Download PDF
ads:
0
ARTICULAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS: o caso da
conurbação
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Ricardo Marques Silva
Aquidauana /MS, Brasil
Junho - 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
ARTICULAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS: o caso da
conurbação
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero
por
Ricardo Marques Silva
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Geografia, área de concentração em
Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), como requisito para obtenção
do grau de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Tito Carlos Machado de Oliveira
Aquidauana/MS, Brasil.
Junho – 2009
ads:
2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S586a SILVA, Ricardo Marques.
Articulações transfronteiriças: o caso da conurbação Ponta Porã e
Pedro Juan Caballero / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. --
Aquidauana, MS : UFMS, 2009.
141 f. ; 30 cm. (Dissertação de Mestrado)
1. Fronteira. 2. Cidades-gêmeas. 3. Rede urbana. I. Título.
CDD (22) 910.81
3
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Centro de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-Graduação em Geografia
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de Mestrado.
ARTICULAÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS: o caso da conurbação
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero
Elaborada por
Ricardo Marques Silva
Como requisito para obtenção do grau de
Mestre em Geografia
BANCA EXAMINADORA:
Tito Carlos Machado de Oliveira, Prof. Dr.
(Presidente / Orientador)
Cleonice Gardin, Prof ª. Dª. (UFGD)
(Membro titular)
Fabrício Vázquez, Prof. Dr. (Universidad Americana)
(Membro titular)
Aquidauana-MS, 30 de junho de 2009.
4
DEDICATÓRIA
A Adriana e a Mariana, eternas fontes de paz e
felicidades em minha jornada.
.
.
.
5
AGRADECIMENTOS
Ao alcançar este triunfo em minha vida, vejo, com certeza, que não o fiz sozinho.
Por isso, agradeço, de coração, aos que colaboraram invariavelmente para a elaboração deste
trabalho.
Primeiramente, a Deus, por ter me dado ânimo para superar as dificuldades surgidas
pelo caminho e por ter me colocado em contato com um lugar de valiosíssimos valores
humano e cultural: a fronteira.
À Municipalidad de Pedro Juan Caballero, à Prefeitura Municipal de Ponta Porã, ao
Arquivo Público Estadual, ao Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e à
Aduana de Pedro Juan Caballero, pelas informações prestadas e dúvidas esclarecidas.
Às Universidades e às faculdades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, pelo pronto
atendimento no fornecimento de dados universitários.
Ao Colégio Militar de Campo Grande, local onde consigo meu sustento e me realizo
profissionalmente, pelo incentivo ao meu aprimoramento intelectual.
Aos componentes do Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço (CADEF) –
em especial aos professores Tito, Roberto Paixão, Jacira, Marcelo e Paulo e às colegas
Ângela, Jeniffer, Suzana, Marta, Marta Sulema, Marli, Marlene e Eliani Lamberti pelo
estímulo e solidariedade para entender e divulgar a fronteira.
A Elisângela e a sua equipe do Laboratório de Geoprocessamento da UFMS, campus
Aquidauana, pela elaboração cartográfica de mapas e pela constante ajuda na representação
espacial dos fenômenos fronteiriços.
A Daniele, pela sua voluntariedade e esmero no apoio de secretaria do curso.
Aos professores e alunos do curso de Mestrado em Geografia, com os quais tive a
grata alegria de compartilhar momentos de aprimoramento de meus conhecimentos, angústias
e muitas alegrias.
À Professora Cleonice Gardin, pelo rigor intelectual e pelo zelo humano, sempre
dispensados.
A Nilza Mara Panzetti Alonso (Dona Nilza), por estar sempre disponível para as
leituras das diversas etapas deste trabalho, às quais sempre acrescentava valiosas críticas e
sugestões.
Ao meu orientador, Professor Tito Carlos Machado de Oliveira, que afiançou meu
6
trabalho, respeitou-me intelectualmente ao compreender meu ritmo, minhas dificuldades e
minhas ansiedades e foi o principal responsável pela minha iniciação ao estudo do espaço
fronteiriço.
Por último, àquelas que estiveram presentes em várias etapas do curso de mestrado e
deste trabalho, inspiraram-me e, sobretudo, trazem paz e alegrias à minha vida: minha
companheira Adriana e minha filha Mariana.
7
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Autor: Ricardo Marques Silva
Orientador: Tito Carlos Machado de Oliveira
Local e Data da Defesa: Aquidauana, 30 de junho de 2009.
RESUMO
Ponta Porã (Mato Grosso do Sul Brasil) e Pedro Juan Caballero (Amambay Paraguai)
desconhecem a força que possuem juntas. Essa importância é subestimada tanto pelas
unidades da federação como pelos países aos quais pertencem. O mérito que essas cidades-
gêmeas começaram a adquirir alguns anos depois do término da Guerra com o Paraguai
circunscreve-se em constituírem uma conurbação em linha de fronteira seca. Oriundas de uma
motivação econômica inicial comum, a extração e a circulação da erva-mate, hoje catalisam
pessoas e mercadorias, demonstrando ser um essencial na gica das redes. Mas, qual é a
importância que elas têm para as articulações urbanas nas redes de seus respectivos países?
Dar resposta a essa indagação é o propósito maior deste trabalho. Se a rede urbana ainda é
uma temática atual, estudá-la numa zona transfronteiriça torna-se um verdadeiro desafio, uma
vez que o que prevalece na fronteira é a contradição “foco de tensão versus local de convívio
e troca”. Desse modo, focamos nossas atenções às conexões e às interações existentes,
naquela localidade, nos dois lados da fronteira, bem como entre eles. Nesse percurso,
descobrimos que as sociedades de fronteira possuem uma especificidade inegável e que os
seus agentes econômicos e sociais formam um cenário de interações dentro do território das
redes. A quantificação e qualificação das articulações da conurbação Ponta Porã Pedro Juan
Caballero foi desenvolvida por uma investigação embasada na coleta e na análise de
informações e dados primários e secundários, assim como nos trabalhos de campo realizados,
em que elegemos as variáveis: sistema urbano e fluxos de pessoas e de mercadorias.
Palavras-chaves: fronteira, cidades-gêmeas e rede urbana.
8
RESUMEN
Ponta Porã (Mato Grosso do Sul Brasil) y Pedro Juan Caballero (Amambay Paraguay)
desconocen la fuerza que tienen juntas. Esa importancia está subestimada tanto por las
unidades de la federación como por los países a los que pertenecen. El mérito que esas
ciudades gemelas empezaron a adquirir hace algunos años, tras el fin de la Guerra con
Paraguay se circunscribe en el que constituyen una conurbación en línea de frontera seca.
Oriundas de una motivación económica inicial común, la extracción y la circulación de la
yerba mate, hoy catalizan a personas y mercancías y demuestran ser un nudo esencial en la
lógica de las redes. Sin embargo, ¿cuál es la importancia que esas ciudades tienen a las
articulaciones urbanas en las redes de sus respectivos países? Contestar a tal indagación es el
propósito más grande de este trabajo. Si la red urbana todavía es una temática actual,
estudiarla en una zona transfronteriza se vuelve un verdadero reto, una vez que lo que
prevalece en la frontera es la contradicción “foco de tensión versus lugar de convivencia y
cambio. De ese modo, reconcentramos nuestras atenciones a las conexiones y a las
interacciones existentes, en aquella localidad, en los dos lados de la frontera, bien como entre
tales lados. En ese recorrido, descubrimos que las sociedades de frontera tienen una
especificidad innegable y que sus agentes económicos y sociales forman un escenario de
interacciones dentro del territorio de las redes. La cuantificación y la cualificación de las
articulaciones de la conurbación Ponta Porã Pedro Juan Caballero se ha desarrollado por
una investigación basada en la recolección y en el analisis de informaciones y datos primarios
y secundarios, así como en los trabajos de campo realizados, en los que elegimos las
variables: sistema urbano y flujo de personas y mercancías.
Palabras clave: frontera, ciudades gemelas y red urbana.
9
ABSTRACT
Ponta Porã (Mato Grosso do Sul Brazil) and Pedro Juan Caballero (Amambay Paraguay)
ignore the strength that they possess together. Such importance is also underestimated by the
other states of the federation as well as by the countries to which they belong. The worth
acquired by these twin cities some years after the end of the War against Paraguay is due
to the fact that they form a conurbation in a dry borderline. Originated from a common
economical motivation, namely the production and trade of the mate herb, today they catalyze
people and goods, proving to be an essential knot in the logic of the networks. But, what is
their importance for the urban articulations in the networks of their respective countries?
Finding an answer to that question is the main purpose of this paper. If the urban network is
still a current issue, to investigate it in a transborder zone is the real challenge, once the
contradiction “focus on tension versus place of living and trade” is what prevails in the
borderline zone. This way, we focused our attention on the connections and the interactions
present there, on both sides of the border, as well as among them. As a result, we have
discovered that the border societies possess an undeniable specificity, and that their socio-
economic agents form a scenario of interactions inside the network territory. The
quantification and qualification of the conurbation Ponta Porã - Pedro Juan Caballero was
developed through an investigation based on the collection and analysis of information, and
on primary and secondary data, as well as in the field work done, in which we chose the
variables: urban system and the flow of people and goods.
Keywords: border, twin cities and urban network.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Fotografia da linha internacional de fronteira entre Brasil e Paraguai nas
cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, em março de 2008..................................
19
Figura 2 – Mapa de localização das principais cidades-gêmeas em linha de fronteira...
20
Figura 3 - Quadro de métodos de investigação em Ciências Sociais...............................
23
Figura 4 – Quadro de Diferenciação entre Faixa e Zona de Fronteira.............................
61
Figura 5 Mapa de fluxos de pessoas e de mercadorias antes e após a construção do
ramal ferroviário de Campo Grande para Ponta Porã.......................................................
82
Figura 6 Mapa de migrações para o Sul do antigo Estado de Mato Grosso.................
86
Figura 7 Esquema das principais cidades-gêmeas paraguaias e estrangeiras em linha
de fronteira........................................................................................................................
92
Figura 8 Gráfico de crescimento populacional das cidades de Ponta Porã e Pedro
Juan Caballero...................................................................................................................
99
Figura 9 – Mosaico das universidades paraguaias em Pedro Juan Caballero..................
102
Figura 10 Imagem de propaganda veiculada em jornal de grande circulação na
cidade de Campo Grande-MS...........................................................................................
105
Figura 11 Mapa de fluxos de universitários e pós-universitários brasileiros com
destino a Pedro Juan Caballero.........................................................................................
107
Figura 12 – Mosaico das universidades brasileiras em Ponta Porã.................................
109
11
Figura 13 – Mapa de fluxos de estudantes brasileiros para Ponta Porã...........................
114
Figura 14 Fluxos de mercadorias (soja e carne) pela fronteira Ponta Porã Pedro
Juan Caballero...................................................................................................................
122
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 População dos municípios fronteiriços do Sul de Mato Grosso na década
de 1920..............................................................................................................................
84
Tabela 2 – Evolução populacional de Ponta Porã, no período 1920 - 1954....................
85
Tabela 3 – Quantitativo populacional do município de Ponta Porã no ano de 1950.......
87
Tabela 4 – População urbano-rural em Ponta Porã (1940-2007).....................................
95
Tabela 5 – População urbano-rural em Pedro Juan Caballero (1950-2002)....................
98
Tabela 6 – Evolução populacional em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã de 1950 aos
dias de hoje........................................................................................................................
99
Tabela 7 Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior paraguaia, em
Pedro Juan Caballero, segundo as carreiras cursadas e a nacionalidade brasileira...........
104
Tabela 8 Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior brasileira, em
Ponta Porã, segundo a carreira cursada e a cidade de origem...........................................
110
Tabela 9 Quantitativo de alunos por local de domicílio segundo as instituições de
ensino superior brasileiras em Ponta Porã........................................................................
111
Tabela 10 Quantitativo de alunos de instituição de ensino superior que cursam em
Ponta Porã por origem de domicílio.................................................................................
112
Tabela 11 Quantitativo de alunos de ensino superior paraguaio, em Pedro Juan
Caballero, e brasileiro em Ponta Porã...............................................................................
113
.
13
LISTA DE ABREVIATURAS
AMTL – Área de Mercado de Trabalho Local
CADEF – Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço
DGECC – Dirección General de Estadística y Censos
FAP – Faculdades de Ciências Administrativas de Ponta Porã
FATEP – Faculdade de Tecnologia de Ponta Porã
FIP – Faculdades Integradas de Ponta Porã/UNIDERP/Anhanguera
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MAGSUL – Faculdade de Ciências Contábeis de Ponta Porã
NAFTA – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio
PDFF – Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira
PNDR – Política Nacional de Desenvolvimento Regional
14
TLC – Tratado de Livre Comércio
UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UNA – Universidade Nacional de Asunción
UNINORTE – Universidad del Norte
UPAP – Universidad Politécnica y Artística de Paraguay
UTIC – Universidad Tecnológica Intercontinental
UTCD – Universidad Católica, Universidad Técnica de Comercialização de Desenvolvimento
UTF – Universidad Tres Fronteras
VEDERSA – Visão Estratégica de Desenvolvimento Econômico da Região Sonora-Arizona
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
18
1 EMBASAMENTO TEÓRICO..................................................................................
28
1.1 Redes: origens e retomada de um conceito............................................................
28
1.1.1 Redes: gênese de um conceito................................................................................
28
1.1.2 Redes: emergência de um conceito.........................................................................
31
1.2 A rede urbana..........................................................................................................
34
1.2.1 O cerne da rede urbana..........................................................................................
35
1.2.2 As redes de localidades centrais em primeira instância........................................
40
1.3 A fronteira como elemento de análise....................................................................
43
1.3.1 O caráter contraditório das fronteiras em um mundo contemporâneo..................
42
1.3.2 Fronteira: conceituando um termo complexo........................................................
53
1.3.3 A fronteira ameaça a soberania dos Estados-nação ou as fortalece?...................
55
16
1.3.4 Uma abordagem de fronteiras sob o prisma da região..........................................
57
1.4 A simultaneidade fronteira-rede urbana...............................................................
62
1.5 O mérito das cidades-gêmeas nos espaços fronteiriços........................................
67
1.6 O poder de articulação dos centros urbanos fronteiriços....................................
69
2 A CONSTRUÇÃO DE FLUXOS E NÓS NA INTEGRAÇÃO
FRONTEIRIÇA.............................................................................................................
72
2.1 Pedro Juan Caballero – de un punto de paraje a una ciudad internacional.......
72
2.2 Ponta Porã – a Princesinha dos ervais...................................................................
74
2.2.1 A erva-mate.............................................................................................................
75
2.2.2 A agropecuária.......................................................................................................
78
2.2.3 O Contrabando.......................................................................................................
78
2.2.4 Vias de transporte e de comunicações....................................................................
80
2.2.5 Evolução demográfica............................................................................................
83
2.2.6 A Marcha para o Oeste...........................................................................................
88
17
3 O ESPAÇO FRONTEIRIÇO DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN
CABALLERO................................................................................................................
90
3.1 Um espaço capturado..............................................................................................
90
3.2 Os fluxos dos homens..............................................................................................
93
3.2.1 Crescimento populacional combinado...................................................................
94
3.2.2 A faceta da recém função universitária.................................................................
100
3.3 Os fluxos de mercadorias........................................................................................
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................
125
REFERÊNCIAS.............................................................................................................
131
ANEXOS.........................................................................................................................
137
18
INTRODUÇÃO
Nestes primeiros passos de um novo século, há muitas dúvidas e incertezas quanto aos
destinos que o mundo segue. A informática e as telecomunicações aproximam os homens e os
países, e enfraquecem as fronteiras. A globalização econômica e cultural divide opiniões.
Tudo é impreciso; a única certeza é a de que o planeta está em profunda transformação e
nunca mais será o mesmo de outrora. É um mundo decorrente da economia do século XXI,
que traz, cada vez mais, as benesses e os reveses da globalização.
As exigências de um capitalismo com nova roupagem abrem campo para uma
reconfiguração espacial nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, em especial, na
América do Sul. Daí estarmos diante de uma grande oportunidade para melhorar as condições
de vida de populações marginalizadas e historicamente exploradas. Para tanto, é necessário
identificar essas possibilidades, notadamente a implementação e o reforço das relações
socioeconômicas, culturais e espaciais entre o Brasil e seus vizinhos fronteiriços. Por isso,
com certeza, as redes e a rede urbana têm destaque nesse pretenso processo de
desenvolvimento.
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são duas cidades-gêmeas, brasileira e paraguaia,
respectivamente; literalmente encontram-se separadas por uma única avenida
1
, mas unidas
por inúmeros laços históricos, econômicos, sociais, culturais e familiares. Compreender essa
conurbação – em linha de fronteira, que divide dois países e que, não necessariamente, separa
seus fenômenos socioeconômicos e culturais – não é tarefa nada fácil (Figuras 1 e 2).
A problemática deste trabalho tem seu foco nas conexões e nas interações
estabelecidas entre a rede urbana brasileira e a rede urbana paraguaia, tomando-se por base o
1
Avenida Internacional.
19
estudo das funcionalidades, dos fluxos e das hierarquias da rede urbana comandada pela
conurbação/cidades-gêmeas Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai).
Sabendo-se que o delineamento da pesquisa a ser desenvolvida é permeado por fins
sendo a busca desses traduzida pelas ações que queremos alcançar com o estudo sobre a rede
urbana transfronteira articulada pela conurbação das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero – e levando-se em consideração essas variáveis, o trabalho necessitou de um
sentimento norteador para nos motivar.
FOTOGRAFIA AÉREA
Figura 1 Fotografia da linha internacional de fronteira entre Ponta Po (Brasil) e Pedro Juan Caballero
(Paraguai), em março de 2008.
Portanto, desvendar como e de que forma a conurbação se posiciona na ligação da
rede urbana paraguaia com a brasileira é o propósito maior desta pesquisa. Para isso,
buscamos compreender a rede urbana no território transfronteiriço Brasil-Paraguai, com
articulações na conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, indicando que papéis
20
desempenha cada cidade como centro difusor de desenvolvimento regional no processo de
criação, apropriação e circulação do valor excedente.
Por conseguinte, o tema é uma excelente oportunidade para a Geografia, como ciência
do espaço, dialogar com outras áreas do conhecimento. Nessa ótica, aproximamo-nos da
Economia, fortificando os pilares da Geografia Econômica, pois é a legítima herdeira da visão
espacial dos fatos econômicos (EGLER, 1995). A Geografia Urbana, em especial, também foi
requisitada pela própria gênese da temática das redes. As Ciências Sociais nos deram
explicações sobre as relações expostas e ocultas da e pela sociedade. Nesses diálogos, o
desenvolvimento da temática foi uma ocasião favorável para praticar a interdisciplinaridade,
pois aquelas e outras áreas do conhecimento nos ajudaram na pesquisa como fontes de
informações e de ferramentas para análise e explicação das relações socioespaciais.
Figura 2 – Mapa de localização das principais cidades-gêmeas em linha de fronteira.
Fonte: <http://www.integracao.gov.br/programas/programasregionais/faixa/cidades_gemeas.asp>
Acesso em 17 fev 2008.
21
Acreditamos que o desenvolvimento da temática explicitada seja uma oportunidade
para minimizar uma lacuna no conhecimento científico relativamente às investigações dos
fluxos existentes na rede urbana fronteiriça entre o Brasil e o Paraguai – especialmente entre o
estado de Mato Grosso do Sul e o departamento de Amambay com o propósito de fornecer
suportes ao planejamento territorial. Além disso, considera-se a grande importância do estudo
da rede urbana constituída por pequenas e médias cidades, tão pouco estudadas em nosso país.
O retorno da pesquisa para a sociedade foi um grande incentivo, pois é uma chance
para demonstrar a importância socioeconômica que os espaços fronteiriços têm para o bom
relacionamento com nossos países vizinhos, assim como para a integração latino-americana,
em especial ao fortalecimento do Mercosul.
Em relação aos procedimentos metodológicos, o presente trabalho teve como ponto
inicial o interesse em abordar as opções de procedimento disponíveis e, diante dessas,
elegemos a mais adequada à pesquisa.
A escolha da metodologia de pesquisa corresponde à definição de um conjunto de
procedimentos a fim de que o processo de investigação seja suficientemente rigoroso, preciso
e coerente, de modo a evitar possíveis imprecisões.
Desse modo, a pesquisa teve como estratégia a atuação em quatro vertentes:
- do referencial teórico sobre redes, rede urbana, fronteira e relações fronteiriças;
- do levantamento histórico sobre a formação territorial da conurbação e adjacências;
- das pesquisas sociais e levantamento de dados primários e secundários;
- do tratamento de dados e informações.
Esses pilares serviram como suporte às análises e às conclusões sobre as interconexões
entre as cidades transfronteiriças Brasil-Paraguai baseando-se na conurbação Ponta Porã-
Pedro Juan Caballero.
Do ponto de vista das Ciências Sociais, as alternativas metodológicas de investigação
22
correspondem aos métodos indutivo e dedutivo (Figura 3). O primeiro caracteriza-se por
partir da observação e da análise da realidade para chegar à explicação e à teoria.
Diferentemente, o método dedutivo permite a aproximação do conhecimento sem negar a
existência dos componentes subjetivos e ideológicos.
Acreditamos que o método dedutivo foi o mais apropriado para a abordagem da nossa
problemática. A confrontação dos postulados teóricos com a realidade permitiu confirmar (e
em alguns casos, refutar) ideias já pressupostas por nós. Partimos, dessa maneira, da definição
teórica para, então, realizar a observação da realidade.
A favor da escolha de nossa metodologia de estudo, encontramos as seguintes palavras
de Mendéz (1997, p. 57) “[...] las teorias son redes que lanzamos para expressar aquello que
llamamos el mundo: para racionalizarlo, explicarlo y dominarlo. Y tratamos de que la malla
sea cada vez más fina.”.
Acrescentamos, ainda, em convergência ao método dedutivo, que, quanto mais
precisas e estruturadas sejam as teorias disponíveis, maior será a capacidade para selecionar
as informações necessárias. Começamos definindo um contexto teórico e histórico mediante
uma revisão da bibliografia disponível que permitiu responder a problemática e os objetivos
da pesquisa.
Após essa fase (abordagem teórica), coletamos e analisamos as informações, assim
como buscamos explicações concretas, procurando seguir as orientações de Bezzon (2004, p.
21) “Posteriormente à formulação do problema e baseado em uma revisão bibliográfica, o
pesquisador deverá construir hipóteses, passo este que o orientará em seu trabalho
investigativo [...]”. Assim, ao final dessa fase, tivemos o enunciado de ideias a contrastar.
Essas suposições, de fato, estiveram integradas de forma coerente numa interpretação teórica.
23
Método indutivo Método dedutivo
Perguntas iniciais
Observação preliminar
Revisão bibliográfica
Identificação de objetivos
Definições de hipóteses
Contexto teórico
Coleta e análise de
informações
Tipos de informações:
- Estatística/documental
- Cartográficas/imagens
- Trabalho de campo
- Questionário/entrevista
Técnicas de análise
- Quantitativa
- Qualitativa
Coleta e análise de
informações
Busca de
explicações e
conclusões
Agentes e estratégias
Fatores internos/externos
Valorização de resultados
Busca de
explicações e
conclusões
Inferência /
teorização
Generalização
Da teoria à explicação da
realidade e vice-versa
Contrastação de
hipóteses
Exposição de
tendências e
propostas
Cenários previsíveis
Análise prospectiva
Propostas de intervenção
Programa de atuação
Exposição de
tendências e
propostas
Figura 3 Quadro de métodos de investigação em Ciências Sociais.
Fonte: Adaptado de MÉNDEZ, R. (1997. p. 19). Tradução livre do original em espanhol.
Embora, devidamente alertados pelas leituras que realizamos e pelas orientações de
nossos docentes quanto aos procedimentos metodológicos a serem adotados, deixamo-nos cair
numa armadilha. A metodologia nos foi dada, o caminho pelo qual deveríamos seguir estava
traçado e planejado. Mas, reconhecemos que no afã de melhor entender e compreender a
24
fronteira e os fenômenos socioeconômicos existentes, desviamo-nos de etapas essenciais
em nossa pesquisa. Desse modo, apesar de parecer, grosso modo, que a pesquisa tenha
decorrido sem objeções e de acordo com o planejado, as idas e vindas foram muitas.
Acerca dos levantamentos e dos estudos bibliográficos, nos campos teórico e histórico,
buscamos o histórico geral sobre as matrizes socioeconômicas e os principais produtores e
reprodutores do espaço fronteiriço. Os fundamentos teóricos sobre a temática foram
procurados e analisados, acreditamos, suficientemente a fim de embasar a dissertação. Nas
partes teórica e histórica, a pesquisa bibliográfica, as leituras e os fichamentos foram
essenciais para o direcionamento e redirecionamento do trabalho, exatamente por se tratarem
da sua etapa estrutural.
Levando-se em consideração que dados e informações disponíveis para analisar a
temática são bastante diversificados, quantitativa e qualitativamente, a escolha daquelas
julgadas significativas pressupôs certo planejamento teórico, ainda que não explicitado. Em
nosso caso, a seleção dos indicadores mais adequados atendeu à exigência da definição de
critérios prévios relacionados com a interpretação das peculiaridades da localidade abordada.
Nesse sentido, elegemos as seguintes categorias de informações a serem levantadas e
analisadas nos próximos capítulos:
- articulações transfronteiriças (fluxos de pessoas e mercadorias que circulam
nas redes materiais ou técnicas);
- hierarquia urbana existente;
- identificação dos principais atores na produção e na reprodução do espaço
fronteiriço abordado
Seguindo as orientações de Nogueira (1988), a coleta de dados ocorreu em fontes
primárias e nas fontes utilizadoras ou publicadoras de dados (secundárias). Os instrumentos
25
utilizados na coleta de dados e informações foram a conversa orientada ou entrevista direta e a
aplicação de questionários.
Vale ressaltar que os procedimentos metodológicos e operacionais utilizados, para o
que adotamos o método dedutivo, tiveram o fim de alcançar os objetivos traçados. Assim,
buscamos, primeiramente, verificar as bases teóricas existentes sobre o assunto e como se deu
a formação da localidade em estudo. Providos de conceitos sobre a temática e verificado o
surgimento da conurbação, tratamos de caracterizar as interações espaciais nessa área de
fronteira.
A utilização de fontes secundárias e primárias foram os pilares de nossa pesquisa. As
primeiras ocorreram junto a investigações realizadas nas cidades-gêmeas fronteiriças em
questão e em outras de iguais características e similaridades, a exemplo das procedidas em
Ciudad del Este.
As fontes primárias tiveram seu foco na obtenção de dados que corroborassem ou
refutassem ideias pré-concebidas para análises. Nesse viés, tiveram suma importância os
dados conseguidos junto a órgãos públicos brasileiros e paraguaios, diretamente (em
entrevistas e conversas direcionadas) ou à vista de suas publicações. Também nesse sentido,
os diálogos com pesquisadores sobre o espaço fronteiriço e os de geografia oportunizados
nos eventos científicos e em grupos de estudo
2
e com colegas e professores do curso de
mestrado em Geografia, durante as disciplinas foram momentos de aprendizado e de
reflexões para avanços ou mudanças de rumo.
Outro procedimento de igual valor foram as idas a campo. Vivenciar a localidade foi
realmente impressionante, mesmo nos poucos momentos em que lá estivemos. Para um
pesquisador, a neutralidade é a sua meta, mesmo que saiba que jamais será conseguida. Mas,
acreditamos que não basta apenas ver de fora. É indispensável perceber que a linha
2
Nossa participação no Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiriço (Cadef) serviu como fonte de
estudos, debates, discussões e, sobretudo, estímulo à elaboração deste trabalho.
26
internacional que divide as duas cidades não passa de uma invenção do homem; ouvir a
mescla de sons em vários idiomas (português, espanhol, portunhol, guarani e, em menor
quantidade, mas não em importância, alguns asiáticos) e sentir a riqueza cultural ímpar da
fronteira.
Tema tradicional na Geografia, a rede urbana é apenas uma das facetas das redes. Por
isso, do ponto de vista teórico-metodológico, abordamos como embasamento as seguintes
temáticas: redes (gênese e emergência), rede urbana (seu cerne, a rede de localidades centrais)
e fronteira (seu caráter contraditório, sua conceituação, sua importância para a soberania dos
países e suas relações com região); as ligações e associações entre fronteira e rede urbana, o
mérito das cidades-gêmeas, além da temática motivadora deste trabalho, as articulações
exercidas pelos centros urbanos, sob a ótica dos espaços fronteiriços. Todos esses assuntos
são fenômenos que se espacializam, tornando-se necessária a sua investigação e
representação, portanto apresentados na próxima parte.
Munidos dos pressupostos da base teórica, demonstrados pelos conteúdos básicos e
pelos principais debates existentes, buscamos, na terceira etapa desta dissertação (capítulo 2),
chegar ao entendimento da construção da rede urbana transfronteira articulada pelas cidades-
gêmeas de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Essas cidades nasceram, em fins do século
XIX, da erva-mate, uma atividade extrativa vegetal com destino a mercados internacionais.
Portanto, uma região comandada de fora, cujos núcleos urbanos abrem caminhos para o
escoamento da produção e, desde o início, apontam para uma organização territorial em rede.
Assim, percebemos que o que era um simples ponto de parada para descanso dos carregadores
daquele produto, hoje é uma localidade próspera de convívio e troca. Mas, que se contradiz
por ser, também, um foco de tensão.
Verificar de que maneira a conurbação foi construída e de que modo se inseriu nas
economias regionais, nacionais e internacionais é imprescindível para compreender suas
27
atuais funções na rede urbana transfronteira. Para tanto, resgatamos as passagens mais
importantes do histórico de ambas as cidades: a importância dos ervais, a agropecuária, o
contrabando, as vias de transporte e de comunicações, a evolução demográfica e a geopolítica
brasileira de ocupação do Oeste de seu território.
O terceiro capítulo busca demonstrar a organização e o dinamismo do território de
fronteira, mediante a identificação dos centros urbanos regionais que sofrem e exercem
influência e controle econômico e político sobre a zona transfronteiriça. Outro fim é o
esclarecimento da gênese e da evolução da rede urbana mediante sua hierarquização e sua
especialização, citando os principais atores na produção e na reprodução do espaço fronteiriço
abordado.
28
1 EMBASAMENTO TEÓRICO
O desdobramento do tema requer uma revisão de conceitos tradicionais e
importantíssimos para o entendimento dos fenômenos sociais ocorridos nas e entre as cidades
fronteiriças. Para tanto, detalharemos os pressupostos teóricos relativos à fronteira, às redes,
destacando as concepções de rede urbana.
1.1 Redes: origens e retomada de um conceito
O surgimento do termo redes reflete, de certa maneira, a tentativa em explicar as
transformações pelas quais o mundo passou, em decorrência das revoluções industriais ainda
no século XIX. Entretanto, seu uso permaneceu restrito para designar especialmente as
relações socioeconômicas e as configurações espaciais, isto é, a rede urbana, por um curto
período, pós anos 1950. Nas últimas décadas do século XX, o termo é retomado para explicar
a revolução informacional em curso, sem, contudo, excluir a rede urbana.
