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AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:
O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)
Gabriela Klôh Müller Neves
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientadora: Eli Diniz
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
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AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:
O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)
Gabriela Klôh Müller Neves
Eli Diniz
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
_____________________________
Presidente, Profª. Eli Diniz
_____________________________
Profª. Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna
_____________________________
Prof. João Trajano Sento-Sé
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
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AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:
O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)
Gabriela Klôh Müller Neves
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientadora: Eli Diniz
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
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Neves, Gabriela Klôh Müller.
Ações e descontinuidades na política habitacional no
Rio de Janeiro: o descompasso entre a concepção e a
implementação de programas habitacionais nos governos
Leonel Brizola e Moreira Franco (1983-1995) / Gabriela Klôh
Müller Neves – Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2007.
xii, 197 f.
Orientadora: Eli Diniz.
Dissertação (Mestrado) – UFRJ / IFCS / Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política, 2007.
Referências Bibliográficas: f. 177 - 183.
1. Política Habitacional. 2. Rio de Janeiro. 3.
Concepção e implementação de Programas habitacionais. 4.
Instituições políticas. I. Diniz, Eli. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. III. Ações e
descontinuidades na política habitacional no Rio de Janeiro: o
descompasso entre a concepção e a implementação de
programas habitacionais nos governos Leonel Brizola e
Moreira Franco (1983-1995).
iii
AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:
O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)
Gabriela Klôh Müller Neves
Orientadora: Eli Diniz
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
As favelas são reconhecidas como um problema secular na dinâmica da
urbanização carioca. Ao longo desses 100 anos de vida, tiveram um crescimento
desordenado, tendo sido objeto de algumas iniciativas do poder público no sentido
de enfrentar, ao menos parcialmente, os problemas que apresentavam. Os planos e
regulamentos urbanísticos as colocavam fora da legalidade urbana. A presente
dissertação pretende, através da observação do planejamento e concepção de
políticas voltadas para a habitação popular, identificar as prováveis causas das
descontinuidades no que se refere à implementação de programas habitacionais na
cidade do Rio de Janeiro, no primeiro e segundo governos Leonel Brizola,
respectivamente entre os anos 1983-1987 e 1991-1995, e o governo Moreira
Franco, 1987-1991. Para isso, a pesquisa faz uma viagem na história e literatura
sobre favelas, levantando os principais programas habitacionais em seus contextos
políticos, na busca por respostas sobre a possível paralisia decisória que cria um
verdadeiro descompasso entre a concepção e a implementação destes programas.
Palavras-chave: favela; política habitacional; Leonel Brizola; Moreira Franco;
programas habitacionais burocracia; instituições políticas.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
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ACTIONS AND DISCONTINUITIES ON THE DWELLING POLITICS IN RIO DE
JANEIRO: THE DISORDER BETWEEN THE CONCEPTION AND THE
ACCOMPLISHMENT OF DWELLING PROGRAMMES IN THE GOVERNMENTS OF
LEONEL BRIZOLA AND MOREIRA FRANCO (1983–1995)
Gabriela Klôh Müller Neves
Orientadora: Eli Diniz
Dissertation abstract of Master’s degree concerning to the Postgraduation
Program in Political Science, Philosophy and Political Science Institute, from the
Federal University of Rio de Janeiro, as part of the necessary requirements to the
achievement of Master’s Degree in Political Science.
The slums are known as an archaic problem on the dynamics of Rio
urbanization. Along these hundred years of life, they had a disordered
increase, as purpose of some initiatives taken by the State in order to
face, at least partially, the problems they represented. The urban plans and rules
used to place them out of the urban legality. The present dissertation intends,
through the planning observation and politics conception directed to popular
habitation, to identify the probable causes of discontinuities relating to the
accomplishment of dwelling programmes in Rio de Janeiro city, on the first and
second governments of Leonel Brizola, particularly among the years of 1983 – 1987
and 1991 – 1995, and the government of Moreira Franco, 1987 – 1991. For that,
the research should come back to the history and literature of slums, raising the
main dwelling programmes in their political contexts, seeking for answers about the
potencial power to decide paralysis which produces a real difficult situation between
the conception and the accomplishment of these programmes.
Key words: slum; dwelling politics; Leonel Brizola; Moreira Franco; bureaucracy;
political institutions;
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a minha família: Volnei, Angela, Gustavo,
Cristina, Paulo, Mariana, Eduardo, Sergio, Catia, Vitor e Luisa. Sem o seu apoio
nada seria possível.
Agradeço aos professores José Ricardo Ramalho e Ingrid Sarti por me
inspirarem e motivarem na carreira das Ciências Sociais, e conseqüentemente na
Ciência Política.
À professora Eli Diniz, que me inspira e orienta com tanta sabedoria. Aos
professores: Maria Lucia T. Werneck Vianna e João Trajano Sento-Sé, por
aceitarem participar da banca de defesa da dissertação e pelo apoio. Agradeço
também, a todos os professores que participaram da minha formação na Pós-
Graduação em Ciência Política do IFCS/UFRJ.
Muito obrigada aos amigos que tanto me incentivaram e sempre acreditaram
em mim: André, Agatha, Alina, Bianca, Bruno, Elim, Débora, Flavia, Fernanda,
Gustavo, Lia, Luisa, Nabuco, Nathália, Farrah, Thiago, aos amigos da turma 2005, e
tantos outros que sempre estiveram ao meu lado me apoiando.
E por fim, agradeço a todos os pensadores, pesquisadores e personalidades
da Ciência Política por tornaram este trabalho possível, e por iluminarem a minha
vida com suas idéias, conceitos e filosofias, mostrando a todo o momento, que nem
tudo é o que parece ser.
vi
A Meus Pais,
pelo apoio e pela confiança.
vii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AID – Agência Internacional de Desenvolvimento.
ALEG – Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara.
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BIRD Banco Mundial.
BNH Banco Nacional de Habitação.
CEDAE Companhia Estadual de Águas e Esgotos.
CEF Caixa Econômica Federal.
Cehab–RJ - Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro.
Cetel – Companhia Estadual de Telefones.
Chisam Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do
Grande Rio.
CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.
CIDE – Centro de Informações e Dados do Estado do Rio de Janeiro.
CIEP Centros Integrados de Educação Pública.
Codesco Companhia de Desenvolvimento das Comunidades.
Cohab RJ Companhia de Habitação do Estado do Rio de Janeiro.
Coophab-GB – Cooperativa Habitacional do Estado da Guanabara.
DFL – Fundo de Empréstimo para o Desenvolvimento.
DHP – Departamento de Habitação Popular.
FAL – Fundo de Assistência à Liquidez.
Famerj Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro.
FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional.
FCP Fundação da Casa Popular.
FCVS – Fundo de Compensação das Variações Salariais.
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos.
Fundhap – Fundo de Desenvolvimento da Habitação Popular.
Fundrem Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana.
GEROE – Grupo Executivo de Recuperação e Obras de Emergência.
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia Estatística.
IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão.
Iapfesp – Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados dos
Serviços Públicos.
IPEG – Instituto de Previdência do Estado da Guanabara.
Iplanrio Instituto de Planejamento do Rio de Janeiro.
IPMF Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras.
viii
IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional.
IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
MBES – Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social.
MDB Movimento Democrático Brasileiro.
MDU – Ministério do Desenvolvimento Urbano e meio Ambiente.
MHU – Ministério de Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente.
Novacap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil.
PAIH Plano de Ação Imediata para a Habitação.
PCB Partido Comunista Brasileiro.
PDS Partido Democrático Social.
PDT Partido Democrático Trabalhista.
Planhap – Plano Nacional de Habitação Popular.
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
PNB – Programa Nova Baixada.
PRN Partido da Reconstrução Nacional.
Proface Programa da Cedae de construção de redes de água e esgoto nas
favelas.
Promorar Programa de Erradicação e Subhabitação.
PT Partido dos Trabalhadores.
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro.
Salte – Saúde, Alimentação, Transporte e Energia.
SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
SEAC – Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária.
Secplan Secretaria de Planejamento e Controle.
Sedec Secretaria de Estado de Defesa Civil.
Sehaf Secretaria de Habitação e Assuntos Financeiros.
Serfha Serviço Especial de Recuperação de Favela e Habitações Anti-higiênicas.
Serfhau – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo.
Serla
Secretaria Estadual de Rios e Lagoas.
Sifhap – Sistema Financeiro de Habitação Popular.
SETH Secretaria do Estado de Trabalho e Habitação.
SFH Sistema Financeiro de Habitação.
SPH Superintendência de Política Habitacional.
Sursan – Superintendência de Urbanização e Saneamento.
Telerj – Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro.
USAID – United States Agency for International Development.
ix
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Número de votos nas eleições de 1982 por candidato 72
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: História da urbanização da cidade do Rio de Janeiro: ações federais,
estaduais e municipais 45
Quadro 2: Síntese do processo de favelização da cidade do Rio de Janeiro 62
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Crescimento da população do estado e da cidade do Rio de Janeiro 62
Tabela 2: Crescimento da população favelada, por década, na cidade do Rio de
Janeiro 62
Tabela 3: Programa “Cada Família, Um Lote” – regularização de propriedades.
Levantamento até Setembro de 1985 99
Tabela 4: Número de lotes titulados por favelas 100
Tabela 5: Cada ano / total de lotes 101
Tabela 6: Produção Cehab-RJ – décadas de 60, 70 e 80 107
Tabela 7: Porcentagem de votos dos candidatos do PDT, Leonel Brizola e
Darcy Ribeiro, às eleições de 1982 e 1986, por região fluminense 110
Tabela 8: Porcentagem de votos de Darcy Ribeiro e Moreira Franco por região
(1986) 110
FLUXOGRAMA
Programa “Cada Família, Um Lote” 85
ORGANOGRAMA
Organograma do governo do estado no Projeto Reconstrução-Rio 142
x
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Uma breve viagem à história e literatura sobre os
processos de urbanização e favelização no município do
Rio de Janeiro (1902-1982) 23
A evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro
A Reforma Passos (1902-1918)
Os anos 1920 e 1930
Presidência de Getúlio Vargas e o Golpe do Estado Novo (1930-1945)
Os governos democráticos de 1945-1964
O Segundo mandato de Getúlio Vargas (1951-1954)
Presidência de Juscelino Kubitscheck (1956-1965)
O estado da Guanabara: a conjuntura da metrópole carioca nos anos 1960
Governo Negrão de Lima e o Regime Militar (1965-1970)
Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e o fim do Regime
Militar (1975-1979)
Governo Chagas Freitas (1979-1983)
Considerações finais do capítulo 1
Capítulo 2. O primeiro governo Leonel Brizola no estado do
Rio de Janeiro: efeitos sobre a cidade (1983-1987) 67
As Eleições de 1982: contexto
Brizola Governador (1983-1987)
O período das invasões
Objetivos e Programas do governo Brizola (1983-1987)
O Programa “Cada Família, Um Lote”
Outros Programas do Governo Brizola: infra-estrutura
Resultados do governo e avaliação das políticas urbanas
Resultados e avaliação do Programa “Cada Família, Um Lote”
Considerações finais do capítulo 2
xi
Capítulo 3. O governo Moreira Franco: início da descontinuidade
de programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro(1988-1991)
106
Contexto das Eleições de 1986
Diretrizes do Governo Moreira Franco: Habitação
Programas Habitacionais e Áreas de Atuação do Governo
Governo Moreira Franco (1987-1991)
Projeto Reconstrução-Rio (1988-1991)
Considerações finais do capítulo 3
Capítulo 4. Instituições políticas e processos decisórios:
um debate sobre a concepção e a implementação
de programas habitacionais durante o segundo governo
Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1991-1995) 131
Quadro político nacional: Eleições Presidenciais de 1989
A situação habitacional no início dos anos 1990
As eleições estaduais de 1990
Segundo Governo Brizola: Projeto Reconstrução-Rio (1991-1995)
Papel das Instituições e da Burocracia Estatal na implementação
de programas habitacionais no estado do Rio de Janeiro
Uma breve passagem pelo programa Favela-Bairro
Considerações finais do capítulo 4
Considerações finais 168
Referências bibliográficas 188
Anexo 1 195
Anexo 2 207
Anexo 3 209
Introdução
Vê legal que há mais favela do que bairro
e agora os bairros tão dentro da favela
Vê legal então... já não é alguma pobreza
dentro de muita riqueza
agora é alguma riqueza dentro de muita pobreza
Vê legal então, se favela hoje é regra
então se bairro é exceção.
1
Em 1998 cheguei à cidade do Rio de Janeiro, para cursar Ciências Sociais na
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi o primeiro grande passo rumo ao
futuro. Da cidade maravilhosa, conhecia apenas o centro. Ao descer a serra e
chegar à cidade, uma imagem marcou minha memória: a Favela da Maré. Nunca
tinha visto de perto o problema real da habitação e da completa falta de infra-
estrutura, em que a população carente do Rio se encontrava. Com o passar dos
anos, conheci a fundo a cidade e pude presenciar a completa ausência de políticas
de cunho social, que atendessem principalmente as classes mais pobres da
população.
Após me formar no ano de 2003, recebi o convite para trabalhar como
consultora num projeto que visava elaboração de relatórios sobre a situação
econômica, política e social em diversas favelas em toda cidade, através da
avaliação de questionários que seriam aplicados na comunidade e em suas
lideranças locais. Infelizmente o trabalho não se concretizou na época, mas foi
definitivo na minha escolha do tema.
Com vistas a ingressar no Mestrado em Ciência Política, comecei a
amadurecer a idéia de me envolver em algum trabalho que contribuísse, de alguma
forma, para futuras análises sobre o problema das favelas na cidade. Ao ler alguns
autores que tratam do tema, percebi uma carência no quesito ineficácia das
políticas públicas de habitação do governo para comunidades de baixa renda.
O Rio de Janeiro apresenta singularidades naturais que definem sua
evolução. De frente para a entrada da Baía de Guanabara, a cidade cresceu a partir
1
Poema Regras e Excreções, de Deley de Acari.
dali, como centro do poder político-capital do Vice-Reino, do Reino, do Império e da
República. Circunstâncias históricas e geográficas que imprimem particularidades à
sua organização territorial. A proximidade entre diferentes estratos sociais é
característica da cidade desde a sua fundação. Além da falta de solo edificável, o
Rio sofria da falta de políticas públicas voltadas às populações de baixa renda,
levando os mais pobres a se aglomerarem. Desta forma, a cidade se justapôs, se
amontoou, multiplicando quartos em cima de quartos, escravos e senhores
dividindo a mesma casa, trabalhadores e patrões a mesma vizinhança.
As favelas surgiram no Rio de Janeiro, no final do século XIX. São lugares
onde habitam irregularmente as populações pobres da cidade. Até hoje, a maioria
dos habitantes das favelas não tem a posse do terreno e vive com medo da
desapropriação. Acrescenta-se, ainda, que a pobreza estava vinculada à
precariedade legal.
Embora, hoje, o poder público procure um discurso não estigmatizante,
devido às próprias demandas democráticas, dos movimentos sociais e de novos
atores sociais oriundos das favelas, ainda se percebe uma intervenção autoritária e
segregadora sobre o espaço da favela e sobre a vida dos seus moradores. O estudo
da arrumação do espaço urbano no Rio de Janeiro, relatado brevemente nesta
pesquisa, possibilita-nos o entendimento da construção de espaços diferenciados e
estigmatizados na cidade. Embora não haja consenso na literatura sobre a favela
em relação ao seu surgimento, muitos especialistas afirmam que esta começou nos
anos 1920 do século XX.
2
As favelas são reconhecidas como um problema secular na dinâmica da
urbanização carioca. Ao longo desses 100 anos de vida, cresceram de forma
desordenada, tendo sido objeto de algumas iniciativas do poder público no sentido
de enfrentar o desafio que representavam para a sociedade carioca. Os planos e
regulamentos urbanísticos as colocavam fora da legalidade urbana, recomendando
2
FERRAZ, J. As reformas do espaço urbano e o lugar da pobreza, 2005: 1.
a sua remoção, sob argumentos inspirados, principalmente no sanitarismo e
também em aspectos estéticos e funcionais.
O tema da favela inicialmente foi tratado, nas Ciências Sociais, como um
vasto terreno para estudos acerca do desenvolvimento da marginalidade, assim
como estudos sobre o mercado de trabalho, a migração, o aumento populacional
das metrópoles, que desencadeou no aumento dos índices de desemprego e de
habitações informais.
Entre os anos 1960 e 1970, uma gama de autores, entre eles John Turner,
Anthony Leeds, Elizabeth Leeds, Janice Perlman, Milton Santos, Luiz Antonio
Machado da Silva, Carlos Alberto de Medina, Licia do Prado Valladares, entre
outros, abordaram o tema da favela, questionando principalmente as teorias sobre
marginalidade e as políticas de erradicação, características do período anterior. Na
década de 1970, os estudos são direcionados para o âmbito das políticas públicas, a
crítica ao autoritarismo e à análise dos impactos da política de construção de
conjuntos habitacionais, no qual também se destacaram autores como Gisélia
Grabois e Linda Gondim.
Nos anos 1980, o debate teórico se desenvolveu entre os significados reais
da autoconstrução e do “bem-moradia” no quadro do processo de acumulação
capitalista, em que se destacam os autores Carlos Nelson Ferreira dos Santos e
Ermínia Maricato. Nesta década, os estudos sobre favelas situaram-se no âmbito
das políticas públicas, também associados aos movimentos sociais urbanos e à
institucionalização democrática. Durante todo este período o debate foi marcado
pela implementação de novas práticas relacionadas à busca de formas
democráticas de gestão e de barateamento de custos, assim como, estudos de caso
sobre experiências de autoconstrução e de gestão participativa, como destaca a
autora Maria Lais Pereira da Silva.
3
3
SILVA, M. Favelas Cariocas, 1930-1964, 2005: 16.
Nos anos 1990, os trabalhos desenvolvidos sobre as favelas passam a se
dirigir à questão da violência urbana, do crime organizado e suas conseqüências,
com destaque para autores como Alba Zaluar, assim como o tema da organização
interna das favelas, seus novos significados e implicações espaciais e territoriais, a
degradação ambiental, integração e diversidade cultural, havendo por fim uma
retomada da favela como objeto das políticas públicas, destacando-se autores como
Licia do Prado Valadares e Pedro Abramo.
4
Ao realizar uma retomada desta bibliografia, é possível constatar que o
problema da favela está longe de ser solucionado. Contudo, foi nos estudos das
políticas públicas de habitação, que encontrei a mais vasta bibliografia,
principalmente nos centros de pesquisa política e urbana, onde encontrei meu
primeiro objeto de estudo: o programa “Cada Família, Um Lote”, implantado no
primeiro governo Brizola (1983-1987). No Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano Regional, o Ippur, levantei a maior parte da bibliografia necessária entre
teses, monografias, dissertações, cadernos, folhetos e livros. Outras bibliotecas
como as da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC, do Instituto
Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, o IUPERJ, na Fundação Getúlio Vargas,
foram consultadas. Estas bibliotecas ofereceram uma vasta coleção de obras que
enriqueceram o debate sobre as políticas públicas, do governo do estado, voltadas
para as classes menos favorecidas da sociedade, revelando o papel da burocracia,
das instituições, dos governantes e da sociedade, no processo de implementação
dos programas habitacionais, com ênfase na cidade do Rio de Janeiro.
Os programas de habitação popular desta pesquisa foram levantados no
nível municipal, estadual e federal. Porém, a escolha da ênfase nos governos
estaduais como fonte de pesquisa se deu principalmente, devido ao mais ambicioso
dos planos habitacionais, elaborado para o estado e para a cidade do Rio de Janeiro
o Programa “Cada Família, Um Lote”, implementado durante o primeiro governo
Leonel Brizola (1983-1987). No estado do Rio de Janeiro, a eleição de Leonel
4
Idem: 18.
Brizola em 1982 criou grande expectativa em relação ao atendimento às
necessidades básicas das populações carentes, devido ao anúncio de que na área
habitacional seria implementado o Programa “Cada Família Um Lote”, com a meta
de distribuir 1 milhão de lotes urbanos, suburbanos e rurais num prazo de 5 anos,
como veremos no decorrer do trabalho.
Visto estes fatores, e tendo em mente a importância da retomada de
questões do passado para se compreender o problema recente da explosão de
favelas na cidade do Rio de Janeiro, a história da concepção e implementação dos
programas habitacionais voltados para a população carente será contada nesta
dissertação, percorrendo quase todo o século XX (1902-1995). Na busca de fatores
que indiquem, como foi frisado anteriormente, as possíveis causas das
descontinuidades existentes na implementação destes programas, o período
escolhido é muito longo. Nestes 93 anos o Rio de Janeiro teve 3 Governadores do
atual estado do Rio de Janeiro (1975-1991): Chagas Freitas, Leonel Brizola, Moreira
Franco e novamente Leonel Brizola; 27 prefeitos do Rio de Janeiro enquanto
Distrito Federal; 5 Governadores da Guanabara; 8 Prefeitos da cidade do Rio de
Janeiro; 37 governantes do período republicano (1889-1975); e 28 Presidentes da
república, dentre eles 6 militares. Devido à impossibilidade de relizar um trabalho
completo sobre a atuação de cada um dos representantes, somente alguns deles,
que se destacaram no cenário da elaboração de políticas públicas de habitação e
infra-estrutura, voltadas para as populações carentes, foram selecionados.
O recorte temporal de destaque da pesquisa foi determinado —período que
antecede o Programa “Cada Família, Um Lote” e o período posterior ao Programa
(1982-1991)— e os representantes de governo ligados diretamente a este período
tiveram sua trajetória de elaboração e implementação de políticas públicas de
habitação e infraestrutura postas em evidência, já que estas políticas estão
diretamente ligadas à essa imensa teia de muitos planos e pouca ação, do qual
queremos tratar.
Para ilustrar, mais claramente, a proposta desta pesquisa, o trabalho foi
dividido em quatro capítulos: Capítulo 1, Uma breve viagem à história e literatura
sobre os processos de urbanização e favelização no Rio de Janeiro (1902-1982);
Capítulo 2, O primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1983-
1987): efeitos sobre a cidade; Capítulo 3, O governo Moreira Franco: início da
descontinuidade de programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro; Capítulo
4, Instituições políticas e processos decisórios: um debate sobre a concepção e a
implementação de programas habitacionais durante o segundo governo Leonel
Brizola no estado do Rio de Janeiro (1989-1995).
No Capítulo 1, foi realizada uma viagem à história e literatura sobre os
processos de urbanização e favelização do município do Rio de Janeiro. Trata,
principalmente, da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, através,
primeiramente, da Reforma Passos (1902-1918), observando a atuação dos
governos federal, estadual e municipal nos anos 1920 e 1930. Em seguida, revela
as transformações ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, e no Brasil, em
decorrência do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Parte, então, para
o estudo dos governos democráticos de 1945-1964, abrangendo o segundo
mandato de Getúlio Vargas (1951-1954) e a presidência de Juscelino Kubitscheck
(1956-1965). Neste capítulo é descrita a conjuntura da metrópole carioca nos anos
1960, quando Estado da Guanabara, assim como, no governo Negrão de Lima e no
Regime Militar (1965-1970). O capítulo 1 se encerra com a fusão dos Estados da
Guanabara e do Rio de Janeiro; o fim do Regime Militar (1975-1979); e o Governo
Chagas Freitas (1979-1983). O propósito desta etapa da pesquisa é situar em que
circunstâncias políticas, sociais e econômicas, Leonel Brizola assume o governo do
estado do Rio de Janeiro, em 1983, para assim, caracterizar sua política, dentro de
um contexto mais amplo de políticas públicas em desenvolvimento.
O capítulo 2 focaliza o primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de
Janeiro (1983-1987), inicia-se a trajetória de análises de políticas públicas de
habitação, realizadas pelo governo do estado, focando principalmente sua ação na
cidade do Rio de Janeiro. Para uma melhor compreensão deste processo, foi
observado o contexto das eleições para governador do estado do Rio de Janeiro em
1982; o desenrolar dessas eleições até a escolha popular por Leonel Brizola, e, em
seguida, a sua gestão e os respectivos programas apresentados em seu plano de
desenvolvimento econômico e social (1983-1987), com ênfase no Programa “Cada
Família, Um Lote”; o período das invasões na cidade do Rio de Janeiro; e, por fim,
este capítulo realizou uma breve avaliação dos resultados tanto do Programa “Cada
Família, Um Lote”, quanto do governo, no que se refere às políticas públicas de
habitação popular. O objetivo deste capítulo é mostrar como, no início dos anos 80,
depois da falência das políticas de remoção e recolocação de moradores para a
periferia da cidade, as favelas passaram a ser palco de projetos de urbanização
que, muitas vezes, faziam parte de uma política governamental maior. Lidando, em
geral, com saneamento e regularização fundiária, tais projetos tiveram efeitos
diversos, como a expansão das atividades locais de geração de renda.
O capítulo 3 focaliza o governo Moreira Franco: início da descontinuidade de
programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro aborda, além do contexto das
eleições para governador do estado do Rio de Janeiro, em 1986, as diretrizes do
governo Moreira Franco, no que se refere à habitação, assim como, alguns
programas habitacionais e as áreas de atuação do governo. O objetivo deste
capítulo é identificar os principais problemas quanto à implementação de novos
programas e a descontinuidade dos programas desenvolvidos no governo anterior.
O capítulo também privilegia em sua análise o Projeto Reconstrução-Rio (1987-
1991). O Projeto Reconstrução-Rio foi concebido originalmente em 1988, como um
projeto emergencial. O projeto visava a recuperar rapidamente as áreas destruídas
pela grande enchente ocorrida em Fevereiro daquele ano, além de realizar obras de
prevenção contra futuras enchentes, principalmente na Região Metropolitana do Rio
de Janeiro. Previsto para ser executado em 4 anos, o projeto levou mais que o
dobro de tempo para ser concluído. Institucionalmente contou, tanto no âmbito do
planejamento quanto na gestão e execução de cada um de seus aspectos, com
diferentes órgãos financeiros —Banco Mundial (BIRD), Caixa Econômica Federal
(CEF) e Governo do Estado— envolvendo direta e indiretamente órgãos
governamentais federais, do estado e dos municípios diretamente beneficiados.
5
O capítulo 4 de nome Instituições políticas e processos decisórios, apresenta
um debate sobre a concepção e a implementação de programas habitacionais
durante o segundo governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1991-
1995). Inicia-se com a contextualização do quadro político nacional e as eleições
presidenciais de 1989. Em seguida, faz um levantamento da situação habitacional
no início dos anos 1990. O capítulo também contextualiza as eleições
governamentais de 1990, e a conseqüente reeleição de Leonel Brizola (1991-1995).
Na área da habitação, o capítulo continua o debate sobre as ações do Projeto
Reconstrução-Rio, no governo Brizola, observando, ao longo dos anos, o papel das
instituições e da burocracia estatal na implementação de programas habitacionais
(1983-1995). Assim, em sua fase final, o capítulo 4 debate o tema da
descontinuidade nas políticas de habitação na cidade do Rio de Janeiro, à luz do
descompasso existente entre a concepção e implementação de programas
habitacionais, voltados para a população de baixa renda, principalmente no local
onde a crise habitacional é mais aguda em todo o estado, a cidade do Rio de
Janeiro. Apesar da pesquisa estar voltada para as ações do governo do estado, a
cidade do Rio de Janeiro destacou-se no período analisado, por receber maior
número de programas habitacionais, advindos também da prefeitura da cidade,
fazendo com que esta se destacasse em relação as demais cidades do estado.
A presente pesquisa visa, através do estudo dos programas habitacionais
implementados entre os anos de 1983 e 1995, desvendar algumas causas da
descontinuidade destes programas. Para isso, no capítulo 4 elaborou-se uma
análise das principais dificuldades vivenciadas, ao longo destes 12 anos e três
5
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública: o Projeto Reconstrução-Rio do Governo do Estado do Rio de Janeiro:
24.
gestões, quanto à implementação de tais programas, observando o papel da
burocracia técnica estatal e o papel das instituições ligadas a este processo.
O que se pretende é investigar o descompasso entre a concepção e a
implementação dos programas habitacionais voltados para a população de baixa
renda. Por quê afinal os programas não se concretizam da maneira como foram
planejados? Quais são as verdadeiras razões para estas descontinuidades nos
programas de habitação para a população de baixa renda? Quais são as possíveis
barreiras a serem quebradas para que os programas sejam contínua e efetivamente
implantados no estado e na cidade do Rio de Janeiro? Para enriquecer este debate,
além de outros autores, dialoguei com Max Weber e os autores Marcus André de
Melo, Marcelo Baumann, Rose Compans, Laura Mancini, entre outros.
Nas considerações finais, retomo o debate, com diversos autores, acerca das
dificuldades encontradas pelos governos Leonel Brizola e Moreira Franco, na
implementação dos Programas “Cada Família, Um Lote” e o projeto Reconstrução-
Rio, e seus respectivos programas de infra-estrutura. Para isso, desenvolvo um
diálogo entre os autores sobre a produção da habitação, observando os entraves
burocráticos e institucionais, destacando em quais pontos os programas falharam,
tanto em sua concepção quanto em sua implementação, sugerindo algumas
mudanças.
A metodologia aplicada foi levantamento da bibliografia em diferentes
bibliotecas e universidades; levantamento dos principais programas de habitação
entre os anos 1902-1985; levantamento dos Planos de Desenvolvimento Econômico
e Social do Estado do Rio de Janeiro 1980-1983: Governo Chagas Freitas, 1984-
1987: Governo Leonel Brizola, 1988-1991: Governo Moreira Franco; pesquisa
histórica sobre a evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro; extensa pesquisa de
autores em diferentes revistas na internet; entrevistas em jornais e revistas; e
coleta de dados no inventário da ação governamental da Financiadora de Estudos e
Projetos - Finep.
Capítulo 1
Uma breve viagem à história e literatura sobre os processos de
urbanização e favelização no município do Rio de Janeiro
(1902-1982)
No início do século XX, a industrialização autárquica, de caráter urbano
1
, teve de
garantir as condições de reprodução de uma parcela da força de trabalho via
construção de vilas operárias, assegurando uma força de trabalho cativa. A
industrialização, no Brasil, teve de ser inteiramente urbana com taxas de
urbanização além das necessidades de preenchimento dos postos de trabalho. A
intervenção do Estado foi fundamental na redefinição do padrão de acumulação e
industrialização, pela incapacidade da burguesia nacional em dar conta das novas
necessidades antepostas à aceleração do processo de acumulação. A
regulamentação das relações capital-trabalho pelo Estado, levou ao surgimento de
um novo urbano e criou um novo mercado de força de trabalho, antes cativa.
Através da articulação do novo processo de acumulação pelo Estado permitiu o
surgimento de novas relações de produção, reforçando a interação entre a indústria
e o urbano e elevando as taxas de urbanização.
2
A evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro no decorrer do período 1906-
1930 reflete claramente as contradições existentes no sistema político e econômico
do país naquela época. É possível constatar que, neste período, os governos da
União e do Distrito Federal, representantes da classe dominante, atuavam
preferencialmente na esfera do consumo, incentivando a continuidade do processo
de renovação urbana da área central e de embelezamento da Zona Sul da cidade,
enquanto, sem qualquer apoio do Estado, as indústrias se multiplicavam na cidade,
expandindo-se para os subúrbios, criando novas áreas, dotando-as, precariamente,
1
Devido à inexistência de uma rede urbana e uma divisão territorial e social do trabalho
diversificada que a ligasse ao campo como na Europa do século XVIII e XIX, dado o caráter
auto-suficiente da produção agrícola voltada para a exportação (CLAVAL, 1979; OLIVEIRA,
1982).
2
LIMONAD, Os lugares da urbanização: o caso do interior fluminense, 1996: 117.
de infra-estrutura e gerando empregos. Estes empregos atraem mão-de-obra
numerosa, que tanto se instala nos subúrbios, como também acaba por originar as
favelas próximas a essas áreas.
3
A partir daí, Centro, Zona Sul e subúrbios
começaram a se desenvolver de forma diferente, porém com a mesma
necessidade: a acumulação de capital. Desta forma, a cidade se justapôs, se
aglomerou, multiplicando quartos em cima de quartos, trabalhadores e patrões na
mesma vizinhança. Forças divergentes cresciam no mesmo espaço, acentuando as
contradições de tal forma que se tornara imperativa a intervenção do poder político
sobre o processo de crescimento da cidade como um todo, moldando-o de acordo
com seus interesses.
4
A proximidade entre diferentes estratos sociais é
característica da cidade desde a fundação. Além da falta de solo edificável, o Rio
sofria da falta de políticas públicas voltadas às populações de baixa renda, levando
os mais pobres a se aglomerarem.
A Reforma Passos (1902-1918)
A cidade do Rio de Janeiro passou por um primeiro projeto de reestruturação
urbana: a Reforma Passos, em vigor nos anos de 1902 a 1906, porém, seu desenho
inicial foi elaborado em 1874. O rascunho do primeiro plano urbanístico do Rio de
Janeiro foi feito ainda no II Reinado, pela Comissão de Melhoramento da Cidade,
nomeada pelo Imperador, em 27/05/1874. Esta Comissão foi encarregada de criar
a Carta Cadastral. A cidade do Rio de Janeiro era a mais desenvolvida do país,
devido ao sucesso da lavoura do café. Um dos seus idealizadores foi o engenheiro
Francisco Pereira Passos. Seu principal objetivo era fazer uma "cirurgia" em toda a
cidade, a fim de higienizá-la, acabando com a epidemia de febre amarela e, ao
mesmo tempo, traçar um novo alinhamento das praças, ruas e casas, em diversos
bairros da cidade, para facilitar a circulação de mercadorias e de pessoas e o
embelezamento da cidade. Devido à ausência de um financiamento para um
3
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 72.
4
Idem: 73.
investimento, este projeto fracassou. Após a Proclamação da República, no governo
Rodrigues Alves, ocorreu a primeira reforma urbana do Rio de Janeiro, sob a
intervenção do Estado. Neste período, Pereira Passos foi escolhido prefeito do Rio
(1902-1906). Seu primeiro ato foi reorganizar a antiga Comissão da Carta
Cadastral, da qual fez parte, e aproveitar a maioria das propostas deste projeto de
1874 para o plano de remodelação, na sua gestão. A população pobre foi retirada
dos cortiços no centro e levada para lugares afastados da cidade.
5
A Reforma Passos representa uma alteração substancial do padrão de
evolução urbana que seria seguido pela cidade no século XX. Tal Reforma
representa também um momento de corte na relação entre estado e urbano, onde
o primeiro passa a intervir diretamente sobre o segundo levando à transformação
acelerada da forma da cidade, tanto em termos de aparência, ou seja, morfologia
urbana, como de conteúdo, isto é, a separação de usos e classes sociais no espaço.
Contudo, a longo prazo, as conseqüências foram graves. O Estado agora atua sobre
um espaço cada vez mais dividido entre bairros burgueses e proletários, e ao
privilegiar o primeiro grupo, acelera o processo de estratificação espacial,
contribuindo para a consolidação de uma estrutura núcleo/periferia que perdura até
os dias de hoje.
6
O período entre 1917 e 1918 foi extremamente benéfico ao crescimento
industrial do Rio de Janeiro. Conseqüentemente, observa-se uma intensificação da
atividade fabril, beneficiada principalmente pelo novo porto do Rio de Janeiro.
Nesta fase, houve um primeiro fluxo de grande capital industrial em direção aos
subúrbios. O desenvolvimento industrial da cidade, nessa época, ocorre sem apoio
do Estado, e em pouco tempo o índice de migração para os novos bairros aumentou
consideravelmente. Em decorrência deste fato, as freguesias suburbanas —onde
5
Ver FERRAZ, Joana D’Arc Fernandes. As reformas do espaço urbano e o lugar da pobreza.
XXIII Simpósio Nacional de História. Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 17 a 22 de
Julho de 2005: 2-3.
6
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 74.
através da iniciativa de inúmeros loteadores, vendiam-se terrenos e moradias a
preços módicos —apresentaram uma taxa de crescimento maior do que aquela das
freguesias urbanas.
7
Os anos 1920 e 1930 para a cidade do Rio de Janeiro.
Em decorrência destes fatos, na década de 1920 surge a idéia de se ter um plano
urbanístico para a cidade. O plano fora elaborado, mas nunca implementado,
devido ao novo momento de organização social da cidade e do país, iniciado em
1930.
Na década de 1920 intensifica-se a primeira expansão das favelas na cidade.
A partir desta década a favela é problematizada, assumindo os contornos de uma
questão social, embora envolvida ainda com a questão higienista. O
desenvolvimento dos setores secundário e terciário da economia, aliado a um
processo de industrialização bastante incipiente, suscita novos contornos urbanos.
A fim de abrir o acesso para mercadorias e serviços, iniciam-se as grandes obras
públicas. Neste contexto, surge o Plano Agache, elaborado por um grupo de
técnicos e urbanistas estrangeiros, chefiados pelo urbanista francês Alfred Agache,
a pedido do prefeito Antonio Prado Junior (1926-1930).
8
Este plano constitui o exemplo mais importante da tentativa da classe
dominante da República Velha de controlar o desenvolvimento da forma urbana
carioca, já por demais contraditória.
9
A partir deste Plano foi elaborado o Código
de Obras da Cidade, de 1937. Este documento tinha como objetivo principal a
erradicação das favelas, e o impedimento à construção de novas moradias nas
áreas das favelas ou impossibilidade da melhoria das existentes. O Plano se
constitui, na verdade, no documento oficial a tratar explicitamente dessa nova
7
Idem: 79-80.
8
Nunca foi cumprido em sua totalidade. Seu projeto só foi concluído em 1930, ano do golpe.
Ver REIS, José de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus Prefeitos. Evolução urbanística da cidade.
Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1977: 90.
9
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 86.
forma de habitação popular, que proliferava na cidade.
10
O Plano Agache pretendia
transformar o Rio de Janeiro segundo critérios funcionais e de estratificação social
do espaço. Apesar de o Plano sugerir que o Estado assuma um papel mais ativo na
reprodução da força de trabalho industrial dos subúrbios, através do barateamento
dos custos via programas habitacionais e adoção de políticas setoriais específicas,
pretende, na verdade, controlar este processo de reprodução, assegurando a
separação espacial das classes sociais.
11
Jaime Benchimol descreve que até os anos 20 do século passado, toda a
política relacionada às habitações das populações de baixa renda (seja os antigos
cortiços, as recentes favelas ou as habitações precárias nos morros e encostas)
resume-se à busca pela sua eliminação ou à transferência dos pobres para longe,
onde não pudessem ser vistos. Prevalecia a visão de que pobreza era sinônimo de
doença e de fraqueza moral.
12
Nos anos 20 e 30 deste século, as favelas são consideradas como manchas
na paisagem urbana da cidade, sendo invariavelmente recomendada a sua
extinção. Os planos e regulamentos urbanísticos as colocavam fora da legalidade
urbana, recomendando a sua remoção, sob argumentos inspirados, principalmente,
no sanitarismo, mas também em aspectos estéticos e funcionais.
A carência habitacional do Estado do Rio de Janeiro, nesta época, espelha
um problema de caráter mundial dos mais característicos: o rápido crescimento dos
grandes centros urbanos, face à transferência da mão-de-obra do setor primário
para os setores secundário e terciário da economia, resultante do processo de
industrialização. No Brasil, este fenômeno fez-se sentir mais agudamente em
decorrência de sua economia encontrar-se em estado de mudança, crescimento e
adequação à capacidade produtiva de sua população. É claro que a urbanização no
10
Idem: 87.
11
Idem: 90.
12
Ver BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical, 1992: 137-141.
Brasil não foi deflagrada apenas com o advento da industrialização. Vale salientar
que nos primeiros anos da década de 1930 a industrialização decorreu,
indiretamente, de medidas adotadas em defesa do setor cafeeiro. Porém, este
processo contribuiu para a redefinição qualitativa do urbano, e comandou as
modificações na divisão social e territorial do trabalho, adequando o espaço às suas
necessidades e, conseqüentemente, redefinindo o caráter da urbanização e das
relações entre a cidade burocrático-comercial e o campo agro-exportador.
13
Como foi dito anteriormente, a Revolução de 30 impediu que a
implementação do Plano se concretizasse. O Plano teria que se adequar às novas
contradições decorrentes do novo momento de organização social que se
implantava no país, superando as contradições da República Velha. Contudo, o
Código de Obras colaborou para tornar a favela juridicamente ilegal.
Em suma, este período caracterizou-se pela expansão notável do tecido
urbano do estado do Rio de Janeiro, processo esse que se efetuou de maneira
distinta. De um lado, a ocupação das Zonas Sul e Norte pelas classes média e alta
intensificou-se comandada pelo Estado e pelas companhias concessionárias de
serviços públicos. De outro, os subúrbios cariocas e fluminenses se solidificaram
como local de residência do proletariado, sem qualquer apoio do Estado ou das
concessionárias de serviços públicos, o que resultou em uma paisagem
caracterizada pela ausência de benefícios urbanísticos.
14
Segundo Lucia Lippi de Oliveira
15
, o Plano Agache serviu de orientação para
todos os projetos urbanísticos até a década de 60 do século XX —quando este foi
substituído por um novo plano para a cidade, o Doxiadis
16
, na gestão Carlos
13
LIMONAD, E. Os lugares da urbanização: o caso do interior fluminense, 1996: 116-118.
14
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 82.
15
OLIVEIRA, L. Cidade, hHistória e desafios, 2002: 162.
16
O Plano Doxiadis propunha a descentralização urbana a ser realizada a partir de uma
estrutura polinucleada, desenvolvida em relação a dois eixos dominantes: o eixo norte-sul,
de penetração metropolitana, e o eixo leste-oeste, que acompanhava a linha férrea
coincidente no plano com a linha do metropolitano preposto. Ver SANTOS, A.P. Economia,
espaço e sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 48.
Lacerda —e se constituiu inclusive na mola mestra do novo regime que Getúlio
Vargas implanta no país, conforme será analisado a seguir.
Presidência de Getúlio Vargas e o Golpe do Estado Novo (1930-1945)
A atuação do Estado Novo representará uma inflexão importante em relação aos
primeiros anos que se seguiram à Revolução de 1930. Abandonou-se tanto o
liberalismo econômico quanto o político. A partir do Estado Novo, a política
econômica favoreceu sistematicamente a empresa industrial que vai
transformando-se na unidade mais rentável do sistema econômico. Vale destacar
que o Estado Novo constitui-se na ditadura pessoal de Getúlio Vargas, que passa a
desempenhar o papel de moderador da ordem social, contemporizando e
manipulando habilmente os movimentos sociais, conciliando os interesses
divergentes e evitando choques entre vários setores da burguesia.
17
Com a crise de 1929 e a Revolução de 1930, que conduziram Getúlio Vargas
ao poder, houve uma transformação no padrão de acumulação vigente. Foram
criadas bases para o desenvolvimento de uma estrutura produtiva urbano-
industrial, de substituição de importações, alterando a postura do poder público em
relação à indústria e acentuando a concentração de investimentos na rede urbana
no Rio de Janeiro. Este período foi marcado por um intenso deslocamento campo-
cidade, que estimulou de forma contraditória, particularmente no Rio de Janeiro, as
pressões da classe operária urbana por assistência-médico-hospitalar e
habitacional. O surgimento de novas classes sociais, isto é, a constituição de um
proletariado urbano e a configuração de classes médias
18
, a partir de 1930,
estimulou o crescimento da cidade, intensificando as migrações rurais e urbanas.
É relevante destacar que após o ciclo cafeeiro do século XIX, a
industrialização da capital impôs uma nova divisão social e territorial do trabalho no
17
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 53.
18
Ver F. Oliveira. A economia brasileira: crítica à razão dualista., 1975; F. Weffort. O
populismo na política brasileira, 1980.
início do século XX, estimulando a migração do capital comercial e cafeeiro para
empreendimentos imobiliários no Distrito Federal.
Pode-se ver na Revolução de 1930 a aglutinação de diferentes grupos como
a burguesia industrial e financeira, o proletariado, a pequena classe média, as
forças armadas, a burguesia agrária não cafeicultora. Diversas tentativas frustradas
de coalizão destes grupos, nos primeiros anos do período revolucionário, levaram
ao Estado Novo e ao regime ditatorial. Em 1930, a cidade já se encontrava
bastante estratificada e a variedade de classes sociais que deram origem à
Revolução de 1930, implicou a necessidade do governo alternar períodos de
favorecimento de uma classe com épocas em que privilegiava as demandas de
outros setores sociais.
19
Segundo Maria Lais Pereira da Silva
20
, neste momento, o
proletariado urbano e os movimento operários estavam em parte nucleados em
associações de vários tipos e suas ações passam ao largo da vida política
institucional.
O período entre Revolução e instituição do Estado Novo engloba a
administração municipal de Pedro Ernesto e o decreto que instituiu o primeiro
código de obras da cidade, onde as favelas são oficialmente reconhecidas e
regulamentadas. O primeiro prefeito eleito, de forma indireta, foi o médico e
político Pedro Ernesto do Rego. Sua trajetória política inicia em 1922, apoiando o
movimento tenentista e, por imposição dos tenentes, o presidente Getúlio Vargas o
nomeou prefeito-interventor do então Distrito Federal. Com a força conquistada por
uma administração popular e humanista, funda o Partido Autonomista, que vence
as eleições municipais de 3 de maio de 1935, conquistando a esmagadora maioria
de 18 dos 20 vereadores eleitos. Conforme a legislação da época, Pedro Ernesto,
como vereador mais votado, foi aclamado prefeito (1931-1936), dando
continuidade a sua gestão como interventor. Segundo Maria Lais Pereira da Silva,
19
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 94.
