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O ENSAÍSTA ESQUECIDO E O CLÁSSICO DA ANTROPOLOGIA:
A QUESTÃO RACIAL PARA MANOEL BOMFIM E FRANZ BOAS
Miriam Cristina da Silva Dolzani
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Orientador: Aluizio Alves Filho
Rio de Janeiro
Janeiro de 2010
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O ENSAÍSTA ESQUECIDO E O CLÁSSICO DA ANTROPOLOGIA:
A QUESTÃO RACIAL PARA MANOEL BOMFIM E FRANZ BOAS
Miriam Cristina da Silva Dolzani
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciência
Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Prof. Aluizio Alves Filho
___________________________________
Prof.ª Liana Cardoso
___________________________________
Prof. Ricardo Augusto dos Santos
Rio de Janeiro
Janeiro de 2010
RESUMO
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O ENSAÍSTA ESQUECIDO E O CLÁSSICO DA ANTROPOLOGIA:
A QUESTÃO RACIAL PARA MANOEL BOMFIM E FRANZ BOAS
Miriam Cristina da Silva Dolzani
Orientador: Aluizio Alves Filho
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Esta dissertação trata da comparação teórica entre os autores Manoel Bomfim e
Franz Boas, que atuaram no início do século XX, e combateram as teorias racistas
predominantes nesta época. Manoel Bomfim foi um professor e intelectual brasileiro com
títulos dedicados à educação e à análise social brasileira. Franz Boas, nascido na
Alemanha e radicado nos Estados Unidos, também seguiu carreira no magistério e, no
conjunto de sua obra, fundou a antropologia cultural norte-americana. A tônica da
comparação se constitui nos argumentos contrários ao racismo que ambos os autores
construíram com base em estudos históricos e explicações naturalistas. Aceitando o
caráter ideológico das obras estudadas, o objetivo deste trabalho consistiu em explorar
as possíveis influências do pensamento liberal nessas teorias, assim como dos ideais de
liberdade e igualdade, que pudessem ter orientado as inquietações de Manoel Bomfim e
Franz Boas.
Palavras-chave: Manoel Bomfim, Franz Boas, Racismo Científico; Igualdade racial,
Liberdade.
Rio de Janeiro
Janeiro de 2010
ABSTRACT
THE FORGOTTEN ESSAYIST AND THE CLASSIC OF ANTHROPOLOGY:
THE RACIAL ISSUE TO MANOEL BOMFIM AND FRANZ BOAS
Miriam Cristina da Silva Dolzani
Orientador: Aluizio Alves Filho
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
This thesis deals with the theoretical comparison between the authors Manoel Bomfim
and Franz Boas, who acted in the early twentieth century, and fought racial theories
prevalent at this time. Manoel Bomfim was a teacher and brazilian intellectual with titles
devoted to education and analysis of Brazilian society. Franz Boas, born in Germany and
settled in the United States, also started a career in teaching and, throughout all his
deeds, he founded the United States cultural anthropology. The keynote of the
comparison is focused on the arguments against the racism that both authors have built
on the basis of historical studies and naturalistic explanations. Accepting the ideological
character of the deeds studied, the objective of this study was to explore the possible
influence of liberal thought in these theories, as well as the ideals of freedom and
equality, which could have guided the concerns of Manoel Bomfim and Franz Boas.
Keywords: Manoel Bomfim, Franz Boas, Scientific Racism, Racial Equality, Freedom.
Rio de Janeiro
Janeiro de 2010
AGRADECIMENTOS
O percurso e o fim desta etapa possuem um grande significado para mim, pois cursar a
pós-graduação no Programa de Ciência Política da UFRJ correspondeu à realização de um
sonho. Participar desse projeto e conviver com professores tão competentes foi uma
experiência que não se apagará da minha memória. Por isso, agradeço especialmente a
Aluizio Alves Filho, por quem tenho toda admiração, pelos ensinamentos sobre a ciência
política e também sobre a vida, além de todo o apoio que me deu durante o tempo que
me orientou, fazendo-me acreditar que era possível. Agradeço também a Ingrid Sarti,
por toda paciência e amizade nas minhas idas e vindas, nas quais ela sempre
demonstrou a maior consideração, oferecendo-me toda ajuda que eu pude precisar.
Agradeço a todos os professores deste programa, com quem tive o privilégio de estudar,
que me ajudaram a alargar um pouco mais meu horizonte, assim como os profissionais
da Secretaria e da biblioteca do IFCS sempre dispostos a ajudar. Agradeço aos meus
colegas de turma com quem tive o prazer de trocar conhecimento e que tornaram mais
leves e alegres as horas de estudo. Agradeço profundamente à minha família que sempre
me incentivou e nunca me deixou desistir. Todo meu agradecimento ao meu amor e
companheiro Rafael Esteves, que suportou com todo carinho e paciência horas e horas
de silêncio e batidas no teclado, não deixando faltar o incentivo necessário ao término
deste trabalho. Nesta reta final, agradeço as palavras positivas e decisivas de amigos de
vida inteira, muito obrigada a Danielle Costa, Fabiano Silva, Thiago França e Daniel
Coelho, e a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para este trabalho.
Às felizes coincidências da vida,
que me permitiram chegar até aqui.
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Biografias e contextos
4
Duas Biografias: Manoel Bomfim
Duas Biografias: Franz Boas
Contextos sócio-políticos
Contexto Brasil
Contexto Estados Unidos
Capítulo 2. Sobre a Igualdade e a Desigualdade Racial
34
A construção do sentimento de Igualdade no Brasil e nos Estados Unidos
O problema da Raça
Capítulo 3. O Liberalismo e a liberdade para progredir
52
Alguns aspectos do liberalismo clássico
O ideal de liberdade em Boas
O ideal de liberdade em Bomfim
Considerações finais 82
Referências bibliográficas 89
Introdução
Manoel Bomfim (1868-1932) e Franz Boas (1858-1942) foram autores que
discutiram temas semelhantes a partir de diferentes perspectivas. Algumas das
suas obras, publicadas no início do século XX, posicionavam-se teoricamente frente
a um conjunto de explicações científicas e fatos históricos que compunham o
panorama desta época. Manoel Bomfim, brasileiro, refletiu sobre as condições
sociais e econômicas do Brasil e denunciou as relações exploratórias entre Brasil e
Portugal, apontando a educação como principal solução para os problemas do seu
país. Franz Boas, alemão, radicado nos Estados Unidos, deu início à corrente
culturalista da antropologia norte-americana que privilegiava a história particular de
cada povo ou nação para explicar as diferenças existentes entre eles e, para isso,
utilizou-se amplamente do conceito de cultura.
O objeto desta dissertação é o pensamento de Manoel Bomfim e Franz Boas.
Para analisar Manoel Bomfim será utilizado uma de suas obras principais obras: A
América Latina: males de origem
1
. E, para analisar Franz Boas, serão trabalhados
fragmentos de várias de suas publicações, tais como A Formação da Antropologia
Americana: 1883-1911
2
, Anthropology and Modern Life
3
e Cuestiones
Fundamentales de Antropologia Cultural ou The Mind os Primitive Man
4
. Essas
obras foram escolhidas porque, além de conterem os temas específicos para este
projeto, foram escritas para um público que ultrapassava os limites acadêmicos,
tornando mais transparente o direcionamento ideológico desses autores.
1
BOMFIM, M. A América Latina: Males de Origem, 2005.
2
BOAS, F. A formação da antropologia americana: 1883-1911, 2004.
3
BOAS, Franz. Anthropology and Modern Life, 1986.
4
O Título original deste texto é o clássico The Mind of Primitive Man (1943), que por
problemas burocráticos foi traduzido com o título Cuestiones Fundamentales de la Antropogia
Cultural (1964).
2
O objetivo específico desta dissertação é detalhar com que argumentos
Manoel Bomfim e Franz Boas combateram o determinismo racial que
responsabilizava a origem racial pela desigualdade social e econômica entre os
povos, privilegiando, sobretudo, a postura progressista
5
de ambos sobre este
problema. E o objetivo geral deste trabalho é averiguar que posturas ideológicas
poderiam ter orientado os pensamentos de Manoel Bomfim e Franz Boas quando
escreveram as obras analisadas. Estes questionamentos sustentam-se uma vez que
Manoel Bomfim e Franz Boas marcaram posicionamentos que fugiam à tendência
geral de sua época
6
. A questão é, portanto, verificar que motivações teriam feito
esses autores migrarem de um saber mais consolidado para a busca de novas
explicações, baseadas em novas concepções. E a hipótese para esta questão é
averiguar se a ideologia liberal estaria na base dos argumentos de ambos os
autores contra o racismo.
O método escolhido para trabalhar esses dois autores terá como base a
sociologia do conhecimento desenvolvida por Karl Mannheim
7
que enfatiza a
combinação entre os fatores sociais e culturais de um contexto histórico e a
geração do pensamento sob essas condições. A técnica metodológica utilizada para
esta análise será a revisão bibliográfica. Devido ao objetivo do projeto e aos meios
disponíveis para este estudo, as outras técnicas serão dispensadas. A revisão
bibliográfica explorará principalmente os títulos já citados de Manoel Bomfim e
Franz Boas que guiam este estudo, e também os comentadores da vida e da obra
de cada um desses pensadores.
5
Ideologia relacionada às idéias de desenvolvimento, adiantamento, aperfeiçoamento e
evolução.
6
Manoel Bomfim apresenta-se contrário aos seus contemporâneos Euclides da Cunha, Nina
Rodrigues e Oliveira Vianna que sustentaram argumentos racistas para explicar o cenário
sócio-econômico brasileiro. Franz Boas contradiz argumentos deterministas em busca de leis
gerais para o desenvolvimento humano utilizados pelos evolucionistas de sua época, tais
como Frazer, Morgan, e Tylor. Ver CUNHA, E. Os Sertões: 2004. RODRIGUES, N. O animismo
fetichista dos negros baianos, 2006. VIANNA, O. Populações Meridionais do Brasil, 1974.
CASTRO, C. Evolucionismo Cultural, 2005.
7
MANNHEIM, K. Ideologia e Utopia, 1978.
3
As dificuldades que esta pesquisa apresentou foram principalmente de cunho
analítico pois as obras estudadas foram construídas sob diferentes temas e
contextos. Além disso, Manoel Bomfim e Franz Boas falavam a partir de
perspectivas diversas, tendo em vista que Franz Boas, na época de sua escrita, já
se encontrava bastante consciente do papel que exercia na antropologia enquanto
Manoel Bomfim escreveu tendo uma preocupação maior em refletir e desvendar os
problemas brasileiros do que elaborar uma teoria para um campo de saber
específico. Outra grande dificuldade foi buscar nos argumentos de ambos a
influência liberal citada na hipótese, pois, para isso, foi necessário um outro
parâmetro de comparação, sugerindo uma tríade, aumentando o grau de
complexidade da análise ao somar referências que não estariam em um só autor,
mas em um conjunto deles, tais como Rousseau
8
, Locke
9
e Hobbes
10
.
A pesquisa será desenvolvida por meio de três segmentos. O primeiro deles
trará um estudo geral sobre a vida e obra de cada um desses autores assim como o
contexto social e político em que vivia cada um deles. O segundo capítulo será
dedicado ao exame do ideal igualitarista no Brasil e nos Estados Unidos assim como
trará as críticas de Boas e Bomfim em relação às teorias deterministas de fins do
século XIX. O terceiro capítulo se concentrará no estudo da ideologia liberal,
trazendo alguns de seus principais teóricos, e sua proposta será analisar o caráter
liberal dos discursos de Manoel Bomfim e Franz Boas em suas respectivas análises
sobre as chances de progresso em nações multirraciais, tal qual era o caso do Brasil
e dos Estados Unidos.
Em suma, a comparação teórica entre Manoel Bomfim e Franz Boas
pretendeu resgatar e sistematizar o esforço argumentativo de ambos em desafiar,
em um mesmo período histórico, as teorias deterministas racistas que
8
ROUSSEAU, J.J. Do Contrato Social, 2002.
9
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Editora Martin Claret
Ltda, 2002.
10
HOBBES, T. Vida e Obra. 2004.
4
predominavam nas primeiras décadas do século XX. E esta comparação foi
realizada levando em conta principalmente o semelhante panorama mundial social
e político em que esses autores publicaram suas obras que poderão ter, ou não,
uma direta coincidência com a ideologia liberal posta naquele cenário intelectual e
científico.
Capítulo 1
Biografias e Contextos
O estudo da biografia dos autores é tema que reúne tanto a curiosidade do público
leigo quanto a de acadêmicos. O público em geral aprecia saber detalhes sobre a
vida pessoal dos autores, sua vida familiar e até mesmo os romances em que essas
personalidades estiveram envolvidas. Já o publico especializado busca conhecer
possivelmente que fato ou conjunto de fatos naquela biografia levou um autor a
levantar determinadas questões.
André Botelho
1
atenta para esta ligação quando tece comentários sobre a
obra de Ronaldo Conde Aguiar
2
sobre a vida e a obra de Manoel Bomfim. Segundo
Botelho, esta metodologia específica que teria origem na técnica francesa do
portrait de Saint-Beuve narra detalhes biográficos dos autores procurando
encontrar nessas pistas a união entre biografia e obra. “A obra e, num sentido mais
amplo, as ideias, são resultados de uma trajetória ou itinerário biográfico singular,
e não de tradições intelectuais ou de condições sociais, por exemplo
3
.” Para
Botellho, Conde Aguiar teria realizado uma biografia sociológica que privilegiou a
individualidade biográfica do autor, que procurou navegar entre o “texto” e o
“contexto”. Este tipo de abordagem ganha relevância principalmente ao estarmos
diante de obras cujos autores escolheram caminhar contrariamente ao que a elite
intelectual de seu tempo determinava como correto. Algo que suponho que tenha
ocorrido tanto nos casos de Manoel Bomfim quanto no caso de Franz Boas.
Manoel Bomfim, como já foi dito, contrariou as explicações racistas da época
e apostou em uma desacreditada educação como caminho para a revolução, e
1
BOTELHO, André. Retrato de Manoel Bomfim, Flagrante da História Intelectual
Brasileira. 2002: 85-91.
2
AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido: tempo, vida e obra de Manoel
Bomfim. Rio de Janeiro: 2000.
3
BOTELHO, André. Retrato de Manoel Bomfim, Flagrante da História Intelectual
Brasileira. 2002: 88
6
Franz Boas mergulhou no desconhecido mundo das etnias minoritárias nos
Estados Unidos da América para comprovar que cada grupo cultural detinha sua
própria racionalidade com amplas possibilidades de aprendizado, contrariando as
teorias racistas e deterministas de seu tempo. O objetivo deste capítulo é traçar um
resumo das biografias
de Manoel Bomfim e Franz Boas, buscando destacar os
principais pontos de suas trajetórias profissionais que os levaram a tratar de
assuntos como a raça, a educação e a cultura.
Duas Biografias: Manoel Bomfim
Manoel Bomfim nasceu em 1868, na cidade de Aracaju, no Estado de
Sergipe. Veio de uma família de proprietários de terra, assim como muitos outros
intelectuais e escritores desta época. Faleceu no dia 21 de Abril de 1932, no Rio de
Janeiro, onde veio a desempenhar muitos trabalhos relacionados à educação. Sua
primeira formação foi no campo da Medicina, iniciando seus estudos em Salvador
para onde foi com dezessete anos, e se formou no Rio de Janeiro, no ano de 1890.
Trabalhou como médico na Secretaria de Polícia de 1891 a 1892 e teve dois filhos
com Natividade de Oliveira: Aníbal e Maria. Maria veio a falecer com um ano e dez
meses, fato este que desiludiu Bomfim em relação à Medicina, quando este passou
a se dedicar à área de educação.
4
Em 1896, Bomfim foi convidado pelo então prefeito da cidade do Rio de
Janeiro, Francisco Furquim Werneck de Almeida, para ocupar o cargo de subdiretor
do Pedagogium. Instituição esta criada em 1890 pelo Governo Provisório para
supervisionar todas as atividades pedagógicas do país nesta época, ligando Manoel
Bomfim de forma direta ao contexto político-histórico de seu país. O Pedagogium
teria a função de supervisionar e de estimular reformas e melhorias no ensino
público, possibilitando a Bomfim um cargo em que pôde acompanhar de perto o
4
ALVES FILHO, Aluízio. Manoel Bomfim: combate ao racismo, educação popular e
democracia racial, 2008: 16
7
descompasso entre os planos governistas e a realidade deficitária da educação
pública no país.
5
Além disso, Bomfim ocupou o cargo de diretor de Instrução Pública no
antigo Distrito Federal entre os anos de 1895 e 1900 e entre 1905 e 1907. Em
1904, Manoel Bomfim também participou da Fundação da Universidade Popular de
Ensino Livre ligada ao Partido Operário Independente, com o objetivo de
proporcionar a educação de jovens e adultos, em uma instituição que representou
um marco na vontade de implantar um modelo de educação popular no Brasil. No
intervalo de tempo entre 1902 e 1903, em que Bomfim não exerceu atividades no
Brasil, ele esteve na França, especializando-se na disciplina de psicologia, fato que
aumenta a possibilidade de ter estado em contato com os ideais liberais justamente
no berço do iluminismo.
Bomfim também teve uma participação importante na imprensa através da
editoração e participação de artigos em Revistas voltadas principalmente para a
área de educação. Foi redator e secretário da revista A República e da Revista
Pedagogium, foi diretor da Revista Pedagógica de Educação e Ensino e um dos
fundadores da Revista Universal. Redigiu também a Revista Leitura para Todos, e
escreveu artigos para os jornais: O Correio do Povo, O Comércio, Ilustração
Brasileira, O País, Notícia e Tribuna.
6
Mesmo na política, Manoel Bomfim teve uma rápida passagem quando
ocupou o cargo de Deputado Federal no lugar de Oliveira Valladão. Exerceu este
mandato de 17 de agosto de 1907 até 31 de dezembro de 1908. Ao fim deste
período candidatou-se à reeleição mas não conseguiu um resultado positivo. Após
esta experiência, passou a se dedicar ao magistério e à produção intelectual e
literária, onde conseguiu concluir um número expressivo de títulos.
7
5
PRIORI, Angelo & CANDELORO, Vanessa. A Utopia de Manoel Bomfim: 2009.
6
Idem.
7
Idem.
8
Na área acadêmica, os dois temas que ganharam destaque na bibliografia
deste autor foram as condições de desenvolvimento social e econômico do Brasil, e
a educação brasileira. Dentre suas obras estão América Latina: males de origem
8
,
O Brasil na América
9
, O Brasil na História
10
, e O Brasil Nação
11
. Produziu também
especificamente para a área pedagógica como, por exemplo, Lições e Leituras para
o primeiro ano
12
e Crianças e Homens
13
.
Bomfim, em seus escritos, se auto declarou um utopista, adjetivo também
usado por seus comentaristas. A maior utopia de Bomfim era ver o Brasil
desenvolvido, com seus problemas sociais sanados e com seu povo educado.
Ignorava as explicações deterministas da época e insistia numa revolução movida
pelo trabalho e pelo conhecimento. Além de um intérprete do Brasil, pode-se dizer
também que Bomfim foi um dos intérpretes da América Latina, pois soube apontar
as causas “de origem” dos problemas sociais e econômicos que apontavam na
época. Era sobre o modelo de colonização e na relação desigual entre colônia e
metrópole que Bomfim fixava seu olhar.
Duas Biografias: Franz Boas
Franz Boas nasceu em 1858 em Minden, localizada na região da atual Alemanha.
Residiu com os pais e com mais cinco irmãos em uma família judaica cujo pai era
um comerciante e a mãe uma professora de Jardim de Infância. Seus pais viveram
sob a influência das Revoluções de 1848 e, por isso, teriam sofrido uma forte
influência liberal, mais tarde passando-as para os seu filhos.
14
As revoluções de
8
BOMFIM, Manoel. A América Latina: Males de origem, 2005.
9
BOMFIM, Manoel. O Brasil na América, 1997.
10
BOMFIM, Manoel. O Brasil na História, 2006.
11
BOMFIM, O Brasil Nação, 1996.
12
BOMFIM, Manoel. Lições e Leituras para o Primeiro Ano, 1922.
13
BOMFIM, Manoel. Crianças e Homens, 1922.
14
BOAS, F. A Formação da Antropologia Americana: 1883-1911, 2004: 63.
9
1848, capazes de interferir nas vidas de muitas famílias da Europa na segunda
metade do século XIX, corresponderam a um conjunto de fatos históricos de
alcance internacional que teve início na França e espalhou seus anseios por várias
partes da Europa, inclusive nos Estados Alemães. Este conjunto de Revoluções
uniu as forças da burguesia desejosa de entrar no comando político e também as
forças socialistas, preocupadas em sanar os prejuízos de uma economia
insatisfatória. Dessa forma, estabeleceu-se a junção de diferentes e até mesmo
contraditórios setores que estiveram juntos para derrubar monarquias e governos
autoritários. Entre outras coisas, as Revoluções de 1848 pregavam o nacionalismo,
a democracia, a liberdade e a igualdade. Por este perfil, pode-se dizer, portanto,
que Franz Boas foi criado em uma espécie de atmosfera de aspirações nacionalistas
e liberais.
15
Especificamente nos Estados Alemães, o apelo se formou em torno de uma
Alemanha unificada, com um parlamento nacional e uma constituição única. Nestes
anos revolucionários o rei era Frederico Guilherme IV e as manifestações foram no
sentido de maiores conquistas no que diz respeito às liberdades civis e políticas. Os
pedidos pelo sufrágio universal e por uma Constituição uniram mais uma vez
burgueses e operários. No entanto, nos anos que seguiram imediatamente à 1848,
nem a unificação e nem a democracia foram possíveis. Após tentativas de reformas
lideradas por liberais redigindo nova constituição, prevaleceu a força e o poder das
contra-reformas lideradas pelos nobres conservadores latifundiários e por Frederico
Guilherme IV, conseguindo extinguir todas as tentativas de reforma e restabelecer o
autoritarismo e os privilégios nos Estados Alemães. A unificação Alemã só se deu,
contudo, em 1871, por liderança da Prússia e sob o comando do então chanceler
Otto Van Bismarck. Esta unificação, no entanto, não se deu democraticamente
conforme desejavam os liberais de 48, ao contrário, deu-se militarmente através de
15
FALCON, F. A formação do mundo contemporâneo, 1989: 28-38.
