34
Os nomes circulam entre eles como circulam na sociedade do sertão. Os
pontos altos das pelejas, reais ou especialmente elaboradas como matéria
de um folheto, difundem-se nas estrofes que a memória popular guarda, e
são contados como feitos do trovador, como índice de sua agudeza e de
sua maestria nas artes do verso, que denominam pés, segundo o gosto
antigo. Quanto às técnicas poéticas, o virtuosismo atinge a minúcias
impressionantes que nos lembram sutilezas formais da lírica provençal ou
galego-portuguesa, e nenhum bom cantador deve ignorá-las. A arte, em sua
plenitude, exige de seus cultores domínio firme, e uma espécie de sanção
coletiva cairá sobre aquele que, usando-a, nela fracassar (MOREIRA, 1964,
p.viii).
Moreira (1964, p. xix) reitera as colocações de Câmara Cascudo quando
expõe a temática de tais composições. Assim, acontecimentos importantes do país,
de países distantes, as histórias tradicionais, os elementos folclóricos, as
personagens reais ou de ficção, as lendas, “todo um mundo de temas, de traços de
vida” que possam ser fonte de sentimentos ou de ações, tornam-se matéria para as
trovas. Para isso, o trovador “dá-lhe o tratamento poético e narrativo”, escreve o
folheto e lança-o pelas feiras, praças e ruas. Desse modo, faz a palavra renascer na
paisagem brasileira com um sabor medieval, “sem burgos e sem castelos, mas na
áspera rudeza das caatingas, ou nos núcleos urbanos que polarizam os homens do
Norte e do Nordeste” (MOREIRA, 1964, p.viii). Essa atmosfera é freqüentemente
visualizada no Romance d’A Pedra do Reino:
Outro dia, eu li um desses horríveis “folhetos” que você e seus irmãos
imprimem na tipografia da Gazeta e vendem nas feiras. Para lhe ser franco,
foi uma das coisas mais alienadas que já vi. Começava o Cantador dizendo
que “no Reino do Pajeú”, em Pernambuco, morava “um honesto
Fazendeiro”. Chamar o fazendeiro de honesto já era ruim! Mas, além disso,
o “honesto fazendeiro” era, ainda, “pai de uma Princesa, que era alva como
os lírios e honesta como a pureza”. Alva é dado como elogio! E, como se
não bastasse, o desgraçado do Cantador aceita os padrões morais da
classe dominante, e elogia a filha do opressor! Mas a coisa vai além! Sendo
o tal “honesto fazendeiro” o “Rei do lugar” (imagine!), morava ali perto um
Negro cangaceiro, cujo costume era “deflorar donzelas”. Um dia, vendo a tal
“Princesa”, filha do “Rei fazendeiro”, o Negro resolve “desfolhar a folha
dela”. Pois bem: com esse enredo armado, o peste do Cantador toma o
partido do fazendeiro e da moça, e volta toda sua antipatia contra o
Cangaceiro Negro, ao lado do qual ele deveria estar, por solidariedade
racial e por coerência na luta de classes! Agora pergunto: o que é que a
Esquerda pode com Cantadores como esse e com Cangaceiros aliados aos
poderosos, Quaderna? (RPR, 2007, 277-278).
No fragmento, Clemente, um dos mentores intelectuais de Quaderna, expõe a
temática de um folheto de cordel, no qual a “realeza” de tal cenário, governado por
um Rei, habitado por uma Princesa, localiza-se em pleno Pajeú, sertão
pernambucano. Clemente faz uma crítica à postura ideológica do cantador e ao