20
SILVA, M. Favelas Cariocas, 1930-1964, 2005: 34.
em sua gestão, as favelas assumem importância como fato político inserido na
questão social.
No campo da habitação este período se caracteriza por uma primeira
tentativa de registro de habitações ilegais existentes, a Estatística Predial do
Distrito Federal, assim como de registro das primeiras informações mais
consistentes sobre a intensificação da atuação da prefeitura do Distrito Federal (RJ)
no programa de erradicação de favelas.
Do final da década de 1920 até as proximidades do golpe que implantou o
Estado Novo em 1937 destacam-se, no plano político institucional, duas
importantes tentativas de ordenamento e controle urbanos: a elaboração do
primeiro plano diretor da cidade do Rio de Janeiro, o Plano Agache, e o decreto
6000
21
de 1937, que expressava a regulamentação e o direcionamento que o poder
público desejava para a cidade, já considerada problemática no que se refere às
favelas.
É possível considerar que o início das políticas públicas em favelas da cidade
do Rio de Janeiro remonta à década de 40. A partir dos anos 40, inicia-se uma nova
etapa para as populações de baixa renda, marcada por intervenções pontuais,
desarticuladas, como a proposta dos chamados Parques Proletários Provisórios,
numa visão “autocrática de reeducar, reajustar e recuperar” o morador, com o
propósito de abrigar provisoriamente a população de algumas favelas da cidade do
Rio de Janeiro. Em 1942 o programa realizou a transferência de um grande número
de pessoas para os Parques Proletários. A decisão de construir conjuntos
habitacionais constituiu uma nova orientação construtiva.
22
Neste período, é preciso salientar a aceleração do desenvolvimento do setor
industrial e o crescimento da concentração espacial nas grandes cidades e em suas
21
O Decreto 6000 foi promulgado em 1° de Julho de 1937, definia as zonas industriais da
cidade, influindo nas formas futuras de apropriação do espaço.
22
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 54.
periferias. A favela ganhou importância como representação nacional do problema
habitacional, numa nítida projeção da realidade do Rio de Janeiro para todo o país.
Neste período, quanto à questão da moradia popular, nota-se que a
intervenção do Estado se expressa em nível nacional em três direções: a
intervenção do mercado privado de habitação por meio da Lei do Inquilinato
23
(Decreto-lei 4598/42),
24
a estruturação das carteiras prediais dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões – IPAs e , a criação de órgãos encarregados de políticas
nacionais mais abrangentes , como a Fundação da Casa Popular, em 1946. Neste
período, destaca-se também a mudança de status da questão habitacional,
desencadeando uma proliferação de órgãos estaduais e municipais.
25
Os governos democráticos de 1945-1964: reflexos sobre a cidade do Rio de
Janeiro.
Na segunda metade da década de 1940, no plano político local, surgem novas
condições políticas com a liberalização política havida no final do Estado Novo,
iniciando um processo de reorganização de movimentos associativos com
características basicamente urbanas. Nesta mesma época, Hildebrando de Góis
assume a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Empossado o presidente Eurico Gaspar Dutra, em Janeiro de 1946, o Estado
passara a criar condições institucionais e econômicas para o desenvolvimento da
economia urbana e industrial voltada para o mercado interno, mantendo as
condições que permitiam ao setor agrário expandir-se horizontalmente com baixos
coeficientes de capitalização. Para a economia urbano-industrial, o setor rural
fornecia, pela migração da mão-de-obra abundante, matérias-primas e alimentos
baratos, além de supri-la com equipamentos e materiais importados via confisco
23
Nos anos de guerra, a partir de 1942, com esta Lei, houve uma tentativa de controlar os
aluguéis e manter a oferta de imóveis.
24
A Lei do Inquilinato representou o congelamento dos aluguéis, com a justificativa
emergencial do período de Guerra. Contudo, a Lei desestimulou a construção de novas
moradias por parte do capital rentista , motivando o aumento de despejos judiciais e a
redução da oferta de habitação no mercado urbano, estimulando um intenso mercado negro
nas transferências de imóveis. Ver SILVA, M. Favelas cariocas, 2005: 42.
25
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 40.
cambial. Tem início, assim, a aceleração do processo de urbanização brasileiro e as
pressões populares sobre o governo para a solução dos novos problemas
decorrentes do desenvolvimento industrial de pós-guerra. Neste contexto, é criada
a Fundação da Casa Popular.
26
Este período caracteriza-se principalmente por ser uma época de transição
na evolução social brasileira. Após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1946, foi
criada a Fundação da Casa Popular, órgão especificamente habitacional que
privilegiava o atendimento às camadas de menor poder aquisitivo, incorporando
funções ligadas a intervenções de cunho urbano. A Fundação se propunha a
proporcionar a aquisição ou construção de moradia própria, em zona urbana ou
rural. Destinava-se também a financiar estabelecimentos industriais que
construíssem residências para os respectivos trabalhadores.
Através do decreto-lei n° 9.777 de 06 de Setembro de 1946, as funções da
Fundação foram ampliadas
27
, dentre elas: financiar, na zona rural, a construção,
reparação ou melhoramento de habitações para os trabalhadores; financiar as
construções de iniciativas, ou sob responsabilidade de Prefeituras Municipais,
empresas industriais ou comerciais, de residências de tipo popular, destinadas à
venda ou locação a trabalhadores, sem objetivo de lucro; financiar obras
urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos, suprimento de energia elétrica,
assistência social e outras que visem à melhoria das condições de vida e bem-estar
das classes trabalhadoras; estudar e classificar os tipos de habitações denominadas
populares; proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos que visem ao
barateamento da construção quer isolada, quer em série, de habitações do tipo
popular; preparar normas ou cadernos de encargos, tendo em vista, especialmente,
a máxima ampliação possível da área social de seus benefícios; financiar as
indústrias de materiais de construção; estudar, projetar ou organizar planos de
26
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 61.
27
Idem: 65.
construção de habitações de tipo popular a serem executadas pela própria
Fundação ou por terceiros; cooperar com as prefeituras dos pequenos municípios
que não dispuserem de pessoal técnico habilitado; e realizar todas as operações
que digam respeito à melhor execução de suas finalidades.
Apesar de representar um avanço, a Fundação apresentava fragilidade
financeira e institucional e inviabilidade política e técnica. De acordo com Maria Lais
Pereira da Silva, os problemas estavam ligados ao contexto populista, que dava
margem a uma grande ambigüidade político-institucional, às dificuldades de
negociação dos recursos, a inúmeras pressões clientelísticas e, à dificuldade de
sustentar um subsídio quase integral à habitação numa economia que sofria uma
alta inflacionária. Logo, a produção da Fundação da Casa Popular foi muito
dispersa. Construiu somente 18.132 unidades em todo o Brasil. No Rio de Janeiro
foram construídos apenas 3% do total de conjuntos (cinco), mas eles totalizavam
cerca de 24% das habitações, isto é, 3.993 unidades, repetindo-se o padrão dos
IAPs.
28
Este período, por outro lado, fora marcado pela criação de uma grande
quantidade de instituições criadas para a habitação popular em várias cidades,
mostrando que a questão da habitação tornava-se cada vez mais um problema
governamental. No Rio de Janeiro destaca-se a construção de parques proletários
provisórios e a criação de órgãos como a Fundação leão XIII,
29
em 1947, bem
como a presença do Departamento de Habitação Popular – DHP, da Prefeitura do
Distrito Federal, que construíram conjuntos habitacionais, visando o
“desfavelamento” da capital da República.
30
A Fundação desenvolveu um trabalho
até 1955, quando então reduz o ritmo de construções até paralisar praticamente
suas atividades no início dos anos 1960.
28
Idem: 43.
29
Fruto da articulação entre o cardeal dom Jaime de Barros Câmara e o prefeito Hildebrando
de Góis, tendo como motivação principal neutralizar e eliminar a influência dos comunistas
nas favelas por outros métodos que não os da repressão policial. Foi um ator importante por
sua ação continuada nas favelas e por ser um projeto disseminador de um trabalho social
autônomo, apesar de sua ligação com o poder público.
30
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 44.
O mandato do prefeito Hildebrando de Góis (1946-1947) ocorreu em meio a
uma crise no Poder Executivo e grande instabilidade no Legislativo. Em decorrência
desta crise este foi demitido, e o general Mendes de Morais assume a prefeitura em
24 de Abril de 1947.
31
Em sua gestão, a questão social e urbana passou
novamente para primeiro plano, com propostas e tentativas de intervenção na crise
habitacional, que girava em torno da Lei do Inquilinato e de sua principal
conseqüência expressa no crescimento descontrolado das favelas na cidade.
Durante seu mandato, os projetos e intervenções urbanas se voltam para a
consolidação e abertura de novos espaços para o capital imobiliário, através do
parcelamento fundiário e a valorização dos terrenos, procurando estimular e
consolidar também o acesso e o transporte rodoviário para determinadas áreas do
Rio de Janeiro. Nesta mesma época, assumiu particular visibilidade o crescimento
das favelas da cidade. Em torno desta questão, as ações institucionais ocorreram
através de importantes projetos habitacionais que se desenvolveram no
Departamento de Habitação Popular, mas que foram pouco implementados. No
plano político-assistencial, as ações giraram em torno das propostas da Prefeitura
contidas no Plano de Extinção das Favelas. Porém, a ação realmente se
desenvolveu no plano policial-repressivo.
32
Neste período, ocorre uma multiplicação de favelas no Rio de Janeiro. De
acordo com Mauricio Abreu
33
, a região da Leopoldina passou por duas grandes
melhorias: o saneamento do rio Faria-Timbó (em 1942) e a inauguração da Avenida
Brasil (em 1946). O objetivo destas obras é incentivar o processo de
industrialização na Região. Porém, a ausência de obras de infra-estrutura nesta
área, impossibilita a implantação regular das indústrias. Ocorre uma ocupação
desordenada de pequenas indústrias, e os bairros cortados pela Avenida Brasil
31
Mendes de Morais foi o prefeito com maior tempo de gestão no período imediatamente
anterior à transferência da capital, governando a cidade até 1951. Ver SILVA, M. Favelas
cariocas, 1930-1964, 2005: 63.
32
Idem: 65.
33
Ver ABREU, Mauricio de Almeida. EvoluçãouUrbana do Rio de Janeiro, 1987.
empobrecem, sofrem com as inundações e com a falta de saneamento básico. A
impossibilidade do estabelecimento de importantes indústrias ao longo da Avenida
Brasil, como era previsto, criou nesta área, grandes vazios, possibilitando o
processo de favelização em seu percurso. Como foi visto anteriormente, em 1947
criou-se uma comissão específica para a erradicação das favelas, fracassada devido
à falta de recursos e de poder. Tem início, assim, o processo de urbanização
brasileiro e as pressões populares sobre o Governo para a solução de novos
problemas decorrentes do desenvolvimento industrial de pós-guerra. Neste
contexto, enquadra-se o Plano Salte —Saúde, Alimentação, Transporte e Energia—
e a criação da Fundação da Casa Popular.
Embora, na década de 50, ainda houvesse um discurso que relacionava os
males físicos aos males morais da população, três fatores, conjugados,
redirecionam o problema favela para outro eixo de discussão: o aparecimento de
lideranças mais amadurecidas politicamente, já organizadas em partidos políticos; o
assustador avanço das favelas e, finalmente, a dificuldade das remoções. Incluiu-se
ao discurso da remoção, o da urbanização de algumas favelas, principalmente
quanto ao saneamento da rede de esgoto.
O Segundo mandato de Getúlio Vargas (1951-1954).
Eleito em 1950, Getúlio Vargas retorna à Presidência da República em 1951. Vargas
iniciou o governo com postura conservadora, mantendo a transferência de renda do
setor exportador para o industrial, via política cambial. Desde o fim do governo
Dutra, o setor operário sofrera algumas modificações que tiveram importantes
repercussões políticas no governo Vargas. O governo era pressionado pelos
sindicatos, que desejavam realizar a escolha de seus representantes entre os
operários, contra o controle do Ministério do Trabalho. Nesta conjuntura, perdendo
suas bases populares, Vargas resolve mudar a política e remodelar seu Ministério
colocando João Goulart na pasta do Ministério do Trabalho, o que desencadeará
uma drástica mudança na política trabalhista anterior, substituindo o velho
populismo por alianças do Estado com o movimento operário.
Dentre as realizações mais notáveis do período destaca-se a construção, em
1952, pelo Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito federal
(RJ), do Conjunto Habitacional do prefeito Mendes de Moraes, com 328 unidades.
Conhecido como Conjunto do Pedregulho
34
tornou-se exemplo por incorporar
criativamente os princípios da arquitetura e urbanismo modernos à solução de um
conjunto habitacional para camadas populares.
Desde 1953, a crise exacerbava-se provocando o esvaziamento político e
militar do governo. Vargas, devido a suas medidas nacionalistas, logo foi acusado
pela oposição de pretender implantar no país uma República Sindicalista, nos
moldes do peronismo argentino. O atentado ao jornalista Carlos Lacerda, principal
autor de ataques ao Governo, faz com que a pressão militar se intensifique,
culminando na exigência de renúncia de Getúlio Vargas, que se suicidou logo em
seguida, no ano de 1954. Neste ano, as contínuas manifestações populares
continuaram garantindo a sobrevivência do populismo, e asseguraram a eleição de
um continuador de Vargas, o candidato Juscelino Kubitscheck de Oliveira.
No contexto das condições político-institucionais da crise habitacional,
permanece o debate em torno das freqüentes prorrogações da Lei do Inquilinato,
que se repetiam, a cada dois anos, particularmente a partir de 1950. As
repercussões na cidade se agravavam principalmente por causa da maior pressão
dos fluxos migratórios. No caso da questão da habitação, a imprensa noticiou a
“onda de despejos”, entre 1950 e 1954, sendo o motivo principal a falta de
pagamento, gerando uma categoria somente de inquilinos.
35
34
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 66.
35
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 68.
Os prefeitos que assumiram a cidade com o segundo Governo de Getúlio
Vargas, João Carlos Vital (1951-1952) e Dulcídio do Espírito Santo Cardoso (1952-
1954), mantiveram estreita ligação com as linhas nacionalistas, no quadro do
trabalhismo da época, e com relações políticas populistas. Nesta época, a crescente
crise habitacional fortaleceu movimentos sociais e políticos, reforçando mais uma
vez a continuidade das características conjunturais do segundo período Vargas.
Uma breve passagem pela presidência de Juscelino Kubitscheck (1956-
1965).
Juscelino Kubitscheck foi o último
presidente da República a assumir o cargo no
Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, em 31 de janeiro de 1956. Em seu
mandato presidencial, Juscelino lançou o Plano Nacional de Desenvolvimento,
também chamado de
Plano de Metas, que tinha o célebre lema "Cinquenta anos em
cinco". O plano tinha 31 metas distribuídas em seis grandes grupos: energia,
transportes, alimentação, indústria de base, educação e —a meta principal—
Brasília, inaugurada em Abril de 1960. Visava a estimular a diversificação e o
crescimento da economia, baseado na expansão
industrial e na integração dos
povos de todas as regiões com a capital no centro do território brasileiro. Com JK
ocorreu considerável aceleração do desenvolvimento econômico e do processo de
urbanização, em decorrência, principalmente, da implantação das indústrias de
bens de produção e a automobilística, assim como a expansão de infra-estrutura de
estradas de rodagem e energia elétrica.
Em sua gestão, uma parcela crescente da alta burguesia estava convencida
da necessidade de uma política econômica de estabilização e austeridade, mesmo
que isto custasse uma parada temporária do desenvolvimento. Contudo, o
problema habitacional ainda não havia assumido o status de crise que irá ocorrer
no início dos anos 1960, tanto que no Plano de Metas não há qualquer referência
expressa à habitação.
36
36
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 62.
No governo Kubitscheck (1956-1961), a pouca atenção dada à questão
habitacional aprofundou a crise da habitação. A questão a partir deste momento
estava relacionada com o destino do campo e da cidade, vale dizer, com problemas
de reforma agrária e urbana, e com o próprio desenvolvimento do país.
O estado da Guanabara: a conjuntura da metrópole carioca nos anos 1960
Em
1834, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada em "município neutro",
permanecendo como capital do Império do Brasil, enquanto que
Niterói passou a
ser a capital da província do Rio de Janeiro. Em
1889, a cidade transformou-se em
capital da
República, o município neutro em Distrito Federal e a província em
estado. Com a mudança da capital para
Brasília, em 21 de abril de 1960, a cidade
do Rio de Janeiro tornou-se o estado da Guanabara, de acordo com as disposições
transitórias da Constituição de
1946 e com a Lei nº 3.752, de 14 de abril de 1960.
A transferência da capital do país para Brasília, realizada por Juscelino
Kubitschek, provocou grande especulação sobre o futuro político-administrativo da
cidade do Rio de Janeiro. Os debates versaram sobre a possibilidade de transformar
o Distrito Federal em um estado semelhante às demais unidades da federação,
idéia já preconizada nas constituições de 1891, 1934 e 1946. Em 14 de abril de
1960, o Congresso Nacional decretou e Juscelino sancionou a lei nº 3.752,
conhecida como Lei San Tiago Dantas
37
, que estabelecia normas para criação do
estado da Guanabara (o 21º estado da União) e convocação de sua Assembléia
Constituinte. Na mesma data da mudança da sede do governo, em 21 de abril de
1960, foi instalada a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara - ALEG.
A eleição do candidato Jânio Quadros em fins de 1960, respondia aos
anseios da sociedade nacional, ao combinar uma política interna conservadora
37
De acordo com a Lei Santiago Dantas os vereadores da Câmara do Distrito Federal, eleitos
em 03 de outubro de 1958, tornavam-se deputados constituindo o Poder Legislativo até que
fosse promulgada a Constituição do novo estado. Desta forma, a Câmara de Vereadores do
Distrito Federal funcionou como Assembléia Legislativa até a promulgação da Constituição
estadual em 27 de março de 1961.
deflacionista com uma política externa independente, atrativa para os setores
populares de esquerda. Após sua posse em 1961, obstáculos começaram a surgir
em decorrência destas políticas de governo, causando descontentamento tanto da
classe trabalhadora, quanto do Congresso, levando ao encaminhamento de sua
renúncia à presidência, apenas sete meses após a posse. Com a renúncia de
Quadros, em Setembro deste mesmo ano, o Congresso Nacional aprova uma
Emenda Constitucional adotando o Parlamentarismo, que viabilizava a posse de
João Goulart, deflagrando ainda mais a instabilidade do regime, trazendo à tona a
luta política sobre a volta do Presidencialismo. Neste período, sob o impacto dos
processos de industrialização, de urbanização e de maior liberdade das camadas
operárias e rurais, o problema habitacional foi transformado em uma questão mais
complexa do que a simples construção de casas ou conjuntos habitacionais.
Associado à própria discussão do modelo de desenvolvimento, diante da escala e
velocidade que adotara, o equacionamento do problema habitacional passa a
envolver questões como reforma agrária e urbana (propriedade da terra), captação
e manutenção do valor real dos recursos financeiros.
Do final do período Kubitscheck ao curto governo Quadros, fatos externos ao
país vão transformar a compreensão da questão habitacional no continente latino-
americano. Suas origens podem ser encontradas na Revolução Cubana de 1959, na
promessa de Fidel Castro de reforma social para o proletariado urbano e, mais
especificamente, em sua Reforma Urbana. Para combater a possível repercussão
dessas medidas, a Agência para o Desenvolvimento Internacional –AID decidiu
dinamizar o Fundo de Empréstimos para o Desenvolvimento –DFL, autorizando
empréstimos e garantias para fins habitacionais, aos países da América Latina, em
1961. O Brasil, incluído no grupo de países que se beneficiariam do empréstimo,
procura, no governo Jânio Quadros, instrumentar-se para responder ao desafio
habitacional, através de tentativas como o Instituto Brasileiro de Habitação e
criação do Conselho Federal de Habitação em 1961. Nesta época, o Instituto dos
Arquitetos do Brasil alertava o povo e as autoridades para as imperfeições do plano
para enfrentar a crise residencial, pois este visava à construção de casas destinadas
somente à venda.
Com a posse de João Goulart os problemas relacionados à moradia, em
particular nos grandes centros urbanos, serão objeto de mensagem especial ao
Congresso Nacional, na qual se dará o primeiro passo para a formulção de uma
política habitacional capaz de disciplinar o vertiginoso e desordenado crescimento
urbano. Neste contexto, a falta de uma legislação reguladora permitiu que a
indústria de construção se transformasse em presa fácil de especuladores,
impedindo o acesso à residência própria das camadas mais pobres da população.
A partir daí, o Conselho Federal de Habitação passa a ter um papel
altamente significativo na execução desta política, submetendo ao Congresso
Nacional um projeto de lei de reforma urbana, que propõe novas soluções para o
problema da habitação e para a questão da moradia popular. Portanto, o contexto
que surge em decorrência da mudança na situação político-institucional brasileira e
da cidade, trouxe importantes tranformações nas políticas habitacionais e sociais.
A História recente do Rio de Janeiro pode ser dividida em três momentos:
Distrito Federal Republicano (1889-1960), Estado da Guanabara (1960-1975) e
Município do Rio de Janeiro (a partir de 1975). Em um primeiro momento, o Rio de
Janeiro era visto como o elo entre o país e a civilização Européia, tornando-se a
vitrine dessa cultura para o resto do país; como cidade-capital, o Rio de Janeiro
deveria ser o baluarte da unidade e da centralização, o que significava enfrentar o
desafio de unificar uma vasta região pontuada por ilhas econômicas e culturais,
desejosas de emancipação política, suprema ameaça. Como sede do governo
federal, e espaço de representação política da cidade do Rio de Janeiro, a capital
possuía duas funções de caráter dúbio: administrativa, e, portanto, subordinada
aos interesses federais; e política, na qual defendia sua autonomia política. Essas
duas propostas refletem e reforçam a ambigüidade do lugar que o Rio de Janeiro,
na condição de Distrito Federal, ocupava na federação.
38
No segundo momento, após a aprovação pelo Congresso da transferência da
Capital para Brasília, o espaço do Rio de Janeiro no país mudou profundamente.
Podemos separar esse período em alguns momentos distintos e bastante marcantes
para o desenho político carioca.
Em 1958, os jornais cariocas publicavam opiniões de personalidades do
Distrito Federal e do Rio de Janeiro sobre os destinos da cidade. As três propostas
que surgiram na época apoiavam a criação do território da Guanabara; do estado
da Guanabara; do município do Rio de Janeiro, incorporado ao Estado do Rio de
Janeiro. No início de 1960, intensificou-se o debate parlamentar, devido à
indefinição do futuro da cidade do Rio de Janeiro no cenário político nacional. A
capital seria transferida em 21 de Abril de 1960 e não havia sido definido ainda o
arcabouço jurídico político. Na Constituição de 1891, estava previsto que, caso a
capital se transferisse para o interior, a cidade do Rio de Janeiro se fundiria com a
Velha Província.
39
No entanto, a falta de entendimento político postergou esta
fusão por 15 anos.
No processo de elaboração da Constituição da Guanabara, uma das
principais questões levantadas na elaboração da Constituição era se o Estado da
Guanabara deveria ter uma organização municipal clássica, assim como os outros
estados (com municípios, prefeitos e câmaras de vereadores), ou ser uma cidade-
estado, sem divisão municipal. A decisão caberia ao novo Governador, Carlos
Lacerda (1960-1965), primeiro governante eleito diretamente pelos cariocas. Nos
dois primeiros anos de governo, Lacerda privilegiou a montagem do arcabouço
jurídico-institucional do novo estado. Candidato à presidência em 1965, Lacerda
investiu na transformação do Estado da Guanabara em um estado capital, onde a
38
Ver MOTTA, M. O lugar da cidade do Rio de Janeiro na Federação Brasileira: uma questão
em três momentos, 2001.
39
Ver Motta, M. & Sarmento, C. A construção de um estado: a fusão em debate, 2001.
cidade não perderia sua condição de vitrine da nação. No entanto, ao reafirmar o
papel tradicionalmente exercido pela cidade, não por acaso chamada de Belacap, o
governo Lacerda não conseguiu estabelecer os alicerces fundadores de um novo
lugar para o Rio de Janeiro na federação, o de estado “federado”.
40
Eleito o
governador e criado o corpo legislativo, o desafio seguinte foi organizar
administrativamente o município do Rio de Janeiro, agora transformado em Estado
da Guanabara. O Executivo e a Assembléia Legislativa foram contra a divisão do
estado em municípios, tese vencedora no plebiscito popular realizado em 21 de
abril de 1963.
O Governo Lacerda dinamizou mudanças radicais na cidade, ao promover a
remoção de favelas para outras regiões (e a conseqüente criação da
Vila Kennedy e
da
Cidade de Deus), a construção da adutora do Guandu para o abastecimento de
água à cidade, e implementou uma série de modificações paisagísticas. Dentre as
principais obras realizadas na cidade nesse período, destacam-se a abertura do
Túnel Rebouças, o alargamento da praia de Copacabana, e a construção da maior
parte do
Aterro do Flamengo, sobre o qual foi formada a mais extensa e completa
área de lazer da cidade, o
Parque do Flamengo, hoje denominado oficialmente de
Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, situado junto à orla da
Baía de Guanabara, com
121,9 hectares e que se estende desde o
Aeroporto Santos Dumont até o Morro da
Viúva, em
Botafogo.
No governo Lacerda, a dimensão habitacional foi largamente tratada, mas
segundo parâmetros modificados no início do governo. Segundo Maria Lais Pereira
da Silva, o Rio de Janeiro continuou sendo uma cidade de inquilinos: cerca de 50%
dos domicílios eram alugados, com as favelas crescendo e uma situação de moradia
considerada dramática para os pobres da cidade. A autora constata que num
primeiro momento, a política relacionava-se às propostas que vinham sendo
construídas numa linha de urbanização pela recém montada Coordenação do
40
Ver MOTTA, M. S. O lugar da cidade do Rio de Janeiro na Federação Brasileira: uma
questão em três momentos, 2001.
Serviço Social, sob a direção do sociólogo José Arthur Rios, que baseava suas ações
nas associações de moradores, atribuindo-lhes um importante papel intermediário
na relação com o poder público.
41
Contudo, quando o acordo entre o governo do
estado e a United States Agency for International Development —Usaid (organismo
do governo dos Estados Unidos) foi firmado em 1962, desapareceram quase que
completamente os recursos para a urbanização das favelas, prevalecendo a partir
daí a ideologia da casa própria, da remoção das populações das favelas e a
construção de conjuntos habitacionais na periferia.
Nesse período, também foi organizada a Companhia Estadual de Telefones -
Cetel, cuja missão foi a de instalar serviço de telefones automáticos nos afastados
subúrbios, como
Irajá, Bento Ribeiro, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, na
baixada de
Jacarepaguá e na Barra da Tijuca, assim como na Ilha do Governador e
na
ilha de Paquetá. Anos mais tarde, a companhia estadual foi incorporada ao
sistema telefônico fluminense que, através da agência de Telecomunicações do
Estado do Rio de Janeiro —
Telerj, passou a atender o restante do estado após a
fusão.
De 1960 a 1962 abrandaram-se as relações entre o estado e os moradores,
período em que foram criadas a maior parte das Associações dos Moradores. Neste
período, devido à transferência da capital da cidade para Brasília, a cidade perde
várias de suas funções e precisa reordenar o seu espaço.
42
Encomendado por
Carlos Lacerda, o Plano Doxiadis, plano de desenvolvimento urbano para a cidade,
definiu as principais propostas para as várias políticas, inclusive a habitacional, que
somente ficará pronto em 1965, no final do seu governo. As enchentes ocorridas no
Rio de Janeiro vão agravar a situação de crise da cidade e impedir a sua realização.
Caracteriza-se pela busca de modelos importados de cidade e técnicas sofisticadas
de trabalho. O planejamento físico proposto visa a pensar o espaço de forma
41
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 73.
42
OLIVEIRA, L. Cidade história e desafios, 2002 : 265.
compartimentada, de acordo com as necessidades dos indivíduos: espaço para
morar, espaço para o trabalho etc., com base nas propostas dos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna —CIAM.
43
É neste contexto que o governo Negrão de Lima e o Regime Militar (1965-
1970), serão analisados na próxima etapa da pesquisa. A seguir, para a melhor
visualização do período, utiliza-se um quadro com a ação dos governos federal,
municipal e estadual, de 1937 a 1964, na área das políticas de habitação, com
destaque para a cidade do Rio de Janeiro.
Quadro 1.
História da urbanização da cidade do Rio de Janeiro:
ações federais, estaduais e municipais.
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS INICIATIVAS
1937-1945
H. Dodsworth
Parques Proletários
Provisórios: construção de
novas habitações para
moradores de favelas, se
possível no próprio local ou
próximo dali.
01/05/1946
O Presidente Dutra nomeia
Comissão Interministerial
para estudar e apresentar
soluções para as favelas e, ao
mesmo tempo, cria a
Fundação da Casa Popular. A
Comissão apenas reforçou
medidas coercitivas
semelhantes ao código de
obras de 1937.
1946
Criação do Departamento de
Habitação Popular pelo
Prefeito Mendes de Moraes.
43
Idem: 266-267.
Autorizada
por decreto
presidencial
N° 22498 de
22/01/1947
Criada pela
Prefeitura do
Distrito Federal
1947
Criação da Fundação Leão
XIII, na busca por uma
solução a longo prazo, que
priorizasse a promoção
humana. Segundo analistas,
sua criação também era
motivada pelo combate a
comunistas.
1946-1950
O Prefeito Mendes de Moraes
cria o Serviço de Extinção de
Favelas e desenvolve plano
que deveria estimular o
retorno ao campo de parte da
população favelada.
1946-1950
Novo tratamento Fundação
Leão XIII.
1946-1950
Batalha do Rio de Janeiro:
campanha lançada pelo
jornalista Carlos Lacerda no
Jornal Correio da Manhã
propondo uma mobilização
nacional para resolver o
problema da favela.
Nomeação pelo Prefeito
Mendes de Moraes, de sete
subcomissões subordinadas a
uma comissão central, com o
objetivo de propor
encaminhamentos para a
questão da favela.
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS INICIATIVAS
1946-1950
Censo de Favelas
1948-1950
Urbanização da Favela
Barreira do Vasco, pela
Fundação Leão XIII. Pára de
se destinar verba municipal,
pois se alega que a Fundação
contribuiu para a
consolidação das favelas.
1950
Recenseamento Geral.
Comissão Nacional de Bem-
Estar Social realiza estudos
sobre o tema favela,
relacionando as ocorrências a
nível federal.
1952
João Carlos Vital, nomeado
prefeito por Vargas, cria o
serviço de recuperação de
favelas, que traz novidades
em relação à gestão Mendes
de Moraes. Pela primeira vez,
a urbaniza
ão in loco come
a
a aparecer na discussão
pública sobre as favelas.
1955
Fundação Cruzada São
Sebastião: construção de
habitação e melhorias de
equipamentos coletivos em
várias favelas da cidade do
Rio de Janeiro.
1956
Serfha: criação do Serviço
Especial de recuperação de
Favelas e habitações Anti-
Higiênicas por Negrão de
Lima.
1956-1960
Leis das Favelas. Lei
autorizando os Ministérios da
Justiça e do Interior a
alocarem fundos a órgãos que
lidassem com a melhoria das
condições habitacionais nas
favelas.
1960-1965
Criada no Governo Lacerda a
Coordenação de Serviços
Sociais para integrar as ações
das diferentes instituições
que lidavam com as favelas.
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS INICIATIVAS
1960
Jornal
Estado de
São Paulo
Pesquisa desenvolvida pela
Sociedade de Análises
Gráficas e Mecanográficas
aplicadas aos Complexos
Sociais - Sagmacs, que
deveria orientar as
atividades da coordenação
de Serviços Sociais.
Junho de 1961
Operação Mutirão da
Coordenação de Serviços
Sociais, com urbanização
parcial da Vila da Penha,
Jacarezinho, Salgueiro e
Rocinha.
Junho de 1961
a Dezembro de
1962
Serfha passa a fazer parte
da Coordenação de Serviços
Sociais.
25/06/1962
Criação do Conselho Federal
de Habitação.
Cria
ç
ão da Cohab
1962
(Cooperativa de Habitação
Popular) como resposta à
criação do Conselho Federal
de Habitação, que defendia
a erradicação.
1962
Proposta de Reforma
Urbana.
1963
“Seminário de Habitação e
reforma Urbana”
Março de
1964
Articulação que visava à
intervenção do Ministério da
Justiça nas remoções
durante o governo Lacerda.
Fonte: Parisse (1969).
44
Governo Negrão de Lima e o Regime Militar (1965-1970)
Em 1965, Negrão de Lima foi eleito governador da Guanabara pela coligação
formada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelo Partido Social Democrático
(PSD). No período da formação do Estado da Guanabara, o Estado comprometeu-se
a fortalecer a associação de moradores; a substituir os barracos por construções
adequadas, utilizando a força de trabalho local e a autorizar a melhoria dos já
existentes, atuando de acordo com o Serviço Especial de Recuperação de Favela e
Habitações Anti-higiênicas - Serfha, criado em 1956 pelo governo municipal e
ligada a duas instituições da Igreja: Cruzada São Sebastião e Fundação leão XIII.
Com o Governo Negrão de Lima, a ideologia da Serfha seria retomada, porém, no
Regime Militar, esta se tornou interlocutora do Estado junto aos moradores das
favelas. As associações de moradores, a partir de 1967, foram colocadas pelo
governo do estado a cargo da Secretaria de Serviços Sociais. No contexto do AI-5,
o governador Negrão de Lima assina um decreto que estabelecia as finalidades das
associações de moradores, subvertendo o papel destas, que passaram a seguir a
orientação do poder público para as favelas. Neste período, o Governador organizou
a Companhia de Desenvolvimento das Comunidades Codesco. Esta Companhia
44
Fonte: Parisse (1969) apud CARVALHO, R. M. A expansão das favelas na cidade do Rio de
Janeiro na década de 80: 38-40.
enfatizava a posse legal da terra. Porém, esta alternativa foi suprimida pela
retomada do ideal de remoção por parte do Governo Federal através da
Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio
Chisam.
A Codesco ditava uma política única para os Estados do Rio de Janeiro e da
Guanabara, retomando a idéia de “erradicação”, subordinando a Companhia de
Habitação do Estado do Rio de Janeiro —Cohab-RJ, politicamente controlada pelo
Banco Nacional de Habitação —BNH, iniciando um grande programa de construção
de conjuntos habitacionais, que em tese seriam ocupados por moradores das
favelas. Criado em 1964, o BNH era um banco de segunda linha, ou seja, não
operava diretamente com o público. Sua função era realizar operações de crédito e
gerir o
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço —FGTS, por intermédio de bancos
privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais
e as companhias de água e esgoto. O BNH foi a principal instituição federal de
desenvolvimento urbano da história brasileira, na qualidade de gestor do FGTS e da
formulação e implementação do Sistema Financeiro da Habitação —SFH e do
Sistema Financeiro do Saneamento —SFS.
A grande maioria dos programas de habitação popular do BNH estava
voltada para as periferias das cidades, onde o acesso é difícil e onde há natural
empobrecimento das famílias. Entre 1968 e 1975, foram muitos os conflitos, a
recusa e a resistência dos moradores removidos para os conjuntos habitacionais,
desencadeando a venda dos imóveis e o retorno à favela. Em torno de 100 mil
pessoas foram removidas e excluídas do processo de organização e participação
política da cidade.
45
Somado ao processo de industrialização, este é um dos
motivos para o crescimento do número de favelas no Rio de Janeiro. O
autoritarismo que caracteriza o período pós-golpe militar terá, nesse processo de
retomada de uma tendência anterior, um papel fundamental. Não mais dependente
do julgamento popular via eleições livres, o Estado intensifica a sua ação
45
Idem: 36.
discriminatória sobre o espaço, privilegiando claramente as áreas mais ricas da
cidade, especialmente o centro e a zona sul. A intensificação do processo de
concentração de renda, viabilizada pela política de arrocho salarial pós-64, levou a
dois efeitos significativos sobre a evolução da forma urbana. Primeiramente,
resultou num processo drástico de remoção de favelas dos locais valorizados da
Zona Sul, e em segundo lugar, levou a um processo de intensa especulação
imobiliária, que por sua vez, determinou a expansão horizontal da parte rica da
cidade. Fica claro, aqui, que a atual estrutura metropolitana do Rio de Janeiro nada
mais é do que a expressão mais acabada de um processo de estratificação espacial
que vem se desenvolvendo há bastante tempo.
46
Segundo Gabriel Bolaffi, embora a criação do BNH tenha significado o
reconhecimento explícito de um grave problema habitacional nos grandes centros
urbanos do país e, por mais que sucessivos governos federais tenham assegurado
ao BNH as condições financeiras para enfrentar este problema, nem a Federação,
nem seus estados e municípios jamais chegaram a definir uma política de habitação
popular clara e conseqüente, capaz de minorar os graves problemas das populações
de baixa renda. O autor prossegue, constatando que o BNH foi criado basicamente
para atender aos requisitos políticos, econômicos e monetários dos governos que
conduziram ao efêmero “milagre” brasileiro, e não para solucionar o problema da
habitação.
47
A experiência da institucionalização do planejamento urbano e econômico foi
muito rica no Brasil dos anos 60 e 70. Na primeira metade dos anos 1960, antes da
quebra da ordem institucional em 1964, alguns governos estaduais já vinham
experimentando o uso do planejamento para orientar suas políticas num contexto
de forte impacto demográfico, social e econômico da industrialização, como eixo
econômico no país. Esse era o caso da cidade-estado Guanabara. Após a
46
Dados Iplanrio.
47
BOLAFFI, G. Para uma nova política habitacional e urbana: possibilidades econômicas,
alternativas operacionais e limites políticos. In: VALLADARES, L. Habitação em questão,
1981: 167.
centralização política e financeira imposta pelo regime militar, contudo, as
experiências estaduais de planejamento só tinham possibilidade de êxito se
estivessem identificadas com as prioridades do projeto federal de modernização das
estruturas espaciais, políticas e econômicas. O planejamento urbano tornou-se um
instrumento fundamental deste projeto modernizador, e o Banco Nacional de
Habitação, o principal agente financiador da política urbana do país. Nos estados
onde havia uma região metropolitana, como o estado do Rio de Janeiro, foram
criados órgãos especializados no planejamento metropolitano, como era o caso da
Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana Fundrem.
48
Entre os anos 1940 e 1965 constata-se um processo evolutivo de ocupação
do solo urbano, agravado pela elevada migração das áreas rurais para as cidades.
Através da análise do Regime Militar poderemos expor a essência do problema
habitacional, decorrente da má distribuição. A política habitacional desde 1964,
reduziu-se a uma série de decisões setoriais, sobretudo na educação, na saúde
pública, na Previdência e na assistência social, servindo em geral para desmobilizar
as camadas carentes da sociedade. Com o golpe, o Estado colocara um grande
efetivo de soldados para a remoção de aproximadamente 30 mil pessoas. Entre
1962 e 1965, o governo do estado trabalhou com duas perspectivas diferentes: a
remoção e a urbanização.
49
Neste período, a construção de conjuntos habitacionais,
para a futura remoção de moradores, gerou descontentamento devido à má
localização e à precariedade dos imóveis e dos meios de transporte.
50
É importante destacar que o exame dessas intervenções públicas nas favelas
nos autoriza a concluir que o principal obstáculo à sua solução foi a interrupção da
48
SANTOS, A. Economia, espaço e sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 180-181.
49
Desde os anos 60, foram muitas as iniciativas voltadas para a urbanização das favelas,
como por exemplo, o BNH, Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), o Fundo de
Garantia por Tempo e Serviço (FGTS), e a Cohab.
50
Ver ZALUAR & ALVITO. Um século de favela, 2004: 35.
luta democratizante desenvolvida por organizações de favelas entre os anos 50 e
60, pelo Regime Militar.
51
A crise do modelo econômico vigente durante o Regime Militar; o período
subseqüente à queda do Regime, marcado pela modernização e pela profunda crise
econômica do BNH; e o processo de abertura política no final dos anos 70 e início
dos anos 80, desencadeou transformações profundas na sociedade brasileira e um
movimento de crescente organização política da sociedade civil, conduzindo ao
maior poder de barganha da população perante o Estado. A relação do poder
público com as favelas tornara-se menos autoritária e as políticas de remoção
deram lugar às políticas de urbanização. Tal fato indicava a necessidade de
aplicação de recursos em grande escala, visando à construção de habitações em
níveis aceitáveis, equipamentos urbanos e condições mais satisfatórias de
transporte urbano para o atendimento desta população. Desta forma, evidencia-se
a premente necessidade de atuação dos poderes públicos em programas de
natureza social, objetivando dotar esta população de condições dignas de
habitação.
Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e o fim do Regime
Militar (1975-1979).
A idéia da fusão é antiga, decorre das primeiras discussões sobre a
transferência da capital federal do Rio de Janeiro e a preocupação com o futuro da
cidade. Isso proporcionou uma cultura favorável à fusão. Mas, provavelmente, sem
a ditadura militar esta não teria ocorrido. Em 1967 e 1969 este regime de governo
realizou profundas mudanças na ordem constitucional de modo que viabilizou
mudanças na federação, como a fusão, sem a necessidade de um plebiscito —como
era indicado, para um caso como este, na Constituição de 1946.
Havia uma visão técnica (econômica) para se defender a fusão como uma
forma de otimizar o desenvolvimento regional. A idéia era de que havia um pólo
51
Idem. Ibidem.
rico (a cidade do Rio de Janeiro), com grande arrecadação, e uma periferia pobre (a
Baixada Fluminense) com muita carência de infra-estrutura. Assim, como um
estado não poderia investir no outro, a fusão faria desaparecer o impedimento
político-administrativo da transferência de recursos entre as duas áreas. Os
empresários cariocas se empenharam na defesa técnica da fusão, através de
argumentos econômicos. No entanto, essa fase aconteceu em 1969, logo após a
edição do Ato Institucional nº5 e não próximo ao período que ocorreu a fusão
(1973-1974).
52
Segundo Helio de Araujo Evangelista, também existia uma visão política,
para a qual a cidade do Rio de Janeiro era um foco de oposição ao regime militar.
Como o Estado da Guanabara era o único estado governado pelo MDB, partido da
oposição, esperava-se com a fusão debelar este foco ao juntar o conservadorismo
fluminense com a vanguarda carioca. A perspectiva era de que com a fusão seria
possível alterar a representatividade da população numa Assembléia Legislativa
Estadual unificada, através de uma nova correlação de forças entre os partidos, o
Movimento Democrático Brasileiro - MDB e a Aliança Renovadora Nacional - ARENA.
No entanto, ao longo da pesquisa, percebe-se que tanto a visão política,
quanto a econômica, acima expostas, era insuficiente para compreender o episódio.
A rigor, a fusão deve ser vista à luz de uma agenda de governo, envolvida em um
projeto geopolítico de Brasil Potência, que tinha uma nova forma de pensar a
federação brasileira. Esta visão vai privilegiar a fusão como uma decisão decorrente
de um plano de governo que visava a alavancar o desenvolvimento sócio-
econômico através de mega-projetos. Este plano era corporificado pelo Programa
Nacional de Desenvolvimento –PND– programas que estabeleciam as principais
metas de cada presidente no tempo do governo militar.
53
52
Entrevista com Helio de Araujo Evangelista, professor de geografia da Universidade
Federal Fluminense, de 11/10/02, concedida ao jornalista Pedro Dória que a utilizou na
elaboração do seu artigo – O destino da Guanabara – divulgado em 15/10/02 no jornal
virtual
www.nominimo.com.br
53
Idem.
Em março de 1975, ocorre a fusão do estado da Guanabara com o antigo
estado do Rio de Janeiro, onde se instalou a Assembléia Constituinte Estadual. A
capital passou a ser a cidade do Rio de Janeiro. O poder legislativo foi alojado no
Palácio Tiradentes, que após abrigar a Assembléia Constituinte do Estado da
Guanabara, entre 1960 e 1961, ficou, até 1974, servindo a convenções e a
congressos. Considerando a fusão dos antigos estados do Rio de Janeiro e da
Guanabara como marco inaugural do período em questão,
54
esta causou grande
polêmica entre os cariocas à época, haja vista não ter havido consulta popular nos
estados que se fundiam. Apesar disso, vantagens de ordem econômica foram
geradas na nova capital, sendo o município do Rio de Janeiro, atualmente, a sede
de muitos negócios e empreendimentos do estado do Rio.
A partir desta data, é possível constatar as expectativas de estruturação do
novo Estado com base na racionalidade e no planejamento das ações político-
administrativas. Como será abordado adiante, este clima esteve presente nos
diagnósticos e nas soluções apresentadas nos planos de governos que se
sucederam, assim como também animou a crença na possibilidade de promover
mudanças no funcionamento do sistema estadual de habitação. Nesta fusão, o
estado desempenhou muitas funções da prefeitura, e esta, por sua vez,
encontrava-se sufocada com funções estaduais. Evidentemente, a transferência
destes encargos para o estado, repercutiu sobre o orçamento da prefeitura,
comprometida com obras e com o custeio da máquina administrativa que lhe
coube.
55
Além das expectativas abertas, com a reestruturação administrativa, pós-
fusão, a livre expressão do protesto e da defesa da participação popular na vida
social, alimentou a formulação de propostas habitacionais que tinham como eixo
54
A Lei Complementar nº 20 de 1 de julho de 1975 determinou a fusão da Guanabara com o
Estado do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 1975.
55
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1980-1983: Governo Chagas Freitas). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1980-1983/ Estado do Rio de Janeiro, Governo Chagas
Freitas. Secretaria de Estado de Planejamento e Controle. Rio de Janeiro, 1979.
central a idéia de que o acesso à habitação de qualidade era pré-requisito para a
extensão dos direitos civis à população.
Com esta fusão foi criada a Companhia Estadual de Habitação do Rio de
Janeiro —Cehab-RJ
56
, em decorrência da reestruturação dos organismos de política
habitacional desses estados, assumindo o papel antes exercido pela Cohab-RJ e da
Chisam, que era responsável pela elaboração e execução de projetos no período
anterior. As razões em que se fundou este projeto de fusão foram de caráter
geoeconômico se referiam à necessidade de se dar território à Guanabara, e por
outro lado, uma grande urbe ao estado do Rio de Janeiro. A Cehab-RJ era uma
sociedade por ações, órgão da administração indireta do estado do Rio de Janeiro,
vinculada à Secretaria de Habitação e Assuntos Financeiros —Sehaf. Esta repassava
os recursos do governo federal e estadual, administrava e supervisionava a
execução das obras.
57
Marcus André de Melo analisa as continuidades e rupturas na política de
habitação popular no período pós-1979, assim como, a crise que paralisou a política
nos anos 80, discutindo os impasses e dilemas atuais da política de habitação. O
autor aponta para a fragmentação institucional e paralisia decisória, que tipificam a
política no período recente.
Em sua análise, o autor constata que o governo Geisel (1974-1979) assinala
um período de redefinição da política de habitação popular. Nesta gestão
emergiram alguns programas de caráter reformista. O autor considera que o
56
A Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro, Cehab - RJ, criada pela Lei No. 263
de 29/12/1962, com o objetivo de desenvolver a política habitacional e, principalmente, a
erradicação das favelas, sob a supervisão da Secretaria de Serviços Sociais, à época, com a
razão social de Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara, Cohab-GB. Depois
da fusão do antigo Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro, e por determinação
do Decreto-Lei Estadual, número 39 de 24/03/75, a Cohab-GB incorporou ao seu patrimônio,
o da antiga Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro Cohab-RJ. A
Cehab - RJ foi responsável pela produção de unidades habitacionais, urbanização de favelas,
titulação de lotes em áreas próprias ou desapropriadas pelo Governo do Estado. A
urbanização e a regularização de favelas não é novidade no Brasil, onde já em 1947, a
Fundação Leão XIII realizava trabalhos de melhorias em favelas.
57
ARAÚJO, A. A política habitacional a partir de 88: a ação da Cehab - RJ em Angra dos Reis
e a estratégia de intervenções dos assistentes sociais, 1997: 18-19.
processo decisório que está na base destas mudanças se traduz num conjunto mais
amplo de reformas, que se inscreve na estratégia de transição democrática,
avançado pelo núcleo dirigente do regime militar. Na esfera habitacional, a nova
estratégia reformista foi formulada num órgão colegiado instituído em 1974: o
Conselho de Desenvolvimento Social.
58
Em seu trabalho Políticas Públicas e Habitação popular: continuidade e
ruptura, 1979-1988, o autor Marcus André de Melo coloca em evidência os
principais programas reformistas deste período: o Programa de Financiamento de
Lotes Urbanizados Profilurb; o programa de Financiamento de Construção,
Conclusão, Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Social – FICAM; e o
Programa de Erradicação de Subhabitação Promorar.
O Profilurb instituído em 1975 buscava ampliar a clientela atendida pelo
antigo Plano Nacional de Habitação Popular Planhap, incorporando famílias com
precária ou instável inserção no mercado de trabalho, isto é, famílias com renda de
1 a 3 salários mínimos. O Programa representa uma inflexão na política das
Cohabs. A Cohab passa, a partir deste momento, a contemplar a produção de lotes
urbanizados, indo de encontro à construção convencional de grandes conjuntos
habitacionais. Este Programa representou a incorporação de uma clientela, antes
marginalizada pela política do período anterior (1967-1974). A partir deste
programa, a questão da terra urbana passa a ter papel central no quadro
habitacional. Contudo, Marcus André de Melo constata em sua pesquisa a
ineficiência e a baixa efetividade do Programa. Segundo Melo, o Programa foi
criticado por ser incentivador do surgimento de “favelas organizadas”, e também
recebeu duras críticas do empresariado da construção civil, que por sua vez
comportava pouco volume de obras.
59
Somente em 1978, houve uma revitalização
58
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 2.
59
Idem: 3.
de curto prazo no Programa, quando ao Profilurb foram incorporados esquemas
mais vantajosos de financiamento, assim como, uma Unidade Sanitária ao lote.
60
O Ficam, instituído em 1977, articulado ao Profilurb, buscava consolidar a
autoconstrução quanto à alternativa efetiva aos programas convencionais,
representando uma clientela de menor renda dos esquemas de financiamento
individual de materiais de construção existentes.
61
Destaca-se, neste período, também como projeto habitacional de nível
federal, o Programa de Erradicação e Subhabitação —Promorar, instituído em 1979
pelo recém-empossado presidente Figueiredo, representando a versão mais
acabada da nova política habitacional que acompanhou o processo de abertura
política do regime militar. Segundo S. M. Souza e Silva,
62
o Programa organizado
pelo Banco Nacional de Habitação —BNH, tinha por objetivo recuperar as faixas
alagadas habitadas, pretendendo com a valorização das áreas assim conquistadas,
recuperar os investimentos feitos com as vendas dos terrenos remanescentes. O
estado do Rio de Janeiro foi escolhido para ser palco do primeiro programa a ser
executado pelo Promorar: o Projeto-Rio, que seria desenvolvido em área próxima
ao aeroporto internacional, alcançando seis favelas na área da maré: Parque União,
Rubem Vaz, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Timbau e Maré.
O Promorar objetivava erradicar “subhabitações” a partir de intervenções,
visando à melhoria dos núcleos habitacionais de favelas sem implicar, portanto, a
remoção dos moradores. É com o Promorar, que a produção de habitações
populares nos moldes dos programas alternativos atinge o recorde histórico em
termos quantitativos, superando as Cohabs. Essa expansão notável esteve
60
Ver BNH. Avaliação do Profilurb no Brasil. Fundação João Pinheiro, 1982.
61
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 3.
62
Ver SILVA, S. M. Souza e. Espaço favela: o Projeto-Rio e a favela da Maré. Ippur / UFRJ,
1984. (Tese de Mestrado)
associada à campanha concertada do Ministério do Interior e se pautou por uma
lógica tipicamente clientelista quanto aos critérios de alocação de conjuntos.
63
Com a transferência de poder dos militares para os civis, a Nova República
assinala historicamente uma mudança efetiva no regime político com repercussões
amplas nas alianças políticas e nas políticas públicas em geral. Em nível de políticas
de corte social, o projeto de reestruturação ampla das políticas públicas setoriais
passa a dar lugar a um conjunto de ações pontuais, muitas das quais de caráter
assistencial. Assiste-se, portanto, a uma banalização da política social. Isso se
manifesta na institucionalização quase que exclusiva, no conjunto da política de um
conjunto de ações de caráter emergencial.
64
O que vemos crescer aqui é uma
política de acomodação e interesses setoriais, inexistindo na estrutura interna do
Estado, um centro organizador e unificador capaz de dar direção e sentido à ação
do Estado.
65
Governo Chagas Freitas (1979-1983)
O governo de Chagas Freitas (1979-1983) ocorre num momento de intenso
centralismo financeiro, político e administrativo, e nem mesmo o governador foi
eleito por voto popular, diferentemente de seus antecessores Carlos Lacerda e
Negrão de Lima. Nesse contexto, a estrutura dos gastos públicos estaduais foi
muito diferente, em que se implementaram os investimentos de uma maneira mais
atomizada. Essa menor concentração setorial dos gastos não pode ser dissociada
da suspensão das eleições diretas para governador, uma vez que, sem eleições, os
deputados tornaram-se o veículo das demandas populares. Diante desta questão, o
discurso de Chagas Freitas tinha muito mais sintonia com o do governo federal do
que o de seus dois antecessores, apesar de ser o único dos governadores estaduais
63
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 3-5.
64
Idem. Ibidem.
65
FARIA, V. & GUIMARÃES E CASTRO, M. Política social e consolidação democrática no
Brasil: 18-20 apud MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura,
1979-1988, 1988: 6.
que não estava filiado ao partido do executivo federal, mantendo-se no partido
oposicionista, Movimento Democrático Brasileiro —MDB.
66
Mesmo com a atuação da Cehab-RJ na produção de unidades habitacionais,
o período que se segue, 1980-1983, do governo Chagas Freitas, teria que alcançar
índices significativamente superiores aos conseguidos até o presente momento. As
diretrizes básicas do programa habitacional, a ser executado pela Cehab-RJ neste
período foram: dinamização do programa, diversificando os mecanismos de
produção e unidade através da aquisição de empreendimentos prontos, conforme
instituído pelo BNH; interiorização da habitação popular, apoiando pequenos
núcleos de caráter rural; estabelecimento de efetiva coordenação central, através
da Secretaria de Planejamento —Secplan, integrando diversos organismos públicos
atuantes na produção destas unidades; institucionalização de instrumentação
jurídica específica, para agilizar processos de aquisição e legalização; criação de
rotinas burocráticas específicas para a aprovação destes projetos; suprimento da
deficiência dos serviços e equipamentos de infra-estrutura urbana em conjuntos
habitacionais; utilização de programas de lotes urbanizados; integração dos
empreendimentos habitacionais com os demais empreendimentos públicos e
privados otimizando a aplicação dos recursos; implementação de uma eficaz política
de aquisição de áreas; institucionalização de normas específicas para a aprovação
de projetos de cunho popular, e de instrumentos legais que possam estimular a
liberação de solo urbano inerte aproveitável; adequação do sistema de transporte
de massa às necessidades desta população.
Com a implementação deste programa, o governo Chagas Freitas objetivava
o desenvolvimento de um processo sistemático de erradicação de favelas. Através
deste programa, os governos estadual e federal programaram a construção de 100
mil unidades de habitação a serem concluídas até o ano de 1983. Para a execução
desta programação a Cehab-RJ contará com recursos do BNH para o financiamento
das obras de construção das unidades, contabilizando um investimento de Cr$
66
SANTOS, A. Economia, Espaço e Sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 171.
24.821.901.000,00, divididos entre os governos e o Banco nacional de Habitação.
67
A liderança de Chagas Freitas, porém, estava longe de ser unanimidade. Ele
controlava o PMDB com mão de ferro, utilizando toda sorte de recursos para
manter à margem aqueles que a ele não se alinhavam. Seu estilo de atuação era
marcado pelo clientelismo e por uma falsa docilidade para com o governo federal, o
que lhe valeu seguidas ameaças de intervenção.
68
No início da década de 80, houve um processo de abertura política com a
participação intensa dos movimentos sociais na esfera política. O próprio BNH entra
em crise. No entanto, os governos estadual e municipal, eleitos no âmbito do
processo de redemocratização que se instaura no país neste momento, buscaram
desenvolver iniciativas que tratavam desta questão, mesmo não contando com o
apoio do governo federal. A política habitacional na Nova República apresentava-se
comprometida com a crise econômica do Sistema Financeiro de Habitação SFH,
órgão gestor do BNH. Na época predominava o discurso voltado para o social.
Contudo, havia uma incompatibilidade entre as funções sociais preconizadas e o
modelo de sustentação até então adotado.
No Rio de Janeiro, a eleição de Leonel Brizola em 1982 criou grande
expectativa em relação ao atendimento às necessidades básicas das populações
carentes, devido ao anúncio de que na área habitacional seria implementado o
Programa “Cada Família Um Lote”, com a meta de distribuir 1 milhão de lotes
urbanos, suburbanos e rurais num prazo de 5 anos, como veremos a seguir. Do
ponto de vista dos excluídos, estes, através das eleições de 1982, poderiam
manifestar-se perante o Executivo.
69
Foi Brizola que iniciou, no Rio de Janeiro, a
67
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1980-1983: Governo Chagas Freitas). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1980-1983/ Estado do Rio de Janeiro, Governo Chagas
Freitas. Secretaria de Estado de Planejamento e Controle. Rio de Janeiro, 1979: 252-256.
68
Sobre o chaguismo no Rio de Janeiro, ver Eli Diniz. Voto e Máquina Política. Patronagem e
Clientelismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
69
ZALUAR & ALVITO. Um século de favela, 2004: 41.
política pública de urbanização de favelas, que substituiu a prática antiga das
remoções desumanas e arbitrárias de governos anteriores.
A eleição de Leonel Brizola em 1982 para o Governo do Estado do Rio de
Janeiro, marcou uma inversão de rumos nas ações relativas às camadas populares,
com novos projetos de urbanização. Pode-se afirmar que, ao longo dos anos 80,
consagra-se a urbanização como resposta adequada ao problema vigente e ainda
se cria um acúmulo de experiências técnicas e administrativas.
70
É este o ponto de partida da presente pesquisa, como será visto a seguir. Na
realização do Programa “Cada Família Um Lote” / Secretaria Estadual de Trabalho e
Habitação, em 1983, os poderes públicos acabaram por reconhecer a
impossibilidade de se opor ao processo, fruto da evolução urbana do Rio de
Janeiro
71
desde sua estruturação enquanto cidade capitalista.
72
Porém, a vitória de
Brizola nestas eleições não pode ser vista como uma ruptura por inteiro com os
anos 70. Apesar de o governo Brizola desenvolver uma agenda social
especialmente voltada para a precária situação das favelas do Rio, a nova
democracia teria de comportar a presença dos excluídos, diferente do que ocorrera
no período autoritário.
70
As principais informações sobre as medidas da política habitacional entre 1902-1983,
encontram-se no Anexo 1.
71
No início de 83, começaram a ocorrer invasões de terras no Estado do Rio, como
conseqüências da campanha, fazendo uso do mote “invade que o Brizola garante”. Era
necessário que se tomassem medidas de emergência e no governo não havia uma estrutura
que funcionasse com agilidade para isso. Para contornar tal fato, criou-se em Março de 83, a
Secretaria de Trabalho e Habitação (SETH), encarregada de administrar e encaminhar os
conflitos de posse de terra urbana. ARAÚJO, M. Possibilidades e Limites de uma Política
Habitacional: O Programa Cada Família um Lote, 1988: 12.
72
SANTOS, A. Economia, espaço e sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 38.
Quadro 2.
Síntese do Processo de Favelização da cidade do Rio de Janeiro.
73
Grupos
Sociais
Início do Séc.
/ anos 30
Ex-escravos
Década de 30 / anos 70
Migrantes do Norte e
Nordeste
Década de 80
Grupos Urbanos
Aspectos
Físico-
Territoriais
Habitações precárias
nos morros
próximos da área
central
Morros e alagados nas áreas
central, Sul
e adjacências do eixo rodo-
ferroviário
Favelas,
periferia e
Logradouros
públicos
Paradigmas
Higienismo e
Sanitarismo-
Saúde Pública
Marginalidade e
Desenvolvimentismo-
Ausência de integração sistêmica
Involução
Metropolitana-
Violência Urbana
Tabela 1.
Crescimento da população da cidade e do Estado do Rio de Janeiro.
Regiões
1960-1970
1970-1980
1980-1991
Estado do Rio de Janeiro
35,9%
25,3%
13,7%
Município do Rio de Janeiro
30,2%
19,8%
7,6%
Fonte: IBGE – Censos demográficos
Tabela 2.
Crescimento da população favelada, por década,
na cidade do Rio de Janeiro.
Ano
População
Favelada (1)
Taxa de
Crescimento da
População
Favelada
População
Total (2)
Taxa de
Crescimento da
População Total
(1) / (2)
%
1950 169.305 ---------------- 2.336.000 ---------------- 7,2%
1960 335.063 97,9 3.307.167 41,6 10%
1970 554.277 65,4 4.285.738 29,6 13%
1980 716.843 29,33 5.090.790 18,78 14%
1991 950.960 32,66 5.472.967 7,51 17%
Fontes: Plano Diretor RJ (1991) apud Ribeiro e Lago, 1991.
73
SANTOS, J. Favelas e Território: tendências recentes da favelização no Rio de Janeiro,
1993: 75.
Iplanrio (1991) apud Ribeiro e Lago, 1991. Iplanrio (1992).
Considerações Finais
No presente capítulo, através de uma incursão pela história do período e da
discussão da literatura, sobre os processos de urbanização e favelização do
município e do estado do Rio de Janeiro, analisou-se a evolução urbana da cidade
entre 1902-1982.
Para melhor compreender o processo político de urbanização na cidade do
Rio de Janeiro, entre os anos de 1983 e 1995, ou seja, no período dos governos
Leonel Brizola e Moreira Franco, torna-se de suma importância situar as
transformações ocorridas dentro do seu contexto histórico mais amplo. Neste
sentido, fez-se necessário abordar a etapa da industrialização tardia e o
deslocamento populacional do campo para a cidade; as transformações político-
institucionais e econômicas, através da observação da “Era Vargas”, da gestão de
Juscelino Kubitscheck e do período de Ditadura Militar e sua queda; o projeto de
fusão dos antigos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro; o plano de
desenvolvimento econômico e social dos Governos Negrão de Lima e Chagas
Freitas; e, por fim, as eleições de 1982.
Ao observar estas passagens históricas, foi possível determinar as principais
características territoriais, políticas e geoeconômicas do Estado e da cidade do Rio
de Janeiro nas décadas de 80 e 90. Para isso, realizou-se uma pesquisa sobre a
ação governamental e suas tentativas de solução para o problema das favelas,
observando seus mecanismos e instrumentos legais.
No decorrer do período examinado, observam-se numerosas alterações na
política habitacional brasileira e do estado do Rio de Janeiro. Em um primeiro
momento, vê-se que a meta era construir casas para atrair mão-de-obra. Em um
segundo momento, a intenção era a de proporcionar moradia para o operariado
urbano, chegando-se à criação de BNH e do Sistema Financeiro de Habitação. Neste
período, é possível constatar uma progressiva desatenção para com a qualidade
das habitações destinadas à população de baixa renda. Segundo o relatório da ação
governamental, da Financiadora de Estudos e Projetos —FINEP, este fato pode ser
explicado pelas mudanças de objetivos da política adotada em cada momento
histórico. O relatório descreve que, no início, a principal preocupação era atrair,
mediante a oferta de boas moradias, a mão-de-obra livre ainda escassa. Ao final,
quando a mão-de-obra se torna abundante, a preocupação está em ampliar a
oferta de empregos através de incentivos à maior produção de moradias.
74
No relatório da ação governamental, consta que as alterações sucessivas
nas políticas de habitação popular revelam a crescente intervenção dos governos no
equacionamento dos problemas da moradia, o que está inteiramente de acordo com
a tendência internacional. Contudo, a partir da II Guerra Mundial se acentua, no
caso brasileiro, uma progressiva transferência da responsabilidade de concepção,
execução e comercialização das moradias para as mãos do empresariado privado.
Vale relembrar que, a partir da segunda metade do século passado, mais
precisamente, após a II Guerra Mundial, iniciou-se um processo que culminou na
institucionalização do “Estado assistencial”.
De acordo com Gabriel Bolaffi, do pós-guerra para cá, o Estado brasileiro
concentrou todos os seus esforços para favorecer um processo de industrialização e
de acumulação capitalista. Para tanto, recorreu a todos os meios que fossem
compatíveis com esses objetivos, sem jamais se deter perante a flagrante
iniqüidade social das políticas adotadas.
75
Gabriel Bolaffi faz ainda uma reflexão acerca do papel do Estado na solução
dos problemas habitacionais para a população de baixa renda e se questiona: é
legítimo esperar ou exigir do estado, tal como se apresenta instituído no Brasil, que
assuma os problemas habitacionais daqueles cidadãos cuja renda não é suficiente
74
FINEP, Habitação popular: inventário da ação governamental, 1985: 21.
75
BOLAFFI, G. Para uma nova política habitacional e urbana: possibilidades econômicas,
alternativas operacionais e limites políticos, In VALLADARES, L. Habitação em questão,
1981: 174.
para solucioná-los nas condições do mercado? Esta pergunta, para o autor, embora
respondida afirmativamente ao nível do discurso, vem sendo invariavelmente
negada ao nível das ações do Estado e de suas instituições. Segundo o autor, se a
habitação é uma mercadoria como qualquer outra, o Estado brasileiro, sendo
autoritário, tecnoburocrático ou relativamente liberal, está constituído por uma
economia de mercado onde as mercadorias se vendem por quanto o consumidor
pode pagar. Desta forma, é cabível exigir do Estado que intervenha no mercado, ou
por meio de medidas jurídicas e fiscais, ou por meio de subsídios, ou mesmo por
meio de investimentos estratégicos, capazes de reduzir os custos da habitação
satisfazendo as necessidades mínimas do cidadão.
76
O autor então conclui que se o
Estado, durante todo o período descrito anteriormente, intervém nas relações
trabalhistas para conter a elevação dos salários, tendo em vista reduzir uma
inflação cujas origens são comprovadamente alheias ao preço da remuneração do
trabalho, esse mesmo Estado tem a obrigação política de atuar no sentido de
assegurar condições satisfatórias de habitação e um padrão de vida compatível com
o aumento da produtividade e da riqueza nacional.
77
Na década de 1980 o problema da habitação se torna cada vez mais grave,
e os conflitos sociais em decorrência dele cada vez mais constantes, e quase
sempre violentos. Nesta década, o que se espera não é uma ação paternalista do
Estado para a resolução da crise na habitação. O que se espera é que os políticos
próximos aos centros de decisão do Estado saibam reconhecer a autenticidade do
conflito, permitindo que possa manifestar-se legal e legitimamente. Para que estes
conflitos não fujam ao controle ao Estado, será preciso atender às reivindicações
populares, traduzindo em fatos as sucessivas promessas das últimas décadas. A
partir dos anos 1980, como será constatado a seguir, um maior grau de
organização social, traduzido no surgimento de grande quantidade de associações
de moradores, provocou uma mudança na atitude diante do problema. Além disso,
76
Idem: 173.
77
Idem: 175.
nos anos 1980 o país já conta com um instrumental capaz de enfrentar, em
melhores condições, a carência de moradias.
78
78
Idem: 22.
Capítulo 2
O primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro: uma
avaliação do Programa “Cada Família, Um Lote” (1983-1987)
No início dos anos 80, depois da falência das políticas de remoção e recolocação de
moradores para a periferia da cidade, as favelas passaram a ser palco de projetos
de urbanização que muitas vezes faziam parte de uma política governamental
maior. Lidando em geral com saneamento e regularização fundiária, tais projetos
tiveram efeitos diversos, como a expansão das atividades locais de geração de
renda, que ocorre desde que o projeto é anunciado e se estende mesmo após o
término de sua implantação.
Como foi salientado no capítulo anterior, o período que antecede as eleições
de 1982 apresenta um quadro nacional que configura uma crise de proporções
graves, gerada pelo fracasso do modelo econômico da industrialização por
substituição de importações, endividamento externo e inflação crescentes, levando
o país a um estado de profunda recessão. Em reação, o governo federal induziu de
forma compulsória à contenção artificial de gastos públicos, com conseqüências
graves para a habitação popular, assim como as demais políticas públicas básicas,
tais como a assistência médica, a previdência social e a educação. O Rio de Janeiro
reproduziu intensamente este padrão de políticas, vivenciando uma grande
concentração de renda e formação de miséria absoluta, um crescimento
desequilibrado do setor econômico e uma organização espacial descontínua e
caótica, com uma predominância do urbano sobre o rural, sem paralelo na história
do Brasil.
1
Desta forma, o contexto a ser enfrentado pelo governador eleito nas eleições
de 1982 seria de carência aguda de infra-estrutura urbana, produto de uma
expansão desordenada e de uma estrutura concentrada de propriedade de solo
1
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1984-1987: Governo Leonel Brizola). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1984-1987/,1983: 2.
urbano e, por conseguinte, de má distribuição dos investimentos em equipamento
urbano, principalmente na estrutura viária.
2
Neste Capítulo, será exposto um levantamento sobre o primeiro Governo
Brizola (1983-1987). A pesquisa que começa a se desenvolver realizará um recorte
histórico das etapas pré e pós-eleições de 1982, em que Brizola saiu vitorioso. Em
seguida, analisará seu governo no que diz respeito à política habitacional adotada
neste período. Para isso, serão observadas as organizações sociais; relações de
poder e a dinâmica interna e externa envolvida neste processo; o papel do Estado;
a máquina eleitoral; os partidos políticos envolvidos no processo; as prioridades
estabelecidas; e os programas de habitação do governo do estado, para assim
realizarmos uma avaliação dos efeitos dos últimos anos de políticas públicas na
cidade do Rio de Janeiro.
Se for observado o peso da política habitacional no âmbito da política
urbana, nota-se que este é relativamente pequeno, e principalmente, que este tipo
de intervenção depende de formas de financiamentos externos diferente de outros
tipos de iniciativas. A política habitacional no Rio de Janeiro é bastante
diversificada. Todavia, não inclui iniciativas ligadas à ampliação da oferta de novas
oportunidades habitacionais. Os objetivos dos programas são tratados tão somente
do ponto de vista físico-urbanístico.
Vale destacar que os avanços constitucionais em relação ao problema da
moradia devem ser analisados frente ao agravamento da crise habitacional, ao
longo da década de 80. Esse período é marcado, em função da crise econômica, por
um conjunto de transformações na estrutura dinâmica do espaço urbano brasileiro.
Verifica-se por um lado, o colapso dos mercados para camadas médias e da
intermediação financeira na produção de habitação e a especialização em unidades
de altíssimo luxo. Por outro lado, há uma informalização brutal da produção de
moradia para os setores de baixa renda através, principalmente da periferização
das favelas. Assim, o padrão periférico de ocupação do solo e a produção extensiva
2
Idem. Ibidem.
de loteamentos populares, vigentes nas décadas de 60 e 70, são substituídos pelo
adensamento dessas áreas via ocupação ilegal.
3
Inflação, achatamento salarial e
valorização da terra foram os principais fatores que levaram ao colapso o mercado
de lotes populares.
Pode-se dizer, assim, que o objetivo da política habitacional é o atendimento
das questões habitacionais, mas o âmbito para sua validação abrange aspectos
administrativos, políticos, financeiros, e legais, estendendo-se por espaços e
ambiente urbanos de diferentes escalas e matizes. Esta política visa à instalação de
um processo permanente, cuja contrapartida é o compromisso de mudança de
comportamento administrativo, de textos legais, de procedimentos de trabalho, e
de mobilização social que garantam a sua viabilidade, e se traduza em importante
componente de qualificação de vida urbana da cidade do Rio de Janeiro.
Contexto das eleições para governador do estado do Rio de Janeiro (1982)
Somente para se ter a noção de quão grave o problema habitacional se tornou na
década de 80, deve-se expor aqui alguns números de suma importância. No ano de
1981, foram consideradas, para efeito de avaliação de infra-estrutura, 377
4
favelas,
resultado do acerto feito no Cadastro de Favelas com base no censo IBGE 80. Nesta
avaliação, os resultados revelam que, por exemplo, apenas 1% das 364 favelas
inicialmente cadastradas era servida por rede oficial de esgoto completa e 6% eram
dotadas com rede parcial de caráter oficial, e apenas 17% apresentavam coleta de
lixo adequada. Estes dados dão a dimensão da gravidade da situação no que
concerne aos investimentos em infra-estrutura nas áreas de habitação de baixa
renda, no início da década.
3
LAGO, L. Política Urbana e a questão habitacional: novas tendências face à crise econômica
brasileira, 1992: 43
4
Postura também adotada em VALLADARES & DINIZ. Nouvelles Formes d’Intervention dans
les Favelas – le cas de Rio de Janeiro, 1987)
A esta precariedade somam-se outras muitas mudanças que ocorreram nas
favelas neste curto período que antecede as eleições como o intenso processo de
auto-urbanização, onde barracos de madeira foram gradualmente substituídos
pelos de alvenaria, ruas foram pavimentadas, e novas formas de comércio
surgiram. Enfim, deparando-se com propostas e posicionamentos políticos das
favelas do início dos anos 80, pode-se dizer que as mesmas haviam se
transformado, devido ao aprofundamento do sentido de resistência na favela e a
valorização do seu espaço interno.
É preciso destacar, de antemão, que as eleições de 1982 representam um
marco definitivo para a política brasileira, em geral, e para o Brizolismo,
5
em
particular.
6
O autor João Trajano Sento–Sé, especialista sobre o caso do Brizolismo
no Rio de Janeiro, lança-se em uma jornada a este período, em que finalmente
novas eleições democráticas foram realizadas, após a queda do Regime Militar.
Sento-Sé expõe em sua pesquisa que a movimentação eleitoral começou ainda em
81, quando o governo federal, lançando mão mais uma vez de seus recursos
extraordinários para beneficiar o partido da situação, o PDS, realiza o chamado
“Pacote de Novembro”. Este “Pacote” proibia a coligação eleitoral entre os partidos,
estabelecendo o voto vinculado, nas eleições para governadores, deputados
estaduais e federais, senadores, vereadores e prefeitos. Nesta época, fora o PMDB
e o PDS, nenhum outro partido dispunha de uma máquina partidária estruturada,
de modo a fazer frente às exigências legais que regeriam o processo eleitoral
daquele ano. Assim, partidos como o PDT, que lança o candidato Leonel Brizola e o
PT, ficaram sob risco de extinção, caso não alcançassem o coeficiente mínimo
exigido para a obtenção do registro definitivo, lançando candidatos para disputar
todos os cargos.
5
O “Brizolismo”, aqui, se refere ao período governado por Leonel Brizola, e não qualquer
indicação pro ou contra o candidato/Governador, assim, sem conotação ideológica ou
partidária.
6
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 236.
Segundo Sento-Sé, tanto para o PDT quanto para Brizola, a eleição se
mostrava um empreendimento desafiador e poucos acreditavam no seu sucesso. A
posição nitidamente secundária que Brizola ocupava no início do processo dá
contornos quase que espetaculares para sua vitória final. Embora o pleito de 1982
fosse regido ainda pela Lei Falcão,
7
os debates realizados na televisão e no rádio
mudaram completamente o rumo desta disputa. Além do candidato Miro Teixeira do
PMDB, líder nas pesquisas até este momento, ter se afastado das práticas
chaguistas que regiam sua conduta, gerando um racha dentro do partido,
8
o
candidato Leonel Brizola radicaliza seu discurso oposicionista, abandonando o tom
prudente e conciliador que adotara desde seu retorno do exílio. Sua campanha
exigia que o povo votasse com consciência e, no decorrer do ano, com um discurso
cada vez mais agressivo, consolidando-se como um candidato oposicionista, Leonel
Brizola passa a ser o centro das atenções do processo e assume a liderança nas
pesquisas. Mesmo se apresentando como um candidato de perfil popular, o discurso
de Brizola obteve, naquela campanha, excelente penetração junto às classes média
e média-alta, devido à reiteração de seu caráter oposicionista, a alusão ao legado
varguista, a ênfase em questões de grande apelo em amplos setores da população.
Brizola enfatizava a bandeira de que a política deveria ser uma atividade popular
acessível a todos.
A candidatura de Brizola foi marcada por sua fortíssima capacidade de
comunicação e seu estilo mordaz de debater. As reações de setores conservadores
à arrancada inesperada e vertiginosa de Brizola acabaram por conferir-lhe maior
carga dramática.
9
Os militares, comandados pelo Presidente Figueiredo e seus Ministros da
Marinha e Aeronáutica, alertavam sobre o perigo que representava para o processo
7
Esta Lei cerceava fortemente a propaganda eleitoral.
8
Os chaguistas a partir deste momento apóiam o candidato Moreira Franco.
9
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 246.
de “abertura” a eleição de Brizola para governador do Rio. Porém, quanto mais
Brizola era pressionado, mais a população o via como o melhor representante nesta
represália ao regime autoritário. Contra as máquinas federal e estadual, Brizola
contava com sua impressionante performance pessoal e um grupo de militantes,
extremamente coeso e combativo. Terminada a campanha, ficava evidente a vitória
do candidato do PDT. O desencontro entre resultados veiculados pela imprensa. As
projeções das pesquisas e os dados oficiais levaram o PDT a desmascarar uma
tentativa de manipulação dos resultados em favor de Moreira Franco. Contudo,
Brizola, ligado a alguns órgãos internacionais e apoiado por seus assessores,
conseguiu tirar dividendos de mais uma tentativa de golpear sua candidatura, e
vendo, enfim, confirmar-se sua vitória.
10
Gráfico 1
mero de Votos nas Eleões de 1982 por Candidato
30,60%
21,45%
34,19%
Leonel Brizola
Moreira Franco
Miro Teixeira
No Rio de Janeiro foi eleito, para governo estadual, o partido cuja plataforma
política demonstrou um maior comprometimento com os estratos populacionais de
10
Idem: 240-249.
baixa renda. O PDT era um partido sem a mínima estrutura operacional, valendo-se
de alguns dirigentes e militantes que se definiam a si próprios como componentes
de um exército engajado numa campanha, que era tida como fadada ao fracasso.
No cômputo geral, o PDT saía das eleições como o terceiro maior partido nacional.
Elegia 26 deputados federais, sendo 19 pelo Rio e 7 pelo Rio Grande do Sul. Logo,
construíra sua bancada federal nos dois estados em que a figura de Brizola tinha
maior penetração e passado político; 24 das 70 cadeiras na Assembléia Legislativa
do estado do Rio de Janeiro; 12 das 33 cadeiras da Câmara dos Vereadores,
confirmando-se como grande partido.
11
Segundo o autor Trajano Sento-Sé:
Enfim, Brizola vence a eleição na capital, rachando os
setores médios com Moreira Franco e obtendo grande
aceitação das classes baixas das áreas urbanas do estado.
Toma a cidade de assalto com seu “Exército de
Brancaleone”, com as armas do oposicionismo, da reforma
social, da retomada do fio da história. A máquina
peemedebista, poucos meses antes tida como imbatível,
funcionou bem no interior, travando disputa equilibrada com
a também poderosa máquina amaralista, a serviço do
PDS.
12
Brizola venceu as eleições, segundo ele, graças ao que definia como a “força
do povo”, numa histórica campanha que ele próprio avaliou só sendo comparável à
de Getúlio Vargas em 1950. Em 1982, embora o PDT praticamente não tivesse
estrutura orgânica ou apoio financeiro, Brizola partiu do zero nas pesquisas pré-
eleitorais, que davam ampla vitória à candidata do PTB, Sandra Cavalcanti, para a
vitória graças ao amplo acesso que teve à opinião pública, via debates. Brizola
derrotara máquinas poderosíssimas, levara o eleitorado do Rio de Janeiro a ignorar
as ameaças do poder autoritário, arrebatara as massas e comprovara a sua
capacidade de fazer as mesmas votarem com independência. A partir de então,
11
Idem: 250-251.
12
Idem. Ibidem.
Brizola voltava ao centro do poder, quebrando no Rio de Janeiro a supremacia do
antigo MDB, redefinindo, desta forma, o arranjo político estadual.
13
Brizola Governador (1983-1987)
Neste tópico, serão abordados: o período das invasões; objetivos do governo
Brizola; os Programas de seu governo, com ênfase no Programa “Cada Família, Um
Lote”; os resultados do governo e a avaliação das políticas urbanas, através da
observação dos resultados do Programa “Cada Família, Um Lote” e de outros
programas de infra-estrutura, entre os anos de 1983 e 1987.
O período das Invasões na cidade do Rio de Janeiro
Nos meses de Março, Abril e Maio de 1983, período da posse de Leonel Brizola
como Governador do estado do Rio de Janeiro, a imprensa carioca divulgou, em
destaque, a explosão de um movimento de invasões de terrenos vazios dos
subúrbios (Zona Norte) da cidade do Rio de Janeiro por centenas de pessoas de
baixa renda. Estas pessoas, rapidamente, demarcavam os terrenos e levantavam
edificações para moradia com todo tipo de material de construção. Segundo Lícia
do Prado Valladares, no Rio de Janeiro o padrão de ocupação tem sido a invasão
gradual e/ou ocupação promovida pelos proprietários e também por cabos eleitorais
políticos.
14
Portanto, a tática ou a manobra para conquistar e assegurar “moradia”
utilizada por muitos dos pobres, nesta cidade, consistia na invasão clandestina,
sempre constituída, em início, incerta e precariamente, muitas vezes procurando a
comiseração pública, para depois irem chegando, lentamente novos invasores até a
saturação máxima e quase impenetrabilidade do espaço invadido. As invasões
foram feitas “às claras”, por massas de pessoas em um curto período de tempo.
Como a nova, recém-eleita, administração pública ligada à cidade, nas esferas do
poder executivo estadual e municipal, interviria para lidar com esse fenômeno?
Pode-se dizer que este período se destaca por um fato social reivindicado
como histórico, marcando a introdução de uma nova forma de apropriação de
13
Idem. Ibidem.
14
Ver VALLADARES, L. P. Habitação em questão, 1981.
espaços vazios nesta localidade pela população mais pobre; provocando a definição
precoce da política habitacional da administração Rio/83, e sendo a primeira
demanda social que exigiu a inibição da política de segurança do novo sistema
político empossado em 1983. Esta temática é, ao mesmo tempo, político–ideológica
e estratégico-administrativa, pois diz respeito à transmissão, conquista e
manutenção do poder, seu exercício administrativo e a legitimação de seu uso.
Tanto a decisão da invasão, como o estilo das respostas governamentais, são
determinados por regras de natureza política. Invadir, nos anos 80, traduz um juízo
de valor político.
Também é certo que a mudança no comportamento dos pobres do Rio de
Janeiro, na forma das invasões está relacionada com o ato maior deste processo de
abertura, que foi a mudança de eleições indiretas para eleições diretas dos
governadores em 1982. Parece claro que, sendo a maior parte da população pobre,
e valendo o voto como “moeda eleitoral”, as articulações de poder têm que
estender seu discurso aos interesses daquela fração da sociedade. Aquela mudança
institucional teve rápida e profunda repercussão na organização social brasileira e
carioca, principalmente porque aqui o apelo e os compromissos com as camadas de
baixa renda, estabelecidos pelo governo, geraram as mais fortes expectativas do
país.
A regularização fundiária das áreas ocupadas por favelas confere a seus
moradores mais segurança quanto à sua permanência no local e garantia de
prestação regular de serviços públicos. Entretanto, são muitos os entraves legais e
burocráticos para a efetivação da titulação da propriedade em áreas ocupadas
irregularmente.
Objetivos e Programas do Governo Brizola (1983-1987)
Como foi destacado na etapa anterior, no Rio de Janeiro, foi eleito para o governo
estadual o partido que trouxe na sua plataforma política maior comprometimento
com as classes de baixa renda da sociedade. No discurso de Leonel Brizola, a
mudança de conduta do governo em relação à comunidade deve começar pelo
respeito aos direitos humanos em todos os níveis, particularmente no que diz
respeito à segurança do cidadão comum. O Conselho de Direitos Humanos, criado
por decreto do governador, é marca de um compromisso democrático e de uma
prática voltada para a defesa dos direitos da população, cuidando das garantias das
liberdades individuais e coletivas, assistindo o Chefe do Executivo nestes assuntos.
A administração deverá se pautar por critérios de probidade e austeridade no setor
público, com combate aos desperdícios, mordomias, corrupção e tráfico de
influências em todos os níveis. Sua administração estadual definiu um projeto social
ambicioso, prevendo a ampliação de serviços, obras e investimentos voltados para
a satisfação das necessidades básicas da população no momento em que a
economia e as finanças estaduais e nacionais estavam numa situação deteriorada.
Mais que isso, a proposta do governo era a de renovar os padrões estabelecidos da
administração pública, aproximando-a da comunidade e envolvendo a todos num
esforço comum de transformação da sociedade no rumo da democracia. Para
adequar a administração estadual às suas novas prioridades, o governo propôs a
criação de novas Secretarias de Estado, como por exemplo, as Secretarias de
Estado de Promoção Social, Trabalho e Habitação e do Desenvolvimento da Região
Metropolitana, além do desmembramento de outras.
É possível afirmar que a proposta central deste governo era a de reconhecer
a importância do planejamento, encarando-o, contudo, de modo inteiramente
diferente: o Estado deveria se preocupar menos em planejar a sociedade e mais em
planejar a si mesmo.
15
Assim, a proposta deste governo é de mobilizar os mecanismos à sua
disposição no sentido de um desenvolvimento equilibrado, voltado para atender às
necessidades básicas das classes trabalhadoras em termos de educação, saúde,
15
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1984-1987: Governo Leonel Brizola). Plano de
desenvolvimento econômico e social1984-1987, 1983: 11.
habitação, saneamento básico e transporte coletivo, procurando reverter o
cristalizado quadro de carências dos últimos anos.
16
Em seu Plano de Desenvolvimento, Brizola expõe que, para tanto, deve-se
mobilizar não apenas seu poder de investimento, mas também seu poder
normativo de planejamento, de incentivo indireto e de compras. Neste sentido,
adquirem importância estratégica: uma política de zoneamento urbano e
econômico, voltada para a desconcentração dos principais núcleos urbanos, tanto
em termos de controle imobiliário, quanto em termos econômicos; uma política
econômica que privilegie as micro, pequenas e médias empresas, estimulando o
emprego, o aperfeiçoamento tecnológico e o desenvolvimento do interior; uma
política de desenvolvimento regional que conceda prioridade ao interior do estado.
Dentro das diretrizes e metas políticas estabelecidas neste período (1984-
1987), a problemática urbana e regional do estado do Rio de Janeiro assume um
enfoque particular. As políticas urbanas devem estar subordinadas às perspectivas
de transformações sociais, traduzindo todo um esforço em promover a
redistribuição dos benefícios produzidos pelo estado, através da reversão do
processo de concentração capitalista, atividades e benefícios observados nas
décadas anteriores.
Em Setembro de 1983, Leonel Brizola divulga seu Plano de Desenvolvimento
Econômico e Social do estado, no qual as políticas urbanas seriam formuladas a
partir de iniciativas
17
que visassem:
a) Melhoria nas condições de vida das classes trabalhadoras, através da
oferta adequada de habitação, saneamento básico, transporte,
assistência médica, escolas, emprego e abastecimento alimentar;
16
Idem. Ibidem.
17
Estas iniciativas foram retiradas do próprio Plano de Desenvolvimento do Governo Brizola,
presente na bibliografia, para demonstrar o que na realidade pretendia esta gestão: 127-
135.
b) O controle do uso do solo urbano, visando conter a violência social
exercida pelos grupos de pressão monopolistas, através da especulação
das terras e imóveis;
c) Reconhecimento dos direitos dos que na terra habitavam e trabalhavam,
com atenção especial para as favelas;
d) Fortalecimento das economias locais, absorvedoras de mão-de-obra,
principalmente na periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e
cidades médias do interior, visando a reverter os processos de
polarização, concentração econômica e demográfica exercida pelo núcleo
metropolitano, responsável em parte, pelos desequilíbrios econômicos e
sociais observados;
e) Definição de critérios que contemplem adequadamente as formas de
adensamento populacional e intensificação no uso do solo urbano das
áreas já congestionadas, notadamente da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, tendo em vista a crescente inversão de recursos públicos e o
baixo retorno social;
f) Fortalecimento do Poder Municipal, dentro de uma estratégia de
desenvolvimento local e tendo por base as forças sociais e econômicas
ascendentes, através do estreitamento da cooperação entre Estado e
Municípios e os Municípios entre si;
g) O estabelecimento de bases claras de participação da comunidade na
formulação e acompanhamento das iniciativas governamentais, voltadas
para o desenvolvimento social urbano.
Para atingir tais metas o poder público, resumidamente, deveria:
- Impedir a desativação de usos produtivos, como o agrícola, pela
especulação;
- Garantir espaços de uso coletivo para equipamentos sociais;
- Preservar as condições ambientais vitais;
- Facilitar às camadas sociais menos favorecidas o acesso à terra
urbana.
Neste Plano de Desenvolvimento, é exposta a situação em que se encontra a
moradia popular. A falta de acesso à moradia em condições mínimas de dignidade,
é a maior demonstração de exclusão social de uma parcela imensa da população.
Este déficit habitacional crônico, enraizado na estrutura concentrada da propriedade
do solo urbano, deu lugar historicamente aos assentamentos populares autônomos,
em solos ocupados com autoconstrução, quase sempre fora de qualquer diretriz
comum, ou padrão urbanístico definido, e carente de infra-estrutura básica. A
autoconstrução é um processo que marca um modo de vida por permear quase
todas as esferas do quotidiano dos trabalhadores empenhados nela. Determina
também um modo específico de morar. De fato, do processo penoso, moroso e
descontínuo, resulta uma casa permanente inacabada e com precárias condições de
habitabilidade.
Este quadro, caracterizado pelo não atendimento à população carente em
favor das áreas privilegiadas, aliado à incompetência do setor público de oferecer
respostas e ações concretas, ofereceu bases suficientes para a reformulação total
da política habitacional e urbana para o período de 1984 a 1987. Esta política, de
acordo com o novo enfoque, estará voltada para o atendimento preferencial das
áreas carentes do Estado, privilegiando a regularização da situação quanto à posse
da terra e moradia junto com o saneamento básico. Esta etapa deve ser vista
também como geradora de empregos e como estímulo para o desenvolvimento das
economias locais.
Segundo João Trajano Sento-Sé, quando se tratava do tema habitação, lê-se
que o governo estadual assumia posição oficial de reconhecer os assentamentos
informais, aí compreendendo as favelas e, mais do que isso, considerar essas áreas
como prioridade para os programas de investimento, obras e serviços públicos.
Alegava-se que aí é que estavam as maiores concentrações de miséria urbana e daí
a necessidade de formular as políticas apropriadas.
