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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
O MITO ANNA NERY E A ENFERMAGEM BRASILEIRA
Dieckson de Oliveira Batista
2005
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iii
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
O Mito Anna Nery e a Enfermagem Brasileira
Dieckson de Oliveira Batista
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, Escola de Enfermagem
Anna Nery, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Profª Drª Tânia Cristina
Franco Santos.
Rio de Janeiro
Setembro 2005
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iv
O MITO ANNA NERY E A ENFERMAGEM BRASILEIRA
Dieckson de Oliveira Batista
Tânia Cristina Franco Santos
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem,
Escola de enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Enfermagem.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Profª. Tânia Cristina Franco Santos Orientadora
Doutora em Enfermagem EEAN/UFRJ
_______________________________________________________
Prof. Osnir Claudiano da Silva Júnior
Doutor em Enfermagem EEAP/UNIRIO
_______________________________________________________
Profª. Lucia Helena Silva Corrêa Lourenço
Doutora em Enfermagem EEAN/UFRJ
_______________________________________________________
Profª. Almerinda Moreira
Doutora em Enfermagem EEAP/UNIRIO
_______________________________________________________
Profª. Maria da Luz Barbosa
Doutora em Enfermagem EEAN/UFRJ
Rio de Janeiro
Setembro, 2005
v
FICHA CATALOGRÁFICA
BATISTA, Dieckson de Oliveira.
O Mito Anna Nery e a Enfermagem Brasileira. / Dieckson de Oliveira
Batista. - Rio de Janeiro: UFRJ / EEAN, 2005.
xiii, 117 f. : il.; 31cm.
Orientadora:Tânia Cristina Franco Santos. Dissertação (mestrado)
UFRJ/ EEAN/ Programa de Pós-graduação em Enfermagem, 2005.
Referências Bibliográficas: f. 106111.
1. História da Enfermagem. 2. Enfermagem Brasileira. 3. História.
4. Anna Nery. I. Santos, Tânia Cristina Franco. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery. III. Título.
CDD 610.73
vi
O mito é uma realidade cultural
extremamente complexa, que pode ser
abordada e interpretada através de
perspectivas múltiplas (MIRCEIA DE
ELIADE, 2002).
vii
Dedico este trabalho, à pessoa
responsável por todo o meu
amadurecimento acadêmico, o
grande amor da minha vida:
minha esposa e companheira
Eleny, que, com sua altruística
sabedoria, soube entender
minhas inquietações e
desesperos, e em sua pessoa
encontrei equilíbrio para
continuar nessa trajetória.
Dieckson
viii
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus e às forças que movimentam o mundo, as quais
nunca me abandonaram nessa trajetória.
Se há valor aqui, devo as contribuições generosas de outros, em especial à
minha orientadora, Profª Tânia Cristina Franco Santos.
À Escola de Enfermagem Alfredo Pinto que, através de seus ensinamentos,
permitiu-me enveredar no mundo de ser Enfermeiro.
Ao LAPHE, Laboratório de Pesquisa da História da Enfermagem conduzido
por pesquisadores brilhantes, responsáveis em me despertar e impulsionar rumo à pesquisa
na História da Enfermagem, Profª. Drª Almerinda Moreira, Prof, MSc Fernado Porto, Prof.
Dr. Osnir Claudiano da Silva Júnior e Prof. Dr. Welinghton Amorim.
À Escola de Enfermagem Anna Nery, em especial a Profª Drª Neiva Picinini
dos Santos, por me incentivar ao processo de seleção do Mestrado na EEAN, e a Profª Drª
Maria Aparecida Vasconcelos de Moura, com suas brilhantes contribuições para o término
desse trabalho.
Em todas as fases do estudo participei, do NUPHEBRAS, um amplo círculo de
amigos e pesquisadores que me incentivaram ampliando e aprofundando minha
perspectiva, Profª Drª Ieda Alencar Barreira, Profª Drª Sueli Baptista, Profª Drª Lúcia
Helena Silva Corrêa Lourenço, Profª Drª Maria da Luz Barbosa, Prof. Dr. Antônio José de
Almeida Filho.
Com toda minha alma e energia, agradeço à minha esposa Eleny Alves de
Britto, que me deu o maior presente de todos: seu amor e a oportunidade de
compartilharmos nossas vidas e a minha filha Sther de Britto de Oliveira Batista, que é a
estrela mais bela do meu firmamento. Amá-la é o mais sábio dos meus atos.
Sou muito grato ao meu pai, João Marinho Batista, à minha mãe, Priscila Laine
de Oliveira Batista e à minha Avó Alaíde Galvão, por tudo que me amaram, perderam,
apreenderam e viveram. Todos os dias, esforço-me para vivenciar as questões e
responsabilidades que me passaram.
Ao meu irmão, Deivison de Oliveira Batista, que sempre teve preocupação com
a minha história, obrigado por muitos anos de amor e, por ocasião da minha ausência, ter
tentado se fantasiar de PAI para a minha filha.
À minha filha emprestada, Carolina de BrittoTelles, que suportou os estresses
dessa jornada, para tudo na vida é necessário um sacrifício.
ix
Á Cátia Cristina, companheira que embala minha filha em muitos momentos.
Á Maria Fernanda e ao Anderson, tenho certeza de que sem a ajuda de vocês e
a paciência tudo ficaria mais difícil. Obrigado por tudo!
Aos meus amigos de turma do mestrado, Geilsa Valente, Marianne Batalha e Rose Clair,
pois somente nós entendemos o que é à distância e a necessidade
de lutar pelo avanço do trabalho.
Aos meus amigos de trajetória acadêmica, Fernanda Athadema, Carla Albano
Prata, Isaura Alina de Oliveira, Maria Manuela Vila Nova Cardoso, Marcelo Lassala,
Patrícia Olário, Rogê Candido. A vida acadêmica é o princípio de um dia melhor.
Ao meu tio Nino (in memorian). Sou muito grato pelos seus ensinamentos,
espírito de inspiração, obrigado pela parceria valiosa: passada, presente e futura.
Aos secretários da Pós-graduação da EEAN/UFRJ, Sonia Xavier e Jorge
Anselmo, por toda preocupação e atenção dispensada.
Ás Bibliotecas, Nacional, Biblioteca Setorial do LAPHE, Centro de Documentação da
EEAN/UFRJ, e Arquivo da Cruz Vermelha Brasileira,
onde garimpei preciosos documentos.
À banca examinadora, pela competência e contribuições em todas as fases desse
trabalho.
Ao amigo Cláudio Arthur Oliveira Rei pela inestimável colaboração na revisão
ortográfica e gramatical deste estudo e, por mostra-me uma parcela da mitologia do
preconceito lingüístico.
Aos meus amigos que são tantos, e eu não posso correr o risco de elencar e
esquecer algum, valeu pela torcida.
Ao CAPES, pela oportunidade do financiamento e progresso da pesquisa em
história.
x
O MITO ANNA NERY E A ENFERMAGEM BRASILEIRA
Dieckson de Oliveira Batista
Tânia Cristina Franco Santos
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Enfermagem.
Estudo de cunho histórico-social, cujo objeto de investigação é o processo de apropriação
do mito Anna Nery pela Enfermagem Brasileira. O recorte temporal compreende o período
de 1919 a 1940, sendo o marco inicial o ano em que a Liga das Sociedades da Cruz
Vermelha (Paris) reconhece, Anna Nery como pioneira da Enfermagem Brasileira e
Precursora da Cruz Vermelha e o final se refere à realização da Primeira Semana da
Enfermagem Brasileira. Os objetivos foram descrever as circunstâncias em que ocorreu a
apropriação do mito Anna Nery pela enfermagem brasileira; analisar os instrumentos
simbólicos utilizados pela enfermagem brasileira no processo de apropriação do mito Anna
Nery e discutir as implicações do mito Anna Nery para a enfermagem brasileira. Foram
fontes primárias: recortes de jornais, decretos, artigos das revistas da Cruz Vermelha
Brasileira (CVB) e Annaes de Enfermagem, documentos escritos sobre a Cruz Vermelha
Internacional e Brasileira, localizados no Acervo da CVB, nas Bibliotecas: Municipal de
Nova Friburgo, Nacional, Setorial do LAPHE/UNIRIO e no Centro de Documentação da
EEAN/UFRJ. As fontes secundárias referem-se aos primórdios da Enfermagem brasileira,
Cruz Vermelha Internacional e Brasileira no contexto histórico-social da Primeira
República e do Estado Novo. A interpretação dos achados se apoiou nos conceitos de
capital social, capital cultural, poder simbólico e habitus do sociólogo Pierre Bourdieu,
evidenciando que a enfermagem brasileira empregou estratégias para a apropriação do mito
Anna Nery, promovendo visibilidade e mobilidade social para a profissão e adotou a figura
de Anna Nery como um símbolo da Enfermagem Nacional.
Descritores: História, História da Enfermagem, Enfermagem Brasileira, Anna Nery.
Rio de Janeiro
Setembro, 2005
xi
THE MYTH ANNA NERY AND THE BRAZILIAN NURSING
Dieckson de Oliveira Batista
Tânia Cristina Franco Santos
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Enfermagem.
Study of historical-social character, which subject of investigation is the process of
appropriation of the myth Anna Nery by Brazilian Nursing. The cutting of time comprise
the period of 1919 to 1940, being the initial landmark the year in that the Red Cross’
League of the Societies recognize Anna Nery as pioneer of the Brazilian Nursing and
Precursor of the Red Cross and the final refer to realization of the First Week of the
Brazilian Nursing. The objectives were: describe the circumstances in which happend the
appropriation of the myth Anna Nery by brazilian nursing; analyse the symbolic
instruments used by brazilian nursing in the process of appropriation of the myth Anna
Nery and discuss the implications of the myth Anna Nery for the brazilian nursing. It were
primary sources: clipping of newspapers, decrees, articles of the magazines of the Brazilian
Red Cross (CVB) and Annaes of Nursing, documents written about the International and
Brazilian Red Cross, located in the Heap of the CVB, in the Libraries: Town council of the
Nova Friburgo, National, Sector of the LAPHE/UNIRIO and in the Centre of
Documentation of the EEAN/UFRJ. The secondary sources refer to origin of the Brazilian
Nursing and International and Brazilian Red Cross in the historical-social context of the
First Republic and of the New State. The interpretation of the discoveries if supported in
the concepts of social capital, cultural capital, symbolic power and habit of the sociologist
Pierre Bourdieu, proving that the Brazilian Nursing used strategies for the appropriation of
the myth Anna Nery, causing social visibility and mobility for the profession and assumed
the figure of Anna Nery as a symbol of the National Nursing.
Describers: History, Nursing History, Brazilian Nursing, Anna Nery.
Rio de Janeiro
Setembro, 2005
xii
CAPÍTULOS
CONTEÚDOS
PÁGINAS
INTRODUÇÃO
Considerações Iniciais: A Trajetória da Construção do Mito
14
Quadro Teórico e Abordagem Metodológica
21
Localização das Fontes
26
CAPÍTULO I
Movimento de Mitificação de Anna Nery
31
1.1. O Brasil Imperial e a emergência do Mito Anna Nery
33
1.2 Anna Nery: O retorno do front na queda da Monarquia e
implantação da República brasileira
42
1.3 Cruz Vermelha Internacional
50
1.4 Cruz Vermelha Brasileira
57
CAPÍTULO II
O Movimento de Retomada do Processo de Mitificação
de Anna Nery
60
CAPÍTULO III
(Re) atualização do Mito Anna Nery pela Enfermagem
Brasileira
79
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Anna Nery: Um nome, um mito.
100
REFERÊNCIAS
106
Anexo I Parecer do Comitê de Ética
112
Apêndice A Matriz para Exame de Documentação
114
Apêndice B Quadro para Exame de Documentação
115
APÊNDICES
Apêndice C Eventos e Homenagens à Anna Nery
116
Apêndice D Eventos na Vida de Florence Nightingale
117
Apêndice E Hino das Enfermeiras
118
xiii
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A TRAJETÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO MITO
xiv
CONSIDERAÇÕES INICIAIS A TRAJETÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO MITO
O objeto desta investigação é o processo de apropriação do mito Anna Nery
1
pela enfermagem brasileira. O recorte temporal engloba o período de 1919 a 1940 e o
marco inicial corresponde ao ano em que a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha (Paris)
reconhece Anna Nery como Pioneira da Enfermagem Brasileira e Precursora da Cruz
Vermelha. A delimitação final refere-se à realização da Primeira Semana da Enfermagem
Brasileira
2
, realizada no Rio de Janeiro, nas dependências da Escola de Enfermagem Anna
Nery, no período de doze a vinte de maio de 1940, sendo que o dia 12 corresponde à data
do nascimento de Florence Nightingale e o dia 20, a data do falecimento de Anna Nery.
Esta demarcação, além de associar a imagem de Anna Nery à imagem de Florence
Nightingale, parece refletir a demarcação dos Santos da Igreja Católica cujas datas
comemorativas correspondem ao falecimento destes.
Anna Justina Ferreira Nery, nasceu em 13 de dezembro de 1814, na Vila de
Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeiro de Paraguaçu, na Bahia e casou-se aos 23
anos de idade com Isidoro Antônio Néri, capitão-tenente da Marinha Brasileira, nascido em
Lisboa Portugal, tornando-se mãe de três filhos. Viúva, aos 51 anos de idade, ao
1
Existem variações em torno da grafia do nome de Anna Nery nas fontes utilizadas. A forma gráfica adotada
por Lima (1977) e pelas fontes das Revistas da Cruz Vermelha (1925 a 1935) é ―Ana Néri‖. As fontes
originadas pela Escola de Enfermagem Anna Nery (1940), adotam duas formas gráficas: Anna Nery e Ana
Néri. Considerando a grafia atual, este estudo utiliza Anna Nery, sendo respeitadas nas citações diretas as
formas gráficas encontradas nos documentos originais.
2
A Primeira Semana da Enfermagem brasileira, à época da sua comemoração, era denominada Semana da
Enfermeira (REIS, 1940, p.4). A Semana da Enfermagem é realizada até os dias atuais, perpetuando a
memória de Florence Nightingale e Anna Nery e encontra-se na sua 66ª versão, corroborando na (re)
atualização e ritualização do mito Anna Nery.
xv
vivenciar a partida de seus três filhos e um sobrinho para os campos de batalha da Guerra
do Paraguai (1864 1870) resolveu enviar uma carta ao Presidente da Província da Bahia,
Manuel Pinto de Souza Dantas
3
, solicitando permissão para acompanhar seus familiares e
prestar assistência aos feridos. Seu pedido foi aceito, e sua atuação, nos campos de
batalha causou grande impacto na sociedade, em face da condição feminina e social, à
época, além de seus cinqüentas anos de idade (LIMA, 1977, p.111).
Anna Nery, ao se inserir nos campos de batalha, para prestar assistência aos
feridos, deixa o abrigo do lar e se insere num campo conflituoso por sua natureza e por ser
uma condição inédita para a mulher brasileira àquela época.
Não obstante, esta atitude está em consonância com os papéis desempenhados
pela mulher no período que corresponde à transição do século XIX para o século XX, nos
quais se evidenciam as figuras da mulher, pois as mulheres buscam espaços na sociedade,
marchando rumo ao movimento feminista e a sociedade tenta modelar suas atitudes,
argumentando que as mulheres eram figuras ligadas diretamente ao papel de servas do lar,
entendendo que as mesmas deveriam desenvolver atividades não remuneradas, e seus
afazeres deveriam estar ligados ao trabalho doméstico, como costuras, artes culinárias e a
responsabilidade de educar os filhos (SOHIET, 2004, p.1920).
Ao retornar da guerra, em 1870, Anna Nery recebeu inúmeras homenagens
através de poemas, placas comemorativas, obras literárias, nomes de ruas, dedicatórias em
livros. Também na arte, sua figura ganhou expressão em estátuas e telas que ocuparam
3
Manual Pinto de Souza Dantas, Bacharel em Ciências Jurídicas, 30º Presidente da Bahia, foi nomeado para
este cargo a 7 de julho de 1865 e tomou posse no dia 24 do mesmo mês e ano. Estava, portanto, pouco
tempo na função de presidente (LIMA, 1977, p.111).
xvi
espaços importantes na sociedade brasileira. Sua trajetória de vida mereceu atenção de
diversos escritores e ainda foi cognominada ―Mãe dos Brasileiros‖ e ―Enfermeira Leiga‖.
Desse modo, partimos da premissa que estes eventos demarcaram o início do
processo de mitificação de Anna Nery. Ademais, a Coroa
4
de Louros
5
que Anna Nery
recebeu, das famílias ilustres de sua cidade natal, por ocasião do seu regresso, em 5 de
junho de 1870 se constitui um exemplo emblemático desse processo, pois a atuação de
Anna Nery, na Guerra do Paraguai, foi reconhecida pela sociedade como um ato de
coragem, patriotismo e humanidade.
Essa homenagem pode ser justificada à luz do entendimento de que o capital
social de Anna Nery tenha contribuído para a capitalização de lucros simbólicos advindos
da sua participação na Guerra do Paraguai, pois, segundo Bourdieu (1998, p.67), o capital
social consiste de recursos baseados em contatos e participação em grupos. Vale, ainda,
ressaltar que outras mulheres participaram do conflito, no entanto, apenas Anna Nery
ganhou notoriedade.
O recorte espacial é o Rio de Janeiro, à época, Capital Federal, cidade onde
Anna Nery morou até o seu falecimento (1880), e onde, também, foram instaladas as
4
Esta coroa, medindo 0,35 mm de diâmetro, era confeccionada com palhetas de ouro de 18 quilates, tendo em
volta larga fita verde gorgorão, onde se lia a dedicatória: ―À Heroína da Caridade, as baianas reconhecidas‖.
Até 1904, a coroa pertenceu a seu filho, então coronel Pedro Antonio Néri, que, depois dos funerais de sua
mãe, a guardou carinhosamente até sua morte. Depois a coroa passou a pertencer ao filho deste ilustre militar,
o Senhor Azarias Heráclito Néri que, ao fixar residência no Rio Grande do Sul, levou a referida coroa. Este
documento histórico foi levado várias vezes ao Rio de Janeiro (por solicitação), entretanto, seu neto sempre
recusou que a coroa não pertencesse à Bahia. Assim, a 24 de maio de 1933, o Sr Azarias Néri, acompanhado
de seus filhos Antonio Carlos Néri e Gilberto Xavier Néri, fez a entrega da preciosa relíquia à Pinacoteca do
Estado da Bahia, onde, desde então, ficou exposta à visitação pública (LIMA, 1977, p. 205206).
5
O Loureiro era a planta predileta de Apolo (Deus do canto, da Lira e da Medicina, conhecedor de todas as
plantas medicinais). Ele instituiu os jogos píticos, nos quais o vencedor nas provas de força e rapidez era
coroado com uma grinalda de folhas de louro, representando a honra e a glória dos vencedores. A predileção
de Apolo pelo Loureiro representa o seu amor não correspondido pela belíssima Dafne. Neste caso, as folhas
dos loureiros ornamentariam as frontes dos guerreiros vencedores dos jogos, em sinônimo de devoção à sua
amada (BULFINCH, 2000).
xvii
Escolas de Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira, instituição de caráter internacional e
a primeira a fazer menção à Anna Nery, como precursora da Enfermagem, e a Escola de
Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública atual Escola de Enfermagem
Anna Nery, responsável pela implantação da enfermagem moderna no Brasil, que assume
Anna Nery como sua patrona, o que pode ser entendido com uma forma de mitificação e
perpetuação de sua memória.
A motivação, para realizar esta investigação, emergiu do desejo de dar
continuidade aos estudos desenvolvidos como aluno do curso de graduação em
Enfermagem, período no qual realizei três trabalhos vinculados ao grupo do Laboratório de
Pesquisa de História da Enfermagem LAPHE, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
EEAP, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, cujas temáticas
versaram sobre a figura de Anna Nery.
O primeiro trabalho intitulado O Monumento de Anna Nery em um território
esquizofrênico na Cidade do Rio de Janeiro foi apresentado no 12º Seminário Nacional de
Pesquisa em Enfermagem SENPE, em 2003, Porto Seguro Bahia. Nesse estudo, foi
analisado o significado do monumento de Anna Nery, inaugurado em 1956, na Praça Cruz
Vermelha, no centro da Cidade do Rio de Janeiro. Essa homenagem foi analisada à luz do
referencial de Platão & Fiorin e Milton Santos (2000), e os resultados da investigação
apontaram para uma reflexão sobre a contradição desta personagem, a qual preconizou a
higiene no cenário de guerra, opondo-se a perpetuação de Anna Nery em um espaço de
pouca condição higiênica, ratificando o território como esquizofrênico.
xviii
O segundo trabalho, intitulado Anna Nery Memória em um espaço público,
foi apresentado na 6ª Jornada Nacional de História da Enfermagem
6
, em 2003, na Escola de
Enfermagem Anna Nery. Nesse estudo, foram analisados os registros noticiosos sobre o
lançamento da Pedra Fundamental em memória de Anna Nery, na Praça Cruz Vermelha,
em 1935. Os resultados do estudo apontaram para a magnitude da construção da memória
de Anna Nery em um espaço público e central na cidade do Rio de Janeiro, indicando sua
importância política e social para a Enfermagem brasileira.
Um achado importante desse estudo foi a descoberta de que a iniciativa desta
homenagem deveu-se a um delegado peruano da Cruz Vermelha, Guilherme Fernandes
Davila. À época desse evento, a praça era denominada de Vieira Souto, que, por ocasião da
III Conferência Pan-Americana da Cruz Vermelha Internacional, em 1935, passa à
designação de Praça Cruz Vermelha, juntamente com o lançamento da pedra fundamental
do seu monumento, que confere à Anna Nery visibilidade Internacional (JORNAL DO
COMMÉRCIO, 25/09/1935, p.4).
Motivado pela possibilidade de continuar investindo na pesquisa sobre a
―iconicidade‖ de Anna Nery, foi elaborado o trabalho de conclusão de curso, apresentado
6
A Jornada Nacional de História da Enfermagem, do Núcleo de Pesquisa da História da Enfermagem
Brasileira, foi um evento integrante do 10º Pesquisando em Enfermagem, o qual incluiu também, o 3º
Encontro Nacional de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem do NUCLEARTE, na Escola de
Enfermagem Anna Nery EEAN/UFRJ, em 2003. Este trabalho é de autoria de Dieckson de Oliveira
Batista, Fernando Porto e Eleny Alves de Britto Telles e recebeu o Primeiro Lugar do Prêmio ARTE
VISUAL, no referido evento. Foi apresentado, também, na I Mostra de Produção Científica de História da
Enfermagem do Rio de Janeiro, vinculada ao Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem LAPHE,
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto EEAP, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/
UNIRIO.
xix
na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, intitulado: O lançamento da pedra fundamental
do monumento em memória de Anna Nery. Os achados deste trabalho de conclusão
evidenciaram a magnitude em torno da memória de Anna Nery, marcando a história da
enfermagem brasileira no período estudado. Na análise, foi evidenciado que esta
personagem tem uma relevante significação patriótica; um papel simbólico de e de
todos os brasileiros; e que se sobrepujou aos papéis masculinos, sendo perpetuada em um
espaço público, que tangenciava a Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha a qual
abrigava o saber, a dor e a arte de quem se dignificava a cuidar.
A partir dessas considerações, lançamos o olhar para a seguinte questão:
Qual a importância da apropriação do mito Anna Ney para a enfermagem
brasileira?
Para elucidar o objeto proposto de estudo, foram formulados os seguintes
objetivos:
1. Descrever as circunstâncias em que ocorreu a apropriação do mito Anna Nery
pela enfermagem brasileira;
2. Analisar os instrumentos simbólicos utilizados pela enfermagem brasileira no
processo de apropriação do mito Anna Nery;
3. Discutir as implicações do mito Anna Nery para a enfermagem brasileira.
A partir do exposto, acreditamos que a grande relevância deste estudo remete à
possibilidade de preencher lacunas acerca da figura de Anna Nery, dando o real valor ao
mito Anna Nery, e, também, permitindo a (re)construção de fragmentos da história da
xx
enfermagem brasileira, contribuindo, portanto, para a compreensão do processo de adoção
de ícones para a enfermagem brasileira.
Relacionado à história, entendemos que ela continua e está a nos contar sobre
novos sujeitos e tantas outras identidades quantas nossos olhares deixarem ver,
possibilitando, desta forma, interpretações e versões, opostas, convergentes ou
complementares, mas que favorecem uma visão mais crítica dos processos históricos da
enfermagem brasileira ligada ao momento histórico e social, vital para o entendimento do
progresso da profissão.
Em vez da descrição pura e simples de eventos, datas e lugares em torno da
personagem central Anna Nery, apoiamo-nos no pressuposto de que esses eventos
podem ser verdadeiramente compreendidos, se considerados como parte de um processo
global, em que os fatos mantêm uma estreita relação entre si, ou seja, os fragmentos da vida
de Anna Nery são aqui vinculados à História da Enfermagem brasileira.
Esta investigação intenciona, ainda, fortalecer a linha de pesquisa em
História da Enfermagem brasileira, aprofundar aspectos para outros estudos do Núcleo de
Pesquisa em História da Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery
NUPHEBRAS EEAN/UFRJ, contribuindo, dessa forma, para a investigação científica
na área de Enfermagem e de profissionais de áreas afins.
xxi
QUADRO TEÓRICO E ABORDAGEM METODOLÓGICA
QUADRO TEÓRICO E ABORDAGEM METODOLÓGICA
Estudo de cunho histórico-social, cujos dados foram analisados à luz dos
conceitos de capital social, capital cultural, poder simbólico e habitus, conforme descritos
pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1998; 2003). Para este autor, o capital social consiste em
xxii
recursos baseados em contatos e participação em grupos e pode ser explicitado da seguinte
forma:
O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que
estão ligados à posse de uma rede duráveis de relações mais ou
menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-
reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo,
como conjunto de agentes que não somente são dotados de
propriedades comuns (...), mas também são unidos por ligações
permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67).
O conceito de capital cultural utilizado pelo mesmo autor indica todas as
maneiras sobre as quais a cultura reflete ou atua sobre as condições de vida dos indivíduos.
Para ele, o funcionamento da cultura se através de metáforas econômicas. Nessa análise,
a cultura não depende da economia: a cultura funciona como uma economia. Nestas
circunstâncias, a dinâmica da reprodução social está centrada no processo de reprodução
cultural. É através da reprodução da cultura que a reprodução mais ampla da sociedade fica
garantida (BOURDIEU, 1998, p.7375).
Segundo Pierre Bourdieu (1998), a cultura que tem prestígio e valor social é
justamente a cultura das classes dominantes: seus valores, seus gostos, seus costumes,
seus hábitos, seus modos de se comportar, de agir. À medida que essa cultura tem valor
em termos sociais; à medida que ela vale alguma coisa; à medida que ela faz com que a
pessoa que a possui obtenha vantagens materiais e simbólicos, ela se constitui como
capital cultural, que pode se manifestar em estado objetivado, como em obras de arte,
obras literárias entre outras, podendo, também, existir sob a forma de títulos, certificados
e diplomas, sob a forma de capital cultural institucionalizado, e, finalmente, o capital
xxiii
cultural manifesta-se ainda de forma incorporada, introjetada e internalizada (1998 p.73
77).
Entretanto, segundo a análise de Silva (2000, p. 3435), a eficácia dessa
definição da cultura dominante como sendo a cultura é necessário que ela não apareça
como tal, como uma definição arbitrária, baseada apenas na força (econômica) da classe
dominante. É essa força original que permite que a classe dominante possa definir sua
cultura como a cultura, mas, nesse mesmo ato de definição, oculta-se a força que torna
possível que ela possa impor essa definição arbitrária.
O conceito de habitus, para Bourdieu (2003, p.61) é ―um conhecimento
adquirido e também um haver, um capital. O habitus indica a disposição incorporada, quase
postural‖ Silva (1995, p.26), ao aplicar o conceito de habitus, em seu estudo, afirma que,
segundo a expressão do próprio Bourdieu, o habitus é uma ―inconsciência de classe‖, ele
explicaria o conformismo e a submissão à autoridade das classes subalternas e a autonomia
das classes dominantes.
Assim, Anna Nery ao encarnar atributos de uma dama da sociedade, mediante a
posição favorável do seu esposo na sociedade brasileira da época (militar de alta patente),
capitalizou lucros simbólicos, pois, naquela época, a posição social da família era
determinada pela ocupação/profissão do marido, o que provavelmente deve ter facilitado a
sua inserção no cenário da guerra, onde incorporou o habitus de enfermeira, através das
práticas ali desenvolvidas.
Desta forma, as estratégias de perpetuação da memória de Anna Nery
através de inúmeras homenagens e a apropriação de sua figura mítica pela enfermagem
xxiv
brasileira representaram uma forte estratégia desse grupo de se fazer ver e reconhecer
imediatamente a vinculação da enfermeira brasileira a uma heroína de guerra.
Nesse sentido, podemos inferir que a dominação se torna mais eficaz sobre
os dominados, porque os dominantes utilizam instrumentos simbólicos aparentemente
destinados apenas à comunicação, como é o caso do mito, da religião, da arte etc.
Sobre o poder simbólico, Bourdieu (2003, p. 16) afirma que se trata do poder de
constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confiar ou de transformar a
visão do mundo e, deste modo, à ação sobre o mundo, portanto, o mundo. Poder quase
mágico é o que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força física.
Tendo em vista o objeto em estudo, a apropriação do mito Anna Nery pela
Enfermagem brasileira, julgamos pertinente tecer algumas considerações sobre o conceito
de mito. Vale ressaltar que o processo de mitificação de Anna Nery aconteceu em um dado
contexto social, expressando a ideologia de uma época.
O mito para Rocha (2001, p. 812), traduz sua relação com o contexto social,
divulgando o que a sociedade acredita sobre a sua representação e sua implicação para o
homem e o mundo que o circunda. O mito se apresenta, desta forma, como um grande
desafio de uma sociedade que se empenha em discuti-lo, ele é uma narrativa especial e por
trás dele existe uma tradição que carrega consigo uma mensagem cifrada que precisa ser
interpretada, pe que tem uma eficácia social.
Este autor prossegue, referindo que o mito deve ser abordado em sua plenitude,
não devendo ser considerado com uma abordagem simplista do que ele é, mas transcender,
xxv
em busca de suas interfaces e possibilidades de interpretações, com toda a força de suas
características (ROCHA, 2001, p.17).
Portanto, o mito o se define pelo objeto da sua mensagem, mas pela maneira
como profere. Partindo dessa consideração, quando tratamos a apropriação de Anna Nery,
pela enfermagem brasileira estamos de acordo com o pensamento de Rocha, uma vez que
uma mulher sai do anonimato do lar, projetando-se ao mundo, quando os pensamentos da
sociedade vão contra a realidade que Anna Nery cria. Ao se dirigir para a guerra, deixa o
lar ―mudo‖ e passa ao estado ―oral‖, permitindo, assim, sua apropriação pela sociedade.
Neste sentido, Anna Nery possui atributos que a mitificam em um dado contexto histórico e
social e a projeção dos seus feitos, na Guerra do Paraguai, contribuíram para perpetuar a
sua memória. Vale considerar, nesta abordagem, que a própria história transforma o real em
discurso, conforme explicitado por Barthes (2003, p.200): ―(...) é a história (...) é ela e
ela que comanda a vida e a morte da linguagem mítica‖.
Outras literaturas que tratam do mito como Crippa (1975) e Eliade (2002),
vislumbram outras definições. Para estes autores, não existe uma única definição que
pudesse ser aceita por eruditos e acessível aos não-especialistas, pois o mito é uma
realidade que pode ser abordada e interpretada por múltiplas, variadas e complementares
vertentes. Segundo os mitólogos, a definição menos imperfeita, é a seguinte: ―o mito conta
uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo
fabuloso do princípio‖.
As inúmeras definições do mito justificam-se como tentativas de aproximação,
voltadas para o esclarecimento de uma realidade fundamental que desejamos compreender.
Todas são válidas, são definições descritivas que procuram através de uma sucessão de
xxvi
aspectos, surpreender a realidade do mito; entretanto, qualquer tentativa de definição
permanecerá aquém do definível, devido, principalmente, à riqueza do mito.
LOCALIZAÇÃO DAS FONTES
As fontes primárias selecionadas para este estudo foram localizadas na
Biblioteca Nacional, Acervo da Cruz Vermelha Brasileira, no Centro de Documentação da
Escola de Enfermagem Anna Nery (CEDOC), no Laboratório de Pesquisa de História da
Enfermagem (LAPHE), da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto EEAP, da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e estão constituídos de recortes
de jornais, relatórios, decretos, artigos da Revista da Cruz Vermelha Brasileira, da Revista
Annaes de Enfermagem e textos sobre a Cruz Vermelha Brasileira e Cruz Vermelha
Internacional, estes últimos foram os documentos principais deste estudo.
Como toda realidade que desejamos conhecer, os documentos se constituem em
um emaranhado de registros de fatos, versões, cujo conhecimento requer muita pesquisa,
investigação e análise metódica, e os resultados poderão variar de visões para visões, dando
margem a diferentes interpretações, pois os registros sobre qualquer fato podem estar
inscritos em diferentes lógicas, cabe, ao historiador, a interpretação das correlações
possíveis, a partir das fontes que o originaram, neste sentido, pode-se afirmar, que algumas
versões tendem para dimensões opostas ou complementares.
Na seleção dos documentos que se constituíram em fontes primárias, foi
priorizado aquele que evidenciava as circunstâncias políticas, sociais, as personagens, as
relações sociais, os padrões de comportamentos, as ideologias inseridas no processo de
xxvii
apropriação do mito Anna Nery pela enfermagem brasileira, bem como os que delineavam
os elementos simbólicos utilizados nesse processo.
A análise dos documentos se deu com base no referencial teórico adotado e a
partir de uma postura crítica diante da massa documental, partindo do concreto, após
aplicação dos critérios de análise interna e externa dos mesmos. Nesta interpretação foi
utilizado um instrumento
7
(APENDICE A) elaborado para classificação e análise dos
documentos selecionados.
Os documentos foram analisados considerando o contexto em que foram
produzidos e o contexto que estes revelam, na compreensão do passado, mostrando, ainda,
que eles podem ser interpretados de outras maneiras, pois os escritos neles contidos, se
baseiam em concepções e conceitos profundamente marcados pelas condições da época em
que foram formulados, logo discutíveis.
A etapa de localização dos documentos permitiu a elaboração de um quadro
cronológico (APÊNDICE B), relativo às homenagens recebidas por Anna Nery, após sua
chegada da guerra (1870), que remetem ao processo de mitificação de sua figura, como
heroína de guerra. Esse quadro foi útil no sentido de possibilitar a identificação de um
silêncio sobre Anna Nery, durante 29 anos, sendo retomado de forma significativa pela
Enfermagem Internacional e Nacional em 1919.
Nesta arqueologia, foi possível, também, ousar elaborar um quadro
cronológico (APÊNDICE C) relativo aos eventos na vida de Florence Nightingale, desde o
7
O instrumento utilizado foi adaptado dos originais apresentados na Disciplina ―Análise Crítica de Fontes de
Pesquisa para a História da Enfermagem‖ do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna
Nery EEAN/UFRJ, 2004/2005.
xxviii
seu nascimento em Florença, na Itália, identificando as similaridades da trajetória de Anna
Nery com o mito fundador da enfermagem no mundo.
As fontes secundárias selecionadas referem-se aos primórdios da
enfermagem brasileira, as circunstâncias que deram origem aos Princípios
Fundamentais, as funções, e a estrutura da Cruz Vermelha Internacional e da Cruz
Vermelha Brasileira no contexto histórico-social da Primeira República e do Estado
Novo. A busca desses acontecimentos, na história brasileira, deu-se pela necessidade de
compreendermos o processo e a dinâmica da configuração do mito Anna Nery, no
Regime Republicano, e sua retomada no Estado Novo.
A interpretação dos achados evidenciou a riqueza contida nos documentos e
as possibilidades de outros estudos históricos, para elucidar e propor caminhos
alternativos de investigação na História da Enfermagem brasileira.
Julgamos importante salientar que, em atenção à Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, o presente estudo foi submetido, em 1º de agosto de 2005,
ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/ Hospital Escola
São Francisco de Assis e aprovado sob o protocolo nº 042/05 (ANEXO I).
Após mostrarmos os percursos que trilhamos para esta pesquisa,
gostaríamos, também, de informar que o conteúdo desta dissertação está estruturado em
capítulos que apresentam a seguinte ordem: O capítulo I, denominado Movimento de
Mitificação do Mito Anna Nery apresenta uma retrospectiva histórica da trajetória de
Anna Nery no contexto da Guerra do Paraguai e discorre sobre os princípios que deram
origem à Cruz Vermelha Internacional e Brasileira, pontuando sua importância nos cenários
xxix
de guerra. E por fim, enumera as homenagens recebidas por Anna Nery em face de sua
atuação na referida guerra.
O Capítulo II, intitulado Movimento de Retomada do Processo de
Mitificação de Anna Nery, focaliza o contexto e os elementos de apropriação do mito Anna
Nery pela Cruz Vermelha Brasileira e o Estado, especificamente na década de 1920 e
analisa os elementos de apropriação do mito Anna Nery pela Enfermagem Brasileira, neste
período.
No Capítulo III, denominado Atualização do Mito Anna Nery pela
Enfermagem Brasileira, tem, como pano de fundo contextual, o Estado Novo, no qual
Getúlio Vargas escreve a história valorizando o folclore, as artes, a música e todas as
expressões da cultura brasileira, inclusive as comemorações cívicas e intensifica a
construção de sua própria figura. Este capítulo descreve, também, a reatualização da figura
mítica de Anna Nery nesse contexto político, apresenta, ainda, a análise frente ao
referencial teórico-metodológico, mostrando as circunstâncias sociais e políticas em que
estão inseridas Anna Nery e a Enfermagem Moderna, a partir da década de 30.
As Considerações Finais, Anna Nery: Um nome, um mito destaca os
principais aspectos evidenciados no estudo, apontando as convergências e as contradições
em torno de Anna Nery, figura tica, agregando elementos para melhor compreender e
interpretar a história da enfermagem brasileira.
xxx
xxxi
CAPÍTULO I
MOVIMENTO DE MITIFICAÇÃO DO MITO ANNA NERY
CAPÍTULO I MOVIMENTO DE MITIFICAÇÃO DO MITO ANNA NERY
O presente capítulo apresenta as circunstâncias em que a enfermagem
brasileira inicia um movimento de mitificação de Anna Nery, para dar visibilidade à
enfermeira na sociedade. Neste sentido, faz-se necessário um recuo temporal da história
brasileira, para compreender esse processo pelo Estado Imperial, especificamente no
Segundo Reinado (18401889), período no qual emerge a Guerra do Paraguai (1865
xxxii
1870), cenário no qual Anna Nery consagra-se ―Mãe dos Brasileiros‖ e retorna do front,
em 1870, sendo congratulada pelo Estado. Este recuo, parte do pressuposto de que os
acontecimentos não se explicam por si mesmos e a compreensão deles depende de seu
enquadramento numa estrutura mais ampla.
Ao discorrer sobre as circunstâncias que deram origem aos Princípios
Fundamentais, as funções, e a estrutura da Cruz Vermelha Internacional e da Cruz
Vermelha Brasileira, foi possível relacionar essas instituições com a construção do mito
Anna Nery. A demonstração de tais conexões foi o ponto de partida para a compreensão
do caráter específico do mito, ou seja, não negar as coisas, mas falar delas, pois a cada
descoberta de uma face do mito Anna Nery, desvenda-se um pouco mais sobre as
circunstâncias de apropriação desse mito pela enfermagem brasileira, porque o mito, por
definição, é percebido como infinitamente mais significativo do que qualquer
experiência humana.
1.1 O BRASIL IMPERIAL E A EMERGÊNCIA DO MITO ANNA NERY
O Brasil Imperial pode ser configurado pelos períodos denominados
de Primeiro Reinado (18221831) e Segundo Reinado (18401889), marcados por
conflitos militares relativamente graves, pois a Independência do Brasil, proclamada em
Sete de Setembro, não assegurava a consolidação do país.
A emancipação do Brasil não ocorreu na data fixa de Sete de Setembro de
1822, ela decorre de todo um processo marcado por uma enorme flutuação política,
xxxiii
social e econômica, por uma série de rebeliões e por tentativas de organizar o poder. Em
todas as revoltas do período, de um modo geral, protestava-se contra os pesados
impostos e o isolamento político-administrativo em que se encontravam as províncias,
especialmente aquelas mais distantes da capital (FAUSTO, 2000, p 141142).
O Império demonstra seu maior momento de força com a Guerra do
Paraguai travada ao longo de cinco anos, no período de 1865 a 1870, conhecida também
como a Guerra da Tríplice Aliança, que teve como protagonistas o Brasil, Argentina,
Paraguai e o Uruguai. Nesta guerra, aproximadamente 130 mil pessoas morreram nos
quatro países, envolvidos no mais sangrento conflito do continente, cenário no qual
Anna Nery se consagra ―Mãe dos Brasileiros”. Para Fausto (2000, p. 208) este conflito
foi de grande repercussão para os países envolvidos, quer quanto à mobilização e perda
de homens, quer quanto aos aspectos políticos e financeiros, tornando-se um divisor na
história das sociedades desses países.
No século XIX, o Paraguai era um país que se diferenciava da realidade
latino americana. O analfabetismo havia sido erradicado, havia indústrias de
armamento e ferrovias no país, além de um eficiente sistema telegráfico. As estâncias da
pátria garantiam o abastecimento agrícola interno. Houve um aumento da estrutura
militar, principalmente após Francisco Solano Lopes
8
tornar-se presidente. Este
crescimento militar não era bem visto pelos países vizinhos, sobretudo pela Inglaterra,
8
Solano López, Francisco (Assunção, Paraguai, 1826 Cerro Corá, Paraguai, 1870). Político e militar
paraguaio. Foi ministro da guerra e da Marinha. Assumiu a presidência (1862-1870), após a morte de seu pai.
Liderou seu exército na guerra contra o Brasil sendo morto na batalha de Cerro Corá. (FAUSTO, 2000, p.
635)
xxxiv
que tinha muitos interesses ligados à bacia do Prata (KOSHIBA & PEREIRA, 1992, p
215).
A economia paraguaia poderia servir de exemplo aos demais países do
continente, que se submetiam aos ditames da expansão do capitalismo liderada pela
Inglaterra. Portanto, o Paraguai representava uma ameaça, que deveria ser eliminada.
Através de incentivos financeiros, a Inglaterra possibilita ao Brasil, à Argentina e ao
Uruguai a organização do seu aparato militar para enfrentarem o Paraguai (KOSHIBA &
PEREIRA, 1992, p. 217; FAUSTO, 2000, p 210).
Em 1864, o Brasil interfere no Uruguai, depondo Aguirre, que era apoiado
pelo presidente paraguaio Francisco Solano Lopes. Diante da intervenção brasileira, o
governo paraguaio revida aprisionando o navio brasileiro Marquês de Olinda, fato que
levou o Brasil a declarar guerra ao Paraguai. Mantendo-se na ofensiva, tropas paraguaias
invadiram o Mato Grosso e áreas da Argentina. Para enfrentar o avanço paraguaio,
Uruguai, Argentina e Brasil unem-se na Tríplice Aliança. Neste acordo ficou
estabelecido: tirar do Paraguai a soberania sobre seus rios; responsabilizar este país por
toda a dívida da guerra; não negociar qualquer trégua até a deposição de Solano Lopes.
