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De acordo com Sousa (2007, p.5):
o contraste da cidade “descalça” e suas transformações no início do século
passado se evidenciam nas crônicas de Otacílio de Azevedo, onde se
descortinam as paisagens física e humana da cidade: as lembranças de
acontecimentos históricos (“A queda do Governo Acióli”, “A inauguração do
Teatro José de Alencar”...), os registros de fatos pitorescos (“O ‘Cajueiro
Botador’”, “O Oitizeiro do Rosário”...), os relatos de manifestações folclóricas
(“Carnavais do meu tempo”, “Congos, fandangos e reisados”), as
peculiaridades de tipos populares (“O Bembém da Garapeira”, “Os Gatos-
Pingados”...), a história dos ‘odores’ (“Os Carregadores de Quimoas”...), as
particularidades e as obras de alguns poetas ( “Antônio Sales”, “Leonardo
Mota”...) e pintores (“Raimundo Ramos - Cotoco”, “Raimundo Cela”...), só
para citar alguns. Esse universo da memória em torno da história da cidade
não se projeta apenas na crônica de Otacílio, está cristalizado também em
seus poemas como “Minha Fortaleza”, “Bem que eu tenho saudade”,
“Fortaleza”, “Café Riche” e tantos outros. em que, de forma bem humorada,
não deixa de transparecer a sordidez do sistema social com a qual convivia.
Das produções literárias citadas acima, para que se perceba a forma
pitoresca das famosas crônicas, reproduzo do texto de Souza in Ponte, 2000, p,173,
a crônica “O Bembém da Garapeira”, que descreve a viagem do seu contemporâneo
à Paris:
Bembém foi e voltou radiante...” Aquilo é que é cidade” dizia entusiasmado
– “ No hotel onde me hospedei fui obrigado a escrever meu nome. Como a
língua era outra, escrevi; “ Bien-Bien” e, mais embaixo, “ Garapière”. E
completava: “ Olhe, lá eu só andava com um homem chamado Cicerone,
que sabia português como eu. Terra adiantada aquela: todo mundo falando
francês, até mesmo os carregadores chapelados, as mulheres do povo e as
crianças! Bembém não se cansava de falar da França e completava
declarando que lá a única palavra que ouvira em português fora “
mercibocu”... A conselho de um intelectual “ perverso”, mandara imprimir um
cartão para distribuir com amigos e frequeses: BIEN-BIEN – GARAPIÈRE –
Fortaleza – Ceará.
É interessante observar, portanto, que os materiais literários e pictóricos
de Otacílio de Azevedo, a exemplo do que citamos anteriormente, remetem a obras
que demandam implicações de ordem cultural, podendo contribuir para o resgate da
história do Ceará, complementando os fatos e revelando a identidade segregadora
de parte da sociedade e a resistência bem humorada de outra parte dela.
O grande feito dessa geração de jovens escritores e intelectuais foi
demonstrarem que aquela belle époque não seria tão bela assim. Como feito
extraordinário dessa geração foi criada a Padaria Espiritual, de repercussão
nacional, incomodou autoridades e burgueses. Revolucionários, resistentes as
influencias vindas de foras, marcados pelo bom humor, desafiavam a ordem