18
No início da gestão de Leonel
Brizola, já se observa a instituição de alguns programas de ação, em áreas de
favela tais como: o “Cada Família, Um Lote”, voltado para a regularização fundiária;
o Proface, programa de construção de redes de água e esgoto nas favelas a ser
implementado pela Cedae; e o Projeto Mutirão, programa de melhorias de infra-
estrutura e equipamentos comunitários promovido pela Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social, que já existia e tomou novo impulso nesta fase.
O Programa “Cada Família Um Lote”
No Governo Brizola, uma das áreas mais privilegiadas foi a da habitação. A
Secretaria de Habitação e Trabalho, entregue ao ex-militante do partido comunista
Carlos Alberto Caó, lançou um projeto de assentamento urbano e rural, em vários
pontos do estado, na capital e no Grande Rio: o “Cada Família, Um Lote”. Em
entrevista ao autor João Trajano Sento-Sé, em 23/07/1996, o Secretário Caó expõe
alguns dos pontos básicos do programa:
No início de 1983, quando assumimos o governo, o
problema habitacional e de desenvolvimento urbano era,
sem dúvida, um elemento crítico, que estava claramente
colocado, tanto nos questionamentos que as camadas
médias faziam ao regime em declínio, quanto nos que o
povão também fazia. Do ponto de vista das camadas
médias, a política do BNH, que era órgão formulador e
executor da política habitacional, já tinha se esgotado. Já
não atendia às demandas das classes médias por
financiamentos em condições que ela pudesse pagar. Do
lado do povão, o que ocorria era a violência aberta,
encarada com remoção e conjuntos habitacionais de
qualidade extremamente precária. Havia àquela época,
alguns dogmas: 1. a habitação tinha que ser financiada a
preço de mercado; 2. o governo não podia subsidiar o preço
final da habitação popular; 3. a urbanização das favelas é
inviável. Nossa política foi construída exatamente em
resposta a esses três preconceitos. Não à remoção,
urbanização, não a preços de mercado. A prestação teria
que ser compatível com a capacidade de pagar desta
população que está na faixa de uns cinco salários mínimos.
Sim aos subsídios. Assegurara a moradia às famílias que
estão na faixa de pobreza e pobreza absoluta.
19
18
Idem. Ibidem.
19
SENTO-SÉ, Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 214-215.
a) Elaboração do Programa
O diagnóstico em relação à situação habitacional do estado indica como
causa deste quadro dramático o modelo de desenvolvimento distorcido e perverso
que teve como conseqüência, no estado do Rio de Janeiro, um déficit habitacional
significativo como foi dito anteriormente. Logo depois de empossado, o Governo
reconheceu como entidade de utilidade pública a Federação das Associações de
Moradores do Rio de Janeiro —Famerj, com vistas a facilitar e estimular a
aproximação das associações de moradores com órgãos do governo, participando
de programas governamentais, encaminhando propostas específicas.
No Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Estadual, para
o período de 1984/1987, o programa básico na área de habitação e
desenvolvimento urbano foi o “Cada Família, Um Lote”, através da cooperação do
estado com órgãos municipais e federais e colaboração da comunidade. A gestão
deste Programa ficou a cargo da então recém-criada Secretaria do Estado de
Trabalho e Habitação —SETH, ao passo que a Cehab era o órgão responsável por
sua implementação. Os procedimentos adotados para a regularização de favelas
eram diferenciados, dependendo da titularidade do imóvel em que se situava.
Segundo Rose Compans, se o levantamento junto ao registro de imóveis mostrasse
que a propriedade pertencia a particular, optava-se pela ação de desapropriação
por interesse social. Caso a propriedade fosse do estado ou do município, procedia-
se à transferência para o patrimônio do estado, e deste para a Cehab. Já se o
terreno pertencesse à União, solicitava-se ao órgão que detivesse a propriedade a
regularização da situação dos moradores. Paralelamente à pesquisa da propriedade,
a SETH realizava o contrato com a comunidade a ser beneficiada, o cadastramento
das famílias e a medição dos respectivos lotes a partir do levantamento
aerofotogramétrico. A transferência da propriedade da terra do Estado para os
moradores tinha como contrapartida o pagamento de uma quantia simbólica,
jamais ultrapassando a 15% do salário mínimo.
20
O Programa utilizou o sistema de
Contratos Particulares de Promessa de Compra e Venda entre cada morador e a
Cehab-RJ, sob orientação política da SETH. As condições de pagamento previam um
máximo de 48 prestações não reajustáveis.
O Programa “Cada Família, Um Lote”, foi o primeiro programa a ser
desenvolvido no Rio de Janeiro com fins de regularização fundiária em áreas
favelizadas. Foi sancionado pelo Governador Leonel Brizola, através da Lei nº 705,
de 21/12/1983, e pretendia repassar os lotes ocupados irregularmente a seus
moradores. O Programa visava à regularização da propriedade de lotes clandestinos
em todo o estado, que seriam urbanizados por etapas, até se transformarem em
bairros populares.
b) Metas do Programa
Segundo o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio
de Janeiro –1984/1987, as metas a serem atingidas pelo programa seriam:
- Promover a integração de infra-estrutura básica, regularização e
legalização de 400 mil lotes já ocupados, localizados em favelas e
loteamentos clandestinos, levando-os a uma satisfatória
urbanização;
- Promover a urbanização de 250 mil lotes na Região Metropolitana,
para receber a população sem moradia própria ou que vive em
áreas de urbanização impraticável;
- Desenvolver, nas mesmas condições, 150 mil lotes no interior
urbano e rural do estado;
- Desenvolver projetos para 200 mil novos lotes, que atenderão ao
crescimento vegetativo e à inevitável migração;
- Promover a melhoria de conjuntos habitacionais e completar seu
equipamento, de modo a melhorar as condições de vida de seus
habitantes;
20
COMPANS, R. A regularização fundiária de favelas no Estado do Rio de Janeiro, 2006: 46.
- Promover a construção de habitações rurais e urbanas, que
venham atender a demanda nas zonas rurais ou populações
deslocadas de forma emergencial.
Desta forma, o programa propõe-se a atingir a meta de 1 milhão de lotes
urbanos, suburbanos e rurais, ordenando e legalizando, promovendo a urbanização
e fornecendo materiais de construção e serviços mínimos indispensáveis. A
implementação do Programa “Cada Família, Um Lote” segue as seguintes
orientações:
- Preferência para áreas públicas em desuso e desocupadas,
cabendo à comunidade a construção de sua própria casa e aos
poderes públicos, a promoção da infra-estrutura e o apoio no
financiamento do material de construção;
- A localização para a construção de conjuntos, em áreas onde
esteja prevista a expansão da oferta de empregos, procurando-se
ainda, provê-las de equipamento social básico, transporte, etc.;
- Regularização da situação jurídica e fiscal das áreas faveladas e
dos loteamentos clandestinos e irregulares, junto às prefeituras
municipais, e aos registros de imóveis, permitindo aos
proprietários o registro dos terrenos em seus nomes e a
legalização das benfeitorias neles existentes;
- Deve-se proceder a um levantamento de estoque de lotes
urbanos vagos, ou seja, uma avaliação da disponibilidade de terra
urbana, seja para projetos de interesse social, seja para subsidiar
medidas que induzam sua ocupação, nos termos da legislação
vigente;
- A Cehab-RJ encarregar-se-á da produção e comercialização de
habitações destinadas às classes de baixa renda, melhoria e
complementação de conjuntos já existentes, bem como a
implantação de infra-estrutura e equipamentos necessários.
A seguir, é apresentado um fluxograma
21
do Programa “Cada Família, Um
Lote”, com o objetivo de melhor visualização das instituições e órgãos
colaboradores:
21
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote: 44.
Contato com
comunidade
Iniciativa da
Associação de
Mordores
Iniciativa
da
SETH
Abertura do
processo
Avaliação das
condões
habitacionais
Pesquisa de
propriedade
Cadastramento Medição
Plantas
aerofotograméti-
cas
Acordo do preço
por M2. Trabalho
em campo
Title
Name
Title
Name
Aprovação do des-
membramento da
gleba.
Ficha com dados
dos lotes e dos
posseiros
Confecção dos
contratos particu-
lares de promessa
de compra e venda
Solenidade de en-
trega dos contratos e carnês
de pagamento
Carnê quitado
Escritura
definitiva
Dificuldade para
encontar
certidão(s) com
dado(s)
impreciso(s)
Certio
com dados
precisos
Terrenos
municipais ou
estaduais
Averbação da
gleba no
R.I.
União
Negociação
Terrenos
privados
Terrenos
públicos
Termo de
transferência do
terreno p/ Cehab
Averbação da
gleba desmem-
brada no R.I.
Negociação
Desapropriação
Fluxograma do Programa CFUL
O governo Brizola viu na regularização fundiária, uma forma de se resolver,
a baixo custo, questões de urbanização fomentando a autoconstrução.
22
Por outro
lado, a complexidade do tema nos conduz a observar que muitos destes projetos
passem ao largo da titulação, ficando esta para ser resolvida pela informalidade que
já existe nestas localidades. O Programa “Cada Família, Um Lote” conferiu à
propriedade da terra o traço fundamental para a solução da questão da moradia; o
governo optou pela solução jurídica da regularização fundiária como a maneira de
se consolidar e elevar a qualidade de vida nos assentamentos existentes. Dentre as
práticas governamentais de manutenção de favelas, este programa se distingue dos
adotados em governos anteriores, pelo caráter amplo de suas propostas. Enquanto
o “Cada Família, Um Lote” abrangia a totalidade das áreas ocupadas irregularmente
no Estado do Rio de Janeiro, os demais programas se destinavam a casos
específicos.
23
No caso do município do Rio de Janeiro, onde o programa estava
concentrado, a Prefeitura trabalhou em relativa harmonia com o Estado, ocorrendo
uma unificação das verbas orçamentárias estadual e municipal, instrumento que
ficou conhecido como “caixa única”. Sem a contribuição de alguns órgãos da
prefeitura, a execução do programa se tornaria uma empreitada quase impossível,
tendo em vista a falta de diálogo do estado com órgãos federais, como o BNH.
Dentre as facilidades oferecidas pela prefeitura do Rio de Janeiro podemos
destacar:
- A rapidez nas aprovações de projetos de alinhamento e
loteamento especiais;
- Transferência de áreas municipais para o Estado (Cehab);
- Fornecimento de material técnico;
22
Ver DINIZ, E. O Programa “Cada Família, Um Lote”: uma nova forma de inserção da
Favela no espaço urbano, 1986.
23
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 18.
- Cadastros de favelas e loteamentos clandestinos e irregulares.
24
A condição inicial para que o programa atuasse numa determinada área era
a abertura de um processo na SETH, por parte da Associação de Moradores local,
onde deveria constar o interesse da comunidade em participar do Programa “Cada
Família, Um Lote”. Em seguida, a equipe da SETH marcava uma reunião com
grande parte dos moradores, para assim esclarecer o que é um título de
propriedade e para que serve, bem como as condições de pagamento e a forma de
trabalho do programa na favela.
25
Ao procurarem a SETH, as Associações de
Moradores já detinham algumas informações sobre a propriedade de sua área,
sabendo em geral, se era pública ou privada, dados fundamentais que orientavam a
pesquisa de propriedade feita em alguns órgãos públicos como o Instituto de
Planejamento do Rio de Janeiro —Iplanrio, Departamento de Edificações, Registro
Geral de Imóveis ou Patrimônio (estadual, municipal ou da União). A pesquisa de
propriedade é uma etapa fundamental para um programa de regularização
fundiária, pois determina sua viabilidade, visto que a titulação de uma favela
depende da propriedade da área por ela ocupada.
26
Paralelamente a esta pesquisa
de propriedade, os técnicos da SETH visitavam a favela para uma primeira análise
das condições locais de moradia, para que, desta forma, fossem excluídas do
processo de titulação as casas em péssimas condições.
27
No que concerne à documentação jurídica da área candidata à titulação, era
providenciado um Termo de Transferência de Propriedade para a Cehab-RJ. A
forma encontrada para a operacionalização deste programa foi a venda dos lotes
para os posseiros através de uma empresa.
28
Com os acertos políticos entre o
governo e a comunidade, bem definidos, tinha início o trabalho das equipes de
24
Idem: 50.
25
Idem: 47.
26
Idem: 51.
27
Idem: 58.
28
Uma vez que não compete ao Estado doar suas terras, segundo a Constituição Estadual.
medição e cadastro da SETH, em 1985.
29
Após o cadastramento dos setores que já
tinham sido medidos, o morador recebia a ficha de comprovação da inclusão no
programa.
30
Após esta etapa, deveriam ser feitas as fichas que serviriam de base
para a confecção dos contratos, também de responsabilidade da SETH. Nelas eram
registradas, além dos dados do morador a ser beneficiado, todas as informações do
lote, suas medidas, seu tipo de uso, confrontações, área e preço a pagar.
31
O
sistema usado pelo governo estadual para a titulação, foi o de contratos
particulares entre moradores e a Cehab, dispensando a utilização de cartórios, com
vistas a diminuir os custos, já que a Companhia funcionava como agente financeiro.
Quanto à forma de pagamento dos lotes, o Programa “Cada Família, Um Lote”
utilizou carnês, que deveriam ser pagos diretamente na Cehab. Após a quitação do
carnê e a regularização dos documentos no Registro Geral de Imóveis, se obtinha a
escritura definitiva do lote.
Antes de apresentar uma avaliação dos resultados do Programa “Cada
Família, Um Lote”, e do governo Leonel Brizola de uma forma geral, é necessário
expor, brevemente, alguns outros programas desenvolvidos nesta época, que
visavam a dar apoio e infra-estrutura ao programa principal, voltados para o
saneamento básico, para a educação, água e esgoto, luz e transporte.
Outros Programas do Governo Brizola: infra-estrutura
Ainda no início da gestão do governo Leonel Brizola, somados ao Programa “Cada
Família, Um Lote”, observa-se outros programas complementares, de infra-
estrutura, tais como: o programa da Companhia Estadual de Águas e Esgotos —
CEDAE, de construção de redes de água e esgoto nas favelas —Proface, os Centros
Integrados de Educação Pública —CIEPs e o Projeto Mutirão —programa da
Companhia Estadual de Águas e Esgotos, a CEDAE— da prefeitura do Rio de
29
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 65.
30
Idem: 70.
31
Idem: 72.
Janeiro, que visava à construção de redes de água e esgoto nas favelas, que
ganhou novo impulso nesta fase.
Primeiramente é preciso destacar como esta questão da infra-estrutura
aparece no Plano de Desenvolvimento Social e Econômico 1984/1987, para assim
descrever como estes programas atuaram dando suporte a um plano muito mais
ambicioso, voltado para a regularização de lotes do qual falamos anteriormente.
Ao observar a situação do sistema de esgotamento sanitário e pluvial, no Rio
de Janeiro, no início dos anos 80, pode-se destacar que sua insuficiência é
responsável pela maior incidência de degradação ambiental e é um dos elementos
mais importantes das altas taxas de doenças entre as populações que estão
diretamente expostas. A situação de esgotamento sanitário no estado do Rio de
Janeiro requeria um tratamento diferenciado, em função das diferentes situações e
padrões urbanos existentes. No governo Brizola, segundo o Plano de
Desenvolvimento, os recursos de investimento em saneamento básico de uma
forma geral, deveriam obedecer às seguintes diretrizes:
a) Adotar, preliminarmente, como critério de prioridade para atendimento à
população, o seu nível econômico, a concentração populacional e os usos
benéficos dos corpos receptores dos despejos;
b) Atender as áreas consideradas como prioritárias pelo Programa “Cada
Família, Um Lote”;
c) Considerar como específicas e prioritárias:
- As periferias urbanas de grande concentração populacional,
abrangendo áreas faveladas isoladas, que não disponham de
algum tipo de esgotamento sanitário, inclusive concentrações
formadas por domicílios sem instalações prediais de esgotamento
sanitário;
- Áreas urbanas, sem qualquer tipo de redes de densidades médias,
incluindo comunidades de pequeno porte, que disponham de
instalações prediais ligadas a fossas sépticas.
d) Em todos os casos de implantação e ampliação dos sistemas de
esgotamento sanitário deve-se buscar soluções baseadas em modelos de
tecnologia alternativa, simplificada, de baixo custo e fácil conservação.
Desta forma, é do início dessa gestão a instituição de alguns programas em
áreas de favela, voltados a dar apoio ao Programa “Cada Família, Um Lote”. Criou-
se assim, o Proface, em Julho de 1983, programa de construção de redes de água e
esgoto nas favelas a ser implementado pela CEDAE. Este projeto vitrine de
urbanização de favelas se destaca por dar aporte de infra-estrutura, no caso água e
esgoto, dando mais ênfase a programas setoriais. Aqui, optou-se por investimentos
setoriais progressivos, procurando-se estender os serviços públicos a todas as
favelas. O Proface significou uma mudança de postura da CEDAE e foi criado depois
de muita resistência por parte desta companhia. A CEDAE com essa nova postura
se abria às comunidades carentes e pretendia, assim, definir uma política de
atendimento à população favelada não mais como uma ação desordenada e
assistemática. A CEDAE pretendia, sobretudo, de forma integrada e prioritária,
prestar atendimento a todas as favelas, respeitando as áreas non aedificanti,
incorporando a participação da comunidade em todas as suas fases, integrando os
sistemas de saneamento das favelas aos bairros onde se localizam. Além disso, o
Proface visava a otimizar os investimentos através da integração com outros órgãos
envolvidos no processo.
32
O governo Brizola também ficou conhecido pela construção dos Centros
Integrados de Educação Pública - os CIEPs, escolas populares de ensino
fundamental e médio em que os alunos além da educação formal e apoio
pedagógico, receberiam também todas as refeições, do desjejum ao jantar. Tal
política ganhou tamanha popularidade, que os CIEPs receberam a alcunha de
Brizolões. Tais escolas foram situadas preferencialmente junto a regiões
densamente habitadas pelas classes populares, em zonas periféricas, em bairros
32
CARVALHO, R. A expansão de favelas na cidade do Rio de Janeiro: década de 80, 1996:
57-59.
pobres e favelas (tradicionais redutos eleitorais de Brizola). A construção dos CIEPs
foi sua principal bandeira política durante muitos anos. Estes centros foram
concebidos por Darcy Ribeiro, seu amigo pessoal e aliado político, então seu vice-
governador, e a concepção arquitetônica ficou a cargo de Oscar Niemeyer.
Certamente, foi no setor educacional que o governo Leonel Brizola procurou
efetivar as condições indicadas na primeira premissa: alta mobilização de recursos
em um projeto educacional alçado à condição de prioridade absoluta na política de
governo. A fisionomia dos CIEPs causou um grande impacto na opinião pública.
Projetado em linhas futuristas, causaram impacto justamente por encarnarem um
novo/moderno/futurista tipo de escola. Não só pelo aspecto físico do prédio, amplo
e de linhas arrojadas, mas também pela distribuição funcional do espaço, composto
por uma quadra poliesportiva, por um prédio hexagonal onde funcionava a
biblioteca e por amplos refeitórios, além das salas que compunham a parte interna
do prédio com capacidade para atender cerca de 500 crianças.
Outro programa que se destacou, apesar de já estar em curso, foi o Projeto
Mutirão —programa de melhorias em infra-estrutura e equipamentos comunitários
promovido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Nesta etapa do
programa, podemos destacar a adoção de mão-de-obra remunerada, que passaria
a coexistir com o trabalho não remunerado. Este programa estabeleceu como seus
objetivos as intervenções nos setores de esgoto sanitário, drenagem de águas
pluviais, melhorias das vias de acesso, criação de espaços destinados ao lazer e à
recreação, e a construção de equipamentos comunitários, como escolas, creches,
postos de saúde, entre outros.
33
O programa contava com a participação popular,
tanto nas fases de projeto, como naquelas de execução das obras, buscando o
fortalecimento da organização das associações de moradores. O Projeto Mutirão
recebeu apoio político-administrativo e grande reforço orçamentário, vindo a se
tornar o principal programa municipal de melhoria da qualidade de vida dessas
33
Idem: 60.
comunidades, acompanhando a onda de urbanização que estava sendo
desenvolvida no Rio de Janeiro, no governo Brizola.
34
Nesta etapa da pesquisa será avaliado o impacto do primeiro governo Leonel
Brizola, 1983/1987, tendo em vista os programas de reestruturação urbana, em
particular o Programa “Cada Família, Um Lote”, carro-chefe de sua gestão.
Resultados do Governo e Avaliação das Políticas Urbanas
Os novos instrumentos de política urbana, expressos na década de 80, foram
resultados, em primeiro lugar, da efetiva participação política dos segmentos
sociais organizados no processo constitucional, em suas diversas instâncias. A
entrada em cena destes novos sujeitos políticos tem colocado em evidência,
conflitos de interesses, até então não explicitados publicamente, exigindo da classe
política, eleita pelo voto direto, uma posição clara frente a estes. Segundo Lago:
Podemos dizer que a “retomada” do planejamento urbano
via planos diretores incorporou a visão política da questão
urbana, em contraposição à concepção tecnocrática, vigente
na década de 70. Portanto, as possibilidades de
implementação das novas leis estão condicionadas, entre
uma série de fatores, ao fortalecimento da institucionalidade
democrática.
35
Na década de 80, é possível observar neste país uma inflexão das taxas de
crescimento econômico que predominaram nas três décadas anteriores, tendo sido
um período particularmente desfavorável para a economia, numa fase conturbada
para a sociedade brasileira – a chamada “década perdida”. Conseqüentemente, é
possível julgar a partir dos fatores expostos ao longo do primeiro capítulo, que a
expansão das favelas ocorrida no Rio de Janeiro nesta década diz respeito, na
prática, ao empobrecimento, a variações no mercado imobiliário da cidade do Rio
de Janeiro. Cabe também acrescentar a revalorização do voto, em decorrência da
queda do regime militar e a reconquista da democracia, tendo como aspectos
34
Idem. Ibidem.
35
LAGO, L. Política urbana e a questão habitacional: novas tendências face à crise econômica
brasileira, 1992: 45.
principais: as eleições de 1982; os investimentos em infra-estrutura, feitos nas
favelas nesta década e; e a expansão da informalidade na economia.
No Rio de Janeiro, ao esvaziamento econômico já em curso, somou-se a
estagnação da economia nacional, que veio agravar o quadro local. Se a economia
brasileira foi mal na década de 80, a economia fluminense foi pior, tendo ocorrido
um retrocesso frente ao restante do país, que vivia um momento de alta inflação e
queda de investimentos sociais. Considerando a expansão das favelas na década de
80, relacionamos o fenômeno com mudanças no modo de produção capitalista, no
sentido da flexibilização, isto é, uma reestruturação econômica a partir do
fenômeno da globalização. Como conseqüência, as grandes cidades modificaram-
se, sendo a expansão das favelas uma de suas manifestações.
Reconhece-se sem dúvida, que a atuação do poder público, conforme
apontamos anteriormente, não só havia mudado de rumo, com a generalização da
proposta de urbanização das favelas e sua manutenção no mesmo local, como
também tinha se intensificado. De iniciativas isoladas e esporádicas, passou-se à
formulação de programas abrangentes e regulares. A institucionalização das
relações sociais, o sentimento de resistência, a valorização do espaço interno da
favela se sedimentaram com o passar dos anos.
36
No que concerne à origem dos
aglomerados urbanos de baixa renda, pode-se notar que enquanto as primeiras
favelas eram resultantes do parcelamento gradativo da área de crescimento em
etapas, chegando moradores de pouco em pouco, na década de 80, estas eram
resultantes de bem sucedidas invasões coletivas de terra. Alguns autores atribuem
essa mudança aos bons ares da democracia. Tendo o direito à terra sido importante
reivindicação dos movimentos sociais e de partidos como o PT e o PDT
37
, Lícia do
Prado Valladares argumenta que a maioria das favelas sofreu grande mudança na
década de 80. Com a chegada da luz, a CEDAE estendeu seu programa de
36
Idem: 61.
37
Ver VALLADARES, L. P. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com, 2005.
abastecimento de água e esgoto a um crescente número delas, e a coleta domiciliar
de lixo foi, aos poucos, sendo introduzida. Estes foram alguns dos resultados dos
programas de políticas de infra-estrutura, que davam suporte ao programa mais
abrangente voltado para a habitação.
38
Ao contrário dos sistemas políticos constituídos no período tecnocrático-
militar, todos fechados, sob a égide do planejamento racional de quadros técnicos e
treinados, o sistema inaugurado na década de 80 teve fixado seu operador
qualitativo: o governador. Todos os demais componentes estiveram em troca
permanente com o meio ambiente de acordo com a ordem circunstancial da opinião
pública, reflexo da atividade administrativa e da conduta moral de seus agentes.
Muitas autoridades envolvidas foram sacrificadas para a manutenção do sistema,
em função do desajuste entre suas práticas e as repercussões pretendidas na
opinião pública/publicada. Este novo sistema inaugurou uma aproximação direta
das autoridades administrativas em relação às massas, buscando uma identificação
de maior alcance do que objetivos pragmáticos, pois que, tenta-se “internalizar”,
em cada um de seus componentes, um sentido misto de solidariedade cristã, da
união socialista ideológica, da fraternidade liberal.
Os anos 80 da abertura política do Estado brasileiro encerram o período de
distanciamento entre o planejador técnico e o povo como objeto da ação ou
produto. A realidade administrativa, especialmente a urbana, impele à formação de
sistemas políticos abertos, construídos no cotidiano, na ação diária, na ampliação e
auto-regulação dos membros do sistema e no equilíbrio dinâmico. Como afirma
Lordello de Mello: “um dos compromissos fundamentais dos sistemas político-
administrativos é manter o equilíbrio entre interesses conflitantes, assegurando a
ordem dentro da desordem aparente ou efetiva”.
39
38
Ver VALLADARES, L.P. Governabilidade e Pobreza no Brasil, 1995.
39
MELLO, Diogo Lordello de. Moderna administração municipal. apud MORAES, Rodolfo
Pinheiro. Intervenções governamentais sobre movimentos de invasões de terrenos urbanos:
estudo de caso no município do Rio de Janeiro em 1983, 1988: 11.
Retomando a avaliação do primeiro governo Brizola no Rio de Janeiro, é
importante relembrar algumas mudanças no quadro político após sua eleição. As
eleições de 1982 conduziram Brizola novamente ao centro do poder
40
, sendo o
único governador eleito fora do circuito PMDB/PDS, e quebrando, no Rio de Janeiro,
a supremacia do antigo MDB, redefinindo, assim, o arranjo político estadual. Sua
vitória era encarada como a vitória do moderno, representado pelo “socialismo
moreno”
41
, alinhado à Internacional Socialista e à “revolução” social-democrata,
contra o atraso representado pelo chaguismo, pelo PDS e pelos comunistas do PCB
ligados ao PMDB. Como mostra Sento-Sé, a vitória de Brizola representava o
triunfo da memória do legado varguista e pelo revival do trabalhismo. Pode-se
dizer, após a releitura destes autores, que tradição e modernidade se fundiam em
uma mesma perspectiva promissora de mudanças e atendia pelo nome do líder que
seis anos antes recebera solenemente, o bastão trabalhista.
42
Quanto às políticas voltadas para a educação, a bandeira da construção
dos CIEPs colocou o governo Leonel Brizola como alvo de acusações divergentes:
ao mesmo tempo em que era criticado como “governo de uma obra só”, também
se denunciava o fato do governador não ter cumprido integralmente as metas
anunciadas.
43
Assim, nem o brilho intelectual de Darcy Ribeiro, nem os esforços
depositados na modernização do ensino público estadual foram suficientes para
garantir a continuidade do PDT no governo do estado do Rio de Janeiro. Venceria
o candidato da oposição, Moreira Franco, em parte por sua posição de oponente
do governo, o que lhe permitia tecer críticas às falhas mais evidentes e, ao
40
Leonel Brizola já fora Deputado Federal pela Guanabara, Secretário de obras, Prefeito de
Porto Alegre e Governador do Rio Grande do Sul.
41
Em artigo de 1984, Gláucio Ary Dillon Soares e Nelson do Valle e Silva chamam a atenção
para a importância do voto dos mulatos ao candidato do PDT, em contraste com a baixa
inclinação dos negros, que tenderam a se identificar menos com Brizola. Ver: SOARES,
Glaucio Ary Dillon. O discreto charme do socialismo moreno, 1985.
42
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio
de Janeiro, 1997: 252.
43
Ao final do Governo Brizola, a meta declarada de construir 500 CIEPs havia atingido
apenas um total de 117 escolas construídas no estado e na capital.
mesmo tempo, assumir o compromisso de dar continuidade aos projetos que
vinham tendo aprovação geral, como o Programa Especial de Educação.
O que é buscado nesta pesquisa são as ações e resultados do governo
Brizola. Para isso avaliaremos a seguir os efeitos e impactos das políticas urbanas
de habitação aqui descritas, nesta fase, com ênfase no Programa “Cada Família,
Um Lote”.
Resultados e avaliação do Programa “Cada Família, Um Lote”.
No artigo El programa “Un Lote para cada familia”: una evaluación preliminar,
44
Eli
Diniz se propõe a analisar em linhas gerais este programa e nos relata que no
período anterior a Brizola, já se podia observar uma mudança significativa na
orientação do estado em relação às favelas, que deixaram de ser erradicadas,
passando a predominar a idéia de que deveriam ser conservadas em seu local de
origem. Competia ao Estado atuar através de programas de urbanização para
oferecer às favelas serviços básicos de infra-estrutura principalmente água,
saneamento e luz. Porém, algumas divergências entre os governos do estado e do
município acarretaram a postergação da regularização da propriedade do solo por
um período. A autora nos relata que o governo anterior a Brizola até realizou
alguns feitos na tentativa de minimizar os problemas de infra-estrutura, o que nos
mostra que o governo Brizola não partira do zero ao priorizar a legalização da
propriedade da terra nas favelas e lotes irregulares. Brizola apenas deu
continuidade a uma discussão que, desde o início dos anos 80, vinha se
desenvolvendo dentro de alguns organismos oficiais.
O novo governo propunha a retomada da idéia de regularização jurídica da
propriedade da terra como ponto central da política habitacional para os setores
mais carentes da população urbana. Segundo Eli Diniz, este programa representou
o aprofundamento de uma linha reformista na formulação de políticas para as
favelas.
44
Trabalho apresentado no Seminário sobre habitação popular, baseado nos resultados de
uma investigação realizada no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro - Iuperj.
Porém, os resultados ficaram muito aquém do esperado.
45
Abre-se aqui, um
breve parêntese para relembrar algumas características do Programa. O Programa
“Cada Família, Um Lote” foi promulgado no âmbito do Plano de Desenvolvimento
Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro, sancionado pelo governador do
Estado, Leonel Brizola através da lei N° 705, de 21.12.1983, nove meses após sua
posse, encerrando-se no início do governo Moreira Franco em 1987.
46
O Programa pretendia promover a regularização fundiária como um primeiro
passo de atuação em áreas faveladas, ficando para uma etapa posterior a
implantação do saneamento básico. A regularização dos títulos de propriedade no
programa proporia a urbanização dessas áreas, visando à transformação destas
favelas em bairros populares. O Programa tinha como objetivo distribuir um milhão
de títulos de propriedade, porém, conseguiu entregar apenas 32.817 títulos em
todo o estado. Do total previsto, 400 mil títulos deveriam corresponder à
regularização de lotes, em favelas, que seriam urbanizadas por etapas, até se
transformarem em bairros populares. Ao final de 1986 somente 13.604 destes
títulos foram entregues nas 15 favelas da capital beneficiadas pelo Programa.
47
Segundo Compans, o maior equívoco do Programa foi, sem dúvida, o de
estabelecer metas muito ambiciosas para que seu cumprimento estivesse
subordinado, ora a uma difícil articulação intergovernamental, ora à tramitação de
ações judiciais de desapropriação. Embora eficaz por significar um modo coativo de
aquisição da propriedade, não podendo a ela se opor o expropriado e tampouco o
Judiciário, a desapropriação oferece muitas desvantagens relacionadas ao seu alto
45
Os resultados oficiais do Programa “Cada Família, Um Lote” estão documentados em
relatórios da SETH que constam de publicações da Secretaria de Planejamento do Estado,
onde se procurou fazer um balanço do desempenho do governo Leonel Brizola. Os dados
fornecidos por estes relatórios são baseados em informações da Superintendência de política
Habitacional - SPH da SETH.
46
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 8.
47
Idem: 79. Ver dados da Tabela 5.
custo e ao tempo de tramitação do processo.
48
A autora esclarece ainda que, isso
ocorre porque o expropriado poderá sempre contestar o valor da indenização paga
pelo Estado, recorrendo até a última instância de apelação judicial, já que nos
casos de desapropriação, a lei determina que a indenização seja paga pelo “justo e
prévio valor em dinheiro”, não se aplicando na regularização de favelas a
desapropriação com títulos da dívida pública resgatáveis em dez anos, conforme
previsto pelo artigo 182, § 4° da Constituição Federal.
49
Conseqüentemente, para
evitar que a ação se prolongue indefinidamente, o Poder Público negocia com o
expropriado o pagamento de importância superior ao real valor de mercado,
onerando sobremaneira o custo desta operação imobiliária, além de contribuir para
a elevação dos preços do mercado imobiliário como um todo, afirma Compans.
50
Visto isso, segundo dados da Superintendência de Política Habitacional - SPH
da SETH, até Outubro de 1985, haviam sido distribuídos apenas 32.817 títulos de
propriedade em conjuntos habitacionais, favelas e outras áreas ocupadas
irregularmente. Desse número, 31.084 títulos correspondem à área do Município do
Rio de Janeiro, sendo 18.443 relativos a conjuntos habitacionais e 12.641 relativos
a 14 favelas. Abaixo, apresentamos um levantamento da SETH, até Setembro de
1985, com o número de títulos distribuídos pelo Programa. Até Setembro de 1985,
foram entregues 32.716 títulos de propriedade. A tabela 3, referente à
regularização de propriedades e o número de títulos distribuídos por comunidade,
ilustra os dados acima:
48
Idem. Ibidem.
49
Idem: 47.
50
Idem. Ibidem.
Tabela 3
Programa “Cada Família, Um Lote” – Regularização de propriedades.
Levantamento até Setembro de 1985
Comunidade/Localização
Número de
Títulos
Distribuídos
Município do Rio de Janeiro
01. Gardênia Azul (Jacarepaguá) 963
02. Morro de Lagartixa (Barros Filho) 1.629
03. Cruzada São Sebastião (Gávea) 938
04. Vila Proletária da Penha (Penha) 2.187
05. Morro das Pedreiras (Acari) 2.278
06. Favela Joaquim Méier (Méier) 55
07. Rio das Pedras (Jacarepaguá) 266
08. Barro Vermelho (Grajaú) 149
09. Vila Maria (Bonsucesso) 162
10. Pavão-Pavãozinho (Copacabana) 541
11. Vila Kennedy (Senador Camará) 5.054
12. Vila Aliança (Bangú) 2.163
13. Borel (Tijuca) 1.956
14. Cantagalo (Ipanema) 700
15. Meringuava (Jacarepaguá) 45
16. Dona Castorina (Jardim Botânico) 252
17. Marquês de São Vicente I e II (Gávea) 354
18. Pio XII (Botafogo) 246
19. Santo Amaro (Glória) 227
20. Vila Isabel (Vila Isabel) 48
21. Canal do Cunha (Manguinhos) 1.400
22. Bairro Santa Margarida (Campo Grande) 1.175
23. Campinho (Campo Grande) 1.224
24. Av. Cesário de Melo, 5.580 (Campo Grande) 495
25. Favela Brás de Pina (Brás de Pina) 316
26. Vila Esperança (Jardim América) 464
27. Gleba I, J, K (Costa Barros) 2.041
28. Fazenda Botafogo (Acari) 3.440
29. Favela Brás de Pina (Brás de Pina) 316
Total 31.084
Outros Municípios
30. Vila Lage (São Gonçalo) 868
31. Porciúncula II (Porciúncula) 53
32. São Fidélis (São Fidélis) 79
33. Santo Antônio de Pádua (Santo Antônio de Pádua) 140
34. Vila Lage Segunda Fase (São Gonçalo) 240
35. Natividade II (Natividade) 88
36. Horto Botânico (Petrópolis) 220
37. Aterrado São Lourenço (Niterói) 45
Total 1.733
Fonte: SETH
No final do Governo, em 1986, segundo dados da SPH, o número de lotes
titulados em favelas do município do Rio de Janeiro era de 16.686, relativo a 25
favelas. O quadro a seguir permite observar o número de lotes titulados por favelas
no período de Dezembro de 1986.
Tabela 4
Número de Lotes Titulados por Favelas
Áreas / Favelas
Número
de Lotes
Titulados
Barro Vermelho 148
Tijuquinha (Meringuava/Jacarepaguá) 85
Lagartixa
1.629
Parque Proletário da Penha 2.122
Gleba J e K 794
Gleba I
1.197
Pedreira
4.106
Joaquim Méier 55
Rio das Pedras 766
Vila Maria
162
Pavão-Pavãozinho 432
Cantagalo
215
Céu Azul
337
Borel
1.951
Brás de Pina 275
CHP Andaraí 104
Parque da Cidade 317
Guarabu
340
Rio Pequeno 444
São José Operário (fase I) 327
Vila Canoas 93
CHP Cordovil 83
Falange
179
Ass. Serv. Municipais (Ilha do Governador)
212
Parque Aroeiras 165
Total
16.686
Fonte: SPH
Comparando os números de 1985 e 1986, tem-se respectivamente 12.641
títulos (contratos emitidos) em 14 favelas e 16.686 lotes titulados em 25 favelas.
No período de 14 meses, observamos que onze novas áreas foram tituladas e cerca
de 4.045 novos títulos lançados. Conforme já foi dito, o Programa “Cada Família,
Um Lote”, visava em quatro anos de governo a regularizar um milhão de lotes,
porém o Programa encerrou suas atividades com apenas 14 mil títulos entregues,
3,5% de seu objetivo concluído no tocante à regularização fundiária. Na tabela 5
51
pode-se observar com mais clareza a distribuição dos títulos durante os 4 anos de
governo.
Tabela 5
Cada Ano / Total de Lotes
Ano
Titulados em Favelas (%)
1983
21%
1984
30%
1985
31%
1986
19%
Segundo Diniz, observa-se certa imprecisão de informações quanto ao
número de títulos e propriedades distribuídos. Estes números ficaram muito aquém
das previsões anunciadas. Destaca ainda que as outras metas incluídas na proposta
de regularização da propriedade do solo foram postergadas em função da
impossibilidade de sua execução em decorrência da escassez de recursos. De
acordo com a SETH, apenas 67 comunidades foram assistidas pelo Programa de
favelas da CEDAE até Agosto de 1985.
52
Uma experiência significativa ocorre, neste período, com a criação do Núcleo
de Regularização de Loteamentos. Origina-se em uma iniciativa da Procuradoria
Geral do Estado, renovada com o primeiro governo Brizola, que estabelece um
fórum com a participação de representações do Movimento de Loteamentos e,
51
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 82.
52
Governo Leonel Brizola, Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Planejamento e
Controle. Bairros Populares e Favelas: propriedade do governo Brizola,1985.
posteriormente, com a adesão da prefeitura do Rio de Janeiro. O núcleo realiza o
cadastramento dos loteamentos e, com base na Lei 6.766, indicia o loteador
irregular, assegurando a interrupção do pagamento das prestações enquanto não
forem realizadas as obras e regularizado o assentamento.
De acordo com Diniz, a ineficácia no enfrentamento de problemas na área de
habitação para as camadas de baixa renda, no governo Brizola, se deu devido a um
enfoque unilateral sobre a crise. A autora nos mostra a necessidade de um enfoque
multidimensional integrando diferentes modalidades de políticas, para a superação
de algumas falhas na concepção dos programas. E no que concerne à
implementação dos programas, alerta para a necessidade de criar mecanismos que
permitam combinar a centralização da fase executora, estimulando um processo de
descentralização das iniciativas dos organismos governamentais e dos grupos
diretamente afetados por estas políticas, através da expansão da participação das
comunidades interessadas, aumentando a responsabilidade das organizações locais.
Portanto, foi a forma de implementação dos programas, do governo Brizola, que
gerou os próprios obstáculos à sua execução.
53
Apesar deste aumento da
responsabilidade das organizações locais, a autora destaca que não foram criadas
instâncias necessárias para viabilizar a participação das associações de moradores
nas etapas do processo de tomada de decisão, assim como, não se fortaleceram os
mecanismos de assistência técnica e de crédito que facilitariam a difusão destes
programas. De acordo com as palavras da própria autora: “Ao mesmo tempo em
que se enfatizou o objetivo de implantar um estilo na administração participativa,
mantiveram-se os traços centralizadores e personalistas da máquina burocrática,
que constituem um freio à participação”.
54
53
DINIZ, E. El programa “Un Lote para Cada Família”. Una evaluación preliminar, 1987: 43.
54
Nas palavras da autora, “Al mismo tiempo em que se enfatizó el objetivo de implantar un
estilo de administración participativa, se mantuvieron los rasgos centralizadores y
personalistas de la maquinaria burocrática, que constituyen um freno a la participación”.
Idem: 44.
Com a mudança do governo do estado, em 1987, o programa “Cada Família,
Um Lote” foi extinto, e o Proface foi substituído pelo programa de Saneamento para
Comunidades de baixa Renda Sanear, cuja prioridade era o esgotamento
sanitário para a Baixada Fluminense, o que deixaria em segundo plano a
implantação de redes de água em favelas.
55
Considerações Finais
No início dos anos 80, depois da falência das políticas de remoção e recolocação de
moradores para a periferia da cidade, as favelas passaram a ser palco de projetos
de urbanização que, muitas vezes, faziam parte de uma política governamental
maior. No Rio de Janeiro, foi eleito para o governo estadual o partido e o candidato
que trouxeram, na sua plataforma política, maior comprometimento com as classes
de baixa renda da sociedade. No discurso de Leonel Brizola, a mudança de conduta
do governo em relação à comunidade deveria começar pelo respeito aos direitos
humanos em todos os níveis, particularmente no que diz respeito à segurança do
cidadão comum.
Para descrever este período, neste capítulo, foram abordados: o período das
invasões; objetivos do governo Brizola; os Programas de seu governo, com ênfase
no Programa “Cada Família, Um Lote”; os resultados do governo e avaliação das
políticas urbanas, através da observação dos resultados do Programa “Cada
Família, Um Lote” e de outros programas de infra-estrutura, entre os anos de 1983
e 1987.
O programa “Cada Família, Um Lote” pretendeu dar um tratamento
igualitário e único para todas as áreas faveladas do Estado. Contudo, é difícil tratar
a questão da favela como uma questão global. É preciso levar em conta os
desempenhos particulares de indivíduos, de políticas específicas, e de
circunstâncias históricas que podem por ventura resultar em respostas positivas
55
IUNG, M. G. A participação social e as políticas públicas. O exemplo do Prosanear-RJ,
2003: 91.
para o problema. Este é o caso do “cada Família, Um Lote”, onde os técnicos do
programa atuaram diretamente com a população favelada, adquirindo, a partir
dessa prática, um poder de interferência e determinação no curso da política do
programa.
56
Como foi destacado na etapa anterior, o governo Brizola viu na
regularização fundiária, uma forma de se resolver, a baixo custo, questões de
urbanização fomentando a autoconstrução.
57
Por outro lado, a complexidade do
tema nos conduz a observar que muitos destes projetos passem ao largo da
titulação, ficando esta para ser resolvida pela informalidade que já existe nestas
localidades. O Programa “Cada Família, Um Lote” conferiu à propriedade da terra o
traço fundamental para a solução da questão da moradia; o governo optou pela
solução jurídica da regularização fundiária como a maneira de se consolidar e
elevar a qualidade de vida nos assentamentos existentes. Vale relembrar que
dentre as práticas governamentais de manutenção de favelas, este programa se
distingue dos adotados em governos anteriores, pelo caráter amplo de suas
propostas. Enquanto o “Cada Família, Um Lote” abrangia a totalidade das áreas
ocupadas irregularmente no Estado do Rio de Janeiro, os demais programas se
destinavam a casos específicos.
58
As dificuldades de implementação dos programas, de ordem técnica, política,
institucional, burocrática e administrativa, criaram verdadeiros impasses, resultado,
na maioria dos casos, da falta de planejamento dos programas e da improvisação
própria de um governo sem recursos materiais. Faltava ao governo uma máquina
administrativa capaz de fornecer os dados necessários à execução do trabalho,
resultando num atraso irreparável na execução dos programas, em particular no
56
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 2006: 96.
57
Ver DINIZ, E. O Programa “Cada Família, Um Lote”: uma nova forma de inserção da
Favela no espaço urbano, 1986.
58
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 18.
Programa “Cada Família, Um Lote”. Neste Programa, os projetos tinham como pré-
requisito obras extensas de urbanização, exigindo grandes investimentos fora das
possibilidades do estado e da SETH, que acabou por desistir de avançar na
regularização fundiária. Somados a estes fatores, acrescentamos alguns problemas
técnicos como o complicado processo de levantamento e medição de favelas, lote
por lote, e a dificuldade na titulação de certas áreas devido à indefinição quanto a
certos aspectos do direito de propriedade, sem falar da gravidade da questão da
prática de aluguel em favelas. Acrescentamos ainda, que a titulação permitiria uma
liquidez na comercialização com lotes, estimulando os moradores a adquiri-los com
vistas ao mercado futuro. Um dos principais problemas do Programa “Cada Família,
Um Lote”, foi o fato do governo não exercer nenhum tipo de controle do uso do solo
de forma a manter de pé seu objetivo de oferecer aos favelados um caminho para a
sua cidadania.
É fundamental destacar aqui que o Programa “Cada Família, Um Lote”,
apesar de seu insucesso, inovou em um tipo de intervenção estadual, fornecendo
novos subsídios para a reflexão sobre o problema das favelas no Rio de Janeiro. As
metas não foram alcançadas e isso, conseqüentemente, refletiu-se nas eleições de
1986, como será exposto no próximo capítulo, dedicado ao governo Moreira Franco.
Confirma-se, desta forma, que a via do voto como resposta popular ao Programa
“Cada Família, Um Lote”, forneceu um resultado abaixo das expectativas do
governo do estado.
Capítulo 3
O governo Moreira Franco: início da descontinuidade de programas
habitacionais no estado e cidade do Rio de Janeiro (1988-1991)
O estado do Rio de Janeiro apresenta considerável insuficiência de habitação,
sobretudo de natureza popular. Ao observar os dados constantes do Censo de
1980, pode-se estimar que somente o crescimento vegetativo da população urbana
gera uma necessidade anual de cerca de 50 mil habitações, e acrescenta-se a esta
necessidade, as migrações, a questão da qualidade das habitações em si e as
condições urbanísticas do seu entorno. Desta forma, uma análise crítica da
experiência acumulada pela ação do Estado nessa área, permite-nos verificar que o
modelo habitacional adotado no país, nos últimos 20 anos, reduziu o problema a
uma questão de compra de um imóvel construído, ganhando preponderância o
aspecto da construção. A experiência mostra que o acesso à habitação é um
processo gradativo e que grande parte dos problemas enfrentados pela política
habitacional de interesse social surgiu por não se ter considerado as necessidades
dos moradores em relação ao acesso aos centros de emprego e aos equipamentos
urbanos; a custos compatíveis de transporte; aos custos de extensão da infra-
estrutura urbana e a conjuntos habitacionais muito afastados da malha urbana
consolidada.
A Companhia Estadual de Habitação Cehab-RJ, responsável por
praticamente toda programação habitacional do Estado, paralelamente ao quadro
apresentado, enfrentava uma situação interna difícil devido ao elevado nível de
endividamento decorrente da necessidade de financiar suas atividades operacionais
e suas elevadas despesas de custeio. Contudo, com o agravamento do quadro, na
década de 80, iniciou-se uma reestruturação organizacional, objetivando a
necessária adequação da empresa à implementação de um Programa Habitacional
Popular no Estado, que, em estreita cooperação com os órgãos de planejamento
estadual e municipal, permitiria aprimorar a aplicação dos recursos governamentais
na área. Consultando os dados referentes à produção habitacional para a faixa de 0
a 5 salários mínimos da Cehab-RJ, podemos observar na década de 80, uma queda
na ordem de 73,41% em relação à década de 70, o que certamente colaborou para
a retomada da expansão das favelas. Em contrapartida, a Cehab-RJ pode ser vista
como conseqüente falência da solução conjuntos habitacionais, largamente adota
na década de 80, em especial a partir do ano de 1983. O quadro abaixo ilustra a
produção da Cehab-RJ, traçando uma perspectiva de evolução urbana no Rio de
Janeiro, nas décadas de 60, 70 e 80.
Tabela 6
Produção Cehab - RJ – décadas de 60, 70 e 80.
Discriminação Cronologia
Produção da Cehab-RJ
Variação (%)
1965/1969 34.873 -
1971/1979 27.983 -19,75
1980/1989 7.440 -73,41
Fonte: Perspectivas de Evolução Urbana no RJ. 1992 -
Carvalho Hosken.
1
Contexto das Eleições para governador do estado do Rio de Janeiro (1986)
A Cehab-RJ é uma sociedade por ações, órgão da administração indireta do estado
do Rio de Janeiro vinculado à Secretaria de Habitação e Assuntos Fundiários —
Sehaf. Contudo, após a extinção do banco nacional de habitação em 1986, a
empresa passou a operar com programas alternativos, não construindo diretamente
as unidades habitacionais, operando basicamente, com repasses dos recursos dos
governos federal e estadual para as empreiteiras e administrando e
supervisionando a execução das obras.
2
1
Tabela retirada de CARVALHO, R. A expansão de favelas na cidade do Rio de Janeiro:
década de 80, 1996: 86.
2
ARAÚJO, A. A política habitacional a partir de 88: a ação da Cehab-RJ em Angra dos Reis e
a estratégia de intervenções dos assistentes sociais, 1997: 19.
Em função destes problemas, as eleições de 1986 tomaram um novo rumo.
Na escolha do sucessor de Brizola, agora candidato da situação, uma ampla e
heterodoxa frente de partidos viria a apoiar o candidato do PMDB de oposição em
nível estadual. O partido do candidato Moreira Franco viria a obter um percentual
de votos não muito distinto do PDT, na Assembléia Legislativa do Rio. Porém, na
disputa pelo governo do estado, Moreira Franco saiu vencedor. Contra Brizola havia
denúncias a vários órgãos de sua administração. Denúncias de superfaturamento
no programa de encampação de empresas de ônibus, de superfaturamento do valor
de áreas adquiridas pelo programa “Cada Família, Um Lote”, de rombos no Banco
do Estado do Rio de Janeiro —Banerj, e denúncias que relacionavam o governo do
estado à contravenção e ao crime organizado.
3
Como foi dito anteriormente, nas eleições estaduais de 1986, Leonel Brizola
enfrentaria a disputa como candidato da situação, o que não se confirma no âmbito
nacional, onde permanecia na oposição. Neste ano, o Presidente José Sarney
gozava de uma enorme popularidade desde a decretação do Plano Cruzado
4
.
Brizola fora um crítico duro ao plano, indo contra boa parte da opinião pública. Após
diversas tentativas mal sucedidas de coalizão PMDB/PDT por parte de ambos os
candidatos, o PDT indicou Darcy Ribeiro, enquanto o aliado do governo central, do
PMDB, escolhido para derrotar o brizolismo, foi Moreira Franco.
5
À medida que as
campanhas avançaram podemos identificar a ineficácia do discurso contra Sarney e
a favor das parcelas mais pobres da população, como havia feito na disputa
anterior. Sob o olhar desconfiado da mídia e da classe média, Brizola sucumbiu
diante do discurso da oposição, baseado na necessidade de promover um governo
eficiente, política e tecnicamente, sob o comando de um candidato que governaria
3
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 278.
4
O Plano Cruzado congelara preços e ampliara a capacidade de consumo da classe média
baixa e da classe baixa, de maneira inédita.
5
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 280.
para todos, sem distinção de classes. Com este discurso, Moreira Franco liderou
todas as pesquisas de intenções de voto, sendo considerado o único candidato a
apresentar uma proposta de governo articulada e de acordo com as expectativas do
eleitorado fluminense.
6
Segundo a página do PDT na WEB, no final de seu primeiro governo no Rio,
Brizola dá mais uma prova de coerência: em março de 1986, apenas seis dias após
a edição do “Plano Cruzado”, ele condena, como presidente nacional do PDT, em
cadeia nacional de rádio e televisão, a política econômica de José Sarney, que
pretendia acabar com a inflação por decreto, lançando o “Plano Cruzado” que, na
opinião de Brizola, não passava de uma estratégia eleitoral. “Tudo isso são votos,
votos e mais votos”, disse Brizola, explicando que a inflação “irá voltar com mais
força, como volta uma mola que é comprimida contra a parede”. O alerta solitário
de Brizola àquela altura, às vésperas das eleições de governadores, deputados e
senadores nem mesmo os demais partidos de oposição ousaram levantar a voz
contra as medidas de Sarney– seria amargamente lembrado pelo povo brasileiro
logo nos primeiros dias após a contagem dos votos das eleições de outubro, quando
o congelamento de preços foi suspenso e os índices inflacionários subiram
vertiginosamente. Ferozmente atacado pela mídia, impedido pelo TSE de se
apresentar no horário eleitoral gratuito do PDT, Brizola vê o seu candidato ao
governo do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, perder a eleição para o candidato
governista – Moreira Franco, que apelidara de “Gato Angorá”. A Justiça Eleitoral,
por conta do recadastramento, substituiu os velhos títulos eleitorais pelos novos,
sem foto ou assinatura, dando um número a cada eleitor – procedimento que
permitiu, 10 anos depois, em 1996, a introdução nas eleições brasileiras das urnas
6
Idem: 282.
eletrônicas que o TSE dizia serem 100% seguras – apesar de serem “infiscalizáveis”
e “inauditáveis”.
7
No contexto de 1986, nas disputas estaduais estavam sendo eleitos os
membros da Constituinte que definiria o novo modelo institucional brasileiro.
8
Nas eleições de 1986, Moreira Franco saiu vitorioso com uma vantagem
expressiva se comparada a de Brizola, nas eleições anteriores. Moreira Franco
alcança 49,35% dos votos, contra 35,88%, do candidato pedetista Darcy Ribeiro.
Se comparadas ao ano de 1982, as eleições de 1986 representaram um péssimo
desempenho do candidato Darcy Ribeiro em todo o estado, inclusive na capital.
Abaixo, na tabela 7, é possível constatar onde o PDT perde seus votos em todo o
estado, comparando as eleições de 1982 e 1986.
Tabela 7
Porcentagem de votos dos candidatos do PDT, Leonel Brizola e Darcy
Ribeiro, às eleições de 1982 e 1986, por região fluminense.
9
d
Candidatos/
Ano das
eleições
Capital Zona
Oeste
Baixada
Fluminense
Noroeste
Fluminense
Norte
Fluminense
Região
Serrana
Baixadas
Litorâneas
Médio
Paraíba
Cent
Flu
m
Leonel
Brizola/ 1982
44,1% 56,18% 42,57% 17,66% 31,11% 16,59% 20,4% 22,35% 18,9
6
Darcy
Ribeiro/
1986
38,4% 57,92% 45,83% 4,14% 8,08% 9,02% 7,12% 14,71% 7,96
%
Segundo Sento-Sé, em 1982, Moreira Franco teve ótimo desempenho em
quase todas as regiões citadas acima, com exceção do centro-sul fluminense
10
,
portanto bastava muito pouco para que o candidato do PMDB obtivesse a vitória em
1986, como se observa na tabela abaixo:
Tabela 8
7
Página do PDT na WEB: Hhttp://www.pdt-rj.org.br/primeirapagina.asp?id=260H, acesso
em 10/09/2007.
8
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 285.
9
Dados retirados de SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do
brizolismo no Rio de Janeiro, 1997: 286.
10
Idem. Ibidem.
Porcentagem de votos de Darcy Ribeiro e Moreira Franco por região (1986)
11
Candidato / Regiões
Capital
Bairros de menor poder
aquisitivo
Bairros da Zona Sul
Moreira Franco
45,23% 43,41% 57,15%
Darcy Ribeiro 38,4% 39,30% 25,21%
Através da tabela 8 é possível constatar que o PDT, e conseqüentemente
Brizola e Darcy Ribeiro, perdem substanciosamente os votos da classe média, em
decorrência do espectro da violência e da desordem, que tanto marcaram o período
anterior. Nas eleições de 1986 para governador do estado do Rio de Janeiro, a
soma dos votos dos dois primeiros colocados alcançou em todas as áreas do estado
mais do que 80% dos votos. Nesta disputa o brizolismo saiu derrotado e Moreira
Franco assume o governo em 1987.
12
Diretrizes do Governo Moreira Franco: Habitação
Aqui, vale traçar algumas das principais diretrizes do governo Moreira Franco,
voltadas para a questão da habitação, retiradas do seu Plano de Desenvolvimento
Econômico e Social 1988-1991:
13
a) Tratar a questão habitacional associada ao quadro geral do
desenvolvimento urbano, integrando a programação habitacional
às programações setoriais, especialmente a de transporte urbano e
saneamento, observadas as diretrizes de ocupação do solo dos
municípios e regiões;
b) Considerar o acesso à habitação não apenas como a obtenção de
um produto acabado (moradia construída na forma tradicional pelo
SFH), mas também como um processo gradativo de ascensão a
instalações maiores e mais confortáveis, de forma a conceber
11
Idem. Ibidem.
12
Idem: 287.
13
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1988-1991: Governo Moreira Franco). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1988-1991/ Estado do Rio de Janeiro, Governo Moreira
Franco, 1987.
outra modalidade de atendimento, tanto em termos jurídicos,
como em termos de construção;
c) Considerar prioritários os programas destinados às famílias de
menor renda, procurando uma atuação integrada que associe a
estes programas outras ações visando à geração de emprego e
renda;
d) Estimular a participação individual e comunitária na solução do
problema habitacional e promover a descentralização da execução
dos programas através das administrações municipais e da
iniciativa privada;
e) Adequar a propriedade imobiliária urbana à sua função social;
f) Simplificar os procedimentos burocráticos para o financiamento de
habitações;
g) Identificar os estoques de terrenos públicos (União, estado e
municípios), dando prioridade ao seu aproveitamento nas várias
modalidades de programas habitacionais;
h) Adotar, em conjunto com as administrações municipais, medidas
que visem a evitar a proliferação de situações irregulares, bem
como regularizar as existentes, tanto no aspecto fundiário como no
urbanístico.
Vale destacar, no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social de seu
governo, como os assuntos fundiários e assentamentos humanos, por área de
atuação, programas e metas, seriam tratados:
14
Conhecimento fundiário: conhecimento da realidade sócio-econômica e fundiária
do estado do Rio de Janeiro.
1) Levantamento das terras ociosas públicas e particulares.
2) Levantamento de favelas, loteamentos irregulares e conjuntos
habitacionais ocupados.
14
Idem: 82-83.
3) Cadastro dos sem-terra urbanos.
4) Zoneamento fundiário.
5) Cadastro de imóveis passíveis de utilização em projetos de
assentamento.
6) Cadastro de conflitos.
7) Estudo dos assentamentos rurais e revisão de módulos.
8) Inscrição, seleção e cadastramento de trabalhadores sem-terra para
projetos de assentamento.
9) Pesquisa sobre movimentos migratórios e mobilidade social no estado do
Rio de Janeiro.
Ação fundiária em áreas urbanas e rurais:
1) Regularização jurídica das terras urbanas em conflito.
2) Propositura de ação discriminatória e usucapião especial.
3) Regularização das áreas dos loteamentos irregulares e conjuntos
habitacionais ocupados.
4) Prosseguimento das ações expropriatórias.
5) Auxílio de financiamento ao direito de preempção.
6) Arrecadação de imóveis abandonados.
7) Fiscalização de contratos de imóveis públicos; de aquisição de imóveis
por estrangeiros, das relações contratuais agrárias; concessão de terras
ao trabalhador rural da agroindústria canavieira.
Projetos especiais urbanos:
1) Obtenção de lotes e/ou moradia com recursos reembolsáveis.
2) Política preventiva para deslocamento de população.
3) Apoio técnico/ escritórios itinerantes.
4) Projeto Niterói.
5) Projeto Rio das Botas.
6) Favelas de Petrópolis.
7) Favelas de São João de Meriti.
Desenvolvimento de assentamentos humanos:
1) Apoio aos desabrigados via fornecimento de embriões habitacionais.
2) Projetos físicos denominados Planos de Massa.
3) Projetos geradores de emprego e renda.
Apoio social aos assentamentos rurais:
1) Apoio à organização comunitária.
2) Suplementação alimentar.
3) Formação de agentes de saúde.
4) Montagem de unidades de saúde e atendimento.
5) Hortas medicinais.
6) Atenção odontológica.
7) Educação profissionalizante geradora de renda.
8) Educação informal.
9) Educação pré-escolar.
Desenvolvimento da produção e da infra-estrutura nos assentamentos
rurais:
1) Proposição de formação de patrulha mecanizada; assistência técnica e
extensão rural; análise, correção e adubação de solos; controle
fitosanitário; armazenagem e comercialização; apoio à produção animal;
cooperativação; beneficiamento.
2) Planejamento da ocupação do solo agrícola; eletrificação rural construção
de habitações rurais; abastecimento de água e esgoto.
Programas Habitacionais e Áreas de Atuação do Governo
Tendo em vista que estas são as diretrizes do governo Moreira Franco, a
programação de habitação compôs-se de três áreas de atuação e seis programas,
bem descritos em seu Plano de Desenvolvimento:
Área I: Urbanização de áreas.
O governo do Estado tinha em mente ampliar o atendimento habitacional à
famílias de menor renda, através de uma ação integrada e diversificada em
projetos de lotes urbanizados e de implantação de infra-estrutura, fazendo-se
necessário criar mecanismos de oferta a custos acessíveis a essa população de
menor poder de compra.
Programa I: Lotes urbanizados e financiamento de materiais.
Este programa, destinado à população de baixa renda, tem como objetivo a
ampliação do atendimento habitacional, através da urbanização de áreas e do
financiamento de materiais de construção. As áreas para a implantação incluem
aquelas loteadas irregularmente que se caracterizam pela ausência de serviços
públicos essenciais. O programa, a ser financiado pela Caixa Econômica Federal,
consiste na construção de unidades sanitárias e na execução de obras de infra-
estrutura de urbanização para 15 mil lotes, assim como no financiamento para
aquisição de material de construção para 8 mil unidades habitacionais a serem
ampliadas, melhoradas ou construídas pelos próprios beneficiários.
Área II: Construção e recuperação de unidades habitacionais.
Para atender à demanda habitacional das populações de baixa renda, faz-se
necessário a oferta de novas unidades habitacionais, evitando a construção de
conjuntos habitacionais excessivamente uniformes e isolados, como foi feito
anteriormente, priorizando o aproveitamento dos vazios urbanos já dotados de um
mínimo de infra-estrutura. Desta forma, evitando projetos custosos de urbanização
e transporte para os futuros moradores. Os programas desta área devem melhorar
as condições de habitação vigentes, através da construção ou recuperação de
unidades, visando ao bem-estar dos moradores, e à diminuição da inadimplência
dos beneficiários junto a Cehab-RJ.
Programa II: Construção de unidades habitacionais.
Este programa pretende atender o segmento populacional com renda inferior
a 5 salários mínimos, através da construção de núcleos residenciais de natureza
popular. Objetiva a construção de 100 mil unidades habitacionais e respectivas
obras de infra-estrutura de urbanização, financiadas pela CEF e executadas pela
Cehab-RJ. Parte destas unidades (22,4%) seria implantada em propriedades da
Cehab-RJ, em todo estado do Rio. Dentro deste programa estão previstos
atendimentos com as prefeituras municipais, visando à realização de vistorias,
objetivando detectar as necessidades dos municípios em termos de construção
habitacional e infra-estrutura, no perímetro fora das sedes municipais, a fim de
reduzir as correntes migratórias desordenadas para os grandes aglomerados
urbanos.
Programa III: Programas emergenciais
O programa pretende dar continuidade às ações anteriores com a conclusão
de obras e previsão de novas construções, totalizando cerca de 7 mil unidades
habitacionais e respectivas obras de urbanização e infra-estrutura, em áreas e
núcleos habitacionais com necessidades específicas e de caráter emergencial. Além
disso, está prevista a construção de cerca de 4 mil unidades novas, resultantes de
estimativas quanto à existência de outras situações que exijam soluções de
emergência.
Programa IV: Recuperação de conjuntos habitacionais.
Observa-se, nos conjuntos habitacionais, em razão do tempo decorrido
desde a construção, o aceleramento do desgaste das edificações, acarretando
descontentamento de seus moradores e a dilapidação do patrimônio da Cehab-RJ.
Nesse sentido, o programa a ser financiado pela CEF, tinha em vista dar
continuidade à recuperação de 34 conjuntos habitacionais da Cehab-RJ, na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, executando obras similares em outros 45 núcleos
de habitação popular a serem definidos.
Área III: Reestruturação operacional da Cehab-RJ.
Responsável por programas de reestruturação organizacional de diversos
setores, a Cehab-RJ tem como foco principal a adequação de sua estrutura à
implementação de um programa habitacional eficiente para o estado. Logo, faz-se
necessário pôr em prática, mudanças de caráter operacional que permitam o
aperfeiçoamento das atividades administrativas relacionadas com a regularização
jurídica de seus imóveis e possibilitem a adequação e o reaparelhamento da infra-
estrutura física da Companhia.
Programa V: Regularização e legalização.
Este programa prevê a reestruturação de atividades operacionais da Cehab-
RJ de forma a agilizar a regularização de lotes e a garantir a posse e propriedade
destes aos segmentos populacionais de menor poder aquisitivo, diminuindo as
tensões sociais, acelerando o processo de legalização de unidades habitacionais,
cumprindo as formalidades legais pertinentes à aquisição daquelas unidades
integrantes de conjuntos residenciais da Companhia. Desta forma, o programa tem
em mente a regularização fundiária de 90 mil lotes situados em áreas do Estado ou
município e que foram objeto de incorporação ao patrimônio da Cehab-RJ, bem
como a legalização de 55 mil unidades habitacionais já construídas e parte daquelas
a serem realizadas pela Companhia em todo o estado do Rio.
Programa VI: Construção da sede da Cehab-RJ.
O programa, a ser financiado pela CEF, prevê a construção da sede própria
da Cehab-RJ, face à necessidade de dispor de uma estrutura operacional adequada
às atividades desenvolvidas pela Companhia, que se encontram significativamente
prejudicadas em razão da dispersão de suas unidades administrativas e das
condições precárias dos imóveis e instalações, ora ocupados.
Vale a pena destacar que a Cehab–RJ até agora adotara alguns critérios para
a classificação inicial de candidatos no sistema de inscrição e classificação aberta ao
público em caráter permanente. Para a classificação inicial era observada a
seguinte ordem de prioridade:
15
- Maior número de componentes familiares;
- Maior número de famílias residentes no mesmo imóvel;
15
ARAÚJO, A. A política habitacional a partir de 88: a ação da Cehab-RJ em Angra dos Reis e
a estratégia de intervenções dos assistentes sociais, 1988: 22.
- Imóvel cedido prevalece sobre o alugado e este sobre o de
propriedade do candidato;
- Ser sindicalizado;
- Ser ex-combatente;
- Menor de idade inscrito.
De acordo com Andréa Araújo, o que se observa é que estes critérios muitas
vezes foram burlados em nome dos interesses de diversos políticos e de pessoas
nomeadas para ocupar casos comissionados. Desta forma, a máquina pública era
utilizada para perpetuar seus “currais eleitorais” e seus funcionários recorriam a
meios ilícitos de comercialização de unidades habitacionais.
16
Objetivando corrigir
estas irregularidades em 20 de Setembro de 1990, o então governador W. Moreira
Franco, através da Lei 1710, determinou a obrigatoriedade do sorteio público de
lotes e casas populares pelo governo do Estado, via loteria oficial. Contudo, esta
medida não alterou a situação, favorecendo ainda mais à interferência dos
objetivos eleitorais do Sistema de Habitação Popular.
Na primeira gestão de Brizola, o quadro funcional quadriplicou, chegando a
atingir 2000 funcionários efetivados sem concurso público. Já no governo Moreira
Franco, a empresa demitiu um grande número de funcionários, porém mudara sua
função, agora sendo reduzida a mero órgão fiscalizador de alguns programas
habitacionais que não se concretizam, confirmando ainda mais sua utilização para
fins políticos eleitoreiros.
17
Na esfera nacional, vale destacar que, em 1989, todos os financiamentos
através do Sistema Financeiro de Habitação foram suspensos por tempo
indeterminado. Neste período, a política habitacional para a população de baixa
renda ficou reduzida à instituição do mutirão e da autoconstrução, e os programas
alternativos foram substituídos pelo programa Nacional de Mutirões Habitacionais.
16
Idem. Ibidem.
17
Idem: 23.
Foi criado também o Programa “Fala Favela”, do Programa de Ação da Secretaria
Especial de Ação integrado à Presidência da República, propondo a urbanização de
favelas, através da participação do governo federal, prefeituras e da população.
Ainda em 16 de Maio de 1990, na presidência de Fernando Collor de Mello, tem-se
o Plano de Ação Imediata para a Habitação – PAIH.
18
Governo Moreira Franco (1987-1991)
No Governo Moreira Franco há a continuidade da falência dos programas de
construção de unidades habitacionais e de infra-estrutura de sustentação,
marcando os anos 80 como o período de crise mais aguda da atividade do
planejamento, em particular do planejamento urbano. Num contexto de forte
centralização conjuga-se a falta de capacitação política e financeira dos Executivos
locais com a perda de legitimidade do Estado para implementar intervenções no
espaço urbano. No entanto, as transformações sociais, políticas e econômicas que
emergiram nos anos 90 tornaram imprescindível uma reestruturação urbana da
metrópole carioca. Durante a década anterior, foram poucas as intervenções
urbanísticas, até mesmo pelo sucateamento físico e tecnológico da infra-estrutura
existente, tornando-se necessária a retomada dos investimentos urbanísticos nos
anos 1990.
A retomada dos investimentos públicos no plano local, somente foi possível
com a entrada em vigor de uma nova Constituição Federal, de corte
descentralizador. A redistribuição da arrecadação tributária em favor dos municípios
e a possibilidade de que eles tivessem legislação tributária própria permitiram que a
cidade do Rio de Janeiro pudesse ampliar consideravelmente sua receita. Nessa
metrópole, então, muitos equipamentos urbanos foram reformados e/ou instalados
no início dos anos 90.
18
Idem: 36.
No início da década de 80, Lícia do prado Valladares
19
apresentou um
relatório baseado em notícias publicadas pela imprensa. Primeiramente, a autora
assinala que a sociedade brasileira vivenciara no início da década de 80 um
processo de abertura política com a participação intensa dos movimentos sociais na
esfera política. No Rio de Janeiro, a eleição de 1982, de Leonel Brizola, para o
governo do estado criou um clima de expectativa em relação ao atendimento às
necessidades básicas da população carente como vimos anteriormente, devido ao
anúncio do programa “Cada Família, Um Lote”. A partir de então proliferaram na
cidade diversas ocupações que ocorriam coletivamente de forma organizada. De
acordo com a autora, por ocorrer coletivamente, o fenômeno era considerado como
relativamente novo na cidade, constituindo forma de luta urbana, “com nítido teor
de protesto e clara expressão reivindicativa”.
20
No entanto, no decorrer da década
de 80, este fenômeno continuou a ocorrer cotidianamente na cidade, devido ao
desemprego, ao subemprego e à alta dos aluguéis, somado à necessidade e às
dificuldades de acesso ao financiamento da casa própria.
A situação das ocupações coletivas tornou-se crítica em 1988, durante o
governo Moreira Franco, atingindo um alto índice de ocorrências. Neste período, a
relação entre Estado e invasores se agravou. Por diversas vezes a polícia foi
acionada para expulsar os ocupantes. Para o poder público estadual da época, a
questão das invasões se resolveria no âmbito policial.
21
Através do estudo de
Valladares, pode-se constatar, assim, que as invasões coletivas na cidade
ocorreram durante toda a década de 80 em diferentes conjunturas, com
concentração de ocorrências nos períodos de 1983 e 1988. Observa-se também que
as ocupações ocorreram em grandes extensões de terras desocupadas, como no
caso de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Baixada Fluminense.
19
Ver VALLADARES, L.P.. Invasões de terra no Rio de Janeiro de 1983: uma cronologia,
1983.
20
Idem: 4.
21
Jornal do Brasil, 01/06/1988.
Nos processos de favelização na década de 80, além das ocupações
coletivas, constatou-se a ocorrência de adensamento em algumas áreas. Neste
processo nota-se que as edificações vão se aglomerando de maneira desordenada
sobrecarregando a precária infra-estrutura existente.
O Projeto Reconstrução-Rio (1987-1991)
Soluções alternativas para a questão habitacional em contraposição ao que é
oficialmente oferecido vêm aparecendo com freqüência ao longo destes últimos
anos. Mutirões, autoconstrução ou autoprodução de moradia, formação de
cooperativas, e planos habitacionais desenvolvidos pelo município, pelo estado e
pelo governo federal, demonstram as possibilidades de atuação inovadora no setor.
O Projeto Reconstrução-Rio se enquadra neste processo.
22
O Projeto Reconstrução-Rio foi concebido originalmente em 1988, como um
projeto emergencial. Avaliado em US$ 700 milhões (a parte do Estado correspondia
a US$ 420 milhões), visava a recuperar rapidamente as áreas destruídas pela
grande enchente ocorrida em Fevereiro daquele ano, além de realizar obras de
prevenção contra futuras enchentes, principalmente na Região Metropolitana do Rio
de Janeiro. Previsto para ser executado em 4 anos, o projeto levou mais que o
dobro de tempo para ser concluído. Institucionalmente contou, tanto no âmbito do
planejamento quanto na gestão e execução de cada um de seus componentes, com
diferentes órgãos financeiros —Banco Mundial (BIRD), Caixa Econômica Federal
22
Vale destacar, neste contexto, que a Constituição Federal de 1988, prevê a elaboração do
Plano Diretor para as cidades com mais de 20 mil habitantes. Seu objetivo declarado é,
através de um tratamento integrado de diversos setores da política pública, estabelecer um
conjunto de diretrizes, normas e procedimentos que deverão pautar o desenvolvimento
urbano e social das cidades nos próximos 10 anos. Ver BURGOS, M. B. Dos parques
proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. Apud
ZALUAR & ALVITO, Um século de Favela, 2004..
(CEF) e governo do estado— desenvolvendo direta e indiretamente órgãos
governamentais federais, do estado e dos municípios diretamente beneficiados.
23
Diante da grande complexidade do arcabouço institucional do projeto,
reproduzida até hoje na maioria dos programas urbanos implantados pelo estado
do Rio de Janeiro, e atendendo a exigências do BIRD, foi criado um Grupo
Executivo de Recuperação e Obras de Emergência – GEROE. O GEROE tem a função
de coordenar e articular as ações dos diversos órgãos envolvidos na execução dos
componentes do projeto: Macrodrenagem, Reassentamento, Resíduos Sólidos,
Contenção de Encostas, Esgotamento Sanitário e Educação Ambiental. É
responsável pela articulação e interlocução com os organismos financeiros do
projeto.
24
Neste Projeto, rapidamente o Componente de Reassentamento tornou-se um
dos elementos de maior vulto no contexto geral do programa, dado,
principalmente, devido à dificuldade de sua implementação e sua complexa
mobilização institucional necessária. Através deste Componente, cerca de 4 mil
famílias de áreas ribeirinhas, foram transferidas para vários conjuntos
habitacionais.
25
As principais instituições e órgãos envolvidos no planejamento e execução
do Componente de Reassentamento foram: o GEROE, as Prefeituras Municipais, dos
seis municípios beneficiados e seus vários órgãos governamentais, a Secretaria
Estadual de Rios e Lagoas Serla, o Sistema Financeiro de Habitação —SFH, a
Companhia Estadual de Habitação Cehab-RJ, a Secretaria de Estado de Defesa
Civil Sedec e a Companhia Estadual de Águas e Esgotos —CEDAE.
26
Interessa a esta pesquisa expor uma visão global do Projeto Reconstrução-
Rio, seu histórico, o contexto político de sua formulação e implementação, ao longo
23
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública: o Projeto Reconstrução-Rio do Governo do Estado do Rio de Janeiro,
2004: 24.
24
Idem: 25.
25
Idem: 26.
26
Idem. Ibidem.
de duas diferentes gestões governamentais —governo Moreira Franco e o segundo
governo Leonel Brizola seus principais componentes, seu público alvo e o
arcabouço institucional envolvido no planejamento, gestão e execução do projeto.
Através desta exposição, são observados alguns problemas na formulação e
na implementação do Componente de Reassentamento, principalmente os
relacionados à estrutura organizacional e ao peso dos órgãos financeiros na
definição desse processo.
No governo Moreira Franco (1987-1991), o primeiro estudo do projeto
previa a retirada de 1323 famílias ao longo do Rio Bota que junto com os rios
Iguaçu, das Velhas e Machambomba integram a Bacia do Iguaçu-Bota, localizada
entre os municípios de Belford Roxo e Duque de Caxias. Neste governo, 630
famílias foram reassentadas. Em pesquisa realizada pela Cehab-RJ, após dois anos
do reassentamento, cerca de 70% dos moradores haviam vendido os imóveis para
os quais tinham sido transferidos, trazendo novamente à tona a discussão sobre a
ausência de infra-estrutura, de meios de transporte e de uma alocação adequada,
além de problemas com a população local e de cunho burocrático.
27
Na primeira fase deste projeto, foi destacado que a completa falta de
articulação entre os órgãos envolvidos, e um grande atraso no repasse dos recursos
fez com que as obras tivessem seus cronogramas freqüentemente atrasados. O
governo optou pela alternativa emergencial de utilizar conjuntos da Cehab-RJ,
financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação para a alocação da população à
beira do rio Bota. Esta alternativa resolveu o problema apenas momentaneamente.
As casas eram muito pequenas e distantes. A Cehab-RJ foi obrigada a assumir o
pagamento das prestações dos empreendimentos a CEF, destinados ao projeto
Reconstrução-Rio, marcado por uma imensa inadimplência.
No final do governo Moreira Franco, a administração estadual, pressionada
pelo Banco Mundial, colocou à disposição do projeto mais conjuntos a serem
construídos na Estrada do Madureira financiados pelo PAIH, do Sistema Financeiro
27
Idem: 27.
de Habitação. Porém, a população continuava resistindo à transferência. Este seria
o quadro a ser enfrentado pelo próximo governador, na área da habitação e infra-
estrutura para as populações de baixa renda: os atrasos nas construções, que
acabaram gerando grandes problemas para os órgãos envolvidos, que por sua vez
tiveram que improvisar o alojamento destas pessoas, somados à insegurança e
desconforto com a nova política para as famílias reassentadas.
No governo Moreira Franco, quanto ao Projeto Reconstrução-Rio, a principal
crítica que se faz, é relativa a quase total delegação da formulação, planejamento e
definição de prioridades das grandes intervenções aos interesses das empreiteiras e
do setor privado. Segundo relatório GEROE:
As firmas projetistas definiram necessidades de obras numa
relação direta com as empreiteiras, sem interveniência
significativa da Serla, o que levou à completa privatização
de definições fundamentais que deveriam caber em primeiro
lugar ao poder público representado pela Serla.
28
Embora o Projeto colocasse como premissa básica a participação
comunitária, as respectivas representações não foram chamadas a opinar durante a
elaboração do plano. Uma empresa de consultoria privada foi contratada pelo
GEROE para elaborar o Plano Geral de Reassentamento, e os órgãos públicos
designados à implantação jamais foram consultados sobre a real possibilidade de
participação destas instituições. A terceirização deste processo trouxe como grave
conseqüência um grande atraso e descrédito do projeto, além de muita ansiedade à
população alvo. A completa falta de diálogo entre a empresa consultora, que
elaborou o plano, e órgãos executores, levou a equipe de técnicos da Cehab-RJ,
que executou o reassentamento das primeiras 630 famílias, transferidas do Rio
Bota para o Conjunto Sítio do Livramento, a ter acesso ao Plano de
Reassentamento, elaborado pela empresa de consultoria e aprovado pelo Banco
Mundial, somente após a conclusão de todo o processo de reassentamento,
28
Grupo Executivo para Recuperação de Obras de Emergência. Projeto Reconstrução-Rio.
Plano de Reestruturação: uma proposta de consolidação. Rio de Janeiro: BIRD; CEF, 1992:
67. Apud MANCINI, L. Cimentando Fendas Institucionais, 2004: 91.
deixando a população desacreditada, incentivando a retomada das invasões a
conjuntos habitacionais.
29
Considerações finais
No presente capítulo, constatamos que, com o fim do BNH e com a crise econômica
que se instaurou sobre o país nos anos 1980, houve uma forte restrição aos
investimentos na área da moradia. Isso se refletiu de maneira mais contundente na
atuação das Companhias Estaduais de Habitação, que viveram períodos de intensa
crise e paralisação, quando não de falência, dado o alto grau de inadimplência dos
mutuários.
30
No capítulo 3, observou-se o contexto das Eleições de 1986, e a
conseqüente vitória do candidato do PMDB Moreira Franco. Em seguida, realizou-se
um levantamento das diretrizes do governo para a habitação, através da análise
dos programas habitacionais e áreas de atuação do governo, até a implementação
e os primeiros movimentos do Projeto Reconstrução-Rio (1988-1991). Abaixo,
encontram-se algumas negociações, características e nuances do Projeto.
31
Logo após as inundações ocorridas na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, em 1988, o governador do estado Moreira Franco reuniu-se com o chefe do
Departamento do Brasil do BIRD, no Rio de Janeiro, para discutir a possibilidade de
o estado apresentar ao referido banco um pedido de empréstimo de caráter
emergencial, visando à reconstrução das áreas mais atingidas. O BIRD, então,
enviou missão ao Brasil para discussão dos primeiros documentos preparados pelo
governo do estado e pelas prefeituras dos municípios do Rio de Janeiro, Petrópolis,
São João de Meriti, Nilópolis, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Definiu-se que
29
Idem: 91-93.
30
CARDOSO, A. L. et. al. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003:
65.
31
Ver MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública, 2004: anexo 2: 10-17.
seriam contratados empréstimos específicos para o estado, para o município do Rio
e para os demais municípios, sendo que para esses haveria repasse do estado.
O governador Moreira Franco, pelo decreto número 11.131, criou o Grupo
Executivo para Recuperação de Obras de Emergência —GEROE, órgão temporário,
em nível de Secretaria de Estado, para se encarregar da coordenação geral do
Projeto. A Caixa Econômica Federal e o governo do estado assinaram os Contratos
de Empréstimos para financiamento de obras de esgotamento sanitário e de
drenagem, que posteriormente foram incorporados ao Projeto como contrapartida
nacional. Após a diretoria do Banco Mundial aprovar a concessão de empréstimo,
de 175 milhões de dólares, à CEF, foi assinado pelo governo do estado e pela
prefeitura do Rio de Janeiro, o convênio de Cooperação Técnica para a execução do
projeto.
No governo Moreira Franco, apesar do GEROE existir formalmente, na esfera
pública, o papel da formulação e discussão da política do projeto Reconstrução-Rio
com a sociedade civil estava nas mãos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano
—Sedur que, através da discussão da política de saneamento do estado,teve
importante papel de legitimar o Comitê de saneamento da baixada como um dos
atores protagonistas do projeto.
De acordo com Taschner, no final do primeiro governo Brizola, a rigidez da
regulamentação, o montante de investimentos e a demora na aprovação dos
projetos desestimularam a oferta de lotes. Mas, em 1989, voltam os loteamentos
clandestinos sob nova face. Não existe mais a figura do loteador, que
eventualmente aparece sob a forma de assessor técnico, mas surgem associações
de moradores, que compram e parcelam terras, sem prévia autorização dos
poderes públicos. O antigo loteador reencontra sua função: faz a intermediação
entre as associações e os vendedores de glebas. Quanto ao poder público, esta
gestão, entre os anos de 1989 e 1992, comprometida com os movimentos
populares, se vê numa encruzilhada: se era fácil criminalizar um loteador, o mesmo
não acontece com uma associação, que às vezes nem tem diretor responsável.
Além disso, esse tipo de processo tem repercussões políticas sérias junto às suas
bases.
32
Em 1989, foram assinados os primeiros contratos do Projeto para a
execução de obras de esgotamento sanitário sob responsabilidade da CEDAE, na
Baixada Fluminense. No mesmo ano, foram assinados os Contratos de Empréstimos
entre a CEF e o governo do estado para financiamento da contrapartida nacional
das obras de macrodrenagem, sob a responsabilidade da Serla.
Em 1990, após ser instituído o Plano de Estabilização Econômica do governo
federal, foram assinados os contratos para a execução das obras de
macrodrenagem, com as firmas vencedoras da licitação internacional. Adotando a
sugestão do BIRD, neste período, a Internacional de Engenharia S.A. –IESA —
consultora do GEROE para gerenciamento do Projeto, assumiu a supervisão
temporária das obras de drenagem, até que fosse concluída a concorrência
internacional. Ainda em 1990, foi realizado o primeiro reassentamento do Projeto,
com a recolocação de 630 famílias que ocupavam as margens do Rio Bota em
unidades habitacionais construídas pela Cehab-RJ, com recursos extra-projeto, no
Sítio do Livramento, em Nova Iguaçu.
Segundo Mancini, a principal proposta do plano, que previa o financiamento
de lotes urbanizados para a autoconstrução, mostrou-se, na realidade totalmente
inexeqüível. A renda média das famílias a serem reassentadas não chegava a um
salário mínimo, conforme pesquisa realizada pela Cehab-RJ durante o
cadastramento das casas afetadas, o que inviabilizaria o pagamento de prestações,
além da compra de material de construção para a edificação de casas. A autora
acrescenta ainda, que não havia recursos no estado —responsável pelo
componente— para a aquisição e a urbanização de terrenos e o tempo para
construção de mais de mil casas através da autoconstrução, seria incompatível com
32
TASCHNER, S. P. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 113.
a necessidade de liberação de frentes de obras para o Componente de
Macrodrenagem.
33
A retomada do processo de discussão com os movimentos comunitários
organizados, só veio a ocorrer na nova administração de Leonel Brizola, onde houve
uma maior valorização do corpo técnico efetivo da administração pública, retirando
as empresas terceirizadas da formulação política do Projeto.
34
Apesar de todos os percalços vivenciados pelo Projeto Reconstrução-Rio, a
experiência adquirida no processo de sua implementação, deve ser analisada como
um importante aprendizado em gestão pública e principalmente democrática.
Para Marcus André de Melo
35
, o quadro da política habitacional traçado até
aqui, aponta para o esgotamento do padrão de financiamento desta política setorial
associado a uma crise fiscal do Estado, de caráter compreensivo. Por um lado,
aponta para um processo de fragmentação institucional e paralisia decisória.
Segundo Melo, o processo de reestruturação institucional da política habitacional,
comandado pelo núcleo dirigente da Nova República, que culminou na extinção do
BNH em 1986, permaneceu inconcluso. Com a conseqüente transferência da gestão
do Fundo de Compensação das Variações Salariais —FCVS
36
ao Banco Central e da
gestão do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo —SBPE para o Conselho
Monetário Nacional se estabelece um conflito inter-burocrático. Por outro lado, de
acordo com o autor, a absorção das funções do BNH pela CEF ensejou uma paralisia
administrativa da gestão da política habitacional. A transferência da gestão do
33
Idem: 92.
34
Idem: 93.
35
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 20.
36
Este fundo foi criado pelo extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) para garantir a
quitação dos saldos devedores no término do contrato. Estes são ocasionados por diferentes
formas de reajustes entre a prestação e o saldo devedor. A condição para uso do FCVS é a
contribuição mensal do valor correspondente a 3 % do encargo. Esse recurso foi mantido até
o final da década de 80 e em alguns contratos no início dos anos 90. Portanto, quem possui
esse fundo em seu contrato, tem o direito de liquidar o saldo devedor após o pagamento da
última prestação, devendo encaminhar seu pedido diretamente ao agente financeiro. Fonte:
Hwww.ammrs.com.brH, acessado em 09/10/2007.
Fundo de Assistência à Liquidez —FAL para o Banco Central num quadro de
escalada de falências fraudulentas de agentes financeiros, na realidade, se
constituiu no primeiro passo de ingerência do Banco Central no Sistema Financeiro
de Habitação. Nota ainda, que o ajuste do SFH ao plano Cruzado foi um processo
complexo em que as medidas parciais adotadas geravam fortes desequilíbrios de
ordem contábil, os quais absorveram a atenção dos gestores da política
habitacional. Melo acrescenta que a arena decisória se ampliou notavelmente com a
incorporação de outros atores sociais —burocráticos, dos movimentos sociais e de
setores capitalistas— à arena decisória. A fragmentação do processo decisório na
estrutura interna do estado foi apontada paradigmaticamente pelo presidente do
BNH em exposição ao Conselho de Administração do Banco, segundo a citação:
A viabilidade das metas governamentais no setor de
habitação também está vinculada à rapidez com que possam
ser definidas as regras de aplicações de recursos ao mesmo
destinados. Esta rapidez será tanto menor quanto mais
diluída esteja a faculdade de regulamentação entre vários
órgãos do governo. É experiência universal que a
complexidade dos processos decisórios —que se amplia com
o número de agentes que neles intervêm— pode até
produzir decisões mais sábias. Esta lentidão poderá
aumentar se nos mecanismos decisórios se procura incluir
todos os interesses em conflito. Em outras palavras: quando
se procura reproduzir, na esfera da administração executiva,
os padrões de representatividade que as democracias
modernas asseguram ao legislativo, transfere-se para
aquela as características do último, que privilegiam a
participação e o debate, mas não têm o mesmo
compromisso com a velocidade das decisões.
37
Melo conclui que o discurso acima assinala a crise de governabilidade que
afeta a gestão da política habitacional que se funda na explosão de demandas
setoriais num quadro onde o horizonte temporal do cálculo político e econômico dos
agentes envolvidos se reduz devido às incertezas trazidas pela crise. Complementa
ainda, que, de forma semelhante, na esfera da habitação popular, verifica-se um
37
Sistema Financeiro de Habitação. Desempenho em 1985. Situação, problemas e
perspectivas em 1986: 17 apud MELO, M. Políticas públicas e habitação popular:
continuidade e ruptura, 1979-1988, 1988: 21.
conflito entre as instituições estaduais e municipais e a área fazendária da
administração federal, cuja arbitragem está na esfera do Executivo.
38
Ao final dos anos 1980, acumulavam-se perspectivas positivas de
transformação, com a aprovação da Constituição e com a consolidação de
programas de urbanização de favelas e de regularização de ocupações e
loteamentos, que, mesmo sendo implementados de forma incompleta e pouco
satisfatória para a população de baixa renda, deixaram para trás os anos de
chumbo da política de remoção. No entanto, a extinção do BNH tornou incerto o
futuro da política habitacional no país e na cidade, num contexto em que as favelas
voltavam a crescer.
39
No próximo capítulo veremos novamente a mudança de toda concepção
política e filosófica do governo do estado após as eleições; o processo eleitoral de
1990; como o Componente de Reassentamento do projeto Reconstrução-Rio foi
tratado no segundo governo Leonel Brizola (1991-1995); qual a situação da política
nacional, tendo em vista que o Presidente da República, ao longo da segunda
gestão de Brizola, era Fernando Collor de Mello; o papel das instituições e da
burocracia na implementação de programas habitacionais; enfim, o papel do Estado
na implementação de políticas públicas voltadas à habitação para a população de
baixa renda no Rio de Janeiro.
38
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 22.
39
CARDOSO, A. L. et. al. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003:
65.
Capítulo 4
O segundo governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro
(1991-1995)
O presente capítulo será dedicado ao segundo governo Brizola no Estado do Rio de
Janeiro (1991-1995). Foi enfatizado aqui, que os anos 80 ficaram marcados pela
crise mais aguda da atividade do planejamento, em particular do planejamento
urbano. É evidente que nesse cenário, a reforma urbana passa a significar maior
controle do uso do solo, incluindo a adoção de novos instrumentos jurídicos e
urbanísticos, além da utilização de novos tipos de investimentos em infra-estrutura
urbana.
Num contexto de forte centralização julgam-se a falta de capacidade política
e financeira dos Executivos locais com a perda da legitimidade do Estado para
implementar intervenções no espaço urbano no Rio de Janeiro ao longo desta
década. No entanto, as transformações sociais, políticas e econômicas que
emergiram nos anos 1990, tornaram imprescindível uma reestruturação urbana da
metrópole carioca. Até mesmo pelo sucateamento físico e tecnológico da infra-
estrutura existente, tornou-se necessária a retomada dos investimentos
urbanísticos nos anos 90, como veremos a seguir.
Neste capítulo será analisado o processo eleitoral de 1990: a eleição; como
o segundo governo Brizola se comportou em relação às políticas de habitação
popular neste período. Em seguida, abre-se um parêntese para o Projeto
Reconstrução-Rio, abordado no capítulo anterior, avaliando os papéis do Estado,
das instituições e da burocracia, no processo de reforma urbana e políticas
públicas, culminando numa inevitável comparação com os governos anteriores no
que concerne ao tema: descontinuidade nas políticas de habitação no estado do Rio
de Janeiro e, conseqüentemente, em sua capital. Esta descontinuidade traduziu-se
em omissão, vindo a gerar uma explosão de habitações irregulares e favelas.
2
Quadro político nacional: Constituição Federal (1988) e Eleições
Presidenciais (1989)
O tema da Reforma Urbana foi retomado com mais intensidade, em 1988, a partir
do movimento nacional em torno de uma proposta para a Constituição federal,
então em elaboração. Como ponto central da proposta, em primeiro lugar, estava a
função social da propriedade e da cidade e, em seguida, a participação popular na
definição e gestão das políticas referentes ao urbano. Pode-se dizer que esses
novos instrumentos legais expressam, no que se refere à política urbana, o
reconhecimento formal das necessidades e direitos da população pobre das áreas
urbanas por parte de determinados setores da esfera pública —Legislativo e
Executivo— em função da efetiva participação política dos segmentos sociais
organizados no processo constitucional. Dentre as necessidades sociais
formalmente conhecidas pelas novas legislações urbanas, o acesso à moradia
sobressai enquanto uma questão central, em torno da qual foi aprovado um
conjunto de artigos referentes à: urbanização e regularização fundiária das áreas
faveladas e loteamentos ilegais; programas de construção de moradias populares
por parte dos estados e municípios; utilização das terras públicas ociosas para
assentamentos de população de baixa renda.
1
Quanto ao maior uso do solo, a Lei Orgânica do Rio de Janeiro estabelece
uma série de medidas voltadas para o impedimento da ociosidade do solo edificável
e do adensamento inadequado em relação à infra-estrutura e equipamentos
públicos, para os prazos de conclusão de obras de parcelamento e edificação e para
o impacto ambiental e urbanístico. A partir daí, passa-se a exigir estudos de
impacto para a implementação de empreendimentos imobiliários e industriais e a
provisão de estação de tratamento de esgoto por parte dos loteadores e
incorporadores.
2
1
LAGO, L. Política urbana e a questão habitacional: novas tendências face à crise econômica
brasileira, 1992: 42-43.
2
Idem. Ibidem.
3
Para poder eleger diretamente o seu presidente o povo brasileiro teve que
esperar por 29 anos. Neste período, amargou a “escolha” de militares pelo Colégio
Eleitoral, viu ir por terra o sonho das “Diretas Já”. Mas, finalmente, em 1989,
reconquistou o direito de escolher o principal mandatário da Nação. A crítica saudou
o grande momento com a manchete: “Nos 100 anos da República, a festa da
democracia. Vota Brasil!”, ressaltando que no dia 15 de Novembro de 1989, além
da eleição, o País comemorava o centenário da proclamação da República. A
República brasileira que completava 100 anos encontrava-se enfim com a
democracia. Seu povo foi às urnas depois de uma longa e imposta abstinência para
escolher o nome daquele que mereceria a escolha da cidadania num pleito livre.
A primeira eleição após o fim do Regime Militar teve 22 candidatos a
Presidente. As candidaturas de Armando Santos e Silvio Santos foram anuladas.
Disputaram o segundo turno Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Também
foram candidatos: Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf, Guilherme Afif
Domingos, Ulisses Guimarães, Roberto Freire, Aureliano Chaves, Ronaldo Caiado,
Affonso Camargo, José Alcides Marronzinho, Zamir Teixeira, Lívia Maria, Eudes
Mattar, Fernando Gabeira, Celso Brant, Antônio Pedreira e Manoel Horta.
As eleições de 1989 foram um verdadeiro anticlímax das lutas pela
democracia no Brasil. O país elegia pelo voto direto seu presidente, pela primeira
vez em quase trinta anos e depois de uma transição política longa e conturbada.
Mas, em dezembro de 1989, Fernando Collor de Melo sagrou-se presidente,
derrotando o líder operário Luis Inácio Lula da Silva, cuja candidatura era apoiada
por um leque de forças de esquerda. O vitorioso era um arrivista que fizera carreira
na ditadura, manifestava desprezo pelos partidos e, como os brasileiros não
tardariam a descobrir, via na presidência uma plataforma para negócios escusos.
O discurso de Collor na campanha de 1989 oscilou entre o moralismo e o
anticomunismo. Mais do que tudo, sua imagem contribuiu para o seu sucesso: o
candidato que aparecia no vídeo, com ar jovem, cosmopolita e dinâmico, era a
própria “modernidade” que ele prometia trazer para o país. Granjeou o apoio dos
4
“descamisados” (a parcela mais pobre e desorganizada da população), sensíveis a
seu apelo messiânico; das classes médias que encaravam com receio uma eventual
vitória da esquerda; e das diferentes frações da burguesia, que cedo ou tarde viram
nele a única alternativa viável para a proteção de seus interesses. Sua plataforma
econômica liberal, que pregava a redução do papel do Estado na economia, a
precarização das relações de trabalho e a abertura do Brasil ao mercado mundial,
era compartilhada por quase toda a classe dominante, aí incluída a unanimidade da
mídia.
Outro fator defendido em alguns trabalhos, como o de Mônica M. M. Castro,
3
é que o candidato para conquistar o voto necessita formar junto ao eleitor a
imagem de defensor dos interesses do povo. Sob este olhar, a vitória de Collor nas
eleições de 1989 se deu a partir da migração dos eleitores do PMDB,
tradicionalmente visto como defensor dos interesses populares. A queda da
popularidade do então presidente José Sarney fez com que ocorresse a migração
dos eleitores do PMDB para o candidato do recém-criado PRN, que fazia clara
oposição ao governo Sarney.
Castro avalia que, entre os eleitores de baixa “sofisticação política”, há uma
escolha através de uma série de atributos pessoais do candidato, ou seja, o eleitor
busca um candidato que tenha qualidades que mais se aproximem de seus
interesses ou que tenham características semelhantes às suas. Esta afirmação pode
ajudar a esclarecer como foi possível ocorrer esta migração dos votos dos eleitores
do PMDB para o recém formado PRN, ou inverter o peso na hora de analisar tal
escolha, onde o que pesa é o candidato e não o partido.
Interessa aqui a relação e influência entre o governo que se instaurara e o
governo estadual, no que diz respeito à política habitacional. Portanto,
abordaremos a questão das eleições para governador do estado em 1990,
observando também as ações do Governo federal neste período.
3
Ver CASTRO, M. M. Determinantes do comportamento eleitoral. A centralidade da
sofisticação política, 1994.
5
Em seus dois anos e meio de mandato, o governo Collor pouco inovou
quanto a mudanças no Sistema Financeiro de Habitação. Devido à ênfase e
primazia do combate à inflação, todos os programas sociais de maior envergadura
foram postergados. Em relação à habitação popular, Sérgio de Azevedo argumenta
que houve o que Marcus André de Melo chama de banalização da política, com a
dissociação das atividades de saneamento e desenvolvimento urbano, e a política
distributiva encontrava-se vinculada ao novo Ministério da Ação Social. Tanto a
alocação das unidades construídas pelos programas populares convencionais,
quanto pelos alternativos, estes baseados na autoconstrução, continuavam sendo
feitas por critérios aleatórios, não respeitando na prática a distribuição estabelecida
pelo conselho curador do FGTS. A construção de unidades convencionais também
continuou privilegiando setores populares de renda mais elevada. O Plano de Ação
Imediata para a Habitação —PAIH, de 1990, apresentado como medida de caráter
emergencial,se propunha a financiar em 180 dias cerca de 245 mil habitações. O
Plano tinha como população alvo as famílias com renda média até cinco salários
mínimos, e possuía três vertentes: programa de moradias populares —unidades
acabadas, programa de lotes urbanizados —com ou sem cesta básica de materiais,
e programa de ação municipal para habitação popular —unidades acabadas e lotes
urbanizados. Sérgio Azevedo constata que enquanto para os dois primeiros
programas os agentes promotores são variados —Cohabs, Cooperativas, Entidades
de Previdência, Carteiras Militares, etc.— para o último, este papel cabe
exclusivamente à prefeitura. A coordenação geral fica a cargo do Ministério de Ação
Social/Secretaria Nacional de Habitação, atuando como banco de segunda linha a
CEF, isto é, com a responsabilidade de implementar os programas através dos
agentes promotores.
4
Porém, Azevedo expõe em uma avaliação preliminar do programa, que as
metas estabelecidas não foram cumpridas. Segundo o autor:
4
RIBEIRO, L. & AZEVEDO, S. (orgs.). A crise da moradia nas grandes cidades: da questão
da habitação à reforma urbana, 1996: 84.
6
O prazo estimado de 180 dias alongou-se por mais de 18
meses; o custo unitário médio foi de aproximadamente 670
VRFs, muito superior aos 570 VRFs da proposta inicial,
ocasionando uma diminuição de 245 mil para 210 mil
unidades; e por fim, por motivos clientelistas e lobby de
setores empresariais da construção civil de regiões menos
desenvolvidas, especialmente no Nordeste, o Plano não
logrou seguir os percentuais de alocação de recursos
definidos pelo Conselho Curador do FGTS para os diversos
estados da federação.
5
Azevedo diz ainda, que não houve durante a administração Collor nenhuma
iniciativa visando a rediscutir, em profundidade, o Sistema Financeiro de Habitação.
Ainda em 1991, foi facilitada a quitação da casa própria pela metade do saldo
devedor, ou pelo pagamento de mensalidades restantes, sem correção e juros.
Desta forma, boa parte dos mutuários de classe média lograram liberar seus
imóveis, já que também se permitiu o uso do FGTS para a quitação da dívida. O
governo conseguiu, assim, momentaneamente, aumentar o fluxo de caixa para
financiamentos habitacionais, mas seguramente isso significou maiores subsídios e
agravamento ainda maior da crise.
6
Com a destituição de Collor e a posse de Itamar Franco, houve uma
pequena mudança nos rumos da política habitacional voltada para a classe de baixa
renda, por meio de programas como Habitar Brasil e Morar Município, correndo
paralelamente ao Sistema Financeiro de Habitação que apresentava ainda um
quadro de profunda crise estrutural. Nesta gestão foram criados alguns Fundos
específicos que permitiriam verbas constantes para a produção da habitação, tais
como o Fundo de Desenvolvimento Social. De acordo com Sérgio Azevedo, o
financiamento federal previa verbas orçamentárias e parte dos recursos
arrecadados pelo Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras - IPMF, que
terminou não ocorrendo dentro do montante previsto em função de prioridades do
Plano de Estabilização Econômica —Plano Real.
7
5
Idem: 85.
6
Idem. Ibidem.
7
Idem: 86-87.
7
O governo Itamar Franco trouxe uma mudança qualitativa na política
habitacional, devido ao incentivo à descentralização e criação de “Fundos” e
“Conselhos” municipais e estaduais, especialmente às classes de baixa renda,
através dos programas Habitar Brasil e Morar Município, que ocorreram
paralelamente ao Sistema Financeiro de habitação. Porém, as mudanças no
Sistema Financeiro de Habitação foram poucas e, somadas à não-institucionalização
da iniciativa, à falta de recursos e ao Plano de Estabilização, provocando o
esvaziamento dos objetivos iniciais dos programas, que visavam à
descentralização, a produção em larga escala e a gestão popular.
8
A situação habitacional na cidade do Rio de Janeiro no início dos anos 1990
No Rio de Janeiro, no início dos anos 1990, segundo dados do Iplanrio, há a
constatação de um total de 573 favelas habitadas por uma população de
aproximadamente 1 milhão de pessoas. Deste total, 59% das favelas cariocas já
existiam até 1960; 22% surgiram entre 1961 e 1981; e 19% entre 1981 e 1991.
Desta forma, pode-se concluir que a população carioca, que habita as favelas da
cidade, teria crescido 2,6% ao ano entre 1980 e 1991, enquanto a do Município do
Rio de Janeiro aumentou a uma taxa anual de 0,43%.
9
Segundo os dados do
Iplanrio, além de novas 85 favelas, 69 das já existentes se expandiram, 198 se
adensaram e 167 se adensaram e se expandiram. Apenas 26, ou seja, 4,8%
permaneceram como eram.
10
No artigo The return of favela, de Valladares e Ribeiro
11
, a nova irrupção de
favelas resulta da combinação do surgimento de novas favelas, extensão física das
existentes e a densificação dos aglomerados já consolidados devido,
8
Idem. Ibidem.
9
VAZ, L. F. I New statements and new approaches to never ending problems. apud
TASCHNER, S. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 103.
10
TASCHNER, S. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 103.
11
Ver VALLADARES, C. & RIBEIRO, R. The return of favela. Recent changes in
intrametropolitan Rio, 1992.
8
principalmente, à pressão do mercado fundiário dentro das próprias favelas em
função da chegada de novos pobres, assim como a necessidade de alojar as
gerações seguintes.
Segundo Taschner, o que se vê nos anos 1990 é que as favelas encontram-
se mais bem localizadas e equipadas. A autora constata que:
Tanto a pauperização quanto o downgrading process de
setores da classe média baixa trouxeram novos grupos
sociais para a favela. A longo termo, isso pode modificar o
perfil do residente favelado: o que parecia ser a simples
expressão da segregação socioespacial torna-se uma
realidade complexa e intrincada.
12
As eleições estaduais de 1990
Mesmo com o ânimo dos eleitores abalado com os primeiros passos do governo
Collor- que em seu plano econômico bloqueava todos os investimentos particulares,
afetando amplos setores da sociedade- as eleições de 1990 foram as eleições de
Leonel Brizola e conseqüentemente do PDT.
Segundo Sento-Sé, Leonel Brizola durante toda sua campanha manteve a
postura que adotara anteriormente dando ênfase a questões nacionais, atacando o
governo Collor e sua política econômica. O candidato afirmava a vontade de dar
continuidade a seus planos corrigindo alguns dos erros de seu primeiro mandato.
Brizola atacou duramente o plano econômico de Collor, com sua constante alusão à
necessidade de consultar a sociedade antes da adoção de qualquer política pública.
O autor acrescenta ainda, que a impopularidade do governador Moreira Franco,
devido a suspeitas de corrupção e ao grande aumento da criminalidade no Rio de
Janeiro durante sua gestão, também contribuiu para a vitória de Leonel Brizola
neste pleito. Leonel Brizola adotara o discurso de crítica ao poder político da mídia,
ainda que utilizasse o Jornal do Brasil e o jornal O Dia para enfrentar seus
12
TASCHNER, S. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 104.
9
adversários políticos em uma coluna paga, onde também apresentava suas
propostas gerais para um segundo mandato.
13
Seus principais adversários políticos Jorge Bittar do PT, Nelson Carneiro do
PMDB e Ronaldo César Coelho do PSDB não representaram nenhum tipo de ameaça
à sua vitória e ao fim das eleições. Brizola confirmara sua popularidade com uma
vitória incontestável no primeiro turno, com 60,88%contra 39,12%, somados seus
adversários.
Contudo, em seu segundo mandato como governador do Rio de Janeiro, sob
o governo Collor, a aproximação com o Governo federal, paradoxalmente o levou à
ruína. Próximo à época do impeachment, Fernando Collor autorizou a liberação de
verbas para a construção da Linha Vermelha e anunciou a adoção de CIEPs em todo
o Brasil, como sinal de estreitamento da relação de colaboração entre Governo
federal e estadual. Brizola, desta forma, colocou-se contrário às investigações,
deixando a bancada pedetista em uma situação extremamente delicada. Como
afirma Sento-Sé, eleito para o governo do Rio como personificação do sentimento
oposicionista ao governo Collor, ele agora arcava com o ônus de dar sustentação a
um governo indiscutivelmente corrupto.
14
Segundo Sento-Sé, é exatamente nesse período de “namoro” entre ambos,
que estoura o escândalo que levaria à campanha pelo impeachment e à posterior
renúncia do presidente da República. De acordo com o autor:
A postura de Brizola nesse período foi extremamente
polêmica. Sentindo-se comprometido com Collor e alegando
que, por trás da campanha, havia um esquema golpista, da
parte de figuras da elite que possivelmente estavam
insatisfeitas, com a perda de influência junto ao governo,
Brizola recusou-se, a despeito de todas as evidências de
veracidade das denúncias, a incorporar-se à campanha pelo
impeachment, manifestando-se contrário à continuação das
investigações.
15
13
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio
de Janeiro, 1997: 255-258.
14
Idem: 290.
15
Idem. Ibidem.
10
Sento-Sé argumenta, ainda, que a posição de Brizola deixou a bancada
pedetista em situação extremamente delicada, pois quando eleito para o governo
do Rio de Janeiro dois anos antes, como personificação do sentimento oposicionista
ao governo Collor no estado, ele agora arcava com o ônus de dar sustentação a um
governo sobre o qual recaíam evidências indiscutíveis de corrupção e tráfico de
influência.
16
Segundo Governo Brizola: Projeto Reconstrução-Rio (1991-1995)
Jorge Durão, diretor da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
- FASE (Organização Não-Governamental) que assessora há anos as Federações de
Moradores da Baixada, fez o seguinte comentário sobre o Projeto:
O percurso realizado desde 1988, quando surgiu o Projeto
Reconstrução-Rio, por uma pluralidade de atores e de
vontades, guarda caráter fortemente democrático. Seu
significado fica mais evidente quando se considera a
intrincada montagem política e institucional requerida para
se viabilizarem as condições adequadas de articulação do
Poder Público Estadual com as prefeituras locais e de
abertura dos canais de participação popular na gestão do
Projeto.
17
E mais a frente afirma:
No tocante à intervenção governamental, convém lembrar
que o Projeto passou por dois governos estaduais, que lhe
imprimiram concepções e formatos de gestão bastante
diferenciados, e está sendo finalizado agora, por um terceiro
governo,...Tudo isso representa uma notável exceção para
todos nós, acostumados a lidar com a terrível
descontinuidade das políticas públicas no Brasil.
18
Em 1992, com a mudança administrativa do governo do estado, Leonel
Brizola decidiu pela mudança de toda concepção político-filosófica do Projeto
16
Idem. Ibidem.
17
DURÃO, Jorge Eduardo S. - Diretor Executivo da FASE - nota em: OLIVEIRA, Jorge
Florêncio de, et al. Saneamento Ambiental na Baixada. Cidadania e Gestão Democrática:
avaliação do programa Reconstrução-Rio na Baixada Fluminense apud MANCINI, L.
Cimentando Fendas Institucionais, 2004: 38.
18
Idem. Ibidem.
11
Reconstrução-Rio. Em sua administração, o projeto, com uma estrutura gerencial
mais forte e horizontalizada, sai do perfil emergencial e segmentado em que foi
formulado e passa a ter mais articulação com a política urbano-ambiental do estado
como um todo. Neste contexto, o Componente de Reassentamento passou por
mudanças substanciais, visto que a população resistia à sua transferência nas
condições anteriores.
A retomada do projeto Reconstrução-Rio, após a mudança administrativa,
demandou um longo período, e o projeto passou por uma rígida auditoria e
reformulação conceitual. O reassentamento de famílias, colocado na primeira fase
como um simples apêndice da macrodrenagem, passou a ser o carro-chefe da
participação comunitária na implementação do projeto. O Grupo Executivo para
Reconstrução e Obras Emergenciais —GEROE, responsável pelo gerenciamento do
projeto, teve sua estrutura redefinida e ampliada. Para executar o novo plano um
grande número de instituições governamentais e não-governamentais foi
mobilizado, além da formação de um grupo interdisciplinar de trabalho com
representantes de todos os órgãos estaduais e municipais em parceria com as
representações comunitárias.
19
Esta retomada do Projeto Reconstrução-Rio contou com a participação de
diversas instituições, como ilustra o organograma a seguir.
19
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública, 2004: 41-44.
12
Organograma do Governo do Estado no Projeto Reconstrução-Rio
20
BANCO
MUNDIAL
GOVERNO
DO ESTADO
C.E.F.
SEHAF
SECRETARIA
DA
FAZENDA
SECPLAN
GEROE
SECRETARIA DE
DEFSA CIVIL
CEHAB
IEF
FEEMA
CEDAE
DER
SERLA
CEHAB
SERLA
CEDAE
DER
SECPLAN
GEROE
Instituições envolvidas diretamente no Componente de Reassentamento
SOSP
SECRETARIA
DE MEIO
AMBIENTE
20
Fonte: Geroe – Relatório mimeo – 1994 apud MANCINI, L i, Cimentando fendas
institucionais, 2004: 34.
13
A pesquisa Expectativa-ativa, desenvolvida pela GEROE em 1994, mostra as
funções de algumas das instituições envolvidas no projeto Reconstrução-Rio, no
segundo governo Leonel Brizola:
1) GEROE:
- Coube coordenar a implantação do programa e o desenvolvimento
das etapas e atividades previstas no plano e integrar as ações do
projeto visando à convergência de esforços entre os atores
envolvidos na execução;
- Auxiliar os órgãos executores no que diz respeito a licitações;
- Elaboração de minutas para contratar serviços e obras;
- Acompanhar o desenvolvimento físico-financeiro do projeto de
Reassentamento, visando a garantir o cumprimento do escopo;
- Compatibilizar física e socialmente a implantação do projeto com
as metas da administração estadual;
- Orientar os órgãos executores quanto à preparação e envio ao
GEROE das informações gerenciais do projeto;
- Elaborar pareceres conclusivos sobre as programações físico-
financeiras a serem encaminhadas para a Secretaria Estadual de
Planejamento Secplan, visando à implantação das obras e
serviços previstos;
- Registrar os documentos de prestação de contas e os pedidos de
liberação de recursos enviados pelos órgãos executores para
efeito de consolidação do desempenho financeiro do projeto;
- Verificar mensalmente o cumprimento das metas estabelecidas e
atender à demanda dos órgãos executores com relação a recursos
humanos suplementares para o necessário apoio à execução do
projeto.
21
2) Serla:
21
Pesquisa Expectativa-ativa. Arcabouço Institucional, 1994: 13.
14
- Identificar as áreas ocupadas a serem afetadas pelos projetos de
drenagem;
- Elaborar o cronograma físico-financeiro detalhado e seus ajustes
periódicos, encaminhando-os ao GEROE, para posterior
apreciação da Secplan;
- Elaborar os documentos de prestação de contas e emitir boletins
necessários a pedidos de liberação de recursos a serem
encaminhados às entidades financiadoras;
- Transferir os pagamentos de auxílio moradia aos ocupantes das
áreas onde haja aplicação desta alternativa para a transferência
das famílias;
- Participar das assembléias comunitárias;
- Arcar com as despesas relativas às mudanças das famílias
afetadas pelos projetos de drenagem;
- Promover as medidas necessárias para a proteção das áreas
desocupadas a fim de evitar novas invasões;
- Atender às solicitações da caixa Econômica Federal e do Banco
Mundial sobre o projeto, dando conhecimento ao GEROE;
- Urbanizar as faixas marginais dos rios para garantir a
manutenção das calhas e evitar futuras ocupações.
22
3) Sehaf (através da Cehab):
- Elaborar e executar os projetos urbanísticos (infra-estrutura e
residências), nas áreas próprias do Estado, encaminhando para
pedido de empenho o cronograma físico-financeiro e seus ajustes
periódicos para o parecer do GEROE e a apreciação da Secplan;
- Elaborar os documentos de prestação de contas e emitir os
documentos necessários ao pedido de liberação de recursos a
serem encaminhados às entidades financiadoras;
22
Idem. Ibidem.
15
- Proceder à licitação dos serviços e obras com base nos modelos-
padrão dos editais elaborados pelo GEROE e aprovados pelo
BIRD;
- Contratar, administrar e acompanhar os contratos de obras e
serviços sob sua responsabilidade, fiscalizando o desempenho das
contratadas;
- Tomar, junto aos órgãos estaduais, todas as providências
necessárias ao atendimento de suas atribuições legais para a
consecução dos projetos urbanísticos;
- Controlar o cronograma, o orçamento, a quantidade e qualidade
das obras e serviços de acordo com as especificações contratuais
e normas técnicas vigentes, mantendo o GEROE informado sobre
o andamento dos mesmos;
- Tomar, junto aos órgãos federais, estaduais e municipais, todas
as providências necessárias à aprovação e implantação da infra-
estrutura dos projetos;
- Elaborar documentação própria para a titulação dos imóveis junto
à população reassentada e promover as assinaturas contratuais
de compra e venda de imóveis junto às famílias.
23
4) CEDAE:
- Elaborar e executar os projetos complementares e necessários
para atender ao fornecimento de água e ao escoamento dos
esgotos das áreas urbanizadas e dos conjuntos habitacionais
implantados;
- Acompanhar o cronograma do projeto de reassentamento de
modo a evitar desvios às metas estabelecidas, transmitindo ao
23
Idem: 14.
16
GEROE, as informações sobre o andamento dos serviços e das
obras;
- Tomar, junto aos órgãos estaduais, todas as providências
necessárias ao atendimento de suas atribuições legais para a
execução dos serviços e atendimento às metas do projeto;
- Manter o GEROE informado sobre as etapas do projeto, dando
apoio na verificação in loco do andamento das obras e serviços.
24
5) Defesa Civil:
- Elaborar um plano emergencial de retirada;
- Buscar alternativas de abrigo emergencial caso houvesse novas
chuvas antes do remanejamento das famílias residentes em sua
maioria em áreas de risco.
25
Esta reformulação é de grande valia para regulamentar as responsabilidades
de cada ator envolvido e reduzir os trâmites internos. Mas, para isso, foi assinado
um “Termo de Resolução Conjunta” delimitando papéis e técnicos representantes
de cada instituição que integrariam o processo. O envolvimento do setor privado se
deu, principalmente, através de licitações públicas. As empresas contratadas
trabalhavam na elaboração e gestão de projetos, execução e fiscalização das obras
realizadas sob a coordenação dos órgãos executores envolvidos.
Em resultado de um longo processo de negociação, foram acordadas com o
movimento comunitário algumas premissas básicas
26
adotadas pelo projeto
Reconstrução-Rio:
a) A população seria transferida para local o mais próximo possível de
suas atuais residências, como forma de atenuar o impacto da
mudança;
24
Idem. Ibidem.
25
Idem: 15.
26
GEROE. Termo de Resolução Conjunta, 1994: 46.
17
b) A população diretamente envolvida, bem como suas entidades
representativas, participariam de todas as etapas do plano, com
vistas a alcançar soluções negociadas para os problemas;
c) As casas teriam no mínimo 44 m² de construção e o pagamento
das prestações não poderia ultrapassar 15% do salário mínimo, a
serem pagos em 48 meses;
d) A atribuição das casas na nova área consideraria a situação de
origem, como forma de manter as antigas relações de vizinhança;
e) Os novos conjuntos disporiam dos equipamentos comunitários
necessários à população;
f) Quando o reassentamento incluísse somente parte das
comunidades, as áreas liberadas após a execução da drenagem,
seriam destinadas a vias de acesso e equipamentos comunitários,
como forma de prevenir novas ocupações e beneficiar a população
remanescente;
g) Alguns trechos dos rios, que inicialmente previam drenagem,
seriam canalizados em concreto, reduzindo a área necessária para
as obras.
Este plano de reassentamento conduz ao debate sobre o papel das
instituições e da burocracia na implementação destes projetos habitacionais.
Todavia, vale acrescentar que a dificuldade inicial no relacionamento entre a
administração pública e o movimento comunitário e a limitação financeira do
Estado, somada à falta de terrenos públicos disponíveis próximos às áreas de
drenagem, fez com que o plano caísse em profundo descrédito diante da população
e do próprio BIRD.
A principal proposta do plano, que previa o financiamento de lotes
urbanizados para a autoconstrução, mostrou-se na verdade totalmente inexeqüível.
De acordo com Mancini, a renda média das famílias a serem reassentadas não
chegava a um salário mínimo, conforme pesquisa realizada pela Cehab-RJ durante
18
o cadastramento das casas afetadas, o que inviabilizaria o pagamento de
prestações, além da compra do material de construção para edificação das casas.
Além disso, não havia recursos no Estado, responsável pelo componente, para a
aquisição e urbanização de terrenos, e o tempo para a construção de mais de mil
casas através da autoconstrução seria incompatível com a necessidade de liberação
de frentes de obras para o componente de macrodrenagem.
27
Um fato importante para a reestruturação do projeto Reconstrução-Rio, após
o governo Moreira Franco, foi que após um longo processo de auditoria e
reformulação, já no meio da segunda administração de Brizola, o governo do
estado retoma o processo de discussão com os movimentos comunitários
organizados, representados pela Famerj e pelo Comitê de Saneamento com suas
Federações de Moradores, tendo como novo interlocutor do poder público o GEROE.
O Grupo Executivo e o projeto como um todo, nesta mudança de governo, passou
por uma completa reestruturação. De acordo com Mancini, a partir de uma nova
estrutura gerencial, bastante horizontalizada, com gerências específicas para cada
componente, a nova administração procurou mudar a concepção emergencial, dada
inicialmente ao projeto, para um programa de saneamento articulado com as
outras ações do governo, o que nem sempre foi possível executar. Nesta fase,
houve uma maior valorização do corpo técnico efetivo da administração pública,
com nomeação de técnicos requisitados de diversos órgãos executores, para fazer a
interlocução com todo o arcabouço institucional envolvido.
28
Com a retirada das
empresas terceirizadas da formulação política do projeto Reconstrução-Rio, no
governo Brizola, nas entrelinhas das permanentes contradições da política, a
burocracia técnica envolvida no componente de reassentamento, teve espaço
institucional para participar da formulação de uma política de reassentamento mais
27
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública: o Projeto Reconstrução-Rio do Governo do Estado do Rio de Janeiro,
2004: 91.
28
Idem: 92.
19
global para o estado.
29
Isso só foi possível porque a política gerencial do GEROE
deu espaço para a burocracia técnica e a própria população participarem da
formulação de política de reassentamento do governo.
30
Segundo Mancini:
A análise desta experiência reforça a idéia de que o peso da
burocracia na ineficiência das ações do Estado, ao contrário
do que apregoa a maioria da mídia e do setor privado, não é
determinado pelos técnicos ou pelos procedimentos e
regulamentos existentes, mas principalmente, pela política
administrativa de cada governo eleito e sua capacidade de
envolver a burocracia técnica em seus projetos.
31
Apesar de atrasos nos cronogramas das casas, o processo de transferência
das famílias se manteve constante pelos demais dois anos de governo. Entretanto,
com a proximidade de novas eleições, no final do governo Brizola, a maioria das
empreiteiras contratadas paralisou as obras. Somado a este problema havia a
incerteza com relação aos recursos do projeto, uma vez que o prazo estipulado pelo
BIRD para a conclusão das obras era Dezembro de 1994. Apesar dos grandes
percalços, pode-se afirmar que o Componente de Reassentamento do projeto
Reconstrução-Rio foi significativamente positivo, principalmente no que concerne à
participação popular no processo de gestão do poder público.
32
Papel das Instituições e da Burocracia Estatal na implementação de
programas habitacionais no estado do Rio de Janeiro
A presente pesquisa visa, através do estudo dos programas habitacionais
implementados entre os anos de 1983 e 1995, a desvendar algumas causas da
descontinuidade destes programas. Para isso, neste tópico elaborou-se uma análise
das principais dificuldades vivenciadas, ao longo destes 10 anos e três gestões,
quanto à implantação de tais programas, observando o papel da burocracia técnica
29
Idem: 93.
30
Idem: 94.
31
Idem. Ibidem.
32
Idem: 48-50.
213
YUKA, Cristiane. Trabalho apresentado ao Departamento de Economia e Administração da
Universidade Católica de Pernambuco a título de exigência da cadeira de Administração Geral
II, turma ME64 G-711 sob a orientação do professor José Baia. Recife, 12 de março de 2001.
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20
estatal e o papel das instituições ligadas a este processo. Para isso, será feita uma
breve passagem pelos tipos ideais weberianos de burocracia; a relação entre os
governantes e a burocracia expressa na relação agente-principal, exposta por
Marcus André de Melo; em seguida os tipos de burocracia para Edmundo Campos, e
para outros autores, com a finalidade de compreender em quais momentos a
burocracia se transforma em obstáculo para a implementação de políticas públicas
sociais. Após esta observação, será verificado o papel de algumas instituições neste
processo.
Uma das primeiras aplicações do termo Burocracia data do século XVIII,
quando o termo era carregado de forte conotação negativa, designando aspectos
de poder dos funcionários de uma administração estatal aos quais eram atribuídas
funções especializadas, sob uma monarquia absoluta.
33
Essa definição se encaixa
de forma muito próxima àquela hoje utilizada na linguagem comum: a Burocracia
como sinônimo de excesso de normas e regulamentos, limitação da iniciativa,
desperdício de recursos e ineficiência generalizada dos organismos estatais e
privados. Há uma influência recíproca entre capitalismo e burocracia. Sem a
organização burocrática, a produção capitalista nunca teria sido realizada. Por outro
lado, a base econômica capitalista é essencial para o desenvolvimento da
administração burocrática. Portanto, a palavra "burocracia" tem, no nosso dia-a-
dia, um sentido pejorativo. Chamamos de burocracia o exagero de normas e
regulamentos, a ineficiência administrativa, o desperdício de recursos. No entanto,
para a sociologia, esse termo tem um sentido especial. Desde que passou a ser
usado por Max Weber (1864 –1920), designa um modelo específico de organização
administrativa.
A Teoria da Burocracia concebida por Max Weber, é imediatamente posterior
às teorias Clássica e das Relações Humanas. Teve como ponto forte de origem a
necessidade de uma abordagem generalista e integrada das organizações, fator
praticamente não considerado pelas teorias anteriores. De um lado, a Teoria
21
Clássica, com suas suposições extremamente negativas em relação à natureza
humana, pregava uma administração centralizadora, total e exclusivamente
responsável pela organização e uso dos recursos da empresa, padronizando as
atividades e controlando-as através da persuasão, coação, punições e
recompensas. De outro, a Teoria das Relações Humanas considerava o homem
como sendo o maior patrimônio das organizações, sendo motivado a produzir por
sua própria natureza, enfatizando a descentralização e a delegação, a auto-
avaliação e a administração participativa.
34
Weber foi quem primeiro definiu a Burocracia não como um sistema social,
mas como um tipo de poder suficiente para a funcionalidade eficaz das estruturas
organizacionais, sejam estas pertencentes ao Governo ou de domínio econômico
privado. A característica principal da Burocracia, segundo Weber, reside na
racionalidade do ponto de vista das atividades desempenhadas na organização. Na
Burocracia, a liderança se dá tipicamente calcada em regras impessoais e escritas e
através de uma estrutura hierárquica; o poder é legítimo e depende exclusivamente
do grau de especialidade e competência técnica de quem o detém. Weber concebeu
a teoria da Burocracia como algo que tornasse a organização eficiente e eficaz,
garantindo com ela: rapidez; racionalidade; homogeneidade de interpretação das
normas; redução dos atritos, discriminações e subjetividades internas;
padronização da liderança (decisões iguais em situações iguais) e, mais importante,
o alcance dos objetivos. A Burocracia, em síntese, busca amenizar as
conseqüências das influências externas à organização e harmonizar a especialização
dos seus colaboradores e o controle das suas atividades de modo a se atingir os
objetivos organizacionais através da competência e eficiência, sem considerações
de natureza pessoal.
35
Segundo Cristiane Yuka, para Weber a burocracia constitui a forma de
organização eficiente por excelência, apresentando como principais vantagens a
34
Idem. Ibidem.
35
Idem. Ibidem.
22
racionalidade, a precisão, a univocidade de interpretação, uniformidade de rotinas e
procedimentos, constância e continuidade, entre outras; Merton, de outra parte,
identifica conseqüências imprevistas ou disfunções que conduzem à ineficiência da
organização burocrática.
36
Tais anomalias de funcionamento da estrutura
burocrática decorrem, segundo o autor, da interação do elemento humano com o
modelo burocrático preestabelecido.
Para Weber, a burocracia é uma organização cujas conseqüências desejadas
se resumem na previsibilidade do seu funcionamento no sentido de obter a maior
eficiência da organização. Na burocracia existem duas conseqüências previstas e
imprevistas, que receberam o nome de Disfunções da burocracia, ou seja,
anomalias e imperfeições no funcionamento da burocracia.
37
Para o autor, as
Disfunções da Burocracia são as seguintes:
1- Exagero do apego aos regulamentos;
2- Excesso de formalismo e de papelório;
3- Resistência a mudanças;
4- Despersonalização do relacionamento;
5- Categorização como base do processo decisória;
6- Superconformidade às rotinas e procedimentos;
7- Exibição de sinais de autoridade;
8- Dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o público.
Weber, no entanto, já observara a fragilidade da estrutura racional.
Conforme Etzioni, numa organização burocrática ocorre um dilema típico: por um
lado, atuam constantes forças exteriores à estrutura, para encorajar o burocrata a
seguir normas diferentes das estatuídas para a organização; e, por outro, ocorre
uma tendência ao enfraquecimento do compromisso dos subordinados com as
36
MERTON, R. K. Estrutura burocrática e personalidade, 1978.
37
WEBER, M. Os fundamentos da organização burocrática, 1976: 15-28.
23
regras burocráticas.
38
Assim, em face do elevado nível de renúncia necessário à
manutenção da capacidade de restringir-se às normas, "as organizações
burocráticas tendem a se desfazer, seja na direção carismática, seja na tradicional,
em que as relações disciplinares são menos separadas das outras, mais naturais e
afetuosas".
39
De acordo com o que foi dito, é possível considerar que a organização
burocrática é super-racionalizada. As vantagens da burocracia têm sido
exageradas. Pode-se constatar que sistema burocrático consegue sobrevivência e
eficiência apenas quando: as tarefas individuais são mínimas; as exigências do
ambiente sobre a organização são claras e suas implicações óbvias; a rapidez em
tomada de decisões é um requisito de importância; e as circunstâncias
organizacionais se aproximam das do sistema fechado.
40
Marcus André de Melo mostra que uma das principais formas de conflito na
relação agente-principal (governante-governado) no Estado moderno diz respeito à
relação entre os políticos e a burocracia, ou seja, como os governantes podem
controlar a burocracia. O autor relata que o controle do Executivo sobre a
burocracia assumiu historicamente três formas: na primeira forma histórica, o
controle patrimonialista do acesso aos cargos públicos, onde o controle sobre a
burocracia confundia-se com o próprio poder do governante, determinando os
traços gerais do padrão existente formato personalista de recrutamento,
inexistência de requisitos de escolaridade ou proficiência e instabilidade da
burocracia enquanto estamento. O autor diz que nesse quadro os problemas
agente-principal, no relacionamento entre o Executivo e a burocracia, eram
minimizados, embora abundassem distorções de outras formas, como, por
38
Etzioni, A. Organizações Modernas, 1976: 85.
39
Idem. Ibidem.
40
YUKA, C. Trabalho apresentado ao Departamento de Economia e Administração da
Universidade Católica de Pernambuco a título de exigência da cadeira de Administração Geral
II, turma ME64 G-711 sob a orientação do professor José Baia. Recife, 12 de março de 2001.
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24
exemplo, a ineficiência sistêmica. Na segunda forma histórica, as burocracias se
profissionalizaram, adquirindo autonomia, estabilidade e se tornaram relativamente
insuladas do processo político. Para o autor, a formação dessas burocracias resultou
de um processo amplo de despatrimonialização do Estado e que equivale ao
processo de construção de burocracias “weberianas”, considerando que foi o
paradigma weberiano que informou as reformas administrativas que foram
implementadas em muitos países capitalistas avançados, entre 1880 e 1930,
resultando em uma segunda onda de reformas no pós-guerra. O autor conclui,
assim, que é neste contexto de independentização de burocracias que surgem
problemas agente-principal na relação entre governantes e a burocracia. Em um
terceiro momento, o modelo weberiano tende a ser substituído por um paradigma
pós-burocrático, na década de 1970, caracterizado por uma segunda onda de
reformas voltada para a criação de padrões empresariais, inovadores e flexíveis,
isto é, não padronizados. A partir daí, observa-se uma necessidade de “politizar a
burocracia”, tornando-a mais accountable.
41
Nas palavras do autor, a estratégia
agora consistia em alinhar os interesses de burocracias não-eleitas (agentes) de
representantes eleitos, no Parlamento e no Executivo:
42
Essa estratégia reflete, entre coisas preocupação com
custos, etc. uma necessidade de “politizar a burocracia”,
no sentido mais amplo do termo, tornando-a mais
accountable. Nesse sentido, inverte-se a equação histórica:
a promoção da accountabillity, na primeira fase, era
perseguida a partir da eliminação de personalismos de
Executivos pouco democráticos, e conseqüente viabilização
do profissionalismo. Na terceira fase, a promoção da
accountabillity, ao contrário, seria alcançada pela
implementação de mecanismos que permitissem reverter o
excesso de insulamento de burocracias e não produzissem
resultados. Nesse sentido, a estratégia consistia em alinhar
41
Accountability é um conceito da esfera HéticaH com significados variados. Freqüentemente
é usado em circunstâncias que denotam Hresponsabilidade socialH, imputabilidade,
obrigações e prestação de contas. Na administração, a accountability é considerada um
aspecto central da HgovernançaH, tanto na esfera HpúblicaH como na HprivadaH, como a
HcontroladoriaH ou Hcontabilidade de custosH. Segundo Schedler, na prática, a
accountability é a situação em que "A reporta a B quando A é obrigado a prestar contas a B
de suas ações e decisões, passadas ou futuras, para justificá-las e, em caso de eventual má-
conduta, receber punições." Ver SCHEDLER, A Conceptualizing Accountability, 1999: 13-28.
42
MELO, M. Governance e reforma do Estado: o paradigma agente-principal, 1996: 73.
25
os interesses de burocracias não-eleitas (agentes) de
representantes eleitos (no Parlamento e no Executivo).
43
Diferentemente do senso comum, Weber vê o tipo ideal da burocracia como
representação de precisão, rapidez, ausência de ambigüidade, redução de atritos e
dos custos de material e pessoas. Segundo Weber, esta burocracia positiva está
marcada pela neutralidade política, diminui os conflitos, e conseqüentemente
atende ao sistema político democrático:
[...] o fato de que a organização burocrática constitua o
instrumento de poder tecnicamente mais desenvolvido, em
mãos de quem dele dispõe nada diz sobre a vigência que a
burocracia como tal possa imprimir as suas concepções
dentro da correspondente estrutura social.
44
Porém, é preciso lembrar que, embora a burocracia seja indispensável nas
sociedades modernas, como condição de funcionamento da vida moderna, a
organização burocrática criou novos problemas para a vida em sociedade. Sendo
assim, Schumpeter sintetiza a nova burocracia:
Não é suficiente que a burocracia deva ser eficiente na
administração corrente e competente na assessoria. Ela
também deve ser suficientemente forte para guiar e, se
necessário, instruir os políticos que dirigem os ministérios.
Para poder fazer isso, ela deve estar em posição de criar
princípios próprios e ser suficientemente independente para
afirmá-los. Ela deve ser um poder em si mesma.
45
Edmundo Campos, em seu estudo sobre a Sociologia da Burocracia,
46
aponta o caráter burocrático como um dos traços distintivos das sociedades
modernas, e lembra que, embora indispensável nas condições de funcionamento da
vida moderna, a organização burocrática criou graves problemas e situações novas
para a vida em sociedade. Campos destaca dois tipos de burocracia: a burocracia
necessária, sem a qual as organizações se perderiam na improvisação e no arbítrio;
e a burocracia cautelar ou pleonástica, que sufocaria os resultados funcionais a que
43
Idem: 74.
44
WEBER, M. Economia y Sociedade, 1964: 744.
45
SCHUMPETER, J. Capitalism, socialism and democracy, 1975: 293 apud MELO, M. A
política da ação regulatória: responsabilização, credibilidade e delegação, 2001: 60.
46
CAMPOS, E. Sociologia da Burocracia: introdução.
26
os cidadãos e os consumidores têm direito. O autor argumenta que a
indispensabilidade da burocracia conduz ao desenvolvimento de uma ética
profissional em que os valores seriam os da autoridade autônoma. Contudo, este
tipo de burocracia técnica tem pouca autonomia e segurança profissional que
facilitem a formulação de políticas públicas mais consistentes e com continuidade.
Ao observarmos estas definições, nos questionamos: qual o verdadeiro papel
da burocracia e das instituições na implementação dos programas habitacionais
neste período? De acordo com Mancini, no projeto Reconstrução-Rio, apesar do
grande arcabouço institucional da estrutura formal do governo do estado, o GEROE
por ser um grupo executivo e transitório criado através de decreto do
governador só conseguiu avanços significativos nos momentos em que
estabeleceu ligações informais com estas instituições. A autora considera que
muitas dessas relações eram estabelecidas a partir de conhecimentos
absolutamente pessoais dos técnicos e de alguns dos dirigentes do Grupo e dos
Órgãos e Instituições executoras. Assim, essas relações informais eram realizadas
diretamente com os técnicos dos órgãos financiadores e executores com suas
empreiteiras, gerenciadoras e supervisoras terceirizadas assim como, também
foram estabelecidas com as representações comunitárias e as organizações não
governamentais da região do projeto. Segundo Mancini, estas relações informais
alteraram-se em cada uma das três administrações onde atuaram no projeto
analisado. Contudo, em todos os três governos estaduais envolvidos, houve, em
diferentes níveis de hierarquização, freqüentes atritos e vários problemas com a
estrutura institucional formal do Estado. A autora considera que esse arcabouço
institucional, formalmente envolvido através de contratos e regulamentos
operacionais, pelo peso de sua estrutura organizacional, pela falta de comunicação
e, principalmente, de integração política, acabou na prática sendo excluído do
processo de implementação e principalmente formulação desse e de outros grandes
projetos governamentais.
47
47
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 72-73.
27
Durante o projeto Reconstrução-Rio, pode-se dizer que a ação prática da
burocracia resultou em mudanças concretas na política de Estado, sem
comprometer, contudo, a proposta política do governo. A burocracia técnica
permitiu imprimir alguns procedimentos e padrões permanentes ao Estado, que
levaram à maior agilidade da ação governamental e a uma menor resistência por
parte das famílias favorecidas. A experiência de planejar e decidir a ação e a
política de reassentamento de forma participativa garantiu que, a partir deste
projeto, ficasse padronizado que todas as casas populares, produzidas pelo governo
do estado para esse fim, deveriam ter no mínimo 44m², ficarem o mais próximo da
área de origem e seu pagamento seria de no máximo 15% do salário mínimo,
conforme acordado com o movimento popular naquela época.
48
Segundo Mancini, a terceirização da política e do processo de planejamento
das ações levou a significativos atrasos e a elaboração de muitos projetos
inexeqüíveis e de difícil manutenção e prática, por falta de informação sobre os
recursos e o modus operandi das instituições envolvidas. Este quadro só foi
revertido mais adiante, quando uma estrutura horizontal foi montada no GEROE,
permitindo à burocracia técnica utilizar suas ligações e canais informais e com base
nessa troca muitas vezes reescrever o desenho e a própria política do programa
que deixou de ser emergencial para ser mais sistêmico e holístico.
49
No início do projeto Reconstução-Rio, existia uma grande resistência
institucional para implantar o componente de reassentamento, principalmente por
parte da Cehab-RJ, que mesmo sendo responsável pelo reassentamento, demorou
quase dois anos para começar a participar efetivamente do projeto. Essa
persistente resistência institucional, deve-se, em primeiro lugar, ao objetivo central
da criação da Cehab-RJ, que sempre foi o de remoção. Em segundo lugar, para a
48
Idem: 75.
49
Idem: 76.
28
maioria dos profissionais, principalmente os Orientadores Habitacionais
50
, a política
de atuar somente em áreas não regularizadas prejudicaria a Cehab-RJ
financeiramente e colocaria a companhia em risco de ser fechada por falta de
arrecadação.
51
Estes Orientadores Habitacionais sempre tiveram grande peso
político, por terem sido contratados em sua maioria por indicações políticas, sempre
fizeram campanhas eleitorais nas dezenas de conjuntos habitacionais, apesar de
acreditarem na completa incapacidade da população de baixa renda para opinar
sobre os projetos a serem adotados. Esses profissionais vieram perdendo seu peso
político ao longo dos anos e, principalmente após a entrada do primeiro governo
Leonel Brizola, quando muitos foram demitidos por pouca qualificação técnica.
Mancini destaca que esses profissionais sempre foram contrários à ação da
Cehab_RJ em áreas não regularizadas, sejam os projetos de regularização
fundiária, a exemplo do programa “Cada Família, Um Lote”, seja por projetos de
construção de conjuntos para programas de reassentamento, por entender que
estes projetos gerariam problemas financeiros, descaracterizando o papel da
Cehab-RJ de agente financeiro do SFH.
52
Além da resistência por parte da burocracia técnica da Cehab-RJ, durante a
segunda fase do programa, a política de alianças do governo Moreira Franco levou a
que cada uma das seis diretorias e a própria presidência da Companhia fossem
ocupadas por representantes de partidos diferentes, criando na prática sete
Cehabs, que, em decorrência da diversidade de partidos, vivia em clima de
constante disputa política. Mancini considera que no projeto Reconstrução-Rio o
“loteamento” da máquina pública e as disputas intergovernamentais, tão comuns
na implementação dos grandes projetos urbanos integrados, não permitiram a
continuidade dos projetos previstos nos vários Componentes. Além disso, na
50
Os Orientadores Habitacionais eram profissionais de nível médio, contratados pelo governo
Chagas Freitas, que atuaram durante muitos anos como “xerifes” dos conjuntos habitacionais
construídos pela Cehab.
51
Idem: 78.
52
Idem: 79.
29
primeira fase do projeto, o GEROE foi extremamente privatizado. A privatização da
formulação da política do projeto e a falta de envolvimento da burocracia técnica
das instituições diretamente envolvidas levaram à perda de grande parte da
memória técnica do projeto por ocasião da mudança administrativa.
53
Mancini acrescenta que o impacto dessas mudanças político-administrativas
nas diretrizes dos grandes projetos urbanos costuma ser imenso, principalmente
pela falta da institucionalização dessa memória técnica e dos chamados padrões
burocráticos. Segundo a autora, esta falta de articulação entre as instituições
envolvidas no Reconstrução-Rio criou muitas vezes vazios ou sobreposições de
funções institucionais, gerando freqüentemente grandes disputas
intergovernamentais na implementação de seus componentes.
54
Uma breve passagem pelo Programa Favela-Bairro da Prefeitura do Rio de
Janeiro (1995)
Vale aqui, abrir um pequeno parêntese e destacar, no plano das políticas
habitacionais da época, o programa Favela-Bairro. O programa se originou de um
convênio assinado em 1995 entre o município do Rio de Janeiro e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento —BID, visando principalmente à urbanização
e, apenas complementarmente, à regularização urbanística e fundiária e ao
desenvolvimento de programas de geração de emprego e renda. Segundo
Compans, com efeito, as ações previstas no referido convênio, concernentes à
regularização fundiária, elaboração de projetos de alinhamento e reconhecimento
de logradouros públicos em cerca de 60 favelas beneficiou uma população de
aproximadamente 220.000 pessoas. O procedimento para regularização inicia-se
com um “protocolo de intenções” assinado entre a prefeitura e o morador
beneficiário, no qual o segundo declara estar ciente da implantação do programa na
comunidade e de seus benefícios, comprometendo-se a “zelar pela preservação dos
53
Idem: 80.
54
Idem: 81.
30
princípios que nortearão a execução do projeto urbanístico” e a não executar obras
de modificação ou acréscimo em sua unidade habitacional”.
55
Compans destaca ainda, que o morador compromete-se a zelar pelo não
crescimento do número de unidades na favela, juntamente com seus vizinhos e
com a Associação de Moradores, devendo comunicar ao município casos de invasão
ou ampliação sem prévia autorização, bem como qualquer ato contrário à execução
do programa. Em contrapartida, a prefeitura compromete-se a reconhecer a posse
da área ocupada e sua regularização fundiária. Quanto às favelas que ocupam
terrenos particulares, a Secretaria Municipal de Habitação se limita a realizar
pesquisas para a identificação da propriedade, demarcação de lotes, cadastramento
de moradores, de maneira a permitir a plotagem das plantas cadastrais e, assim,
facilitar o processo de usucapião.
56
Em 1994, a promessa de uma cidade melhor para todos, isto é, a tarefa de
democratização da cidade, ainda consistia em um enorme desafio. Basta observar a
escala demográfica dos excluídos: dados de 1991 indicam que 962.793 habitantes
vivem em favelas na cidade do Rio de Janeiro; 944.200 em conjuntos
habitacionais; e mais de 381.345 em loteamentos irregulares de baixa renda;
portanto, um total de 2.288.338 habitantes, cerca de 40% da população.
57
Marcelo Baumann diz que é neste contexto de extrema complexidade que se
insere o programa Favela-Bairro, ora em execução pela prefeitura da cidade do Rio
de Janeiro. Segundo o autor, a realização de políticas sociais desconectadas da
atenção aos direitos civis tem sido marca característica da ação do poder público na
cidade do Rio de Janeiro. Por isso, pode-se afirmar que uma das questões centrais
a ser enfrentada pelo desafio de integrar a cidade é a deficiente articulação política
e administrativa entre o governo do estado e o governo municipal. Segundo
55
COMPANS, R. A regularização fundiária de favelas no Estado do Rio de Janeiro, 2006: 47.
56
Idem: 48.
57
Iplanrio. Anuário estatístico, 1993: 125, 269, 312-313 apud BAUMANN, M. Dos Parques
Proletários ao Favela-Bairro: 45 apud ZALUAR & ALVITO, Um século de favela, 2004.
31
Baumann, o programa Favela-Bairro surge no âmbito desse processo de redefinição
das atribuições da prefeitura.
58
Baumann destaca que uma das características do programa Favela-Bairro é
que, talvez por ter sido elaborado com pouca exposição aos atores políticos, sem
partidos e sem organizações sociais, o programa saiu quase direto das mãos dos
arquitetos e técnicos da prefeitura para as favelas, abrindo-se apenas, à mediação
política do prefeito e seus subprefeitos na fase final de seleção das favelas
contempladas.
59
O autor conclui sua análise do programa, destacando que na falta de canais
mais apropriados, a luta por direitos encontrou no programa Favela-Bairro um
grande aliado, pois através do programa, o poder público aproxima-se dos
excluídos, através da incorporação de algumas dimensões, tais como a questão do
desemprego, a necessidade de estímulo à geração de renda, e pode acompanhar de
perto o que já não se consegue expressar na arena política.
60
O autor ainda
acrescenta que:
Essa potencialidade do programa conheceria maior
desenvolvimento se seus gestores dela tivessem consciência
e se, de outro lado os atores políticos, inclusive a oposição,
entendessem que a moldura política e institucional do
Favela-Bairro não é obra exclusiva da administração
municipal que o concebeu, mas reflexo de uma vontade
política mais ampla, que expressa uma mudança de
orientação de parcela significativa da sociedade carioca em
relação aos excluídos.
61
Balanço do programa Favela-Bairro
62
As políticas habitacionais e demais iniciativas governamentais, de provisão de casas
e de infra-estrutura urbana, nunca foram suficientes para atender à demanda. Um
58
BAUMANN, M. Dos Parques Proletários ao Favela-Bairro: 45-46 apud ZALUAR & ALVITO,
Um século de favela, 2004.
59
Idem: 51.
60
Idem. Ibidem.
61
Idem: 52.
62
Mais detalhes sobre o programa em entrevista com Jozé Cândido de Lacerda, Anexo 2.
32
número cada vez crescente de ocupações aonde a legislação não permitia “cidade”,
determinou a constituição, em 1993, do grupo Especial de Assentamentos
Populares – GEAP – cujo trabalho resultou no programa “Favela-Bairro”. Construir
“cidade” onde havia “casa” foi uma das premissas desta iniciativa do governo
municipal que, ao longo dos últimos dez anos transformou cerca de 100 favelas em
bairros, atendendo a uma população de 120 mil habitantes.
Obras de implantação de uma rede viária que permitisse o acesso aos
serviços públicos de água, esgoto, drenagem, iluminação pública, coleta de lixo
domiciliar, complementaram-se com a construção de equipamentos comunitários –
creche, posto de saúde, quadras esportivas, oficinas de geração de renda, entre
outros. Vários escritórios multidisciplinares, escolhidos por concurso público de
metodologia e coordenados pela Secretaria Municipal de Habitação, elaboraram
planos de intervenção, iniciativa até então inédita na cultura urbanística brasileira.
Considerando-se a dificuldade de elaboração de bases cartográficas, de
consolidação de uma metodologia e de definição de soluções possíveis, o programa
representou o trabalho simultâneo em várias áreas na cidade. Aos recursos
próprios do Município, destinados para as 15 primeiras favelas, somaram-se os
provenientes de convênios com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
União Européia e Banco Mundial (BIRD).
Do ponto de vista da inclusão social – e não só urbanística – foram criados
programas ligados, por exemplo, à geração de renda, ao esporte e lazer, gari
comunitário e reflorestamento de encostas. Foi criada também, uma linha de micro-
crédito destinada à reforma e construção de casas e a iniciativas de trabalho.
O grande desafio se tornou, na realidade, o acompanhamento e controle da
expansão das áreas beneficiadas pelo programa. Denominados Pousos, o Postos de
Orientação Urbanística e Social, hoje subordinados à Secretaria Municipal de
Urbanismo, têm como atribuição final a regularização urbanística através da
concessão – por domicílio – de um documento denominado “habite-se”. A
regularização fundiária é feita posteriormente e na esfera do direito privado.
33
Habite-se, deriva de habitar, ter condições de moradia salubre, saudável,
suficientemente iluminada e arejada. Aquilo que resulta, nos procedimentos da
cidade formal, da aprovação de um projeto, após o trâmite através de vários
órgãos – corpo de bombeiros ou proteção de bens culturais, por exemplo – e do
atendimento a um grande número de legislações específicas é, para estas áreas
declaradas “Áreas de Especial Interesse Social”, um procedimento à posteriori. A
nova legislação resulta da elaboração de um mapa cadastral contendo a definição
de espaço público, o uso e ocupação do solo, os limites para a expansão vertical e
horizontal e a identificação das áreas de risco geológico. Cabe aos Pousos a
elaboração e fiscalização destes parâmetros, a articulação com os vários órgãos
responsáveis pela manutenção física e a promoção social. O veto das construções
irregulares não tem sido complementado, infelizmente, e em algumas situações,
com ações de demolição.
63
Os principais feitos do programa são:
64
2,28 milhões m² de ruas pavimentadas (05 Pontes Rio–Niterói).
636 mil m² de áreas de lazer (90 Maracanãs).
678 mil m de redes de água.
731 mil m de redes de esgoto (maior que a distância Rio–São Paulo).
291 mil m² de contenção de encostas.
380 mil m de redes de drenagem.
173 mil m² de edificações.
378 praças.
28 mil pontos de luz.
40,6 mil árvores/mudas plantadas.
63
SALOMON, M.H.R. Programa Favela-Bairro: construir cidade onde havia casa. O caso de
Vila Canoa. Arquitextos, 2005.
64
Site da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Hhttp://www.rio.rj.gov.br/habitat/favela_bairro.htm#
H, Dados de setembro de 2007.
Acesso em 10/09/2007.
34
45 comunidades atendidas pelos Postos de Orientação Urbanística e Social
(Pousos).
81 creches.
111 quadras de esporte.
25.102 domicílios em 934 ruas legalizadas.
11 mil pontos de coleta de lixo.
22,3 mil pessoas reassentadas.
Atendimento a criança e o adolescente
9,7 mil crianças atendidas nas creches.
5,4 mil crianças e jovens de 4 a 14 anos atendidos pelos programas
Sociais.
2,1 mil agentes jovens.
61,5 mil crianças e adolescentes atendidos em programas de combate ao
extremo risco social.
510 pessoas atendidas pelo projeto Mãe Crecheira.
Geração de trabalho e renda
12,8 mil pessoas atendidas nos cursos de aumento de escolaridade.
15,4 mil pessoas atendidas pelos cursos profissionalizantes.
30 centros de informática beneficiando 97,6 mil pessoas.
14,1 mil pessoas atendidas pelo programa de Orientação para
Integração Econômica.
02 cooperativas populares em processo de formação.
Segundo Cardoso, o Favela-Bairro e outros programas similares, que
trabalham fortemente sob o viés físico-territorial, delimitando as áreas ocupadas
pela população de baixa renda como de interesse social, a fim de regularizá-las,
tendem a direcionar suas ações à visibilidade de obras de infra-estrutura e ao
35
discurso da inserção dessas ocupações ao restante da cidade na forma em que se
apresentam, com algumas melhorias.
65
Considerações finais
No capítulo 4, foi observado o quadro político nacional nas eleições presidenciais de
1989. Em seguida, realizou-se um levantamento da situação habitacional na cidade
do Rio de Janeiro no início dos anos 1990 e foi feita uma breve análise das eleições
estaduais de 1990. Partindo daí, abordou-se o segundo governo Brizola, com
ênfase no Projeto Reconstrução-Rio (1991-1995). Ao final do capítulo, observando
os projetos habitacionais de grande porte, apresentados pelos governos Moreira
Franco e Leonel Brizola, faz-se uma discussão sobre o papel das instituições e da
burocracia estatal na implementação de programas habitacionais no estado do Rio
de Janeiro, observando sua influência sobre a concepção e a implementação de
programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro. O capítulo se fecha com uma
breve passagem pelo programa Favela-Bairro (1995).
Apesar de todos os percalços vivenciados pelo projeto Reconstrução-Rio, a
experiência adquirida no processo de sua implementação, deve ser analisada como
um importante aprendizado em gestão pública e principalmente democrática. Esse
amadurecimento foi visível em todos os setores envolvidos, tanto da administração
pública estadual, com seus governantes e sua burocracia técnica, quanto para os
órgãos financiadores e para a sociedade civil organizada envolvida nesse
processo.
66
Ao observar o projeto Reconstrução-Rio, é possível perceber a grande
distância entre a ação da burocracia administrativa, apresentada na época da sua
implementação, e o modelo proposto pelo tipo ideal weberiano. Segundo Mancini, a
realidade brasileira, onde o planejamento praticamente não existe e as
descontinuidades de projetos públicos não sofrem conseqüências legais, determina
65
CARDOSO, A. L. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003: 77-78.
66
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 100.
36
a dificuldade que tem essa “nossa” burocracia em trabalhar dentro de normas e
padrões tão isentos de um “olhar mais político”. O que se verifica também, é que,
na prática, a postura mais política dos técnicos da burocracia durante o projeto,
atuando nas fendas institucionais dos governos, contribuiu significativamente para
a continuidade e o aprimoramento do projeto. O modelo adotado pelo projeto
analisado aponta também para a necessidade de se discutir mais profundamente o
melhor modelo de gestão para os grandes projetos urbanos públicos.
67
Foi possível observar também que a participação social, desde o momento
da concepção inicial de um projeto público, amplia muito as perspectivas de
sucesso das soluções democraticamente apontadas. Dentre as perspectivas
analisadas, vê-se como consensual que, para potencializar a participação, faz-se
necessário superar o desenho formal, de simples consulta e aprovação,
estabelecido pela maioria dos projetos públicos que se propõem participativos.
68
Vale destacar a importância de alguns técnicos envolvidos nas negociações
com a comunidade. Alguns técnicos, principalmente do GEROE e da Serla,
apareceram nas entrevistas junto às lideranças comunitárias, como os verdadeiros
responsáveis pelo entendimento e pela integração das ações do projeto
Reconstrução-Rio. Isso ocorre porque o peso de práticas governamentais
desarticuladas aumenta a necessidade da intervenção de uma burocracia técnica de
carreira, mais forte e mais eficiente.
69
É importante ressaltar que o Estado deveria capacitar os técnicos de sua
burocracia para lidar como uma gestão democrática. Mancini conclui que:
É importante que os técnicos sejam capacitados para
tomarem decisões de forma coletiva, mas no menor tempo
para a solução dos problemas. É preciso que a burocracia
técnica aprenda a aliar o seu saber técnico ao tempo dos
governos e ás necessidades da população. Que ela aprenda
a conviver melhor e a tirar mais proveito da diversidade de
idéias e experiências, tanto dos governantes que passam
pelas diversas administrações, quanto pelas populações alvo
67
Idem: 102.
68
Idem: 111.
69
Idem: 112-113.
37
dos projetos governamentais. A política precisa passar a ser
vista pela burocracia técnica não mais unicamente como o
terreno do oportunismo, mas como sinônimo do agir
humano. Afinal são os acordos e compromissos políticos que
definem grande parte das decisões governamentais.
70
Enfim, afirmamos aqui a necessidade de que os administradores e técnicos
dos nossos governos rompam com a nossa secular tradição autoritária e aprendam
a ouvir mais os beneficiários e instituições envolvidas na elaboração de seus
projetos.
Mancini considera que, geralmente, os governos que formulam grandes
projetos, principalmente os realizados com empréstimos internacionais, não têm
oportunidade de implantá-los, já que eles são previstos para serem executados
num período normalmente superior ao mandato do governante que o está
propondo. Na maioria dos grandes projetos de urbanização integrada, existem
arranjos institucionais baseados exclusivamente em articulações pessoais dos
técnicos envolvidos profissionais que, em sua maioria, têm mais de 15 anos de
trabalho para o poder público, Federal, Estadual ou local, se conhecem e têm
conhecidos em comum e trocam muitas informações políticas. Com freqüência,
estes técnicos trabalham juntos nos grandes projetos do Estado. Mancini chama
estes profissionais de “burocracia de elite”. Estes técnicos costumam ser
politicamente muito bem articulados, porém, quando não há articulação partidária
com o governo em vigor, são vistos com desconfiança nas mudanças
administrativas, e correm o risco de serem recolocados em seus antigos cargos.
71
Nos períodos de transição eleitoral esses técnicos são acionados para checar
informações repassadas por outros técnicos da própria instituição ou suas
terceirizadas, e só após a acomodação dos pedidos políticos, esses profissionais da
burocracia, barganhando suas informações técnicas em troca de espaço de
trabalho, conseguem abrir algum espaço real na formulação da política e
principalmente da ação governamental. A autora considera que isso ocorre
70
Idem: 115.
71
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 74.
38
normalmente quando a máquina pública começa a não dar respostas idealizadas ao
longo das campanhas políticas a despeito da colaboração ideológica.
72
Segundo Campos, a indispensabilidade da burocracia conduz ao
desenvolvimento de uma ética profissional cujos valores seriam os da autoridade
autônoma. Entretanto, esta burocracia técnica, que não tem um plano de carreira
que a permita atuar sem depender unicamente de indicações, que tem poucos
instrumentos de trabalho e principalmente que não tem poder político para garantir
um planejamento público a longo prazo, tem de fato pouca autonomia e
principalmente segurança profissional, que facilitem a formulação de políticas
públicas mais consistentes e com continuidade.
73
Considerações finais da pesquisa
No decorrer da pesquisa foi possível constatar que, no Brasil, existem duas formas
claras de produção de habitação, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do
ponto de vista do significado da ação do Estado. Por um lado, há a intervenção
institucional que, no período estudado, foi feita através do Sistema Financeiro de
Habitação. Segundo o ensaio sobre habitação popular da cidade do Rio de Janeiro,
organizado pelo Instituto de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, esta
intervenção, levada adiante de maneira vertical, centralizada e com regras
basicamente definidas pelo próprio órgão interventor, caracteriza uma política
habitacional vinculada a uma política econômica. Tal fato gerou uma produção
habitacional de resultados questionáveis, não só em termos de quantidade, visto
que se produziu muito pouco em relação às necessidades de habitação da
sociedade brasileira, como em termos da própria qualidade e da forma de
72
Idem. Ibidem.
73
Ver CAMPOS, E. Sociologia da Burocracia: introdução, 1966
39
relacionar o Estado com o usuário, que seria hipoteticamente o beneficiário desta
política.
74
Por outro lado, há o processo autônomo de produção de habitação, realizado
em terrenos legalizados —que são os loteamentos de periferia— ou em terrenos
ilegais, que são as favelas. Nos loteamentos de periferia, a produção é feita
basicamente através da autoconstrução, sem nenhum apoio do Estado. A
construção tem qualidade sofrível e está vinculada a uma forma especulativa de
ocupação da terra. A produção da favela, ainda mais “marginal”, é feita em
terrenos ilegais onde, também através do esforço individual do morador, ocupam-
se áreas, constroem-se barracos e depois casas, dependendo da situação de
implantação. De qualquer forma, ambos os casos citados se caracterizam, de modo
geral, pela insuficiência ou mesmo pela omissão, no que diz respeito à intervenção
do Estado.
75
Após esta incursão à história dos programas habitacionais de caráter popular
no estado e na cidade do Rio de Janeiro, destacamos o período entre 1983 e 1995,
como fase de grande importância no que concerne à elaboração e implementação
de tais programas, com destaque para o programa “Cada Família, Um Lote” e o
projeto Reconstrução-Rio. Antes de avaliarmos estas duas políticas, vale relembrar
que na segunda metade dos anos 80, a crise do Sistema Financeiro de Habitação e
a extinção do Banco Nacional de Habitação criaram um vácuo com relação às
políticas habitacionais, através de um processo de desarticulação progressiva da
instância federal, com fragmentação institucional, perda de capacidade decisória e
redução significativa dos recursos disponibilizados para investimentos na área.
76
Desta forma, desde a data de extinção do BNH em 1986, até 1995, quando tem
início uma reestruturação mais consistente no setor, a política habitacional foi
74
BONDUKI, N. Processos alternativos de produção de habitação. Apud IPLANRIO. Morar na
metrópole. Ensaios sobre habitação popular no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1988: 90-91.
75
Idem. Ibidem.
76
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 3.
40
regida por vários órgãos que se sucederam ao longo do período, sem que se
conseguisse resultados efetivos.
77
Segundo Arretche:
Na verdade, na assim chamada Nova República, as áreas de
habitação e desenvolvimento urbano percorreram uma longa
via-crucis institucional. Até 1985, o BNH era da área de
competência do Ministério do Interior. Em Março de 1985,
foi criado o Ministério do Desenvolvimento Urbano e meio
Ambiente —MDU, cuja área de competência passou a
abranger as políticas habitacional, de saneamento básico, de
desenvolvimento urbano e do meio ambiente. Em Novembro
de 1986, com a extinção do BNH e a transferência de suas
atribuições para a caixa Econômica Federal, a área de
habitação permanece vinculada ao MDU, mas é gerida pela
CEF que, por sua vez, não está concernida a este Ministério,
mas ao Ministério da Fazenda. Em março de 1987, o MDU é
transformado em Ministério de Habitação, Urbanismo e Meio
Ambiente —MHU, que acumula, além das competências do
antigo MDU, a gestão das políticas de transportes urbanos, e
a incorporação da CEF. Em Setembro de 1988, ocorrem
novas alterações: cria-se o Ministério da Habitação e do
Bem-Estar Social —MBES, em cuja pasta permanece a
gestão da política habitacional. Em Março de 1989, é extinto
o MBES e cria-se a Secretaria Especial de Habitação e Ação
Comunitária —SEAC, sob competência do Ministério do
Interior. As atividades financeiras do Sistema Financeiro de
habitação e a caixa Econômica Federal passam para o
ministério da fazenda.
78
Segundo Marcus André de Melo, as análises acentuam o surgimento de um
novo padrão de política, baseado no “atendimento ad hoc” às demandas locais
conforme alianças instáveis visando objetivos de curto prazo do Executivo
Federal.
79
De acordo com Melo, este padrão que viria a se aprofundar durante o
período do governo Fernando Collor, corresponderia ainda, a uma conjunção de
interesses entre Executivos Municipais, a burocracia central e grupos privados que
atuam na prestação de serviços de intermediação.
80
Segundo Azevedo, a atuação do governo Collor na área de habitação,
seguindo um padrão que se institucionaliza desde o governo Sarney, foi
77
ARRETCHE, M. A descentralização como condição de governabilidade: solução ou miragem?
apud ADAUTO, L. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas: 3.
78
Idem. Ibidem.
79
Melo, M. A formação de políticas públicas e a transição democrática: o caso da política
socialj, 1990: 461.
80
Idem: 461-462.
41
caracterizada por processos em que os mecanismos de alocação de recursos
passaram a obedecer preferencialmente a critérios clientelistas ou ao favorecimento
de aliados do governo central. Essa foi a característica do plano de Ação Imediata
para a habitação, lançado em 1990, que se propunha a apoiar financeiramente
programas, construção de unidades e de ofertas de lotes urbanizados, para
atendimento de famílias, com renda de até 5 salários mínimos, financiando projetos
de iniciativa de Cohabs, prefeituras, cooperativas, entidades de previdência, etc.
81
Neste episódio da história destacamos que a utilização predatória dos recursos do
FGTS, que caracterizou os últimos dois anos em que Collor esteve no poder, teve
conseqüências graves sobre as possibilidades de expansão do financiamento
habitacional, levando à suspensão por dois anos, de qualquer financiamento, no
período subseqüente.
82
O grande montante de recursos investidos nos projetos urbanos
desenvolvidos pelo governo do estado do Rio de Janeiro, no período analisado,
certamente teria sido potencializado se as experiências vivenciadas pelo poder
público fossem, de forma mais sistemática, a base para a formulação dos novos
projetos governamentais, permitindo, dessa forma, uma maior articulação entre o
planejamento e a implementação das ações do Estado. Nas administrações públicas
que passaram nestas duas décadas pelo estado do Rio de Janeiro, a “memória
oficial”, ou seja, a memória de todos os estudos, projetos, plantas, relatórios, etc.
que são elaborados em cada governo, dos grandes projetos urbanos integrados
que envolvem várias instituições e as três esferas governamentais ficaram
somente com as empresas privadas, contratadas através de licitações públicas,
para o gerenciamento e implantação destes projetos.
83
Só recentemente, porém
de forma tímida, o governo do estado do Rio de Janeiro, passou a institucionalizar e
tentar articular informações existentes em alguns de seus grandes projetos
81
Ver AZEVEDO, S. A crise da política habitacional: dilemas e perspectivas para o final dos
anos 90,1996: 73-101.
82
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 4.
83
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 81.
42
urbanos. Através da fundação Centro de Informações e Dados do Estado do Rio de
Janeiro CIDE, o Programa Nova Baixada PNB está implementando o
Componente de desenvolvimento Institucional que prevê, através do item memória
técnica, o armazenamento e a disponibilidade das informações do projeto às
instituições governamentais e ao público em geral.
84
Vale destacar aqui, que os órgãos financiadores também tiveram um papel
fundamental na continuidade dos grandes projetos públicos urbanos citados. Seja
através da obrigatoriedade de inclusão de componentes de desenvolvimento
institucional, que incluam a capacitação técnica dos profissionais diretamente
envolvidos, monitoramento das ações e impactos, além da implantação de núcleos
de memória técnica, seja nas mudanças administrativas, através de pressão
institucional para a manutenção dos técnicos da burocracia que possuem
informações relevantes para a continuidade destes projetos. No processo de
mudança administrativa do governo Brizola para o governo Marcelo Alencar (1989-
1992), o BIRD e mesmo a CEF intervieram junto à nova gestão pressionando para
que a equipe técnica, responsável pelo componente de reassentamento,
permanecesse atuando no projeto de forma a garantir sua conclusão e a
implantação do plano aprovado. Contudo, somente a intervenção dos organismos
financiadores, para a manutenção dos técnicos no projeto, não é o bastante para
dar continuidade ao originalmente projetado. É necessário que haja vontade política
do novo governante em manter os acordos. Mesmo mantendo a mesma equipe, o
governo Marcelo Alencar,
85
por força das propostas e dos acordos políticos
84
Idem: 82.
85
Atuou como intermediário entre estudantes e o governo durante o movimento estudantil.
Em 1969, teve seus direitos políticos suspensos por dez anos e seu mandato cassado com
base no Ato Institucional nº 5. Durante a reformulação partidária, filiou-se ao Partido
Democrático Trabalhista (PDT), liderado pelo ex-governador gaúcho Leonel Brizola. Em
1983, assumiu a presidência do Banco do estado do Rio de Janeiro (Banerj) e mais tarde foi
nomeado pelo governador Leonel Brizola prefeito da cidade do Rio de Janeiro (1983-1986).
Concorreu ao Senado em 1986 pelo PDT, sendo derrotado por Afonso Arinos pela soma dos
votos de legenda. Em 1988, foi eleito pelo voto popular prefeito da cidade do Rio de Janeiro.
Em 1992, começaram suas divergências com o governador Leonel Brizola e, às vésperas do
primeiro turno da eleição para a Prefeitura, já se formava uma dissidência no PDT do Rio. Em
1993, após 13 anos, deixou a agremiação e filiou-se ao Partido da Social Democracia
43
realizados durante o processo eleitoral, não deu continuidade à política de
reassentamento aprovada.
86
Cardoso considera fundamental, do ponto de vista institucional, que a
política habitacional reconheça a experiência de descentralização ocorrida no país
nos últimos anos. As mudanças no quadro institucional do país, promovidas pela
nova Constituição, aliadas à iniciativa dos novos governos locais e à fragilidade das
políticas federais —descentralização por ausência— geraram um efetivo processo de
descentralização e municipalização das políticas habitacionais, a partir de meados
dos anos 80. É possível neste ponto, que sem uma definição institucional de
competências e de redistribuição de recursos, os municípios mais pobres tendam a
ficar alijados do acesso às ofertas de financiamento, seja do governo federal seja
dos organismos internacionais de fomento. Ressalta, por fim, a necessidade de que
se instituam mecanismos de participação, em vários níveis e escalas decisórias, o
que, além de democratizar o processo e aumentar sua transparência, permite
ultrapassar as pressões clientelistas pela alocação de recursos que, dadas as
circunstâncias que se desdobram, deverão ser escassos.
87
Outro desafio à implementação de programas habitacionais para população
de baixa renda, consiste na terceirização do planejamento e da gestão pública. Por
orientação dos órgãos internacionais financiadores, principalmente o Banco Mundial
e o BID, para o gerenciamento dos grandes projetos urbanos, têm sido criados
pelos governos públicos, os chamados “Grupos Executivos”, como o GEROE. Estes
grupos geririam os recursos alocados por estas instituições financeiras e
coordenariam as ações de diversos órgãos e instituições envolvidas. Para a
agilização dos trâmites burocráticos são aportados grandes recursos destinados à
contratação de empresas privadas que farão papel de gerenciadoras e supervisoras
de todas as ações desenvolvidas pelos projetos. Também a execução das obras é
Brasileira (PSDB), tornando-se o novo presidente regional do partido no Rio de Janeiro. Foi
eleito governador do estado no pleito de 1994.
86
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 87.
87
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 9.
44
terceirizada, através de licitação internacional. A composição desses Grupos
Executivos, muitas vezes, é também terceirizada, através da indicação, pelos
governantes eleitos e suas equipes, de técnicos para serem contratados por estas
empresas gerenciadoras. A maior ou menor terceirização destes projetos depende
principalmente do perfil político-ideológico de cada governo eleito.
88
A partir do final da década de 80, todos os principais projetos de intervenção
urbana do estado do Rio de Janeiro passaram a utilizar grande parte dos seus
recursos terceirizando a ação do Estado. Nesta época, era comum nas três esferas
governamentais, a maioria das administrações públicas, usar a terceirização, como
forma de contratar pessoal de confiança com melhores salários e sem concurso
público. Com o esvaziamento do setor público, os terceirizados passaram a ocupar
setores estratégicos do governo, especialmente aqueles voltados para a gestão de
grandes projetos. Desta forma, ao invés de driblarem a morosidade do Estado, os
grupos executivos têm a formulação de suas políticas terceirizada e, por isso,
encontram uma grande resistência da máquina administrativa convencional, devido
ao grande custo dessa terceirização para os cofres públicos, já que um técnico
terceirizado pode custar até dez vezes mais do que técnico público, de similar
qualificação, do quadro efetivo.
89
O domínio desses técnicos terceirizados sobre os
grandes projetos internacionais é muito grande, algumas vezes muito maior do que
o da burocracia técnica.
90
Nestes grandes projetos, a maior crítica que se faz é
relativa à quase total delegação da formulação, planejamento e definição de
prioridades das grandes intervenções aos interesses das empreiteiras e do setor
privado.
Se a presença do Estado se tornou necessária para a dinamização do
mercado imobiliário em geral, mais fundamental ainda foi sua intervenção para
viabilizar o acesso à casa própria às famílias de baixa renda. Mostrou-se que é
88
Idem: 88.
89
Idem: 89.
90
Idem: 90.
45
possível ao poder público utilizar várias estratégias, visando ao barateamento da
habitação popular. A primeira e principal é a substituição do incorporador por uma
agência pública, sem fins lucrativos. Outra seria a criação de linhas de crédito
subsidiado para a construção e financiamento de moradias. Resumidamente,
Azevedo
91
considera que a estratégia global de barateamento da produção de casas
populares, pelo poder público, é retirar do circuito, ou diminuir a importância dos
atores que participam do Sistema de produção Imobiliária. Primeiro, tira-se o
incorporador, a empresa de planejamentos e projetos e o corretor, depois, tenta-se
reduzir ao máximo o papel do proprietário urbano e conseguir vantagens adicionais
das Agências Financeiras Governamentais para o financiamento da construção e
comercialização do imóvel. As casas populares ainda são muito caras para a
maioria da população de baixa renda. Por isso, Azevedo destaca que em países
latino-americanos, nas últimas décadas, vêm ganhando força os chamados
programas alternativos de habitação; contudo, o estímulo a esses programas tem
ocorrido fundamentalmente na esfera do discurso e da retórica, com minguados
resultados no campo das experiências concretas.
92
É importante destacar também, a importância do papel da sociedade civil na
relação com o poder público para a implementação dos programas habitacionais.
No Governo Leonel Brizola, a burocracia técnica envolvida, obteve espaço
institucional para participar da formulação de uma política de reassentamento e
loteamento mais global para o estado do Rio de Janeiro. A exemplo do fracasso de
planos anteriores, Brizola não segue o mesmo caminho e prevê a participação
democrática neste processo, o que permitiu uma maior integração por parte da
sociedade civil e suas respectivas organizações, com as ações governamentais.
Desta forma, a burocracia técnica e a população automaticamente participariam da
formulação das políticas de habitação do governo. Hélio Ricardo Leite Porto destaca
91
AZEVEDO, S. Política de habitação popular e subdesenvolvimento: dilemas, desafios e
perspectivas, 1982: 113.
92
Idem: 114.
46
este momento vivido pela administração pública, no segundo governo Brizola, e
afirma que:
[...] No plano do Estado, já assinalamos a mudança ocorrida
com a eleição de Leonel Brizola para governador, o que
representou, entre outros fatores, a chegada ao poder de
uma nova burocracia com um projeto modernizador de
Estado, marcado por uma perspectiva integradora
socialmente, universalista no acesso aos serviços e
equipamentos públicos e democratizadora das relações de
poder.
93
Este processo de gestão mais participativa, iniciado através do componente
de reassentamento, evoluiu para outras gerências do projeto, no governo Brizola.
Durante todo o processo de implantação do componente de reassentamento, neste
governo, os técnicos apoiaram sua ação e política na participação comunitária
como forma de pressionar a estrutura mais formal do Estado. Inicia-se neste
momento um período de intenso diálogo e articulação entre o poder público e a
sociedade civil organizada.
94
Para uma melhor compreensão do papel da participação social no processo de
democratização da ação governamental, abre-se um parêntese para o modelo de
Habermas,
95
para a discussão sobre a participação social como a melhor
alternativa para o fortalecimento da esfera pública. Em seu modelo, o autor
considera a esfera pública como o espaço intermediador entre os impulsos
comunicativos gerados na sociedade civil e as instâncias que articulam,
institucionalmente, as decisões políticas, com a possibilidade deste espaço não
estar sujeito às regras, nem do Estado, nem do mercado, para a satisfação das
necessidades públicas. Habermas então, desenvolve o conceito de política
deliberativa, como o procedimento que legitima as decisões corretamente tomadas
como estrutura central de um sistema político diferenciado, e configurado como
estado de direito, porém, não válido para a totalidade das instituições sociais e
93
PORTO, H. Saneamento e cidadania: trajetórias e efeitos das políticas públicas de
saneamento na Baixada Fluminense, 2001: 77.
94
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 96.
95
Ver Habermas, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, 1997.
47
mesmo do estado. O argumento do autor é que o processo democrático depende
de contextos de inserção que fogem ao seu poder de regulação. Esse processo
exige uma imparcialidade ou uma neutralidade de seus agentes, do que Habermas
discorda argumentado que é impossível separar as contradições e que o conflito de
opiniões deve ser superado pelo agir comunicativo. Habermas aproveita-se dos
princípios elaborados por Robert Dahl, no qual este descreve que um processo
democrático deveria proporcionar aos seus cidadãos, no mínimo: a inclusão de
todas as pessoas envolvidas; chances reais de participação no processo político,
repartidas eqüitativamente; igual direito a voto nas decisões; o mesmo direito para
a escolha dos temas e para o controle da agenda; uma situação onde todos os
participantes, tendo à mão informações suficientes e bons argumentos, possam
formar uma compreensão articulada acerca das matérias a serem regulamentadas
e dos interesses controversos. Contudo, a dificuldade da aplicação deste processo
na sua totalidade esbarra na complexidade social, que impõe suas diferenciações e
determina restrições para sua consecução. É importante lembrar que as formas de
organização em torno do movimento de participação popular, em favor do
fortalecimento da esfera pública, variam de acordo com o contexto histórico.
No programa “Cada Família, Um Lote”, as dificuldades de implementação dos
programas foram de ordem técnica, política, institucional, burocrática e
administrativa, e criaram verdadeiros impasses, resultado, na maioria dos casos,
da falta de planejamento dos programas e da improvisação própria de um governo
sem recursos materiais. Faltava ao governo uma máquina administrativa capaz de
fornecer os dados necessários à execução do trabalho, resultando num atraso
irreparável na execução dos programas, em particular no Programa “Cada Família,
Um Lote”. Neste Programa, os projetos tinham como pré-requisito obras extensas
de urbanização, exigindo grandes investimentos fora das possibilidades do Estado e
da SETH, que acabou por desistir de avançar na regularização fundiária. Somados
a estes fatores, acrescentamos alguns problemas técnicos como o complicado
processo de levantamento e medição de favelas, lote por lote, e a dificuldade na
48
titulação de certas áreas devido à indefinição quanto a certos aspectos do direito
de propriedade, sem falar da gravidade da questão da prática de aluguel em
favelas. Acrescentamos ainda, que a titulação permitiria uma liquidez na
comercialização com lotes, estimulando os moradores a adquiri-los com vistas ao
mercado futuro. Um dos principais problemas do Programa “Cada Família, Um
Lote”, foi o fato do governo não exercer nenhum tipo de controle do uso do solo de
forma a manter de pé seu objetivo de oferecer aos favelados um caminho para a
sua cidadania.
Se a medida de regularização fundiária é tomada isoladamente, o processo
cairá, com certeza, num círculo vicioso, pois as estruturas sócio-econômicas,
permanecendo intocadas, continuarão alimentando novos surtos de favelização,
dessa vez mais velozes, com o estímulo da expectativa de legalização da posse,
principalmente se tal legalização se faz através da entrega do título de propriedade
individual. Deve-se criar, em contrapartida, um mecanismo de controle do uso de
solo, como por exemplo, o fornecimento de escrituras de propriedades
condominiais ou a adição de cláusulas contratuais que dificultem a venda do
terreno, entre outros. No caso do “Cada família, Um Lote”, não foram tomadas
estas medidas. O governo não exerceu nenhum tipo de controle do uso do solo de
forma a manter de pé seu objetivo de oferecer aos favelados um caminho para a
sua cidadania. Contudo, ao observar a situação da habitação popular, na época e
agora, se comparada com o restante da cidade, torna-se falsa uma proposta de
igualdade deste tipo.
96
Sobre a regularização fundiária, Cardoso nos impõe uma
questão: Não estaria, dessa maneira, a urbanização de assentamentos informais
legitimando exceções desvinculadas dos mínimos sociais, sem estabelecer padrões
de uso do solo que possam ser adequados e dignos para a população como um
todo?
97
Em que medida a política desenvolvida em programas, como o “Cada
96
ARAÚJO, M.S.M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada
Família um Lote, 1988: 98.
97
CARDOSO, A. L. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003: 78.
49
Família, Um Lote”, pode ser responsabilizada pela a expansão do número de
favelas na cidade do Rio de Janeiro? É preciso uma reflexão acerca dos benefícios
ou problemas causados pela titulação da terra e dos lotes em favelas.
Em entrevista ao jornal O GLOBO, quando questionado se os benefícios da
titulação das propriedades, dando a titularidade da terra ou do lote é importante
para tirar parte da população da miséria, Aloisio Araújo
98
responde: Não sou contra
a titulação, mas os efeitos propagados não são tão grandes e alguns estudos
recentes mostram isso. Estes estudos analisaram os efeitos da titulação na
Argentina e mostraram que o efeito sobre o crédito, por exemplo, praticamente
não existiu. Para ele, a titulação tem sido apresentada como uma grande panacéia.
A titulação das propriedades somente transforma o “capital morto” desse cidadão
em capital vivo, porque ele pode usar a propriedade como garantia de um
empréstimo na cidade ou no campo, por exemplo. Aloísio Araújo considera que as
políticas tradicionais de habitação podem dar muito mais resultado. Além disso, vê
um efeito perverso na titulação, que é o aumento esperado do incentivo à invasão
da terra. Justifica sua idéia, afirmando que após anos de inflação alta, de juros
altos e de um ambiente institucional perverso, o crédito habitacional clássico
desapareceu, mas acredita que, agora, com a estabilidade essa situação irá se
reverter. Araújo conclui então, que para privilegiar a população de baixa renda, o
melhor seria usar as políticas tradicionais voltadas ao crédito habitacional, com
juros menores e até subsídio para essas populações. Desta forma, considera que a
maior parte da pobreza vai ser resolvida com questão de geração de emprego
formal por novos pólos, como o petroquímico, e em áreas disponíveis na Avenida
Brasil atraindo as populações para esses locais, onde é possível fazer habitações
para populações de renda mais baixa.
Por outro lado, o mesmo jornal, na mesma data, trás a seguinte reportagem:
Favela da Rocinha cresce na vertical à margem da lei: pesquisa mostra que 44%
98
Aloísio Araújo é professor da Fundação Getulio Vargas e do Instituto de matemática Pura e
Aplicada – IMPA. Entrevista cedida ao Jornal O GLOBO. Domingo, 04 de Novembro de 2007.
50
dos moradores não têm escritura do imóvel. Os números constam de uma pesquisa
realizada pela Fundação Bento Rubião, responsável pelo programa de regularização
fundiária da comunidade, que entrevistou mil moradores entre Dezembro e Março
de 2006-2007. Segundo a pesquisa, 27% dos proprietários têm dois imóveis ou
mais. Em boa parte dos edifícios, cada pavimento serve de moradia para até seis
famílias. É de grande proporção o adensamento nas favelas. Sem infra-estrutura
adequada, a tendência é que os problemas ambientais, de higiene e salubridade se
agravem. À superpopulação das favelas, soma-se a falta de documentação sobre o
espaço de cada um. Do total de entrevistados, 44% não tinham qualquer
documentação sobre o imóvel em que vivem e apenas 1% tem escritura definitiva.
Segundo a pesquisa, entre as pessoas que moram de aluguel (11% dos
entrevistados), 81% não têm contrato de locação, e 54%, sequer recibos de
pagamento. O coordenador da Fundação Bento Rubião, Ricardo Gouvêa afirma que
a Rocinha não pode mais esperar para ter a sua situação regularizada. Segundo a
reportagem, na ausência do poder público, a maior associação de moradores da
favela, a União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, acabou se
transformando numa espécie de cartório, já tendo cadastrado um terço das
moradias da comunidade. O registro de posse da casa é uma importante iniciativa
para evitar os conflitos que acontecem pela posse dos imóveis. Os moradores
acreditam que a melhor solução é a distribuição de títulos de propriedade aos
donos dos imóveis. Devido ao impasse do governo, na implementação de todas as
metas traçadas pelos programas habitacionais, voltados para a população de baixa
renda, iniciou-se, em 2005, o projeto de regularização fundiária, chamado Rocinha
Mais Legal já recebeu a adesão de 2 mil famílias, e 250 ações de usucapião já
foram propostas na justiça, abrangendo 1.620 unidades residenciais, a fim de que
seus proprietários obtenham escritura.
Além do impasse gerado pela discussão de como a adoção das políticas de
habitação, que favorecem a titularidade da terra ou do lote, podem gerar conflitos
e resultados questionáveis, outro fator contribui muito para as descontinuidades
51
desses grandes programas: a centralização. No que se refere à implementação de
uma política de governo do tipo do programa “Cada Família, Um Lote”, Araújo
considera que se impunha como melhor caminho que sua execução fosse feita de
maneira descentralizada, de preferência com o auxílio dos órgãos públicos
municipais. Em municípios como o Rio de Janeiro, a descentralização deveria
chegar até a atribuição de responsabilidade a organismos regionais ou distritais na
tarefa de execução, cujo controle se fará indubitavelmente mais eficaz, tendo em
vista a proximidade das organizações comunitárias.
99
Para a autora, para o
sucesso deste tipo de programa, um fator importante, que devemos acrescentar à
descentralização, é a desburocratização dos serviços administrativos do Estado, e
sua conseqüente modernização, sem o que qualquer programa, por melhores que
sejam o seu embasamento técnico e sua finalidade social —naufraga na frustração
dos objetivos, levado por descaminhos, conflitos do aparelho burocrático. Assim, a
estes dois fatores, sobre os entraves à implementação do programa “Cada Família,
Um Lote”, podemos unir a inércia ou lentidão da máquina do Estado, que resulta
em dificuldades administrativas de toda ordem, e que tem por causas principais a
insuficiência de recursos materiais e humanos à altura das necessidades, a
precariedade e obsolência e exaurida rotina dos procedimentos burocráticos.
100
Constatamos que no final do primeiro governo Brizola (1983-1987), quanto
ao programa “Cada Família, Um Lote”, a rigidez da regulamentação, o montante de
investimentos e a demora na aprovação dos projetos desestimularam a oferta de
lotes, resultando no retorno dos loteamentos clandestinos e na negociação de
terras, por parte das associações de moradores, sem prévia autorização dos
poderes públicos. Como dar continuidade a este programa, visto que o quadro da
política habitacional traçado até aqui, aponta para o esgotamento do padrão de
financiamento desta política, associado a uma crise fiscal, à fragmentação
institucional e a paralisia decisória? É clara a relação entre a crise de
99
Idem: 99.
100
Idem: 99-100.
52
governabilidade e a crise da gestão da política habitacional, que culmina em
constantes conflitos entre as instituições estaduais e municipais, muitas vezes,
impedindo que os programas sejam implementados da mesma forma que foram
elaborados.
Vimos, no decorrer da pesquisa, que no governo Moreira Franco (1987-1991),
ocorre uma crise aguda da atividade do planejamento urbano. Neste contexto, a
forte centralização conjugou-se à falta de capacitação política e financeira dos
Executivos locais com a perda da legitimidade do Estado para implementar
intervenções no espaço urbano, gerando o agravamento da relação entre o Estado
e os ocupantes ilegais. Neste mesmo período, com o fim do BNH e com a crise
econômica, as Companhias Estaduais de Habitação viveram momentos de intensa
crise e paralisação, dado ao alto grau de inadimplência dos mutuários. Apesar da
crise, e dos resultados pouco satisfatórios, foi possível constatar que no Projeto
Reconstrução-Rio, a postura mais política dos técnicos da burocracia, durante o
projeto, atuando nas fendas institucionais dos governos, contribuiu
significativamente para a continuidade e o aprimoramento do projeto, no segundo
governo Brizola.
Contudo, o que existe de novo na década de 1990, enquanto o estado
começa a ser gerido pela segunda vez por Leonel Brizola, é o fato de que estaria
surgindo uma convergência da sociedade com os esforços empreendidos pelo
Estado, para favorecer a inclusão da sociedade civil no debate sobre a gestão
pública, através de novos arranjos institucionais. Neste contexto, caberia ao Estado
fortalecer esta sociedade e dar curso às suas aspirações, vislumbrando, assim,
eficácia e eficiência na gestão pública. No caso do projeto Reconstrução-Rio, é
evidente que houve abertura de opções para a expressão direta dos cidadãos, de
novas oportunidades políticas e, certamente, da construção de espaço de influência
da sociedade sobre o estado. Porém, também foi evidente uma grande
instabilidade nesse processo participativo que, em alguns momentos, chegou a
sofrer certo retrocesso ou estagnação. Isso se dá em função dos efeitos
53
controversos dos mecanismos da democracia direta, que podem tanto proteger,
quanto prejudicar os interesses dos excluídos social e politicamente. Poucos são os
que de fato participam e trabalham para seus interesses. O que acaba acontecendo
é o governo de uma minoria ativa que pode estar longe de ser uma imagem fiel da
população.
Aqui fica evidente a crise de representação que marca as democracias
atuais. Sendo assim, seria necessário promover arranjos institucionais que
contribuíssem para a promoção de um maior pluralismo no processo político.
101
Putnam aponta outra perspectiva afirmando que a participação acontece de fato
quando há cooperação e confiança entre os participantes. As normas de
reciprocidade e as redes horizontais de compromissos cívicos de uma comunidade
favorecem a resolução dos dilemas da ação coletiva.
102
Já Olson acredita que, para
estimular a participação, são necessários incentivos que vão além da possibilidade
de obter tais bens, ou seja, incentivos “seletivos e separados”, que também podem
incluir incentivos materiais.
103
Consideramos como consensual que, para potencializar a participação, faz-
se necessário superar o desenho formal, de simples consulta e aprovação,
estabelecido pela maioria dos projetos públicos que se propõem participativos. A
participação social, não só para a deliberação pública, mas principalmente para
estimular um maior pluralismo na elaboração das decisões políticas, desde o
momento da concepção inicial do projeto público, amplia muito mais as
perspectivas de sucesso das soluções democraticamente apontadas.
104
Na década
de 80, direitos políticos aos poucos foram conquistados. Por, outro lado, ocorre um
processo acelerado de pauperização que não se limita mais à população pobre do
101
Ver GRAU, N. Cl. Representação e participação social: na participação cidadã e sua
virtualidade para a construção de espaços públicos,1998: 64-180.
102
Idem. Ibidem.
103
Idem. Ibidem.
104
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 111.
54
País. Retomando o problema da habitação no Rio de Janeiro, é possível perceber
que as condições de reprodução da classe média estão cada vez mais precárias,
possibilitando o surgimento de novos conflitos sociais. A forma pela qual o espaço
construído das cidades foi produzido favoreceu a difusão da propriedade entre os
vários segmentos da sociedade e, conseqüentemente, a acomodação dos conflitos.
Os programas analisados nesta pesquisa, ao serem implementados,
ganhariam maior eficácia com o oferecimento de uma cesta variada de tipos de
programas, combinando urbanização de assentamentos, regularização fundiária e
urbanística, oferta de lotes urbanizados associada a programas de apoio à
autoconstrução ou de mutirão, financiamento de materiais de construção e, ainda,
a construção de unidades habitacionais. O fundamental para sua continuidade seria
que se combinassem programas de oferta de novas oportunidades habitacionais,
com programas de melhoramento dos assentamentos existentes, implicando o
reconhecimento do direito à posse, mas criando condições para que se evitassem
as ocupações de terras impróprias à urbanização. Aliado aos programas de
atendimento à população de baixa renda, seria preciso focalizar os moradores em
áreas de risco, potencializando os programas já desenvolvidos por algumas
prefeituras e ampliando a sua capacidade de ação de modo a que assumissem uma
função mais preventiva.
105
De acordo com Cardoso, para que o descompasso entre a concepção e a
implementação dos programas habitacionais para população de baixa renda
diminua, é fundamental que seja criado um sistema nacional de habitação popular,
de forma a estabelecer critérios redistributivos —segundo a escala das
necessidades locais e, inversamente, segundo a capacidade de autofinanciamento
do município— e instituir programas de capacitação de técnicos municipais, visando
a aumentar a eficácia das ações. Além da descentralização intergovernamental,
pode-se também aproveitar as possibilidades de mobilizar recursos da sociedade,
através da participação de ONGs, Sindicatos e movimentos de moradia em
105
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 8.
55
programas apoiados pelos governos, e que poderiam utilizar recursos privados.
Quanto à participação do setor privado, deve-se ter cautela, já que a experiência
mostra que em programas em que as empresas têm maior autonomia existe uma
tendência ao aumento de custos e à pressão pela elevação de tetos de
financiamento, o que pode vir a distorcer os objetivos sociais dos programas.
106
Paralelamente, o Estado deveria capacitar os técnicos de sua burocracia para
lidar com uma gestão democrática, para que assim estes possam tomar decisões de
forma coletiva, no menor tempo, para a solução dos problemas, aliando seu saber
técnico ao tempo dos governos e às necessidades da população. Estes técnicos
precisam romper com a nossa tradição autoritária e aprender a ouvir os
beneficiários e instituições envolvidas na elaboração de seus projetos. E, por fim, já
que os acordos e compromissos políticos definem grande parte das decisões
governamentais, a política precisa passar a ser vista pela burocracia técnica não
mais unicamente como terreno do oportunismo.
107
Somente como sugestão, em que se pese a diversidade de instrumentos
jurídicos vigentes para efetuar a regularização fundiária de favelas, sobretudo com
a instituição do usucapião coletivo, algumas alterações no ordenamento jurídico
brasileiro ainda são necessárias para dar maior agilidade aos muitos procedimentos
legais e burocráticos requeridos. Segundo Compans, a principal dessas alterações
no ordenamento jurídico, relaciona-se à simplificação destes procedimentos,
especialmente no que se refere aos registros públicos. A legislação federal precisa
compatibilizar-se com a urgência da integração social das áreas ocupadas por
favelas, para qual a regularização fundiária é elemento propulsor.
108
Segundo a
autora, também será de fundamental importância uma reforma jurídica, que
permita acelerar a tramitação dos processos judiciais, em particular, o rito
processual de ações que digam respeito à regularização fundiária, seja de
106
Idem: 9.
107
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 114-115.
108
COMPANS, R. A regularização fundiária de favelas no Estado do Rio de Janeiro, 2006: 51-
52.
56
desapropriação, de usucapião, ou de concessão de uso especial para fins de
moradia.
109
Esta reforma é imprescindível para evitar a descontinuidade
administrativa da qual padecem, por vezes, programas, tais como o “Cada Família,
Um Lote” e o projeto Reconstrução-Rio, que exigem médio ou longo prazo de
execução, como aqueles destinados à urbanização e à regularização de favelas.
Foi possível perceber, por meio dos dados relativos ao município do Rio de
Janeiro, que as limitações orçamentárias para o enfrentamento da questão
habitacional acabam por definir a ínfima atuação desses programas, que, em sua
maioria, têm atuado em soluções a posteriori, com a provisão de infra-estrutura e a
tentativa de titulação onde já existe a habitação, executada pelo morador. A pouca
incidência de iniciativas públicas destinadas à provisão de novas oportunidades
habitacionais leva à reprodução do problema, gerando mais precariedade em áreas
da cidade ocupadas pela população de baixa renda, excluída do acesso formal à
moradia.
110
Consideramos que os avanços sociais contidos nos programas estudados,
poderiam ser fortemente potencializados se combinados com alguns novos
instrumentos jurídicos, ainda não regulamentados. O usucapião urbano como
instrumento mais efetivo de regularização fundiária, bem como, o imposto
progressivo sobre o patrimônio urbano, dentre outros, certamente contribuiriam
para a expansão dos direitos de cidadania dos moradores da cidade, que vivem na
ilegalidade, e que não estão nessa condição por escolha, mas por terem sido
excluídos da sociedade mercantil. Ademais, a crescente vulnerabilidade do mercado
de trabalho só faz aumentar o número dos que não conseguem ingressar no
mercado de moradia e que, portanto, irão adensar o mercado da moradia ilegal.
Segundo Santos, é fundamental que sejam utilizados os novos instrumentos
jurídicos, para que associados a uma agenda de política pública mais comprometida
com os interesses locais e viabilizada pela conquista de maior autonomia política e
109
Conforme previsto na Medida Provisória 2.220/01.
110
CARDOSO, A. L. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003: 77.
57
financeira, possam traduzir-se em consolidação da metrópole carioca como elo
importante da cadeia de fluxos econômicos internacionais e espaço de reprodução
social sustentável para uma população que não está toda inserida na sociedade
mercantil.
111
Da perspectiva das políticas públicas, impõe-se hoje um grande desafio ao
governo, em todas as suas esferas, e à sociedade em geral, que a esperada
retomada do crescimento econômico e a reintegração do país na economia mundial
certamente auxiliarão a resolver. É diante desse quadro, que a sociedade deve se
rearticular, procurando soluções menos simplistas que o idealismo automatizado do
mercado, que reitera a exclusão e a segregação. O problema da moradia e da falta
de infra-estrutura, em função do descompasso entre a concepção e a
implementação de programas habitacionais, para população de baixa renda na
cidade e no estado do Rio de Janeiro, persiste até hoje, trazendo consigo
conseqüências gravíssimas, como por exemplo, o aumento da violência urbana,
aumento do número de grupos armados nas favelas, à expansão do tráfico de
drogas, gerando obstáculos aos cidadãos que, em grande medida, não conseguem
exercer sua cidadania, pela precariedade do modo como se inserem no mercado de
trabalho. Nesse contexto, a gestão da metrópole pressupõe a adoção de uma nova
agenda de políticas que inclua o enfrentamento da “metropolização da pobreza”,
bem como a assunção pelo governo local do papel de promotor de vantagens da
cidade que administra.
Tendo em vista que as políticas e programas implementados pelo governo
do estado do Rio de Janeiro, entre 1983 e 1995, ficaram muito aquém dos
objetivos traçados, e que o processo de urbanização e infra-estrutura das favelas,
ainda é feito apenas de forma aparente, a discussão acerca deste descompasso
entre concepção e implementação de programas habitacionais, elaborados pelo
governo do estado, nas gestões entre 1995 e 2010, na cidade do Rio de Janeiro,
ficará para uma próxima oportunidade.
111
SANTOS, A. M. Economia, Espaço e Sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 192.
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ANEXO 1
Decisões e Realizações na Política Habitacional no Rio de Janeiro: Distrito
Federal, Estado e Município (1902-1983)
1
Início do Século XX (1902-1918)
10 de Fevereiro de 1903 – RJ/DF
Proibição de obras de melhorias em cortiços na cidade do Rio de Janeiro.
18 de Julho de 1905 – RJ/DF: Dec. n° 1042
Autoriza Prefeito a aproveitar parte das sobras de terrenos dos prédios adquiridos,
com a abertura da Av. Salvador de Sá, para a construção de casas de operários.
1906 – RJ/DF
Prefeitura do DF: construção de 120 unidades habitacionais, agrupados em
conjuntos localizados na Av. Salvador de Sá e Rua São Leopoldo (ainda existentes
em 1983).
22 de Abril de 1915 – BR: Dec. n° 11554
Abre ao Ministério da Fazenda créditos para despesas de administração e custeio de
vilas operárias.
30 de Dezembro de 1916 – BR: Lei n° 1544
Autoriza os governos estaduais a fundarem caixas econômicas.
Fim da República Velha (1919-1930)
1920 – RJ/DF
Prefeitura do Distrito Federal: remoção de Favelas: morros da providência, Santo
Antônio e Gávea-Leblon.
11 de Dezembro de 1920 – BR: Dec. n° 4209
Autoriza o Poder Executivo a construir casas para operários e proletários, sem
prejuízo dos favores concedidos às associações no Dec. n° 2407 (18 de Janeiro de
1911).
1
Pesquisa realizada no Inventário da ação governamental, Financiadora de Estudos e
Projetos -FINEP, 1985.
26 de Outubro de 1921 – BR: Dec. n° 15068
Concede à sociedade anônima “A Popular”, com sede na cidade do Rio de Janeiro,
os favores de que trata o Dec. n°14813 (20 de Maio de 1921).
1926 – RJ/DF/004
Departamento Nacional de Saúde Pública une-se ao Ministério da Justiça, para
solucionar a crise da habitação na cidade do Rio de Janeiro.
1927 – RJ/DF/004
Departamento Nacional de Saúde Pública recomenda a interdição de casebres na
cidade do Rio de Janeiro.
1927 – RJ/DF
Prefeitura decreta a interdição de casebres no Rio de Janeiro.
República Nova (1930-1937)
01 de Outubro de 1931 – BR: Dec. n° 20465
Reforma e legislação das Caixas de Aposentadoria e Pensões, ampliando a aplicação
de sua receita à construção de casas.
27 de Abril de 1932 – BR: Dec. n°21326
Aprova o regulamento para aquisição ou construção de casas pelas caixas de
Aposentadoria e pensões.
12 de maio de 1933 – BR: Dec. n°22708
Isenta imóveis situados na Vila operária de Orsina da Fonseca do pagamento de
taxas e impostos federais e municipais.
19 de Junho de 1934 – BR: Dec. n°24427
Dá nova regulamentação às caixas Econômicas Federais.
29 de Junho de 1934 – BR: Dec. n°24503
Estabelece regras e providências para o funcionamento das Sociedades de
Economia Coletiva, também chamadas de “Caixas Construtoras”, para concorrerem
satisfatoriamente para solução do problema da habitação.
28 de Junho de 1937 – BR: Dec. n°1749
Dá nova regulamentação à aquisição de prédios destinados à moradia dos
associados dos Institutos de Aposentadorias e Pensões –IAPs.
01 de Julho de 1937 – RJ/DF: Dec. n°6000
Promulga o Código de Obras do Distrito federal: primeiro reconhecimento legal da
existência de favelas, contendo recomendações no sentido de eliminá-las e regula a
construções de habitações de tamanho mínimo (art. 346-349).
08 de Novembro de 1937 – BR: Dec. n°6092
Cria a Comissão Plano da Cidade, na Prefeitura do Distrito Federal.
Estado Novo (1937-1945)
31 de Maio de 1939 – BR: Lei. n°1308
Autoriza os IAPs a concederem fiança de aluguel de casas a seus associados.
12 de maio de 1941 – BR: Dec.-Lei n°3266
Institui a colonização rural mediante a organização de “Granjas Modelo” em terras
pertencentes à União e funda o Núcleo Colonial Duque de Caxias, em Nova Iguaçu.
08 de Agosto de 1941 – RJ/DF: Dec. n°7075
Desliga do Departamento de Edificações, subordinando diretamente ao Secretário
de Viação e obras, o Serviço de Construções Proletárias.
RJ/DF/006
Criação da Comissão de Estudos dos Problemas de Higienização de Favelas.
RJ/DF/007
Prefeitura e IAPs estudam construção de casas para favelados.
25 de Setembro de 1942 – RJ/DF: Dec. n°7363
Modifica o disposto na Seção única Título III, do Capítulo XIV do Dec. n°6000 (01
de Julho de 1937) sobre licença para construção de pequenas casas destinadas a
habitações para as classes proletárias, a cargo do departamento de Construções
proletárias.
RJ/DF/006
Prefeitura traça plano de ação para solucionar problema de favelas no Rio de
Janeiro (construção de parques proletários), através estudos da Comissão de
Estudos dos Problemas de Higienização de Favelas.
RJ/DF
Prefeitura do Distrito Federal: transferência de moradores da favela da Praia do
Pinto para o Parque Proletário da Gávea (parque n°1), com 700 casas e
transferência de moradores das favelas do Livramento e do Morro do Pinto para o
Parque Proletário do Caju (parque n°2).
1944 – RJ/DF
Prefeitura do Distrito Federal: construção do parque Proletário da Praia do Pinto
(Leblon- parque n°3), com 400 unidades habitacionais.
Populismo (1945-1964)
06 de Dezembro de 1945 – BR: Dec.-Lei n°8304
Transforma a Comissão de Plano da Cidade do Rio de Janeiro, criada pelo Dec.
n°6092 (08 de Novembro de 1937), em Departamento de Urbanismo, subordinado
à Secretaria Geral de Viação e Obras, da Prefeitura do Distrito Federal.
26 de Janeiro de 1946 – BR: Dec. n°8938
Proíbe favelas no espaço urbano, através do artigo 29.
04 de Abril de 1946 – BR: Dec.-Lei n°9124
Transforma o Departamento de Construções Proletárias, da secretaria Geral de
Viação e Obras, da Prefeitura do Distrito Federal, em Departamento de Habitação
Popular – DHP.
01 de Maio de 1946 – BR: Lei n°9218
Autoriza a instituição da Fundação da Casa Popular- FCP, pelo Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, para possibilitar a aquisição ou construção de
moradia.
RJ/DF/011
Criação da Comissão Interministerial para estudar as causas da favelização no Rio
de Janeiro.
22 de Janeiro de 1947 – BR: Dec. n°22498
Autoriza a instituição de uma fundação pela prefeitura do Distrito Federal –
Fundação Leão XII- com o objetivo de prestar ampla assistência às populações
localizadas nos morros, nas favelas da cidade do Rio de Janeiro.
08 de fevereiro de 1947 – RJ/DF: Dec. n°8797
Institui a Fundação Leão XIII e aprova seus estatutos
1947 RJ/DF/012
Criação da Comissão para Extinção de Favelas, pelo prefeito Mendes de Moraes,
realizando o primeiro recenseamento de favelas: 34.528 casebres e 138.937
favelados (informação única, não consta do acervo de fichas).
1948 RJ/DF/011
Comissão Interministerial, criada em 1946, estabelece plano de ação e é extinta.
1948 RJ/DF/013
Lançamento do Plano “Batalha do Rio” e criação da Comissão central para sua
execução, visando solução para as favelas.
1949 RJ/DF
Fundação Leão XIII: urbanização e remodelação da favela da Barreira do Vasco.
1950 – RJ/DF
Instituto de Aposentadorias e Pensões da Indústria constrói 4.075 unidades
habitacionais no Rio de janeiro/Distrito federal.
28 de Janeiro de 1952. Portaria n°66
Prefeitura cria nova Comissão de Favelas. Prefeitura do Distrito Federal/DHP (1947-
1952): 328 unidades habitacionais no Pedregulho.
04 de dezembro de 1952 – RJ/DF/015
Criação da Subcomissão de habitação e Favelas, no Rio de Janeiro, pela Comissão
Nacional de Bem-Estar Social do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
RJ/DF/016
Criação do Serviço de Recuperação de Favelas, subordinado ao departamento de
Segurança Pública e posteriormente à Secretaria de Saúde e Assistência.
Outubro de 1953 – RJ/DF/018
Criação da Comissão de Favelas, substituindo o Serviço de Recuperação de Favelas.
Dezembro de 1955 – RJ/DF/015
Extinção da Subcomissão de habitação e Favelas.
09 de Fevereiro de 1956 – RJ/DF. Dec. n°13153
Desapropria os terrenos da favela Vila do Vintém.
28 de Agosto de 1956 – RJ/DF: Dec. n°13304
Institui o Serviço Especial de Recuperação de Favelas e habitações Anti-Higiências –
Serfha. A Prefeitura do Distrito Federal e o DHP constroem 328 unidades
habitacionais na Gávea (Rua Marquês de São Vicente).
19 de Setembro de 1956 – BR: Lei n°2874
Dispões sobre a mudança da capital para Brasília, e cria a Companhia Urbanizadora
da Nova Capital do Brasil – Novacap.
28 de Novembro de 1957 – RJ/DF: Lei n° 899
Cria a Superintendência de Urbanização e Saneamento- Sursan. Neste ano a
Fundação Casa Popular construiu 482 casas no Rio de janeiro (Distrito Federal).
1960 – RJ/GB
Companhia da Habitação Popular do Estado da Guanabara- Cohab-GB: construção
de 2481 unidades habitacionais no Rio de Janeiro.
27 de Fevereiro de 1961 – RJ/GB: Dec. n°374
Proíbe a cobrança de aluguéis ou taxa de ocupação de barracos em favelas, veda à
proprietários qualquer cobrança de ocupação de solo sem registro prévio do título
de propriedade do Serfha.
25 de Abril de 1961 – BR: Dec. n°50488
Cria o Conselho de Planejamento de habitação Popular, com o objetivo de
estabelecer um planejamento nacional para habitação popular. O conselho é
composto pelos Ministérios da Fazenda, Saúde e Viação e Obras Públicas.
07 de Junho de 1962 – RJ/GB: Dec. n°1041
Aprova os novos estatutos da Fundação leão XIII, visando sua incorporação ao
estado e ao desenvolvimento de urbanização, construção de habitações de baixo
custo e remoção de favelas.
29 de agosto de 1962 – RJ/GB: Dec. n°1165
Passa o Montepio dos Empregados do estado da Guanabara à administração dos
conjuntos habitacionais edificados pelo Departamento de Habitação Popular - DHP.
30 de Agosto de 1962 – RJ/GB: Dec. n°1162
Dispõe sobre o serviço social no estado. Extingue o Serfha e transforma o serviço
de Vilas e parques em Serviço Social de favelas, subordinando às administrações
Regionais. A Fundação Leão XIII passa a realizar urbanização e remoção de favelas.
24 de Dezembro de 1962 – RJ/GB: Lei n°263
Reorganiza a administração do Estado da Guanabara; autoriza o Poder Executivo a
construir a Cohab-GB para assumir as atividades de urbanização e de habitação da
Fundação Leão XIII, que passa a ser órgão auxiliar. Ainda neste ano, há o acordo
do Governo com a Usaid para urbanização de favelas no Rio de Janeiro. Nesta
época a Serfha atua junto às associações de moradores das favelas do Rio de
Janeiro.
O Brasil Contemporâneo (1964-1983)
07 de Janeiro de 1964 – RJ/GB: Dec. n°288
Estende aos lotes de vila os favores do Dec. n°7363 (25 de Setembro de 1942). O
Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro – IPERJ constrói 40 casas no
Rio de Janeiro.
21 de Agosto de 1964 – BR: Lei n°4380
Cria o Banco Nacional de Habitação – BNH, as Sociedades de Crédito Imobiliário, as
Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – Serfhau, e
institui a correção monetária dos contratos imobiliários de interesse social e o
sistema financeiro para aquisição de casa própria.
22 de dezembro de 1964 – BR: Dec. n°55279
Dispõe sobre a adaptação das Caixas Econômicas Federais -CEFs- ao Sistema
Financeiro de Habitação. O BNH passa a exercer as atribuições orientadoras,
disciplinadoras e controladoras das CEFs no que se refere às ações no setor
habitacional.
31 de dezembro de 1964 – RJ/GB
Criação da Cooperativa Habitacional do Estado da Guanabara - Coophab-GB.
Março de 1965 – RJ/GB
Cohab-GB constrói 801 unidades habitacionais no Rio de Janeiro.
23 de Setembro de 1965 – RJ/GB: Dec. n°443
Estabelece condições provisórias para a construção de casas populares.
Dezembro de 1965 – RJ/GB.
Extinção da Coophab-GB, após intervenção do BNH.
15 de Abril de 1966 – RJ/Gb: Dec. n°580
Cria condições de estímulo à construção de conjuntos habitacionais. Nesta época a
Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados dos Serviços
Públicos –Iapfesp- constrói 6457 unidades habitacionais no estado da Guanabara e
1863 na cidade do Rio de Janeiro.
19 de Abril de 1966 – RJ/GB: Dec. n°582
Dispõe sobre os poderes autônomos da Companhia de Habitação Popular do Estado
da Guanabara – Cohab-GB.
24 de Maio de 1966 – RJ/GB: Dec. n°617
Autoriza a construção, no Instituto de Previdência do Estado da Guanabara –IPEG.
De conjuntos residenciais, e estabelece normas para a venda de unidades.
21 de Junho de 1966 – BR/BNH: RC. n°67
Aprova o Programa de Construções de Habitações. Desta forma, a Cohab-GB
constrói 3174 casas e 228 casas de triagem, no Rio de Janeiro.
14 de Dezembro de 1966 – RJ/GB: Dec. n°739
Institui na Secretaria de Governo a Comissão Executiva de Política Habitacional do
Estado da Guanabara, para elaborar e executar planos habitacionais e representar
a Guanabara junto ao BNH. A Comissão é composta por representantes da Cohab-
GB, Fundação Leão XIII, BNH, entre outros.
Maio de 1967 – RJ/GB
A Cohab-GB erradica 27 favelas e a Coophab-GB constrói 946 unidades
habitacionais no Rio de Janeiro.
15 de Junho de 1967 – RJ/GB: Dec. n°870
Estabelece plano de ação de controle de favelas.
26 de Março de 1968 – RJ/GB
Governo municipal cria Companhia de Desenvolvimento de Comunidades –Codesco.
Maio de 1968 – RJ/GB
A Codesco através da Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área
Metropolitana do Grande Rio – Chisam, convida entidades particulares para
programa de atendimento a favelados.
08 de Agosto de 1969 – RJ/GB: Dec. n°3003
Modifica as atribuições dos órgãos executores da Política Habitacional na
Guanabara.
22 de outubro de 1971 – RJ/GB: Dec. n°5133
Atribui à Secretaria de Serviços Sociais tarefas concernentes ao desenvolvimento
social comunitário nos conjuntos habitacionais construídos pela Cohab-GB.
22 de Dezembro de 1971 – RJ/GB: Dec. n°5314
Autoriza a Cohab-GB a promover licitação para locação de unidades habitacionais
nos conjuntos. Neste mesmo ano, na cidade do Rio de Janeiro, a Chisam remove 29
favelas, a Codesco urbaniza a favela Morro União, a Cohab-GB constrói 6640
unidades habitacionais e a Coophab-GB constrói 1684 unidades.
26 de Outubro de 1972 – RJ/GB: Lei n°2262
Dispõe sobre a execução do Plano Nacional de Habitação Popular- Planhap, no
estado e autoriza o Poder Executivo a integrar o Sistema Financeiro de Habitação
Popular – Sifhap e a instituir o Fundo de Desenvolvimento da Habitação Popular -
Fundhap.
11 de Novembro de 1974 – RJ/GB: Dec. n°7516
Dispõe sobre a urbanização pela Codesco das favelas da Barreira do Vasco, Borel,
Guararapes, Jacarezinho, Mangueira, Parque Acari, Parque Jardim Beira-Mar,
Parque União, Vila Operária da Penha e Vila Vintém.
15 de Março de 1975 – RJ
Com a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, há a fusão das Cohab-
GB e Cohab-RJ, criando-se a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro-
Cehab-RJ. Neste mesmo período, há a extinção da Codesco, passando parte do seu
acervo à Cehab-RJ e parte à Fundação Leão XIII. A Chisam também é extinta e
suas funções são absorvidas pela Cehab-RJ. Nesta época, a Cehab-RJ constrói 2826
unidades habitacionais, sendo 2682 na cidade do Rio de Janeiro e 144 em Niterói.
09 de Julho de 1975 – RJ: Lei n°174
Dispõe sobre a execução do Planhap no estado e institui o Fundhap, vinculado ao
Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social.
1976 – RJ
A Fundação Leão XIII remove, de diversas favelas, 1085 famílias.
1977 – RJ
A Cehab-RJ constrói 1694 unidades habitacionais, sendo 1485 na cidade do Rio de
Janeiro, 144 em Niterói e 65 em São João da Barra. Além disso, promove a
erradicação da favela Pico do Papagaio, com a remoção de 48 famílias. Neste
mesmo ano, a Cehab e a Fundação para o Desenvolvimento da Região
Metropolitana – Fundrem fazem um convênio para a construção de casas para
famílias alijadas pelo metrô ou de favelas ameaçadas de desabamento.
1978 – RJ
A Cehab-RJ constrói 4579 unidades habitacionais, sendo 4055 na cidade do Rio de
Janeiro e a Fundação Leão XIII remove 333 famílias de diversas favelas.
1979 – RJ
A Cehab-RJ constrói 2165 unidades habitacionais, sendo 1881 na cidade do Rio de
Janeiro. A Fundação Leão XIII reconstrói 23 barracos no Morro D. Marta. Neste
mesmo ano, o Governo Federal, em colaboração com o Estadual e o Municipal.
Elabora o Plano de Urbanização das Favelas da Maré conhecido como Projeto-Rio.
03 de Setembro de 1980 – RJ: Lei n°347
Autoriza a transferência à Cehab-RJ de terrenos próprios estaduais.
18 de Novembro de 1980 – RJ: Lei n°191
Autoriza o Poder Executivo a subscrever ações da Cehab-RJ. Neste ano, a Cehab-RJ
constrói 5356 unidades habitacionais, sendo 4188 na cidade do Rio de Janeiro. A
Fundrem, neste período, realiza um levantamento das favelas da área do Projeto-
Rio.
10 de Fevereiro de 1981 – RJ/Rio de Janeiro: Dec. n°2982
Dispõe sobre provação dos empreendimentos de interesse social destinados à
população de baixa renda, promovidos pela Cehab-RJ.
04 de Dezembro de 1981 – RJ: Lei n°512
Autoriza o Poder Executivo a alienar à Cehab-RJ a título oneroso ou gratuito
imóveis de propriedade do Estado. Neste ano, a Cehab-RJ constrói 9358 unidades
habitacionais, sendo 8136 na cidade do Rio de Janeiro.
02 de Junho de 1982 – Rj: Lei n°546
Autoriza o Poder Executivo a conceder quitação aos adquirentes da casa própria
através da Cehab-RJ.
16 de Julho de 1982 – RJ/Rio de Janeiro: Lei n°330
Autoriza o Poder Executivo a construir áreas de lazer nas favelas do município.
Neste ano a Cehab-RJ constrói 5849 unidades habitacionais, sendo 5009 na cidade
do Rio de Janeiro. Neste período o Iplanrio realiza o cadastro das áreas faveladas
do município do Rio de Janeiro.
08 de Dezembro de 1982 – RJ/Rio de Janeiro: Lei n°380
Autoriza o Poder Executivo a firmar convênio com a Light, por intermédio da
Comissão Municipal de Energia, para a iluminação das vias de acesso a áreas
comuns das favelas do Rio de Janeiro.
26 de Março de 1983 – RJ: Resolução n°05 da ALERJ
Constitui a Comissão Parlamentar de Inquérito para analisar as causas do
surgimento e da proliferação de favelas no Estado do Rio de Janeiro.
27 de Julho de 1983 – RJ/Rio de Janeiro
Altera o regulamento de zoneamento aprovado pelo Decreto n°322 de 03 de Março
de 1976, incluindo na Zona Especial 10 áreas da favela D. Marta, no Humaitá.
Neste mesmo ano, a Cehab-RJ constrói 1931 unidades habitacionais, sendo 1711
na cidade do Rio de Janeiro, além de 3439 unidades em execução e 16568 em fase
de pré-execução na cidade. A Fundação Leão XIII constrói 270 unidades
habitacionais no Parque Nossa Senhora da Penha, e Centros de Habitação
Provisória e de Triagem.
ANEXO 2
Entrevista com Jozé Cândido de Lacerda sobre o Favela-Bairro
Portal Vitruvius: universo paralelo de Arquitetura e Urbanismo:
http://www.vitruvius.com.br/entrevista/lacerda/lacerda.asp.
Acesso em 20/10/2007.
Érico Costa: Como vocês esperam que o Projeto Favela-Bairro seja mantido? Há
verba para o controle das 700 favelas que existem atualmente?
Jozé Cândido de Lacerda: Quando você implanta o Favela-Bairro, a intenção é
que cada comunidade vire um bairro. No momento em que ela vira um bairro ela
passa a ser mantida como uma cidade. Se o administrador vai manter bem ou mal
é outra questão. Hoje temos dentro da secretaria um programa de manutenção dos
primeiros Favelas-Bairros. Ainda existe nas divisões de conservação da área formal
uma certa relutância em subir na favela e limpar, consertar parques e jardins ou a
rede de água. O importante é não deixar o pessoal bagunçar senão vira um ciclo
vicioso. Ou seja, o ideal é educar o povo.
EC: Se as comunidades são carentes como esperar que os moradores passem a
pagar contas que elas não pagavam anteriormente?
JCL: A idéia do Favela-Bairro é você regularizar. É claro que é complicado você
fazer a regularização fundiária de cada lote já que às vezes é difícil saber onde
começa e termina o lote de um morador. Quanto à questão de pagar, é evidente
que ele paga, não ao poder público mas a alguém que faz aquele “gato” e que pega
aquela água. A grande maioria dos casos é assim. A Light hoje está privatizada.
Quase todos os barracos têm um relógio de luz. Aquele emaranhado de fios que se
vê nas favelas é basicamente de telefone. Se a pessoa tem o telefone cortado, é
mais barato fazer uma outra ligação do que achar qual daqueles cabos era o seu. A
água é que já é mais complicada. Quando você entra com o Favela-Bairro, você faz
toda uma estrutura nova de água e de esgoto. Cabe a CEDAE chegar lá é cobrar.
EC: E eles teriam condições de pagar?
JCL: Teriam. O importante é você criar uma obrigação. Não que o valor cobrado
pague aquilo que ele está usando. Se você cobra pela água apenas R$2,00, duvido
que alguma família não vá pagar. O prejuízo que se tem quando se “sangra” uma
tubulação é muito maior do que se a CEDAE cobrar R$1,00 ou R$2,00
(simbolicamente falando).
EC: E o IPTU não existe?
JCL: Para cobrar o IPTU você precisa fazer a regularização fundiária. Todos os
moradores querem pagar IPTU. Seria a garantia da propriedade daquele imóvel.
Hoje o imóvel na favela está vinculado à associação de moradores, que paga pra
registrar no cartório. No dia em a gente disser “Aqui está o seu ITPU”, todos irão
correndo pagar. E digo mais: nenhum deles irá atrasar. A gente já conseguiu em
alguns casos fazer a regularização fundiária e dar a certidão a cada um.
EC: Você acha que a tendência é todos os moradores terem a certidão de
propriedade?
JCL: Essa é a parte mais lenta do programa, mas a tendência é todo mundo ter sua
certidão de propriedade. A partir do momento que você urbanizou e criou vias
identificando o que é privado e o que é público, só fica faltando legalizar. A
dificuldade é legalizar tudo isso, pois normalmente, as terras ou são da União ou
são terras invadidas. E aí tem todo um processo burocrático.
EC: O Favela-Bairro favorece uma certa especulação imobiliária na favela? Com a
cobrança de novos impostos e a valorização dos lotes na favela não é possível que
os antigos moradores acabem vendendo suas casa para pessoas de classe média
baixa e comecem um novo processo de favelização em outras áreas?
JCL: Uns podem querer ver a casa, outros não. O que acontece é que quando você
entra com um programa tipo o Favela-Bairro, o local passa a ter uma atratividade
muito grande, passando a agregar pessoas que não estavam ali e fazendo a
comunidade aumentar. O problema não é vender as casas, mas atrair novas
pessoas. É claro que existe a especulação imobiliária como na Barra, Ipanema, etc.
Depois que o Favela-Bairro passa asfaltando a rua e trazendo água e esgoto, a casa
que valia 2 reais passa a valer 10. Você sabe que o projeto tem que ser aprovado
pela comunidade e temos que dizer o que vai ser feito. As áreas que identificamos
como vazias, onde serão construídas por exemplo uma creche ou uma quadra de
esportes, a gente pede para que os moradores tomem conta e não deixem ninguém
invadir pois o cadastro já foi feito. Só que às vezes eles não respeitam isso e
invadem. Quando a gente volta lá é outro problema para tirar as pessoas. O temos
feito para frear o crescimento da favela, é cercar a área com trilhos de trem.
Calculamos as redes de água e esgoto para aquela comunidade. Se ela dobrar de
tamanho foi embora todo o dimensionamento.
EC: Que medidas então devem ser tomadas para que a classe média não deseje ir
morar nas favelas?
JCL: Precisaríamos ter uma política habitacional. Você tem que fazer habitação
independentemente. Urbanização de favela é uma coisa, carência de habitação é
outra. Nós temos carência de habitação. Existe um novo programa cuja idéia é
cobrir um pouco desta lacuna. A política habitacional não anda sozinha, ela tem que
estar atrelada a uma série de políticas, principalmente a de transportes. O indivíduo
tem que se locomover de forma confortável e rápida. Se ele demora horas para
chegar ao trabalho, a que horas ele vai ter que sair de casa?
EC: O ideal seria criar condições de ele ficar por lá mesmo?
JCL: Sim. Mas como criar essas condições? Tem que infraestruturar toda a área,
prover de água e esgoto, estimular o comércio, a indústria, etc. Você sabe tão bem
quanto eu que a cidade tem um monte de vazios urbanos.
EC: As equipes para desenvolver os projetos Favela-Bairro são escolhidas através
de licitação. Como garantir que as obras serão efetivamente executadas? Como é
feita a fiscalização?
JCL: Nós licitamos os projetos baseados na lei. As propostas são analisadas e os
escritórios que apresentam melhor técnica e preço são os selecionados.
Posteriormente, desenvolverão as idéias que precisarão ser aprovadas por nós. Há
vários passos: Primeiro o diagnóstico, depois o plano de intervenção e finalmente o
projeto executivo. Temos hoje as coordenações de orçamento, de infra-estrutura,
de estrutura e de arquitetura e urbanismo. Independentemente do fiscal, temos
diversas pessoas para dar apoio ao trabalho.
EC: Que financiamento “toca” o Favela-Bairro?
JCL: O dinheiro do Favela-Bairro vem do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) com uma contrapartida da prefeitura. O BID entra com uma
parte e nós entramos com a outra.
ANEXO 3
PROJETO DE LEI Nº 1923/97
ESTABELECE NORMAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NO ÂMBITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RESOLVE;
Art. 1º - A implementação de Programas Habitacionais no Estado do Rio de Janeiro
deverá obedecer o principio estatuído no artigo 335 da Constituição Estadual.
Art. 2º - Todas as unidades residenciais construídas com recurso do Estado
deverão ser adaptadas para a plena utilização da pessoa portadora de deficiência
que se enquadre nos critérios do programa habitacional.
Art. 3º - No mínimo 10% das unidades residenciais deverão ser vendidas
prioritariamente à pessoa portadora de deficiência que se enquadre nos critérios do
programa habitacional.
Art. 4º - O órgão competente da administração deverá baixar normas
regulamentares ao fiel cumprimento da presente Lei.
Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
DEPUTADA TÂNIA RODRIGUES
JUSTIFICATIVA
Da tribuna
Código: 970301923
Autor: TANIA RODRIGUES
Matéria: Projeto de Lei
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