O Brasil contava com conhecimentos de estratégias e materiais licos, embora
o Exército contasse com apenas 17.000 homens para travar o confronto, comandados por
militares de destaque, que foram heróis, hoje descritos na história. Para fazer frente, foi
criado um grande corpo de Voluntários da Pátria, que incluía cerca de 200 mil homens
entre ex-escravos libertos, escravos fugitivos, substitutos pagos, recrutas do Exército e da
Guarda Nacional, brancos, negros e mestiços pobres, homens e mulheres, jovens patriotas
xxxv
de classe média e de famílias abastadas, comandado pelo Marquês de Caxias
9
, chefe das
forças militares brasileiras no Paraguai (SALLES, 2004, p.2836). Na visão deste
historiador, a guerra equiparou todos.
No campo de batalhas, depois de vários revezes, a luta começou a pender
para o lado dos aliados após a vitória naval de Riachuelo. Sob o comando de Caxias, as
tropas brasileiras obtiveram diversas vitórias. Tuiuti, Humaitá, Avaí, Ipororó e no final,
Cerro-Corá, comandada pelo Conde D’Eu
10
, episódio em que foi morto Solano Lopes.
Embora o Império quisesse dar prosseguimento ao combate, Caxias
argumentou ser desnecessário, pois sua continuação significaria um sacrifício adicional
de recursos financeiros e humanos, além das precárias condições territoriais em que a
guerra era travada. (...) a honra brasileira já havia sido vingada com a derrota imposta
a Solano Lopes (...). Esta proposta coadunava com o sentimento do povo brasileiro que
via o conflito com uma crescente impopularidade (DORATIOTO, 2003, p. 64).
As versões e as interpretações sobre este conflito são por vezes, contraditórias,
impregnadas das visões dos historiadores. O estudo de Fraga (2004, p.42), relata que um
breve exame de alguns manuais usados nesses países, nos últimos anos, mostra essas
diferenças, certamente devidas aos efeitos distintos em cada um.
9
Caxias, Duque de (Luís Alves de Lima e Silva) (Vila do Porto da estrela, RJ, 1803- Barão de Jurapanã,
RJ, 1880). Militar e estadista. Participou das campanhas Cisplatinas (18251828) ;da repressão às sedições
de São Paulo e Minas Gerais (1842); da luta contra a Balaiada (18381841); contra a Guerra dos Farrapos
(1845); e contra Oribe e Rosas (18511852). Contribuiu para a preservação da integridade do Império.
General das forças brasileiras (1866) e da Tríplice Aliança (1867). Ministro da Guerra por três vezes
(FAUSTO, 2000, p 605).
10
D’Eu, Conde (Luís Felipe Maria Fernando Gastão D’Orleans) (Nervilly-Sur-Leine, França, 1842 Mar
Mediterrâneo, 1922). Nobre Francês. Casou-se com a Princesa Isabel (1864). Regente do Império e
marechal do exército brasileiro. Comandou tropas na Guerra do Paraguai (1869). Voltou para Portugal
com a família, após a proclamação da República (FAUSTO, 2000, p 609).
xxxvi
Nos livros paraguaios, a guerra contra o Paraguai tem mais importância que a
Independência do Paraguai e, Solano Lopes é o grande herói nacional, maior que Bolívar e
San Martín. Nas literaturas brasileiras e argentinas, a guerra é estudada sumariamente,
enquanto nos livros uruguaios a tratam como episódio circunstancial, quase estranho à
história do país (FRAGA, 2004, p.4243).
Outra versão evidencia a atitude pouco arrojada de Solano Lopes no que tange
às relações internacionais. Ao ambicionar uma batalha sangrenta, ―não ponderou o
extermínio de quase metade da população paraguaia; decretou a execução de seus irmãos;
determinou a torturar de sua e e irmãs‖. Milhões de pessoas, inclusive seus melhores
soldados e generais também foram mortos por fuzilamento ou esquartejamento. Alguns
viam Solano como um paranóico e megalomaníaco, um homem que queria ser o ―Napoleão
da América‖, somente em busca da glória, quis arruinar seu país e converter seus
compatriotas em mendigos (PERNIDJI & PERNIDJI, 2003, p.189192).
Uma outra versão aponta que estudos recentes mostram que a presença extra-
oficial das mulheres brasileiras nos fortes e acampamentos militares tornou-se
indispensável no desenrolar da Guerra do Paraguai. Uma guerra de homens era a visão
tradicional, de uma história contada por homens, entretanto, segundo Dourado (2004, p.38),
as mulheres, atuando, sobretudo na retaguarda, enfrentaram junto com os homens, os
horrores de um conflito bélico. Eram mulheres brasileiras, mães, esposas, prostitutas,
comerciantes, prisioneiras e escravas, de origem humilde, especialmente esposas ou
parentes de soldados, que pegavam em armas e socorriam os feridos, fazendo curativos e
conduzindo-os até os hospitais.
xxxvii
Destas, segundo Dourado (2004, p.3840), pouquíssimas obtiveram algum
reconhecimento, eram, quando muito, conhecidas apenas pelo primeiro nome ou apelido.
Entre elas, a gaúcha Florisbela, sobre quem não se conhece o nome completo nem família,
envolvia-se em lutas e auxiliava nos hospitais; Maria Francisca da Conceição, esposa de um
cabo-de-esquadra, lutava ao lado dos homens sempre vestida de soldado. Outra mulher de
origem humilde que obteve destaque foi a piauiense, a sargento Jovita Alves Feitosa, que
em resposta à campanha veiculada pela imprensa conclamando os jovens, apresentou-se
incógnita ao exército, aos 17anos, vestida de homem e com os cabelos cortados. Outra
brasileira que teria se destacado na Guerra do Paraguai, quase nunca referida, foi
Felisbelina Rosa da Anunciação Fernandes Silva, de São Paulo.
Após incessante garimpagem nas fontes primárias e secundárias utilizadas neste
estudo, não foram encontrados relatos para melhor referenciar essas mulheres
11
―esquecidas‖ pela história ou pelos historiadores. Esta falta de ―lembrança‖ dos
memorialistas com relação às mulheres, pode ser argumentada pelo fato de que o papel
idealizado pela sociedade, àquela época, não permitia a ascensão das mulheres a papéis
sociais e políticos de relevo, pois a emancipação feminina se constituía em ameaça ao
predomínio masculino.
Esta assertiva pode ser corroborada por Dourado (2004, p.39), quando o autor
afirma que a história não se ―lembra‖ destas mulheres, e as raras mulheres lembradas pelos
memorialistas com direito a nome e sobrenome eram as casadas com homens pertencentes
11
Em relação às mulheres ―esquecidas‖ e não referenciadas e que acompanharam seus maridos, também se
encontrava Chiquinha Gonzaga, que, embora não tivesse lutado, foi um grande nome feminino do século XIX
a lutar pelos direitos da mulher, e hoje também é um ícone, pois foi uma mulher à frente de seu tempo.
xxxviii
à elite Imperial. Sobre elas predominam quase sempre o retrato da esposa corajosa, fiel e
abnegada, como Ludovina Portocarrero, casada com o comandante do Forte de Coimbra.
E, ainda, que no fim do período monárquico, a situação da mulher e sua
reivindicação por maior participação na sociedade não eram vistas com bons olhos,
merecendo até mesmo tratamento caricato. Neste sentido, ―a filosofia considerava que a
inferioridade da razão entre as mulheres era fato incontestável, cabendo a elas apenas
cultivá-la na medida necessária ao cumprimento de seus deveres naturais: obedecer ao
marido e cuidar dos filhos‖ (SOIHET, 2004, p.1415).
Embora as ideologias sobre as condições de sujeição da mulher fossem patentes
e os retratos da guerra ofertassem um cenário sangrento, com cenas de privações e um
grande número de mortos em combate ou por doenças, é neste cenário que emerge, a mais
conhecida dentre todas as mulheres registradas pela Guerra de Paraguai, Anna Nery, a
imagem da mãe-pátria, peça-chave na criação do front interno.
O embarque de Anna Nery, para o campo de batalha, segundo Lima (1977, p.
132), se deu no dia 13 de agosto de 1865. Ela aprendeu lições de enfermagem, no Rio
Grande do Sul, com as Irmãs de Caridade de o Vicente de Paulo, além de desenvolver
um curto período de estágio em hospitais para convalescentes da guerra, em Salto na
Argentina.
A Revista da Cruz Vermelha, de 1925, ao discorrer sobre a trajetória de Anna
Nery ressalta o seu espírito patriótico, contribuindo para glorificar sua figura: ―espírito
coletivo de defesa à dignidade nacional ultrajada‖. Ademais, a participação de Anna Nery
foi comparada com o gesto espartano das senhoras baianas, na Guerra da Independência. O
texto destaca ainda a missão de Anna Nery, na guerra, como enfermeira. Papel esse
xxxix
percebido por Anna Nery, ao afirmar: ―Meus filhos vão como dicos eu irei como
enfermeira‖ (REVISTA DA CRUZ VERMELHA BRASILEIRA, 1925, p.3 4).
Segundo o texto da referida Revista, as ações de Anna Nery, na Guerra do
Paraguai, constituem-se em ―amparo oportuno, de tratamento médico e cirúrgico‖, o que
poupou milhares de vidas devido aos cuidados recebidos. A província imperial da Bahia foi
a que concorreu com um maior número de guerreiros na sanguinolenta luta. Retorna da
guerra pesada de trophéos e bravuras (...) o protótipo de enfermeira e exemplo de
abnegação e do civismo‖ (REVISTA DA CRUZ VERMELHA BRASILEIRA, 1925, p.3
4).
A guerra durou de 1865 a 1870, período no qual o Paraguai foi arrasado,
apesar de ter o melhor exército da América Latina na época. Para o Paraguai, as
conseqüências da guerra foram horríveis. Transformou-se numa das regiões mais pobres
do continente, sua população foi reduzida em 77%. As estimativas mais pessimistas
falam em 500.000 mortos, restaram apenas 12 mil homens com mais de 12 anos, suas
indústrias foram completamente destruídas, as plantações devastadas e as ferrovias
inutilizadas. Quarenta por cento do seu território foi tomado pelo Brasil e pela
Argentina. A enorme dívida contraída pelo Paraguai em relação ao Brasil, só foi
perdoada em 1942, por Getúlio Vargas.
Segundo Doratioto (2004, p. 18), os estudos desenvolvidos sobre a Guerra do
Paraguai, a partir da década de 1970, interpretam que o imperialismo inglês foi a causa da
Guerra do Paraguai. Outros estudos, a partir da década de 1980, porém, revelam um
panorama bastante distinto. Para estes historiadores, as origens do conflito se encontram no
xl
processo de construção e consolidação dos Estados Nacionais do Rio do Prata. Os avanços
historiográficos mostram, também, que esta guerra aproximou ideologicamente pela
primeira vez na História, o Brasil e a Argentina.
O saldo brasileiro, em virtude do conflito, também não foi positivo.
Internacionalmente o genocídio foi reprovado. As grandes potências da época, França,
Inglaterra, Estados Unidos, Prússia embora não viam com bons olhos o Paraguai que se
industrializava rapidamente, apoiavam moralmente Solano Lopes.
Os mortos brasileiros passaram de 33.000, além de centenas de feridos e
inutilizados. Para o Brasil, as conseqüências foram o aumento da dívida com a
Inglaterra; formação e profissionalização do exército; libertação dos ―Voluntários da
Pátria‖; domínio sobre a bacia do Prata, os militares ganham respeito e experimentam
um espírito de corpo, passando a questionar a monarquia e a vislumbrar a República
como forma de governo para o Brasil, pois a monarquia era sustentada por um tripé
básico: Exército, Alto Clero e grandes propriedades. As transformações sócio-
econômicas que se delinearam, por todo o período monárquico, além daquelas advindas
com a Guerra do Paraguai, criaram condições para a grande transformação Política: a
Proclamação da República em 1889 (FAUSTO, 2000, p 210215).
Neste recuo histórico, especificamente no que tange à Guerra do
Paraguai, deflagrada no Segundo Reinado do Brasil Imperial, foi descrita uma face real
de Anna Nery, que pode ser conhecida consultando os escritos desta guerra, os quais não
desvinculam a figura da enfermeira cuidando dos feridos nos campos de batalha,
fixando, de certa forma, duas imagens: uma da mãe-pátria e outra de aliviadora de
xli
sofrimentos, ambas integradas ao movimento de mitificação de Anna Nery no Estado
Imperial brasileiro, não apenas como heroína a que se venera, mas como conjuntos de
justificativas que dão identidade à enfermeira Anna Nery.
1.2 ANNA NERY O RETORNO DO FRONT NA QUEDA DA MONARQUIA E
IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA BRASILEIRA
O retorno de Anna Nery da Guerra do Paraguai que lhe rendeu entre outros, o
título de Mãe dos Brasileiros, é tangenciado por conflitos políticos que marcam e
demarcam o fim do Estado Imperial brasileiro. Embora agonizante, o Império tenta fazer
uma propaganda política voltada para a glorificação das conquistas militares da Guerra do
Paraguai.
xlii
Neste cenário, em 06 de maio de 1870, no Rio de Janeiro, Anna Nery recebe de
senhoras baianas que ali residiam, diversas homenagens, entre elas um álbum
12
guarnecido
em madrepérola e prata com suas iniciais, e com a seguinte dedicatória: ―Tributo de
admiração à caridosa baiana por algumas patrícias‖ E, ainda, é congratulada pelo Governo
Imperial com duas medalhas: uma Medalha de classe por serviços humanitários durante
a guerra e uma outra de ―Campanha‖ com passador de ouro e ainda uma pensão anual no
valor de um conto e duzentos mil réis (LIMA, 1977, p. 180-181).
Ao retornar a Província natal, em Cachoeiro do Paraguaçu, na Bahia, em 06 de
junho de 1870, recebe uma coroa de louros. O discurso pronunciado pela oradora oficial da
Comissão Feminina D.Ana Marques, pronuncia:
(...) Não é a espada que conquista a glória! Não é o soldado
que recebe ovações O sexo a que pertencemos também conquista e
recebe, quando, como vós, faz abnegação de seus cômodos, para
mitigar a dor da humanidade sofredora. Se o homem, pela
superioridade de sua força, faz baquear fortificações, em prol de
uma causa justa, a mulher, pela sublimidade de seus sentimentos,
leva a consolação àqueles que, feridos no campo de honra precisam
de desvelado tratamento. (...) Viva sua Majestade o Imperador, o
primeiro Voluntário da Pátria! Viva a Família Imperial! Viva o
Exército e a Armada!Viva a ilustre e virtuosa baiana, a quem vimos
cumprimentar! (LIMA, 1977, p. 182-83).
Apesar de o discurso enaltecer a figura feminina, pontuando atributos
dignificantes da mulher, evidencia-se o reconhecimento da diferença social entre homens e
mulheres. Essa assertiva encontra respaldo nas palavras de Bourdieu (2003, p.15), quando
este afirma que ―a força de ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa
12
O álbum de madrepérola acompanhava a seguinte mensagem: ―Sra. D. Ana Néri, as senhoras baianas, nesta
corte não podiam assistir indiferentes à passagem de V. Excia por aqui, no seu regresso à velha e heróica
província. Entusiastas das virtudes e da caridade de Vossa Excelência para com os nossos concidadãos que,
do Paraguai, pugnaram pela honra da nação, as encarregaram-nos de oferecer a V. Excia. este pequeno sinal
do seu alto apreço, diz tanta consideração e afetuosa estima. Rio de Janeiro, 6 de maio de 1870‖ (LIMA,
1977, p.181).
xliii
justificação‖. Esta homenagem pode ser caracterizada como um símbolo de poder, cuja
eficácia está sujeita às condições de quem o concebeu, neste caso, as distintas senhoras das
mais ilustres famílias baianas.
A coroa, um ornato circular com que se cinge a cabeça, simboliza o poder ou a
dignidade real. A coroa de ramos de Loureiro era o símbolo máximo de glória, ofertado aos
heróis Olímpicos, por volta de 800 a.C, na Grécia, por sua participação e vitória nas provas.
As provas eram inspiradas nas habilidades que se esperavam dos bons soldados: rapidez,
força e resistência. Aos vencedores, a coroa de ramos de Loureiro (D’ANGELO, 2004. p.
5456; BULFINCH, 2000, p. 2931).
Desta forma, Anna Nery recebe os símbolos do poder pelos seus feitos heróicos
na Guerra do Paraguai. Nestas homenagens pós-guerra, evidencia-se a presença do Estado
enaltecendo a mãe-pátria, na figura de uma mulher, com atributos e habilidades de uma
guerreira destemida que enfrenta todos os perigos. Ao retornar do front, Anna Nery é
recebida, nas duas ocasiões, tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia, por senhoras baianas,
cujos discursos enfatizam o papel feminino, a bravura e o espírito cívico de Anna Nery.
Em 1873, chega à Bahia a tela em óleo de Anna Nery, produzida por Vitor
Meireles
13
, solenemente exibida no Salão das Sessões do Paço Municipal de Salvador. A
tela representa Anna Nery e, ao fundo, um campo de batalha. Nesta obra, o artista registra
as posturas serena, simples e de prontidão de Anna Nery, e, na cabeça, a coroa de louros.
13
MEIRELES (Vítor MEIRELES DE LIMA, dito apenas tor), pintor brasileiro (Desterro [hoje
Florianópolis], SC, 1832Rio de Janeiro, 1903). Ainda estudante, conquistou (1852) o prêmio de viagem à
Europa. Estudou em Roma, Florença, Milão, Paris. Consagrou-se na pintura histórica, especialmente com a
execução de ―A primeira missa no Brasil‖, exposta no Salão de Paris de 1861. Nesse mesmo ano, retornou ao
Brasil, onde passou a exercer o magistério e formou uma geração de pintores importantes. Quadros principais:
Combate naval de Riachuelo, Passagem de Humaitá, Batalha dos Guararapes, Juramento da Princesa
Isabel.(Fonte: Enciclopédia Koogan-Houaiss).
xliv
Mais uma vez, a presença da coroa de louros, enaltecendo a realeza e a bravura de Anna
Nery, frente à guerra descrita como a mais sangrenta da América Latina.
Três anos após, em 1876 é oferecido ao Instituto Histórico e Geográfico o
Título de ―Mãe dos Brasileiros‖ conferido pelos Obreiros da Glória (soldados), e o Poemeto
Histórico ―A Mãe dos Brasileiros‖, com 22 páginas manuscritas (CARDOSO, 1996, p.63;
97110).
As honrarias e homenagens concedidas à Anna Nery podem ser caracterizadas
como uma forma de capital cultural em estado objetivado, no caso, as medalhas e a coroa
de louros, a tela em óleo, o título de ―Mãe dos Brasileiros‖ e o poemeto, são transmissíveis
em sua materialidade, ou seja, apresentam-se com suas características próprias, pois
transcendem as vontades individuais. Anna Nery recebe tais honrarias, projetando,
eficazmente, os ideais da classe dominante: Estado e membros da sociedade burguesa
(BOURDIEU, 1998, p. 7374).
No dia 20 de maio de 1880, aos 65 anos de idade, Anna Nery morre na capital
do Império, cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O Sepultamento ocorre no
Cemitério São Francisco Xavier, com honras oferecidas pelo exército as quais imortalizam
os feitos gloriosos de Anna Nery na Guerra do Paraguai em prol da nação brasileira: ―A
finada estava vestida de preto e tinha sobre o peito as Medalhas Humanitárias e de
Campanha com o passador de ouro nº. 5‖ (LIMA, 1977, p. 196–197).
Durante o período de retorno da Guerra até sua morte, foi deveras
homenageada, recebendo entre outras, as denominações de ―Cornélia Brasileira‖ e ―Grande
Irmã de Caridade Leiga‖. O retorno de Anna Nery da Guerra do Paraguai, em 1870 e sua
morte em 1880, foram períodos tangenciados pelo declínio do Império e início do
xlv
movimento republicano brasileiro, que deu origem a novos grupos sociais receptivos às
idéias de reforma do quadro político brasileiro, marcado pelas idéias filosóficas do
positivismo de Auguste Comte, que além de rupturas sociais, ainda tem, no ideal
republicano, a figura feminina. Nestas circunstâncias, além dos conflitos, geralmente,
presentes em todas as mudanças, a República necessitava de personagens importantes, que
ocupassem lugar de destaque no imaginário da sociedade, neste caso, Anna Nery,
representa o ideal republicano, na figura de uma mulher.
A última homenagem prestada à Anna Nery, data deste período. Sete anos após
a sua morte, em 15 de agosto de 1887, ela é homenageada com a rua que parte do largo do
Pedregulho, em Benfica no Rio de Janeiro, a qual recebe a denominação de rua Anna Nery.
Esta iniciativa perpetua sua memória em um espaço de domínio público evidenciando sua
relevância para a sociedade. A denominação da rua pode ser considerada não somente
como um ato de homenagem à personagem, mas um movimento político no qual uma
tentativa de exaltação da figura feminina, representação do ideal republicano, de forma não
correspondente a seu papel, no império, que se limitava aos afazeres domésticos e ao
desvelo à família, mas de forma a lutar pela nação e pela igualdade social, bandeira esta
levantada pelo movimento político emergente, o Estado Republicano.
As estruturas políticoadministrativas monárquicas não conseguiam absorver as
transformações econômicas e sociais por que passava o Brasil. O regime isolava-se. Alto
Clero, Exército e Latifundiários escravistas, os seus principais sustentáculos, mostravam-se
contrariados. Como agravantes, uma marcante ineficiência administrativa associada à
corrupção generalizada. A crise do Império brasileiro resultou de fatores de ordem político-
econômico-social, que, somando-se, resultam na conclusão: a monarquia deveria ser
xlvi
superada para dar lugar a outro regime político mais adequado aos problemas da época.
Algumas questões colaboraram para o agravamento da situação monárquica e
desembocaram para a Proclamação da República, entre elas: as questões religiosas,
militares e abolicionistas (KOSHIBA & PEREIRA, 1992, p. 222).
Dentre as mudanças mais significativas da transposição do regime monárquico
para o republicano, estão a instituição de um dístico de Ordem e Progresso, na bandeira; a
separação da Igreja e do Estado; o decreto dos feriados; o estabelecimento do casamento
civil e o exercício da liberdade religiosa e profissional; o fim do anonimato na imprensa e a
revogação das medidas anticlericais (SÊGA, 2003, p. 7576; FAUSTO, 2000, p.217).
No que tange à educação, a transição política não revela quase nenhuma
mudança. Sob o ideário positivista, a reforma educacional proposta por Benjamim
Constante, culmina com um suceder de reformas no âmbito nacional que se esgotam em
eventos limitados no tempo e no espaço; entretanto, no âmbito da sociedade cresce a
exigência por mais e melhor educação, na mesma proporção em que os impactos da
industrialização e modernização se fazem sentir mais fortes (SÊGA, 2003, p. 76).
Entretanto, cabe refletir sobre esta última homenagem no período de
movimentação rumo à República, que é retomado, na crise do mesmo regime. Este
silêncio de vinte e nove anos no que se refere às homenagens à heroína de guerra coincide
com o apogeu e a crise da República Oligárquica. Esta analogia pode ser compreendida
pela imagem do herói na política que cativa às multidões, ou seja, no período do apogeu,
cessam as homenagens, desnecessárias na visão dos políticos, pois a população não carece
de uma figura exponencial ou um líder dotado de virtudes extraordinárias e, nos tempos de
xlvii
crise, a imagem de um herói reaparece em situações sociais críticas, com fortes
conseqüências políticas (ARTONI, 2004, p. 45).
A República brasileira recebeu as denominações de República da Espada
(1889-1894), República Oligárquica, República do Café com Leite e República Velha, que
marca o início do governo civil brasileiro. A consolidação deste governo não foi diferente
dos outros, enfrentou diversas crises políticas, entre elas, a Revolta de Canudos (1893
1897). A situação econômica neste regime, não trouxe alterações significativas para a vida
brasileira. Neste plano, a estrutura do país manteve seus traços gerais. Ou seja, economia
baseada na produção de matérias-primas e gêneros tropicais destinados à exportação e
sujeitos às oscilações do mercado internacional. Desta forma, o Brasil teve suas
exportações cada vez mais concentradas no café (KOSHIBA & PEREIRA, 1992, p. 226
232).
O dinamismo trazido pelo café foi um fator de modernização. A cidade do Rio
de Janeiro, até por ser capital do país, também foi modernizada na fase inicial do período
republicano: alargamento das ruas, novas avenidas, bondes, demolição de cortiços do
centro da cidade. No que tange às questões de saúde, a erradicação das epidemias, que
tomavam conta da capital, era também uma das metas da República.
Na Gestão de Rodrigues Alves
14
(19021906), o Rio de Janeiro, capital da
República, era uma cidade com graves problemas urbanos e sociais: pobreza,
desemprego, ratos e mosquitos se proliferando. Em conseqüência, surgiram grandes
14
Rodrigues Alves, Francisco de Paula (Guaratinguetá, SP, 1858 Rio de Janeiro, 1919) Político. Presidente
da Província de São Paulo (18871888 e 19121916). Deputado constituinte (18901891). Ministro da
Fazenda (18911892 e 18951896). Senador (18931894, 18971900 e 19161917). Empreendeu o
saneamento do Rio de Janeiro, erradicando a febre amarela. Presidente da República (19021906). Foi eleito
sem tomar posse (FAUSTO, 2000, p. 632-633).
xlviii
epidemias, como a febre amarela, peste bubônica e varíola, levando milhares de pessoas à
morte. Neste cenário, Dr Oswaldo Cruz
15
, então Diretor da Saúde Pública, decretou a lei de
vacinação obrigatória contra a varíola, gerando fortes reações de diversos setores contra a
obrigatoriedade. Este movimento conhecido com a Revolta da Vacina demarcou a crise da
Republica Oligárquica, seguida de movimentos operários, que clamavam por melhores
condições de trabalhos e ajustes salariais (KOSHIBA & PEREIRA, 1992, p. 236242).
Neste percurso, foi possível descrever o retorno de Anna Nery do Front no
período que compreende a queda da monarquia e a implantação da República brasileira.
Partindo dessas considerações, a História da Enfermagem é aqui vinculada à História do
Brasil, como um dos elos de uma ampla cadeia de acontecimentos, através da qual se
evidencia o caráter ao mesmo tempo específico e global de Anna Nery.
15
Cruz, Osvaldo Gonçalves (São Luis do Paraitinga, SP, 1872-Petrópolis, RJ, 1917). Médico sanitarista,
pioneiro da medicina experimental. Reformou o Código Sanitário e implantou o centro de estudos científicos
de Maguinhos (RJ). Combateu as epidemias de peste bubônica (1901), Febre amarela (1903) e varíola (1908)
(com a vacinação em massa) (FAUSTO, 2000, p.608).
xlix
1.3 CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL
Neste estudo, a Cruz Vermelha Internacional se constitui em um dos elos
necessários à construção do movimento de mitificação de Anna Nery, no espaço da Cruz
Vermelha Brasileira, a partir do entendimento dos princípios de Humanidade;
Imparcialidade; Neutralidade; Independência; Voluntarismos, Unidade e Universalidade.
A Cruz Vermelha é uma organização de socorros autônoma, idealizada por Jean
Henry Dunant
16
(1828-1910), que, em junho de 1859, era um jovem genebrino que diante
dos horrores da batalha de Solferino
17
, ao norte da Itália, escreveu um livro intitulado Uma
Recordação de Solferino (CRUZ VERMELHA, 1988, p.1).
Este livro publicado, em novembro de 1862 sensibilizou várias pessoas devido
a seu apelo dramático, ao narrar as lembranças do teatro da guerra, pontuando a ausência
16
Henry Dunant era médico militar que atuou na Batalha de Solferino, travada a 24 de junho de 1859, entre
os exércitos austríacos e franco-prussianos (LIMA, 1977, p.207).
17
A Batalha de Solferino ocorrida em 1859, na Itália, foi um combate entre a França, Áustria e Hungria
(SANTOS, 1937, p. 4849).
l
dos serviços de saúde aos feridos, lançando as bases da Cruz Vermelha, na Conferência
Internacional de Genebra, em outubro de 1863.
A intenção de Dunant não era apenas narrar o episódio de Solferino, mas,
também, remediar a falta de cuidados aos feridos em tempos de guerra, através de soluções
práticas, com a criação de Sociedades de Socorro, antevendo a necessidade de bases
humanitárias às futuras Convenções de Genebra. Seu propósito teve intento, quando, em
fevereiro de 1863 , formou-se uma comissão
18
especial na Sociedade Genebrina de
Utilidade Pública que principiou o movimento de fundação da Cruz Vermelha (CRUZ
VERMELHA, 1988, p.1-2).
Em outubro de 1863, reuniu-se, em Genebra, uma Conferência Internacional
que congregou representantes de 16 nações que adotaram 10 resoluções e 3 moções dando
origem à Cruz Vermelha. As resoluções previam, entre outras medidas, a criação de um
Comitê de Socorro em cada país, que ajudaria, em tempos de guerra, ao serviço de saúde
dos exércitos; a formação de enfermeiras em tempo de paz; a neutralização das
ambulâncias, dos hospitais militares e do pessoal de saúde e a adoção de um símbolo
definitivo, uma braçadeira branca com a cruz vermelha, que simbolizava a inversão da
bandeira suíça em homenagem ao seu idealizador e ao país que os acolhia (CRUZ
VERMELHA, 1988, p.3).
Em 22 de agosto de 1864, foi assinada, em Genebra, a primeira ―Convenção de
Genebra para a melhoria da condição dos feridos nos exércitos em campanha―, ratificada,
posteriormente por 55 países. Em linhas gerais, as Convenções de Genebra consagram o
18
A comissão especial era composta por Gustave Moynier, Dr Theodoro Maunoir, Dr. Louis Áppia, General
Dufour e Henry Dunant (CRUZ VERMELHA, 1998, p.1).
li
respeito à pessoa humana, em tempo de conflito armado, determinam que as pessoas não
participantes diretamente das hostilidades, as que são postas fora de combate, os enfermos,
feridos, prisioneiros ou náufragos, sejam protegidos e todas as pessoas que sofrem sejam
socorridas e tratadas sem nenhuma discriminação, de forma imparcial (CRUZ
VERMELHA, 1988, p.6).
No que tange ao preparo exigido para ser uma enfermeira da Cruz Vermelha,
tais princípios foram delineados a partir de uma resolução no Congresso de 1869. Tais
princípios exigiam, em linhas gerais, a prestação de exames pelas enfermeiras; experiência
no cuidado aos doentes e prática destes cuidados. Segundo Pullen (1937, p.1415), a
instrução para o preparo de enfermeiras, para atuarem na Cruz Vermelha, não obedecia a
um padrão regular, pois cada país adota critérios de acordo com as especificidades locais.
Na Suécia e na Hungria, foi estabelecido um curso de seis meses e, nesse
último, foi, também, estabelecido um curso de dois anos pra os cargos de chefia. nos
hospitais militares da Rússia foram organizados cursos de enfermagem com duração de três
anos. Em 1897, quatro destes hospitais haviam formado 2.812 enfermeiras e, de 1914 a
1918 a Cruz Vermelha teve 64 hospitais e formado 18.000 enfermeiras. Na Alemanha, o
preparo de enfermeiras era considerado de nível elevado. A França organizou a Escola
em ambulatórios, em 1889, o que mais tarde foi desenvolvido por três Associações que
formaram a Cruz Vermelha francesa (Societé de Secours aux Blessés Militares 1863;
Association des Dames Militares 1879 e Union des Femmes de France 1881)
(PULLEN, 1937, p.1415).
Com esta mesma preocupação, as Resoluções do Congresso de 1919, em
Cannes, na França, com a participação de 58 sociedades, reuniu-se com a finalidade de
lii
estimular a fundação de Escolas de Enfermagem que não existia, de desenvolver o preparo
de enfermeiras para atuarem na Saúde Pública e promover a melhoria dos cursos das
Escolas da Cruz Vermelha em um alto padrão. As cinco resoluções deste Congresso
determinavam que: 1) fossem organizadas, analisadas, publicadas e distribuídas
informações concernentes à enfermagem, sobre o trabalho de senhoras em saúde pública e
fizesse uma relação dos assuntos que tratassem sobre a tuberculose, puericultura, profilaxia
dos olhos, enfermagem pré-natal, serviço social, entre outros (PULLEN, 1937, p.16 17).
Na segunda Resolução, que a publicidade se desenvolvesse o mais breve
possível nos países onde não houvesse corpo de enfermeiras, especialmente preparado para
cuidar dos enfermos e para o serviço de saúde pública, a fim de incentivar o
desenvolvimento de Escolas de Enfermeiras; 3) estava disposto que se procurasse pessoas
com qualidades superiores, para instrução de enfermagem hospitalar e saúde pública, e que
essas pessoas fossem especialmente preparadas com a finalidade de voltar a seus países,
bem instruídas, para iniciar e dirigir escolas de enfermagem com eficiência; 4) considerava
que fosse estabelecido um sistema de bolsas, a fim de que as enfermeiras pudessem receber
educação complementar, na profissão de enfermagem, como instrutoras de saúde pública;
5) considerava que as informações concernentes à importância da enfermeira de saúde
pública e a falta de facilidade para a preparação fosse dissipada; que as escolas fossem
informadas a fim de que pudessem adotar seus programas para enfrentar essas
necessidades; e que escolas especializadas fossem organizadas, para que senhoras
pudessem se especializar nestes ramos da profissão (PULLEN, 1937, p.1617).
A décima e a décima terceira Conferência tiveram lugar em 1921 e 1928,
salientado-se nelas, de um modo especial, a ênfase na educação da enfermeira e sua
liii
necessidade de boa preparação teórica e prática. Os pontos mais discutidos e especialmente
assinalados na 14ª Conferência foram os seguintes: que as Sociedades da Cruz Vermelha
deveriam estudar o relatório apresentado pela Comissão de Educação do Conselho
Internacional de Enfermagem e adotar os princípios, como guias básicos de educação, entre
os quais: que o tulo de enfermeiras diplomadas (infirmiére diplômé) fosse reservado às
que tivessem feito o curso em uma escola de enfermeiras e que tivessem um curso
completo em teoria e prática em todos os ramos da profissão, com duração de três anos; que
as Sociedades da Cruz Vermelha, que matriculassem enfermeiras em outras escolas, que
não fossem as suas, deveriam exigir que as candidatas possuíssem, no mínimo, educação
equivalente a das enfermeiras da Cruz Vermelha; que o emprego em auxiliares de
enfermagem de saúde pública que tivessem recebido um curso elementar, fosse apenas
permitido, quando imprescindível, mas somente a título provisório, e por um período de
tempo muito limitado(PULLEN, 1937, p.17).
A primeira Convenção constitui a base de todas as outras, cujos textos foram
elaborados revisando o da primeira. A Convenção de 1929 exorta a melhoria da sorte dos
feridos e dos doentes da Forças Armadas em campanha e ao tratamento dispensado aos
prisioneiros.
As Convenções de 1949 foram em número de quatro e acrescentam ratificações
relativas à melhoria da sorte dos enfermos e dos feridos dos exércitos em campanha e das
Forças Armadas no mar, além daquelas relativas ao tratamento dos prisioneiros e proteção
da população civil em tempo de guerra. A partir das Convenções de 49, 165 países
subscreveram, por ratificação, por adesão ou por declaração de continuidade, entre eles o
Brasil, em 29 de junho de 1957 (CRUZ VERMELHA, 1988, p. 710).
liv
A estrutura da Cruz Vermelha Internacional compreende o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha (CIRC), a Liga de Sociedades Nacionais de Cruz
Vermelha e Crescente Vermelho, além de todas as Sociedades Nacionais de Cruz Vermelha
e de Crescente Vermelho reconhecidas no plano internacional. O Comitê Internacional da
Cruz Vermelha CIRC, órgão fundador e promotor das Convenções de Genebra é
composto por 25 membros, todos de nacionalidade suíça. O Comitê divulga o direito
Humanitário e zela pelos Princípios Fundamentais da Cruz Vermelha, intervêm nos
conflitos armados em favor dos feridos, dos doentes, dos prisioneiros de guerra e dos civis,
além de possuir uma agência Central de Busca e Paradeiro com 50 milhões de fichas
(CRUZ VERMELHA, 1988, p.4).
Em sua nese, a doutrina da Cruz Vermelha era expressa pela idéia de Henry
Dunant nos campos de batalha de Solferino, ou seja, prestar socorro, indistintamente aos
feridos nos campos de batalha, evitar e aliviar o sofrimento humano sobre quaisquer
circunstâncias. Após a primeira guerra mundial, em 1921, essa doutrina foi ampliada e
reformulada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha que introduziu em seus estatutos,
uma espécie de sumário dos Princípios Fundamentais da Cruz Vermelha, em número de
quatro, incluídos em 1928, nos Estatutos da Cruz Vermelha Internacional (CRUZ
VERMELHA, 1988, p.10).
O texto dos Princípios Fundamentais foi aprovado, por unanimidade, pela XX
Conferência Internacional da Cruz Vermelha, em Viena, Áustria, em outubro de 1965,
cujos princípios se apóiam nos conceitos de Humanidade; Imparcialidade; Neutralidade;
Independência; Voluntarismos, Unidade e Universalidade (CRUZ VERMELHA, 1988,
p.1112).
lv
A iniciativa da fundação da Liga das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha
coube a Henry P. Davidson, Presidente do Conselho da Cruz Vermelha Americana. A
circunstância de sua criação foi a Conferência Médica Internacional de Cannes, na França,
realizada em 1919. (LIMA, 1977, p.202). Nesta Conferência, Anna Nery foi denominada
pioneira da Enfermagem no Brasil e precursora da Cruz Vermelha, em 5 de maio de 1919,
em Paris.
1.4 CRUZ VERMELHA BRASILEIRA
lvi
A trajetória da Cruz Vermelha Brasileira é delineada pela atitude altruística do
Dr.Joaquim de Oliveira Botelho
19
, que, em 1907, imbuído do que havia presenciado em
outros países e motivado pelo que tinha testemunhado, lança as bases desta sociedade no
Brasil. Em 17 de outubro de 1907, na Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, é lançada a
base da Organização da Cruz Vermelha na Brasil e agendada uma reunião para 31/12/1907,
período no qual é definida a primeira diretoria dirigida pelo Dr. Osvaldo Cruz. Neste
mesmo ano, é realizada, em Londres, uma Conferência da Cruz Vermelha Internacional a
qual referencia Florence Nightingale como a inspiradora da Cruz Vermelha Internacional
(CRUZ VERMELHA, 1988, p.25).
As sociedades da Cruz Vermelha eram destinadas a ter uma grande
influência sobre a Enfermagem, uma vez que se revelou a necessidade de preparação de
homens e mulheres para atuarem nas situações de guerra e outras calamidades públicas.
Segundo Pullen (1937, p.15), com o aparecimento da Cruz Vermelha, um novo motivo foi
encontrado para o interesse da mulher em enfermagem, este foi o patriotismo. Neste
sentido, Bertha Pullen, então Diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery considera: ―O
que as ordens religiosas fizeram por amor de Deus e os pobres por ignorância faziam por
meio de subsistência miserável, a enfermeira da Cruz Vermelha fazia por sentimento de
patriotismo e humanidade‖ (PULLEN, 1937, p.17).
19
Médico civil, sócio fundador, ex-secretário geral da Cruz Vermelha Brasileira, representante oficial junto
ao Comitê Internacional de Genebra ao congresso internacional contra a Tuberculose na Itália e na
Conferência Internacional da Cruz Vermelha em Washington (Histórico da Cruz Vermelha Brasileira, RJ,
1923, p. 33)
lvii
Em 05 de dezembro de 1908, ocorre a primeira reunião oficial, no Salão da
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, onde foram lançados, discutidos e aprovados o
Estatuto que regulamentaria a Organização e eleito o Conselho Diretor e da Diretoria tendo
como Presidente, Vice-Presidente e Secretário Geral, respectivamente, Thaumaturgo de
Azevedo, Alves da Câmara e Oliveira Botelho. Esta data consagra a fundação da Cruz
Vermelha Brasileira como sociedade de socorros autônoma e independente, auxiliar dos
poderes públicos (CRUZ VERMELHA, 1988, p. 25).
O registro e reconhecimento da entidade no âmbito nacional foram em 1910,
e, no âmbito internacional pelo C.I.C.R., em 1912, e participou da constituição da Liga de
Sociedades de Cruz Vermelha, em 1919, filiando-se a ela. A Seção Feminina, que
objetivava a formação do corpo de Enfermeiras Voluntárias, foi criada pelas ―Damas da
Cruz Vermelha Brasileira‖, um comitê formado por um grupo de senhoras da sociedade
carioca (CRUZ VERMELHA, 1988, p.26).
Nestas circunstâncias, é criada a primeira Escola Prática de Enfermagem. O
Curso, iniciado em outubro de 1914, era destinado a formar enfermeiras. A Comissão de
Ensino Prático era presidida por Antonio Ferreira do Amaral, Coronel Médico. Após esta
iniciativa, outros cursos foram sugeridos pela Seção feminina, sendo, então, criada e
inaugurada, em março de 1916, a Escola Prática de Enfermagem, dirigida pelo Dr. Getúlio
dos Santos
20
. Tangenciada pelas guerras, no Brasil e no exterior, a Cruz Vermelha
consolida sua atuação, inspirada nos princípios descritos. As Socorristas Voluntárias da
Cruz Vermelha, formada pelas Escolas de Enfermagem da Cruz Vermelha, atuavam nos
20
Getúlio dos Santos Autor do 1º Livro de Enfermagem do Brasil.
lviii
cenários de guerra atendendo as vítimas, em campanhas básicas de saúde e no atendimento
às calamidades em nível nacional (CRUZ VERMELHA, 1988, p.2629).
A sede da Cruz Vermelha, no Brasil, foi inaugurada, provisoriamente, em
1917, na qual funcionaria a Escola de Enfermagem e o órgão central da Entidade. Em 1919,
deu-se início a Construção do prédio definitivo e até hoje
21
em funcionamento, na atual
Praça da Cruz Vermelha, no Centro da Cidade do Rio de Janeiro.
21
A Escola da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro encontra-se sob intervenção desde 1995, sendo somente
desenvolvidos cursos de Socorristas, acessos restritos e com agendamento aos seus acervos.
lix
CAPÍTULO II
O MOVIMENTO DE RETOMADA DO PROCESSO
DE MITIFICACAO DE ANNA NERY
CAPÍTULO II O MOVIMENTO DE RETOMADA DO PROCESSO DE
MITIFICAÇÃO DE ANNA NERY
lx
A história de todos os povos de todas as culturas começa sempre com um
capítulo dedicado aos primórdios, no qual se trata da gênese do que aconteceu e Da
previsão do que irá acontecer. No início da trajetória histórica brasileira, encontramos
relatados acontecimentos singulares e únicos nos quais pessoas especiais participaram de
fatos decisivos, que modelaram os acontecimentos posteriores, surgindo, como
conseqüências de suas iniciativas, os grandes modelos que marcaram ou definiram o
destino de um povo, de um grupo ou de uma profissão.
Neste estudo, os instrumentos simbólicos envolvidos no processo de
apropriação do mito Anna Nery precisam ser analisados, pois estes caracterizam a
legitimação do poder simbólico do mito Anna Nery.
A nomeação e divulgação de Anna Nery, como precursora da Cruz
Vermelha e pioneira da Enfermagem brasileira pela Liga da Sociedade da Cruz Vermelha,
em 1919, pode ser entendida como uma tentativa de correlação do habitus de Anna Nery
com os princípios fundamentais, norteadores desta instituição, quais sejam: Humanidade;
Imparcialidade; Neutralidade; Independência; Voluntariado; Unidade e Universalidade.
Esta correlação teve, como propósito, traduzir a relevância desta personagem
mítica no contexto social. Não obstante, o habitus, inscrito em Anna Nery, expressa
interesses de um grupo que buscava a conquista da legitimidade profissional com os
mesmos princípios.
A virada do século XIX para o século XX assinalou a marcha das mulheres para
a conquista de sua emancipação. Nas questões sobre a ação e luta das mulheres, neste
lxi
período, configuram-se duas vertentes: uma preocupada com os movimentos e à conquista
de direitos os movimentos feministas e a outra com manifestações informais que se
expressam em diferentes formas de intervenção e atuação femininas.
A primeira abordagem, em geral biográfica, apresentam-se com uma história
das mulheres notáveis. Com enfoque positivista, focalizam-se algumas mulheres
excepcionais que se destacam no campo da política, da cultura e da religião. É este o
método utilizado pelas feministas do século XIX, em suas revistas e dicionários, que
buscam apresentar modelos femininos alternativos à imagem do tradicional feminino, a
saber: passivo, fútil, sem maior iniciativa (SOIHET, 1997, p.281).
Os critérios de seleção dos biógrafos masculinos sobre os sujeitos femininos,
segundo a feminista alemã Louise Otto
22
(1869), não eram pela ação consciente e refletida
das mulheres, mas sim pelos laços que as uniam aos grandes homens ou por sua beleza.
Contrapondo-se a esta postura, a feminista dispõe-se a apresentar biografias de mulheres
que não tiveram a necessidade desses atributos para se destacarem (SOIHET, 1997, p.281
282). A função dessas biografias, mesmo que não explicitadas, foi a de provar as
capacidades femininas, idênticas à masculina, de fazer história, de construir a civilização.
O pioneirismo da emancipação feminina data da Revolução Francesa, quando
associações de mulheres republicanas reivindicavam que os ideais de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade se estendessem ao sexo feminino. Quase na mesma época,
Abigail Adams, esposa de John Adams, um dos fundadores da República dos Estados
Unidos, pediu, em carta ao marido, que o texto da Declaração da Independência ―se
22
Esta crítica às biografias é parte integrante do prefácio da Obra de Louise Otto intitulada ―Mulheres
influentes do povo‖, publicada em 1869.(SOIHET, História das Mulheres, 1997, p. 281).
lxii
lembrasse das mulheres‖. Curiosamente, embora ela tenha sido atendida num primeiro
momento, os direitos das mulheres foram retirados da versão final do documento (SOIHET,
2004, p.18).
Neste cenário, a Cruz Vermelha, através da Liga das Sociedades da Cruz
Vermelha, em Paris, começou a desfazer estas muitas faces, a partir da publicação oficial
de Anna Nery, como pioneira da Enfermagem no Brasil e precursora da Cruz Vermelha,
especificamente, em 5 de maio de 1919, marcando a gênese de apropriação do mito Anna
Nery pela enfermagem brasileira (LIMA, 1977, p.202203).
A Liga, no capítulo em que trata do florescimento da Instituição na América,
cita Anna Nery, salientando sua contribuição na guerra contra o Paraguai, mediante o
atendimento aos feridos, o que é possível constatar ao salientar sua humanitária
contribuição, conforme o relato:
Em 1864-1865, ao mesmo tempo em que os plenipotenciários
europeus assentavam, em Genebra, as bases fundamentais da Cruz
Vermelha Internacional, uma senhora brasileira, Anna Nery,
embarca na Bahia, com um exército de voluntários e permanece
quatro anos na pampa inóspita, investida de nobilíssima missão de
irmã de caridade. Colocada em seu verdadeiro quadro, a silhueta de
Anna Nery se distingue entre todos os precursores da Cruz
Vermelha, por sua grandeza esplêndida e simbólica.
que evocar a época, o país, os costumes, as circunstâncias em
que atuou. A guerra e o seu cortejo sinistro de epidemias
senhoreavam uma parte do sul da América, com uma fatal e
infalível certeza de extermínio. Os combatentes, descalços,
esfarrapados, famintos, extenuados, tremiam mais de febre do que
de ira. Anna Nery prodigaliza o seu cuidado nos hospitais, no
campo de batalha, recolhe o último suspiro dos moribundos e, um
dia, o destino lhe aponta o espetáculo pavoroso de descobrir, num
montão de cadáveres, o de seu próprio filho
23
(LIMA, 1977, p. 202
203).
23
―Las Cruces Rojas de América. Su origen y desarrollo‖ Secretariado de la Sociedad de la Cruce Roja
Paris. (LIMA, 1977, p.203)
lxiii
Assim, a memória da ―Mãe dos Brasileiros‖, no cenário da guerra, heróica, mãe
de todos, uma personagem histórica, transforma-se na primeira enfermeira, símbolo de um
grupo. Duas imagens que revitalizam o mito. A incorporação do mito de Anna Nery, pela
Cruz Vermelha, pode ser explicada pelo fato de ele ter sido considerada a primeira
enfermeira voluntária, com fortes conotações humanitárias, que ruma para a guerra, em prol
de uma nação, exemplificando o símbolo maior dos princípios da Cruz Vermelha: a
humanidade. A CRUZ VERMELHA, nascida da preocupação de prestar socorro,
indistintamente, aos feridos nos campos de batalha, esforça-se, no âmbito Internacional e
Nacional, em evitar o sofrimento humano sob quaisquer circunstâncias‖ (CRUZ
VERMELHA BRASILEIRA, 1988, p.11).
A partir da segunda metade do século XIX, o movimento de emancipação
feminina espalhou-se gradativamente pelo mundo, causando grande polêmica e gerando
reações inflamadas de diversos setores do poder instituído. No Brasil, um número crescente
de mulheres passou a assumir abertamente a campanha pela obtenção de seus direitos.
Organizando-se em associações e valendo-se da imprensa, buscavam apoio dos
parlamentares e da opinião pública. Entre tais ativistas destacou-se a zoóloga paulista
Bertha Lutz, que nas décadas de vinte e trinta, sobretudo por causa da luta que desenvolveu
pelo voto feminino, que viria a ser conquistado ―quando assim interessasse à classe
dominante‖ (SOIHET, 1997, p.282; 2004, p.18).
lxiv
A presidência era exercida por Delfim Moreira da Costa Ribeiro
24
, que exerceu
curto mandato, de 15 de novembro de 1918 a 27 de julho de 1919, conhecido como
―Regência Republicana‖. Mineiro, nascido no município de Cristina, foi considerada uma
figura austera e respeitável, um apaixonado pelos ideais republicanos, que começaram a
ganhar força depois da Guerra do Paraguai. Durante sua gestão, dedicou especial atenção à
educação e à agricultura, construindo escolas e cuidando da profilaxia de moléstias do meio
rural (KOIFMAN, 2002, p. 205211).
As questões pertinentes ao saneamento rural, no Brasil, datam desta época,
desencadeando uma campanha que desse respostas aos problemas de condições de saúde
da população. Nesse período, a sociedade começa a contar com a afluência de novas
forças e movimentos sociais aspirando e exigindo por mais e melhor educação.
Na década de 20, o Estado Republicano, através do Departamento Nacional de
Saúde Pública DNSP, juntamente com a Fundação Rockefeller
25
FR, tomaram a
iniciativa para contribuir com a modernização da saúde pública brasileira em consonância
com os ideais de cientificidade, racionalidade e higiene operante, formando médicos e
enfermeiras em saúde pública, com a criação de escolas especializadas, fiscalização da
prática profissional e organização de serviços estatísticos no país (MOREIRA, 1999, p.
622).
24
Delfim Moreira, vice-presidente eleito, representou a consolidação da política do café-com-leite, com um
paulista e um mineiro nos cargos máximos da política nacional: Rodrigues Alves foi leito pela segunda vez à
Presidência, tendo Delfim Moreira como vice. Delfim foi empossado no cargo de presidente em 15 de
novembro de 1918, devido ao estado de saúde alterado de Rodrigues Alves, que contraiu a gripe espanhola,
vindo a falecer em 16 de janeiro de 1919 (KOIFMAN, 2002, p.200-210).
25
A Fundação Rockfeller foi fundada em 1913. Atuou no Brasil de 1916 a 1942, registrando em relatórios e
periódicos, os diagnósticos, as ações e as tendências do quadro sanitário local. (MOREIRA, 1999, p.622).
lxv
E, nesse contexto, no intercâmbio econômico internacional e incorporação do
programa de saúde pública na América Latina, a Fundação Rockfeller patrocina a Missão
Técnica de Cooperação para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, sob a liderança
da Enfermeira norte-americana Ethel Parsons que implantou o Serviço de Enfermagem do
Departamento Nacional de Saúde Pública (SAUTHIER & BARREIRA, 1999, p. 3850).
Entretanto, segundo Barreira (1998, p.43), a formação de enfermeiras não
coadunava com as aspirações da sociedade e nem dos médicos do DNSP, assim, a
implantação da Enfermagem no Brasil, representou uma luta simbólica da enfermagem para
oficialização e legitimação desse grupo profissional no cenário brasileiro.
Não obstante, neste percurso, Barreira (1999) salienta que para avaliar a
trajetória da enfermagem na sociedade brasileira é necessária alguma consideração, como:
(...) considerar inicialmente que os diversos momentos da vida do
país resultaram do jogo de forças políticas, econômicas e
ideológicas que também configuraram a organização sanitária de
cada época, e que não se estruturaram apenas para atender às
necessidades da população, mas resultaram da concorrência entre
os vários grupos sociais que formam o sistema produtivo e que
apresentavam demandas divergentes entre si. Também é necessário
compreender que se a enfermagem, enquanto prática social, é
condicionada pelo contexto onde atua, ela também exerce
influência na sociedade em que se insere, segundo as forças sociais
lxvi
em jogo no campo da saúde e, além disso, que sobre as
determinações históricas recorta-se a ação coletiva de homens e
mulheres e a ação de pessoas que ocupam posições estratégicas, em
dado momento ou situação, pois a aceitação de que o indivíduo
pode atuar dentro das condições determinadas pela organização
econômica da sociedade e pelo poder político, não elimina a força
de certas personalidades nem a imprevisibilidade das opções
individuais. Assim, é preciso reconhecer que, na história da
enfermagem (no passado e no presente), ressaltam figuras que, por
sua atuação, se constituem em marcos referenciais (BARREIRA,
1999, p. 90).
Neste cenário, na Cidade do Rio de Janeiro, sob a égide da Saúde Pública, na
figura de Carlos Chagas, diretor do DNSP, é organizado a primeira escola de Enfermagem
no modelo anglo-americano no Brasil, a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional
de Saúde Pública EEDNSP
26
, cuja implantação foi uma das maiores realizações da
Reforma Carlos Chagas. Ele mesmo declara: ―A criação de uma Escola de Enfermagem no
Brasil, é um evento que marca época em sua história‖ (BRASIL, 1974, p.65–66; SANTOS
& BARREIRA, 2001, p.4).
Em seu estudo sobre a Instituição da Identidade Profissional da Enfermeira,
Silva Junior (2000) demonstra a riqueza de rituais e tradições que se instituíram e foram
perpetuados pela enfermagem brasileira, a partir da EEDNSP, nos anos 20, do século
passado, através de princípios unificadores e de padronização do habitus, manifestos nas
relações de poder determinado pelas posições dos seus agentes.
Toda década de vinte é marcada por movimentos militares, políticos e
econômicos, acontecimentos que irão repercutir por toda a história brasileira. Nesta década,
foi fundada a primeira Universidade do país, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, formada pelas faculdades de Medicina, Direito e pela Escola Politécnica; foi
26
A EEDNSP foi criada pelo Decreto n. 15.799 de 10/11/1922; começou a funcionar em 19 de fevereiro de
1923, regulamentada pelo Decreto n. 16.300, de 31/12/1923.
lxvii
organizada a Semana da Arte Moderna (de 11 a 18 de fevereiro de 1922), provocando
mudanças radicais na cultura e nas artes; fundado o Partido Comunista Brasileiro e, em
setembro de 1922, foi oficializada a letra para o Hino Nacional do Brasil e comemorado o
Centenário da Independência do Brasil.
Ainda neste mesmo ano, é organizado o Primeiro Congresso Feminino
Brasileiro, no Rio de Janeiro, com a presença de líderes femininas entre elas, a feminista
americana Carrie Chapman e a líder brasileira, Bertha Lutz. As discussões e os debates, das
líderes feministas, em todo o mundo, estavam direcionados para as questões da igualdade
de direitos, livres acesso à educação e oportunidades iguais de trabalho e remuneração para
todas as mulheres (SOIHET, 2004, p.18).
Em 1924, emerge a (re)atualização do mito Anna Nery, promovido pela Cruz
Vermelha no Brasil, em nome da primeira enfermeira voluntária: a criação de uma medalha
comemorativa, e a instituição de uma romaria ao túmulo de Anna Nery, que os registros da
Revista da Cruz Vermelha, de 28 de junho, sinalizam estas intenções, conforme o
transcrito:
(...) sobre a personalidade inconfundível de D. Anna Nery e anunciamos
que a humanitária instituição patrícia irá render permanente homenagem à
precursora da Cruz Vermelha no Brasil, a essa senhora de peregrinas
virtudes que foi a nossa primeira enfermeira voluntária, creando uma
medalha commemorativa, para ser conferida às mais distinctas enfermeiras
da Cruz Vermelha. O doutor Escragnolle Doria, com acatadíssima
auctoridade do seu nome ilustre extranhou, nesse artigo com cuja
transcpção fomos honrados, que o túmulo de Anna Nery conhecesse
apenas ―a frieza de modestos mámores‖ e se visse sempre despido de
flores, e concitou as associações de caridade e socorro a enfermos a terem
todas o seu retrato e a irem cobrir de rosas o túmulo da veneranda
brasileira, todos os mezes de maio, pelo anniversário de seu passamento
(REVISTA DA CRUZ VERMELHA BRASILEIRA, 1924, p.20).
lxviii
Veiculados nas páginas das Revistas da Cruz Vermelha, é salientado o interesse
e preocupação de um colaborador desta Instituição, Dr. Escragnolle Dória
27
, que através de
um discurso autorizado, sinaliza o poder simbólico de Anna Nery: ―Sobre a personalidade
inconfundível de D. Anna Nery, anunciamos que a humanitária instituição patrícia irá
render permanente homenagem a precursora da Cruz Vermelha Brasileira‖ (REVISTA DA
CRUZ VERMELHA, 1924, p.20).
Cabe ressaltar, que a Cruz Vermelha, neste mesmo artigo, faz menção sobre a
criação de uma medalha comemorativa, um símbolo, uma insígnia que será oferecida às
melhores alunas do Curso de Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira. Esta atitude
legitima os atos e segmentos, evidenciando Anna Nery como protótipo de enfermeira,
configurando, neste rito, o habitus da enfermagem, transcrevendo o poder simbólico do
mito Anna Nery.
Outro evento que evidencia a apropriação do mito Anna Nery pela enfermagem
brasileira se através da inauguração da tela em óleo de Anna Nery, no Salão Nobre do
prédio da Cruz Vermelha Brasileira, no Rio de Janeiro, em 26 de maio de 1925, inaugurado
em sessão solene e pública, com a presença de inúmeras personalidades, destacando-se: Dr.
Miguel Calmon, ministro da Agricultura, antigo Presidente e Membro do Conselho Diretor
da Cruz Vermelha; Deputados; Representante oficial da Federação de São Paulo, Mme.
Souza Queiroz e DMaria Rennott da Cruz Vermelha da Bahia; Marechal Ferreira do
Amaral, Presidente da Cruz Vermelha à época; Dr. Getúlio dos Santos, Secretário Geral da
Cruz Vermelha, Príncipe de Rodemburg; desembargadores; dentre outros associados e
27
A Revista da Cruz Vermelha, não faz menção às origens, nem títulos desta referência.
lxix
enfermeiras da Cruz Vermelha Brasileira (REVISTA DA CRUZ VERMELHA
BRASILEIRA, 1925, p. 23).
A tela foi inaugurada no Salão Nobre do edifício da Sede da Cruz Vermelha, no
Rio de Janeiro, com o discurso de abertura proferido pelo Senhor Marechal Ferreira do
Amaral, descerrada pelo Dr. Miguel Calmon e Mme. Souza Queiroz, Presidente da filial da
Cruz Vermelha em São Paulo, seguida pelo discurso oficial da Drª Estelita Lins, oradora do
cerimonial, a qual imprimiu aspectos da nobreza, simplicidade, bondade e abnegação de
Anna Nery, ao afirmar:
Modelo de todas as virtudes foi a precursora da Cruz Vermelha no Brasil, foi a 1ª enfermeira voluntária que nos campos inhospitos
dos pampas, durante quatro anos, esteve ao lado dos nossos exércitos na guerra do Paraguai ―(...) em todas as páginas da nossa
história, escripta com caracteres d’oiro onde fulgem os feitos mais brilhantes que geração ou paiz outro jamais soube contar, estão
impressos os nomes de damas virtuosos e heroicas, (...) e, sobre todas, D. Anna Nery‖ (REVISTA DA CRUZ VERMELHA, 1925, p.
3).
Os discursos proferidos pelas autoridades exemplificam a relevância da figura
mítica de Anna Nery no contexto político e social brasileiro. O Presidente da Cruz
Vermelha Brasileira, em seu discurso comemorativo, pronuncia:
(...) ao lado dos nossos exércitos na Guerra do Paraguay.
Nightingale na Guerra de Criméia ou Mãe Saimon na franco-
prussiana, não lhe excederam em dedicação e zelo. (REVISTA DA
CRUZ VERMELHA, 1925, p.3)
A presença e os discursos destas personalidades no cerimonial de inauguração
da tela em óleo, obra do baiano, Timóteo Costa, possibilita vislumbrar o discurso de seus
porta-vozes como um processo de validação dos feitos sociais de Anna Nery, isto é, aqueles
que, ao falar de um grupo pelo poder de nomeação, exemplificam a relevância da figura
mítica de Anna Nery, no contexto político e social brasileiro, além de representar uma
forma de nomeação de oficialização e legitimação de um grupo, pois de acordo com
Bourdieu:
lxx
O efeito simbólico exercido pelo discurso científico, ao consagrar
um estado das divisões, é inevitável na medida em que os critérios
objetivos, precisamente os que os doutos conhecem, são utilizados
como armas nas lutas simbólicas pelo conhecimento e
reconhecimento (BOURDIEU, 2003, p. 119120).
Esta perspectiva pode ser compreendida a partir das idéias de Bourdieu (2003,
p. 146-148), o qual suscita que, sob a ordem simbólica e o poder de nomeação oficial, neste
caso, as insígnias e os títulos, são atos de imposição simbólica, que tem, em seu favor, toda
a força do coletivo, do consenso e do senso comum.
Durante o ato solene, foram oferecidas aos presentes, fotografias da
homenageada. Desse modo, a inauguração de uma tela, a distribuição de fotografias para os
presentes, o espaço utilizado e os discursos se configuram como um conjunto de ações
simbólicas para mitificar a figura de Anna Nery, pois ―a crença na unidade (tanto no seio
do próprio grupo como nos outros grupos) que, por intermédio de ações de imposição e de
inculcação da identidade legítima, tende a gerar uma unidade real(BOURDIEU, 2003, p.
119120).
O capital social da heroína de guerra, Anna Nery (dama da sociedade e esposa
de militar), parece ter contribuído para a sua nomeação como precursora da Cruz Vermelha
e pioneira da enfermagem brasileira pela Liga da Sociedade da Cruz Vermelha. Vale dizer
que Anna Nery era dotada de atributos considerados intrínsecos à natureza feminina,
quais sejam: humanidade, imparcialidade e neutralidade.
Anna Nery, Mãe dos Brasileiros, é de grande relevância para a Cruz Vermelha,
a qual institui cultos intencionando à imortalização de sua memória, correlacionando com a
figura de Henri Dunant, idealizador da Cruz Vermelha no mundo. Em publicações da
Revista da Cruz Vermelha, do ano de 1925, evidencia-se uma relação entre os atributos de
lxxi
Anna Nery e de Dunant, a saber: humanidade, imparcialidade, neutralidade, voluntariado,
unidade e universalidade, ressaltam os aspectos humanitários dos cuidados aos feridos na
guerra, como evidenciado no seguinte trecho:
A heroína baiana que nos campos hinospitos do Paraguay, praticou
pela primeira vez entre nós, o formoso sonho de Dunant, apenas
esboçando em 1864, na terra deste inesquecível philamtropico foi
obra definitiva de duração perene (REVISTA DA CRUZ
VERMELHA, 1925, p.1)
Os títulos de enfermeira, Mãe dos Brasileiros, Cornélia Brasileira, conferem à
Anna Nery, o direito legítimo de consagrar uma relação de força entre os agentes sociais a
respeito da profissão de enfermeira, componente essencial da identidade social, deste
grupo. Neste caso, da nomeação oficial do título profissional pode ser considerado um
capital simbólico, reconhecido por uma instância oficial, validando, perante todos, todo o
grupo.
Esta assertiva é corroborada por Bourdieu (2003, p.10), pois, para ele, o mito é
uma produção simbólica construída pela sociedade com intuito de veicular o interesse de
um grupo, apresentado estrategicamente, com objetivo, ditos universais, sendo conduzido
por um grupo hierarquicamente distribuído, legitimando o seu processo e suas distinções.
Cabe ressaltar, que o ritual estabelecido, primeiramente pela Cruz Vermelha
Brasileira, como a visitação ao túmulo de Anna Nery, no cemitério São Francisco Xavier,
por professoras e alunas desta instituição, caracterizam o interesse do grupo de enfermeiras,
em (re)atualizar o mito como produção simbólica, ocorrendo, estrategicamente, no mês de
aniversário da morte da heroína de guerra, ato realizado por muitos anos, através da
ritualização, conferindo-lhe tradição, por meio de honrarias, coadunado com o objetivo de
legitimar Anna Nery como símbolo da profissão de enfermeira. Uma carta enviada ao
lxxii
Presidente da CV, Dr. Ferreira do Amaral, remetida por D. Maria Luiza Nery de Andrade,
neta de Anna Nery, descreve:
Foi proclamada e dos Brasileiros. Bem assim as flores que
collocaram no seu túmulo, na data de seu falecimento, sentindo-me
sensibilizada pelo patriotismo dos representantes deste nobre
agremiação que, impulsionados por sentimentos altruísticos,
fizeram ressurgir das trevas em que jazia o nome honrado da
benemérita e ilustre brasileira (REVISTA DA CRUZ
VERMELHA, 1925, p.1).
A leitura atenta das palavras da neta de Anna Nery evidencia a emoção desta
diante das homenagens à Anna Nery, evidenciando a sua percepção sobre a retomada das
homenagens. Ademais, o presidente da Cruz Vermelha Brasileira ressalta a importância de
imortalizar Anna Nery: ―Seja o maior orgulho nosso o de haver concorrido para a
perpetuação de um culto que simboliza o rasgo sem par da mulher patrícia, e o triumpho
vico da primeira brasileira enfermeira (REVISTA DA CRUZ VERMELHA, 1925, p.5).
Portanto, cabe apontar que a atitude do presidente da Cruz Vermelha Brasileira
produziu uma ideologia, abarcada pelas enfermeiras da primeira Escola de Enfermagem, no
modelo angloamericano, produzindo sobre a escola, um capital cultural; garantindo a
legitimação da figura mítica de Anna Nery; imprimindo, na formação das alunas, futuras
enfermeiras, os atributos pertencentes à Anna Nery e a Henry Dunant: humanidade,
imparcialidade, neutralidade, voluntariado, unidade e universalidade. Estes atributos, em
nível simbólico, podem ser considerados como uma forma de unidade que interliga a
enfermagem, numa unidade coletiva, independente das diferenças institucionais que
possam separá-las. Ou seja, através de um símbolo de unidade, o mito Anna Nery, a
anfermagem brasileira foi adaptada a um referencial padrão, um fundamento partilhado e
aceitável de troca simbólica, de identificação coletiva.
lxxiii
Assim, as Escolas de Enfermagem da Cruz Vermelha e a Escola de
Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública representam importantes espaços
de legitimação do Mito Anna Nery. De acordo com Bourdieu (2003, p.11), os poderes que
os agentes e/ou instituições detêm sobre as classes, constitui-se em ―sistemas simbólicos‖
que desempenham função de legitimação, contribuindo para a garantia de uma ideologia
através de um poder simbólico acumulado.
Ainda neste artigo da Revista da Cruz Vermelha, é descrita, de várias formas, a
intenção de perpetuar este símbolo, emergindo em sua fala, inúmeras vezes, os feitos
notáveis de Anna Nery, na Guerra do Paraguai, fazendo menção e comparação com a
heroína da Guerra da Criméia, Mrs. Florence Nightingale, denominada ―Dama da
Lâmpada‖, correlacionando as suas atitudes e atuações na guerra com a heroína da guerra
do Paraguai, exaltando o reflexo dos valores na guerra e a representação simbólica de Anna
Nery para a Cruz Vermelha do Brasil, para a Escola de Enfermeiras do Departamento
Nacional de Saúde Pública e para a Cruz Vermelha Internacional.
Nestas circunstâncias, não se pode negar que as guerras deixaram uma
impressão indelével na história da Enfermagem. A Guerra da Criméia, por exemplo, foi o
berço da Enfermagem Moderna. Foi com o trabalho de Florence Nightingale, heroína da
Criméia, que no cuidado aos feridos, culminaram com a fundação da Escola de
Enfermagem que lhe traz o nome e também lhe rendeu inúmeras homenagens, de modo
similar à heroína brasileira, denominada a primeira Escola de Enfermagem brasileira, no
modelo anglo-americano.
Entre as homenagens recebidas por Florence, consta o relato de uma jóia
oferecida pela Rainha Vitória, desenhada pelo Príncipe Consorte. O desenho parecia um
lxxiv
emblema que consistia numa Cruz de S. Jorge, em esmalte vermelho, com uma monograma
real encimado por uma coroa de diamantes. A Dama da Lâmpada recebe também, em 1907,
uma singular homenagem do Rei Eduardo VII, a Ordem do Mérito. Ela é a primeira e a
única mulher a receber tal honraria. No mesmo ano, a cidade de Londres lhe confere o
título de Cidadã Honorária (SEYMER, 1936, p. 75).
Entretanto, há poucos monumentos em sua honra, exceto as estátuas de
Waterllo Place, Londres, e em Derby. Contudo, segundo Seymer (1936, p.138), a profissão
de enfermeira constitui o seu maior monumento, um monumento vivo, imortalizado como
um dos maiores vultos femininos de todos os tempos.
Cabe salientar, nestas considerações, no que tange, principalmente às
similaridades, entre Anna Nery, Dunant e Florence Nightingale, que, segundo Lima (1977,
p. 206–208), ―estes formam o triângulo imortal sobre cujas bases assenta a glória de servir
os que lutam e são feridos nos campos de batalha‖. Para o autor, a figura de Anna Nery se
sobreleva a Henry Dunant, pela espontaneidade de sua ação e, sobretudo, ―pela modéstia
silenciosa com que ela escreveu as páginas de sua vida‖. E, ainda, sobrepuja a Florence
Nightingale, porque ―esta partiu para os campos de luta, como quem vai para uma festa, sob
aclamações populares, conduzida em carruagem de luxo pela própria família real‖ e, Anna
Nery, partiu para ―a carnificina das terras guaranis, sem obedecer à sugestão de ninguém,
levada pelas vozes do coração, pelo patriotismo‖.
E, ainda, se de um lado, a Enfermagem Moderna e a Cruz Vermelha devem
suas origens a uma guerra, a Enfermagem brasileira, também nascida do espetáculo
sangrento da Guerra do Paraguai, deve à Anna Nery suas origens. Nesta perspectiva, a
figura de Anna Nery está inscrita em um campo de poder que tanto sofre, quanto exerce a
lxxv
função de produzir efeitos na sociedade, e esta sociedade tenta, em vários momentos,
configurar o mito e sua proposta ideológica, envolvida com a preocupação de gerar uma
personagem que representasse a enfermagem brasileira.
Em uma outra atitude de perpetuar a memória de Anna Nery, o ritual da
romaria ao túmulo passa a ser realizado pelas enfermeiras e alunas da Escola de
Enfermagem D. Anna Nery, conforme o seguinte texto:
Todas as enfermeiras já diplomadas pela Escola de Enfermeiras D.
Anna Nery, do Departamento Nacional de Saúde Pública, assim
como as alunas da mesma escola, cultuando a sua memória, foram
incorporadas
28
ao cemitério de São Francisco Xavier, espargir
flores sobre seu túmulo (REVISTA DA SEMANA, 1926, p.19).
Sobre as inúmeras homenagens, entre elas, o título, Bourdieu (2004, p.163
164) assinala que os títulos de nobreza e os escolares representam autênticos títulos de
propriedade simbólica que dão direito às vantagens e reconhecimentos, universalmente
reconhecido e garantido, válido em todos os mercados, impondo, desta forma, uma
perspectiva universalmente aprovada.
Neste sentido, as denominações, títulos e demais honrarias outorgadas à Anna
Nery, conferem-lhe legitimidade e poder de representação de um grupo social, neste caso, a
enfermagem, e o título de enfermeira, não apenas pelos seus feitos nos campos de batalha,
mas pela legitimação das autoridades que lhe conferiram e instituíram o capital simbólico,
pelo poder de nomeação.
No ano de 1926, a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde
Pública EEDNSP passou à denominação de ―Escola de Enfermeiras D. Anna Nery‖
28
O vocábulo ―incorporadas‖ foi transcrito conforme o original.
lxxvi
(CARVALHO, 1976, p.9), mitificando, definitivamente Anna Nery, através do Decreto
17268, de 31 de março de 1926. Neste período, a Escola de Enfermagem brasileira
consolida o mito Anna Nery.
Na concepção de Lima (1977, p. 18), essa homenagem que nomeia a primeira
escola de enfermagem no modelo anglo-americano no Brasil, Escola de Enfermagem Anna
Nery, simboliza que a profissão deveria ser exercida por pessoas dotadas dos mesmos
atributos de Anna Nery.
Para Bourdieu (2003 p.11), o Decreto que denomina a Instituição de ensino
com o nome de nossa protagonista, pode ser compreendido como um cumprimento da
função política de impor e legitimar o poder simbólico da enfermagem brasileira, a qual
assegura sua consolidação, neste momento, através de sua apropriação.
Partindo destas considerações, a representação do mito Anna Nery, permitiu
que as instituições de ensino e o contexto sócio-político-ideológico, no recorte temporal da
investigação, pensassem sobre a necessidade de uma personagem com um poder simbólico
significativo, corroborando para o processo de formação da identidade profissional da
enfermagem brasileira.
Desta forma, o que caracteriza a experiência mítica é o fato destas voltarem
para as origens e para os princípios derradeiros das coisas, não apenas no sentido
cronológico, uma vez que o mito permanece ao longo de todas as realizações históricas que
caracterizem uma cultura (CRIPPA, 1975, p.3).
Nessa abordagem, reside a nossa tentativa de penetrar no sentido do mito,
alcançando a vivência mítica de Anna Nery ligadas às suas origens, narrada sob a
lxxvii
perspectiva da guerra, uma história escrita como celebração militar da dignidade política e
da coragem heróica de uma mulher que deu origem a cultos e ritos que imortalizaram sua
figura, apropriados por um grupo social.
CAPÍTULO III
lxxviii
ATUALIZAÇÃO DO MITO ANNA NERY
PELA ENFERMAGEM BRASILEIRA
CAPÍTULO III ATUALIZAÇÃO DO MITO ANNA NERY PELA
ENFERMAGEM BRASILEIRA
Emerge a década de 30, considerada emblemática pela maioria dos autores que
abordam as questões da história política, econômica, da educação e da saúde no Brasil. Este
cenário é tangenciado por crises em todos os setores, em virtude da crise mundial
capitalista, após a I Guerra Mundial.
lxxix
A subida de Getúlio Vargas
29
ao poder marca a queda da República Oligárquica
e a economia toma novos rumos, surgindo o modelo econômico denominado de
―substituição das importações‖, com a passagem gradual de uma economia agrária-
oligárquica para uma sociedade urbano industrial capitalista (FAUSTO, 2000, p.331).
Na Era Vargas, as comemorações cívicas se difundiram pelo Brasil, atribuindo
ao ensino da história o papel de valorização do passado nacional, enfatizando os grandes
gestos e os heróis da nacionalidade, através da institucionalização de atos públicos e
decretos, destacaram o civismo de personagens, que passaram a encarnar a idéia de
sacrifício pela pátria (SEGA, 2004, p.74).
Idéias modernistas na arte brasileira também caracterizam esse período. Para os
modernistas, a arte não deveria mais idealizar a cultura européia. Entretanto, as elites
tradicionais não concebiam essa perspectiva e em suas obras artísticas exibiam um Brasil
de belezas indescritíveis, um país de futuro esplêndido, um povo original (FERREIRA,
1997, p.45-50).
A imagem idealizada pelas elites ocultava as informações sobre as comunidades
marginalizadas, oprimidas e sem poder, apresentando um país de maneira deformada,
superficial, centrado em episódios descontextualizados, algo que não tinha nada a ver com
a realidade que o país estava atravessando (FERREIRA, 1997, p.45-50).
29
Getúlio Dorneles Vargas presidiu a nação por um período de 15 anos (1930-1945). É considerada a figura
de maior expressão da história política brasileira do século XX (FAUSTO, 2000, p.331). O Monumento
erigido em sua homenagem está localizado na Cinelândia, área central da cidade do Rio de Janeiro. Junto ao
Busto, aparece uma reprodução da Carta-testamento, um texto melodramático no qual ele se despede do povo,
momentos antes de se suicidar, em 24 de agosto de 1954, no Palácio do Catete, antiga residência oficial dos
Presidentes da República. O monumento de Vargas suscita a lembrança de duas imagens contraditórias: a do
ditador repressivo e a do nacionalista e defensor dos pobres e humildes contra os poderosos (FERREIRA,
1996, p. 72).
lxxx
Os modernistas marcam a ruptura com essa abordagem idealizada, retratando
um povo oprimido, explorado, com uma constituição racial miscigenada, submetida à
ganância de uma elite retrógrada. A exposição da composição racial miscigenada de nosso
povo preocupava as elites, pois ela é considerada uma desvantagem desde o fim do século
XIX.
Na década de 30, a Escola de Enfermeiras Anna Nery é dirigida pela primeira
diretora brasileira, Rachel Haddock Lobo, em 1931. Neste mesmo ano, é regulado o
Exercício de Enfermagem no Brasil, o qual equiparou as escolas de Enfermagem existentes,
ou a serem criadas, ao padrão da Escola Anna Nery, pelo Decreto nº 20109/31.
A atualização do mito Anna Nery, neste período, tem início na III Conferência
Internacional da Cruz Vermelha, realizada no período de 15 a 26 de setembro de 1935, no
centro da Cidade do Rio de Janeiro, junto à Avenida Mém de Sá, no coração da Cidade.
Nesta ocasião, reuniram-se representantes da Liga da Sociedade da Cruz Vermelha e do
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, com mais de dezoito (18) países das Américas,
dezessete (17) Associações Internacionais e a presença do Ilustríssimo Presidente da
República Getúlio Vargas, que presidiu as sessões solenes de abertura e encerramento do
evento, tendo, como proposta, uma homenagem à Anna Nery, heroína da Guerra do
Paraguai, com uma pedra fundamental, configurado 20 anos depois, com o levantamento do
monumento em memória da precursora da Cruz vermelha.
Percorrendo este período, não cessam as homenagens e honrarias para Anna
Nery, mostrando a força simbólica desta personagem. Por iniciativa do Presidente da
República, Getúlio Dorneles Vargas, juntamente com o Ministro da Educação e Saúde,
Gustavo Capanema, é instituído, oficialmente, em 10/08/1938, a partir do Decreto n. 2596,
lxxxi
o Dia do Enfermeiro, que passa a ser comemorado a partir do próximo ano, todo dia 12 de
maio, em memória de Anna Nery (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 1938, p. 15.977).
Na tentativa de aproximação do referencial adotado para análise, o capital
simbólico de Anna Nery, motivo pelo qual o Presidente da República oficializa um dia para
render homenagens outorgadas pela força de Lei à sua figura, com a elaboração de um
decreto, pode ser entendido pelo efeito de nominação, correlacionando, efetivamente, o
habitus da enfermeira ao mito Anna Nery, o que pode ser constato pelo seguinte texto: ―o
capital simbólico pode ser oficialmente sancionado e garantido, além de instituído pelo
efeito de nominação oficial‖ (BOURDIEU, 2002, p.163164).
Neste sentido, através do referido Decreto, foi imputado, oficialmente, o Dia do
Enfermeiro, o que favorece uma posição socialmente reconhecida para a enfermagem
brasileira, além de dar visibilidade ao Estado, pois esta data, mundialmente reconhecida,
corresponde ao Dia da Enfermeira, em memória de Florence Nightingale, data de seu
nascimento, conforme sinaliza Silva Junior (2000, p.125). Ademais, um Decreto valida uma
identidade oficial, o que garante mais um elemento para a mitificação de Anna Nery e
lucros simbólicos para a enfermagem brasileira, o que pode ser entendido pelo seguinte:
―(...) é o capital simbólico universalmente reconhecido e garantido, válido em todos os
mercados enquanto definição oficial de uma identidade oficial (...)‖ (BOURDIEU, 2004,
p.164).
Ainda nesta tomada de decisão, podemos evidenciar que a maior autoridade da
República brasileira, através da decretação, reconheceu a identidade de uma profissão,
diretamente ligada à figura mítica de Anna Nery, pelos seus feitos na guerra. Pois, a história
escrita pelo Estado Novo, valorizava o folclore, as artes, a música, o cinema, todas as
lxxxii
expressões da cultura brasileira. E, nesta abordagem, a figura mítica de Anna Nery, neste
período, encarnou todo um grupo social, que entrou para a história brasileira legitimada
pelo porta-voz da nação, ligando o passado e o presente, como um exemplo de brasileira
que enaltecia uma pátria.
Nesta esteira de raciocínio CRIPPA (1975, p.157158), refere que as
solenidades, as celebrações, as festas, são momentos singulares, cuja força está na
atualização de um tempo diferente do tempo comum. Para ele, no tempo festivo, todas as
coisas são regeneradas ou reafirmadas, como realidades significativas e simbólicas. O
retorno periódico desse tempo especial obedece sempre a um sentido: a fazer o movimento
inicial. As mesmas épocas retornam sucessivamente, nas celebrações e rituais, garantindo a
permanência nas significações constitutivas e assegurando os valores fundamentais que os
originou. Ao ser celebrado o rito, retoma o contato com o tempo, revitalizando e
atualizando o mito.
A memória de Anna Nery também está interligada, simbolicamente ao
lançamento da Pedra Fundamental em sua honra, transmitindo à posteridade e toda a
magnitude de sua figura mítica, (re)atualizando, continuamente, a perpetuação de seu nome
no espaço público da cidade do Rio de Janeiro, revitalizando a Enfermagem (BATISTA,
PORTO; TELLES, 2003, p.7)
O dia do Lançamento da Pedra Fundamental, em 26 de setembro de 1935,
repete a presença de personalidades nacionais e internacionais, bem como autoridades do
Estado, Governador, Prefeito da cidade, Membros das Comissões nacionais e internacionais
da Cruz Vermelha e um grande número de enfermeiras. Por esta ocasião, o porta-voz oficial
da solenidade, representado pelo Delegado peruano Guilherme Fernandes Davila, legitima,
lxxxiii
oficialmente, o poder do mito Anna Nery, através de discursos. Demonstrando, mais uma
vez, a aliança entre as escolas, Cruz Vermelha e Anna Nery: ―Em um gesto expressivo e
comovedor, retira da lapela o distintivo da Cruz Vermelha Peruana e o deposita na urna
comemorativa erguida na Praça‖ (JORNAL DO BRASIL, 27/09/1935, p. 11)
Durante todo o período que antecede o lançamento da referida pedra, foram
proferidos discursos em emissoras de rádio e nas manchetes dos jornais de grande
circulação da cidade do Rio de Janeiro.
O discurso proferido pela Senhora Cassilda Martins, uma das damas generosas
e de espírito altruístico que trabalhava pela Cruz Vermelha, pelo microfone da Rádio
Sociedade e transcrito na páginas do Jornal do Commercio, retratava o seguinte:
(...) Ouvi patricias minhas escutaes, como em replica fidalga a
distancia gentileza do Ilustre Prefeito Dr. Pedro Ernesto que em
homenagem a III Conferência deu o nome de Cruz Vermelha a bela
Praça que ostenta a sede da Cruz Vermelha foi a mulher brasileira
alvo da reverencia dos povos irmãos de cruzada. Reunidos em
fraternal conclave eles se propuseram levantar nessa praça que hoje
é um marco da fraternidade humana uma estatua a Dona Anna
Nery, precursora na América como o fora na Europa a grande
Florence Nightingale da criação dos serviços de Cruz Vermelha na
guerra cuidando dos feridos e na paz zelando pelas famílias dos
mortos.(...) Amanha chegará ao seu ouvido do dia e hora em que se
realizarão a cerimonia de lançamento da primeira pedra desse
monumento àquele de quem se disse de quem foi tão grande, para
encher com seus atos a memória do povo, de quem foi tão critica
para socorrer a pobreza a orfandade desvalida, de quem foi tão
exemplar na singeleza e abnegação resume-se a melhor apologia
nesta simples homenagem.- Gloria a caridade consorciada com o
civismo (JORNAL DO COMMERCIO, 22/09/1935, p.14).
O discurso procurava passar um profundo sentimento de dor em memória
daquela que foi Cognominada ―Mãe dos Brasileiros‖, e que deveria ser perpetuada com um
monumento no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, simbolizando em arte, para além de
lxxxiv
qualquer rótulo artístico-político que a queiram definir. É uma pátria que está sendo
enaltecida, configurando um grupo num campo que tangenciava a Escola de Enfermagem
da Cruz Vermelha Brasileira. As contradições que estão inscritas nesse espaço abrigavam o
saber, a dor e a arte de quem se dignificava a cuidar, reatualizando o mito Anna Nery.
Esta análise aponta para duas idéias principais: a primeira é que a construção
do mito Anna Nery, no espaço público e central da cidade do Rio de Janeiro,
caracterizava sua importância política, dando mobilidade à profissão como instrumento
de apropriação pela Enfermagem. E a segunda, é que as exaltações da figura mítica de
Anna Nery nos meios de comunicação, enaltecem suas ações de enfermeira, na Guerra
do Paraguai, apontando aspectos positivos de sua iniciativa, focalizando a interação de
sua condição de mulher, se apropriando nos espaços públicos, dos papéis masculinos,
explicitados nos discurso e nas homenagens de uma heroína de guerra. Cumpre destacar
que, até então, os heróis de guerra, eram papéis destinados aos homens.
Do ponto de vista histórico, ou seja, político e social, é possível interpretar o
mito, para descobrir o que este pode revelar sobre as sociedades de onde o mito provém.
Segundo Rocha (2001, p.12), a interpretação do mito pode ser empregada como forma de
compreender uma determinada estrutura social e a sua relação com o contexto social: (...)
o mito é, pois, capaz de revelar o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da
existência e das relações que os homens devem manter entre si e com o mundo que o
cerca‖. Segundo o autor, é possível investigar determinado contexto social, tanto pela
análise de um único mito, quanto de grupos de mitos e, até mesmo, da mitologia completa
de uma sociedade.
lxxxv
E possível, também, salientar esta apropriação do mito Anna Nery pela
enfermagem brasileira, corroborada pelo pensamento de Pierre Bourdieu. O autor aponta
para o capital político, força que transcreve o capital simbólico, refletindo o crédito ligado
diretamente, ao reconhecimento, ação ou discurso pelos quais os agentes autorizados lhe
conferem, traduzidos pela força simbólica objetiva, garantidos pela subjetividade simbólica
do poder, tronos, coroas, títulos (BOURDIEU, 2003, 187188).
O mesmo autor descreve um poder simbólico, através da credibilidade da
sociedade, posição adotada pelo Estado e pela Enfermagem, na passagem de rituais, na
relevante posição do Estado, que confere confiança. Instituindo o Dia do Enfermeiro,
garantindo-lhe, legitimidade, transcrito por interesses permeados pelo poder simbólico.]
Com uma atitude nacionalista, o chefe da nação, com um discurso autorizado,
em posição, hierarquicamente privilegiada, apostando em espalhar seus interesses sobre a
massa (dominada), confere a Enfermagem, garantindo por força de Lei, o Dia do
Enfermeiro, imortalizando a figura mítica de Anna Nery e a Enfermagem Brasileira.
Nesta mesma abordagem, Bourdieu (2004, p. 164), ainda acrescenta a esta
análise, o seguinte:
um ponto de vista oficial que é o ponto de vista das autoridades
que se exprime no discurso oficial. Este discurso (...) opera um
diagnóstico, isto é, um ato de conhecimento que obtém o
reconhecimento e que, com muita freqüência, tende a afirmar o que
uma pessoa ou uma coisa é, e o que ela é universalmente, para
qualquer homem possível (...). De fato, sempre existem, numa
sociedade, conflitos entre poderes simbólicos que visam impor a
visão das divisões legítimas, isto é, construir grupos.
A consolidação do Estado Novo, instituído em 1937 inaugura um quadro de
novas exigências, especificamente, no plano superior, reorganizando as bases do sistema
lxxxvi
universitário. A Universidade do Rio de Janeiro passa à denominação de Universidade do
Brasil, e a Escola de Enfermagem Anna Nery, em 1937, é incorporada à Universidade,
como instituição de ensino complementar, com completa autonomia (PAIVA et al, 1999,
p.14).
Emerge a década de quarenta que (re)atualiza o mito Anna Nery. Este período
caracterizou-se por um caráter ditatorial e populista. Para garantir o funcionamento do novo
regime, foram criados vários instrumentos de controle e repressão.
Inicialmente, destacou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda DIP,
encarregado do controle ideológico. Para tanto, exercia a total censura dos meios de
comunicação imprensa, rádio e cinema, através dos quais, inoculando na sociedade o
medo do ―perigo comunista‖, sustentava o clima de insegurança que justificara o novo
regime. Além disso, trabalhava na propaganda do presidente, formando dele uma imagem
sempre favorável. Com este fim, foi instituída a Hora do Brasil, emissão radiofônica
obrigatória. Naturalmente, a intolerância pela diversificação da informação era a base do
novo regime e, qualquer oposição ideológica era duramente reprimida (KOSHIBA &
PEREIRA, 1987, p.312).
A Polícia Secreta, outro instrumento ideológico do estado, ao mesmo tempo em
que a repressão ideológica alargou seus horizontes, através da oficialização, avultou o papel
da polícia. Tal como nos regimes totalitários europeus, esta Polícia se especializou em
práticas violentas, reprimindo, com torturas e assassinatos, os indivíduos considerados
nocivos à ordem pública (KOSHIBA & PEREIRA, 1987, p.312313).
Outro instrumento foi o controle dos sindicatos. A preocupação do novo regime
era neutralizar e anular a influência política do operariado, fazendo os trabalhadores
lxxxvii
ligarem-se aos sindicatos. O princípio norteador dessa política trabalhista foi a concepção
corporativa do fascismo, que consistia na negação da luta de classes e, contrariamente, na
afirmação da colaboração entre elas. Esse princípio não reconhecia, portanto, as diferenças
entre patrões e empregados, colocando, acima das contradições de classe o suposto
interesse mais geral da nação (KOSHIBA & PEREIRA, 1987, p.313).
Na economia, evidencia-se o fortalecimento do mercado interno e a crise do
modelo agrário-exportador. A direção do desenvolvimento econômico começou a mudar
com a crescente diversificação, tanto no que se refere à produção de alimentos quanto à de
manufaturas. Essa tendência à ―nacionalização da economia‖ já era visível durante e após a
Primeira Grande Guerra (1914-1918). Assim, a fisionomia econômica começou a se alterar
profundamente em uma conjuntura favorável à industrialização (KOSHIBA & PEREIRA,
1987, p.313314).
A presidência de Getúlio Dorneles Vargas, na visão de historiadores e políticos,
foi controvertida. Segundo Koifman (2002, p. 359), como der de Estado, Vargas foi
considerado um hábil negociador, promovendo o desenvolvimento social do Brasil.
Entretanto, segundo os historiadores, ele atrasou a democracia brasileira.
Curiosamente, os antepassados de Vargas estão interligados à Guerra do
Paraguai. Seu pai, Manoel do Nascimento Vargas, gaúcho de Passo Fundo, participou
ativamente da vida política e de vários acontecimentos militares, entre eles, a Guerra do
Paraguai. Neste conflito, chegou como cabo e saiu dele promovido a tenente-coronel, sendo
considerado herói na Guerra do Paraguai (KOIFMAN ,2002, p. 359).
Durante o Estado Novo, segundo Porto (1997, p.63), a Escola Anna Nery
manteve proximidade com o poder o que pode ser constatado pela similaridade entre as
lxxxviii
durações da gestão da Diretora da Escola à época, Lais Neto do Reis (1938-1950) e o
mandato do então presidente da República, Getúlio Vargas (19371950). Para a autora, o
reforço a essa constatação se baseia nas possíveis articulações sociais e políticas da diretora
e da aprovação presidencial para a indicação dos diretores de Unidades. A enfermagem,
neste período, apresentava-se ―envolvida no aperfeiçoamento de sua legislação específica,
na divulgação da profissão e na expansão do Sistema Nightingale e, ao mesmo tempo,
preenchia espaços institucionais compatíveis com o exercício profissional das enfermeiras‖.
A primeira comemoração da Semana da Enfermagem, data de 1940, que, à
época da primeira celebração, denominava-se Semana da Enfermeira
30
. A Semana foi
instituída pela Escola Anna Nery, da Universidade do Brasil, e idealizada pela Diretora
Laís Neto dos Reis (CARVALHO, 1976, p. 457).
A Semana, institucionalizada na EAN, durante o Estado Novo, consagrou Anna
Nery e Florence Nightingale como símbolos heróicos e patrióticos da Enfermagem: ―os
interesses dominantes, marcados por um cunho patriótico e nacionalista, passaram a se
utilizar também desses símbolos, talvez para uma mobilização interna da profissão em
consonância com os ideais do Governo‖ (GERMANO,1983 apud PORTO, 1997).
A Diretora suscitou uma grande mobilização em torno desta comemoração,
marcando e demarcando a Enfermagem como profissão, projetando a Escola e a Enfermeira
como símbolos nacionais. Esta Semana foi comemorada de 12 a 20 de maio de 1940, no
Rio de Janeiro, Capital Federal, no salão nobre da Escola e a extensa programação
30
Em 1938, o presidente da República Getúlio Vargas já havia instituído o Dia do Enfermeiro, pelo Decreto
n. º 2956, de 19 de Agosto de 1938 (Carvalho, 1976, p.457).
lxxxix
elaborada pela Diretora contava com a participação de expoentes políticos e religiosos e
autoridades da área da saúde.
Os textos dos convites enviados às autoridades pela Diretora da Escola
exemplificam a relevância dessa comemoração e a importância do papel de Anna Nery
neste contexto político e social, o que pode ser comprovado pelo conteúdo da carta convite:
Em nome da Escola Ana Néri da Universidade do Brasil, tem a
subida honra de convidar a V. Excia. para a solenidade de
encerramento da ―Semana da Enfermeira‖ em homenagem à Ana
Néri, a realizar-se a 20 do corrente, segunda feira às 17 horas no
Salão Nobre da Escola à Avenida Rui Barbosa 12, Botafogo.Se
para nossa Escola uma grande honra a presença de V. Excia. a essa
solenidade em homenagem a uma ilustre mulher brasileira que
valiosos serviços prestou à Pátria, como enfermeira na Guerra do
Paraguai (REIS, 1940, p.1 2).
Outras cartas de igual teor foram endereçadas ao Exmo. Sr. Cardeal Arcebispo
do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, Ministro da Educação e Saúde, Reitor da
Universidade do Brasil, Diretores de Escolas Superiores, Diretores de Hospitais da Cruz
Vermelha, Diretores de Escolas de Enfermeiras, Diretores de Escolas de S. Sociais,
Secretário da Reitoria da Universidade do Brasil, Médicos Diretores de Departamentos do
Ministério da Educação e Saúde, Professores da Escola, Diretores de Serviços Médicos,
Reverendos Sacerdotes amigos da Escola e da Enfermagem, Médicos da Escola,
Enfermeiras de outras Escolas e Enfermeiras de Saúde Pública (REIS, 1940, 13).
A programação da Primeira Semana da Enfermeira, comemorada de 12 a 20 de
maio de 1940, promovida pela Escola Anna Nery da Universidade do Brasil, constou de
xc
atividades diárias, que deram visibilidade e mobilidade à Escola e às enfermeiras, no
aspecto político, científico, religioso e social.
Na organização da programação do evento comemorativo da Semana da
Enfermeira, foi prevista a celebração de missas pelas autoridades eclesiásticas, uma sessão
cinematográfica, irradiações diárias pela P.R.A2, Rádio Difusora do Ministério da
Educação e Saúde, conferências por autoridades civis, militares e da saúde, orações às
homenageadas, dramatização, e hinos, culminando com uma romaria ao túmulo de Anna
Nery.
A primeira atividade do evento foi a celebração de uma missa pelo Reverendo
Padre Elder Câmara, realizada na capelinha do internato. Segundo a programação: ―As
enfermeiras, no início de seus trabalhos, elevam seu pensamento a Deus, Todo Poderoso,
fonte de toda a sabedoria e todo bem‖ (REIS, 1940, p. 9).
A celebração de uma missa como atividade inaugural do evento, bem como a
apresentação de uma dramatização a qual aborda uma ―concessão‖ de Deus à Anna Nery e
à Florence Nightingale, para participarem deste evento comemorativo, pode ser considerada
como uma aliança da Igreja com a Escola, idéia corroborada por Silva Junior, ao sinalizar
que:
Aqui, está bem clara a aproximação que se fazia da Igreja Católica
com a enfermagem, por convicção e empenho pessoal da diretora.
Além dos aspectos religiosos, não é possível desprezar a Igreja
como uma aliada em potencial da Escola e das enfermeiras. Com
benefício para ambas (2000, p.127).
No prosseguimento das atividades do primeiro dia, às dez horas foi oferecida
uma sessão cinematográfica no Cine Palácio Teatro, com o filme: ―Noites de Vigília‖.
Segundo Reis (1940, p.10), pela primeira vez é oferecida à Escola uma homenagem nesse
xci
gênero: ―um filme de grande repercussão. Um romance em torno de uma enfermeira cujo
espírito elevado, esclarecido, corajoso e abnegado, nos oferece o enredo empolgante e
sensacional retrato de uma boa e eficiente enfermeira‖. O filme foi oferecido pela R.K.O
Rádio Pictures, em homenagem à Semana da Enfermeira.
No mesmo dia, às dezessete horas, teve início a Sessão Inaugural da Semana da
Enfermeira, no salão de Conferências da Escola, na Avenida Rui Barbosa, em Botafogo. O
programa da Sessão constava de: abertura pela Diretora da Escola Laís Neto dos Reis; o
Hino Nacional pelo Coro Orfeônico de Alunas; orações às homenageadas Anna Nery e
Florence Nightingale, pelas Instrutoras e Alunas, respectivamente; o cântico ―Cantar para
viver‖; o pronunciamento sobre o Dia da Enfermeira, pela Diretora da Escola; além do
Hino da Enfermeira ( APÊNDICE D), pelo Coro Orfeônico.
A Sessão é aberta pela Sra. Diretora, Dona Laís Neto dos Reis que, em seu
discurso de abertura, pronuncia: ―Realizando-se pela primeira vez nesta Escola a Semana
da Enfermeira, tenho o prazer de declarar aberta esta Sessão com a qual iniciamos nossos
trabalhos e nossas comemorações‖ (REIS, 1940, p.11). Em seguida, foi cantado o Hino
Nacional pelo Coro Orfeônico de Alunas, regido pela professora Adriana Rocha Miranda.
Como representante de uma instituição e pelo poder de enunciação, Dona Laís
Neto dos Reis, fazendo uso de suas atribuições, declara aberta a solenidade que irá
enaltecer a figura de Anna Nery e, como é comum em toda cerimônia de caráter oficial, o
Hino Nacional foi cantado e em seguida, dada a continuidades às comemorações.
Dando prosseguimento ao Programa, foi pronunciada uma oração à Anna Nery
pela Instrutora de Alunas Ednée Célia de Oliveira Pinto. O conteúdo da oração evocada à
figura mítica de Anna Nery pontuava seu papel de enfermeira na Guerra do Paraguai, o
xcii
papel de patrona da Escola, de esposa, mãe e enfermeira, enaltecia, ainda, o seu espírito de
patriotismo, voluntariado, abnegação, honradez, humanidade, além de mencionar as
homenagens recebidas pelos seus feitos heróicos, evidenciado pelo seguinte trecho:
Na série de comemorações que se estão realizando no dia da
Enfermeira, nada mais justo do que a evocação daquela que foi, no
nosso país, a encarnação suprema da alma de Enfermeira, aquela
que viveu, nos horrores dos ásperos campos da guerra do Paraguai,
a figura já lendária da heroína brasileira Ana Néri. Para nós, que
estudamos e militamos na Escola de Enfermeiras Ana Néri da
Universidade do Brasil, essa evocação não é um ato de justiça
mas também um culto que devemos à nossa patrona (...) De família
de servidores da Pátria e de servidores da humanidade, no campo
das armas e no campo da medicina, não podia sua grande alma de
mulher permanecer indiferente e inativa quando via o seu país se
exaurir numa guerra pertinaz e os seus semelhantes que, no
cumprimento do sagrado dever pátrio, se viam arrastados a toda
sorte de sofrimentos e privações. De família de patriotas, ela
também patriota exaltada, mãe amantíssima, alma de mulher
abnegada, (...) Ana Néri não hesitou (...). Sua abnegação pelo
sofrimento alheio fazia par com o seu alto sentimento patriótico,
por isso não se limitou a dar seu amparo àqueles que caiam sob o
pavilhão brasileiro e que nela tinham o carinho de mãe e a
solicitude de enfermeira (REIS, 1940, p. 1315).
A oração proferida enaltecia a figura de Anna Nery, configurando-se em mais
um momento de apropriação do mito pela enfermagem brasileira, pois, em seu discurso, a
Instrutora interligou todas as enfermeiras a um referencial padrão, unificando o grupo.
Bourdieu esclarece esta análise, ao tratar o capital coletivo. Para ele, o capital coletivo pode
ser ―simbolizado pelo nome da família ou da linhagem, mas na proporção direta de sua
contribuição, isto é, na medida em que suas ações, suas palavras e sua pessoa, honrarem o
grupo‖ (BOURDIEU, 1998, p.69).
O conteúdo do relato mencionava ainda sobre a gratidão do povo paraguaio,
veiculada no jornal paraguaio ―A Regeneração‖. O discurso culminou com agradecimentos
à diretora Laís Neto do Reis, pela possibilidade de prestar homenagem à Anna Nery. É
xciii
relevante pontuar que a oração evocada a Anna Nery, foi proferida por uma instrutora e não
por uma aluna, exemplificando em uma relação social hierarquizada a magnitude da figura
mítica de Anna Nery.
No que tange ao conteúdo da oração em memória de Florence Nightingale, pela
aluna Irene Zoffoli, o conteúdo do texto exaltava a ―criadora da mais bela das belas artes‖;
tida também como ―gênio da enfermagem‖. A oradora imprimiu tom de nobreza às palavras
para enaltecer os vários papéis vividos por Florence: ―Pensai em Florence e pensai na
Mulher Símbolo, Mulher Ideal, Mulher Realização e Perfeição‖. De modo similar ao de
Anna Nery, foi referenciado a sua atuação na guerra da Criméia, na fundação de uma
Escola de Enfermagem, o espírito patriota e abnegado e o conforto dispensado aos
combatentes:
(...) Sentia dentro de si mesma o poder de criar, e desejava
contribuir com o seu sonho perene para a criação de uma arte nova.
a sublime arte de se dedicar àqueles a quem a saúde abandonou. (...)
Florence não era mulher para ver sua pátria em tão angustiosa
situação e esperar que a chamassem. (...) voltou à Inglaterra e criou
a primeira escola de enfermeiras científicas, tecnicamente
preparadas. (...) Escolas de Florence, índice da civilização de um
povo, das quais somos nós discípulas (REIS, 1940, p. 1618).
Do segundo ao sexto dia, as comemorações constaram de uma série de
irradiações, com início às dezenove e quinze horas com palestras proferidas por Diretores e
Professores da Universidade do Brasil, Instrutoras, alunas e Enfermeiras da Escola Anna
Nery; autoridades Civis, Eclesiásticas, Militares e da saúde.
No segundo dia, foram proferidas três palestras: ―A Enfermeira no Brasil‖,
pelo Reitor da Universidade do Brasil, Professor Leitão da Cunha; ―A Enfermeira na hora
presente‖, pela Diretora da Escola Anna Nery, Dona Laís Neto dos Reis; ―A Enfermagem é
xciv
um trabalho de amor‖, palestra proferida pela aluna Josefa Moreira, Membro da Comissão
de Propaganda.
A ―Enfermeira no Brasil‖, discurso proferido por Sua Magnificência o Reitor
da Universidade do Brasil, Raul Leitão da Cunha, enaltecia a iniciativa de Carlos Chagas na
criação da Escola de Enfermeiras Dona Ana Néri, e o papel das enfermeiras no progresso e
bem-estar social:
(...) Não há profissão mais feminina do que a da enfermeira, porque
exige a concorrência de todos os atributos da mulher para ser
dignamente desempenhada e produzir os seus melhores efeitos. (...)
Uma grande patrícia nossa, por sua imensa virtude revelada na
prática de enfermagem, durante a Guerra do Paraguai, foi
justamente cognominada a Mãe dos Brasileiros; que mais poderiam
aspirar as jovens patrícias de hoje, que hajam de trabalhar para
prover a própria existência, do que a matrícula nas escolas de
enfermeiras, onde se disciplina as virtudes femininas e onde todas
as mulheres poderão candidatar-se a esse título glorioso que
imortalizou Anna Nery (REIS, 1940, p.2122).
As palavras do Reitor, porta voz de uma comunidade de ensino, faz menção e
honrarias à figura de Anna Nery, evidenciando o seu capital cultural, ou seja, o habitus que
ela incorpora encorajada de ir para a guerra, o que lhe podia render o fim da sua própria
vida, e o fato de encarnar os atributos de enfermeira foi dado de forma inconsciente. Suas
palavras definem e revelam a prática de enfermagem de Anna Nery, no conflito da guerra, e
enfatizavam os atributos necessários para o bom exercício da profissão de enfermeira,
constatados por Bourdieu, da seguinte maneira: ―o capital cultural é um ter que se torna ser
(...). Um habitus, aquele que o possui pagou com sua própria pessoa e com aquilo que tem
de mais pessoal (...)‖ (BOURDIEU, 1998, p. 74–75).
Os fragmentos do discurso emblemático da Sra Laís Neto dos Reis, intitulado
―A Enfermeira na Hora Presente‖, evidencia a apropriação da figura tica de Anna Nery
xcv
pela enfermagem brasileira, bem como faziam menção ao sentido patriótico, nacionalista e
religioso da profissão, além de mencionar Anna Nery como patrona da Escola, conforme o
seguinte relato:
(...) Entre duas datas que se prendem intimamente, 12 de maio,
nascimento de Florence Nightingale, a inolvidável fundadora da
enfermagem moderna, e 20 de maio, falecimento de Ana Néri, a
voluntária leiga da enfermagem nacional, a grande alma da mulher
brasileira patrona da Escola que, em sua homenagem, promoveu
esta semana, serão focalizados diferentes aspectos da concepção
moderna desta missão sublime, por nomes dos mais ilustres da
ciência e da medicina do Rio de Janeiro. (...) A Enfermeira na hora
presente é elemento de primeira necessidade, de premente e
absoluta precisão. É a própria nação que o exige, é a Pátria que
reclama o serviço de todas as mulheres nas fileiras da Enfermagem.
(...) Que a exemplo de Florence e de Ana Néri as brasileiras de
todos os recantos da Nação demonstrem seu patriotismo, seu amor
ao Brasil, seus sentimentos cristãos, procurando as Escolas de
Enfermagem, a fim de ali receberem sua formação profissional, ou
de voluntária, para o serviço da Pátria e da sociedade na mais
expressiva prática da caridade cristã a assistência à dor, a
proteção da vida humana.(...) (REIS, 1940, p.2425).
No discurso proferido pela diretora, neste evento de repercussões políticas e
ideológicas, o poder simbólico de Anna Nery é comparado ao poder simbólico de Florence
Nightingale, exemplos para o exercício e representação de uma profissão. Nesta
perspectiva, Bourdieu (1988, p.151) afirma que o poder simbólico produz e impõe a
classificação legítima ou legal, segundo ele, o poder simbólico dos agentes depende da
posição por eles ocupada no espaço social.
Assim, Anna Nery ocupa uma posição privilegiada no contexto social, político
e cultural, no período em questão, uma vez que as homenagens à sua figura reconstroem
parte de uma história. Destarte, Anna Nery foi reconhecida, tornando-se símbolo de uma
profissão, de modo similar a Florence.
xcvi
Nos dias que se seguiram, até o sétimo dia, foram proferidas conferências por
professores médicos da Universidade do Brasil, Instrutoras e Alunas da Escola, autoridades
militares, Enfermeiras, Diretor da Escola de Enfermeiras da Cruz Vermelha Brasileira,
Diretores de Departamento da Universidade do Brasil, e do Professor Carlos Chagas Filho,
os quais enfocavam, em linhas gerais, os atributos necessários para desempenhar o papel de
enfermeira, aliados aos sentimentos de patriotismo, abnegação, voluntariado, humanidade.
Cumpre destacar um discurso proferido pela Aluna Maria Madalena Vieira, intitulado ―A
terra de Ana Néri‖, o qual pontua elementos relevantes que demonstram os instrumentos
simbólicos utilizados pela enfermagem brasileira no processo de apropriação do mito Anna
Nery, denominada ainda, neste discurso, como a primeira Enfermeira da pátria.
(...) Quis o destino caprichoso que esta 1ª Enfermeira, 1ª Voluntária
da Pátria, tivesse por torrão natal o berço da brasilidade a Bahia
gloriosa. (...) Colegas! Tomemos a Ana Néri por espelho. Sigamos
os seus exemplos. Tenhamos fé para sermos dignas desta Pátria
estremecida. (...) A enfermagem, queridas jovens, é uma profissão
essencialmente feminina, na qual a mulher se acha no seu
verdadeiro elemento, dando margem a um aperfeiçoamento
completo do seu caráter, da sua dignidade. (...) Tenhamos fé e
perseverança. Esforcemo-nos pelo cumprimento exato dos nossos
deveres e seremos, também, como Ana Néri, legítimas heroínas
brasileiras (REIS, 1940, p.40-43).
O oitavo e último dia de comemorações da Semana da Enfermeira, denominado
no Programa de Dia de Ana Néri, foi iniciado com a celebração de uma missa na capelinha
do internado, celebrada por Monsenhor Henrique de Magalhães, seguida da Romaria ao
túmulo de Ana Néri e culminando com a Solenidade de Encerramento, presidida por S. Exª,
o Senhor Ministro da Educação. O programa da Solenidade foi aberto por Sua
xcvii
Magnificência, Reitor da Universidade do Brasil, seguido de homenagens à Rachel Hadock
Lobo e à Anna Nery, com discursos e uma dramatização. As atividades foram encerradas
com o Hino da Enfermeira, letra de Maria E. Celso e Música de Eduardo Souto
(APÊNDICE D).
Todos os anos, desde 1940, a iniciativa de Laís Neto dos Reis se repete,
tornando-se uma tradição na Enfermagem. Os relatos desses fatos apontam para a
magnitude da figura mítica de Anna Nery e, dessa tradição, além de demonstrar as
possibilidades de compreender o presente, através de fragmentos do passado, fortalecem o
resgate da nossa identidade profissional.
xcviii
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ANNA NERY: UM NOME, UM MITO
CONSIDERAÇOES FINAIS ANNA NERY: UM NOME, UM MITO.
xcix
Acreditando na possibilidade de preencher algumas lacunas da história da
Enfermagem debruçamo-nos no objeto de estudo, “A apropriação do mito Anna Nery pela
Enfermagem brasileira“ e, trilhamos, nessa proposta de investigação, com a intenção de
lançar novos olhares sobre a iconicidade de uma personagem. Neste caminho, discutir a
História da Enfermagem torna-se vital para o entendimento do progresso da profissão,
sustentado na figura de duas mulheres, tornando-se possível a partir dos documentos (re)
viver gerações passadas.
O recorte obedeceu a um critério de relevância para o objeto de investigação,
com esse intuito, a própria seleção dos documentos contemplou uma periodicidade histórica
a ser discutida, o que nos leva a compreender que o passado histórico não é uma fantasia
elaborada por um pesquisador, nem mais uma história de mulheres, escritas também por
homens, mas sim, produto de relações materiais, de relevância social e cultural.
Nesse percurso, foi possível constatar, através dos escritos, a consagração de
um mito poderoso. Assim, Anna Nery ao encarnar atributos de uma dama da sociedade,
mediante a posição favorável do seu esposo na sociedade brasileira da época (militar de alta
patente), capitalizou lucros simbólicos, pois, naquela época, a posição social da família era
determinada pela ocupação/profissão do marido, o que provavelmente deve ter facilitado a
sua inserção no cenário da Guerra do Paraguai, onde incorporou o habitus de enfermeira,
através das práticas ali desenvolvidas. Sua participação, neste conflito, conferiu-lhe as
insígnias do poder através de coroas, títulos e honrarias por autoridades eclesiásticas,
políticas, civis e militares.
Inicialmente, o Estado Imperial, utilizou-se dos lucros simbólicos adquiridos
por Anna Nery, para produzir, histórica e materialmente, os princípios de patriotismo. A
c
primeira reatualização do mito ocorre, significativamente, na República, e suscita reflexões
sobre as circunstâncias em que emergem esta reatualização. Temos, diante do contexto
histórico a crise que abalou a monarquia e conduziu à República. A imagem construída de
Anna Nery nesse período, está em consonância com os ideais republicanos: o otimismo
cientificista e a figura feminina.
Nesta concepção, Anna Nery incorporava os atributos necessários que a
dignificam como um mito. Sua figura é ritualizada e (re)atualizada em vários momentos,
trazendo, à tona, a função específica do mito, não negar as coisas, mas falar delas e, através
da ritualização, o mito se atualiza, continuamente. A partir das inúmeras homenagens
recebidas por toda a sociedade, foi possível delinear o processo institucionalizador do mito.
A Cruz Vermelha Internacional e a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de
Saúde Pública tornam claro esta mitificação, ao consagrar Anna Nery como precursora da
enfermagem brasileira e patrona da Escola de Enfermeiras, respectivamente.
Na década de 20, o mito é (re)atualizado em várias ocasiões para dar
visibilidade ao Estado e mobilidade à Enfermagem. Através da criação de medalhas,
inauguração de telas, discursos, títulos e Decretos, instrumentos estes utilizados pela
enfermagem, para se apropriar do mito Anna Nery. Através desses instrumentos, foi
possível constatar e retratar a atualização do mito como uma construção simbólica
estratégica que reconstruiu os papéis inerentes à mulher, na figura de um mito, pois Anna
Nery, deveras homenageada, encarnava os atributos inerentes aos papéis femininos, além
daqueles necessários à integração de um grupo: a Enfermagem Brasileira.
Na década de 30, outros instrumentos, mas com a mesma intencionalidade,
foram construídos e utilizados para a apropriação do mito Anna Nery. Através da III
ci
Conferência Pan-americana da Cruz Vermelha, é proposto que se erga um monumento em
memória daquela que simboliza a ―Mãe Pátria‖, e os Decretos instituídos, justificam e
legitimam objetivamente e juridicamente a perpetuação de sua memória e dão continuidade
ao processo de sua mitificação.
Nesta trajetória, com intuito histórico e margeado pela política nacional, coube
ao Estado, na figura de Vargas, imortalizar os feitos memoráveis de grandes heróis e
heroínas, coletar e publicar documentos relevantes, inculcar os estudos históricos no Brasil,
definindo o modo de se escrever a história brasileira e, nesta mesma perspectiva, coube à
Enfermagem Brasileira, na figura de Laís Neto dos Reis, diretora da Escola de Enfermagem
Anna Nery, redigir uma história que incorporasse as insígnias do poder de sua profissão,
apropriando-se de símbolos, nomes e poder, convergindo para a identidade de uma
profissão, garantindo um destino glorioso à enfermagem brasileira.
Nesta longa construção mítica, o mais poderoso instrumento que consolida
definitivamente, a apropriação do mito Anna Nery pela enfermagem brasileira é constatado
nas comemorações da Primeira Semana da Enfermeira. Este evento unifica, visibilidade
e mobilidade à enfermagem brasileira, com a participação do Estado e a da Igreja. A Escola
Anna Nery, através da Diretora Laís Neto dos Reis, caracteriza e torna públicas as
homenagens de sua patrona. Neste evento, é reconhecido o habitus de enfermeira na figura
de Anna Nery, conferindo legitimação e reconhecimento à profissão de enfermeira e,
conseqüentemente, à enfermagem brasileira, pelas instituições civis, eclesiásticas, militares
e científicas.
Esta interpretação se alicerça na concepção de que a memória social é
produzida e veiculada a partir de estratégias que possam despertar no inconsciente o que
cii
pode estar ocultado ou silenciado, esclarecendo mais uma vez a função do mito: não negar
as coisas, mas falar delas.
Tendo em vista os instrumentos utilizados para a apropriação do mito Anna
Nery, pela Enfermagem brasileira, é possível constatar as implicações deste mito através
dos símbolos escolhidos para sua apropriação. Isto pode ser evidenciado pelos discursos
proferidos que legitimaram a profissão e a Enfermagem nacional, por presidente, reitor,
representantes legais das instituições de ensino, representantes políticos, civis, eclesiásticos,
militares e membros da realeza. Partindo desta perspectiva, todas as homenagens foram
responsáveis por esta apropriação, porém, acreditamos que a Escola de Enfermagem Anna
Nery tornou-se instituição responsável pela perpetuação e reatualização contínua e perene
do mito Anna Nery.
A figura de Anna Nery resiste e se estende na atualidade às comemorações da
Semana de Enfermagem no mês de maio. O início da Semana em 12 de maio celebra o
nascimento de Florence Nightingale (1820) mito fundador da Enfermagem Moderna, e o
término, no dia 20 de Maio, corresponde a data de falecimento de Anna Nery (1880)
mito da enfermagem brasileira. A força persuasiva da representação de Anna Nery
transcende o processo de mitificação, quando apregoa a Enfermagem Moderna.
Ao tentar rascunhar uma versão de fragmentos desta história foi necessário
fazer um silêncio na nossa história, pois todas as discussões propostas geraram em torno de
um contexto histórico, ou seja, político, econômico, cultural e social e, neste mesmo
momento, os pesquisadores, saem de cena, afastam-se inconscientemente dos que o
circundam, para penetrar em outras histórias, com suas lutas, poderes, personagens e mitos.
Valeu a pena a experiência, pois, mesmo distante deste tempo fabuloso dos princípios, de
ciii
acontecimentos e pessoas espetaculares que mudaram a história da nossa profissão, um
fragmento desta história foi escrita e acreditamos também ter participado na reatualização
do mito Anna Nery.
Neste momento, cremos que, de forma discreta e humilde, deixamos alguma
contribuição para reflexões e novos estudos sobre a história da enfermagem brasileira e
sobre a figura mítica de Anna Nery.
civ
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
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TERCEIRA CONFERÊNCIA pan-americana da cruz vermelha. Jornal do Commércio.
Rio de Janeiro, p.14, 22. set. 1935
cix
APÊNDICES
cx
ANEXO I
cxi
cxii
APÊNDICE A
MATRIZ PARA EXAME DE DOCUMENTAÇÃO
Arquivo:
Fundo:
Classificação/Localização:
Análise Técnica (dados externos):
Tipo de documento (oficial/ particular, correspondência, relatório,
diário):
Original ou cópia (de que tipo):
Suporte específico do papel:
Tecnologia (manuscrito, datilografado, digitado):
Origem: (expedido, recebido):
Local e data:
Nome do autor do registro e cargo:
Nome do signatário e cargo:
Análise de conteúdo (dados internos):
Título do documento/assunto:
Objetivo do registro (internacional, causal):
Informações pertinentes às questões norteadoras da pesquisa:
Observações (ligação com outros dados, significado de palavras ou expressões,
pontos a serem esclarecidas, questões suscitadas):
Local e data da coleta:
Assinatura de quem anotou:
cxiii
APÊNDICE B
QUADRO PARA EXAME DE DOCUMENTAÇÃO
Título
Periódico
Periodicidade
Autor (es)
Dia/Ano
Local da Coleta
D. Anna Nery
Revista da
Cruz
Vermelha
Brasileira
Bimestral
Escrangnolle
Doria
1924
Acervo da Cruz
Vermelha
Brasileira
Inauguração do
retrato de D. Anna
Nery, na Cruz
Vermelha
Revista da
Cruz
Vermelha
Brasileira
Bimestral
_____
1925
Acervo da Cruz
Vermelha
Brasileira
A Romaria ao
túmulo de D.
Anna Nery
Revista da
Semana
_____
_____
1926
Centro de
Documentação
EEAN/UFRJ
III Conferência
Pan-Americana da
Cruz Vermelha
Jornal do
Brasil
Diariamente
_____
1935
Biblioteca
Nacional
III Conferência
Pan-Americana da
Cruz Vermelha
Jornal do
Commercio
Diariamente
_____
1935
Biblioteca
Nacional
A partida dos
delegados para
São Paulo - A
festa Escolar O
monumento de
Anna Nery
Jornal do
Commercio
Diariamente
_____
1935
Biblioteca
Nacional
Resumo da
História da Cruz
Vermelha
Internacional
Annaes de
Enfermagem
_____
Berta Pullen
1937
Centro de
Documentação
EEAN/UFRJ
Artigo Único: Fica
Instituído o ―Dia
do Enfermeiro‖
Diário Oficial
da União
Diariamente
Getúlio
Vargas e
Gustavo
Capanema
1938
Biblioteca
Nacional
Primeira Semana
da Enfermeira
Annaes de
Enfermagem
_____
Laís Neto
dos Reis
1940
Centro de
Documentação
EEAN/UFRJ
Primeira Semana
da Enfermeira
Annaes de
Enfermagem
_____
Raul Leitão
da Cunha
1940
Centro de
Documentação
EEAN/UFRJ
Ana Néri :
Heroína da
Caridade
Livro
_____
Lima
1977
Biblioteca
Municipal de
Nova Friburgo
125 anos em prol
da Humanidade
Guia do
Conferencista
_____
_____
1988
Acervo da Cruz
Vermelha
Brasileira
cxiv
APÊNDICE C
ANO/
LOCAL
EVENTOS E HOMENAGENS NA VIDA DE ANNA NERY
1814/BA
Nascimento de Anna Nery em 13 de dezembro na
Vila de Nossa Senhora do Rosário de Porto de Cachoeiro, Bahia.
1865
Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).
Cenário no qual Anna Nery consagra-se ―Mãe dos Brasileiros‖.
1870/RJ
Retorna da guerra em 06 de maio e recebe como homenagem um álbum guarnecido de madrepérola
e prata; é congratulada com a medalha de 2ª classe, por serviços humanitários durante a guerra e
uma Medalha de Campanha com passador de ouro.
1870/BA
Retorna à Província natal em 05 de junho, recebendo uma Coroa em Louro, o discurso pronunciado
pela oradora oficial da Comissão Feminina é publicado no Diário da Bahia.
1873/BA
Chega à Bahia a tela em óleo de Anna Nery, produzida por Vítor Meireles,
solenemente pendurada no Salão das Sessões do Paço Municipal de Salvador em 28 de setembro.
1876/RJ
Oferecido ao Instituto Histórico e Geográfico o Titulo de ―Mãe dos Brasileiros‖ conferidos pelos
Obreiros da Glória (soldados), Poemeto Histórico ―A Mãe dos Brasileiros‖,
com vinte e duas páginas manuscritas.
1880/RJ
Falecimento de Anna Nery em 20 de maio.
1
1880/RJ
21/05/1880 Ocorre o Sepultamento de Anna Nery no Cemitério São Francisco Xavier, noticiado
por todos os jornais do Rio de Janeiro. A lápide foi oferecida pela Associação Baiana de
Beneficência, com a seguinte inscrição: Aqui descansam os restos mortais de D. Anna Nery,
denominada Mãe dos Brasileiros, pelo Exército, na campanha do Paraguai.
1887/RJ
Em 15 de agosto, Recebe a denominação de Anna Nery, a rua que parte do
Largo do Pedregulho, em Benfica.
1916/SP
Em 24 de agosto, o Ato municipal nº 972, conservou a designação em memória de Ana Nery,
a rua situada no bairro da Mooca.
1918/BA
Inaugurado o retrato de Anna Nery, no salão Nobre do Paço Municipal em 27 de junho.
1919/Paris
A Liga das Sociedades da Cruz Vermelha, em Paris, aponta Anna Nery como a Pioneira da
enfermagem brasileira e como Precursora da Cruz Vermelha.
1925/RJ
Inaugurado o retrato a óleo de Anna Nery, no Salão Nobre do edifício da sede da Cruz
Vermelha Brasileira em 26 de março.
1926/RJ
A Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública recebe a denominação de
Escola de Enfermeiras D. Anna Nery,em 31/03/1926, pelo Decreto nº17268.
1926/BA/
A Resolução de nº 20 determina a mudança do nome da Rua da Matriz para Rua Anna Nery
1928/RJ
Visita ao túmulo de Anna Nery pelas alunas da Escola de Enfermagem Anna Nery, no dia 20/05.
1928/BA
Inaugurada, no Museu da Bahia, em 27 de junho, uma lápide de mármore,
onde consta a seguinte inscrição: A Heroína Dona Anna Nery.
1930/BA
A Escola Reunida de Cachoeira, passa a ser denominada Escola Anna Nery,
através da portaria nº 446, em 19 de abril.
1933/BA
Inaugurado, no átrio da Casa Bahia, um retrato em óleo de Anna Nery.
1935/RJ
III Conferência Pan-Americana da Cruz Vermelha realizada no período de 15 a 26 de setembro.
Neste evento ocorre a proposta do lançamento da Pedra Fundamental do Monumento de Anna Nery.
1938/RJ
Instituído em 12 de maio o Dia do Enfermeiro, pelo Decreto nº 2596,
de 10 de agosto pelo presidente Getúlio Dorneles Vargas.
1940/RJ
Instituída a Primeira Semana da Enfermeira, pela Escola de Enfermagem Anna Nery,
com início em 12 de maio e término em 20 do mesmo mês.
cxv
APÊNDICE D
EVENTOS NA VIDADE FLORENCE NIGHTINGALE
Ano
Eventos
1820
12 de maio, nascimento de Florence Nightingale, em Florença, Itália.
1854
Declaração da Guerra da Criméia. Em 21 de outubro, Florence parte para
Scuttari, 5 d e novembro, Batalha de Inkerman (na Criméia)
1855
Maio. Visita os hospitais da Criméia e contrai a febre da Criméia.
1856
Marco, Assinatura da Paz. Agosto, retorno para a Inglaterra.
1856/58
Colabora na Comissão Sanitária Real sobre a saúde do Exército Inglês
1858
Publicação do Relatório da Comissão e das ―Notas‖ de Florence
1859
Escreve ―Notas sobre Enfermagem‖ e ―Notas sobre Hospitais‖.
1860
Fundação da Escola Nightingale no Saint Thomas Hospital
1862/63
Coopera na Comissão da Índia. Publicação do Relatório da Comissão da Índia
1864
Assinatura da Convenção de Genebra e criação da Cruz Vermelha Internacional
1867
Trabalha na reforma da Assistência das Enfermarias dos albergues em Londres
1871
Escreve as ―Notas Introdutórias sobre as instituições de parto‖
1872
Redige a sua Primeira Oração à Escola Nightingale
1882
Escreve artigos para o Dicionário de Medicina de Quain
1883
Recebe a Real Cruz Vermelha
1900
Recebe as congratulações pelo octogésimo aniversário
1907
Homenageada pelo Congresso da Cruz Vermelha, em Londres.
Recebe a Ordem do Mérito, em dezembro.
1908
A Cidade de Londres outorga a Florence o título de Cidadã Honorária
1910
Em 13 de agosto, falece durante o sono, na cidade de Londres.
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APÊNDICE E
HINO DA ENFERMEIRA
Palavras de Maria E. Celso
Música de Eduardo Souto
Servas Irmãs do que padece
Sem ver a quem, seja o que for
Basta sofrer que nos merece
Auxílio e amparo o sofredor
(Estribilho)
E toda enfermeira
Nos votos seu
Será a Mensageira
Do Amor de Deus.
Pois dispensar guarida,
Consolação,
É lema de nossa vida,
E glória de nossa profissão.
Em toda parte o nosso mando
O sofrimento, a morte até,
A pouco e pouco se abrandando
Faz um remido de um galé.
Diante da touca da Enfermeira
Branca de altruísmo e compaixão
È que mais sente a verdadeira
Fraternidade, o coração.
De nossas mãos, piedosamente,
Alivio dar fez-se mister
Tornando em nós, todo doente.
Um pouco MÃE cada mulher.
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