Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
TERRITÓRIOS INVISÍVEIS: TERRITORIALIDADES DOS
GAROTOS DE PROGRAMA NA ÁREA CENTRAL DE
MANAUS
Jean Moreira Alcântara
Manaus – 2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
TERRITÓRIOS INVISÍVEIS: TERRITORIALIDADES DOS
GAROTOS DE PROGRAMA NA ÁREA CENTRAL DE
MANAUS
Jean Moreira Alcântara
Orientadora: Dra. Amélia Regina Batista Nogueira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia: Amazônia Território e
Ambiente, como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Geografia. Área de concentração: Território,
Espaço e Cultura na Amazônia.
Manaus – 2009
ads:
2
Ficha Catalográfica
(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)
A347t
Alcântara, Jean Moreira
Territórios invisíveis: territorialidades dos garotos de programa na
área central de Manaus / Jean Moreira Alcântara. - Manaus: UFAM,
2009.
128 f.; il. color.
Dissertação (Mestrado em Geografia) –– Universidade Federal do
Amazonas, 2009.
Orientadora: Prof
a
. Dra. Amélia Regina Batista Nogueira
1. Prostituição Manaus (AM) 2. Garotos de programa 3.
Território e territorialidade I. Nogueira, Amélia Regina Batista II.
Universidade Federal do Amazonas III. Título
CDU 343.544(811.3)(043.3)
3
4
A minha mãe Raimunda Moreira
Alcântara pelo apoio incondicional a está
pesquisa.
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores do curso de Pós Graduação em Geografia pelas experiências
compartilhadas;
A minha orientadora Dra. Amélia Regina Batista Nogueira pelo apóio e
acompanhamento constante;
Aos meus familiares pelo apóio e paciência;
Aos colegas da turma pelo incentivo e pela convivência saudável que tivemos;
A Lan Arts pelo apóio com as impressões;
Aos garotos de programa pelo apóio e participação relevante nesta pesquisa, o meu
muito obrigado;
A Deus.
6
GAROTO DE ALUGUEL
Baby, dê-me seu dinheiro que eu quero viver
Dê-me seu relógio que eu quero saber
Quanto tempo falta para lhe esquecer
Quanto vale um homem para amar você
Minha profissão e suja e vulga
Quero um pagamento para me deitar
Junto com você estrangular meu riso
Dê-me seu amor que dele não preciso
Baby, nossa relação acaba-se assim
Como um caramelo que chegasse ao fim
Na boca vermelha de uma dama louca
Pague meu dinheiro e vista sua roupa
Deixe a porta aberta quando for saindo
Você vai chorando e eu fico sorrindo
Conte pras amigas que tudo foi mal
Nada me preocupa de um marginal
Zé Ramalho
Não é que o garoto de programa gosta de se prostituir,
mas ele se acostuma com isso.
P. (michê)
7
RESUMO
A área central de Manaus é constituída por diversas territorialidades como as dos
michês, prostitutas, travestis, policiais e tráfico de drogas, ou seja, uma área bastante
dinâmica. A pesquisa sobre os territórios dos garotos de programa na área central de Manaus
buscou entender a relação que esses profissionais do sexo possuem com os seus territórios,
seja em espaços públicos ou privados.
Os ambientes de prostituição permitem compreender a
realidade dos michês e a organização dos microterritórios em áreas urbanas, contribuindo com
novos debates a respeito do território e da territorialidade. As abordagens nos territórios de
prostituição foram realizadas diretamente com os garotos programa através de entrevistas
fechadas e abertas, o que permitiu compreender parte da realidade vivenciada por eles. Com
base nas indicações dos michês foi construída uma representação cartográfica que procurou
mostrar os diversos territórios de prostituição no centro de Manaus.
Os territórios de
prostituição dos garotos de programa são bem flexíveis em comparação aos das prostitutas e
travestis, pois definem seus territórios de forma simbólica, expressada por seus gestos, falas e
comportamentos.
Além de disso, apesar de os michês de rua circular por vários pontos de
prostituição, determinados ambientes acabam limitando sua entrada, pois os michês de rua
não frequentam os territórios de prostituição fechada, como as saunas, assim como os garotos
da sauna também não frequentam os territórios de rua. No entanto, ambientes de
prostituição em que tanto os grupos dos michês de rua quanto os da sauna podem frequentar
como as boates GLS, existentes na área central de Manaus. Portanto, o centro da cidade se
constitui em diversos microterritórios, que apresentam várias territorialidades, que se
relacionam com os territórios dos garotos de programa de forma conflituosa e harmoniosa.
Palavras–Chave: Prostituição, território, territorialidade, michês, garotos de programa.
8
ABSTRACT
The central area of Manaus is comprised of different territorialities as the hustlers,
prostitutes, transvestites, police and drug trafficking, which is a very dynamic area.
Research
on the territories of program boys in downtown Manaus sought to understand the relationship
that these sex workers have with their territories, whether in public or private.
Environments
of prostitution possible to understand the reality of prostitutes and organization of
microterritorial in urban areas, contributing to further discussions about the territory and
territoriality.
The approaches in the areas of prostitution were made directly with the program
boys through interviews with open and closed, which led to an understanding of the reality
experienced by them. Based on indications of prostitutes was built a cartographic
representation that sought to show the various areas of prostitution in downtown Manaus. The
territories of prostitution of boys in the program are very flexible in comparison to the
prostitutes and transvestites; they define their territory symbolically expressed by their
gestures, speech and behavior. In addition to, although the street hustlers move through
various points of prostitution, certain environments end up limiting their entry, because the
street hustlers do not attend the closed areas of prostitution as saunas, as well as the boys in
the sauna did not attend the territories of the street.
However, environments there are
prostitution in which both groups of street hustlers as the sauna can attend to the existing GLS
nightclubs in downtown Manaus. Therefore, the center of the city is constituted in various
microterritorial, which have several territoriality that relate to the territories of program boys
in a conflictual and harmonious.
Key words: Prostitution, territory, territoriality, hustlers, program boys.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Dr. Ferraz de Macedo: Classificação da prostituição no Rio de Janeiro............ 26
Figura 2 – Sala de papo da UOL.......................................................................................... 29
Figura 3 – Anúncios de profissionais do sexo..................................................................... 30
Figura 4 – Anúncios de empregos em jornal....................................................................... 31
Figura 5 – Anúncio de garoto de programa em site de relacionamento.............................. 32
Figura 6- Anuncio de garota de programa em site de relacionamento................................ 32
Figura 7 – Anúncio de garoto de programa em site de relacionamento.............................. 33
Figura 8- Anúncio de travesti em site de relacionamento................................................... 33
Figura 9- Mapa de localização da cidade de Manaus.......................................................... 60
Figura 10 – Planta dos territórios dos michês na área central de Manaus em 2009............ 61
Figura 11 – Planta dos territórios de prostituição na área central de Manaus em 1998.......
63
Figura 12 – Planta dos territórios de prostituição na área central de Manaus em 2005...... 64
Figura 13 – Boate TS........................................................................................................... 68
Figura 14 – Boate A2........................................................................................................... 70
Figura 15- Cine Premiere..................................................................................................... 72
Figura 16 – Rua Ferreira Pena............................................................................................. 74
Figura 17 – Rua Ferreira Pena............................................................................................. 75
Figura 18 – Praça Tenreiro Aranha...................................................................................... 76
Figura 19 – Avenida Joaquim Nabuco.................................................................................
77
Figura 20 – Largo de São Sebastião.....................................................................................
78
Figura 21 – Largo de São Sebastião.....................................................................................
79
Figura 22 – Praça Heliodoro Balbi...................................................................................... 81
Figura 23 – Avenida Getúlio Vargas................................................................................... 83
Figura 24 – Avenida Getúlio Vargas................................................................................... 83
Figura 25 – Praça da Matriz................................................................................................. 86
Figura 26 – Praça da Matriz ................................................................................................ 86
Figura 27 – Área do Relógio Municipal.............................................................................. 87
Figura 28 – Banheiro Público da Área do Relógio Municipal.............................................
88
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Idade dos michês............................................................................................. 92
Gráfico 2 – Zona de moradia dos michês......................................................................... 93
Gráfico 3 – Estado civil dos michês................................................................................. 94
Gráfico 4 – Escolaridade dos michês................................................................................ 94
Gráfico 5 – Cidade de origem dos michês....................................................................... 95
Gráfico 6 – Com quem os michês moram......................................................................... 96
Gráfico 7 – Michês que tem filhos.................................................................................... 97
Gráfico 8 – Outra atividade exercida pelos michês......................................................... 97
Gráfico 9- Tempo em que exerce a atividade de michê.................................................... 98
Gráfico 10 – Familiares que sabem da profissão de michê............................................... 99
Gráfico 11 – Motivo que levou a ser michê...................................................................... 99
11
LISTA DE TABELA
Tabela 1 – Definições populares de passivo e ativo............................................................ 104
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 14
CAPITULO I: PROSTITUIÇÃO, TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE........... 19
1.1. Ao diversos espaços utilizados pelos garotos de programa......................................... 27
1.2. As múltiplas territorialidades da prostituição masculina............................................. 34
CAPITULO II: ESTRATÉGIAS PARA CONQUISTAR OS TERRITÓRIOS DOS
MICHÊS: OS PASSOS METODOLÓGICOS................................................................
41
2.1. Caminhando com os michês: a pesquisa em Manaus................................................... 52
CAPITULO III: O DESVENDAR DOS TERRITÓRIOS DOS GAROTOS DE
PROGRAMA NA ÁREA CENTRAL DE MANAUS.....................................................
59
3.1. Sauna O......................................................................................................................... 65
3.2. Boate TS........................................................................................................................
67
3.3. Boate A2....................................................................................................................... 69
3.4. Cine Premiere................................................................................................................
71
3.5. Banheiro do Supermercado........................................................................................... 73
3.6. Rua Ferreira Pena.......................................................................................................... 74
3.7. Praça Tenreiro Aranha.................................................................................................. 75
3.8. Avenida Joaquim Nabuco............................................................................................. 76
3.9. Largo do São Sebastião................................................................................................. 78
3.10. Praça Heliodoro Balbi................................................................................................. 80
3.11. Avenida Getúlio Vargas.............................................................................................. 82
3.12. Praça da Matriz........................................................................................................... 84
3.13. Territórios públicos e privados de prostituição masculina..........................................
89
CAPITULO IV: TERRITORIALIDADES VIRIS: UMA ANÁLISE DOS
TERRITÓRIOS DOS MICHÊS NO CENTRO DE MANAUS.....................................
92
4.1. Ativo x passivo e o papel sexual dos michês................................................................ 102
4.2. Identidade territorial, territorialidade e os espaços multiterritoriais dos garotos de
programa..............................................................................................................................
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 118
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 121
ANEXOS............................................................................................................................. 125
13
Anexo I: Termo de consentimento livre e esclarecido......................................................... 126
Anexo II: Parecer do conselho de ética................................................................................
127
14
INTRODUÇÃO
A prostituição é uma atividade realizada desde as sociedades mais antigas, tanto por
mulheres a mais notória, quanto por homens que se desenvolveu em civilizações como a
grega e a romana.
Apesar de ter uma relação estreita com o espaço, a prostituição é pouco discutida no
meio geográfico, sendo mais abordada nas áreas da sociologia, antropologia ou da psicologia.
Conhecer a relação territorial que os profissionais do sexo possuem com os seus espaços
particularmente através da prostituição de rua, permite aprofundar e enriquecer o
conhecimento sobre o território e a territorialidade, pois trás uma reflexão que ultrapassa a
análise baseada na questão do Estado-Nação, no qual essas categorias estavam atreladas.
Os territórios de prostituição acompanham novas formas de debate, no sentido de
essa categoria geográfica, além da forma objetiva com seus limites rígidos, mas com sua
flexibilidade, objetividade e subjetividade principalmente, através de seu simbolismo, seu
cotidiano e de sua identidade territorial.
Entretanto, a proposta desta pesquisa não é somente estar refletindo sobre o território e
territorialidade, mas principalmente procurar entender os profissionais do sexo masculino,
conhecidos como michês, tentando decifrar seu modo de vida, sua relação com o espaço, seus
códigos, regras e suas relações com outras territorialidades existentes na área central de
Manaus.
Desta forma, a relevância dessa pesquisa consiste tanto no sentido de contribuir com
as abordagens territoriais numa escala micro, como trazer para a sociedade o conhecimento da
realidade dos garotos de programa, no qual, são praticamente invisíveis para a mesma, que
percebe mais os espaços de prostituição feminina e de travestis na cidade.
Estudos sobre os garotos de programa ainda são escassos se comparados aos das
prostitutas que apresentam diversos trabalhos. Essa ênfase dada à prostituição feminina ocorre
pelo fato da acessibilidade a esses grupos ser maior se comparada aos garotos de programa
que são mais resistentes em ceder informações. Além disso, a prostituição ainda é vista com
certa discriminação tanto pela sociedade, quanto ainda por parte do meio acadêmico, o que
contribui para a escassez de trabalhos científicos, especialmente os que trabalham com a
temática da prostituição masculina, sejam de travestis ou de garotos de programa.
Dentre os profissionais do sexo, a escolha de pesquisar os garotos de programa se deve
justamente pela pouca atenção voltada a este tipo de pesquisa na cidade de Manaus,
15
principalmente na área de geografia. Além disso, são profissionais que formam territórios na
cidade, porém quase não são percebidos pela população local especialmente os que têm um
funcionamento diurno, e isso, despertou o interesse da proposta dessa pesquisa, ou seja, de
procurar entender esse tipo de território que não é tão perceptível em comparação aos das
prostitutas e dos travestis.
Inicialmente o título da dissertação era: “Espaços de conflitos: territórios masculinos
de prostituição na área central de Manaus”, porém, para melhor se adequar a proposta desta
pesquisa no estudo da realidade dos garotos de programa que constroem seus territórios de
forma quase imperceptível para os indivíduos que o participam do seu meio, o titulo foi
alterado para: “Territórios invisíveis: territorialidades dos garotos de programa na área central
de Manaus”.
A categoria territorialidade inserida no título, chama a atenção para as estratégias e
práticas espaciais que permite a apropriação e a manutenção de seus territórios, assim como,
destaca também a sua identidade territorial. Já a questão da prostituição masculina foi
substituída por garotos de programa, isso porque, quando se fala em prostituição masculina,
pode se referir tanto aos travestis, quanto aos próprios garotos de programa, no qual são
bastante diferenciados, pois enquanto os garotos vendem uma imagem viril da masculinidade,
os travestis por outro lado vendem o oposto, ou seja, a feminilidade apesar de nem sempre
atuarem como passivos diante de uma relação mais íntima com seus clientes. No caso desta
pesquisa, a prostituição estudada será apenas dos garotos de programa conhecidos como
michês.
Dentre os objetivos deste trabalho podemos destacar como objetivo geral: analisar os
territórios dos garotos de programa em ambientes públicos e privados na área central de
Manaus, destacando a apropriação, o controle e as relações sócio-espacias existentes.
E como objetivos específicos: identificar os territórios públicos e privados dos garotos
de programa na área central de Manaus e a relação existente entre os mesmos; verificar as
regras existentes entre os territórios dos garotos de programa; conhecer o perfil
socioeconômico dos garotos de programa; construir uma representação cartográfica dos
territórios públicos e privados dos prostitutos.
Os métodos aplicados consistem primeiramente em levantamento bibliográfico das
obras com temáticas sobre territórios e territorialidades, porém não de forma tradicional, ou
seja, visto apenas a partir do território do Estado Nação, mas sim, procurando buscar textos
que discutem microterritórios, territórios flexíveis, móveis e identidade territorial, ou seja,
discussões que ajudam a entender os territórios de prostituição. Além disso, buscou-se fazer
16
um levantamento bibliográfico de obras que retratam a prostituição, especialmente as dos
michês.
A pesquisa foi realizada na área central de Manaus onde foram aplicados alguns
questionários fechados e entrevistas abertas, ou seja, houve a formulação de algumas
questões, porém, as entrevistas não se limitaram a essas questões, pois foram aproveitadas
todas as informações extras cedidas pelos michês.
Além das entrevistas, houveram várias conversas informais com os garotos de
programa, clientes, donos de saunas e com o presidente da Associação Garotos da Noite
(AGN), assim como, observações em campo.
Com base nas entrevistas diretas onde foram aplicados os questionários foram criados
gráficos para mostrar o perfil socioeconômico dos michês envolvidos na pesquisa. No
entanto, a maioria dos entrevistados eram garotos que praticavam a prostituição de rua, o que
não é a mesma realidade de outros garotos de programa, que utilizam outros meios como
jornais, sites, saunas, boates e salas de bate papo.
As fotografias que mostram os diversos pontos de prostituição masculina o exibem
as imagens dos michês, pois não foram autorizadas por eles. No entanto, as imagens
colocadas da localização dos territórios de prostituição masculina foram indicadas por um
garoto de programa.
A representação cartográfica construída dos territórios de prostituição masculina
procura representar a distribuição espacial dos michês no centro de Manaus. Demonstra-se
também alguns mapas frutos de pesquisas anteriores sobre a territorialidade da prostituição,
no qual o objetivo é fazer uma comparação com os dois momentos.
Os procedimentos metodológicos serão melhor discutido no capítulo II, em que são
apresentados de forma mais profunda, às estratégias utilizadas para conseguir se inserir no
meio da prostituição masculina, sendo este um ambiente ainda bastante enigmático.
Para melhor compreensão dessa pesquisa a estrutura dessa dissertação esta dividida
em quatro capítulos:
No primeiro capítulo foi abordado sobre a prostituição de um modo geral, destacando
os profissionais do sexo masculino conhecidos como michês. Inicialmente é apresentado o
conceito de prostituição, segundo os dicionários e em qual sentido está sendo empregado
neste trabalho. No contexto histórico, foi feita uma abordagem sucinta sobre a prostituição
masculina, devido à mesma ser pouco abordada em relação à prostituição feminina.
Atualmente com o desenvolvimento das tecnologias são criados novos meios de
disseminação de prostituição, pois apesar de haver prostituição de rua e em ambientes
17
fechados como as saunas e casas de massagem, os profissionais do sexo utilizam outros meios
mais modernos para vender seus serviços como sites de relacionamentos, anúncios de jornais
salas de bate papo e blogs. Outra questão destacada neste capítulo são algumas reflexões
sobre as categorias território e territorialidade, no qual, estão associadas aos garotos de
programa.
No segundo capítulo, a prospota foi discutir os procedimentos metodológicos de forma
mais profunda, destacando as estratégias de abordagens, os agentes envolvidos e as
dificuldades encontradas durante a pesquisa. O intuito desse capítulo foi de contribuir e
mostrar alguns métodos que podem ser utilizados ao se trabalhar com os territórios de
prostituição.
Alguns métodos trabalhados por outros autores que abordam essa temática da
prostituição, também foram destacados, como as pesquisas de Perlongher (1986), Queiroz
(1999), Silva (2006), Ribeiro (2002) e Vicentini (2008). As experiências desses autores
juntamente com estratégias de abordagens desta pesquisa, enriquecem e apontam caminhos
que poderão nortear outras pesquisas.
O terceiro capítulo consiste em apresentar os diversos territórios de prostituição na
área central de Manaus, tanto em ambientes públicos (ruas, avenidas e praças), quanto em
ambientes privados (boates, cinemas e saunas). Vale ressaltar que a representação gráfica
construída, tenta mostrar estes territórios de prostituição que não podem ser vistos como se
fossem fixos no espaço, mas sim, precisam ser pensados como flexíveis, móveis e elásticos.
Os registros de imagens inseridas nesse capítulo procura exibir alguns pontos
utilizados pelos michês, no qual, o seu funcionamento varia bastante podendo ocorrer durante
o dia ou a noite. Além das imagens e dos mapas, também foi feita uma caracterização geral
dos territórios de prostituição pesquisados.
O quarto e último capítulo foi dividido em três partes: primeiramente foi trabalhado o
perfil socioeconômico dos sujeitos pesquisados de acordo com os questionários aplicados e
demonstrados através de gráficos, procurando identificar os diversos tipos de michês de
acordo com a classificação de Perlongher (1986) e observações realizadas com os garotos de
programa em Manaus.
No segundo momento desde capítulo, a análise está voltada para as discussões dos
territórios e territorialidades em espaços privados e públicos procurando entender suas regras,
organização e a relação existente entre esses dois tipos de territórios na área central de
Manaus.
18
No terceiro momento, a discussão está voltada à análise dos garotos de programa em
si, como a sua identidade territorial, seus depoimentos, o preço do programa, a conquista dos
clientes, os conflitos existentes entre eles e com os policiais, prostitutas e os clientes.
Outra questão que foi discutida nesse capítulo é a função de ser sexualmente passivo e
ativo no território, ou seja, como o garoto de programa enfrenta essa questão, além disso, se a
maioria se relaciona com homens, será que eles seriam homossexuais? Assim, parte desse
mundo dos garotos de programa que ainda se apresenta de forma obscura a sociedade, tentará
ser decifrada.
Portanto, o estudo desenvolvido a respeito dos territórios dos garotos de programa
distribuídos nesses quatro capítulos, procuraram contribuir de certa forma, para o
esclarecimento desses territórios que se manifestam diante da sociedade de forma quase
imperceptível.
19
CAPITULO I: PROSTITUIÇÃO, TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE
A prostituição é considerada uma das profissões mais antigas na história da sociedade.
Essa atividade passa por diversos momentos ao longo da história, em que ora é aceita e até
estimulada em algumas civilizações mais antigas, e em outros momentos sofre forte
repressão.
Como a prostituição é um tema polêmico, repleto de mitos e estigmas criados pela
sociedade, torna-se necessário esclarecer o que é a prostituição e em qual sentido será
abordada nesta pesquisa. De acordo com o dicionário de Houaiss e Villar (2001) a
prostituição é considerada:
Ato ou efeito de prostituir-se. 1. Atividade institucionalizada que visa ganhar
dinheiro com a cobrança por atos sexuais e a exploração de prostitutas. 2.
Meio de vida das prostitutas e prostitutos. 3. Conjunto de indivíduos que se
prostituem. 4. Estilo de vida de prostitutas e prostitutos. 5. Vida devassa,
desregrada, libertinagem (HOUAISS E VILLAR, 2001, p. 2316).
Nota-se que nesse dicionário, a prostituição passa ser vista como uma atividade
intermediada pelo dinheiro, a venda do ato sexual da prostituta ou do prostituto. Entretanto, a
troca que ocorre entre o cliente e o profissional do sexo, nem sempre é intermediada pelo
dinheiro, pois casos em que esses profissionais recebem outros tipos de pagamento como
viagens, roupas, apartamentos, drogas, ou seja, uma troca de favores diferenciada por outra
forma de pagamento.
Quando se fala em exploração dos profissionais do sexo, como por exemplo, acontece
com as prostitutas, isso pode ocorrer tanto em ambientes abertos de prostituição como nas
ruas e avenidas, quanto em ambientes fechados como boates e casas de massagem.
A exploração sexual, no caso dos garotos de programa são mais frequentes em
ambientes fechados como as saunas. Em ambientes abertos como as ruas, praças e avenidas,
eles são autônomos inexistindo a figura do cafetão ou cafetina.
De modo geral, o indivíduo que se prostitui geralmente tem sua vida associada a certos
vícios e conduta discriminada pela sociedade como aponta o dicionário de Houaiss e Villar
(2001), como devassa, desregrada, libertinagem, em que o profissional do sexo teria uma vida
voltada para os prazeres sexuais, festas, bebidas, drogas, furtos, agressões, enfim, todos
20
aqueles comportamentos reprovados pela sociedade acabam sendo transferidos para grupos
marginalizados como os da prostituição.
Essa observação, porém, não condiz com as atitudes de todos os profissionais do sexo.
Existe uma variedade de indivíduos, que terão comportamentos diferentes desses
estigmatizados pela sociedade.
Outro significado de prostituição, que contribui para o esclarecimento desse termo é o
da Wikipédia, que define a prostituição da seguinte forma:
A prostituição pode ser definida como a troca consciente de favores sexuais
por interesses não sentimentais, afetivos ou prazer. Apesar de comumente a
prostituição consistir numa relação de troca entre sexo e dinheiro, esta o é
uma regra. Pode-se trocar relações sexuais por favorecimento profissional,
por bens materiais (incluindo-se o dinheiro), por informação, etc. A
prostituição é praticada mais comumente por mulheres, mas um grande
número de casos de prostituição masculina em diversos locais ao redor do
mundo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Prostituição).
Essa definição de prostituição é interessante pelo fato de que nos favores sexuais entre
o cliente e o prostituto (a), não sentimentos ou prazer por parte dos profissionais do sexo,
visando, geralmente um ganho financeiro. No entanto, quanto aos garotos de programa foi
observado casos em que a convivência com clientes pode ir além de um simples programa,
podendo o garoto passar algum tempo sendo financiando por seu cliente com roupas, viagens,
moradia e dinheiro.
Na própria definição percebe-se que no meio da prostituição, a venda do sexo vai além
do dinheiro, apesar, é claro de esse ser o mais importante na relação de troca nos territórios de
prostituição.
Outro fator que esta definição destaca é que a prostituição é praticada mais por
mulheres do que por homens. Porém, no mundo atual se pode afirmar, que a prostituição
realizada por homens é tão significativa quanto a praticada por mulheres. No entanto, a
prostituição masculina não é tão visível quanto a feminina, particularmente, as dos michês.
Como nesta pesquisa sediscutido apenas os territórios dos garotos de programa, é
necessário, primeiramente, explicar este termo utilizado para se referir a esses profissionais do
sexo.
A palavra michê é de origem francêsa e possui vários significados como no dicionário
de Houaiss e Villar (2001), em que é definido como:
21
Ato de prostituir-se. 2. Quantia paga a quem se prostitui. 3. Aquele ou aquela
que se prostitui. Etimologia: francês: michê (1739-1747) tolo que se deixa
enganar; (1764) amante que paga os favores de uma moça (HOUAISS &
VILLAR, 2001. p. 1914).
No primeiro momento, nota-se que a aplicação do termo michê, é utilizado para a
prostituição do gênero masculino e feminino. No entanto, atualmente esse termo é mais usado
para se referir a prostituição do sexo masculino, praticada por garotos de programa, que são
conhecidos como michês. O uso aplicado às prostitutas, provavelmente caiu em desuso, pois
em todos os territórios de prostituição pesquisados, e, em outros trabalhos que discutem a
prostituição não há o uso da palavra michê.
Etimologicamente, segundo Houaiss e Villar (2001), o termo michê é de origem
francesa e sofre alterações ao longo dos anos, onde inicialmente se referia ao indivíduo que se
deixava enganar. Posteriormente, ainda no século XVIII, esse termo passa a ser aplicado ao
cliente, aquele que paga o programa e, nos dias atuais, o termo passa a ser indicado ao
prostituto, especificamente, aquele que recebe pelos serviços que faz aos seus clientes.
Para Perlongher (1986), o termo michê possui dois sentidos, o primeiro se refere ao
ato de prostituir, envolvendo diversos sujeitos, como a prostituta, o garoto de progama e o
cliente, pois como foi dito antes, essa palavra também era usada para o indivíduo que pagava
os favores de determinadas mulheres.
