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UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO
FACULDADE
DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
FERNANDO RICARDO SALLES
A RELEVÂNCIA DA CIBERNÉTICA
Aspectos da contribuição filosófica de Norbert Wiener
São Paulo
2007
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FERNANDO RICARDO SALLES
A RELEVÂNCIA DA CIBERNÉTICA
Aspectos da contribuição filosófica de Norbert Wiener
Dissertação apresentada ao Departamento
de História e Filosofia da Ciência da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo,
como parte dos requisitos para a obtenção
do título de Mestre.
Área de Concentração: Filosofia
Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Pessoa Jr.
São Paulo
2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Fernando Ricardo Salles
A relevância da Cibernética.
Aspectos da contribuição filosófica de Norbert Wiener
Dissertação apresentada ao Departamento de História e Filosofia da Ciência
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Filosofia.
Aprovada em _____ / _____ / 2007
Banca Examinadora:
Prof. Dr. ___________________________________________ Instituição: __________________
Assinatura:______________________________________
Prof. Dr. ___________________________________________ Instituição: __________________
Assinatura:______________________________________
Prof. Dr. ___________________________________________ Instituição: __________________
Assinatura:______________________________________
RESUMO
A Cibernética é considerada por alguns como uma nova ciência, enquanto outros a definem como
um movimento intelectual que teve seu apogeu nas primeiras décadas após a Segunda Guerra
Mundial, mas declinou nos anos seguintes. Seu fundador, o filósofo e matemático Norbert Wiener,
propunha a Cibernética como uma nova forma de se fazer ciência, e em seus escritos procurava
extrair as conseqüências filosóficas desse novo modo de pensar. Apresentamos neste estudo um
resumo da trajetória intelectual de Wiener e de suas posturas filosóficas. Também analisamos a
história da Cibernética, desde sua rápida aceitação inicial até o seu declínio, com o qual se inicia
uma fase de “permanência latente”, onde a influência das idéias cibernéticas é um tanto residual e
difusa. Com o objetivo de esclarecer o alcance das propostas de Wiener, procuramos identificar o
“núcleo duro” filosófico da Cibernética, presente em algumas das suas noções mais importantes.
Essas análises estão presididas pela convicção de que a Cibernética é sobretudo um método: um
controle da atenção na direção das relações recíprocas entre os componentes estruturais do objeto
estudado e sua interação com o meio ambiente. Finalmente, mostramos através de exemplos que
as idéias centrais da Cibernética exercem uma influência relevante em amplos setores do
pensamento e da cultura contemporâneas: esse é o legado de Norbert Wiener.
Palavras-chave: Cibernética, Filosofia, Wiener, Realimentação, Teleologia, Antropomorfismo,
Antropologia, Cultura, Ciência.
ABSTRACT
While some consider Cybernetics to be a new science, others define it as an intellectual movement
which reached its climax in the first decades of the Post-War Period, declining shortly after. Its
founder, the philosopher and mathematician Nobert Wiener, viewed Cybernetics as a new way of
making science; in his writings, he tried to extract the philosophical consequences of this new way
of thinking. This study presents a summary of Wiener’s intellectual journey and philosophic
positions. It also analyses the history of Cybernetics, from its quick acceptance at the beginning to
its fall, which starts a phase of “latent permanence” — cybernetic ideas are diffuse and residuary.
In order to clarify the reach of Wiener’s proposals, this study tries to identify the “philosophical
kernel” of Cybernetics, as it appears in its capital concepts. These analysis are based on the
conviction Cybernetics is mainly a method: a control of perception focusing the reciprocal
relations among the structural components of a given object and its interaction with environment.
Finally, there is an attempt to show, by examples, that the major ideas of Cybernetics constitute a
great influence in many areas of contemporary thought and culture: this is Norbert Wiener’s
legacy.
Key words: Cybernetics, Philosophy, Wiener, Feedback, Teleology, Anthropomorphism,
Anthropology, Culture, Science.
SUMÁRIO
I – Introdução .................................................................................................................................. 1
II – Norbert Wiener: filósofo, matemático e cientista .................................................................... 7
1. Vida e trajetória intelectual ............................................................................................... 7
2. Posicionamentos filosóficos ............................................................................................. 12
III – Os caminhos da Cibernética como disciplina ........................................................................ 18
1. A formação do ideário básico ........................................................................................... 18
2. A escolha do termo “Cibernética” .................................................................................... 24
3. A difusão da Cibernética e a “primeira geração” de grandes nomes ................................ 26
4. O declínio da Cibernética: ocaso ou latência? .................................................................. 32
IV – O “núcleo filosófico” da Cibernética ..................................................................................... 36
1. A Cibernética vista como um método............................................................................... 36
2. Comportamento: um tipo especial de movimento ............................................................ 40
3. Controle e realimentação .................................................................................................. 42
4. O “dinamismo ontológico” de Wiener.............................................................................. 47
V – A presença da Cibernética na cultura e nas ciências contemporâneas..................................... 51
1. O prefixo cyber- : um indício de influência cultural......................................................... 51
2. Cibernética na Administração de empresas e nas Ciências Sociais ................................. 52
3. O conhecimento humano e a Epistemologia..................................................................... 57
4. Alcance antropológico das noções de realimentação e informação.................................. 59
VI – Conclusão .............................................................................................................................. 62
VII – Referências Bibliográficas ................................................................................................... 67
1
Além da sua função nas ciências existentes, a Cibernética certamente irá
influenciar a própria Filosofia da Ciência, particularmente nos campos do método
científico e da Epistemologia ou Teoria do Conhecimento. Em primeiro lugar, o
ponto de vista estatístico que foi posto em evidência pela Cibernética e pelas
minhas primeiras pesquisas força-nos a adotar uma nova atitude diante da ordem e
da regularidade. A perfeita informação não tem nada que possa ser medido, e
justamente por isso nenhuma informação obtida por medição pode ser perfeita. Se
podemos comparar graus de causalidade, isso só é possível porque o Universo não é
uma estrutura perfeitamente firme, mas uma estrutura na qual são possíveis
pequenas variações em diferentes setores.
Por conseguinte, do ponto de vista da Cibernética, o mundo é um organismo,
nem tão rígido ao ponto de que qualquer mudança em algum aspecto o faça perder
sua identidade, nem tão frouxamente articulado que qualquer coisa possa acontecer.
É um mundo que alberga ao mesmo tempo a rigidez do modelo físico newtoniano e
a flexibilidade imprecisa do estado de máxima entropia ou morte térmica, onde
nada realmente novo pode ocorrer. É o mundo do Processo: não o mundo do
equilíbrio terminal da morte térmica, ao qual o Processo conduz, nem tampouco o
mundo onde o progresso de todos os acontecimentos esteja determinado por uma
harmonia pré-estabelecida, como era o de Leibniz.
Num mundo assim, o conhecimento é essencialmente o processo de
conhecimento. O conhecimento é um aspecto da vida, e a vida é a contínua
interação do indivíduo com o seu meio ambiente, mais do que uma forma de existir
sub specie aeternitatis.
Norbert Wiener, I Am a Mathematician (1956) p.328
I - Introdução
Após séculos investigando o movimento e a estrutura da matéria, a Ciência acabou
identificando uma outra noção central: a de energia. Contudo, ao tentar descrever de modo
rigoroso a natureza dos processos termodinâmicos e vitais, esse binômio mostrou-se
insuficiente, sendo necessário formular e incluir um terceiro elemento fundamental: a
entropia, que no século XX pôde ser vinculada de modo preciso à noção de informação. Boa
2
parte da atual visão científica do mundo monta-se sobre esses três elementos
1
— onipresentes,
mensuráveis e passíveis de tratamento matemático —, e os utiliza para tentar relacionar de
modo coerente os modelos vigentes em certos âmbitos da realidade com tudo o que ocorre nos
outros âmbitos, ainda pouco conhecidos.
Norbert Wiener teve um papel de destaque no reconhecimento definitivo da relevância
da informação e de suas implicações no debate filosófico, graças aos comentários que fez
sobre uma ampla série de resultados científicos e técnicos, muitos dos quais obtidos por ele
próprio. Um resumo importante, mas não exaustivo, desses comentários encontra-se no seu
livro Cybernetics, or Control and Communication in the Animal and the Machine (Wiener,
1948), cuja repercussão foi tão grande, que no texto da segunda edição (1961) o próprio
Wiener pôde acrescentar o seguinte:
A primeira vez que escrevi Cibernética, o principal obstáculo com que me
defrontei, ao demonstrar minha proposição, foi o fato das noções de informação
estatística e de teoria do controle serem novas e talvez até chocantes para as atitudes
usuais e estabelecidas da época. Presentemente, tornaram-se tão familiares como
instrumento dos técnicos de comunicação e dos projetistas de controles
automáticos, que o perigo maior contra o qual devo prevenir-me é que o livro possa
parecer trivial e um lugar-comum. O papel da realimentação, quer no projeto
técnico, quer na biologia, veio a ser firmado. O papel da informação e a técnica de
medir e transmitir informação constitui toda uma disciplina para o engenheiro, o
fisiologista, o psicólogo e o sociólogo. Os autômatos, que a primeira edição deste
livro mal prognosticava, são uma realidade... (Wiener, [1961] 1970: p. 9)
Wiener aliou à sua vasta obra em Matemática uma importante produção científica e
técnica, pautada por uma seqüência de temas específicos, dos quais soube extrair
conseqüências de ampla aplicação. A título de amostra, poderíamos citar, entre outros, os
seguintes: o caráter aleatório do movimento browniano; a Mecânica Estatística de Gibbs; a
1
A tríade mencionada não goza de consenso entre os cientistas: basta recordar a Física de campos — onde a
noção de “campo” é mais fundamental — ou as afirmações de Einstein, que identificava a gravitação com um
tensor na métrica do espaço-tempo. Contudo, mesmo nestes casos, as teorias precisam ser “traduzidas” em
termos de matéria, energia e informação, a fim de serem explicadas a um público mais amplo, e inclusive para
que se possam elaborar experimentos que “testem” as próprias teorias.
3
complementaridade nos fenômenos quânticos; as relações entre sinal e ruído na transmissão de
mensagens; e os requisitos formais para a construção de máquinas que interagem com o
ambiente em função de propósitos específicos.
Embora relutante em qualificar-se a si mesmo como filósofo
2
, Wiener de fato obteve
seu doutorado em Filosofia, e logo a seguir foi aluno e discípulo de Bertrand Russell, na
Inglaterra. Nos anos seguintes, veio a tornar-se um dos maiores matemáticos do século XX, e
por isso é justo que ele se considerasse, antes de mais nada, um matemático. Mesmo assim,
seus escritos de conteúdo estritamente filosófico são numerosos e, além disso, Wiener não se
furtava ao papel de intérprete da Ciência e da Sociedade de seu tempo. Tudo isso acabou por
dar-lhe um grande renome também como pensador, intelectual e filósofo.
Unindo um talento incomum para a elaboração de sofisticados métodos matemáticos a
uma fina sensibilidade para notar certos aspectos universais dos processos físicos, Wiener foi
capaz de mostrar com clareza como a ordem se compõe com a desordem numa ampla gama de
fenômenos. Suas observações têm implicações ontológicas e gnosiológicas profundas e de
grande atualidade: incidem diretamente sobre as questões do determinismo e da auto-organi-
zação, que constituem um dos principais temas do presente debate científico e epistemológico.
Em toda a sua longa carreira, mas especialmente nas décadas de 1930 e 1940, Wiener
trabalhou em parceria com muitos cientistas verdadeiramente brilhantes — dentro e fora do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde esteve de 1919 a 1960 — e manteve
estreitas relações com numerosos grupos de pesquisa que nesse período obtiveram resultados
importantes em vários campos. Graças ao seu interesse e talento verdadeiramente
multidisciplinares, Wiener foi capaz de identificar elementos comuns em muitas dessas
descobertas, e talvez tenha sido um dos primeiros a ver emergir do seu conjunto uma nova
atitude científica (um "ponto de vista", como costumava dizer) de alcance revolucionário.
2
Wiener deu ao capítulo XIII do seu primeiro livro autobiográfico o seguinte título: “A Philosopher Despite
Himself: Harvard, 1911-1913” (Cfr. Wiener, 1953).
4
As obras de Wiener, inseridas num contexto histórico de grande efervescência
científica e filosófica, foram um dos principais motores do redirecionamento de diversos
ramos da Tecnologia e da Ciência ocorrido após a 2a. Guerra Mundial. Ele próprio pôde
presenciar como se foi formando — nas mais variadas áreas de pesquisa — um consenso em
torno dos temas e dos métodos que propôs, e cujas implicações filosóficas previu com as
palavras que encabeçam esta Introdução.
As idéias e propostas contidas no livro fundacional da Cibernética (Wiener, 1948)
tiveram uma acidentada trajetória posterior à sua publicação, e isso reflete-se hoje em dia
numa certa ambigüidade quanto ao genuíno estatuto epistemológico dessas próprias idéias e
propostas: fato que não deixa de ser desconcertante, tendo em vista a rápida e ampla aceitação
de muitos dos métodos e temas ali incoados. Este conflito parece-nos uma indicação de que o
"ponto de vista" cibernético guarda desdobramentos — alguns dos quais entrevistos por
Wiener — que ainda não foram suficientemente examinados nem esclarecidos
3
, e por isso
acreditamos ser oportuno evocar novamente a “nova ciência” de Wiener e filosofar sobre ela.
A proposta wieneriana tem uma característica que é típica dos grandes inovadores: a
audácia de afirmar como realmente presente nas coisas algo que seus antecessores imediatos
viam apenas de modo confuso: apenas como um modelo, como um instrumento de cálculo,
como uma idéia sugestiva mas irreal. No caso do nosso autor, o elemento afirmado é a
presença da informação, das mensagens e do controle no próprio âmago do mundo físico e
biológico, além do humano e artificial. Isso levou-nos à conclusão de que — salvadas as
distorções de perspectiva histórica devidas à proximidade dos fatos — Wiener tem todo o
direito de ser colocado na seleta galeria dos que, como Copérnico, Darwin e Einstein,
conseguiram impor à comunidade científica — e a toda a sociedade — uma nova terminologia
e uma nova pauta de questões.
3
Andrew Pickering (2002), por exemplo, fala sobre as virtualidades ainda pouco exploradas da Cibernética num
ensaio sobre três célebres ciberneticistas ingleses.
5
Iniciaremos este estudo com uma breve história da formação acadêmica de Wiener,
enfatizando o seu lado filosófico, aliás refletido nas suas primeiras publicações. Faremos
depois um resumo da trajetória da Cibernética como disciplina, procurando retratar a formação
do seu ideário básico, identificar os fatores que determinaram o seu sucesso inicial, apresentar
alguns dos primeiros grandes ciberneticistas, e tecer alguns comentários sobre o aparente
declínio da Cibernética nos anos que se seguiram à sua entusiástica recepção. Em seguida
dedicaremos um capítulo ao exame daquilo que consideramos ser o “núcleo filosófico” da
Cibernética: o seu caráter de método
4
, que está na origem de todas noções fundamentais da
nova disciplina e que abre caminho para uma ampla gama de possíveis desdobramentos.
Wiener utiliza muitas vezes usa a expressão “o ponto de vista da Cibernética”, não
somente nos textos onde explica a nova disciplina, como também nos comentários que faz
4
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa traz o seguinte verbete para a palavra:
método substantivo masculino
1. procedimento, técnica ou meio de se fazer alguma coisa, especialmente de acordo com um plano
Ex: há dois métodos diferentes para executar essa tarefa
2. processo organizado, lógico e sistemático de pesquisa, instrução, investigação, apresentação etc.
Exs: método analítico, método dedutivo
3. ordem, lógica ou sistema que regula uma determinada atividade Ex: ensinar com método
4. modo de agir; meio, recurso Ex: encontrou um bom método para economizar
5. Derivação: por extensão de sentido. maneira de se comportar Ex: cada pessoa tem seu método
6. qualquer procedimento técnico, científico Ex: método psicoterápico
7. conjunto de regras e princípios normativos que regulam o ensino ou a prática de uma arte
Ex: aprendeu a ler pelo método da silabação
8. Derivação: por metonímia. compêndio que apresenta detalhadamente as etapas desse método
Ex: comprou um método de redação comercial
9. Derivação: sentido figurado. maneira sensata de agir; cautela Ex: vive com método
10. Rubrica: filosofia.
conjunto sistemático de regras e procedimentos que, se respeitados em uma investigação cognitiva,
conduzem-na à verdade.
10.1 no cartesianismo, o somatório de operações e disposições preestabelecidas que garantem o conhecimento,
tais como a busca de evidência, o procedimento analítico, a ordenação sistemática que parte do simples
para o complexo, ou a recapitulação exaustiva da totalidade do problema investigado
10.2 na filosofia de Bacon (1561-1626), reunião de prescrições de natureza indutiva e experimental que
asseguram o sucesso da investigação científica
10.3 no pensamento de Edgar Morin (1921 -), atitude intelectual que busca a integração das múltiplas ciências e
de seus procedimentos cognitivos heterogêneos, tendo em vista o ideal de um conhecimento eclético e
complexo
Etimologia: do grego méthodos, de metá 'atrás, em seguida, através' e hodós 'caminho'
Como se pode ver, além da acepção que identifica método com algoritmo prescritivo ou seqüência de
procedimentos, é possível falar de método como atitude, como disposição e como busca. Acrescentaríamos que
método também pode ser entendido como visão ou ato intelectual. Voltaremos ao assunto no início do capítulo
III.
6
sobre diversos estudos, mais ou menos ligados à sua proposta. Essa insistência, aliada ao fato
de que Wiener nunca empreendeu uma estruturação sistemática da Cibernética, parece-nos
indicar que, para ele, a Cibernética é fundamentalmente um método. Acrescentaríamos que a
Cibernética é um método sumamente penetrante e original, cuja força se manifesta na
multiplicidade de abordagens e inovações conceituais que o uso desse método torna possíveis.
Wiener pessoalmente explorou apenas uma ínfima parte dessas possibilidades, e com mais ou
menos acerto. Isso explicaria por que a forte influência que a Cibernética exerce em muitos
campos de estudo é às vezes pouco visível, ou até mesmo explicitamente negada: mesmo
assumindo uma postura crítica quanto a certos aspectos do ideário de Wiener, muitos
continuam insistindo sobre os mesmos temas que ele inaugurou, e continuam pensando
“ciberneticamente”. É o que procuraremos mostrar no último capítulo: passaremos em revista
alguns campos da Ciência e da Cultura, salientando a presença — explícita ou latente — de
temas cibernéticos nesses âmbitos e lembrando algumas idéias de Wiener pertinentes em cada
caso.