Buscamos, assim, apresentar fundamentos para a explicação do teor das redes na sua
origem, evolução e atual utilização, além de procurar dotar de consistência teórica este estudo
sobre a rede urbana transfronteiriça Brasil-Paraguai.
1.1.1 Redes: gênese de um conceito
A abordagem do papel das modernas redes telemáticas nas transformações da
organização espacial, segundo Dias (1995), transmite a nós uma valiosa herança sobre a
constituição e a evolução do conceito de redes. A busca de seu significado não se encontra
29
somente no campo da Geografia ou nos domínios desta ou daquela disciplina. Pelo contrário,
a sua compreensão encontra-se na intersecção das diversas áreas do conhecimento.
Para Dias (1995, p. 141) “toda a história das redes técnicas é a história de inovações
que, umas após outras, surgiram em respostas a uma demanda [...]”. Daí podermos aferir que
os fluxos, os nós e as redes técnicas (ferrovias, rodovias, telegrafia, aerovias, telefonias e a
teleinformática) existem para aproximar as pessoas. A necessidade de comunicação entre os
seres humanos é imperiosa e envolve diferentes fluxos como o de mercadorias, o de
informações ou o de pessoas.
O avanço tecnológico, já no século XIX, voltou-se para as redes, conforme detalhado a
seguir:
Uma leitura da história das técnicas nos mostra o quanto as inovações nos
transportes e nas comunicações redesenharam o mapa do mundo no século 19.
Tratava-se de um período caracterizado pela consolidação e sistematização de
inovações realizadas anteriormente. As trilhas e os caminhos foram
progressivamente substituídos pelas estradas de ferro no transporte de bens e
mercadorias; com o advento do telégrafo e em seguida do telefone, a circulação das
ordens e das novidades já dispensava a figura do mensageiro. Todas estas inovações,
fundamentais na história do capitalismo mundial, se inscreveram e modificaram os
espaços nacionais, doravante sulcados por linhas e redes técnicas que permitem
maior velocidade na circulação de bens, de pessoas e de informações (DIAS, 1995,
p. 141 e 142).
Entretanto, Castells (1999) observa que a revolução tecnológica atual é resultado de
um período histórico de reestruturação global do capitalismo. A consequência desse período
já é visível pela nova sociedade emergente, que é capitalista e informacional. A complexidade
dessa nova economia, dessa sociedade e de uma cultura em formação deixa uma armadilha
que, efetivamente, nos tem aprisionado. Por isso, deixamo-nos iludir ao acreditar que a
sociedade é determinada pela tecnologia. Apesar das inovações tecnológicas pertencerem à
sociedade, não podemos aceitar a concepção de que elas estão sob nosso controle, conforme
podemos verificar nas seguintes ideias apresentadas por Castells (1999, p. 25):
Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um problema
infundado, dado que a tecnologia é (grifo do autor) a sociedade, e a sociedade não
pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.
30
Vemos, desse modo, que a sociedade não determina e também não é determinada pela
tecnologia, mas que a sociedade pode direcionar o seu desenvolvimento por meio do Estado.
Foi o que vimos no desfecho da Guerra Fria: um lado conseguiu potencializar os avanços
tecnológicos em poder dos órgãos governamentais, transmitindo-os à sociedade
3
; ao passo
que o outro, sem a mesma habilidade, sucumbiu.
Retomando a temática das redes técnicas, Dias (1995) faz uma revisão literária para
resgatar as origens do termo rede. Seu aparecimento remonta à primeira metade do século
XIX. A rede aparece como um conceito-chave para pensadores da época, especialmente
franceses, como Claude Henri de Rouvroy (o Conde de Saint-Simon)
4
e seus discípulos. O
engenheiro e economista Michel Chevalier capturou o termo rede, em 1832, para designar as
relações entre comunicações e crédito. Para ele, as vias de transporte e os bancos possuíam
estreitas relações para a união material dos centros de produção da indústria. Assim, a rede de
bancos relacionava-se intrinsecamente com a rede de linhas de transporte. Nessa mesma
década, surgiram estudos com a finalidade de apontar a lógica acerca da existência de um
sistema integrado, por estradas de ferro e canais, e hierarquizado em redes de primeira ordem
e redes secundárias.
Em todos esses trabalhos está bastante explícita a apresentação do termo rede
referindo-se à propriedade da conexidade. Mas, foi Leon Lalanne quem primeiro teorizou
sobre o assunto, em 1863, ao buscar formular leis que indicassem a lógica das redes de
estrada de ferro. Assim, dedicado a elas, formulou o primeiro ensaio teórico de que se tem
conhecimento (DIAS, 1995).
3
Típico caso dessa transmissão de tecnologia do Estado para a sociedade ocorreu com a internet. Esta foi
concebida pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos
(DARPA) para barrar uma tentativa de controle ou destruição do sistema de comunicação norte-americano pela
ex-URSS.
4
Filósofo e economista reformista francês que defendeu a criação de um Estado organizado racionalmente por
cientistas e industriais. Suas ideias centrais ficaram conhecidas como sansimonismo, que teve vários discípulos.
Também previu a industrialização da Europa e sugeriu a união entre os países para acabar com as guerras.
NETSABER. Apresenta biografias de pensadores da Humanidade. Disponível em:
<http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3192.html>. Acesso em: 26 jan. 2008.
31
Em 1952, Monbeig (apud DIAS, 1995), ao retratar a atuação dos cafeicultores no
estado de São Paulo
5
, segue os passos dos franceses
6
e revela a influência das redes
ferroviárias sobre a organização espacial. Dessa forma, Monbeig ratifica o que dissemos sobre
a importância das redes técnicas sobre a configuração do território, das formações da rede
urbana e de uma região.
Seguindo o curso da história, em 1955, o também geógrafo, Jean Labasse expôs que os
estudos sobre as ferrovias tinham sido substituídos pelos que se referiam aos bancos. A
essência desses trabalhos não modificou as abordagens relativas à organização espacial das
estradas de ferro. Ademais, a conexidade também marcava os trabalhos sobre a rede bancária
e sobre o fluxo de capitais.
Labasse e Monbeig foram os últimos a abordar sobre a interferência das redes na
organização do espaço. Após seus trabalhos, houve um esvaziamento nos estudos sobre o
crescimento ou sobre a multiplicação das redes. As exceções foram os inúmeros trabalhos
sobre rede urbana, até as últimas décadas do século XX (DIAS, 1995).
1.1.2 Redes: emergência de um conceito
De certo modo, o abandono dos estudos das redes por mais de uma geração
permanecendo a investigação da rede urbana com urbanistas e geógrafos notadamente fez
reduzir o tema ao espectro do arranjo e rearranjo (qualitativo e quantitativo) das cidades.
Acreditamos que essa visão foi dimensionada notadamente pelo vertiginoso crescimento
populacional e consequente processo de urbanização ocorrido na segunda metade do século
XX. Assim, o tema redes ficou circunscrito aos procedimentos de planejamento territorial. As
5
Trata-se da tese sobre os Pioneiros e Plantadores de São Paulo. Em seu último capítulo intitulado “Regiões ou
Redes”, são demonstradas a participação dos capitais dos plantadores de café na formação das estradas de ferro e
na toponímia das zonas de produção, por exemplo: Alta Araraquara, Sorocabana.
6
Referimo-nos aos pensadores franceses anteriormente citados.
32
características fundamentais desse período foram de acordo com Dias (1995, p. 146): “[...] um
planejamento urbano especialmente fundiário e um planejamento dos equipamentos coletivos
essencialmente setoriais, implicando assim num quadro pouco propício a uma reflexão
transversal sobre as redes e sua territorialidade”.
Mas, por que as redes emergem com tal força na virada do milênio nos diversos
campos disciplinares, seja no seu uso pelos autores, seja pelos movimentos sociais? A
retomada da temática, para Dias (1995), tem a sua emergência estabelecida pelas imposições
das novas complexidades no processo histórico, decorrentes do século XX, culminadas com a
globalização:
A questão das redes reapareceu de outra forma, renovada pelas grandes mudanças
deste final de século, renovada pelas descobertas e avanços em outros campos
disciplinares e na própria Geografia. Neste novo contexto teórico, a análise das redes
implica abordagem que, no lugar de tratá-la isoladamente, procure suas relações com
a urbanização, com a divisão territorial do trabalho e com a diferenciação crescente
que esta introduziu entre as cidades. Trata-se, assim, de instrumento valioso para a
compreensão da dinâmica territorial brasileira (DIAS, 1995, p.149).
Os processos de múltiplas ordens
7
necessitam, notadamente, de estratégias de
circulação e de comunicação. Daí a emergência das redes. A circulação cada vez mais
crescente de tecnologia, de capitais, de matérias-primas, de mercadorias e de pessoas, assim
como a comunicação entre os centros de decisão e entre estes e as localidades de produção
pressupõem uma organização e articulação entre os territórios.
Circular e comunicar é o destino das redes na atualidade e, ao que tudo indica, por um
considerável período. Para isso, elas têm de se adaptar não somente às variações do espaço,
mas também às mudanças temporais ocorridas e que poderão ocorrer com a globalização
8
.
Desse modo, as redes tornam-se móveis e inacabadas. Isso faz gerar um movimento que
aponta para um processo de construção e desconstrução do espaço, articulada e gerida como
7
Entre esses processos temos: integração produtiva, integração de mercados, integração financeira,
desintegração de fronteiras e exclusão espacial de várias sociedades do planeta.
8
Sobre globalização, admitimos o conceito do sociólogo Jacques Leenhardt (2001, p.95) que, conforme suas
palavras: “A globalização não é um fenômeno que se possa analisar do ponto de vista só do espaço. Sem dúvida,
é o processo de extensão a todo o planeta das redes de transporte, de comunicação e de comércio. Mas ela ganha
uma dimensão política, econômica e social a integrar também o fluxo dos mercados financeiros e modifica assim
também a nossa consciência do tempo.”.
33
instrumento do poder. Seguindo esse raciocínio, a rede volta-se, então, para o território, posto
que este seja, nas palavras de Souza (1995, p. 78), “fundamentalmente um espaço definido e
delimitado por e a partir de relações de poder”.
Se as redes têm o poder de territorializar e desterritorializar o espaço, elas irão
privilegiar alguns lugares e abandonar outros, isto é, “[...] as redes são vetores de
modernidade e também de entropia [...]” (DIAS, 1995, p.154). Desse processo difundido pelas
redes surgem espaços habitados por massas de despossuídos ou os aglomerados de exclusão
9
(HAESBAERT, 2006), como também pode haver regiões ganhadoras (BENKO e LIPIETZ,
1994) ou mesmo os meios de inovação
10
(CASTELLS, 1999).
A relevância das redes é de tal vulto que Castells (1999) – no seu livro A sociedade em
rede, um dos estudos que melhor interpreta o mundo atual centra suas análises na
Revolução Informacional e nas estruturas em redes das empresas. Para esse pensador, as
falhas de interpretação do mundo de hoje passam por querermos reduzir as transformações em
curso aos avanços tecnológicos. Esses avanços, de fato, ocorrem cada vez em maior
velocidade e não como negar que a atual sociedade é permeada pela tecnologia, mesmo
que não seja explicada exclusivamente por ela. O que está em evidência é uma nova estrutura
que o capitalismo vem montando para se reproduzir. A sociedade, deste modo, tem uma nova
estratégia para lidar com uma economia e uma cultura embasadas na informação:
[...] o surgimento da economia informacional caracteriza-se pelo desenvolvimento
de uma nova lógica organizacional que está relacionada com o processo atual de
transformação tecnológica, mas não depende dele. São a convergência e a interação
entre um novo paradigma tecnológico e uma nova lógica organizacional que
constituem o fundamento histórico da economia informacional. Contudo, essa lógica
organizacional manifesta-se sob diferentes formas em vários contextos culturais e
institucionais (CASTELLS, 1999, p. 174).
9
Para Haesbaert (1995), o aglomerado de exclusão “[...] se associa então ao não regulado/ordenado”, onde a
imprevisibilidade é uma condição essencial e fica difícil conviver (“racionalmente”, pelo menos) com a lógica da
geografia das redes e territórios.”.
10
O pioneiro a pesquisar os meios de inovação foi Philippe Aydalot. Esses lugares compreendem um conjunto
específico de relações de produção e gerenciamento com base em uma organização social.
34
A produção em massa da economia baseada no fordismo não satisfazia as
necessidades do capitalismo, o que colocava em risco a sobrevivência das empresas. Estas,
por sua vez, necessitaram tornar-se flexíveis e aproveitarem a estratégia da formação das
redes. Contudo, atuar em rede foi insuficiente, pois a estrutura produtiva assim não era. Para
tanto, a própria empresa teria de tornar-se uma rede. Estrutura esta que se espalhou em todo o
mundo. Assim, nas palavras de
CASTELLS (1999, p. 174):
[...] a experiência histórica recente já oferece algumas respostas sobre as novas
formas organizacionais da economia informacional. Sob diferentes sistemas
organizacionais e por intermédio de expressões culturais diversas, todas elas
baseiam-se em redes. As redes são e serão os componentes fundamentais das
organizações (grifo do autor). E são capazes de formar-se e expandir-se por todas as
avenidas e becos da economia global porque contam com o poder da informação
propiciado pelo novo paradigma tecnológico.
A concepção atual de redes não perde a sua gênese, abordada anteriormente, para
expressar a conexidade. Os fluxos se estabelecem na e pela rede e são direcionados ou não a
certos espaços. A rede tem a capacidade de conectar alguns espaços, mas, por outro viés, pode
excluir. Os gestores das redes não são neutros. Eles repassam para as redes sua lógica, assim
como reproduzem sua estrutura socioeconômica para o território sob seu controle. Isto, na
maior parte das vezes, acirra as diferenças entre os espaços, de tal forma que podemos dizer
que a rede une, mas também desune.
1.2 A rede urbana
A rede urbana é apenas uma das facetas das redes. Nortear seu conceito é passo
obrigatório para o entendimento da organização da base produtiva e sócio-cultural dessa
faceta sob análise.
Historicamente, a rede urbana foi bastante pesquisada em seus mais diversos aspectos
contextuais e variadas abordagens, tanto em escala nacional como regional. No Brasil, o tema
35
redes urbanas é privilegiado pelas ciências desde meados da década de 1950, com diversas
etapas de expansão e retração (FRESCA, 2004).
No contexto mundial, resultantes da necessidade de caracterização e de classificação
das cidades, as redes urbanas são estudadas para compreender o forte processo de urbanização
proveniente da Primeira e da Segunda Revolução Industrial, ocorridas nos atuais países
centrais. Assim, nos anos de 1920, surgem os primeiros estudos sobre diferenciação de
cidades em termos funcionais (CORRÊA, 2006).
A temática em questão é um clássico para geógrafos e não-geógrafos, se levarmos em
conta as bruscas mudanças no modo de vida das sociedades com a industrialização. Diversos
campos do conhecimento buscam explicações e soluções para o processo de crescimento
urbano e suas consequências no cotidiano. Entretanto, percebemos empiricamente que esses
estudos privilegiam os grandes centros urbanos e, por vezes, as cidades médias. Sobre as
cidades menores, ainda é tímida a abordagem. Mas esse não é um fator que nos desanima ante
uma abordagem de parte da rede urbana transfronteira Brasil-Paraguai, considerando-se as
seguintes palavras de Corrêa (2006, p. 15):
Especialmente quando se considera um país de dimensões continentais, como o
Brasil, onde a longa e desigual espaço-temporalidade dos processos sociais tem sido
a regra e onde a rapidez e a intensidade da criação de centros e transformação da
rede urbana são ainda notáveis no final do século XX.
Nesse viés, encontramos recente trabalho de Fresca (2004), A rede urbana do norte do
Paraná, sobre a refuncionalização de centros urbanos no norte-paranaense. Iniciativas como
essas confirmam que o tema está longe de se esgotar.
1.2.1 O cerne da rede urbana
O processo de urbanização tem uma grande significação para a produção e reprodução
do espaço. Essa evidência torna-se preponderante para o capitalismo. A cidade é o locus
36
inicial e por excelência desse sistema, certo de que o mundo citadino não é uma invenção do
capitalismo, mas que este o incorpora como principal meio para seu surgimento e evolução,
de forma que as articulações entre as cidades são de vital importância para a sua
sobrevivência. A produção, a circulação e o consumo dos produtos se concretizam na e pela
rede urbana.
Se a cidade não é um produto originário do capitalismo, a rede urbana começa a tomar
corpo com a implementação desse sistema ainda em seus primórdios. Daí compreendermos
que a concepção de rede urbana passa, obrigatoriamente, pelo entendimento das relações
capitalistas de produção. Contudo, vemos que não novidades nessa proposição, pois a
própria cidade teve e tem sua grande evolução por força do capitalismo.
Diante disso, conceituar rede urbana não se torna um grande esforço. Segundo Corrêa
(2006, p. 16), rede urbana é “numa definição mínima e inicial, o conjunto de centros urbanos
funcionalmente articulados entre si”. No entanto, sua inicial apreensão se contradiz com sua
realidade. Sua normatização e a tentação de criar modelos para a rede urbana subjugam a sua
espacialização. Cada malha de cidades tem, certamente, sua especificidade, em decorrência de
sua história, das características de sua região, de pertencer a um país desenvolvido ou não e de
outros tantos fatores.
As vias de abordagem do tema podem ser diferentes, mas não excludentes entre si. A
Geografia privilegia seus estudos, notadamente, tomando-se por base as diferenciações das
cidades, conforme os seguintes aspectos (CORRÊA, 2006):
Funções dominantes – são abordagens clássicas que datam dos anos 1920 e
põem em evidência a divisão territorial do trabalho no âmbito da rede urbana;
Dimensões básicas de variação dos sistemas urbanos nestas destacam-se
características econômicas, demográficas e sociais entre as cidades. Essas abordagens tiveram
37
como base teórica o modelo centro/periferia de John Friedmann. Aparecendo em segundo
plano a cidade como centro difusor do desenvolvimento;
Relações entre tamanho demográfico e desenvolvimento consideram a rede
urbana como um todo, destacando-se, assim, a ideia de primazia urbana;
Hierarquia urbana são os mais tradicionais e numerosos estudos sobre redes
urbanas. É fruto das análises sobre sua natureza (número, tamanho e distribuição). O
referencial teórico para a diferenciação hierárquica entre as cidades é a teoria das localidades
centrais de Walter Christaller. Redes dendríticas, mercados periódicos nos níveis hierárquicos
inferiores e circuitos econômicos são alguns dos estudos elaborados com base nessa via de
abordagem da rede urbana;
Relações cidade-região temática explorada especialmente pela escola francesa,
tornou-se a extensão da discussão cidade/campo. Interligam-se a outras vias, como as funções
urbanas, as características sociais dos habitantes, o tamanho e a hierarquia urbana. Nessas
relações, define-se a cidade como produto da região.
Estendendo-se o conceito da relação cidade-região, no trabalho interinstitucional
Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil: estudos básicos para a caracterização
da rede urbana (IPEA, IBGE e UNICAMP, 2001, p.339), encontramos suporte teórico
referente a essa relação: “A rede urbana pode ser também abordada do prisma entre cidade e
região [...] Essa abordagem pode ser considerada o prolongamento e a transformação
dinâmica da temática tradicional das relações entre cidade e campo [...]”. Essas relações são
frutos das profundas mutações do sistema produtivo e, sobretudo, da transformação da
sociedade rural numa sociedade urbana, ocorrida no último século. Os estudos regionais dão-
nos base para verificarmos que a rede urbana pode ser desvencilhada conforme as relações
entre cidade e região. Por meio dessas e de diferentes linhas de sua abordagem, inúmeras
contribuições foram dadas para o entendimento das relações no cotidiano das cidades.
38
Para o enquadramento da problemática, da natureza e do significado de rede urbana,
Corrêa (2006) sugere a compreensão dos seguintes temas:
- a rede urbana como reflexo e condição para a divisão territorial do trabalho;
- as relações entre rede urbana e os ciclos de exploração com base na criação,
apropriação e circulação do valor excedente;
- as relações entre rede urbana e forma espacial;
- o caráter mutável da rede urbana (periodização).
Como orientação metodológica, Corrêa (1995) deixa claro que a rede urbana é uma
forma espacial numa determinada escala, assim como o são a casa, o bairro e a cidade. É a
materialização de uma relação socioeconômica no espaço ou o arranjo e o rearranjo de um
conjunto de objetos com um padrão espacial específico. Porém, a forma não é tudo. É apenas
a externalização dos fluxos e nós. Por isso, não podemos nos prender a essas saliências
aparentes do espaço. O autor indica que a investigação do espaço deve ser realizada, levando-
se em consideração algumas categorias de análise, são elas: forma - explicitada, função,
estrutura e processo.
Quanto às outras categorias, resumidamente, o autor associa função à tarefa, atividade
ou papel do(s) objeto(s). Assim, a rede urbana tem funcionalidades que devem ser
identificadas. A estrutura remete-se à matriz social vigente, à natureza social e econômica
vivida pela sociedade (CORRÊA, 1995). Particularmente à nossa temática, fica fácil perceber
que a fronteira de hoje não é igual à de ontem, que sua natureza histórica é diferente. O
processo é a estrutura em transformação. Por último, a forma é a visualização da própria
história por meio das suas rugosidades
11
.
Alertados, teórico-metodologicamente, não podemos cair na armadilha de limitarmos
nosso estudo sobre as articulações da rede urbana, numa região de fronteira, às aparências ou,
11
Rugosidades são heranças, isto é, formas herdadas do passado e cristalizadas no espaço.
39
por outra via, abordarmos a essência sem considerar o contexto histórico e geográfico. A
ausência ou o pouco aprofundamento na análise do espaço, sob o prisma de suas categorias,
traz sérias distorções ao entendimento do objeto, pois, nas palavras de Santos (1985 p.52):
Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a
empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente,
representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em
conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e
metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em
totalidade.
Em outra obra, Corrêa (1989, p.48) especifica melhor a conexão entre estrutura,
processo, função e forma relativos à rede urbana:
A rede urbana pode ser considerada como uma forma espacial através da qual as
funções urbanas se realizam. Estas funções comercialização de produtos rurais,
produção industrial, vendas varejistas, prestação de serviços diversos etc – reportam-
se aos processos sociais, dos quais a criação, apropriação e circulação do valor
excedente constituem-se no mais importante, ganhando características específicas na
estrutura capitalista [...].
Podemos verificar que a hierarquia urbana e a especialização funcional da rede urbana
são definidoras de uma complexa tipologia de centros urbanos. Isto ocorre porque a rede
urbana reflete as vantagens e desvantagens de um centro em relação a outro, calcadas na
divisão territorial do trabalho. Por outro lado, a rede urbana também icondicioná-la. Desse
modo, nas palavras de Corrêa (1989, p. 48) a rede urbana possui uma dupla vinculação,
constituindo-se “simultaneamente em um reflexo da e uma condição para a divisão territorial
do trabalho [...]”.
Detalhadamente, as redes urbanas dos países subdesenvolvidos são um prolongamento
das redes dos países desenvolvidos. Não podemos negar que nas diferentes escalas
geográficas haverá uma relativa autonomia interna das redes urbanas daquelas nações, mas
seu comando está nos países centrais. Nessa ótica, a rede urbana intermedeia os fluxos,
tornando-se parte da divisão internacional do trabalho. Por isso, reforçamos que a criação, a
apropriação e a circulação do valor excedente ocorrem na e pela rede urbana (CORRÊA,
1989).
40
1.2.2 As redes de localidades centrais em primeira instância
Os trabalhos sobre rede urbana, em sua maioria, dedicaram-se a investigar número,
tamanho e distribuição das cidades, assim como, indiretamente, a natureza da diferenciação
entre elas. Conforme mencionado anteriormente, a via de abordagem da rede urbana mais
tradicional e numerosa é relativa à hierarquia urbana. Um dos clássicos no assunto, o livro de
Corrêa (1989) intitulado A rede urbana, traz bastante clareza sobre a amplitude da questão.
Esse autor apresenta uma breve gênese dos estudos sobre rede urbana.
Cronologicamente temos: a obra do banqueiro francês Richard Cantillon, em 1755, que
buscou otimizar o tempo e o espaço em seus negócios; em 1841, Jean Reynaud antecede em
quase um século a teoria das localidades centrais, fornecendo ideias bastante similares a esta;
Leon Lalanne, como visto anteriormente, esforçou-se em criar um modelo para a organização
espacial das linhas ferroviárias, em 1863. Mas, os grandes estudos sobre a hierarquia urbana
foram concebidos durante as décadas de 1920 e 1930. Foram revelados nomes importantes na
Geografia, na Sociologia e no planejamento urbano como Galpin, Kolb, Bobeck e Dickinson.
Porém um consenso para o reconhecimento de que a teoria das localidades centrais, de
Walter Christaller, seja a mais completa obra sobre o assunto.
Publicada em 1933, a teoria das localidades centrais aplica o princípio da
racionalidade econômica no estudo da distribuição hipotética desses espaços e a definição das
áreas de mercado. A distância econômica ou o custo dos transportes representam o alcance
máximo de um bem ou serviço oferecido por um centro (RIBEIRO, 2002).
Essa representação no espaço ocorre por meio de círculos de demanda de bens e
serviços. O padrão locacional proposto por Christaller para um conjunto de localidades
centrais de mesma ordem resume-se à superposição dos círculos e à formação de regiões
complementares hexagonais, contíguas e idênticas, com o centro desta figura ocupada pelos
41
núcleos urbanos mais desenvolvidos. A acomodação dos centros de igual nível nas arestas de
hexágonos concêntricos, em decorrência daquela superposição, corresponde ao modelo
teórico final.
Posteriormente, Corrêa (1997b) indica que a rede hierarquizada de localidades centrais
representa uma cristalização material entre locais de produção e locais de consumo no
território. Essa rede viabiliza a produção e a reprodução capitalista na estrutura territorial. Por
intermédio dessa rede territorial é que ocorre o fluxo de drenagem de capitais e produtos para
os centros de acumulação.
A rede hierarquizada de localidades centrais serve, também, para a reprodução das
classes sociais, segundo observado por Corrêa (1997b, p. 21 e 22) no excerto
a seguir:
A rede de localidades centrais aparece também como uma estrutura territorial por
meio da qual o processo de reprodução das classes sociais se verifica [...] A
continuidade do processo de acumulação capitalista implica necessariamente a
reprodução deste amplo espectro social, e esta reprodução se faz, em grande parte,
através do consumo diferenciado de bens e serviços oferecidos pelas localidades
centrais, diferenciação esta que não se refere apenas aos tipos (educação, saúde,
automóveis, aparelhos eletrodomésticos, confecções etc.) como também à
quantidade e qualidade dos bens e serviços consumidos.
Essa desigual capacidade de obter capital e produtos pelas classes sociais se
materializa e se cristaliza no espaço, no processo histórico. Por isso, visualizamos a rede
urbana como um arranjo espacial complexamente escalonado. A rede de localidades centrais
exerce, assim, duas funções primordiais: a ratificação do processo de acumulação do capital e
a reprodução das classes sociais.
Observação interessante faz George (1983) quanto à delimitação e à caracterização da
rede urbana. Para ele, o esboço de redes urbanas não se pode confundir com a presença de
hierarquia, especialmente a administrativa. Segundo George (1983, p. 229) “Para que haja
uma rede urbana, é preciso que existam diversas relações que estabeleçam ligações funcionais
permanentes, não entre os elementos urbanos da rede, mas também entre estes e o meio
rural [...]”.
42
A dificuldade em realizar essa distinção encontra respaldo na indicação de que as
zonas subdesenvolvidas do mundo são carentes de meios de comunicação e de instrumentos
de trocas, refletindo uma debilidade das redes urbanas nesses países (SANTOS, 1981). É
certo que esse pensador expôs suas ideias para contradizer os que não acreditavam numa rede
de localidades centrais existente nos países pobres. Mas, como esse mesmo autor enfatiza, a
questão passa pela existência de redes urbanas. Uma localidade central sempre estará conexa
à outra, porém, “É preciso concluir que, para as massas pobres, não existe rede urbana, ou,
mesmo, que ela não existe em nenhuma circunstância parte, é claro, a hierarquia
administrativa) porque não existem serviços acessíveis mais além de um nível rudimentar
[...]”. (SANTOS, 1981, p. 151).
Diante das ideias de Corrêa (1995 e 1997b) e levando-se em consideração as
observações de George (1984) e de Santos (1981), podemos afirmar que as proposições de
Christaller ainda são legítimas e dão suporte para o entendimento da rede urbana
transfronteira em estudo. Por isso, esta deve ser analisada primeiramente à luz do ideário das
redes de localidades centrais.
1.3 A fronteira como elemento de análise
A fronteira é um fato geográfico que remete a outras concepções na e pela sociedade.
Por isso, é, inegavelmente, um fato social. Daí ela ser material, que está circunscrita no
espaço; limitando, separando, diferenciando, homogeneizando e, ainda, unindo, ao mesmo
tempo em que se torna moral.
No contexto europeu, a fronteira política foi divisa e suporte, razão de ser para os
Estados-nação, bem pouco tempo. Hoje, a adoção de uma nova concepção de fronteira é
43
imperativa para a própria sobrevivência do continente. Assim, seja na teoria, seja na prática,
ela é dicotômica e contraditória em seu espaço-temporalidade.
1.3.1 O caráter contraditório das fronteiras em um mundo contemporâneo
Abordar a temática fronteira torna-se um grande desafio, pois possui uma infinidade
de especificidades, passando por delimitar uma região estratégica até as possibilidades de
integração entre Estados-nação. Referentemente à última ideia, temos o processo de décadas
pela eliminação das fronteiras no continente europeu. O caminho da paz passa
necessariamente pela mudança na concepção de fronteira. Depois de duas guerras, que
praticamente destruíram a Europa e modificaram os arranjos geopolítico e econômico do
mundo, a União Européia surge como pauta em comum para as potências daquele continente
(RAFFESTIN, 2005).
O fim das fronteiras nacionais tem sido substancialmente uma das principais
características deste início de século. Isso acontece, em parte, por estabelecer-se uma nova
lógica espacial, que seleciona espaços previamente indicados para conectar as sociedades e os
territórios, formando uma lógica das redes. Essa noção, juntamente com a globalização
12
e o
informacionalismo tem preponderado e orientado o comportamento de tudo” e de “todos”
(LAMBERTI, 2006).
O tempo foi o primeiro a ser relativizado com os pressupostos das revoluções
industriais, nos séculos XVIII e XIX. Atualmente, e desde as décadas finais do último século,
é a vez do espaço também ser subjugado; afinal, esta é a maior marca da globalização. As
12
O conceito de globalização elaborado por Lamberti (2006) é bastante sintetizador e rico, pois vê nesse
fenômeno a interação da expansão extraordinária dos fluxos (objeto de nosso estudo) internacionais de bens,
serviços e capitais; com o acirramento da concorrência nos mercados internacionais; somados à interação entre
os sistemas econômicos nacionais. As revoluções ocorridas na informática e nas telecomunicações e, de nosso
ponto de vista, agregados a uma Nova Ordem Mundial, em que pese a supremacia do capitalismo e de seus
defensores, validam e certificam o império da informação e do dinheiro.
