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Análise de prática educativa
Configurada por uma Metodologia de Projetos:
Diálogo entre a Teoria de Atividade e a Teoria Ator Rede
Dr. Paulo Cezar Santos Ventura (Orientador)
Débora do Prado Lisboa
Dissertação apresentada no Mestrado em Educação
Tecnológica do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais/ CEFETMG, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação Tecnológica.
Belo Horizonte, 26 de maio de 2009
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Mestrado em Educação Tecnológica
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
Análise de prática educativa
Configurada por uma Metodologia de Projetos:
Diálogo entre a Teoria de Atividade e a Teoria Ator Rede
Débora do Prado Lisboa
Banca Examinadora:
Dr. Paulo Cezar Santos Ventura
Dr. Adelson Moreira
Dr. Irlan Von Linsingen
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Resumo
Esta pesquisa teve como objetivo investigar as formas de produção dos alunos (as)
de artefatos técnicos numa disciplina de Introdução a Engenharia Elétrica do CEFET/MG
que utiliza uma metodologia de projetos. Observamos as práticas de pesquisa, os vínculos e
a mobilização entre alunos e em relação a grupos externos ao laboratório. Dentre outros
aspectos que poderiam ser objeto de estudo, levantamos a hipótese de que o tratamento do
processo de ensino-aprendizagem através da metodologia de projetos possibilita a formação
de uma rede sociotécnica, e esta trama cria oportunidades de aprendizagem do processo de
construção científica e tecnológica. Para isso, dialogo com os conceitos da Teoria da
Atividade, que entende o processo de ensino e de aprendizagem como histórico e social e a
Teoria Ator Rede que trata da construção do processo científico a partir da configuração de
uma rede sociotécnica. Para estudo e descrição utilizei diversas técnicas de coleta de
dados, a ver: pesquisa documental; observação de aulas em oficinas, laboratórios e
ambientes comuns da escola. Paralelamente fiz, ainda, análise documental, com apreciação
de leis, diretrizes, documentos produzidos pela instituição pesquisada, blogfólio produzido
pelos alunos, planos de ensino dos cursos de Engenharia e documentos diversos divulgados
no site da instituição. O estudo apontou que o processo de ensino-aprendizagem
desenvolvido através de uma metodologia de projetos, considerado nesta pesquisa como
prática educativa, faz parte de um sistema de atividades que possui características afins com
a descrição de rede sociotécnica de Bruno Latour. A investigação, nos leva a pensar na
atividade como um sistema que possui semelhanças e/ou complementaridades com a
descrição de redes sociotécnicas de Bruno Latour.
4
Abstract
The present study was aimed at investigating the ways students produce technical artifacts
supposed to be a requirement of the course Introductory Electrical Engineering, which uses
a methodology of projects, Projects Based Learning – PBL, at Centro Federal de Educação
Tecnológica of the state of Minas Gerais, Brazil. Research practices, links among the
students and with groups out the laboratory of projects (LACTEA) were observed. We
hypothesized whether the approach to learning-teaching process through a methodology of
research would enable the formation of a socio-technical network, creating learning
opportunities of processes for constructing scientific and technological conceptions. In this
context, we used the Theory of Activity, which takes the learning-teaching process as a
historical and social activity, and the Actor-Network Theory, which considers the
construction of the scientific process based on the configuration of a socio-technical
network. The following techniques for collecting data were used: documental analysis,
observational analysis of lectures, workshops, laboratories and the college facilities.
Simultaneously, the documental analyses were carried out based on a critical analysis of the
institution laws and rules, documents provided by the institution under investigation, blog
reports produced the students, teaching units provided by the professors of the
undergraduation course in Electrical Engineering and further documents released by the
institution. Our results suggested that the learning-teaching process developed through
PBL, regarded as an instructional practice, is part of a system of activities with common
features similar to the Socio-Technical network.
5
Agradecimentos
Durante a pesquisa que deu origem a esta dissertação, e principalmente durante sua
redação, a ajuda e a presença de muitos foram de fundamental importância. Citarei,
injustamente, apenas algumas(uns).
Agradeço
A Deus, pelo dom da vida, pela possibilidade de mudança de mente, que por vezes,
acontece com dor, outras vezes, pela consciência que vai abraçando o entendimento até
dizer que Deus tem razão.
Às(aos) professoras(es), coordenadoras(es), alunas(os) do CEFET/MG, que se expuseram e
permitiram que a investigação se concretizasse.
Às(aos) colegas de turma do Mestrado em Educação Tecnológica, em especialmente aos
Leões e as gazelas que dialogaram comigo, ajudando-me na produção e análise
interpretativa dos conteúdos e das relações estabelecidas na sala de aula do mestrado e
ainda, pelas piadas que aprendi.
Às(os) amigas(os) cujos nomes não cabem aqui, mas que foram imprescindíveis com suas
leituras, releituras, críticas e sugestões, ou mesmo pela significativa presença para o meu
amadurecimento acadêmico e elaboração deste trabalho.
Às(aos) professoras(es) do Mestrado, em especial Prof. Dr. Geraldo Pedrosa pelas
conversas intermináveis sobre sujeito e objeto.
6
Especialmente, ao Prof. Dr. Paulo Cezar Santos Ventura, por sua orientação, sua paciência,
sua persistência, seus incentivos e suas sugestões ao me guiar pelo caminho da pesquisa.
Às (aos) amigas(os), especialmente, os SOMUNOZES, Renato, Geovanna, Lila, Monica,
Myrian e Joyce, presentes em minhas alegrias e desapontamentos.
Às minhas meninas Ana e Rafa e meu menino Pedro, pelo privilégio de tê-las(os), pelo
sorriso com que me recebem todos os dias, pelo silêncio por saberem que a mamãe está
estudando e pelos beijos no meio do nada.
Ao meu pai pelos passeios no parquinho do bairro, onde vo me levava mostrando os
lugares, dando nome às paisagens e contando histórias. Contava as horas pra você chegar
em casa pai e você chegava cansado exausto do trabalho pesado e da grana curta, mas trazia
balas e sorrisos.
À minha mãe pelo amor incondicional e sua esperança cega, pelas orações constantes e por
todos os mimos que me dedica, pela economia de palavras, amparada na certeza da verdade
dita, pelo incentivo constante e pela grande amizade que nos uniu em nossas caminhadas.
7
Sumário
1
INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.1 Organização dos capítulos 12
2
O ENSINAR E O APRENDER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.1 TEORIAS E CONCEPÇÕES SOBRE O ENSINO E A
APRENDIZAGEM. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
13
2.2 A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL E A PRÁTICA
EDUCATIVA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...
20
2.3 A TEORIA DA ATIVIDADE : A METODOLOGIA DE
PROJETOS DE TRABALHO COMO UM SISTEMA DE
ATIVIDADES . . . . . .
26
3
REDES SOCIOTÉCNICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
3.1 CONCEPÇÕES E CARACTERÍSTICAS DAS REDES
SOCIOTÉCNICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .
36
3.2 ESTUDOS SOBRE REDES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
42
3.3 REDES NO AMBIENTE ESCOLAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
46
4
METODOLOGIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
52
5
DESENHANDO UMA REDE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.1 REGRAS RELATIVAS AO DESENVOLVIMENTO DO
PROJETO NA DISCIPLINA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
56
5.2
COMUNIDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
5.3
DIVISÃO DE TRABALHO . . . . . . 72
5.4
FERRAMENTAS UTILIZADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5.5
DOIS EXEMPLOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
5.5.1
Grupo Copo térmico . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
5.5.2
Grupo Limpador de janelas . . . . . . . . .. 90
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
99
7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
107
8
ANEXO 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
112
8
Introdução
Nesta pesquisa proponho um conceito de ambiente de aprendizagem que leve em
consideração dimensões envolvidas no ato de educar. Na medida em que o ato de ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua construção e
instauração, de que forma deve atuar o professor? Quais os princípios e concepções que
amparam as práticas educativas? Que ambiente se configura na abordagem do processo de
ensino – aprendizagem através da metodologia de projetos de trabalho?
Estas dimensões sempre estiveram presentes em minhas inquietações desde a
formação no curso de Pedagogia, quando tive pela primeira vez contato com teorias de
aprendizagem. Dentre os diversos aspectos e linhas que postulam acerca de como se dão a
aprendizagem e a formação os trabalhos de Vigostky, inicialmente, e seus seguidores
posteriormente, me atraiam pela forma como articulavam o social, o cultural e a formação
intelectual. Li várias vezes livros como a “Formação social da mente”, “Pensamento e
linguagem” e “Teoria e método em psicologia” e mais tarde livros e artigos de e sobre
Leontiev e Luria, ambos, pesquisadores da perspectiva histórico-social.
Mais tarde, participando do grupo de pesquisa LACTEA, me aproximei do trabalho
de Bruno Latour sobre a formação de redes sociotécnicas que se estabelecem durante a
construção de objetos e fatos científicos. Ao ler “Ciência em ação: como seguir cientistas e
engenheiros sociedade afora” onde LATOUR relata a forma como cientistas e laboratórios
científicos se estabelecem como ciência e fato científico, percebi a interrelação entre
9
práticas sociais e conceitos, relação também presente no trabalho de Vigotsky e seus
seguidores.
A partir daí busquei o campo em que estas teorias poderiam dialogar sendo que
considerei as duas como explicações possíveis para entender processos de aprendizagem e
formação e, então, entendi que o ambiente escolar poderia oferecer um campo para análise
do diálogo entre as teorias.
Para Latour, as redes sociotécnicas se formam à medida que um objeto ou fato
científico se constitui. Estas se caracterizam por mediações entre atores, instituições e
envolve convencimento, negociação e alianças. Vigostky, por sua vez, pensa a
aprendizagem como um processo que abrange a articulação de elementos culturais e sociais
e tem na mediação um forte elemento estruturador do conhecimento, como veremos no
conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Além disso, vê no trabalho e na produção,
ferramentas intelectuais.
Durante suas pesquisas Vigostky acompanhou pessoas durante o desenvolvimento
de tarefas e problemas, e Latour, acompanhou cientistas no desenvolvimento de conceitos e
fatos científicos. Considerando estes elementos optamos por pesquisar um ambiente escolar
em que a prática educativa constituía-se na produção de um objeto ou artefato desenvolvido
por alunos durante um período de tempo.
Dentre outros aspectos que poderiam ser objeto de estudo, este trabalho objetiva
analisar a configuração de redes estabelecidas pelos alunos do CEFET/MG, ou seja, suas
práticas cotidianas de pesquisa, vínculos e a mobilização dos atores e os grupos sociais
externos ao laboratório. Uma das questões levantadas é se o tratamento do processo de
10
ensino-aprendizagem através da metodologia de projetos possibilita a formação de uma
rede sociotécnica, e se esta trama cria oportunidades de aprendizagem do processo de
construção científica e tecnológica.
Na definição de currículo pelo Parecer CNE/CES nº 1362/2001 destacam-se
elementos que refletem a proposta de que os cursos de graduação na área da Engenharia
tenham uma estrutura flexível. Nesta definição o currículo vai além das atividades da sala
de aula englobando atividades complementares, conjunto de experiências de aprendizado
que tenham como foco a iniciação científica e tecnológica. Além disso, percebe-se, quanto
ao ensino-aprendizagem, uma vertente sócio-construtivista como base filosófica do
processo: “(...) entende-se que o aprendizado se consolida se o estudante desempenhar
um papel ativo de construir o seu próprio conhecimento e experiência, com orientação e
participação do professor
1
”. Salienta-se também, a necessidade de facilitar a compreensão
totalizante do conhecimento pelo estudante”.
1.1. Organização dos capítulos
Apresentamos concepções sobre a aprendizagem e o ensino com a análise de alguns
postulados defendidos por Vigotsky e seguidores para argumentar que a metodologia de
projetos de trabalho faz parte de um sistema de atividade.
Em seguida, trabalhamos concepções e características de uma rede sociotécnica na
construção de processos científicos segundo a perspectiva de Bruno Latour. A partir deste
1
Parecer CNE/CES nº 1362/2001
11
conceito procuramos estabelecer um diálogo com a teoria de atividade caracterizando a
rede sociotécnica como um sistema de atividades.
Descrevemos as atividades desenvolvidas pelos alunos a partir de categorias
trabalhadas por Roth (2004) ao tentar caracterizar um sistema de atividades, pela análise
dos registros dos alunos em blogfólios e no questionário elaborado para a pesquisa.
Classificamos os dados levantados a partir de 4 elementos: as ferramentas utilizadas pelos
alunos, as comunidades envolvidas no processo, as alianças estabelecidas e os valores que
orientaram a prática. As etapas serão melhores descritas na discussão sobre a Metolodogia
utilizada na próxima sessão.
Para esta pesquisa a caracterização da metodologia de projetos como parte de um
sistema de atividade é um ponto central, inclusive na análise dos dados coletados na
observação, entrevista e acompanhamento dos blogs feitos pelos alunos. Consideramos
como elementos de observação as categorias propostas por Engeström no qual ele
caracteriza um sistema de atividades, na perspectiva da teoria da atividade de Leontiev.
Na metodologia de projetos de trabalho proposta pelo LACTEA o ponto culminante
é o desenvolvimento de um objeto ou artefato técnico. Para alguns autores este processo
seria uma atividade negociada entre os membros de uma equipe e a rede de conhecimento
da qual ele faz parte, onde o social e o técnico atuam indissociavelmente. (VENTURA,
2002)
Esta perspectiva foi denominada por Latour como sociotécnica. Tal como ele
afirma, na construção de um objeto ou fato cientifico se faz necessário configurar uma rede
12
onde atores humanos e não-humanos atuam como elementos de igual importância e peso na
concretização da realização de uma obra ou artefato.
Estes são os pilares da pesquisa, a caracterização da metodologia de projetos como
parte de um sistema de atividades a partir da produção do artefato, configurando uma rede
sociotécnica.
1. O
Ensinar e o aprender
1.1.Teorias e concepções sobre ensino e aprendizagem
Neste capítulo, apresento concepções sobre o ensino e a aprendizagem e
esboçaremos a análise de alguns postulados defendidos por Vigotski e seguidores que
apresentam um posicionamento afirmativo sobre a prática educativa e defendo que a
metodologia de projetos de trabalho faz parte de um sistema de atividade.
Uma teoria relativa à aprendizagem possui aspectos como a representação do autor
ou de uma determinada concepção sobre como abordar quais seriam os fenômenos e as
perguntas importantes relativas aos processos da aprendizagem e de construção de
conhecimento. Trata-se de uma tentativa de explicar o que é aprendizagem e porque ela se
constitui da forma como parece se constituir.
A psicologia vigotskiana estabelece a relação entre sujeito e objeto apoiando-se no
método dialético de Marx, concluindo que as origens das formas superiores de pensamento
consciente deveriam ser achadas nas relações sociais que o indivíduo mantém com o
mundo. Ao contrário do funcionalismo onde o homem é produto da sociedade, no
13
materialismo dialético o homem é também um agente ativo no processo de criação deste
meio, interação entre sujeito e objeto (VIGOTSKY,1998).
Vigotsky e seus seguidores denominaram esta perspectiva de instrumental, histórica
e cultural. É instrumental porque ao aprender algo o sujeito incorpora e modifica os
estímulos e passa a usar suas modificações como um instrumento de seu comportamento.
O instrumento, nesse sentido, seria o meio de trabalho, uma coisa ou um conjunto de coisas
que o homem interpõe entre ele e o objeto de seu trabalho como condutor de sua ação. É,
portanto, um produto da cultura material, objeto social no qual estão incorporadas e fixadas
as operações historicamente elaboradas, ao mesmo tempo social e idealmente (LEONTIEV,
1996).
É cultural porque envolve os meios estruturados socialmente pelos quais a
sociedade organiza os tipos de tarefas e os tipos de instrumentos (mentais e físicos), de
que o sujeito dispõe para dominar uma tarefa, a linguagem é um exemplo de instrumento
que organiza os processos mentais ao serem incorporados (VIGOTSKY, 1998).
O aspecto histórico funde-se com o cultural, onde os instrumentos que o homem
criou para dominar a natureza e seu próprio comportamento foram inventados e
aperfeiçoados ao longo da história social do homem, Engels chega a afirmar que “O
trabalho criou o próprio homem”.
Para as teorias histórico-culturais, o trabalho é um processo que liga o homem à
natureza. É fundamentalmente um ato que se passa entre o homem e a natureza onde ao
mesmo tempo em que age sobre a natureza e a modifica ele modifica sua própria natureza
também e se desenvolve (LEONTIEV,1996).
14
“O trabalho é um processo que liga o homem à natureza, o processo de ação
do homem sobre a natureza. Marx escreve o trabalho é primeiramente um
ato que se passa entre o homem e a natureza. O homem desempenha ai para
a natureza o papel de uma potência natural. As forças de que o seu corpo é
dotado, braços e pernas, cabeças e mãos, ele as põe em movimento a fim de
assimilar as matérias dando-lhes uma forma útil à sua vida. Ao mesmo
tempo em que age por este movimento sobre a natureza exterior e a
modifica, ele modifica sua própria natureza também e desenvolve as
faculdades que nele estão adormecidas (LEONTIEV, 1996)”.
Vigotski, Leontiev, Luria e outros teóricos utilizaram os argumentos de Marx como
fundamento para a construção de uma psicologia e sua aplicação na educação , sendo que a
perspectiva sobre ensino e aprendizagem pode ser redefinida em termos de uma construção
da cultura humana e de uma visão dialética das contradições existentes no processo.
Neste trabalho optamos em considerar para análise dos dados a perspectiva
histórico–cultural de Vigostki e seus seguidores, por considerarmos o processo de ensino e
de aprendizagem no ambiente escolar ser uma prática educativa direta e intencional, através
da qual o indivíduo histórico é levado a se apropriar das formas culturais e do saber
construídas historicamente e situadas socialmente, mais próximas, portanto da perspectiva
de Vigostky e Leontiev (DUARTE, 2004).
1.2.A perspectiva histórico-cultural e a prática educativa
Até este ponto, apresentamos algumas abordagens concernentes a teorias sobre a
aprendizagem a partir das categorias sujeito–objeto, dentre elas indicamos três correntes
15
teóricas: as comportamentalistas, a psicologia genética e a psicologia histórico-cultural. Em
seguida enfatizaremos a relação entre as acepções da corrente histórico-cultural e a prática
educativa que delas decorrem, a partir da perspectiva de que alguns postulados defendidos
por Vigotski e seguidores, dentre eles Leontiev na Teoria da Atividade apresentam um
posicionamento afirmativo sobre a prática educativa.
Neste texto postulo acerca de um conceito de ambiente de aprendizagem que leve
em consideração as dimensões envolvidas no processo do ato de educar. Na medida em que
o ato de ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua
construção, quais os princípios e concepções que amparam as práticas educativas e que
ambientes se configuram a partir do tratamento do processo de ensino e da aprendizagem
pela metodologia de projetos?
Analisemos mais de perto alguns aspectos do conceito de ambiente de aprendizagem
escolar concebido por Moreira
2
(2007) que considera o ambiente de aprendizagem escolar
um lugar organizado para promover “oportunidades de aprendizagem” constituindo-se de
forma única na medida em que é socialmente construído por alunos e professores a partir
das interações estabelecidas entre si e com as demais fontes materiais e simbólicas do
ambiente.
Tendo como característica ser previamente organizado ou que se auto-organiza no
processo, percebemos a produção direta e intencional de elementos que compõem um
ambiente físico ou não que i potencializar, ou melhor, criar oportunidades educativas.
2
Conceito definido em aula na disciplina “Ambientes de aprendizagem no ensino de ciências e
tecnologia”, no CEFETMG, pelo professor Dr. Adelson Fernandes Moreira, no 1º semestre/2008.
16
Note-se que nesse conceito está formulada a necessidade de identificar os elementos
culturais necessários à configuração do ambiente de aprendizagem escolar. O ambiente se
configura considerando o processo social e cultural, e a intencionalidade do mediador, no
caso do professor que cria estratégias de ensino com vistas a potencializar a aprendizagem
dos alunos. A esta relação chamamos de prática educativa.
Assim a prática educativa escolar é uma atividade intencional dirigida para fins
educativos e trata da relação direta entre o educador e o educando, e do resultado da
educação, ou seja, a efetividade da aprendizagem.
“Para nós - diz Vigotski - o homem é uma pessoa social. Um agregado de relações
sociais encarnadas”, o biológico adquire uma nova forma de existência sendo incorporado
pelo cultural e histórico, traduzindo o processo de transformação que o homem opera na
natureza e a natureza no homem, fazendo do homem o artífice de si mesmo (SIRGADO,
2000).
Na concepção de Vigotsky, como vimos acima, o homem é um ser social que se
constitui nas e pelas relações sociais que estabelecem com outros homens e com a
natureza, sendo produtor e, ao mesmo tempo, produto destas relações num processo
histórico. A interação com outros indivíduos cumpre uma necessidade ontológica, de
humanizar o indivíduo.
“Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas
as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro no
nível social, e, depois, no interior da criança (intrapsicológico). Isso se aplica
igualmente para a atenção voluntária, para a memória gica e para a
17
formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações
reais entre os indivíduos humanos (VIGOSTKY, 1998).
O encadeamento pedagógico desta concepção é a valorização das atividades
realizadas com a mediação de um outro elemento, seja um adulto, um colega, ou um signo.
Em suas pesquisas Vigotsky introduzia obstáculos que perturbavam o andamento normal de
um problema e em níveis de dificuldades que excediam os níveis de conhecimento e
habilidades que o sujeito dispunha.
A interpretação dada à experiência formativa para o desenvolvimento intelectual é
que esta não ocorre independentemente do social, histórico e cultural, o social se converte
em cognitivo através da mediação. A mediação é explicada pelo conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal - ZDP:
“Distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar
através da solução independentemente de problemas e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (VIGOSTKY, 1998)”.
A relação entre as categorias mediação, instrumentos, relação sujeito-objeto e
prática social, analisadas na perspectiva histórico-cultural de Vigostky foram, após sua
morte, expandidas pelos seus seguidores, dentre eles, Leontiev, na Teoria da Atividade que
será abordada aqui, por se tratar de uma perspectiva que nos possibilita analisar a dinâmica
da prática educativa configurada pela metodologia de projetos.
18
A “atividade”, é uma categoria central da perspectiva marxista, desempenhando
funções de princípio explicativo dos processos psicológicos superiores e de objeto de
investigação.
“O trabalho humano é uma atividade originalmente social, assente na
cooperação entre indivíduos que supõe uma divisão técnica, embrionária
que seja, das funções de trabalho; assim, o trabalho é uma ação sobre a
natureza, ligando entre si os participantes, mediatizando a sua
comunicação” (LEONTIEV, 1996).
Para a perspectiva histórico-cultural, a necessidade é o que dirige e regula a atividade
concreta do sujeito, portanto, a natureza da atividade refere-se aos processos cognitivos e
ao desenvolvimento do pensamento complexo e estende-se à esfera das necessidades e das
emoções.
As necessidades são compreendidas a partir de uma perspectiva histórica, pois o
homem, na superação das necessidades biológicas e da natureza, constrói objetos para
satisfazer, adaptar e superar obstáculos e nesse processo criar também novas necessidades e
com isso, novas atividades.
“O” psiquismo é determinado pela necessidade para os animais se
adaptarem ao meio e que o reflexo psíquico é função dos órgãos de
percepção e ação, bem como do cérebro, cria nos animais a possibilidade de
uma percepção sensível das correlações objetivas entre as coisas, sob forma
de situações relativas aos objetos (...) Os animais não criam necessidades
novas, não manifestam necessidades novas. Por isso , as atividades dos
19
animais permanecem dentro dos limites das suas relações biológicas,
instintivas, com a natureza. “É uma lei geral da atividade animal”
(LEONTIEV,1996).
A motivação é o motor que impulsiona a atividade, articulando necessidade e
objeto. O objeto sozinho não provoca uma atividade e nem a necessidade isolada, a
atividade só existe e se configura se há um motivo.
Na atividade animal, a motivação está ligada ao suprimento das necessidades
biológicas (comer, reproduzir, dormir, por exemplo), no caso das produções sociais os
objetos são ao mesmo tempo para suprir as necessidades, mas eles também criam
necessidades novas (LEONTIEV, 1996).
As atividades externas e internas possuem a mesma estrutura geral, sendo que a
forma primária fundamental da atividade prática é a externa, fundamentalmente social, e a
internalização da atividade externa em interna ocorre através da mediação da linguagem e
signos.
Os componentes da atividade: a necessidade gera o motivo, a ação gera os
procedimentos, estão em movimento e transformação. Uma atividade hoje pode se
transformar em ação na medida em que ganha a função operacional e uma ação podem
tornar-se uma atividade, ao ganhar um motivo próprio. Estes elementos internalizados
desenvolvem e agem como instrumento cognitivo formando o desenvolvimento da
consciência.
20
1.3.Teoria da atividade: metodologia de projetos de trabalho como um sistema de
atividades
Bem, até aqui apresentamos a significação da atividade nos marcos do materialismo
histórico dialético, levando em consideração as contribuições de pesquisa de Vigotsky e
Leontiev, na perspectiva histórico-cultural. Buscamos com isso mostrar o significado da
atividade na prática educativa e, para isso, apresentaremos em seqüência a metodologia de
projetos de trabalho como parte de um sistema de atividade que proporciona oportunidades
de aprendizagem aos alunos.
Consideramos a educação escolar como conjunto de influências do meio sócio-
cultural sobre o individuo, designando a prática social e intencional exercida por pessoas
através de procedimentos e métodos para canalizar, despertar e gerar no outro o
desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos e de uma cultura produzida
historicamente (SAVIANI, 1994).
O conhecimento escolar, por sua vez, possui elementos da cultura e do
conhecimento científico que são selecionados a partir de critérios e condições
historicamente situados e considerados apropriados a um determinado nível de ensino e de
escola. É um conhecimento organizado em currículos, disciplinas de acordo com
programas, fazendo parte de um contexto social específico acumulado de uma determinada
cultura (SAVIANI, 1994).
Para Vigostky "o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”, o
aprendizado tem um caráter mediacional e é organizado a partir de atividades geradas por
necessidades que levam a motivações. Os conteúdos a serem trabalhados devem ser
21
organizados de maneira a gerar no aluno aquilo que não está formado, aguçando-o a ir além
de onde está, pelo principio da Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP, assim, o ensino
deve provocar o aluno (VIGOTSKY,1998).
O ambiente educativo se configura no processo sociocultural, e na intencionalidade
do mediador, no caso o professor, em criar estratégias de ensino que potencializem a
aprendizagem dos alunos.
Saviani (1995) explicitou esses paradigmas em seu livro “Escola e Democracia”
onde preconiza que a metodologia reflete concepções educacionais e tendências
pedagógicas, analisando duas vertentes no cenário educativo brasileiro e classificando-as
como “não – críticas” e as “crítico-reprodutivistas” (SAVIANI, 1995).
As teses tradicionais e escolanovistas centradas no professor ou no aluno como
principais responsáveis pelo ensino aprendizado eram insuficientes para explicar os
processos envolvidos no ato de educar. Nesse texto o currículo por projetos é apontando
por Saviani como exemplo desta prática educativa burguesa (DUARTE, 2004).
Ainda neste texto Saviani apresenta um paralelo entre a metodologia da escola nova,
por projetos e a tradicional, pelo método indutivo. O método “novo”, por projetos, articula
o ensino ao processo de desenvolvimento da ciência e o considera como um processo de
pesquisa, sendo que os assuntos tratados são “problemas” e o ensino seria o
desenvolvimento de um projeto de pesquisa com suas etapas do método. O ensino, nesta
perspectiva é uma atividade que suscita determinado problema, este provocaria o
levantamento dos dados a partir dos quais seriam formuladas hipóteses explicativas do
problema em questão, que levaria à participação conjunta de alunos e professores na
22
experimentação que permitiria, enfim, confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas
(SAVIANI, 1998).
o método tradicional, muito combatido pela escola nova, como sendo
pseudocientifico, é tratado por Saviani como parte do método indutivo-científico que
apresenta a seguinte estrutura: apresentação, momento em que se recorda a lição anterior;
através do passo da apresentação é colocado diante do aluno um novo conhecimento; o
terceiro passo ocorre por comparação (novo-velho); o último passo seria o da
generalização, se o aluno consegue assimilar o novo conhecimento, ele é capaz de
identificar todos os fenômenos correspondentes ao conhecimento adquirido, e, por fim, a
aplicação que é a verificação através de exemplos novos se o aluno efetivamente assimilou
o que foi ensinado (SAVIANI, 1994).
Ele propõe uma terceira perspectiva do tratamento do processo de ensino e de
aprendizagem no ambiente escolar, sendo que os conteúdos escolares devem ser
organizados de maneira a formar no aluno aquilo que ainda não está formado, elevando-o a
níveis superiores de desenvolvimento articulando o conteúdo à prática social.
Entendemos que não como negar a pluridimensionalidade do fenômeno ensino.
O tratamento do processo de ensino-aprendizagem refletido nas técnicas, e estas nas
abordagens pedagógicas, atividades e práticas educativas fundamentado em concepções
sobre como se forma o homem e para qual sociedade sempre esteve no horizonte do
homem.
Considerando a discussão sobre o processo de ensino-aprendizagem e as práticas
educativas dela decorrentes que relações são estabelecidas com a metodologia? Nenhuma
23
metodologia é natural ao processo de ensinar, elas oferecem condições ao seu
desenvolvimento, estão carregadas de intenções, e refletem concepções acerca do que se
espera ou do que se pretende como fim da educação.
Alguns teóricos nos apresentam elementos desta prática como Dewey, na escola de
laboratório, onde a partir da experiência e vivência dos alunos, eram proposto problemas e
a partir da tentativa e erro, os alunos em grupo empreendiam os projetos. Freinet propunha
a realização de planos de trabalho, atividades onde os alunos elaboram o planejamento de
uma ação, prevendo etapas, processos e avaliação. Além destes, Neil, com as escolas
oficinas, Makarenko com a pedagogia do trabalho, sendo que todas estas abordagens
previam a inserção dos alunos em escolas experimentais.
Apresentamos nesta pesquisa uma forma de tratar o processo de desenvolvimento
do conhecimento científico pela construção de um artefato, são os chamados projetos de
trabalho. Entendemos que a metodologia de projetos de trabalho pode oferecer
instrumentos para a articulação entre a teoria e a prática social com interação entre os atores
envolvidos, não somente alunos e professores, mas outras pessoas e até mesmo instituições,
formando um sistema de atividades, ao contrário do que enfatiza Saviani.
Para Moura e Barbosa (2006), Projetos de Trabalho envolvem ações desenvolvidas
por alunos(as) em uma (ou mais) disciplina no contexto escolar, sob a orientação de um
professor, e têm por objetivo a aprendizagem de conceitos e desenvolvimento de
competências e habilidades específicas. Além disso, preconizam a autonomia dos alunos ao
deixar a eles espaços de decisão na condução das atividades, tarefas e ações.
24
O projeto culmina na construção de objetos técnicos e artefatos tecnológicos, onde
se colocam em movimento as representações dos alunos confrontando-os com a realidade e
forçando-os a negociar novas representações com a rede de construção de conhecimento
(VENTURA, 2002).
Nesta perspectiva a cognição acompanharia a ação, onde a estrutura do aprendizado
do saber se consolidaria principalmente pela realização de atividades pelos alunos. O que
não significa em hipótese alguma a secundarização do papel do professor durante o
processo. Pelo contrário, o projeto de trabalho tem como objetivo educativo o ato de
produzir, direta e intencionalmente, nos indivíduos, formas de saber e conhecimentos.
Durante sua realização, o professor assume a tutoria do processo acompanhando,
observando e criando condições para que os problemas sejam resolvidos pelos alunos com
sua mediação ou com a mediação de outros atores.
A metodologia de projetos é uma prática educativa onde os alunos aprendem
conceitos científicos envolvidos em um sistema de atividades. O conceito de atividade na
perspectiva desta metodologia pode articular-se com a concepção de Leontiev no que refere
à atividade e à formação de conceitos científicos.
A atividade é uma categoria central no desenvolvimento do processo de construção
do artefato e gera ações que desencadeiam uma rede de colaborações e mediações, a partir
das relações sociais que se formam no processo e que configuram um sistema de atividades
como veremos na análise de dados.
25
A partir de uma atividade orientadora que seria a construção do artefato, os sujeitos
podem interagir mediados pelos conteúdos que fundamentam a prática e também pelo
próprio artefato agindo como motivo e instrumento. A construção do artefato configura-se
como necessidade e leva a organização de ações negociadas, definindo procedimentos e
modos de agir, elegendo instrumentos e colaborações externas.
Talvez não seja demais explicitar que, ao ressaltar esses aspectos da epistemologia
em Marx, imbricada na psicologia de Vigotski e na pedagogia de Saviani, estamos
intencionalmente nos contrapondo à tônica dominante nos ideários pedagógicos
contemporâneos, que concebem o processo educativo realizado através da metodologia de
projetos de trabalho como um processo de interação entre significados subjetivos e
individuais em oposição à transmissão de um saber objetivo socialmente construído.
Pelo contrário, estabelece-se uma relação entre o sujeito e o objeto que se por
mediação através do trabalho, entendendo este como um processo que liga o homem à
natureza, o processo de ação do homem sobre a natureza. Outra característica da
metodologia de projetos de trabalho que o potencializa como parte da perspectiva histórico-
cultural é o uso e fabrico de instrumentos e que o trabalho dos alunos se efetua em
condições de atividade comum coletiva.
Nesta produção, os atores envolvidos não agem apenas sobre o objeto, eles
produzem colaborando de uma determinada maneira e trocando entre si as suas atividades.
Para produzir, entram em ligações e relações determinadas uns com os outros e não é senão
nos limites destas relações e destas ligações sociais que se estabelece a sua ação.
26
Sobre a atividade e aprendizagem tomamos como base o trabalho de Roth que
analisou, a partir de Engestrom, elementos da natureza dinâmica e dialética do sistema de
atividade. A idéia central são as transformações dos indivíduos e comunidades, como
resultado de ações individuais sobre as condições mediadoras de suas atividades. Como
condições mediadoras aponta elementos como “instrumentos”, “comunidade envolvida” no
processo, divisão de trabalho entre os atores, relações de poder e negociação entre os
sujeitos.
A Teoria da Atividade elaborada por Leontiev e instrumentalizada por
ENGESTRÖM (1987) partiu de VIGOTSKY (apud ENGESTRÖM, 1987), numa visão de
“atividade mediada por artefatos”, em que se afirma que na maioria dos contextos humanos
nossas atividades são mediadas pelo uso de instrumentos culturalmente estabelecidos, como
idiomas, artefatos e procedimentos realizados. Para representar o sistema de atividades e a
interação entre as condições mediadoras, Engestrom utilizou um diagrama, onde ressalta a
natureza dinâmica e dialética pela interconexão entre sujeito e objeto.
27
Figura 1 - Diagrama de
Engestrom
Engestrom caracteriza um sistema de atividades representando a transformação dos
indivíduos e comunidades, resultantes das ações individuais sobre as condições mediadoras
de suas atividades (ROTH, 2004).
Para Roth, o estudo da produção e suas relações com os processos de construção da
sociedade permitem identificar a aplicação da teoria da atividade na transformação dos
sistemas educacionais e nos processos de aprendizagem, a partir da atividade participativa
dos indivíduos, produzindo e reproduzindo, reforçando a idéia de dinamismo do sistema de
atividade (ROTH, 2004).
Os processos de aprendizagem são postos também como parte de um sistema de
atividade, onde cada indivíduo é uma parte constituinte da coletividade e suas ações
determinam novos tipos de mediações entre os elementos do sistema.
28
Consideramos o sistema de atividades no ambiente escolar, os elementos ligados à
prática educativa onde o sujeito (aluno) articula-se com o objeto (produto de seu trabalho)
em intermediação com outros elementos como as regras relativas ao desenvolvimento da
disciplina ou curso, comunidade escolar, divisão de trabalho ligados às tarefas escolares e
ferramentas utilizadas na construção do artefato.
Nesta pesquisa, analisamos os processos desenvolvidos a partir da prática educativa
desenvolvida pela metodologia de projetos de trabalho, onde os alunos desenvolvem
objetos e artefatos em grupos, no caso, dentro de um laboratório.
A leitura que nos permite o diagrama mostra-nos a natureza dinâmica e dialética
deste sistema de atividade, na relação entre sujeito e objeto, onde o objeto existe
independentemente do sujeito e é a imagem refletiva da atividade do sujeito. Percebemos a
interdependência dos elementos “regras”, “comunidade”, “divisão de trabalho”, “sujeito”,
“objeto”, “ferramentas” utilizadas na realização e construção e o “produto final” resultado
da atividade.
A atividade participativa do aluno, produz e reproduz objetos e fatos, sendo
moldadas e afetadas pelas contradições existentes e produzidas pela interação entre os
elementos, reforçando a idéia de dinamismo e mudança constante no sistema de atividades.
Num sistema escolar, o currículo, por exemplo, a carga horária, o espaço e a relação
entre professores e alunos são elementos que afetam e produzem contradições internas que
interferem na forma como os indivíduos agem, se articulam criando assim a atividade, onde
cada indivíduo é uma parte constituinte da coletividade.
29
A partir do diagrama de Engestrom analisamos os elementos do sistema de
atividades na metodologia de projetos (regras, comunidade escolar, sujeito, objeto,
ferramentas e divisão de trabalho), onde o artefato, produto final, é produzido a partir
destas interações e mediações gerando e alimentando o sistema de atividade.
No próximo capítulo descreveremos o processo de interação e ligações
desenvolvidas na construção do conhecimento científico, caracterizadas por Bruno Latour
como rede sociotécnica e iremos pontuar que as interações e mediações provocadas pelo
tratamento do processo do ensino e da aprendizagem pela metodologia de projetos de
trabalho levam ao desenvolvimento de um sistema de atividades que possui características
semelhantes as que Latour caracteriza como rede sociotécnica.
3. Redes Sociotécnicas
3.1. Concepções e características
Neste capítulo, apresentaremos concepções e características de uma rede
sociotécnica na construção de processos científicos segundo a perspectiva de Bruno Latour.
Discutiremos que no desenvolvimento de artefatos desenvolvidos por alunos a partir da
metodologia de projetos de trabalho configura-se um sistema de atividade que leva ao
desenvolvimento de uma rede que possui características semelhantes com as que Latour
descreve. O foco desse autor é o estudo da construção da ciência baseada principalmente na
reunião de indivíduos, num coletivo de humanos e não - humanos
3
que se de forma
3
Em sua etnografia da prática científica, Latour utiliza o termo não-humano para se referir aos materiais,
equipamentos e artefatos de inscrição e armazenamento dos dados científicos, apontando que estes só podem ser
pensados em suas relações com os humanos. Segundo a definição do autor, “esse conceito significa alguma coisa na
diferença entre o par “humano-não-humano” e a dicotomia sujeito-objeto. Associações de humanos e não-humanos
30
gradativa durante o processo de constituição de um objeto ou fato científico, constituindo
uma rede sociotécnica.
Paredes, portas, janelas, mesas, os artigos, os livros, enfim objetos dos quais
dispomos, no nosso cotidiano, emolduram nossas interações sociais. A composição
progressiva de um mundo comum de objetos e sujeitos que se co-constituem relacionam-se
a uma designação da teoria dos atuantes-em-rede onde os artefatos são introduzidos na cena
sociológica a partir dos estudos de Bruno Latour, Michel Callon e John Law.
Do ponto de vista metodológico, Latour afirma que a única maneira de compreender
a realidade dos estudos científicos é acompanhar os cientistas em ação, que a ciência está
fundada sobre uma prática, e não sobre idéias. Para isso, é preciso prestar atenção aos
detalhes da prática científica, descrevendo-a tal como os antropólogos descrevem tribos.
Teorizando sobre as relações entre as diversas esferas da ciência, Latour nos sua
dimensão social onde fatos e máquinas são construídos através de um processo coletivo,
que envolve a interação entre seus elementos.
“A qualidade da referência de uma ciência não vem de um salto para fora do
discurso e da sociedade, com vistas a ter acesso às coisas, e sim da extensão
de suas mudanças, da segurança de seus interlocutores que atrai, de sua
capacidade de tornar os não humanos acessíveis às palavras, de sua
aludem a um regime político diferente da guerra movida contra nós pela distinção entre sujeito e objeto. Um o-
humano é, portanto, a versão de tempo de paz do objeto: aquilo que este pareceria se não estivesse metido na guerra
para atalhar o devido processo político. O par humano-não-humano não constitui uma forma de “superar” a distinção
sujeito-objeto, mas uma forma de ultrapassá-la completamente” (LATOUR, 2000).
31
habilidade em interessar e convencer os outros e de sua institucionalização
rotineira desses fluxos (LATOUR, 2001)”.
A idéia é a de que um fato científico para ser reconhecido pela comunidade
científica depende de uma longa cadeia de ligações, negociações e circunstâncias,
delineando um fluxograma desta produção vinculando-o sócio-historicamente.
Latour pretende caracterizar a constituição social da ciência, na qual o trabalho
experimental de conceitualização ou teorização não funciona sem o convencimento dos
pares, articulação, negociação e sem a intervenção de fatores como valores, regras, relações
de poder e sem a interferência do próprio objeto. No livro “A esperança de Pandora”, ele
apresenta elementos da interação que ocorre na construção de um objeto ou fato científico,
a saber: mobilização do mundo, autonomização, alianças e a dimensão da representação
pública (LATOUR, 2001).
A de mobilização do mundo, o cientista faz com a utilização de instrumentos,
equipamentos (amostras, medidas, tipos, reações, agentes, informações do mundo
circundante). Atrelado a este, a autonomização na qual o cientista encontra seus colegas, e
trata do modo pela qual uma disciplina, uma profissão ou um grupo de pesquisa se torna
independente e engendra seus próprios critérios de avaliação e relevância, trata-se da
estruturação de uma comunidade científica. Neste sentido, as alianças apresentam-se como
elemento importante na constituição do objeto ou conceito científico com o qual se busca
inserir ou apoiar práticas especializadas num contexto suficientemente amplo para lhe
garantir sua sobrevivência e continuidade.
32
Outro elemento que compõe a interação é o da dimensão da representação pública
que abrange a socialização de entidades, instrumentos, alianças, de forma a criar um
sistema de crenças e opiniões em comum levando a constituição de vínculos e nós, de
conceitos e teorias.
O êxito de um projeto depende da articulação destes elementos, assim afirma Latour
“para que essa rede comece a mentir, para que cesse de fazer referência basta
interromper sua expansão em qualquer um dos seus extremos , parar de incentivá-la,
suspender seu financiamento ou rompê-la em outro ponto” (LATOUR, 2001, grifo nosso).
No livro a “Ciência em ação”, considerado por alguns como um dos mais radicais
em termos de relativismo epistemológico, Latour, numa perspectiva antropológica, no
sentido empírico, acompanha discussões e cientistas em seu cotidiano e apresenta-nos o que
é ciência no momento de sua elaboração. É olhar a ciência “pela porta de trás”, seguir o seu
decurso e não o produto final (LATOUR, 2001).
Preocupa-se com as dimensões envolvidas no processo de “o que é ciência”, “como”
e “por quem é feita” tendo como foco as estratégias de persuasão envolvidas; os
laboratórios, cuja comunidade decida a ou as “verdades” através das negociações; máquinas
e aparelhos, que asseguram a consolidação de um conhecimento; a mobilização dos atores
envolvidos, ou seja, os profissionais e os grupos de interesse.
Ele conclui que o que é “pertinente” ou “verdadeiro” é decidido pela comunidade
social do laboratório, ou seja, o saber adquirido é este do qual os especialistas se
convencem. A natureza é colocada como a causa final da resolução das controvérsias
somente quando estas são resolvidas e, então, ela é a conseqüência, não a causa.
33
As coisas, representadas em um texto científico, são mobilizadas politicamente,
como aliadas pelos pesquisadores que falam em seu nome e constroem os fatos e objetos,
associando os humanos e os não humanos: assim as conexões entre ciência e política
formam uma teia emaranhada (LATOUR, 2001).
Como o conceito de rede sociotécnica baseia-se principalmente na reunião de
indivíduos, num coletivo de humanos e não humanos que se de forma gradativa durante
o processo de constituição de um objeto ou fato científico, então na noção de rede o que
importa não é só a idéia de vínculo, de aliança, mas sim o que estes vínculos produzem e
que efeitos decorrem de tais alianças: a rede é sinônimo de fabricação e de ação.
A partir de uma necessidade, seja de estabelecer um fato, seja a construção de um
artefato, ou objeto, começa-se a convergir idéias e estabelecer ligações entre as pessoas.
Estabelece-se a organização de encontros, produção de conhecimento, as difusões de
informações fazem surgir novas atividades e ações para viabilizar a resolução do problema
em torno do qual o grupo ou as pessoas envolvidas estão interrelacionadas.
Estes elementos de interação que ocorrem na construção de um objeto ou fato
científico, de que tratamos acima, a saber, a autonomização, as alianças, a mobilização do
mundo e dimensão da representação pública se concretizam pelo engajamento e
mobilização de seus atores, outros parceiros e entidades podem passar a compor a rede, a
partir das ações concretizadas pelos grupos, ou de novas necessidades que surgem, criando
novas atividades e ações.
Participar de uma rede e promover a sua articulação envolve a existência de
propósitos e valores unificadores que consigam agregar as pessoas em torno de um objetivo
34
comum envolvendo o sujeito e objeto em torno de um emaranhado de relações que se
configura num sistema de atividades: valores, regras, comunidade, ferramentas utilizadas,
divisão de trabalho entre os envolvidos.
Entendemos que as alianças estabelecidas em torno da necessidade leva a
mobilização de matérias, ferramentas, técnicas e tecnologia; além da socialização de
entidades, instrumentos, alianças, formando um conjunto de crenças e opiniões em comum
constituindo vínculos e nós, de conceitos e teorias. Estes elementos articulados consistem
um sistema de atividades com características semelhantes ao que foi descrito no capítulo
anterior em que analisamos alguns postulados defendidos por Vigotski e seguidores e
argumentaremos que a metodologia de projetos de trabalho faz parte de um sistema de
atividade.
A interação entre as ferramentas utilizadas, as alianças estabelecidas, a
representação pública e a construção da comunidade científica caracterizam-se como um
sistema de atividades, com características semelhantes com as quais Leontiev descreve.
Onde, na produção, os homens não agem somente sobre a natureza, mas colaborando e
trocando entre si as suas atividades, criando e estabelecendo ligações e relações uns com os
outros, e são nestas relações sociais que se estabelece a ação sobre a natureza.
Como produção social, podemos dizer que a rede é forte e ao mesmo tempo frágil,
pois se fundamenta em elementos instáveis onde os atores envolvidos não agem apenas
sobre o objeto, eles produzem colaborando de uma determinada maneira e trocando entre si
as suas atividades. Assim, questões políticas, econômicas, físicas e culturais estão inseridas
no contexto da rede determinando-a.
35
A teoria ator-rede
4
não é uma teoria cujos princípios estejam dados de antemão,
trata-se antes de um método da fabricação dos fatos, ela é “um método para aprender a
partir dos atores sem impor sobre eles uma definição a priori das suas capacidades de
construção do mundo”. Um ator se define não pelo o que ele faz, mas pelos efeitos do que
ele faz. E mais, o ator o se confunde com o individuo, ele é heterogêneo, díspar, híbrido,
um sinal de trânsito, por exemplo, é um ator que redefine nossa moralidade, que impõe
efeitos sobre as nossas ações (Latour, 1999). A Floresta Amazônica é um ator que também
redefine nossa moralidade, que impõe efeitos sobre nossas relações sociais e nossas ações.
1.4.Estudos sobre redes
Apresentamos concepções e características de uma rede sociotécnica na construção
de processos científicos segundo a perspectiva de Bruno Latour e argumentamos que a rede
sociotécnica faz parte de um sistema de atividade podendo ser compreendida como parte da
perspectiva histórico e cultural. A seguir faremos referência a dissertações e teses
realizadas no Brasil de pesquisas relacionadas à perspectiva das redes sociotécnicas e
discutiremos a possibilidade de se analisar a sua formação no ambiente de aprendizagem
escolar.
Em uma de suas obras Latour (2001) apresenta um estudo realizado em Boa Vista
onde acompanhou pesquisadores de diferentes nacionalidades e ciências (uma botânica,
4
A teoria ator-rede é uma corrente da teoria e da pesquisa social que se originou na área de estudos
científicos, desenvolvidos por Michel Callon e Bruno Latour.
36
uma geólogo, e dois pedologistas) que analisavam a transição floresta-savana para
determinar se a savana estava avançando sobre a floresta ou se a esta, estava se estendendo
sobre a savana. Ele inicia o relato afirmando que “a única maneira de compreender a
realidade dos estudos científicos é acompanhar o que eles fazem de melhor, ou seja, prestar
atenção aos detalhes da prática científica” (LATOUR, 2001). O laboratório é a floresta,
mapeada, traçada por coordenadas pelos pesquisadores, as ferramentas, etiquetas, bússola,
armário, os buracos, as folhas, o solo e seus elementos, fungos, bactérias e as minhocas
atuam decisivamente na coleta, tratamento e análise dos dados e são tão importantes quanto
os pesquisadores. No final concluíram que graças às minhocas, o solo arenoso é
transformado em argiloso permitindo que a floresta avance sobre a savana.
Outras pesquisas, no Brasil, têm analisado a perspectiva acerca das redes
sociotécnicas em diversas áreas: economia, administração, história da ciência, informação e
tecnologias de comunicação. Nesses estudos usaram a teoria de redes sociotécnicas foi
usada para explicar, delimitar e caracterizar elementos de áreas de suas ciências e de
conhecimento.
Gueesser (2005) realizou uma análise das controvérsias acerca do software livre,
apresentando-as como disputas políticas, buscando identificar a partir da teoria ator-rede, as
redes que se formam. Ribeiro (2006) traçou a trajetória de uma incubadora de empresas, a
partir da articulação e parcerias internas (comunidade acadêmica) e externas, tendo como
suporte teórico para análise o papel da rede. Rocha (2003) conta a história do
desenvolvimento do concreto armado no Brasil na primeira metade do século XX, e a
atuação de vários atores humanos e não-humanos (engenheiros, instituições, revistas,
37
indústrias, materiais empregados e até mesmo as condições climáticas!) e de como cada um
deles participou do processo coletivo.
Cukierman (1997 e 2001) investigou a fundação de uma tecnociência brasileira no
princípio do século XX como um conjunto de múltiplas operações de seus atores e suas
articulações na rede e a “trama tecida” para a construção de um laboratório de saúde. Numa
tese de doutorado Teixeira (2001) analisou as práticas de produção de ordem no interior de
um laboratório de uma instituição científica, onde inventariou e analisou o repertório de
práticas ligadas à produção entre os pesquisadores do laboratório e desses com outros
grupos de pesquisa.
A formação da rede num ambiente de aprendizagem foi tratada por Medeiros (2005)
ao investigar o processo de constituição da rede em um sistema municipal de ensino,
acompanhando a criação, implantação e utilização de um portal educacional na internet
5
.
Os resultados encontrados mostraram que portais educacionais podem ser utilizados por
instituições de ensino, de forma produtiva e colaborativa, entre todos os atores da
comunidade educacional, desde que em tal processo se leve em consideração, dentre outros
aspectos, a apropriação da cultura tecnológica pela comunidade.
Para Medeiros (2005), uma rede sociotécnica não é construída, ela se auto-constrói,
pode-se potencializar, estimulando sua criação ou crescimento, mas ela tem seu tempo de
5
Assim, o portal educacional, como uma rede sociotécnica, leva os serviços e as informações da
escola para o aluno, a família e o próprio educador em qualquer tempo e lugar, 'desterritorializando' o
ambiente da escola, tornando-o mais próximo e mais acessível a toda a comunidade escolar. (MEDEIROS &
VENTURA, 2008)
38
desenvolvimento. A função do portal e dos seus colaboradores é criar condições para que a
comunidade se desenvolva, oferecendo-lhes as ferramentas úteis e funcionais, no entanto a
utilização de forma efetiva e colaborativa é um processo que inclui a apropriação cultural
da ferramenta e do ambiente.
Como discutido no capitulo anterior, o ambiente de aprendizagem escolar é um
lugar organizado para promover oportunidades de aprendizagem, sendo previamente
organizado ou que se auto-organiza no processo, com a produção direta e intencional de
elementos que compõem um ambiente físico ou não que ipotencializar, ou melhor, criar
oportunidades educativas e que este processo é socialmente construído.
Note-se que nesse conceito está formulada a necessidade de identificar os elementos
culturais necessários à configuração do ambiente de aprendizagem escolar. O ambiente se
configura em relação ao processo social e cultural, e na intencionalidade do mediador, no
caso do professor em criar estratégias de ensino que potencializem a aprendizagem dos
alunos. A esta relação chamamos de prática educativa, pois é direta, intencional e dirigida
para fins educativos.
Neste sentido cabe registrar a pergunta: que tipo de prática educativa, desenvolvida
em um ambiente de aprendizagem escolar, levaria à formação de uma rede sociotécnica.
Para analisar outros aspectos relativos a formação da rede sociotécnica no ambiente
de aprendizagem escolar, observaremos a configuração das redes estabelecidas por alunos
através da análise de suas práticas cotidianas de pesquisa, vínculos e a mobilização dos
atores e os grupos sociais externos, a exemplo da metodologia utilizada por Latour.
39
1.5.Redes no ambiente escolar
Conforme abordamos no capítulo anterior, uma das questões levantadas é se o
tratamento do processo de ensino-aprendizagem através da metodologia de projetos
possibilita a formação de uma rede sociotécnica. Não se pretende que esse modelo dê conta
de representar todos os aspectos heterogêneos envolvidos no processo educativo, e tem-se
consciência de sua imprecisão.
Discutiremos agora que no desenvolvimento de artefatos produzidos por alunos a
partir da metodologia de projetos de trabalho configura-se um sistema de atividade que leva
ao desenvolvimento de uma rede que possui características semelhantes as que Latour
descreve.
Descrevemos a metodologia de projetos de trabalho como uma prática educativa
onde os alunos aprendem conceitos científicos envolvidos em atividades. O projeto culmina
na construção de objetos técnicos e/ou artefatos tecnológicos, onde se colocam em
movimento as representações dos alunos confrontando-os com a realidade e forçando-os a
negociar novas representações com a rede de construção de conhecimento. Nesse caso o
professor assume a tutoria do processo acompanhando, observando e criando condições
para que os problemas sejam resolvidos pelos alunos com sua mediação ou de outros
atores.
No ambiente escolar podemos apontar os seguintes elementos presentes na prática
educativa configurada pela metodologia de projetos de trabalho: o grupo de alunos, o objeto
técnico, ferramentas utilizadas, professores e monitores e elementos externos à disciplina.
40
O grupo se organiza durante sua formação, escolhendo um tema, ou trabalhando a
partir de um assunto proposto na disciplina. A partir daí surge a associação de pessoas e de
idéias, a necessidade de negociar entre si, de planejar e realizar ações. O objeto técnico com
suas características, materiais e componentes físicos é também um elemento, o fator não
humano que interage e dá sentido às ações durante o processo.
Podemos também citar elementos como a internet e a biblioteca da escola como
referência à busca de informações, a internet no caso é uma rede por natureza e faz parte
dessa rede por necessidade dos alunos. Professores e monitores atuam como mediadores no
processo de desenvolvimento do objeto/artefato, indicando o caráter ativo do papel do
professor e orientador no desenvolvimento da metodologia de projetos. Dados e
informações podem ser colhidos também com professores de outras disciplinas e
profissionais fora do contexto escolar dependendo da natureza do objeto a ser construído.
Conforme discutimos no capítulo sobre concepções de aprendizagem e analisamos
os elementos de um sistema de atividades a partir da metodologia de projetos (regras,
comunidade escolar, sujeito, objeto, ferramentas e divisão de trabalho), onde o artefato,
produto final, é produzido a partir destas interações e mediações gerando e alimentando o
sistema de atividade.
A perspectiva sociotécnica de Bruno Latour trata de explicitar os vínculos entre
ciência e o social mostrando como o trabalho, seja experimental, de conceitualização ou de
teorização do cientista, não funciona sem o trabalho de aspectos como a negociação entre
pares, a articulação com elementos humanos e não-humanos. De maneira resumida, o
esquema de interação que ele propõe em (LATOUR, 2001) A esperança de Pandora se
41
compõe de 5 características: o de mobilização do mundo, autonomização, alianças,
representação pública e vínculos e nós.
Para ilustrar estes conceitos Latour utiliza a metáfora da rede cuja principal
característica é ter, não um centro, mas um conjunto de ligações que dão sustentação e
força aos fios interligados. Nesse conjunto nem todos os pontos ou nós estão diretamente
ligados com todos os outros, mas dependem das ligações, ainda que indiretas e mediadas,
que cada um tem com todos outros pontos. Nesse modelo deixa de ter sentido a idéia de um
centro de produção de conhecimento, a partir do qual o conhecimento seria aplicado,
difundido ou consumido.
Essa imagem, que tanto tem servido para se pensar os sistemas de comunicação
contemporâneos, serve também para pensarmos a produção e difusão dos conhecimentos
dentro de um micro universo escolar, onde alunos, professores, conhecimentos a serem
construídos através de projetos de iniciação científica e técnica, se colocam em
interconexão com o mundo da ciência, da técnica e do trabalho.
Vejamos no diagrama de Engestrom, no qual ele caracteriza um sistema de
atividade, na perspectiva da teoria da atividade de Leontiev, na qual ele representa a
transformação dos indivíduos e comunidades, como resultantes das ações individuais sobre
as condições mediadoras de suas atividades. Configura-se uma representação dos elementos
da interação construída a partir da relação sujeito e objeto (ROTH, 2004).
42
Numa pesquisa piloto
6
(PRADO e VENTURA, 2008) envolvendo alunos do
primeiro período dos cursos de Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica do CEFET/MG
que cursam uma disciplina de “Introdução à Engenharia” e desenvolvem projetos/artefatos
de trabalho no LACTEA utilizando como abordagem pedagógica a metodologia de projetos
(VENTURA, 2002).
Foi analisada a configuração das redes estabelecidas pelos alunos do CEFET/MG,
ou seja, suas práticas cotidianas de pesquisa, vínculos e a mobilização dos atores e os
grupos sociais externos ao laboratório. Uma das questões levantadas relaciona-se ao
tratamento do processo de ensino-aprendizagem através da metodologia de projetos e a
possibilidade da formação de uma rede sociotécnica e se esta trama cria oportunidades de
aprendizagem do processo de construção científica e tecnológica (PRADO & VENTURA,
2008). Trata-se de investigar a prática desenvolvida pelos alunos do LACTEA inseridas à
possibilidade de articular o conceito de rede socioténica como um indicativo da efetividade
da iniciação científica e tecnológica pelos alunos.
Inicialmente temos a etapa da problematização ou do questionamento que faz
emergir ligações entre os membros da equipe. Neste momento que se formulam as questões
susceptíveis de fazer convergirem às idéias da equipe. As primeiras idéias surgem e os
grupos começam a estudar a viabilidade de cada uma delas.
6
Os resultados da pesquisa foram publicados no ESOCITE- 2008 (Jornadas Latino-Americanas de
Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias)
43
A partir da determinação do foco começa-se a instalação da rede com a busca pela
delimitação da instalação dos dispositivos materiais tais como a procura de informações na
internet e em outros laboratórios e com outros professores de outros laboratórios. Toda essa
dinâmica se faz no âmbito da discussão dos alunos em torno de seus projetos.
Objetos e atores são mobilizados em um processo coletivo de negociação visando a
solução do problema ou procura da inovação e a solidificação da rede se pela difusão
das informações com a publicação de textos, a organização dos encontros, a produção do
conhecimento, a construção do portfólio, (blogfólio).O engajamento dos atores é a
organização do trabalho pela mobilização. “Engajar é, neste sentido, dar aos membros da
equipe de projeto um papel preciso, uma obrigação que os torne essenciais”. Cada membro
da equipe de projeto (quatro ou cinco) assume papéis claros a partir dos primeiros
encontros (VENTURA,2001).
Durante a realização do projeto observamos o alongamento da rede com a
participação de outros parceiros. Alongar a rede é, portanto, multiplicar as entidades que a
compõem, produzindo resultados que levem a outros problemas e a outros projetos. Em
cada relatório verifica-se a ansiedade de continuidade dos projetos em outras instâncias
institucionais (VENTURA, 2001).
Na pesquisa piloto realizada em 2007, verificamos que todos esses elementos
articulados permitem a construção coletiva de um saber ou de um conhecimento novo
através da desestabilização das representações iniciais dos membros dos grupos e da
construção de um novo equilíbrio em um nível superior. E nesta prática educativa a
confrontação e a negociação de representações entre os alunos que, em atividade, são atores
de uma rede de conhecimento, culminando com a construção do objeto técnico ou artefato
44
tecnológico, reforça a idéia da possibilidade da configuração de uma rede sociotécnica a
partir da metodologia de projetos.
É importante ressaltar que na pesquisa piloto observou-se o produto da atividade,
que são os artefatos e os objetos concluídos baseados em relatórios e blogfolio, entretanto
na época não utilizados como quadro teórico a teoria da atividade, apenas tratamos das
redes configuradas pelos alunos na realização do projeto.
No próximo capítulo, ampliando o campo de pesquisa, analisaremos a prática no
laboratório envolvendo os alunos em atividades a partir da metodologia de projetos de
trabalho, buscando caracterizar a configuração de redes estabelecidas pelos alunos, ou seja,
suas práticas cotidianas de pesquisa, vínculos e a mobilização de atores e grupos sociais
externos ao laboratório como indicadores da configuração de uma rede.
2.
Metodologia
Apresentamos uma pesquisa envolvendo alunos do primeiro período dos cursos de
Engenharia Elétrica do CEFET/MG que cursam uma disciplina de “Introdução à
Engenharia” e desenvolvem projetos/artefatos de trabalho no LACTEA utilizando como
abordagem pedagógica a metodologia de projetos .
A prática no laboratório busca adequar as metodologias de ensino ao processo de
iniciação científica e tecnológica, envolvendo os alunos em atividades que propiciem a
articulação entre os conteúdos técnicos e científicos enfatizando o aspecto formativo das
45
atividades práticas experimentais valorizando os aspectos dinâmicos, processuais e
significativos da ciência.
Os procedimentos metodológicos assumiram o caráter de uma investigação
exploratória descritiva, através da análise do desenvolvimento de uma metodologia de
projetos como prática educativa. Foi desenvolvida uma investigação articulada ao
desenvolvimento do projeto de trabalho dos alunos, buscando o levantamento de dados
através da sua produção escrita no blogfólio e o relatório do trabalho final
7
.
Os alunos são orientados quanto ao tipo de trabalhos que podem desenvolver,
quanto ao preenchimento dos formulários de acompanhamento e monitoramento dos
professores e em relação ao registro semanal das atividades e ações realizadas em um blog
8
que deverá ser criado na primeira semana de aula.
Dos tipos de projetos sugeridos aos alunos, eles podem ser didáticos, construtivos
ou investigativos. Os projetos de natureza didática são aqueles que pretendem identificar a
funcionalidade de determinado sistema ou objeto através de explicações, ilustrações para
explicar os princípios científicos do funcionamento do artefato.
7
Toda a produção dos alunos nos blogs e relatórios podem ser vistos em
http://lactea-projetos.blogspot.com e também em http://www2.cefetmg.br/lactea.
8
O Blogger é uma ferramenta de Internet para publicação de imagens, vídeos, músicas ou textos é
uma página web composta por pequenos parágrafos apresentados de forma cronológica. É como uma página
de notícias ou um jornal que segue uma linha de tempo com um fato após o outro.
46
Os construtivos ou inventivos propõem a invenção de um artefato objetivando
introduzir alguma inovação, ou uma solução nova a alguma situação/problema. Os projetos
de investigação são voltados para o desenvolvimento de uma pesquisa a partir da aplicação
da metodologia de investigação científica com a elaboração de hipóteses, em torno de um
problema advindo do mundo cientifico, do cotidiano ou tecnológico.
Nesta pesquisa acompanhamos os trabalhos desenvolvidos no semestre de 2008,
sendo que 7 (sete) projetos foram construtivos e dois didáticos. A seguir uma breve
descrição dos temas abordados:
Projeto Copo Térmico
9
·: criação de um copo térmico baseado em dois princípios
físicos o da termodinâmica e do efeito joule, além de um princípio químico as
propriedades coligativas;
Automação em Lego
10
: utilizando-se do Lego Dacta realizou a montagem de um
protótipo para Brick Sorter, que trabalha apenas com um sensor de luz para
identificação das peças através de um programa escrito na linguagem NQC.
Efeito Peltier
11
: desenvolvimento de um recipiente capaz de resfriar e manter
bebidas em baixas temperaturas. A base do experimento foi o efeito peltier, que
9
Projeto Copo Térmico, disponível em http://projetolactea.wordpress.com/
10
Automação em Lego: disponível em http://automacaoemlego.blogspot.com/
11
Efeito Peltier, disponível em: http://efeitopeltier.blogspot.com/
47
consiste na passagem de corrente numa junção de dois semi-condutores a fim de
retirar calor do ambiente a ser resfriado.
Eletroscópio Eletrônico
12
: montagem de um eletroscópio capaz de detectar
pequenas cargas à distância, através de um transistor.
Limpando janelas
13
: utilização do sistema de uma impressora para limpar
superfícies.
Mini Usina Itajaí
14
: construir uma mini-usina, procurando explicar, ilustrar, revelar
os princípios científicos de funcionamento de seus componentes, bem como suas
aplicações.
Relevo Digital
15
: criação de um programa capaz de nivelar relevos obtidos através
de fotos.
Sensores
16
: projeto que contou com o apoio da FAPEMIG, construção de um
circuito acoplado de um sensor de luz para controle da luminosidade da lâmpada de
acordo com a luminosidade do ambiente, o objetivo é otimizar o aproveitamento da
energia elétrica.
12
Eletroscópio Eletrônico, disponível em : http://eletroscopio-eletronico.blogspot.com/
13
Limpando janelas, disponível em: http://limpandojanelas.blogspot.com/
14
Mini Usina Itajai, disponível em: http://miniusinaitajai.blogspot.com/
15
Relevo Digital, disponível em: http://relevodigital.blogspot.com/
16
Sensores, disponível em: http://sensores-lacteacefetmg.blogspot.com/
48
Mata Ratos
17
: construção de um dispositivo que atraia ratos e depois os mate com
um choque elétrico.
Os alunos são orientados quanto às etapas para realização do projeto que consiste na
definição da equipe, do tema onde deve ser explicitado o tipo de projeto se construtivo, se
investigativo ou investigativo.
Depois da escolha do tema eles devem criar o blog para registro do diário de bordo.
São orientados a registrar idéias, perguntas e descrição de etapas sobre o projeto a ser
desenvolvido. Para investigação do tema é sugerida também a realização de uma pesquisa
exploratória na internet e em bibliotecas sobre o assunto. Após esses passos os alunos
devem selecionar e organizar blocos de perguntas básicas sobre o projeto e devem redigi-lo.
No final os alunos devem entregar ao professor um relatório técnico e o diário de bordo em
arquivos eletrônicos, além de realizar uma apresentação pública dos objetos técnicos
desenvolvidos.
Nesta pesquisa estivemos presentes nas reuniões em sala de aula e, inicialmente,
após apresentação no primeiro dia de aula começamos a acompanhar e visitar os grupos
reunidos na sala, no laboratório, presenciando as discussões, as orientações dos monitores e
professores.
Após a semana, com a definição dos temas pelos alunos selecionamos 2 grupos
para acompanhamento mais direto. O primeiro grupo selecionado foi feito de forma mais
17
Mata Ratos, disponível em: http://aguaeletrica.wordpress.com/
49
aleatória, o Grupo “Copo Térmico”. O segundo, “Limpador de Janelas” foi escolhido para
ser acompanhado pois pelos relatos no blog constatamos que o grupo estava tendo uma
série de obstáculos para desenvolvimento do projeto, como falta e quebra de equipamentos,
mal funcionamento do protótipo, dificuldade de localizar e testar o protótipo, dentre outros.
Todas estas dificuldades nos levaram a optar por seguir o grupo nos encontros, pois nos
interessava saber como seria a rede configurada por eles, a partir de todos esses obstáculos.
Durante todo este tempo os blogs eram acompanhados semanalmente e tínhamos
uma idéia do que se passava em cada um, mas optamos, por acompanhar apenas dois,
mesmo porque seria difícil ter acesso a todos os grupos, pois na maioria das vezes
observamos que os encontros aconteciam sem uma definição prévia. Eles aproveitavam um
horário de intervalo, uma aula cancelada ou o recreio.
Ao longo do estudo, contamos com a participação dos alunos, divididos em grupos
de trabalho, sendo estes grupos observados durante os encontros, e os documentos relativos
ao processo, por eles produzidos, analisados. A avaliação final do projeto culminou com a
apresentação dos grupos da descrição do processo de construção do artefato.
Foram colhidos dados dos grupos através de uma entrevista semi estruturada, em
anexo, onde criamos questões a partir de categorias definidas por Engestrom como
elementos do sistema de atividades.
Foram quatro blocos de perguntas, a primeira relativa ao sujeito, procurava coletar
informações sobre a experiência previa do aluno em relação ao campo de conhecimento e
da eletrônica. Além disso, questionamos se o aluno já havia participado de algum grupo de
trabalho ou havia feito antes algum projeto proposto pelo LACTEA.
50
Outro bloco de pergunta referia-se à dinâmica do trabalho, qual a contribuição do
aluno, se as tarefas eram divididas e de que forma, se foram contatadas instituições,
empresas, outros laboratórios e de que forma este contato contribuiu para o projeto, com
isso pretendíamos caracterizar como era realizada a divisão de trabalho e as alianças
criadas.
Outro dado importante foi a caracterização do processo de desenvolvimento do
grupo e sua interação interna e externa relativa à participação e papel dos monitores e
professores no processo, a intenção era delimitar a comunidade envolvida e a articulação do
grupo.
Por fim, solicitamos a criação de frases relacionadas com as dificuldades
encontradas pelos alunos de ordem pessoal, da natureza do projeto, do CEFET e do curso,
para determinar as contradições apontadas pelos alunos. Além disso, foi solicitado que
elaborassem frases com os seguintes termos “ciência”, “tecnologia”, “trabalho em grupo”,
“fazer um projeto”, “ser engenheiro” e “aprendi no LACTEA”. A intenção é verificar
como os alunos se posicionam sobre os temas, em relação ao conhecimento adquirido sobre
os processos científicos e tecnológicos.
A análise dos dados considerou a metodologia de projetos como parte de um
sistema de atividades e os dados oriundos da análise foram obtidas através análises dos
documentos produzidas pelos grupos durante o processo, e a partir dos elementos
apontados por Engestrom como parte de um sistema de atividade comunidade”, “regras e
valores”, “ferramentas utilizadas” e “divisão de trabalho”. A entrevista, Anexo I, foi
construída a partir destas categorias e sua síntese foi descrita no capítulo “Desenhando as
Redes”
51
3. Desenhando uma rede
Na definição de currículo pelo Parecer CNE/CES 1362/2001 destacam-se
elementos que refletem a proposta de que os cursos de graduação na área da Engenharia
tenham uma estrutura flexível. O currículo além das atividades da sala de aula
englobando atividades complementares, conjunto de experiências de aprendizado que
tenham como foco a iniciação científica e tecnológica.
Quanto ao ensino-aprendizagem, percebe-se a vertente construtivista como base
filosófica do processo, “(...) entende-se que o aprendizado se consolida se o estudante
desempenhar um papel ativo de construir o seu próprio conhecimento e experiência,
com orientação e participação do professor” (BRASIL, 2001). E por fim, salienta a
necessidade de “facilitar a compreensão totalizante do conhecimento pelo estudante”.
Neste sentido, diversos esforços vêm sendo realizados nos últimos anos no campo
da formação do ensino da engenharia, buscando-se adequar as metodologias de ensino às
demandas e características relativas à educação profissional e aos princípios postos pela
legislação educacional relativa a este nível de ensino.
Os alunos do primeiro período dos cursos de Engenharia Mecânica e Elétrica do
CEFET/MG cursam uma disciplina de “Introdução a Engenharia” onde desenvolvem
projetos/artefatos de trabalho no LACTEA
18
utilizando como abordagem pedagógica a
18
“O LACTEA é aberto a alunos e servidores interessados em desenvolver projetos voltados à
compreensão da Ciência, Tecnologia e Arte. Os projetos dos interessados são submetidos a análise pelos
professores orientadores do laboratório. O primeiro passo foi discutir a utilização da Pedagogia de Projetos
buscando uma forma adequada de gestão e avaliação dos projetos submetidos.O início dos trabalhos se dá
52
metodologia de projetos. A prática no laboratório busca adequar as metodologias de ensino
ao desenvolvimento científico e tecnológico, envolvendo os alunos em atividades que
propiciem a articulação entre os conteúdos técnicos e científicos enfatizando o aspecto
formativo das atividades práticas experimentais valorizando os aspectos dinâmicos,
processuais e significativos da ciência.
Esta pesquisa envolve o estudo dessa metodologia a partir de descrições narrativas
das atividades desenvolvidas no laboratório de Introdução à Engenharia, as relações entre
os grupos sociais externos ao laboratório tratando esses objetos e fatos como processos
sociotécnicos nos blogs
19
e entrevistas realizadas na pesquisa.
A análise deste processo tem como hipótese a de que o tratamento do processo de
ensino-aprendizagem através da metodologia de projetos envolve um sistema de atividades
que possibilita a formação de uma rede sociotécnica.
Para fins metodológicos consideramos a metodologia de projetos de trabalho como
um sistema de atividade construído a partir da interação entre pessoas e objetos, portanto
vamos analisar a trajetória dos trabalhos dos alunos pesquisados a partir do diagrama de
Engestrom , que caracteriza um sistema de atividades, na perspectiva da teoria da atividade
com o preenchimento do formulário de descrição do plano de trabalho (FORMULAC), posteriormente
avaliado pelos coordenadores e aprovado pautado nas viabilidades do projeto. A partir disso, ele preenche
com freqüência a Ficha de Avaliação Semanal (FAS) que faz parte de um portifólio dos pesquisadores.
O solicitante recebe apoios metodológicos de orientação e elaboração de projetos bem como auxílio para
captação de subsídios necessários a sua confecção através da negociação entre as diversas partes de uma
rede de apoio à pesquisa dentro e fora da Instituição.” (disponível em
http://www.lactea.cefetmg.br/site/lactea/apresentaxao.html)
19
Toda a produção dos alunos nos blogs e relatórios podem ser vistos em http://lactea-
projetos.blogspot.com.
53
de Leontiev. Baseados em Rooth analisamos as respostas às seguintes categorias: 1) Regras
relativas ao desenvolvimento do projeto na disciplina, 2) Comunidade, 3) Divisão de
trabalho e 4) Ferramentas utilizadas.
No ambiente escolar, as “Regras relativas ao desenvolvimento do projeto na
disciplina” relacionam-se a elementos ligados à estrutura e organização dos tempos e
espaços escolares, além do funcionamento da rotina escolar. A “Comunidade” envolvida
descreve as alianças, as negociações e ações articuladas pelos atores humanos e não
humanos apontados pelos alunos no desenvolvimento do projeto, como monitores,
professores, profissionais e outros externos ao espaço escolar. “Divisão de trabalho” é a
forma como o grupo se organizou para desenvolver o projeto e a interação criada no
processo e por fim “Ferramentas utilizadas” descrevem não apenas que tipo de material
utilizado, mas a forma como estes atores não humanos interfiram no objeto e na trajetória
dos grupos.
54
3.1.Regras relativas ao desenvolvimento do projeto na disciplina
A caracterização da constituição social da ciência, de Bruno Latour, não funciona
sem o convencimento dos pares, da articulação, negociação e sem a interferência de fatores
como valores, regras e relações de poder. Consideramos regras desde as normas impostas
pela própria disciplina, horário da aula, horário para uso dos laboratórios, disponibilidade
dos monitores, o contrato didático, o tempo previsto para realização do projeto, a
necessidade de se registrar semanalmente todas as atividades do grupo.
Percebemos estes fatores nos relatos dos alunos além de outros elementos que
estão ligados à estrutura e organização dos tempos e espaços escolares e como espaços,
quadro de horários, currículo e estrutura física da instituição.
Estes elementos interferem e moldam as ações, criam necessidades e atividades
novas e definem motivos. Observaremos nos relatos de alguns grupos a estrutura da
atividade engendrada por condições históricas concretas, depois, a partir desta estrutura, pôr
em evidência as redes estabelecidas que dela decorram.
A dificuldade apontada pelos alunos em conciliar o desenvolvimento do projeto
com a rotina das outras aulas foi recorrente em várias respostas:
“tempo disponível para elaboração do trabalho já que outras matérias
requeriam muito tempo e empenho” (A1)
“o horário, pois tínhamos outras matérias para estudar e estávamos
envolvidos com o projeto”.(A2)
“falta de tempo pois tínhamos que estudar para as provas”.(A3)
55
“as aulas nas outras disciplinas foram sacrificadas para o desenvolvimento
das atividades.”(A4)
“muita aulas, rotina exaustiva” (A5)
“tempo disponível para elaboração do trabalho já que outras matérias
requeriam muito tempo e empenho”(A6)
“falta de tempo, pois tínhamos que estudar para as provas”(A7)
Na proposta curricular preconizado pelo Parecer CNE/CES 1362/2001 o
conceito de currículo entendido como grade que formaliza a estrutura de um curso é
substituído por um conceito bem mais amplo, que pode ser traduzido pelo conjunto de
experiências de aprendizado que o estudante incorpora durante um processo participativo.
Nesta nova definição de currículo enfatiza-se 3 elementos considerados
fundamentais para o entendimento da proposta. Primeiramente, enfatiza-se o conjunto de
experiências de aprendizado, onde o currículo vai alem das atividades convencionais de
sala de aula,e deve-se considerar e valorizar as atividades complementares, tais como a
iniciação científica e tecnológica.
Nas atividades complementares inclui-se também programas de extensão, visitas
técnicas, atividades culturais, políticas e sociais, projetos e programas que, desenvolvidos
pelos alunos, contribuem para a ampliação dos horizontes para uma formação sociocultural
mais abrangente.
Ainda que as ferramentas estejam à disposição, que o grupo esteja se mobilizando
e se organizando em torno da atividade proposta, e mesmo os professores e monitores
56
estivessem à disposição para tirar dúvidas e monitorar o trabalho, ainda muito que fazer
e as condições dadas pela organização escolar com seus tempos e espaços interferem e
ditam o curso do projeto.
O trabalho no laboratório LACTEA, não está integrado a outras disciplinas, ela é
mais uma disciplina na carga horária dos alunos dos cursos de Engenharia Elétrica e
Engenharia Mecânica e o desenvolvimento de projetos de trabalho, usando uma
metodologia de projetos, é mais uma atividade dentre tantas outras inseridas no currículo.
Trabalhar com projetos demanda convencer os alunos, os outros professores, a
comunidade escolar, na medida em que se tem uma imagem que a prática educativa mais
eficaz é aquela que enche um quadro de fórmulas. Esta é a dimensão que Latour apresenta
com representação pública onde o cientista para se afirmar não basta ter financiamento para
um projeto, ou ter as condições físicas para realizá-lo, é preciso ser capaz de convencer, e
assim “produzir uma disciplina capaz de modificar a opinião de todos e, esperar deles uma
aceitação”.
Assim também é para aqueles que querem hoje apresentar uma proposta de
trabalho no ambiente escolar que amplie os limites da sala de aula, fazendo o aluno
caminhar em disciplinas, laboratórios e pesquisas. Por isso a distancia entre a indicação de
um princípio no currículo e a vivência na prática escolar, como vimos, a carga horária, a
rotina das aulas e as ações fazem com que as disciplinas disputem entre si a atenção dos
alunos, tornando-se um elemento dificulta dor no desenvolvimento do projeto.Isto, aliado a
outro fator apontado, a da estrutura física dos laboratórios como insuficiente e inadequada,
57
podemos dizer que se configura uma contradição entre a proposta pedagógica e a
vivenciada no curso.
3.2.Comunidade
As alianças apresentam-se como elemento importante na constituição do objeto ou
conceito científico. Elas se concretizam na socialização de instrumentos, instituições e
grupos, de forma a criar um sistema de crenças e opiniões em comum levando a
constituição de vínculos e nós com o qual se busca inserir/apoiar práticas especializadas
num contexto suficientemente amplo para lhe garantir sua sobrevivência e continuidade
(LATOUR, 2001).
“Nenhum instrumento pode ser aperfeiçoado, nenhuma disciplina pode
tornar-se autônoma, nenhuma instituição nova pode ser fundada sem o
circuito que chamo de alianças” (LATOUR,2001).
Para VENTURA (2002), “Projetos de Trabalho” são projetos desenvolvidos por
alunos em uma (ou mais) disciplina no contexto escolar, sob a orientação de um professor,
e têm por objetivo a aprendizagem de conceitos e desenvolvimento de competências e
habilidades específicas. Além disso, preconizam a autonomia dos alunos ao deixar a eles
espaços de decisão na condução dos projetos.
Dentro de um micro universo do laboratório escolar, como o Laboratório Aberto de
Ciência, Tecnologia, Educação e Arte (LACTEA), alunos, professores, conhecimentos a ser
construídos através de projetos de iniciação científica e técnica, se colocam em inter-
conexão com o mundo da ciência, da técnica e do trabalho. Os elementos que compõem a
58
comunidade envolvida no projeto inicialmente são de alunos, professores e monitores da
disciplina e demais professores do CEFET/MG, como professores de outras disciplinas.
Nos relatos dos alunos na entrevista e nos blogs
20
, vemos que na medida em que o
projeto é desenvolvido a comunidade se amplia, pois os alunos requisitam a ajuda de
professores de outras disciplinas, técnicos de laboratórios, profissionais diversos, como
marceneiros e eletricistas. Em alguns grupos a rede se estende para fora do CEFETMG,
incluindo ai a participação de empresas, parentes de alunos, laboratórios de outras
instituições. Vejamos alguns relatos:
“Na segunda semana de reunião, foi escolhido o tema a ser realizado.
Por votação unânime, o projeto escolhido foi do tipo construtivo: um
braço mecânico que nivela terrenos através de isoípsas interpretadas por
um programa. Além de interpretar as curvas de nível, o programa
também poderá esculpir fotos. Também foi consensual a escolha do nome
do projeto e, consequentemente, deste blog” (A9).
“De acordo com os professores do curso, o cronograma ficará
comprometido devido à magnitude do projeto, mas o grupo se esforçará
ao máximo para cumprir todas as tarefas no prazo previsto”(A1).
20
Relatos na íntegra estão disponíveis em http://lactea-projetos.blogspot.com/2008/03/o-que-deve-
conter-no-blog.html
59
Um dos desafios encontrados pelo grupo nesse projeto é a escolha dos
materiais adequados para o funcionamento do aparelho. Essa é a
principal pendência que tentaremos sanar nesta semana através da ajuda
de professores universitários indicados pelos orientadores da matéria
“Introdução a Engenharia Elétrica” (Paulo Cezar e Flávio).
Os professores indicados foram:
O coordenador do curso de turismo e professor de geografia:
Prof. Érico;
Os professores de mecânica: Ezequiel, Joel e Raquel;
O coordenador do curso de Engenharia da Computação: Prof.
Flávio Cardeal;
O professor e funcionário do laboratório: Anísio” (A7).
“9ª semana: Durante esse período demos continuidade ao nosso projeto
com dedicação e resolvemos todas as pendências com sucesso.
Conversamos com o monitor da disciplina e pesquisamos muito sobre o
tema. Encaminhamos essa lista de materiais à Cláudia (Lactea) que irá
adquirí-los na próxima sexta-feira. Semana que vem pretendemos iniciar a
montagem de nosso projeto, de acordo com o cronograma do nosso grupo.
Na próxima postagem iremos explicar com mais detalhes o efeito peltier,
seu funcionamento e vantagens.
ACOMPANHEM!!!!” (A7).
60
“1ª semana: Nos reunimos com o coordenador do projeto, inserção de
processos de aquisição automática de dados no ensino tecnológico,
Adelson Fernandes Moreira. Neste encontro conversamos sobre o que era
o projeto e quais as suas intenções. De forma resumida o projeto objetiva
utilizar sensores para aquisição automática de dados em atividades
experimentais. Ao final do encontro o prof. Adelson nos deixou livres para
criarmos um projeto que utilizasse sensores com alguma aplicação
tecnológica, ou até mesmo didática, elaborando um trabalho de pesquisa
e/ou investigação. Diante disso tudo nos reunimos na semana seguinte
para discutir as idéias que surgiram e escolher uma para ser o tema do
nosso projeto”(A8).
“11ª semana: Enquanto tudo isso é feito, estamos aguardando a chegada do
sensor de luz, que foi encomendado, no entanto, como não o
encontramos no Brasil, ele deve de ser comprado no exterior e por isso o
tempo de espera será um pouco extenso, por volta de 2 ou 3 semanas”
(A8).
Abaixo, seguem trechos das entrevistas dos alunos que apontam-nos a articulação,
troca e interação dos grupos em busca de informações, ferramentas, dados, um serviço
técnico ou um conhecimento novo para que o projeto seja desenvolvido.
“Durante o desenvolvimento do projeto uma empresa foi procurada (Tecla
automação de sistema LTDA) para a compra de componentes para o
protótipo” (CMG29).
61
“Os professores orientaram o projeto, tornando viável seu
desenvolvimento, os monitores ajudaram a buscar componentes para
protótipos e coordenaram as atividades no laboratório. Os materiais para a
construção do artefato foram sucatas de placas, retalhos de madeira e
doações de componentes pela empresa TECLA” (CMG29).
“Professores de outras disciplinas foram consultados João Bosco
(Química) que sugeriu idéias e ofereceu o laboratório e ensaios e testes
(CMG29).
“Quanto à colaboração de parentes, afirmou que um tio (engenheiro
eletricista) ajudou o grupo na concepção da idéia do projeto. Outros
colaboradores externos foram Adelson (coordenador de física) da
FAPEMIG e Renan (bolsista) contribuiu no desenvolvimento do projeto”
(CMG29).
“A idéia do projeto surgiu a partir de uma sugestão do coordenador de
física da FAPEMIG e do tio engenheiro. Os professores do laboratório
contribuíram pouco, mas tiveram o apoio de um bolsista durante todo o
processo” (CMG29).
“Os professores Flávio Cardeal, Joel Romano e Joel Lima orientaram a
realização do projeto. A idéia do projeto surgiu a partir de uma sugestão de
um colega. Os professores do laboratório contribuíram para a resolução de
pequenos problemas que o grupo encontrou. Os materiais para o projeto
foram adquiridos em lojas especializadas. Professores de outras disciplinas
62
foram consultados Flavio Cardeal (programação) Joel Romano (mecânica)
e Joel Lima (mecânica)” (CMG29).
“Alguns parentes contribuíram no desenvolvimento do projeto, indicando
lugares onde efetuar a compra dos materiais. A idéia do projeto surgiu a
partir de uma sugestão de um colega. Os professores do laboratório
contribuíram na aplicabilidade do projeto para a vida cotidiana das
pessoas. Os monitores auxiliaram na montagem do artefato, foram
facilitadores, disponibilizando ferramentas e algumas peças. Os materiais
para o projeto foram adquiridos no próprio LACTEA e em lojas
especializadas” (DBP28).
“A idéia do projeto surgiu a partir do consenso do grupo. Os professores
do laboratório contribuíram na parte teórica e prática do projeto. Os
monitores auxiliaram no fornecimento de materiais. Os materiais para o
projeto foram adquiridos no próprio LACTEA, na serralheria do CEFET e
no laboratório de eletrônica” (FBF19).
“O coordenador de eletrônica (Francisco) contribuiu com conceitos
teóricos e na elaboração do circuito e o professor Flávio com conceitos
teóricos” (JGMS18).
“O aluno Cléber membro do grupo coordenou toda a base eletrônica do
projeto. Recorreram ao laboratório de química para fazer medição das
chamas” (FCS21).
63
“Os professores do laboratório “orientaram os alunos durante o projeto e
indicaram professores que poderiam nos auxiliar”, os monitores
compareceram nas reuniões do grupo e auxiliaram na construção da
máquina” (BGAM19).
“Os professores Ayrton, professor de Eletrônica (Montagem do circuito
elétrico), Vildemar e Joaquim, professores do laboratório (obtenção de
material) e Renam, monitor (elaboração do circuito elétrico)” (FMMP20).
“O técnico Adalberto contribui na construção da parte mecânica do robô e
o instrutor de formação profissional Armando, na resolução de problemas
na programação. A empresa LAD foi procurada pelo grupo para ser um
local para a confecção do projeto, o SENAI/CETEM disponibilizou a
bibliografia para a confecção do projeto” (VASM19).
“O tio do integrante Pedro (engenheiro eletricista) tirou duvidas e deu
novas idéias, o Sr. Click (marceneiro do CEFET), confeccionou parte do
copo” (OTA19).
Para desenvolver o projeto é preciso além de dominar um conceito teórico ou um
instrumento, é preciso ser capaz de inserir a atividade num contexto suficientemente amplo
para garantir a sua existência e continuidade. Os comentários e as descrições registradas
nos blogs nos permitem identificar a convergência dos alunos em torno da realização de
tarefas e ações para criação do artefato.
64
A intermediação uns com os outros, individualmente ou coletivamente, definidos
por seus papéis dentro da ação, por suas identidades e características pessoas e experiências
anteriores. Observa-se também as malhas de relações pessoais e institucionais
comunicando-se entre si, interativamente, no contato com professores de outras disciplinas,
de outros laboratórios e ainda outros profissionais da própria instituição e de instituições
externas ao CEFETMG que representam a comunidade onde está inserido o projeto.
3.3.Divisão de trabalho
Na análise dos blogsfólios e da entrevista algumas características suscitadas como
sendo elos de uma rede sociotécnica na perspectiva de Bruno Latour foram destacadas:
negociação e alianças com grupos externos e internos ao laboratório.
Lidar com a heterogeneidade do grupo, inexperiência e questões de relacionamento
interpessoal foram apontadas por alguns alunos como dificuldade pessoal que geraram a
necessidade de negociar, dialogar e dividir tarefas. Vejamos trechos da transcrição da
síntese das entrevistas que caracterizamos como elos da rede:
Interação entre o grupo – negociação interna:
“Quanto às dificuldades encontradas na realização do projeto como
dificuldade pessoal ele apontou a inexperiência geral do grupo, sendo que
ele o mais experiente com o assunto, necessitava explicar o processo a
todos os membros. Trabalho em grupo: é importante dividir as tarefas para
o trabalho em grupo resultar em êxito” (CMG29).
65
“Havia divisão de trabalho no grupo Felipe (parte teórica), Charles
(montagem do circuito), Renam (montagem de circuito), Francisco (parte
teórica e montagem de circuito). Trabalho em grupo: é importante para
solucionar problemas” (FMMP20).
“Quanto as dificuldades encontradas na realização do projeto como
dificuldade pessoal ele apontou “lidar com outras pessoas para
desenvolver o projeto”. Trabalho em grupo: “pode ser difícil, mas é a
melhor maneira para fazer um projeto complicado” (DTFJ18).
“Trabalho em grupo: apesar de gerar discussões devido à divergência de
idéias, promove uma melhor solução do problema” (KMA19).
“Quanto a divisão de trabalho Lucas atualização do blog e criação da
apresentação em ppt; Dalton, montagem do artefato, compra de peças e
criação do blog; Tiago, atualização do blog e montagem do artefato;
Rodrigo, preenchimento do formulário e montagem do artefato. Trabalho
em grupo: “exige consenso de opiniões” (DBP28).
“Trabalho em grupo: é uma das atividades mais difíceis, mas que oferece
um crescimento pessoal imenso” (FBF19).
“Trabalho em grupo: um feito realizado por trabalho em grupo é sinônimo
de que o resultado foi democrático” (DHSP21).
“Quanto a divisão de trabalho ele trabalho teórico; José George,
(atualização do blog, pesquisas e comunicação); Ravel , (pesquisas,
66
montagem, comunicação com outros professores) ; Eder, Lucas e Gustavo,
(pesquisas, ajudas técnicas)” (JGMS18).
“Trabalho em grupo: um meio de aprender a dividir os conhecimentos e
multiplicar soluções” (JGMS18).
“Trabalho em grupo: é difícil, conflitos e discussões, no entanto,
quando bem orientado é muito produtivo” (RCMP19).
“Trabalho em grupo: fundamental para a elaboração de projetos para que
idéias diferentes possam convergir em um só projeto” (FCS21).
“Divisão de trabalho Bruna (compras e montagem), Eduardo
(programação), Fernando ( compras e montagem) Larissa ( montagem) e
Kellsey ( montagem)”. Trabalho em grupo: “gera conflitos que muitas
vezes amadurecem os integrantes do mesmo” (BGAM19).
“Trabalho em grupo: saber trabalhar em grupo é difícil, mas é essencial
para o desenvolvimento de um bom projeto” (MFF18).
“Trabalho em grupo: assim como o conhecimento, é bom saber praticar o
trabalho em grupo, pois é algo bem visto por empresas” (IGL18).
“Quanto a divisão de tarefas, Nicholas (blog e relatório), Danilo
(montagem e blog), Fernando (montagem e blog) e Rafael (montagem,
blog e relatório). Trabalho em grupo: “um trabalho realizado com a
colaboração de todos os integrantes, no qual acontece divisão de tarefas”
(RBM19).
67
“Trabalho em grupo: é aprender a compartilhar idéias em prol da criação
do projeto” (WLES18).
“Quanto a divisão de trabalho, Bernardo (blog), Rafael (blog e pesquisa),
Fernando (montagem) e Ana Isabele ( parte escrita e teoria) Trabalho em
grupo: “é vantajoso para o desenvolvimento de atividades complexas”
(BC18).
“Quanto a divisão de trabalho, todos (rodízio no acompanhamento do
blog, um membro a cada semana), Pedro e Olavo (construção inicial do
copo, contatos e cálculos necessários), Marina e Tatiane (encarregados por
parte da confecção do copo e apresentação), todos (teste de
funcionamento). Trabalho em grupo: trabalho em grupo: “é um grande
aprendizado para todos os alunos, já que faz cada um lidar com as
dificuldades do outro” (TGCMC19).
Latour, fazendo referência ao desenvolvimento de um projeto de construção de um
reator atômico, diz que o cientista tem ao mesmo tempo de fazer funcionar o reator,
convencer seus colegas, despertar interesse de seus pares, além de militares, políticos, e de
lidar com a opinião pública. Estes elementos são tão importantes quanto compreender o que
se passa com os neutrons (LATOUR, 2001).
Não é diferente no caso dos alunos de engenharia que tiveram que mobilizar atores
humanos e não humanos, convencer, negociar, reunir informações e experiências com seus
pares. As declarações dos alunos nos remetem ao conceito de “negociação” de Bruno
Latour, como sendo criar ligações sociais. Os alunos se reuniram para desenvolver o
68
projeto, partindo de um grupo de informações e de conhecimentos, convergentes ou
conflitantes, para uma interação. Observamos que a interação ocorre tanto no momento de
organizar o grupo, como na definição do tema e da distribuição das tarefas.
3.4.Ferramentas utilizadas
O trabalho científico é caracterizado pelo uso de instrumentos e de ferramentas que
o cientista mobiliza em condições de atividade comum e coletiva (LATOUR, 2000). Para
Marx, o instrumento é um meio de trabalho, algo ou um conjunto de coisas que o homem
interpõe entre ele e o objeto de seu trabalho como condutor de sua ação (LEONTIEV,
1996).
No relato dos alunos identificamos o uso de ferramentas e instrumentos como
condutores da ação, viabilizando a construção do artefato ou até mesmo sendo um fator
dificultador. Como vemos na teoria das redes sociotécnicas objetos e sujeitos se co-
constituem e os fatores humanos e não-humanos interagem e dão sentido às ações durante o
processo.
A transcrição abaixo refere-se ao relato de alunos postados no blogfólio do grupo.
Eles iniciam as postagens descrevendo que iriam produzir um projeto didático, a descrição
do funcionamento de um objeto. Por questões ligadas à aquisição e conhecimento de
instrumentos e ferramentas, o projeto inicial foi modificado pela primeira vez. Vejamos
alguns trechos:
“Durante essa semana adquirimos a fonte de computador, o cooler e o
dissipador, que são alguns dos materiais necessários para a montagem
69
do projeto. Entretanto, não foi possível encontrar a pastilha
termoelétrica em nenhuma loja fixa de Belo Horizonte. Tivemos,
portanto, que solicitá-la no mercado livre, atravéz da internet. A
pastilha virá de São Paulo e tem previsão de chegada em até 10 dias
úteis” (Efeito Peltier).
“Fizemos a primeira reunião e de início o projeto seré do tipo
DIDÁTICO, mostrando o funcionamento de um SWITCH de
conexões de rede”.
Figura 2- imagem de um switch postado no blog
“Switches são ativos de rede que filtram e encaminham pacotes de
dados entre pontos de redes locais. Os switches permitem que usuários
de uma rede de computadores troquem informações e compartilhem
recursos (servidores, impressoras, internet, etc.). Logo teremos mais
notícias e informações sobre o assunto”(Efeito Peltier).
Depois de uma semana, vendo a impossibilidade de se adquir e manejar o swich, o
grupo optou por outro objeto “o sensor de chama”. Segue abaixo a descrição.
70
Houve mais uma mudança...Agora estamos vendo se
possibilidades de fazer um projeto que tenta evitar o vazamento de gás
de um fogão. Por exemplo, colocarmos um "sensor" ligado a um
circuito elétrico que na hora que aciona o botão do fogão tem um certo
tempo por exemplo dez segundos para a emissão de calor ou seja, que
alguém acendeu o fogo, caso contrário, automaticamente o gás iria
parar de sair. Assim poderiamos evitar uma explosao por exemplo.
Ainda estamos em discussão sobre este tema.
Projeto definido, agora é Mão na massa!”
“Bom, Agora é Oficial! Nesta terça-feira definimos o projeto, que será
realmente o projeto para evitar vazamento acidental de gás, no caso de
uma chama de um fogareiro não se acender ou apagar
acidentalmente”.
“O esquema em blocos a ser desenvolvido segue abaixo (esboços
realizados durante a nossa reunião)”:
71
Figura 3 - esquema de um sensor de chama produzido pelos alunos
Para tentar “materizalizar na mente, como disseram os alunos em um trecho
construíram um desenho “ilustrativo da idéia”, interessante notar o processo do
planejamento das ações. A partir da atividade proposta é desencadeada uma série de ações,
articulações, negociações entre os pares para a concretização das idéias.
Figura 4- esquema produzido pelos alunos para planejar a construção do objeto
72
Na seqüência vemos o próprio objeto a ser construído interferindo no processo de
construção da rede, ao se aprofundarem no estudo do objeto, observaram incoerências e
impossibilidades no que foi estabelecido anteriormente pelo grupo, provocado
modificações no objeto e gerando outra atividade e conseqüentemente outras ações. È o que
Latour chama de interferência do objeto.
“Situações identificadas: Como qualquer projeto, identificamos
possíveis problemas. Dentre os detectados, podemos citar os seguintes
(com a situação de contorno):
“Possível dificuldade na detecção da chama: é realmente bem difícil
detectar uma chama. Após um estudo,verificamos que a chama é um
tipo de plasma, e que todo plasma tem como característica, conduzir
eletricidade em função dos eletrons livres presentes no plasma (vale
ressaltar que o plasma em uma chama é o ponto onde ocorre a reação
de queima do combustível). Tentaremos medir a "impedência da
chama". Se ainda não for possível, tentaremos o uso da medição de
temperatura, com algo como termopar, variação de impedência de
materiais, etc.
“Teremos que desenvolver um controle eletrônico inteligente. Para
tanto, iremos desenvolver um sistema microcontrolado baseado em
microcontrolador PIC, programado em C++;
“Teremos que usar uma válvula de gás, para tanto, iremos pesquisar no
mercado de gás combustível válvulas compatíveis com a aplicação;
73
“Próximos passos:
* Fazer os testes de detecção de chama e desenvolver um circuito
capaz de fazer isto;
* estudar a soluçaoo de valvula solenoide para acionamento de gás de
cosinha;
No mais, em breve mais notícias sobre o projeto”.
“Novo projeto: Devido a um problema que nos ocorreu durante a
elaboração do nosso projeto em detectar o aparecimento da chama,
verificamos que a chama apresentava um fato peculhiar que de
antemão não conhecíamos. A chama é um meio em que
ocorre a propagação de corrente elétrica. Ao depararmos com esse fato
mudamos radicalmente nosso projeto para um estudo mais elaborado
da chama. Vamos estudar com mais ênfase se possível todas as suas
propriedades (de meio facilitador de passagem de corrente elétrica),
queremos calcular o quanto o calor da chama enterfere na corrente ,
procurar estabelecer uma contante (k) por meio aritiméticos e no final
montarmos um circuito simples,em que a corrente passara pela chama
e acendera uma lâmpada. Provavelmente encontraremos alguns
desafios que assim ao tentarmos transpo-los descobriremos mais sobre
a chama e obteremos mais do que haviamos esquematizado” (Grupo:
Medição da condutividade de uma chama elétrica)
74
Figura 5- produto final: o medidor de uma chama
O grupo se organizou, escolhendo um tema, a partir daí surgiram a associação de
pessoas e de idéias, a necessidade de negociar entre si, de planejar e realizar ações. O
objeto técnico com suas características, materiais e componentes físicos é também um
elemento, é o que Latour chamou de “fator não humano” que interage e dá sentido às ações
durante o processo.
Outra característica que sublinhamos é o fato de que a atividade desenvolvida pelos
alunos é revista e reogarnizada a partir de problemas e de mudanças de condições de
trabalho, tem uma estrutura que é criada pelas condições concretas e as relações humanas
que delas decorrem. Uma tarefa nova surge a partir de mudanças e novas condições
apresentadas a partir de configuração entre os elementos do sistema da atividade. Assim se
uma ferramenta não é encontrada, novas alianças devem ser feitas para que a realização da
atividade. Os elementos da rede são dinâmicos e as tarefas e ações se modificam a partir
destes elementos.
A experiencia proporcionada pelo LACTEA é singular, sendo que um dos seus
elementos fundamentais é a autonomia do estudante em definir o objeto de seu projeto,
75
abrindo possibilidades de criação, ao mesmo tempo, traz a dificuldade de escolha de algo
muito complexo. Essa característica presente na metodologia de projetos: a incerteza, faz
com que a presença do professor seja fundamental.
3.5.Dois exemplos
A escolha do dois exemplos tiveram critérios e motivações distintas. O primeiro
grupo, “Copo Térmico”, foi decidido no início da pesquisa, de forma aleatória, já a
trajetória do grupo “limpando superfície” chamou-nos a atenção no decorrer da pesquisa,
pelas dificuldades enfrentadas dificuldades de ordem técnica, estrutural e de
relacionamento entre os seus componentes fazendo com que o projeto não fosse concluído
pelo grupo. O trabalho dos grupos foi acompanhado de perto durante as reuniões da Láctea
e nas oficinas de engenharia e monitoria.
3.5.1. Grupo Copo Térmico
Figura 6- imagem do copo térmico
76
Na primeira semana, o grupo formulou hipóteses sobre possíveis formas de
realizar o mesmo projeto e apontou a diversidade de possibilidades como um elemento
dificultador.
Os possíveis contatos a serem feitos naquele primeiro momento seria com
professores de outras disciplinas do Cefet/MG e de outras Universidades, além de
outros graduandos do curso de Engenharia. Eles apontaram que havia, a princípio, duas
idéias sobre o que poderia ser construído:
“- Projeto inventivo/construtivo: Criar um copo térmico, que tem
como funcionalidade: aquecer,resfriar e conservar a temperatura da
solução na qual ele armazena, sem que a mesma sofra alteração em
sua composição.Esse copo se baseia em dois princípios físicos - o
da termodinâmica e do efeito joule - além de um princípio químico -
propriedades coligativas.
- Projeto construtivo: Construir um telefone magnético, criado por um
físico americano chamado Graham Bell (1847-1922); que consiste
numa barra imantada que tem em um dos extremos uma pequena
bobina formada de fio finíssimo bem enrolado. Junto ao mesmo pólo,
encontra-se uma leve armadura formada por uma lâmina de ferro
doce”(Grupo Copo Térmico).
A primeira opção foi a escolhida por eles e a decisão da escolha do tema foi
respaldada por professores da disciplinam segundo afirmam no blog:
77
“Durante a aula do dia 01/04 conversamos com os professores de
Introduçao a Engenharia Elétrica e eles incrementaram nossa idéia
inicial para que atendesse melhor o objetivo do trabalho, ou seja,
aprender a lidar com aspectos e fundamentos do ramo da engenharia
elétrica”(Grupo Copo Térmico).
Notemos que o projeto começa não apenas após a escolha do tema, mas a própria
seleção do tema, a sua escolha e consenso são elementos determinantes caracterizando o
conceito de negociação de Latour.
Outro ponto importante destacado é a internalização de conceitos sobre a gestão de
projetos, como na frases seguintes “um projeto ser concluído com sucesso, é preciso
escolher e planejar com muito cuidado e interesse” , “Esquematizar o projeto para saber
quais serão os materiais necessários” e “fazer os experimentos para concretizar as idéias do
grupo”.
Quanto à necessidade de buscar para além do grupo, informações e dados para o
andamento do projeto o grupo apontou como pendência “procurar monitores para nos
ajudarem a construir o exemplar para teste” sendo que os monitores e professores do
próprio Cefet/MG foram citados como essa primeira fonte, ou primeiro elo de uma rede a
se configurar.
“Ir até o laboratório de química para fazer diversos experimentos e comprar os materiais
necessários para a realização do projeto. O grupo também precisa discutir as idéias com
profissionais da área”(Grupo Copo Térmico).
78
Um problema novo surge quando o marceneiro procurado anteriormente desistiu
de fazer o copo de madeira, vejamos a forma que o grupo encontrou para solucionar este
problema inesperado.
“Durante a última aula conversamos com o monitor de Eng. Elétrica e
ele indicou um marcineiro que trabalha dentro do próprio CEFET.
Fomos até ele e encomendamos o copo de madeira necessário para o
projeto. Havíamos comprado o fio com a espessura errada, por isso
não foi possível iniciar a montagem. Na sexta-feira, a Cláudia do
Lactea foi até o centro de BH e comprou o fio correto para o nosso
grupo” (Grupo Copo Térmico).
O episódio com o marceneiro que desistiu de fazer o copo, o problema que surgiu
a partir disso e a forma como a dificuldade foi resolvida, através de um contato feito pelo
monitor, mostra que a dificuldade pode fazer aumentar a rede, veremos se isso se repete
também em outros grupos.
“Devemos buscar auxilio a um engenheiro eletricista para testar a
resistividade do fio que será utilizado por s para a montajem
da resistência do copo .Caso não dê certo iremos procurar contato com
o fabricante do fio para informações mais minuciosa do produto”
(Grupo Copo Térmico).
“Entraremos em contato, se necessário, com um engenheiro eletricista
e monitores para nos auxiliarem na construção do copo, conforme
79
forem surgindo vidas e dificuldades na montagem” (Grupo Copo
Térmico).
“O tio do integrante Pedro (engenheiro eletricista) tirou duvidas e deu
novas idéias, o Sr. Click (marceneiro do CEFET), confeccionou parte
do copo”.
“Fomos até o laboratório de circuitos elétricos do CEFET na
companhia do professor Flávio, e montamos um circuito de maneira
que passasse uma corrente de 3,5A (amperes) pelo fio que estamos
usando na montagem. Isso foi feito para testar se o fio suportaria essa
corrente, pois essa será a corrente que passará pelo fio de nossa
montagem. Obtemos êxito no experimento. Assim demos
continuidade a nossa montagem” (Grupo Copo Térmico).
A dúvida nos grupos em alguma questão relativa a alguma etapa do projeto leva-os
à procura de ajuda externa ao grupo, seja de professores, de amigos de monitores ou outros
profissionais.
“Nessa semana, terminamos a montagem do copo. Ao invés de
usarmos um copo de madeira para revestir o copo de alumínio,
optamos por revesti-lo de plástico PVC. Iniciamos o preenchimento
do relatório” (Grupo Copo Térmico).
“Nas últimas semanas fizemos alguns pré-testes. Medimos a
resistência do fio enrolado no copo. Obtemos uma resistência que
corresponde a metade da resistência que precisamos na montagem, o
80
que significa que temos que enrolar o fio mais uma vez em torno do
copo.” (Grupo Copo Térmico).
“Durante a última semana do projeto o grupo realizou o teste de
funcionamento do protótipo. Fomos até o laboratório do
LACTEA para terminarmos a montagem. Obtivemos o resultado
esperado, sem apresentar erros no funcionamento. Iremos, nesta
terça-feira, apresentar o projeto para os professores e para a turma. O
relatório está quase concluído, e será entregue no dia 08/07” (Grupo
Copo Térmico).
Vejamos, agora a auto- avaliação onde os alunos descrevem a sua participação:
“-10,0. O projeto foi construído dentro do prazo e funcionou
perfeitamente. O grupo inteiro se interessou pelo projeto contribuindo
todos para realização com proeza. O blog foi atualizado semanalmente
de acordo com as ordens do professor, e o cronograma foi cumprido.
Assim acredito que merecemos nota total” (OA 19).
“-:10,0. Pensamos em um projeto que seria útil e prático, pois energia
eletrica é fácil de se encontrar em qualquer lugar e conseguimos.
Terminanos o projeto a tempo, e funcionou como queriamos, com
uma potência acima do esperado. O projeto nos ajudou a rever
conceitos de física aprendidos no colégio que utilizando-se deles
fizemos os cálculos que foram confirmados na realidade. Acho que
81
por cumprir com todos os quesitos no trabalho merecemos nota 10 em
uma escala de 1 a 10” (PHB19).
“-:10,0 Desde o início do projeto o grupo se esforçou em obter uma
idéia interessante, que fizesse com que todos se interesassem pela sua
realização .Por essa razão, escolhemos fazer o copo térmico e o grupo
se envolveu participando efetivamente do desenvolvimento do
mesmo. Além de conseguirmos terminá-lo a tempo, obtivemos
sucesso em seu funcionamento, e postamos semanalmente no blog.
Portanto considero que o restante do grupo e eu merecemos nota
máxima (TGCMC19)”
“- 10,0. Durante todo o semestre, eu e o restante do grupo nos
empenhamos no desenvolvimento de nossa idéia. Fizemos as
pesquisas necessárias, procuramos pessoas que nos orientassem nas
dúvidas que surgiram, fizemos os pré-testes necessários. Enfim,
corremos atrás de nosso objetivos, cumprindo as metas estabelecidas
no cronograma, obtendo resultados satisfatórios e positivos. Também,
mantemos nosso blog atualizado. Devido a todo empenho durante o
projeto, minha auto-avaliação é 10” (MA19).
O objeto técnico com suas características materiais e componentes físicos é também
um elemento dessa rede, o fator não humano que interage e sentido às ações durante o
processo se faz presente nos relatos sobre ferramentas e instrumentos. Novas necessidades
levam a ações novas que modificam a estrutura da atividade e amplia a rede de relações.
82
Outro elemento que modifica a atividade e influencia a rede, é descrita no diagrama
como “regras relativas ao desenvolvimento do projeto na disciplina”, diz respeito à
influência da organização dos tempos e espaços escolares no encaminhamento do projeto.
Falta de espaço e a carga horária dos alunos é caracterizada, por exemplo, nesse elemento.
O percurso do grupo mostra a importância da escolha do tema se adequar ao
conhecimento prévio dos alunos e cuja complexidade possa ser trabalhada dentro do tempo
da disciplina.
3.5.2. Grupo Limpador de Janelas
Na primeira semana o grupo havia decidido criar óculos para leitura no escuro,
entretanto dificuldades técnicas fizeram com que mudassem para um projeto de limpador
de superfícies planas.
“No projeto tivemos a ideia de usar o sistema de uma impressora para
limpar superfícies. A ideia inicial era limpar janelas, mas com o
adaptar do mecanismo da impressora fica complicado fazer um
limpador vertical. Optamos pela impressora pois tentariamos fazer
com que, ao invés de puxar o papel, o sistema se movesse pela
superficie” (Limpador de janelas).
Reuniram-se na casa de um dos componentes e desmontaram uma impressora para
entenderem como é o seu funcionamento. Entretanto esta ação gerou o primeiro problema
do grupo, a impressora ficou danificada.
83
“Durante a reunião na casa do Jefferson vimos que a idéia de usar uma
impressora é realmente possível. Desmontamos uma impressora igual
a citada na postagem anterior (cannon i250), não foi difícil, mas pouco
tempo depois o problma surgiu: um dos ci's(tpc8402) queimou,
bastava ligar o cabo de força na impressora que viamos sair fumaça
dele. Agora, estamos a procura de uma nova impressora. Porém não
esperamos encontrar dificuldade em encontrar, que a mesma pessoa
que nos cedeu a anterior disse ter uma segunda impressora, parada,
que está a nossa diposição” (Limpador de janelas).
Para Latour o objeto interfere e influencia o trabalho da mesma forma que um dos
componentes do grupo poderia interferir, ou seja, os atores humanos e não humanos agem e
modificam as ações, interferindo nos resultados. A descrição dos fatos que se seguem
mostra-nos um exemplo disto, a queima da impressora gerou um problema importante, o
grupo precisava de uma impressora e além de conseguir uma nova impressora, ela não
poderia estragar, ou seja, não poderia haver mais erros.
Figura 7- impressora sendo desmontada
84
Uma nova impressora foi adquirida, e um outro problema surgiu. A nova impressora
era de um modelo diferente da anterior, aparentemente, mas difícil de ser desmontada, e o
grupo não tinha ferramentas necessárias para concluir a tarefa.
“Na última sexta feira dia 9 de Maio, o grupo voltou a se reunir na
casa de um dos integrantes. Como o circuito da primeira impressora
Canon i250 apresentou um defeito (muito difícil de ser corrigido
devido a precisão da solda realizada nos CI´s da placa principal) o
grupo foi obrigado a procurar mais impressoras.
Adquirimos então uma impressora da série HP 692C, que a pricípio
apresentou muitas dificuldades para ser desmontada, que este é um
modelo mais antigo que a Canon i250 e requeria ferramentas
específicas para o desmonte. O trabalho então não fora concluído,
que o grupo não possuía as chaves do tipo estrela necessárias para a
retirada de todos od parafusos da impressora” (Limpador de janelas).
A solução encontrada foi a compra de uma terceira impressora, após decidirem onde
e quanto poderiam gastar. A compra da terceira impressora foi feita pela internet e assim
eles teriam que esperar “alguns dias” até que ela chegasse fazendo com que o trabalho
tivesse um atraso de uma semana.
“Após pesquisa rápida em sites de vendas na internet, o grupo decidiu
entao efetuar a aquisição de uma terceira impressora, esta também do
modelo Canon i250. Esperamos que esta impressora chegue às nossas
mão ainda essa semana, possibilitando assim que adiantemos nosso
trabalho ainda durante essa semana. O grupo atualmente possui muitas
85
idéias que não foram passadas para o trabalho prático, daí a
importância de uma nova reunião o mais rápido possível. Então, nesta
manhã, marcamos uma nova reunião que acontecerá nos laboratórios
do LACTEA na quinta feira pela manhã, local este onde teremos
acessos a um ferramental mais complexo, possibilitando o
desenvolvimento ideal do projeto” (Limpador de janelas).
Com a nova impressora em mãos, o grupo solicitou a ajuda de um professor do
laboratório de eletrotécnica para o desmonte. Após esta ação, procurarm a marcenaria do
CEFET onde se depararam com mais uma dificuldade. Os solicitaram ao marceneiro que
criasse uma peça para o deslocamento do jato de água, após visita na marcenaria,
verificaram que seria inviável a criação da peça. Em reunião chegaram ao consenso de que
o deslocamento deveria ser feito por um motor sobressalente. O marceneiro indicou ao
grupo que procurassem um laboratório no Campus I para adquirirem o motor adicional,
mas não tiveram êxito.
“Levamos as peças de ambas às impressoras para a marcenaria do
CEFET, porém, após verificarmos alguns problemas com relação ao
deslocamento da peça que ostenta o cabeçote e seu trilho, a
apresentação de novas idéias tornou-se imprescindível. Fomos então
obrigados a procurar um motor sobressalente e após uma visita ao
Campus I não conseguimos esse motor” (Limpador de janelas).
Neste ponto, ficou claro para o grupo que o projeto inicial sofreria mudanças. A
dificuldade em conseguir peças no CEFET, o defeito na impressora, a necessidade de
86
comprar a terceira impressora, todos os problemas descritos fizeram com que o grupo
perdesse e se deparam com mais uma dificuldade, o início das provas das outras disciplinas.
“A partir dai surgiu uma nova idéia, que se utilizaria de cabos para
sustentar o trilho com o cabeçote e uma correia para movê-lo no eixo
vertical. Porém é necessária a realização de novas reuniões para a
discussão da nova idéia, o que poderá ser dificultado pelas provas
marcadas para o final dessa semana e o início da prova. Vale ressaltar
que até a presente data não foi testado o circuito da impressora HP
692C, algo que deveria ter ocorrido no primeiro dia em que
conseguimos a impressora mas que não aconteceu devido ao fato de
não termos o cabo de alimentação da mesma” (Limpador de janelas).
O projeto não foi concluído pelos alunos, mas vejamos a forma como se auto-
avaliaram e descreveram a experiência do projeto.
“O projeto, assim como havia sido planejado pelo grupo, não foi
concluído. Na verdade, ainda muito que fazer para que o protótipo
de limpador de superfícies desenvolvido até aqui funcione
corretamente. Está claro que este projeto tem que melhorar muito para
poder ser apresentado em público.
“O circuito desenvolvido para fazer a movimentação do limpador em
dois eixos perpendiculares funciona, porém este deslocamento é lento
e o protótipo não tem muita força. A melhor maneira para limpar a
superfície de uma janela e a melhor maneira para realizar esta tarefa
87
utilizando o limpador de janelas não foi estudada. È necessário
desenvolver a parte mecânica do projeto, que consistiria no apoio que
o limpador de superfícies teria para poder se locomover. O grupo
tem uma idéia de como elaborar esta base de apoio para o nosso
limpador, porém as idéias não saíram do papel. Além disso, uma outra
dificuldade seria fazer com que nosso protótipo fosse capaz de limpar
uma superfície plana na vertical. E este é um passo vital para a
conclusão do protótipo.
Apesar do grupo não ter concluído o protótipo, acredito que o objetivo
da matéria de IEE foi alcançado, pois o grupo passou por muitas
dificuldades e teve que superá-las. Quando estas dificuldades
pareciam impossíveis de serem contornadas, nós procuramos
caminhos alternativos para atingir uma meta. Por isso o projeto teve
um impacto muito positivo, pois nós passamos por muitas situações
complicadas que um engenheiro inevitavelmente passa durante o
desenvolvimento de um projeto. E este era o objetivo do projeto:
colocar os estudantes em contato com as dificuldades que eles
enfrentarão no futuro” (MFF18).
“Com esse projeto aprendemos que desenvolver algo não é da noite
para o dia, não é um passe de gica.É necessário ter ideias, estar
disposto a trabalhar, aprender coisas novas e ,principalmente, a
emfrentar novos desafios. Dificuldades aparecem em todos os
momentos, as vezes acontece de resolvermos uma e criarmos outra...
88
O projeto do limpador de janelas não ficou da mesma forma como
imaginamos no início.Foram necessárias algumas adaptações devido a
dificuldades encontradas e falta de tempo. O principal exemplo de
uma dessas adptaçõse foi que o limador de janelas acabou virando um
limpador de superfícies paralelas ao chão. Apesar disso, ficamos
alegres com o que conseguimos fazer.Aprendemos a planejar as coisas
antes de executá-las, algo fundamental em qualquer
projeto,aprendemos algumas coisas básicas de circuitos eletrônicos
entre outras.Nenhum projeto é tão facil quanto parece. Mas tudo
depende de você ter o conhecimento necessário, ou estar disposto a
buscá-lo, para resolver os problemas que surgirão” (LHLG19).
“Mesmo não concluindo o projeto, conseguimos atingir um objetivo,
que é conhecer um pouco mais sobre o curso em que entramos, que
as demais matérias são apenas científicas.
Marcamos vários encontros ao longo do semestre para resolvermos o
problema do Projeto, e na maior parte das vezes todos estavam
presentes e dando ideias.O projeto começou a ganhar cara quando
conseguimos a ajuda do monitor do Lactea, pois então conseguimos
seguir uma ideia.Desenvolver um projeto não é simples como parece.
Aprendemos isso aqui, e que é importante fazer todo um planejamento
antes de chegar a qualquer prática.Fomos todos bem presentes,
mudamos mesmo nosso projeto rias vezes, até chegar em algo
viável. O problema foi a demora para determinar que plataforma
89
seguir, e então não tivemos tempo para concluir o projeto. Mas, como
dito antes, o objetivo foi atingido, sendo que o grupo todo aprendeu
um pouco sobre desenvolvimento de projetos. O mais positivo do
grupo foi o circuito construído. Com a ajuda do monitor do Lactea,
conseguimos fazer um circuito para que nosso projeto fosse feito, e
aprendemos bastante fazendo esta placa.No fim, foi bem interessante
para expandir nosso conhecimento e começarmos a aprofundar na area
de engenharia elétrica”(IGL18).
“Após quatro meses de trabalho, os projetos dos grupos de Introdução
à Engenharia Elétrica foram finalizados, e ficou fácil perceber que
todos os grupos estavam satisfeitos com os avanços que obtiveram. A
maioria do pessoal nunca havia planejado nada parecido, e ter um
protótipo construído ou próximo disso foi o que deixou a todos muitos
satisfeitos e mais confiantes em si próprio.
“Com o nosso grupo, não foi diferente. Após enfrentarmos muitas
dificuldades durante o evoluir do projeto, nosso grupo, que em sua
maioria não era formada por técnicos, mostrou-se bastante realizado
pelo fato de todos os integrantes terem participado de forma integral de
todos os trabalhos que foram realizados no protótipo, bem como o fato
de que tratava-se de uma idéia inovadora e que necessitaria bastante
dos envolvidos. Era algo que não tivemos notícia de que houvera sido
tentado a realização até então.
90
É verdade que o protótipo não foi concluído, porém os progressos
foram enormes, já que, fazendo um balanço rápido, aprendemos o
funcionamento basico de uma impressora, elementos de eletrônica
básica como diodos, transistores, chaves, motores bem como o
confeccionamento de uma placa de circuito eletrônico.
Fazendo uma analogia "poética", a disciplina de Introdução à
Engenharia Elétrica é responsável por dar um ânimo extra aos alunos,
ânimo tão importante quanto o moral é para um grupo de soldados
numa batalha. Foram quatro meses que exigiram esforço, porém que
certamente foram gratificantes ao final, mostrando que somos capazes,
mais capazes do que podemos imaginar.
Ao final deste processo então, fica evidente a importância dessa
disciplina, que é o primeiro contato de alunos comuns com o mundo da
engenharia” (JOS19).
Pela descrição dos alunos do seu papel no grupo e da trajetória que percorreram
percebemos, pela riqueza dos detalhes do processo, a forma como destacaram a importância
de elementos como a negociação, os conhecimentos adquiridos ligados ou não ao conteúdo
da disciplina demonstrando assim a interdisciplinaridade presente na construção do
artefato, ate mesmo porque o objeto carrega em si várias ciências.
Outro ponto que podemos salientar são os conhecimentos relativos aos processos de
construção de um projeto destacado por vários alunos nos depoimentos. A falta de estrutura
física, a dificuldade em conseguir materiais e de lidar com questões ligadas a rotina escolar,
91
conciliar o trabalho no LACTEA com as demandas de outras disciplinas foram apontados
por todos os alunos como fatores que dificultaram o andamento do trabalho.
Entretanto, vemos pelas auto-avaliações do grupo, que finalizar o objeto é apenas
um detalhe no processo, considerando o conhecimento adquirido no decorrer do caminho e
a experiência adquirida de como ser “engenheiro”.
4. Considerações finais
Tratamos nesta pesquisa de conceitos relativos à prática educativa configurada
por uma Metodologia de Projetos a partir do diálogo entre a Teoria de Atividade e a Rede
Sociotécnica. Analisamos o ambiente de aprendizagem e as dimensões envolvidas no ato de
educar, considerando o ato de ensinar como direto e intencionalmente voltado para criar
possibilidades para a aprendizagem. Neste ambiente, seus atores (alunos, professores,
instituição, currículo, métodos, técnicas, produtos e artefatos) atuam indissociavelmente,
configurando o ambiente e sendo também modificados por ele.
Dentre diversos princípios e concepções que amparam as práticas educativas
buscamos na abordagem histórico-social de Vygostiky e os desdobramentos de seu trabalho
na teoria da atividade, uma referência para esta pesquisa. Além de Latour e a teoria de redes
com a dimensão social da ciência mediada por elementos culturais, físicos e materiais.
Estas duas teorias apresentavam-se como quadro de referência teórica não destoante,
embora nascendo em perspectivas sociológicas diferentes.
Mostramos a possibilidade de articular as duas teorias, a partir de suas
características mais comuns: a mediação entre elementos e pessoas para superação de
92
obstáculos, o uso da ferramenta como instrumento do pensamento e como condicionante do
processo, e a articulação entre elementos de naturezas diferentes, mas que igualmente
interferem e determinam a concretização do projeto.
Nenhuma metodologia é natural ao processo de ensinar, mas elas possibilitam o seu
desenvolvimento, e estão carregadas de intenções, refletindo concepções acerca do que se
espera ou do que se pretende como fim da educação. Entendemos o ensino por projetos de
trabalho como uma forma de tratar o processo de desenvolvimento do conhecimento
científico pela construção de um artefato e isto pode ser feita articulando-se com a
realidade.
Sobre a teoria da atividade e a educação tomamos como base o trabalho de Roth que
analisou, a partir de Engestrom, elementos da natureza dinâmica e dialética do sistema de
atividade: o sujeito e o objeto em relação a outros elementos que agem como mediadores e
modificam o sujeito e o objeto, tais como “instrumentos”, “poder”, “comunidade” e
“divisão de trabalho”. Consideramos sistema de atividade no ambiente escolare, os
elementos ligados à prática educativa onde o sujeito (aluno) articula-se com o objeto
(produto de seu trabalho) em intermediação com outros elementos: regras relativas ao
desenvolvimento da disciplina ou curso, comunidade escolar, divisão de trabalho ligado às
tarefas escolares e ferramentas utilizadas no processo.
93
A análise dos trabalhos foram feitos a partir do diagrama de Engestrom e os
elementos que ele propõe de um sistema de atividades propostas nas categorias (regras,
comunidade escolar, sujeito, objeto, ferramentas e divisão de trabalho), e o artefato,
produto final, é produzido a partir destas interações e mediações gerando e alimento o
sistema de atividade.
Para estabelecer correlações entre a rede sociotécnica no ambiente escolar
apresentamos, primeiramente, concepções e características de uma rede sociotécnica na
construção de processos científicos segundo a perspectiva de Bruno Latour, discutindo que
no desenvolvimento de artefatos desenvolvidos pelos alunos a partir da metodologia de
projetos de trabalho no LACTEA configura-se um sistema de atividade que leva ao
desenvolvimento de uma rede possuidora de características semelhantes com as que Latour
descreve.
Observamos a configuração das redes ou de elementos das redes a partir das
descrições das atividades feitas pelos alunos nos blogs e pelos dados coletados através de
94
uma entrevista. Como apontamos no capítulo de introdução, elaboramos questões que iriam
nos remeter a elementos relacionados a como se deu a divisão de trabalho, quais as
ferramentas utilizadas, a comunidade envolvida no processo e a questões relacionadas à
estrutura e regras do curso e da disciplina. Verificamos que os alunos em sua maioria
nunca haviam estudado formalmente disciplinas técnicas como eletrônica, eletrotécnica e
outras, e que aqueles com alguma experiência através de algum curso técnico atuaram de
forma diretiva nos grupos, dando apoio inclusive a outros grupos dos quais não faziam
parte, sendo este fato uma indicação de mediação entre os sujeitos.
A partir da análise das repostas relativas a quais instituições, empresas, laboratórios,
os alunos procuraram, constatamos que todos os grupos, sem exceção, recorreram a
elementos externos em algum momento da realização do projeto, seja como consultoria,
seja na compra de equipamentos, no empréstimo, no uso do laboratório e marcenaria, por
exemplo.
Constatamos que de modo informal ou formal houve divisão de trabalho entre os
alunos e que houveram desentendimentos, conflitos e negociações, outro elemento também
comum ao que Latour descreve como parte da configuração de uma rede. Nos relatos dos
alunos sobre “trabalho em grupo” muitos apontaram como “apesar de gerar discussões
devido à divergência de idéias, promove uma melhor solução do problema”, ou ainda,
como “pode ser difícil, mas é a melhor maneira para fazer um projeto complicado”, os
alunos apontaram como difícil, mas necessário o trabalho em grupo e a divisão de trabalho.
Das dificuldades apontadas, a maioria declarou o excesso de trabalhos escolares, as
provas de outras disciplinas, o tempo escasso para realização do projeto. Como citamos,
95
a “Introdução a Engenharia Elétrica” no LACTEA é apenas mais uma disciplina dentre
outras nas quais os alunos têm que cumprir horários, tarefas e trabalhos escolares. O
trabalho experimental tão louvado pelos currículos formais está longe da realidade dos
cursos.
Percebemos também que as dificuldades encontradas em relação à aquisição de
ferramentas e peças levavam os grupos a expandirem as suas alianças. Nesse sentido a
necessidade constatada conduzia à configuração de novas estratégias e tarefas novas para a
solução de problemas. Todos estes elementos estão presentes também no trabalho de
Latour.
A investigação proporcionou, portanto, evidências de que na prática educativa
configurada pela metodologia de projetos de trabalho o grupo de alunos, o objeto técnico,
as ferramentas utilizadas, os professores e monitores e os elementos externos à disciplina,
constitui-se como articulação de elementos semelhantes a uma rede sociotécnica.
Esse aspecto se relaciona à discussão proposta de que para Latour a constituição do
objeto não funciona e não se sem o convencimento dos pares envolvendo articulação,
negociação e a interferência de fatores como regras e relações e poder. Percebemos estes
fatores nos relatos dos alunos além de outros elementos que estão ligados à estrutura e
organização dos tempos e espaços escolares e como quadro de horários, currículo e
estrutura física.
Fica bem nítida que a principal dificuldade dos alunos está em lidar com a
sobrecarga de tarefas do curso sendo que as atividades no laboratório, embora gerem a
interdisciplinaridade, não é tratada de forma interdisciplinar. Disciplinas disputando a
96
atenção dos alunos tornando-se um elemento dificultador, configurando-se em contradições
históricas concretas que engendram as atividades escolares.
Outro elemento que vale destacar é a troca e a interação dos alunos em busca de
solucionar problemas, descobrir meios mais fáceis e eficazes para construir o artefato,
criando intermediações entre grupos, além de estabelecerem contatos com professores de
outras disciplinas, de outros laboratórios e ainda outros profissionais da própria instituição
e de instituições externas ao CEFETMG.
Inerente à articulação está a negociação, percebida nos depoimentos dos alunos nos
blogs e nas entrevistas, onde os alunos se reuniram para desenvolver o projeto, partindo de
um grupo de informações e de conhecimentos, convergentes ou conflitantes, para uma
interação.
O projeto não começa apenas na escolha do tema e não termina com a construção
do artefato. Constatamos que esta trama cria oportunidades de aprendizagem, evidenciando:
a importância das interações sociais para a aprendizagem; o processo colaborativo de
construção do conhecimento, valorizando o papel dos colegas e professores no
desenvolvimento intelectual dos estudantes; e a valorização da postura ativa dos estudantes,
envolvendo o diálogo, o fazer e a consciência reflexiva.
A metodologia de projetos de trabalho desenvolvida no LACTEA configura uma
prática educativa que promove aproximação entre a experiência escolar e extra-escolar,
pela interação entre disciplinas, conceitos, pessoas, instituições e materiais. Esta prática
educativa é uma atividade direta e intencional, situada historicamente a partir de condições
concretas e trata da relação entre os atores envolvidos, sejam eles humanos ou não-
humanos.
97
É uma atividade regulada pela necessidade, podendo ser, inicialmente, a de
cumprir a tarefa da disciplina, modificando-se à medida que o projeto se desenvolve e pela
interferência de elementos e condições concretas que desencadeiam novas atividades,
tarefas e ações.
Entretanto, o objeto e a necessidade isoladamente, não desencadeiam a
concretização da atividade, sem outro elemento, o motivo. Estes componentes objetos,
necessidade e motivo levam à organização e determinação das ações e procedimentos.
Assim a instituições, os atores humanos e não humanos, incluindo o próprio artefato
produzido tanto configura o ambiente escolar, quanto são por eles influenciados.
Verificamos estes componentes em relatos de grupos quando da necessidade de
reformular o projeto seja por falta de materiais, ou mesmo, falha no equipamento. As
tarefas eram reorganizadas, e outras atividades, tarefas e ações eram criadas, tendo em vista
o problema apresentado. Concomitantemente, qualquer alteração no projeto, seja de
material, ou método, desencadeava uma reorganização do grupo, assim alianças eram feitas
ou desfeitas, materiais comprados ou descartados, novos contatos e nova ordem de ações
eram estabelecidos. O que nos leva a pensar na atividade como um sistema que possui
semelhanças e/ou complementaridades com a descrição de redes sociotécnicas de Bruno
Latour.
Para estudos posteriores, vejo a necessidade de se aprofundar mais nas
contradições presentes na atividade escolar, tais como a discrepância entre o currículo
oficial presente no Projeto da Disciplina e nos documentos legais, que preconizam o
trabalho prático no curso e as condições reais em que o trabalho no laboratório apresenta-se
sufocado entre outras tantas disciplinas. Pode-se também pensar na possibilidade de
98
identificação entre a atividade e a rede sociotécnica em outros ambientes escolares.
Algumas questões carecem de respostas, se em outras condições escolares, como vel de
ensino, sistema, ou curso, o uso de outras metodologias ou técnicas de ensino que
configuram outras práticas educativas possibilitaria também a formação de redes
sociotécnicas.
99
5. Referências bibliográficas
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101
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30- SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara,
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32- SIRGADO, Angel Pino. O social e o cultural na obra de Vigotsk. Educação &
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33- VIGOTSKI, L.S. "Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar".
In: Vigotski, Luria e Editora e Edusp, 1988.
34- _______________, A. R.; LEONTIEV, A. N. – Linguagem, desenvolvimento e
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36- _______________,. - Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1988.
37- _______________, Leontiev, Luria. - Psicologia e Pedagogia. Lisboa, Estampa,
1977.
38- _______________,, Leontiev, Luria. - Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. SP, Icone, 1988.
102
Anexo 1
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
Nome: Idade:
Escola onde cursou o ensino médio Ano de término
Tema do projeto desenvolvido no LACTEA, 1º semestre/2008
1- Você já havia participado do desenvolvimento de
projetos?
(sim) (não)
Se a resposta for sim, escreva o que foi feito e o local
2- Você já havia feito trabalhos em grupo? (sim) (não)
Se a resposta for sim, escreva o que foi feito e o local
3- Já tinha experiência em Eletrônica e/ou Eletrotécnica? (sim) (não)
Se a resposta for sim, escreva o que foi feito e o local
4- Possui parentes que têm experiência em Eletrônica e/ou
Eletrotécnica?
(sim) (não)
4.1 Se a resposta for sim, eles contribuíram de alguma
forma com o projeto? Escreva qual foi a contribuição.
(sim) (não)
5. Escreva o nome, profissão e tipo de contribuição de pessoas que colaboraram para
que o projeto fosse concluído
Nome do colaborador(a) Profissão Tipo de contribuição
(1)
(2)
(3)
(4)
6- Quais empresas, instituições, ou laboratórios foram consultados durante o
desenvolvimento do projeto?
Nome Razão/ motivo Resultados obtidos pelo contato
103
6. Durante o projeto quantos encontros de trabalho o grupo teve?
7- Onde eram realizados os encontros?
Local:
Local:
Local:
Local:
8- De onde surgiu a idéia do tema do projeto? Internet, Sugestão de um colega, Sugestão
de um professor ...
8.1- Durante o processo de desenvolvimento do projeto, qual foi a participação dos
professores da disciplina?
8.2- Durante o processo de desenvolvimento do projeto, qual foi a participação dos
monitores da disciplina?
9- Onde conseguiram os materiais para a construção do artefato?
10- Qual era o componente do grupo que possuía mais experiência técnica?
11- Professores de outras disciplinas foram consultados?
Se a resposta for sim, complete
(sim) (não)
Professor Disciplina Contribuição
12- Havia divisão de tarefas no grupo? Se a resposta for
sim, complete:
(sim) (não)
Componente Principais tarefas
Componente Principais tarefas
Componente Principais tarefas
Componente Principais tarefas
Componente Principais tarefas
13- Que tipos de conhecimentos foram necessários ao desenvolvimento do projeto?
a)
b)
c)
d)
14- Aponte as principais dificuldades encontradas na realização do projeto, em relação
aos seguintes elementos:
104
Pessoal
Da natureza do projeto
Do Cefet
Do curso
15- Elabore frases com as palavras abaixo
Ciência
Tecnologia
Trabalho em grupo
Fazer um projeto
Ser engenheiro
Aprendi no LACTEA
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