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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE O PAULO
PUC-SP
Roberto de Oliveira Loureiro
O Ócio Criativo e as Inteligências Múltiplas:
dimensões de Domenico De Masi e Howard Gardner
sobre o trabalho contemporâneo
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Ciências Sociais, sob a orientação
do Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho
SÃO PAULO
2009
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Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
Autorização
Autorizo, exclusivamente, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta Tese por processos de fotocopiadora ou eletrônicos.
Assinatura__________________________ São Paulo
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Banca Examinadora
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Epígrafe
“Educação é o que resta depois
de ter esquecido tudo que
se aprendeu na escola”.
Albert Einstein
DEDICATÓRIA
Esta tese de forma nenhuma poderia ser realizada se não fosse pelo
amor, carinho, e dedicação de pessoas a quem eternamente serei grato.
Aos meus queridos pais Camilo (in memoriam) e Olinda, pela própria
vida.
À minha amada esposa Sonia Regina pelo seu companheirismo e
oportunidade de ter me dado a chance de construir, com certeza, a minha mais
importante obra: meus filhos Fernando e Guilherme - paixões da minha vida.
Com vocês, o meu Ócio Criativo assume a plenitude.
A todos vocês o meu perdão, por tantos momentos de ausência. O meu
mais sincero amor, para a eternidade.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho, pelas aulas
ministradas, pelas reflexões sugeridas e por sua atenção e profissionalismo
durante todo o processo de orientação.
Aos colegas Professores da Fundação Armando Alvares Penteado -
FAAP, em especial ao Diretor da Faculdade de Administração, Professor
Henrique Vailati Neto - um amigo permanente durante toda a viagem.
Aos Professores Doutores Edmilson Felipe e Sérgio Luiz do Amaral
Moretti, pelas significativas observações quando da minha qualificação,
momento em que esta tese encontrava-se ainda numa forma embrionária.
A todos os Professores da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, com quem tive o prazer de conviver e compartilhar experiências durante
todos estes anos.
A revisora Maria Helena Vargas, que com a sua competência deu o
formato final desta tese. Maria Helena exerce o Ócio Criativo de forma muito
natural e tranqüila há muito tempo.
A todos vocês o meu sincero agradecimento. A todos vocês o meu muito
obrigado.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Cena do filme “Tempos Modernos”, imagem que
simboliza o movimento da Administração Científica ...................... 12
Figura 2 - Caracterização da evolução da humanidade ................................ 37
Figura 3 - Tipos de trabalhadores: (A) trabalhador tradicional dos
anos 60 e (B) trabalhador do conhecimento .................................. 52
Figura 4 - Trabalhadores desenvolvendo mesma atividade com
tecnologias diferentes. (A) Trabalhador sem tecnologia e
(B) Trabalhador com alto grau de tecnologia ................................ 56
Figura 5 - Diferença entre trabalho e emprego: (A) trabalho e (B)
emprego ........................................................................................ 58
Figura 6 - Intersecção das variáveis: trabalho, estudo e prazer .................... 67
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Teorias administrativas e seus respectivos enfoques ................... 23
Quadro 2 - Transição pela qual passam as empresas .................................... 33
Quadro 3 - Significados do trabalho ao longo da historia ................................ 47
Quadro 4 - Número de funcionários da indústria de
telecomunicações .......................................................................... 60
Quadro 5 - População economicamente ativa ................................................. 61
Quadro 6 - Integração dos conceitos de Inteligências Múltiplas e do
Ócio Criativo ................................................................................ 151
Quadro 7 - As dimensões do “Great Place to Work” ..................................... 158
LISTA DE ABREVIATURAS
CIESP - Confederação das Indústrias do Estado de São Paulo
CRA-SP - Conselho Regional de Administração de São Paulo
DO - Desenvolvimento Organizacional
FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDORT - Instituto de Organização Racional do Trabalho
IDORT - Organização Racional do Trabalho
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ORT - Organização Racional do Trabalho
QI - Quociente de inteligência
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
RESUMO
Loureiro, Roberto de Oliveira. O Ócio Criativo e as Inteligências Múltiplas:
dimensões de Domenico De Masi e Howard Gardner sobre o trabalho
contemporâneo [tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2009.
Esta tese analisa os estudos de Domenico De Masi e Howard Gardner, que
tratam, respectivamente, do Ócio Criativo e das Inteligências Múltiplas,
conceitos estes ainda pouco considerados no cenário empresarial e constituem
um novo modelo organizacional, de forma a transformar as relações do
trabalhador com outros indivíduos e com o resultado de sua própria obra, mais
humanizadas, sem perder de vista a competitividade e o crescimento
sustentável, os quais são os objetivos das organizações que desejam
sobreviver no século XXI. A tese também faz um rápido resgate do
pensamento evolutivo proveniente das principais teorias administrativas, assim
como uma análise crítica do trabalho no mundo globalizado e o quanto que a
terminologia trabalho difere de emprego.
Palavras-Chave: Ócio criativo. Trabalho. Emprego. Inteligências múltiplas.
ABSTRACT
Loureiro, Roberto de Oliveira. Creative Idleness and Multiple Intelligences:
dimensions by Domenico De Masi and Howard Gardner on contemporay work
[thesis]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
This thesis analyses the studies by Domenico de Masi and Howard Gardner,
which respectively discusses Creative Leisure and Multiple Intelligences,
concepts still scarcely considered in the business scenario that integrates into a
new organizational model, transforming the relations between the employee
and other people and the results of her own piece, more humanized, without
losing focus on competitiveness, and sustainable growth, those being the
targets of organizations which desire to survive the 21rst Century. The thesis
also briefly discusses the evolutionary thought brought to light as of the main
administrative theories as well as a critical analysis about working in a
globalized world and how much the concept of work is different from
employment.
Key-words: Creative Leisure. Work. Employment. Multiple Intelligences.
RESUME
Loureiro, Roberto de Oliveira. Le loisir créatif et les intelligences multiples:
dimensions pour Domenico De Masi et Howard Gardner sur le travail
contemporain [thèse]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de o
Paulo, 2009.
Cette thèse analise les etudes de Domenico De Masi et Howard Gardner qui
traitent respectivement de paresse creative et des multiples inteligences, ces
conceptes sont encore peux considerés dans le cenário des entreprises et
constituent un nouveau modele organisationnel, de forme á transformée les
relations du travaileur avec les autres individus et avec le resultat de sa propre
oeuvre mais humanisées sans perdre de vue la compétitivitée et la croissance
supportable les quels sont les objectifs des organisations qui désirent survivre
au XXI. La thèse aussi fait un rapide sauvetage de pensée evolutive provenant
des principaux théories administratives. Ainsi comme une analise critique du
travail au monde globalisé et combien la terminologie du travail se differencie
de l´emploi.
Mots-clés: Loisir créatif. Travail. Emploi. Intelligences multiples.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 - A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO ................................. 7
CAPÍTULO 2 - A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO ............ 26
2.1 Análise Sobre o Trabalho Humano ................................................... 37
2.2 Diferenças Conceituais e Semânticas: Trabalho e Emprego ............ 50
CAPÍTULO 3 - DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO ........................................... 62
CAPÍTULO 4 - HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS ........................ 135
CAPÍTULO 5 - ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER ........... 146
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 155
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 163
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO - 2
“Fomos habituados, por nossa formação escolar e
universitária a separar os objetos de seu contexto,
as disciplinas umas das outras, a unificar o que é
múltiplo, a eliminar toda desordem ou contradição
para melhor compreender.
Esta fragmentação nos impede de captar o que é
tecido como um todo, isto é, o que é complexo”.
Edgar Morin
INTRODUÇÃO - 3
Um homem também chora
(Guerreiro menino)
Um homem também chora, menina morena
Também deseja colo, palavras amenas
Precisa de carinho, precisa de ternura
Precisa de um abraço da própria candura
Guerreiros são pessoas, tão fortes, tão frágeis
Guerreiros são meninos no fundo do peito
Precisam de um descanso, precisam de um remanso
Precisam de um sono que os tornem refeitos
É triste ver meu homem, guerreiro menino
Com a barra do seu tempo por sobre os seus ombros
Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra
A dor que tem no peito, pois ama e ama
Um homem se humilha, se castram seus sonhos
Seu sonho é sua vida e vida é trabalho
E sem o seu trabalho o homem não tem honra
E sem a sua honra se morre, se mata
Não dá pra ser feliz..., não dá pra ser feliz...
Luiz Gonzaga Jr.
Gonzaguinha (2004)
Com os versos do poeta e cantor Luiz Gonzaga Jr., abro esta tese.
Nos versos, observa-se a importância, as conexões e as conseqüências
do trabalho para o ser humano.
Sonhos, vida, realização, sensibilidade, honra, emoção, remanso,
criatividade e felicidade, misturam-se na busca de uma plenitude que confere
ao Homem um senso de pertencer, construção, prazer e utilidade, fatores que
enobrecem sua existência.
Esta tese transita sobre estes assuntos.
INTRODUÇÃO - 4
“Comenta-se que Henry Ford contratou certa vez um
especialista em eficiência para avaliar sua empresa.
O relatório foi positivo, exceto por uma observação
sobre um único funcionário da fabrica:
É aquele homem no fim do corredor, ele disse.
Toda vez que passo por seu escritório ele
está sentado com os pés em cima da mesa.
Ele está desperdiçando seu dinheiro...
Ford replicou: aquele homem certa vez teve
uma idéia tão brilhante que nos poupou
milhões de dólares. Na época, acho que
seu pés estavam exatamente
onde estão agora”.
Francisco Alberto Madia de Souza
INTRODUÇÃO - 5
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1999, formalizou o
conceito de trabalho decente como a expressão mais condensada e atualizada
de sua missão histórica de promover, no âmbito mundial, a geração de
melhores ocupações profissionais para homens e mulheres. Trabalho decente
significa uma ocupação produtiva, adequadamente remunerada, exercida em
condições de liberdade, equidade e segurança, e capaz de garantir uma vida
digna.
Pode-se observar que, mesmo com toda a contribuição materializada
em diversas áreas do conhecimento: Administração de Empresas, Psicologia
Organizacional, Sociologia do Trabalho, Antropologia, Tecnologia, Economia,
entre outras, o modelo atual de gestão e de como o trabalho ainda é realizado,
apresenta sinais de esgotamento, o se constituindo como um trabalho
decente.
Nota-se que, sob esta perspectiva, uma reestruturação produtiva faz-se
necessária e que os estudos de Domenico De Masi e Howard Gardner poderão
trazer luz” a um novo modelo de gestão.
Diante deste cenário, o objetivo desta tese é fazer uma análise sobre o
conceito do trabalho e o quanto que o Ócio Criativo e as Inteligências Múltiplas,
modelos propostos por Domenico De Masi e Howard Gardner respectivamente,
são uma alternativa para humanizar as relações do trabalho no mundo
contemporâneo.
A escassez da literatura disponível e a não existência de estudos
organizacionais que tratam da questão do Ócio Criativo juntamente com as
Inteligências Múltiplas, foram os pontos iniciais que desencadearam esta tese.
A tese também apresenta a evolução do pensamento administrativo para
compor um continuum histórico de como o conceito de trabalho foi sendo
constituído ao longo do tempo, a partir do inicio da chamada Administração
Cientifica marco inicial do estudo formal da ciência administrativa.
O ponto central não é outro senão as pessoas. Equalizar: felicidade,
criatividade, aprendizado contínuo e lazer com rentabilidade, sustentabilidade e
crescimento responsável o os grandes desafios do trabalho do século XXI.
Estas são as razões que motivaram o autor desta tese a investigar o tema. O
design adotado está consolidado nos capítulos descritos abaixo.
INTRODUÇÃO - 6
O desenvolvimento desta tese dar-se-á da seguinte maneira:
O capítulo 1 apresenta a evolução do pensamento administrativo,
oportunidade de uma rápida retrospectiva das seguintes teorias
administrativas: Administração Científica, Escola Clássica (também chamada
de Escola Normativista da Administração), Relações Humanas, Burocracia,
Estruturalismo, Desenvolvimento Organizacional, Sistemas, Contingência, “Ad-
Hocracia e as Organizações de Aprendizagem.
O capítulo 2 analisa a dimensão atual do trabalho no mundo globalizado,
ocasião em que faço uma análise sobre o trabalho humano e o esclarecimento
entre as diferenças conceituais e semânticas dos termos: trabalho e emprego.
O capítulo 3 é dedicado a Domenico De Masi e a concepção do Ócio
Criativo.
O capítulo 4 investiga a obra de Howard Gardner, mais especificamente
sobre as Inteligências Múltiplas, a saber: Verbal-Linguística, Lógico-
Matemática, Musical, Espacial, Físico-Cinestésica, Interpessoal, Intrapessoal,
Naturalista, Espiritual e Existencial.
O capítulo 5 entrelaça e integra os conceitos de de Masi e Gardner.
Finalizando, as considerações finais demonstram a sinergia e senso de
complementaridade entre o Ócio Criativo e as Inteligências Múltiplas.
CAPÍTULO 1
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 8
“O objetivo da vida não é o domínio sobre os outros,
mas a felicidade no viver. E ainda assim, muitos
governantes educam os cidadãos para a guerra, mas
descuidam em educá-los para o ócio e para a paz.
Domenico De Masi
Vários autores discorreram sobre a evolução do pensamento
administrativo. O resultado de suas considerações e análises organizacionais
consolida-se como fonte de consulta e suporta o ensino dos modelos de
Administração de Empresas desenvolvido nas universidades. Peter Drucker,
Alvin Toffler, Fernando Cláudio Prestes Motta, Isabella Francisca Freitas
Gouveia de Vasconcelos, James Collins, Don Tapscott Idalberto Chiavenato,
Stephen P. Robbins e Reinaldo Oliveira da Silva, são alguns desses autores.
Com o intuito de contar com seus subsídios e reflexões, os autores citados
possuem como arcabouço teórico a importância da evolução do pensamento
administrativo, ora apresentado, tanto neste capítulo que se inicia, como ao
longo desta tese.
A partir do século XX o ser humano, enquanto trabalhador foi
considerado, sobre várias óticas, dentro da área administrativa, incorporando
vários modelos ao longo do tempo. Para compreender a estrutura empresarial
moderna e refletir com mais precisão sobre a importância do Ócio Criativo e
das Inteligências Múltiplas, é importante conhecer a evolução do pensamento
administrativo.
A ciência administrativa oferece um registro histórico para contextualizar
a essência do trabalho e os modelos de gestão predominantes em cada época.
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 9
Os estudos formais em Administração surgiram no início do culo passado,
com a criação das Escolas de Administração. As primeiras foram às norte-
americanas, constituídas por engenheiros de formação e com profissionais que
registravam experiência, sobretudo no campo da indústria. Os professores
compartilhavam seus conhecimentos teóricos e práticos com os alunos.
Com o passar do tempo novos estudos foram sendo desenvolvidos
sempre com o objetivo de conferir à Administração o status de ciência
respeitável. Novas teorias foram incorporadas ao perfil predominante do
trabalhador em razão das evoluções de caráter tecnológico, econômico,
mercadológico, comportamental e social que o mundo e as próprias empresas
passaram. A Administração de Empresas faz conexões com outras ciências
com o objetivo de entender e explicar o comportamento do trabalhador dentro
de um contexto histórico-organizacional. A Psicologia Organizacional,
Sociologia do Trabalho, Antropologia, Economia, Matemática e a Economia são
algumas das ciências às quais a Administração de Empresas se conecta.
O trabalhador nos primórdios da era industrial era considerado um ser
simples e altamente previsível, cujo comportamento não variava muito.
Obedecendo aos padrões da época, incentivos financeiros adequados, uma
constante vigilância sobre os funcionários e treinamentos espeficos para o
exercício de micro funções eram ações consideradas suficientes para garantir
uma boa produtividade e eficiência do ponto de vista gerencial. O conceito de
eficiência surgiu no século XIX, como resultado das experiências no campo da
termodinâmica. Os engenheiros, que na época faziam experiências com
máquinas movidas a motor, começaram a usar o termo para mensurar fluxos
de energia e perdas de entropia. Eficiência passou a significar o máximo
rendimento que podia ser obtido no menor tempo, com a menor quantidade de
energia, trabalho e capital envolvidos no processo.
O principal responsável pela popularização no processo econômico e
industrial da época foi o engenheiro Frederick Winslow Taylor, fundador da
chamada Administração Científica. Taylor foi um engenheiro obcecado pela
eficiência industrial. Nascido na Filadélfia viveu na Europa durante três anos e,
aos 18 anos de idade começou a trabalhar como aprendiz na Hidraulic Works,
fabricante de bombas a vapor. Depois de obter sua licenciatura em Engenharia
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 10
Mecânica pela Stevens Institute of Techonology, ascendeu ao cargo de
engenheiro-chefe da Midvale Stell Company, passando a diretor-geral da
Manufacturing Investment Company.
O gerenciamento científico norteou o trabalho de Taylor, uma vez que se
acreditava que, com ele, poderia ser eliminada, antecipadamente, toda e
qualquer anomalia produtiva. Taylor deixa clara sua visão de que para designar
diariamente, a cada operário da fábrica uma tarefa precisamente calculada, é
necessário um escritório de programação para especificar o trabalho, com pelo
menos, um dia de antecedência. As ordens devem ser dadas aos funcionários
detalhadamente a fim de dispor o trabalho para o dia seguinte e estabelecer o
padrão de desempenho da fábrica. Os funcionários devem fornecer
diariamente às chefias um posicionamento (prestação de contas), que indique
o que foi feito. Tem início um cuidadoso estudo dos tempos, movimentos e dos
métodos de trabalho.
O trabalho devia ser realizado sob uma precisa predisposição de cada
operação, até mesmo de cada gesto, com seus detalhes bem definidos, de
maneira a torná-lo o mais breve possível. Também a cronometragem de cada
uma das operações (incluindo-se as mais elementares), o controle rigoroso dos
comportamentos humanos, das metas esperadas, além da decorrente redução
dos descartes, até eliminá-los por completo eram práticas exercidas
diariamente. Na medida em que todas as etapas de programação fossem
rigorosamente cumpridas, havia garantia do absoluto triunfo da normalidade do
processo.
O arcabouço da Administração Científica também é conhecido como
Taylorismo; menção ao seu criador. As origens da Administração Científica
estão ligadas às conseqüências geradas pela Revolução Industrial, em
especial a duas delas: o crescimento acelerado e simultaneamente
desorganizado das empresas. Tais fatos provocaram maior complexidade dos
processos, necessidade de um planejamento mais apurado e a introdução de
uma abordagem científica que fosse capaz de substituir a improvisação por
métodos racionais de trabalho. As empresas viram-se obrigadas e com a
necessidade de aumentar a eficiência e a competitividade, procurando obter
melhor aproveitamento dos seus recursos para poder enfrentar a concorrência
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 11
e a competição. A partir da Revolução Industrial a produção em escala passa a
fazer parte do cotidiano das empresas.
Mesmo tendo sido criada para facilitar a vida das pessoas, a máquina,
bem como, a excessiva racionalidade fez com que o homem se tornasse mais
alienado do seu próprio trabalho, segundo uma concepção marxista.
Taylor chegou à conclusão de que a administração das empresas
precisava ser melhorada e que havia muitas perdas com a ineficiência. Não
disse de forma explícita, mas em seus escritos circula a convicção de que,
mais cedo ou mais tarde, quase toda a fadiga física seria automatizada e,
conseqüentemente, subtraída do trabalhador. Seu ponto de partida foi aplicar
os princípios da engenharia dentro da atividade produtiva. Para multiplicar a
produtividade e a eficiência do trabalho, Taylor acreditava ser necessário
programar a produção de forma capilar por meio de uma total racionalização.
Esta medida visava escapar dos limites do conhecimento estritamente prático e
trazer ciência para a gestão das fábricas. Aplicou às operações manuais o
mesmo raciocínio que os engenheiros e projetistas aplicavam às operações
das máquinas no século XIX. Ele identificava individualmente o trabalho a ser
executado, decompunha-o e designava a maneira correta de realizar cada
operação e, finalmente, reunia as operações na seqüência que permitia realizá-
lo mais rapidamente e com maior economia de tempo e movimentos. Taylor
também criou um sistema de pagamento para incentivar o trabalhador a
produzir mais. A solução encontrada foi estabelecer uma produção-padrão e
para estabelecê-la era necessário determinar a melhor maneira de realizar
cada tarefa the one best way - de acordo com a qual o trabalhador
receberia sua remuneração. A relação era a seguinte: mais produção maior
salário. O método cartesiano está na base desse raciocínio.
A Figura 1 representa o filme clássico “Tempos Modernos”,
possivelmente um dos maiores ícones da Administração Científica. Este filme
de Charles Chaplin, de 1936, retrata de forma realista e, simultaneamente,
cômica, os efeitos do uso da máquina na linha de produção, além da própria
alienação do trabalhador frente aos processos de produção e liderança.
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 12
Figura 1 - Cena do filme Tempos Modernos, imagem que simboliza o movimento da
Administração Científica [Fonte: www.google.com.br]
Segundo Silva (2001), os pilares da Administração Científica encontram-
se estruturados em quatro princípios básicos, a saber:
Primeiro Princípio: desenvolver para cada elemento do trabalho
individual uma ciência que substitua os métodos empíricos do trabalho até
então realizados. Para isso era necessário reduzir o saber operário a
elementos mais simples, estudar os tempos e movimentos de cada operação
até conseguir o tempo padrão. O que permitiu a realização deste objetivo foi à
introdução do cronômetro no interior das fábricas. Deste modo, o poder do
capital apropriou-se do saber operário para elaborar o método de trabalho que
lhe parecia mais rentável aos padrões da época. O trabalhador passava a
receber instruções de como e em quanto tempo deveria realizar sua tarefa, via
de regra, de forma cada vez mais fragmentada e repetitiva. A linha de
montagem tradicional representa esta fragmentação, pois nela o trabalhador
apenas interage e entende um minúsculo ponto do processo.
A crítica é que os esforços repetitivos, marcados de pouca criatividade,
tendem a alienar o trabalhador. A fragmentação excessiva provoca uma miopia
no resultado do trabalho e o trabalhador não percebe mais a dimensão e o
alcance do que produz.
Segundo Princípio: selecionar cientificamente os funcionários para em
seguida treiná-los e aperfeiçoá-los em micro tarefas, seguindo padrões
predefinidos, diferentemente do que ocorria no passado em que o trabalhador,
na condição de artesão, detinha o seu pleno poder de escolha, decidia como
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 13
fazer seu ofício, além de possuir a capacidade de realizar seu próprio
treinamento. A experiência vinha com a prática diária. Na Administração
Científica todo trabalho de caráter intelectual deveria ser eliminado da fábrica e
centralizado no departamento de Planejamento. Estabelece-se uma divisão
muito clara entre o planejamento das tarefas e a sua execução. Enquanto
“vários braços” deveriam produzir, “poucas cabeças” detinham o privilégio
sobre o ato de pensar. Um claro divisor de águas fora estabelecido. Poucos
planejavam para que muitos pudessem simplesmente operacionalizar.
A crítica é que desta forma, o trabalhador caracterizava-se como um ser
não pensante, isento de exprimir e concretizar seu potencial criativo. Apenas
seus músculos eram exigidos. Não à toa, segundo minha concepção, o
inadequado termo “mão-de-obra” advém desta época.
Terceiro Princípio: cooperar cordialmente com os trabalhadores para
articular todo trabalho alinhado com os princípios e métodos desenvolvidos.
Um clima de colaboração era fundamental, pois estabelecia uma relação íntima
e cordial entre os funcionários e a alta administração com o objetivo de anular
insatisfações e atritos junto aos sindicatos, evitando-se as greves.
A crítica é a existência de uma “atmosfera” manipuladora atendendo aos
interesses do capital.
Quarto Princípio: manter a divisão equitativa do trabalho e das
responsabilidades entre a direção e os funcionários. À alta direção cabiam as
decisões mais importantes e que se diluíam ao longo da estrutura. No passado,
o trabalho, as responsabilidades e os processos decisórios, ficavam por conta
do próprio trabalhador.
Aqui a crítica reside na falta de visão sistêmica do trabalho.
Em substituição dos métodos empíricos e rudimentares pelos métodos
científicos, o movimento da Administração Científica recebeu o nome de
Organização Internacional do Trabalho. No Brasil, a prática da Organização
Racional do Trabalho (ORT) também foi observada.
Segundo Miceli (2007), o engenheiro Roberto Simonsen, que na década
de 1940 foi presidente da Federação das Indústrias do Estado de o Paulo
(FIESP), foi um dos principais introdutores da ORT em nosso país. A
Companhia Construtora de Santos foi pioneira na adoção do sistema
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 14
“Taylorista” no Brasil. A positiva experiência obtida foi então transferida e
ampliada para a Confederação das Indústrias do Estado de São Paulo
(CIESP), para o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), para a
Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e no Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI). Em 1919 Simonsen entendia que para se
produzir não é mais suficiente o trabalho simplificado e descuidado. Na luta
econômica em que as nações teriam que se empenhar como reação inevitável
da Grande Guerra, as empresas que desejassem produzir, na acepção
econômica da palavra, deveria organizar detalhadamente o sistema de
produção visando à máxima eficiência na aplicação de seus elementos e que
somente venceriam e prosperaria as empresas “bem organizadas”, o que
dependia da adoção dos modernos métodos científicos de organização do
trabalho.
Na Administração Científica os aspectos comportamentais dos
funcionários eram objeto de uma difícil operacionalização em função de uma
ciência da Administração, ainda em sua fase inicial, sem uma base teórico-
conceitual para explicá-la. A tarefa mais importante residia no ato de
aperfeiçoar regras e estruturas. Acreditava-se que a partir disso os problemas
seriam plenamente resolvidos. Não havia uma preocupação em compreender
as motivações intrínsecas dos trabalhadores, até porque a motivação humana
não se constituía como sendo o foco das atenções daquela época. A
conseqüência dessa postura é que o trabalhador foi reduzido a um ser que
deveria maximizar a eficiência e os ganhos de produtividade.
Quase que simultaneamente ao trabalho de Taylor, o engenheiro francês
Henry Fayol cria a chamada Escola Clássica da Administração. Esta Escola
também recebeu o nome de Escola Normativista por ser a Escola das normas,
dos princípios e de das primeiras regras administrativas. Assim como Taylor,
Fayol também buscava a eficiência nas organizações por meio da utilização do
método científico. Enquanto Taylor buscou o aumento da eficiência no nível
operacional, Fayol caracterizou-se pela ênfase na estrutura organizacional,
procurando aumentar a eficiência com um melhor arranjo dos diferentes
setores da empresa e das relações existentes entre eles.
Corroborando com esta idéia, Ribeiro afirma que:
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 15
Enquanto o estudo de Taylor teve como base inicial o trabalho
individual, indo das partes para o todo, Fayol fez o caminho inverso:
a empresa de cima para baixo, partindo do todo empresa - para
as suas partes - diferentes áreas ou departamentos (RIBEIRO, 2003,
p. 40).
Segundo Fayol apud Silva (2001), a empresa constitui-se como um
organismo vivo composto por seis funções básicas, a saber:
a) Técnicas: Produção, fabricação e transformação.
b) Comerciais: Compras, vendas e permutas.
c) Financeiras: Procura e gerência de capitais.
d) Segurança: Proteção de bens e de pessoas.
e) Contabilidade: Inventários, balanços e estatísticas.
f) Administrativas: Planejar, organizar, dirigir, coordenar e controlar.
Tanto a Administração Científica como a Escola Clássica da
Administração, utilizaram o pressuposto básico da racionalidade absoluta. Este
modelo manteve-se até o início da década de 1920, época em que o psicólogo
australiano, George Elton Mayo realiza suas experiências. Em seus estudos
realizados na Western Eletric Company”, uma fábrica de equipamentos
telefônicos localizada em Hawthorne, nas proximidades de Chicago, Estados
Unidos, tiveram o mérito de permitir a recusa dos antigos paradigmas
praticados na Administração Científica. A experiência de Hawthorne foi
importante na medida em que demonstrou que uma complexidade maior do
comportamento humano nas organizações. Comprovou-se a preponderância
do fator psicológico sobre o fator fisiológico. As pessoas são motivadas
principalmente pela necessidade de reconhecimento, aprovação e de
participação nas atividades dos grupos que integram. O ganho em escala, ou
os bons resultados, não estavam necessariamente atrelados apenas à
melhoria das regras, dos sistemas de trabalho e muito menos da rigidez das
estruturas formais predominantes. O aumento da produtividade foi então
explicado por outros fatores: o estilo de gerência participativa onde a
experiência foi realizada, oposta à organização autoritária em especial do
restante da fábrica; a possibilidade que foi dada, em especial às operárias, de
conversarem e interagirem em grupo durante a jornada de trabalho; ao
contrário do que até então era praticado, em que o trabalho era realizado
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 16
isoladamente, com altos níveis de supervisão, controle, submissão e com
pouca interação humana; afetividade e reconhecimento da liderança e períodos
sistemáticos de alimentação e descanso. A dimensão de todo este trabalho não
podia ser explicada pela Administração Científica pelo fato desta Escola estar
circunscrita em parâmetros puramente mecanicistas. O importante para a
Administração Científica eram os sistemáticos métodos de trabalho e a
racionalização e não o ser humano o que provocava na relação homem-
trabalho, uma relação fragmentada e reducionista.
Após a experiência de Hawthorne, os estudiosos organizacionais
passaram a dedicar mais atenção aos fatores afetivos, emocionais e
psicológicos no ambiente de trabalho dando origem à Escola das Relações
Humanas. Mesmo tendo apresentado sinais se evolução, os autores da
Escola das Relações Humanas tinham um ponto em comum com os clássicos,
na medida em que consideravam o ser humano como um ser totalmente
passivo, que reage de forma padronizada aos estímulos aos quais é submetido
na organização. A Administração Científica considerava apenas os fatores
econômicos como agentes motivadores, razão pela qual o trabalhador era
percebido dentro do modelo do “Homem Econômico”, sendo assim nada
melhor que o uso do dinheiro e o medo de perder o emprego para motivar os
trabalhadores.
A Escola das Relações Humanas rompeu este padrão ao demonstrar a
importância dos fatores afetivos, sociais e dos relacionamentos entre as
pessoas. O trabalhador assume o papel de “Homem Social”. Posteriormente à
Escola das Relações Humanas, outros estudos utilizaram argumentos ligados à
Psicologia para tratar de conceitos como motivação, comunicação, liderança e
trabalho em equipe. A hierarquia das necessidades humanas, também
conhecida como pirâmide motivacional de Abraham Maslow, foi utilizada com o
objetivo de atribuir aos funcionários necessidades que eles tentam satisfazer
com a adoção de um estilo mais participativo de administração. As
necessidades são hierarquizadas e mudariam de acordo com as diferentes
etapas do desenvolvimento individual e social do trabalhador. Esses estudos
propõem soluções que vão além dos conceitos propostos pela Escola das
Relações Humanas. Nota-se que o estudo da Administração amplia o seu
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 17
escopo. A simples mudança do estilo de gerência tradicional por um estilo
participativo e a permissão do trabalho em grupo não eram mais medidas
suficientes para satisfazer às necessidades humanas na organização.
A partir da década de 1940, críticas feitas tanto à Administração
Científica, pelo seu mecanicismo exacerbado, como à Teoria das Relações
Humanas, por seu romantismo ingênuo, revelaram a falta de uma teoria
organizacional mais sólida e abrangente e que servisse de orientação para o
trabalho do administrador.
Max Weber, em 2004, inspira essa nova teoria organizacional. Com o
aparecimento, crescimento e proliferação das burocracias, a teoria
administrativa até então introspectiva e voltada apenas para os fenômenos
internos da organização ganha uma nova dimensão por meio da abordagem
estruturalista: além do enfoque intraorganizacional, surgiu o enfoque
interorganizacional. A visão “estreita e “limitada” aos aspectos internos da
organização passou a ser ampliada e substituída por uma visão mais ampla,
envolvendo a organização e suas relações com outras organizações dentro de
uma sociedade maior.
O espírito do modelo burocrático permeou a organização como um todo,
não se limitando à fábrica propriamente dito, conforme ocorrera na
Administração Científica. Segundo Motta e Vasconcelos (2002), e Chiavenato
(2003), a Teoria da Burocracia pontua-se nos seguintes aspectos:
a) A existência de funções definidas e competências rigorosamente
determinadas por leis e regulamentos. Tal fato deve-se à fragilidade
e a parcialidade da Administração Científica e da Teoria das
Relações Humanas, ambas oponentes e contraditórias, mas sem
possibilitarem uma abordagem global e integrada dos problemas
organizacionais, uma vez que revelam pontos de vista extremistas e
incompletos sobre a organização, gerando a necessidade de um
enfoque mais abrangente.
b) Os membros do sistema (funcionários) possuem direitos e
obrigações claramente definidos por regras e regulamentos. Deve
haver uma hierarquia claramente definida por intermédio de regras
explícitas e os limites de cada cargo da organização são definidos
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 18
de modo a regulamentar o exercício da autoridade e seus
respectivos limites de poder. A necessidade de um modelo de
organização racional capaz de caracterizar todas as variáveis
envolvidas, bem como o comportamento de todos os seus membros
e aplicável não somente à fábrica, mas a empresa como um todo.
c) O recrutamento de funcionários é feito por meio de normas, regras e
procedimentos previamente estabelecidos, de forma a se eliminar
julgamentos que possam privilegiar escolhas e julgamentos de
caráter eminentemente pessoal, em detrimento ao profissional.
d) A Sociologia da Burocracia a partir dos estudos do sociólogo alemão
Max Weber. Os estudos de Weber procuravam estabelecer
disciplina, estabilidade e ordem às organizações por meio de uma
hierarquia integrada de atividades especializadas, além de regras
claras, sistematicamente redigidas e estruturadas.
e) Tanto a remuneração quanto aos critérios de promoção, ambos
devem ser justos, ancorados por normas e procedimentos claros,
muito bem definidos e compreendidos, totalmente isentos de
favoritismos e/ou outras modalidades de privilégios de caráter
pessoal.
O verdadeiro sentido da palavra burocracia não é o atribuído de forma
pejorativa pelo senso comum, mas o de efetivamente atender à organização
formal dentro de padrões de racionalidade e eficiência. O sentido pejorativo
comumente nos remete à percepção do jogo de interesses, da morosidade, da
“papelada”, da corrupção. Idéias que não se coadunam com o pensamento
weberiano. O correto pressuposto burocrático é oferecer o meio mais eficiente
de se obter o trabalho a ser realizado. Cabe à organização definir precisamente
as atividades de cada funcionário e a relação destes com outras áreas,
departamentos, etc. O modelo burocrático, além de constituir uma ideologia do
capital, consolida princípios de hierarquia, planejamento e racionalidade
próprios das organizações militares. Tal fato ocorreu após o fim da Segunda
Guerra Mundial, com o retorno dos militares norte-americanos e a sua devida
incorporação à vida civil, havendo depois se propagado e consolidado ao longo
de toda a Guerra Fria.
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 19
A Teoria Estruturalista surgiu na década de 1950, como um
desdobramento da Burocracia no estudo da Administração. Segundo Motta
(1997), a palavra estrutura é de emprego muito antigo, tanto nas ciências
físicas quanto nas sociais e em termos amplos significa tudo o que a análise
interna de uma totalidade revela, ou seja, seus elementos e suas múltiplas
inter-relações. O conceito de estrutura é especialmente importante para a
ciência porque pode ser aplicado a coisas diferentes, permitindo assim uma
comparação entre elas. O estruturalismo, método desenvolvido na lingüística,
invadiu posteriormente as demais áreas do conhecimento social, isto é, a
Economia, Sociologia, Política, Psicologia e a própria Administração.
O movimento estruturalista foi predominantemente europeu e teve
caráter filosófico na tentativa de obter a interdisciplinaridade das ciências. Ele
vem do conceito de estrutura (do grego “struo” = ordenar), como uma
composição de elementos visualizados em relação à totalidade da qual fazem
parte. As partes são reunidas em um arranjo estruturado e tornam-se
subordinadas ao todo (estrutura). Qualquer modificação em uma das partes
implica em modificações nas demais partes e nas relações entre elas.
Conforme observa Motta (1997), o que interessa aos estruturalistas são os
sistemas, o que implica dizer que o todo é maior do que a simples soma das
partes. As propriedades do todo explicam as partes individuais de um
organismo maior. O todo agrega características que as partes isoladamente, e
que por si só, não possuem. Um sistema social é formado por partes
diferentes, mas interdependentes. No estudo da Administração a Teoria
Estruturalista é abordada à luz deste prisma. O Estruturalismo abre uma nova
perspectiva ao analisar o ambiente externo à empresa, partindo do pressuposto
de que as organizações são sistemas abertos em constante interação com seu
contexto externo. A Administração, sob o enfoque de sistema fechado, havia se
confinado aos estudos dos aspectos internos. O Estruturalismo também
considera a existência dos conflitos no ambiente organizacional como algo
normal do relacionamento humano e, até certo ponto, positivo.
Muitas vezes os conflitos provocam tensões e antagonismos, mas cuja
resolução remete e impulsiona a organização à inovação e a uma mudança
necessária.
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 20
Motta apresenta a seguinte afirmação:
A organização é um sistema de jogos estruturados. As regras e
estruturas organizacionais operam de modo indireto e não determinam
comportamento dos autores sociais, mas induzem jogos de poder e
comportamentos. Os autores sociais podem colaborar ou o, buscando
negociar melhores condições de inserção no sistema e obter maior
controle de recursos, atendendo aos seus objetivos e interesses
pessoais, os autores sociais devem jogar a partir das opções fornecidas
pelo sistema e, assim, estarão mesmo dentro de um nívelnimo,
cumprindo em parte os objetivos organizacionais (MOTTA, 1997, p.144).
A Teoria do Desenvolvimento Organizacional (DO) surge na
Administração na década de 1960. O Desenvolvimento Organizacional é
produto das mudanças organizacionais e em função da inadequação das
estruturas convencionais a essas novas circunstâncias. O Desenvolvimento
Organizacional aborda a organização como um todo assumindo um
posicionamento sistêmico. Conceitos como clima e cultura organizacional
passam a ser estudados de forma mais intensa nas organizações. Por clima
organizacional entende-se o ambiente psicológico existente na empresa em
decorrência do estado motivacional das pessoas, já cultura organizacional
caracteriza-se como o sistema de crenças e valores que são aceitos e
compartilhados entre as pessoas, desenvolvendo-se dentro da organização
como um todo ou dentro de uma subunidade, guiando e orientando o
comportamento de seus membros.
Em processo de evolução, a Administração passa a considerar os
estudos de Karl Ludwig von Bertalanffy, dando origem a Teoria dos Sistemas.
A Teoria dos Sistemas o busca solucionar problemas ou tentar soluções
práticas, mas produzir teorias e formulações conceituais para aplicações na
realidade empírica. Bertalanffy critica a visão que se tem do mundo dividida em
diferentes áreas, como a Física, Química, Biologia, Psicologia, Sociologia,
dentre outras. Estas divisões são arbitrárias e com fronteiras solidamente
definidas. Os sistemas devem ser estruturados globalmente, envolvendo todas
as interdependências de suas partes. Este conceito é incorporado na
Administração pela necessidade de uma concepção integrada da empresa, fato
que Escolas anteriores não conseguiram fornecer plenamente. Todas
possuíam um ponto vulnerável: a extrema segmentação da empresa,
caracterizando-se assim uma micro-abordagem.
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 21
A Teoria da Contingência marca um passo além da Teoria dos Sistemas.
Seu escopo concentra-se no fato de que a teoria administrativa disponível era
insuficiente para explicar os mecanismos de ajustamento das organizações aos
seus ambientes de maneira dinâmica. Confirma-se a prerrogativa de que as
características das organizações são decorrentes do que existe fora delas, ou
seja, do ambiente externo. As organizações definem suas estratégias e depois
passam a ser condicionadas por elas, necessitando adaptar-se rapidamente ao
ambiente externo para sobreviver e crescer. Quanto maior a incerteza
ambiental percebida, tanto maior a necessidade de flexibilidade da estrutura
organizacional.
