Segundo a linguagem bíblica, os gentios que antes eram rejeitados, agora
foram eleitos.
306
Surge o que Barth chama de “Igreja de Jacó”.
307
Ao passo que os
judeus e as pessoas de igreja, que antes eram eleitos, agora foram rejeitados. Estes
formam a “Igreja de Esaú”. O autor comenta que a revelação divina, primeiramente,
privilegiou a Israel (a igreja). Mas ao invés de buscar amar a Deus e ao próximo, este
se materializou como Esaú, “procurando valer-se do seu direito nato de
primogenitura”,
308
e se ensoberbeceu como Faraó, ao confiar em seu poderio real e
seus bens materiais.
309
Portanto, os papéis então se invertem. O antigo depositário da
promessa divina, o ser humano religioso buscou para si a justificação meritória e se
opôs a Deus, despertou sua ira. Assim, sacrificado e abandonado dentro da igreja, o
ser humano religioso dá lugar à justificação forense dos não-religiosos.
310
Mas Barth enfatiza que através do “endurecimento” e “rejeição” dos que
pertencem à igreja e da “eleição” dos que dela não fazem parte. Deus fala a ambos:
rejeitados e eleitos. Em primeiro lugar, os atualmente eleitos perceberão que se Deus
não poupou aqueles que presumiam “adorá-lo na exteriorização do culto, muito
menos poupará a eles que nem isto fazem”.
311
Por sua vez, os religiosos rejeitados
entenderão que se Deus usou “de misericórdia para com aqueles que não
306
Em sua interpretação existencial, Barth não aplica aos termos “rejeição” e “eleição” uma noção
histórica que busque dissociar dois grupos de seres humanos, representados por gentios e judeus. Em
realidade, para Barth a eleição ou predestinação “é o segredo do ser humano e não desta ou daquela
pessoa” (Ibid., p. 538). Por isso, rejeição e eleição parecem funcionar de maneira dialética: “Deus é o
princípio e, por isso também o último. Deus rejeita, por isso também elege; Deus condena e por isso,
também agracia. Deus leva ao inferno e por isso também conduz para fora dele.” (Ibid., 606).
307
Cf. Ibid., p. 647. Em sua contraposição entre “Igreja de Esaú” e “Igreja de Jacó”, Barth enxerga na
primeira a igreja visível e conhecida, enquanto que a segunda se refere a uma igreja impossível (do
ponto de vista humano), invisível e desconhecida (cf. Ibid., p. 530). Mas conforme a nota anterior
explicita, Barth não procura categorizar historicamente dois tipos de igreja ou pessoas, mas vê aqui
uma relação dialética: “Jacó é o Esaú invisível e Esaú o visível Jacó” (Ibid., p. 538).
308
Ibid., p. 645.
309
Cf. Ibid.
310
Cf. Ibid., p. 645. Em sua discussão acerca da oposição entre “igreja” (religiosos) e “mundo”
(gentios, não-religiosos), Barth não entende que essas categorias devam ser interpretadas como
grandezas históricas, mas sim dialéticas. Portanto, no raciocínio dialético “Igreja” e “Mundo” são
mantidos unidos pela infinita diferença qualitativa entre Deus e o ser humano – “ali significa a
rejeição e aqui a eleição. Este vínculo torna [...] impossível dissociar a humanidade para formar os
dois respectivos grupos.” (Ibid., p. 624). A partir desse esclarecimento, é possível perceber que as
contínuas contraposições que caracterizam as discussões de Barth não devem ser interpretadas como
grandezas históricas: nova criatura/ velha criatura; eleição/rejeição; judeus/gentios. (cf. Ibid., p. 639).
Nessa teologia dialética, a figura de Jesus Cristo exerce o papel fundamental de síntese: “Enquanto a
temporalidade e a eternidade, retidão humana e Justiça divina, o ‘aquém’ e o ‘além’, são definitiva e
indubitavelmente separados entre si, em Jesus, também nele são eles unidos e unificados, em Deus”
(Ibid., p. 172).
311
Ibid., p. 645.