
88
Segundo Marx e Engels (1983), a consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente,
e o ser dos homens é o seu processo de vida real... Os homens, ao desenvolverem sua produção
material e seu intercâmbio material, transformam também sua realidade, seu pensar e os produtos de
seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.
65
integrada. Reconhecendo, por exemplo, que a aprendizagem do Ensino Religioso
pode ocorrer no parque, no recreio, no jogo dramático, quando brincando com jogos
sensoriais, quando desenhando, quando pintando, quando cantando, quando
pulando, quando dançando, quando ouvindo histórias, quando brincando, até porque
o Ensino Religioso não é teoria pura e abstrata. O Ensino Religioso é algo vivo e
concreto e o professor realiza plenamente sua função na medida em que educa
para beber da fonte cultural e que intercambia conhecimentos com o sagrado em
que vive imerso o nosso Brasil
89
.
Ainda enfatizamos que a ideia da diversidade como categoria explicativa para
o currículo muito recentemente vem ocupando as propostas educacionais. Seu
sentido configura-se como a necessidade de considerar em suas escolhas a
diversidade dos “pertencimentos étnicos e referenciais culturais dos alunos aos
quais se dirige”
90
.
Nessa perspectiva, consideramos essencial entender o sentido e o significado
das palavras currículo, diversidade e interdisciplinaridade. Já que tais conceitos
sofreram e sofrem modificações constantes e estão sempre se adequando a
contextos históricos e culturais distintos, o que nos leva a indagar que as definições
dos conceitos são polissêmicas. Autores como Sacristán
91
, Kramer
92
, Moreira
93
e
Vasconcellos
94
localizam a origem da palavra currículo no latim currere” ou “currus”,
tendo um sentido de jornada, trajetória, carro, carruagem ou corrida, significando um
lugar no qual se corre. Especula-se que o termo era utilizado, na antiguidade
romana, para designar uma pista circular de atletismo ou uma pista para carros de
89
SILVEIRA, Daniel Bueno da. Prática pedagógica em ensino religioso. In: WACHS, Manfredo Carlos
et al. Práxis do ensino religioso na escola. : SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 4, 2007, São
Leopoldo: Sinodal/EST, 2007, p.171.
90
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento
escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p.137.
91
SACRISTÁN, J. G.. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed.. Porto Alegre: Artmed, 1998.
92
KRAMER, Sônia. A infância e sua singularidade. In.: BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade.
Brasília: MEC/SED, 2006.
93
MOREIRA, Antonio Flávio (org). Currículo na contemporaneidade. São Paulo: Cortez, 2003.
______. Currículos e programas no Brasil. São Paulo: Papirus, 2002.
94
VASCONCELOS, Celso dos S. Construção do conhecimento em sala de aula. São Paulo:
Libertad, 2002.
______. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala
de aula. São Paulo: Libertad, 2006.
______. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político pedagógico - elementos
para elaboração e realização. São Paulo: Libertad, 2006
66
corrida de cavalos. Seu uso metafórico em educação seria a “busca de um caminho,
uma direção, que orientaria o percurso para atingir certas finalidades”
95
.
Em relação ao Ensino Religioso sabemos que na história da Educação
brasileira o mesmo desenvolve-se em um processo evolutivo que acompanhou,
marcou e vai-se adequando ao processo educacional em seus altos e baixos, erros
e acertos, crises e estabilidades, conforme o momento histórico
96
Ensino este que, hoje, tornou-se de domínio da sociedade como um todo,
mas, acima de tudo, ele hoje é de domínio de professores que cada vez
mais, na busca de competência, qualificação e habilitação, no seu fazer
pedagógico, na prática de sala de aula, estão assumindo o ensino religioso
de forma acadêmica, por meio de pesquisa científica, refletindo diferentes
pontos de vista histórico, pedagógico, antropológico, filosófico e outros. E
assim, o ensino religioso passa, cada vez mais, a fazer parte do Projeto
Pedagógico da Escola
97
.
Então como todas as áreas de conhecimento, passando por significativas
mudanças, as propostas curriculares escolares vêm sendo utilizadas desde a
elaboração de uma lista de disciplinas até a evolução para um processo que designa
e abarca todas as atividades desenvolvidas sob a responsabilidade da escola.
Portanto, ao conceituar currículo é necessário contextualizar a dinâmica da evolução
do termo.
Kramer
98
assevera que currículo pode ser definido como um caminho e não
um lugar, que tem sua história, que contém uma aposta, que nasce de uma
realidade e traz consigo a expressão de valores, concepções, desejos, sonhos e
dificuldades que precisam ser superadas. Tal concepção não aponta um lugar, mas
um caminho que precisa ser construído por todos os envolvidos no processo.
Percebemos que Kramer
99
indica uma proposta de currículo aberto, devendo-se
ocupar das diferenças individuais, este é um convite relevante à consideração do
contexto social, cultural, religioso, geográfico, econômico e étnico no qual o currículo
deve ser desenvolvido.
95
MEC, 1996.
96
FONAPER. Ensino religioso: referencial curricular para proposta pedagógica na escola. Caderno
temática, n.1, 2006, p. 6.
97
JUNQUEIRA; WAGNER, 2004, p. 10.
98
KRAMER, nia. Formação de profissionais de educação infantil: questões e tensões. In.:
MACHADO, Maria L. (Org.) Encontros e desencontros em educação infantil. São Paulo: Cortez,
2003, p. 117-132.
99
KRAMER, 2003.
67
Ao pensarmos em ensino Religioso precisamos entender, na atualidade,
que o mesmo valoriza as diferenças sociais, culturais e religiosas presentes
na sociedade, apresentando-se como elemento fundamental e integrante,
para a práxis do currículo multicultural na educação brasileira, pois colabora
para o “fortalecimento do diálogo, do respeito à diversidade, da
solidariedade e da participação conjunta em busca da construção de uma
sociedade humana e humanizadora
100
.
Neste sentido, a elaboração de um currículo consiste em reunir e deflagrar
práticas didáticas escolares que envolvam todo o trabalho na escola e na sala de
aula, em um movimento contínuo e interdisciplinar que articula o desenvolvimento
cognitivo com a formação cultural humana. Ressalta-se a importância de se ter certo
cuidado ao afirmar que o currículo é tudo que envolve a escola, pois, como assevera
Vasconcellos, “quando algo é tudo, pode não ser nada”.
Desse sentido original, manteve-se a ideia de currículo como percurso,
trajetória, itinerários, travessias, passagens... Portanto, essa compreensão de
curriculum” como percurso (“cursus”), desde o princípio, orienta para uma ideia de
sequência ordenada e cumprimento de um conjunto de etapas.
Currículos são expressões de equilíbrio de interesses e forças que gravitam
sobre o sistema educativo em um dado momento. Ele não pode ser entendido
separadamente das condições materiais que possibilitam o seu desenvolvimento;
necessidade de estar-se atento às práticas políticas e administrativas que se
expressam em condições estruturais, organizacionais, materiais, etc
101
.
Neste aspecto, o currículo escolar é construção da identidade do estudante e
espaço de conflito dos interesses da sociedade. Em consonância com Sacristán,
evidenciamos a necessidade das propostas curriculares estarem conectadas às
realidades sociais, chamando atenção para a diversidade dos processos culturais.
Assim, na esteira do pensamento disseminado pelos dois autores, podemos afirmar
que as múltiplas determinações sociais é que dão o tom da singularidade
(compreendida em sua complexidade e diversidade) ao currículo. Sacristán enfatiza
o caráter da diversidade:
100
SILVA, Marcos Rodrigues da. Matrizes religiosas culturais brasileiras. CONGRESSO NACIONAL
DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR, 2, 2000. Anais... Blumenau: FURB, 2000, p. 155.
101
SACRISTÁN, 1998.
68
Desvendar o mundo dos significados da diversidade ou da diferença e ver
que se quis fazer com elas é um caminho para descobrir práticas, afinar
objetivos, tomar consciência e poder administrar os processos de mudanças
de maneira um pouco mais reflexiva
102
.
Vasconcellos quando analisa uma proposta de currículo, refere-se tanto ao
projeto educacional elaborado pela instituição, quanto ao caminho, ao trajeto que o
discente percorre no período de sua formação escolar. Portanto, sugere que ao
invés de ser pensado como uma pista de corrida, onde o percurso está prévia e
definitivamente estabelecido, cabendo pouquíssimas opções, entendê-lo como um
caminho, uma jornada, que tem referências, mapas, mas que sempre admite
mudanças, atalhos, alterações significativas de rotas; parece ser algo primordial
para que alunos e professores se envolvam com um processo de educação
ocupando-se e aventurando-se na construção, apropriação e objetivação do
conhecimento.
Continuando com as premissas de Vasconcellos
103
em relação à sua análise
sobre a elaboração de uma proposta curricular, é importante ainda ressaltar que
aquelas preocupações clássicas na área do currículo (necessidades, objetivos
educacionais, seleção, organização e distribuição dos conteúdos, metodologias,
relacionamentos, avaliação) não podem ser menosprezadas, a porque, no
cotidiano da escola, de uma forma ou de outra, são elas que acabam funcionando
como a espinha de sustentação do trabalho. Por outro lado, precisam ser ampliadas,
transformadas e/ou promotoras do senso crítico, considerando ambos os sujeitos
sociais (crianças/alunos e adultos/professores) participantes, os quais com suas
subjetividades estão dando forma e sendo formados social e culturalmente.
A produção teórica no campo educacional foi criando duas grandes tradições
de utilização do termo currículo. A primeira, de origem mais técnica, teve seu início
na idade dia pelo ensino do Trivium e Quadrivium
104
; define o currículo no plano
formal de organizar a aprendizagem nos espaços de ensino previamente planejados
a partir de objetivos definidos. Daí a ideia o presente hoje de currículo como
conjunto de disciplinas, grade curricular, histórico curricular, orientações
102
SACRISTÁN, J. G.. Educar e conviver na cultura global: as exigências da cidadania. Porto
Alegre: Artes Mádicas Sul, 2002, p. 13.
103
VASCONCELLOS, 2006.
104
Forma de organização curricular que tinha um caráter preparatório para os estudos superiores. O
Trivium, era constituído dos estudos de gramática, retórica e lógica. O Quatrivium era o estudo da
aritmética, geometria, astronomia e música.
69
relacionadas aos objetivos e conteúdos. Vários autores ajudaram a formular esta
tradição, entre eles Bobbit e Tyler
105
.
A segunda tradição vinculada a uma perspectiva prática e crítica de currículo
compreende-o como um projeto que resulta não de um planejamento, mas de
uma construção cotidiana dentro do espaço escolar. Nesse sentido, o conceito de
currículo em uma forma abrangente engloba desde decisões políticas estruturais até
as práticas escolares. Esta segunda definição expressa nossos posicionamentos e
vem ao encontro do referencial teórico que constitui nossos argumentos.
No entanto ambas as tradições permeiam ainda hoje as produções
acadêmicas dos estudos curriculares, ao mesmo tempo em que surgem novas
perspectivas, como o caso dos estudos pós-críticos, e nesse sentido não podem ser
compreendidas como ideias superadas.
Portanto, estamos diante de um conceito que foi elaborado por diferentes
orientações teóricas. Mas, para além de uma definição, entendemos que o currículo
sempre explicita o modo pelo qual a escola, e toda a comunidade escolar, organiza
o ensino e a aprendizagem explicitando que conhecimentos prioriza.
105
SILVA, Tomaz T. da; MOREIRA, Antônio Flávio B.(orgs.). Territórios contestados: o currículo e
os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 33
70
A partir dessas reflexões e do depoimento da pessoa cognominada de
Diversidade podemos compreender o currículo não somente como um plano, um
programa, um cursus, mas como um projeto construído no cotidiano da escola que
modifica os sujeitos a partir de interesses diversos e que nesse sentido está em
permanente construção. Currículo constitui identidades. Currículo constitui-se na
ação.
Neste sentido o currículo produzido pelas práticas cotidianas expressa o que
a escola entende como conhecimento, que saberes privilegia, assim como que
sujeito pretende formar e que sujeito de fato forma. Diante disso, uma proposta
curricular possibilita trazer para o cotidiano da escola as reflexões sobre o seu fazer.
Na perspectiva histórico-social-crítica o currículo ajuda a ressignificar a
compreensão que o sujeito tem do seu entorno, na medida em que o trabalho com o
conhecimento cientifico auxilia na complexificação dos conceitos já elaborados.
Assim, cremos que a concepção de currículo até aqui manifestada pode ser
compreendida como anúncio de um sonho, manifestação de um desejo de luta; no
qual os projetos de educação precisam caracterizar-se como compromisso político,
ético, intencional, respeitoso, igualitário e interdisciplinar, com base filosófica e
pedagógica, cujo objetivo seja sustentar uma práxis educacional comprometida com
71
a formação humana de pessoas empenhadas na transformação da realidade
sociocultural e econômica vigente, mediante uma proposta que considere todos os
sujeitos envolvidos, desenvolvendo suas potencialidades, adotando uma proposta
curricular para a diversidade, interdisciplinaridade e a produção de conhecimento.
Em um diálogo com o Ensino Religioso, entendemos que o mesmo é:
um conhecimento de características próprias, como cada campo o é. Tendo
o desafio de trabalhar a partir do seu não-lugar ou como “saber à margem”,
tanto mais ele é disciplina potencial para a realização da participação. O
Ensino Religioso é contextualizado na realidade cultural própria da escola,
que é a pedagógica, e não a partir das confissões religiosas. O aspecto
religioso da realidade brota para dentro da escola e é abordado por ela
pedagogicamente. Isso quer dizer que paradigmas próprios surgem na
escola, diferentes daqueles das confissões religiosas
106
.
Percebe-se na fala de Simbolismo e com base nos fundamentos do enfoque
histórico-cultural que o processo educativo e o trabalho do professor e da professora
precisam ser atividades mediadas intencionalmente. Assim, quanto mais consciente
é a relação do professor e da professora com a teoria que orienta seu pensar e agir,
mais ampla, rica e diversificada pode ser a experiência que propõe aos alunos e
106
BRANDENBURG, 2004, p. 137.
72
maior o rol de qualidades humanas de que eles podem se apropriar
107
. É neste
sentido que estamos dando e compreendendo a produção, apropriação e
objetivação de conhecimentos no ambiente escolar.
O professor precisa ter uma compreensão do processo educativo em sua
complexidade, precisa conhecer a cultura, sem o que não poderá criar mediações
que garantam o acesso do aluno ao mundo da cultura, uma vez que o mediador
pode intencionalmente mediar o acesso ao que é capaz de ver no mundo da cultura
humana
108
.
Assim, as condições concretas de uma proposta curricular precisa garantir
que o profissional da educação saiba que conteúdos humanizadores selecionar para
garantir que seus alunos se apropriem das máximas qualidades humanas e as
formas mais adequadas para garantir esse processo de apropriação e objetivação.
É papel do Ensino Religioso provocar o questionamento sobre o sentido da
existência humana, tendo como especialidade essa capacidade de ir além
da superfície dos acontecimentos, gestos ritos, normas formulações da fé,
para interpretar a realidade e atuar na transformação da sociedade
109
.
Observamos que a construção de uma proposta curricular exige deflagrar
como eixo central de preocupação: a constituição do processo de conhecimento, a
atividade da formação humana como característica primordial do trabalho educativo
do/a professor/a, os processos de socialização na escola e o reconhecimento de
quem ensina e aprende como sujeitos ativos e históricos, que se apropriam e
produzem cultura nas condições sociais disponíveis. É preciso conhecer tais
condições históricas disponíveis, para ampliar e favorecer uma formação significativa
e que responda aos anseios de quem recebe.
Neste caso, assumir uma perspectiva histórico-social-crítica, a qual enfatiza
os seres humanos como produtores de culturas e ativos nos processos sociais, é
diferente de considerá-los atores individuais de seu próprio destino e supervalorizá-
los em si mesmos. Largando-os em sua própria sorte. Sem qualquer tipo de
mediação intencionalizada.
107
MELLO, 2006, p. 12
108
MELLO, 2006, p. 15
109
DEON, José; BRADENBURG, Laude Erandi. O ensino religioso como área de conhecimento no
ensino médio. SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 5, 2008, São Leopoldo. O ensino religioso:
diversidade e identidade... Organizadores: Remi Klein; Laude Erandi Brandenburg; Manfredo Carlos
Wachs. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008, p. 150.
73
Afirmamos que pensar uma proposta curricular é destacar como função
precípua do/a professor/a uma relação consciente e crítica com a teoria que orienta
seu pensar e agir - pedagógico. Adota-se a definição de professor/a como aquele/a
que ensina, que deve possuir competência (que supere a improvisação e o
amadorismo), que tenha precisão, rigor filosófico e disciplina metodológica,
criatividade e criticidade na forma de entender e trabalhar os conhecimentos
conforme o contexto em que foi produzido
110
. Com reflexões voltadas para os
diversos questionamentos levantados e análises realizadas, podemos afirmar que
“ser professor/a” das séries iniciais em Ensino Religioso é muito mais do que ter um
diploma de licenciatura em Pedagogia e ter uma disciplina específica para esse fim,
é se construir diariamente com os mais diversos fatores que tornam essa tarefa
difícil, porém, extremamente necessária
111
.
Por isso, ao buscar constituir um currículo para a diversidade e a
interdisciplinaridade, temos que necessariamente nos debruçar sobre os
conhecimentos que são selecionados para o processo de ensino e aprendizagem,
bem como o papel e atuação do/a professor/a no processo educativo estabelecido.
Tais princípios têm sido propalados nos discursos pedagógicos e nas teorias que
orientam nossas propostas didático-pedagógica, estão, dessa forma, veiculados
tanto nas publicações (revistas, livros e muitos artigos) como na formação de
professores, constituindo um corpus teórico-metodológico para o desenvolvimento
dos processos de educação.
Essas questões revelam a visível necessidade de uma maior compreensão da
formação e atuação docente, aliando-se a uma tendência atual de buscar esses
elementos na prática desenvolvida pelo professor, analisando-a de forma
fundamentada e contextualizada aos professores.
110
ARCE, 2001, p. 181.
111
MARTINS FILHO, Lourival José; WACHS, Manfredo Carlos (Orgs.). O ensino religioso e a
decência nas séries iniciais do ensino fundamental: inquietações iniciais. SIMPÓSIO DE ENSINO
RELIGIOSO, 5, 2008, o Leopoldo. O ensino religioso: diversidade e identidade...Organizadores:
Remi Klein; Laude Erandi Brandenburg; Manfredo Carlos Wachs. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008,
p. 170.
74
Nesta compreensão, percebe-se que a produção de conhecimento no
ambiente escolar precisa ser intencional e coletiva e que opere tanto nas dimensões
subjetivas (caráter, mentalidade) como intersubjetivas (conhecimento profissional),
assim, não se trata de algo relativo à apenas uma etapa ou fase do desenvolvimento
humano, mas sim de algo que percorre, atravessa e constitui a história dos homens
como seres sociais, políticos e culturais, colocando os próprios docentes em seus
processos formativos.
75
A fala de Transcendente nos leva em direção a Vygotsky que considera como
primordial do trabalho no campo educacional, qual seja, a necessidade de
desenvolver o conhecimento científico, porém, que seja partindo dos conceitos
trazidos pelas crianças, pois possibilita o processo de elaboração conceitual
112
.
A elaboração conceitual é considerada como um modo culturalmente
desenvolvido de os indivíduos refletirem cognitivamente suas experiências,
resultante de um processo de análise (abstração) e de síntese (generalização) dos
dados sensoriais, que é mediado pela palavra e nela materializado
113
.
Portanto, o conceito na perspectiva Vygotskyana, pela sua apropriação
permite uma complexificação do entendimento do real. Partindo do nível real de
conhecimento das crianças, dialogando com ele/a, negando-o e confrontando-o, em
uma relação dialética. A análise do real é ponto de partida e não de chegada.
Portanto, todos os conhecimentos vivenciados em sua vida cotidiana, que
podem ser oriundos do senso comum ou cientificamente elaborados, podem servir
de ponto de partida para o processo de elaboração conceitual. Tal compreensão
modifica a forma de compreendermos o processo de ensino-aprendizagem e a
relação que a escola estabelece com a produção, apropriação e objetivação do
conhecimento.
Nesse sentido, conceitua-se funções psicológicas superiores como o modo de
funcionamento psicológico especificamente humano, tais como a imaginação, a
memória voluntária, a capacidade de planejamento entre outras. Tais processos são
considerados “superiores”, de alta sofisticação por se referirem à mecanismos
intencionais; são ações controladas de maneira consciente
114
.
Esses processos nascem nas relações entre os seres humanos e se
desenvolvem no decorrer do processo de internalização de formas culturais de
comportamento. Eles são diferentes dos chamados processos psicológicos
elementares, que são as ações reflexas, as associações mais simples e as reações
112
VYGOTSKY, Lev S.; LURIA
, Alexander R.; LEONTIEV, Alexis N.. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo:
Ícone, 1998.
113
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização no
processo discursivo. São Paulo: Cortez, 1983, p. 122.
114
VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1998, p. 112
76
automáticas. Essas têm origem biológica e estão presentes nas crianças pequenas
e nos animais.
A escola, enquanto ambiente de formação social e cultural, assume papel
fundamental no desenvolvimento individual, tendo em vista que as pessoas mais
experientes promovem a transição de um nível de conhecimento da criança a outro
de nível mais elaborado. Esse processo faz com que a criança saia de sua
indiferenciação inicial, apropriando-se de novos conceitos.
Neste processo de apropriação de conceitos por parte das crianças, jovens e
adultos que estão nos anos iniciais do Ensino Fundamental, ao pensarmos o Ensino
Religioso como componente curricular, espera-se que o mesmo no contexto escolar
contribua para:
proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o
fenômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no
contexto do educando;
subsidiar o educando na formulação do questionamento existencial, em
profundidade, para dar sua resposta devidamente informado;
analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e a
manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais;
facilitar a compreensão do significado das afirmações e verdades de fé
das tradições religiosas;
refletir o sentido da atitude moral, como consequência da vivência do
fenômeno religioso e expressão da consciência e da resposta pessoal
e comunitária do ser humano;
possibilitar esclarecimentos sobre o direito à diferença na construção
de estruturas religiosas que tem na liberdade o seu valor inalienável
115
.
Nesta direção consideramos as crianças, jovens e adultos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental como sujeitos cognoscentes. Vygotsky enfatiza o papel do
social e da sociedade na produção de uma estrutura para o desenvolvimento do ser
humano e de uma crença de que grande parte da aprendizagem é mediada pelas
interações sociais no plano interpessoal como no plano sócio-cultural.
115
FUCHS, 2008, p. 125.
77
Enfatiza-se a relação dialética entre o indivíduo e o social e a sua
dependência no que se refere à mudança da cultura e do desenvolvimento do
indivíduo:
desde os primeiros dias de desenvolvimento, as atividades de uma
criança adquirem um significado próprio em um sistema de comportamento
social e, estando dirigidas para um objetivo definido, são refratadas pelo
prisma do ambiente em que vive. O caminho entre o objeto e a criança e
entre a criança e o objeto passa para outra pessoa. Essa estrutura humana
complexa é produto de um processo de desenvolvimento profundamente
enraizado nos elos entre a história individual e a história social
116
.
Embora cada criança seja única, ela compartilha características comuns com
as outras por meio da interação e pode construir seu conhecimento sobre essas
características comuns, levando em conta que elas apresentam diferentes maneiras
de aprender. Cabe então ao/a professor/a, por meio da mediação, oportunizar
situações de aprendizagem às mesmas, nos vários espaços que dispõe.
Ousadia nos faz entender que a construção do conhecimento e sua
apropriação pelos alunos e professores é um processo coletivo mediado pela
linguagem. Esse movimento permite ao professor, enquanto ensina, também
116
VYGOTSKY, Lev. S.. El desarrollo del lenguaje escrito. In: Obras Escolhidas. Madrid, Visor, v.3.
1995, p. 30.
78
reelaborar o seu próprio conhecimento. Na abordagem histórico-social-crítica, o
ensino representa o meio pelo qual o ser humano se desenvolve intelectualmente. O
ensino aqui é entendido como um motor de novas conquistas intelectuais, dirigido
para os estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelas crianças.
Assim, o conhecimento é apropriado pela interação do sujeito com o seu meio
social, mediado por um sistema de símbolos ou conceitos.
Nesta teoria, “conceitos são construções culturais, internalizadas pelos
indivíduos ao longo de seu processo de desenvolvimento
117
. O meio social fornece
ao indivíduo uma combinação de significados que organiza o real em categorias
(conceitos) utilizando a linguagem do seu grupo, para nomeá-las, por meio das
palavras. Portanto, o indivíduo adquire a capacidade de exprimir e partilhar com os
outros componentes de seu grupo social a compreensão que ele tem da vivência
comum ao grupo.
Um ensaio sobre as ideias de Vygotsky, elaborado por Luria
118
nos mostra
alguns aspectos específicos da educação em sala de aula:
Durante o processo de educação escolar a criança parte de suas próprias
generalizações e significados; na verdade ela não sai de seus conceitos
mas, sim, entra num novo caminho acompanhada deles, entra no caminho
da análise intelectual, da comparação, da unificação e do estabelecimento
de relações lógicas [...] os conceitos iniciais que foram construídos na
criança ao longo de sua vida no contexto de seu ambiente, social, Vygotsky
chamou de “diários ou espontâneos”, na medida em que são formados
independentemente de qualquer processo especialmente voltado para
desenvolver seu controle, são agora deslocados para um novo processo,
para nova relação especialmente cognitiva com o mundo, e assim nesse
processo os conceitos da criança são transformados e sua estrutura muda.
Durante o desenvolvimento da consciência na criança o entendimento das
bases de um sistema científico de conceitos assume agora a direção do
processo.
Portanto, é importante que os professores e professoras compreendam no
trabalho de Vygotsky a formação dos conceitos cotidianos e cienficos; é para estes
últimos que se devem voltar as atenções no processo de produção, apropriação e
objetivação do conhecimento. Nesse sentido, uma das características do papel
117
SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de
Santa Catarina: educação infantil, ensino fundamental e médio: formação docente para educação
infantil e séries iniciais. Florianópolis: COGEN, 1998, p. 141.
118
LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, Lev. S.; LURIA,
Alexander. R.; LEONTIEV, Alexis. N.. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo,
Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1989, p. 147.
79
dos/as professores/as é a disposição para ajudar as crianças a fazer ligações entre
sua compreensão cotidiana e a forma de conhecimento científico. O movimento
entre professor/a e aluno/a, e entre o texto escrito e a conversa, é parte do processo
pelo qual elaborações conceituais cada vez mais poderosas são desenvolvidas.
Entendemos então que pensar as aulas de Ensino Religioso como espaço de
formação de conceitos em articulação com as diferentes áreas do saber,
estabelecendo relações mais significativas, poderá ser mais um desafio para a
escola que prevê em seu projeto pedagógico uma proposta interdisciplinar
119
.
Percebe-se então uma mudança significativa nessa abordagem na forma como
entendemos a produção, apropriação e objetivação dos conhecimentos, os
processos de ensino e aprendizagem e em decorrência toda a prática didática
escolar nas suas diversas manifestações e sistematizações: muda-se o modo como
se organiza o ensino, as práticas de avaliação e a relação entre professores/as e
crianças.
3.2 ENSINO RELIGIOSO E ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
119
KRONBAUER, Selenir Correa Gonçalvez. Diversidade na formação de professores: um desafio
para a escola e a sociedade. In: KLEIN, Remi; BRANDENBURG, Laude Erandi; WACHS, Manfredo
Carlos. O ensino religioso: diversidade e identidade (Orgs.).: SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO,
5. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008, p. 53.
80
Em nossa escrita temos enfatizado a função social da escola, os processos
de ensino e aprendizagem, a formação humana em adultos/professores e
crianças/alunos do Ensino Fundamental, bem como, papel/atuação dos/as
professores/as no desenvolvimento destes aspectos, os quais destacamos como
essenciais à educação escolar. Pretendemos agora discorrer sobre concepções e
tendências contemporâneas sobre a alfabetização e o letramento, procurando
significar os processos de construção e aquisição da leitura e da escrita na escola e
sua relação com o Ensino Religioso.
Desta forma, iremos propor uma reflexão crítico-análitica sobre a leitura e a
escrita no processo de ensino e aprendizagem, dando ênfase na compreensão das
razões pelas quais o processo educacional realizado na escola precisa investir em
metodologias, estratégias, concepções e, principalmente, no reconhecimento do
processo de ler e escrever como prática social e cultual. Sabemos porém que :
É preciso dizer que aqueles que acreditam e reconhecem o valor do Ensino
Religioso postulam ainda sua inclusão não apenas no ensino fundamental,
como está colocado até o momento, mas em todo o ensino básico, que
inclui desde a educação infantil até o ensino médio, dada a importância da
dimensão religiosa do ser humano em qualquer fase da vida
120
.
Nesta pesquisa nosso recorte pauta-se nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
120
FONOPER, 2006, p. 9.
81
Entendemos que pensar a alfabetização para além de uma gama infindável
de distorções, arbitrariedades, interpretações que enfatizam a técnica em detrimento
de sua função social e cultural é como desconectar a escrita do mundo real da
criança, separando algo que social e culturalmente está interligado. Esta é uma
questão fundamental e traz implicações diretas para as primeiras séries do Ensino
Fundamental. Em relação ao Ensino Religioso o cabe mais a contestação de seu
espaço ou não na escola. Até porque:
“O ensino religioso alicerça-se nos princípios da cidadania, do entendimento
do outro enquanto outro, de formação integral do educando. Pois, ainda que
muitas pessoas neguem ser religiosas, é um dado histórico, toda pessoa é
preparada pra ser religiosa, do mesmo modo que é preparada pra fala
determinada língua, gostar disto ou daquilo, comer, vestir-se de uma forma,
acreditar ou não, pois o ser religioso é um dado antropológico, cultural. No
substrato de cada cultura sempre está presente o religioso
121
.
Sendo assim é importante que os professores de Ensino Religioso trabalhem
no sentido de criar em nossas crianças:
uma nova mentalidade de convivência humana, de respeito às diferenças,
sem discriminação de qualquer natureza: sexo, raça, religião minorias.
Dogmatismos e radicalismos em assuntos religiosos não o caminhos de
libertação, mas de alienação e escravidão de consciências
122
.
121
FERNANDES, 2000, p. 70.
122
SILVA, 2004, p. 31.
82
Concordamos ainda que é fundamental que o educador das series iniciais no
processo de alfabetização integre o Ensino Religioso, pois o mesmo deve ser o
mediador entre o educando e o conhecimento religioso.
A relação interpessoal deve ser respeitosa, saudável, amigável, cordial e
clara entre ambos, evitando o autoritarismo, para assumir um caráter de
autoridade competente. A interação é um processo muito importante no
processo de ensino-aprendizagem
123
Assim, ao falarmos em alfabetização e nos processos de ensinar nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, aprendemos a defender a tese de que a criança não
é um adulto em miniatura. “Ela modela sua própria cultura primitiva; embora não
possua a arte da escrita, ainda assim escreve; e ainda que não possa contar, ela
conta, todavia”
124
. Pensamos que a tese do autor é expressão daquilo que
compreendemos como função social e cultural do processo de ler e escrever. Esta
concepção revela uma tendência sobre a alfabetização que sublinha o que
Guimarães Rosa em 1967 escreveu sobre a linguagem. Para o escritor e poeta a
linguagem e a vida são uma coisa só
125
.
Neste ponto gostaríamos de reafirmar a tese de Lúria
126
no sentido de que o
processo da alfabetização na criança “começa muito antes da primeira vez em que o
professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras”
127
. Isso vale
também para o Ensino Religioso, pois é um componente essencial na vida de todo
ser humano, principalmente da criança. E, como fonte de desenvolvimento, contribui
para a criatividade e para o crescimento intelectual, social, emocional e religioso do
indivíduo
128
. Ao desenvolver o Ensino Religioso pretende-se formar seres
espontâneos, vivos, dinâmicos, capazes de exteriorizar seus pensamentos,
sentimentos e sensações e de utilizar diversas formas de linguagem, sendo também
123
WACHS, 2007, p. 70.
124
LURIA, Alexander. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, Lev. S.; LURIA,
Alexander R.; LEONTIEV, Alexis N.. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo,
Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1989, p. 102.
125
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: Veredas. 19. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1967.
126
LURIA, p. 147.
127
STEMMER, Márcia Regina G.. A educação Infantil e a alfabetização. In: ARCE, Alessandra;
MARTINS, Lígia Márcia (Orgs.). Quem tem medo de ensinar na educação infantil?: em defesa do
ato de ensinar. Campinas, São paulo. Editora Alínea, 2007, p. 125.
128
STEFFENS, Marceli Porn; KLEIN, Remí. A primeira infância e o ensino religioso: encontro
essencial. FUCHS, Henri Luiz et al. (Orgs). Ensino religioso na escola: bases, experiências e
desafios. São Leopoldo, RS: Oikos,2005, p. 159.
83
seu objetivo formar um ser social, apto a construir gradualmente sua própria escala
de valores
129
.
Entretanto, quanto mais a escola se ocupar em melhorar, (re)pensar e
sofisticar as formas mais adequadas de sua intervenção no processo da aquisição
da leitura e da escrita e do ensinar Ensino Religioso, mais positiva sesua atuação
e contribuição.
Nossa premissa caminha no sentido de relacionar letramento, alfabetização, e
Ensino Religioso, dimensões consideradas indissociáveis e complementares quando
se pretende educar as crianças dos anos iniciais. Pois, dimensões ligadas a
processos distintos de natureza essencialmente diferentes, entretanto, são
interligados e interdependentes
130
. Neste caso, cabe afirmar que ler é uma prática
do letramento e a escola é uma das principais agências de letramento, tendo a
função de transmitir o conhecimento sistematizado e, por conseguinte, o ensino do
sistema de escrita e da leitura. Coloque-se aí o Ensino Religioso
129
STEMMER, 2005, p. 160.
130
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte. CEALE/Autêntica,
2003.
84
De uma maneira breve, podemos indicar que o conceito de letramento foi
introduzido no cenário acadêmico escolar no Brasil na década de 1980. Tendo como
referência os estudos de Soares, a pioneira em introduzir o termo no contexto
brasileiro foi Mary Kato, no livro “No Mundo da Escrita: uma perspectiva
psicolingüística”, publicado em 1986. Em Soares encontramos uma definição
esclarecedora para o termo letramento de Kato
131
, pois a autora reuniu e apresenta
de forma didática os estudos que vinham sendo feitos na época sobre literacy,
compreendendo e definindo o termo como relativo ao estudo das formas e dos usos
da escrita, incluindo sua relação com a modalidade oral.
Sendo assim, afirmamos a necessidade de compreender o processo de
alfabetização no contexto (ou na perspectiva) do letramento. Processo que pode ser
compreendido da seguinte forma:
A inserção no mundo da escrita se dá por meio da aquisição de uma
tecnologia a isso se chama alfabetização, e por meio do desenvolvimento
de competências (habilidades, conhecimentos, atitudes) de uso efetivo
dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua escrita a isso
se chama letramento
132
.
Portanto, compreendendo que alfabetizar e letrar são duas ações distintas,
mas não inseparáveis, ao contrário, como assevera Soares, o ideal seria alfabetizar
letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da
leitura e da escrita. Tais questões apontadas pela autora, nos levam a pensar
criticamente as práticas de ensino restritas aos antigos e ultrapassados métodos de
alfabetização, principalmente os que consideram a alfabetização apenas como uma
técnica a ser desenvolvida, treinada, decodificada e exercitada com atividades
mecânicas e sequenciais. Concordamos novamente que a alfabetização apenas
nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o
estado ou a condição de quem se apropriou da escrita, incorporando as práticas
sociais que as demandam.
Estas implicações no processo de letramento e alfabetização precisam ser
explicitadas, além de proporcionar a possibilidade de construirmos as bases para a
aquisição da escrita e da leitura como um instrumento cultural complexo. Parece que
131
KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo. Ática, 1986.
132
SOARES, 2003, p. 90.
133
SOARES, 2003.
85
o primeiro passo é problematizar a complexidade da escrita, não tornando o
processo simples, ocupando-se apenas com o ensino de letras e sílabas. Neste
caso é preciso superar o ensino da escrita que geralmente acontece na escola do
Ensino Fundamental por meio de exercícios de repetições, preenchimento de letras,
treino das sílabas, junção de vogais, ou seja, tarefas de treino de escrita de letras,
sílabas e palavras que não constituem atividades de expressão. Como é descrito:
Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas
não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de
ler o que está escrito que acaba se obscurecendo a linguagem escrita como
tal
134
.
Esta crítica de Vygotsky é datada da década de 1920 e, em nossa
interpretação, ela é muito atual. Como assevera Mello
135
, uma crítica que
permanece presente nas escolas, pois os/as professores/as ensinam às crianças a
traçar as letras e a formar palavras com elas, mas não ensinam a linguagem escrita.
Para a autora a aquisição da escrita tem um papel enorme no desenvolvimento
cultural e psíquico da pessoa, uma vez que dominar a escrita significa dominar um
sistema simbólico extremamente complexo que cria sinapses essenciais para outras
formas elaboradas de pensamento
136
.
As constatações de Mello
137
vêm ao encontro de nossas análises, pois
geralmente percebemos que os/as professores/as apresentam a escrita para as
crianças de forma que o ensino do mecanismo prevalece sobre a utilização racional,
funcional e social da escrita.
Sobre o que significa a escrita, Vygotsky
138
assinala que “é um processo de
simbolismo de segundo grau, uma vez que se forma por um sistema de signos que
identificam convencionalmente os sons e palavras da linguagem oral que são, por
sua vez, signos de objetos e relações reais”
139
. Observa-se que o autor considera a
escrita como a representação da fala, que, por sua vez, representa a realidade.
Nesse sentido, evidencia que a escrita é uma representação de segunda ordem.
134
VYGOTSKY, 1998, p. 119.
135
MELLO, Suely Amaral. O processo de aquisição da escrita na educação infantil: contribuições de
Vygotsky. In: FARIA, Ana Lucia Goulart; Mello Suely Amaral (orgs.) O mundo da escrita no
universo da pequena infância. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. (Coleção polêmicas do
nosso tempo).
136
MELLO, 2005, p. 26.
137
MELLO, 2005, p. 26.
138
VYGOTSKY, 1995.
139
VYGOTSKY, 1995, p. 184.
86
Tal referencial nos faz pensar em rever os processos de alfabetização nas
escolas de Ensino Fundamental, principalmente das séries iniciais. Pois seguindo o
que Vygotsky
140
aponta, mais do que ensinar as crianças a decodificar digos, é
preciso inseri-las em um contexto amplo, rico, fecundo e permeado de múltiplas
linguagens
141
, as quais levarão as crianças à linguagem escrita, isto nos faz afirmar
que, desde um gesto, um desenho, uma pintura, uma gravura, um movimento, uma
dança, uma escultura, uma maquete, brincar de fazer de conta, decifrar rótulos,
seriar códigos, ouvir histórias, elaborar listas, discutir impressões de notícias de
jornal, elaborar cartas, trabalhar com receitas, realizar visitas a bancos, museus e
supermercados, conviver e interagir com gibis, livros, poesias, parlendas, audições
de músicas etc. , a interação com as diferentes linguagens é essencial e antecede
as formas superiores da linguagem escrita. O desenvolvimento das atividades que
relacionamos fornecerá às crianças a importância e o funcionamento da escrita em
nossa sociedade, desenvolvendo capacidades necessárias para a sua apropriação.
E isto poderá motivar as crianças a quererem conhecer mais, quererem aprender a
ler e escrever de maneira prazerosa e satisfatória, é sobretudo nesse caso que o
papel da escola se intensifica
142
.
Para que a aquisição da escrita se de forma efetiva, no entanto, é preciso que o
nexo intermediário representado pela linguagem oral desapareça gradualmente
e a escrita se transforme em um sistema de signos que simbolizem diretamente os
objetos e as situações designadas. assim o leitor será capaz de ler ideias e não
palavras compostas de sílabas em um texto. Da mesma forma, ao escrever,
registrará ideias e não apenas grafará palavras
143
Temos, portanto, apontado para a necessidade de problematizarmos no
sentido de reformular o processo de ler e escrever no espaço e tempo da escola.
Pois sabemos que a escola ensina que escrever é desenhar/gravar as letras,
quando, de fato, escrever é registrar e expressar informações, ideias e sentimentos.
Mello alerta que sem exercitar a expressão, o escrever fica cada vez mais mecânico,
140
VYGOTSKY, 1995, p. 185.
141
Importante ressaltar que as múltiplas linguagens não podem estar separadas, nem entre si, nem
separadas de experiências significativas que tragam conteúdos à expressão das crianças nas
diferentes linguagens (MELLO, 2005).
142
Conforme estudos da teoria histórico-social-crítica (na versão original chamada histórico-cultural),
precisamos desenvolver atividades no qual as crianças sejam chamadas e motivadas a participarem
ativamente de todo o processo, pois aprender envolve atribuir um sentido ao que se aprende.
143
MELLO, 2005.
87
pois sem ter o que dizer, a criança não tem por que escrever. Desta maneira,
defendemos a ideia que a escrita precisa fazer-se uma necessidade natural da
criança em uma sociedade que e escreve. Essa necessidade poderá garantir a
introdução adequada da criança ao mundo da linguagem escrita.
Em nossa interpretação, o fato da criança não desenvolver o gosto e o prazer
pela leitura e a escrita, de maneira a torná-la uma leitora e uma escritora, mesmo em
seu sentido mais restrito, poderá desenvolver uma história de fracasso escolar, que
no limite exclui a criança do processo de aprendizagem e no limite, da própria
escola.Temos que conscientizar, no sentido da transformação e não da
acomodação, para que os/as professores/as compreendam a complexidade que
envolve o processo de alfabetização. Acreditamos que somente dessa forma
poderão buscar subsídios e ampliar as possibilidades, apropriando-se dos artefatos
culturais necessários e preciosos para a execução de seu trabalho pedagógico.
Cabe ao profissional da educação construir e elaborar conhecimentos que lhe
forneçam mecanismos e estratégias adequadas para o desenvolvimento de um
planejamento minucioso e significativo aos anseios das crianças. No que se refere à
escrita e à leitura é importante ressaltar que toda produção de texto deve estar
invariavelmente ligada a uma necessidade intrínseca da criança. Registramos uma
leitura freiriana que entendemos estar muito próxima ao que se almeja para as
crianças do Ensino Fundamental, um processo de aquisição da escrita onde o
sujeito seja alfabetizado e letrado ao mesmo tempo. Assim, nas palavras de Freire:
“A leitura de mundo precede a leitura das palavras, sugerindo com isso que a
aprendizagem da escrita faria sentido se vivenciada pelo sujeito e se tivesse
significado para ele”
144
.
Neste sentido, parece-nos óbvio falar da necessidade de desenvolvermos
novas reflexões sobre a função social da escola e o processo de ensino e
aprendizagem nas escolas de Ensino Fundamental. Sem dúvida nenhuma esse
processo de resignificação, revisão de concepções, conceitos e práticas didáticas
escolares precisa ser traduzido concretamente para o cotidiano das escolas. Sendo
assim, passa a ser essencial que reflitamos sobre esse processo de transformação
de práticas didáticas escolares, em um sentido de reconfigurar a própria função da
144
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completa. São Paulo, Cortez,
1982.
88
escola. Daí a necessidade e a importância de termos fundamentação teórica
consistente para revermos os processos de educação no interior do cotidiano das
escolas. O modelo educacional vigente é expressão de uma educação autoritária em
que ainda estamos imersos (resultado do período militar). Por isso, estamos
chamando atenção para a necessidade de contextualizarmos as práticas didáticas
escolares, no sentido de observar e descortinar suas mazelas, superando os
resquícios do autoritarismo, sem abrir mão da autoridade do/a professor/a.
A universalização do acesso ao Ensino Fundamental é um desafio para o
país, uma vez que apresenta uma elevada exclusão social. Porém, pelos dados
apresentados pela educação nos últimos anos, o desafio maior é com a qualidade
do ensino. Desafio político-pedagógico do governo e da sociedade e que requer
elevados investimentos com recursos humanos, materiais, financeiros, com
destaque para os tecnológicos
145
.
Esta discussão no âmbito do Ensino Religioso se fortalece ainda mais, pois
sabemos que o mesmo é área de conhecimento, devendo estar presente nos
currículos educativos. “No processo da educação, o Ensino Religioso tem sua
parcela de contribuição para a formação do cidadão, independente da raça, cor,
cultura e religião ao direito de participação na construção do exercício da
cidadania”
146
.
Assim consideramos o Ensino Religioso no processo de alfabetizar letrando
como um dos saberes fundamentais que pode contribuir na feitura de um mundo
mais inclusivo. É imperioso destacar que:
Entendemos que somente o compromisso no processo por parte de
educadores e educadoras, gestores responsáveis e pesquisadores(as), em
conexão com os anseios da população, poderá despertar a seriedade com
que deve ser tratada e discutida a docência em Ensino Religioso no âmbito
dos anos iniciais do ensino fundamental, o que passa necessariamente por
redefinição de políticas públicas, diretrizes curriculares, formação e
valorização docente
147
.
145
SANDER, B.. Políticas educacionais e seus desdobramentos para a gestão da escola. In.:
SIMPÓSIO CATARINENSE DE ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO AAESC, 23, 2006. Anais...
Balneário Camboriú, 2006, p. 17.
146
FUCHS, Henri Luiz, (Orgs.). Ensino religioso na escola: bases, experiências e desafios. São
Leopoldo: Oikos, 2005.
147
MARTINS FILHO, 2008, p. 170.
89
Salientamos também que a análise do trabalho dos professores, considerado
em seus diversos componentes, tensões e dilemas, permite compreender melhor a
prática pedagógica
148
. Tal afirmação possibilita entender a pedagogia como campo
de relações humanas e as práticas pedagógicas imersas nessas relações
149
.
Nesta direção Kramer
150
assevera que sem conhecer as interações, não
como educar crianças e adolescentes em uma perspectiva de humanização
necessária para subsidiar políticas públicas e práticas educativas solidárias.
Buscamos, assim, uma escolarização que vise à formação da criança enquanto ser
singular de cultura.
151
É preciso desenvolver uma concepção integrada para a educação sica,
importante ressaltar que no Brasil a Educação Básica abrange a Educação Infantil, o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Cada uma dessas etapas apresenta uma
função social, uma finalidade educativa delimitada, um trabalho político-pedagógico
a ser desenvolvido junto as crianças, adolescentes e jovens, ou seja, aos
alunos/estudantes de forma que o nível seguinte nunca terá o objetivo de suprir
fragilidades e/ou dificuldades ocorridas no anterior. Eles complementam-se,
integram-se, mas não devem ser mutuamente compensatórios.
Esta perspectiva adota como requisito básico o trabalho coletivo, seja nas
dinâmicas discentes, quanto docentes, por entender que ele possibilita a re-
significação de histórias, trajetórias, vivências. Acreditamos que mediante o
desenvolvimento de um trabalho coletivo é possível revisitar o passado, repensar
processos empreendidos, compartilhar experiências e saberes, produzir cultura
152
.
A cultura implica rever a tradição, criticar a tradição, mirar o que foi produzido ontem
com o olhar de hoje; olhar criticamente para o que foi feito para poder mudar.
Sabemos ainda que o Ensino Religioso trabalha as relações da pessoa consigo
mesma, com as outras pessoas, com o Transcendente, o seu lugar no mundo, suas
buscas, inquietações e sentido da vida. A tarefa maior da educação, bem como do
148
TARDIF, 2002.
149
MARTINS FILHO, A., 2008, p. 11.
150
KRAMER, 2006.
151
MARTINS FILHO, 2006, p. 13.
152
KRAMER, 2003, p. 70.
90
Ensino Religioso, é a construção da pessoa humana integral, ética, solidária,
cidadã
153
.
Assim, com base nesses pressupostos, enfatizamos a importância do/a
professor/a de escutar/ouvir e observar/ver, considerando tanto a racionalidade e a
sensibilidade, a fim de compreender a história e a cultura como eixos essenciais
para se pensar a função social da escola e nela o Ensino Religioso como
componente curricular e direito das crianças jovens e adultos em todos os níveis e
modalidades de ensino.
153
DEON; BRADENBURG, 2008, p. 149.
91
CAPÍTULO IV DA BOTIJA: ENSINO RELIGIOSO E PRÁTICA
PEDAGÓGICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
“Então a mulher foi para a casa pegou a botija de azeite e começou a
derramar o azeite em outras botijas conforme iam trazendo”
154
. Neste capítulo
estamos entendendo as botijas como as práticas pedagógicas que sendo
intencionais têm os objetivos de compartilhar azeites e saberes. Com esta
compreensão iremos trazer alguns elementos teóricos para anunciar que o trabalho
pedagógico como área curricular Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino
Fundamental precisa tomar como base o respeito às particularidades das crianças
jovens e adultos que frequentam os contextos escolares visando que sejam
considerados sujeitos sociais de direitos, produtores de culturas e partícipes da
história e da construção do conhecimento. Tais elementos são constituidores de
uma prática pedagógica sensível e inteligível, a qual precisa estar voltada para o
máximo desenvolvimento das qualidades humanas. Salientamos que em nossas
análises vamos priorizar as crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, pois
foi com esta categoria geracional que tivemos maior contato na pesquisa.
Traremos para nossas análises a concepção de prática pedagógica
compreendida como sendo todas as relações e ações que o estabelecidas entre
os diferentes sujeitos [adultos e crianças] que compõem o universo do cotidiano
escolar. Entendemos que pensar a prática pedagógica do Ensino Religioso nos anos
iniciais do Ensino Fundamental é refletir criticamente sobre os processos de ensino
154
2 Reis 4
92
e aprendizagem das crianças e afirmar a importância da mediação qualificada do
professor neste processo.
Sendo assim, primeiramente iremos contextualizar algumas concepções e
tendências atuais sobre práticas pedagógicas no Ensino Fundamental,
especificamente analisando os anos iniciais do Ensino Fundamental. Na sequência,
abordaremos a importância da atividade educativa no processo de desenvolvimento
da aprendizagem das crianças.
Ainda apresentaremos o tema do planejamento como algo emergente e
orientador de todo o processo de educação, documento que tem como função
essencial subsidiar o professor no exercício de seu trabalho docente, para além de
uma concepção burocrática, técnica e fechada aos processos sociais e culturais
vividos por cada criança.
Registramos ainda que este capítulo é fruto dos seminários realizados na
faculdade de educação com os participantes da pesquisa, bem como dos momentos
de observação da prática pedagógica e realização das entrevistas nas unidades
educativas. Neste sentido, o mesmo está permeado pelo diálogo com os docentes
participantes, o que se evidencia no decorrer do texto.
93
4.1 CONCEPÇÃO DE PRÁTICA PEDAGÓGICA
Partindo desta inquietação, afirmamos a necessidade de marcar e anunciar a
formação docente como um processo intelectual e de produção-apropriação-
objetivação do conhecimento cientificamente elaborado de todas as áreas de
conhecimento. Dizemos também que isto só é possível quando o professor participa
de processos de formação que o humaniza, o intelectualiza e amplia sua formação
cultural.
Destacamos para esta formação a relação teoria-prática, não no sentido da
sobreposição da teoria sobre a prática e vice-versa, mas na mediação da prática
pela teoria. Ou seja, o professor desenvolvendo o sensível e o inteligível no
desenvolvimento de suas práticas pedagógicas. Sem temor (medo) destacamos os
conhecimentos dos professores como articuladores da prática didática escolar. Tal
perspectiva é indicada no sentido de romper com o abismo existente entre a
produção teórica e o chão da escola. Abismo existente entre o que a produção
teórica evidência, produz e pesquisa e o que se faz na escola.
94
Salientamos então que ao buscar desenvolver uma concepção de prática
pedagógica, é necessário que o professor investigue e reflita sobre suas próprias
ações, ou seja, sobre o que desenvolve no exercício de seu trabalho docente, com a
disposição de intencionalmente modificá-la, transformá-la, sacudi-la, remexer e
desacomodar o pedagógico.
Nesse cenário, temos alertado para a importância de refletirmos criticamente
a formação dos professores, pois somente dessa forma será possível projetarmos
mudanças e transformações significativas e coerentes para as práticas pedagógicas.
Assim, afirmamos que o engajamento do professor e o entusiasmo para o
desenvolvimento de suas práticas pedagógicas advêm de uma formação teórico-
prática sólida e consistente. Analisando as práticas pedagógicas dos professores, o
autor confirma o que temos alertado:
95
Acredito que pensar nesta direção [referindo as práticas pedagógicas]
significa também defender uma formação de professores que contemple
todas as ciências e as artes. Que traga no seu currículo a possibilidade de
experiências profundas com as linguagens artístico-culturais. Isto porque
ninguém oferece ao outro o afeto que não tem, compartilha a experiência
que não possui, indica soluções técnicas que não conhece ou conta a
história que não ouviu ou leu. (...) é preciso profissionalismo, engajamento
político-pedagógico (...), o que não é construído somente ao longo dos anos
de formação universitária, mas sim, ao longo de toda a trajetória de
formação humana
155
.
Dessa forma, ao buscarmos construir uma concepção de prática pedagógica,
temos que contextualizar, se por um lado, estamos vivendo um momento de
efervescência, pesquisas e de mudanças nos processos de educação, por outro
lado vemos que as práticas pedagógicas exercidas no interior das escolas parecem
terem sido pouco transformadas. Podemos dizer que as práticas pedagógicas
exercidas nas escolas de ensino fundamental constituem-se por um paradigma
epistemológico que privilegia a racionalidade técnica, a qual desumaniza as relações
entre os dois atores sociais: professores e crianças. Nossa crítica à racionalidade
técnica muito presente nas práticas pedagógicas dos professores diz respeito aos
relacionamentos pouco humanizadores e emancipatórios.
Dessa forma, pautadas neste viés de educação, as práticas pedagógicas dos
professores tornam-se assimétricas, hierarquizadas e burocráticas. Tal perspectiva
de prática pedagógica, em nosso ponto de vista, desenvolve nas crianças um
desinteresse, distanciando-as do verdadeiro sentido e significado da escola. Temos
afirmado que esta compreensão de prática pedagógica, se não exclui as crianças da
escola do Ensino Fundamental, provoca nelas pouca expectativa pela produção-
apropriação-objetivação do conhecimento historicamente elaborado pela
humanidade.
155
OLIVEIRA, Alessandra Mara Rotta de. Esculturas e imaginação infantil: um mar de histórias
sem fim. Universidade Federal de Santa Catarina (Tese de Doutorado). Centro de Ciências da
Educação, 2007, p. 309.
96
Isto nos faz pensar uma concepção de prática pedagógica escolar calcada em
outro paradigma. Ou seja, desenvolver uma concepção de prática pedagógica que
reflita e corresponda as mudanças de cada momento histórico que perpassa pelo
cotidiano da escola. Neste sentido, parece-nos que no momento em que estamos
vivendo, seja necessário constituir uma prática pedagógica menos autoritária e
menos regrada, porém mais comprometida com os processos de educar-ensinar-
aprender. Três verbos que complexificam o exercício da prática pedagógica do
professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental
Retomamos a ideia das práticas pedagógicas estarem envolvidas em um
processo de ensinar-educar-aprender, para afirmar a escola como um lugar
privilegiado para as aprendizagens de adultos e crianças, adultos-professores que
ao intencionalizarem e sistematizarem o conhecimento cientificamente elaborado,
estão organizando os processos de desenvolvimento de suas intelectualidades e o
desenvolvimento das intelectualidades das crianças. Como argumentamos, esta
consideração privilegia o contexto escolar como lugar onde os diferentes sujeitos
possam falar, ouvir, ver, sentir, ensinar, experimentar, aprender, pensar, resistir,
concordar, discordar, escrever, ler... Dito de outra forma, onde possam tecer suas
histórias, perceberem-se como produtores e consumidores de culturas.
97
À luz dessas considerações acerca da concepção da prática pedagógica ter
os processos de ensino e aprendizagem como um dos seus determinantes
fundamentais, buscamos definir por prática pedagógica o ato intencional de se
ensinar algo a alguém e, neste caso, o ato intencional do professor em sistematizar
os processos de educar/ensinar/aprender na escola. Processos que, ao invés de
excluir, inclui o processo de formação humana das crianças, o diálogo com a
produção da cultura e a produção-apropriação-objetivação do conhecimento
elaborado cientificamente.
Acreditamos que o exercício das práticas pedagógicas nas escolas exige dos
professores constante reflexão sobre suas ações, sobre seu agir e pensar
pedagógico. Neste mesmo sentido, afirmamos que a prática pedagógica pressupõe
uma intencionalidade para a aquisição de um novo saber; pressupõe, portanto, o
ensino de algo que precisa ser previamente pensado, sistematizado e objetivado
para que possa ser apropriado por outro sujeito. Consideramos que a prática
pedagógica consiste no processo de construção da aprendizagem, que se nas
relações do sujeito consigo mesmo e com os outros, as quais processam-se em um
contexto social e institucional situado e situante
156
. Nesta linha de pensamento que
afirmamos a escola ser o lugar privilegiado para o desenvolvimento da
aprendizagem, sendo fundamental definir pressupostos claros e objetivos sobre o
que se pensa ser necessário consolidar nas práticas pedagógicas dos professores.
Pressupostos que nos proporcionem recuperar o papel essencial do professor, os
quais por meio do exercício do trabalho docente precisam desenvolver a
aprendizagem como fenômeno de humanização.
Libâneo
157
assevera que os objetivos das práticas pedagógicas estão
relacionados com a mediação de saberes e modos de agir que promovam
mudanças qualitativas na escola, no desenvolvimento e na aprendizagem das
crianças. Para ele, é este o objetivo principal que deve permear toda prática
pedagógica consciente e comprometida com a sociedade educacional; portanto, as
156
PEREIRA, C. I..et al. Análise da prática pedagógica: a interdisciplinaridade no fazer pedagógico.
Educação & Sociedade, n.39, agosto/1991, p. 220.
157
LIBÂNEO, J. C.. Diretrizes curriculares da pedagogia: impressões teóricas e concepção estreita da
formação profissional de educadores. Educação & Sociedade. v.27, n.96, especial, out/2006. p. 843-
876.
98
práticas pedagógicas escolares o podem ser confundidas com ações repetitivas e
improvisadas que, em muito ainda vêm se observando nas escolas
158
.
Seguindo os passos de Libâneo,
159
evidenciamos que é necessário articular
uma defesa em prol de uma prática pedagógica coerente, aberta e comprometida
com todo o projeto de educação. Um “Projeto de Educação” que precisa ser
elaborado por todo o corpo docente da escola, respeitando os interesses e as
necessidades do coletivo de docentes e discentes. Neste caso, as práticas
pedagógicas dos professores precisam estar voltadas principalmente para o
desenvolvimento autônomo, criativo e crítico dos sujeitos crianças/alunos e
professores que nela estão envolvidos. Entendemos que
(...) uma prática pedagógica precisa ter dinâmica própria, que lhe permita o
exercício do pensamento reflexivo, conduza a uma visão política de
cidadania e que seja capaz de integrar a arte, a cultura, os valores, [o
conhecimento] e a interação, propiciando, assim, a recuperação da
autonomia dos sujeitos e de sua ocupação no mundo, de forma
significativa
160
4.2 PRÁTICA PEDAGÓGICA E CURRÍCULO
Quando afirmamos que uma prática pedagógica precisa ter dinâmica
própria
161
, estamos nos referindo à necessidade das ações/práticas educativas dos
professores estarem correlacionadas a uma proposta curricular de educação que
priorize o acompanhamento e a sistematização destas ações/práticas em seu
desenvolvimento. Ao ensinar Ensino Religioso nos anos iniciais do ensino
fundamental o professor precisa considerar o processo educativo de forma
abrangente, o que implica na concepção de seus objetivos, conteúdos,
procedimentos da relação ensino-aprendizagem, com os determinantes dos
158
LIBÂNEO, 2006, p. 843-876.
159
LIBÂNEO, 2006, p. 843-876.
160
GOMES et al. Os saberes e o fazer pedagógico: uma integração entre teoria e prática. Educar,
Curitiba: UFPR, n.28, 2006, p. 233.
161
GOMES, 2006.
99
processos sociais em suas dimensões culturais, ideológicas, éticas, religiosas,
políticas e suas implicações, considerando o contexto no qual está inserido o
educando
162
.
Vejamos então, o registro de uma observação no contexto da pesquisa.
Percebemos então que as práticas pedagógicas em Ensino Religioso não
precisam ser realizadas para tornar as pessoas mais devotas, mas desenvolver nos
educandos a capacidade de fazerem uma releitura do fenômeno religioso. É olhar
para a vida e ser capaz de conhecer e compreender a dimensão religiosa e percebe-
la como algo intrínseco ao ser humano e fazendo parte da sua vida
163
.
162
FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Ensino religioso: perspectivas pedagógicas. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1994 – (Coleção ensino religioso escolar. Série fundamentos). p. 131
163
SCUSSE, Marcos André. Professor pesquisador no ensino religioso: um olhar para a religiosidade
e as religiões. KLEIN, Remi; BRANDENBURG, Laude Erandi; WACHS, Manfredo Carlos. O ensino
religioso: diversidade e identidade (Orgs.).: SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 5. São Leopoldo:
Sinodal/EST, 2008, p. 173.
100
Temos afirmado que o currículo precisa envolver práticas educativas que
sejam abertas, interdisciplinares e voltadas para a diversidade social e cultural de
nossa sociedade. O currículo exerce, assim, um papel fundamental na definição das
intencionalidades das práticas pedagógicas, sendo sua máxima – o desenvolvimento
de uma unidade articulada entre o planejamento escolar do professor e o exercício
de seu trabalho com as crianças/alunos.
Conforme explicitamos em outros momentos, evidencia-se que a forma de
se organizar um currículo está estritamente vinculada à intencionalidade educativa
de quem o sistematiza e o coloca em prática. Sendo assim, nossa tentativa em
buscar interrelacionar as práticas pedagógicas em Ensino Religioso à proposta
curricular da escola, segue o caminho de unir o proposto (estamos nos referindo às
concepções, às ideias e às intenções) com o vivido (estamos nos referindo às
experiências cotidianas). Entretanto, cabe ressaltar que as práticas pedagógicas em
seu desenvolvimento não são lineares, mas se concretizam e são modeladas a partir
de um determinado horizonte formativo e cultural. Ao assumir o Ensino Religioso na
perspectiva da formação, da busca de um significado de vida, do desenvolvimento
da personalidade com critérios seguros, do compromisso com a plena realização,
tem implicações com os conteúdos e as metodologias veiculadas. Isto é, exige-se a
101
coerência e a consistência entre teoria e prática, intenções e ações, o que perpassa
pela transformação de seu articulador, de seu interlocutor, de seu mediador que é a
pessoa do educador, o professor de Ensino Religioso como catalisador pela sua
sensibilidade, perspicácia e criatividade
164
.
Destacamos, portanto, que esta formação precisa estar conectada a uma
proposta educacional de boa qualidade, preocupada com o processo de
desenvolvimento humano e transformadora dos processos de escolarização das
crianças. As duas dimensões, tanto a formativa (ligada aos processos intelectuais)
como a cultural (ligada à formação humana), são apresentadas como fenômenos de
um mesmo processo. Assim o que se quer é um Ensino Religioso agregador, de tal
forma que católicos, evangélicos, budistas, membros de ritos afro-brasileiros e
outros, se sentem lado a lado e se sintam aceitos pelos colegas, sem se sentirem
inferiorizados
165
.
Qualquer prática curricular passa pela personificação do professor e se
configura no interior de contextos pedagógicos, políticos e econômicos, legislativos e
administrativos, pela organização escolar e pela prática de superação e controle, o
que requer atitudes éticas e políticas desse tipo de prática social.
Nessa perspectiva, enfatizamos que as práticas pedagógicas, quando
pretendem ser significativas aos processos de ensino e aprendizagem, precisam ser
esboçadas e estarem pautadas por uma proposta curricular consistente e coerente
com cada contexto histórico que se aplica.
164
JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. O ensino religioso no contexto da educação. JUNQUEIRA,
Sérgio Rogério Azevedo. e WAGNER, Raul (Orgs.). Ensino religioso no Brasil. Curitiba :
Champagnat, 2004, p. 35.
165
MENEGHETTI, Rosa Gitana Krob. As contribuições do ensino religioso para a formulação do
projeto político-pedagógico da escola. JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; MENEGHETTI Rosa
Gitana Krob; WASCHOWICZ, Lílian Anna. Ensino religioso e sua relação pedagógica. Vozes:
Petrópolis, RJ: 2002, p. 54.
102
Percebemos então que o desafio das práticas didático-pedagógicas das
escolas nesse momento histórico nos parece ser: definir a sua organização
cotidiana, construir o seu caráter específico, elaborar uma identidade própria. Três
dimensões que precisam levar em consideração a forma diversa e plural da
sociedade. Este mote de ações é de responsabilidade do coletivo da escola, tendo
que articular em sua elaboração e implementação a participação de todos os
sujeitos envolvidos crianças/alunos, profissionais em geral, famílias e comunidade
166
Então se o Ensino Religioso é mais uma área de conhecimento, seu lugar está
posto ao lado dos outros saberes que compõem o currículo escolar. Faz-se
necessário, então, que o profissional docente deste saber se aproprie de seu lugar
de importância junto aos demais saberes. Nem maior, nem menor. Mas igual. Tal
apropriação de significados, porém, não é gratuita. que tornar-se muito
competente para a função. que esmerar-se para que o trabalho realizado no
Ensino Religioso mostre a que veio. Tudo se torna fruto de muito trabalho, pesquisa,
disponibilidade, interesse e desejo de participação
167
.
Dessa mesma forma, afirma-se que a importância da análise do currículo,
tanto de seus conteúdos como de suas formas, é básica para entender a missão da
166
KRAMER, 2003; MARTINS FILHO, 2006, 2008.
167
MENEGHETTI, 2002, p. 53.
103
instituição escolar e seus diferentes níveis e modalidades
168
. O autor citado
assevera “que o interesse pelo currículo segue paralelo com o interesse por
conseguir um conhecimento mais penetrante sobre a realidade escolar”
169
Neste sentido o Ensino Religioso enquanto disciplina integra-se à reflexão e
organização pedagógica da escola e com ela colabora executando a parte que lhe
cabe no processo: dar vida aos elementos curriculares dentro de sua realidade
específica
170
.
Nosso principal argumento sobre a necessidade de lançarmos um olhar crítico
e investigativo para as propostas curriculares das escolas talvez seja pelo fato, do
currículo ser considerado o provocador de intencionalidades e necessidades. Para
nós (...) o Ensino Religioso, no processo educativo, é um dos canais concretos que
poderá contribuir com o processo de humanização e respeito, que não “coisifica” o
outro, mas o edifica na condição de seu direito à liberdade de ser humano
171
.
Neste sentido, indicamos que as mudanças, reformulações e alterações nas
práticas didáticas escolares perpassam pelo pensar, elaborar, objetivar, organizar e
realizar as propostas curriculares. Contudo, conforme Kramer
172
ainda verificamos
um distanciamento entre o que se produz teoricamente sobre a escola brasileira,
suas propostas curriculares e as nossas redes escolares reais. Tal análise se
apresenta como um problema grave no desenvolvimento das práticas pedagógicas
em Ensino Religioso que necessitam ser problematizadas.
Apresentamos a seguir outro registro de observação:
168
SACRISTÁN, 1998.
169
SACRISTÁN, 1998, p. 30
170
BRANDENBURG, 2004, p. 141.
171
OLENIKI, 2004, p. 79.
172
KRAMER, 2006.
104
Então, podemos dizer que as propostas curriculares precisam “preencher as
atividades escolares, tornando-as realidades dentro das condições de cada escola,
tal como cada escola se acha configurada”
173
. Entendemos, porém, que o educador
do Ensino Religioso tem papel relevante, pois: a) deve ser guia e estar atento e
disponível aos caminhos dos educandos; b) deve escutar o que os alunos sabem e
necessitam expressar; c) não deve ser o único e principal informante; d) deve
conectar os temas propostos a outros conteúdos e á realidade; e) deve possibilitar a
intervenção do maior número de alunos; f) deve dar fisionomia pessoal ao seu
trabalho; g) deve dar organicidade ao processo educacional; h) deve ter a
compreensão do educando como sujeito componente e capaz, que necessita
partilhar sua vida com o grupo; i) deve saber organizar os espaços e o tempo de
acordo com a exigências do trabalho a ser executado
174
.
Nos processos educativos levados a efeito por escolas, o currículo passa a
ser a “palavra-chave” nos espaços de educação coletiva, pois se torna o campo de
interesses e relações de dominação. Ao adquirir este status, constitui-se no
173
SACRISTÁN, 1998, p. 34.
174
WACHS, 2007, p. 70.
105
elemento central de análise, em uma prova visível, blica e autêntica entre as
aspirações, as intenções, os objetivos e os conteúdos dos processos educativos dos
sujeitos sociais que se pretende formar
175
.
A noção que trazemos de prática pedagógica e proposta curricular pode nos
ajudar a romper com os modelos de educação escolar pautados na escolarização
tradicional, na qual predominam e sobressaem práticas pedagógicas de repetição,
treino e disciplinamento. Neste modelo educacional prevalece ainda a concepção
pedagógica adultocêntrica, expositiva e verbalista, onde é comum o uso de
estratégias que imobilizam as crianças em prol da exigência exacerbada do silêncio
e da instrução. Para além desses padrões historicamente hegemônicos no campo
educacional, apontamos iniciativas de se pensar a educação escolar e suas práticas
pautando-se em processos dialógicos e colaborativos. Assim, o jeito de fazer a aula
de Ensino Religioso pode permitir diferentes formas de expressão participativa.
Nisso reside seu diferencial. Isso implica a realização de uma aula dinâmica,
envolvendo diferentes linguagens
176
.
Nosso argumento é que tais práticas pedagógicas sejam identificadas e
desenvolvidas concretamente no cotidiano e não se apresente somente na forma de
discurso. Isto parece ser essencial para a atividade educativa e contribui
positivamente para o desenvolvimento da aprendizagem das crianças.
4.3 A “ATIVIDADE EDUCATIVA” COMO CONSTRUTORA DA
APRENDIZAGEM
Ao defender a atividade educativa como construtora da aprendizagem das
crianças, desenvolvemos argumentos de que este processo precisa essencialmente
ser construído na escola, sendo o papel do professor primordial nessa construção.
Nessa perspectiva, reafirmamos a ideia de considerar todos os conhecimentos
importantes, sem menosprezar o conhecimento científico em detrimento do
175
WIGGERS, Verena. As orientações pedagógicas da educação em municípios de Santa
Catarina. 2007. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC-SP, 2007.
176
BRANDENBURG, 2004, p. 127.
106
conhecimento cotidiano, pois as duas dimensões dão forma e função às práticas
didáticas escolares e precisam estar interligadas à atividade educativa cotidiana da
escola. Assim, conclui-se que o modo de ensinar é tão propositivo quanto o próprio
conteúdo e o objetivo
177
.
Aliado aos escritos de Mello
178
, que toma como base o enfoque histórico
cultural, temos aprendido que o professor é um intelectual, responsável pelo
processo de humanização que se cada vez mais, na escola, a partir dos
primeiros anos. Esse processo de humanização, como afirmamos, envolve
apropriação e objetivação no nível das objetivações cotidianas e não-cotidianas.
Podemos dizer que o conhecimento cotidiano são apropriações que o sujeito realiza
principalmente no seu percurso diário, de maneira espontânea, seja em casa ou na
escola. O conhecimento não-cotidiano envolve a produção elaborada historicamente
pela humanidade, se principalmente por uma pessoa preparada para tal fim, no
caso da escola é o professor.
Percebe-se então que o professor precisa desenvolver o processo de
apropriação que se por meio das atividades educativas, as quais precisam ser
177
BRANDERBURG, 2004, p. 143.
178
MELLO, 2005.
107
intencionalmente pensadas, sistematizadas, organizadas, elaboradas e ampliadas
pelo professor. Isto exige também momentos de formação continuada e preparação
permanente para o ensino do Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Até porque sendo uma área científica do conhecimento humano, sem
as respostas todas devidamente comprovadas pela Ciência, está tentando angariar
o crédito das demais áreas. Para isso, necessita de um contingente preparado e
eficaz de professores
179
.
Nossos argumentos caminham sobre a importância da atividade educativa na
escola, o que significa lançar um olhar atento com olhos de quem quer
enxergar/ver para conhecer as especificidades de cada criança. Acreditamos que
esta percepção ajuda na orientação da formação das crianças.
Portanto, a partir desse desafio, o compromisso do professor em relação à
execução das atividades educativas se desdobra para muito além de simplesmente
instruir as crianças. O que geralmente se faz quando obrigamos as crianças a
cumprirem uma sucessão de atividades cristalizadas, insignificantes e sem sentido.
Atividades organizadas de maneira mecânica para preencher o tempo das crianças
na escola. Tempo que se divide em quatro horas, onde as crianças ficam
engessadas e presas à sua carteira, tendo que visualizar apenas a “nuca” do colega
da frente e se por algum motivo o corpo se remexer, sacudir ou balançar, logo é
repreendido pelo professor como a frase: “Fica parado e quietinho para aprender”. A
ideia de aprendizagem que vigora ainda práticas pedagógicas atuais é que não se
aprende com o corpo em movimento, fazem uma separação entre desenvolvimento
mental e corporal. Dessa forma, obrigam-se as crianças a aprenderem de forma
estática e sem movimento corporal. Então,
o professor de Ensino Religioso, em especial, é desafiado a desenvolver
uma metodologia dialógica capaz de criar a curiosidade e capacitar cada
pessoa a buscar respostas às perguntas existenciais... Um professor de
Ensino Religioso pode desenvolver momentos criativos e participativos em
sala de aula à medida que exercita a paciência através do encontro com o
Transcendente e com os alunos
180
.
Vejamos a seguir outro registro de observação.
179
ABUD, Marilena Rodrigues; FUCHS, Henri Luiz. A prática docente e o currículo de ensino religioso
nas séries iniciais. SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO, 4., 2007, São Leopoldo. Práxis do ensino
religioso na escola... Organizadores: Manfredo Carlos Wachs et al. São Leopoldo: Sinodal, 2007, p.
229.
180
FUCHS, 2008, p. 131.
108
Com esta compreensão estamos entendendo e analisando os processos de
aprendizagens conforme descreve Paulo Freire
181
, para o autor o aprender é a
capacidade para criar, construir, reconstruir ou transformar um dado conhecimento
ou uma dada realidade, de modo que, as crianças não têm o papel passivo de
receber aquilo que os adultos lhes transmitem, mas são ativas na construção dessa
aprendizagem, que se dá por meio das interações e nas relações com os outros. Até
porque o professor de Ensino Religioso é desafiado a silenciar para “ouvir e falar
com os seus alunos”. Em um processo dialógico, a diversidade e a diferença
surgirão de forma espontânea e favorecerão a constituição da identidade de cada
ser humano
182
.
Registramos também que:
181
FREIRE, 1996.
182
FUCHS, 2008, p. 130.
109
É imprescindível mostrar ao professor e à professora que buscam formação
na área do ER que é possível respeitar a pluralidade cultural e religiosa e
trabalhar adequadamente com ela, enriquecendo-se dessa interação com a
diversidade para formar pessoas com espírito de alteridade e construtoras
da paz
183
.
Assim ao ensinar o Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental
professores e alunos aprendem em um processo de interação permanente.
Compreendemos que:
A aprendizagem não é um ato cognitivo individual realizado quase em
isolamento na cabeça da criança. A aprendizagem é uma atividade
cooperativa e comunicativa, na qual as crianças constroem conhecimento,
dão significado ao mundo, junto aos adultos e, igualmente importante, com
outras crianças: por isso enfatizamos que a criança como aprendiz, é um
co-construtor ativo. A aprendizagem não é a transmissão de conhecimento
que conduz a criança a resultados pré-ordenados, nem a criança é um
receptor e reprodutor passivo
184
Neste processo de educação integral, a atividade educativa é considerada por
nós a atividade por excelência do desenvolvimento e da aprendizagem das crianças.
Atividade que envolve corpo e mente, ou ainda, corpo, mente e coração. Dimensões
que formam a totalidade do ser criança e que os adultos-professores as vezes
insistem em fragmentar, separar e obstaculizar. Por isso entendemos que se:
O Ensino Religioso, faz parte dos saberes que contribuem para a formação
do cidadão, não pode ficar marginalizado na escola. O professor de Ensino
Religioso deve participar, em igualdade de condições, da elaboração e
execução do Projeto Pedagógico da Escola, deve estar presente nos
acontecimentos de integração do calendário escolar, dos conselhos, dos
principais eventos da comunidade
185
Assim, no que diz respeito ao processo de aprendizagem das crianças,
podemos inferir que:
[na execução da atividade educativa o professor precisa] conhecer a
situação social de desenvolvimento das crianças, fazer incidir o ensino em
sua zona de desenvolvimento próximo, criar novas necessidades
humanizadoras nas crianças, além de mediar e criar mediações para
garantir o acesso das crianças ao conjunto da cultura de forma a garantir
que se apropriem dela ao máximo de modo a reproduzir para si as funções
psíquicas superiores sob a forma das máximas qualidades humanas, enfim
intencionar o desenvolvimento da inteligência e da personalidade das
183
HACK, 2008, p. 110.
184
DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE, Alan. Qualidade na educação da primeira infância:
perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 72
185
CORDEIRO, Darcy. A evolução dos paradigmas e o ensino religioso. In: SILVA, Valmor da (Org.).
Ensino Religioso: educação centrada na vida: subsídios para a formação de professores. São
Paulo: Paulus, 2004, p. 31. (Pedagogia e educação).
110
crianças constitui desafio que qualifica profundamente [a atividade
educativa] do professor
186
.
Evidentemente, lançar um olhar crítico e desafiador para a atividade educativa
do professor é afirmar que a aprendizagem não é um processo natural. Ela não se
desenvolve naturalmente nos sujeitos, portanto, precisa ser mediada e qualificada.
Sendo assim, a qualificação da mediação do professor pode ser entendida como a
busca pelo inter-relacionamento das dimensões intelectual, cultural e humana. Três
dimensões do desenvolvimento humano, que sem temor de sermos repetitivos,
reafirmamos que são indissociáveis e complementares.
Consideramos ser patente a necessidade dos professores conversarem,
pesquisarem, questionarem e opinarem sobre a dimensão do aprender. Neste
sentido a tarefa que se coloca para os agentes educacionais do Ensino Religioso é a
de educar para o respeito, a liberdade e a convivência solidária. Educar pelos
conteúdos, métodos e linguagens, mas, sobretudo pela coerente vivência desses
valores
187
.
186
MELLO, 2006, p. 94.
187
QUADROS, Eduardo Gusmão de; MIRANDA, Janira Sodré. O ecumenismo religioso. In: SILVA,
Valmor da (Org.). Ensino Religioso: educação centrada na vida: subsídios para a formação de
professores. São Paulo: Paulus, 2004. p. 85. (Pedagogia e educação).
111
Compreendemos que a estrutura humana em sua formação e complexidade é
produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nos elos
entre a história individual e a história social
188
. Somos, portanto, síntese de nossas
relações sociais. Neste processo, as crianças e os professores ao vivenciarem a
área de conhecimento Ensino Religioso não podem ser consideradas só como
reprodutoras, mas produtoras de significações acerca de sua própria vida e das
possibilidades de construção da sua existência. Especificamente em relação à
docência, acreditamos que no Ensino Religioso o professor pesquisador é aquele
que parte das histórias de vida para compreender a profundidade do sagrado; ele
faz de sua vida uma permanente fonte de pesquisa, partilha a reflexão da
religiosidade; relaciona constantemente as religiões com as religiosidades; age
constantemente sobre o fenômeno religioso para decompor e recompor o
conhecimento; pergunta mais do que responde. Ele sabe que através da pergunta é
possível estimular a partilha, a busca e a construção autônoma do conhecimento
189
.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que afirmamos a importância da atividade
educativa no processo de desenvolvimento das crianças, na construção e
elaboração de suas atividades, temos como intenção denunciar as práticas
pedagógicas que compreendem que as crianças aprendem naturalmente, práticas
pedagógicas que antecipam ou castram os processos de aprendizagens e/ou
abreviam a infância, enquadrando-a em processos a-históricos, naturalizantes e
determinados. Isto nos faz admitir uma tomada de posição, principalmente referente
à elaboração e ao planejamento das atividades educativas oferecidas às crianças
das séries iniciais do Ensino Fundamental. Portanto, essa tomada de posição, é
necessária, sobretudo no que se refere à participação infantil. E, ao falarmos em
avanços, registramos: a nova concepção do entendimento e reflexão do Ensino
Religioso como uma disciplina da área do conhecimento. Este ensino está sendo
cada vez mais desvelado, deixando de ser mítico, e fazendo normalmente parte
integrante da formação e personalidade do cidadão
190
.
Assim, ensaiamos outras formas de pensarmos as atividades educativas
oferecidas às crianças que, mesmo intencionalmente sendo articuladas e elaboradas
188
VYGOTSKY, 1995.
189
SCUSSE, 2008. p. 175.
190
CARON, Lurdes. Apresentação. In: JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; WAGNER, Raul
(Orgs.). Ensino religioso no Brasil. Curitiba: Champagnat, 2004, p. 7
112
pelo professor, não descartam a participação e o protagonismo infantil; como já dizia
Paulo Freire
191
, “não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca”. Com
base em Martins Filho
192
indicamos a alteridade do ser criança como elemento
primordial nos delineamentos das intencionalidades das atividades educativas
escolares. Assim, compreendemos que a escola não deve ser concebida apenas
como instrutora de aplicação de saberes, mas como produtora de conhecimentos
sobre a infância e o Ensino Religioso. Isso requer uma abordagem pedagógica e
não religiosa no contexto escolar. Não é a confessionalidade que provoca a didática,
mas a forma como será estudado um tema relacionado com a dimensão religiosa ou
com cada expressão do sagrado
193
Precisamos então superar a visão adultocêntrica, ou seja, o diretivismo
exacerbado do professor nos processos de educação escolar, nos ajuda a pensar e
direcionar atividades educativas preocupadas em correlacionar e construir
processos de ensino e aprendizagem como desenvolvimento integral do ser
humano. Larrosa (1998) também fala da mudança de paradigmas no modo de ver as
crianças e os profissionais da educação como sujeitos fundamentais na construção
de uma educação que valorize a formação e o desenvolvimento de diferentes
humanidades:
É preciso desconfiar de todos aqueles que querem nos incluir em sua
realidade, com a pretensão de ser a única realidade; em seu mundo, com a
pretensão de ser o único mundo; em sua linguagem, com a pretensão de
ser a única linguagem; em sua razão, com a pretensão de ser a única
razão; em sua história, com a pretensão de ser a única história; ou em sua
humanidade, com a pretensão de ser a única humanidade.
194
Partindo do mesmo ponto de vista, indicamos uma mudança significativa para
o delineamento das atividades educativas que pretende ser construtora das
aprendizagens das crianças. Estamos nos referindo a uma prática pedagógica que
não está pré-definida, mas que é construída cotidianamente, no convívio com as
crianças, onde incluímos a consideração pelo protagonismo infantil e a participação
das crianças nos assuntos que lhes dizem respeito.
191
FREIRE, 1996, p. 119.
192
MARTINS FILHO, 2008.
193
FUCHS, 2008, p. 133.
194
Larrosa, 1998, p. 36.
113
4.4 TRABALHO DOCENTE E A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR NOS
PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Evidenciam-se na literatura especializada sobre trabalho docente indicações
teóricas que afirmam que a docência também é fonte de conhecimento por se tratar
de uma forma de investigação e de experimentação. indicações sobre a
importância de investigar e dar um estatuto ao saber da experiência. Percebe-se
uma forte compreensão a respeito da docência dos professores como algo que
oferece elementos valorosos para uma análise sobre as práticas pedagógicas, o que
possivelmente poderá fornecer subsídios para uma reflexividade
195
crítica do
trabalho docente. O reconhecimento dessa possibilidade pode agir como forma de
produção de um pensamento propriamente pedagógico na construção de uma
identidade profissional. Assim, concordamos com Stemmer
196
ao afirmar que no
momento histórico que estamos vivendo não cabe mais conceber que há aqueles
que pensam sobre educação (os teóricos e acadêmicos) e aqueles que fazem o
cotidiano (os/as professores/as). Essa forma de pensar abre espaço para
analisarmos o trabalho docente tomando como base a relação teoria e prática
pedagógica.
Passamos então ao registro de mais uma observação.
195
Com base nas análises de Shön (1982).
196
STEMMER, 2007, p. 22
114
Face ao exposto acreditamos que seja necessário no interior das escolas os
professores possibilitarem discussões sobre as intenções educativas que embasam
o seu agir e pensar pedagógico. Isto trará consequências positivas no sentido dos
professores analisarem suas próprias práticas pedagógicas. Lembremos novamente
o ponto fundamental que acompanha todas as nossas análises, a importância da
ação docente nas séries iniciais do Ensino Fundamental realmente conduzir a
mediação pedagógica para o desenvolvimento de processos humanizadores; na
qual seja resgatado o papel dos professores como profissionais dessa humanização.
O Ensino Religioso, neste novo olhar com que se apresenta aos docentes e alunos,
denota a preocupação da sociedade em aprofundar questões históricas, culturais e
115
sociais, resgatando valores que deveriam ser intrínsecos à pessoa humana, como
as virtudes, os valores morais e éticos e o engajamento na luta pela vida e pela
qualidade de vida para todos
197
.
Portanto, passa a ser primordial realizarmos constantemente uma análise
crítica sobre o exercício do trabalho docente e a mediação do professor nos
processos de ensino e aprendizagem. Parece-nos que este alerta é algo
essencialmente importante para que possamos sofisticar os processos de
aprendizagens e neles envolver o desenvolvimento e a formação das humanidades
das crianças e professores. Entendemos que o educador de Ensino Religioso deve
ser um investigador consciente de sua religiosidade. “Há nos saberes práticos uma
disposição intrínseca para a atividade de pesquisa, que se traduz em uma constante
atitude de indagação”
198
. A sala de aula é o local de aprender, mas principalmente
de partilhar e de construir conhecimentos, relações e significados para a vida.
Assim, esta perspectiva de sublinhar a mediação (qualificada) como algo
primordial nos processos de ensino e aprendizagem – considerando-a como a
essência do trabalho docente do professor das series iniciais do Ensino
Fundamental permite delinear configurações às práticas pedagógicas que
considera o trabalho docente como profissão de interações humanas
199
.
197
ABUD, 2007, p. 229.
198
SCUSSE, 2008, p. 176.
199
TARDIF, 2002.
116
Neste sentido, de acordo com Tardif
200
, a análise do trabalho dos professores,
considerado em seus diversos componentes, tensões, polêmicas e dilemas,
possibilita compreender melhor a prática pedagógica. Assim, a pedagogia se
constitui no campo das relações humanas, estando, portanto, o exercício do
trabalho docente imerso nessas relações.
Lastreado nessa afirmação, evidenciamos a importância de analisar o
fenômeno do trabalho docente pautando-nos no que o autor defende, sendo a
mediação a dimensão das relações e interações. Essa compreensão vai muito além
da aplicação de técnicas e ultrapassa a simples instrução escolar, pois baseia-se no
“estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos professores em seu
espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”
201
. Na linha
das relações humanas é necessário o professor ser sujeito conhecedor do processo
de construção de si e do outro, a criança. De um lado, a ênfase que o autor atribui
nas interações humanas tem ajudado a definir elementos para construirmos um
quadro de análise que se fundamenta em uma abordagem de docência como um
trabalho interativo. De outro lado, isto tem significado que a grande tarefa do
200
TARDIF, 2002, p. 113.
201
TARDIF, 2002, p. 255.
117
trabalho docente é responsabilizar o professor com o que temos defendido como o
processo de humanização das novas gerações. Ou seja, este profissional é o
mediador entre a criança e o mundo. Para nós:
O Ensino Religioso na escola não pode se manter apenas conceitualmente.
Ele é real, tem uma episteme própria, localiza-se ao lado de outros campos
de saber e acrescenta, á visão sobre a realidade, mais um modo de discuti-
la para compreendê-la
202
.
Neste ponto os estudos de Tardif
203
nos parecem fundamentais, pois destaca
que os saberes da experiência do trabalho docente não significam a negação do
papel da teoria na produção do conhecimento. O argumento é que os saberes das
experiências saberes práticos, somados aos saberes pedagógicos, científicos e
curriculares que são produzidos historicamente pela literatura especializada, formam
o contexto da ação docente. Neste caso, o autor considera os saberes como
temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, ou seja, carregam as
marcas dos seres humanos. São temporais porque são adquiridos através do tempo
de vida profissional, seja por meio da formação acadêmica ou pelo próprio exercício
do trabalho, que são bastante diversificados e provenientes de fontes variadas e de
natureza diferente.
202
MENEGHETTI, 2002, p. 57.
203
TARDIF, 2002.
118
Transcedente nos reporta a Tardif
204
, que nos ajuda a entender que o ser e o
agir, ou melhor, o que eu sou e o que eu faço ao ensinar devem ser vistos não como
polos separados, mas como resultados dinâmicos das próprias transações inseridas
no processo do trabalho docente. A atividade profissional dos professores deve ser
considerada como um espaço de produção, de transformação, de mobilização e,
consequentemente, de teorias e de conhecimentos específicos ao ofício de
professor. É, portanto, imperativo que o estudo da docência se situe no contexto
mais amplo da análise do trabalho dos professores e, mais amplamente, do trabalho
escolar. Assim:
O Ensino Religioso é, na escola, um campo mediador da questão religiosa,
da espiritualidade ou do saber religioso. Funciona como interlocutor entre o
elemento religioso presente na realidade social e a realidade pedagógica
própria da escola
205
.
Estas reflexões se articulam com a definição de trabalho docente, na qual não
significa apenas um cumprir ou executar tarefas, mas é também a atividade por
excelência, onde participam sujeitos que não podem exercer seu trabalho sem dar
um sentido ao que fazem. Portanto, o trabalho docente se distancia bastante de
outras profissões cujo universo do trabalho cotidiano é burocratizado, onde as
atividades acontecem segundo imagens previsíveis, repetitivas e padronizadas.
Pautando-nos novamente em Tardif
206
afirmamos que a docência nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, é um trabalho cujo objeto não é construído de
matéria, mas de relações humanas com sujeitos sociais inteiros, capazes de
iniciativa e dotados de uma certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos
professores. Esse é um movimento que exige não apenas uma nova visão de
infância, educação e prática pedagógica, mas também de homem, de mulher, de
professor, de ensino, de relações sociais e do sentido da própria vida... Para nós o
Ensino Religioso, por ocupar-se dos fenômenos religiosos, tem a tarefa de ajudar a
pessoa a se desenvolver, a se envolver e a se comprometer com seu cenário de
vida. Isso significa que temos a tarefa de motivar os alunos e alunas para que
aconteça um novo olhar, de interioridade, subjetividade e afetividade sobre a
204
TARDIF, 2002, p. 16.
205
BRANDENBURG, 2004, p. 58
206
TARDIF, 2002.
119
sociedade e o mundo, valorizando as pequenas coisas, sabendo utilizar os avanços
tecnológicos, com sabedoria
207
Sendo assim, temos delineado uma concepção de pedagogia para a infância
que precisa valorizar as relações entre os diferentes sujeitos: adultos e crianças,
adulto-adultos e crianças-crianças. Esta afirmação possibilita compreender que o
trabalho docente não envolver somente pensar nos adultos, mas nas crianças
também. Tal tendência pedagógica indica estratégias e modos de atuação
alternativos aos professores que trabalham diretamente com os anos iniciais do
Ensino Fundamental, focalizando e tomando como objeto de preocupação “a
infância enquanto categoria geracional e as crianças como sujeitos sociais e
culturais”. Portanto, passa a ser necessário analisar as crianças com base em suas
peculiaridades, ou seja, seus processos de constituição como seres humanos em
diferentes contextos sociais, sua cultura, suas capacidades intelectuais, criativas,
estéticas, expressivas e emocionais”
208
. No entanto, com a preocupação de não
secundarizar, desintelectualizar ou esvaziar de sentido e significado o papel do
professor, nossa análise não dispensa as exigências de um trabalho docente que
demande maior qualificação, leitura crítica da realidade social e capacidade
intelectual para refletir sobre a demanda de questões que emergem do cotidiano.
Portanto, não abrimos mão do professor desenvolver um trabalho pautado em
uma organização intencional e sistematizada, o que colocamos como essencial a ser
pensado, é o desenvolvimento e encaminhamento do planejamento das atividades
educativas pelo professor, este planejamento precisa tomar como base toda a carga
social e cultural que envolve a escola e a vida das crianças.
207
BRANDENBURG, Laude Erandi. Sala de aula do ensino religioso em busca do novo. SIMPÓSIO
DE ENSINO RELIGIOSO, 4., 2007, São Leopoldo. Organizadores: Manfredo Carlos Wachs et al.
Práxis do ensino religioso na escola... São Leopoldo: Sinodal, 2007, p. 26.
208
ROCHA, Eloísa Acires Candal. A pesquisa em educação infantil no Brasil: trajetória recente e
perspectivas de consolidação de uma pedagogia da educação infantil: UFSC/CED/NUP, 1999, p. 61.
120
4.5 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO: O
PLANEJAMENTO PARA ALÉM DE UM DOCUMENTO BUROCRÁTICO
Agora iremos nos reportar especificamente a um aspecto do trabalho docente
que mediante sua importância torna-se alvo de nossas análises. Estamos nos
referindo ao ato de planejar. Ou seja, o planejamento como uma documentação
pedagógica do trabalho educativo
209
. Neste caso, nossa concepção de
planejamento, torna-se abrangente e ultrapassa os limites que o considera uma
ação mecânica e burocrática para a prática pedagógica.
Além das ponderações acima, temos assistido diversas reclamações dos
professores que consideram o planejamento como perda de tempo, desnecessário,
algo repetitivo, cansativo, pronto e acabado. Corazza
210
em suas pesquisas em
relação ao tema do planejamento, assevera que os professores ao (re)negarem sua
elaboração, apresentam forte resistência em vez de caracterizá-lo como estratégia
de política cultural. Dessa forma, observamos cotidianamente por parte de alguns
209
DAHLBERG, MOSS, PENCE, 2003.
210
CORAZZA, Sandra Mara. Planejamento de ensino como estratégia de política cultural. IN: Moreira,
Antônio Flávio B. Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997, p. 103.
121
professores que o planejamento de sua prática pedagógica acaba se resumindo a
documentos emprestados de outros professores, cópias reproduzidas ou originais de
tempos passados, modelos fotocopiados de livros, seguindo cartilhas didáticas e/ou
impressos via internet; tornando-se, assim, totalmente desconexos do contexto e
das atuais demandas, sejam elas globais, regionais ou localizadas. Neste sentido, o
planejamento, quando é feito, atende somente as exigências da escola, deixando de
lado as demandas das crianças e do coletivo de profissionais. Ainda quando
pensamos no planejamento das aulas em Ensino Religioso nos anos iniciais temos
clareza que:
inúmeras obras sobre ciências da religião, tradições religiosas, ética,
valores, rituais , textos sagrados, etc., no entanto, percebe-se que o
professor ou a professora de ensino religioso carece de um material
aprovado e recomendado pelas instancias de educação para nortear o seu
trabalho, assim como acontece com outras áreas
211
Com esta compreensão, o planejamento em Ensino Religioso para alguns
docentes se transforma em um “bicho de sete cabeças”, que o professor resiste e
insiste em não fazer.
211
HACK, 2008, p. 109.
122
Salientamos então que visualizamos o planejamento das aulas de Ensino
Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental como um processo reflexivo,
criativo e crítico; acreditamos ser este o caminho para que o professor possa
exercitar a capacidade de observar para desenvolver as dificuldades, as
curiosidades, as necessidades e os conhecimentos significativos ao grupo de
crianças que coordena no contexto de educação escolar. Esta forma de
compreender o planejamento se constitui como uma ação intencional e exige que
pensemos em organizá-lo e sistematizá-lo previamente. Assim a intenção de cada
atividade deve ser a de proporcionar aos educandos a construção de novos
significados, novos conhecimentos. Isto será essencial no Ensino Religioso para que
os educandos possam refletir sobre sua experiência religiosa, contribuindo para a
construção de sua síntese pessoal, como também para compreender as outras
pessoas, de diferentes tradições, que pensam, rezam, cultuam, enfim, expressam-se
religiosamente diferentes
212
.
Desta forma temos uma justificativa consistente para defender a
importância do ato de planejar e não “abrir mão” de sua essencial existência nos
projetos de educação. Portanto, nossa análise quer alertar que seu principal objetivo
são as definições de suas intencionalidades e as alterações que ele pode e deve
provocar às práticas didáticas escolares. Encontramos subsídios teóricos que
confirmam nossa posição, sobre a importância do ato de planejar:
Planejar para, intencionalmente, antagonizar com o currículo “oficial” e com
o discurso único aprovado. Para que a multiplicidade de culturas implicadas
em nossas identidades e nas de nossos[as] alunos/[crianças], bem como as
diversas formas de expressão popular possam se tornar materiais
curriculares codificadas em temas de estudo, reproblematização e
questionamento
213
.
Nesse sentido é que temos afirmado as práticas pedagógicas como criadoras
de necessidades humanas, sendo sua principal preocupação o desenvolvimento
humano de nossas crianças. É importante que vislumbremos as diferentes
possibilidades no que diz respeito às novas demandas sociais que levam a escola a
assumir novas características e novos papéis. Assim, cremos que as práticas
didáticas precisam se tornar para as crianças/alunos uma fonte de efetivação de
212
OLENIKI, 2004, p. 48.
213
CORAZZA, Sandra Mara. Planejamento de ensino como estratégia de política cultural. IN:
Moreira, Antônio Flávio B. Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997, p. 122.
123
conhecimento intelectual, cultural e humano. Para tanto é necessário construir no
Ensino Religioso situações de aprendizagem cooperativas que promovam a troca de
experiências entre os educandos, por meio de exposições, estudos, debates,
leituras, pesquisas, reflexões ou outras formas para aprofundar e atualizar o
conhecimento religioso, entendendo-o como parte da pessoa, favorecendo um
convívio social pacífico e o re-aprender a viver em “comum-unidade” de uma outra
forma, ou seja, viver com e não contra o outro, entendendo as diferenças
214
.
Assistimos muitas defesas pelos intelectuais da área da didática, onde
observam que a escola precisa motivar os professores a participarem do processo
de desenvolvimento social não como meros receptores de informações, mas como
idealizadores de práticas que favorecem esse processo.
O planejamento é considerado em nossa acepção uma tomada de atitude,
que seguirá um caminho, o qual servirá como percurso para o desenvolvimento das
atividades educativas. Faz-se, portanto, necessário aludir que o planejamento
precisa ser considerado como um documento pedagógico em que o docente terá
registrado e elaborado suas ações, o desenvolvimento das crianças. Dessa forma, o
planejamento constitui um documento explícito de intenções e de modo como o
professor imagina concretizá-las. Tudo isto envolvendo movimento, dinamismo,
participação, coletividade e muita produção/apropriação/objetivação de
conhecimentos.
214
OLENIKI, 2004, p.19.
124
Percebe-se que o professor que compreende seu trabalho como uma
profissão marcada por interações humanas, na qual é constituída e constitui
diversas relações sociais, também precisa acreditar na importância da reflexibilidade
que circunscreve o exercício de seu trabalho. Aliado a esta questão, ao planejar e
intencionalizar suas práticas educativas, é necessário que o professor se permita
repensar e refletir sobre suas próprias ações, tornando os momentos e os encontros
com as crianças/alunos interessantes, desafiadores, prazerosos e motivadores. Para
isso é necessário que o professor ao ensinar Ensino Religioso para as crianças
tenha a oportunidade de desenvolver a categoria existencial do aprender a ser.
Nesta categoria, mais do que o domínio de conteúdos e da instrumentalização
didática, é fundamental que o “[...] professor desenvolva o respeito ao outro, esteja
atento à dimensão da alteridade, saiba dialogar com a diversidade cultural e não se
125
sinta ameaçado em sua identidade pessoal, profissional e religiosa ao dialogar com
a diversidade religiosa”
215
.
Ainda considerando a importância da prática reflexiva, é interessante
recorrer às ideias do autor apontadas a seguir, que apresenta o paradigma da
importância do professor refletir sobre o exercício de seu trabalho docente. Para o
autor:
(...) o professor é aquele que reflete sobre sua prática pedagógica, à luz da
metodologia científica de pesquisa, reformulando esta prática e
compartilhando os resultados obtidos. Assim, poderá contribuir para
(re)significar práticas, espaços e tempos escolares, fatores fundamentais
para romper com a linearidade e fragmentação dos currículos e,
conseqüentemente, das práticas pedagógicas ainda em foco
216
.
Seguindo este contexto da flexibilidade e da não improvisação do
planejamento, Ferreira
217
, na década de 1970, defende que planejar não implica
em ver as coisas de uma determinada e única maneira. A mesma realidade sobre a
qual se está agindo, pode ser enxergada de diferentes modos. Portanto, a variação
vem de se estar planejando, dentro e frente da realidade de cada um
218
. Nesse
sentido, que vimos defendendo a importância de traçarmos um projeto de educação
que se preocupe com o sensível e o inteligível, lançando um olhar sensível às
manifestações e indicações das crianças e dispondo-se a ouvi-las ao elaborar seu
planejamento. Este ato de interação e mediação significa a possibilidade de construir
com as crianças/alunos um espaço pedagógico que seja aberto, de cumplicidade e
de confiança. Lopes et al.
219
, nos esclarece que:
No processo de elaboração do planejamento o professor vai aprendendo e
exercitando sua capacidade de perceber as necessidades do grupo de
crianças, localizando manifestações de problemas e indo em busca das
causas. Vai aprendendo a caracterizar o problema para, ai assim tomar
decisões para superá-lo.
215
WACHS, Manfredo Carlos Wachs. A didática do ensino religioso: contribuições para a formação de
professores em curso normal. ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO –
ENDIPE, 24, 2008, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: PUC-RS, 2008.
216
SCHÖN, Donald A.; NÓVOA (Orgs.). Formar professores como profissionais reflexivos: os
professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1982, p. 50.
217
FERREIRA, Umilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1978.
218
FERREIRA, 1978, p. 13
219
Lopes et al. 1995, p. 178.
126
A reflexão levantada pela autora é extremamente pertinente e nos ajuda a
pensar os caminhos do trabalho pedagógico, intencional, de qualidade e que ao
encontro dos anseios, desejos, necessidades e expectativas das crianças.
De acordo com o que descrevemos no texto que versa sobre a importância de
pensarmos em consolidar uma pedagogia da infância no contexto dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, podemos reafirmar neste momento que o planejamento das
ações e intencionalidades educativas deve considerar as vozes das crianças e a
produção das culturas infantis, sem criar barreiras entre as duas lógicas
socializadoras: adultos/professores e crianças/alunos. Portanto, falar em
planejamento no espaço educacional significa criar um nculo com as crianças, no
sentido de construir uma identidade com o grupo. Isto vem ao encontro do que
descrevemos, quando da análise de nossa concepção de infância:
Nossa perspectiva amplia e reformula a construção da idéia da
especificidade da infância, pois explicita que é necessário conhecer as
representações de infância e considerar as crianças concretas, localizá-las
nas relações sociais no tempo e espaço de convívio coletivo. Pois, que
se considerar as experiências da infância como radicalmente diferenciadas,
definidas pela sua inserção social, por pertencimentos raciais, de gênero, de
classe, etnia, religião; fatores que são determinantes da constituição das
infâncias e de suas produções culturais
220
. Portanto, cada criança vive a
experiência das infâncias no interior de uma determinada cultura que lhe dá
significação, isto determinará processos de socialização diversos
221
.
Quando explicitamos nossa concepção de infância e criança, também
declaramos nossa perspectiva de pedagogia para a infância; o que neste momento
iremos retomar para dizer que perspectivar tais concepções é pensar em projetar
uma forma de planejamento que respeite os sujeitos crianças, em suas
singularidades e complexidades. Dizemos isso pelo fato de querer alerta, no sentido
de que não adianta termos um planejamento bem elaborado, redondinho
teoricamente, com todas as áreas de conhecimentos contempladas e situadas se
não respeitamos as crianças como sujeitos sociais, culturais e com grandes
potencialidades para ser um dirigente, como diria Gramsci. Neste caso, o papel da
escola passa a ser essencial na luta para fazer com que os homens nasçam para
brilhar e não pra morrer de fome
222
. Para desempenhar este papel, a escola, como
instituição de educação formal, precisa ter professores comprometidos com as
220
MARTINS FILHO, 2005; 2006
221
MARTINS FILHO, 2008.
222
Alusão a música de Caetano Velloso.
127
intencionalidades educativas, as quais necessitam ser bem definidas e aparecer de
maneira clara e explícita nos planejamentos dos professores. Para além de somente
aparecem nos planejamentos, tais intencionalidades precisam ser vividas,
experienciadas e realmente atravessarem as práticas pedagógicas
223
, pois:
[...] não adianta ter um “planejamento bem planejado”, se o educador o
constrói uma relação de respeito e afetividade com as crianças; se ele toma
as atividades previstas como momentos didáticos, formais, burocráticos; se
ele apenas age/atua mas não interage/partilha da aventura que é a
construção do conhecimento para o ser humano
224
.
O autor continua suas análises, alertando que, na verdade, a forma de
escrever um planejamento, no dia-a-dia, deve ser muito pessoal e, principalmente,
funcional para o professor. Então, se ele necessita de tudo explicadinho, passo por
passo, para não “se perder” entre uma e outra ação do cotidiano, ele assim o faz.
Se, ao contrário, para ele “se achar” necessita apenas listar tópicos, conteúdos e
atividades, pode assim proceder. A questão não é a forma, mas os princípios que
sustentam uma ou outra organização. Sem dúvida, a elaboração de um
planejamento depende da visão de mundo, de criança, de educação, de processo
educativo que temos e que queremos: ao selecionar um conteúdo, uma atividade, na
forma de encaminhar o trabalho. Envolve escolha: o que incluir, o que deixar de fora,
onde e quando realizar isso ou aquilo. E as escolhas, a nosso ver, derivam sempre
de crenças, princípios, valores, convicções, certezas ou incertezas...
Neste sentido que temos defendido que o ato de planejar pressupõe o olhar e
a escuta atenta à realidade sócio-cultural das crianças/alunos e dos fatos e
movimentos que tecem o universo da escola. Sendo ele um processo contínuo,
reflexivo e abrangente. È considerado um processo de investigação sobre a própria
prática pedagógica no cotidiano da escola. O planejamento envolve retomada do
passado para propor o presente e o futuro
225
.
Neste viés, consideramos que o professor constrói suas reflexões, por meio
do registro, observação e elaborações. Podemos considerar que a importância de
tais práticas em relação ao ato de planejar, diz respeito ao fato de que:
223
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Planejamento na educação Infantil: mais que a atividade a criança
em foco. IN: OSTETTO, Luciana Esmeralda (Org.) Encontros e encantamentos na educação
infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas, SP: Papirus, 2000, p. 190.
224
OSTETTO, 2000, p. 190.
225
WIGGERS, 2000.
128
a observação e o registro se tornam instrumentos que contribuem para
realimentar o planejamento das atividades cotidianas, que oferece
oportunidade de identificar questões explícitas ou implícitas na prática
pedagógica. Ele possibilita também assinalar as ausências, as providências
necessárias, os acontecimentos do dia, as dificuldades vividas com as
crianças e com a [escola], identificar atividades coletivas e individuais,
refletir sobre o trabalho, retomá-lo, avaliá-lo e, sobretudo, identificar e traçar
rumos futuros
226
.
Esta mesma posição é ressaltada quando se afirma que o registro e a
observação são mecanismos fundamentais para a elaboração do planejamento:
O registro e a observação não apenas se descrevem os fatos, mas se
revêem encaminhamentos, levantam-se hipóteses, enfim, reflete-se sobre a
realidade! Aquela atividade que “não deu certo” tem uma função informativa
para o professor, que pode, por meio do registro, perceber as razões do
“fracasso” de suma situação planejada
227
.
A prática do registro e da observação do cotidiano não pode acontecer como
simples descrição das atividades planejadas, é importante desenvolver o ato
reflexivo sobre o trabalho. Faz-se, portanto, necessário o pensamento sobre os
fatos, sobre os sentimentos, as apropriações e objetivações do grupo envolvido. É
nesse sentido que uma reflexão escrita sobre o vivido possibilita saídas e
encaminhamentos para as situações problemas que aparecerem. Neste caso, a
observação e o registro nos ajudam a considerar o planejamento não como
cumprimento de atividades previstas que devem ser aplicadas de acordo também
com um tempo previsto, mas sim um planejamento em função do desenvolvimento e
da aprendizagem das crianças. Tendo sempre em mente as concepções de
educação, criança, infância e sociedade que se quer construir e disseminar para as
novas gerações.
226
WIGGERS, 2000, p. 128.
227
SOUTO-MAIOR, Sara Duarte. O mapa do tesouro: ultrapassando obstáculos e seguindo pistas no
cotidiano da educação infantil. IN: OSTETTO, Luciana Esmeralda (Org.) Encontros e
encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas, SP:
Papirus, 2000, p. 64.
129
4.6 AINDA COMPARTILHANDO
Aprendemos com Paulo Freire que o que nos faz esperançosos não é tanto a
certeza do achado, mas mover-se na busca. Não é possível buscar sem esperança;
nem tampouco, na solidão
228
.
Pautados pela pesquisa-ação, esta tese molha-se de compartilhar e diálogo,
pois as pessoas não foram classificadas como objeto de pesquisa, mas foram vistas
e se compreendiam como pessoas em formação
229
.
Sabemos que nos últimos anos, tem-se discutido muito a respeito do Ensino
Religioso, porém, nosso foco foi buscar analisar o movimento didático-pedagógico
dos docentes dos anos iniciais enfatizando as complexas relações entre a prática de
como ensinar Ensino Religioso e as concepções e tendências contemporâneas
sobre educação escolar formal, formação do professor das ries iniciais,
criança/aluno enquanto sujeitos sociais e produtores de culturas. Concepções e
tendências que refletem decisivamente na elaboração das práticas pedagógicas. Em
outras palavras, nossa proposta buscou problematizar sobre a organização do
trabalho pedagógico trazendo para o cerne das análises a docência em Ensino
Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental
No processo de sistematização e tematização da docência em Ensino
Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nossos posicionamentos
referentes à aprendizagem e ao desenvolvimento das crianças centram-se na
compreensão do ensino como um debate amplo e democrático, rompendo dessa
forma com a mera instrução e transmissão de conhecimentos. Entendemos que a
educação da resposta não ajuda em nada a curiosidade indispensável ao processo
cognitivo. Ao contrário, ela enfatiza a memorização mecânica de conteúdos. Só uma
educação da pergunta aguça, estimula e reforça a curiosidade
230
.
Salientamos ainda que escola não pode ser sinônimo de aula, aula o pode
ser sinônimo de conteúdos e educação não pode ser sinônimo de obediência. A
228
FREIRE, 2005, p. 87.
229
WACHS, 2004, p. 19.
230
FREIRE, 2005, p. 19.
130
escola, a universidade, os diferentes espaços de formação de docentes, devem ser
canteiros de memória, liberdade e compromisso
231
.
Nesta direção, em nossas análises, tomamos como um dos pressupostos
teóricos os referênciais da psicologia histórico-cultural. O que implica afirmar que o
“homem é a síntese de suas relações sociais”
232
. Nessa acepção, o homem se
constitui como ser humano na relação com o Outro, ou seja, por meio de sua
inserção sócio-histórica e cultural. Tal referencial nos ajuda a deflagrar com precisão
que os processos de formação das crianças – nas suas dimensões cultural, humana,
intelectual e religiosa – se desenvolvem de maneira inter-relacional e por isso devem
estar conectados em um sistema integrado que envolve todas as ações, pois
acreditamos que o desenvolvimento das capacidades humanas é algo que se
potencializa por inteiro, sem divisões em âmbitos hierarquizados.
Conforme Vygotsky, não um hiato entre o social e o individual, pois estão
correlacionados. Neste sentido a dimensão religiosa passa a ser compreendida
como compromisso histórico diante da vida e da transcendência, buscando a
construção da paz na sociedade, desencadeando a solidariedade e a justiça, e
possibilitando (...) aquisição de conhecimentos que darão novos significados à busca
existencial, procurando responder indagações próprias do ser humano
233
.
Nessa abordagem, ao contrário de pensar o Ensino Religioso como uma
disciplina “excluída” no contexto escolar dos anos iniciais, defendemos um ensino
crítico, reflexivo, criativo e, acima de tudo, vivo. Um ensino que valorize as práticas
pedagógicas alternativas que procuram entrelaçar os alunos e os professores em
um diálogo de envolvimento com a própria realidade. O movimento é desvendar e
conhecer as histórias do cotidiano dos diversos atores envolvidos no cenário
educacional, possibilitando, assim, que crianças e professores possam se apropriar
de formas eficientes de pensar a realidade. Acreditamos que o Ensino Religioso
pode assumir um papel fundamental na objetivação, produção e transformação da
tessitura da dimensão sócio-cultural dos sujeitos. Existe uma preocupação crescente
231
OLIVEIRA, Lilian Blanck de. Formação de docentes para o ensino religioso: perspectivas e
impulsos a partir da ética social de Martinho Lutero. 2003. Tese (Doutorado em Teologia). Escola
Superior de Teologia. São Leopoldo, 2003.
232
Vygotsky, 1995.
233
GOMES, Saula Maria Marques; BRADENBURG, Laude Erandi. A na adolescência. IN:
BRANDENBURG, Laude Erandi et al. (Orgs.). Ensino Religioso na escola: bases, experiências e
desafios. São Leopoldo (RS): Oikos, 2005, p. 136.
131
com relação ao comportamento dos educandos na escola e na sociedade:
agressividade, individualidade, sexualidade, quebra de normas e condutas. Não
existe na escola uma disciplina que trabalhe o ser humano em sua íntegra. Desta
forma, vemos uma nova perspectiva para as aulas de Ensino Religioso: uma aula de
vivência. Uma aula em que o falar e o ouvir são respeitados e necessários. Uma
aula de valores, de virtudes, de atitudes, de pensar e refletir
234
Salientamos, porém, que a caminhada da pesquisa também evidenciou que
a organização do trabalho pedagógico, a qual qualifica o pensar e agir do professor
das séries iniciais do Ensino Fundamental, tem obliterado os temas relacionados ao
Ensino Religioso. Tal prática tem sido deflagrada desde a formação inicial desse
professor, ou seja, na sua formação no Curso de Pedagogia, o que reflete no
momento em que os professores assumem suas atividades educacionais nas
escolas. Vimos que, desde o início de sua formação, os professores se veem frente
a uma lacuna, o que posteriormente gera uma resistência, a qual os levam a uma
negação em trabalhar com os conhecimentos específicos do campo teórico do
Ensino Religioso.
Ainda que, do ponto de vista do discurso, não vejamos essa situação
regularmente anunciada e assumida, afirmamos que um olhar mais apurado e
refinado para as práticas educativas que envolvem o Ensino Religioso percebe o
quanto esta disciplina não se faz presente nos planejamentos, projetos educacionais
ou nas relações educativas.
Compreendemos porém que a identidade do Ensino Religioso não se
constitui na promulgação da nova lei, mas se constrói num permanente
processo de diálogo e de abertura para e com o diferente. Até porque a
alteração da letra da lei nem sempre acompanha a alteração da prática e da
concepção do professor. A repetição do discurso da letra da lei nem sempre
é acompanhada por uma ressignificação da compreensão e da prática do
Ensino Religioso. Esta ressignificação, assim como a própria ressignificação
da pessoa do professor, necessita de um tempo e de um processo de
reconstrução
235
.
234
GERSOS, Elizabeth Zissis. SCHAPPER, Valério. A aprendizagem de valores nas aulas de ensino
religioso. In: BRANDENBURG, Laude Erandi et al. (Orgs.). Ensino Religioso na escola: bases,
experiências e desafios. São Leopoldo (RS): Oikos, 2005, p. 129.
235
WACHS, Manfredo. Prefácio. KLEIN, Remí; WACHS, Manfredo Carlos; FUCHS Henri Luiz (Orgs.)
O ensino religioso e o pastorado escolar: novas perspectivas princípios includentes. São
Leopoldo (RS): Con-Texto, 2001, p. 5.
132
Sendo assim, o desafio que se apresenta quando fazemos a defesa do
Ensino Religioso para crianças das séries iniciais é a possibilidade de se alinhavar
uma proposta curricular alternativa e interligada às diferentes áreas do
conhecimento. No sentido de repensarmos o espaço e o tempo do trabalho
pedagógico no cotidiano das escolas, em uma perspectiva de transformá-lo e inová-
lo.
Seguindo este caminho é que consideramos importante problematizar a
realidade do ensino Ensino Religioso nas series iniciais do Ensino Fundamental,
estabelecendo um link com as diversas áreas do conhecimento. Nossa premissa é
traçar um diálogo multidisciplinar no que se refere à organização do trabalho
pedagógico e o Ensino Religioso, assumindo uma posição que o o fragmente. A
ideia central é deflagrar uma efetiva integração entre ensino e aprendizagens
significativas, contribuindo para o reconhecimento de todos os sujeitos que
compõem o cenário da escola como agentes históricos e partícipes da produção
cultural. Como dissemos, almejamos uma formação possibilitadora de diálogo
entre os sujeitos e o mundo. Um mundo circunscrito por uma diversidade cultural
que se afirma cada vez mais complexa e socialmente construída. Pensar por esse
prisma talvez seja a possibilidade de construirmos uma educação que caminhe de
forma integrada ao objetivo: construir, organizar e ancorar o trabalho pedagógico
nos anos iniciais do Ensino Fundamental nos seguintes princípios: participação
mútua; autonomia intelectual; corresponsabilidade e interdisciplinaridade. Afirmamos
a necessidade do professor ao organizar seu trabalho pedagógico realizar uma
interface entre as diversas áreas do conhecimento, não valorizando uma em
detrimento de outra. Desta maneira, compreendemos que se estabelece uma fértil
relação entre o Ensino Religioso e as outras disciplinas. Ensino Religioso como
disciplina a serviço de uma educação que é vida
236
.
Porém, não basta uma simples aproximação entre disciplinas, que se
criar um canal propositivo afigurando uma certa centralidade ao ensino
interdisciplinar. Essa especificidade na organização do trabalho docente não dá
236
FIGUEIREDO, Anisia de Paulo. Ensino religioso em chave de reflexão antropológica. In: KLEIN,
Remí; WACHS, Manfredo Carlos; FUCHS Henri Luiz (Orgs.) O ensino religioso e o pastorado
escolar: novas perspectivas – princípios includentes. São Leopoldo (RS): Con-Texto, 2001, p. 22.
133
privilégio apenas no conteúdo em si, mas especialmente na abordagem de ensino
adotada.
É sabido que trabalhar com uma proposta curricular organizada em prol
da participação, autonomia intelectual, corresponsabilidade e interdisciplinaridade
exige do professor mais em termos de planejamento, discussão com os demais
professores, formação continuada/permanente, maior conhecimento de sua própria
área e uma mediação qualificada na forma que conduz as relações educativas. Ao
professor cabe refletir sobre as concepções que sustentam suas escolhas,
colocando em pauta suas concepções de educação e, no que se refere ao Ensino
Religioso, suas concepções sobre a própria disciplina.
Cabe explicitar que, ao falarmos da organização do trabalho pedagógico,
é necessário desenvolver uma reflexão ampla sobre o caráter relacional entre a
teoria e a prática educacional. Em consonância com esta indissociabilidade,
destacamos a relação teoria-prática, não no sentido da sobreposição da teoria sobre
a prática ou vice-versa, mas na mediação da prática pela teoria. O conhecimento
científico dando respaldo aos conhecimentos produzidos pelos profissionais no
exercício cotidiano de suas concepções e de sua profissão. Nossa concepção de
educação escolar está pautada na práxis educacional. Entretanto, sem temor (medo)
destacamos os conhecimentos dos professores como articuladores da prática
didática escolar, indicamos esta perspectiva no sentido de romper com o abismo
existente entre a produção teórica e o chão da escola. Abismo existente entre o que
a produção teórica evidencia, produz e pesquisa e o que se faz na escola. Ao
chamar atenção para irmos além dos superficialismos e não repetirmos meros
chavões teórico-metodológicos, não pretendemos alijar o professor dos
conhecimentos necessários e fundamentais de sua própria disciplina. O que
defendemos é que as dimensões do trabalho docente não devem ser analisadas
isoladamente e sim articuladas às situações reais de trabalho
237
, sob pena de não
empobrecer seu significado.
A ideia é marcar e sublinhar a função precípua da educação escolar das
séries iniciais do Ensino Fundamental, qual seja: pensar os conteúdos e os
processos metodológicos do ensinar, educar e aprender, em uma relação recíproca
de aprendizagens e desenvolvimento das duas categorias de sujeitos:
237
TARDIF, 2002
134
adultos/professores e crianças/alunos. A reciprocidade está relacionada à
coparticipação dos dois sujeitos no processo de organização do trabalho
pedagógico, para que o professor desenvolva novas linguagens-conteúdos
238
nos
processos de ensino e aprendizagem. Os três verbos educar-ensinar-aprender
constituem e são costituídores do trabalho docente. Cabe esclarecer que pensar a
organização do trabalho do professor por esse viés é ousar ultrapassar as barreiras
que demarcam o território do ensino tradicional, uma ruptura necessária não
somente no campo da retórica, mas na concretização do pensar e agir pedagógicos
dos professores.
Encarar a organização do trabalho pedagógico nessa linha de
pensamento é ter em conta que o planejamento é um documento instrumental e não
prescritivo. O planejamento é compreendido como um caminho que se torna
dinâmico para o professor saber e apreender o que os alunos querem-porque-
precisam-saber
239
, com esse foco específico, o professor poderá organizar uma
situação de aprendizagem de maneira mais significativa, interdisciplinar,
participativa, concreta e conectada com a realidade contextual dos alunos.
Acreditamos que pensar nesta direção significa também defender uma
formação de professores que contemple os conhecimentos científicos das diferentes
ciências, as artes no seu sentido plural, a multiplicidade cultural e a própria vida
cotidiana.
Ainda no âmbito desta questão, o professor aparece como agente
responsável pela organização do trabalho pedagógico, sendo que o mesmo se
concretiza no cotidiano da sala de aula, ou seja, nas relações educativas com os
alunos. Adota-se, portanto, a definição de professor como aquele que ensina, que
deve possuir competência (que supere a improvisação e o amadorismo), que tenha
precisão, rigor, filosófico e disciplina metodológica, criatividade e criticidade na forma
de entender e trabalhar os conhecimentos conforme o contexto em que foi
produzido
240
. Para tanto, independente de qual área do conhecimento seja este
professor (em qualquer segmento da educação), é preciso profissionalismo,
engajamento político-pedagógico e um currículo que acompanhe as demandas e
produções dos alunos. Esses aspectos são indispensáveis e caracterizam o
238
JUNQUEIRA FILHO, Gabriel de Andrade. Linguagens geradoras: seleção e articulação de
conteúdos em educação infantil. Porto Alegre: Mediação, 2005.
239
JUNQUEIRA FILHO, 2005.
240
ARCE, 2001, p. 181.
135
exercício da docência, porém terão sentido e significado quando forem
concretizados tendo como eixo central todos os relacionamentos que são
estabelecidos no cenário da escola. Assim, os diversos relacionamentos estão
interligados aos aspectos pedagógicos da escola. Nesse sentido, concordamos com
a assertiva Tardif, o autor alerta que é necessário compreender o trabalho docente
como uma profissão que se constitui no campo das relações humanas
241
, estando
os saberes e fazeres do professor imerso nessas relações.
A ideia das interações humanas desenvolvida por Tardif
242
nos apresenta um
requisito essencial para interligarmos a nossa análise da organização do trabalho
pedagógico, qual seja: trabalhar em prol da coletividade. No qual seja possível
pensarmos em processos educacionais que compartilhem experiências, ampliando
os saberes por meio do diálogo e da parceria mútua entre os diversos sujeitos
participantes do processo.
241
TARDIF, 2002.
242
TARDIF, 2002.
136
CONSIDERAÇÕES PROPOSITIVAS
O período de observação nas unidades educativas, as entrevistas realizadas e
os seminários que ocorreram na UDESC foram fortalecendo em nós a produção de
algumas reflexões sobre a organização do trabalho pedagógico nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. O universo de nosso interesse sempre foi o componente curricular
Ensino Religioso e em todo momento fez-se presente a inquietação da pesquisa: Como e
a partir do que os docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental em
Florianópolis, devidamente habilitados em Pedagogia, desenvolvem suas práticas
pedagógicas do componente curricular do Ensino Religioso.
Destacamos então que é imperioso afirmar que análise desenvolvida
demonstra que ainda muito a discutir, estudar e pesquisar sobre a docência e o
Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Os (as) professores (as) expressam uma análise crítica e reflexiva sobre a
ação docente, apontando perspectivas de minimização dos problemas enfrentados.
Entendemos que considerar esses elementos nos programas de formação
continuada, nos processos de reestruturação dos projetos de Ensino Religioso é
fundamental, uma vez que, em última instância, o agente principal e concretizador
da ação pedagógica é o docente.
Proporcionar uma formação continuada para os docente que alie as
experiências cotidianas a um processo de fundamentação e aprofundamento teórico
é um indicativo do presente estudo.
Registramos ainda a acentuada preocupação dos (as) professores (as) com a
aprendizagem, cujos discentes são o foco principal.
137
Os docentes participantes da pesquisa demonstram, em sua maioria
satisfação em atuar no Ensino Religioso e destacam aspectos que podem ser
aprimorados na área como cursos de formação inicial e continuada, bem como
discussão permanente e coletiva no contexto escolar.
Assim com base no percurso realizado podemos tecer algumas
considerações propositivas:
a) Os professores participantes da pesquisa evidenciam desenvolver as práticas
pedagógicas para lecionar Ensino Religioso nos anos iniciais do Ensino
Fundamental como parte de seu compromisso docente com crianças, jovens e
adultos em processo de aprendizagem. Destaca-se a partir das entrevistas e
seminários que é lastimável e assustador a falta de compromisso das
instituições formadoras com esta área do conhecimento. É preciso inserir essa
discussão nos currículos de formação de professores para as séries iniciais.
Esta ausência da discussão do Ensino Religioso nos currículos exclui
duplamente: o professor em processo de formação inicial e o aluno em processo
de alfabetização que tem o direito de se apropriar desta área do conhecimento.
É preciso impactar as instituições formadoras com esta preocupação;
b) Os processos de formação continuada para professores que atuam nos anos
inicias também deve ser repensado, é fundamental incluir esta área no momento
em que os professores estão participando de formações no âmbito das redes de
ensino;
c) É fundamental quebrar o preconceito ou barreira existente entre os professores
licenciados para atuarem de a série em Ensino Religioso e os docentes
dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Assim como nas outras áreas o
professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental é generalista. Deve saber
bem matemática e português. Deve saber bem Ensino Religioso.
d) As redes de ensino públicas ou particulares precisam garantir a participação dos
professores que atuam com Ensino Religioso nos anos iniciais em eventos,
seminários específicos como forma de retroalimentar a prática pedagógica;
e) Os gestores escolares precisam divulgar, socializar e formatar a discussão em
Ensino Religioso para os docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental
138
f) Não basta garantir a presença do Ensino Religioso enquanto expressão escrita
nos Projetos Políticos Pedagógicos das escola, é fundamental a sua
materialidade nas práticas pedagógicas;
g) Deve ser incentivada a prática do planejamento e troca de experiências entre os
professores que atuam Ensino Religioso em uma mesma unidade escolar;
h) A alfabetização enquanto prática de apropriação de conhecimento se na
Linguagem, na Matemática, no ensino de Ciências, entre outras. Insere-se nessa
discussão o Ensino Religioso;
i) O Ensino Religioso fortalece o vínculo afetivo entre aluno e professor no âmbito
das séries iniciais, condição indispensável para o processo de aprendizagem ser
significativo;
j) Direção, Coordenação pedagógica e professores são fundamentais no processo
de articulação para que o Ensino Religioso realmente aconteça no âmbito dos
anos iniciais do Ensino Fundamental.
k) Os professores participantes evidenciaram, em sua maioria, crescimento
pessoal, profissional e existencial ao integrarem o Ensino Religioso como parte
das suas tarefas de mediação docente.
Para finalizar, lembramos que no último seminário ocorrido na faculdade de
educação da UDESC os docentes participantes, a partir da construção de uma das
docentes, cantaram uma música de mãos dadas, desejando êxito ao pesquisador na
luta pela concretude do Ensino Religioso no âmbito do currículo e das práticas
pedagógicas dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
139
Registramos aqui, em uma botija, o verso cantando pelos participantes da
pesquisa com a esperança que se move pacientemente impaciente na realização
deste sonho.
140
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149
APÊNDICE 1 – Entrevista
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
INSTITUTO ECUMENICO DE PÓS-GRADUAÇÃO – IEPG
Tese: Tem azeite na botija – O ensino Religioso nos anos iniciais do ensino
fundamental
Orientador: Professor Manfredo Carlos Waschs
Orientando. Lourival José Martins Filho
Dimensões para entrevista com os professores que atuam nas series iniciais do ensino
fundamental
Caro(a) Professor(a),
Vamos realizar uma entrevista sobre sua prática docente no Ensino Religioso nos anos
iniciais do ensino fundamental Esse material faz parte de uma pesquisa de Doutorado cujo objetivo é
analisar como e a partir do que os docentes que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental em
Florianópolis, devidamente habilitados em Pedagogia, desenvolvem suas práticas pedagógicas do
componente curricular Ensino Religioso.
Ressaltamos que sua identidade será totalmente preservada e que os dados serão
utilizados sob os princípios éticos para a pesquisa. Sua colaboração é muito importante e desde
agradecemos.
1. Dados Pessoais
1.1 Idade:
1.2 Sexo
2. Dados da Formação Acadêmica a Atuação Profissional
2.1 Graduação
2.2 Pós-Graduação:
2.3 Tempo que atua na educação em geral:
2.4 Tempo que atua especificamente lecionando Ensino Religioso nos anos iniciais do ensino
fundamental:
3. Aspectos da atuação docente no Ensino Religioso nos anos iniciais do ensino fundamental
3.1 Você teve alguma formação voltada para o ensino religioso antes de lecionar na área?
3.2 Comente sobre sua sua participação em cursos de formação continuada na área de ensino
religioso
3.3 Como acontece o processo de planejamento da área de ensino religioso para os anos
iniciais
150
3.4 Você recebe orientação pedagógica para atuar com o componente curricular ensino
religioso nos anos iniciais
3.5 Qual o nível de satisfação pessoal com seu trabalho como educador(a) na área de ensino
religioso
3.6 Como você avalia o nível de interação com seus alunos nas aulas de ensino religioso
3.7 Quanto a sua atuação docente no ensino religioso, você têm encontrado dificuldades?
3.8 Cite alguns aspectos que você considera como positivos e outros que podem ser
aprimorados na docência do ensino religioso nos anos iniciais a partir de sua experiência
como docente na área:
3.9 Como você organiza suas atividades planejamento para a docência do componente
curricular ensino religioso nos anos iniciai
3.10 Como promove a cooperação entre os alunos
3.11 Como acontece o contato com outros professores – trocas de experiências
3.12 Como desenvolve o processo de avaliação do componente curricular ensino religioso
3.13- Comente sobre o apoio pedagógico recebido e o envolvimento da escola desde o PPP
até as ações cotidiana frente ao ensino religioso
3.14 Socialize Estratégias de ensino que deram certo para a docência do componente
curricular ensino religioso nos anos iniciais
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