Entretanto, para essa pesquisa, o termo michê é utilizado de acordo com o segundo
sentido da palavra, como destaca Perlongher (1986):
O termo michê é usado para denominar uma especie de sui generis de
cultores da prostituição: varões geralmente jovens que se prostituem sem
abdicar dos protótipos gestuais e discursivos da masculinidade em sua
apresentação perante o cliente (PERLONGHER, 1986, p.08).
Diferente do travesti, que busca valorizar o lado feminino, apesar de fazerem o lado
ativo (o que introduz numa relação sexual), o michê desperta o interesse de seu cliente, a
partir do momento que valoriza sua virilidade e masculinidade, mesmo que o garoto de
programa faça o lado passivo (o que é introduzido numa relação sexual) ou versátil (quando o
garoto faz o lado ativo e passivo numa relação sexual). Essa questão do ativo e passivo será
melhor discutida no capítulo quatro.
22
Em obras históricas que trabalham com a temática da prostituição, com ênfase à
feminina, foram observadas pequenas referências a prostituição viril.
A história da prostituição estudada por Parent et al (1948) mostram sua existência,
desde a mais remota civilização na Caldéia e na Babilônia, através de ritos religiosos e usos
hospitaleiros.
Segundo os autores, uma população selvática que vivia confinada ao norte com a
Mesopotâmia e abrangia o país de Hur, tinha o costume de conceder aos hóspedes às próprias
mulheres de sua casa, dando origem à prostituição hospitaleira. Em outra parte da Caldéia, na
Arábia deserta, existia outro povo composto por pastores que eram nômades e tinham a
prática da meditação e contemplação, na qual instituíram ritos, onde havia a consagração do
amor livre, originando, assim, a prostituição sacra. Posteriormente, fundada a cidade de
Babilônia, às margens do Eufrates, esses dois povos passaram a estar sob a mesma tutela,
onde lentamente começou a ocorrer a fusão de seus costumes e de suas crenças. Assim, a
prostituição sacra e hospitaleira passaram a coexistir paralelamente entre o culto de Vênus e
Milita (PARENTE et al, 1948, p. 09).
Em sua abordagem Parent et al (1948) faz uma tênue citação sobre a prostituição
masculina em algumas civilizações como na Grécia Antiga. A grande incidência de
relacionamento entre homens, na antiga civilização grega, permitiu de certa forma, um
estímulo a prostituição feminina, no sentido de combater a relação íntima entre os homens.
Entretanto, esse estímulo a prostituição feminina não era contra o prostituto, mas sim, contra
as relações entre homens que estavam se expandindo.
As categorias das ordens das prostitutas na Grécia Antiga eram: as etéreas que
pertenciam à ordem superior e eram consideradas as rainhas; as auletrídeas, de nível
intermediário que eram as auxiliares; e as diterídeas, de nível mais baixo, que eram as
escravas. Nesta época foram criadas leis para proteger os interesses das prostitutas que se
viam ameaçadas pela expansão das práticas sexuais masculinas entre homens, como pode-se
perceber no texto de Parent et al (1948).
[...] as etéreas propuseram apunhalar com mordazes e atrozes motejos
aqueles que se abandonavam a um tal vicio, usando ao mesmo tempo das
mais refinadas seduções e atraentes estratagemas para chamar junto de si.
Mas desgraçadamente, elas nem sempre conseguiam a preferência a esses
afeminados moços imberbes, de cabelos ondulantes, de dedos róseos e pés
perfumados.
Em Atenas e em Corinto, os mercadores de escravos conduziam cada dia
mais mancebos de formas esculturais, os quais possuíam apenas o mérito da
sua beleza física e eram adquiridos por preços que faziam rebaixar os das
23
próprias etéreas; e às vezes para serem introduzidos entre paredes domésticas
onde exerciam o seu repugnante mister. Não eram porém os escravos que
se prestavam a o ignóbil oficio. Uma grande quantidade de mancebos de
boas famílias faziam gala, com o mesmo irreverente intento, das suas graças
corporais e da sua fisionomia sedutora, sem serem vituperados ou sequer
chasqueados pelos seus concidadãos. (PARENT et al, 1948, p.77).
É interessante notar a diferença entre a prostituição masculina das sociedades antigas
para a atual. Na antiguidade, o prostituto, geralmente possuía aspectos afeminados e exercia o
papel de passivo na relação sexual. na atualidade os aspectos afeminados deixaram de ser
tão desejados, sendo mais valorizada a masculinidade, gestos não afeminados e a “atividade
ativa no ato sexual”.
Ao verificar a História da Sexualidade de Foucault (1990), a partir do pensamento
grego, a própria cultura dessa civilização facilitou a prostituição de homens, apesar de não ser
uma prática em toda a Grécia, pois o cidadão poderia ter relações sexuais tanto com homens
quanto com mulheres, mas desde que fosse ativo. Essa questão, segundo o autor, era
fundamental para o povo grego, porque as atitudes sexuais implicavam também numa questão
moral. Logo, os homens ativos eram considerados viris, fortes e corajosos, ou seja, bem vistos
aos olhos da população. No caso do passivo, apresentaria atitude a preguiça, indolência,
desprezo pelas atividades rudes do esporte e passavam a ser discriminados, especialmente, se
fossem homens adultos, diferentemente dos mais jovens que eram aceitos pela sociedade.
Outra civilização destacada por Parent el al (1948) é a de Roma, onde a prostituição
teve sua origem a partir das punições que se infligiam as adúlteras. Os esposos traídos tinham
plenos direito sobre a vida e a morte da esposa adúltera, quando não era deixada pelo marido
em um lugar propício a prostituição. As prostitutas estavam sujeitas aos regulamentos
especiais e eram inscritas em registros apropriados, que as classificam em duas principais
categorias: as meretrizes que trabalham ao fim da tarde, na hora da “merenda”, de onde deriva
o termo meretriz e as que viviam noite e dia a espera de seus clientes.
Os prostitutos não ficavam sob a fiscalização e nem eram castigados pelas leis
romanas, pois eram geralmente filhos de escravos, com aspectos afeminados. Segundo
Parente et al (1948), era expressiva a prostituição masculina em Roma, onde para cada classe
de prostitutas havia uma de prostitutos.
Conforme Trevisan (1998), havia prostitutas e prostitutos pelas rua de Roma e o
homem romano podia ter relações sexuais tanto com homens, quanto com mulheres. No
entanto, o direito de penetrar cabia somente ao cidadão livre, sendo, proibida a passividade
24
que era exclusiva aos jovens escravos. Isso ocorria segundo o autor, porque o homem que se
deixava ser passivo se igualava ao escravo, o que era considerado uma humilhação.
Na época dos imperadores cristãos, a prostituição masculina era praticada livremente,
pois não estava atrelada às leis romanas. começa a sofrer represárias com o
estabelecimento do cristianismo em que tais práticas são reprovadas, como é possível
verificar no período de Constantino.
Constantino foi quem cortou de um só golpe essa prostituição masculina que
se fazia em plena luz do dia, acabando com todo o exército de afeminados e
degenerados. Esta prostituição se fazia, às ocultas, no interior de certas
habitações, cuja existência a polícia desconhecia. Das severas disposições
repressoras da prostituição, no tempo deste notável imperador, resultou um
inconveniente social, foi o rapto das meninas casadoras, especialmente das
cristãs recolhidas nos conventos. (PARENT et al, 1948, p.117).
Com a constituição do cristianismo em Roma, a prostituição de homens se tornou
clandestina, sendo praticada em áreas restritas, a qual era mantida em sigilo e não exposta às
autoridades de vigilância.
A forte repressão a prostituição gerou alguns problemas sociais como aponta Parent et
al (1948), porquanto o rapto de mulheres jovens, especialmente as cristãs, tornou-se uma
prática comum. Esses raptos, às vezes, eram facilitados pelos próprios parentes das donzelas.
Leis severas foram instituídas pelo governo de Roma para combater essa prática, como a do
imperador Constâncio que mandou decapitar os culpados, assim como, as mulheres acusadas
de aliciar as jovens donzelas tinham como punição o derramamento de chumbo derretido na
boca.
Na França, no período da Idade Média, um dos exemplos citados por Parente et al
(1948), se refere a ordem dos templários, que foram acusados de heresia e imoralidade pela
Igreja Católica. Dentre as imoralidades, as quais os templários foram acusados, estavam as
práticas sodomitas que provavelmente teriam sidos influenciados durante a estada no Oriente.
De acordo com os autores, algumas práticas ocorrriam entre os templários como:
[...] no recebimento dos irmãos o recém-vindo e o recebente beijavam-se
reciprocamente na boca, no umbigo, no ventre, sob a espinha dorsal. O
padrinho proibia ao iniciado ter comércio com mulheres, mas autorizava-o a
entregar-se com os companheiros aos mais horríveis excessos de impuridade
e a prostituir-se com todos os irmãos (PARENT et al, 1948, p.132).
25
Apesar de todas as negações diante das acusações, o fato é que as práticas
homossexuais e a prostituição masculina foram usadas como argumento pela Igreja Católica
para abolir a ordem dos templários, onde muitos foram sentenciados à morte, sendo
queimados na fogueira (PARENTE et al, 1948, p.132).
No século XIX, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, a temática sobre a
prostituição foi bastante discutida por juristas e médicos. No entanto, esses debates
envolviam, principalmente, a prostituição feminina como aponta as pesquisas de Engel
(1989), Rago (1991, 1997).
Esses trabalhos mostram que na época havia uma grande preocupação em entender as
prostitutas, seus vícios, suas práticas, seus comportamentos, assim como, a necessidade de
“regulamentar” ou criar mecanismos de controle dessas mulheres públicas. A intenção em si,
tinha como justificativa o combate a sífilis e a manutenção da moral e os bons costumes das
mulheres e moças que se dedicavam a família.
De acordo com Queiroz (1999), na segunda metade do século XIX, o conhecimento
das ciências estava voltada para as investigações das “aberrações sexuais”, como a
homossexualidade e a prostituição. Como aponta a autora, a pederastia era considerada uma
prática sexual antinatural e, portanto, a prostituição masculina era considerada mais
abominável que a feminina.
Rago (1997) apesar de trabalhar apenas com a prostituição feminina em seu processo
histórico no Brasil, mas especificamente na cidade de São Paulo, no culo XIX e inicio do
XX, destaca um quadro esquemático do saber médico da época. A figura 1 mostra as diversas
classificações da prostituição, sendo que a prostituição masculina classificava-se como uma
prostituição clandestina, que segue seu ofício de forma obscura na sociedade, e muito
discriminada.
A prostituição do gênero masculino e a prática homossexual eram vistas como
perversão, algo abominável e um crime, o que fez com que vivesse um tempo na
clandestinidade. No entanto, desde o início do século XX e nas décadas de 1930 e 1940, os
prostitutos passam a fazer parte de vários pontos em São Paulo como a Praça da República,
Parque do Anhangabaú, Jardim da Luz e a Rua Conselheiro Nébias (QUEIROZ, 1999, p.45).
26
Mattos (2002) ao estudar a dinâmica dos espaços de prostituição no Rio de Janeiro
entre 1840 a 1940, destaca o profissional do sexo masculino na sociedade da época. Segundo
o autor, a grande maioria dos imigrantes vindos de outros países era de homens, o que
ocasionou uma desproporção entre a quantidade de mulheres e homens, e, isso contribuiu para
que o aumento das relações homossexuais e da prostituição masculina proliferasse pela
cidade.
Segundo Mattos (2002), os garotos de programa eram conhecidos na época como
bagaxa, que atendia a população homossexual em troca de dinheiro e exercia muitas vezes, o
papel de passivos. Como a prática homossexual crescia na cidade, juntamente com a
prostituição masculina, no intuito de combater esse tipo de relação crescente, é que o governo
importou as ilhoas” que eram prostitutas, cujo maior objetivo era diminuir esse tipo de
relação sexual.
Assim, percebe-se que no contexto histórico da prostituição, a feminina sempre esteve
mais visível a sociedade do que a masculina, sendo esta última reprimida mais pela prática
homossexual, em si, do que contra os profissionais do sexo masculino.
Segundo Santos (2007), os garotos de programa ainda são invisíveis na sociedade
brasileira, por ser ainda machista e homofóbica. Além disso, outro motivo apontado pelo
Figura 1
Dr. Ferraz de Macedo: Classificaçã
o da prostituição no Rio de Janeiro.
Fonte: Rago (1997, p.86).
27
autor estaria relacionado ao baixo nível educacional entre a maioria dos garotos e a
“inexistência” de associações que os representem.
Apesar da prostituição ser uma prática antiga entre as sociedades, Santos (2007)
observa que os profissionais do sexo só começaram a ter sua atividade reconhecida a partir de
2002 pelo Governo Federal. Entretanto, apesar desse reconhecimento ser um avanço, os
profissionais do sexo, ainda não conquistaram seus direitos trabalhistas, pois ainda trabalham
de forma autônoma.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2002), existem várias
denominações para se referir aos profissionais do sexo como:
5198-05: Profissional do sexo- Garota de programa, Garoto de programa,
Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Puta, Quenga,
Rapariga, Trabalhador do sexo, Transexual (profissionais do sexo), Travesti
(profissionais do sexo).
Em relação ao garoto de programa, como mostra a denominação segundo a CBO
(2002), que também pode ser chamado de michê, pode-se destacar outra forma de
identificação, os boys, que é usada em alguns territórios de prostituição, especialmente na
prostituição fechada como, por exemplo, na sauna ou sites de relacionamentos.
1.1 Os diversos espaços utilizados pelos garotos de programa
Com os avanços dos meios de comunicação e das tecnologias de modo geral, a
prostituição também se modernizou, se apropriando de novos espaços que vão além das áreas
públicas como praças, ruas e avenidas e de lugares fechados como saunas, boates, casas de
massagem e outros prostíbulos. A utilização de anúncios de jornais e do ciberespaço como
sites de relacionamentos e salas de bate papo são alguns dos meios usados por diferentes
profissionais do sexo.
Silva (2006), ao pesquisar os espaços de prostituição em Goiânia, verifica que os
profissionais do sexo se utilizam de diferentes artifícios para se prostituírem como, os
anúncios em jornais e a “ciberprostituição”, ou seja, anúncios através da internet pelos sites de
relacionamentos ou salas de bate-papo.
28
É interessante notar, que a prostituição tem a capacidade de acompanhar a própria
evolução tecnológica de uma sociedade, seja através dos espaços físicos, ou do virtual. Esse
acesso aos meios tecnológicos que a sociedade oferece permite certa facilidade para esses
profissionais, visto que hoje, nem todos precisam se expor na rua para conseguir um cliente.
Entretanto, esses meios ainda não são acessíveis a todos os profissionais do sexo, pois
outros que preferem criar seus territórios, apesar dos constantes conflitos.
Na cidade de Manaus, os profissionais do sexo ocupam diversos espaços e utilizam
vários meios para divulgar seus serviços, como ruas, avenidas, casas de massagem, praças,
karaokê oriental, cinemas, saunas, classificados de jornais e internet (blogs, sala de bate-papo,
sites de relacionamentos). As salas de bate-papo são muito procuradas pelos profissionais do
sexo, seja por prostitutas, michês ou travestis. No caso dos michês, alguns nickname
utilizados são bem claros e logo percebido por quem procura esses tipos de serviços pela
internet. Por exemplo, “garoto de programa”, boy de programa” e “garoto$$$”. Ao mesmo
tempo em que um diálogo na sala de bate-papo com seus possíveis clientes, também são
utilizadas imagens do UOLK, onde tanto o cliente pode ver as imagens de alguns garotos,
como o telefone de contato.
Na figura 2, é apresentado um garoto de programa oferecendo seus serviços pela sala
de bate papo. Os profissionais do sexo que atuam nestes ciberespaços geralmente são bastante
objetivos quanto a sua proposta. Um dos primeiros atrativos na busca da sedução aos seus
clientes é justamente o destaque para os aspectos físicos, como a beleza física e,
principalmente, a ênfase para o tamanho do pênis, atributo bastante valorizado nesse mercado
sexual de prostituição. Outra característica bastante comum entre os garotos de programa é a
própria função sexual, ou seja, como o próprio garoto enfatizou a de “macho ativo”, mesmo
porque o michê, ao contrário do travesti, vende a imagem da virilidade.
Como observado por Perlongher (1986), os garotos de programa apesar de terem
várias relações com clientes do sexo masculino, não se consideram homossexuais, o que soma
ponto diante dos clientes, que procuram homens heterossexuais ou que se comportem como
tal.
Pelo pouco contato que se pode ver pela sala de bate papo (figura 2), percebe-se o
comportamento viril do garoto de programa ao se apresentar diante de seu cliente, de forma
direta e com pouca conversa, representando a imagem do heterossexual masculino.
29
Figu
ra 2
-
Sala de bate papo da UOL.
Fonte: http://batepapo.uol.com.br, 13/03/2009.
30
Na figura 3, são apresentados alguns anúncios dos profissionais do sexo na cidade de
Manaus, abrangendo tanto os garotos de programa, garotas de programa e travestis. Para atrair
seus clientes verifica-se que esses profissionais tentam destacar, especialmente, os atributos
físicos. No caso dos garotos de programa, atributos como sarado, malhado, másculo, passa a
ser comum entre esses michês, já que o garoto passa a ser valorizado a partir de suas
características masculinas que é a preferência da maioria de seus clientes. Outro aspecto é o
destaque para seus órgãos sexuais, através de termos como “bom dote” ou “bem dotado” que
também é valorizado no mercado do prazer.
Figura 3 – Anúncios de profissionais do sexo.
Fonte: Jornal Acrítica, 01/11/ 2008: p. 13.
Machado e Silva (2002), ao entrevistarem os garotos de programa que trabalham
através de anúncios de jornais na cidade de Belém, perceberam que esses profissionais do
sexo se diferenciam, quanto ao padrão de vida, dos que se prostituem em espaços abertos
como ruas e praças, pois esses michês fazem o ensino médio ou cursam o ensino superior,
enquanto que os prostitutos de rua possuem uma realidade bem diferente.
08:
31
Vale ressaltar que o exercício da prostituição não é proibido aos indivíduos com faixa
etária acima dos dezoito anos. No entanto, como lembra Silva (2006), o lenocínio é uma
pratica considerada criminosa pelo Código Penal Brasileiro, como pode ser verificado nos
artigos destacado pelo autor:
Favorecimento da prostituição: Art. 228 - Induzir ou atrair alguém à
prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone. Casa de
prostituição: Art. 229 - Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de
prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não,
intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente. Rufianismo:
Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de
seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça
(SILVA, 2006, p.101).
Alguns anúncios de empregos que são publicados em jornais e as próprias casas de
prostituição existentes mostram que na verdade essa lei não é rigorosa contra os cafetões e
cafetinas. Na figura 4, podem ser verificado dois anúncios feitos em jornal, na cidade de
Manaus, que buscam profissionais para exercer a atividade da prostituição. Todavia, nota-se
que são anúncios discretos e nem sempre conhecidos por outras pessoas, como casa de
massagem, que algumas mulheres não sabem que é um trabalho a ser exercido para a
prostituição. Outro anúncio, no qual, muitos desconhecem são as casas de karaokê oriental,
onde as mulheres atendem exclusivamente orientais como coreanos, que não é aberta para
brasileiros, sendo que ao todo na cidade, podem ser encontradas sete, segundo as informações
coletadas por taxistas.
Figura 4
Anúncios de empregos em jornal.
Fonte: Jornal Acrítica, 01/12/2008: p.13.
32
Outro meio utilizado pelos profissionais do sexo é o ciberespaço, através de sites de
relacionamentos, como pode ser verificado nas figuras 5 - 8 alguns anúncios de garotos de
programa, e outros profissionais do sexo retirados da internet.
Figura 5
Anúncio de garoto de programa em site de relacionamento.
Fonte: www.vivastreet.com.br, 02/07/2009.
Figura 6
Anúncio de garota de programa em site de relacionamento.
Fonte: www.vivastreet.com.br, 02/07/2009.
Imagens
Imagens
33
Figura 7
Anúncio de garoto de programa em site de relacionamento.
Fonte: www.vivastreet.com.br, 02/07/2009.
Figura 8 – Anúncio de travesti em site de relacionamento.
Fonte: www.vivastreet.com.br, 02/07/2009.
Imagens
Imagens
34
Nesses sites de relacionamentos, além das características físicas descritas são exibidas
algumas imagens dos garotos de programa, porém, nem todos os profissionais do sexo exibem
suas verdadeiras fotos, no intuito de proteger sua imagem. Outro fator é sua disponibilidade
em atender diversos tipos de clientes como homens, mulheres, casais, além disso, percebe-se,
pelo próprio anúncio, a flexibilidade quanto aos locais de atendimento podendo ser na
residência dos clientes, motel, hotel ou no próprio local do garoto ou da garota de programa.
Os anúncios selecionados abaixo dos michês, tirados dos sites de relacionamentos,
mostram que existe certa autonomia entre esses profissionais do sexo, ao decidir o tipo de
clientela que pretende atender como “atendo coroas e casais”, “somente caras passivos não
efeminados”, “mulheres e casais”, ou seja, esses profissionais que utilizam sites, ou anúncios
de jornais, possuem mais liberdade na escolha de seus clientes.
Sou moreno claro 1,74 75 19 cm a todo seu dispor... ativo e passivo.. e só me
dizer aonde e vou ok deixa fone. atendo coroas e casais
(www.vivastree.com.br).
Oi, sou o marcos, moro em Manaus, sou passivo, faço programa, cobro
60,00. Se vc gostou das minhas fotos me liga. Marcos
(www.vivastree.com.br).
H>h - garoto de programa ativo 25 anos. Sou discreto,cheiroso,pau gostoso e
limpo.R$40.00 a hora,somente para caras passivos o afeminados e
discretos. Se interessar deixe sua mensagem e eu entro em contato
(www.vivastree.com.br).
Rapaz moreno claro, 28anos pernas grossas, médio dotado, bronzeado,
gostozinho. Atende mulheres e casais. R$ 50,00 (www.classificados-
brasil.com).
Assim, percebe-se que a prostituição é uma atividade que acompanha a sociedade a
qual ela está inserida, não se atendo somente em espaços abertos, mas sim é capaz de utilizar
diversos recursos disponíveis pela sociedade atual.
1.2 As múltiplas territorialidades da prostituição masculina
Dentro de uma análise geográfica, a prostituição está intimamente ligada ao espaço,
principalmente, à categoria território; isso porque, os profissionais do sexo não apenas
ocupam o espaço, mas se apropriam e o controlam fortemente. Sendo assim, a categoria
35
geográfica de território torna-se essencial para compreender os ambientes de prostituição, pois
permite entender a relação que esses sujeitos possuem com o seu espaço.
Para Raffestin (1993), espaço e território não são equivalentes, isto é, o território vai
se formar a partir do espaço, quando o indivíduo se apropria de forma concreta e abstrata
exercendo certo controle. No caso dos territórios de prostituição, essa relação entre o concreto
e o abstrato é fundamental, pois os profissionais do sexo, tanto exercem o controle concreto
do seu espaço, como se utiliza de códigos simbólicos para construir a sua imagem.
Raffestin (1993) destaca que o território se apóia no espaço através de uma produção
realizada pelos agentes por meio de um campo de poder através das representações espaciais,
que pode ocorrer também no campo simbólico.
Numa discussão sobre o conceito de território, Haesbaert (2004) mostra que nas
ciências sociais, cada uma enfocava uma determinada perspectiva sobre essa categoria, onde,
por exemplo, a geografia tenderia a enfatizar mais a materialidade do território, e no caso da
antropologia enfatizaria mais a dimensão simbólica. No entanto, como enfoca o autor, existe
uma tendência em entrecruzar às propostas teóricas numa tentativa de conhecer melhor essa
complexidade territorial:
Somos levados, mais uma vez, a buscar superar a dicotomia material e ideal,
o território envolvendo, ao mesmo tempo, a dimensão espacial material das
relações sociais e o conjunto de representações sobre o espaço ou o
“imaginário geográfico” que não apenas move como integra ou é parte
indissociável destas relações. (Haesbaert, 2004, p. 42).
Essa discussão de Haesbaert (2004) é essencial para entender os territórios de
prostituição, pois é necessário ir além da materialidade, estando atento também, a forte carga
de simbolismo que esses microterritórios de prostituição carregam, especialmente quando
analisamos os territórios dos michês, onde prevalece mais a apropriação simbólica, do que
propriamente o controle concreto do espaço. Entretanto, isso não quer dizer que não exista
esse controle do território, porém, esse controle é feito de forma mais flexível em relação aos
territórios dos travestis e prostitutas.
Outro aspecto destacado por Haesbaert (2004) é o agrupamento da categoria território
em três dimensões como: política, no qual se refere mais a atuação do poder político do
Estado, no sentido do controle do território através do espaço delimitado e controlado. A
vertente econômica, onde o território passa a ser visto como uma fonte de recursos, o que leva
a um conflito entre as classes sociais. A dimensão cultural, ou simbólico-cultural que é uma
36
vertente essencial para quem procura compreender, especialmente grupos urbanos como de
prostituição, pois irá privilegiar a apropriação e a valorização simbólica de um determinado
grupo em seu território através do espaço vivido.
Ao analisar as diversas faces do território, Souza (2001) destaca que os territórios de
prostituição são bastante flutuantes e seus limites são instáveis, mesmo porque, estão em
constantes conflitos com outras territorialidades, seja pelos conflitos entre os diferentes
grupos de prostituição como prostitutas, michês e travestis, ou conflitos com outros territórios
formados como de homossexuais, policiais, ou a própria atuação do Estado sobre os
territórios.
Além disso, segundo Souza (2001), os territórios podem ser construídos e
desconstruídos nas mais diversas escalas, sejam elas temporais (dias, meses, anos, décadas)
ou pela sua própria extensão (ruas, avenidas, regiões...), portanto o território não está
vinculado apenas ao Estado-Nação, mas sim, apresenta uma dimensão bem mais complexa ao
abranger diferentes escalas seja a macro ou a micro escala.
Ao trazer uma nova discussão para a Geografia, Souza (2001) destaca a importância
que o território possui para determinados grupos, que de certa forma os diferenciam no espaço
como podemos perceber em seu discurso:
O território será um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais
que, a par de sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite,
uma alteridade: a diferença entre “nós” (o grupo, os membros da
coletividade ou “comunidade”, os insiders) e os “outros” (os de fora, os
estranhos, os outsiders). (SOUZA, 2001, p. 86).
Sendo assim, nota-se que esse limite do território que demarca o espaço de um
determinado grupo, os diferencia dos demais e reforça de certa forma a sua própria identidade
territorial. No entanto, os limites dos territórios de prostituição são móveis e instáveis como
salienta Souza (2001), muitas vezes devido as intensas disputas por “pontos” nos territórios.
Os limites territoriais de acordo com Silva (2002), também podem ser usados no
sentido de excluir, dividir e subjugar ou conquistar grupos diferentes, ao mesmo tempo, em
que mostra o limite de atuação do poder sobre o território. Entretanto, território que pode
unir mais de um grupo, como ocorre com o da prostituição, onde percebe-se prostitutas e
garotos de programa dividindo o mesmo espaço.