44
velocidades dos fluxos reduzem o espaço. Daí a lógica espacial das redes ser condicionada
pelos espaços de fluxos, organizando uma rede de relações para além das fronteiras (limites)
nacionais.
De fato, o afrouxamento ou a eliminação dos limites nacionais torna-se uma
premência para um novo século. Para isso, necessitamos entender a fronteira sob um outro
prisma. Além de uma materialização no espaço, a fronteira torna-se notadamente moral.
Como a moralidade é uma invenção da sociedade, ela passa a ser também um fato social.
Mas, não podemos esquecer as origens da categoria fronteira, ligadas ao conceito de limite,
regere fines, conforme a seguinte proposição de Raffestin (2005, p.10):
A fronteira vai muito mais além do fato geográfico que ela realmente é, pois ela não
é isso. Para compreendê-la, é preciso retornar à expressão regere fines que
significa traçar em linha reta as fronteira, os limites [...] Assim uma fronteira não é
somente um fato geográfico, mas também é um fato social [...].
O regeres fines sobressai-se especialmente na cultura ocidental, delimitando uma área
de segurança, transcrevendo-se no espaço, limitando a diferença, seja ela econômica, cultural,
religiosa, ideológica, psicológica, histórica, social, seja qualquer outra distinção. Daí
conforme observa Raffestin (2005, p. 11), ser possível dizer “que a concepção de fronteira
passa pelo entendimento da diferença ou tenha como berço esta”.
Infelizmente, nossa cultura reduz a concepção de fronteira, em particular, à
representação cartográfica, esquematizada pelas linhas coloridas ou pontilhadas nos mapas e
em cartas, reforçando a ideia do outro. Porém, é um erro grave reduzir a fronteira apenas a
essa concepção, haja vista que a fronteira transcende às convenções cartográficas. Afinal,
ainda segundo Raffestin (2005, p. 12):
A fronteira, portanto, é bem outra coisa e a história não pode ser interpretável sem
ela, pois as sociedades foram sempre definidas pelas fronteiras que elas traçaram.
Elas acompanham os movimentos dos povos e marcam as grandes viradas nas
transformações das civilizações.
As ordens mundiais impostas pelos países europeus no colonialismo da América, no
neocolonialismo da África e da Ásia e, atualmente, na globalização comandada pelos países
45
centrais deixaram, e ainda deixam, essa falsa impressão sobre a fronteira, negando todo um
passado e a vivência de outras civilizações.
A nova conformação política e econômica global induz o fortalecimento dos blocos
econômicos regionais. Para tanto, as fronteiras passaram a desempenhar papel fundamental
para o desenvolvimento nacional.
Contudo, a necessidade de integração imposta pelas estruturas de um novo século não
traduz a realidade das fronteiras brasileiras, conforme citam Costa e Gadelha (2005, p. 26):
Apesar de estratégica para integração sul-americana uma vez que faz fronteira com
dez países, de corresponder a 27% do território nacional (11 estados e 588
municípios) e reunir aproximadamente 10 milhões de habitantes, configura-se como
uma região pouco desenvolvida economicamente (grifo nosso), historicamente
abandonada pelo Estado, marcada pela dificuldade de acesso a bens e serviços
públicos, falta de coesão social, inobservância de cidadania e por problemas
peculiares às regiões fronteiriças.
Se as fronteiras são elos que, na visão contemporânea, em potencial, servem para
estreitar os laços entre os países, o Brasil não está aproveitando essa vantagem crucial em um
mundo de mudanças de paradigmas. Reconhecemos que o viés economicista é fundamental
para a visão geral de um espaço. Sem querer entrar em discussões quanto à preponderância ou
não da economia, as fronteiras caracterizam-se particularmente pelo seu pouco
desenvolvimento econômico. Entretanto, não são os aspectos econômicos que acabam
excluindo as regiões fronteiriças, mas sim os aspectos políticos e sociais
13
.
Na visão de Wong-Gonzáles, as concepções de fronteira passam necessariamente por
duas linhas de abordagens: primeiramente, o apresentado até o momento, como possibilidade
de integração e complementaridade; numa segunda vertente a qual, em nossa visão,
predomina especialmente na América Latina, é a do limite político-jurídico concebido como
local de conflito e separação, conforme relatado a seguir nas palavras de Wong-Gonzáles
(2005, p. 156):
13
Não é intenção nossa debater a preponderância ou não dos aspectos econômicos sobre os políticos e sociais.
Adotamos o pressuposto de que as fronteiras são os “últimos” espaços a receberem as atenções do Estado,
mesmo para os militares, apesar de se encontrar o front. Por isso, a exclusão ocorre a partir dos aspectos
políticos e sociais, mas é vista primeiro sob o aspecto econômico.
46
Existen visiones opuestas sobre las relaciones e interaciones internacionales a escala
fronteriza, ya sea vistas desde el gobierno central (federal), por un lado, y desde los
estados o comunidades fronterizas por otro. En la actualidad, mientras que para la
mayoría de las regiones o estados fronterizo la contigüidad geográfica es tomada
como una oportunidad para incrementar los flujos comerciales y de servicios, la
integración y la complementariedad económicas, para los gobiernos federales - por
el contrario -, en general la línea fronteriza es vista como sinónimo de migración
ilegal, contrabando y narcotráfico. Esta situación se agudiza em momentos de crisis
económica, convulsión política, amenaza terrorista o de conflito bélico. Es decir,
desde el punto de vista de los Estados nacionales, más que puntos de vinculación,
tradicionalmente las regiones fronterizas han sido consideradas puntos de conflicto y
separación.
A primeira ideia, alavancada pelo processo de integração nacional e globalização,
traduz a descentralização vista pelos estados e municípios que vivenciam a realidade
fronteiriça. As regiões transfronteiriças existem funcionalmente, faltando que se
formalizem. Algumas iniciativas de oficialização dessas regiões já vinham sendo tomadas por
alguns estados do México e dos Estados Unidos, antes mesmo do Tratado Norte-Americano
de Livre Comércio (NAFTA), como a conurbação Tijuana (México)-San Diego (Estados
Unidos) (ANGUIANO-TÉLLEZ, 2005), região Sonora (México)-Arizona (Estados Unidos)
(WONG-GONZÁLES, 2005). Quanto a essa região econômica conjunta, o projeto Visão
Estratégica de Desenvolvimento Econômico da Região Sonora-Arizona (VEDERSA) visa
alcançar maiores veis de complementaridade e competitividade nos mercados
internacionais, tratando-se de uma aliança estratégica ou de uma região associativa
transfronteiriça.
A região Sonora-Arizona, nos estudos de Wong-Gonzáles (2005), é apresentada como
uma localidade de simetrias e complementaridades. culos, os estados mantêm vínculos
geopolíticos e econômicos em decorrência de suas histórias, de suas culturas e dos meios
ambientes bastante similares. O tráfego diário de pessoas, em decorrência das maquiladoras
14
concentradas nas cidades fronteiriças, e os agronegócios, que funcionam como um cluster
regional transfronteiriço, constituem uma integração funcional e formal. Assim, as fronteiras,
14
Maquiladoras são empresas que importam peças e componentes de suas matrizes estrangeiras para que os
produtos (como carros, computadores, aparelhos de som) sejam manufaturados (montados) - em geral, por
trabalhadores que ganham um salário inferior ao daqueles que trabalham nas matrizes - para depois exportar o
produto final para o país de origem da empresa ou para outros países em que o produto seja competitivo.
47
para esse autor, são vistas como mediadoras de conflitos e novos espaços para a integração e
desenvolvimento dos Estados. Uma das alternativas para promover o desenvolvimento e a
colaboração transfronteiriça, reforçando o caráter das fronteiras como pontos de conexão, são
iniciativas como a do consórcio para a governança dessa região.
Numa visão panorâmica da fronteira entre os Estados Unidos e México, Piñeiro (2005)
afirma que o caminho mais oportuno, para se estudar os fenômenos fronteiriços desse local,
exige não apenas a observação da escala geográfica, mas, também, sua exploração de acordo
com o contexto geográfico
15
. As interações sociais, culturais, econômicas e demográficas
fronteiriças são particulares, distinguindo-se do restante do território do país estudado e
mesmo de outras fronteiras.
Em situação contrária às possibilidades de integração, surge a visão dos governos
federais, que entendem a fronteira como ponto de conflito e separação, assim como ameaça à
soberania política, econômica e sócio-cultural (migrações). Os controles da fronteira pelos
aparatos governamentais devem firmar nesse local a presença do Estado-nação. A visão da
fronteira como uma malha permeável à migração ilegal, ao contrabando e ao narcotráfico
prepondera, sobretudo para o país fronteiriço com melhores situações socioeconômicas.
O outro país é visto pejorativamente, conforme destacado por Piñeiro (2005, p. 412)
sobre as discordantes visões da fronteira pelos mexicanos e estadunidenses:
La frontera México-Estados Unidos es considerada en ambos países como un área
estratégica, en México esto se debe a su desarrollo social y económico y en Estados
Unidos se debe a su importancia en términos de su seguridad nacional. Las
principales ciudades fronterizas llaman la atención de ambos gobiernos en temas
relacionados con la migración internacional e indocumentada, conflictos
ambientales, escasez de recursos naturales, industria maquiladora, mercados
laborales, problemas sobre narcotráfico y asuntos relacionados con derechos
humanos. La mayoria de los problemas sociales, ambientales, políticos que se
presentan en estas ciudades fronterizas se convierten en problemas internacionales.
15
O contexto geográfico ultrapassa simplesmente a delimitação geográfica e reforça a ideia de que o mais
acertado é falar fronteiras, devido às múltiplas facetas que esta apresenta.
48
A fronteira com o México, numa visão centralizada, é percebida pelos Estados Unidos
como mazela. De igual maneira ocorre com o nosso vizinho Paraguai; há, no imaginário do
governo federal e da população, que não vive o cotidiano fronteiriço, a concepção de que a
maledicência vem daquele lado e da própria fronteira.
Ainda na concepção de fronteira como limite, Ribeiro (2002) afirma que a formação
do Estado nacional europeu esteve fortemente atrelada ao estabelecimento das fronteiras.
Também foi importante para o desenvolvimento do capital mercantil e para a formação de
mercados unificados e protegidos (protecionismo). O controle interno dos territórios,
realizado pelos senhores feudais e pelos incipientes burgos para fins aduaneiros, passa para os
limites externos do Estado e permanece até os dias de hoje.
As fronteiras (limites) são mutantes; a permeabilidade é relativa e até certo ponto
confusa, típica do período que estamos atravessando, conforme percebemos nas ideias de
Ribeiro (2002, p. 03):
No âmbito do sistema de estados nacionais, os limites devem atuar como filtros
(grifo da autora) aos fluxos internacionais. Nesse sentido, podem ser mais ou menos
permeáveis podendo inclusive ser dissolvidos no que diz respeito a certos
intercâmbios em função dos sistemas jurídicos internos que regulam as políticas
aduaneiras, migratórias, sanitárias etc.
Relativamente ao reordenamento das fronteiras, em casos específicos como na União
Européia, Ribeiro (2002, p. 09) cita que:
No caso da União Européia, observa-se um “deslocamentoda fronteira, isto é, a
transferência do controle sobre os fluxos (sobretudo de pessoas) para as margens
externas (grifo da autora) ao bloco, de forma a garantir, de um lado, a fluidez interna
ao Mercado Comum no que tange aos movimentos de capital e, até certo ponto, da
força de trabalho e, de outro, a “homogeneidade interna” via repressão da imigração
ilegal.
Acrescenta, ainda, corroborando vários autores, que a fronteira como limite
internacional é uma convenção, com caráter jurídico da soberania e da competência territorial
de um Estado. Daí seu conceito ser remetido a metáforas como sinapse (da Biologia) e
interface (da Informática). Isso reforça a sua permeabilidade seletiva (filtros); faz adotar
novas indumentárias, ou seja, a concepção de fronteira como zona de comunicação e troca
49
(conexão e interação) cria pontes entre nações e, por último, ajuda a eliminar as barreiras
físicas e psicológicas.
Essas considerações demonstram que o conceito de fronteira necessita ser revisto, em
razão das exigências de um novíssimo mundo, como nos mostra Ribeiro (2002, p. 05):
Mudanças recentes no sistema de estados nacionais, vulgarmente expressas no termo
“porosidadedas fronteiras nacionais, ou na afirmação de que os estados nacionais
estão sendo dissolvidos pela globalização, indicam que a funcionalidade dessa
convergência conceitual precisa ser revista, pois o caráter dessas mudanças está
gerando uma divergência entre a função política dos limites e a função econômica
das fronteiras.
Entretanto, essa dita porosidade não acontece em toda a fronteira ou ocorre de maneira
aleatória e sem claras intenções. As “pontes” entre as nações atendem à lógica do capitalismo.
Para isso, são estabelecidas supressões ou diminuições dos instrumentos jurídicos válidos
isonomicamente no restante do território. Esses espaços (territórios especiais) são as
conhecidas Zonas Francas, Zonas de Livre Comércio, Centros Financeiros Offshore e Zonas
de Processamento de Exportação.
Em termos pragmáticos, ou seja, políticas públicas realizadas pelo governo brasileiro,
a fronteira é contemplada pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) com
a intenção de promover a integração da América do Sul. Os objetivos centrais dessa estratégia
governamental, pelo menos no discurso, são a integração de zonas deprimidas para a
desconcentração da produção e renda no espaço, assim como o fortalecimento de integração
de logísticas de infra-estrutura no subcontinente americano.
Inserido no PNDR, temos o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira
(PDFF), existente desde fins da década de 1990. Este programa divide a faixa de fronteira em
três áreas denominadas Arcos (Norte, Central e Sul). O estado do Mato Grosso do Sul faz
parte do Arco Central, juntamente com Rondônia e Mato Grosso.
O desenvolvimento integrado das cidades-gêmeas é uma das três grandes linhas de
ação do PDFF, conforme destacado por Costa e Gadelha, (2005, p. 37): “entende-se que a
50
nova ordem mundial identifica cidades contíguas como uma oportunidade de fortalecer e
catalisar os processos de desenvolvimento sub-regional e de integração supranacional [...]”.
Ao concebermos o pressuposto de que a cidade organiza a região, admitimos que as
possibilidades para o desenvolvimento das regiões transfronteiriças têm, na integração das
cidades-gêmeas, um grande poder de liderar esse desejado implemento espacial. Mais uma
vez, retornamos à aceitação do fortalecimento dos blocos e das relações regionais como
oportunidade de caminhar num milênio cheio de incertezas, como a globalização.
Em pesquisa sobre o turismo na fronteira, Paixão (2006) discorre que os fluxos
mundiais de bens, de serviços e de pessoas sofrem fortes reflexos das estruturas dominantes.
Assim, a visão de fronteira do período anterior à Segunda Guerra Mundial é diferente do das
décadas seguintes, marcadas notadamente pela bipolarização do mundo, distinguindo-se ainda
mais nestes tempos de globalização. Essas mudanças nem sempre são captadas de imediato
pelas sociedades e pelos seus estudiosos, ocorrendo uma lacuna entre o vivido e o percebido.
Por esses motivos, as ciências não captam instantaneamente as modificações socioeconômicas
e, assim, não pode ser diferente com relação à concepção de fronteira:
Ao considerarmos os avanços obtidos pela ciência nas últimas décadas do séc. XX,
depara-se com uma constatação de que tal avanço não se constituiu de igual modo
no que diz respeito aos estudos das fronteiras, inclusive pela ciência geográfica. Foi
dado um tratamento bastante tímido a esse termo quando comparado a outros
estudos do conhecimento humano; mesmo na Europa e nos Estados Unidos esses
estudos são relativamente recentes, sendo muito mais ausentes e frágeis no Brasil
(PAIXÃO, 2006, p. 66).
A historiadora Pesavento (2001) reconhece que as fronteiras são particularmente
simbólicas para o estabelecimento de representações que classificam, hierarquizam e limitam,
definidas pela diferença e alteridade com relação a outros. Acrescenta que elas não se
reduzem a marcos divisórios. As fronteiras representam a passagem, a comunicação, o
diálogo e o intercâmbio. Pela permeabilidade das fronteiras surge algo novo, tornando-se um
conceito.
51
A fronteira, segundo Pesavento (2001, p. 8), é “[...] ambivalente ou bifronte, que se
compara como uma espécie basculante entre o encerramento e a abertura, entre o marco que
define e delimita e a janela ou porta que possibilita a comunicação”. Essa expressão
emblemática é o que caracteriza a condição de fronteira na virada para um novo milênio.
Inicialmente, então, temos uma lacuna, somado ao fato de que as fronteiras, querendo
ou não, foram relegadas à noção de limite por grande parte da sociedade mundial, em especial
a latino-americana. Acreditamos que, em parte, isso ocorre porque os avanços nas áreas
tecnológicas são mais perceptíveis, não sendo acompanhadas pela constatação de suas
conseqüências na sociedade e no espaço. Mesmo assim, os reflexos de um “novo mundo”
estão aí, presentes, visíveis e perceptíveis, convidando-nos a entendê-los.
Se a fronteira, por si mesma, é bastante complexa, Pesavento (2001) acrescenta que
essa dificuldade aumenta quando se leva em consideração a presença de vieses da urbanização
como a conurbação, bastante característica na confusão das ruas e avenidas de Pedro Juan
Caballero e Ponta Porã. De certo modo, esse fenômeno requer uma explicação conceitual
bastante apurada.
A atual concepção de fronteira é vista, pela sociedade, como um todo, de modo muito
aproximado. Os militares, ainda carregados pelas ideologias do século XX, têm a fronteira
como um marco, um limite, reduzindo-a a front. O estado, em especial, por meio de seus
órgãos governamentais, possui uma visão também restrita, pois apenas amplia o fenômeno
fronteiriço para uma faixa ou zona, separando-a como uma região desconexa do restante do
país, relativizando as suas ações (PAIXÃO, 2006).
Essas observações nos deixam à vontade para reforçar que o mundo ainda está em
profunda e contínua transformação, como nunca foi visto até os dias de hoje.
Realizando um resgate histórico, de modo geral, as fronteiras até a Segunda Guerra
Mundial foram importantíssimas para a formação e consolidação dos estados nacionais. O
52
limite deveria ser bem claro: uma nação não poderia sobrepor-se a outra. O território,
demarcado e legalizado, foi palco para a consolidação dos estados nacionais.
No pós-guerra, a fronteira adquire formato ideológico. O duelo capitalismo versus
socialismo produz profundas mudanças territoriais e, por conseguinte, altera o espaço
fronteiriço. Nesse período a fronteira marca, mais uma vez com a concepção de limite, o
espaço capitalista ou socialista, onde um se encerra e o outro começa, avançando sobre as
nações e o nacionalismo, que não perderam sua importância e, em muitos casos, até tenham
aumentado. Resumindo, de acordo com Paixão (2006, p. 68), as fronteiras “[...] passaram a
encerrar espaços territoriais de igual conteúdo ideológico, em exclusão a outros alinhamentos
[...]”. As consequências desse período para as fronteiras são conhecidas: maniqueísmos e
restrições na circulação de mercadorias e de pessoas (duas Alemanhas, duas Coréias, Cortina
de Ferro, por exemplo).
O atual período ainda está carregado de matizes das visões de fronteira anteriores. Os
militares ainda veem a fronteira como limite e marco da soberania, um front, neste novo
milênio. Os estados contemporâneos, perante os avanços tecnológicos, estão meio
desnorteados. Para o capitalismo atual, a fronteira não pode ser impeditiva para os fluxos,
sejam materiais (capitais, produtos, serviços e pessoas) ou imateriais (informações). Num
outro viés, as fronteiras ainda são necessárias. Por mais paradoxal que seja, ainda haverá
Estados-nação. Novas fronteiras surgirão e muitas outras antigas serão reforçadas, seja para
impedir o deslocamento das pessoas, seja para conter atos extremados como os do terrorismo
transnacional. Isso ocorreu notadamente a partir do 11 de Setembro e suas conseqüências
territoriais para o mundo. Essa confusão e desordem mundial acontecem em virtude da
porosidade que a fronteira adquiriu nos últimos anos, pois, analisando melhor essa
contradição, Oliveira (2003, p. 12) vê que o mundo:
[...] pode estar dando as costas para os processos desencadeados nos últimos anos
consubstanciados no conceito de globalização multidimensional para retomar a
velha temática política e estratégico-militar característica das relações internacionais
53
interestatais, situação que recoloca os processos de integração regional como
fundamentais nas relações internacionais pós-11 de setembro de 2001.
De qualquer maneira, a atual fase do capitalismo requer uma revisão do conceito de
fronteira e sua discussão, visto haver um destaque com a sua eliminação ou afrouxamento
crescente. Mas, há de se relembrar que a flexibilização das fronteiras somente ocorrerá em
locais onde haja interesse para o capital.
1.3.2 Fronteira: conceituando um termo complexo
Por mais que se possa contestar, conceituar fronteira não é um algo fácil de se fazer.
Embora não aparente complexidade ou dificuldade, o seu entendimento é palco de relações
contraditórias e nem sempre de simples visualização e percepção. Agrega-se a esse empecilho
a trajetória histórica de formação, evolução e a falsa impressão de seu desaparecimento nos
dias atuais.
Verificamos, na imensa parte dos estudos sobre fronteira, para não dizer em sua
totalidade, que a fronteira possui dois sentidos bastante definidos e divergentes: o de limite e
o de comunicação e interação, cabendo aqui outros tantos sinônimos e palavras afins. O
limite, que tanto se espalha, que está para acabar, pelo que parece, ainda tem fôlego na
refuncionalização, especialmente a de separar pessoas e mercados indesejáveis. As conexões e
relações fronteiriças também não estão tão abertas quanto desejamos (ou não). Elas ocorrem
em espaços selecionados, sobretudo por meio das cidades-gêmeas.
Para confirmar essa tendência, trazemos aqui algumas definições sobre fronteiras.
Raffestin (2005), uma das principais referências no assunto, entende fronteira como um
processo que ultrapassa a noção de fato geográfico, tornando-se um fato social, daí sua
criação ser inerente à sociedade. Para esse intelectual, ainda, a fronteira nasce da diferença e
54
delimita o interior do exterior. Ao mesmo tempo, a fronteira é limite, materializada pelas
convenções cartográficas das linhas coloridas ou pontilhadas.
Assim, as fronteiras tomam vida, para logo se tornarem cicatrizes, pois são fáceis de se
ver e difíceis de se mover. Para tudo o que possui extensão e fim existem fronteiras. Por isso
que Abinzano (2005) as considera manifestações, simbolizações e materializações extremas.
Contudo, em se tratando de sociedades, somente as encontramos nas linhas de fronteira. Na
mesma direção dos autores citados, Dorfman e Rosés (2005) afirmam que, numa concepção
inicial do que seja fronteira, tem-se que todo objeto ou fenômeno cuja existência possua
extensão ou fim terá um término. Nesse ponto ou local está a fronteira:
No caso dos Estados-nação [...] fronteira é o espaço onde se entrelaçam as
influências dos estados em contato [...] distingue os territórios estatais, mas não os
torna estanques (grifo nosso), na medida em que fluxos de pessoas, objetos e
informação cruzam constantemente o limite (DORFMAN e ROSÉS, 2005, p. 196).
Os olhares de cada pesquisador com as suas distintas formações e nacionalidades,
seus inúmeros objetos de estudo, suas infindáveis localidades de investigação, nos mais
diversos períodos históricos e em tantas outras diferenças do ser humano e de suas relações
nos enriqueceram com a temática fronteiras.
Esse suporte teórico recebido nos encoraja a fazer algumas considerações sobre a
fronteira. Talvez seja arriscado dizê-lo, porém, analisando a trajetória das fronteiras, podemos
afirmar que o capitalismo as comanda, o que se torna claro quando percebemos que a
fronteira (limite) forjou Estados-nação (assim como foi forjada), sendo ela mesma primordial
para o nascimento e crescimento do capitalismo. Depois, no mundo bipolar, o sistema do livre
comércio usa a fronteira para sufocar sistemas competitivos e de ideologias antagônicas. Por
último, nos dias atuais, para se manter hegemônico, o capitalismo rompe barreiras onde lhe
convém e as mantêm fechadas, também, onde lhe seja conveniente. Por isso, acreditamos que
a fronteira não apenas está a serviço do capital como também denuncia a sua presença .
55
1.3.3 A fronteira ameaça a soberania dos Estados-nação ou as fortalece?
Visto que a discussão sobre o pretenso fim da soberania afeta, em maior ou menor
grau, os Estados-nação, nesse sentido, as fronteiras são ponto central e sua abordagem não
pode ser negligenciada. Assim, a discussão sobre o conceito de fronteira também passa,
obrigatoriamente, pela questão da soberania. Está bem claro que, por meio dos vertiginosos
processos de regionalização e de globalização, somos levados a acreditar que o papel dos
Estados nacionais vem sendo substituído pelos organismos supranacionais e pelas
corporações transnacionais. Porém, atitudes contrárias a esse pensamento. Se por uma
vertente, a globalização permeia as fronteiras, eliminando barreiras ao fluxo de bens e
capitais, por outro lado, o que verificamos é o aumento de investimentos de capital físico e
político, para o controle dos fluxos migratórios destinados, especialmente, aos países centrais.
Temos testemunhado essa ocorrência no NAFTA, na vigilância dos migrantes latino-
americanos pelos Estados Unidos, assim como com os africanos e os moradores do Leste
Europeu que rumam para o lado ocidental, conforme constatamos, a seguir, nas palavras de
Riquelme (2005, p. 55):
Assim, paralelamente à implementação do Tratado de Livre Comércio (TLC) ou
NAFTA [...] existe uma barreira cada vez mais fortalecida contra a livre circulação
dos imigrantes especialmente do México para os Estados Unidos. Esse e outros
exemplos são utilizados pelos críticos da globalização para demonstrar que o estado
não “está em retirada”, mas pelo contrário. Os investimentos para um maior controle
da fronteira mais parecem indicar que o estado está de volta.
Esse autor conclui que a soberania não está em extinção; apenas acrescentou-se a essa
categoria o componente reciprocidade. Na União Européia, modelo de bloco regional, a perda
de parte da soberania pelos países integrantes não significa renúncia, dos mais fracos, a sua
autodeterminação, ou mesmo, vassalagem pelos mais desenvolvidos. Quanto a essa ideia,
Riquelme (2005, p. 56) enfatiza que “A conjuntura mundial impulsiona a formação dos pactos
regionais integradores, que exige dos países a substituição da noção estática e onipotente de
56
soberania por uma concepção mais dinâmica, com ênfase no componente de reciprocidade
(grifo do autor)”.
Santos (2001) afirma que, em muitas análises sobre as interferências e consequências
da ação da globalização sobre a soberania das nações, nem sempre são tiradas conclusões
acertadas. Por isso, surgem proposições como a desterritorialização, fim das fronteiras e a
morte do Estado. Para ele, a soberania está longe de se esvaziar. A globalização adicionou ao
território nacional a economia internacional, tornando-o, de certo modo,
dependente desta. O
mais interessante de tudo isso é que os grandes mediadores são os Estados nacionais,
conforme as ideias expostas por Santos (2001, p. 76 e p.77):
[...] Com a globalização, o que temos é um território nacional da economia
internacional, isto é, o território continua existindo, as normas públicas que o regem
são da alçada nacional, ainda que as forças mais ativas do seu dinamismo atual
tenham origem externa. Em outras palavras, a contradição entre o externo e o interno
aumentou. Todavia, é o Estado nacional, em última análise, que detém o monopólio
das normas, sem as quais os poderosos fatores externos perdem eficácia [...].
Então, falar do desaparecimento das fronteiras é descabido. Mesmo assim, não
podemos afirmar que a globalização em nada afeta a soberania. Está bastante claro que as
fronteiras tornaram-se porosas diante do avanço do capitalismo em todas as partes do mundo.
Isso requer uma nova concepção não só de soberania, mas, também, de fronteira.
Conquanto Riquelme (2005) analise a interferência da globalização sobre a soberania
como algo que agrega, dando origem à reciprocidade e Santos (2001) enxergue a questão
como um jogo de forças antagônicas, reforçando as contradições, os dois autores concordam
com o não-desaparecimento da soberania. D podermos afirmar que o Estado ainda é o
senhor do território, ratificado pelas seguintes ideias de Santos (2001, p. 77):
Ao contrário do que se repete impunemente, o Estado continua forte e a prova disso
é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais dispõem
de força normativa para impor sozinhas, dentro de cada território, sua vontade
política ou econômica [...] É o Estado nacional que, afinal, regula o mundo
financeiro e constrói infra-estruturas, atribuindo, assim, a grandes empresas
escolhidas a condição de sua viabilidade. O mesmo pode ser dito das instituições
supranacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Nações Unidas,
Organização Mundial de Comércio), cujos editos ou recomendações necessitam de
decisões internas a cada país para que tenham eficácia.
57
A cessão de partes desse poder que se denomina soberania no fundo, são fichas
postas para entrar ou continuar no grande jogo da globalização. O que acontece é que uns
países apostam mais, ao passo que outros apostam menos. O certo é que quanto mais se cede,
menos soberano o país se torna. Contudo, concordamos com a visão de Santos (2001) de que
não existe apenas o caminho da passividade; por isso a sua luta intelectual, como sugere o
título de sua obra Por uma outra globalização.
Acreditamos, também influenciados por Santos (1997), que o debate sobre a
diminuição da soberania do Estado se submete à nova lógica das redes. Recordemo-nos,
conforme abordagem teórica da emergência das redes, que a atual gica organizacional está
relacionada com os avanços tecnológicos em curso, mas não se confunde com estes. A
racionalidade técnica não descartou o Estado, apenas necessita menos dele.
1.3.4 Uma abordagem de fronteiras sob o prisma da região
A nosso ver, as respostas que procuramos passam, também, pela discussão do conceito
de região e regionalização, bem como pelas análises das relações entre cidade e região.
Reconhecemos que região é um conceito-chave para geógrafos e não-geógrafos, quando esses
incorporam a dimensão espacial em suas pesquisas. Porém, a sua abordagem aprofundada
ultrapassa os objetivos deste trabalho. Reconhecidamente, discorrer sobre região é uma tarefa
delicada, conforme nos sinalizam vários autores: para Corrêa (1995), a complexidade do
conceito de região levou muitos autores a pregar a perda de valor dessa categoria de análise,
ou mesmo o seu desaparecimento, por muitos outros. Geiger (1969) indica que o
entendimento de região, à primeira vista, parece fácil, mas, em sua opinião, é o mais
complexo assunto geográfico; Bezzi (2004, p. 241) considera que “[...] a própria palavra
‘região’ torna os geógrafos prisioneiros de um problema complexo e [...] falar de região é
caminhar em um terreno cheio de labirintos e de armadilhas epistemológicas”.