10
algumas guerras com alguns dos maiores adversários políticos da Prússia, como
a Áustria e a França. Ao fim da guerra com a França, em que a Prússia saiu
vitoriosa, obteve-se finalmente a unificação dos Estados Alemães, iniciando o II
Reich, sob o comando do Kaiser Guilherme I e do chanceler Bismarck, desde os
anos de 1871 até 1919.
16
Porém, mesmo separado em federações e marcado por guerras e disputas
internas, o território alemão sempre foi conhecido por possuir a mesma base
linguística e cultural. E muito provavelmente este foi um dos motivos para que
Franz Boas tenha se aprofundado no ramo da antropologia e se interessado tanto
por este “espírito” que é capaz de unir pessoas em torno de uma só identidade
mesmo que sob regimes políticos distintos. Este elo invisível que por séculos uniu
imaterialmente os estados alemães e que, atualmente, de forma planejada ou não
alimenta o sentimento de nacionalismo de diversos territórios nacionais, inclusive
os Estados Unidos da América e do Brasil.
Antes de seguir pela antropologia, Franz Boas formou-se e realizou
pesquisas na área das ciências naturais, em especial a física, que, apesar do
aparente distanciamento com a antropologia, ajudou Boas a perceber que a
variabilidade cultural é capaz até mesmo de modificar algumas constatações
consideradas objetivas na área das exatas. Após passar por duas outras
Universidades, a de Heidelberg e a de Bonn, Boas defendeu sua dissertação de
doutorado “Contribuições para o entendimento da cor da água” na Universidade de
Kiel em 1881 sob orientação do geógrafo Theobald Fischer. A tese sobre a cor da
água questionou a interferência do ponto de vista do observador sobre aquilo que é
visto, lançando dúvidas sobre as exatas ciências naturais, suspeita que levou Boas
também a estudar os fenômenos psíquicos. A experiência sobre a água foi
determinante na biografia de Boas para que ele iniciasse o cruzamento entre o
16
Idem. Ibidem.
11
conhecimento e exato.
Sua primeira experiência de “campo” ocorreu entre os esquimós e foi
fundamental para a sua iniciação na Antropologia. Tal expedição foi necessária para
a conclusão de sua tese sobre o entendimento da cor da água e, após um ano como
voluntário no exército Alemão, Boas deu início a sua Pesquisa de Campo no
nordeste do Canadá. Após a expedição e de volta a Alemanha, Boas foi nomeado
assistente do Antropólogo Adolfo Bastian no Museum Für Völkerkunde em Berlim.
Sua trajetória, portanto, já havia sido modificada, dando início a sua jornada pelo
campo da antropologia.
17
Em 1887, Boas mudou-se definitivamente para os Estados Unidos, para
conseguir melhores chances no campo da antropologia e devido às perseguições
anti-semitas em território alemão sob o comando de Bismarck. Neste período, os
Estados Unidos já ofereciam mais possibilidades de pesquisa científica e também
maior liberdade política. Lá, Boas se casou com Marie com quem teve seis filhos de
1888 a 1906, e dos quais um morreu antes de completar um ano.
A história mostra que Boas estava correto em sua avaliação profissional, já
em 1887 tornou-se editor da revista Science, escrevendo artigos e resenhas para
esta revista. Neste período ainda, viajou mais uma vez para British Comlumbia,
onde foi obter um maior conhecimento dos costumes, crenças, e línguas dos povos
do oeste dos Estados Unidos. Em 1889, Boas assumiu a cadeira de antropologia na
Clark University, porém poucos anos depois pediu demissão alegando pouca
perspectiva profissional. Em seguida, assumiu o cargo de assistente-chefe do
departamento de antropologia da World´s Columbian Exposition de Chicago, para
realizar uma feira em homenagem aos 400 anos da viagem de Colombo aos
Estados Unidos. Finalmente, em 1896, Franz Boas foi convidado para a
Universidade de Columbia, em Nova York, onde se tornou professor de Antropologia
17
BOAS, Franz. Antropologia Cultural, 2006: 18.
12
e onde até a sua aposentadoria ensinou as disciplinas de Teoria Estatística e
Línguas Indígenas Norte-Americanas.
18
Franz Boas segue, portanto, em sua carreira acadêmica, na edição de
revistas científicas e na realização de suas obras, dentre elas The Mind of Primitive
Man
19
, editada pela primeira vez em 1911 e dedicada ao estudo da hereditariedade
que ajudou a desmistificar a crença sobre a inferioridade das raças. Nesta obra um
dos principais objetivos era comprovar que não havia diferenças significativas entre
os mecanismos de pensamento do homem primitivo e do homem civilizado.
Entretanto, um dos textos mais comuns dentre os programas das faculdades
brasileiras de antropologia é um artigo traduzido como As limitações do Método
Comparativo
20
, que é usado principalmente para apontar as falhas do método
evolucionista de classificação. Esse artigo delineia as primeiras condições para se
falar em um método histórico para se fazer antropologia. Nele, um ponto se
destaca: a necessidade de estudar cada cultura como uma unidade integrada,
levando em consideração sua historia, seus processos, suas relações e contradições
internas. Desta forma, a investigação da história da cultura combate frontalmente o
método comparativo antes praticado pela corrente evolucionista da antropologia,
pondo fim à conexão aleatória de semelhanças entre povos e culturas distantes,
assim como à procura por leis gerais que determinassem o comportamento e o
desenvolvimento humano. Boas inaugura o que podemos chamar de Método
Histórico da antropologia, apesar de não tê-lo sistematizado como seus críticos
desejavam. É verdade que a antropologia Boasiana não criou um sistema fechado
de ideias, contudo, demonstrou na conclusão de suas obras – perfeitamente
passíveis de críticas metodológicas – as ideias de um verdadeiro humanista que
18
SEEMANN, Jörn. Em busca de Franz Boas na Geografia Cultural, 2005: 11.
19
BOAS, F. The Mind of Primitive Man, 1943.
20
BOAS, Franz. As limitações do método comparativo da antropologia. In:
Antropologia Cultural. Rio de Janeiro, 2006: 25-40.
13
sonhava divulgar amplamente a igualdade das raças.
A herança que a contribuição de Franz Boas deixou no Brasil ficou por conta
de Gilberto Freyre. O sociólogo de Apipucos recebeu orientação de Franz Boas na
Columbia University e foi fortemente influenciado por suas ideias em relação à Raça
e à Cultura. Graças à dissociação defendida por Franz Boas entre raça humana e
comportamento humano que Gilberto Freyre foi capaz de atribuir tamanha
importância à soma das culturas para explicar o Brasil em sua obra mais
importante: Casa-Grande & Senzala
21
. Desta forma estabeleceu-se uma influência
direta entre a sociologia brasileira e a antropologia norte-americana.
A influência política de Franz Boas foi considerável apesar de não ter
ocupado cargos políticos, nem mesmo rapidamente, conforme ocorreu com Manoel
Bomfim. Boas não escrevia somente para o público especializado, havia títulos
perfeitamente cabíveis ao grande público como, por exemplo, Anthropology and
Modern Life
22
, além de cartas dirigidas a públicos heterogêneos. Em uma escrita
muitas vezes inflamada conclamou aos seus leitores sobre as injustiças cometidas
sob a justificativa racial. No prefácio de The Mind of Primitive Man denuncia, sem
citar nomes, países que não teriam permitido a edição de seus livros devido as suas
críticas ao racismo. Franz boas também buscou diversas formas de comunicação
para divulgar suas ideias. Editou o Jounal of Americam Folckore, entre 1908 e
1925, e fundou o Journal of Americam Linguistics, em 1917.
23
E suas publicações
ultrapassaram o número de 700 artigos entre resenhas e livros.
24
É bastante possível que a antropologia cultural norte-americana, fundada
por Franz Boas, tenha sido fortemente influenciada pelo o ideal romântico alemão
que celebrou a individualidade dos povos, a singularidade das culturas, e a
21
Ver FREYRE, G. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 1992; 2 v.
22
BOAS, F. Anthropology and modern Life, 1986.
23
SEEMANN, Jörn. Em busca de Franz Boas na Geografia Cutural, 2005.
24
ANDREWS et al., 1943 In Seemann, 2005.
14
existência das comunidades. Entretanto, parece-me que, especialmente na
biografia de Franz Boas, o Romantismo Alemão somou-se aos ideais liberais
franceses, e o sentimento de comunidade cedeu lugar à luta por direitos iguais,
celebrando também o respeito pela individualidade não só das comunidades mas
também dos indivíduos que, apesar de suas diferenças étnicas, poderiam viver o
sonho comum de uma nação.
Contextos sócio-políticos
Ao considerar as contribuições de Manheim
25
e Ronaldo Conde Aguiar
26
sobre as
congruências entre autores e os contextos sociais em que viveram, logo surge a
obrigação de vasculhar com um pouco mais de atenção os acontecimentos que
marcaram os últimos anos do século XIX e os primeiros anos do século XX no Brasil
e nos Estados Unidos.
O século XX se tornou um século diferente de todos os outros não só por ser
contemporâneo, mas por ter transformado de forma significativa o mundo e as
pessoas que viveram nele. Este século foi testemunha das fortes conseqüências da
Revolução Industrial na Europa e ao redor do mundo, da força do aço, e dos
milagres que a energia elétrica e o petróleo poderiam provocar. Assim como do
surgimento de Estados-nações, do reboliço e mortes por guerras, de vitórias e de
revoluções sociais, da ira do proletariado e da vitória dos burgueses, do nascimento
da democracia, de ditaduras e também da destruição progressiva do meio ambiente
trazendo suas cada vez mais comuns catástrofes naturais.
Por outro lado, o século XX também viu muitas conquistas em favor da
liberdade do indivíduo. As liberdades civis e os direitos humanos nunca foram tão
proclamados e exigidos. As minorias, mesmo confrontadas, nunca tiveram tanta
25
MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia, 1968.
26
AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido: tempo, vida e obra de Manoel
Bomfim, 2000.
15
voz. As constituições nacionais nunca tentaram ser tão justas e iguais. Jogos de
poder hierárquicos cristalizados pelo tempo tiveram a chance de serem igualados
ou mesmo invertidos, como foi o caso das (re)definições dos papéis sociais de
homens e mulheres em muitos países do ocidente. Trabalhadores acreditaram como
nunca que exerciam papel-chave na produção e saíram pelas ruas a lutar por
melhores condições. Privilégios hereditários se tornaram imoralidade e o modelo
político de monarquias autoritárias não foram mais tolerados. Era a vez da
República que objetivou unir os sonhos dos desejosos por mais liberdades e dos
explorados por mais igualdade.
E por todas essas mudanças que ocorreram por todo século XX, e que
tiveram suas raízes históricas ainda em fins do século XIX, que este segmento do
capítulo irá se debruçar um pouco mais sobre os acontecimentos políticos e sociais
que moveram em especial as sociedades brasileira e norte-americana neste
período. Sociedades nas quais os autores pesquisados estariam não só inseridos,
como também participativos em movimentos que ajudaram a transformar o
panorama desses países.
Contexto Brasil
Entre 1900 e 1905 Manoel Bomfim, juntamente com seus milhões de companheiros
de Pátria, ainda viviam os efeitos da Proclamação da República, ocorrida em 1889.
A Primeira República que derrubou o Imperador D. Pedro II, pondo fim ao período
monárquico no Brasil, foi o resultado de diversos fatores que incluíram desde um
desgaste contínuo da coroa a uma série de desentendimentos com as novas classes
que já começavam a surgir e lutar pelo poder. Segundo Carone
27
, tendências
federalistas, movimentos republicanos, crises religiosas, questões militares,
problemas escravistas, sucessão imperial, ascensão de novas camadas oligárquicas,
urbanização e a lenta renovação das instituições do Império foram alguns dos
27
CARONE, Edgard. República Velha, 1978.
16
fatores que levaram à formação da aliança entre militares e civis republicanos
que levou ao fim o Império brasileiro.
Ao contrário de um golpe inesperado, teria ocorrido muito mais um acordo
entre as elites até então insatisfeitas. O povo, mal instruído e mal informado, pouco
teria entendido o que ocorria nas as ruas do centro do Rio de Janeiro naquele 15 de
novembro. E, desse modo, um grupo de militares do Exército brasileiro liderado por
Marechal Deodoro executou um golpe de Estado no Imperador do Brasil. Sem
guerra e sem resistência. Após esse episódio, algumas mudanças administrativas e
políticas se deram, no entanto, para a maioria do povo não houve grandes
transformações, uma vez que a estrutura oligárquica latifundiária com poucos
direitos políticos se manteve. Tal ato inaugurou no Brasil uma prática de república
bastante diferente do ideal da res publica cuja teoria sugere que as coisas públicas
devem ser tratadas com interesse público pela população.
O Governo Provisório de Marechal Deodoro a Rodrigues Alves
O Governo Provisório ficou estabelecido no mesmo dia 15 de novembro da
Proclamação da República brasileira, na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.
Na composição do Ministério, ganham destaque o Exército e o Partido Republicano
Paulista. Marechal Deodoro é nomeado chefe do Governo Provisório, Campos Sales
se torna Ministro da Justiça, Aristides Lobo é o Ministro do Interior, Rui Barbosa se
torna Ministro da Fazenda, a Benjamin Constant é dado o Ministério da Guerra,
Quintino Bocaiúva é o Ministro das Relações Exteriores, Eduardo Wandenkolk, o
Ministro da Marinha e Demétrio Ribeiro se torna o Ministro da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas.
Apesar do comando inicial de Marechal Deodoro, as principais mudanças são
lideradas por Campos Sales, no Ministério da Justiça, realizando mudanças
importantes como o casamento civil obrigatório, a separação da Igreja do Estado e
a organização da Justiça Federal. Pode-se dizer que todas essas primeiras
17
mudanças seguiram uma proposta liberal e positivista, típica do pensamento
republicano desta época, que buscava maior independência do Estado sob
fortalecimento de suas próprias leis fundamentadas na lógica e na racionalidade,
em detrimento do poderio internacional e dogmático da Igreja Católica.
O próximo passo do Governo Provisório seria dar início à instalação da
Assembléia Constituinte para a elaboração da nova constituição brasileira. Contudo,
a despeito de ter sido iniciada um ano após à Proclamação da República, dia 15 de
novembro de 1890, só é finalizada a 24 de fevereiro de 1891. Tal demora é fruto de
movimentos de discórdias, alianças e desacordos entre várias frentes que lutavam
por maiores ou menores limitações em relação a determinadas instituições a serem
criadas. Uma das maiores preocupações seria a dimensão do poder dado ao
legislativo que poderia ameaçar outros setores interessados. Dentre os resultados
desta constituição pode ser citado um poder maior dado aos Estados do que previa
o projeto do governo, e a vitória do modelo presidencialista do tipo americano em
vez do parlamentarismo britânico. Como medidas liberais teríamos a eliminação do
Poder Moderador, o fim do Senado vitalício, do Conselho de Estado e a introdução
do Federalismo, desconcentrando e equilibrando um pouco mais o exercício do
poder. Estaria fundado assim um regime republicano brasileiro baseado nos poderes
Executivo, Legislativo e o Judiciário, tal qual tantas Repúblicas liberais da Europa e
também nos Estados Unidos da América.
28
Contudo, apesar dos progressos liberais, pressões de monarquistas de
setores desconfiados como o novo modelo governista resultaram em limites às
liberdades civis no país. O direito do voto fica permitido a todos os cidadãos
brasileiros no gozo de seus direitos civis e políticos desde que saibam ler e escrever.
Com esta condição, grande parte do corpo total de possíveis eleitores fica fora do
processo de participação política. Além disso, no campo da Economia, Rui Barbosa
28
LACOMBE, Américo. Resumo da História do Brasil, 1977: 54.
18
investiu na produção industrial brasileira, facilitando a criação de empresas,
dando-lhes vantagens e criando uma rede de bancos emissores. Tais medidas de
fato atraíram empresas para o país mas a especulação e o excesso de moeda
circulante estimulou a inflação dando início à crise do Encilhamento. Esta crise,
ocasionada pelo excesso de papéis-moeda circulante sem obter o lastro
correspondente, incidiu em um acelerado processo inflacionário que só vai ser
amenizado anos mais tarde.
No seguir dos anos, Marechal Deodoro foi eleito de forma indireta, conforme
previa a Constituinte, mas dentro de pouco tempo considerou não haver condições
de diálogo com o Congresso. Dissolveu o Senado e a Câmara dos Deputados,
configurando um golpe de Estado que rapidamente ganhou o apoio de quase todos
os governadores. Entretanto, desta vez as reações não foram tão tranquilas como
na época do fim do Império. Rebeliões se formaram e, debilitado, Deodoro da
Fonseca entregou o poder a Floriano Peixoto.
Mesmo diante de algumas recusas, que desejavam o anúncio de novas
eleições, Floriano Peixoto seguiu no poder até 1894, mesmo tendo que enfrentar
intensas Revoluções. A primeira delas foi a Revolução Federalista do Rio Grande do
Sul, contrária ao Partido Republicano, e que foi derrotada com alto grau de
violência. A segunda revolta também de grande importância foi a Revolta Armada
do Rio de Janeiro que contou com o apoio de outros federalistas revolucionários.
Todavia, mesmo contando com alguns pontos de apoio, os revolucionários sofreram
derrota ao tentar desembarcar no Rio de Janeiro.
Vitorioso em tantos combates, Marechal Floriano consolidou-se como um
nacionalista, encarnando o símbolo da nação contra federalistas e até mesmo
contra intervenções externas. E, por este motivo, não pode se dizer que tenha
defendido todos os ideais liberais sendo ele do Partido Liberal, pelo contrário,
durante seu regime se mostrou muito mais afeito às forças conservadoras se postas
em benefício do regime republicano na manutenção e fortalecimento do poder
19
central.
Prudente de Moraes, Presidente do Brasil entre 1894 e 1898, também teve
de enfrentar revoltas, dentre elas, umas das Revoltas mais diferenciadas e
importantes já vistas desde o início da República: a Revolta de Canudos. Os
protagonistas de Canudos foram a população pobre dos sertões nordestinos,
raramente lembradas pelo poder público central, destituída de ensino formal, de
instruções de higiene e sem qualquer notícia da cidadania pregada pela democracia.
Seu líder, Antônio Conselheiro, figura tão inusitada quanto o perfil desta revolução,
reuniu e guiou o povo do Sertão mediante sua figura carismática e à fé desse povo
tão carente. Conselheiro nada tinha de Republicano, pelo contrário, pregava de
forma religiosa a volta da Monarquia e o fim do casamento civil. Foram muitas as
expedições até canudos tentando acabar com esta revolução. Porém, o
desconhecimento do território e a força inesperada dos jagunços fizeram com que
várias expedições voltassem derrotadas para o Sul.
Ao fim de uma longa sequência de batalhas que deixou os republicanos
envergonhados, temerosos e desconfiados de um levante monárquico, a Revolução
de Canudos teve fim em 1897 com um ataque envolvendo quase 8000 homens.
29
Mas a vitória de Canudos não repercutiu positivamente como era o esperado,
dizimar uma população tão carente provocou reações negativas e movimentos de
revolta. Ironicamente, graças às reviravoltas da política, após uma tentativa de
assassinato impedida pelo Ministro da Guerra Marechal Bittencourt com a própria
morte, Prudente de Moraes obteve apoio popular e seguiu com seu governo até o
fim do seu mandato.
Para administrar o quarto governo da Primeira República é eleito Campos
Sales. A marca de Campos Sales é demonstrada pela prevalência do campo
econômico, abrindo uma política de contenção de gastos e medidas fiscais para o
29
LACOMBE, Américo, 1977: 73.
20
aumento da arrecadação. A preocupação com o processo inflacionário faz com
que a estabilização financeira interna se torne um dos maiores objetivos deste
governo.
No que concerne aos direitos políticos, Campos Sales mostra-se com
tendências liberais quando apoia a existência dos partidos, segundo ele,
responsáveis pelo equilíbrio na sucessão dos governos. Mas critica que os
interesses regionais venham a se sobrepor aos interesses nacionais, indicando uma
postura bastante autoritária nesse sentido.
30
Como resultado de sua política de
contenção, o orçamento encerrou-se no saldo, houve um processo deflacionário,
resgatou-se o papel-moeda e o governo pagou empréstimos e também teve início o
pagamento à dívida externa. Por outro lado, também devido a essas restrições,
houve menos dinheiro circulando, menos dinheiro para empréstimo, queda nos
preços, menos atividade econômica e mais agricultores infelizes com a queda de
seus lucros. De todo modo, a estabilização da economia e a seriedade das ações de
Campos Sales permitiram que ele terminasse seu mandato, mesmo com pouca
aprovação popular.
Rodrigues Alves substituiu Campos Sales nas eleições indiretas e teve seu
governo marcado pela tecnocracia e pelas obras que conseguiu realizar. Para
manter a estabilidade política, deu continuidade à ”política dos governadores” que
atribuía maior poder às oligarquias locais para que os reboliços da capital não
chegassem a ter alcance nacional. Aproveitou-se das contas equilibradas deixadas
por Campos Sales para promover obras na cidade do Rio de Janeiro que lhe
fornecesse um aspecto de limpeza, beleza e urbanidade. Para isso, nomeou como
prefeito da cidade do Rio de Janeiro Pereira Passos que, com a Câmara fechada e
com o seu diploma de Engenheiro, conseguiu realizar transformações radicais na
cidade.
30
CARONE, Edgard. República Velha, 1978: 123.
21
Dentre as obras realizadas para modernizar a cidade do Rio de Janeiro
estavam a demolição de extensas áreas de velhas construções, o alargamento de
ruas, a criação de novas avenidas como a Beira Mar, e a construção do Cais do
Porto. O resultado dessas obras foi fundamental para que o Rio de Janeiro entrasse
no mapa das cidades modernas de aspiração europeia, e o suficiente para cristalizar
um processo de fragmentação que só viria a se ampliar entre áreas de um Rio de
Janeiro rico e belo e outro feio e carente. Contudo, tamanhas transformações não
agradaram a todos, eclodindo uma revolta motivada por uma desconfiança
generalizada em relação ao governo e à eficiência da vacina obrigatória. Dentre as
motivações dos rebeldes, estariam a demolição de várias casas e cortiços para dar
lugar às novas vias, o pudor alegado pelos chefes de família em ter suas casas
“violadas” pelos agentes sanitários, e a resistência de setores contra-republicanos
prontos para apoiar qualquer início de Revolta. A exemplo dos casos semelhantes,
esta Revolta também foi abafada dentro de pouco tempo.
Essa pequena sequência dos principais feitos e circunstância dos quinze
primeiros anos da República sugerem que os primeiros presidentes tiveram mais
preocupação em manter a unidade federativa unificada do que em praticar os ideais
de liberdade e igualdade propostos pela Revolução Francesa e pela Revolução
Americana. A primeira constituição brasileira republicana, apesar de ter sido
inspirada na constituição norte-americana, pouco mudou a estrutura concentradora
de riqueza e oligarquia que já vinha dos tempos do Império. E, mesmo com os
escravos libertos, não é registrada nenhuma tentativa significativa de integrá-los
econômica e socialmente à sociedade brasileira. Ao contrário disso, o que existe
nesses anos é uma medida que legaliza todos os imigrantes que estivessem no
Brasil, em uma clara política de apoio à imigração para preencher os postos de
trabalho que se criavam.
22
Ideias e ideais brasileiros
O mundo das ideias da Primeira República brasileira estava alimentado não só por
acontecimentos gerados no seio de seu país, mas também por mudanças radicais
pelas quais passava o mundo naquele momento. A influência da Revolução
Francesa é direta e inegável, os escritos dos pensadores tais Comte
31
, Rousseau
32
e
Locke
33
estavam no discurso de muitos oradores da elite brasileira. O fim da
Monarquia e a derrubada dos privilégios da nobreza se tornaram inadiáveis mesmo
na falta de uma burguesia forte e numerosa.
No interior do movimento republicano, dentre as correntes principais, havia
o positivismo, o liberalismo e, de forma menos expressiva também o socialismo e o
anarquismo. E além dessas correntes conceituais, havia as tradições que
apresentavam um perfil mais particularizado, a exemplo dos Jacobinos, a ala mais
extremada do republicanismo, que apareceria ainda muitas vezes como
protagonistas de turbulências e repressões na Primeira República.
Entre os republicanos históricos havia os que se ligavam à
corrente liberal spenceriana e federalista, à moda Alberto
Sales e dos paulistas em geral, e os que se inspiravam antes
na tradição da Revolução Francesa, que favorecia uma visão
mais rousseauniana do pacto social, mais popular e
centralista, ao estilo Silva Jardim Lopes Trovão e Joaquim
Serra. E havia ainda os positivistas, que exultaram com o
advento do novo regime, julgando ter chegado a hora, a que
se consideravam destinados, de exercerem a tutela intelectual
sobre a nação.
34
O Partido Republicano que vigorou no período da Primeira República teve
início em 1873 e foi extinto em 1937. Entre as primeiras medidas tomadas pela 1ª
República esteve a extinção do bipartidarismo que acompanhara a vida do 2º.
Reinado - Partido Conservador e Partido Liberal. O Partido Conservador foi
31
COMTE. A. Vida e Obra, 2004.
32
ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social, 2002.
33
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo, 2002.
34
CARVALHO, José. Os Bestializados: 24
23
perseguido por ser inimigo direto da República, por desejar a Restauração e por
querer trazer de volta o sistema de aristocrata de privilégios que se instaurou no
Império. Já o Partido Liberal não encontrou apoio o suficiente em um contexto que
não lhe favorecia. Afinal, que chances um Partido Liberal de tendências burguesas
poderia ter em um cenário ainda extremamente oligárquico e ditatorial?
O Partido Republicano Paulista, por sua vez, instaurou-se no poder e só
cedeu espaço ao também Partido Republicano Mineiro. Esse núcleo principal do
Partido Republicano revezou-se no poder nos anos da Primeira República e
empossou seus líderes através de voto indireto. O setor mais radical do
republicanismo ficou conhecido como “jacobinos”, em alusão direta ao movimento
radical existente na Revolução Francesa empenhado no fim da Monarquia. Os
jacobinos, em geral, eram totalmente avessos às intervenções de origem
portuguesa, a favor dos governos ditatoriais e da contenção imediata e violenta das
revoltas federalistas. A saber:
Os jacobinos mantiveram um clima generalizado de tensão
política, especialmente durante a campanha de Canudos no
governo de Prudente de Moraes. Quebravam jornais,
promoviam arruaças, vaiavam congressistas, espancavam e
matavam portugueses, perseguiam monarquistas,
assassinavam inimigos. Em 1897 tentaram matar o
presidente da República, depois de terem feito o mesmo com
o último presidente do conselho de ministros da monarquia.
35
Dentre as correntes de pensamento ativas no Brasil, uma das quais mais se
destacaram foi a corrente positivista que, aliás, guarda uma história bastante
peculiar no Brasil. Obtendo um grande sucesso entre as classes médias e militares,
foi capaz de se transformar em metodologia, ideologia e até mesmo religião. A
Filosofia Positiva criada por Auguste Comte procurou transportar para a vida política
e social a lógica positiva utilizada nas ciências naturais. A doutrina positivista
prioriza a experiência, a causalidade e as certezas, buscando leis gerais. No meio
35
CARVALHO, José. Os Bestializados: 23
24
social seria necessário buscar o por quê dos fenômenos para melhorar seus
resultados. Como planejamento de governo, o positivismo transformou-se em lema
para a manutenção da ordem em torno de um poder central voltado para o bem
geral. Acreditava-se que estando o legislativo nas mãos do executivo poder-se-ia
ganhar tempo e promover mais rapidamente o progresso, se a vontade do
governante estivesse voltada para a racionalidade. A racionalidade deveria estar
acima de todos os dogmas religiosos, políticos ou ideológicos. E seguindo este
pensamento, as ditaduras republicanas que se seguiram após a proclamação da
república tornar-se-iam perfeitamente viáveis ao invés de estabelecer um contra-
senso. Pois o Positivismo comtiano, no qual se inspiraram tantos nomes da primeira
república, não era essencialmente liberal e sim essencialmente ordeiro,
centralizador e voltado para o progresso.
A forma do Positivismo no Brasil teve a vantagem de transformar-se em
ação prática, feito que muitos outros ideais não conseguiram, tornando-se
utópicos. Guerreiro Ramos
36
aponta como um dos principais teóricos do
Positivismo no Brasil o intelectual Teixeira Mendes, que acreditava na transformação
gradual da sociedade através do esclarecimento dos homens, e que a regeneração
mental e moral desses mesmos homens traria como consequência a reforma
política das sociedades humanas. Guerreiro Ramos apontou, ainda, como grande
vantagem do positivismo possuir um programa de governo com metas claras e
possíveis, tais como a supressão da hereditariedade monárquica, a supressão da
religião de Estado, a promulgação de instituições civis que assegurassem a
liberdade de pensamento do indivíduo e a abolição da escravidão.
O resultado da influência do positivismo na Primeira República pode ser
encontrado na série de governos republicanos autoritários que se sucederam e
mesmo na tendência tecnocrata de suas administrações. A técnica e a ciência
36
RAMOS, Guerreiro. Introdução Critica à Sociologia Brasileira. 1995.
25
poderiam certamente substituir as longas discussões que tanto atrasavam as
decisões. Para fazer bastaria saber para saber. Este modelo técnico e autoritário
pode ser vislumbrado, por exemplo, no modo como foram feitas as grandes
reformas urbanísticas pelo prefeito-engenheiro Pereira Passos durante o período em
que a Câmara e o Senado estavam dissolvidos, justamente para apressar todo o
mecanismo de compra, venda e execução de obras.
Outro de pensamento do período da Primeira República seria o Liberalismo.
O ideais liberais nascidos na revolução Francesa que se espalharam pelo mundo
também chegaram ao Brasil, através de seus políticos e intelectuais, muitas vezes
tendo como intermediários os próprios portugueses. Porém, para José Murilo de
Carvalho
37
, os ideais liberais já estavam presentes desde a Monarquia, surgindo na
forma de modificação de práticas e leis que se deram ao logo de todo século XIX. A
Lei de Terras, em 1850, que permitia a propriedade privada pode ser um bom
exemplo deste tipo de atitude. A permissão das Sociedades Abertas, abrindo o
capital para investidores também corresponderia a uma típica prática liberal e foi
realizada ainda em tempos imperiais, em 1882. As liberdades individuais tão
próprias do liberalismo como a liberdade de pensamento, de reunião e de profissão
também já haviam sido concedidas pelo governo imperial. E, talvez um dos maiores
símbolos liberais desta época, a abolição da escravidão, também foi assinada por
alguém da família Imperial, atraindo, por isso mesmo, a simpatia da população
negra e das classes desprivilegiadas.
Talvez a novidade que a Constituição de 1891 tenha trazido de mais
revolucionária em termos de direitos políticos individuais tenha surtido pouco efeito
na prática. O término da exigência de renda mínima para a franquia eleitoral não
teve efeitos diante da persistência da alfabetização para possuir o direito ao voto.
Deste modo, os analfabetos não podiam votar porque não eram cidadãos
37
CARVALHO, José. Os Bestializados, 1987.
26
completos, no entanto, uma vez fora do processo político devido a esta restrição,
pouco tinham a fazer para melhorar sua situação.
Exigia-se para a cidadania política uma qualidade que só o
direito social da educação poderia fornecer e,
simultaneamente, desconhecia-se este direito. Era uma
ordem liberal, mas profundamente antidemocrática e
resistente a esforços de democratização.
38
O socialismo também esteve presente com o apoio de intelectuais e
movimentos operários, mas não chegou a ter uma força significante neste
momento, talvez até mesmo pela diminuta parcela de operários atuantes no Brasil
nesta época. A corrente anarquista que era um pouco mais potente fazia-se
presente junto a levantes e jornais de esquerda. Porém, trazida por imigrantes que
vieram a sofrer perseguições em governos militares, não conseguiu adesão maciça
das camadas populares que, a despeito de todas as novidades, ainda guardava
respeitos e saudades da antiga monarquia. De todo modo, a única corrente que
parece não ter obtido qualquer sucesso durante a Primeira República foi a
Democracia, com este regime figurando uma série de governos autoritários cuja
principal meta foi manter a união do país mesmo que através de punições, prisões,
extradições, lutas e massacres.
Contexto Estados Unidos
No segmento anterior percebeu-se que para entender os ânimos do período
histórico das publicações de Manoel Bomfim, foi necessário regressar um pouco
mais, pois, no momento da virada do século, o Brasil ainda vivia fortemente as
consequências da Proclamação da República e do modo como ela foi instaurada. Da
mesma forma, para investigar o período histórico das publicações de Franz Boas,
também ocorridas nos primeiros anos do século XX, é necessário fazer um regresso
histórico às questões mais importantes ocorridas nos Estados Unidos nesse período.
38
CARVALHO, José. Os Bestializados: 45
27
Revolução Americana, Guerra Civil e a primeira constituição republicana
Se para o Brasil um marco importante é a Proclamação da República em
1889, o grande marco para os Estados Unidos é a Revolução Americana. A
Revolução Americana, no entanto, ocorreu de maneira muito diferente da República
brasileira. Primeiramente, a participação popular por parte de uma burguesia de
fato existente em uma sociedade já em processo se industrialização deu o tom
desta Revolução. Somado a isso, tem-se verdadeiramente um impasse entre
colonizado e colonizador, pois a população dos Estados Unidos não estava mais
satisfeita com a situação economicamente desvantajosa de permanecer colônia, e o
colonizador britânico desejava manter forçadamente esta situação.
Para executar o levante, o Congresso adotou a Declaração da
Independência, no dia 4 de Julho de 1776, redigida por Thomas Jefferson que
imortalizou as seguintes palavras: “Sustentamos ser evidentes por si mesma a
verdade de que todos os homens nascem iguais, são dotados pelo seu Criador de
certos direitos inalienáveis, e que entre estes direitos estão a Vida, a Liberdade e a
busca da Felicidade
39
. Estaria justificada, então, o início da Revolução e estariam
proferidos os ideais que guiariam muitas constituições ao redor do mundo.
Para tornar realidade as palavras de Thomas Jefferson foram necessários
seis anos de duros embates entre o exército da colônia comandado por George
Washington e o exército britânico em solo norte-americano. Mesmo com muitas
perdas, o exército da colônia conseguiu a vitória auxiliada por uma valiosa ajuda
financeira da nação francesa somada ao envio de tropas para reforço vindas desta
mesma nação. Após esse período, os Estados Unidos finalmente conseguiu o
reconhecimento de sua independência e elaborou, então, a primeira Constituição
política do mundo. Não foi fácil estabelecer uma constituição geral para uma Nação
39
MORRISON-COMMAGER. História dos Estados Unidos da América: 35
28
cuja principal característica era existência de Estados fortes com interesses
bastante particulares, além disso, legitimar um poder central poderia significar para
esses estados ceder poder e ficar vulnerável a mais taxações.
Para a elaboração da constituição foi instaurada a Convenção Constitucional
da Filadélfia para que os Representantes de Estado chegassem a um acordo. O
desafio, portanto, era estabelecer um caminho do meio entre a promulgação do
governo central e uma relativa autonomia das ex-treze colônias. Um dos pontos
concordados era a existência dos três poderes, o Executivo, o Legislativo e o
Judiciário, interligados em um funcionamento harmonioso em que nenhum deles
pudesse controlar os outros dois. A ideia dos três poderes equilibrados e
harmônicos já era conhecida por meio de pensadores como Locke e Montesquieu, e
se efetivou sem maiores problemas. Outro mote seria a existência de duas casas de
parlamento também visando o equilíbrio, onde uma seria responsável por votar leis
e orçamentos e a outra para planejar e solucionar a política externa.
40
O Brasil,
conforme vimos anteriormente, se encarregou de levar essas e outras decisões
para sua própria constituição de 1889, tendo reconhecida imediatamente a sua
réplica pelos norte-americanos. Vejamos as palavras de Robert Adams, um
Republicano, na função de ministro americano junto a corte imperial, em telegrama
ao seu presidente no dia 19 de novembro de 1889:
Em minha opinião, a forma republicana de governo está
firmemente estabelecida, mesmo que o atual ministério caia.
Nossa constituição e bandeira foram copiadas, e, pensando
em nossas futuras relações desejo que nosso país seja o
primeiro a reconhecer a republica
41
E, após a independência dos Estados Unidos estar proclamada, o grande
acontecimento transformador da sociedade norte-americana foi a Guerra Civil, ou
Guerra de Secessão, travada entre os Estados do Norte e os Estados do Sul dos
Estados Unidos, que se estendeu até 1865 com a vitória dos países do norte.
40
NEVINS, Allan. História dos EUA, 1967: 163
41
BRASIL. 1989. In: RAFAELLI, 2006: 53.
29
A Guerra civil dos Estados Unidos, além de um conflito interno,
estabeleceu a luta de duas mentalidades, de dois sistemas econômicos e de dois
sistemas políticos. Os Estados do Norte tinham como opção econômica o comércio,
a manufatura e a industrialização, juntamente com a mão de obra livre e com sua
vida social voltada para os centros urbanos. E os Estados do Sul, em posse de solos
férteis, havia optado por uma economia baseada na agricultura e no modelo do
plantation, ocasionando uma distribuição mais concentrada da renda nas mãos dos
latifundiários muito dependentes de mão de obra escrava e com sua vida social
voltada para as grandes fazendas.
O estopim da Guerra Civil foi a eleição de Abraham Lincoln para presidente
dos Estados Unidos, que, como grande abolicionista que era, atraía a simpatia dos
negros e o ódio dos latifundiários do sul de seu país. O motivo mais relevante que
teria feito os Estados do Sul contrariarem a constituição norte-americana era o
desejo de abolição da escravidão de um norte já industrializado. Os Estados do Sul
sentiram-se seguros para entrar na guerra pois acreditaram que o norte industrial
não teria como sobreviver sem seus provimentos. Assim, os latifundiários do sul
que produziam principalmente algodão, arroz e milho promoveram um Congresso
em fevereiro de 1861 e declararam a fundação dos Estados Confederados da
América sob a liderança de Jefferson Davis, dissolvendo, dessa forma, a República
dos Estados Unidos da América. A seguir, as justificativas sulistas:
“As causas da secessão, segundo as consideravam seus
protagonistas, foram expressadas com clareza pelas
convenções dos estados. “O povo dos Estados do Norte,
declarou a de Mississippi, “assumiu uma posição
revolucionária em relação aos Estados do Sul. ”Seduziram
nossos escravos fazendo com que eles nos deixassem” e
dificultaram sua entrega que a lei sobre escravos fugitivos
garantia. Reivindicaram o direito “de proibir a escravidão nos
territórios” e em qualquer Estado que no futuro seja admitido
na União. “Insultaram e ultrajaram nossos concidadãos em
viajem entre eles... tomando seus servos e pondo estes em
liberdade”. “Estimularam uma invasão hostil de um Estado do
Sul para provocar a insurreição, a matança e rapina”. A tudo
isso acrescentava a Carolina do Sul: “Qualificaram de
pecaminosa a instituição da Escravatura, permitiram
30
funcionar abertamente entre eles” sociedades
abolicionistas, e “uniram-se para eleger para alto cargo de
Presidente dos Estados Unidos um homem cujas opiniões e
propósitos são adversos à escravatura.
42
O trecho anterior em que estão elencadas algumas das justificativas de
estados sulistas como Mississippi e Carolina do Sul são interessantes para realizar o
exercício da inversão e perceber como um mesmo argumento liberal e até mesmo
republicano pode servir como base para propósitos completamente diferentes. Os
abolicionistas dos estados do norte, com fundamentos liberais, defendiam o direito
natural da liberdade entre os seres humanos, classificando a escravidão como um
arbítrio ou anormalidade. Os mesmos apoiavam-se em sua constituição para
apontar a traição da confederação dos estados do sul na tentativa de se separar,
ferindo o princípio de união dos Estados Unidos. Os escravistas dos estados do sul,
por sua vez, com argumentos igualmente liberais, exigiam que seu modelo
econômico fosse respeitado, e que suas leis em favor da escravidão não fossem
violadas. Defendiam a liberdade, sim, mas a liberdade de propriedade e a liberdade
de cultivarem suas terras conforme quisessem e suas leis permitissem. Para os
estados do sul, princípio da igualdade entre os seres não necessariamente deveria
ser concretizado em todos os indivíduos, podendo estar de fora a população negra
se as suas regras particulares assim ditassem. E, mediante todo esse raciocínio, os
estados sul achavam-se perfeitamente legitimados na tentativa de cessão como
resposta à traição iniciada pelos estados do norte, que não respeitaram as leis e as
determinações em vigor.
O período de Guerra Civil naturalmente provocou danos e gastos tanto nos
estados do norte quanto nos estados do sul. Entretanto, o norte e seu modelo
econômico capitalista industrial demonstrou ter tirado mais vantagens desse
processo, o que contribuiu para a vitória do norte sobre o sul. Um deles foi a maior
42
MORISON, S. & COMMAGER, H. História dos Estados Unidos da América. 1973: 223.
31
quantidade de imigrantes nos estados do norte, que por sua constante
necessidade de mão de obra contava com mais pessoas dispostas a alistarem-se
para a guerra. Outro fator importante foi a saída marítima que Abraham Lincoln
encontrou para suprir a necessidade das indústrias. Os estados do norte foram
procurar do outro lado do continente os provimentos necessários para continuar
sua industrialização. A malha ferroviária mais eficiente também teria favorecido o
norte, tanto no escoamento da produção quanto na mobilidade dos soldados. E
mais um fator indiscutível seria uma força naval superior dos estados do norte
capazes de efetuar um bloqueio econômico para o sul através do mar. Todos esses
fatores contribuíram para que os Estados da América do Norte se unissem
novamente e desta vez sob o julgo dos estados do norte e seus ideais de liberdade
e democracia
43
.
No mais, os Estados Unidos como um todo saíram fortalecidos da Guerra
Civil. Apesar das intensas baixas - os números divergem mas fala-se algo entre
500.000 e 600.00 americanos – as indústrias tiveram que se transformar para
continuar funcionando, tecnologias tiveram de ser incorporadas para aumentar a
produção, terras do oeste foram urbanizadas, a metalurgia se fortaleceu, o
transporte ferroviário cresceu e o comércio se expandiu. E os anos de paz que se
seguiram só serviram para aumentar ainda mais essa potência produtiva que
mostrou toda sua força para o mundo na Primeira Guerra Mundial.
O crescimento dos Estados Unidos entre os anos de 1850 a 1900 fora
espantoso. Dispondo de recursos naturais abundantes e um enorme quantitativo de
imigrantes com o objetivo de trabalhar e enriquecer, este país mudou radicalmente
seus números. Neste período, sua população aumentou de cinco para setenta e seis
milhões de habitantes, e sua riqueza interna de sete para oitenta e oito bilhões de
dólares. O ideal da educação livre e pública tinha sido alcançado, o ideal da
43
MORISON, S. & COMMAGER, H. História dos Estados Unidos da América. 1973: 229.
32
imprensa livre mantido e o ideal da liberdade religiosa conquistado. Vejamos toda
essa movimentação entre 1870 e o início do século XX nas palavras do historiador
Hofstader :
During this period American settlers and entrepreneurs had
filled up a vast area of a land between the Mississippi River
and California and had spanned the country with a railroad
network of more than a quarter of million miles. The number
of farms (…) had doubled (…) and the production of wheat,
cotton and corn had increased (up to) two and-a-half times
(…) whole systems of industry and (...)industrial production
were created (…) the production of... coal increased five
times of (…) petroleum twelve times, of steel (products)
more then 140 times. The urban population jumped from 9.9
million to 30.1 million (…). Toward the end of century it
became (…) evident that all this material growth had been
achieved at a terrible cost in human values and in the waste
of natural resources.
44
.
É claro que a amplitude de desenvolvimento em direção à condição de
potência capitalista acabaria por gerar problemas típicos de sociedades modernas
capitalistas, como o surgimento das desigualdades, crises cíclicas na economia,
concentração de riqueza, desemprego e subemprego, proliferação de doenças
contagiosas e atritos culturais entre brancos e negros. Essas falhas foram
observadas e apontadas pelos progressistas da época que desejavam o
aperfeiçoamento de sua sociedade e que, paulatinamente, em um regime liberal
foram efetuando dispositivos políticos e legais para sanar esses problemas, que,
como sabemos, até hoje perduram em maior ou menor grau.
Ideias e Ideais norte-americanos
Destrinchar todas as ideias que poderiam estar povoando as mentes dos
governantes e dos intelectuais norte-americanos em fins do século XIX é uma
44
Durante este período, os colonos americanos e os empresários tinham conquistado
uma vasta área de terra entre o rio Mississípi e a Califórnia, e tinham expandido o país com
uma linha férrea de mais de um quarto de milhão de milhas. O número de fazendas (...)
tinha dobrado (...) a produção de trigo, algodão e milho teve um aumento de até duas vezes
e meia (...) todo sistema de produção industrial cresceu (...) a produção de carvão
aumentou cinco vezes (...) a de petróleo doze vezes, a de aço (produtos) mais de 140 vezes.
A população urbana saltou de 9,9 milhões para 30,1 milhões (...). Perto do fim do século,
tornou-se (...) evidente que todo esse crescimento material tinha sido conseguido a um
custo terrível em valores humanos e na perda de recursos naturais. (tradução minha).
Hofstadter, 1969, p. 70 et.seq. In Sousa, M. Brasil e Estados Unidos: nação imaginada: 28
33
tarefa impossível. Seja pela distância física e temporal do cenário em questão,
seja pela dificuldade em si que essa tarefa traz. Mas é possível delinear algumas
ideias que provavelmente eram conhecidas de muitos dos que se dedicavam às
letras ou, até mesmo, poderiam ter acesso a elas através dos meios de
comunicação. Essas ideias talvez possam iluminar a análise de certas teorias que
aqui serão tratadas. Algumas são de extrema abrangência e impacto tal como é a
teoria Darwinista sobre a Origem das Espécies.
A obra Origin of Species
45
de Charles Darwin publicada em 1859 gera um
impacto em diversos ramos de conhecimento e nas mentalidades de forma geral.
No aspecto religioso, essa teoria já causa um estrondo pelo próprio princípio: não é
Deus o benfeitor criador da vida humana, a vida humana é o resultado de
complexos processos evolutivos da vida em geral. Esta doutrina, apesar de
controversa, se difundiu rapidamente pelo mundo, através de artigos de Revistas e
Conferências. Seu aspecto evolucionista traz como um dos argumentos principais
que organismos complexos derivam de organismos mais simples. Ou seja, de que
por meio da adaptação organismos mais simples vão pouco a pouco
complexificando seus mecanismos internos para sobreviver. A teoria da evolução
biológica, assim como seu paralelo, a teoria da evolução social, ganhou
rapidamente adeptos ao redor do mundo que as utilizaram com ou sem critérios
para explicar toda sorte de fenômenos sociais. E assim a teoria da evolução foi
incorporada a diversos campos de pensamento, como o Direito, a História, a
Economia, a Sociologia, a Filosofia, a Religião e a Arte.
A Teoria sobre a origem das espécies também contribuiu para pôr em debate
o transcendentalismo e fortalecer o pensamento do pragmatismo. Todo esse
movimento de racionalização das ideias não tem início em um ponto fixo do mundo
45
O livro A Origem das Espécies teve grande impacto por apresentar, dentre outros
temas, a Teoria da Evolução e a Teoria da Seleção Natural, que defendem o progressiva
evolução das espécies dos organismos mais simples até os organismos mais complexos. Ver
DARWIN, C. A Origem das Espécies, 2004.
34
mas pode ser dito que houve maior divulgação após a Revolução Francesa e
divulgação dos escritos de seus pensadores. A progressiva substituição do
pensamento mitológico pelo racional por parte dos intelectuais da época resultou
em todo um rearranjo de explicações sobre os fenômenos. A necessidade de
demonstração dos fatos e até mesmo a metodologia do materialismo histórico fez
com que alguns dogmas religiosos e sociais fossem revisitados à luz da razão e
outras conclusões passaram a ser defendidas.
46
O pragmatismo somado à racionalidade desestabilizou verdades e fez com
que qualquer conclusão pudesse ser verificada. Essa possibilidade de reavaliação se
adequaria perfeitamente à sociedade norte-americana que acabara de se formar e
que precisava estabelecer verdades próprias e, ao mesmo tempo, verdades
mutáveis. Necessitando impor leis próprias, mas antes de tudo leis humanas,
contestáveis e sujeitas a mudanças conforme a transformação da própria
sociedade. E o empirismo, por sua vez, pôde dar fundamento a todas as
descobertas realizadas em prol da ciência e do crescimento econômico, tornando os
Estados Unidos um campo fértil para o progressismo que lá foi se instalar.
O clima de mudanças políticas, a prática dos ideais de liberdade e igualdade,
e a mentalidade acadêmica aberta a mudanças e reavaliações provavelmente
forneceu os instrumentos necessários para que estudiosos como Franz Boas
viessem a contestar a doutrina da desigualdade das raças. A aposta de Boas em
uma série de testes e pesquisas por própria conta para comprovar a igual
capacidade das raças, assim como a plena possibilidade do negro e do índio serem
integrados à sociedade norte-americana, sem dúvida, ajudou a compor a unidade
do sonho americano.
46
MORISON, S. & COMMAGER, H. História dos Estados Unidos da América. 1973: 270.
Capítulo 2
Sobre a Igualdade e a Desigualdade Racial
Este capítulo será dedicado a relacionar o ideal de igualdade no Brasil e nos Estados
Unidos ao tema racial. No primeiro segmento será feito um resgate das obras do
historiador Jackson Turner
1
, dos Estados Unidos, e do também historiador Oliveira
Lima
2
, do Brasil, através do título de Melissa Sousa
3
, procurando identificar de que
maneira o sentimento de igualdade contribuiu para a construção do nacionalismo
nessas duas sociedades multiétnicas. E, seguidamente, será feita uma análise sobre
o problema racial para Boas e Bomfim com o detalhamento de suas respectivas
argumentações para combater a doutrina racista e sustentar a crença de ambos em
uma pretendida igualdade racial.
A construção do sentimento de igualdade no Brasil e nos Estados Unidos
No primeiro capítulo vimos que Brasil e Estados Unidos possuem histórias
semelhantes. Para iniciar suas histórias modernas, esses países tiveram de
enfrentar a natureza em estado primitivo, precisaram enfrentar interesses diversos
entre nativos e colonizadores, necessitaram ultrapassar fronteiras e construir
civilização nas mais diversas paisagens. Além disso, Brasil e Estados Unidos
passaram por um grande impacto derivado da imigração em parte europeia e em
parte africana.
1
SOUSA, Melissa. Brasil e Estados Unidos: nação imaginada, 2008.
2
Frederick Jackson Turner (1861-1932) foi um historiador americano cuja principal
obra: TURNER, J. The Significance of the Frontier in American History. 3ª ed. Malabar.
Krieger: 1985, ainda não foi traduzida e nem publicada no Brasil.
3
Manoel de Oliveira Lima (1867-1928) foi um escritor e embaixador do Brasil em
diversos países, escreveu diversas obras históricas sobre o Brasil. Dentre elas, OLIVEIRA
LIMA, M. Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira: 1997
36
Em termos sócio-culturais, Brasil e Estados Unidos tiveram a tarefa de
conciliar diversas nacionalidades buscando a concretização de uma nação e a
integração do elemento negro e índio em igualdade de condições apesar da
exploração que esses povos sofreram. E se as duas nações um dia foram colônias,
tiveram de escrever com suas próprias mãos o dia de sua independência, que nem
em um, nem em outro caso foi dada de presente, mesmo sob circunstâncias
díspares. A abolição ocorreu antes aos Estados Unidos na condição de guerra, para
só depois chegar à pátria verde e amarela, ainda na condição de reinado. Impondo
independência total e a construção de uma nação chega a República aos Estados
Unidos, para só mais tarde chegar ao Brasil, ainda com ares de oligarquia. No
caminho da Industrialização, os Estados Unidos conseguiram números muito mais
expressivos em um tempo que a riqueza do Brasil ainda vinha das fazendas e dos
cafezais. Porém, como semelhança importante pode-se destacar a habilidade de
seus governantes em manter a unidade territorial e política desses países, mesmo
tendo que utilizar a guerra e governos autoritários para isso.
No entanto, na realização dessas repúblicas, o direito da igualdade ganhou
traços diferentes nas duas nações. Se formos seguir a avaliação de Melissa Souza
4
,
as origens históricas dos Estados Unidos já compõem para a formação de uma
sociedade mais igualitária do que a brasileira. O imigrante, ao chegar nos Estados
Unidos, teria de enfrentar a natureza com seu corpo e sua vontade, para conquistá-
la e para obter riquezas através de seus esforços. Em uma colônia de povoamento,
como foi o caso dos Estados Unidos, todos os imigrantes de muitas partes do
mundo chegam no objetivo de construir riqueza e apostar em uma vida melhor.
Desejavam de fato construir uma nova nação nos aspectos morais, legais e
ideológicos. A marcha para o Oeste seria para homens bravos e aventureiros que
fariam tudo para manter a dignidade neste novo país, com um povo “novo”, com
regras novas.
4
SOUSA, Melissa. Brasil e Estados Unidos: nação imaginada. 2008.
37
O homem norte-americano que deixa sua sociedade para trás e é
regenerado pela natureza vai em busca de uma sociedade mais justa e igualitária e,
por isso mesmo, não irá deixar cair em demagogia o princípio da igualdade e da
democracia, e nem abrir mão do direito da liberdade. A questão da democracia,
então, se torna crucial no debate norte-americano, sustentada pela crença geral
nos valores da liberdade e da igualdade, em uma sociedade que fora feita por meio
da coragem dos imigrantes e que, portanto, precisava factualmente ser dirigido por
eles. E se isto não correspondia à realidade, ao menos era caminho a ser seguido.
Segundo Souza
5
, ao analisar a obra do historiador Jackson Turner
6
, a
conquista do Oeste realizada por homens comuns, que não se ilustraram nas
universidades, será o ponto de partida para uma sociedade igualitária. A força
desses homens, em contato direto com suas terras e com os perigos da natureza
irá ditar o clima de respeito mútuo pela conquista de um novo continente. Toda
referência ao aristocrático, ao privilégio, incluindo os saberes dos intelectuais
europeus e suas cátedras nas universidades parecerão ameaçadores.
O mérito do esforço pessoal e a simbologia do homem comum seriam, desta
forma, os pilares desta nova democracia que se apresentava. Fatos históricos como
a existência de uma guerra para conquistar o desligamento com a Metrópole, a
eleição de Abraham Lincoln, homem sabidamente rústico e de espantosa liderança,
e a necessidade de uma Guerra Civil para estabelecer uma igualdade concreta para
todo cidadão norte-americano nos mostram a forte vocação desta nação para a
democracia.
Por outro lado, a história do Brasil relatada pelo historiador Oliveira Lima
7
e
também analisada por Melissa de Mello e Souza aponta como mito criador da nação
Brasil não o povo brasileiro, mas o Imperador D. João VI. É o início do reinado de
5
SOUSA, Melissa. Brasil e Estados Unidos: nação imaginada, 2008.
6
TURNER, J. The Significance of the Frontier in American History. 3ª ed. Malabar.
Krieger, 1985.
7
OLIVEIRA LIMA, M. Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira, 1997.
38
D. João VI que promove o Brasil de colônia longínqua à nação com pompas
europeias. Ou seja, não é o rompimento com a Metrópole que inaugura o
sentimento de nacionalidade do Brasil, e sim o estreitamento da ligação com ela. O
povo descrito nesta narrativa não representa nada de conquistador, mesmo porque
este povo pouco avança além do litoral. Seu maior objetivo, pelo contrário, não é
celebrar o poder de ser um homem comum em uma sociedade de homens comuns,
é sim deixar de ser um homem comum em uma sociedade de privilégios.
O Brasil, desde o seu nascimento como nação, teria gerado um centro de
poder e de cultura intelectual no qual seria importante se estar. Ao invés de
irradiar, o modelo de corte brasileiro concentraria poder. As novidades a serem
valorizadas viriam de lá, as novas ideias, teorias e tecnologias também. Nesta
configuração o povo excluído desta roda de influências não estaria nada mais do
que em uma posição desigual e desprivilegiada, agindo como receptor de uma
cultura válida que só poderia vir de fora e de seu centro irradiador.
Será a conjunção entre as instituições culturais trazidas da Europa por D.
João VI e a originalidade “adaptada” da natureza e do povo que irá fundar a nação
brasileira. As instituições culturais virão para “adiantar” o processo de civilização
brasileira ao mesmo tempo em que coloca esta mesma nação como objeto de
estudo. Bibliotecas, institutos de arte, música e pesquisa científica, escolas e
instituições de ensino superior serão implantadas para cumprir o seu papel de
modernização e disseminadores de conhecimento. A natureza, que no mito nacional
dos Estados Unidos foi conquistada para o povoamento e o desenvolvimento, no
Brasil será explorada para ganhos ao curto prazo ou objeto de estudo para
brasileiros e missões científicas estrangeiras. Assim poder-se-ia fundar um Brasil
moderno e genuíno num só tempo.
A República brasileira instaurou-se e seguiu em seus governos eleitos por
participação indireta a ignorar a massa do povo brasileiro como sujeito das
relações, tornando a democracia um sentimento pouco apreciado entre os
39
brasileiros. Assim, se os Estados Unidos construiu sua unidade diante da conquista
de uma fronteira, com o suor daqueles que se arriscaram a povoá-la, o Brasil teria
forjado a sua unidade na colaboração de um reinado concentrador, de uma cultura
por muitas vezes transplantada e em torno da exuberância de uma natureza
explorada e pouco conhecida.
O sentimento de igualdade, obviamente, não poderia ter se posto de forma
prioritária conforme ocorreu com o povo do norte. A igualdade não se colocou como
sentimento de urgência no Brasil. Com uma sociedade ex-escravista estratificada,
uma população pouco instruída, uma regionalização sob fortes comandos e
governos autoritários, não se conseguiu criar neste país uma crença eficaz o
bastante que fizesse o povo enxergar-se como elo participativo no processo
democrático, construindo nas mentes um indivíduo brasileiro abstrato que pudesse
representar qualquer cidadão desse país.
Mas, por outro lado, se foi impossível estabelecer um sentimento de
igualdade entre os indivíduos brasileiros confrontado à realidade sócio-econômica
deste país, surgiu um outro símbolo tão forte quanto inesperado. A figura do
mestiço, aterrorizante para muitos intelectuais racistas brasileiros desta época
8
,
começa a ser vislumbrada como opção para construir um sentimento comum de
“brasilidade”. Seja na ótica do embranquecimento ao longo prazo ou mesmo na
expectativa de mistura para se moldar um só brasileiro típico, o mestiço passa a
ser o símbolo de reconhecimento da nação hierarquizada. Vejamos trecho de
Oliveira Lima sobre a resistência pernambucana contra a Ocupação Holandesa no
século XVII:
“(...) a revolta (…) foi a primeira afirmação certa e irrecusável
da unidade, eu poderia dizer, na nacionalidade brasileira. Não
era mais Portugal, era o Brasil que se insurgia agora e
enfrentava a Holanda. E a observação de que as diferentes
raças, que se misturavam sob nosso céu, tomaram, cada
qual, sua parte notória e gloriosa no restabelecimento da
autoridade portuguesa, foi feita pelos oradores exaltados (…)
8
ALVES FILHO, Aluizio. Manoel Bomfim: combate ao racismo, educação popular e
democracia radical. 2008: 34-35.
40
Colonos de Portugal, brasileiras de nascença, índios e negros
se bateram de perfeito acordo para expulsar o inimigo. (…)
9
.
O Brasil que se forma a partir da mistura de “raças” passa a representar,
então, um forte símbolo de unidade em um Brasil distinto em tantas regionalidades
e classes sociais. Os Estados Unidos, por sua vez, tendo como ponto forte a
igualdade de oportunidades como unificador da identidade, relega a segundo plano
a mesma origem multiétnica, destacando apenas a participação do elemento
europeu em suas diferentes nacionalidades. Este país seguirá, então, em uma
política cultural bipartida entre brancos e negros por todo século XX, deixando de
incorporar, assim como fez o Brasil, o mestiço a sua identidade nacional
10
. Desta
forma, Brasil e Estados Unidos construirão cada um a sua maneira sua identidade
nacional assim como fundamentarão o ideal da igualdade de formas distintas.
E Se fica concordado que Brasil e Estados Unidos vieram de uma origem
multiétnica em um tempo em que predominavam as teorias racistas, resta saber de
que forma Manoel Bomfim e Franz Boas combaterão as teorias deterministas em
vigor no início do século XX, e com que argumentos tentarão comprovar a igual
capacidade intelectual e de desenvolvimento entre as raças.
O Problema da Raça
O desafio posto por Manoel Bomfim e Franz Boas inclui soluções
argumentativas que proporcionassem uma situação de igualdade de capacidades
entre os indivíduos de todas as raças. Em especial, o desafio era tentar inserir o
imigrante negro recém-liberto, no contexto das repúblicas brasileira e norte-
americana, no grupo total de cidadãos em busca do progresso individual e coletivo.
9
OLIVEIRA LIMA, Formação Histórica da Nacionalidade brasileira, p. 194 et. Seq. In:
Souza, 2008.
10
Sobre o fenômeno da mestiçagem brasileira ver FREYRE, G. Casa-grande & Senzala,
1992 e sobre a discussão do antropólogo Roberto Da Matta sobre a questão racial no Brasil e
nos Estados Unidos ver Da MATTA, R. O que faz do Brasil, Brasil. Ed. Rocco: 1997.
41
Por isso, a seguir iremos discutir alguns pontos das obras desses autores em que
eles tratam especificamente da teoria racista, e, ainda, avaliam os riscos e as
possibilidades do componente mestiço da formação de uma nação.
Em primeiro lugar, põe-se claro que o problema da raça é entendido aqui
como o impasse no qual muitos cientistas se ativeram quanto à concordância ou
discordância em relação à teoria da superioridade das raças. Essa teoria teve como
um dos seus maiores precursores Arthur Gobineau
11
, considerado por muitos o pai
do racismo científico, defensor da ideia de que a raça branca possuía originalmente
o monopólio da beleza, da inteligência e do vigor enquanto a união com outras
variedades de raças resultaria em seres híbridos, débeis, fortes mas sem
inteligência e sobretudo feios.
12
É contra este atestado condenatório da raça negra,
indígena, povos mestiços e outros considerados primitivos que Bomfim e Boas irão
se debater.
É importante salientar que nenhum dos dois autores irá considerar uma
plena igualdade entre as raças, ou seja, continuarão a validar o estatuto de raças e
não o de uma única raça para classificar o conjunto total dos seres humanos,
contrariando o modo conforme esta questão é entendida atualmente
13
. O máximo
que Boas e Bomfim vão estabelecer como verdade é que se trata de uma única
espécie humana. E, portanto, apesar de possuírem diferenças raciais, estarão em
um mesmo nível comparativo. A discussão sobre as consequências cruzamento de
raças, pois, ainda irá gerar uma discussão para os dois autores.
11
Arthur de Gobineau (1816-1882) foi um diplomata e escritor francês que teorizou
sobre a diferença das raças na sua obre mais famosa “Ensaio sobre a desigualdade das
raças”, publicado pela primeira vez em 1885.
12
Ver ALVES, Aluízio. Manoel Bomfim: um ensaísta esquecido: 29.
13
De acordo com a opinião dos antropólogos atuais e também com a declaração da
UNESCO sobre as raças, publicada em 18 de julho de 1950, qualquer diferenciação
intelectual entre seres humanos baseada em sua origem racial deve ser descartada. Segundo
esta declaração, a utilização do termo raça corresponderia muito mais a um “mito” do que a
uma verdade. As diferenciações constatadas entre os grupos humanos até agora seriam
insuficientes para comprovar a existência de raças da forma que as teorias racistas
utilizaram esse termo. Desta forma, espécie humana e raça humana teriam significados
indiferenciados.
42
Bomfim segue fundamentalmente uma argumentação lógica para desmontar
o racismo científico. Depois de perguntar a quem interessaria a validação da
superioridade das raças e perceber que tal teoria não significa mais do que uma
justificação para a dominação dos mais fortes sobre os mais fracos, o autor passa a
usar como recurso a história para confrontar tal superioridade.
Que vem a ser esta teoria? Como nasceu ela? A resposta a
estas questões nos dirá que tal teoria não passa de um
sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocritamente
mascarado de ciência barata, e covardemente aplicado a
exploração dos pobres pelos fracos.
14
Valendo-se do princípio desta teoria em que os brancos europeus são mais
capacitados ao progresso por serem os mais fortes, assinala momentos outros da
história antiga onde os brancos foram derrotados por raças não brancas para
conseguir inverter a lógica desta premissa. Pois, se os brancos europeus fossem
definitivamente superiores às demais raças, o que explicaria sua derrota em vários
outros momentos históricos para povos de outras raças? Além disso, Bomfim
retoma dados históricos das civilizações latino-americanas em estado avançado,
como os Incas, para provar a capacidade de progresso dessas raças morenas
desbancando novamente a teoria racista. Ora, concluía Bomfim, se a raça branca
fosse definitivamente superior por natureza, o que explicaria tantos eventos
contraditórios em que esta raça não obteve êxito perante os menos capacitados.
Estaria comprovado, através do método histórico, que a teoria da
superioridade das raças e sua ampla aceitação nas elites europeias não passava de
um engodo a fim de justificar o parasitismo praticado pelas metrópoles sobre as
colônias da América Latina.
A metáfora do parasitismo constitui a principal tônica do autor durante toda
a obra América Latina: males de origem, respondendo pelas causas dos principais
problemas brasileiros desta época como a economia agrícola, a escassez de
trabalho industrial, um sistema político degenerado e uma população ignorante. O
14
BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem: 268
43
regime colonizador, que só visava o enriquecimento da metrópole as custas do
solapamento da colônia, era o verdadeiro motivo dos males brasileiros e não sua
raça negra ou mestiça. Vejamos um diagnóstico do autor sobre sistema
colonizador:
O sistema parasitário impunha a escravidão. E porque o
regime colonial era o do puro parasitismo, foi imposta às
novas sociedades uma organização política inteiramente
antagônica e incompatível com os seus interesses próprios,
um regime retardatário, opressivo, corrupto e extenuante. Ao
mesmo tempo, condenavam-se as colônias a ser um campo
de exploração de um mundo de intermediários, que iam e
vinham numa corrente contínua, drenando para a metrópole
toda a riqueza aqui produzida. Eis a razão por que exânime,
embrutecida, a América do sul se achou, na hora da
independência, como um mundo onde tudo estava por fazer:
eram uns 20 milhões de homens, desunidos, assanhados,
pobres, espalhados por estas vastidões, tendo notícias de
que havia civilização, padecendo todos os desejos de possuí-
la, mas carecendo refazer toda a vida social, política e
intelectual, a começar pela educação do trabalho e pela
instrução do abc.
15
O parasitismo, e não a raça, seria a causa maior dos males do Brasil. E
esses males seriam transmitidos basicamente por três meios: a hereditariedade, a
imitação e a educação, que seriam mais derivadas dos costumes do que de
qualquer elemento inato. Considerando que, para Bomfim, imitação e educação
são valores e comportamentos transmitidos, e que o fator hereditariedade não
estabeleceria limites claros entre o congênito e o costume, poderíamos afirmar que
o autor coloca todo o peso dos (maus) hábitos do brasileiro em termos culturais tal
qual nós entendemos o conceito de cultura atualmente.
(...) em que consiste a hereditariedade social? Consiste na
transmissão , por herança, das qualidades psicológicas,
comuns e constantes, e que, por serem constantes e comuns
através de todas as gerações dão a cada grupo social um
caráter próprio e distintivo (...).
16
15
BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem: 158.
16
BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem: 178.
44
Bomfim toma estas características psicológicas presentes em todos os
grupos sociais como fato incontestável, afirmando que o homem herda de seus
progenitores os caracteres da classe, ordem ou espécie. Nesta altura admite a
existência de uma herança psicológica tal qual a herança genética de Boas, num
processo de ampliação do conceito de transmissão hereditária da escala individual
para a macro escala das grandes nações.
Curiosamente, Bomfim reclama a inexistência de uma psicologia etnográfica
que viesse a discriminar, na instabilidade de conduta de um povo, a parte
exclusivamente devida à hereditariedade e a que é efeito da educação e imitação.
Uma vez que pela falta de tal ciência não seja possível separar aquilo que é devido
à herança e aquilo que seja efeito da educação. No máximo, o autor se arrisca em
colocar em poucas linhas algumas diferenciações básicas entre uma e outra
categoria: Pode-se dizer que as tendências e inclinações, a aptidão e o vigor, isto
nós herdamos, e que a educação – no sentido mais extenso do termo – completa a
formação do caráter, no sentido da tradição e da adaptação.
17
. Bomfim, em
poucas palavras, avança sobre a problemática que ocupará grande parte da obra
de seu contemporâneo Franz Boas.
Quanto às contribuições hereditárias que as raças negra e indígena
pudessem ter exercido na população brasileira, Bomfim é bem menos
revolucionário do que em sua análise sobre o racismo científico. Ele reconhece a
participação dessas raças na formação do caráter das populações latino-
americanas, mas acredita que as influências dos povos ibéricos sejam
predominantes ou até mesmo determinantes. Segundo o autor, as raças negra e
indígena seriam povos ainda muito atrasados que não possuiriam nem qualidades,
nem defeitos; nem virtudes que se impusessem aos outros ou causasse imitação.
E, ainda, que esses povos primitivos distinguiam-se justamente por um conjunto
de qualidades negativas, fossem elas a inconsistência de caráter, a leviandade, a
17
Idem. Ibidem: 175.
45
imprevidência e a indiferença pelo passado. A partir desses quadros vazios viriam,
então, sua grande adaptabilidade a qualquer condição de vida.
18
Nestes trechos em que demonstra uma visão infantilizada e pejorativa
sobre o negro, Bomfim se aproxima das opiniões racistas dominantes de sua
época, não se mostrando capaz de brindar a diferença, e sim somente de lamentar
a inferioridade. Descrevendo um inferior que, com esforço, poderia superar suas
dificuldades inatas. Mesmo quando na tentativa de identificar as qualidades
positivas da raça negra acaba pormenorizando este povo, que seria marcado por
uma certa afetividade passiva, uma dedicação morna, doce e instintiva, sem ruídos
e sem expansão.
19
Não deixando dúvidas sobre sua visão ainda bastante
hierárquica em relação às raças:
Por isso, misturada a outros povos, a influência que exercem essas
raças é uma influência antes renovadora que diretriz. Expliquemos
essa metafísica: são gentes infantis, que não possuem irredutíveis
qualidades de caráter, e resistem menos ao influxo de ideias novas
que as populações cultas, sobre as quais pesam tradições
históricas especiais e uma civilização determinada.
20
Por outro lado, afirma que os defeitos clássicos dos negros que seriam a
submissão incondicional, frouxidão de vontade e docilidade servil seriam antes
efeito da situação em que os colonizadores os colocaram do que proveniente de
qualquer outra motivação. É nesse constante “quase confundir” entre o que seria
consequência da herança ou da educação que Bomfim salta da lamentação das
características da raça negra à exaltação, abrilhantando os feitos dos negros dos
quilombos e sua tendência natural para o altruísmo que, segundo o autor, é
principal marca do evolucionismo moral dos povos.
Em um balanço final mais positivo que negativo quanto aos povos negros e
indígenas, principalmente se comparado aos defensores da teoria da superioridade
18
Idem. Ibidem: 261.
19
Idem. Ibidem: 261.
20
Idem. Ibidem: 261.
46
das raças
21
, Manoel Bomfim afirma sua principal tese de que o problema crucial do
Brasil seria o regime colonizador, que só servia para sugar as forças e riquezas do
Brasil e do povo brasileiro. E sendo esta força maléfica retirada completamente, o
Brasil tornar-se-ia capaz de resolver seus outros problemas mais facilmente; tais
como o progresso das massas e a superação hereditária dos negros e dos índios
que, conforme o autor, seriam perfeitamente capazes de adquirir a civilização se
postos em ambiente favorável.
Colocadas as principais considerações de Manoel Bomfim sobre o problema
da raça, iremos agora às concepções de Franz Boas sobre o mesmo problema.
Para começar, antes das publicações de Franz Boas ganharem proeminência nas
primeiras décadas do século XX, as populações “primitivas” ainda eram
consideradas povos inferiores ou “atrasados” para alguns especialistas
22
enquanto
que, para este autor, tais diferenças advinham principalmente de fatores externos,
históricos e culturais, dando início ao que hoje conhecemos como estudos de
antropologia cultural.
A preocupação primordial de Boas em termos de raça e cultura é deixar
claro que diferenças culturais locais não podem ser confundidas com diferenciações
comportamentais baseadas em origens raciais. Apesar de validar que haveria
formas culturais de acordo com o tipo de raça, Boas não encara este conceito
como um fator decisivo independente e nem determinante. Porém, da mesma
forma que Bomfim, Boas ainda considera a categoria raça como plural, ou seja,
trabalha com o termo raças, e não raça humana assim como reconhecemos nos
dias atuais.
21
A exemplo do sociólogo lusitano Oliveira Martins, a quem Bomfim constantemente
se refere antagonicamente no desenvolver de sua argumentação.
22
Referente principalmente aos autores da escola Evolucionista, tais como Tylor,
Morgan e Frazer. Ver CASTRO, Celso (org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro, Zahar,
2005.
47
(...) we must say that the hereditary characteristcs are not
“racially” determined, but belong to family lines that occur in all
these local groups. In this case the term “racial heredity” loses its
meaning. We can speak solely “hereditary in family lines”.
23
Nos primeiros capítulos de Cuestiones Fundamentales de Antropologia
Cultural, Boas constrói um pensamento semelhante ao de Bomfim para invalidar a
teoria da superioridade das raças. Recorrendo a passagens históricas, realiza a
mesma pergunta recorrente: se a raça branca é definitivamente superior às demais
então por que nem sempre esteve em vantagem histórica? Inquirindo e
respondendo a essa pergunta, Boas relata variados exemplos na História Antiga em
que povos da raça branca ou foram dominadas por povos de raças diferentes ou
momentos em que raças de outros povos gozavam de posição indubitavelmente
superior aos brancos.
24
Contudo, o principal argumento que desfará o nó entre características raciais
e culturais e, portanto, nas dubiedades entre os termos raça e cultura, será o
estudo do que Boas chama de linhas familiares. Boas irá se concentrar justamente
na investigação dessas linhas familiares para tentar desvendar a transmissão de
caracteres hereditários. As linhas familiares e não as hereditariedades raciais
estarão em pauta nos estudos deste autor. Para ele, as heranças familiares serão
muito mais determinantes na formação de um tipo individual do que qualquer
característica de raça.
As características de raça, por sua vez, corresponderão a um tipo médio
25
racial que não existe em realidade mas somente na abstração dos indivíduos.
Entretanto, este tipo médio imaginado de uma raça poderá variar a extremos tais
que existirão casos em que alguns indivíduos de uma raça terão seus traços mais
23
Devemos dizer que as características hereditárias não são "racialmente"
determinadas, mas pertencem a linhas familiares que ocorrem em todos estes grupos. Neste
caso, o termo “herança racial "perde o seu significado. Podemos falar apenas em
“hereditariedade em linhas familiares”. (tradução minha). BOAS, Franz. Anthropology and
Modern Life: 28
24
Boas, Franz. Cuestiones Fundamentales de Antropologia Cultural: 22-32
25
Em uma definição de tipo médio que fará lembrar bastante o conceito de tipo ideal
elaborado por Max Weber.
48
semelhantes aos de um indivíduo de uma outra raça do que com o tipo médio de
sua própria raça. Desta forma, pela intensiva variação de tipos que uma raça pode
apresentar, Boas acaba por desqualificar o parâmetro raça como fundamental em
uma análise quanto às qualidades hereditárias.
We must also remember that the “type” is more or less an
abstraction. The characteristics traits are found rarely
combined in one and the same individual, although their
frequency in the mass of the population induces us to
imagine a typical individual in which all these traits appear
combines.
26
Boas afirma que pouco pode ser dito sobre a transmissão de características
raciais além de traços aparentes como os formatos de nariz, olhos, boca e tipos de
cabelos. It is well to remember that heredity means the transmission of anatomical
and functional characteristics from ancestor to offspring. A population consists of
many family lines whose descent from common ancestors cannot be proved.
27
. Ao
partir deste princípio, o autor transparece as incertezas sobre as capacidades
potenciais de cada raça, abrindo amplas possibilidades para contestações às teorias
racistas.
A pureza das raças estaria, portanto, muito comprometida pela intensa
mistura das distintas linhas familiares existentes dentro de uma mesma raça assim
como devido ao constante movimento inerente ao processo de passagem de
gerações e cruzamentos familiares, não sendo possível, deste ponto de vista,
estabelecer nenhum tipo de estabilidade racial que legitime os tipos puros raciais
como algo tangível. O termo hereditariedade só teria uma aplicação correta,
26
Devemos lembrar também que o "tipo" é mais ou menos uma abstração. Os traços
característicos raramente são encontrados combinados em uma mesma pessoa, apesar de
sua freqüência na massa da população nos induz a imaginar um indivíduo típico em que
todas essas características aparecem combinas. (tradução minha). BOAS, Franz.
Anthropology and Modern Life: 22.
27
É bom lembrar que a hereditariedade significa a transmissão das características
anatômicas e funcionais do ancestral à prole. A população consiste de muitas linhas
familiares, cuja descendência de antepassados comuns não podem ser provada. (tradução
minha). BOAS, Franz. Anthropology and Modern Life: 24.
49
portanto, se referido às linhas familiares. Extrapolando esta unidade de análise
teríamos o uso do termo raça cada vez mais vago e impreciso.
Considerando todos os tipos familiares e individuais existentes em uma
nação, a categoria de análise raça perderia totalmente seu valor e propósito. A
unidade racial, portanto, só existiria em uma determinada linha familiar, diluindo-se
ao nível do imperceptível conforme fosse sofrendo variações provocadas pela
intensa combinação de caracteres genéticos. O resultado desta lógica seria que
diferenças intra e entre raças viessem a se equivaler.
The differences between races are so small that they lie
within the narrow range in the limits of which all forms may
function equally well. We cannot say that the ratio of
inadequate brains and nervous systems, that function
noticeably worse than the norm, is the same in every race,
nor that those of rare excellent are equally frequent.
28
Aceita esta teoria em que valores genéticos não são mais determinantes
serão colocadas sobre o meio ambiente e sobre as condições de vida as
justificativas pelas diferenças encontradas entre os povos. Boas traz do
determinismo geográfico a influência do meio ambiente sobre as formas e
estruturas do corpo como também sobre a personalidade dos homens. Apesar de
ter esta tendência muito mais amenizada em seus trabalhos mais maduros, é nela
que irá se inspirar ao traçar comparações entre as adaptações do corpo e as
adaptações da mente em virtude das demandas do lugar.
If we bring two organically different individuals in the same
environment they may, therefore, become alike in their
functional responses and we may gain the impression of a
functional likeness of distinct anatomical forms that is due to
environment, not to their internal structure.
29
28
As diferenças entre as raças são tão pequenas que se encontram dentro dos
estreitos limites nos quais todas as formas podem funcionar igualmente bem. Nós não
podemos dizer que a razão dos cérebros e sistemas nervosos inadequados, que funcionam
visivelmente pior do que o normal, é a mesma em todas as raças, nem que aqueles de
raridade excelente são igualmente frequentes. (tradução minha). BOAS, Franz. Anthropology
and Modern Life: 41.
29
Se nós levarmos dois indivíduos organicamente diferentes no mesmo ambiente, eles
podem tornar-se semelhantes em suas respostas funcionais e podemos ter a impressão de
uma semelhança funcional das diferentes formas anatômicas que é devido ao ambiente, não
à sua estrutura interna. (tradução minha). BOAS, Franz. Anthropology and Modern Life: 47.
50
Franz Boas estenderá sua análise teórica para a esfera dos comportamentos
psicológicos e sociais, construindo a sofisticada tese de que indivíduos de raças
diferentes podem vir a ter as mesmas respostas psicológicas se condicionados a um
mesmo ambiente. Rebate, por exemplo, os testes de inteligência utilizados, entre
outros fins, para corroborar a inferioridade de algumas raças. Boas defende que
tanto brancos como negros, se socializados da mesma forma, terão desempenho
semelhante em um mesmo teste de inteligência. Por outro lado, indivíduos da raça
branca, se localizados e socializados em locais extremamente díspares, como
cidade e campo, apresentarão resultados discrepantes ao realizarem os mesmos
testes. Em mais uma argumentação que contribui para o desmantelamento da
crença em qualidades específicas inerentes às raças.
A esta altura os fatores culturais estão cada vez mais presentes na teoria de
Boas. O padrão de pensamento ao qual o indivíduo é exposto em sua infância passa
a ser especialmente considerado como um potente fator no direcionamento das
maneiras de pensar e agir. A experiência do ser social ganha espaço e passa a se
sobrepor a eventuais diferenças raciais, apesar do autor ainda reconhecer a
existência de diferentes raças.
The general experience of ethnologists who deal with recent
ethnological phenomena indicate that whatever organic differences
between the great races there may be, they are insignificant when
considered in their effect upon cultural life.(…). It does not matter
from which point of view we consider culture, its forms are not
dependent upon race.
30
As consequências sobre o cruzamento entre as raças é um tema que
também passa pela obra de Boas, porém, sem receber uma sentença científica
definitiva. Todo o pensamento do autor indica que não haja problemas em
30
A experiência geral de etnólogos que lidam com fenômenos etnológicos recentes
indica que todas as diferenças orgânicas entre as grandes raças podem existir, mas elas são
insignificantes quando consideradas em seu efeito sob a vida cultural. (...). Não importa de
qual ponto de vista, consideramos a cultura, as suas formas não são dependentes da raça.
(tradução minha). BOAS, Franz. Anthropology and Modern Life: 60.
51
descendentes de indivíduos provenientes de raças diferentes, mas Boas não afirma
categoricamente que este cruzamento não traga nenhum tipo de conseqüência
anormal. Para ratificar seu posicionamento utiliza o exemplo das misturas raciais
ocorridas nos Estados Unidos durante e após o seu povoamento. Até onde o autor
pode alcançar, este fator não prejudica o progresso daquela nação.
No es possible determinar en el momento actual el efecto
que estos procesos puedan ejercer sobre el tipo y
variabilidad últimas del pueblo americano, pero no hay
pruebas que nos induzcan a esperar um status más bajo de
los nuevos tipos en desarollo em a América.
31
A dificuldade persiste por que Boas, tal qual Bomfim, ainda crê na existência
de várias raças distintas e, seguindo a lógica das ciências da natureza no qual os
dois autores se apoiam, o cruzamento entre raças diferentes pode oferecer
resultados inesperados, tanto positivamente quanto negativamente. Assim, Boas
guarda cuidados em relação a este tópico e afirma que são necessários mais dados
e estudos para se chegar a uma conclusão confiável. A apreensão faz sentido,
sobretudo, pelo receio que o autor apresenta de que teorias catastróficas se
espalhem mundialmente, provocando uma crise profunda nos relacionamentos
raciais.
Como se pôde observar até este ponto da discussão teórica, nenhum dos
dois autores teria ousado a ponto de afirmar categoricamente a plena igualdade
entre as raças, em termos físicos, biológicos e psicológicos, mas ambos
caminharam em direção a uma aproximação significativa de potencialidades para as
raças existentes. Além disso, os fatores externos sociais ou culturais passaram a
responder significativamente pelas tendências de cada nação ou grupo cultural.
Desta forma, traços igualitaristas em termos de capacidades humanas foram
31
Não é possível determinar no momento atual o efeito que estes processos podem
exercer sobre o tipo e variabilidades recentes do povo americano, mas não há provas que
nos induzam a esperar um padrão mais baixo dos novos tipos em desenvolvimento na
América. (tradução minha). BOAS, Franz. Cuestiones Fundamentales de Antropologia
Cultural: 264.
52
percebidos nas argumentações de ambos em relação ao problema da raça, o que,
poderia indicar, a princípio, uma concordância com algumas fontes do pensamento
liberal em difusão no início do século XX. Termos como desenvolvimento e
progresso foram notados e a ideia geral encontrada tanto em Boas como em
Bomfim é a de que todos os povos teriam a possibilidade de superar as diferenças
raciais por interferência de influências ambientais e/ou culturais.
Capitulo 3
O ideal liberal e a liberdade para progredir
Alguns aspectos do liberalismo clássico
A tentativa de definir liberalismo esbarra na complexidade de amarrar todas as
possibilidades do que significa ser livre na concepção humana. Por isso, será dado a
este tópico uma orientação que se adapte aos objetivos propostos para este
trabalho. De início, fica posto que não se falará de teoria liberal em geral, deixando
de lado um maior aprofundamento nas diversas correntes sobre filosofia liberal ou
mesmo um debate sobre Economia Liberal, que incluiria até mesmo avaliações
sobre o estado de bem-estar social ou sobre o neoliberalismo. Por isso, os escritos
clássicos do liberalismo serão privilegiados, aqueles que, por tamanha difusão,
teriam mais chances de terem influenciado, de alguma forma, as questões de
Manoel Bomfim e Franz Boas.
Para efeito de uma apresentação geral, pode-se afirmar que o liberalismo é
um fenômeno que se caracteriza após o século XVI, levando o indivíduo a ser livre,
a ter plena consciência de si e de seu valor sobre a terra, pulverizando laços
corporativos e privilégios feudais. Seria a vitória da liberdade sobre a revelação, da
razão sobre a autoridade, e da ciência sobre o mito. O que provocou consequências
capazes de modificar rapidamente os costumes através de reformas na esfera
econômica e jurídica
1
.
No ramo conceitual o Liberalismo se subdivide em três esferas de trabalho e
interesse. O liberalismo jurídico – que se preocupa com a capacidade do Estado em
garantir os direitos do indivíduo. O liberalismo político – no sentido da luta política
parlamentar, capaz de promover sem recorrer à revolução para isso. E o liberalismo
1 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCIi, Nicola; PASQUINO, Gianfranco . Dicionário de
Política. 1999: 689.
54
econômico, que acreditava que o máximo de felicidade comum dependeria da
livre busca de cada indivíduo pela própria felicidade.
2
Entre esses três ramos do liberalismo, aquele que será mais enfatizado na
análise dos textos em relação à liberdade será o que foi classificado por Bobbio
como liberalismo político, pois será observada a concepção dos autores Boas e
Bomfim sobre alguns direitos civis permitidos ou negados pelo Estado a certos
segmentos da sociedade. O que será destacado na obra desses autores é a sua
impressão ou mesmo luta sobre direitos individuais no interior de seus temas
específicos e interesses pessoais.
Tipos de Liberdade
O conceito de liberdade é complexo por apresentar um caráter subjetivo do
que pode ser tomado como liberdade ou não. Inspirada nas definições de Norberto
Bobbio será assumido que a liberdade é caracterizada pelo seu contrário, isto é, a
falta de liberdade
3
. Nesse sentido, dotado de liberdade é aquele que não se sente
restringido por nenhum outro a cumprir suas vontades. Restrito em relação à
liberdade é aquele que, pela vontade do outro é proibido de fazer o que deseja. Ou
seja, o conceito de liberdade é entendido a partir de um outro que pode interferir
ou não naquilo que se deseja realizar. Se não há fator restritivo pela vontade de
um agente exterior, então não há restrição de liberdade. Pode-se afirmar que
alguém é livre na medida em que se dispõe a agir livremente, ou a agir
autonomamente, ou a desenvolver ao máximo suas capacidades
4
.
Ainda segundo Bobbio, há ainda três fundamentos modernos no agir livre: a
liberdade natural, racional e libertadora. Na concepção naturalística de liberdade, o
homem é verdadeiramente livre quando pode fazer tudo aquilo que o satisfaz. Na
2 Idem. Ibidem: 693
3 Idem. Ibidem: 691.
4 Idem. Ibidem: 711
55
medida em que o agir humano segue ou obedece aos próprios instintos ou
apetites ocasionais, precisando ter força para coagir e subordinar os outros
homens, ultrapassando seus obstáculos. Aqui a liberdade implica em desigualdade.
Nela, o homem verdadeiramente livre é um déspota. Seria a liberdade descrita por
Hobbes quando descreveu o homem em estado natural ou por Freud quando
colocou o princípio do prazer constitutivo da natureza humana.
Na liberdade racional, o homem não é livre no puro arbítrio, porém, pode
obter a verdadeira felicidade adequando-se a uma ordem necessária e objetiva. O
instrumento dessa liberdade é o conhecimento e não o instinto. E o homem no
Estado natural é o oposto ao homem no estado racional. Neste indivíduo a
verdadeira liberdade se manifesta, pois, como consciência da liberdade racional. É
liberdade do homem colocada em prol de uma finalidade racional.
A liberdade libertadora corresponderia a um misto entre a liberdade natural
e a liberdade racional. Nela o indivíduo tentaria responder ao máximo suas
vontades dentro dos limites do que estaria proposto na coletividade. Significaria a
emancipação ética do homem. Em outras palavras é o que se tenta realizar no
conjunto de leis das sociedades modernas liberais. Visando resguardar a liberdade
individual desde que ela não toque nos limites pré-estabelecidos nas constituições
políticas. Seria o Estado limitando a liberdade individual desde que existisse a
preocupação de conciliar o máximo espaço de arbítrio individual com a coexistência
de arbítrios alheios. Esses “tipos” de liberdade anteriormente descritos serão úteis
para perceber nos autores estudados quais seriam as linhas gerais da concepção de
liberdade que pretenderam seguir.
O liberalismo e alguns de seus clássicos
A doutrina do liberalismo político tece suas considerações sobre os limites
entre a liberdade do Estado e a liberdade do indivíduo. Trabalha em torno de um
56
dilema que inclui manter a liberdade dos indivíduos mesmo sob a supremacia de
um Estado, que ali está ao mesmo tempo para garantir a segurança de seus
cidadãos e também suas liberdades. Essas funções do Estado Liberal entram em
conflito partir do momento em que o indivíduo sente-se oprimido pelo Estado ao
invés de protegido, o que pode ocorrer quando um outro indivíduo retira-lhe a
liberdade sem que o Estado entre em ação, ou mesmo quando é o próprio Estado
que lhe tira alguma liberdade específica. Ou seja, o problema de estabelecer um
equilíbrio em um Estado Liberal é que se todas as potências individuais forem
acatadas provavelmente não se terá uma democracia, pois, por muitas vezes, o
direito de liberdade de um coloca em risco o direito de liberdade do outro. Desta
forma, o Estado Liberal deve trabalhar no sentido de promover o máximo de
liberdade possível aos seus indivíduos desde que isso não resulte no impedimento
da liberdade de outro indivíduo. O Estado Liberal deve estar ali, portanto, para
equilibrar as forças e ações por parte da sociedade civil, que deve agir livremente
de acordo com os seus desejos, e também agir como órgão supremo cada vez que
o encontro de Liberdades causar conflito, desacordo ou insatisfação para seus
membros.
As teorias políticas liberais em voga no início do século XX ainda partilhavam
de uma espécie de otimismo que viria a ruir séculos mais tarde. A crença de que o
indivíduo dotado de pensamento racional agiria naturalmente para o seu bem e
para o bem da coletividade encontrou exemplos de confrontação. Neste primeiro
momento em que o liberalismo político se coloca na Inglaterra, por meio de
influências europeias, a preocupação maior era dar autonomia a esse indivíduo
contra as leis restritivas de governos autoritários. No florescimento do capitalismo
desejava-se, sobretudo, liberar as negociações entre os indivíduos e permitir a eles
a posse e o uso da propriedade privada, estabelecendo, portanto, um dos pilares do
liberalismo político: a liberdade de propriedade. O Liberalismo clássico também
57
previa a existência de um Estado mínimo, menos usurpador e restritivo, que se
retirasse, se possível totalmente da esfera econômica das vidas dos indivíduos.
John Locke (1632-1704), um dos pensadores mais referidos quando o tema
é liberalismo, escreveu O Segundo Tratado do Governo Civil publicado ainda sob os
efeitos da Revolução Gloriosa que aboliu a monarquia absolutista da Inglaterra.
Neste texto, os direitos naturais são entendidos como direitos individuais à vida, à
liberdade e à propriedade, representando uma doutrina política que defende maior
liberdade para o indivíduo para que este seja capaz de cumprir as suas potências e
os seus desejos.
O direito à propriedade é um conceito-chave em Locke, pois está no
fundamento de todo capitalismo moderno. Locke justifica o direito à propriedade
através de uma associação de ideias que inclui indivíduo, trabalho e propriedade.
Assim, o direito de tomar posse da natureza, que à priori deveria pertencer a todos,
justifica-se a partir da ideia do trabalho ou do fruto deste trabalho. Desta forma, se
todos os homens tem direito à propriedade, todos os homens devem também ter
direito ao trabalho:
O trabalho de seus braços e a obra das suas mãos, pode-se
afirmar, são propriamente dele. Seja o que for que ele retire
da natureza no estado em que lho forneceu e no qual o
deixou, mistura-se e superpõe-se ao próprio trabalho,
acrescentando-lhe algo que pertence ao homem e, por isso
mesmo, tornando-o propriedade dele.
5
O sistema representativo de Locke é baseado nos três poderes e a esfera
jurídica é apontada para dirimir os conflitos individuais que possam surgir pela
prática indevida desta mesma liberdade. Desta forma, Locke propõe em sua obra o
que várias constituições do mundo irão transformar em direito positivo, direitos que
a princípio são considerados direitos naturais, ou seja, direitos que devem estar
subentendidos pela condição humana independente da existência de qualquer
dispositivo legal em relação a isso. Há uma certa prevalência da esfera legislativa
5 Locke. J. Segundo tratado sobre o governo civil, 2002: 30.
58
em relação aos outras duas na obra de Locke, pois ela representa o povo e pode
retirar o governante caso este não esteja respeitando as leis. Assim, as leis
positivas funcionariam como a base do governo liberal.
Locke também foi reconhecido pelo esforço que fez para difundir a ideia de
tolerância. Ao considerar que todos são iguais, supõe também que todos devem ser
tratados de forma igual mediante o Estado. Além de iguais, todos os indivíduos
também seriam livres, obrigando a eles próprios conviver com a escolha livre do
outro, mesmo que diferente da sua. John Locke discursou acerca da tolerância sob
a sua crença na igualdade e na liberdade, mas principalmente inspirado pelos
abusos da monarquia inglesa acerca das questões religiosas. Porém, assim como
suas outras ideias, o argumento da tolerância também seria adaptado a outras,
questões, outros países e outros tempos. Podendo estar presente como uma opção
de análise para os mais diversos conflitos, inclusive a questão racial da qual tratam
Manoel Bomfim e Franz Boas.
Hobbes (1588–1679) também figurou como teórico de destaque no campo
dos teóricos do contratualismo
6
. Entretanto sua principal obra, O Leviatã, fez com
que este autor ficasse conhecido como um defensor da monarquia absolutista. A
visão de Hobbes em relação ao homem é de um sujeito cheio de desejos e paixões
incontroláveis sempre pronto a se utilizar da força para conseguir o quer. E que
concorda em sair do estado natural para o estado social por medo de que o outro
possa agir da mesma forma violenta consigo. Por esse motivo, este indivíduo
“hobbessiano” cede os seus desejos individuais em favor de um Estado que
regulara a todos e harmonizará todos os conflitos.
O aspecto Liberal em Hobbes está no reconhecimento de que a formulação
do governo é uma ação humana iniciada por vontades individuais, mas a defesa da
liberdade cessa frente à necessidade de um governo forte e controlador. Nesta
6 Corrente de pensamento que reúne que, entre os séculos XVI e XVIII, defenderam
que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato. Antes do pacto os homens
viveriam em um estado de natureza e só após dele passariam a viver sob regras e
subordinação política.
59
teoria, o indivíduo também é dotado de poder na medida pode retirar o
governante se este de mostra incapaz de fornecer a segurança necessária aos seus
indivíduos. Ao contrário de Locke, que retira ao máximo o poder público da esfera
da vida privada, Hobbes julga de primordial a supremacia do Estado diante o
indivíduo para controlar os seus desejos e manter o contrato social.
Rousseau, um dos grandes contratualistas do século XVIII, em seu pacto
social é um dos primeiros autores a separar categoricamente a esfera pública da
esfera privada. Antes do seu pacto, que por ele é considerado legítimo, os súditos
estariam convivendo em uma situação cruel e injusta perante seu monarca que os
tiraria tudo e nada os daria de volta. Após a instituição de seu pacto formado
legitimamente, todos estariam submetidos a um poder soberano que viria de todos
e valeria para todos, tornando-os efetivamente livres.
A preocupação em Rousseau com o exercício da liberdade é fundamental, e
este problema só pode ser sanado através da deliberação pública, que é justamente
a realização da soma das vontades particulares, formando, assim, o bem público. A
intenção do autor na elaboração de seu pacto é:
“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com
toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e
pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si
mesmo, permanecendo tão livre quanto antes
7
.”
As leis públicas seriam instaurados nesta lógica de total alienação das
vontades particulares e posterior compatilhamento de direitos e deveres. Este
pacto daria, portanto total legitimidade às leis instituídas por um povo, que as
deveria cumprir inteiramente visando a continuidade do pacto e a manutenção
da liberdade de todos os indivíduos. Todos os associados deste pacto deveriam
estar em comum acordo já que, nesta situa ção hipotética, foram eles mesmos
que criaram as regras.“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu
7 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os Clássicos da Política: 220 (2006)
60
poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo,
cada membro como parte indivisível do corpo
8
”.
Os associados deste corpo político soberano serão os cidadãos na
individualidade e povo na coletividade. Os cidadãos jamais poderá se sobrepor ao
corpo soberano, pois não estarão fazendo mais do que cumprindo as determinações
que eles mesmos se impuseram. Não podendo haver sacrifício em obedecer a si
mesmo, havendo somente, neste sentido, a prática da liberdade civil. Estando
todos submetidos por si mesmo, e todos limitados pelo julgo da lei que só os liberta
não encontram os cidadãos motivos para rebelarem-se contra o corpo soberano e
suas leis. Mas, ainda assim, se algum interesse particular tentar sobrepor-se ao
interesse geral, tão logo irá ser constrangido pelos demais, que, obrigando-o a
cumprir o pacto não farão mais do que forçá-lo a ser livre, pois é esta a condição
que garante cada cidadão contra qualquer dependência pessoal.
A legitimação de múltiplas constituições baseadas no contrato social e no
direito à liberdade ao longo do tempo comprovam que as ideias dos contratualistas
tiveram larga aceitação nos países ocidentais. Na verdade, podemos supor que
esses homens que se fizeram clássicos souberam traduzir da melhor forma os
anseios das suas sociedades na época em que escreveram.
A ascensão da burguesia e a progressiva crença nas liberdades naturais fez
com que esses ideais ultrapassassem as fronteiras das nações europeias como
França e Inglaterra e viesse a se espraiar em terras mais longínquas, como os
Estados Unidos e o Brasil. O desejo pela liberdade individual e por uma nação livre
encantou corações em mente em busca de Repúblicas Liberais. E no bojo dessas
conquistas e agitações refletiram e escreveram Manoel Bomfim e Franz Boas,
tecendo teorias nas quais iremos investigar de que forma esses autores colocaram
o sentido da liberdade.
8 Idem. Ibidem: 220
61
O Ideal de liberdade em Boas
Há diversos fatores na biografia e na obra de Boas que indicam que este
autor foi influenciado de uma forma importante pelos ideais liberais. Ao falar sobre
sua juventude, ele mesmo confirma isto: O pano de fundo dos meus primeiros
pensamentos era um lar alemão em que os ideais de revolução de 1848 eram uma
força viva
9
. Ao falar dos pais, dá uma nova mostra do quanto as ideias liberais
foram importantes para o seu amadurecimento.
Meus pais tinham-se libertado dos grilhões do dogma. Meu
pai conservara um afeto emocional pelo cerimonial da sua
casa paterna, sem permitir que isso influenciasse sua
liberdade intelectual. Assim, fui poupado da luta contra o
dogma religioso que atormenta a vida de tantos jovens
10
.
A autoridade e o dogma eram crenças definitivamente abandonadas na
biografia Boas. Estava ele estimulado pelas descobertas que só a crença na ciência
poderia possibilitar. Seguiu pela física, mas seu propósito era descobrir os efeitos
da subjetividade em relação aos fenômenos naturais. Ao apostar no determinismo
geográfico, acabou decepcionando a si mesmo, pois teve a prova através de suas
incursões que causas semelhantes definitivamente não produziam efeitos
semelhantes, necessariamente. Após uma vida inteira dedicado à descoberta
científica e conduzido por diferentes metodologias, Boas se perguntou: como
podemos reconhecer os grilhões que a tradição nos impôs? Pois, quando o
reconhecemos, somos também capazes de rompê-los
11
.
A crença positivista de que o conhecimento levaria à liberdade fez Boas se
debruçar sobre questões que moviam a antropologia em sua época. A corrente de
pensamento em voga para explicar as diferenças comportamentais ao redor do
mundo era a Evolucionista, que acreditava que os povos humanos seguiam por
9 BOAS, Franz. A formação da Antropologia americana, 1883-1911: 63
10 Idem. Ibidem: 63
11 Idem. Ibidem: 64
62
etapas de evolução até chegar ao desenvolvimento completo, isto é, ao padrão
das civilizações europeias. Boas discordava da metodologia empregada pelos
evolucionistas e julgava seus métodos de classificação arbitrários.
Toda teoria e metodologia de Boas caminhava no sentido da
individualização. Este antropólogo renegava a classificação por aparência sem um
estudo profundo do processo histórico de cada informação colhida. Ao invés da
metodologia comparativa dos evolucionistas, ele proporia uma metodologia
histórica para investigar as relações causas de um fenômeno, fosse ele material ou
cultural.
Franz Boas, por exemplo, justificou objetos semelhantes de culturas
distantes não através da semelhança de “estágios mentais” conforme fariam os
evolucionistas, mas sim pela possibilidade de em algum momento da história esses
povos terem entrado em contato diretamente, via aproximação casual ou guerra,
ou indiretamente, por intermédio de um outro povo, com povos que tivessem
obtido determinada conquista técnica ou cultural. Franz Boas também demonstrava
insatisfação com a classificação de objetos sem maiores cuidados conforme faziam
os evolucionistas. Estes costumavam agrupar objetos semelhantes por sua
aparência e não pelo seu uso. Boas era contrário a esta medida, uma vez que
objetos semelhantes poderiam ser usados para fins distintos. Um mesmo tipo de
chocalho, por exemplo, poderia ser usado tanto para espantar animais quanto para
produzir música em rituais religiosos, não devendo, portanto, estarem em um
mesmo tipo de classificação.
A crítica de Franz Boas também atingiria as generalizações dos esquemas de
classificação. Para ele na etnologia, é tudo individualidade
12
. Boas era contra as
grades generalizações que agrupavam um grande número de elementos. Pois, para
ele, cada elemento, assim como cada indivíduo, possuiria uma história particular
com processos, causas e efeitos também particulares. Para agir prudentemente
12 BOAS, Franz. 1887: 589 In: Boas, 2004.
63
diante de um fenômeno seria necessário: atravessar as aparências, transcender
o ponto de vista do observado e mergulhar na complexidade histórica dos
processos que afetam a vida humana para chegar a categorias que não eram
fundadas na mente do estudioso, mas sim derivadas do próprio fenômeno. Porém,
tudo leva a crer que se todas essas etapas são seguidas à exaustão, dificilmente se
chegará a qualquer tipo de congruência entre dois fenômenos, tornando quase
impossível o mecanismo das generalizações a que nossas mentes estão tão
adaptadas.
Todavia, mesmo sendo tão rigoroso em relação as suas deduções, Boas
povoou os seus escritos com referências ao “gênio de um povo”. O gênio de um
povo seria justamente a memória comum e o somatório de pensamentos e
comportamentos, estabelecendo a unidade de cultura. Ora, se para tecer
generalizações de qualquer tipo seria preciso dar conta de todos os processos
históricos que fizeram cada elemento do grupo chegar até ali, de que maneira teria
sido possível chegar tão rapidamente à conclusão da existência do “gênio de um
povo”.
O “gênio de um povo” poderia ser tão poderoso a ponto de adaptar
elementos vindos de fora segundo os costumes de um grupo particular. A “função”
do gênio de um povo seria, por isso mesmo, a de integrar os elementos culturais de
um grupo num nível inconsciente e que seria manifestado nas ações também
inconscientes de seus indivíduos
13
. Tudo isso leva a crer que ainda era muito forte
em Boas a tradição alemã que fala sobre Geist, o espírito de um povo. A esta
altura, não se tem certeza se é a ciência, através do método, que leva Boas a
chegar na conclusão da existência do “espírito” de um povo, ou se é a crença em
uma unidade, apesar de todas as diversidades constatadas por ele mesmo, que
leva Franz Boas a chegar a essa conclusão.
13 BOAS, 1911:66 In Boas, 2004: 23
64
O método histórico de Franz Boas modificou a antropologia americana
tanto quanto deixou discípulos, porém, apesar do sucesso seu método esboçava
uma fragilidade mais tarde dificuldade apontada por seus críticos. Para Boas, a
antropologia era uma ciência do homem que unia o estudo de aspectos físicos e
“espirituais”. No entanto, de que forma ele poderia produzir “ciência histórica” se
seus objetos de estudo não raramente constituíam sociedades iletradas. Como
produzir certeza sem provas? De que forma relatos coletados poderiam ser
transformados em contundentes provas científicas. Esse é um dos motivos pelos
quais Franz Boas foi acusado de não ter produzido uma metodologia
verdadeiramente. E, especialmente para este trabalho, esta “falha” permite uma
averiguação mais precisa acerca dos ideais de Franz Boas. Pois, desse modo, sua
teoria se tornaria cada vez mais representativa de um conjunto de ideias e não de
um relato científico que não inspira e nem permite contestação.
Mais uma vez fica a sensação de que a figura do ideólogo é tão forte quanto
a do cientista na obra de Boas, e é com esta motivação que entraremos agora no
campo em que as ideias e aspirações sobressaíram às deduções científicas.
Boas em diálogo com a sociedade
Franz Boas, além de escrever para o público especializado redigiu textos
para o público em geral. Os temas principais giraram em torno da questão racial e
da estrutura acadêmica nos Estados Unidos. A questão racial, que é o tema que
mais interessa aqui, se subdividiu entre a questão do negro especificamente e o
tema mais geral que incluía a tolerância que precisava haver nos Estados Unidos
por seu caráter histórico migratório. Franz Boas se desdobrou durante toda sua
carreira para convencer o seu público de que a raça negra
14
poderia superar suas
14 O termo raça será usado aqui sem aspas por ser uma referência direta ao conceito de
Franz Boas de raça. A saber: para Boas a humanidade seria formada de vários tipos
65
dificuldades e se desenvolver nos Estados Unidos. Assim como se esforçou para
incutir na mente de seus leitores e ouvintes de que a miscigenação não era uma
catástrofe comprovada, e que muitos estudos ainda deveriam ser feitos para que
houvesse reais motivos para preocupação.
No ano de 1905, Boas fora convidado para palestrar na XI Conferência da
Universidade de Atlanta, cujo tema seria “A saúde e o físico do negro americano”.
Para esta ocasião, Boas fez um discurso de colação de grau
15
que foi proferido no
mês de outubro desse ano e publicado em folheto na Universidade de Atlanta em
1906. Nesse discurso, Boas mescla tendências conservadoras e progressistas. Mais
uma vez, seus argumentos são todos desprovidos de provas documentais e o que
ele tem de mais convincente é um aparato histórico dubitável e muita vontade de
que as pessoas que o ouvem deem uma chance à ciência de comprovar que suas
conclusões estariam certas.
O que esta ocasião tem de especial é ser pronunciada para um público
negro, que ali ouvia um antropólogo branco e imigrante sobre as capacidades de
sua raça, assim como as previsões para o seu destino. A tentativa de Boas é de
oferecer uma visão mais ampla, com sentido de conjunto e nacionalidade, para o
público de cor negra que ali o ouvia. Suas considerações alertavam os seus
ouvintes que agora faziam parte de uma nova pátria, e que apesar das condições
naquele momento desfavoráveis, com muito trabalho eles poderiam mostrar o valor
de sua raça.
A ideia geral de Franz Boas nesse discurso é mostrar para o seu público
negro que sua raça não era inferior, pois, enquanto no seu continente originário, a
África, havia obtido êxitos e progressos
16
tais quais as outras raças humanas. O
humanos, as raças, que teriam características distintas, apesar disso não constituir uma
condição necessária de inferioridade.
15 Boas, F. A Formação da Antropologia Americana, 1883-1911:370-377.
16 Neste texto, Boas se alonga nos exemplos relativos a conquistas culturais dos povos
africanos, tais como a fusão do ferro, a união de tribos, o poderio militar dos zulus, a
construção de prédios públicos e leis, etc.
66
caminho metodológico para isso era mais uma vez exaltar a importância da
individualidade para classificação e também análise de capacidades. Para Boas,
mesmo contando com um déficit em termos culturais se comparados às civilizações
europeias, os descendentes africanos deveriam acreditar na sua individualidade e
na sua capacidade de adaptação à vida moderna:
Nossos talentos, nossos desejos e nossos ideais não são
determinados apenas pelas exigências da civilização em que
vivemos. Cada um de nós tem sua própria individualidade,
que o torna mais ou menos apto a se adaptar às demandas
da vida. Assim, cabe aos jovens e às jovens aguardar antes
de se precipitar em uma vida agitada. Devem conhecer os
poderes que lhes são dados, o que são capazes de realizar e
que lugar o seu trabalho deve ocupar nos interesses
conflitantes da vida moderna
17
.
A individualidade mostra-se fundamental na teoria de Boas, pois concede
um poder de transformação social que muitas vezes um olhar rígido sobre a
coletividade renega. E a individualidade, como se pode ver na revisão da teoria, é
uma das ideias primeiras do liberalismo e pode ser compreendido como núcleo
formador da sociedade liberal. Ter uma política liberal significa, entre outras coisas,
conceder o máximo de liberdade ao indivíduo contra o controle do Estado, com o
intuito de prover a este indivíduo o direito de realizar o maior número de vontades
sem ser restringido e sem restringir a liberdade do outro. Desta forma, reconhecer
a autonomia e o poder de transformação dos indivíduos negros mesmo diante das
adversidades que assolavam o seu grupo se enquadraria em uma postura que
poderíamos chamar de liberal.
Para Boas, seria primordial que os negros reconhecessem a condição da raça
negra tanto para celebrar as vitórias do passado quando para terem em mente as
dificuldades do futuro neste processo de adaptação. Reconhecer os poderes que
lhes são dados corresponderia a ter um conhecimento tal sobre a riqueza de sua
cultura que gerasse a energia necessária em direção à superação e auto-afirmação
17 Idem. Ibidem: 371
67
desse povo em um novo continente. Entretanto, ao retornar ao passado para
evocar as lembranças encorajadoras, Franz Boas acaba por sempre se referir a
conquistas materiais de maneira muito semelhantes àquelas que os evolucionistas
se remetiam. O que ocorre quando destaca a capacidade de invenção de técnicas
do povo africano assim como sua capacidade em alguns episódios de formar uma
organização social semelhante às instituições europeias, tornando clara sua visão
progressistas em relação aos diferentes modelos de cultura.
Em um dos trechos mencionados relativos ao passado africano, Boas
ressalta que no tempo que estiveram em contato com os povos árabes, os africanos
foram capazes de aprender com eles e desenvolver cidades, organizar feiras,
edificar mesquitas, prédios públicos e executar lei por intermédio de juízes. Basta
um pouco de atenção para perceber que a maioria das benfeitorias destacadas por
Boas assemelham-se ao tipo de organização social ocidental e moderno. Ou seja,
para provar que os negros nos Estados Unidos poderiam se adaptar trabalhando ao
lado dos brancos, era imprescindível mostrar avanços técnicos no passado que se
aproximassem do tipo de cultura valorizada o ocidente. Vejamos:
Quando alguém afirmar que a raça de vocês está fadada à
inferioridade econômica, olhem com confiança para o lar de
seus ancestrais e digam que têm a intenção de recuperar a
força que seus povos de cor tinham antes de chegar a este
continente. Podem dizer que vão trabalhar com forças
brilhantes e que não vão se desencorajar com a lentidão de
seu progresso, pois vocês não só tem de recuperar o que foi
perdido no transplante da raça negra do seu solo nativo para
a América, mas também devem atingir níveis mais elevados
do que os alcançados por seus ancestrais
18
.
Os seu público ouvinte constituído por pessoas negras não podia desistir
apesar das constantes depreciações e da própria ciência boasiana que considerava
possível haver alguma desfavorecimento anatômico ou mental por parte da raça
negra,afinal, tudo isso poderia ser resolvido através de adaptações individuais. A
18 Idem. Ibidem: 374
68
partir do seu raciocínio com base nas linhas familiares
19
, este autor estava
convencido que por mais que os tipos médios entre duas raças estivessem distantes
na sua composição, não estariam mais distantes do que dois tipos reais de uma
mesma raça. Por isso, essa diferenciação não poderia significar um impedimento
total. Parece plausível imaginar que existam características hereditárias um pouco
diferentes, mas é arbitrário inferir que as do negro, por serem um pouco diferentes,
sejam inferior
20
.
Mesmo sabendo que as diferenças culturais entre povos obrigados a
conviver pelas circunstâncias poderiam provocar tensões, e que essas tensões
poderiam demorar a se dissolver, conforme o caso de europeus e judeus. E que,
ainda, esforços individuais não levariam à solução dessas questões em pouco
tempo, Boas tinha uma visão otimista sobre a inserção do negro na sociedade
americana. Acreditava que se todos os indivíduos empenhassem o máximo de sua
capacidade em melhorar sua condição econômica, acabaria por diminuir o
sentimento de desprezo em relação a sua própria raça. Assim, mesmo
reconhecendo a força da coletividade, Franz Boas apostava na superação de cada
indivíduo para comprovar as potências de grupo racial. Uma imensa possibilidade
de aperfeiçoamento e a certeza do sucesso devem ser estímulos para vocês,
mesmo que seja necessário muito tempo para vencer a massa dos indolentes
21
.
Não bastaria, contudo, igualar o desempenho pessoal dos negros ao
desempenho dos brancos. Para vencer o antagonismo, seria necessário que não
houvesse nenhuma mácula na trajetória desses indivíduos negros em continente
americano. Pois, se qualquer um deles errasse, cometesse um crime ou não
correspondesse ao comportamento esperado, logo esta falha remeteria à
inferioridade de sua raça. Seus padrões morais devem ser os mais elevados
22
.
19 Ver capítulo II
20 Idem. Ibidem: 375
21 Idem. Ibidem: 377
22 Idem. Ibidem: 377
69
Os negros em continente americano, portanto, deveriam se utilizar da
liberdade concedida por este país para comprovar que eram capazes de adquirir
habilidades e, através de seu trabalho, obter riqueza e progresso o suficiente para
convencer tanto a raça branca quanto sua própria raça do valor do povo africano.
Deveria buscar nas raízes históricas da África exemplos que os fizessem crer em si
mesmos, e unir forças para suprir uma possível desvantagem em relação às outras
raças.
Olhando para o trabalho de sua vida dessa maneira, tudo
deve-se combinar para transformá-los em felizes idealistas.
Há uma meta natural definida diante de vocês, a qual -
embora possa estar num futuro remoto – será atingida, se
todos vocês cumprirem o seu dever, o que realizarão
apoiados na consciência de sua responsabilidade. Que a
felicidade e o sucesso sejam a recompensa de seus
esforços!
23
Franz Boas, ao falar com os representantes da cultura africana em seu país,
em nenhum momento pôs a responsabilidade de inserção sobre os ombros do
Estado. Ou mesmo culpou os brancos pelos conflitos, comparando essa
animosidade com outras tantas no curso da historia. Assim como não cogitou
nenhuma forma de compensação ao povo que outrora tinha sido escravizado e
explorado. Boas coloca sobre os ombros do próprio indivíduo negro a
responsabilidade de se fazer aceitar. É ele que deve superar suas deficiências –
anatômicas ou não – e igualar-se ao imigrante europeu através do fruto de seu
trabalho, comprovando que também pode ser ativo nesta nova terra soterrando de
uma vez as acusações sofridas.
Se o discurso acima analisado foi direcionado a uma plateia formada por
pessoas negras, o próximo texto será dirigido ao público branco, onde, da mesma
forma, Franz Boas se aplicou em falar sobre a importância de conhecer a história da
cultura negra para que ficasse provado que suas habilidades poderiam ser
praticadas sem prejuízo dos resultados desejados. A próxima carta analisada foi
23 Idem. Ibidem: 377
70
remetida aos líderes da comunidade financeira e do bem-estar social tendo
como objetivo arrecadar fundos para institutos que visassem colher e difundir
informações sobre a cultura negra para que os brancos, assim, pudessem respeitá-
la e admirá-la. Parece plausível que a atitude de nosso povo em relação ao negro
poderia ser materialmente modificada se conhecêssemos melhor o que o negro fez
e realizou na sua terra natal
24
.
Da mesma forma que os intelectuais progressistas, Boas acreditava no
poder reformador do conhecimento científico se amplamente disseminado. E era
nesse intuito que ele desejava alcançar o cidadão comum norte-americanos branco
com suas descobertas para que eles pudessem mudar a sua mentalidade.
Considerando que o futuro de milhões está em jogo, acredito
que não se deve poupar energia para tornar a relação entre
as duas raças mais saudáveis e para decidir por meio de
uma investigação científica sem preconceitos qual política
deve ser adotada
25
.
Franz Boas também tece considerações à questão racial em geral nos
Estados Unidos. Pelos seus escritos, observa-se que o medo da miscigenação é
grande neste país nesta época, pois ainda não se sabia exatamente quais seriam os
resultados de cruzamentos entre pessoas de raças diferentes, conforme se
acreditava ser. Entretanto, é interessante observar que da mesma forma que Boas
lança uma série de fatos históricos desta vez para comprovar que nem os povos
europeus eram de fato “sangue puro”, lamenta constantemente a impossibilidade
de comprovar cientificamente que as piores previsões estariam de fato erradas. A
seguir, a forma como o autor abre o discurso
26
em relação aos problemas raciais na
América no ano de 1908:
Neste ensaio, proponho discutir esses problemas a fim de
tornar claro o caráter hipotético de muitos pressupostos
24 Idem. Ibidem: 378
25 Idem. Ibidem: 379
26 Discurso proferido como vice-presidente da Seção H, Associação Americana para o
Progresso da Ciência, Balimore, 1908; conforme publicado na Science 29 (1909): 839-
849;mais tarde incorporado em Boas 1911. In: Boas. 2004: 380.
71
geralmente aceitos. Tentaremos formular os problemas e
delinear certas diretivas de pesquisa que prometem
solucionar as questões envolvidas, que hoje não podem ser
resolvidas com precisão científica
27
.
Apesar das impressões de Franz Boas terem se modificado naturalmente
devido ao amadurecimento do autor. Pode-se observar que suas concepções em
relação à questão racial se manteve estruturalmente a mesma até os seus últimos
textos. Mas mesmo que tivesse havido uma mudança significativa em referência ao
início do século XX, a postura aqui trabalhada de Boas sobre esta questão teria se
mantido para que houvesse chances de um diálogo indireto se estabelecer entre ele
e Manoel Bomfim, a fim de se comparar o pensamento de ambos na mesma época.
Pode-se notar que não faz parte da ideologia de Boas construir uma
valorização em torno da cultura negra pelo simples fato de o povo negro fazer parte
da humanidade, conforme prega a carta dos direitos humanos editada pela
Organização das Nações Unidas na metade do século XX. Neste primeiro momento
do século XX e neste primeiro momento do liberalismo, as igualdades ainda não são
fatos dados, elas precisam ser conquistadas. Conquistadas através da aquisição de
habilidades, da educação e também do trabalho. O respeito ao povo negro deveria
vir junto com as comprovações que eles já haviam constituído um povo rico,
vencedor e cheio de conquistas. O único fato dado nas políticas liberais desta época
é o ideal da liberdade, e é através dele que o indivíduo deve tornar-se igual.
Mesmo se pondo a divulgar tanto o poder da ciência, Boas não conseguir ser
reconhecido como científico pelos seus sucessores. O autor se apoiou em
observação, relatos e medições para fundamentar seus argumentos, mas as
comprovações científicas, que viriam a comprovar a igualdade das raças, só
chegariam depois, através da biologia. Antes disso, o que se observa é uma enorme
vontade balizada por um forte ideal de igualdade a mover este corajoso intelectual
27 BOAS, Franz. A Formação da Antropologia Americana: 1883-1911: 381
72
que além de fundar uma corrente antropológica agiu por muito tempo como
ativista em favor da liberdade, da igualdade, do progresso e da tolerância.
O Ideal de liberdade em Bomfim
Manoel Bomfim escreveu e publicou diversos textos durante a sua vida,
inclusive em Revistas como já foi citado anteriormente. Porém, ao contrário de
Boas que tinha um público mais especializado na área de antropologia, entende-se
que Bomfim ao escrever Males de Origem escreveu um Ensaio. Ensaio este que
poderia se dirigir tanto a um público especializado, por exemplo, atores políticos,
sociólogos ou historiadores de sua época, quanto ao público interessado em geral.
E, dessa forma, entendo que ao escrever Males de Origem, Bomfim estava
dialogando também com a sociedade como um todo, e, por isso, a sua concepção
sobre Liberdade será baseada também nesta obra.
O ideal de liberdade estabelecerá uma das bases do pensamento deste
autor. A liberdade para Bomfim significará o ponto de partida para qualquer
sociedade que deseje ser efetivamente republicana e democrática. Pois somente a
partir da prática da liberdade que o indivíduo poderá ser consciente de suas
escolhas e participativo de seu próprio governo. Sem a liberdade, o povo seria
apenas uma massa conduzida em direção a sua própria miséria, material e moral.
Contudo, para o ideal de liberdade se concretizar seria preciso conquistar
um outro valor igualmente iluminista e moderno: o ideal da igualdade. Liberdade e
igualdade, na teoria de Bomfim, são valores intrinsecamente ligados que colaboram
no sentido de emancipar o indivíduo e dar a ele o privilégio do autogoverno, ou
seja, a capacidade de governar a si próprio, mesmo que por meio de seus
representantes eleitos democraticamente. Para alcançar a liberdade, seria inadiável
diminuir o nível de desigualdade exposto em uma sociedade outrora escravocrata, e
dotada de uma abissal diferença socioeconômica entre suas classes sociais.
73
Manoel Bomfim recorre assim como Franz Boas à metodologia histórica
para investigar minuciosamente as relações entre as classes que compunham a
sociedade brasileira de sua época. Comparando as sociedades a organismos vivos,
Bomfim defende que seria mister investigar não só suas condições de lugar, mas
também sua condição de tempo. Só assim poderia se compreender porque uma
dada sociedade se encontraria em uma determinada situação. Uma nacionalidade é
o produto de uma evolução; o seu estado presente é forçosamente a resultante de
ação do seu passado, combinada à ação do meio
28
. Manoel Bomfim pensa assim a
partir de uma perspectiva biológica darwiniana, que crê que todos os seres vivos
atuais são o resultado do processo de adaptação de milhares de anos. Sendo assim,
a sociedade brasileira, ou por que não dizer o organismo social brasileiro seria o
resultado de diversos processos adaptativos entre seus indivíduos e o meio a que
eles estariam expostos.
A sociedade brasileira seria um organismo adaptado a um sofrido processo
de exploração do tipo predatória em que o colonizador teria sugado as energias de
sua vítima até que ela se degenerasse quase por completo. O parasita, o
colonizador, e o parasitado, a colônia, estabeleceriam entre si uma relação tão
desigual que só poderia resultar em um fenômeno prejudicial para ambos. Parasita
e parasitado comporiam um cenário enfermo que degeneraria tanto um quanto
outro.
Curioso é perceber que apesar de em uma primeira vista o colonizador
parecer ser o grande vitorioso deste mecanismo, estaria ele tão prejudicado quanto
o próprio parasitado. Pois, se de acordo com a teoria darwiniana é justamente a
luta pela vida que desenvolve o organismo, o destino do parasita seria
naturalmente a atrofia. No adiantado curso da história, a colônia portuguesa estaria
não só atrofiada sem a fonte de sua seiva, como também atordoada sem saber o
que fazer para suprir suas próprias necessidades. Acostumada a “sugar” riquezas
28 Bomfim, Manoel. A América Latina: males de origem: 58
74
sem esforço, estaria a pátria colonizadora paradoxalmente “atrasada” ao fim do
processo de intensa exploração. Tão atrasada quanto a sua presa, espoliada e
também degenerada.
No correr do século XVII e do XVIII, a Ibéria, que havia dado
ao mundo Cervantes, Camões, Murilo, Lope de Veja,
Ribera... desaparece, evolui, degenera; não se vê um só
nome espanhol ou português entre os homens que fundam a
cultura moderna e dominam a natureza, ou naqueles que
refazem a filosofia racionalista, que iluminará as gentes na
conquista da justiça e da liberdade
29
.
Neste pequeno trecho Bomfim demonstra seu lamento por uma das perdas
que ele considera mais fundamentais no processo de degeneração. A perda de
“inteligências” seria um dos prejuízos mais significativos no estado de
degenerescência causado tanto por um contexto de atrofia quanto por um contexto
de exploração. Nestas linhas Bomfim também deixa clara sua grande admiração
pela transformação intelectual conhecida como iluminismo, que reunira os
pensadores que fundaram as ideias norteadoras das sociedades modernas. Ciência,
justiça, liberdade, trabalho livre e desenvolvimento econômico corresponderiam,
portanto, às adaptações das sociedades que souberam se desenvolver no decorrer
do tempo e se civilizar. Eram esses os sonhos de Bomfim para o Brasil, eram por
essas adaptações que o organismo social brasileiro deveria passar.
Manoel Bomfim estabelece uma relação direta entre desigualdade e (falta
de) moralidade, uma vez que relações desiguais sempre resultarão em um processo
degenerativo para ambos os lados dessa assimetria. De acordo com Manoel
Bomfim, o modo como ocorreu a colonização brasileira, baseado em um violento
sistema de escravidão, naturalmente provocaria uma animosidade entre as partes
envolvidas, fundando um processo que caminharia contrariamente aos sentimentos
de colaboração e solidariedade presentes em uma sociedade moderna. O progresso
29 Idem. Ibidem: 63
75
moral e o surgimento de sentimentos nobres, tais quais o amor, a cordialidade,
o altruísmo e a justiça só poderiam ser possíveis em ambiente de maior equidade.
Vivendo parasitamente, uma sociedade passa a viver às
custas de iniquidades e extorsões; em vez de apurar os
sentimentos de moralidade, que apertam os laços de
sociabilidade, ela passa a praticar uma cultura intensiva dos
sentimentos egoísticos e perversos
30
.
Para comprovar a sua tese sobre degenerescência das gentes e das almas,
Bomfim detalha o sistema de exploração e maus-tratos imposto ao escravo, e
analisa os possíveis efeitos morais ocorridos tanto para o negro explorado quanto
para as famílias aristocratas. Trabalhar e produzir era tudo que caberia ao negro
nas terras dos senhores, para que uma outra classe composta pela aristocracia,
pela nobreza e pelo fisco se beneficiasse. O raciocínio, segundo Bomfim era
simples. O objetivo era enriquecer e para isso bastava a posse de terras, a compra
de escravos e o pagamento dos impostos. Tomadas essas medidas, a preocupação
seria retirar o máximo de trabalho da classe explorada.
Só o escravo trabalhava, só ele era produtivo: nenhum braço
português tocava os engenhos, nas roças de S. Tomé ou do
Brasil”. E com isto resultou que o trabalho foi considerado,
cada vez mais coisa vil, infamante. O ideal para todos para
todos era viver sem nada para fazer – ter escravos e à custa
deles passar a vida e enriquecer.
31
O ponto para Bomfim são as consequências que um regime iníquo e cruel
como este poderia causar nas gerações que o vivenciaram. Que tipos de “vícios” de
comportamento esta conjuntura poderia trazer para a nação brasileira em sua
totalidade. O primeiro deles já está posto na citação anterior. O horror ao trabalho
seria uma marca que certamente teria uma grande importância na cultura
brasileira
32
. Ao contrário dos Estados Unidos, que fundaram a sua nação sob a
30 Idem. Ibidem: 67
31 Idem. Ibidem: 148
32 Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, e Roberto da Matta, em Carnavais,
Malandros e Heróis tratam desse espírito aventureiro do colonizador português e das
76
crença no valor do trabalho, que dignificaria o indivíduo, o Brasil formou-se em
torno da crença de que o trabalho desvalorizaria o indivíduo. Que o trabalho neste
país seria para os desafortunados e para os excluídos.
Ora, se há um sistema em que uma minoria que se orgulha de não ter de
trabalhar e explorar o trabalho da maioria, e, por outro lado, um grupo expropriado
de todos os seus direito que vê-se obrigado a realizar todo trabalho, desumanizado,
tendo como única saída a morte, obviamente, esse sistema caminhará para o
conflito, ou, como houve no Brasil, para a inanição e o extermínio.
A desigualdade, em qualquer situação, confrontando exploradores e
explorados jamais, na opinião de Bomfim, poderia caminhar para o progresso.
Atores antagônicos não se sentirão impelidos a colaborar para um futuro melhor.
Não há, e o bom senso diz que não pode haver, na mente daquele que é
francamente explorado um desejo sincero de fazer o melhor trabalho. E o
progresso, na concepção de Bomfim, vem justamente da luta diária com a natureza
para obter os melhores resultados e melhores adaptações. Somente este desejo
generalizado de encontrar as melhores soluções, não só para si, mas para a
coletividade, estimularia o desenvolvimento de uma nação em busca de soluções
científicas. E de que forma um indivíduo poderia desejar o progresso de uma nação
com a sua colaboração se ele não conseguia garantir o direito sobre o seu próprio
corpo. Que espírito de coletividade poderia ter alguém que não conseguia
experimentar a própria existência.
Tudo isso seria piorado pelos excessos de crueldade com que o senhor de
terra administrava os seus escravos. O negro era submetido a diversos tipos de
castigo caso fugisse ou se negasse a trabalhar. Extraído de sua humanidade,
qualquer violência ao seu corpo não poderia trazer nenhum tipo de remorso às
mente cristãs.
consequências do sistema de escravidão brasileiro, que, somados, resultariam em uma
espécie de “horror ao trabalho” que seria característico da cultura brasileira.
77
Em toda fazenda, havia um quarto – uma prisão,
aparelhado por dois ou três troncos, gargalheiras, cepos,
correntes... Ali apodreciam, invariavelmente, um ou dois
negros. Pela manhã ao tempo que se marcavam as tarefas
aos outros escravos, esses no quarto do tronco expiavam o
crime de haver fugido ao trabalho devorador – esses
recebiam a refeição quotidiana, de bolos ou açoites, quatro
ou cinco dúzias, aplicadas com todo requinte sobre as carnes
doloridas, inflamadas, sensíveis como uma chaga muitas
vezes magoada e renovada
33
.
Manoel Bomfim segue nesta narrativa de horror por muitas linhas ainda.
Utilizando-se de adjetivos, pausas e cadências própria para comover aquele que lê.
Neste momento, o objetivo é tocar o leitor com o remorso que o senhor não teve, é
identificar a dor do leitor com aquele que por ventura não seria considerado
humano. Não há mais dúvidas, mesmo considerando o negro com um caráter
inferior ao branco
34
, a narrativa de Bomfim coloca-o em caráter de igualdade ao
mergulhar em seu sofrimento. Os detalhes da dor e da chaga do negro, por um
momento, aproxima-o da humanidade.
Bomfim preocupa-se também com a moral daqueles que convivem com essa
atrocidade. Aquele que assiste todo esse circo de crueldade ou enlouqueceria ou
ficaria imune a qualquer tipo de apelo. A tendência seria cada vez mais “coisificar”
o escravo vendo-o como uma máquina. A violência cotidiana daria origem aos
sentimentos de ódio e indiferença de um grupo contra o outro. E baseada no ódio e
não na solidariedade estariam as bases dessa sociedade partida e profundamente
desigual.
Ainda no rastro da história, Bomfim conclui que o Estado, que deveria
proteger seus cidadãos e garantir direitos, em tempos imperiais e escravocratas
exerceriam a função apenas de cobrar, coagir e punir aqueles que não conseguiam
pagar os impostos. O Estado passa a ser inimigo e não representante, conforme
nas sociedades democráticas. E esse Estado espoliador e tirânico teria construído
33 Idem. Ibidem: 64
34 Ver capítulo 2.
78
uma imagem negativa que se estenderia até a época em que Bomfim escreveu
Males de Origem. Estado e povo estariam, então, em lados diferentes e
contrapostos.
Para garantir o domínio no século em que o mundo começava a ansiar por
liberdade e igualdade, a opção era manter o segmento explorado na ignorância de
seus direitos. Manoel Bomfim foi um progressista que, assim como Boas, acreditava
profundamente no poder de transformação promovido pelo conhecimento e pela
ciência. A divulgação do conhecimento seria a grande arma contra as iniqüidades
mantidas pelas sociedades desiguais por excelência, como a monarquia. Desta
forma, sua lógica de pensamento sustenta que quanto mais inculto o povo de uma
nação estivesse, menos ameaçaria os privilégios das minorias. Uma vez educados e
“ilustrados” seria muito mais difícil manter um sistema de tamanha desigualdade e
violência.
A solução seria, pois, o Estado interessar-se pelo seu povo, estudá-lo saber
de suas necessidades e, o mais importante de tudo, educá-lo. Um programa de
instrução básica voltado para a massa era uma das “utopias” de Manoel Bomfim.
De que adiantaria dar início a uma República – lembrando que Bomfim vivenciou
quase todo período da Primeira República – que repetisse o modelo monárquico em
termos de exploração, antagonismo em relação ao povo, e falta de participação
política, perguntava ele. Pois uma República de analfabetos, para Bomfim, não
corresponderia a uma República verdadeira.
Bomfim era forte crítico do uso da palavra República em um sentido apenas
retórico, vazio de prática e significado. A República para ele deveria ser um regime
sobretudo adaptado às necessidades e dificuldades de um povo. Em Males de
Origem, Bomfim revelou o pavor que tinha da tradição “livresca” presente no Brasil
de repetir inadvertidamente as conclusões dos clássicos europeus para solucionar
problemas que tinham características peculiares ao nosso contexto. Observou e
lamentou a cópia irrefletida da constituição dos Estados Unidos para elaborar a
79
constituição brasileira. Como ferrenho defensor da observação para a resolução
de problemas, da originalidade para a análise dos fatos, espinhava-se cada vez que
notava a discrepância entre o significado que ele acreditava ter a República e o
modo como ela se deu no Brasil. Para ele, A República acima de tudo deveria ser o
regime político para prover felicidade a uma nação. E se, conforme o método da
observação leva a crer, cada nação terá seus próprios desejos de felicidade, o
modelo de República, e principalmente sua constituição deveria variar de nação
para nação. Eis o que para Bomfim deveria ser a República:
(...) – a eliminação de todos os abusos, liberdade e amor
entre os homens, um pouco de felicidade para os que
esperam justiça e carinho desde as primeiras idades. Era isto
que se aclamava na República, e não esta, em si, que,
abstrata, nada significa. E dos estadistas de exige que a
façam concreta
35
.
A Educação seria o meio para transformar ideais de República em República
de fato. A ideia seria reconhecer que o povo brasileiro, formado por indígenas, ex-
escravos e mestiços teriam tido seu desenvolvimento prejudicado pelo meio
opressor em que viveram. Sendo assim, uma nova educação que os considerasse
homens livres e elementos primordiais de uma nação seria o suficiente para
“corrigir” os defeitos de caráter provocados pelo governo explorador. Desta forma,
gozando de instrução e de educação para o trabalho livre, o cidadão brasileiro
poderia progredir individualmente e contribuir coletivamente para o progresso da
nação.
Entretanto, Bomfim lamenta que a República de seu tempo ainda não tinha
se dado conta dos benefícios que uma boa educação poderia trazer. Segundo ele,
as medidas em favor da instrução pública eram inexistentes. E os poucos recursos
que havia eram direcionados para a construção de universidades – para formar
bacharéis e doutores. Bomfim revoltava-se com essas medidas, pois, assim, mais
uma vez a sociedade estaria se partindo: poucos doutores de um lado e uma
35 Idem. Ibidem: 222
80
imensidão de ignorantes de outro. A seguir, Bomfim, referindo-se aos homens
públicos e suas medidas:
(...) apuram a instrução superior, antes de propagar a
primária – fazem doutores boiar sobre uma onda de
analfabetos. Em vez do Ensino Popular, que prepare a massa
geral da população – elemento essencial numa democracia,
em vez da instrução profissional-industrial, donde tem saído
o progresso econômico de todas as nações, hoje ricas e
prósperas – em vez disso reclamam-se universidades – já
alemães, já francesas
36
.
A crença de Manoel Bomfim gira todo o tempo em torno da transformação
através da educação. Para ele, as personalidades de raça seriam moldáveis o
bastante para sofrerem influência do meio, seja ela negativa ou positiva. Com a
interferência do meio, e, mais precisamente, com a interferência da educação sobre
os indivíduos, eles tenderiam a se moldar de acordo com os estímulos vindos de
fora. Melhor se fossem eles o apreço pela liberdade, pela igualdade e pelo trabalho.
A liberdade, portanto, só poderia haver nas condições da existência de uma
democracia e de cidadãos para essa democracia. É a partir desta concepção que
Manoel Bomfim traçará a crucial relação entre vontade e liberdade. A vontade é
discutida por Bomfim como o estímulo primeiro que todo ser humano tem para ser
pôr diante de uma situação, para traçar uma conduta e para realizar uma escolha.
Todo, indivíduo, portanto teria a potência de praticar a sua vontade. No entanto,
quando um grupo humano é subjugado em todas as suas formas de liberdade, ele
não irá praticar este enredo de escolhas que deveria ser possibilitado a qualquer
pessoa. De tão esmagado e explorado, esse indivíduo se tornaria apático e
extremamente frouxo em suas vontades. Tornaria-se fraco para escolher, para
negar ou para aceitar, e ficaria restrito a obedecer aos mandos dos grupos
opressores.
Quem diz vontade, diz liberdade para querer, alternativas
para escolher, conhecimento para julgar e deliberar; não se
queira achar vontade culta e tenaz em quem nasceu escravo,
36 Idem. Ibidem: 203
81
e viveu toda a existência dominado, abatido, subjugado o
corpo, anulado a inteligência pela ignorância
37
.
Contudo, Manoel Bomfim diferencia dois tipos de vontade. Ou seja, dois
tipos de liberdade para querer. A primeira corresponderia a uma vontade mais
primitiva, a vontade que a todo momento nos guia de um lado a outro. O outro tipo
de vontade, a que interessa a Bomfim, é a vontade lapidada pela moral e
construída através da educação. Esta vontade primeira submetida à educação
garantiria a constância do querer e a vontade dirigida a um objetivo
predeterminado.
A vontade “primitiva” transformada em vontade “esclarecida”, segundo as
palavras de Bomfim, seriam capazes de transformar as mentes e os hábitos dos
indivíduos em favor de um plano maior de caráter coletivo em direção ao
progresso. A educação poderia prover a este indivíduo não só as técnicas para lidar
com o mundo natural, mas, antes disso, a vontade de descobrir este mundo. Desta
forma, as virtudes humanas poderiam ser talhadas pelas instruções e orientações
diárias com o objetivo de transformar o indivíduo em cidadão. A vontade
esclarecida ultrapassaria os objetivos inconstantes da vontade primitiva e
prepararia o indivíduo para a execução de metas maiores, considerando mais
atores do que a ele próprio. A educação para as mentes e sentimentos seria capaz
até mesmo de inspirar interesses coletivos e inclinações altruísticas. Faria o ser
humano perceber que faz parte de um todo orgânico e que precisaria colaborar
para o progresso de todos. Em busca desses objetivos maiores seria capaz de
dominar as suas paixões e ceder em prol da liberdade e do direito do outro, criando
sentimentos de bondade e compaixão.
A educação para Bomfim significa liberdade sobretudo porque se o indivíduo
acreditar que suas cessões ou atos são o melhor a se fazer, em um sentido ético,
será absolutamente desnecessário o uso da força para fazê-lo cumprir qualquer
37 Idem. Ibidem: 338
82
demanda que esteja em sua prioridade. E esse sentimento de liberdade é
resultado justamente de quando somos “obrigados por nós mesmos”, ou seja,
quando conseguimos executar exatamente aquilo que nos propomos. E se assim
ocorrer não há violência, há somente exercício da vontade.
Uma sociedade livre, composta de indivíduos livres, que é livre para traçar
planos e cumpri-los, certamente faz transparecer toda sua inteligência e caminha
para a felicidade. Para Bomfim, uma nação de indivíduos que se sentem atuantes e
responsáveis por seus atos, quando exposto a um ambiente livre e equitativo,
tenderá aos sentimentos de colaboração, amor, bondade, justiça, beleza, verdade e
trabalho. Essas pessoas estimuladas pelos seus avanços individuais diários e pela
realização de suas vontades “esclarecidas” não hesitarão em colaborar em um
projeto coletivo cujo objetivo é a felicidade para si e para o outro.
Considerações Finais
A análise sobre os autores Manoel Bomfim (1868-1932) e Franz Boas (1858-1942)
que incluiu um estudo sobre a biografia de ambos, os contextos sócio-políticos em
que viveram e detalhamentos sobre pontos de suas obras permitiu que fosse
traçada uma comparação entre as suas ideias e, ainda, que essas ideias fossem
remetidas a um panorama maior de transformações históricas e intelectuais
vivenciadas no início do século XX.
No campo biográfico e contextual destacaram-se várias congruências entre
os dois autores que puderam de algum modo justificar pontos de vista semelhante
sobre temas importantes de sua época, tal qual a abolição da escravidão e o novo
lugar que o indivíduo de cor negra deveria ocupar nas sociedades brasileira e norte-
americana. Franz Boas, apesar de nascido e crescido em um território alemão,
migrou ainda jovem para os Estados Unidos e lá se fixou, possibilitando uma
experiência próxima com as ideias circulantes nesta época. E, Manoel Bomfim,
nasceu e seguiu carreira no Brasil, trabalhando, produzindo e trocando experiências
com os brasileiros.
Se levarmos em considerão os fatos históricos ocorridos em fins do século
XIX e início do século XX, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, iremos
observar que grandes mudanças ocorreram na estrutura organizacional desses
países. Tanto um quanto outro país foram influenciados por ideais republicanos que
abalaram as organizações políticas que se mantiveram até o século XIX. De modo
geral, arranjos hierárquicos fundados no princípio da hereditariedade foram
combatidos e substituídos por estruturas políticas mais liberais, igualitaristas e
democráticas.
Entretanto, como pudemos observar no decorrer da pesquisa, Brasil e
Estados Unidos manifestaram de forma distinta as influências dos ideais de
igualdade e liberdade. Os Estados Unidos, com seu perfil de colônia de
povoamento, tiveram uma postura mais combativa e prática em relação a esses
84
ideais. Romperam relações com o agente colonizador após a sua independência,
elaboraram uma constituição política baseada no princípio do federalismo, e ainda
assumiram os custos de uma guerra em que o norte vencedor conseguiu
concretizar os ideais de liberdade civil, extinguindo o regime escravista em seu
país. O Brasil, com o perfil de uma colônia de exploração, seguiu a mesma
orientação progressista, porém, com muitas adaptações. Independente, mas ainda
imperial, instituiu a propriedade privada e aboliu a escravidão. Após a República,
entrou em guerras internas para garantir a unidade nacional, optando por uma
política dos governadores que permitiu que a massa da população ficasse de fora
do processo político quando proibiu o voto aos analfabetos e fez pouco para
alfabetizá-los.
A maneira de perceber de que forma os autores Manoel Bomfim e Franz
Boas corresponderam a essa série de transformações foi, naturalmente, avaliar as
suas obras objetivando reconhecer referências, citações e orientações políticas que
revelassem de que lugar eles falavam e que tipos de influências eles poderiam
trazer em seus textos. E esse questionamento só se fez plausível, pois havia um
aparente descompasso entre os argumentos principais desses dois autores e aquilo
que seus contemporâneos, pares, ou colegas de profissão defendiam.
Mas, enfim, que tipos de contribuições tão inovadoras esses autores
trouxeram? Manoel Bomfim, em um tempo em que a ideologia racista era
dominante, se propôs a combater a ideia de que as raças inferiores – negra e
indígena - seriam incapazes de alcançar o desenvolvimento da raça superior – a
raça branca. E o progresso para elas seria uma questão de educação. Franz Boas,
por sua vez, no campo da antropologia, renegou alguns dos principais postulados
da corrente evolucionista em voga nesta época, dentre eles, o desenvolvimento
unilinear da cultura humana, e o método de classificação hierárquica dos povos
baseado em artefatos materiais colhidos aleatoriamente de diversas partes do
85
mundo. Para Bomfim, a humanidade era multicultural e os objetos precisavam ser
dotados de significado.
Pode-se notar, portanto, que Boas e Bomfim assumem uma postura
contrária a de seus contemporâneos. De forma até mesmo surpreendente, esses
autores negam qualquer tipo de determinismo biológico para o comportamento
humano e apostam na superação das dificuldades raciais através do estímulo e do
aprendizado. Mesmo sem provas científicas, sem testes laboratoriais que
comprovassem a equiparação das raças, esses autores insistiam em convencer os
seus leitores e ouvintes que, sim, era possível haver uma unidade de indivíduos
com potenciais semelhantes. O que poderia ser isso? Será que eram visionários?
Seres a frente de seu tempo? Este questionamento moveu este trabalho e ainda
apontou algumas possíveis soluções para este enigma.
Em verdade, quando analisados um pouco mais demoradamente, vemos que
Manoel Bomfim e Franz Boas não constituíam heróis a frente de seu tempo, pelo
contrário, os dois autores poderiam ser considerados extremamente
contemporâneos. A obra de ambos, por exemplo, apresentam fortes relações com a
teoria darwinista sobre a origem das espécies. Até mesmo influenciados pelas suas
formações originais – Bomfim formou-se médico, enquanto Boas doutorou-se em
física – os dois autores usaram amplamente a teoria do evolucionismo biológico e
também o seu paralelo, a teoria do evolucionismo social ou cultural. É fortemente
presente na teoria de ambos o pensamento da progressiva complexidade dos
organismos vivos. Ou seja, Boas e Bomfim acreditaram que organismos sociais,
assim como organismos vivos, desenvolviam-se de organismos simples para
organismos complexos.
Manoel Bomfim, por exemplo, baseia toda sua teoria explicativa sobre os
males da América Latina na relação biológica entre presa e predador. Para Bomfim,
o predador (o colonizador) ao longo do processo de colonização iria perdendo as
suas adaptações necessárias para a sobrevivência e iria se transformando em um
86
ser inferior, tal qual é o verme que suga, com anatomia indiferenciada e incapaz de
conseguir alimento por conta própria. O explorador, então, traçaria o caminho
inverso da evolução darwiniana, ele involuiria, perdendo tudo que conquistara até
então. Franz Boas também apresentou fortes traços do pensamento evolucionista
quando reconhece que os indivíduos da raça negra, nos Estados Unidos, deveriam
se esforçar para alcançar o progresso que a civilização norte-americana já tinha
conseguido. Ou, ainda, quando ressalta as capacidades da raça negra destacando
conquistas materiais, tecnológicas e organizacionais tendo como parâmetro de
comparação o modelo da sociedade norte-americana.
Outro ponto importante entre os dois autores é a impossibilidade de
comprovar cientificamente aquilo que pretendem afirmar. Boas e Bomfim alardeiam
que nenhuma raça é incapaz de aprendizado. Passam grande parte de seus textos
alegando que quando exposto a um ambiente favorável, qualquer indivíduo pode
assimilar conhecimentos instrumentais assim como sentimentos nobres. Mas não
apresentam nenhuma prova cabal que dê essa certeza nem aos leitores e nem a
eles mesmos. Por isso, não raro Manoel Bomfim e Franz Boas pedem auxílio aos
governantes para apoiar a ciência em busca de evidências que comprovem a igual
capacidade das raças. Outra preocupação de ambos os autores era o fenômeno da
mestiçagem. Segundo eles, a mistura de raças ainda era recente, e não havia como
ter certeza sobre nenhum tipo de resultado. Mas, ainda assim, Boas e Bomfim
insistiam que, se era impossível comprovar que a mistura racial era saudável,
também não havia provas científicas que essa mistura traria prejuízos.
A insistência dos autores em desacreditar o pensamento racista talvez seja
respondida pela concepção geral de vida e de organização social que ambos
defendiam. Na leitura de seus livros é comum encontrar citações que exultam os
pensadores iluministas e as maravilhas de ciência. Pode-se dizer que tanto Manoel
Bomfim quanto Franz Boas eram fortes representantes do progressismo nos seus
respectivos países. Inspirados por doutrinas positivistas e pelos ideais de liberdade
87
e igualdade, lutaram para que a ciência encontrasse as respostas para auxiliar na
procura pela felicidade. A ciência teria um aspecto duplo no progresso das nações.
Por um lado, ela poderia, através dos avanços tecnológicos, prover o
desenvolvimento material dessas nações colocando-as no nível mais desejado pelos
dois autores – a civilização. Por outro, a racionalidade e o positivismo poderiam
ajudar a implantar nas mentes de todas as raças, mas principalmente daquelas
consideradas mais fracas, os sentimentos de amor, solidariedade, liberdade e
igualdade.
Dentre os principais valores que deveriam ser incutidos nos indivíduos nas
nações brasileira e norte-americana estaria também o apreço ao trabalho. Manoel
Bomfim acreditava que negros e indígenas estariam “na infância” da humanidade.
Sendo, portanto, raças moldáveis que deveriam ser trabalhadas por um plano
maior de nação, onde deveriam ser cerceados os sentimentos negativos como
preguiça, apatia, egoísmo e todo tipo de paixão para se estimular os sentimentos
considerados positivos como a colaboração, a solidariedade e o trabalho. Franz
Boas também deixa claro no comunicado que fez para a comunidade negra de seu
país que a solução para a desigualdade estaria no trabalho. Seria através do
aprendizado, do trabalho, e do fruto de seu trabalho, a riqueza, que a comunidade
negra comprovaria sua capacidade e conquistaria o respeito dos imigrantes
europeus nos Estados Unidos.
A defesa das liberdades civis e a valorização do trabalho que surge nas
obras de Manoel Bomfim e Franz Boas indicam o importante traço liberal que foi
tomado como hipótese no início desse trabalho. Sem contar as variadas vezes em
esses autores conclamam com todas as letras as maravilhas do pensamento liberal.
Referindo-se a um liberalismo em sua primeira fase, que reclamava pela igualdade
de oportunidades e pela liberdade de desenvolvimento individual. Este liberalismo
que não punha sob a responsabilidade do Estado a igualdade concreta de todos os
indivíduos de uma nação, mas festejava a possibilidade de se obter individualmente
88
qualquer forma de progresso através da educação e da racionalidade. Seria ele, o
indivíduo, a peça mais importante da sociedade, estaria também sobre ele a
responsabilidade de progredir. O Estado seria responsável, sim, por prover um
meio favorável para que esses organismos se desenvolvessem, uma vez que a
adaptação em direção ao progresso ocorreria naturalmente no processo de luta
pela sobrevivência.
E, para este meio ser favorável, a ideia de “aprendizado” seria fundamental.
Boas, ao contrário dos evolucionistas, acreditou que existiam diversas culturas,
com significados próprios, e não uma só cultura em estágios diferentes. As culturas
particulares, portanto, constituiriam um todo integrado de diversos elementos,
formando o “espírito” de uma cultura. Quando exposto a uma outra cultura,
conforme ocorreu com os negros e com os indígenas, seria possível que, apesar do
impacto, esses indivíduos se adaptassem e progredissem. A ideia de “aprendizado”
em Bomfim surge de modo ainda mais evidente. Seria através da educação que os
grupos a princípio desfavorecidos iriam se adaptar e progredir. Justamente por isso
que Manoel Bomfim reivindica a oferta de instrução pública para a massa da
população. Educada e instruída, a população brasileira poderia de fato se tornar
cidadã, participando ativamente do processo político e aprendendo a valorizar os
ideais iluministas de colaboração e solidariedade.
Sem querer reduzir as obras dos autores, que sem dúvida permitem uma
multiplicidade de olhares além deste que foi construído aqui, pode-se afirmar que
Manoel Bomfim e Franz Boas foram indivíduos que, através de suas obras,
mostraram-se influenciados pelos fenômenos sociais e culturais de seu tempo,
identificando-se com os ideais de liberdade, da igualdade e da democracia, e que
lutaram especialmente pela liberdade de todos os indivíduos, independente da raça
a qual pertenceriam. Ideologia a qual, não coincidentemente, se encaixaria
perfeitamente no ideal republicano que Estados Unidos e Brasil vivenciavam aquele
momento. A ideologia liberal serviria como um ótimo “antídoto” para os problemas
89
enfrentados por esses dois países por causa da mistura de etnias que acontecia
devido ao intenso processo de imigração pelo qual tinham passado. Somente uma
ideologia defensora das liberdades civis e que desse ao indivíduo a possibilidade
plena de desenvolvimento se adequaria a sociedades multiculturais como Brasil e
Estados Unidos.
Sendo assim, Franz Boas e Manoel Bomfim, como declarados progressistas
que eram, desejavam para suas nações o máximo de desenvolvimento possível,
nas esferas econômica, social e cultural. Desejavam para seus países o máximo de
ganhos que o progresso poderia alcançar, e, para isso, não poderiam abdicar de
seu próprio povo. Era preciso crer que todas as pessoas poderiam aprender, que
todas aquelas diferenças aparentes entre as raças era apenas transitória, e que
toda desigualdade poderia ser remediada. Seria a crença no indivíduo, na mudança,
e no progresso através da ciência e da racionalidade que teriam movido esses
autores em suas sagas em busca da comprovação da igualdade entre as raças.
Desta forma, Estados Unidos e Brasil, países miscigenados desde a sua
origem, poderiam olhar positivamente para o futuro e ter ciência como aliada. As
desigualdades raciais e sociais deveriam ser vencidas para a unidade prevalecer.
Pois se essas nações tinham o objetivo de serem ricas e prósperas, deveriam contar
com a colaboração de todos os seus participantes. Populações fragmentadas não
seriam capazes de desenvolver sentimentos nobres e obter a evolução moral que
Boas e Bomfim tanto desejavam. Em um leque de diversas teorias a serem
apropriadas, Manoel Bomfim e Franz Boas escolheram doutrinas que davam a
chance de progresso as suas nações, abandonando a tendência das forças
conservadoras que insistiam em manter “cada coisa em seu lugar” e que eram a
favor dos privilégios e das relações sociais assimétricas. Portanto, as teorias desses
autores apoiaram-se nas ideologias liberais existentes em sua época e apostaram
na igualdade e na liberdade como valores para erguer nações fortes e
desenvolvidas.
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