37
Silva (2002), ao discutir o território verifica que o mesmo pode se apresentar através
de três facetas: a física que compreende o território de forma concreta; a organizacional,
definido através das regras e do controle espacial; e a existencial, que é entendida através da
identidade do território e que implica limites. Assim, discutir o território não é apenas
compreender o controle espacial através das relações de poder, pois o território também
possui suas regras, códigos e flexibilidade em seus limites, como ocorre nos territórios de
prostituição.
Na visão de Bonnemaison (2002), o território para a sociedade humana não é
necessariamente tão rígido, fechado e instável, geralmente como ocorre com os animais, pois
para os grupos humanos, além dos territórios serem mais flexíveis quanto às suas fronteiras,
os seus aspectos culturais podem criar construções simbólicas que ajudam a firmar seus
territórios.
O território é essencial para o fortalecimento da cultura expressada pelo espaço vivido
de um grupo, pois a relação entre cultura e espaço é fortalecida pela relação simbólica
existente entre os mesmos. Sendo assim, como destaca o autor o território é, ao mesmo
tempo, “espaço social” e “espaço cultural”: ele é associado tanto a função social quanto à
função simbólica” (BONNEMAISON, 2002, p.103).
Essa análise territorial é essencial no sentido de entender o território através de uma
dimensão social e cultural, seja por meio dos aspectos mais subjetivos ou objetivos. No caso
dos espaços urbanos a compreensão dos territórios se tornam mais complexas pela
diversidade de microterritórios que encontram na cidade.
Costa (2007) observa que essas microterritorializações urbanas surgem através de
contradições e concordâncias entre o espaço construído, que revela certa homogeneização
pelas suas formas e funcionalidade e o espaço vivido, onde as vivências e os interesses dos
indivíduos permitem criar espaços mais espontâneos.
Haesbaert (2006) mostra bem essa complexidade do espaço urbano que propicia
múltiplas territorialidades, fortalecendo as identidades dos grupos urbanos como é possível
perceber em sua afirmação:
Ao mesmo tempo, essa continua diferenciação da malha urbana e a
experiência muitas vezes assustadora do desconhecido e do inesperado
levam o individuo a recriar laços de identidade e enraizamento, fortalecendo
grupos e/ou delimitando novos territórios - os guetos, aí, constituído a
expressão mais incisiva dessas comunidades, que procuram reproduzir-se
endogamicamente e criar todo um repertório cultural comum e exclusivo do
grupo. (HAESBAERT, 2006, p.92).
38
Os territórios de prostituição que se desenvolvem em áreas urbanas, além do controle e
apropriação do espaço, criam suas formas de identidades que o ajudam a se diferenciar de
outros territórios urbanos como os das drogas, dos homossexuais, moradores de rua, emos,
punks e outros. Esses diferentes processos de identificação no espaço urbano, como salienta
Costa (2007) provocam micro segregações que singularizam pequenos espaços,
especialmente, quando se trata de grupos em que certos comportamentos de conduta não são
aceitos abertamente pela sociedade.
Ainda segundo Costa (2007), esses espaços sociais que se apropriam de pequenas
parcelas do espaço, apresentam um limite elástico e permeável entre suas fronteiras, como por
exemplo, o que ocorre com os territórios de prostituição entre os grupos de prostitutas, michês
e travestis que às vezes disputam pelo controle espacial.
Por outro lado, se a compreensão do território é essencial na discussão sobre os
territórios de prostituição, a territorialidade passa a ser uma palavra chave no entendimento
desses tipos de territórios, pois a mesma permite a manutenção desses espaços de poder.
Segundo Corrêa (1996), a territorialidade pode ser compreendida da seguinte forma:
É o conjunto de práticas e suas expressões materiais e simbólicas capazes de
garantir a apropriação e permanência de um dado território por determinado
agente social, o estado, os diferentes grupos sociais e as empresas.
(CORRÊA, 1996, p.251-252).
Essas práticas, também desenvolvidas pelos profissionais do sexo permitem de certa
forma, tanto a delimitação do seu espaço apropriado, como também a visualização dos seus
territórios pelos seus clientes, que os mesmos precisam ser percebidos por quem está em
busca de prazer.
A territorialidade “reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros
de uma coletividade, pelas sociedades em geral” (RAFFESTIN, 1993, p. 158). Assim, para
entender a territorialidade de um território específico, seja de prostituição ou outro, é
necessário estar atento a vivência da coletividade, suas formas de organização, suas regras,
mesmo porque, no caso dos espaços abertos de prostituição o sujeito domina um espaço
pela existência do grupo ao qual ele pertence.
Mesquita (1995) ao discutir a consciência territorial, destaca três tipos de
territorialidade: a familiar, que se refere à identidade que se cria no território e sentimentos de
39
competição e solidariedade vivida no território familiar; a senhorial, onde se expressam as
raízes de posse, o poder autoritário e o sentimento de posse; e a cultural, caracterizada por
diferentes formas de uso, costumes e linguagem.
As territorialidades nos espaços de prostituição se manifestam de forma diferente, de
acordo com o grupo que ocupa o território. No caso dos territórios dos travestis, a posse e a
autoridade no controle do espaço estão muito presentes, defendendo, às vezes, de forma
agressiva o seu território contra outros grupos de travestis, prostitutas ou outras pessoas que
passam por seu território no intuito de apenas fazer certas brincadeiras”. As prostitutas, por
sua vez, também defendem e criam um forte sentimento de posse sobre o seu território,
defendendo seu ponto, seja de forma agressiva fisicamente ou por meio de sua própria
linguagem. nos territórios dos garotos de programa, a posse se de forma diferente,
porquanto o que prevalece é mais o simbolismo como as vestimentas, comportamentos e
gestos mais ousados e o código através de olhares e manipulação das partes intimas, que é
desenvolvido pelo michê, como estratégias de sedução e entendidos por seus clientes.
Algumas características da territorialidade destacada por Mesquita (1995), se aplicam
aos territórios de prostituição, especialmente o sentimento de posse e poder autoritário, que
nos territórios de prostituição é desenvolvido no próprio grupo. Também pode-se destacar a
linguagem que é freqüentemente utilizada nos territórios de prostituição e que de certa forma
os diferenciam daqueles que não pertencem ao grupo.
Perlongher (1986) ao pesquisar sobre a prostituição dos garotos de programa em São
Paulo, além de destacar a idéia de identidade entre os profissionais do sexo, também justapõe
a idéia de territorialidade, pois o autor notou que, ao se propor trabalhar com os espaços de
prostituição, não se pode deixar de verificar a relação desses profissionais com o território e
suas práticas desenvolvidas para adquirir o controle espacial.
Numa tentativa de conceituar os territórios de prostituição, Ribeiro e Mattos (2002)
observaram que esses podem ser compreendidos como:
Conceitua-se os territórios da prostituição como apropriação, durante certo período de
tempo de uma rua ou um conjunto de logradouros por um determinado grupo de
prostitutas, michês e travestis, que através de uma rede de relações da adoção de
códigos de fala, expressões, gestos e passos, garantem e legitimam essas áreas como
territórios para a prática de tal atividade estruturada, outrossim, através da violência
explícita, principalmente entre as prostitutas e os travestis que utilizam, entre outros,
objetos cortantes para defender seus “pontos” contra aqueles que tentam invadi-los.
No caso dos michês, atos simbólicos, como o gestual de sua virilidade, constituem-se
nos códigos utilizados para atrair a clientela, em seus próprios territórios. (RIBEIRO
& MATTOS, 2002, p. 94).
40
Esse conceito se refere apenas aos territórios de prostituição aberta, pois na verdade,
existem várias estratégias criadas pelos profissionais do sexo para construir espaços de
prostituição.
Diante dessas abordagens, o território e a territorialidade são categorias da geografia,
que contribuem para entender melhor os espaços de prostituição na cidade, sejam eles abertos
ou fechados. No entanto, a utilização dessas categorias deve ser aplicada de forma flexível,
pela própria característica dos territórios de prostituição masculina.
Se a compreensão da categoria território e territorialidade são importantes, é
fundamental conhecer as estratégias metodológicas, quando se propõe discutir os territórios
de prostituição como poderá ser verificado no próximo capítulo, que busca discutir tanto os
métodos aplicados nesta pesquisa como os utilizados em outros trabalhos sobre prostituição.
41
CAPITULO II: ESTRATÉGIAS PARA CONQUISTAR OS TERRITÓRIOS DOS
MICHÊS: OS PASSOS METODOLÓGICOS.
A intenção deste capítulo é discutir as estratégias metodológicas desta pesquisa, como
também, os métodos utilizados em outros trabalhos sobre a prostituição, a fim de contribuir
para trabalhos que tenham como proposta entender os grupos de prostituição em espaços
urbanos.
Apesar dos trabalhos na área de prostituição masculina serem poucos, a discussão a
respeito dos métodos de abordagem ajuda a pensar no grupo que será estudado. Além do
mais, compartilhar essas metodologias permite criar e encontrar maneiras de se compreender
a realidade dos garotos através de estratégias seguras.
A pesquisa procurou compreender a prostituição dos garotos nas suas múltiplas
territorialidades, embora essa territorialidade se mostre homogênea, ela é bastante
diversificada. Neste sentido, não se pode absolutizar as informações.
Alguns autores ajudaram a nortear essa pesquisa, como Perlongher (1986), Queiroz
(1999), Silva (2006), Vicentini (2008) e Souza (2001). Essas e outras pesquisas não só
contribuíram com o esclarecimento do tema em si, mas suas próprias experiências
metodológicas apontaram caminhos para começar a decifrar a relação que existe entre os
michês e o seu espaço.
Uma das poucas pesquisas realizadas no Brasil a respeito dos garotos de programa foi
a de Perlongher (1986) realizada nos anos 80. O autor privilegia os espaços dos michês de rua
em relação aos dos ambientes fechados, no qual sua pesquisa foi definida como exploratória,
descritiva e qualitativa.
Como Perlongher (1986) realizou sua investigação dentro da área da antropologia
social, a técnica de observação participante contribuiu bastante para compreender a realidade
dos michês, englobando não somente esses garotos de programa, como também os seus
clientes e entendidos que tem uma freqüência assídua nesse tipo de ambiente.
Percebe-se, que no trabalho de Perlongher (1986), não se pode estudar um grupo sem
perceber suas relações com outros agentes envolvidos. Assim, ao estudar os prostitutos é
necessário estar atento aos outros atores que também se envolvem direta e indiretamente no
apoio a esse tipo de atividade.
Perlongher (1986) ao trabalhar com os prostitutos abordou dois tipos de prostituição
masculina, a exercida em lugares abertos como ruas, avenidas, praças e em lugares fechados
42
como as saunas. Ao tratar dos ambientes fechados como as saunas, segundo o autor, o acesso
se torna mais cil, pois é um local fixo, ou seja, menos flexíveis que os lugares abertos, os
quais possuem uma dinâmica mais difícil de ser acompanhada.
No entanto, alguns obstáculos como o preço do estabelecimento e o acesso ao garoto
de programa são dificuldades que o pesquisador pode encontrar, mesmo porque, o michê que
frequenta a sauna costuma cobrar por serviços extras. Além disso, no ambiente de sauna,
dificilmente, se consegue fazer uma entrevista mais profunda, pois os garotos estão mais
atentos a conseguirem um cliente.
Alguns autores destacados por Perlongher (1986), também apresentam essas
dificuldades de acesso ao prostituto, no qual as entrevistas passam, às vezes, ser intermediada
por meio do dinheiro ou por outros favores de interesse do michê.
Outro ponto destacado por Pelongher (1986) é que em ambientes fechados como as
saunas, por ser um lugar de regras impostas pelo proprietário, o pesquisador pode correr o
risco de ter uma compreensão superficial do michê, ou seja, a do garoto bem comportado,
desprezando sua possível periculosidade.
Em conversa com o dono de uma sauna de Manaus, é exemplificada essa observação a
respeito da periculosidade do michê.
[...] teve um garoto aqui que o cliente dava tudo pra ele, dinheiro, roupa.
que ele é muito viciado em droga. Esse garoto pediu para o cliente quarenta
reais. o garoto ficou de pegar o dinheiro no trabalho dele. que
quando ele chegou lá, ele disse que o queria mais quarenta, mas sim, cem
reais e o cliente disse que não ia dar. Então esse garoto pegou ele por trás e
começou a enforcá-lo na frente de todo mundo na rua, foram os funcionários
da loja que tiraram ele. pensou se fosse em um motel, esse garoto teria
matado o cliente. (N. Dono da Sauna).
Entretanto, é claro que o se pode generalizar a periculosidade para todos os michês,
pois tanto haverá aqueles profissionais que executam seus serviços de forma correta, como
outros que realmente podem praticar algum delito.
Esse fato envolvendo um garoto que freqüenta a sauna em Manaus, exemplifica bem a
observação de Perlongher (1986), pois às vezes, a falta de acesso de maneira mais profunda,
nos ambientes de prostituição fechada acaba distorcendo alguns fatos da realidade. Daí a
importância do olhar do pesquisador diante de suas pesquisas.
43
Por esse motivo, Perlongher (1986) restringiu sua pesquisa praticamente ao michê de
rua por entender que, embora este garoto não fique fixo, o fato de estarem na rua facilita o
controle de quem procura para conversar e identificar os diferentes tipos de michês.
Entretanto, como o autor optou por utilizar a observação participante, a inserção no
meio dos garotos de programa, em São Paulo, foi facilitada através da interação com o
público gay, facilidade essa devido às suas pesquisas realizadas anteriormente sobre a
prostituição masculina em Buenos Aires.
Apesar dessa dificuldade de acesso ao michê de sauna e da difícil compreensão da
essência desse profissional do sexo, a prostituição masculina nas saunas permite entender
outra realidade dos garotos de programa, que trabalham sujeitos as regras do estabelecimento
e tendo que conciliar as suas próprias práticas (estratégias de sedução aos seus clientes) já que
trabalham de forma autônoma.
Geralmente, para se ter acesso aos michês, é necessário criar vínculos com os agentes
desse tipo de território, pois em comparação com as prostitutas e os travestis, eles são mais
fechados.
Pesquisas como a de Queiroz (1999), Silva (2006), Alcântara (2005) e Vicentini
(2008), por exemplo, iniciaram suas estratégias de abordagem através da intermediação de
organizações não governamentais ONGs, que trabalham diretamente com esses
profissionais do sexo. No entanto, as ONGs não são suficientes para se ter acesso ao mundo
dos michês, já que elas trabalham mais com as prostitutas e travestis, não tendo muita
influência sobre os garotos de programa mais fechados e autônomos.
Como num trabalho de campo, a coleta de informações é fundamental, sendo
necessário construir métodos bem objetivos para sistematizar os tipos de informação, como
podemos destacar o de Perlongher (1986), que dividiu o seu trabalho empírico em três partes.
Na primeira parte as observações livres em campo incluíram todas as impressões,
descrições e o registro de todos os acontecimentos no ambiente de prostituição. Na segunda
parte, relacionado as entrevistas, o autor fez as entrevistas itinerantes, sendo por meio de
contatos rápidos com os garotos de programa, clientes e freqüentadores do gueto gay. Na
terceira parte, as entrevistas são aquelas realizadas de forma profunda, onde a conversa com o
prostituto é mais demorada possibilitando um aprofundamento a respeito do cotidiano do
michê (PERLONGHER, 1986, p.27).
As entrevistas e as conversas informais nesses espaços de prostituição são bem
variadas, especialmente, quando se inclui os diferentes agentes desses ambientes como, além
dos garotos de programa, os clientes e outros tipos de frequentadores como os entendidos.
44
Alguns garotos são mais fechados, cedendo poucas informações, mesmo numa
conversa informal, quase o falam do seu ofício, pelo menos enquanto não tem a confiança
suficiente no pesquisador. Por isso, é bom estar atento às coletas de informações em campo,
na qual se deve aproveitar tanto as conversas mais profundas, quanto àquelas que são mais
rápidas e que também podem contribuir com a compreensão da realidade vivida por esses
profissionais do sexo.
Silva (2006), em sua pesquisa em Goiânia aponta algumas características dos michês
observados pelo Projeto Garotos da Vida, como sendo fechados e agressivos, bastante
resistentes a ceder informações sobre as suas vidas. Segundo o autor, essa visão dos agentes
do projeto já demonstra uma barreira existente entre eles e os garotos de programa.
Neste tipo de abordagem com os garotos de programa uma observação importante
dada por Silva (2006), onde o momento em que se vai a campo é necessário alguns cuidados
como por exemplo, evitar a utilização de objetos de valor como celulares, jóias, relógio,
dinheiro, pois nesses territórios a prática de roubos e furtos é bem comum entre os michês.
Como a intenção do autor era trabalhar mais com a prostituição feminina, a sua
pesquisa com garotos de programa ficou mais restrita as observações em campo, algumas
referências bibliográficas e dados fornecidos pelo Projeto Garotos da Vida, no qual ele
acompanhou, do que a uma pesquisa empírica mais profunda a respeito desses espaços de
prostituição.
Outra pesquisa a respeito dos territórios de prostituição em Manaus-Am é a de
Queiroz (1999), onde a introdução aos ambientes de prostituição foi proporcionada através do
Projeto Moetá Prevenção das DST/ AIDS. Como destaca a autora a aproximação com esses
grupos de prostituição nem sempre é fácil. Por isso, é fundamental estabelecer algum vínculo
com os profissionais do sexo, como ONGs ou indivíduos que possuem certa intimidade e a
confiança do grupo.
A estratégia de Queiroz (1999) é interessante porque ao se envolver com o projeto de
prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, a autora pode ganhar a confiança do grupo
de prostitutas e travestis, pois logo de início, ela não se apresentou como uma pesquisadora
que estava no ambiente para coletar informações, mas sim, primeiramente procurou ganhar a
confiança do grupo, para daí então começar as entrevistas.
Como observa Queiroz (1999), em sua prática de campo, grupos de prostituição
mais acessíveis como travestis e prostitutas e outros mais resistentes como os garotos de
programa. No caso de sua pesquisa, apesar de acompanhar os profissionais do sexo através de
um projeto de combate às doenças sexualmente transmissíveis, percebeu que o mesmo não
45
abrangia todas as pessoas que trabalhavam no meio da prostituição, pois neste caso os michês
ficaram de fora desse projeto.
Por não serem tão percebidos como os travestis e as prostitutas, os garotos de
programa são os que menos participam e se envolvem nesses tipos de projetos. Além do mais,
a própria negação à associação de sua imagem a prostituição, já que a maioria de seus clientes
são homens o que contribui para que seja um grupo mais restrito.
Pelo número de entrevistas feitas por Queiroz (1999) nota-se isso, pois participaram
13 prostitutas, 13 travestis e apenas um michê indicado por uma prostituta. Ressalta-se que,
foi identificado apenas um território de garoto de programa.
Nesse território de prostituição masculina identificado por Queiroz (1999), localizado
na Praça da Matriz em Manaus, os michês foram percebidos por causa de uma prostituta
que já conhecia o ambiente e pôde intermediar esse contato entre a pesquisadora e o garoto de
programa.
Essa invisibilidade é bastante comum nos territórios dos michês, pois para quem passa
por esses espaços, dificilmente notará a presença de um garoto de programa, principalmente,
durante o período diurno, onde a movimentação de transeuntes é bem maior.
Por esse motivo, as abordagens junto aos michês precisam ser intermediadas por um
indivíduo que esteja inserido nesse meio, para auxiliar o pesquisador a criar um vínculo com o
grupo, como também identificar os michês nos territórios.
Na pesquisa de Alcântara (2005) realizada também na cidade de Manaus, um dos
métodos empregados para se aproximar dos profissionais do sexo, foi através do contato da
Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis (AAGLT).
Neste caso para conseguir as entrevistas, o autor precisou participar das atividades da
associação, distribuindo preservativos durante algumas abordagens até o momento propício
de ganhar a confiança do grupo e realizar as entrevistas. Diferente de Queiroz (1999), a
associação que Alcântara (2005) acompanhou, possibilitou o acesso maior entre os travestis e
garotos de programa e menos acesso às prostitutas.
Nota-se que dependendo do tipo da associação a qual se escolhe, dificilmente se
conseguirá abordar todos os territórios de prostituição, mesmo porque, é difícil conhecer uma
associação que trabalhe, efetivamente, com todos os profissionais do sexo, e quando
trabalham, elas possuem mais acesso a um determinado grupo do que outro.
Vicentini (2008) em sua pesquisa usou como estratégia de abordagem os contatos
através de uma casa de apóio aos doentes de AIDS, em sua maioria profissionais do sexo, o
que facilitou muito o seu acesso aos territórios de prostituição. A autora através das idas ao
46
campo conseguiu estreitar os laços de confiança entre os michês, além de conhecer outros
agentes do meio da prostituição, como gogoboys, travestis e DJs de casas noturnas.
Em sua pesquisa Vicentini (2008), além da intermediação da casa de apóio a coleta de
dados ocorreu por meio de observações e foi utilizada pela autora a técnica da história oral de
vida, onde o garoto de programa pôde relatar sobre a sua vida, antes e durante a sua vivência
na prostituição e no vício das drogas.
Machado e Silva (2002) realizaram uma pesquisa na cidade de Belém-PA, onde
entrevistaram dez garotos de programa. Esse contato aconteceu por meio de classificados de
jornais. As autoras usaram diferentes lugares para fazer as entrevistas que foram fechadas e
abertas de forma individual.
Estas autoras, não comentam de forma mais detalhada as suas estratégias
metodológicas, apenas relatam que houve um contato com os michês através do telefone.
Vale ressaltar, que conseguir esse tipo de contato é muito difícil, pois geralmente, esse
profissional não cede informações de forma tão fácil, a não ser, é claro, que seja oferecido
algum tipo de vantagem em troca das informações, o que é comum ocorrer entre os garotos de
programa.
Através das entrevistas fechadas e abertas, Machado e Silva (2002) analisaram os
resultados por meio de dados organizados em tabelas. Esse tipo de análise mais quantitativa é
bem mais fácil de serem trabalhadas quando se utilizam as entrevistas fechadas, porque as
tabelas e os valores apresentados em porcentagens facilitaram em parte a discussão a respeito
dos garotos de programa que anunciam seus serviços em classificados.
Ao discutir sobre os métodos de pesquisa, Goldenberg (1997) mostra que as
estratégias de abordagens são fundamentais, principalmente, no que diz respeito à criação de
mecanismos que possam facilitar essas entrevistas, como é possível observar na análise da
autora.
No caso da entrevista, é importante a apresentação do pesquisador por uma
pessoa de confiança do pesquisado (esta pessoa que irá intermediar o
primeiro contato será responsável pela primeira imagem. Em função deste
primeiro encontro, portas se abrirão ou se fecharão). Também aqui é preciso
garantir o anonimato do entrevistado, caso seja necessário (GOLDENBERG,
1997, p.87).
Em se tratando de profissionais do sexo, o anonimato é uma condição necessária, e
todo o pesquisador precisa respeitar, principalmente, quando se trabalha com os garotos de
programa. Por isso, os registros de informações e de imagens se forem realizados, não podem
47
comprometer a vida social do entrevistado. No caso dos michês, que exercem uma profissão
que sofre muito preconceito, o cuidado deve ser redobrado com as manipulações das
informações coletadas, pois alguns garotos mantém sua atividade em segredo, pelo fato de
alguns morarem com a família, outros são casados e não podem ter suas vidas expostas.
Ao entrar em contato com uma pessoa de confiança, que será responsável pela
introdução do pesquisador no grupo, é necessário observar que dependendo da pesquisa é
preciso conhecer não apenas uma, mas às vezes, precisará de mais indivíduos de confiança
para se ter acesso as informações de um dado grupo a ser estudado.
Nessa pesquisa sobre os garotos de programa, por exemplo, foi necessário contar com
a colaboração de pelo menos três garotos de programa para começar a conhecer os outros
garotos. Além disso, também houve a colaboração do dono da sauna e de mais um garoto de
programa que freqüenta as boates do centro de Manaus e mantém contatos por telefone
com seus clientes.
Por isso, deve haver a relação de confiança entre pesquisador e pesquisado, porém,
como destaca Goldenberg (1997), o pesquisador precisa ter muita cautela, ao começar sua
abordagem em campo como bem observa a autora:
Como qualquer relação pessoal, a arte de uma entrevista bem sucedida
depende fortemente da criação de uma atmosfera amistosa e de confiança.
As características pessoais do pesquisador e pesquisado são decisivas. É
muito importante não se criar antagonismo ou suspeita nas primeiras
abordagens. As atitudes e opiniões do pesquisador não podem aparecer em
primeiro plano. Ele deve tentar ser o mais neutro possível, o sugerindo
respostas (GOLDENBERG, 1997, p.90).
A relação de confiança entre o pesquisador e o entrevistado é um cuidado que não
pode ser desprezado, pois dependendo do grupo, alguns são mais desconfiados do que outros,
como por exemplo, imigrantes ilegais no país, indivíduos que trabalham com tráfico de
drogas e profissionais do sexo são alguns agentes que podem apresentar mais resistência em
ceder informações.
Ferreira (2003), ao pesquisar os territórios dos travestis num bairro de Belém-PA,
destaca que ao iniciar as entrevistas, as mesmas se mostraram bastante desconfiadas,
pensando que o pesquisador era da imprensa. Essa resistência junto à imprensa se deve,
sobretudo, à deturpação que a mídia faz a respeito dos profissionais do sexo.
48
Nessa pesquisa realizada em Manaus com os garotos de programa, logo no início das
abordagens foi comum pensarem que a entrevista era para uma reportagem de jornal. Por isso,
antes de se começar as coletas de informações é necessário que o pesquisador deixe bem
claro, os objetivos do seu trabalho, usando uma linguagem simples e de fácil entendimento. A
resistência em ceder informações para a imprensa, como ocorre com os garotos de programa
em Manaus, é devido a divulgação de imagens sem autorização do michê. Por isso, no caso
dessa pesquisa se evitou registrar imagens dos garotos de programa.
Ao falar de neutralidade do pesquisador na entrevista, Goldenberg (1997) não quer
dizer que é a favor de uma neutralidade científica em si, mas no momento em que ocorre a
entrevista, o pesquisador não pode impor suas sugestões, suas opiniões para o entrevistado,
pois além de estar induzindo uma possível resposta, o próprio entrevistado pode ficar confuso,
o que pode perder toda a essência das informações que poderiam ser valiosas para a pesquisa.
Pinheiro (2008) ao trabalhar com as migrações mostra que a entrevista, na realidade,
deve ser um diálogo em que o entrevistado não apenas é visto como um informante, mas sim,
sujeito da pesquisa, colaborador que contribui na verdade para o conhecimento da realidade
investigada pelo pesquisador.
As perguntas feitas nas entrevistas por Pinheiro (2008), não eram fechadas, se deram
através do diálogo e as interferências foram feitas para esclarecer algum ponto que não era
entendido pelo autor.
As discussões a respeito dos métodos de abordagens e das entrevistas são relevantes
para as pesquisas que envolvem os profissionais do sexo, pois é necessário saber o que vai se
fazer a campo, e criar mecanismos que sejam capazes de ganhar o apóio e a colaboração
desses agentes que assumem uma profissão estigmatizada e que sofrem ainda muito
preconceito pela sociedade.
