Download PDF
ads:
MARCELO GAMA E MELLO DE MAGALHÃES PINTO
FREVO PARA PIANO DE EGBERTO GISMONTI:
UMA ANÁLISE DE PROCEDIMENTOS POPULARES E
ERUDITOS NA COMPOSIÇÃO E PERFORMANCE
BELO HORIZONTE
UN IVER SIDA DE F EDE RAL DE M INAS GER AIS
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Marcelo Gama e Mello de Magalhães Pinto
FREVO PARA PIANO DE EGBERTO GISMONTI:
UMA ANÁLISE DE PROCEDIMENTOS POPULARES E
ERUDITOS NA COMPOSIÇÃO E PERFORMANCE
D i s s e r t a ç ã o a p r e s e n t a d a a o
D e p a r t a m e n t o d e P ó s - G r a d u a ç ã o d a
E s c o l a d e M ú s i c a d a U n i v e r s i d a d e
F e d e r a l d e M i n a s G e r a i s c o m o
r e q u i s i t o p a r c i a l p a r a o b t e n ç ã o d o
t í t u l o d e M e s t r e .
Á r e a d e c o n c e n t r a ç ã o : P e r f o r m a n c e
m u s i c a l .
O r i e n t a d o r : P r o f e s s o r D o u t o r F a u s t o
B o r é m .
Belo Horizonte
Escola de Música da UFMG
2009
ads:
Aos meus pais e minha irmã.
À Roberta.
AG RADE CIME NTOS
Ag rade ço a todos qu e co ntr ibuí ram par a a re a liz ação de ste
trabalho.
Agradeço à minha família,
à Roberta,
ao meu orientador, Professor Fausto Borém,
à Professora Lúcia Assumpção.
RESUMO
Es te tr abal ho é u m est udo s obre reco nhec imen to de elem ento s
er udit os e pop ula r es na p erfo rman ce de E gber to Gis mont i, em s ua
obra Frevo para p iano so lo. Rea liz a -se uma a n áli se desc rit i va,
fu ndam enta da em cara cter ísti cas music ais do gêne ro frevo e de
co mpar açõe s c o mpo sici onai s co m co m pos i tor es e rudi tos. For am
ut iliz adas co mo font es prim ári a s: a grava ção de Frevo, reali zad a
pe lo pr ópri o aut or e q ue es tá pr esen te no disc o Alma , a pa rtit ura
im pres sa no enca rte d o mes mo di sco e a par t itu ra de Frevo,
pr esen te n o l ivro Eg bert o Gismo nti, ed ita d o p ela Édi tion Su isse .
Co mo fo nte s ecun dári a, fo i uti liza da um a tra nscr içã o da
pe rfor manc e de Frevo d o dis co Al ma, feit a por est e pes quis ado r ,
ut iliz ando do s segui ntes sof twar es: Finale e Amazi ng Slow
Do wner . A aná lise de Frevo foi p rece did a de um a cont extu aliz açã o
so bre o gên ero frevo, traç ada desd e seu s pr imór dios até sua
co nsol idaç ão ( S ALD ANHA , 200 8; LI MA, 2 005) , e de uma desc riçã o
da tra j etó r ia music al er udit a e po pula r do compo sito r e mu lti-
in stru ment ist a Eg bert o Gismo nti, de l ine ada com bas e
prin cipa lmen te em arti gos pu b lic ados na in tern et e en trev ist a s
pu blic adas no Jo r nal Cai pir a . A an á lis e da ob ra most rou que o
gênero perna mbuc ano foi uti liza do na co nst ruçã o da obr a de
Gi smon ti, ta nto no s aspe ctos co mpo sici onai s quan to
im prov isat óri o s. Ao co n trá rio d a tr adiç ão de pr e dom ínio de
me lodi a a comp anha da da m úsi c a i nstr ume n tal po p ula r, E gbe r to
ut iliz a prin cipa lme n te de um s ofis tica do con trap onto a d uas vo zes,
co m base s em uma com p lem enta rida de mel ódic a para qu e o fl uxo
rí tmic o d o disc urs o m usic al, co m o é t ípic o d o frevo, n ão sej a
in terr ompi do. Ob serv ou-s e um hibr idis mo de ele men t os das
mú sica s po pul ar brasi leir a e est rang eira com ele men t os erud itos ,
notadamente a influência de Bach e Chopin.
Pa lavr as-c have : Eg bert o Gi smon ti. Frev o. P iano . Mú sica
brasileira. Performance musical.
AB STRA CT
Th is w ork is a stu dy a bou t th e re cogn itio n of cla ssi c al a nd p opu lar
el emen ts in Gism onti s pe rfor man c e of h is wo rk Frevo for solo
pi ano. It is a des c rip tive an alys is, bas ed on musi cal
ch arac teri sti c s o f t he ge nre frevo and on comp osic iona l
co mpar ison s wi th class ical com pose rs. I t ha s be en us ed a s
pr imar y s o urc es: a) t he r eco r din g of Frevo, p erfo rme d by the
au thor in th e album Al ma; b) the sc ore of Frevo, from the bo okle t
of the s a me album ; and c ) the scor e of Frevo fr om th e boo k
Eg bert o G ismo nti, pu blis hed by Édit ion Sui sse. As a seco ndar y
so urce , it ha s be en util ized a tran scri pti o n o f Frevos per f orm a nce
of t he alb um Al m a mad e by thi s rese arc h er wi th the f oll o win g
softwares: F inal e an d Am azin g Sl ow Do wne r . Th e an alys is of
Frevo i s pre cede d by a hi sto r ica l exp lan a tio n abo ut frevo, sinc e it s
be ginn ing un t il its co nsol ida t ion (S ALDA NHA, 20 08; LI M A, 200 5),
as we ll a s by a de scri pti o n o f the c lass ical an d popu l ar mus i cal
pa th of t he com pos e r and m ult i -ins trum enti st Egb ert o Gism onti ,
ba sed ma inly on w eb arti cle s a nd inte rwie ws pub lish ed in th e
newspaper Jo rna l Ca ipir a. T he anal ysis ha s sh owed th a t t he g enr e
frevo w as use d i n both th e comp o sit i ona l and imp rovi sati ona l
as pect s of the con stru ctio n of Frevo. In stea d of uti lizi ng a n
ac comp anie d me lody , Egb ert o mai nly m akes use of a s oph isti cate d
co unte rpoi nt i n tw o vo ices , ba s ed o n a melo dic c omp leme ntar ity in
or der to m a ke t he r hyt h mic ove r flo w of the mus ical spe ech, lik e in
fr evo, c ont i nuo us. A c omb inat ion of ele ment s from t he Bra zil i an
Po pula r M u sic and in t ern atio nal mus i c w ith cla s sic al e leme nts,
mainly an influence of Bach and Chopin, was observed.
Key-words: Egb erto Gi smon ti. Fr e vo. Pi ano. Br azi l ian mu sic.
Musical performance.
SU MÁRI O
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
2.1
2.2
3.1
3.2
3.3
Capítulo I ..............................................................
Introdução ..............................................................
Justificativa ............................................................
Objetivo geral .........................................................
Objetivos específicos ...............................................
Fontes ....................................................................
Capítulo II Contextualização histórica: O gênero
frevo e Egberto Gismonti ........................................
O gênero frevo ........................................................
Egberto Gismonti .....................................................
Capítulo III Aná lis e de Frevo ................................
Motivos temáticos de Frevo .......................................
Análise das seções formais de Frevo ........................
Microanálise de Frevo ..............................................
Capítulo IV Conclusão ..........................................
Referências ...........................................................
An exo Edição de performance de Frevo ................
7
7
9
9
10
10
13
13
27
37
37
40
47
73
75
79
7
Capítulo I
1.1 Introdução
O Br asil há muit o é con h eci do por sua div ersi dad e
mu sica l, ori gina da das mis tura s raci ais e fusõ es cul tura is. A
ex tens ão c ont i nen tal de se u terr i tór i o e su as dif eren tes
co loni zaçõ es (po rtug uesa , espa nhol a e h o lan desa ) c ontr ibu í ram
pa ra a pl ural idad e d as m anif est a çõe s cu ltur ais e a rtí s tic as,
pr inci palm ent e as de cu nho po pula r. Es tas, tiver am g r and e
in fluê ncia dos negr os tr azi dos p elos col o niz ador es de dif e ren tes
pontos da África como Angola/Congo e Yoruba (Cançado,1999).
O co ntex to re ligi oso no p e río d o c olon ial influ enci ou a
fo rma c omo a mús i ca s e des envo lveu nos p aís es. E m paí ses
co loni zado s prot esta ntes , as mani f est açõe s music ais e cul tura is
do s escra vos neg ros nã o er am per m iti das. Já no s novos pa íses
ca tóli cos, a mi stu r a das tra diç õ es rel igio sas e cul t ura i s afri cana s
co m o Ca t oli cism o p e rmi tiu que ho uves se um d esen vol v ime nto
ma ior de po liri tim i a e d a m úsi c a per cuss iva ( C anç ado, 19 99,
p.46).
Há ex e mpl os m usi c ais de inf luên cia da rítm ica afr ican a n a
Co leçã o d e M odi n has An ônim as do séc ulo XV I II bem co mo no
Lundu - gê nero mu sic al p o pul ar p r ese nte no con text o soci al d o
sé culo XV III. Is to most r a como os neg r os tive ram gra nde
influência no desenvolvimento da música popular no Brasil.
O gê nero de músi ca po p ula r frevo orig inou -se em
Pe rnam buco , es tad o de gra n de i mpo r tân cia econ ômic a pa ra o
Br asil pe l as expo rta ç ões de can a -de-aç úcar du r ant e o per í odo
co loni al (SALD ANH A , 20 08) . O fre v o fo i ge rad o , mu sic alme nte,
8
pe la h istó ria do est ado, se ndo um gên ero mus ical tí pico da s
manifestações populares do Brasil.
Neste tra balh o, o fre vo é sit uad o his tor i cam ente des de
su a orige m na colo n iza ç ão de Per namb uco no séc ulo XV I I,
pa ssan do p elo d esen volv ime n to e c ons olid ação , até sua s
vertentes mais recentes.
A apres enta ção d e ste h istó rico d o fre vo se f az nec essá ria
pa ra a con t ext uali zaçã o d a obr a Frevo, d o comp osi t or fl umi n ens e
Eg bert o Gi s mon ti, q ue se rá an ali s ada do po nto d e vi s ta
composicional e da performance pianística.
Eg bert o Gis mont i é um compo sito r e mul ti-instrumentista
re conh ecid o i nte r nac iona lmen te pelo es tilo de sua li n gua gem
co mpos icio nal e prát icas de pe rfor manc e úni cas, que t em
de senv olvi do ao l ong o d e m ais de trin ta anos de carr eira
profissional.
A rel evâ ncia d e Egb e rto G ismo nti n o cená rio mus ica l
de corr e, outr ossi m, do trata men t o erudi to que ele dá a ma ter iais
po pula res, contr ibui ndo, co nse quen teme nte, pa ra a inte graç ão da
mú sica popu lar co m a e rudi ta e, de um a f orma m a is am pla, do
meio popular com o acadêmico.
No s eu dis co A lma ( G ISM ONTI , 1987 ), Gis m ont i, atr avés
de uma ou d uas linha s m eló d ica s, mas com g rand e c ompl exi d ade
rí tmic a, con segu e tran spo r r itm o s pop u lar es par a a e rud i ção d o
pi ano. S uas c ompo siçõ es, que m ist u ram l ingu agen s mus i cai s
diversas o jazz, a mús ica e r udi ta e a mú s ica p opul ar br asil eira - ,
sã o o re flex o dessa mi stu r a de esti los, co mo se obse rva em sua
obra Frevo.
9
1. 2 J usti fic ativ a
A pre sen t e p esq uisa se ju sti fica pe la fal t a d e estu dos
so bre tema s li gad os a Egb ert o Gis mon ti e sua con tri b uiç ão como
co mpos itor e pe rfor mer par a a mú sica br asi leir a cont e mpo r âne a.
Al ém d iss o, o ob jeto des te e stu do é de gr a nde int ere s se para es te
pesquisador por várias razões.
De sde o iníc io de noss o inte ress e pela mús ica pop ula r e
pe la co mpos ição , Egb ert o Gis m ont i sem pre r epre sent ou um
re fere ncia l tan to de p e rfo rman ce qua nto d e comp osiç ão. D este
modo, com o i n tui to de ex pan d ir no ssos c onh e cim ento s pian íst i cos
e com posi cio n ais , v imos q u e a r eali zaçã o do pres ente e s tud o
seria de grande valia.
Eg bert o Gi smon ti é um g ran de re pre sent ante da
mi scig enaç ão cult ural , tão r epr esen tati va do B rasi l. Em su a obra ,
é po ssív el enc ont r ar as mais di vers as ca r act e rís tica s da
mu sica lida de pop u lar e erud ita . No en tant o, Gism ont i nã o é
de vida ment e c onhe cido pe lo p úbli co em g era l . T alve z pelo fat o de
su as obra s nã o te rem um cunh o co mer c ial , a míd i a nacio nal não
ab re esp aço pa ra uma m aio r d ivu l gaç ão de se u trab alho e , no
me io a cadê mic o , n ão h á estud os s ufic ien t es so bre su a obra ou
su a v i da. De sta fo rma, es per amos qu e e ste tr abal ho a jud e a
di vulg ar, n o mei o acad êmic o e par a o pú b lic o em ge ral, u m pou co
da obra desse relevante músico brasileiro.
1. 3 O bjet ivo ger al
O obje tiv o ge ral dest e estud o é ide n tif icar ele ment os das
pr átic as eru dita s e p opul ares n a o bra Frevo, de Eg ber to Gism ont i ,
10
e com pree nder co mo ele , en qua nto com posi tor e inté rpr e te,
integra tais práticas no piano.
1. 4 O bjet ivos es pecí fico s
Este estudo tem como objetivos específicos:
a) est u dar as ca rac terí stic as hi stó rica s e estil ísti cas d o
gênero frevo;
b) est udar a t raj etór ia music al d e Egber to Gismo nti ,
es peci alme nte no que diz re spei to às suas influ ênc i as eru dit a s e
populares;
c) tr ans crev er d etal hada men t e a ob ra Frevo a p arti r da
gr avaç ão feita pel o co mpos itor no disc o Al m a, p rove ndo uma
edição de performance;
d) descrever a forma de Frevo, de Egberto Gismonti;
e) rec o nhe cer e lem e nto s do f rev o na o bra F revo e
ve rifi car com o e stes sã o t rata dos na es c rit a p i aní stic a d o
compositor;
f) re conh ecer el emen tos da mús ica eru dita na ob ra Frevo
e ve rif icar como estes são tr ata d os na escr ita pi aní s tic a do
compositor;
g) des crev er o est ilo de p erfo rman ce de Egb erto
Gismonti na gravação da obra;
h) pr over su bsí dios pa ra u ma int erpr etaç ão m ais be m
fundamentada da obra sob os pontos de vista técnico e estilístico.
1.5 Fontes
As fontes primárias utilizadas neste estudo são:
11
a) a gr ava ç ão da ob ra Frevo p elo co mpos itor , incl uída no
seu disco Al ma (GISMONTI, 1987a);
b) a part itur a de Frevo, in clu í da no disc o Alma
(GISMONTI, 1987b);
c) a par tit u ra de Frevo ed ita d a p ela Édi tio n s G ism o nti
Suisse.
Co mo ref erê n cia p rinc ipal s obr e o ritm o per n amb u can o,
foram utilizados:
a) a tese de dou tora do F reve ndo no Reci fe: a m úsic a
po pula r urb ana d o Rec i fe e su a con soli daçã o atr avés do rá d io, de
Leonardo Vilaça Saldanha (2008);
b) a d isse rta ç ão d e Mes trad o O pi ano m esti ço:
co mpos içõe s par a pia no po pula r com acom panh amen to a p arti r de
ma triz es per namb ucan as, de Sé rgi o Ricar do de Go doy Li ma
(2005);
c) artigos diversos publicados na internet.
No qu e di z r espe ito às font es sono ras, al ém d o d isco
Al ma, é u tili zad o , tam bém , para efei to de c omp araç ão, o v íde o de
Jo hn M cLa u ghl in e Paco De L ucia , e m que e xec utam a ob ra e m
foco neste estudo, que está publicado no site Youtube
1
.
Pa ra os da dos bi ográ fico s de Egb e rto Gismo nti, f oram
utilizadas as seguintes fontes principais:
a) e ntr e vis tas publ icad as na int erne t por G ilm a n (20 09),
Br uce (2 009 ), B erno tas (2008 ), A mar al ( 200 8 ), Wa nder (200 7 ) e
Melo (2007);
b) D i cio nári o el etrô nic o Cr a vo Albi m da mús ica popu lar
1
D i s p o n í v e l e m : < http://www.youtube.com/watch?v=s25vlXWZCtw&feature=PlayList&p=
6C91BFE1146E11FE&playnext=1&playnext_from=PL&index=38> . A c e s s o e m : 8 a g o .
2009.
12
brasileira (ALBIM, 2009);
c) en trev ista s p ubli cada s n o J orna l C aipi ra n. 2
(GISMONTI 1978, 1979 e 1981).
Co mo fo nte secu ndár ia, u til i zou - se a tran scri ção d e
Frevo, base a da na grav ação d o comp osi t or, e q ue foi r eali zada
po r e ste pe s qui sado r, usan do os soft ware s Finale e Amaz ing Sl ow
Do wner .
13
Ca pítu lo I I Co ntex tual izaç ão hist óri c a: O gêner o frevo e
Egberto Gismonti
2.1 O gênero frevo
O vo cábu lo frevo tem or i gem n o verb o ferver, q ue era
pr onun ciad o e r ron e ame nte f rev e r p e las cam a das soc iais com
me nos in stru ção es col a r. Do po nto de v ista m usic al, frever s uge re
a agit açã o , e ferv esc ê nci a e eufo ria car acte ríst ica s do est ilo. O
no me r e met e a um ê x tas e do mov i men to corpó reo em coreo graf ia
qu e lev a à in sani dad e ou d elír io de anim ação (SA LDA N HA, 2008 ,
p. 2; LIMA, 2009).
Pa ra a pre s ent ar o frev o , é neces sári o d isco rrer sobre a
hi stór ia do Bras il col ônia , uma vez que esse g êner o musi cal está
atrelado a tal período.
O frev o tem sua ori g em musi cal nas band as mil ita r es. A s
pr imei ras ocor rênc ias de conj unto s musi cais d e f orm a ção mili tar
em Per nam b uco dat am do perí odo da inva são e domí nio
ho land eses naq uele esta do, o cor rida entr e 16 3 0 e 1 654. Nes s e
perí odo, as ci dade s de Re cif e e Oli nda vir am o flore scim ent o da s
ar tes, pois os ho l and eses , alé m de ap reci ador es do s ar t ist as
na tivo s, en c ont rara m no Br a sil u ma gra nde f o nte d e insp iraç ão
para suas artes (APPLEBY, 1989).
Fo i co m a che gad a da cor te port ugue sa a o Br asi l em
18 08, no ent a nto , q ue as ban das mil i tar es pas s ara m a u sufr uir de
ma ior pre s tíg io e reco nhec ime n to. De acor do com Tinh orão
(1 998) , até a cheg ada d a cor t e, a o rgan izaç ão da s ban d as
militares era precária. Como ele mesmo atesta:
14
N a v e r d a d e , q u a n d o o p r í n c i p e r e g e n t e d e s e m b a r c o u n o
d i a 6 d e m a r ç o d e 1 8 0 8 n o R i o d e J a n e i r o , v i n d o d a
B a h i a , o c r o n i s t a L u í s G o n ç a l v e s d o s S a n t o s [ . . . ] n ã o
e n c o n t r o u b a n d a s p a r a c i t a r , d e c l a r a n d o a p e n a s t e r
o u v i d o a l e g r e s r e p i q u e s d e s i n o s , e o s s o n s d o s
t a m b o r e s , e d o s i n s t r u m e n t o s , m ú s i c o s , m i s t u r a d o s c o m
o e s t r o n d o d a s s a l v a s , e s t r é p i t o s d e f o g u e t e s , e
a p l a u s o s d o p o v o ( T I N H O R Ã O , 1 9 9 8 ) .
Um a das pr imei ras at itu des da corte portu gues a no Bra sil
fo i a ab ertu ra do s por tos à s naç ões a mig a s de P ort u gal . Com i sso ,
a e xpor taçã o de alg odão e cana - de-aç ú car t o rna r am o R e cif e o
po rto de maio r mo vim ento e i nter câm b io come rcia l da co lôni a com
a Eu r opa e os Es tado s U nido s. Das cap ita n ias ex iste nte s no
Br asil , a de Pe rna mbuc o fo i a m ais bem suce dida
ec onom icam ent e . Com o cl ima que nte e o so lo fért i l, Per n amb u co
fo i um g ran de ex port ador de c ana-de- açúc ar, taba co e algo dão
(APPLEBY, 1989).
Co m a vin da da cort e p ara o B r asi l, fez- se nece ssá r ia a
cr iaçã o d e uma infr aes t rut u ra no país , que repe ntin ame n te deix ou
de s er uma c o lôn ia dese str u tur a da par a s e torn ar a sede d o rein o
de P ort u gal . Naqu ela é poca , não h avia n em um a band a seq uer
qu e pud esse faze r as d evid as ho nrar ias à cort e. Co ntud o, a pa rtir
de sse m ome n to, houv e for ços a men te um dese nvo l vim ento da
mú sica em ba nda s mil itar es (S A LDA N HA, 2008 ). E n ão só hou v e
um des envo lvi m ent o de ba ndas , ma s, d e uma manei ra gera l , de
to da a infr aes t rut ura p ara a cu ltur a. Co mo a firm am L ewen e Ho ra
(2008) em artigo publicado na revista Pe r Mus i:
C o m o c r e s c i m e n t o d a p o p u l a ç ã o , a e x p a n s ã o e c o n ô m i c a
e a s d e m a n d a s c u l t u r a i s n o R i o d e J a n e i r o a l é m d a
a c o l h i d a a m i s s õ e s e v i s i t a n t e s e s t r a n g e i r o s p o r s e r a
s e d e d o v i c e - r e i n o t o r n o u - s e v i s í v e l a n e c e s s i d a d e d e
a c o m p a n h a r a s m u d a n ç a s e s t a b e l e c i d a s n a E u r o p a e
c r i a r a m b i e n t e s f e c h a d o s p a r a a r e p r e s e n t a ç ã o d a s o b r a s
a r t í s t i c a s . A s s i m , a s e n c e n a ç õ e s a n t e s r e a l i z a d a s s o b r e
p a l c o s i m p r o v i s a d o s e m t e r r e n o s a b a n d o n a d o s , p r a ç a s e
r u a s t e r i a m u m l o c a l p r ó p r i o : o t e a t r o p ú b l i c o (P e r M u s i ,
2 0 0 8 ) .
15
Co mo se po de per cebe r, houv e um gran de inv esti ment o
na c ultu ra do p aís n esse p erío do. D e fato , Dom J o ão VI era um
gr ande patr oci n ado r d as arte s e d a c iênc ia. No p erí o do em q ue
mo rou no Rio de Jan eiro , fun dou a Bibl iote ca Na cion al, o Jard im
Bo tâni co, a Esc ola de Med ici n a, a C apel a Impe r ial , entre ou tros
importantes marcos cariocas (REILY, 2000).
Se ndo a cidad e do Ri o de J a nei ro a s e de do impé r io, era
de se es per ar q ue f oss e a m ais dese nvol vida urb ana e
in tele ctua lme n te. Ent reta nto, no que conc erne a Perna mbuc o, a
mú sica já v inh a rec ebe n do i nves tim e nto s, de mod o qu e, de sde a
se gund a met a de do s écul o XVII I, to d os os r e gim ento s mili tar e s
si tuad os no Reci fe e O l ind a já cont avam com m úsic os no s seu s
quadros efetivos (SALDANHA, 2008).
O gên ero fr evo tam bém ap rese nta, em s u a o rig em, as
ma nife staç ões p opul ares q ue e ram ligad as às práti cas relig ios a s
da Igrej a Cató lic a , q u e e s tim ulav a a demo nstr ação públi ca da fé .
En tret anto , ap ós a R efo r ma n a Eur opa, a Ig reja pas s ou a coib ir
ce rtas p rát i cas , que pass ara m a ser cons ide r ada s prof anas . Iss o ,
de c erto m odo, s epa r ou ai nda m a is a s o cie d ade , que já p oss uía
um a gr a nde desi gua l dad e soc ial. Nes se co nte x to, até o pri ncíp io
do s écu lo XX, a bur g ues ia, que já era soci alme nte d ista nte, s e
af asto u a o má ximo da s tr adi ç ões pop ular es - que in cluí am
pr átic as musi cai s , h ábi t os alime ntar es e cost ume s pop u lar es.
Passaria, então, a valorizar ainda mais as tradições europeias.
Co m i sso , a s m anif est a çõe s p opul ares , s ímb olo de atr a so
in tele ctua l, tor n ara m -se in dese jáve is. Iss o só mudo u qu and o
na sceu o co ncei to de brasilidade. N esse mo men to, os sí mbol os
po pula res pas sara m a ser sí m bol os de repre sent ativ ida d e da
identidade (SALDANHA, 2008; ANDRADE, 1928).
16
A fras e de An drad e (1 928 ) : Até pou c o tempo a músi c a
br asil eira viv e u di vorc iada da n o ssa iden tida de na cio n al [ ...]
si ntet iza com muita clar eza o cen ário musi cal bras ilei ro n o
pe ríod o comp reen dido e ntre o fi nal do Im pér i o e o i níci o do séc u lo
XX . O Bras il do f ina l do s écul o X IX e ra u m p a ís e ssen cial men t e
im port ador dos p rodu tos p rod u zid os na Euro pa e a cult ura d e
referência ainda era a europeia.
Fo i so men t e c om a vi nda da f amí lia real po rtug uesa qu e o
Br asil come çou a a van ç ar com sua in fra estr utur a. O B rasi l s ó
ve io a c ria r u ma iden tida de na cio nal no s écul o X X, e até en tão
to da a pr o duç ão art ísti ca fo i infl uenc iada p ela E urop a. Ass im,
co mo evid enci a a fr ase de And r ade (1 9 28) , a mús ica bra sile ira
daquela época era ainda bastante ligada às tradições europeias.
O f revo rem o nta ao re pert óri o de b anda s mil ita r es n o
Re cife da segun da met ade do sé cul o XIX. O rep ertó rio de
ma rcha s, dob rad o s e pol c as- marchas fez sur gir a se ment e da
ma rcha -carnavalesca pernambucana que , por sua v e z, deu orig em
ao fr evo. O mot ivo par ece ser qu e a úni ca opo r tun idad e de ouvir
mú sica d a i men s a maio ria da p opu l açã o d o Bras il nes se perí odo
er a a oca siã o em qu e as ba ndas ma rcia is toca v am em coret os de
pr aças . Alé m de e xec u tar em as marc has t radi cion ais , adi c ion avam
va lsas , p olca s e out ros ritm os em v oga na époc a ( T INH ORÃO ,
1998).
O fr evo tev e f o rma ç ão bas tan t e d i fer ente do samb a , u m a
ve z qu e seus exe cuta ntes er a m solda dos . O sam b a, no en tan t o,
te ve seu iníc io e d esen volv ime n to n os subú rbi o s c ari ocas , t endo
si do con s ide rado at é mesm o contr ave n ção pe nal. To dav ia, a
pr opag ação do ri t mo norde stin o foi m ais r estr ita d o que a d o
sa mba, p ois se us ins tru m ent o s (Cf . Quad ro 1 aba ixo) e ram e
ainda são caro s. Isto, por si só, já selec iona va q uem far i a pa rte
do s grupo s in str umen tais . De ac ord o co m Lima (20 05), os
17
in stru ment os ori g ina i s e at u ais do fre vo, ape sar des sa form açã o
não ser fixa, são os seguintes:
QU ADRO 1: Inst rum ento s do fre vo
Formação atual
-
-
4 saxofones (2 altos e 2 tenores)
4 trompetes
3 trombones
-
1 baixo elétrico
1 bate ria (em a pre sent açõe s em
sa las o u lu g are s ond e não a con tece
desfile)
1 surdo
1 pandeiro
1 teclado elétrico
Pode-s e no tar q ue a s di fere ntes for maçõ es de um a ba n da
de f revo s ão, n a real idad e, o re f lex o da evo luçã o tec noló gica .
Observa-s e que a ba n da de fr evo or igin al pos suí a inst r umentos
qu e se ada ptav am perf eit a men te às per form ance s em loc ais
ab erto s. J á a fo rmaç ão at ual r equ er el etri cida de p a ra q ue a b anda
te nha con diçã o d e toca r. Entr eta n to, a dep e ndê ncia do us o d e
el etri cida de n ão é empe cil h o pa ra os des fil e s de sses gru pos, uma
vez que podem ser instalados em trios elétricos.
18
De ac o rdo co m o Dic i oná rio Cra v o A LBIM (20 09), a danç a
do gên ero, nom e ada passo, tem orig em nos go lpe s de capo eira
an gola na dos pa rti c ipa ntes que iam à fre nte dos d esf i les dos
cl ubes ca rnav ale s cos . Entreta nto, de ac ordo co m site Wikipedia
2
(2 009) , há um rel ato que atrib ui a o mae stro Guer ra-P eix e a
seguinte afirmação:
O c o m p o s i t o r d e s c o b r i u q u e o s p a s s o s d o f r e v o f o r a m
t r a z i d o s p o r c i g a n o s d e o r i g e m e s l a v a e e s p a n h o l a , e
n ã o p o r n e g r o s a f r i c a n o s , c o m o s e p e n s a v a a t é e n t ã o
( W i k i p e d i a , 2 0 0 9 ) .
Comparando-s e a s dan ças a fric anas e a s e slav as com o
fr evo, é pos s íve l a char m a is s eme lhan ças do fre v o com a d ança
es lava . U m bo m e x emp lo é a sem e lha nça ent re o trepak russo e o
pa sso do frev o: a mbo s sã o ca ract eriz ados por aga cham ento s e
saltos com pernas estendidas
3
.
Fo i no s desfi les das ban das do 4º Bata lhão de Art ilha ria ,
co nhec ida como O Qu arto , e do Co rpo da Guar da N a cio nal,
co nhec ida co m o Espanha
4
, que os ca poe i ris tas des envo lvia m s uas
co reog rafi as (T ELE S , 200 9). E sses e ram f igu r as ob rig a tór ias à
fr ente do s d e sfi les e i am com cas sete tes e n aval has par a,
su post amen te, abr ir cam inho p a ra a o rqu estr a. O esq u ent amen to
do ri tmo fre vo s e dava com a exec uçã o ac ele r ada da s ma rch as,
do brad os e polc as-m arch as. Is t o aguç ava a exal taç ã o dos âni mos
de grup os ri vais , o qu e qua se se mpr e ger a va a l gum t ipo d e
en fren tame nto f ísi c o e ou mes m o a morte de al g uns . Ess a prá tica ,
co m o p assa r do tem po, s e al astr ou e lev o u o gove rno a
cr imin aliz ar a prát ica da cap o eir a . Com o s urgi ment o dos clubes
carnavalescos, o s p rat ican tes da cap oeir a apro veit avam o u so de
2
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/César_Guerra-Peixe> . A c e s s o e m : 1 0 s e t .
2009.
3
Disponível em: <http://www.answers.com/topic/trepak> . 1 2 s e t . 2 0 0 9 .
4
O b t e v e e s s e n o m e p o r s e r o m e s t r e d a b a n d a u m e s p a n h o l c h a m a d o P e d r o
G a r r i d o ( T E L E S , 2 0 0 9 ) .
19
fa ntas ias e es tand arte s p ara, disfa rçad os em pass os de d anç as,
aplicar seus golpes.
A p roi b içã o do d esf ile d os c a poe i ras se de u em 185 6
(T ELLE S, 2009 ). Os prati cant es abra ndar am suas ati tude s e,
po uco a pouc o , foram tr ansf orma ndo os gol pes de capo eira em
co reog rafi as, e pos teri orm e nte em da nça , mudan do i nclu sive os
ad ereç os ut i liz ados n as mã o s. Troca m-se o s cas s ete t es pelos
guarda-chuvas (SALDANHA, 2008).
O ter mo frevo e ra enco ntra do nos club es carn aval esco s
em 190 7 e apar eceu imp ress o p ela prim eira vez no Jornal
Pequeno d o R ecif e, n a e diçã o d e 9 d e feve reir o d o mesm o a no
(S ALDA NHA, 200 8 , p. 4 3; AL BIM , 200 9 ). D e aco r do c o m Sa l dan ha
(2 008) , o g êner o m usi c al per namb ucan o j á nasc e c omo mús ica
ca ntad a, send o qu e o do b rad o ch ama d o Ba nha Che iros a
(c ompo sito r anôn imo) é co nsi d era do o prim eiro frevo-canção.
En tret anto , o si te Wikipedia
5
afir ma o op ost o de Sa lda n ha: an t es
da música cantada, surgira a instrumental.
D e i n s t r u m e n t a l , o g ê n e r o g a n h o u l e t r a n o f r e v o - c a n ç ã o
e s a i u d o â m b i t o p e r n a m b u c a n o p a r a t o m a r o r e s t o d o
B r a s i l . B a s t a d i z e r q u e O t e u c a b e l o n ã o n e g a , d e 1 9 3 2 ,
c o n s i d e r a d a a c o m p o s i ç ã o q u e f i x o u o e s t i l o d a
m a r c h i n h a c a r n a v a l e s c a c a r i o c a , é u m a a d a p t a ç ã o d o
c o m p o s i t o r L a m a r t i n e B a b o d o f r e v o M u l a t a , d o s
p e r n a m b u c a n o s I r m ã o s V a l e n ç a ( W i k i p e d i a , 2 0 0 9 ) .
Co mo afi rma L IMA (20 05), f oi co n ven c ion ado, n a déc a da
de 30 d o sé culo XX, que o fre vo se ria subd ivid ido da se gui n te
fo rma: o frevo-de- rua ser ia para os gru pos ins trum enta is
orque stra is; o frevo-canção, pa ra os qu e eram canta dos ; e
finalmente, frevo- de-bloco, pa ra aque les que exe cuta vam ant i gas
marchas carnavalescas.
5
D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / p t . w i k i p e d i a . o r g / w i k i / F r e v o > . A c e s s o e m : 2 9 a b r .
2 0 0 9 .
20
No que c o nce rne à co nsol ida ç ão do frevo , de a c ord o com
Vi anna (20 0 7, p . 110 ), n o com eço d o sé culo XX, havi a no Brasil
um a i men sa var i eda de de est ilos e ri tmos q ue se pro paga vam pe lo
rá dio, p rin c ipa l meio d ifus or do país à que la épo ca, resp onsá vel
pela consolidação do gênero frevo.
De acor do c om Sa ldan ha ( 2 008 ), a p rim e ira grav ação de
um frev o ins trum enta l, que se chama A Prov ínci a, de Juv enal
Br asil , a cont eceu em 19 05 ( SAL D ANH A, 2 008 , p. 89 ), o q u e
re forç a qu e o f revo ins trum enta l su rgiu ant es do fre vo ca nta do.
Ex iste m, e ntre tan t o, a firm açõe s de que a pri meir a gr avaç ão d o
gê nero , i ntit ulad a F revo Pe rna m buc ano, de Lu per c e M ira n da e
Oswaldo Santiago, foi lançada por Francisco Alves em 1930
6
.
De qual quer form a , as grava dora s tiv eram um imp orta nte
pa pel na di v ulg ação do gê nero . Como já fo i dito, fo i o rádio qu e
co nsol idou o gêne ro per nam b uca n o. Entr etan to, f o i a victrola que
pr opic iou um mai or con h eci ment o do frevo at é o su rgim ento do
rá dio. A s gra vado ras inst alad as no Rio de Jan e iro , R CA Vic tor ,
Od eon, Co ntin enta l, Phil ips , Co pac a ban a, entre ou tras ,
pe rceb eram o gran de pote ncia l e con ômic o d o f rev o e pass aram a
incluir, em se us ca t álo gos, a músi ca do c arn a val p ern a mbu cano . A
gravadora R ozem blit , po r me io d o Maest ro Ne lso n Fe rrei ra, foi a
ma ior divu lgad ora do carn aval per namb ucan o ( SALD ANH A , 2 008 ,
p. 93).
Fo i a par tir de 1936 qu e o frev o s e fi rmo u en quan to
gê nero mu sica l (S ALDA NHA, 20 08, p.1 7 5). Ent ret a nto , de ac o rdo
co m o D ici o nár io Cravo ALB IM (2 0 09) , o f rev o p a sso u a s er
ex poen te prim eiro do ca rnav al de Reci fe, ten do seu apo geu com o
música radiofônica de meados dos anos 1950 até o fim dos 1960.”
6
D i s p o n í v e l e m : < http://pt.wikipedia.org/wiki/Frevo> . A c e s s o e m : 2 9 a b r . 2 0 0 9 .
21
Co ntro vérs ias à par te, o dese nvol vim e nto e afi rmaç ão do gên e ro
se deu na época em que o Brasil vivia o seu Modernismo.
Ne ssa ép oca, o país pa ssa va por um proc esso de
re conh ecim ent o do s va lore s n acio nais , q ue n ão s e r esum iam à
cu ltur a b ras i lei r a da Regi ão Sude ste. Ha via , p o r p arte do s
mo dern ista s, um des ejo d e desc obri r o Br a sil c omo u m tod o ,
valorizando a cultura em todas as suas diferentes manifestações.
Co mo co loca do an teri orm e nte , ess e mov imen to
na cion alis ta c ome ç ou a su r gir ent re o fin al d o sé culo XIX e o
in ício do s écu l o XX , qu a ndo vári as q uest ões come çara m a s er
le vant adas p e la in tele ctu a lid ade na cio n al a re spe ito do q u e era
se r brasi leir o e o que dev e ria ser fe ito par a ma ior evo luç ã o do
povo de uma maneira geral.
Ca rlos G omes , por e x emp lo, ap e sar d e inse rido e m um
conte xto estra ngei ro, preoc upa v a-se com a prob lemá tica naci ona l
(N EVES , 1981) . Tais que stõe s, t a mbé m le van tada s pelos
ad eren tes do Mov imen to Mod e rni sta, fo ram de vit a l impo rtân cia
pa ra a for maçã o da ide nti d ade nac iona l ou par te d essa ide ntid ade .
Es sa f orm a de se pen sar era, no Bra sil , um a re ali d ade . Is so,
ap esar de não t er sid o inten cio n al, aj udou a pr omov er a músic a
pernambucana da mesma forma como a música carioca o foi.
O frev o fo i re conh ecid o pe lo I nst i tut o do Pat rimô nio
Hi stór ico e A rtí s tic o Naci ona l IPHAN - em 9 de fe vere iro d e
2007, como Patrimônio Imaterial Nacional
7
.
De acor do c om V iann a (20 07, p. 137 ) , a músic a
pe rnam buca na e a norde stin a, de u ma man eira ge ral , c r esc eram e
7
D i s p o n í v e l e m : <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=13517&sigla=
Noticia&retorno=detalheNoticia> . A c e s s o e m : 2 9 a b r . 2 0 0 9 .
22
se co nsol idar am por raz ões reg ion a is. Ho uve um mer cado re gion al
de dis cos, que , faz endo pap el de gra nde divu lgad or, fez c om q ue
a música crescesse até um determinado ponto.
Po r ou tro lad o, o co m pos itor Car los Fer nand o fo i o
id eali zado r d o p r oje t o f onog ráf i co A sas da Amér ica. Es t a f oi a
pr imei ra tent ati v a d e m oder niz a ção do fr e v o, poi s d i vul gou o
gê nero n a cio nalm ente p o r meio d o s gran des no mes da Mú sic a
Po pula r Bra sile ira . Con s egu iu ta mbém expa ndir o con heci ment o
do fre v o, agreg ando i m por tant es nom e s do gêne ro de R ecif e c om
gr ande s no m es d a mús ica popu lar b rasi lei r a, c omo C hic o B uarq ue,
Gi lber to Gil , C aeta no Velo so, entr e o utro s ( Ofrevo, 200 8 ; T ELE S,
2002).
8
No Bra sil, as c idad es d o Rio de J ane i ro e São Pau l o
se mpre esti vera m na vang uard a cul t ura l com r elaç ão às d emai s
ci dade s bras ile i ras . Essa s cida des era m e aind a são uma v i trine
do Bras il, e prop orci ona m , a se us ar tist as, u m a gra nde
re perc ussã o da arte q u e faze m. Car l os Fer nand o
9
expr ess o u-se
be m qua ndo foi q uest iona do so bre o moti vo p elo qual o frev o não
vi rou um p r odu to con sumi do em es c ala n a cio nal. S egun do ele ,
fa ltou aos s eus repr esen tan t es i rem a o Ri o , da mesm a fo r ma q ue
o ba ian o Caym mi f ez. Se assi m tiv e sse feito , o gên ero
pe rnam buca no ter ia si do e xpos to e m u m a e scal a muit o mai o r. Se
fo rmos ana lisa r os arti stas nac i ona is qu e co nseg uira m di v ulg ar
se us tra balh os nac i ona lmen t e, da s e gun da meta de do sécul o XX
at é o s dias a t uai s, suas o rige ns e suas traje tóri as, po der e mos ver
qu e sã o ra ros os artis tas que não fiz e ram do R io o u Sã o Pa ulo
sua base de apoio.
8
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/JC/_2002/1401/cc1401_1.htm> . A c e s s o e m : 4 j u n .
2 0 0 9 .
9
J o r n a l d o C o m é r c i o d e R e c i f e . D i s p o n í v e l e m : < http://www2.uol.com.br/
JC/_2002/1401/cc1401_1.htm) > . A c e s s o e m : 5 o u t . 2 0 0 9 .
23
Ho uve vá ria s p ess oas, n a hist óri a d o fre vo, qu e
co ntri buír am para a cons tru ç ão e dese nvo l vim ento do gêner o
pe rnam buca no. De ntre os vário s nome s dess a histó ria,
de stac amos Lour enç o da Fo nse c a Bar bos a, o Capib a, co mpos itor
qu e mar cou o gêne ro pe rnam buca no por s uas o bra s e que , ass im
co mo Eg ber to Gi smon ti, teve em s ua fo rma ç ão a pres ença de
mestres da música erudita.
Na déca da de 30, C api ba or gani zou, em Re cif e , a Jazz
Band Acadê mica , qu e to cava com mui ta freq u ênc i a nos baile s da
ci dade . Sua form ação mu sica l trans ita ent re o mu ndo eru dit o e o
po pula r. C om r elaç ão à prim e ira , teve como mest r e Gue rra - Peixe.
Como ele mesmo atesta em entrevista publicada em site
10
:
N ã o p o d i a d e i x a r d e r e n d e r , a q u i , a s m i n h a s h o m e n a g e n s
a o m e u m e s t r e e a m i g o M a e s t r o G u e r r a P e i x e , q u e m e
p o s s i b i l i t o u a o p o r t u n i d a d e d e e n v e r e d a r p o r u m c a m i n h o
d a m ú s i c a , n ã o d i g o e r u d i t a , m a s d e u m c a r á t e r m a i s
e l e v a d o A m i n h a a m i z a d e c o m G u e r r a - P e i x e c o m e ç o u
q u a n d o T e ó f i l o d e B a r r o s F i l h o , a i n d a e m S ã o P a u l o ,
p e d i u q u e e l e o r q u e s t r a s s e a m i n h a S u í t e N o r d e s t i n a ,
f e i t a o r i g i n a l m e n t e p a r a p i a n o . [ ] A p r o v e i t a n d o a v i n d a
d o M a e s t r o G u e r r a - P e i x e a o R e c i f e , a c h a m a d o d a R á d i o
J o r n a l d o C o m é r c i o , n o f i n a l d o s a n o s 5 0 , r e c e b i , d o
m e s m o , a u l a s d e c o m p o s i ç ã o e h a r m o n i a , o q u e m e
p o s s i b i l i t o u u m a m a i o r c o n s c i ê n c i a n o q u e c o m p u n h a ( O
F r e v o , 2 0 0 9 ) .
Co mo se p ode obse rvar , a inst ruçã o d o m a est ro G uer r a-
Pe ixe fo i m u ito im port ant e p a ra o dese nvol vim e nto pe ssoa l d e
Ca piba . E, por p art e do ma est ro, hou ve t ambé m uma g rand e
em pati a com a cul t ura p ern a mbu cana , com o se po de co nfir mar
pelo relato que se segue
11
:
E m j u n h o d e 1 9 4 1 , G u e r r a - P e i x e d e c i d i u i r a o R e c i f e c o m
o o b j e t i v o d e c o n h e c e r a s d i v e r s a s m a n i f e s t a ç õ e s d o
f o l c l o r e n o r d e s t i n o . V o l t o u d e p o i s a o R i o d e J a n e i r o , m a s
p o r p o u c o t e m p o . I n s a t i s f e i t o c o m s e u s c o n h e c i m e n t o s
10
Disponível em: <www.ofrevo.bloggspot.com>. Acesso em: 18 ago. 2009.
11
D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / p t . w i k i p e d i a . o r g / w i k i / C é s a r _ G u e r r a - P e i x e # U m _
s u l i s t a _ n o r d e s t i n i z a d o > . A c e s s o e m : 2 9 a b r . 2 0 0 9 .
24
f o l c l ó r i c o s , f i r m o u u m c o n t r a t o d e t r a b a l h o c o m u m a
e m i s s o r a d a c a p i t a l p e r n a m b u c a n a , a f i m d e p o d e r
e s t u d a r a f u n d o o f o l c l o r e , t o r n a n d o - s e u m " s u l i s t a
n o r d e s t i n i z a d o " , c o m o o d e s c r e v e u G i l b e r t o F r e y r e .
G u e r r a - P e i x e p a s s o u a c o n h e c e r o f o l c l o r e b r a s i l e i r o
c o m o p o u c o s , g a n h a n d o s u a m ú s i c a u m a n o v a d i m e n s ã o
a p a r t i r d o e s t u d o d e r i t m o s n o r d e s t i n o s c o m o o
maracatu, coco, xangô, frevo (W i k i p e d i a , 2 0 0 9 ) .
Ca piba tor nou- se mais con heci do com o lan çam e nto , p e la
gravadora Roze mbli t, do L P C api b a, 25 an os de fr evo,
in terp reta do por Clau dion or Germ ano .
12
Apes ar de Capi b a ter sido
um exp oent e de Per n amb uco, o fr evo que fico u ma i s co nhe c ido foi
Vassourinha, co mpos to por M ath i as da R ocha e J oana B apti sta e m
19 09 (S ALDA NHA, 2 008 ). Out ros n omes d e des taqu e do f r evo s ão
Ne lson Fer rei r a, Duda , Ge túli o Ca val c ant i, Clóvi s Pe reir a, A dem i r
Araújo, Spok, Severino Araújo.
Na Re g ião Sud este , o gên ero per n amb ucan o fi cou
co nhec ido não som e nte por int ermé dio de a utor es e mús ico s
vi ndos da te rra do fre vo, mas ta m bém po r p e rso nali dade s d a
mú sica po pula r br asi l eir a qu e a d ici o nar am, a s e us repe rtórios,
es se gê nero na f o rma cant ada o u na i nst r ume ntal , com o por
ex empl o, Caet ano Ve loso , G al Cost a, Zé Rama lho , Alceu Va len ça,
Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti.
De a cord o com Lima (200 5 ), Salda nha (200 8 ) e Ribe iro
(2 009) , o gên ero p e rna mbuc ano pode s e r apre sent ado d e três
formas: frevo- de-rua, frevo-de-bloco e frevo- canção.
O frevo-de-rua caracteriza- se por ser um fre vo
in stru ment al n a fo r ma A B A c om 16 com pass os e m cad a se ção,
em and ame n to rápi do e x ecu tado em amb i ent e ab erto , qu e, d e
ac ordo c om Sal danh a (200 8), desen volv e em sua o rque stra ção u m
12
D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / www.frevo.pe.gov.br/capiba.html> . A c e s s o e m : 2 1 a g o .
2 0 0 9 .
25
jo go de per gunt a e r esp osta e ntre o s m eta i s e as pal heta s, send o
a melod ia har moni zad a e m bloc os de a cord e. Co mo ex emp l o,
te mos o fre vo N ilin ho n o Pas so, comp osto por Dud a . Os frevos-de-
rua p odem se r su bdi vidi d os em t rês sub grup os prin cip a is: frevo-
do-abafo, frevo- ventania e frevo-coqueiro.
O frevo-do- abafo é u ma f orma do frevo-de-rua, t oca do n os
en cont ros de fanf arr a s rivai s, onde uma fa nfar ra tent ava abaf ar o
so m da o utra atra vés d e mel odia com n otas agud as de longa
du raçã o. Com o e xemp lo dess e t ipo de fre vo, te m os Fogão, d e
Sérgio Lisboa.
Coqueiro é um tipo de frevo-de-rua que é uma variação do
frevo-de- abafo. Sua cara cter íst i ca p rinc ipal é a ut ili z açã o de
no tas agu d as que vão alé m do pen tagr ama , co m gr ande utilização
de sem icol chei as. Durv al no fr evo, com post o po r Ed gard Mor aes,
é um bom exemplo da subdivisão coqueiro.
Ventania é u ma var i açã o d o frevo- de- rua, que pos sui
po uca d ensi dad e son ora e tem a linh a me l ódi ca mo vime ntad a, c o m
o us o de s e mic olch eias re ali zada s pela s palh etas . As no t as
ra rame nte ul trap ass a m o pen t agr a ma. C omo ex e mpl o, tem os
Co mend o F ogo , c ompo sto po r Levi ndo Fe rrei ra. Ou tro ex empl o
de ssa sub - div isão do fre vo é o Frev o de Eg bert o Gismo nti que
será analisado posteriormente.
Diferentemente d os frevos- de-rua, o frevo-can ção t em
in fluê ncia dir eta d a ári a e d a can ção, e te m o an dam e nto mais
le nto que o s fr evos aci ma ci tad os. É con stit uído por int r odu ção
se guid a de can ç ão e ret omad a de par t e in stru men t al. Com post o
po r C a pib a, o fr evo Ten ho u ma c ois a pa ra lhe di z er é u m ex emp l o
de frevo-canção.
Já o frevo-de-bloco s u rgi u a p arti r de 1 915, com g rupo s
26
de ra paze s que fazi am sere nata s na mesm a ép oca dos ca rna v ais
de rua da é poc a (RI BEI R O, 2 009 ) . A form ação ins tru m ent a l,
no mead a o rqu estr a de pa u e cord a (made iras e cord as
fr icci onad as e de dil h ada s), é total ment e d ifer ente das an teri ore s ,
po is é c ompo sta por viol ões, vio lino s, cava qui n ho, ban j o,
ba ndol im, c lar inet a, f l aut a , sa xofo ne-a lto, saxo fon e -ten or, baix o
ou tub a, pande iro, cai xa-c lara e su rdo (SAL DAN H A, 2 008 ) . É o
ma is líri co e ntr e o s gêne ros do f revo . A seção B, a ssi m c o mo no
frevocanção, é rese rvad a ao co ro fe mini no. T emos , com o
exemplo, o frevo Evocação, composto por Nelson Ferreira.
Co mo já foi apr e sen tado , u ma das car a cte ríst icas do
frev o é a f orm a ção p or m eio d e gra nde g rup o ins trum enta l. Su a
ex ecuç ão exig e do músi c o o do mín io do seu ins trum ento de um a
fo rma bas tant e a pura da, poi s, a lém de se r mú sic a ar ran jada (f eita
pa ra gru pos instr umen tai s , exi gind o arra njos p ara as obra s) e
as sim dem and a ndo co nhec ime n to de le i tur a m usi c al, su a
ex ecuç ão, por s er vir tuos ísti ca, req uer que o i nstr umen tist a tenh a
co ndiç ões téc nic a s p ara exe cutá - la. Co m o a test a Guerr a-Peixe
(2009) em artigo publicado em site
13
:
U m a p a r t i c u l a r i d a d e q u e t e m f e i t o c o m q u e o f r e v o
c o n s e r v e o s e u r i g o r r i t m o , a i m p o n ê n c i a d e s u a
o r q u e s t r a ç ã o e a s c a r a c t e r í s t i c a s d e s u a f o r m a é o f a t o d e
s e u c o m p o s i t o r s e r, n ã o u m o r e l h u d o , m a s , s e m p r e u m
m ú s i c o q u e o i m a g i n a n u m a o r q u e s t r a e q u e
i m e d i a t a m e n t e d á f o r m a g r á f i c a m u s i c a l à s u a i n s p i r a ç ã o
r e s u l t a n d o q u e n a c o m p o s i ç ã o d o f r e v o a p r ó p r i a
i n s t r u m e n t a ç ã o é t a m b é m c o m p o s i ç ã o . A n ã o s e r e m r a r a s
e x c e ç õ e s , o c o m p o s i t o r d e f r e v o é o s e u o r q u e s t r a d o r
( 2 0 0 9 ) .
Ne sse trec ho, e xtr aído do t exto A prov áve l pró xima
de cadê ncia do f rev o , es crit o em 27 de jan eir o de 1 951 em Recif e,
Guerra-P eixe mo stra a nece ssi d ade de se ter co n hec imen to
musical adequado para a composição e orquestração de um frevo.
13
D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / g u e r r a - p e i x e . c o m > . A c e s s o e m : 2 4 a g o . 2 0 0 9 .
27
De a cord o co m Sal danh a (20 08) e Ribe iro ( 200 9 ), e stas
são as características estilísticas do frevo:
escrita em compasso 2/4 (mais comum) e 4/4;
introdução em anacruse;
i n íci o de fr asea do em m ovi m ent o asce nde n te ou
descendente com cromatismo ou não;
f orma tern ária AA-BB-A co m uma pont e int e rli gand o as
se ções A e B;
andamento de 180 semínimas por minuto.
Co nsta tamo s, ou tros sim, que é p oss í vel a cre s cen tar a s
seguintes características:
o rque str a çõe s que se guem m odel os de bi g band s
am eric anas , co mo, p or ex empl o, t r ech os rá pido s qu e
sã o to cado s pe l o na ipe de s a xof o nes , em que a
ha moni zaçã o é f eit a por 4- way- close. Nest a t écn i ca, a
me lodi a é co loca da na p arte super ior do ac orde (f eita
po r u m s axof one) e o s o u tro s s a xof ones comp leta m o
ac orde de quat ro n otas sem a fu nda m ent a l, s end o qu e o
5º sax ofon e do b ra a mel odia com o pr imei ro na oi tava
inferior (FREEDMAN; PEASE, 1989);
finais apoteóticos.
2.2 Egberto Gismonti
Na scid o na cid ade d o Ca rmo , Ri o de Jane iro, em 5 de
de zemb ro de 194 7, Egbe rto Gi s mon ti Amim e s tev e d esde c e do
imerso em um ambiente musical.
Po r i nflu ênci a d e s eu pai liban ês, Eg bert o c omeç ou a
28
es tuda r pia no (WA NDE R , 200 7). E sse in s tru ment o, na é poca ,
ta nto no B rasi l qu ant o no Líb ano ori gem de s eu p ai , ca rre g ava
co nsig o um ce rto status, de m odo q u e toc á -lo e ra um s inal d e
prestígio na sociedade.
O vio lão ent rou na vid a de Egb ert o s em que e le se des se
co nta, d e algu ma man eira , por inf luên cia mat erna . Como e le
me smo dis se em ent revi sta a Eds on Wan d er, pu blic ada no si t e
Ov ermu ndo
14
:
D e f a t o o v i o l ã o a p a r e c e u p r o f i s s i o n a l m e n t e p a r a m i m
m a i s t a r d e . A c h o q u e u m a e x p l i c a ç ã o p o s s í v e l é f a m i l i a r .
O m e u p a i e r a u m á r a b e q u e c h e g o u d e B e i r u t e j u n t o c o m
a f a m í l i a d e l e a o B r a s i l ; e m i n h a m ã e é i t a l i a n a . Q u a n d o
e u c o m e c e i a e s t u d a r m ú s i c a , m e u p a i f e z q u e s t ã o q u e
e u e s t u d a s s e p i a n o , p o r q u e B e i r u t e n a q u e l a é p o c a e r a
u m l u g a r a r i s t o c r á t i c o , a í t i n h a q u e e s t u d a r p i a n o . E a
m i n h a m ã e , m a i s p a r a a f r e n t e , c o m o i t a l i a n a t í p i c a q u e
e r a , d i z i a p i a n o e s t á m u i t o b e m , m a s c a d ê a g u i t a r r a
p a r a a s e r e n a t a ? E l a f a l a v a g u i t a r r a s e r e f e r i n d o a o
v i o l ã o . A í e u c o m e c e i a m e x e r . E v o c ê s a b e q u e o
n e g ó c i o é s e v o c ê p e g a u m a c r i a n ç a d e 6 , 7 a n o s d e
i d a d e e c o m e ç a a f a l a r 3 l í n g u a s c o m o e l e , q u a n d o e l e
t i v e r 1 0 , f a l a a s 3 lí n g u a s e n ã o s a b e q u e t e m d i f e r e n ç a
d e u m a p a r a a o u t r a . M ú s i c a p a r a m i m f o i a s s i m .
C o m e c e i a e s t u d a r e a t o c a r d o i s i n s t r u m e n t o s a o m e s m o
t e m p o . H o j e e m d i a e u t e n h o c o n s c i ê n c i a d e q u e v i o l ã o
n ã o t e m n a d a a v e r c o m p i a n o e v i c e - v e r s a ( W A N D E R ,
2 0 0 7 )
Co mo s e d e pre e nde d a e n tre vist a, o fato d e E gber to t er
cr esci do est udan do tan to pian o como v i olã o n ão se tor nou um
pr oble ma para el e . A liás , é imp orta n te sali ent a r q ue s ua obra
co mpre ende , a lém de peça s p ara orq u est ra, peç a s p ara ess es
do is inst rume nto s , s end o q ue o n ível técni co pa ra exec ução de
ambos instrumentos é elevado.
Ap ós mor a r e m Pari s, ond e t e ve a opor tuni dad e d e
es tuda r com N a dia Bou lang er e Jea n Barra qué, Gi s mon ti, de v olta
ao B rasi l, vis lumb rou um m undo d ifer ente d a m úsi ca clá s sic a,
14
D i s p o n í v e l e m : < http://www.overmundo.com.br/overblog/ele-egberto> . A c e s s o e m : 1 8
m a i o 2 0 0 9 .
29
concentrando-se na música e cultura brasileiras.
De ac o rdo com Br uce Gilm an (200 9), em arti go publ icad o
em sit e
15
, a cos t uma do à e xte nsão mel ó dic a do p ian o, Gi s mon t i nã o
se ada ptou às l imit açõ e s do vio lão e pas sou a co n str uir v iol õ es
com 8, 10, 12 e 14 cordas.
De fato, o próprio Gismonti assume que:
B a s i c a m e n t e , e u s o u u m p i a n i s t a q u e t o c a v i o l ã o . D e v i d o
à e x t e n s ã o d o p i a n o e u a f i n e i m e u s o u v i d o s p a r a
i n t e r v a l o s m a i o r e s q u e o s i n t e r v a l o s d o v i o l ã o . E s t a é a
p r i n c i p a l r a z ã o d e u s a r m a i s c o r d a s . A s a f i n a ç õ e s s ã o
d i f e r e n t e s p a r a c a d a v i o l ã o , m a s t o d o s e l e s t ê m c o r d a s
m a i s a l t a s n a s 7 ª e n a s 9 ª ( G I L M A N , 2 0 0 9 , t r a d u ç ã o
n o s s a ) .
16
A decla raçã o de G ismo nti (GILM AN, 20 09) m o str a q ue o
pi ano é seu in s tru ment o r efer enc i al, ou se ja, ele to ca o v iol ã o
te ndo o p iano c omo r efer ênci a. De a cord o com r elat o de Be rnot as
(2 008) , Gi smon ti, auto did a ta n o ap rend iza d o do vio lão, apr ende u
a toca r es se i nstr ume n to o uvi ndo, sob retu do, B aden Pow ell e
transcrevendo partes do Cr avo bem temp erad o de J. S. Bach.
Co m ess a inf orm a ção , já s e pod e com eça r a de line ar os
se us refe renc iais mu sica is na m úsi ca p opu lar bra s ile ira e n a
mú sica e rud ita. G ismo nti d ecla rou, a ind a, q u e o C horo é a base
da música brasileira.
C h o r o r e p r e s e n t a a b a s e d a n o s s a m ú s i c a . [ . . . ] P a r a
t o c a r , e n t e n d e r , s e r , p a r a p e n s a r a m ú s i c a b r a s i l e i r a ,
t o d o s d e v e m a t r a v e s s a r o c o n c e i t o e a m ú s i c a d o c h o r o
( B E R N O T A S , 2 0 0 8 , t r a d u ç ã o n o s s a ) .
17
15
Disponível em: <http://www.brazil-brasil.com/musjun98.htm> . A c e s s o e m : 2 9 j u n . 2 0 0 9 .
16
Do original em inglês:
B a s i c a l l y , I m a p i a n o p l a y e r t h a t p l a y s g u i t a r . B e c a u s e
o f t h e p i a n o s r a n g e I h a v e t u n e d m y e a r s t o b i g g e r
i n t e r v a l s t h a n t h e g u i t a r s i n t e r v a l s . T h a t s t h e m a i n
r e a s o n I u s e m o r e s t r i n g s . T h e t u n i n g s a r e d i f f e r e n t f o r
e a c h g u i t a r , b u t a l l o f th e m h a v e h i g h s t r i n g s o n t h e 7 t h
a n d 9
th
( G I L M A N , 2 0 0 9 ) .
17
Do original em inglês: C h o r o r e p r e s e n t s t h e f o u n d a t i o n o f o u r m u s i c . [ ]
T o p l a y , t o u n d e r s t a n d , t o b e , t o t h i n k B r a z i l i a n m u s i c , e v e r y o n e
30
Co m r e laç ão à s p ossí veis infl uênc ias qu e Gism onti teve
na esfer a erud ita , Bern otas (2008 ) afir ma qu e Rave l o atra iu por
suas orquestrações inovadoras e os seus chord voicings.
Al ém de Ra vel, e m entr evis ta es crit a por AM ARAL ( 2008 ),
Gi smon ti rel ata a impo rtâ n cia de Vi lla-L obo s e m s ua tra getó ria
como músico:
O V i l l a - L o b o s f o i o s u j e i t o q u e t e v e a p a r a b ó l i c a m a i s
b e m i n s t a l a d a n o B r a s i l . E o m e n t o r d a p a r a b ó l i c a d o
V i l l a - L o b o s p a r a b ó l i c a é c o i s a p o s i t i v a ; q u e r d i z e r
a n t e n a d o c o m o B r a s i l f o i o M á r i o d e A n d r a d e
( A M A R A L , 2 0 0 8 ) .
Gi smon ti, no final do s anos 70 (BER NOTA S, 200 8),
pa ssou al gum te m po em com panh ia dos índ ios do Xi ngu na reg ião
amazônica (AMARAL, 2008).
Em ent revi sta publ icad a n a r evi sta R o lli ng Ston e´79 , e le
relata essa experiência
18
:
A b r i u a s p o r t a s p a r a m i m . O q u e e l e s t o c a v a m e r a p u r o
s e n t i m e n t o , n ã o t i n h a m u m c o m p r o m i s s o [ p r o f i s s i o n a l ] .
N ã o e r a m ú s i c a , e r a v i d a ( R O L L I N G S T O N E , 1 9 7 9 ,
t r a d u ç ã o n o s s a ) .
19
De aco rdo com Antôn io Chrys ósto mo (1979 ), a afi r maç ão
fe ita no pará graf o a cima po de ser conf irma da por um arti go
pu blic ado no Jorna l Cai p ira (d iri g ido por Ger aldo Carne iro) ,
intitulado Um pre cios o e pre c iso mom e nto , em que rel ata com
precisão como o contato com os índios da aldeia I w oal a pit y, no
m u s t c r o s s b y t h e c o n c e p t a n d t h e m u s i c o f c h o r o ( B E R N O T A S ,
2 0 0 8 ) .
18
Disponível em: <http://www.elsewhere.co.nz/absoluteelsewhere/1934/egberto-gismonti-guitarist-
with-a-much-stamped-passport/> . A c e s s o e m : 2 8 j u n . 2 0 0 9 .
19
D o o r i g i n a l e m i n g l ê s : B u t t h e y o p e n e d t h e d o o r f o r m e . T h e y p l a y j u s t
f e e l i n g s , t h e y h a d n o c o m p r o m i s e . I t w a s n ´ t m u s i c , i t w a s l i f e ( R O L L I N G
S T O N E , 1 9 7 9 ) .
31
Al to Xi ngu, trans for m ou a co nce p ção music al de le, An tôn i o, e de
Egberto:
P a r a o s í n d i o s , a m ú s i c a e s t á li g a d a à r e a l i d a d e
i m e d i a t a , à n a t u r e z a ; t e m a v e r c o m a e s s ê n c i a d o a t o d e
e x i s t i r . ( . . . ) O q u e o c o r r e n o i n t e r i o r d a C a s a d a s F l a u t a s
s e v e r a m e n t e v e d a d a , s e m a e x i s t ê n c i a d e p o r t a s , à s
m u l h e r e s e , p r i n c i p a l m e n t e , a o s b r a n c o s n ã o c o n v i d a d o s
p e l o s l í d e r e s t r i b a i s é , p o r é m , b e m d i f e r e n t e . A g o r a ,
a l i , e s c u t á v a m o s , v í a m o s e c h e i r á v a m o s ( e l e s e x a l a m u m
o d o r d i f e r e n t e d e t o d o s o s o u t r o s d a s e l v a , e n q u a n t o
c r i a m m ú s i c a n a c o n c a v i d a d e q u e n t e e s e c a d a C a s a d a s
F l a u t a s ) S a p a i n e s e u s d o i s a c o m p a n h a n t e s , Y a n u c u l á e
o c a c i q u e A r i t a n a , e n t o a n d o o s c a n t o s , o s t o q u e s d e
p e r c u s s ã o , o s s o p r o s d a c e l e b r a ç ã o d o n a s c i m e n t o e d a
m o r t e ; d a n o i t e e d o d i a ; d a l u a e d o s o l ; a m ú s i c a
t r a n s f o r m a d a n u m a e s p é c i e d e c o n v e r s a s o b r e a
n a t u r e z a e s e u s c l a r o s e e s c u r o s , s e u s s i n s e s e u s n ã o s ;
q u e r d i z e r , u m a c o n v e r s a c o m D e u s p o i s a n a t u r e z a ,
p a r a e l e s , é D e u s . E s t a v a a l i u m a t o e s t é t i c o at o r d o a n t e
p a r a n ó s , c i v i l i z a d o s , a c o s t u m a d o s a a f e r i r a m ú s i c a
t a m b é m c o m o o b j e t o d e l u c r o , d e r e l a ç ã o d e p r o d u ç ã o .
Par t i c i p á v a m o s d o m o m e n t o e m q u e o s p r ó p r i o s m ú s i c o s
v i r a m m ú s i c a ( . . . ) . D u r a n t e h o r a s , e m s i l ê n c i o , E g b e r t o e
e u p a r t i c i p a m o s d a m a g i a d a c r i a ç ã o d a m ú s i c a a t o n a l ,
d e a l t a e x t r a ç ã o e s p i r i t u a l d e s s e g ê n i o b r a s i l e i r o :
S a p a i n , s o l d o m e i o - d i a , i l u m i n a d o r d e c a b e ç a s . E r a b e m
a s s i m , u m a l u z f o r t e j o r r a n d o d o s í n d i o s , n a e s c u r i d ã o
a b a f a d a d a s a g r a d a C a s a d a s F l a u t a s . C o m o n ã o q u e d a r ,
m a r a v i l h a d o , q u a n d o s e e s t á f a c e a f a c e a o s e n t i d o
a b s o l u t o d a M ú s i c a m i s t u r a d a à v i d a ? O s í n d i o s e s t a v a m
e m n ó s , n ó s n o s í n d i o s , S a p a i n - Eu- Eg- Y a n u c u l á - A r i a n a ,
i n d i s s o l ú v e i s , c o m o s e s e m p r e t i v e s s e s i d o a s s i m . N ó s ,
o s b r a n c o s , c h o r a m o s d e f e l i c i d a d e . O s í n d i o s r i r a m e
c o m p r e e n d e r a m . D e a m i g o s , p a s s a m o s a i r m ã o s , p e l o
m i s t é r i o c o m p a r t i l h a d o ( C H R Y S Ó S T O M O , 1 9 7 9 ) .
Pode-s e i nfer ir c om ess a a firm ação que o senti do da
mú sica p ara Gi smon ti é alg o q ue ult rapa ssa o ma t eri a l, é alg o
m ísti co. A cre dita mos qu e, se a n ali sarm os o co n jun t o de su as
ob ras e s ua fo rmaç ão er udit a ali a da ao se u gra n de conh eci m ent o
da mús ica pop u lar bra sile ira, po d ere m o s c oncl uir que Egb e rto
es tava de p oss e dos ele ment os n eces sári os p ara a cri açã o de
um a mús ica que p ode s e r ref eri d a da m e sma f orm a que J obim s e
re feri u à mú sica de Vi lla - Lobo s. Sua me n ção fo i de uma m úsic a
qu e c ont ém as flor esta s, os pássa ros , o s b ich os, os índi os, os
rios, os ventos, em suma, o Brasil” (JOBIM, 2002).
32
Po demo s diz er qu e sua m úsi ca se r efe r e às f lore stas , mas
co mpre ende ta m bém tod o o espe ctro mus ical do Bras il: a mú sica
in díge na, a no rde s tin a, a f lore sta am azôn ica e o pa nta nal, a
mú sica u rban a e toda s as man ifes taç õ es ar tíst icas d o home m.
Gi smon ti, de po sse de ssa re a lid ade mís tica encon trad a junt o aos
ín dios d o Xin gu, p a rec e ter p e rce bido q ue o Home m, na v erda de,
re pres enta o uni vers o em m i nia tura . Des sa fo r ma, s ua conc epç ã o
musical seria alterada drasticamente.
Eg bert o par e ce te r apre end i do mu ito do s mat e ria is
mu sica is da natu reza do Brasi l a p ós sua es tad i a c om os índ ios do
Xi ngu. A part ir de e ntã o , no p roce sso c o mpo sici onal , mat eria is
er udit os e pop ular es passa ram a ter o m esmo grau de relevância,
como afirma Melo (2007):
E g b e r t o é u m a r t i s t a b r a s i l e i r o c u j o s r ó t u l o s d i z e m
m u i t o p o u c o s o b r e s u a m ú s i c a . É d i f í c i l n e g a r s e u s
t r a ç o s " p o p u l a r e s " , a i n d a q u e b e m m a i s c o m p l e x o s q u e
a s m a n i f e s t a ç õ e s f o l c l ó r i c a s o u d a m ú s i c a p o p u l a r d e
m a s s a q u e t o m o u a f o r m a d a s c a n ç õ e s . O e s t a t u t o d o
" p o p u l a r " e m s u a o b r a é s e m p r e r e f l e t i d o e m e d i a t i z a d o
n o s p r o c e d i m e n t o s c o m p o s i c i o n a i s . O r e g i o n a l n u n c a
v a i s e m u m a pi t a d a d e n o v i d a d e o u s e m u m s e n t i m e n t o
d e t r a i ç ã o c o m o p a s s a d o e c o m a h e r a n ç a c u l t u r a l
( M E L O , 2 0 0 7 ) .
Em e n tre vist a p ubl i cad a n o site Clu be do J azz
20
(PI R ES,
20 05), Gismo nti re conh ece qu e, p a ra ele , não há di stin ção en tre
o erud ito e o popu lar. Iss o se dev e ao fat o de , de sde sua
in fânc ia, t er tid o a opo rtun ida d e de r e ceb e r as d u as in fluê nci a s e,
conseq uent emen te, n ão ter s ido c ondi cion ado a t er al g um tip o de
pr econ ceit o com rela ção a qual quer uma d essa s for mas d e
ex pres são. N o t rech o a cima , e xtr a ído do a rtig o d e M elo (2 007 ),
percebe-s e que G ism onti não p o de s e r in s eri d o de n tro d e um
estilo musical definido.
20
D i s p o n í v e l e m : < http://www.clubedejazz.com.br/noticias/noticia.php?noticia_id=102> .
A c e s s o e m : 9 j u l . 2 0 0 9 .
33
O res u lta do da cria ção rec epti va de Egb e rto à s d ive r sas
ma nife staç ões cul t ura is é a su a ab ert u ra e m re laç ã o às ma i s
di vers as vert ente s d e ssa arte, como ele me smo atest a em ar tigo
escrito por Amaral (2008):
P a s s a d o s u n s t e m p o s , a B i a n c a , m i n h a f i l h a q u e t o c a
p i a n o , m e d i s s e : E u s ó q u e r i a u m d i s c o d a M a d o n n a .
M a s d a M a d o n n a ? ; É . D a M a d o n n a . E u n ã o g o s t a v a
n a d a d a M a d o n n a ; c o m p r e i o d i s c o . E l a p e d i u m a i s u m , e
d e p o i s o u t r o . A t é q u e u m b e l o d i a e s t á m i n h a f i l h a
s e n t a d a , f e l i z c o m o o d i a b o . E e u f e l i z c o m o o d i a b o p e l a
f e l i c i d a d e d e l a . E o d i s c o d a M a d o n n a t o c a n d o . A í e n t e n d i
q u e n ã o t e m m ú s i c a n e m m ú s i c o s q u e e u p o s s a j u l g a r .
T e m m ú s i c a , o u m ú s i c o s d e q u e e u p r e c i s o p a r a v i v e r . A
p a r t i r d e s s e d i a , q u a l q u e r d i s c r i m i n a ç ã o q u e e u t i n h a
a c a b o u ( A M A R A L , 2 0 0 8 ) .
Su a dec l ara ção confi rma a m anei ra c omo a m úsic a se co nfu nde
co m sua p r ópr ia v i da enqu ant o ar tis t a. Não há pre c onc eito co m
relação a gênero ou estilos musicais.
Em ent r evi sta a Wan der ( 200 7), a o co ment ar s obre os
di reit os fono gráf icos qu e a d qui r iu d e s ua próp ria mús i ca, Gis mon t i
di sse q u e gos tari a de di spon ibil izá- l a por u m pre ço ba s tan te
ac essí vel. Já n o an o se guin te, t alv ez em fun ção d e se u de sejo de
fa cili tar o co mpar tilh amen to d e su a obr a, G ismo nti reve lou a
Am aral ( 2008 ) q ue uma de sua s m eta s ago ra é disp onib iliz ar toda
a sua obra gratuitamente.
De qua lqu e r f orma , s e ja a su a o b ra disp onib iliz ada de
fo rma grat uita ou a pr eço aces síve l, s ua i nten ção é lo uvá v el, uma
ve z que p erm itir á um ma ior a cess o a su a s com pos i çõe s . Al i ás,
ur ge que o Bra sil ap o ie se u s a rtis tas , a fim d e a sse g ura r o
desenvolvimento de nossa música e cultura.
Al bim (2 009) c olet ou dad os com re laç ã o à prod ução
fonográfica de Gismonti, que são apresentados abaixo. Os títulos
34
do s disc os por e l e grav ado s s ão seg uido s do loc al de grav açã o ,
ano, editora e forma da mídia disponível à época ou atualmente:
Egb e rto Gi s mon t i ( Bras il, 196 9), Ele nco (LP ou CD )
Brasil; Sonho 70 (Brasil, 1970), Polydor LP, CD;
Janela de ouro (França, 1970) LP;
Com p uta d or (1970) LP França;
Orfeo novo (1971) MPS-Basf LP Alemanha;
Água e vinho (1972) Odeon LP Brasil;
Egb e rto Gis m ont i (1973) Odeon LP, CD Brasil;
Aca d emi a de dan ças (1974) Odeon LP, CD Brasil;
Corações futuristas (1975) EMI-Odeon LP Brasil;
Dan ç a das cabe ças. E g ber to Gis mont i e N aná
Vasconcelos (1976) ECM/EMI- Odeon LP, CD Alemanha.
Car m o (1977) EMI-Odeon LP Brasil;
Sol do meio- dia (1 978 ) ECM/ E MI- Odeon LP, CD
Alemanha;
Nó caipira (1978) EMI-Odeon LP, CD Brasil;
Solo (1 979) EC M R ecor ds/ E MI-Odeon LP , C D
Alemanha;
Egb e rto Gism onti & Na ná Va sco n cel o s & W alte r Sm e tak
(1979) Brasil;
Ant o log i a po éti c a de Joã o Ca bral de M elo Neto (19 79)
Brasil;
Antologia poética de Ferreira Gullar (1979) Brasil;
Ant o log i a p oéti ca d e Jo rge Ama d o (1980) Brasil;
A v i age m do vap orzi nho Tere rê (1980) Brasil;
País das águas lumino sas (1980) Brasil;
M ági co. E gbe r to G ismo nti , Cha rlie Had en e Jan
Garbarek (1980) ECM Records/WEA LP, CD Alemanha;
Circense (1980) EMI-Odeon LP, CD Brasil;
Sanfona (1980) EMI-Odeon LP, CD Alemanha;
Fol k songs . Egber to Gis mont i, C har l ie Had en e Jan
35
Garbarek (1981) ECM/WEA LP, CD Alemanha;
Em família (1981) EMI-Odeon LP Brasil;
Dirigível Tererê (1981) Brasil;
Fantasia (1982) EMI-Odeon LP Brasil;
Guitar from (1982) ECM CD França;
Sonhos de Castro Alves (1982) Brasil;
Cidade coração (1983) EMI-Odeon LP Brasil;
Egb e rto Gis m ont i & Herm eto Pasc hoa l (1983) Brasil
Works (1984) Alemanha;
Egb e rto Gis m ont i (1984) EMI-Odeon LP Brasil;
Dua s v oze s . Egb erto G ism o nti e N aná Vas conc elo s
(1984) ECM Records (EUA) LP, CD Alemanha;
Tre m ca i pir a (1985) EMI-Odeon LP, CD Brasil;
Alm a (1986) EMI-Odeon LP, CD Brasil;
Feixe de luz (1988) EMI-Odeon LP Brasil;
Pag a dor de prom essa s (1988) Brasil;
Dan ç a d os e scr a vos (1 989) EC M R e cor ds/E MI-Odeon
CD Alemanha;
Kuarup (1989) Brasil;
Duo G i smo nti/ Vasc once los . E gbe r to Gi smon ti e Na ná
Vasconcelos (1989) Alemanha;
Infância (1990) ECM Records (EUA) CD Alemanha;
Amaz ôni a (1991) EMI-Odeon CD Brasil;
El viaje (1992) França;
Casa das andorinhas (1992) CD Brasil;
M úsi ca de sobr eviv ênci a. Egb erto G ismo nti Grou p
(1993) ECM Records (EUA) CD Alemanha;
Egb e rto Gi smon ti. Ao vi v o no Fes t iva l do Frei b urg
Proscenium (1993) Alemanha;
Egb e rto Gis m ont i . Ao vivo no Tom Brasil (1994) Brasil;
Zigzag. Egbe rto Gi smon ti Tri o (199 6 ) ECM Re cord s
(EUA) CD Alemanha;
A rev olt a . Egb ert o Gis m ont i Tri o e Or ques tra d e Câm ara
de Curi tib a . Mú sica base ada e m es cult uras de F rans
36
Krajcberg (1996) Brasil;
M eet ing point . Egb erto Gism onti and Vilni us Sy npho nic
Orchestra (1997) Alemanha;
Egb e rto Gis mont i & Ch arli e Haden at Mon trea l Fe sti val
(2001) CD.
Há uma dis crep ânc i a de in form ações com re l açã o ao
disco Al m a. E mbo r a Al bim (200 9) i nfor me q ue o ref erid o ál bum
te nha s ido l a nça d o em 1 986, t emo s cópi a do d i sco q ue data d e
19 87. Des se dis co, foi e scol hida a o bra Frevo, para a náli se nest e
estudo.
O pian o é o in str umen to princ ipa l do álb u m. Há,
en tret anto , alg umas inte rve n çõe s de inst rume nto s elet rôn i cos n as
fa ixas 1 (Ba i ão Mal andr o), 2( Palhaço), 4( M arac atu) , 5(Karatê).
6(Água & Vinho), 7(Frevo) e 8(Cigana).
O d isco , co mo um todo , é b em in timi sta , com uma
li ngua gem t onal , em q ue o p iano é expl ora d o no s eu timb re e em
to da a su a ex t ens ão. É im port ante sal ien t ar q ue o re curs o de
fr agme ntaç ão m elód ica foi b ast ante uti liza do po r Eg ber t o e s erá
melhor explicado na análise de Frevo.
37
Capítulo III Anál ise de Frevo
3. 1 Os mot ivos te máti cos de Frevo
Eg bert o Gis m ont i util iza, n a con s tru ç ão de Frevo, s eis
mo tivo s t emát icos , d e sen volv idos no d e cor r er de su a o bra. São
de nomi nado s, ne ste e stud o: Motivo a; Motivo b; Motivo c;
Motivo d; Motivo e; Motivo f. Es ses mot ivos são or i gin ados nas
Subseções A e B da Se ç ão I e Ponte, q ue serã o e x pli cada s
posteriormente.
O Moti vo a es tá no prim eiro co mpas so da obra .
Caracteriza-s e pel o cont orno gera l des cend ente , com u m arp ejo
qu e reve rte em um grau c onju nto a s cen dent e sinc opad o.
(Exemplo 1).
E X E M P L O 1 : M o t i v o a d e F r e v o - n o t a s d e s c e n d e n t e s e m a r p e j o e c o n t o r n o
a s c e n d e n t e e m g r a u s c o n j u n t o s c o m s í n c o p a
O Mo tiv o b e nco n tra -se no c .9 ( por c., ente nde- se
c ompa sso ) e ca ract eriz a-se por u m con t orn o mel ó dic o de
co lche ias, que sobe m e m arp ejo e dep o is desce m em grau s
conjuntos (Exemplo 2).
38
E X E M P L O 2 : M o t i v o b c o n t o r n o m e l ó d i c o d e c o l c h e i a s , q u e s o b e m e m
a r p e j o e d e p o i s d e s c e m e m g r a u s
O M oti vo c e ncon tra - se n o c .11 . É car a cte riza do por um
co ntor no meló dic o en tre cort ado, cu jos sal tos de co l cheias
de scen dent es e asc ende ntes for mam u ma d ireç ão final
de scen dent e. Esse moti vo carac ter i za-s e po r co lch e ias em salto s
descendentes, como mostra o Exemplo 3.
E X E M P L O 3 : M o t i v o c c o n t o r n o m e l ó d i c o e n t r e c o r t a d o c u j o s s a l t o s d e
c o l c h e i a s d e s c e n d e n t e s a s c e n d e n t e s
O Mo tiv o d po d e ter -se d eri v ado d a par te de s cen dent e do
Mot ivo b ou me s mo de uma c ompr essã o da p arte d esc ende nte d o
Mot ivo a . E ntr e tan to, se u ritm o cara cter íst i co de q uiál tera s de
se míni mas e sua re corr ênci a por div ersa s veze s n a S eção I o
credenciam como um motivo temático. Também característico é o
39
se u acomp anha men t o c o ntr apon tíst ico e e spac ial i zad o na mão
esquerda, resultando em uma polirritimia 3-contra-4 (Exemplo 4).
E X E M P L O 4 : M o t i v o d ( 3 s e m í n i m a s e m q u i á l t e r a s )
O M otiv o e apa rece no c. 33 e ca r act eriz a-se po r um
co ntor no meló dico asc ende nte , qu e po de s er d esc rito com o u m
tr echo escal ar, cu jos gr aus tê m uma bor dadu ra inf erio r (Exe mplo
5) . Do pon to de v ista r ítmi co, c a da gr au, co m sua b orda dura ,
co nsti tui uma uni dade de três co l c hei as, o qu e re fle t e uma clara
influência de estilos populares derivados do jazz.
E X E M P L O 5 : M o t i v o e ( c o l c h e i a s n a m ã o d i r e i t a , s u b d i v i d a s d e 3 e m 3 )
O M o tivo f c a rac teri za-s e p or ter um c onto rno melód ico
li near , est átic o, le mbr a ndo u m ostinato (Ex empl o 6) s em
acompanhamento da mão esquerda.
40
E X E M P L O 6 : M o t i v o f ( m o t i v o l i n e a r - o s t i n a t o )
3.2 Análi se d as s eçõ es f orma is d e Frevo
Em bora fre v os g eral ment e se j am e scri tos e m co mpas so
bi nári o, se g uin do sua s ori g ens n as mar chas m ili t are s, vim os qu e ,
ocasio nalm ente , os fr evos pode m ser an ota dos ta mbé m em
co mpas sos qua tern ário s. De fato , Frevo, de Egbe rto Gis mont i, foi
an otad o em com pass o qu ater nári o, talve z co mo fo rma de
si mpli fica r a not a ção na leadsheet, com o aq uela s do enc arte do
disco Al m a, d o li vro Egbert o Gi smon ti ou do site Musi ca A udio
(2009)
21
. E ntr e tan to, é pos síve l pe r ceb er qu e, pelo a ndam ent o e
ac entu ação na p erf orma nce de Gis mont i, a sens açã o é d e
compasso binário.
A ve rsã o d e Frevo, t ocad a p or Gism onti no disc o A l ma,
ap esar de co nter t rec hos i mpro visa tóri os e, em um a pri m eir a
au diçã o, p are c er s egu ir u ma f orma rap sód i ca, liv r e, e qui vale à
fo rma cançã o ( E xem plo 7 abai xo), send o di v idi da e m trê s seç ões,
I, II e I´, com uma Ponte l igan do as Se ç ões I e II. A fo rma da
Se ção I é terná ria, div idin do-s e na s Su b seç õ es A (co m su a
re peti ção A
1
), B e A
2
. A Ponte nã o apr esen ta s ubse ções . A Seção
II é for mada p ela s S ubse çõe s C , D e B
1
(a úl tima r eto m a mat eria is
21
Disponível em: <http://musicaaudio.blogspot.com/2009/04/frevo-egberto gismonti-arr-sergio-
assad.html> . A c e s s o e m : 2 8 j u n . 2 0 0 9 .
41
te máti cos da Se ção I) . A te rcei ra seç ão, ch amad a de Seç ã o I´, é
um a reca pitu laç ã o bas tant e expa ndid a da Seç ão I, di vidi ndo- se
nas Subs eçõe s A, B
2
e A
1
-A
8
,q ue s erão deta l had as ma i s à f r ent e.
Fi nalm ente , a obr a é f inal iza d a c om u ma Coda, na q ual o
co mpos itor re util iza mot ivos te máti cos apr esen tado s
anteriormente nas várias seções (I, II e Ponte).
Seções
Coda
I
Ponte
II
I
1
(improviso)
Subseções
C o d a
AA
1
BA
2
P o n t e
C : D B
1
AA
1
B
2
A
2
A
3
A
4
A
5
A
6
A
7
A
8
E X E M P L O 7 : S e ç õ e s e s u b s e ç õ e s d e F r e v o d e E g b e r t o G i s m o n t i
Eg bert o enc o ntr ou div erso s pro c edi ment os par a amp l iar a
fo rma canç ão ( I II I) simp les e t í pic a do fre v o: ( 1) r epe te
se ções com peq u ena s ou gran des vari açõe s me lódi cas, rít mica s
ou ha r môn icas ; (2 ) utili za uma pont e, que, ape sar de temá tic a ,
so a dif e ren te de qu alq uer ou tra se ção ; (3) ut ili za uma coda
co nstr uída a part ir d e m ater iais te m áti cos que vão se
de sint egra ndo , ao co n trá r io do que acon tec e no s f i nai s
ap oteó tico s e c arn aval esco s do s fre vos ; d) a mpl ia m u ito a
re capi tula ção da Se ção I por mei o de i mpr ovis o de chorus das
Su bseç ões A (prin cip a lme n te) e B. Assim , ap esa r de co n ter
se ções bem deli m ita das, a pe r for manc e de Frevo d á ao ouvi nte a
se nsaç ão de cert a imp revi sibi lida de, d evid o a es ses
procedimentos.
A seg uir , é ap rese ntad a uma mac roan áli s e dos
procedimentos formais de Frevo, que está subdividida por seções.
42
Seção I (c.1-64)
A o bra na Se ção I é d ivid ida e m qu atro sub seçõ es c o m 16
co mpas sos cada , aq u i de nomi nada s A, A
1
, B , A
2
, c omo most ra o
Quadro 2.
QU ADRO 2: Subseções da Seção I
Subseções
da Seção I
A
A
1
B
A
2
Nº de
compassos
16
16
16
16
Compassos
1- 16
17-32
33-48
49-64
Na Subse ção A, o pe rfor mer Eg bert o Gism onti intro duz o
te ma pr inci pal d e Frevo, ond e est ão in seri dos q uatr o mot ivo s
temáticos: Mot i vo a, Mot i vo b, Mot i vo c e Mot ivo d . Na
ap rese ntaç ão da Subseção A
1
, sã o intro duzi dos al guns el eme ntos
im prov isat óri o s, o que a di fer e nci a da Subs eção A. Esse s
el emen tos de i mpr ovis ação aqu i in ser idos têm a funç ã o de
re apre sent ar a Subseção A de f orm am varia da. A Su bseç ão B é,
ao con trár io d a su bseç ão a nte r ior , to d a f orma da p or c olc h eia s .
Ne la, e ncon tram os ma is um m otiv o tem átic o: Moti vo e. E m
se guid a, a S ubs e ção A
2
é apr esen tada co m a ad ição de no vos
el emen tos i mpr ovis atór ios n a el abor ação do d iscu rso m usi cal,
pa ra d ifer enci açã o da Subs eção A. Como se po de per ceb e r n o s
Ex empl os 8a, 8b e 8c, a mel odia é apr esen tad a d e f o rma di fere nte
a cada vez que é executada.
43
E X E M P L O 8 a
E X E M P L O 8 b
E X E M P L O 8 c
E X E M P L O S 8 a , 8 b e 8 c : D i f e r e n t e s e x p o s i ç õ e s d a m e s m a m e l o d i a
Ponte (c.65-72)
A Ponte, que liga as Seções I e II, foi con stru ída com
ba se e m um p roce dime nto de raref ação rítmi ca. Co mpar ando os
c.66, 68, 70 e 72, percebe-se que a atividade rítmica diminuiu com
44
a re duçã o g rad ual do númer o d e colc heia s, pas sand o d e 6 p ara 4,
de 4 para 2 e de 2 para nenhuma (Exemplo 9).
E X E M P L O 9 : R e d u ç ã o d a a t i v i d a d e r í t m i c a n a P o n t e d e F r e v o : 6 c o l c h e i a s
( c . 6 6 ) , 4 c o l c h e i a s e u m a p a u s a ( c . 6 8 ) , 2 c o l c h e i a s , 1 s e m í n i m a e 1 p a u s a
( c . 7 0 ) e u m a s e m i b r e v e ( c . 7 2 )
Seção II (c.73-177)
A Seçã o II comp r een de as S ubse ções C , D e B
1
, c o mo
mo stra o Q uadr o 3. A Subseção C é a p arte m ais perc uss i va de
toda a obr a e es ten d e-se por 43 c ompa ssos , qu e pod em s er
di vidi dos em duas part es, em que a mão esqu erda dur ante tod a
esta Subseção faz um ostinato, enquanto a direita faz a melodia.
QU ADRO 3: Subseções da Seção II
Subseção
C
D
B
1
Nº de
compassos
43 (23c.
e 20c)
46
16
Compassos
73-115
116-161
162-177
45
A Su bse ç ão D, co m pos t a por 46 c o mpa ssos , a pre sent a
du as c a rac terí stic as p r inc ipai s: a) a mã o esq uerd a, n a últ ima
co lche ia de cad a c ompa sso , a ntec ipa a har moni a d o c omp asso
su bseq uent e; b) a l inha m eló dica da m ão di reit a é c ons truí da com
5ª s ( o ra jus t as, or a au men t ada s) e 6ª s q ue s e a lter nam, cuja
es crit a pia níst ica l e mbr a a esc r ita r omân tic a de com pos i tor es
como Chopin (Exemplo 10).
E X E M P L O 1 0 : É t u d e o p . 2 5 N º 8 , d e F r é d é r i c C h o p i n ( s e m e l h a n ç a n a e s c r i t a
c o m o F r e v o )
E X E M P L O 1 0 : C o m p a s s o s 1 1 9 , 1 2 0 e 1 2 1 ( s e m e l h a n ç a d e e s c r i t a
c o m o É t u d e o p . 2 5 N º 8 , d e F r é d é r i c C h o p i n )
A mão dir eit a (d ora v ant e , m.d. ) , na Subse ção B
1
,
apresenta-s e d a mesm a f orm a q ue a m.d. d a Subse ção B an teri or.
Entretanto, h á al t era ções na m ão e squ e rda (do r ava nte, m.e .), q ue,
46
ag ora, é a pres ent a da com n ota s m ais stacatto, par a eclo dir n a
Seção I
, consagrada à improvisação.
Seção I
(c.178-337)
A Se ç ão I caracteriza-s e pela impro visa ção . Nela , o
pe rfor mer, Gis mon t i, reto ma a s S ubse ções A e B com gra n des
mo difi caçõ es n a con duçã o me lódi ca, q ue s erão imp r ovi s ada s a
pa rtir de sse pont o, aten do-s e princ ipal ment e à Sub seçã o A, qu e
foi dividida como mostra o Quadro 4.
QU ADRO 4: Subseções da Seção I’
S u b s e ç ã o
A
A
1
B
2
A
2
A
3
A
4
N º
C o m p a s s o s
16
16
16
16
16
16
C o m p a s s o
178- 193
194- 209
210- 225
226- 241
242- 257
258- 273
S u b s e ç ã o
A
5
A
6
A
7
A
8
C o d a
N º
C o m p a s s o s
16
16
16
16
15
C o m p a s s o s
274- 289
290- 305
306- 321
322- 337
338- 352
Sumário das seções formais de Frevo:
Seções
Coda
I
Ponte
II
I
1
(improviso)
Subseções
C o d a
AA
1
BA
2
P o n t e
C : D B
1
AA
1
B
2
A
2
A
3
A
4
A
5
A
6
A
7
A
8
47
3.3 Microanálise das Subseções formais de Frevo
Subseção A (c.1-16)
A o bra, par a pia no so lo, tal c omo f oi t ocad a na g rav a ção
de Alm a (G ISM O NTI , 1 985) , f oi bas eada pr inc i pal m ent e n a
co mple ment ari d ade entr e as m ãos d irei ta e es q uer da. E sse
recurso - qu e tal vez s eja o q ue ma is cha me at ençã o na
pe rfor manc e de G ismo nti - e scap a ao l u gar c omu m da me lodi a
acompanhada, tradicionalmente encontrada na música popular.
Re ferê ncia s d e li nhas me l ódi cas que se comp leme ntam
po dem ser enco ntra das na músic a er udit a de sde o pe r íod o
me diev al, como no caso do hocket, e m qu e o s c a nto res form avam
a melod ia can tand o s epa r ada ment e s íla b a, pa lav ra ou gru po de
pa lavr as. Pr oced ime n tos se mel hant es tamb ém são e n con trad os no
ba rroc o, pe ríod o do q ual p o demo s rec onhe cer v ário s
pr oced imen tos pre sent es na obra de Egb erto Gi smon ti, e que são
ep itom izad os na o bra d e Bac h. Be rnot as (2 0 08) o bse r va q u e
Gi smon ti tr ans c rev eu ob ras d e Bac h, o q ue d emon stra a
importância do compositor alemão na sua formação.
De fa to, pod emo s obser var, em Frevo, alg uns
pr oced imen tos co mpo s ici o nai s d o mestr e a lemã o, tais como a
ut iliz ação de u m núm ero limit ado de mot ivos para unif ica r a obr a,
co ntra pont o im itat ivo, esp elha men t o de mot ivos , or n ame ntaç ão,
li nha m ovim enta da do bai xo co m o for ma de a com panh amen to,
fr agme ntaç ão de li nhas m elód ica s , mel odia p olif ônic a (ou fa lsa
polifonia), e improvisação.
Ou tro proc edim ent o enc ont r ado em Frevo é o
desenvolvimento motívico, feito por meio de transformações e
48
fu sões de ca ract erís tic a s tem áti c as. Tal p roce dime nto f oi ut ili z ado
por Haydn e depois por Beethoven.
Um p o nto com um ent r e os est ilo de per f orm ance d e
Gi smon ti e de músi cos do p erí o do b arr o co é o g ost o pe l a
im prov isaç ão e um a mã o es quer da contr apon tís t ica . Es se tipo de
es crit a fra gmen tada p ara o t ecl a do apa rece m uit o ante s de
Eg bert o G ismo nti. J. S. Ba c h, por exe mplo , e m s ua F uga BW V 86 7
(B ACH, 1997 ), t amb é m i nter romp e a ativ i dad e meló dic a de l inh a s
na s m ãos esq uer d a e direi ta, de mo do que o flux o r ítmi co g era l
se ja cont ínuo . E m o utra s p alav ras, emb ora as v oze s s e jam
fragmentadas, o resultado sonoro final é de continuidade.
Pode-s e en cont rar ain d a, na o bra que é f o co dest e
es tudo , elem ento s muit o utili zad o s por Ba c h, com o, p o r exem plo,
es crit a a du as vo zes , mel odia poli fôn i ca e or nam e nto s mel ódic os
(Exemplos 11a e 11b).
E X E M P L O 11 a : C o m p l e m e n t a r i d a d e m e l ó d i c a e x t r a í d o d o P r e l ú d i o B W V 8 6 7
do C r a v o b e m t e m p e r a d o ( B A C H 1 9 9 7 ) , o n d e s e p e r c e b e a f l u i d e z r í t m i c a
49
E X E M P L O 1 1 b : C o m p l e m e n t a r i d a d e m e l ó d i c a e x t r a í d a d o F r e v o d e G i s m o n t i ,
e m q u e s e p e r c e b e a f l u i d e z r í t m i c a
O Frevo é i nici ado com os q uatr o pr imei ros comp asso s em
mo vime nto de scen dent e , te ndo a m.d . predo min a nte ment e nota s
lo ngas (sem íni m as) e a m. e., e m mov ime n to a scen dent e com
no tas cur tas (c olch eias d e sta cada s), que in dica m a i nqui etaç ão
pr ópri a d o estil o m u sic al p erna mbu c ano . O f erve r d o g êner o
mu sica l nor d est ino é pe r ceb ido pr inci palm ente n a m.e ., com a s
in serç ões e m stacatto. A o ouvi r a obra , tem - se a i mpre ssão d e
qu e há perg unta e re spo s ta na Sub seç ã o A, o que ca r act eriz aria
um frevo-de-rua. A p ergu nta a cont ece n os c . 1-8 (lei a-se : no s
compassos de 1 a 8”) e a resposta, nos c.9-16.
A form a com a q ual G ismo nti expõ e a melo dia f az com
qu e tan to a m .d. quan to a m .e. t enha m pa p éis i mpo rtan tes n a
ex posi ção (Q uadr o 5 ) . N os 8 prim eiro s c ompa sso s , e nco ntra mos o
Mot ivo temá tico a, qu e se repe te po r du as ve zes. Dos c.9- 16 (l eia-
se : do s com pass os d e 9 a 1 6 ), a m.d . faz a melo dia em
co lche ias e a m .e. exec uta a s no tas apoi adas nos tem p os f raco s.
Es sa fr a se pod e ser d i vidi da em duas part es de d ois com pass os
ca da e uma pa r te de q uatr o co mpa s sos . Os doi s pr imei ros
co mpas sos (9-1 0) sã o fo rmad os po r ar pejo s em movi ment o
as cend ente e d esci da por gr aus co njun tos (Mo t ivo b) . Os doi s
se guin tes (c.1 1 -12 ) s ã o f orm ados por salto s d e c olch eias (Mot ivo
c) e arp ejos p a ra, em segu ida , n os qua tro últ i mos com pass os, a
50
me lodi a, o r nam enta ndo a no ta F , ap res enta r no c.1 4 o M otiv o d
para finalização dessa Subseção nos dois compassos seguintes.
QU ADRO 5: Expo siç ão d a me lodi a
M ã o
d i r e i t a
M o v i m e n t o
d e s c e n d e n t e
S e m í n i m a s -
P e r g u n t a
M e l o d i a e m
c o l c h e i a s
R e s p o s t a
M o t i v o
t e m á t i c o
b
M o t i v o
t e m á t i c o
c
M o t i v o
t e m á t i c o
d
M ã o
e s q u e r d a
M o v i m e n t o
a s c e n d e n t e
c o l c h e i a s
d e s t a c a d a s
C o l c h e i a s
a p o i a d a s
n o s t e m p o s
f r a c o s
C o m p a s s o
1 - 4 e 5 - 8
9 - 16
9 - 10
11- 1 2
14
A Subs eção A
1
é reap rese nta d a po r Gi smon ti da me s ma
fo rma que a ant erio r, acr e sce ntan do, ent reta nto, al gum a s
no vida des n a m.e . Nos c .19 , 29, 3 0, 31 e 32, a melo dia d a mão
di reit a enco ntr a -se em u ma reg ião ma is ag u da qu e a a nter ior . I sso
po de s er comp arad o à s ba nda s de fr evo, que fa zem uso de
trompetes em regiões sonoras extremo-agudas.
Subseção B (c.33-48)
A S ubs e ção B ori gin a -se da s e gun d a part e d a Subs eção A
(c.9-1 6) e tem sem pre pres ente a a gita ção cara cter ísti ca d o fr evo,
pr oduz ida pela cons t ânc ia d e col chei as na m.d e pe l o r i tmo
sincopado da m.e.
51
Na perf orm a nce de Gi smo n ti, na Su bseç ão A, é po ssív el
pe rceb er a acen tuaç ão fei ta na m.e . n os com pass os 9, 10 e 11. Já
na S ubs eção B, e ssa a cen tuaç ão é fei t a a cada 3 c o lch eias na
m. d. ( M otiv o e). Na m .e., de c.35 -38, por out ro l ado, o r i tmo
ap rese ntad o é i ndep ende nte d a m. d. e b ast a nte bras ilei ro:
co lche ias po n tua das com s emi-c olc h eia s e s ínc opas . Diss o, pod e-
se i nfe r ir qu e, rit mic a men t e, a m. d. es t á em 3/ 8, en q uan to a
es quer da, em 2/4 , c ria ndo uma pol i rri timi a em que uma linh a não
enfatiza a outra (Exemplo 12).
E X E M P L O 1 2 : P o l i r r i t i m i a 2 / 4 v e r s u s 3 / 8
Há qua tro d ivi s ões de fras e i mpo r tan tes n a S ubse ção B.
Es sas q uatr o div isõe s se r ão s u bdi v idi das e m dua s par tes: a
pr imei ra é u ma gran de prog res s ão divi did a de c .33- 36 e d o 3 7 -40.
A segunda parte dessa subdivisão compreende c.41-44 e c.45-48.
De c .33- 36, há u m gran de mov imen to as c end ente
re aliz ado o ra por g rau s diat ônic os, o ra por grau s crom áti c os, e
qu e pode ser simp lifi cado na segui nte esca l a : A, B
b
,C , D , E
b
, F,
F
#
, G, A, B
b
e C, como no Exemplo 13:
52
E X E M P L O 1 3 : F o r m a ç ã o e s c a l a r e m p r o g r e s s ã o
É i mpor tan t e sa lien tar a com plex idad e té c nic a do t rec h o
ac ima, que exi ge do per form er a con s ciê n cia da l inh a da m.d. ,
co nstr uída d e 3 em 3, e, ao mes mo tem po, a prec isão d o rit m o
si ncop ado da m.e. D e c .37 a 40, há nova ment e a m elo d ia na m.d .
em mov imen to asc ende nte p or g rau con j unt o e a m.e. r eali za os
ri tmos sin copa dos . Em c.3 9 -40, há o ap arec imen to d o Mot ivo c
(saltos).
A part ir do c .41 , a m.d. faz a m elo dia em c ont í nua
ascendência p ara, no c. 4 5, come çar o m ovi m ent o de sce n den te p or
saltos (Mot ivo c).
Subseção A
2
(c. 49-64)
No c.4 9, o co m pos itor ret oma o te ma i nic i al, int rodu zind o
el emen tos d e im prov isaç ão n os q u atr o pri meir os c ompa ssos . A
forma de com plem ent a rid ade foi ag ora ma is evid enc i ada na m. d.,
sendo que antes só foram apresentados na m.e. (Exemplo 11b).
Ponte (c. 65-72)
Na Ponte, do c.65 a 72, ocor re uma abru pta mud ança
es téti ca por par t e d o pe rfor mer . Pe rceb e-se qu e a Ponte foi
53
formada p ela f usão dos Motiv os a e d . As n otas C , E e D que
fa zem parte d o M oti v o a (c. 1) da Subseção A cr iam a b ase rí tmi ca
da Ponte. O Mo tivo d, pe l a sequê nci a de no tas des c end ente s (f á,
mi ré) n o c .14 , faz com q ue a Ponte s e ja a larg ada t emp o ral e
ritmicamente (c.65, 67, 69, 71) (Exemplos 14a, 14b e 14c).
E X E M P L O 1 4 a : M o t i v o t e m á t i c o a E X E M P L O 1 4 b : M o t i v o t e m á t i c o d
E X E M P L O 1 4 c : A l a r g a m e n t o d o s M o t i v o s t e m á t i c o s a e d
Subseção C (c.73-115)
Em to da a Su b seç ão C , a m. e. p oss u i u m ostinato
fo rmad o pel a un i ão d o M oti vo a e do Mot ivo d : ess e úl t imo é
in trod uzid o na m. d. de f o rma est reit ada e n ã o alarg ado com o
an teri orme nte ( c.7 3 a 80 ). A m ão es que r da, no úl timo temp o de
ca da com pass o dess a s ubs eção , u til iza um a sínc opa (inci so que
faz parte do final do Mot ivo a) (Exemplo 15).
54
E X E M P L O 1 5 : M o t i v o s a e d n a S u b s e ç ã o C
C. 81-115:
De c .81 a 115 , há a con firm açã o d o mat e ria l ante s
apresentado, pois h á u ma def i niç ão cond ensa da dos el emen tos
mu sica is. Isso é pe rceb ido por d uas razõ es. A pri meir a, é que não
há ne ssa par t e nenhu ma novi dade mu sica l, mas tão - some nte uma
el abor ação dos moti vos rí tmic os e meló dico s apre s ent ados
anteriormente.
A seg unda ra zão é a p erfo rma n ce do aut or: toq ue inc i siv o
e p ene t ran t e se m ne n hum c ant abil e ou pe r. A d inâ m ica vari a do
pp ao f . No c.8 1, é rea l iza do um tri nad o , qu e, p e la a cen t uaç ão do
pe rfor mer, pode- se i nfer ir s er u ma v a ria ção rí t mic a do Motiv o e
(s equê ncia de co lch eias ) o u u m ala rgam ento do M o tiv o f
(ostinato).
Fazendo-s e um a re ferê nci a ao gên ero m usi cal
pe rnam buca no, é po ssív el compa rar as se mic o lch eias da m.d. ao
ru fo d a cai xa e m uma band a de frevo. Aind a no c.84 , a ú nica
in terv ençã o da m. d., um cluster, pode ser com para da às
in terv ençõ es nai pes de metal de uma ban da de frevo. A seçã o do
c.81-1 15 ser á divi dida e m três p arte s: c.8 1 -95, c .96- 101 e,
finalmente, c.102-115.
55
De c .85 a 8 7, tem -se a m esma e str utur a comp osi c ion al do
c.81-8 4, sem, co ntud o, o c. de pa usa. En tret anto , no c.87 vem os
no conju nto de semic olch eias a s cen dent es a d imi n uiç ão do M oti v o
b. No s c .88- 89, po demo s v er c lar a men t e o Mo tivo c al tera do
ritmicamente (Exemplo 16).
É im port ant e lemb rar q u e, du rant e tod a a S ubs e ção C ,
pa rte do M o tivo a (s ínc opa no f i nal do c ompa sso ) e stá pr esen te
em forma de ostinato na m.e.
E X E M P L O 1 6 : M o t i v o s a , b, c
De c. 88 a 95, a con stru ção me l ódi ca se dá por
su bdiv isõe s de dois comp asso s ca d a: a prim eira (c.8 8 -89) é um a
mo difi caçã o rítm ica do c .11 (Mot ivo c) , s end o s emp re em
mo vime nto des cend ente , segu indo a e s cal a d o comp ass o . A
se gund a (c.9 0-91) é uma var iaçã o r ítm ica dos c.1 3 -14 . N o c.92 , o
Mot ivo b foi estr eit a do e , no c .94 , alé m de e str eita do, e sse m esm o
Mot ivo b es tá i nver tido (Ex emp l os 1 7a e 17b ). C .96- 115 repe tem a
mesma forma dos c.73-95.
56
E X E M P L O 1 7 a : M o t i v o b e s t r e i t a d o E X E M P L O 1 7 b : M o t i v o b e s t r e i t a d o
e i n v e r t i d o
Subseção D (c.116-161)
A Sub seçã o D é ca ract eriz ada pela ten são cria da p ela
me sma form a rí tmic a: repet ição por col chei as. C omo já f oi d i to n a
ma croa náli se de ste es tud o: a) a m. e. an teci pa a ha rmo n ia do
co mpas so s ubse que n te n a úl tim a col che i a d e cad a co mpa s so; e b)
a linh a meló dic a da m.d . é con stru ída c om 5ªs ( ora j usta s, ora
aumentadas) e 6ªs, que se alternam.
Me lodi came nte , a m. d. é i ntr o duz ida nes ta par t e com
algumas pausas no s c. 1 16 e 117, sen d o de s env olvi da po r
re peti ções . Há, n e ssa s ubse ção, d ois co njun tos de p rogr essã o:
progressão de seis compassos e progressão de quatro compassos,
se guin do sem p re a seg uint e o rde m: duas progr essõ es de sei s
compassos e duas de quatro compassos:
p rogr essã o de 6 c o mpa s sos : c .11 6 -12 1, 122 -127 , 136-
141, 142-147 e 156- 161;
p rogr essã o de 4 c ompa ssos : c.12 8 -13 1, 132 -135 , 148-
151 e 152-155.
É na Subse ção D qu e se en cont ra o cl ímax da obra , por
se r a m ais tens a me l ódi ca e ritm icam ente . Ne ssa p art e da obra , é
57
possível perc eber algum as d as in f luê ncia s erud itas sofri das po r
Gi smon ti. Apes ar de ste pesq uisa dor não ter en cont rad o nen huma
fo nte q ue ci te F. Chop in co mo um a das suas poss íve i s in f luê ncia s,
é not ória a sem elha nça en t re ess a su bse ção e o es tud o pa ra
pi ano de Cho pin nº 8 Op. 25 , d edi c ado às s e xta s p ara l ela s
(Exemplo 10).
Co m rel ação a o pro cess o de c o mpo siçã o, no p rime iro
co mpas so dessa sub seçã o (c .116 ), encon tra m os u m fr agme nto do
Mot ivo a na m.e . (s ínco pa por meio de an tec ipaç ão de ac orde ) e
do Mo tivo c (saltos). No c.11 8, en cont ram o s um a var iaçã o do
Mot ivo c ( salt os). N o c.1 19, vem os o Mot ivo a (mo vime nto
de scen dent e com cont orn o mel ó dic o), e n o c. 1 20 ( ostinato) , o
Mot ivo f (Exemplo 17).
E X E M P L O 1 7 : M o t i v o a , c , f
Du rant e tod a ess a subs eção , há a r epet ição d o pad rão
acima demonstrado pelo Exemplo 17.
Subseção B
1
(c.162-177)
Na S u bse ç ão B
1
, Gis mont i r e tom a a m. d . d a m e sma fo rma
qu e na Su b seç ã o B, alte rand o som e nte a m .e., q ue, n o luga r das
sí ncop as, é ap rese ntad a c om ritm os mais re gul ares (c olc heia s e
58
semíni mas) . E ntr e tan to, apes ar do ritm o d a m .e. apr esen tar not as
so ment e n o tempo e no con tra- tem p o, sua ex ecuç ão d ema nda
mu ita p reci são r ítm ica. Isso porq ue, a ssi m com o o tr echo
ap rese ntad o n a S u bse ç ão B, as ac entu açõ e s d as mãos di rei ta e
es quer da não co inc idem . Des se m odo, o fe rve r do frev o ap a rec e
ni tida ment e: a m.d. f a z uma melo d ia basea da em borda dura s que
sugerem um ritmo ternário, e a m.e. faz um ritmo binário.
Seção I
(c.178-337)
A Se ção I , d e ca rát e r im pro v isa tóri o, é a re toma da d a
Se ção I, por ém de form a esten dida : Subse ções A, A1 , B, A
2
- A
8
.
Do c.17 8 at é o fi nal, o com posi tor r eca p itu la os mate riai s
an teri ores , i ntro duz i ndo , p o uco a po uco, signi fica tiv a s m uda n ças
na man eira de cond ução do disc urso mu s ica l. A seg uir, são
descritas as Subseções da Seção I’.
Subseção A (c.178-193)
Na Sub s eçã o A , o com posi tor reap rese nta o t ema inic ial
da me sma fo rma que no iníci o d a obra, ex cet o pela in c lus ão d e
fi gura s orn amen tai s , cuj a fun ção é fina liza r ou i n ici ar fr a ses . No
c. 181, uma volate de sem icol che i as qu a se- pent atôn icas fina liza a
primeira frase da Subseção A (Exemplo 18a).
Po r out ro la d o, no c.1 8 5 (Ex emp l o 18b ), a volat e de fusas
quase-p enta tôni cas em anac rus e tem fu nçã o de i n tro duzi r o
ma teri al f ragm enta do da seçã o. N o c.1 8 8, a m.d. repet e os sa lto s
de scen dent es e ent rec o rta dos típi cos do Mo tivo c. No c.192 , um a
bo rdad ura supe rior f i nal iza m ate rial tem átic o d a m .d. Nos c.19 0 -
19 1, há a ap res e nta ç ão do M o tivo d ( qui á lte ras na m .d.) p or
qu atro vez e s segu idas na mes m a a ltu ra, o que suge r e uma fusão
deste motivo com o Mot ivo f (ostinato).
59
E X E M P L O 1 8 a : V o l a t e d e s e m i c o l c h e i a s q u a s e - p e n t a t ô n i c a s f i n a l i z a n d o a
p r i m e i r a f r a s e S u b s e ç ã o A
E X E M P L O 1 8 b : Vo l a t e d e f u s a s q u a s e - p e n t a t ô n i c a s e m a n a c r u s e ,
i n t r o d u z i n d o o m a t e r i a l f r a g m e n t a d o d a S u b s e ç ã o A
Subseção A
1
(c.194- 209)
Na Sub seçã o A
1
, h á uma q ueda no ní v el da din â mic a, qu e
pa ssa d e f para mf n o c.1 94. E m re l açã o à te xtur a, es sa su bseç ão
te m as lin has das mão s dire ita e e sque rda inici alme nte m a is
fr agme ntad as do q ue aqu elas d a sub s eçã o a nter ior . P oré m, a
gr ande q uant idad e de paus as gra dual ment e dá lug ar a uma
te xtur a dialó gica ma i s contí nua e simul tân e a (c.20 6, em que se
observa uma polirritimia 3-contra- 2 entre as mãos).
Percebe-s e, ain da, qu e o M oti vo e é apr esen tado d e
fo rma deso rna m ent ada no c.2 0 0. Not a-se que , n o trec ho que v a i
do c .200 -205 , houv e, po r part e de Gis mont i u ma cl ara inten ção de
60
de senv olvi men t o esca lar con stru ído por pr ogre ssõe s e c om a
formação de arpejos na m.d. (Exemplo 19).
E X E M P L O 1 9 : M o t i v o e d e s o r n a m e n t a d o p o r d e s e n v o l v i m e n t o e s c a l a r c o m
f o r m a ç ã o d e a r p e j o
Subseção B
2
(c.210-225)
Na Su bseç ão B
2
, a m.d. re aliz a a l inha as cend ente do
Mot ivo e , a ind a r eco r ren do à pol irri timi a 3-contra-2 . Dest a vez, n o
en tant o, envol ve c rom a tis mo em fu são com o ri tmo de quiál tera s
de semínimas do Mot ivo d (Exemplo 20).
E X E M P L O 2 0 : L i n h a a s c e n d e n t e d o M o t i v o e e m f u s ã o c o m o r i t m o d e
q u i á l t e r a s d e s e m í n i m a s d o M o t i v o d n a m . d .
Es sa su b seç ão é fi n ali zada (c.2 2 4-22 5) co m base no
ostinato do M oti vo f: seja na m .e. e m sem íni m as, seja na
repetiçã o da s co lch e ias da m.d. , se ndo est a s deriv adas da part e
final do Mot ivo b (Exemplo 21).
61
E X E M P L O 2 1 : M o t i v o b e f n a f i n a l i z a ç ã o d a S u b s e ç ã o B
2
É imp o rta nte sal i ent ar q ue a co mpl e xa poli rrit imi a da
Su bseç ão B da S e ção I fo i subst itu í da por uma p oli r riti mia ma is
si mple s, em que a m. e. enfa tiza a m.d. no prim eiro e no terc e iro
te mpos . Entr etan to, as se míni mas em qu iál tera s suge r em um
ag rupa ment o d e t r ês em tr ês n otas . A re ali z açã o de E gber to
en fati za u ma co ndu ç ão d a li nha a sce n den te de dua s em dua s
notas. Ess a condu ção rep res e nta a jun ção do rit mo d o Mo tiv o d
(q uiál tera s) c o m a n atur eza e scal ar a s cen d ent e do Moti vo e
(Exemplo 22).
E X E M P L O 2 2 : C o n d u ç ã o m e l ó d i c a d e 2 e m 2
No s c .217 e 22 1, obs erva -se um a i n flu ê nci a d o ritmo
qu ialt erad o do Moti vo d sob re os Mot ivos a e b , c ujo s i nci s os
(a rpej o asc e nde nte e gra u s con junt os de s cen dent es) for am
invertidos (Exemplos 23a e 23b).
62
E X E M P L O 2 3 a e E X E M P L O 2 3 b F u s ã o d o r i t m o d o M o t i v o d c o m o M o t i v o a
e M o t i v o b
Subseção A
2
(c.226-241)
Na S ubs eção A
2
, nos qua tro pri meir os comp ass o s (c.22 6
ao 229) , a ten são p assa a fic a r cad a vez mais f ort e por d uas
ra zões : a) a m.d. cad a ve z mais inci siv a co mo u m to que de c aixa ;
e b) a m.e. , c omo um mart elo, está c o m a t ônic a d o a cor de no
te mpo fr a co. No c. 230, apare ce o Mo t ivo d. O bse rva- se, ain da,
no s c. 226 - 229 , a inf luên cia eru d ita exe rcid a sobr e Gismo nti, qu e
ut iliz a, as sim co mo Ba ch, u ma me l odi a poli fôn i ca. E gber to, n o
ex empl o qu e se segu e, utili za de not a pe dal na pa rte supe rior da
melodia (Exemplos 24a e 24b).
E X E M P L O 2 4 a : T r e c h o d e F r e v o c o m n o t a p e d a l n a p a r t e s u p e r i o r d a
m e l o d i a
63
E X E M P L O 2 4 b : T r e c h o d o P r e l ú d i o B W V 8 4 8 d e J . S . B a c h c o m n o t a p e d a l
n a p a r t e i n f e r i o r d a m e l o d i a
Ai nda de corr ente da i nflu ênc i a e rud i ta de Gi smo n ti, é
possíve l pe r ceb er, n os c .231 -233 , um a pro gres são q ue s e
as seme lha b a sta nte ao s mét o dos d e técn ica p ara pi ano, c omo , por
ex empl o, os e xer cíci os d e t écn i ca de H ano n (2 001) . (Exemplos
25a e 25b).
E X E M P L O 2 5 a : C o m p a s s o s 2 3 1 e 2 3 2 d e F r e v o (s e m e l h a n ç a d e e s c r i t a c o m
o e x e r c í c i o d e H a n o n )
E X E M P L O 2 5 b : T r e c h o d o e x e r c í c i o n º 3 8 ( H A N O N , 2 0 0 1 ) - s e m e l h a n ç a d e
e s c r i t a c o m o F r e v o
64
De c.2 34-2 41, há uma dilu ição mel ódic a r epr e sen tada por
po ntos e ci taçõ es, tend o na m.d. (c. 2 37) o Mot ivo d inv erti do p ara,
no c. 238 , ap are cer em sua co nfi g ura ção ori gina l. Nos co mpas sos
23 9 e 241, esse mesm o mot ivo apar ece modif ica d o p ela
or dena ção d a s not as que n ão ob edec em a se quên cia de t rês n otas
descendentes do Mot ivo d original.
Subseção A
3
(c.242-257)
Na S u bse ção A
3
,
os d o is pri mei r os com pas s os são
fo rmad os por um a e lab oraç ão da mel odia or igin al com as d u as
mã os se comp lem e nta ndo melo dica ment e. Há, no segu ndo
co mpas so dess a su bseç ão (c.24 3), o ap are c ime nto do Mo t ivo d
em forma de arpejo na m.d.
Es sa é a últi ma Subseção “A”, o nde ap are c e a dinâ mic a
f . A part ir des sa sub seçã o, aco ntec erá um de cre s cen do
pr ogre ssiv o até o f ina l da o bra. P erc e be-s e o emp r ego d e not a s
li gada s, lo nga s e qu iált era s de s emín imas em t oda a m.e . , co m o
claro intuito de diminuição da tensão.
Co m rel ação aos moti vos t emát ico s uti liza dos, ess a
su bseç ão é for m ada pelo s Mot ivos a, b, c e d, c omo most ra o
Quadro 6.
QU ADRO 6: Util iza ção dos moti vos temá tic os n a Su bseç ão A
3
( c o n t i n u a )
Compasso
Mo tivo tem átic o
242
a (fragmentado)
243
d (quiálteras)
245
d (invertido na esquerda)
65
(conclusão)
247
d (quiálteras)
249-251
b (estendido) + d (quiálteras)
252
c (saltos)
253-254
b + d ( movi men t o asc ende nte c om
ma is 3 nota s desc ende ntes em
quiálteras)
255
d (quiálteras)
256
a (síncopas na esquerda)
Subseção A
4
(c.258- 273)
Na Sub s eçã o A
4
, a mel odia in icia l da obra nã o é
ap rese ntad a com inte r cal açõe s da m. e. como ant erio rmen te, mas ,
si m, com um aco mpan hame nto em sem í nim as que se est e nde por
2c . (c. 258- 259) e com d inâm ica pp . Nos c ompa sso s segu inte s, a
m.e., co m ritm o s sinc opa d os, co mpl e men ta a m.d. , que es tá com
semínimas.
Nota-s e que essa su bseç ão co ntém menos vari açõe s que
as outr as s ubse ções . Há o apa reci men t o de uma volate d e
se mico lche ia no c.2 66, q u e apa rent a ser u m res quí c io de tod a a
ag itaç ão da s su bseç ões a nter ior e s. A inda , no c .26 8 -26 9 , o
pe rfor mer Gism onti apr esen ta o M o tiv o c tal como e l e foi
ap rese ntad o na Su bseç ão A da S eção I. A final izaç ão d e ssa
su bseç ão ac onte ce com a i nser ção d e um i ncis o do Mot ivo A
(síncopas) na m.e. nos últimos dois compassos (c.272-273).
A o corr ênci a do s vár ios M o tivo s tem áti c os na Subseção
A
4
é apresentada no Quadro 7 abaixo:
66
QU ADRO 7: Oco rrê ncia dos mot ivos tem áti cos na Subseção A
4
Compasso
Mo tivo tem átic o
258
a (mov imen to d esc ende nte e
síncopa)
259
d (quiáltera)
262
d (quiáltera)
263
b (m ovim ento asce n den te
alargado) + d (quiáltera)
267
a (síncopa)
268
c (saltos)
269
b (movimento ascendente)
272-273
a (síncopa)
Subseção A
5
(c.274-289)
Ne ssa subs eção , a din â mic a i nici al é pp. A m e lod i a faz
ag ora po ntu a çõe s das ha rmon ias, enqu a nto a m.e. di alo g a c om a
m. d., sem pre pp. Pe rceb e-se o apa rec i men to d e um incis o do
Mot ivo a nas sí nco pas da m . e. e m. d. No c. 278 , o Motiv o d
ap arec e p ara, em s egu ida, a m .d. imita r a m.e. em um m o vim ento
ascendente e sin copa do, com u m b reve cre scen do n a di nâmi ca
pa ra re torn ar a d inâ mica pp, d ilui ndo a mel o dia aind a mai s
(E xemp lo 26). Ap arec em aind a o Mot ivo c (c.2 8 2, 283 e 284) e
Mot ivo d (c.286).
E X E M P L O 2 6 : I m i t a ç ã o d e v o z e s e d i l u i ç ã o m e l ó d i c a
67
Nota-s e que o s moti vos t emát icos ness a subs eçã o
ac ompa nhar am a din âmic a e a in t enç ão de dil uiç ã o pr opo s ta p elo
pe rfor mer, apar ece n do també m at r avé s de incis os (p rin cipa lmen te
do Mot ivo a) diluídos.
Subseção A
6
(c.290-305)
Na Subseção A
6
, de in ício , a m .d. fa z a l gum as
in terv ençõ es som ente e nqua nto a m. e., n o c ont rate mpo, p reen che
o v azio d eix ado p e la m e lod ia. No c. 290, há o apar ecim ent o do
Mot ivo d (quiálteras) na m.d. e do M o tivo a (síncopas) na m.e.
É imp ort a nte sa lien tar qu e , n o p rime iro pe r íod o dessa
Subseção ( c.29 0-29 7), o mov imen to cara cter ísti co d e din âmic a é
de scen dent e, apes ar d a m .d. ter sub ido uma oit ava nos qua tro
úl timo s co mpa ssos em rel ação ao s qu atro pr i mei ros. Log o em
se guid a, do c.2 9 8-30 5, há uma pr o gre ssão em mo vime nto
descendente, que pode ser dividida em duas partes:
Primeira: c.298- 301;
Segunda: c.302- 305.
Es sa p rog ress ão t em como carac ter í sti c a p rinc ipa l a
repetição rítmica de síncopa brasileira.
Subseção A
7
(c.306-321) e Subseção A
8
(c.322-337)
A Sub seç ã o A
7
é i nici ada com o Mot i vo d, q ue cont inua a
pr ogre ssão da su bseç ão anter ior, agor a não em sí n cop as, m as em
qu iált eras . Aqu i, a m. d está c ada v ez ma i s rar efei ta, c omo que
suspirando, ten do com o pad r ão gera l o movi ment o desc end e nte .
No d ecor rer de ssa su bseç ão e na se guin te, a di nâmi ca ppp”
prevalece.
68
A melod ia ago ra nã o é con stru ída c o mo no iníc io da o bra,
on de ha via u m fl u xo q uase que c ontí nuo, pro v oca do pe la
co mple ment ari d ade en tre as mã os. Ag ora, a ut iliz ação d a s nota s é
fe ita para pon tuar a me lod ia co mo f err a men ta d e “evaporação”
melódica. Essas duas subseções culminam na Coda.
O Moti vo a e o M o tivo d apar ece m ness as du as
subseções, como mostra o Quadro 8 abaixo.
QU ADRO 8: Ocor rên cia dos moti vos temá tic os
nas Subseções A
7
e A
8
Compasso
Mo tivo tem átic o
306
d (quiáltera)
313
a (síncopas na m.e.)
314
d (quiálteras)
317-318
a (síncopas)
322
a (diminuído)
329-332
d (quiáltera)
Observa-s e que , de c.32 5 a 3 28, a mel odia da m .d. é
complementada pela esquerda em todas as pausas.
Al guns exe mplo s de com plem enta ção meló dica , qu e foram
us adas c o mo ferra ment a de evap oraç ão, pode m s er visto s a bai x o
(Exemplos 27a, 27b e 27c).
69
E X E M P L O 2 7 a
E X E M P L O 2 7 b
E X E M P L O 2 7 c
E X E M P L O S 2 7 a , 2 7 b e 2 7 c : C o m p l e m e n t a r i d a d e c o m o e v a p o r a ç ã o
m e l ó d i c a
Coda (c.338-352)
A Coda da obra se inic i a c o m míni mas em pedal sobre a
no ta D . Ess e é um ostinato esp aci a liz ado (M o tivo f ; Exe mplo
70
28 ). A par tir d o c.34 3, há uma ten tati va de r essu rgi m ent o de alg o.
Is so pod e s er perc ebi d o pelo m ovim ento a scen dent e e p elos
co nsta ntes reto rnos à nota C (Mot i vo c) . Há, n essa s vol tas, a
fo rmaç ão da esca la de Dm. O fim da obra s e d á p or supe rpos içã o
de notas, formando o acorde de Dm(
b
9) (Exemplo 29).
E X E M P L O 2 8 : O s t i n a t o e s p a c i a l i z a d o ( M o t i v o f )
E X E M P L O 2 9 : F o r m a ç ã o e s c a l a r c o m s a l t o s ( M o t i v o c )
Sã o apre s ent ados , abai xo, no Qu adro 9, as ocor r ênc ias
dos motivos temáticos por seção no Frevo.
71
QU ADRO 9: Ocor rên cias dos mot ivos tem áti cos
por seção no Frevo
SEÇÃO I
Subseção
Mo tivo tem átic o
A
a, b , c, d
A
1
a, b , c, d
B
e, c
A
2
a, b , c, d
PONTE
Subseção
Mo tivo tem átic o
Ponte
a, f
SEÇÃO II
Subseção
Mo tivo tem átic o
C
a, f , b, c
D
a, c , f
B
1
d, c
SEÇÃO I
1
Subseção
Mo tivo tem átic o
A
a, b
A
1
a, c , d
B
d, b , c, f
A
2
a, d
A
3
c, d, b
A
4
a, b , c, d
A
5
a, b , c, d
A
6
a, d
A
7
a, d
A
8
a, d
CODA
Seção
Mo tivo tem átic o
Coda
f, c
72
Do s se i s mo tivo s de Frevo, c inc o (a; b; c; d; e) s ão
ap rese ntad os na Se ç ão I. O Moti vo f é apr esen tado n a Ponte. A
ma neir a co mo Eg bert o re util iza e sse s mot ivos nas dive rsas
su bseç ões cri a, d entr o da fo rma can ç ão, uma se n saçã o de es crit a
rapsódica - ou seja , f orm a lme n te li vre, pois a sua orde m d e
recorrência torna-s e ca d a ve z mai s al eató ria. Pode -se v er, como
ex empl o, a Subs eção B
I
, q u e traz u m n ovo mo t ivo (Mo t ivo e);
en tret anto , e le é s egui do de u m m otiv o d a S u bse ção A (Mot ivo c).
Da mesm a fo rma, a Po nte traz um no vo moti vo (Mot ivo f),
qu e é seg uido de um m otiv o apr esen tado ante s na Su bseç ão A
(M o tiv o a).
Observa-s e, adem ais , que as Subseções da Seç ão II são
in teir amen te const ruí d as c o m m otiv os e mpr esta dos d a Seção I e
Ponte, or d ena dos li v rem ente . Fina lmen te, re forç ando a pe rce p ção
de uma con stru ção ra psód ica , a Se ção I é c o nst ituí da por no ve
su bseç ões co nsec utiv as, cu ja ord em é est a bel ecid a
aleatoriamente.
Po r o utro la do, a Ponte e a Coda, seç õ es form ais que
aj udam a art icul ar a g rand e for ma (ele m ent os de t ran siçã o e
fi nali zaçã o), se a s sem elha m e ntr e s i p elo fa to de amb a s cont erem
o Mot ivo f.
73
Capítulo IV Conclusão
A obra Frevo, d o co mpos itor e m ulti -instrumentista
Eg bert o Gi s mon ti, é res u lta d o de dive rsas infl uên c ias por e le
so frid as ao l ongo de su a t raje tóri a m usic al. Por i nfl uênc ia
pa tern a, a o e stu d ar pi ano , G ism o nti s e d epa r ou co m mest res da
mú sica er udit a, a pre e nde ndo div ersa s técni cas de per f orm ance de
J. S. Bach a Ravel.
No âmbi to d a mús ica p opul ar, t alve z po r inf luên cia
ma tern a, G ismo nti bebe u de vár ias font es n a cio nais (ch oro, fre vo,
ma raca tu, etc) , ma s ta mbém int ern a cio n ais . Há , ai n da, com o pa rte
de s u a form ação m usic al, a exper iênc ia por ele viv ida ju nto aos
ín dios d o Xin gu, m a rco n a vid a do comp osi t or, q ue mu d ou su a
concepção da música.
As car acte ríst icas do frev o en cont rada s no Frevo for am
as segu int e s: escri ta e m co m pas so q uate rnár io ( sen s açã o de
bi nári o), util izaç ão de ana crus e co mo in ciso de m otiv o te máti co
(M o tiv o a) , fo rma ter n ári a A- B-A com a p rese nça da Ponte
interligando seções, e andamento de 224 semínimas por minuto.
Di ante de t odas ess a s ca ract erís tic a s, f ica c onf i rma do
qu e o comp osit or util i zou dos mat e ria is do gê nero per namb uca n o
pa ra c r iaç ão de sua obra Frevo. A d ific uld a de t écni ca e a te s sit u ra
- que se conc ent r a p rinc ipal ment e d entr o do pe ntag rama do pia no,
ou s eja, u sand o pouc as lin has sup leme ntar es pod e m qua l ifi car
essa obra como um frevo-ventania.
Gi smon ti cla r ame nte co nstr ói o d isc urso music al
dividindo-o en t re as mãos , mante ndo o f luxo rí tmic o e mel ódic o, e
ut iliz ando sem pre das car a cte ríst icas est ilís tic a s do fr e vo e m su a
performance.
74
A f usão entr e a mú sica erud ita e popu lar g era u ma
mi stur a em que o s papé is do co mpos itor e d o inté rpr e te se
co nfun dem. Gis mont i, p or ex emp l o, p ode r ia t er-s e at i do a usa r, n a
pe rfor manc e d e Frevo, me l odi a a c omp anha da, com o m u ito s
pe rfor mers e compositores da música popular e erudita
22
fazem.
No e ntan to, o uso de com p lem enta rida de ent re as mãos
se most r a e xtre mame nte ri co, pois ge ra me t amo rfos e de mo tivo s,
fu são de cara cter ísti cas de moti vos dif eren tes, esp elh a men to de
mo tivo s, equi líbr io do discu rso mus ical , co mpe nsaç ão dos
co ntor nos m elód icos , sal tos , vari eda d e dos cont orno s mel ódic os
(a scen dent e, de s cen dent e e hori zon t al) , timb res d o instrumento
ob tido s atra vés d a p erc ussã o feit a dire tam e nte n o inte rior d o
pi ano (ess e re curs o nã o fo i ut iliz ado na p e rfo manc e de Frevo, ma s
é utilizado com frequência por pianistas modernos), entre outros.
A riqu eza da obra Frevo é, a cre d ita mos, uma ínf ima part e
da r ique za mus ical d e s eu com posi tor - inté rpre te, qu e é pouc o
es tuda do e pou co val oriz ado por s eus com p atr i ota s. Est e estu do
re pres enta , porta nto, um a pe quen a contr ibui ção par a an áli s e de
suas inúmeras obras.
22
N a m ú s i c a e r u d i t a , p o r e x e m p l o , c o m o C h o p i n e m s e u s p r e l ú d i o s . N a
m ú s i c a p o p u l a r , h á o e x e m p l o d e P a c o d e L u c i a e J o h n M c L a u g h l i n , c u j a
e x e c u ç ã o s e b a s e i a e m m e l o d i a a c o m p a n h a d a , i n c l u i n d o s e ç õ e s d e
i m p r o v i s o , e m q u e u m v i o l o n i s t a a c o m p a n h a o o u t r o e h á d i á l o g o s
i m p r o v i s a t ó r i o s , o q u e s e p o d e o b s e r v a r n o v í d e o d i v u l g a d o n o s i t e
Y o u t u b e ( 2 0 0 9 ) .
75
RE FERÊ NCIA S
ALBIM, Cravo. Dicionári o el etrô nico Cr a vo A lbi m . Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br>. Acesso em: 29 abr. 2009.
AMARAL, Carlos Eduardo. O único objetivo que tenho é dar toda a
mi nha obra . Disponível em: <http://www.continentemulticultural.com.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=2478&Itemid=134>. Acesso em: 25
maio 2009.
ANDRADE, Mário de. E nsai o so bre a m ú sic a br asil eira . 3.ed. São
Paulo: Vila Rica; Brasília: INL, 1972.
APPLEBY, David P. Th e Mu s ic o f B razi l. Austin: University of
Texas Press, 1989.
AUGUSTO, Sérgio. Ca ncio nei r o J o bim : biografia/Antonio Carlos
Jobim, Paulo Jobim. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2002.
BARBEITAS, Flávio. M ú sic a , C ultu ra e Naç ão. Ouro Preto:
Artefilosofia/Ed.UFOP,2007. n. 2, p.127-145.
BERNOTAS, Bob. Eg bert o G i smo nti 2008 Art of Jazz Lifetime
Achievement Award Winner. Disponível em: <http://www.artofjazz.org/
performance_achievement_gismonti.cfm>. Acesso em: 30 jun. 2009.
BORÉM, Fausto; JUNIOR, Mario Luiz Marochi. A sertaneja de
Brasílio Itiberê: nacional ou estrangeira, amadorística ou
sofisticada? Goiânia: Musica Hodie, 2008. v. 8, n. 2, p.11-33.
CANÇADO, Tânia Mara Lopes. An investigation of West African
an d Ha itia n R h yth m s o n th e De velp ment of Syn copa tion in Cub a
Ha bane ra, Bra z ili an T ango /Cho ro a nd A mer i can Rag t ime (17 91-
1900). Winchester. Shenandoah Conservatory. 1999
CHRYSÓSTOMO, Antonio. Um precioso e preciso momento.
Jornal Caipira, Rio de Janeiro, n. 2, 1979.
FREEDMAN, Bob; PEASE, Ted. Arranging 2. Boston: Berklee
76
Press, 1989.
GILMAN, Bruce. Disponível em: <http://www.brazil-brasil.com/
musjun98.htm>. Acesso em: 24 maio 2009. Entrevista realizada em
jun. 1998.
GISMONTI, Egberto. Songbook. Publicado na Suíça. [199?]
GISMONTI, Egberto. Al ma. Rio de Janeiro: EMI-Odeon/Tom Brasil
Produções, 1993. Gravado no Dreshsler Studio, 1987.
GUERRA-PEIXE, César. A pro váve l p r óxi m a d ecad ênci a do fr e vo.
Disponível em: <http://guerrapeixe.com/index2.html>. Acesso em: 24 ago.
2009.
JORNAL DE COMÉRCIO DO RECIFE. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/JC/_2002/1401/cc1401_1.htm>. Acesso em: 4 jun.
2009.
LEEWEN, Alexandra van; HORA, Edmundo. U m ol h ar sobr e as
at ivid ades mus ica i s n os t eatr os d o R i o d e Ja neir o. Belo Horizonte:
Per M u si, 2008. n. 17, p. 18- 25.
LIMA, Sérgio Ricardo de Godoy. O pian o me stiç o: composições
para piano popular com acompanhamento a partir de matrizes
pernambucanas. Campinas: Ed. UNICAMP, 2005.
MELO, Rúrion Soares. O po pula r e m E g ber to G ismo nti. In: Novos
Estudos CEBRAP, 78, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/nec/n78/15.pdf>. Acesso em: 13 out. 2009.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Ip han tomb a Ca sa d e V idro de Lina Bo
Bardi e registra o Frevo c omo Patr imôn io I mate ria l . Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=13517&sigla=Notici
a&retorno=detalheNoticia>. Acesso em: 29 abr. 2009.
NEVES, José Maria. Advento da Consciência: música
contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981.
77
O frevo. Disponível em: <http://ofrevo.blogspot.com/search/label/
Asas%20da%20América >. Acesso em: 18 ago. 2009.
PIRES, Pablo. Gi smon ti q uer ced e r s eus dire itos au t ora is.
Disponível em: <http://www.clubedejazz.com.br/noticias/noticia.php?
noticia_id=102>. Acesso em: 9 jul. 2009.
REILY, Suzel Ana. Introduction: Brazilian musics, Brazilian
identities. Br itis h Jo urn a l o f Et hnom usic olog y, v. 9, n.1.
Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3060787>. Acesso em: 12 mar.
2009.
RIBEIRO, Silas. O frevo: as características do ritmo e estilo.
Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/10969/1/o-frevo-as-
caracteristicas-do-ritmo-e-estilo/pagina1.html>. Acesso em: 21 ago. 2009.
SALDANHA, Leonardo Vilaça. A Músi ca p opu l ar urba na d o Re cif e
e sua consolidação através do rádio. Campinas: Ed. UNICAMP,
2008.
TELLES, José. Fr evo de P ern a mbu c o. Disponível em:
<http://www.frevo.pe.gov.br/registro.html>. Acesso em: 8 maio 2009.
TELES, José. Ele quer ser o Piazzolla do frevo. Jornal do
Co mérc io d e Re cif e , Recife, jan. 2002. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/JC/_2002/1401/cc1401_1.htm>. Acesso em: 4 jun.
2009.
TINHORÃO, José Ramos. H istó ria Soc i al d a M ú sica Po p ula r
Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998. 368p.
VIANNA, Hermano. O mist ério do sam b a. 6. ed. Rio de Janeiro:
Zahar/Ed. UFRJ, 2007.
WANDER, Edson. Ov ermu ndo. Disponível em:
<http://www.overmundo.com.br/overblog/ele-egberto>. Acesso em: 18 maio
2009.
WIKIPEDIA. César Guerra Peixe. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/César_GuerraPeixe#Um_sulista_norde
stinizado>. Acesso em: 29 abr. 2009.
WIKIPEDIA. Frevo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Frevo>.
78
Acesso em: 29 abr. 2009.
79
AN EXO ED IÇÃ O DE T ALH A DA D E FREVO
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo