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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
COMO TOMADORES DE DECISÃO EXPERTS
PERCEBEM CENÁRIOS COMPLEXOS?
TESE APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E
DE EMPRESAS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR
ANNA ELIZABETH TAVARES DE ARAÚJO FREITAS
Rio de Janeiro - 2009
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
COMO TOMADORES DE DECISÃO EXPERTS
PERCEBEM CENÁRIOS COMPLEXOS?
Tese de doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Administração da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas
EBAPE da Fundação Getulio
Vargas FGV para a obtenção do
grau de Doutor em Administração.
Anna Elizabeth Tavares de Araújo Freitas
Rio de Janeiro, maio de 2009
ORIENTADOR: Prof. Dr. Alexandre Linhares
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
COMO TOMADORES DE DECISÃO EXPERTS
PERCEBEM CENÁRIOS COMPLEXOS?
TESE DE DOUTORADO APRESENTADA POR:
ANNA ELIZABETH TAVARES DE ARAÚJO FREITAS
E
APROVADA EM __/__/__
PELA COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________
PROF. DR. ALEXANDRE LINHARES
EBAPE - FGV
___________________________________________
PROF. DR. JOAQUIM RUBENS FONTES FILHO
EBAPE-FGV
___________________________________________
PROF. DR. DELANE BOTELHO
EBAPE-FGV
___________________________________________
PROF. DR. ALEXANDRE MENDES
THE UNIVERSITY OF NEWCASTLE - AUSTRALIA
___________________________________________
PROF. DR. GERSON LACHTERMACHER
FEA - UFRJ
___________________________________________
PROF. DR. CHRISTIAN NUNES ARANHA
PUC-RIO
4
Aos meus pais.
5
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a várias pessoas que direta ou indiretamente me inspiraram,
orientaram, me assistiram e tornaram possível meu estudo doutoral. Em especial, meus
maiores agradecimentos são dirigidos ao prof. Dr. Alexandre Linhares, meu orientador,
que me mostrou a relevância da pesquisa e sua base científica. Seu entusiasmo
contagiante pelas ciências, me incentivou, proporcionando desafios e estímulos
intelectuais, que resultaram nesta Tese de Doutorado, e irão influenciar positivamente
toda minha carreira.
Agradeço aos professores Prof. Dr. Joaquim Rubens Filho, Prof. Dr. Delane
Botelho, Prof. Dr. Alexandre Mendes, Prof. Dr. Gerson Lachtermacher e Prof. Dr.
Christian Aranha, membros da minha banca, por suas sugestões, críticas construtivas, e
comentários que ajudaram a construir a versão final deste trabalho. Gostaria também de
agradecer ao Prof. Dr. Eduardo Marques e a Profa. Dra. Maria Augusta, por participarem
do meu exame de qualificação, por suas valiosas sugestões.
Agradeço também, a todos os docentes, colegas de doutorado e funcionários da
EBAPE, com os quais convivi e recebi inestimável apoio ao longo desta trajetória; ao
Prof. Dr. Alexandre Mendes, por sua valiosa contribuição na análise de dados com a
utilização de data mining.
Ao grandmaster Rafael Leitão pela imensa gentileza em contribuir com suas
análises, e aos muitos enxadristas que, de forma dedicada, ofereceram-se para participar
dos diversos experimentos de reconstrução, proporcionando elementos que foram
essenciais para a construção deste trabalho.
Agradeço aos meus pais, aos meus irmãos Tony, Xande e Beto, pois me
ensinaram que crescemos e reforçamos a união ao manter a autenticidade em divergir,
questionar e debater. Finalmente, agradeço pelo amor inequívoco que eles sempre, de
forma irrestrita, me ofereceram.
6
RESUMO
Nesta tese, apontamos uma crítica à pesquisa básica de Chase e Simon (1973), e
buscamos novos resultados ao analisar os erros de enxadristas experts e novatos em
experimentos de reprodução de posições de xadrez. Enxadristas, com diferentes níveis de
expertise, participaram do estudo. Os resultados foram submetidos a análises qualitativas
com um grandemestre brasileiro, e as análises quantitativas foram realizadas com o uso
de métodos estatísticos tradicionais e métodos de data mining. Os resultados alteram de
forma significativa as teorias correntes de expertise, memória e tomada de decisão
nesta área, pois a teoria atual prevê uma codificação via peças em quadrados, com
jogadores conseguindo registrar a situação estratégica reproduzindo-a fielmente, mas
cometendo vários erros do tipo que a teoria não prevê.
A teoria atual não pode explicar completamente a codificação utilizada pelos
jogadores para registrar um tabuleiro. Os erros de jogadores intermediários conseguem
preservar fragmentos da situação estratégica, ainda que tenham cometido uma série de
erros na reconstrução das posições. A codificação de chunks, portanto, inclui mais
informações do que o que é previsto pelas teorias correntes.
Atualmente, a literatura de percepção, julgamento e decisão é fortemente
concentrada na idéia de reconhecimento de padrões”. Baseados nos resultados desta
pesquisa, buscamos explorar uma mudança de perspectiva. A idéia de “reconhecimento
de padrões” pressupõe que o processamento de informação relevante é sobre “padrões”
(ou dados) que existem independentemente de qualquer interpretação. Propomos que a
tese sugere a visão da tomada de decisões via o reconhecimento de experiências.
PALAVRAS-CHAVE:
percepção, xadrez, reconhecimento de experiências, administração
7
ABSTRACT
In this thesis, the basic research of Chase and Simon (1973) is questioned, and we
seek new results by analyzing the errors of experts and beginners chess players in
experiments to reproduce chess positions. Chess players with different levels of expertise
participated in the study. The results were analyzed by a Brazilian grandmaster, and
quantitative analysis was performed with the use of statistical methods data mining. The
results challenge significantly, the current theories of expertise, memory and decision
making in this area, because the present theory predicts piece on square encoding, in
which players can recognize the strategic situation reproducing it faithfully, but commit
several errors that the theory can’t explain.
The current theory can’t fully explain the encoding used by players to register a
board. The errors of intermediary players preserved fragments of the strategic situation,
although they have committed a series of errors in the reconstruction of the positions. The
encoding of chunks therefore includes more information than that predicted by current
theories.
Currently, research on perception, trial and decision is heavily concentrated on the
idea of "pattern recognition". Based on the results of this research, we explore a change
of perspective. The idea of "pattern recognition" presupposes that the processing of
relevant information is on "patterns" (or data) that exist independently of any
interpretation. We propose that the theory suggests the vision of decision-making via the
recognition of experience.
KEYWORDS:
perception, chess, experience recognition, management
8
SUMÁRIO
1. CELEBRANDO A INTUIÇÃO................................................................................. 12
1.1 O julgamento rápido é uma habilidade crucial na tomada de decisões........... 13
1.2 Um estudo na área de julgamento e tomada de decisões .................................... 17
1.2.1 Nem todas as alternativas são exploráveis....................................................... 19
1.2.2 A percepção de uma situação molda as opções consideradas no processo
decisório.................................................................................................................... 22
1.3 Sumário.................................................................................................................. 24
2. PERCEPÇÃO E TOMADA DE DECISÕES: UMA CRÍTICA À TEORIA DE
CHUNKING.................................................................................................................... 26
2.1 Isolando as questões científicas............................................................................ 26
2.2 Chase e Simon (1973), parte (i): o experimento de recall.................................. 29
2.3 Chase e Simon (1973), parte (ii): o experimento de recall................................. 31
2.4 Sumário.................................................................................................................. 35
3. EXPERIMENTO: MATERIAIS E MÉTODO....................................................... 36
3.1 Método ................................................................................................................... 36
3.2 Participantes.......................................................................................................... 38
3.3 Materiais................................................................................................................ 38
3.3 Análise Numérica de Dados ................................................................................. 41
4. ANÁLISE QUALITATIVA DOS ERROS.............................................................. 64
5. IMPLICAÇÕES PARA A TOMADA DE DECISÃO NO XADREZ.................... 67
5.1 Introdução ............................................................................................................. 67
5.2 CHREST – Chunk Hierarchy and REtrievel STructure....................................... 68
5.3 Discrimination Nets ou Redes de Discriminação................................................ 69
5.4 Simulações: fases de aprendizagem e de execução............................................. 71
5.5 CHUMP – CHUnks of Moves and Patterns.......................................................... 73
5.6 Que tipos de erros devemos esperar de CHREST e teorias semelhantes? ...... 77
5.7 Sumário.................................................................................................................. 80
6. TOMADA DE DECISÃO VIA RECONHECIMENTO DE EXPERIÊNCIAS.... 81
7. O PRÓXIMO PASSO................................................................................................. 87
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 90
APÊNDICE A................................................................................................................ 104
Análise das posições reais e das reconstruções....................................................... 105
Análise da Posição Original 1................................................................................. 105
Análise da Posição Original 2................................................................................. 110
Análise da Posição Original 3................................................................................. 115
Análise da Posição Original 4................................................................................. 119
Análise da Posição Original 5................................................................................. 123
Análise da Posição Original 6................................................................................. 127
Análise da Posição Original 7................................................................................. 131
Análise da Posição Original 8................................................................................. 135
Análise da Posição Original 9................................................................................. 139
Análise da Posição Original 10............................................................................... 143
Análise da Posição Original 11- Aleatória.............................................................. 146
Análise da Posição Original 12 - Aleatória............................................................. 147
9
Análise da Posição Original 13- Aleatória.............................................................. 148
Análise da Posição Original 14 - Aleatória............................................................. 149
Comentários adicionais da entrevista ..................................................................... 149
10
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 2.1. Uma posição real de um jogo de xadrez e uma posição aleatória..................29
Figura 2.2. O resultado clássico de Chase e Simon .........................................................30
Figura 2.3. A distribuição dos tempos na tarefa de percepção .........................................32
Figura 3.1. Heatmap com clusters entre diferentes atributos versus reproduções............47
Figura 3.2. Árvore de decisão – reconstruções estrategicamente perfeitas versus outras .53
Figura 3.3. Árvore de decisão -classe “2” versus classe “0” ............................................59
Figura 3.4. Árvore de decisão - reconstruções muito ruins versus as outras ...................62
Figura 5.1. Um fragmento de uma rede de discriminação.................................................69
Figura 5.2. Um exemplo de template CHREST ................................................................71
Figura 5.3. Reconhecimento de experiências ...................................................................77
11
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1.1. Definições de Intuição ....................................................................................15
Tabela 1.2. Processos de Decisão Sujeitos a Information Overload .................................21
Tabela 1.3. A Influência da Estrutura do Problema...........................................................22
Tabela 2.1. Tabela 1 de Chase e Simon.............................................................................33
Tabela 3.1. Resultados de atributos pela ordem, por teste.................................................44
Tabela 3.2. Atributos mais e menos importantes entre as três classes distintas. ...............45
Tabela 3.2. Resultados sumarizados dos classificadores ..................................................51
Tabela 3.3. Precisão por teste. ...........................................................................................52
Tabela 3.4. Resultados de atributos pela ordem ................................................................55
Tabela 3.5. Resultados Classificação...........................................................................56
Tabela 3.6. Resultados Accuracy.................................................................................57
Tabela 3.7. Resultados método Naïve Bayes...............................................................58
Tabela 3.8. Resultados de atributos pela ordem e por teste...............................................60
Tabela 3.9. Resultados – Classificação.............................................................................61
Tabela 3.10. Resultados – Accuracy.................................................................................63
12
1. CELEBRANDO A INTUIÇÃO
"I found that the myth of the manager as a kind of orchestra conductor with everything
under control and all very organized and systematic and so on just didn’t hold up. It was a
job characterized by enormous amounts of interruption, it was almost frenetic, people
moving back and forth from one thing to another. A lot of very short tasks, very verbal,
not just verbal but oral as opposed to written, not much written. Half the tasks I watched
them perform last less than nine minutes and often you will see a very rapid sequence of
activities that will just bounce back and forth between things, they get interrupted a lot
and so on. Yes, it sounds like... how are you supposed to run an organization like… by
doing things like that? But then you have to understand what running an organization
means. A lot of it means dealing with those issues that nobody else can deal with. So
anything that comes up that doesn’t fall neatly into somebody or other’s responsibility
naturally ends up with the manager, so managers end up dealing with all kinds of
unexpected things. It’s a very unexpected job."
Henry Mintzberg
Em 1968, uma dissertação de doutorado do MIT (Massachusetts Institute of Technology)
trouxe importantes idéias para a literatura da Administração. Henry Mintzberg, seu autor,
argumentara que a natureza do trabalho dos gerentes era fundamentalmente distinta dos
(então) "mitos" de que gerentes "planejam, organizam, coordenam e controlam".
Mintzberg havia observado uma série de gerentes em ação e catalogado as tarefas em que
eles se engajavam. Em sua imensa maioria, as tarefas levavam intervalos de tempo
menores do que 9 minutos, e havia um enorme número de interrupções. Era claro que
gerentes não dispunham, na prática, de tempo em larga escala para, por exemplo, realizar
estudos de planejamento. Gerentes respondiam rapidamente a um contexto com enormes
mudanças, e as quatro “tarefas” (planejar, organizar, coordenar e controlar) foram
reclassificadas por Mintzberg como "objetivos". Era óbvio para Mintzberg que gerentes
13
necessitam de julgamentos e decisões rápidas, em contraste com longos processos de
planejamento.
Mintzberg sumariza, ainda hoje, suas contribuições científicas com o termo "celebrating
intuition" (Mintzberg, 2007, p.9). Com base nisso, esta tese também visa celebrar a
intuição, e podemos começar a discuti-la focalizando nos processos de tomada de
decisão.
1.1 O julgamento rápido é uma habilidade crucial na tomada de decisões
Gerentes têm que desenvolver a habilidade de julgar rapidamente o que é relevante. Um
gerente atual pode ter, a qualquer momento, dezenas ou centenas de e-mails não lidos,
diversas pessoas solicitando "um minuto" de seu tempo (presencialmente ou por
telefone), um enorme mero de autorizações, documentos legais e outros documentos
burocráticos para lidar, além de sua própria agenda: as tarefas que deseja realizar e o
futuro que deseja criar. Muitas vezes o workload é maior do que pode ser feito
(Mintzberg, 2007). Isso faz com que decisões como sobre o que é relevante e o que não é;
o que necessita de resposta imediata e o que não necessita; quem deve ser atendido, quem
deve retornar futuramente e quem não deve ser atendido; quais documentos devem ser
assinados após uma breve leitura e quais devem ser descartados ou negados; quais tarefas
postergar e quais delegar devam ser tomadas com extrema rapidez. Isso faz com que as
capacidades de julgamento rápido e intuição se tornem cruciais para a tomada de
decisões. A partir dessa realidade, propomos nesta tese o estudo da intuição humana e de
nossa racionalidade limitada.
O que exatamente é intuição? Ainda não uma definição científica que seja consenso
(Dane & Pratt 2007, vide tabela abaixo). Dane e Pratt, porém, ressaltam quatro
características que parecem compor a essência do constructo (tendo sido citadas por
pesquisadores oriundos de diversas disciplinas). A intuição é um processo (1)
14
inconsciente (2) envolvendo associações holísticas (3) que são produzidas rapidamente e
(4) resultam em julgamentos com carga afetiva (affectively charged judgments)
1
.
O conceito de intuição ainda não é maduro cientificamente, como DNA ou átomo ou
“variância”. Há, ainda, debate sobre a questão filosófica do que é intuição, e uma enorme
variedade de definições na literatura científica.
Definições de Intuição
Jung (1933) Função psicológica que transmite percepção de um modo
inconsciente.
Wild (1938) Conscientização imediata por alguém, de uma determinada
entidade, sem qualquer ajuda dos sentidos ou da racionalidade
como causa para essa conscientização.
Bruner (1962) Arte da compreensão do sentido, significado, ou estrutura de
um problema sem a confiança explícita no dispositivo da
habilidade analítica de alguém.
Westcott & Ranzoni (1963) Processo de chegada a uma conclusão baseado em pouca
informação, normalmente obtido com base em informações
adicionais.
Rorty (1967) Compreensão imediata.
Bowers, Regehr, Balthazard
& Parker (1990)
Percepção preliminar de coerência (padrão, significado,
estrutura) que a princípio não é conscientemente representada,
mas guiada pelo pensamento e questionamento em direção a
um pressentimento ou hipótese relativos à natureza da
coerência em questão.
1 Instintos são reflexos automáticos ao estímulo, biologicamente inatos, não necessitando de experiência ou
aprendizado para seu desenvolvimento. Introvisão, ou Insight, em que surgem inesperadamente
pensamentos para a solução de um problema, é diferente de intuição, pois é um processo demorado que
inicia com pensamento analítico e deliberado, seguido de período de incubação. O insight possibilita a
consciencia das relações lógicas que apoiam uma resposta ou solução particular, enquanto que na intuição
não é possível de forma consciente explicar a lógica subjacente ao julgamento (Klein, 1999).
15
Shirley & Langan-Fox
(1996)
Sentimento de conhecimento acurado baseado em informação
inadequada e sem informação consciente do pensamento
racional.
Simon (1996) Atos de reconhecimento.
Shapiro & Spence (1997) Modo de processamento inconsciente e holístico em que as
decisões são tomadas sem consciência das regras de
conhecimento utilizadas para inferência e que parecem
adequadas, apesar da inabilidade pessoal para enunciar os
motivos.
Burke & Miller (1992) Conclusão cognitiva baseada em uma tomada de decisão com
experiências prévias e entradas emocionais.
Policastro (1999) Forma implícita de conhecimento que orienta a tomada de
decisão em uma direção promissora.
Lieberman (2000) Experiência subjetiva de um processo predominantemente não
consciente rápido, ilógico e inacessível para a
conscientização –, o qual, dependendo da exposição ao
domínio ou espaço do problema, é capaz de extrair
informações probabilísticas.
Raidl & Lubart (2000 -
2001)
Processo perpétuo construído por meio de um ato
primordialmente subconsciente de conectar elementos
discrepantes de informação.
Hogarth (2001) Pensamentos que são obtidos com pouco esforço aparente e
tipicamente sem estar ciente da conscientização, envolvendo
pouca ou nenhuma deliberação consciente.
Myers (2002) Capacidade para conhecimento direto e imediato anteriores a
análises racionais.
Kahneman (2003) Pensamentos e preferências que rapidamente e sem muita
reflexão chegam ao cérebro.
Tabela 1.1. Definições de Intuição
16
Para compreender o uso da intuição em decisões gerenciais, Agor (1986) solicitou
duzentos executivos, os 10% que, em um estudo prévio, pontuaram mais alto na “escala
de intuição”, para participar de uma pesquisa. Por meio de um questionário com 11
questões abertas, administradas por correio e entrevista pessoal, a pesquisa visava a
investigar de forma mais profunda como administradores utilizavam suas habilidades
intuitivas no contexto gerencial. O grupo de executivos foi selecionado justamente
porque, se a intuição estava sendo usada em processo de decisões, ela seria mais evidente
entre os executivos que tinham a maior habilidade de usá-la. Setenta respostas foram
recebidas de altos executivos de organizações como a General Motors, Chrysler
Corporation e Fundação Ford. Os executivos apontaram que a habilidade intuitiva é
apropriada:
quando existe alto nível de incerteza;
quando há poucos precedentes;
quando as variáveis são menos previsíveis cientificamente;
quando os fatos são limitados;
quando os fatos não apontam claramente a direção a ser tomada;
quando os dados analíticos são de pouca utilidade;
quando existem várias soluções alternativas plausíveis para seleção com bons
argumentos para cada; ou
quando o tempo é limitado e há pressão para estabelecer a decisão correta.
Entre os exemplos citados por Agor (1986) de decisões estratégicas importantes, em que
executivos alegaram seguir a intuição (com resultados finais que se mostraram, a
posteriori, positivos), estão: não recomendar o investimento em um projeto em que havia
capacidade técnica e apoio do corpo de cientistas para sua implementação; ou a decisão
de manter um determinado medicamento no mercado apesar da recomendação da FDA de
tirá-lo.
Entretanto, o uso da intuição nas empresas não se restringe a questões estratégicas. Em
um estudo em que gerentes indicaram áreas funcionais com crença de que a intuição tem
17
um papel essencial, a maioria indicou que a intuição era significante para decisões em
estratégia coorporativa e planejamento, marketing, desenvolvimento de recursos
humanos, pesquisa e desenvolvimento, investimentos e aquisições, fusões e alianças. Um
menor número de respondentes indicou acreditar que a intuição tem um papel em
decisões relacionadas a investimentos de capital, finanças, produção e gestão de
operações (Parikh (1994) em Sadler-Smith & Shefy, 2004).
O papel da intuição nas empresas pode ser até subestimado. Sadler-Smith e Shefy (2004)
ressaltam que executivos mais baixos na hierarquia podem ter a necessidade de exibir
“racionalidade” para os superiores, legitimando suas decisões com dados e análises, ao
invés de admitir abertamente que a ação é baseada em intuição, preferências e
julgamentos subconscientes. Funcionários de organizações podem acumular anos de
experiência em suas funções; no entanto, a superioridade do desempenho de um
especialista em relação a um novato depende do tipo de decisão envolvida. Em um estudo
em mercados financeiros envolvendo previsão de taxas de câmbio, os profissionais
tiveram desempenho pior que leigos com acesso apenas ao desempenho passado das
taxas (Johannes & Schmidt, 2006).
1.2 Um estudo na área de julgamento e tomada de decisões
Obviamente, a tomada de decisões é uma área central na administração. Nesta tese,
propomos estudos na subárea conhecida como julgamento e tomada de decisões
2
. Nesta
introdução, gostaríamos de ressaltar dois pontos cruciais para a compreensão da
importância de nossas propostas: (i) o julgamento rápido é uma habilidade crucial na
2 Há um crescente número de disciplinas intituladas Judgement & Decision Making nas universidades
americanas e européias; e journals científicos, como Judgment & Decision Making, Journal of Behavioral
Decision Making, ou Organizational Behavior and Human Decision Processes, têm se consolidado como
altamente relevantes. É possível que nos próximos anos também se tornem disciplinas, conferências e
periódicos regulares em nosso país.
18
tomada de decisões; e (ii) a percepção de uma situação ou cenário molda as opções
consideradas no processo decisório.
Teorias "racionais" de tomada de decisão, incluindo estudos em microeconomia, teoria
dos jogos ou pesquisa operacional, consideram que todas as opções possíveis deveriam
receber grau semelhante de atenção. Isto é, todos os branchpoints de uma árvore de
decisão deveriam ser percorridos sem um viés preestabelecido.
Um exemplo pode ser visto na introdução de um livro-texto de teoria dos jogos
(Osbourne e Rubinstein, 1994), em que, para tomar-se uma decisão, há, em cada
momento, as seguintes informações, formalizadas em um modelo matemático:
(i) um conjunto A de alternativas disponíveis;
(ii) uma função mapeando cada alternativa em A para um conjunto C de
consequências esperadas;
(iii) uma função mapeando cada consequência em C e para um conjunto U
(contido no conjunto dos números reais), ou seja, cada alternativa possui uma
consequência mensurável por uma função utilidade.
Nesse modelo, o processo de tomada de decisão consiste, portanto, de selecionar-se a
alternativa em A que maximize a utilidade esperada (Osbourne e Rubinstein, 1994). O
modelo implicitamente assume (i) que todas as alternativas são exploráveis. Também
assume (ii) que não uma predisposição para explorar uma alternativa em detrimento
de outras. Como veremos nesta seção, isso não é verdadeiro quando tratamos da
psicologia da tomada de decisões. Nosso objetivo aqui não é criticar a teoria de jogos per
se, pois ela possui enorme valor em inúmeras situações estratégicas (veja, entretanto,
Camerer, 2003 para tal crítica). Nosso objetivo é estudar como a psicologia humana lida
com tais situações e argumentar que tais pressupostos implícitos são inválidos no
contexto de processamento de informações pela mente humana: esses pressupostos são
inválidos no contexto da racionalidade limitada.
19
Considere o primeiro pressuposto: que se podem explorar todas as opções no conjunto A
de alternativas.
1.2.1 Nem todas as alternativas são exploráveis
Obviamente, o tempo e a atenção de um decisor são recursos escassos. Isso faz com que,
para um enorme número de árvores de decisão, apenas um pequeno subconjunto possa
ser considerado.
Simon e seus colegas demonstraram que isso não é possível (Simon & Chase, 1973;
Simon, 1987). Mesmo que uma pessoa fosse capaz de considerar números gigantescos de
alternativas sob pressão de tempo, problemas para os quais o número de opções está
além dos limites de processamento de informações. Considere um exemplo de problema
NP-Completo (Garey e Johnson, 1979), conhecido como Knapsack Problem: uma linha
aérea deve selecionar uma série de itens para transportar, de um conjunto de mil itens.
Não é possível transportar todos eles; então, deve-se selecionar um subconjunto dele.
Qual é o subconjunto mais lucrativo
3
?
Suponha que um método seja desenvolvido e que encontre o subconjunto ótimo em 1
segundo. No caso de acrescentarmos 20 elementos ao conjunto inicial (agora com 1020
produtos), o tempo que o mesmo método usaria seria calculado por 1x2
20
segundos, ou
seja, mais de um milhão de segundos (mais de 277 dias). Caso acrescentássemos um 21º
elemento, o tempo necessário dobraria novamente (Garey e Johnson, 1979). Meros 40
elementos adicionais (totalizando 1040 elementos) levariam a mais de 270 milhões de
dias. Obviamente, é impossível obter o conjunto ótimo, mesmo para um problema
facilmente caracterizado formalmente como este.
3 Não existe método conhecido para solucionar problemas NP-Completos em tempo factível. Dada a
importância prática e teórica desta classe de problemas, a descoberta de um método seria de gigantesco
impacto para a economia, a pesquisa operacional e a ciência da computação.
20
Simon propôs que, ao invés de otimização dentro de um espaço de possibilidades (que
levaria para a melhor alternativa, a “solução ótima”), as pessoas possuem racionalidade
limitada. As pessoas buscariam soluções satisfatórias, e, no momento em que uma
solução satisfatória é encontrada, o processo de busca por uma alternativa seria
interrompido. Simon propôs o termo “satisficing” em contraste ao termo “optimizing”.
Estudos modernos mostram, ainda, que, à medida que o número de informações
disponíveis cresce, a qualidade das decisões pode piorar. A tentativa de se analisarem
informações em demasiado pode confundir o indivíduo, afetar sua capacidade de
estabelecer prioridades e tornar as informações prévias mais difíceis de lembrar (Eppler e
Menguis, 2004). O desempenho do indivíduo correlaciona-se positivamente com a
quantidade de informação disponível apenas até certo ponto.
O impacto inesperado da quantidade de informações na qualidade das decisões foi
estudado em vários tipos de tomada de decisão (Eppler e Menguis, 2004 – vide tabela 1.2
abaixo). Entre os sintomas ou consequência do excesso de informação apontados na
revisão de literatura de Epler e Menguis (2004), estão a análise e organização arbitrária
de informação, tomada de decisões subótimas, confusão e falso senso de segurança
devido à redução de incerteza (excesso de confiança).
A naturalidade com que um especialista mais bem-sucedido age, seja ele um enxadrista,
um músico, ou um gerente, resulta de anos de treinamento e dedicação. Para se tornar um
grande mestre em xadrez ou um virtuoso no violino, são necessários vários anos de
experiência e treinamento intenso (Charness et al., 2001). Essa experiência acumulada
permite decisões rápidas sem a necessidade de constantes análises conscientes das
informações disponíveis – ou seja, permite o uso eficaz da intuição.
Pesquisas sugerem que indivíduos usam a intuição quando se deparam com pressões de
tempo: investigando bombeiros, militares e profissionais de serviços médicos de
emergência em seus ambientes reais de trabalho, Klein (1998) percebeu que o modo
21
como decidiam não era baseado no raciocínio analítico, mas sim no rápido
reconhecimento de situações como familiares e análogas.
Decisões Gerenciais em geral Ackoff, 1967; Iselin, 1993
Administração (projeto, estratégica,
produção)
Chervany e Dickson, 1974; Hacksever e Fisher,
1996; Meyer 1998; Sparrow, 1999
Supermercados (escolha de produtos) Friedman, 1977 e Jacoby et al., 1974
Processo de Previsão de Falência Casey, 1980; Iselin,1993
Processo de Orçamento de Capital Swain e Haka, 2000
Precificação Meyer, 1998
Publicidade (Seleção de Mídia) Meyer, 1998
Desenvolvimento de estratégia Sparrow, 1999
Decisões Financeiras Iselin, 1998; Revsine, 1970
Escolha de Marca Jacoby et al. 1974, 1987; Malhota, 1982; Owen,
1992; Scammon, 1977; Wilkie, 1974
Aviação O’Reilly, 1980
Decisões de Médicos Hunt e Newman, 1997
Tabela 1.2. Processos de Decisão Sujeitos a Information Overload
As características da tarefa modulam o efeito do expertise no desempenho. Spence &
Brooks (1997) verificaram experimentalmente que, variando o tipo de problema, a maior
vantagem de experts em relação aos novatos aparecia em tarefas pouco estruturadas, mas
estruturáveis.
Até este ponto procuramos estabelecer que nem todas as opções possíveis podem ser
exploradas num processo decisório (Simon, 1987; Klein, 1998; Garey & Johnson, 1979).
Vamos agora argumentar um segundo ponto crucial para a tese: a percepção que
decisores possuem de um cenário molda as opções consideradas, enfatizando algumas,
em detrimento de outras. Como vimos acima, este ponto também vai de encontro aos
pressupostos básicos das teorias racionais de decisão.
22
Inicialmente bem
estruturado
Inicialmente mal
estruturado, mas
estruturável
Inerentemente
desestruturado
Experts
Os profissionais
solucionam o
problema com base
em seus
conhecimentos e
informações externas.
Os profissionais aplicam
seus conhecimentos para
formular um problema
externamente bem
estruturado, o qual pode,
teoricamente, ser
resolvido.
Os profissionais
raciocinam por analogia
ou utilizam heurísticas,
e os resultados variam.
Iniciantes
Os aprendizes
descobrem como
solucionar o
problema com base
no conhecimento
geral e informações
externas.
Os aprendizes não podem estruturar o problema
com segurança, eles evocam heurísticas simplistas
e frequentemente inapropriadas.
Tabela 1.3. A Influência da Estrutura do Problema
1.2.2 A percepção de uma situação molda as opções consideradas no processo decisório.
Considere o seguinte exemplo, clássico na literatura de judgment & decision-making
(vide Kahneman, 2003):
Imagine que os Estados Unidos estejam se preparando para o rompante de uma doença
asiática atípica, em que se prevê a morte de 600 pessoas. Dois programas alternativos
para enfrentar essa crise foram propostos. Suponha que as estimativas científicas exatas
23
das consequências desses dois programas sejam dadas abaixo. Note que tanto o programa
A quanto o programa B levam à mesma utilidade esperada. Ou seja, a única distinção
entre os programas refere-se às probabilidades envolvidas (no caso do programa A, não
há incerteza, e a probabilidade é 1).
Programa A: 200 pessoas serão salvas e 400 pessoas morrerão
Programa B: Existe uma probabilidade de um terço de que todas as 600 pessoas
sejam salvas e nenhuma pessoa morra e uma probabilidade de dois terços de que
nenhuma pessoa seja salva e 600 pessoas morram.
Observe agora como uma amostra significativa de indivíduos entrevistados se comporta
diante dessas alternativas (Kahneman, 2003), ao reescrevermos as opções sem alterar seu
conteúdo lógico. Ao lado de cada alternativa está a percentagem de indivíduos que
optaram por determinado programa.
Programa A: 200 pessoas serão salvas. (72%)
Programa B: Existe uma probabilidade de um terço de que todas as 600 pessoas
sejam salvas e uma probabilidade de dois terços de que nenhuma pessoa seja
salva. (28%)
Programa A: 400 pessoas morrerão. (22%)
Programa B: Existe uma probabilidade de um terço de que nenhuma pessoa
morra e uma probabilidade de dois terços de que 600 pessoas morram. (78%)
Como esses estudos demonstram, as tomadas de decisão são efetivamente executadas no
momento da “percepção” do problema, e as associações subjetivas relacionadas aos
termos “vidas serão salvas” e pessoas morrerão” influenciam significativamente a
tomada de decisão.
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