Além das discussões anteriores, dois métodos de pesquisa inspiraram também as
estratégias metodológicas aplicadas neste trabalho como a fenomenologia e a observação
participante.
No caso dos territórios de prostituição, a compreensão se torna muito complexa, pois
são territórios móveis e instáveis, e podem apresentar diferentes realidades conforme o grupo
que o ocupa. Gomes (1996), ao analisar a fenomenologia mostra que ao se definir um objeto
de pesquisa, é necessário refletir sobre esse próprio objeto.
Essas reflexões, como enfatiza Gomes (1996) são importantes, pois possibilita o
pesquisador pensar o seu objeto de estudo e verificar se o mesmo conseguirá realmente
pesquisar sobre determinado fenômeno ou não. Alguns estudos como os territórios de
49
prostituição, grupos de homossexuais, tráfico de drogas, gangues urbanas requer certas
habilidades do pesquisador, o qual precisa se despir de todos os seus preconceitos e tabus
criados pela sociedade.
A fenomenologia tem como proposta, segundo Nogueira (2004), não pensar o
indivíduo como objeto que está no lugar para ser observado e estudado, mas sim, fazer do
indivíduo o sujeito da pesquisa, que participa através de suas próprias experiências.
Pensaremos os sujeitos das pesquisas o mais como meros informantes dos
dados necessários para a pesquisa, mas que sejam também reconhecidos
como autores, pois a experiência vivida por eles será a principal fonte de
interpretação de nossas reflexões (NOGUEIRA, 2004, p. 210).
A proposta da fenomenologia para os territórios de prostituição é essencial, porque
para entendê-los é necessário estar atento às suas experiências, pois não se pode compreender
esses territórios pelas suas aparências, mas é necessário ir além, ou seja, tentar entender não
o visível, mas o invisível, daí a importância em permitir a maior participação dos sujeitos
na pesquisa.
Além disso, é necessário perceber como observa Nogueira (2004), que a pesquisa na
realidade não é construída apenas pelo pesquisador, mas pelas informações e experiências
vividas pelos agentes pesquisados, que contribui para a construção do conhecimento científico
a respeito de determinados fenômenos. Portanto, neste caso, vale destacar que só se
compreende parte da realidade dos garotos de programa porque eles contribuem como sujeitos
da pesquisa.
Como enfatiza Souza (2001), os territórios de prostituição são mais funcionais que
emotivos, e por isso tem suas regras, sua linguagem, histórias de vida, um modo específico de
se comportar e até relacionamentos entre seus próprios atores como foi verificado na pesquisa
de Alcântara (2005). Assim, como se pode entender esses territórios de prostituição, se não
pensarmos a partir da participação efetiva dos garotos de programa?
A importância em vê-los não como objeto, mas como sujeitos que vivem e
experienciam esses territórios contribui no desvendar das diversas obscuridades que
permeiam os territórios de prostituição masculina.
Outra questão destacada por Nogueira (2004) como um dos princípios da
fenomenologia é a intersubjetividade que busca à relação entre o sujeito e sujeito, e mostra
50
que o mesmo possui uma relação com o seu lugar, a sua experiência de vida a partir da
vivência no lugar.
Nessa pesquisa, apesar de se trabalhar a categoria território e não lugar para se
compreender os territórios de prostituição masculina, a intersubjetividade entre os agentes e o
seu ambiente não deixa de existir, porquanto, toda uma relação entre os sujeitos inseridos
nesses territórios, não somente entre os garotos de programa, mas também, com outros
sujeitos como as prostitutas, os clientes, os homossexuais, os moradores de rua, ou seja,
diversos sujeitos que se interrelacionam no território.
Todas essas características não podem ser desprezadas e as proposições da
fenomenologia tentam resgatar essas experiências, pois os territórios de prostituição não
podem ser reduzidos apenas a um espaço de conflito onde as relações sociais estão ligadas
apenas no aspecto econômico.
No caso da Geografia, a utilização da fenomenologia utilizada para conhecer os
territórios de prostituição é fundamental, levando-se em conta que é uma ciência que trabalha
com o espaço, e muitas vezes, esse espaço é representado cartograficamente. Essa
representação, no caso da prostituição, se torna relevante ao levar em consideração as próprias
experiências dos sujeitos que ocupam esses territórios.
Vale ressaltar, que a construção cartográfica dos territórios de prostituição não pode
levar em consideração apenas as observações do pesquisador, porque, é imprescindível ter
uma participação efetiva dos indivíduos que ocupam esses territórios. Por isso, a
representação cartográfica apresentada nesta pesquisa, no capítulo III, tem como base a
indicação dos próprios garotos de programa que mostraram os pontos existentes na área
central de Manaus
Essa participação é necessária devido os territórios de prostituição não terem uma
delimitação clara, podendo ser ocupados de forma diferenciada como por exemplo: pode-se
ter territórios apenas de prostitutas, de travestis e de michês, ou pode-se ter territórios mistos
como de prostitutas e michês ocupando o mesmo espaço, ou ainda ter territórios paralelos
como de travestis e prostitutas ocupando um espaço ao lado do outro.
Portanto, a representação dos territórios se bem melhor construída a partir do
momento em que são valorizadas as experiências do espaço vivido dos seus personagens, ou
seja, como enfatiza Nogueira:
A perspectiva fenomenológica da geografia deixa de priorizar a descrição do
mundo físico e humano, para descrever o mundo vivido, onde o
51
físico/humano são elementos percebidos e interpretados pelos diversos
sujeitos que os experienciam. (NOGUEIRA, 2004, p.212).
A partir desta perspectiva procurou-se compreender a essência dos microterritorios de
prostituição, buscando no mundo vivido, desvendar além das aparências e da lógica do
pensamento positivista as formas de apropriação do espaço, onde os sujeitos desses territórios
tem um papel relevante na compreensão das realidades espaciais existentes.
Outro método que contribuiu para a coleta de informações para esta pesquisa foi o da
observação participante, embora, não de maneira profunda, porém, algumas indicações desse
método contribuíram bastante para a compreensão da realidade dos territórios dos garotos de
programa.
Peruzzo (2003) abordou em seu artigo diferentes métodos de pesquisa e verificou que
a observação participante têm os seguintes procedimentos:
O pesquisador se insere, participa de todas as atividades do grupo
pesquisado, ou seja, ele acompanha e vive (com maior ou menor
intensidade) a situação concreta que abriga o objeto de sua investigação.
Porém, o investigador se “confunde”, ou não se deixa passar por membro do
grupo. Seu papel é de observador. Exceto em situação extrema, em que o
pesquisador, por opção metodológica, decide deixar-se passar por membro
do grupo, acreditando que será melhor forma de poder captar as reais
condições e sentimentos do investigado (PERUZZO, 2003, p.11).
Para Peruzzo (2003) esse método aplicado, principalmente, na antropologia, não vem
sendo muito aceito, por acreditar que o pesquisador, ao tentar viver a situação do grupo ao
qual está inserido, nunca conseguirá vivenciar a realidade do grupo pesquisado, pois o seu
modo de vida e percepção será sempre diferente do grupo estudado.
Outra questão que a autora chama a atenção é que ao tentar se passar por um membro
do grupo, o pesquisador acaba não dando a oportunidade de os indivíduos saberem que estão
sendo pesquisados, o que não seria ético.
Por outro lado, apesar dos pontos negativos, a observação é um método que tem uma
contribuição significativa para entender os territórios, pois a partir do momento em que o
pesquisador passa a vivenciar o meio desses profissionais do sexo, começa a entender certas
realidades que não se encontram escritas na literatura.
Com base nos métodos da observação participante e da fenomenologia, além das
discussões a respeito de entrevistas e formas de abordagens na pesquisa de campo foi possível
52
criar estratégias metodológicas para se inserir nesses territórios de prostituição e coletar
informações a respeito da realidade dos michês que trabalham na área central de Manaus.
Nesta pesquisa, sobre os territórios de prostitutos, não foi preciso se camuflar entre
os garotos de programa ou simular que é um cliente para poder se inserir nesses espaços de
prostituição, mesmo porque, os primeiros contatos foram com os garotos que participaram
em pesquisas anteriores realizadas entre os anos de 2003, 2004 e 2005, o que facilitou o
acesso a esses grupos.
Contudo, para continuar a ter acesso a eles foi necessário fazer o que algumas
prostitutas, que ocupam o território do michês, fazem para garantir a proteção dos garotos de
programa, como pagar um lanche, arrumar um cigarro, às vezes, pagar o almoço, pois alguns
garotos só se alimentam se caso tiveram feito um programa.
Através deste pequeno apóio dado aos michês foi possível acompanhá-los e entrevistá-
los em seu próprio ambiente de trabalho. Quanto ao acesso aos ambientes fechados como as
saunas, a abordagem foi facilitada pelos donos dos estabelecimentos que permitiram tanto
fazer as observações no ambiente, quanto iniciar os primeiros contatos com michês de sauna.
No entanto, às entrevistas foram realizadas fora do ambiente da sauna, que não havia
nenhum momento propício para se realizar entrevistas mais profundas. Porém, as conversas
informais e observações nestes estabelecimentos foram também registradas.
2.1 Caminhando com os michês: a pesquisa em Manaus
Inicialmente, antes de se começar a pesquisa, foi realizado um levantamento de
informações bibliográficas para servir de fundamentação teórica e nortear a pesquisa em
campo, necessária para adquirir o conhecimento a respeito da realidade de cada território de
prostituição masculina da área central de Manaus.
Como as referências na área específica de garoto de programa é bastante restrita,
buscou-se bibliografias que além de discutirem a prostituição masculina, também trouxesse
algumas reflexões sobre território, territorialidade, identidade e sexualidade masculina,
enfatizando a questão do passivo e do ativo.
A área delimitada para estudo foi o centro da cidade de Manaus, onde foram definidos,
com a pesquisa em campo, os territórios de prostituição masculina. Existem diversos pontos
espalhados pela cidade de Manaus de prostituição envolvendo tanto mulheres, quanto
53
homens. Porém, a escolha da área central da cidade, se deve, sobretudo, porque engloba
diferentes tipos de prostituição de garotos de programa como em saunas, cinemas, boates,
praças, ruas e avenidas, diversidade encontrada apenas nessa parte da cidade.
No caso desta pesquisa optou-se por não fazer a abordagem por meio de associações
que trabalham com os profissionais do sexo em Manaus como: As Amazonas e a Associação
Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis (AAGLT), porque essas associações só trabalham
com as prostitutas e travestis. A Associação Garotos da Noite (AGN), que tem como proposta
trabalhar diretamente com os michês, ainda por ser muito recente, não iniciou de forma
efetiva suas atividades com os garotos de programa. O acesso direto aos territórios de
prostituição, de certa forma, foi bem mais vantajoso do que através de associações, pois
quando se acompanha uma associação a atuação do pesquisador fica mais limitada, devido no
caso dos michês, as mesmas não terem tanto acesso a esses profissionais.
Antes de se começar as entrevistas, foi necessário realizar algumas observações de
campo para perceber os diversos territórios existentes e entrar em contato com as pessoas que
poderiam fazer a intermediação entre o pesquisador e o pesquisado. Além disso, essas
observações e as conversas informais tidas durante o trabalho de campo foram fundamentais
para se criar uma atmosfera de confiança como bem enfatiza Goldenberg (1997) e daí por
diante iniciar as entrevistas de forma completa.
As entrevistas podem ser estruturas de diferentes formas como destaca Goldenberg
(1997), sendo utilizadas nessa pesquisa as entrevistas fechadas e abertas que segundo a autora
podem ser entendidas como:
Fechadas: as respostas estão limitadas às alternativas apresentadas. São
padronizadas, facilmente aplicáveis, analisáveis de maneira rápida e pouco
dispendiosa. Uma de suas Desvantagens é que as pessoas limitam suas
respostas as alternativas.
Abertas: respostas livres, não limitadas por alternativas, o pesquisador fala
ou escreve livremente sobre o tema que lhe é proposto. A análise das
respostas é mais difícil (GOLDENBERG, 1997, p.86).
Após as observações em campo e contatos com os garotos através de conversas, onde
pode-se apresentar a proposta da pesquisa, foi possível iniciar as entrevistas que se realizaram
de duas formas: entrevistas fechadas e abertas.
Vale ressaltar que antes de se começar a pesquisa em campo envolvendo as
entrevistas, as mesmas, foram aprovadas pelo conselho de ética da Universidade Federal do
Amazonas para garantir a integridade dos garotos de programa que participaram da pesquisa.
54
A primeira parte como se pretendia coletar dados dos entrevistados para se traçar um
pequeno perfil socioeconômico e ao mesmo tempo conseguir uma confiança maior dos
garotos de programa através da convivência, as conversas foram apenas informais. No
segundo momento, as entrevistas realizadas foram fechadas com dezenove perguntas pré-
estabelecidas para saber algumas informações como o estado civil, idade, escolaridade, os
pontos onde os garotos fazem programa, ou seja, esse primeiro momento, além de coletar
inicialmente as primeiras informações teve o intuito de preparar para o terceiro momento que
foi uma entrevista mais profunda.
As entrevistas fechadas foram realizadas com vinte garotos de programa sendo um de
boate, dois de sauna, e dezessete com michês de rua. A maioria das entrevistas ocorreram
conforme acessibilidade, pois o contato foi maior com os garotos que oferecem seus serviços
nas avenidas, ruas e praças da área central de Manaus, do que em ambientes privados como
boates, saunas e cinemas.
As informações das entrevistas fechadas serviram mais para uma análise quantitativa,
pois através dos seus dados foram gerados gráficos para demonstrar o perfil socioeconômico
dos garotos de programa pesquisados e de algumas questões a respeito dos territórios.
as informações das entrevistas abertas, permitiram fazer uma análise mais
qualitativa a respeito dos territórios dos michês, procurando entender a sua vivência a partir
da relação com os seus territórios e outras territorialidades.
Outra questão, é que a prioridade foi dada mais aos garotos de programa de rua, pela
quantidade de indivíduos que é bem superior aos da sauna e das boates. Além disso, ao
priorizar mais os michês de rua, permite conhecer não apenas a prostituição que é praticada
em ambientes públicos, mas também, acaba-se tendo informações sobre os ambientes de
prostituição fechada, pois alguns michês frequentam ou frequentaram saunas, boates e
cinemas.
No terceiro momento foram realizadas entrevistas abertas com um pequeno roteiro,
que na verdade teve o intuito de começar um diálogo com o entrevistado. Por se tratar de uma
entrevista mais detalhada, o número de entrevistados foi menor, sendo um garoto de programa
de boate, dois de sauna e cinco que trabalham em ruas, avenidas e praças do centro de
Manaus.
Nas entrevistas abertas não foi definido uma quantidade específica de participantes
como ocorreu nas entrevistas fechadas. Esse total de oito entrevistados, se deve a própria
acessibilidade aos michês e sua disponibilidade em contribuir com a pesquisa.
55
Apesar das entrevistas com roteiro, ter sido priorizada, boa parte das informações
foram resultados de conversas informais. As interferências e questões foram feitas apenas
para esclarecer alguns termos e situações que não eram entendidas. Esta interferência mínima
na entrevista permitiu que o garoto de programa pudesse ter maior desenvoltura para falar
sobre seu trabalho, a sua relação com outros profissionais, ou seja, buscou-se fazer um
diálogo tanto para encontrar respostas no qual os objetivos da pesquisa procurava, como
conhecer informações novas, desconhecidas por este trabalho.
Ao realizar essas entrevistas, nos deparamos com a mesma situação de Perlongher
(1986), ou seja, houve conversas mais rápidas e itinerantes como destaca o autor ao colher
pequenas informações no encontro espontâneo com esses profissionais do sexo. Assim como
tivemos oportunidade de realizar entrevistas prolongadas.
Algumas dificuldades foram encontradas ao se começar as abordagens nos territórios
de prostituição, pois dificilmente se encontra a mesma situação a cada dia. Algumas
entrevistas que eram marcadas para acontecer em determinado dia, eram adiadas por vários
motivos como: o michê não comparecia no dia combinado, ao chegar para começar as
abordagens, às vezes, o garoto estava sob o efeito de substâncias alucinógenas, o que
inviabiliza a entrevista, e havia momentos que o michê estava detido, geralmente por algum
delito cometido. Foram várias situações que ocorreram o que nos obrigou a ir diversas vezes
ao território para realizar as entrevistas.
Esse contato com as drogas é muito comum entre os michês. Além disso, é um dos
principais motivos do ingresso desses garotos no mundo da prostituição. Vicentini (2008)
também se deparou com essa situação. A autora que é voluntária numa casa de apóio para
doentes de AIDS em São Paulo, percebeu que a maioria dos garotos de programa que estavam
nessa casa de apoio, entraram na prostituição por causa do vício das drogas.
As entrevistas e observações in loco, se deram em diferentes dias e horários conforme
o funcionamento dos territórios e sugestões dos próprios profissionais do sexo. No caso das
boates, as observações sempre foram depois da meia noite até cinco da manhã.
Na boate A2 (centro de Manaus), o melhor dia para as entrevistas foram nas quintas-
feiras, apesar de funcionar de quinta a sábado por causa da entrada franca aos freqüentadores
que chegam mais cedo, o que facilita o ingresso de garotos de programa no ambiente. Na
boate TS, o dia escolhido foi domingo, a partir de meia noite, pois aos sábados, às vezes, a
boate não funciona, pela baixa freqüência de clientes ao local.
No caso da sauna, as observações, as conversas informais com clientes, garotos e o
dono do estabelecimento foram feitas em duas saunas que funcionam de segunda a segunda
56
entre dezessete e vinte e duas horas. No entanto, as visitas foram feitas durante os finais de
semana, especialmente no sábado por haver uma maior freqüência de michês no local.
Entretanto, no decorrer da pesquisa uma das saunas encerrou suas atividades na cidade,
mesmo assim, as observações foram aproveitadas, pois mostra situações relevantes que
ajudam a compreender a prostituição masculina em lugares privados.
nos territórios de prostituição em espaços públicos, as entrevistas foram realizadas
entre dez da manhã às dezessete horas, nas terças, sextas-feiras e aos sábados. No máximo as
observações e entrevistas ocorreram até as vinte horas. Horários depois das vinte e duas horas
em diante foram usados mais para se fazer as observações em campo, isso porque, foi
obedecida à própria sugestão dos garotos de programa.
A observação a certas sugestões sobre as regras do território é algo que se deve
valorizar ao se trabalhar com determinados grupos urbanos como gangues de jovens, tráfico
de drogas e também de prostituição. Ao pesquisar em campo até as vinte horas, foi uma
sugestão dos próprios michês, pois a partir desse horário, o ambiente se torna muito mais
perigoso, que em outros horários, tanto para o michê, quanto para quem pesquisa. O perigo
para os garotos de programa ocorre pela abordagem policial que tende a ser mais intensa,
principalmente finais de semana. O risco para quem pesquisa se deve aos constantes assaltos
que acontecem na área central de Manaus praticado pelos garotos de programa.
O registro de imagem utilizado nessa pesquisa consiste em mostrar os pontos de
prostituição e não as imagens dos michês. Através dessas imagens, foi possível traçar uma
cartografia desses espaços.
O não registro das imagens dos michês se deve em respeito ao grupo desses garotos,
que não quiseram ser fotografados por diversos motivos como: a família não sabe que o
garoto se prostitui, alguns têm um relacionamento estável com outra pessoa e como a
prostituição é uma profissão que sofre muito preconceito, os michês não querem ver sua
imagem associada a esse ofício, já que a maioria de seus clientes são do sexo masculino.
De acordo com Perlongher (1986), apesar do maior preconceito social ser
descarregado aos clientes por serem homossexuais”, os michês sofrem menos discriminação
por manterem seus gestos e postura masculina dentro dos padrões de uma sociedade
heteronormativa. Mesmo assim, aos olhos da sociedade o mic não será bem visto, caso
assumam sua atividade. Esse fato contribui de certa forma para entender a dificuldade em
criar associações efetivas que defendam os interesses deste tipo de profissional do sexo.
Para se registrar as imagens dos territórios de prostituição masculina, houve um
acompanhamento de um michê que indicou todos os territórios espalhados pela área central
57
de Manaus. Esses territórios indicados pelos garotos de programa foram os de prostituição em
espaços abertos, já que os lugares fechados de prostituição por serem fixos e conhecidos
não precisariam dessa indicação.
As imagens dos espaços privados de prostituição masculina foram coletadas a noite,
na qual mostramos apenas a parte externa, que especialmente na sauna, a maioria dos
freqüentadores desses locais o podem ter sua imagem exposta por alguns serem casados,
outros são militares, líderes religiosos, ou seja, são pessoas que não podem ser vistos em
ambientes de prostituição, pela própria função que exercem na sociedade.
Em territórios públicos de prostituição onde ocorrem assaltos e furtos, para o ter a
máquina fotográfica furtada, os registros de imagens foram feitos durante o dia acompanhado
de um michê, que além de garantir certa proteção no território, indicou os diversos territórios
da área central de Manaus utilizados por garotos de programa.
Foram registrados tanto os territórios que tem uma freqüência maior de michês, como
aqueles que o pouco usados e outros que servem mais como ponto de encontro entre os
garotos de programa e o seu possível cliente.
Como foram realizados outros estudos no centro da cidade, como de Alcântara
(2005) e Queiroz (1999), os mapas desses autores foram incluídos também nesta pesquisa
para se ter uma noção de como estavam distribuídos os territórios de prostituição em
momentos anteriores.
Os mapas dessas pesquisas não mostram apenas os territórios dos garotos de
programa, mas inclui as prostitutas e os travestis. Apesar disso, esses mapas foram utilizados
em termos de comparação com o atual para saber as prováveis mudanças ocorridas na
organização territorial.
No caso desta pesquisa, a construção cartográfica foi apenas dos territórios dos michês
em espaços públicos e privados e por isso, a análise comparativa com outros mapas levou em
conta apenas a distribuição espacial dos territórios dos michês.
As representações cartográficas buscam retratar uma dada porção do espaço, porém, a
representação espacial dos territórios de prostituição o é precisa, pois são grupos que não
apresentam seus limites bem fixados, principalmente os garotos de programa que circulam
mais entre os territórios do que as prostitutas e os travestis.
De acordo com Souza (2001), podemos perceber essa dinâmica entre os territórios de
prostituição, onde não podemos pensar os seus limites de forma fixa, mas sim flexível, móvel,
elásticos.
58
Os territórios de prostituição são bastante flutuantes ou móveis. Os limites
tendem a ser instáveis, com as áreas de influência deslizando por sobre os
espaços concreto das ruas, becos e praças; a criação de identidade territorial
é apenas relativa, digamos mais propriamente funcional que afetiva
(SOUZA, 2001, p. 88).
Neste caso, a representação cartográfica apresentada na pesquisa, busca visualizar a
distribuição dos diferentes territórios dos garotos de programa, seja em espaços públicos ou
privados.
Entretanto, os espaços de prostituição pública por serem flutuantes nem sempre
estarão mostrando a realidade, mas apenas parte dela, pois esses territórios funcionam de
forma diferente e em diferentes horários conforme o dia da semana. O que acontece ao
contrário em lugares fechados de prostituição, que são fixos e poderão ser percebidos de
acordo com o mapa.
Portanto, as estratégias e discussões metodológicas apresentadas, possibilitam
contribuir e dialogar com outras pesquisas que tenham como proposta estudar o território de
grupos urbanos, especialmente os de prostituição, independentemente do tipo de profissional
do sexo, sejam eles prostitutas, travestis ou garoto de programa.
No próximo capítulo, poderemos visualizar as distribuições espaciais dos territórios de
prostituição dos garotos de programa na área central de Manaus, assim como, conhecer um
pouco das características de cada território estudado.
59
CAPÍTULO III: O DESVENDAR DOS TERRITÓRIOS DOS GAROTOS DE
PROGRAMA NA ÁREA CENTRAL DE MANAUS
A área central de Manaus, que também é o centro histórico da cidade, apresenta no seu
cotidiano diversas territorialidades que se relacionam entre si e geram conflitos.
É possível encontrar nesse espaço uma variedade de agentes que criam seus territórios
como: vendedores de drogas, moradores de ruas, camelôs, prostitutas, travestis, michês,
taxistas, flanelinhas, ou seja, estamos diante de um espaço multerritorial organizado em
microterritorialidades.
Como enfatiza Haesbaert (2008), essa multiterritorialidade nos permite verificar, uma
mudança no território tanto de forma quantitativa, pelo contato com vários territórios, como
qualitativa, pois permite perceber num mesmo espaço a convivência de diferentes territórios.
Esse contato com diversos territórios é interessante porque eles não se apresentam de forma
isolada, mas, se relacionam entre si como por exemplo, é comum os michês se relacionarem
com as prostitutas e terem contatos com os distribuidores de drogas.
A área central de Manaus se apresenta como um espaço urbano fragmentado e
multiterritorial, formando vários grupos urbanos. Portanto, a organização territorial desses
grupos urbanos é melhor identificada, como destaca Costa (2007), através de uma
identificação microterritorial, por se tratar no caso dos michês, de microterritórios específicos
que se formam de maneira espontânea e informal.
De acordo com a figura 9, esta pesquisa foi realizada na área central da cidade de
Manaus, no Amazonas, onde enfatizamos os microterritórios de prostituição masculina, no
qual os agentes são conhecidos como michês.
Apesar desses microterritórios o serem tão facilmente percebidos, especialmente o
de prostituição de rua, eles funcionam tanto durante o período diurno quanto o período
noturno.
Além disso, conforme os dias da semana, esses territórios podem possuir uma
freqüência bem mais intensa, ou seja, nos fins de semana a partir de quinta-feira até aos
sábados a circulação de garotos de programa é bem maior em comparação aos outros dias da
semana. Por isso, esses territórios são bastante dinâmicos, apresentando diferentes realidades
ao longo da semana.
60
Figura 9 - Mapa localização da cidade de Manaus-AM.
Fonte: Wikipédia.
Ao todo na área central de Manaus, foram identificados doze pontos de michês,
conforme as observações em campo e as indicações dos garotos de programa.
A distribuição espacial desses pontos de prostituição pode ser verificada na figura 10,
dividida em dois tipos: os territórios de prostituição pública praticada em ruas, praças e
avenidas no centro de Manaus e outro como os territórios de prostituição privada, onde se
refere aos locais particulares como saunas, cinemas, boates e banheiro de supermercado.
Como esses territórios possuem ritmos diferenciados, sendo uns mais freqüentados
que outros, os de prostituição pública foram classificados conforme a sua intensidade como:
os de forte prostituição, média prostituição, fraca prostituição e alguns lugares utilizados pelos
michês apenas como pontos de encontros com os seus clientes. E para os privados foram
mostrados apenas a sua distribuição espacial.
61
Figura 10
-
Planta dos territórios dos michês na área central de Manaus em 2009.
Fonte: Base cartográfica de Manaus, Prefeitura de Manaus e CPRM, 1996
Organizado por: Jean Alcântara
62
Nas plantas de anos anteriores (figuras 11 e 12) é possível verificar as mudanças
ocorridas nos territórios dos michês na área central de Manaus em relação à planta de 2009
(figura 10).
As plantas das figuras 11 e 12 mostram a distribuição dos territórios de prostituição
dos diferentes profissionais do sexo como de prostitutas, travestis e michês. No entanto, como
esta pesquisa prioriza apenas os territórios dos garotos de programa pode-se utilizar as
informações dessas plantas para compararmos como era a organização desses territórios em
anos anteriores para o momento atual.
Na planta da figura 11, organizada por Queiroz (1999) percebe-se que o território dos
michês está restrito apenas a Praça da Matriz, provavelmente, não porque existia apenas esse
território, mas sim, pela dificuldade de acesso da autora a esses tipos de profissionais do sexo.
Já a planta da figura 12, de Alcântara (2005), percebe-se uma ampliação desses
territórios, ou seja, vão além da Praça da Matriz ocupando parte da Avenida Sete de
Setembro, a Praça Heliodoro Balbi e se estendendo para a Avenida Getúlio Vargas. Se
verificarmos em 1998, na planta de Queiroz (1999), a Avenida Getúlio Vargas era ocupada
por travestis; já em 2005 percebe-se que essa avenida passa a ser ocupada tanto por garotos de
programa, quanto por prostitutas, segundo Alcântara (2005).
A apropriação do território de prostituição não acontece apenas através das
relações de conflito, ou seja, onde um grupo por meio da força toma o
território. Mas casos que um território é abandonado por um grupo e
apropriado por outro, mesmo porque os espaços de prostituição são bastante
móveis. É o caso da Avenida Getulio Vargas em que foi um território de
travestis e atualmente passou a ser ocupado por michês e por prostitutas. De
acordo com as entrevistas, alguns que trabalhavam na Avenida Getúlio
Vargas, a clientela começou a sumir e os travestis começaram a se dirigir
para o território próximo a Praça da Matriz na Rua Lobo DAlmada, porque
o movimento estava melhor, ou seja, foram mudanças aleatórias
(ALCÂNTARA, 2005, p.18).
Isso demonstra, como enfatiza Souza (2001), a mobilidade que esses tipos de
territórios apresentam, pois o bastante dinâmicos, apresentando uma determinada realidade
efêmera.
63
Figura 11 – Planta dos territórios de prostituição na área central de Manaus em 1998.
Fonte: Queiroz, 1999, p.69
64
Figura 12
Planta dos territórios de prostituição na área central de Manaus em 2005.
Fonte: Alcântara, 2005, p.10
65
Por isso, a representação desses territórios de prostituição, não podem ser vistos como
pontos fixos, mas sim, flexíveis, podendo nem sempre apresentar o que está se vendo no
mapa, especialmente, quando se trata de territórios de michês, onde, praticamente, são
invisíveis aos indivíduos que desconhecem essa prática de prostituição, principalmente
durante o período diurno.
Para entender-se melhor os doze pontos estudados exibidos na figura 10, é necessário
compreender as suas características, pois, apesar de alguns desses territórios serem
freqüentados pelos mesmos garotos de programa, esses pontos também apresentam suas
particularidades.
3.1 Sauna O
A sauna O, que está localizada na Rua José Paranaguá funciona todos os dias de
domingo a domingo, a partir das 17:00 horas. Ao chegar nesse ambiente, o cliente recebe uma
toalha, um par de chinelos e uma chave de armário para guardar seus pertences. A entrada
custa quinze reais para o cliente e para o garoto de programa cinco reais, que é deixado na
casa após o término de seus serviços.
A sauna possui dois pisos com vários ambientes, onde no primeiro pode ser
encontrada a sala vip, banheiros, bar, piscina, sauna a vapor e chuveiro externo. No segundo
piso é encontrada a sala de vídeo onde passa filmes pornôs homossexuais, dark room (sala
escura, frequentada pelos clientes e por michês que entram e começam a se tocarem e até
mesmo praticarem ato sexual), banheiros e cabines individuais utilizadas por clientes que se
relacionam com outros clientes, assim como por garotos de programa que atendem seus
clientes.
A sauna é bem freqüentada e dias em que não tem armário suficiente para os
clientes guardarem seus pertences. Os garotos de programa possuem certa autonomia nesse
ambiente, pois o compromisso que têm com a sauna é de pagar cinco reais na saída. O preço
básico cobrado pelos michês da sauna gira em torno de cinqüenta reais, podendo esse valor
variar, dependendo das condições do cliente, da necessidade do michê, ou seja, o preço não é
fixo, pode ser negociado.
Nessa sauna, a maioria dos clientes procuram outros clientes e não os michês. Dessa
forma, para se diferenciarem dos freqüentadores, os michês utilizam sungas, os clientes
66
usam toalha branca. Além disso, os michês utilizam gestos, ou freqüentam o dark room, no
intuito de conseguir seu cliente.
Atualmente em Manaus existe uma sauna masculina. Porém quando iniciou-se essa
pesquisa existiam duas saunas, nas quais os donos não tinham um bom relacionamento.
A sauna T, que encerrou suas atividades em 2008 apresentava características
diferentes da sauna O, pois os garotos que freqüentavam essa sauna usavam toalhas amarela
para se diferenciar dos clientes que utilizavam toalhas brancas.
Enquanto na sauna O, os michês pagam uma taxa de cinco reais independemente de
fazer programa ou não, na sauna T, a cada programa que o garoto conseguia, deixava dez
reais com o dono do estabelecimento.
Outra diferença importante entre as saunas, é que a sauna O, não prioriza a presença
de garotos de programa, pois o dono do estabelecimento acha que eles não trazem muito
lucro, mesmo porque, nessa sauna os clientes tendem a ficar com outros clientes e não com os
garotos de programa.
Na sauna T, pelo contrário, existia uma preocupação em manter os garotos na casa,
pelo fato de os clientes procurarem muito os serviços dos michês, por isso, a preferência que
existia dos garotos em freqüentar mais essa sauna.
Como as saunas eram rivais, isso também afetava a distribuição dos garotos de
programa que frequentam esses espaços privados, pois o garoto que frequentava uma
determinada sauna, não poderia entrar na outra, pois para os donos esse michê poderia esta
passando informações sobre o estabelecimento do concorrente.
A partir do momento em que a sauna T encerrou suas atividades na cidade, a sauna O,
passou a ser a única que atende especificamente o público gay de Manaus. Então alguns
michês que freqüentavam a sauna T, passaram a oferecer seus serviços na outra sauna.
Geralmente, esses garotos de programa que trabalham na sauna, não fazem pontos nas
ruas e praças do centro da cidade. Quando frequentam algum ambiente fora da sauna, em
busca de cliente, costumam ir mais as boates ou algumas festas populares que a cidade
oferece.
Apesar do michê de sauna ter autonomia no seu trabalho, pois vão à sauna quando
querem e saem a qualquer horário com o cliente ou não, pelo próprio ambiente, eles mantêm
uma postura digamos que bem mais comportada do que o michê de rua.
As saunas dificilmente trabalham com michês de rua, pelo fato de alguns serem
conhecidos por suas práticas de roubo a clientes como pode-se verificar nas palavras de N
(administrador da antiga sauna):
67
Tem um garoto que quer trabalhar aqui, eu invento um monte de desculpas
pra ele, ele rouba que só, e tem um magrelão alto que frequenta a praça, que
é perigosíssimo, de vez enquanto ele me pede algum dinheiro pra comprar
cigarro, ele tem um ó grandão, mas Deus me livre de trazer ele aqui, vai
roubar todos clientes. (N, dono da sauna antiga sauna T.).
Como a sauna atende uma clientela discreta, existe certa preocupação em selecionar os
garotos de programa, que irão atender seus clientes, mesmo porque, os clientes procuram
tanto privacidade, quanto segurança ao frequentar uma sauna.
Outro fato é que, se um michê trabalha na rua, o valor do seu programa é inferior ao
do garoto que trabalha na sauna, assim, alguns clientes iriam preferir contratá-lo na rua do que
na sauna.
Apesar de os michês não terem o controle do território, no caso da sauna, pois está sob
a responsabilidade do proprietário, os garotos para se diferenciarem dos clientes, criando
territorialidades capazes de exibir no ambiente à sua existência como michê, pois são mais
ousados, às vezes, exibem seus órgãos genitais, outros chegam e falam diretamente com os
clientes oferecendo seus serviços.
Portanto a sauna para os michês não se constituiria num território deles propriamente,
mesmo porque é um ambiente privado. Entretanto, eles criam suas territorialidades de certa
forma e fortalece a sua identidade como michê, mesmo que seja efêmera.
3.2 Boate TS
Essa boate (figura 13) é freqüentada pelo público de gays, lésbicas e simpatizantes
(GLS), onde funciona de sábado a domingo, no entanto, como atualmente a frequência de
clientes está muito baixa, ela funciona mais aos domingos, e aos sábados quase não funciona.
Nessa boate é possível perceber a presença de michês tanto de sauna, como das ruas do centro
da cidade, além de outros garotos que fazem programa na boate, vindos de outros bairros.
68
Na TS, a entrada custa sete reais, porém quando um evento especial chega a dez
reais. É uma boate que possui três pisos, sendo que no primeiro, dois bares, uma pista de
dança, um palco para apresentação de shows de transformistas e gogoboys. No segundo piso,
uma pista de dança e um bar, no entanto, só funciona quando o ambiente esta sendo bem
frequentado. No terceiro piso da boate só há o dark room.
Na boate TS, tanto michês que estão disponíveis para os freqüentadores como
alguns vão acompanhados de seus clientes. Além de frequentarem garotos de programa de
sauna, também alguns michês que freqüentam essa boate e fazem trottoir, além de terem
outros que moram em bairros mais distantes do centro da cidade. Porém como a boate está
sendo pouco frequentada, a quantidade de garotos de programa é muito pequena em relação à
Boate A2.
Ao som frenético da boate, o se consegue perceber bem a presença dos michês que
praticamente não se diferenciam dos freqüentadores comuns do ambiente.
Porém, a identificação da presença de garotos nessa boate pode ser percebida, porque
alguns michês que freqüentam a praças da Matriz, a Getúlio Vargas e a sauna podem ser
vistos nessa boate.
Através de olhares sutis e certos gestos de comportamento do garoto de programa,
estes passam a ser entendidos por seus clientes em potencial, sendo o mais comum dos gestos,
Figura 13 – Boate TS
Fonte: Jean Alcântara, 02/06/2009
69
a manipulação do pênis através da bermuda para chamar a atenção do interessado ou
geralmente ficam sem camisa na boate.
O olhar, a exibição do corpo e a manipulação do órgão sexual, são três elementos
principais utilizados pelos michês nas boates e isso, pode ser observado tanto na boate TS
quanto na boate A2.
Alguns garotos de programa chegam a fazer os seus serviços na própria boate, mas
especificamente no dark room, onde tanto os frequentadores, como os garotos de programa
chegam a praticar o ato sexual.
Outros michês, às vezes, vão a TS não em busca de novos programas, mas como
acompanhantes de seus clientes, geralmente isso é percebido tanto com os garotos que
trabalham na sauna, como das ruas e praças do centro da cidade.
Assim, a boate TS sendo a mais antiga da cidade, só está funcionando aos domingos, e
raramente aos sábados, pois o movimento nessa boate diminuiu bastante em detrimento da
boate A2 que é muito mais freqüentada, inclusive por garotos de programa.
3.3 Boate A2
A boate A2 (figura 14) é bem mais freqüentada do que a TS, e como um grande
número de pessoas abaixo da faixa etária dos dezoito anos é exigido o registro geral, mesmo
assim, muitos utilizam documentos falsificados para adentrarem a essa boate.
Essa boate possui três pisos, onde podem ser encontrados três bares, dark room, duas
pistas de danças, espaço para apresentação de transformistas e gogo boys e jogo de sinuca.
Como é um ambiente bem frequentado, os michês que vão a essa boate chegam a fazer o
programa no próprio local, ou vão para os hotéis de alta rotatividade existente no próprio
centro, ou saem para outros lugares com clientes motorizados. Às vezes, o programa que é
realizado na boate pelo michê, tem o intuito de conseguir dinheiro para adquirir drogas, já que
na boate há várias territorialidades.
70
Diante de outras territorialidades para o michê é essencial se diferenciar perante a
grande quantidade de frequentadores dessa boate, e para isso, recorre a gestos,
comportamentos e certa ousadia que permite conquistar os clientes mais valorizados, ou seja,
aqueles que aparentemente possuem um maior poder aquisitivo.
De acordo com A (garoto de programa) para perceber através de alguns detalhes, o
michê que freqüenta a A2:
para identificar se o cara é garoto de programa pelos olhares, são boçais,
tiram a camisa para mostrar o corpo, é que alguns são malhados. Usam a
expressão do rosto que atrai a freguesia e alguns assim, o cara de pau
chegam com o cliente mesmo, eu não, fico na minha. Os clientes que o
mais procurados pelos garotos são os mais velhos e que aparentam ter
dinheiro. (A., michê da A2).
No caso de A (michê), a maioria de seus clientes foram indicação de amigos. Esse
garoto de programa no centro freqüenta a boate A2, e não utiliza outros territórios
existentes de prostituição.
O dia em que mais se pode encontrar os garotos de programa na boate é na quinta-
feira, onde o clube faz promoção, permitindo que os frequentadores que chegam cedo a boate
entrem sem pagar a entrada.
Figura 14
-
Boate A2
Fonte: Jean Alcântara, 02/06/2009
71
Como na quinta-feira a entrada é gratuita até certo horário, existe uma grande presença
de michês que trabalham na Praça da Matriz e na Getúlio Vargas nessa boate, onde ficam até
o amanhecer. É comum chegar à Praça da Matriz pela manhã e michês que passaram a
noite toda na boate.
A boate A2 é um ambiente que agrupa vários michês vindos de diversas localidades da
cidade, desde os bairros mais distantes, até os garotos que fazem programa nas ruas do centro
da cidade e na sauna. Além de se perceber a presença de garotos dos territórios de prostituição
de rua, também é comum a presença de michês “oportunistas”, ou seja, aqueles que fazem
programa quando surge uma oportunidade ou um convite de um cliente.
Conforme a experiência do michê A, a maioria dos garotos de programa que se
prostituem na boate, tem a intenção de usar drogas e para isso, veem no programa a
possibilidade de conseguir sustentar seu vício. Muitos garotos chegam a fazer o programa na
própria boate, no conhecido dark room. Neste caso, o dark room geralmente é utilizado pelos
garotos para aquele tipo de programa rápido como, por exemplo, quando o michê recebe
dinheiro apenas para deixar o cliente praticar o sexo oral. Porém há outros garotos que
preferem marcar com os clientes fora da boate para fazer o programa.
Desta forma, a boate A2 funciona tanto como um território privado, como ocorre nas
sextas e sábados, onde para se ter acesso tem que pagar a entrada, como pode funcionar como
um território público nas quintas-feiras, onde em determinado horário permite o acesso livre
aos seus freqüentadores, e se torna um território livre para os garotos de programa.
3.4 Cine Premiere
Este cinema (figura 15) está localizado na Rua Ramos Ferreira (Centro Manaus) ao
lado da livraria Valer. O valor do ingresso custa cinco reais e possui um ambiente na entrada
onde se vende bebidas, uma sala de projeção, dark room e um banheiro que é utilizado mais
como um ambiente de “paquera” e práticas sexuais do que para satisfazer as necessidades
fisiológicas.
72
Pode-se perceber claramente que a clientela desse ambiente, praticamente é composta
por homens e raramente se uma mulher. No entanto, apesar de haver a exibição de filmes
pornôs, voltado para o público heterossexual, a maioria dos frequentadores é composta por
indivíduos que possuem uma orientação sexual para o mesmo sexo. No cinema, existe uma
discreta fronteira entre os homossexuais que ocupam a parte detrás do cinema, onde é mais
escuro, e os heterossexuais que ocupam a parte da frente do cinema.
Este cinema é frequentado por garotos de programa da Avenida Getúlio Vargas e
Praça da Matriz no centro de Manaus, que são os mesmos michês. No banheiro do cinema que
é bastante degradado, existe uma intensa exibição sexual entre seus frequentadores, como
também de alguns michês no sentido de conseguirem um cliente. Os michês que são poucos
nesse ambiente, concentram-se no banheiro ou na parte detrás da sala de projeção, onde
manipulam seus órgãos sexuais para chamar a atenção dos clientes.
Apesar de a maioria dos frequentadores do Cine Premiere, ter um baixo poder
aquisitivo, também é possível encontrar clientes com um bom padrão de vida e que pode
render um bom programa para o michê. Aparentemente os michês que frequentam esse
cinema, possuem um baixo padrão de vida, de aparência maltratada e geralmente costumam ir
ao cinema pela parte da tarde ou da noite.
Como no Cine Premiere existe um grande corredor na entrada, não necessariamente o
michê entra no cinema, pois alguns ficam no corredor da entrada em busca de clientes, que
certos garotos não possuem dinheiro para ter acesso às dependências do cinema.
Figura 15
-
Cine Premiere
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
73
O Cine Premiere, portanto, é um ponto de prostituição utilizado pelos michês de rua
do centro de Manaus e não por michês de sauna. Mesmo assim, existe uma baixa frequência
de michês, pois a maioria dos seus frequentadores buscam consumar o prazer sexual entre si,
seja no dark room ou na parte detrás do cinema e não necessariamente buscando serviços dos
garotos de programa.
3.5 Banheiro do Supermercado
Localizado na Avenida Eduardo Ribeiro, este supermercado no primeiro piso possui
um banheiro masculino para a utilização de seus clientes.
Apesar de se tratar de um ambiente privado, este ponto é utilizado como uma
alternativa para os garotos de programa que de vez enquanto conseguem clientes nesse
supermercado.
Nesse banheiro não portas, por isso, não se consuma o ato sexual neste local, mas
sim, serve como um ponto de paquera e exibição entre o cliente e o michê. No pequeno
comentário de W (michê) dá para se perceber mais ou menos como ocorre essa conquista.
Ali no banheiro do Supermercado de vez enquanto pinta programa, ali vai
várias bichinha. Você chega lá fingi que vai mijar quando você percebe
que o cara começa a olhar pro teu pau, é começar a balançar na frente
da bicha que ela fica doida, aí pronto a gente vai para outro lugar (W.,
michê).
Geralmente a referência que os garotos de programa fazem a esse território é mais
pela parte da manhã do que em outros horários. Esse ponto de prostituição é frequentado
pelos michês que ficam nas ruas e praças da área central de Manaus.
Esse território funciona como um meio alternativo para os michês, pois vão a esse
banheiro de vez em quando, pois o movimento em outros pontos do centro como a Praça da
Matriz é bem maior.
74
3.6 Rua Ferreira Pena
De acordo com o mapa da figura 10, visto anteriormente, a Rua Ferreira Pena é
classificada como sendo um território de fraca prostituição, ou seja, a presença de garotos de
programa nessa rua é pequena.
Esse território funciona no período noturno segundo P (michê), por volta das vinte
horas da noite, onde os garotos começam a se concentrar em frente à Praça da Saudade que
está em reforma (figura 16) ou geralmente próximo as árvores espalhadas por essa rua como
indica a figura 17.
As setas indicadas nas figuras mostram alguns pontos onde geralmente os michês
ficam. Nessa rua, a maioria dos clientes que chegam para contratar os garotos de programa
quase sempre vem motorizados.
Figura 16 – Rua Ferreira Pena
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
75
Quando se trata de garotos de programa, não podemos pensar que eles ocupam um
ponto fixo do território, mas sim, circulam por vários territórios, por isso, nessa rua é possível
encontrar michês que ocupam também outros pontos do centro de Manaus como a Praça da
Matriz e a Avenida Getúlio Vargas.
3.7. Praça Tenreiro Aranha
A Praça Tenreiro Aranha (figura 18) não se constitui em território de michê, no
entanto de acordo com mapa da figura 10, este ponto é caracterizado como ponto de encontro
entre o michê e seu cliente.
Conforme P (michê), podemos perceber um dos motivos dessa praça se constituir em
um futuro território de michês ou não.
Tu sabe que a Praça da Matriz vai fecha né, vai entrar em reforma, por isso
que eu to marcando agora com meus cliente aqui (Praça Tenreiro Aranha),
não eu mais tem alguns garotos fazendo isso, eu dei um toque para
eles. Quando a praça fechar quero garantir esse ponto aqui. (P garoto de
programa).
Figura 17
Rua Ferreira Pena
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
76
Essa praça funciona como um ponto de prostituição no período diurno apenas, e não
no período noturno e poderá se tornar em dos territórios efetivos de prostituição, que
atualmente o centro da cidade de Manaus passa por grandes mudanças no seu espaço.
Como a Praça da Matriz irá passar por uma reforma, percebe-se que alguns garotos
começam a pensar em novos espaços para o exercício da prostituição, ou seja, esses espaços
de prostituição masculina estão em constante movimento sofrendo processos de
territorialização, desterritorialização e reterritorialização.
3.8 Avenida Joaquim Nabuco
O território da Avenida Joaquim Nabuco (figura 19) pode ser considerado como de
média prostituição de acordo com mapa da figura 10.
Esse território se estende por toda a avenida, no entanto, a concentração maior é
próximo a uma churrascaria, onde normalmente alguns clientes acabam convidando os michês
para almoçar e combinar o programa.
Figura 18
Praça Tenreiro Aranha
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
77
De acordo com B, os clientes costumam abordar os garotos de programa que ficam
próximo a churrascaria. Ocorre também que os clientes que moram nessa avenida acabam
chamando os garotos que passam pela rua na frente de suas residências como podemos
perceber na entrevista:
Na Joaquim Nabuco os garotos ficam passeando pela rua, não tem um ponto
fixo. Em frente a Churrascaria (...) de vez enquanto pinta um programa.
Geralmente tem cliente que vai lá (churrascaria), chega e convida o cara para
acompanhar. Eu sempre passo aqui no horário do almoço. Também tem
caras que mora por aqui e chamam o garoto que passa pela rua. Eu tenho um
cliente aqui que eu bebo é cerveja com ele nos fins de semana, na frente da
mulher e dos filhos dele, eles sabem mas não ligam não (B., michê).
Pela conversa com B, a Joaquim Nabuco é um território de passagem dos michês, pois
geralmente, os garotos não ficam muito tempo nesse território, preferindo ficar na Avenida
Getúlio Vargas e Praça Matriz que são mais movimentados.
Vale ressaltar que o território da Joaquim Nabuco é tanto diurno quanto noturno,
que com menos intensidade do que outros territórios como a Avenida Getúlio Vargas e Praça
da Matriz.
Figura 19 – Avenida Joaquim Nabuco
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
78
3.9 Largo de São Sebastião
O Largo de São Sebastião (figuras 20 e 21) também se constitui num território médio
de prostituição. Esse território ocupado por garotos de programa se dá de forma muito
discreta por conta do próprio ambiente, que exige essa discrição do profissional do sexo, pois
se fossem utilizados certos gestos contrários ao ambiente familiar que se criou no Largo a
partir da reforma, com certeza eles seriam expulsos desse ambiente.
Em pesquisas anteriores como de Queiroz (1999) e de Alcântara (2005) esse território
era ocupado por prostitutas e travestis. Entretanto com a revitalização do Largo de São
Sebastião e os constantes eventos que passaram a ocorrer no Largo, o território desses
profissionais do sexo foi extinto.
Além disso, para garantir a desterritorialização do território das prostitutas e travestis,
esse espaço passa a contar com um forte esquema de segurança para evitar a volta desses
profissionais do sexo “indesejáveis” aos olhos da sociedade moralista, além de manter um
ambiente familiar no Largo de São Sebastião.
Figura 20 – Largo de São Sebastião
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
79
No entanto, apesar de o Largo apresentar um ambiente socialmente familiar com
atrações culturais, o mesmo, não deixou de ser um território de prostituição, mas sim, passou
a ser constituído por novas territorialidades mais discretas, não mais por prostitutas e travestis
facilmente percebidos, mas por garotos de programa.
Pela observação dos garotos que frequentam o Largo, percebe-se que o padrão social
dos clientes é bem mais elevado, pois alguns garotos não gostam muito de ficar nesse
território: “Ali os clientes são cheio de frescura, eles gostam mais é de garoto bombado, e tem
que tá arrumado, é melhor aqui na praça porque não tem isso”. (R, michê).
Esse território funciona tanto no período diurno quanto noturno, e geralmente, os
garotos costumam ficar pelos bancos do Largo como indicam as setas das figuras 20e 21.
Como os clientes são mais discretos e possuem uma boa situação financeira, geralmente os
garotos que conseguem o programa são os que se apresentam melhor perante os clientes,
apesar de se verificar garotos bem mais simples nesse território.
Portanto esse território continua a ser de prostituição, no entanto, com outros
profissionais do sexo que se apresentam de forma mais discreta no espaço e passam
despercebidos pelos transeuntes que desconhecem as formas de apresentação desse tipo de
prostituição viril.
Figura 21
Largo de
São Sebastião
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
80
3.10 Praça Heliodoro Balbi
A Praça Heliodo Balbi (figura 22) foi um território muito efetivo de prostituição
masculina e feminina como destaca a pesquisa de Alcântara (2005). No entanto, assim como
ocorreu no Largo de São Sebastião, a prostituição intensa que ocorria nessa praça deixou de
existir, por causa de sua revitalização feita pelo Estado.
No tempo em que estava ocorrendo à reforma, havia toda uma expectativa por parte
dos garotos de programa em ocupar essa praça a partir do momento em que ela fosse
inaugurada como podemos ver no comentário de W (michê).
A Praça da Polícia (como é conhecida a Praça Heliodoro Balbi) vai ficar
bonita, quando ela for inaugurada vai ficar muito melhor pra gente trabalhar.
tem um monte de garoto esperando ela ficar pronta, muitos vão sair
da Praça da Matriz pra vir pra cá (W., michê).
Entretanto com a inauguração da Praça Heliodoro Balbi foi criado um forte esquema
de segurança, bem mais reforçado do que o do Largo de Sebastião, que garantiu de certa
forma a desterritorialização do território de prostitutas e garotos de programa existente antes
da reforma.
Segundo o comentário de W (michê), dois garotos de programa ainda tentaram fazer
programa na praça à noite, mas foram detidos pela polícia militar, pois não é permitido esse
tipo de atividade na praça em nenhum horário, mesmo que seja durante a madruga, pois
também ela é fortemente vigiada.
Como pode ser observado, atualmente a Praça Heliodoro Balbi passa a ser apenas um
ponto de encontro entre os michês e os clientes, assim como, a Praça Tenreiro Aranha. Depois
de algum tempo se a segurança na praça diminuir, talvez volte a ser um território de garotos
de programa.
81
A Praça Heliodoro Balbi, além de deixar de ser um território dos garotos de programa,
a própria pressão existente nesse local dos seguranças e da policia militar coíbe até mesmo,
gestos utilizados pelos garotos de programa para atrair seus clientes como podemos perceber
no comentário de B, (michê).
A praça não pra fazer programa, o garoto não pode nem pegar no pau,
porque se os guardas perceber qualquer coisa a gente é expulso de lá. Ali
agora acontece, às vezes, de marcar com o cliente mesmo, mas não pode
fazer nada lá tem que ser discreto (B, michê).
Portanto, nota-se uma mudança no controle territorial da praça, onde antes havia o
domínio de michês e prostitutas, agora a praça passa a ser controlada pelo Estado através da
policia e seguranças, no qual, procuram manter um local seguro para os indivíduos de “boa
conduta”, mas principalmente evitar que certos grupos discriminados pela sociedade como os
profissionais do sexo se apropriem novamente desta praça.
Figura 22 – Praça Heliodoro Balbi
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
82
3.11 Avenida Getúlio Vargas
A Avenida Getúlio Vargas é um território bem dinâmico de prostituição, pois de
acordo com a pesquisa de Queiroz (1999), essa avenida era ocupada apenas por travestis.
na pesquisa de Alcântara (2005) percebe-se uma mudança nesse território, no qual passa a ser
ocupado por prostitutas e garotos de programa.
No mapa da figura 10, mostrado anteriormente sobre a distribuição dos territórios dos
garotos de programa, nota-se que eles ainda continuam a ocupar a Avenida Getúlio Vargas,
entretanto, apesar de não ser mostrado no mapa, nesta avenida atualmente pode ser
encontrado os três tipos de profissionais do sexo: michês, prostitutas e travestis.
A Avenida Getúlio Vargas conta com a presença de garotos que frequentam o Largo
de São Sebastião, Ferreira Pena, Praça da Matriz e a Joaquim Nabuco.
Esse território funciona tanto no período diurno, quanto no noturno, porém o
movimento maior é no final da tarde até noite, sendo mais movimentado aos finais de semana,
especialmente, entre a sexta e o sábado.
As figuras 23 e 24 mostram alguns pontos da Getúlio Vargas indicados pelas setas
ocupados por garotos de programa, especialmente durante a noite.
Assim como garotos que circulam por vários territórios de prostituição de rua,
aqueles que preferem fazer programa em um determinado território, pois há michês que
preferem trabalhar apenas na Getúlio Vargas. No caso dos garotos abaixo da faixa etária dos
dezoito anos, a preferência é trabalhar na Praça da Matriz, pois na Avenida Getúlio Vargas, as
abordagens dos policiais são mais frequentes, justamente pela grande quantidade de garotos
menores de dezoito anos que frequentam a boate A2.
Como a Getúlio Vargas não se constitui num território exclusivo de garotos de
programa, já que também pode-se verificar a presença de prostitutas e travestis fazendo
trotoir, os michês se concentram na parte da avenida próximo a Escola Estadual D. Pedro II,
principalmente, perto da boate A2, mas especificamente no Bar do Alex que fica de esquina
entre a Saldanha Marinho e a Getúlio Vargas.
83
Figura 23 – Avenida Getúlio Vargas
Fonte
: Jean A
lcântara, 02/05/2009
Figura 24 – Avenida Getúlio Vargas
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
84
Pelo comentário de P (michê), podemos perceber que certos serviços como bares e
boates ajudam de certa forma a melhorar o movimento de clientes em busca de garotos de
programa.
Dia de quinta-feira, sexta e sábado o garoto que fica ali próximo do Alex bar
nem para, só é chegar que já consegue programa, às vezes nem precisa entrar
na boate. Como hoje é sexta-feira, já tem garoto uma hora dessa lá na
Getúlio Vargas (era de manhã, quando foi feita essa entrevista), que tem
bicha que passa a noite toda caçando, e aí não vai pra casa enquanto não leva
uma pombada. Os garotos ficam ali próximo da parada de ônibus, sempre
pra arrumar alguém (P., michê).
De acordo com o mapa da figura 10, a Avenida Getúlio Vargas é um forte território de
prostituição de garotos de programa, pois ela é bem frequentada por esses profissionais do
sexo.
Apesar dos territórios dos michês serem mais flexíveis quanto à entrada de novos
garotos de programa na Getúlio Vargas, alguns michês, especialmente aqueles que trabalham
a mais tempo no território, costumam cobrar dos novatos uma taxa em torno de dez reais.
Esse taxa, no entanto, não é tão rígida, pois há garotos que pagam apenas uma vez, outros não
pagam porque fazem logo amizade com os garotos veteranos, e michês que se negam a
pagar e nem por isso chegam a ser expulsos do território.
Essa cobrança da taxa para trabalhar no território não é tão rígida, porque quem cobra
na verdade é às vezes um ou dois garotos que estão no território e não o grupo todo que
territorializa a Getúlio Vargas, o que faz esse controle sobre território dos michê ser flexível.
Desta forma, a Avenida Getulio Vargas é um dos territórios mais dinâmicos de
prostituição existente na área central de Manaus, pois não é exclusivo dos garotos de
programa, mas sim, os michês dividem essa avenida com as prostitutas, às vezes,
compartilhando quase do mesmo ponto, e de travestis que ocupam parte da avenida de forma
mais isolada.
3.12 Praça da Matriz
A Praça da Matriz (figuras 25 e 26) no centro de Manaus é um território de
prostituição que pode ser percebido durante o período diurno e noturno, até por volta das vinte
85
e uma horas, isso porque, a praça é fechada e após esse horário os garotos se concentram mais
na parte externa próximo ao relógio municipal.
Entre a Praça da Matriz e o Relógio Municipal podem ser encontrados todos os tipos
de michês, como garotos que estão abaixo da faixa etária dos dezoito anos e que preferem
esse território, por haver menos pressão policial do que na Getúlio Vargas, e garotos entre
dezoito a trinta anos.
A Praça da Matriz de acordo com o mapa da figura 10 é considerada um território de
forte prostituição e é dividida basicamente por dois territórios, onde de um lado da Igreja de
Nossa Senhora da Conceição trabalham as prostitutas e do outro os michês. No entanto, como
ocorrem vários conflitos na parte das prostitutas, algumas preferem fazer programa no
território dos michês, onde de certa forma, contam com a proteção dos garotos mediante o
pagamento de uma pequena taxa, ou de algum tipo de ajuda como comprar cigarros e pagar
um lanche.
A Praça da Matriz, em relação aos outros territórios é o que concentra o maior número
de michês, porém alguns que apenas fazem programa, e outros que praticam roubos e
furtos aos clientes e às vezes ao próprio garoto de programa, mesmo porque, nem todos os
michês se conhecem. Apesar desse território apresentar maior periculosidade à noite, também
durante o dia os roubos principalmente a clientes, tornou-se uma prática comum.
Na Praça da Matriz, é comum a prática de assaltos por garotos de programa,
principalmente por aqueles usuários de drogas, ou por não haver conseguido fazer nenhum
programa como ocorreu com M (michê): “eu não tinha feito nenhum programa e precisava de
dinheiro, aí fui tentar roubar um cara, mas eu me dei mal, ele me deu um murro”. Esse garoto
em uma de nossas entrevistas estava com a região próxima dos olhos toda roxa, por causa da
agressão que sofreu.
86
Figura 25
Praça da Matriz
Fonte
: Jean Alcântara, 02/05/2009
Figura 26
Praça da Matriz
Fonte: Jean Alcântara, 02/05/2009
87
A Praça da Matriz é frequentada por vários michês, no entanto, a maior frequência dos
clientes é no final do mês segundo as informações dos mesmos, por causa dos pagamentos
dos salários. A faixa etária dos clientes gira em torno de trinta e cinco anos em diante,
enquanto que os garotos estão numa faixa etária entre dezesseis a trinta anos.
Como foi dito anteriormente, no lado dos territórios dos michês encontram-se também
prostitutas que contam de certa forma com a proteção dos garotos de programa. Porém, outro
fator que faz com que elas trabalhem no mesmo território que os garotos, é que tem vários
michês que se relacionam de forma íntima com as prostitutas, vivendo uma união estável.
Apesar disso, tanto o michê como a prostituta atendem seus clientes normalmente, no entanto
dependendo do casal pode haver desavenças por causa de ciúmes.
A Praça da Matriz, enquanto não inicia sua reforma, continua sendo um território que
agrupa o maior número de michês que podem ser encontrados em diversos pontos da praça,
como indica as setas das figuras 25 e 26, assim como na área do Relógio Municipal indicados
pelas figura 27 e 28, onde os garotos se concentram principalmente nos bancos, assim como,
no banheiro público muito utilizado por clientes e michês.
Figura 27
Área do R
elógio Municipal
Fonte: Jean Alcântara, 02/06/2009
88
Desde o momento em que a Praça Heliodoro Balbi passou por uma reforma e foi
proibida a presença de garotos de programa, esses profissionais do sexo passaram a se
concentrar na Praça da Matriz, sendo o território que mais possui michês no centro de
Manaus.
No caso do banheiro público, este passa a ser usado pelos garotos como um ponto de
exibição que eles fazem para os seus clientes, pois há clientes que preferem conferir o
tamanho do pênis do garoto antes de contratá-lo.
Assim como na Getúlio Vargas, na Praça da Matriz, alguns garotos também chegam a
cobrar uma taxa de dez reais, no qual, o novato pode pagar apenas uma vez, pagar durante um
mês ou vários meses dependendo da relação que o novo michê tem com os mais antigos.
Enfim, a Praça da Matriz apesar de ser um espaço público, é bem fragmentada por
várias territorialidades, não somente dos garotos, mas também de prostitutas, moradores de
ruas, policiais, tráfico de drogas, que convivem num mesmo território. Porém alguns michês
se veem como donos do território e com direitos a cobrar pelo uso do espaço seja dos novos
garotos de programa ou das prostitutas.
Figura 28
Banheiro público da área do Relógio Municipal
Fonte: Jean Alcântara, 02/06/2009
89
3.13 Territórios públicos e privados de prostituição masculina
Os territórios de prostituição pública e privada são diferentes quanto ao controle que
se tem do espaço. Enquanto que no privado o controle e às regras são estabelecidas pelo dono
do estabelecimento, nos territórios públicos de prostituição, o controle e às regras ocorrem de
forma espontânea através das relações sociais existentes.
Tanto Gomes (2002), quanto Costa (2007) destacam duas questões importantes que
perpassam as duas esferas dos espaços públicos e privados, e que de certa forma contribuem
para o dinamismo dos territórios de prostituição.
Enquanto que o nomoespaço como enfatiza Gomes (2002) exprime relações formais e
de normalização do espaço, o genoespaço já expressa às ões espontâneas das comunidades
ou grupos que às vezes, possuem interesses contrários. Podemos citar, por exemplo, a ação do
Estado na Praça Heliodoro Balbi que criou um espaço normatizado através da polícia que
impõe condutas de comportamentos aos indivíduos que circulam por essa praça, e impedem a
atuação de prostitutos e prostitutas que antes existiam na praça, assim como a presença dos
hippies que vendiam seus objetos na mesma. Atualmente quem circula pela praça, sempre
está sendo observado pelos seguranças que são responsáveis em manter a ordem nesse
território.
Assim o nomoespaço e genoespaço dinamizam a área urbana da cidade, como ocorre
nos territórios de prostituição, no qual, ora está sujeito a certas normalidades, ora organizam
territórios para defender seus interesses.
Numa discussão de Gomes (2002), entre os espaços público e o privado, mostra que a
apropriação privada dos espaços públicos ocorre por alguns processos como: apropriação
privada dos espaços comuns; a progressão das identidades territoriais; o emuralhamento da
vida social e o crescimento das ilhas utópicas. Dentre esses processos que permitem o recuo
dos espaços públicos, podemos destacar no nosso caso, a progressão das identidades
territoriais, onde diversos grupos, conforme suas afinidades, como gangues, prostitutas,
travestis, michês estabelecem domínios em determinados espaços fragmentando o espaço
urbano e constituindo diversos territórios.
No caso da prostituição de rua, apesar de ocorrer em espaços públicos, como dito
anteriormente, michês que costumam cobrar do garoto de programa que estar iniciando
suas atividades no território, com pagamento de taxas para que ele permaneça no território. E
isso demonstra certa privatização que existe nos espaços, o que Gomes (2002) chama de
90
recuo da cidadania, que na verdade o direito aos espaços públicos passa a ser vetado por
essas manifestações de grupos territoriais.
Silva (2002) ao discutir a organização territorial da polícia, verifica que a distinção
entre os espaços públicos e privados é importante para a mesma, pois define a sua atuação em
determinados espaços. Assim espaços públicos tendem a receber mais a atenção da polícia do
que os espaços privados, por isso, são comuns as abordagens policiais nos territórios de
prostituição, especialmente quando se trata de michê, pelo grande número de delitos
praticados por esse grupo. Principalmente na Praça da Matriz e Getúlio Vargas, os policiais
vivem abordando os garotos de programa para ver se estão com drogas e também para
intimidar os possíveis delitos dos michês como podemos observar no comentário de P.
(michê).
Esses caras aqui estão roubando direto, o é à noite não, agora eles
roubam é dia mesmo, o fulano foi avisado pelo policial que não quer
ele aqui, e disse que vai preso ele e quem estiver com ele. Os policiais
proibiram de ele ficar aqui porque ele brigou com uma cara, por isso ele já ta
avisado (P., michê).
De acordo com Silva (2002), a polícia tende a construir uma fronteira entre o que é
certo e o que errado, o que é moralmente aceitável e o que não é. Por isso, certas condutas,
como as dos profissionais do sexo tendem a ser rigidamente repreendido, às vezes, levando a
detenção, como podemos observar anteriormente onde dois michês foram presos por tentarem
fazer programa na Praça Heliodoro Balbi.
No caso dos territórios de prostituição privada como a boate, o cinema e a sauna, o
controle sobre o comportamento do michê é maior. Algumas transgressões das normas que
prejudiquem o convívio social do ambiente faz com que seja vedada a entrada do garoto de
programa no estabelecimento.
Como destaca Souza (2001), os territórios de prostituição são flutuantes, móveis e
possuem um caráter cíclico com alternância entre o diurno e o noturno no mesmo espaço. Nos
territórios de prostituição, na área central de Manaus é possível perceber territórios tanto
noturnos, quanto àqueles que funcionam nos dois períodos, ou seja, noturno e diurno, mas
que, no entanto, mudam de agentes, pois michês que trabalham todos os dias da semana, e
há aqueles que trabalham durante o dia e outros que trabalham somente à noite.
91
Portanto, os territórios dos garotos de programa, apesar de serem mais flexíveis em
relação aos das prostitutas e travestis e de circularem entre os territórios distribuídos no centro
da cidade, conseguem organizar e manter sua presença em determinados pontos da área
central de Manaus, apesar de ser de maneira quase invisível aos olhos da população local,
pois o conhecimento desses espaços de prostituição são poucos conhecidos pela maioria dos
indivíduos da sociedade. No próximo capítulo poderemos conhecer melhor os garotos de
programa através de seu perfil socioeconômico, suas territorialidades que permitem de certa
forma manter o seu território e a sobreviver no mundo da prostituição.
92
CAPITULO IV: TERRITORIALIDADES VIRIS: UMA ANÁLISE DOS
TERRITÓRIOS DOS MICHÊS NO CENTRO DE MANAUS.
Conhecer as diversas estratégias criadas pelos michês nos territórios, suas relações
com os clientes, com outros territórios de prostituição como das prostitutas e da polícia, não é
fácil, pois esses territórios se apresentam de forma complexa, tendo dinâmicas como vimos no
capítulo anterior, bastante diferenciadas de um território para outro, como os de prostituição
em ambientes privados e públicos.
Além disso, é necessário discutir algumas questões que perpassam o mundo dos
michês como: o significado de ser passivo e o ser ativo na relação sexual, a identidade
territorial criada pelos michês, a negação da homossexualidade, que os michês em sua
maioria se relacionarem com homens e não se consideram homossexuais, mas heterossexuais.
Essas reflexões que serão discutidas nesse capítulo tendem a esclarecer esses territórios cheios
de segredos que ainda precisam ser revelados.
Porém, antes de começarmos a discutir essas questões destacadas acima foi traçado
um perfil, que permite conhecer um pouco dos garotos de programa envolvidos nessa
pesquisa.
No gráfico 1, que mostra a idade dos garotos de programa, percebe-se que a faixa
etária predominante estar entre dezesseis a vinte cinco anos. Diferente de outros profissionais
do sexo, a idade do michê é importante neste mercado do sexo, pois é valorizada a juventude
do garoto. O garoto de programa que possui idade acima dos vinte e cinco anos, geralmente
tende a ter poucos clientes, dependendo da aparência do garoto em relação aos michês mais
novos.
35%
50%
15%
16 a 19 20 a 25 26 a 28
Gráfico 1 – Idade dos michês
Fonte: Jean Alcântara
93
No entanto, como se pode observar, os michês acima dos vinte anos, apesar de não
terem tantos clientes, por serem antigos no território, costumam cobrar taxas dos michês
recem chegados ao território.
No gráfico 2, destaca o centro e as zonas da cidade de Manaus onde residem os
garotos de programa. Dos que foram pesquisados, a maioria dos michês moram na zona Leste
e Sul e alguns garotos moram no próprio centro da cidade.
25%
30%
15%
10%
5%
15%
Sul
Leste
Norte
Centro-Oeste
Oeste
Centro
No entanto, esses que vivem na área central, praticamente, não tem onde morar e
quando conseguem fazer um programa, se hospedam em pequenas pousadas que também
funcionam como hóteis de alta rotatividade. Quando não conseguem clientes alguns chegam a
dormir na rua ou na Praça da Matriz durante o dia. Como destaca Vicentini (2008), para
alguns michês existe uma estreita tendência em serem moradores de rua, o que não é diferente
em Manaus.
O gráfico 3 mostra o estado civil dos michês onde a maioria são solteiros, porém nas
entrevistas quase todos declararam que tem namorada, a minoria vive uma união estável,
porém o são casados oficialmente. Dentre essa minoria que se declarou amigados alguns
vivem com prostitutas e quase sempre compartilham o mesmo território.
No caso do território da Praça Matriz, é uma prática comum esse relacionamento
íntimo entre prostitutas e michês, assim como, há michês que contratam os serviços de
prostitutas também.
Gráfico 2
Zona de moradia dos michês
Fonte: Jean Alcântara
94
20%
80%
Amigado Solteiro
O gráfico 4 destaca o grau de escolaridade dos michês em que observa-se, que a
maioria possui o ensino fundamental incompleto, sendo que, durante a coleta desses dados foi
informado a interrupção dos estudos. Como entre esses garotos estão os que trabalham nas
ruas e praças do centro de Manaus, nota-se a predominância do baixo nível de escolarização.
Na pesquisa de Machado e Silva (2002), sobre os garotos de programa que trabalham
através de anúncios de jornais, notaram que o nível de escolaridade dos entrevistados estava
entre o ensino médio e o superior.
No caso desta pesquisa, os garotos que apresentaram um nível maior de escolaridade,
ou seja, entre o ensino médio e o superior incompleto foram encontrados na sauna e na boate.
5%
65%
15%
15%
Ensino superior incompleto
Ensino fundamental incompleto
Ensino médio completo
Ensino médio incompleto
Gráfico 3 – Estado civil dos michês
Fonte: Jean Alcântara
Gráfico 4 – Escolaridade dos michês
Fonte: Jean Alcântara
95
Quanto à cidade de origem dos garotos de programa (gráfico 5), predominou os
nascidos na cidade de Manaus, outros do interior do estado do Amazonas e alguns vieram de
outros estados do Norte e do Nordeste do Brasil.
70%
15%
15%
Manaus Interior do AM Outro estado
Diferente de outras grandes cidades, percebe-se que a maioria dos garotos que se
prostituem no centro de Manaus são da própria cidade, mesmo porque, a cidade o oferece
tanta circulação como por exemplo, na cidade de São Paulo, ou em Goiás. Na pesquisa de
Silva (2006), o autor observou que em Goiás os garotos de programa circulavam entre a
capital do estado e outras cidades. No caso da cidade de Manaus, os garotos se concentram
mais na cidade, pela dificuldade de acesso em ir para outros estados e nas cidades menores do
Amazonas não tanto mercado para os michês como nas cidades com maior concentração
populacional.
No gráfico 6, que mostra com quem os michês moram, podemos perceber que a
maioria reside com a família e como seus familiares não sabem do seu ofício, boa parte dos
garotos, mantêm certo cuidado para que seus parentes não saibam.
Os michês que declararam que moram com suas companheiras, quase sempre
prostitutas, vivem um relacionamento estável. Neste caso, os dois trabalham com a
prostituição no mesmo território, ou seja, a prostituta atendendo seus clientes do sexo
masculino, assim como, os michês que também atendem em sua maioria homens.
Gráfico 5 – Cidade de origem dos michês
Fonte: Jean Alcântara
96
70%
15%
15%
Familia Companheira Sozinho
O relacionamento entre profissionais do sexo como ocorre entre prostitutas e michês,
nem sempre se de maneira amistosa, pois pode haver conflitos no sentido de um dos
companheiros não aceitarem a profissão do outro como nos conta W, que convive com uma
prostituta.
Eu convivo com uma garota que faz programa ela tem três filhos, um é meu,
ela tem muito ciúmes de mim, ela não quer que eu trabalhe, só ela quer
trabalhar. Ela trabalha aqui na Matriz e na Getúlio Vargas. Teve um dia que
ela me deixou todo arranhado, porque nós brigamo, por causa do ciúme dela.
(W., michê).
Quanto aos michês que moram sozinhos, geralmente são garotos que vem de outros
municípios do Amazonas, ou de outros estados brasileiros. Vivem de aluguel em bairros
distantes do centro da cidade, ou então, perambulam pelas ruas do centro à procura de
programa e quando conseguem, alugam uma diária nos hotéis de alta rotatividade espalhados
pelo centro.
Esses michês que moram sozinhos na verdade não possuem um lugar fixo, pois se
acomodam em diversos ambientes da cidade, como em kitinetes alugadas em bairros
distantes, diárias em hotéis, alguns chegam a dormir nas praças, ou às vezes, dormem em
casas de clientes.
Por se tratar de uma atividade onde a maioria que a exerce são jovens, não possuem
filhos, mesmo assim, percebe-se pelo gráfico 7, que parte dos michês já são pais, tendo entre
um a três filhos. No entanto, de acordo com o que foi observado, não convivem com seus
filhos, a não ser aqueles michês que vivem diretamente com as prostitutas.
Gráfico 6
Com quem os michês moram
Fonte: Jean Alcântara
97
65%
20%
10%
5%
o Um Dois Três
O gráfico 8, apresenta outras atividades exercidas pelos michês, além da prostituição,
podemos perceber que a minoria está no setor formal do mercado, trabalhando principalmente
em fábricas do distrito industrial. Os que exercem atividades como autônomos atuam no setor
informal como vendedores de CDs, ajudante de pedreiro ou em bancas de lanches e de
camelôs, porém, essas atividades são exercidas por pouco tempo. E na sua grande maioria
exercem somente a atividade como michê.
Pela baixa qualificação que possuem, especialmente os michês de rua, como foram
verificados na pesquisa são poucos os garotos que conseguem um lugar no mercado de
trabalho, pois a maioria além de não ter concluído o ensino fundamental, também estão fora
da escola.
65%
25%
10%
como mic Aunomo Setor formal
Gráfico 7
Michês que tem filhos
Fonte: Jean Alcântara
Gráfico 8
Outra
atividade exercida pelos michês
Fonte: Jean Alcântara
98
No entanto, é bom destacar que essa realidade da baixa qualificação é um dos motivos
dos garotos estarem fora do mercado de trabalho, exercendo a atividade somente de michê.
Essa é uma característica dos garotos de programa de rua, que em saunas ou em outros
ambientes de prostituição, é observado outra realidade.
Quanto ao tempo de profissão como podemos perceber no gráfico 9, a maioria dos
entrevistados exercem a atividade como michê entre um a dois anos. Como os territórios de
rua são mais dinâmicos, sempre está chegando novos garotos no centro e ocupam
principalmente a Praça da Matriz e a Avenida Getúlio Vargas.
15%
45%
15%
10%
15%
Menos de 1ano 1 a 2 anos 2 a 3 anos
4 a 5 anos Mais de 5 anos
De acordo com Perlongher (1986), os garotos de programa veem sua atividade como
passageira, mesmo porque, neste mercado do sexo é muito valorizada a aparência e a
juventude do garoto. Portanto, são poucos os garotos que estão nessa profissão mais de
cinco anos, e menos ainda aqueles que ultrapassam os dez anos como michês.
Como vimos anteriormente, a maioria dos garotos que participaram das entrevistas
declararam que vivem com a família, porém, se observamos o gráfico 10, nota-se que mais da
metade mantém a atividade como michê em segredo.
Os outros em que seus familiares sabem, na verdade são garotos que vieram de outros
municípios do Amazonas ou de outros estados, além disso, alguns deixaram de ter vínculos
com a família, ou então, vieram de uma família desestruturada.
Por isso, como a maior parte dos michês mantêm sua atividade em sigilo, alguns
garotos costumam ser discretos quando estão em seus territórios, e outros procuram
freqüentar as ruas ou as praças em determinados dias da semana, principalmente os que estão
Gráfico 9 – Tempo em que exerce a atividade como michê
Fonte: Jean Alcântara
99
abaixo da faixa etária dos dezoitos anos, justamente para não chamar a atenção de seus
familiares.
30%
70%
Sim o
Como mostra o gráfico 11, dentre os motivos que levaram os michês a seguirem essa
profissão, a maioria destacou que foram as condições financeiras, mesmo porque, grande
parte dos garotos vêm de famílias que possuem um baixo poder aquisitivo, além disso, pela
baixa escolaridade e por estarem fora do mercado formal de trabalho, veem na prostituição
um meio de sobrevivência.
Outros fatores que contribuem para que os garotos de programa optem por esse meio
de vida são as drogas, o ganho fácil de dinheiro, diversão e prazer em se prostituir.
65%
15%
10%
10%
Situação Financeira Drogas Dinheiro Fácil Diversão
Gráfico 10
Familiares que sabem da profissão de michê
Fonte: Jean Alcântara
Gráfico 11 – Motivo que levou a ser michê
Fonte: Jean Alcântara, 2009
100
Para Perlongher (1986) além da necessidade financeira, existem outros fatores que de
certa forma estão ligados a prostituição de jovens garotos.
O negócio do michê situa-se na interseção de uma multiplicidade de
coordenadas sociais. O interesse homossexual dos jovens pobres não diz
respeito apenas ao plano do desejo, mas também, à crescente pauperização
e correlativa lumpenização dos adolescentes da classe baixa, principais
vítimas do desemprego. Este processo enche de bandos de jovens as ruas das
grandes cidades brasileiras. O desemprego propicia a perambulação; o quase
que inevitável encontro com os homossexuais à deriva, a procura de um
garoto jovem e rude, lugar a um peculiar contrato, no qual uma “ajuda”
outorgada ao rapaz pelo cliente, serve também de exutório para veicular a
consumação sexual, atenuando os reparos morais” em nome da
compensação monetária. (PERLONGHER, 1986, p.132).
Especialmente os de classe populares buscam através do programa a satisfação do
desejo e de consumo, como roupas, sapatos, drogas e divertimentos já que dificilmente teriam
acessos a esses bens, veem na prostituição a alternativa.
Outra questão, é que além desse perfil dos michês, é interessante destacar, as
diversidades desse tipo de prostituto. Perlongher (1986), em sua pesquisa sobre a prostituição
viril em São Paulo, reproduziu algumas categorias de michês de acordo com as definições dos
próprios entrevistados. Em Manaus podemos perceber alguns dos tipos definidos por esse
autor.
O michê-macho que se apresenta de forma bem masculina nos territórios de
prostituição, e mesmo que pratique uma relação homossexual, se considera heterossexual,
pois geralmente convive com mulheres, e só tem relacionamento com homens por uma
questão financeira.
O michê-gay se apresenta de forma masculina, não possui gestos efeminados, no
entanto, diferente do michê-macho, possui uma orientação sexual para o mesmo sexo. Na
cidade de Manaus é mais freqüente encontrar esse tipo de michê nas boates do que nas ruas,
onde prevalece o michê-macho.
O michê-bicha, geralmente utiliza mais o ciberespaço para se prostituir, ou se localiza
mais em bairros da periferia de Manaus, pois no centro da cidade, onde o território é ocupado
mais pelo tipo de michê-macho, ele é bastante discriminado pelos seus gestos efeminados.
O michê-malandro é aquele que na verdade pratica mais roubos aos clientes do que
propriamente fazer programa, facilmente encontrado em espaços abertos de prostituição. Nos
territórios de prostituição do centro de Manaus, esse tipo de michê prejudica os trabalhos de
101
outros michês, pois chegam a cobrar um valor inferior ao dos outros michês, no entanto, ao
terminar o programa exige um valor maior do cliente. Com esse tipo de atitude, alguns
clientes se afastam dos territórios, buscando outros mais seguros, como a prostituição
fechada. Geralmente o michê-malandro é aquele garoto mais viciado em substâncias
alucinógenas e por não terem tantos clientes, não conseguem sustentar seus vícios apenas
fazendo programa, o que complementa com as práticas de assaltos.
O michê-ocasional é aquele que se prostitui de acordo com as possibilidades que
surgem e sua frequência nos territórios de prostituição é tênue. Esse tipo de michê, também
pode ser encontrado em boates, onde ao mesmo tempo em que está no ambiente para se
divertir também se prostitui quando a ocasião possibilita a isso.
Essas são algumas das categorias de michês que podem ser observadas na cidade de
Manaus, especialmente no centro da cidade e que foram propostas por Perlongher (1986)
entre outras que não caberia mencionar, pois não foi observado na cidade. No entanto, o autor
trabalha a prostituição masculina de rua, e um tipo de michê que não foi mencionado foi o
michê-heterossexual, que atendem exclusivamente mulheres dispensando outros tipos de
clientes, mas esse tipo de michê dificilmente pode ser encontrado nas ruas, praticando o
trottoir.
Outro tipo que podemos acrescentar também poderia ser o michê-cyber que utilizam o
ciberespaço para oferecer seus serviços sexuais. O meio mais usado por esse tipo de michê
são as salas de bate papo ou os sites de relacionamentos.
Nunan e Jablonski (2002) ao pesquisarem sobre a homossexualidade e o preconceito,
definem alguns tipos de grupos homossexuais. Dentre esses grupos algumas definições se
aplicam aos garotos de programa como: michês ou garotos de programa que de acordo com os
autores são homens que se prostituem, sem se considerarem homossexuais; os boys ou
boyzinhos são homossexuais jovens que tentam parecerem masculinos, no entanto,
apresentam uma característica andrógina. No caso dos garotos de programa, os boys, apesar
de alguns apresentarem características andróginas não se consideram homossexuais; os gogo-
boys são garotos que se apresentam dançando de sunga em casa noturnas, seja de mulheres ou
de homens e muitos acabam fazendo programa com os frequentadores do local; os bofes são
homens masculinos que não se consideram necessariamente homossexuais, apesar de muitos
praticarem uma relação sexual com homens, quase sempre por dinheiro. O termo boy é
utilizado especialmente por garotos que frequentam a sauna, pois dificilmente eles se auto
definem como garotos de programa ou michês, sendo esses dois últimos termos utilizados
mais em territórios de prostituição de rua.
102
Por fim, podemos destacar um termo local de Manaus que é “zurado”, ou seja, o
michê-zurado, segundo os michês de Manaus, se refere aquele tipo de garoto que faz
programa por qualquer valor, no intuito de conseguir dinheiro para usar drogas. É um pouco
parecido com o michê-malandro, mas neste caso, para o michê-zurado não haveria a prática
do roubo.
Portanto no espaço urbano, a prostituição encontra diferentes formas de se manifestar,
abrangendo os diversos espaços criados pela sociedade, seja o concreto ou o virtual. No caso
dos michês, esses profissionais não são tão percebidos pela sociedade, pois quando se trata de
territórios de prostituição, pensa-se primeiro em prostitutas e travestis. No entanto, como
podemos perceber existem diferentes tipos de michês espalhados pelos territórios de
prostituição no centro de Manaus.
O perfil acima o é suficiente para compreender a realidade de todos os michês, mas
consiste em demonstrar quem seriam em parte os garotos de programa que participaram dessa
pesquisa.
4.1 Ativo x passivo e o papel sexual dos michês
A questão de ser ativo ou passivo que perpassa o mundo dos michês é bem complexa,
pois o michê sempre busca expressar gestos de masculinidade perante o cliente, ao mesmo
tempo, em que existe a negação e a rejeição aos gestos efeminados.
Perlongher (1986), em sua pesquisa com garotos de programa faz referência a três
critérios sexuais relacionados aos homossexuais, no qual os michês também desempenham: os
passivos que durante o ato sexual exercem papéis femininos, ou seja, são introduzidos numa
relação sexual; os duplos, que em alguns ambientes homossexuais são conhecidos como
versáteis, são aqueles que desempenham numa relação sexual tanto o papel feminino (que é
introduzido na relação sexual) quanto masculino (que introduz numa relação sexual); por
último o ativo que são aqueles que desempenham o papel masculino numa relação sexual (só
introduz durante o ato sexual). (PERLONGHER, 1986, p. 90).
No caso dos garotos de programa, mesmo que eles numa relação sexual sejam
passivos, não se consideram homossexuais apesar é claro de os mesmos sofrerem
preconceitos por parte de seus colegas. Na sauna, o michê que é passivo é bem mais aceito do
103
que nos territórios de rua, mesmo porque, clientes somente ativos que procuram michês
passivos.
Na conversa com Al, que é um michê de sauna e somente passivo, por exemplo,
justifica:
Eu não consigo levantar pra cliente, pra minha namorada, por isso, eu
sou passivo, além disso, você ganha mais. Teve um dia que eu tava
precisando de dinheiro eu fiz uns cinco clientes, mas também saí com meu
cu ardido srsrsrsr... a vantagem de ser passivo é que você pode atender mais
clientes que o ativo, pois o ativo se gozar, consegue atender no máximo um
ou dois clientes, isso quando consegue. (Al, michê).
No caso da sauna, os papéis entre ativo e passivo são bem definidos e podemos
encontrar michês que exercem diferentes papéis como os ativos, os versáteis e os passivos.
Porém nota-se que mesmo sendo o michê passivo, seus gestos perante os clientes são bem
masculinos, pois quase todos os clientes que são ativos preferem michês passivos que se
comportem como machos, ou seja, seria uma forma de fantasia sexual do cliente.
Santos E (2007), na sua pesquisa sobre a prostituição masculina em sauna destaca uma
entrevista com um cliente, no qual exemplifica bem esse desejo “você quer coisa mais gostosa
que comer cu de macho. Não tem nada melhor que cu de macho [...] ah, macho é um cara com
tórax bem definido, com braços fortes, um corpo bonito” (SANTOS, 2007, p. 3).
Nota-se que mesmo o michê sendo passivo, ele precisa deste aspecto da
masculinidade, virilidade que é bastante valorizada no mercado sexual dos garotos de
programa.
Em se tratando de territórios de prostituição em espaços públicos, como a praça, os
michês passivos são muito discriminados, além disso, não possuindo tanto domínio no
território como o michê ativo.
Quando realizada as entrevistas na Praça da Matriz foi possível perceber, que o michê
passivo não tem tanto controle do território como o ativo, pois durante a pesquisa, um garoto
de programa passivo, praticamente, teve que sair do seu lugar para realizarmos a entrevista
com um michê ativo que começou a falar diretamente para o garoto: “esse cara é
mulherzinha, é passivão quer que eu tire ele daí pra gente sentar no lugar dele, eu tiro” (W,
michê).
104
No livro de Misse (2005) que trabalha a questão do passivo, o autor ao realizar uma
pesquisa popular mostra algumas definições sobre o passivo e ativo como podemos verificar
na tabela 1 criada por Misse.
Pelos resultados da tabela 1, podemos verificar que o passivo sempre esta associado
aos adjetivos negativos e inferiores ao do ativo e de certa forma, se associarmos esses dois
termos a questão da sexualidade, o passivo está associado ao sexo feminino e aos
homossexuais, e o ativo ao sexo masculino. Foucault (1990), ao analisar a história da
sexualidade da civilização grega, percebe-se que os atributos relacionados ao passivo está
associado à preguiça, a indolência e ao ativo estaria atributos relacionados a força e a
coragem, ou seja, comparado com as definições populares de Misse (2005), as forma de o
passivo e ativo continua praticamente quase a mesma da civilização grega.
Definição de
"Passivo" n
0
Definição de
"ativo" n
0
"não reage" 39 "sujeito de ação" 40
"parado" 36 "enérgico" 38
"quieto" 34 "barulhento" 6
"mole", "bobo" 33 "imponente" 4
"submisso" 32 "dominador" 36
"aceita tudo" 28 "impõe", "resolve" 18
"aproveitam dele" 22 "tira vantagem" 15
"pra ele tanto faz" 22 "cara que faz" 35
"idiota" 18 "vivo" 22
"fresco" 9 "homem", "macho" 30
"viado" 7 "viril" 23
"medroso" 8 "corajoso" 27
"fraco" 17 "forte" 16
"covarde" 6 "agressivo" 31
"palerma" 6 "mexe com tudo" 28
"ignorante" 3
"bunda mole" 2
Segundo Davi (2006) numa sociedade como a nossa, predomina o padrão do homem
heterossexual que como machão procura ter certa superioridade sobre outros grupos mais
vulneráveis da sociedade. No caso do michê onde a maioria não se considera homossexual, os
michês ativos possuem um maior domínio sobre o território em relação aos michês passivos,
mesmo porque, os passivos são poucos no território de rua, praças e avenidas no centro de
Tabela 1 – Definições populares de passivo e ativo
Fonte: Michel Misse, 2005
105
Manaus. Na verdade para se identificar um passivo no território de prostituição é muito
difícil, pois geralmente quase todos os michês, negam que, às vezes, podem exercer o papel
de passivo numa relação sexual, especialmente nos territórios de prostituição de rua, já nas
saunas o michê passivo é bem mais fácil de ser encontrado.
Na sauna como quem domina é o dono do estabelecimento, o michê passivo o
sofrerá tanta pressão por parte de seus colegas, apesar de às vezes, surgir certas brincadeiras
com o garoto. Outra questão é que na própria sauna frequentam vários clientes ativos, e um
michê passivo passa a ser mais uma opção para a diversidade de clientes que utilizam a sauna.
Diante do cliente, o michê precisa se apresentar de forma masculina, mesmo que seu
papel seja de passivo. Outro fator que é de extrema importância no território de prostituição
masculina é o pênis, especialmente, se for “bem dotado”. No universo masculino, de acordo
com Trevisan (1998), o falo passa a ser algo relevante para o homem e um simples problema
que afete a articulação lica, comprometeria a própria identidade masculina. Neste caso,
nota-se que garotos “bem dotados”, possuem uma preferência maior dos clientes, mesmo que
ele não possua uma aparência dentro dos padrões estéticos de beleza, no entanto, a perda de
sua ereção, leva muitas vezes a certas situações desagradáveis com os clientes.
Ao acompanhar o cotidiano da sauna, alguns clientes insatisfeitos, por que o michê
não teve ereção na hora do ato sexual, recusavam-se a pagar o serviço do garoto, ou alguns
michês por serem versáteis acabavam exercendo o papel de passivos.
Para manter seu papel de ativo, garotos de programa que chegam utilizar remédios
que ajudam na ereção durante o ato sexual, especialmente os michês que tem dificuldades em
manter o seu falo.
Vale ressaltar, que neste mercado do sexo as funções de ativo e passivo podem
apresentar valores variados, ou seja, um garoto que costuma ser ativo, por exemplo, pode
cobrar a mais, caso o cliente proponha que o michê seja passivo numa relação sexual.
No entanto, a possibilidade de se tornar um michê passivo, torna-se uma barreira para
certos garotos que trabalham em territórios de rua, pois para eles, michês que trabalham em
saunas são obrigados a ser passivos como podemos perceber na fala de W (michê): eu não
traballho em sauna não, prefiro fica aqui na praça, porque eu não dou o cu, e os caras tem
que dá cu”.
A visão do michê de rua sobre a sauna, mostra que ao freqüentá-la, o mesmo poderá
perder sua autonomia, estará sujeito às regras do ambiente. No entanto, o michê de sauna
também tem sua autonomia, pois o mesmo não é obrigado a ser passivo se não quiser, isso em
Manaus. Entretanto, Santos E (2007), em sua pesquisa sobre os garotos de programa em
106
espaços fechados na cidade de São Paulo, percebeu que algumas saunas permitem garotos
de programa se caso o mesmo estiver disposto a satisfazer o cliente seja de forma ativa ou
passiva.
Portanto a convivência com atividade ativa e passiva é bem estreita no mundo dos
michês, e usar a homossexualidade para defini-los seria impróprio, visto que parte tanto de
seus clientes quanto do próprio michê, que possui uma relação sexual com o outro homem,
não se considerarem homossexuais, mas sim, heterossexuais.
Quando está no território, seja público ou privado, o michê sempre se diz ser ativo
diante de seus clientes e dos outros garotos de programa, raramente se um garoto que se
assuma como passivo, sendo a passividade algo mais latente com relação aos michês.
4.2 Identidade territorial, territorialidade e os espaços multiterritoriais dos garotos de
programa.
Ao se pesquisar os territórios dos garotos de programa, não se pode deixar de discutir
a identidade territorial e a territorialidade que são essenciais para compreendermos as práticas
e as estratégias existentes no território. Além disso, na área central de Manaus, os territórios
dos garotos de programa não estão isolados, dividem seu território com outras
territorialidades existentes no centro da cidade, ou seja, esses michês estão inseridos num
espaço multiterritorial, no qual eles se relacionam com outros grupos que também criam seus
territórios como os travestis, prostitutas, homossexuais, traficantes, policiais e moradores de
rua, sejam de forma harmoniosa ou conflituosa.
De acordo com Hall (2006), no mundo atual, os indivíduos não estão atrelados apenas
a uma identidade homogênea, mas os sujeitos apresentam diversas identidades conforme a
necessidade exige:
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de
nós identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal
modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.
(HALL, 2006, p. 13).
107
A identidade no caso dos garotos de programa é bastante relativa e provisória. Ao
mesmo tempo, que não se pode dizer que o michê viva apenas uma identidade, mas diversas
identidades que permitem de certa forma, satisfazer as exigências existentes no mercado do
sexo ao qual está incluído e a participar de grupos sociais moralmente aceitos.
Outra questão destacada por Hall (2006) é que nos sujeitos identidades
contraditórias que se direcionam em diferentes caminhos, e esta contradição pode ser
observada pela negação do garoto de programa quando se está fora do seu território. Negando
sua função como michê, ao mesmo tempo, em que se assume como garoto de programa
quando chega no território, ou seja, irá assumir sua identidade dependendo do momento e da
situação em que se encontra.
Ao tratar de identidade social, Cuche (2002) mostra que a mesma terá um papel
importante, pois permite ao indivíduo se vincular a um determinado grupo de acordo com
seus interesses. Segundo este autor:
A identidade social é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela identifica o
grupo (são membros do grupo os que são idênticos sob um certo ponte de
vista) e o distingue dos outros grupos (cujos membros são diferentes dos
primeiros sob o mesmo ponto de vista). (CUCHE, 2002, p.177).
Como observa Cuche (2002), a identidade também serve para excluir e incluir os
indivíduos. Isso foi verificado nos territórios públicos e privados de prostituição, onde
dificilmente se encontra um michê que se assuma como passivo. Esse tipo de michê como não
se encaixa no perfil do grupo é totalmente discriminado e excluído. Por outro lado, os michês
ditos ativos, que se apresentam de forma masculina no território, já são aceitos pelo grupo por
compartilhar do mesmo interesse e da mesma maneira de se comportar no território.
Segundo Hall (2006), todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo
simbólico, entretanto, apesar da identidade ser relativa, ela está muito atrelada ao seu
território. Como foi dito anteriormente, a identidade do garoto de programa é provisória, pois
se manifesta a partir do momento em que o michê está no território, por isso, como sua
identidade está ligada ao seu território, portanto criam uma identidade territorial.
De acordo com Haesbaert (1999), a identidade territorial se forma a partir do momento
em que a mesma está relacionada, ligada ao território, o que é diferente de uma identidade
social.
108
Partimos do pressuposto geral de que toda a identidade territorial é uma
identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja,
dentro de uma relação de apropriação que se tanto no campo das idéias
quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim
parte fundamental dos processos de identificação social. Se toda a identidade
territorial é obviamente, uma identidade social, nem toda identidade social,
toma, obrigatoriamente, como uma de suas referências centrais, o território.
(HAESBAERT, 1999, p.172).
Portanto no território dos garotos de programa, não identificamos apenas uma
identidade social, mas também, territorial, pois de acordo com Haesbaert (1999), também
notamos uma relação estreita com o seu território de onde praticamente surge sua identidade.
Essa identidade territorial só se caracteriza segundo Marzulo (2007), a partir do
momento em que a referência espacial passa a ser o elemento central para identificação do
grupo. Neste caso, a identidade territorial dos grupos de prostituição se torna bem clara, pois a
identidade do michê, da prostituta e dos travestis se fortalece a partir do território.
Pelo fato de a maioria dos garotos de programa exercerem sua atividade em segredo,
que a maioria vive com a família ou possuem uma companheira fixa, além do preconceito
que a profissão sofre da sociedade, é que somente irão assumir sua identidade e suas práticas
como profissionais do sexo a partir do momento que chegam ao seu território.
Ao conversar com um cliente de sauna percebe-se bem essa distinção que os garotos
de programa fazem entre estar no território para se prostituir, ou em alguns momentos podem
não estar no território como prostituto.
Eu encontrei um boy na A2, ele tava com uma garota lá, imagina que eu
fui falar com ele e ele fingiu que nem me conheceu, me tratou até mal. Esses
garotos quando estão aqui ficam em cima da gente, mas é sair daqui que
eles querem dar um de machão. (Ma, cliente da sauna).
O relato como de Ma, mostra bem o quanto a identidade territorial do garoto de
programa é provisório, assumindo-se como tal, apenas quando estão em seu território, porque
fora dele, o mesmo procura assumir outro tipo de comportamento, negando sua identidade
como garoto de programa.
A identidade de um grupo fortalece o território, pois permite diferenciar o
determinado grupo de indivíduos dos outros, e isso é fundamental, pois essa diferenciação do
grupo é que permite que o mesmo defina seu território e seja identificado por outros agentes
no qual se relacionam. Isso é importante, pois o espaço urbano em si, é multerritorial, e a
109
partir do momento que o garoto de programa assuma sua identidade no território, passam a ter
o controle sobre o território.
Isso é percebido no caso da Praça da Matriz, onde as prostitutas acabam se inserindo
no território dos michês, porém com o seu consentimento, pois elas sabem que estão em um
território alheio.
Como os territórios dos garotos são discretos e imperceptíveis para quem não participa
ou não entende seus códigos, podemos destacar alguns aspectos que podem identificar um
michê como: o modo de se vestir, geralmente usa bermuda, camiseta, tênis e boné, circulam
pela praça e rua sempre atento a um possível cliente, no qual, procura observar o possível
cliente através de olhares, e caso perceba que surgiu um cliente, uma das estratégias é ficar
tocando de vez enquanto o seu órgão genital.
Esses o alguns códigos básicos observados nos territórios de rua, em territórios
fechados como as saunas a identificação é bem mais fácil, pois os próprios garotos ou os boys,
como se autodenominam abordam os clientes diretamente e expõem suas propostas. Além
disso, também criam suas estratégias de sedução e comportamentos que os diferenciam dos
frequentadores, alguns andam só de cueca ou sunga, exibem seu órgão genital para os
clientes, chegam, conversam e começam a acariciar o cliente para convencê-lo a contratar
seus serviços.
Essas práticas espaciais que são as territorialidades, juntamente com a identidade
territorial são vitais para a manutenção do território, pois ajudam a mantê-lo.
Assim como o michê exibe sinais que permitem a identificação pelo cliente, o mesmo
também busca identificar certos detalhes capazes de verificar os indivíduos que podem
contratar seus serviços ou não. P (michê), ao ser questionado como ele identificaria um
possível cliente, responde:
Ah! é fácil eu to andando por aí, se um cara começar a olhar muito pro meu
pau, já sei que ele é, quando ele ta olhando uma, duas, três, ai sei que ele
ta interessado, então começo a pegar no pau, olhar pra ele, ai pronto chego
lá, ou ele chega até mim, ai pronto a gente vai pro motel. (P., michê).
Especialmente os garotos experientes conseguem identificar os clientes com mais
facilidade que os michês mais novos, além é claro de terem seus clientes fixos. No entanto, a
chegada de um novo michê, seja na praça, na rua ou na sauna, ele será preferência dos
clientes.
110
Para Claval (1999), a territorialidade é essencial para a identidade, pois ajuda a
fortalecê-la, no entanto, ela não se manifesta da mesma forma, pois pode ser mais intensa em
determinado grupo e em outros o. Nos territórios de prostituição algumas territorialidades
se manifestam de forma precisa como as das prostitutas e travestis, em comparação com as
dos garotos de programa que são mais sutis.
Outra questão importante que envolve a territorialidade é a de Sack (apud Haesbaert,
2004) que a vê da seguinte forma:
A territorialidade humana envolve o controle sobre uma área ou espaço que
deve ser concebido e comunicado, mas ela é melhor entendida como uma
estratégia espacial para atingir, influenciar ou controlar recursos e pessoas,
pelo controle de uma área e, como estratégia, a territorialidade pode ser
ativada e desativada. (SACK apud HAESBAERT, 2004, p.86).
Para Sack (apud HAESBAERT, 2004), a territorialidade não visa apenas o controle de
um determinado espaço concreto, mas também engloba as relações entre pessoas, ou seja,
uma forma mais subjetiva de influenciar também os indivíduos. Além disso, segundo o autor
como a territorialidade é uma estratégia ela pode ser ativada e desativada.
Essa desativação da territorialidade, exemplificada pela Praça Helidoro Balbi, onde
antes existia uma forte concentração de garotos de programa, porém com a revitalização da
praça, a territoriadade foi totalmente desativada já que os garotos não puderam mais utilizar a
praça.
a sauna, não se constitui em um território de garotos de programa em si, mesmo
porque, o controle deste espaço es sob a responsabilidade do dono da sauna, ou seja, se
levarmos em conta os boys que frequentam a sauna, podemos afirmar que existe uma
territorialidade, porém os michês não formam um território.
Apesar de não possuírem o controle espacial, os michês da sauna, criam estratégias
capazes de firmar sua presença no lugar e acabam chamando a atenção dos possíveis clientes
que contratam seus serviços. Essas estratégias podem ir desde a masturbação próximo ao
possível cliente, exibição do pênis, a ousadia nas suas abordagens, nos olhares, ou seja, os
garotos criam códigos e símbolos que os permitem de certa forma se destacarem entre os
frequentadores comuns.
Segundo Cara (1995), a territorialidade está ligada a experiência individual, em
particular aquela em que o indivíduo aprende em uma coletividade, ou seja, a vivência que
111
um determinado indivíduo experimenta no grupo, ao qual passa a pertencer lhe permite
apreender diversas experiências que serão usadas no cotidiano do território.
Quando um michê chega ao território, ele dificilmente ficará isolado dos outros
garotos, mas passará a se comunicar com o grupo e a conhecer determinadas “regras”,
especialmente, no que se refere ao valor do programa. Porém, certas regras no território dos
garotos de programa, por não serem tão rígidas, dificilmente são cumpridas, porque apesar
deles estarem juntos neste território cada um tem sua autonomia e chegam a seguir suas
própria regras.
Haesbaert (2006), fez uma observação interessante à identidade metropolitana e
mostra o quanto é complexa a convivência entre os indivíduos no meio urbano:
Somo estranhos uns aos outros, mas buscamos constantemente resguardar
um espaço dentro da urbe, onde sejamos comuns e conhecidos, onde nossos
signos encontrem reciprocidade. Somos habitantes desta confusa rede
metropolitana, mas forjamos uma cartografia particular de seu traçado.
Nossos roteiros e deslocamentos se inscrevem em um intricado jogo de
disputas, proibições e limites espaciais. lugares de passagem, os de
permanência, também os horários convenientes e os espaços
completamente proibidos ou vedados. (HAESBAERT, 2006. p.94).
Como vivemos em uma sociedade complexa onde os indivíduos possuem diversos
interesses, na área urbana é possível encontrar diversos territórios que podem conviver no
mesmo espaço. Como foi destacado por Haesbaert (2006), os indivíduos buscam se agrupar
em determinados pontos da cidade, onde a possilidade de encontrar sujeitos que
compartilhem do mesmo modo de pensar e viver as práticas do cotidiano. Como ocorre com
os grupos de prostituição que são definidos na área central de Manaus, através de vários
pontos de prostituição em que nem todos profissionais do sexo podem circular.
A convivência com esses multiterritórios que se constituem no centro de Manaus,
como de policiais, prostitutas, travestis, tráfico de drogas, moradores de rua, por exemplo,
compartilham juntamente o espaço da área central de Manaus, no entanto, nem sempre de
forma harmoniosa, mas sim, podem ocorrer conflitos, rivalidades entre esses territórios.
No centro de Manaus, os garotos de programa não frequentam os mesmos pontos dos
travestis. Na Avenida Getúlio Vargas pode ser encontrado três grupos de prostituição como:
prostitutas, travestis e garotos de programa. Os michês ficam próximos dos travestis, mas não
ocupam o mesmo ponto. com as prostitutas é comum os michês dividirem, às vezes, o
112
mesmo território, pois como foi dito anteriormente, alguns michês se relacionam com as
prostitutas.
Porém essa relação entre esses dois grupos de prostituição, ou seja, michê e prostitutas
não é tão harmoniosa ocorrem vários desentendimentos como relata W (michê) que vive
com uma prostituta.
A minha mulher se desentendeu com uma puta da Matriz, por causa de
cliente, ai eu me intrometi na briga delas duas, ai ela deu dez reais pros
policias me pegarem lá na Getúlio Vargas (nesse dia, esse garoto estava
cheio de hematomas, por causa da violência policial), eu sabendo, mas
vai ter o trôco. (W, michê).
Como muitos michês têm um relacionamento íntimo com as prostitutas acabam se
envolvendo também em suas confusões, pois a rivalidade entre prostitutas é freqüente.
A atuação da polícia é rara em ambientes fechados de prostituição, como as saunas e
em boates, no entanto, em territórios públicos de prostituição como constantes delitos e
usos de drogas, a presença policial é freqüente. Segundo Claval (1999), as territorialidades
tendem a ser meio que hierarquizadas, em mundo desenvolvido. Porém, apesar de o autor
fazer referência apenas para países desenvolvidos, em Manaus, nos territórios de prostituição
dos michês também podemos observar certa hierarquização. A polícia possui o maior controle
do território, podendo proibir que o garoto de programa circule por determinados pontos
como aconteceu com M (michê), que estava proibido pelos policiais de circular pela Praça da
Matriz. Depois dos policiais, os garotos tem o maior controle sobre seus territórios e as
prostitutas que estão nesses territórios, não tem tanto poder sobre pontos que são dos garotos,
embora eles as dividam com elas, conforme já foi demonstrado.
Outros tipos de conflitos que também ocorrem nos território de prostituição masculina,
envolvem os próprios michês, mas também, ocorre entre michês e clientes. Ad (michê),
exemplifica um conflito com um cliente.
Eu fui com um cara pra um desses hotel aqui do centro, quando chegou lá
nós transamos, no final ele não queria me pagar. Cara eu fiquei com tanta
raiva que eu peguei uma daquelas latinha de cerveja amassei e fiz tipo uma
faca com ela, a mulher do hotel chamou até a polícia, eu ia matar ele se ele
não me pagasse, os policiais me deram razão porque a mulher confirmou
que eu nunca tinha aprontado nada. (Ad, michê).
113
Apesar da violência contra o michê não ser tão conhecida como contra às prostitutas e
travestis, os garotos de programa correm muitos riscos e sofrem até mesmo com ameaças e
espancamentos, seja de policias, clientes ou outros garotos de programa rivais. No relato de
W (michê), mostra uma situação de risco que passou com o cliente:
Eu tava uma vez no banco da praça e um cara me chamou pra fazer um
programa, eu entrei no carro e nós fomos pra Ponta Negra, ele perguntou
se eu era ativo ou passivo, eu disse que era somente ativo, quando chegou
perto ele me apontou uma arma e disse que eu tinha que meu cu, senão
ele ia me meter uma bala na cabeça, eu escapei porque teve um momento
que ele se destraiu e eu pulei do carro que não estava em alta velocidade e
me escondi no mato, ele ficou horas me procurando. Eu tive que amanhecer
no mato. (W., michê).
Os michês atendem em sua maioria indivíduos do sexo masculino, que não
necessariamente se consideram como homossexuais, pois grande parte de seus clientes são
casados. Raramente o michê é abordado por um cliente do sexo feminino na rua, sendo que,
acontece às vezes de ser contratado por casais.
A maioria dos clientes que procuram os serviços de um michê são funcionários
públicos, principalmente professores e profissionais da saúde. Por isso, em dias que ocorre o
pagamento de funcionários públicos, tende a aumentar o movimento no território.
Existe uma variedade de clientes que possuem várias fantasias e por isso, o michê
entra em contato com diferentes propostas. clientes que contratam garotos para ter
relações sexuais com sua esposa, outros costumam contratar dois michês para vê-los se
relacionando sexualmente, ou há clientes que gostam de se relacionar com garotos que
estejam suados como diz F (michê de sauna): “Eu aqui e não posso nem tomar banho,
porque eu tô esperando um cliente que só gosta de transar comigo se eu estiver sujo e suado”.
O movimento nos territórios de prostituição é bem dinâmico, pois nunca apresentam a
mesma realidade, especialmente os de rua, pois como o garotos que circulam por vários
territórios de michês espalhados pelo centro, sempre vão estar em lugares diferentes.
É interessante, pois o michê em relação aos outros profissionais do sexo é o que mais
circula por outros territórios, pois os travestis e as prostitutas se fixam mais em um
determinado território.
114
O garoto ele não fica só em um ponto não, geralmente ele passa de duas a
três vezes num ponto, vai pra outro, assim ele não fica manjado, porque
tem cliente que enjoa o garoto, toda vez que ele vem o cara ali. Agora eu
levando os clientes para um hotel mais distante perto do rio, porque tem
cliente também que vira do garoto, persegue o cara. Quando tu sai com o
cliente ele vai atrás, vê onde tu vai entrar é foda, às vezes esse tipo de cliente
passa um ano pra poder vir falar contigo. (P, michê).
Essa constante mobilidade nos territórios dos garotos de programa, de certa forma,
ajuda o michê a não se tornar uma figura repetitiva no lugar, pois os clientes buscam valorizar
os garotos o tão conhecidos naqueles territórios. Na sauna, como não ocorre essa
circulação, eles procuram não freqüentar a sauna todos os dias, mas em dias alternados.
Nos territórios de prostituição de rua os acordos feitos entre os garotos de programa
são realizados de forma espontânea, sem formalidades, e geralmente os mais experientes
costumam passar suas sugestões aos michês que tem menos tempo no território.
Uma das tentativas que alguns garotos de programa estavam propondo era de
aumentar o valor básico do programa que no território, está trinta reais, no entanto, alguns
garotos já estavam cobrando quarenta reais, que é a proposta do valor atual. Entretanto, como
não uma liderança formalizada no território, o valor do programa na verdade continua
sendo flutuante, variando conforme as necessidades do garoto e às vezes com a proposta do
cliente.
Dos três grupos de prostituição existentes em Manaus, prostitutas, michês e travestis,
o dos garotos de programa é o que está menos organizado e não nenhum apóio
governamental e ONGs que apóiem esses michês.
De acordo com Santos, L (2007), os michês ainda são invisíveis para a sociedade e
aponta alguns motivos que provavelmente podem contribuir para essa invisibilidade e para o
pouco apóio que ainda se dá para esse grupo:
Não está claro aque ponto essa invisibilidade é decorrência do tabu e do
preconceito que antecedem a discussão sobre a prostituição masculina na
sociedade brasileira, sabidamente machista e homofóbica. [...] Não se sabe
se o motivo seriam as próprias condições socioeconômicas, educativas e
culturais dos garotos de programa, em sua maioria jovens e com baixo nível
educacional, ou quase inexistência de organizações e associações que os
representem.
Em todo caso, os órgãos públicos e a sociedade em geral parecem considerá-
los um grupo menor, sem tanta importância nem impacto na propagação de
doenças sexualmente transmissíveis; tampouco parecem considerar esse
população relevante, do ponto de vista social, para justificar qualquer esforço
de intervenção social, psicológica ou educacional. (SILVA, L. 2007, p.139).
115
Essa observação dada por Santos, L (2007) mostra que alguns elementos de certa
forma, contribuem para a resistência de uma organização que defenda os direitos dos garotos
de programa. Um desses elementos seria o preconceito social que tem sobre a prostituição
masculina, já que a maioria dos michês se relacionam com homens. No entanto, o garoto de
programa não se considera como um homossexual, e sim heterossexual, que se relaciona com
homens apenas por causa de um ganho financeiro.
Além disso, para que haja uma representação dos garotos de programa, na verdade
precisaria os mesmos se assumirem como tal, e isso, é complicado, pois existe uma grande
resistência por parte dos michês até mesmo de se reconhecerem como profissionais do sexo.
Isso pode ser percebido até nas abordagens de campo onde inicialmente, foi difícil encontrar
um michê, pois dificilmente ele dizia que era garoto de programa.
Outra questão abordada por Santos, L (2007) é que tanto a sociedade como os órgãos
públicos consideram os michês como um grupo quase que sem importância, em relação aos
travestis e prostitutas, no que diz respeito à propagação de doenças sexualmente
transmissíveis.
De acordo com R que é responsável pela Associação Garotos da Noite (AGN), quanto
à questão que envolve às doenças sexualmente transmissíveis, os garotos de programa podem
ter um papel relevante e é necessário está atento a isso.
Aqui nessa praça (Matriz), tem muito garotinho de menor e muitos deles
estão contaminados com o vírus HIV. Tem muita bicha velha que vem e quer
que eles façam sexo sem camisinha, dão dinheiro a mais pra eles, só que eles
não sabem que a maioria delas está contaminada com o vírus da AIDS. Nos
temos um acordo com o Hospital Alfredo da Mata,onde se você levar pelo
menos cinco pessoas para fazer o exame, eles te dão um quantia em dinheiro.
(R., presidente da AGN).
Como a AGN, é uma associação muito recente, ainda não começou suas atividades
efetivamente, mesmo porque, o contato com os garotos de programa é bem difícil como nos
conta o próprio garoto de programa.
As prostitutas já tem um empresário que pretende organizar a situação delas,
no nosso caso aqui ta foda, esse garotos daqui querem saber de fumar
maconha, de se drogar, e roubar, não querem saber de nada não. Eu falei
pra eles pra o ficar em grupo porque espanta é o cliente, as vezes o cara
quer chegar mas vê um monte garoto junto, ele não chega. (P., michê).
116
Segundo Perlongher (1986), os michês veem sua prática como provisório, assim como
costumam descarregar sobre seus parceiros sexuais em sua maioria homossexuais, os
preconceitos que na sociedade existe. Provavelmente, por não continuação de sua prática
como garoto de programa, nem todo o michê irá se preocupar em conquistar seu espaço na
sociedade.
Além disso, os garotos de programa, especialmente os que trabalham na sauna e
alguns na rua, preferem de certa forma o anonimato, pois quase todos que participaram desta
pesquisa, não manifestaram o interesse de se expor para a sociedade e nem lutar pela melhoria
da qualidade de vida da profissão de michê.
Ainda para Santos, L (2007), outro problema que contribui para o pouco apoio dos
michês, é que os mesmos negam-se a serem classificados como homossexuais, ou podemos
dizer, a serem confundidos como um deles, pois a maioria não se vê como um homossexual.
Na pesquisa de Alcântara (2005), ao trabalhar com os profissionais do sexo, o autor
através de ONG pesquisou os territórios das prostitutas, travestis e michês. Nesse período, a
atuação da ONG era intensa e envolvia os travestis e os garotos de programa, no entanto,
atualmente a AAGLT, atua na defesa dos direitos de grupos homossexuais e o trabalho que se
tinha antes com os michês, foi separado, criando outra associação que ainda estar inativa. O
interesse que a AAGLT tinha em dar certo apóio aos garotos de programa era porque, a
grande maioria de seus clientes eram homossexuais, ou seja, a distribuição de preservativos e
palestras contra DSTs e AIDS tinha maior preocupação com o público gay do que
propriamente com os michês.
Na observação de David (2006), podemos entender o porquê da negação e da não
identificação com homossexualidade que os michês fazem:
Dentro da cultura brasileira, como investigou Richard Parker, a noção de
homossexualidade assume aspectos diferentes daqueles encontrados em
outros países. Nos E.U.A, por exemplo, alguém é considerado gay ou
homossexual por ter contato erótico e afetivo com outros homens inobstante
a sua conduta- ativa ou passiva. No Brasil, esta dicotomia entre ativos e
passivos assume um aspecto curioso e determinante não só das relações
sexuais como também das sociais. (DAVI, 2006, p.98).
Como pode-se observar nessa citação de David (2006), no caso do Brasil, ser ativo ou
passivo numa relação sexual acaba diferenciando o heterossexual do homossexual, ou seja,
117
para o garoto programa que tem o papel de incertor numa relação sexual, não comprometeria
sua identidade como homem heterossexual.
Assim, o território de prostituição masculina, procura atender as exigências do
mercado sexual, no qual, os clientes em sua maioria procuram garotos de programa que se
apresentem de acordo com os padrões da masculinidade viril.
Portanto os territórios de prostituição masculina na área central de Manaus faz parte
de um espaço multiterritorial, onde os michês convivem com diversas territorialidades, e para
manter a sua presença e o controle do seu pedaço, como enfatiza Silva(1986), criam
estratégias comportamentais e gestuais que garantem os seus territórios.
Entretanto, o controle territorial que os garotos de programa criam é bem flexível em
comparação ao outros grupos de prostituição, pois dentro do seu próprio território existem
outras territorialidades que também convivem tanto de forma harmoniosa quanto conflituosa,
seja com as territorialidades policiais, prostitutas, vendedores de droga, moradores de ruas,
camelôs e outras territorialidades que fazem da área central de Manaus um espaço
multiterritorial.
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prostituição masculina de garotos de programa, não se limita apenas aos espaços de
prostituição públicos como praças, ruas, avenidas e nem em espaços fechados como saunas e
boates. No momento em que a sociedade criou novos meios de comunicação e novos espaços
mesmo que virtuais como a internet, fez com que a prostituição também se aperfeiçoasse e se
inserisse nesses novos espaços sociais.
No entanto, apesar de na sociedade o profissional do sexo contar com meios mais
avançados para conseguir clientes, como sites de relacionamentos, classificados de jornais e
salas de bate-papo, a constituição dos territórios de prostituição de rua e em ambientes
fechados continua a existir e sua presença nas ruas da cidade ainda é bastante forte.
Vale ressaltar que apesar da sociedade contar com esses avanços tecnológicos, esses
meios avançados de comunição não está disponível para todos, especialmente para os garotos
de programa de rua, que em sua maioria não tem acesso aos serviços básicos como educação,
saúde e moradia, muito menos o acesso aos meios mais sofisticados, para divulgar sua prática
sexual.
Esses diferentes meios utilizados pelos garotos de programa faz com que na cidade de
Manaus, os michês ocupem diversos espaços que vão além dos territórios de rua e de
ambientes fechados de prostituição, o que mostra que o mercado do sexo, é bastante aquecido
na capital amazonense.
A área central de Manaus, no entanto, se diferencia de outras áreas da cidade em
termos de prostituição, pois no centro é possível encontrarmos os diversos tipos de
prostituição masculina, enquanto que em outras áreas da cidade, os territórios dos michês
estão espalhados, e não próximos uns dos outros como no centro de Manaus.
Como pode ser verificado nesta pesquisa, no centro de Manaus é encontrado diversos
ambientes de prostituição de michês como sauna, bares, boates, cinema, praças, ruas e
avenidas.
No entanto, o centro não se constitui num território exclusivo de michê, pois também,
existem outras territorialidades que se relacionam de forma harmoniosa e conflituosa com as
dos garotos de programa como as prostitutas, policiais, moradores de rua, travestis e
vendedores de drogas.
Na área central de Manaus, a constituição dos territórios de prostituição é facilitada de
certa forma, por diversos serviços que dão apóio aos territórios de prostituição como bares,
119
hotéis de alta rotatividade, transportes coletivos que estão interligados as diversas partes da
cidade e casas noturnas, ou seja, o centro da cidade é propício a formação de territórios de
prostituição.
O controle territorial dos garotos de programa é mais flexível se comparado aos das
prostitutas e travestis, pois permite de certa forma a entrada de novos michês sem muita
resistência, além disso, os michês de rua possuem uma vantagem em comparação aos outros
profissionais do sexo, pois circulam mais por outros territórios de garotos de programa, algo
que não ocorre tanto com as prostitutas e travestis que se fixam mais em um determinado
lugar.
No entanto, também barreiras que limitam a circulação dos garotos e separam
formas diferentes de territórios, como por exemplo, entre a sauna e o território de rua, pois os
michês que freqüentam a sauna não circulam pelos territórios de rua e vice-versa. Entretanto
não porque um grupo proíbe o outro de circular por seus territórios, mas sim, por uma questão
de status social, ou melhor dizendo, há uma valorização maior dos michês de sauna em
comparação com os de rua.
As territorialidades dos garotos de programa através de suas práticas espaciais ajudam
a manter e a fortalecer seu território, práticas essas expressas por gestos viris,
comportamentos, formas de abordagens e olhares utilizados pelos garotos que são entendidos
por seus clientes e quase não são percebidos por transeuntes que circulam por seus territórios,
mas não fazem parte e nem compartilham das suas práticas territoriais.
Nem em todo o espaço de prostituição, o garoto de programa tem o controle, como os
ambientes fechados (como as saunas e boates), onde quem controla é o dono do
estabelecimento. Por isso, nesses ambientes fechados de prostituição, a territorialidade é um
fator relevante para o michê, pois para ser identificado por seus clientes, precisa se diferenciar
dos outros sujeitos que estão no território, porém não tem a mesma proposta do garoto de
programa. Daí a utilização de gestos como tocar nos órgãos sexuais, apresentar-se no
ambiente de forma masculina sem gestos efeminados, tirar a camisa em certos lugares para
atrair os olhares dos seus clientes são alguns dos fatores que faz com que em determinado
lugar o garoto marque a sua presença.
Portanto, nesta pesquisa, podemos dizer que parte da realidade dos michês que
ocupam a área central de Manaus, pôde ser entendida, no entanto, vale ressaltar que os
territórios de prostituição são dinâmicos, móveis e apresentam realidades efêmeras não
duradoras, e isso faz com que a realidade desses territórios se tornem bastante complexas.
120
Além disso, ainda por ocuparem e controlarem o território de forma muito discreta
praticamente são quase invisíveis para a sociedade.
121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALCÂNTARA, Jean Moreira. Territorialidades noturnas: prostituição de rua na área
central de Manaus. Manaus: UFAM, 2005, 36 p.
Acrítica Classificados. Acrítica, Manaus, 01 nov. 2008. Classificado 13, p. 13.
BATE PAPO UOL. Disponível em: <http://batepapo.uol.com.br>. Acesso em: 13 mar. 2009.
BONNEMAISON, Joel. Viagem em torno do território. In: CORRÊA, Roberto Lobato,
ROSENDAHL, Zeny (Orgs). Geografia cultural: um século. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002,
p. 83-131.
BRASIL. 5198 – Profissionais do sexo. Classificação Brasileira de Ocupações - 2002.
Disponível em: < http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf>. Acesso em: 29 out.
2008.
CARA, Roberto Bustos. Território do cotidiano (pontos de partida para reflexão). In:
MESQUITA, Zilá e BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Orgs). Territórios do cotidiano: uma
introdução a novos olhares e experiências. Porto Alegre: Ed. Universidade
/UFRGS/Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, 1995, p. 67-75.
CLASSIFICADOS BRASIL. Garotos de programa. Disponível em: <
http://www.classificados-brasil.com>. Acesso em: 02 jul. 2009.
CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural: O Estado da Arte. In: ROSENDAHL, Zeny e
CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs). Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro:
Eduerj, 1999, p. 59-95.
CORRÊA, Roberto Lobato. Territorialidade e corporação: um exemplo. In: SANTOS, Milton;
SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (Orgs). Território, Globalização e
Fragmentação. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 251-265.
COSTA, Benhur Pinós da. Por uma Geografia do cotidiano: território, cultura e
homoerotismo na cidade. Porto Alegre, 2007. 361 p. Tese de Doutorado (Programa de Pós-
Graduação em Geografia). Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. 2
ed. Bauru: EDUSC, 2002, 245 p.
DAVI, Edmar Henrique Dairell. Macho a qualquer custo. Investigação das relações de gênero
através da análise de processos criminais. Uberlândia, 1975. Caderno Espaço Feminino.
Uberlândia, v.14, n.17, p. 85-105, Ago/Dez. 2006.
ENGEL, Magali. Meretrizes e doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro
(1840-1890). São Paulo: Editora Brasiliense, 1989, 141 p.
122
FERREIRA, Rubens da Silva. Travestis em perigo ou perigo das travestis? notas sobre a
insegurança nos territórios prostitucionais dos transgêneros em Belém – PA. Enfoques –
revista eletrônica dos alunos de Pós –Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.
Rio de Janeiro, v.2, n.1, p. 1-19, julho de 2003. Disponível em: <
http://www.ifcs.ufrj.br/~enfoques/julho03/03.html >. acesso em: 20set. 2008.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Tradução: Maria
Thereza da Costa Albuquerque; Revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. 6 d.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1990. 221 p.
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em
ciências sociais. Rio de Janeiro: Record, 1997, 112p.
GOMES, Paulo César da Costa. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1996, 368 p.
_____. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2002, 304 p.
HAESBAERT, Rogério. Definindo território para entender a desterritorialização. In:_______.
O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multidimensionalidade. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 35-98.
_____. Territórios alternativos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. 186p.
_____. Dos múltiplos territórios à territorialidade. In: HEIDRICH, Álvaro Luiz et al (Orgs.).
A emergência da multiterritorialidade: a ressignificação da relação do humano com o
espaço. Canoas: Editora ULBRA; Porto Alegre: Editora UFRGS, 2008, p. 19-36.
_____. Identidades territoriais. In: ROSENDAHL, Zeny e CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs).
Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999, p. 169-190.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradutores: SILVA, Tomaz
Tadeu da e LOURO, Guacira Lopes. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006, 104 p.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, 2.295 p.
ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Normas da ABNT: comentadas para trabalhos científicos. 4.
ed. Curitiba: Juruá, 2009, 100 p.
MACHADO, Joani de Nazaré Campos; SILVA, Silvia Cristina de Souza. Perfil psicossocial
da prostituição masculina em Belém. Belém, 2002. 43 p. Relatório de pesquisa (Curso de
Psicologia). Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade da Amazônia.
MARZULO, Eber Pires. Identidades territoriais: entre a multiterritorialidade e a reclusão
territorial (ou: do hibridismo cultural à essencialização das identidades). In: ARAÚJO,
Frederico Guilherme Bandeira de & HAESBAERT, Rogério (orgs). Identidades e
territórios: questões e olhares contemporâneos. Rio de Janeiro: Access, 2007. p.33-56.
123
MATTOS, Rogério Botelho de. Dinâmica dos espaços de prostituição na cidade do Rio de
Janeiro: 1840-1940. In: RIBEIRO, Miguel Ângelo (org.). Território e prostituição na
metrópole carioca. São João do Meriti, Rio de Janeiro: Ecomuseu Fluminense, 2002. p. 57-
87.
MESQUITA, Zilá. Do território à consciência territorial. In: MESQUITA, Zilá e BRANDÃO,
Carlos Rodrigues (Orgs). Territórios do cotidiano: uma introdução a novos olhares e
experiências. Porto Alegre: Ed. Universidade /UFRGS/Universidade de Santa Cruz do Sul -
UNISC, 1995, p. 76-92.
MISSE, Michel. O estigma do passivo sexual: um símbolo de estigma no discurso
cotidiano. 3 ed. Rio de Janeiro: Booklink Publicações Ltda, 2005, 108 p.
NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. Uma interpretação fenomenológica na Geografia. In:
SILVA, Aldo Aloísio Dantas da; Galeno, Alex (Orgs.). Geografia: ciência do complexus.
Porto Alegre: Sulina, 2004, p. 209-236.
NUNAN, Adriana; JABLONSKI, Bernardo. Homossexualidade e preconceito: aspectos das
subcultura homossexual no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivos Brasileiros de
Psicologia, v.54, n.1, 2002, p.21-32.
PARENT et al. História da Prostituição. São Paulo: Júpiter, 1948, 454 p.
PERLONGHER, Nestor Osvaldo. O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo.
Campinas, 1986. 315 p. Dissertação (Mestrado de Antropologia Social). Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, Universidade Estado de Campinas.
PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Da observação participante à pesquisa-ação em
comunicação: pressupostos epistemológicos e metodológicos. In: Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, 26, 2003, Belo Horizonte. Da observação participante à
pesquisa-ação em comunicação: pressupostos epistemológicos e metodológicos. Belo
Horizonte: INTERCOM, 2003. p. 1-24.
PINHEIRO, Zairo Carlos da Silva. A Metodologia. In: _____. Migração dos sentidos
imagens do lugar: origem e destino. Porto Velho, 2008. p. 23-45. Dissertação (Programa de
Pós-Graduação em Geografia). Núcleo de Ciência e Tecnologia, Universidade Federal de
Rondônia – UNIR.
QUEIROZ, Rita Suely Bacuri de. Territórios do prazer – ambiente e prostituição na área
central de Manaus. Manaus, 1999. 150 p. Dissertação (Mestrado de Ciências Ambientais).
Centro de Ciências do Ambiente, Universidade Federal do Amazonas - UFAM.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993, 270 p.
RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina
em São Paulo (1890-1920). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, 309 p.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890 – 1930.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, 217 p.
124
RIBEIRO, Miguel Ângelo & MATTOS, Rogério Botelho de. Territórios da prostituição de
rua na área central do Rio de Janeiro. In: RIBEIRO, Miguel Ângelo (org.). Território e
Prostituição na Metrópole Carioca. São João do Meriti, Rio de Janeiro: Ecomuseu
Fluminense, 2002. p. 88-112.
RIBEIRO, Miguel Ângelo. Prostituição de rua e turismo em Copacabana – a Avenida
Atlântida e a procura do prazer. In: _____ . Território e Prostituição na Metrópole
Carioca. São João do Meriti, Rio de Janeiro: Ecomuseu Fluminense, 2002. p. 113-128.
SANTOS, Elcio Nogueira dos. Entre amores e vapores: as representações das masculinidades
inscritas nos corpos nas saunas de michês. In: Congresso Brasileiro de Sociologia, 13, 2007,
Recife. Entre amores e vapores: as representações das masculinidades inscritas nos
corpos nas saunas de michês. Recife: UFPE, 2007. p. 1-15.
SANTOS, Liberato Silva dos. Garotos invisíveis: o universo dos garotos de programa
retratado na HQ “Eros”. In: MONTORO, Tânia; CALDAS, Ricardo (Orgs). Imagem em
revista. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira – Editorial Abaré, 2007, p. 135-161.
SILVA, Armando Corrêa. De quem é o pedaço?
??
? espaço e cultura. São Paulo: Hucitec, 1986,
167 p.
SILVA, Jan Carlos da. O conceito de território na geografia e a territorialidade da
prostituição. In: RIBEIRO, Miguel Ângelo (org.). Território e prostituição na metrópole
carioca. São João do Meriti, Rio de Janeiro: Ecomuseu Fluminense, 2002. p. 16-56.
SILVA, Rogério Araújo da. Prostituição: artes e manhas do oficio. Goiânia: Cânone
Editorial, 2006, 152 p.
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa Souza;
CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs). Geografia conceitos e temas. 3 ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2001, p.77-116.
TREVISAN, João Silvério. Seis balas num buraco só: a crise do masculino. Rio de Janeiro:
Record, 1998. 242 p.
VICENTINI, Andresa Martins. Um olhar sobre a prostituição masculina. São Paulo:
Scortecci, 2008, 62 p.
VIVASTREET. Classificados gratuitos em acompanhantes – serviços eróticos Brasil.
Disponível em: < http://www.vivastreet.com.br>. Acesso em: 02 jul. 2009.
WIKIPÉDIA. Prostituição. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Prostituição>.
Acesso em: 11 fev. 2009.
125
ANEXOS
126
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu_____________________________________________________ estou
colocando-me a disposição para dar informações que servirão para a pesquisa que tem
como titulo “Espaços de conflitos: Territórios de prostituição masculina na área central
de Manaus” realizada por Jean Moreira Alcântara e acompanhado pela prof
a.
Amélia
Regina Batista Nogueira. Fui informado que as informações que prestarei não me
prejudicarão, estarei dando por vontade própria e responderei o que achar necessário.
Também não receberei nada pelas informações prestadas. Fui informado ainda que não
serão tiradas nenhuma fotografia de mim e que o objetivo dessa pesquisa é entender a
relação que existe entre os pontos de prostituição masculina no centro da cidade de
Manaus. Se for necessário, falarei com os pesquisadores através do endereço: Avenida Gal.
Rodrigo Otávio Jordão Ramos, 3000, Setor Norte, ICHL Departamento de Geografia, ou
pelo telefone: 3647-4402 .
________________________________________
Participante
________________________________________
Assinatura do pesquisador
127
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo