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ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA
DO RIO DE JANEIRO
FrancilaidedeQueirozRonsi
Mística,lugardeencontroediálogointer-religioso
ContribuiçõesdeJuanMartinVelascoe
AndrésTorresQueiruga
DissertaçãodeMestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Teologia Sistemática do Departamento de
TeologiadaPUC-Rio.

Orientadora:Profa.MariaClaraBingemer
RiodeJaneiro
Julhode2009
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Todososdireitosreservados.Éproibidaareproduçãototalou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autoraedaorientadora.
FrancilaidedeQueirozRonsi
Graduou-se em Teologia Sistemática pela Universidade
Católica de Pernambuco (UNICAP), em 2007. Desenvolveu
peloProgramadeIniciaçãoCientifica,umapesquisasobrea
cultura e religiosidade afro brasileira, utilizando-se da
metodologiatransdisciplinar,oportunidadeem queaprimorou
seuinteressecientíficopelodiálogointer-religioso.
FichaCatalográfica

CDD:200
Ronsi,FrancilaidedeQueiroz
Mística, lugar de encontro e diálogo inter-
religioso:contribuiçõesdeJuanMartinVelascoe
AndrésTorresQueiruga/FrancilaidedeQueiroz
Ronsi;orientadora:MariaClaraBingemer.–2009.
163f.;30cm

Dissertação (Mestrado em Teologia)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro,RiodeJaneiro,2009.
Incluibibliografia

1.Teologia–Teses.2.Pluralismo.3.Diálogo
inter-religioso. 4. Mística. 5. Experiência. 6.
Religião.7.Revelação.I.Bingemer,MariaClara.
II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.DepartamentodeTeologia.III.Título.
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ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA
DO RIO DE JANEIRO
FrancilaidedeQueirozRonsi
Mística,lugardeencontroediálogointer-religioso
ContribuiçõesdeJuanMartinVelascoeAndrés
TorresQueiruga
Dissertação apresentada como requisito parcial para a
obtençãodograudeMestrepeloProgramadePós-Graduação
em Teologia do Departamento de Teologia do Centro de
Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela
ComissãoExaminadoraabaixoassinada.
Profa.MariaClaraLucchettiBingemer
Orientadora
DepartamentodeTeologia–PUC-Rio
Profa.LúciaPedrosadePádua
DepartamentodeTeologia–PUC-Rio
Profa.CeciMariaCostaBaptistaMariani
PUC-Campinas
Prof.PauloFernandoCarneirodeAndrade
CoordenadorSetorialdePós-GraduaçãoePesquisadoCentrode
TeologiaeCiênciasHumanas–PUC-Rio
RiodeJaneiro,02dejulhode2009
Agradecimentos
Ao Senhor da vida, que por me conceder esta oportunidade de crescimento
intelectualmeconduziuaSuapresença.
ÀminhaorientadoraMariaClaraBingemer,porsuapaciência,estímuloeparceria
paraarealizaçãodestadissertação.
Ao meu pai Francisco Ronsi Neto ‘in memorian’ e a minha mãe Alaíde de
QueirozRonsi,pelocarinho,paciência,confiançaeestímulo.
Àsminhasirmãseaomeuirmãoportodocarinhoeconfiança.
AoGrupodeOraçãoVidaNovaeaComunidadeBomPastor,portodoincentivo
eorações.
AoprofessorGilbrazAragãoeaosdemaisprofessoresefuncionáriosdaUNICAP
portodoincentivoeconfiança.
AosprofessoresefuncionáriosdaPUC-Riopeloapoioeacolhidafraterna.
AopadreLuizFernandoSantana,pelapresençafraternaesolidária,eaosdemais
amigossacerdotesquecomsuapresençanestacaminhadameanimaramcomsuas
palavrasetestemunho.
ÀPROLICeaPUC-Riopeloauxíliofinanceiroduranteesteperíododeestudos.
AtodaminhafamíliaeamigosconquistadosnoRiodeJaneiroenoRecifequede
umaformaoudeoutrameestimularamnestacaminhada.
Resumo
Ronsi,FrancilaidedeQueiroz;Bingemer,MariaClara.Mística,lugarde
encontro e diálogo inter-religioso. Contribuições de Juan Martin
Velasco e Andrés Torres Queiruga. Rio de Janeiro, 2009. 163p.
Dissertação de Mestrado. Departamento de Teologia, Pontifícia
UniversidadeCatólicadoRiodeJaneiro.
Diantedocontextoricamentepluralemquenosencontramosequedesafia
as tradições religiosas, acreditamos estar frente a uma oportunidade única para
queocorraodiálogoentreasmaisdiversastradições.Trata-sede,semrenegarou
desconheceroquehádeúnicoeirrevogávelemcadareligião,podernoconvívio
com a diversidade acolher o que é específico e essencial de cada uma. Sem
abandonar a identidade cristã procuramos encontrar uma base para a reflexão
teológica que possibilite à cristã o reconhecimento justo e respeitoso da
pluralidadereligiosa.Paraisso,buscamosacontribuiçãodeumfenomenólogoda
religião,JuanMartinVelasco,quecomsuasreflexõesnosapresentaaimportância
que está adquirindo a dimensão espiritual no diálogo inter-religioso. Assim
também estudamos o pensamento do teólogo Andrés Torres Queiruga, que nos
afirma a autêntica necessidade de um encontro entre as religiões. Desta
confrontação compreendemos que em todas as religiões existe a experiência
mística unicamente graças ao convite e desejo de Deus que deseja tornar-se
conhecido.AcolhendoestaPresença,oserhumanotemapossibilidadedeatingir
sua autêntica realização. E sem fazer oposição à singularidade cristã na
interpretaçãopositivadasoutrasreligiõesedopluralismoreligioso,apontamosa
místicacomoumnovoparadigma,lugardeencontroediálogointer-religioso,por
acontecer na experiência mais profunda de todo ser religioso, colocando em
contatoquemavivecomaraizdeondetodasasreligiõesemanam.
Palavras-chave
Pluralismo,diálogointer-religioso,mística,experiência,religião,revelação.

Resumé
Ronsi, Francilaide de Queiroz; Bingemer, Maria Clara. Mystic, lieu de
rencontre et de dialogue inter-religieux. Contributions de Martin
Velasco et Juan Andrés Torres Queiruga. RiodeJaneiro,2009.163p.
DissertationdeMestrado.Départementdethéologie,PontificieUniversité
CatholiquedeRiodeJaneiro.
Danslecontexterichementplurieldanslequelnousvivons,queconstitue
un défi pour les traditions religieuses, nous croyons nous trouver devant une
chance pour le dialogue entre les plus diversestraditions. Celase passe quand,
sans renier ou méconnaître ce qu´il y a d´unique et irrévocable dans chaque
religionnouspouvons,danslaconvivialitéavecladiversité,acueillircequiest
spécifique et essentiel de chacune. Sans abandonner l´identité chrétienne nous
essayons de trouver une base pour la reflexion théologique qui soit em même
tempsunepossibilitèréellepourlafoichrétiennedereconnaîtred´unefaçonjuste
et respectueuse le pluralisme religieux. Pour cela, dans ce travail nous avons
cherché la contribution d´um phénoménologue de la religion, Juan Martin
Velasco, lequel,avec ses réflexions, nous presente l´importanceacquérie par la
dimensionspirituelledansledialogueinter-religieux.Nousavonsétudiéaussila
penséeduthéologienAndrésTorresQueiruga,lequelnousaffirmel´authentique
necessité d´une rencontre entre les religions. De cette confrontation nous
comprenonsque,danstouteslesreligionsilexisteuneexpériencemystique,due
seulementàl´invitationetaudésirdeDieudesefaireconnaître.Et,enacueillant
cette Présence, l´être humain a une possibilité d´authentique réalisation. Sans
entrer enconflit avec lasingularité chrétienne dans l´interprétation positive des
autresreligionsetdupluralismereligieux,nousessayonsdesignalerlamystique
comme un nouveau paradigme, lieu de rencontre et dialogue inter-religieux,
possible événement dans l´expérience la plus profonde de tout être religieux,
mettantencontactceluiquilavitaveclaracineoùpuisenttouteslesreligions.
Motsclés
Pluralism,dialogueinterreligieux,mystique,expérience,religion,révélation.
Sumário
Introdução................................................................................................ 10
I.Ateologiaeocontextoreligioso.......................................................... 15
1.1Osdesafiosdopluralismoreligioso ................................................... 18
1.2Opluralismoreligioso:umaquestãoteológica....................................22
1.3Teologiadasreligiõeseteologiadopluralismoreligioso................... 24
1.4Ateologiacristãdasreligiões ............................................................ 27
1.5Abuscaporumnovoparadigmateológico........................................ 35
2.Ofenômenoreligiosoemístico ........................................................... 41
2.1Umdesafioàsreligiões ..................................................................... 44
2.2Oserhumanochamadoaviverapartirdoseuinterior..................... 46
2.3Areligiãoesuareafirmação .............................................................. 49
2.4Fenomenologiamística...................................................................... 52
2.5Amísticacristã .................................................................................. 60
2.6Areligiãoparaalémdesimesma...................................................... 67
Conclusão................................................................................................ 73
II.Umpossívelcaminho .......................................................................... 75
3.Amísticacomoparadigma .................................................................. 75
3.1 “Em todas as religiões existe experiência mística” – Juan Martin
Velasco.................................................................................................... 75
3.2Oserhumano,umsercomummistérionocoração ......................... 76
3.3Amísticaesualinguagemhumana................................................... 79
3.4Apresençaoriginante........................................................................ 83
3.5Ascaracterísticasdaexperiênciamística.......................................... 95
3.6Onúcleoorigináriodaexperiênciamística........................................104
3.7Mística,condiçãodeexistênciaparaareligião ............................... 114
4.“Todasasreligiõessãoverdadeiras”–AndrésTorresQueiruga ...... 118
4.1ARevelaçãocomomaiêuticahistórica ............................................ 120
4.2Ahermenêuticadoamor ................................................................. 126
4.3AeleiçãoeauniversalidadedeDeus.............................................. 128
4.4Ocristianismoeoutrasreligiões...................................................... 133
4.5Onãoabsolutismodocristianismo................................................. 135
4.6Anecessidadedenovascategorias ................................................ 137
4.7Averdadeentreasreligiões ............................................................ 148
Conclusão.............................................................................................. 152
Conclusãofinal ...................................................................................... 153
Referênciasbibliográficas...................................................................... 156
Abreviações
DocumentosdaIgreja
AG-AdGentes
DV-DeiVerbum
GS-GaudiumetSpes
LG-LumenGentium
NA-NostraAetate
RM-RedemptorisMissio
DH-DignitatisHumanae
UR-UnitatisRedintegratio
DA-DiálogoeAnúncio
DM-DiálogoeMissão
Naexperiênciamística,“Deusvemaele(aocrente)eelequerperder-se
emDeus.EDeussempreoreenviaaooutrohomem”.
CATTIN,Yves.Aregracristãdaexperiênciamística,p.30.
Introdução
Esta dissertação visa produzir uma reflexão que ajude a encontrar um lugar
em que possa ocorrer de maneira mais fecunda o diálogo entre as religiões cristãs
e as não cristãs. Lugar que promova um profundo encontro para além de uma
simples troca de idéias, conhecimento conceitual ou formulações de verdades,
pela incansável busca de uma abertura que todas as religiões possuem por aquilo
que as atravessa e as transcende.
Para o desenvolvimento desta dissertação, teremos a contribuição do
pensamento do filósofo da religião Juan Martin Velasco
1
e do teólogo Andrés
Torres Queiruga
2
. Juan Martin Velasco nos apresenta a importância que está
adquirindo no diálogo inter-religioso a dimensão espiritual e a experiência interior
que comportam todas as religiões, e destaca exatamente a experiência mística
como importância decisiva no diálogo. Andrés Torres Queiruga nos afirma a
autêntica necessidade de um encontro com as religiões, partindo da concepção de
que todas as religiões como tematização da constitutiva relação salvífica do
homem com Deus são verdadeiras.
Esta confrontação nos permitirá reconhecer a plausibilidade de semelhanças
entre os místicos de diferentes tradições religiosas, sem desconhecer ou relegar o
que de único e irrevogável em cada religião. E possibilitará o convívio com a
diversidade, reconhecendo suas singularidades e características específicas,
essenciais de cada uma em particular, bem como sua irredutível alteridade.
Acreditamos ser importante uma mudança de atitude nas religiões e que seja
compartilhada entre as tradições, porque o ser humano possui em sua consciência
duas dimensões “uma superficial, que consiste em relações horizontais e outra de
profundidade, que consiste em estar direcionada verticalmente para o absoluto”
3
.
A partilha desta mudança de atitude possibilita a integração destas duas
dimensões, sem abandonar suas especificidades. Tentativas para um tempo
marcado essencialmente pela convivência entre diferenças no rico pluralismo
1
Sacerdote e professor emérito de Fenomenologia da Religião na Universidade Pontifícia de
Salamanca em sua sede em Madri e na Faculdade de Teologia o Damaso. É um especialista em
temas relacionados à mística.
2
Sacerdote e professor de Teologia Fundamental no Instituto Teológico Compostelano, e de
Filosofia da Religião na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). É membro da Real
Academia Galega e Diretor de Encrucillada: Revista Galega de Pensamento Cristián.
3
QUEIRUGA, Andrés Torres. O diálogo das religiões. São Paulo: Paulus, 1997. p. 59.
11
religioso. As religiões, por serem todas tão complexas e contraditórias, precisam
umas das outras para se tornarem plenas e perceberem que o desejo que as move é
comum em todas, por quererem a realização humana, bem como a vida em
plenitude.
Temos como objetivo para nossa dissertação, encontrar uma base para a
reflexão teológica que possibilite à cristã o reconhecimento positivo, justo e
respeitoso da pluralidade e da diversidade religiosa, sem abandonar a identidade
cristã. E para isto, a nossa metodologia nos possibilitará uma compreensão
complexa e não dualista das aparentes contradições nas tradições religiosas, para
um encontro e diálogo entre as diferentes verdades existentes. No entanto,
pretende dar-se em um outro nível, na experiência de Deus, no qual se estabeleça
uma ética capaz de corresponder aos anseios do ser humano, como condição
insubstituível para sua liberdade e responsabilidade.
Para uma melhor realização do nosso objetivo, apresentaremos nossa
dissertação dividida em duas partes. Na primeira, desenvolveremos dois capítulos
voltados para a contextualização do nosso estudo, abordaremos tanto a questão do
pluralismo religioso e da teologia quanto do fenômeno religioso e místico. E na
segunda parte, também dividida em dois capítulos, apresentaremos as reflexões de
Velasco e Queiruga, e em seguida, confrontaremos suas reflexões procurando
apresentar um possível caminho para o diálogo inter-religioso.
Na primeira parte, no primeiro capítulo, contrapondo-se ao crescimento
secular imposto pelo avanço da chamada pós-modernidade, defrontaremo-nos
com o pluralismo religioso que nos convida a buscar formas de possibilitar o
convívio harmonioso em nossa sociedade. Veremos que essa realidade para o
cristianismo em particular, com sua atual configuração, o provoca mais do que em
outra época a abrir-se para o reconhecimento das outras religiões em sua
identidade. E no que diz respeito ao diálogo inter-religioso, cria condições para
uma apreciação positiva das mesmas em sua pluralidade e especificidade.
Veremos que esta realidade é uma oportunidade para que ocorra uma atitude de
respeito e amizade entre pessoas e comunidades distintas, em um conhecimento
mútuo e um recíproco enriquecimento entre as religiões.
Ainda neste primeiro capítulo, observaremos que o pluralismo religioso
convoca a teologia a se conscientizar da excelência da própria palavra de Deus
que se fez história. Ela é chamada a refletir as questões fundamentais que exigem
12
de si mesma compreender o significado da pluralidade religiosa no projeto
salvífico de Deus e sua relação com o mistério de Jesus Cristo e com o
cristianismo. Como compreender e interpretar a vontade salvífica universal de
Deus sem negar a mediação de Jesus Cristo? Existe a possibilidade de diálogo
fora do âmbito das discussões doutrinais e fundamentais das religiões? Para
refletir sobre este conflito, abordaremos os principais paradigmas em que se
desdobrou a teologia no que diz respeito às religiões: o exclusivismo
eclesiológico, inclusivismo cristocêntrico e o pluralismo teocêntrico .
No segundo capítulo, desta primeira parte, abordaremos o fenômeno
religioso e místico. Neste capítulo, sinalizaremos a necessidade que tem cada
religião de assumir por detrás e mais além das características externas, como o
credo, os ritos, etc., pelas quais é reconhecida e através das quais é transmitida, a
ir mais além de si mesma. O que proporcionará no diálogo inter-religioso não se
deter “nas diferenças, às vezes profundas, mas confiar-se com humildade em
Deus, que é maior do que o nosso coração”
4
. Dentre os níveis de encontro com
suas respectivas formas de diálogo, que o cristianismo tem buscado concretizar,
apontaremos a mística por alcançar o nível mais profundo, por uma “comunhão
acima do nível das palavras”
5
. Neste nível, os homens e as mulheres são
chamados a “compartilhar as suas experiências de oração, de contemplação, de
e de compromisso, expressão e caminhos da busca do Absoluto”
6
. Nessa
experiência do sagrado, o místico torna-se peregrino de seu próprio interior,
descobre uma nova maneira de perceber o mundo: contempla-o com os olhos de
Deus.
Como veremos, o fenômeno místico repousa na experiência, não como
alternativa da fé, mas como experiência de fé. Aqui se destaca a atitude religiosa
movida por uma atitude de fé, onde se rompe a si mesmo no desejo de
transcender. Esta é uma experiência assumida pelos verdadeiros crentes das mais
variadas tradições religiosas. É uma experiência que se por aceitar, reconhecer
e acolher uma ‘Presença’ que é uma realidade em ato de revelação e comunicação,
que ‘dá de si’ à pessoa, e que nunca deixa de insinuar-se para que o ser humano
possa realizar-se plenamente.
4
DM, 35.
5
MERTON, Thomas. O diário da Ásia. Belo Horizonte: Vega, 1978. p. 248.
6
DM, 35.
13
Procuraremos delinear uma concepção de mística a partir da experiência
religiosa nas religiões, na tentativa de uma compreensão mais inclusiva da
realidade plural religiosa de que o outro é condição de possibilidade de viver mais
profunda e radicalmente a própria fé, sem perder sua essência. E para isto,
despertar a necessidade de viver com intimidade uma relação com Deus, sem
medo de abrir-se ao novo, e também de aprender com o que o outro é capaz de
dar. Através desta experiência, poderemos encontrar os sinais para que uma
religião possa chegar a ir além de si mesma, por assimilar um Mistério sempre
maior e ser o ponto de partida para um fecundo diálogo inter-religioso, por se
entender que as religiões são caminhos por onde as pessoas são conduzidas a sua
origem, ao que “chamamos nosso ser mais profundo, o divino em nós e em tudo o
que existe”
7
.
Na segunda parte, será a oportunidade para abordarmos as reflexões de
Velasco e Queiruga. No primeiro momento teremos a reflexão de Velasco,
veremos que em meio a tantas experiências religiosas, esta é uma oportunidade
para se desfazer de tudo que se tinha adquirido por ‘se ouvir dizer’ sobre Deus.
Este é o momento para descobrir, pela própria experiência, as pegadas de sua
Presença em nossa situação, aparentemente dominada pela incredulidade e tomar
consciência de sua silenciosa, porém real, ativa e inconfundível presença no fundo
do real, no âmago de cada ser humano. E assim, encontrar a autêntica fonte de
existir da religião, nessa experiência de abertura a esta Presença, que se
expressando segundo a época, cultura e educação, tem se dado de diferentes
formas nas tradições religiosas.
Nessa experiência, o ser humano é provocado a um aprofundamento de si, e
neste encontro consigo descobre-se no desapego que o impulsiona para o
exercício da alteridade
8
. Pois a experiência mística não se fecha no encontro
amoroso do fiel com Deus. Ao contrário, esta experiência tem como consequência
um descentrar-se, um sair de si, para reconhecer o outro e, nesse reconhecimento,
chegar ao Totalmente Outro.
No segundo momento com a contribuição de Queiruga, entenderemos que a
revelação de Deus ao homem implica em um intenso encontro consigo mesmo,
7
MELLONI, Javier. Las religiones, más allá de mismas. In: MELLONI, Javier (org.). El no-
lugar del encontro religioso. Ed. Trotta, Madri, 2008. p. 178.
8
Cf. BINGEMER, M. Clara. Alteridade e vulnerabilidade. Experiência de Deus e pluralismo
religioso no moderno em crise. São Paulo: Loyola, 1993. pp. 82-84.
14
que se desdobra numa maior percepção sobre a vida e numa melhor contribuição
na construção da história. E que essa experiência se dá a partir da revelação
acontecendo maieuticamente na história. Perceberemos que, a partir desta nova
perspectiva da revelação, a experiência de Deus torna-se diferente, não mais
acontecendo como um ditado divino, mas se apoiando na novidade da origem
histórica e na livre iniciativa divina.
Para Queiruga, na revelação, “não se manifesta o que o homem é por si
mesmo, e sim o que começa a ser por livre iniciativa divina. Não se trata de um
desdobrar imanente de sua essência, mas de uma determinação realizada por Deus
na história”
9
. O fiel, ao se deixar interpelar por esta Presença, apreende a
profundidade de sua realidade, abre-se a uma experiência singular da revelação e
se descobre no ‘próprio-ser-desde-Deus-no-mundo’. Essa é uma ação que parte
sempre de Deus em direção ao homem, que quando acolhe a presença reveladora
de Deus, que estava desde sempre aí, possibilita através desse seu ato uma
abertura ao seu próprio crescimento, à sua realização humana.
Finalmente, poderemos depois do que nos apresentam Velasco e Queiruga
tentar responder as seguintes questões: Qual será a importância da experiência de
Deus para um frutífero diálogo com as outras religiões? Como compreender a
vontade salvífica e universal de Deus sem negar a mediação de Jesus Cristo? Será
mesmo a experiência mística um lugar para o encontro e diálogo inter-religioso?
Enfim, nos lançaremos ao estudo desses autores na certeza de que os
mesmos nos abrirão importantes e fecundas perspectivas para nossa reflexão
teológica.
9
QUEIRUGA, A. Torres. A revelação de Deus na realização humana. São Paulo: Paulus, 1995. p.
115.
15
I.Ateologiaeocontextoreligioso
1.Opluralismoreligiosoeateologiadasreligiões
Asquestõesreferentesàproblemáticadopluralismoreligiosoocupamhoje
novarelevânciadentrodeumnovocontexto.Noentanto,opluralismoreligioso
enquanto problema teológico não é novo. Pois, ainda com os Apóstolos, o
cristianismonascentetevedeapresentarasuamensagem,primeiroemrelaçãoao
Judaísmoedepoisemrelaçãoàsoutrasreligiõesqueencontrouemseucaminho
10
.
SegundoJacquesDupuis,oqueé“novoéaconsciênciaagudaqueonossomundo
adquiriu do pluralismo das culturas e das tradições religiosas, bem como do
direitoàdiferençaqueéprópriadecadaumadelas”
11
.
A teologia do pluralismo religioso surge então, nesse contexto, como um
novonomeadotadoparaateologiadasreligiões,cujodesenvolvimentocomeçou
nadécadade60
12
.Suareflexãoserealizaàluzdafésobreopluralismoreligioso,
ouseja,sobreapluralidadedasreligiões,sobreofatodaexistênciadenãoapenas
umareligião,maisdemuitas.
Essa teologia possui o encanto da novidade, da abertura a horizontes
desconhecidos, provocando assim proposições que, às vezes, no cristianismo,
comovemasconvicçõesmaisprofundas,poisoqueseuestudoproporcionanãoé
somente uma aquisição de novos conhecimentos, mas uma reconstrução do
conhecimento religioso já adquirido, uma renovação de convicções religiosas
básicas,possibilitandoumanovaformadeviverareligião.
Surge, então, a necessidade de um novo paradigma, ou seja, uma nova
formaglobaldearticularecombinaroselementosdaféapartirdebasesnovas,de
suposições gerais inéditas
13
, pois sepercebeque“a marchadomundoe desua
cultura,assimcomoocontatovivoentreasdiversasreligiões,têm-nosfeitomuito
 
10
Cf. At 17,19-34 (Todas as passagens bíblicas serão tiradas da Bíblia de Jerusalém); Cf.
DUPUIS,Jacques.Ocristianismoeasreligiões.Dodesencontroaoencontro.SãoPaulo:Loyola,
2004.p.273.Referiremo-nosaesteautor,nocorpodotexto,apenascomoDupuis.
11
Ibid.,p.273.
12
VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso.Paraumareleiturapluralistadocristianismo.
SãoPaulo:Paulus,2006.p.13.
13
Ibid.,p.14.
16
conscientesdequeavivênciareligiosaencontra-seemumasituaçãonova;e,em
aspectosimportantes,radicalmentenova”
14
.
O pluralismo religioso não é um tema simplesmente teórico nascido das
especulações de intelectuais que o estejam querendo transmitir à sociedade.
Provémdaprópriarealidadedomundodehoje.Éumfatoqueseaproximacada
vez mais em todos os âmbitos: na sociedade, na cidade, no trabalho, na
comunicação e até mesmo na família, ninguém pode subtrair-se ao
reconhecimentodestanovapaisagemhumana
15
.
Semprocurarmosexporosfatoresqueseencontramnaorigemdestanova
realidade,sinalizamosapenasqueseencontravinculadaaoamplofenômenoda
globalização,namedidaemqueproporcionaumaaproximaçãovirtualerealentre
os diferentes povos. Essa aproximação, ocasionada pelo avanço dos meios de
comunicação nas sociedades, vem realizando uma interação de conhecimentos
mútuos, num processo que vem se acelerando exponencialmente
16
. Nesse
processo, todos os elementos e dimensões das sociedades do planeta estão se
inter-relacionandoefazendo-semutuamentedependentes.
Estainterpretaçãodassociedades,comsuasculturasereligiões,fazendo-se
presentesumasnasoutras,éumfenômenonovo
17
,oqueacentuaofatodequeas
religiõeseasculturasvejam-seobrigadasaconviver,poismuitassociedadessão
pluriculturais,ouseja,compostasporgruposprocedentesdeváriospaíses.Assim,
“pelo contato efetivo das religiões”
18
, todas estão presentes umas às outras,
inevitavelmente.
As novas sociedades provocam uma transformação que supõe uma
“verdadeirarevoluçãonaconsciênciareligiosadahumanidade;estamosvivendo
um momento da história no qual o acesso às diferentes religiões tem uma
amplitudeeumaprofundidadesemprecedentes”
19
.
EsegundoJeanClaudeBasset:
 
14
QUEIRUGA, A. Torres. El dialogo de las religiones en el mundo actual. El Vaticano III.
Barcelona, Herber-El Ciervo, 2001. p. 69. Apud. VIGIL, J. Maria. Teologia do pluralismo
religioso,p.29.
15
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.27.
16
Cf.MIRANDA,M.deFrança.Ocristianismoemfacedasreligiões.Religiõesemdiálogo.São
Paulo:Loyola,1998.p.12ep.38.
17
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.31.
18
QUEIRUGA,A.Torres.Odiálogodasreligiões.SãoPaulo:Paulus,1997.p.61.
19
ARTHUR, Chris. Religious Pluralism. A metaphorical approach. The Davies group. Aurora,
Colorado,2000.p.1.Apud.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.29.
17
A visão do mundo coerente e segura se encontra perturbada pelo contato com
outrasperspectivas,aescaladevaloresestabelecidasofreacompetiçãodeoutros
valores e outras normas. Não somente tem-se ampliado o campo dos
conhecimentos, mas também põe-se em dúvida a própria noção de verdade. A
filosofiaocidentalseconvertenumacorrentedepensamentoentreoutras,comoa
mulçumana,ahindu,achinesa,etc
20
.
Noentanto,comovimos,mesmoqueoprocessodeglobalizaçãogereuma
cultura global e a homogeneização da cultura sob determinados aspectos, ela
também cria um cenário favorável para o conhecimento e a manifestação das
diferenças
21
. A esses fatores acrescenta-se a mudança de consciência e de
mentalidadenaculturaocidental,decorrentedaconhecidacrisedamodernidade
22
.
Estanovasituaçãonoscolocafaceafacecomofatodapluralidadereligiosa,pois
se faz urgente uma posição em relação às outras religiões, não só no que diz
respeitoaocaráterteológico,mastambémporquestõesdecarátersocioculturale
político.
No que diz respeito ao caráter teológico, faz-se necessário partir de sua
contextualização,ouseja,dateologiaedomodeloaqueesseprincípiodáorigem,
chamado de teologia hermenêutica. Essa teologia se utiliza de um todo
indutivo que significa partir da realidade histórica e vivida, deixando-se
questionarporelaeprocurandolançarsobreelaaluzdaPalavrarevelada
23
.
SegundoC.Geffré,ateologiahermenêuticaé“umnovoatodeinterpretação
do evento Jesus Cristo com base numa correlação crítica entre a fundamental
experiência cristã de que a tradição dá testemunho à experiência humana
contemporânea”
24
.
 
20
BASSET,Jean-Claude.Eldiálogointerreligioso.Desclée.Bilbao,1999.p.7.
21
Cf.PACE,E.ReligiãoeGlobalização.In:ORO,A.P.–STEIL,C.A.(orgs.).Globalizaçãoe
Religião.Petrópolis:Vozes,1997.pp.25-42;VELHO,O.Globalização:antropologiaereligião.
In:Ibid.,pp.43-61;PRANDI,R.Areligiãodoplanetaglobal.In:Ibid.,pp.63-70.
22
Cf.LIBÂNIO,JoãoB.Aslógicasdacidade.Oimpactosobreaesoboimpactodafé.São
Paulo:Loyola,2001.
23
Diferente do que tradicionalmente foi empregado pela teologia como método dogmático
dedutivo.ApartirdoconteúdodoutrinaldasenunciaçõesdogmáticasdaIgreja,fundamentadasem
citaçõesdas escriturasconstruíam-seconclusõesteológicasprecisasqueconsistiamempartirde
princípios gerais para chegar às suas aplicações concretas, aos problemas hodiernos. O perigo
dessemétodoestavanofatodequequantomaisdeduçõessefaziamdosprincípiosabstratostanto
mais real era o risco de ficarem isoladas da realidade. No que tange à teologia das religiões,
partindo-sedodadodogmáticodasalvaçãouniversaldahumanidadeemJesusCristo,deduzia-se
comsurpreendentefacilidadeaexclusãoaprioridequalquervalorsalvíficodasoutrastradições
religiosas, a partir dos textos selecionados do Novo Testamento. Cf. DUPUIS, Jacques. O
cristianismoeasreligiões,pp.25-27.
24
GEFFRÉ, C. Le christianisme au risque de l’interprétation. Cerf, Paris, 1983. p. 71. Apud.
DUPUIS,Jacques.Ocristianismoeasreligiões,p.25.
18
Diante de uma realidade marcada pelo pluralismo religioso, não pode ser
promissora,comefeito,umareflexãoteológicaapartirdeumdiscurso‘sobreos
outros’. Pois se o princípio da contextualização e do método teológico
interpretativoéaplicadoseriamenteàrealidadereligiosadomundo,compreende-
se imediatamente que a teologia das religiões não pode ser vista simplesmente
comoumnovoassuntoousujeitosobreoqualsedeverefletirteologicamente
25
.
Dupuisdizsobrea‘teologiadasreligiões’oudopluralismoreligioso’,que,
maisdoquecomoumnovotemaparaareflexãoteológica,deveservistacomo
umnovomododefazerteologianumasituaçãodepluralismoreligioso.Paraele,
essateologiahermenêutica‘inter-religiosa’éumconviteaalargarohorizontedo
discurso teológico apresenta-se como “um novo método para fazer teologia”.
Segundoesseautor,se“conservaumaatitudedialógicaem cadaestágiodasua
reflexão:éreflexãoteológicasobreodiálogoenodiálogo.Éteologiadialógica
inter-religiosa”
26
.
Ateologiasevê,então,confrontadadeumamaneirainéditaemsuahistória
com a tarefa da interpretação das religiões e do próprio fato do pluralismo
religiosoàluzdarevelaçãocristã;ecomumare-interpretaçãodafécristãdentro
do horizonte hermenêutico fornecido pela realidade inter-religiosa atual.
Procuraremos,então,situarosprincipaisdesafiosdopluralismoreligiosohojeà
teologia,àféeàpráxiscristã,seguindo-seumaexposiçãosintéticadopercursoda
teologiaculminando,numacontextualizaçãododebateatual.
1.1Osdesafiosdopluralismoreligioso
Diante do tema do pluralismo, é possível dizer que a sociedade hoje
adquiriu, de alguma forma, certa noção de pluralismo e tolerância, ainda que
superficialmente, visto que a história da qual viemos é de milênios de atitudes
contráriasaopluralismo
27
.
SegundoSchillebeeckx,opluralismopassouaserumpressupostocognitivo
da consciência individual, tornando-o constitutivo da estrutura interior da
personalidadedaspessoas
28
.
 
25
Cf.DUPUIS,Jacques.Ocristianismoeasreligiões,p.29.
26
Ibid.,p.29.(grifodoautor).
27
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.35.
28
Para Schillebeeckx “o pluralismo se apoderou de nós como realidade cognitiva”. Cf.
SCHILLEBEECKX,E.Históriahumana.RevelaçãodeDeus.SãoPaulo:Paulus,1994.p.96.
19
Nossaculturacontemporâneanasceuplural.Opluralismoquefoigestado
na modernidade
29
, chega à “pós-modernidade”
30
ao seu auge. E nessa cultura,
apresenta-se do ponto de vista empírico, a pluralidade sob diferentes aspectos:
pluralidade de confissão religiosa (pluralismo religioso), de valores (pluralismo
axiológico),pluralidadedegrupossociaiseculturais(pluralismosociocultural)e
deorganizaçõespolíticas(pluralismopolítico)
31
.
Logo, é claro que na situação de pluralismo religioso, inédita na história
humanadaformacomoestáacontecendo,comgrandeeloquênciaefacilidadede
se fazer emergir uma nova expressão, são características desta sociedade
contemporânea
32
. E segundo Geffré, “o pluralismo religioso é um desafio mais
amedrontadorparaafécristãdoqueoateísmomoderno”
33
.
Nesta cultura, já não se admitem pretensões absolutistas, totalitárias e
nenhumaformadedogmatismo,sejaemrelaçãoàreligiãoouemqualqueroutro
sistemaquequeirapossuiromonopóliodaverdade
34
.Noentanto,exige-sepassar
daconstataçãofactualdapluralidadereligiosaparaopluralismoenquantoatitude
dereconhecimentodovalor,dosignificadoedariquezadasdiferenças,superando
tendênciasdedominaçãoedesprezoeabrindo-seaodiálogo
35
.
No caso do cristianismo, para Queiruga, deve “compreender-se e
compreender: compreender-se a si mesmo a partir das demais religiões e
compreenderasdemaisreligiõesapartirdavivênciaedainterpretaçãodareligião
àqualsepertence”
36
.
 
29
Sobreamodernidadever:AZEVEDO,MarcelodeC.Modernidadeecristianismo.SãoPaulo:
Loyola,1981.
30
Cf. LIPOVETSKY, G. A era do vazio. Lisboa: Relógio d’água, 1989. Segundo este autor,
vivemos na passagem de uma sociedade que se centralizou nas idéias, na razão, para uma
sociedadequetemasimagensnoseucentro.
31
Cf. EICHER, Peter.Pluralismo.In: Dicionários de Conceptosteológicos.Vol. II. Barcelona:
Herber, 1990. pp. 237-242; EICHER, Peter. Excelência da teologia em conflito com seu
pluralismo.Concilium,v.191,n.1,1980.p.15;LIBÂNIO,J.B.Aslógicasdacidade,pp.113-143.
32
Cf.MIRANDA,M.deFrança.Umhomemperplexo.Ocristãonaatualsociedade.SãoPaulo:
Loyola,1989.
33
GREFFRÉ,C.Olugar dasreligiõesnoplanodasalvação.In:TEIXEIRA,Faustino(org.).O
diálogointer-religiosocomoafirmaçãodavida.SãoPaulo:Paulinas,1997.p.112
34
Cf. STIEL, C. A. O diálogo inter-religioso numa perspectiva antropológica. In: TEIXEIRA,
Faustino (org.). Diálogo de pássaros. Nos caminhos do diálogo inter-religioso. São Paulo:
Paulinas,1993,pp.25-26;Cf.SCHILLEBEECKX,E.Religiãoeviolência.Concilium,272.1997.
p.168.
35
Sobreadistinçãoentrepluralismoepluralidade,cf.AZEVEDO,M.,Prólogode:TEIXEIRA,
Faustino.Diálogodospássaros,p.11.
36
QUEIRUGA,A.Torres.Odiálogodasreligiões,p.12.
20
Entretanto, nesse novo contexto em que se inserem todas as tradições
religiosas sãosuscitadasnovas questõese destasseabrem novasperspectivase
novaspossibilidadesdeexplicaçãosobreelementospresentesemcadareligiãoe
sua relação comas demais tradições. Masépreciso ressaltar que dependerá do
ângulosoboqualsejacontemplado,porqueessasituaçãopodesercaracterizada
comoumproblemaoucomoalternativapossíveldesobrevivênciadafé.Sobreas
questõesquesãolevantadasnocasodocristianismo,referem-seaelementosque
lhesãofundamentaisedizemrespeitoàrelaçãoentrearevelaçãocristãeasoutras
religiões
37
.
Naordemsócio-política,opluralismoreligiosotambémapresentaalgumas
questões. Abordaremosapenasaquestãodarelaçãoentreaviolênciaereligião,
como uma das principais preocupações no que se trata da convivência inter-
religiosaedafunçãodasreligiõesnasociedade
38
.
Emboraasreligiõessecaracterizemporsuafunçãosalvíficaehumanizante,
éconhecidapelomundoaforaaocorrênciadegrandesconflitosjustificadoscom
motivaçõesdeordemreligiosapelosmaisdiversosinteresses
39
.Noentanto,não
se limita desta forma à violência religiosa; ela se apresenta, também, na forma
mais sutil no cotidiano da convivência das pessoas presente na linguagem, no
comportamentoeemdiferentesmaneirasderidicularizaçãodareligiãoalheia.
De certo, mesmo que a ligação entre a religião e  a violência seja um
fenômeno complexo, cuja compreensão global requer uma analise
interdisciplinar
40
,ésabidoqueexistemobstáculoscriadospelasprópriasreligiões
paraumaconvivênciainter-religiosaharmônica.
Essarealidadeprovocaumgrandedesafioparaodiálogointer-religioso,por
pretenderapontarapossibilidadedeumhorizontedeconversaçãoalternativa;pois
revelaqueaviolênciareligiosaofazpartedaessênciadareligião,mas éum
desvio ou traição do dinamismo mais profundo que anima a relação do ser
humanocomoAbsoluto
41
.
 
37
DesenvolveremosessaquestãoquandoaprofundarmosasreflexõesdeAndrésTorresQueiruga,
naterceirapartedenossotrabalho.
38
Cf.BINGEMER,MariaC.(org.)Violênciaereligião.Cristianismo,islamismo,judaísmo.São
Paulo:Loyola,2002.
39
Cf. AMALADOSS, M. Religiões: violência ou diálogo? Perspectiva teológica. v. 34, n. 93,
2002.pp.179-196.
40
Osestudosacimaapontamnestesentido.
41
 Cf. TEIXEIRA, Faustino. Diálogo inter-religioso: o desafio da acolhida da diferença. In:
Perspectivateológica.v.34,n.93,2002.p.155.
21
No entanto, se as tradições religiosas têm contribuído para situações de
violência,aHistóriatambémtemdadoamplotestemunhodopapelpositivoque
podem desempenhar na sociedade. Quando essas assumem sua função
humanizanteesalvífica,“criandoorientação,consolo,eumaéticadeempatia”e
constituem-se em “pontos de referência” de “redes de solidariedade, de ajuda
mútuaederesistência”
42
,eemcaminhodesuperaçãodesituaçõesinjustasede
violênciaedeconstruçãodapaz
43
.Porqueécertoque“arelaçãoautênticacomo
Absolutocomotalnãoéviolentasobnenhumaspecto,antespelocontrário.Ela
despertaacorageminabalávelparaproduzirmaishumanidadeemtodosossetores
davida”
44
.
Identificamosassim,queosprincipaisdesafiosdarelaçãoentreasreligiões
estãorelacionadoscomaquestãodaconvivênciaedodiálogoentreasmesmase
dacomumresponsabilidadenasuperaçãodaviolência,desituaçõesdeinjustiçae
naconstruçãodeumaculturadepaz
45
.
O cristianismo é provocado a profundas mudanças. Pois, mais do que em
qualqueroutraépocadesuahistória,édesafiadoaabrir-separaoreconhecimento
das outras religiões em sua identidade e para o diálogo inter-religioso.
Oportunidade para uma ‘comunicação recíproca’, em ‘atitude de respeito e
amizade’ como “conjunto de relações inter-religiosas, positivas e construtivas,
compessoasecomunidadesdeoutroscredosparaumconhecimentomútuoeum
recíprocoenriquecimento”
46
.
No entanto, para esta comunicação, é preciso o desenvolvimento de uma
inteligibilidadedasreligiõesedesuaautocompreensão,paraquesejamsuperadas
atitudes de discriminação e intolerância e, ao mesmo tempo, uma apreciação
positivadasmesmasemsuapluralidadeeespecificidade,pois,emsetratandodo
cristianismo, “no diálogo inter-religioso, o cristão não deve ocultar a própria
 
42
HÄRING,S.Superaraviolênciaemnomedareligião.Concilium.nº.272,1997.4,p.683.
43
Cf. HÜNG, H. Teologia a caminho. Fundamentação para o diálogo ecumênico. o Paulo:
Paulinas,1999.pp.261-288.
44
SCHILLEBEECK.E.Religiãoeviolência.Concilium.nº.272.1997.4,p.171.
45
SegundoHansKüng:nãohaverápaznomundosemumapazentreasreligiões”.Cf.NG,
H.Projetodeéticamundial.Umamoralecumênicaemvistadasobrevivênciahumana.SãoPaulo:
Paulinas,1992,p.108.
46
DA,9.
22
identidade ao mesmo tempo em que se cuida com todo respeito da identidade
alheia”
47
.
E estando assim, cada tradição religiosa, enriquecida por sua
autocompreensão, se descobre como falou João Paulo II, que o genuíno
sentimento religioso conduz de fato a perceber o mistério de Deus, fonte da
bondade,eistoconstituiumafontederespeitoedeharmoniaentreospovos”
48
.
Entretanto,comoveremoslogoemseguida,opluralismoreligiosoprovocaa
teologiaemquestõesquelhesãoessenciais.Eexigequeateologiacompreendao
significado da pluralidade religiosa dentro do projeto salvífico de Deus e sua
relaçãocomomistériodeJesusCristoecomocristianismo.
1.2Opluralismoreligioso:umaquestãoteológica
Opluralismoreligiosoconvocaateologiaaseconscientizardaexcelência
do tema que lhe é próprio dentro da Igreja e diante da sociedade, isto é, da
excelênciadaprópriapalavradeDeusquesefezhistória”
49
.Oqueexigetambém
umanovareferênciaparadigmática.
Certamente, a mudança sociocultural provocada pelo pluralismo levou a
teologia a uma profunda transformação, principalmente, em relação ao
cristianismo que deve repensar sua atuação na sociedade, sem perder sua
identidadesingular–arevelaçãoexpressapelaencarnaçãodeJesusCristo–esua
abertura ao diálogo com outras tradições religiosas, à “procura da unidade na
diversidade”
50
, procurando ir além das fronteiras confessionais, pois todas as
tradições religiosas aspiram “a uma Realidade Última, além dos limites dessa
históriaeaaspiraçãoaumalibertaçãoouaumasalvaçãoemrelaçãoaosdiversos
malesdacondiçãohumana”
51
.
A atual diversidade religiosa e a autoafirmação das outras religiões como
mediadorasdasalvaçãoconstituiumfatordetensãoquedificultaaaproximaçãoe
o diálogo. Logo, se percebe que do ponto de vista teológico, o desafio que se
 
47
QUEIRUGA,A.Torres. Autocompreensãocristã.Dialogodasreligiões. SãoPaulo:Paulinas,
2007.p.12.
48
JOÃOPAULOII.DiscorsodiGiovanniPaoloII.IlRegno-Documeni.n.3,2002,p.76.Apud.
TEIXEIRA,Faustino.Diálogointer-religioso,p.155.
49
EICHER,Peter.Pluralismo,p.18.
50
GEFFRÉ,C.Olugardasreligiõesnoplanodasalvação.In:TEIXEIRA,Faustino.Odiálogo
inter-religioso,p.115.
51
Ibid.,p.116.
23
colocaé:comocompreendereinterpretaravontadesalvíficauniversal deDeus
semnegaramediaçãodeJesusCristo?
A questão fundamental desta problemática teológica, que se encontra no
centro das discussões a respeito das religiões, é a questão da unicidade de
universalidadesalvíficadoeventoJesusCristo.Muitossãoosquestionamentosjá
apresentados por muitos estudiosos desta temática, por exemplo: comose situa
estaafirmaçãocristãfrenteàdiversidadedereligiões?ComosesituaJesusCristo
no plano salvífico de Deus e que consequências essa sua posição tem para a
interpretaçãodasoutrasreligiões?Épossívelàreflexãoteológicacristãresolver
esteconflitosemrenunciaràidentidadecristã?
Para essas e tantas outras questões a esse respeito se faz necessária uma
reinterpretaçãodocristianismoedesuasafirmaçõesfundamentaisemconfronto
comasquestõessuscitadaspelopluralismoreligioso.Oproblemaprincipalaser
resolvido pela teologia cristã das religiões é a questão da singularidade e
universalidade salvífica de Jesus Cristo em conexão com a vontade salvífica
universaldeDeusesuacorrelaçãocomadiversidadereligiosa.
Estamosconscientes,noentanto,dequeabuscaderespostasàproblemática
cristológicasuscitadapelopluralismoreligiosodevasercoerentecomafécristãe
abertaàquestãodoencontroediálogointer-religioso,“emolduradoemumregime
dedomegratuidade
52
.
Para isso, acreditamos que a possibilidade para uma resposta que seja
coerentecomacristãseencontrenareinterpretaçãodasafirmaçõescentraisda
fécristãdeumamaneiraquepreservesuaidentidadeepossibiliteumaapreciação
positiva das outras religiões. Pois, “o pluralismo interno da teologia moderna
desafia a compreensão clássica de suas pretensões à verdade e introduz a
necessidadedamaisfundamentalrevisãoemsuaautocompreensãodisciplinar”
53
.
Ecomoveremosaseguir,algumasreflexõesteológicasrecentessobreeste
assunto apontam caminhos possíveis nesse sentido. O desafio principal que se
impõeéencontrarumabaseparaareflexãoteológicaquepossibiliteàfécristão
reconhecimentopositivo,justoerespeitosodapluralidadeediversidadereligiosa,
porém,semabandonaraidentidadecristã.
 
52
QUEIRUGA,A.Torres.Diálogodasreligiões,p.22.(grifodoautor).
53
THEIL,John.Pluralismonaverdadeteológica.Concilium.v.256,n.6,1994.p.77.
24
1.3Teologiadasreligiõeseteologiadopluralismoreligioso
Teologiadasreligiõeséoramodateologiaquefazdasreligiõesoobjetode
suareflexão,quepensasobreosignificadodasreligiões,seusentidonoplanode
Deus,suavalidezsalvífica,suasinter-relaçõeseseuspontosemcomum.
54
Durante vinte séculosocristianismo sempre sepreocupou com otemada
presença da Salvação nas religiões não cristãs. No entanto, nunca houve um
conjunto dedoutrina comoreflexãosistemáticasobreasreligiões;ou seja,uma
verdadeirateologiadasreligiões.Essateologiasurgiuapenasnaúltimametadedo
séculoXX,próximoaoConcílioVaticanoII
55
.Segundoalgunsautores,aprimeira
obra de teologia das religiões foi a de Heinz Robert Schlette, intitulada
precisamente“Asreligiõescomotemadateologia”,publicadaem1963
56
.
Osurgimentodessateologiasecolocanaesteiradeestudosdasreligiõesjá
iniciados anteriormente por outras ciências da religião como a história das
religiões, a psicologia da religião, a fenomenologia da religião, a filosofia da
religiãoeasociologiareligiosa.Essaconstataçãoindicaqueseupontodepartida
situa-senarenovaçãoteológicadosanospré-conciliares
57
.
Porém,separaoestudodasreligiõesoseu‘objetomaterial’éomesmodas
outrasdisciplinas,ateologiadasreligiõesdelassedistinguequantoaoseu‘objeto
formal’.E,assimcomoasoutrasciênciasabordamasreligiõesapartirdoponto
devistaquelheépróprio,ateologia,porsuavez,interessa-sepeloseuaspecto
histórico-salvífico, interpretando-as à luz da história salvífico-cristã, à luz da
revelaçãocristãe,portanto,àluzdafécristã
58
.
A teologia das religiões, a partir de sua especificidade deixa claro que
necessariamentecarregaráconsigoumcaráterconfessional.Paraisso,mesmoque
sepensenapossibilidadedeexistirumateologiauniversal
59
,écerto,noentanto,
 
54
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.60.
55
Cf.MIRANDA,M.deFrança.Ocristianismoemfacedasreligiões,p.16.
56
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.61.
57
SobreateologiadasreligiõesantesdoConcílio,cf.SARTORI,L.Teologiadelasreligionesno
cristianas.In:DiccionarioTeológicoInterdisciplinar.v.4,Salamanca:Sígueme,1987.pp. 423-
428.
58
Cf.BOUBLINK,V.Teologiadellereligione.Roma:Studium,1973.p.41Apud.DUPUIS,J.
Rumoaumateologiacristãdopluralismoreligioso.SãoPaulo:Paulinas,1999.p.17.Estaéuma
das mais importantes obras dentre as publicações sobre a teologia das religiões; TEIXEIRA,
Faustino.Teologiadasreligiões:umavisãopanorâmica.SãoPaulo:Paulinas,1995.p.12.
59
Estateologiauniversalpensadoporalgunsautoresincluiriacontribuiçõesdetodasasreligiõese
da fé em suas diferentes expressões religiosas, e, desta forma, se dirigiria não a uma religião
específica, mas atodas ascomunidadesreligiosas. Citaremosesta obra aolongo destecapítulo.
25
quetodaféreligiosacontacomumconteúdoquelheéespecificoeimplicanuma
adesãototaldapessoa,oqueresultainegavelmentenumadiversidadedeteologia.
Então,necessariamentetodateologiaé‘confessional’,atributoesteque“indicaa
adesão da fé da pessoa ou da comunidade, que é o tema do próprio fazer
teológico”
60
.
Aconstataçãodadiversidadeteológicapossibilitareconheceralegitimidade
de outras teologias confessionais das religiões e contribuir para que elas se
desenvolvam
61
,pois,astradiçõesreligiosasdesenvolvemsuateologia“namedida
em que seguidores destasdiferentes religiões refletem sobre oencontrocom as
outras religiões do mundo, ou então, sobre a relação de sua religião específica
comasdemaisreligiões,àluzdesuafé”
62
.
Ateologiadopluralismoreligiosoestáseimpondoporqueosteólogosestão
descobrindo que a realidade do pluralismo religioso, ou seja, a pluralidade de
religiões–ofatodequesejammuitasenãouma–éotemacentralhojenesta
teologia
63
eque,consequentemente,nãoémaispossívelfazerteologiacristãsem
dialogarcomoutrastradições.Logo,tendoemvistaodiálogointer-religioso,faz-
senecessárioumempreendimentoteológicoqueseorientapela“sinceraadmissão
da pluralidade e da diversidade decrenças, e da recíproca aceitação dos outros
exatamenteemsuaalteridade”
64
.
Portanto, construir uma teologia cristã das religiões baseada na adesão
pessoal da própria fé não significa fechamento e oposição à confissão de fé
diferente,esim,tomadadeposiçãofrenteaelas,desdeoprópriolugarreligiosoe
teológico.Enfim,“aadesãopessoalàprópriaeaaberturaàfédosoutroso
precisam se excluir mutuamente. Deveriam, pelo contrário, crescer
proporcionalmenteumaemrelaçãoàoutra”
65
.
SegundoDupuis,ateologiadasreligiõessedistinguedateologiadareligião.
Paraesseteólogo,ateologiadareligiãobuscacompreenderteologicamenteoque
éareligião,interpretaraexperiênciareligiosauniversaldahumanidadeeestudar
   
Referiremo-nos a este autor como Dupuis; Cf. DHAVAMONY, M. Teologia das religiões. In:
LATOURELLE,R.–FISICHELLA,R.DicionáriodeTeologiaFundamental.Petrópolis:Vozes;
SãoPaulo:Santuário,1994.p.807;DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.18.
60
Ibid.,p.19.
61
Cf.Ibid.,p.20.
62
DHAVAMONY,M.Teologiadasreligiões,p.807.
63
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.60.
64
DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.20.
65
Ibid.,p.20.
26
asrelaçõesrevelação-fé,-religião,fé-salvação,enquantoateologiadasreligiões
estávoltadaparaavariedadedetradiçõesreligiosas,procurandocompreendero
significadodopluralismoreligiosodentrodoplanosalvíficodeDeusparatodaa
humanidadeenasuarelaçãocomomistériodeJesusCristoecomaIgreja
66
.
Nessaperspectiva,ateologiadasreligiõessedesdobraemdoismomentos:
uma teologia das várias religiões, que se volta para as tradições religiosas
particulares
67
, e uma teologia geral das religiões, que aborda as tradições
religiosasemconjuntonoseusignificadodentrodoplanosalvíficodeDeus.Essa
teologiageraldasreligiõeséanterioràsteologiasparticularesnamedidaemque
colocaas questões geraisrelativasatodos oscasos,queprecedemas“questões
especificasrelativasaodiálogocristãocomtradiçõesreligiosasespecificas”
68
.
Nosúltimosanos,aexpressão‘teologiadasreligiões’estásendocadavez
mais substituída ou ampliada pela expressão ‘teologia do pluralismo religioso’,
apontando para uma mudança na perspectiva teológica. Isso porque a grande
questão em debate, hoje em dia, passou a ser a pluralidade das religiões, o
pluralismo religioso
69
. Ecomoconsequência,“em uma teologia das religiões, a
pluralidadedasreligiõesopodedeixardeser,definitivamente,umateologiado
pluralismoreligioso”
70
.
Areflexãoteológica,queantespriorizavaoproblemadasalvação,desloca-
se parao própriofenômeno dopluralismoreligioso,para assim,compreendere
valorizarpositivamenteapluralidadereligiosaàluzdomistériodeDeuseoseu
significado teológico. Essa nova reflexão provoca uma convergência das várias
religiões, pautadas no reconhecimento e respeito pelas suas diferenças e no
enriquecimentomútuo
71
.
Assim, o pluralismo religioso poderá ser mais que um desafio para a
teologia;elepodeserumachance
72
paraqueocristianismorevejasuasposturas
teológicas,eclesiológicasepastorais.Destaformaateologiacristãiluminadapor
 
66
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.21.
67
Cf.Ibid.,p.22ss.Eleapresentacomoexemplo,aexistênciadeumateologiacristãdojudaísmoe
doencontroentreoBudismoeoCristianismo.
68
Ibid.,p.23s.
69
Cf.Ibid.,p.19.
70
Ibid.,p.271.
71
Cf.Ibid.,p.26.
72
Cf.MIRANDA, M.de França.Opluralismoreligiosocomodesafioechance.REB.v.55,n.
218,1995.p.322.
27
suaraizhistóricaepelocontextoatual,poderenovar-setendoemvistaumamaior
percepçãodarevelaçãodeDeus,quedesejaserconhecidoemmáximamedida.
Abordaremos,noitemseguinte,comosedesenvolveuateologiacristãdas
religiões. Veremos como a teologia cristã tem procurado relacionar-se com as
demaistradiçõesreligiosas.
1.4Ateologiacristãdasreligiões
Desde seu surgimento, a teologia das religiões conheceu um significativo
desenvolvimento, provocado, sobretudo, pelo aprofundamento do conhecimento
das outras religiões, tanto no nível científico mediante estudos especializados
sobre diversas religiões, quanto no nível experiencial mediante o contato, a
comunicaçãoeaconvivênciainter-religiosa
73
.
Foi o Concílio Vaticano II que, com ousadia, deu um grande salto com
relaçãoàsoutrasreligiões
74
.Seuensinosobreasreligiõessecaracterizouporuma
atitudepositivadiantedasoutrasreligiões,possibilitandorenovaçãoteológicapré-
conciliar
75
. OConcílioafirmou respeitarevalorizar tudo de bome santoqueé
suscitado pelo Espírito em outras tradições, declarando o caráter “verdadeiro e
santo”dasoutrasreligiões,reconhecendoelementospositivosdevidaesantidade
presentes nas religiões não cristãs
76
. E reconheceu que a salvação dos seres
humanosvaimuitoalémdoslimitesdaIgreja;porintermédiodoEspíritoSanto,
Deus “opera de modo invisível” e oferece a todos a salvação
77
. Admitindo e
proclamando que Deus salva a humanidade “por caminhos só por ele
conhecidos”
78
.
Esse Concíliomarcou uma abertura semprecedentes nos posicionamentos
oficiais da Igreja, determinando uma nova fase em sua relação com os não-
cristãos
79
.Apartirdessaposição,estabelece-seumaoportunidadedecisivaparao
 
73
Cf. DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã, p. 26; MIRANDA, M. de França. Jesus
Cristo,umobstáculoaodiálogointer-religioso?REB.57(1997),p.243-264;Id.,,Ocristianismo
em face das religiões;TEIXEIRA, Faustino (org.) Diálogo dos pássaros; Id., Teologia das
religiões:umavisãopanorâmica.SãoPaulo:Paulinas,1995.
74
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.77.
75
Cf.
LG,16e17;AG,3,9e11;TambémNA;DVeDHapresentamimportantescontribuiçõesà
questão.
76
Cf.NA,2;UR,3;LG,13.
77
Cf.GS,22.
78
GS,22.
79
SobreateologiadasreligiõesnoMagistériodaIgrejaapósoConcílio,Cf.DUPUIS,Jacques.
Rumoaumateologiacristã,p.250ss.TEIXEIRA,Faustino.TeologiadasReligiões,pp.138-179.
28
desenvolvimentodateologiadasreligiõesnosanospós-conciliares,pois,nelese
falou sobre as religiões não-cristãs de um modo mais positivo do que nenhum
outrodocumentooficialdaIgrejaCatólicahaviafeitoantes
80
.
Noentanto,oConcílionãotevetempodeirmaisalém.Elenãoquestionou
se era possível afirmar que as próprias religiões não cristãs são caminhos de
salvaçãoparaseus membrosporsi mesmas,enão poruma participaçãosuano
mistériodeCristo.Suapreocupaçãomanteve-seempromoveracompreensão,o
diálogo,aacolhidaeacooperaçãoentreocristianismoeasreligiões,suscitando,
aomesmotempo,umamudançadeatitudeporpartedaIgrejaedoscristãosem
relaçãoàsmesmas
81
.
O Concílio foi uma ocasião em que uma Igreja cristã tomou a sério e se
pronunciou sobre as religiões não-cristãs de uma forma sem precedentes nem
paralelosemtodaahistória.Suasafirmaçõessignificaramumaportaabertaaos
teólogos, que se encontravam diante de um tema inédito, numa etapa nova de
relaçãoentremaisdiversastradiçõesreligiosas
82
.E,emboratenhareconhecidoo
juízoteológicoclarosobreosentidosalvíficodasmesmas
83
esobreosignificado
do pluralismo religioso, deixou como tarefa para a reflexão teológica posterior
examinar o alcance e tirar as consequências das afirmações desenvolvidas no
mesmo.
SegundoVigil,umadasmaisfamosaspublicaçõesdeteologiadasreligiões
querefleteesteespíritoaindaemconstruçãoé:Rumoaumateologiacristãdo
pluralismo religioso
84
. Paraele, oadjetivo‘cristã’ queleva otítulo destaobra
permiteentenderqueemtodasasreligiões,umareflexãofeitaapartirdafé,
umaféquebuscacompreenderepensarmaisoumenossistematicamente.Enum
sentidolegítimo,queateologiadasreligiõesnãosedáapenasentrecristãos.Não
háapenasumateologiadasreligiõescristãs
85
.Podemosfalarentão,deteologias
das religiões feitas a partir de outras plataformas religiosas distintas do
cristianismo.
 
80
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.81.
81
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.224.
82
Cf.SULLIVAN, FrancisA.¿Haysalvaciónfueradela Iglesia?.Desclée,Bilbao.1999.Apud.
VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.61.
83
Cf.MIRANDA,M.deFrança.Ocristianismoemfacedasreligiões,p.13.
84
Estaobra,citadaanteriormente(vernota57),éamaisrepresentativadeJacquesDupuisede
grandeimportânciaparaateologiadasreligiões.
85
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.61.
29
Esta realidade provoca segundo uma diversidade de posicionamentos, as
maisdiversasclassificaçõesnatentativadeconstruirumateologiadasreligiões
86
.
Propusemo-nos identificar os principais ‘paradigmas’ que dominaram a
tentativa de construir uma teologia das religiões e do pluralismo religioso.
Colocaremos, em primeiro plano, uma classificação tripartite universalmente
aceitaporsuaclarezaesimplicidade,aindaquealgunsteólogosconsideremesta
classificação insuficiente
87
, tendo em vista que foi de um modo ou de outro,
universalmente admitida. Dos modelos ou posições no âmbito da teologia das
religiões, esta classificação distingue três perspectivas fundamentais:
eclesiocêntrica, cristocêntrica e teocêntrica. A estas três perspectivas
correspondemtrêsposiçõesbásicas,respectivamente:exclusivismo,inclusivismo
e pluralismo
88
. Essas distinções, segundo Dupuis, correspondem a uma dupla
mudançadeparadigma
89
.
Procuraremosaqui,seguindoDupuis,explicaraspressõesquefizeramcom
quea teologiadasreligiõespassassepor umaduplamudançadeparadigma,do
eclesiocentrismoaocristocentrismo,edocristocentrismoaoteocentrismo,oque
torna evidente que a questão cristológica, que originalmente se encontrava no
centrodetodadiscussãodateologiadasreligiões,tende,naopiniãodemuitos–
com ou sem razão – a uma progressiva marginalização. Será preciso, segundo
Dupuis, “ir à procura de um modelo praticável para uma teologia sintética das
religiõesquesejaaomesmotempocristãeaberta”
90
.
Nessa classificação, o exclusivismo, como paradigma de teologia das
religiões, é equivalente ao eclesiocentrismo: a Igreja se converte em centro da
ação missionária ou mediação obrigatória da salvação. Essa foi a posição
teológicahegemônicanocristianismo.Edeuma“históriatãodilatadanotempoe
no espaço não é difícil encontrar pensadores e correntes eclesiais nos quais se
 
86
Cf. VIGIL, J. Maria. Teologia do pluralismo religioso, p. 65; Cf. PANIKKAR, Raimon. Il
dialogo intrareligioso. Assis: Cittadella, 2001. Apud. VIGIL, J. Maria. Teologia do pluralismo
religioso, p. 61; TAMAYO, Juan José. Fundamentalismo y dialogo entre religiones. Madri:
Trotta,2005;KÜNG,H.Paraumateologiaecumênicadasreligiões.In:Concilium.nº.161,1986.
pp.124-131.
87
Cf.Porexemplo:VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.62.
88
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,pp.257-264;MIRANDA,M.deFrança.O
cristianismoem face dasreligiões,pp.16-19;TEIXEIRA, Faustino. Teologia dasreligiões,pp.
37-77.
89
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,pp.106-107.
90
Ibid.,p.107.
30
vislumbram traços de uma concepção mais ampla da salvação”
91
. No mundo
católico,esseparadigmafoisustentadoporvinteséculosetevecomoexpressão
simbólicamáximaafamosasentençaExtraecclesiumnullasalus(foradaIgreja
nãohásalvação)
92
.
Se na sua origem, este axioma, ao afirmar o papel da Igreja, não
reivindicava sua exclusividade, ao longo da história recebeu uma interpretação
rígidaqueresultounanegaçãodapossibilidadedesalvaçãoforadaIgrejaenum
olharpessimistacomrelaçãoàsoutrasreligiões
93
.
No campo protestante, o exclusivismo adquire uma forma não
eclesiocêntrica, porém centrada no tríplice princípio sola fide, sola gratia, sola
scriptura(sóafé,sóagraça,sóaescritura).ParaK.Barth,asreligiões–todas,
menos a religião bíblico-cristã – são definitivamente um esforço humano, uma
tentativa de captar a benevolência de Deus. E a salvação vem unicamente pela
entregadoserhumano–medianteafé–àgraçaqueopróprioDeuslheoferece
emJesusCristo.Paraele,somenteaaceitaçãodagraçadeDeusvindaporJesus
Cristopodesalvaroserhumano
94
.
EstaposiçãofoioficialmentecondenadapelomagistériodaIgrejamediante
acondenaçãodoSantoOfícioàinterpretaçãoestreitadaexpressão‘foradaIgreja,
nãohásalvação’
95
.EfoiefetivamentedescartadapelasafirmaçõesdoVaticanoII
sobreavontadesalvíficauniversaldeDeusesobreosvalorespositivospresentes
nasoutrasreligiões,juntamentecomapossibilidadedesalvaçãoforadaIgreja
96
.
No entanto, permanece a questão da função salvífica de Jesus Cristo e a
universalidadedavontadesalvíficadeDeus.
O Concílio Vaticano II marcou a mudança de paradigma quando rompeu
com o exclusivismo do eclesiocentrismo. E surge o inclusivismo assumindo o
cristocentrismo,posiçãosegundoaqual,aindaqueaverdadeeasalvaçãoestejam
 
91
VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.73.
92
Cf.Ibid.,p.74.
93
SobreahistóriadesteaxiomaCf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,pp.123-155.
94
Cf. BARTH, Karl. La revelacióncomoaboliciónde lareligión.Madri:Morova,1973. Apud.
VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.75.KarlBarth(1886-1968)foiumteólogo
cristão-protestante, pastordaIgrejaReformada, eum dos líderesdateologia dialéticaedaneo-
ortodoxia protestante. Em um momento de sua carreira teológica, migra da teologia puramente
dialéticaepassaautilizaraanalogiadafé.Paraele,aanalogiaseriaaúnicaformaviáveldese
falardeDeus.
95
Cf. MIRANDA, M. de França.O cristianismo em face das religiões, p. 157; TEIXEIRA,
Faustino.Teologiadasreligiões,pp.39-40.
96
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.159.
31
plenamente presentes numa determinada religião também se faz presente – de
modomaisoumenosdeficienteouimperfeito–nasoutrasreligiões,porémcomo
participação na verdade e na salvação presentes na única religião verdadeira,
reconhecendo, então que a salvação pode se dar nas demais religiões, sem no
entanto,reconhecernelasautonomiasalvífica
97
.
OcristocentrismocolocanocentrodareflexãoomistériodeJesusCristo,o
que implica um ‘des-centramento’ da Igreja e um ‘re-centramento’ em Jesus
Cristo. Éeste último, e não a Igreja, que estáno centro do mistério cristão; a
Igrejaé,aocontrário,ummistérioderivado,relativo,queencontran’Elesuarazão
deser”
98
.
Ocristocentrismoadquiriuosseguintescontornos:somenteareligiãocristã
temaverdadeeasalvação;aindaqueemoutrasreligiõestambémhajaelementos
deVerdade.Participando, pois,dasalvaçãotambémosnão-cristãos, porémnão
porumasupostavalidezdesuasprópriasreligiões,esimpelopoderdeCristo,que
alcançaasalvaçãoparaeles“deumamaneirasomenteconhecidadeDeus”
99
.Esta
posição abriu um novo caminho no mundo teológico, em especial no campo
católico,apósoConcílioVaticanoII.
Entretanto, foram duas posições teológicas que prepararam o caminho até
este Concílio e que ainda se desdobram no cristocentrismo: a teoria do
cumprimentoeateoriadapresençadeCristonasreligiões
100
.
A teoria do cumprimento sustentava que, para todas as religiões, o
cristianismo vem a ser seu cumprimento, ou seja, sua consumação e, nesse
sentido, seu acabamento, sua plenitude e, também sua superação. Esta teoria
considerava que as religiões não-cristãs o têm capacidade salvífica por si
mesmas,poisseriamreligiões‘naturais’,obradoserhumanoquebuscaaDeus.E
segundoVigil,nestacorrenteestão,comdiferentesmatizes,JeanDaniélou,Henri
de Lubac e Hans Urs von Balthasar, teólogos do período pré-conciliar e
conciliar
101
.
AteoriadapresençadeCristonasreligiões,quesignificaparaKarlRahner
dizerquetodososque“aceitamlivrementeaofertadaauto-comunicaçãodeDeus
 
97
Cf.MIRANDA,M.deFrança.Ocristianismoemfacedasreligiões,p.17.
98
DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.259.
99
GS,22.
100
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.77.
101
Cf.Ibid.,p.78.
32
mediante a fé, a esperança e o amor, entram na categoria de ‘cristãos
anônimos’”
102
, ou seja, que toda a humanidade estava inserida na salvação de
Cristo.
FoiopensamentodeK.Rahner
103
quemaisinfluiunoConcílioVaticanoII.
Rahnerafirmavaqueasreligiõestêmvaloressalvíficospositivos,jáqueporelas,
agraçadeCristoefetivamentealcançaseusmembros.Foiaprimeiravezqueno
cristianismosediziadeummomentotãoexplícitoefundamentadoqueagraçaeo
mistério de Cristo superavam inteiramente a Igreja. Era uma visão cheia de
otimismo diante do pessimismo da visão exclusivista
104
. Os principais
representantesdestateoriasão,alémdeK.Rahner,RaimonPanikkar,HansKüng
eGustavoThils
105
.
No entanto, mesmo que provocando um grande salto qualitativo, esta
posição, segundo alguns teólogos, permanece problemática. Pois,aosustentar o
caráterabsolutodeJesusCristo,acabaafirmandoasuperioridadedoCristianismo
com relação às outras tradições religiosas.  Esta superioridade representa um
obstáculo para o diálogo inter-religioso. E por isso, na busca de solução desta
problemática, alguns autores começaram a defender uma nova e mais radical
mudança de paradigma, propondo a superação do cristocentrismo com o
teocentrismo
106
.
Surge o teocentrismo, uma posição pluralista
107
, que em relação ao
exclusivismoondeseafirmaquesóumareligiãoéverdadeiraetodassãofalsas,
seriaditonestanovaposição necessariamenteocontrário,ouseja,quetodasas
religiõessãoigualmenteverdadeiraseequivalenteseestãotodasequidistantesda
verdade
108
. Ao seu redor estão todas as religiões que se relacionam com Deus
diretamente,semamediaçãocristã.
 
102
VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.79.
103
Karl Rahner (1904-1984), um dos maiores teólogos do séc. XX. Rahner está entre os
pensadores cristãos que procuraram estabelecer uma ponte entre o tomismo, (tradicionalmente
cultivadopelaintelectualidadecatólica)eafilosofiamoderna(Kant,Hegel,Heidegger),filiando-
se,assim,aoqueseconvencionouchamardeTomismoTranscendental.
104
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,pp.78-79.
105
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,pp.219-221.
106
Cf.Ibid.,260-264;TEIXEIRA.Faustino.Teologiadasreligiões,pp.58-74.
107
Aquipluralismoosignificapluralidadedasreligiões,esimumparadigmadepensamentoda
teologiadasreligiões.Sobreadistinçãoentrepluralismoepluralidade.Cf.JAYANTH,Mathew.
Delapluralidadalpluralismo.In:SeleccionesdeTeologia.163,2002,pp.163-176.Apud.VIGIL,
J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.63.
108
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,p.88.
33
Logo, esta mudança do cristocentrismo para o teocentrismo implica na
rejeiçãodacentralidadedeJesusCristo.Comefeito,“parasalvarumpluralismo
salvífico era necessário romper o vínculo salvífico de Jesus Cristo com Deus
comoúnicoeexclusivo,eraprecisosepararCristo-logiadeteo-logia”
109
.
Pluralismo é a posição teológica segundo a qual todas as religiões
participamdasalvaçãodeDeus.Nessaposição,sustenta-sequeumasincerabusca
cristã do diálogo com as outras religiões requera renuncia a toda pretensão de
unicidade salvífica para a pessoa e a obra de Jesus Cristo. Para esta posição
teológica, somente Deus está no centro. Em todas as religiões, Deus sai ao
encontrodoserhumano,semquehajaapenasumaúnicareligiãoverdadeira.Isto
implicaumamudançaradicalnocristianismo
110
.
Noentanto,todosessesparadigmasmostraram-seinsuficientespararesolver
o duplo desafio da relação do cristianismo com as outras religiões. Irão surgir
outrosmodelosprocurandosalvaguardaraidentidadecristã,quearticuleosdois
axiomas fundamentais da fé cristã – a vontade salvífica universal por parte de
Deus e a necessária mediação de Cristo – sem, contudo, se fechar à novidade
propostaporoutrastradiçõesreligiosasreconhecendo-asemsuaalteridade.
Observamos que o exclusivismo, ao dar umaênfaseunilateralao segundo
axioma,entraemsériascontradiçõesteológicasenãotemsustentaçãobíblica
111
.
Édescartadaentreosteólogoscatólicosaposiçãoexclusivista-eclesiocêntrica.E
sobreoinclusivismo,Knitterquestionaumdosseuspilares,queéocaráterúnico
dapessoadeJesusCristocomocritérioparaasalvação universal.Segundoele:
“JesusrealmenteéaPalavradaVerdadedeDeus,essencialparatodosospovos,e
nãoqueElesejaaúnicapalavradeVerdade,essencialparatodosospovos”
112
.
Osinclusivistasquestionamasafirmaçõespluralistas,mesmoqueacreditem
nassuasimportantescontribuições.Paraesses,asafirmaçõespluralistasorientam-
 
109
MIRANDA, M.deFrança.Oencontrodasreligiões.In:PerspectivaTeológica.68, 1994.p.
20.
110
Cf.VIGIL,J.Maria.Teologiadopluralismoreligioso,pp.63-64.
111
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.269.
112
KNITTER,Paul.Diálogointer-religiosoeaçãomissionária:preparaioscaminhos.SãoPaulo:
CNBB: COMINA, 1994. p. 09. Paul F. Knitter é professor de Teologia, Religião e Cultura no
MundoUniãoTheologicalSeminarynaCidadedeNovaIorque.Desdeapublicaçãodoseulivro,
nenhumoutronome?(1985),Knitterfoiamplamenteconhecidoporseupluralismoreligiosojunto
comseuamigoecolega,ofilósofodareligiãoprotestanteJohnHick.
34
se pelo axioma da vontade salvífica universal de Deus e deixam de lado a
mediaçãodeJesusCristo.
Entretanto,écertoquemesmoqueapretensãodeunicidadeeuniversalidade
dasalvaçãocristãapresentedificuldadesparaodiálogointer-religioso,nãopode,
no entanto, uma teologia cristã das religiões desprezar as afirmações do Novo
Testamentoe de toda atradição deexperiênciascristã sobre a revelaçãodivina
decisivaedefinitivaemJesusCristo.Essaposiçãocolocariaemjogoosaspectos
fundamentais da fé cristã e separaria teologia e cristologia, o que é impossível
numateologiacristã
113
.
O pluralismo teocêntrico incorre numa interpretação nominalista das
religiões, interpretando-as como diversas expressõesdeumamesmarealidadee
numa interpretação essencialistadasmesmasao abordá-lasob o pressupostode
umdenominadorcomum
114
.
No entanto, diante dessas questões teológicas, irão surgir outros modelos
ligados ao paradigma teocêntrico. Emergem o ‘reinocentrismo’ e
‘soteriocentrismo’,perspectivasnaqualnemaIgreja,nemJesusCristo,nemDeus
sãocentros.OcentroéoobjetodapregaçãodeJesusCristo:oReinodeDeusea
salvação. Em torno desse é que se devem centrar a reflexão e a prática das
religiões
115
.
Ao colocar o Reino de Deus no centro, o reinocentrismo interpreta as
religiões numa perspectiva escatológica, segundo a qual Deus e o Reino são a
metadahistóriacomumatodasasreligiões.Possibilitaassim,umainterpretação
fecunda, na medida em que reconhece que os membros de outras religiões,
juntamentecomoscristãos,“já sãomembrosdoReinode Deusnahistória[...]
dirigindo-se,todosjuntos,paraaplenitudeescatológicadeDeus”
116
.Noentanto,
o reinocentrismo continua se apoiando num conceito de Deus típico do
monoteísmo,masespecificamentenoconceitocristão,ecoloca-semaisnalinha
docristocentrismo.
Nesse contexto, outra tentativa foi superar o inclusivismo com o
‘logocentrismo’eo‘pneumatocentrismo’,quesebaseiamnapresençaenaação
 
113
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.270;AMALADOSS,M.Opluralismo
dasreligiõesesignificadodeCristo.In:TEIXEIRA,Faustino.Diálogodepássaros,p.91s.
114
Cf.AMALADOSS,M.OpluralismodasreligiõesesignificadodeCristo,p.92.
115
Cf.DUPUIS,J.Ocristianismoeasreligiões,pp.111-113;Id.,Rumoaumateologiacristã,pp.
270-272.
116
DUPUIS,J.Cristianismoeasreligiões,pp.114-116;Id.,RumoaumateologiaCristã,p.272.
35
universal do Verbo e do Espírito de Deus, como dois modelos que poderiam
substituirocristocentrismo
117
.Entretanto,estãointrinsecamentevinculadoscomo
cristocentrismo numa única economia e não podem representar uma importante
contribuiçãoparaateologiadasreligiões
118
.
Um novo modelo surge para ser o que podemos considerar o ‘ponto de
equilíbrio’ entre o inclusivismo e o pluralismo: é o “inclusivismo aberto”
119
.
Mesmoquedesenvolvidoparaencontraro“equilíbrio”
120
,estenovomodeloirá
tender ao cristocentrismo ou ao teocentrismo. Há uma propensão em afirmar,
nessenovoparadigma,aautonomiasalvíficadasreligiões,aomesmotempoem
queseasseguraocaráterúnicoeparticularqueJesusCristoexercenaHistóriada
Humanidadee,porconsequência,nahistóriadasalvação,pois,“foradomundo,
não há salvação”
121
. O mundo aí é entendido como plenitude não fechada no
cristianismo,masdeforma“relativaeaberta”
122
.
Chegar ao equilíbrio talvez seja difícil, mas reconhecemos o esforço
demonstradoportodosessesparadigmas,procurandoserfielàidentidadecristãe
àrevelaçãodeDeus,emquererfundamentarodiálogointer-religiosoecolaborar
nocrescimentodecadaumadastradiçõesreligiosasquesedispõemaodiálogo.
Noentanto,odebatenãopara.Asdiscussõeseaprocuraporumparadigma
que possa corresponder às necessidades, sem cair no absolutismo e nem no
relativismo,sãocadavezimpulsionadasporumainegávelrealidade,opluralismo.
EstedeveserlevadoasériocomolugarnodesígniodeDeusparaasalvaçãoda
humanidade.
1.5Abuscaporumnovoparadigmateológico
O debate persiste. E hoje diante desta inegável realidade plural em que
“praticamentetodasasreligiõesentraramemcontato”
123
etodasestãopresentes
umas às outras, inevitavelmente, surgem da teologia asiática novas abordagens
 
117
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,pp.173-277.
118
Dupuis propõe a não-separação, mas a interligação entre esses paradigmas. Para ele, Jesus
Cristo, Reino de Deus e Espírito Santo o realidades inseparáveis. Cf. DUPUIS, J. O debate
cristológiconocontextodopluralismoreligioso,p.75ss;KNITTER,Paul.Diálogointer-religioso
eaçãomissionária;Id.,Ateologiacatólicadasreligiõesnumaencruzilhada.Concilium,v.203,n.
1,p.112.
119
Nomenclaturapresenteem:TEIXEIRA,Faustino.Teologiadasreligiões,p.78ss.
120
AMALADOSS,M.OpluralismodasreligiõeseosignificadodeCristo,p.107.
121
SCHILLEBEECK,E.Históriahumana.RevelaçãodeDeus.SãoPaulo:Paulus,1994.p.21.
122
QUEIRUGA,A.Torres.Odiálogodasreligiões,p.27.
123
Ibid.,p.61.
36
sobre a problemática inter-religiosa, provenientes da prática do diálogo, das
experiênciasdeencontroedaconvivênciacomoutrastradiçõesreligiosas.
124

DupuiscitaA.Pierisquediz:“Eumeviapropriando-megradualmentede
uma tendência da Ásia, que adota um paradigma em que as três supracitadas
categorias [exclusivismo, inclusivismo e pluralismo] são desprovidas de
sentido”.
125

As novas abordagens, então, possibilitadas por esses e tantos outros
testemunhos caracterizam-se pelo esforço em descobrir e reconhecer a
especificidadeesingularidadedasoutrasreligiõeseumamaioratençãoaofatodo
pluralismo religioso a partir da própria perspectiva de fé, pois, “o pluralismo
religioso–sugere-se–mergulhasuasraízesnaprofundidadedopróprioMistério
divinoenasvariadasformascomqueasculturashumanaslheresponderam”
126
.E
assim,Deuscriadortorna-sepresenteeativonapluralidadedasreligiões.
ParaDupuis,“sequisermosteralgumaesperançadeconstruirumateologia
dasreligiõesquenãosefundeemcontradiçõeseoposiçõesrecíprocas,masem
harmonia, convergência e unidade, a problemática ocidental deve ser
abandonada”
127
. E isso provoca uma nova busca para a reflexão, procurando
reconheceraespecificidadeesingularidadedecadatradiçãoreligiosa.
Segundo a Declaração publicada pela XIII Reunião Anual da Associação
TeológicaIndiana,sãocriticadasascategoriasemusonateologiadasreligiões,
porabordaremareligiãodosoutrosdemodoabstrato,acadêmicoeespeculativoe
dopontodevistadeumaúnicaculturareligiosa
128
.Elas[ascategorias]traem“a
aproximação teórica à fé de outras pessoas”, que nascem “de uma sociedade
caracterizada por uma só cultura religiosa e por um ponto de vista meramente
acadêmicoeespeculativo”
129
.
Nesta nova perspectiva, segundo Dupuis, vários teólogos ocidentais
responderam positivamente; ele cita D. Tracy e M. Barnes. Barnes sustenta a
 
124
 Cf. DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã, p. 278; Cf. AMALADOSS, M. Pela
estradadavida.Práticadodiálogointer-religioso.SãoPaulo:Paulinas,1996.Nessaobra,oautor
reúneváriosartigosquetêmcomobaseaexperiênciadeencontroeconvivênciaentrepessoasde
diferentesreligiões.
125
PIERIS,A.NaAsianParadigm.InterreligiousDialogueandtheTheologyofReligions.In:The
Month26,1993.130.Apud.DUPUIS,Jacques.Ocristianismoeasreligiões,p.117.
126
DUPUIS,Jacques.Ocristianismoeasreligiões,p.117.
127
Ibid.,p.117.
128
Cf.Ibid.,p.118.
129
DeclaraçãodaXIIreuniãoanualdaassociaçãodeteólogosdaÍndia,em28a31dedezembro
de1989.n.4.Apud.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.118.
37
necessidadedeumanova “rota defuga da rígidaesquematização doparadigma
tripartite”. Para esse, a resposta está “além do pluralismo”
130
 e resulta numa
pluralidadedeiniciativassituandoateologiadasreligiõesnumanovaperspectiva,
em que o diálogo acontece no reconhecimento de cada membro da tradição
religiosaemsuaalteridade,eadmitindoalegitimidadedesuafé
131
.ParaTracy,
deveserempreendidouma‘teologiadodiálogo’enãoapenasuma‘teologiapara
odiálogo’
132
.
No entanto, surgem outros teólogos que convergem ao dizer que é
necessário ir além da alternativa entre o inclusivismo e pluralismo, entre o
cristocentrismo e teocentrismo. Segundo DiNoia, tanto o inclusivismo como o
pluralismoacabamminimizandoasdiferençasdosoutros,prejudicandoodiálogo.
Paraesseautor,deve-separtirparaumateologiaemdiálogo”
133
,emquenãose
deve “servir ao objetivo de abrir potencialidades afins ao cristianismo”, mas
“considerar essas doutrinas como ensinamentos alternativos autoconscientes a
propósitodaquilosobrequedeveriaserfocalizadaavidahumana”
134
.
Diantedestasituação,outroautor,Fredericksapresentaumanovaproposta
para a reflexão. Ele fala da necessidade de um “estudo comparativo das
religiões”
135
.Segundoesseautor,ostrêsparadigmasfaliramemdoiscritérios,que
validam a teologia cristã das religiões: na fidelidade à tradição cristã e na
habilidadeemimpeliroscristãosamanterrelaçõespositivaseprofícuascomos
‘outros’
136
.Sãomuitas,noentanto,asvozesqueselevantamapontandoumnovo
caminho.EumadestasvozeséadeDupuisqueapresentaparaestaproblemática
umacristologiatrinitária
137
.
 
130
Cf.BARNES,M.TheologyofReligionsinaPost-ModenWorld,inTheMonth28,1994.p.
270-274;325-330.Apud.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.118.
131
Cf.BARNES,M.Theologyofreligionsinapost-modermworld.Themonth28(1994),p.273.
Apud.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.119.
132
Cf.TRACY,D.DialoguewiththeOther.TheInterreligiousDialogue.PeetersPress,Louvain,
1990.Apud.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.119.
133
DINOIA, J. A. The diversity of religions. A chistian perspective. The catholic universityof
Americapress,Washington,1992,127.111.Apud.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,
p.119.
134
Ibid.,p.119.
135
FREDERICKS,J.L.Faithamongfaiths.Chistiantheologyandnon-chistianreligions,Paulist
press,NovaYork,1999.Apud.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.119.
136
Cf.DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.120.
137
SegundoDupuis,por“cristologiatrinitáriaseentendeumacristologiaque,porumlado,faça
sobressairasrelaçõesinterpessoaisentreJesusCristoeoDeusqueElechamadePaie,deoutro,o
Espíritoquelheimpeleequeele,porsuavez,envia.Relaçõesintrínsecasaomistériodapessoade
Jesusedesuaobra”.Cf.Ibid.,pp.259-531.
38
Todavia,nestemomento,nateologiacristãdasreligiões,quetemprocurado
superarsuasmuitascontradições,pareceestaremergindoumconsensoparaevitar
qualquertipodeabsolutismoourelativismo.Issosedeveaofatodesereconhecer
queagrandequestãoemdebate,hojepassouaserapluralidadedasreligiões,o
pluralismoreligioso.Entende-se,então,que“umateologiadasreligiões,nãopode
deixar de ser, definitivamente, uma teologia do pluralismo religioso”
138
. O que
acabasendoumnovonomeadotadoemnossosdiasparaateologiadasreligiões,
novoramodateologia.
Talmudançaterminológicademarcaumamudançanaperspectivateológica,
que procura superar as categorias de inclusivismo e pluralismo por um ‘novo
paradigmateológico’
139
.Desloca-se,assim,areflexãoteológica,doproblemada
salvação mediante as outras religiões para o próprio fenômeno do pluralismo
religioso.
Coloca-se, agora, a questão da origem do próprio pluralismo, “o seu
significado no projeto de Deus para a humanidade, a possibilidade de uma
convergência das várias tradições religiosas, com pleno respeito pelas suas
diferenças, o seu mútuo enriquecimento e a sua recíproca fecundação”
140
. Este
novo enfoque procura compreender e valorizar positivamente a pluralidade
religiosaconfrontando-a,teologicamente,comomistériodeDeus.
Procura-se responder, com profundidade, se a pluralidade religiosa é
simplesmenteumfatodahistória,ouseja,seéumfenômenodefato(pluralismo
defato),ouseéumfenômenofundacional,algoquetemumarazãoespecificade
ser,algoqueridoporDeusequeexigeumacontínuacoexistênciahumanacomo
mesmo(pluralismodeprincípio)
141
.
Reconhecer o ‘pluralismo religioso de princípio’ significa desocultar o
significado positivo das diversas tradições religiosas na globalidade do único
desígnio salvífico de Deus, o que atesta uma mudança significativa do olhar e
afirma “a generosidadesuperabundante com que Deus se manifestou demuitos
 
138
DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.271.
139
Cf.Id.,Lepluralismereligieuxdansleplandivindesalut.In:RevueTheologiquedeLouvain,
29(4),1998.p.485.
140
Id.,Rumoaumateologiacristã,p.26.
141
Cf.Ibid.,p.26.
39
modosàhumanidadeearespostamultiformequeossereshumanosderamàauto-
revelaçãodivinanasváriasculturas”
142
.
À margem desses intentos de interpretações da existência da pluralidade
religiosa, que constituem as diferentes teologias das religiões, tem se
desenvolvido um movimento cada vez mais intenso de encontros entre os
membrosdasdiferentesreligiões.
A existência mesma do diálogo e a forma em que se está desenvolvendo
supõem um desafio de uma transcendência insuspeita às tradições. E
provavelmentearespostadasdiferentesreligiõesaestedesafiodepende,emboa
medidadofuturodareligiãoemnossomundo
143
.
A experiência que supõe para o diálogo inter-religioso a existência de
numerososencontrosinter-religiosos
144
destacaaimportânciaqueestáadquirindo
o desenvolvimento do diálogo onde intervém a dimensão espiritual e a
experiênciainteriorquecomportatodasasreligiões.Eaquiestáaimportânciaque
revesteparaomelhordesenvolvimentododiálogoentreasreligiõesaintervenção
semelhante desses cultivadores eminentes da experiência religiosa que são os
místicos. Isso demonstra a importância decisivaque pode ter a intervenção dos
místicosparaodiálogointer-religioso.
Todavia,oquesebuscaemtaisdiálogosnãoétantoacompreensão,masa
comunhão na contemplação: “O nível mais profundo da comunicação o é a
comunicação, senão a comunhão. Nesse nível o tem palavras, está além das
palavrasetambémalémdalinguagemedosconceitos”
145
.
Essasexperiências,segundoVelasco,
mostram a possibilidade de encontros inter-religiosos mais além das ações, dos
ritos,asinstituiçõeseascrenças,quedesembocamnocentrodetodaexperiência
religiosa,emseunúcleomísticomaisíntimo:osilêncio,ameditação,aoração,a
experiênciaespiritual,ocontatointeriorcomarealidadeúltimadoquevivemtodas
asreligiões
146
.
Asrazõesqueexplicamacontribuiçãoverdadeiramenteúnicadamísticaao
diálogo inter-religioso e, dessa forma, ao desafio que supõe para as religiões
consistemnacapacidadederealizaraexperiênciadosserviçosquepodemprestar
 
142
DUPUIS,Jacques.Rumoaumateologiacristã,p.526.
143
Cf. VELASCO,J. Martin.El fenómenomístico. Estudiocomparado.Madri: Trotta,1999. p.
468.
144
Ibid.,p.468.
145
MERTON,Thomas.Vivirconsabeduria.Madri:PPC,1997.p.218.
146
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.470.
40
esuaradicalinsuficiênciaparaprocurarumauniãocomDeus,oucomoÚltimo,
que se realizana mais purae desnuda fé amorosa,na mais absoluta confiança.
Porque
oencontromaisprofundoterálugarnaesferadamística,noquevamosmaisalém
dasidéias,dosconceitosedasimagens,paraumestadodeamorsilencioso.Aquias
pessoas permanecem em um estado de união sem palavras, aqui o espírito se
encontracomoespírito
147
.
Eassim,podemosentenderque,nodiálogointer-religioso,emquesedeve
evitarodogmatismoeoindiferentismo,amísticatemumlugarprivilegiado,pois,
é certo como veremos, no capítulo seguinte, que o místico é o que melhor se
encontrapreparadocontratodosessesperigos.Contraodogmatismoporrealizar
uma radical relativização de todas as mediações que possui a religião, fazendo
pessoalmentesuaexperiência.Eporter,nasuareligião,aexperiênciadoMistério
como centro, pode valorizar a vida religiosa, seja qual for o lugar em que ela
floresça,superandoatentaçãodeabsolutistaeexclusivista,bemcomooperigodo
indiferentismo.
Aprofundaremos, no próximo capítulo, o estado de crise em que se
encontram todas as tradições religiosas, em que as religiões são atingidas em
todososaspectoseníveisdocomplexosistemaemquecadaumadelasserealiza.
Assim, veremos que hoje a proliferação de novos movimentos religiosos
induz a pensarqueacrise não se orientatantoao desaparecimentodareligião,
masasuaradicaltransformação,aumametamorfoseouumamudançadasformas
emrelaçãoaoqueatéagoratinhaserevestido.
 
147
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.471.
41
2.Ofenômenoreligiosoemístico
No contexto de pluralismo religioso em que vivemos não nos é possível
negar que, mesmo causandoum ‘malestar religioso’, são manifestaçõesde um
Deus quequer se tornarconhecido. E essasituação tanto pode ocultá-lo, como
tambémpodenamedidaemqueforassumidaeinterpretada,tornar-seumlugar
deescutaederesposta
148
.Nessecontexto,noschamaatençãoofatodehaveruma
procura pelaexperiênciadiretacom omistérioda Realidade última,queparece
aconteceremtodasasreligiõeseconfissões.
Issocomprovaqueaprocuraporessaexperiênciaconsistena‘sede’queé
comumatodosossereshumanos,ecadaumbuscasaciá-ladeumamaneira,ou
deoutra.Ninguémescapadanecessidadedesentido,dabuscaderespostasmais
ou menos conscientes, da procura por preencher o vazio provocado pelo
abandonoda religião herdada, em alguns casos, ou pelo descontentamento com
suasformasestabelecidas,emoutros”
149
.
Entretanto, cada um vive suas perguntas mais profundas na solidão.
Todavia,suabuscaopertenceaocampodaindividualidadeensimesmada,ou
melhor, de um individualismo narcisista
150
, porque toda experiência interior é
transformante e modifica as relações da pessoa a partir de sua inclinação ao
Mistério.
Tal processo provoca uma profunda mudança religiosa, advertida por
religiososeestudiosos.Porqueparaestes
trata-se de um passo a mais na evolução da consciência religiosa. Uma sorte da
nova situação epocal religiosa, um novo ‘tempo eixo’, que alguns caracterizam
como a fase inicial do passo da consciência mental, cognitiva, a consciência
transpessoal,mística
151
.
Segundo Queiruga, esta nova realidade, na experiência religiosa, é um
fenômeno querespondea umainsatisfaçãogeneralizada
152
,que, provocadapela
pós-modernidade, impulsiona o ser humano a viver o religioso explicitamente,
 
148
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus.SãoPaulo,Paulinas,2001.p.16;Sobre
omalestar religiosoconferir do mesmo autor:Elmalestar religioso de nuestracultura. 2ª Ed.
Madrid,Paulinas,1993.
149
QUEIRUGA.A.Torres.Ofimdocristianismopré-moderno:desafiosparaumnovohorizonte.
SãoPaulo:Paulus.2003.p.108.
150
Cf.WATT,Ninfa.Lafuentedelacordialidad.In:RODRIGUEZ,FranciscoJ.S.(org.)Mística
ysociedadendiálogo.Madri,Trotta,2006.p.81.
151
MARDONES, J. Maria. Mística transreligiosa en una sociedade de incertidumbre. In:
RODRIGUEZ,FranciscoJ.S.(org.).op.cit.p.89.
152
Cf.QUEIRUGA.A.Torres.Ofimdocristianismopré-moderno,p.108.
42
possibilitando em muitos aspectos um ajustar-se a um novo reencantamento do
mundoouquesevivaemestreitaconivênciacomele
153
.
Paraocristianismo,estaéumaoportunidadeparadesfazer-sedetodafalsa
imagemdeDeus
154
,quemesmotrazendoaestecontextotantosquestionamentosà
fé,possibilitaorompimentodetudooquesetinhaadquiridopor‘seouvirdizer’,
ecomonosdizVelasco:“ÉumconvitedoEspíritoaabrirosolhosedeixar-nos
surpreenderporesseDeus”
155
.
Isso se dá por meio de uma experiência que leve ao desvelamento desta
Presença, comprovando uma deficiência “eu te conhecia só de ouvir. Agora,
porém, os meus olhos te veem”
156
e que pelas debilidades e pelas dificuldades
culturais não permitiam reconhecer
157
. Uma deficiência provocada não apenas
pela cultura, mas porque se vive ‘fora’ da realidade religiosa propriamente
falando,porestarentretidocomdoutrinas,moral,leis,ritos,porémcompoucoou
escassa densidade. Resulta isso em uma religiosidade muito epidérmica, muito
externaequenãotempenetradonasentranhasdecadarealidademesmaaquese
refereequesevive
158
.
Esseestadodecoisasleva,então,aumaexperiênciadenívelmísticoonde
hoje estaria pulsando a mudança religiosa mais fundamental. Por aí caminha a
transformação o só do cristianismo, mas de toda religião, nesta época de
globalizaçãoedeincertezassócio-políticas
159
,reconhecendoqueestaexperiência
sedáemdiferentesformasquedespontamcomo“inéditasdedesvelamentodeum
Deusquenãosedeixaencerrarnoterrenoreservadopelareligiãoeémaiorquea
consciência, a linguagem e os conceitos dos que o reconhecem com os meios
precáriosquenossastradiçõesreligiosasoferecem”
160
.
No entanto, mesmo reconhecendo essas novas formas de reconhecimento
dessa Presença, não podemos esquecer que um dos aspectos importantes que
 
153
Cf.QUEIRUGA.A.Torres.Ofimdocristianismopré-moderno,p.115.
154
Cf.BLANK,RenoldJ.Deusnahistória:centrostemáticosdarevelação.SãoPaulo:Paulinas,
2007.NestaobraoautortemcomopontodepartidaasfalsasimagensdeDeusqueprevalecemna
linguagem e em muitas manifestações religiosas verificadas mesmo dentro da Igreja. Sua tese
demonstraumagrandesensibilidadeaosriscosdetodareligiosidadequetendeaseapegarmaisàs
coisasdareligiãodoqueaDeus.
155
VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.07.
156
Jó42,5.
157
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.06.
158
Cf.MARDONES,J.Maria.Místicatransreligiosaenunasociedadedeincertidumbre,p.91.
159
Cf.Ibid.p.89.
160
VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.08.
43
dificultamvislumbraraPresençaemnossosdias,éoqueMartinBuberchamou
deeclipsedeDeus”
161
.Trata-sedeumasituaçãoemquesedissiparam,navida
dohomem,aspegadasdeDeus.
A íntima relação disso com o pluralismo está na “característica-chave de
todas as situações pluralistas, quaisquer que sejam os detalhes de seu pano de
fundohistórico,istoé,queosex-monopóliosreligiososnão podemmais contar
com a submissão de suas populações”
162
. Ou seja, acontece a perda da
plausibilidade da religião. E seguindo o pensamento de G. Vattimo, podemos
pensaremumprocessode conservação, distorção eesvaziamento dareligião
163
queprovocaum“desencantamentoqueocultaasdimensõesprofundas,oslados
inefáveis,ostraçosinvisíveisnosquaisohomemdeoutrostemposvislumbravaa
presençadatranscendência”
164
.
Hojeessassituaçõessãodenunciadasporhomensemulheresdenominados
‘mestresespirituais’que,predominamente,temestadoeestãoemcontatocomas
religiões e espiritualidade oriental
165
. Esses chamam a atenção acerca da nova
situaçãoemqueseencontraocristianismo,eaomesmotempo,todasasreligiões:
desafiadasadarumsaltoaumnívelmaisalto.
Abordaremosnestasegundapartedenossapesquisa,apartirdaconstatação
de ser este um tempo propício, o que podemos chamar de Kairós
166
, para um
despertarconscientedanecessidadedeserredescobertaaverdadeiravocaçãodas
 
161
BUBER,Martin.EclipsedeDios.BuenosAires,Galatea-NuevaVision,1970.p.25.
162
BERGER,PeterL.Odosselsagrado:elementosparaumateoriasociológicadareligião.São
Paulo:Paulus,1985.p.149.
163
Pensamento de Vattimo apud. MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna.
SãoPaulo:Paulinas,1995.p.444.
164
VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.17.
165
Comoreferências,temosautorescomoW.Jäger,mongebeneditino,mestrezendesde1981da
escola Sanbo-Kyodan do Japão. Guia espiritual da via zen e contemplativa. Cujas obras são:
Adondenosllevanuestroanhelo.LamísticaenelsigloXXI.Desclée,Bilbao,2004;suasobras
anteriores: La oración contemplativa. Una introducción según san Juan de la Cruz. Obelisco,
Barcelona, 1989;Enbusca de laverdad. CaminosEsperanzas– Soluciones. Desclée, Bilbao,
1999; La ola es o mar. Desclée, Bilbao, 2002; W. Johnston, Jesuíta, diretor do Instituto de
ReligiõesorientaisdauniversidadedeSofiadeTókio,autordasseguintesobras:Místicaparauna
nuevaera.Delateologiadogmáticaalaconversióndelcorazón.Desclée,Bilbao,2003;Lamusica
callada.Paulinas,Madrid,1985;Elojointeriordelamor.Misticismoyreligión.Paulinas,Madrid,
1994;Th.Keating,mongecisterciense,fundadordomovimento‘OraçãoCentrante’:Suasobras:
Intimidad con Dios. Desclée, Bilbao, 1997; R. Rolheiser, En busca de Espiritualidad.
Lineamientos para una espiritualidad Cristiana del siglo XXI. men, Buenos Aires, México,
2003.
166
Kairós(καιρός)éumaantigapalavragrega.Significaomomentocerto’ou‘oportuno’.Para
estepovoantigo,duaspalavrasdistinguiamseutempo:chronosekairos.Aprimeirarefere-seao
tempocronológico,ousequencial,eaúltimaéummomentoindeterminadonotempoemquealgo
especialacontece.Nateologiaéusadaparadescreveraformaqualitativadotempo,o‘tempode
Deus’,enquantochronosédenaturezaquantitativa,o‘tempodoshomens’.
44
religiões. Aíamísticaassumeumlugarde destaquedentrodareligião,eixode
transformação.
2.1Umdesafioàsreligiões
Asreligiõesenfrentamentão,umgrandedesafioparaquesejarestabelecido
o encantamento, pelo alcance de um tipo de experiência, que proporcione uma
certezaquevaimuitomaisalémdaobtidapelaviacognitiva.Trata-se,portanto,
de uma mudança, ou melhor, de uma transformação, que supõe um nível mais
elevadodeorganizaçãoestruturaledeintegração
167
.
Será preciso, nesta circunstância, uma experiência religiosa que permita
descobrir as pegadas da presença de Deus em aspectos de nossa situação, em
elementosdenossacultura,aparentementedominadapelaincredulidadeeatomar
consciência do pressuposto radical de toda possível experiência de Deus: sua
silenciosa,porémreal,ativaeinconfundívelpresençanofundodoreal,nocentro
doserdecadaserhumano
168
.
Em relaçãoao cristianismo, estesó poderá teruma reação positiva diante
dessecontextoseacolheroquenelehádegenuínoesemostrar
capazdeintegrá-lo,dinamizá-loeenriquecê-lodesdeseuprojetoespecífico.Ecuja
condição indispensável é deixar-se questionar, renovando o contato com suas
raízes,mostrando-seabertoàmudançaeàrenovação:àconversão
169
.
Pois todo este contexto indica o suficiente para assinalar onde estão os
lugaresaniquiladosequenecessitamdetransformação:nãosetratade‘arrumar
pisosinteriores’,massimdenovasformasdepráticareligiosae,sobretudo,mais
profundas,ondeseviveráumnovoníveldaexistência.OsubtítulodaobradeW.
Johnsonsobre‘Lamísticaparaunanuevaera’,sugereporondedeveocorrera
mudança:dateologiadogmáticaàconversãodocoração
170
.
Para esse autor, trata-se de adquirir uma sabedoria distinta da teologia
dogmática. “Vai mais além da argumentação e do pensamento, mais além da
 
167
Cf.MARDONES,J.Maria.Místicatransreligiosaenunasociedadedeincertidumbre,pp.89-
90.
168
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.20.
169
QUEIRUGA.A.Torres.Ofimdocristianismopré-moderno,p.117.
170
Cf.JOHNSON,William.Místicaparaunanuevaera.Delateologiadogmáticaalaconversión
delcorazón.Bilbao:DescléedeBrouwer,2003;SobreistoQueiruganosfaladanecessidadede
respostadeconjunto,descendoasprópriasraízes,ouseja,“nãoémaisahoradoremendodepano
novosobreopanovelho,masdeodresnovosparaovinhodeumtemponovo”.Paraele,desponta
umamudançadeparadigma.Cf.QUEIRUGA.A.Torres.Ofimdocristianismopré-moderno,p.
120.
45
imaginaçãoedafantasia,maisalémdeumantesedeumdepoisparaadentrar-se
na realidade intemporal”
171
. Em outras partes do livro, indica que se trata, ao
menos no caso católico, de recuperar a dimensão da experiência íntima do
mistériodeDeusedaexperiênciadaunidadecomela.
Mesmodiantedeumarealidadecaracterizadapelasecularizaçãodacultura,
que eliminou a vigência social ecultural dasrespostas da religiãoàs perguntas
que o homem faz sobre si mesmo; esse passou a buscar uma resposta pessoal
possibilitando uma religião ‘pós-moderna’ em que dão testemunho alguns dos
fenômenosagrupadossobonomedenovosmovimentosreligiosos
172
.
Essa atitude assinala que a religião não foi suprimida da dimensão
antropológica e social na assim chamada pós-modernidade, pois, se era quase
consensoafirmaraeliminaçãodareligião,atravésdeexpressõescomo‘mortede
Deus’,‘erapós-cristã’,hojesepercebequeosagradocontinuaseduzindo
173
.E
‘reaparece’ com uma fisionomia bastante diferente daquela da sociedade
tradicional
174
, como resulta do próprio processo interno e estrutural da
modernidade.
E apesar de sua extraordinária ambiguidade, os novos movimentos
religiososexpressammanifestaçõesdainsuficiênciadeumacivilizaçãocentrada
naracionalidadeobjetiva,quereclamamumanovaformadeconsciênciaabertaa
algumaformadetranscendência
175
.
Segundo a socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger, não se trata
simplesmentedeumretornodosagrado,masdemudançasprofundasnocenário
religiosohodierno.Asociedadesecularizadacriacondiçõesparaaproliferaçãode
novascrençasepráticasreligiosas,poisumavezdesqualificadoseenfraquecidos
os grandes sistemas de explicação religiosa do mundo, nos quais homens e
mulheresencontravamsegurançaesentidoexistencial,paradoxalmentesurgeme
proliferam-senovasexpressõeseformasreligiosas
176
.
 
171
JOHNSON,William.Místicaparaunanuevaera,p.70.
172
Cf.BINGEMER,M.Clara.Alteridadeevulnerabilidade,pp.17-23.
173
 Cf. Id., A sedução do Sagrado. In: CALIMAN, Cleto. (org.) A sedução do Sagrado: o
fenômenoreligiosonaviradadomilênio.Vozes:Petrópolis,1998.p.79.
174
Sobreo‘reaparecimento’dosagrado,Cf.BINGEMER,M.Clara.Alteridadeevulnerabilidade,
pp.27-30;MIRANDA,M.deFrança.Voltadosagrado:numaavaliaçãoteológica.In:Perspectiva
teológica,21,1989.pp.71-83.
175
Cf.VELASCO,J.Martin.Elmalestarreligiosodenuestracultura,pp.53-79.
176
Cf. HERVIEU-LÉGER, Danièle. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. São
Paulo:Vozes,2008.p.46ss.
46
E é a partir dessa mudança estrutural da sociedade, que é possível
compreender a emergência da multiplicidade de religiões nas sociedades
modernas,comofrutodaprópriadinâmicadamodernidadequeredefiniuafunção
dareligiãodentrodocontextosocial.
Por conseqüência, torna-se claro que quando se procura explicar a
necessidadedeumamudança,esclarece-sequenãosetratadeumamerareforma,
mas,sim,deumatransformaçãodamaneiradeseviverumareligião.“Nãovalem
odeslocardemóveisoureformasnointeriordasinstituições”
177
.
Como insiste W. Jäger, encontramo-nos ante um salto na consciência
religiosa.Deve-secairnacontadequeoquedenominamosDeusouarealidade
última o é algo exterior à pessoa. Esta realidade não está fora, senão no seu
própriointerior
178
.Maisainda,pertenceàprópriavida.NaexpressãodeJesusnos
sinóticos“oReinoestádentrodevós”ou‘temchegado’,estáchegando,ouseja,é
aprofundidadedopresenteeofundamentodesuaelevaçãoparaofuturo
179
.
Todaessamudançatemoimpulsododesejodoserhumanodeprocuraro
queestáparaalémdesimesmo,dodesejodoencontrocomaRealidadeÚltima
desuasvidas.Eparaistooserhumanoétambémchamadoamergulharnoseu
maisíntimoparaque,encontrando-seconsigomesmo,assumindosuacondiçãode
pessoa, e acolhendo esta Presença, possa receber o outro na sua vida em sua
alteridade.
2.2Oserhumanochamadoaviverapartirdoseuinterior
Não é estranho que surjam outras formas que remetem constantemente a
certasexperiências,identificadasemtermosmuitodiferentes,comoexperiências-
cume,sentimentosoceânicos,experiênciasdoAbsoluto,experiências-limiteoude
fronteiras. E que consistem em abrir o horizonte da vida humana, dilatar a
consciência, permitir uma ruptura de nível existencial e pôr a pessoa em
comunicaçãocomumnovonívelderealidade,diferentedaquelaemquereinam
osobjetosquedominamaexperiênciacotidiana
180
.
 
177
MARDONES,J.Maria.Místicatransreligiosaenunasociedadedeincertidumbre,p.91.
178
Cf.JÄGER,W.Adondenosllevanuestroanhelo,p.30.
179
Cf.Mt3,2;4,17;Mc1,4.15;Lc3,3.
180
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.23.Cf.nota5.
47
Essessinaisconstituemoprincípioefundamentosobreoqualdescansatoda
possívelexperiênciadeDeus,presençaconstitutivanoâmagodarealidadeesua
presençaoriginárianocentrodapessoa.
Entretanto,paraumaverdadeiraexperiência,necessáriosefazestarabertoa
umarealidadenova,esemprepresente.Serápreciso,comonosdizS.João,com
ossímbolosdaáguaviva,nascerdenovo
181
ereconhecerqueoamorconsisteem
antes ter Deus nos amado primeiro
182
, pois é, segundo Santo Agostinho, “mais
íntimoanósquenossaprópriaintimidade”.
Dessa forma, o ser humano assume sua condição de pessoa, exigência do
Deusqueserevelaaohomem.Equesóévividanarelaçãoefetivacomasoutras
pessoas,noexercíciodaresponsabilidade,noamorenodiálogo,condiçõesparaa
revelaçãodaverdade
183
,poisoserhumanonãovivesóea‘con-vivência’supõe
‘vivência-com-os outros’, vida compartilhada, experiência em companhia. Isso
provocaanecessidadedediálogo,deencontrosdetuatuedeumcompartilhar
comunitário
184
.
Tudo isso exige uma abertura aos outros desde o interior, evitando viver
apenasnasuperfícieparaviverdesdedentro,apartirdeumespaçonoíntimo.O
quechegadefora,transpassaacercadoseuinteriorerecorresuasinstânciasaté
chegar ao lugar da acolhida. E nesse intervalo, não submetido aos limites do
espaço físico e ao tempo, se permite a resposta desde o melhor de si mesmo,
desde o interior
185
, pois, “o diálogo é sempre mais enriquecedor e possível, se
produzumaaproximaçãoatéointerioredesdeointerior”
186
.
Essaexperiênciaacontecequandooserhumano,atentoaoseuinterior,sedá
conta da existênciadeuma vozque arde em seuser, anteriora qualqueroutra.
Pode-se dizer que ela surge da necessidade de que o homem sente de
experimentar, o que havíamos sinalizado quando, no início deste capítulo,
falávamos sobre a ‘sede’, de fazer seu um mais além de si mesmo que busca
alcançarecomoqualnãopodecoincidir.
Esse mais além que habita o humano, é o que faz que as tendências do
homem não sejam meros instintos, que se transformem em desejos e que
 
181
Cf.Jo3,6.
182
1Jo4,10.
183
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.30.
184
Cf.WATT,Ninfa.Lafuentedelacordialidad,p.85.
185
Cf.Ibid.,p.80.
186
Ibid.,p.82.
48
floresçamnessedesejotranscendidoqueéoamor,graçasaoqualossujeitos,na
mútua entrega, se encontram participando de uma generosidade maior. Dessa
mesmaraiz,surgeomilagredaliberdade,coraçãodadignidadedapessoa,que,
antesdeserescolhaeinclusivedomíniodesi,éaceitaçãodaexistênciadadapor
umagenerosidadeanterior
187
.
Segundo os mestres espirituais, a ação de Deus na profundidade do ser
humano, propicia um tipo de experiência religiosa que muda radicalmente em
relaçãoàpredominantena religiãoinstitucional.Para esses, a religiãojáoé,
fundamentalmente,umadministradordosagradoemenosumlegisladordeoutras
dimensõeshumanas.Elaéumsinalizador,emumníveldeconsciênciaqueavista
umaRealidadepercorrendotodaarealidade.
Osfenomenólogosdareligiãooveemcomestranhezaesse‘giromístico’
quepropõemosmestresespirituais.Porqueareligião,aexperiênciadosagrado,
leva em sua raiz, nos dirá M. Eliade, o intento de decifrar no temporal e
historicamenteconcretoodesejoirresistíveldohomemdetranscenderotempoea
história,dedescobrirofundamentodascoisas,aRealidadeÚltima
188
.
O homem, e assim, resumirá a filosofia cristã, em tudo o que conhece,
conheceoser,porqueconhecerhumanamentesignificaconhecerascoisasàluz
doser,captandonelasarealidade.Ecomoosernãoéparaessafilosofiamaisque
outronomeparaDeus,emtudooqueconheceohomemconheceaDeus.Eassim,
a mente do homem o é outra coisa senão ‘uma espécie de participação da
verdadeprimeira’,istoé,deDeus
189
.
E o encontro com Deus, que se ‘dá na alma no mais profundo centro’,
requer,comovimos,anteriormentedohomem,umareabilitaçãoparaoexercício
de dimensões que na cultura pós-moderna, mesmo que ainda sinalize ser este
lugaruma oportunidadeparaamudança,nãodeixadesertambémumlugarde
atrofiamento
190
.Entretanto,oencontrocomDeus,nomaisíntimodapessoa,que
sedánaacolhidadesuapresença,ésemdúvidaaraizdaexperiênciareligiosa.E
distofalamafenomenologiaeosmísticos,osestudiososdofenômenoreligiosoe
 
187
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.24.
188
Cf.ELIADE,Mircea.Observacionesmetodológicassobreelestudiodelsimbolismoreligioso.
pp. 116-140. In: KITAGAWA, J. (Ed). Metodologia de la Historia de las religiones. Paidós,
Barcelona, 1986. Apud. MARDONES, J. Maria. Mística transreligiosa en una sociedad de
incertidumbre,p.93.
189
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.25.
190
Cf.Ibid.,p.31.
49
o homem que se tem adentrado com seriedade na busca dessa Realidade,
fundamentoradicaldetudo.
2.3Areligiãoesuareafirmação
A sensibilidade que expressam os representantes da espiritualidade atual
oferece uma perspectiva de mudança religiosa que não duvida em denominar
transformação. Advertem um predomínio religioso do extremo, objetivo e
institucional.Eassinalamumgiroparaainterioridadequefaçajustiçaàdimensão
profunda dareligião: avivênciadaunidadecomessaRealidadeúltimaquenos
envolveequedenominamosDeus
191
.
Religião,nestesentido,diráW.Jäger,énossacondiçãodesereshumanos,é
atuarapartirdaexperiênciadeunidadedenossosercomestaRealidadeÚltima.
EstemesmoautordiráqueestaunidadedoserdeDeuseapessoahumanatem
queserentendido,comoumaimagemtomadadomísticoRumí,comoomarea
onda: o mar não é a onda; a onda não é o mar, porém ambos podem existir
somenteunidos.Desdeestepontodevista,aonda,éportanto,mareomar,onda
192
.
Noentanto,nãoéfácildescreverospassos,asetapaseasmodalidadesdo
exercíciodospreâmbulosdeexistênciasdaexperiênciareligiosa.Velascodestaca,
por exemplo: a renúncia e o desprendimento, o recolhimento, a solidão e o
silêncio.Arenúnciaeodesprendimentodosbensdestemundonãoseconfundem
com sua negação pura e simples ou sua condenação e desqualificação como
obstáculosparaarealizaçãohumana,masdevemserentendidoscomosuperação
doapego.Orecolhimentodistingue-sedo‘ensimesmamento’dosujeitoedeseu
isolamento das pessoas e das realidades que compõem seu mundo
193
. Aqui o
silêncio oé sinônimode mudez nem de opacidade. É a condição para que a
palavradeDeusressoenointeriordohomem,ondepermanentementemoraefala.
Todosessespassosconstituem,então,segundoVelasco,aetapapurificadora
do caminho até a experiência de Deus. No entanto, os esforços humanos são
insuficientes. É a hora da intervenção purificadora do próprio Deus; a hora da
‘noitepassiva’emqueopróprioDeusculminaaobra.Estahoraéindispensável
 
191
Cf.MARDONES,J.Maria.Místicatransreligiosaenunasociedaddeincertidumbre,p.93.
192
JÄGER,W.Adondenosllevanuestroanhelo,p.93.
193
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.33.
50
paraqueohomempossaunir-seaele,dilatarocoração,estenderseudesejona
medida da realidade infinita de Deus. Desprendendo-se de qualquer apego que
converta a Deus em objeto à sua disposição, purificando seu amor para que se
dirijaaDeusporelemesmoenãopeloquelhepossaoutorgar
194
.
Esta busca pela unidade com a Realidade última é o que alguns autores
encontramcomodenominadorcomum, onúcleodetodasas religiões.Alguns,
segundoMardones, como W. Jäger,ochamam, fazendo umjogodelinguagem
com aexpressão ‘filosofia perene’, a ‘sabedoria perene’, esse centro ou núcleo
religioso para o qual apontam todas as religiões. Nesse sentido, é uma
religiosidadequesobrepassaoutranscendetodareligiãoouconfissão
195
.
Poressarazão,comotêmsugeridoalgunsfilósofoseteólogossensíveisao
diálogo inter-religioso, ‘a verdade está na profundidade’. Esta frase de Paul
Tillich retomada hoje por Ricoeur
196
, impulsiona uma atitude de esperança de
encontrocomoutrareligiãopelaviadoaprofundamentonesseCentro.
Na tradição cristã, o itinerário espiritual dispõe o homem para um novo
olhar. E esse se distingue pelaclareza, pelasimplicidade, pelapenetração, pela
fruiçãoquecaracterizamaatitudecontemplativa.Transformaoconhecimentoem
conhecimento interno, o saber, em sabedoria. Desemboca numa espécie de
conaturalidadedaalmacomDeus
197
.
É,então,daoriginalidadedointeriordohomemedaPresençaqueohabita
que nascea originalidade doitineráriodo homemcomele. Aí, todoesforçodo
homem consiste em apenas tornar-se disponível, esvaziando o próprio interior,
fazendo silêncioemtorno de simesmoe noprópriointerior, paraqueressoe a
Palavrapresentenocoração
198
.
No reconhecimento desta presença originária, no consentimento ao seu
chamadoenaentregadespojada,sedáaexperiênciaorigináriadeDeus.Aestaa
fenomenologia da religiãoidentificacomoatitude religiosafundamental,queas
diferentes religiões realizam, em caminhos históricos determinados, sob formas
distintas tais como: fé-esperança-caridade (cristianismo), obediência fiel
(Judaísmo), islã, submissão incondicional (Islamismo); realização da identidade
 
194
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.34.
195
Cf.MARDONES,J.Maria.Místicatransreligiosaenunasociedaddeincertidumbre,p.94.
196
Cf. RICOEUR, P. La pensée protestante aujourd’hui. Reforme 2.609 (1995), pp. 7-8 Apud.
DUQUOC,Christian.ElúnicoCristo.Lasinfoniadiferida.SaldaTérrea,Cantabria,2005.p.125.
197
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.35.vernotas13e14.
198
Cf.Ibid.,p.36.
51
com o Brahman, ‘tu és isso’ (Bramanismo); bhakti, entrega confiante na
divindade (outras formas de Hinduísmo); nirvana, extinção do sujeito no mais
além absoluto (Budismo). Sem esse reconhecimento fundamental, não há
experiênciadeunidadecomaRealidadeúltima,comDeus
199
.
Além disso, examinando o contexto atual de um fervoroso pluralismo
religioso, podemos nele destacar uma inegável insatisfação com a religiosidade
predominante e institucionalizada, pois, mesmo que a religião ainda pulse no
coraçãodaexistênciahumana,jánãosãomaisasmesmasinstituiçõesreligiosas
que desempenhamafunção detransmissão deum código unificadordesentido
social,nemtãopoucoregulamavidapessoalecoletivadosindivíduos.
200
Isso leva a se instaurar uma busca mais pessoal e mais experimental do
divino. E como já indicamos, aí está anunciada uma transformação ou uma
decomposiçãodoreligioso,oquedevemosreconhecerqueéumamanifestaçãoda
consciênciareligiosadenossotempo.Porqueaespiritualidadedenossaépocanão
tem esperado a reforma das igrejas ou instituições religiosas para efetuar sua
própriabuscaesãomuitasaspessoasquejánãoassociamaexperiênciareligiosa
imediataaumaafiliaçãoreligiosa
201
.
E,istosedá,segundoDanièleHevieu-Léger,porque
areligiãocessadeforneceraosindivíduoseaosgruposoconjuntodasreferências,
dasnormas,dosvaloresedossímbolosquelhespermitemdarumsentidoàsua
vidaeàssuasexperiências.Namodernidade,atradiçãoreligiosadeixadeconstituir
umcódigodesentidoqueseimpõeatodos
202
.
Todavia,diantedestecontexto,Mardonesacreditaquearevoluçãointerior
mística se apresenta como solução ou defesa a esta realidade
203
. Para ele, a
religião,quedesceàprofundidadeinteriordescobreeviveaigualdaderadicalde
todos os seres humanos, está em condições de resistir e fazer frente a esta
epidemia de expulsão do outro
204
, contra o reducionismo da condição humana,
pois,aatençãoàintimidade,aprofundidadedesi,aoenfrentamentocomnosso
ladoobscuro–oqueC.G.Jungchamoua‘sombra’–devolveaoserhumanotoda
suainteirezaesuaspolaridades.Nãoseescondeseuladosombrioeperigosoque
 
199
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.38.
200
Cf.HERVIEU-LÉGER,Danièle.Operegrinoeoconvertido,p.56ss.
201
Cf. MARDONES, J. Maria. Mística transreligiosa enuna sociedad de incertidumbre, p. 95.
Vernotas10e11.
202
HERVIEU-LÉGER,Danièle.Operegrinoeoconvertido,p.38.
203
Cf.MARDONES,J.Maria.Místicatransreligiosaenunasociedaddeincertidumbre,p.96.
204
Cf.Ibid.,p.103.
52
pode delirar e conduzir para o pior; porém também se o tem consciente da
capacidadehumanaparaenfrentá-loeintegrá-lo
205
.
Atransformaçãoreligiosa,viamística,seconstitui,assim,emumbaluarte
frenteaosreducionismosantropológicosdenossasociedadeecultura.Issosefaz
emrespostaàsituaçãopluralista,queaoacabarcomomonopólioreligioso,faz
comquefiquecadavezmaisdifícilmanterouconstruirnovamenteestruturasde
plausibilidadeviáveisparaareligião”
206
.
Noentanto,adverte-seapósestastendênciasmísticas,areaçãohistóricado
ser humano frente ao mal estar provocado por toda essa realidade, que solicita
umatransformaçãodareligiãoquepassedaênfase noexteriorao interior.Esse
giro requer um salto na consciência religiosa. Mais, além das dificuldades
inegáveis,arrisca-seumprocessodemudançareligiosagigantescaquefazpensar
em um ‘novo tempo eixo’. Porque secularização, “é antes, perda da religião
institucionalenuncaperdadareligiãoenquantotal”
207
.
E a consciência religiosa, mais cida e desperta pede hoje uma
transformação profunda até o Mistério que a envolve e a sustenta. Se todas as
tradições religiosas têm seus dias contados em sua forma de domínio externo,
aproxima-seumlarguíssimoefrutíferocaminhoquandoconduzseusfiéisauma
experiência que os levem ao mais íntimo de si, ao encontro com a Realidade
Última.
No entanto, para uma melhor compreensão dessa experiência, que
denominamos stica, se faz necessário uma abordagem fenomenológica do
termo‘mística’,pois,comoveremosaseguir,trata-sede“umdosmaisconfusos
termosqueexisteatualmente”
208
.
2.4Fenomenologiamística
Otermo‘mística’temrecebido,apartirdasegundametadedosec.XX,um
especial interesse. E hoje em plena época, como vimos, de secularização e de
fundamentalismoreligioso,dedescrençaedeindigênciareligiosa,emplenacrise
 
205
MARDONES,J.Maria.Místicatransreligiosaenunasociedaddeincertidumbre,p.104.
206
BERGER,PeterL.Odosselsagrado,p.162.
207
HERVIEU-LÉGER, Danièle. Representam os surtos emocionais contemporâneos o fim da
secularizaçãoouofimdareligião?In:ReligiãoeSociedade.18/1,1997.p.31.
208
TRESMONTANT, Claude. La mística cristiana y el porvenir del hombre. Barcelona: Ed.
Herder,1979.p.7.
53
das instituições religiosas e sob o impacto de novas formas e manifestaçõesda
religião,essaapresenta-se,segundoTamayo,contratodoprognóstico,comouma
das principais respostas ao fundamentalismo religioso, e ao diálogo inter-
religioso. Isso se dá através de dois campos: o dos estudos e pesquisas e o da
experiênciamísticaemtodasasreligiões
209
.
Esendo,então,estetermoutilizadoemvárioscontextosdiferenteseporsua
complexidadeem nãoser umtermo unívoco
210
, surgemas grandes dificuldades
para sua compreensão. Defrontamo-nos logo de início com seu uso em toda a
família dos novos movimentos. E, no terreno não religioso, apresenta-se, em
virtudedeumaanalogiafuncional,comosentidodecompromissosocialdealgo
tomadoporabsoluto
211
.
No terreno religioso, no seu interior, utiliza-se este termo para fazer
referência a zonas-limite da experiência humana. São encontrados testemunhos
seculares, uniformes, e concordantes do fato místico nas tradições budista,
hinduísta,muçulmana,judaicaecristã,entreoutras
212
.Designa-seaotermouma
conotação completamente diferente do conhecimento ordinário, objetivo e
científico.Eporoutrolado,eledeveserinterpretadoemumarealidadequelhe
neguequalquertratoracional
213
.
No entanto, nos mais recentes estudos interdisciplinares, as experiências
religiosasprofundasmostramqueamísticaacompanha,semespecialdificuldade,
ointelectoeaafetividade,arazãoeasensibilidade,aexperiênciaeareflexão,a
faculdadedepensareadeamar,oquelevaafilósofaMariaZambrano,segundo
Tamayo,aconsideraraexperiênciamísticacomoumaexperiênciaantropológica
fundamental
214
.
Pois, se outrora colocava-se o acento no caráter ahistórico, desencarnado,
puramentecelesteeangelicaldamística,hojesesublinhasuadimensãohistórica.
 
209
Cf.TAMAYO,JuanJosé.Amísticacomosuperaciondelfundamentalismo.In:RODRIGUEZ,
FranciscoJ.Sánchez(org.)Místicaysociedadendiálogo,p.161.
210
Cf.TRESMONTANT,Claude.Lamísticacristianayelporvernirdelhombre,p.7.
211
Sobreosnovosmovimentos,essessãoosvoltadosparaoesoterismo,ocultismo,oparanormal
ouparapsiquismo.Enoquedizrespeitoaooreligioso,comosentindodecompromissosocial,
temosamísticadeão,ahumanitáriaeacomunista.Cf.VELASCO.JuanMartin.Elfenómeno
místico,p.18.Vernota05.
212
Cf. ANCILLI, E. Mística non cristiana, p. 1631. In: ANCILLI, E. (org.). Dizionario
EnciclopédicodiSpiritualità.v.02.Roma:CittàNuovaEditrice,1900;LÓPEZ-GAY.Místique.
In:VILLE,M.etal.(Ed.).DictionnairedeSpiritualitè.v.X.Paris:Beauchesne,1980.p.1893.
213
Cf.VELASCO,J.Martin.ElFenómenomístico,pp.17-18.
214
Cf.TAMAYO,JuanJosé.Amísticacomosuperaciondelfundamentalismo,p.162.
54
Na verdade, pode-se pensar que a mística tem muito de fantasia e move-se no
mundodaimaginação.Noentanto,mesmoseassimfor,afantasiaeaimaginação
estão carregadas de utopia. E sobre isso, Tamayo menciona Walter Benjamin.
Paraeleautopia‘formapartedahistória’,esitua-senoseumaisprofundo,mas
não para acomodar-se aos ritmos que impõe a ordem estabelecida, senão para
subvertê-ladesdeseusalicerces,nãoparapermaneceraoníveldochão,maspara
iràprofundidade
215
.
a)Otermo‘mística’
Aorigemdotermo‘mística’,nangualatina,vemdatranscriçãodotermo
gregomystikós,quesignificaosmistérios(tamystika).Ecomoadvérbiomystikós
(secretamente), se tem uma família de termos derivados do verbo myein, que
significa a ão de fechar aplicada a boca e aos olhos, possuindo em comum
realidades secretas, ocultas e misteriosas. Essa terminologia vem dos cultos
gregos,nãocristãos
216
.
Osurgimentodessetermonovocabuláriocristão,quenãoaparecenemno
NovoTestamentoenemnosPadresApostólicos,dá-seapartirdoséculoIIIpelos
padresdoorientecristão,comoadjetivo.Essevocábulopresentenocultogregoé
reinterpretado em função do tema paulino como mistério de Cristo. E com a
passagemdotempoadquiretrêssentidosparanossosdias.SegundoVelasco,em
primeiro lugar, o simbolismo religioso em geral, que se aplica ao significado
típico ou alegórico da Sagrada Escritura proporciona um sentido espiritual ou
“místico”, em contraposição ao sentido literal. Em segundo, remete ao culto
cristãoeaseusmaisdiferenteselementos,porserprópriodousolitúrgico.Epor
último, seu sentidoespiritual e teológico refere-se àsverdades inefáveise mais
profundas,ocultasdocristianismo,objetodeumconhecimentomaisíntimo
217
.
No século V, Marcelo de Ancira fala de uma teologia inefável e mística,
assegurando o conhecimento mais íntimo da natureza humana. E foiapenas no
final deste mesmo século que o Pseudo-Dionísio, utilizando-se deste termo,
 
215
Sobreainserçãodomísticonasociedade,temosotestemunhodealgunscristãoscomoodeS.
João da Cruz, o Mestre Eckhart, Margarita Porete e o sufí Ibn al’Arabí. Como também da
carmelita descalça Cristiana Kauffmann, para quem a mística “é o dinamismo interno de toda
atividadesolidariaecriativadocristianismo.Gerapessoasdeincansávelentregaaosdemais,de
capacidadedetransformaçãodasrelaçõesinterpessoais”.Sobresuasexperiênciasquenamaioria
dasvezessetornaramincomodasparasuasinstituições,Cf.Ibid.,pp.163-164.
216
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.20.
217
Cf.Ibid.,p.20.
55
elabora o primeiro tratado teológico sobre a mística, em oposição ao
conhecimento dedutivo e puramente racional. Admite, como peculiar, o
conhecimentoreligiosoescondido,experimentaleimediato,adquiridoapartirda
relaçãocomDeus
218
.
NoiníciodoséculoXV,nosescritosdeJ.Gerson,osubstantivo‘mística’
aparece pela primeira vez e a teologia mística passou a desdobra-se em um
aspecto prático, e outro especulativo, assegurando o exercício da mística como
conhecimentodeDeusporcontemplaçãoinfusa,eumareflexãodoutrinalsobrea
vidamística
219
.
Noentanto,foiapenasnasuasegundametadedosec.XVIIquesecomeçou
ausarotermo‘teologiamística’eadesignarcomotermo‘místico’pessoasque
viviam uma experiência especial ou uma forma peculiar de conhecer a Deus,
conhecidocomoconhecimentomístico
220
.
Nesse momento, com a utilização deste substantivo estabelece-se algo
específico.Édelimitadoummododeexperiência,umtipodediscurso,umazona
de conhecimento. Comisso,podem identificar-se os fatos isolados das ciências
queabordaramseuestudo.Anovidade,então,nãoestáapenasnaidentificaçãoda
vidamística,masnoseuisolamentoesuaobjetivaçãodiantedosolharesdequem
começa a estudá-lo de fora, e o fato de que a palavra começa a designar um
fenômeno,umfatoemqueintervêmváriosfatores
221
.
Assim, sobre a palavra ‘mística’ devemos partir, segundo Velasco, do
princípiodequeestacomoafilosofia,areligiãoeoutras,deveserencarnadaem
uma cultura determinada, em uma realidade que se refere à palavra, e que só
existe encarnada e diversificada culturalmente. E é nesse entendimento que o
termomística
não designa a essência de uma experiência humana única, que as diferentes
místicasrealizamdeformaunívoca,de formaque a variedadeeasdiferençasse
originam pelos esquemas expressivos e interpretativos com que os sujeitos as
formulam
222
.
 
218
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.20.Vernotas7e8.
219
Cf. SUTTER, A. Mística. In: ANCILLI, E. (org.). Dizionario Enciclopedico di Spiritualità.
p.1626.
220
Cf. GUERRA, S. Mística. p. 904. In: PIKAZA, X., SILANES, N. El Dios cristiano.
DiccionarioTeologico.Salamanca:SecretariadoTrinitario,1992.
221
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.21.Vernota12.
222
Ibid.,p.48.
56
Diante da realidadeplural a que serefere o termo‘mística’,edoseuuso
pelosestudiososdofenômenoreligioso,Velascochamaaatençãoparaofatode
não existir um significado preciso. Por isso, não se pode temer traduções
diferentesvindasdeváriastradiçõesreligiosas,quandosereferiràexperiênciaem
outrasculturas.Poisoreconhecimentodeumarealidadepluralaquesereferea
palavramísticaseexigirádequempretendedescrevê-losemtodaasuariqueza,
em um diálogo que, sem cair no relativismo, “intenta deixar-se conhecer pelo
outro,aprenderdooutroeabrir-seaumapossívelfecundaçãomútua”
223
.
Velasco sintetiza a palavra mística, dizendo que essa é utilizada para
designarumtipodeexperiênciaexistentenatradiçãocristã,
tem sido convertida pelos estudiosos do fenômeno místico em ‘categoria
interpretativa’doconjuntodeexperiências,diferentes,diversas,aomesmotempo
emqueconvergentes,presentesemoutrastradiçõesreligiosaseàmargemdessas
tradições expressadas nelas como ‘equivalentes homeofórmicos’ e nas que
intervêm, encarnadas nas várias culturas, as invariantes humanos que se
manifestamnessasexperiências
224
.
Porfim,emrazãodetodaapluralidadedesignificadosquecarregaotermo
‘mística’,écompreensível,porcausadapluralidadedefenômenosaqueseaplica,
eapluralidadedopontodevistadevárioscamposdepesquisa,quenãosepode
determinarumadefiniçãoimpostapelaprópriareligião,teologiaoufilosofia.
225
Noentanto,diantedetodoconflitoquepossaexistiremrelaçãoàdefinição
dotermo,existeentreosestudiososdofenômenoreligioso,umconsensodequea
experiência que melhor emaisautenticamente expressaavivênciareligiosa éa
mística
226
. E quea utilização de um método para seu estudo faz-se necessário
paraquemelhorseconsigaidentificarofenômenomísticoesuascaracterísticas.
b)Ummétodoparaoestudodofenômenomístico
Aprocuraporummodeloepistemológicoparaoestudodamísticavemse
desdobrandodesdeasprimeirasdécadasdoséc.XX,atéquenosanossessentase
apresentaram as propostas, designadas como ‘essencialista’, ‘perenialista’, e
‘universalista’ que têm se revestido de diferentes formulações. Uma das
 
223
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.48.
224
Ibid.,p.48.Omesmovalorde“categoriainterpretativa”,Velascoatribuiaostermoschavesda
fenomenologiadareligião,conferiroutraobrasua:Introducionalafenomenologiadelareligión.
Madri, Trotta, 2006.  Sobre equivalentes homeofórmicos, conferir PANIKKAR, Raimon. La
experiênciafilosóficadelaÍndia.Madri,Trotta,1997.
225
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.19.
226
Cf.TAMAYO,JuanJosé.Amísticacomosuperaciondelfundamentalismo,p.162.
57
expressõesdestemodeloéadoutrinadeRadhakrishnan,sobreaverdadereligiosa,
resumida nestes termos: “Todas as religiões brotam do solo sagrado da mente
humanaeestãoanimadaspelomesmoespírito.Osdiferentessistemassãointentos
maisoumenossatisfatóriosdeajustedarealidadeespiritual”
227
.
ParaRadhakrishnan,“oserhumanosópodeconheceraDeusseseparaseus
sentidosesuamentedomundodaexperiênciaexternaeconcentrasuasenergias
narealidadeinterior”
228
,paraquepossadarcontadasuaverdadeiranaturezano
íntimo de sua própria identidade, pois, quando se possui o conhecimento de si
mesmo,sãodestruídasasatadurasdocoraçãoeétranscendidaafinitude.Assim,
o valor da religião consiste em ser capaz de ativar no ser humano essas
potencialidades.
Nomodelo“essencialista”,colaboramamaiorpartedosautoresquesetêm
ocupadodamísticaapartirdaciênciadasreligiões,naprimeirametadedoséc.
XX.Essesestudiososforamconduzidosporumprincípioepistemológicocomum,
“o pressuposto de que todas as manifestações da mística são as expressões
variadas de umaidêntica experiênciaou,aomenos, deum reduzido númerode
experiências”
229
.Asrazõesparaestaafirmaçãoestãonassemelhançasdosrelatos
dasdiferentestradiçõesmísticasedeumaanalisedofenômenomístico.
Noentanto,diantedasinúmerascríticasaestemodelo,surgeoutromodelo
de um novo paradigma epistemológico, o “construtivista”. E essa nova postura
diante da experiência mística tem como proposta principal compreender a
experiênciamísticainserindoomísticoemseucontextoconsideradopluriforme,
percebendo a relação entre o místico e sua meta, suas dificuldades e suas
experiências cotidianas. Nesse modelo descarta-se a possibilidade de existirem
experiênciasqueosejammediadas,quesejampuras
230
.Descartam-setambém
ascríticasquedizemserestemodeloincapazdeexplicarfatosderupturacoma
tradiçãoesuatendênciaaoreducionismo.
Destaca-se a intervenção da linguagem, a existência de experiências
sensitivas e o possível condicionamento cultural que possa intervir na ação
humana,noentanto,oproblemaparecesituar-seemoutrolugar,vistoque“toda
 
227
RADAKRISHNAN,S.EastandWestinReligio,AllenandUnwin,London,1933,p.19.Aput
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,pp.36-37.
228
RADAKRISHNAN,S.Lareligionyelfuturodelhombre,Alianza,Madri,1996,p.133.Apud.
VELASCO,J.Martin,Elfenómenomístico,p.37.
229
Ibid.,p.38.Vernotan.13.
230
Cf.Ibid.,p.40.
58
experiênciaéumaexperiênciainterpretadae,emtodosentidodependedaresposta
docontextoeéestimuladoporele”
231
.
A experiência mística é configurada por conceitos que o místico já de
antemão possui. Velasco cita Ricoeur que diz: “toda experiência é uma síntese
ativadepresençaedeinterpretação”
232
,afirmandoque,naexperiênciastica,o
sujeitosefazpresentecomseusesquemasdecompreensão,hábitoseetc.Eque
tudoistoconfiguraqueméosujeitonasuarelaçãocomootranscendente,“pois,o
ser que somos não se esgota na forma histórica, certamente condicionada, de
realizaresseser”
233
.
Destaformaabrem-seoportunidadesquepermitempercebercomosedãoas
experiênciasmísticasnasdiferentestradiçõesreligiosas.Dentreoselementosque
asconfiguram,estãopresentestambémasdoutrinasdesuaprópriatradição,que
nãosóselimitamaintermediá-lacomotambém“afetamasubstânciamesmada
experiência”
234
.
Os limites do modelo construtivista estão nascríticas em que assinalama
existênciadecasosdeexperiênciaspuras,fazendoreferênciaa‘experiênciassem
conteúdo’,‘acontecimentosdepuraconsciência’,negandoosfatorespresentesem
seucontextoculturaleemsuatradição
235
.Noentanto,nãoexistem“experiências
puras”,poisestasnãopoderiamdar-se,jáquetodaexperiênciahumanacomporta
sualinguagem,históriaecultura.Mesmoqueestasoaesgotemporcausade
determinadamediação
236
.
Está claro que a interpretação construtivista da experiência mística
influenciatambémopluralismoreligiosoemseuterrenoculturalereligioso,bem
comotambémnasconclusõesdaantropologiaculturalsobreo“alcancenoético”
dacultura
237
.
Eéjustamentenessarelaçãodamísticacomareligiãoqueosargumentosde
muitos estudiosos contra o método construtivista estão baseados. Esses estão
certos no entendimento de que a existência de semelhanças entre as diferentes
 
231
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.42.
232
EstaexpressãodeP.RicouerfoicitadaporJ.SERVAISemFaireI’expériencedeDieu?”In:
NouvelleReveuThéologique.nº105,1983,p. 413.Apud. VELASCO,J.Martin.Aexperiência
cristãdeDeus,p.47.
233
Ibid.,p.43.
234
Ibid.,pp.40-41.
235
Cf.Ibid.,p.42.
236
Cf.Ibid.,p.43.
237
Cf.Ibid.,p.39.
59
tradições místicas permite identificar que todas o místicas, mesmo diante de
diferentes contextos culturais. E assim, possibilitam estudos comparados entre
religiãoemística.
Issosedeveaofatodequerepresentantesdediferentestradiçõesreligiosas
encontrem-separadialogar,eassumamemsuapráticareligiosa,experiênciasde
outras tradições, assim, como fez Thomas Merton
238
. Para esse religioso, o
monaquismo Oriental, a sabedoria do Oriente e seu pendor para valorizar o
invisível,oAbsoluto,cadavezmaisoatraíamparaumestudoaprofundadoque
trariaparaocristianismoocidentalnovasriquezasporvezesesquecidasoupostas
delado.
ThomasMerton,porocasiãodeumconvitequerecebeuparaparticiparde
umCongressoecumênico,organizadopelosbeneditinosemBangoc,naTailândia,
assimescreveuemseudiário:
Voucomamentedetodoaberta.Semilusõesespeciais,espero.Minhaesperançaé
simplesmente desfrutar da longa viagem, dela tirar proveito, aprender, mudar.
Talvez encontrar alguma coisa ou alguém que me ajude a avançar em minha
própriabuscaespiritual
239
.
Diante destas palavras, entendemos que a mística, bem como a religião,
realiza-se na pluralidade cultural condicionada nas próprias tradições. Porque
existe
um conjunto de variantes humanas, só realizáveis historicamente. Portanto, na
diversidadedastradiçõesedasculturas,nenhumpensamentohumanoécapazde
perceberedescreverahistoricamente,aculturalmente,umanoçãoqueexpresseuma
essênciaintemporal,absoluta
240
.
Infelizmente, em algum momento, na teoria sobre a religião, tem-se
esquecido de que as mais variadas formas religiosas o plurais, por pretender
uma definição de religião que contenha a essência realizada em todas essas
formas.Noentanto,“atomadadeconsciênciadapluralidadedasformasnãodeve
ocultar-nosaexistênciadofatohumanoquetodaselasconstituem”
241
.
Velascoprocuradeixarclaroque,nessenovomodelo,coloca-seemquestão
pressupostosquejáeramcomunsentreosestudiososanteriores,quandosedizia
quetodasasexperiênciasmísticassãoasmesmasousimilares.Nesseprocura-se
 