Em nossa opinião, o sentido mais profundo da Cibernética — tema decisivo e
culminante do pensamento de Wiener — é o de uma importante proposta filosófica que, além
de ter enriquecido a temática e a metodologia científicas, tentou dizer algo novo sobre a
própria constituição do Universo, sobre o papel que nele o Homem representa, e sobre as
relações entre ambos. Parece-nos que essa tentativa deu certo, e é justamente isso o que
explica a onipresença de um certo substrato cibernético em todo o atual panorama científico e
cultural.
7
II - Norbert Wiener: filósofo, matemático e cientista
1. Vida e trajetória intelectual
Wiener nasceu em Columbia, Missouri, em 26 de novembro de 1894. Tanto sua mãe,
Bertha (Khan), quanto o seu pai, Leo Wiener, eram de famílias judias, mas além de não serem
praticantes do judaísmo, tinham arraigadas convicções agnósticas e procuravam disfarçar a sua
origem
5
. No ano seguinte, sua família mudou-se para Cambridge, Massachusetts, onde seu pai
foi professor de Línguas Eslavas na Universidade de Harvard. Entre os amigos da família
estava Walter Cannon, fisiologista da Escola de Medicina dessa Universidade e famoso por
seus estudos sobre a homeostase, com quem o pequeno Norbert mantinha animadas conversas
6
.
Sua formação escolar básica foi em boa parte doméstica, com seu pai servindo-lhe de
tutor e estimulando um desenvolvimento muito precoce de suas capacidades intelectuais. Em
1906, com apenas 11 anos de idade, começou o curso universitário no Tufts College, em
Boston, onde graduou-se — com mérito — em Matemática em 1909. Ao longo do curso, teve
aulas com William James e iniciou suas leituras em Filosofia. Spinoza e Leibniz
chamaram-lhe especialmente a atenção, como lembra Wiener na primeira parte da sua
autobiografia:
O panteísmo de Spinoza e a linguagem pseudo-matemática da sua Ética
encobrem o fato de ser este um dos maiores livros religiosos da História; um livro
que, se for lido consecutivamente, sem as interrupções dos axiomas e teoremas,
representa uma magnífica exaltação do estilo e um exercício da dignidade humana,
5
Essas posturas os levaram a ocultar ao próprio filho essa origem judaica. Quando descobriu que era judeu e que
seus pais estavam escondendo isso dele, Norbert — já com quinze anos de idade — teve um sério abalo
emocional. Cfr. Wiener (1953: pp. 143-156) e Masani (1990: pp. 41-43).
6
Apresentaremos somente uns poucos traços da biografia de Wiener. Para mais, cfr. os volumes auto-biográficos
(Wiener, [1953] e [1956]) e a excelente biografia elaborada por Pesi Rustom Masani (1990), seu colega no MIT
e, mais tarde, editor dos seus Collected Works. O estudo comparativo entre Wiener e J. von Neumann, feito por
Heims (1984), e a última biografia de Wiener, elaborada por Conway & Siegelman (2005), contêm aspectos
polêmicos (cfr. Marcus, 2006), mas servem como referências adicionais. São interessantes também o resumo
biográfico de Jerison & Strook (1997) e os breves relatos testemunhais de Carl Musès (1994), Robert Vallée
(1994), Paul Samuelson (1997) e Dirk Struik (1997), publicados por ocasião do centenário de nascimento de
Wiener.
8
bem como uma mostra da dignidade do Universo. Quanto a Leibniz, nunca fui
capaz de reconciliar a minha admiração por ele como o último grande gênio
universal da filosofia com o desprezo que sinto por ele como adulador, caçador de
cargos e esnobe. (Wiener, 1956: p. 109)
Wiener decidiu começar seus estudos de pós-graduação em Zoologia, em Harvard, mas
não se deu bem, devido em boa parte à sua quase nula destreza manual. Em 1910, a instâncias
do pai, iniciou os estudos de doutorado em Filosofia, na Universidade de Cornell. No ano
seguinte continuou-os em Harvard sob a orientação de Josiah Royce (que depois adoeceu e foi
substituído por Karl Schmidt). Em Harvard assistiu cursos dados por George Santayana e E.V.
Huntington.
Em 1913, com a tese A comparison of the algebra of relatives of Schroeder and of
Whitehead and Russell, obteve o título de Doutor em Filosofia, poucos meses antes de
completar 19 anos. Ainda nesse ano publicou seu primeiro artigo (Wiener, 1913) e ganhou
uma bolsa para estudar em Cambridge, na Inglaterra, sob a orientação de Bertrand Russell.
O ano de 1914 foi especialmente intenso para Wiener: teve aulas em Cambridge com
Russell e G.E. Moore, e também em Göttingen, onde foi aluno de Husserl e de Hilbert.
Também pôde estar com Frege, passando alguns dias com ele nas férias. Por recomendação de
Russell, estudou os aspectos lógico-matemáticos implicados na Mecânica Estatística de Gibbs,
nos trabalhos de Einstein e Smoluchowski sobre o movimento browniano, e na teoria atômica
de Bohr.
A partir dessa época, a convicção de que a Matemática e a Física mantêm uma especial
relação de interdependência recíproca tornou-se um dos traços marcantes do seu pensamento:
mais tarde, num escrito de 1954, publicado postumamente, Wiener a exprimiria desta maneira:
A Matemática permite-nos formular o essencial e desterrar o acessório, e
isso também nos ajuda a formular as mesmas perguntas em muitos campos, sem
nos comprometermos com nenhum. Nas mãos de um matemático sensível às
possíveis interpretações da sua linguagem, a Matemática converte-se num
poderoso instrumento de invenção e descobrimento.
9
(...) Na resolução de um problema científico por métodos matemáticos,
muitas vezes nos encontraremos com aquele tipo de dificuldade abstrata que os
matemáticos chamam de dificuldade de rigor ou dificuldade nos teoremas de
existência. Essas questões têm sido desde sempre consideradas como domínio do
matemático puro. A avaliação das dificuldades matemáticas de um problema re-
quer a união das habilidades do matemático puro com as do matemático aplicado.
Um estudo cuidadoso pode revelar-nos que essas dificuldades não emanam
do problema em si, mas do modo como o abordamos, o que tornaria possível que
possam ser contornadas por um matemático mais versado. Mas não se deve
descartar a possibilidade de que essa dificuldade matemática possa ser um sinal de
uma dificuldade física ineludível, em cujo caso só poderá ser contornada com
uma modificação muito radical da concepção física do problema. Não é difícil
encontrar exemplos (Wiener, [1954] 1995: pp. 55-56).
Em 1914, Wiener publicou dois artigos sobre fundamentos da Matemática (Wiener,
1914a e 1914b), e dois outros sobre Filosofia, intitulados “The Highest Good” (Wiener,
1914c) e “Relativism” (Wiener, 1914d). Nestes, Wiener faz comentários à filosofia de
Bergson e expõe de forma sucinta algumas das idéias que depois comporiam a Cibernética.
Em 1915, de volta aos Estados Unidos, assistiu a um curso dado por John Dewey, na
Universidade de Colúmbia. Logo depois foi contratado por um ano como professor assistente
do departamento de Filosofia de Harvard, onde deu aulas de Introdução à Filosofia na
graduação e ministrou um curso sobre "Lógica Sintética e Teoria da Medida". O célebre
matemático G.D. Birkhoff quis assistir a esse curso, cujo tema já tinha sido abordado por
Wiener em dois artigos publicados nesse mesmo ano (Wiener, 1915a e 1915b).
Terminado seu contrato com Harvard, e depois de ter sido por uns meses Instrutor de
Matemática na Universidade do Maine, Wiener alistou-se no exército, onde recebeu
treinamento militar e mais tarde serviu como técnico em matemática aplicada à balística.
Trabalhou ainda como policial, jornalista, e redator da edição 1918-1920 da Encyclopedia
Americana
7
.
7
Assinou os verbetes “Aesthetics”, “Algebra (definitions and fundamental concepts)”, “Alphabet”, “Animals
(chemical sense in)”, “Apperception”, “Category”, “Dualism”, “Duty”, “Ecstasy”, “Geometry (non-euclidean)”,
10
No outono de 1919, com 25 anos, Wiener foi contratado como professor do
Departamento de Matemática do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Nos primeiros
anos, suas publicações retomam e ampliam o que foi tratado nos seus trabalhos de 1914/15
sobre fundamentos lógicos e filosóficos da Matemática
8
. Depois dedicou-se à Análise
Matemática e ao tratamento formal de funções de tipo probabilístico: seus trabalhos nessas
áreas o tornaram célebre e mundialmente reconhecido como um dos grandes matemáticos do
século XX (Cfr. Mandrekar, 1995).
Wiener permaneceu no MIT até 1960, ano em que se aposentou e foi nomeado
Professor Emérito. Foram mais de quarenta anos de uma rica trajetória, na qual podemos
destacar os seguintes aspectos:
1) Wiener manteve sempre um forte ritmo de viagens e uma intensa agenda de contatos
com a elite intelectual de seu tempo. É grande a variedade e o número de cientistas e intelec-
tuais de primeira linha que foram seus amigos, colegas, colaboradores ou correspondentes.
2) Quanto às suas áreas de interesse, Wiener peregrinou por temas muito variados.
Partindo de seus primeiros trabalhos em Filosofia, Epistemologia, Lógica e Fundamentos da
Matemática, ancorou-se na Análise Matemática, combinando-a com uma grande variedade de
assuntos: Física Teórica, Engenharia de Sistemas Eletromecânicos e Eletrônicos, Teoria das
Comunicações, Fisiologia, Neurologia, entre outros. Seu lado humanístico o levou da Ética às
Ciências Sociais, passando pela História, pelas Artes e pela Religião. Em muitas desses
campos contribuições foram brilhantes; em outros, apenas incipientes, mas mesmo nesses
casos a temática que propôs serviu muitas vezes de guia para valiosos trabalhos de outros
autores. Além disso, Wiener criou uma terminologia e um método de abordagem
“Induction (in logic)”, “Infinity”, “Meaning”, “Mechanism and Vitalism”, “Metaphysics”, “Pessimism”,
“Postulates”, “Soul”, “Substance” e “Universals” (Wiener, 1918-1920).
8
É o caso do extenso artigo “The relation of space and geometry to experience” (Wiener, 1922), no qual procura
distinguir entre os elementos da geometria que têm origem mais diretamente empírica e aqueles postos por
esquemas mentais mais ou menos apriorísticos.
11
interdisciplinar que abriu numerosos campos de pesquisa até então inexplorados
9
. De qualquer
forma, o caráter provisório e instável de parte da obra de Wiener é apenas aparente: em todos
os seus trabalhos subjaz um vigoroso núcleo filosófico, que a partir de um certo momento
fundiu-se com as suas reflexões sobre a Cibernética.
3) Wiener periodicamente retornava a temas filosóficos. Há em sua trajetória vários
momentos em que sua reflexão é prioritariamente filosófica: são como que "interlúdios"
durante os quais se sedimentam as idéias-eixo, e que explicam a unidade e coerência da sua
vasta obra.
4) Embora tenha sido figura de fama e prestígio mundiais e aclamado como uma das
grandes personalidades de seu tempo, Wiener foi eclipsado nos anos posteriores à sua morte.
A mesma rapidez que caracterizou a aceitação e difusão das suas idéias, caracterizou também
o ocaso do seu brilho, a diminuição do número de vezes em que seu nome é citado, o silêncio
sobre o seu papel de desbravador de novos campos para a Ciência. Uma confusa conjunção de
fatores — aos quais mais adiante aludiremos — interromperam a evolução que se esperava
para a Cibernética. Diversas propostas alternativas, que a própria Cibernética havia tornado
possíveis, passaram a disputar-lhe o posto de “nova ciência”, de “novo paradigma”,
apresentando a seu favor uma série impressionante de êxitos e conquistas. A impressão que se
tem é a de que Wiener acabou sendo tragado por uma espécie de avalanche: a mesma que
marcou o início da chamada “Sociedade da Informação”, “Pós-modernidade” ou “Era da
Cibercultura”. Composta de resultados científicos de grande impacto (muitos deles obtidos
graças à abordagem dos problemas segundo o paradigma wieneriano) e de discussões radicais
quanto à natureza do homem e do Universo, essa avalanche foi tão intensa que em poucos
anos tirou de cena a figura do grande iniciador, transferindo todas as honras para os seus
numerosos herdeiros.
9
Por ocasião do centenério do nascimento de Wiener, a revista Kybernetes dedicou um número monográfico a
um ensaio de Pesi Rustom Masani (1994) — colega e principal biógrafo de Wiener — que analisa
minuciosamente a ampla a contribuição de Wiener ao método científico.
12
2. Posicionamentos filosóficos
Examinaremos — brevemente e sem pretensão de esgotar o tema — algumas das
posturas filosóficas de Wiener comentando três de seus escritos anteriores à Cibernética.
1) O Artigo “Relativismo” (Wiener, 1914) — um verdadeiro ensaio sobre Teoria do
Conhecimento — é especialmente significativo, pois data dos inícios da carreira de Wiener e
pode ser lido tanto como uma espécie de carta-programa de seu pensamento, como também
um elenco das suas convicções mais fundamentais.
Inicialmente Wiener critica a afirmação de que certas coisas possam ter uma
“existência completamente auto-suficiente”, mostrando a impossibilidade de um objeto
absolutamente isolado e descontextualizado, já que o próprio ato de falar deles implica
conectá-los ao sujeito cognoscente.
Nossas experiências (percepções, conhecimentos) são experiências de um sistema e
também formam um sistema com seus objetos. Nesse sistema é preciso destacar o que Wiener
chama de “coerência transversal, horizontal ou espacial”, que diz respeito à conexão sujeito-
objeto, e à qual se acrescenta a “coerência longitudinal ou temporal”, que diz respeito à
própria constância da consciência no tempo: a unidade e a conexão das experiências entre si.
Wiener detecta uma contradição na noção de “objeto absoluto”, presente no realismo
objetivo (na forma proposta por Berkeley ou em outras versões): se é absoluto não é objeto,
pois um objeto nunca é uma manifestação completa do real-consistente; e se é objeto não é
absoluto, pois “isso” que conhecemos tem um óbvio caráter de símbolo referencial, eivado de
convencionalidade. A vulnerabilidade desse realismo objetivo fica ainda mais visível quando
chega a dizer coisas como “o absoluto tem um perfeito e completo conhecimento de si
próprio”: uma frase diante da qual não se pode objetar nada.
13
O realista objetivo afirma a realidade dos objetos do seu conhecimento, mas admite
que tais objetos não estão (não se dão, não são por ele conhecidos) na sua completa realidade.
Onde ele está, então, na sua completa realidade? Num “em si” independente? Existem ou não
objetos (conhecidos) cuja existência seja absoluta, no sentido de absolutamente independente
do resto? Nenhum argumento com base no conhecimento humano pode dar resposta a essa
alternativa. Em nenhum sentido existe um conhecimento de objetos “absolutamente reais”. Se
tal conhecimento não se dá, então nada é absolutamente certo: toda a realidade que
conhecemos é relativa e parcial.
Segundo Wiener, isso afeta a noção de “mera evidência”, que poderia servir como base
de um conhecimento absolutamente certo, racionalmente deduzido de certezas absolutas.
Nenhuma proposição é totalmente independente de um contexto nem, portanto, absolutamente
certa a priori. Os axiomas, as premissas, as “leis do pensamento”, nada disso é absolutamente
certo, pois depende in infinitum de outras premissas, pressupostos e relações. Nenhum
conhecimento é absolutamente dedutivo.
Wiener aponta que esse seu “relativismo” é uma crítica ao formalismo metafísico,
como também o foram o pragmatismo, que subordinava a “validade” ou a “correção” de uma
doutrina ao valor que ela tem para a ação, e o bergsonianismo, que afirmava que a única via de
captação do real é a “intuição”.
Numa comparação, o relativismo aproxima-se mais do pragmatismo — afinal, o
critério de “anti-rigidez metafísica” é em certo sentido pragmático — embora rejeite a sua
pretensão de ser a “última palavra” como critério de verdade. Um relativismo pragmatista é até
possível, mas de qualquer forma, como disse Russel num de seus “Ensaios Filosóficos” (que
tem por título “Pragmatismo”), “a abertura da mente não é uma prerrogativa exclusiva do
pragmatismo”.
14
Quanto ao bergsonianismo, Wiener critica a sua visão dicotômica do mundo e do
pensamento como uma série de oposições irreconciliáveis:
duração homogênea tempo matemático
propósitos mecanismo
vida matéria
linguagem pensamento
pensamento intuitivo, que
permite a mútua interpenetração
entre idéias
pensamento intelectual (racional), que
trata de conceitos monolíticos, duros
(hard and fast) e distinções nítidas
Tal visão dicotômica é, aos olhos de Wiener, gratuita e intelectualista, especialmente
por excluir o pensamento físico-matemático do núcleo mais profundo de compreensão do real.
Além disso, também na Física e na Matemática a “intuição” tem um papel fundamental, e por
isso é erro grave reduzi-las a puro pensamento formal.
O argumento — tão clássico como óbvio — contra quaisquer relativismos é mostrar a
contradição que existe em frases como “estou certo de não estar certo de nada”. Wiener
responde a esse tipo de crítica afirmando que todo o conhecimento baseia-se numa hierarquia
de plausibilidades. Isso torna possível que a dúvida sobre o menos plausível fundamente-se no
mais plausível, isto é: naquilo que é relativamente mais certo, verdadeiro, etc. o qual por sua
vez pode também ser questionado.
Para Wiener o relativismo está imune a tal tipo de críticas porque não é simplesmente
uma proposta provisória em comparação com outras: é uma crítica baseada na incongruência e
na implausibilidade das doutrinas que refuta. As verdades relativas não têm todas o mesmo
valor. Além do mais, ao colocar-se como porta-voz do conhecimento “normal”, o relativista
reconhece que não tem como argumentar contra quem postule um “acesso” ao real por outras
vias misteriosas: afinal, negar o misticismo também é uma fé.
Como posturas anti-intelectualistas (no sentido de anti-rigidez metafísica), tanto o
relativismo como o pragmatismo e o bergsonianismo ressaltam a infinita complexidade do
15
Universo. Essa complexidade impede uma consciente comparação simultânea de tudo com
tudo, mas não impede que a consideremos um infinito potencial, que de fato exploramos
usando o já conhecido como critério de relevância para o novo.
O homem comum e o cientista buscam sempre o porquê de tudo e a sua estrutura — ao
falar de átomos, já pensam em dividi-los —: seu desejo de averiguar sempre mais não se
detém diante de um definitivo “isso é assim, e é inexplicável”, sentenciado por certos
metafísicos dogmáticos. Nem tampouco acham que as aproximações da Ciência não possam
ser superadas.
2) Num artigo intitulado “De volta a Leibniz” (Wiener, 1932), Wiener rememora
algumas reflexões sobre o mundo físico elaboradas pelo grande pensador de fins do século
XVII, salientando que foram pensadas numa época em que novas teorias científicas estavam
pondo em xeque a Ciência estabelecida: cenário parecido com o das primeiras décadas do
século XX.
A mônada leibniziana é um “microcosmo” que mantém uma relação muito estranha
(um “ponto de vista”) perante qualquer observador (outra mônada). Wiener sugere que um
exame da monadologia de Leibniz poderia ser útil para esclarecer certas questões levantados
pela versão dualista da Mecânica Quântica, que considera o elétron como tendo também um
“ponto de vista” próprio, como se fosse uma espécie de mônada incomunicável.
As descobertas científicas do início do século XX provocaram grandes discussões
quanto ao seu alcance e significado. A tese de Wiener é que uma Física derivada de
concepções filosóficas pode ser útil para suplantar a confusão inerente a períodos pós-quebra
de paradigmas (ou de sistemas científicos solidamente estabelecidos, como a Física
newtoniana). O quadro da Ciência nesses períodos parece exigir um tipo de racionalidade mais
aberta, com independência de modelos representacionais.
16
3) Em seu artigo “O papel do observador” (Wiener, 1936) Wiener retoma o tema do
conhecimento, afirmando que os campos da Psicologia, da Lógica e da Epistemologia não têm
uma fronteira absolutamente definida.
Todos os nossos conceitos referem-se a algo externo que invadimos e mudamos ao
observá-lo. Tais conceitos mudam com o tempo, evoluindo conforme vão surgindo novas
exigências de rigor. Um bom exemplo é a obra matemática de Euler: inicialmente, seus
enunciados pareciam claros e rigorosos, mas com o tempo sofreram tantos refinamentos que
hoje parecem imprecisos e meramente indicativos. Como Gödel mostrou, é inevitável que
apareçam paradoxos e ambigüidades em qualquer sistema de asserções. Mas o recurso a uma
metalinguagem, necessário para desfazê-los, não pode ser levado ao infinito: em algum
momento sempre haverá uma certa arbitrariedade.
Como ideal científico, Wiener critica os que buscam a “lógica pura”, um mundo real
postulado, povoado de idéias “universais”: isso seria um platonismo residual, cuja pretensa
nitidez ainda é um pouco vaga e denota sempre um tipo de aproximação assintótica.
Para Wiener, a urgência de generalização e a urgência de concretização são
simultâneas e irreconciliáveis: nenhuma das duas pode ser levada à perfeição. Entre os dois
extremos a que tais urgências conduzem (racionalismo e empirismo, respectivamente), situa-se
o “pensamento normal” onde vigoram os universais — imperfeitos — e a lógica indutiva.
Um matemático, ao procurar uma função auxiliar que resolva um problema, descarta
90% das tentativas apenas por “feeling”: a aparência dedutiva dos teoremas vem depois. A
Economia e a História são outros dois campos onde a única atitude esclarecedora é um
“meio-termo” eqüidistante de extremos, onde há margem para a indução e a dedução. “A
Ciência — diz Wiener em frase expressiva — é a explicação de um processo, coisa que não é
possível de ser feita nem pelo racionalismo, que não reconhece a realidade do processo, nem
pelo empirismo, que não reconhece a realidade da explicação”.
17
Parece-nos que esses três breves comentários permitem-nos definir Wiener como um
realista não-ingênuo (e certamente não-objetivista também), que acredita na inteligibilidade do
mundo, embora o seu “relativismo” obrigue-o a mover-se num cenário de plausibilidades
hierarquizadas. Sua visão do conhecimento é a de um processo no qual o observador (o sujeito
cognoscente), participa ativamente na configuração do objeto; isso o leva a afirmar que o
conhecimento humano é forçosamente relativo, parcial e perspectivista: de nenhum modo
pode ser absolutizado.
18
III - Os caminhos da Cibernética como disciplina
1. A formação do ideário básico
A Cibernética surgiu como uma proposta de se agrupar num único campo — um
campo “monográfico”, por assim dizer — uma série de estudos pertencentes a outros campos,
todos eles inter-relacionados, que poderíamos resumir no seguinte elenco:
Matemática dos fenômenos aleatórios, perturbativos ou sujeitos ou imprecisões de
medida.
Análise e correção de desvios e ruídos em redes de transmissão de sinais.
Tópicos em Engenharia de Dispositivos de Automáticos e Semi-Automáticos.
Tópicos em Engenharia Elétrica e de Instrumentos de Comunicação.
Teoria formal dos autômatos.
Estudo das bases neurofisiológicas do comportamento humano e animal.
Estudos sobre a tomada de decisões dos agentes sociais com base na informação
disponível.
Estudos sobre equilíbrio em organismos e em comunidades, inclusive humanas.
Projeto de máquinas de calcular ultra-rápidas (mais tarde, de computadores).
Além da evidente complexidade dos seus respectivos temas, tais estudos têm em
comum o fato de serem requeridos para o tratamento de diversos problemas de controle, tanto
de processos artificiais (construídos pelo homem) como de processos naturais (onde o
problema já está resolvido, e o interesse é o de descobrir exatamente como foi resolvido).
Como já se sabia, os problemas de controle estão ligados a uma certa causalidade circular: o
19
sistema em questão
10
varia o seu estado levando em conta parte dos resultados de sua ação
pretérita. Esse “levar em conta” depende, por sua vez, de como esses resultados “realimentam
o sistema (noção de feedback ou realimentação).
O controle implica também a existência de um “alvo”, de uma “meta”, de um
“objetivo”, ao qual se refiram os possíveis desvios e para o qual se encaminhem os
expedientes corretivos. Quando essa “meta” é simplesmente a manutenção de um estado
estacionário, a conservação da integridade do sistema em resposta a perturbações externas,
estamos diante daquilo que em fisiologia recebeu o nome de homeostase. Quando, porém,
aquilo que se busca manter é um tipo especial de relação com algum objeto ou processo
externo ao sistema, estamos diante de um “jogo do gato e do rato”, de uma espécie de corrida
de perseguição, de um contínuo fluxo de modificações, sempre longe da situação de equilíbrio.
Wiener — que trabalhou (ou pelo menos discutiu os resultados obtidos) em todos os
campos acima citados — notou que as mesmas reflexões sobre controle e causalidade circular
apareciam tanto em áreas ligadas à Engenharia quanto em Biologia, e que essa “coincidência”
estava ligada a importantes questões metodológicas que mereciam aprofundamento. Na intro-
dução do seu livro Cibernética, Wiener conta, passo a passo, como se foi formando o ideário
básico da nova disciplina. A certa altura comenta uma hipótese que ele e Julian Bigelow
11
formularam sobre a pertinência de questões de comunicação e controle numa atividade volun-
tária: erguer uma lapiseira.
10
O que é um “sistema”? Formulada assim, de chofre, a pergunta é capaz de embaraçar mais de um estudioso,
filósofo ou cientista. Talvez esse seja o primeiro termo da “língua interdisciplinar” que a Cibernética se propôs a
desenvolver e continuar, a fim de melhorar o nosso conhecimento das coisas, quaisquer que elas sejam. Não
vamos aqui discutir os méritos das múltiplas taxonomias de sistemas que já foram propostas, nem discutir se a
Cibernética é ou não uma parte da Teoria Geral dos Sistemas, nem abordar a volumosa literatura existente sobre
essas questões: pensamos que basta, para os nossos propósitos (nesta epígrafe e no estudo inteiro), constatar que o
vocábulo já existia e que o seu uso já estava consagrado na época do nascimento da Cibernética. O estudo
filosófico da noção de “sistema” é de inegável interesse, mas não acreditamos ser oportuno abordá-lo em sua
máxima generalidade no presente trabalho.
11
Julian Bigelow era engenheiro da IBM. Em 1941 foi designado como assistente de Wiener num projeto
financiado pelas Forças Armadas norte-americanas, que visava aprimorar o controle de tiro antiaéreo em
armamentos acoplados a um radar e ao “analizador diferencial”. O “analizador diferencial” era um computador
analógico capaz de resolver numericamente equações diferenciais: tinha sido recentemente construído no MIT
por uma equipe liderada por Vanevar Bush. Wiener acompanhou os trabalhos desta equipe com muito interesse,
desde meados da década de 1920, e realizou alguns estudos sobre os problemas matemáticos envolvidos. Cfr.
Masani & Phillips (1985) e Masani (1990: pp. 181-196).
20
Para realizar tal ação, deve haver uma mensagem, consciente ou inconsciente,
ao sistema nervoso sobre o quanto ainda falta erguer a lapiseira em cada instante. Se
a vista estiver fixada no objeto, essa mensagem pode ser visual, pelo menos em
parte; porém, em geral é mais cinestésica (ou, usando um termo ora em voga,
proprioceptiva). Se faltam sensações proprioceptivas e não as substituímos por um
substituto visual ou equivalente, somos incapazes de efetuar o ato de erguer a
lapiseira, e ver-nos-emos num estado que se conhece pelo nome de ataxia. Este tipo
de ataxia é familiar na forma de sífilis do sistema nervoso central conhecida como
tabes dorsalis, onde o sentido cinestésico conduzido pelos nervos espinais encontra-
se mais ou menos destruído.
Uma realimentação excessiva, porém, pode consistir tão séria desvantagem
para a atividade organizada quanto a realimentação defeituosa. Em vista dessa
possibilidade, o Sr. Bigelow e eu propusemos ao Dr. Rosemblueth
12
uma questão
muito específica: Existe alguma condição patológica em que o paciente, ao tentar
algum ato voluntário como levantar uma lapiseira, erro o alvo e entre numa
oscilação incontrolável? O Dr. Rosemblueth respondeu-nos imediatamente que
existe uma condição dessa ordem muito conhecida, denominada tremor, e que
amiúde se apresenta associada à lesão do cerebelo.
Encontramos assim uma das mais significativas confirmações da nossa
hipótese quanto à natureza de pelo menos uma atividade voluntária. Cumpre notar
que nosso ponto de vista transcendia consideravelmente o corrente entre os
neurofisiólogos. O sistema nervoso central não mais aparece como um órgão auto-
suficiente, recebendo entradas provenientes dos sentidos e descarregando-as nos
músculos. Pelo contrário, algumas de suas atividades características são explicáveis
apenas como processos circulares, que emergem do sistema nervoso para os
músculos e voltam a entrar no sistema nervoso através dos órgãos dos sentidos,
sejam proprioceptores ou órgãos dos sentidos especiais. Isso nos pareceu assinalar
um novo passo no estudo daquela parte da neurofisiologia que se preocupa não só
com os processos elementares dos nervos e sinapses mas com o desempenho do
sistema nervoso como um todo. Nós três julgamos que esse novo ponto de vista
merecia um artigo, que escrevemos e publicamos. (...)
12
Arturo Rosemblueth era médico e pesquisador na Escola Médica de Harvard. Wiener prestou uma homenagem
a esse seu grande amigo e colega dedicando-lhe o livro Cibernética. Desde o fim da Primeira Guerra mundial,
ambos costumavam reunir-se, em seminários informais regulares, com jovens pesquisadores de várias áreas para
acalorados debates sobre o método científico. Para um perfil da figura de Rosemblueth, e uma análise da
importância do seu trabalho (parte do qual desenvolvido conjuntamente com Wiener), cfr. Quintanilla (2002) e
Masani (1990: pp. 197-217).
21
No plano da engenharia de comunicação, já então ficara claro para o Sr.
Bigelow e para mim que os problemas da técnica de controle e comunicação eram
inseparáveis, e que eles se centravam não em torno da Eletrotécnica, mas da noção
bem mais fundamental de mensagem
13
, fosse transmitida por meio elétrico,
mecânico ou nervoso (Wiener, [1961] 1970: pp. 32-33. Introdução à edição de
1948).
O artigo a que Wiener se refere acima, intitulado “Behavior, Purpose and Teleology”
[“Comportamento, propósito e teleologia”] (Wiener et al., 1943), é um marco importante na
origem da Cibernética: nele Wiener e seus colaboradores propõem uma taxonomia de sistemas
baseada no comportamento (observável) dos mesmos. Quando esse comportamento denota
algum tipo de realimentação, é chamado de teleológico, no sentido de “controlado por meio de
realimentação, com vistas a um objetivo (ou propósito)”. Sistemas desse tipo podem ser seres
vivos ou máquinas, que sob esse prisma podem ser estudados sem que seja preciso levar em
conta as suas diferenças estruturais e de composição material. Além de insistir em que essa
abordagem exige que às vezes sejam incluídos animais e máquinas num mesmo grupo, os
autores do artigo ainda especulam sobre o possível desenvolvimento futuro das técnicas de
construção de robôs.
Cientes de que a sua referência a “propósitos” e à “teleologia” tocava um tema
filosoficamente polêmico, os autores terminam o artigo com um interessante esclarecimento.
Depois de insistir em que, ao classificar o comportamento, o termo “teleologia” foi usado
como sinônimo de “propósito controlado por realimentação”, acrescentam:
No passado, a teleologia foi interpretada como implicando propósito,
acrescentando-se muitas vezes o vago conceito de uma “causa final”. Esta idéia de
13
(grifo nosso) Mais adiante, Wiener conta como ele, R. A. Fischer e C. E. Shannon, cada um de forma
independente e por caminhos diferentes, chegaram à conclusão de que era preciso “desenvolver uma teoria
estatística da quantidade de informação, em que a unidade de informação era aquela transmitida como uma
decisão única entre duas alternativas igualmente prováveis” (Ibid. p. 35) [ trata-se do bit, a unidade binária de
informação, como hoje se costuma dizer ]. Em 1948, Shannon publicou o seu clássico “A Mathematical Theory
of Communication” (Shannon, 1948), onde essas idéias atingiram a sua plena expressão e passaram a exercer
uma decisiva influência em diversos campos da Ciência e da Técnica.
22
causas finais levou à oposição entre teleologia e determinismo. Uma discussão
sobre causalidade, determinismo e causas finais está além do escopo deste ensaio.
Pode-se ressaltar, no entanto, que o caráter de ser proposital (purposefulness), tal
como definido aqui, independe bastante da causalidade inicial ou final. A teleologia
foi desacreditada principalmente por ter sido definida como implicando uma causa
subseqüente no tempo a um efeito dado. Ao se rejeitar esse aspecto da teleologia,
contudo, rejeitou-se também, infelizmente, o reconhecimento, que lhe é associado,
da importância do propósito.
Restringimos a conotação de comportamento teleológico aplicando essa
designação apenas a reações propositadas que são controladas pelo erro da reação
— isto é, pela diferença entre o estado, num dado momento, do objeto que se
comporta, e o estado final, interpretado como propósito. Comportamento
teleológico torna-se assim sinônimo de comportamento controlado por
realimentação negativa; ganhando, portanto, em precisão, por ser uma conotação
suficientemente restrita.
De acordo com esta definição limitada, a teleologia não se opõe ao
determinismo, mas à não-teleologia. Tanto os sistemas teleológicos como os não-
teleológicos são determinísticos quando o comportamento considerado pertence ao
domínio ao qual o determinismo se aplica. O conceito de teleologia tem apenas uma
coisa em comum com o conceito de causalidade: um eixo temporal. A causalidade,
contudo, implica uma relação funcional unidirecional e relativamente irreversível,
enquanto o que concerne à teleologia é o comportamento e não as relações
funcionais. (Wiener et al., 1943: trecho final)
14
.
Manter a atenção — o “foco”, como se costuma dizer — na informação e no controle
(ou na informação como requisito para o controle), e além disso no caráter dinâmico dos
sistemas estudados permite uma certa transparência funcional na comparação entre
organismos vivos e artefatos construídos pelo homem. Isso explica por que Wiener, ao tratar
de explicar o surgimento das idéias centrais da Cibernética, faz um uso tão intenso e
sistemático da analogia entre máquinas e animais (chamando ambos de autômatos). Não se
trata apenas de um simples recurso retórico, nem de um hino de admiração e louvor a uma
14
Mesmo com esses esclarecimentos, a polêmica não só eclodiu com força como permeia até hoje as discussões
sobre a Cibernética. No que diz respeito ao próprio artigo, é interessante a crítica de feita por Richard Taylor
(1950a) e o artigo-resposta de Wiener e Rosemblueth (1950a).
23
bela “intuição filosófica”: é acima de tudo um método de abordagem, capaz de evidenciar a
verdadeira natureza do assunto, como mostra a seguinte passagem:
O estudo mais recente dos autômatos, sejam de metal ou de carne e osso, é um
ramo da tecnologia da comunicação: suas noções cardeais são as de mensagem,
quantidade de distúrbio ou “ruído” — termo tomado da tecnologia telefônica —,
quantidade de informação, técnica de codificação, e assim por diante.
Numa teoria desse tipo, lidamos com autômatos efetivamente ligados ao
mundo exterior, não apenas por seu fluxo de energia, seu metabolismo, mas
também por um fluxo de impressões, de mensagens que chegam, e das ações e
mensagens que saem. Os órgãos pelos quais as impressões são recebidas são os
equivalentes dos órgãos sensoriais animais e humanos. Compreendem as células
fotoelétricas e outros receptores de luz; sistemas de radares, que recebem suas
próprias ondas curtas hertzianas; registros de potencial de hidrogênio, que podem
ser chamados provadores,; termômetros; medidores de pressão de vários tipos;
microfones; e assim por diante. Os efetuadores podem ser motores elétricos ou
solenóides ou serpentinas de calefação ou outros instrumentos de espécies muito
diversas.
Entre o receptor ou órgão sensorial e o efetuador encontram-se conjuntos
intermediários de elementos, cuja função é recombinar as impressões entrantes
numa forma tal que produza um tipo desejado de respostas nos efetuadores. A
informação alimentada neste sistema central de controle conterá muito amiúde
informações relativas ao funcionamento dos próprios efetuadores. Entre outras
coisas, isso corresponde aos órgãos cinestésicos e outros proprioceptores do sistema
humano, pois também temos órgãos que registram a posição de uma junta ou o grau
de contração de um músculo, etc. Além do mais, a informação recebida pelo
autômato não precisa ser utilizada imediatamente, mas pode ser retardada ou
armazenada de modo a tornar-se disponível em algum tempo futuro. É o análogo da
memória. Finalmente, durante o funcionamento do autômato, suas próprias regras
de operação são suscetíveis de mudanças com base nos dados que atravessaram os
seus receptores no passado, e isso não difere do processo de aprendizagem.
As máquinas a que ora nos referimos não constituem o sonho sensacionalista
nem a esperança de algum tempo futuro. Elas já existem, como termostatos,
sistemas de giroscópios automáticos de pilotagem de navios, mísseis autopropelidos
— especialmente os que procuram o seu alvo —, sistemas de controle de fogo
antiaéreo, destilarias de petróleo controladas automaticamente, máquinas ultra-
rápidas de computação, e similares (Wiener, [1961] 1970: pp. 70-71).
24
A óbvia constatação de que, se essa abordagem é válida para sistemas individuais,
também valerá para comunidades de indivíduos que se inter-relacionam, e de que também as
comunidades estão sujeitas a sistemas reguladores (internos ou externos) — como os
economistas já haviam identificado desde a “mão invisível” de Adam Smith — , abriu
caminho para a aplicação dessas idéias a todo o imenso panorama das chamadas Ciências
Sociais, como Wiener foi forçado a concluir, completando assim o ideário básico original da
Cibernética.
A proposta de um “novo campo” de estudo, no entanto, já nasceu com uma
ambigüidade intrínseca: por um lado, tendia a albergar não somente os estudos de seu elenco
inicial, mas uma infinidade de outros (virtualmente todos, pois um assunto puxa o outro); por
outro lado, porém, não desqualificava nenhum deles, pois não substituía nenhum de seus
respectivos objetos por outro suficientemente distinto. Afinal, informação, controle,
mensagem e feedback são noções cuja definição formal não as “isola” totalmente dos
processos ou objetos concretos onde ocorrem, e estes podem pertencer a contextos
epistemológicos muito diferentes
15
. Após um breve período de entusiasmo em torno da nova
disciplina, os efeitos dessa ambigüidade não demorariam a aparecer.
2. A escolha do termo “Cibernética”
Como é natural, além dos já citados, Wiener discutiu suas idéias com numerosos
colegas, que logo sentiram a necessidade de dar um nome a toda essa temática:
15
Já aludimos acima (nota 9) à dificuldade de se dar uma definição exaustiva de “sistema”. O mesmo pode dizer-
se das noções de “processo”, “objeto”, “causa”, e também — apesar das tentativas de Wiener e de seus
continuadores — de muitos dos conceitos básicos da Cibernética. Essa dificuldade é gnosiológica: ocorre sempre
que o alvo da definição é algo mais radical do que um simples objeto ou símbolo lingüístico. O tratamento desse
tipo de dificuldades exige um sério aprofundamento na Teoria do Conhecimento, impossível de ser feito aqui.
Mas é preciso notar que as propostas de Wiener de alguma forma nos “forçam” a abordar esse importante tema
filosófico.
25
Assim, há pelo menos quatro anos, o grupo de cientistas à volta do Dr.
Rosemblueth e de mim mesmo já estava cônscio da unidade essencial do conjunto
de problemas centrados na comunicação, no controle e na mecânica estatística, seja
na máquina ou no tecido vivo. De outro lado, fomos seriamente estorvados pela
falta de unidade da literatura relativa a esses domínios e pela ausência de qualquer
terminologia comum, ou mesmo de um nome único para o campo. Após muita
ponderação, concluímos que toda a terminologia existente apresentava uma
propensão demasiado grande para um ou outro lado e não poderia servir tão bem
quanto deveria ao futuro desenvolvimento do campo; e como acontece com muita
freqüência com os cientistas, fomos forçados a cunhar pelo menos uma expressão
artificial neogrega para preencher a lacuna. Decidimos designar o campo inteiro da
teoria da comunicação e controle, seja na máquina ou no animal, com o nome de
Cibernética, que formamos do grego kubernétes, ou timoneiro. Ao escolher esse
termo, quisemos reconhecer que o primeiro trabalho significativo sobre
mecanismos de realimentação foi um artigo sobre reguladores, publicado por Clerk
Maxwell em 1868
16, 17
, já que governor (regulador) é derivado de uma corruptela
latina de kubernétes. Desejávamos também referir-nos ao fato de que os engenhos
de pilotagem de um navio são na verdade uma das primeiras e mais bem
desenvolvidas formas de mecanismos de realimentação.
Embora o termo cibernética date tão-somente do verão de 1947, julgamos
conveniente usá-lo com respeito a épocas anteriores da evolução do campo (Wiener,
[1961] 1970: pp. 36-37. Introdução à edição de 1948).
Como reconheceu mais tarde (Wiener, 1952b: p. 818), Wiener na altura ignorava que a
palavra cibernética já havia sido utilizada em sua acepção política por André-Marie Ampère
(Essai sur la philosophie des sciences, 1843), para designar — como já o fizera Platão
(Górgias, 511 e Político, 299) — a arte de governar comunidades, o que teria sido conveniente
mencionar.
16
[ nota 5 do texto citado ] Maxwell, J. C., Proc. Roy. Soc. (London), 16: pp. 270-283 (1868).
17
Para uma análise pormenorizada desse artigo e de suas relações com a origem da Cibernética, cfr. Mayr (1971).
26
3. A difusão da Cibernética e a “primeira geração” de grandes nomes
Conforme ia emergindo um certo consenso quanto à importância dos temas incoados
por Wiener, a proposta de um novo campo de estudos — que talvez até pudesse ser uma nova
Ciência — foi ganhando ares de “movimento”, de “bandeira”, de “visão de mundo”. Muitos
pesquisadores passaram a adotar parte do vocabulário de Wiener e a interessar-se por
discussões interdisciplinares que ampliassem o significado de seus próprios trabalhos. À
medida em que se espalhava a notícia de que uma série de pesquisas de ponta, em áreas tão
díspares como Neurofisiologia e Tecnologia de Comunicações, tinham um fundo comum
solidamente articulado, o interesse chegava rapidamente a círculos mais amplos.
Além de ter sido tema de abundantes os estudos (cfr. Chamak, 1999; Dupuy, 1996;
Elias, 1997; Franchi et al., 2005; Geyer & van der Zowen, 1994; Heims, 1984 e 1991; Rose,
1994; Musès, 1994; e Vallée, 1994, entre outros), a história dos primeiros anos da Cibernética
está minuciosamente descrita no próprio livro de Wiener (1948). Dada a importância do texto,
pode ser oportuno transcrever parte dele, incluindo alguns excertos que esclarecem pontos do
ideário cibernético relativos a computadores, Psicologia e Ciências Sociais.
Desde 1942 pouco mais ou menos, o desenvolvimento do assunto avançava
em várias frentes. Primeiro, as idéias do artigo conjunto de Bigelow, Rosemblueth e
Wiener foram propagadas pelo Dr. Rosemblueth numa reunião efetuada em Nova
York em 1942, sob os auspícios da Josiah Macy Foundation, e devotada aos
problemas da inibição central no sistema nervoso. Entre os presentes, encontrava-se
o Dr. Warren McCulloch, da Escola Médica da Universidade de Illinois, que já
mantivera contato com o Dr. Rosemblueth e comigo, e que estava interessado no
estudo da organização do córtex cerebral.
(...) O Dr. Shannon escolheu, para a tese de doutoramento no MIT, a aplicação
das técnicas da álgebra booleana de classes ao estudo de sistemas de relés na
eletrotécnica. Turing, talvez o primeiro dentre os que estudaram as possibilidades
lógicas da máquina como um experimento intelectual, serviu ao governo britânico
27
durante a guerra, trabalhando no campo da eletrônica e encontra-se agora
incumbido do programa que o National Physical Laboratory de Teddington
empreendeu a fim de desenvolver máquinas computadoras de tipo moderno.
Outro jovem migrante do campo da lógica matemática para o da cibernética é
Walter Pitts. Foi aluno de Carnap em Chicago e esteve também em contato com o
professor Rashevsky e sua escola de biofísicos. (...)
O Sr. Pitts teve a boa sorte de cair sob a influência de McCulloch e os dois
começaram a trabalhar muito cedo em sistemas com dadas propriedades globais.
Independentemente de Shannon, haviam usado a técnica da lógica matemática para
a discussão do que eram, no fim de contas, problemas de comutação.
Acrescentaram elementos que não se salientavam no trabalho anterior de Shannon,
embora certamente tivessem sido inspirados pelas idéias de Turing
18
: o uso do
tempo como parâmetro, a consideração de redes contendo ciclos, de sinápticos e
outros retardadores.
No verão de 1943, encontrei o Dr. J. Lettvin, do Hospital da Cidade de Boston,
que estava muito interessado em assuntos relativos aos mecanismos nervosos. Era
amigo próximo do Sr. Pitts e me pôs em contato com o seu trabalho
19
. Induziu Pitts
a vir a Boston e conhecer ao Dr. Rosemblueth e a mim. Recebemo-lo em nosso
grupo. Pitts entrou para o MIT no outono de 1943, para trabalhar comigo e
fortalecer a sua base matemática para o estudo da nova ciência da cibernética, que
naquela época já havia nascido mas ainda não fora batizada.
Naquele tempo, o Sr. Pitts já se achava totalmente familiarizado com a lógica
matemática e com a neurofisiologia, mas não tivera a oportunidade de estabelecer
muitos contatos no campo da técnica. Em particular, não estava a par da obra do Dr.
Shannon e não tinha muita experiência das possibilidades da eletrônica. Ficou
muito interessado quando lhe mostrei exemplos de modernas válvulas e expliquei-
lhe que eram os meios ideais para realizar no metal os equivalentes de seus sistemas
e circuitos neurônicos. Desde aquele tempo, tornou-se claro a nós que as máquinas
de calcular ultra-rápidas, dependendo como dependem de dispositivos de
comutação consecutivos, devem representar um modelo ideal dos problemas que
surgem no sistema nervoso. O caráter tudo-ou-nada da descarga dos neurônios é
precisamente análogo à escolha feita ao determinar um dígito na escala binária, que
muitos de nós já encarávamos como a base mais satisfatória para o projeto de uma
18
[ nota 6 do texto citado ] Turing, A. M. “On Computable Numbers, with an Application to the
Entscheidungsproblem”, Proceedings of the London Mathematical Society, Ser. 2, 42: pp. 230-265 (1936).
19
[ nota 7 do texto citado ] McCulloch, e W. Pitts, “A logical calculus of the ideas immanent in nervous
achivity”, Bull. Math. Biophys. 5: pp. 115-133 (1943).
28
máquina computadora. A sinapse não é mais do que um mecanismo para determinar
se uma certa combinação da saídas (outputs) de outros elementos selecionados
atuará ou não como um estímulo adequado para o elemento seguinte, e deve ter o
seu análogo preciso na máquina de calcular. O problema de interpretar a natureza e
as variedades da memória no animal tem o seu paralelo no problema de construir
memórias artificiais para a máquina.
Nessa época, a construção de máquinas de calcular (...) progredia em várias
frentes. (...) Havia um contínuo vaivém dos interessados nesses campos. Tivemos
oportunidade de participar nossas idéias a nossos colegas, em particular ao Dr.
Aiken de Harvard, ao Dr. von Neumann, do Instituto de Estudos Avançados, e ao
Dr. Goldstine, das máquinas ENIAC e EDVAC, na Universidade da Pensilvânia.
Em toda parte deparamo-nos com uma acolhida simpática, e o vocabulário dos
engenheiros em breve se contaminou com os termos do neurofisiólogo e do
psicólogo.
A essa altura dos acontecimentos, o Dr. von Neumann e eu julgamos
conveniente efetuar uma reunião de todos os interessados no que agora chamamos
de cibernética, e esse encontro se deu em Princeton no fim do inverno de 1943-
1944. Engenheiros, fisiólogos e matemáticos estavam todos representados. (...) Ao
fim do conclave, todos estavam convictos de que havia uma base substancial
comum de idéias entre os pesquisadores de diferentes domínios, de que as pessoas
em cada grupo já podiam empregar noções que haviam sido mais bem
desenvolvidas pelos outros, e de que era preciso algum esforço a fim de se chegar a
um vocabulário comum.
(...) No verão de 1946, o Dr. McCulloch acertou com a Josiah Macy
Foundation a organização do primeiro de uma série de encontros a serem realizados
em Nova York e consagrados aos problemas de realimentação. (...) O núcleo de
nossos encontros foi o grupo que se reuniu em Princeton em 1944, mas o Dr.
McCulloch e os organizadores enxergaram corretamente as implicações
psicológicas e sociológicas do tema, e incluíram no grupo certo número de
destacados psicólogos, sociólogos e antropólogos. A necessidade de incluir
psicólogos fora evidente desde o início. Quem estuda o sistema nervoso não pode
esquecer a mente, e quem estuda a mente não pode esquecer o sistema nervoso. Boa
parte da psicologia do passado mostrou nada mais ser, na realidade, do que a
fisiologia dos órgãos de sentido especial; e todo o peso do corpo de idéias que a
cibernética está introduzindo na psicologia refere-se à fisiologia e à anatomia das
áreas corticais altamente especializadas que conectam tais órgãos de sentido
especial. (...)
29
Quanto à sociologia e antropologia, é evidente que a importância da
informação e da comunicação como mecanismos de organização vai além do
indivíduo na comunidade. De outro lado, é completamente impossível entender
comunidades sociais como a das formigas sem uma investigação cabal dos seus
meios de comunicação, e tivemos a sorte de contar nessa matéria com a ajuda do
Dr. Schneirla. Para os problemas similares de organização humana, procuramos o
auxílio dos antropólogos Dr. Bateson e Dra. Margaret Mead; enquanto o Dr.
Morgenstern do Instituto de Estudos Avançados de Princeton foi nosso conselheiro
no significativo campo da organização social pertinente à teoria econômica. Seu
importante livro sobre jogos
20
, feito em conjunto com o Dr. von Neumann,
constitui, diga-se de passagem, um dos estudos mais interessantes de organização
social do ponto de vista dos métodos intimamente relacionados com o assunto da
cibernética, embora distintos deste. (...)
Nossa primeira reunião, realizada na primavera de 1946, foi amplamente
dedicada a comunicações de teor didático feitas por aqueles que haviam
comparecido ao encontro de Princeton, e a uma avaliação geral da importância do
campo por todos os presentes. A opinião dos participantes foi de que as idéias
subjacentes à cibernética eram assaz importantes e interessantes, ao ponto de
justificar o prosseguimento de nossos encontros a intervalos de seis meses (Wiener,
[1961] 1970: pp. 37-45. Introdução à edição de 1948).
As conferências Macy tiveram dez edições, com a última terminando em 24 de abril de
1953. Um pouco antes da sexta conferência, Warren McCulloch encontrou-se com um físico
emigrado da Áustria, Heinz von Foerster, autor de um curioso trabalho sobre a distribuição no
tempo dos elementos mais eficientemente memorizados (tanto no indivíduo como nos
registros históricos). A convite de McCulloch, von Foerster expôs esse trabalho na 6ª
conferência. Depois foi convidado a se juntar ao grupo-base dos participantes e incumbido de
redigir os resumos das conferências, com a ajuda de Margareth Mead. A primeira coisa que
Heinz sugeriu foi mudar o título das conferências: em vez do pomposo “Circular Causality and
Feedback Mechanisms in Biological and Social Systems”, por que não simplesmente
“Cybernetics”, como sugeriu Wiener no seu recente livro? A proposta foi imediatamente
20
Wiener refere-se (sem citá-lo neste trecho) ao livro: von Neumann, J, e Morgenstern, O. Theory of Games and
Economic Behavior, Princeton University Press (1943).
30
acolhida, com aplausos para Wiener, que teve o seu momento de glória e se comoveu até às
lágrimas (Franchi, 2003: pp. 23).
O sucesso do livro Cybernetics foi grande, em ambos os lados do Atlântico, e
contribuiu para generalizar o interesse pela Cibernética. Um fator sociológico importante para
esse sucesso foi o chamado “otimismo tecnológico” que permeou a cultura dos países
vencedores da II Guerra Mundial, beneficiados com a aplicação na vida civil dos resultados
científicos e técnicos do esforço de guerra. Além disso, circularam nesses anos pelos Estados
Unidos — que não sofreu como a Europa os efeitos da guerra — muitos estudantes e cientistas
europeus, que vinham em busca de ajuda ou pelo menos de inspiração para reerguer seus
respectivos centros. Alguns deles, tendo podido conhecer melhor a Cibernética, a
incorporaram em seus trabalhos ao retornarem ao seu país de origem
21
. Com a entrada em
cena dos jornalistas e divulgadores, que procuravam traduzir em linguagem comum (com mais
ou menos acerto) o ponto de vista dos pesquisadores da linha-de-frente, a Cibernética passou a
estar de moda.
As discussões sobre a recém-nascida disciplina — agora enriquecidas com inúmeras
contribuições de autores não ligados a Wiener
22
— motivaram uma série de encontros,
congressos e conferências em solo europeu
23
. Em janeiro de 1951, Wiener e McCulloch, entre
outros, compareceram a um congresso patrocinado pela Fundação Rockefeller, realizado em
21
Foi o caso, por exemplo, do engenheiro Louis Coufignal, responsável pelo projeto do primeiro computador
francês e autor de uma conhecida monografia sobre a Cibernética (Coufignal, 1966), e do físico Léon Brillouin,
cujos trabalhos — alguns dos quais citados pelo próprio Wiener (1952a: p. 234) — exemplificam bem a
importância das idéias cibernéticas para a Física. Para mais informação sobre Coufignal e especialmente sobre
Brillouin, cfr. Segal, 1998 e Mindell et al., 2003.
22
A enumeração dessas contribuições — com a correspondente e necessária análise dos seus méritos e da sua
evolução posterior — exigiria um trabalho de enorme envergadura, que foge completamente às possibilidades do
autor deste estudo. Limito-me a citar apenas um nome: o do ilustre Jean Piaget (cfr. Piaget, 1953).
23
E além de encontros, a fundação das primeiras associações e entidades permanentes. O matemático e físico
francês Robert Vallée fundou em 1949 o “Cercle d’Etude Cybernétique” — a primeira entidade com
“cibernética” no nome —, nomeando Presidente de Honra o famoso físico Louis de Broglie, na altura muito
interessado na nova disciplina (Cfr. Vallée, 1994; Elias, 1997; Segal, 1998 e Mindell et al., 2003). Os
participantes do Primeiro Congresso Internacional de Cibernética, realizado em Namur (Bélgica), em 1956,
decidiram criar, com sede nessa mesma cidade, a Associação Internacional de Cibernética, a mais antiga ainda
em atividade.
31
Paris, intitulado “Computing Machines and Human Thought”, e que reuniu mais de trezentos
participantes, dando ocasião para inúmeros contatos e iniciativas. Nesse congresso, Wiener
conheceu o psiquiatra britânico William Ross Ashby
24
, que logo depois também assistiu a um
curso que Wiener ministrou no Collège de France (Cfr. Mindell, 2003 e Vallée, 1994).
Ashby talvez tenha sido o segundo maior nome da Cibernética: o estudo do seu
pensamento e da sua obra certamente merecem um trabalho monográfico à parte. Aqui nos
interessa destacar — e ainda assim brevemente — que Wiener reconheceu nas idéias de Ashby
uma peculiar profundidade:
Acredito que a brilhante idéia de Ashby, do mecanismo fortuito sem propósito,
que busca seu próprio propósito através de um processo de aprendizagem, além de
ser uma das grandes contribuições filosóficas da atualidade, conduzirá a progressos
técnicos sumamente úteis no campo da automação. Não apenas poderemos construir
máquinas para determinados propósitos, mas, na esmagadora maioria dos casos,
uma máquina ideada para evitar certas ciladas ocasionadoras de colapsos buscará
por si mesma os propósitos viáveis (Wiener, [1954a] 1968: p. 34).
Trata-se de um interessante caso de realimentação: as idéias partiram de Wiener,
inspiraram Ashby, e este produziu novas idéias que ajudaram o próprio Wiener a perfilar as
suas. Isso deve ter acontecido muitas vezes, mas o reconhecimento explícito, por parte de
Wiener, da importância filosófica do trabalho de Ashby merece ser destacado, pois Wiener não
fez afirmações como essa — que é quase a admissão de uma influência — sobre nenhum outro
autor cujos trabalhos tivessem sido inspirados no seu.
Mencionaremos ainda um outro congresso, realizado em Namur (Bélgica), em
setembro de 1958: tratava-se do Segundo Congresso Internacional de Cibernética, ao qual
Wiener não compareceu, mas que contou com a presença de von Foerster, McCulloch e Ross
24
Wiener considerou o seu livro Design for a Brain (1952) um importante estudo sobre as relações entre
máquinas e organismos vivos (Wiener, [1954a] 1968: p. 34). É de Ashby a primeira publicação onde aparece o
termo “auto-organização” (Ashby, 1947). A sua “lei da variedade requerida” (Ashby, [1958] 1973a) é um
interessante exemplo de enunciado formal puramente cibernético. Sobre a vida e obras de William Ross Ashby
(1903-1972), cfr. Conan (1981).
32
Ashby. Von Foerster acabara de fundar em Illinois, nesse mesmo ano, o Biological Computer
Laboratory (nome propositalmente vago para propiciar margem de manobra à hora de levantar
fundos), que foi o primeiro instituto de pesquisas inteiramente dedicado a estudos de caráter
cibernético. No referido congresso, von Foerster foi apresentado a Gordon Pask
25
e a Stafford
Beer
26
, com quem estabeleceu fortes laços de amizade e de colaboração científica, ao ponto de
conseguir que ambos — e mais tarde também Ross Ashby — viessem a se estabelecer em
Illinois como membros do BCL (Cfr. Beer, 1994; Foerster, 2001; e Franchi et al., 2005).
Merece também ser citado, entre os intelectuais que melhor compreenderam a
importância das idéias cibernéticas, o cientista político e filósofo Karl Wolfgang Deutsch
(1912-1992) — professor do MIT de 1945 a 1956 — que já em 1951 publicou uma análise das
implicações da Cibernética nos estudos sobre a mente e nas Ciências Sociais (Deutsch, 1951).
4. O declínio da Cibernética: ocaso ou latência?
A questão do declínio da Cibernética pode ser formulada a partir de uma série de
constatações de facto, que contrastam com as pretensões de iure implicadas no discurso dos
promotores da “nova ciência”, dos quais Wiener é o primeiro. Um elenco poderia ser o
seguinte:
Pouquíssimas Universidades têm cadeiras de Cibernética; quase não há manuais nem
institutos de pesquisa dedicados ao assunto. Isso contrasta com o anúncio de que se chegou
25
Andrew Gordon Speedie-Pask (1928-1996). Químico e psicólogo britânico. Tabalhou em diversos campos das
Ciências, da Filosofia e das Artes. Escreveu uma interressante introdução à Cibernética (Pask, 1971). Sobre a
vida e obras de Pask, cfr. Cariani (1993), Geyer & van der Zowen (1994), Foerster (2001) e Pickering (2002).
26
Stafford Beer (1926-2002). Psicólogo inglês. Serviu o Exército Britânico até 1949. Suas pesquisas e
experimentos em indústrias deram início à chamada Pesquisa Operacional. Foi consultor de diversos governos
latino-americanos. Realizou, para o governo de Allende, no Chile, uma audaciosa experiência de monitoramento
de variáveis críticas da economia em tempo real (cfr. Vergara Anderson, 1994). Em diversas obras (1966, 1969,
1979) Beer aplica as idéias cibernéticas à Administração. Sobre a vida e obras de Beer, cfr. Pinto Filho (1976 a
1990, em vários lugares), Musès (1994), Pickering (2002), Beer (1994 e 2002), Mindell et al. (2003), Donoso
(2004) e Franchi et al. (2005).
33
a uma nova Ciência realmente importante, que requer a formação sistemática de
pesquisadores.
Os novos campos de pesquisa que surgiram após a eclosão do movimento cibernético, e que
mantêm vínculos óbvios com as idéias de Wiener — como as chamadas Neurociências e a
Engenharia de Sistemas de Controle, por exemplo —, raramente apresentam a sua própria
história como derivada do conjunto de idéias que Wiener e seus seguidores consideravam
centrais. Em vez disso, fazem remontar suas respectivas origens a épocas anteriores ou
posteriores à da Cibernética, considerando muitas vezes a Cibernética como um de seus
ramos, ou como um simples “momento” da sua formulação. Isso contrasta com a pretensão
da Cibernética de ser reconhecida como uma iniciadora de novos campos de estudo.
O caráter dispersivo da literatura sobre Cibernética, visível — já desde os primeiros anos —
na própria multiplicidade de definições formais propostas para a nova disciplina, parece
indicar que a definição de Wiener (comunicação e controle, no animal e na máquina), é
excessivamente vaga e insuficiente
27
. Isso contrasta com a pretensão de a Cibernética ser
um campo de estudos suficientemente definido, e explicaria a progressiva diminuição com
que ela é citada como ramo do conhecimento na literatura científica
28
.
Há uma enorme variedade de estudos, ciências, técnicas e campos de pesquisa (muitos em
franca expansão) cujo título (ou objeto) contém a palavra sistema (sistemas de controle,
sistemas econômicos, teoria dos sistemas administrativos, mecânicos, eletrônicos, sociais,
biológicos, dinâmicos, políticos etc.). Tais disciplinas se apresentam, pelo menos em algum
aspecto, como “sucessoras”, como “ampliações” ou como “retificações” da Cibernética, e
têm exatamente as mesmas pretensões outrora reivindicadas pela proposta de Wiener:
generalidade, profundidade, reunião heurística de saberes num campo único (capaz de
27
Uma das comprovações desse fato é o pequeno número de pessoas capazes de dizer o que é Cibernética,
confundindo-a na maioria das vezes com uma vaga “Ciência dos computadores”, ou com um mais vago ainda
“Qualquer coisa que tenha a ver com computadores, telecomunicações, robôs ou artefatos eletrônicos em geral”.
28
Uma curiosa consequência disso são as vacilações na classificação decimal de Dewey para o assunto
“Cibernética”. Um breve informe sobre o tema encontra-se em Powers (1984).
34
articulá-los e integrá-los), etc. O vigor desses novos estudos, em comparação com o
apresentado hoje pela Cibernética, parece indicar que a Cibernética “não deu conta” de uma
ampla variedade de “sistemas”: isso seria uma prova de que a Cibernética é incompleta,
carente de generalidade ou até mesmo uma proposta utópica e ilusória, não passando de um
“holismo” entre tantos, e que logo será superado por estudos mais rigorosos.
O elenco de fatos que acabamos de apresentar é circunstancial, embora tenha sido
muitas vezes considerado conclusivo. De um ponto de vista lógico, cabe argumentar que a
Cibernética pode não ter sido ainda plenamente compreendida, que seu estudo é mesmo difícil
e irá requerer um tempo maior de maturação, que o vigor das disciplinas alternativas é
transitório, e que mais cedo ou mais tarde todas elas precisarão “retornar às suas raízes
cibernéticas”, etc. Além do mais, o “sucesso residual” do pensamento cibernético é claramente
visível: periodicamente ressurgem entusiastas, promotores e defensores dos méritos da
Wiener, dispostos a demonstrar que a Cibernética, tal como ele a propôs, é relevante e
pertinente
29
. Chegará o dia em que algum deles conseguirá fazer valer o seu discurso perante
toda a comunidade científica e perante toda a sociedade? Como em toda a argumentação
baseada em fatos, a resposta é: “o tempo dirá”.
De qualquer forma, é inegável que a Cibernética está longe de ser unanimemente aceita
como Ciência “normal”, ou “canônica”. Do ponto de vista epistemológico, diríamos que ela
está numa situação problemática e que o seu futuro é incerto, mas mesmo assim o debate
quanto aos princípios que poderiam justificá-la continua aberto
30
.
29
O textos de Günther (1962) e de Rodríguez-Delgado (1994) são uma boa amostra.
30
Uma interessante crítica às pretensões da Cibernética é a de Heidegger, que entrevê a enorme abrangência do
pensamento cibernético, e por isso o considera como o momento final de um longo processo de hipertrofia da
“técnica”, cujas conseqüências são o esquecimento do “ser” e a progressiva dissolução do pensamento. A
filosofia de Heidegger obedece a inspirações bem distintas das de Wiener e das que norteiam este estudo. No
entanto, deve-se notar que ele é um pensador de primeira linha, e que percebeu que o “pacote” de idéias da
Cibernética é muito forte e por isso obriga a uma séria reflexão filosófica. (Cfr. Heidegger, 1989 e 1999). Uma
análise do pensamento de Heidegger sobre a Cibernética encontra-se em Ferreira Jr. (2002).
35
Nos próximos dois capítulos procuraremos intervir nesse debate, e o faremos da
seguinte forma: primeiramente apresentaremos o que consideramos ser o “núcleo duro
filosófico” da Cibernética, vincando algumas noções-chave; a seguir percorreremos alguns
setores da Cultura e das Ciências contemporâneas indicando a incidência das idéias de Wiener
em cada um.
36
IV - O “núcleo filosófico” da Cibernética
1. A Cibernética vista como um método
A originalidade da Cibernética consiste, ao nosso modo de ver, na sua forma peculiar
de interpretar uma série de conceitos — científicos ou não —, ampliando a sua abrangência e
o seu significado. Como já dissemos ao falar do conjunto da obra de Wiener, essa forma de
interpretar tem as características de uma proposta: é como um convite para encaminhar a
atenção numa determinada direção, a fim de que se possam notar certos aspectos da realidade
que antes passavam despercebidos. Esses aspectos, no caso da Cibernética, referem-se a
processos, e ao relacionamento ou interdependência que esses processos guardam entre si
31
.
Ao se notar algum aspecto novo, surge então um “nome”, uma “noção”, um tema. O
“discurso” ou “seqüência de afirmações” que conduziram a esse “notar” é precisamente o que
entendemos por método
32
.
O método implicado na proposta de Wiener, que por hora chamaremos de “método
cibernético” é uma variante ou parte do chamado “método sistêmico”: ambos admitem que a
determinação do real não deriva apenas dos seus elementos constitutivos, mas também de sua
estrutura relacional e funcional.
O “método sistêmico” é um esforço por conseguir a visão mais completa possível do
objeto estudado, mediante a inclusão de um número cada vez maior de elementos, partes ou
relações. Cada parte do todo é considerada em princípio como sendo relevante, assim como as
31
É importante insistir no caráter dinâmico da Cibernética, pois as noções de controle, informação,
realimentação, etc. sempre foram propostas por Wiener no contexto de um “comportamento”. Está aí implícita
uma negação do caráter “categorialmente estático”, ou “ontologicamente estrutural” dessas noções. Por isso
acreditamos que, mais do que uma “Ciência de Sistemas”, a Cibernética é — para usar uma expressão de sabor
aristotélico — uma “Ciência do Movimento”.
32
Em termos mais rigorosos, se o discurso ou seqüência de afirmações não conduz a nada, é inane, oco, e não
pode ser considerado um método. Talvez seja melhor reduzir a noção de método ao próprio “notar”. É óbvio que,
quando já se “notou”, o “notar” não falta.
37
relações entre as partes e as relações entre o objeto e seu meio circundante. Essa inclusão se dá
sob a forma de uma integração: um tipo de descrição estrutural-relacional-funcional que torna
visível o plexo de vínculos que “tece” o objeto.
O método sistêmico se contrapõe (sem desqualificar totalmente) o chamado “método
analítico”. Se o método analítico visa identificar fatores causais relevantes isolados, para
depois montar uma “causalidade composta”, o método sistêmico, pelo contrário, aponta para
uma “causalidade coordenada” que emerge da própria convergência dos elementos
considerados. Ao contrário do método analítico (que desvia a atenção da complexidade do
objeto para poder enxergar cada elemento isoladamente), o método sistêmico aborda a
complexidade de frente: ela é o seu tema. O método analítico está mais próximo da dedução
sistemática; o método sistêmico, mais próximo da indução ou, mais amplamente, de todos os
modos racionais de tipo epagógico.
É interessante notar que, de um modo geral, toda a Teoria de Sistemas está montada
sobre uma intenção sintética e unificadora, que no fundo é também crítica, pois denuncia o
exclusivismo do método analítico, que considera inaplicável em certos casos, como o daquelas
entidades que são complexas demais para que o estudo isolado de suas partes seja satisfatório:
somente a partir de um critério de coerência do conjunto é que se pode começar a entendê-las.
Nesse sentido, a incorporação de um número cada vez maior de elementos não só não
atrapalha, mas ajuda a compreensão (desde que se possa manter a coerência).
A peculiaridade do método cibernético, nesse contexto, é a sua preferência por enfocar
a evolução temporal dos objetos estudados, que são vistos como processos dotados de uma
certa persistência ou direcionamento. Mais do que a “causa do objeto”, o que se procura
identificar e descrever são as “causas da estabilidade”: tanto do objeto em suas
transformações, como do seu comportamento.
38
O método cibernético tem o que poderíamos chamar de “rendimento heurístico
múltiplo”, ou seja, possibilita uma grande gama de desenvolvimentos, em várias direções,
graças às suas peculiares características:
1) Por ser aplicável recursivamente — como aliás ocorre em geral com os atos da
inteligência
33
—, permite o surgimento de novas noções na medida em que os temas já
alcançados vão sendo validados e incorporados ao quadro geral de referência
34
.
2) Por referir-se primariamente a processos e relações, independentemente do substrato
material que lhes sirva de base — lembremos como Wiener insiste em que as averiguações
da Cibernética são igualmente válidas para animais, máquinas ou sociedades inteiras —,
permite o acesso rigoroso e racional a temas especialmente difíceis para a Ciência
experimental
35
.
3) Por ser capaz de albergar, numa mesma abordagem, a indeterminação (o caráter aleatório do
ambiente, diria Wiener) dos fenômenos, e as suas determinações (noção de mensagem
transmitida num conjunto de mensagens possíveis), abre caminho para a solução do
multissecular problema acerca do caráter determinístico ou indeterminístico do mundo
36
.
33
O tratamento tradicional do caráter recursivo do pensamento humano depende fortemente da noção — um tanto
ambígua — de “reflexividade”; a Cibernética, ao interpretar a reflexividade como “realimentação” presta uma
contribuição relevante para a Teoria do Conhecimento.
34
. A capacidade de integração sistemática e progressiva de novos elementos, ampliando o quadro geral de
referência, não é exclusiva da Cibernética, mas ocorre nela de forma muito intensa. Isso a torna especialmente
apta para o tratamento de sistemas ou processos de alta complexidade. Ashby aconsiderava essa uma das
principais “vantagens” da Cibernética (Cfr. Ashby, [1956]: pp. 5-6)
35
Nesse sentido, a Cibernética representa um importante avanço no estudo racional de aspectos qualitativos dos
fenômenos físicos, biológicos, sociais, etc. Se acrescentarmos a isso o fato de que a Cibernética se ocupa de
processos, e que estes ocorrem numa escala que abarca todo o Universo, torna-se compreensível a posição de
Gotthard Günther: “a atitude mental das nossas teorias cibernéticas sobrepassa a de qualquer outra disciplina
científica concebida desde os tempos de Platão e Aristóteles. Pode-se dizer que a Cibernética situa-se numa
posição entre o conjunto inteiro de todas as Ciências, por um lado, e a Filosofia, pelo outro” (Günther, 1962: p.
333).
36
Rodríguez-Delgado (1994) salienta que os avanços da Física moderna começaram a superar essa e muitas
outras dicotomias que permeiam a história da Ciência no Ocidente, substituindo-as por uma perspectiva dualística
ou complementar, como no caso da onda-partícula, emsica Quântica. Parece-nos, porém, que a perspectiva da
Cibernética é superior, pois não vê no dualismo determinação-indeterminação uma complementaridade
constatada, mas uma mútua implicação necessária. Sem aleatoriedade, não é possível que ocorra a
auto-organização (cfr. Ashby [1956]: pp. 145-188). Quanto às outras dicotomias, e em especial à dicotomia
sujeito-objeto — de enorme importância filosófica —, cfr. Wiener (1936).
39
4) Por ser estritamente lógico e racional, e por não depender das diversas teorias biológicas,
ajuda a aumentar o rigor dos estudos sobre a vida, permitindo avanços antes bloqueados
pelas diversas modalidades de vitalismo.
5) Por seu caráter relacional, permite aceder globalmente aos temas que envolvem a
articulação entre a ação humana e o Universo, desde os problemas de técnica instrumental
(construção de máquinas), até os mais abrangentes problemas sociais, dependentes como
são de “propósitos” e de “comunicação”. Possibilita assim um “complemento racional” para
as questões de tipo ético: um complemento cuja força e abrangência talvez não tenham
precedentes.
6) Por ser uma via de acesso nova, mostra que o pensamento humano pode seguir uma
pluralidade de métodos, e estimula a procura por outros no futuro. Além disso, pelo seu
intrínseco caráter de proposta, exemplifica como uma ampla galeria de temas pode ser
aberta (ou fechada), dependendo da resposta que se dê aos diversos “convites para
encaminhar a atenção”, tanto os formulados no passado como os que podem vir a sê-lo no
futuro
37
.
Os textos dedicados a uma exposição sistemática da Cibernética incluem, ao apresentar
o rol das noções basilares da disciplina, um certo número de indicações sobre como cada
noção deve ser interpretada
38
. O caráter metodológico da Cibernética exige essas glosas, que
de fato são imprescindíveis para a plena compreensão do assunto: afinal, um método se
37
Segundo isso, pode ser concebido um tríplice critério de análise das diversas doutrinas filosóficas, que
consistiria em examinar: 1) a justificação dos temas abordados (consistência das suas noções e princípios); 2) a
congruência entre método e tema (adequação e compatibilidade entre o método e as averiguações a que pretende
conduzir); e 3) a atitude perante o método (as razões para usá-lo ou rejeitá-lo, conforme se admita — ou não — a
sua compatibilidade com outros métodos). Seria interessante analisar, sob esse prisma, as obras de autores nos
quais o tema do método é crucial, como por exemplo Ockham, Descartes, Kant, Hegel e Popper.
38
O presente trabalho pretende ser, além de uma modesta contribuição ao estudo de Wiener, um convite à leitura
da sua obra, que é a pricipal fonte para entender a Cibernética. Bons textos sistemáticos de introdução à
Cibernética são os de Ashby (1956), Beer (1959) e Epstein (1986a). São também excelentes dois textos
destinados a um público mais amplo, que conseguem não só dar uma correta introdução ao assunto, como
também mostrar o “método cibernético” em ação em muitos campos diferentes: a série de artigos de Pinto Filho
(1976-1990) e o livro O macroscópio de Joël de Rosnay (1975).
40
justifica pelo seu uso, e “tirando proveito” da sua aplicação. Comentaremos a seguir as noções
de “comportamento”, “controle” e “realimentação” que nos parecem ser especialmente ricas
em desdobramentos filosóficos.
2. Comportamento: um tipo especial de movimento
À primeira vista, a descrição dos fenômenos físicos consiste em mostrar como eles se
enquadram nas chamadas “leis do movimento”, que por sua vez só podem ser compreendidas
no marco de um certo número de “leis de conservação”. Quando o movimento de um sistema
não pode ser descrito em função de certos parâmetros constantes, diz-se que há
“instabilidade”, A descrição de sistemas “instáveis” só é possível quando as “fontes” dessa
instabilidade obedecem também a certos requisitos, podendo assim ser tratadas como
introdutoras de alterações “suaves” ou “previsíveis” nos parâmetros conservativos do sistema
original. Mesmo assim, a instabilidade costuma introduzir imperfeições na descrição.
Ainda sob esse mesmo ponto de vista, o acerto da descrição é medido em função da
sua “capacidade de previsão”: quando o estado futuro de um sistema não é de alguma forma
“calculável” (ou pelo menos fixada a sua probabilidade) em função do seu passado, a
descrição falha, e será preciso reformular a abordagem. No caso de sistemas onde a
complexidade é muito grande — como os fenômenos biológicos e evolutivos, por exemplo —
certas abordagens são tidas como impossíveis ou só toscamente tratadas em termos de
probabilidade.
A Cibernética faz outro tipo de pergunta: por que não estudar, dados o estado inicial e
final, os caminhos por onde o sistema transita, ou poderia transitar?
O ponto de vista mais antigo via, digamos, um óvulo transformar-se em coelho
e perguntava: “por que acontece assim? , por que não continua simplesmente
óvulo?” A tentativa de responder a essa questão conduziu ao estudo da energética e
41
à descoberta de numerosas razões pelas quais um óvulo deveria se transformar: sua
gordura pode oxidar, e a gordura produz energia livre; possui enzimas fosforilantes
e pode passar seus metabólitos pelo ciclo de Krebs; e assim por diante. Nesses
estudos o conceito de energia era fundamental.
Completamente diverso, embora igualmente válido, é o ponto de vista da
cibernética. Ela admite que o óvulo contém energia livre abundante e que é
metabolicamente equilibrado de maneira tão delicada que chega a ser, em certo
sentido, explosivo. Alguma forma de crescimento há de ocorrer; a cibernética
pergunta: “por que as mudanças seriam para a forma de coelho e não para a de
cachorro, de peixe, ou mesmo para uma forma teratoma?”. A cibernética encara um
conjunto de possibilidade bem mais amplo do que o real e depois indaga por que o
caso particular deve conformar-se à sua usual restrição particular. Nessa discussão,
questões de energia quase não desempenham papel algum: a energia é
simplesmente tomada como um pressuposto. Muitas vezes é mesmo irrelevante que
o sistema seja fechado ou aberto à energia; o que importa é a extensão com que o
sistema está sujeito a fatores de determinação e controle. Assim, nenhuma
informação, sinal ou fator determinante pode passar de uma parte a outra sem ser
registrado como um evento significativo. A cibernética pode, de fato, ser definida
como o estudo dos sistemas abertos à energia mas fechados à informação e ao
controle: sistemas que são “impermeáveis à informação” (information-tight)
(Ashby, [1956], 1970: pp. 4).
O sacrifício da previsão em benefício da descrição é o motivo de fundo que levou
Wiener a defender a necessidade de uma abordagem teleológica (consideração explícita do
estado final) para o estudo de certos sistemas (cfr, Wiener et al., 1943)
39
.
A Cibernética procura averiguar o que dá a certos sistemas a propriedade de atingirem
de forma constante uma certa classe de estados finais, “absorvendo” diversos tipos de
perturbações, influências externas e instabilidades ao longo da sua trajetória. Tais sistemas
são os que apresentam um tipo especial de estabilidade graças a alterações na sua estrutura. As
seqüência de transformações de um sistema desse tipo rumo ao seu estado final constitui um
39
Isso não significa, de forma alguma, que a Cibernética postule uma revisão radical dos métodos da chamada
“ciência normal”. O que ela propõe é simplesmente um método novo e complementar, capaz de enriquecer as
averiguações da Física, da Bilogia, etc. e de integrar muitos resultados dispersos num quadro comum de
referência.
42
movimento, num sentido diferente de um movimento translacional. Tais modificações fazem
variar os vínculos entre a história do sistema — os estados pelos quais o sistema passou e as
perturbações a que esteve sujeito — e o seu padrão de resposta às perturbações futuras
40
.
Analogamente à importância que tem em Mecânica a “variação da variação” da
posição de um corpo (noção de aceleração), a Cibernética estuda com especial atenção
qualquer “movimento do movimento” rumo a um dado objetivo (noção de comportamento).
3. Controle e realimentação
Figura 1: Sistema regulador simples com realimentação
Ao afirmar que a Cibernética — o estudo da comunicação e do controle generalizados
— diz respeito tanto aos animais como às máquinas, Wiener propõe uma reinterpretação das
40
É evidente que até uma pedra, depois de sofrer um golpe que lhe tira uma lasca, passa a “responder” de forma
diferente às perturbações e influências do ambiente à sua volta, e que a retirada de mais uma lasca novamente
afetará o seu “padrão de resposta” no futuro (embora não muito intensamente). O contraste com a situação onde a
“lasca” retirada é uma parte do corpo de um animal ou de alguns fios de um computador torna evidente de que a
“memória” é um conceito análogo, que admite variações de grau. A cibernética interessa-se pela “memória” do
sistema na exata medida em que o seu conteúdo relaciona-se com o êxito em alcançar o “estado final” — isto é:
com o “propósito” ou o “objetivo” — ao qual o sistema se dirige (isso vale inclusive no caso de uma pedra).
43
noções de comunicação e controle, pois na linguagem comum “comunicar” e “controlar” são
ações tipicamente humanas, racionais e conscientes. Uma reinterpretação desse tipo
ultrapassaria a simples metáfora ou analogia? Como definir “comunicação” e “controle” de
forma a que possam ser entendidos como sendo “intrínsecos” às coisas inanimadas ou
inconscientes? Postular um alcance “ontológico” dessas noções não significaria um
“antropomorfismo” crasso?
O “controle” humano implica uma vigilância sobre aquilo que está sendo controlado,
para que se possam corrigir eventuais erros ou desvios; nesse caso, a ação de “medir ou
detectar o erro” é claramente distinta da ação de “corrigi-lo”. As ações corretoras são
orientadas pelas informações sobre o erro, provenientes do objeto controlado, e esse fluxo
informativo que “volta” para o controlador é justamente o que se entende por “realimentação”
(feedback): noção que, do ponto de vista do controle humano, não apresenta quaisquer
dificuldades de compreensão e parece aliás muito óbvia.
Controlar coisas é assunto eminentemente técnico e prático, e o Homem inventou ao
longo da História uma ampla variedade de dispositivos (detectores e efetores) para ajudá-lo
nessa tarefa. Os chamados “dispositivos de regulação e controle” são artefatos construídos
para manterem, pela sua própria forma e estrutura, certas variáveis dentro de limites
previamente estipulados, independentemente da ação humana direta. Quando tais dispositivos
funcionam de forma satisfatória, não se diz propriamente que são “eles” os responsáveis pelo
êxito nessas tarefas, mas sim os seus projetistas e construtores. Trata-se ainda de um
“controle” humano, embora mediado pelo artefato.
É interessante notar que no Cibernética (Wiener, 1948, pp. 130 e ss.) a noção de
realimentação é exposta aludindo inicialmente a exemplos médicos — as patologias do
sistema nervoso que causam descontrole nos movimentos dos pacientes afetados —, que
depois são comparados com mecanismos tão simples quanto os de um termostato ou uma
44
válvula reguladora de vapor, ou tão sofisticados quanto a homeostase fisiológica em animais.
A despeito dos sugestivos diagramas descritivos e dos impressionantes paralelismos
matemáticos, a abordagem de Wiener deixa em aberto algumas questões importantes:
em cada um desses âmbitos (locomoção humana, máquinas, fisiologia) quem
exerce o controle?
como distinguir filosoficamente controle de equilíbrio?
A noção de realimentação também padece de ambigüidades desse tipo, seja qual for o
modo de abordá-la. Vejamos isso em três exemplos:
1) A definição formal de Ashby (1956, pp. 62-64):
Dadas duas máquinas formais com entrada (isto é: sistemas que mudam de estado por
caminhos diferentes conforme o valor de certos parâmetros) ligadas de tal forma que haja uma
função entre a saída (isto é: o conjunto formado pelo estado do sistema e pelos valores de seus
parâmetros) de cada uma delas e os parâmetros da outra, diz-se que há realimentação se, e
somente se, ambas as funções permitam modificações nos parâmetros da máquina-par.
O próprio Ashby comenta que esse tipo de definição — exigida numa exposição formal
rigorosa dos princípios da Cibernética — permite falar de realimentação até mesmo num
sistema de equações do tipo x’ = 2xy e y’ = x - y
2
, no qual a variação de x (expressa como
x’ ) depende de y e, igualmente, a variação de y (expressa como y’ ) depende de x. Sua
conclusão (ibid. p. 64) é que a definição exata do que seja realimentação não tem tanta
importância, pois trata-se apenas de uma metodologia cuja utilidade é limitada: “quando
existem apenas duas partes unidas de tal maneira que cada uma afete a outra, as propriedades
da realimentação fornecem importantes e úteis informações acerca das propriedades do
conjunto”, mas isso falha no caso de sistemas mais complexos, que “não podem ser tratados
como um conjunto entrelaçado de circuitos de realimentação mais ou menos independentes,
45
mas somente como um todo”. Para Ashby, tem muito mais importância a noção de
“variedade”, que deve ser suprida “para dentro” de um sistema controlador mediante a
“injeção” de informação randômica, ou seja: aleatória ou fortuita (cfr. Ashby, 1956 pp. 238-
256.; Ashby, 1958; e Wiener, 1954a: p. 34).
2) A abordagem segundo o equilíbrio de um sistema sob condições ambientais variáveis
Realimentação é uma “mensagem” que reflete a variação das condições ambientais (e
das condições do próprio sistema). A “interpretação” dessa “mensagem” pelo sistema
“provoca” nele alterações que terminam por estabelecer um novo estado de equilíbrio com o
ambiente.
Nesse tipo de descrição o viés antropomórfico é ainda mais visível: além do problema
da “emissão” da “mensagem” pelo ambiente, também fica no ar a questão sobre o que poderia
significar “interpretação” por parte do sistema. Filosoficamente, no entanto, esse tipo de
redução a dois pólos (“sistema” e “ambiente”) tem o mérito de forçar a atenção na direção das
questões sobre auto-organização, emergência, adaptação e evolução.
3) A abordagem da “variável controlada”
Consideremos duas entidades cujos estados apresentem, em suas variações ao longo do
tempo, uma correlação recíproca (certas variações no estado de uma delas implicam em
variações no estado da outra, e vice-versa). Sempre que for possível identificar um aspecto
flutuante dessa correlação (uma “variável”) que, apesar de não ser fixa, apresente uma “regra”
de tendência ou de previsibilidade ao longo do tempo, poder-se-á falar de realimentação como
sendo a própria influência de uma dessas entidades (aquela que “varia primeiro” ou “varia
mais rapidamente”) sobre a outra (que aqui chamaremos de “secundária”). Nesse caso, a
entidade secundária é dita “controladora” da “variável” aludida.
46
A manutenção da “tendência” da variável controlada é a “meta”, o “alvo”, o
“objetivo” ou o “propósito” da entidade controladora. Wiener observa, em sua réplica a Taylor
(cfr. Taylor, 1950a e Wiener, 1950a), que essa abordagem depende da intenção de tomar como
base da análise o comportamento observável dos objetos e que o uso de termos
antropomórficos como “teleologia” e “propósito” deve-se unicamente à crença de que os
métodos comprovadamente válidos para a análise do comportamento humano são igualmente
válidos para a análise de quaisquer comportamentos: “a principal razão para escolhermos esses
termos foi enfatizar que, do ponto de vista científico, os homens não diferem das máquinas”
(Wiener, 1950a: p. 326).
A impressão que se tem é que a discussão sobre a validade da noção de
“realimentação” está ainda longe de gozar de um consenso geral. Ao analisar o estado da
questão, Wimsatt (1970) reconhece que “aparentemente faz diferença para os cientistas se um
sistema pode ou não ser classificado como um sistema realimentado” (o.c. p. 253), mas
registra a posição de alguns que acreditam que “a realimentação não passa de um artifício
inerente ao nosso modo de representar os sistemas: não é uma propriedade dos próprios
sistemas. Sendo assim, a realimentação teria apenas o status de mera ‘heurística’ ou ‘Gestalt’:
um roteiro útil para a descrição do comportamento e da organização de certos sistemas” (o.c.
p. 252). E conclui: “seja qual for o estatuto último desse conceito [realimentação, feedback], é
claro que ainda surgem discussões em certas ciências [como a Ecologia, por exemplo] quando
alguém sustenta que há uma diferença entre realimentação e certos modos mais simples de
equilíbrio” (o.c. p. 253).
O fato de ser muitas vezes difícil definir os conceitos-chave da Cibernética de forma a
satisfazer todos os pontos de vista parece corroborar, ao nosso modo de ver, o caráter
metodológico e interdisciplinar da Cibernética como um todo. Assim opinam também
Churchman e Ackoff, referindo-se ao conjunto de definições da Cibernética:
47
O que estamos dizendo é o seguinte: Se o objetivo é inter-relacionar estudos
em várias áreas da ciência, então é necessário empregar esse tipo de esquemas
gerais. A conveniência de uma definição deve ser sempre julgada relativamente ao
objetivo desejado, e o nosso temor é de que, ao forçar a aplicação estrita de uma
definição que se mostrou útil numa dada área, em outra que se resiste à integração,
eventualmente se esteja trabalhando contra a própria integração, tão urgentemente
necessária (Churchman & Ackoff, 1950: pp. 38-39).
Segundo o nosso modo de ver, as noções de controle e realimentação não parecem
isentas de um certo grau de antropomorfismo, mas isso não impede que tenham um valor
heurístico palpável. Basta lembrar, entre muitos exemplos, como essas noções são largamente
empregadas em Medicina e Fisiologia, não só por suas vantagens descritivas, mas como guia
para o encaminhamento das pesquisas. Insistir na “provisoriedade” ou na “precariedade”
dessas e de outras noções cibernéticas denotaria uma atitude excessivamente rigorista,
propensa ao “monismo metódico” que muitas vezes atrapalha o pensamento científico e
filosófico. Mais do que “antropomorfismo crasso”, a Cibernética parece albergar um
“antropomorfismo útil”, cujo valor está em possibilitar a descoberta de um dinamismo que —
embora só esteja presente em grau máximo na atividade humana consciente — afeta todo o
conjunto da realidade.
4. O “dinamismo ontológico” de Wiener
Wiener, no seu livro Cibernética e Sociedade: O uso humano dos seres humanos
(Wiener, 1954a) expõe a sua visão de mundo e explicita o sentido filosófico das teses do seu
livro anterior, Cibernética (Wiener, 1948). No capítulo intitulado "A organização como
mensagem" há dois trechos bem significativos:
48
O oxigênio, o bióxido de carbono e o sal em nosso sangue, os hormônios a
fluírem de nossas glândulas endócrinas, são todos regulados por mecanismos que
tendem a resistir a quaisquer alterações adversas em seus níveis. Tais mecanismos
constituem aquilo que é conhecido por homeostase; são mecanismos de
realimentação negativa, de um tipo que podemos encontrar exemplificado em
autômatos mecânicos.
O padrão mantido por essa homeostase é que é a pedra de toque da nossa
identidade pessoal. Nossos tecidos se alteram à medida que vivemos: o alimento
que ingerimos e o ar que respiramos tornam-se carne de nossa carne, osso de nossos
osso, e os elementos momentâneos de nossa carne e de nossos ossos são-nos
eliminados diariamente do corpo por meio dos excretos. Não passamos de
redemoinhos num rio de água sempre a correr. Não somos material que subsista,
mas padrões que se perpetuam a si próprios. Um padrão é uma mensagem e pode
ser transmitido como tal (Wiener, 1954a: p. 95).
A identidade física de um indivíduo não consiste na matéria de que é feito. Os
modernos métodos de rastrear os elementos que participam do metabolismo
evidenciaram uma movimentação muito maior do que a julgada possível durante
muito tempo; e não apenas do organismo como um todo, mas de cada uma de suas
partes componentes. A individualidade biológica de um organismo parece residir
numa certa continuidade de processo, e na memorização, pelo organismo, dos
efeitos de seus desenvolvimentos pretéritos. Isso parece também aplicar-se ao seu
desenvolvimento mental. Em termos de máquina computadora, a individualidade de
uma mente está na retenção de seus anteriores registros e recordações e no seu
contínuo desenvolvimento segundo linhas já traçadas. (...) A individualidade do
organismo é antes a de uma chama que a de uma pedra: a de uma forma, mais que a
de um bocado de substância (Wiener, 1954a: p. 100-101).
Ao dizer que a constituição mais radical do mundo físico e biológico envolve
necessariamente um dinamismo, Wiener parece sugerir uma transformação da onto-logia
numa interessante espécie de onto-dinâmica. Se repararmos bem, essa visão implica uma
tomada de posição bastante radical: é como um eco das cosmologias de Heráclito (o grande
defensor do devir e do movimento contínuo das coisas) e de Leibniz (cuja Monadologia é uma
tentativa de adaptar a noção aristotélica de substância a um padrão dinâmico e essencialmente
49
relacional)
41
. Quanto a Leibniz, Wiener dizia brincando que poderia ser perfeitamente o
“santo padroeiro” da Cibernética, e constantemente confrontava suas idéias com as do grande
filósofo alemão (cfr. Wiener, 1932 e [1948] 1964: p. 37-38).
Um outro aspecto interessante da ontologia de Wiener reflete-se nos seus textos
sobre cosmologia, onde uma questão filosófica muito aguda se impõe: a da prevalência ou não
de uma ordem total final no Universo, e a da vigência dos ordenamentos parciais. No exemplo
abaixo, Wiener se vê obrigado a misturar essa questão com certos temas humanos: a atividade
da mente, a inclinação para o domínio e os desejos de realização moral. Nesse texto, o
dramatismo e as imagens literárias não são artificialismos, mas a expressão do solilóquio
meditativo de quem faz um balanço da própria vida e do itinerário científico que percorreu:
Para mim, a lógica, o aprendizado e todas as atividades mentais foram sempre
incompreensíveis se tomadas como um quadro acabado, e somente compreensíveis
como um processo pelo qual o homem põe-se em contato com o seu ambiente. É a
batalha pelo aprendizado que é significante, e não a vitória. Qualquer vitória que se
considere absoluta é imediatamente seguida por um Crepúsculo dos Deuses, no qual
o próprio conceito de vitória é dissolvido no momento da sua obtenção.
Estamos nadando contra a torrente da desorganização, que tende a reduzir tudo
à morte térmica do equilíbrio e da mesmice descrita pela segunda lei da
Termodinâmica. O que Maxwell, Boltzmann e Gibbs queriam dizer com essa morte
térmica tem sua contrapartida na ética de Kierkegaard, que mostrou estarmos
vivendo num Universo moral caótico. Nesse Universo, nossa maior obrigação é
estabelecer enclaves arbitrários de ordem e de sistema. Esses enclaves não
continuarão ali indefinidamente, graças a algum impulso próprio, depois que os
tenhamos estabelecido. Como a Rainha de Copas, só podemos ficar onde estamos
se corrermos o mais depressa que possamos.
Não lutamos por uma vitória definitiva num futuro mais ou menos distante. A
maior vitória possível é ser, continuar a ser e ter sido. Nenhuma derrota pode
privar-nos do sucesso de ter existido durante um certo período de tempo num
Universo que parece indiferente à nossa presença.
41
Whitehead também escreveu sobre caráter relacional e processual do mundo, mas não parece que tenha
exercido qualquer influência em Wiener. A julgar pelo tom metafísico de muitos textos de Whitehead, e por uma
certa deriva subjetiva presente na sua noção de “experncia”, o mais provável é que Wiener — caso tenha lido
Whitehead nesses pontos — preferisse outro tipo de abordagem. Cfr. Whitehead (1920, 1929 e 1938); e Hättich
(2003).
50
Isso não é derrotismo: é simplesmente o sentido da tragédia num mundo onde
a necessidade é representada por um inevitável desaparecimento de qualquer
diferenciação. A afirmação da nossa própria natureza, e a nossa tentativa de
construir enclaves de organização em face da esmagadora tendência natural à
desordem, é um desafio aos deuses e à lei de ferro que impuseram. Nisto há
tragédia, mas nisto há glória também (Wiener, 1956: pp.324-325).
Também aqui Wiener deixa transparecer a sua convicção de que ordem, movimento
e finalidade estão mutuamente implicados em qualquer tentativa de descrição mais
fundamental dos processos e dos organismos
42
.
42
Não é à toa que o prefácio do The Human Use of Human Beings tenha por título: “A idéia de um universo
contingente” (Wiener, 1954a: pp. 9-14 ). A respeito desse tema cfr. também Prigogine (2000).
51
V - A Cibernética na cultura e nas ciências contemporâneas
1. O prefixo cyber- : um indício de influência cultural
O adjetivo cibernético é hoje muito difundido e utilizado em diversos contextos. No
seu uso popular, envolve uma variada gama de referências a robôs, computadores, a rede
mundial Internet, meios de comunicação eletrônicos e dispositivos automáticos em geral. O
prefixo cyber- (em português ciber-) precede tambémrios substantivos (ciberespaço,
cyborg — abreviação de cybernetic organism —, cibercultura, cibercafé, ciberespaço,
cibernauta, etc.) e até algum verbo (cibernetizar). A origem de alguns desses termos é
recente, e vários dentre eles provêm de contextos literários ou jornalísticos. São empregados
com uma semântica muitas vezes oscilante, cujas variantes ainda não estão todas recolhidas
nos dicionários. De qualquer forma, a própria difusão e vigência desses termos documenta a
notável influência de um certo grupo de idéias de Wiener em amplos setores da cultura.
Na literatura — técnica ou não — associa-se a Cibernética a dois importantes eventos
técnicos e científicos de grande repercussão, ocorridos na mesma época em que Cybernetics
(Wiener, 1948) foi publicado, e dos quais o próprio Wiener participou, em maior ou menor
medida. O primeiro deles é a divulgação dos trabalhos de Claude Elwood Shannon sobre a
Teoria Matemática da Informação. O segundo é o surgimento dos computadores e sua
aplicação, tanto prática (como elementos de máquinas automáticas de alto desempenho) como
também teórica (como modelos — ou próteses — do cérebro humano). Nesse sentido,
entende-se por cibernético quase tudo o que refere-se a esses dois avanços ou tenha derivado
deles.
Penso que a semântica da Cibernética — nas suas acepções mais populares, ou até
mesmo na reflexões mais acadêmicas sobre temas culturais — é passível de ser estabelecida
52
por acumulação, isto é: que muitas das diferentes acepções do termo são simultaneamente
legítimas, convergindo num rico "pacote" técnico-filosófico, que tem também ressonâncias
históricas.
A ampla penetração da cibernética no vocabulário cultural e filosófico
43
parece ser
uma forma de reconhecimento tácito da riqueza das idéias que lhe deram origem, e também de
Wiener, que cunhou essa nova família de acepções da palavra. Além disso, são muitos os
autores que, ao abordarem a questão do significado da Cibernética, procurando elucidar e
tornar compatíveis os seus diversos conteúdos, são conduzidos a um tipo de reflexão
especialmente profunda e que costuma ter muitos desdobramentos interessantes.
2. Cibernética na Administração de empresas e nas Ciências Sociais
Stafford Beer, em sua importante trilogia de obras (Beer, 1966, 1969 e 1979) sobre a
organização e funcionamento das empresas, não só elabora uma brilhante aplicação das idéias
cibernéticas à Administração, como também defende enfaticamente a relevância da
Cibernética em tudo o que se refira à organização social. Com grande profundidade, Beer
debruça-se sobre o problema do controle nas organizações, indagando sobre os pré-requisitos
necessários para que as estruturas de comando possam reagir às alterações (internas e
externas) do organismo empresarial em seus vínculos com o meio ambiente (físico e social). É
curioso notar que nesse contexto há um reencontro “etimológico”: a Cibernética moderna é
usada como ferramenta para estudar o problema da pilotagem (em grego, piloto é kubernetés),
da direção e do comando, que Ampère e o próprio Platão já tinham denominado Cibernética,
como vimos acima (p. 25).
43
Além de ser um bom estudo sobre a inteligência — a das máquinas e a dos seres humanos — o livro de Tirso
de Andrés, Homo Cybersapiens (Andrés, 2002), reconhece já no título a relevância da cibernética para a
Antropologia.
53
A estratégia de Beer é explorar a organicidade do trabalho empresarial, mediante uma
modelagem que integre a maior quantidade possível de elementos informacionais pertinentes.
Partindo daí procura identificar, mediante uma minuciosa comparação entre esses modelos e
os organismos vivos (entendidos como estruturas capazes de um controle eficiente), as
possíveis causas de patologias na atividade empresarial e as modificações estruturais
requeridas para a sua correção. Como já intuíra o próprio Wiener, esse tipo de abordagem
pode ser um instrumento capaz de dotar certas organizações de um grau de eficácia muitíssimo
elevado, com grandes repercussões — para o bem ou para o mal — conforme os fins que tais
organizações tenham.
Esse uso “instrumental” da Cibernética na Administração foi muito divulgado,
contribuindo fortemente para que muitos passassem a ver a Cibernética principalmente como
uma ciência prática. Entre os intelectuais da URSS, que inicialmente viam a Cibernética com
desconfiança
44
, essa abordagem causou uma mudança na posição, e o Estado Soviético acabou
por adotá-la entusiasticamente, com o objetivo de fortalecer as bases da Administração
Governamental e aumentar sua capacidade de controle político
45
. Uma famosa experiência
nesse sentido também foi feita pelo próprio Beer, que assessorou o governo de Salvador
Allende, no Chile (v. acima, p. 32 nota 26).
Na Inglaterra até hoje existem cursos regulares de Cibernética, em nível de
pós-graduação, cujo conteúdo segue a tradição de Beer, e que se propõem a preparar gerentes
e planejadores para a modelagem dos problemas de controle industrial e administrativo. Nos
livros de introdução à Administração, é comum que a abordagem cibernética seja mencionada
como uma fase (ou momento, ou etapa do desenvolvimento histórico) posteriormente superada
por outras visões e enfoques. A questão que se coloca é: por que a Cibernética não conseguiu
44
Uma panarâmica da acidentada recepção das idéias da Cibernética e da Teoria da Informação na URSS, na
França e nos EUA encontra-se em Mindell et al. (2003). O caso da URSS é especialmente interessante, e deu
origem a uma vasta literatura. Para uma análise — restrita ao campo da Fisiologia — do debate entre os
cientistas soviéticos sobre a relevância da Cibernética, cfr. Gerovitch (2002).
45
Cfr. PINTO FILHO, Heitor. “A cibernética refletida pelo leste”. Dados & Idéias n. 48, pp. 46-50, mai-1982.
54
cumprir o seu destino — antevisto e até temido por Wiener — de ser a máxima ferramenta
potencializadora da eficácia das organizações? Uma resposta simples, mas profunda, foi dada
num dos artigos do genial divulgador brasileiro da Cibernética, Heitor Pinto Filho, no qual ele
atribui a ineficácia dos planos de estilo cibernético — perfeitos no que diz respeito à
informação — à básica e ancestral resistência das pessoas a serem controladas
46
.
Mais recentemente, a Cibernética voltou a aparecer no âmbito da Teoria das
Organizações e da Administração de Empresas sob outros enfoques. No campo da Teoria das
Organizações e Políticas Empresariais, assumir que cada ser humano é um sistema livre,
dotado ele mesmo de estrutura e de comportamento cibernéticos, permite caracterizar a
atividade empresarial como sendo ela mesma também um sistema livre, hierarquicamente
composto de sub-sistemas — também livres — que participam na atividades produtivas e
decisórias, cada um a seu nível. A eficácia em tais organizações estaria subordinada a um
crescimento ou aperfeiçoamento harmonioso do conjunto e de cada uma das suas partes, num
pacto explícito de coordenação dos objetivos e das metas de todos os envolvidos
47
. No que
diz respeito à prática gerencial, o controle via cadeia de comandos pode ser melhor
compreendido considerando-se um duplo mecanismo de realimentação: 1) ao cumprir uma
ordem, o subordinado recebe uma carga de feedback (a experiência em enfrentar as
dificuldades que o cumprimento da ordem leva consigo) que o torna diferente do que era antes
do processo, e isso merece ser tido em conta pelo superior ao emitir as ordens seguintes; 2) por
outro lado, o cumprimento da ordem nunca é exato ao ponto de não precisar de nenhuma
correção: o desvio em relação ao efeito desejado, bem como a mudança de estado do executor
descrita em 1) compõem um feedback que deve ser interpretado como uma contra-ordem,
como uma informação sobre a direção e a intensidade das medidas corretoras seguintes, que
46
Cfr. PINTO FILHO, Heitor. “A onda cibernética faz 40 anos”. Dados & Idéias n. 125, pp. 54-56, out-1988.
47
Os trabalhos de J. A. Pérez López (1990, 2002) são uma boa mostra das possibilidades desse tipo de
abordagem.
55
deverão contemplar não somente os objetivos-alvo da ação desejada como também uma
evolução saudável do sujeito executor
48
.
A idéia de que é possível uma “Física Social”, que explique a estrutura e o
desenvolvimento das sociedades, e até mesmo da História, é antiga: já está presente em John
Locke, e foi retomada por Auguste Comte, promotor Sociologia como ciência exata. Uma vez
admitida a relevância das idéias cibernéticas no âmbito da Administração, surge
imediatamente a questão da possível aplicabilidade da Cibernética em todos os estudos sobre a
dinâmica social.
Acostumado ao rigor matemático, Wiener aborda essa questão de um modo cauteloso,
chegando a duvidar do êxito de uma aplicação estrita dos métodos da Cibernética aos temas
sociais. Talvez porque o tipo de contingência envolvido — as decisões humanas — estendesse
a complexidade do objeto de estudo a níveis muito mais altos do que o dos fenômenos físicos
e biológicos, onde a Cibernética teve um relativo sucesso justamente porque seus modelos
puderam incorporar as flutuações estatísticas e contornar os detalhes das estruturas envolvidas,
cingindo-se aos aspectos mais determinados do seu comportamento. De qualquer forma,
Wiener não deixou de enunciar possíveis linhas de pesquisa futura, onde um aporte da
Cibernética poderia ser mais preciso, nem de externar algumas opiniões sobre a natureza do
tecido social, embora dissesse com freqüência que eram apenas aproximações, sugestões e
analogias.
Como se explica então a entusiástica acolhida, por parte de toda uma geração de
cientistas sociais, do linguajar e dos modos de análise cibernéticos, que lhes permitiram forjar
diversas noções importantes, até hoje vigentes? Uma possível resposta pode ser a seguinte: a
influência das idéias de Wiener no terreno das ciências sociais foi indireta, mediada por
48
Cfr. Polo & Llano (1997), especialmente o capítulo VII: “¿Qué es dirigir?”.
56
reflexões que o próprio Wiener soube julgar importantes, mas que não levou adiante
49
. Sua
posição a respeito ficou registrada num trecho do Cibernética em que fala de suas conversas
com seus colegas nas conferências Macy:
É verdade sem dúvida que o sistema social é uma organização que, tal como a
individual, é vinculada por um sistema de comunicação, e possui uma dinâmica em
que processos circulares de tipo feedback (realimentação) desempenham importante
papel. Isto é certo, tanto nos campos gerais da antropologia e sociologia como no
campo mais específico da economia; e o relevante trabalho, já citado
50
, de von
Neumann e Morgenstern sobre a teoria dos jogos, inclui-se neste âmbito de idéias.
Com tal base, o dr. Gregory Bateson e a Dra. Margaret Mead instaram-me, à vista
da natureza premente dos problemas sociológicos e econômicos da presente época
de confusão, a devotar grande parte de minhas energias à discussão deste setor da
cibernética.
Por mais que eu aprove seu senso de urgência da situação, e por mais que
espere que eles e outros pesquisadores competentes venham a estudar problemas
desta espécie, que discutirei num capítulo ulterior deste livro, não posso
compartilhar seu sentimento de que o referido campo deve ter primazia em minha
atenção, nem sua esperança de que se possa progredir suficientemente em tal
direção, de modo a exercer um efeito terapêutico nos atuais males da sociedade. (...)
Acabo de falar de um domínio em que minhas expectativas quanto à
cibernética acham-se definitivamente diminuídas por uma compreensão das
limitações dos dados que podemos esperar obter (Wiener, [1961] 1970: pp. 50-52.
Introdução à edição de 1948).
Apesar de Wiener ter dedicado boa parte dos seus livros mais difundidos (Wiener 1948
e 1954a) a temas sociais, introduzindo também nesse campo muitos temas e abordagens novas,
sua influência no campo das Ciências Sociais deve-se, de fato, a outros pesquisadores, mesmo
quando as conclusões de alguns deles — diga-se de passagem — afastem-se muito do que
Wiener pensava a respeito do que é (e do que deve ser) uma sociedade equilibrada e sadia.
49
Para uma análise sobre a influência de Wiener nas Ciências Sociais, na qual se destaca a função mediadora de
outros autores, cfr. Geyer & van der Zowen (1994).
50
Wiener refere-se ao livro de J. Von Neumann e O. Morgenstern, Theory of Games and Economic Behavior
(Princeton University Press, 1943).
57
Além do já citados Gregory Bateson e Stafford Beer e Karl Deutsch, merecem ser
mencionados J. E. Lovelock, Niklas Luhmann e Jean-François Lyotard, entre muitos outros,
para quem a Cibernética é instrumento indispensável para a compreensão da natureza e da
estrutura dos fenômenos sociais e até mesmo para o adequado desenho de uma estrutura
política viável
51
.
É interessante ressaltar que a Teoria dos Jogos, com seus numerosos desdobramentos,
acabou por constituir-se num importante elemento de interface entre a Cibernética e a
Sociologia. Destinada a ter uma importância comparável à da “mão invisível” de Adam Smith,
a sua lógica dos “jogos de soma positiva” (ou de “soma zero”) e a das “estratégias de
cooperação” parecem ser uma das leis que regem a dinâmica dos processos de decisão, tanto
em situações normais como no caso — importante — de conflitos em pequena ou larga
escala
52
. Por outro lado, é notório que a Sociologia contemporânea reconhece a enorme
importância dos “vínculos de informação” como conectivos sociais.
3. O conhecimento humano e a Epistemologia
Por que a mente se comporta dessa ou daquela maneira? Como entender a própria
atividade mental como adequação adaptativa entre o sujeito pensante e o "mundo" que o cerca
51
Um exemplo contundente deste último ponto é o texto de Musès (1995), no qual afirma — num tom dramático
— que a Cibernética é a última esperança de fazer retornar a racionalidade ao jogo político internacional.
52
Cfr. Pinto Filho (1976-1990), especialmente os seguintes ensaios: “Cibernética da guerra fria”, Dados & Idéias
n. 13, pp. 62-67, out/nov-1977; “Teoria dos jogos: o dilema político quantificado”, Dados & Idéias n. 19, pp.
66-72, abr/mai-1979; “Terrorismo e Teoria dos jogos - ‘Ameaças’”, Dados & Idéias n. 29, pp. 62-66, out-
1980; “Combates, embates, jogos e barganha”, Dados & Idéias n. 39, pp. 45-50, ago-1981; “Um sistema
chamado guerra”, Dados & Idéias n. 43, pp. 45-50, dez-1981; “Espiões e armas no espaço”, Dados & Idéias n.
47, pp. 62-66, abr-1982. “A estratégia eleitoral do maximin”, Dados & Idéias n. 52, pp. 46-50, set-1982; “O
mais sinistro jogo de armar”, Dados & Idéias n. 59, pp. 60-64, abr-1983; “As bases cibernéticas da política”,
Dados & Idéias n. 64, pp. 60-66, set-1983; “Três maus debatedores: Kruschev, Reagan e o PDS”, Dados &
Idéias n. 68, pp. 62-66, jan-1984. “O jogo das coalizões”, Dados & Idéias n. 79, pp. 70-74, dez-1984. “Uma
teoria dos jogos com juiz”, Dados & Idéias n. 83, pp. 78-82, abr-1985; “Estratégias e táticas nas greves”,
Dados & Idéias n. 88, pp. 128-131, set-1985; “Decisão sob premência de tempo” Dados & Idéias n. 101, pp.
76-79, out-1986; Idem. A arte da não-guerra. Dados & Idéias n. 102, pp. 84-88, nov-1986; “O jogo do
seqüestro de avião”, Dados & Idéias n. 103, pp. 76-79, dez-1986; “Seqüestro”, Dados & Idéias n. 118, pp.
48-50, mar-1988; “A esquerda e a direita segundo a cibernética”, Dados & Idéias n. 128, pp. 48-50, jan-1989.
58
e ao mesmo tempo o constitui? Esses problemas sempre estiveram presentes nas reflexões de
Wiener, que costumava abordá-los com vistas amplas e de modo até certo ponto intuitivo.
Wiener, ao contrário do que muitos afirmaram, inclui o sujeito pensante (o observador)
em suas considerações sobre o processo cognitivo. Além do fundacional Cybernetics, Wiener
fala em muitos textos do homem como máquina cibernética, passível de um estudo semelhante
ao de qualquer outra entidade. Ao discorrer sobre esse tema, Wiener constrói uma crítica
epistemológica e uma teoria da cognição que pode ser chamada de inaugural: dá origem ao
amplo programa de pesquisa sobre esses temas, tal como hoje está proposto.
Embora assuma posições concretas (de alcance ético e até mesmo metafísico) quanto
ao significado do comportamento humano (incluindo o cognitivo) e de seus objetivos, o
método cibernético de Wiener — por ser um método eminentemente descritivo e não-
ontológico — permite o estudo de muitos assuntos relativos à psique humana, sem envolver-se
no debate "mente-corpo": passeia igualmente à vontade por temas ligados ao cérebro, à
percepção, à estrutura da linguagem, etc.
Grande parte das reflexões sobre a Ciência enfatizam a importância de observarmos de
preferência o que os cientistas fazem, e não o que eles dizem que fazem. Nesse sentido, o
observador "imparcial" seria o filósofo não-cientista. No caso de um cientista que seja ele
mesmo também um filósofo, essa recomendação não pode ser cumprida. Wiener, de fato,
critica constantemente as afirmações de tipo filosófico que implicam a existência de um ponto
de observação “totalmente externo”, que ele denomina ironicamente, com uma expressão
tomada de Espinosa, como um ver as coisas sub specie aeternitatis (cfr. Wiener, 1936 e 1956:
p.328).
59
4. Alcance antropológico das noções de realimentação e informação
Ao tratar do homem como ser peculiar na Natureza, o estilo de Wiener é
“não-analítico”, ou seja: considera conjuntamente diversos aspectos ou características,
enfatizando a sua mútua correspondência. Seus comentários sobre a linguagem, sobre a vida
social, sobre a enorme capacidade de aprendizado e sobre a estrutura biológica humanas são
uma defesa da relevância da Cibernética nesses temas.
No que diz respeito à rigidez do comportamento, o que mais contrasta com a
formiga não é apenas o mamífero em geral, mas o homem em particular. Já se
observou, repetidas vezes que o homem é uma forma neotênica, vale dizer: se o
compararmos com os grandes símios, seus parentes mais próximos, verificaremos
que o homem maduro, no que respeita a cabelos, cabeça, aspecto proporções
corporais, estrutura óssea, músculos, etc., se parece mais com o símio
recém-nascido do que com o adulto. Entre os animais, o homem é um Peter Pan que
não cresce nunca.
Essa imaturidade da estrutura anatômica corresponde à prolongada infância
humana. (..) Em nossa comunidade, considera-se o homem imaturo até a idade de
vinte e um anos, e o período moderno de educação, para as profissões de mais alta
categoria, prolonga-se até os trinta anos, bastante além do tempo de maior vigor
físico, portanto. Destarte, o homem gasta o equivalente a quarenta por cento da sua
vida normal aprendendo, por razões que, mais uma vez, têm a ver com a sua
estrutura física. É tão natural, para uma sociedade humana, fundar-se no
aprendizado, quanto o é, para as formigas, fundar-se num padrão herdado (Wiener,
1954a: pp.57-58).
A tese deste capítulo é a de que a aspiração fascista a um Estado humano
baseado no modelo da formiga resulta de um conceito profundamente falso tanto da
natureza da formiga quanto da natureza do homem. Quero assinalar que o próprio
desenvolvimento físico do inseto condiciona-o a ser um indivíduo essencialmente
estúpido, incapaz de aprender, vazado num molde que não pode ser grandemente
modificado. Quero também mostrar que essas condições fisiológicas convertem-no
num artigo barato, produzido em massa, sem maior valor individual que um prato
de papel que se atira fora depois de usado. Por outro lado, quero mostrar que o
indivíduo humano, capaz de vasta aprendizagem e estudo, que lhe podem ocupar
quase metade da vida, está fisicamente equipado, como não o está a formiga, para o
60
exercício dessa capacidade. A variedade e a possibilidade são inerentes ao sensório
humano: pertencem à própria estrutura do nosso organismo (...).
Aqueles que querem organizar-nos de acordo com funções individuais
permanentes e restrições individuais permanentes condenam a raça humana a
funcionar a menos de meio vapor. Atiram fora quase todas as nossas humanas
possibilidades e, com limitar as maneiras por que nos podemos adaptar a futuras
contingências, reduzem nossas oportunidades de uma existência razoavelmente
longa sobre a face da Terra (Wiener, 1954a: pp.51-52).
Na sociedade, diz Wiener, um “ruído” sempre acompanha a informação, e a degrada:
Como já vimos, a quantidade de informação comunicada está relacionada com
a quantidade não-aditiva conhecida por entropia (...) assim como a entropia é uma
medida da desordem, de igual maneira a informação é uma medida de ordem.
Informação e entropia não se conservam e são inadequadas, uma e outra, para se
constituírem em mercadorias (...).
O problema da obra de arte como mercadoria suscita um grande número de
questões, importantes na teoria da informação (...).Não existe nenhuma forma de lei
que impeça de a um filme de sucesso seguir-se uma enxurrada de filmes inferiores,
a explorarem a segunda ou terceira camada do interesse público pela mesma
situação emocional. Tampouco há modo de registrar os direitos de uma nova idéia
matemática ou de uma nova teoria como a da seleção natural (...).
A predominância dos chavões não é acidental, mas inerente à natureza da
informação. Os direitos de propriedade em matéria de informação, padecem da
forçosa desvantagem de o elemento de informação, para que possa contribuir para a
informação da comunidade em geral, ter de ser algo substancialmente diferente do
anterior acervo comum de informação da comunidade. Mesmo nos grandes
clássicos da literatura e da arte, boa parte do valor informativo óbvio se dissipou
pelo simples fato de o público se ter familiarizado com o seu conteúdo (Wiener,
1954a: pp.115-118).
Wiener viveu as duas Guerras Mundiais e os problemas da escalada militar da Guerra
Fria. Seu envolvimento em projetos científico-militares na Segunda Guerra permitiu-lhe ver de
perto os danos que uma política de dirigismo e sigilo pode ocasionar para um saudável
progresso científico e humano. Posteriormente adotou uma severa atitude crítica ao sistema
militarista:
61
Mesmo no campo mais material e econômico, produção e segurança são, ao
fim e ao cabo, questão de invenção e desenvolvimento contínuos.
A informação é mais um problema de processo que de armazenagem. O país
que desfrutará de maior segurança será aquele cuja situação informacional e
científica se mostrar à altura das exigências que lhe possam ser feitas (...)
quantidade alguma de pesquisa científica, cuidadosamente registrada em livros e
documentos e depois guardada em nossas bibliotecas com etiquetas de sigilo,
bastará para nos proteger, por qualquer período de tempo, num mundo em que o
nível efetivo de informação é muito alto. Não existe uma linha Maginot do cérebro.
Repito que estar vivo é participar num fluxo contínuo de influências do mundo
exterior e agir no mundo exterior, no qual somos apenas um estágio de transição.
Em sentido figurado, estar vivo perante o que acontece no mundo significa
participar de um contínuo desenvolvimento do conhecimento e do seu livre
intercâmbio. Em qualquer situação normal, é muito mais difícil e bem mais
importante para nós assegurar-nos de que possuímos o conhecimento adequado do
que assegurar-nos de que algum possível inimigo não o possua (Wiener, 1954a:
pp.120-121).
62
VI - Conclusão
Norbert Wiener é sem dúvida o principal iniciador do conjunto de discussões e estudos
que conhecemos sob o nome de Cibernética, embora no nascimento dessa disciplina tenham
intervindo também um grande número de outros autores. Além de seus livros inteiramente
dedicados ao tema, cuja decisiva influência é amplamente reconhecida, Wiener foi
protagonista de uma série de eventos científicos e culturais que muito contribuíram para que
certos pontos de vista sintonizados com a visão cibernética se consolidassem, não somente no
mundo acadêmico mas também em muitos outros setores da sociedade. Logo que suas
propostas sobre a Cibernética começaram a ser discutidas em âmbitos mais amplos, Wiener
assumiu prontamente o papel de arauto, intérprete e divulgador de um novo programa de
pesquisas, de uma nova mentalidade científica, de um novo movimento ou fenômeno
intelectual. Estava convencido de que aquilo que nascera nas suas mãos — e nas de tantos
outros que logo a seguir começaram a trabalhar na mesma direção — já adquirira consistência
e vida próprias. Para ele a Cibernética estava destinada a ser o marco uma nova e importante
evolução do nosso modo de pensar e de ver o mundo: uma nova pauta para a atividade
científica, inauguradora de novos temas, de novos métodos e de toda uma nova epistemologia.
Vista como método, a Cibernética é uma espécie de guia amplo para a observação de
quaisquer temas. Suas noções têm o sabor das velhas categorias de Aristóteles, ou das não tão
velhas de Kant.
Wiener apresenta suas idéias sobre Cibernética como sendo o fruto de uma longa
reflexão sobre uma série de estudos e resultados obtidos ao longo da sua carreira científica. De
fato, pode-se encarar a Cibernética como uma espécie de síntese que expressa de modo muito
feliz uma série de constatações já presentes nos fecundos trabalhos científicos levados a cabo
63
— por cientistas de diversas áreas — nas primeiras décadas do século XX, período que muitos
consideram como um dos momentos estelares da História da Ciência.
Wiener formulou uma audaciosa afirmação sobre a inteligibilidade do real: a presença
configurante e formalizadora de um elemento não-material e não-energético — a informação
— em todos os influxos recíprocos entre os seres, quer sejam humanos ou não, vivos ou não.
A informação, nesse sentido, pode ser vista como um vínculo básico entre os momentos do
fluir dinâmico das coisas, um vínculo que fundamenta a sua visibilidade e a sua
inteligibilidade. Discernir entre os diversos estados de um sistema ao longo do tempo é captar
uma mensagem, é perceber os efeitos de um feedback, fruto das ações do sistema e das reações
do ambiente nesse mesmo período, num contínuo processamento da informação que visa uma
certa homeostase auto-equilibrante.
Dentre as velhas noções que parecem ressurgir da reflexão sobre o significado da
Cibernética, uma parece ser especialmente significativa: a noção de hábito, entendida como
uma certa memória não-volátil, uma marca que o agir deixa no agente. Wiener parece aludir a
isto quando, logo no primeiro capítulo do Cybernetics, fala das diferenças entre o tempo
newtoniano e o tempo bergsoniano.
O tema dos hábitos é especialmente fecundo em Antropologia e em Teoria do
Conhecimento, pois a configuração do homem e de sua mente parece ser melhor estudada
quando se reconhece a presença de certas alterações em seus estados de equilíbrio, certos
crescimentos que provêm exclusivamente por via de feedback, e não por simples inércia de
dinamismos interiores — espontâneos e pré-existentes — ou como puros desdobramentos da
carga genética, e nem tampouco como meras reações passivas a estímulos externos.
As idéias de Wiener sobre informação, tal como ele as expões no Cybernetics,
guardam estreita relação com os trabalhos de Claude Elwood Shannon, conhecidos sob o
nome de Teoria Matemática da Informação, creditada também a Warren Weaver, e nos quais
64
Wiener sempre reclamou ter também alguma autoria, que a seu ver teria sido injustamente
omitida. De qualquer forma, esse conjunto de abordagens sobre a medição da informação, bem
como a proposta para a sua rigorosa caracterização matemática, teve grande impacto na
Ciência e nas pesquisas tecnológicas. Sua originalidade e alcance foram alvo de importantes
debates, que até hoje prosseguem com grande vigor em muitos centros de pesquisa em todo o
mundo.
Como já apontamos, talvez ainda seja cedo demais para dar plena conta das
contribuições de Wiener à Filosofia, mas não para destacar alguns aspectos importantes, cujo
elenco resumido poderia ser o seguinte:
O estilo filosófico de Wiener, conciliador, unificador e transgressor de fronteiras, é um
exemplo a ser seguido por todos aqueles que preferem uma Filosofia aberta, que sabe aliar
audácia ao rigor, sem medo de assumir posições arriscadas, de errar, de expor-se à crítica,
contanto que se vislumbrem novos horizontes de reflexão.
A Cibernética é — e continua sendo — uma provocadora de debates, uma proposta que só
pode ser desmontada apresentando outra alternativa em seu lugar. Como visão de mundo,
como método de se fazer filosofia, coloca-nos a todos nós diante de um conjunto de temas
cuja discussão é sem dúvida exigente, forçando o pensamento a um patamar de rigor mais
alto.
Wiener chamou a atenção de forma decisiva para a relevância do tema das mensagens e da
informação. O novo paradigma mostrou toda a sua força no modo como influiu nas
chamadas ciências da vida (Biologia, Fisiologia, Genética, Medicina, etc.), que descrevem
os organismos e os sub-sistemas vitais como processadores de matéria, energia e
informação.
65
Os pontos de vista de Wiener sobre o cérebro, sobre a mente e sobre o conhecimento
foram amplamente estudados, criticados e continuados por uma multidão de
pesquisadores. Tais discussões constituíram o núcleo das atuais Ciências Cognitivas, um
dos importante campos de pesquisas em Ciência e em Filosofia.
A atual reflexão sobre o determinismo, sobre a emergência e sobre a ordem do Universo
deve muito aos trabalhos de Wiener sobre a Física estatística, às suas reflexões sobre o
feedback (traduzido como realimentação — mais raramente como retro-alimentação — e
às vezes denominado “causalidade circular”) e às suas propostas sobre o significado da
auto-organização.
A profusão de estudos históricos que vêm sendo feitos nos últimos anos sobre a época de
Wiener, sobre a recepção das idéias cibernéticas e sobre a mudança na visão de mundo
oferecida pela Ciência na primeira metade do século XX, parece indicar que aí há um
material muito interessante, cujo estudo pode ajudar a interpretar o próprio papel da
Ciência e suas implicações filosóficas. Em tais estudos, Norbert Wiener é um ponto de
referência obrigatório, tanto pelo seu protagonismo em matéria científica como também
pelo seu papel como intérprete e iniciador de debates importantes.
A controvérsia quanto à aceitação da Cibernética como uma Ciência autônoma prossegue,
e o debate parece inclinar-se no sentido de recusar-lhe esse posto. No entanto, as
“sementes” lançadas por Wiener deram inegáveis frutos: além de abrirem novas
perspectivas para um grande número de linhas de pesquisa científica, marcaram
decisivamente a cultura do nosso tempo, que difunde as idéias de Wiener mesmo quando
não se dá conta de que foi ele quem primeiro as pensou. Os protagonistas do pensamento
contemporâneo — cientistas ou não —, por terem sido formados na segunda metade do
século XX, são em parte wienerianos mesmo que não o saibam.
66
Ainda hoje — e acreditamos que no futuro também — são muitos os que, ao meditarem
atentamente sobre as propostas da Cibernética, reconhecem que o legado de Wiener
contém uma grande força inspiradora. Talvez seja esse o maior elogio que se possa fazer a
um bom discurso filosófico: mesmo quando se discorda dele, a forma como coloca as
questões força-nos a esclarecer as nossas próprias visões, aumentando assim a riqueza e o
poder do nosso próprio pensamento.
67
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