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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Waldemar dos Santos Cardoso Junior
Alfabetização na educação do campo:
relatos de professores de classes multisseriadas da ilha de
Marajó
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2009
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1
Waldemar dos Santos Cardoso Junior
Alfabetização na educação do campo:
relatos de professores de classes multisseriadas da ilha de
Marajó
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Educação: Psicologia da Educação, sob
orientação da Professora Doutora Maria Regina Maluf.
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2009
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2
Banca
Examinadora
______________________________________
______________________________________
______________________________________
3
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
4
A meus pais, Áurea e Waldemar, pelas palavras de incentivo, conselhos e pelo amor
dedicado ao longo da minha vida.
Aos professores da educação do campo de Breves, guerreiros e lutadores, muitas
vezes esquecidos pelos governantes deste país.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelas bênçãos recebidas em momentos de reflexão e nas tomadas de
decisões fundamentais para minha formação pessoal e profissional.
Aos meus pais, que desde a graduação sempre me apoiaram nas grandes
investidas profissionais.
Agradeço intensamente a minha orientadora, Professora Doutora Maria Regina
Maluf, pelo conhecimento apreendido nas aulas e orientações. Sempre conduziu
meus estudos com dedicação e primazia. Professora, obrigado pela oportunidade de
vencer os desafios encontrados na minha trajetória acadêmica.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pela
bolsa de estudo.
À professora Doutora Maria José, pelas contribuições e críticas relevantes no Exame
de Qualificação. Suas palavras de incentivo e sinceridade me permitiram momentos
de aprendizagem jamais esquecidos. Sentirei saudades!
À professora Doutora Laurinda Ramalho, pelas sugestões e contribuições dadas
durante o Exame de Qualificação; por me fazer repensar a prática docente em suas
aulas e refletir sobre a importância da afetividade para a formação do educador.
Aos professores participantes desta pesquisa, que responderam ao questionário e
trouxeram contribuições significativas para se pensar sobre a alfabetização na
educação do campo de Breves.
À Secretaria Municipal de Educação de Breves, pelo consentimento em realizar
este estudo na educação do campo.
À coordenação da educação do Campo de Breves, em especial, a Eliane Costa e
Claybe Cirino, pelo apoio no momento da coleta dos dados.
6
À Annita Malufe pelos momentos de ensinamentos e diálogos constantes na
elaboração deste estudo.
À Rosiris pela atenção e ajuda em momentos relevantes no mestrado.
Aos docentes do programa de estudos pós-graduados em educação: psicologia da
educação, pelo aprendizado proporcionado nas aulas, seminários e debates, e pelos
momentos de estudos enriquecedores conduzidos com competência e dedicação.
Aos colegas do Curso de Mestrado, pelos momentos de estudo e aprendizagem.
Momentos inesquecíveis, de alegria e descontração.
Ao Amós Firmo Xavier, amigo e companheiro nesta trajetória de estudo e realização
profissional.
Aos meus irmãos, Waldiney e Wanderlia, sobrinhos e cunhado, Marcos Roberto,
pelo apoio nesta caminhada.
Aos amigos Aluisio Coutinho, Eliane Gallo e Aly Orellana, pelos momentos de
diálogos e incentivo.
A minha amiga e companheira de mestrado, Adriana Soares, que me acolheu em
São Paulo. Suas palavras abençoadas iluminaram muitas vezes meus momentos de
angústia. Nunca me esquecerei do valor de nossa amizade, sinceridade e respeito
construídos no mestrado. Amigos para sempre!
A colega de mestrado Luciene Siccherino, pela ajuda no momento de análise dos
dados.
Aos amigos, Mario Costa, Jorge Daharem e Marcos, pelo apoio na investida deste
mestrado e ajudas imediatas em momentos difíceis.
7
RESUMO
Os professores de classes multisseriadas da educação do campo enfrentam
grandes desafios, inclusive no momento de alfabetizar seus alunos. Os objetivos
deste trabalho foram: conhecer o perfil desses professores; descrever as
dificuldades de ensino e aprendizagem da linguagem escrita nas séries iniciais;
relatar os modos de alfabetização e as projeções para um trabalho docente eficaz;
analisar os relatos dos professores sob a abordagem das relações entre habilidades
metalinguísticas e aprendizagem da linguagem escrita. A pesquisa foi realizada com
um grupo de 74 professores que atuam na educação do campo em classes
multisseriadas no município de Breves (PA). O instrumento de coleta de dados foi
um questionário com 24 perguntas abertas e fechadas, delineado a partir dos
objetivos deste estudo. O procedimento de análise de dados se baseou na
abordagem da análise de conteúdo. Os resultados mostraram que, na sua maioria, o
grupo pesquisado é formado por mulheres com idade entre 31 e 50 anos, com
formação em magistério, trabalham um período, são funcionárias efetivas, com uma
média de 1 a 10 anos de prática na alfabetização e de atuação na educação do
campo. Em relação aos desafios relatados ao alfabetizar crianças, foram
encontrados relatos de duas naturezas: de ordem operacional, como por exemplo,
atuação em classes multisseriadas, ausência de recursos didáticos, de transporte
escolar e espaço físico adequado, falta de pessoal de apoio para a manutenção da
escola; e outras mais ligadas às práticas de alfabetização. Constatou-se que, em
sua grande maioria, esses docentes não se referem à utilização de um enfoque
teórico específico para ensinarem a ler e escrever. De modo geral, não mencionam
o uso de práticas voltadas para o desenvolvimento de habilidades metalinguísticas
como facilitadoras de ensino da linguagem escrita. Observa-se ainda a busca de
utilização de diversos recursos didáticos e uma grande motivação para atuarem
naquela realidade apesar de todos os impasses a serem transpostos.
Palavras-chave: Educação do campo; classes multisseriadas; linguagem escrita;
habilidades metalinguísticas; trabalho docente.
8
ABSTRACT
The rural education teachers who work in multigraded classes have to face great
challenges, especially when they alphabetize children. The objectives of the present
work included: learning about those teachers; describing the teaching-learning
difficulties regarding written language in the initial grades; discussing the ways of
alphabetizing and the projections for the teachers’ efficient work; analyzing the
teachers’ comments under the approach of the relation between metalinguistic
abilities and learning of written language. The research involved a group of 74 rural
education teachers who work in multigraded classes in a small town named Breves
in the state of Pará. The data were collected through a questionnaire containing 24
open and closed questions based on the objectives of the present study. The data
analysis procedure was based on the content analysis approach. The results showed
that most teachers are 31 to 50-year-old women who are graduate in teacher
education and work part time; they have had 1 to 10 years’ experience in
alphabetization and in rural education. Some difficulties were found regarding the
challenge of alphabetizing children: an operational difficulty involving work in
multigraded classes, lack of didactic resources, lack of school transportation and
adequate room, lack of professionals for school maintenance, and other difficulties
related to alphabetization practice. It was observed that most teachers do not have a
specific theoretical approach to teach how to read and write. In general, they do not
mention activities related to the development of metalinguistic abilities as a facilitation
tool for the teaching of written language. However, they try to create several didactic
resources and have great motivation to work in that reality despite all setbacks.
Keywords: Rural education; multigraded classes; written language; metalinguistic
abilities; teacher’s work.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Mapa 1. Localização Geográfica do Pará....................................................... 30
Mapa 2. Localização geográfica da Ilha de Marajó......................................... 31
Mapa 3. Localização geográfica do município de Breves............................... 32
Foto 1. Escola Ribeirinha............................................................................... 34
Foto 2. Escola Ribeirinha............................................................................... 35
Tabela 1. Distribuição de rendimento escolar................................................... 40
Tabela 2. Distribuição do percentual da distorção idade-série......................... 41
Tabela 3. Distribuição anual das dissertações de mestrado e tese de
doutorado...........................................................................................
45
Tabela 4. Distribuição de dissertações e teses produzidas por Estados.......... 46
Gráfico 1. Distribuição das respostas dos docentes quanto à idade.................
83
Gráfico 2. Distribuição das respostas dos docentes quanto ao gênero............ 83
Gráfico 3. Distribuição das respostas dos docentes quanto à formação
profissional........................................................................................
84
Gráfico 4. Distribuição das respostas quanto ao tempo de formação............... 85
Gráfico 5. Distribuição dos docentes no quadro funcional da SEMED –
Breves...............................................................................................
86
Gráfico 6. Distribuição das respostas quanto ao tempo de atuação
profissional na educação do campo.................................................
87
Gráfico 7. Distribuição das respostas dos docentes quanto ao período de
trabalho.............................................................................................
87
Gráfico 8. Distribuição das respostas quanto à experiência em alfabetizar
crianças............................................................................................
88
10
LISTA DE SIGLAS
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEB Câmara do Ensino Básico
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
CNER Campanha Nacional de Educação Rural
EDURURAL Programa de Expansão e Melhoria do Ensino no Meio Rural no
Nordeste Brasileiro
EJA Educação de Jovens e Adultos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
ISS Imposto sobre serviços
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PIB Produto Interno Bruto
PIPMOA Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-obra Agrícola
PNTE Programa Nacional de Transporte Escolar
PRODAC Programa Diversificado de Ação Comunitária
PRONASEC
O Programa Nacional das Ações Sociais, Educativas e Culturais
para o Rural
PSECD Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto
SEMED Secretaria Municipal de Educação
SENAR Serviço Nacional de Formação Profissional Rural
SSR Serviço Social Rural
UFPA Universidade Federal do Pará
UnB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e
Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13
1. EDUCAÇÃO DO CAMPO E CLASSES MULTISSERIADAS.........................
18
1.1 Da Educação Rural à Educação do Campo no Brasil: um pouco de
história...........................................................................................................
19
1.2 Índices Demográficos do Município de Breves..............................................
30
1.3 Perfil da Educação do Campo em Breves. ...................................................
33
1.3.1 Classes Multisseriadas............................................................................... 35
1.3.2 Educação Infantil........................................................................................ 37
1.3.3 Indicadores Educacionais...........................................................................
38
1.4 As Pesquisas Educacionais sobre Classes Multisseriadas no Brasil............
43
2. LINGUAGEM ESCRITA E AS HABILIDADES METALINGUÍSTICAS.......... 51
2.1 Alguns momentos na História da Alfabetização no Brasil............................. 52
2.2 Fases na Aprendizagem da Linguagem Escrita............................................ 60
2.3. Relações entre Aprendizagem da Linguagem Escrita e Habilidades
Metalinguísticas............................................................................................
62
2.3.1 As Pesquisas sobre Habilidades Metalinguísticas..................................... 65
2.3.2 Consciência Fonológica..............................................................................
67
2.3.3 Consciência Lexical.................................................................................... 71
2.3.4 Consciência Sintática................................................................................. 72
3. MÉTODO DA PESQUISA............................................................................... 74
3.1 Objetivos........................................................................................................
75
3.2 O Local da Pesquisa e os Participantes........................................................ 76
3.3 Instrumentos e Procedimentos de Coleta de Dados..................................... 77
3.4 Procedimentos de Análise dos Dados...........................................................
78
3.4.1 Considerações Preliminares.......................................................................
78
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA.......... 81
4.1 Caracterização do Perfil Docente.................................................................. 82
4.1.1 Faixa Etária.................................................................................................
83
4.1.2 Gênero........................................................................................................
83
4.1.3 Formação Profissional................................................................................ 84
4.1.4 Tempo de Formação.................................................................................. 85
4.1.5 Quadro Funcional....................................................................................... 86
4.1.6 Tempo de Atuação na Educação do Campo..............................................
87
4.1.7 Período de Trabalho................................................................................... 87
4.1.8 Experiência Em Alfabetizar Crianças........................................................ 88
4.2 Desafios nas Práticas Docentes na Educação do Campo em Classes
Multisseriadas................................................................................................
90
4.2.1 As Múltiplas Atividades dos Docentes........................................................
90
12
4.2.2 O Livro Didático, Cartilhas e Atividades Lúdicas para Alfabetizar
Crianças......................................................................................................
92
4.2.3 Observações Sobre os Alunos................................................................... 94
4.2.4 Comentários sobre o Calendário Escolar................................................... 98
4.3 Ensino da Linguagem Escrita nas Séries Iniciais.......................................... 103
4.3.1 Dificuldades Encontradas pelos Docentes................................................. 104
4.4 Relatos dos Professores Sobre Suas Práticas na Alfabetização.................. 116
CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................. 128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 136
ANEXOS..............................................................................................................
140
13
INTRODUÇÃO
Em 2005, após diversas idas ao Campus de Breves para ministrar aula no
curso de Letras e Pedagogia, fui procurado pelo Coordenador do Pró-Rural da
Secretaria Municipal de Educação - SEMED de Breves no Pará. O Pró-Rural foi um
projeto criado para realizar ações educacionais nas escolas ribeirinhas e rurais do
Município de Breves, localizado na Ilha de Marajó, no estado do Pará. No primeiro
contato, ouvi atentamente o Coordenador daquele projeto, que relatou os anseios e
objetivos delineados pela coordenação. Naquele momento, senti uma curiosidade e
uma vontade de conhecer um pouco da realidade do projeto.
Iniciamos as ões do Pró-rural com o planejamento anual das atividades
pedagógicas (cursos, oficinas, debates, entre outras), e paralelamente, um
cronograma que viabilizasse o processo de construção do projeto político
pedagógico da educação do campo. Participei do projeto por meio da coordenação
de ações para formulação de políticas da educação do campo, respaldadas em
diagnóstico, planejamento e avaliação do setor pedagógico para as ries iniciais,
especificamente de primeira a quarta série do ensino fundamental.
A participação na construção de políticas públicas para educação do campo
foi concluída em 2007 com a apresentação do projeto político pedagógico da
educação do campo de Breves. A institucionalização de um projeto político
pedagógico, no entanto, não é o final de ações educacionais, mas o início de um
processo em conjunto de todos os atores sociopedagógicos (professores, alunos,
técnicos, comunidade) para a mudança da realidade das escolas multisseriadas.
Isso porque “a educação deve promover a ‘inteligência geral’ apta a referir-se ao
complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global”
(MORIN, 2000, p.38).
Nesses dois anos, ouvi alguns professores e pedagogos relatarem
dificuldades para realizar trabalhos nas escolas do campo. Em alguns momentos,
percebi a complexidade daquela educação, que se organiza em classes
multisseriadas.
14
Entende-se por classe multisseriada um espaço que agrega diversos alunos
de séries diferentes com um único professor. Assim, os professores ensinam
crianças de primeira a quarta série do ensino fundamental em uma mesma sala de
aula com conteúdos diferenciados.
As classes multisseriadas são uma realidade na educação de Breves. Não
foi, e não é cil pensar em políticas públicas para a realidade de classes
multisseriadas da educação do campo. Sabe-se que entre os discursos expressos
nos documentos de políticas públicas e a realidade vivida por cada professor e seus
alunos, existe uma enorme distância, acrescida pelas características da realidade
cultural e biopsicossocial, e da infraestrutura disponibilizada para o trabalho
pedagógico.
É relevante um olhar diferenciado para as políticas públicas educacionais,
formação de professores e ensino e aprendizagem de alunos que fazem parte da
realidade das classes multisseriadas em Breves.
A liberdade e a autonomia na educação têm de estar ligadas ao mundo
sociocultural da população do campo, ou seja, a cultura e o social são as bases que
sustentam a mediação e as mudanças promovidas pela educação no meio
campestre. Não se pode esquecer que cada sociedade tem sua particularidade, e as
[...] culturas são aparentemente fechadas em si mesmas para salvaguardar
sua identidade singular. Mas, na realidade, são também abertas: integram
nelas não somente os saberes e técnicas, mas também idéias, costumes,
alimentos, indivíduos vindos de fora. (MORIN, 2000, p.57)
A educação do campo em classes multisseriadas apresenta-se com uma
série de desafios. É fundamental fortalecer as práticas socioculturais, desenvolver
currículos e programas específicos, e manter constantemente formação de
professores especializados em educação do campo.
A idéia de realização desta pesquisa surgiu do contato com professores das
classes multisseriadas no seio da floresta amazônica paraense, e à beira dos rios,
provocando diversos sentimentos, tais como: impotência, angústia, vontade.
Naquela realidade educacional, entendi qual o sentido da educação para meu
Estado, meu país, para mim e, principalmente, para aqueles indivíduos que
alimentam o sonho de uma melhor qualidade de vida. Não tenho a intenção ingênua
de acreditar que a educação seja o único meio de resolver os problemas de uma
15
sociedade, mas tenho como base os fundamentos da educação como prática
transformadora a que me refiro quando associo educação ao desenvolvimento
social.
Tive o privilégio de interagir com os professores das classes multisseriadas da
educação do campo em Breves durante uma capacitação de aproximadamente
quatro dias. No decorrer das atividades, algumas dinâmicas foram realizadas para
facilitar a interação com os professores naquele momento.
Em uma das dinâmicas, os professores foram solicitados a indicar cursos que
gostariam que lhes fossem ofertados, e justificar os motivos que os levariam a
escolhe-los. O curso mais solicitado foi o de alfabetização e letramento, e a maioria
das justificativas foi: não conseguir alfabetizar as crianças no início da escolarização;
dificuldades das crianças de assimilarem o alfabeto; conhecer métodos de
alfabetização; construir recursos didáticos para alfabetizar crianças.
Impressionou-me naquele evento ver diversos docentes de diversas regiões
da educação do campo e ouvir histórias muito diferentes, cada um com seus
conflitos sociais e educacionais, mas ao mesmo tempo histórias iguais, por exemplo,
as condições precárias de trabalho dos professores e professoras daquela realidade.
Naquele momento, entendi que o discurso político, social, educacional proferido em
palanques, em congressos, nas academias científicas, distanciava-se dos fatos
daquela realidade. Não se pode esquecer que a educação é um processo pelo qual
a sociedade forma seus membros à sua imagem. A educação pode transformar a
sociedade e gerar uma nova consciência entre os cidadãos.
Para realização desta pesquisa contávamos com um curso de alfabetização
que havia sido planejado e agendado para os professores das classes
multisseriadas, mas não de ser realizado por causa de algumas alterações
administrativas da SEMED de Breves. A partir desse acontecimento, questionei-me
várias vezes sobre quem é o professor das classes multisseriadas da educação do
campo de Breves, quais as condições de trabalho desses professores, e como eles
alfabetizam crianças dessa realidade que não têm educação infantil.
As práticas de alfabetização a que me referi acima envolvem o ensino das
habilidades de leitura e escrita em classes multisseriadas de primeira a quarta série
do ensino fundamental.
16
A escola é responsável pelo ensino da escrita e da leitura nas primeiras séries
escolares. No início da escolarização, a criança deve desenvolver a capacidade de
ler e escrever para assegurar a continuidade nos estudos e na vida sociocultural,
assim como o ato de ler e escrever é importante para o exercício da cidadania em
uma sociedade letrada.
Tendo essa realidade em vista, o presente estudo foi projetado no âmbito da
educação do campo no município de Breves. Propõe-se a trazer informações e
reflexões sobre práticas alfabetizadoras de professores que atuam em classes
multisseriadas nas escolas do campo e sobre os desafios encontrados no momento
de alfabetizar as crianças.
O objetivo é conhecer as dificuldades e a realidade dos professores de
classes multisseriadas, em seus esforços para ensinar crianças a ler e escrever, no
cenário educacional do campo.
Tais considerações fizeram-me elaborar algumas questões gerais que
nortearam este estudo:
a. Quem é o professor das classes multisseriadas da educação do campo de
Breves?
b. Os professores que atuam nesta realidade favorecem o desenvolvimento das
habilidades metalinguísticas na aprendizagem da linguagem escrita?
c. Quais as dificuldades encontradas pelos professores nas práticas de ensino
da linguagem escrita?
A realidade das escolas do campo de Breves é semelhante a algumas outras.
Comumente, em alguns estados, encontra-se a mesma realidade. Assim, concorda-
se com Gatti e Davis quando revelam a realidade da educação no interior do Estado
do Piauí em uma classe multisseriada:
[..] mais do que qualquer outra escola, [..] a rural encontra-se subordinada
ao efeito conjunto de diversas condicionantes, que vão desde o abandono
material e a precariedade de formação docente até o efeito das
modalidades de trabalho na terra e da manipulação abusiva dos políticos
locais. Constatou-se, assim, mais uma vez, que fatores estruturais
ocasionam um efeito específico sobre a trajetória escolar do aluno rural, na
medida em que restringem o acesso à escolaridade, limitam a permanência
na escola e sobretudo, determinam a qualidade da experiência que nela tem
lugar.(GATTI ; DAVIS, 1993, p.148)
17
O estudo a ser realizado é importante para a área educacional frente à
realidade das classes multisseriadas no meio campestre. Neste estudo, diversas
variáveis no ambiente escolar e fora dele poderão desvelar a realidade vivida por
professores que alfabetizam crianças nas séries iniciais.
O ensino-aprendizagem oferecido nesse cenário educacional, está distante de
apresentar-se como uma educação de qualidade; entretanto, esta pesquisa pretende
indicar possíveis alternativas de melhorias para essa realidade educacional.
A apresentação textual deste estudo está organizada em quatro capítulos:
No primeiro capítulo, serão expostos os fundamentos históricos da Educação
do Campo e as suas especificidades, como por exemplo, as escolas e classes
multisseriadas. Nesse mesmo capítulo, serão descritos alguns índices demográficos
do local da pesquisa e os indicadores da Educação do Campo no município de
Breves no Pará. Serão apresentados os resultados de um levantamento de
pesquisas de mestrado e doutorado no Brasil de 1987 a 2007 sobre classes
multisseriadas.
No segundo capítulo serão abordados o percurso histórico da alfabetização
no Brasil, as fases na aprendizagem da linguagem escrita e o desenvolvimento das
habilidades metalinguísticas.
No terceiro capitulo, serão apresentados os objetivos da pesquisa, o local ,
participantes, instrumentos, procedimento de coleta de dados e procedimento de
análise de dados.
No quarto capítulo serão apresentados, analisados e discutidos os resultados
da pesquisa. E finalmente, nas conclusões e considerações finais serão feitas
reflexões sobre os resultados finais do presente estudo.
Nesse sentido, olhar para essa área de pesquisa pode representar uma das
possibilidades de desvelar a realidade educacional da população carente de
atenção, especificamente no processo de ensino e aprendizagem da linguagem
escrita naquela realidade educacional.
18
1. EDUCAÇÃO DO CAMPO E CLASSES MULTISSERIADAS
Fonte: Acervo de Imagens da Coordenação da Educação do Campo de Breve
“As dificuldades que encontro em alfabetizar crianças nas séries iniciais em classes
multisseriadas em primeiro lugar é a escola que trabalho. Ela é muito pequena para
acomodar o número de alunos que tenho que o 42 alunos, é um espaço físico
inadequado, lousa muito pequena, 4 séries. o tem paredes e nem portas e se
torna difícil, com certeza é muito difícil!” (relato do(a) professor(a) 52 sobre as
dificuldades de atuar em classes multisseriadas na educação do campo)
19
Este capítulo mostrará um pouco dos avanços e retrocessos da educação em
áreas campesinas. Inicialmente, será feita uma síntese da história da educação no
meio campestre. É importante mencionar que não intenção de se realizar um
estudo mais aprofundado acerca desse assunto, uma vez que este não constitui o
foco de estudo da presente pesquisa.
Em seguida, serão apontados índices demográficos e alguns dados
socioeconômicos do município de Breves, local da pesquisa.
Posteriormente, será delineado o perfil da educação do campo. Tais
informações mostrarão a situação educacional do município a partir de dados do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP.
Este capítulo será finalizado com o levantamento de dados de pesquisas
educacionais sobre classes multisseriadas, especificamente a partir de estudos de
mestrado e doutorado realizados no Brasil de 1987 a 2007, coletados no portal da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES.
A educação do campo é entendida como um processo mediado pelas
relações sociais, políticas, econômicas, culturais e psicológicas no decorrer da
história brasileira. Dessa forma, o percurso proposto por este estudo se faz
necessário para se pensarem as políticas educacionais e a realidade
socioeducacional da população do campo, especificamente no caso da educação no
município de Breves.
1.1 Da educação rural à educação do campo no Brasil: um pouco de história
O Brasil nasceu como um país farto de riquezas e bens naturais. Esse cenário
rico e exuberante despertou nos colonizadores o interesse de explorar os recursos
naturais, tais como: madeira, café, cana-de-açúcar, minérios, entre outros.
Até 1920, o território brasileiro era considerado um país rural com uma
economia de base extrativista e agrícola. Essa situação consolidou durante décadas
a exploração intensa de mão-de-obra das classes menos favorecidas.
A condição de vida das populações que viviam no meio rural foi marcada
fortemente pela atividade agrícola e pela ausência de acesso a direitos sicos,
como educação, saúde e qualidade de vida.
20
No que se refere à educação rural, esta foi estigmatizada e desprezada.
Houve um abandono das escolas naquele espaço, sem investimentos financeiros
que valorizassem a realidade daquela população, pois os investimentos
socioeconômicos efetivamente se concentravam na urbanização.
Nos estudos de Leite (1999), é possível perceber que a educação rural
brasileira esteve sempre em segundo plano na visão elitista difundida pelos jesuítas
e pelas oligarquias agrárias. Nessa ideologia, "gente da roça não carece de estudos.
Isso é coisa de gente da cidade" (p.14).
Essa ideia de que a população da roça não necessitava de educação mostra
o distanciamento existente entre o elitismo e a população do meio agrário. Durante
décadas, o abandono e o descaso com a educação rural promoveram reflexos
observados e vivenciados até os dias atuais, como: ausência de melhorias
educacionais, de recursos materiais, de formação docente, entre outros.
Alguns estudiosos, como Calazans, Castro e Silva (1981), Baruffi e Cimadon
(1989); Calazans (1993), Almeida (2005), relatam que a educação rural brasileira de
fato surgiu no final do segundo Império e se consolidou na primeira metade do
século XX. Essa mudança está ligada ao fortalecimento das concepções de
nacionalismo do país.
Em 1927, a primeira Conferência Nacional de Educação deu uma atenção
especial para o ensino rural, porém sem considerar as especificidades da sua
população. Sobre isso, Lourenço Filho (1927 apud ALMEIDA, 2005, p.283) comenta:
A escola da roça, regra geral, é a mesma escola verbalística da cidade, com
as mesmas tendências literárias e urbanistas, que falha, assim, por inteiro, à
missão que deverá cumprir. Nos meios rurais, a escola deve tender onde
for possível – torná-la mais do que um órgão de alfabetização – a um
aprendizado agrícola, quando mais não seja para aguçar a curiosidade dos
meninos da roça para técnica agrícola racional. Nas escolas femininas do
mesmo meio, ampliar, tanto quanto possível, o ensino vocacional
doméstico, instituindo-se o aprendizado prático da higiene e puericultura.
A partir da assertiva de Lourenço Filho, nota-se uma escola para a população
rural sem um currículo escolar voltado para a formação da identidade sociocultural
daquele povo. Na visão do autor, a educação escolar deveria estar ligada à
aprendizagem diferenciada para meninos e meninas: aos meninos deveriam ser
ensinadas técnicas agrícolas, enquanto que as meninas deveriam aprender as
21
habilidades domésticas que envolviam noções de higiene, nutrição e cuidados
médicos. Nesse sentido, a educação rural deveria se diferenciar da educação
urbana, aproximando a escola das necessidades peculiares de tal realidade.
Conforme os escritos de Lemme (apud GHIRALDELLI, 1990), no interior
brasileiro existiam poucas escolas rurais, as quais funcionavam em situação precária
com a grande maioria de seus professores sem formação profissional adequada.
Eles atendiam as populações em diversos espaços, sem as mínimas condições
necessárias para a qualidade educacional.
Durante a primeira República (1889-1930), difundiu-se a ideia de que a
população da roça precisava de uma formação educacional diferente daquela
destinada à população que residia nos centros urbanos.
De acordo com Almeida (2005), no final da cada de 1920, a escola buscou
o resgate dos valores do meio rural, considerando o Brasil como uma nação com
vocação agrícola. Por essa razão, a nação brasileira fortaleceu o nacionalismo e
implementou uma política educativa buscando trabalhar aspectos do mundo
ruralista. Mas é nítida a falta de investimento financeiro e incentivo político para o
sucesso daquelas ações voltadas para a educação naquele espaço.
Diferente daquele país colonial, a partir de 1930, o Brasil criava uma nova
forma de ser, com novos comportamentos, trabalho livre, novos hábitos, ideias e
novas escolas. Essas mudanças estavam relacionadas aos modelos da cultura
europeia e ao poder das oligarquias, e diretamente afetaram a situação geral da
educação.
A urbanização e a modernização do Brasil influenciaram a realidade do meio
rural. Como bem se sabe, houve uma migração da população daquelas regiões para
as regiões urbanas de forma intensificada, momento em que o homem ruralista
buscava uma melhor qualidade de vida nos centros urbanos.
O deslocamento da população para o meio urbano era crescente, e se tornou
preocupante para o Brasil, uma vez que poderia comprometer a economia agrícola.
Na cada de 30, a fim de se conter o êxodo rural, impulsionaram-se políticas
públicas que buscavam consolidar a educação no meio rural.
Foi nesse momento que surgiu o ruralismo pedagógico. O objetivo do
ruralismo pedagógico foi justamente manter o homem no campo. Esta proposta
educacional apareceu no momento de grandes transformações na área política e
econômica do Brasil, como afirmam Bezerra Neto (2003) e Machado (2008).
22
Segundo Bezerra Neto (2003), a expressão ruralismo pedagógico foi criada
para a definição de uma proposta educacional que tinha como fundamento a fixação
do homem rural por meio de uma pedagogia; isto é, o que se “pretendia era
transformar a natureza da escolarização, até então praticada, buscando a
implementação de um ensino que se mostrasse eficaz para o homem do campo e
que não fizesse a propaganda da cidade, com vistas a atrair o trabalhador rural para
os grandes centros urbanos” Nagle 1974 (apud BEZERRA NETO, p.22).
É importante ressaltar que naquele momento, a educação rural se tornou um
instrumento que poderia fixar a população ruralista no campo. Para que isso
ocorresse, a escola no meio rural deveria promover ensinamentos de conhecimentos
básicos, e além disso, desenvolver saberes a partir da realidade rural; porém, esse
ambiente escolar não se concretizou naquele momento.
Apesar do intenso esforço de tentar manter o homem no meio agrário por
meio da educação, observa-se que nela havia uma proposta curricular educacional
comum para a educação urbana e a educação rural. Essa realidade revelava uma
omissão do Estado em relação às políticas educacionais para educação rural. Dessa
maneira, o currículo escolar das regiões urbanas era difundido na educação
transmitida nas regiões rurais. Consequentemente, os saberes educacionais não
estavam relacionados às reais necessidades daquela população e acabava não
cumprindo a sua missão inicial.
Na década de 1940, como relata Almeida (2005) em seus escritos, foram
várias as dificuldades que acompanharam a educação rural: escolas com
funcionamento precário, poucos espaços escolares, escolas distantes umas das
outras, dificuldades de comunicação com as escolas, falta de acompanhamento
didático e metodológico na prática escolar, ausência de investimentos públicos para
o bom andamento das ações educacionais naqueles espaços escolares, falta de
formação docente, currículos escolares inadequados, escassez de materiais
didáticos, falta de livros, entre outras.
O Movimento do ruralismo pedagógico não teve êxito em tentar fixar o homem
no meio rural porque esteve voltado para os princípios econômicos e políticos,
desconsiderando aspectos socioculturais daquela população.
Como relata Machado (2008, p.45),um dos problemas do movimento foi sua
opção ideológica, que tendia a menosprezar o direito de escolha (ou de livre arbítrio)
daqueles sujeitos:
23
Ideologicamente, podemos considerar que o ruralismo pedagógico, por
estar vinculado a correntes sócio-políticas e culturais da época, como o
nacionalismo e o catolicismo, fortaleceu a visão fisiocrata, a qual acreditava
estar na produção agrícola, a origem da riqueza [...] o grande equivoco do
ruralismo pedagógico está em supor que a educação seria um instrumento
poderoso para manter o homem no campo, considerando-o como incapaz
de optar em residir na zona rural ou zona urbana.
Como se pode observar, as políticas educacionais não foram suficientes para
consolidar melhorias na educação rural. O ruralismo pedagógico foi implantado
pelos governantes, criando algumas escolas rurais, com finalidades voltadas aos
princípios econômicos e políticos, sem considerar aspectos humanistas e
socioculturais daquela população. Consequentemente, a responsabilidade
educacional das áreas rurais acabava sendo repassada aos professores, que
deveriam lutar para melhorias de trabalho nessa escolarização.
A aceleração da industrialização e o crescimento dos centros urbanos
associados a baixos investimentos no desenvolvimento humano das populações
rurais fizeram com que o ruralismo pedagógico perdesse força. Em contrapartida,
Machado (2008) relata que o início dos anos 50 foi marcado pela disseminação das
escolas rurais primárias, ampliando o acesso ao conhecimento da escrita e da
leitura.
Nesse momento, criaram-se as Missões Rurais de Educação de Adultos,
visando ao combate ao analfabetismo dessa população. Ademais, com o objetivo de
melhorar a qualidade de vida da população rural, criou-se a Campanha Nacional de
Educação Rural CNER e o Serviço Social Rural SSR voltados para o
desenvolvimento de instruções destinadas a atividades educacionais rurais e
melhores condições de vida. Essas ações governamentais reforçaram a ideologia
exercida pelo Ruralismo Pedagógico nos primórdios da década de 1950.
Nos anos 50, houve a necessidade de aumentar o número de professores
para atuarem no meio rural de acordo com a realidade vigente daquela população.
Encontrar professores que se disponibilizassem a atuar nessas escolas era,
contudo, um grande desafio em razão das dificuldades do trabalho docente, do
descompasso do currículo escolar e da realidade do meio rural, que era diferente do
meio urbano.
A promoção das Escolas Normais Rurais surgiu com o intuito de formar
docentes capacitados para o trabalho nas escolas rurais, mas os problemas eram
maiores, conforma critica Carneiro Leão (1953, apud ALMEIDA, 2005, p.289):
24
O problema do mestre é indiscutivelmente dos mais graves. Sua solução
ainda está longe. Os professores mandados para o interior estudaram na
capital ou nas grandes cidades, cujos problemas são urbanos.[...] Vão
ensinar nos meios matutos e sertanejos, por programas manipulados na
capital, cuja distribuição de matérias e cujos métodos preconizados por
descuido cogitam das necessidades e realidades da vida no interior. Sua
aspiração é correr, seu pensamento está na cidade e na família distante, [...]
sua atitude é de aversão ao meio que eles compreendem e que, em
retribuição, com eles antipatiza.
Os escritos de Carneiro Leão apresentam uma crítica à ausência de formação
de professores para atuarem em espaços escolares rurais. As práticas pedagógicas
eram fundamentadas no ensino-aprendizagem de conteúdos curriculares ligados
aos centros urbanos, além de seus vínculos socioafetivos estarem também ligados à
realidade urbana.
O final dos anos 1940 e os anos 1950 foram relevantes para a disseminação
das escolas primárias rurais e a promoção das Escolas Normais Rurais. Entretanto,
o país se encontrava em grande dificuldade com a escassez de professores.
Almeida (2005) relata que cerca de 48% dos professores em atividade no Brasil não
tinham o mínimo de formação pedagógica. Especificamente na região Norte, havia
no ximo 30% de docentes com algum nível de identificação com o magistério. O
professor tinha um papel decisivo nos espaços escolares, pois era ele quem
orientava, ensinava noções importantes à comunidade rural e indicava caminhos a
serem percorridos para a cidadania.
Parece importante o trabalho docente naqueles ambientes escolares. É como
se o professor fosse um “lutador” frente às dificuldades de escolarizar uma
população que buscava vencer o analfabetismo e o abandono socioeducativo. Como
se sabe, naquela época, a escola tinha diversas funções no meio rural, como
promover orientações médicas, festividades, atividades culturais, entre outras.
Nos anos 60 e 70, surgiram diversos projetos para desenvolver ações na área
da educação rural. Dentre eles, pode-se destacar o Programa Intensivo de
Preparação de Mão-de-obra Agrícola PIPMOA, o Programa Diversificado de Ação
Comunitária PRODAC, o Serviço Nacional de Formação Profissional Rural –
SENAR e o Projeto Rondon. Os projetos possibilitaram uma nova concepção em
torno das ações educacionais, estabelecendo um vínculo intenso entre educação,
trabalho e desenvolvimento, colocando um fim na separação entre centros urbanos
e centros rurais, que foram bases ideológicas do ruralismo pedagógico
25
Os estudos realizados por Machado (2008) relatam que em 1980, o Governo
Militar criou o Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto PSECD, com o
objetivo de desenvolver ações especiais voltadas para a educação no meio rural
com o intuito de resolver os problemas relativos à ausência de educação nessas
áreas.
A importância do PSECD para a educação rural está em três projetos que o
MEC desenvolveu, que se voltavam para população rural: O Programa Nacional das
Ações Sociais, Educativas e Culturais para o Rural PRONASEC, o Programa de
Expansão e Melhoria do Ensino no Meio Rural no Nordeste Brasileiro EDURURAL
e o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL .
O Programa Nacional das Ações Sociais, Educativas e Culturais para o Rural
- PRONASEC buscou promover ações nos sentido de valorizar a escola, ampliar a
relação entre trabalho e produção no espaço rural através da modernização e
construção das comunidades , criando pequenas cooperativas para exportar os
produtos dali provenientes.
O Programa de Expansão e Melhoria do Ensino no Meio Rural no Nordeste
Brasileiro EDURURAL tentou ampliar as condições das escolas rurais do povo
nordestino com melhorias no espaço físico, recursos humanos, adequação dos
materiais didáticos, reestruturação curricular e orientação para o trabalho.
Por sua vez, o Movimento Brasileiro de Alfabetização MOBRAL pretendia
erradicar o analfabetismo no Brasil nos centros urbanos e no meio rural. A política
de erradicação do analfabetismo teve seu auge por volta da década de 1970, a partir
da criação de inúmeros projetos criados pelo governo federal para tentar resolver o
problema da educação de modo geral.
O PSECD não foi suficiente para suprir as necessidades das escolas rurais.
Uma das principais razões atribuídas ao insucesso foi o fato de que aquela
população passou a frequentar um ambiente escolar constituído de uma base
urbanocêntrica, e que, portanto, distanciava-se de sua realidade.
Nota-se que, apesar de mais uma tentativa para tratar a problemática da
escolarização rural brasileira, não houve um respeito à diversidade sociocultural
dessa população, sendo os conteúdos e programas de ensino inadequados à sua
realidade, o ambiente escolar em estado precário, os professores com formação em
centros urbanos, sem empenho para atuarem nas atividades de ensino das escolas
daquele meio.
26
Entende-se que o governo militar não deu a verdadeira prioridade às
necessidades educacionais da população rural, nem desenvolveu um projeto
pedagógico autônomo. O que se encontrava era uma formação socioeducacional
para o urbano e o industrial, de forma que acabou ocorrendo um
subdesenvolvimento nos espaços agrícolas, provocando um aprofundamento das
desigualdades sociais no Brasil.
No final do século XX, em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDB 9394/96 menciona a educação rural. No entanto, ela
propõe de forma muito genérica uma educação sem especificar os princípios e
limiares educacionais da realidade rural. Como lemos no artigo 28:
Art. 28 - Na oferta de educação básica para população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.
(BRASIL, 1996,p 11-12)
É bem verdade que a nova LDB apresenta um artigo restrito, difundindo de
um modo abstrato o mundo rural. O artigo 28 com 3 incisos traz propostas para uma
educação que considere as peculiaridades da vida rural e promova adaptações
inerentes à realidade de cada região. Ademais, o conteúdo escolar, metodologias
escolares, organização escolar e adequação ao trabalho na zona rural devem
privilegiar a educação rural. No entanto, o artigo 28 não aponta ações para alguns
problemas relativos às questões de infraestrutura, formação docente, transporte
escolar, entre outros.
Para Brandão (2003), o artigo 28 da LDB 9394/96 não está sendo
efetivamente aplicado no contexto educacional brasileiro devido a dois aspectos: o
primeiro é a diminuição de escolas rurais existentes no Brasil na atualidade, haja
vista a urbanização acelerada e o êxodo rural que o país vem sofrendo nos últimos
trinta anos; o segundo trata dos recursos financeiros que estão ligados às despesas
com transporte escolar. A maioria dos Estados e Municípios utiliza as verbas para
ampliação e consertos das frotas de veículos destinados ao transporte escolar,
possibilitando que as crianças da zona rural sejam levadas às escolas urbanas.
27
Como se pode perceber, avanços e retrocessos têm marcado o percurso da
educação rural, percurso este repleto de ideologias elitistas que não conseguiram
atender às necessidades reais do povo do campo.
É importante mencionar que a educação oferecida em situações precárias ao
povo das áreas rurais no Brasil foi designada como educação rural. O termo
“educação rural” norteou a educação até final do século XX quando deixou de ser
utilizado, surgindo um novo paradigma de educação para as populações que moram
nas áreas campesinas, designado como “educação do campo”.
Conforme apontam Petty, Tombim e Vera (1981), a educação rural era
destinada ao povo que tinha na agricultura seu principal meio de sustento. O espaço
ruralista tem como característica o relacionamento existente entre o homem e a
terra, e tal relação é vista e analisada como sendo o modo de produção dessa
população. Essa visão delimitava a realidade educacional fora dos centros urbanos.
A realidade brasileira é marcada pela diversidade sociocultural, e esta
variável não foi considerada no momento de se pensar uma educação, não para
os povos da terra, mas que incluísse os povos das águas e sua realidade.
Observa-se que a educação rural, nessa perspectiva ruralista, articula-se
entre a população rural e o mundo do trabalho agrícola, o que limita a educação à
formação da mão-de-obra.
Em 1998, na I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo,
com a participação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB, o
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra MST, a Universidade de Brasília UnB,
a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura UNESCO, e
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), foi analisada a realidade da
educação no meio rural visando construir uma educação popular a partir de
conteúdos e práticas pedagógicas que considerassem a realidade e expectativas de
cada localidade rural. Nesse I Congresso, nasceu um novo paradigma educacional,
a “educação do campo”
1
.
1
Surgem diversas propostas de revisão de paradigma da educação rural, cada uma delas propondo
novas designações tais como: educação no campo, educação para o campo e educação do campo.
Este estudo aborda a educação do campo a partir dos documentos oficiais que norteiam as políticas
públicas educacionais para população do campo. Ademais, a partir daqui será utilizado o termo
educação do campo.
28
Conforme Brasil (2007), a terminologia “do campo” é uma expressão que
designa um espaço social e geográfico, com existência e necessidade únicas,
fazendo parte do mundo, e não como um espaço aquém dos centros urbanos.
A concepção de educação campestre é fundamentada na valorização
sociocultural das populações da floresta, dos rios, da pecuária, do extrativismo e de
remanescente de quilombolas, sendo, portanto, uma ampliação da concepção de
“rural”.
Em 2002, o Conselho Nacional de Educação e Câmara do Ensino sico
CNE/CEB instituiu as diretrizes operacionais para a educação básica dirigida à
população do campo. Dentre estas diretrizes operacionais para a educação básica
estão: trabalhar a identidade da escola com participação ativa dos atores sócio-
pedagógicos; buscar uma educação voltada para o desenvolvimento humano e
sustentável, além dos investimentos na educação como profissionalização docente
continuada e recursos estruturais para uma educação de qualidade.
Em 2004, foi realizada a II Conferência Nacional da Educação do Campo, que
objetivou encaminhar políticas públicas efetivas para a qualidade da educação do
campo através da Declaração Final da II Conferência Nacional.
A educação do campo é um processo destinado ao ato dialógico, ao ensino e
aprendizagem para a formação da identidade da população campesina, atendo-se
às necessidades específicas e às realidades sociais, políticas e culturalmente
construídas.
Como relata Brasil (2004, p.35) no documento Referências Para Uma Política
Nacional de Educação do Campo,
[...] a identidade da escola do campo é definida a partir dos sujeitos sociais
a quem se destina: agricultores /as familiares, assalariados /as, ribeirinhos,
caiçaras, extrativistas, pescadores, indígenas, remanescente de quilombos,
enfim, todos os povos do campo brasileiro.
A identidade do aprendiz na educação está relacionada com aspectos
socioculturais e o mundo do trabalho construído e constituído pelo homem do
campo. Na educação campestre, tal espaço é entendido sob o aspecto sociocultural,
com identidade própria e com diversas práticas compartilhadas e socializadas pelos
seus habitantes.
29
A identidade própria do campo difere muito daquela concebida na década de
30, ligada ao nacionalismo do Brasil; aqui, entende-se identidade como a
valorização cultural de um povo, seus costumes, seus comportamentos e seu modo
de ser.
A escola do campo é o espaço destinado a instruir conhecimentos básicos e
elementares para a vida em grupo e individual das suas populações, além de
potencializar modelos de sustentabilidade, relações de trabalho, poder econômico,
produção artístico-cultural e socialização entre a diversidade dentro e fora da
ambiente campesino.
Por outro lado, para que a escola promova o desenvolvimento intelectual e
sociocultural, é importante garantir a autonomia da educação do campo por meio de
ações pedagógicas que deem direito à construção de um espaço sociocultural com
educação, saúde, bem-estar e cultura local. Vale ressaltar, que a escola do campo
pode ser um lugar de (re) criação de sentidos, de comportamentos, de cultural e com
relações afetividade, o que possibilita a construção da identidade do homem no meio
campesino.
No entanto, o que se nota é que a realidade das escolas do campo não é tão
favorável ao desenvolvimento humano quanto se pretendia, porque o acesso aos
serviços básicos, como educação, saúde, trabalho, é precário, e em algumas
regiões, às vezes, inexiste.
Com as reflexões até aqui desenvolvidas, é possível considerar que no Brasil,
a educação para as populações que residem nas áreas campesinas sofreu
abandono, exclusão e suas políticas educacionais foram fracassadas.
Nesse percurso, constatam-se muitos discursos, concepções, documentos,
projetos e diretrizes que foram criados para suprir as reais expectativas para uma
educação do campo. Ainda hoje, a educação do campo vem experimentando
tentativas, avanços e retrocessos para garantir uma melhor condição de vida àquela
população. Isso torna evidente que entre os discursos políticos e ideológicos sobre a
educação do campo e a sua realidade existe um imenso abismo.
30
1.2 Índices demográficos do município de Breves
O espaço amazônico paraense apresenta uma vasta área verde, uma enorme
bacia hidrográfica, com suas águas turvas e doces, clima úmido, altas temperaturas
e peculiaridades socioculturais. Nesse espaço exuberante e com grande
biodiversidade encontra-se o município de Breves, que pertence ao estado do Pará.
Mapa 1. Localização Geográfica do Pará
Fonte: http://www.brasil-turismo.com/mapas/mapa/para.jpg
O Pará essituado no centro leste da região Norte do Brasil e é composto
por 143 municípios, tendo Belém como capital. Ele é o segundo maior estado
brasileiro em superfície, ocupando uma área de 1.247.689,515 em km2,
aproximadamente 16% do território nacional, e apresenta uma população de
7.065.573 habitantes de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE, ano 2007 (IBGE acessado em 10 de abril 2009).
O Estado paraense está dividido em 6 mesorregiões: Baixo Amazonas, Ilha
de Marajó, Metropolitana de Belém, Nordeste Paraense, Sudeste Paraense e
Sudoeste Paraense. Esta divisão foi realizada em razão das semelhanças
socioeconômicas e poticas daquelas regiões.
A economia do estado é significativamente variada, com base na agricultura,
pecuária, turismo e indústria. Sua cultura é marcada pela sensualidade das danças
31
como o carimbó, síria, lundum, além da culinária com os sabores exóticos do
cupuaçu, açaí, tacacá, pato no tucupi e a cerâmica marajoara, que encanta por suas
formas, tradição e desenhos.
Dento do espaço geográfico paraense situa-se o arquipélago de Marajó,
constituído pelas ilhas de Marajó, Caviana, Mexicana, Janaucu, entre outras, o que
corresponde aproximadamente 20% do estado do Pará. Ele é considerado o maior
arquipélago fluviomarítimo do mundo, com uma área aproximada de 65.400 km2.
A ilha de Marajó está delimitada ao norte pelo oceano atlântico, a leste e ao
sul pelo rio Pará e a oeste pela foz do rio Amazonas, e tem uma área em torno de
49.600 Km2, o que demonstra sua grandiosidade geográfica.
Mapa 2. Localização geográfica da Ilha de Marajó
Fonte: http://www.farolcomunitario.com.br/imagens/marajo_mapa.jpg
Os municípios que fazem parte da ilha de Marajó são: Soure, Ponta de
Pedras, Chaves, Salvaterra, Cachoeira do Arari, São Sebastião da Boa Vista, Afuá,
Muaná, Anajás, Curralinho, Santa Cruz do Arari, Bagre, Melgaço, Oeiras do Pará,
Portel e Breves
O território marajoara é um grande santuário ecológico, com matas, praias,
rios, furos, igarapés e o maior rebanho de búfalos do Brasil, é curioso notar como,
diferentemente da maior parte do Brasil, no Marajó o búfalo é fonte de alimentação.
Além do ecossistema extenso e particular, cultura singular e culinária exótica de
Marajó se entrecruza com a realidade dos ribeirinhos, que tem a água como fonte de
32
vida. A água na vida ribeirinha são as ruas, estradas, fonte de sustento e espaço
sociocultural, ou seja, alimentam, transportam, ensinam, sustentam os ribeirinhos, e
toda a população paraense. O movimento das águas, ora pelas enchentes, ora pelas
vazantes, rege o ciclo da vida daqueles que habitam os grandes rios da Amazônia.
Geralmente, esse povoado ribeirinho vive em circunstâncias precárias de
sobrevivência. Eles sofrem com as cheias dos rios, com alagações periódicas,
dificuldade de acesso a centros médicos, escolas, entre outros.
Nos municípios marajoaras, encontram-se grosso modo 3 realidades distintas.
Uma realidade do campo formada por uma população que vive sob as águas
amazônicas, designados de população ribeirinha, e outra que habita os espaços da
terra chamados de população rural, e outra população que reside na área urbana. A
vida no campo é mediada pelo contato com a natureza , com expressões religiosas,
culturais, características peculiares e com limitações quanto à saúde e educação, no
entanto nas áreas urbanas apresentam acesso ao serviços básicos de saúde,
educação, comércio, entre outros.
Breves é um município marajoara com um cenário tipicamente amazônico,
tendo população nos rios, no meio rural e na área urbana. Localiza-se ao sudoeste
da ilha do Marajó com uma área de 9.550,454 km2, e é considerado uma de suas
maiores e principais cidades.
Mapa 3. Localização geográfica do município de Breves.
Fonte:http://www.roblumco.com/BREVES/BREVES-MAP-BIG.gif
33
O acesso ao município é realizado tanto de barco como de avião, com saída
de Belém. A viagem de barco tem a duração média de 12 horas, enquanto que a
viagem de avião leva aproximadamente 45 minutos.
Considerando os dados oficiais do IBGE (2007), Breves apresentou no ano de
2007 uma população de 94.458 habitantes. Destes, 49.363 residem na região
urbana e 43.174 na região rural. Constatou-se que quase 50% dessa população
habita o meio ruralista. (IBGE acessado em 10 de abril de 2009).
No que se refere à economia, as atividades extrativistas de madeira, açaí e
palmito e as atividades agrícolas de cultivo de limão, laranja, banana e mandioca
são meios de produção econômica do município, além do comercio local e da
pecuária.
Conforme o IBGE (2007), o Produto Interno Bruto - PIB de Breves na
agropecuária foi estimado em R$ 16.336; na indústria em R$ 42.558; serviço em R$
131.764; Imposto Sobre Serviços ISS de R$ 665.055.32 em 2006. Do ponto de
vista do capital econômico brevense, o nível de arrecadação é considerado alto, o
que demonstra um município fortemente vinculado a produção de bens e finanças.
1.3 Perfil da educação do campo em Breves
A educação de Breves possui característica comumente vista em outras
regiões brasileiras. Naquela realidade, a educação urbana, que reúne escolas
localizadas no centro urbano do município, e a educação do campo, que
apresenta duas realidades educacionais: as escolas ribeirinhas, localizadas na beira
dos rios, e as escolas rurais, localizadas nas estradas do município.
As escolas urbanas de Breves diferenciam das escolas do campo,
principalmente no que se refere ao modo de organização pedagógica, abordagem
dos conteúdos escolares, atuação docente, entre outros. Este estudo terá como foco
a região do campo, que possui escolas na estrada e na beira dos rios. Esta região
na sua quase totalidade apresenta predominantemente classes multisseriadas, que
é um sistema educacional desafiador para quem ensina e para quem aprende.
34
As escolas situadas nas margens dos rios têm aspectos bem diferentes entre
si. Pode-se constatar que algumas escolas apresentam uma infra-estrutura bem
diferente de outras. Em algumas realidades nota-se escola com estrutura mais bem
elaborada, com espaço maior, pintada e com telhas.
Foto 1. Escola Ribeirinha
Fonte: acervo de imagens da coordenação da educação do campo de Breves.
Entretanto, outros espaços escolares apresentam ausência de paredes com
telhado de palha, um espaço reduzido, isolamento e aparentemente abandonados.
Isto nos leva a deduzir que as realidades educacionais são diferentes mesmo dentro
da educação do campo de Breves.
35
Foto 2. Escola Ribeirinha
Fonte: acervo de imagens da coordenação da educação do campo de Breves.
Nestes espaços escolares diferenciados e desafiadores que atuam alunos e
professores em sistema de multisseriação. O professor tem que atuar em quatro
séries na mesma sala e multiplicar seu trabalho por quatro conteúdos de séries
distintas com quatro planos de aula, quatro planejamento, quatro atividades.
1.3.1 Classes multisseriadas
Segundo se em Brasil (2007, p.25), as classes multisseriadas comportam
aprendizes de séries e níveis diferentes em um mesmo espaço escolar, neste caso,
a sala de aula, independente do número de docentes responsáveis pela classe
escolar. A unidocência ocorre quando um professor se responsabiliza pela condução
de uma classe multisseriada. Portanto, os termos multisseriação e unidocência são
equivalentes.
36
As classes multisseriadas comumente se caracterizam por um professor e
vários alunos de séries e idades diferentes, em um único espaço escolar. Não
direção escolar, pessoal de apoio (merendeira, servente e vigias), tampouco
materiais didático-pedagógicos (livros, TV, aparelhagem de som, entre outros).
O professor que atua nas escolas do campo de Breves exerce as funções
pedagógicas e de conservação da infra-estrutura da escola. A realidade destes
professores de classes multisseriadas é marcada pelos grandes desafios dos que
assumem a tarefa árdua de educar alunos de quatro séries ao mesmo tempo,
preparar merenda, cuidar da higiene da classe escolar e planejar suas atividades. E
essa realidade é um dos obstáculos para uma educação de qualidade.
O estudo de Ferri (1994), desenvolvido com professores de classes
multisseriadas da região do meio-oeste catarinense, aponta vários entraves
encontrados a partir dos relatos dos próprios professores daquela realidade
educacional. Uma das grandes dificuldades está no processo da alfabetização,
porque as crianças chegam à escola sem o aprendizado da educação infantil. O
professor não se sente preparado para alfabetizar em função da sua formação
profissional; ausência de recursos materiais e falta de incentivo familiar para
facilitar a aprendizagem da linguagem escrita.
O professor sente dificuldade de ensinar crianças de todas as séries, o que
limita a aprendizagem nas classes multisseriadas. Nesse espaço escolar, a leitura
torna-se difícil devido à quase ausência de livros e bibliotecas. Além disto, as
atividades extraclasses não são realizadas, porque as crianças frequentemente
trabalham na lavoura.
Outra dificuldade apontada no estudo de Ferri está ligada à família, que não
participa da vida escolar das crianças, por serem analfabetos, ou porque acreditam
que ensinar é de responsabilidade apenas da escola, ou ainda porque o trabalho
impede o acompanhamento dos filhos na escola. Ademais, a autora também aponta
que diversas tarefas são executadas pelo professor para manter a infraestrutura da
escola, dificultando a dedicação exclusiva ao ensino.
Conforme Brasil (2007), os diagnósticos da educação do campo têm
evidenciado como principais questões: predomínio de classes de multisseriação,
precariedade do espaço físico escolar, falta de um sistema de transporte escolar,
ausência de condições de trabalho, rotatividade dos professores, falta de atualização
pedagógica para docentes, distorção série-idade, baixo desempenho escolar dos
37
alunos, calendário escolar urbanocêntrico, desvalorização de aspectos individuais no
processo ensino-aprendizagem, ausência de merenda, falta de transporte escolar,
ausência de supervisão e direção escolar, entre outras.
As dificuldades elencadas acima demonstram as limitações e obstáculos da
educação do campo em classes multisseriadas. Parece impossível continuar nesse
processo compartimentado, desgastante, estático e limitado. Essa realidade se
apresenta complexa no sentido de agrupar diversos alunos em diferentes níveis de
ensino e aprendizagem, gerando um impasse: como ensinar e aprender dentro
deste espaço e nessas condições?
É fácil perceber que a realidade das escolas do campo de Breves não se
distancia de muitas outras realidades brasileiras. Nessa educação campestre com
classes multisseriadas nota-se um modo de ser da escola brasileira muitas vezes,
desconhecido e desprezado pelas políticas públicas educacionais.
1.3.2 Educação infantil
Na educação do campo de Breves, a Educação Infantil o é ofertada, o que
dificulta a alfabetização das crianças no início da escolarização. A educação pré-
escolar é relevante para além das questões colocadas como metas das políticas
educacionais brasileiras. Ela está relacionada à concepção de infância,
desenvolvimento sociocognitivo da criança, pré-alfabetização, entre outros aspectos.
Sabe-se que em muitas regiões brasileiras a ausência de educação infantil
contraria a lei educacional vigente no Brasil, prescrita na LDB 9394/96, art. 29, que
assegura a educação infantil para o desenvolvimento integral das crianças por meio
de aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais, junto com a família e a
sociedade.
Não é preciso fazer muito esforço, portanto, para se constatar a necessidade
de políticas públicas emergentes na educação infantil da educação do campo
brevense, que venham contribuir efetivamente para uma grande mudança na área
educacional. Sabe-se que a educação infantil é fundamental para o desenvolvimento
afetivo, psicomotor e sociocognitivo da criança, que envolve a afetividade, esquemas
corporais, linguagem e a cognição com as práticas sociais realizadas
individualmente e coletivamente na escola.
38
O trabalho pedagógico na educação infantil contribui significativamente como
facilitador da alfabetização. Algumas atividades escolares como: coordenação
motora fina, caligrafia, contação de histórias, entre outras desenvolvem habilidades
cognitivas e motoras. Para se educar crianças de 0 a 6 anos é importante considerar
necessidades e cuidados específicos de cada criança e também o coletivo para
garantir a integridade física, desenvolvimento humano e intelectual.
1.3.3 Indicadores educacionais
A seguir, serão apontados alguns indicadores da educação campestre do
município de Breves, com um reflexão e análise dos mesmos. Os indicadores
educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira INEP dos anos de 2006 e 2007 (Acesso em: 20 de abril de 2008 e em
janeiro de 2009)que revelam uma realidade fragilizada na educação do campo
brevense, especificamente na escolarização inicial de crianças em classes
multisseriadas.
a. Número de estabelecimentos e matrículas
Os dados do INEP mostram que o número de estabelecimentos de ensino na
educação do campo na rede municipal de Breves em 2006 foi de 290 escolas
multisseriadas, e apenas uma seriada
2
. Em 2007 o número aumentou para 292
escolas de ensino. Esta rede de ensino em 2006 atendeu 13.112 alunos
matriculados, enquanto, em 2007 o número de alunos matriculados foi de 13.006.
Esses dados representam uma pequena queda no número de alunos
matriculados com predominância na oferta do ensino fundamental de primeira a
quarta séries. Vale ressaltar que os indicadores de matriculas nem sempre retratam
a permanência dos alunos na escola.
2
A única escola não multisseriada é a Ivo Mainardi. Nela funcionam turmas de educação infantil, 1ª,
2ª, 3ª e série do ensino fundamental, Educação de Jovens e Adultos - EJA, turmas de 5ª a série
do ensino fundamental. A e série é gerida pela Secretaria Municipal de Educação. Nesta escola
tem uma turma do ensino médio. Vale informar que tudo se parece com a cidade, podemos dizer
que é mais parecida com uma escola urbana, pois a organização pedagógica ocorre de forma
seriada.
39
Analisando a relação entre o número de estabelecimentos de ensino na
educação do campo e o número de matriculas do ensino fundamental de primeira a
quarta séries em 2006 e 2007 nessa mesma realidade, observa-se uma redução na
variável de matriculas e um crescimento na variável de estabelecimentos de ensino
de Breves.
As escolas do campo recebem aproximadamente 35 alunos de primeira a
quarta série na mesma sala de aula. A média de alunos por turma foi de 29,8 em
2006, e no ano de 2007 a média calculada pelo INEP foi de 33,8 alunos no período
diurno, e 34,9 alunos no período noturno.
Observa-se que o número de alunos matriculados na região do campo de
Breves é consideravelmente alto. Neste primeiro momento da vida escolar uma
questão crucial, que é a permanência do aluno na escola com objetivo de finalizar os
estudos na educação básica.
No que se refere ao mero de alunos e a carga horária de estudos por
período (diurno, manhã ou tarde e noturno) a rede de ensino da educação básica do
campo, de acordo com os dados do INEP de 2006, teve cerca de 13.030 alunos, em
sua maioria, estudaram 4 horas–aulas ou mais por dia no período diurno. Enquanto
que, 26 alunos frequentaram a escola com menos de 4 horas–aula por dia no
período diurno; e 56 alunos estudaram com 4 horas–aula ou mais por dia no período
noturno.
Tendo por base os dados acima, nota-se uma maior freqüência de alunos
matriculados no período diurno, com média de 4 horas-aulas ou mais em cada dia.
Além de turmas no ensino noturno, o que reforça a possibilidade de haver Educação
de Jovens e Adultos - EJA.
b. Rendimento escolar, distorção idade-série e analfabetismo
Quanto ao rendimento escolar de 2006, as escolas do campo de Breves
apresentaram números alarmantes como se pode ver abaixo:
40
Série Ano Aprovação Reprovação Abandono
2001
30,6
46,9
22,5
Primeira
2005
25,8
56,5
17,7
2001
53,6
27,6
18,8
Segunda 2005
45,1
38,5
16,4
2001
63,7
18,1
18,2
Terceira
2005
51,4
29,6
19
2001
67
11,6
21,4
Quarta
2005
58,9
23,2
17,9
Tabela 1. Distribuição de rendimento escolar
Os dados mostram um alto índice de insucesso escolar; entende-se por
insucesso escolar as taxas de reprovação e de abandono dos alunos. De acordo
com a tabela, a primeira série apresenta um percentual alto de insucesso escolar em
relação às outras séries. A reprovação em 2001 e 2005 apresentou altos índices,
possivelmente pelo insucesso na aquisição de conhecimentos básicos como: leitura,
escrita, raciocínio lógico-matemático ou por questões práticas como as frequentes
ausências às aulas em grande proporção, em razão do trabalho que os alunos
executam com suas famílias na pesca e na agricultura.
Na segunda, terceira e quarta séries os dados mostram variação entre 45,1 a
67,0 de aprovação de 2001 e 2005; esses índices demonstram um rendimento
escolar baixo em relação à soma da reprovação e abandono escolar.
Em 2007 o rendimento de escolas com funcionamento diurno apresentou os
seguintes números: na primeira série, houve uma taxa de aprovação de 27,3, taxa
de reprovação 58,2 e taxa de abandono de 14,5. Esses dados demonstram que o
insucesso escolar cresceu gradativamente em 2001, 2005 e 2007.
Na segunda série, observa-se uma taxa de aprovação de 48,4, taxa de
reprovação de 35,2 e 16,4 de abandono, enquanto na terceira série, verificou-se
uma taxa de aprovação de 52,5, taxa de reprovação de 30,8 e taxa de abandono de
16,7. Na quarta série, a taxa de aprovação é 59,7, taxa de reprovação 21,9 e taxa de
abandono 18,4.
41
Os dados acima sinalizam o fraco desempenho da escola do campo brevense
na educação básica nos anos de 2001, 2005 e 2007. O rendimento escolar
demonstra nas quatro séries uma média de aproximadamente 50,0 de insucesso
escolar, isto é, metade dos alunos ora são reprovados, ora abandonam a sala de
aula.
Provavelmente o insucesso do desempenho escolar esteja relacionado ao
abandono histórico da educação do campo, inclusive a brevense, que comprometeu
a qualidade de ensino ofertada, deixando-a muito aquém do desejável.
Outro dado importante a ser considerado em relação a esta realidade
educacional é a variável distorção idade-série. Tendo por base o INEP (2006), nota-
se um alto percentual de distorção idade-série em 2001 e 2005, com cerca de mais
de 65% dos alunos com idade superior àquela desejada no processo de
escolarização.
Série escolar Ano %
2001 68 Primeira
2005 64
2001 89 Segunda
2005 83
2001 91 Terceira
2005 87
2001 95 Quarta
2005 87
Tabela 2. Distribuição do percentual da distorção idade-série
Diante desta realidade, observa-se nos dados acima uma trajetória escolar do
aluno que chega ao final do ensino fundamental com uma defasagem de 94,8% em
2001 e 87,3% em 2005. Ainda é possível constatar que houve uma queda pouco
significativa na distorção idade-série.
Nesta perspectiva, esse quadro agravante da distorção idade-série desvela
um fraco desempenho escolar dos alunos, constatado anteriormente, e a falta de
permanência dos alunos na educação do campo
42
Algumas variáveis podem indicar o alto percentual de distorção entre a idade
escolar do aprendiz e a série escolar inerentes à região brevense, como por
exemplo, as atividades rurais (colheita, plantação, pescaria) e a dificuldade de
acesso, que muitas vezes o aprendiz tem de se ausentar para os períodos de
plantação, colheita e pescaria, ou remar em canoas por longo tempo até chegar à
escola. Essas variáveis podem influenciar diretamente na educação escolar do
campo, levando o aprendiz a evadir ou trancar a matrícula.
Outro dado relevante é a taxa de analfabetismo. Conforme dados do IBGE de
2000 a taxa de analfabetismo na população de Breves de 10 a 15 anos de idade é
de 32,6% e na população de 15 anos ou mais é de 35,8%. Esses dados
demonstram um alto índice de crianças, adolescentes e adultos que ainda não
aprenderam a ler e escrever, refletindo ainda a ausência de investimentos na
educação do campo.
c. Calendário escolar
O calendário escolar do campo de Breves segue os parâmetros de referência
das escolas urbanas. As peculiaridades econômicas, culturais e sociais do campo
não são consideradas em sua elaboração tampouco no planejamento escolar, o que
leva a pensar em uma desigualdade de condições entre educação do campo e da
cidade. No momento de construir o calendário escolar, apenas a realidade
socioeducacionail urbana serve de referência para o trabalho pedagógico anual da
educação do campo de Breves.
No entanto, é importante que o calendário escolar seja construído de acordo
com o espaço, tempo e sujeitos da realidade social específica do campo, pois a alta
dos rios, período de pesca, plantio e cultivo na agricultura são fatores que
influenciam a vida de quem mora nessas regiões.
A não observância dessas especificidades locais pode contribuir para o
abandono ou para a ausência dos alunos nas escolas, gerando altas taxas de
distorção idade-série e baixo rendimento escolar, como apresentados nos
indicadores educacionais do INEP de 2006 e 2007.
43
Assim, um ponto importante a ser salientado é que a educação escolar do
campo brevense está baseada em um currículo escolar urbano, o qual tenta igualar
a condição urbana ao meio rural, desconsiderando as características regionais
extremamente divergentes entre eles.
d. Formação docente
Finalizando, serão apresentados os dados sobre o corpo docente das escolas
da educação do campo de Breves. Os dados do INEP (2006) revelam que 626
professores e professoras que atuam nas escolas do campo em classes
multisseriadas no ensino fundamental de primeira a quarta série.
Neste cenário educacional, há 119 docentes com formação superior, 503
docentes com ensino médio (habilitação em magistério) e 4 sem ensino médio.
Observa-se que a qualificação profissional não é a almejada, sendo que a maioria
possui a habilitação mínima exigida para o exercício da docência, sendo o mais
grave a existência de docentes com apenas o ensino fundamental.
O professor e sua formação são componentes fundamentais para que se
concretize uma prática educacional fundamentada no compromisso socioeducativo.
Os dados trazem evidências da baixa formação docente e a necessidade de
capacitar os professores com uma formação docente inicial.
A escola é uma instituição formal de educação que contribui para a formação
cultural do indivíduo pois agrega valores, produz novos comportamentos, novas
sensibilidades e possibilita ao indivíduo a capacidade de conhecer e transformar o
mundo. Porém, quando se olha para a educação do campo de Breves, encontra-se
um cenário um pouco distante desta realidade desejável.
Neste primeiro momento percebe-se por meio dos dados acima uma
educação fragilizada e carente de ações concretas. As evidências fazem com que se
reflita sobre o futuro das crianças, professores e população do campo de Breves.
1.4 As pesquisas educacionais sobre classes multisseriadas no Brasil
Diante desse quadro da educação do campo em classes multisseriadas
brevense, é oportuno destacar que pouca literatura sobre o assunto classes
44
multisseriadas na educação do campo. Constata-se que são escassas as produções
bibliográficas e artigos em periódicos que debatam, tragam evidências e
problematize a educação do campo, em especial em classes multisseriadas. Desta
maneira, essa realidade despertou o interesse em se realizar um levantamento de
dados de pesquisas.
Tal levantamento dos dados tornará possível verificar a produção científica
em educação realizada em classes multisseriadas em dissertações de mestrado e
teses de doutorado produzidas no Brasil no período de 1987 a 2007.
Esse levantamento foi realizado no portal da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES, que reúne pesquisas dos
cursos de pós-graduação stricto sensu no Brasil. Os dados foram coletados no dia
20 de outubro de 2008 às 10h por meio do assunto “classes multisseriadas”.
As pesquisas de mestrado e doutorado sobre classes multisseriadas em
instituições brasileiras totalizam vinte e quatro dissertações de mestrado e três teses
de doutorado perfazendo um total de 27 pesquisas em todo Brasil. Foram
considerados vinte e dois trabalhos de dissertação, e excluídos 2 trabalhos, um na
área de ciências farmacêuticas por não ser um campo de interesse desta pesquisa,
e outro, por se tratar de intervenção psicopedagógica com estudo de caso clínico.
Diante desses dados, sob nosso ponto de vista, nota-se uma baixa
produtividade de pesquisas sobre classes multisseriadas nos últimos 20 anos,
principalmente, no nível do doutorado. E, verifica-se não haver um equilíbrio na
produção de pesquisas em nível de mestrado e doutorado, havendo uma freqüência
maior de pesquisas em mestrados do que doutorados.
Em linhas gerais, as regiões Norte e Centro-oeste têm uma frequência menor
de trabalhos encontrados dentro da produção científica dos últimos 20 anos sobre
classes multisseriadas. A região Norte produziu dois trabalhos e a Centro-oeste três
estudos em nível de mestrado, enquanto que as regiões Nordeste e Sul têm uma
maior produção de pesquisas. A região Nordeste apresentou cinco pesquisas e na
Sul seis estudos em nível de mestrado. Podemos concluir que o Nordeste e o Sul
têm um elevado número de estudos em relação ao Norte e Centro-oeste.
O Sudeste apresenta uma produção significativa de seis dissertações de
mestrado, e a única região que produziu três teses de doutorado, isso ocorre pelo
fato desta região ter centros de pesquisas e grande produção científica em todas as
áreas do conhecimento.
45
No que se refere à distribuição anual de estudos de mestrado e doutorado,
percebe-se uma escassez nos últimos 20 anos com uma evolução gradativa,
conforme tabela abaixo.
Ano de produção Dissertação Tese
1987 1 0
1988 0 1
1994 2 0
1995 2 0
1997 1 0
1998 1 0
2001 2 0
2002 1 0
2003 2 0
2004 1 0
2005 3 0
2006 5 1
2007 1 1
Total 22 3
Tabela 3. Distribuição anual das dissertações de mestrado e tese de doutorado
Tendo por base os dados acima, nota-se que no ano de 1987 e 1988 houve
uma pesquisa de mestrado e um de doutorado, respectivamente. Após um intervalo
de cinco anos, nos anos de 1994 e 1995 foram produzidos dois estudos em nível de
mestrado, em cada ano. No ano de 1997 e 1998 houve uma produção de
dissertação de mestrado, nos respectivos anos. De 2001 a 2004 percebe-se uma
alternância entre um e dois estudos em nível de mestrado. No ano de 2005 nota-se
uma pequena elevação de produção de dissertações no Brasil, enquanto o ano de
2006 apresentou cinco dissertações de mestrado e um doutorado e o ano de 2007
teve uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado.
Em síntese, supõe-se que a alta na produção em 2006 ocorreu devido ao
debate sobre a educação do campo e as políticas educacionais difundidas a partir
de 2004, o que gerou crescimento de pesquisas sobre o tema das classes
multisseriadas.
46
Unidade Federativa Dissertação Tese
Amazonas 1 0
Pará 1 0
Paraná 3 0
Rio Grande do Sul 2 0
Santa Catarina 1 0
São Paulo 6 3
Mato Grosso 1 0
Brasília 1 0
Goiás 1 0
Piauí 2 0
Pernambuco 1 0
Sergipe 1 0
Bahia 1 0
Total 22 3
Tabela 4. Distribuição de dissertações e teses produzidas por Estados
Os dados da tabela acima mostram que o estado de São Paulo apresentou
mais trabalhos sobre classes multisseriadas; seguido do Paraná, Rio Grande do Sul
e Piauí, enquanto os outros estados tiveram uma baixa produtividade, cada estado
realizou um estudo em nível de mestrado. Esses dados podem sugerir que a região
sudeste, especificamente, o estado de São Paulo é um centro de referências em
estudos para pesquisas em classes multisseriadas. Entretanto, como dito acima,
este é um dado esperado, uma vez que esta é a região do país com maior atividade
científica de modo geral.
No que se refere sobre área de conhecimento, as pesquisas estão
distribuídas por seis áreas de conhecimento dos programas de estudos pós-
graduados, e grande parte delas está vinculada à área educacional. A área da
Educação apresentou maior produção de trabalhos com dezoito dissertações e duas
teses, considerando a natureza do assunto em questão. Quanto às demais áreas,
que são: Psicologia, Linguística Aplicada, Transportes, Educação em ciências e
matemática e Psicologia escolar e desenvolvimento humano cada uma aparece com
um trabalho.
47
Segundo os resumos, o delineamento metodológico das pesquisas
encontradas subdividi-se em: três pesquisas etnográfica, três qualitativas, duas
pesquisas descritivo-analíticas, duas pesquisas documentais, uma com análise de
conteúdo, uma pesquisa pré-experimental, uma experimental, um estudo de caso,
uma empírica, uma descritiva, uma com análise temática e análise fatorial de
correspondência, uma intervenção, uma com materialismo histórico-dialético e seis
sem informações.
A maior parte dos estudos não apresentou um resumo com aspectos teórico-
metodológicos, o que dificultou o levantamento do tipo de pesquisa, participantes e
temáticas.
A maior frequência de pesquisas etnográficas deve-se ao fato de se buscar
compreender o cotidiano das classes multisseriadas. Nessa perspectiva, o relato das
experiências de vida, a descrição de acontecimentos, comportamentos, processos
sociais e dos contextos com vivências e experiências dos sujeitos possibilita
aproxima-se e conhecer um pouco mais sobre a realidade educacional
multisseriada.
Como relata Severino (2007) a pesquisa etnográfica possibilita uma inserção
do pesquisador em uma área microssocial, olhando com uma lente de aumento para
a realidade ou nas palavras de André (1997) a pesquisa etnográfica retrata o que se
passa no quotidiano das escolas, ou seja, revela a complexa rede de interações que
constitui a experiência escolar diariamente, mostra como se estrutura o processo de
produção de conhecimento no espaço escolar e a inter-relação entre a cultura,
instituição e instrução da atividade pedagógica.
Em seguida, com maior incidência temos as pesquisas qualitativas, que
buscam levantar informações das condições de manifestação da realidade das
classes multisseriadas, enquanto a pesquisa com natureza descritivo-analítico trata
do conhecimento da realidade educacional em classes multisseriadas em condições
naturais em que ocorrem os fenômenos diretamente observados.
Observam-se duas pesquisas documentais, que tratam da investigação e
análise a partir de documentos oficiais sobre a situação educacional de classes
multisseriadas, e uma pesquisa de análise de conteúdo, que abordam um
tratamento e análise de informações orais, escritas, imagens e gestos para
compreender aquela realidade, fundamentam as pesquisas em classes
48
multisseriadas. As outras pesquisas restantes apresentam outros procedimentos
metodológicos.
De acordo com o anexo I sobre dissertações de mestrado, a pesquisa 1 foi
realizada por meio de uma método pré-experimental com aplicação de pré- e pós-
teste a um único grupo de crianças. As pesquisas 2 e 13 apontam um estudo
científico etnográfico com observações in locu, entrevistas, entre outras técnicas. Na
pesquisa 2 os participantes foram professoras, professor, alunas, aluno, mães, pai,
vigia e copeira da escola, enquanto na pesquisa 13 houve uma participação de
professores e alunos.
A pesquisa 3 teve uma natureza empírica com aplicação de entrevistas semi-
estruturadas para professores, no entanto, as pesquisas 4 e 11 foram realizadas a
partir de documentos oficiais e análise de indicadores educacionais,
respectivamente, nesta perspectiva, pela natureza dos estudos não houve
participantes.
A pesquisa 6 foi delineada por meio de um estudo de caso com a participação
de um professora e alunos do pré-escolar e da 1ª, 2ª, e série sobre ensino-
aprendizagem de ciências, enquanto as pesquisas 7, 8 e 16 são de caráter
qualitativo com observações da realidade dos professores que são participantes do
estudo.
O estudo de mestrado 14 apresentou uma descrição da prática de ensino de
ciências naturais em classes multisseriadas e o estudo 15 tratou de uma abordagem
da análise de conteúdo, ambos tiveram a participação de professores. Na pesquisa
17 houve uma análise temática e análise fatorial de correspondência com
participação de docentes.
A pesquisa 18 foi de natureza experimental com participação de crianças na
aquisição de conceitos científicos, na pesquisa 20 nota-se uma abordagem
descritivo-analítica da prática de docentes, enquanto na pesquisa 21 houve uma
abordagem do materialismo histórico-dialético sem informação de participantes e a
pesquisa 22 foi realizada uma intervenção com um grupo de crianças de classes
multisseriadas.
As pesquisas 10, 12 e 19 não apresentaram informações sobre os
procedimentos metodológicos e participantes. Entretanto, as pesquisas 5 e 9 não
apontaram o método, mas indicaram os participantes da pesquisa que foram
professores.
49
No que se refere ao anexo I das teses de doutorado, a pesquisa 1 não
apresentou informações sobre delineamento metodológico e nem participantes, a
pesquisa 2 recorreu a um estudo etnográfico e a pesquisa 3 foi realizada por uma
abordagem descritiva-analítica, ambos com docentes.
Quanto aos participantes das pesquisas de mestrado e doutorado, as
dissertações de mestrado 3,5,7,8,9,14,15,16,17,20 e as tese de doutorado 2 e 3
foram realizadas com professores perfazendo um total de doze pesquisas. As
pesquisas de mestrado que tiveram a participação de crianças foram a número 1, 18
e 22, enquanto a pesquisa 2 envolveu professoras, professor, crianças, vigia,
copeira da escola, mães e pai.
As pesquisas 6 e 13 tiveram a participação de professores e crianças,
entretanto, as pesquisas 4 e 11 não tiveram participantes, porque tratou-se de uma
pesquisa com documentos, e as pesquisas de mestrado 10, 12, 19 e 21 e pesquisa
1 de doutorado não informaram sobre participantes das pesquisas.
A participação de professores ocorre com maior frequência, seguida da
participação com crianças; professores e crianças e professores, crianças, vigia,
copeira e pais. É possível supor que os professores lideram como participantes das
pesquisas pelo fato de atuarem com grandes desafios socioeducacionais na
realidade de classes multisseriadas.
Quanto à temática central da pesquisa, foram identificadas onze pesquisas
sobre trabalho e formação docente, as pesquisas de mestrado 2, 3, 5, 7, 13, 15, 16,
17 e 20 e as teses de doutorado 2 e 3. As pesquisas 4, 11 e 21 tratam sobre os
fundamentos da educação (políticas educacionais, Programa Nacional de
Transporte Escolar PNTE, currículo escolar, entre outros), enquanto as pesquisas
1, 6, 9 e 14 explanam sobre o ensino e aprendizagem de ciências naturais, a
pesquisa 18 relata sobre aquisição de conceitos científico, a pesquisa 8 sobre
bilingüismo, a outra 22 sobre educação matemática. As pesquisas 10,12,19 de
mestrado e o estudo 1 do doutorado não apresentaram informações detalhadas.
Constata-se que trabalho e formação docente é o tema mais pesquisado, o
que reforça os dados sobre a maior presença de professores ou da observação
sobre a situação profissional deles nas pesquisas sobre classes multisseriadas. O
trabalho e a formação docente em classes multisseriadas possibilita abordagem da
dimensão política, social e profissional daqueles que nelas atuam.
50
As cinco pesquisas sobre os fundamentos da educação, que envolve políticas
educacionais, o PNTE (Programa Nacional de Transporte Escolar), currículo escolar
e planejamento educacional apontam mudanças e transformações relevantes para
esse tipo de organização pedagógica comum na educação do campo.
As outras pesquisas mostram a perspectiva educacional da multisseriação
abordada pela educação matemática, biliguismo, aquisição de conceitos científicos e
ensino e aprendizagem das ciências naturais.
Pode-se concluir que as pesquisas brasileiras mostram diversas abordagens
e práticas que problematizam o sistema escolar multisseriado, considerando
professores, alunos, práticas pedagógicas e políticas públicas educacionais. O
ensino-aprendizagem oferecido neste cenário educacional ao longo da história,
esteve distante de uma educação de qualidade; entretanto, os resultados das
pesquisas podem indicar alternativas de melhorias para essa realidade educacional.
Resumidamente, apesar da realidade da multisseriação, percebe-se pouco
interesse dos pesquisadores pelo estudo das classes multisseriadas, o que
demonstra um cenário pouco pesquisado no Brasil. De acordo com o levantamento
de dados de dissertações e teses produzidas de 1987 a 2007, encontram-se
escassas pesquisas em classes multisseriadas, e principalmente, em produções
científicas que envolvam habilidades de ensinar a ler e escrever na escolarização
inicial.
Destacamos que nenhuma pesquisa foi realizada nos últimos 20 anos sobre
alfabetização ou aprendizagem da linguagem escrita em sistema escolar
multisseriado. Pode-se concluir, portanto, que o presente estudo adentra tal
realidade com finalidade de problematizar as reais condições e modos de ensino e
aprendizagem da linguagem escrita na região da Amazônia paraense.
Nossa pesquisa pretende trazer dados significativos para analisarmos as
dificuldades e as perspectivas de professores em ensinar crianças a ler e escrever
nas séries iniciais na educação do campo em classes multisseriadas em Breves
51
2. LINGUAGEM ESCRITA E HABILIDADES METALINGUÍSTICAS
Fonte: Acervo de Imagens da Coordenação da Educação do Campo de Breve
“Sim, eu gosto de alfabetizar crianças porque a alfabetização é uma etapa muito
importante na aprendizagem e s como educadores nos sentimos muito felizes
quando alfabetizamos uma criança.” (relato do(a) professor(a) 34 sobre sua
satisfação em alfabetizar crianças)
52
Neste segundo capítulo serão destacados os pressupostos teóricos acerca da
linguagem escrita de crianças e sua relação com o desenvolvimento das habilidades
metalinguísticas. Essas habilidades são capacidades de refletir e manipular a
linguagem de forma consciente. Elas podem constituir um facilitador no processo de
alfabetização de crianças por meio da apropriação dos conhecimentos linguísticos
para ler e escrever.
No subitem “Alguns momentos na história da alfabetização no Brasil”, será
apresentado um pouco do percurso historiográfico da alfabetização no país. A
história da alfabetização se confunde com a própria história dos métodos de
alfabetização. Nesse percurso, nota-se que a alfabetização foi influenciada por
posições políticas e mudanças de paradigmas educacionais.
Em seguida, no subitem designado como “Fases na aprendizagem da
linguagem escrita”, serão apresentados os estudos de Frith, que tratam da
aprendizagem de ler e escrever.
“A aprendizagem da linguagem escrita: uma abordagem das habilidades
metalingüísticas” é o terceiro subitem no qual serão demonstradas as habilidades
metalinguísticas como um facilitador no processo de aprendizagem da linguagem
escrita, as quais envolvem a consciência fonológica, a consciência lexical e a
consciência sintática.
2.1 Alguns momentos na história da alfabetização no Brasil
Frade e Maciel (2003); Maciel (2003) afirmam que a alfabetização é complexa
em seus aspectos conceituais, socioculturais, políticos, educacionais e psicológicos,
pois se trata de um fenômeno que deve necessariamente realizar interfaces com
outras áreas do conhecimento.
A alfabetização foi e continua sendo uma área de estudo bastante explorada
por estudiosos de diversas áreas do conhecimento, que analisam o processo de
aprendizagem da linguagem escrita, bem como as abordagens metodológicas no
campo da alfabetização, entre outros estudos.
Diante disso, nota-se que a trajetória histórica da escrita é recente, assim
como a própria história dos métodos de alfabetização, não se pode negar que os
métodos têm acompanhado a evolução histórica, social e política da humanidade,
53
além de apresentarem concepções sobre a aprendizagem da linguagem escrita e
caminhos a serem seguidos para possibilitar o acesso à leitura e à escrita.
De acordo com os estudos de Mortatti (2000, 2006, 2007), a história da
alfabetização tem quatros momentos importantes que trazem explicações mais
visíveis a partir da história dos métodos de alfabetização. Os todos de
alfabetização influenciaram o ensino e aprendizagem da leitura e escrita nas séries
iniciais na realidade brasileira.
Até o final do Império do Brasil, as poucas escolas existentes eram salas que
abrigavam alunos de todas as séries escolares e funcionavam por meio de aulas
régias em locais com poucas condições adequadas. Dessa forma, o ensino
dependia muito dos esforços dos professores e alunos.
No entanto, na primeira década republicana brasileira, a leitura e a escrita
foram desenvolvidas nas escolas por meio de organização sistêmica e intencional,
haja vista que leitura e escrita eram consideradas estratégicas para se firmar a
cidadania e para o desenvolvimento social na ideologia do regime republicano.
Nesse primeiro momento, o ensino da leitura era realizado por meio dos
modelos sintéticos (da “parte” para o “todo”): alfabético, que parte do nome das
letras; fônico, que parte dos sons correspondentes às letras, e silábico, que parte
das sílabas. Iniciava-se o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus
nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das
famílias das sílabas (método da silabação).
Em seguida, agrupadas as letras ou os sons em sílabas ensinava-se a ler
palavra. Em relação à escrita, limitava-se à caligrafia e ortografia com atividades de
ensino de ditados, cópias, formação de frases dando ênfase ao desenho correto das
letras.
Em 1876 iniciou-se o primeiro momento crucial na história da alfabetização
no Brasil com a publicação em Portugal da Cartilha Maternal ou Arte da Leitura,
escrita pelo poeta português João de Deus. Por sua vez, o Método João de Deus,
pautado na palavração, defendia o ensino da leitura por meio da palavra, com a
finalidade de analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras, disputando com os
métodos sintéticos.
Esse primeiro período perdurou até o início da década de 1890 e nele
observa-se uma contraposição entre os seguidores do método da palavração e
aqueles que defendiam os modelos sintéticos (da “parte” para o todo”). Percebe-se
54
nesse primeiro momento uma ênfase na metodização do ensino da leitura , ou seja,
o ensino de ler e escrever era entendido por meio de uma proposta didática
subordinada às questões de ordem linguística daquela época.
No segundo momento, de 1890 a meados de 1920, houve uma disputa entre
aqueles que defendiam o “novo” método analítico e os defensores dos métodos
sintéticos considerados “antigos”. A institucionalização do método analítico se deu a
partir da primeira década da República brasileira. Os professores formados pela
Escola Normal defendiam o método analítico da alfabetização em São Paulo e o
disseminaram para outros estados brasileiros, embora grande parte daqueles
docentes reclamasse da demora de seus resultados.
O método analítico tinha influência da pedagogia norte-americana,
fundamentada em uma nova concepção de criança fundamentado no
desenvolvimento biopsicofisiológico, cuja forma de apreensão do mundo era
concebida como sincrética. A despeito das disputas sobre os divergentes meios dos
métodos analíticos, foi unânime entre os defensores a necessidade de se adaptar
para o ensino da leitura a essa nova concepção de criança.
Esse método consistia em ensinar a leitura pelo todo, e depois, analisar as
partes que formam o todo. Diversas formas de processar esse método foram se
constituindo a partir daquilo que consideravam como o todo. Isso quer dizer que,
para uns, o todo era a palavra; para outros, a sentença linguística ou, ainda, o texto
ou as histórias.
Até meados da década de 1920, o ensino inicial da escrita era compreendido
pela caligrafia, tipo de letra, e era realizado por meio de treino de cópias e ditados. A
discussão continuou sobre os métodos de ensino inicial da leitura; nota-se que as
questões didáticas de ensino de leitura eram realizadas por meio das habilidades
visuais, auditivas e motoras das crianças, porque o ensino da leitura era entendido
como uma questão didática subordinada aos parâmetros psicológicos da criança.
Como salienta Mortatti, no terceiro momento, que tem início em meados de
1920 até 1970, nota-se um processo de alfabetização sob medida, neste caso há um
conciliação dos dois métodos de ensino da leitura e escrita, de um lado o método
sintético, e de outro, o analítico. Em virtude dessa realidade, buscou-se conciliar os
dois métodos designados como métodos mistos ou ecléticos (partia do analítico para
o sintético e vice-versa) entendido como mais eficazes.
55
A relativização da relevância do método ocorreu a partir da repercussão das
novas bases psicológicas da alfabetização escritas em 1934 por Lourenço Filho no
livro Teste ABC para verificação da maturidade necessária ao aprendizado da leitura
e escrita. Nessa obra, o autor apresentava resultados de pesquisas com alunos de
primeiro grau (o que equivale hoje à primeira série do Ensino Fundamental). O
estudo tinha como objetivo buscar soluções para as dificuldades das crianças no
aprendizado da leitura e escrita.
Lourenço Filho propõe oito provas que compõem os testes de ABC, como
forma de mensurar o nível de maturidade importante do aprendizado da leitura e
escrita com a finalidade de classificação das crianças na alfabetização; seu intuito
era a organização de classes homogêneas e a racionalização e eficácia da
alfabetização.
Percebe-se que a alfabetização envolvia um processo de medidas, isto é, o
método se subordinava ao nível de maturidade dos alfabetizandos em classes
homogêneas. A escrita continuava a ser entendida como uma habilidade caligráfica
e ortográfica, que deveria ser ensinada concomitantemente ao ato de ler, que
demandava um período preparatório com atividades de discriminação, coordenação,
esquema corporal, entre outras.
No quarto momento, meados de 1980 até 1994, surgiu a proposta
metodológica do construtivismo em contraposição aos outros métodos para
alfabetização. Os métodos e a tradição educacional começaram a ser questionados
frente ao aumento do fracasso escolar da alfabetização. Introduziu-se no Brasil o
construtivismo a partir dos estudos ferrerianos sobre psicogênese da linguagem
escrita. O construtivismo deslocava o foco do debate dos métodos de ensino para o
sujeito cognoscente. Entende-se que a abordagem construtivista não é um método,
mas tem um caráter conceitual que busca desmetodizar o processo de
alfabetização.
Nesse momento, houve um convencimento de pesquisadores e das
autoridades educacionais, por meio de estudos, artigos, livros e vídeos, sobre a
eficácia do construtivismo, o que levou a uma disputa entre os construtivistas e os
defensores dos outros métodos de alfabetização.
Ocorreu então a institucionalização do construtivismo em nível de alfabetização nos
Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs, especificamente de Língua Portuguesa,
Brasil (1997, p.51). Eles disseminam que:
56
O aluno que ainda não sabe escrever convencionalmente precisa esforçar-
se para construir procedimentos de análise e encontrar formas de
representar graficamente aquilo que se propõe escrever. É por isso que
esta é uma boa atividade de alfabetização: havendo informação disponível e
espaço para reflexão sobre o sistema de escrita, os alunos constroem os
procedimentos de análise necessários para que a alfabetização se
realize.(grifo nosso)
Essa passagem dos PCNs de língua portuguesa mostra que a alfabetização
estava sendo vista como relacionada ao processo de construção sobre o
conhecimento do objeto de estudo, nesse caso, a escrita. Nesta perspectiva os
PCNs tratam da alfabetização em um enfoque construtivista. Nesse documento
observa-se que o objetivo da alfabetização é levar o aluno a entender os usos
sociais da linguagem.
Nota-se que não indicação de usos de métodos explícitos no ensino da
linguagem escrita nos PCNs de língua portuguesa, porém o documento enfatiza que
as crianças devem ser alfabetizadas por uma proposta ideovisual, isto é, uma
abordagem textual, onde o texto é unidade básica de ensino por excelência com
predominância visual e preceptiva. Desta forma, o aprendiz entra em contato com o
texto sem requisitos básicos da leitura e da escrita propriamente ditas.
Os estudos de Mortatti revelam um complexo movimento histórico da
alfabetização no Brasil marcado por disputas entre métodos, grandes rupturas com a
tradição, inclusive estratégias de autonomia (desmetodização) da alfabetização.
Nesse percurso percebe-se uma busca constante do aprimoramento de métodos e
estratégias de alfabetização com intuito de superar as dificuldades de ler e escrever
de crianças no início da escolarização.
Na atualidade, o enfoque mais recente a respeito de como se aprende a ler e
escrever é o das relações entre habilidades metalinguísticas e a linguagem escrita.
Esse enfoque resulta de pesquisas baseadas nos avanços das neurociências e da
psicologia cognitiva da leitura. Nesta perspectiva, o relatório final do grupo de
trabalho Alfabetização infantil: os novos caminhos” publicado em 2003 é um
documento que traz fundamentos para uma alfabetização brasileira de qualidade e
baseada em estudos científicos atuais.
57
Este relatório foi elaborado por Marilyn Jaeger Adams (Estados Unidos),
Roger Beard (Inglaterra), Fernando Capovilla (Brasil), Claudia Cardoso-
Martins(Brasil), Jean –Emile Gombert (França), JoMorais (Bélgica), João Batista
Araujo e Oliveira (Brasil) por iniciativa da Câmara dos Deputados. O documento
refere-se à alfabetização de crianças como um assunto relevante em todos os
países do mundo.
A análise das políticas, práticas e resultados da alfabetização brasileira com
crianças revela um quadro preocupante como: os problemas da alfabetização fazem
parte de um conjunto de problemas políticos e econômicos (desigualdades sociais,
prioridades de investimentos, etc.), e poderão ser equacionados quando esses
problemas subjacentes permitirem a criação de condições básicas para uma escola
de qualidade.
O relatório afirma ainda que as políticas e práticas de alfabetização brasileira
apresentadas nos PCNs parecem ser resultado ideológico e resultam numa espécie
de reação contra as práticas inadequadas de alfabetização. Como vimos os PCNs
fundamentam-se numa proposta de Emília Ferreiro, e nos trabalhos de Goodman e
Smith. Ela apresenta uma visão de estágios decorrentes de uma tentativa de
adaptação do conceito de Piaget dos estágios naturais de desenvolvimento para
explicar a aprendizagem da linguagem escrita.
É notório saber que os fundamentos ferreirianos são ainda hoje disseminados
nos cursos de formação de professores brasileiros e nas práticas alfabetizadoras e
nos PCNs. Pode-se destacar a crítica de Cardoso-Martins e Batista em Brasil (2003)
ao questionarem a ideia de Emília Ferreiro de que a produção silábica resultaria de
uma construção conceitual realizada pela criança.
Eles argumentaram que o comportamento das crianças, neste caso da ngua
portuguesa, de utilizar letras por sílabas, resulta de uma tendência a representar os
sons que elas identificam ao proferir palavras, que na língua portuguesa
correspondem aos nomes das vogais. Nessa perspectiva, a criança tem uma
sensibilidade fonológica ao perceber com maior freqüência os nomes das vogais.
O relatório “Alfabetização infantil: os novos caminhos”, relata que os sistemas
alfabéticos de escrita representam os fonemas na forma de grafemas. A
decodificação nos sistemas alfabéticos envolve a conversão de grafemas em
fonemas no momento de leitura. O ensino da decodificação deve ter duas
competências prévias. A primeira é a consciência fonêmica, que é uma habilidade
58
de representar cada palavra em termos de uma sequência de fonemas, a segunda é
a descoberta do princípio alfabético que possibilita ao aprendiz compreender a
relação entre grafemas e fonemas. Entende-se que os aprendizes ao dominar as
competências
[...] podem dar o passo seguinte, que consiste na aprendizagem das
relações que caracterizem o código de cada língua. É essa a base da
decodificação: identificar uma palavra escrita ou oral decifrando as
correspondências entre grafemas e fonemas. A palavra “fônica” refere-se
tanto ao principio que rege essas correspondências quanto ao método de
tradução de fonemas em grafemas que permite ao aluno decodificar.
(BRASIL, 2003, p.39)
Na literatura encontram-se estudos que mostram a relevância do ensino
sistemático da decodificação, segundo aponta o relatório: pesquisas sobre bons
leitores, pesquisas sobre maus leitores e pesquisas sobre métodos de alfabetização.
As pesquisas sobre bons leitores apontam que antes de serem bons leitores,
os indivíduos decodificavam bem, o que os ajudou a serem bons leitores. Esta
evidência constata-se pelos estudos que apresentam correlação entre habilidade de
decodificação nas séries iniciais da alfabetização com a proficiência posterior no ato
de ler. E ela foi comprovada de forma plena ao mostrar em diversos estudos que os
bons leitores utilizam estratégias de decodificação no momento de lerem palavras
difíceis.
Enquanto, as pesquisas sobre maus leitores vêm colaborar para a
compreensão da diferença entre a função do contexto no processo de identificação
de palavras e sua funcionalidade no processo de compreender palavras e textos. O
contexto é fundamental no momento de interpretação textual, mas não para
identificação de palavras.
Diante disso, apenas o maus leitores e indivíduos com dificuldades de leitura
estão sujeitos ao contexto para identificar palavras, causando sacrifícios na fluência
e na compreensão. Ademais, estudos comprovam que a causa mais freqüente e que
abrange a dificuldade de leitura é a inadequação do conhecimento sobre a relação
correspondente entre grafemas e fonemas.
as pesquisas sobre métodos de alfabetização trazem o debate sobre o
ensino sistemático em relação ao ensino incidental das correspondências entre
grafema e fonema que foi superada pelos estudos científicos sobre o tema. Os
aprendizes têm de desenvolver habilidades de decodificar para ler de forma eficaz e
59
com precisão. grandes evidencias que os todos fônicos de alfabetização, isto
é, métodos que se fundamentam no ensino da correspondência entre grafema e
fonemas são mais eficazes para desenvolver essas habilidades.
A publicação do Observatório Nacional de Leitura da França Apprendre a Lire
aponta três concepções de alfabetização: alfabética, fônica e a ideovisual.
A concepção alfabética possibilita o aprendiz a identificar letras, seus nomes,
memorizar o alfabeto e combinar letras para formar sílabas aque sejam capazes
de formar palavras para ler e escrever. Normalmente, quando o aprendiz aprende a
ler palavras, ele utiliza nomes das letras para formar sílabas.
A concepção fônica propõe um ensino das relações entre unidades gráficas
(grafemas ou letras) e suas correspondências fonológicas (os fonemas). Os
fonemas são utilizados para promover a leitura. A análise e síntese de fonemas são
as duas estratégias mais eficazes para possibilitar aos aprendizes a capacidade de
transformar letras em sons e transformar sons em letras.
Por sua vez a concepção ideovisual pressupõe a identificação visual de
palavras. Diante de palavras no texto o aprendiz levanta hipóteses a respeito da
relação entre sons e letras. Nesse processo de leitura, a decodificação não esgota
os objetivos da alfabetização, porque diferentes objetivos envolvem diferentes
materiais de leitura e o uso de diferentes estratégias para promover a fluência do
vocabulário, compreensão e articulação com a escrita.
Diversos trabalhos experimentais e empíricos confirmam a maior eficácia dos
métodos fônicos em relação aos demais, conforme consta no National Reading
Panel de 2000. Eles enfatizam a decodificação grafo-fonológica como condição para
que o aprendiz adquira fluência e autonomia no momento de ler. As estratégias de
converter letras em sons e juntá-los para formação de palavras têm-se mostrado
mais hábeis do que aquelas baseadas em unidades maiores do que o fonema.
pesquisas, como por exemplo de Maluf e Barrera (1997) e Santos e Maluf
(2004), que comprovam que esses métodos apresentam melhores resultados no
processo de aprendizagem da linguagem escrita. Com base em evidências obtidas
em pesquisas anteriores pode-se concluir que o ensino das relações entre grafema
e fonema produz maior impacto no processo da leitura no estágio inicial, em que os
alunos ainda não possuem competência para ler com autonomia.
60
2.2 Fases na aprendizagem da linguagem escrita
Imagine um indivíduo frente a um texto escrito em russo com sinais gráficos
estranhos; se o indivíduo não tiver domínio do sistema linguístico russo, não
conseguirá ler e não haverá comunicação. Isso porque a leitura torna a escrita
significativa. Dessa maneira, a linguagem escrita é uma das formas de comunicação
humana, e ela só tem sentido quando é lida.
Os estudos realizados por Frith (1980, apud NUNES; BUARQUE ;BRYAN,
1992; REGO 1995; GOMBERT, 2003; SOUSA; MALUF, 2004) apontam para três
fases no desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da linguagem escrita:
logográfica, alfabética e ortográfica. Essas fases promovem a instalação da
capacidade dos leitores de reconhecerem palavras escritas.
Segundo Firth, na fase logográfica, o aprendiz não estabelece nenhuma
relação entre as letras e as estruturas fonológicas; ele desenvolve estratégias para
adivinhar os símbolos gráficos em relação aos aspectos visuais por ele observados,
mas sem saber ler. Nessa fase logográfica, a leitura ocorre pelo reconhecimento
visual das palavras, não considerando os segmentos linguísticos.
Um exemplo poderia ser a marca “BRADESCO”; ele o sabe ler a palavra,
mas pelo fato de ter visto a palavra na fachada do banco e ouvido sua pronúncia, ele
a lê sem considerar a ordem e a sequência das letras.
Na fase alfabética, o aprendiz inicia a leitura e a escrita por meio de aspectos
fonológicos. Ele toma consciência dos sons da linguagem oral e os relaciona aos
aspectos simbólicos representativos dos sons da linguagem oral, que são os
grafemas. Nessa fase importante, o aprendiz utiliza a mediação fonológica, que
ocorre pela correspondência entre a linguagem escrita e a leitura, isto é, o aprendiz
manipula conscientemente a relação grafema-fonema e fonema-grafema.
Para isso, é necessário o conhecimento do sistema alfabético relacionado ao
domínio da consciência fonológica. Segundo Cardoso-Martins (1995), a consciência
fonológica é a consciência dos sons que compõem a fala. Assim, na fase alfabética,
o aprendiz é capaz de realizar correspondências fonema-grafema e grafema-fonema
na escrita e na leitura, respectivamente, o que indica que ele está alfabetizado.
Na fase ortográfica, uma leitura aprofundada por meio da análise das
unidades ortográficas, isto é, uma análise linguística da palavra, comumente
explorada em palavras irregulares. Nessa fase, três fatores são importantes: a
61
automatização da leitura alfabética; as dificuldades da decodificação de palavras
irregulares; a aprendizagem da ortografia de grupos de letras que têm valor
semântico, os morfemas (GOMBERT, 2003).
O aprendiz, nessa fase ortográfica, tem a capacidade de reconhecer e
analisar as palavras em unidades ortográficas sem conversão fonológica. O
processamento de palavras se pela análise e por meio das representações das
palavras, que são adotadas pela escrita.
O ensino e aprendizagem da linguagem escrita é um processo específico de
apropriação do sistema de escrita por meio dos princípios alfabéticos e ortográficos
que levam o aluno a ler e escrever. O sistema de escrita tem um nível estrutural
linguístico de representação, nesse caso, a escrita alfabética.
Ao ser alfabetizado, o aprendiz deve dominar a escrita por representação de
sinais grafemas, que estão intimamente ligados aos aspectos sonoros da
linguagem oral fonemas. Em seguida, ele percebe que a escrita se realiza por
meio de um sistema ortográfico de convenções socioculturais do sistema linguístico
de sua sociedade.
É relevante que a escola realize atividades sistemáticas para tal
procedimento. A leitura em voz alta apontando para cada palavra lida, fazendo
pausas e percebendo o posicionamento dos grafemas no papel é uma atividade que
possibilita ao aprendiz diferenciar a segmentação da fala e a da escrita, e isso será
importante para que ele reflita sobre aspectos morfossintáticos da escrita.
Para esta abordagem escrever é habilidade que relaciona o conhecimento e
compreensão do alfabeto por meio da identificação e dos nomes das letras, e
entender que o nome delas tem um fonema que é representado na escrita. Outra
capacidade fundamental é conhecer a categorização gráfica e funcional das letras,
sabendo que algumas devem ser usadas em determinadas palavras em certa
ordem.
É relevante que o aprendiz entenda que as letras têm valores funcionais
fixados pela história do alfabeto e pela convenção ortográfica de cada sistema
linguístico. O conhecimento do alfabeto orienta o aprendiz que não se pode
escrever qualquer letra em qualquer lugar em uma palavra porque cada letra
representa fonemas em uma palavra.
Para Morais (1996) e Maluf (2005), o domínio do princípio alfabético é, sem
dúvida, o cerne da apropriação do sistema de escrita, porque o princípio geral que
62
regulamenta a escrita é a relação dos grafemas que representam fonemas. A
conquista desse conhecimento de que uma letra tem um som e cada som pode ser
uma letra significa que houve o domínio da natureza alfabética da escrita do
português do Brasil. As correspondências entre grafemas e fonemas são variadas,
ocorrendo relações simples e complexas dependendo da posição ocupada na
palavra.
2.3 Relações entre aprendizagem da linguagem escrita e habilidades
metalinguísticas
De acordo com Gombert (2003), Maluf (2003, 2005) e Mota (2009), as
habilidades metalinguísticas o entendidas como habilidades de se refletir não
sobre aspectos formais da língua, mas sobre os processos cognitivos e
metacognitivos envolvidos no processamento da linguagem escrita.
Alguns pesquisadores realizaram diversos estudos na década de 1980 sobre
conhecimento metalinguístico, como idade de aquisição, a relação entre as
habilidades metalinguísticas e a alfabetização, e as implicações pedagógicas dos
resultados de estudos científicos.
As habilidades metalinguísticas estão ligadas à aquisição da linguagem
escrita, dentre as quais se podem citar: a consciência fonológica, a consciência
morfológica, a consciência sintática e a consciência metatextual. Segundo Mota
3
:
Consciência fonológica: capacidade de reflexão sobre os sons da língua que
formam a fala.
Consciência morfológica: capacidade de leitura de palavras isoladas e de
compreensão da leitura.
Consciência sintática: capacidade de reflexão, manipulação e controle
intencional sobre a sintaxe da língua, sendo um facilitador na leitura.
Consciência metatextual: capacidade de manipular conscientemente um
texto.
3
Utilizou-se aqui a terminologia usada por Mota: consciência fonológica (habilidade metafonológica),
consciência morfológica (habilidade metamorfológica), consciência sintática (habilidade
metassintática) e consciência metatextual (habilidade metatextual).
63
As habilidades metalinguísticas estão ligadas aos aspectos ou conhecimentos
fonológicos, morfológicos e sintáticos que trazem um entendimento para
aprendizagem da leitura e escrita. Vale destacar que a leitura é entendida nessa
abordagem como atividade linguística, na qual o indivíduo tem controle cognitivo
consciente (GOMBERT, 2003).
Quando o aprendiz realiza atividades de leitura e escrita que envolvem
atividades reflexivas, com consciência e manipulação da linguagem oral, pode-se
considerar que ele desenvolveu a consciência metalingüística. Nesse sentido, Maluf
(2005, p.58) explica que “As capacidades metalingüísticas não se instalam
naturalmente, mas podem ser estimuladas por meio das atividades orais que
solicitam a atenção da criança para a estrutura e funcionamento da linguagem”.
Aprender a linguagem escrita e ser um leitor em um sistema alfabético são
atividades que envolvem uma capacidade consciente e reflexiva da e pela
linguagem oral com o intuito de desenvolver habilidades metalinguísticas. A
linguagem oral se de forma espontânea na criança, não precisa ser ensinada e
esta ligada a evolução biológica, ao longo do tempo a criança percebe que existe
uma ligação entre a fala e a escrita.
O elo entre fala e o sistema de escrita ocorre a partir do momento que a
criança percebe que a fala pode ser representada na escrita por meio de letras,
sílabas, palavras, frases. Esses aspectos linguísticos devem ser manipulados
conscientemente pela criança. Entende-se que no processo de aprendizagem, os
professores devem esclarecer aos aprendizes os fundamentos mais relevantes da
relação entre letra e som com objetivo de desenvolver habilidades de leitura e
escrita.
Segundo Barrera (2003), as habilidades metalinguísticas se desenvolvem
independentes e posteriores às habilidades linguísticas comunicativas. Estas
habilidades ocorrem pelo desenvolvimento de aspectos cognitivos e esquemas
mentais que possibilitam o controle consciente do indivíduo sobre o processamento
de informações. No processo de aprendizagem da escrita, as habilidades
metalinguísticas são novas possibilidades de processamento linguístico, que
facilitam a escrita e a leitura.
64
As habilidades metalinguísticas apresentam diferentes tipos de habilidades
que tendem a evidenciar os seguintes aspectos: fonemas, morfemas, palavras,
sentenças, sintaxe, semântica e pragmática. Elas ocorrem por meio de uma
aprendizagem explícita e apreendida nas práticas escolares.
A aprendizagem da linguagem escrita é diferente daquela da linguagem oral.
A compreensão da linguagem oral ocorre a partir do momento em que o ser humano
entra em contato com o sistema linguístico da sociedade da qual faz parte, sem
precisar conhecer conscientemente as estruturas fonológicas, morfológicas,
sintáticas e semânticas da língua.
Por sua vez, a aprendizagem da linguagem escrita na escolarização inicial
envolve a habilidade de utilizar símbolos gráficos relacionando os sons da língua
com suas respectivas representações por meio de uma reflexão e manipulação
consciente.
A criança é capaz de utilizar a linguagem em situação sociocomunicativa no
início da escolarização, principalmente no momento da alfabetização, ou seja, ela
tem a capacidade de utilizar a linguagem como expressão e compreensão atribuindo
significados no momento de aprender a ler e escrever.
De acordo com Barrera (2003), o desenvolvimento das habilidades
metalinguísticas na criança possibilita que ela se torne capaz de: atentar e refletir
deliberadamente sobre a linguagem, manipulando e segmentando a fala a partir de
palavras, sílabas e fonemas; separar as palavras dos referentes (diferença dos
significados em relação aos significantes); perceber as semelhanças sonoras entre
diversas palavras com o objetivo de julgar a coerência semântica e sintática dos
enunciados. Portanto, pode-se considerar que as habilidades metalinguística, que é
um facilitador no momento de o aprendiz analisar e refletir de forma consciente a
linguagem escrita.
Segundo Tunmer et al (1988, apud BARRERA, 2003) na literatura três
explicações divergentes para o aparecimento das habilidades nas crianças.
Primeiramente, a habilidade metalinguística se desenvolveria ao mesmo tempo, e
inicia com a detecção dos erros, que o aprendiz usa para monitorar sua linguagem
falada. A segunda explicação fundamenta-se em explanar que a capacidade
metalinguística se desenvolve independente e posteriormente às diversas
habilidades linguísticas fundamentais de natureza comunicativa, com mais relação
ao desenvolvimento cognitivo, responsável pelo controle consciente do ser humano,
65
isso por volta dos sete anos. E a terceira explicação traz um outro fundamento, que
considera a habilidade metalinguística como uma capacidade apreendida por meio
da instrução formal escolar no processo de alfabetização.
Entende-se que a capacidade de analisar e manipular a linguagem
conscientemente pode ser considerada em geral como processo de natureza
escolar, no entanto, as habilidades metalingüísticas são relevantes para que ocorra
o processo de alfabetização. Essas explanações têm gerado diversas
contraposições entre pesquisadores sobre a função dessa habilidade como fator que
antecede ou sucede o processo de aquisição da linguagem escrita.
Morais, Alegria e Content, 1987; Manrique e Signorini, 1988 (apud
BARRERA, 2003, p. 67) relatam que a abordagem teórica mais aceita sobre as
relações entre as habilidades metalinguísticas e a alfabetização parece ser a
perspectiva “interativa”, que sustenta a existência de uma influência tua entre os
dois fatores, ou seja, que as habilidades metalinguíticas antecedem e sucedem a
aprendizagem da linguagem escrita.
2.3.1 As Pesquisas sobre Habilidades Metalinguísticas
Os estudos científicos sobre habilidades metalinguísticas têm crescido nas
últimas décadas. Conforme o levantamento do estado da arte de pesquisas
brasileiras acerca das habilidades metalinguísticas e linguagem escrita no período
de 1987 a 2000, a produção é numerosa e aceita na literatura da área da psicologia
e educação (MALUF; ZANELLA; PAGNEZ, 2006).
Os dados do levantamento apresentados estão sistematizados em
dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos científicos publicados em
periódicos no Brasil.
Os resultados dos estudos apontam 157 trabalhos brasileiros no período de
1987 a 2005. Desses 157 trabalhos, foram encontradas 113 pesquisas relacionadas
às habilidades metalinguísticas e aquisição da linguagem escrita, sendo 89
dissertações de mestrado, 24 teses de doutorado e 44 artigos de periódicos
brasileiros.
66
Os dados mostram que o Estado de São Paulo concentra o maior número de
pesquisas de mestrado e doutorado (31), seguido de Pernambuco (25), Rio Grande
do Sul (21), Minas Gerais (10), Santa Catarina (6), Rio de Janeiro (4), Goiás, Paraná
e Pará (3), Ceará (2) e Alagoas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Piauí e Rio Grande do
Norte (1). A parir desses resultados é possível observar que a metalinguagem vem
crescendo de maneira significativa nas pesquisas brasileiras.
Os dados mostram que as habilidades metacognitivas estudadas foram:
consciência fonológica (80); habilidades ortográficas (20); sintática (16); habilidades
metalinguísticas sem especificações (13); habilidade lexical (8); habilidade
metatextual (4); habilidade semântica (5); habilidade morfológica (5); e
metacognição (2).
As pesquisas sobre a consciência fonológica são frequentes, elas estudam a
habilidade de identificar os componentes fonológicos (unidades linguísticas sonoras)
e manipulá-los de modo intencional (domínio metafonológico). “Esses achados
permitem afirmar que as diferentes habilidades metalinguísticas estão sendo
estudadas em suas relações com a alfabetização, mas aquela sobre a qual foram
produzidas maiores evidências é sem dúvida a consciência fonológica (MALUF;
ZANELLA; PAGNEZ, 2006).
Dos 113 trabalhos de mestrado e doutorado, 109 são estudos empíricos;
destes, 85 são pesquisas que recorreram aos diversos métodos de coleta e análise
dos dados, 24 pesquisas interventivas, comumente experimentais, 2 estudos
teóricos e 2 estudos em que não há informações sobre o tipo de pesquisa.
Quanto aos participantes das pesquisas, 94 estudos foram realizados com
crianças, 4 com adolescentes, 4 com adultos, 3 com crianças e adultos, 1 realizado
com crianças e adolescentes, 1 com adolescentes e adultos. Em 6 pesquisas foi
impossível identificar a faixa etária de estudo. Em 87, os estudos foram feitos com
sujeitos típicos, isto é, não portadores de deficiência ou dificuldades de
aprendizagem explícita, 19 com participantes com alguma deficiência ou dificuldade
de aprendizagem, 6 com participantes com desenvolvimento típico e atípico e 1 não
tinha informações sobre os participantes.
Segundo Maluf; Zanella; Pagnez (2006), os resultados apresentaram
evidências de que a maior parte dos estudos a respeito das relações entre
aprendizagem da linguagem escrita e habilidades metalinguísticas é realizada com
67
participantes com desenvolvimento típico, havendo poucos trabalhos com adultos e
portadores de necessidades especiais.
Quanto aos artigos brasileiros publicados em diversos periódicos, foram
encontrados pelas pesquisadoras 34 artigos sobre consciência fonológica, 9 que
tratam de consciência sintática, 3 de consciência lexical, 2 de consciência
morfológica, 1 de consciência metatextual e 1 designado de metalinguística.
Nota-se que a consciência fonológica foi a mais abordada nos artigos dos
periódicos, porque os estudos mostram que ela é um facilitador que leva o aprendiz
à identificação dos componentes fonológicos das estruturas linguísticas, contribuindo
para a aprendizagem da leitura e escrita.
2.3.2 Consciência Fonológica
A consciência fonológica está ligada à linguagem oral. Este termo é usado
para se referir à capacidade da criança julgar a cerca de aspectos sonoros da
palavra como tamanho, semelhança, diferença, além da capacidade de manipular os
fonemas e outros aspectos como suprasegmentos da fala (sílabas e rimas).
(BARRERA, 2003).
De acordo com Capovilla e Capovilla (2009), a consciência fonológica é um
tipo de habilidade metalinguística que se desenvolve gradualmente à medida que o
aprendiz vai se tornando consciente de palavras, sílabas e fonemas. Nessa
perspectiva, o termo consciência fonológica é utilizado para tratar da consciência de
segmentos nos níveis de palavra e subpalavra rimas, aliterações, sílabas e
fonemas.
É fundamental para a aprendizagem da linguagem escrita que o aprendiz
desenvolva a capacidade de refletir sobre a linguagem oral percebendo que uma
relação entre grafema e fonema, isto é, as letras representam os sons da fala na
palavra. O domínio da correspondência grafema-fonema possibilita ao aprendiz um
entendimento melhor dos sistemas de escrita que, tal como o da língua portuguesa,
são fundamentado na natureza ortográfica e alfabética. Nessa perspectiva,
68
[...] a consciência fonológica requer que a criança ignore o significado das
palavras e preste atenção à estrutura da palavra. Isto exige uma nova
perspectiva, uma mudança na maneira como a criança “encara” a palavra.
Desde que a criança adquirisse esta consciência, então ela poderia eaminar
e manipular a estrutura fonológica de uma palavra; ela teria, então,
consciência fonológica. (GOUGH ; LARSON, 1995, p.15)
Em alguns estudos vê-se que a consciência fonológica é um facilitador na
aprendizagem da linguagem escrita. Esse fato é evidenciado pelas pesquisas
produzidas no cenário científico relatado nos escritos de Cardoso-Martins (1995) e
Capovilla e Capovilla (2009), além das pesquisas de Barrera e Maluf (2003) Santos
e Maluf (2004). Mota (2009) aponta que a consciência fonológica é fundamental
para as crianças no momento da alfabetização, porque eles refletem sobre os sons
que compõem a fala; com isso, há maior facilidade de aprender a ler e a escrever.
Muitos autores mostram que a habilidade de análise dos fonemas é relevante
no domínio da linguagem escrita alfabética. Isso significa compreender a relação
direta de um fonema (som) com um grafema (letra),tendo a capacidade de isolar o
fonema para simbolizá-lo por meio de letras.
Conforme Bryant, Maclean, Bradley e Crossland (1990, apud BARRERA,
2003), um processo de desenvolvimento espontâneo da consciência fonológica
em crianças, porque as crianças aumentam com a idade a capacidade de julgarem
segmentos sonoros da fala. Dessa forma, desde uma idade precoce, crianças têm
capacidade de detectar unidades sonoras, como sílabas e rimas.
A importância atribuída à consciência fonológica ocorre em função de ser uma
habilidade metalingüística na qual a criança pode refletir e manipular as unidades
linguísticas de forma intencional por meio de tarefas de supressão, adição ou
inversão de fonemas e sílabas. Desta forma, a criança presta mais atenção em
aspectos sonoros e segmentais da linguagem, o que facilita a aprendizagem da
escrita.
Segundo Barrera, a existência da correlação entre o nível de consciência
fonológica e o desempenho de atividade de leitura e escrita é apresentada por uma
vasta quantidade de estudos, mas algumas contraposições no cenário científico.
Assim, enquanto alguns estudiosos apontam que a instrução formal no sistema
alfabético é o aspecto ou a causa principal para o desenvolvimento da consciência
fonológica, outros defendem que a consciência fonológica é um pré-requisito para a
aprendizagem da linguagem escrita.
69
A consciência fonológica difere da sensibilidade fonológica, que é uma
habilidade epilinguística, sendo avaliada por meio de tarefas em que não é
necessário isolar ou manipular explicitamente as unidades linguísticas. Bowey (1994
apud BARRERA, 2003) relata que crianças pré-escolares vindas de culturas letradas
alfabéticas tendem a apresentar sensibilidade fonológica mesmo quando o têm a
capacidade de isolar as unidades fonêmicas das palavras faladas explicitamente.
[...] embora não se possa negar que a própria situação de ensino
/aprendizagem da linguagem escrita leva as crianças a focarem sua
atenção no aspecto sonoro e segmental da fala, sobretudo no que se refere
à identificação e manipulação dos fonemas, é possível supor também que o
nível de consciência / sensibilidade fonológica adquirido anteriormente a
esse processo de instrução formal pode desempenhar um papel facilitador
no processo de alfabetização. (BARRERA, 2003, p. 76)
Sobre esta assertiva, é imprescindível atividades de preparação para leitura e
escrita, especialmente, aquelas que objetivem o desenvolvimento de competências
orais e desenvolvimento das habilidades fonológicas como contação de histórias,
atividades com poesias, entre outras.
Algumas pesquisas de Bradley; Bryant,1983; Cunningham,1989; Lundberg,
Frost; Petersem,1988 (apud GOURG; LARSON,1996) demonstram que o
treinamento da consciência fonológica, para quem não a tem, aumenta
consideravelmente a habilidade subsequente de leitura.
Diante do cenário das pesquisas, Santos; Maluf (2004) apontam que as
pesquisas sobre consciência fonológica têm estudado vários aspectos desse tema
como: rima, aliteração, consciência silábica e consciência fonêmica
Alguns estudos sobre consciência fonológica e aquisição da linguagem escrita
apontam que tal habilidade metalinguística promove uma melhor alfabetização de
crianças. As pesquisas de Ehri & Wilce (apud REGO, 1995) se sustentam quando
demonstram que o uso de pistas grafofônicas é substancial para o progresso da
leitura em qualquer momento do aprendiz. Por sua vez, Bryant e Bradley (apud
REGO,1995) realizaram pesquisas com crianças sobre estratégias para ler e
escrever nos anos iniciais escolares. Esses estudos influenciaram pesquisas sobre a
relação da leitura e da escrita com crianças brasileiras.
70
A pesquisa de intervenção de Santos (2004) ratificou o resultado das
pesquisas citadas anteriormente. O resultado mostrou que a consciência fonológica
é facilitadora no início da aquisição da escrita alfabética por meio de um
procedimento de intervenção; essa pesquisa foi realizada com 90 alunos de 5
classes do último ano da pré-escola com idades entre 5 anos e 4 meses e 6 anos e
5 meses.
Destaca-se a pesquisa de Pinheiro (apud SOUSA; MALUF, 2004), que
estudou a relação entre leitura e escrita em crianças brasileiras, comparando o
desempenho nas habilidades de ler e escrever por meio das manipulações de
variáveis psicolinguísticas, frequência de ocorrências de palavras reais, regularidade
ortográfica e cumprimento. Esse estudo buscou comparar o desempenho de
crianças em fases diferenciadas de aprendizagem da leitura por meio da ascensão
de estratégias fonológicas e visuais da leitura e escrita em Português.
Os resultados sugeriram que tanto as habilidades de leitura como de escrita
são realizadas pelos aspectos fonológicos no início do processo de alfabetização.
Ademais, uma influência dos aspectos lexicais e visuais que ocorrem com o
processo fonológico para escrita e leitura de palavras. Crianças que utilizam a
correspondência fonema-grafema conseguem adquirir representações léxicas para
palavras familiares; e os baixos desempenhos de leitura estão, em alguns casos,
atrelados aos baixos desempenhos de escrita.
Alegria, Leybaert e Mousty (1987 apud CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2009)
enfatizam que a tomada de consciência de que a fala apresenta uma estrutura
fonêmica subjacente é essencial para a aquisição da leitura, porque essa estrutura
possibilita usar um sistema gerativo que converte a ortografia em fonologia, o que
permite ao aprendiz ler qualquer palavra nova, mesmo cometendo erros em palavras
irregulares. Esse processo permite a auto- aprendizagem pelo leitor, pois ele lerá por
decodificação fonológica.
De fato, a consciência fonológica relacionada com a correspondência
grafema-fonema acelera a aquisição da leitura, porque a manipulação dos sons da
linguagem oral auxilia no processo de decodificação das palavras, facilitando a
aprendizagem da escrita. Nos estudos de Barrera (1995 apud CAPOVILLA e
CAPOVILLA 2009), encontrou-se uma correlação positiva entre o desempenho em
tarefas de consciência fonológica e a aquisição da linguagem escrita.
71
Ademais, alguns estudos mostram que os processos de consciência
fonológica e aprendizagem da escrita são recíprocos; isso se pela correlação
existente entre a capacidade do aprendiz relacionar letra e som, e vice-versa. Os
estágios iniciais da consciência fonológica (rimas e sílabas) facilitam o
desenvolvimento do processo de leitura, e as habilidades desenvolvidas nas leituras
favorecem o desenvolvimento da consciência fonológica.
Alegria et al (1997 apud CAPOVILLA e CAPOVILLA 2009) apontam que a
consciência fonológica promove o desenvolvimento da leitura e da escrita, e este
corrobora o desenvolvimento da consciência fonológica em um jogo de interação
mútua entre a escrita e a leitura.
2.3.3 Consciência Lexical
A consciência lexical é uma habilidade metalinguística que segmenta a
linguagem oral em palavras com funcionalidade semântica - aquelas que
apresentam uma significação independente do contexto (substantivos, adjetivos,
verbos) - ou em palavras com funcionalidade sintático-relacional, as que assumem
uma significação no interior das sentenças linguísticas (conjunções, preposições e
artigos).
Segundo Ehri (1975, apud BARRERA, 2003), é fundamental para a
alfabetização que a criança tenha critérios de segmentação da linguagem; isso
parece ocorrer sistematicamente com crianças na faixa etária de 7 anos. Antes
dessa faixa etária, afirma-se que as crianças podem ser capazes de produzir e
entender enunciados, mas o conhecimento lexical é implícito e inconsciente.
Barrera (2003) aponta, a partir de estudos de pesquisadores, que as crianças,
antes de iniciarem a aprendizagem da leitura e escrita, não apresentam consciência
das palavras como unidades morfológicas (unidades significativas); a consciência
lexical é resultante do processo de alfabetização. É um trabalho dificultoso para
crianças não-alfabetizadas analisarem a fala em segmentos, que a fala se realiza
em sequências contínuas em que nem todas as unidades que as formam têm a
mesma importância perceptiva, tanto em termos fonológicos (aspectos
suprassegmentais: pausas, tonalidade, ritmo), como em aspectos morfológicos
72
(importância semântica de algumas categorias gramaticais: substantivos e
adjetivos).
As crianças recém-alfabetizadas sentem dificuldades em segmentar a
linguagem escrita. Com isto, nota-se algumas vezes colocações inadequadas dos
espaços em branco entre palavras, realizando segmentação indevida das palavras e
juntando algumas outras por meio de aspectos semânticos e/ou rítmicos e
entoacionais, mais do que morfológicos (Abaurre, 1992 e Mayrink-Sabinson, 1993
apud BARRERA, 2003).
Conforme Ferreiro e Pontecorvo (1996 apud BARRERA, 2003), algumas
evidências mostram que a noção intuitiva das palavras em pré-alfabetizados é
relacionada com a aprendizagem da escrita alfabética. Assim, o nível de
segmentação linguística da escrita está ligado a um processo histórico, arbitrário e
com variações de língua para língua. Esses estudiosos apontam ainda que crianças
tendem a fazer uma diferenciação entre aquilo que consideram “palavras”, que
apresentam um referencial concreto, e outras coisas que “juntam palavras”, como é
o caso das conjunções, preposições, etc.
2.3.4 Consciência Sintática
A consciência sintática se refere a uma habilidade que o indivíduo desenvolve
ao refletir e manipular a estrutura gramatical das sentenças.
A sintaxe apresenta uma relação direta com a articulação da linguagem
humana; isso porque ela é formada por um mero limitado de unidades linguísticas
que possibilitam a construção, a partir de diferentes combinações, de infinitas
mensagens; são necessárias as regras convencionais de combinação entre palavras
para a produção de enunciados com sentido.
Alguns estudos psicolinguísticos apontam que a aquisição da linguagem
escrita não depende unicamente da consciência fonológica e da consciência
morfológica da linguagem oral, pois as habilidades de escrita e leitura não são
simples processos de codificar e decodificar palavras a partir de relações entre
grafemas e fonemas. A partir desses pressupostos, o bom leitor é aquele que tem a
capacidade de utilizar o conhecimento linguístico da estrutura gramatical da frase e
o extralinguístico, conhecimento de mundo, para identificar as palavras pela
73
dedução, utilizando aspectos semânticos e sintáticos do texto (Kato, 1987, Rego,
1995 apud BARRERA, 2003).
Segundo Maluf (2005), a consciência sintática tem sido avaliada em estudos
com aplicação de tarefas em que as crianças julgam a aceitabilidade de sentenças e
as corrigem. Nesse caso, a autora apresenta como exemplo uma violação na ordem
das palavras: “O cavalo animal um bonito é”. Ou sentenças gramaticais com
alterações ou omissões de morfemas: “O borboleta estão voando no jardim”. Diante
do exposto, o indivíduo avaliará a aceitabilidade gramatical das sentenças, dizendo
se são certas ou erradas. Os exemplos acima possibilitam verificar a aceitabilidade
gramatical a partir da leitura da escrita.
Esse procedimento de julgamento tem recebido criticas, porque as vezes as
crianças realizam seus julgamento tendo como bases o semântico em detrimento do
sintático. Isso significa dizer, que as
[...] dificuldades decorrentes dos métodos e procedimentos utilizados
explicam parte das controvérsias encontradas na área a respeito do papel
da consciência sintática. Espera-se que ela esteja associada aos processos
de compreensão, mais do que aos processos de reconhecimento de
palavras. Essa é uma questão sobre a qual dispomos de alguns resultados
de pesquisa com falantes do português brasileiro, mas que ainda precisa
ser estudada em novas pesquisas.
A sensibilização aos aspectos semânticos e sintáticos do contexto linguístico
é relevante para aquisição das habilidades de leitura e escrita. O bom leitor mostra
mais capacidade no momento de monitorar a compreensão textual, juntamente com
melhores resultados em atividades de consciência sintática; portanto, ela influencia
na detecção de erros e de incoerências na estrutura frasal, possibilitando correção
na estrutura gramatical da frase.
A consciência metatextual não será abordada aqui por não se trata de um
fundamento relevante para esse estudo, todavia, é uma habilidade que possibilita o
aprendiz ter o texto como um objeto de análise, sendo fundamental na vida escolar e
social do indivíduo.
Percebe-se que as habilidades metalingüísticas são capacidades que
possibilitam a aprendizagem da linguagem escrita, essa interação entre as
habilidades metalingüísticas e a alfabetização podem favorecer uma aprendizagem
da leitura e escrita como pode-se constatar em estudos a nível de consciência
fonológica, lexical e sintática.
74
3. MÉTODO DA PESQUISA
Fonte: Acervo de Imagens da Coordenação da Educação do Campo de Breve
“Eu indicaria algumas coisas para ajudar na alfabetização de crianças como por
exemplo, materiais didáticos especialmente para trabalhar com essas crianças. E se
em cada comunidade tivesse um escolão e com cada série no seu horário e em
salas de aula separadas, além de uma casa para os professores se alojarem,
juntamente com transporte escolar para ir buscar e deixar os alunos nas suas
casas.” (relato do(a) professor(a) 40 que aponta algumas coisas relevantes para
alfabetizar crianças)
75
As classes multisseriadas na educação do campo muitas vezes o vistas
como ensino de segunda classe, sem alternativa de melhoria. Não se pode negar
sua existência: elas fazem parte da realidade educacional brasileira. De modo
particular, percebe-se que as políticas públicas educacionais parecem esquecê-las; .
Nesta pesquisa decidiu-se adentrar a realidade das classes multisseriadas a partir
da educação do campo do município de Breves.
Conforme foi mencionado anteriormente, são poucas as produções científicas
em mestrados e doutorados que versam sobre classes multisseriadas do campo.
Nota-se principalmente uma ausência de estudos sobre o processo de ensino e
aprendizagem da linguagem escrita naquela realidade. Diante disso, resolveu-se
conhecer um pouco mais sobre o trabalho docente, em especial, do professor de
classes multisseriadas do campo, no que diz respeito ao processo de ensino e
aprendizagem da linguagem escrita no início da escolarização.
O presente estudo tem como instrumento de pesquisa um questionário com
24 perguntas abertas e fechadas, que foi respondido por professores da educação
do campo sobre algumas características dos docentes, suas práticas de ensino e
aprendizagem da linguagem escrita e leitura, dificuldades e perspectivas de atuar
em classes multisseriadas. Também são utilizadas fotos da realidade educacional
estudada.
Conclui-se que para esse caminhar metodológico busca-se compreender
melhor a problemática da pesquisa a partir de um levantamento de elementos
significativos relacionados aos objetivos delineados neste estudo, que serão
categorizados a partir de abordagem qualitativa e quantitativa.
3.1 Objetivos
A aprendizagem da linguagem escrita de crianças nas séries iniciais abrange
os conhecimentos adquiridos das formas linguísticas, explicitamente na vivência
escolar. Diante dessa perspectiva de aprendizagem, os professores são agentes no
ensino da arte de ler e escrever. Eles devem conduzir esse processo no início da
escolarização de forma que as crianças percebam as estruturas e funcionamento da
linguagem escrita e sua relação com a oralidade, além de poderem dispor de
76
condições sicas para a execução de um trabalho docente de qualidade, como por
exemplo, materiais didáticos, infraestrutura adequada, capacitação sobre o
conhecimento do sistema da linguagem escrita e do processo de leitura.
É notório que no processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita na
escolarização inicial, não basta para o professor dominar métodos de alfabetização,
técnicas mecanicistas de escrita e leitura. É sabido que diversas variáveis
educacionais são relevantes para o sucesso no ensino e aprendizagem da
linguagem escrita.
O presente estudo propõe problematizar a realidade educacional e as práticas
de ensino e aprendizagem da linguagem escrita de um grupo de professores que
atuam em classes multisseriadas, em escolas do campo do município de Breves. A
partir dos relatos dos professores, os objetivos da presente pesquisa podem ser
assim delimitados:
Conhecer as características dos professores que atuam nas classes
multisseriadas na educação do campo de Breves;
Descrever as dificuldades de ensino e aprendizagem da linguagem escrita
nas séries iniciais no sistema escolar de multisseriação, do ponto de vista dos
professores;
Relatar os modos de ensino da linguagem escrita e as projeções para um
trabalho docente eficaz na alfabetização;
Analisar os relatos dos professores sob abordagem das relações entre
habilidades metalinguísticas e aprendizagem da linguagem escrita.
3.2 O local da pesquisa e os participantes
A pesquisa foi realizada em Breves, localizada na Ilha de Marajó, no Estado
do Pará, entre os meses de julho a outubro de 2008. Os professores participantes da
pesquisa preencheram os questionários na Secretaria Municipal de Educação de
Breves.
Participaram da pesquisa 74 professores que atuam na educação do campo
daquele município, em um sistema multisseriado.
77
3.3 Instrumentos e procedimentos de coleta de dados
Os instrumentos utilizados na pesquisa foram questionários com questões
abertas e fechadas, sem identificação dos docentes.
Explica Cozby (2003) que as questões abertas são importantes para se saber
como as pessoas pensam e como percebem o mundo; isso significa que neste
estudo, as questões abertas possibilitarão verificar como os professores pensam e
percebem o processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita e leitura nas
séries iniciais na educação do campo em classes multisseriadas.
As questões fechadas (estruturadas) delimitam o campo das variáveis. Com
isso, neste estudo, elas serão importantes para se visualizar um formato
quantitativo, sintético e estruturado do perfil e da realidade dos professores que
atuam em classes multisseriadas nas séries iniciais.
O instrumento foi delineado a partir dos objetivos deste estudo com uma divisão em
categorias para uma melhor análise. Trata-se de um questionário com 24 perguntas
abertas e fechadas (anexo II), e está estruturado da seguinte forma:
As questões de 1 a 8 trazem informações sobre algumas características dos
docentes que atuam na educação do campo de Breves.
As questões de 09 a 16 buscam levantar dados a respeito da atuação
docente frente às reais condições pedagógicas em classes multisseriadas na
educação campestre.
As questões de 17 a 24 trazem informações sobre o processo de ensino e
aprendizagem da linguagem escrita e leitura no início da escolarização na
educação do campo em classes multisseriadas.
No que se refere à coleta de dados, Luna (2008) relata em seus escritos que
no momento da escolha da fonte de informação, é fundamental considerar a fonte
mais direta possível. No caso desta pesquisa, decidiu-se ter como fonte de
informação os professores pelo fato de estarem diretamente relacionados ao
processo de ensino da linguagem escrita.
A coleta de dados foi realizada através de questionários os quais,
inicialmente, seriam aplicados em julho de 2008 durante um simpósio de
alfabetização que seria ministrado pelo pesquisador no município de Breves para
78
todos os professores da educação do campo. Porém, alguns acontecimentos da
Secretaria Municipal de Educação SEMED de Breves impediram a realização do
evento.
Posteriormente, a aplicação dos questionários foi realizada pela Coordenação
administrativa e pedagógica da Coordenação do Campo de Breves. A coleta de
dados ocorreu quando os professores entregaram seu planejamento educacional na
SEMED de Breves no período de agosto a outubro de 2008.
Foram disponibilizados 626 questionários para os docentes preencherem.
Como devolutiva, contou-se com 74 questionários válidos. Alguns questionários
tiveram algumas questões não respondidas por alguns professores. O número
máximo de questões não respondidas foi de 5 a 6, aproximadamente. Como se
tratava de poucas questões não respondidas, em um número pequeno de
questionários, decidiu-se por incluir esses questionários na amostra.
3.4 Procedimentos de análise dos dados
3.4.1 Consideração preliminares
Para a análise das questões abertas do questionário foi adotada uma
abordagem da análise de conteúdo que utiliza uma técnica de tratamento de dados
por meio da interpretação de mensagens, considerando a delimitação das questões
e os objetivos a serem investigados. Entende-se a análise de conteúdo no sentido
explicitado por Bardin (1977, p. 42):
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.
Bardin denomina a técnica que consiste em descobrir os cleos de sentido
que formam a comunicação, e a presença ou frequência de aparição de palavras ou
frases que podem ter algum significado para o objetivo de análise escolhido.
Essa modalidade fundamenta-se em um tema, que se liga a uma afirmação a
respeito de um determinado assunto, podendo ser representado através de
79
palavras, resumos e frases. Segundo os postulados de Bardin o tema é a unidade
de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado conforme critérios
relativos à teoria que serve de orientação à leitura. Realizar um estudo através de
uma análise temática é um meio de desvelar os núcleos de sentido que surgem nos
relatos escritos, que com a freqüência ou presença tem alguma representação para
o objeto estabelecido. A análise temática proposta por Bardin (1977) apresenta 3
etapas:
A primeira etapa, ou fase, é uma pré-análise designada por Bardin como
leitura flutuante. Nesse momento, faz-se um “desenho” de trabalho, um primeiro
momento que envolve os primeiros contatos com os documentos de análise, a
definição dos procedimentos a serem seguidos e a preparação formal da análise do
material a partir da formulação de objetivos, elaboração dos indicadores que
fundamentarão a interpretação final e transcrição rigorosa dos relatos.
A segunda etapa é a exploração do material, ou seja, a análise propriamente
dita. Nessa fase, os procedimentos partem das decisões tomadas, das operações de
codificação e enumeração dos materiais visando alcançar os núcleos temáticos
A terceira etapa é o tratamento dos resultados; nesse momento, os dados são
organizados e tornados significativos, sendo que a interpretação deve ser
compreendida além dos conteúdos manifestos nos documentos, buscando desvelar
aspectos que estão implícitos nos conteúdos analisados. A interpretação e a
inferência dos dados são concebidas a partir das diversas operações estatísticas
que antecipam as interpretações conforme os objetivos delineados.
Neste estudo, as análises de tipo quantitativo e qualitativo foram realizadas
com base na construção de três eixos temáticos:
1. Caracterização do perfil docente: uma análise quantitativa a partir das
questões de 1 a 8 que trazem informações sobre algumas características dos
docentes que atuam na educação do campo de Breves.
2. Os desafios nas práticas docentes na educação do campo em classes
multisseriadas :: As questões de 09 a 16 buscam levantar dados quantitativos e
qualitativos que se entrecruzam sobre a atuação docente frente às reais condições
pedagógicas em classes multisseriadas na educação campestre, inclusive no
processo de alfabetização. Foram construídas as categorias de respostas:
80
2.1 As múltiplas atividades docentes
2.2 Os livros didáticos, cartilhas e atividades lúdicas para alfabetizar crianças.
2.3 Observações sobre os alunos.
2.4 Os comentários sobre o calendário escolar.
2.5 A capacitação dos docentes na área da alfabetização.
3. Ensino da linguagem escrita nas séries iniciais: as questões de 17 a 24
trazem informações sobre o processo de ensino e aprendizagem da linguagem
escrita e leitura no início da escolarização na educação do campo em classes
multisseriadas. Diante desse conjunto de questões, os dados serão tratados de
forma quantitativa e qualitativa e apresentados em duas categorias:
3.1 Dificuldades encontradas pelos docentes.
3.2 Relatos dos docentes sobre suas práticas na alfabetização.
Do ponto de vista operativo cabe explicar que foi construída uma matriz na
qual foram transcritas as respostas de cada um dos participantes a cada uma das
questões do questionário no anexo II da presente dissertação. A partir dessa matriz
procedeu-se às análises quantitativas que para estas últimas foram criadas
categorias segundo orientação de Bardin (1977).
As análises foram feitas com o auxílio de um juiz, de modo que as categorias
foram construídas independentemente. Não foram encontradas discordâncias entre
os juízes. Isso se explica pelo caráter lacônico das respostas dadas: a maioria dos
professores deu respostas curtas e não se deteve em explicações. Com certa
freqüência era difícil entender a grafia utilizada e a sintaxe das frases era precária, o
que não permitiu maior aprofundamento das questões abordadas.
81
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA
Fonte: Acervo de Imagens da Coordenação da Educação do Campo de Breve
“Primeiramente, eu ensino as crianças da primeira série a ler começando pelas
letras. Elas precisam conhecer as letras depois as sílabas, em seguida pequenas
palavras tipo encontro vocálico e depois palavras de duas sílabas. Eu ensino as
crianças da primeira série a escrever, iniciando pela coordenação motora, depois
cubrir pontilhados formando letras, números e figuras.( relatos do(a) professor(a)
43 sobre como ensinar a ler e escrever crianças da 1ª série)
82
Os resultados da pesquisa são evidenciados por meio de três grandes eixos
temáticos. O primeiro eixo temático diz respeito à caracterização do perfil docente.
Nele se apresentam informações sobre alguns aspectos dos docentes que
trabalham na educação do campo de Breves. Vale ressaltar que conhecer o perfil
dos docentes faz parte desta pesquisa.
No segundo eixo, observam-se os desafios nas práticas docentes na
educação do campo em classes multisseriadas. Nesse eixo temático, obtêm-se
relatos da atuação docente frente às reais condições pedagógicas nesse contexto,
inclusive no processo de alfabetização. Esse eixo foi organizado em categorias que
trazem dados sobre as múltiplas atividades docentes: livros didáticos, cartilhas e
atividades lúdicas para alfabetizar crianças; observações sobre os alunos;
comentários sobre o calendário escolar e a capacitação continuada dos docentes
em cursos de alfabetização.
No último eixo, nota-se outro aspecto referente ao ensino e aprendizagem da
linguagem escrita nas séries iniciais. Pode-se constatar relatos sobre o processo de
ensino e aprendizagem da linguagem escrita e leitura no início da escolarização na
educação do campo em classes multisseriadas. Nesse terceiro eixo temático, foram
criadas três categorias que trazem informações sobre as dificuldades encontradas
pelos docentes, comentários sobre alfabetização e o professor no exercício da
alfabetização.
4.1 Caracterização do perfil docente
Para se conhecer as características dos professores que atuam nas classes
multisseriadas na educação do campo de Breves, foram formuladas as questões de
01 a 08 do questionário que consta no anexo II.
O conjunto das respostas seapresentado de forma objetiva e por meio de
uma abordagem quantitativa. Foram coletadas informações sobre as variáveis:
idade, gênero ou sexo, formação profissional, tempo de formação, quadro funcional,
tempo de atuação profissional, período de trabalho, tempo de atuação em salas de
alfabetização de crianças e execução de outras atividades além de ministrar aula.
83
4.1.1 Faixa Etária
1
26
32
12
3
0
5
10
15
20
25
30
35
Menos de 19 anos
20 a 30
31 a 40
41 a 50
mais de 51
Gráfico 1. Distribuição das respostas dos docentes quanto à idade.
Diante desse quadro, nota-se que dos 74 professores pesquisados, um
professor tem menos de 19 anos, vinte e seis professores estão na faixa etária de 20
a 30 anos, enquanto trinta e dois professores apresentam idade entre 31 e 40 anos;
doze deles têm de 41 a 50 anos e três professores estão com mais de 51 anos. A
variável idade que mais apresenta frequência é de 31 a 40 anos, seguida de 20 a 30
anos. É oportuno ressaltar que desse grupo de professores, a maioria é constituída
de docentes com mais de 31 anos.
4.1.2 Gênero
20
49
5
0
10
20
30
40
50
Masculino
Feminino
Sem resposta
Gráfico 2. Distribuição das respostas dos docentes quanto ao gênero
84
Quanto ao gênero dos professores, encontram-se vinte docentes do sexo
masculino, quarenta e nove do sexo feminino e cinco não responderam a essa
questão. Dessa maneira, observa-se que dos 74 professores, a maior parte deles é
do sexo feminino, entretanto, o número de professores do gênero masculino é
relativamente alto. Esses dados reafirmam a realidade dos professores do Brasil,
que na sua maioria são do sexo feminino.
4.1.3 Formação Profissional
2
49
3
19
1
0
10
20
30
40
50
Ensino fundamental
Magisrio
Graduação Completa
Graduação incompleta
Sem resposta
Gráfico 3. Distribuição das respostas dos docentes quanto à formação profissional.
O nível de formação dos professores pesquisados reflete o pouco
investimento na sua formação inicial. Considerando a formação inicial, encontram-se
dois docentes com Ensino Fundamental, quarenta e nove possuindo apenas o
Magistério, três com graduação completa, dezenove cursando a graduação; e
nenhum professor com pós-graduação em nível de especialização, sendo que um
docente não respondeu.
Diante desse quadro, pode ser que este fator a cabe comprometendo as reais
necessidades da educação básica do campo. Os três docentes com graduação
completa possuem formação acadêmica no curso de Pedagogia, e dentre os
dezenoves docentes com graduação incompleta, treze cursam Pedagogia, cinco
cursam Teologia e um docente cursa Letras.
85
Os dados revelam que a maioria dos docentes tem uma formação em nível de
Magistério, conforme apontaram os dados do INEP no capítulo 1 e nos documentos:
Panorama da Educação do Campo e Referências para uma política nacional de
educação do campo.
Pode-se dizer, de modo geral, que os docentes que atuam nas classes
multisseriadas não foram contemplados efetivamente com as políticas educacionais;
embora a nova LDB 9394/96 tenha estabelecido o prazo de 10 anos para que todos
os professores da educação básica conseguissem a titulação acadêmica de nível
superior para atuarem nas escolas, não é o que se verifica neste caso na educação
do campo de Breves.
Nota-se que passados mais de 10 anos, esse objetivo ainda não foi atingido
no que diz respeito a formação inicial dos professores da educação do campo.
Sabe-se, no entanto, que o docente e sua formação são fundamentais para que se
realize uma prática educacional de qualidade no ensino e aprendizagem de crianças
nas séries inicias e ao longo da educação básica.
Recentemente, a Universidade Federal do Pará UFPA abriu processo
seletivo para o curso de graduação em Educação do campo. Espera-se que a UFPA
em parceria com os gestores do município de Breves realizem parcerias com
objetivo de beneficiar os docentes com uma formação em Educação do Campo.
4.1.4 Tempo de Formação
3
18
21
22
3
7
0
5
10
15
20
25
Menos de 1 ano
até 3 anos
até 5 anos
até 10 anos
Mais de 10 anos
Sem resposta
Gráfico 4. Distribuição das respostas quanto ao tempo de formação.
86
Quanto ao tempo de formação, constatam-se que três professores têm menos
de 1 ano de formados, dezoito têm até 3 anos, vinte e um até 5 anos, vinte e dois
até 10 anos, três com mais de 10 anos e sete não responderam. A partir desses
dados, pode-se afirmar que a grande maioria dos professores tem pouco tempo de
formação docente.
4.1.5 Quadro Funcional
43
29
2
0
10
20
30
40
50
Efetivo
Temporio
Sem resposta
Gráfico 5. Distribuição dos docentes no quadro funcional da SEMED - Breves.
Nessa variável, nota-se que quarenta e três professores têm cargo efetivo na
SEMED de Breves, enquanto que vinte e nove são professores temporários e dois
docentes não responderam. Esses dados trazem evidências de que embora haja um
grande número de professores efetivos, o número de docentes temporários ainda é
alto.
Essas evidências sugerem que é possível ofertar profissionalização docente
inicial e continuada prioritariamente aos docentes em quadro funcional efetivo,
intensificando a formação especializada desses professores.
87
4.1.6 Tempo de Atuação na Educação do Campo
4
14
11
13
32
0
5
10
15
20
25
30
35
Menos de 1 ano
até 3 anos
até 5 anos
até 10 anos
Mais de 10 anos
Gráfico 6. Distribuição das respostas quanto ao tempo de atuação profissional na
educação do campo
Diante dos números, observa-se que, ao se considerar o tempo de atuação
do docente na educação do campo, encontram-se quatro docentes com menos de 1
ano atuando naquela realidade, catorze com a3 anos de experiência profissional,
onze com até 5 anos, treze com até 10 anos e trinta e dois com mais de 10 anos.
Esses dados mostram que uma grande maioria de docentes com experiência
longa nas classes multisseriadas do campo. Portanto, são docentes que têm um
conhecimento aprofundado dessa realidade educacional.
4.1.7 Período de Trabalho
41
30
2
1
0
10
20
30
40
50
Trabalho um período
Trabalho dois períodos
Trabalho três períodos
Sem resposta
Gráfico 7. Distribuição das respostas dos docentes quanto ao período de trabalho
88
No que se refere ao período de trabalho docente, consta que quarenta e um
docentes trabalham em um período, trinta docentes atuam em dois períodos, dois
docentes em três períodos e um docente não respondeu.
Esses dados apontam que uma parte significativa da amostra dos professores
trabalha apenas em um período, mas o número de professores que atuam em dois
períodos é grande. Tal fato pode vir a comprometer a qualidade do ensino ofertado
nas classes multisseriadas do campo de Breves, haja vista que além de ministrarem
aulas, esses professores comumente têm de dar conta do preparo e distribuição da
merenda escolar, manter a higiene da classe ou mesmo da escola inteira, entre
outras atividades.
4.1.8 Experiência Em Alfabetizar Crianças
8
21
9
7
28
1
0
5
10
15
20
25
30
Menos de 1 ano
até 3 anos
até 5 anos
até 10 anos
Mais de 10 anos
Sem resposta
Gráfico 8. Distribuição das respostas quanto à experiência em alfabetizar crianças
No caso da experiência docente em alfabetizar crianças oito professores têm
menos de 1 ano de experiência em alfabetizar crianças, vinte e um até 3 anos
atuando com alfabetização de crianças, nove docentes com até 5 anos, sete
professores com até 10 anos, vinte e oito com mais de 10 anos trabalhando com
alfabetização de crianças e um docente não respondeu.
É possível observar que existem professores com pouca experiência em
alfabetizar crianças, mas nota-se também um número significativo de docentes que
atuam na área de alfabetização há mais de 10 anos.
No que se refere ao perfil docente, à guisa de síntese, percebe-se que quanto
à idade 36, 48% dos docentes tem entre menos de 19 até 30 anos de idade,
59,45% tem entre 31 e 50 anos e 4,05% tem mais de 51 anos. Quanto ao gênero,
89
66,21% são do sexo feminino, 27,02% são do sexo masculino e 6,75% não
responderam. Em suma, na sua maioria os docentes têm entre 31 e 50 anos e são
do sexo feminino.
Em relação à formação dos docentes, 2,70% apresentam Ensino
Fundamental, 66,21% magistério, 4,05% com graduação completa, 25,67%
possuem graduação incompleta e 1,35% não responderam. Pode-se constatar que
os docentes com graduação incompleta e magistério perfazem um total de 91,88%,
sendo a maioria com ensino médio habilitado em magistério.
Quanto ao tempo de formação docente, 3,89% apresenta menos de 1 ano,
82,43% têm de um ano a 10 anos, 3,89% mais de 10 anos e 9,45% não
responderam. Isso significa que este grupo de docentes, na sua maioria, apresenta
até 10 anos de formação.
Quanto ao cargo funcional na SEMED de Breves, 58,10% são funcionários
efetivos e 39,18% são temporários, 2,70% não responderam. Sendo que a maioria
dos docentes serem efetivos, ainda um número relativamente alto de professores
temporários.
Os dados revelam que, quanto ao tempo de atuação dos docentes na
educação do campo, 5,40% possuem menos de 1 ano, 51,35% tem de 1 ano até 10
anos e 43,24 mais de 10 anos. Percebe-se que nesse grupo de docentes 55,40%
trabalham um período, 43,24% trabalham de 2 a 3 períodos, sendo que 1,35% não
responderam.
Em relação à experiência em alfabetizar crianças, nota-se que 10,81%
apresenta menos de 1 ano, 50% de 1 ano até 10 anos, 37, 83% com mais de 10
anos e 1,35% sem resposta.
Resumindo todos esses dados, pode-se afirmar que o grupo de 74
professores que compõe a presente pesquisa é formado, na sua maioria, por
docentes com idade entre 31 e 50 anos, do gênero feminino, com formação em nível
médio magistério, recém-formados, funcionários efetivos, com atuação na
educação no campo entre 1 e 10 anos, trabalham um período e alfabetizam
crianças entre 1 ano e 10 anos.
Diante dessa caracterização do perfil dos docentes das classes
multisseriadas do campo em Breves, pode-se apontar a necessidade de se
estabelecerem políticas públicas que valorizem esses profissionais e que ofereçam
uma formação adequada inicial e continuada em educação do campo. Impõe-se
90
também a necessidade de expansão do quadro efetivo dos docentes e melhoria
salarial que estimule o trabalho docente, uma vez que o professor é um dos
elementos fundamentais para o sucesso do ensino e aprendizagem de alunos,
principalmente nas classes multisseriadas.
4.2 Os Desafios nas Práticas Docentes na Educação do Campo em Classes
Multisseriadas
No segundo eixo temático, o analisadas as respostas obtidas nas questões
de 09 a 16 do questionário que consta no anexo II da dissertação. Esse grupo de
questões possibilita revelar alguns dos principais desafios do trabalho docente na
realidade educacional do campo de Breves.
Os professores de classes multisseriadas têm grandes dificuldades no
momento de desempenharem suas funções no cotidiano escolar. Muitas vezes, não
encontram nem mesmo as condições práticas mínimas para um bom desempenho
de seu trabalho. Diante dessa situação, seguem abaixo alguns relatos
4
sobre os
desafios encontrados na realidade em questão.
Para ajudar na análise, foram elaboradas algumas categorias que agrupam
os dados a partir das unidades de registros dos relatos dos professores.
4.2.1 As Múltiplas Atividades dos Docentes
A questão 09 teve a intenção de verificar se o professor, além de sua
atividade docente, exerce outra atividade na área educacional. Esta questão,
propositalmente ampla, tinha como objetivo não restringir as respostas. Pois sabe-se
que o professor nestas comunidades desempenham diversas atividades
socioeducativas, que fazem parte de seu papel de educador naquela realidade.
4
Os relatos foram editados de acordo com a norma padrão da língua portuguesa para um bom
entendimento. Além disso, nos relatos a abreviação P. significa professor. Foram escolhidos alguns
relatos para ilustração das categorias, sendo que muitas vezes alguns professores citaram em uma
questão diversas resposta e elas foram distribuídas nas categorias delineadas neste estudo. Desta
forma, o número de resposta muitas vezes ultrapassa o número de participantes desta pesquisa.
91
A questão foi respondida de duas formas diferentes. Alguns professores
mencionam atividades ainda de cunho educacional, que eles executam fora do
horário de aula, como: contação de histórias, escrita de textos, atividades lúdicas
com jogos e recreação na comunidade, pesquisas, seminários, atividades de leitura,
passeios e feiras culturais.
Diante dos resultados, observa-se que alguns docentes exercem atividades
de apoio ao desenvolvimento socioeducativo nestas comunidades. Almeida (2005)
relata que na metade do século XX, o professor tinha um papel relevante nos
espaços escolares, pois era ele quem orientava, ensinava noções importantes à
comunidade rural e indicava caminhos a serem percorridos para a cidadania. Ou
seja, “os antigos professores rurais se auto-representavam como o guia, aquele que
conduz a comunidade. (p. 291). E hoje parece não ser muito diferente daquela
época.
outros professores responderam mencionando as atividades mais ligadas
à escola, ao dia-a-dia dos alunos ou à própria manutenção do ambiente escolar,
como se observa nos relatos abaixo:
P.11 além de ministrar aula, eu faço a merenda da escola,
sirvo a merenda e faço a limpeza da escola.
P.14 realizo atividades de limpeza da escola e faço a
merenda das crianças na escola.
P.20 sou merendeira e faço a limpeza de toda escola.
P. 40 fazer merenda, servir, limpar a escola etc.
p.52 faço merenda sempre e todos os dias, além de
arrumar e varrer a sala de aula.
Observa-se um quadro desgastante do professor que, na sua unidocência,
tem de se esforçar no cotidiano escolar no sentido de garantir condições mínimas
para o ensino-aprendizagem, como a higiene e a alimentação das crianças.
Nos relatos dos docentes, contata-se que as dificuldades mencionadas não
se distanciam dos problemas destacados por Ferri (1994) sobre as diversas tarefas
executadas pelos docentes em classes multisseriadas. Além dos estudos
92
científicos, alguns documentos, como o de Brasil (2007), reconhecem que uma
ausência de condições de trabalho adequado para os docentes da educação do
campo de um modo geral no cenário brasileiro.
É interessante observar o depoimento da pesquisadora em relação ao
trabalho docente desgastante em classes multisseriadas:
A professora vai para cozinha. Define o lanche que será servido (se
lanche) e toma as primeiras providências. Pensa em como gostaria de que
alguém se responsabilizasse por esta tarefa, de início, assumir mais esta
atividade, seja por sua inexperiência em lidar com os lanches, seja pelo
tempo que tem de dispor para isso, junto com outras funções (FERRI, 1994,
p.52-53)
Vale ressaltar que a ausência de um grupo de apoio, no auxílio aos docentes
para atividades como preparo da merenda e limpeza do ambiente escolar, gera
dificuldades para que eles atuem com dedicação exclusiva ao ensino. Uma saída
possível seria que os pais ou a comunidade auxiliassem os docentes, como meio de
integrar ações para o bom andamento das atividades pedagógicas na educação do
campo; ou ainda, o que seria ideal, que o governo considerasse a necessidade da
contratação de servidores públicos para ajudar a manter a infraestrutura dessas
escolas.
4.2.2 O Livro Didático, Cartilhas e Atividades Lúdicas para Alfabetizar
Crianças
Perguntou-se aos professores, na questão 10, se eles utilizam o livro didático
para alfabetizar. Diante dessa questão, nenhum professor respondeu que não
recorre ao livro; trinta e nove professores responderam que o utilizam
razoavelmente, trinta que utilizam sempre, e três não responderam.
Quanto aos livros utilizados pelos trinta e dois professores, aparecem com
maior frequência livros variados, de a série, seguidos de cartilhas, livros de
alfabetização e vários outros.
Os professores relataram que utilizam alguns livros, como Viver e aprender,
Com todas as letras, Letra viva, Alegria do saber, além de cartilhas, livros de
Português e outros.
93
Quanto aos recursos didáticos utilizados, os dados mostram que os docentes
costumam usar livros didáticos e cartilhas para alfabetizar. No entanto, há uma
ausência de uma política educacional de distribuição de livros didáticos adequados à
realidade da multisseriação. E como se vê mais adiante nas respostas dos docentes,
não há livro suficientes para todos os alunos.
Perguntou-se na questão 16 sobre a utilização de recursos didático-
pedagógicos (painéis, jogos, teatro) pelos professores para alfabetizar crianças. Os
resultados obtidos demonstraram que cinco docentes não utilizam esses recursos;
sessenta e seis professores responderam que utilizam esses tipos de recursos
didáticos na alfabetização de crianças, e 3 docentes não responderam.
As respostas analisadas mostram que a maioria dos professores prepara
seus materiais didáticos; dezenove disseram não preparar seus recursos e dez não
especificaram se preparam ou não preparam seus próprios recursos didático-
pedagógicos para a alfabetização.
O recurso mais utilizado para alfabetizar na educação do campo de Breves
são as atividades lúdicas com jogos pedagógicos, como bingo de palavras, alfabeto
móvel, dominó de sílabas e quebra-cabeça. Em seguida, aparecem os painéis
didáticos com letras, números e imagens; e em seguida, o teatro na escola, com os
próprios alunos atuando ou com fantoches, a contação de histórias infantis e a
utilização de música e cantigas de roda.
Esses dados mostram que os docentes, na sua maioria, preferem trabalhar
com as atividades lúdicas no momento de alfabetizar crianças. Na prática docente,
nota-se um empenho em produzir materiais pedagógicos que facilitem a
aprendizagem da linguagem escrita. Esta forma de atuação docente envolve
aquisição de recursos materiais como cola, lápis de cor, giz de cera, diversos
papéis, entre outros, para que haja condições adequadas de ensino e
aprendizagem.
Como se pode observar, nas pesquisas de Gatti e Davis (1993), realizadas na
educação do campo em classes multisseriadas, a escola oferecia às crianças que
viviam no campo uma ocasião para o convívio social com seus pares, para troca de
ideias e experiências, e particularmente para a inclusão no universo infantil de jogos
e brincadeiras. Ademais, era importante a possibilidade de a criança manusear
livros, mas estes se encontravam ausentes na região da pesquisa realizada pelas
94
pesquisadoras. Conclui-se que esta realidade não se difere da realidade vivida pelos
docentes e aprendizes da educação do campo no município de Breves.
É imprescindível que se crie uma política pública de distribuição de livros
didáticos adequados ao sistema educacional multisseriado e de recursos materiais
para que os docentes produzam atividades lúdicas para a alfabetização.
4.2.3 Observações Sobre os Alunos
A questão número 14 trouxe informações por meio dos relatos dos
professores sobre as ausências dos alunos das escolas do campo de classes
multisseriadas. Exemplos de relatos dos professores:
P.1 Os alunos faltam muito à escola porque ajudam os
pais no trabalho da roça, e isso prejudica o andamento da
aprendizagem dos alunos.
P.4 muitos ficam fora da sala de aula por causa da pesca
de camarão.
P.15 Ajudam seus pais no trabalho para o sustento da
família.
P.38 Por causa do trabalho e a falta de transporte.
P. 65 por motivos que envolvem trabalho na região.
Nos relatos dos professores, pode-se constatar que a ausência das crianças
do ambiente escolar ocorre com maior frequência em decorrência do trabalho que as
crianças realizam com seus pais na roça ou na pescaria; o fator seguinte mais
apontado é a falta de transporte escolar, entre outros fatores (dois professores o
responderam).
De acordo com os dados destacados, nota-se que o trabalho pode estar
relacionado diretamente com a retenção dos alunos nas escolas, o que pode gerar
altas taxas de distorção idade-série e baixo desempenho na vida escolar, como foi
sugerido pelos indicadores educacionais de Breves.
Vejamos algumas respostas em que os professores relatam que os alunos
faltam à escola em razão da ausência de transporte escolar:
95
P.3 os alunos faltam muito às aulas por falta de transporte
escolar.
P.20 falta de transporte escolar.
P.41 o maior motivo da falta de alunos é a falta de
transporte.
Essa realidade da ausência de transporte escolar afeta o processo de ensino-
aprendizagem dos docentes e alunos. Lidar com essa dificuldade é um desafio para
os atores desse cenário escolar. Segundo Brasil (2007) os diagnósticos da
educação têm apresentado várias questões, dentre as quais se destaca as
dificuldades de acesso dos professores e alunos às escolas, em razão da falta de
um sistema adequado de transporte escolar.
Entende-se que pensar sobre esta dificuldade é crucial para possibilitar o
acesso e a permanência de docentes e aprendizes na sala de aula, caso contrário, a
ausência de transporte escolar continuará sendo um entrave para o sucesso escolar.
Na realidade pesquisada, por exemplo, este entrave implica ainda em um desgaste
físico para os alunos, que têm de remar e/ou andar por minutos ou mesmo horas
para se deslocar de suas residências até as escolas.
Outros aspectos foram relatados por professores quanto à ausência dos
alunos na escola, como se verifica a seguir:
P. 2 Os pais não incentivam os alunos a estudaram.
P. 3 Falta a merenda escolar e até mesmo o lápis.
P. 49 devido a distancia entre a escola e o local de
moradia deles.
P.55 muita vezes porque falta merenda escolar e porque
eles moram muito longe.
P. 66 por que os pais não ligam muito para os filhos.
Diante desse quadro, nota-se que o trabalho infanto-juvenil é um fator
importante de prejuízo na permanência dos alunos na escola, junto aos outros
enumerados anteriormente: a ausência de transporte escolar, dificultando o acesso
diário das crianças às escolas do campo; nas outras respostas, a falta de incentivo
96
dos pais para as crianças a estudarem; a ausência de merenda escolar, pois muitas
vezes a escola é o local que possibilita a nutrição das crianças, além da distância
entre a moradia das crianças e o local das escolas.
Na questão 15 buscou-se informações sobre as causas que levam alguns
alunos a abandonarem a escola. Diante desse questionamento, os professores
relataram novamente com maior frequência o trabalho infanto-juvenil; em seguida, a
ausência de transporte escolar. Os relatos dos professores mostram a realidade
vivida pelas crianças na educação do campo:
P.14 até o momento três alunos desistiram porque não
estava dando para adequar trabalho e estudo pois eles
trabalham em uma fábrica de palmito, que vai até tarde da
noite.
P.44 sim, alguns dizem que vão trabalhar.
P.48 alguns alunos abandonam a escola por falta de
condições financeiras largam o estudo para ajudar os pais
no trabalho.
P.53 porque quando o aluno esta com idade de 12 anos
ou mais, os pais colocam logo para trabalhar para ajudar
no sustento da família.
P.55 muitos começam a trabalhar muito cedo para ajudar o
pais e em seguida vem o casamento tirando o aluno e a
aluna da sala de aula.
P.58 por falta de recursos financeiros dos pais, eles levam
as crianças para trabalhar na roça e na colheita de açaí,
isso porque os pais não tem um emprego e os filhos tem
que ajudar.
P. 59 porque tem que trabalhar com seus pais.
P.63 o educando muitas vezes acaba evadindo da escola
por causa do trabalho.
P.68 o trabalho é um dos fatores que faz a criança
abandonar a escola.
A ausência de transporte escolar contribui para o abandono da vida escolar
das crianças, no relato dos professores:
97
P.24 porque não existe transporte escolar e o aluno se
cansa de remar, além de trabalharem e estudarem ao
mesmo tempo.
P. 32 por falta de canoa.
P.41 no caso dos meus alunos o transporte está sendo um
grande problema, devido a carência de canoas para
locomoção.
P.71 muitas crianças abandonam a escola por falta de
transportes pois tem local que a escola fica muito longe da
casa das crianças.
P. 74 falta estrutura para transportá-los.
Outros relatos mostram que o abandono dos alunos está ligado a diversos
motivos, dentre os quais:
P. 9 motivo de mudança para zona urbana.
P.28 muitas das vezes por morarem distantes das escolas
e não dispor de transporte, outras por terem que ajudar no
orçamento familiar.
P. 50 muitas vezes por morarem longe da escola.
P.56 por falta de emprego as famílias se mudam para
outras localidades.
P.65 o abandono ocorre por motivos familiares e
dificuldades financeiras do aluno.
P.64 devido a distância da casa à escola e alguns não
podem conciliar as atividades diárias com a escola.
P.66 por falta de incentivo dos pais.
Como se pode notar, a evasão escolar e a ausência às aulas estão
intimamente relacionadas ao trabalho infanto-juvenil das crianças, à falta de
transporte escolar para dar condições de acesso aos locais de estudo, falta de apoio
da família e falta de escolas próximas aos seus lares, entre outras dificuldades.
98
Como se pode ver nesses resultados, os relatos convergem para as mesmas
causas: trabalho infanto-juvenil e falta de transporte escolar. Esses dados revelam
que esses aspectos estão aliados às dificuldades da prática docente; ademais,
fornecem indícios importantes sobre possíveis causas que justificam o alto índice de
distorção idade-série, insucesso escolar (evasão e reprovação escolar), assim como
o analfabetismo no município de Breves.
4.2.4 Comentários sobre o calendário escolar.
O calendário escolar é importante no momento de se pensar sobre a
organização da educação do campo, principalmente em classes multisseriadas. Na
questão 13, perguntou-se se o professor mudaria o calendário da escola do campo
onde ele trabalha.
Os resultados apontaram que, dos setenta e quatro professores da educação
do campo de Breves que participaram da pesquisa, cinquenta e um não mudariam o
calendário escolar, enquanto que vinte e um professores fariam algum tipo de
mudança (sendo que dois não responderam).
Os professores que responderam acerca das possíveis mudanças
defenderam com maior frequência a exclusão do sábado do calendário escolar; em
seguida, opinaram que a prestação de contas do trabalho docente deveria ser no
mesmo período de pagamento; ademais, que as atividades econômicas locais
deveriam ser consideradas no momento da construção do calendário, entre outras
respostas.
a. A exclusão do sábado como dia letivo no calendário escolar:
P. 64 excluir os sábados do calendário, pois os pais e
alunos não se adaptaram com esse dia letivo, ou seja, na
sua maioria os alunos faltam à escola.
P. 71 eu tiraria os sábados que são letivos.
Ao defenderem a retirada do sábado como dia letivo, os professores
expressam uma possível sobrecarga de trabalho e a falta de adaptação dos
aprendizes e seus familiares a esse dia letivo.
99
b. A importância de considerar aspectos da vida do campo:
P.38 na época do trabalho na roça que é o período que
mais os alunos faltam.
P.57 colocaria um calendário conforme a colheita do açaí.
P.65 mudaria de acordo com as atividades agrícolas da
região.
Outro fator importante relatado pelos docentes é que o calendário escolar não
considera as peculiaridades da vida socioeconômica das populações do campo. Em
sua opinião, essas deveriam ser levadas em conta no momento de elaboração das
atividades socioeducativas. De modo que a pescaria, as atividades agrícolas, a
pecuária, o período de cheias e vazantes das marés deveriam ser, a seu ver, fatores
considerados no momento de organizar os dias letivos.
c. O pagamento do salário e a prestação de contas na SEMED-Breves.
P.14 mudaria a data de prestação de conta, adequaria
para o período do pagamento.
P.53 as mudanças que faria era coincidir a nossa
prestação de contas na SEMED de Breves com o nosso
pagamento.
Os professores indicaram também que a prestação de contas do trabalho
docente poderia coincidir com o pagamento do salário dos professores.
Normalmente, o deslocamento dos professores de suas regiões campestres para a
área urbana brevense é realizado para que o docente preste contas com a SEMED
do seu trabalho. Em outra ocasião, o docente tem de voltar à cidade de Breves para
receber seus vencimentos mensais no banco. Dessa forma, o professor realiza
diversas viagens deslocando-se de suas regiões para a região urbana, criando a
eles uma rotina desgastante.
d. outras respostas:
P.13 eu queria que houvesse uma separação da série
das outras séries.
100
P.66 mudaria principalmente da 1ª série. Eu deixaria o
português e a matemática no primeiro semestre até as
crianças aprenderem a escrever.
Em outros relatos, os professores sugeriram um calendário escolar
diferenciado para educação do campo no que se refere ao ensino e aprendizagem
de alunos da primeira rie. Segundo eles, os alunos deveriam antes dominar o
sistema de escrita para terem condições de progredirem na vida escolar. Isso
significa que alguns docentes sentem dificuldade em educar as crianças da primeira
série porque elas chegam neste estágio sem terem passado por uma Educação
Infantil e sem estarem alfabetizadas.
Os resultados aqui obtidos demonstram que o calendário escolar, sob o ponto
de vista dos professores, não está respondendo às expectativas da educação do
campo. É sabido que o calendário escolar é um dos instrumentos que corroboram
para a qualidade do ensino-aprendizagem em um sistema escolar, de modo que é
necessário haver um cuidado em sua elaboração.
O calendário é fundamental para sistematiza os dias de aula, reuniões,
avaliações, principalmente em se tratando de uma organização escolar em
multisseriação, com alunos que têm uma relação muito cedo com o trabalho, sem o
incentivo da família para os estudos, e com professores que realizam diversas
tarefas além de ministrarem aulas para quatro séries em um mesmo espaço escolar.
Conforme aponta Brasil (2007) é relevante pensar sobre a implementação de
um calendário escolar adequado às necessidades do meio rural, que se adapte à
característica da clientela, em função dos períodos de safra. E não se pode
esquecer, ainda, do período de pesca.
Nessa ótica, o calendário escolar é uma ferramenta que deve ser construída a
partir da vivência e realidade dos professores, do tempo e do espaço sociocultural,
possibilitando o progresso do aluno, a superação das dificuldades das práticas
docentes (citadas acima nas respostas da pesquisa) e sucesso no processo
educacional da educação do campo.
101
4.2.5 A capacitação dos docentes na área da alfabetização.
Sabe-se que a formação inicial e continuada é fundamental para o trabalho do
professor. Diante dessa perspectiva, na questão 11, pretendeu-se conhecer se os
professores já participaram de algum curso sobre alfabetização.
As respostas dadas pelos professores indicaram que trinta e quatro
professores não participaram de cursos de alfabetização; trinta e cinco professores
participaram e cinco professores não responderam. Diante desses dados, percebe-
se que a formação continuada em alfabetização é ofertada em condições restritas ao
corpo docente da educação do campo de Breves.
Quando perguntados sobre sua participação em cursos de alfabetização, as
respostas dadas pelos professores com maior frequência foram os cursos de
“Alfabetização e Letramento” e “Alfabetização de jovens e adultos”.
Com menor frequência os docentes responderam que participaram do
seguintes cursos: “Atualização de a série”, “Formação continuada”, “Curso de
EJA”, “Pró-ação”, “Pró-letramento”, “Alfabetização solidária”, “Alfabetização
educandária”, “Brasil alfabetizado”, “Alfabetização com base linguística” e
“Alfabetização nas séries iniciais”. Pode-se entender que as respostas dadas pelos
docentes foram relativamente vagas, pouco informando sobre os cursos de forma
concreta, ou seja, eles o informaram os locais de realização, tampouco a carga
horária ou o nome dos professores com os quais fizeram os cursos apontados.
Resumindo os dados deste eixo temático, temos o seguinte quadro:
Quanto ao trabalho docente, nas respostas obtidas por meio da questão 09
do questionário, observa-se que os docentes realizam além do seu trabalho docente,
outras atividades na comunidade e na escola.
Pode-se notar que alguns professores além de ministrar aula m de realizar
outras tarefas referentes ao cotidiano escolar e mesmo à manutenção da escola,
como preparar e servir a merenda e, muitas vezes, limpar o estabelecimento de
ensino.
Portanto, a realidade de trabalho desses docentes é desgastante, o que limita
e influência o processo educacional.
102
Quanto aos recursos didáticos, nas respostas obtidas nas questões 10 e 16
nota-se que, quanto aos recursos didáticos, a maioria dos docentes utiliza livros
didáticos, cartilhas e prepara atividades lúdicas como jogos, painéis e teatro como
recursos de apoio para alfabetizar.
Esses dados mostram esforço, criatividade e empenho dos docentes, que
buscam os livros, cartilhas e atividade lúdicas como meios de promover a
aprendizagem das crianças que entram direto na primeira série do ensino
fundamental para serem alfabetizadas. É relevante destacar que naquele contexto
educacional as crianças não têm acesso à educação infantil.
Quanto aos alunos e a escola, diante dos relatos docentes, nas questões 14 e
15 do questionário, constatou-se que grande parte dos alunos da educação do
campo de Breves faltam à escola em razão do trabalho que realizam com sua
família na agricultura, pesca ou outro serviço. Outros fatores importantes apontados
são a falta de transporte escolar e a ausência de incentivo dos pais para o estudo.
Como visto, essas causas podem comprometer o acesso e a permanência
desses alunos, que trabalham precocemente, se desgastam remando das suas
casas até a escola e não têm o apoio da família para estudar.
Neste sentido, é importante se criar um calendário escolar que acompanhe a
realidade das crianças da educação do campo, que trabalham de acordo com
período de plantação-colheita, pescaria, entre outros. Além de uma política de
transporte escolar para aquela realidade educacional e ações educativas para
aproximar e integrar a família e a escola.
Quanto ao calendário escolar, os docentes na sua maioria responderam na
questão 13 que não mudariam o calendário escolar. Ele rege tanto a educação
urbana quanto a do campo. Os poucos docentes que manifestaram a necessidade
de mudanças destacaram a exclusão do sábado como dia letivo, a importância de se
considerar aspectos da vida do campo e a junção o recebimento de seus
provimentos com a prestação de contas do trabalho docente, que acontecem na
cidade de Breves, na região urbana.
Sendo assim, pode-se dizer que, diante do posicionamento dos professores,
o calendário escolar da educação do campo pode ser integrado com o da região
urbana, no entanto, é interessante comparar os dados sobre o calendário escolar
como observou-se acima com a ausência dos alunos na escola, motivada pelo
trabalho infanto-juvenil.
103
Quanto aos cursos de alfabetização, ainda procurando conhecer mais o
professor da realidade do campo brevense, a questão 11 verifica a participação dos
docentes em cursos de alfabetização. Na apresentação dos resultados, a maioria
dos docentes não participou de cursos de alfabetização, entretanto, alguns poucos
professores foram contemplados com alguns cursos.
Vale destacar a importância de capacitação continuada, que pode ajudar o
professor no processo de alfabetizar as crianças, principalmente em multisseriação.
Portanto, a oferta de cursos de alfabetização deve ser estimulada a todos docentes
daquela realidade para um trabalho docente de sucesso e qualidade.
Com estes resultados, observa-se que a realidade da educação do campo de
Breves possui grandes desafios a serem encarados. O desgaste do trabalho
docente, as informações sobre a ausência dos alunos, a inadequação do calendário
escolar, a falta de recursos didáticos e a baixa capacitação docente na alfabetização
de crianças são fatos relevantes evidenciados pelos docentes.
Acredita-se que é relevante discutir os problemas e propor transformações
por meio de experiências alternativas e políticas públicas apropriadas para a
educação do campo em Breves que busque superar os desafios históricos dessa
realidade.
4.3 Ensino da Linguagem Escrita nas Séries Iniciais
Neste eixo, as questões de 17 a 24 do questionário (anexo II) trazem
informações sobre o processo de ensino da linguagem escrita e leitura no início da
escolarização na educação do campo em classes multisseriadas em Breves.
Objetiva-se nesse eixo descrever as dificuldades de ensino e aprendizagem
da linguagem escrita do ponto de vista dos professores e relatar os modos de ensino
da linguagem escrita e as projeções para um trabalho docente eficaz na
alfabetização.
Diante desse conjunto de questões, os dados serão apresentados pelas
seguintes categorias: dificuldades encontradas pelos docentes e os relatos dos
professores sobre suas práticas na alfabetização.
104
4.3.1 Dificuldades encontradas pelos docentes
Para se conhecer as dificuldades maiores no processo de alfabetização,
perguntou-se na questão 17 que tipos de dificuldades os professores encontram
para alfabetizarem crianças nas séries iniciais em classes multisseriadas.
Do total de respostas encontradas, 39 professores relataram que a maior
dificuldade em alfabetizar é trabalhar quatro ries ao mesmo tempo; 30 docentes
se referiram à ausência de material didático; 15 colocaram a inadequação do espaço
físico, 8 descreveram a falta de tempo e 7 relataram a ausência de capacitação
profissional inicial e continuada.
Os relatos dos docentes mostram alguns tipos de dificuldades encontradas na
alfabetização, tais como:
a. Dificuldades de trabalhar quatro séries ao mesmo tempo (classes
multisseriadas)
P.2 Se faço uma atividade para eles, o irmão alfabetizado
quer fazer para seu irmão e quer que suas atividades
sejam sempre de alfabetização, sendo que eles estão
alfabetizados.
P.4 a dificuldade é trabalhar com quatro ries ao mesmo
tempo e ainda alfabetizar as crianças pequenas, quando
sabemos que o tempo é pouco para dar atenção para
todos.
P.8 a dificuldade encontrada é trabalhar quatro series ao
mesmo tempo, pois nos não sabemos se prestamos
atenção para um serie ou se prestamos a atenção para
outra e vice-versa. Às vezes os maiores atrapalham os
menores, tem o caso das discriminações dos colegas e
entre outras.
P.11 a dificuldade é conseguir fazer com que o aluno
permaneça dentro da sala enquanto a aula esta sendo
ministrada para uma outra série, a outra levanta as vezes
até atrapalha, principalmente a terceira e quarta serie
quando a atenção está sendo voltada para primeira série.
P.14 as dificuldades são várias por exemplo: quando eu
passo uma atividade para os alunos da alfabetização, os
que estão na terceira série querem fazer também, e como
tenho que preparar a merenda, deixo com todas com uma
atividade, logo surgem os conflitos e brigas porque os
105
alunos que estão na segunda série resolvem as atividades
dos alunos que estão na primeira série, os da quarta fazem
dos da terceira e assim por diante.
P.39 a principal dificuldade é ter alunos que não são
alfabetizados juntos com os outros que sabem ler e tem
um pouco de domínio da escrita. Com isso eu enfrento
alguns problemas como os alunos que o são
alfabetizados são taxados de “burros”, que não sabem
nada.
P.42 As dificuldades são muitas, primeiro porque o
professor tem que dividir um pouco de tempo para cada
série. E com certeza, as crianças que estão iniciando
precisam de bastante atenção. Outra dificuldade é que as
vezes recebemos alunos de segunda, terceira e quarta
série que também precisam ser alfabetizados. É por isso
que a dificuldade é enorme.
Diante dos relatos dos professores, pode-se dizer que o sistema escolar de
multisseriação traz consigo uma gama de dificuldades para as quais os docentes
que nele atuam não dispõem de ferramentas suficientes. Cabe lembrar que naquela
realidade não é oferecida a Educação Infantil, e o aluno inicia sua vida escolar na
primeira série sem ter desenvolvido habilidades motoras e sociais que o auxiliariam
no momento da alfabetização.
Os professores mencionaram “falta de tempo” para trabalharem com os
alunos, o que pode ser entendido no sentido de que, tendo de trabalhar conteúdos
de quatro séries, o tempo torna-se claramente escasso para a tarefa.
Cabe ressaltar ainda que os níveis de aprendizagem diferenciados e as
relações estabelecidas entre aluno-professor e aluno-aluno citados pelos relatos
docentes mostram que as classes multisseriadas apresentam condições
pedagógicas preocupantes que afetam o trabalho docente e os aprendizes.
Portanto, os relatos dos docentes demonstram que o sistema escolar
multisseriado dificulta significativamente a aprendizagem e a atuação dos alunos.
Isso tem como consequência que um número reduzido de alunos consegue ser
atendido em suas características e necessidades.
106
b. A dificuldade decorrente da falta de material didático
Vejamos alguns exemplos das respostas dadas pelos professores:
P.25 falta de material como: tinta guache, papéis, cola e
outros materiais didáticos para uso na aprendizagem da
criança.
P.27 falta livro didático adequado, materiais didáticos e um
miméografo.
P.28 as dificuldades são inúmeras, mas a que mais se
destaca é a falta de recursos pedagógicos.
P.43 a falta de material adequado para alfabetizarmos
através de jogos educativos, brincadeiras, etc.
P.45 No momento de desenvolver atividades para as
crianças não tenho recursos adequados e suficientes para
trabalhar.
P.61 Com falta de material didático fica difícil trabalhar,
mas com esforço e força de vontade não encontramos
dificuldades.
P.67. um dos principais problemas é a falta de material
didático.
P.72. a maior dificuldade está na ausência de material
didático adequado para classes multisseriadas. Os livros
estão muito densos para alfabetizar com textos longos e
grandes para crianças que estão indo pela primeira vez
para sala de aula fica difícil até porque nos trabalhamos
em classes multisseriadas.
P. 73 Falta matéria para pinturas, blocos gicos, livros
apropriados para leitura das crianças.
Os exemplos acima citados revelam uma preocupação em relação aos
recursos didático-pedagógicos. A ausência de materiais didáticos é um fator que
influencia diretamente na qualidade da educação em relação ao ensino e
aprendizagem das crianças iniciantes na Educação Fundamental de primeira a
quarta série.
107
Como se percebe nos relatos, a ausência de recursos didáticos prejudica o
trabalho docente no momento da alfabetização. Os resultados mostram que o
professor sente falta de recursos didáticos adequados que possibilitem iniciar os
alunos na aprendizagem da linguagem escrita.
É interessante comparar os dados acima com os resultados sobre os recursos
didáticos utilizados pelos professores para alfabetizarem, no segundo eixo temático
deste capítulo. Constata-se que os professores utilizam com grande frequência livros
didáticos, cartilhas e atividades lúdicas; no entanto, como se observou acima, eles
relatam que há ausência de recursos didáticos para efetivação do trabalho docente.
Deduz-se que os docentes buscam tais recursos por conta própria para
alfabetizarem as crianças na educação do campo, como se não bastasse trabalhar
em classes multisseriadas e realizar diversas atividades. Outro fator citado nos
relatos é a inadequação de alguns livros didáticos para a alfabetização, muitas
vezes trazendo textos muito densos e longos, incompatíveis com o estágio de
aprendizado das crianças.
Observando os dados acima, pode-se dizer que é fundamental oferecer
recursos didático-pedagógicos aos docentes e alunos. E vale dizer também que é
necessário que haja no processo de alfabetização uma variedade de recursos
didáticos, como por exemplo, textos para serem usados para diferentes objetivos e
livros didáticos cuja escolha deve ser considerada a partir do propósito de ensino.
Os livros e textos empregados devem ser compatíveis com a capacidade de leitura
dos aprendizes, segundo relata “Alfabetização infantil:os novos caminhos”, de 2003.
c. Dificuldades decorrentes da falta de espaço físico, de tempo e de
capacitação profissional.
P.12 o tempo é pouco para alfabetizar uma criança.
Precisamos de muito tempo para eles. O certo seria um
professor para alfabetizar essas crianças.
P.13 uma das dificuldades é o tempo que é curto para dar
aula para quatro séries ao mesmo tempo.
P.17 particularmente, eu tenho dificuldade com o pouco
tempo voltado para as séries iniciais, tendo que dá atenção
aos outros que estão mais adiantados e os alunos me
cobram: professora e nós?
108
P.22 as dificuldades são inúmeras falta de espaço
adequado para desempenhar atividades pedagógicas,
cursos para aperfeiçoar os conhecimentos dos docentes.
P.32 a dificuldade é que precisamos de um curso de
alfabetização.
Percebe-se que as reclamações quanto ao tempo estão relacionadas à forma
de organização da educação escolar em classes multisseriadas. O professor tem de
se desdobrar para atuar em quatro séries em um mesmo espaço escolar. Como se
não bastasse tal desafio, esse espaço muitas vezes é inadequado para o trabalho
docente e aprendizagem das crianças. Juntamente com toda essa realidade local, a
ausência de capacitação é citada como uma das dificuldades dos docentes que
atuam no momento de alfabetizar as crianças das classes multisseriadas.
Outras respostas tiveram menor frequência no relato dos professores, como:
falta de transportes, excesso de crianças na sala de aula, falta de acompanhamento
dos pais, falta de alimentação, excesso de barulho, crianças com deficiência,
crianças com problemas na família, crianças com dificuldades de leitura, escrita,
pronúncia de palavras e compreensão, falta de Educação Infantil.
Com esses resultados, pode-se dizer que uma limitação de quem ensina e
de quem aprende em classes multisseriadas na educação do campo em Breves.
Diversas dificuldades foram apontadas pelos professores, como foi visto acima,
revelando um cenário desafiador.
No capítulo 1 sobre a gênese da educação rural até o século XXI, observou-
se que reformas, concepções e rupturas de paradigmas na educação do campo
foram propostas. Apesar disto, entretanto, a realidade educacional da população do
campo não recebeu os investimentos necessários para assegurar uma maior
qualidade na educação.
Nessa perspectiva, nota-se que o Ensino Fundamental (antigo primário)
brevense continua sendo ofertado em condições precárias e deixando a
responsabilidade total nas mãos dos docentes, sem proporcionar condições mínimas
para professores e alunos. Entre a realidade desses atores pedagógicos e as
políticas públicas educacionais existe um enorme abismo.
Observa-se ainda que a realidade da multisseriação na educação do campo
em Breves requer muito mais do que inovação metodológica; requer ofertar
subsídios concretos, como espaço escolar adequado, recursos materiais, formação
109
docente inicial e continuada, com um currículo que considere as peculiaridades
daquela realidade. Nesse momento, nota-se um distanciamento das propostas do
artigo 28 da nova LDB 9.394/96 com a real situação daqueles que ensinam e
aprendem naquele contexto educacional.
Na questão 18, perguntou-se sobre as dificuldades dos alunos e alunas
quando estão aprendendo a ler e escrever nas quatro primeiras ries. A grande
maioria dos professores, cinqüenta e dois deles, relataram que as dificuldades dos
aprendizes em ler e escrever estão ligadas à ausência de conhecimento sobre
aspectos fundamentais da linguagem escrita, dentre os quais: diferenciar o som das
letras, formar sílabas, ler e escrever letras e sílabas, reconhecer as letras,
compreender e pronunciar no momento da leitura, relacionar aspectos da linguagem
oral com a linguagem escrita, conhecer os nomes da letras, trocar letras, assimilar
as sílabas, conseguir relacionar grafemas e fonemas.
Outras dificuldades foram citadas com menor frequência pelos professores;
vinte e sete relatos apontaram para a falta de material didático, ausência dos alunos
às aulas, falta de acompanhamento dos pais, o trabalho em classes multisseriadas,
falta de tempo e espaço físico adequado, crianças que trabalham faltam muito, não
sabem pegar no lápis, distorção rie-idade, falta de Educação Infantil, entre outros.
Algumas dessas dificuldades foram colocadas pelos professores anteriormente;
essa repetição deve-se ao fato de que tais dificuldades de fato interferem no
trabalho docente.
Observa-se, a seguir, algumas dificuldades relatadas pelos docentes por série
escolar:
Primeira série
a. Dificuldades na linguagem escrita e leitura.
A seguir, algumas das respostas consideradas expressivas no que se refere
ao tipo de dificuldades encontradas no aprendizado dos alunos:
P.1 a maior dificuldade dos alunos na primeira série é
diferenciar o som das letras.
P.11 alguns tem dificuldades com palavras de sílabas com
mais de duas letras, outros porque não conseguem
pronunciar direito.
110
P.13 a junção de sílabas, quando eles estão começando a
ler, se percebe a insegurança de cada um. Também
trocam letras e engolem sons das letras.
P.14 muitas vezes as crianças acham que a escrita do seu
nome serve para outras composições.
P.19 não conseguem aprender as letras e gaguejam.
P.23 é de pronunciar as palavras e também de escrever
por faltas de letras e troca de letras, isso porque os alunos
falam de um jeito e escrevem de outra.
P.38 as maiores dificuldades são juntar sílabas e ler
palavras.
Sobre esses relatos, observa-se que uma dificuldade dos aprendizes em
compreender que a fala é representada por fonemas e a escrita é representada por
grafemas. Desta forma, nota-se que os aprendizes não desenvolveram habilidades
de relacionar grafemas e fonemas no processo de aprendizagem da escrita e leitura.
Nessa perspectiva, Alegria, Leybaert e Mousty (apud CAPOVILLA e
CAPOVILLA, 2009, p. 22) enfatizam que a tomada de consciência de que a
linguagem falada possui uma estrutura fonêmica subjacente é relevante para a
aquisição da leitura. Tal estrutura possibilita a utilização de um sistema gerativo que
converte a ortografia em fonologia, o que permite à criança ler qualquer palavra,
mesmo cometendo erros em palavras irregulares. Diante disso, dizem os autores:
“Tal geratividade, característica das ortografias alfabéticas, permite a
autoaprendizagem pelo leitor, pois ao se deparar com uma palavra nova, ele a le
por decodificação fonológica”.
Como se procurou desenvolver no capítulo anterior da dissertação, a literatura
corrobora que a consciência fonológica facilita a aprendizagem da linguagem escrita.
Essa concepção nica propõe um ensino pautado na sistematização das relações
correspondentes entre as unidades gráficas do alfabeto (grafemas) e as unidades
fonológicas (sons).
No processo de aprendizagem da linguagem escrita, é produtivo para o
aprendiz compreender que esta traz consigo diversos sentidos no momento da
combinação de letras que representam os sons formando sílabas, palavras, frases e
textos. Como se vê nas pesquisas anteriormente relatadas, a consciência fonológica
se mostra um facilitador na aquisição da escrita.
111
b. Outros fatores
Destaca-se a seguir algumas respostas significativas que apontam outras
dificuldades:
P.20 não sabem pegar no lápis e não tem paciência, as
vezes os pais não apóiam os filhos.
P.25 a primeira dificuldade é falta de educação infantil para
as crianças, que entram na primeira vez numa sala de aula
logo na primeira série.
P.48 as dificuldades principalmente está na coordenação
motora das crianças.
P.52 às vezes encontramos alunos com idade muita
avançada. Ele não gosta de ler, de falar e se sente muito
envergonhado, muito fechado e por esse motivo ele acaba
desistindo.
P.73 concentração, pois o barulho é muito grande, fica
entre duas serrarias.
Como se nos exemplos acima, outros fatores foram apontados pelos
docentes quando perguntados sobre as dificuldades dos alunos e alunas quando
estão aprendendo a ler e escrever nas quatro primeiras séries. Dentre eles,
destacam-se a ausência de Educação Infantil naquela realidade educacional e a
inadequação do espaço escolar, citados no segundo eixo temático como
dificuldades encontradas pelos docentes naquela realidade.
Como se observou no capítulo 1 deste estudo, a ausência de Educação
Infantil contraria a lei educacional vigente no Brasil, prescrita na LDB 9394/96, art.
29, que assegura a Educação Infantil para o desenvolvimento integral das crianças
por meio de aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais, junto com a família
e a sociedade.
A Educação Infantil é fundamental para o desenvolvimento afetivo, psicomotor
e sociocognitivo da criança, envolvendo a afetividade, os esquemas corporais, a
linguagem e a cognição com as práticas sociais realizadas individual e coletivamente
na escola. Ademais, contribui significativamente no processo de alfabetização.
112
Segunda série
a. Dificuldades na linguagem escrita e leitura.
P.1 Ler a pronúncia das palavras corretas.
P.6 na segunda série os obstáculos não são diferentes da
primeira série.
P.8 o mesmo acontece com o aluno que vem da primeira e
da segunda. Sente dificuldade em conhecer sílabas, não
sabem formar palavras e ler frases.
P.13 alunos que passam para segunda série e não sabem
ler e nem escrever, e não interpretam textos e nem formam
frases.
P.14 os meus alunos da segunda série escrevem as
palavras todas juntas quando faço ditado, tenho que ir
dizendo que eles têm que separar as palavras. Quanto à
leitura eles lêem ainda desrespeitando os sinais de
pontuação. Para tentar amenizar essa situação leio
primeiro e depois peço para que eles façam a mesma
leitura.
P.21 os alunos na leitura trocam silabas com outras e
confundem letras e as sílabas.
P.25 uma parte das crianças vem da primeira série sem
saber ler e fica com grande dificuldade na segunda série
quando passamos outros conteúdos diferentes.
P.30 os alunos trocam “ppor “b”, “gpor “j”, “x” por “ch”,
“m” por “n” e escrevem 102 ao invés de 1002.
P.39 eles sentem muita dificuldade em ler e escrever,
principalmente de algo ditado. Eles acham que ainda não
sabem ler e as vezes querem ficar fora das atividades.
P.43 as dificuldade são ler frases e escrever os ditados e
resolver problemas de matemática.
P.52 a gente pega aquele aluno aprovado para segunda
série. Ele não sabe ler e as vezes nem escrever e com as
dificuldades que temos com as classes multisseriadas se
torna mais difícil.
P.54 não conseguem ler porque não juntam as letras para
formar palavras.
113
Como se nota nos relatos, os docentes se referem a uma falta de progressão
das habilidades de ler e escrever das crianças que saíram da primeira para a
segunda série. Esses dados demonstram que os aprendizes não prestam atenção
aos aspectos sonoros e segmentais da fala no momento de simbolizarem os sons
por meio dos grafemas. E, ainda, sentem dificuldade no processo de articular os
fonemas e de fazer a correspondência entre fonemas e grafemas.
Ratifica-se portanto que, na perspectiva das habilidades metalinguísticas, é
importante desenvolver duas competências: o reconhecimento de palavras por meio
da codificação e decodificação e a compreensão de textos por meio do vocabulário e
das práticas sociais. Essas competências podem se apresentar por meio da
consciência fonológica, lexical e sintática.
Vale ressaltar que, conforme aponta Brasil (2003), a inexistência de dados
públicos e comparáveis sobre o desempenho de aprendizagem da primeira e
segunda rie do Ensino Fundamental, associada aos dados da UNESCO, PISA,
SAEB, demonstra que o Brasil tem grandes desafios a superar na alfabetização. O
país vem enfrentando grandes dificuldades para alfabetizar e permitir uma
escolarização adequada, tanto em nível estadual quanto municipal.
Na terceira série
a. Dificuldades na linguagem escrita e leitura.
P. 10 as dificuldades que encontro na terceira série
quando ensino a ler e escrever é no momento do ditado e
na leitura .
P. 17 na terceira série a dificuldade é não ler e entender
o que estão lendo e os alunos da quarta série têm essa
mesma dificuldade.
P. 18 tanta terceira como na quarta série os alunos
sentem dificuldades de escrever e ler o ditado de palavras.
P. 27 dificuldades de pronunciar palavras com mais de
quatro sílabas e dificuldades de seguir os sinais de
pontuação na leitura.
P. 28 Nesta série as dificuldades são iguais as das ries
anteriores. Os alunos não relacionam os sons com as
letras, assim não conseguem ler e nem escrever.
114
P. 43 dificuldades de escrever palavras quando tem ditado
de textos.
P. 56 muitos alunos estão parecidos com os da primeira e
segunda série porque não conseguem ler e escrever por
causa que não sabem o alfabeto e não juntam letras para
formar sílabas.
Com os dados acima, pode-se dizer, mais uma vez, que o uma
progressão na aprendizagem da linguagem escrita e leitura. Mesmo na terceira série
os aprendizes parecem não ter desenvolvido ainda a capacidade de manipular e
refletir sobre a linguagem escrita.
b. Outros fatores
P.12 na terceira séria os alunos precisam de uma
atenção para eles e eles não m devido trabalharmos
com classes multisseriadas.
P.52 tanto na terceira quanto na quarta rie sempre
apanhamos esses alunos não alfabetizados que vem de
outras escolas. Temos que alfabetizar alunos na quarta
série sem poder voltar à primeira série. Isso está
relacionado às quatro séries que trabalhamos ao mesmo
tempo.
Nesses relatos, os professores reforçam as dificuldades de lidarem com
classes multisseriadas e alunos que chegam à terceira série sem conhecerem o
princípio alfabético da linguagem escrita. Esses dados, se comparados com o
segundo eixo temático, os desafios nas práticas docentes na educação do campo
em classes multisseriadas, ratificam mais uma vez tais dificuldades.
Na quarta série
a. Dificuldades na linguagem escrita e leitura.
P.02 a maior dificuldade na quarta série é a desistência
dos alunos por não saber ler e escrever.
P.06 na quarta série a situação não é diferente das outras
séries, dificuldades de ler.
P.19 alguns são adultos e tem vergonha de ler.
P.28 a maior dificuldade ocorre quando o aluno é solicitado
em ampliar frases e construir textos.
115
P.33 a dificuldade está no momento de ler e interpretar e
na pontuação dos textos.
P.37 os alunos vieram com grandes dificuldades de
leitura e escrita desde a primeira série e não
desenvolveram a aprendizagem necessária para ler e
escrever.
Nos resultados apresentados acima, percebe-se que, do ponto de vista dos
professores, o aprendiz na quarta série do Ensino Fundamental sente dificuldades
em lidar com a linguagem escrita e leitura, o que acaba gerando o abandono
escolar. Esse dado pode estar ligado aos altos índices de evasão e reprovação
escolar, conforme apontado pelo INEP no capítulo 1 do presente trabalho.
Nas quatro séries, percebe-se que as dificuldades das crianças estão
relacionadas à ausência de conhecimento do principio alfabético e ortográfico.
Dentre as dificuldades, os docentes apontam, por exemplo, a ausência de
habilidades de ler e escrever, de formar palavras usando sílabas, de leitura e
reconhecimento de palavras e de famílias silábicas, escrita muito segmentada, troca
de letras e sílabas, dificuldade com pontuação e acentuação.
Como se pode ver nos relatos, as dificuldades estão ligadas à ausência de
habilidades em se relacionar os sons da pronúncia da fala com as letras no sistema
de escrita. Segundo Brasil (2003), a escrita envolve diferentes dimensões. Todas
elas necessitam ser ensinadas paralelamente, simultâneas entre si e com práticas
de leitura considerando as capacidades cognitivas das crianças.
É fundamental que os professores que atuam em classes de alfabetização
conheçam adequadamente a complexidade dos aspectos linguísticos, fonético-
fonológicos e ortográficos da língua, com o objetivo de prever, diagnosticar e corrigir
algumas dificuldades de aprendizagem decorrentes dessas complexidades. Não se
pode negar que o ensino das correspondências grafema-fonema é relevante para o
desenvolvimento da leitura e escrita.
Ainda é relevante dizer que a associação entre a leitura e escrita é
fundamental para desenvolver a habilidade grafofonológica, isto é, ler a linguagem
escrita e/ou escrever algo lido. Atividades de coordenação motora e atividades
oralizadas são fundamentais para o desenvolvimento sociocognitivo da criança.
116
4.4 Relatos dos professores sobre suas práticas na alfabetização
Nessa categoria, buscou-se relatar os modos de ensino da linguagem escrita
e as projeções para um trabalho docente eficaz na alfabetização em classes
multisseriadas na educação do campo de Breves.
Na questão 19, perguntou-se aos professores como eles fazem para trabalhar
com a disciplina Língua Portuguesa dando atividades diferenciadas de primeira a
quarta série com alunos na mesma sala.
Do total de respostas encontradas, trinta professores relataram que unificam
assuntos da primeira e segunda séries e da terceira e quarta séries; vinte e cinco
contaram que diferenciam atividades conforme o nível de aprendizagem; outros
diversificam suas atividades, e dois não responderam.
a. Unificam as séries e conteúdos escolares
P.03 algumas vezes passo trabalho com primeira e
segunda séries juntas e terceira e quarta séries juntas.
P.25 dividindo a classe em primeira e segunda e terceira e
quarta.
P.55 unifico primeira e segunda série e terceira e quarta
séries e também os conteúdos. A leitura é feita
coletivamente e individual.
Diante dessas falas, Nota-se que a junção das séries, conforme citam
os docentes, é um meio de adequar o tempo e os conteúdos de português à
realidade educacional multisseriada.
b. Atividades diferenciadas para cada série.
P.13 eu faço um plano de aula para cada série e monto
atividades de acordo com a rie e respeito o nível de
cada aluno.
P.18 é complicado mas um exemplo, eu trabalho um texto
para as quatro séries se for possível para primeira e depois
divido os assuntos com base no texto. Nem sempre
certo porque o horário acaba e tem que ficar o conteúdo
para o dia seguinte.
P 49 Faço a divisão do quadro para segunda, terceira e
quarta série.
117
P. 38 eu divido a lousa em quatro ou mais partes, e passo
conteúdo ou então eu vejo se tem conteúdos iguais, aí
passo tudo junto.
Esses relatos sugerem diversas estratégias de atuação em classes
multisseriadas. Ao considerar cada rie escolar, o docente demonstra que trata a
multisseriação como seriação, ou seja, ele não consegue criar estratégias para a
realidade multisseriada, mas trabalha com cada série escolar separadamente. Esses
dados ratificam que os professores não consideram o sistema multisseriado, e
reforçam que a seriação escolar é a melhor forma de trabalhar com ensino de
Português.
d. Outras respostas
P.11 para que o aluno tenha um aprendizado mais rápido
melhor dizendo, eu inicio com desenhos de letras do
alfabeto, e quando o aluno sabe a leitura das letras eu
apresento uma palavra, onde desenvolvo atividades de
leitura com palavras e silabas.
P.16 bem depois que a criança conhece as letras eu
começo a trabalhar com a soletração.
P.20 os da primeira eu faço os trabalhos no caderno , os
da segunda série numa parte do quadro e os da terceira e
quarta série no outro lado do quadro. Serie. Esta divisão é
feita através de dois planos de aula.
P.26 as atividades da terceira e quarta série o as
mesmas. na primeira série e na segunda serie trabalho
diferente porque essas crianças na sabem ler e escrever.
E para primeira série faço trabalhos nos cadernos.
Os relatos mostram as diversas estratégias de ensino de Português criadas
na realidade de cada docente. Essas estratégias metodológicas sinalizam modos de
adequar os conteúdos de Língua Portuguesa às reais condições de trabalho do
professor.
Os resultados apontam para uma educação linguística pautada em conteúdos
sistematizados e fixados pelas séries. Ora os docentes unificam conteúdos, ora
diversificam os conteúdos construindo estratégias para desenvolverem habilidades
de leitura e escrita. Percebe-se, em alguns momentos, que mesmo em classes
multisseriadas, os conteúdos de Língua Portuguesa são tratados como se fossem
118
ensinados em classes seriadas. Isso provavelmente ocorre pela estrutura curricular
que deve ter conteúdos de Português divididos em séries escolares.
Na questão 20, foi solicitado aos docentes que explicassem brevemente
como eles fazem para ensinar crianças da primeira série a lerem, e na questão 21,
perguntou-se sobre os modos dos docentes no processo de ensinar as crianças da
primeira série a escreverem.
Os resultados das questões 20 e 21 apontam que os docentes realizam
métodos muito próximos para ensinarem a ler e a escrever. Dessa forma, obtiveram-
se sessenta e nove respostas, e cinco não responderam.
Em quarenta e dois relatos, os docentes ensinam inicialmente soletração de
letras, depois sílabas, em seguida, palavras, até chegarem ao texto; sete docentes
apontaram que começam com as sílabas até chegarem ao texto, um com
palavração, um com textos, e dezoito relatos apontam outros métodos de ensino da
leitura, tais como: uso de livros e cartilhas, atividades dicas, sicas, histórias
infantis, objetos concretos. Notam-se nos relatos abaixo tais procedimentos:
Ler
P.01 trabalho com as letras depois formo silabas com as
crianças, depois de formamos sílabas formamos palavras
e assim sucessivamente.
P.11 para que o aluno tenha um aprendizado mais rápido,
melhor dizendo eu inicio com desenho de duas letras do
alfabeto e quando o aluno está dominando a leitura das
letras eu apresento o desenho de uma palavra-chave,
onde eu trabalho o desenvolvimento da palavra-chave e
das sílabas.
P.14 na primeira série costumo apresentar a palavra e o
seu desenho ao lado, por exemplo, se escrever a palavra
BOLA eu desenho a BOLA ao lado da palavra.
P.20 ensino as vogais e as consoantes em cartazes, ao
aprenderem elas eu começo ensinando as sílabas e
depois as palavras.
P.22 primeiro ensino as vogais, quanto as crianças tem
total domínio das vogais, fazemos cartazes e seus nomes,
jogos e músicas.
P.25 trabalho a maioria das aulas com fichas silábicas no
quadro de pregar contando as letras que contem e
119
determinada palavra e identificando os sons de cada
sílaba, trocando silabas e formando novas palavras.
P.31 Eu uso fichas com labas e palavras, ditado, leitura,
auto ditado. Figuras e leitura de textos, frases e pequenas
histórias.
P.34 usando jogos de palavras, palavras bem grandes,
livros de alfabetização com palavras simples, palavra-
chave.
P.58 Eu separo as vogais, as consoantes e as sílabas para
que eles conhecerem e formarem palavras.
Observa-se em alguns relatos que o ensino da leitura ocorre por meio da
soletração, que envolve ensinamentos de memorização do nome e da ordem das
letras; ensina-se os nomes por ordem alfabética; em seguida, as formas, o valor e
finalmente, juntam-se as letras para formar sílabas, depois frases, e por último,
textos. Outros começam pelas sílabas. Esse procedimento fundamenta-se nos
métodos sintéticos de alfabetização.
Em outro momento, constata-se que os docentes ensinam as crianças a
lerem por meio da unidade maior, neste caso, palavras e textos. Outros utilizam
livros didáticos e jogos para alfabetizar.
Escrever
P.11 para que a criança desenvolva mais rápido a escrita
eu uso quase o mesmo processo de leitura, só que a
escrita eu utilizo primeiro a coordenação motora, porque as
vezes nós deparamos com alunos que não conseguem
pegar o lápis, nem caneta, então esses alunos são os que
mais demoram para ler e escrever.
P.14 é o mesmo método que utilizo para ensinar a ler,
porque a criança cria vinculo entre a palavra escrita ligado
ao desenho.
P.20 faço no caderno deles letras e palavras pontilhadas
para cobrir e depois de cobri eles copiam ao lado.
P.22 passo no caderno atividades de coordenação motora
para que eles desenhem as letras, passo na lousa e
também dito pequenas palavras.
120
P.25 Fazendo rabiscos, cobrindo pontilhados, cobrindo
letras e completando os formatos das letras
.
P.31 eu uso métodos tradicionais como atividades feitas no
caderno para cobrir, pintar e copiar, quando a criança
desenvolveu a coordenação eu passo para o quadro,
formação de palavras, frases e textos.
P.34 quando estão iniciando seguro as mãos deles para
fazer rascunhos e imitando letrinhas.
P.58 Fazer eles conhecerem o alfabeto e as sílabas.
Considerando os dados acima, a linguagem escrita é ensinada por meio de
atividades de coordenação motora em razão da falta de Educação Infantil. Cabe
ressaltar que o trabalho docente de alfabetização deve permitir o desenvolvimento
das capacidades cognitivas dos aprendizes de manipularem aspectos formais da
linguagem escrita.
Nos relatos acima, percebe-se que os professores diversificam os métodos de
alfabetização no momento de ensinarem crianças a lerem e escreverem na primeira
série. Alguns adotam a soletração, a silabação, e outros utilizam a palavração, os
textos.
Concorda-se com Brasil (2003) ao relatar que a escrita envolve diversas
dimensões; todas precisam ser ensinadas paralelamente entre si e com propostas
pedagógicas de leitura, ainda que independentemente, dadas as limitadas
capacidades de processamento cognitivo da criança. No momento em que o
aprendiz soletra e grafa a palavra de forma fluente, automática e correta, sua
atenção e capacidade cognitiva podem se concentrar em outras atividades
relacionadas com o ato de escrever.
Os métodos de alfabetização devem se fundamentar em conhecimentos
científicos que norteiem as escolhas das unidades de ensino (grafemas, fonemas,
morfemas, tipos de sílabas, palavras, sentenças, textos) e as suas regras
elementares para ajudar o aprendiz a decifrar o código alfabético.
Nessa perspectiva, diversos trabalhos experimentais e empíricos confirmam a
maior eficácia dos métodos fônicos em relação aos demais, conforme consta no
National Reading Panel de 2000. Eles enfatizam a decodificação grafofonológica
como condição para que o aprendiz adquira fluência e autonomia no momento de
121
ler. As estratégias de converter letras em sons e juntá-los para formação de palavras
têm-se mostrado mais beis do que aquelas baseadas em unidades maiores do
que os fonemas.
pesquisas, como por exemplo, de Maluf e Barrera (1997) e de
Santos e Maluf (2004), que comprovam que esses métodos apresentam melhores
resultados no processo de aprendizagem da linguagem escrita. O enfoque
contemporâneo fônico desenvolve descoberta, reflexão e metacognição por meio do
principio alfabético, que reside na relação entre fonema e grafema. Com isso, a
criança assimila com precisão os níveis de informação textual utilizando
competência da decodificação.
Na questão 22, perguntou-se aos docentes se eles poderiam indicar algumas
coisas que acham importantes para ajudar as crianças na alfabetização. Os
resultados mostram que houve noventa e cinco respostas, dentre as quais vinte e
sete professores apontaram que os materiais didáticos são relevantes no trabalho de
alfabetizar crianças, vinte e cinco citaram atividades lúdicas, doze relataram a
importância da capacitação docente, dez revelaram que o espaço físico, tempo e
transporte são fundamentais, sete comentaram sobre o incentivo dos pais e catorze
deram outras respostas. A seguir, foram organizados os relatos de alguns
professores:
a. Materiais didáticos:
P.34 livros com tarefas simples voltados para zona rural,
kit de arte e outros materiais para recortar.
P.25 dinâmicas, matérias didáticos, espaço adequado,
livros didáticos que esteja dentro do padrão alfabético.
P.57 que as escolas recebessem cadernos de caligrafia e
cartilhas de alfabetização adequada.
P.64 que a prefeitura na pessoa do gestor juntamente com
a secretaria de educação nos oferecesse recursos
didático-pedagógicos para desempenhar melhor o
processo de alfabetização.
122
b. Atividades lúdicas
P.44 fazer cartazes com letras e palavras grandes e
invetar brincadeiras que envolvam letras e palavras.
P.59 trabalhar com diversos gêneros de textos, bingos,
dominós, palavra-cruzada, caça-palavra, maquetes, teatro.
c. Capacitação docente:
P.37 o que poderia ajudar seria a visita de profissionais
para realizar cursos sobre alfabetização.
P.60 cursos de capacitação para os professores sobre
alfabetização.
P.21 cursos de alfabetização ajudaria muito.
P.63 orientações para os professores sobre alfabetização
com essa base o professor pode ter mais suporte.
d. Espaço físico, tempo e transporte escolar:
P.22 o espaço pedagógico que é importante na
alfabetização.
P.31 local adequado, material lúdico, livros adequados,
paciência, carinho e ajuda dos pais.
e. Incentivo da Família:
P.28 o acompanhamento familiar é indispensável e
contribui muita para tal processo.
P.02 o incentivo dos pais para que os alunos não faltem às
aulas, pois dois dias que eles faltam causa atraso na
aprendizagem.
f. Outras respostas:
P.27 cada escola deveria ter um mimeográfo que ajudaria
muito na alfabetização de crianças.
P.38 que tivesse um professor exclusivo para trabalhar
somente com alfa.
P.62 tirar as crianças que estão na alfabetização em
classes multisseriadas.
P.58 eu acho que poderia ter um meio para ajudar os pais.
Os meus alunos não recebem nem um tipo de ajuda nem o
bolsa-família.
123
As falas dos professores sinalizam para uma realidade educacional muito
diferente da encontrada nas escolas da zona urbana. Em termos de recursos
disponíveis, a escola do campo é carente de recursos materiais e espaço para salas
de aula adequadas; ausência de bibliotecas, quadra de esporte, laboratório de
informática, linguagem e ciências. Esses dados ratificam a necessidade de
investimentos para consolidarem uma educação do campo de qualidade, que
possibilite o sucesso socioeducacional daqueles que estão inseridos nessa
realidade.
Na questão 23, perguntou-se aos docentes o seguinte: “Na quarta série,
quantos dos seus alunos conseguem ler e escrever?” Foram dadas cinco
alternativas para eles assinalarem. Os resultados mostram que vinte e nove
assinalaram que todos os alunos conseguem ler e escrever na quarta série; vinte e
dois apontaram que mais ou menos metade da turma; treze citaram que quase
todos; sete docentes relataram que somente alguns, e três docentes indicaram que
mais da metade da turma da quarta série consegue ler e escrever.
Esses dados mostram que, segundo os professores, a grande maioria dos
alunos e alunas consegue ler e escrever na quarta série. Relacionando os
resultados acima com outros dados apontados pelos docentes, quando perguntados
sobre as dificuldades dos alunos e alunas quando estão aprendendo a ler e escrever
nas quatro primeiras séries, percebe-se uma falta de consistência entre as
respostas.
Cabe aqui destacar os estudos de Brasil (2003), que apontam que, para o
desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, faz-se necessário soletrar e
grafar adequadamente por meio das capacidades que envolvam caligrafia,
transcrição fonema-grafema, regras ortográficas, pontuação, acentuação, letras
maiúsculas e minúsculas.
É fundamental que o professor crie estratégias que possibilitem ao aprendiz
desenvolver competências de escrita e leitura. muitas maneiras pedagógicas
para relacionar o ato de ler e escrever, como cópias e ditados, para que o aprendiz
identifique e resolva problemas ligados aos erros detectados ao fazer a
correspondência fonema-grafema.
124
Essa estratégia ajuda a desenvolver as habilidades metalinguísticas, que
possibilitam ao aprendiz manipular e refletir sobre estrutura, formação e valor dos
aspectos linguísticos a partir da linguagem oral.
Na questão 24, perguntou-se se os docentes gostam de alfabetizar as
crianças. Os resultados mostram que sessenta e nove professores gostam de
alfabetizar, quatro não gostam, e dois não responderam. uma diversidade de
relatos sobre a satisfação em alfabetizar crianças, a afetividade construída com os
alunos, o estímulo de alfabetizar devido à vontade de aprender das crianças. Os
relatos abaixo mostram algumas justificativas de alguns professores que gostam de
alfabetizar:
P.01 sim, porque é uma tarefa árdua devido os poucos
recursos, mas apesar disso descobrimos coisas novas e é
interessante o carinho e a curiosidade deles em aprender a
ler e escrever.
P.06 sim, porque a alfabetização é uma etapa muito
importante na aprendizagem e nós como educadores nos
sentimos muito felizes quando alfabetizamos uma criança.
P.08 sim, gosto de alfabetizar porque a gente tem a
responsabilidade dentro da escola de alfabetizar, agora
seria melhor se fosse somente uma série por turma. Todos
os educadores estariam alcançando seus objetivos melhor.
P.18 sim, passar esse conhecimento me faz feliz ver as
crianças olhando um barco passando no rio e elas
poderem ler o nome. Isso é muito gratificante e outras
coisas.
p.27 sim, porque o professor tem uma responsabilidade
muito grande de educar essa criança e que são seus
primeiros conhecimentos adquiridos na sala de aula e a
afetividade que é muito grande por parte das crianças.
P.31 sim, por que é gratificante ver as descobertas das
crianças ao conhecer as letras e palavras. É um trabalho
maravilhoso e importante para todos.
P.37 Não, por que o aluno vai para a primeira série com 6
anos sem conhecer as primeiras letras e sem habilidade
motora.
125
P.50 adoro crianças e desde 12 anos gosto de ensinar e
sempre quis ser professora. Por não ter documento
demorei ir a escola e aprendi tudo com uma professora
particular e aperfeiçoei na escola o resto é da maneira que
aprendi procuro repassar.
P.52 sim gosto de alfabetizar, queria ter recursos para
trabalhar com os alunos, pelo menos uma sala de aula que
oferecesse condições mínimas.
P.55 sim, é gratificante repassar o que sabemos aos
alunos e a alegria de uma nova descoberta para eles.
a primeiras letras, pronunciar a primeira sílaba e
juntando para formar a primeira palavra com duas sílabas.
Fico feliz em poder ajudar essas crianças nesse início de
sua vida.
P.68 sim, é gratificante ver uma criança ler e escrever.
Os relatos demonstram que a grande maioria dos professores sente
satisfação em alfabetizar crianças. Nota-se que a alfabetização para esses
educadores envolve uma relação de formação intelectual e cidadã, naquele espaço
educacional marcado por muitas limitações e contradições sociais e educacionais.
As justificativas apresentam uma relação, construída no momento de iniciar
as crianças no mundo da escrita, marcada pela afetividade, criatividade e
compromisso com a educação. Muitos são os desafios, e diante deles, o que
encoraja esses educadores é a certeza de que essas crianças podem transformar
aquela(s) realidade(s) a partir do momento em que aprendem a ler e escrever.
Resumindo os dados deste eixo temático, constataram-se as dificuldades de
ensino e aprendizagem da linguagem escrita do ponto de vista dos professores, os
modos de ensino da linguagem escrita e as projeções para um trabalho docente
eficaz na alfabetização.
Quanto às dificuldades encontradas pelos docentes, verificou-se que os
relatos dos docentes mostram alguns tipos de dificuldades encontradas por eles na
alfabetização, como: dificuldades de trabalhar quatro ries ao mesmo tempo
(classes multisseriadas); a dificuldade decorrente da falta de material didático e
dificuldades decorrentes da falta de espaço físico, de tempo e de capacitação
profissional.
126
Quanto às dificuldades dos alunos e alunas quando estão aprendendo a ler e
escrever nas quatro primeiras séries, a grande maioria dos professores relatou que
as dificuldades dos aprendizes em ler e escrever estão ligadas à ausência de
conhecimento sobre aspectos fundamentais da linguagem escrita, dentre os quais:
diferenciar o som das letras, formar sílabas, conseguir ler e escrever letras e sílabas,
reconhecer letras; compreender e pronunciar no momento da leitura, relacionar
aspectos da linguagem oral com a linguagem escrita. De modo que os alunos
desconhecem os nomes da letras, trocam letras, não assimilam as sílabas e não
conseguem relacionar grafemas e fonemas.
Outras dificuldades foram citadas com menor frequência pelos professores, como
falta de material didático, ausência dos alunos às aulas, falta de acompanhamento
dos pais, o trabalho em classes multisseriadas, falta de tempo e espaço físico
adequado, ausência constante das crianças que trabalham, o fato de as crianças
não saberem pegar no lápis, distorção série-idade, falta de Educação Infantil, entre
outras.
No subeixo intitulado “Os relatos dos professores sobre suas práticas na
alfabetização”, buscou-se relatar os modos de ensino da linguagem escrita e as
projeções para um trabalho docente eficaz na alfabetização em classes
multisseriadas na educação do campo de Breves.
Quanto ao modo de trabalhar com a disciplina Língua Portuguesa, elaborando
atividades diferenciadas para primeira a quarta rie com alunos na mesma sala, os
professores relataram, na sua maioria, a prática de unificar assuntos da primeira e
segunda séries e da terceira e quarta ries. Outros relatos mostram que alguns
docentes diferenciam atividades conforme o nível de aprendizagem; outros
diversificam suas atividades, e dois não responderam.
No que diz respeito ao modo como ensinam crianças da primeira série a
lerem e ao processo de ensinarem as crianças da primeira série a escreverem, os
resultados demonstram que a grande maioria, quando ensina a ler, inicia com letras,
depois sílabas, em seguida, palavras, até chegarem ao texto. Outros apontam que
começam com as sílabas, até chegarem ao texto; outros, com palavração, uns com
textos, e os outros relatos apontam outros métodos de ensino da leitura, como: uso
de livros e cartilhas, atividades lúdicas, músicas, histórias infantis, objetos concretos.
127
No momento de ensinar a escrever, muitos diversificam suas estratégias; no
entanto, foram citadas com grande frequência atividades de coordenação motora por
causa da falta de Educação Infantil.
Para os docentes, é relevante na alfabetização de crianças o uso de materiais
didáticos; outros citaram as atividades lúdicas, em seguida, a importância da
capacitação docente, e outras respostas
Perguntou-se aos docentes a seguinte questão: “Na quarta série quantos dos
seus alunos conseguem ler e escrever?” Os resultados mostram que a maioria dos
aprendizes da quarta série consegue ler e escrever. Por último, perguntou-se aos
docentes se eles gostam de alfabetizar as crianças. Os resultados mostram que a
maioria gosta de alfabetizar, e estabelece uma relação afetiva e cidadã com os
alunos.
128
CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta última parte do presente estudo, pretende-se apresentar as conclusões
e as considerações finais sobre esta pesquisa realizada com um grupo de 74
professores da educação do campo em classes multisseriadas.
Em linhas gerais, os objetivos deste estudo foram: conhecer as características
dos professores que atuam nas classes multisseriadas na educação do campo de
Breves; descrever as dificuldades de ensino e aprendizagem da linguagem escrita;
relatar os modos de ensino da linguagem escrita e as projeções para um trabalho
docente eficaz na alfabetização; analisar os relatos dos professores sobre a
abordagem das relações entre habilidades metalinguísticas e aprendizagem da
linguagem escrita.
Com base nas análises dos relatos dos professores que compuseram este
trabalho, foi possível identificar uma multiplicidade de informações que possibilitam
uma primeira aproximação àquela realidade. Essas informações foram agrupadas
em três grandes eixos temáticos, como vimos: caracterização do perfil docente, os
desafios nas práticas docentes na educação do campo em classes multisseriadas e
ensino da linguagem escrita nas séries iniciais.
No primeiro eixo, concluiu-se que o grupo da presente pesquisa é formado
por docentes, na sua maioria, com idade entre 31 e 50 anos, do gênero feminino,
com formação em nível médio magistério, funcionários efetivos, com atuação na
educação no campo entre 1 e 10 anos, trabalhando um período e alfabetizando
crianças entre 1 ano e 10 anos. Dessa forma, os resultados mostram que a grande
maioria dos docentes não apresenta uma formação inicial em cursos de nível
superior.
No segundo eixo, observou-se os principais desafios enfrentados pelos
professores no momento de alfabetizar na realidade das classes multisseriadas em
Breves. O primeiro deles é, justamente, a própria realidade da multisseriação:
trabalhar com vários alunos de primeira a quarta série aprendendo conteúdos
diferentes com um único professor. Verificou-se que, em geral, eles ensinam de
primeira a quarta série praticamente em quatro horas-aula diariamente.
129
Se não bastasse o desafio de conciliar diferentes estágios de
desenvolvimento dos alunos, esses professores têm de preparar e servir a merenda
escolar todo dia, e no final da aula, muitas vezes fazer a limpeza da escola. Em
outros momentos ainda, atuam em diversas atividades socioeducativas na
comunidade.
Percebe-se o trabalho docente nesta realidade socioeducacional é
desgastante e desafiador. A unidocência está diretamente relacionada às
dificuldades de atuação didático-pedagógica no ambiente escolar, que é carente de
um grupo de apoio escolar. Ademais, o professor é uma referência para a
comunidade, se engajando em atividades socioeducacionais nas comunidades.
Quanto aos recursos didáticos, os professores não recebem recursos
materiais, como livro didático, cola, papel, entre outros, para construírem suas
atividades para a alfabetização; os professores diariamente inventam, criam
estratégias de ensino com música, jogos e brincadeiras. Eles buscam por conta
própria diversos livros para ensinarem a ler e escrever.
Quanto à relação dos alunos com a escola, os docentes relatam que muitos
alunos faltam às aulas, pois uns trabalham com os pais na roça e outros na
pescaria. Isso dificulta a aprendizagem e as práticas de ensino dos professores.
Constata-se ainda que muitos alunos não têm transporte para irem de suas casas
até a escola, e que poucos são aqueles que os pais incentivam a estudar. Diante de
todas essas situações, muitos alunos desistem dos estudos.
É possível dizer que os professores demonstraram que a ausência e o
abandono das crianças à escola estão ligadas ao trabalho, portanto, relacionam-se a
uma questão de sobrevivência. Muitos professores em seus relatos responsabilizam
a família pela ausência e abandono da escola por parte das crianças. Por outro lado,
a ausência de transporte escolar prejudica a vida das crianças, que muitas vezes
não dispõem de canoas, bicicletas, ônibus. E, quando dispõem, fazem um esforço
para remar ou caminhar durante horas até chegar à escola.
Quanto ao calendário escolar, verificou-se que professores seguem o
calendário, que é baseado na realidade da região urbana, muito diferente da vida
social e cultural da população do campo. Esse calendário não autonomia para os
professores da educação do campo, mas a grande maioria afirmou que não o
mudaria.
130
No entanto, o calendário poderia ser um instrumento de adequação àquela
realidade sociocultural, possibilitando ao docente uma adequação ao tempo, ao
espaço, a suas tarefas e à comunidade, com autonomia. Podendo solucionar a
evasão escolar adequando as práticas docentes aos aspectos socioculturais
daquela realidade.
Quanto à formação docente, alguns poucos professores relataram ter feito
alguns cursos de alfabetização, mas muito vagamente, sem informar exatamente o
local e outros dados sobre os cursos. Nas escolas ou nas classes multisseriadas, os
professores têm de ensinar as crianças a ler e escrever, mas eles participam de
poucos cursos de alfabetização e a grande maioria não possui formação inicial em
nível superior.
Os relatos revelaram um déficit na formação continuada em cursos de
alfabetização para aqueles docentes. Nesse contexto educacional, os cursos
poderiam auxiliar o docente a repensar sua prática de alfabetização e criar
estratégias para superar as dificuldades de ensino e aprendizagem da linguagem
escrita.
Diante desses resultados, pode-se dizer que este é mais um caso de
educação nas áreas campesinas que se apresenta repleto de contradições e
conflitos. Nesse caminhar, surgiram adversidades que acompanharam desde muito
cedo a realidade educacional das populações do campo, como falta de livros,
poucos materiais pedagógicos, poucos e precários estabelecimentos de ensino,
ausência de formação docente, entre outros, conforme foi apontado em outros
estudos, como por exemplo, Almeida (2005), Ferri (1994), Brasil (2004, 2007),
Machado (2008), Bezerra Neto (2003), a respeito de realidades semelhantes.
Diante dessa realidade, em pleno século XXI, ainda se podem encontrar
muitas dificuldades historicamente herdadas na educação do campo. A realidade da
educação do campo de Breves parece não ser diferente daquela educação rural de
tempos anteriores. Ela possui grandes desafios, como foi apontado pelo INEP (2006
e 2007): a maioria dos docentes sem formação em nível superior, altos índices de
distorção idade-série, insucesso escolar, poucos estabelecimentos de ensino, entre
outros. Os resultados deste estudo mostram muitas dificuldades e projeções naquela
realidade no momento de os docentes alfabetizarem as crianças em um sistema
multisseriado.
131
Pode-se dizer, a partir destes resultados, que a concepção e os paradigmas
mudaram de educação rural para educação do campo; no entanto, essa realidade
educacional permanece com os mesmos conflitos e dificuldades para garantir o
acesso às crianças ao mundo da escrita e do conhecimento. Davis e Gatti (1993,
p.134) relatam a realidade educacional do campo no Piauí, não muito diferente dos
resultados apontados nesta investigação.
As condições para o ensino multisseriado eram precárias: havia muitos
alunos em sala de aula, a infra-estrutura era deficiente e a própria
formação da professora não permitia o manejo adequado a este tipo de
trabalho. Desta forma, a programação das atividades pedagógicas era tal
que, quando o docente dedicava sua atenção a um aluno, os demais
permaneciam desocupados. Como conseqüência a modalidade de atuação
selecionada reduzia significadamente a efetividade do ensino. (grifo nosso)
O que se vê, então, é a ausência de condições apropriadas de trabalho e de
formação inicial nesses docentes. Mesmo com políticas públicas institucionalizadas
asseguradas pela LDB 9394/96, nota-se que o parcas as ações para
profissionalização docente na realidade educacional do campo brevense. A
profissionalização docente adequada à realidade do campo é uma ferramenta
singular para o desempenho das práticas de ensino nas séries iniciais.
A respeito dos desafios nas práticas docentes na educação do campo em
classes multisseriadas, os relatos dos professores mostram que o trabalho docente
é desafiador e desgastante. Verifica-se que as dificuldades e desafios da educação
do campo de Breves são históricos, como foi visto no capítulo 1 desta dissertação de
mestrado. Parece que a educação do campo, desde o momento em que se originou
até os dias de hoje, vive o mesmo abandono e descaso a serem superados pela
população do campo, em especial, a do município de Breves.
Se, por um lado, a realidade do professor é desafiadora por enfrentar grandes
dificuldades no momento de realizar suas funções profissionais sem ter condições
adequadas de trabalho, por outro, ele deve lidar com a ausência dos alunos
motivada pelo trabalho infanto-juvenil, pela falta de apoio familiar e inexistência de
políticas públicas, de transporte escolar, comprometendo a qualidade de ensino e
aprendizagem do atores sociopedagógicos. É possível inferir que a distorção idade-
série, os altos índices de reprovação e evasão escolar podem estar relacionados
com estes fatos.
132
É preciso se levar em conta que os períodos de cheias, plantações, colheitas
e pescarias afetam diretamente as famílias e os estudantes na realidade do campo.
A escola deve dialogar com a comunidade para superar tais desafios, criando meios
de se adequar à vida sociocultural e ambiental desse povo.
Um meio pode ser o ajuste do currículo escolar e do calendário escolar às
reais circunstâncias da vida da comunidade; entretanto, os docentes, na sua
maioria, apontaram em suas respostas que não mudariam o calendário escolar.
Com o passar dos anos, as políticas vêm sendo alteradas; entretanto, a
realidade da educação do campo tornou-se cristalizada, estagnada, a ponto de se
perceber que a educação do campo de Breves vive um tempo não muito diferente
dos primórdios da educação rural. A educação do campo brevense é recente, e tem
uma longa trajetória pela frente; não se pode esquecer que as escolas fazem parte
dessa realidade e os desafios também.
Não se pode esquecer a comunidade, os aprendizes e, principalmente, os
docentes do campo que enfrentam desafios diariamente: ministrar aula para quatro
séries, fazer merenda escolar, construir atividades dicas para alfabetizar, conviver
com ausência de alunos por causa do trabalho, lidar com a grande distorção idade-
série, entre tantas outras adversidades. “É por isso que quando pensamos nesses
professores, talvez em suas vozes esquecidas, urge indagarmos se estão
esquecidas no passado ou talvez ainda silenciadas pelos historiadores e gestores da
educação presente” (ALMEIDA, 2005, p.293).
No terceiro eixo temático, buscou-se conhecer sobre o ensino da linguagem
escrita nas séries iniciais naquela realidade. Observou-se que os professores
sentem diariamente muitas dificuldades no momento de exercerem as práticas de
alfabetização; são momentos desafiados e de grande luta.
Quanto às dificuldades encontradas em alfabetizar crianças, os professores
ratificam que trabalhar em classes multisseriadas, não dispor de material didático,
não ter um espaço físico adequado e não possuir cursos de alfabetização são
fatores que influenciam nas suas práticas de alfabetização.
Quanto às dificuldades dos alunos e alunas quando estão aprendendo a ler e
escrever nas quatro primeiras séries, a maioria dos professores relata dificuldades
ligadas ao conhecimento de aspectos fundamentais da linguagem escrita, como por
exemplo, relacionar os fonemas aos grafemas. E percebe-se que não uma
133
evolução, na maioria dos relatos, de aprendizagem das competências de leitura e
escrita nas quatro séries.
Quanto aos modos de ensinar a disciplina língua portuguesa às crianças no
sistema multisseriado, alguns docentes descreveram que unificam as séries e
conteúdos escolares, e outros, que aplicam atividades diferenciadas. No momento
da leitura, utilizam diversos métodos: a maioria começa com a soletração, outros
com palavras; já, para escrever, começam com coordenação motora, porque as
crianças não têm Educação Infantil e muitas vezes nem sabem como segurar o
lápis; depois, trabalham com palavras e textos. Eles relatam que mais da metade
dos alunos no final da quarta série conseguem ler e escrever.
Quanto aos modos utilizados pelos docentes no processo de ensino da leitura
e da escrita na primeira série, a análise do questionário demonstrou que os
ensinamentos sobre leitura e escrita estão associados ao processo mecanicista,
sem considerar aspectos relevantes como, por exemplo, possibilitar as crianças
desenvolver reflexão sobre aspectos da linguagem oral. Isto é, relacionar aspectos
sonoros com as unidades gráficas, ou seja, correspondência entre fonemas e
grafemas.
Quantos às projeções relevantes para alfabetizar crianças, os professores
disseram que os materiais didáticos, atividades lúdicas, cursos, espaço físico
adequado, transporte escolar e incentivo da família são fundamentais para
alfabetizar as crianças que frequentam as classes multisseriadas da educação do
campo.
No que se refere à satisfação em alfabetizar, a grande maioria afirmou gostar
de alfabetizar crianças. Mesmo com tantos desafios, os professores, em grande
parte, disseram que gostam de alfabetizar crianças, porque é gratificante vê-las
aprendendo lições da cidadania. Ou seja, os professores consideram que a
aprendizagem da leitura e escrita é fundamental para o exercício dos direitos e
deveres como brasileiros.
Nas últimas décadas, estudos têm mostrado, conforme o segundo capítulo,
que as concepções e métodos de alfabetização evoluíram a partir de estudos
científicos que mostram como crianças aprendem a ler e escrever. A literatura e os
documentos recentes de Brasil (2003) apontam que as ciências cognitivas da leitura
apresentam resultados ao desenvolverem habilidades referentes ao ato de ler e
escrever.
134
Diante da realidade dos professores do campo de Breves, é fundamental que,
para um ensino da linguagem escrita de qualidade, o professor tenha um
conhecimento de aspectos constitutivos da linguagem oral e escrita com o intuito de
desenvolver o vocabulário e leitura de textos. Defende-se aqui que muito pode ser
aprimorado pelos docentes; basta uma formação e profissionalização docentes de
qualidade e aprimoramento das políticas públicas de alfabetização no planejamento
e avaliação escolar.
Para superar as dificuldades no processo de alfabetização das crianças nas
séries inicias recomenda-se a prática de atividades que levem em conta as
habilidades metalinguísticas, que são facilitadores no momento de aprendizagem da
escrita. Como se observou no segundo capítulo, as habilidades metalinguísticas têm
uma relação interativa com a aprendizagem da linguagem escrita. O professor pode,
assim, realizar intervenções pedagógicas por meio de atividades escolares que
possibilitem à criança manipular e refletir sobre aspectos da linguagem oral por meio
da consciência fonológica, lexical e sintática.
Diversas atividades lúdicas podem constituir uma estratégia no processo de
aprendizagem da linguagem escrita e leitura. Dessa forma, atividades pedagógicas
que desenvolvam a consciência fonológica possibilitam que as crianças percebam a
relação entre grafemas e fonemas por meio de atividades com palavras que podem
ser reconhecidas por elas.
Considerando os resultados, os docentes, nas suas práticas de alfabetização,
podem realizar atividades pedagógicas utilizando as habilidades metalinguísticas ao
unificarem assuntos da primeira e segunda séries e da terceira e quarta séries. O
trabalho com músicas, cantigas de roda, poesias, parlendas, continuação de
histórias, relação entre imagens e palavras, pode ser realizado com crianças de
diferentes idades e, ao mesmo tempo, constitui uma estratégia eficiente de ensino,
contanto que o professor saiba desenvolver com esses recursos as habilidades
metalinguísticas.
Como se referiu no segundo capítulo, muitos estudos mostram que a
consciência fonológica e suas implicações pedagógicas são fundamentais para o
desenvolvimento da linguagem escrita, assim como a consciência lexical e a
sintática. Contudo, como se pode observar nas respostas ao questionário, os
docentes o parecem fazer uso desse enfoque teórico , tampouco desenvolvem
seu trabalho de alfabetização a partir de algum outro método mais formalizado. De
135
um modo geral, pode-se dizer que seu trabalho, haja vista todas as dificuldades
expostas aqui, é realizado de modo muitas vezes intuitivo, buscando suprir
carências tanto de ordem prática e econômica quanto de formação básica dos
próprios docentes.
Desta forma, os resultados sugerem que os professores não elaboram
estratégias que facilitem para o aprendiz a segmentação e manipulação da
linguagem falada sob vários aspectos da língua (fonemas, sílabas, palavras); que
facilitem diferenciar o significado dos aspectos fonológicos; reconhecer as
semelhanças e diferenças sonoras das palavras; perceber a relação sintática e
semântica dos enunciados, entre outras estratégias que desenvolvam a consciência
fonológica, lexical e sintática. Conforme aponta Barrera (2003, p.86),
Atualmente existe considerável suporte empírico não apenas para a
hipótese da existência de uma relação interativa entre consciência
metalingüística e alfabetização, como também para a hipótese de que
certas habilidades metalingüísticas podem desempenhar papel facilitador
na aprendizagem da leitura e escrita, uma vez que várias pesquisas têm
descrito a existência de níveis de consciência fonológica, lexical e sintática
mesmo entre crianças não-alfabetizadas.
Acredita-se que as concepções e princípios educacionais do campo de
Breves devem ser considerados e repensados para a construção da identidade dos
atores sociopedagógicos, assim como as políticas de alfabetização devem ser
adequadas para aquela realidade, possibilitando a superação das suas dificuldades.
Pelo exposto, entre o passado, o presente e o futuro a luta permanece em
concretizar uma escola que oferte todas as condições mínimas, físicas e materiais,
para o desenvolvimento de educação de qualidade, somando-se ao
desenvolvimento das competências de leitura e escrita às crianças, que naquela
realidade ingressam na escola sem ter educação infantil, e diariamente, dividem-se
entre a escola e o trabalho. O resgate da valorização docente do campo de Breves é
relevante para autoestima do professor, para a atuação docente e para toda a
comunidade. Muitos são os desafios a serem superados.
Finalizando este estudo, nesse contexto microssocial, os resultados aqui
apresentados o provisórios, espera-se que as reflexões apresentadas possam ser
debatidas para se repensar alfabetização na educação do campo de Breves. A
semente foi lançada!
136
REFERÊNCIAS
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Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23.ed. São
Paulo: Cortez, 2007.
140
ANEXOS
141
ANEXO I
LEVANTAMENTO DE DADOS DE PESQUISAS EM CLASSES MULTISSERIADAS
DE 1987 A 2007.
MESTRADO
ARACI, Da Luz Asinelli. Concepções de fenômenos naturais em crianças de
classes multisseriadas de escola rural. 1987, 275 f.Dissertação (Mestrado em
Educação)- Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1987.
ARAUJO, Joana Darc Socorro Alexandrino de. Gênero e prática docente no tempo
e no espaço de classes multisseriadas: encantos e desencantos de
professoras e professores da zona rural de Teresina - PI. 265 f. Dissertação
(Mestrado em Educação)- Fundação Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.
ARAUJO, Nilza Cristina Gomes de. O trabalho docente em classes
multisseriadas face a proposta pedagógica da escola ativa para o meio rural
em Mato Grosso. 120 f. Dissertação ( Mestrado em educação Escolar)-
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Araraquara , Araraquara,
2006.
DAHLKE, Iara Suzana. Produzindo tempos, espaços e sujeitos: seriação escolar
e governo dos corpo. 170 f. Dissertação (Mestrado em educação) Universidade
Federal do Rio Grande do Sul,Porto Alegre, 2001.
FERRI, Cassia. Classes multisseriadas: que espaço é esse. 1994, 176
f.Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 1994.
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127 f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemáticas)-
Universidade Federal do Pará, Belém, 2005.
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campo: uma analise da prática pedagógica no cotidiano. 145 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 2006.
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uma comunidade rural bilíngüe (Alemão-Português). 160 f. Dissertação(
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zona rural do Cariri Daraibano. 1994, 174 f.Dissertação (Mestrado em Psicologia)-
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do Pinhalzinho. 1995, 112 f.Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade
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perspectivas para a educação no meio rural. 127 f. Dissertação (Mestrado em
Educação)- Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2005.
PAZ, Adalberto Domingos da. Análise e a variação da ação pública de alocação
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PINHO, Ana Sueli Teixeira de. A heterogeneidade fundante das classes
multisseriadas do meio rural: entre a persistência do passado e as imposições
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ciências naturais em classes multisseriadas da zona rural de Teresina - PI. 204
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Universidade Católica de Campinas, Campinas, 1998.
143
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alunos de idades distintas: uma variação do experimento de R. G. Natadze.
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TOLEDO, Maria Cristina Moiana de. O malabarista: um estudo sobre o professor
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(Mestrado em Educação)- Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2005.
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Gramsci. 198 f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, 2007.
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1988.
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Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
ROCHA, Solange Helena Ximenes. Construção da ação docente: aprendizagem
de professoras leigas em classes multisseriadas na escola do campo. 191 f.
Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos
– SP, 2007.
144
ANEXO II
QUESTIONÁRIO
1. Idade:
1. ( ) Menos de 19 anos.
2. ( ) 20 a 30 anos
3. ( ) 31 a 40 anos
4. ( ) 41 a 50 anos
5. ( ) mais de 51 anos
2. Sexo:
1. ( ) Masculino
2. ( ) Feminino
3. Formação profissional:
1.( ) Ensino fundamental.
2.( ) Magistério
3.( ) Graduação Completa .
Qual curso?_______________
4. ( ) Graduação incompleta .
Qual curso?______________
5. ( ) Pós-Graduação - especialização
4.Tempo de formado:
1. ( ) menos de 1 anos.
2. ( ) até 3 anos
3. ( ) até 5 anos
4. ( ) até 10 anos
5. ( ) Mais de 10 anos
5.Quadro funcional:
1. ( ) Efetivo
2. ( ) Temporário
6.Tempo de atuação profissional na educação do campo:
1. ( ) menos de 1 anos.
2. ( ) até 3 anos
3. ( ) até 5 anos
4. ( ) até 10 anos
5. ( ) Mais de 10 anos
7.Período de trabalho:
1. ( ) Trabalha um período.
2. ( ) Trabalho dois períodos.
3. ( ) trabalha três períodos.
145
8. Quanto tempo você alfabetiza crianças:
1. ( ) menos de 1 anos.
2. ( ) até 3 anos
3. ( ) até 5 anos
4. ( ) até 10 anos
5. ( ) Mais de 10 anos
9. Além de ministrar aula você executa outra(s) atividade(s) na área da
educação?__________________________________________________Qual(is)?
________________________________________________________________________
______________________________________________________________
10.Você utiliza o livro didático para alfabetizar?
1. ( ) Não .
2. ( ) Sim, razoavelmente.
3. ( ) Sim, sempre. Se usa, qual livro usa? _________________________________
11.Você participou de algum curso sobre alfabetização?
___________________________________________________________________
Qual(is)?________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________
12.Você realiza leituras sobre alfabetização?_____________________________
Qual(is)?________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________
13. Você mudaria o calendário escolar da escola do campo onde você
trabalha?___________________________________________________________
justifique?______________________________________________________________
________________________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________
14. Meus alunos faltam muito à escola.
Por que? __________________________________________________________.
________________________________________________________________________
_____________________________________________________________
15. Por que alguns alunos abandonam a escola?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________.
146
16. Você utiliza recursos didático-pedagógicos (painéis, jogos, teatro) para
alfabetizar?_________________________________________________________
Quais?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
____________________________________________________
Já estão prontos ou você prepara?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_________________________________________________________
17. Que tipos de dificuldades você encontra para alfabetizar crianças nas séries
iniciais em classes multisseriadas?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_______________________________________________18. As dificuldades dos
meus alunos e alunas quando estão aprendendo a ler e escrever na:
1ªsérie:_________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_____________________________________________________
2ªsérie:_________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_____________________________________________________
3ªsérie:_________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_____________________________________________________
4ªsérie:_________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_____________________________________________________
19. Como você faz para trabalhar com a disciplina língua portuguesa dando
atividades diferenciadas de 1ª, 2ª, 3 4ª série na mesma sala de aula?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_______________________________________________ 20. Você pode explicar
brevemente como você faz para ensinar crianças da 1 ª série a ler ?
147
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
____________________________________________________
21. Você pode explicar brevemente como você faz para ensinar crianças da serie
a escrever?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
____________________________________________________
________________________________________________________________________
_____________________________________________________________
22. Você poderia indicar algumas coisas que você acha importante para ajudar as
crianças na alfabetização?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
____________________________________________________
23. Na quarta série QUANTOS DOS SEUS ALUNOS conseguem ler e escrever:
1. ( ) somente alguns
2. ( ) mais ou menos metade da turma
3. ( ) mais da metade da turma.
4. ( ) quase todos
5 ( ) todos
24. Você gosta de alfabetizar crianças?__________________________________
Por que?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
____________________________________________________
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