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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
Marieve Pereira da Silva
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MULHERES NEGRAS SOBRE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O PROCESSO DE DENÚNCIA E NÃO-
DENÚNCIA
Salvador
2008
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Marieve Pereira da Silva
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MULHERES NEGRAS SOBRE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O PROCESSO DE DENÚNCIA E NÃO-
DENÚNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem,
Universidade Federal da Bahia, como requisito para
obtenção do grau de Mestra, área de concentração:
Gênero, Cuidado e Administração em Saúde.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Normélia Maria Freire Diniz
Salvador
2008
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Marieve Pereira da Silva
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MULHERES NEGRAS SOBRE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O PROCESSO DE DENÚNCIA E NÃO-
DENÚNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Escola de
Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de
Mestra, área de concentração: Gênero, Cuidado e Administração em Saúde.
Aprovada em 18 de fevereiro de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
Dedico este trabalho a todas as
mulheres que sofreram ou
sofrem violência doméstica,
mas que mesmo assim não
deixam de ser guerreiras em
busca de um futuro melhor para
elas e para as que as cercam.
AGRADECIMENTOS
Nesta vitória, agradeço a Deus, Pai, Ser Único e Onipresente, por me dar o dom mais
precioso do Universo - A Vida, estando sempre ao meu lado nos desafios, conquistas e
sucessos, com a sua sabedoria divina, modéstia e resignação, findando mais esta grande
etapa.
Aos meus pais, sinônimo de amor, carinho, coragem e perseverança, por abrirem as portas
do meu futuro sobre a importância do saber, amo vocês!
Aos meus irmãos, verdadeiros amigos e conselheiros, pelo eterno incentivo para atingir
meus objetivos.
A Dala, por sua humildade e dedicação indispensável.
Ao meu noivo, pelo seu carinho, amor incondicional, tornando-se peça fundamental para a
conclusão desta trajetória. Amo-te amor!
À minha orientadora Professora Drª Normélia Maria Freire Diniz, a qual se tornou uma
pessoa muito especial na minha vida, pela sua competência, dedicação, apoio e
compreensão, desde o início ao fim deste trabalho.
À Equipe de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da UFBa pelas orientações,
sugestões e pelo bom convívio durante este período.
Á Dr
ª Solange Maria dos Anjos Gesteira, pelo exemplo de pessoa que és e pelos seus
ensinamentos e incentivos que me transmitiu com um sorriso franco e aberto.
À Drª Regina Lúcia Mendonça Lopes pela sua generosidade, motivação, constante apoio e
conhecimentos passados, bem como as professoras Dras. Maria de Fátima de Souza Santos e Maria
do Rosário de Menezes pelas valiosas contribuições prestadas durante a minha defesa.
À amiga Lene, hoje posso incluí-la no meu rol de amigos especiais, pela cumplicidade,
companheirismo, dedicação e por compartilhar plenamente seus conhecimentos na construção
deste trabalho de uma maneira tão sensível e terna.
À amiga Simone, pela sua atenção, disponibilidade, ajuda e carinho no decorrer deste trabalho.
A todas as colegas e amigas(os) que compartilharam alegrias e tristezas, durante esta trajetória, me
passando força e esperança em permanecer nesta árdua batalha do saber.
Ao Coletivo de Mulheres do Calafate e as entrevistadas pela lição de vida compartilhada e pela
coragem em expor seus sentimentos, seus medos e suas expectativas que serviram como inspiração
para este trabalho.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram para que esta conquista se realizasse.
Muito obrigado a todos vocês!
"A violência, seja qual for a maneira
como ela se manifesta, é sempre uma
derrota."
(Jean-Paul Sartre)
SILVA, Marieve Pereira da. Representações Sociais de Mulheres Negras sobre
Violência Doméstica e o Processo de Denúncia e Não-Denúncia. 2008. 96f. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem) Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 2008.
RESUMO
Este estudo teve como objeto
as representações sociais das mulheres negras sobre violência
doméstica e o processo da denúncia e o-denúncia
. O objetivo geral foi analisar as
representações sociais de mulheres negras sobre violência doméstica e o processo da
denúncia e da não-denúncia. Os objetivos específicos foram: apreender o conteúdo e a
estrutura das representações sociais construídas pelas mulheres negras sobre violência
doméstica e apreender as representações sociais de mulheres negras sobre o processo da
denúncia e da não-denúncia. Utilizou como metodologia a técnica descritiva e exploratória
com abordagem qualitativa e quantitativa fundamentada na Teoria das Representações
Sociais. Foram entrevistadas 150 mulheres residentes na comunidade do Calafate, situada
no município de Salvador/BA. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se o Teste de
Associação Livre de Palavras e entrevista acompanhada por formulário semi-estruturado
com perguntas abertas e fechadas. Os dados quantitativos foram tabulados e processados
com o uso dos softwares, Word, Excel e Evoc 2000 e apresentados na forma de tabelas,
gráficos e quadros. Os dados qualitativos foram organizados com base na análise temática
de Bardin. Foram seguidos os aspectos éticos recomendados pela Resolução 196/96 do
CNS. A caracterização dos sujeitos deste estudo apontou os seguintes resultados:
Predomínio de adultos jovens e adultos, mulheres da raça negra, com baixo nível de
escolaridade, 52% das mulheres são casadas ou vivem em união consensual, desenvolvem
trabalhos laborais de baixa remuneração, dependem financeiramente de terceiros
(marido/companheiro), 80,7% das mulheres declararam ter sofrido algum tipo de
violência, dentre elas destacam-se a violência psicológica, sexual e física. A estrutura das
representações acerca da violência doméstica encontra-se embasada pelos elementos do
núcleo central no qual se observou representações arraigadas predominantemente no
significado da violência física, diante dos respectivos termos de maior freqüência de
evocação: briga, agressão e espancamento, enquanto que no sistema periférico a
composição dos elementos se apresentou em três etapas de construção desta violência:
causa (ignorância, falta-de-estudo, discórdia e ciúmes), conseqüência (agressão-moral,
infelicidade, indignação, vergonha e destruição) e ação (impotência, silêncio, vingança e
denúncia). As entrevistas qualitativas mostraram que o estudo aponta elementos para
mudança da estrutura das representações de violência doméstica, ancorando essa
representação na indignação destas mulheres pela demora na tramitação da denúncia, a
deficiência da infra-estrutura nas delegacias, o despreparo dos profissionais em prestar o
atendimento a estas mulheres e a fragilidade destas diante do complexo fenômeno da
violência doméstica, mantendo-as presas à situação de violência. O estudo atende a Lei
Maria da Penha por buscar a compreensão da violência doméstica a partir do olhar das
categorias gênero e raça, contribuindo para ampliar as discussões que permeiam o processo
de construção do atendimento na Rede e para subsídios para os profissionais em saúde
identificar mulheres em situação de violência doméstica e refletirem acerca da importância
da rede de atendimento.
Palavras-Chaves: violência doméstica, mulheres negras, denúncia, não-denúncia.
SILVA, Marieve Pereira da. Social Representations of the Black Women on Domestic
Violence and the Process of the Denunciation ande Not Denunciation. 2008. 96f.
Dissertation (Masters in Nursing) - School of Nursing, Federal University of the Bahia.
Salvador, 2008.
ABSTRACT
This study it had as object the social representations of the black women on domestic
violence and the process of the denunciation and not-denunciation. The general objective
was to analyze the social representations of black women on domestic violence and the
process of the denunciation and the not-denunciation. The specific objectives had been: to
apprehend the content and the structure of the social representations constructed by the
black women on domestic violence and to apprehend the social representations of black
women on the process of the denunciation and the not-denunciation. The descriptive and
exploratory technique with qualitative and quantitative boarding used as methodology
based on the Theory of the Social Representations. 150 resident women in the community
of the Caulker, situated had been interviewed in the city of Salvador/BA. As instrument of
collection of data used the Test of Free Association of Words and interview folloied for
form half-structuralized with open and closed questions. The quantitative data had been
tabulated and processed with the use of softwares, Word, Excel and Evoc 2000 and
presented in the form of tables, graphs and pictures. The qualitative data had been
organized on the basis of the thematic analysis of Bardin. The ethical aspects
recommended by Resolution 196/96 of the CNS had been followed. The characterization
of the citizens of this study pointed the following results: Predominance of adolescents and
young adults, women of the black race, low level of schooling
,
52% of the women are
married or live in union consensual, develop labor works of low remuneration, depend
financially on third (accompanying husband/), 80.7% of the women had declared already
to have suffered some type of violence, amongst them are distinguished it psychological,
sexual and physical violence. The structure of the representations concerning the domestic
violence meets based by the elements of the main nucleus in which if it predominantly
observed anchor representations in the meaning of the physical violence, ahead of the
respective terms of bigger frequency of mandate: fight, aggression and beating, whereas in
the peripheral system the composition of the elements if presented in three stages of
construction of this violence: cause (ignorance, lack-of-study, discord and jealousy),
consequence (aggression-moral, misfortune, indignation, shame and destruction) and
action (impotence, silence, revenge and denunciation). The qualitative interviews had
shown that the study it points elements with respect to change of the structure of the
representations of domestic violence, anchoring this representation in the indignation of
these women for the delay in the transaction of the denunciation, the deficiency of the
infrastructure in the police stations, the unpreparedness of the professionals in ahead giving
to the attendance to these women and the fragility of these of the complex phenomenon of
the domestic violence, keeping the canine tooth the situation of violence. The study “Maria
da Penha” for searching the understanding of the domestic violence from the look of the
categories takes care of to the Law sort and race, contributing to extend the quarrels that
pervasive the process of construction of the attendance in the Net and stops of the subsidies
for the professionals in health identifying women in situation of domestic violence and
reflecting concerning the importance of the attendance net.
Word-Key: domestic violence, black women, denunciation, not-denunciation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
08
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEMÁTICA
12
2.1 ORIGEM DA VIOLÊNCIA
12
2.2 VIOLÊNCIA A PARTIR DA CATEGORIA GÊNERO
13
2.3 CARACTERIZAÇÃO DA FAMÍLIA NEGRA/VIOLÊNCIA
14
2.4 POLITÍCAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA A MULHER NEGRA EM
SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
17
2.5 REDE DE ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE
VIOLÊNCIA
22
3 REFERENCIAL TEÓRICO
24
3.1 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
24
3.2 A TEORIA DO NÚCLEO CENTRAL
26
4 METODOLOGIA 28
4.1 TIPO DE ESTUDO
28
4.2 ESPAÇO DO ESTUDO
28
4.3 OS SUJEITOS DO ESTUDO
29
4.4 ASPECTOS ÉTICOS
30
4.5 COLETA DE DADOS
30
4.6 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
32
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
35
5.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
35
5.2 ESTRUTURA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
36
5.2.1 Representações Sociais da Violência Doméstica
39
5.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROCESSO DA DENÚNCIA E DA
NÃO DENÚNCIA
46
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
56
REFERÊNCIAS 58
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido
66
APÊNDICE B - Questionário do Teste de Associação Livre de Palavras
67
APÊNDICE C - Formulário: Dados Quantitativos
68
APÊNDICE D - Formulário: Dados Qualitativos
70
APÊNDICE E - Entrevistas
71
ANEXO A - Distribuição das palavras evocadas por frequência e ordem média -
Evoc 2000
86
ANEXO B - Distribuição dos termos evocados segundo quadrantes do quadro
de quatro casas - E
voc 2000
90
ANEXO C - Dicionário de Termos Evocados - Evoc 2000
92
ANEXO D - Parecer e Aprovação do Comitê de Ética Em Pesquisa
93
1 INTRODUÇÃO
Quase metade das mulheres assassinadas tem como agressores o marido e/ou
namorado (FERREIRA, 2005). O mau-trato à mulher se expressa no âmbito familiar como
conseqüência de uma luta de poder onde, histórica e culturalmente, ela se situa em um
plano inferior ao do homem. mais de um século, as mulheres têm começado a
questionar as práticas discriminatórias que as situam nesta posição de inferioridade
(MEZA et al. 2001).
A violência responde a 7% de todas as causas de mortes de mulheres entre 15 e 44
anos, ressaltando que, um bilhão (1.000.000.000) de mulheres foi espancada, forçada a
ter relações sexuais ou submetida a algum tipo de abuso. Contudo, estes índices não
representam à realidade, pois a subnotificação da violência é uma realidade no Brasil
(FERREIRA, 2005a).
Desde 1975, identificou-se a necessidade da notificação de doenças e agravos à
saúde por meio da notificação compulsória de doenças consideradas relevantes para os
municípios e estados através da Lei n. 6.259 de 30 de outubro (BRASIL, 1975). Entretanto,
muitos agravos não eram notificados, em especial a violência que, na maioria das vezes,
não era sequer percebida como problema de saúde pública e, portanto, não reconhecida
como passível de notificação. Prova disso é que, em 2001, o próprio Ministério da Saúde,
através da Portaria n.1943/GM/MS (BRASIL, 2001) especificou os agravos a serem
notificados, sendo que a violência não aparece na listagem, o que acontece a partir de
2003, através da Lei n. 10.778 de 24 de novembro.
A Lei n. 10.778 dispõe acerca da notificação compulsória da violência contra a
mulher em todo o território nacional, tornando-se obrigatório aos serviços de saúde pública
ou privada dar conhecimento do atendimento que fizerem às vítimas deste tipo de
violência. Esta notificação tem como objetivo realizar estatísticas referentes à temática, a
fim de que se possam planejar melhores políticas públicas relacionadas à violência de
gênero colocando-as em prática. A partir da realidade brasileira, esta Lei nos permite
constatar: onde acontece a violência, que tipo ocorre com mais freqüência, quem a comete,
quem é esta mulher que sofre a violência (raça, idade, classe social, etc.), revertendo esse
planejamento para a própria mulher que também sai beneficiada (BRASIL, 2003).
Na condição de enfermeira do Programa de Saúde da Família, percebo que esta
Notificação Compulsória de Violência Contra a Mulher não é uma prática vivenciada no
9
meu dia-a-dia. Diante do exposto, faz-se necessária uma intervenção maior por parte das
políticas públicas em se fazer cumprir esta Lei, uma vez que nós, profissionais, somos
despreparados para prestar uma assistência digna às mulheres em situação de violência.
Ainda com relação ao meu cotidiano profissional em saúde pública, percebo que no
meu espaço de trabalho, a violência permeia a vida das pessoas na comunidade, trazendo
complicações importantes para a saúde e para o desenvolvimento social. Esta percepção
encontra respaldo em estudos que mostram a associação da violência com problemas de
saúde, como hipertensão, depressão, estresse pós-traumático, abortos; além de repercutir
negativamente no espaço de trabalho e no processo educativo (DINIZ e MONTEIRO,
2003; BALLONE, 2003). Entretanto, na minha formação, a violência não foi percebida
como objeto de estudo da saúde, o que não me deu sensibilidade e suporte técnico para
lidar com o fenômeno no meu cotidiano profissional.
Muitos profissionais não dispõem de informações básicas que permitam identificar
e/ou diagnosticar a violência (GONÇALVES; FERREIRA, 2002). Segundo Almeida
(1998), a temática violência não aparece nos currículos de graduação, o que está
diretamente associada à assistência prestada. Todavia, este fenômeno encontra-se presente
nos diversos espaços do setor saúde, uma vez que, enquanto graduandos e/ou profissionais,
nos deparamos com pessoas em situação de violência, seja nas emergências hospitalares,
maternidades, nos programas de planejamento familiar, pré-natal, entre outros.
Infelizmente, os profissionais limitam-se ao cuidado específico da lesão física, na
maioria das vezes não investigando uma relação com a violência. Conseqüentemente, esta
assistência tecnicista e curativista torna-se fragmentada, à medida que o investigação
para se identificar marcas não visíveis, mas que trazem sérias repercussões para a saúde da
mulher. Percebe-se, assim, que a vivência de violência viola o direito à saúde previsto pela
Organização Mundial de Saúde, sobretudo, quando associada às variáveis de gênero, raça,
pobreza e poder (PITANGUY, 1998).
Ressalvo também minha vivência no Projeto de Extensão intitulado “Mulheres em
situação de violência doméstica e a rede de atendimento” com objetivo de acolher
mulheres que sofrem violência doméstica vinculando-as a rede de atendimento. Através
deste projeto tive oportunidade de me aproximar da comunidade e dos sujeitos do estudo, e
melhor me apropriar de suas representações e vivências acerca da violência doméstica,
bem como de suas experiências frente às estratégias de enfrentamento da violência,
sobretudo, nos espaços da comunidade, como o Coletivo de Mulheres do Calafate, e nos
10
serviços públicos, tais como: delegacia especializada no atendimento à mulher em situação
de violência, centro de referência de atendimento à mulher em situação de violência, etc.
Nesta perspectiva, sensibilizei-me com esta realidade, sendo que, em muitos casos,
a violência praticada pelo companheiro expressava-se fisicamente, principalmente com
relação às mulheres negras que compõem em quase sua totalidade a comunidade feminina
do município onde atuo. Percebe-se, assim, que na condição de ser mulher somada a de ser
negra há uma intensificação da violência, expressando-se nas discriminações raciais e de
gênero. Daí surgiu meu interesse em desenvolver este estudo.
A este respeito, Rufino (1999) refere que a violência contra a mulher é uma
epidemia que desconhece classes sociais, trazendo maior vulnerabilidade para as mulheres
negras que sofrem as seguintes discriminações: de gênero, privada no lar; da pobreza, que
as escraviza às jornadas de trabalho intermináveis, das quais não sobrará sequer à nima
aposentadoria; e relativas ao sombrio preconceito racial, que tenta confinar o espaço
domesticado que vai do fogão ao tanque, no fundo de cena.
Para melhor compreendermos este espaço destinado à mulher, trazemos a seguir
alguns discursos femininos, destacados por mim durante o Projeto de Extensão
mencionado:
“...tristeza... a mulher não faz parte do mundo do lado de fora... ela
tem um mundo... o mundo dela é a casa”.
“...desgosto... o mundo dela é do tamanho do ovo de codorna... o ovo tem
que quebrar para ela se libertar... ela só conhece o caminho do quarto”.
Estes três poderosos fatores relacionados à discussão da vulnerabilidade em mulher
negra são determinantes da violência estrutural que nos atinge, mas por outro lado, requer a
compreensão de que a mulher negra, enquanto ser indivisível vivencia simultaneamente
graus extremos de violência decorrente do sexismo, do racismo e dos preconceitos de
classe social, em um bloco monolítico e, tantas vezes, pesado demais (JORNAL DA REDE
SAÚDE, 2001).
Diante de toda esta experiência e da escassez de estudos que tratem da temática
violência doméstica em mulheres negras, comecei a me questionar: Quais as
representações das mulheres negras sobre violência doméstica e o processo da denúncia e
da não denúncia?
A fim de obter respostas para os meus questionamentos, defini como objeto de
estudo: as representações sociais das mulheres negras sobre violência doméstica e o
11
processo da denúncia e não-denúncia.
Neste sentido, o estudo tem como objetivo geral analisar as representações sociais
de mulheres negras sobre violência doméstica e o processo da denúncia e da não-denúncia.
Os objetivos específicos serão os seguintes: apreender o conteúdo e a estrutura das
representações sociais construídas pelas mulheres negras sobre violência doméstica e
apreender as representações sociais de mulheres negras sobre o processo da denúncia e da
não-denúncia.
12
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEMÁTICA
2.1 ORIGEM DA VIOLÊNCIA
Dadoun (1998) analisando a etimologia da palavra violência, do latim vis,
significando “força”, “potência”, entende que vis expressa, na verdade o “emprego da
força”, “vias de fato”.
Segundo De Plácido e Silva (1984), a violência é definida de forma mais específica:
(...) o ato de força, a impetuosidade, a brutalidade, a veemência. Em
regra, a violência resulta da ação ou da força irresistível, praticadas na
intenção de um objetivo que não se teria sem ela. Juridicamente, a
violência é espécie de coação, ou forma de constrangimento, posto em
prática para vencer a capacidade de resistência de outrem, ou para
demovê-la à execução de ato, ou a levar a executá-lo, mesmo contra a sua
vontade.
A violência é um fenômeno cada vez mais visível em todos os âmbitos da vida
humana, definida por Teles e Melo (2002) como uso da força física, psicológica ou
intelectual para coagir outra pessoa a fazer algo que não está com vontade, constrangendo-
a, tolhendo-a a liberdade.
Desde os primórdios da história, a violência manifesta-se em alto grau de
significância, com diferentes enfoques no decorrer do tempo, de modo que não se tem
registro de período algum da sociedade com ausência do abuso da força. Todavia, alguns
autores como Singer (1994) e Héritier (1996) defendem que teria existido um período
inicial da humanidade caracterizada pela inexistência do uso da força e marcado pelo
matriarcado, em que o poder feminino sobressaia com relação aos aspectos políticos,
econômicos, ideológicos, inclusive sobre os homens.
Fraga (2002) afirma que a violência causa desestruturação e desagregação,
alimentando o desequilíbrio existente nas relações sociais desiguais, que permeia a vida
das pessoas na atualidade. Pela sua complexidade, a violência representa um dos mais
graves problemas sociais, manifestando-se expressivamente na vida cotidiana. Entretanto,
as diferentes formas de apresentação, bem como sua freqüência, vêm fazendo com que as
pessoas não mais se inquietem diante desta problemática, o que reflete a banalização da
violência, e conseqüentemente, sua naturalização. Assim, a não organização em busca de
estratégias de enfrentamento, a sociedade torna-se conivente com a sua permanência e
propagação.
13
2.2 VIOLÊNCIA A PARTIR DA CATEGORIA GÊNERO
Na década de 70, o conceito de gênero foi introduzido pelo feminismo iniciando-se,
então, a luta por igualdade entre homens e mulheres a partir do Movimento Feminista,
sendo incorporado concepções políticas, intelectuais e teóricas, buscando a
desnaturalização, o reconhecimento e a superação das relações assimétricas dos gêneros
femininos e masculinos. A partir deste movimento, as mulheres incorporaram cunho
reivindicatório diante do seu papel na sociedade que incluía a desqualificação e a
inferioridade lutando pela sua valorização e reconhecimento enquanto sujeito de direitos
(FRASER, 2002).
A crise do modelo patriarcal, marcada a partir da década de 90, possibilita a
presença maciça das mulheres no mercado de trabalho remunerado, de modo que havia 854
milhões de mulheres economicamente ativas no mundo inteiro, respondendo por 32,1% da
força de trabalho em termos globais. Este fenômeno deve-se, de um lado, a informatização,
a integração em rede e a globalização da economia e, de outro, a segmentação do mercado
de trabalho por sexo, que se aproveita das condições sociais e de gênero específicas da
mulher para aumentar a produtividade, o controle gerencial e, conseqüentemente, os
lucros. Este processo gerou conseqüências muito importantes na família, resultando em
profundas transformações (CASTELLS, 1998).
Neste sentido, o autor acima refere que a mulher passa a contribuir financeiramente
no orçamento doméstico, sendo este papel decisório para a manutenção da casa. Coloca
ainda que o feminismo pragmático, constituído por donas-de-casa, mulheres exploradas e
agredidas que lutam pela sua sobrevivência e dignidade, de uma maneira geral, favorece a
continuidade do capitalismo patriarcal (CASTELLS, 1998).
Sendo assim, o poder de barganha da mulher no ambiente doméstico, embora tenha
crescido, ainda continua limitado devido à condição de submissão da mulher perante o
homem favorecendo a ocorrência de relações de violência no espaço doméstico.
Ancorando na questão família, destaca-se a “família moderna” instituída, em 1750,
na burguesia européia, a qual explora a visão do marido como autoridade e chefe de
família, enquanto que a mulher assume o seu papel de submissa, sendo os seus cuidados
voltados exclusivamente ao homem, aos filhos e ao lar (CAMARGO, 1996).
Ao longo da história, a família ocupou diferentes funções na sociedade. Desde os
primórdios, teve como função básica a manutenção da riqueza e da propriedade, como
14
citado pela autora acima, passando pela interferência dos dogmas religiosos, a
indissolubilidade do casamento no cristianismo (LASCH, 1991).
Em contrapartida ao tradicionalismo familiar, observa-se que na realidade pós-
moderna investe-se em um mundo altamente tecnológico e globalizado, onde as diferenças
culturais diminuíram grandemente, pelo poder das várias formas de comunicação, e onde o
ser humano vive cada vez mais alienado ou distanciado do seu mundo interno, da
introspecção, daquilo que demanda tempo para elaborar. A vivência numa sociedade se
processa num ritmo muito rápido e alucinante, com ênfase no visual e no sonoro, onde o
habitat silencioso é um fato do passado. A cultura do descartável, impulsionada pela
máxima do consumismo, passa a ser um modelo que influencia os relacionamentos atuais
(PAIVA et al., 2003).
2.3 CARACTERIZAÇÃO DA FAMÍLIA NEGRA/VIOLÊNCIA
De acordo com Salles (2002) e Tuirán (2002), o conceito de família é polissêmico,
restringindo-se como núcleo familiar básico e ampliando-se como grupo de indivíduos
ligados entre si por laços consangüíneos, consensuais ou jurídicos, que estabelecem fortes
vínculos de parentesco. Este conceito é mutável através de culturas, região e classe social.
A família, enquanto instituição social básica é considerada fundamental para a
proteção, socialização e sobrevivência dos indivíduos. Oferece, através de sua construção,
o desenvolvimento de práticas culturais, econômicas, da propriedade do grupo, das
relações de gênero e da reciprocidade de gerações. Determinada como uma organização,
ela produz, reúne e distribui recursos para o contentamento das necessidades essenciais das
pessoas (CARVALHO; ALMEIDA, 2003).
No que diz respeito à família negra, Rocha (2006) afirma que o passado escravista
fez com que o negro perdesse seus referenciais da vida familiar, afetando negativamente
sua inserção na sociedade até os dias atuais, em função da herança do cativeiro. A falta de
condições culturais e educacionais de competir em de igualdade com o “branco”, gera
efeitos psicológicos negativos levando a família negra a enfrentar problemas como
alcoolismo, prostituição, desemprego e dificuldades de moradias.
Ainda segundo Rocha (2006), na sociedade brasileira, o tipo mais comum de
arranjo familiar é aquele denominando nuclear, composto pelo casal e respectivos filhos.
Porém, nas últimas décadas, vem assumindo crescente importância o arranjo constituído
15
pela mulher sem cônjuge, residindo com filhos. Comparando-se a estrutura familiar negra
com a estrutura familiar branca, o autor aponta os seguintes dados: 55% das famílias
brancas situavam-se no modelo nuclear contra 42% das pretas e 56% das pardas. Por outro
lado, no que se refere às mulheres sem cônjuge com filhos, entre as brancas este percentual
era de 16,6% contra 22,4% das pretas e 18,8% das pardas. Desse modo, o padrão
tradicional, embora em declínio relativo em todos os grupos, se mostra mais afetado entre
as famílias pretas, enquanto que o grupo de mulheres sozinhas com filhos, que comumente
abrange um grande número de famílias no qual a desestruturação conjugal está associada
ao agravamento da condição de pobreza, é bem mais elevado entre as famílias pretas.
Ampliando essa situação, trago o estudo de Petruccelli (2000), que mostra que as mulheres
pretas contraem casamento em proporção menor que as mulheres brancas e pardas (48%
contra 55% e 59%, respectivamente). Outro aspecto interessante diz respeito aos padrões
de casamento inter-étnicos. Dados do IBGE/PNAD 1996 revelam que 85% das pessoas de
referência de cor branca estão casadas com cônjuges brancos. Já em relação às pessoas de
referência pretas, apenas 53% têm cônjuges de cor preta, contra 20% de brancos e 27% de
pardos. Em relação ao poder aquisitivo, estatísticas revelam que apenas 3,5% das famílias
pretas e pardas têm rendimento per capita maior que 5 salários mínimos contra 14,1% das
famílias brancas.
Como assinalam os autores supracitados, a partir dos anos 90 houve um aumento do
patamar de desemprego, queda no rendimento médio dos trabalhadores e grande proporção
de trabalhadores em situação de pobreza ou indigência. Em vista disto, mulheres e filhos
atingiram uma maior parcela de ocupação no mercado de trabalho, a fim de complementar
as fontes de renda da família como uma das estratégias de sobrevivência.
Dados preliminares do Censo 2000 evidenciaram um crescimento das separações,
de novas uniões e de casamento não-oficiais, com as uniões consensuais elevando-se dos
18,3% para 28,3% do total de arranjos conjugais registrados em 1991. Houve aumento de
27,3% das responsabilidades das mulheres, que passaram a responder pela chefia da casa,
sendo responsável por 1 a cada 4 domicílios brasileiros (BRASIL, 2001). Diante desta
situação, os problemas familiares afetam as condições materiais de subsistência originando
conflitos, como a violência doméstica.
A violência do homem para com a mulher no âmbito doméstico tem suas origens na
construção social do gênero e na legitimação social do uso da violência (GONZÁLEZ et
al., 2000). A cada 15 segundos uma mulher é espancada pelo companheiro ou marido;
16
mais de 70% dos incidentes violentos são de espancamento de mulheres por seus
companheiros, que escapam de penas alegando ter agido “sob forte emoção” (FERREIRA,
2005).
Para a Organização Pan-Americana de Saúde, o número de vítimas e a gravidade de
seqüelas emocionais que ocasiona a violência, alcançaram um caráter endêmico e se
transformou num problema de saúde pública (OPAS, 1995). Todavia, apesar da grandiosa
importância, é rara a violência tornar-se visível.
Conforme Schraiber et al. (2000), quando as mulheres que estão sofrendo violência
procuram os serviços de saúde, dificilmente revelam espontaneamente esta situação.
Mesmo quando os profissionais lhes questionam, correm o risco de não ser divulgado este
sofrimento, devido à relutância que as mulheres sentem em expor sobre a violência vivida,
a insegurança por parte delas em saber se será mantido sigilo sobre suas revelações e a
dúvidas em saber se serão bem acolhidas ou não no serviço de saúde, após ciência da
situação de violência sofrida. As autoras ainda ressaltam que, muitas vezes, elas não
reconhecem os atos agressivos cometidos pelo marido ou companheiro como violência,
mas sim como ignorância, estupidez e outros termos parecidos.
Segundo Pesquisa Nacional da Fundação Perseu Abramo (2001), ex-maridos e
namorados são as pessoas que mais agridem as mulheres brasileiras, sendo responsáveis
por cerca de 70% das agressões praticadas. Foi projetada uma média de 2,1 milhões de
mulheres espancadas por ano no país, 175 mil por mês, 5,8 mil por dia e 4 por minuto.
Estatísticas mundiais de mulheres em situação de violência destacam-se em
pesquisas de Heise et al. (1999) e Schraiber et al. (2002), nas quais a violência física e
sexual vivenciada pelo menos uma vez na vida, é alarmante em localidades como: Canadá
e Toronto, onde mulheres de 18 a 64 anos têm uma totalidade de ocorrência com índice de
32,2% de acometimentos; Nicarágua e Leon, mulheres 15 a 49 anos com 73,7% de casos
de violência; norte de Londres observa-se uma porcentagem de 53% em mulheres de 16
anos; em São Paulo tem-se 35,4% de mulheres entre 15 a 49 anos vítimas desta agressão; e
na Zona da Mata de Pernambuco existe uma ocorrência de 46,5% de acometimentos de
violência doméstica entre mulheres de 15 a 49 anos.
Nenhum país conseguiu eliminar a desigualdade de gênero. De cada 5 mulheres, 1
será vítima ou sofrerá uma tentativa de estupro até o fim de sua vida; a tentativa de suicídio
é de 2 a 3 vezes mais freqüentes entre mulheres agredidas; 1 em cada 5 dias de falta ao
trabalho é causado pela violência contra as mulheres dentro de suas casas; a cada cinco
17
anos
na América Latina e Caribe, a violência doméstica faz com que a mulher perca 1 ano
de vida saudável (FERREIRA, 2005).
As desigualdades de gênero resultam em compreender como se constituem as
relações entre homens e mulheres face à distribuição de poder. Neste sentido, o conceito de
gênero possibilita compreender a maneira pela qual o poder é definido, estruturado e
exercido, chamando-se atenção, no entanto, para a necessidade de relativizar o seu
potencial analítico, uma vez que a compreensão da categoria gênero nos permite perceber
as desigualdades entre homens e mulheres. Entretanto, para a realização da análise da
violência não podemos considerar somente as desigualdades de gênero, haja vista que as
desigualdades de classe, geração, etnicidade e raça tornam mais dramáticas as vivências
dos indivíduos e, mais especificamente, das mulheres (ROWBOTHAM, 1998).
2.4 POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA A MULHER NEGRA EM SITUAÇÃO
DE VIOLÊNCIA
Conforme Grin (2006), o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas
demonstrou que, a discriminação salarial é maior entre mulheres ditas afro-descendentes
do que em mulheres brancas. Mostrou, também, que os indicadores de desigualdade social
no Brasil têm revelado que os pretos e pardos, categorizados negros, são maioria entre os
seguimentos mais pobres da sociedade, o que denota a veracidade da discriminação racial.
A autora interpreta ainda, a omissão do Estado em relação aos problemas sociais,
às desigualdades e às limitações das políticas de caráter universalista, trazendo como saída
à implementação de ações afirmativas, reparatórias e compensatórias, que buscam elevar a
raça discriminada ao patamar de igualdade social em relação à raça até agora dominante.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as diversas formas
de discriminação estão fortemente associadas aos fenômenos de exclusão social que dão
origem e reproduzem a pobreza. São responsáveis pela superposição de diversos tipos de
vulnerabilidades e pela criação de poderosas barreiras adicionais para que pessoas e grupos
discriminados possam superar a pobreza. Nos últimos anos, tem aumentado o
reconhecimento de que as condições e causas da pobreza são diferentes para mulheres e
homens; negros e brancos. O gênero e a raça são fatores que determinam, em grande parte,
as possibilidades de acesso ao emprego, assim, como os indivíduos e as famílias vivenciam
a pobreza e conseguem ou não superá-la. No Brasil, as discriminações de nero e raça
18
têm atuado como eixos estruturantes dos padrões de desigualdade e de exclusão social.
Esta lógica se reflete no mercado de trabalho, no qual as mulheres, especialmente as
mulheres negras, vivenciam as situações mais desfavoráveis (OIT, 2001).
A análise das desigualdades de gênero tem sido fortalecida pela interpretação de
pesquisas que apontam, por exemplo, para a pequena representação política das mulheres e
para seus baixos salários. A explanação dos indicadores sociais também possibilita a
compreensão da dinâmica gênero/geração/classe/raça/etnia na crítica dos diferenciais de
renda entre homens e mulheres nos setores populares e nas camadas ricas da população,
bem como entre mulheres brancas e mulheres negras, com efeitos às vezes mais dramáticos
que os diferenciais entre homens e mulheres brancas (ROWBOTHAM, 1998).
A violência contra a mulher negra encontra respaldo no passado escravista da
sociedade brasileira. Fernandes (1978), ao analisar as raízes da violência na família negra,
remete-se ao passado escravista no qual a violência infringida aos escravos na relação com
os senhores bem como o uso e o abuso dos castigos produziram o que muitos autores
denominam de anomia ou socialização imperfeita, ou seja, os escravos submetidos a este
tipo de tratamento perdiam os princípios básicos de vida em sociedade, como respeito ao
próximo, regras de convivência e civilidade, utilizando a violência como sua única forma
de expressão social.
Lima (2002) acrescenta que, a instrumentalização da violência por parte do escravo
constituía uma porta de entrada para a sua inserção no meio social, destacando-se aquele
que apresentava maior aptidão bélica que acabava por atuar como um braço armado do
senhor tendo assim maior visibilidade e possibilidade de ascensão social.
Para Machado (1987), a influência da violência deixa de ser limitada às relações
senhor-escravo, estendendo-se para dentro da comunidade escrava, onde os atos violentos eram
considerados rotineiros e naturais.
De um modo geral, o caráter violento e opressor da escravidão no Brasil, teria
destruído todas as normas e referências de comportamento social e familiar dos escravos,
impedindo a existência de qualquer tipo de solidariedade duradoura entre eles. Segundo
Fernandes (1978), os efeitos morais negativos daquele sistema de produção se fizeram
sentir sobre os cativos mesmo no período pós-abolição. A imensa miséria material e moral
que acompanhou os libertos e seus descendentes, desde os tempos do cativeiro, teriam
impedido que estes concorressem em de igualdade com os imigrantes europeus recém-
chegados. Essa herança do cativeiro, que tornava o negro incapaz de ascender socialmente,
19
condenava-o ao alcoolismo, à prostituição, ao desemprego e às piores moradias, tinha
como principal elemento a ausência de laços familiares e uma conseqüente promiscuidade
generalizada no interior das senzalas e, posteriormente, dos cortiços.
Esta relação de violência observada no passado escravista, de certa forma é apreendida,
o que nos ajuda nos dias atuais, a entender as relações conflituosas predominantes dentro da
família negra contemporânea, com destaque para a violência doméstica contra a mulher.
Para coibir e desestimular essa violência às demandas judiciais específicas não têm
sido suficientemente utilizadas (SILVA, 2001). Percebe-se, portanto, o quanto se torna
arraigado no cotidiano das nossas vidas à violência racial de gênero, mesmo que
imperceptível nas nossas atitudes. Porém, é necessário mais consciência e sensibilidade por
parte da sociedade na formulação de políticas públicas a fim de amenizar e erradicar esta
situação.
Para categorizar esta discriminação é relevante ressaltar que, no início dos anos 80
a relação de infecção pelo vírus HIV/AIDS era de 25 homens/ 1 mulher com doença, sendo
atualmente de 2 homens/ 1 mulher, e dentre as mulheres, 55% têm entre 20 e 29 anos,
predominando as afro-descendentes e as mais pobres (FERREIRA, 2005).
Nos Estados Unidos da América, a taxa de homicídios entre mulheres negras é de
12,3 para cada 100 mil assassinatos e entre brancas é de 2,9. As mulheres negras entre 16 e
24 anos têm três vezes mais probabilidades de serem estupradas do que as brancas
(FERREIRA, 2005).
Segundo o último censo do IBGE, 45% das mulheres brasileiras são negras (pretas
e pardas) e, em termos de renda, ocupam a base da pirâmide sócio-econômica. uma
grande concentração de mulheres negras no serviço doméstico, destacando-se, também, o
trabalho sem remuneração se comparado ao percentual de mulheres brancas (IBGE, 2000).
Isso evidencia que a mulher negra está mais exposta a vínculos empregatícios de baixo
status social, baixa remuneração e acesso precarizado aos direitos trabalhistas.
Estudo da Fundação Seade sobre óbito realizado em São Paulo, revela que 40,7%
das mulheres negras morrem antes dos 50 anos. O risco relativo de mortes maternas de
mulheres negras é 7,4 vezes maior do que as não-negras; as taxas de alfabetização e
escolaridade são de 90% e 83% para as mulheres brancas, contra 78% e 76% para as
negras, respectivamente; e 60% das famílias chefiadas por mulheres negras têm renda
inferior a um salário mínimo (Campanha16dias, 2006).
20
No sentido de minimizar estas desigualdades, muitos eventos vêm se configurando
em espaços de discussão sobre a eliminação de todas as formas de discriminação. Fazendo
um breve histórico sobre esses movimentos sócio-políticos, podemos mencionar a
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial
de 1968, na qual os integrantes entraram no consenso sobre a discriminação racial,
conceituando-a como:
[...] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça,
cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou
resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo, ou exercício em
um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural
ou em qualquer outro campo da vida pública (CONVENÇÃO DE NEW
YORK, 1968)
.
Um outro espaço de luta pela discriminação se deu em 1979, com a Convenção
contra todas as Formas de Discriminação contra a Mulher a qual, em seu Preâmbulo,
salienta que:
[...] a eliminação da apartheid, de todas as formas de racismo,
discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação
estrangeira e dominação e interferência nos assuntos internos dos Estados
é essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher
(CONVENÇÃO DE NEW YORK, 1979).
Com base neste preâmbulo, a Convenção considerou a expressão “discriminação
contra a mulher” como:
[...] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada no sexo e
que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento,
gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil,
com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural
e civil ou em qualquer outro campo (CONVENÇÃO DE NEW YORK,
1979)
.
Vale salientar que ambas as Convenções apresentam dispositivos que obrigam os
Estados-Membros a desenvolverem ações, inclusive legislativas, para coibir tanto a
discriminação por motivo de raça como por motivo de sexo (SILVA, 2001, p.10).
No sentido de dar visibilidade aos grupos com maior vulnerabilidade à violência,
aprovou-se, em 1993, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, a Declaração Sobre a
Eliminação da Violência Contra a Mulher a qual menciona:
21
[...] o fato de que alguns grupos de mulheres, como por exemplo as
mulheres pertencentes às minorias, as mulheres indígenas, as refugiadas,
as mulheres migrantes, as mulheres que habitam comunidades rurais ou
remotas, as mulheres indigentes, as mulheres reclusas ou detidas em
instituições, as crianças, as mulheres com incapacidades, as idosas e as
mulheres que se encontram em situações de conflito armado são
particularmente vulneráveis à violência (CONVENÇÃO DE VIENA,
1993).
Em 1994, a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos aprovou a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher,
conhecida como Convenção de Belém do Pará, que definiu como violência contra a
mulher:
[...]
qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado”. (SILVA, 2001, p.10).
Em seu Art. 9º, que leva em conta os diferentes contextos sócio-econômicos,
culturais e as situações específicas vividas pelas mulheres, é disposta que:
[...] para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-
Partes terão especialmente em conta a situação de vulnerabilidade à
violência que a mulher possa sofrer em conseqüência, entre outras, de sua
raça, ou de sua condição étnica, de migrante, refugiada ou desterrada
(CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÀ, 1994).
Em relação ao trabalho discriminatório do negro no Brasil, destaca-se o Escritório
da OIT que vem desenvolvendo um conjunto de programas com o objetivo de apoiar e
oferecer assistência técnica aos constituintes tripartites: governo, organizações de
trabalhadores e de empregadores. Os programas em andamento para a igualdade racial e de
gênero e para a eliminação do trabalho infantil no Brasil são: Programa de Fortalecimento
Institucional para a Igualdade de Gênero e Raça; Erradicação da Pobreza e Geração de
Emprego e Projeto Igualdade Racial: Desenvolvimento de uma Política Nacional para a
Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação e Promoção da Igualdade Racial
no Brasil (OIT, 2001).
O Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero e Raça;
Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego, oficialmente lançado no Brasil em outubro
de 2003, teve como objetivo apoiar a incorporação das dimensões de gênero e raça nas
políticas e programas de combate à pobreza e à exclusão social e de geração de emprego e
renda, a partir de ações específicas na área do trabalho informal e do trabalho doméstico.
22
Esta iniciativa vem sendo desenvolvida em estreito diálogo com a Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres e a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (OIT, 2001).
O Projeto Igualdade Racial: Desenvolvimento de uma Política Nacional para a
Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação e Promoção da Igualdade Racial
no Brasil tem como objetivo principal contribuir para a eliminação da discriminação racial
no mercado de trabalho e para a redução das desigualdades socioeconômicas entre brancos
e negros, com atenção especial para a situação das mulheres negras a partir da promoção
de ações afirmativas no emprego e na ocupação; e fortalecimento das instâncias de
combate à discriminação de gênero e raça no âmbito do Ministério do Trabalho. Tais ações
vêm sendo desenvolvidas em parceria com o Ministério do Trabalho, Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres, Secretaria Especial de Promoção de Política de Igualdade e
Ministério Público do Trabalho (OIT, 2001).
2.5 REDE DE ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
Nesta perspectiva de políticas públicas voltadas a mulher em situação de violência é
necessário evidenciar a efetividade da rede de combate à violência e proteção à mulher
como conquistas desses movimentos. A criação das Delegacias Especializadas no
Atendimento à Mulher DEAM’s, na década de 80, possibilitou a institucionalização da
violência doméstica e, posteriormente, a criação de outras instituições, tais quais: Centros
de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência e Casas Abrigo. Tais
locais se pautam na perspectiva da cidadania e dos direitos humanos, expressos nos planos
normativos/legal que orientam as políticas públicas na direção da defesa dos direitos da
mulher (SARTI, 2004).
Contudo, Minayo (1998) entende que a violência afeta a saúde individual e
coletiva, sendo reconhecida como alvo das políticas públicas de saúde que transcende as
ações isoladas de um único setor social com vista a uma nova abordagem dos problemas
sociais de forma intersetorial, que permite uma nova possibilidade de resolução dos
problemas sociais. Assim, buscam-se ações integradas para se estabelecer acordos de
cooperação, aliança e reciprocidade, no sentido de definir objetivos de forma clara e
articulada, ou seja, redes sociais.
Essa concepção de rede foi incorporada pelo Ministério da Saúde com vista ao
23
desenvolvimento de estratégias pactuadas de vigilância, prevenção e controle sustentável
das violências e fatores de risco, ancoradas nas realidades social, econômica e regional do
país. Como exemplo, destaca-se a Rede Nacional de Prevenção de Violência, instituída em
maio de 2004, que objetiva a implantação da Política de Redução da Morbimortalidade por
Acidentes e Violências, promovendo e adotando comportamentos e ambientes seguros e
saudáveis. Os integrantes desta rede constituem-se por gestores, profissionais de saúde,
instituições públicas, instituições de ensino e pesquisa, entidades profissionais, conselhos
de saúde, instituições privadas e não-governamentais (BRASIL, 2006).
Nesta perspectiva, diante as conquistas dos movimentos de mulheres, é importante
salientar a aprovação da Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
sancionada pelo presidente Lula, em 7 de agosto de 2006.
A Lei nº. 11.340, denominada Lei Maria da Penha, cria mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8
o
do Art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal
e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Representa uma grande vitória na luta
pelo fim da violência contra mulher, triplicando a pena para agressões domésticas e
aumentando os mecanismos de proteção as vítimas, apesar da permanência desta violência
em números significativos no cotidiano (BRASIL, 2006).
Salienta-se o Art. 2
o
que estabelece que, toda mulher, independentemente de
classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião,
goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas às
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e
seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (BRASIL, 2006).
24
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
As Representações Sociais são uma forma de saber gerada através do senso
comum, considerando o sujeito como parte de um conjunto indissociável com objeto e
sociedade (NASCIMENTO; BARBOSA, MEDRADO, 2005). Neste sentido, apreciando
que a percepção das mulheres negras sobre violência doméstica e o processo da denúncia e
da não-denúncia está ancorada no senso comum, escolhi como eixo teórico a Teoria das
Representações Sociais, por permitir uma representação da forma como os indivíduos e
grupos simbolizam, agem e tomam decisões frente à violência doméstica.
A Teoria das Representações Sociais surgiu na França, em 1961, a partir da obra La
Psychanalyse, son image et son publique, do psicólogo Serge Moscovici, pioneiro no
estudo das Representações Sociais. Segundo Moscovici (1981, p. 181), as representações
Sociais correspondem a [...] um conjunto de conceitos, proposições e explicações
originadas na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais [...]”. Desta forma,
entende que as Representações Sociais emergem dos processos comunitários diários entre
indivíduos.
Esta informação é reforçada por Jodetet (2001, p. 22) quando define a
representação como uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada,
tendo uma orientação prática e concorrendo para construção de uma realidade comum a
um conjunto social”. Afirma ainda que:
[...] a abordagem das representações sociais leva a insistir que, numa área
como a da saúde, para aprender o processo da assimilação das
informações, necessário se faz considerar os sistemas de noções, valores
e modelos de pensamento e de conduta que os indivíduos aplicam para se
apropriar dos objetos de seu ambiente [...] (JODELET, 1998, p. 26).
Abric (2000) informa que as Representações Sociais são os conjuntos organizados
de informações, atitudes, crenças que um indivíduo ou um grupo elabora a propósito de um
objeto, de uma situação, de um conceito, de outros indivíduos ou grupos. Apresentando-se,
portanto, como uma visão subjetiva e social da realidade.
Spink (1995) considera as Representações Sociais como uma forma de
conhecimento prático que contempla o saber do senso comum, sendo uma orientação para
a ação. Neste estudo, a ação da violência engloba uma rede de representações que liga o
objeto ao contexto.
25
De acordo com Moscovici, as funções das Representações Sociais se distinguem
em função do saber e função de orientação. A função do saber oportunidade aos atores
sociais da compreensão do objeto dentro de sua capacidade cognitiva e de acordo com seus
valores; e a função de orientação específica a compreensão do objeto determinando como
os indivíduos vão agir e reagir perante ele.
Abric (2000), portanto, inclui mais duas funções definidas como identidária e
justificadora, que consiste, respectivamente, em indivíduos que compartilham a mesma
forma de compreensão do objeto, identificados e protegidos entre os membros do grupo e
permite justificar determinada posição ou comportamento a partir da compreensão do
objeto.
Em relação à elaboração das Representações Sociais, para Moscovici, são
necessários dois processos: objetivação e ancoragem. Na objetivação, o que era
desconhecido torna-se familiar, e torna concreto o que é abstrato (SANTOS; ALMEIDA,
2005). A ancoragem é um processo que transforma algo desconhecido e perturbador em
algo conhecido, comparando com uma categoria que o indivíduo conheça. Moscovici
(2003, p. 61) afirma que “ancorar é classificar e dar nome a alguma coisa”, atribuindo-lhe
sentido. Entretanto, a objetivação gerada no processo da violência doméstica se mostra por
influências religiosas, jurídicas, sociais, culturais e morais.
Objetivando detalhar a estrutura das Representações Sociais proposta por
Moscovici, Jean Cloud Abric organizou, em 1976, a teoria do Núcleo Central, como forma
complementar da Teoria das Representações Sociais. Segundo Abric (2000), a organização
de uma representação apresenta uma característica específica: a de ser organizada em torno
de um núcleo central, constituindo-se em um ou mais elementos, sempre em quantidade
limitada, partes essenciais do conteúdo da representação e que dão significado à
representação.
Em torno do núcleo central se organizam os elementos periféricos, estes asseguram
a significação, a consistência e a permanência da representação, dando-lhes resistência à
mudança. Por sua vez, o sistema periférico é mais flexível, protege-o, permitindo a fusão
de diferentes informações e práticas sociais, sendo de fundamental importância para o
núcleo central porque permite a ancoragem da realidade (ABRIC, 2003).
Entretanto, embora a violência doméstica seja um fenômeno de saúde pública, este
ainda encontra-se socialmente ancorado na visão de um problema de âmbito privado.
Trindade (1993) afirma que em função das pressões sociais, o indivíduo mantém um limite
26
entre a privacidade e a guarda de um segredo, alicerçado em valores, que significam em
culpa e vergonha. Torna-se, portanto, necessário conhecer a representação das mulheres
negras em relação à violência doméstica para uma melhor compreensão acerca dos motivos
associados ao processo da denúncia e da não-denúncia.
3.2 TEORIA DO NÚCLEO CENTRAL
O conceito de representação social pode ser entendido como um conjunto
organizado e estruturado de informações, crenças, opiniões e atitudes a respeito de um
dado objeto social, onde a construção social do indivíduo se por meio de sua integração
como o grupo, permitindo-lhe compreender a sua realidade e direcionar suas ações dentro
do rol de valores, normas e contexto ideológico do grupo (SÁ, 1995; NÓBREGA, 2001;
ABRIC, 2003).
Toda representação social orienta-se em torno de um núcleo, que possui um ou
mais elementos organizados de forma hierárquica, identificando seu significado e estrutura
interna (ABRIC, 1994, p.20).
O núcleo central é um subconjunto da representação cuja ausência desestruturaria
ou daria uma significação radicalmente diferente à representação em seu conjunto. Por
outro lado, é o elemento mais estável da representação, o que mais resiste à mudança. Uma
representação é suscetível de evoluir e de se transformar superficialmente por uma
mudança no sentido ou na natureza de seus elementos periféricos. Contudo, o núcleo
muda de significação quando é questionado firmemente pela sociedade (ASSIS et al.,
2004).
Assim sendo, o núcleo central assegura a significação, a consistência e a
permanência da representação, dando a ele resistência à mudança. Além do núcleo central,
existem os sistemas periféricos dispostos em torno deste, sendo partes essenciais do
conteúdo da representação, ou seja, seus componentes mais acessíveis, mais vivos e mais
completos. Seu papel é essencial e pode ser resumido em cinco funções: concretização,
regulação, prescrição de comportamentos, proteção do núcleo central e personalização.
