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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA COMPARADA
“Relações evolutivas entre ecologia e morfologia serpentiforme em espécies de lagartos
microteiídeos (Sauria: Gymnophthalmidae)”.
Mariana Bortoletto Grizante
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências
para a obtenção do título de Mestre em Ciências, Área:
Biologia Comparada.
Ribeirão Preto
2009
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA COMPARADA
“Relações evolutivas entre ecologia e morfologia serpentiforme em espécies de lagartos
microteiídeos (Sauria: Gymnophthalmidae)”.
Mariana Bortoletto Grizante
Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências
para a obtenção do título de Mestre em Ciências, Área:
Biologia Comparada.
Orientadora: Profª. Drª. Tiana Kohlsdorf
Ribeirão Preto
2009
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“Relações evolutivas entre ecologia e morfologia serpentiforme em espécies de lagartos
microteiídeos (Sauria: Gymnophthalmidae)”.
Mariana Bortoletto Grizante
Ribeirão Preto, _______________________________ de 2009.
_________________________________ _________________________________
Prof(a). Dr(a). Prof(a). Dr(a).
_________________________________ _________________________________
Prof(a). Dr(a). Prof(a). Dr(a).
_________________________________
Profª. Drª. Tiana Kohlsdorf
(Orientadora)
Dedicado a Antonio Bortoletto e Vainer Grisante,
exemplos de curiosidade e perseverança diante dos desafios.
AGRADECIMENTOS
Realizar esse trabalho se tornou possível graças à colaboração e ao incentivo de muitas
pessoas. A elas, agradeço e com elas, divido a alegria de concluir este trabalho.
À Tiana, pela orientação, entusiasmo e confiança, pelas oportunidades, pela amizade, e pelo
que ainda virá. Por fazer as histórias terem pé e cabeça!
À FAPESP, pelo financiamento desse projeto (processo 2007/52204-8).
À professora Márcia Bitondi, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Biologia
Comparada da FFCLRP-USP, pelo apoio que foi imprescindível em muitos momentos.
Aos professores Dalton de Souza Amorim e Elisabeth Spinelli de Oliveira, da FFCLRP-
USP, por cederem o espaço que abrigou boa parte dos experimentos realizados.
Aos professores Maria Helena Goldman e Fernando Mantelatto, da FFCLRP-USP, pelas
portas abertas de seus laboratórios, e a todos os seus alunos, pelas inúmeras gentilezas. Em
especial, agradeço a Andréa Quiapim pelos sequenciamentos que serão usados em breve.
Ao professor Miguel Rodrigues, do Instituto de Biociências (IB-USP), pelas comunicações
pessoais, pelos materiais cedidos e pelo incentivo, todos muito importantes para esse trabalho.
Ao professor Guarino Colli, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília
(ICB-UNB), pelas comunicações pessoais que foram muito importantes para esse trabalho.
Ao professor Hussam Zaher, diretor do Museu de Zoologia da USP (MZUSP) e responsável
pela Seção de Herpetologia, e à Carolina Castro-Mello, gerente de coleções, por facilitarem a
maior parte da coleta de dados.
Ao professor Mario de Pinna, responsável pela Seção de Ictiologia do MZUSP, pelo
empréstimo do equipamento de radiografia, e ao Eduardo Baena, pela paciência e pelas ótimas
imagens.
Ao professor Silvio Moure Cícero, do Departamento de Produção Vegetal da ESALQ-USP,
pelo empréstimo do equipamento de radiografia, e ao aluno Francisco Guilhien, pelas dicas.
Ao pessoal do Departamento de Imagem do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, pela
digitalização de parte das radiografias.
Um abraço aos professores Carlos A. Navas, do IB-USP, e Fernando R. Gomes, da UNESP
de Rio Claro, com os quais tive o prazer de conviver e colaborar.
À querida doutoranda Renata Brandt Nunes, pela força, pelas discussões e pela amizade de
longa data, e ao doutorando Agustín Camacho, pelo empréstimo de animais e pelas discussões.
Aos queridos amigos que fazem ou fizeram parte do Laboratório de Evolução e
Ecofisiologia de Tetrápodes da FFCLRP: Ana Paula, Anieli Pereira, Anna Carolina do Valle,
Camilla Montes Gomes, Felipe Zampieri, Fábio Cury de Barros, Fabrício Galvani, Fernando
Andrade, Johnatan de Carvalho, Júlia Lampareli, Lígia Bertolino, Lílian Borges, Marina Elisa
Singarete, Mateus Eiras, Vanessa Cunha, Vanessa Roma, Steve Perry. Pelo ótimo ambiente de
trabalho, pela ajuda constante em todas as etapas, pelo convívio em ritmo de festa e, sobretudo,
pela amizade que continuará.
Às mineiras favoritas Anna Carolina e Fernanda Duarte Almeida Ribeiro do Valle, que me
acolheram em Ribeirão Preto com casa, comida, roupa lavada, muitas risadas e ótima companhia.
Às amigas e companheiras de sempre, de quem tive muita saudade durante esse período:
Gláucia e Juliana, tão longe e tão perto!
À querida família Pezzo, pelo incentivo e pelo carinho de sempre, em todos os momentos.
À minha família, pelo fundamental: amor. Em especial, agradeço à minha irmã Ana, pelos
infinitos favores, pelo interesse e pela participação ativa em todas as etapas. Ela é praticamente
uma bióloga!
Ao Tiago, agradeço mais. Mais do que pelo apoio, pela compreensão, pela paciência, pelo
companheirismo e pela participação: obrigada pelo amor incondicional.
Se procurar bem, você acaba encontrando
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.
.
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO
A evolução da morfologia serpentiforme, caracterizada simultaneamente pelo alongamento
do corpo e pela redução de membros locomotores, ocorreu repetidas vezes durante a história
evolutiva de Squamata. Alterações em parâmetros morfológicos relacionados à locomoção de um
organismo afetam diretamente seu desempenho em atividades essenciais à sobrevivência e à
produção de descendentes e, portanto, espera-se que estejam relacionadas a adaptações a
características do ambiente ocupado por ele. Estudos ecomorfológicos sugerem que o surgimento
de morfologias serpentiformes em Squamata ocorreu frequentemente associado à ocupação de
diferentes habitats, resultando em duas ecoformas distintas: espécies epígeas, que geralmente
possuem tronco e cauda alongados, e espécies fossoriais, que geralmente possuem tronco
alongado e cauda curta. O objetivo deste trabalho foi investigar a existência de relações
evolutivas entre ecologia e aspectos morfológicos, como alongamento do corpo e redução dos
membros, em espécies de lagartos neotropicais da família Gymnophthalmidae, avaliando como
essas mudanças influenciam seu desempenho locomotor.
Palavras-chave: Evolução, morfologia, ecologia, desempenho locomotor, Gymnophthalmidae.
ABSTRACT
Evolution of snakelike morphology, characterized by both body elongationand and limb
reduction, has ocurred several times during evolutionary history of Squamata. Changes in
morphological parameters related to locomotion directly affect organismal performance in several
activities that are crucial to survival and descendent produciton. Therefore, these morphological
changes are expected to be adaptive to the environment where the organism occurs.
Ecomorphological studies suggests that the evolution of snakelike morphologies in Squamata
ocurred frequently associated to the ocupation of different habitats, giving rise to two distinct
ecomorphs: grass-swimming species, which generally have elongation of trunk and tail, and
fossorial species, which generally have elongation of trunk and short tail. The aim of the present
study was to investigate the existence of evolutionary relationships between ecology and
morphological aspects like body elongation and limb reduction in species of neo-tropical lizard
family Gymnophthalmidae, evaluating how these evolutionary changes affect locomotor
performance.
Keywords: Evolution, morphology, ecology, locomotor performance, Gymnophthalmidae.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO GERAL .................................................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1 – EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA SERPENTIFORME ASSOCIADA À ECOLOGIA EM LAGARTOS
MICROTEIÍDEOS
1.1 – Resumo ............................................................................................................................................ 5
1.2 – Introdução .........................................................................................................................................6
1.3 – Material e Métodos ...........................................................................................................................9
1.4 – Resultados ......................................................................................................................................14
1.5 – Discussão ........................................................................................................................................18
1.6 – Bibliografia .....................................................................................................................................21
APÊNDICE EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA SERPENTIFORME EM GYMNOPHTHALMIDAE - UMA
DISCUSSÃO ACERCA DE POSSÍVEIS MECANISMOS DE DESENVOLVIMENTO ASSOCIADOS À ORIGEM DE
FORMAS ALONGADAS
A.1 – Introdução ......................................................................................................................................43
A.2 – Material e Métodos ........................................................................................................................45
A.3 – Resultados ......................................................................................................................................47
A.4 – Discussão .......................................................................................................................................49
A.5 – Bibliografia ....................................................................................................................................57
CAPÍTULO 2 DESEMPENHO LOCOMOTOR E HÁBITO FOSSORIAL EM ESPÉCIES DE LAGARTOS
MICROTEIÍDEOS
2.1 – Resumo............................................................................................................................................72
2.2 – Introdução .......................................................................................................................................73
2.3 – Material e Métodos .........................................................................................................................76
2.4 – Resultados .......................................................................................................................................80
2.5 – Discussão ........................................................................................................................................81
2.6 – Bibliografia .....................................................................................................................................83
CONCLUSÕES GERAIS ................................................................................................................................92
INTRODUÇÃO GERAL
A perda de membros locomotores é uma das alterações morfológicas mais marcantes que
ocorreram na história evolutiva dos animais tetrápodes, repetindo-se em anfíbios, répteis, aves e
mamíferos (Lande, 1978). Alterações em parâmetros morfológicos relacionados à locomoção de
um organismo afetam diretamente seu desempenho em atividades que são essenciais à
sobrevivência e à produção de descendentes, tais como: obtenção de alimento, fuga de
predadores, busca de parceiros reprodutivos e defesa de território. De acordo com o paradigma de
Arnold (1983), devido a essa importância ecológica da locomoção, espera-se que alterações
morfológicas estejam associadas a características físicas e estruturais do habitat utilizado pelo
organismo, sendo importantes para entender os processos de adaptação.
Estudos indicam que, ao longo da evolução de anfíbios e répteis, a redução de membros
está correlacionada com o alongamento do corpo (Gans, 1975; Lande, 1978; Greer, 1987, 1990;
Greer et al., 1998; Caldwell, 2003; Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006, Brandley et al.,
2008). Em Squamata, a transição do corpo lagartiforme (com três regiões bem definidas – cabeça,
tronco e cauda e quatro membros locomotores) para o corpo serpentiforme (corpo alongado e
cilíndrico, sem constrições na região do pescoço ou na base da cauda, com redução ou perda de
patas) parece ter ocorrido diversas vezes e em linhagens independentes, como anfisbenas,
serpentes e em sete famílias de lagartos (Greer, 1991; Pough et al., 1998; Wiens et al., 2006).
Enquanto serpentes e anfisbenas parecem ter diversificado após o estabelecimento da morfologia
serpentiforme (Gans, 1975; Pough et al., 1998), lagartos representam o melhor material moderno
para estudos ecomorfológicos devido à abundância de formas com estágios intermediários de
redução dos membros locomotores (Presch, 1975; Greer, 1987, 1990; Greer, 1991; Greer et al.,
1998; Wiens e Slingluff, 2001; Caldwell, 2003; Wiens et al., 2006; Kohlsdorf e Wagner, 2006).
Embora a transição da morfologia lagartiforme para a morfologia serpentiforme em
Squamata tenha sido bastante discutida, ainda controvérsias a respeito das pressões seletivas
subjacentes a essas alterações morfológicas e de suas implicações ecológicas (Gans, 1975; Wiens
e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006), bem como modo como a redução de membros e a
alongamento do corpo teriam ocorrido ao longo da evolução de Squamata (Gans, 1975; Cohn e
Tickle, 1999; Caldwell, 2003; Kohlsdorf e Wagner, 2006; Shapiro, 2003; Wiens e Slingluff,
2001; Wiens et al., 2006). Diante do apresentado, novos estudos de evolução da morfologia
serpentiforme devem contribuir para identificar aspectos comuns aos vários grupos que sofreram
perda de estruturas complexas, bem como aspectos singulares restritos a alguns deles, tentando
explicá-los em termos de ecologia e desempenho locomotor (Greer et al., 1998).
Um dos grupos que constitui um modelo interessante para o estudo da evolução da
morfologia serpentiforme é a família Gymnophthalmidae, que compreende cerca de 190 espécies
de lagartos exclusivamente neotropicais de pequeno porte, também conhecidos como
microteiídeos. Espécies de Gymnophthalmidae apresentam grande diversidade morfológica,
possuindo variados graus de redução de membros e alongamento do corpo, ampla distribuição
geográfica e aliada a uma diversidade ecológica que excede a de muitos clados mais especiosos
de Squamata, incluindo espécies de altitude, semi-aquáticas, semi-arborícolas, psamófilas,
fossoriais e partenogenéticas (Donnelly et al., 2006). Em especial, é notável a distribuição das
espécies de microteiídeos que habitam as dunas do Vale do Rio São Francisco (Bahia, Brasil),
que sugere especiação alopátrica por vicariância decorrente de alterações no curso do rio
(Rodrigues, 1995).
Apesar de existirem diversos estudos sobre distribuição geográfica e ecologia (Vanzolini e
Ramos, 1977; Moraes, 1993; Rodrigues, 1995; Rocha e Rodrigues, 2005), relações filogenéticas
(Pellegrino et al., 2001; Castoe et al., 2004) e aspectos de cinemática e comportamento da
locomoção (Renous et al., 1995; Renous et al., 1999; Höfling e Renous, 2004) de lagartos
microteiídeos, não estudos utilizando métodos comparativos que permitam testar se o perfil
morfológico de algumas espécies deste grupo pode ser considerado adaptativo. Nesse contexto, o
objetivo deste trabalho é verificar a existência de relações evolutivas entre ecologia e aspectos
morfológicos, como o alongamento do corpo e a redução de membros, em espécies de lagartos
neotropicais da família Gymnophthalmidae, avaliando como essas mudanças influenciam seu
desempenho locomotor. O Capítulo 1 trata da análise de dados morfométricos coletados para 43
espécies de Gymnophthalmidae, realizada por meio de métodos filogenéticos comparativos
buscando investigar eventuais padrões de evolução da morfologia serpentiforme associados à
ecologia das espécies do grupo. Em seguida, uma comparação entre dados osteológicos coletados
para as espécies de microteiídeos e dados disponíveis na literatura para outros grupos de
Squamata que possuem morfologia serpentiforme é realizada em um Apêndice, discutindo
possíveis mecanismos de desenvolvimento associados aos padrões de alongamento do corpo e
redução de membros. Finalmente, no Capítulo 2 são analisados testes de desempenho locomotor
realizados com espécies de lagartos microteiídeos filogeneticamente próximas, porém com
morfologias diferentes, buscando testar a hipótese de que a morfologia serpentiforme seria
adaptativa ao hábito fossorial em Gymnophthalmidae.
CAPÍTULO 1:
EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA SERPENTIFORME ASSOCIADA À ECOLOGIA EM
LAGARTOS MICROTEIÍDEOS
1.1 – RESUMO
Um dos padrões bastante recorrentes na história evolutiva dos tetrápodes é a evolução da
morfologia serpentiforme em Squamata, caracterizada pelo corpo alongado e por membros
locomotores reduzidos. Estudos recentes considerando as transições filéticas em que a morfologia
serpentiforme evoluiu em Squamata demonstram que o alongamento do corpo parece resultar de
dois mecanismos morfológicos diferentes associados à ocupação de determinados micro-habitats:
espécies que vivem na superfície apresentam maior alongamento da cauda enquanto espécies
fossoriais apresentam maior alongamento do tronco. O objetivo deste capítulo é testar, por meio
do uso de métodos filogenéticos comparativos, se existe associação entre a evolução da
morfologia serpentiforme e aspectos ecológicos em 43 espécies de Gymnophthalmidae, como a
ocorrência em diferentes habitats ou a ocorrência de diversos hábitos. Os resultados sugerem que
a evolução da morfologia serpentiforme em Gymnophthalmidae ocorre segundo dois
componentes morfológicos associados a diferentes fatores ecológicos. Por um lado, a evolução de
parâmetros referentes ao alongamento do corpo e redução de membros ocorreu associada à
aquisição do hábito fossorial, possivelmente ocorre sob influência de fatores biomecânicos
ligados à locomoção em ambientes confinados, hipótese que será testada no Capítulo 2 da
presente dissertação. Por outro lado, a evolução da espessura do corpo em espécies de lagartos
microteiídeos parece associada a características do habitat que podem refletir fatores ecológicos
como temperatura e dieta.
1.2 – INTRODUÇÃO
A evolução de morfologias convergentes é uma das questões mais interessantes em
Biologia Comparada, principalmente por relacionar-se à questão de adaptação ao meio ambiente,
quando são considerados os contextos ecológicos em que as diversas origens de formas
semelhantes ocorreram. Um dos padrões bastante recorrentes na história evolutiva dos tetrápodes
é a evolução da morfologia serpentiforme em Squamata, caracterizada pelo corpo alongado e por
membros locomotores reduzidos (Gans, 1975; Lande, 1978; Greer, 1987, 1990; Greer et al.,
1998; Caldwell, 2003; Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006, Brandley et al., 2008). Tal
morfologia parece ter surgido no mínimo 25 vezes dentro do grupo, inclusive entre espécies do
mesmo gênero, sendo que enquanto o surgimento de novas origens seria favorecido pelo
isolamento geográfico, também seria limitado por interações de competição na comunidade
(Wiens et al., 2006).
Para explicar as repetidas origens da morfologia serpentiforme em Squamata, estudos
sugerem que tais alterações ocorreram associadas a fatores ecológicos (Gans, 1975; Lande, 1978;
Wiens e Slingluff, 2001; Caldwell, 2003; Wiens et al., 2006; Brandley et al., 2008). Segundo
Gans (1975), a redução de membros estaria relacionada com a aquisição de hábitos fossoriais. A
locomoção entre fendas e túneis seria a razão funcional que teria favorecido a diminuição do
diâmetro do corpo, inicialmente representada por alongamento do corpo. Seguindo essa
tendência, a redução ou perda de membros teria ocorrido depois (Gans, 1975; Lande, 1978;
Greer, 1987), sendo, portanto, um resultado secundário ao invés de uma resposta direta a pressões
seletivas primárias, embora exista discordância em torno da hipótese de que a evolução das
alterações morfológicas características da forma serpentiforme ocorra em uma sequência de
eventos (Greer, 1990; Greer et al., 1998; Wiens e Slingluff, 2001).
Testar essas hipóteses, contudo, requer métodos que incorporem informações
filogenéticas, pois táxons que compartilham características fenotípicas devido à herança de um
ancestral comum não podem ser vistos como pontos independentes em análises estatísticas;
segundo essa idéia, espera-se que quanto menor for o tempo de divergência entre duas espécies,
maior será a semelhança entre elas, assumindo o modelo de evolução por movimento Browniano
(Harvey e Purvis, 1991; Diniz-Filho, 2000). Além disso, incorporar informações históricas
permite realizar inferências sobre qual seria a condição ancestral e a condição derivada de
determinada característica fenotípica, bem como qual seria sua taxa de mudança (Felsestein,
1985; Harvey e Purvis, 1991; Garland et al., 1992; Losos e Miles, 1994; Garland et al., 2005).
Estudos recentes considerando as transições filéticas em que a morfologia serpentiforme
evoluiu em Squamata demonstram que o alongamento do corpo parece resultar de dois
mecanismos morfológicos diferentes associados à ocupação de determinados micro-habitats:
espécies que vivem na superfície apresentam maior alongamento da cauda enquanto espécies
fossoriais apresentam maior alongamento do tronco (Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006;
Brandley et al., 2008). A identificação desse padrão em linhagens independentes e as poucas
exceções à dicotomia das duas ecoformas sugerem que essa associação entre ecologia e
morfologia seja adaptativa. Por exemplo, caudas alongadas poderiam implicar em vantagens tanto
no desempenho locomotor de espécies que vivem no folhiço, uma vez que esse padrão também
ocorre em espécies que possuem membros, quanto no caso de tornarem-se os alvos mais
freqüentes de ataque dos predadores, o que implica em danos menos críticos do que aqueles feitos
no tronco (Wiens e Slingluff, 2001).
Lagartos neotropicais da família Gymnophthalmidae apresentam grande diversidade
morfológica, com espécies que possuem morfologia lagartiforme além de espécies em que a
evolução da morfologia serpentiforme ocorreu de forma independente, as quais possuem troncos
alongados e variados graus de redução de membros e alongamento da cauda (Fig. 1).
Adicionalmente, espécies dessa família apresentam grande diversidade ecológica e ampla
distribuição geográfica, ocorrendo em habitats tão diversos quanto a floresta amazônica, a mata
atlântica, o cerrado e a caatinga (Fig. 2), constituindo um excelente modelo para o estudo de
padrões de evolução da ecomorfologia. Sendo assim, o objetivo deste capítulo é testar, por meio
do uso de métodos filogenéticos comparativos, se existe associação entre a evolução da
morfologia serpentiforme e aspectos ecológicos em espécies de Gymnophthalmidae, como a
ocorrência em diferentes habitats ou a ocorrência de diversos hábitos.
1.3 – MATERIAL E MÉTODOS
Dados morfométricos
Medidas de morfometria foram feitas com paquímetro digital Mitutoyo (precisão de 0,01
mm) em 1 a 20 espécimes fixados de 43 espécies de lagartos microteiídeos (Sauria:
Gymnophthalmidae) preservadas no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP).
De acordo com a disponibilidade, procurou-se utilizar indivíduos adultos provenientes da mesma
população. Foram medidos os seguintes parâmetros morfológicos:
- Comprimento rostro-cloacal (medido da ponta do focinho até a cloaca);
- Comprimento do tronco (medido a partir do fim da cabeça até a cloaca);
- Comprimento da cauda (medido da cloaca até a ponta da cauda);
- Comprimento dos membros dianteiro e traseiro, quando presentes (medidos a partir da inserção do membro
no tronco até a ponta do maior dígito, ambos distendidos);
- Número de dígitos dos membros dianteiro e traseiro, quando presentes;
- Altura da cintura pélvica (medida na região imediatamente anterior à inserção dos membros traseiros no
tronco);
- Largura da cintura pélvica (medida na região imediatamente anterior à inserção dos membros traseiros no
tronco);
- Comprimento da cabeça (medido da ponta do focinho até a extremidade posterior da escama parietal);
- Altura da cabeça (medida na região de valor máximo);
- Largura da cabeça (medida na região de valor máximo).
Valores médios de cada espécie foram calculados para cada parâmetro a partir das
medidas individuais. Algumas das variáveis medidas foram usadas no cálculo de dois índices
adicionais: o índice de alongamento do tronco (IAT), dado pela razão entre o comprimento do
tronco e a largura da cintura pélvica, e o índice de alongamento da cauda (IAC), dado pela razão
entre o comprimento da cauda e o comprimento do tronco.
Dados ecológicos
Baseado em dados da literatura, as mesmas 43 espécies para as quais se obteve dados
morfológicos foram classificadas segundo o tipo de hábitat e de hábito, conforme as categorias
abaixo:
Tipo de habitat:
1) Ambiente fechado: espécies que ocorrem nas florestas atlântica e amazônica;
2) Ambiente aberto: espécies que ocorrem em dunas, cerrado, campos de altitude;
3) Generalistas: espécies que ocorrem em ambientes abertos e fechados simultaneamente.
Tipo de hábito:
1) Folhiço: espécies que passam a maior parte do tempo no folhiço;
2) Fossorial: espécies que passam a maior parte do tempo enterradas no substrato;
3) Folhiço e outros: espécies que vivem no folhiço, mas que possuem também outros
hábitos, como semi-arborícola, semi-aquático e mesmo fossorial.
Análises estatísticas
Os parâmetros morfométricos medidos foram transformados em log10 e os dados
transformados foram utilizados em todas as análises subsequentes. A abordagem estatística
convencional desconsidera o efeito da ancestralidade comum sobre a independência dos dados
(Harvey e Pagel, 1991). Portanto, quando consideramos um determinado conjunto de dados
referentes a uma variável biológica, o primeiro passo da análise é avaliar se existe sinal
filogenético, definido como a tendência de organismos filogeneticamente próximos serem
semelhantes entre si em relação à variável em questão (sensu Blomberg et al., 2003). Para
calcular testar se sinal filogenético, foi realizado um procedimento de aleatorização descrito
em Blomberg et al. (2003), permutando-se os valores originalmente mensurados entre os
terminais da árvore (considerando topologia e comprimentos de braços, os quais serão discutidos
mais adiante). Com base nisso, calcula-se o valor de K, parâmetro que indica a quantidade de
sinal filogenético de cada variável, podendo ser usado comparativamente para identificar quais
delas são mais lábeis (Blomberg et al., 2003). No caso de os parâmetros analisados apresentarem
sinal filogenético significativo, a abordagem estatística filogenética é mais adequada (Blomberg
et al., 2003; Lavin et al., 2008). O cálculo do sinal filogenético foi realizado por meio do módulo
PHYSIG_LL.M para o programa Matlab versão 2008a para PC.
Todas as análises com métodos filogenéticos basearam-se na topologia modificada a partir
da sobreposição das hipóteses propostas para espécies de Gymnophthalmidae por Pellegrino et al.
(2001) e por Kohlsdorf e Wagner (2006). A proposta de Pellegrino et al. (2001) abrange 50
espécies de diversos gêneros, das quais apenas três pertencem ao gênero Bachia, animais de
especial interesse para o presente estudo por possuírem morfologia serpentiforme e que, de
acordo com essa hipótese, formam um grupo monofilético (Pellegrino et al., 2001). Optou-se por
adotar a árvore obtida por meio da análise de máxima verossimilhança entre os resultados
apresentados por Pellegrino et al. (2001), devido à sensibilidade que os métodos filogenéticos
comparativos possuem em relação às politomias presentes nas árvores obtidas por meio de outros
métodos (parcimônia e consenso). Em outro trabalho, Kohlsdorf e Wagner (2006) propõem uma
filogenia usando 15 espécies do gênero Bachia, parte das quais foi mensurada e radiografada
durante a coleta de dados da presente dissertação. Portanto, na ausência de uma hipótese
filogenética que abrangesse as 43 espécies utilizadas na presente dissertação, optou-se por
sobrepor a hipótese de Kohlsdorf e Wagner (2006) para as relações entre diversas espécies de
Bachia ao clado equivalente às três espécies do gênero Bachia na hipótese de Pellegrino et al.
(2001). Cabe ressaltar que ambos estudos utilizaram a mesma base de dados moleculares (três
genes mitocondriais: 12S, 16S e ND4; dois genes nucleares: c-mos e 18S rDNA). Além disso,
uma nova hipótese filogenética mais abrangente para a família Gymnophthalmidae está em
andamento (Rodrigues, comunicação pessoal), com base na qual os dados coletados na presente
dissertação poderão ser reanalisados.
Os métodos filogenéticos comparativos requerem comprimentos de braços em unidades
proporcionais à variação esperada de evolução de cada parâmetro analisado (Rezende e Garland,
2003). Na ausência de informações precisas sobre a origem da família Gymnophthalmidae e,
portanto, de estimativas dos comprimentos dos braços em unidades de tempo real, foram usados
dois tipos diferentes de transformações arbitrárias de comprimentos de braços: constante
(todos=1) e Nee (Purvis, 1995). A topologia para Gymnophthalmidae, modificada a partir de
Pellegrino et al. (2001) e Kohlsdorf e Wagner (2006), conforme discutido acima, foi inserida no
módulo PDTREE e, a partir dela, foram criadas as matrizes de variância-covariância entre as
espécies no módulo PDDIST, considerando-se os dois modelos de transformações de
comprimentos de braços (constante e Nee). Ambos módulos (PDTREE e PDDIST) fazem parte
do programa PDAP para MS-DOS. As matrizes de variância-covariância criadas foram utilizadas
tanto no cálculo do sinal filogenético quanto nas regressões filogenéticas.
Após o cálculo do sinal filogenético, os dados morfométricos logaritmizados foram
usados numa análise de componentes principais. Sabendo-se que a forma de um objeto, por
definição, envolve sempre múltiplas variáveis, tal análise objetiva determinar quais são as
variáveis medidas que mais contribuem para a variação na morfologia (Miles, 1994). A análise de
componentes principais foi implementada por meio do programa SPSS versão 11.0 para PC.
Ao fim da análise de componentes principais, os residuais dos componentes morfológicos
referentes a cada uma das espécies foram utilizados em regressões em função das respectivas
categorias ecológicas referentes ao habitat e ao hábito (ver Tab. 5). As regressões foram
implementadas feitas no módulo Regressionv2.M do programa Matlab versão 2008a para PC,
utilizando dois modelos: convencional (que a filogenia como sendo uma politomia, isto é, com
todas as espécies originando-se a partir de um único ancestral) e filogenético (assume
hierárquica). Pode-se julgar se uma análise de regressão convencional ou filogenética é mais
adequada com base no likelihood dos dois modelos (Lavin et al., 2008), sendo que o maior valor
de likelihood indica melhor adequação aos dados. Em outras palavras, o likelihood corresponde à
probabilidade de adequação do modelo à base de dados. Quando os dois modelos de regressão
tem o mesmo número de parâmetros, o seguinte critério é usado para decidir entre eles: se o
dobro da diferença entre os ln likelihoods exceder 2,021 (o valor crítico para uma distribuição de
x
2
com 41 graus de liberdade e α = 0,05), então um modelo pode ser considerado
significativamente melhor que o outro (Felsestein, 2004).
1.3 – RESULTADOS
Dados morfológicos
As Tabelas 1 e 2 apresentam as medidas de morfometria obtidas e os índices de
alongamento do tronco e da cauda calculados para espécies de Gymnophthalmidae. Com exceção
do comprimento da cauda e do índice de alongamento da cauda, todos os outros parâmetros
medidos apresentam sinal filogenético significativo (Tab. 3), independente do uso de diferentes
métodos de atribuição de comprimentos de braços arbitrários à topologia (constante ou Nee), o
que indica que é necessário incorporar informação filogenética para analisá-los.
A Tabela 4 apresenta os dois componentes principais ou fatores retidos na análise fatorial.
O Fator 1 é formado por parâmetros relacionados à espessura do corpo (altura, largura e
comprimento da cabeça, altura e largura da cintura pélvica); o Fator 2 é formado por
parâmetros relacionados ao comprimento do corpo (comprimento rostro-cloacal e tronco) e dos
membros locomotores (dianteiro e traseiro), sendo que esses últimos possuem cargas negativas, o
que significa que tais parâmetros do componente tendem a diminuir enquanto os demais
aumentam. É importante notar que as cargas fatoriais do comprimento da cauda estão
equilibradas entre os Fatores 1 e 2, o que a torna uma variável pouco informativa no contexto
dessa análise (Tab. 4).
Dados ecológicos
A Tabela 5 mostra a classificação das espécies de Gymnophthalmidae estudadas de
acordo com o habitat e hábito. De modo geral, quanto ao habitat, a maioria das espécies
pertencentes ao Clado I ocorre em áreas abertas, como caatinga, cerrado e campos de altitude,
sendo que nesse clado ocorre também a maior parte das espécies generalistas da família. as
espécies pertencentes aos Clados II e III, em sua maioria, ocorrem em ambientes fechados, como
mata atlântica e floresta amazônica.
Se a classificação quanto ao habitat é facilitada pelo registro das localidades de coleta dos
animais, a classificação quanto ao hábito, por sua vez, mostrou-se bem mais complexa, seja pela
dificuldade em encontrar informações na literatura ou pela diversidade de hábitos que pode ser
observada em uma única espécie. Por um lado, para contornar a escassez de registros sobre
hábito, um recurso importante foi contar com comunicações pessoais de especialistas em lagartos
tropicais (Guarino Colli e Miguel T. Rodrigues). Outro recurso foi usar informações gerais para
alguns gêneros encontradas na literatura. Por exemplo, no caso do gênero Bachia, como apontado
por Presch (1975), muitas espécies foram descritas ou renomeadas com base em materiais ou
registros antigos que raramente apresentavam informações sobre história natural, tornando
bastante difícil identificar o hábito particular de cada uma delas. Porém, estudos recentes que
descrevem novas espécies de Bachia relatam a captura de animais (indivíduos de B. pyburni e B.
flavescens) enterrados no solo da floresta, a uma profundidade entre 10 e 20 cm, abaixo de uma
camada de folhiço e outra de raízes (Kizirian e McDiarmid, 1998). Adicionalmente, outros
estudos generalizam o hábito fossorial para todas as espécies do gênero Bachia (Colli et al., 1998;
Rodrigues, 2007) e optou-se por utilizá-los como referência. Da mesma forma, generalizou-se
hábito semi-arbóreo para as espécies do gênero Placosoma (Pellegrino et al., 2001) e hábito semi-
aquático para as espécies do gênero Neusticurus (Doan e Castoe, 2005) para as quais não foram
encontradas referências específicas. Por outro lado, para contemplar a diversidade de hábitos que
pode ser observada eventualmente em uma única espécie, criou-se uma categoria mais abrangente
para classificar as espécies que ocorrem simultaneamente no folhiço e em outros micro-habitats
(‘folhiço e outros’), cuja morfologia pode apresentar características distintas das outras ecoformas
já descritas (Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006; Brandley et al., 2008).
Relação entre morfologia e ecologia
Os resultados das regressões dos fatores retidos na análise de componentes principais em
função dos parâmetros ecológicos são apresentados na Tabela 6. O Fator 1 (‘Espessura’) possui
associação tanto à ocorrência em diferentes habitats quanto ao uso de diferentes hábitos (Tabela
6). A relação entre a espessura e a ocorrência em diferentes habitats (fechados e abertos) é
significante considerando-se tanto a análise convencional quanto a filogenética com
comprimentos de braços arbitrários segundo o método costante (Tabela 6). Quanto ao uso de
diversos hábitos, a relação entre a espessura do animal e sua ocorrência no folhiço é significante
considerando-se a análise filogenética com comprimentos de braços arbitrários que possui o
maior valor de likelihood associado, devendo, portant,o ser o modelo preferido (Tabela 6); além
disso, a relação entre a espessura do animal com hábitos fossoriais é significante considerando-se
somente a análise convencional, mas esse não é o modelo que melhor explica os dados, como
indica o menor valor de likelihood associado a ele (Tabela 6). Finalmente, o Fator 2
(‘Comprimento e membros’) possui associação exclusiva com o hábito (Tabela 6). Embora a
relação entre o comprimento do corpo e dos membros e a ocorrência no folhiço seja significativa
considerando-se a análise convencional, o maior valor de likelihood indica que o modelo que
melhor explica tais dados é o que considera a análise filogenética com comprimentos de braços
arbitrários segundo o método costante (Tabela 6); por fim, a relação entre o comprimento do
corpo e dos membros e o hábito fossorial é significativa considerando-se tanto a análise
convencional quanto a filogenética com comprimentos de braços arbitrários segundo o método
costante, sendo este último o modelo que melhor explica tais dados, como indica o valor de
likelihood (Tabela 6).
As Figuras 4 e 5 indicam como os fatores variam em função dos parâmetros ecológicos.
A Figura 4 indica variação da morfologia em função do habitat. Espécies de ambientes abertos
tendem a ser mais estreitas, podendo apresentar corpo alongado; espécies de ambientes fechados
tendem a possuir corpo mais espesso e morfologia lagartiforme, embora existam representantes
com morfologia serpentiforme; espécies generalistas apresentam morfologia lagartiforme e
espessura semelhante às espécies de ambiente fechado. A Figura 5 indica variação da morfologia
em função do hábito. É possível notar que a espessura do corpo é bastante variável entre espécies
que possuem diferentes hábitos; no entanto, parâmetros relacionados ao comprimento do corpo e
dos membros parecem associados a hábitos específicos: espécies que vivem no folhiço possuem
morfologia lagartiforme enquanto espécies fossoriais possuem morfologia serpentiforme.
1.4 – DISCUSSÃO
Os resultados sugerem que a evolução da morfologia serpentiforme em
Gymnophthalmidae ocorre segundo dois componentes morfológicos que parecem relacionados a
diferentes fatores ecológicos. O primeiro componente morfológico é formado por parâmetros
relacionados ao alongamento do corpo e redução de membros (Tab. 4) e parece associado ao
hábito fossorial (Tab. 6). Por outro lado, o segundo componente morfológico é formado por
parâmetros relacionados à espessura da cabeça e do corpo (Tab. 4) e parece associado à ocupação
de diferentes habitats (Tab. 6). Tais resultados diferem dos padrões gerais de evolução da
morfologia serpentiforme descritos por Wiens et al. (2006) para espécies de Squamata em relação
a três aspectos: 1. a ocorrência de componentes morfológicos tridimensionais; 2. a ausência de
ecoformas epígea versus fossorial em espécies de lagartos microteiídeos com morfologia
serpentiforme; 3. a evolução da morfologia serpentiforme em espécies de lagartos microteiídeos
ocorre associada a características não só do hábito, mas também a características do habitat.
Em sua análise da evolução da morfologia serpentiforme, Wiens et al. (2006) utilizou
parâmetros majoritariamente bidimensionais (comprimento rostro-cloacal, comprimento da
cauda, comprimento da cabeça, número de dígitos e comprimento dos membros dianteiro e
traseiro). Tais parâmetros foram usados numa análise de componentes principais que reteve três
fatores: um deles é formado por parâmetros relacionados aos membros locomotores
(comprimento dos membros e número de dígitos), o segundo é formado pelo comprimento do
corpo e comprimento da cabeça, e o terceiro é formado exclusivamente pelo comprimento da
cauda, o que permitiu identificar as duas ecoformas com comprimentos de cauda diferentes
(epígea versus fossorial). Em contraste, o presente estudo acrescenta na análise parâmetros
morfológicos de largura e altura da cintura pélvica e da cabeça, o quais não foram utilizados por
Wiens et al. (2006) e contemplam aspectos tridimensionais relevantes da morfologia
serpentiforme, uma vez que o diâmetro do corpo pode ser um fator limitante na locomoção em
ambientes confinados.
Considerando o conjunto de dados coletados em espécies de microteiídeos na presente
dissertação, não foi possível identificar as ecoformas características de estudos prévios, ou seja,
espécies epígias, cujo tronco e cauda são alongados, versus espécies fossoriais, cujo tronco é
alongado e a cauda, curta (Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006; Brandley et al., 2008).
Conforme mencionado acima, em tais estudos prévios (Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al.,
2006; Brandley et al., 2008), o comprimento da cauda constituía um dos fatores que explicavam a
variação na morfologia, a partir do era possível identificar as duas ecoformas. Porém, cabe
ressaltar que uma grande proporção dos indivíduos mensurados na coleta de dados da presente
dissertação possuía caudas quebradas ou em processo de regeneração (Tab. 1). Tal fato
provavelmente se deve ao mecanismo de autotomização da cauda, isto é, ao processo de quebra
voluntária da cauda comum em lagartos quando atacados por predadores. Após a autotomização,
inicia-se o lento processo de regeneração da cauda. Diante da dificuldade em obter dados
confiáveis de parâmetros relacionados à cauda, a ausência das ecoformas epígea versus fossorial
em lagartos microteiídeos considerados na presente dissertação é um resultado que deve ser
considerado com cautela.
Finalmente, os resultados indicam que a evolução de parâmetros referentes ao
alongamento do corpo e redução de membros ocorreu associada à aquisição do hábito fossorial,
conforme sugerem resultados prévios (Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006; Brandley et
al., 2008). Tal associação possivelmente ocorre sob influência de fatores biomecânicos ligados à
locomoção em ambientes confinados, hipótese que será testada no Capítulo 2 da presente
dissertação. Adicionalmente, os resultados sugerem que outro componente morfológico
associado à espessura do corpo de espécies de microteiídeos que possuem morfologia
serpentiforme, o qual parece associado a características do habitat. Tal associação possivelmente
ocorre sob influência de fatores ecológicos, como temperatura e dieta. Por exemplo, espécies
estreitas de ambientes abertos tenderiam a aquecer e resfriar mais rapidamente em contraste com
espécies espessas de ambientes fechados, que teriam maior inércia térmica. Por outro lado,
parâmetros relacionados à espessura da cabeça podem refletir diferenças na dieta (Grizante et al.,
no prelo), pois as presas disponíveis podem ser diferentes entre os dois tipos de ambientes (aberto
e fechado). Futuros estudos sobre fisiologia térmica, dieta e morfologia do crânio poderão
contribuir para testar essas hipóteses.
1.5 – BIBLIOGRAFIA
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Figura 1: Diversidade de morfologias do corpo em espécies da família Gymnophthalmidae. A.
Neusticurus bicarinatus; B. Placosoma glabellum; C. Micrablepharus atticolus; D.
Psilophthalmus paeminosus (Delfim et al., 2006); E. Scriptosaura catimbau (Rodrigues e Santos,
2008); F. Bachia oxyrhina (Rodrigues et al., 2008).
A
C
D
E
F
Freitas, Bernardo, PH
Bernardo, PH
Delfim et al., 2006
Rodrigues et al., 2008
Rodrigues e Santos, 2008
Figura 2: Diversidade de biomas brasileiros ocupados por espécies da família
Gymnophthalmidae. A: Floresta amazônica (Manaus, AM); B: Mata atlântica; C: Caatinga
(Ibiraba, BA); D: Cerrado (Pirenópolis, GO).
C
D
ACDARValle
A
B
ACDARValle
Figura 3: Topologia utilizada para a família Gymnophthalmidae, modificada a partir das filogenias propostas
por Pellegrino et al. (2001) e Kohlsdorf e Wagner (2006). GE: grupo externo.
Clado III
Clado II
Clado I GE
Clado Espécie N Localidades CRC Tronco Cauda
% Caudas
Danificadas
ACPélv LCPélv
III
Prionodactylus oshaughnessyi
19
Rio Japurá, rio Madeira, AM; Cacaulândia, RO; Apeú, PA; Porto
Walter, AC
44,27 + 0,60 35,45 + 0,62 65,63 + 6,54 73,68 5,34 + 0,15 4,93 + 0,09
Prionodactylus argulus 2
Colômbia
29,53 + 1,30 22,69 + 1,36 21,65 + 7,74 100,00 2,48 + 0,07 3,22 + 0,13
Cercosaura ocellata 20
Fronteira Brasil-Bolívia, BV8; Rio Madeira, AM; Rio Xingu,
Montecristo, PA; Missão Catrimani, Apiauí, RR; Brasília, DF; Mato
Verde, MT; s/ local, TO
49,62 + 0,91 39,70 + 0,76 117,80 + 5,97 35,00 5,85 + 0,13 5,46 + 0,15
Prionodactylus eigenmani 19
Sta Cruz da Serra, Rio Machado, RO; Aripuanã, Vila Bela de
Santíssima Trindade, MT
40,84 + 0,80 31,65 + 0,72 43,99 + 2,49 52,63 4,33 + 0,11 4,48 + 0,09
Cercosaura quadrilineata 19
São Paulo, Mauá, Guarullhos, Boracéia, Itapecerica, Campo Limpo,
Juquitiba, Mogi das Cruzes, São Bernardo do Campo, SP
36,87 + 0,78 29,76 + 0,68 53,28 + 0,35 89,47 3,62 + 0,13 3,86 + 0,09
Neusticurus juruazensis 2
Pq. Nac. Serra do Divisor, AC
50,16 + 1,65 40,78 + 2,62 77,63 + 2,34 0,00 6,46 + 0,10 5,70 + 0,18
Neusticurus bicarinatus 20
Uruá, Cachimbo, Rio Paru de leste, PA; Serra do Navio, Rio Maracá,
AP; Res. INPA, Manaus, AM; Cláudia, Jurema, Apiacás, MT; UHE
LEMagalhães, TO; Mutum-Paraná, RO, Aldeia Aracu, MA; Guiana
85,68 + 1,92 67,64 + 1,55 138,81 + 5,45 70,00 10,77 + 0,29 11,06 + 0,24
Neusticurus rudis 4
Serra do Navio, AP; AMNH
48,00 + 2,60 36,77 + 2,31 58,53 + 10,94 75,00 5,11 + 0,42 5,33 + 0,37
Placosoma cordylinum 16
Boracéia, SP; Teresópolis, Rezende, Angra dos Reis, RJ
41,56 + 1,58 32,16 + 1,42 34,24 + 5,63 81,25 3,26 + 0,16 4,29 + 0,19
Placosoma glabellum 11
Ubatuba, Juquitiba, Guaraú, Iporanga, Raiz da Serra, SP; Porto
Cachoeira, ES
44,97 + 1,92 35,54 + 1,67 55,23 + 14,10 36,36 4,22 + 0,26 4,87 + 0,29
Bachia dorbignyi 16
Guaporé, Juruena, Aripuanã, MT; Santa Cruz, Bolívia
65,25 + 1,63 60,12 + 1,60 76,59 + 5,36 62,50 2,55 + 0, 07 3,04 + 0,08
Bachia flavescens 1
Fronteira Brasil-Bolívia, BV8
68,98 61,87 32,63 0,00 3,47 3,98
Bachia monodactylus 9
Manaus, AM; Apiacás, MT; Cachoeira do Cujubim, RR
61,32 + 1,26 56,47 + 1,27 72,41 + 5,68 44,44 2,99 + 0,15 3,40 + 0,08
Bachia panoplia 14
Manaus, Igarapé Tarumãzinho, AM
68,89 + 1,91 61,85 + 1,84 125,38 + 9,13 21,43 3,74 + 0,14 5,38 + 0,10
Bachia parkeri 1
Santa Maria do Boiaçú, RR
58,21 53,39 - 0,00 2,78 + 0,80 3,29 + 0,80
Bachia scolecoides 1
Sinop, MT
73,42 66,16 94,51 0,00 3,97 + 0,80 4,02 + 0,80
II Colobosauroides cearensis 1
Mulungu, CE
36,71 30,07 34,79 0,00 2,80 + 0,80 2,99 + 0,80
Anotosaura vanzolinia 20
Cabaceiras, PB
39,67 + 0,62 34,64 + 0,60 34,73 + 2,06 100,00 2,59 + 0,06 2,94 + 0,05
Leposoma guianensis 3
Oriximiná, PA
33,52 + 1,20 28,71 + 0,84 53,95 + 3,19 100,00 3,11 + 0,13 4,11 + 0,10
Leposoma percarinatum 16
Agrop. Treviso, Vai-quem-quer, Rio Tapajós, Rio Xingu, Rio Curuá-
Una, Altamira, PA; Santa Bárbara, RO; Igarapé Serrinha, Ilha de
Maracá, RR; Gavião, AM
32,51 + 0,53 26,64 + 0,42 48,25 + 2,67 37,50 3,74 + 0, 80 3,85 + 0,07
Arthrosaura kockii 7
Loreto, Peru; Vila Rica, MT; Serra do Navio, AP
39,82 + 2,53 31,63 + 2,27 36,10 + 8,21 71,43 4,30 + 0,36 5,42 + 0,39
Arthrosaura reticulata 20
Rio Madeira, AM; Rio Trombetas, Rio Tapajós, Rio Xingu, Rio Curuá-
Una, PA; Cacaulândia, RO; Aripuanã, MT
51,10 + 1,24 41,13 + 1,01 78,21 + 4,07 20,00 5,59 + 0,21 6,21 + 0,16
Tabela 1: Médias (+ erro padrão), em mm, dos parâmetros morfológicos medidos em espécies da família Gymnophthalmidae. CRC: comprimento
rostro-cloacal; ACPélv: altura da cintura pélvica; LCPélv: largura da cintura pélvica. Traço indica dado ausente.
Clado
Espécie N Localidades CRC Tronco Cauda
% Caudas
Danificadas
ACPélv LCPélv
I Micrablepharus maximiliani 20
Paranã, TO; Serra da Mesa, GO
35,35 + 0,41 30,26 + 0,39 65,65 + 0,84 0,00 3,47 + 0,07 4,24 + 0,05
Micrablepharus atticolus 12
Brasília, DF; Serra da Mesa, GO; Pq. Estadual Morro do Diabo, SP
36,34 + 1,05 31,68 + 0,98 57,10 + 1,41 83,33 3,58 + 0,14 4,78 + 0,11
Tretioscincus agilis 11
Oriximiná, PA
38,59 + 1,07 33,01 + 1,03 64,74 + 1,83 27,27 3,87 + 0,13 4,98 + 0,13
Procellosaurinus erythrocercus 6
Queimadas, Mocambo do Vento, BA; Serra da Capivara, PI
27,45 + 0,73 23,01 + 0,75 42,33 + 1,13 50,00 2,22 + 0,06 3,06 + 0,07
Procellosaurinus tetradactylus 4
Alagoado, BA
27,54 + 0,96 23,73 + 0,83 38,93 + 5,14 0,00 2,16 + 0,06 3,12 + 0,15
Vanzosaura rubricauda 20
Vacaria, BA; Mateiros, TO
31,68 + 0,56 27,14 + 0,51 51,65 + 1,41 35,00 2,77 + 0,09 3,63 + 0,10
Notobachia ablephara 9
Queimadas, Alagoado, BA
48,28 + 1,67 44,04 + 1,52 53,18 + 1,46 0,00 2,61 + 0,12 3,05 + 0,12
Calyptommatus leiolepis 20
Alagoado, BA
59,95 + 1,11 54,82 + 1,05 36,12 + 1,37 25,00 3,89 + 0,10 4,27 + 0,10
Calyptommatus nicterus 20
Vacaria, BA
59,51 + 0,87 54,57 + 0,83 39,56 + 1,40 0,00 3,30 + 0,07 3,95 + 0,05
Calyptommatus sinebrachiatus 16
Santo Inácio, BA
56,34 + 0,86 51,61 + 0,81 40,00 + 1,32 0,00 3,25 + 0,10 3,67 + 0,08
Gymnophtalmus leucomystax 15
Fazenda Salvamento, RR
34,30 + 0,99 30,35 + 0,89 62,13 + 1,97 0,00 2,73 + 0,08 3,64 + 0,10
Gymnophtalmus vanzoi 2
Normandia, Boa Vista, RR
35,35 + 2,54 31,36 + 2,39 39,89 + 5,73 53,33 2,25 + 0,04 3,60 + 0,03
Psilophtalmus paeminosus 10
Santo Inácio, Lagoa de Itaparica, BA
28,13 + 1,23 23,42 + 0,87 41,47 + 2,10 100,00 2,07 + 0,13 2,73 + 0,07
Colobosaura modesta 20
Serra da Mesa, GO; Peixe, TO
43,70 + 1,33 36,65 + 1,13 95,28 + 3,56 30,00 3,75 + 0,16 4,84 + 0,17
Colobosaura mentalis 3
Santo Inácio, Morro do Chapéu, BA
53,63 + 4,66 45,82 + 4,26 74,29 + 10,55 15,00 4,10 + 0,42 5,46 + 0,41
Iphisa elegans 7
Juruena, MT; Manaus, Santa Maria, Pq. Nac. da Amazônia, AM; Rio
Maracá, AP
44,26 + 2,40 38,04 + 2,17 74,91 + 5,82 100,00 3,75 + 0,28 4,55 + 0,29
Heterodactylus imbricatus 4
Lambari, Alfenas, Itabira, MG; Pq. Estadual da Cantareira,
Mairiporã, SP; Venda Nova dos Imigrantes, ES
102,11 + 2,96 91,50 + 2,49 229,29 + 15,41 57,14 8,34 + 0,38 8,88 + 0,41
Colobodactylus taunay 7
Cananéia, Juquitiba, Ilha da Queimada Grande, Serra da Cantareira,
Buri, SP; Pinhalão, PR
47,94 + 2,86 41,54 + 2,54 110,06 + 6,86 50,00 3,72 + 0,28 4,73 + 0,22
Colobodactylus dalcyanus 1
Campos do Jordão, SP
38,48 31,90 40,10 85,71 3,18 4,31
Rachisaurus brachileps 4
Capitão Enéias, Serra do Cipó, MG
52,79 + 4,51 45,61 + 4,47 54,18 + 8,68 100,00 2,92 + 0,17 3,73 + 0,30
GE Alopoglossus carinicaudatus 9
AM, PA, RR
54,80 + 1,21 46,49 + 1,06 89,34 + 3,22 100,00 6,64 + 0,27 7,37 + 0,17
Alopoglossus artriventris 17
Loreto, Peru; Cuyabeno, Equador; Rio Japurá, Rio Solimões, AM
43,13 + 0,72 33,91 + 0,62 62,80 + 2,42 22,22 5,22 + 0,10 5,70 + 0,11
Tabela 1 (continuação): Médias (+ erro padrão), em mm, dos parâmetros morfológicos medidos em espécies da família Gymnophthalmidae.
CRC: comprimento rostro-cloacal; ACPélv: altura da cintura pélvica; LCPélv: largura da cintura pélvica. Traço indica dado ausente. GE: grupo
externo.
Clado Espécie N
Comprimento da
cabeça
Altura da cabeça Largura da cabeça Membro dianteiro Membro traseiro
Nº dígitos da
pata dianteira
Nº dígitos da
pata dianteira
IAT IAC
III Prionodactylus oshaughnessyi 19 10,45 + 0,13 4,93 + 0,15 6,19 + 0,15 12,80 + 0,21 17,39 + 0,30 5 5
8,98 1,48
Prionodactylus argulus 2 8,03 + 0,11 3,24 + 0,01 4,48 + 0,04 9,49 + 0,68 12,06 + 0,78 5 5
9,19 0,73
Cercosaura ocellata 20 11,21 + 0,13 5,28 + 0,09 6,68 + 0,12 16,49 + 0,35 22,87 + 0,50 5 5
9,09 2,37
Prionodactylus eigenmani 19 10,50 + 0,14 4,81 + 0,10 6,21 + 0,09 14,15 + 0,18 19,01 + 0,29 5 5
9,12 1,08
Cercosaura quadrilineata 19 8,46 + 0,14 3,94 + 0,11 5,09 + 0,11 10,84 + 0,20 14,30 + 0,26 5 5
9,54 1,44
Neusticurus juruazensis 2 10,56 + 0,33 5,94 + 0,07 7,56 + 0,09 16,25 + 0,25 24,98 + 0,62 5 5
8,81 1,55
Neusticurus bicarinatus 20 19,53 + 0,45 10,46 + 0,45 12,13 + 0,37 26,85 + 0,52 40,37 + 0,78 5 5
7,75 1,62
Neusticurus rudis 4 12,60 + 0,50 6,16 + 0,46 7,81 + 0,36 15,98 + 1,08 26,09 + 1,43 5 5
9,01 1,22
Placosoma cordylinum 16 9,97 + 0,31 3,77 + 0,14 5,62 + 0,20 11,65 + 0,40 16,61 + 0,62 5 5
9,69 0,82
Placosoma glabellum 11 9,99 + 0,27 4,34 + 0,15 5,88 + 0,24 13,22 + 0,45 18,11 + 0,62 5 5
9,23 1,23
Bachia dorbignyi 16 6,50 + 0,09 3,15 + 0,06 4,10 + 0,08 2,39 + 0,04 1,02 + 0,03 1 1
21,48 1,17
Bachia flavescens 1 7,88 4,27 5,38 3,85 4,03 3 3
17,33 0,47
Bachia monodactylus 9 6,58 + 0,14 3,30 + 0,06 3,98 + 0,11 2,67 + 0,12 2,41 + 0,21 1 2
18,06 1,18
Bachia panoplia 14 8,03 + 0,15 4,19 + 0,1 5,35 + 0,11 3,38 + 0,07 4,58 + 0,26 4 4
12,81 1,82
Bachia parkeri 1 6,32 2,68 4,24 1,94 1,83 1 1
17,69 -
Bachia scolecoides 1 7,67 4,05 5,28 3,19 3,99 5 4
18,26 1,29
II Colobosauroides cearensis 1 6,46 3,15 4,29 6,31 9,92 5 5
18,18 1,22
Anotosaura vanzolinia 20 5,82 + 0,07 2,85 + 0,05 3,80 + 0,03 4,13 + 0,09 8,49 + 0,09 5 5
12,28 0,95
Leposoma guianensis 3 6,30 + 0,33 3,20 + 0,27 4,47 + 0,23 8,83 + 0,37 13,67 + 0,17 5 5
13,52 0,88
Leposoma percarinatum 16 6,85 + 0,07 3,43 + 0,07 4,43 + 0,06 9,04 + 0,17 13,33 + 0,18 5 5
8,15 1,61
Arthrosaura kockii 7 9,09 + 0,44 4,61 + 0,30 6,60 + 0,36 13,51 + 0,86 20,46 + 1,33 5 5
8,44 1,48
Arthrosaura reticulata 20 10,46 + 0,23 5,46 + 0,20 7,48 + 0,23 12,95 + 0,35 20,62 + 0,47 5 5
7,34 0,91
Tabela 2: Médias (+ erro padrão), em mm, dos parâmetros morfológicos medidos em espécies da família Gymnophthalmidae. IAT: índice de
alongamento do tronco, dado pela razão entre Comprimento Rostro-Cloacal/Largura da cintura pélvica; IAC: índice de alongamento da cauda,
dado pela razão entre Cauda/Comprimento Rostro-Cloacal. Traço indica dado ausente.
Clado Espécie N
Comprimento da
cabeça
Altura da cabeça Largura da cabeça Membro dianteiro Membro traseiro
Nº dígitos da
pata dianteira
Nº dígitos da
pata traseira
IAT IAC
I
Micrablepharus maximiliani
20
6,57 + 0,07 3,72 + 0,03 4,82 + 0,04 9,55 + 0,11 14,04 + 0,17 4 5 8,34 1,86
Micrablepharus atticolus
12
6,81 + 0,13 3,54 + 0,07 4,93 + 0,06 9,65 + 0,16 14,37 + 0,22 4 5 7,61 1,57
Tretioscincus agilis
11
7,31 + 0,11 3,76 + 0,09 5,35 + 0,10 10,85 + 0,25 16,51 + 0, 27 5 5 7,75 1,68
Procellosaurinus erythrocercus
6
5,21 + 0,14 2,52 + 0,10 3,62 + 0,12 6,27 + 0,19 10,52 + 0,20 4 5 8,96 1,54
Procellosaurinus tetradactylus
4
4,60 + 0,33 2,43 + 0,16 3,47 + 0,19 6,38 + 0,13 11,41 + 0,41 4 5 8,83 1,41
Vanzosaura rubricauda
20
5,89 + 0,10 2,96 + 0,06 3,98 + 0,05 8,54 + 0,16 13,28 + 0,28 4 5 8,73 1,63
Nothobachia ablephara
9
5,31 + 0,19 2,66 + 0,09 3,24 + 0,11 1,61 + 0,11 5,56 + 0,25 1 2 15,82 1,10
Calyptommatus leiolepis
20
6,52 + 0,13 3,52 + 0,05 4,33 + 0,07 0,00 + 0,00 3,88 + 0,06 0 1 14,04 0,60
Calyptommatus nicterus
20
5,97 + 0,07 3,14 + 0,03 4,13 + 0,04 0,00 + 0,00 3,96 + 0,05 0 1 15,05 0,66
Calyptommatus sinebrachiatus
20
5,92 + 0,07 3,09 + 0,04 3,88 + 0,05 0,00 + 0,00 3,35 + 0,06 0 1 15,34 0,71
Scriptosaura catimbau
19
5,82 + 0,23 2,76 + 0,23 3,28 + 0,23 0,00 + 0,00 2,32 + 0,00 0 1 14,47 0,72
Gymnophtalmus leucomystax
15
5,75 + 0,12 2,76 + 0,06 4,05 + 0,07 8,72 + 0,11 11,31 + 0,19 4 5 9,41 1,81
Gymnophtalmus vanzoi
2
6,06 + 0,02 2,92 + 0,27 4,17 + 0,08 7,78 + 0,63 11,49 + 0,08 4 5 9,83 1,13
Psilophtalmus paeminosus
10
4,68 + 0,09 2,31 + 0,11 3,20 + 0,09 4,67 + 0,11 8,81 + 0,21 4 5 10,30 1,47
Colobosaura modesta
20
8,99 + 0,22 4,41 + 0,18 6,04 + 0,24 10,45 + 0,28 17,74 + 0,50 5 5 9,03 2,18
Colobosaura mentalis
3
10,14 + 0,54 4,68 + 0,45 6,57 + 0,48 12,33 + 0,80 20,90 + 1,44 5 5 9,82 1,39
Iphisa elegans
7
8,55 + 0,42 4,27 + 0,18 5,92 + 0,32 10,28 + 0,56 16,53 + 1,71 5 5 9,72 1,69
Heterodactylus imbricatus
4
10,23 + 0,39 8,83 + 0,46 10,89 + 0,63 14,39 + 0,62 26,09 + 0,87 5 5 11,50 2,25
Colobodactylus taunay
7
8,03 + 0,33 4,39 + 0,20 5,95 + 0,29 9,99 + 0,52 17,69 + 1,08 5* 5 10,13 2,30
Colobodactylus dalcyanus
1
7,09 3,90 4,99 8,51 12,89 4 5 8,93 1,04
Rachisaurus brachileps
4
7,78 + 0,52 3,41+ 0,22 4,82 + 0,37 7,70 + 0,31 11,90 + 0,92 4 4 14,17 1,03
GE
Alopoglossus carinicaudatus
9
10,96 + 0,22 6,50 + 0,18 8,38 + 0,15 7,76 + 0,16 19,04 + 0,18
5 5
7,43 1,63
Alopoglossus artriventris
17
9,94 + 0,15 5,30 + 0,12 7,01 + 0,14 13,55 + 0,23 20,72 + 0,34 5 5 7,56 1,46
Tabela 2 (continuação): Médias (+ erro padrão), em mm, dos parâmetros morfológicos medidos em espécies da família Gymnophthalmidae. IAT: índice de
alongamento do tronco, dado pela razão entre Comprimento Rostro-Cloacal/Largura da cintura pélvica; IAC: índice de alongamento da cauda, dado pela
razão entre Cauda/Comprimento Rostro-Cloacal. GE: grupo externo. *: Radiografias do membro dianteiro de Colobodactylus taunay indicam ausência de
falanges no dígito I, havendo somente o metacarpo presente.
Constante
Nee
Parâmetro K
Sinal
filogenético
K
Sinal
filogenético
Comprimento rostro-cloacal 0,516
0,000
0,732
0,001
Tronco 0,503
0,001
0,734
0,000
Cauda 0,309 0,236 0,440 0,264
Comprimento da Cabeça 0,955
0,000
1,171
0,000
Altura da Cabeça 0,676
0,001
0,821
0,001
Largura da Cabeça 0,709
0,000
0,836
0,000
Altura da Cintura Pélvica 0,528
0,005
0,636
0,005
Largura da Cintura Pélvica 0,478
0,022
0,581
0,010
Membro Dianteiro 1,153
0,000
1,467
0,000
Membro Traseiro 0,861
0,000
1,377
0,000
Índice de Alongamento do Tronco 0,762
0,000
1,112
0,000
Índice de Alongamento da Cauda 0,321 0,087 0,464 0,159
Tabela 3: Sinal filogenético dos parâmetros morfológicos medidos e dos índices calculados em espécies da
família Gymnophthalmidae, calculado com base na topologia apresentada na Fig. X, com alterações nos
comprimentos de braços segundo dois métodos: constante e Nee. Valores significativos em negrito.
Parâmetros morfológicos
FATOR 1:
“Espessura”
FATOR 2:
“Comprimento e membros”
Comprimento rostro-cloacal
0,095
0,302
Tronco
0,079
0,331
Cauda
0,112
0,104
Comprimento da Cabeça
0,141
-0,054
Altura da Cabeça
0,152
0,001
Largura da Cabeça
0,151
-0,039
Altura da Cintura Pélvica
0,148
0,012
Largura da Cintura Pélvica
0,148
-0,010
Membro Dianteiro 0,090
-0,295
Membro Traseiro 0,091
-0,299
Tabela 4: Fatores retidos na análise de componentes principais, feita com os parâmetros morfológicos medidos nas espécies de
Gymnophthalmidae. As maiores cargas fatoriais de cada parâmetro morfológico estão indicadas em negrito.
Clado
Espécie Habitat H1 Referência (Habitat) Hábito H2 Referência (Hábito)
III Prionodactylus oshaughnessyi Floresta amazônica 1 Vitt et al., 1998a; Vitt e Zani, 2007 Folhiço
1
Vitt et al., 1998a; Vitt e Zani, 2007
Prionodactylus argulus Floresta amazônica 1 Vitt et al., 2003 Folhiço e semi-arbóreo
3
Vitt et al., 2003
Cercosaura ocellata
Cerrado, floresta amazônica e
mata atlântica
3
Pellegrino et al., 2001; Colli et al.,
2002
Folhiço
1
Colli et al., 2002
Prionodactylus eigenmani Floresta amazônica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço
1
Vitt et al., 1998a
Cercosaura quadrilineata
Áreas abertas ao sul do rio
Amazonas
2 Pellegrino et al., 2001 Folhiço
1
Rodrigues, comunicação pessoal
Neusticurus juruazensis Floresta amazônica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço
1
Vitt et al., 1998b; Vitt e Ávila-Pires, 1998
Neusticurus bicarinatus Floresta amazônica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço e semi-aquático*
3
Doan e Castoe, 2005
Neusticurus rudis Floresta amazônica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço e semi-aquático*
3
Doan e Castoe, 2005
Placosoma cordylinum Mata atlântica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço e semi-arbóreo*
3
Pellegrino et al., 2001
Placosoma glabellum Mata atlântica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço e semi-arbóreo*
3
Pellegrino et al., 2001
Bachia dorbignyi
Enclaves de cerrado na floresta
amazônica
2 Gainsbury e Colli, 2003 Fossorial*
2
Colli et al., 1998; Rodrigues et al., 2008
Bachia flavescens Floresta amazônica 1 Dixon, 1973 Fossorial*
2
Colli et al., 1998; Rodrigues et al., 2008
Bachia monodactylus Floresta amazônica 1 Dixon, 1973 Fossorial*
2
Colli et al., 1998; Rodrigues et al., 2008
Bachia panoplia Floresta amazônica 1 Dixon, 1973 Fossorial*
2
Colli et al., 1998; Rodrigues et al., 2008
Bachia scolecoides Floresta amazônica 1 Dixon, 1973 Fossorial*
2
Colli et al., 1998; Rodrigues et al., 2008
II Colobosauroides cearensis Caatinga 2 Pellegrino et al., 2001 Folhiço
1
Rodrigues, comunicação pessoal
Anotosaura vanzolinia Caatinga 2 Pellegrino et al., 2001 Folhiço e fossorial
3
Rodrigues, comunicação pessoal
Leposoma guianensis Floresta amazônica 1 Rodrigues e Ávila-Pires, 2005 Folhiço
1
Rodrigues e Avila-Pires, 2005
Leposoma percarinatum Floresta amazônica 1 Rodrigues e Ávila-Pires, 2005 Folhiço
1
Rodrigues e Avila-Pires, 2005
Arthrosaura kockii Floresta amazônica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço
1
Rodrigues, comunicação pessoal
Arthrosaura reticulata Floresta amazônica 1 MacCulloch e Lathrop, 2001 Folhiço
1
Vitt e Zani, 2007
Tabela 5: Classificação das espécies da família Gymnophthalmidae quanto ao hábitat (código H1: 1. espécie de ambiente fechado; 2. espécie de ambiente aberto; 3.
espécie generalista) e hábito (código H2: 1. folhiço; 2. fossorial; 3. folhiço + outros). *: informação referente ao gênero.
Clado
Espécie Habitat H1
Referência (Habitat) Hábito H2 Referência (Hábito)
I Micrablepharus maximiliani Cerrado, caatinga e floresta 3 Rodrigues, 1996; Colli et al., 2002 Folhiço 1 Rodrigues, 2003; Colli et al., 2002
Micrablepharus atticolus
Enclaves de cerrado na floresta
amazônica
2
Rodrigues, 1995; Colli et al., 2002;
Gainsbury e Colli, 2003
Folhiço 1 Colli et al., 2002
Tretioscincus agilis Floresta amazônica 1 Rodrigues, 1995 Folhiço 1 Rodrigues, 1995
Procellosaurinus erythrocercus Caatinga 2 Rodrigues, 1995 Folhiço 1 Rodrigues, 2002; Rocha e Rodrigues, 2005
Procellosaurinus tetradactylus Caatinga 2 Rodrigues, 1995 Fossorial 2 Rodrigues, 2003
Vanzosaura rubricauda Cerrado, caatinga e floresta 3 Rodrigues, 1995; Rodrigues, 2003 Folhiço 1
Vitt et al., 1995; Rodrigues, 2003;
Mesquita et al., 2006
Nothobachia ablephara Caatinga 2 Rodrigues, 1984; Rodrigues, 1995 Fossorial 2 Rodrigues, 1984; Rodrigues, 2003
Calyptommatus leiolepis Caatinga 2 Rodrigues, 1991; Rodrigues, 1995 Fossorial 2 Rodrigues, 1991; Rodrigues, 2003
Calyptommatus nicterus Caatinga 2 Rodrigues, 1991; Rodrigues, 1995 Fossorial 2 Rodrigues, 1991; Rodrigues, 2003
Calyptommatus sinebrachiatus Caatinga 2 Rodrigues, 1991; Rodrigues, 1995 Fossorial 2 Rodrigues, 1991; Rodrigues, 2003
Gymnophtalmus leucomystax Floresta amazônica 2 Rodrigues, 1995 Folhiço 1 Colli, comunicação pessoal
Gymnophtalmus vanzoi Floresta amazônica 2 Rodrigues, 1995 Folhiço 1 Colli, comunicação pessoal
Psilophtalmus paeminosus Caatinga 2 Rodrigues, 1991; Rodrigues, 1995 Fossorial 2 Rodrigues, 2002
Colobosaura modesta Cerrado, caatinga e floresta 3 Pellegrino et al., 2001; Colli et al., 2002 Folhiço 1
Colli et al. 2002; Mesquita et al., 2006;
Vitt et al., 2007
Colobosaura mentalis Cerrado, caatinga e floresta 3 Pellegrino et al., 2001; Rodrigues, 2003 Fossorial 2 Rodrigues, 2003
Iphisa elegans Floresta amazônica 1 Rodrigues, 1995 Folhiço 1 Rodrigues, 1995; Vitt e Zani, 2007
Heterodactylus imbricatus Cerrado, mata atlântica 3 Vanzolini e Ramos, 1977 Folhiço 1 Dixo e Verdade, 2006; Vanzolini e Ramos, 1977
Colobodactylus taunay Mata atlântica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço 1 Dixo e Verdade, 2006
Colobodactylus dalcyanus Campos de altitude 2 Rocha et al., 2004 Folhiço e fossorial? 3 Rodrigues, comunicação pessoal
Rachisaurus brachileps Campos de altitude 2 Pellegrino et al., 2001 Fossorial 2 Vanzolini e Ramos, 1977
GE Alopoglossus carinicaudatus Floresta amazônica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço 1 Colli, comunicação pessoal
Alopoglossus artriventris Floresta amazônica 1 Pellegrino et al., 2001 Folhiço 1 Vitt, 2007
Tabela 5 (continuação): Classificação das espécies da família Gymnophthalmidae quanto ao hábitat (código H1: 1. espécie de ambiente fechado; 2. espécie
de ambiente aberto; 3. espécie generalista) e hábito (código H2: 1. folhiço; 2. fossorial; 3. folhiço + outros). GE: grupo externo.
Fator 1:
“Espessura”
Fator 2:
“Comprimento e membros”
HABITAT Método
t F Likelihood t F Likelihood
Ambiente fechado Convencional
3,87**
0,15 -53,82 0,30 0,09 -60,46
Filog. CTE
2,37*
5,63 -54,46
0,36 0,13
-40,17
Filog. NEE 1,80 3,25 -54,90 0,33 0,11 -43,10
Ambiente aberto Convencional
4,81**
2,31
-50,90
0,48
0,23
-60,39
Filog. CTE
2,30*
5,30 -54,61 0,10 0,01 -40,23
Filog. NEE 2,12 4,49 -54,30 0,17 0,03 -43,14
Generalista Convencional 0,31 0,10 -60,46 1,01 1,03 -59,97
Filog. CTE 0,47 0,22 -57,11 0,30 0,09 -40,19
Filog. NEE 0,03 0,00
-56,54
0,48 0,23 -42,56
HÁBITO
Folhiço Convencional 1,20 1,43 -59,77
3,43**
11,78 -55,08
Filog. CTE
2,27*
5,16
-54,67
1,01 1,03
-39,70
Filog. NEE 1,74 3,01 -55,01 1,15 1,32 -42,47
Fossorial Convencional
2,36*
5,59 -57,76
6,83**
46,68 -44,17
Filog. CTE 1,51 2,29 -56,05
2,21*
4,89
-37,81
Filog. NEE 0,85 0,73 -56,16 2,64 6,97 -39,78
Folhiço e outros Convencional 1,12 1,26 -59,86 1,68 2,83 -59,07
Filog. CTE 1.48 2.18 -56.11
0,93 0,86
-39,79
Filog. NEE 1,47 2,17
-55,43
1,00 1,01 -42,64
Tabela 5: Resultados das regressões dos scores dos dois fatores retidos na análise de componente
principal dos parâmetros morfológicos em função das categorias ecológicas de habitat e hábito.
Valores significativamente diferentes indicados em negrito, onde: * (α = 0,05) e ** (α = 0,01).
Figura 4: Gráfico relacionando os fatores retidos na análise de componentes principais. As espécies
estão marcadas de acordo com o hábitat, segundo a legenda: ( ) fechado, ( ) aberto, ( ) generalista.
Figura 5: Gráfico relacionando os fatores retidos na análise de componentes principais. As espécies
estão marcadas de acordo o hábito, segundo a legenda: ( ) folhiço, ( ) fossorial, ( ) folhiço e outros.
Fator 2 (“Comprimento e membros”)
Fator 1 (“Espessura”)
-1,0
0,0
1,0
2,0
-1,0
0,0
1,0
2,0
3,0
-1,0
0,0
1,0
2,0
-1,0
0,0
1,0
2,0
Fator 2 (“Comprimento e membros”)
Fator 1 (“Espessura”)
APÊNDICE:
EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA SERPENTIFORME EM GYMNOPHTHALMIDAE - UMA
DISCUSSÃO ACERCA DE POSSÍVEIS MECANISMOS DE DESENVOLVIMENTO ASSOCIADOS
À ORIGEM DE FORMAS ALONGADAS
A.1 – INTRODUÇÃO
O surgimento de formas alongadas tem sido bastante estudado em Tetrapoda sob o enfoque
de reconhecimento de padrões evolutivos, embora os processos que deram origem aos padrões
identificados permaneçam praticamente obscuros na maioria dos grupos taxonômicos investigados.
Por exemplo, estudos em Squamata indicam diversas origens independentes da morfologia
serpentiforme (no mínimo 25, segundo Wiens et al., 2006), mas não consenso sobre o modo
como a perda de membros e o alongamento do corpo teriam ocorrido ao longo da evolução do grupo.
Uma hipótese recente baseada em evidências da biologia do desenvolvimento sugere que tais
mudanças morfológicas em Squamata seriam repentinas e simultâneas (Cohn e Tickle, 1999): em
embriões de serpentes ocorre uma expansão dos limites anteriores de expressão (em comparação
com embriões de galinha) dos genes Hoxc8 e Hoxc6, que são associados à transição entre as regiões
torácica e cervical no tronco, bem como à determinação da região de inserção dos membros
anteriores. Essa expansão dos domínios de expressão de genes Hox poderia desencadear, ao mesmo
tempo, a perda completa de membros anteriores e um aumento do número de vértebras com padrão
torácico (Cohn e Tickle, 1999). Entretanto, tal mudança no padrão de expressão de genes Hox em
serpentes poderia explicar mudanças homeóticas, ou seja, relacionadas ao aumento no número de
vértebras especificamente da região torácica, mas não explicaria mudanças merísticas, isto é,
referentes a um aumento no número total de vértebras do corpo (Sanger e Gibson-Brown, 2004).
Em contraste com a hipótese descrita acima, uma hipótese (que seria mais aceita atualmente)
sugere que a evolução da morfologia serpentiforme seria gradual e sequenciada (Gans, 1975; Lande,
1978; Greer, 1987; Greer, 1990; Wiens e Slingluff, 2001; Caldwell, 2003). Segundo essa hipótese, a
locomoção em ambientes confinados, como fendas e buracos no solo, seria a razão funcional que
teria favorecido a diminuição do diâmetro do corpo por meio de dois processos: inicialmente por
alongamento corpóreo (Gans, 1975), e secundariamente por meio da redução ou perda de membros,
que ocorreria de forma centrípeta, iniciando-se pela perda de elementos distais, como falanges, em
direção aos elementos proximais, como articulações adjacentes ao tronco (Gans, 1975; Lande, 1978;
Greer, 1987; Greer, 1990; Wiens e Slingluff, 2001; Caldwell, 2003).
Evidências que sustentam a hipótese de surgimento gradual da morfologia serpentiforme
provêm tanto da recorrência desse padrão em diferentes grupos no registro fóssil (Caldwell, 2003)
quanto de estudos sobre as bases de desenvolvimento subjacentes à formação do eixo do corpo e dos
membros locomotores, que parecem envolver diferentes vias de desenvolvimento (Sanger e Gibson-
Brown, 2004). O alongamento do corpo, por um lado, pode ser reflexo tanto de um aumento do
número de vértebras quanto do aumento de seu tamanho (Gomez e Pourquié, 2009; Ward e Brainerd,
2009), sendo que ambos parâmetros são determinados durante a somitogênese (processo de formação
dos somitos precursores de vértebras no embrião; Gomez e Pourquié, 2009). Por outro lado, a perda
gradual e centrípeta de elementos ósseos nos membros locomotores parece associada a mudanças na
regulação da expressão de moléculas sinalizadoras nos brotos de membros do embrião (Shapiro et
al., 2003).
Diante das duas hipóteses divergentes acerca dos possíveis processos de desenvolvimento
subjacentes à evolução da morfologia serpentiforme em Squamata, este apêndice inclui dados
quantitativos de elementos ósseos do tronco e dos membros de espécies da família
Gymnophthalmidae e busca evidências sobre os possíveis mecanismos pelos quais o alongamento do
tronco e a perda de membros ocorreram no grupo.
A.2 – MATERIAL E MÉTODOS
A análise de morfologia interna foi realizada a partir de radiografias de indivíduos
pertencentes a 41 das 43 espécies da família Gymnophthalmidae para as quais foram obtidos os
dados morfométricos apresentados anteriormente (Capítulo 1 da presente dissertação). As duas
espécies que não foram incluídas, Bachia scolecoides e Anotosaura vanzolinia, não estavam
disponíveis na coleção do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP) no momento
em que as radiografias foram realizadas e, portanto, foram excluídas da análise.
Foram radiografados de 1 a 5 indivíduos por espécie, escolhidos segundo os mesmos critérios
citados no Capítulo 1 da presente dissertação (preferência por machos adultos da mesma
população; exemplos das radiografias são apresentados nas Figuras 1 e 2). As radiografias das
espécies do Clado I foram obtidas por meio do equipamento de raio-x digital Faxitron X-Ray
(modelo MX-20) do Laboratório de Ictiologia do MZUSP, usando intensidade de radiação de 26
kVolts e tempo de exposição de 3 segundos. Quando necessário, foram realizadas imagens em
detalhe dos membros dianteiro e traseiro (Figs. 3 e 4). As radiografias das espécies dos Clados II e
III foram obtidas por meio do equipamento de raio-x Faxitron X-Ray (modelo MX-20) do
Laboratório de Produção Vegetal da ESALQ-USP, usando filmes radiográficos Kodak MIN R-EV
(18 x 24 cm) em intensidade de radiação de 26 kVolts e tempo de exposição de 40 segundos. Nesse
equipamento não foi possível obter imagens dos membros locomotores em detalhe com boa
resolução e, portanto, as fórmulas falangeais de Bachia foram obtidas a partir da literatura (Presch,
1975; Kizirian e McDiarmid, 1998; Kohlsdorf e Wagner, 2006). Os filmes radiográficos foram
posteriormente digitalizados com uso do scanner de transmissão do Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto (HCRP). A partir desse material, os seguintes parâmetros foram inferidos:
- Fórmula vertebral (número de vértebras do tronco e da cauda);
- Fórmula falangeal (número de falanges de cada um dos 5 dígitos: I, II, III, IV e V);
- Presença de vestígios de membros e elementos das cinturas escapular e pélvica nas espécies
ápodes.
Valores médios de cada espécie foram calculados para cada variável a partir das radiografias
individuais. Os dados de fórmula vertebral foram analisados por meio de uma análise de variância
(ANOVA) implementada no programa SPSS (versão 11.0) para PC, usando como fatores as
categorias de bito apresentadas na Tab. 5 do Capítulo 1 da presente dissertação. O número de
dígitos observado (Tab. 2 do Capítulo 1 da presente dissertação) foi utilizado para elaborar uma
reconstrução de estado ancestral, baseada em parcimônia, por meio do programa Mesquite
(www.mesquite.org). A reconstrução utilizou a topologia modificada a partir das filogenias
propostas por Pellegrino et al. (2001) e Kohlsdorf e Wagner (2006) (Figura 3 do Capítulo 1 da
presente dissertação); o resultado obtido foi comparado com as fórmulas falangeais da mão e do
inferidas a partir das radiografias.
A.3 – RESULTADOS
Os dados de fómula vertebral e fómula falangeal para espécies de Gymnophthalmidae são
apresentados na Tabela 1. O número de vértebras da cauda não difere significativamente entre as
espécies que possuem hábitos distintos (i.e. ‘aberto’ e ‘fechado’; F=0,667; p=0,520). No entanto, as
espécies fossoriais possuem maior quantidade de vértebras do tronco em comparação com as demais
espécies de Gymnophthalmidae (F=25,908; p=0,000), resultando em um maior número total de
vértebras associado às linhagens que evoluíram nos ambientes confinados subterrâneos (F=4,596;
p=0,016). As Figuras 5 e 6 ilustram a variação do número de vértebras do tronco em função do
índice de alongamento do tronco, apresentado anteriormente na Tabela 2 do Capítulo 1 da presente
dissertação. Na Figura 5, é possível notar que existe uma tendência ao alongamento do tronco,
associada ao aumento no número de vértebras do tronco em espécies fossoriais. Da mesma forma,
nota-se na Figura 6 que as espécies que possuem maior alongamento do tronco e maior número de
vértebras também são as que apresentam redução ou perda de membros locomotores, sugerindo forte
associação entre ambas alterações morfológicas, conforme discutido no Capítulo 1 da presente
dissertação.
As reconstruções ancestrais do número de dígitos baseadas em parcimônia (Fig. 7 e 8)
sugerem que a perda evolutiva de dígitos em Gymnophthalmidae ocorreu independentemente, e
segundo padrões distintos, em dois clados. Em espécies do Clado III, o número de dígitos e a
fórmula falangeal parecem apresentar grande plasticidade evolutiva, variando de 1 a 5 dígitos na pata
dianteira (Fig. 7) e de 1 a 4 dígitos na pata traseira (Fig. 8). Por outro lado, em espécies do Clado I, é
possível notar uma tendência à redução dos membros anteriores (Fig. 7), sendo especialmente
frequente a redução ou perda do dígito I na pata dianteira (Fig. 3). Em relação ao número de dígitos
na pata traseira, a maioria das espécies do Clado I não apresenta variação em relação à condição
ancestral de 5 dígitos (Fig. 8), exceção feita às espécies Nothobachia ablephara., Calyptommatus sp.
e Rachisaurus brachilepis, sendo essa última a única espécie do Clado I a possuir 4 dígitos na pata
traseira. Essa espécie em particular caracteriza uma morfologia bastante interessante por apresentar
perda do dígito V na pata traseira e ausência do dígito I na pata dianteira (Fig. 4), sugerindo que a
redução digital nessa espécie de Gymnophthalmidae pode ter ocorrido por mecanismos distintos nas
patas dianteira e traseira. Finalmente, nestas reconstruções ancestrais de número de dígitos (Fig. 7 e
8) é possível identificar espécies derivadas tanto no Clado I quanto no Clado III que possuem maior
número de dígitos em relação a espécies mais basais, sugerindo que pode ter ocorrido uma reversão
da perda de dígitos nessas espécies durante a evolução da linhagem.