238
Cf.MERTON,Thomas.Mertonnaintimidade:suavidaemseusdiários.Editores:PatrickHart
eJonathanMontaldo.RiodeJaneiro:Fisus,2001.
239
Ibid.,p.380.
240
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.43.
241
Ibid.,p.44.
60
reconhecersuasdiferenças,ovalorizandoumaemdetrimentodeoutra.Oque
levamuitosestudiososaproporemumaviamédiaentreasposturasessencialistae
aconstrutivista
242
,poisasmanifestaçõesreligiosaseasoreligiosassãotodas
formasquerevelamasriquezasdaexperiênciamística.
E assim, podemos dizer que a “mística é sempre religiosa e a religião é
sempre mística”
243
. Porque, em toda experiência religiosa, encontram-se
elementosmísticos.Ecomovimos,noitemanterior,apenasummétodoaplicado
apartirdoprópriocontextohistóricoécapazdeidentificarumfenômenomístico.
Reconhecendo as diferenças existentes entre tantas experiências místicas,
procuraremos, no item seguinte, descobrir se existe uma mística genuinamente
cristã.
2.5Amísticacristã
Segundo Velasco, quando pretendemos descrever a mística no interior do
cristianismodeparamo-noscomalgumasdificuldades.Primeiro,pelalegitimidade
do fenômeno místico na ação cristã. Existe mesmo uma mística que seja
genuinamentecristã?Easegundadificuldadeencontra-senaenormevariedadede
formas que tem-se revestido a mística na história do cristianismo oriental e
ocidental
244
.
 Como temos visto, não poucos teólogos se inclinam por uma resposta
negativa,quandosereferemaofatodeexistirnatradiçãocristãalgoquepossaser
atribuído a fenômeno místico
245
. A razão para esta resposta encontra-se, como
tambémjáhavíamosnotado,nofatodequeotermo‘mística’nãoseencontrano
Novo Testamento e nem nos Padre Apostólicos, vindo a aparecer apenas na
metadedoséculoIII.
Isso nos leva a perceber que todas essas razões contribuíram para que
fossem excluídas da experiência místicaas fontescristãs,encontrando apenasa
explicação para o misticismo nas influências da gnosis e no neoplatonismo. E
 
242
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.41.
243
EstaafirmaçãodeHügelpartedeumestudoapuradoqueomesmorealizousobreavidamística
deSta.CatarinadeGênova.Cf.HÜGEL,Fr.von.Themysticalelementofreligion,asstudiedin
SaintCatherineofGenoaandfriends.J.M.Dent,London,1908,2ºv.Apud.VELASCO,J.Martin.
Elfenómenomístico,p.31.
244
Cf.Ibid.,p.210.
245
Conferirocapítuloanterior.
61
assim, também encontra-se na história da mística cristã, uma oposição entre a
místicapsicológicaintrospectivaeamísticaobjetiva
246
.
Noentanto,apartirdeumacompreensãoampladosignificadoda‘mística’,
é possível encontrar no Novo Testamento, a peculiaridade própria da mística
cristã,vistoquetodaexperiênciamísticanocristianismotemsuaorigemnavidae
naexperiênciadeJesusCristoedevetersuasmodalidadesrevestidaspelaprópria
experiênciadeprofundaintimidadequeviveuoMestrecomoPai,Elesetorna
assim,paraocristão,oparadigmadaexperiênciamística.
Aquestãoése,àsemelhançadoquedizoNovoTestamentosobreavidado
cristão,aexperiênciasobreaqualdescansamosescritosdoNovoTestamentoeo
conhecimento de Deus que se propõe não permitem falar de uma dimensão
místicanocristianismo
247
.
A possibilidade de resposta para essa questão encontra-se na própria
experiência que designaumarealidadecom raízes próprias,masoexclusivas
nos textos neotestamentárias, pois esta realidade se dá assumida no que tem-se
chamadotradicionalmentecognitioDeiexperimentalis,ouseja,aqueleprofundo
conhecimento experiencial de Deus de que os místicos cristãos têm sido
testemunhoseminentesnahistória
248
.
Quando procuramos pesquisar as características da mística cristã,
percebemosquenaperspectivademuitasteologiascristãssobreamística,tem-se
destacado uma de suas características a referência constante da experiência do
Mistério.Etalexperiênciaapareceriamaisclaramentenasformasmaisoriginarias
da mística cristã, que representam os textos neotestamentarios e osestudos dos
Padresequeteriamsidoeclipsadaspelainfluênciadoneoplatonismo
249
.
Noentanto,essapresençadoconteúdosobreavivênciadomísticoéalgo
comum a todas as formas de mística religiosa autêntica, pois, possuem como
essênciaacondição
 
246
Cf.GENIL,M.R.Del.Mística.In:BORRIELLO,L.etal.,
Dicionáriodemística.SãoPaulo:
Paulus:EdiçõesLoyola,2003.pp.707-709.
247
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.212.
248
Cf. ELENA, Santiago del Cura. Mística Cristiana: su enraizamiento neotestamentario en
perspectiva ecuménica. In: VELASCO, J. Martin (org.). La experiencia mística. Estudios
interdisciplinar.Madri:Trotta.2004.p.130.
249
Cf.Ibid,p.217.Recentemente,ainsistêncianaregulamentaçãodaexperiênciapeloMistério,
temcomoprincipaisrepresentantes,teólogoscomoH.deLubac,H.UrsvonBalthasar,L.Bouyer.
Estes fazem frente ao perigo de psicologização da mística cristã que supõe uma interpretação
fenomenológica,psicológicadaexperiênciamística.
62
extáticadaexperiência,quesurgeevivedapresençadessemaisalémdo sujeito
quesósefazpresentedescentrando-oemsuadireçãopormeiodomaisabsoluto
transcendimento. O que na realidade constitui a originalidade da experiência
mística cristã é a peculiaridade da configuração desse Mistério. Como todo o
verdadeiramente nuclear, esta contém infinidade de aspectos que debulham essa
verdadeiraraizdaidentidadedamísticacristã
250
.
Para o cristão, o Mistério é, em primeiro lugar, o Deus pessoal de uma
tradição monoteísta e profética. E ao mesmo tempo, é o mistério do Deus
encarnado:JesusCristo,emquemocristãotemacessoaoPainoEspírito.E,em
terceirolugar,oMistérioque,emvirtudedaencarnaçãoeemcontinuidadecoma
revelação veterotestamentária de Deus, desvela-se na história dos homens e a
encaminha para si como seu fim escatológico. E por último, o Mistério que
convocaoscrentesàcomunhãocomaIgrejacomogérmendoReinodeDeus
251
.
Os elementos do Mistério cristão consistem na adesão do crente a um
Mistérioqueodispõeàrevelação,aspectosdoMistérioqueregulamaexperiência
cristã realizada pelos místicos de forma eminente. A relação da experiência
mística com a fé não consiste em uma forma de conhecimento que supere o
conhecimentodeDeuspelaféouosubstitua
252
.
Aimportância,nessarelação,move-senointeriormesmodaféeessanunca
podesuplantá-la,poisaexperiênciamísticarealizaamesmaharmoniadeaspectos
aparentementecontráriosqueconstituemaoriginalidadedafécristã.Comoafé,a
mística cristã está ligada ao Mistério, que surge de sua manifestação na
obscuridade,nuncainteiramentedada.Noentanto,
estaexperiêncianãoserealizanasimplesprolongaçãodainterioridadeabismaldo
sujeito, mas requer referência à revelação, à Palavra com a qual esse Mistério
despertaaprofundidadedohomemearemeteaomaisalémsempreinalcançável,
naprofundidadedosujeitoenapalavraqueoprovoca
253
.
MísticaeMistério,nossticoscristãos,possuemumaconfiguraçãoqueé
vivamentepersonalizadaedecarátereminentemente pessoal. O conteúdo dessa
experiênciaquevemdadapelafécristãesua‘representação’éomistériodeDeus
nos termos do Deus único, revelado no Novo Testamento, que como Pai, pela
ação do Filho, nos comunica seu Espírito. Essa configuração trinitária do
‘conteúdo’daexperiênciaéoqueadistinguedasmísticasdoAbsolutodamaior
 
250
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.217.
251
Cf.Ibid.,p.218.
252
Cf.Ibid.,p.218.
253
Ibid.,p.219.
63
partedastradiçõesorientaisedamística‘apenas’monoteístadoislamismo,por
mais parentesco que com elas possam ter as expressões de alguns místicos
cristãos
254
.
Noentanto,oéraroencontrardescriçõesqueapresentamcomopróprios
damísticacristãcaracterísticasqueseencontramnassticasdeoutrasreligiões,
porémformuladoseentendidos emtermosemodalidadesoutrosqueimpõema
peculiaridadedecadaumadelas.
É certo, todavia, que a originalidade que outorga à mística cristã sua
referênciaaJesusCristotemsuasdiferentespropriedadeselheconfereumaclara
peculiaridade. E sem pretender que sejam características exclusivas do
cristianismo, reconhece-se entre os estudiosos dois aspectos que afirmam a
verdadeiraoriginalidadedamísticacristã
255
.
Oprimeiroaspectorefere-seàsuadimensãoeclesial,aqualfrequentemente
foi atribuído umindividualismo derivadode suainsistência na interioridade,na
subjetividade e na condição da relação com Deus. As religiões de orientação
mística: hinduísmo, budismo, taoísmo, são caracterizadas, nas tipologias que
insistem nesse aspecto, como religiões individualistas, frente à condição mais
claramentecomunitáriadasreligiõesdeorientaçãoprofética
256
. A mística cristã
comportaumadimensãoeclesial,oque,noentanto,nãosignificaqueummístico
cristão necessite comocritério deautenticidade,oposicionamento daIgrejaea
ortodoxiagarantidapelomagistério.Essadimensãoderiva-sedanaturezaeclesial,
emseumododerealização,dafévividapelomísticoe,emdefinitiva,dofatode
queauniãocomDeusqueprocuraterlugaremJesusCristo,operaaincorporação
docrenteàsuamorteesuaressurreição
257
.
Eessainserção‘crístico-eclesial’docrentecristãoabresuaexperiênciade
místicoaatençãoeaocuidadodosoutroseodotadedinamismoevangelizador
que está na raiz de boa parte de seus esforços por comunicar sua própria
experiência. A união com Deus ocorre para eles, os místicos, em beneficio de
outros e o amor de Deus que os inunda e corre através de suas vidas é de
extraordináriovalorparaahumanidade
258
.
 
254
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.221.
255
Cf.Ibid.,p.231.
256
Cf.Ibid.,p.231.
257
Cf.Ibid.,p.231.
258
Cf.Ibid.,p.232.
64
Osegundoaspectoseencontraquandonosdeparamoscomumamísticaque
sevoltaparaaética.SegundoSchweitzer,amísticadePaulo,comomísticadoser
emCristo,mantémumaestreitarelaçãocomaética.IssoporqueaéticadePaulo
nãoéoutracoisasenãosuamísticadoseremCristocompreendidadesdeoponto
devistadoquerer
259
.
Eassim,aexperiênciamísticaparaosmísticoscristãosconsiste,sobretudo,
na união desemelhança que tem sua raiznavidateologal e queseencarna na
união da própria vontade com a de Deus e, mais concretamente no amor ao
próximo, comoexpressãoemeioderealizaçãodoamordeDeus
260
.Veremosa
seguir que a mística cristã tem sua raiz única apresentada nos textos
neotestamentário,naexperiênciadeJesusdeNazaré.
a)Oenraizamentodamísticacristã
Otermo ‘mística’refere-se a umarealidadequepossui raízesprópriasno
texto neotestamentário e está presente no que tem-se chamado cognitio Dei
experimentalis. Este conhecimento refere-se ao “conhecimento de Deus não
reduzido a dimensões intelectuais dos processos cognitivos, mas marcado
decisivamentepelosaspectosvivenciais”
261
.
Privilegiarostermos‘vivência’ou‘experiência’,significaexpressarcomoa
mística supera limites secamente intelectuais, racionais ou abstratos no
conhecimento deDeus.Esta dimensãoexperiencialdo‘conhecimentoreligioso’
deDeusqueabarcaatotalidadedosujeitohumanoimplicanoNovoTestamentoo
reconhecimentocrentedeJesusCristocomorevelaçãoplenaedefinitivadeDeus.
AexperiênciahistóricadeJesusesteveanimadadoprincípioaofimpelopodere
odinamismodoEspírito,tendoumaexperiênciamuitoprofundadomistériode
DeusPai
262
.
O termo ‘mística’, que possui uma grande flexibilidade terminológica
possibilitatambémmuitasvariaçõesdesignificadoedeconteúdo
263
.Noentanto,
apartirdacompreensãodoselementoshistórico-proféticos,ficaclaroquenãose
 
259
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.232.A.Schweitzerumgrandeestudiosoda
obrapaulinaémuitocitadoporVelascoquandoesteserefereaPaulo.Aobracitadadesteautoré:
MystikdesApostelsPaulus.Mohr-Siebeck.Tübingen,1981.
260
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.233.
261
Ibid.,p.132.
262
Cf.Ibid.,p.132.
263
Cf.Ibid.,p.133.
65
justificamostraçosqueantesapresentavammetodologicamenteaquestão,desde
uma contraposição prévia e alternativa entre ‘interioridade’ e ‘história’. Parece
maiscorretoacolheroqueoNovoTestamentotemadizersobreocognitioDei
experimentaliscomosíntese,oqueposteriormentesedenominarácomo‘mística’,
poisécertoquearelaçãodeJesusdeNazaré,únicaeoriginal,comDeusimplica
elementosfundamentaisparatodaexperiênciacristãdeDeus
264
.
b)Elementosdamísticacristã
A experiência religiosa, no cristianismo baseia-se no acontecimento
reveladordoNovoTestamento,emqueDeusPai,pormeiodoFilhoJesusCristo,
nosoutorgaumavidanovanoEspíritoSanto.Posteriormentesepôdedizerque
istosefundaemumacontecimento‘Trinitáriodasalvação’.Estaéumaestrutura
quemarcao‘sentidoespiritual’ea‘experiênciamística’deDeus.Eéjustamente
neste acontecimento e na realidade do Deus Trinitário que se encontra a
peculiaridadedostraçosmísticosdatradiçãocristã.
AexperiênciacristãencontranahistóriadeJesusdeNazaréenosignificado
salvífico que encerra sua vida seu elemento mais decisivo. “Recentrar-se nele,
constitui o primeiro critério de discernimento na relação entre a mística e
cristianismo”
265
.
Umdosmotivosdareservaprotestantecoma‘mística’encontra-senoque
elesentendemporobscurecimentoqueestacausaàmediaçãosalvadoradeJesus
Cristo. Para uma corrente do protestantismo, a ‘mística’ implicaria em uma
tendência à autoredenção. Felizmente hoje se procura ir além destas
contraposiçõesmeramenteconfessionais,quandoosmísticoscristãos,pormeiode
suas experiências, desmentem toda pretensão autosalvífica. No mesmo
protestantismo, em uma outra corrente, pretendem por outro lado, superar as
exclusõesentre‘mística’e‘cristologia’,entreoreconhecimentocrentedeCristo
‘pornós’,entreoobjetivismoeosubjetivismosalvífico
266
.
Isso possibilita uma grande abertura à mística neotestamentária, livre de
preconceitos
267
.SegundooevangelhodeJoão,paraocristãoqueaceitaoconvite
de seguir a Jesus,essaaceitação significanão só reconhecer queeste itinerário
 
264
Cf.ELENA,SantiagodelCura.MísticaCristiana,p.133.
265
Ibid.,p.144.
266
Cf.Ibid.,p.145.
267
Cf.Ibid.,p.146.
66
leva ao Pai,masque tambémointroduz no mistério da presençarecíproca que
aconteceentreambos
268
.“EssauniãotãoestreitaentreoPai-Filho,queseabre
aosdiscípulosdeJesus,podechamar-seimanênciamútua”
269
.
Aqui se inspira a convicção tão importante na experiência dos místicos
cristãosdechamar-seemCristoedeCristo,ouseja,deumaidéiajátradicionalde
uma‘inabitação’oudeuma‘uniãomística’.Essaimanêncianãoéestáticaenem
estéril,poistemconsequênciasnocompromissoético,novigormissionárioena
permanênciadoamor.OamorfraternalrecíprocooutorgaàrelaçãoverticalDeus-
Cristo-discípulosumcomponentehorizontaldecisivoeirrenunciável
270
.
Asticajoaninaécristológica.OCristãovivesuaprópriaexistência‘em
Cristo’,quesedáentreamboscomoumareciprocidadedeimanência.‘Viverem
Cristo’ é ao mesmo tempo uma vida ‘no Espírito’, pois essa presença implica
simultaneamente a inabitação do Espírito de Deus neles
271
. A vida do cristão,
enquantoseguimentodeCristoepermanêncianeleequivaleavivernoEspíritode
Deuseadeixarlevar-seporsuasinspirações
272
.
“Avidacristãéumavida‘espiritual’nosentidomaisestreitodotermo,ou
seja,possibilitada,mantidaeplenificadapelopodereforçadoEspíritoSanto”
273
.
No entanto, nem sempre na história do cristianismo ocidental, tem-se mantido
uma consciência clara da vinculação estreita entre a realidade do Espírito
(pneumatologia) e a vida ‘no Espírito’ (espiritualidade)
274
. Seu lamentado
‘esquecimento’ afetou tanto a tradição protestante como a católica. Em ambas,
todavia, dá-se, desde alguns anos, um redescobrimento benéfico para a vida
eclesial,paraareflexãoteológicaeparaavidaespiritual
275
.
É certo que o papel do Espírito na vida e no ministério de Jesus permite
entender melhor a verdade radical de sua condição humana e torna possível
apresentar a vida cristã como um caminho de seguimento depois dos sinais
deixadosporele
276
.Essaéaforçaquepermiteviver,oqueguia,anima,discernee
purifica.Tudoissoacontecedetalmodoqueeles‘noEspírito’gritam:Abba,Pai
 
268
Cf.Jo14,9-12.
269
ELENA,SantiagodelCura.MísticaCristiana,p.150.
270
Cf.Ibid.,p.151.
271
Cf.Rm8,1-11.
272
Cf.Rm8,14;ELENA,SantiagodelCura.Op.cit.p.159.
273
Ibid.,p.160.
274
Cf.Ibid.,p.160.
275
Cf.Ibid.,p.160.
276
Cf.Ibid.,p.162.
67
277
. O Espírito que habita ‘nos’ crentes e lhes outorga sua nova identidade é o
EspíritodeDeusedeCristo.Eprecisamenteporissooscrentesencontram-se‘em
Cristo’ e ‘no Espírito’
278
. Tomar, então, conhecimento experiencial de Deus
(cognitioDeiexperimentalis)comoresumodamística,éalgoqueconvémterem
contaquenoconheceraDeus,adesempenhaumpapelcentral,poissóquem
amaaDeuséconhecidoporeleequeesteconhecimento-amorimplicaapessoa
inteira.
Enquanto,segundoSantiagoElena,natradiçãocatólicatem-sepostoênfase
emdefenderapossibilidadedeum‘conhecimentonatural’deDeus,grandeparte
da teologia protestante tem separado radicalmente, conhecimento de Deus e
natureza,sobretudopormotivosteológicos
279
.
Noentanto,nãosetratatantodeumadiscussãoepistemológicaquantode
umtemaqueincidediretamentenaexistênciacristã,poisécertoqueasdimensões
místicasdoconheceraDeusajudariamasuperarascontraposiçõesunilaterais
280
.
O conhecimento místico-religioso de Deus implica, no Novo Testamento,
emreconhecimento,adoraçãoeaçãodegraças
281
.Aquinosdefrontamoscomuma
experiênciaqueseencontramuitolongedeumtipodeconheceralheioaoamore
deumsaberqueselimitaatomarnota,demaneiraascéticaeneutra,dequeexiste
umobjetochamadoDeus.Estaexperiêncialevaapessoaqueaviveaoencontro
dooutro,ecomoveremosaseguir,conduzareligiãoparairalémdesimesma.

2.6Areligiãoparaalémdesimesma
Nesteitemprocuraremostraçarumcaminhoquenosaponteapossibilidade
dequeasreligiõespodemirmaisalémdesimesmas,apartirdacompreensãode
que para este percurso não seja necessário negar a irredutível especificidadede
cada uma, pois seu caráter único significa sua razão de ser no encontro inter-
religioso,fazendocomquecadacontribuiçãosejaindispensável
282
.Naorigemdas
 
277
Cf.Rm8,15.
278
Cf.ELENA,SantiagodelCura.MísticaCristiana,p.164.
279
Cf.Ibid.,p.164.
280
Cf.Ibid.,p.164.
281
Cf.Rm1,20-22.
282
Cf.MELLONI,Javier.Lasreligiones,másalládesímismas,p.230.
68
religiões,comojáconstamos,estáaexistênciadaexperiênciamística,vividaem
todaasuaradicalidadepelosfundadoresepelosseusprimeirosseguidores
283
.
Essa constatação confirma que “cada religião está em um ‘entre’: entre
AquelequeoprecedeeAqueleparaoqueconduz”.Ecadatradiçãorecorreaeste
‘entre’ de um modo diverso, proporcionando um acesso irrepetível à Realidade
primeiraeúltima.Cadaumadelaséportadoradeumaauroraúnica,inegociávele
irredutívelquerecordaoMistériodeumaformainsubstituível
284
.
Esãoosmísticosnasreligiõesosprimeirosareconheceremquearevelação
deDeustemsedadopormuitasmediações,poiselesconseguem“vernahistória
eemtodasasarticulaçõesdaexistênciahumanaestefiocondutordivinoquetudo
une,tudoordenaetudoeleva”
285
.
Esses reafirmam que a autêntica fonte das religiões encontra-se na
experiência mística, pois todas fazem a mesma experiência de ser, porém a
expressamsegundoaépoca,cultura,educaçãoereligiãoquevivenciam
286
.Sem
desaparecer as diferenças entre as tradições religiosas, nos diz Amaladoss que
“elasvivenciamomesmoDeus.Masnãotêmamesmaexperiência”
287
.
Entretanto,segundoMerton,nessaexperiência,existeuma“realsemelhança
existencial”,queparaelepermiteuma“comunicaçãoemprofundidade”
288
,oque
noslevaaafirmarcomBérgson,quea“místicaconstituiaessênciadareligião,a
maisaltaexpressãopossíveldareligiosidade”
289
ecomBassetqueesseéovel
maisprofundoparaodiálogoentreasreligiões
290
.
 
283
Cf.TAMAYO,JuanJosé.Amísticacomosuperaciondelfundamentalismo,p.179.
284
Cf.MELLONI,Javier.Lasreligiones,másalládesímismas,p.230.
285
BOFF,Leonardo.MestreEckhart:místicadeseredenãoter.Petrópolis:Vozes,1983.p.15.
286
 Cf. AGUILAR, Emilio Galindo. Musulmanes y cristianos conducidos por el Espíritu.In:
MELLONI,Javier.Elno-lugardelencontroreligioso,p.173.
287
AMALADOSS,Michael.Pelaestradadavida.SãoPaulo:Paulinas,1996.p.88.Aexperiência
realizadapelapessoaéúnicaeespecíficaemcadatradição.Pois,segundoAmaladoss:“Todasas
comunidades religiosas são comunidades de , mas o objeto de sua fé não é apenas Deus em
abstrato,masDeusvivenciadonumatradiçãoreligiosaespecifica”.Ibid.,p.91.
288
MERTON, Thomas. O diário da Ásia. Belo Horizonte, Vega, 1978. p. 248. Aqui segundo
Merton,ocorreumacomunicaçãoalémdeumasimplesmanifestaçãodeconhecimentointelectual
ouformulações,osinterlocutores“seencontramalémdesuasprópriaspalavrasedeseupróprio
entendimento,nosilênciodeumaexperiênciamáxima,suprema,quepossivelmenteopoderia
ocorrerseelesnãosetivessemencontradoefalado”.
289
BERGSON,H.Lasdosfuentesdelamoralydelareligion.Madri,Tecnos,1996.p.280.Para
Bergson “O misticismo éuma tomada de contato, e, por conseguinte, uma causalidade parcial,
comoesforçocriador quemanifestaa vida.Esse esforço é deDeus, se não opróprio Deus.O
grandemísticoseriaumaindividualidadequefranqueariaoslimitesconsignadosaespécieporsua
materialidade,quecontinuariaeprolongaria,assim,aaçãodivina”.
290
Cf.BASSET,Jean-Claude.Eldiálogointerreligioso.Desclée:Bilbao,1999.p.354.
69
Nessaexperiência,oscrentesdecadatradição,namedidaemqueassumem
suaverdadeiraidentidadereligiosa,sãocapazesdereconhecereacolherooutro
emsuadiferençasemnegarasuaprópriaexperiência.
Diantedessaexperiência,opsicólogoWilliamJamesentendequearaizeo
centro da religião pessoal encontram-se nos estados de consciência mística. E
assim,caracterizaamísticacomquatrotraçosassumidoscomunanimidadepelos
estudos do fenômeno místico: inefabilidade, natureza do conhecimento,
transitoriedadeepassividade
291
.
No entanto, outros autores têm incorporado novas características, como:
visão unificadora ou consciência de unidade do todo, sentido de superação do
tempo,sentimentodefelicidadeealegria,condiçãoparadoxal,apreensãodoUno
como a subjetividade interna de todas as coisas, sentido de objetividade ou
realidade, integração dos diferentes elementos que intervêm na experiência
mística
292
.
E, como veremos mais adiante, J. Martin Velasco descreve o fenômeno
místico com estas características: caráter holístico, totalizador e englobante,
passividade, imediatez, experiência fruitiva, simplicidade ou sinceridade,
inefabilidade e experiência certa e obscura
293
. Velasco e Luce López-Baralt
ressaltamadimensãotransformadoradaexperiênciamística
294
.
Entretanto, das muitas características que possa ter a mística, ela possui
elementoscomunsemtodasasreligiõesepodeserumlugardeconvergênciadas
distintasexperiênciasreligiosas,pois,todaselasseresumemnarelaçãodiretaeno
conhecimento direto do divino. A consciência stica é unitiva, não dual,
integradora, o desagregadora; as pessoas místicas se sentem invadidas e
transformadaspelotranscendente;eapesardafugacidadedaexperiênciamística,
seusfrutosperdurameseusresultadossedeixamsentirnasatitudesdequemas
vive: serenidade e equilíbrio, paz interior e paciência, alegria e compaixão,
desinteressesesimplicidade,amabilidadeeacolhida
295
.
 
291
Cf.JAMES,William.Lasvariedadesdelavidareligiosa.Península:Barcelona,1996.pp.285-
287.
292
Cf.TAMAYO,JuanJosé.Amísticacomosuperaciondelfundamentalismo,p.170.
293
 Cf. VELASCO, J. Martin. El fenómeno místico, pp. 319-356. Na terceira parte de nossa
pesquisa desenvolveremos estas características apresentadas por Velasco. Abordaremos o
fenômenomísticoapartirdesuareflexão.
294
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.319.AobradeLópez-Baraltsobreestetema
é:Elsolamedianoche.Laexperienciamística:tradiciónyactualidad.Madri,Trotta,1996.
295
Cf.TAMAYO,JuanJosé.Amísticacomosuperaciondelfundamentalismo,p.179
70
TodasessascaracterísticasreafirmamoquesignificaparaMelloniamística.
Paraele,“amísticaéaou-topia,o‘não-lugar’,dasreligiõesedetododiálogo,na
medidaemqueapontaumcampodeaçãoqueestámaisalémdetodamediaçãoe,
ao mesmo tempo, é o lugar mais essencial e originário das diversas crenças e
caminhos
296
.
Sendo esta região o lugar do seu nascedouro, é também o lugar em que
podem se encontrar para aprender a escutar-se e a respeitar-se, e assim,
colaboraremjuntasnatransformaçãodohumano,dasociedade.
Porque,segundoesseautor,todareligiãoestáconstruídasobredoispolos:
o lugar conhecido por onde começam– sua história e seu universo conceitual e
simbólicoqueconfiguramumadeterminadaexperiênciareligiosa–eonão-lugar
paraoquesedirigem,essasregiõesinacessíveiseinefáveistantoparaossímbolos
comoparaosconceitos,cumequeémuitomaisqueumlugaretambémmaisque
umestado
297
.
E assim, cada religião é o veículo supremo em direção ao Absoluto. Não
obstante, por detrás e mais além das característicasexternas, como o credo, os
ritos,etc.,pelasquaiséreconhecidaeatravésdasquaisétransmitida,contémem
seumesmointeriorumchamadourgenteaosseusseguidoresairmaisalémdesi
mesma,namedidaemquetemporessênciaserumsinaldoAbsoluto
298
,oque
proporcionará, no diálogo inter-religioso não deter-se “nas diferenças, às vezes
profundas,masconfiar-secomhumildadeeconfiançaaDeus,queémaiordoque
onossocoração”
299
.
Nessaexperiência,oserhumanoéprovocadoaumaprofundamentodesi,e
nesse encontro consigo, descobre-se no desapego que o impulsiona para o
exercíciodaalteridade
300
.Ouseja,paraadescobertadooutro,poisaexperiência
místicanãosefechanoencontroamorosodofielcomDeus.Aocontrário,“Deus
vem a ele e ele quer perder-se em Deus. E Deus sempre o reenvia ao outro
homem”
301
.Deusocessadeconvidarohomemadescentralizar-se,asairdesi,
areconhecerooutroe,nessereconhecimento,chegaraoTotalmenteOutro
302
.
 
296
MELLONI,Javier.Lasreligiones,másalládesímismas,p.09.
297
Ibid.,p.09.
298
Cf.SAUX,HenriLe.L’altrariba.SannyasaoLacridaaldesert.Claret.Barcelona,1980,p.52
Apud.MELLONI,Javier.Elno-lugardelencontroreligioso,p.229.
299
DA,35.
300
Cf.BINGEMER,MariaClara.Alteridadeevulnerabilidade,pp.82-84.
301
CATTIN,Yves.Aregracristãdaexperiênciamística,p.30.In:Concilium,v.254,n.04,1994.
302
SobreoreconhecimentodoOutro,cf.CASTIÑEIRA,Angel.AexperiênciadeDeus napós-
modernidade.Petrópolis:Vozes,1997,p.181.
71
Estaéarazãodeserdasreligiõesseremcapazesdeindicarcaminhosparaa
Vida
303
.Porisso,todasincidemnastrêsdimensõesqueconstituemoserhumano:
suaafetividade,suacapacidadecognitivae suaaçãonomundo
304
.Enestestrês
campos, todos os seres humanos se acham, e a partir deles, cada pessoa é
configuradadeummododeterminado.
As tradições religiosas oferecem um modo de trabalhar sobre estas três
dimensões,deumjeitoquesevádandoformaàtransformaçãoquetemquefazer
continuamente. Essa experiência acontece a partir da purificaçãodos afetos e a
iluminaçãodainteligênciaparaqueaãodecadapessoasobreomundosejao
maistransparente,puraedesinteressadapossível
305
.
Nos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola, encontramos os
mesmos elementos, quando ao longo da segunda semana, se pede o
“conhecimentointernodeNossoSenhorquepormimsetemfeitohomempara
quemaisoameeosiga”
306
.Nestasequência,oconhecimentolevaaoamoreo
amoratéapessoadeCristo.OcristãosaidesimesmoparaoOutroeosoutros.
No budismo se fala de sabedoria (prajña) e de compaixão (karuna), desde as
quaisserealizaaaçãoadequada.Issoestádesenvolvidonoóctuplocaminho,de
ondeastrêsdimensõesestãoinseparavelmenteimplicadas
307
.Assim,também,na
Torájudiaenosprofetasestáaconjunçãoinseparávelentreação,conhecimentoe
amor
308
.
Esta experiência provoca a transformação da vida, que no lugar de estar
centradanaangústiapelasobrevivência,torna-segozoeoferenda,comacerteza
deformarpartedeumatotalidadeinfinitaqueépuracelebração.Issoacontecepor
permitiraquemviveperceberapresençadomistérioemtodaparte,pois“Deus
conhecetodasaslínguasecompreendeosuspirosilenciosoexaladopelocoração
deumamoroso”
309
.
 
303
Cf.MELLONI,Javier.Lasreligiones,másalládesímismas,p.239.
304
Cf. PANIKKAR, Raimon. La Trindad. Una experiência humana primordial. Madri: Siruela,
1999.EsteautorconsideraessatríadeumamanifestaçãodaTrindaderadical.
305
Cf.MELLONI,Javier.Op.cit.,p.240.
306
ExercíciosEspirituaisdeSantoInáciodeLoyola,104.ApudMELLONI,Javier.Lasreligiones,
másalládesímismas,p.240.
307
Cf.Ibid.,p.241.
308
Cf.Is58,7-12.
309
SCHIMMEL, Annemarie. L’incendie de l’âme: l’aventure spirituelle de Rûmî. Paris. Albin
Michael, 1992. p. 201. Apud. TEIXEIRA, Faustino (org.). No limiar do mistério. Mística e
religião.SãoPaulo:Paulinas,2004.p.28.
72
Por conseguinte, todas as tradições entendem a Vida como via, como
caminho,atéessaprogressivaaberturaaoAbsoluto.Dediversosmodos,contém
uma progressão em três tempos que, no cristianismo, tomando-os do
neoplatonismo, conhece-se como as vias purificativas, iluminativa e unitiva. A
progressãonocaminhoéumaexperiênciahumanauniversal
310
.
Melloni sugere a aplicação dessas três etapas ao encontro inter-religioso.
Paraele,aetapapurificativaencontra-senaconversãoquesupõereinterpretaras
própriascrenças,lerostextossagradosepraticarosprópriosritosdeummodo
que não seja exclusivista. A etapa iluminativa vai aparecendo quando vai-se
passando do primeiro estranhamento e de uma informação superficial sobre o
outroaoconhecimentoecompreensãodessaalteridade,istoé,quandosecomeça
acom-preenderostextosalheiosapartirdelesmesmos,ouseja,captá-loscomo
coração,entendendoporcoraçãoasedemaisprofundaereceptivadoserhumano.
Porúltimo,aviaunitivadodiálogointer-religioso,éassintomática,poisse
sustentanoparadoxodeumauniãoquecelebraeveneraadiferença.Estauniãoa-
dualentreasreligiõeséamesmaqueacontecenointeriordecadacaminhoentreo
Todoeaparte,entreDeuseacriatura,entresamsaraenirvana
311
.Estauniãoé,
segundoMelloni,onão-lugarcomumdasreligiõesnamedidaemquecadauma
vaidesprezandoseucentroemfavordoabsolutodeDeus.
Aquiseencontramossinaisparaqueumareligiãopossachegarairalémde
simesma,assimilandoumMistériosempremaior,provocandoo“enriquecimento
recíprocoeacooperaçãofecundanapromoçãoe preservaçãodosvaloresedos
ideais espirituais mais altos do homem”
312
. Esse é o ponto de partida para o
diálogo inter-religioso, no qual as religiões são caminhos por onde as pessoas
deverãoserconduzidasàsuaorigem,aoque“chamamosnossosermaisprofundo,
odivinoemnóseemtudooqueexiste”
313
.
PoisécertoqueapenasumcoraçãotransformadopelaexperiênciadeDeus,
eocheiodedoutrinaseortodoxias,saberádialogareconvivercomodiferente.
Umcoraçãoassim,nãofalarádeouvido,nemcomsábiaspalavras,porémvazias
 
310
Cf.MELLONI,Javier.Lasreligiones,másalládesimismas,p.241.
311
Cf.Ibid.,p.244.
312
DA,35.
313
MELLONI,Javier.Op.cit.,p.178.
73
deexperiências;falarádesdeovivido, desdeaexperiência,raizemetadetodo
autênticodiálogo,colocandoemcomumsuasexperiênciasdodivino
314
.
Esobreisso,dizopróprioAlcorão:“emdireçãoamimestáo Devir”,ou
seja,trata-sedeobedeceraumprincípiovitalanterioreposterioraomeueaoteu.
Esse respeito e aberturaante a necessidade doReal é oquepodefazerhoje as
religiões, no lugar de fartar-se com palavras sobre Deus, procurar retornar as
palavras à sua Fonte para que se promova o acesso, e não a saturação da
transcendência
315
.
Conclusão
Nestaprimeirapartedenossadissertação,vimosqueopluralismoreligioso
é fruto da própria realidade do mundo, que não é uma teoria, é um fato. A
sociedade é plural, e esta pluralidade encontra-se presente em todos os seus
âmbitos,atingindoocotidianodavidahumana.
Entendemosquenoquedizrespeitoàsreligiões,ateologia,porcausadesta
realidade plural, é provocada com a tarefa de interpretar as religiões à luz da
revelaçãocristã,esurpreende-seporestarealidadesignificarmaisqueumdesafio,
por ser uma possibilidade para que o cristianismo reveja toda sua estrutura e
renovando-se,adquiraumamaiorpercepçãodarevelaçãodeDeus,quesedásem
medida.
Constatamos que diante do pluralismo religioso e da diversidade de
posicionamentos, os encontros provocados por esta realidade com o intuito de
conhecer as tradições religiosas, tem-se revelado uma oportunidade de rico
crescimento mútuo entre os diversos membros das diversas religiões. E tem-se
destacado a importância que está adquirindo para o diálogo inter-religioso, a
experiência espiritualem todas asreligiões,onde pudemos destacarosmísticos
comoexcelentescultivadoresdestaexperiênciareligiosa.
O fenômeno místico e religioso adquirem, em nosso contexto ricamente
plural,umprivilegiadolugardeescutaederesposta.Deescutaporquediantede
todos osdesafiosenfrentados pelasreligiões, essascompreendemànecessidade
deretornaremasuaessência,iremalémdasuateologiadogmática,paraatingiro
 
314
 Cf. AGUILAR, Emilio Galindo. Musulmanes y cristianos conducidos por el espiritu.In:
MELLONI,Javier.Elno-lugardelencontroreligioso,p.190.
315
Cf.MELLONI,Javier.Lasreligiones,másalládesimismas,p.245.
74
coração e despertar a conversão. Isso significa conduzir seus fiéis à verdadeira
experiênciadeDeus,vistoqueesteéodesejoquemoveocoraçãodoserhumano,
queindefesoprocurarealizá-loindependentedequalquertradiçãoreligiosa.
Quantoàquestãodasrespostas,demossinaisdequeestasseencontramna
experiênciadeintimidadequeoserhumanorealizacomDeusequeacreditamos
ser o‘não-lugar’, quandocadauma dasreligiões a partirdeseus fiéissemove
para o absoluto de Deus, porquenesse momento,todos estão voltados para um
Mistério que sempre será para todos maior. As religiões, assim, realizam sua
vocação: seremcaminhos para que as pessoas possamiràsua origem,a Deus.
Diante do que constatamos, desejamos dar um salto em nosso estudo e
ousaremos apresentar a mística como um paradigma para o diálogo inter-
religioso.
75
II.Umpossívelcaminho
3.Amísticacomoparadigma
Aqui ousaremos propor a mística como um paradigma para o diálogo
inter-religiosocomacontribuiçãodedoisgrandespensadores,umfenomenólogo
dareligião,JuanMartinVelascoeumteólogocristão,AndrésTorresQueiruga.
Velasco nos ajudará com seus estudos sobre o fenômeno místico. Ele
acredita que em todas as religiões se encontram experiências sticas, e assim
sendo,épossívelqueamísticasejaumlugaremquetodospodemseencontrar
independentedesuaorigemreligiosa.
Eporreconhecermosqueaexperiênciamísticaaconteceporqueprimeiro
Deusseapresentaeconvidaoserhumanoaoseuencontro,acreditamosquemuito
nos pode ajudar Queiruga com seus estudos sobre a Revelação. Para ele, a
Revelaçãoadquireumanovaconcepção,ado‘dar-seconta’dapresençadeDeus
‘jáaí’,que,maieuticamente,revela-seaohomemindependentedesuatradiçãoe
cultura.
Teremos então, um fascinante percurso quando vislumbrando as
experiênciasmísticasrealizadas,nasmaisdiversastradições,nosdamoscontade
que todas elas se realizam porque Deus, o mesmo Deus as provoca
incessantemente.
3.1“Emtodasasreligiõesexisteexperiênciamística”–JuanMartin
Velasco
NestapartedenossapesquisaemqueabordaremosasconsideraçõesdeJuan
MartinVelascosobreamísticacomoexperiênciaqueconstituitodasasreligiões,
procuraremosiniciarnossareflexãopormeiodeumadassuas principaisobras,
segundoaqualnãosepodeconheceraverdadedeumareligiãosemquesepasse
peloconhecimentodamística
316
.
Elerealizaráseupercursoapartirdafenomenologiadareligião,referindo-se
aofenômenomísticoemseuconjunto,tendoemcontasuasinúmerasformas.No
 
316
ParaestetemapesquisaremosasobrasqueJuanMartinVelascoapresentasuasreflexõessobrea
místicaeofenômenoreligioso.Destacaremosdesseautor,asobras:Elfenómenomístico.Estudio
comparado. Madri: Trotta, 1999; Experiência cristã de Deus. São Paulo, Paulinas, 2001. Nesta
terceira partedenossapesquisa,aprofundaremosareflexão deVelascosobre amística, mesmo
tendo-o jáanteriormentecitado várias vezes. Istoocorrerápara quepossamosconfrontar coma
reflexãosobrearevelaçãodeAndrésTorresQueiruga.
76
entanto,emnossapesquisa,enfocaremosasexperiênciassticasvividasemum
contextoreligioso.Essecontextoémarcadoporumaposturadeacolhidaemque
sesupõequetodasasexperiênciasapresentamaspectos,riquezasevalores,mas
queemnenhumadelasseesgota.Eleterácomobaseparadescriçãodaestrutura
dofenômenomísticoasformasdeexperiênciamísticaspresentesnocristianismo.
3.2Oserhumano,umsercomummistérionocoração
Aimportânciadomísticosedáporque,segundooautor,omísticoaparece
notopodahistóriadasreligiões. Eporsuacausasãoorganizadososdiferentes
elementos de cada sistema religioso. Ele “é alguém que vive pessoalmente a
religiãoaquepertence,querealizacontatoexperiencialcomarealidadeúltima,o
Mistério,Deus,oDivino”
317
.
Realiza com uma inigualável intensidadea experiênciaque se sobressaia
todososelementosquecompõemumareligião.Éapresentadocomoosujeitoque
possui o ‘conhecimento experimental do sagrado’, de onde se originam as
palavras, osritos, e por últimoas instituições onde se cristalizame que depois
conhecemoscomoreligião
318
.
O místico religioso é então alguém que nasce em uma tradição e não se
contentaem apenas recebero conhecimentosobre oMistério,masdecidefazer
seuprópriocaminho,emumprocessooriginário,confessandocomoacontecenas
várias tradições religiosas que, “conhecia-te só de ouvido, mas agora viram-te
meusolhos”
319
.
Daíqueohomemfinito,falívelportodososseusflancos,contémemsia
idéiadeinfinito–quenãopodevirnemdesimesmo,nemdomundo–quesóo
infinito pôde pôrnele”
320
.Surgeo desejodeexperimentare fazer seu ummais
 
317
VELASCO, J. Martin.El fenómenomístico, p. 253; Desta peculiar forma deexperiência de
Deus revelam-se as definições de mística que se adquiriu ao longo da história: CognitioDei
experimentalis(TomasdeAquino);“UmaexperiênciadapresençadeDeusnoespíritopelogozo
interior que dela nos procura um sentimento intimo” (J. Tauler); uma “advertência amorosa de
Deus” (S. João da Cruz). Hoje estudiosos falam de uma ‘experiência fruitiva do Absoluto’;
entende por mística ‘a tomada de consciência de uma união ou unidade com ou em algo
imensamentemaiorqueoeuempírico’(R.C.Zaehner).Cf.Id.,Elfenómenosticoenlahistoria
yenlaactualidad.In:VELASCO,J.Martin(org).Laexperienciamística,p.17.
318
Cf.Ibid.,p.10.
319
Jó42,5.
320
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.25.
77
alémdesimesmoquebuscaalcançarecomoquenãopodecoincidir.Quesedá
noencontrocomDeus,quesótemlugar“naalmanomaisprofundocentro”
321
.
Poisédaoriginalidadedointeriordohomemedapresençaqueohabitaque
nasceaoriginalidadedoitineráriodohomememdireçãoaele,porque“ocentro
da alma é Deus”
322
. E assim, a experiência do centro, realizada pelo homem,
consiste num movimento permanente de concentração e saída do centro, de
entrada no mais interior de si mesmo e da saída irreprimível mais além de si
mesmo
323
.
SegundoVelasco,estaexperiênciaorigináriadeDeusconsisteemprimeiro
lugar na atitude de reconhecimento, no consentimento a seu chamado, e na
entrega.Istoéoqueafenomenologiadareligiãoidentificacomoatitudereligiosa
fundamental, que as diferentes religiões realizam, em caminhos históricos
determinadosededistintasformas
324
.
No entanto,destaca Velasco, essa “experiênciade Deus nãoéoutra coisa
senão uma forma peculiar de experiência de fé, a encarnação desse
reconhecimentodesuapresençamisteriosanasdiferentesfaculdadesdapessoae
nasdiferentessituaçõesdavida”
325
.
EssaatitudesignificaparaVelasco,“umconvitedoEspíritoaabrirosolhos
edeixar-nossurpreenderporesseDeus”
326
,quenãosedeixaencerrarnoterreno
dareligiãoporsermaiorqueaconsciência,alinguagemeconceitosprecáriosque
asváriastradiçõesreligiosasoferecem
327
.
Pois,mesmoqueasecularizaçãodasociedadeedaculturatenhaeliminado
determinadas formas de presença da religião em nosso mundo, o conseguiu
eliminartodasaspegadasdapresençaqueavidareligiosaoriginaequepulsa,sob
asformasmaisvariadas,aténavidasecularizada.
Écertoquemesmoemumaculturasemnenhumareferênciaaoreligioso,a
experiênciareligiosafunda-sedeformaautônoma,eseureconhecimentoefetivo
sedánoterrenodaética,narelaçãointerpessoalabertapelorostodooutro,pela
 
321
CRUZ,S. João da.Obras Completas.Petrópolis: Vozes; CarmeloDescalçodo Brasil, 1984.
Poema:Chamade amorviva1,12(TodasascitaçõesdeS. JoãodaCruzserãodesta obra);Cf.
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.31.
322
S.JoãodaCruz.Poema:Chamadeamorviva,1,12.
323
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.36.
324
Cf.Ibid.,p.38.
325
Ibid.,p.38.
326
Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.7.
327
Cf.Ibid.,p.8.
78
experiência estética e naluta pelajustiça; tudo issopõe o homemmodernoem
contatocomoAbsoluto,enatomadadeconsciência,mesmoqueobscura,dessa
presença
328
.
E assim, de uma compreensão do homem como subjetividade
transcendental,constitutivamenteabertoàtranscendência,quelevaamarcadessa
abertura em todas as suas faculdades, provocado por experiências muito
diferentes, poderá fazer a experiência da fé. Experiência humana mais
significativa na vida de cada pessoa em relação à qual descobre e reconhece a
presença ‘doadora’, gratuita, ‘condescendente’ e, portanto, reveladora desse
Mistérioqueoorigina
329
.
ParaVelascoestácomprovadoquetodasastentativasparacompreendero
Mistériodivinoeesclarecê-loapontamparao
centroquecadavezseapresentamaisnitidamentecomumaPresença,tãoinvisível
comoinconfundível,queosujeitoreligioso,pormeiodetodososelementosque
configuramumareligião,tratadefazersua,daqualtratadetomarconsciência,de
mantercontato
330
.
Ofenômenomístico,segundoVelasco,éentão,achaveparaquepossamser
decifrados alguns dos problemas encontrados nas questões com o fenômeno
religioso
331
.PorissoreconhecenaspalavrasdeK.Rahnerqueamísticaassume
um valor de extrema necessidade, quando este diz que o homem religioso do
amanhãdeverásermísticoparasobreviveraestacrise
332
.
A mística, então, encontra-se na fronteira entre as questões do fenômeno
religioso, que por ser extraordinariamente complexo, deve ter todos os seus
elementos levados em consideração quando se procura entender sua estrutura e
seusentido,vistoqueesseselementosqueconstituemessefenômenocontribuem
para a manifestação de seus traços significativos, quando a experiência do ser
humanoassumeolugarcentral
333
.
Eéporissoqueasatençõesdeváriosestudosdasciênciasdasreligiõestêm
se deslocado das estruturas institucionais e seus aspectos externos para as
 
328
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.22.
329
Cf.Ibid.,p.49.
330
Ibid.,p.9.
331
Sobre as questões que se referem ao fenômeno religioso, cf. Id.,El malestar religioso de
nuestracultura,pp.81-100.
332
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.11.
333
Cf. Ibid., pp. 9-10. Abordaremos ainda neste capítulo os elementos que para Velasco
constituemofenômenomístico.
79
experiências do sujeito, por existir um estreito laço entre religião e mística,
constatado pela presença de numerosos fatos místicos em muitas religiões e de
quetraçosprópriosdaatitudereligiosasãocaracterizadoscomomísticos
334
.
Porque se tem entendido segundo Velasco, que “é impossível, por isso,
conhecerdeverdadeareligiãosempassarpeloconhecimentodastica”
335
,para
quenãosejaignoradooseunúcleomaisíntimo,suaverdadedefinitiva.
IssolevaVelascoaacreditarqueamísticasejaumcaminhoparaavançarno
conhecimentosobreareligião,porque,segundoele,oestudosobreamísticanão
vem apenas completar teoricamente o aprofundamento do fenômeno religioso,
mas sim, ser um caminho útil para avançar no conhecimento da religião e
indispensávelparaterumpoucodeclaridadenasituaçãoreligiosadohomemde
nossosdias,comotambémoconhecimentodoprópriohomemcontemporâneo
336
.
O reconhecimento desta estreita relação é também proveniente do
reconhecimento da mística como parte integrante da religião apresentado por
estudosdeoutrasciênciascomodapsicologiaedafilosofia
337
.Emesmoqueseja
praticamenteunânimeoseureconhecimentoeaafirmaçãodapresençadamística
emtodasasreligiões,estámuitodistanteaunanimidadenaexplicaçãodaforma
concretadarelaçãovigenteentreosfatoseaformaprecisadapresençadamística
nasreligiõesjustamentepornãoconseguiremesgotaroseufenômeno
338
.
Noentanto,VelascoreafirmaaspalavrasdeVonHügel,quediz:amística
é sempre religiosa e a religião é sempre mística”
339
. Pois, para ele, em toda
experiência religiosa, encontram-se elementos místicos e em todas as pessoas
existe uma predisposição ontológica e psicológica para algo que a experiência
místicaasseguradesenvolveremplenitude.Eé,então,nestaaberturaaoinfinito,
basedoelementomísticoemqueseconservaaorigemnapresençaontológicade
Deusnosujeito,quesedáoencontropelafé.
3.3Amísticaesualinguagemhumana
Amísticaéumfenômenohumano,porqueserefereaumaexperiênciano
maisíntimodapessoadeumarealidadesobre-humana,indoalémdoseucontexto
 
334
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.25.
335
Ibid.,p.10.
336
Cf.Ibid.,p.11.
337
Cf.Ibid.,p.31.
338
Cf.Ibid.,p.33.
339
Ibid.,p.31.
80
devidaordinário.Essefenômenosetornapresentenomundopormeiodevárias
manifestaçõesqueseconvertememumfatohistórico,emgrandezahumana.
A importância da linguagem no fenômeno místico adquire sua primeira
expressão pelo fato da palavra mística ter sido utilizada como adjetivo para
referir-seaosentidoocultodostextos,passandoaserdesignadocomolinguagem
noséc.XVII,empregadacomoadjetivoparadesignaraspessoas quevivemou
padecemexperiênciasmísticasecomosubstantivoparareferir-seaofato,objeto
dateologiamística
340
.
Nesse momento,a mística passa a seconstituiressencialmente pelocorpo
dos escritos em que os místicos formulam suas experiências. E nesses escritos
religiosos, a linguagem mística apresenta-se com os mais variados neros
literários.Velascodestacaque,principalmente,nosmenossistemáticosocorreum
entrelaçamento entre os neros literários, ou seja, a presença em uma mesma
páginadeváriosgêneros.Estalinguagemdistingue-sedaliturgia,dapregaçãoe
dateologia
341
.
Nostextosdelinguagemmística,aspalavrasnemsempresãoapresentadas
como se compõem na linguagem ordinária. Velasco cita J. Baruzi que diz: “A
linguagem mística, propriamente dita, emana menos vocábulos novos que
transmutações operadas no interior de vocábulos tomados da linguagem
normal”
342
. Noentanto,o stico,emmuitosmomentos, recorreaumacriação
própria de palavras, na tentativa de melhor expressar algumas de suas
experiênciasecomoveremos,possibilitaráosurgimentodeumanovalinguagem.
Estalinguageméfragmentodomomentoorigináriodaexperiência,quenão
éapenasresponsávelportornaraexperiênciacomunicável,ouseja,pordescrever
aexperiênciaqueoprovoca,masemcolaborarcomodesvelamentodarealidade
noqueconsisteaverdadeeseuconhecimento,queconstituioumbraldohumano.
IssolevaVelascoaafirmarque
não existe uma experiência pura, anterior a toda linguagem. Sem a presença de
algumtipodelinguagem,aexperiêncianãoseriaexperiênciahumana,seperderia
 
340
QuemfazestaobservaçãoéM.deCerteau.MystiqueauXVIIsiècle.Leproblèmemystique”,
enL’homme devantDieu.Mélangues H. deLubacII,Aubier,Paris, 1964,pp.276-291.Apud.
VELASCO,J.Martin.Laexperienciamística,p.17.
341
SobreosgênerosliteráriosCf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.50.
342
BARUZI, J. Introduction à des recherches sur Le langage mystique: Recherches
philosophiques (1931-1932) In: Encyclopédie des mystiques I, Seghers, Paris, p. 39. Apud.
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.51.
81
no reino pré-humano do inconsciente. A experiência mística, como toda
experiênciahumana,exige,paraexistircomotal,afloraraconsciência
343
.
Pois a linguagem mística possui os mesmos traços que, em geral,
caracterizamofenômenoreligioso.Noentanto,alinguagemmísticasedistingue
porsuacondiçãodeserumalinguagemquetemavercomsua‘proximidade’,ou
seja,pelaexperiênciaqueseviveeseexpressagraçasaela.“Omísticoofala,
como o teólogo, simplesmente de Deus. Fala do Deus que se tem dado como
presenteemumaexperiência”
344
.
Assim,sualinguagemordinárianãocomportatalexperiência,eporissoé
característicacomumatodososmísticoseatodasasformasdelinguagemmística
aconvicçãoda“insuficiênciadalinguagem”
345
.
Essa insuficiência o impede,no entanto, que ocorra a comunicação dos
místicos. Ao contrário, libera forçascriadoras que geram uma novalinguagem,
despertando suas capacidades expressivas e que levam ao limite o poder
significativodaspalavras,poisoprópriodalinguagemmísticanãoéapresentar
novos objetos nem novas verdades, mas sim produzir uma transmutação, cuja
origemestána“secretamudançadequemrecebeessasverdades”
346
.
Essacapacidadedegerarumanovalinguagemgeraacategoriachamadade
‘transgressividade’dalinguagemmísticaqueprocuralevarosentidoprimeirodos
vocábulos até o limite de sua capacidade significativa, como também na sua
utilizaçãosimbólica,cujasexpressõesaparecemnasmetáforas.Comoapresença
significativa dos símbolos na linguagem mística, lhe é conferida a grande
proximidadecomalinguagempoética
347
.
Velasco destaca que o símbolo é a linguagem radical originária da
experiência fundante, e precisamente, por seu uso, o místico pode tomar
consciênciadaPresençanãoobjetivaeoriginantequeohabitacomodimensãode
suaúltimaprofundidade.Assim,
o símbolo seria, pois, a palavra fundamental da experiência mística em que se
revelaerealizaarelaçãocomoserqueconstituioserhumanoequeseexpressa,
segundoastradições,comoabismosemnome,comoabsoluto,comopessoa,como
amor
348
.
 
343
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.59.
344
Ibid.,p.51.
345
Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.19.
346
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.52.
347
Cf.Ibid.,p.53.
348
Ibid.,p.62.
82
Noentanto,esta transgressividadeprópriadalinguagemmística aflora em
outras características, como a profusão de superlativos, que permite em alguns
textos místicos um estilo hiperbólico, exagerado, o que se reafirma como seu
recursoàmetáfora,aoparadoxoeàantítese
349
.
Quando o místico toma consciência de sua experiência, sua linguagem
assumeumnovosentidoeumnovosignificadoeestanovalinguagem,porsua
natureza‘transgressiva’esimbólica,atingeseusveismaisorigináriosalionde
aparecemossímbolos,comsuaforçaeimediatez,ondeafloraarupturaanalógica
que suscita toda linguagem. O que descreve essalinguagem é essencialmente a
experiência mística, ou seja, a experiência de fé vivida de uma forma peculiar,
umaexperiênciaintensadeuniãocomDeus.
Paraosmísticos,oparadoxoemseustextossãoexpressõesquevãocontraa
opiniãovigentenomundoenavidaordinária,dequeaexperiênciamísticavem
subverter. Porque revela a insuficiência, vivida pelo místico, de sua linguagem
paraexpressaradensidadedesua experiênciaeaeminênciae profundidade da
realidadeaquechega
350
.Ousodoparadoxoremete,então,àcondiçãomisteriosa
darealidadedadanaexperiência,deseuconteúdo,doDeusquesefazpresente
nela.
Este recurso é tão característico da linguagem mística que aparece nos
escritosmísticosdetodasastradiçõesreligiosas
351
.Tambémmuitoutilizadonos
textos místicos, a antítese desempenha uma função parecida com o paradoxo.
Pois,querfalardoqueserefere
aofundodaalma,aDeus,àsuaaçãosobreohomemouàrespostadestapresença,
suanovaformadeexpressaraincapacidadedereferir-se,comostermosvigentes
na experiência ordinária, à experiência singular que ele vive e, especialmente, o
conteúdodamesma
352
.
Velasco nos aponta outros recursos linguísticos, além desses já
apresentados,emqueosmísticosprocuramtestemunharteralcançadoolimitedo
humanamente compreensível. Ele refere-se ao fato de que as informações que
deveriaomísticotransmitir,nãoconseguemfazê-loemabsoluto.Enessecaso,“a
linguagem parece aproximar-se ao fenômeno verbal, porém já claramente
 
349
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.54.
350
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.21.
351
Cf.Ibid.,p.20.
352
Id.,Elfenómenomístico,p.55.
83
extralinguístico, da glossolalia”
353
. E o limite desta linguagem é o silêncio,
entendidocomocondiçãodapróprialinguagemmística,nãocomoindiferença
354
.
E por ser expressão de uma experiência interior, a mística tem, segundo
Velasco, como característica ser auto-implicativa e testemunhal, como toda
linguagemde
355
.Porserumalinguagemtestemunhal,estadevedarconta de
algo que o sujeito tem vivido, que ‘tem visto e ouvido’, e por isso não pode
calar
356
.
Essa nova linguagem que surge a partir de uma experiência intensa da
Presençaoriginanteteráseuestilodeterminadoporumapredisposiçãodosujeito
líricaepsicológica,dousodoprópriomaterialqueoconstitui,ondeapartirda
tradiçãoedeseucontexto,suasexperiênciasserãoverbalizadas.
3.4Apresençaoriginante
SegundoVelasco,aexperiênciamísticadependedeum‘outro’.Ouseja,de
uma natureza totalmente ‘outra’ em relação com as realidades mundanas e
tambémcomaprópriarealidade”
357
.
Realidade última, que se refere à categoria religiosa de “Mistério”. E
designadapelafenomenologiadareligiãocomoarealidadeanterioresuperiorao
homem,emquecadareligiãoseconfiguraatravésdesuatradiçãoecultura,como
tambémemumcontextonãoreligioso.UnsidentificamestarealidadecomoDeus,
outroscomooUno,oDivino,oBrahman,oTao,oInfinito,oAbsoluto,oucomo
Transcendência
358
.
O Absoluto ultrapassa todos os sistemas religiosos e chega, assim, ao
profano.Ecomorealidadeúltima,como‘Mistério’,estapresençaconstaemtoda
ahistóriareligiosadahumanidadeetalvezsejacertoquedeterminadasformasde
pensarestarealidadenãosão,naverdade,maisqueoutrasformasdeconfigurara
 
353
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.53.
354
Sobreosilêncioeapalavranosescritosmísticos,VelascofazreferênciaaoartigodeJ.Leclerq,
Silenceetparole dansl’experiencespirituelled’aujourd’hui.CollectaneaCisterciensia 45,1983.
pp.185-198.Apud.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.56.
355
Cf.Ibid.,p.57.
356
Cf.Hb4,20.
357
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.253.
358
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.25.
84
mesma realidade última, o mesmo Absoluto, cuja presença na história humana
estáseguramenteatestada,ecomtodacertezanãoseesgotanelamesma
359
.
Porque,asseguraVelasco,todasastentativasparacompreenderoMistério
divinoeesclarecê-loapontamparao“centroquecadavezmaisseapresentamais
nitidamentecomumaPresença,tãoinvisívelcomoinconfundível”
360
.
E assim, em outro momento, ele vai dizer que diante de todas as
representaçõesdestarealidadeúltima,existemdoistraçoscomunsatodaselas:
aabsolutatranscendênciadessarealidadefrenteaohomemeatodasasrealidades
de seu mundo, sua condição de totalmente outro; e ao mesmo tempo, e
precisamente por ser absolutamente transcendente, sua condição de realidade
íntimaimanenteemtodaarealidademundanaenocoraçãomesmodohomem
361
.
Essa Presença por sua condição transcendente-imanente em relação às
realidadesmundanaséocentrodetodaavidahumana.Eareligião,antesdeser
explicaçãodomundo,teoriasobreDeusouinstitucionalizaçãosocial,consisteno
próprio fato da religação, pois ela, é em sua raiz, religação ao poder do real
atualizadoemtodapessoahumana
362
. 
TodapessoahumanaencontranestaPresençaoseucentrocomoumaforma
derespostaaela.Pois,semestaPresença,ohomemnãotranscenderia
363
.Enem
aomenospoderiaconhecer,enemmesmosuporqueexistisseumarealidadeque
pordefiniçãooultrapasseabsolutamente.
Areligião,então,estásobessefatooriginário,esseprimeirodadofundante
da experiência humana que é a Presença originante que o constitui. E nesta
Presençarepousanãosóareligião,comotambémaprópriaexperiênciahumana
enquantoprocuraalcançarasuaverdadeiraraiz.
Entendemos então, que a Presença originante está em toda experiência
humanadeformasvariadas,poisestadimensãodetranscendênciaquepossibilita
aohomem aPresençaoriginante está“emtodasas dimensõesfundamentaisem
queapessoaserealiza:naconsciência,natendênciaenodesejo,nosentimento,
naliberdade”
364
.
Por conseguinte, é para Velasco, de grande importância a análise dessas
dimensõesparaquesepossapôremevidênciaessaPresença,mesmoassumindoa
 
359
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.254.
360
Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.9.
361
Id.,Elfenómenomístico,p.254.
362
Cf.Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.27.
363
Cf.Id.,Elfenómenomistico,p.254.
364
Ibid.,p.255.
85
dificuldade para se fazer justiça a esta precedência absoluta do Mistério em
relaçãocom todo o real e conosco mesmos.Porque não nosé impossível,pela
nossa condição humana, referirmos-nos a ele, ao Mistério, a partir de uma
realidade criada por nós. Enquanto, para descobrir sua origem e raiz, devemos
referir-nosaoMistériosemquerertê-loporobjeto
365
.
Pois toda pergunta do homem sobre Deus é precedida por outra. Sua
perguntaéecoàperguntaqueDeusdirigeaeledesdesempre.Equandoprocura
responderàperguntasobreDeus,
elesedácontadequesópoderárespondê-laquandotomaconsciênciadequeesta
perguntatemsuaorigememoutra.Eapenasquandosetemaconsciênciadequede
antemão, já é questionado por Deus, se pode perguntar por Deus
verdadeiramente
366
.
Eéapenasquandoohomemtomaconsciênciadaprecedênciaabsolutade
Deus, segundo Velasco, que a análise das dimensões fundamentais da sua
existência,seconverteemlugaresfavoráveisparaperceberessaPresença
367
.
Osmísticos,quetêmnestaPresença-ausênciaaorigemdeseuitineráriopara
Deus, por não conseguir abarcá-lo e tê-lo para si, são impulsionados por um
desejosemprepresentenaconstantebuscadesuarealização.
É este desejo uma das dimensões centrais no homem, chamado por S.
Agostinho de o ‘âmago do coração do homem’ e que Spinoza disse ser: ‘a
essência mesma do homem’. E entre todas as necessidades e desejos, está
segundoS. JoãodaCruz‘oquedesejaoteucoração’.Velascoquerfalaraqui,
portanto, de um desejo que vai além da pessoa, por ser anterior a ela, e por
inquietá-laconstantemente,porqueesseaconstituiu
368
.
Diantedessadimensãoqueconstituiohomem,pode-sedizerqueexisteno
ser humano um forte querer originário, que surge da necessidade de querer
experimentarefazerseuummaisalémdesimesmoquebuscaalcançarecomo
qualnãopodecoincidir.Dessamesmaraizsurgeomilagredaliberdade,coração
da dignidade da pessoa, que, antes de ser escolha e inclusive domínio de si, é
aceitação da existência dada por uma generosidade anterior.
369
Porque está no
 
365
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.255.
366
Ibid.,p.256.
367
Cf.Ibid.,p.180.
368
Cf.Ibid.,p.257;Veranotas:8,9,10.
369
Cf.Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.24.
86
núcleo da existência humana sua condição de síntese ativa de finitude e
infinitudedotemporaledoeterno,deliberdadeenecessidade”
370
.
Por isso, é para Velasco de muita importância para a realização e
compreensãodamísticareconheceraantropologiaqueestáportrásdaexperiência
fundamentaldosmísticos.Sãoriasasexpressõesqueosmísticos,porsuaso
diferentes experiências,apresentam sobreaantropologia, mas no entanto, todas
convergemnacompreensãodeque:
a presença no homem de um mais além de si mesmo, sua condição de estar
habitadopor umexcessusqueoinunda eo transborda;adefinição de simesmo
comoserquesesuperainfinitamente;deserfronteiriçoentreofinitoeoinfinito,
deserconstitutivamentereligadoaopoderdoreal,deser‘ouvintedaPalavra’
371
.
Aimagemdohomemnamísticahinduéumperfeitoacordocomosistema
‘monista’ de explicação do real em que se apresenta o sujeito como uma
mesmidadenoAbsoluto.Enoateísmoreligiosobudistaessaimagemserefletena
doutrinadonão-sujeito
372
.
Nocristianismoacompreensãodohomemestápautadaapartirdaexpressão
bíblicadesuacriação‘àimagemesemelhança’deDeus.Nessaimagemapoia-se
aconsciênciadainigualáveldignidadedohomem,desuacondiçãodeexcelência
dacriação,edereferênciadetodoseuseretodasuavidaatéacomunhãocom
Deus,comofimaoqualDeustemdesignadoeorientadoparacadaum
373
.
Os místicos da tradição cristã fazem sempre referência, por meio de suas
experiências, ao mais íntimo do ser humano, como lugar último de relação,
‘infinitosantuário’decomunicaçãoedeencontrocomDeus
374
.Porqueaqui,para
esta tradição, todas as descrições dos sentidos e faculdades do homem são
superadas pela experiência mística. Este lugar último de relação é um sinal da
permanente Presença de Deus que impulsiona o homem para si; a fé o leva a
abandonar-seeconsentiraforçadestaPresença.
A partir das experiências místicas vividas nas rias tradições religiosas,
Velasco constata que “a vida mística descansa sobre a Presença originante do
 
370
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.258.Cf.notas14e15.
371
Ibid.,p.260.Aspascolocadaspeloautor.
372
Cf.Ibid.,p.260.
373
Sobreestetema,Velasconãodesenvolveosignificadodecadatermodaexpressão‘imageme
semelhança’esuarelaçãocomosPadresgregoselatinosdaIgreja.Cf.Ibid.,p.261.
374
Cf.Ibid.,p.261.
87
Mistério na realidade e no centro do homem”
375
. No entanto, os místicos são
unânimes em afirmar que só a Presença não basta. Pois esta experiência de
encontro com a Presença que se dá no centro, no interior do homem, exige do
sujeito ocumprimentode determinadascondições e sódestamaneirasepoderá
entender o impulso que podemos chamar de místico, que pessoas e grupos de
diferentesépocasetradiçõestêmparaviverumaexperiênciamística.
A importância do reconhecimento da necessidade de serem cumpridas
algumas condições dá-se pelo fato de que sempre ocorrem na história casos
atestadosdeexperiênciasordináriasdesuperaçãodaconsciência,eaentradaem
‘outra condição’ espécie de ruptura de nível na existência, que podem ser
identificadascomoexperiênciasdetranscendênciaoufenômenosanálogos
376
.
Entretanto, essas experiências mesmo constatadas como fenômenos
extraordinários, nãoéevidentequesejamumfenômenomístico.Porém,podem
despertar um processodeverdadeira experiência mística quando o sujeitoentre
emcontatocomoMistériocomconsciênciadequeestecontatoopõeemrelação
com uma Presença, que “já estava ali previamente”,
377
e o impulsiona a uma
acolhida.
Essa‘Presença’quenosentidomaisrigorosodotermo,éumarealidadeem
atoderevelaçãoecomunicação,éPresençaque‘dádesi’àpessoa,equenunca
deixa de insinuar-se. É uma existência dirigida pessoalmente, e que requer
daquelesaquemsedirigeaacolhida,aaceitação,oreconhecimento
378
.
Noentanto,o homem pode ignoraresta Presençaevitando todos ossinais
paraquesuavidanãosejaimportunadaporacontecimentosquenãosejacapazde
dominar.Comopodetambém,alémdestaindiferença,simplesmenterejeitá-la.
E assim, a Presença não se deixa ouvir, por querer desligar-se do que o
fundamenta, e a vida continua na superfície da realidade, alheio aos níveis de
realidadeedeconsciênciaqueestãoaoseualcance
379
.
Énecessário,então,àexperiênciamísticaaceitareacolherestaPresençaque
seoferece.Ovocabuláriocristãodesignaistocomoatitudeteologal,quepodeser
 
375
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.271.EssaafirmaçãodeVelascoéproveniente
de um apurado estudo realizado sobre a mística nas grandes religiões orientais e nas grandes
religiõesproféticas.Cf.nestamesmaobrapp.131-244.
376
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,pp.23-25.
377
Id.,Elfenómenomístico,p.271.
378
Cf.Ibid.,p.272.
379
Sobreaindiferençareligiosa,cf.Id.,Elmalestarreligiosodenuestra,pp.81-100.
88
resumido,comoafirmaVelasco,como‘atitudedefé’,pois,paraele,“amística
realizar-se-á semprenointerior dafé”
380
. O sujeito supera a duplatentaçãode
desesperoaopretenderrealizar-seporsimesmo,porumaradicalconfiança,em
que consiste a fé. Esta confiança provoca um deslocamento produzido pela
aceitaçãodeserapartirdeoutroenãodispordaprópriaexistência
381
.
AacolhidadestaPresença,quegratuitamentesedoa,tambémsedáforado
ambientereligioso,pornãoserareligiãoa“únicaencarnaçãopossíveldaatitude
fundamental que a origina”
382
. Velasco destaca a existência de uma estrutura
semelhante entre as experiências místicas que acontecem fora do ambiente
religioso,daquelasqueacontecemnointeriordasreligiões,poisoqueestáemseu
núcleo, como atitude de acolhida e de conversão, está também, em termos
diferentesnasdemaisreligiões.
Assim, essa acolhida apresenta-se no cristianismo na forma de atitude
teologal,como-esperança-caridade.Nojudaísmo,descreve-secomoobediência
e fidelidade. Para os mulçumanos, essa atitude chama-se islã, submissão
incondicional. O bramanismo hindu a descreve como ‘realização’ interior de
unidadecomoBrahmanouoAbsoluto.Ohinduísmodevocionalresumeaatitude
religiosaembhakti,entregaconfiantedesimesmoàdivindade.Paraotaoísmoa
atitudefundamentalreduz-seaumaconformidadeplenacomanaturezaúltimaou
oprincipioqueregetudooqueexiste.Paraobudismo,éaextinçãodosujeitono
maisalémabsoluto,comonirvana
383
.
Diante dos traçosestruturais quetodasasreligiõesapresentamno quediz
respeito à acolhida da Presença, Velasco procura resumir suas semelhanças,
destacando o reconhecimento da absoluta Transcendência-imanência em uma
transformaçãoradicaldeatitudeenaaceitaçãoradicaldedescentramento,emque
deixa de ser sujeito da realidade transcendente para vivê-la como sujeito
passivo
384
.
 
380
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.275.
381
Cf.Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.43.
382
Id.,Elfenómenomístico,p.273.Dasexperiênciasmísticasforadoambientereligioso,Velasco
lembra Plotino. Este quando descobriu o caminho para a contemplação e união com o Uno,
indicouqueoprimeiropassosupõeumaconversãodeolhardoexteriorparaointerior.Paraelea
conversão é suscitada pela presença nela do Bem, que suscita o amor da alma. Seu processo
consistequealmaatuenosentidododesejoquea orientepara oBem,quetemcomoorigema
opçãoporesseBem,parapercebereacolher‘oamorquefazver’.Cf.Ibid.,p.274.
383
Cf.Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.38.
384
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.275;Cf.Id.,AexperiênciacristãdeDeus,pp.62-69.
89
Aqui, destaca-se também o aspecto da atitude religiosa movida por uma
atitude defé,ondeserompeasimesmono desejo detranscender. Essaéuma
experiência assumida pelos verdadeiros crentes da mais variadas tradições
religiosas, que consiste no “reconhecimento da Presença que nos origina e
coincide com o mais além de nós mesmos, que nos faz permanentemente ser,
sendo,portanto,aentradanaúnicaviaparaarealizaçãodenósmesmos,nomais
alémdenósmesmos”
385
.

Amística,paraVelasco,sempreserealizaránointeriordafé,pois,paraele,
nas formas de mística religiosa, a experiência nunca deve tomar um caminho
alheio ao da fé, ou alternativo a ela, o que significa uma característica que
distingue as experiências místicas religiosas das o religiosas
386
. E para H. de
Lubac:“Amísticacristã,longedeescaparàordemdafé,estánalógicadavidade
fé. Nutre-se de outra coisa que não ela mesma. A experiência mística do
cristianismonãoéumaprofundamentodesimesmo;éaprofundamentodafé”
387
.
A importância da fé para uma melhor compreensão da mística e do seu
processo de realização leva Velasco a deter-se na mística cristã, tendo-a como
referência. Faz isso por perceber que a existência e a necessidade da atitude
teologaltemorientadoestefenômenoequedaestruturadofenômenomístico,de
suas principais manifestações, remete à experiência como seu elemento central.
Destaforma,umafenomenologiafieldaexperiênciastica,aomenosnocaso
dasmísticasdecaráterreligioso,descobrepordebaixodelaaatitudeteologal,ou
seushomólogosemoutrastradições
388
.
Teólogos e espiritualistas, pela leitura das experiências sticas à luz da
Escrituras e da própria experiência, têm descoberto no homem a condição de
imagemdeDeusqueoaproximadessaPresençaeofazcompartilhardealguma
maneiradesuanatureza
389
.GraçasaessapresençapréviadoamordeDeusnaraiz
eno centro dapessoa, oamordo homem aDeusconsiste emsintonizarcom o
chamado que o constitui como ser humano, e esse amor lhe concede uma
 
385
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.275.
386
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.36.
387
LUBAC, H. de, La mystique et les mystiques, Paris: DDB,1964, p.2. Apud. VELASCO,J.
Martin.Elfenómenomístico,p.276.
388
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.35.
389
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.277.
90
‘conaturalidade’, uma ‘familiaridade’ com Deus, que torna possível o
conhecimentoimediatoquecomportatodaverdadeiraexperiência
390
.
Entretanto, faz-se necessário que o ser humano renuncie a interpor entre
Deuseelemesmosuapretensãoegocêntrica.JáqueoamorvemdeDeus,jáqueo
amoréDeusmesmodadoaohomem,oamordohomemconsistesóemconsentir
esseamor
391
.
Assim,ocorreránosujeitouma‘conversãodoolhar’,quetemsuaorigemna
conversãodetodaasuaalma.Nestecaminho,encontram-seosprimeirosPadres
quandodesenvolvemotemada imagemdeDeusnaalma, queaconduzparaa
semelhança,aassimilaçãoeadivinização
392
.
Noentanto,esta‘conversãodoolhar’nãoesgotaariquezadaconversãoque
afeta toda a pessoa, pois a mudança de olhar é inseparável da reorientação do
coraçãoeaquiestaremosentrandoemumnovoaspectoqueconsistenadimensão
teologal.Aívemosqueestamudançaemrelaçãoaocoraçãoacontecetambémna
fécomodescentramentoeconsentimentoàPresença.
Istosignificadizerque:
Emverdade,aquieunãosou‘sujeito’,sou‘objeto’.Outroéosujeito.Outroage
fundamentalmente. A experiência religiosa – nós diríamos a fé – é o
reconhecimentodequeeusouobjetodepartedeDeus:aíeujánãosouconsciência
intencional,esim,consciênciaconvocada
393
.
Velasco cita S. Bernardo que é quem melhor diz sobre o sentido desta
experiência.Paraeleafééa‘conversãodocoraçãoaDeus’.Nessaconversão,o
sujeitoéoprópriocoração,queéocentrounificadordapessoa,ocentrodaalma.
Comessareorientaçãodocoração,ohomempassaaaderiràimagemdeDeusque
estáimpressaemseuser.Eistoéumaatitudeteologalemqueocoraçãopassaa
sersimplificadoeunificado,paraassim,podercontemplaroúnicoeperfeitamente
simples
394
. Assim, “a reorientação do coração em que consiste a fé comporta
igualmenteareorientaçãodoamor”
395
,afetandoopróprioserdapessoa.
 
390
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.63.
391
SobreesteamordisseSimoneWeilque:“Sópodemosconsentiremperdernossossentimentos
própriosparadarpassagememnossaalmaaesteamor.Istoénegar-seasimesmo.Somoscriados
sóparaesseconsentimento,cf.WEIL,Simone.AttentedeDeus,Paris,LaColombe,1950.p.108.
Apud.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.63.
392
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.278.Aquiocupacomoeixo,adoutrinadaencarnação.
393
Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.44.
394
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.279.
395
Ibid.,p.280.
91
Aissoreferem-seastradiçõesreligiosasquandodizemqueoexercícioda
atitudereligiosasupõeumnovonascimentoeaconversãodocoração.Onovoser
vivedeformanova.Arazãofiel,maisqueexplicararealidade,deixa-seiluminar
porsualuz;avontade,maisquedominar,reconheceeconsente
396
.
Para outro aspecto de conversão na vida teologal, a esperança, Velasco
refere-seaS.JoãodaCruz.Paraele,“paraqueaalmavenhaaunir-seaDeusem
esperança, há querenunciar atodapossedememória [...];porque,quantomais
temdeposse(amemória),tantomenostemdeesperança”
397
.
Velasco resume, dizendo que a doutrina das virtudes teologais com sua
correspondência às ‘faculdades da alma’ permite à vida espiritual do sujeito a
possibilidade da mudança de orientação que imprime no sujeito a ‘conversio
cordis’
398
.Umamudançaque,segundoele,dáorigemaumanovaexistênciaem
que o homem assume a condição de imagem com que Deus o tem dotado,
entregando-seaoquererilimitado,ao‘desejoabissal’queoabreaoamordeDeus.
Essa nova forma de existência, que consiste em crer para se realizar
efetivamente, necessita encarnar-se na totalidade de condições, aspectos e
dimensõesdecadasujeito;necessitaser‘vivenciada’.Aopçãofielinicialeradical
fraciona-se na multidãodefacetas das diferentespessoas e originaaincontável
variedade de experiências religiosas concretas. Essa variedade é produzida no
interiordecadaumadastradiçõesreligiosasecomfreqüênciaapareceaolongoda
vidadeumamesmapessoa
399
.
E,enfim,essasvirtudesteologaisdestacamocaráterteologaldaexperiência
mística e nos fazem perceber que o nascedouro dessa experiência é a fé. A
mística, então, constitui uma forma peculiar e privilegiada de experiência que
permite a realização efetiva da dimensão teologal: a fé-esperança-caridade
400
.
Diante da afirmaçãodeque a místicanascedafé, a experiênciade fédeve ser
assumida e vivenciada pela pessoa em todas as dimensões do seu ser, na
‘conversãodocoração’.
 
396
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.45.
397
S. João da Cruz. Poema: 3 Subida, II, 1;15,1;2. Apud. VELASCO, J. Martin. El fenómeno
místico,p.280.
398
Cf.Ibid.,p.280.
399
Cf.Id.,ExperiênciacristãdeDeus,pp.51-53.
400
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.281;S.JoãodaCruzreúneestastrêsvirtudesteologais,pois
paraele“aalmanãoseunecomDeusnestavida[...]senãosópelafésegundooentendimento,e
pelaesperançasegundoamemóriaepeloamorsegundoavontade”.2Subida6,1.
92
Segundo Velasco, se for ignorada nas tradições religiosas esta atitude,
significa que vive-se uma religião muito longe do que lhe é essencial.
401
 Na
teologia católica, ele explica que talvez tenha se dado a exclusão deste tema
depoisdoConcíliodeTrento,porcausadotemorqueessaexperiênciaprovocava
nodesenvolvimentodosubjetivismoreligioso.ParaVelasco,oproblemaestána
aparente contradição entre o significado ordinário da palavra ‘experiência’ em
contextosculturaisemquepredominaacompreensãocientíficadoconhecimento,
comaformaderelaçãoqueimpõeaatitudeteologalàcondiçãotranscendentede
seutermo
402
.
Diante desta falta de esclarecimento, ele acredita ser indispensável
esclarecerosignificadodapalavra‘experiência’,vistoqueestapalavraéutilizada
emdiferentescontextosecomdiferentessignificadoseque,aolongodahistória
dopensamento,adquiriumuitasinterpretaçõeseexplicaçõesdiantedosfatos.
Apartirdeumabasecomumdequeaexperiênciatratadeumaapreensão
imediatapelosujeitodealgoqueseoferececomodado,equetemcomooposição
o conhecimento por experiência, Velasco nos apresenta três significados
principais: 1. A apreensão sensível da realidade externa, que se destina à
confirmação de hipóteses ou juízos sobre a realidade. 2. A apreensão por um
sujeitodeumarealidadeexterna,umaformadeser.Essaformadeconhecimento
distingue-se tanto do conhecimento sensível e do ‘experimental’ como do
conhecimento obtido porabstração por meio de um conceito.3.Oaprendizado
adquiridocomaprática,possibilitandoaosujeitoumafamiliaridade,umaespécie
deconaturalidadecomarealidade
403
.
Essaexpressão‘experiênciadefé’,segundoVelasco,émuitoutilizadaem
contextos religiosos e também nos diferentes teóricos sobre a religião. E por
tratar-sedaexperiênciaqueéafé,sópoderealizar-secomoexperiência.
Nas palavras de Paul Ricoeur, “toda experiência é uma síntese ativa de
presençaeinterpretação”
404
.Assim,compreende-sequecadasujeito,aorealizaro
reconhecimento em que consiste a experiência da fé, inscreve sua vida com o
caudaldeexperiênciascomportadasnumatradiçãonaqualexistemjáaspalavras
 
401
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.281.
402
Cf.Ibid.,p.282.
403
Cf.Ibid.,p.283.
404
ExpressãocitadaporJ.ServaisApud.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.47.
Vernota9.
93
Deus,BrahmanouAláetc.,comasquaisseidentificaessemaisalémdohomem,
interiorasuaconsciênciaemaiorqueseucoração
405
.
E tal experiência se dá convocada pela Presença originante, que além de
convocar, provocaafé, realizando na pessoa uma tensão emsuas ‘faculdades’,
conduzindo-aaumcontatorealemumarealidadeabsolutamentenova
406
.Essafé
é mais que afirmação de verdades, e vai além das crenças, já que realiza uma
mudança profunda da alma, provocando uma reestruturação de todas as
dimensões da pessoa em torno do novo centro da existência descoberta e
reconhecidapelaatitudeteologal.
Poistodaexperiênciareligiosapossuicaráterresponsorial;nelaosujeitoé
conscientedenãoserafontedainiciativa,masdeseriniciadoeguiadodesdeseus
primeiros passos. Cita Velasco, o autor da Imitação de Cristo: Tu enim prior
excitasti me ut quaerem te [‘tu me moveste primeiro para que te buscasse’], e
Pascalquefala:“Nãomebuscariassenãomehouvessesencontrado”
407
.Assim,
emtodososatoshumanosreferidosaDeus,aoconhecimentodeDeus,desejode
Deus,amordeDeus,esse,maisqueobjetodoatoemquestão,éseusujeito,de
formaqueesse‘deDeus’nãoégenitivoobjetivo,massubjetivo
408
. 
Apessoadessaformaassumeumanovaformadeser,deviverconscientee
amorosamenteanovarelaçãocomDeus.Oexercíciodavidateologaldesencadeia
umaatitudeemqueaPresençaacolhidatransformaemseuamoratotalidadeda
pessoa e esta adquire a possibilidade de um crescimento permanente em
reconhecimentodeDeuseemcontatoamorosocomEle
409
.
Porque‘experiênciadefé’éumaexperiênciadeDeus.Eporserumaatitude
teologaltememDeusseufim.Pois,afénãoterminanosenunciados,senãona
realidade a que remete”
410
. E de forma geral, pode-se dizercom razão que da
expressão ‘experiência de Deus’, o homem nela só é sujeito ativo porque
previamenteésujeitopassivo.
Velasco pergunta-se: como se converte uma experiência de fé, em
experiência mística? Sua resposta parte da experiência como primeiro traço
 
405
Cf.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.48.
406
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.285.
407
Cf.Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.54.
408
Cf.Ibid.,p.54.
409
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.286.
410
EstaafirmaçãofoiditaporS.Tomás.Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenostico,p.286.
Vernota41.
94
comumatodososfenômenosmísticos.Oquepermitirá,segundoele,aexistência
deváriosgrausdevivênciadessaexperiência.Comainclusãodaexperiênciana
realizaçãoefetivadaféenacompreensãodamísticacomoformapeculiardessa
experiênciadefé,elechegaacompreenderquemísticossãotodososquerealizam
aexperiênciadefé,eporacontecerememdiferentesformasegraus,sóalguns,
dependendodassuascaracterísticasedograudeintensidade,serãoanalisadosse
sãomísticosnosentidoqueatribuiaestapalavraahistóriadaespiritualidade
411
.
Aexperiênciamísticanãoconsisteematosisolados.Algunspodemocorrer
eocorrerãonormalmentenaspessoasqueprogridemnarealizaçãodesuaadesãoe
consentimento aoMistério,como‘vivências’. Aexperiênciamística,contudo,é
maispropriamenteoresultadodopercurso,doitineráriopercorridopelohomem
quando, consentindoemsuaorigem,encarnaemsuavidaesseconsentimentoe
adquireassimasintonia,aconaturalidade,afamiliaridadedopróprioseraDeuse
com Deus, que lhe permite descobri-lo em todas as realidades do mundo, em
todososacontecimentosdahistóriaeemtodasasexperiênciasdaprópriavida
412
.
Nãosãoasrepercussõessobreaconsciêncianemosestadosdeânimoque
proporcionam o definitivo critério para o discernimento das verdadeiras
experiências,nemosfenômenosextraordinários.Ocritériodecisivoéconstituído
pelo amor
413
. A experiência não é mais que ‘vivência’, por meio de todas as
faculdades, da opção radical que consiste nesse radical deslocamento que é a
atitudeteologaldescritacomofé-esperança-amor.Daíqueosinalinequívocoda
existênciadeumaexperiênciaverdadeirasejaapresençadoamor
414
.
Sendoassim,amísticacomoumaformaderealizaçãodaexperiênciadafé,
chega,afirmaVelasco,“aoumbraldecisivoemrelaçãocomavidareligiosano
fato de haver ou não passado pela experiência da fé, e dentro dela, pela
experiênciadoMistérioaoqualchegaafé”
415
.
Ir à outra margem, passar do umbral significa para os místicos uma
passagemcomo ruptura radical, a uma forma de vida que põe de manifesto o
 
411
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.291.
412
Cf.Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.69.
413
Cf.Ibid.,p.78.
414
Cf.Ibid.,p.80.
415
Id.,Elfenómenomístico,p.291.Porém,segundoVelasco,essanãoéaúnicaformaderealizar
essaexperiência,porquepodedar-seporoutrocaminho,comonocasodoamorefetivoeserviçal
aosdemais,ounoprogressodasconsequências‘éticas’deumareligiãochamadapessoal.Cf.Ibid.,
pp.446-466.
95
fundo da alma e faz possível o nascimento de Deus nela. Nessa experiência,
supera-seaconsciênciaordinária,adivisãosujeito-objeto
416
.
Quando Velasco fala da experiência como primeira característica do
fenômeno místico, refere-se àqueles que, como Sta. Teresa, fazem uma
experiência como conhecimento experiencial, em que se vive o contato com a
realidadeaqueserefere.Elainsistianaexperiênciacomocaminhoparaconhecer
aDeus.“Istoentendoeueporexperiência”;“doqueeutenhoexperiênciaposso
dizer”.AexperiênciadeSta.Teresaéum“conhecimentodireto,saborosoemque
se chega, a saber, de algo, não por notícia objetiva, senão por tê-la vivido ou
padecidonopróprioser”
417
.
Logo,acaracterísticacomumentretodasasformasdesticaapartirdesta
experiência,équeosticoéalguémqueemrelaçãocomarealidadeÚltimaa
queremetemtodososelementosdofenômenoreligioso,temmantidoemalgum
momentoumarelaçãopessoalcomoMistérioqueolevaouotemlevadoadizer
comoJó:“Euotenhovistocomosmeusprópriosolhos”
418
.
3.5Ascaracterísticasdaexperiênciamística
SegundoVelasco,arealizaçãodaexperiênciadefééocentrodofenômeno
místico, por ser uma resposta livre e pessoal do sujeito diante da presença do
Mistério
419
, em um encontro que se dá através da “alma no mais profundo
centro”
420
, através de uma intensa acolhida ao Mistério como resposta à sua
constanteprovocação.
E o homem sujeito no fenômeno místico, exerce assim sua condição de
pessoa na sua forma mais plena. Desvela, na experiência mística, sua
característica de “transformar a pessoa que opera”
421
. Logo, se para conhecer a
religião,comojánosdisseVelascoénecessárioteramísticacomoreferência,fica
claroquenãoexistenenhumaexperiênciamísticasemquesetenhaaexperiência
 
416
EstasuperaçãodestacaVelasco,aparecenosrelatosdeexperiênciasdemísticasdanatureza”.
Emcontextoprofano:“atéque‘aindividualidademesmapareceudissolver-seedesvanecernoser
ilimitado’; ‘até que ‘Eu” parecia ser ‘Isto’, e Isto’ parecia ser ‘Eu’; E no religioso: ‘Eu sou
Brahman, ’ é oTodo...”. Na mística ateísta nos grausextremosda contemplação e da união os
místicoschegamàsuperaçãodosujeitoeobjeto.Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,
p.295.
417
Ibid.,p.292.
418
Jó42,5.
419
Cf.Ibid.,p.319.
420
Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.30.
421
Id.,Elfenómenomístico,p.324.
96
de fé.  Porque “toda fé viva tem algo de místico; como toda mística é um
desenvolvimentopeculiardafé”
422
.
Assim,porsetornardifícilum limiteentreasexperiênciasnãomísticase
experiênciasmísticasdefé,Velascoapresenta-nosapartirdasexperiênciasmais
eminentesdavidamística,algunstraçosquepossamcaracterizarasexperiências
deféidentificáveiscomomísticas:
a)Ocaráter‘holístico’,totalizadoreenglobantedaexperiênciamística
Já constatado pelas chamadas ‘místicas da natureza’ em que o ápice da
experiênciaaparececomosinaluniversal,estáopermanentecaráterglobalquea
reveste.Nessaexperiência,omundoévistocomoumtodo,emtotaloposiçãoà
visãoanalíticadaconsciênciaordináriaedaexperiênciacientífica
423
.
E a experiência mística profana refere-se à natureza em seu conjunto, em
queosujeitointegra-seenessetodosefunde.Essa,vive-secomototalizadora,por
viverapresençadanaturezacomoumtodoepeloprópriosujeitosentir-sefeito
essa totalidade. Essa experiência encontra-se nas formas monistas, em que o
sujeitoexperimentaemsuaconsciênciamaisprofundaamesmidade,Atman,esua
identificaçãocomaraizeoprincipiodetudo,Brahman
424
.
Na mística teísta, esse aspecto da experiência se revestirá de uma forma
nova que radicaliza um aspecto já presente em toda experiência religiosa. Em
qualquerexperiênciareligiosaohomemtemconsciênciadeintervircomtodasas
suasdimensões,esente-seradicaleinteiramenteimplicado.
Éumaexperiência,maisalémdadiferenciaçãodossentidos,desdeocentro
mesmodapessoa.Eparaexpressaressaradicalidadeetotalidadedaexperiência,
S.JoãodaCruzrecorreaosentidodotatocomoórgãodamesmaefaladeum
‘contatosubstancialdasubstânciadeDeusnasubstânciadaalma’
425
.
b)Passividadedaexperiênciamística
EstaéparaVelascoumadascaracterísticasmaisimportantesdaexperiência
mística.Eodeveserentendidacomosinônimodeinatividade,deociosidade,
deinércia
426
,poisévividapelosujeitonosentidodequeseufim,Deus,sópode
 
422
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,319.
423
Cf.Ibid.,p.322.
424
Cf.Ibid.,p.322.
425
Cf.Ibid.,p.323.
426
Cf.Ibid.,p.327.
97
serconhecidonamedidaemque,anteriorasimesmoejápresentenele,sedêa
conhecer.ComodizS.JoãodaCruz,“seaalmabuscaaDeus,muitomaisabusca
seuamadoaela”
427
.
Sua essência consiste, então, na superação do sujeito no conhecimento
ordinário,apartirdasuaadesãoàaçãodeDeussobresuavida.Assim,acontece
comoêxtaseeacontemplação,quesecaracterizamcomoativosporcausadeum
fervorosoexercícioqueserequerdosujeitodiantedealgoqueirrompeemsua
vida. É desta forma que se dá a passividade do sujeito na experiência, que
acontececommaisunanimidadenoscasosdeexperiênciasmísticasreligiosas
428
.
Pois toda experiência religiosa é vivida pelo sujeito de forma passiva por
reconhecer que no encontro, Deus só pode ser conhecido na medida em que,
anterior a ele próprio e  presente nele, se dá a conhecer”
429
. A experiência
mística radicaliza este traço presente já em todo conhecimento humano e no
conhecimentoordináriodeDeus.Naexperiência,ohomemtomaconsciênciade
umapresençadoadaeaexperimentacomotal.
c)Experiênciaimediataporcontatocomarealidadeexperimentada
Esta é uma característica considerada difícil de ser explicada e
compreendida no fenômeno místico, porém toda experiência é um
‘desvelamento’.
Oconhecimentoexperiencialéocontatodireto,imediato,semqualquertipo
de mediação do sujeito com a realidade experimentada, provocando um
‘desvelamento’, ou seja, a queda dos obstáculos que impediam a visão, como
superaçãodasituaçãodeengano,ilusão.Nasexperiênciassticasdohinduísmo
e do budismo, essa característica é entendida como um despertar ou uma
iluminaçãoquepõeemcontatocomaverdadeirarealidade
430
.
Sobre a experiência teísta, recordemos num versículo do livro do Êxodo
uma das grandes experiências místicas iniciada com a pergunta “Dize-me teu
nome”
431
.Nasexperiênciasmísticasreligiosasesteéopontodepartidaparasua
realização,porexistirnoserhumanoumaprocuraporalgooualguémquesem
 
427
S.JoãodaCruz,poema:ChamavivaB,3,28.
428
Algunsautores qualificamestasexperiênciascomoexperiênciasinfusas’.Cf.VELASCO,J.
Martin.Elfenómenomístico,pp.324-327.
429
Ibid.,p.325.
430
Cf.Ibid.,p.328.
431
Ex3,13.
98
deixar-se perceberjá está presente,desencadeando,assim, uma busca constante
peloencontro,quesedaráapenasquandorealizadaaexperiência.
E assim, então, a “experiência mística,ao responder a esse desejo, a essa
busca e súplica parece comportar a visão direta, o contato imediato com a
realidade final de desejo”
432
. Por meio de uma experiência que significa uma
formadeconhecimentodiferentedapercepção,conhecimentoeamor,própriosda
consciênciaordinária.
ParaVelasco,trata-sedecontatoimediatonamedidaemquenadaalheioao
sujeito em seu centro mais pessoal se interpõe entre a presença divina e seu
próprio ser. Porém tal imediatez declara-se mediada porque é sinal da ação de
Deusnaalma,convertidatodaelaemmeiodeperceberaDeus,deondetudose
refletenohomemcomoreflexodaPresença
433
.
Por isso, não deve a imediatez ser entendida como experiência empírica,
porquea relação interpessoalnaordemhumanaéincompatívelcomacondição
infinitaeabsolutado‘tu’divino.S.JoãodaCruzfalasobreaimediatezemseus
textos quando fala sobre os ‘contatos’, contato só da Divindade na alma, sem
formanemfiguraalgumaintelectualnemimaginária”
434
.
Assim,otipodeimediatezquecorrespondeàexperiênciamísticanãoéuma
visãodiretaemqueohomempercebediretamenteaDeuscomoobjeto.Masum
conhecimento ‘imediato’, que produzirá melhor pelo contato amoroso de Deus
comaalma,originandoumaexperiênciaindonoperceptooexdonoappropiato,
nodommesmoemqueDeusuneaalmacomele.Nele,o sujeitodescobre por
haver experimentado o “rosto do amado que leva em suas entranhas
desenhado”
435
.
d)Experiênciafruitiva
Esta característica refere-se nas experiências místicas a sentimentos
inteiramente novos em relação aos que haviam sido experimentados em outros
momentos.Essessãomuitasvezesindescritíveispormeiodepalavras,comopor
exemplo, gozo, alegria, paz. E em muitas ocasiões se expressam através das
lágrimas.
 
432
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.329.
433
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.33.
434
Id.,Elfenómenomístico,p.330.Vernota42.
435
Ibid.,p.331.Vernota47.
99
Ela revela a peculiaridade dos sentimentos descritos muitas vezes em
expressõesambivalenteseparadoxais,aproximando-sedoselementosqueR.Otto
haviaapresentadoemsuaclássicadescriçãodaexperiênciadoMistérionuminoso
que surpreende o sujeito (mysterium tremendum)e ao mesmotempo o cativae
fascina(Mysteriumfascinans)
436
.
Toda a raiz dessa ambivalência e harmonia de contraste encontra-se na
naturezadarealidadedivina,desfrutadaapenaspeloserhumanonomaisprofundo
do seu desejo. E esse desejo é um desejo de Deus, vivido, sentido com
radicalidade, quando é o que deseja com toda a verdade de seu coração. É o
resultado no homem da prévia presença de Deus nele, o sinal que imprime no
homem, sob o olhar amoroso de Deus que faz o homem literalmente ser-para-
Deus
437
.
e)Simplicidadeousingelezadaexperiênciamística
Para esta característica, é importante destacar que a simplicidade não
significa‘empobrecimento’,‘redução’dapessoaquerealizaessaexperiência,mas
trata-se,nela,deumaconcentraçãonounumnecessarium,quenãofazmaisque
intensificaraforçadaluz,comoaconcentraçãodosraiosdosolenfocadosemum
pontodasuperfíciequeiluminam,intensificasuaforçaparaabrasartudoquanto
se encontra nele.
438
Velascocita Panikkar como um dosautores que colocam a
simplicidadenocumeounaessênciadaexperiênciamística
439
.
E para chegar a uma forma sumamente simples de relação com Deus é
destacado um processo de purificação ascética que comporta a mais radical
simplificação e redução à unidade eà simplicidade. E o desprendimento põe o
homememdisposiçãodeentrarnarelação,deunir-secomounumnecessarium.
Ohomemsedesprendedetudoparacoincidircomseuserverdadeiro,“aceitaro
serprópriodeDeus”
440
.
Assim, se o desprendimento opera a unidade, a simplicidade, sua
radicalidade adquire a medida da unidade e simplicidade. Porque o
 
436
Cf.OTTO,Rudolf.Osagrado:osaspectosirracionaisnanoçãododivinoesuarelaçãocomo
racional.oLeopoldo,Sinodal/EST;Petrópolis:Vozes,2007.
437
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.334.
438
Cf.Ibid.,p.341.
439
Cf.Ibid.,p.335.AobradePanikkaraqueVelascoserefereé:Elogiodelasencillez’,Verbo
Divino,Estella,1993.
440
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,pp.338-339.
100
desprendimento vivido em tamanha intensidaderefere-se absolutamente a tudo.
Ouseja,oserefereapenasàsrealidadesexterioresaosujeito;refere-setambém
àsfaculdadesdohomemeaosseusatos;refere-setambémaohomemmesmo,e
alcançaoprópriodesprendimento,porqueoapegoaoprópriodesprendimentose
coloca entre Deus e o homem, impedindo que a vontade de Deus se realize
plenamentenohomem
441
.
Isso significa, então,assumirsuacondição humananaabertura do seuser
verdadeiro. Assumindo o nada para chegar ao todo, em um desprender-se
totalmenteparaunir-seaoAbsoluto.
f)Inefabilidadedaexperiênciamística
Velasco,nestacaracterística,apresentaasobservaçõesdeW.Jamesquese
referemàinefabilidadecomoaprimeiradaspropriedadesdaexperiênciamística.
Foiapartirdesuacaracterizaçãodomisticismo,quesetornourarooautorque
nãocoloqueainefabilidadeentresuascaracterísticas
442
.
SegundoVelasco,Jameschegouaestaafirmaçãoapartirdasexperiências
de mística da natureza, em representantes da mística afetiva ou esponsal; e
naturalmente,emrepresentantesdamísticaessencial.ParaJames,ostestemunhos
mais explícitos procedem dos místicos que fazem consistir essa experiência na
‘realização’daunidadenoAbsoluto,nodivinoounoUno,maisalémdetodoato
de conhecimento que suponha a dualidade do sujeito que contempla o objeto
contemplado. E, nesta unidade, o sujeito supera o esquema sujeito-objeto,
provocando a falta de uma estrutura conceitual que supõe a linguagem como
sistemadesignificantesreferidosaossignificados
443
.
A inefabilidade, então, refere-se às interpretações dos místicos, como
tambémdosestudiososdamísticaquandotentamexpressarempalavrasoqueé
impossível, por tratar-se de uma experiência que os transcende. Isso a torna,
quandoentendidaaopédaletra,insignificantediantedarazão.
Diante dessaconstatação,Velasco apresenta-nosalguns passosquepodem
ajudar no entendimento do que for relativo à inefabilidade. Ela faz isso se
 
441
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.340.
442
Cf. Ibid., p. 341. A obra de W. James a qual se refere é: Las variedades de la experiencia
religiosa.Penisula,Barcelona,1988.
443
Cf.Ibid.,pp.341-342.
101
referindoaP.Moore
444
,queprimeirodistingueainefabilidade,em‘emocional’,
pela dificuldade de expressar com palavras o conteúdo de experiências
emocionais, afetivas, e que abarca o vasto terreno de todas as vivências
internas
445
. Paraesseautor,é impossívelinterpretaraexperiênciamística como
tentativadesuperararazão.Paraele,estaexperiênciasempreterácomoprincipal
característicasuacondiçãodeinefável.
Em outros casos, a inefabilidade é vista como ‘causal’ quando o sujeito
sente-se incapaz de explicar sua experiência. E aqui estaríamos diante de uma
inefabilidade de fato. No entanto, P. Moore alerta-nos para o fato de que não
faltamcasosemqueossticosreferem-sedeformainequívocaàinefabilidade
do que têm vivido. Para ele, esta atitude demonstraria uma inefabilidade
‘descritiva’.Ouseja,umaformaprópriadaexperiênciamística,remetendo-aao
terrenodo‘irracional’.Contribuiriaparaqueofenômenomísticosejainacessível
à consideração, à análise e a interpretação de quem não tivesse acesso a essa
experiência,tornandoimpossívelauniversalidadedesuasconclusões
446
.
Percebemosaíanecessidadedeevitarqueofenômenomísticosejareduzido
àcompetênciadarazão.Paratalrisco,segundoMoore,algunsautoressubmetem
asafirmaçõesdosmísticosatodogênerodeexplicações,reduzindo-asarecursos
retóricosparadestacarapeculiaridade,aintensidadeeovalordosestadosaosque
sereferem.
Entretanto, Velasco entende que seja necessário acolher a verdade última
das expressões dos místicos sobre a inefabilidade de suas experiências, por
acreditar que possa sua declaração estar fundamentada em uma concepção de
linguagemdeficiente.Paraele,ocaminhodeveserfeitoapartirdeumaatenção
especial a alguns desenvolvimentos das teorias atuais sobre a linguagem e a
experiência,afimdequesejapossívelcaptaronúcleodeverdadedasdeclarações
dosmísticos,semdeixá-lasnoterrenodoirracional
447
.
Pois,diantedostestemunhosdeinúmerosmísticos,tem-seacomprovação
dequeainefabilidadenãotemcondenadoosmísticosàmudez.Masaocontrário,
ostemconduzidoaumlugaremtensãoextremadesuasfaculdadesexpressivas,
 
444
Cf. MOORE, P. Mystical Experience, mystical doutrine, mystical technique. En St. T. Katz
(ed.),Mysticismandphilosophicalanalysis,Seaburypress,NewYork,1978.Apud.VELASCO,J.
Martin.Elfenómenomístico,p.345.
445
Cf.Ibid.,p.345.
446
Cf.Ibid.,p.346.
447
Cf.Ibid.,p.347.
102
levando-os a recorrer pessoalmente à recriação ‘simbólica’ de vários símbolos
comunsatodoseles,recorrendoaosimbólicodanoite,dovazio,dosilêncioou
inventandoumanovalinguagem.Eassim,entendemossegundoVelasco,que
tudo descansa sobre uma atividade simbólica em que o sujeito aflora sua
consciência, expressa e comunica um mais além de si mesmo pelo que se sente
habitado, de cuja presença não pode prescindir, pois, que tampouco pode captar
diretamentecomocaptaosobjetos
448
.
Diante do inefável da experiência mística, todo conhecimento objetivo da
consciênciaordináriasedeparacomsuaineficáciaemexpressá-ladeformadireta
empalavrasquepossamsignificaralgo.
E assim os místicos, ao referir-se a suainefabilidade, sublinham não sóa
transcendência de seu conteúdo, mas a novidade de sua forma, pois torna-se
frequentequediantedanecessidadedeexpressá-la,recorraaoconhecimentodesi
mesmo,comocaminhoimprescindívelparaaexperiênciadeDeus,comomostrao
chamado‘socratismocristão’,‘conhece-teatimesmo’eaexperiênciadeamor,
emqueS.GregóriodeNissadisse:“poisoconhecimentosetornaamor”
449
.
Entendemosquesejanecessárioesclarecerqueoinefáveldestaexperiência,
comoassimdizopróprioVelasco,
não se refere a um adicional de informações sobre a presença, do que o
místico dispusera mais além do que sua linguagem é capaz de dizer. É a
expressão da consciência na insuficiência da linguagem, a expressão da
convivência do limite, que é a única forma dada neste estágio da vida
humanadesuperá-lo
450
.
g)Experiênciacertaeobscura
Nãonosédifícilencontrarnosrelatosdeexperiênciasmísticasadeclaração
queosujeitofazdetercomeçadoaveraDeus.Místicosdasdiferentestradições
religiosas confessamdepoisdesuaexperiência,que tudooquesabiamatéesse
momentosabiamcomoumsaberdeouvido,emcomparaçãocomoonovosaber,
qualificadamente diferente, graças ao qual têm ‘visto e ouvido’. Daí a certeza
subjetivaqueacompanhaosestadosmísticos
451
.
Esta certezasetraduznaperfeitaclaridadede quemfazumaidéiaclarae
distinta do que conhece. Está baseada em uma luz que vem do mais além do
 
448
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.348.
449
Ibid.,p.375.
450
Ibid.,p.349.
451
Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.28.
103
próprio sujeito, e consubstancialmente obscura, tanto pelo tipo de experiência,
como pelo meio de conhecimento, a , como pela realidade conhecida. A
obscuridadenuncasuperadadaexperiênciamísticadálugaràutilizaçãoportoda
tradição mística do símbolo da noite que se refere a uma fase inevitável do
processo,ouaumelementoconsubstancialdesuaestrutura
452
.
E essa consciência de ter ido ao fundo, de uma manifestação evidente da
verdadeira realidade acompanha em todos os casos esta certeza absoluta, que
desafiatodadúvidaemrelaçãoaoqueacabamdeviver.
Noentanto,paraVelasco,essacertezanãorefere-seatodasasetapasoua
todososaspectosdocomplexofenômenomístico.Elaserefereaoqueéimpresso
na alma pela realidade mesma que se oferece. Como S. João da Cruz adverte
“porqueassimcomo(asnotícias)sãomaisexterioresecorporais,assimtambém
menos certas são de Deus” e também Sta. Teresa Esta visão, ainda que
imaginasse nunca a vicom olhos corporais,nem ninguém, senão com olhosda
alma”
453
.
Acertezaéoresultadodocontatodosujeitocomarealidadecontemplada.E
pornãoseroresultadodossentidosenemdainteligênciadiscursiva,estanãose
vêameaçadaporsuafragilidade,nemsubmetidaasualimitação,desafiandotodas
asrazõeshumanas
454
.
VelasconosfazlembrardeS.GregóriodeNissa.Paraeste,a“experiência
de Deus mesmo que seja uma experiência de uma presença obscura, é uma
presençaquesecomunicacomosentidaeapreciadanoamor,porqueenvolvea
alma como numa noite divina”
455
. O homem é assim, prova do mistério
insondávelqueéDeus,poisquantomaisseaproximadele,maisexperimentasua
obscuridade,seumistério.
 
452
AtradiçãomísticadosímbolodanoitetemsuaorigememS.GregóriodeNisa,paraquemo
itinerário espiritual, tem na mais profunda obscuridade que supõe para o homem a condição
misteriosadeDeus.PertencetambémaPseudo-Dionísioqueintroduzduasimagensqueservirão
dereferênciapermanentenatradiçãoapofática:ado‘raiodetrevadadivinasupraessencia’eada
‘misteriosaescuridãodonãosaber’.ParaJ.Taulerestesímboloadquiriuumlugarcentralemsua
obraeexperiência.ComotambémparaS.JoãodaCruz,omísticodanoiteporexcelência.Anoite,
para este santo, é um componente para toda experiência de Deus, o fim para onde vai, que é
Deus, o qual nem mais nem menos é noite escura para a alma nesta vida”. Sobre S. João cf.
VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,pp.201-294;Sobreatradiçãodosímboloda
noite,cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,pp.29-30.
453
Id.,Elfenómenomístico,p.352.Vernota103.
454
Cf.Ibid.,p.353.
455
Ibid., p. 354. Essa experiência diante da obscuridade da presença de Deus é a razão para
teologianegativa.Paraessa,aexperiênciamísticanãoseencontranadificuldadedohomemem
conheceraDeus,masnanaturezamesmadeDeus,porsermistérioinsondável.
104
3.6Onúcleoorigináriodaexperiênciamística
Diantedetodasessaspropriedadesdaexperiênciamística,afenomenologia
dofenômenomísticoseperguntasobreocleoorigináriodestaexperiência,do
qualsederivamsuaspropriedadestãopeculiares.
Para Velasco, um estudo analítico das propriedades descritas permitiria
descobrir referências semelhantes se baseadas na cumplicidade e comunicação
entreasdiferentespropriedades.Paraele,todasestaspropriedadessuscitamalgo
de realidade última: Presença originante que a provoca, e a atitude de
reconhecimento pela fé, que é realizável em diferentes graus de intensidade,
pareceremeteraumtermoqueasfocaliza,aumnúcleoqueasorigina
456
.
Velasco, no intento de identificar esse núcleo pela fenomenologia da
mística, desenvolverá esta tarefa através dosrelatose experiências místicas dos
sujeitos que a viveram. Ele se surpreende com o fato de que, mesmo as
experiências místicas possuindo uma grande variedade, por existirem em
contextosreligiososeculturaisdiferentes,carregamalgodemuitosemelhante.
Essa variedade de experiências reflete também as variadas circunstâncias
pessoaisepsicológicasdaspessoas.Pode-sefalardeexperiênciassobaformade
relação pessoal com o Mistério representado em termos fortemente
personalizados,comosucedenoJudaísmo,derelaçãovividacomoabismamentoe
extinção na absoluta Transcendência (Budismo theravada) ou como fusão das
profundezasdosujeitocomooBrahmanouoAbsoluto(Hinduísmobrahmânico).
Cabe também referir-se à variedade originada pelo lugar em que se
produzem as diferentes experiências – o cosmo, a consciência do sujeito, a
históriaeseusacontecimentos,atotalidadedoreal–eàvariedadequeresultada
forma de se representar a realidade original da experiência como Deus único
(monoteísmo), como Trindade (monoteísmo cristão), como totalidade
indiferenciada que abrange o homem, o cosmo e o divino (panteísmo), como
pluralidade de poderes e de formas que dirigem os diferentes aspectos da
realidade e da vida (politeísmo) ou como vazio inominado do qual não cabe
representação alguma e cuja única palavra é o silencio mais absoluto
(Budismo)
457
.
 
456
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.357.
457
Id.,ExperiênciacristãdeDeus,pp.53-54.
105
Emsuaspalavras:
é admirável que pessoas de línguas, culturas, religiões e épocas históricas muito
diferentesemuitodistantesentresicoincidamnorecursoaumasérielimitadade
imagens,símbolos,dealgumamaneiraarquétipos,queserepetemmoduladospelas
diferençasdetradiçõesedepessoas
458
.

Paraele,demodomuitoespecial,porseresteumdospontosprincipaisde
sua pesquisa, “é sem dúvida a manifestação mais clara de que no fenômeno
místicosefazpresenteumtraçopermanenteeuniversaldacondiçãohumana,uma
“invariável”dahumanidade”
459
.
Para Velasco, no núcleo originário da experiência mística constam quatro
expressões:acontemplação,oêxtase,auniãoeoestadoteopático.
a)Aexperiênciamísticacomocontemplaçãoinfusa
A palavra contemplaçãomuito utilizada na tradiçãocristã, procede de um
contexto anterior ao cristianismo, da Grécia, precisamente de Platão, que
possibilitou aos primeiros pensadores cristãos os recursos para pensar a
experiênciadeDeus,seumistério,equedepoiscomeçouaseridentificadocomo
teologiamística
460
.
Velasconãoapresentaumestudorigorososobreacontemplaçãoplatônica,
mas faz uma breve descrição do tipo de conhecimento que designa a palavra
‘contemplação’, a partir dos filósofos, religiosos e místicos que do termo se
utilizaram ao longo da história, para passar depois ao significado ‘técnico’ da
palavrautilizadaparaexpressaronúcleodopensamentomístico.
Elepartedealgumasinterpretaçõesdofenômenodescritoedosproblemas
mais importantes que essas interpretações delineiam, o que permitirá para ele
abordar nessa perspectivaoproblemada‘essência’da experiênciamística
461
.E
inicia,então,procurandodestacarosentidodapalavra‘contemplação’emseuuso
ordinário.ParaVelasco,essa
remeteaumaformadeterminadaesuperiordevisãoeconhecimento,queseexerce
em diferentes ordens da vida e se refere a uma forma peculiar de aplicação da
atividade cognoscitiva, sensível ou intelectual, em relação com a natureza, a
atividadeestéticaeavidareligiosa
462
.
 
458
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.358.
459
Ibid.,p.358.
460
Cf.Ibid.,p.359.
461
Cf.Ibid.,p.360.
462
Ibid.,p.360.
106
Nessaexperiêncianãosepodenegarqueaquelequeestáemcontemplação
tem, segundo Velasco, seu olhar em repouso na realidade contemplada. Isso
revelacertapassividade,ondeosujeitoqueavivesedeixailuminarpelaverdade
da realidade contemplada. E atingindo toda a sua vida, esta se torna vida
contemplativa,fazendodequemaviveumcontemplativo
463
.
Otermo‘contemplação’tevenoterrenoreligioso,maistardevistocomosua
‘terra natal’, suas propriedades realizada em grau eminente. Tudo começou
partindodoentendimentodatheoria–otermogregoparacontemplação–queem
seusderivadoseumsignificadoreligioso;oPseudo-Plutarcopretendeurelacionar,
ao parecer sem razão, a primeira parte theoria com theos (Deus); e os latinos
atribuíramacontemplareumsentidoreligioso,pondoapalavraemrelaçãocom
templum.‘Contemplar’éadmiraressegrandetemploqueéanatureza,templum
queconsisteemumlugarabertoondesepodeestenderoolhar.Depoisessanoção
foiaplicadaaoconhecimentodeDeus
464
.
Logo,paraexplicarousodacategoriacontemplação,faz-seindispensável,
comonosdizVelasco,introduzi-lanointeriordocontextoreligiosoeculturala
que pertence, como também, discernir seu significado em cada uma das
religiões
465
. E Velasco o fará referindo-se expressamente ao significado de
contemplaçãonatradiçãocristã.
Paraocristianismo,acontemplaçãosupõeumaformadeconhecimentode
Deus enraizado na fé, que não comporta nenhuma forma de captação ou
percepçãoexperimentaldeDeus.Eparaoutros,baseando-seemalgunstextosde
místicos reconhecidos da tradição cristã, a contemplação, em seus últimos
progressosàcontemplaçãomística,comportaria“umconhecimentoexperimental
edireto,umapercepçãoimediatadeDeus”
466
.
Para Velasco, o que está por baixo dessa discussão são duas formas de
intérpretar o fato da contemplação, fundadas em duas formulações, tanto de
autores espirituais como de teólogos e interpretes do fenômeno místico. Esses
sublinham,porumaparte,acondiçãomisteriosadotermodacontemplaçãoe,por
outra, a consciência de ter experimentado, de ter sido iluminado, de que o
testemunho osrelatos místicos,o quepossibilitaaalgunsintérpretesentender a
 
463
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.361.
464
Cf.Ibid.,p.361.
465
Cf.Ibid.,p.362.
466
Ibid.,p.366.Vernotan.26e27.
107
contemplação como uma forma sublime de experiência direta, de percepção
imediatadeDeus
467
.
E é por causa das interpretações da experiência stica em termos de
experiência direta e imediata de Deus, que Velasco desenvolverá um estudo a
partirdediferentesposturas,dealgunsteólogos,filósofosefenomenólogos,para
em seguida apresentar sua própria compreensão da natureza da experiência
mística
468
.Elechegaàconclusãodequeapeculiaridadedaexperiênciareligiosa
se radicalizada na contemplação, como forma suprema de sua realização e da
tomadadeconsciênciadamesma
469
.
b)Oêxtase
Diferente de todos os outros estados da experiência mística, o êxtase é
particularmenteintensoeextremamenteperceptívelnosujeito.Noentanto,como
veremos,nãoéomomentoculminantedaexperiênciamística.
Oêxtaseéumfatofrequentenavidamística,nãosóemsuasmanifestações
religiosas,mastambémnasformasprofanasquepõemdemanifestoarepercussão
de experiência humana muito intensa sobre o psiquismo e a corporalidade dos
sujeitosqueassofrem.Eparasuadescrição,faz-senecessário,apontaVelasco,
distinguir dois elementos: O exterior, ‘negativo’, identificável como ‘transe
extático’,queconsisteemumestadosomáticoanormal.Epositivamente,oêxtase
consisteemumaintensaconcentraçãodamente,daimaginaçãooudaafetividade
emumobjetoúnico
470
.
Percebe-se,nestasduasdistinções,queessassereferemàsdefiniçõesusuais
dotermo,primeiropela‘suspensãomaioroumenordousodossentidos’edepois
porum ‘estado da almainteiramente preenchidapelo sentimento deadmiração,
alegria, etc.’ ou, no caso do êxtase místico religioso, a um ‘estado da alma
caracterizado interiormente por certa união mística com Deus mediante a
contemplaçãoeoamor’
471
.
Noentanto,podemsertambémproduzidosporexperiênciasdiferentes:em
um primeiro momento, pode ser resultado de anomalias psíquicas ou vir
 
467
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.367.
468
Cf.Ibid.,pp.368-385.
469
Cf.Ibid.,p.386.
470
Cf.Ibid.,p.399.
471
Cf.Ibid.,p.399.
108
acompanhadasdelas;eserprovocadasporprocedimentosoutécnicasapropriadas
ouporingestãodedrogas
472
.
Outrosproblemasquedelineamessefenômenoconsistemnaexistênciade
místicosqueapresentamsintomas patológicosnavivênciadesuasexperiências.
Esses o o considerados místicos por serem psicopatas. Sua condição de
místico influenciou em sua neurologia ou psicopatologia. E os místicos de
constituiçãonormaloucuradaapresentamdesfalecimentosno‘funcionamento’de
suas capacidades como consequência da intensidade das experiências que
vivem
473
.
Porém, é importante que sobre a experiência como tal em sua dimensão
interior, espiritual, os místicos religiosos, e, em alguns casos, também os não
religiosos,afirmemqueoqueviveméresultadodeumaaçãodeDeussobreeles.
ChegamafalardainfusãodeDeusemsuasfaculdades,nocentrodesuapessoa
do dinamismo e virtualidades que escapam a suas forças e seu controle. E por
isso, ocorre, por parte dos místicos, aversão ao fato de que o êxtase possa ser
provocado.
Issopareceserumacaracterísticadetodamísticareligiosa.Porexemplo:
O samadhi no hinduísmo, o satori no zen, que sem identificar-se com o êxtase
contémem parteseuselementos,nãoéresultadodotreinamentoquecomportaa
yoga. Ocorre na vida como a iluminação do Buda, sem que o sujeito possa
determinaromomentoeolugardesuachegada
474
.
Esse fenômeno tem grande importância na mística cristã. Pois, segundo
Velasco “apareceem todas as manifestações da vida stica cristã e ocupa um
lugaremquasetodasasdescriçõeseinterpretaçõesquedelasetemdado”
475
.E
tem como a ‘união mística’ suas fontes na tradição bíblica e na religiosidade
grega,nafilosofiaplatônicaeneoplatônica
476
.
 
472
VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.400.
473
As ciências médicas, da psicologia e da antropologia passaram a estudar os fenômenos
místicos,e oparentescodoêxtasecomoutrasformas deestadosextáticosvividosemcontextos
diferentesecomenfermidadessomáticasoupsicológicas.Cf.Ibid.,p.405.
474
Ibid.,p.406.
475
Ibid.,p.404.
476
Sobreasfontesbíblicas,essefenômenoencontraapoionasdiferençasveterotestamentáriaao
profetismo extático. No Novo Testamento, atribuem experiências extáticas a Jesus, a Paulo e a
Estevam,econtacomosfatosecarismasdascomunidadesprimitivascomooacontecimentode
Pentecostes e a glossolalia. E foram os padres que começaram a utilizar o léxico próprio do
fenômeno extático com clara dependência da filosofia platônica. Cf. VELASCO, J. Martin. El
fenómenomístico,p.400.
109
Noentanto,essefenômeno,mesmodiantedetodaasuaimportânciaparaas
experiênciasmísticas,emesmonavidamísticadeSta.Tereza,nãoéumelemento
essencial nem integrante da contemplação infusa, nem a fortiori, seu momento
culminante,poisexistemmísticosquedãomostradeterchegadoeminentementeà
uniãosemterpadecidodoêxtase
477
.
c)Auniãomística
Velasco,comapoiosobretudodostextosdosmísticoscristãos,mastambém
demísticosmuçulmanosejudeus,acreditaqueocentroeresumodaexperiência
mística, consiste em que nela o sujeito vive na imediatez mediada do contato
amoroso,auniãomaisintimacomarealidademesmadeDeuspresentenomais
profundodoserdosujeito
478
.
Por isso, torna tão significativo em sua investigação sobre o núcleo da
experiênciamísticaestetemadaunião.Por“expressarograuúltimodarelação
mística, a meta final do intermediário espiritual, a forma mais perfeita da
experiênciamística”
479
.Eporconfluircomoutrosmuitosaspectosefenômenos
daexperiência,taiscomoorapto,oêxtase,oestadoteopático,atransformação,
quealgunsautoressereferemcomocumedesuaexperiência
480
.
Esta união é a resposta aos anseios que os místicos carregam pela força
atrativadoamorquelhevemdopróprioDeus,meioprivilegiadoparaaunião.O
encontrocomDeus,porrealizar-se‘naalmanomaisprofundocentro’,temlugar
mais além dos atos próprios das faculdades humanas, porém nos dois,
entendimentoevontade,redundaauniãodeDeuscomosujeito
481
.
E o conhecimento que tal união procura, distingue-se de todas as outras
formasdeconhecimento,cujadiferençaseencontra“naexperiênciatantoobjetiva
como subjetivamente mais direta, às vezes inclusive imediata da presença
divina”
482
.
Os escritos dos místicos são precisos quando revelam o que desejam: a
uniãocomDeus
483
.Queacontecedemuitasmaneiraseformas,deacordocomas
 
477
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.405.
478
Cf.Id.,Laexperienciamística,p.31.
479
Id.,Elfenómenomístico,p.386;Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.
34.
480
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.387.
481
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.33.
482
Ibid.,p.33.Vernota30.
483
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.386.Vernota74.
110
diferentes imagens e símbolos. Em primeiro lugar pelos contextos religiosos e
culturais, pelos diferentes graus de intensidade que essa união pode alcançar;
pelasdiferençasquerevesteaexperiênciadevidoàsdiferençaspessoaisdequem
avive;eporúltimoasdiferentesformasdeviverestarealidade
484
.
Certamente, assim, nos diz Velasco, essa união introduz mudanças na
consciência dos sujeitos. Esses podem chegar a uma espécie de suspensão da
consciência, na interrupção do uso das faculdades humanas. Porém, essa
suspensão não condena o sujeito à inconsciência, pois ele a vive com alguma
formadeconsciênciaquelhepermitedepoisrecordarovividoedescrevê-locom
notávelprecisão
485
.
E essas diferenças revelam-se como esclarece Velasco, nas experiências
místicasdosUpanishads,dotaoísmoedobudismoemque“todasasformasde
viver e representar a união se orientam para uma compreensão do termo que
coincideemumarepresentaçãonãopessoal”
486
.Umauniãoqueseconverteem
isolamento, identificação, fusão ou dissolução na realidade, origem e fim do
processo. Em outro extremo, situam-se as tradições cristãs e mulçumanas que
representam o termo união na forma personalizada de um Deus que tem nome
próprio e em algum caso, como no cristianismo, encarnado em uma vida
humana
487
, aqui nessa experiência não há fusão ou dissolução, a alteridade se
mantém.
EparaVelasco,umaúltimadiferençanasformasdeviverederepresentara
uniãoconsistenosdiferentesgrausqueessapoderealizar.Paraele
istosesituaentreosgrausmínimos,localizadonafronteiradasmanifestaçõesnão
místicasdavidareligiosa,eosúltimosgrauscomomatrimônioespiritualeaunião
transformante,emquearazãohumanaperdesustentação,asexperiênciasinclusive
simbólicas desfalecem e os místicos caem no silêncio e convidam seus
interlocutoresouseusleitoresaosilêncio
488
.
A união mística comporta uma modalidade nova de consciência, que
Velasco chama de ‘transconsciência’, baseada na atuação de um nível mais
profundo que o das faculdades e que produziria uma forma nova de
conhecimento.Enelafuncionariacomoum‘conscienteser-com’,maisquecomo
 
484
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,Ibid.,p.387.
485
Cf.Id.,Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.34.
486
Id.,Elfenómenomístico,p.388.
487
Cf.Ibid..p.388.
488
Ibid.,p.389.
111
um‘pensar-sobre’.Aquiaconsciênciadohomempassariaatransparecero‘novo
seremDeus’
489
.
Sobre os relatos dos místicos cristãos, no que se refere à união mística,
Velasco aponta para as experiências e personagens dos textos bíblicos e para
categorias do platonismo e do neoplatonismo, como possibilidades que os
místicosencontraramparaexpressarsuaexperiência
490
.
Issopermite,segundoVelasco,identificarnostextosmísticoscristãosalgoa
mais que os textos evangélicos, por terem eles estimulado doutrinas, termos,
categorias nascidas em outras culturas e, especialmente, na filosofia e na
religiosidadegrega
491
.
No entanto, para Velasco a “descrição da essência mesma da união
esconde-setantocomoserevelaatravésdasimagens,eescapaàresponsabilidade
deumadescriçãoadequada.Parapodercompreendê-laeexpressá-laseriapreciso
queohomempudessedarcontadaDivindadeemqueauniãootransforma”
492
.
PorqueécertoquequantomaisaspessoasseaproximamdaDivindade,maisse
veemabrasadastodasassuaspotênciasecapacidadesporela.
d)EstadoTeopático
Velasco utiliza-se destacategoriaquetem suaraiznatradiçãocristã,para
designaronúcleoeocumedaexperiênciamística.Eofazapartirdosujeitoque
“maisqueapreenderDeus,maisqueconhecê-lo,recebe-o,padece-o”
493
.Oautor
nomeiaoqueestacategoriaproduznosujeito,comoexercesuacondiçãoecomo
se traduz na sua vida. E como se apresenta a vida de quem, na união
 
489
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomísticoenlahistoriayenlaactualidad,p.34.
490
Cf.Id.,Elfenómenomístico,p.389.Nosrelatosdosmísticosestãopresentesasexperiênciasde
alguns dos grandes profetas, textos dos salmos e do livro Cânticos dos cânticos. Uma
aproximidade maior desses textos junto aos relatos dos místicos se descobrirá até que ponto
contribuíram em suas experiências. No Novo Testamento, os místicosencontram na relação de
CristocomoPai,“oPaieeusomosum”modeloparaexpressarteologicamenteaintensidadeda
relaçãodaalmacomDeus.Cf.Ibid.,pp.390-391.
491
Cf.Ibid.,pp.391-392.Sobre a influência do platonismo, o neoplatonismo e de Plotino na
experiência místicacristã,Velascoparte então,darelação comDeusevocadaentre osfilósofos
platônicos,e,sobretudoneoplatônicos,pelautilizaçãodostermoscomo“amizade”,“semelhança”
quefazaalma“deiforme”.EquemaislongechegouPlotinocomotermode‘união’(kenosis):“Já
nãosãodois,senãoum”,quesignificaidentificaçãocomoUnopormeiodoamorqueuneoBem
porumnovonascimento,pelainabitaçãodivina.
492
Ibid.,p.397.
493
Id.,ExperiênciacristãdeDeus,p.53.
112
transformante, tem recebido uma vida nova, que não é outra senão a vida de
Deus
494
.
VelascoacreditaquefoiH.Delacroixquemprimeiroestudouessaexpressão
de forma rigorosa, no início do século passado. Esse termo ‘estado’ ressalta a
situaçãoaqueosujeitomísticochegadepoisdeumlongoprocessoqueconstitui
todaaexperiênciamística
495
.ParaDelacroix,‘estado’nãosignificaqueasituação
aquesechegaconsistaemumrepousodefinitivo.
Equeaexperiênciamísticanãoésóumfenômenodinâmico.Éumaexperiência
que só é compreendida adequadamente como epéxtasis, tensão nunca liquidada,
perfeiçãoemprogressopermanente,emmovimentosemfim,pelofatodequeseu
fiméDeus,arealidadeinfinita,cuiusregninoneritfinis,cujanaturezaconsisteem
nãoterfim
496
.
EssetermoepéxtasisfoiutilizadoporS.GregóriodeNissaparacaracterizar
a vida mística a partir do texto de Paulo, em que o Apóstolo descreve-se
esquecendo o que deixou para trás “avançando para o que estáadiante”
497
. Ele
propõe como cleo que a origina e a caracteriza, uma tensão permanente
originadapelodesejodeDeusquedespertanaalmasuacondiçãodeimagem,e
queaumentaàmedidaqueseaproximadeseu‘objeto’.
Assim, a condição de epéxtasis da experiência mística, é dada pela
transcendênciainfinitadeDeusquepossibilitaqueamesmavisãodaglórianão
seja descrita como um estado de fim, senão como o ‘descobrimento
permanentementemaravilhadodasriquezasinesgotáveisdavidadivina’
498
.
E sobreo termo ‘teopático’,essetem suaorigemna passividade. Velasco
nosdizqueotextodoPseudo-Dionísio,é o que melhor tem expressado,como
nontantumdiscenssedetpatiensdivina.Ouseja,umapassividadequeosó
apreende,maspatiens,querdizer,experimentaodivino.Comotambémpadece
recebendodeDeusaluzeoimpulsoindispensável paraentraremcontatocom
ele,esofrecomodeslumbramentodesualuzquecega,comoesvaziamentoea
purificaçãoindispensávelemacolhersuaPresença
499
.
 
494
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,408.
495
Cf.DELACROIX,H.Étudesd’historieetdepsychologieDumysticisme.Legrandsmystiques
chrétiens,Paris,1908,p.416;tambémpp.417e368.Apud.VELASCO.Elfenómenomístico,p.
409.
496
Ibid.,p.407.
497
Fl3,13.
498
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.408.Vernotan.146.
499
Cf.Ibid.,p.409.
113
Ele adota as características apresentadas por J. Baruzi
500
, para o qual o
estadoteopáticoéaexpressãoparadesignaroúltimoestadodevidastica.As
característicassão:auniãocomDeus,atransformaçãodeamornele,epordeixar
na alma dois efeitos, apresentados por S. João, que são: “esquecimento e
alienação de todas as coisas do mundo e mortificação de todos os apetites e
gostos”
501
.
Esse‘esquecimentoealienação’,noentanto,nãoprivaaalmadesuarelação
comarealidadecriada,nãoparalisaseussentidosepotênciasparaimpedi-lasde
captarseuseresuabeleza.OsujeitolivreparaacolheressaPresença,étambém
livreparaassumir,nessaexperiênciasuavidaordinária,poistudolheédevolvido
no estado teopático, transfigurado e embelezado por seu olhar, pelo olhar de
Deus
502
.
Velascoprocuraexpressaroresultadodoestadoteopático,vendo-ocomoa
‘inversãototaldeintencionalidade’queexigeecomportaaféequeaexperiência
mística leva a seu fim, inversão que num primeiro momento tem conseguido
produziraimpressão‘perdidadarealidade’;poistemconduzidoosujeitoavera
verdadeiratramadascoisasquesuavistasónaturalofazveraorevés:“conhecer
porDeusascriaturasenãopelascriaturasconheceraDeus”
503
.
Assim, essa inversão que intervém no amor de Deus faz com que esse
consistafundamentalmenteemdeixar-seamarporele,emaceitarseramado,em
acolher seu amor ou em corresponder a um amor prévio de Deus por nós que
suscitanossoamorporele.
Aistocorrespondeoterrenodoamor,nãoemamaraDeuspelobemqueprocura,
senão,libertada a vontadedo apegoque aescraviza aosbensmundanos, amara
DeusporDeusmesmoe,comoconsequência,amarasimesmoeascriaturascomo
amormesmodeDeus,‘altamentecomafetodivino’
504
.
EssaconversãosupõequeDeusnãosejameroobjetodohomem,masaraiz
queoorienta,apartirdeumapresença,quelongedegiraremtornodohomem,
situa-onaórbitadodivino,capacita-oparaopossívelchamadodeDeus,dilata-lhe
ocoraçãoparatorná-locapazderecebê-lo.
 
500
BARUZI, J. Saint Jean de la Croix et Le problème de l’expérience mystique, Alcan, Paris,
1931.Apud.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.410.
501
S.JoãodaCruz,Poema:CânticoA,17,1.
502
Cf.VELASCO,J.Martin.Op.cit.p.410.
503
Ibid.,p.414.Vernotan.165.
504
Ibid.,p.414.
114
Sobreoestadoteopático,elechegaàconclusãodequeseuarremateestána
irrupçãodavidapessoal,napenetraçãodetodasasdimensõeseníveisdoserque
inicia a experiência mística enquanto experiência pessoal do consentimento da
presençaemqueconsistea.Logo,oqueresultaépoderenxergaravidanasua
realidadeapartirdoseuverdadeirocentro,epercebê-lacomonaverdadeelaé
505
.
Velasconosajudaaentenderqueesteestadoestárevestidopela“harmonia
dapessoae suavida;napermanênciaounãoda consciênciadesseestado,e na
naturezadogozoqueaacompanha”
506
.Paraele,éevidentequeessasformasnas
diferençasemqueseapresentamnofenômenomístico,emseuconjunto,refletem
asformasdeviverepermitemdescreveroestado.
Pois, segundo ele, até mesmo no interior de uma mesma tradição como a
cristã,podecadaumviversuaprópriaexperiênciaemanifestaraspeculiaridades
provenientesdesuascaracterísticasecircunstânciaspessoais.
O estado teopático o desloca o sujeito a um mundo recôndito de
experiências extraordinárias, mas o devolve à vida diária que, recentrada pelo
exercíciodaopçãoteologal,daexperiênciadefé,permitevivercomnovovalor,
comnovosentido,comumnovoolhar,oconjuntodesuavidacotidiana.Porque,
segundoVelasco,aconversiocordis,araizteologaldaexperiênciamística,não
só exige senão que possibilita a conversio morum, a mudança de conduta que
comportaamoral”
507
.
E assim, esse último grau da experiência mística não retira o místico da
sociedade e do mundo em que vive. Ao contrário, consuma-se em uma
transformação do conjunto da vida: tomada a forma mística de uma mística na
vidaedavidacotidiana
508
.
3.7Mística,condiçãodeexistênciaparaareligião
Segundo Velasco, as experiências místicas têm seu centro na experiência
humana peculiar, que faz menção a uma realidade que transcende à ordem da
realidade com a qual o sujeito entra em contato no regime da consciência
ordinária.Equemesmoexistindoemváriasformas,essastêmseufundamentono
 
505
Cf.VELASCO,J.Martin.ElFenómenomístico,p.414.
506
Ibid.,p.415.
507
Ibid.,p.461.
508
Sobre a mística do cotidiano Cf. RAHNER. Karl. Experiencia de la gracia. In: Escritos de
teologia,Madri:Taurus,1961,v.3.pp.103-107;eExperiênciadelespiritu,Madri:Narcea,1977.
pp.50-53.Apud.VELASCO,J.Martin.ExperiênciacristãdeDeus,p.86.
115
fato de compartilharem uma série de propriedades que lhes conferem uma
semelhançafuncionaleestruturaleumardefamíliasurgidodessaspropriedades
comuns
509
.
Em todas as formas religiosas, a experiência que as origina recebe sua
especificação de Mistério. E dessa especificação, segue-se a primeira
peculiaridadedaexperiênciamísticaemtodasassuasformas,queconsisteemter
suaorigememumaradicalinversãodeintencionalidade,permitindoqueosujeito
humano seja um sujeito não ativo, senão passivo, vivendo como resposta ao
Mistério.
Noentanto,essasexperiênciassãorevestidasdevivênciasmuitodiferentes;
“contida nas descrições dos últimos passos do processo do yoga: vivida como
iluminaçãonobudismo;experimentadacomoíntimocontatoamoroso,emformas
diferentes, pelos místicos muçulmanos e cristãos”
510
. Interpretadas pelo sujeito
místico em forma de símbolos pela tomada de consciência do seu ser mais
profundo: “centro que origina todas suas faculdades e atos, centro ele mesmo
originado;fundo,sobreoqualdescansatodaasuavidasemprofundidadeparaum
abismoqueestáconstantementesurgindo”
511
.
Pois,mesmodiantedetodasasdiferenças,écomumatodaselasolocalde
contato do sujeito com essa realidade transcendente, na certeza obscura e na
confessadapassividadedosujeito,etc
512
.
AcontecendonaconsciênciadaidentidadecomoAbsoluto(brahmanismo),
naextinçãodesimesmo(budismo),naconformidadecomaleiqueregeodevir
do universo (taoísmo), na -confiança absoluta (cristianismo), na submissão
incondicional(islamismo),etc
513
.
Esta experiência mística em suas diferentes formas religiosas nos tem
aparecidocomo‘vivência’,natomadadeconsciência,naincorporaçãovoluntária
dessa atitude fundamental que está na base de todas as religiões e que no
cristianismosechamafé-esperança-caridade.EsegundoVelasco,todosostraços
 
509
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.424.
510
Ibid.,p.431.EstasvivênciasforamformuladasporPlotinoecitadasporVelasco.
511
Ibid.,p.426.
512
Cf.Ibid.,p.431.
513
Cf.Ibid.,p.425.
116
muito numerosos que caracterizam a experiência mística: passividade, certeza-
obscura,simplicidade,inefabilidade,etc.,têmaquisuaorigemesuaexplicação
514
.
Vistoqueocentrodaexperiênciamísticaconsistenaconsciência-adesãoà
Transcendência-imanência de que a pessoa humana toma consciência de estar
permanentemente surgindo, e se explicam os traços peculiares do núcleo da
experiênciamística:“presençaincontestável,queprecedeaosujeitoeseimpõe;
quesefazpresentenaformadeausência,só‘visível’noatopeloqualosujeito
conscientevaimais além de si mesmo e aceita incondicionalmente o ato a que
estásedispondopermanentementenaexistência”
515
,chega-seentão,àconclusão
dequeamísticaéparteintegrantedofenômenoreligiosoequeporisso,afirma-se
segundoVelascoasuaexistênciaemtodasasreligiões.
Noentanto,convémlembrar,queadescriçãodaexperiênciamísticacomo
formapeculiarderealizaçãodaatitudereligiosa,eofatodequeaatitudereligiosa
comporta sempre alguma forma de experiência, não têm levado a afirmar sua
realizaçãoemgrandepartedosmembrosdetodasasreligiões.Paraele,aquestão
adquire uma outra perspectiva que permite,poruma parte, precisaro lugar e a
função do elemento stico no conjunto dos elementos que compõem cada
sistema religioso, e, por outra, precisar a figura do místico no cristianismo
atual
516
.
Sobre a escassez de experiências místicas, S. João da Cruz resume, com
claridade depois de ter afirmado em numerosos textos inequívocos, a
universalidadedochamadodeDeusàperfeiçãoatodasaspessoas.Elereconhece
ocaráterpessoaldochamadoeafirmacomtodadecisãoorespeitoescrupulosoda
liberdadehumana:
Eaquinosconvémnotaracausadoporqueserentãopoucososquechegamatão
altoestadodeperfeiçãodeuniãocomDeus;noqualédesaberquenãoéporque
Deusqueriaquehouvessepoucosdestesespíritoslevantados,queantesqueriaque
todosfossemperfeitos,senãoqueencontrapoucosquequeiramsofrerechegara
tãoalto
517
.
EVelasco,então,acreditaquearazãofundamentaldopequenonúmerodos
quevivemaexperiênciastica,sejaporcausadafaltadeânimo,defidelidadee
 
514
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.425.
515
Ibid.,p.425.
516
Cf.Ibid.,p.447.
517
S.JoãodaCruz:Poema:ChamaB,2,27.
117
degenerosidadedaspessoas
518
,vistoque,segundoele,mesmoqueaimportância
daexperiênciamísticaestejanoseiodavidareligiosa,essaoeliminaoperigo
deexcluirdavocação,daaspiraçãoàperfeiçãodamaiorpartedoscrentes.Porque
sua essência pode realizar-se de muitas maneiras e todo sujeito religioso está
chamadoarealizaraestreitauniãocomDeus,comoassimdesejaomístico,pois
cadapessoapoderesponderaessavocaçãodeformasdiferentes,deacordocom
asmúltiplassituaçõesecircunstânciaspelasquaisdiscorresuavida.Epoderão
realizaroelementoquecomportaoexercíciodavidareligiosa.
Noentanto,otodososelementosmísticosencarnam-senafigurahistórica
queatéagoratemrevestidoeatéagoramonopolizadoonomede‘místico’.Como
diziaK.Rahner,‘osmísticosnãorepresentamumgraumaisaltoqueoscrentes,
senãoummomentointernoeessencialdafé’,queserealizadeformasdiferentes
pordiferentescrentes
519
.
Teremos então a oportunidade, no capítulo seguinte, de procurar
compreender a revelação Divina como um acontecimento que se dá
maieuticamente na história, e que por isso todas as religiões podem, segundo
Queiruga, ser consideradas verdadeiras. E assim, sem deixar de reafirmar a
identidade cristã, esse autor promove um encontro verdadeiro com as demais
tradições religiosas, que realizam de diferentes formas a experiência com esse
Deusquesedeixaencontrarindependentementedeculturaereligião.
 
518
Cf.VELASCO,J.Martin.Elfenómenomístico,p.448.
519
Cf.Ibid.,p.452.Vernota7.
118
4.“Todasasreligiõessãoverdadeiras”–AndrésTorresQueiruga
Para essa afirmação, tema de um capítulo de seu livro Autocompreensão
cristã’,Queirugachegaadizerqueesse,mesmotendo‘umcertoarprovocativo’,
não‘renunciaaosentidoprofundoquetrazemsuaspalavras’
520
.
Queiruga tem como base para sua afirmação uma nova concepção da
revelação
521
.Estadeixadeadquirirumcaráterde‘ditadodivino’efortesentido
fundamentalista para assumir um novo entendimento, um ‘dar-se conta’ da
presença de Deus ‘sempre aí’, que maieuticamente
522
, na história, revela-se ao
homem, sem distinção de tradição cultural ou religiosa. Reafirma a identidade
cristãaomesmotempoemquefavorecenovasperspectivasparaoencontroreal
entreasváriastradiçõesreligiosas.
Como veremos, essa nova maneira de conceber a revelação possibilitou
compreendera‘particularidade’comonecessidadedarealizaçãohistórica,abrindo
um novo caminho e novas possibilidades, vislumbrados com a queda do
exclusivismo, pela necessidade de rever a ideia da ‘eleição’
523
como privilégio
divino.Permitida,assim,pelanovacompreensãodarevelação,comaconstatação
dauniversalpresençareveladoraesalvíficadeDeus,pode-seeliminartodaideia
de favoritismo, e as religiões poderão ser apreciadas como verdadeiras pela
 
520
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.138;Procuraremosdesenvolveresse
tema,reunindoaquiasreflexõesdeAndrésTorresQueirugaqueforamapresentadasnestasobras:
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana.SãoPaulo:Paulus,1995.Id.,
O diálogo das religiões. São Paulo: Paulus, 1997. Id., Autocompreensão cristã:diálogo das
religiões.SãoPaulo:Paulus,2007;Id.,Cristianismoyreligiones:‘inreligionación’ycristianismo
assimétrico.Estúdios,SalTérreav.84,n.1p.3-19,1997.Paraesteautor,“seDeusrevela-sea
todos,então,todasasreligiõessãoreveladase,portanto,nessamesmamedida,verdadeiras”.Cf.
Ibid.,p. 05.Comoveremosmaisadiante,paraQueirugaessesgrause verdade’nãosignificam
‘méritos’,masreferem-seàtematizaçãohistóricadasreligiõesanteoAbsoluto.Referir-nos-emos
aAndrésTorresQueirugaapenascomoQueiruga.
521
 Essa nova concepção parte da relação entre Revelação e História. Queiruga atento a esta
relação, procura compreendê-la a partir da dialética existente na experiência religiosa e na sua
comunicação na história dos homens. A revelação que é a autocomunicação de Deus à
humanidade, acontece na história do próprio homem. Em seu livro ‘A revelação de Deus na
realizaçãohumana’,Queirugamagistralmentedesenvolvesuareflexão,enriquecendoateologiae
possibilitandoumamelhoraberturaaoencontroediálogointer-religioso.
522
Conceitoda filosofiamoderna, parteativada dialéticade Sócrates. Cf.REALE, História da
FilosofiaAntiga.SãoPaulo:Paulus,1990.v.1.pp.307-315.AmaiêuticafoidefinidaporSócrates
como a “arte de observar à psyche” (alma). E Queirugase utilizará deste termo nateologiada
revelação,comoveremosmaisadiante,realizandoumaalteração,semnegarsuaintuiçãoprimeira,
pois o concede a qualificação de ‘histórica’, ressaltando a liberdade de Deus e a novidade da
históriahumana.Sem,éclaro,deixardereforçarsuadimenohistórica.
523
Comoveremosmaisadiante,Queirugaseutilizarádaexpressão‘estratégiadeamor’aotermo
‘eleição’,paraevitarqueseentendacomo‘favoritismodivino’,ouseutilizadotermousando-o
entreaspas.
119
medida com que cada uma capta a seu modo, em sua história e cultura, esta
Presença.
O caminho, então,trilhadopor Queirugapara chegar a esta afirmação foi
obtido por causa da nova situação histórica, que exigia, diante dos novos
problemas enfrentados pela teologia com avanço do pluralismo religioso, uma
respostacapazdepossibilitarumamelhoraberturaentreastradiçõesreligiosas.E
diantedaineficiênciadascategoriasexistentes,foiforçadoabuscarnovosmeios,
propondotrêsnovascategorias.
‘Universalismo assimétrico’
524
é a primeira. Esse é adquirido como
possibilidadeporquetemcomopressupostoaafirmaçãodaPresençauniversalda
salvação,quetornapossívelorespeitoaovalorintrínsecodetodasasreligiões,e
oreconhecimentodesuaexistênciaedesenvolvimentonahistória,poisépossível
tantoemnãocederaorelativismodo‘tudoigual’diantedorealismohistóricoe
antropológico, quanto ao achatamento na busca pela universalidade, como
tambémnatrocada‘lógicadaconcorrência’pela‘lógicadagratuidade’,abrindo-
separaatrocadeexperiências,porreconhecerquenãolhepertencecomoalgo
absoluto,masqueéparatodos.
A segunda, exigindo uma revisão da cristologia, procura ser mais
teocêntrica,partindodaprópriarelaçãodeJesusdeNazarécomDeus.Queiruga,
assim,denominaestacategoriade‘teocentrismojesuânico’
525
.Essademandaum
grande equilíbrio, pois enquanto procura acentuar a centralidade de Deus, o
podediminuiropapelúnicoeirrenunciáveldeJesusdeNazaré.
Ecomoúltimadesuaspropostascomonovacategoria,Queirugaapresenta-
nosa‘irreligionação’
526
.Nessacategoria,elereafirmaoavançoda‘inculturação’
epropõeumpassoamaisnatentativadeevitarsuprimirapresençarealdeDeus
no mundo, passando a respeitar a cultura e a experiência religiosa de cada
tradição.
Assim, partindo da nova concepção da revelação que acontece
maieuticamente na história, procurando resguardar a liberdade de Deus sem
perderasuanovidadenahistóriahumana,porestar‘jásempreaí’;comotambém
a comprovação de que a revelação é a mais alta expressão do amor de Deus à
 
524
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,pp.93-110.
525
Cf.Ibid.,pp.111-122.
526
Cf.Ibid.,pp.167-193.
120
humanidade e a possibilidade da mais autêntica realização humana. Saberemos
como essa descobertaprovocou a mudança na relação com asdemaistradições
religiosas,chegandoàafirmaçãodeque‘todasasreligiõessãoverdadeiras’.
4.1ARevelaçãocomomaiêuticahistórica
Queiruganosforneceumacompreensãodaestruturadarevelaçãoquepode
seraplicadatambémàsoutrasreligiõesepermiteidentificar,jádopontodevista
fenomenológico,umdadoprévioquedásuporteàsdiferençaseespecificidades
constitutivas das religiões, permitindo um esquema de interpretação para
compreender-seasreligiõesemsuasingularidade.
Issoporquearevelaçãofazpartedaautoconsciênciadetodasasreligiões,
umavezqueessavenhaaseratomadadeconsciênciadapresençadodivinono
indivíduo, na sociedade e no mundo. Essa afirmativa toca no constitutivo da
autocompreensãodocristianismo,naconvicçãodequeemJesusCristosedeua
plenitudedarevelação,istoé,napretensãodepossuirarevelaçãoabsoluta.
No entanto, essa pretensão se choca com o fato de que outras religiões
também se apresentam como religiões reveladas e com o fato do pluralismo
religiosoemsimesmo.Asreflexõessobreessaquestãosedãoemduasdireções:
umaéaquelasuscitadapelateoriadeK.Barth,depoisabandonadaporele,que
negava qualquer possibilidade de revelação fora da revelação bíblica, não
admitindoareligiãocomolugardarevelaçãodeDeus
527
.Aocontrário,paraelea
revelaçãoeraasupressãodareligião.Eaoutraéafenomenologiadareligião,que
emumalinhaopostarompe comestavisãorestritadarevelação. Ali, porcerto
tempo, alguns estudos faziam uma distinção entre religião natural e religião
revelada.Mas,namedidaemqueasciênciasdareligiãoforamdemonstrandoa
existênciadetraçosfundamentaiscomunsatodasasreligiões,estadistinçãofoise
tornandoirrelevante
528
.
O dado mais fundamental comum às diversas religiões é que todas
compartilhamdaconvicçãodeteremsuaorigemnumarevelaçãodivina,qualquer
 
527
Cf. LATOURELLE, R. Revelação. In: Dicionário de Teologia Fundamental. Petrópolis:
Vozes; São Paulo: Santuário, 1994, p. 816; QUEIRUGA, A. Torres. A revelação de Deus na
realizaçãohumana,p.20s.
528
Cf.Ibid.,p.20.
121
quesejaonomeatribuídoaestarealidadedivina,demodoque“arevelaçãoéum
dadoconstitutivodaestruturamesmadareligião”
529
.
Diantedessaquestão,Queirugaassumeemsuareflexãoopontodepartida
fornecido pela fenomenologia e enriquece-o com o dado antropológico da
experiênciahumanadarevelação.Paraele,ohomeméumser‘emergente’,no
qual se supõe toda umaevolução quealcançaoseu extremo
530
. Oserhumano,
diferentedoanimal,possuiemsiaperguntaquelhearde,aperguntasobreDeus.
E diante dessa interrogação, existente independente de sua permissão, se tem a
partirdesuaacolhidaum
significadofundamentaldarevelaçãocomofundamento:essareceptividaderadical
na qual o homemacolhendo a presençasalvadorade Deus,vai entrando em sua
plenarealização,enquantodeterminadoeentregueasimesmopeloDeusqueaele
secomunica
531
.
ArevelaçãodeDeusaohomemimplicaparaesteemumintensoencontro
consigomesmo,emumamaiorpercepçãosobreavidaeumamelhorcontribuição
naconstruçãodahistóriaricaemsignificadoparasieparaasociedade.E,para
isso, ele apresenta-nos a partir da revelação acontecendo maieuticamente na
história,apossibilidadedarealizaçãodohomemnarevelaçãodeDeus,pois,“na
respostaà revelação,ohomemestáserealizandoasimesmo:estáconstruindo,
desdeaúltimaradicalidade,ahistóriadeseuser”
532
.
E é a partir desta reflexão sobre a revelação de Deus à humanidade, que
temosdeQueirugasuagrandecontribuição,comespecialparticularidadeaquilo
que o faz distinguir-se de outras reflexões teológicas. Contribuições essas que
permitem abrir caminho para a comunicação entre as diferentes tradições
religiosas e uma maior tematização da autocomunicação divina, porque ele
 
529
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.20.
530
Cf. Ibid., p. 173. Um extremo ainda aberto e dinâmico, que continua, por outros caminhos,
processos.Umextremoconsciente,queselevantasobreohorizontedomundo,descobrindo,ao
olharparatrás,oprocessoevolutivoqueseperdenanoitedostempos,eseencontraadianteno
‘aberto’(Rilke),movidoporumdinamismoinfinito,intrinsecamenteinsatisfazível,abertoauma
plenitudequelhechegue‘apartirdeforaeapartirdecima’(Blondel),eatémesmoà‘escutada
palavra’queilumineseumistério(Rahner).
531
Ibid.,,pp.177-178.
532
Ibid., p. 200.Tendocomotítulo deseulivro“A revelação deDeusnarealização humana”
Queiruga, apresenta o ser humano como lugar próprio para a revelação de Deus, acontecendo
maieuticamentenahistória.
122
acreditaqueDeusinsisteemquererrevelar-seatodosedemodossemprenovos,
pois“Deusélivrepararevelar-sequandoecomoquer”
533
.
Suas grandes contribuições que, no entanto, já acompanhavam a história
humana, mas cuja tematização na teologia foi ele que proporcionou, foram a
maiêuticahistórica,comocategoriamediadoraeahermenêuticadoamor
534
.
Parapodermoscompreenderafunçãodessetodomaiêuticonateologia,
teremosqueadentrarnocampodafilosofia,precisamenteemSócratesquefazia
usodessemétodoemsuadialética.
Sócrates,queerafilhodeumaparteira,dizterherdadoomesmoofíciode
suamãe,afirmandoemumdiálogocomTeeteto:
Ora, a minha arte de obstetra assemelha-se em todo o resto àdasparteiras, mas
diferedelasnofatodeagirsobrehomensenãosobremulheres,ecuidardasalmas
grávidasenãodoscorpos.Eofaztantopelaverdadedequeestágrávidoohomem
comopelanãoverdade“...Se,depois,examinandoastuasrespostas,euencontrar
quealgumassãoquimerasounãoverdades,arranco-asdetielanço-asfora,enão
tezangues....nãoénaverdade,pormaldadequeeufaçoisso,massóporquenão
considerolícitoaceitarafalsidadeouobscureceraverdade
535
.
Para ele, a maiêutica eraa artedeobstetra daalma. Assim,como emum
momentodedaràluzaumacriança,asmulheressofriamadoreaaflição,ele
também ajudava os seus discípulos, em meio à dor e aflição, a daremà luz as
verdades presentes em seus espíritos, que podia acontecer se já estivessem
grávidos. Esse método “consiste em levar o interlocutor ao descobrimento da
verdade mediante uma série de perguntas... e chega, por fim, a engendrar a
verdade,descobrindo-aporsieemsimesmo”
536
.
Isso nos permite concluir que, para Sócrates, a maiêutica é ‘a arte’ de
‘ajudar a gerar’, a ‘dar-à-luz’ as novas idéias presentes nas almas de seus
interlocutores. E até mesmo o parto do overdadeiro é benéfico para a alma,
pois essa liberta-se de um conhecimento vão, e lugar à verdade. Então,
ajudandoagerar,amaiêuticasocráticacontribuiapenasparaqueseuinterlocutor
descubraaverdadequetrazemsimesmoeaexterne
537
.
 
533
QUEIRUGA,A.Torres.¿QuésignificaafirmarqueDioshabla?SeleccionesdeTeologia,v.
34,n.134,p.102-108,1995.p.102.
534
Teremosaoportunidadenodecorrerdestecapítulodeaprofundarmossobreessastematizações
apresentadasporQueiruga.
535
PLATÃO.Teeteto,150b-15d.Apud.PANASIEWICZ,Roberlei.Diálogoerevelação:rumoao
encontrointer-religioso.BeloHorizonte:C/Arte,1999.pp.86-87.
536
MORA,Ferrater.Mayéutica.DiccionáriodeFilosofia.Madrid:Alianza,1981.
537
Cf.PANASIEWICZ,Roberlei.Diálogoerevelação,p.88.
123
Queiruga,noentanto,fazendousodessetermo,queseaproximaàprimeira
vistadarevelação,ofazapartirdeduasdistinçõesbemprecisas,semsedesfazer
desuaintuição primeira:no usodapalavraexternado mediadorenoenvio do
interlocutor à sua própria realidade. Para ele, nós descobrimos a revelação
porquealguémno-laanuncia;masaaceitamosporque,despertadospeloanúncio,
“vemos”pornósmesmosqueessaéanossarespostacerta”
538
.Aqui,apalavrado
mediadorcontribuiparaqueointerlocutorsejaremetidoparadentrodesimesmo,
emumprocessodereconhecimentoea-propriação
539
.
Pordescobrirumanovarealidade,quejáestavapresenteeaomesmotempo
desconhecida,pelapresençaquejáoacompanhava,epelaverdadevindadeDeus
quejáeraeestásendo.E,assimdesvendando,ouseja,permitindoo“nascer”de
uma realidade nova, o homem descobre a Deus que o está fazendo ser e
determinandodeumamaneiranovaeinesperada”
540
.
Aqui, descobrimos que Queiruga procura ir mais além: primeiro, por
apresentar a essa categoria socrática uma modificação em sua perspectiva
gnoseológica
541
.Poispermitetransparecernessassuasdistinçõesqueohomemé
sempre“homem-no-mundodemaneiraquenãopodehaverdesvelamentopróprio
sem desvelamento da situação, e que todo desvelamento da situação é também
desvelamentodohomem”
542
.EdepoisapartirdoqueSchillebeeckxdiz:“assim
poderíamos definir o ser humano: um ser-com-Deus-neste-mundo-de-homens-e-
de-coisas”
543
. Para ele, o homem será um “ser-desde-Deus-no-mundo”
544
,
permitindoaestacategoriamaiêuticasuainclusãonocontextoatual.
E,assim,éapresentadaamaiêuticaàrevelaçãoadentrandonateologia,lugar
emquelheseráinserido,aqualificaçãode“histórica”,ressaltandoaliberdadede
Deus e a novidade da história humana; é a alteração de maneira radical do
conceitosocrático.SeráapartirdestasduasdimensõesqueQueiruga,pormeioda
TeologiadaRevelação,iráreleracategoriasocrática.
 
538
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.18.Grifodoautor.
539
Cf.Id.,,ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.113.
540
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.113.
541
Cf.Ibid.,p.113.
542
Ibid.,p.113-114.
543
SCHILLEBEECKX, E. Intelligence de la foi er interprétation de soi. In: Théologie
d’aujourd’hui et dedemain.Paris, 1967.p. 125.Apud.QUEIRUGA,A.Torres.Arevelação de
Deusnarealizaçãohumana,p.114.
544
Ibid.,p.114.
124
Sobreométodosocrático,comopudemosobservarapartirdoquejánosfoi
apresentado,essenãogeranadadenovo.Aele,comotambémàsparteiras,não
cabe criar nada. Apenas controlam o ‘vir-à-luz’ das verdades inerentes ao
homem,poisessesaencontramedãoàluzporsimesmos.Essemétodoencerra-
se“namaispuraimanência”
545
,ondequalquerumpodedaràluzporsimesmoao
quejáestavadesdesemprepresente.
Poderemospercebercomaperspectivadarevelaçãoqueocaminhosetorna
diferente.Poisesteseapoiananovidadedaorigemhistóricaenalivreiniciativa
divina.SegundoQueiruga,narevelação“nãosemanifestaoqueohomeméporsi
mesmo,esimoquecomeçaaserporlivreiniciativadivina.Nãosetratadeum
desdobrarimanentedesuaessência,masdeumadeterminaçãorealizadaporDeus
nahistória”
546
.

Isso a faz ser sempre experimentada de maneira nova e gratuita. Chega
mesmoaserentendidacomo“novonascimento”
547
,comoinovaçãoessencial
548
,
quandovividaemsuaplenaintensidade.
Aqui, a palavra passa a ser necessária para que a comunidade chegue à
consciênciadanovarealidade.QueiruganãonegaaintuiçãoprimeiradeSócrates
do ‘dar-à-luz’, que permite ao seu interlocutor trazer à realidade um outro
conhecimento de que, até então, não se havia dado conta, como também
resguardar a importância do mediador (maieuta = parteiro), para com a sua
comunidade.Masasustentanessanovaaplicaçãohistórica.Paraele,“omediador,
com sua palavra e seu gesto, faz os demais descobrirem a realidade em que
estãocolocados,apresençaquejáosestavaacompanhando,averdadeque,vinda
deDeus,jáeraouestásendo”
549
.
AfirmaaindaQueiruga,queesse“nãofazmaisqueiluminar,naconsciência,
aexperiênciatranscendentaldaprópriarealidadejáagraciadapeloEspírito”
550
.
AssiméoquepodemosveremMoisés,umhomemqueviveepromoveos
acontecimentosapartirdeumaprofundaexperiênciareligiosa,interpreta-osàluz
dessa experiência, e consegue que, pouco a pouco, também outros a
experimentemeainterpretemdamesmamaneira.Eleé,assim,omediadorque
 
545
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,pp.114-115.
546
Ibid.,p.115.
547
Jo3,3-8.
548
cf.Rm6,2;7,6;Gl6,15;2Cor5,17;Ef2,15;4,24;Cl3,10.
549
QUEIRUGA,A.Torres.Op.cit.,p.113.
550
Ibid.,p.1224.
125
possibilitouaosisraelitas‘darem-à-luz’apresençaatuantedeDeusemseumeio.
Deusqueestavadesdesemprepresente
551
,demaneiraoculta,emborareal.
E assim, “Israel descobriu a Deus na história e, ao fazê-lo, foi-se
descobrindo a si mesmo”
552
. Com essa tomada de consciência, os israelitas
passam a servir como ponto referencial e possibilidade sempre nova de se
‘aperceber’dealgodenovoede gratuitonessarevelação divinanaHistóriada
Humanidade.Poisarevelação,apartirdessaconsciênciaé‘patrimôniouniversal’
enãoconsegueserapenasparaaexperiênciadealguns,mas,paratodos,poisseu
lugarénacomunidade
553
.
ÉoquenosafirmaQueirugaquandodizque
OiniciadordoprocessovivesuaexperiênciacomodadaporDeus,comoiniciativa
divina....Eaomesmotempo,essarevelaçãoquevemdeDeusreenviaàhistória:à
circunstância concreta ... e não se isola nunca em si mesma nem se considera
propriedadeprivadadoiniciador;aocontrário,dirige-sesempreaosdemais:épara
todos
554
.
Por isso, o ouvinte, ao se deixar interpelar pelo mediador, apreende a
profundidadedesuarealidade,abre-seaumaexperiênciasingulardarevelaçãoe
descobre-seno‘próprio-ser-desde-Deus-no-mundo’,sendonecessárioapenasque
reconheça e aceite a revelação. E nesta resposta à revelação, o homem está-se
realizandoasimesmo,eentraemconstruçãoemprofundidadecomahistóriade
seu ser. Esse próprio-ser torna-se novo (ao contrário da ‘preexistência’ de
Sócrates),pois,jáotendoreconhecidoeaceito,‘jáéidêntico’aele,eopercebe
como‘estandojáai’.Éaarticulaçãodo‘novo’edo‘jáaí’noprópriocrente.
Explica-nos Queiruga, diante desta relação do crente com a palavra, que
“ajudá-loadescobri-loconstituiprecisamenteatarefadapalavrainspirada,que,
por isso, é para ele maiêutica”
555
. Assim recupera-se a maiêutica na História
tornando-senecessáriaparaaapreensãodaautocomunicaçãodeDeus.
Para concluirmos, como maiêutica histórica, a revelação, afirma-nos
Queiruga,nãoconsistenumestáticosempreaí,senãonum‘sempreaí’dinâmico,
queseatualizaconstantementenonovodesuarealizaçãomediantealiberdadedo
 
551
Cf.Gn1,1;Pr8,22;Jr1,5;Ex3,18.
552
QUEIRUGA,A.Torres.RevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.103.
553
Cf.PANASIEWICA,Roberlei.Diálogoerevelação,p.91.
554
QUEIRUGA,A.Torres.Op.cit.,p.107.
555
Ibid.,p.116.
126
homem e de sua história”
556
. Ela que temseu aspecto maiêutico na função da
palavra,quepossibilitaonovo,‘trazàluz’.Nãolevaparaforadesi,nemfalade
coisasestranhas,masdevolveohomemàsuamaisradicalautenticidade.
Apalavraageassim,comtodapropriedade,como‘parteira’quetrazàluza
consciênciadonovoser,tornandoclarasuanovasituação,a‘novacriatura’que
agoraé.Seuaspectohistóricoencontra-se nomediador, quesurge nahistóriae
respondeaumamissão,aumalivreiniciativadeDeus.
Elaé,assim,sempreumatoporpartedeDeus,queserealizanaliberdade
históricadohomem,etorna-serealidadeconcretatão-somentecomsuaacolhida.
E esse processo derevelação acaba se identificandocom a história do homem.
Acentua Queiruga “que a realidade mesma é o ‘gesto’ de Deus que nela se
expressa. E quanto mais densa essa realidade, melhor manifesta a intenção
reveladoranelaincorporada:quantomaisplenoosignificantehumano,maisplena
asignificaçãodivina”
557
.
Assim, é inegável que somente na experiência humana, se encontre lugar
paraqueDeussereveleaohomem.
4.2Ahermenêuticadoamor
A partir do que nos foi apresentado sobre a revelação que se realiza
maieuticamentenahistória,podemos,então,reafirmarqueamaisaltaexpressão
doamordeDeusàhumanidade,encontra-senoseudesejodetornar-seconhecido.
Como assim, nos diz Queiruga, dado que à essência mesma da revelação
pertenceoseraçãoatualelivredeDeus....porqueDeusquermanifestar-se”
558
.
Essa é uma ação que parte sempre de Deus em direção ao homem,
“pressionandoaconsciênciahumanaparaquecadapessoa,emcadacircunstância,
possa descobri-lo”
559
. O homem quando acolhe a presença reveladora de Deus,
queestavadesdesemprejáaí,possibilitaatravésdesteseuato umaaberturaao
seuprópriocrescimento,àsuarealizaçãohumana.“AíDeusvemaseuencontro
parapotencializá-loeorientá-lo,demaneiraquetodoorestantefiquefinalizado
nessaexperiência,queoenvolvecomoumtodo”
560
.
 
556
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.195.
557
Ibid.,p.200.
558
Ibid.,p.211.
559
Ibid.,p197.
560
Ibid.,p.211.
127
EssaarticulaçãoentreDeuseohomeméentãoafirmadaporQueirugacomo
“simultaneamenteaçãodeDeuserealizaçãodohomem”
561
pois,
descobrir-sedesdeDeusématuraropróprioser,irdandoeeleasubstânciadeseu
últimoemaisautênticocrescimento;aomesmotempoemqueessecrescimentovai
possibilitando, em dialética progressiva, novas capacidade de acolher a ação de
Deus
562
.
Essa articulação se dá por meio das liberdades humana e divina. Deus
convidaohomemàrealizaçãocomoserhumanoeessasuaaçãoéumdar-seà
liberdadehumana.UmaaçãolivredeDeusaumarespostahumananousodesua
plenaliberdade.
E,éno‘face-a-face’doencontro,queQueirugavainosdizerque,
aperceber-sedapresençadeDeusnãoédescobrirumespaçoneutroqueohomem
explora por sua iniciativa; ao contrário, é sentir-se chamado, interpelado, levado
sempremaisalémdesimesmoporcaminhosnuncaantessuspeitados,queoamor
livreegratuitovaitraçandoeassinalando
563
.
Assim,Deusentranahistóriadoshomenspormeiodessaliberdadehumana.
Para Queiruga, Deus “transforma o mundo não à base de milagres e
intervencionismos, e sim mediante sua presença reveladora na liberdade do
homem”
564
.E,comoexemplo,lembremosquemuitosestavamnoEgito,masque
apenasMoisésacolheuanovaelibertadorapresençadeDeuscomrelaçãoaoseu
povo. Que muitos viveram a crise do exílio babilônico, mas só pessoas como
Jeremias, Ezequiel ou o Dêutero-Isaías vivenciaram e explicitaram as inéditas
profundezasdaintimidadedivinaqueseabriramànovacircunstância.
Logo,estaéaexperiênciadoprofeta,aquelequeseabreànovidadedivinae
acolheamissãodevoltaràrealidadeedespertaroutrasliberdadesparaDeus
565
.
“Oprofetacaptaapresençaqueestátentandochegaratodosequenoespíritode
todosseinsinua,masquenemtodospercebem,devidoàobscuridadeestrutural
inerenteàmanifestaçãoreveladora”
566
.

Queirugaentendequea‘obscuridade’existe,nãoporvontadedivina,masda
própriacondiçãodecriaturainerenteaoserhumano.
 
561
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.202.
562
Ibid.,p.202.
563
Ibid.,p.211.
564
Ibid.,p.205.
565
Cf.PANASIEWICZ,Roberlei.Diálogoerevelação,p.93.
566
QUEIRUGA,A.Torres.Op.cit.p.210.
128
Retomando a função da maiêutica, podemos constatar que, diante deste
limitehumano,suanecessidadeestánofazer‘vir-à-luz’essapresençado‘sempre
aí’deDeusnahistóriahumana.Ouseja,elapermiteelucidarapresença‘obscura
e ambígua’ de Deus perante a liberdade humana. A generosidade irrestrita de
Deus,queéamorsempreemato,equesequerdarplenamente,temseulimite
nãoemsimesmo,masnaimpossibilidadedacriatura
567
.
ParaQueiruga,Deusqueredesejatornar-seconhecidoportodososhomens
de formaigual. Por isso, seuamor não cessa deprocurarmeios para“fazer-se
sentiromaisrápidoeintensamentepossívelpelomaiornúmerodehomens;que
desejariadartudonumalutaamorosapararomperaincompreensãodohomeme
abrirem-seosolhosaodomdesdesempredispostoparaele”
568
.

Compreender,então,esteamordeDeussomenteépossívelatravésdesua
autocomunicaçãoaoshomens,jáquesuapresençaéum‘jásempreaí’nahistória
humana.Umapresençaquequersimplesmenteautocomunicar-seporcondiçãode
possibilidadedelibertaçãoedeconstruçãodafelicidadedohomem.
Assim, o conceitoderevelação em Queiruga encontra-se na hermenêutica
do amor,e na maiêutica histórica,como possibilidade de tornar sempreatual a
revelação,como“últimaeautênticarealizaçãodohomem”
569
.Oquepodeentão,
dizer-nosQueiruga,sobreauniversalidadedeDeuscoma“eleição”deumpovo?
4.3AeleiçãoeauniversalidadedeDeus
Queiruga continua a nossurpreendercom sua maestria de pesquisador no
campo do diálogo inter-religioso. Sua preocupação em contribuir para uma das
questões que assombram a teologia tem possibilitado um pensar e um agir
teológicocomplementediferentes.Suapesquisatemapontadoumnovocaminho
comricaspossibilidadesdeaberturaparaumamelhorcompreensãoeconvivência
comumarealidadereligiosaqueseconstatacadavezmaisplural.
Perceberemos,nestetópico,apartirdanovacompreensãoadquiridasobrea
revelação como maiêuticahistóricaque para Queiruga é possível afirmarquea
revelação histórica particular tenha pretensão universal, desde que seja
 
567
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.286.
568
Ibid.,p.288.
569
Ibid.,p.220.
129
apresentada“semexclusivismoselitistasouestreitezasprovinciais”
570
.Paraele,o
problema encontra-se não na limitação que a revelação possa apresentar por se
situarnahistória,masseessatemcondiçõesdeseapresentarcomouniversal
571
.
Comoentender,então,agratuidadedoamordeDeusemsuauniversalidade,
quandoescolheumpovoemeleiçãohistórica,ondebiblicamentesedizquepara
“amarJacótemqueodiarEsaú”
572
?
Paraessaquestão,Queirugaseapoiaabsolutamentenarevelaçãohistóricae
nessa‘eleição’,nãocomorestriçãodoamor,mascomosuamáximamanifestação.
O particular, para ele, não significa exclusivismo, mas generosa ‘estratégia do
amor’quedesejaatingiratodos.“Deusrevela-sesemreservas,comtodaaforça
de sua sabedoria e de seu poder; e revela-se a todos na xima medida
possível”
573
. E mais uma vez afirma que o limite, se aparece, deve vir de um
outro lugar: da incapacidade da criatura para captar com maior clareza sua
revelação”
574
, pois, insistindo em querer amar, Deus continua pressionando a
consciênciadahumanidade,paraemergirdela,fazendosentirsuapresença”
575
.
No entanto, encontram-se no homem, na “incomensurabilidade estrutural
entre o Criador e a criatura”
576
os limites para a revelação de Deus. E esses,
impostos na relação entre Deus e o homem, enquanto impossibilitam a total
revelação de Deus, demonstrando, assim, sua distância infinita, causam-nos
espanto, pois mesmo diante de tamanha impossibilidade, o homem ainda tem
condiçõesdeaperceber-sedessapresençaetrazê-laàpalavra.Oqueacontecenão
porsuaprópria força,mas porque Deus “desejariadartudonuma lutaamorosa
para romper a incompreensão do homem e abrir-lhe os olhos ao dom sempre
dispostoparaele”
577
.
EssemistérioqueperpassaarelaçãoentreDeuseacriatura,aqual,mesmo
diantedetamanhafragilidadeeambiguidadequecomportaoserhumano,ainda
consegue deixar-se tocar pelo Criador e, indo além, consegue em limitadas
 
570
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.278.
571
Cf.Ibid.,p.279.
572
Ibid.,p.280;Cf.Ml1,2-3.
573
Ibid.,p.280.
574
Ibid.,p.283.
575
Ibid.,p.288.
576
Ibid., p.280.ParaQueiruga,aincomensurabilidadeestruturalque ohomemcarrega,“indica
sua condição historicamente insuperável e para situar nela o lugar radical das
incomensurabilidadesconcretas,queselheacrescentameadensificam”.
577
Ibib.,p.288.
130
palavras descrever sua experiência, encontra um caminho de explicação na
‘teologianegativa’.Emtodateologia,essaquestãotorna-semaisprovocantenas
experiênciasmísticas.
No entanto, como nos diz Queiruga, Deus revela-se “a todos enquanto
esteja ao seu alcance”
578
. Adificuldade,comojávimos, encontra-se na própria
criatura. Ele ressalta que não poderia ser diferente, visto que é irrenunciável
aceitar a historicidade do homem. “Esta consiste em realizar-se na história
mediante o exercício da própria liberdade”
579
, pois será no exercício de sua
autonomia que o homem poderá estar aberto “à revelação real, que brota na
liberdadeevai-seaproximandopeloscaminhosdahistória”
580
.
A revelação, ao redor de seu mistério, tem então, na história própria do
homem,nasuarealizaçãohumana,olugardesuamanifestação.Diferentedoque
sepossapensar,esseDeus“éumDeuscujoamoréurgente,quebuscaportodos
osmeiosfazer-sesentiromaispidaeintensamentepossívelpelomaiornúmero
dehomens”
581
.
Queiruga não nos deixa passar despercebido que este desejo de Deus em
querertornar-seconhecidoépuragratuidadedeseuamor,porqueseDeusnão
quisesse revelar-se, nada o homem poderia alcançar de sua intimidade....e que
todohomemcomotal,comtodasassuasfaculdades,épurodomdeDeuscriador”
582
. Com essa gratuidade, Deus apresenta-se como amor total e universal, que
queratingiratodososhomens.
Eéapartirdessacompreensãoquesetemdarevelação,quenãotemnada
mais que toda a força do desejo de Deus em querer amar o ser humano, que
Queiruga fala da “‘eleição’ o como um ‘favoritismo’, pois é para todos nem
como um mero ‘acidente’, porque Deus está total e pessoalmente em relação
concretacomcadahomem”
583
.
Assim,continuaQueirugadizendoque“Deusencontraapossibilidadedeir
potencializandoumcaminho rumo à manifestação total”
584
, quando a partirda
realidadehistóricadoserhumano,acontecerásuamanifestaçãoàhumanidade,
 
578
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.283.
579
Ibid.,p.287.
580
Ibid.,p.287.
581
Ibid.,p.288.
582
Ibid.,p.288.
583
Ibid.,p.289.
584
Ibid.,p.290.
131
um grupo iniciará um tipo de peculiar experiência. Por diversas circunstâncias,
entreasquaisaprovidencialsaídadoEgitoexerceumpapeldeterminante,nesse
grupodesenvolve-seumaespecialsensibilidadeparacaptara“pressão”religiosade
Deussobreaconsciênciadahumanidade
585
.
OquenãosignificaqueDeusestejapreferindoestegrupoenegandoaoutro,
masque
essa ‘eleição’ é também para os demais o caminho mais rápido do amor, que
enquantoprosseguecomeles,levando-osomaisadiantepossívelemsuaprópria
circunstância, antecipa-lhes pelo atalho do oferecimento histórico o que o povo
eleitoalcançouporsuaconta
586
.
Isso é o que Queiruga chama de ‘estratégia do amor’. E esta ‘estratégia’
usada por Deus nesta particularidade da revelação bíblica permite transparecer
desde suasentranhas a universalidade da revelação. Pois, “não cabe na história
outrauniversalidadereal”
587
. Eleeliminaopré-conceito deumauniversalidade
abstrata, que se apoia numa representação estática e isomórfica da realidade.
Reconhecendoquearealidadedomundo,e,sobretudo,adohomem,éemergente,
ouseja,histórica
588
,equearevelação-senopróprioir-sefazendodohomem,
porqueoquesequeruniversalizartemdeserantesalcançado.
Afirma Queiruga, que “unicamente aquela revelação na qual se alcança a
plenitudedohomempodeser,comjustiça,universalizável,ouseja,apresentar-se
como oferecimento a todosos homens”
589
. E porque alcança em Jesus o limite
insuperável, rompe-se toda particularidade
590
, Deus encontra em Jesus uma
oportunidadeparaentregar-setotalmenteatodaahumanidade.
No entanto, como é possível que esta particularidade cristã possa ser
universal? Para Queiruga é apenas na práxis do cristão que se pode veri-ficar
comouniversalapretensãodocristianismo”
591
.PorqueauniversalidadedeCristo
encontra-se ‘apartirdebaixo’,nasuakenósis,na únicauniversalidadepossível
dentrodahistória:adosofrimento
592
.Oamormarcaodinamismodarevelação,
tornando-auniversal,naentregaqueDeusfazdoseuFilho.
 
585
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.290.
586
Ibid.,p.292.
587
Ibid.,p.292.
588
Cf.Ibid.,p.173.
589
Ibid.,p.294.
590
Cf. Ibid.,Cap. VI. “A definitividade de Cristo como mediador comporta a definitividadeda
revelação”.
591
Ibid.,p.295.
592
Cf.Ibid.,pp.295-296.
132
Logo,auniversalidadedocristianismoestánapráxisdocristão,apartirde
uma féque se proclamauniversal, e queofazapartir da experiência da Cruz.
Temquebuscarnecessariamenteo‘universalhumano’atravésdoesforçodeuma
maiorjustiçaedeumamelhorvidaparatodososhomens
593
.
Essa universalidade consiste no próprio ato de Deus, por sua ‘pressão’
amorosa sobre a consciência da humanidade, no desejo de fazer sentir sua
presençaeem“acelerarotempopeloatalhodeumatradiçãoparticular,parafazer
chegaroquantoantesatodosaofertadeamorqueparatodosfoipensadaeposta
emandamentodesdeoprincípionoscaminhosdaHistória”
594
.
EatingindotodaasuaplenitudeemJesus,tornaocristianismoumareligião
portadora de uma experiência destinada a todos, porque parte da mesma
experiência de todos, e nunca sai dela: o que faz é captar mais clara e
intensamente o comum”
595
. E assim, “o cristianismo traduz, sem diferenciação
nemdistância,agratuitapaternidadedivinahorizontaleairrestritafraternidade
humana”
596
.
Queiruga destaca que a essência dessa experiência cristã consiste na
consciência de que o que ela descobre não está separado do que descobrem as
demais“poissabequeomesmoDeusqueasalvaéoqueestátrabalhandocom
suagraçaainteiramassadahumanidadeparatrazê-laaidênticasalvação”
597
.
A partir dessa consciência, aberta à verdadeira universalidade de sua
experiência, o cristianismo o tem como usar de sua particularidade histórica,
“privilegiando o particular numa espécie de conquista”
598
, em seu trabalho
missionário,poisdeveserclaroque“elachegasempreaumacasajáhabitadapor
seuSenhor”
599
.Equeassim,rompendotodo‘imperialismo’missionário,açãode
quemimpõealgoquelheéexterno,tornapossívelodiálogoentreasreligiõesem
umaricapossibilidadedecompreensãouniversal.
O diálogo torna-se então possível porque consiste em avançar no seio de uma
mesmaexperiência.Nãoháimposição,porquesetratadeajudarareconheceraum
 
593
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.296.
594
Id.,Cristianismoyreligiones,p.4.
595
Id.,ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.300.
596
Ibid.,p.9.
597
Ibid.,p.300.
598
Ibid.,p.297.Grifodoautor.
599
Ibid.,p.300.
133
Deus que é de todos: de nenhum modo mais próprio daquele que prega do que
daquelequeescuta
600
.
Essa apresentaçãoque Queiruganos faznão deve serentendida comoum
nivelamentodaexperiênciacristãcomoutrasexperiências.ArevelaçãoemJesus
é,pois,real,comoprogressoontológicodoqueéopeculiarcristão,edequeéo
últimoederradeironarealidade,queconsistenadescobertadeumarelaçãovivae
pessoalcomDeus.
O que ele afirma longe de qualquer tentativa de etnocentrismo ou do
‘imperialismo’,porcausadeCristo,équeeste
emerge solidariamente da comum e universal experiência religiosa humana,
fazendo-a avançar em si mesma desde dentro até situá-la diante da gratuidade,
misteriosaetotalaberturapessoaldeDeus:aofazê-lo...ofazparatodos,abrindoe
expandindoparaafrenteauniversalidaderadicaldaqualpartia
601
.
Queirugaaindadestacaque“aparticularidadehumanadeJesus,situadanum
país, num tempo e numa cultura, oferece-se a partir de então, na presença
universal–semlimitealgumdeespaçoedetempo–doRessuscitado”
602
,oque
fazauniversalidadecristãnão impornenhum particularismocultural, masestar
sempredispostaaencarnar-seemcadacultura,a‘inculturar-se’
603
.Maisàfrente,
elenosfalaráem‘inreligionar-se’.
4.4Ocristianismoeoutrasreligiões
No item anterior, abordamos a universalidade da revelação cristã,
destacando que suaessência consistenaconsciência deque o queela descobre
nãoestáseparadodoquedescobremasdemais.Agorateremosaoportunidadede
analisá-laemato,emsuaextensãoecontatoefetivocomasdemaisreligiões.
Para Queiruga, o tema ‘cristianismo e religiões’ é um tema de maior
importânciaemtodaareflexãoteológica.Temaquedeixoudeserapenasteórico
parafazer-secontatovivo,conhecimentoimediatoediálogoinadiável,apartirda
própriarealidade,longedequaisqueresquemasouidéiasprefixadas,comhomens
concretosemsuavidareligiosaesuarelaçãoativacomDeus.
 
600
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.300.
601
Ibid.,p.303.
602
Ibid.,p.304.
603
 Cf. Id., Inculturación de la fé. In: FLORISTAN, C. (org.). Conceptos fundamentales de
pastoral.Madrid:Cristiandad.1983.pp.471-480.
134
Queiruga tem duas idéias, já apresentadas no decorrer de nossa reflexão,
comobaseparaamesma.Retomaremosporquesãoessênciasparaesteitem.
Na primeira, ele destaca a presença real – salvadora e libertadora – de
Deus no centro detoda a realidade e nocoração mesmo de toda a história dos
homens”
604
,jáqueestapresençarealiza-senoprocessodarealizaçãodohomem.
Deussópodedizer-seanósemnossarealidade,emnossomundo.Porque“Deus
se revela a todos os homens, e se revela a eles realmente, revela-se a eles,
sobretudo,nasexperiênciasmediadasporsuastradiçõesreligiosas”
605
.
Assim,Queirugaprocuraeliminartodoesquemasubconscientequemantém
a relação cristianismo/religiões=revelação/não-revelação. Assim como também
rompeoesquemade‘nósverdadeiros’eos‘outrosfalsos’,quandonasuasegunda
idéianosdiz“queaeleição’éumanecessidadehistóricaquenãoconsisteem
privilegiar para separar, e simem chamar uns para chegar melhor a todos”
606
.
Paraele,estáclaroque“Deusestárealmentepresenteemtodososhomens;esses
em sua experiência religiosa captam essa presença como revelação ativa e
salvadora”
607
.
Assim, Queiruga entende que esse romper de esquemas é a única
possibilidade paraumautênticodiálogoentreas religiões. Afirmandocom toda
clarezaque“todohomemestáemconstitutivarelaçãosobrenaturalcomDeuse,
portanto,emcontatovivocomele,equeasreligiõessãojustamenteatematização
dessarelaçãoedessecontato,todasasreligiõessãoverdadeiras
608
.
Essa afirmação que Queiruga nos apresenta tem como fundamental a
compreensãoquesetemdo‘graudeverdade’dequecadareligiãoutiliza-sepra
captarestapresençaamorosadeDeus.Eparaissoseutilizadeumaúnicadialética
a de ‘verdadeiro/mais verdadeiro’, reconhecendo a limitação histórica de cada
comunidade religiosa, sem assumir em nenhuma experiência o sentido de
absoluto.Porque“nãoexistereligiãosemalgumaverdadenemreligiãoperfeita,
poisnenhumapodeesgotaremsuatraduçãohumanaariquezainfinitadomistério
divino”
609
.
 
604
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.341.
605
Ibid.,p.150.
606
Ibid.,p.341;Id.,Odiálogodasreligiões,p.60.
607
Id.,ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.151.
608
Ibid.,p.341.Grifodoautor.
609
Id.,UmDiosparahoy.Santander,SalTérrea,1997.p.22.
135
O que para ele “não setrata deaqui renunciar à experiência da revelação
cristãcomomanifestaçãoplena,definitivaeuniversaldeDeusemCristo”
610
,mas
dedeixá-laexpandir-seconformeseudinamismo,vistoqueaexperiênciacristã
nãoépossedoscristãos;édomqueemerge nacomunidadereligiosahumanae
queatodaelaestádestinada”
611
.
Retomemosa‘estratégiadeamor’queQueirugamaisumavezutilizapara
reafirmarque na“experiência reveladora nocristianismoconstitui umelemento
na estratégia histórica do amor divino, que assim quer chegar mais rápida e
eficazmenteàhumanidadeinteira”
612
.
Issopermiteaocristianismoquandoemmissão,nuncavisitarumlugarsem
que esteesteja sobapresença de Deus.O que faz é aproximar de um outro
rostodeDeuspresenteemumaoutraculturaereligião.
Estaaçãoimpulsionadapelaprópriaforçadaplenitudeexperimentada,como
nos diz Queiruga, pelo cristianismo, permite-lhe tornar-se sensível às diversas
deformações encontradas fora, porque “o rosto entrevisto desde a insuperável
irradiaçãonavidadeJesussuscitaodesejoirreprimíveldefazê-lobrilhartambém
nasoutrasreligiões”
613
.
E, assim agindo, não faz nada mais do que assumir sua missão, pois não
anunciaasimesmo,nãoédonodasementequelança,enemmesmoéelequema
fazcrescer
614
.gratuitamenteoquedegraçarecebeu
615
,porqueoSenhornãoé
deninguém,eporissoédetodos.
4.5Onãoabsolutismodocristianismo
E, assim como vimos, a cristã afirma sem cessar, ao longo de toda a
históriadocristianismo,queemJesussedeuasalvaçãoearevelaçãodefinitiva
de Deus. Entretanto, para Queiruga, a reconstrução da confissão cristológica
neotestamentária possibilitou à teologia “compreender irreversivelmente que a
divindadedeJesusserealizaemsuaautênticahumanidade”
616
.Logotodaasua
vida assume o coração da confissão neotestamentária, e toda a tradição
 
610
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.341.
611
Ibid.,p.342.
612
Ibid.,p.342.
613
Ibid.,p.342.
614
Cf.1Cor3,6-7.
615
Cf.Mt10,8.
616
QUEIRUGA,A.Torres.Op.cit.,p.71.
136
existencialmente vivida que daí provém é a experiência salvífica vivida por
algumaspessoasnoencontrocomJesus,aqualgraçasaoseutestemunho,torna-se
acessívelatodasaspessoas
617
.
Na reflexão de Queiruga, esta interpretação do cristianismo enquanto
vinculada a uma experiência salvífica forma base tanto para a afirmação da
unicidadeedasingularidadecristãquantoparaoreconhecimentodeseucaráter
contingenteelimitado.
Com efeito, todas as afirmações neotestamentárias que apresentam Jesus
comosalvaçãoerevelaçãodivinadefinitivaesituam-nonumarelaçãoconstitutiva
e essencial com a vinda do Reino de Deus são afirmações que nascem da
experiênciadeféque,comotal,mumcaráterautoimplicativo,istoé,engajam
existencialmentequemasemprega
618
.Trata-sedeumalinguagemrelacional,que
articula uma dimensão subjetiva,namedidaemque expressa algodohorizonte
interpretativoedaatitudedaspessoasqueausam,comumadimensãoobjetiva,
enquantoafirmaalgoderealarespeitodeJesusmesmo.
Entretanto, essas declarações neotestamentárias são afirmações portadoras
deumcaráterabsoluto,quenãopodeserignoradoquandosetratadeinterpretaro
Novo Testamento. Trata-se de uma linguagem cuja fonte encontra-se numa
experiênciaquemediatizaalgodemaisprofundo.Assim,paraQueiruga,abaseda
confissãodefénoNovoTestamentoéoquesemanifestouemJesusdeNazaré.
Por isso, o fundamento último da unicidade de Jesus afirmada no Novo
Testamentoestánaconvicçãodefédeque“N’ElehabitaaplenitudedeDeus”
619
.
DeacordocomQueiruga,aafirmaçãocristãdaunicidadeeuniversalidade
salvíficadeJesusCristoéumaafirmaçãoválidaparanósquecremosemJesus,
dadoqueelatemporbaseumaexperiênciadesalvaçãodeDeus.
Noentanto,issonãoimplicaqueoacessoaDeuseàsalvaçãonãosepossa
daratravésdeoutroscaminhosdesalvação,jáqueparaele,auniversalidadecristã
‘parte da mesma experiência de todos’, procurando captar o que é comum no
longo processo de tradição que Deus está tentando manifestar a todos. Porque
 
617
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,pp.67-73.
618
Cf.Ibid.,p.70.
619
Cl1,19.
137
acreditaque“ocentroúltimoedecisivoparatodos–comotambémsucediaparao
mesmoJesus–estáemDeus”
620
.
E mesmo estando sob uma nova concepção da revelação, percebe-se a
necessidade de novos meios que possibilitem uma melhor clareza diante das
questõesinternaseexternasqueenvolvemcadatradiçãoreligiosanoencontroe
diálogoentresi.VeremosoqueQueiruganospropõediantedessaquestãonoitem
seguinte.
4.6Anecessidadedenovascategorias
Por toda compreensão adquirida com a nova concepção da revelação, e
ainda quenãosetenhacondiçõesdemedir suasconsequências,Queirugaainda
ousa, rompendo com velhos moldes, reconfigurar em um novo contexto a
experiênciadesempre,fazendousodenovascategorias.
a)Universalismoassimétrico
A nova compreensão da revelação e da plenitude cristã encontra-se no
dilema. Queiruga reconhece que “o exclusivismo se torna evidentemente
insustentável”. Para ele, a saída poderia estar no inclusivismo, que apresenta
grandes vantagens, entretanto, não conta das exigências legítimas do
pluralismo”
621
.Surge,então,paranãorecorreracategoriasjásuperadaspelanova
situaçãoepelabuscadeumpossívelequilíbrio,umanovacategoria,denominada
‘universalismoassimétrico’
622
.
Paraeletrata-sede‘universalismo’,porquetemcomobasetodasasreligiões
desde seu nascimento e desenvolvimento histórico, que são em si mesmas
caminhosreaisderevelaçãoedesalvaçãoporqueexpressamdapartedeDeussua
presença universal e irrestrita, sem favoritismo, nem discriminação, posto que,
desde a criação do mundo, Deus quer que todos sejam salvos”
623
. E
‘assimétrico’, porque para ele, está claro que “é impossível ignorar o fato das
diferençasreaisnasconquistasdasdiferentesreligiões”
624
.
 
620
QUEIRUGA,A.Torres.Cristianismoyreligiones,p.18.
621
Id.,Autocompreensãocristã,p.94.
622
Cf.Id.,ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.13;Id.,Autocompreensãocristã,p.95.
623
1Tm2,4;Cf.Ibid.,p.95.
624
Ibid.,p.96.
138
Jáqueporpartedoserhumanoéinevitáveladesigualdade,maisumavez
Queirugadestacaqueasdiferençasexistem“nãoporquesetratadeum‘desígnio’
de Deus, que escolheriae privilegiaria algumaspessoas, culturas ou nações em
detrimentodeoutras;masporqueissoéimpostopelaconstitutivadesigualdadede
finitudecriatural”
625
.
E continua Queiruga, afirmando que Deus age por gratuidade “enquanto
amor irrestrito e ‘sem acepção de pessoas’, é forçosamente, de maneira e sem
graus distintos, segundo o momento histórico, a circunstância cultural ou a
decisão da liberdade”
626
. Isso percebe-se quando, individualmente, procura-se
amadurecereaprofundararelaçãocomDeus,comotambémnahistóriadecada
religião. Pois, assim como o cristianismo diz que é uma religio semper
reformanda’,“nãopodeserdiferentenorelacionamentodasreligiõesentreelas;
sendotodasverdadeiras,nemtodastêmamesmaprofundidade”
627
.
Com isto, torna-se intolerável, nos diz Queiruga, “pretender açambarcar
comoprivilégioprópriooquepertenceatodos”
628
.Issooleva,diantedocaráter
absolutoquesemantémnocristianismo,percebendoquetrata-sedeumagrande
pretensão,arenunciaràpalavraabsoluto,substituindo-aporplenitude
629
.
ParaQueiruga,realizarestaconfissãosignificapossibilitaravisibilidadedo
seu significado autêntico, rompendo com qualquer pretensão de domínio e de
conquistaporquenocampodoreligiosotodadescoberta,mesmoqueaconteçaem
umdeterminadolugar,temumdestinouniversal.Poisé“domquebuscarealizar-
se identicamente na acolhida própria e no oferecimento aos demais”, que
deixando de ser possessão passa a ser percebida como responsabilidade e
encargo”. Partilhada não como bem particular, mas como herança comum na
promessadeumfuturopleno
630
.
Queiruga explica o significado da palavra plenitude neste novo contexto.
Paraele,opodesignificar“nadasemelhanteà‘onicompreensão’,comoseuma
religiãodeterminada,pormaiselevadaquefosse,pudesseabarcaroMistério”
631
.
Como também, não pode significar um ‘fechamento’, que contribua para “que
 
625
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.96.
626
Ibid.,p.96;Cf.Rm2,11.
627
QUEIRUGA,A.Torres.Op.cit.,p.97.
628
Ibid.,p.99.
629
Cf.Ibid.,p.100.
630
Cf.Ibid.,p.100.
631
Ibid.,p.101.
139
paraliseahistóriaeacabecom ofuturo”. Paraele,aocontrário,“remeteauma
Plenitudedinâmica,ondetodooprocessoanteriorchegarealmenteasimesmoe
abre-seàsmáximaspossibilidadesdesuavivência”
632
.
Noentanto,nadapode impediraoscristãosque confessema ‘plenitude’e
definitividadedarevelaçãoemJesusCristo
633
,oqueparaeleexigeumlongoe
difícilcaminhoparanovascategoriasquemelhorajudemsuacompreensão.
Eparataldesafio,eleacreditaque“deve-seelaborarumadialética,quepor
um lado evidencie a imprescindibilidade de Jesus de Nazaré como pessoa
histórica,eporoutro,reconheçaquenofimdascontas,ocentroúltimoésempre
Deus”
634
.Eassim,surgecomopropostasuaacategoria‘teocentrismojesuânico’.
b)Teocentrismojesuânico
A importância desta categoria parte de uma questão crucial: a
particularidade, que no caso de Jesus é confessada como definitiva, atingindo
precisamente o seu cume: o cristocentrismo, que para Queiruga, quando mal-
interpretado é um obstáculo insuperável para o diálogo com outras religiões
635
.
Paraele,a cristologiadevetercomotarefafundamental“mostrarcomonavida
terrenadeJesus,deixa-setranspareceromistérioúnicodesuafiliaçãodivina”
636
.
Logo, deve-se ter uma atenção cuidadosa à nova visão crítica do processo da
revelaçãonaBíblia,unidaaumaconsideraçãorealistadodiálogoatualentreas
religiões”
637
.
Queiruga, fazendo uma reflexão sem aprofundar, nas soluções que se
apoiamnorecursoao‘CristoCósmico’ouao‘LogosUniversal’,semnegarsua
legitimidadenareflexãoteológica,emesmopodendotornarmenostraumáticaa
passagem para um paradigma, nos diz que “não fazem justiça à densidade
histórica e à transcendência ontológica do corrido em Jesus de Nazaré, nem
preservam o universal caráter absoluto de Deus, tal como o vivia o próprio
Jesus”
638
.
 
632
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.101.
633
Cf.Ibid.,p.102.
634
Ibid.,p.102.
635
Cf.Ibid.,p.103.
636
Id.,ConfesarhoyaJesúscomoelCristo.Santander:SalTerrea,1994.p.31.
637
Id.,Autocompreensãocristã,p.103.
638
Ibid., p.104. Queiruga apresenta, em nota, para uma melhor exposição dos diversos
posicionamentosas obras: MIRANDA, M.de França.Ocristianismoemfacedasreligiões, pp.
26-30;46-51eDUPUIS,J.Rumoaumateologiacristãdopluralismoreligioso,pp.251-294;
140
Eleassim,procurandotornarclaroocaráter‘teocêntrico’danovacategoria,
começa acentuando aimportância decisivadapessoa histórica deJesus.Porque
paraele
emboranãosefaçadeJesusocentroabsoluto,oteocentrismoestátãointimamente
unidoaelequeparaaconfissãocristãnãohálugarparaumapossívelseparação,
nemparaumarealizaçãoequivalentementeparalelaemnenhumoutroindivíduo–
passado,presenteoufuturo–dahumanidade
639
.
Diante do fenômeno do pluralismo religioso, que muito provoca a uma
melhor compreensão de toda essa nova situação, se faz importante esclarecer o
sentido desse ‘jesuanismo’ para que não haja má interpretação em seu
entendimento, mesmo que sua compreensão não possa privar-se da densidade
históricadeJesus.
E aqui, encontra-se a contribuição dessa nova categoria: “trata-se de uma
novamanifestação doproblemada particularidade”
640
. Esclarecendoquenão se
tratadeumfavoritismo,oumesmodeprivilégiodivino,masdeumarespostaa
umanecessidadeestrutural,vistoquenãopodeexistiroutrapossibilidadeparasua
realizaçãonahistória.
Assim,esclarecetambémquearevelaçãodeCristonãosesituaàmargem
das demais revelações. Que por causa da emergência e de sua intensificação
procede ao lugar comum que é a presença reveladora de Deus em todas as
religiões
641
, o que significa dizer que “a referência é Deus mesmo, e Ele está
diantedetodasasreligiões”
642
.
E partindo sempre da experiência religiosa e nunca de fora dela, realiza,
então, de modo específico sua captação levando-a à sua culminação. Por isso,
“Jesus se conecta – e só assim ele próprio é historicamente possível – com a
tradição de Israel e, através dela, com a de toda a humanidade”
643
. Logo, na
missãocristãdeve-sereconhecerqueoqueela“fazéoferecerseumodo,novoe
pleno,decompreenderoDeusúnico,comumatodos”
644
.
Aparticularidade,porcausadaintrínsecahistoricidadedohumano,sópode
realizar-se numa única pessoa. Isso acaba por afetar a raiz mais profunda do
 
639
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.104.
640
Ibid.,p.105.
641
Cf.Ibid.,p.106.
642
Id.,Cristianismoyreligions,p.19.
643
Id.,Autocompreensãocristã,p.106.
644
Ibid.,p.106.
141
humano, sua realização última, como assim se faz no descobrimento de sua
relaçãovivacomDeus.Esuarealizaçãoúltimaequivalearealizá-lanaabertura
daprópriaexistência,queconsisteemtomarconsciênciadamesma
645
.
Queiruga,nestesentido,cita,MáriodeFrançaMirandaqueadverteparao
perigodereduzirarevelaçãoaumasimples‘manifestação’da‘salvação’
646
.Isso
olevaainsistirnaidentidadeontológicadarevelação
647
.
Para Queiruga, não cabe aqui a categoria de ‘representação’ porque o
problema está no descobrimento originário, pois tratando-se da ultimidade
humana,ohálugarparadescobrimento–nem,porissomesmo,desímbolo
semrealização,pois,noprocessodechegaraoextremodesimesmoapartirda
relaçãocomDeus,oserhumanosópodeveraquiloquevive”
648
.

Encontra,então,narealizaçãoaúnicapossibilidadepara“avançarrealmente
no descobrimento e na comunhão, único modo possível de ser, depois,
representação”
649
.
Queirugaafirmadiantedessaquestãoqueinteressa-lhereforçarorealismo
da aposta e sua necessidade histórica, que não se encontra ‘na lógica do
privilégio’, mas em uma ‘estratégia de amor’. O desejo de Deus em querer
entregar-se à humanidade dá-se no concreto da história, que a torna real e não
aparência.Edeveservistacomodomparatodosequeatodoséoferecidacomo
suapossívelrealização”
650
.
Assimdito,Queirugaconfessa:
minha convicção é de que em Cristo a relação viva com Deus atingiu o
intransponíveleoinsuperável,detalmodoquenelesetornampatentesparamim
aschaves definitivasda atitudedeDeus em relaçãoao mundo eda conseqüente
condutadenossaparte
651
.
Emaisadianteconclui:“paramim,nãoexiste umteocentrismoplenoque
não inclua aquilo que foi revelado em Jesus de Nazaré, isto é, que não seja
também jesuânico”, e assim, “reconhecer a verdade presente em outros
 
645
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.106.
646
Cf.MIRANDA,M.deFrança.Ocristianismoemfacedasreligiões,pp.49-51e60-62apud.
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.107.
647
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana.Nessaobra,também
descartaacategoriade‘representação’quandodefaladarevelação.
648
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,pp.107-108.
649
Ibid.,p.108.Grifodoautor.
650
Ibid.,p.108.Grifodoautor.
651
Ibid.,p.108.Grifodoautor.
142
‘teocentrismo’ e inclusive de aprender deles determinados aspectos que
enriquecemomeuparticularteocentrismo”
652
.
Suaconfissãoconsiste emduascondições: primeiro,porquedeixartudoo
que possui
653
e até a própria vida, “requer respeito por todos aqueles que
acreditam ter feito, em sua religião, uma descoberta igual ou semelhante”;
segundo,“pelamesmarazão,aconvicçãodequecadaumprecisaserapresentado
comumapropostaabertaaodiálogo,aocontrasteeàverificação”
654
.
Enquantodom,aexperiênciavividanãopodeteroutrointeresse,senãoode
favorecer o seu possíveldestinatário, o que aconteceráse,e somente se, ele a
perceber capaz de plenificar sua visão e abrir-lhe um novo horizonte de
definitividade”
655
.
Assumidas essas condições, Queiruga não nega que lhe seja exigido uma
atitudecomplexaecheiadematizes.Considerandocomocerto“porumlado,uma
claraeconfiávelafirmaçãodaprópriaidentidade....eporoutro,ahumildadede
quemnãoseremeteasimesmonemsequerinsistedemasiadamentenomodode
compreenderaverdadedescoberta”
656
.Issoimplicaemquedeveestarabertopara
possíveiscorreçõeseaperfeiçoamentos.Comonovasnuances,semimporlimites
aquestionamentosexternos.
Oespecífico nestacategoriaestá napreeminênciado teocentrismo,quese
encontraprofundamentepresenteemJesusdeNazaré.Logonosremeterá,nosdiz
Queiruga,atodaasuaproblematicidadehistórica.Noentanto,paraodiálogo,a
ênfaseprioritáriadeveestarnãoemsuafiguraindividual, masemsuaproposta
reveladoraesalvífica”
657
.
ÉemvistadestapropostaapresentadaporJesusapartirdeumaexperiência
de Deus, como Abbá, que os cristãos apoiam sua convicção e a têm como
propostacristã
658
.Confiandoemsuaprópriaforçadeconvicçãoapropostacristã,
semimposiçãoarbitrária,nemsoberba,assumindo-secomofrutodoquepropõe,
 
652
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.109.Queiruga,emseulivro,“Odiálogo
dasreligiões”,sobreocristocentrismodizque“éosentidoprimeiroefacilmenteacessível;coma
mesmarazão,hátambémum‘budacentrismo’eum‘maomecentrismo’...MasJesus–comoBuda
eMaomé–nãopregouasimesmo;eleremeteusempreaoPai,aDeus.Jesusfoi,semdúvidas,
‘teocêntrico’”.p.68.
653
Cf.Mt13,44-46.
654
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.110.
655
Ibid.,110.
656
Ibid.,pp.110-111.
657
Ibid.,p.111.
658
Cf.Ibid.,p.111.
143
“sente-se autorizada a abrigar a humilde esperança de que possa produzir o
mesmoefeitonosdemais”
659
.
Pois,continuaQueiruga:
aquelequeatravésdeJesus,descobriuque“Deuséamor”(1Jo4,8.16),istoé,que
consisteemamareemsuscitaramor,temmotivosparapensarque,mesmodentro
dos limites da sua apresentação histórica, oferece algo no qual todos podem
encontrarumaplenificação–nãonecessariamenteumarefutação – desua busca
religiosa
660
.
ParaQueiruga,apartirdesseencontrocomDeus,queporamorprocurase
achegaratodoseatodassemdistinção,inclusivedosmausedosinjustos
661
,que
perdoa sem condições e sem impor penas
662
, que é incapaz de julgar e
condenar
663
,queamaeperdoa
664
;diantedeumDeusquesósabeamar,eofazde
formagratuita,quesuscitaentretodosesteamor,emquetodasuaaçãoeintenção
ésalvífica
665
;restaapenasconfessá-loefazeropossívelparaqueomundoseja
invadidoetransformadoporseuamor
666
.
Noentanto,diantedoquenosfoiapresentado“evidenciaporsimesmoque
já não se pode falar, sem matizes ou reservas de simples ‘cristocentrismo’”
667
.
Frasescomo‘nãoexisteconhecimentode Deusanãoserem JesusCristo’,são
para Queiruga entendidas apenas como uma linguagem interna de natureza
‘confessional’,quenãodeveterpretensãodeserumadefiniçãoobjetiva.Paraele,
alinguagemdeveseradoamor
668
.Pois“ocentroúltimoedecisivoparatodos–
como de resto, acontecia com o próximo Jesus - radica-se em Deus, o único
absoluto”
669
.
Entretanto, diante desta nova perspectiva, não se pode esquecer de uma
outraquestão,‘aplenitudedarevelaçãoemCristo’,quedeumaformamaissutil
atinge o diálogo. E para tal questão, Queiruga pede-nos para lembrarmos “que
estarevelaçãoremete-nosaCristotambémnaqualidadedeRessuscitado,istoé,
 
659
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.112.
660
Ibid.,p.112.
661
Cf.Mt5,45.
662
Cf.Lc15,22-24.
663
Cf.Rm8,31-34.
664
Cf.1Jo3,20.
665
Cf.Mt7,12;Lc10,27-28.
666
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.Op.cit.,pp.112-113.
667
Ibid.,p.113.
668
Cf.Ibid.,p.114.
669
Ibid.,p.114.
144
além de sua particularidade histórica”
670
, pois “ao destino pleno deJesus e sua
revelaçãopertencemtambémsuamorteesuaressurreição”
671
.
ParaQueiruga,estaafirmaçãopertenceàsafirmaçõesteológicasdesegunda
ordem,queoentramnoprimeiromomentododiálogo,eseforemintroduzidas
devemestarabertasàreinterpretação
672
.
Reinterpretação que mesmo sendo profunda, não significa reduzir à pura
‘metáfora’ o mistério da encarnação
673
. Mas em ir ao encontro da essência do
cristianismo para torná-lo melhor. Atitude provocada pelo diálogo com outras
religiões,que“obrigaarevisarcomabsolutaseriedadeocristocentrismo”
674
.
Esse, com toda certeza, levará ao “teocentrismo” e adquirirá uma nova
dimensão.Pois,
no modo concreto, historicamente único, da proposta cristã induz uma certa
bipolaridade, não porque nega a primazia absoluta de Deus, mas porque para o
cristãoessaprimaziaapresenta-semediadademaneiraindissolúvelpelapessoade
JesusdeNazaré
675
.
Porisso,éfortementesignificativoparaQueiruga,diantedessabipolaridade,
falar de um ‘teocentrismo jesuânico’. Assim, ele mesmo diz: “Parece-me na
realidadequeessaexpressãoapontamelhortantoparaomistériodoPai,enquanto
origemultimamentefundante,quantoparasua–emrelaçãoanós–irrenunciável
mediaçãonoEvangelhodeJesusdeNazaré”
676
.
Paraele,emrelaçãoaosoutros,isto“nãoprejudicaemprincípioseudireito
de falar, se assim o creem, de um teocentrismo diferentemente qualificado”
677
,
porque está certo de que “a expressão remete com certa clareza à misteriosa
estrutura à qual se faz alusão, ao mesmo tempo em que é uma resposta à
necessidadedenossotempoemtransiçãoeembuscadenovascategorias”
678
.
 
670
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.115.
671
Ibid.,p.118.
672
Cf.Ibid.,p.115.
673
Cf.Ibid.,p.115.QueirugacitaJohnHickcomooquemaistembuscadoestecaminho.HICK,
John. The Myth of God Incarnate. London/Philadelphia, 1997; principalmente God Hás Many
Names, pp. 8;19;27-28;58;74;125. Para ele, mais equilibrada e sugestiva é a apresentação de
HAIGHT,R.Jesus,símbolodeDeus.SãoPaulo,Paulinas,2005.
674
Emnota,Queirugadestacaestelugarcomoopontocríticodaquestão.Efazreferênciaaobra
deDUPUIS,J.Rumoaumateologiadopluralismoreligioso,pp.251-294.Cf.QUEIRUGA,A.
Torres.Autocompreensãocristã,p.115.
675
Ibid.,p.116.
676
Ibid.,p.116.
677
Ibid.,p.117.
678
Ibid.,p.117.
145
Eéaquiqueestáopontodelicadoparaodiálogo,poisrequeraceitaraunião
da pessoa de Jesus de Nazaré com Deus apenas “no presente momento, numa
culturaqueatribuivalorconstitutivoàhistória”
679
.Oquetornapossívelpensar,
então, que o fato de Jesus de Nazaré ter alcançado essa visão objetivante
insuperável de Deus, signifique também de direito, o indício que permite
reconheceraunicidadedesuarelaçãocomEle
680
.
Equeafécristãtevesuaorigemnumaexperiênciasalvíficadentrodeum
contexto determinado, onde o encontro com Jesus de Nazaré constituiu-se em
respostaànecessidadeconcretadesalvaçãoe,naquelecontexto,otestemunhodos
primeiroscristãosadquiriuseusignificado.Podemosdizerqueosignificadoda
mensagem evangélica para nós, hoje, como o sentido de todo o discurso sobre
Deus,sópodesemanifestaremreferênciaàsituaçãoatualconcreta,emconexão
comasinterrogaçõesvitaisquenoscolocamos.
Logo,nossasexperiênciasatuaisdevemoferecerocasiãoparafalardeDeus
demodohumanoesensato;casocontrário,noslimitaríamosàmerarepetiçãode
esquemas tradicionais, perdendo a relevância para a vida cotidiana. E assim,
veremos que Queiruga vai além, quando propõe junto à ‘inculturação’ a
‘inreligionação’.

c)Ainreligionação
Acentuandoaimportânciada“inculturação”nacolaboraçãocomodiálogo
entre as religiões, Queiruga questiona suas respostas diante dos desafios
apontadoscomosavançosdasreflexõesatuais,poisreconheceadifíciltarefaque
persistenaatualidadeempermanecercomadistinçãoentreculturaereligião
681
.
Para ele, “o perigo principal aponta, no fundo, para uma deficiência
hermenêutica, pois continua trabalhando com o pressuposto de um dualismo
excessivo entre as religiões e a cultura, de modo que ambas acabariam sendo
claramenteseparáveis”
682
.
Oquesepodepercebernestapráticaéaexistênciadasconseqüênciasdeum
paradigma anterior, sobretudo na compreensão acerca da revelação. Para
Queiruga, esse fato é umaoportunidade para avançar, pois,reconhece que toda
 
679
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.117.Grifodoautor.
680
Cf.Ibid.,p.117;Cf.Id.,ArevelaçãodeDeusnarealizaçãodohomem.Cap.VIeVII.
681
Id.,Autocompreensãocristã,p.174.
682
Cf.Ibid.,p.175.
146
religião possui por “necessidade intrínseca, a interpretação de uma experiência
originária”
683
, e que para tornar-se compreensível e poder ser vivida, deve
encarnar-se nos “elementos culturais” das pessoas e comunidades. Queiruga se
pergunta: “Por que não deveria acontecer o mesmo com os ‘elementos
especificamentereligiosos’?”
684
.Eassim,elepropõe,indoalémda‘inculturação’,
a‘inreligionação’.
Isso fazendo, tem clara a consequência da impossibilidade de distinguir
entreoculturaleoreligiosoemummesmofenômeno,poisarevelaçãosemprese
dáapartirdeumconjuntodepressupostos,expectativaseideologiasgeralmente
aceitas e disponíveis no contexto histórico e sociocultural de uma época, que
nunca se dá ‘em estado puro’. Logo, é certo que a revelação será sempre
interpretada,oquesignificaparaQueirugaafirmarque“nãocabereligiãoanão
serinculturada”
685
.
E pelo fato desse contexto mediar a revelação, será sempre por ela
transformado. Assim, como o foi com a  cristã que teve sua origem numa
experiência salvífica dentrode um contexto determinado, onde oencontro com
Jesus de Nazaré se constituiu em resposta à necessidade concreta de salvação,
naquelecontexto,otestemunhodosprimeiroscristãosadquiriuoseusignificado.
ComonosdisseJoãoPauloII:“umaféquenãosefazculturaéumaféquenãofoi
plenamenterecebida,neminteiramentepensada,neminteiramentevivida”
686
.
E com um avanço teórico-significativo da inculturação, temos
consequênciasimportantíssimas para odiálogointer-religioso. Quealémde sua
aceitaçãoentreosteólogos,recebeu-atambémdomagistériodaIgreja:
Pormeiodainculturação,aIgrejaencarnaoEvangelhonasdiversasculturase,ao
mesmotempo,introduzospovoscomsuasculturasemsuaprópria comunidade;
transmite às mesmas seus próprios valores, assumindo o que há de bom nelas e
renovando-seapartirdedentro
687
.
No entanto, não deixou de receber críticas. Queiruga destaca duas como
principais:a)quepodelevaraoimperialismodeumaculturaeb)quepressupõe
umaidéiadeuniversalismo.Eelesintetizaestascríticasfazendoumalertaparao
 
683
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.176.
684
Ibid.,p.176.
685
Id.,Repensaropluralismo:dainculturaçãoàinreligionação.In:Concilium.Petrópolis:Vozes,
n.319,2007.p.114.
686
Ibid.,p.115.CitaçãodeJoãoPauloII,1982.
687
RM,52.
147
seu perigo, indicando que a força semântica dessa palavra pode sugerir que o
encontrodeverespeitaracultura,massuprimir(ouignorar)areligião”
688
.Poisé
conhecidoquenosencontrosentreasreligiões,quandofoipossívelrespeitarsua
cultura, foi desconhecido seu valor religioso, favorecendo conseqüências
arrasadoras:perseguições,destruiçõeseodesejodeacabarcomtodatradição
689
.
Para Queiruga, mesmo diante dos riscos apresentados, a inculturação não
deveser substituída.Noentanto, elenãodescartaanecessidadedequeelaseja
corrigidaecompletada.Pois,
reconhecendo revelação real em qualquer religião, torna-se evidente que não se
podetratardesuprimi-la:significariasuprimirounegarapresençarealdeDeus”.
Para ele, é certo que o encontro entre as religiões só é legítimo para dar e/ou
receberumamelhora:ofereceraquiloquejulgamosquepodeajudarooutro(e/ou
receberdooutrooquepossaajudar-nos)
690
.
Éooutroque,paraacolheraofertadequemchega,vaijulgarseépossível
aceitá-la. Assim, como na inculturação, isso não deve acontecer negando sua
própria cultura, na religião, acontece algo semelhante, pois quem ouve é uma
pessoa religiosa e que vai fazer uso de sua experiência religiosa para também
acolheroudescartaroqueselheanuncia.
Para Queiruga, é isso que a ‘inreligionação’ quer insinuar. Ela promove
tantoumaacolhidacomoumoferecimento.Acolhidaquenãosignificarecusara
própriareligião,masaceitarapartirdela,tendo-acomobaseparaacompreensão,
aacolhidaouarecusadoquelheéanunciado.Ouseja,“manteraprópriaunidade
religioso-cultural – ‘inculturar e inreligionar’ – a partir dela tudo o que pode
melhorá-la”
691
.
Esobreooferecimento,evitandotodotipodediscriminaçãoesuperioridade
sobre a outra religião, assumindo a presença de Deus em todas as religiões, e
assim,adquirindoumaatitudedeque“minhareligiãoéverdadeira,mastambéma
tua; e, sendo Deus sempre maior do que a nossa compreensão, devemos
complementar-nos”, e Queiruga termina afirmando que “contra rotinas
excludenteseintolerantes,convémaprenderdenovoagrandeverdadedoamor:
tudoédetodos,jáquedetodosquerseromesmoeúnicoDeus”
692
.
 
688
QUEIRUGA,A.Torres.Repensaropluralismo,p.115.
689
Cf.Ibid.,p.115;Id.,Autocompreensãocristã,p.175.
690
Id.,Repensaropluralismo,p.116.
691
Id.,Autocompreensãocristã,p.116.
692
Ibid.,p.117.
148
Pois toda experiência religiosa genuína é resposta à universal e viva
presença de Deus, e que nessa mesma medida é revelada e verdadeira,
constituindoumcaminhorealdesalvação.
Nãopode,noentanto,ficarforadareflexãosobreodiálogointer-religiosoa
relaçãoentreféecultura,esepararessacompreensãodahistóriadoserhumano.
Porquearevelação,comojávimos,emrelaçãoaDeuséasua“autocomunicação
aoshomens”
693
,eemrelaçãoaoshomens“éaautoconsciênciadetodaareligião”,
como“tomadadeconsciênciadapresençadodivinonoindivíduo,nasociedadee
nomundo”
694
.
4.7Averdadeentreasreligiões
Para Queiruga, o comportamento lingüístico adquire aqui grande
importância.Pois,seapartirdacontraposiçãoentrereligiãoverdadeiraereligiões
falsas, será difícil que ocorra o diálogo autêntico, para ele, “se partirmos da
afirmaçãodequetodasasreligiões–enquantomodosespecíficosdeacolhidae
configuração comunitária da universal presença salvífica de Deus – o
verdadeiras,odiálogobrotaporsimesmo”
695
.
Para isso, é necessário entender que “tudo se resume ao modo e à
intensidadedaverdadequecadareligiãoalcançanadifícilesempreinsatisfatória
luta para captar e expressar em palavras, condutas e instituições a irradiação
amorosadoMistério”
696
.
Porque reconhecendo que a recepção humana é sempre frágil, desigual, a
dialéticaautênticajamaiséo‘zeroeoinfinito’,maso‘maiseomenos’,oucomo
o‘bomeomelhor’
697
.Esenahistória,nenhumarealizaçãoéperfeita,todasas
religiões devem fazer a experiência dessa dialética em seu interior, em diálogo
consigomesmas, paraencontraro queémelhor,em um processo deconversão
contínua
698
.
 
693
RAHNER, K. Cursofundamentaldafé: introduçãoao conceitodecristianismo. SãoPaulo:
Paulinas,1989.p.145.
694
QUEIRUGA,A.Torres.ArevelaçãodeDeusnarealizaçãohumana,p.100.
695
Id.,Autocompreensãocristã,p.139.
696
Ibid.,p.140.
697
Cf.Ibid.,p.140.
698
Cf.Ibid.,p.140.
149
O que leva Queiruga a dizer que ‘o diálogo entre as religiões é, por isso
mesmo, decidida e sinceramente real’, porque ‘conecta-se com essa busca que
cadaumadelasrealizaapartirdeseuinterior’
699
.
É dessa experiênciaque cada religiãofazdo Mistérioimpulsionando-a ao
oferecimentogratuito,queseencontraajustaatitudereligiosadiantedeumDeus
sempre maior e perenemente presente, que Queiruga avança em sua reflexão
“qualificando de ‘intrínseca’ a verdade das religiões, no sentido de que seria
incorretoconcebê-lascomsimplesmediaçãoemvistadeumaverdadesuperior”.
Paraele,“elaspossuemvaloremsimesmas”
700
.
As religiões, nos diz Queiruga, por tratarem do destino definitivo de seus
membros,são‘absolutas’
701
.Entendendoquena
perspectivacristãnósvemossuaaberturanummomentoposterior,ouseja,nofato
deseremintimamentechamadas,tambémelas,àcompletudecomaquelesaspectos
que não estão presentes nelas e que de acordo com a nossa confissão estão
presentesnaplenitudeabertaporCristo
702
.
A autocompreensão cristã, assumindo esta atitude, deixa uma prática
baseadaemuma ‘lógicadeconcorrência’,naqual asminhas razõesea minha
religiãoolançadascontraareligiãodos outros’,para assumiruma ‘lógicada
gratuidade’,adquirindoa
consciênciadeestarapoiadanumatranscendênciaquetudofundamentaeque,por
issomesmo,buscaincansavelmente,desdesempreeemtodososlugares,dar-sea
conhecereentregar-seatodohomemeatodamulher.Porquequerserdompara
todos,nãopodeserpossessãodeninguém
703
.
Aprópriafenomenologiadareligiãodiz-nosquetodaexperiênciareligiosa
porcausadeseuprópriodinamismo,tendeacompartilhar,mesmoqueameaçada
por atitudes particularistas, sua orientação intrínseca sem fronteiras; no limite,
rumoàuniversalidade
704
.
Porqueaverdadequeumareligiãodescobre,elaacreditaquenãoésópara
si,porexclusividade,masparaquepertençaatodososoutros.Averdadereligiosa
acaba sendo um “reflexodaplenitude de Deus noespírito humano,plenitude à
 
699
Cf.QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.141.Grifodoautor.
700
Ibid.,p.142.Grifodoautor.
701
Cf.Ibid.,p.145.
702
Ibid.,p.146.
703
Ibid.,p.147.
704
Cf.Ibid.,p.148.
150
qual, de nossa parte, só podemos responder com a busca conjunta, fraternal e
compartilhada.Todosrecolhendoosfragmentosdeumaverdadeque,refletidana
finitude,édestinadaatodos”
705
.
Logo,odiálogoentreasreligiões(diálogointer-religioso)éumacondição
intrínsecadaverdade,poisestáclaroqueambosnuncaforamfatosisolados,mas
constituemumtecidodensodecontatoseinfluências
706
.Odiálogointer-religioso
veioàtonaatravésdeumgrandesaltoqualitativonosmeiosdecomunicação,na
constituiçãoda‘aldeiaglobal’
707
.
Estarealidade,noentanto,nãoobrigaemnadaaqueoscristãosrenunciema
sua verdadeira experiência na revelação em Cristo
708
. Porque não sendo esta
experiência propriedade dos cristãos, deve ser assumida como “dom de Deus
comum,quefoiemergindoeseconfigurandonumpontodacomunidadereligiosa
humana”
709
.Logo,negarsuaexperiênciaéprivaroutrosdeumapossívelriquezaà
qualtêmdireito.
Segundo Queiruga, “a missão cristã não sai nunca para o deserto da pura
ausência, maspara oencontrocomoutros rostosdoSenhor,queimpulsionados
pelaexperiênciadaplenitudeencontradaemCristo,desejamfazerbrilhartambém
paraosoutrosorostoqueseentreviuapartirdainsuperávelirradiaçãodavidade
Jesus”
710
. Desta forma permite ao cristão corrigir seus próprios defeitos e
descobrirnovasriquezasnoencontrocomDeusnasoutrasreligiões.
Queiruga propõe a “consciência dos limites de toda autocompreensão,
reconhecendoqueesteéomelhorcaminhoparairelaborandotodosjuntosede
passosbemmarcados,umacompreensãomaisdecididamenteuniversal”
711
.
E para isso, prefere utiliza-se da palavra ‘encontro’ no lugar da palavra
‘diálogo’,poisentendequeodiálogo“podeimplicaraconotaçãodeumaverdade
quejásepossuiplenamenteequevaiser‘negociada’comooutro,quetambémjá
tem a sua”,eque‘encontro’, “pelocontrário, sugere muito mais um sairdesi,
unindo-seaooutroparairembuscadaquiloqueestádiantedetodos”
712
.
 
705
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,pp.148-149.
706
Cf.Ibid.,p.149.
707
Cf.Ibid.,p.150.
708
Cf.Ibid.,p.150.
709
Ibid.,p.150.
710
Ibid.,p.151.
711
Ibid.,p.153.
712
Ibid.,pp.153-154.
151
Estasuaresistênciaemfazerusodapalavra‘diálogo’tambémserefleteao
falarde‘inclusivismo’,poisparaele,“oqueapalavrasugereéquetodaaverdade
dosoutrosestá‘dentro’(incluída)danossa”.Eistojustificatambémparaelea
postura ‘pluralista’, mesmo não cedendo “às conotações de nivelamento
igualitárioouderelativismoindiferenciado”
713
.
Emesmoutilizando-sedeumanovalinguagem,nãoseestálivredesermal
interpretado,devendo-se,noentanto,“evitartodaatentaçãoreducionistadeque
afirmaralgocomoverdadeimplicaexcluiraverdadedooutro”
714
.
ParaQueiruga,estáclaroquedeve-sesempretercomopressupostoque:
o que foi revelado em Cristo há muito que é também patrimônio de outras
religiões...equeinclusive,emdiferentemedida,temsidotrazidoporestas,mas,
alémdisso,queessasreligiõestêmaspectoseperspectivasausentesnocristianismo
equepodem ajudá-lo e completá-los,emseuesforço emvistadeumamelhor e
maiscompletarealizaçãohistórica
715
.
Sobre as demais religiões, o cristianismo deve entender que todas
convergemcadavezmaisentresi,poisestãohabitadaspelapresençadomesmo
Senhoretodaschamadasàmáximaplenitudepossível”
716
.
Queiruga tem claro que considerar que essa plenitude alcançou em Cristo
suamáximarealizaçãohistórica,nãosignificaquesepretendaver‘nossa’religião
como realização perfeita e acabada em todos os aspectos. Para ele, todas as
religiõesapresentam-seemsuaessênciamaisíntima,necessitadasdeummelhor
conhecimento de sie dedescentralização, para podermelhor refletiro Mistério
queasenvolve,equeécomumatodos
717
.
Por fim, concluímos que assim, reafirma-se a convicção de que ‘todas as
religiõessãoverdadeiras’,namedidaemqueacolhemapresençasalvíficadeum
mesmoDeus.Umavezqueestejamabertasaestapresença,todassãoconvocadas
a somarem os seus reflexos, pois dando e recebendo tendem a crescer e a
fortalecerauniãocomasdemais.ParaQueiruga,“oqueestáemjogonãoéo‘em
si’dacomunicaçãodeDeus,masoprecárioerelativo‘paranós’darecepção”
718
.
 
713
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.154.
714
Ibid.,p.155.
715
Ibid.,p.155.
716
Ibid.,p.156.
717
Cf.Ibid.,p.155.
718
Ibid.,p.156.
152
Edetalmodoocristianismo,emrelaçãoaoutrasreligiões,devereconhecer
quetemmuitoqueaprenderequenelenãoseencontraacomunicaçãoplenade
Deus,pois,“existemaspectosquesóapartirdeforadesuaconfiguraçãoconcreta
podemchegar-lheequejustamentepelafidelidadeaoDeusseuedetodos,deve
estardispostaaacolher”
719
.
Conclusão
Nestapartedenossadissertação,pudemosaprofundarumpoucomaissobre
a mística e a revelação. A mística como realização de todas as religiões, e
caminho para conhecê-las, como também para o conhecimento do próprio
homem. E sobre a revelação, que reinterpretada no cristianismo, deixa de ser
concebidacomoum‘ditadodivino’,paraservislumbradacomoum‘dar-seconta’
dapresençadeDeus,quemaieuticamenteserevelanahistória.
Constatamosquea experiência místicaacontece porque Deus assimtem
procuradooserhumanoincessantemente.Eestaexperiênciareafirmaaidentidade
doreligiosoaomesmotempoemqueoconduzaoencontrorealcomasdemais
tradiçõesreligiosas,poisolevaaterumcontatocomDeusnomaisintimodesi,
nadescobertadesimesmo,eoconduzaooutroque,porvezesnegado,éaceito
emsuaalteridade.
 
719
QUEIRUGA,A.Torres.Autocompreensãocristã,p.157.Grifodoautor.
153
Conclusãofinal
Diante de um contexto totalmente plural em que nos encontramos,
deparamo-nos com um forte pluralismo religioso que desafia as diferentes
tradições. No entanto, como demonstramos, acreditamos sereste momentouma
oportunidadeparaqueastradiçõesreligiosaspossamchegaràsuaprofundidade,
assumindo suarealvocação:ade sercaminhoparaqueoserhumano,nomais
íntimodesi,entreemcontatocomaRealidadeÚltima,Deus.
Osestudosdareligiãolevamàconvicçãodequeocultivodaverdadeira
religião,longedelimitá-la,ampliaaspossibilidades darazãohumana; longede
inibir a liberdade, possibilita e favorece o seu exercício, dentro do marco
insubstituíveldafinitudequelheéconsubstancial,domesmomodoque,longede
serestruturarepressiva,éfontedefelicidade.
Procuramos, para isto, ampliar a concepção de Deus presente nas
tradiçõesreligiosas,permitindocontemplarcommaisprofundidadeseumistério,
que se revela maieuticamente na História e que nem sempre é percebido.
Indicamos que esta Presença pode ser melhor percebida por meio de uma
experiênciareligiosa,equeosujeitoreligiosovivedasmaisdiferentestradições
religiosas,nasmaisvariadasformas.Experiênciaestaqueconduzoserhumano
aoencontrocomDeus,eaomesmotempoavoltar-seàHumanidadeeaauxiliar
osqueestãoembuscadetalcaminho.
Quando refletimos sobre o homem e Deus, percebemos que o problema
nãoéareligião,masadificuldadedevivê-laàalturaqueexige.Oproblemanãoé
dizer‘Deus’,masdizê-losabendooquesediz.Porisso,acreditamosqueomal-
entendido adquirido na consciência moderna, entre o homem e Deus, somente
serárespondidoquandoessapalavrasurgirdeumaconsciênciaquetenhaentrado
emcontatorealcomEle.Quandoforaexpressãodeumavontadequereconheceu
apresençamisteriosaquenelahabita.
Quando, portanto, os religiosos dizem ‘Deus’, não por ouvir dizer, mas
pela experiência realizada no mais íntimo de si, uma experiência pessoal de
transcendência,deconsentimentodasuapresençaamorosa,daexperiênciaúnica
quesupõehaver‘sucumbido’aDeus.
154
Por consequência, procuramos propor, diante das insuficientes respostas
dos mais diversos paradigmas apresentados, que o diálogo inter-religioso não
aconteça propriamente no nível religioso, mas em um nível mais profundo, em
uma comunhão para além das palavras e de todos os conceitos, na experiência
maisprofundadetodoserreligioso.Emumlugarquelibertodetodoomedoda
perdadeidentidadesepodeentraremcomunhãocomodiferente,comoinefável,
comoAbsoluto.
EmVelasco,encontramosnamísticaapossibilidadeparaqueasreligiões
sedescubramatravésdeseusmísticosjuntocomoutroscrentesenãocrentes,o
sinal da presença e condição da permanência da fé. Para ele, deve evitar-se no
diálogo inter-religioso, o dogmatismo e a indiferença. Acreditamos após nossa
reflexão sobre o tema, que nenhum sujeito religioso está mais bem preparado
contraessesperigosqueosujeitomístico,porseencontrarnauniãocomDeus.
Experiênciaqueoreligiosovivenamaispurafé,namaisabsolutaconfiança.
Essa nossa compreensão dá-se também pelas provocações que Queiruga
nosfazquando dizquetodasasreligiõesoverdadeiras,fazendopormeiode
duasidéias:darevelaçãoquesedámaieuticamentenacriaçãoeda‘eleição’como
necessidadehistórica.Paraele,arevelaçãoconstituiumapresençarealdeDeus
no coração de toda a História humana, e a ‘eleição’ constitui uma necessidade
histórica, que consiste em ‘intensificar’ a uns para chegar melhor a todos,
eliminandooesquema:cristianismocomorevelaçãoeoutrasreligiõescomonão
revelação.Essaidéiaeliminatambémoprivilégiodasreligiõesdeseacharemde
algumaformaasúnicasverdadeiras.
Porserentãoarevelaçãoumdadoconstitutivodetodareligião-porterem
suaestruturaohomemcomoseulugarprivilegiado-,epornãoexistirnenhuma
que possua absolutamente a Verdade, nenhuma delas pode, portanto, exaurir a
riquezadoMistériodivino. Noentanto,comovimos,nãodeve, porexemplo,o
cristianismodiantedestaconstatação,renunciaràexperiênciadarevelaçãocristã
comomanifestaçãoplenaeuniversaldeDeusemJesusCristo.Mas,aocontrário,
devepropagaraexperiênciacristãcomodomatodaacomunidadereligiosa.
ArevelaçãoqueaconteceudemaneirainsuperávelemJesuspossibilitouo
rompimento de toda particularidade. Foi em Jesus que Deus encontrou a
oportunidadedeentregar-setotalmenteatodaahumanidade.Auniversalidadedo
cristianismorealiza-senapráxisdocristão,nasuaexperiência religiosa,porque
155
em Jesus Cristo a universalidade dá-se no próprio dinamismo da revelação, no
amor com que Deus o amou e o entregou à humanidade. Assim, a
autocompreensão do cristão de sua real vocação o abre às demais tradições
religiosas.
A experiência de Deus dá-se por meio da experiência de fé. E essa fé
impulsiona o sujeito à acolhida, à aceitação e ao seu reconhecimento com
consciênciadequeessecontatoocolocadiantedeumaPresença‘semprejáaí’.A
experiênciamísticaassimaconteceporserconsequênciadarevelaçãoedaféque
moveosujeito.
Deus que não cessa de querer revelar-se, nunca deixa de insinuar-se à
humanidade por desejar a libertação e a felicidade do ser humano. E esta é a
maior expressão do seu amor: o fato de se dar a conhecer. O sujeito, quando
acolheessaPresença,passaaserconstruídodesdeasuaprofundidade,erealiza-se
comopessoa.Apenasnestarelaçãoépossívelaoshomenscompreenderesseamor
deDeuscomopossibilidadedeserasuaautênticarealização.
DiantedodesejodeDeusemquererrevelar-seeserparaoserhumanoa
possibilidade de sua realização, entendemos que para a situação do pluralismo
religioso, em que se impõe às religiões, superar suas tendências à exclusão
recíprocasejaaoportunidadeparaoexercício dacompaixãoe da hospitalidade
inter-religiosa.
Concluímos então, reafirmando que mesmo que o diálogo inter-religioso
tenha se chocado permanentemente com o dogmatismo e com o relativismo
indiferente,ocultivodadimensãomísticapodeeficazmenteajudaraevitaresses
obstáculos, pois o exercício da experiência mística permite captar o íntimo
parentescodetodasasreligiõesaopôremcontatoquemavivecomaraizdeonde
todaselasprocedem.
E por fim, podemos dizer que a mística assume o melhor lugar para o
encontro e diálogo inter-religioso. Pois nas atuais circunstâncias, sendo
indispensávelessediálogoparaapazmundial,superaráasdiferençasquandoos
fiéis das várias religiões fizerem intervir nele as experiências anteriores que as
sustentameapreocupaçãopelamelhoriaepeloprogressodahumanidadequeas
anima.Ouseja,quandose desenvolverem oselementos místicosquetodaselas
compartilham.
156
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CNBB,Guiaparaodiálogointer-religioso.(Estudosn.52)SãoPaulo:
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CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração “Dominus
Iesus”SobreaunicidadeeuniversalidadesalvíficadeJesusCristoe
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JOÃO PAULO II. Encíclica Redemptoris Hominis. Petrópolis: Vozes,
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PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO.
DiálogoeAnuncio.SãoPaulo:Paulinas,1996.
SECRETARIADOparaosNão-Cristãos.A igrejae as outrasreligiões.
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AMALADOSS,M.Pelaestradadavida.Práticadodiálogointer-religioso.
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