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A colonização no Brasil foi essencialmente estruturada no capital mercantil. Seus
objetivos coadunaram-se “ao início da era capitalista”. Os colonialistas forjaram os
“descobrimentos” e a produção colonial para realizar lucros extraordinários com os produtos
tropicais no mercado mundial. Contudo, eles não inauguraram o sistema capitalista porque
não havia na colônia a generalização do trabalho livre, pois a acumulação primitiva do capital
na América Portuguesa se sustentou na escravidão. Por um lado, o braço escravo esteve na
base da produção colonial. Por outro, o tráfico negreiro transferiu ainda mais capital à
metrópole, seja no ponto de vista que propala o “comércio no antigo sistema colonial”
(Novais, 2001), seja na perspectiva que argumenta o “comércio triangular” (Blackburn, 2003:
451-617), seja na posição que defende a relação “Arquipélago de Capricórnio”
247
, uma vez
que reconhece no Porto de Lisboa o primeiro para o comércio externo “brasileiro” até o
século XVIII
248
.
Unidos, Austrália etc. Aí a massa dos colonos agricultores, embora traga da terra natal montante maior ou menor
de capital, não constitui classe capitalista, nem sua produção é a capitalista. São mais ou menos camponeses que
trabalham autonomamente, para os quais o fundamental, antes de tudo, é produzir o próprio sustento, os meios
de subsistência, e cujo produto principal portanto não se torna mercadoria e não se destina ao comércio. /.../ Na
segunda espécie de colônias – as grandes fazendas (plantations) – destinadas desde o início à especulação
comercial e com a produção voltada para o mercado mundial, verifica-se produção capitalista, embora
formalmente apenas, uma vez que a escravatura negra exclui o assalariado livre, portanto o fundamento da
produção capitalista” (1983: 729-730). Assim, na diferenciação dos processos colonizadores, Marx apontou o
formato produtivo colonial voltado para o mercado mundial como capitalista, ao mesmo tempo chamou a
atenção sobre a força de trabalho não-capitalista. Portanto, não se pode afirmar que ao considerar o capital
mercantil na formação do novo sistema, estar-se-ia entendo-o enquanto modo de circulação, ao invés de
produção.
247
O historiador Luiz Felipe de Alencastro aponta sobre o sistema colonial: “Para mim, o ponto central é o
seguinte: Angola não é uma coisa externa [a formação do Brasil no Atlântico Sul], Angola constitui o centro do
que eu chamo de ‘Arquipélago de Capricórnio’, que ainda não é o Brasil ‘do Oiapoque ao Chuí’, mas uma rede
de feitorias sul-atlânticas composta de uma zona de produção escravista na América Portuguesa, e de uma zona
de reprodução de escravos em Angola e Costa da Mina. As duas zonas são unidas pelo mar, pelos navios, através
de um comércio bilateral baseado em trocas diretas e no sistema de ventos e correntes gerado pelo anticiclone de
Capricórnio” (2002: 253).
248
A sistematização sobre a história colonial foge ao objetivo do presente trabalho. No entanto, cabe apontar a
produção de certa historiografia que tem se dedicado ao estudo do período negando a acumulação externa. Essa
corrente, segundo o historiador Fernando Novais, está “na linha da historiografia portuguesa”, pois corrobora a
ideia de que “a perda do mercado brasileiro não foi muito importante para Portugal” (Novais, 2002: 140). O
professor uspiano elenca sua observação crítica: “Primeiro /.../ Não é a mesma coisa a economia voltada para o
mercado externo e acumulação primitiva do capital – eles [os historiadores João Fragoso e Manolo Florentino]
botam tudo no mesmo balaio. Segundo, eles reformam o modelo, exageram o modelo. Quando eles estão falando
de comércio externo, querem dizer que segundo aquele modelo não há mercado interno. Ora, o modelo diz que
há mercado interno desde Caio Prado Jr. Mais do que isso, /.../ que há mercado interno e que a tendência é o
mercado interno crescer. Caio [Prado Jr.], que é marxista, vai mais longe, diz claramente que a contradição é a
seguinte: a economia produz para a exportação, mas não consegue produzir para a exportação sem fazer crescer
o mercado interno ao mesmo tempo. Logo, mercado interno no modelo não é inexistente, ao contrário, o
mercado interno é um pressuposto do sistema, eles têm que se desenvolver. Logo, ao contrário do que eles estão
dizendo, o modelo não é incompatível com o mercado interno. Mas, eles estão negando o modelo. /.../ Isso
envolve [por parte dos historiadores que desreconhecem as articulações externas] a negação do sistema colonial”
(Novais, 2002: 141).