A.4 – DISCUSSÃO
O alongamento do tronco característico das espécies serpentiformes fossoriais de
Gymnophthalmidae (Figs. 7 e 8) parece ser um reflexo do aumento no número de vértebras dessa
região corporal, um padrão similar ao observado em espécies de lagarto do gênero Chalcides (Greer
et al., 1998) e do gênero Lerista (Greer, 1987), ambas pertencentes à família Scincidae, bem como
em várias espécies de lagartos scincídeos de Madagascar (Schmitz, 2004). Em contraste, a
interpretação da ausência de diferenças significativas no número de vértebras da cauda entre espécies
de microteiídeos com diferentes hábitos deve considerar as dificuldades de obtenção de dados
confiáveis para parâmetros da cauda, uma vez que muitos dos espécimes radiografados apresentavam
caudas quebradas ou em regeneração (Tab. 1). É possível que diferenças no tamanho da cauda
características das ecoformas epígea e fossorial teriam sido identificadas se os dados fossem
coletados apenas a partir de espécimes com caudas intactas (os quais não estavam disponíveis para
algumas espécies no MZUSP), corroborando as evidencias de estudos prévios com diversas espécies
de Squamata que sugeriram a existência de morfologias alongadas distintas segundo o hábito
ecológico (Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006, Brandley et al., 2008). Sendo assim, os
dados apresentados na presente dissertação são insuficientes para identificar se realmente
alongamento da cauda nas espécies de Gymnophthalmidae que vivem no folhiço, bem como para
verificar se esse alongamento seria reflexo do aumento do número de vértebras nessa região, como
ocorre na região do tronco.
Nesse ponto é importante ressaltar a inexistência de estudos amplos investigando qual seria o
principal modo pelo qual ocorre o alongamento do corpo nas ecoformas serpentiformes dentro de
Squamata. A exceção é um estudo realizado com espécies de serpentes, cujos resultados sugerem
que o alongamento da cauda e do tronco observado é dado por um aumento do número de vértebras
de forma dissociada entre as duas regiões (Polly et al., 2001). Segundo os autores, embora mudanças
no número de vértebras em serpentes ocorram de forma equilibrada nas regiões do tronco e da cauda,
a cauda parece ser uma região mais lábil, havendo inclusive diferenças entre ecoformas: espécies
arborícolas possuem cauda mais longa e com mais vértebras, espécies fossoriais possuem caudas
mais curtas e com menor número de vértebras, e em espécies terrestres tais parâmetros apresentam
valores intermediários (Polly et al., 2001). Por outro lado, enquanto mudanças no número total de
vértebras de uma espécie estariam associadas ao controle da somitogênese, o alongamento
dissociado de cada região do eixo corporal (tronco e cauda) parece estar associado à expressão de
genes Hox responsáveis pela regionalização do eixo do corpo (Gomez e Pourquié, 2009). São raros
os estudos que buscaram investigar as bases de desenvolvimento associadas à formação da cauda e
do tronco em espécies de Squamata (Woltering et al., 2009), de forma que futuras investigações
caracterizando o padrão de expressão de genes Hox associados à formação das diferentes regiões do
eixo do corpo podem contribuir significativamente para a elucidação do surgimento de diferentes
ecoformas em espécies serpentiformes de Squamata.
O aumento no número de vértebras do tronco na família Gymnophthalmidae parece
frequentemente associado a uma redução ou perda de membros locomotores (Fig. 6), conforme
discutido no Capítulo 1 da presente dissertação. Esse padrão de alterações morfológicas está de
acordo com resultados obtidos em estudos de evolução da morfologia serpentiforme em Squamata
(Wiens e Slingluff, 2001; Wiens et al., 2006, Brandley et al., 2008). Segundo a hipótese proposta por
Gans em 1975 (e detalhada na introdução desse apêndice), as alterações no eixo corporal
antecederiam as alterações nos membros locomotores. Estudos com outras espécies de lagartos
serpentiformes, no entanto, mostram que outros padrões são possíveis: em espécies do gênero
Lerista, alterações morfológicas no número de vértebras e no número de elementos ósseos dos
membros locomotores parecem ocorrer concomitantemente nas diferentes espécies (Greer, 1987),
ocorrendo o mesmo em espécies da família Anguidae (Wiens e Slingluff, 2001); em espécies do
gênero Chalcides, o número de falanges permanece constante em espécies em que aumento no
número de vértebras (Greer et al., 1998), o que corroboraria a hipótese de Gans (1975). Nas espécies
serpentiformes de Gymnophthalmidae que foram analisadas, é possível notar uma tendência ao
aumento progressivo no número de vértebras nas espécies mais derivadas (especificamente
Nothobachia ablephara e Calyptommatus sp. no Clado I; Bachia sp. no Clado III; ver Tab. 1) em
comparação com espécies mais basais na família. No entanto, a perda de elementos nos membros
locomotores nessas espécies não ocorre de maneira progressiva, especialmente no gênero Bachia
(Clado III), sugerindo que este caráter apresenta bastante plasticidade evolutiva dentro do grupo
(Kohlsdorf e Wagner, 2006). Em conjunto, esses resultados sugerem que a associação entre
alterações na fórmula vertebral e na fórmula falangeal em espécies da família Gymnophthalmidae
constitui um padrão diferente daqueles identificados em estudos com outros grupos de lagartos
serpentiformes (Greer, 1987; Greer et al., 1998). Uma contribuição significativa para tal discussão
consiste em refazer a análise desses parâmetros com espécies adicionais pertencentes aos dois clados
de Gymnophthalmidae em que houve evolução da morfologia serpentiforme, algumas das quais
foram descritas apenas recentemente (por exemplo: no Clado I, Scriptosaura catimbau, Rodrigues e
Santos, 2008; no Clado III, Bachia micromela e Bachia psammophila, Rodrigues et al., 2007; Bachia
oxyrhina, Rodrigues et al., 2008), além de formalmente incorporar os possíveis efeitos da
ancestralidade comum nas análises estatísticas desses dados (Felsestein, 1985).
Uma análise da ‘direção’ do processo de redução de membros nas espécies de
Gymnophthalmidae consideradas no presente estudo, assumindo a condição ancestral da fórmula
falangeal de Lepidosauria como 2-3-4-5-3 no membro dianteiro e 2-3-4-5-4 no membro traseiro
(Kizirian e McDiarmid, 1998), poderia sugerir que a perda de elementos ósseos na família inicia-se
por estruturas mais distais, ou seja, pelas falanges, e continua em direção aos mais internos, ou seja,
os metacarpos (Tab. 1). Além disso, esses processos de redução tenderiam a ocorrer primeiro nos
dígitos mais externos, como os dígitos I e V, seguindo em direção aos dígitos centrais (Tab. 1). Tais
resultados corroboram a hipótese de que a redução dos membros ocorreria de forma gradual e
centrípeta (Gans, 1975; Lande, 1978; Wiens e Slingluff, 2001; Caldwell, 2003), embora existam
indícios de que poderia ter ocorrido reversão da perda de alguns elementos dos membros, como
falanges ou dígitos, em uma linhagem específica da família (o gênero Bachia, ver Kohlsdorf e
Wagner, 2006).
Alguns estudos realizados com outras espécies de lagartos que também apresentam diferentes
graus de redução de membros sugerem possíveis vias de desenvolvimento subjacentes a esse padrão.
Em espécies de lagartos do gênero Hemiergis, observa-se uma correlação entre o número de dígitos
do adulto e a duração da expressão de Sonic Hedgehog (SHH), que é uma molécula associada aos
processos de determinação da identidade dos gitos e de proliferação do mesênquima dos membros
(Shapiro et al., 2003). Segundo o modelo proposto por Shapiro et al. (2003), espécies que possuem
cinco dígitos apresentam a expressão de SHH em veis altos tanto na fase de determinação da
identidade digital quanto na fase de proliferação do mesênquima. Por outro lado, quando a expressão
de SHH é alta na fase de determinação da identidade digital, mas diminui durante a fase de
proliferação do mesênquima, ocorrem falhas na formação dos dígitos mais externos, como os dígitos
I e V, embora os demais dígitos formados mantenham sua identidade (Shapiro et al., 2003). Tal
padrão de desenvolvimento observado em Hemiergis possivelmente também ocorre em espécies do
gênero Lerista (Shapiro, 2002), pois em espécies de ambos os gêneros ocorre perda dos dígitos mais
externos (I e V) enquanto os dígitos mais internos (II, III, IV) são completamente formados.
Em contraste, nas espécies serpentiformes de microteiídeos estudadas em que ocorre perda
dos dígitos mais externos (por exemplo, Bachia sp., Nothobachia sp. e Calyptommatus sp.), os
demais dígitos raramente mantêm sua identidade, e também apresentam redução no número de
falanges (Tab. 1). Em particular, a morfologia dos adultos das espécies de Bachia é semelhante à de
estágios intermediários do desenvolvimento de outros lagartos, o que poderia representar o efeito de
um truncamento dos estágios de condensação dos elementos ósseos das patas dianteira e traseira, a
qual se iniciaria na região proximal em direção à distal (Shapiro, 2002). Esse truncamento pode ser
causado pela expressão de SHH abaixo de um nível mínimo tanto na fase de identidade digital
quanto na fase de proliferação do mesênquima, pois de acordo com o modelo proposto por Shapiro
et al. (2003), quando isso ocorre, a redução na formação dos dígitos é ainda mais drástica.
Infelizmente, a raridade de muitas das espécies de Gymnophthalmidae aliada às características da
biologia reprodutiva da família, como a produção de apenas dois ovos por ninhada (Colli et al.,
1998), dificultam muito a obtenção de material embrionário para testar a ocorrência dessas
diferenças na expressão de SHH em espécies de lagartos microteiídeos.
Além de eventuais diferenças na expressão de SHH, outros genes de desenvolvimento podem
ter um papel importante no processo de redução de membros em Gymnophthalmidae. Avaliando o
padrão de fórmula falangeal em espécies de Bachia, por exemplo, nota-se que mesmo quando 4
ou 5 dígitos presentes, a morfologia das patas apresenta apenas 2 falanges em todos os dígitos
(Presch, 1975; Kizirian e McDiarmid, 1998). De acordo com Kohlsdorf e Wagner (2006), tal padrão
de alteração na identidade digital é semelhante ao observado em camundongos mutantes em que o
gene Gli3 foi silenciado, sendo esse outro gene de desenvolvimento candidato a influenciar os
padrões de redução de membros observados em espécies de Gymnophthalmidae. Adicionalmente, a
frequente redução ou perda do dígito I na pata dianteira em espécies do Clado I de
Gymnophthalmidae também é observada em diversos outros grupos de tetrápodes, fenômeno que
caracteriza a lei de Morse (Günter e Vargas, 2008). A expressão assimétrica de genes Hox do grupo
D, que é ausente na região de formação do gito I e presente na região de formação dos demais
dígitos, pode estar associada a essa variação evolutiva independente entre eles (Günter e Vargas,
2008). Por outro lado, a perda do dígito V no membro traseiro de Rachisaurus brachilepis pode estar
relacionada a uma diminuição temporária na expressão de Hoxd11 nessa região durante o
desenvolvimento embrionário, assim como ocorre na espécie de crocodilo Alligator mississipiensis
(Vargas et al., 2008). Diante da dificuldade mencionada de realizar estudos com embriões de
microteiídeos, uma alternativa é realizar estudos de caracterização das sequências desses genes de
desenvolvimento possivelmente envolvidos com a redução ou perda de elementos dos membros
locomotores, pois eventuais diferenças encontradas nas sequências de nucleotídeos desses genes
poderiam fornecer indícios acerca de possíveis alterações nas funções associadas a eles (Kohlsdorf et
al., 2008).
As diferentes tendências à redução de membros nos clados de Gymnophthalmidae em que a
morfologia serpentiforme evoluiu de forma independente, identificadas a partir das reconstruções
ancestrais realizadas (Fig. 7 e 8), concordam com as observações prévias de Pellegrino et al. (2001),
e sugerem que nessa família os processos de redução de elementos digitais podem ter ocorrido de
forma independente entre a pata dianteira e traseira. No Clado I, há uma tendência à redução
majoritária dos membros dianteiros: o dígito I da mão é reduzido ou ausente na maioria das espécies
do clado. Por exemplo, a espécie Nothobachia ablephara possui membro dianteiro estiliforme com
apenas uma falange, e em três espécies de Calyptommatus ocorre redução completa do membro
dianteiro, embora seja possível identificar a presença de elementos da cintura escapular. Um padrão
semelhante é observado em espécies do gênero Lerista, em que ocorre perda do membro dianteiro e
retenção do membro traseiro reduzido (Greer, 1990). Em contraste, a tendência à redução dos
membros traseiros no Clado III identificada por Pellegrino et al. (2001) não aparece tão claramente
no presente trabalho, talvez devido ao reduzido número de espécies de Bachia que foi utilizado. A
ocorrência desses padrões de redução dissociados entre os membros dianteiro e traseiro pode sugerir
que ambos representam módulos de desenvolvimento independentes. Segundo essa idéia, cada tipo
de membro (dianteiro ou traseiro) seria um módulo formado por componentes integrados por meio
de vias de desenvolvimento específicas, e eventuais alterações nas vias de desenvolvimento de um
dos módulos afetariam somente seus componentes, sem interferir em outros módulos de
desenvolvimento externos (Breuker et al., 2006). Outro exemplo desse padrão dissociado de redução
de membros locomotores ocorre dentro de uma mesma espécie, Rachisaurus brachilepis, que
apresenta perda do dígito I na pata dianteira e do dígito V na pata traseira. Nesse contexto, espécies
de microteiídeos representam um modelo promissor em futuros estudos de modularidade, apesar das
limitações para obtenção de material embrionário mencionadas anteriormente.
Por fim, o presente estudo evidencia, a partir das reconstruções ancestrais do número de
dígitos, que podem ter ocorrido eventos independentes de reversão da perda de gitos na família
Gymnophthalmidae. pelo menos uma espécie derivada no Clado I que possui maior número de
dígitos na mão em relação à condição ancestral inferida com base em parcimônia (Tretioscincus
agilis; Fig. 7), e possivelmente outras quatro espécies (Iphisa elegans, Colobosaura modesta, C.
mentalis e Heterodactylus imbricatus) também poderiam representar evidência de reversão
evolutiva, embora nesses casos a reconstrução do estado ancestral seja ambígua, podendo ser
igualmente 4 e 5 dígitos. No Clado III, por outro lado, a reconstrução ancestral de dígitos da mão e
do é ambígua para espécies de Bachia, resultado que, mais uma vez, pode estar relacionado ao
número de espécies do gênero incluídas no presente estudo. Por exemplo, quando 15 espécies de
Bachia são consideradas, existe forte suporte estatístico para reversão da perda de dígitos no grupo
(Kohlsdorf e Wagner, 2006), fenômeno que também parece ter ocorrido em espécies de lagartos
scincídeos do gênero Scelotes, embora nesse caso as evidências não sejam tão claras (Schimtz et al.,
2003). A discussão acerca de uma possível reversão da perda evolutiva de estruturas complexas
certamente será beneficiada pela verificação estatística do suporte para a hipótese de reversão da
perda de dígitos em espécies do Clado I e pela inclusão na análise das espécies de microteiídeos
serpentiformes descritas recentemente (Rodrigues et al., 2007; Rodrigues e Santos, 2008; Rodrigues
et al., 2008).
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Figura 1: Radiografia de um espécime de Vanzosaura rubricauda (MZUSP 94129).
Figura 2: Radiografia parcial de um espécime de Calyptommatus nicterus (MZUSP 70546).
Figura 3: Radiografias de membros dianteiros de espécies de Gymnophthalmidae em detalhe: A. Colobosaura mentalis (MZUSP 76219),
com 5 dígitos e 2 falanges no dígito I; B. Tretioscincus agilis (MZUSP 31399), com 5 dígitos e 1 falange no dígito I; C. Colobodactylus
taunay (MZUSP 91684), com 4 dígitos e metacarpo do dígito I.
Figura 4: Radiografias de membros traseiros de espécies de Gymnophthalmidae em detalhe: A. Colobodactylus dalcyanus (MZUSP 78417),
com 5 dígitos e 4 falanges no dígito V; B. Rachisaurus brachilepis (MZUSP 72375), com 4 dígitos e redução do dígito V.
A
B
I
II
III
IV
V
I
II
III
IV
V
C
I
II
III
IV
V
A
I
II
III
IV
V
B
I
II
III
IV
Clado
Espécie N
Nº de Vértebras do
Tronco
Nº de Vértebras da
Cauda
Nº de Vértebras
Total
Caudas
danificadas
Fórmula Falangeal
Membro Dianteiro
I – II – III – IV - V
Fórmula Falangeal
Membro Traseiro
I – II – III – IV - V
III Prionodactylus oshaughnessyi 5
24,20 + 0,37 42,00 + 1,22 66,20 + 1,46
5 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Prionodactylus argulus 2
24,50 + 0,50 16,00 + 3,00 40,50 + 3,50
2 Q
- -
Cercosaura ocellata 5
25,00 + 0,00 36,60 + 5,77 61,60 + 5,77
4 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Prionodactylus eigenmani 5
24,20 + 0,20 33,00 + 2,28 57,20 + 2,35
1 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Cercosaura quadrilineata 2
24,50 + 0,50 33,50 + 0,50 58,00 + 0,00
2 Q
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Neusticurus juruazensis 2
24,50 + 0,50 26,50 + 17,50 51,00 + 17,00
1 Q
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Neusticurus bicarinatus 5
24,40 + 0,24 29,00 + 4,11 53,40 + 4,04
5 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Neusticurus rudis 2
24,00 + 0,00 23,50 + 16,50 47,00 + 16,50
1 Q, 1 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Placosoma cordylinum 5
25,60 + 0,87 24,80 + 6,50 50,40 + 6,43
3 Q, 1 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Placosoma glabellum 5
24,50 + 0,24 58,50 + 5,32 70,60 + 5,23
1 Q, 1 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Bachia dorbignyi 5
47,40 + 0,93 47,20 + 4,47 94,60 + 4,49
2 R
x - x - x - x - x x - x - x - 1 - x
Bachia flavescens 1
44,00 11,00 55,00
R
x - 2 - 2 - 2 - x 1 - 0 - 0 - 0 - 0
Bachia monodactylus 5
45,40 + 0,81 33,40 + 4,68 78,80 + 0,84
2 Q, 1 R
x - x - x - x - x x - x - x - x - x
Bachia panoplia 5
46,20 + 0,80 52,00 + 11,42 98,20 + 11,90
2 R
0 - 2 - 2 - 2 - 2 2 - 2 - 2 - 2 - 0
Bachia scolecoides -
- - - -
0 - 2 - 2 - 2 - 2 2 - 2 - 2 - 2 - 0
II Colobosauroides cearensis 1
25,00 10,00 35,00
R
- -
Anotosaura vanzolinia -
- - -
-
- -
Leposoma guianensis 2
25,00 + 0,00 42,40 + 0,75 71,00 + 0,84
2 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Leposoma percarinatum 5
24,25 + 0,25 30,50 + 4,72 54,75 + 4,73
1 Q, 1 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Arthrosaura kockii 5
25,00 + 0,00 25,60 + 6,99 50,60 + 6,99
2 Q
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Arthrosaura reticulata 4
22,75 + 1,25 22,25 + 7,04 45,00 + 6,99
3 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Tabela 1: Médias (+ erro padrão) da fórmula vertebral e fórmula falangeal das espécies da família Gymnophthalmidae. Fórmulas falangeais de Bachia baseadas em Presch (1975) e
Kizirian e McDiarmid (1998). Caudas danificadas: R=regenerando, Q=quebrada. Fórmula falangeal: 0=falanges ausentes e metacarpo presente; x=falanges e metacarpo ausentes;
traço corresponde à ausência do dado.
Clado
Espécie N
Nº de Vértebras do
Tronco
Nº de Vértebras da
Cauda
Nº de Vértebras
Total
Caudas
danificadas
Fórmula Falangeal
Membro Dianteiro
I – II – III – IV - V
Fórmula Falangeal
Membro Traseiro
I – II – III – IV - V
I
Micrablepharus maximiliani
5 28,80 + 0,37 44,00 + 0,63 72,80 + 0,37
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Micrablepharus atticolus
4 28,25 + 0,48 39,25 + 0,25 67,50 + 0,29
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Tretioscincus agilis
5 27,80 + 0,60 34,20 + 4,73 62,00 + 4,64 2 R
1 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Procellosaurinus erythrocercus
5 28,00 + 0,45 30,40 + 4,89 58,40 + 4,74 2 R
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Procellosaurinus tetradactylus
3 28,67 + 0,33 27,33 + 6,17 56,00 + 6,43 1 Q
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Vanzosaura rubricauda
5 28,60 + 0,24 42,40 + 0,75 71,00 + 0,84
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Nothobachia ablephara
5 43,60 + 0,81 32,00 + 1,58 75,60 + 1,40
x - x - x - 1 - x x - x - 2 - 4 - x
Calyptommatus leiolepis
5 44,20 + 0,73 23,40 + 2,38 67,60 + 2,64 2 R
x - x - x - x - x x - x - x - 2 - x
Calyptommatus nicterus
5 46,40 + 0,60 26,60 + 1,81 73,00 + 1,87 3 R
x - x - x - x - x x - x - x - 3 - x
Calyptommatus sinebrachiatus
5 45,80 + 0,49 27,50 + 0,41 72,50 + 1,22
x - x - x - x - x x - x - x - 1 - x
Gymnophtalmus leucomystax
5 31,20 + 0,20 45,80 + 3,25 77,00 + 3,32 1 Q
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Gymnophtalmus vanzoi
2 30,00 + 1,00 13,50 + 5,50 43,50 + 4,50 2 R
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Psilophtalmus paeminosus
5 29,60 + 0,60 20,50 + 0,32 37,80 + 4,81 2 R
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Colobosaura modesta
6 28,17 + 0,17 42,50 + 2,13 70,67 + 2,25 2 Q, 2 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Colobosaura mentalis
3 27,67 + 0,33 23,00 + 4,62 50,67 + 4,33 1 Q, 2 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Iphisa elegans
5 28,00 + 0,52 37,50 + 5,12 65,50 + 5,50 3 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Heterodactylus imbricatus
5 34,80 + 0,58 52,00 + 7,87 86,80 + 8,05 3 R, 1 Q
1 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Colobodactylus taunay
3 29,67 + 0,33 37,67 + 1,76 67,33 + 1,86 1 Q, 1 R
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Colobodactylus dalcyanus
1 19,00 24,00 44,00 Q
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Rachisaurus brachileps
2 25,50 + 0,32 24,60 + 12,73 33,54 + 13,07 2 Q
0 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 0
GE
Alopoglossus carinicaudatus
5 25,60 + 0,24 43,00 + 1,55 68,60 + 1,63
2 - 3 - 4 - 5 - 3 2 - 3 - 4 - 5 - 4
Alopoglossus artriventris
5 25,20 + 0,37 30,00 + 6,65 55,20 + 6,62 2 R
2 - 3 - 4 - 5 - 3 4 - 5 - 4 - 3 - 2
Tabela 1 (continuação): Médias (+ erro padrão) da fórmula vertebral e fórmula falangeal das espécies da família Gymnophthalmidae. Caudas danificadas: R=regenerando,
Q=quebrada. Fórmula falangeal: 0=falanges ausentes e metacarpo presente; x=falanges e metacarpo ausentes. GE=grupo externo.
15
20
25
30
35
40
45
50
5 10 15 20 25
Figura 5: Número de vértebras do tronco em função do índice de alongamento do tronco em espécies da
família Gymnophthalmidae. As espécies estão identificadas de acordo o hábito: ( ) folhiço, ( ) fossorial e
( ) folhiço e outros.
15
20
25
30
35
40
45
50
5 10 15 20 25
Figura 6: Número de vértebras do tronco em função do índice de alongamento do tronco em espécies da
família Gymnophthalmidae. As espécies estão identificadas de acordo a redução ou perda de membros
locomotores: ( ) espécies sem redução, ( ) espécies com redução de membros e ( ) espécies com perda de
membros dianteiros.
Índice de alongamento do tronco
Número de vértebras do tronco
Índice de alongamento do t
ronco
Número de vértebras do tronco
Figura 7: Reconstrução ancestral, com base em parcimônia, do número de dígitos da pata dianteira em espécies de
Gymnophthalmidae. Topologia modificada a partir de Pellegrino et al. (2001) e Kohlsdorf e Wagner (2006).
0
1
2
3
4
5
Reconstrução
ambígua
Clado III
Clado II
Clado I GE
Figura 8: Reconstrução ancestral, com base em parcimônia, do número de dígitos da pata traseira em espécies de
Gymnophthalmidae. Topologia modificada a partir de Pellegrino et al. (2001) e Kohlsdorf e Wagner (2006).
0
1
2
3
4
5
Reconstrução
ambígua
Clado III
Clado II
Clado I GE
CAPÍTULO 2
DESEMPENHO LOCOMOTOR E HÁBITO FOSSORIAL EM ESPÉCIES DE LAGARTOS
MICROTEIÍDEOS
2.1 - Resumo
A evolução de padrões ecomorfológicos tem sido extensivamente estudada em espécies de
Squamata, embora testes de desempenho sejam fundamentais para verificar se a evolução de
determinada morfologia em um contexto ecológico específico pode ser considerada adaptativa. Uma
hipótese sugere que a evolução da morfologia serpentiforme estaria associada à locomoção
fossorial, sendo que o principal modo de locomoção realizado por animais que possuem morfologia
serpentiforme seria o rastejamento subterrâneo. O objetivo deste capítulo na presente dissertação é
testar se espécies de lagartos microteiídeos que possuem morfologia serpentiforme realizam
locomoção fossorial mais eficiente do que espécies que possuem morfologia lagartiforme.
Indivíduos de quatro espécies de Gymnophthalmini que possuem diferentes morfologias do corpo e
hábitos de vida foram comparados quanto ao desempenho locomotor em testes de enterramento:
Vanzosaura rubricauda possui corpo lagartiforme e hábito heliotérmico; Nothobachia ablephara
possui corpo alongado, membros locomotores reduzidos e hábitos fossoriais; Calyptommatus
leiolepis e C. sinebrachiatus possuem corpo alongado, membros dianteiros ausentes, membros
traseiros vestigiais e hábitos fossoriais e noturnos. Todas as espécies ocorrem no mesmo habitat
arenoso da caatinga e foram coletadas em diversas localidades na região de dunas do curso médio
do Rio São Francisco, Bahia. Os resultados obtidos nos testes de enterramento sugerem que
espécies de lagartos microteiídeos que possuem morfologia serpentiforme enterram-se com mais
eficiência do que espécies lagartiformes, corroborando a hipótese de que a evolução do alongamento
do corpo e redução de membros, em conjunto, constituem alterações morfológicas adaptativas ao
hábito fossorial. O presente estudo é o primeiro comparar o desempenho locomotor de espécies
filogeneticamente próximas que possuem morfologia lagartiforme e serpentiforme, contribuindo
com informações importantes sobre as pressões seletivas biomecânicas relacionadas às repetidas
origens de formas alongadas em Squamata.
2.2 – INTRODUÇÃO
A evolução ecomorfológica tem sido extensivamente estudada em espécies de Squamata,
embora muitos desses estudos consistam na identificação de padrões evolutivos relacionando
aspectos morfológicos e ecológicos (por exemplo: Kohlsdorf et al., 2001, 2008; Wiens et al., 2006;
Grizante et al., no prelo), como ressaltam Garland e Losos (1994). No entanto, de acordo com o
paradigma de Arnold, testes de desempenho locomotor (por exemplo: Losos, 1990; Kohlsdorf et al.,
2004; Goodman et al., 2008; Bergmann et al., 2009; Gomes et al., 2009) são fundamentais para
verificar se a evolução de determinada morfologia em um contexto ecológico específico pode ser
considerada adaptativa (Garland e Losos, 1994). Especificamente, espera-se que aspectos
morfológicos considerados como adaptativos em um determinado organismo favoreçam seu
desempenho locomotor no ambiente ocupado, em termos de eficiência e custo energético (Arnold,
1983; Losos e Miles, 1994).
No contexto ecomorfológico sob enfoque na presente dissertação de mestrado, a evolução da
morfologia serpentiforme teria ocorrido em associação à aquisição do hábito fossorial em lagartos
microteídeos, conforme sugerido pelas análises apresentadas no Capítulo 1. Uma hipótese
disponível na literatura explica a origem da morfologia serpentiforme em Squamata como uma
adaptação fisiológica que representaria uma economia energética da locomoção em formas
alongadas (Gans, 1975). Especificamente, a locomoção sem membros (por ondulação lateral) teria
menor custo energético do que a locomoção quadrúpede, o que representaria uma vantagem
fisiológica de formas alongadas e ápodes em comparação com as formas ‘lagartiformes’ (Gans,
1975). No entanto, uma comparação feita entre uma espécie de serpente (Coluber constrictor) e
espécies de lagartos, aves e mamíferos sugere que o custo energético da locomoção terrestre sem
membros pode ser equivalente (no caso de ondulação lateral) ou mesmo maior (no caso de
concertina) em relação ao custo energético de corrida em animais quadrúpedes de tamanho similar
(Walton et al., 1990), o que rejeitaria a hipótese de Gans (1975). Ao mesmo tempo, as diversas
espécies de Squamata que possuem morfologia serpentiforme podem utilizar padrões locomotores
diferentes daqueles descritos para serpentes (por exemplo, ondulação lateral e concertina; Pough et
al., 1998). Por exemplo, estudos de cinemática da locomoção em lagartos microteiídeos
demonstram que espécies com diferentes graus de alongamento do corpo e redução de membros não
usam padrões típicos de locomoção serpentiforme, mas apresentam um modo de locomoção
característico do grupo que resulta da combinação desses modos de locomoção previamente
descritos (Renous et al., 1995). Adicionalmente, uma análise funcional da associação entre os
movimentos dos membros e da coluna vertebral em lagartos microteiídeos sugere que esses dois
sistemas locomotores competem entre si, e que os movimentos da coluna vertebral são os maiores
efetores tanto na locomoção de espécies lagartiformes quanto serpentiformes (Renous et al., 1999).
A pequena participação dos membros locomotores na produção de movimento em espécies de
microteiídeos poderia implicar na ausência de pressões seletivas para manter tais estruturas, cenário
coerente com as numerosas perdas de membros que ocorreram no grupo.
Em contraste com a hipótese proposta por Gans (1975), segundo a qual a locomoção em
formas ápodes e alongadas envolveria um menor custo energético (a qual recebeu pouco suporte
empírico, como discutido anteriormente), uma hipótese alternativa sugere que a evolução da
morfologia serpentiforme estaria associada à locomoção em ambientes confinados, como fendas e
buracos no substrato (Gans, 1975; Lande, 1978; Wiens e Slingluff, 2001; Caldwell, 2003). O
principal modo de locomoção fossorial realizado por animais que possuem morfologia
serpentiforme seria o rastejamento subterrâneo, utilizado por espécies serpentiformes de lagartos,
anfisbenas, cecílias, serpentes, algumas salamandras e enguias simbranquiformes (Hildebrand,
1995). No rastejamento subterrâneo, o animal locomove-se através do solo e pode produzir galerias
ou tocas durante o movimento em substrato compactado; em contraste, quando o solo é macio ou
arenoso, o substrato se fecha atrás do animal e não produção de toca (Hildebrand, 1995). Nos
dois casos, os animais exercem grande força para deslocar o substrato, e um corpo alongado e
delgado representaria uma diminuição da quantidade de substrato a ser deslocada; da mesma
maneira, a tendência à redução de membros observada nesses animais poderia representar uma
diminuição do atrito do organismo contra o substrato (Hildebrand, 1995). Embora intuitivamente tal
hipótese seja facilmente vislumbrada em formas ápodes e alongadas, espécies lagartiformes também
poderiam adotar estratégias comportamentais que representem uma diminuição do atrito entre os
membros e o substrato durante o enterramento. Por exemplo, estudos da cinemática da locomoção
por rastejamento subterrâneo realizados com indivíduos de Scincus scincus, lagartos da família
Scincidae que possuem quatro membros locomotores bem desenvolvidos, indicam que acima da
superfície o animal usa os membros locomotores para produzir força efetiva contra o substrato
arenoso (Maladen, 2009). Porém, em seu comportamento típico de fuga, esses animais enterram-se
rapidamente na areia e realizam locomoção sub-superficial por meio de sinuosas ondulações do eixo
corporal, sem usar os membros locomotores para propulsão, mantendo-os imóveis e próximos ao
corpo (Maladen, 2009). Esse estudo, o primeiro a registrar locomoção por rastejamento subterrâneo
em uma espécie de Squamata, sugere que espécies com morfologia lagartiforme também são
capazes de realizar locomoção fossorial eficiente, embora não haja nenhum estudo comparando
explicitamente o desempenho locomotor sub-superficial de espécies com morfologias diferentes.
Nesse contexto, o objetivo deste capítulo na presente dissertação é testar se espécies de lagartos
microteiídeos que possuem morfologia serpentiforme realizam locomoção fossorial mais eficiente
do que espécies que possuem morfologia lagartiforme.
2.3 – MATERIAL E MÉTODOS
Animais
Quatro espécies da tribo Gymnophthalmini, pertencente ao Clado I (sensu Pellegrino et al.,
2001) foram comparadas quanto à sua eficiência de enterramento em substrato arenoso. As espécies
comparadas diferem quanto à morfologia do corpo (Figura 1) e ao hábito de vida. Indivíduos da
espécie Vanzosaura rubricauda possuem hábito heliotérmico e corpo lagartiforme (Rodrigues,
1995); indivíduos da espécie Nothobachia ablephara possuem corpo alongado, membros
locomotores reduzidos e hábitos fossoriais (Rodrigues, 1984), e indivíduos das espécies de
Calyptommatus possuem corpo alongado, membros dianteiros ausentes, membros traseiros
vestigiais e hábitos fossoriais e noturnos (Rodrigues, 1991a). Apesar dessas diferenças de hábito e
morfologia, tais espécies ocorrem no mesmo habitat arenoso da caatinga (ver descrição em Rocha,
1998) e foram coletadas em diversas localidades na região de dunas do curso médio do Rio São
Francisco, Bahia (Figura 2), sob autorização do IBAMA n
o
14109-2. Indivíduos de Calyptommatus
leiolepis (Rodrigues, 1991a) e N. ablephara (Rodrigues, 1984) foram coletados em Ibiraba, região
do município de Barra; indivíduos de C. sinebrachiatus (Rodrigues, 1991a) foram coletados Santo
Inácio, região do município de Gentio do Ouro; finalmente, indivíduos de V. rubricauda
(Rodrigues, 1991b) foram coletados em diversas localidades (3 indivíduos em Ibiraba, na região do
município de Barra, 3 em Santo Inácio, na região do município de Gentio do Ouro, 1 no município
de Xique-xique).
Os animais foram obtidos em coletas diurnas por meio de busca ativa, cavando-se o substrato
arenoso próximo às raízes da vegetação. Indivíduos das espécies fossoriais (Calyptommatus sp. e
Nothobachia ablephara) foram encontrados sempre enterrados e, quando eram expostos,
procuravam fugir enterrando-se rapidamente (Rodrigues, 1991; Grizante, observação pessoal), o que
sugere que a velocidade de enterramento é um parâmetro importante no comportamento de fuga
dessas espécies. Em contraste, indivíduos de Vanzosaura rubricauda foram encontrados no folhiço
ou entre folhas de vegetação rasteira. Uma vez coletados, os animais foram transportados em caixas
plásticas parcialmente preenchidas com o substrato do respectivo local de coleta. Em laboratório, os
indivíduos foram mantidos por três meses sob ciclo claro:escuro de 14h:10h, temperatura média de
27ºC, dentro de caixas plásticas iluminadas com lâmpadas de UV. Os animais eram alimentados três
vezes por semana com cupins, larvas de tenébrio (Tenebrio molitor) e/ou larvas de Brigidia higida,
sempre depois dos testes de desempenho; nas mesmas ocasiões em que os animais eram
alimentados, pulverizava-se água sobre o substrato em quantidade suficiente para mantê-lo
levemente úmido. A condição geral de cada indivíduo foi monitorada por registros frequentes de sua
massa corpórea; como não foi observada redução significativa de peso durante o período de
cativeiro, assumiu-se que os animais mantiveram-se saudáveis enquanto duraram os testes de
desempenho.
Testes de enterramento
Os testes de enterramento foram realizados a partir da estimulação manual dos animais dentro
de uma caixa plástica (28,5 x 21,4 x 15,4 cm) preenchida com uma camada de areia de 3,5 cm de
altura. A areia dos testes foi obtida na localidade de Ibiraba, onde foram coletadas todas as espécies
exceto C. sinebrachiatus. Foram realizadas três séries de cinco testes com cada indivíduo,
totalizando 15 testes por indivíduo, sendo que cada série foi feita em dias diferentes. As corridas
foram registradas por meio de câmeras de alta velocidade posicionadas sobre a caixa de testes, a
qual era iluminada por duas lâmpadas de 300W. Diferentes equipamentos foram usados de acordo
com o tempo total de filmagem exigido nos testes com indivíduos de cada espécie, dado que as
diferenças comportamentais entre espécies influenciaram na duração total do teste. Os testes com
indivíduos de C. leiolepis, C. sinebrachiatus e N. ablephara foram registrados com a câmera Red
Lake MotionXtra HG-SE (velocidade = 500 quadros/segundo, tempo total de filmagem = 8s),
diretamente conectada ao computador (Figura 3). Os testes com indivíduos de V. rubricauda foram
registrados com uma câmera JVC TK-C1380 Digital ½ inch CCD (velocidade = 60
quadros/segundo, tempo de filmagem ilimitado), conectada a um aparelho de videocassete
(Panasonic AG 1980). Nesse caso, os vídeos foram registrados em fita VHS e posteriormente
digitalizados usando o programa Peak Motus versão 6.1 para PC (Peak Performance Technologies
Inc., Denver, CO, USA).
Todos osdeos digitais foram analisados quadro a quadro por meio do programa HG-SE Red
Lake 1.0.0 para PC. Considerou-se o primeiro quadro (ou o instante inicial, I
i
) como o momento em
que o indivíduo começou a enterrar o rostro no substrato, e o último quadro (ou o instante final, I
f
)
como o momento em que seu corpo e cauda encontravam-se totalmente cobertos pelo substrato. O
tempo de enterramento em segundos foi estimado como o número total de quadros (equivalente à
diferença entre o número do quadro no instante final e número do quadro no instante inicial, I
f
- I
i
)
dividido pela velocidade de filmagem de cada equipamento (dada em quadros por segundo). Em
função do tempo de enterramento inferido, a velocidade de enterramento do animal no substrato foi
calculada como sendo a distância total percorrida (equivalente ao comprimento total do corpo do
animal, dado pela soma do comprimento rostro-cloacal e do comprimento da cauda, ambos medidos
com paquímetro digital Mitutoyo, com precisão de 0,01 mm) dividida pelo tempo total de
enterramento.
As numerosas repetições do teste de enterramento realizadas com cada indivíduo buscaram
minimizar os efeitos da motivação sobre o desempenho locomotor (para uma discussão mais ampla,
ver Garland e Losos, 1994), de modo que, dentre os testes realizados, foram selecionados aqueles
em que a resposta individual ao estímulo foi máxima, resultando em valores mínimos de tempo de
enterramento e máximos de velocidade de enterramento. Ainda assim, deve-se considerar que parte
da variação intraespecífica no desempenho locomotor pode resultar de diferenças individuais em
parâmetros comportamentais, fisiológicos e bioquímicos (Garland e Losos, 1994), as quais espera-
se que sejam menores do que a variação interespecífica. Valores médios de cada espécie foram
calculados para os parâmetros morfológicos (comprimento rostro-cloacal, comprimento da cauda,
distância total percorrida) e de desempenho locomotor (tempo mínimo e velocidade máxima de
enterramento) a partir dos valores individuais obtidos. As espécies foram comparadas por meio de
uma análise de variância (ANOVA) implementada no programa SPSS (versão 11.0) para PC,
usando as espécies como fatores e realizando uma correção de comparações múltiplas post-hoc de
Bonferroni.
2.4 – RESULTADOS
Os dados de parâmetros morfológicos e de desempenho locomotor obtidos para espécies de
Gymnophthalmini, bem como os resultados da análise de variância, são apresentados na Tabela 1.
As diferenças particulares entre grupos de espécies que serão descritas a seguir foram detectadas a
partir da correção de Bonferroni. A espécie lagartiforme, Vanzosaura rubricauda, possui
comprimento rostro-cloacal menor em relação às demais espécies serpentiformes, que apresentam
tronco alongado (Tabela 1). O comprimento da cauda também difere significativamente entre
grupos de espécies, sendo que V. rubricauda e Nothobachia ablephara possuem caudas mais longas
e Callyptomatus leiolepis e C. sinebrachiatus possuem caudas mais curtas (Tabela 1). No entanto, a
distância total percorrida pelos animais (dada pela somatória dos comprimentos rostro-cloacal e da
cauda, uma vez que a distância percorrida corresponde exatamente ao comprimento corporal total
que será enterrado no substrato) não difere significativamente entre as espécies (Tabela 1). Uma
vez que parte dessas espécies possui tronco curto e cauda longa (V. rubricauda) e parte possui
tronco alongado e caudas curtas (Calyptommatus sp.), diferenças significativas entre a soma desses
parâmetros não foram detectadas; sendo assim, a distância total não interfere no cálculo da
velocidade de enterramento, cujas diferenças refletem majoritariamente o tempo mínimo de
enterramento. Considerando os parâmetros de desempenho locomotor, a espécie lagartiforme, V.
rubricauda, apresentou tempo mínimo de enterramento maior em relação às demais espécies
serpentiformes (Tabela 1, Figura 4), sugerindo que as formas alongadas enterram-se mais
rapidamente. De fato, a velocidade máxima de enterramento é maior nas duas espécies de
Calyptommatus (Tabela 1, Figura 5) em relação a espécies que possuem morfologia lagartiforme
(V. rubricauda) ou que possuem morfologias intermediárias (N. ablephara).
2.5 – DISCUSSÃO
Os resultados obtidos no presente estudo sugerem que espécies de lagartos microteiídeos que
possuem morfologia serpentiforme enterram-se com mais eficiência do que espécies lagartiformes.
Esse resultado corrobora a hipótese amplamente aceita de que a evolução da morfologia
serpentiforme seria adaptativa à locomoção fossorial por rastejamento subterrâneo (Gans, 1975;
Hildebrand, 1995). O comportamento de fuga observado entre as espécies de microteíideos
estudadas no presente capítulo é similar ao padrão observado em um estudo com três espécies de
lagartos da família Scincidae que habitam dunas do deserto de Sinai, no Egito (Attum et al., 2006).
No referido estudo, três espécies morfologicamente distintas diferem quanto ao comportamento de
fuga de predadores: entre indivíduos de Chalcides ocellatus, que possuem morfologia lagartiforme,
o comportamento mais frequente de fuga é correr e abrigar-se na vegetação, enquanto indivíduos de
Scincus scincus, espécie lagartiforme com lamelas nos dedos (especializações anatômicas à corrida
em areia), e Sphenops sepsoides, que possui morfologia serpentiforme, frequentemente enterram-se
na areia quando fugindo de um predador (Attum et al., 2006). Da mesma forma, Vanzosaura ocupa
uma grande variedade de habitats (conforme apresentado na Tabela 5 do Capítulo 1 da presente
dissertação) em oposição a Nothobachia e Calyptommatus, espécies endêmicas da região de dunas
do curso médio do rio São Francisco (Rodrigues, 1995; Höfling e Renous, 2004), e seu
comportamento inicial diante de um predador consiste em correr na direção oposta antes de iniciar o
processo de enterramento (Grizante, observação pessoal). Nesse sentido, a inclusão de outras
espécies, como a lagartiforme Procellosaurinus sp., também pertencente à tribo Gimnophthalmini
(Fig. 1) e endêmico dessa mesma região, permitiria uma dissociação mais clara entre efeitos
comportamentais e a biomecânica do enterramento, dado que o comportamento pode ser
considerado um filtro entre seleção natural e a mecânica do desempenho propriamente dita (Garland
et al., 1990 apud Garland e Losos, 1994).
O presente estudo é o primeiro comparar o desempenho locomotor de espécies
filogeneticamente próximas que possuem morfologia lagartiforme e serpentiforme, contribuindo
com informações importantes sobre as pressões seletivas biomecânicas relacionadas às repetidas
origens de formas alongadas em Squamata (Wiens e Slingluff., 2001). Futuros testes de
desempenho locomotor com outras espécies serpentiformes de microteiídeos contribuirão para
preencher essa lacuna, uma vez que a evolução da morfologia serpentiforme na família
Gymnophthalmidae ocorreu em dois clados de forma independente, conforme discutido no Capítulo
1 e Apêndice da presente dissertação. Testes com espécies do gênero Bachia, por exemplo,
contribuirão para esclarecer o papel funcional da cauda durante o enterramento, bem como registrar
possíveis exceções à dicotomia das ecoformas descritas, uma vez que espécies desse gênero
possuem morfologia associada à ecoforma epígea (tronco e cauda alongados, Wiens et al., 2006),
embora apresentem hábito fossorial (Colli et al., 1998, Rodrigues et al., 2008). Além disso, futuros
registros da locomoção subsuperficial realizados com espécies de Gymnophthalmidae poderão
esclarecer aspectos do comportamento e da cinemática da locomoção em espécies de lagartos
microteiídeos que realizam rastejamento subterrâneo.
2.6 – BIBLIOGRAFIA
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Figura 1: Relações filogenéticas e diferenças morfológicas entre as espécies de Gimnophthalmini utilizadas
nos testes de desempenho. Linhagens indicadas em cinza não foram testadas. Topologia modificada a partir de
Pellegrino et al. (2001).
Figura 2: Mapa da região das dunas do Rio São Francisco (extraído de Rocha, 1998), destacando os
locais onde foram coletados os indivíduos utilizados nos testes de desempenho locomotor.
Figura 3: Equipamentos utilizados nos testes de desempenho locomotor.
Vanzosaura rubricauda
(N=8)
Nothobachia ablephara
(N=5)
Calyptommatus leiolepis
(N=10)
Calyptommatus sinebrachiatus
(N=10)
F p
Comprimento rostro-cloacal (mm) (N=7) 28,89 + 2,02 49,62 + 4,96 52,39 + 2,65 48,67 + 1,71
16,57
0,00
Comprimento da cauda (mm) (N=5) 46,04 + 5,20 48,57 + 7,16 27,41 + 2,00 31,33 + 1,89
9,49
0,00
Distância total percorrida (mm) (N=5) 75,46 + 6,60 98,19 + 10,93 79,81 + 3,97 80,00 + 3,39
2,67 0,07
Tempo mínimo de enterramento (s) (N=7) 6,89 + 0,75 1,50 + 0,31 0,54 + 0,07 0,97 + 0,10
69,86
0,00
Velocidade máxima de enterramento
(mm/s)
(N=5) 10,81 + 2,79 72,16 + 12,81 161,20 + 16,42 89,60 + 9,08 20,64
0,00
Tabela 1: Médias (+ erro padrão) dos parâmetros morfológicos medidos e do tempo mínimo e velocidade máxima obtidos nos testes de enterramento
com espécies da família Gymnophthalmidae. Valores de F e P referentes às Análises de Variância (ANOVAs) comparando cada um dos parâmetros
entre as espécies. Diferenças significantes destacadas em negrito.
Figura 4: Tempo mínimo de enterramento, em segundos, inferido em espécies de Gymnophthalmini.
Valores significativamente diferentes detectados a partir da correção de Bonferroni e indicados por (*).
Figura 5: Velocidade máxima de enterramento, em milímetros/segundo, inferida em espécies de
Gymnophthalmini. Valores significativamente diferentes detectados a partir da correção de
Bonferroni.
*
*
*
CONCLUSÕES GERAIS
Os resultados apresentados na presente dissertação sugerem que a evolução de alterações
morfológicas características da morfologia serpentiforme em espécies de lagartos da família
Gymnophthalmidae ocorre associada ao hábito fossorial, padrão comum a outros grupos de
Squamata que apresentam morfologias convergentes. Os testes de desempenho locomotor, pioneiros
em utilizarem espécies filogeneticamente próximas com morfologia diferentes, sugerem que
morfologia serpentiforme é adaptativa à locomoção fossorial por rastejamento subterrâneo,
possivelmente sob influência de fatores biomecânicos. Por outro lado, os resultados sugerem que a
evolução de parâmetros relacionados à espessura do corpo, os quais não foram identificados em
estudos prévios com outros grupos de Squamata, ocorre associada ao uso de habitats abertos ou
fechados, possivelmente sob influência de fatores ecológicos como temperatura e dieta, que podem
apresentar-se diferentes em cada tipo de ambiente. Futuros estudos acerca da fisiologia térmica,
dieta e morfologia do crânio de espécies de lagartos microteiídeos poderão contribuir para testar
essa hipótese. Além disso, espécies de Gymnophthalmidae constituem modelos interessantes para
futuros estudos acerca das bases de desenvolvimento subjacentes ao alongamento dissociado de
diferentes regiões do corpo (tronco e cauda), e à redução dos membros locomotores, podendo
contribuir para esclarecer outros aspectos das repetidas origens da morfologia serpentiforme ao
longo da história evolutiva de Squamata.
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