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Do que se tratava era por de quarentena todas aquelas pessoas, segundo
antiga prática, herdada dos tempos da cólera e da febre-amarela, quando os
barcos contaminados ou só suspeitos de infecção tinham de permanecer ao
largo durante quarenta dias, até ver. [...] Queria dizer que tanto poderão ser
quarenta dias como quarenta semanas, ou quarenta meses, ou quarenta anos,
o que é preciso é que não saiam de lá. [...] Neste caso, resta o manicômio,
Sim Senhor Ministro, o manicômio, Pois então que seja o manicómio, Aliás,
a todas as luzes, é o que apresenta melhores condições, Com certeza não crês
que vamos ser os únicos, Isso é uma loucura, Deve ser estamos num
manicómio. [...] A mulher do médico, sentada na cama do marido, disse em
voz baixa, Tinha de ser, o inferno prometido vai principiar. Ele apertou-lhe a
mão e murmurou, Não te afastes, daqui em diante nada poderás fazer. Os
gritos tinham diminuído, agora ouviam-se ruídos confusos nos átrios, eram
os cegos, trazidos em rebanho (ESC, 1999: 45-46).
A cegueira, no romance de José Saramago, será um binômio entre o ver e a
incapacidade de enxergar — a nós próprios e ao outro. O olhar é uma perspectiva de encontro
com o que de mais humano possuímos. Nesse sentido, o texto de Saramago pode ser visto
como um alerta de que não podemos perder essa essência, mas que corroídos pela aparência, o
homem vive num mundo de sombras, assim como na Caverna de Platão.
Esse entendimento sinaliza que o olhar e a cegueira são representações simbólicas, que
no romance, aparecem como o fio condutor para uma nova percepção sobre a realidade.
Assim o médico oftalmologista indaga quando da sua súbita cegueira, em contraste
com o seu ofício, que era o de cuidar da visão das pessoas. O médico é também contagiado
pelo ―mar de leite‖ que se manifesta em todos os personagens da trama, com exceção da sua
mulher, que não cega na narrativa:
Sucedeu um minuto depois, quando juntava os livros para os arrumar na
estante. Primeiro sucedeu que tinha deixado de ver as mãos, depois soube
que estava cedo. [...] Na verdade um oftalmologista cego não poderia servir
para muito, mas competia-lhe a ele informar as autoridades sanitárias. [...]
Olhos que tinham deixado de ver, olhos que estavam totalmente cegos. [...]
Fingiu que dormia quando a mulher se levantou. Sentiu o beijo que ela lhe
deu na testa, muito suave, como se não quisesse acordá-lo do que julgava ser
um sono profundo, talvez tivesse pensado, Coitado, deitou-se tarde, a estudar
aquele extraordinário caso do homenzinho cego. [...] O médico deixou-se
sair um gemido breve, consentiu que duas lágrimas, Serão brancas, pensou,
lhe inundasse os olhos e derramassem pelas fontes (ESC, 1999: 36, 38).
Assim como Blimunda, do Memorial do Convento, a mulher do médico é aquela que
vê, porém, no Ensaio sobre a cegueira, ao contrário de Blimunda, ela não vê por dentro das