O núcleo central apresenta uma função geradora, que cria ou transforma o
significado dos outros elementos integrantes da representação, dando sentido e valor aos
outros elementos. Apresenta também uma função organizadora, que determina a natureza
das ligações, unindo os elementos da representação (ABRIC, 1998).
27
Por abrigarem aspectos históricos, culturais e sociais que influenciam diretamente a
linguagem, o discurso e a forma de construir a realidade dos indivíduos, variando de
acordo com os grupos sociais, as representações sociais possibilitam um diagnóstico das
formas como os indivíduos ou grupos percebem a realidade compartilhada.
Desta forma, essa teoria permitiu a partir das experiências e do senso comum das
mulheres, sujeitos deste trabalho, por meio das entrevistas, entender o significado da
violência doméstica contras as mulheres negras, procurando explicar a trajetória que
culmina no processo da denúncia ou da não denúncia.
28
4 METODOLOGIA
4.1 TIPO DE ESTUDO
Foi realizado estudo de caráter descritivo e exploratório, no qual Triviños (1987)
apresenta este estudo como a pretensão de descrever com rigor os fatos e fenômenos de
uma determinada realidade, permitindo ao investigador acrescentar a experiência em torno
de determinado problema, contemplando, portanto o objeto proposto.
Teve como abordagens, aspectos quantitativos e qualitativos, apropriados para a
compreensão das relações humanas, uma vez que estas abordagens se complementam,
permitindo mostrar o universo social e cultural dos indivíduos, trabalhando com a
realidade e englobando percepções, valores e atitudes presentes nas relações humanas.
Segundo Minayo (1994), a pesquisa qualitativa permite o aprofundamento no mundo dos
significados, das ações e relações humanas, aspectos não abordados em equações, médias e
estatísticas. Corroborando Spik (1993) a pesquisa qualitativa é uma prática comum das
ciências sociais que consiste, basicamente, na observação das pessoas em seus próprios
territórios e da inter-relação destas por meio de sua linguagem e de seus hábitos comuns.
O estudo tem como referencial teórico-metodológico a Teoria das Representações
Sociais, considerada adequada ao objeto de estudo, neste caso, as representações sociais
das mulheres negras sobre violência doméstica e o processo da denúncia e da não-
denúncia.
A opção por este referencial se deve ao fato de que esta teoria é capaz de apreender
as questões levantadas pelo objeto proposto, de modo que, segundo (1995), o objeto de
pesquisa deve estar implicado de forma consistente em alguma prática do grupo, o que
denota sua importância cultural relativas às práticas culturais.
4.2 ESPAÇO DO ESTUDO
O estudo foi realizado na comunidade do Calafate, situada no bairro de San Martin,
na cidade de Salvador, Bahia. Geograficamente, o Calafate é considerado área de risco
devido ao deslizamento de terras no período de chuva. Esta comunidade foi composta,
inicialmente, por funcionários da Pedreira do Calafate, atualmente desativada. Os
primeiros lotes foram vendidos e outras famílias chegaram a comunidade, na sua maioria,
29
funcionários da prefeitura, do comércio e rodoviários.
O bairro apresenta características específicas comuns aos outros bairros periféricos
da cidade, capital do estado, tais como: ausência e/ou inadequado serviço de saneamento
básico, alto índice de desemprego, grande prevalência de violência urbana e doméstica,
carência de escolas públicas e serviços de saúde de qualidade, inadequados espaços de
lazer para a comunidade, entre outros fatores que expõe os moradores a situações de risco,
potencializando a insegurança e o medo de toda a população diante de todos estes fatores.
O Coletivo de Mulheres do Calafate (CMC) é uma entidade filantrópica de apoio às
mulheres vítimas de violência fundada pelas próprias moradoras do bairro em 08 de
outubro de 1992. O estudo teve o apoio desta entidade para a sua execução, fornecendo a
possibilidade de aproximação com mulheres vitimas de violência doméstica que buscam
neste espaço informações, orientações e esclarecimentos acerca do tema supracitado.
Ressalto que sem o apoio deste grupo o desenvolvimento deste trabalho seria de difícil
realização, uma vez que estas mulheres sentem dificuldades em expor sua vivência de
violência, muitas vezes, com detalhes pessoais e íntimos.
A escolha por este local se deu pelo fato do Calafate ser um espaço de prática de
pesquisa e extensão, vinculado ao Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher e ao Grupo de
Pesquisa Violência, Saúde e Qualidade de Vida da Escola de Enfermagem da Universidade
Federal da Bahia. Soma-se ainda que o estudo integrou ao Projeto de Pesquisa “Violência
em famílias negras: tensões e sociabilidade”, vinculado a este último Grupo, financiado
pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq) e aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), através do nº. 21/2007.
4.3 SUJEITOS DO ESTUDO
Foram considerados 150 sujeitos de estudo caracterizados por mulheres em sua
maioria negras vítimas de violência doméstica, que foram convidadas a colaborar com a
pesquisa, através do discurso sobre suas representações acerca da violência doméstica e o
processo da denúncia e da não-denúncia. Estas mulheres foram selecionadas por meio da
pesquisa intitulada: Percepção de mulheres sobre estratégias de intervenção na violência
doméstica vinculada ao Programa Institucional de Bolsa para Iniciação Cientifica (PIBIC),
financiada pelo CNPq, que teve como objetivo geral analisar a percepção de mulheres
sobre os serviços de intervenção de violência doméstica e como objetivos específicos
30
identificar o conhecimento de mulheres sobre serviços de intervenção de violência
doméstica; descrever a percepção sobre o atendimento nos serviços da rede de atenção às
mulheres em situação de violência doméstica. A pesquisa foi realizada entre os meses de
janeiro e abril de 2007. Como instrumento de coleta de dados, foi utilizada a entrevista
acompanhada por um formulário semi-estruturado, com perguntas abertas e fechadas.
Como variável dependente, elegemos a violência doméstica, e entre as variáveis
independentes destacamos as condições sócio-demográficas (idade, cor/raça, religião,
escolaridade, estado civil, com quem mora, trabalho, condição financeira), os tipos de
violência: psicológica, física e sexual e os serviços da rede de atenção à mulher em
situação de violência. Os dados foram organizados e tabulados por meio dos programas
WORD e EXCEL e apresentados sob a forma de gráficos, tabelas e percentuais descritivos.
Todas as mulheres deste estudo participaram do teste de associação livre de palavras e
destas, 11 participaram da entrevista aberta.
A aproximação com os sujeitos de estudo se deu através do projeto de extensão
realizado em 2006, intitulado “Mulheres em situação de violência doméstica e a rede de
atendimento”
1
o qual viabilizou a inserção dentro do universo destas mulheres permitindo
a criação de uma cumplicidade entre o entrevistador/entrevistado, facilitando a obtenção de
uma maior riqueza de informações. Como recurso metodológico utilizou-se a Teoria
Psicodramática Moreniana
2
.
4.4 ASPECTOS ÉTICOS
Foi realizado o processo de contato com mulheres negras, em que estas foram
informadas sobre a relevância do tema, objeto e objetivos da pesquisa, garantido-as
confidencialidade das informações prestadas e a não divulgação das suas identidades. Foi
dada a opção a cada sujeito o direito de decidir participar ou não do estudo, facultando aos
mesmos a oportunidade de desistir em qualquer etapa sem quaisquer prejuízos. Após a
aceitação da participação da pesquisa cada sujeito assinou o Termo de Consentimento
Livre Esclarecido (Apêndice A), em duas vias, sendo que uma ficou com a entrevistada e
1
Este projeto foi desenvolvido nas segundas-feiras, das 14h30min às 16h30min no Coletivo de mulheres do
Calafate, coordenado pela Profª. Drª. Normélia Maria Freire Diniz, tendo como integrantes alunas de
graduação, pós-graduação e professoras da UFBA envolvidas na temática.
2
Teoria elaborada por Jacob Levy Moreno, psiquiatra, nascido em 1889, em Bucareste, Romênia. Em 1921
fundou o “Teatro da Espontaneidade”, descobrindo a ação terapêutica da dramatização, surgindo então as
bases do psicodrama.
31
outra com a entrevistadora. Após a coleta de dados às fitas foram transcritas na íntegra,
mantendo a total fidelidade do discurso das entrevistadas.
Foram obedecidos os aspectos éticos, regulamentados pelo Conselho Nacional de
Saúde-CNS, de acordo com a Resolução nº. 196/96 que norteia a ética na pesquisa com
seres humanos (BRASIL, 1996).
4.5 COLETA DOS DADOS
A coleta de dados se deu através do Teste de Associação Livre de Palavras – TALP,
no período de março a abril de 2007 e da entrevista com formulário semi-estruturado,
contendo perguntas abertas e fechadas no período maio a agosto de 2007, com encontros
semanais promovidos de acordo com a disponibilidade das entrevistadas previamente
marcados durante as reuniões do grupo de extensão e posteriormente confirmados através
de contatos telefônicos. As dificuldades se deram por não haver lugar específico e
privativo para aplicação das entrevistas que muitas vezes inibiam as entrevistadas em
expor suas experiências sobre a violência doméstica. Como fator positivo, destaco o papel
intermediador do grupo de mulheres do Calafate que facilitou o contato com mulheres
vítimas de violência e possibilitou maior confiança destas mulheres em participar e expor
sua intimidade.
O TALP se fundamenta em aspectos teóricos da psicanálise e foi adaptado para
responder a questões da pesquisa social. Desde a década de 80 até a atualidade, inúmeros
trabalhos em Representações Sociais têm aplicado este instrumento, a fim de reafirmar a
sua validação (OLIVEIRA et al., 2003).
O teste de associação livre de palavras é definido por (1996) como uma técnica
de coleta de elementos que compõe uma representação, através de estímulos indutores
verbais ou não, com o objetivo de evocar respostas diretas e/ou indiretas sobre o objeto a
ser pesquisado.
Portanto, foi solicitado aos sujeitos, a partir de uma expressão indutora, dizendo
palavras que lhes venham imediatamente à mente após receberem um estímulo indutor
lançado pelo pesquisador, podendo, este, ser verbal, icônico ou sonoro. Neste estudo, os
sujeitos foram submetidos a um TALP, tendo como estímulo indutor à expressão Violência
Doméstica, utilizando o seguinte questionamento padrão: “Que palavras vêm a sua mente
quando digo a expressão violência doméstica?” (Apêndice B).
32
Foi solicitado que as participantes evocassem cinco palavras acerca do tema
violência doméstica. Posteriormente, essas foram classificadas em ordem decrescente de
importância dentro da representação da violência incorporada no consciente destas
mulheres.
Com relação à técnica entrevista, Minayo (2000) afirma que a entrevista apresenta-
se relevante para o estudo, porque evidencia dentro dos discursos dos sujeitos os dados de
interesse do pesquisador. Desta forma a entrevista é uma maneira de interação social, com
as nuances e especificidades das relações sociais convencionais, reproduzindo a realidade a
ser pesquisada.
As entrevistas, acompanhadas por formulários, foram previamente agendadas de
acordo com a disponibilidade de tempo dos sujeitos da pesquisa. Foi solicitado às mulheres
o seu consentimento para a gravação das informações. Após a aceitação, estas foram
registradas em fitas K7 e posteriormente transcritas em sua íntegra.
Os dados quantitativos, importantes para se determinar o perfil sócio-econômico e,
assim, descrever os sujeitos do estudo, foram norteados através de um roteiro de
entrevistas, contendo dados como: idade, cor, religião, grau de escolaridade, estado civil,
com quem mora, trabalho, condição financeira e um breve histórico sobre sua vivência de
violência doméstica (Apêndice C).
Os dados qualitativos foram contemplados a partir da entrevista semi-estruturada
(Apêndice D), contendo questões norteadoras, sobre o processo da denúncia e o
denúncia, a saber: “Fale da experiência da denúncia”; “Fale sobre a decisão da não-
denúncia”.
De acordo com Trivinõs (1987, p.147), a entrevista semi-estruturada, ao mesmo
tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis
para que o informante alcance a liberdade e espontaneidade necessárias, enriquecendo a
investigação”.
Segundo Minayo (1994), uma das finalidades da entrevista semi-estruturada é a de
orientar, facilitar a ampliação e o aprofundamento da comunicação através da qual se torna
possível aprender o ponto de vista dos atores sociais.
Esse tipo de coleta de dados, utilizado nas representações sociais, possibilitou o
acesso ao conteúdo das representações como forma de aprender o objeto de estudo.
33
4.6 ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Após a coleta dos dados, buscou-se estabelecer uma estratégia de utilização
racional destas informações. De acordo com Minayo (2000), é necessário primeiramente
entender o significado dos dados coletados, para posteriormente utilizá-los como
informações de campo que possam contribuir para a confirmação ou não do referencial
teórico da pesquisa. Finalmente, com as informações organizadas, buscam-se outros
trabalhos que venham a enriquecer o conhecimento sobre o tema, fortalecendo a base
teórica que servirá de suporte para a fase de análise.
A análise iniciou-se pelo estudo quantitativo que abordou a organização e
estruturação das informações brutas, apresentando-as sob a forma de tabelas, gráficos e
percentuais descritivos, utilizando os softwares Word e Excel. Essas informações
processadas serviram de base para a caracterização dos sujeitos, no presente estudos, as
mulheres negras. Após a fase preliminar de organização básica dos dados, teve início a
análise específica, utilizando o software EVOC que organizou as palavras obtidas no Teste
de Associação Livre de Palavras TALP, hierarquizando-as conforme a ordem de
freqüência e média de evocação. A freqüência de evocação corresponde ao número de
vezes que determinada palavra é evocada sendo a média de evocação a média ponderada
da freqüência em função da ordem de importância daquela palavra. As palavras similares
foram reunidas dentro de um mesmo grupo, com base no mesmo contexto, que foram
representadas por uma única palavra chave.
Este recurso permitiu identificar o conteúdo da Representação Social das mulheres
negras, apontando elementos do núcleo central e periférico, tendo como base à freqüência
das palavras evocadas e a média de ocorrência de cada palavra em função da ordem de
evocação, conforme Vérges (1994).
Os dados serão apresentados em tabelas e quadro de Quatro Casas, construído com
base nos dados contidos no anexo B, dispostos em quadrantes, contendo o núcleo central,
os elementos periféricos e intermediários, como ilustrado abaixo:
Freqüência 8 Rang <3 Freqüência 8 Rang 3
NÚCLEO CENTRAL ELEMENTOS INTERMEDIÁRIOS
Freqüência < 8 Rang < 3 Freqüência <8 Rang 3
ELEMENTOS INTERMEDIÁRIOS ELEMENTOS PERIFÉRICOS
34
Segundo Tura (1997), a posição dos elementos nos quadrantes é definida pela
freqüência de ocorrência. No quadrante superior esquerdo, encontram-se os elementos que
definem o núcleo central da representação social, por apresentarem a maior freqüência de
ocorrência e pronta evocação. No quadrante inferior direito, estão os de menor freqüência e
evocação tardia, o que compõem os elementos do sistema periférico da representação.
Os elementos dos quadrantes superior direito e inferior esquerdo são considerados
elementos intermediários, ou seja, elementos de contraste extremamente importantes na
compreensão da estrutura da Teoria das Representações Sociais, que podem se aproximar
do núcleo central ou dos elementos periféricos no qual a presença de palavras reforçam o
núcleo central e que constituem, na respectiva pesquisa, um conteúdo relacionado aos
sentimentos negativos sobre a violência doméstica. (VERGÈS, 2000; SÁ, 1996)
A análise do material advindo dos dados qualitativos das entrevistas foi utilizada a
técnica de análise de conteúdo de Bardin, definida como:
[...] conjunto de técnica de análise de comunicação visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição, o conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitiam a
interferência de conhecimentos relativos às condições de produção /
recepção destas mensagens (BARDIN,1997 p.42)
.
Entre as técnicas da análise de conteúdo, foi escolhida a análise temática, que,
segundo Bardin (1997), consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma
comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico
estudado.
A sistemática da análise temática se deu por meio de três etapas descritas por
Bardin (1979): a primeira consistiu na pré-análise, onde permitiu a aproximação com o
objeto de estudo através da exaustiva leitura das informações coletadas na entrevista; a
segunda na exploração de material e tratamento dos dados, que consistiu na operação e
codificação dos dados com o objetivo de identificar os temas eixos e as categorias
pertinentes ao tema; e a terceira na interpretação, a qual foi baseada nas leituras de textos
sobre a temática denúncia e não-denúncia da violência doméstica.
Ao fim das três etapas foi gerado um quadro onde foram apresentados por meio da
análise dos dados, os temas e categorias.
TEMAS CATEGORIAS
35
Os dados foram analisados a partir dos relatos das mulheres negras, de acordo com
suas experiências, buscando interpretações e significações a respeito de suas
representações sobre a violência doméstica, com abordagem de gênero, estudos
relacionados à violência doméstica e políticas públicas de enfrentamento à violência
doméstica.
Em seguida, os dados foram apresentados seguindo a ordem demonstrada
anteriormente, ou seja, sócio-demográficos, representação da violência doméstica e, por
fim, representação do processo da denúncia e da não denúncia.
36
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
5.1. CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
No que diz respeito às características dos sujeitos
3
, observamos a maior incidência
de violência em mulheres situadas na faixa etária de adultos jovens entre 18 e 24 anos com
percentual de 31,4%, seguida de adultos na faixa etária compreendida entre 25 e 35 anos
(30,7%).
A respeito da variável cor da pele, a maioria das mulheres declarou-se preta ou
parda, equivalendo a 89,3% de mulheres da raça negra. Estudo de Diniz et al (2006), sobre
violência doméstica e aborto provocado encontrou resultado semelhante em sua amostra,
na qual 91,7% das mulheres entrevistadas, na DEAM de Salvador-BA, pertenciam à raça
negra.O estudo também mostrou que a sujeição feminina às normas masculinas não ocorre
apenas devido ao baixo grau de instrução das mulheres ou a falta dela, uma vez que 14,0%
das entrevistadas concluíram o primeiro grau, seguidas por 29,3% com o segundo grau.
Existe, porém, uma correlação entre a escolaridade e o tempo de permanência das
mulheres em um relacionamento agressivo. Estudo de Adeodato et al (2005) mostra uma
proporção indireta entre o tempo de estudo e tempo de agressão.
Não se observou diferença significativa com relação à vivência de violência
doméstica entre as mulheres solteiras e casadas demonstrando que a variável situação
conjugal não exerceu influencia nos percentuais, sendo que as solteiras representam 42%
da amostra enquanto que 52% das mulheres estão casadas (22,7%) ou vivem em união
consensual (29,3%).
No que diz respeito a variável trabalho, a maioria das entrevistadas (63,1%) realiza
trabalho remunerado fora de casa, sendo que 50,94% afirmaram ser empregadas
domésticas. também aquelas que trabalham em casa com remuneração (31,4%), sendo
que destas, 40,4% vendem e fabricam alimentos comercializados na própria residência. O
estudo também mostrou que mesmo aquelas que atingiram o segundo grau, isto é
aproximadamente 30%, ainda uma permanência de ocupação como empregada
doméstica e no mercado informal doméstico.
3
As características dos sujeitos são extraídas da análise de dados quantitativos oriundos do estudo Percepção
de mulheres sobre estratégias de intervenção na violência doméstica (PIBIC/CNPq 2006/2007).
37
No que tange a dependência financeira, 73% das mulheres declaram ser
dependentes (34% parcialmente e 48% totalmente). Destas, 59,35% disseram receber ajuda
financeira do marido/companheiro.
No que se refere à variável violência doméstica, 80,7% das mulheres declararam
ter sofrido algum tipo de violência. Muitos estudos corroboram estes dados ao demonstrar
em sua população de pesquisa um índice semelhante de mulheres que já sofreram violência
doméstica dentre estes estudos destaca-se Diniz et al, (2007).
Em 69,5% dos casos, o agressor possui ou possuía vínculos de conjugalidade com a
vítima. Estudo de Diniz et al (2007) mostrou dados semelhantes de modo que 71,2% dos
agressores pertenciam a esse grupo. Percebe-se, assim, que os agressores, no caso das
mulheres, são pessoas com as quais elas estabelecem ou estabeleceram vínculos afetivos,
por exemplo, marido/companheiro, ex-marido/companheiro, namorado e ex-namorado.
Vale salientar que a violência se expressa de forma variada e com diferentes graus
de severidade. A violência psicológica foi relatada por 94,2% das mulheres entrevistadas.
Quanto à expressão da violência física foi observada a prevalência de 57,0%. Em relação à
violência sexual, 32,2% relataram terem sido forçadas a práticas sexuais tais como: estupro
e atentado violento ao pudor. Estudo de Diniz et al, (1999), realizado também no Calafate,
com amostra de 65 mulheres, assemelha-se aos dados expostos, em que 46,3% dos casos
de violência sexual foram praticados pelos seus companheiros e que 30,7% por outras
pessoas majoritariamente por estupro, seguido de bolinagem e tentativa de estupro.
Observa-se também que mais da metade das mulheres (59,5%) afirmam sofrer mais
de um tipo de violência. Atenta-se também para a alta prevalência da violência física
acompanhada pela coerção psicológica e sexual (24%). Tal dado corrobora com o estudo
de Day et al (2003), o qual mostra que a agressão física do parceiro íntimo, é quase sempre
acompanhada de agressão psicológica (25 a 50%) e também de sexo forçado. Essas
manifestações retratam a relação assimétrica de poder, entre homens e mulheres, aceita
socialmente, e que por isso, muitas vezes, chegam a representar uma permissividade para
atos violentos.
38
5.2 ESTRUTURA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
Na estrutura representacional da violência doméstica obtivemos uma ordem média
de evocações em torno de 2,9 e a freqüência média de palavras em torno de 8,0,
possibilitando a construção dos quatro quadrantes, com os eixos vertical e horizontal
referindo-se, respectivamente, à freqüência média e à ordem média de evocação. Das 150
mulheres pesquisadas, foram obtidas 720 palavras evocadas, das quais 24 palavras
evocadas diferentes, denotando a baixa dispersão em torno da representação do tema
pesquisado, ou seja, aponta que a maioria das mulheres negras tem a mesma representação
do que é violência doméstica. (Quadro 1).
QUADRO 1 - SÍNTESE DO RESULTADO DO TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE
PALAVRAS - SALVADOR - BA, 2006
.
Número de sujeitos
150
Número total de palavras evocadas 720
Número de palavras diferentes evocadas 24
Freqüência média de evocações 8,0
Ordem média de evocações 2,9
Número de sujeitos que indicaram a palavra mais
importante
150
Número total de evocações analisadas 720
Fonte: Dados processados no EVOC
Após as evocações, 100% das mulheres da pesquisa indicaram a palavra mais
importante. A evocação de uma ou mais palavras está associada à presença desta(s) no
conteúdo psíquico das mulheres, sejam latentes ou não, e o processo de hierarquização
reflete um trabalho cognitivo de análise das informações já evocadas (SOUZA, 2005). Isto
permite não conhecer o conteúdo das representações sociais de mulheres sobre a
violência doméstica, mas também sua organização e estrutura (SÁ, 1998).
Com o objetivo de obter uma análise mais representativa e “limpa foram
desprezadas as palavras com apenas uma evocação (CRUZ, 2003; TORRES, 2005; TURA,
1997).
39
As palavras que compõe o núcleo central das Representações Sociais de Mulheres
Negras sobre a Violência Doméstica foram aquelas que apresentaram maior freqüência e
foram prioritariamente evocadas, apresentadas no quadrante superior esquerdo (Quadro 2).
Esses elementos do núcleo central foram considerados pelas mulheres negras como os mais
significativos na representação da violência doméstica dando o real significado às
representações. Segundo Abric (1994) estes elementos podem ser considerados como
consensuais, estáveis e socialmente compartilhados.
QUADRO 2 ESTRUTURA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MULHERES SOBRE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – SALVADOR (BA), 2007.
ELEMENTOS CENTRAIS ELEMENTOS INTERMEDIARIOS
Freqüência 8 / Rang <2,9
Freqüência 8 / Rang 2,9
Briga 43 2,767 Raiva 92 3,000
Agressão 40 2,400 Tristeza 46 2,935
Espancamento 34 2,353 Medo 30 2,900
Falta de diálogo 29 2,759 Morte 27 2,963
Maus-tratos 29 2,552 Dor 22 3,364
Violência 20 2,450 Falta de amor 22 3,273
Falta de família 15 2,733 Agressão verbal 18 3,833
Angústia 13 2,846 Desprezo 16 3,688
Covardia 12 2,333 Desentendimento 14 3,571
Fome 08 2,500 Impunidade 08 3,000
ELEMENTOS INTERMEDIARIOS ELEMENTOS PERIFÉRICOS
Freqüência < 8 / Rang <2,9
Freqüência <8 / Rang 2,9
Desespero 7 2,857 Agressão moral 7 3,143
Mal-caráter 7 2,857 Infelicidade 6 3,333
Traição 7 2,286 Ignorância 6 3,333
Machismo 4 2,250 Discórdia 5 4,200
Vingança 5 4,000
Impotência 5 3,400
Destruição 5 3,400
Falta de estudo 5 3,200
Indignação 5 3,000
Silêncio 4 4,000
Denúncia 4 3,750
Ciúmes 4 3,500
Vergonha 4 3,000
Fonte: Dados processados no EVOC
Segundo Abric (2000), os elementos periféricos se organizam em torno do núcleo
central e retratam a situação concreta na qual a representação é elaborada ou colocada em
funcionamento.
40
As palavras que representam o sistema periférico se encontram no quadrante
inferior direito (Quadro 2). Apresentaram freqüência menor que 8, sendo apontadas de
maneira secundária no processo de hierarquização (Rang 2,9). Estes elementos estão mais
distantes do significado, porém mais ligados às práticas cotidianas. O Quadro 3 aponta a
freqüência total e a ordem de evocação dos elementos que compõe o núcleo central e o
sistema periférico, elucidando a análise das representações de mulheres negras sobre
violência doméstica.
QUADRO 3 - ORDEM MÉDIA DE PALAVRAS DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE
MULHERES SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – SALVADOR (BA), 2007.
Freqüência da ordem de
evocação
Aspecto Estrutural
Elementos
Freqüência de
Evocação
Briga 11 10 7 8 7 43
Agressão 14 11 5 5 5 40
Espancamento 16 4 5 4 5 34
Falta de diálogo 5 10 5 5 4 29
Maus-tratos 9 7 5 4 4 29
Violência 7 5 3 2 3 20
Falta de família 5 1 4 3 2 15
Angústia 3 3 2 3 2 13
Covardia 3 6 1 0 2 12
Núcleo Central
Fome 1 2 5 0 0 8
Agressão-moral 1 2 0 3 1 7
Infelicidade 1 0 2 2 1 6
Ignorância 0 2 0 4 0 6
Discórdia 0 0 2 0 3 5
Vingança 0 1 0 2 2 5
Impotência 0 2 1 0 2 5
Destruição 2 0 0 0 3 5
Falta de estudo 1 1 1 0 2 5
Indignação 1 0 3 0 1 5
Silêncio 1 0 0 0 3 4
Denúncia 1 0 0 1 2 4
Ciúmes 0 1 0 3 0 4
Sistema Periférico
Vergonha 0 2 1 0 1 4
Fonte: Dados processados no EVOC
41
5.2.1 Representação social da violência doméstica
A briga, a agressão, o espancamento, a falta de diálogo, os maus-tratos, a violência,
a falta de família, a angústia, a covardia e a fome foram considerados pelas mulheres como
os elementos mais importantes na representação da violência doméstica e aqueles que lhes
dão significado. Segundo Abric (1994), estes elementos são considerados consensuais,
estáveis e coletivamente compartilhados, por este grupo.
Podemos observar que, do total de 720 evocações os termos briga, agressão,
espancamento, maus tratos e violência foram evocados 166 vezes (23%), sendo que para
57 mulheres (38%), as palavras evocadas expressam a representação da violência
doméstica e aparecem como primeiro elemento mais importante.
Estes elementos demonstram a associação da violência doméstica com a violência
física, o que pôde ser evidenciado nas falas das entrevistadas:
... a briga causa o espancamento... a gente vai falar porque está
maltratando e vem a briga, o espancamento... o homem não hesita em
dar uma tapa ou um murro numa mulher... ele não pensa... (Persérfone)
Corroborando com Dantas-Berger e Giffin (2005), é notório observar a visibilidade
da violência física através de lesões corporais.
Minayo (1999) caracteriza a violência como um fenômeno complexo, polissêmico e
controverso, perpetrada por indivíduos contra outros indivíduos, manifestando-se de várias
maneiras, assumindo formas próprias de relações pessoais, sociais, políticas ou culturais.
Outros elementos trazidos pelas mulheres contribuem de uma maneira significativa
para a manifestação da violência doméstica como covardia, falta de diálogo, a fome e a
falta de família.
O termo covardia foi evocado por 12 mulheres (8%), sendo que para 9 delas foi
considerado o ou elemento mais importante. As entrevistas também evidenciaram
que, a covardia é um elemento associado à construção da violência na relação conjugal
como mostram os discursos a seguir:
... a mulher nunca tem a força que o homem tem....(Circe)
...eu sofri quase todos os tipos de violência com esse homem... teve
ato sexual que eu não queria ... fez a força porque eu não tava com um
pingo de vontade...(Gaia)
42
Segundo Bordieu (2005), a divisão desigual de poder, que confere aos homens
posição dominante e às mulheres a posição subalterna, perpassa toda a estrutura social, não
se restringindo, portanto, a problemas de gênero. A dominação masculina estende-se por
todas as instituições e os processos, como por exemplo, família, trabalho, economia,
política. Tudo isso mascarado e justificado sob a afirmação das diferenças biológicas, o
que Bordieu chama de biologização do social ou socialização do biológico.
Nesta perspectiva, podemos perceber que na relação de gênero a covardia se
manifesta, principalmente, no uso abusivo da força física pelo homem, aproveitando-se da
sua vantagem biológica, que lhe permite impor-se perante a mulher.
A covardia também é mencionada por Romero (2004) quando este rotula a
violência doméstica como uma agressão covarde e absurda, o que o leva a discursar a favor
da alteração do código penal de forma a tornar mais rígidas as sanções legais impostas aos
perpetuadores de violência.
Quanto ao termo falta de diálogo, foi evocado por 29 mulheres (19,3%), sendo que
para 5 delas foi considerado o elemento prioritário e para 10 delas foi o elemento
mais evocado. A falta de diálogo representa um dos fatores que se relaciona ao surgimento
da violência doméstica uma vez que:
“... ele fala muito alto... não tem nível para falar, não tem diálogo... tudo
é na grosseria...” (Hestia)
A violência traz consigo a falta de diálogo dentro do espaço doméstico
demonstrando uma relação de poder do homem para com a mulher através das identidades
definidas sócio-culturalmente, e consequentemente com os demais membros da família
manifestando a relação de desigualdade entre homens e mulheres.
De acordo com Langley e Levy (1980), diversas são as razões que levam à
violência doméstica, dentre elas podemos destacar falta de comunicação.
Segundo Torreão (2005), pessoas de baixa renda estão mais vulneráveis à violência,
pois, são negligenciadas em seus próprios direitos básicos: alimentação, moradia,
educação, saúde e lazer, entre outros. Para uma significativa parcela populacional excluída
da sociedade, existem situações, como por exemplo, a fome, o desemprego, o baixo poder
aquisitivo, que levam o ser humano permanecer em uma relação de violência.
Nesta perspectiva, o termo fome foi evocado por 8 mulheres (5,3%), sendo
considerado o elemento mais importante para 1 delas, determinando, portanto, um fator de
risco para o incremento da violência, sendo também revelado a partir das entrevistas:
43
“... eu tava pedindo o dinheiro do pão... rapaz cadê o dinheiro do pão?
Aí que ele me deu uma facada no braço...” (Gaia)
Segundo Boff (2001), a causa mais importante da crise da sociedade ocorre devido
à organização profundamente desigual desta, dando certos privilégios às maiorias de quem
têm o poder sobre os que trabalham, com baixos rendimentos.
Percebe-se, então, que a violência estrutural, abrangendo o social, político e
cultural, se relaciona com a violência doméstica. Desta forma, a mulher sente-se
fragilizada na relação social e consequentemente na relação familiar.
O termo falta de família foi evocado por 15 mulheres (10%), sendo que para 5 delas
foi considerado o elemento mais importante.Este elemento também foi observado nas
entrevistas:
... não tive apoio de ninguém.. a gente se decepciona com a família..
porque a gente espera um apoio ..mas quando pensa que vai ter o apoio
não recebe... meu pai não queria mais que eu morasse lá...assim... eu tive
que ir em frente mesmo..(Atena)
A falta de apoio da própria família foi apontado, em estudo realizado por Mury
(2007), como um dos fatores relacionados à aceitação da violência doméstica pela mulher,
neste sentido percebe-se a necessidade da mulher poder contar com a família como,
também, do social através das políticas públicas para o rompimento da relação de
violência.
O termo angústia foi evocado por 13 mulheres (8,66%) sendo que para 3 delas foi
considerado o 1º elemento mais importante. No discurso de Circe foi expressa como:
...foi muito difícil... eu sofri muito... ele queria tomar minha filha... eu
não aceitava ... tinha que voltar com ele de novo... (Circe)
A angústia é um elemento que se expressa como uma consequência da violência, se
desenvolvendo através de tensões e conflitos interpessoais ou intrapsíquicos (BALLONE
2002).
O núcleo central como constituída de elementos mais resistentes a mudanças
asseguram a continuidade da representação social em qualquer que seja o contexto. Sendo
assim, a representação de mulheres sobre a violência doméstica está ancorado na sua
vivência e nos valores e conceitos construídos a respeito do mesmo. Assim sendo, um
cotidiano de violência, ou seja, de brigas, agressões, espancamento, maus-tratos, falta de
diálogo, falta de família, angústia, covardia e fome acabam por influenciar a representação
que as mulheres entrevistadas têm acerca da violência doméstica e, conseqüentemente, nos
44
oferece elementos para compreender seus comportamentos.
Para Abric (2000), o núcleo central é determinado pela natureza do objeto
representado, pelo tipo de relação que o grupo mantém com este objeto e pelo sistema de
valores e normas sociais que constituem o meio ambiente ideológico do momento e do
grupo.
As palavras que compõem o sistema periférico são: agressão-moral, infelicidade,
ignorância, discórdia, vingança, impotência, destruição, falta de estudo, indignação,
silêncio, denúncia, ciúmes e vergonha.
Podemos observar que as palavras ignorância, falta de estudo, discórdia e ciúmes
podem ser enquadradas como representação das causas da violência doméstica fazendo
interface direta com o termo falta de diálogo do núcleo central que se denota, também,
como mais um elemento causador da violência doméstica.
Os termos ignorância e falta de estudo, por estarem associados às causas da
violência doméstica, apresentam relação direta com o nível sócio-cultural. Kronbaur
(2005), afirma que nas classes sociais menos favorecidas o índice de violência doméstica é
maior, entretanto não se deve desconsiderar a presença da violência doméstica nas classes
media e alta, muitas vezes mascaradas pela não denúncia em função da vergonha ou do
constrangimento das vitimas em expor sua situação no meio em que vive.
Entre os fatores associados ao risco de violência contra as mulheres incluem-se os
baixos salários e pressões econômicas. Além disso, homens desempregados são mais
violentos com as esposas e filhos. A constatação de que as violências são agudizadas nas
mulheres das classes menos favorecidas foi corroborada na presente pesquisa, nas quais
vários sinais de vulnerabilidade social estiveram associados às maiores prevalências das
violências psicológicas e físicas.
os termos discórdia e ciúmes inseridos na relação de causa desta violência vão
além das questões sócio-econômicas, estando relacionados às questões pessoais de cada
indivíduo, na forma como o mesmo conduz as suas relações inter-pessoais, manifestando-
se em qualquer classe social. Como mostra a fala de Hestia:
“... ele tinha muitos ciúmes... ele me trancava dentro do quarto e me
batia...” (Hestia)
Marques (2005) destacou que os ciúmes é uma das causas da violência doméstica,
sendo que este fator parece estar vinculado à relação vítima-agressor, enquanto as demais
causas estariam ligadas a fatores internos como, por exemplo, as características
psicológicas.
45
Os respectivos elementos periféricos: agressão moral, infelicidade, indignação,
vergonha e destruição podem ser caracterizados como conseqüência da violência
doméstica, principalmente na esfera psicológica, gerando impactos negativos a vida destas
mulheres, afetando, principalmente, a sua auto-estima e sua capacidade de relacionar-se
com o meio em que vive uma vez que estas mulheres sentem- se diminuídas diante das
ofensas dos agressores. A violência psicológica foi ilustrada também no discurso seguinte:
“... no acontecimento da violência doméstica... também tem a tortura
mental... a violência psicológica... pra sair dela é mais complicado... é
um tipo de violência que definha... anula a mulher...” (Hera)
Segundo Cunha (2007), a violência psicológica apresenta-se quando o homem
critica, ofende a conduta moral da parceira, humilha-a, a faz viver com sentimento de culpa
e de inferioridade, ameaça-a de morte ou de tomar-lhe os filhos, levando-a, por vezes, até a
cometer ou tentar o suicídio. De maneira geral, a violência psicológica está presente
também na violência física e sexual sofrida pela mulher, especialmente na violência
conjugal, quando o agressor é o companheiro ou ex-companheiro.
Impotência e silêncio do sistema periférico foram evocadas por 5 e 4 mulheres
respectivamente (3,3%; 2,7%), manifestando-se em alto grau de significância para o atraso
da denúncia de violência doméstica. Muitas mulheres não querem expor sua vida privada
no espaço público e a falta de apoio da família também costuma prolongar o silêncio.
Diante desta situação é pertinente estabelecer uma interface com o elemento do
núcleo central falta de família, situação na qual a mulher se sente frágil, solitária e
desamparada pelo sofrimento vivenciado na relação de violência.
Segundo Chalhoub (1986), a impotência e fraqueza levam a submissão da mulher,
permitindo o homem a perpetuar a relação de violência.
Romper com silêncio da violência torna a mulher mais vulnerável, ou seja, o olhar
do outro pode remeter a indagações sobre a história da violência e julgamento, o que faz
com que essas mulheres tenham o medo de ser julgada pela família como, também, pelo
ambiente social, sentindo-se, assim, mais fragilizadas. Como mostra a fala de Hera:
“... foi uma coisa horrível... porque o olhar das pessoas... eu achava que
as feministas iam me julgar... como algumas me julgaram... não são
solidárias... elas falam... ave maria como é que a mulher agüenta isso
tudo...isso é uma coisa ruim de se passar.... .isso é um espanto pra você
não falar... durante esses quatro anos que convivi com ele... escondi o
tempo todo...”(Hera)
46
Assim, uma variante importante do silêncio, no sentido de matizar a idéia corrente
de que as mulheres simplesmente não querem contar, surgiu na hipótese de que, quando
querem contar, as mulheres não sabem exatamente a quem e como fazê-lo.
Isto porque a revelação guarda importante conexão com o que move as mulheres
para tal, e que pode ser o compartilhamento da situação vivida com pessoas íntimas e
próximas, em busca do apoio familiar ou de amigos/as, mas pode ser também a busca de
apoios institucionais. Assim, o modo de revelar e o que exatamente será dito nesta
revelação dependerá a quem, ou a qual instituição, a violência vivida será contada.
A palavra silêncio, presente no sistema periférico está associada aos termos falta de
diálogo e consequentemente, angústia por ser um tema intimamente associado à violência,
situação na qual a mulher sente-se fracassada, mutilada dos seus direitos de ser humano
pela covardia e brutalidade utilizada pelo companheiro gerando, portanto, torturas
psicológicas na sua vida. (Langley e Levy, 1980; Heise et al., 1994; Heise et al., 1999;
Rodriguez et al., 1996; Soares, 1999).
Experimentar situações de violência, especialmente quando esta é de natureza
doméstica tem se mostrado uma vivência de difícil revelação para muitas mulheres.
O silêncio é realidade que deve ser abordada no plano psicoemocional, socio-
cultural e ético-político, para uma aproximação primeira de sua complexidade. Repercute
na condição de sujeito privado, de ser humano e de indivíduo-cidadão, que deve chamar
nossa atenção para a violência doméstica. É a conseqüência para a mulher cujas emoções,
soberania, dignidade e direitos estão corrompidos e negados, e que na saúde ou em outros
âmbitos da vida social devem motivar os estudos e as políticas de assistência e prevenção.
Estudo realizado por Adeodato (2005) estima que, para cada mulher que denuncia,
três que se calam em face da violência doméstica (75%). Isto demonstra a dificuldade
da sociedade em lidar com questões ainda muito ligadas à esfera do privado.
Ao denunciar a pessoa com quem escolheu viver, as mulheres atestam a si próprias
e para outras pessoas que escolheu o companheiro errado (DINIZ, 2006).
As mulheres enfrentam o fenômeno da violência doméstica de forma diferente.
Algumas denunciam, outras continuam no silêncio e outras separam do companheiro sem
revelar a vivência sofrida.
A palavra denúncia, presente no sistema periférico está associada com o termo
violência física do núcleo central, pois, para a grande parcela destas mulheres tomarem a
atitude de denunciar seus companheiros é necessária à presença da marca física e da dor
47
pela agressão física, encorajando-as para prestarem queixa e a demonstrarem as
inquietações diante da violência doméstica, atuando dessa forma como uma maneira de se
vingarem do mal que vivenciaram.
Assim, os elementos periféricos agressão moral, infelicidade, ignorância,
discórdia, vingança, impotência, destruição, falta de estudo, indignação, silêncio, denúncia,
ciúmes e vergonha por serem mais flexíveis e, portanto, apresentarem menor resistência
a mudanças, possibilitam modulações individuais que permitem flexibilidade e elasticidade
na elaboração de representações sociais.
5.3. REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO DA DENÚNCIA E DA NÃO-
DENÚNCIA.
QUADRO 4 - REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MULHERES NEGRAS SOBRE O
PROCESSO DE DENÚNCIA E DA NÃO-DENÚNCIA
.
TEMAS CATEGORIAS
Delegacia:
-Castigo
-Aconselhamento
O processo:
- Demora no atendimento
- Demora na audiência
PROCESSO DA DENÚNCIA
O atendimento:
-Infra-estrutura
-Relação no atendimento
PROCESSO DA NÃO DENÚNCIA
Não se perceber em situação de violência
Sentir-se isolada
Demonstrar dependência afetiva
Referir medo
TEMA I - PROCESSO DA DENÚNCIA
Este tema evidencia a representação da denúncia segundo os discursos de mulheres
negras que sofrem violência doméstica e que prestaram queixa na delegacia. Tornou-se
possível identificar as seguintes categorias: Delegacia; O processo e O atendimento.
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Categoria I - DELEGACIA
Esta categoria diz respeito à representação das mulheres negras acerca da delegacia,
mostrando que esta se apresenta como um espaço de denúncia da violência que o homem
pratica contra a mulher, independente da sua forma de manifestação, seja ela física, sexual,
psicológica, etc. As falas a seguir melhor ilustram tal afirmação:
“A delegacia serve para ajudar a mulher quando o homem bate,
xinga...” (Ártemis)
“Eu acho que a delegacia das mulheres funciona para as mulheres
fazerem denúncia contra a violência... tanto de estupro... qualquer outra
violência” (Atena)
Os discursos revelam uma percepção mais abrangente por parte das mulheres no
que tange as formas de expressão da violência, de modo que não mais se limitam a defini-
la enquanto agressão física, visualizando-a, também, nas relações sexuais forçadas no
espaço conjugal como também nas agressões verbais. Tal fato mostra uma mudança nas
representações acerca da violência o que pode estar associado a uma maior divulgação
sobre a temática na atualidade.
Chama atenção, igualmente, o fato de que as mulheres entrevistadas representam a
delegacia como espaço onde os homens são denúnciados. Entretanto, sabe-se que a
vivência de violência independe de orientação sexual, conforme rege a Lei n. 11.340/06,
nas disposições gerais do tulo II Da Violência doméstica e familiar contra a mulher.
Nesta perspectiva, a delegacia pode e deve receber denúncia de mulheres agressoras em
relações homoafetivas.
Conforme Rabelo e Saraiva (2006), a família homoafetiva é uma realidade e o seu
reconhecimento legal significa um avanço para romper com os preconceitos existentes,
visto que o afeto não se restringe ao casal heterossexual. Neste sentido, a noção de família
é um fator cultural que deve, portanto, acompanhar os arranjos familiares. Alves (2006)
acredita que as uniões homossexuais femininas conjugam o mesmo afeto e os mesmos
interesses que um casal heterossexual.
Vale salientar que ao denunciar seus companheiros, as mulheres esperam da
delegacia que estes sejam punidos ou que sejam aconselhados na esperança de romper o
ciclo de violência vivenciado e, por conseguinte, melhorar sua relação conjugal. Segundo
Brandão (2006), a mulher percebe a DEAM como um espaço de defesa dos seus interesses,
49
embora muitas sejam as interpretações acerca da função da delegacia no sentido de conter
seu agressor, dentre as quais: castigar e chamar para conversar.
Neste estudo, as falas que ilustram o intuito da mulher ao denunciar o agressor
encontram-se organizadas nas subcategorias: Castigo e Aconselhamento.
Castigo
Muitas das mulheres representam o papel da delegacia como um espaço de castigo
no sentido de cessar a relação de violência doméstica. Para elas, a atuação policial deve ter
uma autoridade capaz de coibir o comportamento violento do agressor, amedrontando-o e,
consequentemente, punindo-o. As falas a seguir elucidam essas considerações:
“... a delegacia da mulher serve para gente denunciar o homem... ...acho
que a gente devia ir na delegacia e vir com os homens para pegar ele
para prender, bater....” (Medusa)
“... como tem a delegacia das mulheres... eu também achava que ele
deveria vir na hora para pegar ele... para dar um corretivo... eu queria
que ele fosse para pra apanhar das mulheres, para ele ver também... e
que depois ele ficasse lá um bom tempo para ele aprender...” (Hestia)
“... a delegacia não fez o que eu queria... que viesse aqui ou prendesse
ele ou levasse ele.. desse pelo menos um medo... fizesse alguma coisa
com ele.. porque se ele me deu uma facada é uma tentativa de
assassinato ...” (Gaia)
Os discursos mostram que as mulheres percebem a delegacia como um instrumento
para amedrontar e se vingar do agressor, a qual, conforme sua visão de mundo, deveria
arbitrariamente punir seus companheiros através da privação da liberdade ou da agressão
física praticada por mulheres. A este respeito, Brandão (2006) considera que a delegacia é
reconhecida como uma instituição específica para a resolução de problemas por meio da
repressão. Para a autora, quando as mulheres denunciam seus companheiros, elas não
buscam uma punição específica, mas, sim, a restauração de uma relação conjugal livre da
violência.
Aconselhamento
Enquanto algumas entrevistadas buscam castigar seus conjugues, outras acreditam
que o aconselhamento na delegacia, por si só, possibilitará uma vida conjugal em
harmonia. Assim, as mulheres atribuem à delegacia a função de aconselhar seus
companheiros com o objetivo de coibir novos episódios de violência, conforme podemos
perceber nos seguintes depoimentos:
50
“... eu acho que a delegacia não resolveu o que eu buscava... Eu queria
que a delegacia chamasse ele lá pra uma conversa, que não precisasse
ser algo de repressão... apenas chamar pra uma conversa...”(Afrodite)
“... quando eu pensava em denunciar... queria que desse um conselho
pra ele mudar...” (Hera)
O estudo mostra que as mulheres buscam a delegacia na esperança de que seus
conjugues mudem e anseiam por uma relação sem violência. Estudo realizado com
mulheres que denunciaram a violência conjugal revelou que a maioria não deseja a prisão
de seus companheiros (BRANDÃO, 2006).
Categoria II – O processo
Esta categoria tem por objetivo analisar o processo de denúncia no que se refere aos
aspectos relativos ao tempo gasto em todo o trâmite, desde o percurso para chegada na
delegacia até a efetivação da audiência, situações estas detalhadas nas seguintes
subcategorias: Demora no atendimento e Demora na audiência.
Demora no atendimento
As mulheres encontram obstáculos no processo da denúncia, tanto em função da
falta de logística como, também, pelo fato da delegacia da mulher de Salvador-Ba
localizar-se em bairro não central, o que dificulta o acesso. Destaca-se a situação das
mulheres de baixa renda, principalmente aquelas que residem em bairros mais distantes da
delegacia, pois, na maioria das vezes, não possuem recursos financeiros para custear o
transporte público. Vale referir que o sistema público de transporte por ser deficitário, no
que tange a reduzida frota, expõe ainda mais a mulher. Soma-se ainda o tempo gasto para o
atendimento propriamente dito, o qual consiste no registro da queixa e, posterior,
instauração do inquérito policial. Vejamos as falas a seguir:
“... eu peguei dois transportes pra chegar e eu não tinha dinheiro pra
ir, tive que pedi emprestado. O processo também é demorado... você tem
que passar pela triagem...” (Afrodite)
“... demorou muito... Me botaram no banco sentada e eu fiquei
esperando..." (Nemesis)
Percebe-se, assim, que até a formalização da denúncia, estas mulheres, muitas
vezes com marcas visíveis da violência sofrida, ficam expostas ao ambiente público o que
provoca o extremo constrangimento. Associada a esta questão, as mulheres também se
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deparam com a carência de recursos humanos, causando demora para o atendimento e,
consequentemente, insatisfação por parte das usuárias e falta de credibilidade para com o
sistema de atendimento.
Demora na audiência
Quando finalmente são superadas todas as dificuldades em registrar a queixa, as
mulheres vítimas de violência ainda enfrentam a demora na continuidade do processo que
consiste na convocação do agressor para depoimento. Esta lentidão, por sua vez, gera
sérios transtornos dentre os quais: descrédito no processo e desistência da vítima em dar
continuidade à apuração da queixa. Partes das entrevistas transcritas abaixo exemplificam a
percepção das agredidas em relação à demora para audiência:
“... esperar três meses para uma audiência é muito difícil... eu não
acredito muito nessa delegacia, não... não boto fé... me sinto desmotivada
desacreditada...pelo fato da demora.. o processo é muito lento... nesse
meio tempo a pessoa esfria.. tá desmotivada ... 3 meses da primeira
audiência peguei e larguei de mão...” (Gaia)
“... eu acho que a delegacia da mulher não resolve porque a gente vai
dar queixa..., marca pra daqui um mês... que passou a
briga... já passou tudo. E tem vez que o homem nem vai e depois tem que
remarcar de novo. É uma enrolação...” (Ártemis)
Neste sentido, no intervalo de tempo entre a queixa e a audiência, o agressor por ter
ciência da denúncia poderá realizar sérias ameaças à suas companheiras, amedrontando-as
a ponto destas não darem continuidade ao processo, como podemos observar no discurso
abaixo:
... Ele foi e me bateu... me bateu não, me espancou... quando chegou no
outro dia eu peguei e fui queixa.... que não deu certo porque eu
fiquei com medo... porque ele me fez ameaça... no dia que marcaram a
audiência eu fui e retirei a queixa.... (Nemesis)
Conforme Silva, Borba e Ercole (2006), a justiça pública possui um processo lento
para averiguação dos casos de violência, o que deixa a mulher desprotegida e vulnerável a
novos episódios de violência. Assim, as mulheres voltam a compartilhar o espaço
doméstico junto com o seu agressor, o que a torna vulnerável a sofrer outras agressões.
Categoria III – O atendimento
Conforme as mulheres, o atendimento está diretamente relacionado com a infra-
estrutura disponível e com a relação interpessoal no processo de denúncia a qual, quando
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não satisfatório, direciona a decisão da mulher em não mais denunciar. Estes aspectos
foram elucidados a partir das subcategorias: infra-estrutura e relação no atendimento.
Infra-estrutura
Neste estudo, as mulheres revelam o desconforto em relatar sua história de
violência sem o mínimo de privacidade, que não existe um local específico para
atendimento individualizado que garanta a confidencialidade das informações e minimize-
lhe a angústia de relatar sua vivência. No entanto, o espaço de atendimento inadequado
expõe a mulher, interferindo negativamente para qualidade do atendimento, como
demonstram os depoimentos a seguir:
“... a DEAM deve ter um tratamento individualizado porque meu caso
todos os agentes ali ficam ouvindo... a mulher me atendia com um bocão
deste tamanho... tanto eu presenciava as brigas do casal... como as
pessoas iam ficar sabendo do meu problema... é uma coisa muito
exposta... não é você denunciar um ladrão... tem filho metido no meio...
tem detalhes... às vezes você fala até coisas de violência sexual...” (Hera)
“... pelo fato do atendimento... me senti um pouco retraída.. sei lá..
vergonha.. muita vergonha.. deveria ter uma sala especializada.. porque
é um negócio aberto.. os policiais vendo tudo ..todo mundo vendo.. a
pessoa não se sente a vontade para estar colocando...”(Gaia)
Relação no atendimento
Um outro aspecto que interfere na qualidade da assistência diz respeito à relação
interpessoal estabelecida entre o profissional e a mulher, já que, pela própria especificidade
do fenômeno da violência doméstica, esta se encontra fragilizada e com baixa auto-estima,
dificultando o rompimento do ciclo de violência. Vejamos as falas abaixo:
“... quando a gente foi lá... o homem... disse: “isso passa... isso passa...”.
Ele disse que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher e que
tem muita gente que vem pra faz a queixa e depois tira: “daqui a 15
dias ou menos de 15 dias você mesmo vem e tira...” (Ártemis)
“... quando eu cheguei na delegacia e dei queixa ... o cara que estava
fazendo a ficha... disse... que isso era aqui na hora... no momento de
raiva... e que com o tempo eu ia voltar pra ele de novo... Teve a primeira
audiência... ele (Juiz) pegou e falou assim para a minha mãe: “ela estava
precisando era de uma boa surra da senhora... porque ela mesmo
gosta”. Eu não gostei...mas também não falei nada... minha mãe também
não falou nada...” (Hestia)
Os relatos acima demonstram o despreparo por parte dos profissionais que atendem
as mulheres em situação de violência doméstica e, em muitas vezes, o profissional não se
53
identifica, deixando a usuária confusa a respeito do responsável pelo atendimento.
Observa-se, portanto, que estes profissionais emitem juízo de valor acerca das denúncias
feitas e opinam quanto à conduta que deverá ser adotada pela mulher.
Estudo realizado por Oliveira (2005) também revela o mau atendimento prestado
pelas delegacias haja vista que estas as atendem de forma indelicada e as culpabilizam pela
agressão sofrida. Villela e Lago (2007) acreditam que muitos profissionais que atendem as
mulheres em situação de violência atuam de forma preconceituosa e discriminadora por
conta da ausência sistemática e regular de capacitação na temática violência de gênero.
Entretanto, este atendimento discriminatório causa constrangimento para as
mulheres, inibindo-as de buscar novamente este serviço na ocorrência de outras agressões.
“... no momento que eu fui (na delegacia)... eu queria que me dessem
palavras de incentivo... não era pra dizer que estava com ele porque eu
gostava de apanhar... eu não tenho coragem de ir mais não... porque eu
tenho vergonha... se eu soubesse que o profissional não iria falar isso
comigo, eu iria” (Hestia)
“... o acolhimento da delegacia é o que afasta você... porque você vai
toda magoada lá... toda confusa... se quer ou não quer denunciar... chega
e te julgam como é que você não consegue sair dessa situação... uma
mulher independente... emprego e tudo... como é que você não sai disso...
ninguém sabe que passa por outras coisas...” (Hera)
Torna-se importante que todas as instituições de atendimento a mulher em situação
de violência, como a delegacia da mulher, invistam no preparo de seus funcionários de
modo que estes compreendam bem o papel da entidade bem como suas competências.
Segundo Brandão (2006), as mulheres procuram a delegacia da mulher pelo fato da
violência ser percebida como um fenômeno que se restringe à esfera policial,
desconsiderando seu caráter multifacetado. Neste sentido, percebe-se a necessidade das
delegacias serem mais bem preparadas para o atendimento.
TEMA II: PROCESSO DA NÃO-DENÚNCIA
Muitos são os argumentos apontados pelas mulheres como motivo que as levam a
não denunciar. Este tema reúne as categorias que correspondem aos motivos da não-
denúncia: não se perceber em situação de violência, isolamento, dependência afetiva e
medo.
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Categoria I - Não se perceber em situação de violência
As entrevistas mostram que muitas mulheres, em vivência de violência sexual, não
denunciam seus companheiros, pois representam a relação sexual como atividade inerente
a sua função de esposa. Chama atenção o fato de que mesmo sem vontade, a mulher se
submete a praticar relação sexual que, na maioria das vezes, lhe repugna, e ainda assim não
se reconhece violentada.
“... até para transar, às vezes me pegava a pulso, queria me usar por
detrás, me forçou a isso... eu sentia nojo dele... mas nunca pensei em
denunciar ele porque eu não sabia que eu podia denunciar ele por causa
disso porque eu pensava que fosse do sexo mesmo, que era obrigação
minha...” (Medusa)
“... teve ato sexual que eu não queria... eu não tava com um pingo de
vontade... eu sentia nojo... muito nojo... eu achava normal... eu era a
esposa dele... ele tinha direito de fazer... eu tinha obrigação de fazer...”
(Gaia)
Neste caso, o estudo nos faz perceber que a mulher percebe que seu desejo é
desconsiderado pelo homem uma vez que este impõe suas necessidades subjugando-a. A
invisibilização da violência também é apontada no estudo de Kronbauer e Meneghel
(2005) que mostra sua naturalização. Para Silva, Borba e Ercole (2006), esta invisibilidade
se deve à falta de informação e divulgação nos meios populares.
Categoria II – Sentir-se Isolada
Ainda que a mulher se perceba em vivência de violência, o isolamento configura-se
em um fator que impede a denúncia. Isso se pelo fato da mulher encontrar-se sozinha,
isolada no seu mundo doméstico e, portanto, sem contato com qualquer pessoa que possa
lhe fortalecer para o processo de rompimento do ciclo da violência, que pode ser iniciado
através da denúncia. A seguinte fala ilustra como a mulher representa o isolamento e a sua
permanência no cerco da violência:
“... o homem afasta a gente das amizades... da família... do mundo... para
que quando aconteça à situação de violência você não tenha apoio...
você só veja ele como apoio... é uma tortura.... ele acaba sendo ao
mesmo tempo o agressor e o acolhedor...” (Hera)
A idéia de que a violência entre parceiros íntimos é um problema privado está
associada ao fato da mulher em vivência de violência sentir-se isolada, vulnerável e presa à
sua situação (MARINHEIRO, VIEIRA, SOUZA, 2006; NUNAN, 2004).
55
Categoria III - Demonstrar dependência afetiva
Esta categoria revela que o fato de gostar do companheiro também se mostra como
motivo para a não-denúncia, tornando as mulheres fragilizadas para a busca de saídas da
violência. Os discursos que se seguem representam à impotência da mulher diante da
relação de dependência afetiva com seu companheiro:
“... ele me proibia de trabalhar fora, de fazer amizade, de vestir
determinadas roupas... e eu já me sentia violentada... Uma vez, ele me
deu dois murros na cara e eu fiquei com o rosto e a boca partida... mas
eu nunca denunciei ele... porque eu gostava dele...” (Medusa)
“... pensei em denunciar, mas não denunciei porque eu gostava muito
dele e eu não queria ver ele preso. Eu não saia da relação porque eu
gostava dele. Eu não pensava em mim... ele sabia que eu gostava dele e
que eu não ia fazer nada contra ele...” (Afrodite)
“... ele pegou a arma e começou a rolar o tambor: “quer ver que vou
esvaziar essa arma toda em cima de você?”... me obrigou a lavar o
lençol.. e eu tive que secar no ferro......isso com a arma apontada.. (no
outro dia) ...aí, eu conversei com ele:”pôrra velho, você recebe
carinho de mim.. e olha como você me trata”...quando ele começou a
chorar, eu acreditei nas lágrimas... como eu tinha uma certa afetividade..
me considerava até meio dependente... é mais difícil de romper essa
situação...” (Hera)
Ao percebermos que as mulheres sofrem violência doméstica, mas afirmam gostar
do companheiro e, por isso, não o denunciam, nos instigou a refletir sobre a relação de
ambivalência que permeia o fato de "gostar daquele que me violenta". Isso mostra que as
mulheres, nesta situação, não se vêem como sujeito, se anulando como pessoa.
O conceito de dependência costuma incluir diferentes tipos de fenômenos, entre
eles aquele que significa submissão, ou seja, a incapacidade da mulher se manter,
condicionando-a em função do outro; e a dependência que faz com que a mulher se ajuste
ao que outra pessoa espera dela por medo do abandono. Por outro lado, a dependência
pode advir da necessidade que se tem de outra pessoa para cobrir as carências afetivas.
Enquanto a dependência é uma trava para a libertação das mulheres, a carência é inerente à
condição do ser social. Ou seja, a necessidade afetiva não pode ser confundida com a
ausência da autonomia que tem posto as mulheres numa relação de submissão no espaço
público e privado. (VIANNA, BOMFIM, CHICONE, 2006).
56
Categoria IV – Referir medo
O medo é mais um motivo para o processo da não-denúncia. Os relatos abaixo
evidenciam que as mulheres são ameaçadas pelos agressores implicando não na
interrupção do processo de denúncia como também na inibição do registro de novas
denúncias.
“... eu não denunciaria ele novamente por conta das ameaças. Eu tenho
medo... eu abandonei duas queixas.. pela questão que ele é envolvido
com coisa de gente ruim (trafico)...” (Gaia)
“... teve uma vez que ele me deu um murro no olho... uma mordida... e me
deu uma facada... Eu nunca denunciei... porque ele era errado... roubo
de banco... por isso que eu digo que eu passei tanto tempo sofrendo
violência... porque queria me sair daquilo e ele não deixava... era uma
coisa forçada..aí não podia envolver a polícia... se eu denunciasse, ele ia
acabar comigo... me matar..eu tinha medo...” (Circe)
“... eu senti muito medo... porque ele subia e descia com a arma... mas
quando ele rodou o tambor... eu fiz pronto... pensei que ele ia dar uma
tiro ou coisa assim.. porque eu não entendia muito de arma.. mais eu me
apeguei aos orixás.. até hoje eu agradeço a Deus...”(Hera)
O estudo mostra que estas mulheres são companheiras de homens agressivos; que
não temem a morte; envolvidos com crimes de alto poder ofensivo e atividades violentas;
habituados ao uso de armamentos e presos a uma estrutura hierárquica que comanda o
crime organizado. Desta forma, ao denunciar, a mulher envolve numa investigação
policial, não somente seu companheiro, mas sim, um homem do crime. Neste sentido, a
investigação de caráter conjugal/doméstico poderá avançar para uma investigação criminal,
vulnerabilizando não apenas o agressor como, também, os demais membros do grupo
criminoso. Diante das considerações expostas, ao receber uma ameaça do agressor, a
mulher está recebendo uma ameaça do grupo no qual seu companheiro está envolvido,
sendo, neste contexto, compreensível o medo de denunciá-lo.
Silva, Borba e Ercole (2006) mostram que muitas mulheres ameaçadas por
denunciarem seus companheiros, não são protegidas, evidenciando a deficiência da
segurança pública. No que tange as mulheres cujos companheiros estão envolvidos com o
crime organizado, esta situação se agrava exigindo maior articulação dos equipamentos de
atendimento as mulheres em situação de violência, como as delegacias e as casas abrigo,
com os órgãos de segurança público que são: as polícias militar, civil e federal, ministério
público e órgãos da justiça.
57
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo caracteriza-se por mulheres que em sua maioria são negras, jovens, com
baixo nível de escolaridade, atuam em atividades laborais de baixa remuneração, como
serviços domésticos em geral, dependentes financeiramente de terceiros, principalmente
dos companheiros e que quase a totalidade das mulheres passaram pelo menos por um
episódio de violência doméstica.
Para entender as representações das mulheres a respeito da violência doméstica, o
estudo mostrou que sua estrutura está representada pelos elementos do núcleo central que
qualificam a violência doméstica e pelos elementos do sistema periférico, que se
organizam em torno do núcleo central.
Estas representações foram avaliadas com maior riqueza de detalhes por meio das
entrevistas qualitativas, categorizando os temas denúncia e não denúncia, e assim
observando o complexo fenômeno da violência doméstica e os notórios problemas
existentes em toda tramitação do processo da denúncia como: infra-estrutura inadequada,
lentidão e falta de qualidade no atendimento até o período da audiência que vem por fim
refletir em uma das causas da não denúncia, dentre outros motivos citados na análise.
Para o reconhecimento do indivíduo enquanto sujeito, é necessária a compreensão
humana, valorizando os aspectos relacionados com a intersubjetividade da violência
doméstica, constituindo uma rede social com os profissionais pertencentes a este universo
que permitam uma abrangência de conhecimento interposto pela abertura, generosidade e
solidariedade, para assim criar mecanismos resolutivos desta problemática.
O estudo atendeu a Lei Maria da Penha por buscar a compreensão da violência
doméstica a partir do olhar das categorias gênero e raça, contribuindo para ampliar as
discussões que permeiam o processo de construção do atendimento na Rede, como também
contribuiu para a área da saúde por desvelar as representações de mulheres negras acerca
da denúncia e não-denúncia, o que subsídios para os profissionais em saúde identificar
mulheres em situação de violência doméstica e refletirem acerca da importância da rede de
atendimento.
Neste contexto pode-se apreender que a enfermagem ocupa posição privilegiada, em
especial quando inserida na Estratégia Saúde da Família, podendo melhor utilizar os
recursos e equipamentos da Rede.
Nesta perspectiva, o estudo contribui para a área da saúde por desvelar as
58
representações de mulheres negras acerca da denúncia e não-denúncia, o que subsídios
para os profissionais em saúde identificar mulheres em situação de violência doméstica e
refletirem acerca da importância da rede de atendimento.
59
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67
APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
Título do Projeto - Representações sociais de mulheres negras sobre violência doméstica e
o processo de denúncia e não denúncia.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
A Sra. está sendo convidada a participar de uma pesquisa que tem como objeto de estudo
as representações sociais das mulheres negras sobre violência doméstica e o processo da denúncia e
da não-denúncia. Trata-se de um projeto de pesquisa desenvolvido por mim, Marieve Pereira da
Silva, como atividade do Curso de Mestrado em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da
Universidade Federal da Bahia, sob a orientação da Profa. Dra. Normélia Maria Freire Diniz.
A Sra. poderá participar ou não da pesquisa, bem como desistir em qualquer fase do estudo,
sem qualquer prejuízo. Caso a Sra. aceite, todas as informações coletadas serão estritamente
confidenciais, de modo que os sujeitos serão identificados por nomes fictícios, garantindo o sigilo e
o anonimato e assegurando a privacidade.
As informações serão gravadas com o auxílio de um gravador portátil em um local onde
a/o Sra (Sr.) poderá falar livremente sobre a sua experiência. A coleta dos dados será realizada de
acordo com a sua disponibilidade e mediante a sua prévia autorização por escrito. Concordando em
participar da entrevista, a Sra. poderá ouvir a fita e retirar ou acrescentar quaisquer informações. O
material da gravação será por mim arquivado por 5 (cinco) anos e após esse período será destruído.
Ao participar desta pesquisa, a Sra. não terá nenhum tipo de despesa para participar desta
pesquisa, bem como nada será pago por sua participação. Também não haverá nenhum benefício
direto. Entretanto, esperamos que este estudo possibilite maior compreensão acerca do fenômeno
da violência doméstica. Os resultados deste estudo serão publicados na dissertação de mestrado e
em artigos científicos e divulgados no Coletivo de Mulheres do Calafate.
Os aspectos acima mencionados respeitam a Resolução . 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde, que trata dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos. Esta pesquisa
integra o Projeto de Pesquisa intitulado “Violência em famílias negras: tensões e sociabilidade”,
financiado pelo CNPq e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) através do nº. 21/2007.
Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a pesquisa através do telefone da
instituição vinculada a pesquisadora (71)3263-7600 ou do telefone do CEP (71)3332-4141.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para participar
desta pesquisa.
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Confirmo ter compreendido todas as informações acima descritas e, de forma livre e
esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa.
_____________________________________
Assinatura da entrevistada
____________________________________
Marieve Pereira da Silva
COREn-BA 99217 Data:____/____/2007
68
APÊNDICE B - Teste de associação livre de palavras
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
Título do Projeto - Representações sociais de mulheres negras sobre violência doméstica e
o processo de denúncia e não denúncia.
TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS
1. ESTÍMULO INDUTOR
Que palavras vêm na sua cabeça quando digo a expressão Violência Doméstica?
Diga-me 5 palavras (colocar na ordem que ela disser)
1
a
____________________________________________
2
a
____________________________________________
3
a
____________________________________________
4
a
____________________________________________
5
a
____________________________________________
Dessas palavras que você me disse, coloque na ordem da mais importante para a menos
importante para você (escrever na ordem que ela disser)
1
a
____________________________________________
2
a
____________________________________________
3
a
____________________________________________
4
a
____________________________________________
5
a
____________________________________________
Escolha 2 palavras que melhor definem Violência Doméstica para você?
1
a
____________________________________________
2
a
____________________________________________
Agora me diga por que você escolheu essas 2 palavras? Justificativa
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Data:____/____/2007
69
APÊNDICE C - Formulário – dados quantitativos
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
Título do Projeto - Representações sociais de mulheres negras sobre violência doméstica e
o processo de denúncia e não denúncia.
FORMULÁRIO – DADOS QUANTITATIVOS
1. Quantos anos completos você tem? ________________________________________
2. Cor ou raça: negra ( ) branca ( ) amarela ( ) parda ( ) indígena ( )
3. Qual a sua Religião? ____________________________________________
4. Qual o seu grau de escolaridade:
Alfabetizada ( ) 1º incompleto ( ) 1º grau completo ( ) 2º grau incompleto ( )
2º completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Nunca estudou ( )
5. Estado Civil: casada ( ) solteira ( ) união consensual ( ) viúva ( )
desquitada ou separada judicialmente ( ) divorciada ( )
6. Com quem mora? Marido/companheiro ( ) Filhos( ) Outros ( ) ______________
7. Trabalho
Trabalho fora de casa? Sim ( ) Não ( )
O que faz?_________________________________________________
Onde? ____________________________________________________
Trabalha em casa com remuneração? Sim ( ) Não ( ) O que faz? ____________________
8. Condição financeira
Vive ás próprias custas, sem depender de ninguém ? Sim ( ) Não ( )
Se não: parcialmente dependente ( ) totalmente dependente ( )
Quem ajuda você financeiramente? seu marido / companheiro ( ) Pai / Mãe ( )
Parentes ( ) amigos ( ) outros ( ) ______________________
Os Dados que se seguem são relativos à violência doméstica:
Violência doméstica é aquela cometida por familiares ou pessoas que vivem na mesma casa e que
leve o indivíduo à dano e/ou sofrimento físico, sexual e/ou psicológico e em alguns casos chegando
até mesmo à morte.
Agora eu vou fazer algumas perguntas sobre a expressão da violência doméstica:
9. Violência Psicológica:
Alguém já humilhou publicamente? Sim ( ) Não ( ) Quem? ____________________
Alguém já xingou você ou sua família? Sim ( ) Não ( ) Quem?____________________
Alguém já lhe impediu de trabalhar ou ter amizades? Sim( ) Não( ) Quem?_______________
Alguém já lhe acusou de ter amantes? Sim ( ) Não ( ) Quem?_______________
Alguém já lhe deixou sem assistência quando doente /grávida? Sim ( ) Não ( ) Quem?_____
Alguém já lhe trancou dentro de casa/impediu de sair? Sim ( ) Não ( ) Quem?____________
70
Outros:_____________________________________________________________________
10. Violência Física:
Alguém já esbofeteou, chutou, mordeu, ou empurrou você ? Sim ( ) Não ( ) Quem?________
Alguém já lhe feriu com algum objeto (faca , revolver, pedra, pau ou outros instrumentos)?
Sim ( ) Não ( ) Quem?________Qual objeto?_____________________________________
Outros:_____________________________________________________________________
11. Violência Sexual:
Você já foi forçada a ter relações sexuais sem sua vontade ? Sim ( ) Não ( ) Quem?_________
Você já sofreu atentado violento ao pudor? Sim ( ) Não ( ) Quem? ____________________
Você já sofreu estupro? Sim ( ) Não ( ) Quem? ___________________________
Caso estupro: Você ficou grávida? Sim ( ) Não ( ) O que fez? ___________________
Outros:_____________________________________________________________________
Obs: aAs questões que seguem serão respondidas pelas mulheres que sofreram algum tipo
de violência.
12. Você conhece os serviços da rede de atenção à mulher em situação de violência?
DEAM Sim ( ) Não ( ) CREAIDS Sim ( ) Não ( )
Casa-abrigo Sim ( ) Não ( ) Centro de Referência Sim ( ) Não ( )
Projeto Viver Sim ( ) Não ( ) Rede Social Sim ( ) Não ( )
IPERBA Sim ( ) Não ( ) OUTROS ( ) _______________________
13. Você já buscou algum tipo de atendimento na rede de atenção à mulher em situação de
violência? Sim ( ) Por que?_____________________ Não ( ) Por que?________________
14. Qual serviço você procurou?
DEAM ( ) Casa-abrigo ( ) Projeto Viver ( ) IPERBA ( ) CREAIDS ( ) Centro
de Referência ( ) Rede Social ( ) Especifique: __________ OUTROS ( ) ______
71
APÊNDICE D - Formulário – dados qualitativos
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
Título do Projeto – Representações sociais de mulheres negras sobre violência doméstica e
o processo de denúncia e não denúncia.
FORMULÁRIO – DADOS QUALITATIVOS
1. Esclareça sobre as palavras briga, agressão, espancamento, maus-tratos que foram
mencionados na entrevista anterior.
2. A entrevista mostrou que você sofre ou sofreu violência doméstica na relação
conjugal. Fale sobre esta violência.
3. Você denunciou seu companheiro. Fale da experiência da denuncia.
4. Você não denunciou seu companheiro. Fale da experiência sobre a decisão da não-
denuncia.
72
APÊNDICE E – Entrevistas
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
ENTREVISTAS
Entrevista 01 - MEDUSA
Concordo porque eu apanhei do meu irmão, do meu ex e tentaram me estuprar duas vezes,
meu ex e o ex da minha mãe... Meu ex uma vez me deu dois murros na cara e eu fiquei com o rosto
e a boca partida. Ele me bateu porque eu vir ele com a ex dele... eu tava com uma faca para rasgar a
cara dela... Quando ele bebe, ele me chama de vagabunda, descarada, era tanto nome... mas eu
nunca denunciei ele... ele é uma ótima pessoa, mas bebendo... ele fica com ciúmes de qualquer
pessoa, tinha ciúmes demais... me proibia de trabalhar fora, de fazer amizade, de vestir
determinadas roupas... e eu me sentia violentada... até para transar, as vezes me pegava a pulso,
queria me usar por de trás, me forçou a isso duas vezes, só... eu sentia nojo dele... mas nunca
pensei em denunciar ele porque eu gostava dele e eu não sabia que eu podia denunciar ele por
causa disso... eu pensava que fosse do sexo mesmo, que era obrigação minha. Fiquei com ele dois
anos e uns sete meses. Ate três meses ele era uma ótima pessoa, depois mudou da água para o
vinho... eu não sei onde fica a delegacia da mulher, ela serve para gente denunciar o homem... eu
nunca fui na delegacia, mas minhas amigas dizem que foram e não adiantou nada... porque vai e
daqui a um mês já passou a briga... acho que a gente devia ir na delegacia e vir com os homens para
pegar ele para prender, bater ou matar. Eu não tenho filhos com ele. Eu ouvi falar da Lei Maria
da Penha... mas nunca falei com meu companheiro sobre ela não. Eu diria para mulher que sofre
violência que elas devem dar queixa porque mesmo que não resolva nada, quando nada um medo
nele mete.
Entrevista 02 – ÁRTEMIS
Eu concordo que violência doméstica é tudo isso porque eu tenho isso dentro de casa. Eu sofri
violência psicológica, de xingamentos. Uma vez eu ia para uma festa, ele disse que não era para
eu ir porque tinha um ex namorado meu, aí ele começou a me xingar, mas ele nunca me agrediu.
Eu fui na delegacia da mulher com uma amiga minha porque o namorado dela tinha estuprado
ela. A delegacia serve pra ajudar a mulher quando o homem bate, xinga, para ajudar né? Quando a
gente foi lá, ela fez a queixa, perguntou o nome, perguntou o que tinha acontecido, o homem olhou
para a cara dela e disse isso passa, isso passa. Ela saiu indignada de lá. Ela foi na delegacia da
mulher e foi um delegado que atendeu e ele disse isso e disse que em briga de marido e mulher
ninguém mete a colher e que tem muita gente que vem prafaz a queixa e depois tira, daqui a 15
dias ou menos de 15 dias você mesmo vem e tira. Nesse dia tava um homem. Eu diria pra mulher
que sofre violência para ela revidar, porque eu mesmo sou pavio curto se eu tiver com um revólver
eu atiro, se eu tiver com uma faca eu não nem aí, nem que depois eu pra casa de tia DETE
(detenção) eu não tô nem aí. Eu ouvi falar da Lei Maria da Penha agora pra falar assim dela tem
coisas que eu não sei não. Eu já conversei com o meu companheiro sobre essa Lei.
Entrevista 03 – AFRODITE
A violência doméstica é tudo isso mesmo (maus tratos, agressão, espancamento, briga) porque uma
coisa vai levando a outra, mas têm também a violência psicológica que é aquela que as palavras
maus dita que é pior que um murro e que um tapa. Porque um murro e um tapa passa um período e
aquilo ali sara e as palavras não, fica ali no seu pensamento e pra tirar é horrível. Eu vivi
73
violência sim. Primeiro foi a violência psicológica, que as agressões eram as palavras, me agredia
me xingando, falando as coisas que eu não fazia, dizer coisas que eu não fazia e a agressão física
também. Ficamos juntos 5 anos... Eu vivo violência desde os três meses... A gente tinha sete meses
quando teve a violência física, agora a violência psicológica a gente tinha uns três meses. A gente
tava na rua, ele chegou e a gente começou a discutir, ele me deu um murro e depois pegou
água gelada e jogou por cima de mim... eu pensei em denunciar mas não denunciei porque eu
gostava muito dele e eu não queria ver ele preso. Eu já denunciei ele uma vez, na delegacia da
mulher. É difícil a denúncia... porque você vai denunciar alguém que você gosta., chega o processo
que é demorado... você tem que passar pela triagem, então a mulher que não decidida mesmo a
dar queixa volta. Eu pensei em voltar. Eu peguei dois transportes para chegar e eu não tinha
dinheiro para ir, tive que pedir emprestado. Eu denunciei porque ele ficava me perseguindo, a gente
tinha se separado, ele ligava para lá pra casa, dizendo coisas que eu não falei, falando coisas que
eu não fiz aí eu decidi prestar um queixa dele. Eu achei bom o atendimento, mas foi muito
demorado... Eu acho que a delegacia não resolveu o que buscava, até hoje nem a intimação ele
recebeu. Eu queria que a delegacia chamasse ele pra uma conversa, que não precisasse ser algo de
repressão, chamar pra uma conversa... porque na presença de uma delegada, de um oficial, a
conversa poderia correr de uma forma melhor. Ele ligava pra mim e dizia coisas que eu não tinha
falado, ai a gente poderia sentar e conversar. Eu não desistir da denúncia, mas com a demora a
gente vai esfriando, porque quando a gente sofre violência e decide denunciar a gente quer resolver
logo. A Lei Maria da Penha é a lei que proíbe a violência contra a mulher. Eu discutir sobre essa
lei com meu ex-companheiro, mas ele não mudou seu comportamento. Ele diz que as coisas aqui
no Brasil não funcionam. A Lei não mudou o comportamento dele nem de outros homens porque
existe mais no papel do que na prática.
Entrevista 04- NEMESIS
Concordo, mas tem ameaça também que elas não falaram aí. Eu passei por isso tudo, mas não
quis dizer aqui no Coletivo porque tem uma mulher aqui no grupo que eu o falo. O pai do meu
filho, ele é do tipo de homem assim, carinhoso, mas quando ele quer uma roupa e não acha, ele fala
assim: “ah! Você é preguiçosa, você é porca...” Aí ele vai e sai... quando chega no outro dia que eu
vou falar com ele, ele vai e me um tapa na cara. No dia que eu me separei dele, foi porque ele
tava na casa de um amigo dele, que já foi fichado, e eu o acho certo porque se ele já foi fichado
uma vez pode ser de novo. Aí, eu peguei e chamei ele, aí os amigos dele falaram: “vai, vai, vai logo
pra mamãe não bater...” quando ele desceu, ele já desceu me xingando, me esculhambando de
tudo que era jeito, eu fui para cima dele e ele veio para cima de mim também, eu peguei a faca,
ele tomou aí eu subir e disse pros amigos dele: “o que vocês fizeram não vai ficar assim”, eles
falaram: “se você trouxer alguém aqui eu meto bala...”, eu falei: “então você vai meter de
boca porque feijão tá caro...” Aí quando eu desci ele falou: “você foi lá em cima procurar confusão
com os outros, foi?” Eu disse: “fui... porque? você não gostou não?” ele disse: “não”, eu disse:
“então se foda”, ele disse: “ah, se foder você”, aí, ele começou a me bater. Eu fiquei com ele
três anos e 8 meses. Temos uns 10 dias de separados. Eu comecei a sofrer violência depois de 1
ano, depois que meu filho nasceu. Porque onde ele ia ele me levava e depois que eu tive o menino
ele achou que eu ia ficar presa. eu ia atrás dele, você sabe né? Homem nenhum gosta né?
ele ficava me xingando. eu também sou pirracenta, ficava dizendo as coisas a ele, ele me dizia
também, aí começava a briga... Ele me proibia de trabalhar, de usar roupas, depois que eu tive meu
filho que ele mudou. Eu denunciei uma vez só. Eu levei o menino pra ele tomar conta pra eu ir
pra escola, ele disse na minha cara que não ia olhar o menino porque ele ia sair, eu disse: “ele
também é seu filho”, ele disse: “ah eu não vou olhar”, eu peguei larguei o menino na rua, aí eu sai,
mas eu não fui para escola, fui pra casa de uma amiga, ele passou pelo menino e não pegou...
eu peguei fui atrás dele e fiz uma baixaria com ele. Ele pegou me bateu, me bateu não, me
espancou, aí quando chegou no outro dia eu peguei e fui dar queixa. Eu fui pra de ônibus, Marta
me ensinou a ir, (transporte), eu fui querendo chorar dentro do ônibus, mas me controlando, sabe?
Eu achei o atendimento bem, não achei bom que demorou muito, me botaram no banco
sentada, eu fiquei no banco sentada esperando as mulheres conversar, conversar, mas na hora
74
que me atendeu foi ótimo. Aí perguntaram o que foi... onde foi.. quem viu... esperei mais ou menos
por 2hs. Resolveu, acho que resolveu, mas no dia que marcaram a audiência eu fui e retirei a
queixa porque ele me ameaçou. Chegou a intimação pra mim e pra ele, com uns 21 dias. Foi menos
de 1 mês, não demorou muito não. Ele disse que se ele fosse pra justiça e chegasse batessem
nele, que ele ia me matar. Só que quando eu fui lá, o que eu queria que a delegacia fizesse ela não
fez. Eu voltei da delegacia pra casa. Ele tava na casa da mãe dele. Eu já ouvi falar da Lei Maria
da Penha que é sobre a violência contra as mulheres, eu nem sabia que existia vim saber esse ano,
agora depois da reunião de Normélia. Pra eu ser feliz, ele tinha que mudar bastante, mas não tem
condições não porque ele tem uma mente fraca. Eu posso viver bem sem ele, mas eu preciso de um
trabalho, um curso que eu não tenho ainda e meu filho do meu lado...
Entrevista 05- DEMÉTER
Eu tive um marido que me deixava presa dentro de casa, ele saia e me deixava trancada, se eu ia ao
médico ele ia comigo e quando eu saia só quando chegava em casa ele tirava minha roupa, me
revistava, e eu era obrigada a ter relação com ele pra ele comprovar que eu não tive relações com
ninguém. Quando eu não queria, ele me batia. Teve um dia que eu cheguei e dei uma facada nele.
Acho que a violência acontece por causa dele e não por causa da gente, porque a gente faz as
coisas tudo direito que ele manda, se ele manda a gente não sair, a gente obedece ele, ela fala: “ah
se você quer sair, você me pede”, aí a gente sai, chega em casa ele já muda o temperamento, já fica
diferente, a gente percebe que ele não é mais aquele homem ideal pra gente. Eu fiquei 1 ano e dois
meses com ele, ele era doido para ter um filho comigo, ele achava que eu tomava remédio
escondido dele, aí uma vez eu falei pra ele fazer o exame, aí deu que era ele que não podia ter filho,
enquanto ele não sabia que era ele que não podia fazer filho, ele achava que era eu, ele ficava me
cobrando, me cobrando: “ah sua vagabunda você não quer ter um filho comigo, se você não tiver
filho comigo também não vai ter com ninguém”. A gente já tava separado quando ele soube que eu
tava grávida do meu filho (de outro homem), aí ele me encontrou e me deu um ponta pé. Ele me
ameaçou, ele disse que se eu não tivesse filho, eu não iria ter filho de ninguém. Isso acontecia todos
os dias, de segunda a segunda, eu não via a cor da rua. Eu tava morando com minha madrasta e eu
tava trabalhando no Sarah, eu saia 5 horas da manhã e chegava de noite, ele chegou pra minha
madrasta e pediu ela pra ir ali comprar uma roupa, ele pegou ela e levou pra ilha, eu não queria
mais ele, só que ele levando minha filha ele ia me ter de volta, porque eu via que se eu fosse voltar
pra ele ia ser pior, ou ele ia me matar ou eu ia matar ele. Minha tia me ajudou quando eu me separei
pela primeira vez dele eu disse que ia pra casa de minha avó, ele disse: “você vai, mas também não
vai levar uma peça de roupa”. Tudo bem, isso eu não fiz questão, porque eu nasci nua e vestida
eu estou. Quando ele me viu na rua, ele me deu um murro que eu cai. Quando eu vim me levantar,
eu estava num bar sentava, com isso aqui inxado, quando eu vim minha tia disse: “a gente vai
agora na Quarta (delegacia) agora dar uma queixa”. Aí, eu fui na Quarta dei queixa , o delegado
disse que a intimação ia chegar... no dia que marcou a audiência ele o foi, quando ele me
encontrou, ele me chamou pra conversar, eu fui educadamente. ele disse: “eu não vou fazer
mais...” e eu gostava dele, eu fui e voltei pra ele... daí, foi quando que ele veio e me deu outro
murro, eu fui dei uma queixa dele e não voltei mais. Ficamos 1 ano e três meses juntos. Foi
quando ele me bateu. Teve um aniversário na casa de minha avó, minha tia apresentou os
cunhados dela que a gente não conhecia, porque eu peguei na mão de um, ele disse que eu
tava procurando frete, mas eu não estava procurando frete desde quando tava apresentando.
Quando eu cheguei em casa ele falou: “ah você pensa que eu não vi não sua vagabunda, descarada,
você procurando frete?”. ele me deu um murro e quando ele me deu o murro eu não tava
esperando, eu tava destraída, foi no olho e na parte da sobrancelha, tem aum corte ainda, eu vi
tudo azul, quando eu passei a mão aqui que vi o sangue, a única coisa que vi foi a faca de serra na
pia, eu peguei e dei na saboneteira dele, eu dei e não tirei não, larguei... ele ficou dizendo que
tava morrendo, que tava morrendo, que eu vi que o sangue não tava saindo, eu levei ele pra o
hospital. Quando foi fazer a ocorrência que o policial veio e viu ele com a faca aqui veio fazer a
ocorrência. Quando o policial viu ele com a faca enfiada eu tava correndo pra poder chamar o
médico pra vim atender. o policial tava com uma caderneta na mão perguntando a ele o que foi
75
que aconteceu, ele disse: “não, eu tomei uma facada por causa da bola”. o policial perguntou
pra ele: “você tomou uma facada por causa da bola ou porque você agrediu sua mulher?”, ele
ficou todo sem graça, o policial disse pra mim: eu o vou levar você presa porque se ele
passou por isso é porque ele mereceu, porque você também tá com o olho inchado, porque se não
fosse meu olho inchado ele disse que ia me levar presa. Mesmo com medo dele me fazer alguma
coisa, eu voltei pra casa... porque eu gostava dele. Eu separei na primeira violência física e não
voltei mais. Eu nunca achei homem nenhum pra me bater, ele foi o primeiro e o último. Ele me
chamava pra a sair a gente saia, a gente bebia, a gente curtia, dormia normalmente, acordava
normal, lavava minha roupa de ganho, ele me ajudava a levar, daí pra cá ele começou a beber,
que antes ele bebia junto comigo, ele não bebia só, às vezes ele saia e não dizia pra onde ia, mas eu
não era daquelas mulher de perguntar: “você vai pra onde?, você tá com quem?” Eu não exigia isso
dele. Já de mim ele exigia. Aí, eu fui dei queixa, eles falaram que a intimação ia chegar, dei o
endereço dele e tudo. Mas aí no dia da audiência ele não foi. Eu dei queixa na Quarta e minha tia já
conhecia alguns policiais, aí de um lado foi bom, e do outro foi ruim porque eu esperava uma coisa
e não foi. Porque se desde quando chegou a intimação, ele tinha que ir, e desde quando ele não foi,
eles tinham que vim buscar ele em casa, saber porque ele não foi e até prender ele. E não aconteceu
isso. Eu assinei meu nome como se eu tivesse comparecido e ele não. E nunca mais deu em
nada. Eu nunca ouvir falar na Lei Maria da Penha nem que tem lei que protege mulher em situação
de violência
Entrevista 06- HESTIA
Concordo... porque eu passei por isso: briga, agressão, espancamento e maus-tratos . Violência
doméstica é quando a gente tem um parceiro e ele maltrata a gente, bate... nem bater também,
faz ignorância... acha que tudo é na mão... pegue isso... não sei o quê... as grosserias dele
também é violência... Para mim ele é ignorante todo o tempo... É o jeito dele, muito grosso... ele
fala muito alto... tudo dele não tem nível para falar, não tem diálogo... tudo é na grosseria...Eu
estou 5 anos com ele. Hoje não sofro mais violência, mas sofri. No começo ele vinha com
aquelas brincadeiras de bater.. dali começava.. Eu falava com ele que era para parar com essa
brincadeira de bater... não gostava... mas mesmo assim ele brincava assim... , depois passou a
me bater..., eu ia em cima dele também... batia.. mordia..A gente estudava na mesma escola... e
tudo ele tinha ciúmes... assim... essas coisas... se eu tivesse conversando com as minhas colegas,
ele pensava que a gente estava conversando de homem... aí, ele vinha com a unha dele e me
arranhava... aí, eu ia e arranhava ele também... e ficava naquela agonia..... eu e ele namorávamos...
aí, ele foi e pegou uma colega minha... eu fui e peguei um colega dele... Eu fiquei com o amigo
dele, porque ele ficou com a minha colega.. aí, ele ficou sabendo... e no que ele ficou sabendo,
ele pegou e me bateu com um pau... Eu fiquei toda marcada no meu braço. Ele acha que tem o
direito de me bater... Não era a primeira vez que acontecia isso...aí, eu disse pra minha mãe: “eu
vou queixa”.... e minha mãe me apoiou... eu peguei e dei queixa dele... Eu não sabia onde era a
Delegacia, quem me levou foi minha mãe. A gente foi numa lá em Brotas, de adolescente... porque
na época eu era adolescente. Quando eu cheguei na delegacia e dei queixa ... aí, o cara que estava
fazendo a ficha pegou atendeu e perguntou... eu comecei a falar... ele disse que eu estava dando
queixa, mas que mesmo assim eu ia voltar... que isso era só aqui na hora... no momento de raiva... e
que com o tempo eu ia voltar pra ele de novo... eles falaram: “ah! isso é questão de tempo...”
ele ficou falando tudo isso... Eu estava marcada... Ficou meio roxo... aí ele pegou e mandou fazer o
exame de corpo de delito... o policial que mandou... ele me deu um cartãozinho com o endereço,
mas eu acabei desistindo, mas que eu voltei pra ele.. ficou aquela agonia.. e, realmente
demora para a intimação chegar... essas coisas todas... ele ficava indo atrás de mim, naquela agonia
e eu voltei...Eu achei o atendimento bom... sabe... assim... Eu o achei bom... mas... a delegacia
não resolveu porque também eu não fui adiante.. eu mesmo parei... pelo fato de eu ter voltado para
ele, eu não liguei mais de ir para a delegacia... para ir para a audiência que já estava marcada... e
a intimação chegou para ele e para mim... chegou a primeira, mas que a mãe e a irmã dele o
queria aceitar, aí tive que levar de novo, aí foi que eles vieram aqui comigo entregar a ele.... porque
nesse momento eu ainda queria a separação. Teve a primeira audiência, mas foi separada... eles me
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escutaram e depois mandou ele entrar. Ele me escutou lá... bateu tudo no computador... ele (juiz)
pegou e falou assim para a minha mãe: “ela estava precisando era de uma boa surra da senhora... a
senhora tinha que quebrar ela toda.. porque ela mesmo gosta”. Aí, começou a falar com mainha que
eu também que gostava. Eu não gostei...mas também não falei nada... minha mãe também não falou
nada. Aí, depois teve outra vez, mas que a gente não foi mais...porque a gente já tinha voltado.
Eu estou com ele ainda. E se por acaso voltasse a acontecer isso (a violência), eu não tenho
coragem de ir mais não... porque eu tenho vergonha de ir para a delegacia, porque eu já fui uma vez
e não continuei.. quando eu chegar lá, eles vão ficar falando para que eu voltei.. não sei o que...
eu não tenho coragem de ir não..mas se eu tivesse coragem.. se eu soubesse que o profissional
não iria falar isso comigo, eu iria... porque eu acho que no momento que eu fui.. eu queria que me
dessem palavras de incentivo.. perguntasse mais as coisas .. não era pra dizer que estava com ele
porque eu gostava de apanhar... eu achava que ele (policial) deveria vir na hora para pegar ele...
para dar um corretivo... como tem a delegacia das mulheres... eu queria que ele fosse para lá pra
apanhar das mulheres, para ele ver também... e que depois ele ficasse um bom tempo para ele
aprender ...sei lá.. eu acho assim.. porque pelo fato de eu ir ... se ele vendo a marca, lógico que
tem que fazer o corpo de delito, ainda tudo isso.. para ainda ele ir .. ainda ouvir ele.. e tudo...isso
demorou acho que 1 mês. Minha família não sabia que eu sofria violência ... no começo não
sabia... por mim não.. sabia pela boca das pessoas... que as pessoas falaram.. mas ela me
perguntava e eu dizia que não era...porque eu gostava dele e não tinha coragem de falar... porque
também logo que eu comecei com ele... mainha olhou para ele e falou que ele gostava de bater em
mulher... que não era pra eu ficar com ele... mas mesmo assim..eu insisti...então se eu falasse para
minha mãe ... ela ia querer que eu largasse ele.. e eu não queria largar ele... Eu achava assim... que
pelo fato de ele usar drogas essas coisas... eu achava que poderia ajudar ele também.... mas acabei
sendo prejudicada entendeu... porque mainha não sabia que ele usava drogas e essas coisas ...
depois que ela veio a saber...Quando ela soube que eu estava em situação de violência ela me
ajudou... ela ficava falando: “bem que eu te avisei”... essas coisas... falava mais ainda.. mas, na
verdade isso não me ajudava.. me dava mais raiva..eu ficava com uma raiva.. sei lá.. realmente eu
sei que isso tudo era por culpa minha... eu achava assim... que a errada era eu ...então, de um lado
eu achava que ela me ajudava e de um outro eu não achava que era ajuda porque ela falava
demais... como no caso em que ela me perguntou se eu queria ir mesmo denunciar ... porque eu
chamei ela e ela sentou... conversou comigo... perguntou se eu queria mesmo dar queixa dele...eu
acho que é uma ajuda também... mas, quando eu voltei para ele, mainha não me queria mais
dentro de casa... então quando eu quis voltar para ele minha mãe não me apoiou...essas coisas..
eu peguei e saí de dentro de casa e fui morar com ele a gente alugou uma casa aqui e ficou
morando... mas ele tinha muitos ciúmes dos amigos dele... nosso quarto tinha porta... ele me
trancava dentro do quarto e me batia... eu estava no início da gravidez dele... um mês ou dois
meses... eu não tinha certeza que estava grávida... ele me batia me deixava trancada dentro do
quarto... com fome e tudo... quando eu saia... eu estava vomitando... aquela dor na barriga... na
boca do estômago ... foi um fato que passei e que me marcou muito... porque quando eu lembro
me dá muita raiva... (choro)... essa lembrança me deixa triste... eu não sei nem falar... são situações
que a gente não esquece .. (nesse momento, o companheiro da entrevistada chegou e a entrevista
foi encerrada).
Entrevista 07- PERSÉFONE
Concordo porque a briga causa o espancamento... Tem o maltrato que vem na frente, porque
começa do maltrato, às vezes a gente vai falar porque está maltratando e vem a briga, o
espancamento... porque o homem não hesita em dar uma tapa ou um murro numa mulher... ele não
pensa... depois quando ele agride que ele tem aquela maneira de pedir desculpa ... mas só que
tudo começa de uma briga... o maltrato quando você bate você maltratando... não é aquele
maltrato que você deixa de lado não....já apanhei muito. Já apanhei de meu pai, de minha mãe e até
hoje eu sofro porque eu tenho um filho, não trabalho e dependo do meu pai e da minha mãe e tudo
que é coisa o pessoal fala assim: “ah! porque eu dou de comer a seu filho”. Aí, porque acha que
comida e coisa, acha que pode mandar e desmandar nas pessoas, e às vezes pode atirar a
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autonomia da gente... que a gente tem com os filhos da gente.Eu fiquei com meu ex-companheiro
um ano e pouco. Tem um ano que não estou mais com ele. Eu me senti violentada logo no primeiro
mês. Eu já sofri violência com meu namorado... Já sofri a violência psicológica... quando ele quer
mandar na pessoa, de dizer: “você não vai! Você vai ficar aqui”... de ficar controlando seu horário
de ir e de chegar. Ele dizia a mim: “venha pegar o dinheiro hoje, que eu vou te dar um dinheiro
hoje para fazer a ultra-som”. Aí, quando chegava na hora ele não estava. De arranjar outra pessoa
para ficar curtindo com a sua cara. De eu precisar de alguma coisa e ele não me dar. Quando meu
filho nasceu, de eu ligar e falar: olhe, o menino está precisando disso”. Aí, ele falava: “eu não
tenho pra dar, você quer que eu roubar?”... porque isso tudo dói e machuca...eu não gosto nem
de lembrar porque vem uma sensação estranha dentro de mim. Aceitar a gravidez ele aceitou
porque ele dizia que não era para eu tirar, mas que as coisas que ele fazia para mim não era um
aceito. Era só o aceito da boca para fora, pois na hora mesmo do vamos ver, não era nada disso. Era
assim: “eu quero, tenha (a criança) que eu quero”... mas quando foi depois, não foi nada daquilo
que ele dizia que ia ser.Hoje em dia é até melhor nossa relação porque depois que eu tive o bebê, eu
passei um bom tempo sem ir lá... quando eu levei o menino para ir ele estava com 4 para 5
meses. Hoje em dia ele fala da gente morar junto, e ele me trata bem. Mas essa evolução toda
aconteceu depois que eu entrei no coletivo porque eu comecei a participar da oficina do GEM
(Grupo de Estudo Sobre a Mulher) que Lila me convidou, que era todas as quartas feiras e
começava 2h. Eu disse a ela que ia para ver porque para a gente saber das coisas, a gente tem que ir
para ver. Aí, eu fui para conhecer a oficina... gostei e comecei a participar da oficina. Aí, depois fui
vendo que as coisas que ele fazia comigo era tudo violência psicológica... aí daqui para comecei
a mudar. Eu disse que eu não queria aquilo para mim, porque se fosse daquele jeito que era eu não
queria porque eu tinha a possibilidade de arranjar uma outra pessoa que me tratasse melhor do que
ele. Eu agradeço muito a Normélia (coordenadora das oficinas do Coletivo de Mulheres do
Calafate) porque foi ela que abriu a minha mente para isso... para mim quando falava violência era
só a física... para mim não tinha os outros tipos de violência... depois que eu comecei a vir
participar das oficinas, que eu vim ver que isso que ele fazia comigo era violência e violência das
brabas, porque quando você sofre uma violência psicológica, abala você... abala seu corpo... sua
estrutura e você fica sem eira nem beira... e você fica desesperada... você fica esperando a melhora,
pois quando é um tapa ou um murro, a cicatriz passa e você as vezes esquece... mas, muitas vezes,
a psicológica não... fica ali remoendo. Você fica se perguntando: “porque está acontecendo isso
comigo? Não tinha necessidade de estar acontecendo isso comigo”. cansou de eu me perguntar:
“Meu Deus, por que eu tô passando por isso?”. Depois que eu vim ver que aquilo tudo era
violência, então eu dei um basta... eu mesmo falei com ele: “se você quer ficar comigo fazendo
aquelas coisas eu não quero porque eu estou cansada de sofrer.... porque isso é violência”. Ele disse
que não era e eu falei: “é sim”. E aí dei um basta... Se eu soubesse na época que eu sofria violência,
eu tinha denunciado ele porque é horrível, a sensação é terrível. A gente se sente mal com a gente
mesmo e pra mim a pior fase foi na fase da gravidez porque foi no momento que eu mais precisava
dele... mas foi o momento que ele mais me fez sofrer... que ele mais me torturou. Então é horrível...
eu não desejo isso para ninguém... sei lá... é uma sensação estranha que , que a gente não sabe
nem descrever. Foi difícil dar um basta, porque você chamar uma pessoa e falar quando ele não
quer ouvir... porque eles acham que violência era bater... ele disse pra mim que ele nunca tinha
me dado um murro ou um tapa, como era que ele estava agindo de violência comigo. Aí, eu disse a
ele: “já que você acha que não está agindo de violência contra mim... a partir de hoje, você fica no
seu canto e eu fico no meu... você fica assumindo o papel de ser pai, mas não vai assumir o papel
de ser meu marido porque eu o quero mais isso para mim”. , ele disse: “então certo! você
fica e eu fico cá”. Foi duro! Passei uns três meses sem ver ele, sem ele me procurar e sem eu
procurar ele... depois ele veio até a mim, me procurou, aí disse a mim: “tô vendo que você não vai
ceder, então vamos tentar do seu jeito, se for melhor assim a gente fica, se não for melhor a gente
não fica”. Desses três meses para cá, já tem uns 4 meses que a gente está junto de novo e está sendo
do meu jeito, nada de me cobrar, não quero cobranças em cima de mim.Eu não me sinto mais
violentada, nem cobrada... porque era uma cobrança que eu não gostava. Aí, eu não me sinto mais
violentada. Eu falo toda hora a ele: “você veja o que você vai falar porque as palavras machucam,
então eu acho que você deve ver o que você vai falar”. Eu nunca fui na delegacia. Eu sei o que o
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pessoal fala porque eu nunca fui lá. Nunca precisei ir lá. Eu sei o que o pessoal fala. Tem gente que
fala que o atendimento é bom... Tem gente que fala que o atendimento é ruim... é uma coisa que a
gente tem que ir pra ver. A gente não pode falar que é bom sem ir ver e também a gente não pode
falar que é ruim sem a gente ter ido lá. A delegacia serve pra dar queixa daqueles homens que
violentam as mulheres e para encaminhar as mulheres... pro centro de referência Loreta Valadares e
pra levar se possível para a casa abrigo. Eu enfrentei a violência... eu sair da violência... eu me
considero assim. Eu diria pras mulheres que não saíram ainda que a vida é uma roda gigante, as
vezes a gente está em cima outras vezes, em baixo ou até no meio. Então, se a gente não tomar uma
posição pra sair disso, a gente vai continuar sempre em baixo e a gente não deve nem ficar em cima
nem em baixo, a gente tem que ficar no meio. Como eu consegui, eu demorei quase dois anos para
conseguir isso. Eu acho que todo mundo consegue porque tudo com diálogo se consegue... mas,
não o diálogo.... também tem que dar uma queixa do agressor... por mais que a gente conviva
bem junto, se ele faz isso, se ele fez uma vez, ele vai continuar fazendo... por mais que a gente use
o diálogo, ele vai continuar fazendo... eu não estou sofrendo, mas pode ser que amanhã ou depois
ele volte de novo a fazer... então, eu diria que ela denuncie... que fale... que se abra... que procure
seus direitos pois tem meios para a gente sair...A lei Maria da Penha veio pra beneficiar as
mulheres que sofrem violência... tinha a DEAM mas o tinha a lei... então, você ia, marcava a
audiência.. conversava você e seu marido... e conversava. E hoje em dia não tem mais isso, com
a Lei Maria da Penha mudou. Ele vai preso, não tem direito a fiança nem a cesta básica porque
antigamente se a pessoa fosse presa, autuado em flagrante, podia pagar uma cesta básica e coisa,
hoje em dia não precisa de flagrante, basta você dar uma queixa, a pessoa vai presa e não precisa de
flagrante nem nada. Então mudou muito. Foi uma coisa boa para todas as mulheres.Eu já conversei
com sobre a lei Maria da Penha. levei cartilhas e tudo. Ele disse que do jeito que eu estou agora
é bem capaz dele dar uma queixa de mim. Ele disse que tem que mudar senão eu vou acabar dando
uma queixa dele.
Entrevista 08- ATENA
Violência doméstica... é também xingamento.. outra violência também é quebrar as coisas... a
psicológica... também a gente uma coisa dessa fica até frustrada.. vendo marido quebrando as
coisas dentro de casa é triste...A gente viveu o tempo da minha gravidez... e um ano dela.. acho que
dois anos.... quando tava esperando minha filha.. ele veio me bater.. mais quando ele veio me bater
eu fui descontar.. se eu deixasse ele me bater ele ia querer sempre me bater.. mas como ele me
bateu e eu descontei.. ele não quis mais.. não bateu mais... porque eu acho assim.. quando a mulher
abaixa a cabeça eles querem montar em cima.. então a gente tem que levantar a cabeça e mostrar a
eles que não é bem assim as coisas.... pensava em me separar dele.. tinha sempre aquele negócio da
família ficar se metendo.. que não era pra se separar... acho que até por ser um casal novo a gente
discutia muito..e também por intromissão da minha família e da dele também.. a gente discutia
muito.. eram muitas coisas que levava a gente discutir.. não colocando a culpa na família dele..
mas nós dois assim.. por ser jovens..ser estourados.. Eu sofri assim.. tipo pirraça.. pirraça..
xingava.. a gente discutia por qualquer coisa.. e depois disso tudo veio perdendo o respeito.. e eu
também percebendo que a gente tava perdendo o respeito um com o outro...aí com o tempo.. teve
uma briga.. como a gente teve em Madre de Deus no carnaval..que ele me xingou de vagabunda.. e
eu bati nele.. Ele veio pra me bater mais os meninos seguraram ele...porque nesse dia eu saí
mascarada no carnaval.. que em Madre de Deus a gente sai mascarada... quando eu entrei na praça
ele me agarrou sem saber que era eu.. e eu percebi que ele não sabia que era eu.. ele me ofereceu
cerveja e eu não bebo cerveja..quando ele me ofereceu cerveja eu falei pra minha prima.. ele não
me conheceu...ela disse: “ele te conheceu menina...” quando eu tirei a máscara que ele me viu, ele
ficou me olhando assim... todo sem ar..depois saiu.. foi aí que eu me separei dele..Eu não pensei em
denunciar ele por ele ter me batido, porque eu descontei. Nunca pensei em denunciar ele porque se
ele me xingava, eu xingava ele... então não foi uma coisa .. assim...como se fala... de chegar a
polícia .. porque se ele me bateu, eu descontei.. se ele me xingou eu xingava ele.. assim todos os
dois errados... ...depois disso tudo que aconteceu...eu fiquei uns 15 dias em Madre de Deus.. ele
voltou pra Salvador.. foi pra casa de meu pai...chegou na casa de meu pai.. disse que eu bati nele..
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inventou um monte de história.. dizendo que eu tava com ciúme dele.. por isso eu tinha batido
nele.. o contou pra meu pai que tinha me xingado.. não contou pra ninguém da minha
família...antes de eu voltar pra casa.. eu liguei pra casa e disse a ele: “quando eu voltar pra casa
quero que você embora porque eu não quero mais nada com você. Eu quero que você viver
sua vida que eu vou viver a minha”. Aí, depois disso, ele ficou na casa de meu pai.. meu pai tem
uma casa em Lauro de Freitas.. e eu voltei aqui pra casa.. quando eu voltei aqui pra casa ele não
tinha pego as coisas dele, eu arrumei as coisas dele e dei a ele.. e me separei a partir desse
momento.. ele foi embora viver a vida dele e eu fui viver a minha.. a partir disso, ele me pediu
ainda pra voltar.. até hoje ele me pede .. mas que é uma coisa que a gente que não vai dar
certo.. porque ainda existe a violência .. ele me xinga as vezes.. Eu não gosto mais dele... eu
respeito ele.. respeito entre aspas.. porque as vezes a gente se xinga.. por ele ser o pai da minha
filha.. agora pra dizer que eu vou voltar a viver com ele.. morar com ele .. não... Eu acho que o que
leva a gente discutir é mais pelo fato dele não as coisas pra menina... a gente fica indignada..
eu fico muito chateada...Depois disso, a relação com minha família mudou. [choro... pausa na
entrevista]. Depois disso meu pai não queria mais que eu morasse lá... ele pegava e ficava
falando que não queria a filha dele separada dentro da casa dele..aí a partir disso eu saí de ..
aluguei uma casa.. fui morar em outra casa... levei minha filha e tudo.. e não voltei mais pra lá...Foi
difícil alugar uma casa e ter que me virar sozinha com uma filha mas.. graças a Deus não faltou
nada pra ela.. tive que cortar tudo.. plano de saúde dela mas deu pra sobreviver.. deu pra não deixar
nada faltar.. como até hoje.. não falta nada pra ela.. Eu não tive o apoio de minha família... não tive
apoio de ninguém...porque é aquela família que quer morrer ali apanhando mas não quer separar do
marido... e eu não aceito isso... não aceito mesmo...porque eu vou viver apanhando de um homem
que não vale nada.. viver assim.. é melhor morrer do que ficar apanhando... Não tive ajuda de
vizinhos.. parentes... de ninguém.. assim.. eu tive que ir em frente mesmo.. aluguei minha casa ..
comprei minhas coisas...fruto do meu suor mesmo. Eu acho que a Delegacia da Mulher funciona
para as mulheres fazerem denúncia contra a violência... tanto de estupro.. qualquer outra violência.
Eu denunciaria só se eu não tivesse como descontar, aí eu denunciaria... Eu acredito mais ou menos
na delegacia... agora eu acho que a gente tem que ir até o fim... Então, tem que acompanhar...
correr atrás... ficar em cima do processo.. pra que haja um retorno.. se bem que a justiça no Brasil é
um pouco frágil ...demorada... então “se a gente não for até o fim, como eles lá vão fazer o trabalho
deles?”. Eu ouvi falar da lei Maria da Penha... que é a lei que protege as mulheres..eu nunca
conversei com marido sobre essa lei. Eu acho que deveria ter uma lei mais severa pra ajudar as
mulheres que vivem em situação de violência.. que eles ficassem pelo menos .. uns dias.. não to
falando assim que venha a ficar...dependesse do crime..que pegasse uma lei que ficassem presos
mesmo.. porque existem muitas mulheres por que apanham mesmo.. tem umas até que apanham
caladas.. porque as vezes não tem pra onde ir..e como existe a delegacia que pode encaminhar
para uma casa de abrigo.. uma proteção .. já é mais garantida para mulher se ela não tiver para onde
ir.. até pra que ele não ache..que faça alguma coisa.. até porque ela apanha .. acontece tudo isso..
ela volta pra casa e apanha de novo...então, queria que existisse uma proteção .. um lugar assim...
que ela saísse da delegacia.. fosse pra um hospital.. do hospital para um abrigo...
Entrevista 09- GAIA
Concordo porque eu também sofri e é isso mesmo... não muda nada... mas também tem a
violência psicológica... a pressão psicológica e quando o homem fica em cima da mulher
oprimindo.. dizendo que é feia... também com xingamentos. A gente ficou quase sete anos juntos.
Desde o início do namoro tinha a violência psicológica. Dele reclamar de roupa.. estar sempre
falando.. questionando... da minha roupa.. de querer me proibir de andar com minhas amigas.. de
eu sair .. ir pros lugares.. sempre me oprimindo.. Comecei a sofrer violência física depois de três
anos, depois que minha filha nasceu... Uma vez eu estava grávida e ele levantou a mão pra me
bater.. que dessa vez eu reagi.. eu peguei e dei uma garrafada nele.. ele parou.. depois que a
menina nasceu ele começou..Eu já sofri quase todos os tipos de violência com esse homem.. já teve
ato sexual que eu não queria .. a gente fez a força porque eu não tava com um pingo de vontade...
eu sentia nojo.. muito nojo. Antes disso, eu achava normal.. eu era a esposa dele.. ele tinha direito
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de fazer...que eu tinha obrigação de fazer.. a maioria das mulheres acha isso...a maioria das
mulheres pensam isso.. algumas amigas sempre falam isso: “mais é marido, tem o direito dele de
marido”. Sempre a gente pensa isso. Então, antes eu não sabia que quando ele me forçava a ter
relação sexual era violência.. eu vim ter entendimento depois que eu entrei no aqui no coletivo..
nessas oficinas de Normélia que tava sempre colocando.. falando.. que aí, eu vim ter
entendimento.. então, quando da primeira vez que eu denunciei, eu já sabia... Eu pensei em
denunciar ele por conta disso.. mas as vezes a gente.. pelo fato do atendimento.. me senti um pouco
retraída.. sei lá.. vergonha.. muita vergonha..chega e dizendo.. porque tudo bem.. só vão
mulheres... mas deveria ter uma sala especializada.. porque é um negócio aberto.. os policiais
vendo tudo ..todo mundo vendo.. chegando e vendo..e as vezes a pessoa não se senti a vontade para
estar colocando.. A primeira vez que dei queixa foi quando ele me bateu e me deixou presa dentro
de casa... aí que eu fui lá, dei a queixa e pela questão da demora de 3 meses da primeira audiência
peguei e larguei de mão... ele chegou a receber a intimação da primeira sim... na segunda, eu não
tenho certeza... mas ele não foi... nem eu... eu não fui porque ainda estava confusa, despreparada,
porque uma coisa é a gente falar dos outros, outra é quando a gente vive.. tem a questão: “ele é meu
parceiro! É o pai de meu filho! Eu não quero ver ele preso!”... tem toda essa questão. Da segunda
vez que foi agora, que ele me deu a facada e eu dei outra queixa, mas eu também não senti... eu
tava muito frágil. Ele me deu a facada no braço... eu tava discutindo com ele pedindo o dinheiro do
pão.. a gente já tava meio brigado.. aí, do nada, ele me deu uma facada no braço. Eu fui na DEAM
e no IML. Eu não posso lhe dizer que o atendimento da DEAM foi um dos melhores porque
quando eu cheguei sempre tem aquele negócio do mau atendimento, eu não me senti bem... o
fui muito bem atendida não... a mulher que fez minha ficha me tratou bem..conversou comigo.. mas
eu não me achei bem acolhida ... não demorei de ser atendida não, mas a delegacia não fez o que eu
queria... que viesse aqui ou prendesse ele ou levasse ele.. desse pelo menos um medo.. fizesse
alguma coisa com ele.. porque se ele me deu uma facada é uma tentativa de assassinato .. e esperar
três meses para uma audiência e muito difícil isso. mesmo me deram a ficha de
encaminhamento pra eu ir ao IML. Pra falar a verdade eu não acredito muito nessa delegacia, não..
não boto fé.. me sinto desmotivada desacreditada...pelo fato da demora.. o processo é muito lento...
3 meses.. nesse meio tempo a pessoa esfria.. desmotivada .. De mesmo fui pro IML... O
atendimento no IML foi bom.. não tenho do que me queixar. Me deram também um papel pra eu ir
para a defensoria pública e eu fui... me pediram pra ver o negócio de alimentação e da casa ..
que aí, me pediram uma papelada também .. um monte de coisa.. a identidade dele.. o endereço
onde ele tava.. tudo.. eu ainda não dei entrada porque eu não tenho tudo .. o que na defensoria
pública me pediram.. e como eu não tenho tudo, não pode ainda arquivar.. Eu acho que isso é
uma coisa pra pessoa desmotivar mesmo.. está desmotivando a gente.. porque eu me sinto
desmotivada diante dessa situação.Não posso dizer que não vivo mais em situação de violência...
por conta das ameaças. Eu não denunciaria ele novamente por conta das ameaças. Eu tenho medo..
eu abandonei duas queixas.. aí, eu fico com um pouco de medo de estar indo de novo.. e
passar pelo mesmo processo.. que a primeira, eu não fui.. a segunda, também não fui.. hoje eu
procurando me fortalecer.. porque eu também tenho medo.. pela questão que ele é envolvido com
coisa de gente ruim.. esses negócio todo.. fica me ameaçando.. diz que vai tomar a menina.. aí, eu
fico sempre com medo ...tá lembrando dessas coisas não é muito agradável.. da última violência
que sofri.. foi uma facada que o pai de meu filho me deu.. foi a ultima violência que eu tive.. quer
dizer, quando eu estava morando com ele..porque até hoje ainda sofro um pouco de violência
porque ele fica me ligando... de vez em quando fica me ameaçando ainda.. a violência psicológica
que ainda estou sofrendo.. não tô sofrendo a física no momento, mas a psicológica ainda sofro.. ele
diz que se me ver com outro, vai me matar.. Maria da Penha foi a mulher que sofreu duas tentativas
de assassinato do seu marido.. viajou muito para ONU.. por causa dela agora temos direitos.. com a
Lei Maria da Penha. Eu falava direto com meu companheiro sobre essa lei, mas ele dizia: “que
nada .. vai dar queixa... quero ver só.. eu quero ver alguém um dia vir me pegar e eu ser preso...
mas, depois de saber da lei, ele maneirou mais.. porque também a mídia sempre falando.. ele
maneirou mais .. eu não acho que a Lei Maria da Penha protege a mulher... eu acho que se o
homem tiver que fazer, ele faz mesmo. A mulher que sofre violência tem que ter muita coragem..
uma pessoa nessa situação pra sair .. Tem que ser muito corajosa... Ter muita coragem..
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Entrevista 10- HERA
Concordo porque no acontecimento da violência doméstica esses fatos..as brigas...as agressões.. o
espancamento..mas também tem a tortura mental... a violência psicológica.. eu acho que é a mais
difícil de ser detectada tanto pelo agressor como para vítima... e pra se sair dela é mais
complicado.. porque nós sempre prolongamos mais a chance.. mais a oportunidade do agressor
mudar de comportamento.. a sica .. a agressão.. os maus tratos físicos ficam muito nítidos..então
leva mais a rapidez da saída.. mas, a psicológica a gente fica na esperança que ele mude porque não
foi uma coisa tão grave assim.. mas é um tipo de violência que definha.. anula a mulher.. a pessoa
que vive nessa situação... Ficamos juntos quatro anos. A primeira cena de ciúme dele foi logo no
começo.. com uns 3 meses.. ele tinha muito ciúmes do pai da minha filha mais velha.. que foi do
primeiro relacionamento.. ele entrou num relacionamento com uma feminista.. ele tinha que se
adaptar um pouco.. mas não se adaptou não..A questão da violência psicológica foi desde o meu
primeiro casamento...mas apesar de já estar no movimento de mulheres.. eu não tinha muito..
assim.. era mais um movimento externo.. não trabalhava muito com a questão da
subjetividade..então o primeiro relacionamento.. e o segundo relacionamento.. quer dizer.. no
segundo começou a se agravar mais que eu estava, mais por dentro da questão da violência .. eu
percebia..a violência é mais forte quando a gente gosta mais da pessoa.. como no segundo
relacionamento eu não gostava muito do camarada.. então eu não me considerava.. eu não sentia
muito em situação de violência.. não me agravava as coisas que ele fazia, mas eu tinha mais
autonomia pra dizer “se mande... eu não gosto mais de você” .. com o último relacionamento.. dos
quatro anos.. como eu tinha uma certa afetividade.. me considerava até meio dependente... é difícil
mais de romper essa situação.. Eu sofri violência psicológica.. por isso que eu falo dela muito
forte... porque essa configuração da violência psicológica foi por conta da minha experiência
mesmo nela.. a gente dar desculpas.. pra comunidade, porque essa violência não aparece
explicitamente no corpo..então a maneira por exemplo.. de afastar a gente das amizades.. da
família.. afastando a gente do mundo.. da vida pública... você pode criar saídas.. criar meios de se
justificar..de falar: “ah! não a fim, não quero mais viver no meio de você minhas amigas”. Mas,
é mentira É umas das condições... é uma tortura.... uma maneira que o homem tem de fazer você
ficar isolada .. para que quando aconteça a situação de violência você não tenha apoio... você
veja ele como apoio.. aconteceu isso mesmo comigo.. eu sofria, mas eu só via ele pra desabafar.. eu
ia desabafar com quem?..então, ele acabava sendo ao mesmo tempo o agressor e o acolhedor.. é
uma coisa meio esquizofrênica... a gente chega a loucura.. As mulheres mentem porque elas não
querem falar ainda da separação.. até por experiência própria mesmo e por conviver muito nesses
casos de violência aqui na comunidade.. porque se for aprofundar muito no relacionamento..até a
dificuldade de entrar nesse serviço de atenção a mulher em situação de violência e ter que aderir a
esses trabalhos psicológicos.. a um centro de referência ... quando a gente encaminha..porque sabe
que vai ouvir certas coisas e escutar... isso vai exigir dela uma atitude..porque quando a pessoa não
tá preparada pra querer a separação.. ou então percebe que as vezes realmente não tem jeito... que o
processo de mudança dos camaradas é muito lento..que você o perspectiva... então, tem essa
questão do medo de separar.. do medo de ficar sozinha.. principalmente quando ele é o pai dos
filhos.. tem essa questão de: “sabe? ele não é tão ruim assim”. O trabalho com essa questão da
mulher em situação de violência.. é um trabalho assim.. é um processo lento.. no que eu vejo dessa
própria caminhada.. é um trabalho de muita escuta... eu não sei os termos psicológicos para tal
coisa.. tem o momento da escuta.. tem o momento de compreender porque ela insiste ainda nesse
relacionamento..mas tem que ter um momento.. de que eu chamo de tratamento de choque.. um
momento que sacuda a pessoa...”pô! não vai ficar chorando.. tem que tomar uma atitude para
sair dessa”.. então, é importante o trabalho desses grupos de auto-ajuda.. de grupos pequenos..e
mesmo da conversa.. com as mulheres que passam pela situação e com aquelas se encontram
fora dessa situação para que digam que possibilidades de ser feliz sem colocar os homens como
centro das atenções.. eu passo agora a fazer isso facilmente.. mas eu passei um ano no choramingo..
no chora-chora..de decepção.. depois que me separei.. é que consegui retomar minha autonomia..
retomar minha auto-estima.. ver horizonte.. ver outras metas .. a não ser a conservação daquele
relacionamento.. é um processo lento.. mas é isso que a gente tem que ver na frente..é um sinal que
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passou .. que tem outras coisas pra conquistar na vida. Teve muitas cenas de ciúmes .. teve uma
forte que não se executou porque eu não sei.. porque minha filha se meteu... eu tenho uma filha de
16 anos que ela interviu...que poderia se resultar em uma violência física e vocês não estarem
conversando comigo hoje... no dia 23 de julho de 2004.. eu já tava no finalzinho do relacionamento
de 4 anos...eu tinha que trabalhar na S.P.M... eu tinha um seminário com as mulheres.. esse
seminário acontecia no dia do sábado.. que antes de eu trabalhar tinha que deixar tudo
preparadinho.. essa compreensão de cuidadora.. esse exercício de cuidadora do lar.. de fazer o
almoço..nesse sábado a gente ia comer macarrão.. eu cozinhei o macarrão e deixei o molho
preparado.. pra na hora ele somente esquentar o molho e temperar o macarrão.. então, estar nesse
movimento de conscientização das mulheres.. essa questão de trabalhar dia de sábado.. começou a
incomodar ele.. ele falava: você sai e não faz suas obrigações de casa.. você não pra ser
mulher.. esposa .. nem mãe.. você não deixa as coisas”. Tudo isso... por causa desse
macarrão..porque a casa tava toda arrumada.. as roupas todas em dia... Eu cheguei do seminário ás
18:00 horas... a gente almoça geralmente meio dia.. mas, ele tava até aquele horário esperando eu
chegar pra esquentar o macarrão pra dar pra ele... E como ele o gosta de passar fome .. tava
revoltado.. Minha filha acenava pra eu não me alterar.. porque senão poderia piorar a situação ..
Não era diálogo..era já: você não nasceu pra ser mulher mesmo .. você tem que arranjar nem
outro homem.. tem que arranjar outra mulher.. porque mulher que é muito autônoma não é mulher
é lésbica.. é sapatona...esse negócio de feminismo.. o feminismo ou eu”. Ele ficou fazendo essas
chantagens.. até que ele chegou ao extremo.. que eu não tinha conhecimento.. que ele possuía uma
arma dentro de casa.. ele pegou a arma e começou a rolar o tambor: “quer ver que vou esvaziar essa
arma toda em cima de você?” .. nesse lugar onde a gente morava fazia muito calor e não tinha
nenhum lençol fininho lavado.. tinha um lençol que tava sujo.. aí, por implicância mesmo..
por abuso de poder... ele me obrigou a lavar o lençol.. eu ia até pedir pra vizinha um lençol mais
fino pra ele se enrolar.. aí ele me obrigou a lavar o lençol e eu tive que secar no ferro... no ferro de
passar...no ferro de engomar.. para ele dormir sossegado...isso com a arma apontada.. ..aí ele
aguardou o lençol ficar enxuto e foi dormir... Isso foi uma coisa ridícula mesmo ... e os meus dois
filhos presenciaram isso.. ele chegou pra o menino e falou: “não brincando não, viu? Voces
podem, amanhã, ser órfãos”. Aí, que minha filha interviu: acalme.. pra que isso?”. Ela tinha.. foi
em 2005 ..ela tem 16 anos.. ela tinha 14 anos e o menino tem sete.. então, tinha cinco. Eu senti
muito medo dele fazer alguma coisa comigo e meus filhos.. porque quando ele subia e descia com a
arma.. mas quando ele rodou o tambor.. eu fiz: “pronto!”. Pensei que ele ia dar uma tiro ou coisa
assim.. porque eu não entendia muito de arma.. mas eu me apeguei aos orixás.. até hoje eu
agradeço a Deus. .. quando eu lembro dessa cena é uma coisa...e quando minha filha participou do
CRIA (Centro de Referencia Integral do Adolescente) pediram que ela encenasse uma cena de
violência.. e ela encenou essa cena.. que ficou na memória dela e.... Foi horrível vivenciar essas
cenas diante de seus filhos... porque a gente fica com vergonha porque a trajetória dos meus filhos
é ver eu no movimento de mulheres defendendo a não violência contra a mulher.. a vergonha me
veio por essa parte.. principalmente para a menina que o que a gente quer passar para as filhas
mulher quanto aos homens.. que eles não sejam um futuro agressor e nem que ela seja uma futura
subordinada aos homens.. mas depois fui conversar com ela.. dentro do possível. Senti vergonha e
me senti pequena.. me senti parecendo aquelas crianças.. quando o pai diz: “faça isso!” E você tem
que fazer sem poder argumentar nada..sem poder questionar nada.. porque senão você leva uma
porrada...então, quer dizer é uma situação que infantiliza a gente.. eu me olhava no espelho e: “cadê
a mulher que pensa tanto.. escreve tanto?”...mas, nesse momento, você fica impotente mesmo.. Isso
foi no dia 23 .. no dia 24 tive um seminário em Lauro de Freitas.. ele acordou assim meio
enfezado.. mas ele sabia que eu tinha que sair assim mesmo para esse seminário.. eu saí.. voltei..
ele trocou umas duas palavras.. fiquei ainda com medo... com receio.. mas minha filha sempre
dizia: não bate testa, minha mãe.. não tem o que falar... a senhora se afasta”. Ela disse que ele
estava mais calmo.. que tinha conversado com ele.. Dia 25 era aniversário dele .. aí, eu sentei e
conversei com ele: “porra velho, você recebe carinho de mim.. e olha como você me trata?”.
Quando ele começou a chorar, eu acreditei nas lágrimas.. . em 2005 foi quando me separei dele..
quando fez um ano eu me lembrei e agradeci por estar viva. Quando eu me separei dele em 2005 ..
tive que denunciar porque tive que sair de casa .. então doutora Aída falou que era uma garantia
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para não ter uma configuração de abandono de lar.. que eu denunciasse ele.. dei a queixa na
DEAM .. fui pessimamente recebida lá .. e ainda me julgaram.. fizeram um pré-julgamento lá.. tive
que escutar da DEAM também essa.. Eu registrei no dia 10 de Dezembro.. foi rápido .. porque eu
tive que intervir no meu poder de coletivo.. porque quando eu fui chegando na DEAM, uma
assistente .. uma policial falou logo com o bocão dela: “audiência para fevereiro”... Então, eu
cheguei e sentei na frente dela e liguei pra doutora Claúdia... uma advogada conhecida minha e na
hora também liguei pra doutora Isabela Alice.. e ela conversou lá e anteciparam.. aceleraram minha
audiência.. que foi marcada para o dia 31 de Dezembro.. eu pedi para adiar a data... eu falei:
“poxa! Reveillon.. passar na delegacia”. Eu não queria passar por isso não.. pedi pra doutora
Aida mudar.. Aí, ela mudou pro dia 19 de Janeiro.. que todas as delegadas entraram em
greve.. e não teve audiência.. aí mudou pra fevereiro..mas também não teve porque ele não recebeu
intimação .. em março ele também não tinha recebido intimação ...porque a delegacia não
mandava.. “ah! eu não encontro o endereço”.. Aí, eu falei: “me que eu entrego”... mas em todas
as audiências eu ia .. que em março, ele voltou pra casa... é uma coisa assim meio
incoerente... porque ao mesmo tempo que ele passou por essa situação de violência.. eu tive que ser
solidária porque ele estava vivendo uma situação de ameaça de morte de alguns moradores do
bairro... foi outra situação porque ele defendeu uma mulher para não passar por essa situação de
violência .. ele tomou a frente com o ex-marido da mulher que violentava ela.. teve atrito com esse
ex-marido.. e acabou com o pessoal envolvido com o tráfico e tudo.. então, ele acabou tendo que
sair do bairro.. por estar sendo ameaçado de morte.. e aí foi nesse período de março que ele pediu
pra dar uma força a ele.. Ele ficou com a chave e saí.. tive que alugar.. minha situação financeira
ficou completamente desestruturada.. porque tive que alugar um apartamento.. uma coisa segura..
que eu saio muito..viajo muito.. teve que deixar meus filhos.. fui para o Cabula.. aluguei um
apartamento.. tive que mobiliar a casa toda.. imagine toda a minha vida assim... meu nome no SPC
e Serasa .. foi por conta disso que eu não tive condições de pagar os móveis que eu parcelei não sei
de quantas vezes.. então desestruturou a nossa vida toda.. vc tem que dar uma solução por causa
dos seus filhos..pronto.. aí depois não deu pra eu continuar no aluguel.. retornei para casa .. com ele
tinha a chave tenho direito a 50 % da casa .. ou ele ficava.. ou ele saia .. ele tb saiu da casa ..
não sei se ele ia levar isso em banho maria por muito tempo essas atitudes dele ou o que ia
acontecer comigo.. porque ele foi capaz de morar com outra mulher ... aluna dele de capoeira ..
morava na frente de casa.. aí ele saiu e foi morar com ela.. eu falei .. aí meu orixá tô sem força sem
energia pra romper esse relacionamento.. você tem que me ajudar a fazer alguma coisa.. colocou
essa mulher no caminho eu fiquei arrasada. Ser feminista e sofrer violência foi uma coisa horrível..
uma porque eu achava que as feministas iam me julgar.. como algumas me julgaram.. não são
solidárias.. porque o olhar das pessoas .. acham que nós estamos prontas.. que nós somos
mulheres anti-patriarcado tudo resolvido e não é..isso é uma coisa ruim de se passar.. mas foi até
bom porque eu exijo menos do processo de saída das mulheres em situação de violência .. então
porque o que a gente escuta em reuniões.. casos de mulheres em situação de violência num grupo
feminista.. elas falam .. ave maria como é que a mulher agüenta isso tudo.. .isso já é um espanto pra
você não falar..como eu já ouvia muitos comentários de outras mulheres... imagine de mim.. dentro
dessa articulação .. desse movimento contra a violência e o povo caiu matando em cima de mim
né.. escondi durante o tempo todo .. durante esses quatro anos que convivi com ele... Eu
escondi..uma .. por isso.. porque eu o queria me separar das feministas.. sabia que elas não iam
entender.. por eu já estar a tanto tempo no feminismo.. com ele foram 4 anos e mais dois anos no
feminismo.. ou seja.. eu sou mais feminista do que o meu relacionamento.. mas a gente é assim..
pega de surpresa.. eu escondi muito por isso.. por vergonha mesmo .. né.. de não ter
denunciado..como é que você aconselha as mulheres de denunciar.. e não consegue denunciar..
.então depois do que aconteceu a separação ... relatei alguns casos e como a gente participa desses
grupos.. até que eu tive coragem de contar para uma pessoa desse movimento.. me encaminhou..
me aconselhou um trabalho de terapia.. que fui fazer no SIEG com a psicóloga Graziela.. foi um
trabalho de grupo que eu tenho uma certa resistência para psicóloga individual.. então ele ia no
centro de referencia mas as psicólogas de eu já conhecia todo mundo.. ficou aquele negócio..
assim.. tanto a questão da religiosidade.. quanto o envolvimento dessa fortaleza que vem através
da religiosidade.. e é esse trabalho que eu fiz no SIEG foi uma oficina que não tinha nada a ver..
84
então tudo que você sentia você tinha que escrever.. então eu desabafei através da escrita.. Quando
eu senti realmente menos magoada menos abatida.. o que me fez tomar coragem.. porque precisa
relatar essas coisas para as mulheres.. para mostrar que a gente sai dessa sabe.. para tudo na vida ..
Eu não conseguia denunciar ele..uma porque eu não quero ver ele preso.. não sei.. não queria que o
maltratassem.. assim..eu sou muito dengosa para os desgraçadinhos..todos os meus
relacionamentos eu dengo muito os camaradas.. e assim.. sei .. uma pessoa que a gente denga
tanto.. para depois ser maltratado pela justiça.. ele precisa de um local .. porque ele tem uma
história muito agressiva na família.. né.. ele tentou buscar lá.. a história da família dele toda é uma
agressividade pura.. a família toda é assim.. ele precisava de um trabalho.. envolvi ele na campanha
do laço branco.. homem contra a violência contra a mulher no relacionamento.. eu não consegui
convencer ele a passar por um psicólogo .. que ele precisava de um tratamento.. que tudo na vida
ele resolve na agressividade... Quando eu pensava em denunciar.. queria que desse um conselho
pra ele mudar.. mas eu o tinha esperança que ele mudasse .. então para que dar.. Eu acredito na
justiça mas acho ela lenta e corrupta ao mesmo tempo.. porque você faz um jeitinho brasileiro e
resolve muita coisa.. agora o acolhimento da delegacia é o que afasta você.. porque você vai toda
magoada lá.. toda confusa.. se quer ou não quer denunciar aquele cara.. que ao mesmo tempo que te
agride.. é o cara que é legal em alguns momentos.. e chega você e olha assim.. poxa como é que
uma mulher dessas... não precisa falar.. pelo comportamento.. pelo corpo das agentes policiais.. te
julgam como é que você não consegue sair dessa situação .. uma mulher independente.. emprego e
tudo.. como é que você não sai disso.. ninguém sabe que passa por outras coisas.. então...A DEAM
deve ter um tratamento individualizado porque meu caso todos os agentes ali ficam ouvindo...
porque a mulher me atendia com um bocão deste tamanho.. depois na audiência ela me atendia
juntamente com outros casos de violência .. não pode ser assim .. entendeu..porque tanto eu
presenciava as brigas do casal.. que brigavam na frente dos agentes.. como as pessoas iam ficar
sabendo do meu problema.. sabe é uma coisa muito exposta foi uma coisa que não é você
denunciar um ladrão... tem filho metido no meio... tem detalhes.. as vezes você fala até coisas de
violência sexual.. você vai falar alguns comportamentos agressivos que o homem tem.... retomando
aquela pergunta sua do porque não denunciar.. era também a vergonha pela referência da
comunidade...talvez não fosse nem mascarar a situação nesses espaços.. mas na comunidade... o
que o coletivo perdeu de credibilidade por eu não ter denunciado ele.. então toda essa crise q o
coletivo passa é por conta disso... é uma referencia muito forte essa organização.. então até que
esqueçam...A lei é assim.. para mim transmite uma atitude do Estado .. do governo federal.. a um
apelo internacional porque nos casos.. a história de violência do Brasil é enorme.. então precisou
que chegasse aos organismos internacionais.. que obrigassem ao nosso país que aprovasse essa lei
... depois de tantas mulheres mortas.. tantas mulheres em situação de violência .. o movimento
feminista.. em 2004 e 2005 .. comemorou 30 anos de trabalho voltado para a questão da violência...
então eu vejo o resultado dela nisso.. apesar de toda a pressão do movimento para que ela fosse
cumprida.. assinada .. toda comemoração mais também tem todas essas coisas externas ... que
obrigam o governo a sancionar uma lei dessas depois como a nossa sociedade principalmente o
pessoal dos direitos humanos os seguidores .. alguns militantes.. só funcionam onde existe uma lei..
é legal por isso porque agora vão achar realmente.. que violência doméstica contra a mulher é
realmente violência .. então o pode dizer que não é porque está na lei .. precisou estar na lei pra
comprovar que é um absurdo viver em situação de violência.. isso é uma coisa boa da lei... agora a
questão da violência para mim .. é mais na raiz.. ela não atinge a radicalidade das coisas...os
problemas que causam a violência como a questão do patriarcado.. ninguém mexe nisso.. porque
vai mexer na igreja.. no estado.. na estrutura do estado.. Na época que eu estava com esse
companheiro.. essa lei não existia..Mas, a lei não está trazendo mudanças para o homem... porque
no nosso país existe um descrédito ... as pessoas independente de matar mulher.. matam homens..
então matam e saem.. na lei questão de homicídios.. se você tem um bom advogado pode sair dessa
situação.. então eu acho que existe essa questão do não funcionamento .. da lentidão da justiça.. ou
até mesmo da própria área jurídica .. eles acham que é inconstitucional.. a própria justiça está difícil
de convencer... imagine os homens do senso comum.. e hoje estão até matando mais porque não sei
se estou lendo mais jornal.. mas estão matando barbaramente..
85
Entrevista 11- CIRCE
Eu concordo porque eu mesmo sofri violência doméstica. Também não e isso porque tem
aquela da escravidão que eu acho também que é uma violência ...tem a violência psicológica... ele
me xingava muito..Eu sofri violência com o meu companheiro... ela tentou me bater...mas eu
também fui em cima dele... mas a mulher nunca tem a força que o homem tem. Outros
companheiros que eu tive também me agrediram... tentaram quase me matar.. botaram a
arma em minha cabeça... eu tive um companheiro que ele era da malandragem... Com o primeiro
companheiro que tive eu fiquei com ele sete anos e sofri violência os sete anos. Eu só ficava dentro
de casa trancada ... não podia sair .. não podia ver minha família.. não podia ver ninguém... que ele
achava que eu tinha obrigação de ficar dentro de casa... aí até o dia que eu me afastei dele.. a gente
se separou... eu me envolvi com outro companheiro... um dia esse meu último companheiro veio
atrás de mim.. eu tava no coletivo .. ele veio em cima de mim empurrando... batendo.. dando
tapa..murro.. ele batia aqui no ombro .. nas costas.. ele me empurrava... isso porque a gente tava se
separando.. ele não queria separar.. ele não tava querendo se separar..Teve uma vez que ele me deu
um murro na olho... uma mordida... e me deu uma facada... cortou...aí a irmã dele chegou .. ele
cortou o dedo da irmã ..ele veio de novo pra me dar outro murro...eu não procurarei um serviço de
saúde porque eu não tinha conhecimento de nada... cuidei da ferida em casa mesmo. Eu não
denunciei ele. Eu nunca denuncie... porque ele era errado..aí não podia envolver a polícia... se eu
denunciasse, ele ia acabar comigo.. me matar..eu tinha medo... Naquele tempo eu não sabia onde
denunciar... ia em qualquer delegacia... agora eu sei que é na DEAM... e eu sei como chegar lá.
Pelo meu conhecimento, a DEAM funciona assim.. a gente passa a violência.. a gente presta
queixa.. ela acolhe a gente..que na verdade não é assim .. no meu pensamento poderia ser assim..
mas é um pouco diferente.. eu fui fazer visita... tem muitos ignorantes ..a mulher em
situação de violência.. violentada.. a gente chega encontra uma pessoa com cara feia.. e lhe
trata mal.. eu presenciei uma pessoa violentada.. ela foi .. conversou com a mulher que estava
escrevendo lá.. ela tirou foto da mulher...aí foi olhou .. deu conselho .. marcou a audiência pra
mulher ir.. nas vezes que vai dar queixa, a mulher espera um tempo.. teve outro caso mesmo que eu
liguei para a viatura vir porque meu companheiro tava armado .. mas, eu não disse que era eu que
estava sendo violentada... porque o é anônimo, sigiloso... mas eles não vieram.. mas mandaram
dizer que eu fosse dar queixa.. aí, eu disse que não ia dar queixa.. porque eu já vi como era o
procedimento.. daqui que eu fosse dar queixa.. que eles marcassem a audiência .. era capaz dele me
pegar no meio do caminho e me matar... Da outra vez que eu saí da situação de violência..foi muito
difícil.. eu sofri muito.. eu fui pra casa de meus pais, teve que envolver família.. briga.. ele era
muito perigoso.. não queria que eu saísse de casa.. queria tomar minha filha.. eu não aceitava ..
tinha que voltar com ele de novo.. depois voltei para casa de minha mãe de novo..aí que eu fui
pegando minhas coisas aos pouquinhos.. quando ele foi preso..aí que eu tive a minha
oportunidade... ele foi preso porque ele rouba... roubo de banco...por isso que eu digo que eu passei
tanto tempo sofrendo violência.. porque queria me sair daquilo e ele não deixava .. era uma coisa
forçada.. Eu tive apoio de minha mãe uns tempos.. na verdade dela não, e sim de meu irmão porque
a minha mãe não aceitou eu ficar dentro de casa... Ela aceitou porque meu irmão interviu...
minha mãe era a fim dele... aí, ela ficou com raiva de mim.. e não aceitava eu dentro de casa porque
ela achava que ele tinha que ficar com ela e não comigo... Ela me botou pra fora de casa por causa
disso... na época eu dormir três dias na rua... eu fiquei debaixo de uma lage.. tava chovendo..
minha tia me viu e me botou dentro da casa dela.. aí, eu fui fiquei um tempo.. meu irmão me
pegou e disse que não era certo isso.. e que era pra eu voltar pra casa... aí passado um bom tempo...
eu fiquei um bom tempo só morando na casa da minha mãe ... arranjei namorado.. aí, ela achou que
eu tinha que viver com ele que não era pra eu morar longe.. só que aí, ele veio pra casa dela.. aí, foi
outra vida mais sofrida ainda...fiquei lá.. ela me dizia coisas.. eu tinha que ouvir calada porque não
tinha pra onde ir.. ela me xingava... eu estudava e parei de estudar.. porque quando eu chegava
meus filhos estavam com marca... ela batia neles...ela dizia que eles choravam.. qual o menino que
não chora.. aí resumiu o que...uma vez ela tentou me matar... porque esse rapaz que tava lá com ela
era um companheiro meu.. ela estava tendo um caso com ele por de trás de mim.. sem eu saber.. os
outros falavam mas eu nunca acreditava.. aí eu fui procurar saber dela.. sentei numa boa... procurar
saber.. saber o que tava ocorrendo.. eu não acreditei ... porque a gente jamais vai acreditar que
86
uma mãe ia fazer isso.. quando eu fui tirar satisfação e perguntar a ela... ela tava bebendo e ela
tentou pegar a faca e meteu aqui em mim (no pescoço)... eu pratiquei boxe sempre eu tenho a
esquiva.. quando a pessoa vem pra me dar murro assim no rosto.. eu sempre sei me sair.. aí, por
isso, que meu rosto não é cheio de marca. Porque, com esses companheiros que eu tive mesmo, se
eu o soubesse me sair, eu estava toda detonada.... vai fazer cinco anos que ela tentou me
matar.. que eu me separei dele.. que ela tá com ele.. hoje ela com ele ainda.. ela ainda me
botou pra fora... me jogou na rua.. essa mesma tia me acolheu.. meu irmão pediu pra eu ficar lá ..
fiquei lá uns tempos.. aí depois meu irmão alugou um canto pra mim ficar.. aí eu fiquei.. fiquei com
meus dois filhos.. arranjei um trabalho...
87
ANEXO A - Distribuição das palavras evocadas por freqüência e ordem média -
EVOC 2000.
ENSEMBLE DES MOTS RANGS
:FREQ.: 1 * 2 * 3 * 4 * 5 *
agressão : 40 : 14* 11* 5* 5* 5*
moyenne : 2.40
agressão-moral : 7 : 1* 2* 0* 3* 1*
moyenne : 3.14
agressão-verbal : 18 : 0* 2* 4* 7* 5*
moyenne : 3.83
alcoolismo : 2 : 0* 0* 1* 0* 1*
moyenne : 4.00
amargura : 2 : 0* 0* 1* 0* 1*
moyenne : 4.00
angústia : 13 : 3* 3* 2* 3* 2*
moyenne : 2.85
briga : 43 : 11* 10* 7* 8* 7*
moyenne : 2.77
ciúmes : 4 : 0* 1* 0* 3*
moyenne : 3.50
confusão : 2 : 0* 0* 1* 0* 1*
moyenne : 4.00
covardia : 12 : 3* 6* 1* 0* 2*
moyenne : 2.33
criança : 2 : 0* 0* 0* 0* 2*
moyenne : 5.00
denúncia : 4 : 1* 0* 0* 1* 2*
moyenne : 3.75
dependência : 2 : 0* 0* 0* 1* 1*
moyenne : 4.50
depressão : 3 : 0* 0* 0* 3*
moyenne : 4.00
desentendimento : 14 : 0* 2* 4* 6* 2*
moyenne : 3.57
desespero : 7 : 1* 3* 0* 2* 1*
moyenne : 2.86
desprezo : 16 : 1* 2* 3* 5* 5*
moyenne : 3.69
destruição : 5 : 2* 0* 0* 0* 3*
moyenne : 3.40
discriminação : 3 : 0* 2* 0* 0* 1*
moyenne : 3.00
discórdia : 5 : 0* 0* 2* 0* 3*
moyenne : 4.20
dor : 22 : 2* 4* 6* 4* 6*
88
moyenne : 3.36
escraviza : 2 : 0* 0* 1* 1*
moyenne : 3.50
espancamento : 34 : 16* 4* 5* 4* 5*
moyenne : 2.35
estupro : 21 : 5* 6* 2* 3* 5*
moyenne : 2.86
falsidade : 3 : 1* 1* 0* 1*
moyenne : 2.33
falta-de-amor : 22 : 2* 4* 6* 6* 4*
moyenne : 3.27
falta-de-amor-próprio : 2 : 0* 0* 1* 0* 1*
moyenne : 4.00
falta-de-diálogo : 29 : 5* 10* 5* 5* 4*
moyenne : 2.76
falta-de-estudo : 5 : 1* 1* 1* 0* 2*
moyenne : 3.20
falta-de-família : 15 : 5* 1* 4* 3* 2*
moyenne : 2.73
fim : 3 : 1* 0* 0* 0* 2*
moyenne : 3.67
fome : 8 : 1* 2* 5*
moyenne : 2.50
humilhação : 3 : 0* 1* 1* 1*
moyenne : 3.00
ignorância : 6 : 0* 2* 0* 4*
moyenne : 3.33
impotência : 5 : 0* 2* 1* 0* 2*
moyenne : 3.40
impunidade : 8 : 1* 2* 2* 2* 1*
moyenne : 3.00
indignação : 5 : 1* 0* 3* 0* 1*
moyenne : 3.00
infelicidade : 6 : 1* 0* 2* 2* 1*
moyenne : 3.33
machismo : 4 : 0* 2* 1* 1*
moyenne : 2.75
mal-caráter : 7 : 1* 1* 3* 2*
moyenne : 2.86
maltrato : 29 : 9* 7* 5* 4* 4*
moyenne : 2.55
medo : 30 : 6* 6* 8* 5* 5*
moyenne : 2.90
morte : 27 : 4* 8* 6* 3* 6*
moyenne : 2.96
não-deveria-existir : 2 : 1* 0* 1*
moyenne : 2.00
89
não-lembra : 2 : 0* 0* 0* 0* 2*
moyenne : 5.00
pena : 3 : 0* 0* 1* 1* 1*
moyenne : 4.00
prisão : 3 : 0* 0* 1* 1* 1*
moyenne : 4.00
raiva : 92 : 23* 12* 20* 16* 21*
moyenne : 3.00
silêncio : 4 : 1* 0* 0* 0* 3*
moyenne : 4.00
traição : 7 : 1* 4* 1* 1*
moyenne : 2.29
tristeza : 46 : 9* 8* 13* 9* 7*
moyenne : 2.93
vergonha : 4 : 0* 2* 1* 0* 1*
moyenne : 3.00
vingança : 5 : 0* 1* 0* 2* 2*
moyenne : 4.00
violência : 20 : 7* 5* 3* 2* 3*
moyenne : 2.45
vítima : 2 : 0* 1* 0* 1*
moyenne : 3.00
DISTRIBUTION TOTALE : 690 : 141* 141* 140* 131* 137*
RANGS 6 ... 15 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0*
RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0*
RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0*
Nombre total de mots differents : 55
Nombre total de mots cites : 690
moyenne generale : 2.97
DISTRIBUTION DES FREQUENCES
freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse
2 * 10 20 2.9 % 690 100.0 %
3 * 7 41 5.9 % 670 97.1 %
4 * 5 61 8.8 % 649 94.1 %
5 * 6 91 13.2 % 629 91.2 %
6 * 2 103 14.9 % 599 86.8 %
7 * 4 131 19.0 % 587 85.1 %
8 * 2 147 21.3 % 559 81.0 %
12 * 1 159 23.0 % 543 78.7 %
13 * 1 172 24.9 % 531 77.0 %
90
14 * 1 186 27.0 % 518 75.1 %
15 * 1 201 29.1 % 504 73.0 %
16 * 1 217 31.4 % 489 70.9 %
18 * 1 235 34.1 % 473 68.6 %
20 * 1 255 37.0 % 455 65.9 %
21 * 1 276 40.0 % 435 63.0 %
22 * 2 320 46.4 % 414 60.0 %
27 * 1 347 50.3 % 370 53.6 %
29 * 2 405 58.7 % 343 49.7 %
30 * 1 435 63.0 % 285 41.3 %
34 * 1 469 68.0 % 255 37.0 %
40 * 1 509 73.8 % 221 32.0 %
43 * 1 552 80.0 % 181 26.2 %
46 * 1 598 86.7 % 138 20.0 %
92 * 1 690 100.0 % 92 13.3 %
91
ANEXO B - Distribuição dos termos evocados segundo quadrantes do quadro de
quatro casas - EVOC 2000
Les 3 colonnes correspondent respectivement :
au Mot
à sa Fréquence
à son Rang Moyen
Le Fréquence minimale des mots est 4
Cas ou la Fréquence >= 8
et
le Rang Moyen < 2,9
agressão 40 2,400
angústia 13 2,846
briga 43 2,767
covardia 12 2,333
espancamento 34 2,353
estupro 21 2,857
falta-de-diálogo 29 2,759
falta-de-família 15 2,733
fome 8 2,500
maltrato 29 2,552
violência 20 2,450
Cas ou la Fréquence >= 8
et
le Rang Moyen >= 2,9
agressão-verbal 18 3,833
desentendimento 14 3,571
desprezo 16 3,688
dor 22 3,364
falta-de-amor 22 3,273
impunidade 8 3,000
medo 30 2,900
morte 27 2,963
raiva 92 3,000
tristeza 46 2,935
Cas ou la Fréquence < 8
et
le Rang Moyen < 2,9
desespero 7 2,857
machismo 4 2,750
mal-caráter 7 2,857
traição 7 2,286
92
Cas ou la Fréquence < 8
et
le Rang Moyen >= 2,9
agressão-moral 7 3,143
ciúmes 4 3,500
denúncia 4 3,750
destruição 5 3,400
discórdia 5 4,200
falta-de-estudo 5 3,200
ignorância 6 3,333
impotência 5 3,400
indignação 5 3,000
infelicidade 6 3,333
silêncio 4 4,000
vergonha 4 3,000
vingança 5 4,000
93
ANEXO C - Dicionário de termos evocados - EVOC 2000
Indignação (abismado, absurdo, decepção)
Estupro (agressão-sexual, violência-sexual,abuso,exploração, explorar)
Agressão (agredir, agressão-corporal, agressão-física, agressivo, facadas, facada, tiros, tiro)
Agressão-moral (palavras)
Agressão-verbal (ofender, ofensa, xingar, xingamento, machucar, mágoa, mágoas)
Alcoolismo (bebida)
Espancamento ( murro, murro-na-cara, pai-que-batia-na-mãe, espancar, pancada, porrada, soco,
bater, apanhar, inaceitável, reação, reagir, revidar)
Medo (pavor, terror, temor, trauma, pânico, apavorada)
Morte (morrer, matar, assassinato)
Maltrato (crueldade, maldade, maltratar, pervercidade, brutalidade, barbaridade, sofrimento)
Briga (discussão, brigas, ferir, ferido, ferimento, ruim, mal, coisa-ruim, ingratidão, problemas)
Prisão (cadeia, policial)
Covardia (canalha)
Tristeza (chateada, chateado, chato, triste)
Ciúmes (infidelidade, desconfiança)
Confusão (complicação)
Denuncia (denunciar, queixa, queixas)
Falta-de-dialogo (falta-de-consideração, falta-de-concordância, falta-de-companheirismo, falta-de-
companherismo, desamizade, desrespeito, falta-de-respeito, falta-de-equilíbrio)
Falta-de-amor (desamor, falta-de-carinho)
Depressão (desanimada)
Discórdia (desarmonia, falta-de-paz, falta-de-harmonia)
Desentendimento (falta-de-compreensão, incompreensão)
Discriminação (desigualdade)
Falta-de-estudo (falta-de-instrução, falta-de-informação, educação)
Escraviza (escravidão)
Falsidade (desonestidade)
Falta-de-amor-proprio (falta-de-atitude)
Mal-caráter (falta-de-caráter)
Fome (falta-de-dinheiro, roubo, preocupação, sem-opção)
Falta-de-família (falta-de-união, desunião, filho, filhos, separação, pais-separados, pais, parceiro,
relação, perdidos, sem-opção)
Fim (terminar, tem- que-acabar)
Impotência (insegurança)
Impunidade (injustiça, omissão)
Não-deveria-existir (não-deveria-acontecer)
Raiva (rancor, ódio, revolta)
Despezo (rejeição, vazio, desilusão, abandono)
Destruição (desumano, tragédia)
Silêncio (sofrimento-oculto, solidão)
Vingança (vingança).
94
ANEXO D - Parecer e aprovação do comitê de ética em pesquisa
95
96
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