Outra variável que condiciona a organização é a tecnologia utilizada. A
organização utiliza-se de tecnologias que moldam suas estruturas
organizacionais e o seu funcionamento. A partir da Teoria da Contingência a
tecnologia assume um importante papel no cotidiano das empresas.
A Teoria da Contingência parte para novos modelos organizacionais
mais flexíveis e orgânicos, como a estrutura matricial e a em redes de trabalho.
Neste contexto surge o conceito do “Homem Complexo”, ou seja, o homem
como um sistema de valores, percepções, características pessoais e
necessidades. Ele opera como um sistema capaz de manter seu equilíbrio
interno diante das demandas feitas por forças externas: organizacional e do
ambiente. Esse sistema interno desenvolve-se em resposta à premência do
indivíduo de solucionar os problemas apresentados na sua relação com a
família, amigos e nas organizações onde atua.
Conforme afirma Motta:
A teoria da contingência nos mostra que não há “one best way, como
também demonstra o principio da eqüifinalidade dos sistemas: existe
mais de uma maneira de atingir os objetivos propostos. Dependendo
do tipo de ambiente e do tipo de objetivos ou problemas a ser
solucionado, vários tipos de organizações são possíveis (MOTTA,
1997, p.238).
Mediante um cenário organizacional cada vez mais instável Alvin Toffler,
em seu livro O Choque do Futuro, de 1973, apresenta o termo “Ad-Hocracia”.
Segundo o autor a sociedade do futuro será extremamente dinâmica e mutável.
Em ambientes chamados de turbulentos as empresas precisam ser orgânicas,
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 22
inovadoras, temporárias e, acima de tudo, nada burocráticas. A “Ad-Hocracia”
caracteriza-se como o inverso da burocracia. Significa uma estrutura flexível
capaz de amoldar-se contínua e rapidamente às condições ambientais em
constante mutação. É uma estrutura organizacional que enfatiza a tomada de
decisões descentralizada, poucos níveis administrativos, ausência de controles
formais e poucas regras, políticas e procedimentos escritos.
Segundo Toffler:
Estamos, na verdade, testemunhando a irrupção de um novo sistema
organizacional que desafiará, num grau cada vez mais crescente, a
burocracia e que, em última instância, a suplantará. Esta é a
organização do futuro. Eu a chamo de “Ad-Hocracia” (TOFFLER,
1973, p.102).
Essa organização que se agrupa e dissolve-se, que se modifica e altera-
se a cada momento, faz com que as pessoas, em lugar de preencherem cargos
ou posições fixas no organograma, passem rapidamente de um lugar para o
outro. A hierarquia tradicional dentro das empresas sofre um colapso, pois há a
exigência de um maior número de informações dentro de um ritmo cada vez
menor, o que inviabiliza a hierarquia vertical típica da burocracia. Mais
recentemente, Toffler (2005) salienta que o analfabeto do século XXI o será
aquele que não souber ler ou escrever, mas aquele que não souber aprender a
aprender, fato que se justifica mediante as constantes alterações do complexo
e macro ambiente empresarial.
As Organizações de Aprendizagem representam o pensamento mais
atual da Administração. Trata-se de um tipo de organização que apóia,
incentiva e encoraja a aprendizagem de seus membros, por intermédio da
disseminação da informação e do compromisso da alta direção facilitar o
processo criativo assim como a própria inovação. Para o sucesso desse
modelo, uma interação social entre os membros da organização é fator critico
de sucesso. A necessidade de criar produtos e serviços cada vez mais rápidos
e simultaneamente atender uma demanda cada vez mais caracterizada por
consumidores exigentes e ávidos por novidades, é a tônica das Organizações
de Aprendizagem.
Organizações com este perfil perceberam a importância do ser
humano e o colocam no centro do processo porque constitui o “ativo” mais
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 23
valioso, uma vez que detém, gera, documenta, compartilha e expande o
conhecimento adquirido. Inovação e conhecimento caminham lado a lado e
ganham posicionamento estratégico. O trabalhador do conhecimento
(“Knowledge Worker”) sempre existiu. No passado ele representava uma
pequena minoria, até porque os efeitos sobre a “mão-de-obra” eram soberanos.
Segundo Terra (2005), este trabalhador chega a dominar diversos setores
econômicos, regiões e países.
Terra ajuda na conceituação do termo “gestão do conhecimento” que
é articulado em muitas publicações:
Gestão do Conhecimento significa organizar as principais políticas,
processos e ferramentas gerenciais e tecnogicos à luz de uma melhor
compreensão dos processos de GERAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO,
VALIDAÇÃO, DISSEMINAÇÃO, COMPARTILHAMENTO, PROTEÇÃO
e USO dos conhecimentos estratégicos para gerar resultados
(econômicos) para a empresa E benefícios para os colaboradores
internos e externos (stakeholders) (TERRA, 2005, p.8).
O Quadro 1 apresenta o resumo das teorias administrativas
apresentadas nesta tese e seus enfoques principais.
Quadro 1 - Teorias administrativas e seus respectivos enfoques
Ênfase
Teorias Administrativas
Enfoque Principal
Nas Tarefas
Administração Científica
Racionalização do trabalho no
nível operacional
Na Gerência
Escola Clássica
Definição do papel gerencial
Nas Pessoas
Relações Humanas
Organização informal
Na Estrutura
Burocracia
Racionalidade organizacional
No Ambiente
Estruturalista
Abordagem de sistema aberto
Na Cultura
Desenvolvimento Organizacional
Análise da cultura organizacional
Nos Processos
Sistemas
Sinergia entre as partes
Na Tecnologia
Contingência
Imperativo tecnológico
No Mercado
“Ad-Hocracia”
Cenário em constante mutação
No Conhecimento
Organizações de Aprendizagem
Conhecimento humano
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 24
Em síntese, sobre a Administração, Drucker faz o seguinte comentário:
Por fim, o que é administração? Trata-se de um pacote de técnicas e
truques? Ou de ferramentas analíticas como as que são ensinadas
nas escolas de administração? Sem dúvida, essas técnicas e
ferramentas são importantes, assim como o termômetro e o
conhecimento de anatomia são importantes para o médico. Mas o
que a evolução da história da administração seus êxitos e
problemas nos ensina é que a administração é, acima de tudo, um
conjunto bastante reduzido de princípios essenciais (DRUCKER,
2006, p. 197).
Basicamente, os princípios aos quais Drucker se refere são basicamente
os seguintes:
a) o ato de administrar necessariamente envolve pessoas. Desta
forma, as pessoas precisam ter como alvo um desempenho conjunto
que possa maximizar seus pontos fortes (sinergia) e fazer com que
os fracos se tornem irrelevantes;
b) a administração guarda um vínculo muito forte com a cultura de cada
organização. Isto vale para países e empresas;
c) é dever de toda a organização ter objetivos comuns, simples, claros
e amplamente difundidos;
d) é também tarefa da administração possibilitar o crescimento da
organização e de todos os seus membros. A mentalidade de uma
educação continuada deve fazer parte de um posicionamento
estratégico da organização.
f) o resultado final de um negócio é um cliente satisfeito.
poderemos imaginar que teremos um cliente satisfeito se antes
tivermos funcionários satisfeitos. Entenda-se a expressão
funcionário satisfeito como alguém que possa estar motivado,
comprometido com o seu trabalho e com o resultado final dele
enquanto obra que agregue valor à sociedade.
Em 2000, De Masi, apresenta uma nova proposta baseada na
simultaneidade entre trabalho, estudo e lazer, no qual as pessoas aprendem a
privilegiar a satisfação de necessidades radicais, como a introspecção, a
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ADMINISTRATIVO - 25
amizade, o amor, as atividades lúdicas e a convivência. Para De Masi, a
plenitude da atividade humana é alcançada somente quando o trabalho, o
estudo e o lazer misturam-se em nossas vidas, isto é, quando trabalhamos,
aprendemos e nos divertimos tudo ao mesmo tempo e de forma integrada.
O processo envolvendo trabalho, estudo e lazer De Masi denomina de
Ócio Criativo.
O próprio trabalho deveria representar e conter uma forma de Ócio
Criativo, na medida em que seu resultado constituísse em realização. A
mercadoria, enquanto produto final ganharia mais valor e seria mais bela por
conta de seu embasamento estético.
divergências quanto a este conceito. Camargo (2008), afirma que a
combinação de trabalho e lazer trata-se de uma indagação de muitos, e o
sonho de poucos, conforme podemos constatar na citação abaixo:
[...] lazer e trabalho se confundem apenas para uma minoria que deve
ser seguramente inferior a um por cento da população
economicamente ativa: artistas, artesões, cientistas e uma parte de
empresários e executivos (CAMARGO, 2008, p.15).
Camargo, ao mesmo tempo em que contesta o raciocínio de De Masi,
abre um precedente ao afirmar que o Ócio Criativo está presente em algumas
categorias profissionais. A crítica que faço é a seguintes: por que o conceito do
Ócio Criativo não pode expandir e contemplar outros trabalhadores?
Esta tese não se propõe a fazer uma análise do percentual apresentado
por Camargo (1%). Caso o percentual seja verdadeiro e possa ser ancorado
em pesquisa, o número por si só reforça o pressuposto que uma reestruturação
produtiva, urgentemente, faz-se necessária.
A construção desta tese ainda me permite a fazer um pequeno ajuste do
que De Masi chama de lazer. O termo mais apropriado, segundo meu juízo, é
“prazer”, qual seja a realização de algo que, em essência e por si só, confira ao
trabalhador um sentimento intrínseco de missão cumprida, de satisfação e de
realização. Passo a utilizá-lo nesta tese a partir de agora.
CAPÍTULO 2
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO
GLOBALIZADO
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 27
“Aos líderes em potencial, faz falta o tempo livre
de que precisam para crescer. O desenvolvimento das máquinas
deveria ter produzido o efeito oposto.
Deveria ter diminuído a exigência de que o indivíduo trabalhe mais
para atender a demanda da comunidade.
Mas o mundo não se adaptou a essas mudanças.
Como resultado, o desemprego e a inquietação social espreitam por
toda a parte, num mundo instável.
A humanidade está começando a se dar conta de que uma de suas
tarefas mais urgentes é a reorganização cuidadosa do trabalho”.
Albert Einstein
A globalização é um processo social complexo que promove mudanças
significativas na estrutura política e econômica das nações, atingindo a
sociedade em múltiplas relações, inclusive o mundo do trabalho.
Economicamente significa integração dos mercados em âmbito mundial e a
interconexão das economias dos diferentes países. Implica ainda na troca
instantânea de informações, em novos modelos comerciais. Corroborando com
este raciocínio Bauman afirma:
A globalização esta na ordem do dia, uma palavra da moda que se
transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma
senha capaz de abrir as portas de todos os misrios presentes e futuros.
Para alguns, globalização é o devemos fazer se quisermos ser felizes,
para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, pom,
globalizão é o destino irremediável do mundo, um processo
irreversível, e também um processo que nos afeta a todos na mesma
medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo globalizados e
isso significa basicamente o mesmo para todos (BAUMAN, 1999, p.7).
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 28
O termo contempla uma imposição de formas de trabalho e tecnologia
dos países mais desenvolvidos sobre os em desenvolvimento, alterações nas
relações e o contato com outras culturas, o que faz com que sindicatos
flexibilizem e ajustem ações e discurso no sentido de proteger os interesses
dos seus filiados, uma vez que o fantasma do desemprego inibe greves e
protestos gratuitos. Flexibilizar a ação sindical significa perceber as relações
trabalhistas sob uma nova ótica. O modelo econômico global predomina e é
comandado por grandes corporações e escapa do controle do sindicato.
Trabalhadores enfrentam ainda o desemprego estrutural, quando postos de
trabalho são eliminados, em função de novos “players” internacionais que se
instalam no mercado, o que obriga os acionistas a minimizarem custos, com o
objetivo de obter vantagem competitiva frente à concorrência.
A globalização não é um fenômeno novo como parece. O processo
ganha maior dimensão a partir de 1980, época em que a desregulamentação
generalizada acelera as condições da concorrência no plano mundial e o
desenvolvimento dos meios de transporte e telecomunicações eliminaram
obstáculos impondo um reposicionamento dos centros de produção. Nesta
direção Ribeiro faz a seguinte citação:
A globalização tem início com o Tratado Geral de Tarifas e Comércio
(GATT) estabelecido em 1947. Ampara-se na maior velocidade dos
transportes e das comunicações. Nos anos 1980, com o emprego de
satélites e fibras óticas pelos meios de comunicação, o setor
produtivo e de negócios teve seus resultados subitamente abreviados
e a custo menor, verificando-se o fenômeno do aumento de fluxos de
capitais e de atividades comerciais, bem como o incremento de
serviços possibilitado pelas infovias. Atualmente, as relações
comerciais são reguladas pela Organização Mundial do Comércio
(OMC), que substituiu o Tratado (RIBEIRO 2003, p. 2-3).
Ao considerar as expedições marítimas, época que Portugal e
Espanha tinham o objetivo de conquistar novas terras, assim como a ppria
abertura dos portos brasileiros, percebemos quão antiga é a globalização.
Este pensamento é compartilhado por Wallerstein (2007), na medida em que
o autor coloca que o sistema capitalista mundial tem suas rzes na Europa
e na Arica do século XVI, quando comou a formar-se o mercado
mundial e a estabelecer-se a divisão internacional do trabalho. Wallerstein
(2007, p. 29) cita:a hisria do sistema-mundo moderno tem sido, em
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 29
grande parte, a história da expano dos povos dos Estados europeus pelo
resto do mundo”.
No cenário globalizado em que vivemos a chamada empresa global é
uma realidade. Uma empresa de nacionalidade francesa, por exemplo, poderá
ter capital suíço; equipamento coreano; fabricação chinesa; marketing italiano;
sócios capitalistas em Portugal e no México; e vendas realizadas no Brasil e
nos Estados Unidos. Ribeiro (2003) destaca que as mudanças no modo de
produção dos produtos foram significativas. Auxiliadas pelas facilidades na
comunicação e nos transportes, as empresas globais instalam suas fábricas
em países que conferem a elas as maiores vantagens competitivas: fiscais,
matérias-primas mais baratas e menores salários. Este fato ocasiona a
transferência de postos de trabalho de países mais ricos que pagam altos
salários e concedem inúmeros benefícios aos funcionários para as nações
industriais emergentes. No passado quem tomava as grandes decisões
econômicas eram os governos. Agora esse papel é desempenhado pelas
empresas, pois são elas que, pelo intermédio da acumulação de capital e poder
de influência que possuem, decidem o que, como, quando e onde produzir os
bens e serviços que serão consumidos pelo mundo.
Segundo Ribeiro, a globalização provoca mudanças de poder em virtude
do aumento da riqueza sob o controle de poderosos grupos privados.
De acordo com pesquisa do Núcleo de estudos Estratégicos da
Universidade de São Paulo, em 1994 as maiores empresas do mundo
(Mitsubishi, Mitsui, Sumitomo, General Motors, Marubeni, Ford,
Exxon, Nissho e Shell) obtiveram um faturamento de 1,4 trilhão de
dólares. Esse valor equivale à soma dos PIBs de Brasil, México,
Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Uruguai, Venezuela e Nova
Zelândia. Os resultados desse processo são alarmantes, pois nunca
houve tamanha concentração de renda e exclusão social. Ao
contrário do que acontecia no início do século XX, a classe
trabalhadora não encontra mais, no Estado, a garantia de seus
direitos individuais e trabalhistas, que passaram a ser estritamente
condicionados pela ação do capital (RIBEIRO, 2003, p. 6).
Wallerstein (2007) salienta que as grandes potências industriais não
possuem o direito como o dever moral e político de intervir em determinados
países. É a afirmação do conceito de que o opções para os governos
senão aceitar e agir de acordo com as leis da economia neoliberal. Bauman
(1999, p. 128) afirma “no mundo das finanças globais, os governos detém
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 30
pouco mais que o papel de distritos policiais”. Este fato não altera a força
política entre governos e empresas como também provoca alterações nas
relações de trabalho. A empresa global fundamenta-se na automação e na
robótica; sua estrutura organizacional é flexível, com grande mobilidade de
seus quadros.
O sistema-mundo moderno, citado por Wallerstein (2007) guarda estas
características. A questão que fica é como será construído o sistema-mundo
futuro, comenta o autor.
Sennett (2006) argumenta que no mundo globalizado muitos
trabalhadores enfrentam a temível perspectiva de ficar à deriva, tornando-se
trabalhadores descartáveis. Como um antídoto a esta perspectiva, apenas um
determinado tipo de profissional será capaz de prosperar nas condições sociais
instáveis e fragmentadas do novo capitalismo globalizado. O autor afirma que o
novo profissional precisa aprender a lidar com três desafios. O primeiro é
manter relações sociais altamente instáveis e uma carreira feita aos saltos,
sem garantias de estabilidade. Segundo é necessário descobrir quais são seus
talentos em um contexto em que as exigências da realidade mudam quase que
instantaneamente os padrões de desempenho esperados. Terceiro necessita
desenvolver uma personalidade que favoreça o descarte de experiências
passadas, que não se prenda a nada. Deve agir como faz o consumidor diante
de um produto que não lhe agrade mais: jogá-lo fora e trocá-lo por outro.
Sennett (2006) insiste em prerrogativas conhecidas: a desvalorização
de relações estáveis, a incapacidade de fazer planejamentos pessoais de longo
prazo e o frágil senso de cultura disseminado no novo capitalismo, no qual os
vínculos são trocados como se trocam mercadorias em uma prateleira de um
supermercado. O sentimento predominante é que os produtos, assim como os
valores humanos, estão se tornando cada vez mais perecíveis. Nesta
afirmativa, dois aspectos merecem atenção. Primeiro a instabilidade do ponto
de vista das transformações institucionais pelas quais o capitalismo passou ao
longo do último século. As ondas de desburocratização e simplificação de
estruturas organizacionais, antes celebradas como o arauto de tempos mais
livres e autônomos, tiveram efeito inverso: deixaram os indivíduos sem (ou
quase nenhuma), garantia sobre o futuro, sem chão, permanentemente às
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 31
voltas com aquilo que ele chama do “fantasma da inutilidade”. Segundo o
alastramento da cultura consumista fez com que surgisse um novo “ethos” no
qual as pessoas aprendem a descartar, a abrirem mão, a não se apegar a
nada, inclusive às empresas ou à própria carreira. Como conseqüência, todos
vivem na superfície, não se aprofundando em nada, não desenvolvem mais um
talento “à moda antiga”, com cuidado e persistência. Surfam por situações e
experiências cada vez mais despersonalizadas.
Bauman compartilha desta idéia ao afirmar que nossa sociedade e uma
sociedade tipicamente consumista e faz a seguinte citação:
O que realmente conta é apenas a volatilidade, a temporalidade
interna de todos os compromissos. Isso conta mais que o próprio
compromisso, que de qualquer forma não se permite ultrapassar o
tempo necessário para o consumo do objeto (ou melhor, o tempo
suficiente para desaparecer a conveniência desse objeto) (BAUMAN,
1999, p. 89).
O novo capitalismo a que Sennett (2006) se refere vem sendo forjado
pelo modelo de gestão de grandes empresas, principalmente às de alta
tecnologia, de finanças globais e de prestação de serviços. Mesmo sendo
minorias, a influência cultural que exercem no mundo dos negócios, do
consumo e da política é formidável. Diferentemente das companhias
tradicionais, operadas por meio de elos estáveis de controle rígido e intenso
comando burocrático, essas empresas flexíveis funcionam, de acordo com o
autor, semelhantes a um equipamento de “MP3”, que pode ser programado
para tocar apenas algumas faixas de seu repertório em qualquer ordem.
Essas empresas podem ora “inchar” (ampliar o quadro de pessoal), ora
“implodir” (descartar funcionários), ao sabor dos projetos nas quais estão
envolvidas. Esse novo mundo do trabalho globalizado requer um perfil
profissional de pessoas dispostas a aceitar riscos e novos quesitos na
avaliação de méritos. O que você fez pela organização usando suas
habilidades conta menos que o potencial para atender a demandas novas e
inesperadas. Em outras palavras: “competentes” ontem; “desempregados”
hoje. Paradoxalmente as empresas querem profissionais com atributos que
lembrem um “iPod”, capaz de armazenar 10.000 faixas de músicas. Quer o
máximo de potência e flexibilidade, ou seja, disposição e capacidade de
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 32
cumprir tarefas de modo não-linear. É o fim das carreiras estáveis e do
emprego vitalício. Investidores impacientes mandam em presidentes
provocando também nos cargos executivos, alta rotatividade. O que impera
neste modelo econômico é a constante ansiedade frente aos resultados das
mal conduzidas reengenharias, promovidas por consultores normalmente
dispensados de prestar contas de suas ações ao final de seus contratos de
prestação de serviço.
Consultores, normalmente irresponsáveis e insensíveis, segundo
avaliação de Sennett (2006), não conseguem avaliar os aspectos humanos nas
relações de trabalho. Por utopia, ignorância ou ambos, não conhecem quão
importante é o ser humano, ficando óbvio concluir que, na mesma medida,
desconhecem o Ócio Criativo. Para o autor, pior que o medo de ser demitido é
a ansiedade que toma conta dos trabalhadores por não saberem quando ou
como serão úteis. Aqui tempo livre e necessidade de sobrevivência são
realidades conflitantes. Novas competências profissionais têm sido quase que
diariamente impostas às pessoas. Hoje pouco se duvida de que não
precisamos mais de trabalhadores somente operando máquinas, mas sim de
trabalhadores que saibam operar e desenvolver máquinas que operem outras
máquinas.
Mesmo ocupando papel importante no mundo globalizado, a tecnologia
não é o maior gerador da competitividade. Quem possui capital pode adquiri-la
com facilidade. A capacitação dos trabalhadores para operar a nova tecnologia,
esta sim é a questão chave. A competência dos funcionários configura-se como
o principal fator crítico de sucesso para a competitividade atual das empresas,
uma vez que contribui diretamente para a maximização dos resultados. Hoje é
imperativo que o profissional mantenha-se constantemente atualizado,
justamente para manter-se a frente da máquina. Nunca se falou tanto no
conceito da empregabilidade (“You Inc.”, como dizem os americanos) como
agora. A economia e as relações de trabalho estão ambos em processo de
ebulição. Para que as pessoas estejam preparadas para enfrentar as
constantes transformações de um mundo cada vez mais globalizado a única
saída é o profissional ser “atraente”. Esta palavra implica, e deve ser aqui
compreendida, como alguém que possa constantemente agregar valor à
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 33
organização, até porque as empresas exigem cada vez mais competências de
seus funcionários impondo resultados de curtíssimo prazo. Sennett (2006)
afirma que as empresas buscam resultados a qualquer preço, residindo aí um
grande mal da economia moderna com reflexos também no social.
A carreira profissional que, no passado, era administrada e desenvolvida
na sua plenitude pela empresa graças a uma relação vitalícia, quase
matrimonial, hoje deve ser gerenciada pelo próprio indivíduo como um negócio.
Esta atitude diminui o sentimento de lealdade para com a empresa porque o
funcionário não se sente mais protegido por ela, mas é o preço que o
profissional deve pagar para no futuro garantir trabalho e renda, independente
de possuir ou não vínculo empregatício.
No passado, o “emprego” era sinônimo de segurança; hoje baseado na
rapidez das alterações de mercado e dos novos padrões de competitividade
gerados pela globalização, as empresas não podem mais garantir o “emprego”
de ninguém.
O Quadro 2 revela a transição que as empresas estão fazendo com o
objetivo de manter a competitividade, ou seja, atuar em cenários extremamente
mutantes e obter um crescimento sustentável.
Quadro 2 - Transição pela qual passam as empresas
De:
Para:
Pouca competitividade
Competição global
Estabilidade
Mudanças
Dinossauro corporativo
Organização ágil
Obediência aos horários
Resultados
Cultura acadêmica
Educação continuada
Visão da parte (Fragmento)
Visão do todo (Complexidade)
Emprego para toda a vida
Empregável para a vida toda
Time que está ganhando não se mexe
Reinventar permanentemente o negócio
Manda entregar assim mesmo
Encantar o cliente (Interno e Externo)
Funcionário tipo “sujeito normal”
Funcionário tipo “maluco beleza” (*)
(*) Menção ao cantor e compositor Raul Seixas
[Fonte: o autor]
As organizações valorizam, cada vez mais, a produtividade e as
inovações que nada mais são do que a materialização do conhecimento
aplicado. Wallerstein (2007) observa que hoje a questão mais importante é
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 34
como podemos aplicar nosso conhecimento geral individual à compreensão da
época de transição em que vivemos. Este é o paradoxo atual da relação capital
versus trabalho. Neste novo “design” profissional não deve existir mais a
fragmentação entre trabalho, estudo e “prazer” (essência do Ócio Criativo).
Observando as habilidades predominantes, o sentimento presente é que cada
um deve criar o hábito de adquirir, permanentemente, novos conhecimentos.
Conhecimentos estes que se configuram como uma vantagem competitiva para
a sobrevivência profissional, sob o risco de não nos sentirmos excluídos. Neste
aspecto, vale lembrar parte do discurso proferido pelo então Presidente
Fernando Henrique Cardoso, em visita à Índia e publicado no Jornal Folha de
São Paulo [...] um sentimento de exclusão, de mal-estar em vastos
segmentos das sociedades ricas integradas na economia global, alimentando a
violência e, em alguns casos, atitudes de xenofobia [...] (FOLHA DE SÃO
PAULO, 1996).
Tal como ocorre com os automóveis, que ostentam marcas e “designs”
diferenciados montados num chassi comum, muitas organizações obcecadas
pela satisfação máxima no curtíssimo prazo, apenas maquiam a mesma
plataforma, ou seja, treinam seus funcionários para o passado; o para o
futuro. Não educam seus funcionários para o Ócio Criativo. Sennett (2006)
chama a atenção que o capitalismo impõe uma depauperação do capital social,
ou seja, daquela solidariedade mínima sem a qual mesmo as organizações
mais competitivas têm dificuldade para sobreviver. A perversidade capitalista
está destruindo a essência do conceito de cultura, de uma produção coletiva
que estruture as experiências individuais, que organize o cotidiano e humanize
nossas ações.
Sennett (2006) aponta três defeitos sociais ainda presentes na maioria
das organizações. Baixo nível de lealdade institucional; diminuição da
confiança informal entre os colaboradores e o enfraquecimento do
conhecimento institucional. A cultura empresarial depende, sobremaneira, da
forma como o trabalhador comum entende a instituição, não da comunicação
prolixa oriunda dos níveis hierárquicos mais elevados. A instabilidade pode
parecer a única constante do capitalismo, por conta das turbulências dos
mercados, da “dança” apressada dos investidores e da demissão em massa de
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 35
trabalhadores. A maneira mais radical de sustentar o caráter ímpar de nossa
época seria afirmar que os países estão perdendo seu valor econômico. Como
exemplo, a Shell que se libertou das amarras políticas tanto holandesas quanto
britânicas. Numa economia cada vez mais mutante e instável, todos nós
corremos o risco de ficarmos rapidamente obsoletos.
Sennett (2006) afirma que o capitalismo está cada vez mais
“impaciente”, o que impacta nossa perspectiva sobre como percebemos o
trabalho. Também é sentimento do autor da tese que alguma coisa não está
fazendo sentido no capitalismo, assim como nas atuais relações de trabalho.
Reforço a opinião que o modelo atual sob a forma como o trabalho esta
organizado apresenta sinais de esgotamento.
A globalização é um fenômeno complexo. Não se caracteriza como fato
isolado, pontual e muito menos um movimento novo, mas assumiu proporções
relevantes a partir do final dos anos 1980. Trouxe e continuará trazendo
benefícios para alguns, prejuízos para outros e inquietações constantes para
todos.
Ela requer que as empresas aumentem sua capacidade de aprender,
colaborar e gerenciar a diversidade, a complexidade e a ambigüidade. Como
fazer isso se não for por intermédio das pessoas, que constituem, além da
força de trabalho, seu principal capital e diferencial competitivo? Vivemos a
chamada era do conhecimento. As empresas estão, cada vez mais,
interconectadas e exigem resultados de curto prazo. Que o mundo em que
vivemos passa por constantes transformações, é fato consumado. O que
chama a atenção é a velocidade com que as mudanças estão ocorrendo.
Paralelamente à globalização, o cenário atual é marcado pelos seguintes
fatos: alterações geopoticas, a ascensão dos países emergentes: Brasil,
Rússia, Índia e China (os chamados BRIC) e que estão atraindo atenções de
economias mais maduras por representar grandes mercados para investimentos,
o aumento significativo do número de concorrentes; a geração de produtos e
serviços cada vez mais customizados; a rápida obsolescência destes mesmos
produtos; exigências crescentes dos consumidores no que tange a fatores
técnicos, de qualidade, preço e confiabilidade, o efeito “feminização”, além do
aumento da consciência das pessoas quanto seus direitos.
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 36
Todos estes fatores concorrem para que a competência profissional
fique mais elástica.
Corroborando com este raciocínio De Masi destaca que:
O cavalo, por exemplo, até 38 milhões de anos atrás não conseguia
superar 50 centímetros de altura; 26 milhões de anos atingia 70
centímetros; sete milhões de anos havia alcançado o metro; dois
milhões de anos atrás chegou aos 120 centímetros, e dois milhões
de anos permanece tendo um metro e meio. Se lembrarmos que a
série dos microprocessadores, em apenas trinta anos, passou de uma
capacidade de 20.000 operações por segundo a uma capacidade de
um bilhão de operações por segundo, nos daremos conta de quanto
mudou a escala das progressões com a qual a nossa espécie se
relacionou ao longo da sua história (DE MASI, 2003, p. 31).
Em especial, na tecnologia cabe uma reflexão específica. Vivemos hoje
num mundo que é digital. A evolução tecnológica caracteriza-se como um
processo irreversível. O mundo não será mais analógico. Termos estranhos
que a vinte, quinze, dez anos atrás eram totalmente desconhecidos, hoje
fazem parte da vida de muitas pessoas que incorporam novos hábitos e estilos
de vida bem diferentes daqueles praticados em um passado não o distante.
Estas pessoas são chamadas de “nativos digitais” e convivem com novas
tecnologias e nomenclaturas. “Web, e-mail, blogs, podcast, home-page,
wireless, live messenger, google, skype, laptop, wikipedia, second life, flickr,
iPod, blackberry, site, webquest, MySpace, upload, Facebook, orkut, e-bay,
twitter” são algumas dessas tecnologias e nomenclaturas.
Outras surgirão em um futuro breve. Os “nativos digitais” são capazes de
utilizar várias tecnologias simultaneamente de forma absolutamente natural e
interativa, pois são recursos incorporados nos seus estilos de vida. Essa
capacidade de realizar multitarefa é própria do mundo digital e os “nativos”
sabem disso, vivem isso.
Conversar numa comunidade digital, ao mesmo tempo assistir a um
programa de TV, falar ao celular no ouvido direito, com o iPod ligado no
esquerdo, navegar no “Orkute pesquisar sobre as mais recentes promoções
no “e-bay”, pode parecer absurdo para muitos - o para os “nativos” -, em
especial para àqueles possuidores de uma mente linear e seqüencial que não
conseguem ultrapassar a fronteira do “fax” e que chegaram ao limite de dirigir
seu automóvel ouvindo apenas o “FM” do rádio. A Figura 2 caracteriza não
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 37
a evolução da própria espécie humana, mas a tecnologia predominante em
uma determinada época. É fácil perceber o esforço empreendido pelo homem
no sentido de se adaptar o à sua sobrevivência bio-existêncial, como à
sua relação com o universo. Fato é que alguns conseguem esta adaptação,
outros não.
Figura 2 - Caracterização da evolução da humanidade [Fonte: www.google.com.br]
Os “nativos digitais” são seres que estão à frente do seu próprio tempo.
Curiosos por natureza, impulsivos, ansiosos por resultados e conquistas
rápidas, quando o assunto é trabalho descartam com facilidade não
produtos, mas também projetos em que neles não percebem algum valor.
Gostam do que fazem, não abrem mão de uma boa qualidade de vida e de
seus valores, além do incrível dom de aprender e criar com rapidez e
facilidade. Esses são os “nativos digitais”. Os trabalhadores do século XXI. Os
trabalhadores do Ócio Criativo.
2.1 Análise Sobre o Trabalho Humano
O trabalho consiste na aplicação das forças e faculdades humanas para
alcançar um determinado objetivo. quem julgue o trabalho uma penosa
obrigação. Muitas vezes a idéia de trabalho é associada a castigo, provação e
fardo. A própria expressão “trabalho de parto”, refere-se ao sofrimento da
mulher no processo de dar à luz a um filho. Etimologicamente a palavra
“trabalho” em latim é labor.
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 38
Sobre o tema, Bauman faz o seguinte comentário:
De acordo com o Oxford English Dictionary, o primeiro uso da palavra
trabalho com o significado de exercício físico dirigido a suprir as
necessidades materiais da comunidade foi registrado em 1776. Um
século mais tarde, passou a significar também o corpo geral de
trabalhadores e operários que participam da produção e pouco depois
os sindicatos e outras associações fizeram o vínculo entre os dois
significados (BAUMAN, 2008, p. 27).
Bauman (2008, p. 43) ainda acrescenta “a passagem da modernidade
pesada ou „sólida‟ para a „leve ou liquefeita‟ constitui a estrutura na qual a
história do movimento trabalhista foi inscrita”. Uma expressão significativa da
palavra trabalho encontra-se no trabalho escravo. Fazenda (2002) coloca que o
trabalho escravo sempre existiu e, por incvel que possa parecer, é encontrado,
ainda que esporadicamente, nos dias atuais. Em portugs a palavra “trabalho”
(assim como em frans e espanhol) tem origem no vobulo latino tripalium. Os
vocábulos trabalhar (portugs), travailler (francês) e “trabajar” (espanhol)
possuem a mesma origem do latim vulgar “tripaliare”, que por sua vez é derivado
de tripalium um antigo instrumento de tortura e castigo que era usado nos
escravos e outros seres tidos como não livres formados de ts hastes. Tripaliar
significava torturar com o tripalium. Segundo Werneck:
A origem etimológica dessa palavra [“tripalium”] expressa a idéia de
padecimento e cativeiro, sentido que pode ser encontrado no Antigo
Testamento, onde o trabalho é associado a sacrifício, por representar
uma punição de Deus ao pecado original. Assim está escrito no livro
do Gênesis, em seu terceiro capítulo, versículo19: No suor do teu
rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra (WERNECK, 2000,
p. 34).
O tripalium era colocado no pescoço do indivíduo para que pudesse nele
provocar dor e desconforto. Existem registros sobre tripalium como instrumento
feito de três paus aguçados, geralmente feitos com pontas de ferro, com o qual
os agricultores batiam o trigo e o milho para rasgá-lo e esfiapá-los o que não
subtrai o seu conceito e caráter também destrutivo. Laborare, igualmente do
latim, significava balançar o corpo sob uma carga pesada e em geral era usado
para designar o sofrimento e o mau trato do escravo. Respectivamente em
inglês e em alemão, “work” e “werke” estão ligados à atividade criativa,
enquanto “labour” e “arbeit” têm conotação de esforço e cansaço.
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 39
Sennett (2005, p. 9) explica que “a palavra job que em inglês do século
XIV significava um bloco ou parte de alguma coisa que se podia transportar
numa carroça de um lado para o outro”.
Na mesma linha de Bridges (1995) comenta que a palavra emprego
(“job”) remonta a um período anterior ao ano 1400, mas até 1800 significava
uma coisa diferente do conceito atual. No começo, a palavra emprego pode ter
sido uma variante de “gob” (bocado), porque representava uma pequena
porção compacta de alguma substância; um pedaço, um naco, um bocado.
Tanto “job” como “gob” podem ter surgido originalmente de uma palavra céltica,
“gob” ou “gop” (boca). Iniciando-se com o sentido de “pedacinho” de alguma
coisa, o conceito foi ampliado para incluir “grandes montes” de coisas como
montes de feno ou estrume de curral. Por volta da época em que os imigrantes
puritanos ingleses chegaram a Plymouth, a palavra deu outro passo em seu
significado, mudando de “grande monte” em si para o ato de transportar tal
monte numa carroça.
Essa transição para os empregos modernos foi gradual, acontecendo
mais rapidamente em alguns lugares do que em outros. Os mesmos
tipos de forças econômicas estavam em ação, os mesmos tipos de
angústias eram gerados, e as pessoas tanto as de então como as de
hoje polarizavam-se naquelas que sentiam-se excitadas pelas
possibilidades e naquelas que estavam estarrecidas com os custos.
Contudo, à medida que as terras comuns nas quais as pessoas
mantinham hortas ou pastoreavam ovelhas, começaram a ser cercadas
por seus proprietários nominais, e à medida que o trabalho nas novas
fábricas oferecia uma alternativa ao trabalho doméstico, um número
cada vez maior de pessoas deixou o “job-work” ao estilo antigo e
passou a fazer uma coisa radicalmente diferente: arranjaram um
emprego, no novo significado dessa palavra (BRIDGES, 1995, p. 39).
Cortella apresenta a seguinte contribuição:
Se pegarmos, por exemplo, o período de século II a.C. até o século
V, teremos a formação da sociedade clássica greco-romana com as
heranças que o mundo grego havia gerado. Essa sociedade cresceu
em sua exuberância a partir do trabalho escravo. Em sociedades
assim, montadas com base no sistema escravocrata, a própria idéia
de trabalho remete à escravidão. Portanto, trabalho é coisa menor,
indecente, imoral ou de gente que está sendo punida (CORTELLA,
2007, p. 17).
Corroborando com os autores acima, Albornoz salienta que o trabalho
muito mais do que se caracterizar um dever é um direito do Homem. É por
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 40
intermédio dele, que o Homem se faz Homem, torna-se reconhecido, realiza-se
e deixa impressa na terra a marca de sua passagem criando seu mundo.
Na linguagem cotidiana a palavra trabalho tem muitos significados.
Embora pareça compreensível como uma das formas elementares de
ação dos homens, o seu conteúdo oscila. Às vezes, carregada de
emoção, lembra dor, tortura, suor do rosto, fadiga. Noutras, mais que
aflição e fardo, designam a operação humana de transformação da
matéria natural em objeto de cultura. É o homem em ação para
sobreviver e realizar-se, criando instrumentos, e com esses, todo um
novo universo cujas vinculações com a natureza, embora inegáveis,
se tornam opacas (ALBORNOZ, 2006, p. 8).
A alienação no trabalho é uma forma de expressar o lado negativo da
etimologia da palavra trabalho, uma vez que o indivíduo alienado está
psicologicamente sujeito a um estado de sofrimento, de insatisfação e de
angustia comparáveis à tortura física.
Fazendo um contraponto, a história sustenta que o desejo de criar
sempre foi um desejo dos seres humanos. Segundo Harman; Horman (1990, p.
31), “fundamentalmente, trabalhamos para criar e por decorrência é que
trabalhamos para comer”. Sensato pensar que enquanto norma primária de
sobrevivência da espécie humana o homem precisa se alimentar para se
manter vivos e continuar a espécie.
Nenhuma sociedade pode sobreviver sem produzir novos membros para
dar-lhe continuidade. O fato dos seres humanos trabalharem para garantir seu
sustento é condição da mais pura ordem da sobrevivência humana.
Paradoxalmente, em pleno século XXI, o trabalho ainda é realizado de
forma predatória em muitas empresas.
Longe de caracterizar uma generalização, mas a opressão combinada
com a destruição do poder criativo são forças presentes em muitas
organizações.
Albornoz lembra que é possível identificar na palavra trabalho outros
significados:
Em português, apesar de haver labor e trabalho, é possível achar na
mesma palavra trabalho ambas as significações: a de realizar uma
obra que te expresse, que dê reconhecimento social e permaneça além
da tua vida; e a de esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de
resultado consumível e incômodo inevitável (ALBORNOZ, 2006, p. 9).
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 41
Na Física, trabalho é o termo empregado para designar o nome do
produto entre força e deslocamento que um corpo em movimento realiza no
tempo. Em Sociologia, o entendimento do termo vincula-se à divisão do
trabalho social.
O termo “trabalho” assume outros significados mais específicos, como o
de esforço aplicado à produção de utilidades ou obras de arte, além dos
despachos dos membros de um governo que promulgam leis a favor da
administração blica, ações elaboradas pelos sindicatos, movimentos de
classes, entre outros. Na condição de esforço, o trabalho para alguns poderá
ter uma conotação eminentemente física; para outros, intelectual. O intelectual
acompanha o físico e a recíproca é verdadeira.
O único tipo de trabalho não observável é o intelectual quando este
fica apenas no campo das idéias. Mesmo assim, o trabalho intelectual implica
num constante “movimento” do organismo humano.
Fazenda (2002) afirma que “as idéias não mudam o mundo; o que muda
o mundo é a atitude de colocar as idéias em prática, em movimento, mediante
o fazer, a atividade; e isto é trabalho”.
Na interdisciplinaridade o trabalho situa-se na categoria ação. Não uma
ação qualquer, inútil, mas uma ação intencional, comprometida e direcionada a
determinado fim e que objetiva a transformação, aperfeiçoamento social e
educacional.
Fazenda (2002) relata que o trabalho é também uma atitude. Algo que
se exerce. É um desafio à ousadia e ao talento humano. O trabalho faculta ao
homem a condição de se conhecer e permitir ser conhecido. A conclusão é
que, na interdisciplinaridade, trabalho e ação são termos sinônimos. O trabalho
traz na sua essência um apelo ao movimento, à atividade, ao fazer.
Dentre as categorias da interdisciplinaridade Fazenda (2002) observa
que o trabalho destaca-se pelo seu mistério, pela ambigüidade, pelo fascínio
que exerce sobre a alma humana. O mistério manifesta-se na falta de
explicação do fascínio que o trabalho exerce sobre o homem e a ambigüidade
emerge de uma contradição: está no trabalho a possibilidade maior de
realização do homem, ou a sua alienação? Fazenda complementa:
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 42
A interdisciplinaridade é um conceito, uma idéia; mas uma idéia que
faz sentido ao ser exercida; e o trabalho é o exercício do homem
no sentido de consolidar, de concretizar seu saber, conceitos,
valores, idéias. Trabalho é ação criadora, um elo entre o homem e
Deus, pois o homem e a mulher foram criados por vontade e pelo
trabalho do Criador (FAZENDA, 2002, p. 127).
Albornoz (2006) chama atenção sobre o aspecto da consciência e da
intencionalidade do trabalho humano, diferentemente do gerado pelos animais
que é marcado pelo instinto sem consciência regido basicamente pelo
senso de sobrevivência. Pensamento similar havia sido observado por Marx.
Para Marx, também o trabalho é pressuposto em uma forma que o
caracteriza como exclusivamente humano, uma vez que o trabalho do homem tem
uma qualidade específica, distinta de um mero labor animal. Segundo Marx:
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a
abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção
dos favos de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça,
antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-
se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do
trabalhador, e portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma
transformação da forma da matéria natural; realiza ao mesmo tempo,
na matéria natural seu objetivo, [...] ao qual tem de subordinar sua
vontade (MARX, 1998, p. 142).
Marx (1998) afirma que o arquiteto não transforma apenas o material
sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha
conscientemente idealizado, agregando conhecimento ao processo produtivo.
O homem, ao transformar a natureza, transforma-se a si mesmo. Neste
momento o intelecto e o físico se misturam. Um complementa o outro. Em
relação ao mercado de trabalho sabemos que todo e qualquer trabalhador,
pode vender sua força produtiva. Entendendo como força produtiva o resultado
de suas competências, sejam elas físicas, intelectuais, ou ambas. A partir desta
perspectiva, a força de trabalho é uma capacidade humana e se constitui uma
mercadoria como qualquer outra. As ações realizadas pelas pessoas
caracterizam-se como atos sociais; atos estes que necessitam da existência e
do interesse de outras pessoas (mercado) para que se configure a existência
destas relações.
Marx (1998, p. 142) afirma: “antes de tudo, o trabalho é um processo
entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem por sua própria
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 43
ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza”. Nesta
citação de Marx podemos observar o lado nobre que o trabalho deveria
possuir, porém, como para muitas pessoas que não dispõem de recursos
financeiros, e que por conta disso precisam vender sua força de trabalho para
sobreviver, têm sua vida de trabalho dominada pelos interesses dos
proprietários do capital. Nesta forma menor de se perceber o que é o trabalho,
o trabalhador não se realiza enquanto pessoa. O sentimento predominante é o
da infelicidade. Fisicamente sente-se exaurido e mentalmente degradado, além
de não se sentir dono do que produz. É neste contexto que o trabalho
configura-se uma alienação.
O trabalho suscita nas pessoas diferentes reações. Para uns é um
castigo, para outros, uma benção, uma necessidade, um dever, uma
oportunidade de aprendizado contínuo, um raro prazer, caracterizando-se
como motivo de satisfação.
Neste sentido encontramos em Motta e Vasconcelos a seguinte citação:
O trabalho não é para o homem apenas uma necessidade inevitável.
É também o seu libertador em relação à natureza, seu criador como
ser social e independente. No processo do trabalho, isto é, no
processo de moldar e mudar a natureza exterior a ele, o homem
molda e modifica a si mesmo. (FROMM, 1944 apud MOTTA;
VASCONCELOS, 2002, p. 71).
Dentro daquilo que Marx afirma como um “despertar da consciência” da
classe trabalhadora, a produção deveria ser feita para o homem, e não o
homem para a produção. A citação de Stevenson e Haberman é oportuna e
não menos atual, uma vez que as idéias de Marx estão longe de desaparecer:
Se Kant foi o mais profundo filósofo do Iluminismo, Marx foi o grande
teórico da Revolução Industrial, o desenvolvimento do sistema
econômico capitalista contemporâneo (STEVENSON; HABERMAN,
2005, p. 187).
Por esta razão que o pensamento Marxista foi, e continua sendo,
importante na concepção da natureza do trabalho, pois um trabalho que tem
sentido é intrinsecamente satisfatório e gratificante. Marx afirmava que a
verdadeira natureza do homem é a soma das relações sociais que o homem
desenvolve ao longo da sua existência. Marx instiga sobre as diferenças do
trabalho produtivo do improdutivo: qual é o segredo da produção capitalista, sob o
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 44
comando do capital industrial? Como o capital pode gerar mais capital? Como
ocorre estesegredo”? O que diferencia o trabalho produtivo do improdutivo?
Os termos trabalho produtivo e trabalho improdutivo decorrem de longa
discussão que ocorreu entre os economistas clássicos. Marx define o trabalho
produtivo no capitalismo como aquele que produz valor de mercadoria, e, por
conseguinte, valor excedente, para o capital. Isto exclui todo o trabalho que não
é trocado por capital. A partir deste enfoque, profissionais autônomos,
comerciantes, religiosos, políticos e artesões, entre outros, enquadram-se nesta
classificação de trabalhadores não produtivos porque seu trabalho não é trocado
por capital, assim como também não contribuem para aumentar o capital, uma
vez que estariam fora do modelo tradicional e capitalista de produção.
Quando pagamos a uma pessoa para aparar a grama de nossa casa é
pôr em ação um trabalho improdutivo; por outro lado, quando contratamos uma
empresa especializada em jardinagem que envia uma pessoa para o trabalho
(talvez até a mesma pessoa) caracteriza-se como uma situação
completamente diferente, uma vez que nesta segunda hipótese o dono
(capitalista) da empresa de jardinagem objetiva um lucro pelo trabalho
contratado, lucro este que propiciará uma acumulação de seu capital. Verifica-
se que este mesmo trabalho (jardinagem), pode ser produtivo como
improdutivo, dependendo de sua forma social. É verdade também que esta
situação nada tem a ver com a utilidade do trabalho realizado, ou mesmo de
sua forma concreta.
Albornoz (2006) considera que, de forma restrita, o trabalho é
produtivo quando cria valor; valor este maior do que se é possível consumir
gerando lucro para a empresa em que se realiza. Só se considera como
produtivo o trabalho que se materialize em objetos. Numa concepção mais
ampla, será produtivo todo o trabalho que criar bens de consumo e também os
serviços que se destinem a satisfazer necessidades humanas. Sob esta
percepção, o trabalho do marceneiro, do agricultor, do cientista social, de um
atleta, do artista, do psicólogo, do professor, de um intelectual, assim como o
de um consultor empresarial, é, igualmente, um trabalho produtivo.
Marx ainda discorre sobre a Teoria da Mais Valia, ou seja, os trabalhos
não pagos e que nada custa ao capitalista, base da acumulação.
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 45
Toda mercadoria é resultante de um trabalho concreto, assim como toda
mercadoria pressupõe um saber fazer. Conseqüentemente acaba por provocar
um valor de uso. O que importa não é o que se faz, mas o como se faz. O valor
de um trabalho faz dele um valor de uso. Marx afirma que a mercadoria
caracteriza-se como um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas
propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza
dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não
altera nada na coisa.
A dedução é que a mercadoria pode-se materializar sob a forma de um
produto físico ou serviço. A utilidade de uma “coisafaz dela um valor de uso.
Antunes aponta que:
[...] a transferência de capacidades intelectuais para a maquinaria
informatizada, que se converte em linguagem da máquina própria da
fase informacional atras dos computadores, acentua a transformação
de trabalho vivo em trabalho morto (ANTUNES, 2006, p. 13).
Além da transformação do “trabalho vivo” em “trabalho morto”, expressões
utilizadas por Antunes, ainda outra tendência caracterizada pela crescente
imbricação entre trabalho “material” e “imaterial”, uma vez que se presencia, no
mundo contemponeo, em seus setores mais avançados, a expano do
trabalho dotado de maior dimensão intelectual (no sentido dado pela prodão
capitalista), quer nas atividades industriais mais informatizadas, quer nas esferas
compreendidas pelo setor de servos ou nas comunicações. A expansão do
trabalho em servos, em esferas o diretamente produtivas, mas que muitas
vezes desempenham atividades imbricadas com o trabalho produtivo mostra-se
como outra característica importante da “não ampliada de trabalho”, quando se
quer compreender o seu significado no mundo contemporâneo.
Historicamente a base social para a concentração do capital foi à
manufatura, período compreendido entre os culos XV até o XVIII. A
manufatura se constituiu na reuno e no agrupamento dos artesões, antes
dispersos, agora em um mesmo lugar, sob um mesmo teto e sob uma supervisão
e controle gidos de uma mesma gerência. Aspectos considerados nesta tese.
Com a manufatura inicia-se um novo modelo de produção; modelo este
que provocou mudanças significativas na forma de se trabalhar. O trabalhador
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 46
tradicional que aentão era dono do seu tempo, do seu planejamento diário e
das características do seu ofício, agora passa a ser mais um integrante da
chamada “grande fábrica”. Ele sozinho já não mais produz exclusivamente para
si ou para sua família, como também não tem mais domínio e autonomia sobre
a natureza de suas tarefas e de seus clientes, uma vez que as chamadas
“cabeças pensantes” definiam para ele o “que”, o “quanto”, o “quando” e o
“como” fazer, seguindo-se padrões normalizados e pré-estabelecidos. Neste
arranjo produtivo a totalidade da renda obtida pelo trabalho realizado também
mudou de mão - migrou do trabalhador - artesão, para o empreendedor -
capitalista detentor dos meios tecnológicos e econômicos de produção. A
renda destinada ao trabalhador limitou-se a um pagamento, previamente
combinado e materializado na forma de um salário.
Na década de 1960 foram identificadas mudanças no trabalho, no
sentido da degradação, provocadas pela intensificação do “Taylorismo” e da
racionalização e padronização do trabalho nas atividades produtivas. De outro
lado, mostrava, com certo otimismo, as tendências de mudanças dos
processos de trabalho no sentido da humanização e participação do
trabalhador. A década de 1970 foi marcada pela intensificação da degradação
do trabalho determinada pela principal contradição do trabalho moderno como
conseqüência do desenvolvimento das forças produtivas marcadas pela
revolução técnico-cientifica e automação gerando:
a) a exigência cada vez maior de instrução;
b) qualificação e inteligência, e
c) a crescente insatisfação com as condições de trabalho,
burocratização e a conseqüente alienação dos trabalhadores.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, o debate sobre o trabalho, no
contexto da terceira revolução industrial, passa a ser fortemente marcado pela
questão do desemprego, da abolição do trabalho ou do fim do emprego (termo
comumente citado por administradores e economistas), maior exigência das
competências individuais e da perda da centralidade do trabalho no
pensamento social. O Quadro 3 apresenta um resumo dos vários significados
que o trabalho acabou absorvendo ao longo da historia.
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 47
Quadro 3 - Significados do trabalho ao longo da historia
Povos/Autores
Significados do Trabalho
Gregos antigos
O trabalho manual e mecânico deveriam ser
realizados pelos escravos.
Hebreus
O trabalho era uma labuta penosa, a que o homem
estava condenado pelo pecado.
Cristianismo
O trabalho era uma punição para o pecado e servia
para afastar os maus pensamentos provocados
pelo ócio.
Lutero
O trabalho se estabelece como a base e a chave
da vida, todo aquele capacitado deveria fazê-lo,
manter-se pelo trabalho era um modo de servir a
Deus.
Calvinismo
Arrastou o homem ainda mais para o ritmo do
trabalho moderno: agir de maneira racional e
metódica continua e árdua, para pertencer aos
eleitos.
Renascimento
Através do trabalho, o homem tornava-se um
criador e podia realizar qualquer coisa.
Economia política:
- Adam Smith (1723-90)
- David Ricardo (1772-1823)
O trabalho como fonte de toda a riqueza. A divisão
do trabalho e a eficiência econômica. O trabalho
como valor.
Materialismo histórico
- Karl Marx (1818-83)
Trabalho como processo de humanização e de
produção e reprodução da vida. Contradição na
esfera dos valores do trabalho e entre as relações
sociais de produção e o desenvolvimento das
forças produtivas.
- Frederick W. Taylor (1856-1915)
- Henry Ford (1863-1947)
- Henri Fayol (1841-1925)
Divisão do trabalho na organização empresarial.
Racionalização e padronização do trabalho.
Fragmentação das tarefas.
- Elton Mayo (1880-1948)
- Abraham H. Maslow (1908-70)
- Douglas McGregor (1906-64)
- Frederick Herzberg (1923-2000)
Humanização do trabalho. Hierarquia das
necessidades humanas. Teoria X e Teoria Y
aplicadas ao trabalho. Fatores básicos e
motivacionais do trabalho.
- Milton Friedman (1912-2006)
- Harry Braverman (1920-76)
O trabalho em migalhas. A degradação do trabalho
no século XX.
- Fred Emery (1925-97)
- Eric Trist (1909-93)
- Elliott Jacques (1917-2003)
O trabalho apresenta variedades e é desafiador.
Traz aprendizagem contínua e permite autonomia,
decisão e reconhecimento. Traz contribuição social
e pode ser usado como uma defesa contra a
angústia.
MOW (Meaning of Work)
Metodologia de estudo do
significado do trabalho
O trabalho acrescenta valor a alguma coisa
Padrão A. O trabalho é central na vida das pessoas
Padrão B. O trabalho é atividade e beneficio para
os outros Padrão C. O trabalho não é agradável
Padrão D. o trabalho é exigente física e
mentalmente Padrão E. O trabalho é uma
atividade regular remunerada Padrão F.
Continua
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 48
Continuação
Povos/Autores
Significados do Trabalho
- André Gorz
- Clauss Offe
- Jurgen Habermas
- Jeremy Rifkin
- Ricardo Antunes
As transformações do trabalho no contexto da
terceira revolução industrial. O fim do emprego e a
abolição do trabalho. O debate sobre a
centralidade do trabalho no pensamento social e
econômico.
- Estelle Morin
O trabalho é eficiente e produz um resultado útil.
Há prazer na realização da tarefa. O trabalho
permite autonomia. É fonte de relações humanas
satisfatórias e matem as pessoas ocupadas. O
trabalho é moralmente aceitável.
- Manuel Castells
O trabalho flexível e a organização em redes.
[Fonte: adaptado de Nogueira eStefano]
Arendt (2007) discorre que as atividades humanas localizam-se em dois
planos, ou seja, o plano da vida ativa que compreende o trabalho para a sua
subsistência biológica e ação da vida contemplativa, que era o único modo de
vida realmente livre. A bondade cristã pode conferir uma perspectiva teológica
conferindo o amor ao próximo como uma garantia de subsistência.
Existem atributos que nem sempre passíveis de mensuração, mas
extremamente importantes para a realização de um trabalho como o
envolvimento, a motivação, a garra, o comprometimento, a criatividade e a
vontade de que toda a energia empreendida possa se consolidar em algo
concreto e positivo. As artes registram grande parte destes atributos. Não por
acaso, Arendt (2007, p. 139), afirma que “a única exceção que a sociedade
está disposta a admitir é o artista que, propriamente falando, é o único
trabalhador que restou numa sociedade de operários”.
A típica sociedade de operários está em extinção. O trabalho puramente
braçal foi incorporado pela robótica e tecnologias de última geração. Os
“artistas” a quem Arendt se refere, podem ser observados, por exemplo, junto
aos participantes de um desfile carnavalesco. A “magia” que se instala na
avenida ao longo de um desfile é algo que merece registro. Pessoas que às
vezes nem se conhecem, possuidoras de valores e características próprias, de
classes sociais as mais diversas, conseguem se unir em torno de um objetivo
comum, qual seja fazer um excelente desfile. Muitos gestores empresariais
se despertaram para este fato, pois a pergunta que fica é a seguinte: O que
fazer para que se obtenha um desempenho tão produtivo observado em uma
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 49
Escola de Samba, nas empresas, aonde, a princípio, é o local do chamado
mundo do trabalho?
No momento de um desfile carnavalesco, poucos lembram de todo um
trabalho (intelectual e físico), realizado ao longo de um ano nos barracões de
uma determinada Escola. Encontramos artesões, costureiras, intelectuais,
artistas plásticos, eletricistas, que passam o ano inteiro trabalhando com amor
e afinco em prol do sucesso. Neste momento trabalho, aprendizado e “prazer”
se confundem e exprimem criatividade, produtividade e felicidade. Do ponto de
vista econômico e financeiro, os valores investidos também não deixam de
chamar a atenção. Segundo reportagem publicada no jornal “O Estado de São
Paulo”, publicada em 22 de fevereiro de 2007, sob o título “A vitória da escola
que gastou mais: R$ 7 milhões, fazendo menção à vitória da Escola de Samba
Beija-Flor do Rio de Janeiro, observa-se o investimento financeiro, o caráter
social e a determinação do trabalho em equipe que uma Escola de Samba faz
para traduzir, em pouco mais de uma hora de desfile, o resultado de todo um
árduo trabalho que é realizado ao longo de um ano, trabalho este, conforme
mencionado, realizado por várias pessoas. Não podemos ignorar que sete
milhões de reais caracterizam-se como um valor bastante significativo, se
considerarmos a dimensão atual da nossa economia, em especial se
confrontarmos este investimento com o valor do salário mínimo vigente em
nosso país que é de R$ 465,00 (base: julho 2009).
Não é absurdo admitir que seja mais do que a receita anual de muitas
empresas. Os números sintetizam a importância de uma Escola de Samba e o
que ela representa, enquanto entidade social. Promove idéias criativas,
trabalho, ”prazer”, espetáculo e renda. A par dos recursos financeiros
“injetados” para garantir suas operações e uma constituição de poder, é fato
que uma Escola de Samba apresenta também uma liderança fluída, leve, longe
das amarras do controle supremo e da burocracia constrangedora,
diferentemente daquilo que se observa em muitas empresas. Ratifica o fato de
ser um centro gerador de trabalho, “prazer” e renda, além de configurar como
um tratado do poder criativo das pessoas. A reportagem em apreço também
faz menção sobre a chamada gestão profissional, pois a perfeita integração
entre os grupos, alas, integrantes, diretores, que compõem a Escola, conferem
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 50
a ela um diferencial, nem sempre observado na empresa tradicional. Enquanto
para muitas pessoas Escola de Samba, é um puro passatempo e diversão,
para pessoas mais críticas e que exercitam um poder maior de análise e
reflexão, trabalha-se - e muito -, numa Escola de Samba. A diferença é que
numa Escola de Samba, trabalho é sinônimo de criatividade, trabalho em
equipe, “prazer” e realização, não de castigo, submissão e punição.
A suposição que o Ócio Criativo está presente em uma Escola de
Samba configura-se como algo empiricamente observável.
É verdade, também, que o trabalho mantém o homem ocupado.
Estrutura o tempo, permite organizar a vida diária e, por extensão, nossa
história pessoal.
Tempo é algo irrecuperável. Com propriedade, Giannetti faz uma
interessante reflexão sobre como utilizamos o tempo em nossas vidas:
A vida é um intervalo finito de duração indefinida. O futuro nos
interroga. A vida é breve, os dias se devoram... O futuro é o tempo
que nos resta: finito, porém incerto. O que valeria a pena escolher:
por mais vida em nossos anos ou mais anos em nossas vidas?
(GIANNETTI, 2005, p. 21).
2.2 Diferenças Conceituais e Semânticas: Trabalho e Emprego
Trabalho e emprego o conceitos distintos. São definidos, freqüente e
erroneamente, de forma similar, fato que provoca certa confusão. Resumindo,
o trabalho pode ser entendido como um gasto de energia mediante um
conjunto de atividades coordenadas que produzem algo útil. Esta conceituação
é provida de muita simplicidade o que sugere uma reflexão mais ampla,
reflexão esta que agora é desenvolvida. Para De Masi (2000) o futuro pertence
a quem diariamente souber libertar-se da idéia tradicional de uma atividade
desenvolvida sob o enfoque da obrigação, dever ou castigo (“emprego”) e for
capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá
com o aprendizado e com o “prazer”.
O trabalho corresponde a um processo de transformação do mundo, a
realização de uma atividade que acrescenta valor. Proporciona, a quem o
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 51
realiza, um sentimento de prazer, de realização, além de gerar contribuição
para a sociedade.
Ao contrário do emprego, o trabalho pode ou não ser desenvolvido dentro
de um processo formal, legal e assalariado, embora o trabalho, por sua vez, está
caracterizado pelo enquadramento social de obrigações e de exigências que o
precede, estando sempre situado em um contexto econômico. Emprego consiste
em prestar serviços a um empregador, sob a dependência dele e mediante
alguma forma de remuneração. Demo (2008) afirma que o emprego sempre foi o
consolo do crescimento econômico capitalista. Emprego e salário se confundem,
principalmente, em épocas tidas como de “pleno emprego”. Tal terminologia
tornou-se uma idéia fictícia, uma vez que faz parte da estrutura da economia
competitiva globalizada crescer sem aumentar o número de empregados.
A prodão e uso intensivo de conhecimento facultam a lógica da “mais-
valia relativa”, conceito introduzido por Marx, e que caracteriza a introdução de
ciência e tecnologia nos processos produtivos, o que permite mudaas profundas
no modo capitalista de produção, a começar por encurtar o tempo de trabalho e,
sobretudo pela possibilidade de reduzir a necessidade deo-de-obra”.
Hoje explora-se mais o conhecimento e menos a força do trabalhador.
Demo (2008) acrescenta que é possível produzir mais e melhor com menores
custos de empregados. Torna-se uma tarefa difícil, tentar colocar no mercado
um número significativo de desempregados, pois caso isto ocorresse, a
economia mundial deixaria de ser competitiva, uma vez que grande parte
destas pessoas não está devidamente qualificada. Enquanto a mais-valia
absoluta baseava-se na exploração, visualizada basicamente no tempo
alargado de uma atividade, a mais-valia relativa permite, com investimentos
crescentes em aprendizagem e conhecimento, avançar exponencialmente na
produtividade, observando e mantendo a respectiva taxa de lucro.
Morin também assume uma visão interessante e, ao mesmo tempo,
oportuna sobre o conceito de emprego:
Trata-se da ocupação de uma pessoa, correspondendo ao conjunto de
atividades remuneradas em um sistema organizado economicamente.
A noção de emprego, implica quase necessariamente a noção de
salário e do consentimento do indivíduo em permitir que outra pessoa
dite suas condições de trabalho (MORIN, 2007, p. 21).
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 52
No século XX novos modelos organizacionais apareceram e a natureza
do trabalho modificou-se. Foi observado o desaparecimento de muitas
atividades manuais altamente especializadas, cedendo lugar ao surgimento de
formas inovadoras de organização do trabalho, impulsionada basicamente pelo
então chamado imperativo tecnológico. Este como em nenhum outro momento
da história humana alterou radicalmente a forma de se produzir. Por
conseqüência, a concepção do sentido do trabalho, sua importância, a forma
de realizá-lo e o perfil exigido do trabalhador também foram alterados. Na
Figura 3, podemos observar dois tipos bem distintos de trabalhadores. O
primeiro, um típico trabalhador administrativo da década de 1960, cercado por
“quatro paredes” e utilizando-se de uma tecnologia bastante rudimentar para os
padrões de hoje. O segundo, um trabalhador tido como “sem fronteiras”,
também conhecido e chamado de trabalhador global, ou ainda, para utilizar um
termo bastante difundido atualmente “trabalhador do conhecimento”.
Figura 3 - Tipos de trabalhadores: (A) trabalhador tradicional dos anos 60 e (B)
trabalhador do conhecimento [Fonte: www.google.com.br]
O trabalhador do conhecimento não precisa mais estar em um único
lugar para realizar suas atividades. Por intermédio da tecnologia da
informação e dos sistemas de comunicação, hoje disponíveis, está conectado
com o mundo, e o mundo passa a ser o seu próprio habitat, constituindo
assim o seu local de trabalho a qualquer tempo.
O paradigma de lugar estático para se trabalhar e com hora marcada foi
quebrado. Enquanto que, para o trabalhador da década de 60 era
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 53
imprescindível um deslocamento físico diário entre sua residência e a empresa,
para o trabalhador do conhecimento o trabalho não guarda restrições de
espaço e nem de tempo. Esta é a razão dele ser realizado em qualquer lugar
em qualquer horário, fato este que provoca novos desafios para os líderes.
Corroborando com esta proposta Robbins afirma:
O trabalho do administrador em uma organização interconectada é
diferente do tradicional, especialmente no que diz respeito à gestão
de pessoas. Motivar e liderar pessoas, por exemplo, e tomar decisões
colaborativas “on-line” são atividades que requerem técnicas diversas
daquelas empregadas quando os indivíduos estão fisicamente
presentes (ROBBINS, 2005, p. 19).
Em especial a partir da década de 90, observa-se uma disseminação no
uso da internet resultando em uma nova ambiência corporativa. A velocidade
da informação e as novas plataformas computacionais alteram o modus
operandi de como o trabalho é realizado. Oliveira (2003, p.96) afirma que “os
empregos tradicionais estáveis e a tempo integral, estão desaparecendo com a
revolução informacional”. Não correndo o risco de fazer generalizações
precipitadas e não menos indevidas, é fato que estas mudanças na forma e no
conteúdo no relacionamento entre o homem e o trabalho não se aplicam a
todas as profissões. Pressupor isto seria, no mínimo, ingênuo, mas é fato,
também, que via o teletrabalho, - ou trabalho a distância - “telecommuting” - um
significativo número de pessoas desenvolve suas atividades longe do
endereço contido nos seus cartões de visita ou no da razão social de suas
empresas.
O teletrabalho facilita o desenvolvimento de muitas tarefas, outrora feitas
única e exclusivamente nas empresas e que hoje, por conta da mobilidade que
o teletrabalho proporciona, são realizadas em casa, nos aeroportos, hotéis,
restaurantes, cafés, escolas, “shoppings centers”, enfim, em praticamente
qualquer lugar.
Não se trata, apenas, de uma pura inovação logístico-incremental, mas
também temporal-existencial. Em ntese, o teletrabalho permite deslocar o local
de trabalho para onde melhor convier a quem o execute. Esta forma de se
produzir dispensa não o olhar vigilante da supervisão, mas também a rigidez
e a imobilidade dos espaços em que, sob seus olhos, os funcionários produziam.
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 54
Robbins (2005) declara que o funcionário típico das cadas de 60 e
70 comparecia ao trabalho de segunda à sexta-feira e cumpria horários fixos
para uma jornada diária compreendendo de oito a nove horas. O local de
trabalho e os horários eram claramente especificados. Isso não acontece
mais hoje com grande parte da força de trabalho. A chamada “net genetation”,
denominação que Tapscott (2009) atribui àqueles que nasceram no período
compreendido entre janeiro de 1977 a dezembro de 1997 e cresceram em
uma época de avanços tecnológicos significativos são, à priori, os
profissionais que mais facilmente aderem a esta nova modalidade. O mesmo
autor já chama de “generation next” (ou geração z) os nascidos a partir de
janeiro de 1998 até o presente, cuja interatividade com os sistemas
computacionais é ainda maior.
De Masi (2001) faz a seguinte consideração sobre a forma em que o
trabalho é estruturado e lança a seguinte prerrogativa em defesa do
teletrabalho:
horários demasiadamente sincronizados, de modo que todo
mundo sai para trabalhar na mesma hora do dia, todos o para a
asa de campo ou de praia na mesma noite de sexta-feira, todo mundo
sai e volta das férias nas mesmas datas durante o verão, fazendo
com que o trânsito se torne lento, se perca tempo e aconteçam
inúmeros acidentes mortais Há uma rejeição obtusa e persistente
tanto contra o teletrabalho, que permitiria que se evitasse o tormento
dos deslocamentos repetitivos, quanto contra as novas tecnologias,
que propiciam a obtenção, sem sair de casa, de todos os documentos
e atestados que a burocracia insiste em requerer (p. 21).
É verdade que o teletrabalho não se caracteriza como uma verdade
absoluta. Propicia vantagens e desvantagens tanto para as empresas como
para os funcionários. As vantagens residem no fato de melhorar a qualidade de
vida das pessoas, que podem programar sua agenda diária com mais
flexibilidade, permite também que se gaste menos tempo no trânsito (e até se
elimine), com deslocamentos, que muitas das vezes são desnecessários e
improdutivos.
Com efeito, economias financeiras, melhor otimização do tempo e
redução do nível de estresse são alguns resultados desta prática. Entendo que
estes argumentos oferecidos pelo teletrabalho concorrem positivamente para a
cristalização do conceito do Ócio Criativo. Para as empresas o teletrabalho
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 55
promove uma redução de custos na medida em que elimina a necessidade de
espaços físicos para suas instalações e despesas com aluguéis, energia
elétrica, entre outros.
As desvantagens do teletrabalho é que este exige profissionais com um
perfil adequado. Disciplina, maturidade, determinação, auto-liderança e
comprometimento com a organização, são algumas características sicas,
uma vez que os profissionais do teletrabalho deverão cumprir prazos,
transformar objetivos em realidade e apresentar resultados, longe do controle
direto de seus respectivos superiores.
Não é qualquer pessoa que consegue trabalhar a distância. Ainda é
grande o número de indivíduos que, uma vez em casa ou em qualquer outro
lugar, que não seja o seu local físico de trabalho, deixam-se levar pelos
afazeres domésticos ou se dispersam no envolvimento de outras atividades. No
contraponto também é importante destacar que numa economia globalizada o
mundo “não dorme” o que significa que muitas pessoas poderão trabalhar
muito além das oito ou nove horas citadas por Robbins. Aqui reside um ponto
nevrálgico do teletrabalho que deve ser considerado. Como toda e qualquer
mudança organizacional, trata-se de um processo lento, gradativo e que exigirá
aprimoramentos no decorrer do tempo. Cada organização possui sua própria
identidade e cultura, fato que deve ser respeitado na hora da definição do seu
próprio modelo organizacional.
Ligada ao Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP),
a revista Administrador Profissional, apresenta matéria denominada Liderança
remota, em que é feita a seguinte citação:
[...] trabalhar a distância, fora do escritório, deixou de ser prática
somente de profissionais autônomos ou executivos de grandes
empresas. Pesquisa realizada pelo instituto “Market Analysis” mostra
que a cada quatro brasileiros adultos em atividade, pelo menos um
adota o teletrabalho de alguma forma, ao longo do mês. Nas
estimativas da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades
(Sobratt), 10,6 milhões de pessoas aderem à modalidade (REVISTA
ADMINISTRADOR PROFISSIONAL, 2009)
A mesma matéria também aborda o fato de uma pesquisa feita pela
“Sustainable Teleworkimg” (Sustel), organização financiada por sete grandes
empresas européias de telecomunicações. A pesquisa demonstrou que a
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 56
adoção do teletrabalho proporcionou um aumento de 30% a 60% de
produtividade nas empresas, já no primeiro ano de adesão ao modelo.
Prosseguindo a análise, na Figura 4, podemos observar outros dois tipos
de trabalhadores desenvolvendo a mesma atividade. O que difere é mais uma
vez a imposição do imperativo tecnológico contribuindo para o ganho de
eficiência.
Figura 4 - Trabalhadores desenvolvendo mesma atividade com tecnologias diferentes.
(A) Trabalhador sem tecnologia e (B) Trabalhador com alto grau de
tecnologia [Fonte: www.google.com.br]
Mesmo tendo-se modificado sua forma e conteúdo, o trabalho continua
mantendo um lugar importante na sociedade, não como meio de
subsistência, mas também pela sua representatividade. Quando se fala em
trabalho entendemos toda a atividade, seja ela, manual física, intelectual,
artística e autônoma individual, coletiva e independente. Nesta linha de
raciocínio De Masi (2003, p. 165) afirma que “o trabalho nos faz humanos,
cidadãos, sociáveis, produtores e consumidores; legitima-nos a desejar e a
obter”. Esta conceituação não se caracteriza como verdade absoluta, ao
contrário, encontra discórdia, como por exemplo, Lafargue afirma:
Uma estranha loucura dominou as classes operárias das nações
onde reina a civilização capitalista [...] Essa loucura é o amor ao
trabalho, a paixão moribunda que absorve as forças vitais do
indivíduo e de sua prole até o esgotamento [...] Na sociedade
capitalista, o trabalho é a causa de toda degeneração intelectual, de
toda deformação orgânica (LAFARGUE, 2003, p. 19).
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 57
Na citação de Lafargue, pode-se notar uma crítica ao sistema capitalista
e aos mecanismos e formas do trabalho, produção, consumo e renda. Para o
autor, o capitalismo caracteriza-se pela fragmentação em todas as esferas da
vida social, partindo da fragmentação da produção, da dispersão espacial e
temporal do trabalho e da destruição dos referenciais que balizam a identidade
das classes sociais. Fiel ao seu modo de pensar e de interpretar a realidade,
ele entende que o homem desviou-se da sua missão histórica; deixou-se
perverter pelo dogma do trabalho o que explica as misérias individuais e sociais
da sociedade moderna.
O fator positivo é a reivindicação a uma quantidade maior de tempo livre,
o que não significa ociosidade, mas tempo para criar. Conceito que é ampliado
se desenvolvemos uma atividade compatível com nossa vocação, não ficando
limitando, necessariamente, a uma atividade penosa, odiosa e desgastante.
Fato consumado, o capitalismo está presente em, praticamente, todo o
mundo. Vivemos hoje em uma economia marcada, principalmente, pela
liberdade de mercado. No mundo corporativo atual, o “palco” é o mundo
globalizado, habitado por uma pluralidade de empresas abrigando profissionais
cada vez mais cosmopolitas.
Esta tese concentra-se neste modelo capitalista, uma vez que nele está o
mundo real, mundo este em que temos a chance de realizar o nosso trabalho.
Esta premissa também foi objeto de análise de outros autores, como
Albornoz onde afirma:
Ainda hoje nos defrontamos com a ideologia do trabalho e seus
adeptos na sociedade burguesa. No século XIX, tratava-se de
incentivar os indivíduos ao máximo esforço que devia resultar em
máxima riqueza e máximo lucro. Talvez hoje esta seqüência esteja
mudada. Não se trata mais de máximo esforço. O nosso tempo se
acostumou a usar das facilidades da automação. E deve acomodar
sua ética às sofisticações da técnica. Hoje se trata de buscar a
máxima eficiência com o menor esforço. Mas conserva-se a
finalidade da expansão da riqueza e do máximo lucro no capitalismo
(ALBORNOZ, 2006, p. 72).
De Masi considera que hoje a supremacia do trabalho não admite
discussões.
Caso se tenha um emprego, e no caso “um emprego”, tem-se direito a
uma renda mensal, ao respeito e reconhecimento social, e à segurança de uma
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 58
assisncia médica, assim como de uma aposentadoria. Ao contrário, o trabalho
faz parte de uma categoria libertadora, gratificante, honrosa e santificadora. É a
realizão de uma crião por meio da obra do Homem, dever social, expião,
legítimo orgulho, auto-realização, fonte socialmente digna e aprecvel de ganho.
É neste enfoque que o trabalho ocupa um lugar central na vida das pessoas.
Para os gregos, por exemplo, o trabalho tinha uma conotação
estritamente física: trabalho era tudo aquilo que fazia suar, com
exceção do esporte. Quem trabalhava, isto é, suava, ou era um
escravo ou era um cidadão de segunda classe. As atividades não-
físicas (a política, o estudo, a poesia, a filosofia) eram “ociosas”, ou
seja, expressões mentais, dignas somente dos cidadãos de primeira
classe (DE MASI, 2000, p. 17).
De Masi (2000) observa que a sociedade industrial não fez com que,
para muitos, se tornasse inútil o cérebro como também fez com que somente
algumas partes do corpo fossem utilizadas. O que difere da sociedade rural na
qual o camponês, para usar a enxada ou a pá, assim como o pescador para
pescar, além de utilizar o corpo inteiro, usava talvez um pouco mais de cérebro.
Na Figura 5 podemos observar a diferença entre os termos trabalho e
emprego.
Figura 5 - Diferença entre trabalho e emprego: (A) trabalho e (B) emprego [Fonte:
www.google.com.br]
A noção que temos é que quando observamos um grupo de voluntários
chamados “Doutores da Alegria” (Figura 5A), no exercício de suas atividades
sem o compromisso que, ao final dele, receberão um salário propriamente dito
pelo ato realizado, é que não seja um trabalho. É pseuda esta impressão.
Trata-se de uma ação desenvolvida com autonomia, voluntária e social,
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 59
revestida de um forte senso humanitário. O “médico tradicional” (Figura 5B),
realizando seu atendimento também está desenvolvendo uma digna atividade é
verdade, porém com o dever de cumprir uma carga horária pré-definida e com
autonomia restrita uma vez que não possui amplos poderes decisórios,
excluindo-se àqueles relativos à sua profissão.
Ao final do mês receberá um salário pelos serviços prestados. É verdade
que podemos desenvolver um trabalho e receber um salário por isso. Assim
como podemos, mesmo na condição de assalariado, trabalhar para uma
organização seguindo os padrões pré-definidos em lei e regidos por um
contrato de trabalho. O que difere é que um trabalho para existir depende do
homem e não necessariamente de uma organização. Pode-se trabalhar e obter
renda sem necessariamente estar empregado e/ou vinculado a uma
organização. Uma prestação de serviço, por exemplo, atesta a afirmativa.
Para se colocar o emprego em perspectiva, conforme afirma Singer
(2006), é necessário explicitar e examinar de forma crítica uma série de
pressupostos que o discurso corrente subentende. O fato de que as pessoas
necessitam de uma ocupação profissional, não é necessariamente sinônimo de
emprego, pois este conceito implica no pagamento de um salário, conforme
mencionado. Uma relação de emprego existe quando alguém, via-de-regra,
uma organização, um emprego a alguém. A própria linguagem é
enganadora uma vez que não qualquer doação, mas sim um processo de
compra e venda. Singer complementa:
O emprego resulta de um contrato pelo qual o empregador compra a
foa de trabalho ou a capacidade de produzir do empregado. Os
empresários gostam de falar de oferta de emprego, como se o emprego
fosse alguma diva que a firma faz ao empregado. Na realidade, é o
contrio: é o trabalhador que oferece, ele que é o vendedor, e a
mercadoria não é o emprego, mas a capacidade de produzir do
trabalhador. A firma empregadora é o comprador, o demandante e, como
tal, paga o preço da mercadoria o salário (SINGER, 2006, p. 12).
O que chama a atenção nas economias mundiais é uma drástica
redução dos níveis de emprego, seja por conta de processos de automação, de
terceirização ou de profissionais que, por conta de uma baixa qualificação, de
uma baixa empregabilidade, não conseguem sobreviver frente às novas
exigências do mercado e das tecnologias existentes.
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 60
Gehringer faz a seguinte consideração:
[...] o emprego, como s o conhecemos hoje, é um femeno pico do
culo XX. Ele não existia no culo XIX, e vai aos poucos deixando de
existir no século XXI. Noculo XIX a concorrência era pequena, porque
sete de cada dez pessoas trabalhavam na lavoura. E, dos que
trabalhavam em indústrias nas cidades, a grande maioria executava
servos pesados e manuais, sem necessidade de qualquer
especialização. Logo, os salários eram insignificantes, e os benefícios,
inexistentes. [...] Para quem es se preparando para uma carreira no
culo XXI, a primeira coisa a ter em conta é que “um emprego” não será
mais uma oão. Se uma exceção (GEHRINGER, 2006, p. 152).
Marras (2008), em seu livro Capital - Trabalho, o desafio da gestão
estratégica de pessoas no século XXI, apresenta dados da realidade brasileira,
em especial de funcionários da indústria de telecomunicações. Pode-se
observar estes dados no Quadro 4.
Quadro 4 - Número de funcionários da indústria de telecomunicações
Ano
Empregados
(em mil)
Ano
Empregados
(em mil)
1990
35,3
1998
22,9
1991
33,0
1999
23,9
1992
30,0
2000
25,2
1993
24,5
2001
17,8
1994
22,6
2002
11,7
1995
21,8
2003
11,8
1996
21,7
2004
14,3
1997
22,6
2005
14,4
[Fonte: Brasil em números de empregados na indústria de telecomunicações (em mil).
Decon/ABINEE, 30 mai 2006 (série revisada)]
Sobre o quadro acima, Marras afirma que:
[...] apresenta, no período de 1990 até 2003, uma redão de 35,3 mil
empregados, na atividade industrial de telecomunicões, para 11,8 mil
empregos, representando em treze anos uma redução de atividade direta
de 66,6%, ou seja, a dispensa de 2/3 da foa de trabalho ou, ainda, 23,5
mil empregos no peodo (estima-se a cadeia de fornecedores e correlatos
envolvidos quatro vezes, portanto uma posvel redução adicional de mais
de 100 mil empregos indiretos). Uma pequena retomada no peodo de
2004, estabilizando-se em 2005, de 20%, porém ainda representando uma
redução de aproximadamente 60% em quinze anos. Em 2006, os
indicadores apontaram um crescimento da ordem de 7% no nível de
empregos desse setor, mas essa derivada positivao altera o panorama
analisado (MARRAS, 2008, p. 45).
A DIMENSÃO ATUAL DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO - 61
Precisamos de uma ocupação e não de emprego. Ocupação, segundo
Singer (2006) compreende toda atividade que proporciona, além do sustento,
outras responsabilidades, não financeiras, a quem a exerce. Emprego
assalariado é um tipo de ocupação nos países capitalistas a mais freqüente -,
mas não o único.
No Quadro 5, observa-se a evolução da estrutura ocupacional da
populão economicamente ativa pode ser acompanhada no Brasil, entre 1981 a
1990, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Quadro 5 - População economicamente ativa
Categoria Sócio Ocupacionais
1981
1983
1986
1990
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
Empregadores
3,2
3,2
3,5
4,7
Empregados públicos
8,0
8,3
9,2
9,7
Empregados de empresas particulares
50,4
50,5
50,5
48,8
Trabalhadores autônomos
22,3
22,1
22,4
22,6
Trabalhadores domésticos
6,1
6,6
6,7
6,2
Não-remunerados
10,0
9,3
7,7
8,1
[Fonte: IBGE (1994) apud.Singer (2006, p. 14)]
Segundo Singer (2006) o aumento da proporção de empregadores e de
não-remunerados, em 1986-1990, sugere que houve alguma descentralização
do capital com a multiplicação de pequenas empresas. As transformações
econômicas ocasionadas pelo conjunto de mudanças tecnológicas, também
conhecidas como Terceira Revolução Industrial e pela crescente globalização
das atividades econômicas são âncoras que justificam os números. Os
aumentos de produtividade permitem baratear os preços dos produtos, fato que
provoca o aumento do seu consumo entre as classes sociais, mas o que se
observa é o não aumento do emprego assalariado. Por isso o volume total dos
empregos tende a cair.
CAPÍTULO 3
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 63
“O Ócio Criativo não é ficar parado com o corpo,
ou uma ação corporal não-obrigatória. O Ócio
Criativo é aquela trabalheira mental que acontece
até quando estamos fisicamente parados, ou mesmo
quando dormimos à noite.
Ociar não significa não pensar.
Significa não pensar em regras obrigatórias,
não ser assediado pelo cronômetro, não obedecer
aos percursos da racionalidade e todas aquelas
coisas que foram inventadas para bitolar o
trabalho executivo e torná-lo eficiente”.
Domenico De Masi
A expressão Ócio Criativo é creditada ao sociólogo do trabalho Domenico
De Masi. De Masi nasceu em Rotello, província de Campobasso sul da Itália, no
dia de fevereiro de 1938. Começou a lecionar em 1961 e, desde então,
presidiu a Facoltá di Scienze della Comunicazione e assumiu a cátedra de
Sociologia do Trabalho na Universidade “La Sapienza”, em Roma. Utilizando
uma expressão do mundo acadêmico, De Masi sempre foi um aluno “adiantado
em um ano”. Tanto no sentido metafórico, uma vez que sempre nutriu um
interesse obstinado pelo futuro, como no sentido literal, porque eliminou alguns
anos do curso primário e continuou a avançar quase todas as etapas do estudo
clássico. Aos dezenove anos publicava na revista “Nord” e “Sud”, ensaios de
sociologia urbana e do trabalho. Com vinte e dois anos ensinava na
Universidade de Nápoles. Quando começou a encontrar-se com Serena Palieri
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 64
para escrever o livro O Ócio Criativo, era professor de Sociologia do Trabalho
na Universidade “La Sapienza de Roma além de ser o fundador e diretor da
“S3-Studium- Escola de Especialização em Ciências Organizacionais.
De Masi (2000) adverte que algumas transformações são tão intensas e
velozes em nossas vidas que, na maioria das vezes, passam despercebidas
até mesmo por quem as está vivenciando. Araujo Filho (2007) cita que De
Masi, nesse processo, identifica que a sociedade industrial que se baseou em
uma produção de larga escala de bens materiais, abrangeu um espaço de
tempo que foi de 1700 até meados de 1900. Com o término da Segunda
Guerra Mundial, esse cenário começou a perder terreno para um novo ciclo,
qual seja o da rápida afirmação de um modelo socioeconômico baseado no
binômio rompimento-novidade, no “tudo novo”, que, de acordo com sua
percepção, por comodidade, De Masi denomina de era pós-industrial. Período
em que se prioriza a produção de bens imateriais: informação, serviços,
símbolos e estética.
Diferentemente de abordagens superficiais pregadas por alguns autores da
administrão moderna, De Masi não só teme o ridículo como também abomina a
ultrapassada literatura centrada no poder” e “ter”, a qualquer preço, em
detrimento do “ser”. Tamm não compactua dos apelos pseudopsicológicos de
autores que pregam a auto-ajuda como solução plena dos problemas
organizacionais que gravitam por uma esfera maior.
Ao contrário, sua reflexão nos remete a uma reestruturação produtiva
necessária para a era pós-industrial, aonde as idéias e o conhecimento são
mais importantes que os músculos e o dinheiro. É verdade que a sociedade
consumista continua muito arraigada aos valores antigos e a perseguir o tripé
de sustentação de um modelo que caminha para o declínio representado pela
busca alucinada do poder individual, do acúmulo de riqueza e do sucesso a
qualquer preço, o que De Masi denomina tensão febril.
As principais conseqüências de caráter socioeconômico desse
movimento, segundo De Masi (2000), são mais bem interpretadas mediante as
seguintes constatações:
- ampliação da longevidade e do período da vida humana útil após os
50 anos;
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 65
- amplo crescimento demográfico;
- proposição de novos temas sociais;
- surgimento de novos valores;
- aparecimento de inéditos objetos de desejo;
- desestruturação do tempo e do espaço;
- conexões novas entre estudo-trabalho, devido ao aumento do tempo
livre; e,
- alargamento da expectativa do desenvolvimento, sem o tradicional
conceito de emprego.
Da mesma forma que emprego e trabalho, ócio e ociosidade são
conceitos distintos. O ócio é bom somente se nos colocarmos de acordo com o
sentido da palavra. O ócio aqui referido não possui qualquer equivalência com
a apatia, “vagabundagem” ou indolência. Ao contrário, expressa um profundo
compromisso em relação à reorganização do aproveitamento do tempo, da
criatividade, do prazer e do significado da vida.
O Ócio Criativo pregado por De Masi, eleva o indivíduo para a arte, para
a criatividade e para a liberdade. Por se tratar de um recurso escasso deve ser
usado com uma exímia perícia econômica, de forma a poder vir a contribuir
para o aumento da qualidade e da produtividade, uma vez que propicia a
elevação do espírito e a geração das boas idéias. De Masi entende que ócio é
fundamental para a criatividade e mesmo para a sanidade humana.
Trabalho, estudo e “prazer” constituem a estrutura básica do
pensamento de De Masi. Longe de assumir um posicionamento cartesiano, De
Masi uma simultaneidade e uma perfeita integração entre estas três
variáveis, isto é, o homem desenvolve seu trabalho, nele continuamente tem a
oportunidade de aprender; fato este que ocorre dada a inter-relação entre o
sujeito e o seu objeto e, se divertir tudo ao mesmo tempo -, de forma
integrada, múltipla e harmônica.
É verdade que a palavra ócio ainda guarda sentido discriminatório e
pejorativo em nossa sociedade. Normalmente o indivíduo que pratica o ócio é
tido como “vagabundo”, indolente, àquele que é desprovido de qualquer
responsabilidade por encontrar-se, via-de-regra, em estado de contemplação.
Trata-se de um pré-juízo formado anos, herança talvez de todo o nosso
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 66
processo de industrialização que privilegiava mais os músculos ao cérebro.
Contrariamente, estar ou pôr-se em movimento simboliza uma energia que a
sociedade valoriza e descaracteriza como ócio.
A codificação que é feita deve-se muito mais pelo impulso físico
apresentado pelo indivíduo e por sua fadiga, dor e sofrimento do que pelo
resultado de sua obra. a ociosidade associa-se à preguiça, a opção
deliberada pelo nada fazer.
Diferente do ócio, na ociosidade o indivíduo simplesmente não consegue
se organizar para lidar com as experiências da vida, com os projetos, as
sensações e, não raro, muitas vezes se entediado por não saber qual o
propósito daquele espaço de tempo. O ócio possui outro significado. É ter esse
espaço para um momento que é seu no sentido de criar, qualificar e enobrecer
o que é vivido.
No trabalho, o indivíduo sente as coisas que aconteceram, planeja e
cria. É uma qualificação do espaço e da experiência. Sem o ócio não temos
condições e nem o tempo necessário para arranjar soluções para o mundo
atual. Nada se constrói na ociosidade. No ócio sim. Ao contrário do que se
pensa comumente, o ócio implica aproveitar uma pausa para refletir sobre a
vida, organizar mentalmente os acontecimentos diários, além de compreender
melhor a si próprio. Um período de pensar e organizar as experiências,
aproveitando-as na elaboração de novos projetos e caminhos.
Na Grécia antiga, o ócio estava voltado a um conhecer e ao projeto de
conhecimento de um modo geral. Um voltar-se para si mesmo e conhecer o
que está ao nosso redor. Este conceito também se fez presente na Idade
Média, como meio de se chegar a Deus. Na contemporaneidade, com a noção
que ainda temos sobre a supervalorização do esforço físico e da necessidade
de se estar em constante movimento, o ócio parece não fazer sentido e
assume contornos de uma atividade inútil. Quem o pratica se remetido ao
rótulo de irresponsável.
A Figura 6 é expressa a estrutura do conceito do Ócio Criativo, segundo
De Masi.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 67
Figura 6 - Intersecção das variáveis: trabalho, estudo e prazer [Fonte: De Masi (2000)]
Assunto polêmico, temas como: ócio, ociosidade, prazer e trabalho são
objeto de considerações, concordâncias e críticas.
Segundo Werneck (2000), a noção de lazer, bem como toda a cultura e
saber produzidos no mundo ocidental têm suas primeiras raízes na antiguidade
clássica. Enquanto Esparta destacava-se na ginástica e na educação moral
sob a vigilância do poder do Estado, Atenas foi palco do apogeu urbano,
intelectual e artístico grego, centro para onde convergiam produtos e idéias do
mundo inteiro e de onde partiam, em todas as direções, os princípios básicos
do conhecimento construído no Ocidente.
Atenas caracterizava-se como a cidade mais procurada pelos homens
que se interessavam pelas artes, pela ciência, pela política e pela filosofia.
Considerado centro cultural do mundo grego, pólo de debates e de
efervescência político-cultural, sua importância refletiu-se em vários aspectos,
contribuindo sobremaneira para a produção de conhecimentos e também para
a difusão de certas noções de lazer. Os gregos promoveram uma síntese entre
cultura e educação, conferindo grande valor à filosofia, às ciências, à arte e a
literatura. Conforme afirma Gadotti:
[...] a educação do homem integral consistia na formação do corpo
pela ginástica, na da mente pela filosofia e pelas ciências, e na da
moral e dos sentimentos pela música e pelas artes (GADOTTI, 2008,
p.30).
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 68
A interação entre a cultura e educação era fundamental na formação
almejada pelos gregos, importante aproximação para a construção dos
primeiros sentidos de lazer em nosso contexto histórico.
Corroborando, Werneck explicita que o ócio, para os gregos, significava
a rejeição das atividades de natureza braçal realizadas de forma dura e
exaustivamente cansativa.
Os primeiros sentidos de lazer estavam relacionados com o ócio que
significava, para os gregos, desprendimento das tarefas servis,
condição propícia à contemplação, à reflexão e à sabedoria. No
entanto, apesar de assumir caráter contemplativo e reflexivo, lazer
não significava passividade. Ao contrário, representava um exercício
em forma elevada, atribuído à alma racional: os tesouros do espírito
eram fruto do ócio (WERNECK, 2000, p. 21).
Talita Cécero faz a seguinte consideração sobre o ócio:
Na sociedade atual não há mais espaço para o tempo livre. Cada vez
mais ocupamos nosso dia com cursos, esportes, eventos e,
logicamente, trabalho. Nosso modelo cultural compreende o trabalho
como um valor acima de todos os outros. Sendo assim quem produz
e mostra os frutos dessa produção é valorizado perante os demais
cidadãos (CÉCERO, 2007, p. 16).
Na colocação de Cécero observa-se a necessidade de ocupação do
tempo como algo obrigatório e cada vez mais reconhecido pela sociedade. O
problema não reside na otimização do tempo com uma pluralidade de eventos
inclusive o trabalho -, mas sim de como as atividades desenvolvidas
provocam satisfação, aprendizado e “prazer”. Se a concepção de que a
participação em muitas atividades é algo ruim ao ser humano, o que dizer de
pessoas altamente ociosas e que são infelizes?
Continuando com o questionamento sobre o tempo, Rosiska Darcy de
Oliveira faz a seguinte consideração:
No passado ganhar a vida significava garantir a sobrevivência graças
a um emprego remunerado... Hoje ganhar a vida significa, antes de
mais nada, reapropriar-se de sua matéria-prima: o tempo. Antes,
ganhávamos a vida no trabalho. Hoje e o trabalho que ganha a nossa
vida. Para corrigir essa absurda distorção, proponho uma
“reengenharia do tempo (OLIVEIRA, 2003, p. 13).
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 69
A “reengenharia do tempo” proposta por Oliveira pode ser considerada
como uma forma do exercício do Ócio Criativo de De Masi, porque o conceito
do valor do trabalho no mundo moderno está cada vez mais condicionado a
bens intangíveis, como o conhecimento e as idéias das pessoas. No momento
em que as idéias se configuram como bens cada vez mais valiosos do que os
materiais, em que o cérebro e coração se sobrepõem aos músculos, o conceito
de ócio como algo ruim é, no mínimo, extemporâneo.
Esta constatação fundamenta-se em uma tríplice passagem da espécie
humana, a saber:
a) da atividade físico-braçal para a intelectual de tipo repetitivo;
b) da atividade intelectual de tipo repetitivo para a atividade intelectual
criativa;
c) da atividade intelectual criativa, mas ainda nitidamente separado do
tempo livre, ao Ócio Criativo, no qual estudo, trabalho e prazer
acabam convergindo.
Essas três dimensões conotam a transição de uma sociedade que foi
chamada de industrial a uma sociedade nova, a que De Masi denomina de pós-
industrial.
Corroborando com De Masi, Toffler (2005) com base no conceito de
“ondas”, afirma que a primeira “onda” foi marcada pela sociedade pós-
revolução agrária, em detrimento das culturas primitivas de caça e coleta; a
segunda, a industrial, se caracterizou por seu processo de produção em
massa. E a terceira na qual nos inserimos -, é a sociedade pós-industrial,
cada vez mais informatizada e dividida em sub-culturas, em que os indivíduos
se tornam ao mesmo tempo produtor e consumidores de bens, serviços e afins.
Araujo Filho (2007) admite que se as características do modelo
emergente vislumbrado por De Masi incluem a criatividade e a estética como
valores dominantes, também acolhem a idéia de que a economia das
empresas prevalecerá sobre à dos governos e a globalização terá mais valor
do que a identidade territorial. Nesta nova ordem, as necessidades emergentes
passam a priorizar outros padrões, tais como a intelectualização, a ética, a
estética, a subjetividade, a emoção e o aprimoramento da qualidade de vida.
Araujo Filho complementa:
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 70
Essas necessidades quantitativas, porém, são justamente aquelas que,
segundo ele [De Masi], se contrapõem às que robustecem a essência
qualitativa do modelo que emerge em velocidade cada vez mais
exponenciada: a reflexão introspectiva, a amizade, o amor, a diversão
e a convivência, que passam a ser os componentes da receita de um
porvir que De Masi entende como sendo, cristalinamente, manifesto e
irreversível (ARAUJO FILHO, 2007, p. 233).
De Masi (2000) constata, à luz de estatísticas, que tanto no tempo em
que se trabalha quanto no tempo livre, os seres humanos fazem hoje menos
coisas com as mãos e sempre mais com o cérebro. As atividades realizadas
com o cérebro são as atividades criativas, difíceis de serem imitadas, pois
estão vinculadas ao poder criativo e estético do ser humano. Estes atributos
são atualmente valorizados pelas empresas, uma vez que as atividades
manuais quando são repetitivas, podem ser facilmente copiadas e, com
freqüência, delegadas às máquinas.
A decorrência dessa projeção vislumbra reflexos no contexto
organizacional e caminha para uma reestruturação produtiva necessária. Esta
reestruturação produtiva passa a ser influenciada pelos seguintes
comportamentos:
- descentralização do comando;
- substituição do controle “das” tarefas pela motivação “para” as tarefas;
- carisma na liderança;
- difusão do espírito empreendedor em todos os níveis hierárquicos;
- comprometimento com o desenvolvimento intelectual;
- estímulo à criatividade individual e coletiva;
- clima organizacional marcado pelo entusiasmo;
- observância das competências individuais.
De Masi popularizou-se no Brasil, sobretudo a partir de duas entrevistas
concedidas ao programa Roda Viva - TV Cultura - Fundação Padre Anchieta de
São Paulo. A primeira ocorreu em 1998, a segunda em 1999. Por intermédio de
um trabalho de pesquisa junto à internet, ao acervo da TV Cultura e da
coletânea “O Melhor Do Roda Viva Internacional”, as duas entrevistas são
apresentadas a seguir uma vez que retratam o pensamento de De Masi sobre
a concepção do Ócio Criativo. Ao longo das entrevistas, faço uma análise
emitindo minhas considerações.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 71
Primeira entrevista concedida à TV Cultura - Programa Roda Viva, em 1988
(RODA VIVA, 1998)
Entrevistadores:
- Gilberto Dimenstein - Jornal Folha de São Paulo
- Cláudia Costin - Secretária de Administração
- Caco de Paula - Revista Veja - São Paulo
- Washington Olivetto - W/Brasil
- Dante Silvestre Neto - SESC/São Paulo
- Roseli Fichman - USP/Mackenzie
- Marco Antonio de Rezende - Revista Vip Exame
Pergunta: A que o senhor atribui à repercussão de suas idéias no Brasil? Por
que os brasileiros estão tão interessados nelas?
De Masi:
A pergunta devia ser feita aos brasileiros e não a mim, pois quando
alguém faz sucesso em um programa corre o risco de se atribuir esse sucesso,
mas não é o caso. De fato o senhor notará que, na segunda vez o sucesso
será menor e se houver uma terceira menor ainda e os ouvintes acabarão se
cansando.
Em parte foi a novidade, pela primeira vez participei de um programa
como este. Depois porque é possível que haja uma correspondência objetiva
entre minhas idéias e o que atualmente está surgindo num país
extraordinariamente dinâmico como o Brasil. Existem momentos mágicos em
que as idéias de algumas pessoas, e as idéias latentes de todo um país podem
coincidir. Isso coincide também de forma mais ampla. Idéias semelhantes às
minhas são difundidas por outros pesquisadores em vários pontos do mundo, e
sempre tem mais sucesso, pois obviamente a sociedade industrial está em
crise e precisamos de um novo modelo, com o qual possamos conviver melhor.
Nós estamos nessa sociedade em crise e o Brasil nem chegou no
ponto limite da sociedade industrial e ao mesmo tempo sofre os problemas de
um país em desenvolvimento. Cada vez inclusive se inventa uma palavra para
descrevê-la e de outro lado já começamos a sofrer os problemas e as crises da
sociedade efetivamente pós-industrial. Uma cidade como o Paulo com
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 72
problemas de trânsito, poluição, de superpopulação, segurança, convive com a
realidade do nordeste do país ou do centro, onde não ainda esse grau de
desenvolvimento.
Comentário: observa-se que De Masi, no inicio da entrevista, faz menção a
importância de pensarmos em um novo modelo que possa responder às
necessidades de uma nova sociedade industrial.
Pergunta: O senhor acha que esse tipo de idéias que o senhor traz pode
significar um salto que nos permite não ir ao fim no caminho
desse tipo de desenvolvimento industrial?
De Masi:
O Brasil é um espelho do mundo, porque em um só país ele reproduz as
contradições existentes no mundo inteiro.
Creio que se os problemas forem resolvidos no Brasil, será um modelo
para o resto do mundo.
No próximo 11 de agosto, o planeta vai atingir seis bilhões de habitantes.
Isso representa uma população 10 vezes maior que a do fim do século XVI. E
no mundo todo existem essas contradições. Cinco bilhões de pessoas
praticamente vivem como nas favelas e um bilhão vive como se vive na
Avenida Paulista, aqui em São Paulo. Essas contradições existentes no mundo
todo são encontradas aqui, num país e muitas vezes numa mesma cidade.
Isto é um ponto forte e fraco ao mesmo tempo.
Você tem, por exemplo, o desemprego pré-industrial devido ao fato de
que não a difusão de um trabalho do tipo moderno. Mas, vocês m o
desemprego s-industrial pelo fato de que as indústrias tem uma tal forma de
tecnologia que devem dispensar cada vez mais pessoas. Eu repito, se isto se
resolver no Brasil, será o modelo para um terceiro caminho entre o capitalismo
e o comunismo no mundo inteiro.
Comentário: o destaque desta resposta de De Masi prende-se ao desemprego.
Desemprego este que ocorre tanto naquilo que ele chama de era pré como
pós-industrial. A resposta dele converge com a defesa do autor desta tese que
afirma que o desemprego tende a crescer.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 73
Pergunta: Embora o senhor seja um sociólogo e faça uma análise científica
de sistemas, relações de trabalho e o trabalho na era pós-
industrial, um amigo comentou comigo que o senhor tem uma visão
um pouco poética, às vezes, e talvez tenha alguma razão pois, o
senhor certamente soube que dez dias atrás foi assassinado na
Itália o principal assessor do ministro do trabalho, por um grupo
que reivindicava a bandeira das Brigadas Vermelhas. Isso parece
uma coisa tão antiga: terrorismo, Brigadas Vermelhas, uma coisa
estranha. Por outro lado, o fato de ter sido assassinado um
assessor importantíssimo do Ministério do Trabalho, que o é um
simples assessor como nós conhecemos aqui, é um economista
muito preparado, que discutia todos os meses com 50 pessoas que
representavam todo os segmentos da indústria, dos sindicatos, do
governo etc.
Houve esse ato terrorista. O senhor não acha que isso traz a
discussão sobre o futuro do trabalho ou as relações trabalhistas na
era pós-industrial, ou ainda, a perspectiva do tempo livre nesse
novo tempo com novas tecnologias, traz tudo para uma escala
humana muito concreta? Ou seja, toda a evolução que está
havendo na organização do trabalho, a introdução de novas
tecnologias, tudo isso está gerando desemprego que para as
pessoas que estão desempregadas é um drama muito concreto.
Esse crime das Brigadas Vermelhas agora, traz o assunto para
uma dimensão dramática: Como resolver esta questão, esse
problema, como enfrentar o problema das pessoas que não estão
encontrando emprego nesta nova era?
De Masi:
O senhor está me dizendo várias coisas. A primeira é que minhas idéias
podem ser acusadas de poéticas. Tenho uma grande admiração pelos poetas
são a alegria da minha vida, mas infelizmente não tenho o dom da poesia.
Minhas idéias têm sempre por base estudos muito precisos, muito demorados,
muitas vezes levam anos, nos quais colaboram dezenas de meus colaboradores
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 74
e colegas. Eu, com meus alunos na Universidade, procuramos incutir o hábito de
basear qualquer afirmação sobre dados concretos, estatísticas econômicas e
sociais. Ante qualquer afirmação que um aluno meu faça, eu pergunto qual é a
base estatística do que ele está dizendo. Hoje, é impossível enfrentar o mundo
com idéias novas sem contar com a força das estatísticas.
Os economistas, por exemplo, muitas vezes têm idéias muito erradas.
Acredito que, daqui a algumas décadas, a obra dos economistas do século XX
será lembrada como uma das obras mais negativas, sobretudo a partir de
Keynes, pois ele foi tamm um grande poeta. Foi um homem que colaborou
com o Grupo Bloomburg, ao lado de Virgínia Wolf, Forster, de Walessa e
Strachey. Ele tinha uma mente eclética. Casou-se com uma grande bailarina
clássica. Portanto, encarava a economia como parte de um todo e tendia a
resolver o todo e não a parte. Os economistas atuais nos aterrorizam com a
matemática. Então, quem tem idéias diferentes devem ter a mesma base
matemática e estatística, se não, não é levado a sério.
Desculpe se me prolonguei demais sobre a sua primeira afirmação. A
segunda parte se refere ao crime das Brigadas Vermelhas. Eu sou muito amigo
do Ministro do Trabalho italiano. O ministro freqüentou muitas vezes minhas
aulas quando eu ensinava na Universidade de Nápoles. Ele ainda era muito
jovem. Eu conhecia o professor que foi assassinado. Colaborei muitas vezes
em trabalhos similares aos do professor assassinado. Portanto, de certa forma,
podia ter acontecido comigo. Além disso, quando houve nos anos 70 forte
terrorismo na Itália, eu fui, pelo menos durante dois anos, alvo dos Brigadas
Vermelhas, pois eu ensinava abertamente aos meus alunos, em aula, a
desconfiar do terrorismo. Acho que da morte não pode surgir a vida. E
tantos meios antes da violência. Claro que em certos casos a violência é
necessária, mas é o último, o último anel de uma longa corrente que pode ser
percorrida, deve ser percorrida toda, antes de se chegar à violência. O crime
italiano, porém, esse assassinato foi infelizmente uma das piores formas de
despertar a conscientização sobre um fato real.
Todos os jornais, por muitos dias, trouxeram em primeira página o
assassinato do professor. Mas, todo dia, não todo dia, mas muito freentemente,
com certeza quase toda semana, um desempregado se suicida na Itália.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 75
Por ocasião do de Maio, promovi na TV Italiana, um encontro, um
debate, juntamente com Bassolini, o Ministro do Trabalho. E assistimos na
televisão a uma reportagem sobre uma senhora de Nápoles, cujo marido havia
se suicidado poucos dias antes. E ele havia se suicidado por vergonha de dizer
aos filhos que estava desempregado, por vergonha de dizer que não podia lhes
dar dinheiro. Aquela senhora dizia que as crianças pediam ao pai para ir ao
cinema, para comprar um sorvete, mas ele não podia mais. No fim ele não
agüentou e se suicidou.
Agora, desses suicídios a imprensa não fala. Não quero igualar as duas
coisas, mas quero dizer que esse assassinato, esse homicídio italiano,
confirma que diante do problema do emprego e desemprego, todos aqueles
que têm o poder tomaram um rumo, um único rumo e percorrem sempre
aquele. De acordo com esse rumo e essa idéia, para sanar o desemprego, é
preciso incrementar os investimentos. Significa que o estado deve auxiliar a
empresa privada. É preciso reduzir os impostos das empresas. Dessa forma, o
Estado, terá menos dinheiro, com menos dinheiro pode fazer menos pelo
social, portanto pode dar menos escolas públicas, menos saúde blica,
menos transporte e tudo o mais. E todo esse dinheiro que é tomado à
redistribuição pública e social, vai para as empresas, que além de tudo
encontram segmentos de mercado completamente livres e à sua disposição.
Porque se o Estado não cuida da saúde pública, a empresa privada pode lucrar
com a saúde privada. Se não cuida do transporte, a empresa privada pode
lucrar com o transporte privado. Então, as empresas têm novos incentivos,
novas reduções fiscais, novos segmento de mercado à sua disposição e, além
disso, em função da tecnologia, demitem um número cada vez maior de
pessoas.
Comentário: nesta pergunta a nica recai sobre os desempregados, em
especial ao desempregado de Nápoles ao qual De Masi se refere. Observa-se
o quanto que a ausência de uma ocupação, de um trabalho é danosa ao ser
humano. Na questão em apreço, as conseqüências do desemprego foram os
piores possíveis, levando ao suicídio.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 76
Pergunta: O senhor está fazendo uma crítica do atual modelo de mercado
que vigora nos países ocidentais, inclusive no Brasil. O senhor
propõe uma alternativa a esse modelo?
De Masi:
É exatamente isso. Estou dizendo que existem duas soluções possíveis
para o desemprego. Foi escolhida sempre e somente uma, a qual está errada.
E está errada não porque eu ideologicamente ou poeticamente me oponho a
esta solução, mas porque, depois de 50 anos não deu nenhum resultado e sim
vem aumentando o desemprego. Então a solução, formulada hoje pelo
empresário privado nos países capitalistas, é a que mencionei antes. Obter
mais dinheiro do Estado, reduzir a mão-de-obra e demitir o pessoal e, portanto,
acumular uma quantia enorme de dinheiro. Com que objetivo?
Os empresários dizem que é para investir, que o investimento cria novas
vagas de trabalho. Ora, em primeiro lugar, não é verdade que investindo
criaram-se novas vagas. Criam-se pouquíssimas, porque hoje o empresário
que investe não compra mão-de-obra, compra máquinas.
O diretor-superintendente da Montedison, uma grande empresa
italiana, me dizia pouco tempo que a Montedison para oferecer uma
vaga, devia investir quatro biles de liras, ou seja, são necesrios três
bilhões e 900 milhões de liras para comprar quinas e 100 milhões para
pagar uma pessoa.
Comentário: De Masi compactua com a idéia do autor desta tese que na
economia moderna pouco espaço há para a chamada mão-de-obra.
Pergunta: Aqui em São Paulo, por exemplo, é um lugar em que está aguçado
o desemprego, por uma série de questões, seja porque o emprego
está indo para o interior, seja porque na indústria está havendo
competitividade com novas máquinas. Tanto os governos estaduais
como municipais estão criando frentes de trabalho no estilo que
havia nos Estados Unidos na década de 30, porque as pessoas
não conseguem se colocar, existindo ou não emprego, são
pessoas fora do mercado de trabalho, com baixa escolaridade,
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 77
assim por diante. A frente de trabalho, bancada pelo Governo, para
essas camadas já deslocadas, seria a solução?
De Masi:
Eu dizia que os empresários de posse desse dinheiro, falam em
investimentos. Mas, conforme os dados e as estatísticas de todos os países da
Organização para a Cooperação e Segurança da Europa, nos últimos 15 anos,
o índice de investimento diminuiu sempre. Então, o que é feito desse dinheiro?
O que acontece com esse dinheiro? Acontecem duas coisas: a primeira é que
o empresário recompensa cada vez mais os altos dirigentes, os "top", os "top"
"top" mesmo!
O presidente da Fiat na Itália ganha 12 milhões de dólares por ano. O
presidente da Coca-Cola nos Estados Unidos ganha 220 milhões de dólares
por ano. O presidente da Travel Group, sempre nos Estados Unidos, ganha
480 milhões de dólares por ano. Mas isso, não bastaria para esgotar a enorme
massa de dinheiro acumulada pelas empresas. Uma grande soma de dinheiro
que as empresas acumulam é retirada do mercado e jogada na Bolsa.
A Bolsa é esse grande ciclone, essa enorme roleta mundial que nunca
se fecha, é uma Las Vegas permanente. Quando fecha em Tóquio, abre em
Londres, fecha lá, abre em São Paulo, fecha aqui abre em Nova Iorque e assim
por diante. É onde homens sem pátria, apátridas, os grandes financistas e sem
coração, pois não têm nenhuma relação com as pessoas, agem apenas sobre
símbolos, sobre dinheiro, ações, deslocam pacotes acionários pelo mundo
inteiro em poucos minutos e podem determinar o fim de uma empresa e
milhares de desempregados.
Comentário: nesta reposta de De Masi, é latente sua preocupação entre o ter e
o ser.
Pergunta: A frente do trabalho, bancada pelo governo, é uma boa solução?
De Masi:
Então, vejamos qual é o outro caminho. O outro caminho não consiste
em incentivar o investimento desta forma. Consiste em se ter um pacote
completo de ações, algumas das quais consistem em incentivar os
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 78
investimentos, mas pedindo sempre à empresa a garantia do número de vagas
a serem criadas. Na Itália, por exemplo, certas empresas tomam benefícios do
Estado e investem em outros países. Em segundo lugar, que reduzir
drasticamente a jornada de trabalho. Não é possível emprego para muitas
pessoas se algumas trabalham 10 ou 12 horas ao dia. Os únicos dois países
que realmente m um baixo índice de desemprego, os únicos dois países no
mundo cujos dados são confiáveis, são Holanda e Inglaterra. A Holanda, por
que 36% trabalham em tempo parcial e a Inglaterra, porque 22% trabalham em
tempo parcial.
O regime de tempo parcial é uma das soluções que proponho. Ou seja,
é uma das formas de reduzir a jornada de trabalho. E depois, também o
problema dos auxílios. É claro que podem ser dados sem problemas. Por
exemplo, por que um jovem, de 20 anos que trabalha num banco recebe um
salário e um jovem de 20 anos que estuda na Universidade não recebe um
salário? Aqui no Brasil é uma loucura. Fui informado que a Universidade
Pública é a melhor e quem estuda são os ricos. Por que os ricos podem se
permitir ir às escolas particulares desde a infância, aprendem muito bem e
assim conseguem passar no vestibular e entrar numa Universidade pública no
lugar do pobre. Portanto, é um absurdo que o Estado tome o dinheiro dos ricos
para devolvê-lo aos ricos. É um Robin Hood maluco. E isto vem ocorrendo
cada vez mais em quase todos os países do mundo.
Comentário: De Masi defende nesta resposta a idéia que o regime de trabalho
de tempo parcial é uma forma para combater o desemprego. Neste ponto
discordo de De Masi, uma vez que a jornada parcial de trabalho poderá, no
máximo, adiar o desemprego, jamais eliminá-lo, pois se as pessoas não
possuírem as competências adequadas que possam responder às atuais
exigências do mercado de trabalho, por conta de sua baixa empregabilidade,
mais cedo ou tarde, não como sustentar sua permanência nas
organizações.
Pergunta: O Estado brasileiro tira dinheiro dos pobres para dar aos ricos. É
um pouco pior que a análise que o senhor fez.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 79
De Masi:
Pelo jeito fui mal informado pelos economistas que são um pouco o meu
alvo esta noite.
Pergunta: Somos um país que tem um sistema marcadamente clientelista.
Quando pensamos nas suas idéias para enfrentar a burocracia,
temos um risco posto, esse risco se associa ao fato de que a
burocracia, com todos os problemas que ela traz, tem uma
característica importante que é a idéia da impessoalidade, da
formalização que em muitos momentos da história, da Europa,
inclusive, se mostraram armas importantes no enfrentamento da
administração patrimonialista. Por outro lado, a burocracia mata a
criatividade. O senhor coloca bem isso no seu livro. É que no caso
brasileiro nós avançamos em algumas direções, nós temos o
malefício da burocracia junto com os problemas que o sistema
político clientelista coloca. Como é que o senhor enfrentaria os
malefícios da burocracia num sistema como esse?
De Masi:
Um escritor italiano disse que os italianos preferem a inauguração à
manutenção. Acho que a manutenção é uma coisa importante. E uma das
diferenças entre o primeiro e o terceiro mundo é justamente a questão da
manutenção. Em vez de destruir o setor público, como acontece em todos os
países capitalistas, que após a queda do muro de Berlim, foram tomados por
uma euforia fora do comum, sem entender que o comunismo perdera, mas o
capitalismo não havia vencido. Em todos eles a destruição dos aparatos
burocráticos, o desmantelamento do Estado social. Porém, assim que uma
organização cresce, começa imediatamente o perigo da burocratização, por
que, é claro, uma grande organização precisa de regras.
Quando uma empresa começa a se contaminar pela burocracia, cria-se
um círculo vicioso, pelo qual a burocracia vai gerar a si própria. A burocracia
parte do princípio de que o cidadão deve ser controlado. Se não for controlado,
o cidadão consegue lograr o Estado. Mas quanto maior o controle, maior é
esperteza do cidadão. Quanto maior essa esperteza, maior o controle e assim
por diante, numa espiral que não tem mais fim. O problema deve ser resolvido
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 80
como, de certa forma, faz a França. Com certeza, a França tem a melhor
burocracia do mundo. Ela tem a melhor burocracia por que esse problema foi
assumido por um grande personagem: Napoleão Bonaparte. Ele criou uma
escola de administração ainda melhor que as famosas escolas americanas ou
as européias ou as que você também possa ter. Enquanto a indústria privada
gasta bilhões para preparar os seus dirigentes, a indústria blica não gasta
quase nada. No entanto, a França investe muito nisso.
É preciso sempre manter o controle, a qualidade intelectual dos
burocratas, de forma a mantê-los sempre num estado de tensão. Se gastarmos
dez para um dirigente privado, temos de gastar 100 para um dirigente público,
mas o estado não faz nada disso. Teríamos que comprar os maiores prêmios
Nobel, teríamos que comprar os maiores pensadores de administração, mas
não aqueles das escolas americanas, talvez até aqueles, mas corrigidos e
atualizados, e investir toda essa massa de grandes especialistas em
organização da burocracia pública.
É preciso criar escolas muito grandes, extraordinárias. Quando digo
grandes, não falo do tamanho físico, mas de escolas extraordinárias para
manter a administração pública sempre atualizada. Não só quanto à tecnologia,
nem só quanto às normas ou à dimensão legal, mas, sobretudo quanto à
dimensão sociológica, psicológica das organizações.
Comentário: a crítica de De Masi recai sobre os aspectos nocivos da
burocracia, como instrumento amortizador do processo criativo.
Pergunta: O senhor estava falando do desmantelamento do Estado em vários
países capitalistas, mas a gente não percebe nenhuma redução do
gasto público enquanto um percentual do PIB, em nenhum país.
Sequer naqueles que empreenderam reformas no Estado. O que
parece estar mudando, inclusive na França, é a forma como o
Estado passa a ser gerenciado, e nesse sentido queria um
pequeno comentário sobre as diferenças de gestão dentro da
própria Europa, pois o senhor contrapõe no seu livro o modelo
europeu ao modelo americano, mas aparentemente, existem,
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 81
diferenças entre o modelo anglo-saxão e o latino. O Brasil se
inspirou mais no modelo latino do que no modelo anglo-saxão?
De Masi:
Os modelos que se confrontaram nesse século foram principalmente
dois, o modelo capitalista e o modelo comunista. O modelo comunista distribui
bem a riqueza, mas não sabe criá-la. Cuba é um exemplo de ótima distribuição
da riqueza, mesmo as crianças do povo estudam, assim como as dos ricos.
Não existe uma diferença enorme de base, ou seja, de formação. Não
diferenciações quanto à saúde nos hospitais e estabelecimentos sanitários.
O comunismo mostrou que sabe distribuir a riqueza, mas o sabe
reproduzi-la, o capitalismo, no entanto, mostrou que sabe produzir a riqueza
talvez até demais, mas não sabe distribui-la. O problema, então é uma
terceira via. Ela existe no estágio atual indicada pela Igreja Católica. O Papa
João Paulo II, talvez a mais que seus predecessores, entendeu bem esse
drama, mesmo porque ele conhecia bem tanto o mundo comunista como o
capitalista e ele rejeitou tanto os excessos comunistas como os capitalistas
e foi o primeiro a ir a Cuba. A primeira coisa que Fidel Castro lhe disse, ao
descer do avião foi: "Santidade, o senhor está no único ps do mundo
onde não há difereas de educação entre ricos e pobres". Mas eu sou laico
e assim mesmo admiro muito o modelo seguido por Jo Paulo II, mas
gostaria também que houvesse um modelo laico, ou seja, o modelo que o
tem fé, não cem outra vida, o c em uma série de aparatos ideológicos
que são próprios da Igreja. Alguém que quisesse o controle da natalidade,
as biotecnologias e assim por diante; mas que fosse insatisfeito com o
comunismo e com o capitalismo.
Temos que achar essa terceira via. A grande crítica ao modelo
americano, neste momento não vem dos economistas europeus, nem dos
economistas do terceiro mundo, mas dos economistas americanos. É o livro de
Lester Thurow, sobre O Futuro do Capitalismo, o livro de Rich sobre as
multinacionais. É o livro de Lutwak, publicado há poucas semanas, sobre o que
ele chamou de "A ditadura do Capitalismo". São os economistas americanos
que por estarem no epicentro daquele sistema notam a aberração daquilo que
chamam de "turbo capitalismo".
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 82
Um capitalismo perigosíssimo. Nós temos de criar uma terceira via, até
para ajudar os americanos.
Comentário: nesta resposta De Masi faz uma crítica, não ao capitalismo
propriamente dito, muito mais à sociedade do consumo exacerbado e do
supérfluo, assim como Sennett e Bauman também o fazem.
Pergunta: No segmento anterior o senhor citou alguns salários gigantescos
de presidentes de grandes conglomerados norte-americanos.
Curiosamente, o homem que mais se aproxima da idéia do MIDAS
que tudo que toca vira ouro, deve ter sido o Picasso. Ele pegava
um pedaço de guardanapo de papel como esse, desenhava
alguma coisa, assinava e aquilo passava a valer milhares ou
milhões de dólares. Evidentemente, para chegar nesse momento
do guardanapo, Picasso construiu uma obra muito grande e
qualquer pessoa que tenha acesso a essa obra, percebe que ele
era um grande operário, por que ele fazia pintura, cerâmica,
escultura, cenários de teatro, jóias. Pelo tempo de vida dele, pelo
que existe de obras de boa qualidade de Picasso, ele trabalhava
muito, era um operário. Picasso se casou várias vezes, com
mulheres lindas, adorava tomar bons vinhos, dançava, usava
camisas de marinheiro com bermudas e jamais abriu o de suas
alpargatas de lona para usar um sapato de couro. Essa
combinação do homem que trabalha como formiga e vive vida de
cigarra é uma possibilidade ou em princípio só dos gênios?
De Masi:
Eu estudei a vida de muitos criativos, de muitos grupos criativos porque
minha especialização nesta fase é, de um lado o mercado de trabalho pós-
industrial e, de outro, o estudo da criatividade e de sua organização. No
universo dos criativos encontramos de tudo, não ter característica é a
característica da criatividade. No curso da história encontramos um Beethoven
que viveu em grande pobreza. uma descrição muito acurada do quarto
onde ele morreu. É uma coisa que comove tal grande era a pobreza. Ele teve
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 83
três ou quatro livros em sua vida. Schubert nunca pôde comprar um piano,
morreu aos 32 anos sem ter tido a alegria de possuir um piano.
Se pensarmos em quantos pianos existe nas casas dos ricos, só para as
crianças brincarem de tocar... tocam um primeiro acorde e depois se cansam.
Porém tem também D’annunzio que viveu num luxo extraordinário. Wagner,
que tinha mania de luxo e dilapidou o dinheiro do Rei Ludwig I para ter casas
suntuosas. uma descrição das coisas que Wagner encomendou às lojas
para decorar suas casas. O tecido, as cadeiras, é algo fora do comum.
Portanto, de tudo. Andy Warhol fez do alto custo dos seus quadros uma
filosofia. Ele disse: "existem coisas belíssimas que nós não vemos mais. São
tão cotidianas e abundantes que não as saboreamos mais".
Por exemplo, uma garrafa de Coca-Cola, uma lata de Campbell’s que ao
seu modo é uma obra-prima. Então é preciso aumentar seu tamanho, pintá-la e
fazê-la custar bilhões. Se não for caro, os ricos não tomam conhecimento.
Eu passei a manhã de hoje com o Oscar Niemeyer, tempo eu
sonhava conhecê-lo, porque eu o considero um dos grandes gênios da
arquitetura e sem dúvida junto com Le Corbusier é o maior arquiteto do
século XX. Encontramos nele uma postura totalmente diferente diante da vida.
Não se parece nada com a de Picasso. Picasso foi um gênio.
Niemeyer me mostrou uma inscrição que fez na parede. Diz: "Mais do
que arquitetura, o que vale são os amigos, a vida e esse mundo injusto que
temos de mudar". Um arquiteto de tal gabarito escreveu uma coisa desse
gênero. Então temos de admitir que existam os Picassos, temos que admitir
que existem os Wagner, bem como os Beethoven. Nós devemos ser gratos a
esses gênios. Keats dizia que a obra de arte é uma alegria criada para sempre.
Eles nos deram tantas alegrias que podemos até perdoar alguma fraqueza de
sua parte, mas não podemos perdoar tantos ricos que têm um enorme cinismo
e que nem alegria nos proporcionam.
Pergunta: Questão da mulher e da feminilização do mercado de trabalho.
Retornando um pouco à temática da exclusão. A questão das
minorias é algo muito sério. Tanto do ponto de vista de conseguir
emprego, e com sarios equivalentes. Isso acontece não no
Brasil, onde tenho informação, mas aqui acontece de forma
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 84
acentuada. Como o senhor vê, essa perspectiva em que o senhor
trabalha de forma interessante do lazer como direito e do lazer
como algo que soma àquela pessoa de forma que ela trabalhe
melhor e, portanto do trabalho como prazer e criação.
Como o senhor as pessoas que estão incluídas, estão no
interior do ambiente de trabalho, se mobilizando de alguma
maneira de forma responsável por aqueles que estão excluídos?
De Masi:
Bem a agora talvez eu tenha sido muito ctico, até excessivamente,
para com os modelos capitalistas e comunistas. Se a senhora pensar nisso,
o modelos que os homens inventaram, criaram, gerenciaram. A mulher
nunca foi o exclda como neste culo, da gestão do trabalho e da vida
pública. Digamos, portanto que este culo termina com coisas muito
bonitas atribuídas aos homens, mas tamm com coisas muito feias, pelas
quais os homens devem ser recriminados. Os homens dos países
dominantes é óbvio.
Portanto, imagino que, se um novo modelo deva surgir, surgirá dos
países que não pertencem ao Primeiro Mundo. E surgirá de mulheres. São as
mulheres dos países do Segundo e Terceiro Mundo, sobretudo as do Segundo
Mundo, pois o Segundo Mundo, o dos países emergentes como o Brasil, já têm
uma série de fatores culturais muito avançados, mas mantém ainda a
genuinidade de um país subdesenvolvido.
Comentário: ressalta-se aqui a percepção de De Masi quanto ao aspecto, não
necessariamente da mulher, mas do “feminino” no mercado de trabalho.
Sensibilidade, intuição, estética são atributos que De Masi muito valoriza na
concepção do Ócio Criativo.
Pergunta: É interessante também esse entrelaçamento da questão da mulher
com a questão de raça. A inserção das mulheres negras por
exemplo. Ser mulher e ser negra, o que significa, por exemplo. O
que o senhor imagina é uma proposta extremamente ousada, o
mundo mudando a partir daquilo que ele é hoje. Então como se
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 85
pode colocar uma nova intenção naqueles que estão criando o
mundo tal como ele se encontra?
De Masi:
O que será necessário na sociedade pós-industrial, isto é, no próximo
século, é a criatividade. A criatividade é uma síntese de fantasia e
concretização. Por sua vez, a fantasia é a síntese do inconsciente e da esfera
emotiva. Nós, homens, cultivamos, sobretudo a razão, a dimensão da
concretização, e devo dizer que as mulheres também têm culpa nisso, porque
o machismo, como dizia uma grande feminista, é como a hemofilia: acontece
nos homens, mas é transmitida pelas mulheres. Foram as mulheres, as mães,
que ensinaram os homens a serem machistas, e naturalmente isso nos
agradou, porque o poder, como diz um provérbio napolitano, agrada mais que
muitas outras coisas.
Pergunta: O senhor citou o Niemeyer e eu me lembrei de algo que queria
lhe perguntar: Eu tenho certo fascínio pelo espo de trabalho,
arquitetura e a maneira como as pessoas funcionam nesse
espaço. Eu mesmo de uma maneira muito tímida tive a
oportunidade de fazer na minha agência de publicidade, desde a
fundação uma experncia que foi bem sucedida. Desde 1986
eliminei todas as paredes, s o temos salas, eu
particularmente, que presido a empresa, o tenho sala, eu
tenho uma cadeira a mais em cada uma das mesas, para poder
trabalhar com cada uma das pessoas. Isso inicialmente foi um
pouco traumático, e depois na minha área de atividade virou
quase que um modelo. Um amigo meu fez duas ancias de
publicidade. Uma com o Frank Gerry, que fez o museu de Bilbao,
que todo mundo está falando, em Venice na Califórnia e outra o
NY feita pelo Caetano Pesce, um arquiteto italiano que
certamente o senhor conhece. Ele fez isso com inteões
curiosas.
A empresa dele teve um auge criativo no início dos anos 80,
alcançou através desse auge um sucesso econômico muito
grande, adquiriu muitos novos clientes e a partir de um movimento
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 86
ele sentiu que só poderia revitalizar a empresa a partir de um
processo arquitetônico novo. As pessoas eram as mesmas, e
curiosamente isso deu muito certo.
Esse projeto de Frank Gerry, para o senhor ter uma idéia, também
não tem espaços físicos fixos, existem pushing balls, para as
pessoas descarregarem suas energias, aqueles que quiserem
trabalhar e ficar no trabalho, armários como os de clube,
aqueles que quiserem trabalhar a partir de casa podem fazê-lo
interativamente por computador. O senhor acredita que isso vai ser
cada vez mais comum? Misturar qualidade de arquitetura com
qualidade de trabalho?
De Masi:
Não a menor dúvida, pois o que faz a arquitetura? Ela fixa itinerários
pré-dispostos. Esses itinerários podem ser rígidos como uma estrada ou
flexíveis como uma rie de atalhos. Como por exemplo, em Veneza ou em
Nápoles. E é claro que a parte das modificações dos locais de trabalho foi o
"espaço aberto".
O edifício de Niemeyer para a Mondadori em Milão, um edifício
maravilhoso, é todo em "espaço aberto", não paredes, mas lugares fixos,
portanto, ainda existe um elo com a visão de empresa de "linha de montagem".
Pois devemos considerar que a linha de montagem acabou influenciando emvel
quase psicanalítico, a organização do trabalho. E, da fábrica, ela passou para os
escritórios, por isso, os escritórios burocráticos são organizados como linhas de
montagem. Para começar, uma primeira etapa é obviamente abolir os escritórios
fechados e os lugares demarcados. Mas, a segunda é destruir o muro que cerca a
empresa. Hoje, a empresa é a última fortaleza, o último castelo que sobrou.
Ao entrarmos numa empresa, damos os documentos, recebemos o
crachá, como numa grande prisão. Agora, enquanto o visitante tem de entregar
o crachá, porque pode entrar com autorização, milhares de informações
entram e saem sem nenhum documento, por telefone, fax e correio eletrônico.
Uma desestruturação total do trabalho é o próximo passo, pois o trabalho
intelectual, o trabalho realizado por 60% ou 70% da população ativa, por ser
mental, pode ser feito em qualquer lugar.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 87
Em qualquer lugar onde a informação possa nos alcançar, em qualquer
lugar onde possamos contatar os outros através de fax, telefone e da Internet,
por isso, o local e o tempo do trabalho não tem mais sentido. Toda aquela
massa enorme de aparatos burocráticos que as firmas e os ministérios usam
para controlar horário de entrada e saídas dos trabalhadores são
completamente inúteis, eles poderiam ficar em casa sempre que pudessem
fazer determinado trabalho. Poderiam ir ao escritório se necessário para
uma reunião ou para lidar com algo que não possa ser deslocado para casa.
Isso é necessário.
Ontem no Rio, passei praticamente tendo que me deslocar dentro da
cidade, não menos de 4 horas no carro. Imaginemos que isto leve em média,
duas horas. E imaginemos que no Brasil, 20 milhões de pessoas passem todo
dia duas horas no carro, são 40 milhões de horas ao dia, praticamente
desperdiçadas. E é o sacrifício pago por uma cidade organizada pelo critério de
linha de montagem, como se ainda todo o trabalho fosse feito em um alto forno
e fosse necessário sair de casa e ir ao escritório.
Então, o senhor fez muito bem, desistiu tirando tudo aquilo. Os
arquitetos tem que fazer mesmo, assim como os dirigentes e os chefes de
pessoal, hoje tem-se ainda uma visão eu diria "clintômana" das relações de
trabalho. Ou seja, é preciso ter os dependentes à mão, de forma tangível. Não
nenhuma necessidade disso, podemos estar juntos quando necessário e
dialogar à distância quando necessário. Eu conheci uma jovem, justamente
aqui em São Paulo, nos dias em que passei em uma convenção para a qual fui
convidado, conheci uma garota que me foi indicada como intérprete, e essa
garota graciosa, bonitinha e muito amável, me acompanhou com muita
gentileza. Eu perguntei se era noiva ou casada, como vocês sabem, os
italianos perguntam sempre essas coisas, ela me respondeu que era noiva.
Perguntei por que o noivo não estava ali com ela e ela disse que nem sequer o
conhecia, estava noiva, mas via Internet de um italiano. Então, perguntei como
faziam amor, quantas vezes ao dia se falavam, enfim tudo isso. Ela me disse
que tudo funcionava bem, estava tudo bem, até alguns dias antes: pois o noivo,
que é italiano e, portanto muito ciumento, teve uma crise de ciúme. Ele
desconfiava que ela o estivesse traindo com outro, sempre via Internet, e ela
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 88
não tem coom provar que não é verdade, e, portanto ela está sofrendo.
Aconselhei que se encontrassem uma vez pessoalmente.
Isso pode parecer um exagero, embora seja algo que se multiplicar
no futuro. Mas, com certeza podemos conjugar, mesclar relações só virtuais,
relações tangíveis, relações de trabalho, relações de estudo e relações de
tempo livre. É o bonito da sociedade pós-industrial, é esse contínuo fervilhar de
atividades, em que não sabemos o que é tempo livre, tempo de trabalho, tempo
de estudo.
Comentário: registro as considerações de De Masi sobre o trabalho à distância,
mais especificamente o teletrabalho que isenta o trabalhador o deslocamento
diário de sua casa à empresa. As tecnologias hoje disponíveis conferem uma
maior mobilidade, seja da comunicação, seja de como o trabalho é realizado.
Pergunta: Nessa área é que eu gostaria de fazer a minha pergunta. Nós
temos no âmbito de nosso trabalho cotidiano dentro do SESC de
São Paulo debatido esse conjunto de questões relativas ao lazer,
ao tempo livre, esse novo fenômeno social que está aí. Até porque
dessa reflexão deriva todo um conjunto de orientações, a nossa
programação, a programação que é feita em 26 Centros Culturais
em SP pelos quais passam 200 mil pessoas por semana, mais ou
menos. E recentemente numa discussão informal a respeito desse
assunto que é permanente no nosso trabalho, alguém fez uma
observação, alguém que é um grande admirador seu, que é o
Danilo Santos de Miranda, que conhece bem o seu trabalho, ele
dizia o seguinte: Sempre que nós falamos da questão do tempo
livre, do lazer, isso surge de uma forma muito clara, sempre como
uma reivindicação legítima, um direito legítimo de homens e
mulheres que trabalham, que tem obrigação e que precisam de um
espaço de descanso, de entretenimento e de recreação, mas que
essa observação é mais ou menos obvia, o que é menos óbvio,
menos evidente são as relações existentes entre o lazer e a
produção de cultura. E alguém argumentava que é preciso,
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 89
portanto conhecer muito bem o pensamento do professor De Masi,
por que ele junto com o Jofre de Masandier leva a fundo essa
reflexão. Ou seja, uma relação ente lazer e cultura. O que esse
tempo livre, o que o lazer produz em termos de valores de
civilização, de criação artística, de pensamento, qual a grande
força educacional e formadora desse novo tempo social?
De Masi:
Aqui também acho interessante começar por um dado estatístico. Por
que, com freqüência, não refletimos sobre a relação quantitativa entre o tempo
de trabalho e o tempo livre. Imaginemos um jovem de 20 anos. Um jovem de
20 anos, com a média de longevidade atual, poderia viver 60 anos.
Normalmente, morre-se por volta dos 80 anos. Sessenta anos de vida são
530.000 horas. Esse jovem de 20 anos se for admitido no trabalho hoje
mesmo, e se permitirem que trabalhe até os 60 anos, durante 40 anos
seguidos, algo raríssimo, e se esse jovem trabalhar 1700 ou 2000 horas ao
ano, que é praticamente o máximo de tempo que trabalham um suíço, um
norte-americano ou um japonês, esse jovem acumula 70 ou 80 mil horas. Isso
é tudo. 70 ou 80 mil horas, no máximo, esperam esse jovem, enquanto que a
vida que ele tem pela frente é de 530.000 horas. Ou seja, 460.000 horas são
para outras coisas que não o trabalho. E isso até para o mais laborioso
dirigente. Digamos que esse jovem dedique 10 horas por dia para dormir, lavar-
se etc., o que chamam de "cuidar de si", são 230.000 horas. Restam ainda
outras 230.000, completamente vazias, absolutamente vazias.
Pergunta: Professor, o senhor fala em seu livro e também em outros
trabalhos que a escola não prepara para esse tempo livre. Que tipo
de mudanças o senhor acredita que deveria ser feito no sistema
escolar para que a escola não preparasse exclusivamente para o
trabalho. A escola prepara para a criatividade ou alguém que
memorize e reproduza informações memorizadas?
De Masi:
Este é o problema. Se meus alunos, os que tenho na classe que tem 20
anos, sei muito bem que terão 70.000 horas de trabalho, mas que, no entanto,
terão 530.000 horas de vida. Ou seja, sabe-se que o trabalho é um sétimo de
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 90
suas vidas. Por que, então, devo dedicar a escola, apenas para prepará-los
para o trabalho?
O trabalho se tornou uma categoria carnívora. Uma categoria que
consome tudo: a família, a sociedade, a escola. preparam o garoto para o
trabalho, para o trabalho. Mas o trabalho o é tudo. E, no entanto,
atividades que, mesmo sendo pesadas e importantes, não são consideradas
trabalho. O trabalho é uma convenção. Uma mulher que cuida do filho não
trabalha de acordo com as estatísticas. Se a mesma mulher cuidar do filho de
outra, é considerada trabalhadora. E recebe o salário de babá. Se essa mesma
mulher cuidar de 30 garotos ao mesmo tempo, é considerada professora. E
recebe, então, outro tipo de salário. É tudo uma grande convenção teatral. É
um grande teatro a questão do trabalho e do tempo livre. Agora, se o que
aguarda o jovem são um sétimo de trabalho e seis sétimos de tempo livre, a
escola, a sociedade, a família e os meios de comunicação de massa devem
ensinar esse jovem como usar esse tempo livre. Por que no tempo livre podem
nascer idéias, pode haver grandes explosões de criatividade, mas pode haver,
também, droga, violência, dissipação, inutilidade e tédio.
Comentário: o detalhe importante desta resposta de De Masi é a consideração
feita sobre a mulher que cuida do próprio filho (mãe), do filho de outra mãe
(babá) ou dos filhos de outras mães (professora). Esta análise nos remete ao
pensamento de Marx que fala do trabalho produtivo e improdutivo.
Pergunta: Professor tem um problema que é o seguinte. Na verdade a escola
está ensinando o que a sociedade está vivendo, o que volta
naquele ponto, como é que nós podemos fazer para que essa
própria sociedade e também nós adultos comecemos a viver um
pouco diferente isso. Num de seus trabalhos o senhor menciona
que o senhor cita o caso do Ferri continua sempre andando na
rua, falando com as pessoas, procurado contato, porque também
tem um pouco isso, o caso daquele que é genial como alguém que
se afasta das pessoas comuns. Como é que fica isso então do
ponto de vista dos políticos que estão tomando decisões e em
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 91
geral estão afastados do ser humano das ruas, como é que fica
para nós que estamos pensando e pregando as coisas, o senhor
me compreende, a escola não vai conseguir fazer uma coisa muito
diferente daquilo que a sociedade está vivendo.
De Masi:
O tempo livre se ensina com o pprio tempo livre. Mas, o se trata
mais tanto de tempo livre, pois quando as atividades são manuais, como as
de um mineiro, há uma divio clara entre as horas de trabalho e as horas
fora do trabalho. Mas quando a atividade é intelectual, (temos aqui um
publicirio) como distinguir o tempo de trabalho do tempo livre? Se ele
estiver aflito por que tem de achar um slogan, ou a solução de um problema
de um cartaz publicirio, esta aflição esta sempre presente, a de noite.
Ele até pode achar a solução ao amanhecer, ainda sonolento. Hoje, tudo
está mesclado. Estudo, trabalho e tempo livre, o uma coisa . Vou dar
um exemplo.
O que estamos fazendo agora? Estamos estudando? Bem..., às vezes,
até trocamos idéias. Estamos trabalhando? Em certo sentido, sim. Estamos
nos divertindo? Eu estou.
Comentário: acredito que neste ponto da entrevista é que De Masi deixa claro a
sua concepção sobre o Ócio Criativo. Primeiro, que a dinâmica do mundo
moderno subtrai a necessidade de um controle pontual e rigoroso sobre as
horas trabalhadas. Como o conhecimento vale mais do que a força dos
músculos, o que de fato vendemos é nossa capacidade intelectual, capacidade
esta que não se limita apenas às horas regidas em um contrato de trabalho,
mas sim enquanto seres pensantes que a todo o momento estamos em
processo de trabalho contínuo. Segundo, porque deixa claro uma segunda
vertente sobre o juízo do Ócio Criativo, qual seja a combinação de trabalho,
estudo e lazer, quando argumenta o que está ocorrendo naquele momento da
entrevista, isto é, ele está trabalhando, na medida em que está concedendo
uma entrevista, está ao mesmo tempo aprendendo, na medida em que as
perguntas feitas inserem pontos de análise e que possibilitarão novas
reflexões, e se divertindo, não no sentido pejorativo da palavra, mas na medida
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 92
que o trabalho ora realizado (a entrevista), conjugado com os desafios
intelectuais propostos (estudo), são motivo de satisfação e prazer uma vez que
estão alinhados com sua “expertise” e engrandecem sua obra.
Pergunta: Mas essa questão da cultura do tempo livre e do trabalho remete
às sociedades indígenas. Nas sociedades indígenas não há essa
ruptura entre tempo livre e trabalho. Aparentemente o ser humano
na sociedade industrial quebrou isso. Como é que a escola
recupera essa junção do prazer do aprendizado é bom, é gostoso
aprender e como que a gente aprende não só para produzir?
De Masi:
Claro, naquelas sociedades primitivas, estudo, trabalho e tempo livre são
uma coisa só. Mas, o são produtivas. Devemos achar um modelo que
preserve a produtividade e o lazer. Um dos maiores estudiosos de Ciências
Organizacionais que iniciou a sociologia do trabalho e organização nos EUA
nos anos 20 e 30 era da Austrália. E sua intenção ao chegar aos EUA, vendo a
sociedade americana tão convulsa e atomizada, era a de recriar nas empresas
o lazer dos aborígenes australianos e a produtividade da empresa americana.
Em parte, ele contribuiu para que isso tudo acontecesse. As relações humanas,
após seus estudos, mudaram para melhor. Devemos dar continuidade,
devemos eliminar progressivamente as barreiras arquitetônicas das indústrias,
ou seja, a empresa tem de se abrir. Quando minha mãe pensava num
trabalhador, pensava num camponês, pois ela vinha do campo. Quando
pensamos num trabalhador, pensamos em Charles Chaplin de Tempos
Modernos. Aqueles fotogramas são terríveis, por que gravaram em nossa
mente que o trabalhador é um metalúrgico na linha de montagem. Mas hoje,
em 80% dos casos o trabalhador é um intelectual. É o funcionário, o dirigente,
o profissional. São pessoas que trabalham com a cabeça, não com as mãos.
Então, para que ter um aparato arquitetônico, um aparato de controle e
disciplina, como se fossem metalúrgicos, mecânicos analfabetos do começo do
século?
A empresa não renovou sua organização. Ela apenas renovou seu
maquinário e substituiu os operários por funcionários e dirigentes. Só isso.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 93
Comentário: ao responder esta pergunta, De Masi discorre e ao mesmo tempo
critica a Administração Científica (Escola da Administração já citada nesta
tese). Chama também a atenção o número apresentado por De Masi que hoje
(1988 ano em que a entrevista foi concedida), que 80% dos trabalhadores
exercem um trabalho intelectual. Tal afirmativa nos remete ao entendimento
que a famosa “mão-de-obra” obteve acentuado declínio.
Pergunta: Vendo o que o senhor escreveu a respeito de toda a sociedade,
das mais primitivas, até a industrial ou pós-industrial, a gente
uma idéia subjacente de evolução na questão tecnológica que
possibilita horas livres. Parece, no entanto, que todo o curto circuito
que existe em discutir horas livres com a felicidade do homem, é a
gente perceber que há um descompasso muito grande entre a
solução tecnológica, como o homem consegue rapidamente a
solução tecnológica, e uma dificuldade, uma falta de criatividade
para encontrar a solução do convívio social. Assim como o senhor
vê uma evolução no que diz respeito à máquina, o senhor tem uma
expectativa otimista com relação à evolução de consciência, da
evolução social do homem? Ou esse curto circuito ainda vai
continuar sendo tão grande?
De Masi:
Eu acho que, quando o ser humano toma consciência de um problema a
fundo, costuma achar a solução. O problema é quando não toma consciência
ou quando o subestima. Nos últimos dias conversei com muitos intelectuais
aqui no Brasil. São extraordinários, muito ativos, muito inteligentes e criativos.
Tomo a liberdade de fazer apenas uma crítica. Parece-me que se
acostumaram a conviver com as diferenças sociais e não as notam mais. Ao
passo que quem vem da Europa não consegue entender como pode haver, a
poucos passos de distância, como no Rio de Janeiro, a maior favela da
América Latina e o bairro dos milionários. Mas parece que, por força da
convivência, como por um mecanismo de defesa psicológica, até o intelectual
brasileiro se habitue um pouco a tudo isso. Ou julgam-no uma fatalidade que
não pode ser eliminada. Mas, eu acho que nós aprenderemos a usar as
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 94
máquinas, desfrutando-as ao máximo, ou seja, delegando às máquinas todo o
trabalho nocivo, perigoso, pesado e nos habituaremos a viver com nosso
grande monopólio, que é o trabalho intelectual.
Comentário: observo uma ampla sinergia entre o testemunho de De Masi e o
depoimento feito em 1933, no “Liberty Magazine” em que Albert Eisntein
comungava do mesmo princípio, ou seja, uma reestruturação produtiva é
necessária. Falta-nos o olhar mais atento, aguçar nossa percepção e coragem
para mudar o status quo e tornar a relação Homem x Trabalho mais
humanizada.
Pergunta: O senhor disse num dos seus escritos, acho que era uma proposta
sua, sobre o fato de que muitos executivos trabalham 12, 14 horas
por dia, enquanto colegas ou filhos desses executivos o
trabalham nenhuma, porque não tem emprego. E uma das
propostas é justamente dividir: cada um trabalha menos para mais
gente trabalhar. Mas é possível isso em termos concretos? O
senhor acha que é possível organizar o mundo de forma que as
pessoas trabalhem menos para que mais pessoas trabalhem?
De Masi:
Eu trato disso em meu livro O Futuro do Trabalho que vai ser lançado
aqui no Brasil. Acaba de sair na Itália e foi bem recebido. Houve duas edições
numa semana. Mas foi muito criticado pelo jornal da Confederação das
Indústrias, que disse: "Quem vai pagar o tempo livre?".
É obvio, quem paga são as máquinas e a produção social, mas, voltando
ao assunto, acho que os problemas no mundo são ao menos três. O primeiro é
habituar cinco bilhões de pessoas que nunca trabalharam a começar a
trabalhar. O que faz o cidadão da favela ou o cidadão pobre do Cairo quando
acorda de manhã? Ele não vai ao escritório. Ele deve ir à luta até a noite,
tentando sobreviver. Então, esses cinco bilhões seriam educados, aos poucos,
para um trabalho produtivo. É uma obra colossal, pois começa na escola. Mas
simultaneamente, o bilhão de cidadãos do Primeiro Mundo seria educado para
trabalhar menos.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 95
Assim como os primeiros sofrem, é claro, sem culpa alguma,
involuntariamente de ócio obrigatório, os segundos sofrem, com culpa, de
hiperatividade. O fato de um dirigente ir ao escritório às 800h para sair às
20:00h, descuidando totalmente da família, descuidando totalmente da vida
política e social, descuidando totalmente de si mesmo: não vai ao cinema, ao
teatro, não lê, não para um instante para apreciar a beleza do universo, das
obras de arte, de tudo o que nos é dado gratuitamente, isso significa
depauperar a si mesmo e aos outros, sem nenhum motivo. Não existe um
motivo para justificar isso. Quando o operário ficava na linha de montagem, se
ficasse lá o dobro do tempo, produzia o dobro de porcas. Se um intelectual fica
o dobro do tempo no escritório, ele não produz o dobro, produz a metade.
Se o nosso publicitário ficasse 12 horas ao dia sentado no mesmo lugar,
falando com as mesmas duas ou três pessoas, fechado no mesmo escritório,
falando das mesmas coisas, sempre oprimido por uma burocracia imunda,
sempre num contexto esteticamente asséptico como um hospital, ele não
poderia criar absolutamente nada.
A criatividade provém da variedade. A criatividade advém da
combinação do jogo, da amizade, do amor, do lazer, da introspecção. E o
dirigente não pode fazer nada disso. O dirigente que sai da Business School
americana, cujo objetivo é a competitividade, a competitividade destrutiva, em
vez de uma emulação solidária; é uma pessoa perigosa para si mesma,
perigosa para os outros e para a democracia. De fato, foi daquele mundo,
daquele centro social muito perigoso para si próprio e para os outros, que
surgiram a globalização e o turbocapitalismo.
Pergunta: Agora a pouco nós estávamos falando sobre um assunto muito
atraente, que é a presença da mulher na sociedade. Na verdade o
domínio do trabalho tem sido por excelência, o domínio da
presença do homem, dos valores masculinos; ele é dominado por
uma espécie de masquiocracia impenitente que a todo o momento
afirma que corre atrás de objetivos muito claros, muito
delimitadores: é mais dinheiro, mais poder, mais contatos
prestigiosos, mais prestígio e mais mulheres. A presença desse
universo masculino, não teria no contraponto do tempo livre, o
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 96
nascimento de novos valores? Ligados a sociabilidade, à
confiabilidade, à afetividade, ao estético, à criação? Nesse sentido
estaria havendo uma espécie de feminilização do mundo?
De Masi:
Claro, o mundo está se feminilizando, pois em 200 anos de sociedade
industrial, de meados do século XVII a meados do culo XIX, os homens se
reservaram o mundo da produção. Reservaram às mulheres o mundo da
reprodução e fizeram a cisão: a produção na empresa e a reprodução em casa.
E descartaram do mundo da produção todos os valores considerados
inferiores: a subjetividade, a estética, a ética e a emotividade.
Esses valores tornaram-se quase um monopólio da mulher. O homem se
envergonha ao se comover, por exemplo. Mas esses valores que
detestávamos e que, portanto, deixamos para as mulheres estão se tornando
dominantes, pois na sociedade pós-industrial, baseada na criatividade, não
possibilidade de criatividade sem estética, sem ética e sem emotividade. É
que emerge a mulher. Ela que foi escrava desses valores e deles está imbuída,
hoje, já libertada, na medida em que se liberta dessa opressão, consegue
expressar-se.
Quando cheguei a São Paulo, tive uns momentos de folga e enquanto
aguardávamos o carro, andei um pouco pela livraria do aeroporto. É
interessante notar que quase metade dos livros é escrito por mulheres. Isso
acontece com os filmes. Se assistirmos aos filmes quase não percebemos,
mas hoje um número enorme de cineastas é constituído por mulheres. Era um
papel que antes cabia à gente (os homens).
Minha grande amiga, a cineasta italiana, Lina Wertmüller, era a única
cineasta no mundo. Tenho absoluta certeza de que desse advento de grande
feminilização nascerá uma sociedade nova. Naturalmente as mulheres que
estão se masculinizando cometeriam um erro grandíssimo, porque acabariam
se masculinizando justamente quando isto não serve mais. É como os italianos
que foram colonizar a África quando os outros iam embora.
Comentário: interessante a citação de De Masi ao afirmar que a criatividade
provém da variedade, ou seja, da combinação do jogo, da amizade, do amor, do
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 97
lazer, da emão e da introspecção. Valores pouco cultivados na grande maioria
das empresas. No mesmo tom, De Masi adverte sobre a necessidade de um
equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. O fato de dedicarmos uma extensa
jornada de trabalho não implica em uma maior produtividade. Ao contrio, parece
nos escravizar. Esta escravidão trabalhista, pica do culo XXI, diferentemente
da ocorrida no passado, assume novos contornos e nos afasta de um maior
relacionamento familiar, das artes, de uma contemplação digna de ser vivida.
Pergunta: Parte dos problemas que o senhor abordou e parte das soluções que
o senhor propõe, dependem de grandes instâncias, a decisões de
grandes empresários, de poticos, da mudança das relações dos
países, da definição de vocões de um projeto de país. Agora, tenho
a impreso que existe alguma parte disso que pode depender da
vontade de cada uma dessas pessoas. Eno eu perguntaria, que
parte é essa e se é posvel cada um, de algum modo, dar a sua
pequena contribuição para que essas mudaas, no bom sentido,
acontam?
De Masi:
Cada um pode dar uma contribuição fundamental. Grande parte das
pessoas tidas como civilizadas, isto é, destituídas, espero, não em definitivo,
de sensibilidade humana, pensam que tudo o que pode agradar custa. E se
não há dinheiro, não há nenhuma possibilidade de usufruir o tempo livre.
Todos deviam começar a pensar sobre o que são os grandes luxos da
sociedade contemporânea. O luxo é uma coisa rara. Era um luxo ter uma
carruagem quando ninguém a possuía. Hoje, somando tudo, o que é raro? O
Tempo é raro. Um número enorme de pessoas (embora a média de vida tenha
dobrado em duas gerações e haja instrumentos para economizar o tempo) tem
a impressão de nunca ter tempo.
Um segundo luxo é o espaço. Ter espaço. No Brasil o espaço é infinito.
Porém poucos meses, pela primeira vez, a população que vive nas cidades
superou os 50% da população mundial. Portanto, tempo, espaço e depois,
solidão. Nós precisamos também de momentos de solidão. Precisamos
também de momentos de introspecção. E depois segurança. Precisamos viver
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 98
num ambiente onde possamos sair à noite, passear e admirar a lua de noite,
como o sol de dia, com toda a segurança de que isso não nos cause
problemas. E depois, autonomia. Aquela autonomia que nos é tolhida pela
cidade, nos é tolhida pela empresa, e por toda a burocracia que nos sufoca.
Então, esses luxos, tudo somado são luxos que podemos ter
gratuitamente. É preciso educação, uma educação, é obvio, naquele sétimo de
vida que o jovem tede passar no trabalho e naqueles seis sétimos de vida
importantíssimos que o jovem passará no chamando tempo livre.
Segunda entrevista concedida à TV Cultura - Programa Roda Viva, em 4 de
janeiro de 1999 (RODA VIVA, 1999)
Entrevistadores:
- Albino Castro - Jornal Gazeta Mercantil
- Max Gehringer - Pullmam Plus Vita
- Danilo Miranda - Sociólogo
- Milton Seligman - INCRA
- Rodrigo da Rocha Loures - Nutrimental Comércio e Indústria de
Alimentos
- Mônica Falconne - Jornalista e Empresária
- Marco Antonio de Rezende -Revista Vip Exame
Pergunta: Lendo as entrevista do senhor, lendo o seu livro, e todas as
declarações que eu vi, me passa a sensação de que o senhor é um
enorme otimista, que o senhor tem uma visão muito positiva sobre o
futuro da humanidade e sobre o futuro do trabalho e das relações do
trabalho. Embora, aqui e ali, nos seus artigos, haja o reconhecimento
de problemas que a gente terá que enfrentar, como por exemplo, o do
desemprego, a vio geral me parece otimista. O que é que sustenta
esse otimismo?
De Masi:
Tenho muitos amigos intelectuais que, às vezes, dizem que queriam ter
vivido no século XVIII - sociedade em que as camadas superiores, nobreza e
clero, eram ociosas e sustentadas por uma camada trabalhadora -, ou na
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 99
época dos gregos, dos romanos - sociedades compostas por homens livres e
escravos -, ou no Renascimento. Creio que esses amigos se iludem, achando
que, se tivessem vivido naquelas épocas, seriam príncipes ou aristocratas;
pois, se tivessem sido pessoas comuns, certamente teriam vivido mal em
comparação com os dias de hoje. Além disso, se iludem achando que seriam
príncipes, com boa saúde, pois bastava ter uma dor dente, vinte ou trinta anos
atrás, para que isso fosse uma grande tragédia. Então, acho impossível não
sermos otimistas em uma situação como a atual. Pensemos um pouco nos
dados.
Em 800 gerações, desde o homem de Neandertal anossos avós, a
média de vida humana girou sempre em torno de 29 a 30 anos, cerca de
300.000 horas. Quanto aos nossos bisavós na Itália, os homens viviam 32
anos; as mulheres, 33 anos. Hoje, em apenas duas gerações, temos uma
média de vida de 79 anos no caso dos homens e 82 anos para as mulheres.
Portanto, a média de vida dobrou em apenas duas gerações. Simplesmente
para tomar um banho, nossos bisavós tinham um trabalho enorme: pegar a
água do poço, aquecê-la no fogo, acender o fogo - o que era difícil, pois não
havia gás - e, finalmente, tomar banho. E, na mesma banheira, na mesma
água, três ou quatro pessoas tomavam banho em seguida. Portanto, desde
sempre os seres humanos esperaram trabalhar o menos possível, ser o mais
rico possível, cansar-se o menos possível, sofrer o menos possível. Tudo isso
ainda não foi plenamente atingido. Mas estamos no caminho certo.
Comentário: no início desta segunda entrevista, De Masi chama atenção das
dificuldades ocorridas no passado quando comparadas às facilidades do
mundo moderno. Se o mundo moderno é objeto de maiores facilidades é
porque houve criatividade para tal. Se houve criatividade, mesmo o ser humano
tendo vivido sob a nociva burocracia empresarial (conforme afirma de Masi), o
que então dizer se o ser humano pudesse ter vivido no contexto do Ócio
Criativo? Sendo fiel ao testemunho de De Masi, a média de vida dobrou em
duas gerações. Inoportuna é uma crítica ao passado, mas seguindo a mesma
projeção, o ser humano tende a ter mais tempo de vida útil, o que pode fazê-lo
mais feliz se o Ócio Criativo for mais exercitado.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 100
Pergunta: Isso! Mas, por exemplo, na época de Atenas, de Aristóteles -
filósofo grego, 384-322 a. C. -, que o senhor menciona nos seus
livros, existia isso, mas havia uma legião enorme de escravos para
sustentar essas condições confortáveis e a possibilidade de um
trabalho intelectual de uma elite.
De Masi:
Certo!
Pergunta: Hoje em dia nós não temos escravos, mas temos algumas coisas
parecidas, e a desigualdade é extrema. E, finalmente, as pessoas
que estão na base da sociedade, muitas delas estão condenadas a
não ter trabalho justamente porque são incapazes de enfrentar
esses novos tempos.
De Masi:
Ser otimista não significa esquecer os povos oprimidos e os
marginalizados. Ser otimista significa apenas o seguinte: estar ciente dos
problemas do mundo, de todos os sofrimentos existentes, da miséria, mas ver
também a possibilidade de salvação. Creio que, graças a uma série de
elementos, como o progresso tecnológico, o progresso científico, a
globalização, etc., vê-se finalmente uma luz no fim do túnel. É claro, os gregos
tinham escravos, mas o progresso humano nunca evoluiu uniformemente.
Houve pouco progresso humano em 80 milhões de anos. Depois, na
Mesopotâmia, há sete mil anos, o progresso foi extraordinário. A descoberta da
escrita, da economia, da moeda, da astronomia. A astronomia permitiu viagens
mais longas e trocas melhores. Depois, difundiu-se a idéia de que tudo que
havia para ser descoberto já o havia sido. Aristóteles diz na Metafísica: “Tudo o
que os homens podiam descobrir para seu bem-estar material e sua qualidade
de vida foi descoberto. É hora de nos dedicarmos ao progresso do espírito”.
Portanto, havia a convicção de que o progresso fôra esgotado e da
disponibilidade das mais perfeitas máquinas inventadas, ou seja, os
escravos.
Em Atenas, na Era de Péricles havia 40 mil homens livres, 20 mil
metecos - estrangeiros naturalizados - e 350 mil escravos. Cada homem livre,
em Atenas, tinha entre escravos, esposas e donas de casa, oito ou nove
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 101
escravos à sua disposição. Hoje temos as lava-louças, as máquinas de lavar,
elevadores, telefones... Calcula-se que tenhamos em média 33 escravos por
pessoa.
Pergunta: Eu queria trazer a discussão para o Brasil, logo. O senhor tem sido
um teórico muito elegante do pós-industrial, do tempo livre, do
lazer, do ócio criativo, como o senhor disse. Mas como é possível
aplicar esses conceitos, que o senhor desenvolve tão bem, num
país como o Brasil que, em certos aspectos, vive ainda numa era
pré-industrial e que tem problemas gravíssimos - de uma Índia, não
é? - convivendo com alguns aspectos muito modernos. Faz sentido
falar de ócio criativo, ou de gestão do tempo livre, num país como o
Brasil?
De Masi:
Faz mais sentido ainda do que nos outros países por um simples fato:
porque - como direi depois, se houver a oportunidade - o século XX foi guiado
pelos países que organizaram e que souberam organizar o trabalho. O século
XXI será dominado pelos países que souberem gerenciar o tempo livre. Mas
isto requer um pouco de tempo. Começo pelo que foi dito sobre a sociedade
pós-industrial. Nos últimos séculos, passamos por três épocas importantes.
Uma dominada pela produção rural, na qual o poder estava nas mãos dos
donos de terras. Essa época durou cerca de sete mil anos. Depois, no fim do
século XVIII, e durante todo o culo XIX, houve uma grande revolução, que
hoje chamamos de Revolução Industrial. Essa revolução causou um transtorno
geral. A sociedade não estava mais centralizada na produção de bens rurais,
mas na produção em grande escala de bens materiais. A sociedade industrial
não abriu mão dos produtos rurais. Abriu mão dos camponeses, substituindo-
os por adubos, tratores, etc. Graças à sociedade industrial, e graças também
aos sacrifícios terríveis que a sociedade industrial impôs ao mundo, incluindo
duas grandes guerras mundiais, hoje essa própria sociedade industrial gerou
uma sociedade totalmente nova, a pós-industrial.
Não mais centralizada na produção em grande escala de bens materiais,
mas na produção em grande escala de bens não materiais. Ou seja,
informações, serviços, estética, valores, símbolos. Hoje, o poder está nas mãos
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 102
de quem produz essas coisas. Agora, o Brasil... É claro que o país ainda tem
um percentual enorme de pessoas em situação rural, pré-industrial, ou a
mesmo em um ruralismo muito, muito antiquado. Mas uma sociedade se
caracteriza não pelos extremos inferiores; mas, pelos superiores. O Brasil
também é hoje uma sociedade pós-industrial, porque os métodos de domínio e
poder são pós-industriais, e não rurais.
Podemos falar de sociedade pós-industrial mundial, até nos países mais
atrasados, já que participam de uma divisão internacional de tipo pós-industrial.
Ou seja, em primeiro lugar no mundo, a hegemonia é açambarcada pelos
países que têm o monopólio das idéias, da pesquisa científica, das patentes,
da mídia de massa. Depois vêm os países cuja produção é industrial. E, enfim,
os países condenados a consumir sem produzir. O Brasil está nesta situação:
não é mais um país condenado tão somente ao consumo, mas ainda não é um
país ideal. É um país onde deslocamento de fábricas. Cem anos atrás, um
país onde havia muitas fábricas era um país líder, um país de poder. Hoje um
país que tem fábricas é um país atrasado.
Uma fábrica, na sociedade pós-industrial, não digo, que seja como uma
favela, mas falta pouco. Um país não é evoluído se tem muitos supermercados
e muitas fábricas. Os supermercados e fábricas, que na era industrial
indicavam o progresso, indicam hoje uma situação intermediária entre Primeiro
e Terceiro Mundo. Isso é visível nos salários. Em média, a hora de trabalho em
Nova Iorque custa US$ 24. Em Cingapura, custa US$ 7; na China, US$ 1; na
Malásia, US$ 0,65; e no Brasil custa US$ 12. Portanto, é uma situação
intermediária entre os países líderes e os subalternos. É um grande perigo,
mas também uma grande oportunidade. O Brasil poderia tornar-se o país líder
entre todos os países, todas as nações que não são mais do Terceiro Mundo,
mas que devem dar o salto para o Primeiro Mundo.
Comentário: os valores citados por De Masi, quando da realização desta
entrevista, em relação ao valor pago à hora trabalhada, datam de 1999.
Estamos 10 anos defasados. Não é objetivo desta tese questioná-los. O eficaz
gerenciamento do tempo livre é o ponto central da proposta de De Masi. Neste
sentido, o sentimento é que há ainda um grande caminho a ser percorrido.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 103
Pergunta: Professor, já que estamos neste ponto, uma segunda pergunta! Em
sua opinião, conhecendo bem o Brasil - o senhor viajou rios
estados do Brasil, esteve aqui algumas vezes em que dirão o
Brasil deveria caminhar? Estou falando aqui realmente de como
imaginar o formato desse país. Investir pesadamente na indústria,
tentar reformar a nossa estrutura agrária... Transformar o Brasil numa
Suíça, fabricando coisas de alta tecnologia, na primeira poncia
mundial do turismo. O senhor sabe que o Uruguai, pequenininho, lá
no sul, recebe mais turistas - em números absolutos - que o Brasil,
com 8.000 km de praias fantásticas. Então, que idéias o senhor daria
em termos práticos para levar o Brasil, desse segundo mundo em que
ele se encontra, para o primeiro, e evitar que ele caia no terceiro?
De Masi:
Seria pretensão poder dar conselhos a um país tão grande e
diversificado como o Brasil, e com tanta gente de talento. Sou sociólogo, mas
conheço as obras de muitos sociólogos brasileiros. O seu próprio presidente da
República (na época da entrevista - Fernando Henrique Cardoso) escreveu
muitos anos atrás, um livro sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, e
que usei, na época, com meus alunos na Itália, porque é um clássico mundial.
Portanto, não posso, absolutamente, ter a pretensão de dar idéias. Porém, a
minha opinião é esta: uma economia sadia é diversificada e abrangente.
Ela não pode centrar-se na agricultura, na indústria, nos serviços,
ou só no tempo livre. A questão é saber dosar os vários ingredientes da
economia. É claro que, até o século XI, a dose proeminente era a da
agricultura. Mas, Adam Smith, no fim do século XVIII, previa o
desenvolvimento do comércio. Claro que, nos séculos XVIII e XIX, para os
países líderes, prevaleceu neste mix, a dose industrial.
O fato é que o futuro será determinado, sobretudo, pela pesquisa
científica, pela pesquisa estética e pelo tempo livre. Agora eu me pergunto: o
que o Brasil tem para satisfazer essas três coisas? E o que deveria ter? Em
geral, os países líderes impõem aos subalternos que percorram de novo todas
as etapas do progresso. Até mesmo meu colega americano Daniel Bell, com
quem discuti várias vezes o assunto. Segundo ele, um país rural não se torna
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 104
pós-industrial sem antes passar pela fase industrial. Portanto, um país rural
deve esgotar a fase rural para se tornar industrial e, depois, se os Estados
Unidos o consentirem, terá o prazer e a honra de ser pós-industrial. Eu, no
entanto, acho que um país rural pode passar diretamente para o pós-industrial,
sem perder tempo na fase industrial, desde que tenha condições: grandes
universidades, uma grande literatura, e uma grande arte. Agora eu lhe
pergunto: seu país tem uma grande literatura, uma grande arte, uma grande
pesquisa científica? Imagino que sim, quanto aos dois primeiros itens.
E quanto ao terceiro, não. O Brasil tem tudo para se tornar líder na arte,
na literatura, e no tempo livre, mas ainda não desenvolveu muito a pesquisa
científica. Acho que poderia se tornar o líder dos países intermediários,
justamente neste setor. Pois esses países - e neles incluo a Itália, que é o país
de onde venho - são países que, muitas vezes, são atrasados devido à
pesquisa científica.
Saibam que de cada 80 em 100 produtos que o Japão pôs à venda no
mercado, nos últimos dez anos, sessenta tinham patentes americanas. Isso
significa que, sobre 60 produtos, o Japão paga “royalties” aos Estados Unidos.
Não é uma crítica aos Estados Unidos. Eles foram muito inteligentes, a ponto
de acolher todos os talentos, quando nós, na Europa, com o nazismo e o
fascismo, os mandávamos embora. Digo que temos de imitar
os Estados Unidos sob esse aspecto. Temos de gastar com educação,
formação, com universidades. E acho que, no Brasil, o primeiro passo a seguir
seria, certamente, eliminar o excesso de analfabetismo. dois anos fiz uma
série de conferências em Fortaleza, onde o índice de analfabetismo é alto.
Em uma delas, estava na universidade com estudantes e professores. E
ao professor que pediu minha sugestão sobre o analfabetismo eu disse isto:
“Todo universitário sabe ler e escrever. Portanto, pode ensinar isso a uma
criança. Se cada universitário de Fortaleza, no exame, qualquer um, química,
física, matemática ou sociologia, além de levar os livros de estudos, levasse
também uma criança alfabetizada, cada estudante alfabetizaria ao menos vinte
crianças. Em três ou quatro anos, não haveria mais analfabetismo lá”.
Isso pode ser feito tamm em São Paulo, no Rio, como também no sul
da Itália, onde o índice de analfabetismo ainda é alto.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 105
Comentário: destaca-se aqui a visão e, ao mesmo tempo, a preocupação que
De Masi denota quanto ao aspecto educacional. O mundo moderno exige uma
série de qualificações e competências dos trabalhadores. Falar em
empregabilidade num país em que ainda se registra um número grande de
pessoas analfabetas, de fato, soa como uma grande utopia.
Pergunta: Professor, eu vou colocar uma questão dessas semanas, desses
dias. O senhor, no final dos anos 80, falava que a questão do
trabalho se voltava entre o proletariado e a burguesia, que nos
anos 80 a batalha se dava entre inovadores e tecnocratas
conservadores. E essa década, que é a década de 90, que está
acabando, seria uma década de criativos versus burocratas. Com o
embrulho financeiro dos nossos dias, no final dos anos 90, o
senhor acha que há excesso de criatividade ou é excesso de
burocracia?
De Masi:
Desconheço o mercado financeiro brasileiro.
Pergunta: Não, não! Não o nosso! Refiro-me ao mundo.
De Masi:
Ah, no mundo. No mundo, não...
Pergunta: Isso! A desregulamentação que existe hoje no mercado financeiro.
De Masi:
Neste caso sou otimista e é cil -lo, por um simples fato: temos
tecnologia e ciência, que apresentam um progresso extraordinário. E as
tecnologias que hoje temos à disposição substituem o trabalho humano.
Enquanto as tecnologias simples, tal como o martelo, a serra, substituíam o
trabalho humano apenas de caráter físico, as novas tecnologias, como o
computador, substituem, sobretudo o trabalho intelectual do tipo executivo.
Portanto, agora, o trabalho físico, como o intelectual executivo, pode ser
confiado às máquinas. Isto significa que resta ao ser humano o monopólio do
trabalho criativo. Mas esse é o oposto da burocracia. Pois a criatividade é a
fantasia aliada à realização. Realização sem fantasia gera burocratas.
Portanto, burocracia e criatividade são opostos. O mundo atual precisa dos
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 106
criativos, e os premia. De fato, os atores, os criadores de moda, os
cientistas, os artistas, são muito mais cortejados e gratificados que os
executivos. Estamos num mundo em que se reduz progressivamente a tarefa
executiva, que é delegada às máquinas, e reduz-se o espaço dos burocratas.
Por sua própria vocação, os burocratas são sádicos. Um burocrata é feliz
quando pode matar as idéias dos criativos. O burocrata é feliz ao poder dizer a
frase: “Lamento, mas venceu o prazo”. É a frase que maior orgasmo
proporciona aos burocratas.
O burocrata vê os limites, ao passo que o criativo vê as oportunidades, e
transforma até vínculos em oportunidades. Vamos em direção a um mundo em
que não há mais o burocrata e devemos dizer que muitas vezes são corruptos.
Com o álibi do vencimento dos prazos, tentam corromper os clientes. Na
sociedade pós-industrial, haverá cada vez menos lugar para os burocratas.
Felizmente, pois são o oposto da estética, além do oposto da criatividade. A
criatividade e a estética são as dimensões que, mais do que qualquer outra
coisa, determinam nossa felicidade. E os burocratas determinam a nossa
infelicidade.
Comentário: crítica feroz De Masi faz em relação aos burocratas no sentido de
serem agentes capazes de “matar” a criatividade. A dificuldade de uma
reestruturação produtiva nas empresas está muito ligada à presença de
burocratas. Estes não inibem a criatividade como também são defensores
fervorosos da prática do anti Ócio Criativo.
Pergunta: O senhor defende sempre que as empresas devem criar mais
tempo livre para seus funcionários. Com mais tempo livre, eles vão
ser mais criativos; sendo mais criativos, eles vão ser mais felizes.
O mundo parece estar caminhando na direção oposta, porque uma
das doenças executivas que nós temos neste final de século é o
estresse: a enorme pressão cada vez maior que a empresa exerce
sobre o funcionário, a pressão que o funcionário exerce sobre ele
mesmo. E hoje parece que é moda dizer: “Eu estou estressado”.
Desperta uma certa simpatia. Quando lhe dizia isso, minutos atrás,
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 107
o senhor me disse: “O estressado é um masoquista!” Então, eu
gostaria que o senhor me explicasse isso, por favor.
De Masi:
Os progressos tecnológico e organizacional permitem a produção de
maior mero de bens e serviços com menos trabalho humano. De um lado,
isto determina que, fora da empresa, o desemprego aumente. De outro, dentro
da empresa, determina um fenômeno que chamo de "horas extras”. De fato,
dentro da empresa, os empregados podem produzir muito mais em menos
tempo. Isto quer dizer que hoje qualquer executivo, após quatro ou cinco horas,
poderia ir embora. Mas os executivos se acostumaram a ficar somente no
escritório.
Acrescente a isto o ódio para com a família; o ódio para com as
atividades domésticas, sempre consideradas por eles como de qualidade
inferior, adequadas às suas esposas. Geralmente, o executivo despreza a
própria esposa. E, muitas vezes, a esposa o troca por outro. Pois, como o
executivo está sempre longe de casa, as esposas são obrigadas a procurar nos
encanadores uma maior companhia. E isso implica que todo executivo finge
para si mesmo que tem muito trabalho. De fato, após quatro ou cinco horas,
poderia ir embora. Concluí faz pouco tempo uma pesquisa sobre onze
empresas italianas. O resultado foi que o trabalho dos executivos - não falo do
alto executivo, mas do médio - é um trabalho que leva no máximo cinco ou seis
horas. Todos poderiam ir embora depois disso. Mas, na Itália, - não sei se aqui
é assim - o executivo não fica as quatro ou cinco horas necessárias, como
fica até o fim do expediente. E, para demonstrar fidelidade ao chefe e à
empresa, fica ainda mais algumas horas, que chamo de horas extras.
Por isso, todo executivo aprendeu a estender para dez ou doze horas a
atividade que podia realizar em quatro ou cinco horas. O que ele faz nesse
tempo em que fica a mais na empresa? Ele faz duas coisas: ou faz reuniões,
geralmente inúteis, ou então cria normas para os outros. Por isso, aos poucos,
a empresa se torna um grande emaranhado de normas. Estou dando
consultoria a uma grande empresa italiana do ramo metalomecânico. Tenho
reuniões mensais com o presidente e com seus dez maiores colaboradores. E,
todo mês, dou uma lição de casa. Cada um deve trazer às reuniões duas
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 108
normas a serem eliminadas. Portanto, como são onze, a cada vez são
eliminadas 22 normas. Passaram mais de dois anos, e ainda faltam muitas.
Apesar de termos eliminado mais de 200 normas, ainda existem muitas que
arruínam a vida da empresa. As normas, as horas extras, quase sempre são
para "fazer companhia" aos chefes. Ficam até tarde para fazer companhia ao
chefe, que faz companhia ao dele, e assim por diante. As horas extras geram
muita tristeza nas empresas.
Os executivos felizes são raros. E, muitas vezes, se convencem de que
o dever da empresa não é a felicidade dos funcionários. Mas observei que as
empresas que têm mais êxito são as que seus funcionários o mais felizes,
pois onde são mais felizes são mais criativos e, portanto, mais eficientes.
Naturalmente, cria-se um círculo virtuoso que é o oposto das empresas onde
impera a burocracia, nas quais todos estão tristes, diminui a criatividade e,
portanto, a eficiência. John Galbraith, um badalado consultor americano...
Por que todos vocês adulam os consultores americanos e os pagam
muito bem para que tragam os resíduos de suas teorias, como nós mandamos
aqui velhos modelos de televisores e de geladeiras? Assim, as diversas
empresas de consultoria vêm trazer a vocês idéias obsoletas. De qualquer
forma, Galbraith diz que as empresas americanas são sempre menos criativas.
Não foram fabricantes de máquinas de escrever mecânicas que inventaram as
elétricas.
Os fabricantes de máquinas de escrever elétricas não inventaram as
eletrônicas. Não foram os fabricantes de válvulas que inventaram o transistor.
Aliás, a ITT (companhia global de engenharia e manufaturados, que
comercializa, dentre outros produtos, conectores eletrônicos de aplicação
computacional, industrial, aeroespacial e em telecomunicações), que detinha o
monopólio do transistor, vendeu a patente a Akio Morita, presidente da Sony,
pensando que o futuro seriam as válvulas e não os transistores.
Há um déficit de criatividade que a empresa hoje resolve de duas ou três
formas. Primeiro: compra patentes nas universidades. Segundo: faz uso da
terceirização. Ou seja, manda fazer fora o que antes ela mesma fazia. Assim,
as pessoas mais inteligentes vão embora. E ficam os burocratas. Então,
formou-se um círculo vicioso. Quanto menos criatividade há, menos criativos
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 109
são atraídos. Acrescente a isso a ação dos selecionadores. Se o selecionador
tiver certa idade, ele é uma pessoa frustrada, que queria fazer carreira e não
conseguiu. E, portanto, odeia os criativos. Usa testes e técnicas para
individualizar os criativos e descartá-los do processo seletivo.
Então, é raro que dentro de uma empresa apareça alguém criativo.
Quando a empresa está lotada de pessoas que executam sem criatividade
alguma, manda-as fazer cursos de criatividade. É como se gostasse de loiras,
casasse com uma negra e a fizesse tingir o cabelo porque gosta dela loira.
Comentário: segundo os dados apresentados por De Masi a jornada de
trabalho seria reduzida à metade se houvesse uma burocracia menos presente
nas organizações. O que também é constatado é que não é apenas a
burocracia a causa de todos os males, aliás, julgo como conseqüência de uma
ação empresarial ainda calcada em um modelo de negócio ultrapassado,
extemporâneo, aonde o supérfluo se sobrepõe ao essencial, aonde o jogo das
aparências “fala” mais alto quando comparado à verdadeira razão do trabalho a
ser executado.
Pergunta: Professor, eu gostaria de falar de outro desafio muito grande do
pós-industrial que é a questão democrática, lembrando também
esse dilema aristotélico entre o avanço científico-tecnológico e o
desenvolvimento do espírito. Hoje nós temos vários produtos que
são feitos numa velocidade fantástica, temos uma sociedade de
consumo, e temos uma grande dificuldade em administrar esse
progresso. O senhor fala isso também em seus textos, que é mais
fácil inventar que administrar o progresso. Com várias variáveis do
desenvolvimento fora de controle das lideranças dos Estados
Nacionais e dos órgãos internacionais, como fica a questão
democrática na globalização e no pós-industrial?
De Masi:
É um problema muito sério. Primeiro por causa justamente da
globalização. Talvez fale disso depois. E pela inversão das relações entre
política e economia. Isto porque a política, no passado, era a garantia dos
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 110
interesses gerais; e a economia, a garantia dos interesses privados, sobretudo
a economia de mercado. Sabe-se que, com a economia de mercado, ganha o
melhor empreendedor, o qual, dessa forma, atende aos próprios interesses.
Mas acaba também atendendo um pouco aos interesses da coletividade.
Nesse momento, economia e política entraram em conflito e os
portadores de valores econômicos, os empreendedores, propuseram a
economia como disciplina geral no lugar da política. E hoje temos uma
exaltação do mercado, como haviam sido exaltadas, antes, as teorias
econômicas: o capitalismo, o marxismo ou o utilitarismo. Agora, a teoria
econômica tornou-se uma teoria geral. Isso cria um grande perigo, em minha
opinião.
Embora a economia se proponha a ser uma teoria geral, ela continua a
se basear nos vencedores, e não nos perdedores, ao passo que a sociedade é
constituída por ambos, e o Estado democrático tem mais interesse no bem-
estar dos perdedores do que no dos vencedores. Hoje, a economia tem duas
grandes ferramentas. A primeira é a globalização que, em parte, é algo real e,
em parte, uma ideologia. Os executivos amam demais as ideologias, mas, às
vezes, reclamam das coisas de nível ideológico.
Por exemplo, hoje falam muito de flexibilidade. Mas, se perguntar a um
deles o que é, ele não sabe. Hoje, falam muito de globalização. Mas, se
perguntarmos o que é, ele não sabe. Vamos abrir um pequeno parêntese sobre
a globalização. Certamente, é quase um instinto humano.
Os homens sempre procuraram globalizar seus conhecimentos.
Primeiro, através da descoberta do planeta, a exploração e a cartografia de
todo o planeta. Depois com as grandes viagens, e, agora, com as viagens do
tipo espacial. Depois, tentou-se conquistar com armas as regiões recém-
descobertas no mundo. Depois, tentou-se conquistá-las com mercadorias.
Depois, tentou-se com os capitais e, depois, com as idéias. A Igreja o fez com
os missionários. A CNN (Cable News Network, rede de televisão norte-
americana) o faz através de sua televisão. E o Brasil, também, com suas
novelas. Hoje, temos tudo isso junto. Há todas as formas de globalização
anteriores e temos de acrescentar que, pela primeira vez, há um país
hegemônico que tem seu exército em todo o planeta.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 111
Pela primeira vez, saímos de duas guerras mundiais. Pela primeira vez,
saímos de uma guerra fria. Pela primeira vez, temos os meios de comunicação
de massa. Com isso tudo, a globalização política passou a ser econômica e,
agora, está se tornando psicológica. Temos dados desconcertantes: 32 milhões
de pessoas por hora consomem Coca-Cola; 18 milhões de pessoas comem por
hora um hambúrguer do McDonald´s. Somos globalizados em tudo. Não a
economia foi globalizada; nossa personalidade e nossos sentidos também. Os
nossos olhos. Vemos em qualquer lugar os mesmos filmes. Nosso ouvido.
Ouvimos em qualquer lugar a mesma música. E até o olfato. Todos os
aeroportos do mundo têm o mesmo cheiro. Os grandes hotéis do mundo m o
mesmo cheiro. Vivemos em uma globalização psicológica que, de um lado,
transforma o mundo numa grande vizinhança, mescla as experiências, mas, do
outro lado, aniquila as diferenças. E aniquilar as diferenças é terrível.
O outro aspecto importante é que os políticos estavam acostumados a
ter o “feedback” do povo, dos eleitores, a cada quatro ou cinco anos. A
economia introduziu uma nova forma de votação de consenso ou de dissensão.
É a bolsa, a bolsa de valores. Enquanto eu, cidadão, para discordar do meu
político devo esperar quatro anos, a bolsa, em poucos segundos, aumenta ou
abaixa o índice. E pode dizer a um político, antes mesmo que ele apresente um
projeto de lei, que não está de acordo. Pela primeira vez, as finanças mundiais
têm uma arma que político algum, em nenhum lugar do mundo, pode impedir.
É um grande obstáculo para a democracia. São dois os obstáculos.
Os executivos, com sua mentalidade autoritária e não democrática, e as
finanças mundiais, que se permitem reprovar um político, tirando toda a sua
liberdade a qualquer hora. É como o índice de audiência da mídia de massa.
Pergunta: O senhor já conseguiu nos convencer que a criatividade é um
recurso essencial para a economia atual, e eu fiquei com uma
dúvida. Criativo: a gente nasce, ou a gente pode ficar? Pode se
transformar, ou aprender a ser criativo?
De Masi:
É uma pergunta muito interessante. Todos somos mais criativos em
alguma coisa e menos em outra. Acho que Mozart ou Beethoven seriam
péssimos matemáticos. Consta das biografias que eram péssimos no dia-a-dia.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 112
Por exemplo, Beethoven brigava com todos os senhorios. em Viena,
mudou-se trinta vezes. Era incapaz de organizar sua vida cotidiana. Morreu
num apartamento, aliás, num quarto desleixado, sujo, terrível. No entanto, na
música era gênio absoluto. A primeira coisa é entender em que somos
criativos. Pois cada um é mais criativo em uma coisa do que em outra.
Na época, se Mozart não fosse filho de Leopoldo, que tinha uma grande
paixão por música, e fosse filho de açougueiro ou de médico, seria açougueiro
ou médico, e teríamos perdido um grande músico. A primeira coisa a fazer é
identificar as qualidades de base da criatividade de uma pessoa. Em quê cada
um de nossos filhos é mais criativo? Depois, com essa base de caráter natural,
é necessário um trabalho de caráter estrutural e de formação.
A criatividade não é um ponto de partida. É um ponto de chegada.
Criativo é aquele que é capaz de dar o melhor com o que herdou da natureza,
aliando-o ao aprendizado. Contam que uma senhora muito rica teria pedido a
Picasso um retrato. Picasso o fez em segundos e cobrou muito caro. A mulher
disse: “Mas isto só levou alguns segundos. Não deveria custar tanto”. Ele
respondeu: “Não foram alguns segundos. Eu levei a vida toda para pintá-lo”. É
que, por trás dos minutos que levou para pintá-lo, houve toda uma preparação.
O problema é individualizar os talentos e, depois disso, dar o máximo de
preparo. E é preciso dizer que os países líderes fazem isso. Ou seja, é mais
provável que um talento seja individualizado e desenvolvido nos Estados
Unidos do que na Itália ou no Brasil, em que menos estudantes. Em 100
jovens com idade universitária nos Estados Unidos, 56 estudam; na Itália, 18.
No Brasil, eu não sei, mas devem ser menos. São necessários dois grandes
compromissos: orientação e individualização de talentos e, depois, a formação.
A criatividade é o resultado de tudo isso.
Comentário: esta reflexão de De Masi sobre a criatividade e o processo criativo
está em total consonância com aquilo que é pregado por Gardner, em relação
às Inteligências ltiplas (tópico que será abordado no próximo capítulo desta
tese). Cada pessoa possui uma ou um rol de competências. Isto significa dizer
que somos competentes para algumas coisas, nem tanto para outras. Quando
este conceito é aplicado ao cenário empresarial, temos um indicador da
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 113
carência de criatividade existente. Um processo de reestruturação produtiva
configura-se não apenas na minimização da burocracia, mas, sobretudo na
alocação das pessoas em atividades que sejam compatíveis com suas
habilidades e competências. Parece-me que o início da concretização do
processo do Ócio Criativo centraliza-se nesta prerrogativa. O quanto as
empresas estão preocupadas na dimensão desta questão é fator predominante
para a obtenção de um novo modelo de gestão, concomitantemente com uma
maior humanização.
Pergunta: Em recente Congresso Mundial de Lazer, realizado aqui em São
Paulo, no qual o senhor participou com excelente palestra, foi, no
final, feita uma declaração - Declaração de São Paulo - pelos
organismos que estavam envolvidos nesse congresso: a
Organização Mundial do Lazer, que é um órgão vinculado às
Nações Unidas; a Organização Latino Americana, Nacional...
Enfim, em que se estimula - digamos assim - toda uma série de
princípios básicos sobre a importância do direito ao lazer, e
estimulam as organizações públicas, privadas e, enfim, todos os
níveis, a incentivar e desenvolver atividades de lazer para sua
população, população que deve ser atingida. Em primeiro lugar, eu
gostaria de ouvir a sua opinião sobre essa declaração, sobre essa
intenção. Em segundo lugar, nós ouvimos do senhor algumas
características dessa nova sociedade pós-industrial, no que diz
respeito aos seus valores, a sua maneira de ser, sobretudo, na
utilização do tempo livre. Gostaria de ouvi-lo também sobre isso.
De Masi:
Com relação ao primeiro item, a declaração sobre os princípios do
tempo livre, vou fazer uma premissa. É a décima vez que venho ao Brasil e,
cada vez, tenho surpresas quanto a aspectos de vanguarda que vocês têm em
relação a nós, italianos. Lembro-me de ter participado, anos atrás, de uma
palestra sobre organização urbana em Porto Alegre. Fiquei muito
impressionado. Levei alguns documentos daquela organização, que foi um
encontro de todos os responsáveis pelas grandes cidades do mundo.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 114
Houve uma série de consultas populares, e chegamos, no final, a certos
pontos seguros sobre os quais a cidadania se comprometia a criar o progresso
de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Depois, fiquei muito surpreso em outra
ocasião, em Fortaleza pela organização da opinião pública, através do jornal
local O Povo, pelos fascículos que este jornal distribui cada dia à população
para aumentar a formação, inclusive a formação executiva da população, e
para a organização da economia da região. Desta vez, estive em Belo
Horizonte e agora aqui. Duas coisas me surpreenderam. Em Belo Horizonte
fiquei impressionado com a instituição em que se formam garçons, artesãos,
técnicos e que reúne, no mesmo edifício, desde a escola primária até
laboratório e restaurante.
A outra coisa que me surpreendeu foi a participação na palestra sobre o
tempo livre. Nossos avós viviam 300 mil horas e trabalhavam 120. Nós vivemos
700 mil horas e trabalhamos no máximo 70 mil horas.
Enquanto nossos avós trabalhavam metade da vida, nós trabalhamos um
cimo. Mas escola e família nos preparam para o trabalho. Ninguém nos prepara
para o tempo livre. Muito menos a empresa. Por isso, o executivo de quem falei
que fica 10 ou 12 horas por dia no escritório, quando sai, no fim de semana, leva
trabalho para casa, pois o sabe fazer mais nada. Muitas vezes, no veo, na
praia, liga para o escritório para ter nocias do trabalho. É obcecado pelo trabalho.
E depois, aos 55 ou 60 anos, ele é mandado embora. Por prevenção, nesta idade,
se é mandado embora e, para ele, não a morte imediata, como acontecia com
o avô. Por 20 ou 30 anos de vida, ele não sabe o que fazer.
Essa distinção entre tempo de estudo quando jovem, tempo de trabalho,
quando maduro, e aposentadoria, quando velho, é uma loucura. A velhice não
se calcula em relação ao nascimento, mas em relação à morte. Somos velhos
nos últimos dois anos de vida. Quando o homem vivia 50 anos, ficava velho
aos 48. Mas hoje, quando ele vive 80 anos, fica velho aos 78 anos. Ou seja, ao
se aposentar aos 60 anos, até os 80, uma vida fisicamente forte e
psiquicamente desequilibrada, perdida. Perdemos inteligência por não
identificarmos talentos e, ao identificá-los, não os formamos como devíamos.
E depois os perdemos porque os usamos apenas 20 ou 30 anos,
quando podemos usar até uma criança, desde que trabalhe bem e pouco, faça
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 115
seu aprendizado e aprenda. Podemos usar as pessoas para o resto da vida.
Acho que o futuro reserva um tipo de atividade em que será impossível
distinguir estudo e trabalho de tempo livre. É o que estamos fazendo agora. O
que estou fazendo? Estudando? Em parte, pois aprendo algo com suas
perguntas. Estou trabalhando? Em parte, posso dizer que sim. Estou em tempo
livre? Estou me divertindo? Sim. As atividades do futuro serão sempre algo em
que será difícil distinguir estudo, trabalho e tempo livre. Não haverá mais a
sirene, avisando ao operário que o trabalho acabou.
Por outro lado, o trabalho criativo não tem horário. Um publicitário que
encontra um slogan não é pago somente se isso ocorre no horário de trabalho.
É mais provável que ocorra quando estiver no banho, fazendo amor ou no
cinema, do que no escritório. Nossos escritórios são feitos para bloquear as
idéias. Nossos escritórios são gaiolas de vidro, terríveis, onde não nos
sentimos bem. Somos obrigados a conviver com colegas antipáticos, com
chefes muitas vezes mal-educados, comendo em “self service” carne fria, e
coisas péssimas.
Ficamos o tempo todo lá. As empresas fazem de tudo a fim de trazer
para dentro o bar, o restaurante, a creche, a fim de evitar a saída dos
colaboradores. É preciso mudar tudo isso. E, sobretudo, educar as pessoas
para o tempo livre. Se no século XX vivemos principalmente de trabalho, no
próximo, viveremos, sobretudo de tempo livre. E a maioria dos países não está
preparada para isso, pois a maioria dos países desenvolvidos está tão imersa
no frenesi do trabalho que não sabe o que fazer com o tempo livre. Estamos
cada vez mais preparados para o que sabemos fazer cada vez menos. É
trágico.
Estamos preparados para o que diminui o trabalho, e despreparados
para o que aumenta o tempo livre. Mesmo o tempo livre a sociedade industrial
tenta transformá-lo em indústria. Não significa que ele não deva ser uma
ocasião para ganhos econômicos.
O problema é que o tempo é livre se estivermos prontos para usá-lo
segundo nossa autonomia. Se for assim, é um luxo. Não são os outros que
devem organizá-lo. As grandes estruturas para o tempo livre na praia estão se
tornando campos de concentração. Tudo é pré-determinado. O tempo livre
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 116
deve ser, sobretudo, o momento do luxo. Então pergunto: o que é luxo hoje?
Houve um tempo... Luxo sempre foi o que é raro. Houve o tempo do dinheiro,
depois o dos carros de muitas cilindradas e depois foi a vez dos barcos. Hoje,
as coisas raras são, sobretudo, o tempo, o espaço, o silêncio, a autonomia, a
segurança. Estes são os grandes luxos para o século XXI. Devemos nos
preparar.
Pergunta: Professor, no livro que o senhor lançou - é um livro antigo na
Itália, de 86 - e que relata essas histórias de vários grupos
criativos, parece-me que um traço comum a todas elas, que é o
traço do sucesso. Todas essas organizações, do grupo que fez a
bomba atômica ao criador da cadeira Tonet passando pela
Bauhaus, e por todas as instituições que estão mencionadas no
livro - aquela fantástica experiência de Nápoles, de um laboratório
de biologia marinha que deu certo - o traço comum me parece ser
o sucesso. Quer dizer, o livro justamente pesquisa as razões desse
sucesso, não é? Como é que se conseguiu organizar o trabalho
criativo... Ah, e identifica alguns fatos comuns que são, por
exemplo, pessoas muito firmes na liderança, muito empenhadas...
Mas eu perguntaria o seguinte: eu sempre tive a impressão de que
seria muito interessante fazer um programa de televisão - confesso
que propus várias vezes e não tive sucesso - um programa que
discutisse o fracasso porque eu acho que a gente aprende mais
com o fracasso do que com o sucesso. Então a pergunta que eu
faço é a seguinte, voltando um pouco a essa visão mais
pessimista, digamos assim: o que é que nessa estrada, que nos
leva para a criatividade, pode significar o fracasso? O que é que
pode fazer com que essa fórmula, aparentemente consistente, de
que tudo vai melhorar, possa não dar certo?
De Masi:
É certo que o sucesso é uma forma de reforçar a perseverança. Todo
criativo se depara com o desafio de uma proposta em relação à qual não sabe
se o sucesso é certo ou não. Enquanto o burocrata fala do passado, referindo-
se sempre a uma lei ou a um decreto do passado, o criativo promete o futuro.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 117
Enquanto o burocrata tem razão nove vezes em dez, o criativo erra nove
vezes, mas, quando acerta uma vez, está abrindo novos caminhos à
Humanidade. O livro parte da seguinte premissa: a criatividade resulta de
fantasia e realização.
Pergunta: Não adianta ser só criativo?
De Masi:
Sim. Porém, acontece o seguinte: é difícil encontrar alguém muito
fantasioso e criativo ao mesmo tempo. Quando ocorre, temos um gênio. Por
exemplo, Michelangelo é um gênio, não porque inventou a cúpula de São
Pedro. Não é por isso, mas porque, após desenhá-la, aos 72 anos,
convenceu o Papa a financiar seu projeto, achou os escultores de pedra, e os
carpinteiros, etc., e os dirigiu - eram 3.500 - por vinte anos, até a sua morte.
Ele nem viu a cúpula, pois não estava pronta, estava na metade. Não
havia apenas fantasia, mas uma grande realização, a capacidade
empreendedora de gerenciar três mil pessoas. Então, a nossa hipótese foi a
seguinte: se é difícil encontrar gênios, pessoas que, ao mesmo tempo, têm
muita fantasia e são muito realizadoras, é possível criar criativos coletivos,
formados por grupos em que uns têm maior fantasia, e outros têm maior
capacidade de realização. Percebemos que, a partir de 1800, começou na
Europa, como em outros países, o aumento de grupos criativos, constituídos
pela presença conjunta de fantasiosos e realizadores. Os grupos estudados,
que foram os maiores grupos europeus do último século até 1950,
demonstraram o seguinte: todos eram constituídos por fantasiosos e
realizadores. Continuamos a pesquisa - o segundo volume será publicado -
sobre grandes grupos criativos do mundo, de 1950 até hoje. Estúdios de
cinema, laboratórios de pesquisa científica e assim por diante. Lá também
temos sempre fantasiosos, realizadores e um líder carismático.
Pergunta: O senhor se enquadra em qual dessas categorias?
De Masi:
Com certeza, sou fantasioso e pouco realizador. Se não fosse assim, eu
seria muito rico. Sou, sobretudo, fantasioso. Mas não é um fato positivo.
Positivo seria ser fantasioso e realizador ao mesmo tempo.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 118
Comentário: De Masi aborda a necessária combinação entre fantasia e
concretude. Algumas pessoas são mais fantasiosas, outra maior poder de
realização. Raramente nos deparamos com alguém que possua estes dois
atributos. Conforme afirmação de De Masi, este privilégio é para poucos, na
verdade para os gênios.
Pergunta: Mas, talvez seja mais fácil uma pessoa mais fantasiosa se
transformar num empreendedor, em alguém capaz de realizar, do
que o contrário, do que alguém que tenha apenas a capacidade de
realização, conquistar criatividade.
De Masi:
Claro, mas os grandes empreendedores são jogadores. Um criativo joga.
Para se tornar criativo, um grupo deve ter união de classes sociais,
antiburocratismo. Não pode ser acadêmico nem burocrático. Deve ter as
modalidades do jogo. Deve ter uma grande harmonização interna. E ter o
espírito de luta e desafio em relação a qualquer outro grupo externo. Deve ter
também um forte senso estético, qualquer que seja o grupo. uma história
muito bonita no livro. É a história do grupo Cavendish, de Cambridge, o grupo
que descobriu a estrutura do DNA. Esse grupo competia com outro grupo de
colegas que trabalhavam em Londres, onde sempre que realizavam um projeto
sobre uma possível estrutura do DNA, faziam os testes, e isso exigia alguns
dias. Mas o grupo de Cambridge, Crick, Watson..., eles eram jovens. Watson
tinha 20 anos na época, e Crick, 26 anos... Eles agiram de outra forma.
Desenharam todas as possíveis estruturas do DNA. Foram dezenas e dezenas.
E depois começaram os testes. Mas, aí, deviam escolher por qual estrutura
começariam.
Escolheram a mais bonita. Começaram por ela. E aquela era a certa. E o
próprio Franklin, que era do grupo de Londres, disse, ao ver a estrutura: “É
bonita demais para não ser verdadeira”.
Comentário: o fator relacionado à estética é a tônica desta resposta de De
Masi, estética esta que é possível de ser obtida quando realizamos um trabalho
que nos confira prazer e aprendizado simultaneamente.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 119
Pergunta: O senhor falou agora a pouco no efeito positivo de se trabalhar em
grupo, de como que se pode estimular o sucesso, o trabalho
criativo em grupo. Eu queria a sua opinião sobre o que é
determinante para estimular o trabalho individual, para estimular as
pessoas. Com a sua experiência e com a sua observação pessoal,
o que o senhor acredita que move as pessoas no fundo: é dinheiro,
é o salário melhor, é autoridade, é o desejo de ter bens materiais?
O que é determinante para fazer uma pessoa dar o melhor de si no
trabalho?
De Masi:
Em geral, as pessoas cultivam necessidades diferentes. Há pessoas que,
pela educão e pela própria índole competitiva, sentem maior necessidade de
dinheiro, de posse, de bens, e maior necessidade de poder. As que Agnes Heller
chama de necessidades induzidas, quantitativas, e que nunca o satisfeitas.
Quanto mais se tem, mais se gasta e mais se quer, e assim por diante.
Há pessoas que cultivam e consideram mais as necessidades humanas,
essenciais, tipo qualitativas. Necessidade de introspeão, necessidade de
amizade, de amor e de convívio, de brincadeira. Este segundo tipo o tem
caráter quantitativo, mas qualitativo. Depende da própria índole, mas também da
educão recebida. Hoje, um grande mero de pessoas atende a necessidade
de ânsia de poder, posse e dinheiro. É uma grande amea para a democracia.
O futuro que vai se basear no tempo livre e na produção de bens,
sobretudo por máquinas nos dará a possibilidade de cultivar as necessidades
do tipo essencial. Uma coisa é certa: a sociedade industrial se baseava numa
organização em que imperava o controle. As pessoas trabalhavam porque
eram controladas. A sociedade s-industrial tem por base uma organização
centrada na motivação. Posso dizer a um operário: “Venha amanhã às sete
horas e comece a fabricar parafusos”. Não posso dizer ao intelectual: “Venha
amanhã às sete horas e comece a fabricar idéias”. As idéias serão produzidas
se esse trabalhador estiver intimamente motivado. A arte do controle é cil.
Até os militares sabem controlar. A arte da motivação é muito difícil. Isso
implicará uma seleção de líderes, com base em sua capacidade de dar uma
visão e motivar seus dependentes e colaboradores.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 120
Comentário: o desafio da motivação apresentado nesta resposta por De Masi,
recai, sobretudo para as pessoas que detêm posição de liderança. Como as
pessoas são diferentes é razoável supor que são motivadas por razões
diferentes. Uma customização motivacional é tarefa necessária para as
lideranças, embora reconheça não ser uma tarefa fácil.
Pergunta: Em recente palestra, o senhor mencionou que os valores da
sociedade industrial são baseados, sobretudo, na produtividade e
na racionalidade, mas que os valores da sociedade pós-industrial
são baseados na criatividade, na estética, na subjetividade, na
individualização, e nos chamados valores femininos, que poderão
no futuro, ser andrógenos. Eu gostaria que o senhor comentasse
essa afirmação.
De Masi:
Sim. Claro! Ambos. É fundamental na sociedade atual. Devemos dizer
que a sociedade industrial nasceu do Iluminismo. Nasceu de Bacon, Descartes
e depois do Iluminismo, que, com sua obra-prima editorial absoluta, que foi a
“Encyclopedie”, difundiu sua palavra no mundo inteiro. Antes do Iluminismo,
cada explicação era do tipo mágico. O raio, o trovão, um flagelo, qualquer
coisa, positiva ou negativa, era atribuída ao desejo dos deuses, ao desejo do
diabo, e assim por diante.
O Iluminismo foi um progresso. Introduziu a racionalização. Os seres
humanos têm condições de entender racionalmente os acontecimentos físicos
e humanos e dominá-los. Um dos maiores iluministas foi Benjamin Franklin, o
inventor do ra-raios. E o raio era o mais típico dos feitos caprichosos dos
deuses, de Júpiter ou dos outros. Mas a indústria nascida do Iluminismo
exacerbou o conceito de racionalização e partiu do princípio de que tudo que é
bom é racional. E isto era o Iluminismo. Mas acrescentou que tudo que é
racional é masculino e se refere à produção, e a produção se faz na empresa.
Ao contrário, tudo que é ruim é emocional, o emocional é feminino, o feminino
se refere à reprodução, o que se refere a reprodução é feito em casa.
Houve, portanto, uma cisão terrível entre os homens, que se atribram o
poder e o monopólio do trabalho; e as mulheres, que foram deixadas em casa,
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 121
pressupondo-se que tudo o que se refere a reprodução era um fato secunrio.
Mas hoje nos damos conta de que as empresas o progridem sem idéias e que
isso, como disse, requer fantasia, subjetividade, estética e emotividade. Os
homens percebem que não conseguem mais. E quem tem um desito
plurissecular desses valores que hoje são importantes? É como se, de repente, o
petróleo fosse importante e descobríssemos que o senhor tem petróleo, e eu o.
O petróleo do pós-industrial é criatividade, estética, emotividade,
subjetividade. Quem tem isso são as mulheres. Não é dádiva da natureza. É
que nós as descuidamos, e elas as cultivaram. Era só o que podiam cultivar.
De fato, hoje nos campos de maior criatividade, no cinema, no teatro, na
literatura, na imprensa, na televisão, o número de mulheres cresce sempre
mais. Caminhamos para uma sociedade em que a mulher é considerada à
altura do homem. Isso não aconteceu por bondade do homem. As mulheres
souberam lutar para impor essa realidade.
Acredito que existam aspectos positivos que foram cultivados por homens e
mulheres. Eles o são iguais, mas se complementam. Caminhamos para uma
sociedade andrógina, nem masculina, nem feminina. Mas na qual o homem
reconhece o seu lado feminino, e a mulher, o seu lado masculino. Nessa fase, as
mulheres têm uma vantagem sobre os homens. Elas podem ter filhos sem marido,
e os homens o podem ter filhos sem esposa. Isto cria um desnível a favor das
mulheres. Mas acho que a ciência resolverá esse problema.
Pergunta: O que o senhor valoriza no seu trabalho? Quais são os valores do
seu trabalho e se os seus valores estão sustentando o seu trabalho
e por quê?
De Masi:
Acho que o principal valor que sustenta meu trabalho é a estética. E se
o grande valor, junto com a ética, do culo XXI. Por uma razão bem simples: a
tecnologia esgotou a maior parte da ajuda que nos podia dar; ou seja, entre dois
relógios, por longos séculos o de maior precisão era mais valioso. Mas hoje
todos são precisos graças ao quartzo. E o que prevalece é o design. A estética
não é apenas a beleza da forma das coisas nem as boas maneiras entre as
pessoas, mas também a disciplina que um sentido às coisas. E devo dizer
isto. Por muitos séculos, fomos privados de coisas. Sentimos necessidade de
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 122
coisas que não tínhamos: falar com amigos distantes, mas não havia o telefone;
encontrar pessoas amadas em pouco tempo, mas não havia carro, nem avião.
Por muitos séculos, demos muita importância às coisas que não tínhamos. Hoje,
há uma tal avalanche de coisas que elas perderam seu valor.
Por exemplo, a garrafa de Coca-Cola é uma obra de arte. Foi desenhada
por Raymond Loewy, um dos maiores designers do nosso culo. Mas vemos
tantas que nem percebemos mais a obra de arte que temos ao lado. A estética
nos permite recuperar esse sentido. Quando Andy Warhol desenha uma
grande garrafa de Coca-Cola e a fixa a parede, cobrando muitos bilhões, está
nos dizendo que todos os dias vemos uma coisa belíssima que não
percebíamos mais. A estética é a disciplina que mais nos permite recuperar o
sentido das coisas. E nos permite outra coisa: permite unir os rios
fragmentos de nossa vida. Meu avô foi médico a vida toda. Eu faço tantas
coisas. Todas estas coisas seriam uma série de fragmentos sem unificação. O
que pode unir os fragmentos de minha vida é a estética. É por isso que acredito
ser esta a referência. Antes o senhor falou da nossa revista. É pequena e cabe
no bolso.
Nós temos muita pressa e não sabemos como nos abastecer com
idéias. Mas, embora pequena, foi concebida pelo mais notável designer
italiano, Franco Maria Ricci, de forma que fosse tão bonita esteticamente, a
ponto de transmitir estética aos executivos. Uma característica da sociedade
industrial é ter sempre desvalorizado a importância estética. A próxima época,
a pós-industrial, na qual já estamos imersos, será a época da estética.
Pergunta: Professor, como mãe de dois garotos eu queria saber que tipo de
formação o senhor aconselharia para enfrentar o próximo milênio,
para enfrentar esses desafios que o senhor descreveu tão bem?
De Masi:
Eu disse as duas coisas. Educá-los para o tempo livre. Ninguém nos
diz como escolher um filme. Ninguém nos diz como escolher uma ópera.
Ninguém nos diz o que ouvir nem como ouvir música. Ninguém nos ensina a
curtir as pessoas passando. Eu me encanto. Se estou sentado no banco e vejo
as pessoas passando, é maravilhoso. É um dos mais bonitos divertimentos. Se
vou ao cinema, o mais bonito, além do filme, é ficar fora olhando o rosto das
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 123
pessoas que saem e ver como, em cada um desses rostos, o filme deixou uma
impressão diferente. A primeira coisa é ensinar a “curtir” o que está a nossa
volta. E já chegamos à segunda questão, a estética.
Dar uma educação muito estética. Pois a estética é equilíbrio, harmonia.
A estética é a beleza até mesmo no feio.
Pergunta: Professor, aproveitando, inclusive nesse momento, a indústria
cultural não se encarrega um pouco e, deformadamente, de fazer
isso?
De Masi:
Claro, a indústria cultural na Itália, por exemplo, coloca nos filmes uns
asteriscos: cinco asteriscos, quando é muito bonito; quatro, quando é menos.
Mas sabemos que os cinco asteriscos estão porque o produtor do filme
pagou o jornalista para colocar cinco asteriscos. Às vezes, nem pagou; e o
jornalista é quem não sabe distinguir um bom filme de um ruim. Sou muito
menos pessimista sobre os efeitos da indústria cultural do que outros. Não sou
daqueles esnobes que dizem que não assistem TV. Pelo contrário, devo dizer
que a televisão me encanta.
Os tulos dos programas ou os filmes que passam de madrugada com
os famosos policiais americanos que se saem sempre bem. São coisas que
curtimos se educados para a estética. Porque educação significa dar sentido às
coisas. Quanto mais educação se tem, mais se descobre o sentido das coisas.
O sentido de qualquer coisa me diverte, até mesmo o que a indústria cultural
nos dá como lixo.
A indústria cultural tem um grande problema. É um problema
pedagógico. Esse problema pedagógico ou se reduz a um problema de astúcia
intelectual, portanto, censuras e tudo o mais, ou se traduz numa questão de
propostas intelectuais. O grande perigo da sociedade pós-industrial é
justamente a indústria cultural. É claro que somos manipuláveis. Por sorte,
estamos ficando cada vez menos.
Por isso as indústrias vivem voltadas para o marketing. Ford podia impor
o automóvel de cor preta porque isso lhe convinha e, em parte, convinha
também ao comprador. Hoje, uma indústria deve, antes, entender os luxos do
público e depois, fabricar algo que o público quer, se não, o público não
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 124
compra. É uma forma de maior democracia econômica e que, todavia, existe.
Acho, porém, que a indústria cultural é algo de que devemos nos proteger e
induzir a ser positiva. Acho que hoje um problema de excesso de
informações. Assim como temos excesso de gordura no organismo e
vencemos isso com dietas de emagrecimento, assim induzo meus estudantes a
fazer dietas de emagrecimento de informações. Acostumo-os a ficar dois dias
sem comprar jornal.
Provavelmente, com o tempo, o prazo de dois dias passará a três. Ou
então, acostumo-os a ficar dois dias sem assistir a TV. No terceiro dia, verão
que nada de importante aconteceu. Devemos aprender a gerenciar as
informações, de acordo com nossas escolhas. É como no caso dos bens dos
quais falei antes. Aqui também entra o gosto estético. A estética nos deve guiar
na escolha dentro da infinita variedade de informações de que, por sorte, todos
usufruímos.
Comentário: mais uma vez de Masi resgata a importância da estética e do
tempo como fatores cruciais na sociedade pós-industrial. Como o mundo global
“não dorme”, nossa ansiedade se faz presente tentando controlar todo e
qualquer tipo de informação. De Masi rebate esta idéia uma vez que a mesma
não se coaduna com a essência humana, isto é, devemos ter a capacidade de
filtrar as informações que a nós são necessárias e descartar as outras.
Pergunta: Professor, o senhor acredita em países mais criativos do que
outros, por exemplo, a Itália é mais criativa do que a Bélgica?
De Masi:
Os países pobres, muitas vezes, têm a mania de se acharem criativos. O
sul da Itália é mais pobre que o norte. Mas, qualquer habitante do sul, - e eu
também sou - pensa que é mais criativo que os do norte. Não, absolutamente
não, porque a criatividade é algo rio. Hoje, ela não se mede apenas pela
pizza. Ela se mede pelas patentes. Quantas patentes têm um Estado? Uma
cidade? E, entre as patentes, quantas são realmente importantes? Não
dúvida que os Estados Unidos m a maior densidade de criativos. Mas em
todas as eras históricas houve exemplos deste tipo.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 125
Na Atenas de Péricles em 200 anos, houve ao menos 80 gênios. Em
uma cidade de 40 mil homens livres encontravam-se, na rua, Sócrates,
Aristóteles, Péricles. Coisas extraordinárias.
Outra grande condensação de criativos acontece em Roma, na era de
Adriano, o imperador. Depois, foi em Florença, na era dos Medici. Outra grande
condensação foi em Roma, na era de Pio II. Outra foi em Viena, no início do
século vinte. E existe outra em Nova York desde o pós-guerra. Muitas vezes
esses gênios não nasceram nesses lugares, mas foram atraídos. Não se trata
da capacidade de um lugar de produzir nios, mas da capacidade de atrair
gênios. Enquanto nós na Europa perseguíamos muitos gênios por serem
judeus, os Estados Unidos souberam atraí-los. Portanto, é um mérito dos
Estados Unidos.
Acho que hoje a grande condensação de criatividade científica, acontece
nas universidades americanas. Um pouco nas européias, mas não no mesmo
nível. Com relação à criatividade artística, muito na América, alguma
coisa na França, Itália e Inglaterra; e muito mais na América do Sul. A sua
literatura atual, a sua música e, em minha opinião, tudo o que envolve cores é
uma forma extraordinária de criatividade. Não digo isso porque esteja em São
Paulo, nem por estar conversando com brasileiros. Eu sempre digo isso. Meus
amigos sabem.
Ontem, jantei em um restaurante muito bonito chamado Gardênia e o
cozinheiro nos serviu a mesa três pratos, um depois do outro. Eram de tal
beleza estética que nem os melhores costureiros ou cozinheiros parisienses
saberiam fazer. Eu quis conhecer o cozinheiro. E ele era analfabeto. Não sabe
ler nem escrever. Não sabe escrever seu nome. E, no entanto, desenvolveu
uma criatividade gastronômica e estética do mesmo nível dos grandes, dos
maiores cozinheiros do mundo.
Esta é uma grande palavra de esperança. Acho que na criatividade
existe também a força de fazer as pessoas crescerem com forte união de
classes e a ausência de burocracia.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 126
Palestra
Em 2008, desta vez por conta de uma palestra realizada para 260
empresários e executivos, reunidos no “X Encontro Anual da Rede PAEX
Parceiros para a Excelência”, parceria da Fundação Dom Cabral (MG) com
grupos de empresas de médio porte, mais uma vez De Masi é convicto em
afirmar que passamos para uma sociedade baseada no tempo livre, além do
fato que, estranhamente, não refletimos o bastante sobre algumas coisas
criadas no decorrer do século passado. A primeira, é que o emprego deixou de
ser central na vida humana, ao contrário do que sempre foi, desde o século
XVIII.
Segundo De Masi, dentro de pouco tempo, acompanharemos nossos
estudantes a uma espécie de jardim zoológico, para visitar os empresários, e
diremos: “esses são os últimos espécimes humanos que colocam o emprego
no centro da própria vida”.
Um jovem estudante que hoje possui 20 anos precisa ser ensinado a
viver e a como aproveitar o tempo livre. Ele viverá provavelmente até os 80
anos. São mais 60 anos de vida. Iniciando agora uma atividade profissional e
trabalhar aos 60 anos, são mais 40 anos. Hoje na Itália, o ano de trabalho
representa 1770 horas. Caso este mesmo jovem trabalhe mais - duas mil horas
por ano, ou 80 mil horas em 40 anos, esse jovem tem à frente 530.000 horas
de vida e 80.000 horas de atividade profissional. Existe uma diferença de
450.000 horas, e o que ele fará nesse tempo? Pode ainda dormir oito horas por
dia, ou 220.000 horas, e lhe sobram outras 230.000 de tempo livre.
Em suma, segundo as previsões de De Masi, o trabalho ocupará apenas
um sétimo de nossa existência ou um terço do nosso tempo livre. Faz-se
necessário preparar esse jovem para toda a vida, incluindo o tempo livre que é
uma parte essencial. A conclusão de todo esse processo é que passamos
então de uma sociedade centrada no emprego para uma sociedade baseada
no tempo livre.
Comentário: após ter decorrido nove anos desde a segunda entrevista
concedida ao Programa Roda Viva, De Masi se mantém convicto em afirmar
que o emprego, na forma que o concebemos, não se sustenta mais. Na medida
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 127
em que aprendermos a conviver com o tempo livre teremos uma vida mais
equilibrada; vida mais equilibrada implica conviver um tempo menor nas
empresas; menos tempo de dedicação à empresa significa um tempo maior
para conviver e apreciar a arte, o belo, a estética; implica também um menor
convívio com a burocracia, chefes autoritários e tudo o mais que inibe nossa
criatividade. Conclui-se, pois que tempo livre e criatividade se completam.
Uma segunda coisa a qual refletimos pouco, segundo De Masi é que o
mundo está se dividindo em três. O primeiro é constituído por países que
querem produzir, sobretudo idéias, em universidades, laboratórios de pesquisa
e de estética, provedores e grandes bancos de dados. Neles, o rendimento “per
capita” é de aproximadamente 20.000 dólares por ano. um segundo mundo
caracterizado por nações como a China, Brasil, Coréia do Sul, Cingapura,
Romênia, Bulgária e Hungria, para onde os países do primeiro mundo estão
transferindo as suas fábricas. Hoje, a chegada de uma nova fábrica não é mais
sintoma de desenvolvimento, mas de subdesenvolvimento. Elas são
transferidas para onde o emprego é mais barato. De Masi sustenta esta
afirmativa apresentando os seguintes dados: um operário custa um lar por
hora na China, três na Coréia do Sul, sete em Cingapura e 10 dólares no
Brasil.
Um operário de Milão custa tanto quanto 24 operários na China. Por
conta dessa realidade torna-se óbvio e é fácil perceber porque as fábricas se
transfiram em grande escala para a China. No terceiro mundo, os países são
obrigados a vender a qualquer preço a mão-de-obra, as matérias-primas, as
bases militares e a subordinação política em troca de sobrevivência. O Brasil,
Rússia, Índia e China países do chamado “BRIC” são uma exceção, tanto
pelo tamanho o Brasil é 28 vezes maior que a Itália e tem um território quase
igual ao dos Estados Unidos como pelo fato de conterem internamente três
mundos. Em especial, sobre este assunto, De Masi cita que, no caso do Brasil,
Caetano Veloso, Chico Buarque e Oscar Niemeyer são os grandes “traders” do
Brasil pós-industrial. No segundo mundo, estão as fábricas, como a Fiat em
Betim - Minas Gerais e a Ford na Bahia e a General Motors no Rio Grande do
Sul respectivamente. E no terceiro, as favelas. Nesses países do chamado
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 128
“BRIC”, há um número cada vez maior de empresários que entenderam a
necessidade de produzir bens imateriais.
Comentário: neste comentário De Masi faz um ajuste em relação ao que havia
comentado nove anos atrás em relação ao valor hora do trabalhador em alguns
países do mundo. De tamanho pequeno o ajuste financeiro não é o que chama
a atenção, mas sim a constatação de que em países cuja remuneração do
trabalhador é baixa, a uma maior propensão que o setor industrial seja
instalado justamente para minimizar um passivo trabalhista. No século
passado, uma nova fábrica era motivo de orgulho e sinal de crescimento
econômico. De Masi confronta-se com este raciocínio. De forma análoga,
países com grande concentração industrial e com baixa remuneração não
podem produzir bem estar social. São países em que a humanização não es
presente. São países em que a “mão-de-obra” está muito arraigada. Por
conclusão, o Ócio Criativo distante de ser uma realidade.
outro ponto que, segundo De Masi, refletimos pouco. Trata-se de
como o trabalho é realizado nas empresas. Quando Marx escreveu O Capital,
em meados do século XIX, na cidade mais industrializada da Inglaterra -
Manchester - 96% dos trabalhadores faziam trabalhos manuais. Hoje, nos
Estados Unidos, ele é feito por apenas 33% da população. A sociedade
industrial caracterizava-se em ser uma instituição cujo foco principal era a
produção de bens materiais. A sociedade industrial transformou completamente
a nossa vida. No início do século XVIII, o planeta era habitado por 600 milhões
de pessoas, hoje, cerca de seis bilhões. Graças aos avanços da medicina a
expectativa de vida ampliou.
Essa nova realidade, que De Masi intitula de pós-industrial, o centro do
sistema o é mais a produção em grande série de bens materiais, mas sim de
bens imateriais: informões, mbolos, valores, serviços e estética. A prodão
de bens materiais existiu, continua existindo e, muito provavelmente, sempre
existirá, mas a produção de bens imateriais hoje é muito mais importante.
Conforme já mencionado nesta tese, Ócio Criativo não é preguiça e nem
significa não fazer nada. De Masi afirma que não há razão para se ter vergonha
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 129
de praticar o Ócio Criativo e defende sua teoria apresentando o seguinte
modelo: ao realizar uma palestra para executivos, por exemplo, estamos
trabalhando até porque se não fosse um trabalho os executivos e gestores
não estariam aqui, uma vez que eles possuem um enorme complexo de culpa
se não trabalham Tudo o que fazem deve ter a modalidade de um trabalho
industrial: uma hora exata para acontecer, segundo uma agenda precisa, e,
sobretudo com muito sofrimento. Parece que se não sofrermos, não é trabalho.
Na sociedade industrial, o trabalho tinha que ser sofrimento. A igreja sempre
disse que o trabalho é a remissão do pecado original. Simultaneamente
estamos estudando, pois fazemos uma transferência de idéias e também nos
divertindo (caso esta atividade nos confira prazer). Para De Masi esta é base
sustentadora do ócio criativo. É a coexistência do trabalho, com o qual
produzimos riqueza, do estudo, com o qual produzimos conhecimento, e do
“prazer”, com o qual produzimos bem-estar.
Comentário: raciocínio similar também fora apresentado por De Masi. Aqui
vejo um ponto comum com as Inteligências Múltiplas, pois se o trabalho que
realizamos está afinado com nossas habilidades, será melhor realizado, menos
desgastante, mais criativo e, conseqüentemente, mais prazeroso.
Quando a maioria das tarefas consistia em gestos físicos e repetitivos,
existia uma relação estreita entre a quantidade de tempo na linha de montagem
e a produção. O ócio era, efetivamente, contrário à produtividade. Hoje, quando
a maioria das atividades é intelectual, a organização capitalista deve entender
que as novas idéias necessitam de liberdade, reflexão, estudo e seriedade.
Russel (2001) comenta que os ricos sempre odiaram a idéia de que os pobres
pudessem repousar e divertir-se. A própria religião cristã, alinhada com os
ricos, condena o ócio como um dos sete pecados capitais. Para nos livrarmos
desta culpa, afirma De Masi, é preciso entender que a idéia do pecado original
é um engodo e que o ócio representa a fase mais preciosa de nossa jornada:
aquela que produzimos idéias. Desta forma o Ócio Criativo tampouco prejudica
a competitividade das empresas, pois a criatividade pode nos ajudar a criar um
novo modo de competitividade.
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 130
Todas as atividades encerram momentos de fadiga. A fadiga e o tédio,
que freqüentemente acompanham algumas fases de nossa atividade, podem
ser superados se considerarmos que esses sentimentos irão embora depois de
realizarmos a obra que temos em mente. Qualquer trabalhador tem
possibilidade e necessidade do Ócio Criativo. O artesão pobre que criou uma
fantasia maravilhosa para o carnaval, um escritor de sucesso, um
empreendedor de vanguarda, todos igualmente tem a necessidade do ócio
para inventar roupas fulgurantes, romances maravilhosos ou novos produtos ou
serviços de sucesso.
Para implementar uma sociedade pós-industrial baseada no Ócio
Criativo não é necessário passar por uma fase industrial baseada no estresse.
De Masi cita como exemplo o Vale do Silício que saltou do estágio rural para o
pós-industrial graças à universidade e à criatividade coletiva. A empresa pós-
industrial demanda criatividade em todos os níveis, algo que não existem sem
o Ócio Criativo. De Masi insiste que precisamos recusar a concepção de
competitividade como destruição do adversário, e utilizá-la como instrumento
para todos crescermos juntos e de forma sinérgica.
Comentário: novos modelos organizacionais devem ser criados (fato que esta
tese propõe uma reflexão). Um novo modelo organizacional deve concorrer
para uma reformulação do conceito de competitividade que não vise à
destruição do adversário, mas sim ao crescimento conjunto. Devemos amar e
não odiar o concorrente, porque ele é o estímulo à criatividade.
De Masi afirma que quando o assunto é criatividade, muitos são
remetidos aos livros e aos gurus em especial os americanos -. Segundo ele,
a criatividade não é global, é local, pois Michelangelo é um grande gênio
italiano, como Villa-Lobos é um grande gênio brasileiro. Quando ouvimos a
música de Villa-Lobos, percebemos que o compositor é brasileiro, não francês
ou alemão. Há também uma grande diferença entre a música de Beethoven e a
de Giuseppe Verdi.
Diferentemente de um trabalho manual que pode ser interrompido num
determinado momento, o trabalho intelectual não pára nunca. O trabalho físico
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 131
pode ser controlado; o intelectual apenas motivado. Para De Masi (2003) a
criatividade representa uma síntese entre imaginação e concretude. Não é
suficiente apenas em ser imaginativo. Segundo o autor, Michelangelo é
considerado um gênio da arquitetura, porque ele não se limitou a desenhar a
cúpula de São Pedro, aos 70 anos de idade. Mais do que isto, convenceu o
Papa a dar-lhe o dinheiro para a obra, selecionou três mil trabalhadores e os
organizou durante 20 anos, até morrer aos 90, quando a construção da cúpula
havia chegado à metade. Ele tinha em grande medida tanto a imaginação
quanto a concretude. Infelizmente, a grande maioria das pessoas - pessoas
normais que não somos gênios, não tem imaginação e concretude com as
mesmas qualidades. Alguns de nós somos mais imaginativos e outros mais
concretos. E esse é o nosso problema. Temos muitas idéias, mas realizamos
poucas. Sabemos hoje que as pessoas criativas têm muita curiosidade, um
grande desejo de inovação e um talento ltiplo. Conseguem fazer muitas
coisas belas, não se preocupam com a crítica alheia, tem uma forte opinião de
si próprio, e grande energia vital. Então, pergunta De Masi, como fazer quando
gênios? Essa foi a grande invenção de alguns grupos europeus no final do
século XX. Esses grupos entenderam que, já que é difícil encontrar gênios ou
seja, que numa pessoa haja grande imaginação e concretude -, podiam ser
criados gênios coletivos, colocando juntas pessoas dotadas de grande
imaginação e pouca concretude e pessoas dotadas de grande concretude e
pouca imaginação. A conclusão é que unindo concretos e imaginativos,
podemos obter grupos verdadeiramente criativos, e este caracteriza-se
também como mais um dos desafios da empresa moderna. Não é cil para
estas pessoas trabalharem juntas. É necessário que haja algumas condições.
É necessário que se tenha, em primeiro lugar, uma missão compartilhada; em
segundo, um líder criativo; e em terceiro, trabalharem com a modalidade do
Ócio Criativo.
Segundo De Masi por mais de dois séculos, de meados do século XVIII
ao fim do século XX, a empresa industrial foi uma instituição central em todos
os países industrializados. Isso lhes dava um sentido de orgulho que deixou de
existir, porque elas não estão mais no centro do sistema social. Para complicar,
ainda a competitividade global. As empresas estavam acostumadas a
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 132
competir com outras organizações do próprio país, falando o mesmo idioma, e
agora têm competidores do mundo todo. É uma situação na qual a velocidade
prevalece sobre a reflexão; o anonimato sobre a identidade e tudo que é virtual
sobre o tangível; a economia prevalece sobre a política e as finanças sobre a
economia. Esse é um dos motivos da crise que presenciamos.
uma analogia entre estas reflexões de De Masi e de Bauman e
Sennett sobre os efeitos da globalização, do consumismo e do descarte cada
vez mais exagerados, sintomas que combinados dão uma conotação de crise.
Outro motivo desta crise é que a grande maioria das empresas vive um
momento de escassez de idéias, o que não deixa de ser um paradoxo uma vez
que vivemos a chamada era do conhecimento. Sobre os paradoxos da
organização empresarial, De Masi (2003) faz as seguintes considerações:
- a expectativa de vida é cada vez maior, mas o período de tempo que
dedicamos ao trabalho é cada vez mais curto;
As mulheres vivem mais que os homens, mas se aposentam antes;
- o rendimento do trabalho intelectual não depende do local e do
número de horas, mas vamos todo dia trabalhar no mesmo local e ali
permanecemos o maior tempo possível;
- a produção de idéias tem necessidade de autonomia e liberdade; no
entanto, as empresas são cada vez mais burocráticas;
- os executivos, para serem orientados para o mercado, devem
conhecer bem o mundo a sua volta, mas eles ficam dentro do
escritório o dia todo;
- todos podem trabalhar um pouco menos. No entanto, os pais ficam no
escritório 12 horas por dia, enquanto os filhos estão desempregados;
- a cada dia, diminui a diferença entre os conhecimentos dos chefes e
dos subordinados, mas a diferença entre os salários é cada vez
maior;
- a população está cada vez mais culta, tanto pela maior escolarização
quanto pela mídia de massa e pela experiência direta, mas as
empresas ainda oferecem posições que não requerem inteligência;
- existem todas as condições tecnológicas para introduzir o
teletrabalho, que economizaria tempo e dinheiro e reduziria a poluição
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 133
(pela diminuição da necessidade de locomoção), mas a empresa cria
raízes dentro de suas muralhas e exigem a presença ali de todos os
trabalhadores;
- difunde-se cada vez mais o senso estético da vida, mas nas
empresas se fazem coisas tediosas. Os próprios ambientes
empresariais são assépticos, neutros, cinzentos;
- desejamos que nossos colaboradores sejam pessoas maduras e
adultas e, em contrapartida, ainda estimulamos atitudes e
comportamentos serviçais e infantis;
- invoca-se a importância da emotividade, mas as empresas expulsam
emoções e sentimentos;
- as mulheres estudam hoje mais que os homens e, nas empresas,
fazem uma carreira menor e não sobem os níveis hierárquicos;
- mesmo com o aumento da liberdade sexual as empresas são cada
vez mais sexofóbicas;
- continuamente, invocamos a solidariedade; enquanto as empresas
incutem na cabeça dos funcionários a competitividade destrutiva;
- um outro grande paradoxo das empresas, talvez o maior deles seja o
fato de que desenvolvemos por mais de 200 anos a organização do
trabalho executivo, manual, repetitivo e de caráter físico. Existem
milhares e milhares de pesquisas, milhares e milhares de livros e
centenas de “business schools” que “ensinam” como organizar esse
tipo de trabalho. Infelizmente não pesquisas e estudos suficientes
sobre como se organizar o trabalho intelectual ou criativo. Na falta
desse conhecimento, a empresa aplica para os intelectuais as
mesmas regras criadas para os trabalhadores manuais “mão-de-
obra” -, ou seja: horários, locais e divisão do trabalho extremamente
rígida e uma hierarquia opressora.
A conseqüência é que a criatividade, uma vez reprimida, diminui. Tal
como fizeram Taylor e Ford no início do culo XX, transformando
completamente o trabalho artesanal e agrícola, ao inventar métodos novos de
organização industrial, temos que inventar totalmente a organização pós-
industrial. Para isso, precisamos de criatividade. A principal característica da
DOMENICO DE MASI E O ÓCIO CRIATIVO - 134
atividade criativa, segundo é que ela praticamente não se distingue do
aprendizado e do prazer.
A concepção do Ócio Criativo instiga mais uma reflexão, qual seja sobre
o modelo educacional vigente nas organizações que, além de ainda
reducionista, visa um incessante aumento do rendimento operacional e da
produtividade, o que não necessariamente significa um aumento de uma visão
mais sistêmica, interdisciplinar e que valorize as habilidades das pessoas.
CAPÍTULO 4
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS
MÚLTIPLAS
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 136
“Competência não se limita ao estoque de conhecimentos teóricos do
indivíduo, nem se encontra necessariamente encapsulada na tarefa.
Competência é a inteligência prática de situações, que se apóia nos
conhecimentos adquiridos e os transforma com tanto mais força
quanto maior for a complexidade das situações”
Zarifian
A inteligência humana caracteriza-se como algo fascinante e objeto de
estudo de psicólogos, pedagogos, filósofos, neurocientistas entre outros. A
vertente que mais teve progresso nesse assunto foi a Pedagogia, em nome da
busca de caminhos para crianças que possuem dificuldade de aprendizagem.
A visão ortodoxa de inteligência única, mesmo que erroneamente ainda aceita
pelo público leigo, originou-se de esforços e convicções de alguns poucos
pesquisadores que apresentaram na segunda década do século passado seus
principais preceitos.
Am da suposão básica, a ortodoxia afirma que as pessoas nascem
com uma determinada inteligência ou inteligência em potencial, que é difícil
modificá-la e que os psicólogos conseguem avaliar o quociente de
inteligência (QI) de algm por meio de testes de múltipla escolha. A partir
daí, os testes de QI comaram a ser utilizados e disseminados para avaliar,
rotular, julgar, comparar e selecionar pessoas. Mesmo que eficientes em um
dado momento hisrico, estes testes não contribuíram para mudar o cerio
de que o potencial intelectual era herdado, uma capacidade singular e
imuvel de cada ser humano, ou mesmo colocasse luz” sobre a definão
da intelincia.
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 137
Na Psicologia, cientistas questionam a noção de inteligência única e
abrangente assim como a forma de quantificá-la exclusivamente por meio dos
testes de QI, que é capaz de mensurar apenas as capacidades verbal-
lingüística e lógico-matemática. Ao contrário, a inteligência pode ser formada
pela síntese de diversas outras competências. Alfred Binet teve grande
influência no desenvolvimento da Psicologia Experimental. Seu primeiro
interesse foi a experimentação com métodos de associação de idéias. A partir
de 1891 passou a desenvolver testes de avaliação da inteligência e habilidades
dos indivíduos.
Os primeiros testes conhecidos hoje como teste de QI foram criados em
1905 por Binet e Theodore Simon. Foram feitos a pedido do governo francês,
que necessitava de um método objetivo, eficiente e rápido para prever quais
crianças teriam dificuldade e o seu desempenho afetado no ensino oferecido
nas escolas públicas. Os testes ajudavam a prever quais as crianças
fracassariam na escola.
Foram aplicados vários questionários que, quando respondidos
corretamente pelas crianças, sinalizavam um sucesso na aprendizagem e
quando respondidos erroneamente indicavam dificuldades nas escolas.
Segundo Gardner:
[...] elaborados principalmente para aferir a memória verbal, o
raciocínio verbal, o raciocínio numérico e a apreciação de seqüências
lógicas. [...] sem se dar conta disso totalmente, Binet inventara os
primeiros testes de inteligência (GARDNER, 2001, p. 23).
O psicólogo e educador Howard Gardner, em 1983, pros a teoria
das Inteligências ltiplas. Esta teoria é oposta ao conceito tradicional e
antigo de intelincia que ele chama de vio clássica da inteligência”, em
que esta apontava que “ser inteligente é a pessoa que operacionalmente
tem a capacidade de responder a itens dos testes de QI. Estes testes foram
criados para verificar o sucesso ou o fracasso escolar nas crianças. Em
1912, o psicólogo alemão Wilhelm Stern pros o nome de quociente de
Inteligência”. O sucesso dos testes tornou-se evidente nos Estados Unidos,
quando da 1ª Guerra Mundial. Soldados foram selecionados mediante ao
teste de QI. Acreditava-se que poderíamos julgar se uma pessoa é
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 138
inteligente ou não mediante ao score das capacidades verbal-lingüística e
gico-matetica.
A teoria das Inteligências Múltiplas originou-se quando o Gardner
discordando dessa idéia de inteligência, ele procurou evidências em outras
fontes para dar novo sentido à idéia de inteligência.
As Inteligências Múltiplas constituem um desafio à idéia de que o QI
representa uma medida direta da inteligência. Gardner (2001, p. 46) afirma
“comecei definindo „uma inteligência‟ como a habilidade para resolver
problemas ou criar produtos valorizados em um ou mais cenários culturais”. O
autor reconhece que a mente humana é pluralista, multifacetada e com
habilidades e aptidões que ainda nem sequer foram pensadas, tanto que o
próprio conceito de inteligência foi reformulado a partir dessas descobertas.
Inteligência é a capacidade não só de elaborar determinado projeto ou produto,
mas também a capacidade de dar sentido a ele e contextualizá-lo em uma
comunidade, uma cultura.
Corroborando com este pensamento, Albrecht afirma que:
Gardner pôs por terra uma das premissas mais fundamentais dos
establisments da Psicologia e da Educação, ou seja, que a
competência mental do homem decorre de um único traço chamado
inteligência (ALBRECHT, 2006, p. 6).
Nessa mesma linha de pensamento Gardner não afirma que a
inteligência é importante demais para ser deixada nas mãos daqueles que
testam a inteligência como faz a seguinte critica:
Em escolas tradicionais, inteligente era quem dominava as línguas
clássicas e a matemática, particularmente a geometria. Num cenário
empresarial, inteligente era quem previa oportunidades comerciais,
assumia riscos calculados, construía uma organização, mantendo as
contas equilibradas e os acionistas satisfeitos. No início do século XX,
inteligente era a pessoa capaz de ser mandada para os confins de
um império e executar ordens com eficiência. Essas noções ainda
são importantes para muita gente (GARDNER, 2001, p. 11).
Obviamente, alguns educadores, empresários, pais e muitos outros
percebem que o conceito de inteligência é importante e que suas
conceituações estão mudando mais rápido que nunca. O que na verdade
caracteriza-se como o principal questionamento de Gardner é o fato que
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 139
estamos diante de uma escolha difícil: conservar as visões tradicionais de
inteligência e de como ela deve ser mensurada ou conceber uma forma
diferente e melhor de conceituar as habilidades das pessoas, suas
competências, o intelecto humano e um ambiente favorável ao aprendizado.
Sobre a importância do ambiente, Gardner (2001, p. 169) comenta:
“criamos um ambiente com recursos convidativos e deixamos a pessoa
demonstrar o leque de suas inteligências da forma mais natural possível”.
Gardner acredita que a educação atual deve fornecer a base para uma
maior compreensão dos diversos contextos e mundos. Quando educadores
são capazes de usar diferentes abordagens pedagógicas, eles conseguem
atingir mais alunos, com maior eficácia.
Sobre este ponto de vista Sennett (2009, p. 49) faz a seguinte
observação a educação moderna evita o aprendizado repetitivo, considerando
que pode ser embotador”.
Cabe ainda o seguinte comentário:
Sinto-me mais confortável em avaliar as inteligências de uma criança
observando seu comportamento num museu durante algumas horas
do que lhe aplicando uma bateria de testes convencionais
(GARDNER, 2001, p. 103).
As fontes que fizeram que Gardner chegasse à elaboração da teoria das
Inteligências Múltiplas o as seguintes: primeiro estudou o desenvolvimento
de diferentes habilidades em pessoas com desenvolvimento normal e
desenvolvimento em pessoas talentosas, depois estudou pessoas que
sofreram algum dano cerebral afetando apenas uma determinada região do
cérebro, por último, analisou uma população tida excepcional, como os
prodígios - pessoas que precocemente têm um excelente resultado em uma
área do conhecimento, os “idiots savants” (hoje chamados apenas de
“savants”) - pessoas com baixo QI, porém que apresentam alguma habilidade
notável em determinada área.
Segundo Sacks:
[...] o termo idiot savant (idiota sábio) foi cunhado em 1887 pelo
médico londrino Langdon Down para referir-se a crianças com retardo
mental profundo que possuíam faculdades especiais e às vezes
impressionantes (SACKS, 2007, p. 154).
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 140
Gardner também verificou a relação dos aspectos psicológicos e
biológicos das pessoas. Ele comenta que embora as inteligências sejam inatas,
são a partir das relações com o ambiente e com a cultura, que o homem
desenvolve mais algumas e deixa de aprimorar outras. Por último, realizou os
estudos psicológicos incluindo exames de correlações entre testes. Esses
estudos levaram a conclusão que não existe uma única inteligência, mas sim
um elenco de inteligências, onde a lógico-matemática e a verbal-lingüística
devem ser colocadas na mesma condição das demais e, ainda mais trazendo
um fato novo -, em cada ser humano, tais inteligências são habilidades únicas
e se combinam de forma totalmente diferente.
O novo conceito de inteligência foi definido e classificado por Gardner
como:
[...] termo para organizar e descrever capacidades humanas, e não uma
referência a um produto que existe dentro da cabeça. Uma intelincia
não é uma “coisa”, e sim... um potencial, a presença do qual permite a
um indiduo ter acesso a formas de pensamento apropriadas a tipos
espeficos de conteúdos (GARDNER, 1998, p. 217).
Não podemos definir alguém como inteligente somente por possuir um
nível “satisfatório” nas questões verbal-lingüística e lógico-matemática.
As pessoas podem não a vir a entender suas Inteligências Múltiplas
como também desenvolvê-las de formas altamente flexíveis e produtivas dentro
dos vários papéis humanos. Segundo Gardner (2001, p. 14) “Inteligências
Múltiplas podem ser mobilizadas na escola, em casa, no trabalho ou na rua,
isto é, nas várias instâncias de uma sociedade”. A partir desta premissa as
pessoas são capazes de aprender e realizar “coisas” a qualquer momento de
suas vidas desenvolvendo diversos tipos de habilidades.
O uso construtivo e positivo da inteligência não acontece por acaso.
Segundo Gardner (2001):
Embora possamos continuar usando as palavras inteligente e burro, e
embora os testes de QI continuem sendo usados para determinados
propósitos, o monopólio dos que acreditam numa inteligência geral
isolada acabou (GARDNER, 2001, p. 245).
A princípio foram relacionados oito tipos de inteligências, sendo que
duas delas são de natureza estritamente pessoal. estudos no sentido de se
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 141
introduzir mais duas novas. Uma nona inteligência que Gardner denomina de
Espiritual e uma décima chamada de Existencial. Gardner (2001) comenta que
é preciso muita cautela e provas antes de se oficializar uma “nova/décima
inteligência”. A força das provas para cada uma das inteligências varia e
declarar ou não que alguma capacidade humana caracterize outro tipo de
inteligência é uma decisão de julgamento.
Mesmo reconhecendo que não esteja pronto para proclamá-las, Gardner
(2001) aceita a hipótese de que uma inclinação para refletir sobre
preocupações cósmicas e existenciais importantes constitua uma capacidade
intelectual humana característica.
As inteligências o são excludentes, o que significa que uma mesma
pessoa possa se desenvolver em várias categorias, até porque a nossa
inteligência é o resultado de processadores mentais diferentes dentro do
cérebro, cada um deles responsável por uma habilidade.
Os estudos de Gardner continuam em desenvolvimento, o que sugere
que novas inteligências poderão ser catalogadas num futuro próximo.
Oficialmente, hoje são oito Inteligências Múltiplas catalogadas por Gardner,
descritas a seguir.
Inteligência Verbal-Lingüística
Envolve a sensibilidade para a língua falada e escrita. É a habilidade da
pessoa de se expressar. Manifesta-se no domínio e amor pela linguagem e
pelas palavras. Carlos Drummond de Andrade é um bom exemplo.
Inteligência Lógico-Matemática
Envolve a capacidade de analisar problemas com lógica, confrontar e
avaliar objetos e abstrações e discernir suas relações e princípios subjacentes,
além do uso e avaliação de relações abstratas. Uma operação central nessa
inteligência é a numeração. Relaciona-se ao pensamento dedutivo e raciocínio,
as estruturas lógicas e a precisão. Essa inteligência juntamente com a verbal-
lingüística, proporciona a principal base para os testes de QI. Albert Einstein é
um bom exemplo.
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 142
Inteligência Musical
Semelhante à Inteligência verbal-lingüística, que relacionada a sons.
É a inteligência que acarreta habilidade na atuação, na composição e na
apreciação de padrões musicais. Permite às pessoas o dom de criar,
comunicar e compreender significados compostos por sons. Competência para
ouvir, compor e executar obras com intensidade e ritmo. Normalmente
relaciona-se a outras inteligências, como a verbal-lingüística, espacial e a
físico-cinestésica. É manifestada pela habilidade para apreciar, compor ou
reproduzir uma peça musical. Também inclui discriminação de sons, habilidade
para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre.
Temos como exemplo Mozart, Beethoven e Yanni.
Inteligência Espacial
Confere o potencial de reconhecer e manipular os padrões do espaço.
Esta habilidade está relacionada à capacidade de compreender o mundo
visual, modificar percepções e recriar experiências visuais. Caracteriza-se
também pela observação minuciosa, imagens mentais e habilidade de formar
figuras tridimensionais na mente, bem como se movimentar orientando-se com
mapas e guias. Temos como Oscar Niemeyer e Pablo Picasso.
Inteligência Físico-Cinestésica
Relaciona-se com o potencial de usar o corpo. Controlar e orquestrar os
movimentos do corpo e manejar objetos habilmente. Pode envolver o uso de
todo o corpo ou de partes dele para resolver problemas ou criar produtos.
Operações centrais associadas a essa inteligência é o controle sobre as ações
motoras amplas e finas e a capacidade de manipular objetos externos. A
bailarina brasileira Ana Maria Botafogo e o coreógrafo Carlinhos de Jesus são
bons exemplos.
Inteligência Interpessoal
Inclui os relacionamentos entre pessoas além de compreendê-las. Tem
características de dialogar e convencer outras pessoas para um objetivo
determinado, entender os sentimentos e as características pessoais dos outros
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 143
e lidar com elas de maneira eficiente. Em suma esta inteligência denota a
capacidade de trabalhar bem com terceiros.
Inteligência Intrapessoal
Envolve o autoconhecimento, além de determinar humores, sentimentos
e outros estados mentais em si mesmo. Relaciona-se com a percepção que a
pessoa possui de seus próprios sentimentos. Esta inteligência permite uma
análise do nosso “eu” interior.
Inteligência Naturalista
É a habilidade de reconhecer objetos da natureza. É a capacidade de
distinguir plantas, animais, ter sensibilidade com o meio ambiente, aos
conceitos de ecologia e ao encanto pelo mundo natural. É a inteligência
predominante em causas ecológicas, razão pela qual é mais facilmente
detectada em biólogos e membros de tribos indígenas. Temos como exemplo
Chico Mendes, Orlando Villas Boas e Charles Darwin.
Inteligência Espiritual-Existencial
Ainda não oficializada por Gardner, esta inteligência apresenta o
seguinte escopo: aprender as questões fundamentais da existência. Também
chamada de Inteligência Espiritual-Existencial, está ligada à idéia do
misticismo, da filosofia e da preocupação com a existência, do cosmos e dos
questionamentos sobre quem somos e de onde viemos. Líderes religiosos e
físicos enquadram-se neste tipo de inteligência uma vez que atingiram um nível
de consciência, uma ligação com o resto do mundo, um desprezo pelo eu que
representam e uma acentuada preocupação cósmica. Temos como exemplo
Buda, Jesus Cristo e Gandhi.
Antunes aborda a Inteligência Espiritual da seguinte forma:
[...] Howard Gardner chega a acreditar que talvez possa existir
alguma forma específica de inteligência, a que chama de espiritual,
classificando-a como “meia inteligência”. Assim, afirma que acredita
na existência de oito inteligências e meia, sendo exatamente essa
“meia” inteligência a inteligência espiritual. [...] o a considera
“inteira” porque ela não galgou os passos essenciais para se
identificar com as demais (ANTUNES, 1998, p. 73).
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 144
Após ter exposto o conceito das Inteligências Múltiplas registro que
pessoas normais possuem vários potenciais, mas por razões genéticas e
ambientais, estas diferem nos perfis particulares da inteligência. A título de
exemplo, uma pessoa pode desenvolver sua inteligência musical por
intermédio de uma habilidade inata, por um ambiente familiar musical
enriquecido, como ocorreu no caso da família de Mozart, ou até mesmo
mediante estímulo ou treinamento. Um ambiente favorável, estimulante e
atraente favorece a aprendizagem espontânea no campo das Inteligências
Múltiplas. Nesse caso ter uma habilidade passa a ser uma questão de
estimular nossas capacidades e inteligências às vezes “adormecidas” e com
isso promover o desenvolvimento em áreas da vida antes não exploradas.
Além do ambiente, as condições socioeconômicas podem influenciar
cada pessoa, na descoberta de uma determinada área do conhecimento.
Lembro que o ser humano, muitas vezes, ao desenvolver uma atividade utiliza
mais de uma inteligência. Gardner comenta:
[...] as crianças pequenas certamente relacionam de forma natural, a
música e o movimento corporal achando virtualmente impossível
cantar sem engajar-se em alguma atividade física acompanhante
(GARDNER, 1994, p.96).
À luz desta afirmação podemos concluir que uma inteligência específica
pode abrir diferentes caminhos para o aprendizado. Da música pode-se chegar
à matemática. A recíproca é verdadeira. Todas as Inteligências descritas por
Gardner são oportunas e verdadeiras. Cada pessoa possui seu próprio ritmo.
Torna-se, pois, importante valorizar cada indivíduo e as habilidades que
apresenta como mais significativas. Assim fazendo, caminhamos em direção
ao Ócio Criativo.
Corroborando, De Masi (2000, p. 221), referindo-se à criatividade, faz a
seguinte citação: “no curso do tempo desativamos cada vez mais o corpo e
ativamos cada vez mais a mente”.
Finalizo este capítulo com a menção de que em uma reportagem à
Revista Veja (25 de julho de 2007, p. 14), em relação à inteligência humana,
Gardner tece o seguinte comentário: “certamente não estão determinadas no
berçário todas as capacidades intelectuais das pessoas, o que quer dizer, sim,
HOWARD GARDNER E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS - 145
que é possível esculpir a inteligência ainda que haja limitações para isso -”.
Se for possível esculpir a inteligência, observa-se a responsabilidade das
empresas no sentido de promover ações que alavanquem as competências
dos funcionários.
CAPÍTULO 5
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE
MASI E GARDNER
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 147
“O cérebro precisa de ócio para produzir idéias”
Domenico De Masi
“As escolas em geral não tem de dar lucro, embora as independentes
não possam sobreviver indefinidamente se permanecerem em débito”
Howard Gardner
conexão, sinergia, converncia e senso de complementaridade
entre os estudos de De Masi e Gardner. Bem aplicados o Ócio Criativo e as
Inteligências Múltiplas o uma alternativa para viabilizar uma
reestruturação produtiva e humanizar as relações do trabalho. Os autores,
mesmo trilhando” caminhos aparentemente diferentes, buscam uma
humanizão e se mostram comprometidos com o futuro. Humanização o
na concepção poética da palavra, mas a humanização que agregue valor à
sociedade e que não nos isente de construir um mundo mais justo e
solidário. Mundo este em que o trabalho confira honra ao seu idealizador.
Momento oportuno para lembrar os versos de Luiz Gonzaga Jr. que deram
início a este tese.
Fundamentamos nossa vida no “ter” e não no “ser”. De Masi e Gardner
consideram que mesmo levando em conta todo o aparato técnico
computacional hoje disponível, o ser humano continua no centro do processo,
ou seja, o que de mais importante. Gardner visualiza novas formas de
compreender a inteligência humana, De Masi defende uma forma mais sadia e
equilibrada de trabalhar e viver. Inteligente é aquele que sabe trabalhar,
aprender, e viver com prazer. Conceitos integrados e convergentes.
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 148
Concordo que é difícil conceber a felicidade sem dor, sem algum tipo de
sofrimento. Felicidade e sofrimento são opostos que se completam. Para que
tenhamos uma dimensão do que é felicidade, precisamos do sofrimento como
medida comparatória. Também concordo que dada à importância que o
trabalho possui em nossa vida, é preciso que a obra (resultado do nosso
trabalho) amenize este sofrimento, pois caso o sofrimento seja contínuo,
razoável suspeitar que algo esteja errado.
Gardner et al. (2004, p. 243) fazem oportuno questionamento: “o que
você pode fazer se acorda de manhã sem vontade de ir trabalhar porque a
rotina diária não satisfaz seus padrões”? De Masi e Gardner estão alinhados
com este raciocínio, o que caracteriza um ponto de interseção.
De Masi concentra-se no terreno empresarial, Gardner mais no
educacional. Gardner (2001) comenta que em praticamente todo o mundo a
área dos negócios e da educação às vezes convivem nervosamente. Ao longo
da vida esses terrenos se completam. Gardner comenta:
Ate a terceira década da vida, os jovens passam mais tempo na
escola do que em qualquer outra instituição. Estão mais na presença
de professores do que de seus pais, estão cercados por colegas de
aula mais do que por seus irmãos ou pelas crianças do bairro. As
instituições formais de educação cumprem um papel fundamental
para determinar se um indivíduo esta avançando no caminho rumo ao
bom trabalho e à cidadania ativa (GARDNER, 2007, p. 123).
Os autores também convergem no fato de que as pessoas são inteligentes
e, por serem inteligentes, o igualmente criativas. A criatividade é cada vez mais
necesria no mundo atual que é marcado pela economia do conhecimento.
Como a consolidação do Ócio Criativo é a harnica combinação de trabalho,
estudo e prazer, quanto mais nosso trabalho estiver em sintonia com nossas
habilidades predominantes, é certo acreditar que mais facilmente a criatividade
será obtida, salvo se outras variáveis inibirem a ocorrência deste fato.
Corroborando com esta análise, Motta e Vasconcelos fazem uma
importante constatação:
Quando o indivíduo perde o reconhecimento social atribuído às suas
habilidades, ou seja, quando o seu trabalho e os seus conhecimentos
não são mais considerados “válidos”, “importantes” ou positivos”,
perda de auto-estima e aumento de sua insegurança e do seu nível
de ansiedade (MOTTA; VASCONCELOS, 2002, p. 413).
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 149
É também importante considerar que as pessoas o diferentes. As
diferenças pessoais não ocorrem apenas no sentido físico. Ao contrário, as
diferenças são marcadas por nossos valores, crenças, convicções, educação,
meio social e sistema mundo no qual estamos inseridos. Paradoxalmente, são
as diferenças que nos completam enquanto seres humanos.
Integrado com o pensamento de De Masi, Gardner, sobre o processo de
contratação de novos pesquisadores para compor sua equipe, afirma:
duas décadas, quando escolhi os funcionários, procurei pessoas
como eu. Mas o estudo das inteligências pessoais me levou para
outros rumos. Agora, eu raramente procuro alguém com habilidades
parecidas com as minhas. Em vez disso, faço as seguintes
perguntas: que habilidades são necessárias para determinados
papéis? Quem em minha equipe tem estas habilidades? Quem pode
adquiri-las rapidamente? De que maneira uma nova combinação de
pessoas trará benefícios para um projeto? (GARDNER, 2001, p. 240).
O mesmo raciocínio vale para o que De Masi chama de estudo, ou seja,
um aprendizado connuo no exercício de um ofício e também para o lazer,
termo que, desde o início desta tese, chamo de prazer por entendê-lo mais
pertinente.
Os termos trabalho, estudo e prazer se misturam tanto no Ócio Criativo
como nas Inteligências Múltiplas. Ao observar alguém realizando um trabalho
com prazer, o é simplesmente o prazer que é observado. Soma-se o
aprendizado que o trabalho proporciona e o resultado de uma obra, seja ela de
qualquer natureza produto físico ou serviço. Sennett (2009, p.328) afirma que
”o orgulho pelo próprio trabalho está no cerne da habilidade artesanal, como
recompensa da perícia e do empenho”.
Desta forma a obra guarda beleza estética, contribui para o
desenvolvimento do executor e da sociedade. A síntese: imaginação e
concretude, pregadas por De Masi estão presentes. A obra acabada contém
todos os elementos do Ócio Criativo. É difícil fragmentá-los. Estão tecidos
juntos. São complexos. Entendo que este raciocínio possa valer para todo e
qualquer tipo de trabalho.
O Quadro 6 apresenta uma integração do pensamento de De Masi e
Gardner. Na verdade um entrelaçamento das Inteligências Múltiplas, suas
características predominantes, formas que podemos nos valer para
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 150
desenvolvê-las, possibilidades profissionais e a devida conexão com o Ócio
Criativo. As possibilidades profissionais listadas não esgotam todas as
profissões. Imprudente se fosse. Causaria uma discriminação de profissões e
trabalhadores. Ideologia distante do contexto desta tese. Permite apenas uma
integração dos conceitos de De Masi e Gardner. Claro que como nem todas as
profissões foram listadas, extrapolações são necessárias.
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 151
Quadro 6 - Integração dos conceitos de Inteligências Múltiplas e do Ócio
Criativo
Quadro 6 - Integração dos conceitos de Inteligências Múltiplas e do Ócio Criativo
Inteligências Múltiplas
Gardner
Características Predominantes
Formas de Desenvolvimento
Algumas Possibilidades
Profissionais
Conexão com o Ócio Criativo
De Masi
Verbal-Lingüística
Pessoas que fazem uso corrente e
fluído da linguagem.
- Ler e escrever em estilos
diferentes,
- Ter o hábito de anotar planos e
impressões,
- Fazer um diário,
- Redigir e verbalizar um discurso
- Participar de debates.
Jornalista, professor, poeta,
advogado, locutor, vendedor,
redator, escritor, relações públicas,
líder religioso, líder político, revisor,
tradutor
Necessidade do profissional se
comunicar. O domínio desta
inteligência faculta à pessoa um
poder maior de disseminar
informações.
Lógico-Matemática
Pessoas que usam o racional
como elemento norteador de suas
ações.
- Analisar dados,
- Jogar Xadrez,
- Montar quebra-cabeças,
- Operacionalizar mentalmente
cálculos matemáticos
complexos.
Matemático, cientista, pesquisador,
contador, financeiro, economista
O profissional que possui este tipo
de inteligência apresenta
habilidade no desenvolvimento de
estratégias, na avaliação de
planos, na análise imparcial de
dados e fatos significativos para o
negócio, o que influencia
sobremaneira na qualidade de sua
tomada de decisões.
Musical
Habilidade das pessoas que são
atraídas pelo mundo dos sons.
- Tocar um instrumento musical;
- Identificar sons externos,
- Criar novos ritmos.
Músico, maestro, compositor
Profissionais com este tipo de
inteligência respeitam seu próprio
ritmo como dos outros. Percebe
com mais facilidade as diversas
competências das pessoas, fato
que é importante na formação de
equipes.
Espacial
Observada nas pessoas que
apreciam o visual, além da
facilidade de criar figuras
tridimensionais na mente.
- Desenhar,
- Pintar,
- Esculpir,
- Utilizar mapas para orientação.
Pintor, escultor, arquiteto, piloto,
navegador, costureiro, cabeleireiro
Ocupar espaços de forma
assertiva e deixar espaços para o
crescimento da equipe de
colaboradores.
Continua
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 152
Continuação
Inteligências Múltiplas
Gardner
Características Predominantes
Formas de Desenvolvimento
Algumas Possibilidades
Profissionais
Conexão com o Ócio Criativo
De Masi
Físico-Cinestésica
Pessoas que possuem domínio
corporal e do movimento.
- Praticar mímicas, Dançar,
- Praticar esporte.
Dançarino, esportista, mímico,
cirurgião, mecânicos
Deslocar-se, movimentar-se nos
vários contextos empresariais,
conhecer as diversas realidades,
disponibilizar competências e
colaborar para o resultado final
Interpessoal
Pessoas que possuem a
habilidade de entender e tratar
outras pessoas com sensibilidade.
- Participar de grupos de estudo,
- Fazer trabalhos em equipe.
Terapeuta, vendedor, professor,
médico, líder político, líder religioso
Uma das competências mais
exigidas na atualidade. Hoje é
considerado um bom profissional
aquele que consegue formar times
integrados gerando equipes
harmoniosas e cooperativas.
Intrapessoal
Pessoas com grande capacidade
de autoconhecimento.
- Praticar meditação,
- Prestar atenção em suas
intuições.
Psicólogo, filósofo
O autoconhecimento conduz ao
desenvolvimento pessoal. Todas
as outras inteligências são
influenciadas pela inteligência
Intrapessoal. Conhecer-se, olhar
para si, descobrir-se faz parte da
caminhada de todos os
profissionais contemporâneos.
Naturalista
Pessoas que apresentam
sensibilidade para causas
ecológicas e preocupação com a
sustentabilidade do planeta
- Cultivar plantas,
- Fazer passeios ecológicos;
- Observar eventos da natureza,
- Envolver em projetos sociais,
- Participar de ONG‟s.
Biólogo, pesquisador, pesquisador
social
Pessoas com esta inteligência
apresentam um bom desempenho
na medida em que estão
envolvidos com projetos sociais,
possuem maior sensibilidade para
conciliar lucro com crescimento
sustentável das empresas.
[Fonte: o autor]
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 153
Tal como as pessoas, as empresas são diferentes. Suas operações
envolvem produtos ou serviços específicos. Algumas empresas geram
produtos finais que vão direto ao consumidor. Outras produzem produtos que
se constituem como insumos para outras empresas e que nestas geraram
novos produtos e assim sucessivamente.
organizações que lidam com serviços diretos, outras com serviços
indiretos. Para manterem-se competitivas as organizações precisam continuar
a aprender, a mudar e a criar. Para que estas ações tenham êxito, a prática
constante de treinamento é fundamental.
É importante ter consciência das inteligências envolvidas em diferentes
setores ou áreas de negócios. Segundo Gardner (2001) os setores que lidam,
principalmente, com comunicação usam, basicamente, a língua e outros
sistemas de símbolos. Identificar pessoas com esta habilidade é fundamental.
Organizações cujas operações estão focadas em finanças, contabilidade ou
ciência baseiam-se na inteligência lógico-matemática. Empresas que interagem
com o público ressaltam as inteligências pessoais.
Pessoas com a inteligência musical ou sico-cinestésica mais desenvolvidas
possuem maiores chances de sucesso na indústria do entretenimento e dos
esportes respectivamente. A propaganda, artes gráficas, transportes, são
ramos empresariais em que a inteligência espacial é bastante valorizada.
Pessoas com maior vocação para assuntos relacionados ao meio
ambiente, plantas, animais, ecologia, sustentabilidade, causas sociais, à priori,
serão bem sucedidas em empresas com um perfil naturalista. Para quem está
envolvido com recursos humanos, vendas, relações com os clientes e
marketing, conhecer e saber lidar com os outros é fundamental, o que sugere
indivíduos com uma inteligência interpessoal mais desenvolvida. Idem para
quem deseja ocupar um cargo de liderança. Sobre a Inteligência Intrapessoal
associada ao Ócio Criativo Gardner afirma:
As pessoas de inteligência intrapessoal especialmente desenvolvida
são valorizadas no mundo dos negócios por serem capazes de usar
seus talentos da melhor maneira possível, especialmente em
situações de rápidas transformações, e sabem melhor como aliar
seus talentos aos de seus colegas. Em contraste, quem não se
conhece bem age de forma improdutiva tanto no campo pessoal
quanto no profissional (GARDNER, 2001, p. 241).
ENTRELAÇAMENTO ENTRE OS CONCEITOS DE DE MASI E GARDNER - 154
Gardner nos apresenta um “portfólio” de inteligências. Ampliou o escopo
do que é ser inteligente. É difícil chamarmos ou julgarmos, hoje, alguém de
incompetente, sem antes analisarmos a pessoa e em que contexto a análise
está sendo feita. Da mesma forma que somos incompetentes em tantas coisas,
em igual número somos competentes em tantas outras. A melhor opção é que
nossas inteligências mais desenvolvidas ditem uma perspectiva a seguir, seja
para o trabalho, para o tempo livre ou ambos. Isto por si não garante a
conquista do Ócio Criativo, mas sinaliza o caminho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS - 156
“Tenha a coragem de servir-se de seu próprio intelecto”.
Immanuel Kant
A primeira consideração que destaco, junto à pesquisa do trabalho de
De Masi, é quanto ao tempo livre. A oportunidade de ter capturado sua
verdadeira concepção, foi fator crítico de sucesso para compreender sua
importância e porque ele será cada vez maior na vida das pessoas.
Os números citados nesta tese que retratam sobre a média de horas que
passaremos a viver, já descontadas às destinadas ao sono, retratam que
estamos falando de um período de vida expressivo. A ampliação do tempo de
vida associa-se ao avanço de outras áreas, tais como, a medicina, a
tecnologia, a biotecnologia que conferem um amento do período de vida útil ao
ser humano. Portanto, como a maioria das pessoas não foi educada a usufruir
o chamado tempo livre que passaremos a ter, fica a impressão de incomodo
desconforto, submissão, vergonha e talvez, o principal deles, a discriminação
social, que, aliás, é ainda exercida pela nossa sociedade, em especial pelos
que desconhecem, ignoram, teimam e resistem em refletir sobre esta questão.
Sendo assim, é necessária uma tomada de consciência.
Valerá a pena viver mais se a vida for revestida de sentido. Planejar
parece ser a palavra-chave. Como planejamento é uma atitude puramente
mental, conflita com o exercício muscular, ainda impregnado em nossa cultura,
uma vez que, estar ou pôr-se em movimento, sinaliza trabalho.
Curiosamente, o oposto não. Por mais paradoxal que possa ser o tempo
livre terá mais chance de ser obtido após ter passado pelo crivo de um
planejamento criterioso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS - 157
Uma segunda consideração é sobre o conceito do Ócio Criativo
propriamente dito. Esta tese demonstrou sua concepção. Quando praticado,
fica difícil fragmentar seus componentes, uma vez que trabalho, estudo e lazer
(prazer) estão mesclados, estão tecidos e sua separação é tarefa difícil. O Ócio
Criativo, modelo que por se apresentar como utópico para muitas pessoas é
motivo de baixa reflexão.
Entendo que o fato do conceito não ter sido ainda bem assimilado é o
que caracteriza esta utopia. É preciso coragem para abrir mão de um século de
literatura sobre “management” e direcionar a visão para um modelo que possa
projetar e criar o futuro e não aos ultrapassados que nem conseguem consertar
o passado. É verdade que aprendemos muito nestes 1000 anos de gestão. Se
chegamos até aqui é porque os modelos que foram elaborados pelas diversas
Escolas da Administração, com a ajuda de outras ciências, tiveram sua
validade. O capitalismo também agradece. Mas é verdade, também, que nunca
se falou tanto em ética como agora, nunca se falou tanto em crescimento
sustentável como agora, nunca se questionou a relação “ter” e “ser” como
agora, nunca se falou tanto na proteção do planeta terra como agora, nunca se
falou tanto em qualidade de vida como agora.
A razão para todos estes questionamentos é porque o modelo atual de
gestão, na grande maioria das empresas, segundo meu julgamento, está
ultrapassado. Apresenta sinais de ruptura e necessita de alternativas. Neste
contexto o Ócio Criativo se apresenta como opção.
sinais de mudança. O “Great Place to Work Institute” é um exemplo.
Anualmente, este instituto realiza uma pesquisa junto às empresas com o
objetivo de determinar as 100 melhores empresas para se trabalhar. Faço um
pequeno parêntese apenas para chamar a atenção quanto à terminologia
empregada pelo instituto “empresas para se trabalhar”, e não “empresas para
se empregar”.
Empresas interessadas em participar da pesquisa são analisadas sob
cinco dimensões: credibilidade, respeito, justiça, orgulho e camaradagem. O
que a pesquisa quer identificar é como cada dimensão funciona no local de
trabalho. Um detalhamento sobre cada uma destas dimensões é apresentado
no Quadro 7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS - 158
Quadro 7 - As dimensões do “Great Place to Work”
Dimensão
Como funciona no local de trabalho
Credibilidade
- Comunicações são abertas e acessíveis.
- Competência na coordenação de recursos humanos e
materiais.
- Integridade na transmissão da visão com consistência.
Respeito
- Apoiar desenvolvimento profissional e mostrar apreciação.
- Colaboração com empregados em decisões relevantes.
- Cuidar de empregados como indivíduos com vida pessoal.
Justiça
- Equidade - tratamento equilibrado para todos, em termos de
recompensas.
- Imparcialidade - ausência de favoritismos em contratações e
promoções.
- Justiça - ausência de discriminação e processos para
apelos.
Orgulho
- Do trabalho pessoal, contribuições individuais.
- Do trabalho produzido pela equipe ou grupo de trabalho a
que pertencemos.
- Dos produtos da organização e da posição que ela ocupa na
comunidade.
Camaradagem
- Capacidade de ser você mesmo.
- Atmosfera socialmente amigável e receptora.
- Sentido de “família” ou “equipe”.
[Fonte: http://www.greatplacetowork.com]
A pesquisa é feita de forma confidencial junto aos funcionários das
empresas participantes. A participação ocorre por intermédio de um
questionário que o funcionário recebe em sua residência. Após preenchê-lo,
utilizando o procedimento do “porte pago” do Correio, o questionário é remetido
diretamente ao Instituto, sem nenhuma intervenção.
A empresa, enquanto entidade jurídica, também o seu testemunho
sobre as dimenes listadas acima. Geralmente, representantes das áreas
de Recursos Humanos ou Comunicação Institucional, o os que se
envolvem mais diretamente neste processo. As a tabulação, confronto e
alise das informações, o Instituto proclama as Melhores Empresas Para
se Trabalhar”.
O objetivo da pesquisa feita por este Instituto é de diagnosticar o nível
de comprometimento e motivação dos funcionários, além de fornecer à
empresa participante elementos para aprimorar suas políticas internas. As
CONSIDERAÇÕES FINAIS - 159
empresas utilizam de forma positiva os resultados apresentados e elaboram
planos de trabalho com a intenção de corrigir os pontos vulneráveis. Entendo
que seja uma forma, mesmo que ainda tímida, de caminhar em direção ao Ócio
Criativo.
Com relação a dimensão “Orgulho”, na entrevista feita pelo Instituto, os
funcionários pesquisados opinam sobre questões que identificam este
sentimento (orgulho) em relação ao trabalho realizado. Este sentimento vale
para o trabalho individual quanto o de equipe. O mesmo ocorre com a
dimensão “Respeito”, quando a tônica é a preocupação de observar os
funcionários como indivíduos que possuem vida pessoal, ou seja, a vida não se
limitando apenas a um nculo empregatício. Ainda nesta dimensão, o
pensamento de Gardner está incluso na medida em que a empresa é
questionada em opinar se apóia, ou não, o desenvolvimento profissional do
funcionário.
Sob o meu ponto de vista, o conceito das Inteligências Múltiplas está
presente na dimensão “Justiça” no que diz respeito à ausência de favoritismos
em contratações e promoções. Ora, se o processo seletivo é feito de forma a
considerar as habilidades do candidato, e que após sua admissão há um
processo estruturado de treinamento, é razoável supor que a empresa está
contribuindo para o desenvolvimento dele, onde acredita-se, haverá um
trabalho melhor realizado, mais prazeroso, que gere orgulho ao seu executor,
que confira a idéia de missão cumprida, “obra” realizada e valor a quem dele
possa se beneficiar. Percebe-se uma combinação de vetores muito pertinentes
às premissas do Ócio Criativo.
Gosto da metodologia do “Great Place to Work”. Não afirmo ser a
fórmula única, mas a vejo como uma opção consistente para se chegar ao Ócio
Criativo e, simultaneamente, educar as pessoas para o tempo livre, duas das
primeiras considerações que faço ao término desta tese.
A terceira consideração é sobre as Inteligências Múltiplas. Estudo que
Gardner desenvolve e que deve ser observado com mais atenção por
educadores em geral e pessoas que cuidam da seleção, da educação
corporativa, do desenvolvimento de carreira e pelas lideranças das empresas.
Gardner rompe a análise paradigmática e obtusa dos testes de QI.
CONSIDERAÇÕES FINAIS - 160
Aos educadores cabe a responsabilidade de rever métodos, estruturas,
critérios de avaliação, assim como o próprio ambiente de ensino,
estabelecendo um novo “habitat” educacional favorável à aprendizagem.
Aos profissionais das empresas, a sensibilidade de identificar as
habilidades e competências-chave dos funcionários. Esta identificação inicia-
se no processo seletivo para os novos integrantes à organização, no
mapeamento dos funcionários atuais e que percorre durante o tempo que a
relação de trabalho existir. Criar e oferecer as condições para o
desenvolvimento das pessoas é tarefa daqueles que possuem cargo de
liderança nas empresas. Este compromisso não se restringe apenas ao mais
alto executivo, mas a todos os lideres, independente do grau que ocupam na
hierarquia profissional.
A plataforma apresentada por Gardner amplia o conceito do que é ser
inteligente e integra-se ao modelo de De Masi.
Uma quarta consideração é que o emprego, termo que foi analisado
nesta tese, está com seus dias contatos. Estatísticas apontam para um declínio
no número de empregos. Acreditar na sua plena eliminação seria se afastar
das raias do bom senso. O governo, enquanto plataforma política empenha-se
na geração de empregos. Sempre foi dever do Estado a geração de empregos.
Este discurso guarda tom demagógico, pois enquanto o governo “vende” à
população a idéia que novos empregos foram criados e que o futuro se
apresenta como menos sombrio, o fato é uma menor preocupação com o bem
comum.
O emprego ajuda a garantir recolhimentos tributários, a aposentadoria
dos idosos, a subsidiar investimentos sociais e camuflar a burocracia.
A tese demonstrou que há divergências entre os termos emprego e
trabalho. Os “nativos digitaisestão em busca de um trabalho. Trabalho que
tenha sentido, que seja digno, compensador, criativo, prazeroso e
desenvolvido em um ambiente nada burocrático, tudo ao mesmo tempo. Às
vezes a anárquico. Migramos de uma geração do estágio just-in-time (na
hora certa), para o on-the-time” (na hora) e vivemos agora o mundo do all-
the-time” (a qualquer hora). Este é o momento pelo qual estamos passando.
Diferentemente de um trabalho manual que pode ser interrompido num
CONSIDERAÇÕES FINAIS - 161
determinado momento, o trabalho criativo não pára nunca, desde que existam
condições propícias para isto e as pessoas se sintam motivadas.
As argumentações e contra-argumentações entre trabalho e emprego
não se esgotam aqui. Também não era a intenção.
Por conta da minha experiência profissional, seja na condição de
profissional da área de Recursos Humanos e de educador, ressalto que
algumas organizações estão alinhadas com o Ócio Criativo. Google, Microsoft,
Avon, ArvinMeritor, 3M, Promon, Disney e Toyota são alguns exemplos. Nas
artes destaco a Companhia de Sapateado Riverdance, o maestro, tecladista e
compositor grego Yanni Chrysomallis e o Cirque Du Soleil. Outras devem
existir. Empresas (Go Daddy e Red Bull), incorporaram até brinquedos no
local de trabalho com o objetivo de resgatar a criatividade e o “lado criança” de
seus funcionários. Julgo oportuno comentar que as palavras criança e
criatividade possuem o mesmo radical.
Como vivemos num mundo em constante mutação, o futuro do trabalho
assim como o da própria gestão precisam ser mais investigado. É prudente que
novas pesquisas sejam realizadas considerando a eficácia do Ócio Criativo,
enquanto um modelo de gestão, que humanize as relações do trabalho no
mundo contemporâneo.
o é surpresa admitir que haja resistências quanto ao conceito do
Ócio Criativo. Resistências estas que eso presentes, tanto no cenário
acadêmico quanto no empresarial. Entendo-as como normais, assim como
estou convicto que a concepção do Ócio Criativo ajusta-se ao mundo futuro.
Alguns emprerios e acadêmicos continuam céticos em relação a isto. A
certo ponto este ceticismo é compreensível, uma vez que tanto acadêmicos
quanto gestores, embora vivendo em pleno culo XXI, suas cabeças”
estagnaram no século anterior, em modelos que hoje, já não se sustentam
mais.
Prudente que o conceito do Ócio Criativo pudesse permear com mais
ressonância no cenário acadêmico. Não em relação às Escolas de
Administração de Empresas, pois se assim ocorrer, continuamos fragmentando
o conhecimento, conhecimento este, que continuaria imbricado. Ideal é que a
reflexão, análise e crítica pudessem transitar em todas as esferas da academia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS - 162
Ótimo seria observar o mesmo fato no mundo corporativo. A combinação de
percepções poderia clarear pontos duvidosos.
Ócio Criativo não é um cargo ou “status” que se adquire. É um modelo
de gestão que objetiva conceber um novo olhar frente à concepção do trabalho
proporcionando uma vida mais saudável e harmoniosa. Na condição de
humanos, somos carentes disso.
O tempo, com sua plena sabedoria, haverá de fazer o devido
julgamento.
Razão e sensibilidade são fundamentais para este entendimento.
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