58
Contribuição semelhante, sobre as complexidades dos conceitos de fronteira e de
região, Paixão (2006) nos dá, ao destacar que este último termo é bastante utilizado no senso
comum e, de certa forma, demonstra intencionalidades, utilizado de modo amplo. A facilidade
da aceitação do termo região apoia-se, de acordo com esse mesmo autor (2006, p. 103 e 104),
na sua apropriação e utilização como: “[...] designação que estabelece a diferenciação entre
diferentes lugares vividos, informados ou imaginados [...]”. Conforme esse pesquisador,
ainda, temos as seguintes considerações:
Se o estudo das fronteiras apresenta-se complexo como objeto de investigação
acadêmica, sua associação ao termo região faz aumentar tal complexidade em
todas as instâncias e situações imaginadas, do senso comum ao meio técnico ou
político, do plano empírico ao teórico. Desse modo, a composição terminológica
região e fronteira abrem uma gama de possibilidades de análise em conformidade
aos objetivos pelos quais o evocadas a cada espaço-tempo (PAIXÃO, 2006,
p.103).
Por meio dessa contribuição podemos afirmar que, quando se aborda o conceito de
região, referindo-se à região de fronteira, fica explícito a que estamos nos referindo. Porém,
temos de reconhecer que a região, por si mesma, não se basta e também não se explica.
Denota, portanto, uma inconsistência, em nossa opinião.
Encontramos, em Yázigi (2001, p. 30-31), uma explicação para a transitoriedade do
conceito região, ligada às origens desse termo:
A taxionomia começa a se desenvolver com o naturalista sueco Carl Von Linné
(1707-1778). Efetivamente, as grandes navegações do Renascimento revelaram
novos mundos de plantas e animais que a ciência, florescente, precisava classificar
[...]
Logo se percebeu que um único traço não era suficiente para constituir uma região;
por isso se passou à prática de adjetivar o vocábulo para qualificá-lo: região natural,
histórica, econômica, administrativa e assim por diante [...]
uma transitividade nesse conceito, o que talvez seja a sua grande riqueza e, ainda
assim, a sua utilização no senso comum é palco de pesquisas e discussões no meio acadêmico,
especialmente na Geografia. Por isso, o conceito requer um complemento, no nosso caso, a
região fronteiriça.
Mas, para não omitirmos palavras sobre esse conceito, reforçamos que, atualmente, a
cidade é a grande indutora do desenvolvimento na e da região. A região não pode ser mais
59
vista como uma realidade viva, com coerência interna e estanque, formando um sistema
fechado. Os estudos regionais pós-modernos, como a região fronteiriça, deverão levar em
consideração a heterogeneidade, a diferença e a coesão funcional e político-simbólica,
constituindo um sistema aberto. As regiões são espaços determinados arbitrariamente segundo
exigências metodológicas específicas, tal como deixa transparecer essa ideia de Abinzano
(2005, p. 114), “[...] no se trata de regiones geográficas sino de espacios humanizados.
Donde lo que importa son las relaciones entre personas e coletivos sociales [...]”.
As interações entre duas sociedades, política e juridicamente falando, que ocupam
ambos os lados de uma linha de fronteira, formam uma especificidade inegável, que chega a
formar, de fato, uma sociedade ímpar e complexa. Essas inter-relações se manifestam,
essencialmente, no núcleo mais denso e significativo. Desse modo, mesmo não analisando o
conceito de região, por critérios metodológicos escolhidos para esta pesquisa, a sua concepção
inicial permite aferir que o estudo das cidades, no caso específico, as conurbações
transnacionais ou cidades-gêmeas, é o caminho mais válido para compreender a região
fronteiriça, segundo Abinzano (2005, p. 116):
[...] Ahora bien, es necesario insistir que la región de frontera es um espacio
determinado por las acciones humanas y no por sus propias características físicas,
pero también, es imprescindible tener en cuenta todas las características físicas de el
medio ambiente, la topografia, los recursos naturales, el clima, etc. Y las
infraestruturas disponibles como caminos, transportes, comunicaciones, puente etc.
Falar de fronteira é complicado quando o mais apropriado seria designarmos
fronteiras; abordar região somente faz sentido se associarmos a esta os múltiplos significados
e horizontes das fronteiras. Existe uma identidade fronteiriça que é formada pelas atividades
econômicas, sociais e culturais que se estabelecem no contato entre os Estados. O cotidiano, o
lugar
16
, faz a região de fronteira.
16
Conforme exposto pela Profª Dr Cleonice Gardin, por ocasião da qualificação desta pesquisa, o termo lugar
traz consigo a ideia de singularidade. É neste sentido que buscamos empregá-lo.
60
Vista de perto, por meio da descentralização, numa escala local ou regional, a fronteira
possui sentido amplo e de integração. Somente assim poderá ser analisada como uma região
não estanque, porque, de acordo com Dorfman e Roses (2005, p. 197), “A população
fronteiriça desenvolve práticas que se especializam e apresentam semelhanças em ambos os
lados da linha, o que pode ser entendido como a formação de uma região: a região fronteiriça
[...]”. As práticas cotidianas específicas de cada lado da fronteira constituem uma base
comum, é nelas que as influências das comunidades dos Estados em contato se entrelaçam,
conforme a seguinte afirmação de Dorfman e Roses (2005, p. 196 e 197):
A fronteira distingue os territórios estatais, mas não os torna estanques, na medida
em que fluxos de pessoas, objetos e informação cruzam constantemente o limite. Na
fronteira criam-se possibilidades de atividades econômicas, atraindo população,
inclusive de origens diferentes daquelas das nações em contato, a descontinuidade e
justaposição das normas nacionais sendo a origem dessas possibilidades.
A região fronteiriça vai modificar sua funcionalidade com as transformações nas
estruturas mundiais. No Sul do Brasil, a fronteira, ainda no século XIX, é tomada como um
espaço articulador de resistências sócio-políticas, com funções estratégicas de obstáculos ao
avanço e ações de territorialidades dos Estados-nação. Hoje, as fronteiras são áreas
privilegiadas de contato e de entrelaçamento político, tornando-se um espaço simbólico de
convergências culturais. Desse modo, constituem um palco de uma forte relação entre espaço
geográfico e identidade.
O conceito de região e as reflexões sobre ela contribuem por afirmar que não é a
região sozinha e, sim, a região fronteiriça, que tem servido como termo aglutinador de
espaços como zona fronteira, faixa fronteiriça e mesmo a fronteira. A região fronteiriça
sintetiza todos esses espaços como um único lugar, onde se encerram vivências, identidades e
aspirações. Acreditamos que, apesar de todas as críticas relativas a esse conceito, nas relações
fronteiriças, ele tem respaldo suficiente para poder caracterizar e esmiuçar a fronteira ante as
exigências deste novo século, cheio de incertezas e contradições.
61
Como acrescentamos à discussão os termos “faixa de fronteira” e “zona de fronteira”,
afirmamos que existe uma diferença bastante relevante entre elas (Figura 4).
A primeira pode ser entendida como uma linha geopolítica estipulada em acordos e
tratados, constituindo uma realidade concreta. São áreas convencionadas, referidas sempre a
um espaço definido, estabelecido pelos países ou outras formas de organização política
segundo as normas do direito internacional, leis e constituições dos envolvidos (ABINZANO,
2005, p. 114).
Relativamente ao nosso país, a faixa fronteiriça é estabelecida em 150 km de largura
paralela à linha divisória, conforme previsto na Lei 6.634, de 02 de maio de 1979 e
confirmada pela atual Constituição Federal. No lado paraguaio, a faixa de fronteira de nossos
vizinhos é bem menor, 50 km ao longo das fronteiras; porém, não se encontra devidamente
promulgada e regulamentada. Ressalta-se que, no lado brasileiro, os ideais da segurança
nacional marcam profundamente a concepção de fronteira.
Figura 4 - Quadro de Diferenciação entre Faixa e Zona de Fronteira.
Fonte: MACHADO, L. et al., 2005, p. 96.
62
A segunda, a zona fronteiriça é mais abrangente, menos formal (político-jurídico),
carregada de matizes e interações econômicas e culturais próprias, caracterizada por uma
paisagem específica. Os fluxos e interações transfronteiriças constituem um espaço social
transitivo. A zona de fronteira aproxima-se, ainda, da atual concepção de região, como um
‘sistema aberto’, dotado de coesão funcional e de identidade político-simbólica (MACHADO,
2005, p. 95).
Resumidamente, a zona de fronteira apresenta um conjunto de múltiplas relações
econômicas, sociais, políticas, culturais, pessoais, trabalhistas e muitas outras que se
estabelecem num espaço transnacional. Numa outra vertente, a faixa de fronteira é gida,
associada aos limites territoriais do poder do Estado.
1.4 A simultaneidade fronteira–rede urbana
Se por um lado a rede urbana ainda é uma temática atual, abordá-la numa zona
transfronteiriça torna-se um grande desafio.
Precisando examinar a relação rede urbana–fronteira, resgatamos o entendimento de
que a fronteira, inicialmente, tem duas concepções: fronteira política (limite) e fronteira
socioeconômica. Acreditamos que se inserem outras concepções como fronteira social,
fronteira cultural, fronteira informal, fronteira lingüística e tantas outras. No entanto, vamos
nos limitar às duas primeiras. É bem claro que a fronteira política não delimita a fronteira
socioeconômica. As cidades, de ambos os lados da fronteira, se relacionam como vasos
comunicantes e, em muitos casos, se miscigenam, formando verdadeiras redes urbanas
internacionais e cidades centrais, por vezes, em cidades-gêmeas - no caso deste estudo, a
conurbação Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai).
63
Os processos de controle (jurídico, político e administrativo), dominação (econômico e
social) e apropriação (cultural e simbólico) do espaço geográfico não obedecem aos limites e
propósitos dos Estados-nação. Desse modo, sabemos, com clareza, que a fronteira, ao ser
abordada separadamente, é algo específico, por ser um espaço de transição e requerer um
grande detalhamento. Essas particularidades se multiplicam, pois a essa condição somam-se o
caráter internacional, o processo de conurbação e o das ligações e relações entre cidades (rede
urbana).
Segundo Machado (2005, p. 92), os estudos das relações fronteiriças requerem a
abordagem da noção de rede e, em nossa opinião, a de rede urbana, por ser um conceito
essencial para a compreensão e entendimento da organização da base produtiva e sócio-
cultural.
Ao interpretar a fronteira sob a ótica das redes surgem duas questões: a relação
território-rede
17
e a oposição rede-enclave. A articulação e a desarticulação territorial
dependem fundamentalmente das redes. Assim, para Machado (2005, p. 92) “[...] a
organização territorial em rede, ao englobar desde a rede urbana até as redes decisórias,
sociais, culturais, políticas, tem poder explicativo importante para a compreensão das
territorialidades [...]”. Desse modo, rede e território não são contraditórios. Pelo contrário,
tornam-se conceitos complementares e interdependentes. Visto desse ângulo, existe, sim, uma
articulação transfronteira entre o Brasil e o Paraguai.
Os fluxos comerciais, de técnicas, sócio-culturais e informacionais não se anulam e
não são impedidos de acontecer pelo território, na sua complementaridade, superposição e
hierarquias nacionais ou transnacionais. Alguns percebem a oposição entre território e rede,
em razão da contraditória visão de permanência e independência do primeiro versus
efemeridade e dependência do último.
17
Apesar deste conceito permitir um aprofundamento maior, conforme indicado por Fabrício Vázquez durante a
apresentação desta dissertação, nossa intenção é demonstrar que território e rede não são antagônicos entre si.
64
Nas relações fronteiriças Brasil-Paraguai, é interessante observar que nosso país, na
visão de pesquisadores não-brasileiros e brasileiros, reproduz a exploração econômica que
tanto sofremos dos países centrais. Dessa forma, o setor enclavado paraguaio, a região
fronteiriça, passa a ser uma continuidade, economicamente falando, do Brasil, pois as
decisões relativas ao investimento e à circulação de capital são tomadas aqui.
De acordo com Riquelme (2005, p. 57), “começavam e terminavam no país central,
depois de passar pelo país periférico, onde somente ficavam as partes correspondentes aos
impostos e salários do pessoal local”. O autor denuncia que enclaves de prósperos
migrantes brasileiros no Paraguai, concentrando-se na região fronteiriça, constituindo um
espaço regional específico. Esses espaços econômicos afetam os componentes sócio-políticos
e culturais das comunidades dos distritos limítrofes ao Brasil.
Entretanto, a concepção de enclave é repudiada por outros autores, que veem-na
associada ao estudo do território como um equívoco. Se para Riquelme (2005) o
entendimento da ocupação da região fronteiriça por capitais e pelos migrantes brasileiros (os
brasiguaios
18
) pode ser explicada pela noção de enclave, para Machado (2005, p. 91 e p. 92),
o território fronteiriço paraguaio, ao se distinguir do restante do país e se identificar
econômica e sócio-culturalmente com o nosso, reforça o papel das redes no mundo atual:
A terceira noção que norteou o trabalho é a de rede (grifo dos autores). Embora com
freqüência vista como modismo por setores da comunidade científica, ou mesmo
pelos especialistas em marketing, a noção de rede é fundamental para o
entendimento da organização da base produtiva e sócio-cultural. É igualmente eficaz
para eliminar do vocabulário do desenvolvimento econômico local e regional a
infeliz noção de “enclave”. Lugares e territórios cuja base produtiva se diferencia do
entorno podem ser mais bem entendidos através da noção de rede. A vida das
cidades da faixa de fronteira, por exemplo, não importa se situada ou não na
divisória internacional, com freqüência depende mais de interações com espaços
não-contíguos do que com o espaço adjacente.
Retomando a discussão da lógica das redes, concebemos, inicialmente, que essas
interconexões entre as localidades, no processo de globalização em marcha, ocorrem, quase
18
O termo brasiguaio não é totalmente aceito pela comunidade científica. De um modo geral, designa os
migrantes brasileiros e seus descendentes, nascidos ou não em território paraguaio, que ocupam sobretudo as
cidades próximas à fronteira.
65
que exclusivamente, entre as ditas cidades globais. Entretanto, a realidade dos territórios é
bem diferente: eles não deixam de existir ou ficam reduzidos a meros agentes passivos de um
ordenamento maior. Cada ponto, no território, onde ocorram relações socioeconômicas possui
certa articulação (qualitativa e quantitativa) que insere essa localidade a uma rede de lugares,
segundo uma lógica intencional e pré-definida. Assim, concordamos com Lamberti (2006, p.
32), quando afirma que “[...] o lugar mais simples é centro de uma periferia engendrando uma
rede mais fina (grifo da autora) [...]”.
Desse modo, algumas cidades se destacam em relação a outras por mérito, fazendo um
ciclo em espiral. Os tempos e as localidades jamais se repetirão, apesar de haver uma ordem
para que as infindáveis relações entre as pessoas (atitudes e comportamentos, sobretudo os de
consumo) e as sociedades sejam homogêneas. O círculo, em particular econômico, entre as
cidades cria funcionalidades e hierarquias que desembocam nas redes no caso deste estudo,
nas redes urbanas, podendo ser notáveis, como as formadas pelas cidades globais e
microeconômicas (rede mais fina), conforme destacado por Lamberti (2006), ou, ainda, na
interpolação das fronteiras, no caso as cidades-gêmeas e sua área de atuação.
O ponto em comum entre todas essas escalas geográficas encontra-se no fato de que há
uma única gica, que recorta os mais distintos espaços, com o fim de obter o equilíbrio
espacial. Por mais que possa parecer contraditório, o que impera é o desequilíbrio, de acordo
com a seguinte observação de Lamberti (2006, p. 34): “[...] o espaço organizado em redes é
descontínuo e fragmentado, dinâmico e instável: ilha de prosperidade versus mar de atraso.”.
Destarte, essa autora repudia a existência de enclaves nas regiões fronteiriças,
conforme defendido por Riquelme (2005). No fundo, uma lógica territorial que irá fazer
que, nestes novos tempos e espaços, haja uma apropriação das regiões fronteiriças, visto que,
nas redes, nenhum espaço pode ser desprezado. Todos os espaços têm uma função e, de uma
66
forma ou de outra, estão inseridos na globalização, mesmo que como reserva de meios de
produção e/ou mercados consumidores.
Pelo que parece, o termo enclave não é bem aceito no meio acadêmico, como suporte
suficiente para explicar e justificar a peculiaridade dos espaços fronteiriços. Vem de longa
data o reconhecimento da especificidade da região de fronteira. Conforme nos relata Ribeiro
(2002), Christaller, nos estudos sobre as localidades centrais, nas primeiras décadas do século
XX, apresenta uma lógica para as cidades-gêmeas. Esses núcleos urbanos se complementam e
exercem uma dada importância em relação a sua região. Neles não a sobreposição de uma
cidade sobre a outra, já que não ocorre a repetição na oferta de determinados bens e serviços.
Outro fator que certa vantagem à cidade-gêmea é a continuidade física ou a ligação
geográfica próxima e facilitada, que pode reforçar a sua vocação para a articulação. Desse
modo, analisando a situação da América do Sul no que se refere à integração, em especial no
MERCOSUL, os maiores avanços de solidariedade nos campos políticos, sociais, espaciais,
culturais e econômicos ocorrem nas cidades-gêmeas. Disso pode-se concluir que “O
argumento de Christaller é bastante atual [...](RIBEIRO, 2002, p. 20). Essa sinergia que as
cidades-gêmeas apresentam torna uma localidade central com uma determinada centralidade
qualitativa e quantitativa, nas redes urbanas regionais e nacionais de seus países, assim como
na escala internacional.
As interações espaciais na região de fronteira brasileira-platina, grosso modo, ocorrem
por motivos estruturais e conjunturais, notadamente. Os fluxos de pessoas, bens, serviços e
informações visíveis (formais e funcionais) e invisíveis (ilícitas) constituem a lógica estrutural.
A ordem conjuntural é decorrente das flutuações monetárias e da oscilação das mercadorias
produzidas na região, segundo Ribeiro (2002, p. 20):
[...] em termos dos fluxos econômicos, as interações espaciais na zona de fronteira
brasileira-platina derivam de duas ordens privilegiadas, ambas operantes em
múltiplas escalas. Em primeiro lugar intervém uma lógica estrutural na qual o grau
de complementaridade entre as unidades geográficas com aptidões e produções
diferentes, anima os diversos fluxos de pessoas, bens, serviços e informações, tanto
67
visíveis (legais) como invisíveis (contrabando). De outro lado incide uma ordem
conjuntural, representada por flutuações monetárias (câmbio), que engendram
movimentos turísticos excepcionalmente grandes, e pela variação dos preços de
produtos, principalmente agrícolas, que engendram uma oscilação na direção do
movimento de cargas.
Como os fatores são complexos e bastante abertos, próprio da fronteira, os fluxos são
instáveis.
1.5 O mérito das cidades-gêmeas nos espaços fronteiriços
As sociedades de fronteira possuem uma especificidade inegável. Os seus agentes
sociais formam um cenário de interações dentro do território das redes. As cidades, núcleos
mais densos e representativos da região fronteiriça, formam uma rede, cujo estudo torna
necessário utilizar metodologias que em conta da complexidade e dinamismo que as
constituem. Por isso, a região fronteiriça se define em especial por seu núcleo central. Daí a
estratégia de quase toda a totalidade dos pesquisadores da fronteira concentrar seus esforços
nas cidades-gêmeas, onde melhor são esboçadas as interações das sociedades
transfronteiriças.
Cidades-gêmeas são pares de centros urbanos, frente a frente, em um limite
internacional, conurbados ou não, que apresentam diferentes níveis de interação: fronteira
seca ou fluvial, diferentes atividades econômicas no entorno, variável grau de atração para
migrantes e distintos processos históricos (DORFMAN e ROSES 2005).
Por que as cidades-gêmeas foram contempladas pelo poder público, para promover o
desenvolvimento regional? Para Costa e Gadelha (2005) essas conurbações são as mais
sensíveis a questões políticas, econômicas e diplomáticas dos países envolvidos, chamadas
diferenças horizontais.
68
A escolha das cidades-gêmeas como instrumento analítico e político da integração sul-
americana faz-se pelo fato de essas conurbações, ou proximidades geográficas, estarem
situadas adiante desse processo, conotando a fronteira à possibilidade do fortalecimento do
MERCOSUL. Afinal, as redes urbanas, em suas diversas escalas (local, regional, nacional e
transnacional) têm, nas cidades, a sua articulação.
As cidades-gêmeas também retratam, por meio da territorialidade, os fluxos e
interações transfronteiriças e, de acordo com (MACHADO, 2005, p. 108), “[...] são lugares
onde as simetrias e assimetrias entre sistemas territoriais nacionais são mais visíveis e que
podem se tornar um dos alicerces da cooperação com os outros países da América do Sul e
consolidação da cidadania.”. Podem ser consideradas, também, como espaços que apresentam
vantagens ou privilégios, ao longo das fronteiras, para as comunicações e conexões.
diversos exemplos de complementações e interações nas fronteiras, por meio das
cidades-gêmeas, destacando o caráter da centralidade nessas regiões, articuladas pela rede
urbana.
Um dos casos mais estudado são as conexões entre as cidades fronteiriças norte-
americanas e mexicanas, nem sempre postas contíguas ao limite internacional. De maneira
geral, esses complementos ocorrem com e nas maquiladoras. A fragmentação da planta
industrial e, em consequência, a divisão espacial das fases e dos meios de produção reforçam
a configuração espacial das cidades-gêmeas. A nova Divisão Internacional do Trabalho é
verificada em detalhes nesse espaço. De um lado, as atividades intensivas e de tecnologia de
ponta estabelecem-se nos Estados Unidos. Assim, a maior parte dos lucros e investimentos
ficam em território norte-americano, o que permite que a maior parte dos capitais se
reproduzam nesse país. Na região fronteiriça mexicana localizam-se as cidades-maquiladoras.
As etapas produtivas, que necessitam de alta aplicação de mão-de-obra, ocorrem desse lado
do limite, o que atrai fortes fluxos migratórios para essas cidades e, mesmo para os Estados
69
Unidos, demonstrando a articulação que a fronteira exerce no território mexicano (RIBEIRO,
2002).
De modo bastante interessante e bem característico do cunho internacional ou
globalizante da economia, as mercadorias produzidas na fronteira México-Estados Unidos são
concebidas e ditadas de fora, isto é, os centros de decisão e gestão encontram-se, na maioria
dos casos, longe da região fronteiriça, assim como esses produtos são destinados, em sua
maior parte, ao mercado internacional.
1.6 O poder de articulação dos centros urbanos fronteiriços
Retomando a questão das localidades centrais, o que mais nos interessa, na sua teoria,
é saber quais as alterações que ocorrem, em decorrência das interações nas áreas de fronteira.
Logicamente, as proposições de Christaller não são aplicáveis a todos os espaços
como observado no excerto a seguir:
[...] nem todos os lugares podem ser incluídos no modelo e na lógica da rede de
localidades centrais. Dentre tais exceções encontram-se, entre outros, lugares
vinculados a fenômenos pontuais absolutos da superfície terrestre (point-bounded
places), aos quais denomina lugares dispersos. Centros localizados nas proximidades
dos limites internacionais (comumente abrigando um posto aduaneiro), portos,
centros predominantemente industriais ou de mineração, estão incluídos na categoria
de lugares dispersos, visto apresentarem fatores locacionais não relacionais e,
portanto, não contemplados pelo modelo (Ribeiro, 2002, p. 16).
A fronteira, desse modo, é um típico caso de localidade dispersa, o que muito nos
interessa em vista do nosso objetivo de estudo. Pela teoria das localidades centrais, na
fronteira, em virtude de postos de fiscalização e controle, as interações sofrem um
esvaziamento por força dos limites entre Estados-nação. Dessa restrição, a situação perfeita de
competitividade não ocorre, descaracterizando o surgimento de um círculo nos moldes
citados. Surgem dois semicírculos unidos (ou separados) por um diâmetro, a fronteira.
70
Entretanto, a discussão teórica realizada neste trabalho sobre a natureza da fronteira
nos dias atuais permite-nos repensar aquela teoria em áreas de limite internacional.
Primeiramente, reconhecemos que a concepção de fronteira não se restringe ao front, limite.
A permeabilidade das fronteiras é uma exigência das relações entre os países que cada vez
mais atuam em redes. Essa recente organização espacial, pelas quais os fluxos ocorrem,
permite uma nova interpretação para as ideias de Christaller, no que se refere às interações
transfronteiras. Observamos que repensar a teoria não tira a validade das ideias desse autor,
mesmo considerando as décadas decorridas desde a publicação de seu trabalho. Christaller, de
certo modo, já previa as relações transfronteiras, conforme veremos mais adiante.
A União Européia tem sentido essas transformações provocadas pela relativa
supressão das funções fiscais e de controle sobre os padrões de circulação. Em decorrência
disso, os organismos supranacionais têm adotado recortes alternativos ao das unidades
administrativas das diversas nacionalidades. Uma dessas medidas é a adoção da Área de
Mercado de Trabalho Local (AMTL), que visa facilitar os fluxos de pessoas que vivem e
trabalham na fronteira (RIBEIRO, 2002). Nessa região, existe a predominância de um centro
com alto grau de atração. Assim, os tempos atuais exigem uma reformulação metodológica
nos estudos das regiões fronteiriças dos países daquele bloco econômico.
Ribeiro (2002) avança ainda mais na questão, ao abordar as interações na fronteira,
que ocorrem por meio de cidades-gêmeas, conurbadas
19
ou não. Relembremos a ideia de que
as duplas de cidades são segmentos privilegiados ao longo da fronteira. O motivo defendido
por Christaller para a ocorrência desses espaços privilegiados é a centralidade que os dois
núcleos urbanos exercem, por serem concebidos como um só, pela sua complementaridade,
proximidade ou junção geográfica. Este padrão de localização pode ser explicado:
[...] estes lugares compartilham a função de centralidade em relação a uma região
comum. Ainda que funcionalmente adequada à interposição do limite, esta
19
O termo conurbação significa que as áreas urbanas de dois ou mais municípios encontram-se contíguas ou
unidas.
71
configuração resultaria na diminuição da importância agregada dos dois centros
(dada à redundância na oferta de determinados bens e serviços). A supressão da
descontinuidade significaria um acréscimo da centralidade (logo, uma ampliação da
área de influência) do lugar central depois da unificação. (RIBEIRO, 2002, p. 19).
As interações espaciais na fronteira brasileira-platina se relacionam a uma lógica
estrutural e a uma ordem conjuntural. A lógica estrutural está alicerçada na complementação
entre as cidades-gêmeas. As aptidões e produtos diferentes incrementam os fluxos visíveis e
invisíveis. As flutuações monetárias e a variação dos preços dos produtos representam a
ordem conjuntural.
Por fim, verificamos, nas proposições de Christaller, que as localidades centrais são
dotadas de atividades de distribuição de bens e serviços. E a importância dessas funções
centrais permite que uma localidade exerça uma certa influência em relação a outras
localidades.
72
2 A CONSTRUÇÃO DE FLUXOS E NÓS NA INTEGRAÇÃO
FRONTEIRIÇA
Historicamente, o espaço físico e social fronteiriço do Brasil com o Paraguai é fruto de
um conflito armado
20
de grande significação para a formação do ideário nacional ou do
nacionalismo para ambos os países. Portanto, foco de tensão.
Porém, as atividades econômicas e sociais desenvolvidas durante a ocupação da
fronteira no pós-guerra atribuíram-lhe um viés de solidariedade, o que não impediu uma visão
da fronteira tida como limite pelo governo central brasileiro, em particular, por causa de sua
política de segurança nacional. Assim, essas duas concepções de fronteira ora se
contrapuseram, ora se sobrepuseram.
Portanto, para entender por que as principais atividades econômicas desses dois
municípios fronteiriços baseiam-se, hoje, na agricultura e no comércio de produtos
importados, são necessárias, além da leitura teórica realizada, uma contextualização histórica
do espaço fronteiriço em estudo. Por questões metodológicas, abordaremos, respectivamente,
a inserção de Pedro Juan Caballero e a de Ponta Porã na economia mundial por meio do
resgate histórico de suas principais atividades econômicas e sociais, de sua evolução
populacional, da estruturação histórica da rede urbana transfronteiriça e do comércio legal (e
ilegal).
2.1 Pedro Juan Caballero – de un punto de paraje a una ciudad internacional
A cidade de Pedro Juan Caballero
21
surgiu às margens da antiga lagoa que deu nome a
sua cidade-gêmea brasileira, Ponta Porã. O lugar servia como parada de descanso para as
20
Guerra do Paraguai ou da Tríplice Aliança como mais comumente é conhecido. Porém, devido a outras visões
e concepções sobre esse episódio militar, tem sido chamado também de Grande Guerra ou Guerra com o
Paraguai.
21
Foi batizada em homenagem a um dos líderes da independência paraguaia.
73
tropas de carretas que iam e vinham de Villa Real Concepción, em virtude do transporte da
erva-mate. Assim, a expressão de Sánchez (2008) retrata muito bem o surgimento da primeira
cidade, ao afirmar que Todo comenzó a orillas de la laguna Punta Porá […]”. O que era
uma parada recebeu casas, depois um pequeno comércio
22
, mais adiante a primeira igreja e,
enfim, a sua fundação oficial em 1901
23
.
Assim, as caravanas que carregavam a erva-mate da Companhia Mate Laranjeira
vindas do Brasil descansavam nas adjacências da laguna Punta Porá. Nesses locais de parada
para repouso surgiu um núcleo populacional que, com o passar dos anos, converteu-se nas
cidades de Pedro Juan Caballero, capital do departamento
24
de Amambay, e de Ponta Porã, no
lado brasileiro.
O surgimento desse centro urbano e a colonização pioneira dessa área fronteiriça
foram condicionados, inicialmente, pela instalação e pelo desenvolvimento da atividade
ervateira no lado brasileiro
25
. Assim, Pedro Juan Caballero e Ponta Porã articulam uma
estrutura urbana antiga, com crescimento embaraçado e acanhado.
Em 1945, numa atitude estratégica do Estado paraguaio para ocupar seu território e dar
identidade ao mesmo, o departamento de Amambay surge do de Concepción e passa a ter
Pedro Juan Caballero como capital.
Na verdade, a principal cidade daquele departamento paraguaio cresce mais como
extensão da rede urbana brasileira do que como uma cidade ligada à capital paraguaia e a
outros centros de poder daquele país. Os laços pedrojuaninos se fazem mais presentes, até os
dias atuais, às cidades brasileiras, mesmo que haja forte fluxo de produtos importados vindos
de Ciudad del Este. Souchaud (2007, p. 288) destaca bem esse fenômeno da dependência das
cidades fronteiriças paraguaias ao território brasileiro ao afirmar que:
22
A primeira loja comercial data de 1894 e pertenceu a José Tapia Ortiz
23
Pedro Juan Caballero foi criada pelo Decreto Lei em 30 de agosto de 1901.
24
Unidade federativa que se assemelha ao estado, no Brasil.
25
A região, antes do conflito Brasil com o Paraguai, era habitada por tribos de indígenas, como os Nhandevas e
os Caiuás, descendentes do povo Guarani.
74
Finalmente, a comienzos de este siglo
26
, en la frontera oriental se posicionan aldeas
administrativas que organizan una bil actividad transfronteriza basada,
principalmente, en la exportación de la yerba mate. [...] El fenômeno destacable es
que la red formada por los brasilenõs se inscribe al marge de los focos de
poblamiento paraguayos tradicionales (Pedro Juan Caballero, Salto del Guairá)
(grifo nosso).
A ocupação de Pedro Juan Caballero processou-se espontaneamente ao longo da linha
internacional em virtude da concentração do comércio e dos serviços. Desse modo, o centro
comercial da cidade formou-se paralelamente ao limite entre o Brasil e o Paraguai, avançando
algumas poucas quadras em direção a este país.
Assim, as deficiências da rede urbana paraguaia sempre permitiram a existência de um
sistema urbano dominado pelos circuitos econômicos existentes no lado brasileiro.
2.2 Ponta Porã – a Princesinha dos ervais
Ponta Porã, no lado brasileiro, também surgiu em função da atividade extrativa dos
ervais nativos nas duas últimas décadas do século XIX. Tem suas origens na instalação, em
1880, de um pequeno destacamento militar para controle e segurança das carretas que
transportavam a erva-mate. Esse contingente militar atraiu moradores da Colônia Militar do
Dourados, que construíram ranchos e formaram o povoado que deu origem ao atual município
de Ponta Porã
27
:
Ponta Porã, antes de ser nome de cidade, era nome de um paradeiro, junto a uma
lagoa, onde o viandante índio ou soldado da colônia do Dourados, fazia descanso.
Como o lugar ao redor era muito bonito, enfeitado pela lagoa de límpidas águas,
própria para beber, ficou conhecido por esse nome, que quer dizer Lugar Bonito”
(grifo do autor). Embora por ali não existisse vivente algum, perdurava o nome
(GUIMARÃES, 1992, p.41).
No prisma da História Regional, o desenvolvimento histórico da região fronteiriça sul
do, então, estado uno do Mato Grosso esteve estritamente condicionado ao movimento global
26
Refere-se ao século XX.
27
O município de Ponta Porã foi criado em 18 de julho de 1912, data de sua emancipação de Bela Vista
.
75
do desenvolvimento do sistema capitalista na América do Sul, em especial no Brasil e nos
países da Bacia Platina. As relações da fronteira em estudo articularam-se por causa das
necessidades dos mercados inter-regionais e da própria região platina.
A construção das bases materiais e culturais do território fronteiriço do Sul de Mato
Grosso ocorreu na denominada “fase heróica da História mato-grossense
28
”. Esse período
deixou como herança uma identidade marcante e singular nesse território, em razão da sua
especificidade e à sua complexidade como espaço fronteiriço, além da sua articulação com a
grande região platina, fazendo-a distinguir-se das outras regiões brasileiras (CORRÊA,
1997a). Porém, esta parte do trabalho não se limita a esse período. Abordaremos as principais
atividades econômicas desenvolvidas (erva-mate, gado e agricultura), o contrabando, as vias
de transporte e comunicação assim como a evolução demográfica de Ponta Porã, acrescentada
pela Marcha para o Oeste.
2.2.1 A erva-mate
A inserção de Ponta Porã e de Pedro Juan Caballero nas economias de seus respectivos
países e na mundial ocorreu, primordialmente, em decorrência da indústria da erva-mate na
passagem do século XIX para o XX. Nesse processo, tiveram grande importância as
iniciativas do Comendador Thomaz Larangeira, das empresas Matte Laranjeira e,
posteriormente, Matte Laranjeira, Mendes e Cia na efetiva ocupação e povoamento
29
, não
apenas da conurbação, mas, também, de praticamente toda a fronteira sul do antigo estado de
Mato Grosso.
28
Denominação adotada por Virgílio Corrêa Filho (1957) que compreende o período do término da Guerra com
o Paraguai até as duas primeiras décadas do século XX.
29
O comendador Thomaz Larangeira acompanhou a Comissão Demarcadora de Limites entre Brasil e Paraguai
nos anos de 1872 e 1873. Nesse período, ele teve contato com os ervais nativos e viu nestes uma promissora
indústria extrativa aos modelos da que vigorava no Paraguai. Assim em 1878, iniciou a exploração monopolista
dessa planta. Anos depois, em 1891, seu empreendimento recebeu a parceria do Banco Rio e Matto Grosso, o
que originou a Companhia Matte Laranjeira, sediada em Porto Murtinho. Em 1902, essa empresa é adquirida
pela firma Laranjeira, Mendes e Cia, com sede em Buenos Aires.
76
Dessa maneira, a conurbação Ponta Porã–Pedro Juan Caballero surgiu em decorrência
da expansão de mercados e da penetração do comércio, facilitadas pelos avanços tecnológicos
da época e pelo grande desenvolvimento e ampliação da rede de transporte. A conquista e a
incorporação dessa região fronteiriça fizeram parte do processo de alargamento das fronteiras
internas do continente sul-americano e do Brasil, conforme mencionado por Corrêa (1997a, p.
182):
Os exemplos mais evidentes no Brasil desse movimento expansionista interno foram
a ocupação do Planalto Paulista com a cultura cafeeira, a ocupação de parte da
região amazônica com o Ciclo da Borracha (grifo da autora) e de parte do Centro-
Oeste, no Sul de Mato Grosso, com a pecuária extensiva e a exploração de vastos
ervais naturais limítrofes do Paraguai (grifo nosso). Esse novo movimento de
penetração e conquista territorial deve ser considerado do ponto de vista do
redimensionamento da exploração de terras, de recursos naturais e de
potencialidades econômicas em regiões que, até então, pouco significavam para o
mercado global [...]
A extração da erva-mate, a partir dos últimos anos do século XIX, tornou-se principal
fonte de renda para o, então, estado de Mato Grosso. Desse modo, explicar as atuais cidades
de Ponta Porã e de Pedro Juan Caballero passa, necessariamente, pelo cultivo, pela exploração
e pela circulação dessa mercadoria. Ponta Porã, desde cedo, destacou-se na produção da erva-
mate, conforme apresentado por Ayala e Simon (1914, p. 414): “Ponta Porã é o município que
produz a maior parte do matte que se exporta do Estado: os hervaes estendem-se por muitas
centenas de léguas e constituem uma grande fonte de riqueza [...]”. Assim, vemos que a
localidade não se restringiu apenas à sua inicial formação que era de ser um “nó na rede da
erva-mate”.
Certamente, a erva-mate foi o fator preponderante para o povoamento da região
fronteiriça em estudo. Mas, como isso ocorreu somente após quase quatrocentos anos de
ocupação do nosso continente por espanhóis e portugueses? Os ervais nativos foram
mantidos intactos pelos indígenas não somente porque estes impediram que aventureiros
povoassem a área, mas, em especial, pela ausência, até então, de uma mercadoria que
“valesse” a aventura colonizadores pelos campos e cerrados tão distantes dos mercados.
77
O sucesso da extração da erva-mate pela Empresa Matte Laranjeira deu-se, sobretudo,
por causa do monopólio exercido por essa firma, por meio do arrendamento de terras do
Estado, e da exploração da mão-de-obra paraguaia, em especial. Corrêa Filho (1957) aponta
esse tamanho poder econômico e político da Matte Laranjeira como decorrente do fato de sua
receita ser muito superior, nos anos 1920, à do próprio estado de Mato Grosso. A disparidade
era tamanha que a receita da arrendatária chegou a ser seis vezes superior à dessa unidade
federativa.
No plano político, a Matte Laranjeira, por várias vezes, financiou políticos e ditou
ordens ao legislativo e ao governo estadual (CORRÊA FILHO, 1957). Entretanto, apesar de
todo esse poderio com o monopólio comercial e com o arrendamento exclusivo, a extração
deixou de ser centralizada e passou a ser realizada, também, por proprietários de pequenos
ervais. Eles introduziram outros cultivos e cuidaram melhor dos ervais nativos. Essa pequena
mudança na estrutura fundiária da fronteira permitiu que a economia regional, nos anos 1920,
não sofresse um colapso em virtude do surgimento da concorrência dos ervais argentinos e
paraguaios da região das antigas missões:
A cultura missioneira da erva, logrando extração por baixo preço, praticamente
vedou a entrada, no mercado platino, do produto mato-grossense, que, na quase
totalidade, para lá se encaminhava.
A repercussão na economia regional seria catastrófica, se ainda vigorasse o antigo
arrendamento, pleiteado em 1912, por longo prazo, facilmente se prolongaria, caso
vencesse na ocasião. Mas, reduzida progressivamente em seu âmbito, a empresa
resistiu melhor à conjuntura, assim como os pequenos industriais, que se reuniram
em Cooperativa, para eficiente defesa, facilitada pela pluralidade das suas bases
econômicas, de que a erva-mate será apenas uma das várias componentes, sem a
passada supremacia (CORRÊA FILHO, 1957).
As bases econômicas da fronteira se diversificaram e mantiveram o povoamento da
região. As estradas carreteiras transformaram-se em rodovias e interligaram as cidades
fronteiriças. Também as antigas paradas dos viajantes tornaram-se núcleos urbanos. Assim, a
ocupação inicial foi consolidada, os centros urbanos formados e a rede urbana fronteiriça pré-
instalada.
78
2.2.2 A agropecuária
Seguidamente à erva-mate, a pecuária foi desenvolvida na fronteira sul de Mato
Grosso, nas últimas décadas do século XIX. Em razão da abundância de terras nessa região,
diversas fazendas de gado foram implantadas. Ayala e Simon (1914) retratam que, passadas
duas a três décadas da formação dessas fazendas, o município de Ponta Porã, que
correspondia a uma considerável extensão do território fronteiriço do Sul de Mato Grosso,
possuía mais de cem grandes fazendas.
Porém, o destino de suas criações era bastante restrito ao consumo interno de carne
(verde, salgada ou seca) e à exportação de gado em para invernadas no Leste brasileiro,
sobretudo para o interior paulistano.
No início do século XX, as atividades econômicas de destaque em Ponta Porã
abrangiam, também, a agricultura. Havia plantações em grande escala para a época: milho,
arroz, feijão e cana-de-açúcar. Cultivos trazidos da Argentina como o trigo, a cevada e a
aveia, de igual modo, estavam presentes nas terras fronteiriças; assim como os introduzidos
por colonos vindos do Sul do país como pêssegos, maçãs, pêras e outras frutas não nativas de
nosso continente (AYALA e SIMON, 1914).
Apesar de o relato desses autores, em Album Graphíco do Estado de Matto Grosso,
indicar uma relativa diversidade e produtividade agrícola no sul da fronteira da unidade
federativa, por volta daquela mesma época, a base econômica sempre foi a exportação da
erva-mate.
2.2.3 O Contrabando
A conurbação Ponta Porã–Pedro Juan Caballero, desde seu nascedouro, foi palco de
instabilidades como o contrabando. A condição de fronteira, conforme abordado no
79
referencial teórico sobre essa temática, foi a fundamental motivação para esse descaminho nas
atividades comerciais de abastecimento e de exportação de produtos.
O contrabando contrariou os interesses do Estado, na época, ao desestimular a
produção local dos produtos importados ilegalmente. Porém, ele não deixou de ser uma
estratégia de sobrevivência. A atividade ilegal não atingiu apenas a atividade comercial, mas
também outras áreas econômicas, como a agricultura, conforme destacado a seguir por Corrêa
(1997a, p. 191):
Nas atividades comerciais de abastecimento e de exportação da produção regional, o
contrabando vicejou a ponto de ferir frontalmente os interesses do Estado, matando
qualquer iniciativa lícita e regular de agricultura, ou de outras atividades produtivas
para atender os mercados interno e externo. Mas, em se tratando de garantir a
sobrevivência dos núcleos isolados na imensidão do território fronteiriço, o
contrabando assim como a sonegação de impostos tornaram-se práticas rotineiras e
muito interessantes como fonte de lucro para comerciantes e produtores que se
estabeleceram na região [...]
Vemos, desse modo, que essas práticas, tão usuais nos dias de hoje, têm raízes na
formação territorial da região fronteiriça e está relacionada à sua própria condição de
fronteira. Daí o mérito das cidades-gêmeas em estudo serem um ponto privilegiado para essas
práticas e para muitas outras não formais.
Boa parte dos lucros (de comerciantes e de proprietários que se estabeleceram na
fronteira naquele período) vieram daquelas práticas não formais
30
, conforme inserido no
Relatório Provincial da então Thesouraria de Fazenda de Matto Grosso em Cuiabá, no ano de
1887:
Tive denúncia que pela fronteira do Paraguay com esta província, entre Bella Vista e
Ponta Porã, se tem introduzido contrabando de mercadorias estrangeiras importadas
do Paraguay, o que não somente é um crime que defrauda a Fazenda Nacional, como
prejudica consideravelmente o comércio lícito (CORRÊA, 1997a, p.193).
Se os principais produtos de exportação eram a erva-mate, como citado, seguido
pelo gado, os produtos industrializados eram importados diretamente do Rio de Janeiro e de
São Paulo pelas vias legais e, também, vindos pelo território paraguaio por vias da
30
No próximo capítulo, veremos que essas práticas, na verdade, tratam-se de atividades funcionais, podendo ser
visíveis ou invisíveis.
80
ilegalidade. Essas relações refletem o contexto histórico do período de surgimento e expansão
da cidade, que era, de acordo com Corrêa (1997a, p. 176), “[...] baseada na exploração cada
vez mais intensiva e vertical dos mercados produtores de matérias-primas e consumidores de
mercados industrializados [...]”.
2.2.4 Vias de transporte e de comunicações
As estradas carreteiras foram importantes vias que, inicialmente, serviam para escoar a
erva-mate para fora da fronteira e retornavam com produtos de primeira necessidade (vinho,
arroz, sal, bebidas e outros artigos de importação), ocorrendo, notadamente, de maneira ilegal
pelo território paraguaio.
Com a consolidação das bases materiais da fronteira, surgem necessidades econômica,
política e estratégica de unir a região aos centros de poder do estado e do país por meio de
vias e meios de transporte mais modernos. A ferrovia prestou-se a isso. Primeiramente, os
trilhos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil chegariam bem próximos à fronteira com
Bolívia, em 1918. Mas, vislumbrava-se unir a fronteira com o Paraguai a essa estrada de ferro,
por meio de um ramal de Campo Grande a Ponta Porã. Esse trecho levou décadas para ser
concluído; teve início em fins da década de 1930 e terminou em 1953 (QUEIROZ, 1999).
Não como negar que o fator estratégico foi preponderante na decisão da construção
da Noroeste do Brasil, tanto sua linha principal, como o ramal até Ponta Porã. A rivalidade
geopolítica com a Argentina e o isolamento das fronteiras foram preocupações constantes de
diversos governantes locais, estaduais e até mesmo da União. Acerca de Ponta Porã, o, então,
presidente do estado de Mato Grosso, Costa Marques (apud QUEIROZ, 1999, p.123), relata,
em 1913, que:
As comunicações entre os habitantes de uma e de outra povoação são francas e
freqüentes, é como se todos pertencessem ao mesmo país e residissem no mesmo
território. Do lado paraguaio é que estão as principais casas de negócio, sendo a
81
maior parte delas pertencente a brasileiros, alguns dos quais têm ali o seu comércio e
no Brasil a sua residência particular [...] A erva [mate] contrabandeada segue em
carretas para a vila Concepción do Paraguai, que dista de Ponta Porã umas 70 léguas
[...] Essa erva é quase toda negociada por mercadorias procedentes da República
vizinha, as quais também entram para o Brasil pelos mesmos processos.
Identificamos, dessa forma, nos fluxos de mercadorias na rede urbana transfronteiriça,
as origens do comércio ilegal (contrabando) presente na atualidade.
Mas, mesmo antes da construção do ramal ferroviário para Ponta Porã já havia
atenções para uma relativa melhoria das comunicações dessa e de outras cidades da fronteira
com a Noroeste do Brasil, por meio das estradas de rodagem. Nesse sentido, destacaram-se as
obras militares inseridas, a partir dos anos 1920, no programa de construção de estradas de
rodagem
31
, no extremo sudoeste do estado (Porto Murtinho, Bela Vista e Ponta Porã). A
conclusão da obra de ligação da atual capital sul-mato-grossense a esta última cidade ocorreu
entre os fins de 1927 ao início de 1928 (Queiroz, 1999).
Aliada à expansão da rede rodoviária, seguiram as linhas telegráficas. Em 1922, Ponta
Porã se une a Campo Grande nesse sistema de comunicação. Portanto, é a afirmação de que as
estradas de rodagem e as linhas telegráficas surgem de necessidades militar e política, mas
assumem intenções econômicas e sociais, apesar de no trecho Campo Grande-Ponta Porã não
serem coincidentes.
Após a chegada do tronco central da Noroeste do Brasil e antes da construção do seu
ramal para Ponta Porã (1918-53), a ligação dessa cidade a Campo Grande podia ser realizada
por dois caminhos terrestres distintos: pelos altos da serra de Maracaju ou por Dourados e Rio
Brilhante:
[...] o traçado seguido pela linha telegráfica era bastante diverso daquele da estrada
de rodagem em construção, também entre Campo Grande e Ponta Porã. De fato,
saindo dessa última cidade, essa estrada desenvolvia-se no rumo direto de Campo
Grande, pelo alto da cuesta (a chamada “serra de Maracaju”), por se tratar de
terrenos que facilitavam a obra; a linha do telégrafo, por seu turno, ao sair de Ponta
Porã dirigia-se primeiramente para a direção nordeste e depois tomava
francamente o rumo norte, em busca de Campo Grande; dessa forma, a linha passava
em localidades que ficavam à margem da rodovia e relativamente distantes dela,
31
Este programa ficou a cargo das Comissões de Estradas e Rodagem Militares que atuaram do início da década
de 1920 a fins de 1950 no estado de Mato Grosso.
82
como Dourados e Entre Rios (atualmente chamada Maracaju) [...] (QUEIROZ,
1999, p. 145).
A existência de mais de uma ligação de Ponta Porã a Campo Grande demonstra a
atração da estrada de ferro e da capital sul-mato-grossense, como também deixa clara a
importância de Ponta Porã na zona fronteiriça. De acordo, ainda, com o mesmo autor, já havia
um serviço regular de ônibus entre aquelas duas cidades desde os anos 1920 (Figura 5).
Figura 5 Mapa de fluxos de pessoas e de mercadorias antes e após a construção do ramal ferroviário de
Campo Grande para Ponta Porã.
Nesse período, acrescenta-se, contudo, que o sentido dos fluxos comerciais de e para
Ponta Porã sofreu brusca mudança. Antes da construção da ferrovia, os produtos
atravessavam a fronteira seca diretamente por Ponta Porã–Pedro Juan Caballero. Depois da
chegada da ferrovia, passavam necessariamente por Campo Grande. Aumentou a distância
percorrida, mas diminuíram os gastos com transporte:
[...] a ferrovia chega em Ponta Porã no começo da década de 1950. A Noroeste,
responsável pelo surgimento de vários povoados em Mato Grosso do Sul,
impulsionou o desenvolvimento econômico da cidade, trazendo pessoas e
mercadorias. Colocou Ponta Porã no contexto diário das autoridades brasileiras e
Campo Grande
Dourados
Pedro Juan
Caballero
BRASIL
Concepción
Ponta Porã
PARAGUAI
Legenda
antes da construção do
ramal para Ponta Porã
N
Escala: 1:3.000.000
Laboratório de Geoprocessamento
DGC/CPAQ
Organização: SILVA, R.M. (2009)
Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)
R
i
o
Pa
r
a
g
u
a
i
R
i
o
P
a
r
a
g
u
a
i
Yby Yaú
Chiriguelo
MG, RJ, SP
Principais rodovias
Ferrovia
Principais sentidos de fluxos
de pessoas e mercadorias
depois da construção do
ramal para Ponta Porã
83
dos grandes centros políticos e econômicos do país. Antes, o abastecimento da
população local era proveniente do Paraguai. As mercadorias chegavam no Porto de
Concepción e, de lá, via Chirigüelo, eram trazidas para a fronteira. Com a Noroeste,
inverteu-se a direção. Ponta Porã e a fronteira passaram a ter contato mais fácil com
São Paulo e o Rio de Janeiro, sede do poder político nacional [...] (QUEIROZ, 1999,
p. 455).
O aparelhamento militar do Sul de Mato Grosso completou as intenções político-
militares na fronteira. Houve a construção de quartéis e a melhoria de outros, iniciadas pelo,
na época, ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, como o atual 11º Regimento de Cavalaria
Mecanizada, com sede em Ponta Porã, instalado nesse período.
Retornando às condições das vias de transporte e de comunicações empreendidas no
Sul de Mato Grosso, nas primeiras décadas do século XX, a rota entre Ponta Porã e Campo
Grande era “[...] perfeitamente trafegável a automóvel [...]” (QUEIROZ, 1999, p. 452).
Assim, a adoção do automóvel foi, paulatinamente, transformando as antigas carreteiras, de
traçado incerto e variável, em rodovias.
2.2.5 Evolução demográfica
A convergência de pessoas para a fronteira sul-mato-grossense com o Paraguai
constituiu-se de um reflexo remoto da expansão das relações capitalistas na América do Sul e
das fronteiras interiores, a partir das últimas décadas do século XIX.
A evolução demográfica de Ponta Porã, perante à cultura e à exportação da erva-mate,
aponta para a existência de grandes populações para o estado e para a época, no início do
século XX. Com poucos anos de emancipação, o município contava com mais de 25.000
habitantes
32
, na década de 1920; na cidade, ainda vila, moravam 3.000 pessoas (Tabela 1)
32
O então município de Ponta Porã do início do século XX abrangia um enorme território desde a Serra de
Maracaju aos rios Santa Maria, Brilhante, Ivinhema e Paraná. Área que atualmente corresponde aos Municípios
de Dourados e de Antônio João a Mundo Novo (AYALA E SIMON, 1914).
84
É de suma importância, também, destacarmos o contexto histórico regional de
desbravamento do Sul de Mato Grosso, atual estado de Mato Grosso do Sul, e de sua zona
fronteiriça. Vários vetores concorreram para a construção territorial, segundo os
apontamentos de Corrêa (1997a, p. 187):
O conjunto articulado desses fatores migração interna e externa, mudanças nas
relações de trabalho, regime de grande propriedade rural – explicaram em suas
linhas gerais, o processo de ocupação do Sul de Mato Grosso à semelhança de outras
regiões continentais: a implantação de fazendas criatórias nos Pantanais e nos
campos de Vacaria: o desenvolvimento da atividade extrativa ervateira, e os
problemas decorrentes do poderoso monopólio da Companhia Matte Laranjeira; a
formação de latifúndios e a eclosão de violentos conflitos pela posse da terra entre
grandes proprietários, novos posseiros e remanescentes das antigas nações
indígenas; o afluxo de ondas pioneiras de ocupação de gaúchos, paulistas, mineiros,
goianos; a imigração em massa de paraguaios que fugiam da falta de trabalho e da
grande instabilidade reinante no Paraguai pós-guerra da Tríplice Aliança; e o
deslocamento de estrangeiros de diversas nacionalidades, atraídos pelas
oportunidades do intercâmbio fluvial de mercadorias de Mato Grosso pela Bacia
Platina.
Tabela 1 População dos municípios fronteiriços do Sul de Mato Grosso na década de 1920.
Município População na década de 1920
Aquidauana 9.826
Bela Vista 9.735
Campo Grande 21.360
Corumbá 19.574
Miranda 6.819
Nioaque 7.907
Ponta Porã 25.518
Porto Murtinho 3.586
Total do Estado 248.680
Fonte: Corrêa, 1997a, p.289.
A disponibilidade de terras, divulgada pelos remanescentes da Guerra com o Paraguai
e a necessidade de mão-de-obra fizeram da fronteira do Sul de Mato Grosso uma das frentes
85
pioneiras
33
no Brasil de fins do século XIX. Desse modo, brasileiros de diversas regiões
(paulistas, mineiros, goianos, nordestinos e gaúchos) deslocaram-se para a região fronteiriça
sul-mato-grossense, o que fez o município de Ponta Porã ter um significativo crescimento
populacional para a época, conforme indicado na Tabela 2.
Tabela 2 Evolução populacional de Ponta Porã, no período 1920 - 1954.
Município/Período
1920
Fins da
década
de 1920
1936 1940 1950 1954
Amambai
- - - - - 16.083
Ponta Porã
25.518 19.112 25.490 33.412 20.627 19.997
Fonte: Corrêa, 1997a p.289 e Corrêa Filho, 1952, p. 53 e 54.
Para esse aumento demográfico, merece destaque o deslocamento de gaúchos para os
ervais nativos e aos campos naturais, bastante similar aos pastos e à economia ervateira do Sul
brasileiro
34
. Ponta Porã foi um dos destinos para os gaúchos, conforme destacado por Corrêa
(1997a, p. 261):
[...] O ano de 1894 registrava a chegada de inúmeras famílias do Rio Grande do Sul
a Ponta Porã, solicitando permissão para residirem em terrenos desocupados. No ano
de 1903, as autoridades de Ponta Pojá mencionavam de forma explícita as suas
preocupações com a chegada de gaúchos na zona dos ervais, em razão dos conflitos,
cada vez mais freqüentes, com a Companhia Matte Laranjeira.
A redução dos contingentes populacionais é explicada pelo motivo de, durante a
década de 1920, cessada a safra, muitos imigrantes retornavam à sua terra natal ou avançavam
para o interior do estado rumo a outros municípios e destaca-se que das terras de Ponta Porã e
33
Denominação consagrada por Pierre Mombeig para os movimentos migratórios internos no Brasil na
passagem do século XIX para o XX.
34
O deslocamento de gaúchos para a fronteira do Sul de Mato Grosso além da similaridade das atividades
econômicas (gado e erva-mate) teve grande contribuição o cenário de conflitos pela posse da terra e pelo
controle regional que houve no estado do Rio Grande do Sul no século XIX. Um dos principais conflitos foi a
Revolução Federalista que “[...] cavara trágico fosso entre os combatentes das lutas renhidas. Inúmeros os que
não se conformaram com a derrota, e preferiram exilar-se a submeter-se ao mando inclemente dos triunfadores.
E Mato Grosso, de preferência, afigurou-se-lhes a terra da Promissão.” (CORRÊA FILHO, 1952, p. 50)
86
Bela Vista surgiram os municípios de Maracaju (1929), Entre Rios, atual Rio Brilhante (1929)
e Dourados (1935) e, de 1940 a 1954, o município de Amambaí pertencia a Ponta Porã.
A prosperidade da indústria ervateira e a boa acolhida das primeiras comitivas de
retirantes rio-grandenses atraíram outros conterrâneos que, pouco a pouco, penetravam para o
interior de Mato Grosso passando pelo Paraguai. O percurso realizado pelos gaúchos desde
sua origem era bastante singular. A forte atração dessas terras sobre esse povo fazia-os
procurar o caminho mais “curto” atravessarem a fronteira com a Argentina em direção a
oeste e, em seguida, irem na direção norte, pelo território paraguaio, para retornarem ao Brasil
pela fronteira seca (Figura 6).
Figura 6: Mapa de migrações para o Sul do antigo Estado de Mato Grosso.
Fonte: Adaptado de FIGUEIREDO A. de (1972, p. 210), com desenho de CARVALHO, E. M. (2009).
S.Borja
S.Luiz Gonzaga
Foz do Iguu
P. Prudente
P. Epitácio
Três Lagoas
Campo Grande
Bela Vista
Ponta Po
Amambaí
Concepción
Asunción
Corrientes
Posadas
Pedro Juan
Caballero
20º
22º
24º
26º
28º
30º
32º
58º 56º 54º 52º 50º 48º
MIGRAÇÕES
Gaúchas
Paranaenses e Paulistas
MATO GROSSO DO SUL
SÃO PAULO
PARANÁ
SANTA CATARINA
RIO GRANDE DO SUL
PARAGUAI
N
Escala: 1: 12.800.000
Dourados
ARGENTINA
R
i
o
P
a
r
a
g
u
a
i
Principal "porta" de
entrada
87
A produção ervateira atraiu um grande número de braços, sobretudo dos paraguaios,
conforme se pode constatar neste trecho de Corrêa (1997a, p.259):
Ao findar a guerra com o Paraguai, Mato Grosso recebeu um significativo mero
de estrangeiros e de brasileiros de outras regiões, que demandavam a sua fronteira
sul. Os paraguaios, que representaram a maior fatia dessa frente demográfica, e por
isso permaneceram em maior evidência no desenvolvimento histórico da região,
entraram pela via fluvial do Baixo-Paraguai e pela fronteira seca, através de
inúmeras passagens que permitiram trânsito livre de gente, de bois e de mercadorias
entre os dois países, como nas regiões de Bela Vista e Ponta Porã (grifo nosso).
Vieram fugidos da desolação do pós-guerra em seu país de origem, da fome, da
insegurança e falta de garantias de vida agravadas pelas freqüentes crises políticas e
revoluções, que se sucederam de forma contínua num Paraguai destroçado,
endividado e sem perspectiva de desenvolvimento a curto ou médio prazo.
A própria atividade extrativa da erva-mate necessitava de trabalhadores e viu, nos
paraguaios, a mão-de-obra adequada, uma vez que estavam, conforme aponta Corrêa Filho
(1957, p. 50), “[...] acostumados à penosa extração [...]”. Os números representativos dessa
população de estrangeiros, sobretudo, paraguaios podem ser verificados na Tabela 3.
Tabela 3 Quantitativo populacional do município de Ponta Porã no ano de 1950
Origem Quantitativo %
População total
20.627 100
Estrangeiros em geral
2.352 11,40
Paraguaios
2.022 9,8
Fonte: Adaptado de Corrêa Filho, 1957, p. 54.
Desse modo, nos ervais da fronteira sul-mato-grossense predominavam os imigrantes
paraguaios como mineiros
35
e, em menor proporção, no trato do gado bovino. Em suma, a
mão-de-obra paraguaia foi importantíssima para o desenvolvimento econômico da fronteira,
assim como o seu povoamento. A vida, entretanto, para eles, era rude e as condições de
trabalho, mal remunerado ou compulsório, eram brutais e desumanas, chegando mesmo a
35
Termo proveniente do Paraguai e que designa o trabalhador dos ervais.
88
situações de semi-escravidão do mineiro e do vaqueiro paraguaio, em território brasileiro,
para reduzir os custos de produção, conforme destacado a seguir:
Na área do mate, quase todo o trabalho de coleta e preparo da erva é feito por
paraguaios.
Sujeita-se o ervateiro ou mineiro aos processos de trabalho mais primitivos e brutais.
O transporte do fardo do mate, o “raio”, pesando algumas vezes mais de 150 quilos,
é feito hoje pelo ervateiro às costas; tal peso produz um intumescimento no pescoço
do mineiro, muito semelhante ao produzido pelo bócio.
O salário do empregado, muito baixo, é à base das arrobas transportadas. Daí, o
interesse do mineiro em transportar o máximo possível (CORRÊA FILHO, 1957, p.
54).
O próprio sucesso da empresa Matte Laranjeira foi atribuída à concorrência desleal,
desta com suas rivais paraguaias e argentinas, feita às custas da exploração da mão-de-obra.
2.2.6 A Marcha para o Oeste
A Marcha para o Oeste
36
, com relação a Mato Grosso e à fronteira, em especial,
repercutiu na criação, no ano de 1939, da Colônia Militar de Dourados
37
e da Comissão
Especial de Revisão de Concessão de Terras na Faixa de Fronteira. Em 1943, foram
36
Política territorial do Estado Novo de centralização do poder a fim de manter a integridade nacional e conter
os regionalismos, por meio de uma expansão para o Oeste. Mas, de fato, a “Marcha” resultou na ocupação e
nacionalização das fronteiras do Oeste, deixando uma lacuna territorial entre essas fronteiras e as franjas
povoadas do Leste (QUEIROZ, 1999).
Sobre a Marcha para o Oeste, Sprandel (1994, p. 19) acrescenta que “[...] Nacionalmente, começava a delinear-
se um grande projeto, chamado de ‘Marcha para o Oeste’. Nele, teve papel preponderante uma série de
intelectuais que, de uma forma ou outra, encontravam-se ligados às revistas
Estudos Brasileiros,
editada pelo
Instituto de Estudos Brasileiros, que começou a circular em julho de 1938, e
Novas Diretrizes,
do mesmo ano. Tais
revistas configuraram-se como tribuna para propostas de intelectuais como M. Paulo Filho, Moacyr Silva,
Nelson Werneck Sodré, Antônio Gavião Gonzaga, João Pinheiro Filho, Luís Amaral e Arthur Neiva. [...] Em
conferência realizada no Instituto de Estudos Brasileiros, em 10 de agosto de 1938, M. Paulo Filho alertava para
a ‘nacionalização e colonização de fronteiras’, referindo-se ao Brasil como ‘país das fronteiras abandonadas’,
notadamente no Sul do Mato Grosso, onde denunciava não haver uma população nacional.
37
Foi criada em 16 de junho de 1939, juntamente com outras, na área de fronteira, pelo Decreto-Lei - 1.351,
visando:
a) nacionalizar as fronteiras do país, particularmente aquelas não assinaladas por obstáculos naturais;
b) criar núcleos de população nacional em trechos de fronteira situados defronte das zonas ou
localidades prósperas do país vizinho, bem como nos daquelas onde haja vias ou facilidades de
comunicação, rios navegáveis, estrada ou campos que dêem acesso ao território brasileiro;
c) promover o desenvolvimento da população nacional nas zonas ou localidades das fronteiras onde
haja exploração de minas, indústria pastoril ou agrícola em mãos estrangeiras do país limítrofe
(SPRANDEL, 1994).
89
implantados os Territórios Federais de Ponta Porã e de Iguaçu
38
, respectivamente, no Sul de
Mato Grosso e no oeste do Paraná. Desse modo, as áreas de atuação da Matte Laranjeira
deixavam de estar sob a alçada desses governos estaduais e passavam para a esfera federal.
Sobre o sucesso ou não da Marcha para o Oeste, são pertinentes as seguintes palavras
de Sprandel (1994, p. 20):
[...] o quero entrar aqui em considerações sobre a eficiência ou não da "Marcha
para o Oeste". Lembro apenas que, no caso da fronteira do Estado do Mato Grosso
do Sul com o Paraguai, onde foram criadas Colônias Agrícolas, a previsão de
Oliveira e Waibel estava correta. Do fracasso da experiência, surgiram imensos
latifúndios e muitos dos ex-colonos buscaram novas oportunidades em território
paraguaio, numa inversão total dos objetivos iniciais previstos.
Essa ação centralizadora e nacionalizadora
39
buscou manter a área de fronteira livre
dos regionalismos e das políticas locais que, na visão do Estado Novo, causava o
“despovoamento da fronteira” em favor da concessão dessas terras às companhias
estrangeiras, o que comprometia a segurança nacional. Para tanto, uma das providências para
povoar a região fronteiriça foi a criação, em 1943, da Colônia Agrícola Nacional de
Dourados, a ser instalada no Território de Ponta Porá e que se efetivou, de fato, somente em
1948 (QUEIROZ, 1999).
38
Juntamente com estes dois foram criados os
territórios federais
do
Amapá,
do
Rio Branco e
do
Guaporé,
pelo
Decreto-Lei nº
5.812.
39
Além das ações mencionadas, constou na Marcha para o Oeste: “O Decreto-Lei
6.430,
de
17
de abril de
1944,
dispõe sobre as transações imobiliárias e o estabelecimento de indústria e comércio de estrangeiros na faixa
de fronteira. Segundo ele, na faixa de
150
quilômetros ao longo da fronteira do
território
nacional, as transações
de terras particulares só serão permitidas a estrangeiros desde que não ultrapassem
dois
mil hectares e que a área
total de terras a eles pertencentes ou por eles utilizadas em cada município, não exceda o terço da área deste.
Tratando-se de arrendamento, o limite passa a ser de
8.000
hectares” (SPRANDEL, 1994).
90
3 O ESPAÇO FRONTEIRIÇO DE PONTA PORÃ E PEDRO JUAN CABALLERO
Neste capítulo, argumentamos sobre a importância da conurbação Ponta Porã–Pedro
Juan Caballero para a conexão no e do espaço fronteiriço e o fazemos por meio dos elementos
colhidos na investigação realizada – embasados na coleta e na análise das informações obtidas
em dados primários e secundários, assim como nos trabalhos de campo realizados. Para tanto,
seguimos os parâmetros metodológicos apresentados na introdução deste trabalho. A
comprovação teórico-prática deu-se por meio de uma investigação empírica dos fluxos
existentes entre aquelas cidades e o seu entorno, tendo-se como objetivo, também, quantificar
e qualificar o grau de articulação da conurbação Ponta Porã – Pedro Juan Caballero.
Para operacionalizar as análises comprobatórias da rede urbana, selecionamos algumas
variáveis: sistema urbano e fluxos de pessoas e de mercadorias.
3.1 Um espaço capturado
Pela análise realizada, somos levados a considerar que a estrutura urbana paraguaia
sofre um grave desequilíbrio. Assunção é a única cidade grande em território paraguaio. Nela
concentram-se aproximadamente 30% da população do país. Essa macrocefalia urbana
40
leva
a capital paraguaia a se destacar na escala sul-americana, ao lado de São Paulo, Rio de
Janeiro, Buenos Aires e Bogotá. Porém, Assunção desequilibra a estrutura urbana paraguaia
ao concentrar cerca de 60% da população urbana. Assim, o Paraguai demonstra-se uma nação
urbana em sua capital, mas rural em seu território (SOUCHAUD, 2007).
A irregular distribuição populacional paraguaia deixa Pedro Juan Caballero e as
demais cidades de pequeno e médio portes num segundo plano. Dessa forma, essa cidade
40
Existência de uma única cidade que concentra um considerável percentual da população de um país.
91
insere-se num espaço inacabado no qual as impressões de decadência e de crescimento se
confundem.
Até meados do século XX, o crescimento demográfico de Pedro Juan Caballero foi
muito lento. Depois desse período, apesar de não constituir uma rede urbana verdadeiramente
paraguaia, a cidade cresceu demograficamente. Entretanto, essa evolução está praticamente
desconectada das demais cidades de nosso país vizinho. Pedro Juan Caballero está,
consideravelmente, mais articulada à rede urbana brasileira. Esse fato rechaça nossas ideias
iniciais de que a conurbação tratava-se de um ponto de contato e intersecção entre as redes
urbanas de ambos os países. Do lado paraguaio, a ligação maior da cidade é com Concepción,
que também sofre forte influência populacional e demográfica dos brasileiros, conforme
destacado a seguir por Souchaud (2007, p. 290):
Las deficiências de la red urbana paraguaya van a favorecer la instauración de um
sistema urbano dominado por los brasileños, el que, si bien discreto y poço
poblado, juega um papel estructurante esencial y conoce um desarrollo importante,
sobre todo después del comienzo de la década del 90.
As cidades fronteiriças paraguaias se estruturam em virtude do exterior. Possuem uma
relação imediata com esse exterior, articulada pelas fronteiras e pelos rios Paraná e Paraguai,
principais eixos de comunicação internacional. Essa tendência territorial faz surgir cidades-
gêmeas paraguaias com as de países vizinhos.
As principais cidades paraguaias são, por ordem de importância, respectivamente:
Assunção, Ciudad del Este, Encarnación, Pedro Juan Caballero e Salto de Guairá.
Observamos que Pedro Juan Caballero é a quarta cidade mais importante do Paraguai e, da
mesma forma que as outras cidades citadas, situa-se na fronteira e constitui cidade-gêmea
(Figura 7).
Outro fato interessante é que, na composição populacional das conurbações ou
cidades-gêmeas destacadas, a cidade vizinha possui população proporcional à do lado
92
paraguaio. Essas cidades se desenvolveram por serem nós primordiais numa rede
41
e servirem
como elos para fluxos de pessoas e mercadorias. Assim, o que prevalece nessas cidades
constatado nas idas a campo é a supremacia do setor terciário. Esse dinamismo
transfronteiriço é base da economia local e, apesar de espontâneo, não deixa de ser
dependente de estruturas estrangeiras (VÁZQUEZ, 2006).
Figura 7 – Esquema das principais cidades-gêmeas paraguaias e estrangeiras em linha de fronteira.
Fonte: VÁZQUEZ (2006, p. 37).
Concordando com as ideias apresentadas sobre as estruturas urbana e territorial
paraguaias, Souchaud (2007) afirma que a localização periférica das principais cidades
paraguaias não explica seus baixos desenvolvimentos. A motivação principal tem raízes na
natureza das atividades urbanas e rurais:
Los paraguayos no son constructores de ciudades sino de una única ciudad, la
capital, Asunción: dato que debe ser asociado al de una ruptura en la distribuición
jerárquica y espacial del sistema urbano [...] El escaso desarrollo y el desequilibrio
de la estructura urbana provenienen, en realidad, de el escaso grado de ocupación
de los campos interiores y fronterizos. En un comienzo la ciudad se estructura a
partir de la actividad rural de la que capta la renta [...] Luego, pasado cierto nivel
41
Referimo-nos aqui à gênese do conceito de rede, desenvolvido no primeiro capítulo.
93
de acumulación, la ciudad se impone sobre el campo y dirige la organización [...]
Hemos visto que los paraguayos son, en su mayoria e históricamente, pequeños
productores campesinos, actividad poco estructurante de la red urbana en razón de
los escasos excedentes que genera y de un casi nulo grado de apertura en el
mercado local o regional [...] (SOUCHOUD, 2007, p. 292).
Nesse caso, como a estrutura socioeconômica paraguaia não é propícia à formação de
um sistema urbano desenvolvido e pouco estruturante de rede urbana, as atividades brasileiras
(mais bem organizadas, mas nem por isso menos injustas) “invadem” o território vizinho e
capturam a frágil rede urbana paraguaia.
Complementarmente, o mesmo autor nos remete ao debate que realizamos na parte
teórica deste trabalho, em que apresentamos alguns investigadores da rede urbana paraguaia
que veem os espaços fronteiriços capturados pela influência brasileira como um enclave,
dando exemplos concretos, como o observado a seguir:
[...] las ciudades fronterizas tienem un impacto muy reducido sobre la estruturación
de los campos fronterizos. Ciudad del Este, Pedro Juan Caballero y Salto del
Guairá continúan siendo enclaves terciarios muy especializados, puntales de las
redes comerciales internacionales [...] En suma, la penetración brasileña es doble,
polariza el exterior de los centros urbanos preexistentes (Pedro Juan Caballero,
Ciudad del Este) e interviene dentro del territorio reorganizado el dispositivo
urbano paraguayo.
(SOUCHOUD, 2007, p. 296).
Espaço econômico enclavado ou inserido na dinâmica contemporânea de redes, Pedro
Juan Caballero não compete com Ponta Porã e vice-versa. Como cidades-gêmeas, uma não se
submete à outra e passam a se desenvolver e a crescer populacionalmente de modo
combinado, conforme veremos a seguir.
3.2 Os fluxos dos homens
O estudo sobre redes urbanas serviu, por muito tempo, para caracterizar e classificar as
cidades, sobretudo quanto ao surgimento e ao crescimento delas (urbanização), por
94
conseguinte, ao tamanho das cidades. Destarte, os núcleos urbanos aumentam seus efetivos
pelo crescimento vegetativo
42
e pelo crescimento demográfico
43
.
Igualmente, sabemos que as fronteiras não são estanques; mercadorias, informações e,
notadamente, pessoas cruzam esse limite, tornando-as permeáveis e vivas.
3.2.1 Crescimento populacional combinado
Oriundas de um ponto de parada para descanso dos carregadores de erva-mate, no
século XIX, a cidade de Pedro Juan Caballero e a de Ponta Porã cresceram ao longo da linha
internacional e concentraram atividades comerciais e de serviços em ambos os lados da
fronteira. Assim, ocorreu a inserção inicial da conurbação nas economias dos dois países e
tornou-se porta de entrada de migrantes paraguaios e gaúchos, sobretudo para o Oeste
brasileiro. Muitos por ficavam, em face das atividades extrativas e das comerciais,
conforme vimos no segundo capítulo.
Verificamos, pelos dados registrados na Tabela 4, que Ponta Porã conta, atualmente,
com mais de setenta e dois mil habitantes; caracteriza-se, portanto, como uma cidade de
pequeno porte. Comparadamente ao período do primeiro registro (1940), observamos que a
sua população mais que dobrou. A população urbana somente ultrapassou a rural na década de
1980, ao passo que esse processo no Brasil ocorreu nas décadas de 1950 e 60, mas não
fugindo à evolução ocorrida na região centro-oeste.
Acreditamos que a redução da população verificada no censo de 1950 tenha ocorrido
por causa da emancipação do atual município de Amambai, no ano de 1948, originado de
porções territoriais e populacionais de Ponta Porã. Outros desmembramentos de Ponta Porã
42
Diferença entre natalidade e mortalidade numa dada localidade em um determinado período de tempo.
43
Trata-se do crescimento vegetativo acrescido dos imigrantes e diminuído dos emigrantes.
95
também ocorreram e deram origem aos atuais municípios de Antônio João (em 1964)
44
; Aral
Moreira (em 1976) e Laguna Carapã (em 1992).
Tabela 4 Evolução populacional urbano-rural em Ponta Porã (1940-2007)
Situação
de
domicílio
1940
1950
1960
1970
1980
1991
1996
2000
2007
Rural 26.212
14.108
18.155
19.451
10.587
8.501 5.490 6.533
15.523
Urbana 6.784 5.889 12.107
14.347
27.483
47.040
53.015
54.383
56.684
Total
32.996
19.997
30.262
33.798
38.070
55.541
58.505
60.916
72.207
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censos demográficos de 1940, 1950, 1960, 1970,
1980 e 1991; Contagem populacional de 1996; Censo demográfico de 2000 e Contagem populacional de 2007.
Organização: SILVA, R. M.
Ainda na mesma tabela, podemos observar o grande incremento da população rural
ocorrido no período 2000-2007, fato que pode ser explicado pela implantação dos
assentamentos rurais: Corona, Boa Vista, Dorcelina Folador, Itamarati I, Itamarati II e Nova
Era.
Pedro Juan Caballero cresceu, notadamente, em virtude dos processos migratórios que
estão ligados, como na maior parte dos lugares, ao mercado de trabalho. Assim, muitos
camponeses venderam suas pequenas propriedades e se instalaram na periferia da cidade. A
principal ocupação para os novos moradores é o comércio informal que, por sua vez, estimula
novas migrações, conforme destacado a seguir, por Benitez (2008, p. 5): “[...] el mercado
laboral está muy relacionado a los movimientos poblacionales, es así que los migrantes
pasan a formar parte de la fuerza del trabajo de las áreas receptoras [...]”.
Para verificarmos os recentes processos migratórios não-brasileiros dessa cidade
fronteiriça, busquemos os meados da década de 1970, quando os asiáticos em particular
chineses e coreanos – ingressaram no Paraguai para, de início, serem agricultores. Mas, com o
44
Município oriundo de Ponta Porã e Bela Vista
96
passar do tempo, venderam suas terras e se dirigiram às cidades para tornarem-se prósperos
comerciantes. Esse processo ocorreu primeiramente em Ciudad del Este, seguindo-se por
Pedro Juan Caballero e por mais algumas cidades limítrofes ao Brasil, nas décadas seguintes.
Os fluxos migratórios brasileiros para o Paraguai tiveram início na década de 1960;
porém; o grande impulso ocorreu a partir da década posterior com a formalização dos
Tratados de Itaipu (1973) e de Amizade e Cooperação (1975), introduzindo investimentos
nacionais nesse país. A economia paraguaia recebeu capitais brasileiros na agricultura
comercial (especialmente a soja) e na pecuária, concentrados nas regiões fronteiriças com o
Brasil.
Anteriormente ao fluxo de imigrantes de origem asiática, o departamento de
Amambay tornou-se zona de expansão agrícola, nos anos 1960 e 1970, constituindo-se na
primeira região produtora de café no Paraguai, dando condições para que o país fosse o
terceiro produtor da América. Para a cultura cafeeira implantada nesse departamento, visto
que os camponeses paraguaios ainda não tinham conhecimento desse cultivo, levas de
brasileiros deslocaram-se. Baianos, paranaenses e gaúchos, em especial, foram à procura de
oportunidades nos cafezais. Entretanto, estes desapareceram ou cederam lugar à atividade
madeireira, que, por sua vez, diminuiu bastante até os dias de hoje. Como resultado desse
processo migratório, muitos brasileiros permaneceram em solo paraguaio, tanto no campo,
com a cultura da soja, nos anos 1980 e 90, ou indo para as cidades engrossar o comércio
informal (BENITEZ, 2008).
Os “primeiros” migrantes brasileiros recebidos pelo Paraguai eram pequenos
proprietários arrendatários e posseiros expulsos pelo processo de modernização do campo no
Brasil. Mesmo que não se localizem especificamente na fronteira do estado de Mato Grosso
do Sul com o Paraguai, os departamentos de Alto Paraná e Caaguazu (atual Canindeyú) foram
os primeiros a receber os migrantes brasileiros. Em sua grande maioria eram migrantes
97
pobres, provenientes do Norte e do Nordeste e, em sua maior parte, pequenos e médios
agricultores provenientes dos estados do Sul do Brasil, formando um verdadeiro processo de
colonização em terras paraguaias.
Esse fluxo migratório aumentou agressivamente, requisitando, sobretudo, migrantes de
nosso estado e do Paraná, por meio de um processo de colonização privada de grandes
proprietários brasileiros, conforme se pode confirmar neste excerto:
[...] os grandes proprietários brasileiros, donos de terras no Paraguai passaram a
contratar famílias de pequenos produtores rurais, principalmente dos estados do
Paraná e de Mato Grosso do Sul, que foram levados como arrendatários ao Paraguai
[...] ali estas famílias desmataram e prepararam a terra para o plantio de pastos ou
para o mercado agrícola. (RIQUELME, 2005, p. 63).
De modo geral, a migração brasileira caracteriza-se por seu volume, densidade e
concentração geográfica na região fronteiriça; alguns distritos chegam a constituir 70% da
população em dedicação à atividade agrícola e poderio econômico.
Riquelme (2005) aborda a temática da soberania paraguaia sob o ponto de vista da
presença de brasileiros em terras desse país. Ele afirma que, desde a década de 1970, um
grandioso ingresso de agricultores e capitais brasileiros que formam os chamados enclaves da
soja, com benefícios particularizados e prejuízos socializados, conforme visto a seguir:
[...] O modelo agro-exportador baseado no cultivo e no comércio da soja, sem
dúvidas, gerou divisas para o Paraguai e enriqueceu um grupo seleto de brasileiros e
seus sócios paraguaios. Mas ao mesmo tempo, desarticulou a economia familiar
rural, desencadeou migrações internas e saturou os mercados de trabalho urbano,
aumentou os índices de pobreza e baixou os níveis de qualidade de vida em grandes
setores da população paraguaia. Da mesma maneira, acelerou o processo de
devastação dos recursos naturais provocando danos à ecologia e ao meio ambiente
(RIQUELME, 2005, p. 50).
As consequências desse modelo agro-exportador, da modernização da agricultura e da
expansão da fronteira agrícola brasileira, em território paraguaio, foram semelhantes aos
ocorridos em nossas terras. Essas principais transformações se deram por desarticulação da
produção agrícola familiar voltada ao consumo interno, fluxos migratórios em massa para a
fronteira agrícola, reestruturação agrícola, formação de novos latifúndios, aceleração da
monocultura comercial da soja, desemprego rural, intensificação da migração interna rural-
98
urbana e degradação ambiental. A causa maior dessas modificações, segundo Riquelme
(2005), foi a política de “portas abertas” ao capital e à mão-de-obra brasileira.
Uma das consequências danosas de processos migratórios brasileiros e não-brasileiros
foi o crescimento urbano desordenado e a falta de regulação e ordenamento territorial, como
bem caracterizado no texto a seguir:
Caminábamos por la línea. Era un lugar donde había espacio, verde y alguna poca
basura, de los negocios para turista del micro centro de Pedro Juan Caballero.
Algunas veces había un olor a caballo y un carrito que vendía yagua hacu y ybira
soó.
En la entrada de la ciudad estaban los aserraderos, y por la ruta los rolleros de
ybiraro mi.
Con el pasar del tiempo no podíamos caminar s pues a cada día un nuevo lugar
se construía y el camino se trancaba. Hasta que dejamos de pasar por ahí […]
(BENITEZ, 2008, p. 01).
Conhecedores de que a culpa pela desorganização urbana não pode ser atribuída ao
crescimento populacional, vemos que, de fato, houve um grande incremento demográfico em
Pedro Juan Caballero nos pouco mais de cinqüenta anos (Tabela 5). A sua população está oito
vezes maior. Os dois primeiros decênios observados, anos 1950 e 1960, foram os que
alcançaram maior crescimento. Atualmente, a taxa de crescimento está em torno de 1,3%.
Tabela 5 – População urbana e rural em Pedro Juan Caballero (1950-2002)
Situação de
domicílio
1950
1962
1972
1982
1992
2002
Rural 7546 15570 27597 13568 23704 23597
Urbana 3968 10355 21105 37240 53566 64592
Total
11514 25925 48702 50808 77270 88189
Fonte: DGEEC.
Organização: SILVA, R. M.
Verificamos que, se em relação às atividades econômicas, as cidades-gêmeas não se
sobrepõem uma a outra, o mesmo também se aplica aos contingentes populacionais, conforme
podemos constatar na Tabela 6 e visualizar na Figura 8.
99
Tabela 6 Evolução populacional em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã de 1950 aos dias atuais
Cidade
Anos 1950
Anos 1960
Anos 1970
Anos 1980
Anos 1990
Início
século XXI
Ponta Porã
19.997 30.262 33.798 38.070 55.541 72.207
Pedro Juan
Caballero
11.514 25.925 48.702 50.808 77.270 88.189
Total
31.511 56.187 82.500 88.878 132.811 160.396
Fonte: IBGE e Dirección General de Estadística y Censos (DGECC).
Se analisarmos em conjunto, Pedro Juan Caballero (com 88.189 pessoas) e Ponta Porã
(com 72.207 moradores) têm uma população, atualmente, superior a 160.000 habitantes. Com
esse contingente populacional e pela peculiaridade de serem cidades-gêmeas fronteiriças,
deveriam ser mais bem consideradas por políticas públicas de ambos os países.
Figura 8 – Gráfico de crescimento populacional das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero
Fonte: IBGE e DGECC.
0
20 .0 0 0
40 .0 0 0
60 .0 0 0
80 .0 0 0
100 .00 0
120 .00 0
140 .00 0
160 .00 0
180 .00 0
anos 1950 anos 1960 ano s 1970 ano s 1980 ano s 199 0 séc. XXI
Pont a Porã Ped ro Juan Caballero ambas as cid ad es
100
3.2.2 A faceta da recém função universitária
A fim de aferir, em nossa investigação, as articulações transfronteiriças exercidas pela
conurbação, escolhemos os fluxos de pessoas que se deslocam para ali, com o objetivo de
complementar seus estudos em nível de graduação e de pós-graduação. Mais uma vez a
condição de fronteira é primordial para que muitos brasileiros de cidades vizinhas, de diversos
estados e de lugares muito distantes dirijam-se para Pedro Juan Caballero e para Ponta Porã,
em busca de qualificação ou de aperfeiçoamento profissional.
Vimos que ocorre uma complementaridade bastante interessante: na cidade paraguaia
estão instaladas nove instituições de Ensino Superior (sendo a Universidade Nacional de
Asunción, UNA, pública e as outras particulares), destinadas, sobretudo, à oferta dos cursos
cujo investimento financeiro é mais elevado no Brasil (medicina, enfermagem e os de pós-
graduação); no lado brasileiro quatro universidades: uma pública e três privadas, que não
concorrem com as paraguaias.
Conforme foi comentado na parte em que abordamos os pressupostos teóricos, a
compreensão do meio geográfico fronteiriço requer um grande esforço para sistematizar os
diversos vetores e suas resultantes que atuam nesse espaço, em especial, o movimento da
população representado pelos universitários e pós-universitários. Uma das resultantes
encontra-se na complementaridade existente na fronteira, pois esta possui especificidades e
particularidades próprias.
Portanto, essas instituições de ensino superior apontam para uma das novas facetas da
reinserção da conurbação neste novo milênio, conforme nos informara Vázquez (2006, p.
78), sobre Pedro Juan Caballero:
[...] la reconversión de la ciudad se orienta actualmente a los servicios educativos
terciarios originados en la instalación de diversas universidades privadas así como
101
en la demanda joven, tanto paraguaya como brasileña, que percibe el futuro con una
mirada “profesional” [...]
A opção educacional é uma alternativa para a instabilidade da atividade comercial,
extremamente vulnerável às oscilações cambiais, em particular em momentos de crises
econômicas, conforme a “teoria” nos indica e conseguimos constatar em nossa pesquisa
empírica.
Constatamos que em Pedro Juan Caballero a procura pelos cursos se faz por
brasileiros e por paraguaios residentes na conurbação ou não. Nossa investigação pautou-se,
notadamente, na descoberta de instituições, de cursos, de quantitativos, de nacionalidades e de
motivações centrais para a realização de estudos, tudo relativo aos alunos matriculados em
instituições de ensino superior, sediadas nessa cidade.
Destacamos que o ambiente fronteiriço está repleto de integrações funcionais (visíveis
ou invisíveis) e de integrações formais
45
. Os estudantes brasileiros que cruzam a fronteira para
complementar seus estudos estão circunscritos na chamada complementaridade funcional
visível fruto de uma permissividade bastante característica do ambiente fronteiriço e do
aparente conflito “formal-funcional”. A complementaridade cotidiana fronteiriça faz surgir
formas espaciais, como as universidades, e fluxos de pessoas para aí adquirirem seus produtos
e serviços.
Assim, conforme observado por nós no levantamento referente ao Ensino Superior
fronteiriço, e confirmado por Oliveira (2008, p.8): “[...] a população geral cruza a fronteira
para adquirir uma diversidade de mercadorias e serviços (saúde, educação etc), transacionar
moedas sem considerar os trâmites formais e, na maioria dos casos, tolerada aqui chamada
de complementaridade visível. [...]”
Para demonstrarmos um dos vieses da complementaridade funcional visível,
primeiramente fizemos um levantamento das nove instituições da cidade paraguaia (Figura 9),
45
Mais adiante abordaremos as concepções desses termos.
102
Figura 9 –– Mosaico das universidades paraguaias em Pedro Juan Caballero. Na sequência, da esquerda para a
direita: Universidad Católica, UPAP, Universidad del Pacífico, UTCD, UNINORTE, Universidad Columbia,
UTIC, UNA e Universidad Tres Fronteras.
103
todas denominadas universidades. Observamos que os critérios paraguaios para que uma
instituição de ensino superior seja denominada Universidade são um pouco diversos dos
adotados no Brasil. Assim, deparamo-nos com algumas instituições com estrutura física muito
precária e mínima: poucas salas e sem bibliotecas, entre outras. Do mesmo modo,
aparentemente, verificamos o funcionamento de um número reduzido de cursos nessas
instituições.
São muitos os cursos de graduação; concentram-se nas áreas médicas, humanas e
engenharias. Portanto, bastante amplo. Porém, chamou-nos a atenção o quantitativo de alunos
nas faculdades médicas (Medicina, Enfermagem, Odontologia e outras afins) (Tabela 7).
Como é do senso comum, sabemos que o principal fator para a grande procura desses cursos é
o custo da mensalidade que, em muitos casos, pode chegar a um quarto do valor praticado em
território brasileiro. Daí ser comum constatar a presença de muitos brasileiros em salas de
aulas paraguaias. Para exemplificarmos, em uma das instituições pesquisadas, Universidad del
Pacífico, do total de duzentos e cinqüenta alunos matriculados em Medicina, cento e
cinqüenta, em torno de 60%, são brasileiros não residentes em Ponta Porã. É comum vermos,
em períodos próximos às matrículas, propagandas em revistas, jornais, outdoors e televisão e,
ainda, por meio de panfletagens, em Campo Grande (Figura 10).
Em outra instituição, a Universidad del Norte (UNINORTE), dos mil e duzentos
estudantes quase um terço (350) é de brasileiros.
A procura por esses cursos em Pedro Juan Caballero é tão grande que, segundo
informações das secretarias dessas e de outras universidades pesquisadas, brasileiros
oriundos de mais de mil quilômetros de distância, dos estados de São Paulo, Minas Gerais
entre outros. Destacamos, também, que não nos foi possível estimar o quantitativo de
estudantes paraguaios oriundos de outros municípios e demais regiões do Paraguai. Mas,
104
sabemos que esse número é bastante significativo, ante a economia de aglomeração das
universidades estabelecidas na fronteira.
Tabela 7 Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior paraguaia, em Pedro Juan Caballero,
segundo as carreiras cursadas e a nacionalidade brasileira.
Alunos Instituições
de Ensino
Superior
Cursos
Brasileiros
Matriculados
Universidad
Columbia
- Direito, Administração e Computação 45 850
UNINORTE - área médica (Medicina, Nutrição,
Enfermagem, Obstetrícia, Odontologia,
Fisioterapia)
- outras (Direito, Administração, Ciências
Contábeis e Computação)
350 1200
Universidad
del Pacífico
- área médica (Medicina, Nutrição,
Enfermagem, Obstetrícia, Odontologia,
Fisioterapia)
150 250
UTIC - área de Humanas
- pós-graduação (mestrado em Educação)
5 180
Universidad
Católica
- Enfermagem
- área de Humanas
33 571
- pós-graduação (Doutorado em Educação) 30 UTCD
- pós-graduação (Mestrado em Educação,
Ciências Ambientais, Psicologia Clínica,
Administração, Psicopedagogia)
300
350
- Direito 3 UNA
- Agronomia 30
1200
- Direito e Engenharia Civil 1 UPAP
- pós-graduação (Mestrado em Direito
Público Internacional)
27
87
UTF - pós-graduação (Mestrado em diversas
áreas)
50
TOTAL 974 4738
Fontes: Universidad Columbia, Universidad del Norte (UNINORTE), Universidad del Pacífico, Universidad
Tecnológica Intercontinental (UTIC), Universidad Católica, Universidad Técnica de Comercialização de
Desenvolvimento (UTCD), Universidad Nacional de Asunción (UNA), Universidad Politécnica y Artística de
Paraguay (UPAP) e Universidad Tres Fronteras (UTF), em 2008.
Organização: SILVA, R. M.
Nota: O quantitativo de alunos brasileiros refere-se aos desta nacionalidade não residentes em Ponta Porã.
105
Em relação aos cursos de pós-graduação a demanda também é igual aos da graduação.
Além da questão econômica, reparamos que outro importante fator contribui para que
brasileiros de estados diversos e longínquos desloquem-se, quinzenalmente ou mensalmente,
para terem dois ou três dias de aulas: é a facilidade de ingresso em um curso de mestrado ou
doutorado. Os cursos oferecidos, em sua maioria, são os de Humanas (sobretudo em
Educação, Ciências Ambientais, Psicologia e Administração), pois não requerem muitos
investimentos (laboratórios, materiais, instrumentos e acompanhamento detalhado na prática
investigatória) nem há rigor no processo seletivo para ingresso nesses cursos.
Figura 10 – Imagem de propaganda veiculada em jornal de grande circulação na cidade de Campo Grande-MS.
Fonte: Jornal Correio do Estado, em 14 Jan 2008.
106
Em nossas visitas às instituições paraguaias, tivemos conversas dirigidas com alguns
gestores educacionais e seus auxiliares. Percebemos que o público brasileiro é seu grande
objetivo. Na Universidad Técnica de Comercialização de Desenvolvimento (UTCD), por
exemplo, mais de 90% dos pós-graduandos são brasileiros; dos 350 alunos matriculados 330
residem em território brasileiro. Numa outra instituição, Universidad Politécnica y Artística
de Paraguay (UPAP), 100% dos mestrandos em Direito Público Internacional são brasileiros
residentes em: Campo Grande, Dourados, Amambaí e algumas cidades do interior paulista.
Mas nem sempre as informações são passadas facilmente. Quanto ao quadro de
carreiras de uma certa universidade paraguaia, fomos informados, durante a pesquisa social,
de que não há cursos regulares. Grupos são montados conforme as demandas, notadamente,
para os cursos de Pós-graduação. Ainda em relação a essa instituição, apesar de a direção ter
informado que não havia brasileiros nos cursos, deparamo-nos com diversos estudantes
conversando em português. Acreditamos que nos foram omitidas algumas informações em
razão de esta universidade ser a mais recente em Pedro Juan Caballero e, pelo que tudo indica,
não estaria, na época (2008), devidamente autorizada a funcionar nessa cidade.
Vemos, assim, que um verdadeiro circuito econômico surge em decorrência da função
universitária. Estrutura física para receber os estudantes (hotéis e restaurantes), divulgadores e
agenciadores de estudantes, assim como transporte alternativo para deslocamento das cidades
de origem à conurbação têm-se tornado cada vez mais comuns. Isso demonstra que as
articulações formais dependem das funcionais e vice-versa, pois, de acordo com Oliveira
(2008, p. 04) “[...] na fronteira, há uma mobilidade que obedece a uma lógica própria. [...]”.
Para exemplificarmos um caso de complementaridade funcional, descobrimos que,
regularmente, alguns anos, existe uma linha de ônibus de Campo Grande a Pedro Juan
Caballero. O transporte não ocorre somente com estudantes daquela cidade, mas, também, de
muitas outras de Mato Grosso do Sul e de outros estados, como São Paulo e Mato Grosso.
107
Acrescentamos que a rede está em processo de ampliação, uma vez que, um ano, passou a
realizar o transporte de alunos de Rondonópolis e Cuiabá, ambas desse último estado.
46
Verificamos que o transporte é realizado na seguinte periodicidade: quinzenalmente
saem, de Campo Grande, dois ônibus de turismo e no final de semana subseqüente sai um;
uma linha mensal de Cuiabá e outra, da mesma maneira, de Rondonópolis. Dessas três
cidades um total de aproximadamente 200 pessoas que vão estudar na cidade paraguaia.
Sabemos, também, que muitos estudantes utilizam outros transportes como vans e carona
solidária, porém, não foi possível quantificar (Figura 11).
Figura 11 Mapa de fluxos de universitários e pós-universitários brasileiros com destino a Pedro Juan
Caballero.
46
Essas informações foram obtidas com um agenciador de estudantes brasileiros, na cidade de Campo Grande.
Campo Grande
Dourados
Pedro Juan
Caballero
BRASIL
Concepción
Ponta Porã
PARAGUAI
de
out
r
a
s
c
i
da
d
e
s
p
a
r
a
g
u
a
i
a
s
d
e
S
ã
o
P
a
u
l
o
d
e
C
u
i
a
b
á
e
R
o
n
d
o
n
ó
p
o
l
i
s
Legenda
Fluxos de universitários
e pós-universitários
N
Escala: 1:3.000.000
Laboratório de Geoprocessamento
DGC/CPAQ
Organização: SILVA, R. M. (2009)
Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)
108
Confeccionamos o mapa dessa ilustração embasados nas dinâmicas territoriais
representadas na Figura 3
47
, apresentada na segunda parte deste trabalho. Naquela ilustração,
podemos verificar que as interações transfronteiriças ocorrem prioritariamente por intermédio
das cidades-gêmeas, daí a importância ímpar desses núcleos urbanos. O mérito dessas cidades
está em catalisarem, “numa só vez”, as articulações formais e funcionais (variáveis em
intensidade e sentido). A referida figura aponta que, ainda que de um lado da fronteira, um
dos núcleos urbanos desenvolve (e comanda) articulações com outras cidades de menor porte,
que fazem parte da sua área gravitacional. Essa sub-região, formada e sustentada em
decorrência das complementaridades existentes na fronteira, contribuipara o aumento das
articulações formais e funcionais presentes nas cidades-gêmeas.
Por isso, não é de surpreender que em Ponta Porã exista um considerável número de
instituições de Ensino Superior Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS),
Faculdades Integradas de Ponta Porã/UNIDERP/Anhanguera (FIP), Faculdades de Ciências
Administrativas de Ponta Porã e Faculdade de Tecnologia de Ponta Porã (FAP/FATEP) e
Faculdade de Ciências Contábeis de Ponta Porã (MAGSUL) – que, de maneira alguma,
chegam a competir com as instaladas no lado paraguaio (Figura 12).
Desse modo, em Ponta Porã, verificamos que os cursos são essencialmente em nível
de graduação. Em nível de pós-graduação, encontramos somente o curso de especialização em
Letras, pela UEMS
48
e alguns outros, também de especialização, na modalidade semi-
presencial, oferecidos pelas outras instituições de Ensino Superior brasileiras.
47
Ver essa figura na página 23 deste trabalho.
48
Cujos dados não incluímos em nossa pesquisa pelo fato de esse curso não funcionar naquele campus
definitivamente; a cada ano ele é desenvolvido numa unidade diferente daquela universidade.
109
Figura 12 –– Mosaico das universidades brasileiras em Ponta Porã. Na sequência, da esquerda para a direita:
FIP/Uniderp, Magsul, FAP/FATEP e UEMS.
110
Quanto aos cursos disponibilizados, predominam os da área de Humanas; quase não
há os de engenharia e não existem as chamadas carreiras médicas (Tabela 8).
Tabela 8 Quantitativo de alunos por instituição de ensino superior brasileira, em Ponta Porã, segundo a
carreira cursada e a cidade de origem.
Quantitativo de alunos
Cidade de origem
Instituições de
ensino
superior
Cursos
Matriculados
Ponta
Porã
Outros
municípios
Ciências Contábeis 134 134
Administração 195 ND ND
Ciências Econômicas 160 ND ND
UEMS
Normal Superior
100 60 40
Administração 162
Computação 49
Direito 332
FIP
Letras
63
606
256
350
FAP/FATEP Administração, Ciências
Contábeis, Letras, Geografia,
História e Engenharia Civil
408
377
31
MAGSUL Pedagogia, Educação Física,
Artes e Biologia
625 459 166
1286
587
TOTAL
2228
1873
Fontes: UEMS, FIP, FAP/FATEP e MAGSUL, 2008.
Organização: SILVA, R. M.
Notas: ND (Informação não disponível).
Ainda em relação aos cursos de Ponta Porã, observamos que todos funcionam no turno
da noite, excetuando-se dois da UEMS: Ciências Contábeis, que funciona pela manhã e o
Normal Superior, semi-presencial com encontros quinzenais, nos finais de semana. Todos os
cento e trinta e quatro alunos do curso de Ciências Contábeis da UEMS residem em Ponta
Porã. Apesar de não conseguirmos saber quantos moram na cidade por fazerem o curso, é de
111
amplo conhecimento que muitos estudantes são oriundos de outros municípios e residem em
pensões, em repúblicas e em casas de familiares dessa cidade.
Constatamos que a diferença entre o número de alunos matriculados e o da cidade de
origem ocorre por conta de não termos os dados dos cursos de Administração e de Ciências
Econômicas da UEMS, discriminados com “ND” (informação não disponível). Porém, esses
quantitativos, “matriculados” e “cidade de origem”, respectivamente, 2228 e 1873 alunos, não
são discrepantes entre si, levando-se em consideração a falta daquela informação.
Podemos notar que as informações constantes na tabela 9 demonstram, especialmente,
as cidades de domicílio-origem dos estudantes em nível superior.
Tabela 9 Quantitativo de alunos por local de domicílio segundo as instituições de ensino superior brasileiras
em Ponta Porã.
Quantitativo Local de domicílio
UEMS FAP/FAT
EP
MAGSUL
FIP
Antônio João ND - 36
Amambaí ND - 64
Aral Moreira ND - 17
Coronel Sapucaia ND - 22
Bela Vista ND - 27
Dourados 5 4 -
Fazenda Itamarati ND 12 -
Sem informação 35 5 -
350
40 31 166 350
Total
587
Fontes: UEMS, FIP, FAP/FATEP e MAGSUL, 2008.
Organização: SILVA, R. M.
Nota: ND (Informação não disponível)
Nessa tabela observamos que 587 alunos que fazem o percurso, diariamente, de
cidades como Antônio João, Amambaí, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Bela Vista e
112
Dourados e de localidades próximas Fazenda Itamarati e bairros distantes de Ponta Porá,
para as instituições de ensino superior desse município. Do mesmo modo que em Pedro Juan
Caballero, do lado brasileiro, podemos considerar a cidade fronteiriça brasileira como um
polo universitário.
Ressaltamos que a tabela 10 traz informações valiosíssimas e bem mais completas em
relação a esses parâmetros. Nesse levantamento, as informações referem-se ao quantitativo
por cidade de domicílio, obtidas diretamente com os condutores de transporte alternativo.
Acreditamos que essas informações sejam confiáveis e mais próximas da realidade que as
obtidas junto às instituições de ensino superior. Nessas entrevistas, encontramos o
quantitativo de 647 alunos que moram fora de Ponta Porã, portanto, bastante próximo dos 587
estudantes do registro anterior. Alertamos que, apesar de as fontes dessa tabela não serem de
órgãos “oficiais”, elas foram obtidas junto a profissionais que fazem diariamente o trajeto das
diversas cidades fronteiriças para Ponta Porã, em alguns casos, há muitos anos.
Tabela 10 – Quantitativo de alunos de instituição de ensino superior que cursam em Ponta Porã por
origem de domicílio.
Alunos Domicílios
em números %
Antônio João 140 24,64
Amambaí 196 30,29
Aral Moreira 46 7,11
Coronel Sapucaia 55 8,5
Bela Vista 140 21,64
Dourados 20 3,09
Fazenda Itamarati 50 7,73
Total
647 100
Fonte: pesquisa social realizada junto aos condutores de transporte alternativo, em 2008.
Organização: SILVA, R. M.
11
3
Assim, adotamos essas informações para qualificar e quantificar. Além disso,
acreditamos que seja uma das missões primordiais de um geógrafo, espacializar o fenômeno
estudado, em nosso caso, os fluxos de pessoas.
Com o olhar de volta à Tabela 10, observamos que o município com maior número de
estudantes é o de Amambaí, com quase um terço (30,29%); Bela Vista e Antônio João estão
empatados em segundo lugar, ambos com 21,64 %, e Dourados é o que possui o menor fluxo,
com 3,09%. A última colocação se explica pelo fato de Dourados estar, na rede urbana,
hierarquicamente,
acima de Ponta Porã, além de abrigar universidades e faculdades de maior
porte.
Ao examinarmos as informações relativas aos municípios da conurbação, os números
indicam quase sete mil estudantes matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação
(Tabela 11).
Tabela 11 – Quantitativo de alunos de ensino superior paraguaio, em Pedro Juan Caballero, e brasileiro em
Ponta Porã
Brasileiros não residentes na
conurbação
Município
Matriculados
em números
%
Ponta Porã
2228 647 29,04
Pedro Juan
Caballero
4738 974 20,56
Ambos os
municípios
6966 1621 23,27
Fontes: universidades instaladas em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, em 2008.
Organização: SILVA, R. M.
Vemos que essas vagas são ocupadas por pessoas oriundas de outras localidades. No
lado brasileiro, aproximadamente um terço dos estudantes (29,04%) não são de Ponta Porã,
114
mas residem nas cidades que estão sob a influência desse município. Em Pedro Juan
Caballero, 20,56% dos universitários e pós-graduandos são brasileiros que vêm de lugares
muito distantes, sem contar os muitos paraguaios oriundos de outras localidades. Nas duas
cidades, quase um quarto dos estudantes são “de fora”.
Tendo-se em conta que em Pedro Juan Caballero predominam os cursos da área
médica (Medicina, Enfermagem e afins) e os de pós-graduação (mestrado e doutorado),
observamos uma complementaridade, no campo educacional, entre essa cidade e Ponta Porã,
que possui, em sua grande maioria, cursos de graduação (Figura 13).
Figura 13 – Mapa de fluxos de estudantes brasileiros para Ponta Porã.
Fonte: pesquisa social realizada junto aos condutores de transporte alternativo, em 2008.
De certo modo, já prevíamos essa configuração em nossas hipóteses e as idas a campo
serviram para corroborar as expectativas. Assim, as articulações formais complementam as
funcionais e também no sentido inverso.
Campo Grande
Dourados
Pedro Juan
Caballero
BRASIL
Ponta Porã
PARAGUAI
Legenda
Fluxo de universitários
N
Escala: 1:3.000.000
Laboratório de Geoprocessamento
DGC/CPAQ
Organização: SILVA, R.M. (2009)
Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)
Aral Moreira
Amambaí
Coronel Sapucaia
Antônio João
Bela Vista
3
%
7
%
8
%
3
0
%
2
1
%
2
4
,
6
4
%
115
Nossas análises apontam para a formação, na conurbação, de um polo universitário, no
qual dois fatores são importantíssimos: a condição de fronteira - pois é possível estudar no
lado paraguaio e residir no brasileiro, o que traz sensíveis vantagens culturais e de adaptação;
o outro, mais evidente, trata-se do custo reduzido dos estudos, ainda que sem querer avaliar
o nível de qualidade desses cursos após a conclusão, haja, em território brasileiro,
dificuldades para validar e reconhecer práticas e conhecimentos adquiridos na cidade-gêmea
em questão.
Portanto, confirmamos, na prática, o que a teoria nos alerta: na fronteira existem as
mais variadas complementaridades que nem sempre estão amarradas aos ditames formais, tal
como observa Oliveira (2005, p. 377): “[...] As coisas, os fatos, os atos enfim a vida que
ocorre ali, é movida por necessidades e/ou vontades que fogem dos grilhões do escopo legal.”.
Por outro lado, mesmo que a vontade eterna do ser humano seja a de generalizar e
classificar, esse autor nos alerta, ainda, que essas complementaridades criam um território
bastante singular em relação ao Estado-nação e entre si mesmas. Assim, uma fronteira jamais
se aproximará de outra, cada fronteira constitui-se numa única fronteira.
3.3 Os fluxos de mercadorias
As relações de Pedro Juan Caballero – de acordo com a nossa observação com o seu
entorno rural é bastante restrita; a sua base econômica está no desenvolvimento, sobretudo,
comercial e financeiro. Estrutura semelhante possui Ciudad del Este (segunda maior cidade
paraguaia), porém, com volume muito superior, em vista do estímulo proporcionado pela
construção da usina hidrelétrica de Itaipu, nos anos 1970 e 80 e, atualmente, à condição de
zona franca. Vertiginosamente, essa cidade torna-se centro financeiro internacional e centro
116
de comércio internacional de materiais eletrônicos e informáticos, de produtos de consumo de
luxo (bebidas, perfumes e cigarros), com fins à reexportação para o Brasil.
Percebemos que o que ocorre nessas cidades está estritamente vinculado à relação de
interdependência que a fronteira mantém com o exterior, “fugindo”, portanto, ao escopo do
Estado-nação e demarcando as tendências descentralizadoras peculiares do processo de
globalização. Se por um lado ocorre isso, num outro viés aumentam a complementaridade e a
competitividade nos mercados internacionais, características das cidades-gêmeas.
Não estranhamos que outras cidades paraguaias recém fundadas, nos anos 1960/70,
próximas à linha de divisa com o Brasil aproveitaram a condição de fronteira para seguirem
os passos de Ciudad del Este, a partir dos anos 1990. Mesmo cidades antigas como Pedro
Juan Caballero e Salto del Guairá também aproveitam a proximidade de mercados e
populações brasileiras para praticarem a reexportação, apenas com o detalhe de não serem
zona franca. Daí podermos explicar a vinculação de Pedro Juan Caballero com Ciudad del
Este, de onde vêm os produtos mencionados anteriormente.
Desse modo, verificamos que a condição de fronteira acrescida da vantagem de ser
seca e por meio de duas cidades-gêmeas – faz Pedro Juan Caballero se especializar na
comercialização de produtos importados. O núcleo urbano dessa cidade, no fundo, é centro de
comércio internacional das mercadorias mencionadas com destino aos mercados brasileiros.
As vantagens cambiais competitivas, oriundas de políticas monetárias paraguaias e brasileiras
porém, nem sempre estáveis são o principal motivo para que um número significativo de
turistas brasileiros se dirija para Pedro Juan Caballero a fim de adquirirem esses produtos
estrangeiros, em particular para consumo próprio.
Conferimos, junto à Câmara de Comércio de Pedro Juan Caballero, que, diariamente,
cerca de três mil pessoas realizam compras nessa cidade. Atualmente, em torno de 650
estabelecimentos comerciais registrados. Entretanto, esse quantitativo oscila bastante por
117
causa da instabilidade do câmbio monetário. O aumento do comércio na cidade também é
verificado na paisagem, com a presença formal de bancos e lojas comerciais de porte (como o
Shopping China
49
) e com a marca funcional representada pelos ambulantes e pelo Shopping
Mercosul
50
, apenas para citar, na paisagem fronteiriça. Quanto à população economicamente
ativa, presumimos que 70% das vagas de trabalho na fronteira encontram-se na atividade
comercial.
Quanto aos fluxos de mercadorias, faz-se necessário discernir as complementaridades
que as cidades-gêmeas realizam. Nas ideias apresentadas por Oliveira (2005), a fronteira pode
integrar-se por meio de duas maneiras distintas e variáveis, porém não contraditórias: uma de
cunho completamente funcional e outra de natureza formal, que, na verdade, complementam-
se.
A integração funcional não se confunde com ilegalidade, ilicitude ou contravenção.
Ela parte, no dizer de Wong-Gonzáles (2005), das “fuerzas del mercado”. Portanto, não estão
à margem da economia, mas no seu âmago. É concebida pelas articulações, no caso
transfronteiriças, dos atores sociais presentes: no comércio, nos serviços e na produção
industrial de proximidade, sem respaldo formal; nos empréstimos remunerados, ou não, de
máquinas, equipamentos e instrumentos para aplicação, em especial, no campo; na compra de
pequenos imóveis; nas pequenas transações de capitais.
A funcionalidade da fronteira se aproxima bastante da concepção de circuito inferior
da economia que, num outro estudo nosso sobre informalidade, vimos ser
essencialmente constituído pelas formas de fabricaçãonão-capital intensivo”, pelos
serviços não modernos fornecidos “a varejo” e pelo comércio não-moderno e de
pequena dimensão. Os empregos oferecidos nesse setor raramente são permanentes e
sua remuneração situa-se com freqüência no limite ou abaixo do mínimo vital. O
contrato, frequentemente, assume a forma de um acordo pessoal entre patrão e
empregado. Aqui m importância os trabalhos familiar e autônomo. A média de
49
Moderna loja que comercializa reexportados. Antes, localizava-se no centro da cidade; atualmente, afastou-se,
mas tornou-se referência na paisagem urbana devido ao seu tamanho com amplo estacionamento e comodidades
para compra, alimentação e lazer, nos moldes dos shopping centers.
50
Associação de vendedores “informais” de reexportados que se concentram, pelo lado paraguaio, nas
proximidades da linha internacional entre as duas cidades.
118
ocupados por unidade de produção é baixa; mas em compensação, o número global
de pessoas ocupadas é considerável. Esse circuito é o verdadeiro fornecedor de
ocupação para a população pobre da cidade e os migrantes sem qualificação
(SILVA, 2002 p. 38).
Ainda acerca do circuito inferior e, por extensão, às manifestações funcionais, Santos
(1979, p. 38) confirma nossas concepções sobre esses aspectos ao afirmar que “o circuito
inferior não é informal [...] pois tem sua própria organização e suas próprias leis operacionais
e de evolução [...]”, caracterizado por um número máximo de oportunidades de emprego com
um volume mínimo de capital.
Embora possa parecer confuso, o outro espaço econômico é o circuito superior que,
“oposto” ao circuito inferior, possui relações de complementaridade e concorrência. O
circuito superior, de um modo geral engloba atividades que utilizam o capital de forma
intensiva e uma tecnologia de médio e alto nível, o que o aproxima da integração formal.
Como exemplos desse subsistema, temos o comércio e a indústria do tipo exportação e
reexportação, as atividades bancárias, a indústria urbana moderna, os serviços modernos, os
atacadistas e transportadores (SILVA, 2002).
A integração formal, vista como legado do circuito superior, possui um viés legal e
tende à complementaridade de feição jurídica. A verticalidade (de cima para baixo) é a sua
maior característica. Entre alguns casos, temos: os acordos bilaterais; as importações e
exportações aduaneiras; os estabelecimentos de entidades supranacionais; os intercâmbios
estudantis, científicos e tecnológicos; os protocolos de combate ao narcotráfico; os programas
de controle fitossanitário; os acordos administrativos municipais (com fins de planejamento,
estímulo ao comércio e ao turismo local, à preservação da natureza, à disposição final de
resíduos sólido); os protocolos de intenções e muitas outras formas associativas e combinadas
(OLIVEIRA, 2008).
Essas atividades, funcionais e formais, constituem um sistema único da economia
urbana e fazem com que as cidades não possam mais ser estudadas como uma entidade em si,
119
todo “maciço”. Desse modo, Oliveira (2005, p. 384-385) nos adverte que é necessário haver
um equilíbrio entre esses subsistemas urbanos:
[...] toda relação funcional excessiva que se distancie de ações formais, pode violar
ou ameaçar a salubridade das conquistas e os vínculos de integração existentes na
fronteira. Porém: o avesso também é problemático. [...]
Contudo, se a ausência completa de integração formal (grifo do autor) é um mal, a
sua presença ilimitada (digamos, forte em demasia) também o é. Com a presença
muito acentuada das articulações pelo lado formal restringe-se a funcionalidade,
visto que, a formalidade exige um aparato institucional (quase sempre de natureza
fiscal e repressiva) que cresce e decresce, independente dos níveis de circulação dos
fluxos formais. Todas as vezes que reduz o trabalho de controle da formalidade por
razões diversas, o aparelho institucional volta-se para coibir as articulações
funcionais (quase nunca ilegais); como efeito, reduz os níveis de
complementaridades e os intercâmbios (comerciais e culturais) que sustentam o
dinamismo do território, em especial, nas conurbações e semiconurbações).
Por constituírem um sistema próprio, as articulações sofrem pressões e inquietações.
Os atores socioeconômicos, nas cidades-gêmeas, buscam aumentar a integração funcional e
fugir das amarras dos Estados-nação, isto é, da formalidade. Por outro lado, o aparato estatal
tenta impor regras e, por conseguinte, limitar a funcionalidade e ampliar a integração formal.
O que parece ser o conflito entre duas lógicas distintas, na verdade, trata-se do
fechamento de um sistema. Como, por exemplo, a venda de reexportados por ambulantes
(funcional) e pelas lojas (formal).
Quanto ao entendimento sobre reexportação, vemos que a ideia maior que esse
conceito traz é a revenda de uma mercadoria não produzida em um determinado país ou
localidade, conforme bem detalhado por Lamberti (2006, p. 42):
[...] a reexportação se refere à entrada de mercadorias em um país produzidas em
outro com o objetivo de serem vendidas ao exterior independente da ocorrência do
processo de transformação ou não dessas no país que as importou.
Portanto, a reexportação corresponde ao processo de entrada de bens finalizados ou
não num determinado país com destino a um terceiro país, logo não se destina ao
mercado consumidor interno do país importador.
Essa autora complementa sua abordagem apontando que as principais razões dessa
prática são: inexistência de relações políticas e comerciais, de rede adequada de transporte e
de técnicas, e de capitais suficientes para a transformação do produto por parte do país
exportador (LAMBERTI, 2006). Acreditamos que, além das motivações apresentadas pela
autora, a noção de rede, tal qual exposta na segunda parte deste trabalho, explica por que
120
mercadorias vindas do outro lado do mundo passam por vários nós até o consumidor final,
visto haver caminhos mais curtos – porém menos vantajosos – para consumar o ato comercial.
Por exemplo, um consumidor de Campo Grande poderia muito bem adquirir certos
produtos importados em sua própria cidade por intermédio da rede de comércio legal. Porém,
os menores preços praticados pelas lojas e pelos ambulantes de Pedro Juan Caballero atraem
esse cidadão, mesmo que ele tenha de percorrer algumas centenas de quilômetros até a cidade
paraguaia.
Para Souchaud (2007) a reexportação trata-se de uma atividade econômica separada,
aproximando-se da ideia de enclave econômico. Vista num primeiro plano, de fato, assim se
parece. Nesse local há a comercialização de produtos importados para consumidores de
outros países. Portanto, uma atividade econômica (a reexportação) desconexa das originadas
na localidade. O que temos a afirmar é que esse local não foi escolhido ao acaso. Assim, foi
por apresentar benefícios e particularidades que se sobressaíram: localização geográfica
(fronteira), vantagens cambiais (conjunturais) e menores taxações em impostos e tributos
(estruturais). No fundo são estratégias de circulação e de comunicação apresentadas pelas
redes como marcos da globalização, mesmo que fujam à formalidade, conforme se pode
constatar nas palavras de Lamberti (2006, p. 67):
Do ponto de vista da atratividade e qualidades territoriais, a vantagem competitiva
de Pedro Juan Caballero em relação à Ponta Porã está pautada na diferença das
políticas fiscais, sendo a carga tributária paraguaia inferior da praticada no Brasil.
Além disso, o tratamento tributário diferenciado dado aos produtos brasileiros que
são exportados, faz com que os mesmos produtos sejam vendidos dos dois lados da
fronteira, porém com preços que chegam a ser até 50% inferiores no lado paraguaio.
É nesse contexto que se insere a lógica da reexportação. Porém, a reexportação
praticada na conurbação não atende somente ao conceito oficial. É sinônimo de
triangulação, uma vez que os produtos são exportados por empresas brasileiras e
retornam para o Brasil por meio do turismo de compras. Dessa forma, o controle
aduaneiro não existe porque se registram nas aduanas apenas dois dos três
movimentos dos produtos.
A autora considera, ainda, que a reexportação é salutar para o Paraguai, sobretudo para
as cidades-gêmeas em linha de fronteira
.
Portanto, a condição de fronteira é um grande
“trunfo” para essa prática e satisfaz a lógica das redes.
121
Conforme aconteceu no Oeste brasileiro, a produção agropecuária exportadora avança
por terras paraguaias, comandada por agricultores e empresários brasileiros, os “brasiguaios”,
que avançam, não apenas economicamente, mas socioculturalmente, também,
como destaca
Vázquez (2006, p. 73):
El proceso de adquisición de nuevas tierras para el cultivo de soja reconvierte no
solamente el uso del suelo sino que, además y quizás más importante que eso,
“brasileriza” el territorio con nuevos usos, significaciones, infraestructuras y
funcionamientos culturales que, como resultado natural de la reproducción social y
territorial, convierte a la región agro exportadora en un dispositivo productivo
sojero brasileño en territorio paraguayo.
Observamos que essa “brasileirização” no processo agro-exportador ocorre porque o
valor das terras paraguaias próximas à fronteira oriental é menor. Outro fator é o da
infraestrutura brasileira de transporte. O escoamento da produção agrícola é baseado,
sobretudo, no modal rodoviário. Daí uma parte da produção dos estados do Paraná e Mato
Grosso do Sul, em especial a soja, entrar em solo paraguaio para ser exportada,
respectivamente, por Ciudad del Este e Pedro Juan Caballero. Das plantações e das centrais de
processamento de nosso estado, a produção sul-mato-grossense segue, em caminhões, em
solo do país vizinho, até Concepción, onde é transferida para barcaças no rio Paraguai com
destino ao Rio da Prata e a águas marítimas internacionais (Figura 14).
Por isso, a crítica de nossos vizinhos em ver o sistema da soja na região fronteiriça
modelado (ocupado, ativado e produzido) por atores socioeconômicos estrangeiros que
regulam o funcionamento, o mercado, os benefícios e a atuação dos outros atores. E, como
é de se esperar, muitos camponeses cedem lugar ao latifúndio, mais propenso aos cultivos
para exportação. Assim, o Paraguai, cada vez mais, torna-se dependente do Brasil.
122
Campo Grande
Dourados
Pedro Juan
Caballero
BRASIL
Concepcn
Ponta Porã
PARAGUAI
Legenda
" saída" da soja
N
Escala: 1:3.000.000
Laboratório de Geoprocessamento
DGC/CPAQ
Organização: SILVA, R.M. (2009)
Desenho: CARVALHO, E.M. (2009)
R
i
o
P
a
r
a
g
u
a
i
R
i
o
P
a
r
a
g
u
a
i
Principais rodovias
" entrada" de carne
e madeira
Figura 14 – Fluxos de mercadorias (soja e carne) pela fronteira Ponta Porã – Pedro Juan Caballero.
Diante dessas análises, muitos estudiosos da dinâmica territorial paraguaia consideram
a região agro-exportadora fronteiriça com o Brasil como uma região bisagra
51
. Diante das
manifestações econômicas, culturais e linguísticas ocorridas nesse território, podemos afirmar
que não há margem para outra interpretação, conforme exemplificado a seguir:
Algumas empresas agropecuárias possuem relações comerciais com a fronteira; hoje
se observa que na rede de armazenamento de grãos está incluído o Paraguai
(grifo nosso); como os frigoríficos têm mantido uma certa frequência (incerta para
contabilizar) na compra de gado paraguaio [...] (OLIVEIRA, 2005, p. 393).
Ao observarmos a figura 14, depreendemos que se os fluxos de soja ocorrem no
sentido Brasil-Paraguai – não tendo este país como consumidor final, mas cedendo seu
território para diminuir custos de transporte e complementar a produção –, a carne faz o
caminho inverso com destino a mercados brasileiros.
Outras atividades agropecuárias, em geral realizadas por pequenos camponeses,
também sofrem influência de dinâmicas brasileiras. Por exemplo, o arranjo produtivo da
51
Que está sujeita a lógicas externas, chegando a ser considerada uma região perdedora.
123
mandioca em solo paraguaio é muito condicionado pela percepção de demandas brasileiras.
Essa lógica, denominada exógena por ser comanda de “fora” do território, ultrapassa a lógica
territorial e aumenta a articulação formal:
[...] a implantação de diversas fecularias (amido) e farinheiras, tanto do lado
brasileiro quanto do paraguaio, motivou o plantio de mandioca em toda região de
fronteira o que tem consumado um aumento do preço do produto in natura, e como
efeito, aumentado as possibilidades de elevação de renda, estimulando o plantio em
propriedade de pequeno e médio porte e, o mais importante segundo informações
difíceis de serem contabilizadas tem motivado agricultores (brasileiros e
paraguaios) a avançarem com o plantio de mandioca sobre áreas de tradicional
plantio de cannabis sativa no Paraguai. [...] (Oliveira, 2005, p. 398).
Para constatarmos esses fenômenos quanto aos fluxos de mercadorias, realizamos
algumas idas a campo. Elas destinaram-se a contatos diretos (conversa dirigida) realizados
com agentes da Aduana de Pedro Juan Caballero e com uma agência de importação e
exportação, conhecida como despachante de produtos, também dessa cidade. Nessas
aproximações, confessamos, não fomos muito felizes, apesar de terem sido realizadas com
auxílio de pesquisadores residentes na conurbação e com domínio do idioma vizinho.
Segundo o órgão fiscal referido, os produtos que passam pela fronteira seca são
bastante diversos; os principais são: produtos veterinários, implementos agrícolas,
suplementos minerais, maquinários, materiais de construção (cimento, telhas, calhas, tintas
etc), cereais, pneus, carvão, açúcar e outros. Chamou-nos bastante atenção a complexa
estrutura alfandegária paraguaia, com a obrigatoriedade de intermediários para o processo de
comercialização com o exterior. O contato com a aduana tem de ser feito por meio de um
despachante credenciado e o transporte da carga é submetido, necessariamente, a um agente
de transporte.
A situação de porto seco faz com que Ponta Porã tenha destaque na pauta de
exportações no estado do Mato Grosso do Sul. O município vem liderando as exportações sul-
mato-grossenses nos últimos dois anos. Na lista de produtos exportáveis estão à frente os bens
de capital. Na prática, o que tem feito o crescimento das exportações na cidade é a sua
localização geográfica, que vem atraindo empresas exportadoras para a região de fronteira.
124
Do total de produtos exportados por esse município 15 a 20% permanecem em território
paraguaio e o restante segue para outros países, especialmente os da América Latina
(CORREIO DO ESTADO, 2008, p. 6a). Lembramos, entretanto, que essas exportações são
aquelas declaradas por empresas instaladas nesse município e que muitos outros produtos
como a soja, proveniente de outras cidades do estado saem, legal e ilegalmente, por esse
ponto da fronteira.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a consumação desta pesquisa, examinamos uma das facetas que a fronteira,
especificamente a conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, possui no tocante às
articulações transfronteiriças. Para isso, foi necessário transpor as seguintes etapas: buscar
pressupostos teóricos acerca da temática, resgatar a construção das articulações espaciais e as
caracterizar na atualidade (qualificar e quantificar adotando algumas variáveis: o fluxo de
mercadorias e de pessoas – as interações e as complementaridades existentes entre essas
cidades e outras em seu entorno ou mesmo mais distantes).
Concentramos, inicialmente, nossos esforços para nos munirmos de fundamentos
teóricos sobre a problemática estudada. Buscamos conceitos e temas que dessem base à
investigação. Fomos do macro para o micro, ou do todo para as partes, conforme prescreve o
método dedutivo.
Assim, vimos que um dos conceitos que mais bem tem interpretado este mundo
globalizante e globalizado é o de rede. Afinal, se esse tema surgiu em decorrência das
transformações do processo de industrialização lá no século XIX, foi “esquecido” no XX e,
nessas primeiras décadas, é retomado com propriedade para tentar explicar este novo milênio.
Acreditamos que as redes têm sido vitais justamente porque suas principais funções são
comunicar e circular, atendendo às inovações tecnológicas em constante evolução. Por isso, as
redes são móveis e inacabadas, selecionam os pontos do território nos quais vão lançar suas
malhas e fincar seus nós, o que, certamente, territorializa e desterritorializa.
A rede urbana é apenas um dos vieses da rede e, por conseguinte, é um dos conceitos-
chave mais imediato que enquadra o nosso trabalho. Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são
um desses pontos que não foram escolhidos ao acaso. Estão inseridas na dinamicidade das
126
bases produtivas brasileiras e voltam, ambas as cidades, para o Brasil, por conseguinte, nas
malhas da rede urbana desse país.
Temática clássica na Geografia e em disciplinas correlatas, a rede urbana pode ser
entendida como o locus onde a produção, a circulação e o consumo se realizam; daí ser um
produto do capitalismo. Por rede urbana, ainda, entendemos ser a malha de centros urbanos
conectados entre si. É por onde as funções se realizam e os fluxos de toda natureza
contemplam os pontos de um território. A hierarquia também é inerente à rede urbana. Nessa,
um centro urbano se sobressai sobre outro e tem melhores chances de estar inserido na
globalização.
Duas ideias centrais de fronteira, que norteiam este novo milênio, ficaram bem
marcadas: de um lado temos a fronteira viva como limite que encerra em si um foco de
tensão, por outro prisma, ela é tida como centro de contato e foco de vida intensa entre
populações, onde o funcional e o formal se encontram. Considerando-se o caso da conurbação
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, os fenômenos sociais são numerosos e ativos. A
dinamicidade espacial dessa conurbação dá origem a interesses materiais, intelectuais e
morais que traduziram - e ainda traduzem - num mesmo espaço, a dicotomia “foco de tensão
versus local de convívio e troca”.
Esse caráter contraditório que a fronteira possui é fruto de ser, ela mesma, mais que
um fato geográfico que se espacializa e tem por principal função histórica e social dividir,
mas, num outro viés, não consegue contrariar a natureza humana: o agregar-se. No mundo
contemporâneo essas contradições tendem a se acirrar, levando-se em consideração que os
avanços tecnológicos deixam os homens e as sociedades, num certo sentido, uns mais
próximos aos outros.
Daí conceituar fronteira requer um esforço para analisar as concepções que ela teve no
passado para contrastar com as atuais. Consequentemente, o limite convive com a porosidade
127
(para permitir comunicações, complementaridades e interações). Porém, essas funções não
ocorrem em todos os pontos da fronteira senão onde as redes assim as desejam. Com certeza,
em Ponta Porã-Pedro Juan Caballero, as articulações estão presentes em tal ordem que se
torna, historicamente, um na rede, em especial na rede urbana.
O mérito das cidades-gêmeas em área de fronteira encontra-se em elas serem um
nas malhas do território-rede que atende às imposições da presente globalização, mas não se
desfaz das artimanhas da fronteira-limite. Cabem, então, alternativas não muito novas para a
satisfação do capitalismo, seja por meios formais, como a reexportação, ou não (funcionais
visíveis e invisíveis).
A conurbação, logo, é um ponto de passagem e de permanência de pessoas e, em
especial, de mercadorias entre o Brasil e o Paraguai. Portanto, articula vontades e
necessidades para ambos os lados da fronteira. Verificamos que essa tendência faz parte da
história e que ambas as cidades nasceram com essa vocação.
A inserção da fronteira na economia nacional dos dois países ocorreu por causa da
exploração dos ervais nativos naquela área. O escoamento da produção permitiu que estradas
e núcleos urbanos surgissem. No retorno para a região produtora de erva-mate, as carretas
traziam diversos gêneros de primeira necessidade e alguns artigos de luxo, mas também havia
o contrabando. Espontaneamente, a presença de serviços e comércio se concentrou na linha de
fronteira, o que atraiu pessoas, tanto para ficar como adentrar ao Oeste brasileiro. Assim se
deu a formação das bases materiais e culturais do território fronteiriço.
Nessa construção também teve importância porém menor a agropecuária. Essas
atividades econômicas principais (a erva-mate, a agropecuária e os descaminhos decorrentes
da própria condição de fronteira como o contrabando) permitiram que a fronteira tivesse uma
evolução populacional surpreendente, a ponto de Ponta Porã obter o destaque de município
mais populoso do Sul de Mato Grosso nos anos 1920.
128
A ferrovia Noroeste do Brasil primeiramente chegando a Campo Grande (1918) e,
posteriormente, chegando a Ponta Porã (1953) modificou os fluxos de e para a fronteira.
Antes da ferrovia, as relações dessa região com o exterior e com o eixo econômico do Brasil –
São Paulo e Rio de Janeiro davam-se pelo território paraguaio, por via terrestre até
Concepción e, daí em diante, pelas vias fluvial e marítima. Houve, consequentemente, uma
reterritorialização cujo cunho maior foi o político-estratégico, com fins de manter o controle e
a unidade do território brasileiro.
Para chegarmos a um dos pontos centrais deste trabalho, buscamos a comprovação
teórico-metodológica das articulações exercidas pelas cidades-gêmeas Ponta Porã e Pedro
Juan Caballero por meio de variáveis que pudessem apreciar e dimensionar as suas interações
espaciais com outros centros urbanos.
A fim de atingir esses objetivos, investigamos as características das articulações em
três frentes: quais e como ocorrem os contatos entre as redes urbanas brasileira e paraguaia, os
deslocamentos populacionais e os fluxos de mercadorias.
Contrariando nossas concepções iniciais para balizar o trabalho, vimos que a fronteira
não é o local onde ocorre, de fato, a confluência entre os sistemas urbanos de nosso país com
o do Paraguai. A fronteira não a política, mas a socioeconômica – encontra-se mais a oeste,
em território paraguaio. As cidades fronteiriças orientais de nosso país vizinho encontram-se
capturadas pelas bases econômicas e sociais brasileiras. Assim, a rede urbana brasileira, vista
desse modo, avança a fronteira para atender as diretrizes da globalização, isto é, conectar
todos os pontos do território de modo a permitir que os fluxos se estabeleçam.
Quanto aos fluxos dos homens, verificamos que a conurbação exerce, desde seu
surgimento, atração de pessoas para residirem ou mesmo como ponto de passagem do
território brasileiro para o paraguaio. O próprio crescimento conjunto das duas cidades
corrobora essa ideia.
129
O paralelismo entre as duas cidades é marcante, conforme demonstrado no
crescimento demográfico desses municípios, chegando a ser proporcional e, de certo modo,
combinado. Entretanto, o que mais desperta a atenção é a quantidade de brasileiros e seus
descendentes que vivem no país vizinho, sobretudo, na franja fronteiriça, conhecidos como
brasiguaios. Essa estrutura territorial paraguaia é bem característica de toda a fronteira,
porém, mais acirrada em Ciudad del Este, segunda cidade paraguaia, e também em Pedro Juan
Caballero, a quarta maior cidade.
Outro modo de demonstrar as articulações exercidas pela conurbação foi por um
levantamento dos fluxos de universitários e pós-universitários para essa localidade, surgidos
na segunda metade dos anos 1990 e estimuladas pelos propósitos do Mercosul. Essa função
universitária é recente e decorre, em particular, da própria condição de fronteira. A primeira
característica que nos chamou atenção é o fato de não haver concorrência entre as instituições
brasileiras com as paraguaias. Os cursos ofertados não são coincidentes, em sua maioria.
Logo, o que existe é uma complementaridade.
Essa recém faceta universitária é uma das estratégias das cidades-gêmeas para
reinserção, no contexto regional e nacional, de ambos os países e a constatação da
complementaridade das funções formais com as funcionais. Observamos, como exemplo, a
procura de cursos paraguaios (em especial de pós-graduação e na área médica) por brasileiros
articulação funcional que se deslocam centenas de quilômetros para adquirir uma
formação ou uma pós-qualificação, movidos, em particular, pelos custos mais baixos das
mensalidades em relação às universidades e às faculdades brasileiras. Assim, o fluxo de
brasileiros e paraguaios para Pedro Juan Caballero e Ponta Porã evidencia as articulações
transfronteiriças exercidas pelas cidades-gêmeas.
130
Por último, tentamos rastrear os fluxos de mercadorias que passam ou que
permanecem na conurbação para a reexportação com destino a consumidores brasileiros. A
dinâmica dos fluxos de mercadorias, por conseguinte, é bastante clara.
Retomadas algumas argumentações apresentadas no trabalho e estabelecidas
correlações entre determinadas ideias e os resultados da pesquisa, podemos afirmar que em
relação às interações espaciais e às complementaridades existentes, as cidades dessa
conurbação são subestimadas. No caso da cidade brasileira, Ponta Porã é classificada em
níveis de menor porte e importância.
Ambas as cidades são analisadas e classificadas por órgãos brasileiros e paraguaios,
não se levando em consideração as articulações transfronteiriças funcionais (visíveis ou
invisíveis), as formais (ou de jure), tampouco suas sinergias e suas especificidades por se
localizarem em linha de fronteira. Essas articulações assim como a fronteira tratam-se de um
caso peculiar e de complexa caracterização, por este motivo, dignas de apreciação e
admiração.
Diante de nosso singelo esforço em tentar compreender a fronteira e as articulações
capitaneadas, podemos afirmar que Ponta Porã e Pedro Juan Caballero são analisadas,
desprezando-se a força que juntas detêm.
131
REFERÊNCIAS
ABINZANO, Roberto Carlos. Las regiones de frontera: espacios complejos de la resistência
global. In: OLIVEIRA, T C. M. de (Org.). Território sem limites: estudos sobre fronteiras.
Campo Grande: UFMS, 2005. p. 113-130.
ANGUIANO-TÉLLEZ, M. E. Vencida y interacciones fronterizas en la región Tijuana-San
Diego. In: OLIVEIRA, T C. M. de (Org.). Território sem limites: estudos sobre fronteiras.
Campo Grande: UFMS, 2005, p.279-306.
AYALA, S. C. e SIMON, F. Album Graphíco do Estado de Matto Grosso (E.E.U.U. do
Brazil). Corumbá e Hamburgo, 1914.
BENITEZ, M. Diagnostico de un território: la ocupación urbana de cinco cuadras de la linea
internacional en la ciudad de Pedro Juan Caballero. Pedro Juan Caballero, PY: no prelo, 2008.
BENKO, G. e LIPIETZ, A. O Novo debate Regional. In: As regiões ganhadoras (Distritos e
redes: os novos paradigmas da geografia econômica). Oeiras: Celta Editora, 1994. (p. 3-15).
BEZZI, M. L. Uma (re) visão historiográfica: da gênese aos novos paradigmas. Santa
Maria: Ed. UFSM, 2004.
BEZZON, L. C. (Org.). Guia prático de monografias, dissertações e teses: elaboração e
apresentação. 2. ed. Campinas, SP: Alínea, 2004.
CASTELLS, M. A sociedade em rede (A era da informação: economia, sociedade e cultura).
Tradução de Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CAMPO GRANDE NEWS, Em 2 anos, aumenta em 30% número de lojas em Pedro
Juan. Campo Grande, MS. Disponível em <http://www.campogrande.news.com.br/>.
Acesso em 15 abr. 2008
CORRÊA, L. S. A fronteira na História Regional: o Sul de Mato Grosso (1870-1920).
1997. 327f. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997a.
CORRÊA, R. L. A rede urbana. São Paulo: Ática, 1989.
132
CORRÊA, R. L. Espaço um conceito-chave da Geografia In: CASTRO, I. E., GOMES, P. C.
da C. e CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995. p. 15-47.
CORRÊA, R. L. Trajetórias Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997b. p. 15-144.
CORRÊA, R. L. Estudos sobre a rede urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
CORRÊA FILHO, V. Ervais do Brasil e ervateiros. Documentário da vida rural número 12.
Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola (Ministério da Agricultura), 1957.
CORREIO DO ESTADO. Ponta Porá exporta 1.220% mais e lidera ranking estadual.
Campo Grande, MS, 23 mar. 2008. Caderno Economia, p. 6a.
COSTA, L. GADELHA, C. A. G. A Política Nacional de integração e desenvolvimento das
fronteiras: O Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira PDFF. In: OLIVEIRA,
T. C. M. de (Org.). Território sem limites: estudos sobre fronteiras. Campo Grande: UFMS,
2005, p. 25-46.
DIAS, L. C. Redes: emergência e organização In: CASTRO, I. E., GOMES, P. C. da C. e
CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
p. 141-162.
DORFMAN, A e ROSÉS, G. T. B. Regionalismo fronteiriço e o “acordo para os nacionais
fronteiriços brasileiros uruguaios”. In: OLIVEIRA, T. C. M. de (Org.). Território sem
limites: estudos sobre fronteiras. Campo Grande: UFMS, 2005, p. 195-228.
EGLER, C. Questão regional e gestão do território do Brasil In: CASTRO, I. E., GOMES, P.
C. da C. e CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995. p. 207-238.
FIGUEIREDO, A. de. O extremo Sul de Mato Grosso. Guia de Excursões. Presidente
Prudente: I Encontro Nacional de Geógrafos, 1972. p. 210.
FRESCA, T. M. A rede urbana do norte do Paraná. Londrina: Eduel, 2004.
GEIGER, P. Regionalização In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, Ano 31,
número 01, jan-mar, 1969.
133
GEORGE, P. A cidade e a região. As redes urbanas. In: Geografia Urbana. São Paulo: Difel,
1983. par. 2, cap. 4, p. 205-231.
GUIMARÃES, A. V. Mato Grosso do Sul: história dos municípios. Campo Grande: Instituto
Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 1992. vol. 1, p. 41-58.
HAESBAERT R. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão In:
CASTRO, I. E., GOMES, P. C. da C. e CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e
temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 165-205.
HAESBAERT R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à
multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em maio 2006.
INSTITUTO DE PESQUISAS APLICADAS (IPEA), INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS (IBGE) e UNIVERSIDADE DE CAMPINAS
(UNICAMP). Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil: estudos básicos para
a caracterização da rede urbana. Brasília: IPEA, 2001.
LAMBERTI, E. Dinâmica comercial no território de fronteira: reexportação e
territorialidade na conurbação Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. 2006. 93f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Aquidauana, 2006.
LEENHARDT, J. Globalização e transdisciplinaridade: a segunda revolução identitária. In:
PESAVENTO, S. J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: UFRGS, 2001, p. 95-104.
LENCIONE. S. Região e Geografia. São Paulo: Ed. USP, 2003.
MACHADO, L. et al. O desenvolvimento da faixa de fronteira: uma proposta conceitual-
metodológica. In: OLIVEIRA, T. C. M. de (Org.). Território sem limites: estudos sobre
fronteiras. Campo Grande: UFMS, 2005, p. 87-112.
MÉNDEZ, R. Geografia econômica: la lógica espacial del capitalismo global. Barcelona:
Ariel, 1997.
134
NETSABER. Biografias de pensadores da Humanidade. Disponível em:
<http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3192.html>. Acesso em: 26 jan.
2008.
NOGUEIRA, O. Pesquisa social: introdução às suas técnicas. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1988.
OLIVEIRA, M. F. de. Mercosul: atores políticos e grupos de interesses brasileiros. São
Paulo: UNESP, 2003.
OLIVEIRA, T. C. M. de. Tipologia das relações fronteiriças: elemento para o debate teórico-
prático In: ______. Território sem limites: estudos sobre fronteiras. Campo Grande: UFMS,
2005, p. 377-408.
OLIVEIRA, T. C. M. de. Fronteiras na América Latina: reflexões metodológicas. Campo
Grande: no prelo, 2008.
PAIXÃO, R. O. Turismo na fronteira: identidade e planejamento de uma região. Campo
Grande: UFMS, 2006.
PESAVENTO, S. J. Fronteiras do Milênio. In: ______. Fronteiras do milênio. Porto Alegre:
UFRGS, 2001, p. 07-11 (Apresentação).
PIÑEIRO, R. C. La frontera norte de México: población, migración y empleo. In:
OLIVEIRA, T. C. M. de (Org.). Territórios sem limites: estudos sobre fronteiras. Campo
Grande: UFMS, 2005, p. 409-434.
QUEIROZ, P. R. C. Uma ferrovia entre dois mundos: a E. F. Noroeste do Brasil na
construção histórica de Mato Grosso (1918-1956). 1999. 559f. Tese (Doutorado em História)
– Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
RAFFESTIN, C. A ordem e a desordem ou os paradoxos da fronteira. In: OLIVEIRA, T C.
M. de (Org.). Território sem limites: estudos sobre fronteiras. Campo Grande: UFMS, 2005.
p. 09-15.
RIBEIRO, L. P. Zonas de fronteiras internacionais na atualidade: uma discussão. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2002. Disponível em:
<http://www.igeo.ufrj.br/fronteiras/pesquisa/fronteira/p02avulsos03.htm>. Acesso em: 25 jan.
2007.
135
RIQUELME, M. A. Migrações Brasileiras no Paraguai. In: OLIVEIRA, T. C. M. de O.
(Org.). Território sem limites: estudos sobre fronteiras. Campo Grande: UFMS, 2005, p. 49-
85.
SÁNCHES, R. Pedro Juan Caballero cumple 105 años. Jaku’éke Paraguai. Disponível em:
<http://www. jakueke.com/articulo.php?ID=390>. Acesso em: 20 jun. 2008.
SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países
subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
SANTOS, M. As redes urbanas nos países subdesenvolvidos. In: ______. Manual de
Geografia urbana. São Paulo: Hucitec: 1981. cap. 12, p. 139-165.
SANTOS, M. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.
SANTOS, M. Propósitos livres sobre o tema em debate. In: ______ Técnica, espaço e
tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. 3. ed. São Paulo: Hucitec: 1997.
par. V, p. 163-188.
SANTOS, M. O dinheiro e o território. São Paulo: USP, 1999.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SILVA, Ricardo M. O sustento que vem do lixo: a atuação dos catadores de lixo no Aterro
Metropolitano de Gramacho. Rio de Janeiro: 2002. Monografia (Bacharelado em Geografia) -
UFRJ.
SOUCHAUD, S. Geografia de la migración brasileña en Paraguay. Série Poblacion y
Desarrollo. Assunção, PY: UNFPA e ADEPO, 2007.
SOUZA, M. J. L. de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In:
CASTRO, I. E., GOMES, P. C. da C. e CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e
temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p.77-116.
SPRANDEL, M. A. Breve genealogia sobre os estudos de fronteiras e limites no Brasil In:
______.
Grupos étnicos e identidades nacionais em regiões de fronteira político-
administrativas internacionais.
Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: Museu Nacional,
1994. 79 p.
136
VÁZQUEZ, F. Territorio y población: nuevas dinámicas regionales en Paraguay. Série
Poblacion y Desarrollo. Assunção, PY: UNFPA, ADEPO e GTZ. 2006.
WONG-GONZÁLES, P. Cooperación y competencia internacional de regiones: hacia nuevas
formas de gestión de desarrollo regional binacional. In: OLIVEIRA, T. C. M. de (Org.).
Territórios sem limites: estudos sobre fronteiras. Campo Grande: UFMS, 2005, p. 155-194.
YÁZIGI, E. A alma do lugar turismo, planejamento e cotidiano. São Paulo: Contexto,
2001.
137
ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS APLICADAS NAS
INSTITUIÇÕES DE ENSINO
Roteiro de entrevista, junto às instituições de ensino superior, integrante do projeto de
pesquisa Articulações transfronteiriças: o caso da conurbação fronteiriça Ponta Porã e
Pedro Juan Caballero” desenvolvido pelo mestrando Ricardo Marques Silva (UFMS) sob
orientação do Prof. Dr. Tito Carlos Machado de Oliveira (UFMS).
Instituição:.....................................................................................................................................
Entrevistado/função:.....................................................................................................................
Data da entrevista:....................................
1. Perfil da instituição:
Brasileira ( ) Paraguaia ( )
2. Nível(eis) de ensino oferecidos:
Graduação ( ) Especialização e Mestrado ( ) Doutorado ( )
3. Cursos oferecidos e quantitativo de alunos por instituição:
Graduação Especialização e Mestrado
Doutorado
Curso Quant Curso Quant Curso Quant
Agronomia Administração Administração
Administração Ciências Ambientais Ciências Ambientais
Artes Direito Direito
Biologia Educação Educação
Ciências Contábeis Psicopedagogia Psicopedagogia
Ciências Econômicas Psicologia Clínica Psicologia Clínica
Computação
Direito
Educação Física
UFMS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA
138
Enfermagem
Engenharia Civil
Fisioterapia
Geografia
História
Letras
Medicina
Normal Superior
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia Clínica
4. Domicílio de origem dos estudantes e quantitativo:
Local de domicílio
Quantitativo
Ponta Porã
Pedro Juan Caballero
Antônio João
Amambaí
Aral Moreira
Coronel Sapucaia
Bela Vista
Dourados
Fazenda Itamarati
139
ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS APLICADAS AOS
CONDUTORES
Roteiro de entrevista, junto aos condutores de veículos de transporte alternativo,
integrante do projeto de pesquisa Articulações transfronteiriças: o caso da conurbação
fronteiriça Ponta Porã e Pedro Juan Caballero” desenvolvido pelo mestrando Ricardo
Marques Silva (UFMS) sob orientação do Prof. Dr. Tito Carlos Machado de Oliveira
(UFMS).
Entrevistado (condutor):...........................................................................................................
Data da entrevista:....................................
1. Há quanto tempo trabalha como condutor?
_______________________________________________________
2. Qual o tipo de veículo e capacidade?
_______________________________________________________
3. Qual(is) a cidade(s)/bairro(s) de origem e respectivo(s) quantitativo(s)?
Local de origem
Quantitativo
Ponta Porã
Pedro Juan Caballero
Antônio João
Amambaí
Aral Moreira
Coronel Sapucaia
Bela Vista
Dourados
Fazenda Itamarati
UFMS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA
140
ANEXO C – SISTEMATIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
Empresa/Órgão/Instituição Entrevistado(s) /
função(ões)
Informações pesquisadas
1. Universidade Estadual de mato Grosso do Sul
(UEMS)
Alessandra de Freitas - Características dos cursos
e dos estudantes
- Pesquisa bibliográfica
sobre o tema pesquisado
- aplicação de questionário
2. Faculdades Integradas de Ponta
Porã/UNIDERP/Anhanguera (FIP)
Daniela Marques Leão
Costa e Rejane Custódio
(secretárias acadêmicas)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
3. Faculdades de Ciências Administrativas de
Ponta Porã e Faculdade de Tecnologia de
Ponta Porã (FAP/FATEP)
Lalib Esgaib Kayatt
(proprietária) e Aurila
Matos Rodrigues
(secretária acadêmica)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
4. Faculdade de Ciências Contábeis de Ponta Po
(MAGSUL)
Gisele Benitez Flor
(coordenadora do curso de
Biologia)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
5. Universidad Columbia del Paraguay Fernando Villas Boas
Romañach (diretor)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- Pesquisa bibliográfica
sobre o tema pesquisado
- aplicação de qestionários
6. Universidad del Norte (UNINORTE) Vítor (não autorizou a
identificação completa)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
7. Universidad del Pacífico Eduardo Franco (diretor) e
Natália Veiga (secretária
administrativa)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
8. Universidad Tecnológica Intercontinental
(UTIC)
Ewerton D. Fernandez
Veronez (secretário
administrativo)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
9. Universidad Católica Maria Elena Mario de
Regúnega (diretora
acadêmica)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
10. Universidad Técnica de Comercialização de
Desenvolvimento (UTCD)
Não autorizou a
identificação
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
11. Universidad Nacional de Asunción (UNA) Humberto Ortiz
(secretário acadêmico)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
12. Universidad Politécnica y Artística de
Paraguay (UPAP)
Márcia Maria Cabrera
Romero (secretária
acadêmica)
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
13. Universidad Tres Fronteras (UTF) Não autorizou a
identificação
- Características dos cursos
e dos estudantes
- aplicação de questionário
14. Administração de Aduana de Pedro Juan
Caballero
Epifânio Godoy Fluxos de produtos que
transitam pela fronteira
(importação e exportação)
e funcionamento do
sistema de comércio
exterior do Paraguai
(Código Aduaneiro)
15. Prefeitura Municipal de Ponta Porã Wandi (arquiteta) Indicações de fontes de
dados socioeconômicos
16. Municipalidad de Pedro Juan Caballero Anderson Menuti (função
não informada) e Wilda
Indicações de fontes de
dados socioeconômicos
141
Inés Mendonza
(encarregada da Divisão e
urbanismo e Cadastro)
17. Agência Cáceres (Despachante Aduaneiro) Ramón Cáceres (sócio-
proprietário)
Fluxos de produtos que
transitam pela fronteira
(importação e exportação)
e funcionamento do
sistema de comércio
exterior do Paraguai
(Código Aduaneiro)
18. Gobernacion del Departamento del Amambay Francisco Barreto
(secretário de educação
Indicações de fontes de
dados socioeconômicos
19. Condutores de veículos alternativos de
transporte de estudantes para Ponta Porã
Diversos condutores (não
autorizaram a
identificação)
- Fornecimento de dados
socioeconômicos
- aplicação de questionário
20. Guias turísticos e divulgadores de cursos de
graduação e de pós-graduação em Pedro Juan
Caballero
Marquinhos e Poliana (não
autorizaram a
identificação completa}
- Fornecimento de dados
socioeconômicos
- aplicação de questionário
21. Casa Nica Nicanor Luiz Orué
(proprietário)
Indicações de fontes de
dados socioeconômicos
22. Suplementos Agrícolas Conquista Paulo Roberto Albertini
(proprietário)
Indicações de fontes de
dados socioeconômicos
23. Instituto Histórico Cultural de Mato Grosso do
Sul
Hidelbrando Campestrini
(presidente)
Pesquisa bibliográfica
sobre o tema pesquisado
24. Arquivo Público Estadual Caciano Lima (diretor) Pesquisa bibliográfica
sobre o tema pesquisado
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo