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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
RODA COM ARTE:
APRENDIZAGEM DIALÓGICA EM COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM
Adriana Fernandes Coimbra Marigo
SÃO CARLOS-SP
2009
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RODA COM ARTE:
APRENDIZAGEM DIALÓGICA EM COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM
Adriana Fernandes Coimbra Marigo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de
Educação e Ciências Humanas, da
Universidade Federal de São Carlos, como
exigência para a obtenção do título de Mestre
em Educação, na área de concentração
Processos de Ensino e Aprendizagem.
Orientador: Professor Doutor Amadeu José
Montagnini Logarezzi
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
M335ra
Marigo, Adriana Fernandes Coimbra.
Roda com arte : aprendizagem dialógica em comunidades
de aprendizagem / Adriana Fernandes Coimbra Marigo. --
São Carlos : UFSCar, 2010.
337 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2009.
1. Aprendizagem. 2. Didática. 3. Diálogo. 4. Crianças. 5.
Escola. 6. Interação. I. Título.
CDD: 370.1523 (20
a
)
BANCA
EXAMINADORA
Prof. Dr. Amadeu JosC Montagnini Logarezzi
Prof"
D"
Terezinha Azeredo Rios
Prof"
TX'
Roseli Rodrigues de Mello
Prop
Df'
Fabiana
Marini
Braga
Dedico este trabalho às crianças das classes
populares.
Para que nunca abandonem seu direito de
sonhar!
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
(Mario Quintana)
AGRADECIMENTOS
A Deus, sempre presente em minha vida, que não permitiu que eu esmorecesse diante das
dificuldades que atravessaram meu caminho enquanto eu concretizava o sonho com o curso
de mestrado.
Ao Mariano, meu grande e eterno amor, companheiro em todos os momentos, que me
estimula para que eu avance na concretização de meus sonhos de humanidade.
À Thaís e ao Henrique, que me ensinam tanto e me fazem acreditar nas novas gerações; filha
e filho que, neste trabalho, me ajudaram na transcrição dos dados e na elaboração de sua
escrita.
À minha mãe e ao meu pai, ausentes fisicamente, mas presentes de maneira perene em minha
memória, fazendo-me acreditar que as interações transcendem os limites da vida biológica.
À Ivanete, trabalhadora em minha casa, que nesses meses de investigação substituiu-me em
todo o trabalho doméstico com eficiência e carinho.
Ao Prof. Amadeu, meu orientador e interlocutor constante nesta caminhada acadêmica,
compartilhando apoio, segurança, serenidade e conhecimentos fundamentais para este
trabalho.
Às professoras Terezinha Rios e Fabiana Braga, pelo cuidado com a leitura deste trabalho e
pelas contribuições que permitiram seu enriquecimento.
À Prof. Roseli Mello, coordenadora do NIASE e amiga presente nos momentos de
aprendizagem, por me apresentar aos princípios dialógicos e por sonhar comigo com um
mundo melhor.
Às amigas do NIASE, especialmente Carol, Cícera, Eglen, Flávia, Fran, Jaque, Kelci, Lu, Piu,
Raquelzinha, Rose, Van e Vivi, que compartilharam comigo momentos difíceis e felizes,
fortalecendo-me para a concretização de muitos sonhos em comum.
Às amigas de todas as horas, Bernadete e Cristina, que dialogam e estão em minha história
mais de duas décadas, me mostrando que a amizade genuína se constrói a cada dia e que
nunca se desfaz.
Às e aos colegas de trabalho, que acreditaram na possibilidade de eu realizar esse sonho e
permitiram que eu me ausentasse de minhas tarefas profissionais apesar de todo o transtorno
que isso lhes causava.
Às professoras do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), que, ao me
questionarem e analisarem o projeto de investigação, apresentando suas críticas a este
trabalho, possibilitaram que ele avançasse com passos mais elaborados.
Às funcionárias da Secretaria do PPGE, pelo atendimento às necessidades burocráticas
relacionadas ao curso de mestrado.
À Secretaria Municipal de Educação Básica de São Carlos, que permitiu a realização desta
investigação em uma das escolas em seu âmbito.
À direção da comunidade de aprendizagem investigada, pelo apoio e pela compreensão sobre
minha presença na instituição para realizarmos o sonho de uma escola melhor.
Ao funcionário Alvino e às funcionárias da escola, pelo envolvimento com o projeto de
Comunidades de Aprendizagem, favorecendo sua divulgação e sua concretização.
Ao Odiney e à Shirley, funcionário e funcionária da Biblioteca do Futuro em que a atividade
foi realizada, pela compreensão ao ceder o espaço, pelas sugestões de livros e pelo incentivo à
participação das crianças nessa proposta.
Às coordenadoras pedagógicas e às professoras, especialmente as participantes desta
investigação, pela grande contribuição que os diálogos trouxeram para a concretização desta
idéia.
Às pessoas das comunidades de aprendizagem e às participantes nas ACIEPEs, que
possibilitaram atravessar o espaço de uma instituição e ampliar a compreensão sobre a
educação escolar.
Aos familiares das crianças da escola investigada, especialmente das que participaram neste
trabalho, pelas contribuições e pela confiança na proposta apresentada, permitindo a
concretização e a continuidade da atividade na instituição.
Às crianças participantes do Projeto Roda com Arte, que possibilitaram que nossos diálogos
fossem cheios de sentido, de imaginação, de criatividade e de alegria durante todo o trabalho,
contribuindo para sua realização e garantindo a continuidade de minha esperança em sua
formação.
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente participaram deste trabalho, ao
compartilharem suas idéias e seu tempo comigo.
Muito obrigada!
RESUMO
Este trabalho apresenta a elaboração e a concretização de uma atividade em torno de obras
artísticas com crianças que estudam em uma escola da periferia urbana do município de São
Carlos, em cujo contexto se consolida a proposta de Comunidades de Aprendizagem. A partir
dessa proposta, as práticas educativas da escola são fundamentadas em aportes da Teoria da
Ação Comunicativa de Jünger Habermas, da Teoria da Ação Dialógica de Paulo Freire e do
conceito de aprendizagem dialógica desenvolvido pelo CREA/ES, além de outras
contribuições de autoras e autores preocupados com as transformações sociais e com a
superação das desigualdades educativas tendo em vista a inclusão na sociedade da
informação. A investigação partiu da consideração de que os conflitos interpessoais são
apontados pela literatura acadêmica como uma das principais dificuldades relacionadas às
ações didático-pedagógicas. No entanto, alguns estudos provenientes da filosofia, da
psicologia e da sociologia em suas interfaces com a educação também apontam que as
aprendizagens escolares e as sociais não são passiveis de concretização fora das interações
humanas. Situada no campo didático-pedagógico, a investigação partiu de um enfoque mais
amplo sobre as interações no contexto escolar, especificando gradativamente os processos
escolares e a concepção da atividade em torno de obras artísticas denominada como Projeto
Roda com Arte. Como eixo orientador, foi adotado o diálogo com as pessoas da escola para a
consecução do objetivo geral de compreender os processos educativos que se manifestam em
atividades de reflexão em torno de obras artísticas na perspectiva da aprendizagem dialógica.
A investigação teve a participação de seis sujeitos, sendo três crianças participantes da
atividade, duas professoras e uma coordenadora pedagógica as quais atuavam na comunidade
focalizada. Em coerência com os princípios orientadores de comunidades de aprendizagem,
foram utilizados os procedimentos da metodologia comunicativa crítica para a coleta e a
análise dos dados, apoiando-se fundamentalmente nas categorias de intersubjetividade e de
reflexão. Ao final da investigação, foram apontados como principais resultados: a capacidade
de aprendizagem das crianças de classes populares a partir do trabalho interdisciplinar com os
conteúdos escolares e o envolvimento dos conhecimentos e das experiências provenientes de
dentro e de fora do contexto escolar; a potencialidade das obras artísticas e do uso da
imaginação para o ensino e o reforço das aprendizagens escolares e sociais e para a expressão
de pensamentos e sentimentos; e a necessidade de formação permanente do professorado em
teorias e práticas que permitam a atualização de conhecimentos e um ensino comprometido
com as transformações sociais. De maneira geral, foram evidenciadas as contribuições para a
proposta de Comunidades de Aprendizagem, para as investigações em escolas e com crianças,
e para o campo didático-pedagógico.
Palavras-chave: diálogo –criança – intersubjetividade
ABSTRACT
It is presented in this research the preparation and consolidation of a project involving artistic
works with children who study in a school in the outskirt of São Carlos town, where the
proposal of Learning Communities is consolidated. From this suggestion, the scholar
educational practices are based on the contributions of Jünger Habermas’ Communicative
Action Theory, Paulo Freire’s Dialogic Action Theory and the concept of dialogic learning
developed by CREA/ES, besides others from authors who have been worried with social
transformations and with the overcoming of educational disparity, having as an aim the
insertion in the information society. The investigation had its establishment in the reflection
that the interpersonal conflicts are pointed out by the academic literature as one of the main
difficulties related to educational and didactic actions. However, some of the studies deriving
from the philosophy, psychology and sociology in their interfaces with education has also
aimed that school and social learning are not susceptible of concretization out of human
interactions. Placed in the didactic and educational field, the examination started from a larger
focus about the interactions in the school context, specifying gradually the scholar process
and the conception given to the activity about the artistic works called Roda com Arte Project.
Having as an objective basis, the dialog was adopted with people from the school to achieve
the general purpose in order to understand the educational procedures that are manifested in
reflective activities about the artistic works in the dialogic learning perspective. The
investigation had the participation of six people, being three children, two teachers and one
pedagogical coordinator, who acted in the community studied. In agreement with the
principles of the learning communities supervisors, it was used the proceedings of critical
communicative methodology to collect and analyze the data, having as the fundamental
support the intersubjectivity and reflective categories. In the end of this survey, the main
results found were: the learning capability of children from lower social classes starting with
interdisciplinary work with the school contents and the knowledge involvement, as well as the
experiences proceeding from the school context, as out of it. The potentiality of artistic work
and the use of imagination to the teaching in addition to the reinforcement of the scholar and
social learning intending to express thoughts and feelings, moreover the need of permanent
teaching formation in theories and practices, which allow the knowledge actualization and a
supportive teaching concerned with the social transformations. In general, the contributions
were evidenced to the Learning Communities proposal, to the investigations in schools and
with children, furthermore to the educational and didactic field.
Keywords: dialog –child – intersubjectivity
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Temáticas e Atividades de Expressão ................................................................... 102
Tabela 2 – Registro dos encontros anteriores ......................................................................... 106
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Dados gerais obtidos com os sujeitos participantes ............................................. 123
Quadro 2 – Recomendações explícitas das crianças para as interações no Projeto Roda com
Arte ..................................................................................................................................... 126
Quadro 3 - Dimensões e categorias de análise no Projeto Roda com Arte ............................ 128
Quadro 4 – Elementos de análise na perspectiva das crianças ............................................... 137
Quadro 5 – Recomendações/ indicações das crianças para melhorias ................................... 142
Quadro 6 – Roda com Arte sob a perspectiva de uma participante ........................................ 143
Quadro 7 – Perspectiva de análise contextual das pessoas adultas da escola......................... 146
Quadro 8 – Elementos de análise na perspectiva das pessoas adultas da escola .................... 148
Quadro 9 – Recomendações/ indicações das pessoas adultas para melhorias ........................ 156
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cartaz de divulgação do projeto na escola .............................................................. 98
Figura 2 – Autorretrato – Tarsila do Amaral .......................................................................... 100
Figura 3 – Autorretrato – Pablo Picasso ................................................................................. 100
Figura 4 – Autorretrato – Anita Malfatti ................................................................................ 100
Figura 5 – Autorretrato – Vincent Van Gogh ......................................................................... 100
Figura 6: Fotografia compondo imagens apresentadas em encontros .................................... 103
Figura 7: Fotografia compondo livros e textos apresentados em encontros .......................... 104
Figura 8: Fotografia compondo planisférios e globo apresentados em encontros ................. 104
Figura 9: Fotografia compondo as produções das crianças em alguns encontros .................. 105
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1. APRENDER E ENSINAR NA ESCOLA: DAS TENSÕES À PERSPECTIVA DO
DIÁLOGO ............................................................................................................................... 24
1.1. O contexto escolar: espaço para conflitos e contradições ............................................. 24
1.2. O giro dialógico no contexto atual: estrutura e agência humana ................................... 29
1.3. As interações sociais: educação, cultura e ideologia ..................................................... 38
1.4. A perspectiva histórico-cultural sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humano:
consciência e atividade ............................................................................................................. 45
1.5. A educação escolar: possibilidades de humanização .................................................... 60
2. PROJETO RODA COM ARTE: PROPOSTA DE ATIVIDADES EM TORNO DE
OBRAS ARTÍSTICAS EM COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM ........................... 69
2.1. A proposta de Comunidades de Aprendizagem: o conceito de aprendizagem dialógica70
2.2. A arte nas escolas: conhecendo algumas propostas para o ensino fundamental ........... 80
2.3. A orientação comunicativa no processo de ensino e aprendizagem: convertendo obras
artísticas em eixos de intersubjetividade e de reflexão ............................................................ 95
3. O DIÁLOGO NAS INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS: A METODOLOGIA COMO
OPÇÃO POLÍTICA ............................................................................................................. 108
3.1. Metodologia comunicativa crítica ............................................................................... 108
3.2. Procedimentos de coleta e análise de dados ................................................................ 112
3.3. A articulação entre as situações comunicativas e a investigação: possibilidades e
limites ..................................................................................................................................... 116
4. ENTRE DIÁLOGOS E AÇÕES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 122
4.1. Perspectivas de algumas crianças da escola ................................................................ 124
4.2. Perspectivas de algumas pessoas adultas da escola ..................................................... 144
5. À GUISA DE CONCLUSÃO: LIMITAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES .................. 158
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 168
APÊNDICES
ANEXOS
13
INTRODUÇÃO
“Nunca sabemos que resultados virão de
nossas ações. Mas, se não fizermos nada, não
existirão resultados”.
(Gandhi, 1869-1948)
A despeito das tensões sociais que revestem os processos educativos e as
instituições, a escola vem se mantendo como local para a educação das jovens gerações
humanas. Para esse espaço, todas as crianças devem ser encaminhadas para aprenderem,
durante grande parte de sua infância, os conteúdos e as habilidades consideradas importantes
para sua vida na sociedade. Ali, também encontram as possibilidades de interagir com outras
pessoas, ampliando, dessa forma, seu convívio social.
Com esta dissertação, pretende-se contribuir para o debate sobre a escola e as
práticas pedagógicas
1
, descrevendo e analisando as interações entre pessoas adultas e
crianças, a partir de uma atividade em torno de obras artísticas que acontece em uma escola
do município de São Carlos, no interior de São Paulo, transformada em uma comunidade de
aprendizagem.
2
A concretização dessa atividade foi viabilizada a partir de 2006, com minha
3
participação em atividades desenvolvidas junto ao Núcleo de Investigação e Ação Social e
Educativa da Universidade Federal de São Carlos (NIASE)
4
. Desde então, venho acentuando
minha aproximação com a teoria da ação dialógica de Paulo Freire, a teoria da ação
comunicativa de Jürgen Habermas e a concepção de aprendizagem dialógica apresentada por
1
Esta investigação está situada na linha de pesquisa Teorias e práticas pedagógicas e em educação.
2
Segundo Mello (2003), a proposta de Comunidades de Aprendizagem (CA) se localiza entre as iniciativas
desenvolvidas, a partir da década de 1980, em países como Estados Unidos e Espanha, inspiradas em
movimentos sociais da América do Sul. Nas últimas décadas, tem se estendido a outros países dos hemisférios
norte e sul, fundamentalmente articulado à busca pela educação em sentido amplo e pela democratização do
poder pedagógico (MELLO, 2003, p. 2-3). Essa proposta é detalhada no Capítulo 1 deste trabalho.
3
Neste trabalho, foi adotada a primeira pessoa do plural como forma gramatical para a narrativa, com a intenção
de marcar que a construção teórica e metodológica não foi realizada individualmente, mas com a participação de
outras pessoas. A adoção do sujeito em primeira pessoa do singular ficará reservada apenas às referências que
tratam, exclusivamente, do movimento individual da investigadora no trabalho.
4
O NIASE foi criado em 2002, a partir e com base nos estudos realizados junto ao Centro Especial de
Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA) da Universidade de
Barcelona/Espanha, pela Profa. Dra. Roseli Rodrigues de Mello. No NIASE, são desenvolvidas ações de
pesquisa, ensino e extensão considerando-se diferentes práticas sociais e educativas, com o objetivo de contribuir
para a superação de exclusão social, cultural e educacional. Na extensão universitária, as ações do NIASE se
dão por meio do Programa de Extensão "Democratização do conhecimento e do acesso à escolarização", da
Universidade Federal de São Carlos, SP.
14
Ramón Flecha (1997). Entre os estudos teóricos e a participação em espaços comunitários, as
pessoas do NIASE aprofundam sua compreensão sobre educação, cuja qualidade muitas vezes
é comprometida com as dificuldades que emanam nas interações que acontecem no contexto
escolar. Ao mesmo tempo, pautam seu entendimento na consideração de que as interações no
contexto escolar também podem ser decisivas para a promoção de uma aprendizagem maior e
melhor para todas as crianças.
Com efeito, as referências acima contribuem para compor esta investigação e
as atividades que a contextualizam em uma das comunidades de aprendizagem. Dessa forma,
são considerados os vínculos existentes entre investigadora e participantes no local, como
também os referenciais teóricos e práticos que embasam as ações educacionais que ali são
desenvolvidas.
Dentre esses referenciais, encontra-se a orientação pela busca de coerência
entre palavras e ações conforme a perspectiva de Paulo Freire. Assim, a proposta de dialogar
com as pessoas do contexto investigado enfatiza a intersubjetividade e a reflexão como
conceitos centrais, assinalados por Gomez et al. (2006) a partir dos estudos do Centro
Especial de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades da
Universidade de Barcelona (CREA/Espanha). Dessa maneira, em todo o trabalho teórico-
metodológico, foi buscada a construção de um conhecimento comprometido com ações de
transformação social, dentro do rigor necessário ao desenvolvimento da ciência.
Tomando a coerência como premissa de investigação e visando elucidar os
pressupostos para a realização deste trabalho, a escola investigada é apresentada desde minha
participação anterior ao ingresso no curso de mestrado, em 2008. Terminado o curso de
pedagogia em 2005, eu decidira permanecer na Universidade para concluir a habilitação
complementar em Orientação Educacional. Nessa mesma época, também ingressava no
quadro de instrutores/tutores da Universidade Corporativa do banco em que trabalho desde
1982, passando a incluir, entre minhas atividades profissionais, o desenvolvimento de ações
educacionais com empregadas e empregados daquela instituição.
A inserção pessoal em contextos distintos me possibilitou muitas
aprendizagens e reflexões sobre os processos educativos com pessoas adultas. Por um lado,
passava a compartilhar conhecimentos e experiências com profissionais altamente
escolarizados, ocupantes de postos de trabalho estáveis em uma empresa pública. Ao mesmo
15
tempo, iniciando-me como voluntária em uma tertúlia literária dialógica (TLD)
5
, passava a
me encontrar, semanalmente, com mulheres e homens que cursavam a Educação de Jovens e
Adultos (EJA) no período noturno da escola tratada por Escola Novo Mundo neste trabalho.
Assim, a ação como educadora me permitia o estreitamento do convívio com a diversidade de
pensamentos e sentimentos, culturas e ideologias, enfim, com maneiras diferentes de se
movimentar no mundo.
Com apoio do NIASE, a Escola Novo Mundo manifestara a decisão por sua
transformação em uma comunidade de aprendizagem em agosto de 2005 e, desde 2006,
passara a pautar suas práticas a partir da aprendizagem dialógica, conceito a ser examinado
no decorrer deste trabalho. Entretanto, as atividades escolares já aconteciam ali desde 2000,
devido à vinculação com a rede municipal de ensino da cidade de São Carlos, especificada no
Projeto Político Pedagógico redigido pela instituição.
A instituição investigada está localizada em um bairro popular situado em
região periférica próxima ao limite de expansão urbana, no mesmo quarteirão em que podem
ser encontrados, também, um Centro Comunitário, um Ginásio de Esportes e uma Escola
Municipal de Educação Infantil. Essa escola conta com uma biblioteca em prédio anexo,
aberta à comunidade de entorno e provida com equipamentos de multimídia
6
, de maneira que,
com as outras instituições mencionadas, compõe uma estrutura pública de apoio ao bairro em
que estão inseridas.
No entorno desse quarteirão, há predominância de residências, ao lado de
poucos e pequenos comércios, como padarias, mercearias, bares e oficinas. Não unidades
industriais e de prestação de serviços, nem unidades para atendimento público à saúde, ao
lazer e à segurança do bairro. Por outro lado, nas proximidades, podem ser encontradas
nascentes de rios degradadas por exploração agrícola e depósitos de lixo e de esgoto, cuja
recuperação ambiental vem sendo objeto de ações educativas propostas por diferentes
organizações
7
. A comunidade também enfrenta outros problemas relacionados à carência de
suas moradias e à falta de saneamento básico, de coleta de lixo e de energia elétrica.
5
A tertúlia literária dialógica se caracteriza pelo encontro entre pessoas para dialogar em torno de obras
literárias clássicas a partir dos princípios da aprendizagem dialógica. Criada cerca de trinta anos na escola La
Verneda de San Martí em Barcelona, ES, é realizada em muitos locais do mundo, inclusive na América Latina.
No Brasil, sua disseminação vem acontecendo em ações promovidas pelo NIASE, desde sua criação.
6
Entre os equipamentos, podem ser encontrados televisão, DVD e computadores, em duas salas menores e
reservadas, próximo aos banheiros masculino e feminino, cujo acesso é possível a partir do fundo do salão
principal em que se encontram as estantes com livros e revistas e dois computadores com internet.
7
Uma dessas ações é o projeto Água Quente desenvolvido pelas ONG´s Teia e Acquavit com patrocínio do
Programa Petrobrás Ambiental para recuperação ambiental da bacia hidrográfica próxima à escola. Outras
informações podem ser obtidas no sítio da internet
16
A estrutura física da Escola Novo Mundo inclui, além de nove salas de aula de
ensino regular, uma sala de Apoio Pedagógico Especializado para atendimento a pessoas com
deficiências, também utilizada para aulas de reforço. Desde 2006, a escola vem ampliando
gradativamente a duração do ensino fundamental para nove anos, conforme proposta
municipal. Nessa perspectiva, o ensino fundamental ali ministrado está organizado em ciclo I
(1º, 2º e ano) e ciclo II (4º e 5º ano), com funcionamento em dois turnos diurnos.
Atualmente, uma sala de Educação de Jovens e Adultos (EJA) funcionando no período
noturno. Conforme informações da coordenadora pedagógica da escola, no ano de 2008 ali
estudaram 338 estudantes.
O processo de transformação da Escola Novo Mundo em uma comunidade de
aprendizagem é relatado por Mello (2009) sob a perspectiva do NIASE, pois essa é a segunda
escola municipal em São Carlos que decidiu passar por esse processo, após a divulgação
promovida pelo Núcleo em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
Segundo Mello (2009), naquele momento a gestora da escola já havia participado da mesma
experiência na outra escola, também no cargo de gestão.
Ao lado do destaque sobre a motivação da gestora da Escola Novo Mundo pela
proposta de CA, Mello (2009) também revela a realidade da escola na época de sua
transformação:
(...) as práticas dialógicas entre a escola e a comunidade local eram quase
inexistentes; a relação era bastante tensa e desacreditada por ambos os lados.
A comunidade local parecia viver o cansaço existencial de que fala Freire
(2003); as profissionais da escola pareciam, por sua vez, ter desenvolvido
uma incredulidade profunda naquela comunidade. Incomunicabilidade entre
as partes e baixo rendimento escolar do alunado eram os desafios que
deviam ser afrontados, segundo o grupo profissional
8
(MELLO, 2009, p.
178).
Mello (2009) relata que, apesar da decisão unânime pela transformação da
escola, houve também a manifestação do cansaço e do desejo de mudar para outro local de
trabalho expresso pela maioria de seus(suas) profissionais. Diante das demandas daquela
realidade e do esforço necessário à construção de uma escola efetivamente democrática,
permaneceram ali a gestora e duas professoras para dar início ao intenso trabalho que viria.
Alguns anos decorreram após a decisão de buscar a superação dos obstáculos
interpostos nas práticas escolares daquela instituição, a partir da intersubjetividade e da
<http://www2.petrobras.com.br/ResponsabilidadeSocial/portugues/PetrobrasAmbiental/ProjetoAguaQuente.asp>
. Acesso em 05/09/2009.
8
Trecho original em espanhol, traduzido por esta investigadora.
17
reflexão que caracterizam o trabalho nas comunidades de aprendizagem. Entretanto, a
apresentação de Mello (2009) sobre os momentos iniciais dessa transformação permite
caracterizar o início do diálogo entre escola e comunidade, e as revelações sobre as condições
de vida de familiares e de estudantes da Comunidade de Aprendizagem Novo Mundo (CA
Novo Mundo).
Meses depois dessa decisão, meu envolvimento nessa comunidade
possibilitaria a aproximação pessoal das dificuldades concretas de jovens e adultos(as), a
partir das leituras e dos diálogos que ocorriam nas TLD, enquanto compartilhávamos nossas
compreensões em torno do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, com apoio nos princípios
da aprendizagem dialógica. Durante o primeiro semestre de 2006, pude aprender os
significados de palavras apresentadas pelo escritor por meio das detalhadas descrições
fornecidas por quem já tinha presenciado ou vivenciado situações semelhantes às experiências
de personagens daquele livro.
Mas, algumas situações-limites demandavam providências mais urgentes em
relação àquelas pessoas. Como ocorreu em certo momento do semestre, quando ensaiava com
a classe, sob a orientação do professor, a dança das fitas
9
para a apresentação na festa junina
da CA Novo Mundo. De maneira abrupta, interrompemos nosso ensaio para sair com uma
das estudantes da escola em busca de atendimento imediato na Unidade de Saúde pública
mais próxima do local. Para isso, recorremos ao meu próprio veículo devido à distância
aproximada de dois quilômetros de onde estávamos. O diagnóstico do médico plantonista
indicou que o desmaio da jovem de 19 anos, mãe de três crianças, decorrera da precariedade
de sua alimentação, o que nos foi confirmado posteriormente pela própria. Ao final do
semestre, ela deixou o curso para assumir um posto de trabalho formal e noturno em uma
avícola.
Muitas das pessoas que participavam das tertúlias relatavam sua condição de
imigrantes, suas dificuldades como moradoras na cidade e no exercício de suas ocupações,
pois os comentários sobre as obras literárias partiam de seus contextos de vida. Eram
empregadas domésticas diaristas, pedreiros, motoristas e serventes na construção civil, entre
outras atividades de caráter informal em sua maioria. Ao mesmo tempo, as pessoas também
9
Na festa de 2006, as turmas apresentaram algumas tradições brasileiras, como a dança das fitas. Nessa
coreografia, as pessoas são organizadas em dois grupos intercalados que circulam em sentidos opostos. Dessa
forma, ao dançarem segurando, em uma das mãos, uma fita colorida com a outra ponta presa a um mastro
central, compõem um trançado sobre ele. Aceitei o convite para participar dessa festa com as mulheres e os
homens da turma da EJA, apresentando-me, entre elas, com os trajes de portuguesa providenciados pelo
professor para dançar ao som de uma das músicas do compositor Luiz Gonzaga.
18
revelavam as contribuições da TLD para potencializar suas habilidades de leitura e o
posicionamento mais confiante em ambientes grupais. Os registros de nossos encontros
traziam os indicadores das ricas contribuições que aportavam e da participação cada vez mais
democrática entre aquelas pessoas: homens e mulheres se alternavam nas leituras e nos
comentários, enquanto fortaleciam os argumentos apresentados, apoiando-se nos
conhecimentos vindos sobremaneira de suas próprias experiências.
Contudo, também era digna de nota a preocupação desses familiares com a
escolaridade de suas crianças, muitas das quais estudantes na mesma escola no período
diurno. Segundo aquelas pessoas adultas, muitas de suas dificuldades materiais se deviam à
escolaridade insuficiente ou tardia, de maneira que a importância atribuída aos conhecimentos
escolares para a melhoria das condições de vida era consenso em todo o grupo. Essa crença
era expressamente veiculada sob a forma de conselhos das pessoas de mais idade para as(os)
adolescentes que participavam da turma.
Após a experiência na TLD, estreitou-se ainda mais minha aproximação do
conceito de aprendizagem dialógica e da proposta de CA, quando, em 2007, passei a integrar
a equipe de voluntariado em grupos interativos
10
e a participar das reuniões da comissão
gestora da CA Novo Mundo.
Com a participação nos grupos interativos que aconteciam em uma turma de
série da escola, voltei a entrar em uma sala de aula e a retomar o contato com crianças e
adolescentes. Éramos quatro ou cinco voluntárias que, semanalmente, permanecíamos
naquela sala por uma hora e meia para moderarmos os grupos organizados para realizar as
atividades preparadas pela professora.
Em diálogos com a professora e as(os) estudantes da turma, intensificava-se
meu convívio com a realidade educacional escolar, em relação aos conteúdos e às interações
que ali se processavam em múltiplas direções: entre estudantes, entre professora e estudantes,
entre estudantes e voluntariado. Como participante do voluntariado da escola, o contato com a
sala permitiu-me vivenciar os desafios de ensino e aprendizagem propostos à professora da
sala, pois eram poucos as(os) estudantes com o domínio de leitura, de escrita e de operações
matemáticas esperado para aquela série, embora a professora se empenhasse para cumprir
com o programa oficialmente proposto.
10
Os grupos interativos se encontram entre as atividades realizadas pelas comunidades de aprendizagem para
buscar a superação das dificuldades do alunado. A sala de aula é organizada em grupos com, em média, cinco
estudantes, acompanhados por voluntariado para realizar atividades propostas pela(o) professor(a) da turma. O
funcionamento dos grupos interativos é pautado nos princípios da aprendizagem dialógica.
19
Entretanto, os momentos em que aconteciam os grupos possibilitavam minha
aproximação de cada estudante em um diálogo que abria passagem para nossas compreensões
pessoais e para a intervenção a respeito do conteúdo pontuado, criando condições para a
superação das dificuldades mais específicas. Ao mesmo tempo, era possível reconhecer entre
estudantes suas perspectivas diferenciadas de compreensão sobre o mesmo conteúdo, o que
permitia fazer mediações a partir dos exemplos propostos pelas(os) próprias(os) estudantes e
contribuir para o enriquecimento da aprendizagem de todas(os) as(os) estudantes, como
também da minha própria.
Convém ressaltar a rápida compreensão e a adesão de meninas e meninos aos
princípios da aprendizagem dialógica nos quais estão apoiadas as ações em comunidades de
aprendizagem. Como voluntária moderadora das ações em grupos interativos, eu propunha ao
grupo de crianças o constante exercício de participação igualitária de todas as pessoas,
destacando a importância de que todas aprendessem e rejeitando a competição que pudesse
permear as tarefas propostas. Assim, explicitava que não era importante terminar primeiro,
mas que todas as pessoas pudessem terminar. Diante dos conflitos que surgiam,
problematizava as situações de maneira a estimular o grupo de estudantes para a reflexão, o
diálogo e a busca de consensos.
Em decorrência dessas moderações, a cada grupo interativo reforçadas pelas
ações do voluntariado, percebia que as próprias crianças passavam a inibir, de maneira
enfática, a depreciação entre colegas a despeito de quaisquer motivos que fossem alegados.
Em pouco tempo, os conflitos característicos das interações estudantis iam cedendo lugar ao
apoio mútuo entre colegas e ao respeito pelas diferenças de aprendizagem. Tornara-se notória,
por exemplo, a atitude compreensiva adotada pelas(os) estudantes em relação a uma de suas
colegas com Síndrome de Down, a qual requeria maior atenção por parte do voluntariado.
Ao longo de todo esse ano, o diálogo com a professora e com as outras pessoas
voluntárias na atividade também aumentava, ocorrendo nos momentos iniciais e finais e
possibilitando compartilharmos nossas experiências com as(os) estudantes daquela classe e
sinalizarmos nossas próprias dificuldades para lidar com os conteúdos e as interações.
Enquanto participava dos grupos interativos e conhecia a turma e sua
professora, também estreitava minha interação com as outras pessoas participantes da escola,
como as(os) professoras(es) funcionárias(os), membros da direção e da coordenação
pedagógica, estudantes e familiares da CA Novo Mundo. Assim, em momentos festivos, nas
reuniões regulares de comissão gestora e nas mais específicas, como as de sensibilização para
20
as temáticas das CA, eu passara a conhecer os sonhos daquela comunidade e os esforços das
pessoas em direção à sua concretização
11
. Entre esses sonhos, encontrava-se registrado o
desejo de crianças e familiares por ter atividades com artes
12
na escola.
Como participante no processo de transformação dessa CA, refletia com as
outras pessoas sobre as ações que pudessem democratizar aquele espaço e fortalecer a
aprendizagem de todas as pessoas que ali se encontravam. Naquele momento de minha
formação como educadora, reconhecia ter conhecimentos e experiências que poderiam ser
compartilhadas, ampliando minha compreensão sobre meu próprio percurso, inspirada em
idéias como as de Habermas e Freire. Enfim, entre sistemas e mundos da vida,
frequentemente me perguntava: como poderia me colocar à disposição dessa comunidade para
contribuir com a realização de seus sonhos, entre os quais os objetivos relacionados à
formação de suas crianças?
Mas, não estava nessas reflexões. A partir de 2007, intensificavam-se as
aprendizagens a partir dos estudos e das reflexões que emergiam da participação dos membros
do NIASE nas comunidades. Ademais, a Universidade também se abria à presença do
professorado da rede de ensino em Atividade Curricular de Integração de Ensino, Pesquisa e
Extensão em Comunidades de Aprendizagem (ACIEPE)
13
, possibilitando a aproximação da
realidade escolar e de seus problemas por meio dos profissionais que atuam nessa frente.
Enfim, configurava-se uma intensa troca de conhecimentos e experiências em espaços
escolares diferentes universidade e escola de ensino fundamental - entre pessoas que se
encontravam ao redor de um objetivo comum: promover a democratização da qualidade de
ensino.
Por muitos meses, o desafio de propor atividades com artes para as(os)
estudantes da CA Novo Mundo me apresentava outra indagação: como poderia fazer essa
proposta, não sendo uma profissional especializada da área de Artes?
11
Frequentemente, as pessoas das comunidades de aprendizagem expressam seus sonhos relacionados aos
objetivos de uma aprendizagem maior e melhor para todas. O registro e a organização coletiva dos sonhos
permitem orientar as prioridades da comunidade, mobilizando as pessoas que ali se encontram, desde estudantes
e seus familiares até pessoas da escola e do entorno.
12
Geralmente, estudantes e familiares usavam a expressão artes ou aula de artes, quando se referiam ao sonho.
Quando pedíamos para explicar melhor a ideia, esse sonho era traduzido em atividades como desenhos, pinturas
e modelagens. Assim, neste trabalho usamos atividades com artes, quando nos referimos a esse momento inicial
de concepção da ideia. A partir da configuração da proposta e durante o processo de sua concretização, o termo
é modificado para atividades em torno de obras artísticas, conforme as características que passou a assumir.
13
A ACIEPE é uma atividade desenvolvida pela UFSCar como proposta de integrar ensino, pesquisa e extensão.
A ACIEPE Comunidades de Aprendizagem: articulação entre escola e comunidade se propõe a apresentar as
bases teóricas e metodológicas da proposta de CA a partir dos estudos teóricos e da inserção voluntária nas
comunidades de aprendizagem do município de São Carlos, representando uma das oportunidades para formação
em seus pressupostos.
21
Em meio a incertezas como essa, a ideia começou a ganhar forma, a partir dos
princípios que compõem o conceito de aprendizagem dialógica. Em 2008, meu ingresso no
curso de mestrado precipitou a decisão de esboçá-la e permitir-lhe vigorar entre os diálogos
com as pessoas da academia, das escolas e, sobretudo, nessa CA.
No primeiro semestre de 2008, participava como voluntária na biblioteca
tutorada
14
, quando apresentei a proposta de desenvolver atividades em torno de obras
artísticas para a análise da CA sob o nome de Projeto Roda com Arte. No espaço da
biblioteca, convivia com a diversidade de estudantes que para lá se dirigiam, buscando apoio
para realizarem suas tarefas escolares. Ali, se ampliava, de forma desafiadora, minhas
interações com as gerações mais jovens, pois se entrelaçavam, ademais, com as diferenças de
classe social, gênero, escolaridade, idade e raça. Como estávamos em espaços
extracurriculares, eu e as outras voluntárias refletíamos intensamente sobre as interações que
ali se desenvolviam em busca de ações coerentes com a proposta de CA.
O espaço da biblioteca tutorada apresentava características diferentes da sala
de aula, pois não estávamos sob a coordenação da professora. Ali participavam também
profissionais que não eram da escola, como o bibliotecário, antigas(os) estudantes,
acadêmicas e acadêmicos de diferentes níveis de ensino e formação. Era um espaço no qual
as pessoas se colocavam por inteiro nas relações que eram estabelecidas. Embora tivéssemos
um eixo ao redor do qual nos encontrávamos - as tarefas para casa, as interações entre pessoas
adultas e crianças aconteciam de forma mais espontânea, livres das regras inerentes aos papéis
históricos na relação pedagógica professor-aluno.
Enfim, com o corpo consciente a partir das interações desenvolvidas nos
diferentes espaços abertos pelas comunidades de aprendizagem, refletia teoricamente
enquanto escutava as indicações por mais espaços de aprendizagem dialógica, onde as
pessoas pudessem educar-se e educar para interações mais igualitárias dentro e fora da escola
e da sala de aula. Assim, decidi assumir essa tarefa criadora com a comunidade, na ousadia
que deve permear a busca de uma aprendizagem maior e melhor para as gerações humanas
mais jovens, reconhecendo-me no grupo como uma pessoa em constante formação a partir das
práticas coletivas que aconteciam naquele contexto.
14
A biblioteca tutorada é outro recurso das comunidades de aprendizagem para potencializar os processos de
escolarização. Esse é um espaço para o qual se dirigem as(os) estudantes a fim de realizarem as atividades
complementares propostas ou não pelo(a) professor(a) da sala de aula, tais como lição de casa, leituras e
pesquisas. Nesse local, encontra-se o voluntariado disposto a compartilhar conhecimentos, atuando como tutor a
partir dos princípios da aprendizagem dialógica.
22
Nessa perspectiva, a questão central proposta para esta investigação foi: o
projeto Roda com arte é favorável à concretização da aprendizagem dialógica em
comunidades de aprendizagem?
O objetivo geral é compreender os processos educativos que se manifestam em
atividades de reflexão em torno de obras artísticas na perspectiva da aprendizagem dialógica.
Para atingir a tal proposta de forma coerente com os referenciais nos quais nos apoiamos,
utilizamos a metodologia comunicativa crítica para, especificamente, observar, descrever e
analisar:
como se caracteriza a proposta de atividades de reflexão em torno de obras artísticas, em uma
escola localizada em um bairro periférico da cidade de São Carlos, na perspectiva da aprendizagem
dialógica;
como as(os) participantes relatam e analisam as suas vivências nessas atividades;
como os familiares e as pessoas da escola percebem a participação das crianças nessas atividades;
como os diálogos sobre imagens de produções artísticas de artistas consagrados o articulados às
interações no contexto escolar por participantes das atividades.
Na intenção de responder à questão proposta neste trabalho e de possibilitar a
aproximação do leitor ao percurso de investigação, cada capítulo está delineado a partir de
reflexões e de aprendizagens que possibilitem acompanhar desde sua abordagem inicial e
mais ampla até a focalização em processos educativos mais específicos.
O primeiro capítulo contém a problemática da qual partimos, como também o
referencial teórico e os conceitos centrais em que se apoia este trabalho, situando a proposta
de diálogo como pressuposto orientador para as interações entre pessoas adultas e crianças no
contexto da escola atual.
O segundo capítulo apresenta a proposta de Comunidades de Aprendizagem e
as atividades em torno de obras artísticas que constituem o objeto deste trabalho, assim como
o contexto de sua elaboração. Para esse entendimento, são destacadas as contribuições de
autoras e autores e relatadas as vivências pessoais da investigadora para a concretização da
proposta. Ao final do capítulo, a questão central é retomada junto ao percurso da
investigação.
O terceiro capítulo discorre sobre as bases metodológicas e os procedimentos
utilizados para coleta dos dados que compõem este trabalho. Esse capítulo se dedica a revelar
os elementos que favoreceram e os que limitaram as situações comunicativas no sentido de
concretizar a investigação proposta.
O quarto capítulo apresenta os seis sujeitos participantes da pesquisa: duas
meninas e um menino, duas professoras e uma coordenadora pedagógica da escola. Os dados
23
e as análises são distribuídos conforme os temas que emergiram nos encontros, no tocante aos
processos vivenciados e aos diálogos ocorridos no contexto da escola. Aqui, a análise e os
resultados dos diálogos e das ações relacionadas à investigação evidenciam os elementos
limitadores e os transformadores dos processos educativos relacionados à atividade
desenvolvida e à sua articulação com as interações no contexto escolar.
Por fim, o quinto capítulo retoma brevemente o trabalho, a questão proposta e
a busca por sua resposta empreendida ao longo de toda a investigação. Nesse capítulo, se
consolida o trabalho germinado em meio a propostas e avanços no sentido da democratização
da educação escolar, apesar da diversidade que caracteriza a população brasileira. Diversidade
que, coerente com a esperança propulsora deste trabalho, pode inspirar contribuições para a
concretização de uma educação de qualidade para todas as crianças.
24
Capítulo 1
APRENDER E ENSINAR NA ESCOLA: DAS TENSÕES À PERSPECTIVA DO
DIÁLOGO
“As ideias são prisões duradouras, porém não
é indispensável permanecer nessas prisões
para sempre.”
15
(Anibal Quijano)
Desde a introdução, apresentamos a intersubjetividade
16
e a reflexão como
premissas deste trabalho, considerando que os seres humanos não se constituem sozinhos,
mas na relação com outras pessoas. Entretanto, um rápido olhar para as condições reais de
vida humana é suficiente para perceber que as interações humanas não se desenvolvem
pacificamente, mas em meio a conflitos e contradições entre pessoas e grupos.
Este capítulo apresentará o ponto de partida para esta investigação, localizando
a problemática inicial e o marco teórico para a compreensão sobre a educação escolar e as
suas funções formativas. Em primeiro lugar, mostraremos alguns estudos que enfatizam as
tensões que perpassam o contexto escolar. Em seguida, abordaremos de maneira ampla alguns
aspectos relacionados às interações sociais, passando a focalizar os processos de ensino e
aprendizagem escolar e o significado da escola no momento atual. Mediante essa análise,
transitaremos da compreensão sobre as tensões relacionadas às interações no contexto da
escola para, finalmente, apresentar a possibilidade de buscar, por meio do diálogo, a
superação das causas da problemática enunciada.
1.1. O contexto escolar: espaço para conflitos e contradições
15
“Las ideas són cárceles de larga duración, pero no es indispensable que permanezcamos todo el tiempo en esos
cárceles” (Anibal Quijano).
16
intersubjetividade: inter pref., deriv. do lat. inter-, do adv. e prep. inter(>ENTRE) ‘entre, no meio de’;
subjetividade adap. do fr. subjectivité, deriv. do al. Subjektivität. A raiz etimológica é a mesma de subjetivo
adj. relativo a sujeito, individual, pessoal; - dade, idade suf. nom. do lat. itãtem, acusativo de itãs itatis,
que se documenta em numerosos vocábulos, formados no próprio latim. (CUNHA, 2007). Ao revelar o sentido
etimológico desse substantivo composto [inter + subjetivo + idade], enfatizamos o caráter de realização entre
pessoas desta investigação.
25
Ao enfocarmos a educação escolar e as suas funções formativas, possivelmente
encontramos contextos atravessados por tensões, como indicado nas principais conclusões dos
estudos apresentados por Sposito (2001), Szenczuk e Garcia (2004), Zechi e Gomes (2008).
Tais levantamentos evidenciam a crescente preocupação acadêmica com temas como
indisciplina e violência escolar, sobretudo a partir da década de 1990, localizando, também,
lacunas na formação de professores e ausência de reflexões dentro da escola sobre os conflitos
entre grupos etários e sociais.
Em levantamento sobre as pesquisas que abordam a violência escolar no
Brasil, Sposito (2001) afirma que:
a pesquisa não está isenta da necessidade de investigar os processos amplos
que configuram a expansão da escolaridade nos últimos anos, aliada à
corrosão das possibilidades mais efetivas de mobilidade social e à crise da
sociedade assalariada. Assim, a própria escola, enquanto campo de
conflitividade que configura a interação entre jovens e instituições do mundo
adulto, deve ser investigada e submetida à crítica (SPOSITO, 2001, p. 101).
A partir de teses e dissertações desenvolvidas entre 1981 e 2001 sobre
indisciplina escolar, Szenczuk e Garcia (2004) destacam que a “(in)disciplina não foi
marcadamente tomada como objeto de pesquisa nos programas de pós-graduação em
educação” (SZENCZUK e GARCIA, 2004, s.p.). As autoras constatam o predomínio de
investigações que abordam o tema de forma secundária, a preferência por pesquisas de campo
em escola pública e a discussão associada à organização do trabalho na escola e na sala de
aula. E complementam que:
(...) ao se deparar com o trabalho educativo nas escolas nota-se um grande
despreparo e desconhecimento tanto sobre teorias que oferecem uma leitura
mais ampla do fenômeno, quanto àquelas que apresentam um recorte mais
específico, por exemplo, quanto aos modelos de relação professor/aluno e as
questões relacionadas à construção da moralidade (SZENCZUK &
GARCIA, 2004, p. 131-132).
O levantamento de Zechi e Gomes (2008) identifica as produções
desenvolvidas no estado de São Paulo entre os anos de 2000 e 2005 sobre violência e
indisciplina escolar. Embora diferenciem as duas situações, a autora e o autor revelam que,
nas investigações, é freqüente a articulação entre ambas, destacando-as como:
(...) uma das principais dificuldades para o trabalho docente, preocupando
professores, coordenadores pedagógicos e diretores de escolas. Estes, além
da responsabilidade de ensinar, precisam aprender a coibir a violência em
sala de aula e a não produzi-la ou potencializá-la. Por outro lado, a falta de
clareza a respeito do que efetivamente seja violência e indisciplina exige
26
uma análise mais cuidadosa considerando a intersecção entre as situações de
indisciplina e violência na escola (ZECHI & GOMES, 2008, s.p).
Concordamos com os estudos acima, quando apontam a relevância de
aprofundar a compreensão das práticas educativas, adentrando nas especificidades da escola e
evidenciando elementos que emanam das interações ali estabelecidas, os quais podem limitar
ou favorecer o processo educativo nesse e em outros contextos. Dessa forma, entendemos não
ser possível analisar a relação pedagógica fora da dinâmica escolar e de suas finalidades
históricas.
Diante das inquietações sobre a importância de se concretizar uma educação
com qualidade para todas as pessoas no contexto atual, em que os conteúdos escolares se
revelam como fundamentais, o trabalho aqui apresentado se pauta no pressuposto de que os
conflitos estabelecidos nessas interações dificultam, sobremaneira, as situações de
aprendizagem escolar, tornando-se urgente fornecer referências que contribuam para a
transformação das relações que acontecem nesse âmbito.
Minha preocupação com as interações no contexto escolar concretizou-se,
inicialmente, com a produção de um relatório sobre as experiências de estágio enquanto
cursava pedagogia, em um momento de formação teórico-prática que demandava uma maior
compreensão sobre o papel educativo da escola e da ação docente diante das rupturas e
ambigüidades observadas e vivenciadas no contexto escolar (MARIGO, Relatório de Estágio,
2005, p. 8).
Em busca de referenciais para compreender as práticas escolares em uma
perspectiva pedagógica que não fosse circunscrita em aspectos meramente técnicos, ou
imobilizada por determinantes exclusivamente psicológicos ou sociológicos, busquei analisar
a indisciplina escolar sob uma ótica que destaca, entre outros referenciais, as contribuições de
McLaren (1994) e Giroux (1996), considerados autores da pedagogia crítica. Entre os
protagonistas desse movimento crítico surgido na pedagogia norte-americana ao final da
década de 1980, esses autores são influenciados pelas ideias do educador brasileiro Paulo
Freire e pelo materialismo-histórico de Marx e Engels (1845-46) para compreensão das
relações sociais. Nessa perspectiva, a pedagogia crítica propõe avançar, a partir do
deslocamento do foco de análise para as relações entre a escola e a sociedade maior,
ampliando-se, consideravelmente, a compreensão de indisciplina escolar.
Com o conceito de resistência proposto por McLaren (1994), é possível
identificar um sentido simbólico e histórico nas ações de estudantes que contestam a
legitimidade, o poder e a significação da cultura escolar de um modo geral e do ensino de um
27
modo especial (McLAREN, 1994, p. 202). Avançando nessa compreensão, também encontrei
em Giroux (1986) a afirmação de que todas as formas de oposição devem ser “examinadas
quanto aos interesses utilizados como base para análise crítica e diálogo” (GIROUX, 1986, p.
150). Esse autor diferencia oposição e atos de resistência, sendo que estes são reveladores de
novas produções culturais e sociais fora da força imediata de dominação e “inspirados por
uma lógica diferente e que desencadeia oportunidades momentâneas de liberdade” (GIROUX,
1986, p. 147).
Entre as contribuições da pedagogia crítica, destacamos que a noção de
resistência proposta por Giroux (1986) nos instiga para a busca do elemento de
transcendência que inspira a esperança de transformação e traz o germe da emancipação
(GIROUX, 1986, p. 146). Em vista da perspectiva desse autor, compreendemos que a
indisciplina e a violência no contexto escolar podem revelar uma crítica da dominação e
fornecer “oportunidades para a auto-reflexão e para a luta no interesse da auto-emancipação e
da emancipação social” (GIROUX, 1986, p.148). Assim, podemos fundamentar a afirmação
de que as interações humanas não podem ser compreendidas de forma isolada ou literalmente
baseada no imediatismo das expressões pessoais, mas à luz de práticas sociais e de valores a
partir dos quais emerge e nas condições históricas e culturais que as envolve.
Ao falar sobre a resistência como princípio educacional, Giroux (1986) destaca
a possibilidade de se ressaltar a dimensão política da escolarização, trazendo uma nova
compreensão para as noções de estrutura e de ação humana e os conceitos de cultura e de
autoformação, em que a escola deixa de ser simples local de instrução. Nesse sentido,
reconhece que a escola também pode ser espaço privilegiado
(...) para a construção de diferentes conjuntos de experiências vivenciadas,
experiências nas quais os alunos podem encontrar uma voz e manter e
estender as dimensões positivas de suas próprias culturas e histórias
(GIROUX, 1986, p. 150).
Na perspectiva da pedagogia crítica, torna-se possível avançar na compreensão
dos problemas de indisciplina escolar, assim como de outros problemas educativos,
analisando-os como derivados por se originarem externamente e se refletirem na escola. Por
outro lado, também se desvela a necessidade de romper com os padrões cristalizados para
lidar com tais problemas, considerando a tensão dialética presente nos processos educativos.
Muitas vezes, o imobilismo e a perplexidade experimentados nas interações no
contexto escolar podem denunciar a incapacidade para lidar com os múltiplos aspectos
relacionados aos processos formativos. Sendo assim, a escola se esquiva de sua
28
potencialidade como contexto reflexivo para diferentes agentes educativos, sejam eles do
interior da escola, da família e da comunidade. Paradoxalmente, enfrentando tais problemas
de uma maneira desarticulada e irrefletida, contribui-se para o aprofundamento da ideologia
de violência, de ausência de limites e de desagregação que caracterizam a sociedade,
alimentando, desta forma, um ciclo com implicações cada vez mais extensas.
As situações que vivenciei no cotidiano escolar me mostraram a riqueza das
relações experimentadas com todas as pessoas que participam na escola, como também a
impossibilidade de que o professorado tenha um repertório adequado para lidar com todas as
situações que ali se apresentam. Contudo, a consciência de que não fórmulas mágicas para
o enfrentamento dos desafios apresentados à escola também deve ser acompanhada por uma
análise que envolva desde a educação em sua forma mais ampla até os problemas focalizados
no indivíduo, pois o processo educativo é perpassado por aspectos concretos individuais e
sociais, que se articulam às representações de todos os sujeitos envolvidos.
Ao examinarmos os processos educativos e as nuances com as quais os
revestimos no contexto da escolarização, particularmente na escola brasileira, consideramos a
possibilidade de chegarmos ao final deste trabalho sem ajustarmos tantas divergências ou sem
termos todas as respostas que gostaríamos, pois entendemos que as tensões são inerentes à
vida humana. Diante disso, torna-se necessário o diálogo entre as diferentes perspectivas
epistemológicas que se debruçam sobre esse objeto comum de conhecimento para possibilitar
uma compreensão mais global e integrada.
Enfim, propomos radicalizar na compreensão de problemas como os conflitos
intergeracionais em nossas escolas, demandando os conhecimentos da pedagogia e das outras
ciências, por entendermos que a complexidade e do alcance do estudo sobre as interações no
contexto escolar advenha das amplas contribuições de áreas como a história, a sociologia, a
filosofia e a psicologia, em suas interfaces com a educação e com a escolaridade
17
. Ao
mesmo tempo, não prescindimos da participação mais ampla de toda a comunidade para
buscarmos, de maneira coletiva, a superação das contradições e das condições históricas que
vem negando o direito de uma vida mais plena e de uma escola de qualidade para todas as
crianças.
17 No apêndice I, configuramos o campo da educação desde uma abordagem mais geral e que, gradativamente,
vai aproximando no ensino escolar. Ao mesmo tempo, procuramos estreitar o foco de nossa atenção sobre as
especificidades da realidade brasileira das últimas décadas, nos detendo na escola pública, onde se encontra a
maioria das crianças deste País, em algumas propostas legais de ensino e em sua concretização nesse contexto.
Dessa forma, tentamos circunscrever o âmbito desta investigação, examinando as relações intergeracionais a
partir das principais transformações ocorridas até o momento, assim como de alguns dos obstáculos que
historicamente se apresentam.
29
A seguir, traçamos o marco teórico de nossa investigação, esperando
ampliarmos nossas compreensões e nos aproximarmos de propostas mais concretas para os
ideais democráticos de formação humana, em meio à potencialidade que o espaço atual da
escolarização também representa.
1.2. O giro dialógico no contexto atual: estrutura e agência humana
Nesta seção, indicaremos as transformações aceleradas do contexto atual e seus
reflexos sobre as estruturas e as pessoas. Para isso, nos apoiamos nos textos Teoria
sociológica contemporânea
18
de Flecha, Gómez e Puigvert (2001), Elementos da teoria da
estruturação de Antony Giddens (2003), Globalização e diversidade de Octavio Ianni (2007)
e Teoria da ação comunicativa de Habermas (2001).
Inicialmente, trazemos Flecha, Gómez e Puigvert (2001) para afirmar que os
anos setenta do século XX se caracterizam por um novo tipo de sociedade que demanda
produções teóricas assimiladas pela sociologia contemporânea mais lentamente do que se
processam as mudanças sociais. Esse novo momento histórico é chamado por grande parte de
autoras e autores por sociedade da informação.
No contexto atual, podemos perceber que a informação circula rapidamente em
um mundo em que as barreiras de espaço e de tempo são superadas por meio dos recursos
tecnológicos produzidos pela ação humana. Assim, contrasta com os contextos anteriores, em
que o acesso às informações era permitido na medida da compreensão e da atuação em uma
realidade eminentemente industrial. Apoiando-nos nas contribuições de Flecha, Gómez e
Puigvert (2001), podemos explicar que, na sociedade industrial, grande parte das informações
era reservada aos escalões superiores, o que colocava as pessoas de classes inferiores numa
condição de dependência em relação à cultura letrada.
Para Flecha, Gómez e Puigvert (2001),
se a teoria sociológica é parte da autoconsciência da humanidade, é normal
que esteja experimentando grandes mudanças e ainda experimentar
maiores conjuntamente com as importantes transformações que está
sofrendo a sociedade. As teorias sociológicas atuais não são somente produto
de uma evolução do ser da sociedade. A diferença principal entre a
sociedade industrial e a sociedade da informação é que, na primeira, a
chaves está nos recursos materiais e, na segunda, nos recursos humanos e,
concretamente, na seleção e no processamento da informação prioritária.
Essa seleção e esse processamento acontecem com reflexões humanas
18
Teoria Sociológica Contemporanea de Flecha, Gómez y Puigvert (original em espanhol, 2001).
30
frequentemente ajudadas pelas tecnologias que se concretizam na
comunicação com outras pessoas. Consequentemente, as teorias sociológicas
atuais atribuem papel central à reflexividade (Beck) e à comunicação
(Habermas)
19
(FLECHA, GÓMEZ e PUIGVERT, 2001, p. 86)
Nesse cenário caracterizado por aceleradas transformações, aprofunda-se a
importância do acesso aos instrumentos produzidos a partir dos conhecimentos da tecnologia
para lidar com a crescente quantidade de informação. Assim, passa a ser enfatizada a
capacidade humana de seleção e de processamento da informação como condição para que as
pessoas se insiram na sociedade atual de maneira autônoma.
Flecha, Gómez e Puigvert (2001) caracterizam a sociedade da informação a
partir de duas fases. Diante da rápida introdução da tecnologia informacional pelos grupos
dominantes, em um primeiro momento, a estrutura social fica polarizada entre países centrais
e periféricos. Dessa forma, aumentam os postos de trabalho com altas exigências de
informação e conhecimento enquanto se aprofundam as ocupações precárias e o desemprego,
evidenciando a dualidade social.
O segundo momento é caracterizado pela rápida expansão da rede
informacional a outros países e setores, contribuindo para generalizar a crença na
possibilidade de estender a informação para todos e todas e diminuir, assim, as desigualdades
para seu acesso. Entretanto, a dualidade permanece e se aprofunda, a despeito dos discursos
democráticos. Enfim, vai se tornando notório que não se trata apenas de ter acesso à
informação, pois a relevância está na capacidade de decifrar os símbolos informacionais que
bombardeiam a todas as pessoas, de diferentes e incessantes maneiras.
Assim, a questão não está no fato de que os setores agrários e industriais
perdem força em favor dos serviços, mas que todos os setores passam a incorporar os
processos informacionais. Nas palavras de Flecha, Gómez e Puigvert (2001),
o que mudou não foi tanto o tipo de produções às quais se dedica a
humanidade (se segue produzindo canhões e manteiga, mas sua capacidade
tecnológica para utilizar como uma força produtiva direta o que distingue a
nossa espécie com especificidade biológica: a capacidade para processar
19
“Si la teoria sociológica es parte de la autoconciencia de la humanidad, es normal que esté experimentando
grandes cambios y vaya a experimentar aún mayores conjuntamente con las importantes transformaciones que
está sufriendo la sociedad. Las teorias sociológicas actuales no son sólo producto de uma evolución interna del
mundo de las ideas, sino también consecuencia de la evolución del ser de la sociedad. La diferencia principal
entre la sociedad industrial y la sociedad de la información es que, en la primera, la clave está en los recursos
materiales y, en la segunda, en los recursos humanos y, en concreto, en la selección y procesamiento de la
información priorizada. Esa selección y procesamiento se llevan a cabo com reflexiones humanas
frecuentemente ayudadas de tecnologias que se realizan en comunicación com otras personas.
Consecuentemente, las teorias sociológicas actuales dan um gran papel a la reflexividad (Beck) y a la
comunicación (Habermas)” (FLECHA, GÓMEZ y PUIGVERT, 2001, p. 86).
31
símbolos
20
(FLECHA, GÓMEZ e PUIGVERT, 2001, p. 93-94, grifos dos
autores e da autora).
Cabe destacar que a sociedade capitalista permanece, apesar do esgotamento
do modelo industrial e da nova capa que reveste suas mercadorias. Também permanecem suas
desigualdades, de maneira que podemos perceber que o problema não está no que se produz,
mas no processo pelo qual isso acontece. A partir de Castells, os autores e a autora sintetizam
as desigualdades do capitalismo informacional (FLECHA, GÓMEZ e PUIGVERT, 2001, p.
96-97):
1. Interatuantes e interatuados: não desaparecem as hierarquias que dispõem quem acessa, seleciona e
processa a informação, e quem elabora essa informação;
2. Trabalhadores em rede e trabalhadores desconectados: o grupo de pessoas que usam a rede ainda é
bem pequeno em relação ao conjunto global;
3. Explorados e excluídos: grande número de pessoas ainda não representa um mercado potencial,
permanecendo à margem das intenções de aproximá-los da rede informacional.
Portanto, são grandes e complexos os desafios que o contexto atual apresenta
para a teoria sociológica contemporânea, que se debruça sobre tal compreensão a partir de três
perspectivas fundamentais, segundo Flecha, Gómez e Puigvert (2001): sistêmica, subjetiva e
dual. A partir da autora e do autor, podemos explicá-las, de forma sintética:
a) Sistêmica: propõe a compreensão da sociedade a partir das leis determinantes de suas estruturas ou
sistemas, impostas sobre as pessoas independentemente de sua ação (perspectiva funcionalista e
estruturalista);
b) Subjetiva: propõe a compreensão das ações e dos fatos sociais sob a ótica das intenções pessoais
(perspectiva fenomenológica, construtivista, interacionista, dramatúrgica e etnometodológica);
c) Dual: propõe a compreensão da realidade social a partir dos sistemas (ou estruturas) e das ações
humanas.
Dado o caráter de transformação da realidade assumido por este trabalho, nos
deteremos na perspectiva dual que, se distanciando das anteriores, focaliza as práticas sociais
organizadas em tempo e espaço. Recorremos a Giddens (2003) para compreender que, de
acordo com a noção de dualidade que percorre sua “teoria de estruturação”, agentes e
estruturas não são passíveis de dicotomia.
(...) As propriedades estruturais dos sistemas sociais são, ao mesmo tempo,
meio e fim das práticas que elas recursivamente organizam. A estrutura não
é “externa” aos indivíduos: enquanto traços mnêmicos e exemplificada em
práticas sociais, é, num certo sentido, mais “interna” do que externa às suas
atividades, num sentido durkheimiano. Estrutura não deve ser equiparada a
restrição, a coerção, mas é sempre, simultaneamente, restritiva e facilitadora.
20
“no ha cambiado tanto el tipo de producciones a los que se dedica la humanidad (se siguen produciendo
“cânones” y “mantequilla”, sino su capacidad tecnológica para utilizar como uma fuerza productiva directa lo
que distingue a nuestra especie como rareza biológica: la capacidad para procesar símbolos”. (FLECHA,
GÓMEZ y PUIGVERT, 2001, p. 93-94, grifos dos autores e da autora).
32
Isso, é claro, não impede que as propriedades estruturadas de sistemas
sociais se estendam, no tempo e no espaço, para além do controle de
quaisquer atores individuais. Tampouco compromete a possibilidade de que
as teorias de sistemas sociais dos próprios autores, que eles ajudam a
constituir e a reconstituir em suas atividades, possam reificar aqueles
sistemas. A reificação das circunstâncias e produtos historicamente
contingentes da ação humana, é uma das principais dimensões da ideologia
na vida social (GIDDENS, 2003, p. 30).
A partir das contribuições de Giddens (2003), destacamos que as estruturas
contribuem para situar as(os) agentes em certo contexto, deixando entrever espaços para sua
movimentação entre as condições que se lhes apresentam. Essa perspectiva nos aponta para a
compreensão das continuidades e das descontinuidades que caracterizam a dinâmica social,
bem como para as possibilidades de sua mudança, mesmo diante das restrições estruturais. Ao
mesmo tempo, o autor também enfatiza as limitações da cognoscitividade humana, quando
analisada de maneira subjetiva, devido às motivações, aos interesses e às necessidades
particulares.
Não pretendemos, neste momento, nos aprofundar na compreensão proposta
por Giddens (2003), senão destacar o sentido que atribui à integração social em que “atores
estrategicamente colocados e co-presentes” se encontram para, de maneira reflexiva, regular
as condições globais de reprodução do sistema, seja para “manter as coisas como estão seja
para mudá-las” (GIDDENS, 2003, p. 33). Assim, podemos relacionar tais idéias às premissas
de intersubjetividade e de reflexão que orientam este trabalho, como também ressaltar que a
perspectiva de dualidade favorece a busca de respostas frente às desigualdades e às
descontinuidades que se evidenciam no momento atual.
Apoiando-nos em Ianni (2007), passamos a caracterizar esse momento do
sistema capitalista, profusamente atravessado pelos símbolos informacionais.
De maneira lenta e imperceptível, ou de repente, desaparecem as fronteiras
entre os três mundos, modificam-se os significados das nações de países
centrais e periféricos, do norte e sul, industrializados e agrários, modernos e
arcaicos, ocidentais e orientais. Literalmente, embaralha-se o mapa do
mundo, umas vezes parecendo reestruturar-se sob o signo do neoliberalismo,
outras parecendo desfazer-se no caos, mas também prenunciando outros
horizontes. Tudo se move. A história entra em movimento, em escala
monumental, pondo em causa cartografias geopolíticas, blocos e alianças,
polarizações ideológicas e interpretações científicas (IANNI, 2007, p. 12).
Nesse contexto global, as estruturas se expandem de tal forma, que
transcendem os limites entre público e privado; e que, de locais, regionais e nacionais, passam
a globais. Assim, o mundo passa a ser percebido, nas palavras de Ianni, como “território da
33
humanidade”. Atualmente, não é possível deixar de ser provocado por “uma nova consciência
de que todos habitam o planeta Terra” (IANNI, 2007, p. 23). As pessoas começam a perceber
que fazem parte de um grande ambiente ecológico, de maneira a se sentirem responsáveis pela
realidade em que se encontram. Grande parte dessa percepção vem por meio das informações
da mais alta rede tecnológica, mas também das mídias de massa.
Quando o planeta Terra deixa de ser apenas um ente astronômico para ser
também histórico, recoloca-se de modo original a dialética sociedade e
natureza. Em pouco tempo, reabre-se a convicção de que o modo pelo qual a
sociedade se apropria da natureza, tornando-a histórica, é também o modo
pelo qual se reabre a contradição sociedade-natureza (IANNI, 2007, p. 24).
Para Ianni (2007), o mundo globalizado é atravessado pelo movimento
contraditório que propõe a tendência a homogeneização ao mesmo tempo em que alimenta a
diversidade de perspectivas. De qualquer maneira, vão surgindo movimentos coletivos que
emergem das brechas abertas nessas tensões. Enfim, embora o capitalismo, por meio de suas
estruturas, continue limitando a possibilidade de atuação real, as pessoas tendem a se
contrapor para buscar novas formas de vida e de trabalho, a partir de sua rede de interações,
de maneira que se diversificam, também, as formas de ser, agir, pensar, sentir e imaginar.
Voltamos às contribuições de Flecha, Gómez e Puigvert (2001) para explicar a
tendência ao diálogo nas sociedades atuais:
as sociedades da informação são o contexto simbólico em que o diálogo está
penetrando nas relações sociais, desde a política internacional até a
convivência doméstica
21
(FLECHA, GÓMEZ e PUIGVERT, 2001, p. 148)
Os autores e a autora explicam que, no contexto atual, as pessoas têm se
empenhado para decidirem por si próprias, exercendo a agência humana a despeito das
limitações propostas pelas estruturas em que se movimentam. Entretanto, isso não tem sido
tarefa fácil devido às relações de poder que permeiam as interações. Dessa forma, existem
muros tradicionais e sistêmicos. Embora as transformações nas tradições ocorram de forma
mais lenta, o diálogo torna-se mais favorecido no interior dos sistemas modernos, pois, estes
foram gerados pela agência humana, com a perspectiva dialógica nas entrelinhas do discurso
democrático. Flecha, Gómez e Puigvert (2001) assinalam esse giro dialógico que vem
caracterizando o cotidiano das pessoas e que tem se ampliado para todos os âmbitos da
realidade, tornando-a mais dialógica também em seus propósitos.
21
“Las sociedades de la información son el contexto simbólico donde el diálogo está penetrando en las
relaciones sociales, desde la política internacional hasta la convivencia dentro de un domicilio” (FLECHA,
GÓMEZ y PUIGVERT, 2001, p. 148)
34
Em busca de teorias sociológicas que forneçam elementos de análise para os
atores sociais, os quais, efetivamente, podem realizar as transformações que são necessárias,
localizamos algumas das contribuições de Habermas (2001), explicitadas a partir da Teoria da
ação comunicativa. Para esse autor, a sociologia se converte “em uma ciência da crise, que se
ocupa antes de tudo dos aspectos anômicos da dissolução dos sistemas sociais tradicionais e
da formação dos modernos
22
” (HABERMAS, 2001, p. 19).
Habermas (2001) se propõe a discutir o conceito de racionalidade sob a ótica
da sociologia, a partir dos nexos que estabelece com as teorias das ações sociais nas quais está
proposto, tentando captar, no plano metateórico o trajeto “de comunidade para sociedade” nos
mundos da vida modernos; e, no plano metodológico, as “orientações racionais de ação” se
convertem em referências para compreender as “orientações de ação” (HABERMAS, 2001, p.
22). Para ele, a racionalidade está mais relacionada às pretensões dos sujeitos em suas
manifestações, do que propriamente ao saber adquirido conforme comumente podemos supor.
O autor explica que todos os sujeitos com capacidade de linguagem e de ação usam sua
racionalidade para viverem socialmente.
Uma manifestação cumpre os pressupostos da racionalidade se e somente se
encarna um saber falível guardando uma relação com o mundo objetivo,
isto é, com os fatos, e resultando acessível a um julgamento objetivo. E um
julgamento somente pode ser objetivo se feito pela via de uma pretensão
intersubjetiva de validez que para qualquer observador ou destinatário tenha
o mesmo significado que para o sujeito agente
23
(HABERMAS, 2001, p. 26).
Fundamentalmente, o autor distingue a racionalidade instrumental e a
comunicativa. O primeiro conceito se relaciona a uma hábil manipulação de informações para
adaptar-se “de maneira inteligente” às condições do entorno. A racionalidade instrumental se
manifesta, explicitamente, quando as pessoas usam o saber que possuem em suas ações
teleológicas, de maneira que possam alcançar, com êxito, determinados fins. Portanto, este
conceito de racionalidade está relacionado às pretensões de intervir no mundo objetivo, de
maneira eficaz.
Com o conceito de racionalidade comunicativa, Habermas (2001) amplia a
compreensão de racionalidade ao incluir a capacidade de atuar sem coações e de gerar
22
“en uma ciência de la crisis, que se ocupa ante todo de los aspectos anómicos de la disolución de los sistemas
sociales tradicionales y de la formación de los modernos” (HABERMAS, 2001, p. 19).
23
“Una manifestación cumple los presupuestos de la racionalidad si y solo si encarna un saber falible guardando
una relación con el mundo objetivo, esto es, con los hechos, y resultando accesible a un enjuiciamiento
objetivo. Y un enjuiciamiento solo puede ser objetivo si se hace por la via de una pretensión transubjetiva de
validez que para cualquier observador o destinatário tenga el mismo significado que para el sujeto agente”
(HABERMAS, 2001, p. 26).
35
consensos a partir de uma fala argumentativa, de maneira que todas as pessoas possam
superar seus pontos de vista subjetivos e atuar a partir de intersubjetividade. Nesse sentido, a
racionalização social implica a manifestação de diferentes sujeitos a partir dos saberes
proposicionais que “encarnam”.
O autor considera que, além da realidade objetiva, as pessoas compartilham,
socialmente, de um “saber de fundosobre a comunidade em que se encontram, embora o
façam a partir de suas representações subjetivas. Dessa forma, a intersubjetividade pressupõe
o entrelaçamento dos mundos objetivo (ou mundo externo), social (de normas vigentes) e
subjetivo (ou mundo interno, com acesso privilegiado do indivíduo).
A prática comunicativa pode ser assegurada se as pessoas compartilharem
intersubjetivamente de um contexto comum, o mundo da vida, que constitui, para Habermas
(2001),
o horizonte de processos de entendimento com o qual os implicados chegam
a um acordo ou discutem sobre algo pertencente ao mundo objetivo, ao
mundo social que compartilham, ou ao mundo subjetivo de cada um.
24
(HABERMAS, 2001, p. 184)
Para Habermas (2001), os significados das ações propostas devem ter um
sentido compreensível para que todas as pessoas atuantes na comunicação possam se pautar
no mesmo entendimento sobre o mundo ou sobre a ação que é necessária para o grupo
(HABERMAS, 2001, p. 30). Ao mesmo tempo, o dissenso também se torna possível e,
segundo o autor, “representa um peculiar desafio” para que sejam apresentados argumentos
convincentes e superar possíveis “dissonâncias cognitivas” sem recorrer à coerção originária
em posições de poder.
As afirmações fundamentadas e as ações eficientes são, sem dúvida, um
sinal de racionalidade, e aos sujeitos capazes de linguagem e de ação que, na
medida do possível, não se equivocam sobre os fatos nem sobre as relações
fim/médio os chamamos, desde logo, racionais
25
(HABERMAS, 2001, p.
33).
Portanto, os acordos que emergem na ação comunicativa são suscetíveis de
fundamentação e de crítica e por isso, devem se pautar em pretensões de verdade ou de
eficiência. Habermas (2001) reconhece que outros tipos de emissões e de manifestações de
24
“el horizonte de procesos de entendimiento com que los implicados llegan a un acuerdo o discuten sobre algo
perteneciente al mundo objetivo, al mundo social que comparten, o al mundo subjetivo de cada uno”.
(HABERMAS, 2001, p. 184).
25
“Las afirmaciones fundadas y las acciones eficientes son, sin duda, un signo de racionalidad, y a los sujetos
capaces de lenguaje y de acción que, en la medida de lo posible, no se equivocan sobre los hechos ni sobre las
relaciones fin/médio los llamamos, desde luego, racionales” (HABERMAS, 2001, p. 33).
36
comunicação que não estão vinculadas a esses critérios. Além das ações teleológicas,
condicionadas pela racionalidade cognitiva instrumental, também existem as ações reguladas
por normas e as ações dramatúrgicas, também desenvolvidas pelos sujeitos conforme as
relações que estabelecem com o contexto em que se encontram. Nessas ações, a racionalidade
fica comprometida pelas diferentes interpretações sobre os conteúdos veiculados pela
linguagem. Nas primeiras, as normas do contexto social podem não ser aceitas como
legítimas, enquanto que, nas segundas, as ações expressam vivências subjetivas que podem
não ser compreendidas pelas outras pessoas. Dessa forma, tais ações geralmente não são
compartilhadas na intersubjetividade.
Diante disso, Habermas (2001) explica que a racionalidade imanente à ação
comunicativa deve ser apoiada em pretensões universais de validade, e isso se torna possível
em “circunstâncias apropriadas” para a prática da argumentação.
Chamo argumentação ao tipo de fala no qual os participantes debatem as
pretensões de validez que se tenham mostrado duvidosas e tratam de
desempenhá-las ou de recusá-las por meio de argumentos. Uma
argumentação contém razões que estão conectadas de forma sistemática com
a pretensão de validez da manifestação ou da emissão problematizada. A
força de uma argumentação se mede em um contexto proposto pela
pertinência das razões. Esta se põe de manifesto, entre outras coisas, em se a
argumentação é capaz de convencer aos participantes em um discurso, isto é,
em si é capaz de motivá-los a aceitação da pretensão de validez em litígio
26
(HABERMAS, 2001, p. 37.
A racionalidade comunicativa pressupõe a disponibilidade de submeter os
argumentos para a crítica das outras pessoas que se encontram na situação de comunicação.
Essa disposição permite que os argumentos sejam validados ou corrigidos, a partir das
diferentes perspectivas que emergem dos saberes das pessoas da comunidade. Ao mesmo
tempo, o conceito de fundamentação proposto por Habermas (2001) está intimamente
relacionado ao conceito de aprendizagem, quando se compreende que a pessoa se propõe a
fundamentar suas ações para agir com eficiência no mundo em que vive. Enfim, o contexto
comunicativo se converte em uma base comum para o entendimento e a reflexão de todas as
formas de ações, a despeito das motivações subjetivas ou dos desafios objetivos apresentados
pela realidade.
26
“Llamo argumentación al tipo de habla en que los participantes tematizan las pretensiones de validez que se
han vuelto dudosas y tratan de desempeñarlas o de recusarlas por médio de argumentos. Una argumentación
contiene razones que están conectadas de forma sistemática con la pretensión de validez de la manifestación o
emisión problematizadas. La fuerza de una argumentación se mide en un contexto dado por la pertinência de las
razones. Esta se pone de manifiesto, entre otras cosas, en si la argumentación es capaz de convencer a los
participantes en un discurso, esto es, en si es capaz de motivarlos a la aceptación de la pretensión de validez en
litígio” (HABERMAS, 2001, p. 37).
37
Habermas (2001) explica que
o conceito de entendimento remete a um acordo racionalmente motivado
alcançado entre os participantes, que se mede por pretensões de validez
suscetíveis de crítica. As pretensões de validez (verdade proposicional,
retidão normativa e veracidade expressiva) caracterizam diversas categorias
de um saber que se encarna em manifestações ou emissões simbólicas
27
(HABERMAS, 2001, p. 110).
Sendo assim, a linguagem tem papel central para o entendimento entre as
pessoas do coletivo, quando se comunicam de maneira a coordenar suas ações para
alcançarem objetivos comuns ao coletivo. Por sua vez, as ações devem ser coordenadas de
maneira que os ouvintes possam entender o significado do que foi dito. Logo, a ação
comunicativa compreende uma forma de interações humanas que se concretiza por meio da
linguagem, mas que nela não se encerra, pois carrega significados a serem validados pela
reflexão e pela análise intersubjetiva.
Embora a teoria da ação comunicativa contenha muitos elementos importantes,
fizemos uma síntese para destacar aqueles mais relacionados a este trabalho. A partir das
contribuições de Habermas (2001), compreendemos a escola como sistema criado pela
humanidade para cumprir com determinadas finalidades educativas. Mas, como assinala o
autor, os sistemas criados pela agência humana, no capitalismo moderno tendem a regular o
mundo da vida a partir do qual germinaram.
Nesse sentido, não podemos perder de vista o capitalismo informacional e
globalizado e a racionalidade instrumental que nele prevalece. Embora nossas novas gerações
ainda não tenham autonomia para exercerem sua capacidade de linguagem e de ação em
plenitude, é nessa mesma sociedade de contradições e desigualdades que elas estão sendo
formadas.
Ao destacarmos as dificuldades nas interações escolares e o contexto em que
vivemos, consideramos os desafios enfrentados na atualidade pela escola pública e pelas(os)
estudantes das classes populares. Dessa forma, propomos caminhar para além do recorte
intergeracional que integra os processos educativos, reconhecendo também o viés de classe
social que permeia o diálogo entre as pessoas adultas e as novas gerações. Passaremos à seção
seguinte para fundamentarmos a compreensão crítica acerca da realidade em que nos
encontramos e de sua relação com a educação.
27
“el concepto de entendimiento (Verständigung) remite a un acuerdo racionalmente motivado alcanzado entre
los participantes, que se mide por pretensiones de validez susceptibles de crítica. Las pretensiones de validez
(verdad proposicional, rectitud normativa y veracidad expresiva) caracterizan diversas categorias de un saber que
se encarna en manifestaciones o emisiones simbólicas” (HABERMAS, 2001, p. 110).
38
1.3. As interações sociais: educação, cultura e ideologia
Quando examinamos a relação entre estrutura e agência humana, torna-se
possível compreender as limitações que perpassam a escola em relação à proposta social de
democratizar o conhecimento. Entretanto, enquanto atores sociais que se movimentam,
podemos nos indignar diante de explicações que impliquem a naturalização das desigualdades
e a fundamentação de práticas que desqualifiquem ainda mais, seja na docência ou em
investigações.
Nesta seção, propomos que a desigualdade social e as outras formas que
condicionam a participação democrática sejam incorporadas às reflexões didático-
pedagógicas, no sentido de buscar a reformulação da “racionalidade” em que se baseiam as
ações escolares em âmbitos externos e internos, nas dimensões de planejamento e de
execução para, dessa forma, selar nosso compromisso com a formação escolar de todas as
crianças.
Para compreender as interações na perspectiva de classe social, nos apoiamos
nas contribuições de Marx e Engels (1845-46), os quais percorrem a história humana,
localizando a raiz da distinção entre seres humanos e animais na produção dos meios de vida.
Explicam os autores que “ao produzirem os seus meios de existência, os homens [e as
mulheres] produzem indiretamente a sua própria vida material” (MARX & ENGELS, s.d.).
Dessa forma, enfatizam o ato de produção dos meios de subsistência como precedentes ao
pensamento humano, propondo que a história humana seja compreendida a partir das relações
sociais que se estabelecem nos modos de produção.
Embora os estudos marxistas ressaltem a estrutura econômica
28
da sociedade
como fundamento para as modificações provocadas no decurso da história pelos seres
humanos nas bases naturais da vida, muitas de suas contribuições são relevantes para
compreender como se processa a relação entre as pessoas e a realidade em que se encontram,
incluindo também a educação nesse encontro. Propomos compreender tais articulações a
partir de Marx e Engels e das contribuições de Romanelli (2002), Bosi (2007) e Whitaker
(2003) com apoio no materialismo histórico e dialético.
28
Econômica(o). “Do lat. oeconomicus-a, deriv. do gr. oikonomikós”. A etimologia do termo remete ao
significado mais amplo de economia: “a arte de bem administrar uma casa ou um estabelecimento particular ou
público” (CUNHA, 2007, p. 283). Neste trabalho, assumimos este sentido do termo, rejeitando as
particularidades que possam remeter a um modo de produção específico. (Por exemplo, o de controle financeiro
no sistema capitalista, cf. AULETE, C., 2009, p. 291).
39
Romanelli (2002) nos lembra que o conceito de educação deve ser pensado em
um contexto, em uma cultura “ligada a uma situação concreta e objetiva”, em tempo e espaço
determinados (ROMANELLI, 2002, p. 21). Assim, a educação, como processo amplo e
contínuo de formação de pessoas, deve ser compreendida em meio ao movimento da história
humana e às contradições que se estabelecem nas interações entre indivíduos e grupos.
A contribuição de Romanelli (2002) se faz presente para explicar que “a
cultura não sobrevive a não ser no meio social” (ROMANELLI, 2002, p. 21). Segundo a
autora, o processo educativo é o instrumento que a cultura utiliza para sobreviver e, para isso,
compõe-se de dois aspectos interdependentes: o gesto criador e o gesto comunicador. No
gesto criador, está a compreensão de que o ser humano existe no mundo e se relaciona com
ele, transformando-o e transformando-se, na medida em que se depara com os desafios que o
meio lhe apresenta, e se volta para o mesmo através de sua ação. Em complementação, ao
comunicar os resultados de sua experiência, o ser humano contribui com os outros e
solidariza-se com eles através desse gesto comunicador.
Dessa forma, é possível entender que a educação se processa em uma constante
tensão entre conservação e transformação, entre pessoa e mundo. Romanelli (2002) destaca
que o processo envolve a necessidade de as gerações mais velhas transmitirem às mais novas
os resultados de sua experiência, na intenção de continuidade de saberes relacionados à
própria sobrevivência de mulheres e homens e preservação de sua condição humana. Ao
mesmo tempo, enquanto percebe e aceita o desafio do meio, o ser humano “sente-se
compelido a utilizar e explorar sua imaginação, sua inteligência, sua capacidade física de
agir”, transformando, dessa forma, as qualidades integrantes de sua própria condição humana
(ibid. p. 20). Embora o processo de educar-se aconteça no âmbito de cada pessoa, é
profundamente social, pois é situado nas trocas de pessoa-pessoa, e de pessoa-mundo,
entendendo-se que a presença de outra pessoa é que permitirá a compreensão dos significados
culturais que são atribuídos ao mundo.
Entretanto, Romanelli (2002) adverte que essas trocas nem sempre ocorrem em
situações favoráveis ao enriquecimento mútuo, como ocorre nos processos de aculturação ou
de aniquilação baseada na força de um grupo sobre outro. Para esses casos, a autora recorre à
analogia trazida pelo termo “transplante” e ao significado de enxerto de um corpo estranho
em meio que não é semelhante ao de origem. Segundo ela, alguns aspectos da cultura não são
gerados em circunstâncias criadoras, pois são acabados na ação cultural e convertem-se em
alienáveis. Mesmo assim, a troca pode ser real, quando a cultura interessada apresenta
40
condições de remanejamento e integração do bem adquirido, porque conta com circunstâncias
criadoras (ibid. p. 21-22). Portanto, a promoção de uma educação ampla e contínua não
prescinde da compreensão sobre as circunstâncias em que foram gerados os bens culturais
assim como da busca de melhores condições para sua apropriação ou criação, de forma que as
perspectivas de mais pessoas sejam trazidas para esse movimento de preservação e (re)criação
de conhecimentos que caracteriza a humanidade.
Nessa perspectiva, não se pode falar de educação se não houver um olhar mais
denso sobre a cultura em que ocorre o processo. Isso porque a educação se concretiza através
de mulheres e homens presentes na história, agentes
29
na história. Pessoas que constituem e
reconstituem a trama social em que vivem, e por ela são constituídos e reconstituídos,
permanentemente. Enfim, a cultura está relacionada à humanização, em um processo de
transformação simultânea de seres humanos e de realidade.
Romanelli (2002) ainda destaca que as diferenças entre as culturas desafiam a
imaginação e a inteligência para a promoção de trocas e influências mútuas que se enraízam e
enriquecem o conhecimento humano. Nesse entendimento, essa presença ocorre,
frequentemente, em um mesmo momento histórico, pois cada indivíduo personifica diferentes
grupos sociais os quais, em seu interior, compartilham de uma mesma definição de realidade,
interpretando, dessa forma peculiar, os diferentes equipamentos simbólicos da sociedade.
Complementando o conceito de cultura, Bosi (2007) enfatiza o cuidado com a
transmissão de saberes que caracteriza a vida humana desde as épocas mais remotas. Para
isso, recorre às palavras de Riesman: “Para os homens [e as mulheres] da tribo, as palavras
são como a água que deve passar de mão em mão com o maior cuidado para que nem uma
gota se perca” (RIESMAN, 1966, Apud BOSI, 2007, p. 55). Logo, o surgimento da
linguagem pode ser encontrado entre os primeiros instrumentos desenvolvidos diante do
desafio humano de preservar sua própria espécie.
Para Bosi (2007), “a comunicação de ideias e sentimentos não se faz em
abstrato” (BOSI, 2007, p. 61). Os instrumentos desenvolvidos pela sociedade para
transmitirem seus conhecimentos também devem ser compreendidos a partir das estruturas em
que foram gerados, tornando-se necessário admitir as contradições que permeiam a vida
social, além dos múltiplos saberes que a comunicação interpessoal e intercultural possibilita.
Na compreensão da autora, é possível identificar dois grupos que,
fundamentalmente, se defrontam: “um, cujas realizações significam socialmente, e outro,
29
Agente: da mesma etimologia de agir, significa obrar, operar, atuar (do lat. ago agére) (CUNHA, 2007, p. 21).
41
cujas realizações assumem significação quando postas em oposição à cultura dominante (ibid.
p. 19). Dessa forma, constitui-se uma cultura que é aspirada por todas as pessoas, relacionada
à necessidade de instrução e ao desejo de uma vida melhor. Contudo, um alijamento das
experiências de uma grande parte de pessoas e de grupos, como se não tivessem que aprender
um conhecimento humano do qual não participaram em sua construção.
Prossegue Bosi (2007) alertando que “a cultura aparece sempre como uma terra
de encontro com outros homens, para uma classe dobrada sobre a matéria, segregada como se
fora uma outra humanidade” (ibid. p. 22). Assim, em todos os âmbitos da realidade, torna-se
premente atentar para o risco de interações que desumanizem quando dispõem seres e culturas
em níveis, como se houvesse uma verdade humana, uma maneira única de existir e de ver o
mundo que se sobreponha às outras.
Propomos retomar as dificuldades nas interações sociais, a partir do conceito
de ideologia apresentado diretamente por Marx e Engels [s.d.] na obra A Ideologia Alemã.
Segundo esses autores, mulheres e homens reais produzem ideias sobre a sua própria vida,
enquanto se movimentam e se relacionam em busca do atendimento às suas necessidades
naturais e sociais por meio da ação do trabalho.
Ao considerar a articulação marxista entre condições sociais e momentos
históricos em que ocorrem, torna-se possível entender as contradições germinadas nas
relações sociais de produção, à medida que a sociedade vai desenvolvendo conteúdos e
formas mais complexas de existência. Dessa forma, destaca-se que as ideias são geradas e
comunicadas nos mesmos desníveis estruturais que delimitam, histórica e socialmente, o
acesso ao patrimônio cultural humano e a possibilidade de sua (re)criação.
Marx (1982) explica que, em certo momento do movimento em que se
processa a história humana, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes (MARX, 1982, p. 531). As forças
produtivas representam a base natural para a existência, de forma que a humanidade coloca
para si tarefas em que as condições materiais para a sua resolução existem ou estão no
processo de se formar. Entretanto, a produção da vida não ocorre de forma isolada, pois, para
que ocorra a renovação da espécie, mais que estabelecer uma relação natural entre si, as
pessoas também devem se congregar para superar os desafios que a natureza lhe apresenta.
Nas palavras de Marx (s.d.), “nessa produção social da vida, os homens [e as
mulheres] entram em determinadas relações necessárias, independentes de sua vontade,
relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das
42
suas forças produtivas materiais” (Ibid., p. 530). Assim, existe uma tensão entre as forças
produtivas e as condições em que ocorrem, pois se entrelaçam pessoas, em sua singularidade,
e suas necessidades econômicas.
Com o crescimento da população humana, novas necessidades vão sendo
criadas e os conflitos se tornam cada vez mais complexos, diante das exigências apresentadas
nas relações sociais. Ao longo de sua história, os seres humanos vão constituindo formas
jurídicas, políticas, religiosas, artísticas e filosóficas que lhe permitam lidar com tais conflitos
e buscar sua resolução.
Portanto, a partir da perspectiva materialista-histórica, é importante reconhecer
que as formas relacionadas a interesses universais carregam em suas raízes as representações
de homens e mulheres que as produzem e reproduzem a partir de classes sociais e de
interesses próprios, gerados nas condições reais e particulares de existência. Esse conjunto de
ideias subjuga e aprisiona o indivíduo em determinada esfera de atividade, mesmo alheia aos
seus interesses particulares. Assim, a universalidade é uma forma ilusória de coletividade
proposta por uma classe que se diferencia das outras na divisão do trabalho, e que se propõe
ao domínio das restantes.
Embora não seja objeto deste trabalho, destacamos a necessidade de recuperar
rapidamente o cenário do século XIX, no qual são produzidas as ideias marxistas. Nesse
contexto, estão consolidadas as formas capitalistas de produção e os conflitos que emanam
nas relações sociais entre a classe dominante, detentora do capital, e a classe dominada,
fornecedora de sua força de trabalho. Ao aumento da escala de produção, acrescenta-se a
ampliação das relações de dependência, subordinação e provável exploração para além dos
domínios dos pequenos grupos, que condiziam aos modos de produção das estruturas sociais
anteriores. Desde o advento da modernidade e a ascensão da classe burguesa ao poder, se
observara a estreita articulação do desenvolvimento científico e tecnológico à expansão do
setor produtivo, possibilitando a criação de máquinas que utilizam as forças da natureza,
como a água e o carvão, para acelerar a produtividade de uma maneira inédita, a fim de
atender a mercados crescentes de consumidores, cuja ampliação havia se iniciado desde a
época das grandes navegações, a partir do século XV. Assim, uma grande massa
populacional abandona os campos, desprovida da propriedade dos meios de produção,
somando-se às camadas das cidades, também marginalizadas do processo produtivo. Grande
parte desse contingente se converte em uma mão-de-obra barata, pois tem a oferecer, como
única possibilidade de sobrevivência, a sua própria força de trabalho para os donos do capital.
43
As mudanças nas atividades produtivas também são acompanhadas por uma
ruptura epistemológica. Nesse movimento, as explicações sobre a existência humana, até
então apoiadas no pensamento religioso, passam a ser confrontadas com uma racionalidade
proposta como mais objetiva e próxima da realidade, por se apoiar na observação, na
experimentação e na percepção sensorial, aproximando o pensamento científico da filosofia
moderna e configurando os campos da pedagogia e da psicologia, como detalhado no
Apêndice I deste trabalho.
Entretanto, o modo proposto para regular as relações humanas, calcado em
valores como “liberdade, igualdade e fraternidadeque emergiram das ideias iluministas no
século XVII, parece cada vez mais distante da conflituosa sociedade da época, pois se
intensificam a exploração, a dominação e a reprodução da miséria humana.
Nesse contexto de aprofundamento de desigualdades, encontra-se Marx entre
os pensadores dedicados ao entendimento da sociedade humana. Manifestando-se contrário ao
filósofo e antigo mestre Hegel (1770-1831) e à filosofia alemã da época, ele afirma que tais
idéias são insuficientes para conduzirem à libertação humana tanto na indústria quanto na
estrutura social (MARX & ENGELS, s.d.). No entendimento marxista, as desigualdades são
mantidas porque a classe detentora dos meios de produção também regulamenta a produção e
a distribuição dos pensamentos de sua época. Sendo assim, a superação das desigualdades
somente se torna possível por meio da “consciência da necessidade de uma revolução” que
destitua a classe dominante do poder e permita fundar outra sociedade sobre novas bases
concretas de existência.
Apesar de Marx se contrapor explicitamente a Hegel, constroi suas ideias a
partir de vários aspectos do pensamento hegeliano, dentre os quais a dialética, sintetizada por
Chauí (1994) como a história como processo temporal movido internamente pelas divisões
ou negações (contradição) e cujo Sujeito é o Espírito como reflexão” (CHAUÍ, 1994, p. 42).
Assim, como Hegel, Marx rejeita a compreensão de história como linearidade de fatos
dispostos no tempo, pois a história é construída em um movimento, cujo motor interno é a
produção e a superação de contradições. Entretanto, a dialética materialista proposta por Marx
tem a matéria como unidade entre sujeito e objeto da história, enquanto a hegeliana propõe o
Espírito nesta unidade.
Enfim, o conceito de ideologia proposto por Marx e Engels em A Ideologia
Alemã busca desvelar as contradições que permeiam as preocupações dos pensadores a partir
da renascença e do iluminismo. Para a socióloga Whitaker, a elaboração desse conceito de
44
ideologia apresenta uma clara intenção política, enquanto que o conceito de cultura, com
raízes na Antropologia, permite uma “visão do outro extremamente democrática”
(WHITAKER, 2003, p. 16).
As contribuições de Whitaker (2003) convergem para os destaques que
assinalamos a partir de Romanelli (2002) e Bosi (2007), ratificando a articulação do conceito
de cultura às formas individuais e heterogêneas que cada mulher e homem incorporam para se
tornar humano. Whitaker (2003) explica que “o ser humano, quando nasce, está aberto a todas
as possibilidades, mas ele tem que nascer em um meio sócio-cultural e (...) precisa internalizar
essa cultura para que se humanize” (WHITAKER, 2003, p. 17). Portanto, podemos afirmar,
genericamente, que as pessoas possuem equipamentos biológicos e psíquicos abertos a todas
as possibilidades, mas, conforme suas experiências culturais, vão tomando as próprias
direções.
Diante dessa perspectiva democrática e humanizadora de cultura, a autora opõe
a concepção de ideologia proposta por Marx e Engels para denunciar as dominações e as
contradições históricas, frequentemente dissimuladas e justificadas para satisfazer o grupo
hegemônico em uma sociedade de classes.
“Há uma inversão que prejudica e atrapalha a percepção daquilo que está
acontecendo realmente. (...) Essa inversão é dada pela dominação, porque
como a classe dominante deseja que os dominados aceitem a dominação
como natural e não percebam a injustiça social, a inversão, por meio do
processo produtivo, cria uma ilusão de que as causas dos fenômenos são
outras e não aquelas que se deveriam descobrir como tais”. (WHITAKER,
2003, p. 23).
Enfim, a articulação entre educação, cultura e ideologia nos alerta para a
importância histórica da educação e da escola, como instituição proposta socialmente para a
existência humana no contexto atual. Nesse encontro, destacamos a possibilidade de os
processos educativos abrigarem ações de criação como também de desqualificação de
indivíduos e grupos, pois acontecem em meio às contradições sociais que perpassam as
interações humanas.
Diante da complexidade de problemáticas sociais como a que investigamos e
da possibilidade da ideologia atravessar as ideias que produzimos e reproduzimos ao longo da
história humana, cabe reconhecer nossa própria condição de investigadoras e investigadores
situadas(os) na mesma realidade social em que estão nossos objetos epistemológicos. Com
isso, alertamos para a possibilidade de a ideologia perpassar a racionalidade científica como
proposta de verdade universal, pois a mesma tensão dialética para conservação e
45
transformação também está presente nos processos epistemológicos que caracterizam o
movimento da ciência.
Nesse movimento, investigadores e investigadoras também se posicionam em
relação às propostas científicas, como poderemos examinar a seguir, ao tratar da
internalização dos processos culturais no âmbito de cada pessoa.
1.4. A perspectiva histórico-cultural sobre a aprendizagem e o desenvolvimento
humano: consciência e atividade
A partir da seção anterior, entendemos a íntima relação entre cultura e
sociedade, no sentido de que a criança, ao nascer, vai imediatamente da natureza para a
cultura do meio em que está inserida. Ao lançar mão dos símbolos de sua cultura, o ser
humano se apropria da realidade em que vivem as gerações que o antecederam, a partir das
expressões relacionadas a gênero, raça, lugar e papéis sociais, de escalas de valores, de
padrões de normalidade, em um processo criativo, dinâmico e ininterrupto, no qual a
comunicação se torna central.
Para compreender como ocorrem esses processos no âmbito individual, nos
apoiaremos nas contribuições da psicologia que partem de Vygotski
30
(1896-1933), devido ao
destaque de suas ideias para a relação entre cultura e sociedade. Também nos apoiaremos em
alguns de seus discípulos, como Elkonin (2000), Ivic (2000) e Leontiév (1978).
No início do século passado, Vygotski apresenta seu trabalho a partir das ideias
de Marx e revela importantes elementos ao enfatizar a contribuição da cultura e da interação
social, como também da dimensão histórica do desenvolvimento mental. Ademais, a
contribuição do autor alerta para o fato de que a aprendizagem não ocorre apenas na dimensão
cognitiva, mas envolve toda a pessoa humana, enquanto ser biológico, afetivo e social.
Assim, destaca a importância de superar ideias que tendem a explicar o desenvolvimento
humano em um estabelecimento linear da aprendizagem, como afirmavam as correntes da
psicologia na época, mas ainda presentes na atualidade.
Por meio de seu texto História do desenvolvimento das funções psíquicas
superiores
31
publicado em 1931, localizamos a produção científica de Vygotski em meio ao
30
Localizamos diversas maneiras de grafar o nome do psicólogo russo nas obras em português, em inglês e em
espanhol que examinamos: Vygotski (2000; 2001), Vigotsky (2006), Vigotski (2007), Vygotsky (cf. IVIC,
2000). Neste trabalho, optamos por usar Vygotski usado em Obras escogidas (2000, 2001) devido ao nosso
apoio maior nessas traduções.
31
Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores
46
debate entre a “velha psicologia” e a consolidação da psicologia “estrutural” proposta nessa
época. Ao estudar os métodos de análise psicológica propostos à época, o autor assinala, de
um lado, a descrição atomística de uma psique fracionada a partir de seus elementos
constituintes atribuídos ao caráter metafísico
32
de consciência humana. Dessa forma, negava-
se a possibilidade de explicações científicas sobre os processos psicológicos. Por outro lado, a
partir de uma perspectiva fenomenológica, a psicologia associacionista e estrutural se
propunha a explicar os fenômenos psicológicos a partir de seus processos subjacentes. Para
Vygotski, a despeito das modificações nos métodos de análise psicológica, permanece o
entendimento de que os fenômenos examinados partem de uma existência independente,
incorrendo-se nos mesmos erros da “velha” psicologia (VYGOTSKI, 2000, p. 98).
Entretanto, Vygotski (2000) reconhece que a psicologia começara a se assentar
sobre novas bases. O autor explica que “é preciso unificar o enfoque estrutural e o analítico
em psicologia”
33
(VYGOTSKI, 2000, p. 100). Para isso, propõe buscar uma interpretação
sintetizadora e unificadora entre as perspectivas, evidenciando um sentido de análise que
permita vislumbrar, no conjunto psicológico integral, os traços e os momentos que conservem
a primazia do todo. Enfim, o autor destaca a necessidade de analisar os processos, conforme
os desdobramentos dinâmicos que ocorrem em momentos importantes de sua história, de
maneira que se possa ir do processo a seus momentos isolados.
Dessa forma, Vygotski (2000) anuncia o processo de maturação científica que
caracterizou a ciência, o qual apresentou, em um primeiro momento, a perspectiva descritiva
para, depois, buscar o estudo explicativo dos fenômenos e revelar as relações e os nexos
dinâmico-causais que estão em sua base. Para ele, era fundamental que o processo de
conhecimento humano se iniciasse por meio da observação dos fenômenos em suas
características externas, e isso ocorreu com todas as ciências.
No entanto, isso não deveria significar a substituição de conceitos por outros,
mas a sua ampliação e o seu aprofundamento. Tornava-se necessário avançar, pois a ciência
seria desnecessária se os fenômenos pudessem ser explicados apenas por suas manifestações
externas. Bastaria apenas registrar os fatos cotidianos e não haveria diferença entre
conhecimentos cotidianos e científicos (Op.cit., p.104). Nesse sentido, a dialética está
presente em sua metodologia quando se dispõe a investigar as funções psicológicas
32
Metafísica. “doutrina da essência das coisas, conhecimento das causas primeiras e dos primeiros princípios.
Do lat. med. metphysica, deriv. do gr. med. metaphysiká, da expressão metà physiká além da física, título
atribuído no séc. I aos treze livros de Aristóteles, que tratam de questões que transcendem o domínio da física”
(CUNHA, 2007, p. 516, grifos do autor).
33
(...) “es preciso unificar en psicologia el enfoque estructural y el analítico” (VYGOTSKI, 2000, p. 100).
47
superiores, voltando-se para leis mais gerais do desenvolvimento da sociedade e do
pensamento humano sob uma perspectiva de radicalização, no sentido de buscar os
significados mais escondidos e profundos dos processos historicamente manifestados.
Podemos reconhecer, nos estudos de Vygotski, as influências de Marx e Engels
quando, além da dialética, recorre às ideias de estrutura, história e cultura para a compreensão
da formação da consciência humana. Para esse psicólogo, a consciência é uma estrutura
situada em um momento histórico e cultural do desenvolvimento humano. Em certo
momento da história da humanidade, as “estruturas primitivas” da consciência começam sua
destruição e reorganização, passando para as estruturas de tipo superior. Assim, as estruturas
da consciência nascem em meio aos estímulos e às reações diante do contexto, alterando-se de
forma conjunta e produzindo uma estratificação da estrutura primitiva da conduta a partir das
co-relações que vão sendo estabelecidas entre as pessoas e o meio em que se encontram.
Ao destacar que as funções psicológicas superiores existentes na consciência
humana diferenciam os seres humanos dos animais, Vygotski (2000) assinala que as
mudanças fundamentais na experiência psicológica humana estão relacionadas ao domínio do
ser sobre a sua própria conduta. Em sua análise, o autor considera a consciência como uma
unidade de compreensão humana em que se encontram as funções psíquicas superiores, como
a memória, a atenção volitiva, a reflexão e a imaginação.
Para o autor, as funções superiores e inferiores não são distintas e petrificadas,
mas relacionadas entre si, convertendo-se uma na outra, de maneira que o pensamento e sua
articulação com a linguagem devem ser compreendidos em movimento quando se manifestam
externamente. Usaremos as palavras de Vygostki para explicar que “quando dizemos que um
processo é externo queremos dizer que é social
34
(VYGOTSKI, 2000, p. 150, grifos do
autor). Portanto, na perspectiva apresentada, a análise da consciência deve abarcar todo o
conjunto que envolve o objeto, seu aspecto externo ou interno.
Em meio à crise da psicologia e aos conceitos polissêmicos utilizados por ela, o
autor explica a necessidade de superar a ideia desenvolvimentista oculta na psicologia infantil
apoiada na concepção de adulto em miniatura. O autor revela que, a despeito de que essa ideia
seja explicitamente rejeitada, as investigações geralmente tendem a se orientar por
comparações com os padrões adultos ou ao que se considera normal quando se deparam com
a complexidade que envolve o organismo humano (VYGOTSKI, 2000, p. 141).
Para Vygotski, a concepção de desenvolvimento infantil é
34
(...) “cuando decimos que un proceso es externo queremos decir que es social(VYGOTSKI, 2000, p. 150,
grifos do autor).
48
(...) um complexo processo dialético que se distingue por uma complicada
periodicidade, a desproporção no desenvolvimento das diversas funções, a
metamorfose ou transformação qualitativa de umas formas em outras, um
entrelaçamento complexo de processos evolutivos e involutivos, o complexo
cruzamento de fatores externos e internos, um complexo processo de
superação de dificuldades e de adaptação (VYGOTSKI, 2000, p.141).
35
Nessa perspectiva, o processo de desenvolvimento infantil ocorre entre a
revolução e a evolução, com o sentido de avanço e de superação para as funções superiores,
mas também de conservação dos estratos inferiores do cérebro que permanecem funcionando
unidos aos superiores. Para explicar o desenvolvimento cerebral, Vygotski (2000) recorre ao
conceito de superestrutura dos novos níveis cerebrais sobre os velhos, assinalando que “a
etapa velha não desaparece quando nasce a nova, mas é superada por ela, é dialeticamente
negada por ela, nela se transforma e existe”
36
(VYGOTSKI, 2000, p. 145). Enfim, no
movimento contraditório e histórico que caracteriza a formação das funções psicológicas
superiores, não há como esgotar a sua compreensão se não a partir de sua totalidade.
Segundo o psicólogo russo, “passamos a ser nós mesmos através dos outros”
37
(VYGOTSKI, 2000, p. 149). Isso significa que as funções psicológicas superiores são
internalizadas pelo que significam socialmente, pois a criança passa a compreender o
significado de seus gestos a partir dos que eles significam para as pessoas que o rodeiam.
Assim, a personalidade da criança se forma a partir da relação social que estabelece com
outras pessoas:
Portanto, a criança é a última a tomar consciência de seu gesto
(VYGOTSKI, 2000, p. 149). (...) Toda função no desenvolvimento cultural
da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos; primeiro no plano
social e depois no psicológico, no princípio entre os homens [e as mulheres]
como categoria interpsíquica e logo, no interior da criança como categoria
intrapsíquica
38
(Vygotski, 2000, p. 150).
A partir do autor, enfatizamos que a educação se a partir das interações, em
um processo contínuo de aprendizagem que possibilita o desenvolvimento humano, trazendo
35
(...) “un complejo proceso dialéctico que se distingue por una complicada periodicidad, la desproporción en el
desarrollo de las diversas funciones, las metamorfosis o transformación cualitativa de unas formas en otras, un
entrelazamiento complejo de procesos evolutivos e involutivos, el complejo cruce de factores externos e
internos, un complejo proceso de superación de dificultades y de adaptación” (VYGOTSKI, 2000, p.141).
36
(...) “la etapa vieja no desaparece cuando nace la nueva, sino que es superada por la nueva, es dialecticamente
negada por ella, se traslada a ella y existe en ella” (VYGOTSKI, 2000, p. 145).
37
(...) “pasamos a ser nosotros mismos a través de otros” (VYGOTSKI, 2000, p. 149).
38
“El niño, por lo tanto, es el último en tomar conciencia de su gesto” (VYGOTSKI, 2000, p. 149). (...) “Toda
función en el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces, en dos planos; primero en el plano social
y después en el psicológico, al principio entre los hombres como categoria interpsíquica y luego en el interior del
niño como categoria intrapsíquica” (VYGOTSKI, 2000, p. 150).
49
um sentido de “humanização”, que ocorre desde o nascimento de cada pessoa. Nessa
compreensão, a obra desse autor russo nos permite avançar para a compreensão de que, na
interação com outras pessoas, cada criança aprende os instrumentos e os signos para se
movimentar no mundo em que vive. Os instrumentos permitem intervir sobre a realidade e,
entre eles, encontramos a linguagem e seu papel central de promover a comunicação entre as
pessoas. Os signos servem de base para os nexos e as relações que constituem o processo de
desenvolvimento cultural e permitem submeter os processos da própria conduta.
Ao considerar que os seres humanos constroem instrumentos e signos para
possibilitar sua vida em um mundo físico e social, Vygotski (2001) enuncia três aspectos
fundamentais:
Instrumentos e signos se aproximam pela função mediadora que apresentam em comum e são
conceitos subordinados a outro mais amplo: atividade mediadora que articula o emprego dos
signos ao dos instrumentos na concepção de razão humana apresentada por Marx e Engels. Para
Vygotski (2000), os signos enquanto objetos de atuação na natureza psicológica são empregados
no mesmo sentido dos instrumentos, os quais permitem “aos objetos atuar reciprocamente uns
sobre outros em concordância com sua natureza e [ao] consumir-se nesse processo, não toma
parte direta nele, mas leva a cabo seu próprio objetivo”
39
(VYGOTSKI, 2000, p. 93).
Instrumentos e signos se diferenciam em sua raiz real pela sua distinta orientação na atividade
mediadora. Os seres humanos usam os instrumentos para atuar sobre o objeto de sua atividade e
modificar sua natureza, em sentido “para fora”. Os signos não modificam nada enquanto objetos
da operação psicológica, mas, ao influenciarem psicologicamente na conduta do próprio sujeito
e na dos demais, atuam em um sentido “para dentro”, conforme assinala Vygotski (2000, p. 94).
O “nexo real” entre as atividades com o uso de instrumentos ou de signos está na relação entre
filogenética e ontogenética. “O domínio da natureza e o domínio da conduta estão
reciprocamente relacionados, como a transformação da natureza pelo homem [e pela mulher]
implica também a transformação da própria natureza”
40
(VYGOTSKI, 2000, p. 94).
Portanto, para o psicólogo soviético, o desenvolvimento das “funções
psicológicas superiores” acontece em meio a intensas atividades externas e internas, em que
se entrelaçam percepção, memória, pensamento, emoções, imaginação e vontade, de maneira
que a pessoa é compreendida como uma estrutura complexa, integrada e dinâmica com
funções especificamente humanas. Diante disso, ele nos explica que pessoa e contexto se
relacionam, pois a consciência humana permite uma atividade crescentemente elaborada na
história e na cultura e a articulação entre o pensamento e a linguagem. Para Vygotski (2001),
39
(...) “a los objetos actuar recíprocamente unos sobre otros em concordancia com su naturaleza y consumirse en
dicho proceso, no toma parte directa en él, pero lleva a cabo, sin embargo, su propio objetivo(VYGOTSKI,
2000, p. 93, grifos do autor).
40
“El dominio de la naturaleza y el domínio de la conducta están recíprocamente relacionados, como la
transformación de su propia naturaleza” (VYGOTSKI, 2000, p. 94).
50
“a palavra desprovida de pensamento é antes de tudo uma palavra morta”
41
(VYGOTSKI,
2001, p. 345). Por meio das funções estruturadas na consciência e do uso da linguagem, as
pessoas podem alcançar coletivamente melhores resultados em suas ações, que em âmbito
individual seriam praticamente impossíveis.
É fundamental destacar que a criança não constroi o conhecimento sobre o
mundo, o que remeteria a uma ideia desenvolvimentista. Na teoria histórico-cultural proposta
por Vygotski, a criança se apropria, através de mediadores, do que está construído
coletivamente. Ao apoiarmo-nos nesse autor para buscar explicações no âmbito individual,
não se torna possível analisar as formas de regulação da conduta humana de forma isolada,
mas como processos em movimento, sempre orientados pelo âmbito coletivo (VYGOTSKI,
2000, p. 124). Tais processos são naturais, no sentido de serem submetidos às leis da natureza
humana. Entretanto, ao subordinar a seu poder os processos naturais, ao intervir no curso dos
mesmos, [o ser humano] não exclui tampouco a sua conduta: “é o homem [e a mulher] que
modificam a estrutura natural e submete ao seu poder os processos de sua própria conduta
com ajuda dos signos”
42
(Vygotski, 2000, p. 125). Assim, podemos entender que as culturas
podem interferir na própria biologia, através de variados exemplos de alteração estrutural,
desde a colocação de elos nos pescoços das “mulheres-girafa” à remodelação cirúrgica dos
corpos de mulheres ocidentais.
Ao mesmo tempo, Vygostski (2000) anuncia que “a cultura não cria nada, mas
somente utiliza o que lhe dá a natureza, o modifica e põe a serviço da humanidade”
43
(ibid., p.
132). Dessa forma, amplia-se o sentido de social para cultural: “todo o cultural é social”
44
(ibid., p. 151). As formas culturais do comportamento têm raízes nas formas naturais, estando
unidas a elas por milhares de conexões e surgindo à base dessas últimas e de nenhuma outra
forma. Assim, o psicólogo também reafirma a cultura como um produto da vida social e da
atividade social do ser humano e definidora dos processos de significação possibilitados pela
mente humana para regular sua própria conduta.
A compreensão proposta pelo autor fundamenta nossa afirmação de que todas
as pessoas estão inseridas em uma cultura, cujas mudanças fundamentais estão relacionadas
ao domínio do ser humano sobre a própria conduta. Nessa perspectiva, os estudos de Vygotski
41
“La palabra desprovista de pensamiento es ante todo uma palabra muerta” (VYGOTSKI, 2001, p. 345).
42
“es el hombre quien modifica la estructura natural y supedita a su poder los procesos de su propia conducta
com ayuda de los signos” (Vygotski, 2000, p.125).
43
“la cultura não crea nada, tan solo utiliza lo que le da la naturaleza, lo modifica y pone al servicio del hombre”
(ibid., p. 132).
44
“todo lo cultural es social” (ibid. p.151).
51
(2000) propõem questões fundamentais para a educação quando assinalam que o autodomínio
tem efeito muito mais importante do que a repressão das atrações naturais da criança para
obter sua obediência. Ao diferenciar sua perspectiva de análise da proposta por Piaget, o
próprio autor assinala que “o desenvolvimento não se orienta à socialização, mas a converter
as relações sociais em funções psíquicas”
45
(VYGOTSKI, 2000, p. 151). Assim, diferente de
se perguntar “como se comporta uma ou outra criança em um coletivo”, apresenta o desafio
de perguntar “como o coletivo cria, em uma ou outra criança, as funções psíquicas
superiores
46
”? (VYGOTSKI, 2000, p. 151).
Enfim, a partir de Vygotski (2000), compreendemos que as transformações
históricas e culturais ocorrem de maneira dialética, em âmbito individual e coletivo. A
despeito da complexidade da obra produzida na curta existência de Vygotski, seus discípulos,
como Elkonin (2000), contribuem para evitar distorções na compreensão de sua obra, deixada
na língua russa ou traduzida de forma equivocada para o inglês. O autor destaca a articulação
entre o materialismo histórico e a dialética nos trabalhos de Vygotski (ELKONIN, 2000, p.
387). Nessa perspectiva, a compreensão sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humanos
deve ser buscada pelas suas raízes na realidade histórica do indivíduo e da coletividade em
que se encontra, considerando-se os processos de relações entre os indivíduos e as estruturas
pelas quais se movimenta no mundo.
Outro discípulo de Vygotski, Ivic (2000) comenta que a compreensão sobre
Vygotski não pode ser reduzida à aquisição de um corpo de informações, mas que abrange,
fundamentalmente, ferramentas, técnicas internas e operações intelectuais, as quais podem ser
adquiridas a partir de diferentes tipos de atividades mediadoras. Tal entendimento permite
pensar em práticas educativas que possam favorecer a aprendizagem dos instrumentos
essenciais à inserção social, considerando-se um contexto em contínua transformação no qual
os bens culturais têm sido oferecidos de maneira crescentemente desigual aos grupos que o
compõem.
Ao se compreender que estrutura e sujeitos se relacionam de forma dialética,
torna-se possível buscar formas mais democráticas de educação, ampliando a participação das
pessoas nos movimentos de conhecer a realidade em que se inserem e gerar instrumentos que
permitam condições mais humanas de existência. Com Vygotski (2001) podemos entender
que as crianças vivem momentos particulares em sua história de vida, na qual a escolarização
45
“el desarrollo no se orienta a la socialización, sino a convertir las relaciones sociales en funciones psíquicas”
(VYGOTSKI, 2000, p.151).
46
“cómo se porta uno u outro niño en el colectivo (...) cómo crea el colectivo, en uno u outro niño, las funciones
psíquicas superiores”? (VYGOTSKI, 2000, p. 151)
52
lhes propõe novos significados relacionados aos sentidos dessa instituição. Segundo o
psicólogo, esse processo acontece por meio dos significados compartilhados socialmente em
atividades realizadas no plano externo e objetivo e também no plano interno e subjetivo,
caracterizando um processo ininterrupto em que não se torna possível identificar o ponto de
partida.
Assim, sem prescindir das origens sociais das instâncias da consciência,
podemos partir para a compreensão da perspectiva das crianças enquanto sujeitos que
internalizam os signos produzidos cultural e historicamente por meio de atividades
intencionais ou não. A partir de seu trabalho com Vygotski, Leontiév (1903-1979) apresenta,
no texto Atividade, consciência e personalidade
47
(1978), o conceito de atividade como um
dos conceitos de maior significação. Recorreremos a esse texto, para aprofundarmos nossa
compreensão a esse respeito.
Para Leontiév (1978), essa compreensão deve ser tomada como um “processo”,
no qual se concretizam as transições recíprocas entre os pólos “sujeito-objeto”, mas em um
sistema com estrutura e dinâmicas próprias, articulado às relações sociais da vida em
sociedade, considerando-se que as atividades humanas não ocorrem de forma isolada
(LEONTIÉV, 1978, p. 66). Quando o ser humano produz um objeto a partir de sua atividade,
relaciona-se com o meio objetivo e o traz para dentro de si, de maneira que os novos contatos
são realizados de forma cada vez mais plena. Assim, o objeto pré-existente no mundo, sob a
intervenção humana é transformado e apreendido como imagem subjetiva, tornando-se
produto do sujeito.
Leontiév (1978) explica que esse processo não se restringe à dimensão
cognitiva, mas envolve outras dimensões humanas, como as necessidades, as emoções e os
sentimentos. No início da vida, as necessidades são decorrentes de um estado orgânico, mas
ao orientar e regular a atividade concreta do sujeito no mundo objetivo, são objetivadas,
“desligando-se” do biológico e tornando-se autônomas e orientadas para o interior do sujeito
(ibid., p. 74). O mesmo processo de objetivação ocorre com as emoções e os sentimentos.
Assim, o autor justifica que os estudos sobre processos psíquicos não devem tomar seus
objetos de forma alheia à atividade humana exterior, pois tais processos têm as funções de
situar o ser humano na realidade objetiva e de transformar a esta, em uma forma de
subjetividade.
47
Actividad, conciencia y personalidad (1978)
53
Baseando-se em Leontiév (1978), é possível ampliar a compreensão de
pensamento para além das operações lógicas e dos significados em cujas estruturas estão
imersos. Para ele, os significados mediatizam o pensamento de maneira que, tanto a atividade
exterior como a interna são mediadoras na interação das pessoas com o mundo nas quais se
concretiza sua vida real, não se diferenciando a realidade objetiva de suas formas idealizadas,
transformadas (ibid., p. 80). O autor afirma que, atualmente, estreita aproximação entre o
trabalho físico e o intelectual. No entanto, essa aproximação não é resultado exclusivo de uma
“interiorização” da atividade exterior, não se diferenciando pela estrutura ou sobrepondo-se a
ela. A diferenciação deve ser feita a partir do motivo original que pode ser tanto material
como ideal, originado na percepção ou na imaginação e no pensamento. O fundamental é
destacar que por trás de um motivo está sempre uma necessidade.
Assim, é possível compreender que não atividade sem motivo. A atividade
não motivada não é uma atividade carente de motivo, mas uma atividade com um motivo
subjetivo e objetivamente oculto. O autor vincula os conceitos de ação e de fim, definindo a
ação como um processo subordinado à representação que se tem do resultado buscado, ou
seja, um fim consciente. As ações são impulsionadas pelo motivo radicado em uma
necessidade, orientadas para um fim.
Leontiév (1978) diferencia atividade e ação, explicando que uma mesma ação
pode concretizar diversas atividades, podendo passar de uma atividade a outra quando há
independência relativa, cuja origem tem motivos diversos. Da mesma forma, um mesmo
motivo pode concretizar-se em distintos fins, engendrando diversas ações. Nesse
entendimento, como a delimitação do fim é subjetiva, não pode ser proposta por outra pessoa,
embora ocorra em condições objetivas. Leontiév (1978) explica que
a delimitação e a tomada de consciência dos fins não é, de modo algum, um
ato que se produz automática e instantaneamente, mas um processo bastante
prolongado de aprovação dos fins pela ação e de seu relevante objetivo
48
(LEONTIÉV, 1978, p. 85).
O autor explica que assume o conceito hegeliano de experiência de que o
sujeito “não pode determinar o fim de seu agir até que não tenha atuado...
49
(HEGEL, 1959.
Apud LEONTIÉV, 1978, p. 85). Ao fazê-lo, Leontiév enfatiza a concretude das ações
48
“La delimitación y toma de conciencia de los fines no es en modo alguno un acto que se produce automática e
instantáneamente, sino un proceso bastante prolongado de aprobación de los fines por la acción y de su
rellenado objetivo” (LEONTIÉV, 1978, p. 85, grifos do autor).
49
(...) “no puede determinar el fin de su accionar hasta que noactuado...” (HEGEL. Apud LEONTIÉV, 1978,
p. 85)
54
educacionais para a aprendizagem. Nesse entendimento, as ações têm um aspecto intencional
relacionado ao que deve ser buscado, e um aspecto operacional relacionado à forma com a
qual se dará a busca. Enquanto que o fim que gera as ações pode ser mantido, as condições
podem ser modificadas, trazendo, como desafio central encontrar as verdadeiras relações que
vinculam entre si a atividade do sujeito, mediatizada pela reflexão psíquica, e os processos
fisiológicos cerebrais.
Segundo Leontiév (1978), na movimentação cíclica que envolve sujeito,
atividade e objeto, não se torna possível definir qual elemento ou momento que inicia o
processo. Também não ocorre um movimento fechado, posto que esse círculo abre-se na
própria atividade prática sensorial. Ao entrar em contato direto com a realidade objetiva e
subordinar-se a ela, a atividade se transforma, se enriquece, e, neste seu enriquecimento,
cristaliza-se no produto. Assim, em um “sistema de relações objetivas”, as pessoas se
“apropriam” do mundo objetivo por meio das ideias obtidas na reflexão consciente, enquanto
que o objeto é produzido na atividade externa.
Mas, para o autor, não basta que o produto da atividade apareça ao sujeito em
suas condições materiais para que esse processo ocorra. É necessário operar-se uma
transformação desse produto para que se apresente como cognoscível, isto é, idealmente.
Para que ocorra essa transformação, a linguagem é fundamental, como produto e meio de
comunicação entre os que participam na produção. É a linguagem que carrega os conteúdos
objetivos em seus significados (conceitos), embora liberados de sua materialidade. Sendo
assim, a linguagem denota a realidade, embora em apenas uma forma de sua existência, assim
como os processos cerebrais materiais dos indivíduos através dos quais se efetua a tomada de
consciência da realidade.
Para Leontiév (1978),
(...) a consciência individual como forma especificamente humana de
reflexão subjetiva da realidade objetiva somente pode ser compreendida
como produto das relações e mediações que aparecem durante a formação e
o desenvolvimento da sociedade. Fora do sistema dessas relações (e fora da
consciência social) não é possível a existência da psique individual sob a
forma de reflexão consciente, de imagens conscientes
50
(LEONTIÉV, 1978,
p. 103).
50
(...) “la conciencia individual como forma específicamente humana del reflejo subjetivo de la realidad objetiva
solo puede ser compreendida como producto de las relaciones y mediaciones que aparecen durante la formación
y desarrollo de la sociedade. Fuera del sistema de estas relaciones (y fuera de la conciencia social) no es posible
la existência de la psiquis individual en forma de reflejo conciente, de imágenes concientes” (LEONTIÉV, 1978,
p. 103).
55
Nessa perspectiva, o autor assinala que a consciência desenvolvida no âmbito
individual é “multidimensional”. Embora Leontiév (1978) destaque a linguagem como
portadora dos significados, também adverte que nela se ocultam os modos de ação
socialmente elaborados (operações), em cujo processo os seres humanos modificam e
conhecem a realidade objetiva:
(...) nos significados está representada _ transformada e comprimida na
matéria da linguagem _ a forma ideal de existência do mundo objetivo, de
suas propriedades, vínculos e relações, descobertos pela prática social
conjunta
51
(LEONTIÉV, 1978, p. 111).
São os significados que revelam a realidade socialmente subjacente. O autor
explica que a formação das imagens sensoriais é resultado de um processo de apropriação de
significados “preparados”, historicamente elaborados, e que este processo transcorre na
atividade da criança, no meio de sua comunicação com quem a rodeia. Ao aprender a cumprir
umas e outras ações, chega a dominar as correspondentes operações que, em sua forma
comprimida e idealizada, estão representadas justamente no significado. Nos momentos
iniciais de sua existência, a criança vai assimilando significados concretos, referidos em
forma objetiva e direta; mais adiante, vai dominando também as correspondentes operações
lógicas, em sua forma externa, exteriorizada, de maneira que possam ser comunicadas de
algum modo. Ao interiorizar-se, são formados os significados abstratos, os conceitos, em um
movimento que constitui a atividade mental interna, a atividade “no plano da consciência”
(ibid, p.112).
Leontiév (1978) destaca que as investigações se ocuparam em analisar a
formação da consciência como um cumprimento de ações preestabelecidas e desprezaram
uma compreensão sistêmica sobre a atividade. Assim, permaneceram à margem, os processos
de criação da finalidade e o da motivação da atividade que levou a essas ações, como
frequentemente presenciamos nas situações de aprendizagem escolar. Com isso, o autor
destaca que os significados e as operações que eles revestem não devem ser tomados por si
mesmos, abstraídos das relações internas do sistema da atividade e da consciência, mas no
movimento do seu sistema.
Para ele, a consciência deve seu surgimento à divisão dos atos operada no
trabalho, cujos resultados cognoscitivos são abstraídos da integridade viva da atividade
51
(...) “en los significados está representada transformada y comprimida en la matéria del lenguaje la forma
ideal de existência del mundo objetivo, de sus propiedades, vínculos y relaciones, descubiertos por la práctica
social conjunta” (LEONTIÉV, 1978, p. 111).
56
humana e idealizados em forma de significados lingüísticos. Ao serem comunicados, esses se
convertem em patrimônio da consciência dos indivíduos. Por um lado, não perdem seu
caráter abstrato, são portadores dos modos, condições objetivas e resultados das ações,
independentemente da motivação subjetiva que possua a atividades dos seres humanos na
qual vai se formando.
Leontiév (1978) explica que, no início da história humana, as atividades dos
partícipes do labor coletivo conservavam motivos comuns, sendo que os significados, como
fenômenos da consciência individual, eram tomados nas relações de adequação direta. Com o
surgimento da divisão social do trabalho e da propriedade privada, essa relação não mais se
mantém, mas se desagrega ao lado da desagregação das relações primitivas dos indivíduos,
das condições materiais e dos meios de produção. Em conseqüência, explica Leontiév (1978),
os significados socialmente elaborados começam a viver uma espécie de vida dual na
consciência dos indivíduos. Então, nasce uma relação interna mais, um movimento mais dos
significados em um sistema de consciência individual chamado pelo autor como “sentido
pessoal” (ibid., p. 114).
Assim, significados e sentidos aproximam–se e distanciam-se, assim como as
impressões sensoriais da realidade exterior em que transcorre a atividade e as formas de
vivência sensorial dos motivos pessoais, a satisfação e a insatisfação das necessidades ocultas
sob elas. Leontiév (1978) afirma que “a encarnação do sentido nos significados é um processo
profundamente íntimo, psicologicamente rico, nada automático ou instantâneo”
52
(LEONTIÉV, 1978, p. 121). Por fim, o autor assinala que o indivíduo não possui uma
linguagem própria e significados elaborados por si mesmo, mas apropriados como imagens na
consciência pelas formas de comunicação individual ou de massa.
No que diz respeito à constituição de imagens na consciência humana,
voltamos à Vygotski (2006) para examinar a incessante atividade especificamente humana de
imaginação ou de criação, decorrente de reflexos de algum objeto do mundo exterior ou
determinada pela construção do cérebro e/ou por sentimentos vivenciados subjetivamente. No
texto La imaginación y el arte en la infância (2006), o psicólogo russo diferencia os impulsos
para a reprodução e para a criação. A reprodução ou a tendência para conservar normas de
condutas elaboradas na história e na cultura é considerada por Vygotski (2006) como
fundamentalmente importante para a adaptação humana ao meio em que vive. A criação é a
capacidade de formar ideia ou imagem, mesmo sem ter sido objeto de atividade real. É nessa
52
(...) “la encarnación del sentido en los significados es un proceso profundamente íntimo, psicológicamente
rico, nada automático ni instantâneo” (LEONTIÉV, 1978, p. 121).
57
atividade, chamada de imaginação, que nos deteremos neste momento pela importância que
representa para fazer do ser humano um ser “projetado para o futuro, um ser que contribui
para criar e que modifica seu presente”
53
(VYGOTSKI, 2006, s.p.)
Na perspectiva do psicólogo, imaginação ou fantasia deixam o sentido vulgar,
relacionado a algo irreal, e ganha um valor prático. Assim, “a imaginação, como base de toda
atividade criadora, se manifesta por igual em todos os aspectos da vida cultural, tornando
possível a criação artística, científica e técnica”
54
(VYGOTSKI, 2006, s.p.). Tudo o que nos
rodeia e que tenha sido criado pela mão humana, o mundo da cultura, é produto da
imaginação ou da criação humana baseada na imaginação. Essa consideração nos leva a
admitir um sentido científico para a palavra criação.
Em face de nossa tendência a acreditar que as obras de criação são produtos
exclusivos de seres geniais, Vygotski (2006) assinala que a criação também existe na vida do
ser humano comum, não apenas originando os acontecimentos marcadamente históricos, mas
também presente quando “o ser humano imagina, combina, modifica e cria algo novo, por
insignificante que esta novidade pareça ao comparar-se com as realizações dos grandes
gênios”
55
(VYGOTSKI, 2006, s.p.).
Assim, os processos criadores são manifestados no cotidiano humano e desde a
infância, como nos jogos e nas fantasias infantis em que a criança combina elementos
conhecidos a partir de experiências anteriores e cria algo novo e particular. Entretanto,
segundo o autor, o desenvolvimento dessa capacidade ocorre lentamente e decorre de quatro
atividades básicas, por nós sintetizadas abaixo:
“Toda elucubração sempre se compõe de elementos tomados da realidade, extraídos da
experiência anterior do homem [e da mulher]”
56
(VYGOTSKI, 2006, s.p.). Assim, a imaginação
é produzida pela combinação entre elementos reais e impressões que temos sobre eles. Nessa
compreensão, a imaginação é favorecida pela riqueza de experiências existentes na diversidade
humana, o que explica a imaginação do adulto como mais rica do que a da criança, devido ao
número de experiências acumuladas em sua história pessoal: apoio na experiência;
É possível vincular fantasia e realidade a partir do compartilhamento de experiências com outras
pessoas. Assim, a imaginação humana permite compreender fatos alheios à sua experiência,
mesmo que a pessoa não tenha participado presencialmente nele: apoio na fantasia;
53
“proyectado hacia el futuro, un ser que contribuye a crear y que modifica su presente” (VYGOTSKI, 2006,
s.p.)
54
“la imaginación, como base de toda actividad creadora, se manifiesta por igual en todos los aspectos de la vida
cultural haciendo posible la creación artística, científica y técnica” (VYGOTSKI, 2006, s.p.).
55
(...) “el ser humano imagina, combina, modifica y CREA algo nuevo, por insignificante que esta novedad
parezca al compararse con las realizaciones de los grandes genios” (VYGOTSKI, 2006, s.p.).
56
(...) “toda elucubración se compone siempre de elementos tomados de la realidad extraídos de la experiência
anterior del hombre” (VYGOTSKI, 2006, s.p.).
58
A percepção humana de objetos externos é influenciada por sentimentos, na medida em que
estes filtram idéias, imagens e impressões conforme o estado de ânimo: apoio na emoção;
A possibilidade de construir um objeto real a partir das combinações da fantasia permite a
materialização da imaginação: apoio na concretude fecha o ciclo de desenvolvimento da
imaginação (VYGOTSKI, 2006, s.p., grifos nossos).
A partir de Vygotski (2006) compreendemos que a atividade da imaginação se
apoia na experiência, na fantasia, na emoção e na concretude:
os elementos que entram em sua composição são tomados da realidade pelo
homem [e pela mulher], dentro do[a] qual, em seu pensamento sofreram uma
complexa reelaboração convertendo-se em fruto de sua imaginação. Por
último, ao materializá-los, devolve-os à realidade, carregados de uma força
ativa e nova, capaz de modificar essa mesma realidade, fechando desse
modo o rculo da atividade geradora da imaginação humana
57
(VYGOTSKI, 2006, s.p.).
Esse círculo da atividade geradora da imaginação humana ocorre no
desenvolvimento da técnica, quando intervenção sobre a natureza. Entretanto, também
ocorre na representação emocional, pois “ambos os fatores, o intelectual e o emocional,
resultam, por igualmente necessários para o ato criador”. “Sentimento e pensamento movem
a criação humana”. Vygotski (2006) se apoia na afirmação de Ribot de que “toda idéia
dominante se apóia em alguma necessidade, anseio ou desejo, quer dizer, em algum elemento
afetivo”
58
(RIBOT (s.d). Apud VYGOTSKI, 2006, s.p.). Assim, pensamento dominante e
emoção dominante são elementos inseparáveis, embora indiquem o predomínio de um ou de
outro, quando manifestados.
Para Vygotski (2006), as construções fantásticas contidas nos mitos, nos
contos, na poesia e nas artes partem imediatamente da realidade, mas a ela retornam em um
movimento que não vem de fora, mas de dentro “do mundo dos pensamentos, dos conceitos e
dos sentimentos do homem [e da mulher]”. Tais obras são sólidas pela verdade interna que
apresentam por meio de imagens que iluminam problemas vitais, de maneira impossível de
ser feita em uma “prosa fria”, mas que “bate no coração com uma força incrível”
59
. Explica-
nos o autor que uma comédia pode se converter em enorme ameaça ao sistema político, pois a
57
“Los elementos que entran en su composición son tomados de la realidad por el hombre, dentro del cual, en su
pensamiento, sufrieron una compleja reelaboración convirtiendose en fruto de su imaginación. Por último,
materializándose, volvieron a la realidad, cerrándose de este modo el círculo de la actividad generadora de la
imaginación humana” (VYGOTSKI, 2006, s.p.).
58
(...) “ambos factores, el intelectual y el emocional, resultan por igual necesarios para el acto creador” (...)
“Sentimiento y pensamiento mueven la creació humana”. (...) “Toda idea dominante (...) se apoya en alguna
necesidad, anhelo o deseo, es decir, algún elemento afectivo” (VYGOTSKI, 2006, s.p.).
59
(...) “el mundo de los pensamientos, los conceptos y los sentimientos del hombre”. (...) “puede batir el corazón
con una fuerza increíble.”
59
.
59
imaginação pode desenvolver um círculo tão completo de influência social como também
desencadear a criação de um novo instrumento de trabalho.
Assim, as obras de arte podem influir enormemente na consciência social
graças à gica que orienta a produção da imagem artística. Com Vygotski (2006), é possível
compreender que as(os) artistas não aglutinam as imagens de maneira arbitrária, mas seguem
uma lógica interna que, por sua vez, é condicionada pelo vínculo que a obra estabelece entre o
mundo subjetivo e o mundo exterior.
Não pretendemos esgotar aqui todos os aspectos da imaginação relacionados à
ação humana, mas apresentar a ênfase de Vygotski (2006) sobre o papel da arte na educação
de nossas jovens gerações, desde uma perspectiva integradora que permita idealmente que
significados e sentidos se encontrem em atividades internas e externas para a promoção de
avanços históricos e culturais, em âmbitos pessoais e coletivos.
O ideal consistiria em construir uma imagem criadora e somente seria uma
força viva, real, quando dirigisse as ações e a conduta das pessoas, tendendo
a se materializar e a se realizar. Se dividirmos o ensino e a imaginação
criadora como duas formas extremas e essencialmente diferentes da fantasia,
ficará claro que, no geral, a educação da criança na formação de imagens
possui, não somente valor parcial de exercício e aumento de uma função
isolada qualquer, mas que possui importância total que se reflete em toda
conduta do ser humano. Nesse sentido, o papel da imaginação no futuro não
será menor do que têm na atualidade (VYGOTSKI, 2006, s.p.).
60
As contribuições de Vygotski (2006) nos permitem entender a responsabilidade
das pessoas adultas com a formação das novas gerações humanas, pois a apresentação das
imagens do mundo adulto condiciona a construção subjetiva de conceitos, sentimentos e
crenças. Enfim, diante da complexidade dos estudos relacionados ao ser humano, Vygotski e
de seus discípulos enfatizam as ações educacionais humanas e as atividades a elas
relacionadas.
Com apoio na perspectiva histórico cultural sobre a aprendizagem e o
desenvolvimento humano, destacamos também a importância de promover métodos
científicos que considerem a vinculação e a interdependência dos fenômenos investigados
enquanto permitem superar os limites inerentes a quaisquer determinações, uma vez que o
60
“Lo ideal consistiria en construir una imagen creadora y solo seria una fuerza viva, real, cuando dirigiese las
acciones y la conducta de las gentes, tendiendo a materializarse y a realizarse. Si dividimos la ensonación y la
imaginación creadora como dos formas extremas y en esencia diferentes de la fantasia será claro que en geral, la
educación del niño en la formación de imágenes possee no solo valor parcial de ejercitación y fomento de uma
función aislada cualquiera, sino que posee importancia total que se refleja en toda la conducta del ser humano.
En tal sentido el papel de la imaginación en el futuro no será menor del que tiene en la actualidad” (VYGOTSKI,
2006, s.p.).
60
processo de construção de conhecimento sobre os seres humanos ocorre em um movimento de
contínua transformação.
Embora reconheçamos os conflitos inerentes às interações humanas e,
particularmente, às intergeracionais, não podemos prescindir de que tais interações são
decisivas para a formação da consciência humana e de seus processos. Torna-se notória a
consciência objetivada da coletividade humana, quando compreendemos que, ao conceber
ações educacionais entre as quais as escolares, a humanidade busca promover condições para
que suas jovens gerações possam avançar e atuar sobre a realidade de maneira crescentemente
elaborada, em meio às atividades internas e externas por meio das quais vão constituindo suas
consciências individuais. Como vimos, trata-se de um movimento dialético entre consciência
individual e consciência social, em que o diálogo vai assumindo a relevância central.
Passaremos a examinar os processos de escolarização como uma das
oportunidades para a educação de meninas e meninos, pois na atualidade a escola é uma
instituição pela qual, idealmente, passarão nossas jovens gerações. Reconhecendo as
dificuldades para a concretização das ações formativas, propomos nos apoiar
preferencialmente na racionalidade comunicativa, privilegiando o contexto escolar como
potencialmente democrático para a reflexão e a aprendizagem em busca de ações orientadas
para a formação humana. É nessa perspectiva de humanização que abordaremos a escola na
próxima seção.
1.5. A educação escolar: possibilidades de humanização
Na seção anterior, compreendemos que a consciência humana se constitui de
forma extremamente complexa, enquanto estrutura constituída entre a preservação e a
transformação dos movimentos históricos e culturais, entre contradições e superações, entre
coletividades e pessoas. A despeito de que as produções de Marx e de Vygotski se
concretizaram em culos anteriores e a partir da sociedade industrial, suas clássicas
contribuições permitem fundamentar nossa compreensão sobre o contexto atual, em que
pretendemos formar nossas novas gerações.
Ao conhecermos os processos por meio dos quais acontece a transmissão das
ideias humanas, percebemos o movimento existencial da humanidade na produção e na
reprodução de ideias sobre si mesma e sobre o mundo em que vive. Ao longo de sua história,
homens e mulheres interagem entre si, inclusive com as novas gerações, configurando os
61
processos educativos. Ao caracterizarmos a sociedade atual, nos inquietamos enquanto
educadora e educador sobre as condições produzidas para a formação de nossas gerações mais
jovens. Nesta seção, pretendemos aprofundar na compreensão sobre o papel da escola no
contexto atual, a partir da perspectiva de humanização proposta por Paulo Freire.
Na compreensão freireana, a possibilidade de humanizar ou de desumanizar se
concretiza nas práticas intersubjetivas, entre as quais incluímos a educação e a ciência, por
entendermos que as ideias produzidas e reproduzidas podem libertar ou aprisionar as
capacidades humanas. Diante da relevância de apresentar referenciais que permitam a busca
para superar os desafios que nos envolvem no momento atual, relacionaremos as idéias de
Paulo Freire ao ensino e à aprendizagem escolar, pretendendo anunciar alternativas que
possam subsidiar as ações educativas e as investigativas, conforme as finalidades propostas
neste trabalho.
Para o educador, a natureza humana se caracteriza pela busca permanente do
conhecimento de si mesmo e do mundo, como também da superação de suas próprias
conquistas, em um processo de humanização.
É por estarmos sendo este ser em permanente procura, curioso, “tomando
distância” de si mesmo e da vida que porta; é por estarmos sendo este ser
dado à aventura e à “paixão de conhecer”, para o que se faz indispensável a
liberdade que, constituindo-se na luta por ela, é possível porque,
“programados”, não somos, porém, determinados; é por estarmos sendo
assim que vimos nos vocacionando para a humanização e que temos, na
desumanização, fato concreto na história, a distorção da vocação. Jamais,
porém, outra vocação humana. Nem uma nem outra, humanização e
desumanização, são destino certo, dado dado, sina ou fado. Por isso mesmo é
que uma é vocação e outra, distorção da vocação (FREIRE, 2002, p. 99).
Até aqui, enfatizamos que a humanidade transforma a realidade em que se
encontra, mas também se transforma ao longo da história, por meio de seus processos.
Entretanto, também reconhecemos que, ao longo da história, as ações de conhecer e intervir
na vida concreta nem sempre são permitidas a todas as pessoas. Freire explica que essa é uma
distorção historicamente condicionada, chamando desumanização a essa possibilidade de
roubar ou de ter a humanidade roubada.
Esse educador nos alerta para a impossibilidade de se pensar a experiência
humana fora da continuidade da história no interior da mudança, ao destacar que a
comunicação e a intercomunicação envolvem a compreensão do mundo” e afirma, na
dialeticidade entre consciência e mundo, que “estar no mundo implica necessariamente estar
com o mundo e com os outros” (FREIRE, 2005, p. 20). Portanto, a perspectiva freireana parte
62
do reconhecimento de que nenhuma pessoa está só no mundo, de maneira que educação é um
processo que nunca se orienta para uma única direção, pois implica um falar com.
Educadoras(es) e educandas(os) se educam quando se inserem em uma crescente rigorosidade
para compreender a realidade, mediados pelo diálogo intersubjetivo.
No entanto, o conceito de diálogo proposto por Freire não se refere a uma
simples conversa ou a uma estratégia para obter algum resultado, mas deve ser entendido
como parte da natureza histórica dos seres humanos. Dessa forma, apesar de apresentar uma
dimensão individual, o diálogo deve ser compreendido como uma situação social. Para Freire
(2006), “o diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua
realidade tal como a fazem e re-fazem” (FREIRE, 2006, p. 123).
Conforme a sua origem etimológica, a palavra diálogo
61
remete ao encontro
entre duas lógicas enunciadas a partir de pessoas que vivem suas histórias e, a partir delas,
constroem seus pensamentos, suas “lógicas” próprias. Diante disso, o diálogo é possível entre
pessoas diferentes, mas nunca antagônicas entre si, pois neste caso a relação estabelecida é de
opressão, de sobreposição de uma à outra.
Assim, a situação de diálogo se relaciona à possibilidade de transformar algum
aspecto desafiador apresentado na realidade em que as pessoas se encontram. Segundo Freire
(2002), quando dialogam de forma crítica para transformar a realidade, as pessoas
“pronunciam” seu conhecimento sobre o objeto analisado, de maneira que os sujeitos
cognoscentes se posicionam em relação ao objeto cognoscível para compartilharem suas ações
e suas reflexões por meio da comunicação que estabelecem em busca da realização de sua
vocação de Ser Mais (FREIRE, 2002b, p.30).
Recorrendo ao educador, podemos entender que as pessoas se transformam ao
longo de sua história porque ontologicamente buscam essa transformação e, ao mesmo tempo,
atuam na realidade em que vivem. Freire (2009) explica que
nós, seres humanos, sabemos que sabemos, e sabemos também que não
sabemos. Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não
sabemos, podemos a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade
(FREIRE, 2009, p. 123).
Portanto, o posicionamento epistemológico também é político, pois, quando se
debruçam juntas sobre o mesmo objeto, os sujeitos partem de concepções diferenciadas e
exercem funções a serviços de uns e não de outros.
61
Diálogo: “fala entre duas pessoas. (...) Do lat. dialógus, deriv do gr. diálogos (CUNHA, 2007, p. 262).
63
O diálogo não existe num vácuo político. Não é um “espaço livre” onde se
possa fazer o que se quiser. O diálogo se dá dentro de algum tipo de
programa e contexto. Esses fatores condicionantes criam uma tensão para
alcançar os objetivos que estabelecemos para a educação dialógica. Para
alcançar os objetivos da transformação, o diálogo implica responsabilidade,
direcionamento, determinação, disciplina, objetivos (FREIRE, 2006, p. 127).
Para Freire (2002), o diálogo não é algo dado, mas deve ser construído
permanentemente pelos seres humanos dispostos a dialogar e buscar transformações de forma
crítica. Para que isso aconteça, além dessa disposição, são elementos condicionantes a
esperança, o amor, a humildade e a fé nos homens e nas mulheres (FREIRE, 2002b, p. 79-82).
As pessoas que se educam para o diálogo se reconhecem e reconhecem as outras como “seres
de transformação”, buscando interações que se fortaleçam na confiança historicamente
construída entre elas, o que implica testemunhar a palavra que se diz.
O conceito de educação freireano se fundamenta no diálogo e agrega o domínio
técnico à política, à opção e à ética, constituindo-se em uma das formas de se promover as
transformações sociais, pois, segundo Freire (2005), a “História é possibilidade e não
determinismo” (id., 2005, p. 23). A partir dessa ampla compreensão, a educação acontece em
muitos espaços inclusive na escola, pois ali acontecem relações sociais e humanas. Mas se
essa instituição social pode contribuir para manter e reproduzir a ideologia opressora, também
pode ser local para se encontrar, conversar, confrontar-se com o outro, discutir e fazer
política. Portanto, converte-se em um dos espaços de conscientização sobre os condicionantes
das ações transformadoras, quando possibilita que os sujeitos que nela se encontram para
fazerem a sua história pronunciem o mundo, a despeito da diversidade que os caracteriza.
Ao analisar o conceito de consciência na educação escolar, o educador enfatiza
que a tendência à opressão não ocorre de maneira linear, mas em um movimento contínuo de
contradições, o que não permite a supressão total das conquistas de pessoas e grupos. Na
perspectiva de consciência proposta por Freire (2005), “refletir, avaliar, programar, investigar,
transformar são especificidades dos seres humanos no e com o mundo” (FREIRE, 2005, p.
21). Nesse sentido, é possível entender que a consciência do mundo é relacionada à
consciência de si, de maneira que não se trata de uma arbitrariedade de uma pessoa sobre o
mundo, mas pode ser feita e refeita a partir da inserção em uma coletividade. Portanto, não
conscientização de si e do outro, mas a interconscientização das pessoas na comunicação que
estabelecem entre si (FREIRE, 2006, p. 61).
Partindo da compreensão de que os processos educativos são sociais e ocorrem
em meio à cultura e à ideologia, identificamos a presença das mesmas contradições
64
encontradas nas relações entre sujeitos e entre grupos. Alerta Freire (2006) que devemos
“reconhecer que as classes sociais existem e que sua presença é contraditória”, de maneira a
provocar conflitos de interesses, dando forma a modos culturais de ser e gerando expressões
contraditórias de cultura (FREIRE e MACEDO, 2006, p. 34). Entretanto, deve-se ressalvar
que, para esse autor, “a luta de classes não é o motor da história, mas certamente é um deles”
(FREIRE, 2002, p. 91). Assim, a perspectiva deste educador reconhece as contradições
existentes nas relações entre os sujeitos germinadas no viés de classes sociais, mas nele não
esgota suas explicações, pois outras diferenças como idade, raça, gênero e escolaridade,
também estão presentes na sociedade.
A partir de Freire (2002), torna-se possível compreender que:
(...) a multiculturalidade não se constitui na justaposição de culturas, muito
menos no poder exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade
conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito
uma da outra, correndo risco livremente de ser diferente, sem medo de ser
diferente, de ser cada uma “para si”, somente como se faz possível
crescerem juntas e não na experiência da tensão permanente, provocada pelo
todo-poderosismo de uma sobre as demais, proibidas de ser (ibid., p. 156,
grifos do autor).
Considerando que o diálogo não acontece casualmente entre pessoas que se
encontram, o educador assinala que a convivência entre diferentes culturas em um mesmo
espaço, a unidade na diversidade, também não é algo natural e espontâneo. É uma criação
que pode ser possível na história humana, a partir de pessoas que assumam a radicalidade
democrática de ir à luta para superar ideologias geradas em estruturas sociais que
responsabilizam fracassos e insucessos que elas mesmas criam. Assim, a história pode ser
feita e refeita, na tensão entre a denúncia de um presente intolerável e o anúncio de um futuro
a ser criado, política e eticamente por mulheres e homens.
Ao compreender que as escolas são instituídas com finalidades relacionadas à
determinada cultura, a cultura letrada, torna-se evidente que uma visão de mundo
autorizada, uma verdade que se sobreponha às outras, proclamada como a mais próxima da
realidade. Nesse sentido, muitas instituições passam a depositar a descrição dos objetos e os
conteúdos em educandas e educandos considerados como receptáculos vazios a serem
preenchidos, subestimando a sabedoria produzida nas experiências sócio-culturais além da
escola, chamados por Freire como os saberes de experiência feitos (FREIRE, 2002a, p. 28)
Diante disso, Freire (2002b) nos alerta que “quanto mais se exercitem os educandos no
arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a
65
consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele.
Como sujeitos (FREIRE, 2002b, p. 60).
A democratização do acesso à escola possibilita o convívio de diferentes
pessoas, mulheres e homens, crianças e adultas(os). Para Freire, ocorre um grave erro
político-ideológico quando a escola resiste a negar a cultura popular, desrespeitando o saber
de experiência feito e encerrando-se em uma linguagem inacessível aos educandos e
educandas. Mas também erra quando se restringe a uma visão focalista”, não se
empenhando em possibilitar a passagem do saber vindo do senso comum para o resultante de
procedimentos mais rigorosos necessários à aproximação dos objetos do conhecimento.
Assim, uma prática educativa democrática e orientada para a humanização não
propõe a dicotomia entre os saberes populares e os acadêmicos, mas envolve o diálogo entre
os conhecimentos provenientes de diferentes fontes. Um diálogo que permita o encontro entre
educandas(os) e educadoras(es) ao redor de objetos de conhecimento que, problematizados, os
desafiem criticamente, possibilitando a inserção de ambos no permanente processo de busca
de uma realidade menos perversa (FREIRE, 2008).
Dessa forma, a dialética também está presente no pensamento de Paulo Freire.
Para o educador, articulam-se mundo-consciência-prática-teoria-leitura-do-mundo-leitura-
da-palavra-contexto-texto (FREIRE, 1992, p. 106). Nesse entendimento, afirma que a vida
humana não pode ser compreendida fora da trama histórico-social, cultural e política. Como
Marx, reconhece a presença da ideologia que, mascarando as condições de opressão em que
vivem pessoas e grupos, os mantém como incompetentes e culpados pelos seus próprios
fracassos. Mas, ao superar o viés de classe social proposto pelo pensador na tensão
consciência-mundo, permite identificar a dominação ideológica de maneira mais ampla e em
outras formas e conteúdos, como na linguagem. Como exemplo, o educador menciona o
afastamento de pessoas e objetos cognoscíveis promovido pelo uso de uma linguagem elitista
que torna impossível a inteligibilidade do texto.
Entretanto, a dialética freireana permite a conciliação entre as perspectivas de
Hegel e Marx, quando resgata a importância da subjetividade para a ação do indivíduo no
mundo. Para Freire (1992), a pessoa humana não se reduz a puro reflexo das estruturas sócio-
econômicas, embora seja condicionada por elas. Sonhar “faz parte da natureza humana que,
dentro da história, se acha em permanente processo de tornar-se” (ibid., p. 91). Nessa
perspectiva, mulheres e homens podem se assumir na condição de sujeitos de sua história,
promovendo as transformações que são necessárias à existência humana.
66
Contudo, o educador alerta que a consciência em si não é suficiente para que
ocorra a superação das condições de desumanização. Freire (1992) articula ação e palavra, de
maneira que é através do diálogo coletivo, que se torna possível superar ideias abstratas e
intocáveis que sustentem práticas desumanizadoras. Assim, é preciso se considerar a
complexidade que permeia o entrelaçamento entre pessoas e sociedades assim como o
interstício entre as ações humanas e as ideias propostas. Enfim, educação, cultura e ideologia
devem ser tomadas como dimensões complementares e contraditórias de um contexto global.
A partir de Freire, compreendemos que os avanços em direção à
democratização do ensino escolar não podem ser compreendidos como “migalhas”
distribuídas por grupos que se consolidam no poder, mas como resultados das lutas de
mulheres e homens que, de forma incansável e cotidiana, buscam por melhores condições de
existência, posicionando-se de forma ética e política em relação ao conhecimento e à
realidade que se apresenta (FREIRE, 2002b, p. 30-56). Pois, se milhões de pessoas são
proibidas de se movimentar para Ser Mais e, “condenadas” a viver em situações-limites, têm a
sua humanidade roubada, as capacidades de ação e de linguagem humanas permitem escolher
e romper com essa situação desumanizadora por meio da inserção em movimentos coletivos
orientados para a superação das condições opressoras de vida.
Portanto, a possibilidade de restaurar a vocação humana perdida não deve ser
compreendida como uma busca solitária, mas sim como uma “luta pela esperança que envolve
a denúncia, sem meias-palavras, dos desmandos, falcatruas e omissões. Denunciando-os,
despertamos nos outros e em nós a necessidade e também o gosto da esperança (FREIRE,
2005, p. 87). Assim, a despeito de que a ideologia oculta condições desumanas de existência,
a consciência é produto de uma busca contínua de coerência entre ações e palavras, também
possível nas atividades desenvolvidas na coletividade do sistema escolar.
Ao adotar a perspectiva dialética e democrática proposta por Freire, torna-se
possível reconhecer que as práticas relacionadas aos processos educativos podem ocorrer de
forma ampla ou em instituições específicas, como a escola e a ciência. Nessas instituições, a
ideologia também permeia as ações de transmitir e produzir conhecimentos.
No entanto, diante das considerações de que a ideologia não se mantém de
forma autoritária e irreversível, mas também não pode ser ingenuamente superada, torna-se
fundamental questionar a historicidade do saber e assumir que essas ações estão relacionadas
a posicionamentos políticos. Ao mesmo tempo, ganha materialidade histórica a possibilidade
humana de transformar e transformar-se junto aos coletivos envolvidos nas ações, resgatando
67
a totalidade humana que integra pensamentos e sentimentos e que permite fazer e refazer-se
na continuidade da história.
A consciência de, a intencionalidade da consciência, não se esgota na
racionalidade. A consciência do mundo que implica a consciência de mim no
mundo, com ele e com os outros, que implica também a nossa capacidade de
perceber o mundo, de compreendê-lo, não se reduz a uma experiência
racionalista. É como uma totalidade _ razão, sentimentos, emoções, desejos
_, que meu corpo consciente do mundo e de mim capta o mundo a que se
intenciona (FREIRE, 2005, p. 75).
Ao longo de sua existência, mulheres e homens se deparam com elementos de
sua realidade, movimentando-se, aprendendo e desenvolvendo-se entre a produção e a
reprodução de saberes e práticas. Lembrando Freire (2007), “mais do que um ser no mundo, o
ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE,
2007, p. 18). Segundo o educador, não como separar, de maneira ideológica, o texto e o
contexto, o objeto de suas razões de ser, a teoria e a prática. Assim, o conceito de consciência
freireano se articula ao diálogo e à educação pautada na responsabilidade ética e política em
face do mundo e dos outros.
Neste capítulo, indicamos a intersubjetividade como uma das premissas
orientadoras deste trabalho, quando examinamos o que representam as interações humanas
para a constituição do ser humano e os processos sociais em que ocorre. De fato, enquanto se
constituem, as pessoas transformam a realidade em que se encontram de maneira criativa,
com reflexos em sua própria forma de interagir com seus semelhantes, sua percepção e sua
interpretação da realidade. Podemos afirmar que, seres e realidades não são petrificados, mas
feitos e refeitos de maneira permanente. Demerge o sentido de humanidade proposto por
Freire quando assinala esse dinamismo da natureza humana para transcender as barreiras para
Ser Mais.
Percorrendo o marco teórico, enfatizamos a reflexão como fundamentalmente
complementar à intersubjetividade para atender às demandas da vocação ontológica para a
humanização. Se na Grécia antiga, as pessoas abandonavam as crianças indesejadas
62
nas
montanhas para serem devoradas pelos animais, atualmente isso é reconhecido como um
62
Os estudos de GOMES (s.d.) na área de Educação Especial apontam, entre os motivos desse abandono, a
identificação de deficiências físicas ou mentais.
68
“crime contra a humanidade”
63
, uma distorção de nossa natureza humana que chamamos, a
partir de Freire, como desumanização.
No entanto, a possibilidade de continuar descartando gente permanece, quando
excluímos alguns grupos das conquistas humanas e deixamos de cumprir nosso compromisso
com a humanidade. Ao excluir milhões de crianças no mundo de condições dignas de vida e
de conhecimentos que possibilitem um melhor entendimento sobre a vida e os seus processos,
continuamos desumanizando as jovens gerações, a despeito dos mecanismos mais modernos
encobrirem as reais intenções de quem o faz. Pois, desumanizamos e somos desumanizados
quando deixamos de ter sonhos em comum e de nos movimentarmos de maneira coletiva no
sentido de sua concretização e, com isso, de liberarmos nosso potencial humano de
criatividade para continuarmos nos refazendo enquanto pessoas, e refazendo a realidade em
que vivemos.
Ao encerrarmos este capítulo no qual apresentamos os conceitos teóricos que
fundamentam esta investigação, propomos radicalizar a ideia de humanização nas interações
entre pessoas adultas e crianças, considerando a possibilidade que representa o contexto
escolar como espaço educativo, democrático e solidário a partir do qual todas as pessoas
possam ali participar, aprender e avançar em suas concepções a partir da capacidade de
linguagem e de ação que possuem. Seguiremos para o próximo capítulo, para relatar como
tais teorias repercutem nas práticas de algumas escolas enquanto lidam com os desafios de
escolarizar as novas gerações na atualidade.
63
Crime contra a humanidade é um termo do Direito Internacional que descreve atos de perseguição, agressão
ou assassinato contra um grupo de indivíduos, ou expurgos, assim como o genocídio, passíveis de julgamento
por tribunais internacionais por caracterizarem a maior ofensa possível (cf. Wikipédia, grifos do autor)”.
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Crime_contra_a_humanidade> Acesso em 26/11/2009/
69
Capítulo 2
PROJETO RODA COM ARTE: PROPOSTA DE ATIVIDADES EM TORNO DE
OBRAS ARTÍSTICAS EM COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM
"Se queres ser universal, começa por pintar a
tua aldeia."
(Leon Tolstoi -1828 - 1910)
Desde o início deste trabalho, vimos enfatizando a educação ao longo da
história e no contexto atual, colocando em destaque as interações entre pessoas adultas e
crianças dentro e fora da escola. Apontamos transformações e desafios, focalizando a escola
como instituição formadora de destaque na sociedade da informação. Assim, se pensarmos
em uma perspectiva de democratização da escolaridade, as escolas públicas devem ser objeto
da maior atenção por parte de investigadoras e investigadores, porque ali se encontra a
maioria das pessoas que compõem nossas novas gerações.
No capítulo anterior, examinamos os aportes teóricos que inspiram esta
proposta de investigação e apontam o permanente movimento de busca humana que
caracteriza os processos educativos possibilitados pelas interações intersubjetivas. Em
consonância a esse entendimento, o interesse em realizar esta pesquisa para conhecer, de
forma mais profunda, as interações no contexto escolar, deve ser compreendido como um
processo crescente de conhecimento sobre o objeto pesquisado, por meio do qual se desloca
entre a curiosidade ingênua e a crítica, virando epistemológica” (FREIRE, 2007, p.14). De
uma maneira geral, as inquietações iniciais experimentadas, observadas e refletidas pela
investigadora em vivências pessoais, acadêmicas e profissionais foram se convertendo,
gradativamente, em ações que permitiram a aproximação de novos temas e novas reflexões,
implicando novas buscas para se lidar com a temática.
Percorrendo a abordagem teórica, observamos que focalizar as interações no
contexto escolar não é uma tarefa fácil, seja pelas transformações que ocorrem na sociedade,
seja por se tratar de objeto de conhecimento de diferentes áreas, como a filosofia, a sociologia
e a psicologia, em suas interfaces com a educação. Entretanto, a proposta de uma abordagem
ampla, como esta, favorece a compreensão sobre os processos educativos de maneira
articulada e contextualizada.
70
Partindo de nossas motivações teóricas e práticas, fomos delimitando o objeto
de estudo, transitando do geral ao particular e nos aproximando do contexto e de pessoas que
poderiam nos ajudar na compreensão da relação entre pessoas adultas e crianças, de forma
sedimentada na convivência e no trabalho comum em busca de maiores e melhores condições
de aprendizagem daquela comunidade. Neste capítulo, relataremos os referenciais que nos
permitiram avançar para a concretização da proposta e as vivências que nos orientaram para
essa direção.
2.1. A proposta de Comunidades de Aprendizagem: o conceito de aprendizagem
dialógica
A despeito das limitações relacionadas ao ensino escolar e as suas finalidades,
traçadas no primeiro capítulo deste trabalho, também entendemos ser necessário conhecermos
as teorias e as práticas que estão levando aos melhores resultados, conforme nos ensina
Aubert et al (2008). Assinalam as autoras e o autor que
Muitos anos de “teorias” baseadas na crença de que não deram resultados
têm levado as pessoas que exercem a prática a rejeitar teorias e investigações
científicas. Saber distinguir as teorias e as investigações científicas dessas
“teorias” é imprescindível para superar essa rejeição e isso supõe basear-se
em duas referências: as investigações do mundo e as melhores práticas
64
(AUBERT, 2008, p. 18).
Além da pouca aplicabilidade de algumas propostas teóricas no contexto
escolar, consideramos também os equívocos em que incorrem tais teorias. Considerando as
repercussões teóricas sobre as práticas educativas, entendemos a importância de apresentar
experiências que vem obtendo resultados na luta contra o fracasso escolar de populações
marginalizadas. Muitas delas partem de princípios participativos e são realizadas nos Estados
Unidos
65
, na Europa e em outras regiões do mundo, inclusive na América Latina e no Brasil.
Nesta seção, apresentaremos a proposta de Comunidades de Aprendizagem (CA), na qual será
concretizada esta investigação.
Valls (2000) define CA como
64
“Muchos años de “teorias” basadas en la superstición que no han dado resultado han llevado a la gente más
vinculada a la práctica a rechazar las teorias e investigaciones científicas. Saber distinguir las teorias e
investigaciones cientificas de esas “teorias” es imprescindible para superar ese rechazo y eso supone basarse en
dos referencias: las principales investigaciones del mundo y las mejores prácticas” (AUBERT et al, 2008, p. 18).
65
Elboj et al (2002) relatam os programas educativos dirigidos às minorias estadunidenses, como School
Development Program (Programa de Desenvolvimento Escolar), Accelerated Schools (Escolas para Aceleração)
e Success for All (Sucesso para Todos) (cf.ELBOJ et al, 2002, p. 62-72).
71
um projeto de transformação social e cultural de uma escola e de seu entorno
para conseguir uma sociedade da informação para todas as pessoas, baseada
na aprendizagem dialógica, mediante uma educação participativa da
comunidade, que se concretiza em todos os seus espaços, inclusive na aula
66
(VALLS, 2000. Apud Elboj et al., 2002),
Em CA, todas as pessoas se envolvem ao redor de objetivos e desejos comuns,
e compartilham suas diferentes perspectivas, analisando e buscando maneiras para que
todos/as aprendam. Entre as bases teórico-metodológicas das comunidades de aprendizagem,
destacamos Paulo Freire, Jürgen Habermas, Ramón Flecha (1997) e outras autoras e autores
preocupados com a transformação social, em busca de compreender o mundo e diminuir as
desigualdades sócio-culturais. Nessa perspectiva, as CA reorganizam suas práticas para criar
um ambiente de colaboração e solidariedade, pautando-se no entendimento de que as
interações no contexto escolar constituem-se em oportunidades para promoção do diálogo
intersubjetivo em busca de uma aprendizagem maior e melhor.
No Brasil, algumas escolas vêm se transformando em CA com o apoio do
NIASE/UFSCar desde 2002, quando a proposta foi apresentada para a Secretaria Municipal
de Educação Básica. Em São Carlos, SP, três escolas que se converteram em CA, orientando-
se para criar um contexto de aprendizagem para professoras(es) e funcionárias(os) da
administração, familiares, estudantes e voluntariado, em que as pessoas possam tecer uma
grande rede de apoio e de solidariedade em busca de alternativas que contribuam para
potencializar tais espaços no processo de democratização do conhecimento.
A proposta de CA tem suas raízes nas práticas que acontecem em uma Escola
de Pessoas Adultas, há mais de trinta anos, época em que a Espanha se recuperava das marcas
da ditadura franquista que durara mais de 30 anos. Nesse contexto, “um grupo de vizinhos e
vizinhas do bairro de La Verneda em Barcelona se atreveu a sonhar a escola que queriam para
seu bairro”
67
(ELBOJ et al., 2008, p. 58). Desde então, as decisões sobre o ensino na escola
passam a ser tomadas de maneira democrática por suas(seus) participantes reunidas(os) em
assembléias. Em suas práticas, toda a escola busca a participação ativa de suas(seus)
estudantes e do professorado, pois considera que a interação e a comunicação são os pilares
para a aprendizagem de todas as pessoas que ali se encontram.
66
“Un proyecto de transformación social y cultural de un centro educativo y de su entorno para conseguir una
sociedad de la información para todas las personas, basada en el aprendizaje dialógico, mediante una educación
participativa de la comunidad, que se concreta en todos sus espaciós, inclusiva el aula” (VALLS, 2000, Apud
ELBOJ et al., 2002, p. 74).
67
“un grupo de vecinos y vecinas del barrio de La Verneda en Barcelona se atrevió a soñar la escuela que
querian para su barrio” (ELBOJ et al., 2002, p. 58).
72
Das práticas educativas iniciadas por essa escola, germina o conceito de
aprendizagem dialógica, desenvolvido pelo CREA/Espanha a partir da diferente formação de
seus membros, do aprofundamento em teorias educativas e sociais de diferentes áreas de
conhecimento, e da prática e da participação em atividades educativas.
Para Aubert et al (2008), “a aprendizagem dialógica caminha em ombros de
gigantes. Baseia-se nas principais teorias e investigações da atual comunidade científica
internacional, tendo em conta sua diversidade de saberes”
68
(AUBERT et al., 2008, p. 25,
grifos das autoras e do autor). A proposta desse conceito engloba as contribuições
historicamente favoráveis às ações relacionadas com a transformação social, analisando e
elaborando propostas educativas a partir do encontro com participantes diversos, acadêmicos
ou não. Ademais, entendem que as construções teóricas não são estruturas cristalizadas da
ciência, assim como as condições sociais se transformam com a intervenção humana.
As autoras e o autor destacam o avanço ocorrido desde as concepções
anteriores de aprendizagem e suas propostas de ensino que enfatizavam o papel do professor
como transmissor para um aluno passivo e receptor do conteúdo. Para Aubert et al (2008), são
relevantes as contribuições do construtivismo sobre a interação como importante condição
para a aprendizagem, o papel ativo do alunado para a construção do conhecimento e a
presença de aspectos afetivos, biológicos e sócio-culturais ao lado dos processos cognitivos.
Entretanto, com a aprendizagem dialógica torna-se possível introduzir a orientação do ensino
para os máximos níveis de aprendizagem e o papel do professorado como agente colaborativo
(AUBERT et al., 2008, p. 77-79). Portanto, a ênfase se desloca para a transformação do
contexto social e cultural para que decorram as transformações no plano cognitivo individual,
em consonância com as teorias apresentadas nos itens anteriores.
Articulado à compreensão sobre a realidade social, o conceito de aprendizagem
dialógica é proposto a partir da concepção dual de sociedade, na qual estrutura e agência
humana são interdependentes e relacionadas às concepções de educação e de aprendizagem
(AUBERT et al., 2008, p. 77). O apoio nesse conceito admite o momento atual do capitalismo
em que se coloca em destaque a capacidade intelectual de selecionar e processar informações
e se relaciona às propostas educativas na concretude social. Tal reconhecimento não prescinde
da compreensão de que o processo de globalização também aprofunda as desigualdades
sociais pela rápida circulação da informação como nova mercadoria, cujos impactos recaem
68
El aprendizaje dialógico camina “a los hombros de los gigantes”. Se basa en las principales teorias e
investigaciones de la actual comunidad científica internacional, teniendo en cuenta su diversidad de saberes”
(AUBERT et al., 2008, p. 25).
73
sobre todos os âmbitos da vida humana e a educação neles praticada. Ao mesmo tempo,
enfatiza que as lutas entre diferentes grupos abrem espaço para a “descolonização” de espaços
da vida humana, inclusive os relacionados aos sistemas, como a justiça, a política, a ciência e
o trabalho.
As autoras e o autor definem a aprendizagem dialógica como o produto do
diálogo igualitário: “um diálogo em que diferentes pessoas aportam argumentos em condições
de igualdade para chegar a consensos, partindo de que queremos entender-nos falando desde
pretensões de validez”
69
(ELBOJ et al., 2002, p. 92). Assim, são consideradas as ideias
enunciadas em torno de um determinado objeto que se queira conhecer ou de situações
problemáticas que afetam a vida coletiva daquele grupo.
No entanto, não são consideradas as posições de poder ocupadas pelas pessoas
que participam do diálogo, de maneira que direção, professorado, alunado e voluntariado
apoiam seus argumentos em pretensões de validez para estabelecerem acordos sobre os
aspectos analisados. A possibilidade de participação igualitária é favorável para que todas as
pessoas envolvidas se disponham a compartilhar suas experiências e seus conhecimentos
provenientes dos muitos espaços em que se formaram, dispondo-os ao grupo de maneira
solidária. Enfim, todas as pessoas aprendem mais porque conhecem as muitas e diversas
perspectivas das outras pessoas.
Para as autoras e o autor, o conceito não é mera construção teórica porque pode
ser articulado a diversas formas de organização. “A aprendizagem dialógica é válida em
contextos educativos que vão desde a infância até a maturidade, tal como se está fazendo já no
presente
70
(ELBOJ et al., 2002, p. 92). Assim, a equipe do CREA apoia sua concretização em
diferentes atividades e lugares da Espanha, e em países de outros continentes, inclusive no
Chile e no Brasil, desdobrando-se, dessa forma, em princípios fundamentais delineados em
meio ao diálogo acadêmico internacional entre diferentes áreas do conhecimento.
Sintetizamos abaixo esses princípios com base em Flecha (2007): diálogo
igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido,
solidariedade, igualdade de diferenças.
- Diálogo igualitário: relaciona-se à capacidade humana de linguagem e ão que têm as
pessoas. A linguagem é meio para que as pessoas se entendam e se articulem para resolver
69
(...) “un diálogo en que diferentes personas aportamos argumentos en condiciones de igualdad, para llegar a
consenso, partiendo de que queremos entendernos hablando desde pretensiones de validez” (ELBOJ, 2002, p.
92).
70
“El aprendizaje dialógico es válido en contextos educativos que van desde la infância hasta madurez, tal como
se está haciendo ya en el presente” (ELBOJ, 2002, p. 92).
74
com êxito as situações problemáticas, assim como todas as pessoas podem criar novas
relações e realidades. Assim, todas as contribuições são valorizadas e o diálogo é construído
a partir dos argumentos expostos pelas(os) participantes em função de sua validez. Ao se
colocarem de forma mais ativa na discussão, as(os) participantes contribuem para uma
reflexão mais profunda de todo o grupo;
Inteligência cultural: relaciona-se aos saberes constituídos em diferentes ambientes
acadêmicos ou não. Nesse princípio, considera-se que as pessoas desenvolvem sua
inteligência a partir das interações com sua cultura de origem. Assim, o conceito de
inteligência se amplia, envolvendo aspectos éticos, cognitivos, estéticos e afetivos. O
ambiente de diálogo e de respeito é enriquecido com essas contribuições, pois ao permitir a
superação das fronteiras entre conhecimentos de diferentes fontes, as pessoas aprendem
outras formas de compreensão de si mesmo e da realidade, de maneira que avançam em
relação às suas perspectivas pessoais;
Transformação: relaciona-se às pessoas e às situações problemáticas. Parte do pressuposto
de que a sociedade e a educação são geradas a partir das relações intersubjetivas. Portanto,
as dificuldades pessoais e os desafios sociais também podem ser superados. A todo
momento, as pessoas fazem escolhas, tomam posição sobre assuntos diversos e agem no
mundo, de maneira que podem recriá-lo assim como recriarem a si mesmas, a partir de sua
decisão e de seu compromisso;
Dimensão instrumental: relaciona-se aos instrumentos desenvolvidos por homens e
mulheres para atuar sobre a realidade em que vivem. Esse patrimônio de criação humana
deve ser partilhado, pois é produto de criação coletiva. Isso significa que quando
desenvolvem seus instrumentos, as pessoas se apoiam em conhecimentos desenvolvidos
pelas gerações anteriores, trazendo um sentido de (re)criação. A restrição ao acesso de tais
instrumentos é condição para exclusão social de pessoas e de grupos humanos;
Criação de sentido: relaciona-se à orientação vital que orienta as ações pessoais. Nesse
princípio, propõe-se resgatar a condição humana de projetar ações e de se movimentar em
direção a elas, de maneira a superar os condicionantes estruturais. Ao definir suas escolhas,
as pessoas desenvolvem sua responsabilidade pessoal e sua autonomia. Com o envolvimento
em projetos coletivos, assumem também compromissos perante o grupo em que se
encontram, responsabilizando-se pelas ações a que se propõem e fortalecendo-se de maneira
recíproca;
Solidariedade: relaciona-se ao envolvimento genuíno em ações que busquem superar os
obstáculos interpostos nos direitos de todas as pessoas vinculados às condições de raça,
escolaridade, idade, classe social e gênero. Diferencia-se do “turismo solidário” e do
assistencialismo, quando as pessoas agem de maneira estratégica em benefício pessoal sem
permitir que o coletivo avance para as finalidades que o orientam. De maneira diretamente
oposta à gica da competição individual, as ações e as ideias priorizadas devem favorecer o
coletivo em que são propostas, além de serem submetidas a ele de forma aberta e
compreensível;
Igualdade de diferenças: relaciona-se ao reconhecimento de que as pessoas são diferentes
entre si, mas que essas diferenças não justificam condições diferenciadas de movimentação
no mundo e de acesso aos bens humanos, pois nenhuma cultura ou característica humana se
sobrepõe biologicamente a outra. Opondo-se a todas as formas de desigualdade e
discriminação, neste princípio afirma-se o direito de ser diferente e a potencialidade que
representa a diversidade humana para a superação de desafios. As pessoas focalizam a
realidade de maneira diferente, pois, ao fazê-lo, partem de suas histórias e experiências
como sujeitos sociais. Ao trazerem suas perspectivas para o grupo sem o risco de serem
julgadas, as ideias se convertem em manancial para o aprendizado e para a ação social.
75
Como podemos observar, os princípios são articulados entre si para sua
concretização integrada na realidade educacional. Portanto, representam ideais a serem
buscados no esforço cotidiano de um coletivo que se disponha a superar os obstáculos da vida
social, entre os quais os relacionados à educação e à aprendizagem escolar.
Voltamos a Aubert et al. (2008) para assinalar a necessidade de também
revestir as teorias educacionais com o caráter de busca permanente, quando enfatizam a
importância de superar o “fundamentalismo” para que ocorra o avanço científico quando as
concepções não contemplam de maneira suficiente os problemas educativos em face das
transformações sociais ou de atualizações científicas dos temas. Em coerência a essa
necessidade, encontramos a possibilidade de complementar o conceito de aprendizagem
dialógica com a incorporação de um oitavo princípio, conforme observamos em relatório de
pesquisa e artigos publicados recentemente por Ferrada junto ao CREA (FERRADA &
FLECHA, 2008), ou com sua equipe de colaboradoras e colaboradores chilenos (FERRADA,
2008, 2009; BASTÍA, 2008): o princípio da emocionalidade/corporeidade.
Segundo Ferrada e Flecha (2008), este princípio se refere à amorosidade
contida no reconhecimento de que o processo de aprendizagem acontece entre “corpos” que
se encontram, enquanto matéria biológica constituída em relações sociais. Nesse sentido, a
autora e o autor destacam a necessidade de empatia como a capacidade de sentir-se em
harmonia diante da presença de outras pessoas, o que implica sua aceitação desde sua história
até as relações e as ações sociais estabelecidas nas interações com as outras pessoas.
Buscando conhecer uma das fontes da elaboração desse princípio, encontramos
os biólogos chilenos Maturana e Varela (1995) e sua obra A árvore do conhecimento,
originalmente publicada em alemão em 1987. Esses autores focalizam os processos de
aprendizagem social como parte da natureza sociobiológica dos seres humanos. Assim,
propõem o enfoque biológico para a compreensão dos fenômenos sociais e para a construção
de uma colaboração mútua para redução das tensões e “reverter o processo de desintegração
das sociedades modernas” (MATURANA & VARELA, 1995, p. 22).
As contribuições dos autores são importantes para compreender a existência
biológica da consciência. Maturana e Varela (1995) assinalam que os impulsos altruístas não
são criação da modernidade, mas impulsos biológicos naturais que ocorrem em todos os seres
humanos desde o início da vida humana e que condicionam o meio social. Para os autores,
dispomos de uma faculdade natural que é a reflexão consciente. Portanto, dotados de
76
“altruísmo biológico” e de “reflexão consciente”, podemos propor ações em direção ao
entendimento mútuo com base em uma “reflexiva criatividade social”.
Criar o conhecimento, o entendimento que possibilita a convivência humana
é o maior, mais urgente, mais grandioso e mais difícil desafio com que se
depara a humanidade atualmente (MATURANA & VARELA, 1995, p. 26).
Neste momento, não pretendemos nos deter na obra, mas destacar as
contribuições que teorias como essa podem trazer para a compreensão das interações no
contexto atual e de seus impactos nos processos escolares. Nas palavras de Bastia (2008),
o reconhecimento do outro é possível por meio da capacidade empática
dos seres humanos, capacidade que dificilmente se desenvolve em contextos
de violência. No entanto, esta experiência permite observar como as meninas
e os meninos são capazes de ajudar a outros, não somente a aprender mas a
se proteger e colaborar em situações difíceis (quedas, brigas, etc.) e como as
educadoras assumem compromissos que permitem assegurar o bom
funcionamento dos dois níveis de intervenção, assinalando: eu não posso
estar tranqüila se sei que em outro nível falta algum material e faço o
possível para consegui-lo”
71
(BASTIA, 2008, p. 123-124).
Apoiamo-nos na autora para assinalar a aproximação da realidade chilena com
o contexto social em que vivem as novas gerações brasileiras na atualidade. Ademais,
enfatizamos a explicitação cotidiana da violência atual pelas mídias da sociedade da
informação, como podemos ilustrar a partir da edição jornalística de 25/11/2009, data em que
escrevemos este capítulo. Em reportagem de capa, encontramos a divulgação de que, entre 12
e 19 anos de idade, 30% de jovens relatam terem sido vítimas de violência enquanto que 55%
relatam terem visto corpos de pessoas assassinadas nos últimos 12 meses
72
(BENITES,
2009). Folheando o mesmo caderno, encontramos ainda a particularidade da cidade de São
Carlos, em que nos encontramos para a realização da pesquisa, e a divulgação dos números do
Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) que coloca a cidade como a menos violenta entre os
71
“El reconocimiento del otro sólo es posible a través de la capacidad empática de los seres humanos, capacidad
que difícilmente se desarrolla en contextos de violencia, sin embargo, esta experiencia permite observar como
los niños(as) son capaces de ayudar a otros no sólo a aprender sino a protegerse y colaborar en situaciones
difíciles, (caídas, peleas, etc.) y como las educadoras asumen compromisos que permiten asegurar el buen
funcionamiento de los dos niveles intervenidos, señalando: “yo no puedo estar tranquila si que al otro nivel le
falta algún material y hago lo posible por conseguirlo” (BASTÍAS, 2008, p. 123-124).
72
Cf. BENITES, Afonso. 30% dos jovens foram vítima de violência. Folha de São Paulo. São Paulo, 25 nov.
2009. Caderno Ribeirão, C1.
Segundo a reportagem, esses dados foram obtidos em pesquisas coordenadas pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, a pedido do Ministério da Justiça, divulgadas em São Paulo em 24/11/2009.
77
266 municípios com mais de 100 mil habitantes que foram analisados
73
(MARTINS, 2009).
Enfim, são notícias relacionadas ao mesmo tema, entre as quais encontramos dificuldades e
possibilidades em meio à indignação e à ambigüidade que nos apresentam e que nos servem,
neste momento, para indagar sobre o papel da escola e das(os) educadores diante desse
cenário.
A partir de Ferrada (2008; 2009) e Bastía (2008), podemos compreender que os
ideais de amorosidade propostos por Freire percorrem os sete princípios anteriormente
citados, mas que a especificidade do oitavo princípio contempla a dimensão biológica de
mobilização humana para o entendimento entre pessoas entre as convergências e as
divergências sociais. Pensando nas crianças e na historicidade de seus corpos nesse momento
da infância conforme o foco deste trabalho, relacionamos também ao principio da
emocionalidade/corporeidade, a possibilidade de trazermos aos processos de aprendizagem a
afetividade, a alegria, a criatividade e a imaginação, a despeito das dificuldades reais que as
cercam. Enfim, enfatizamos a capacidade humana de sonhar e, por meio dela, atravessar os
tempos e os espaços para almejar o futuro, resgatar as memórias mais significativas de nossas
próprias histórias e trazer ideias para serem realizadas no presente, no sentido que apresenta o
conceito de inédito-viável proposto por Freire para as práticas educativas (FREIRE, 2002a,
p.11; FREIRE, 2002b, p.107).
Diante dessa possibilidade de sonhar e de concretizarmos sonhos a despeito das
dificuldades estruturais, voltamos ao contexto escolar e às escolas com as quais sonhamos
para nossas jovens gerações, destacando as práticas em torno do conceito de aprendizagem
dialógica, entre as quais se encontra a Tertúlia Literária Dialógica (TLD) iniciada na escola
La Verneda. Segundo Flecha e Mello (2005), trata-se de “uma atividade cultural e educativa,
desenvolvida em torno da leitura de livros da Literatura Clássica Universal” (FLECHA &
MELLO, 2005, p. 29). Nessa atividade, o grupo participante decide conjuntamente a obra que
objeto de leitura e de reflexão desde seus trechos previamente selecionados.
A partir dessa leitura, realizada em casa ou nos momentos do encontro, as
pessoas se encontram regularmente, geralmente em frequência semanal, para compartilhar
informações e debater temas emergentes no grupo de maneira a ampliar suas compreensões.
Nesses encontros, podem não apenas interpretar o que diz seu(sua) autor(a), mas tomar a
produção como referência para falar sobre a vida e a humanidade, “descolonizando o
73
Cf. MARTINS, Leandro. São Carlos é a menos violenta para os jovens. Folha de São Paulo. São Paulo, 25
nov. 2009. Caderno Ribeirão, C3. A reportagem assinala a coleta de dados no ano de 2006, com pessoas entre 12
e 29 anos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
78
conhecimento” (MELLO et al., 2003). A pessoa moderadora da atividade é uma participante a
mais, cabendo-lhe apenas organizar as falas no sentido de garantir os princípios da
aprendizagem dialógica.
Difundidas no Brasil desde 2002 com o apoio do NIASE, as TLD são
realizadas, atualmente, em grupos de Educação de Jovens e Adultos, Centros Comunitários,
Universidade Aberta da Terceira Idade (UATI), entre outros. Embora originalmente
concebida com participantes adultas(os), sua realização também se torna possível com
crianças e adolescentes, conforme relata Girotto (2007) em seus estudos desenvolvidos no
contexto brasileiro. A autora explica que as TLD com crianças e adolescentes surgem do
desejo de participação manifestado por elas na ocasião da divulgação da atividade em uma
das escolas que se transformara em CA.
A decisão de uma escola em CA implica, desde seus primeiros momentos, na
crescente participação dos familiares e do voluntariado nas questões escolares, ao lado de
estudantes e do pessoal da escola. Como caminho metodológico, essas escolas percorrem seu
processo de transformação em duas etapas fundamentais: a sensibilização e a consolidação.
No caso brasileiro, são acompanhadas por pessoas do NIASE/UFSCar até que tenham
autonomia para se movimentar sem esse apoio, o que tem acontecido, em média, após dois
anos desde o início do processo.
A sensibilização se desdobra em etapas que se sucedem à tomada de decisão,
como os sonhos, a seleção de prioridades e o planejamento. Nessa perspectiva, a adesão à
proposta deve ter a aprovação de 90% do professorado, demandando também à aprovação da
maioria dos familiares e das(os) estudantes adultas(os). No Brasil, as crianças vêm
participando dessa decisão, pois frequentemente acompanham seus familiares quando as
assembléias são realizadas. É importante destacarmos que a tomada de decisão é alicerçada
em uma apresentação mais aprofundada sobre as teorias e as práticas relacionadas às
comunidades de aprendizagem.
Tomada a decisão, é hora de sonhar com a escola que todas e todos querem ter,
esquecendo-se por um momento das limitações que a envolvem. Elboj et al (2002) explicam
que
quando cada coletivo chega às linhas gerais de seu sonho, se estabelece o
procedimento para chegar a um acordo sobre seu sonho comum. As bases
desse procedimento são o diálogo igualitário, o raciocínio oferecido aos
demais sem pretensão de protagonismo pessoal, em busca da melhor
educação para todas e todos. Não pessoas ganhadoras e perdedoras nesse
procedimento. Adentrar-se nele com medo é contraditório com o propósito
79
do sonho. O objetivo é que finalmente todas e cada uma das pessoas
implicadas vejam reconhecido no sonho comum o melhor de suas próprias
aspirações, aquilo pelo qual vale a pena trabalhar
74
(ELBOJ et al., 2002, 85).
A partir dos sonhos, a escola começa a se organizar para a busca de sua
concretização. Nesse momento, é formada a comissão gestora aberta à participação de toda a
comunidade escolar, responsável por elencar as prioridades a partir de informações concretas
sobre o contexto da escola. Em torno das prioridades elencadas, vão sendo formadas as
comissões específicas orientadas para o planejamento das ações decididas pelo grupo.
Enfatizamos que, preferencialmente, as comissões deverão ser compostas por participantes de
todas as instancias representativas: pessoas da administração da escola e de seu entorno,
professorado, estudantes e familiares. Ao mesmo tempo, a escola se abre a voluntárias(os)
dispostos a colaborar em atividades pedagógicas em sala de aula, como os grupos
interativos
75
, e fora delas, como a biblioteca tutorada
76
.
A decisão pela transformação da escola em CA desencadeia um processo
irreversível, a despeito de possíveis mudanças na equipe da escola e de suas(seus) estudantes.
Assim, também não momento específico de conclusão, mas a consolidação da proposta,
em um permanente educar-se. Portanto, o processo é continuamente revisto para garantir a
aprendizagem de todas as pessoas da escola, o que implica em espaços abertos
periodicamente para a formação de todas as pessoas sobre os seus princípios e suas
finalidades. Enquanto o professorado aprofunda predominantemente seus conhecimentos
sobre as bases teóricas e metodológicas propostas, a partir de reflexões, diálogos e ações que
se relacionam à prática docente, os familiares e o voluntariado também participam de
oportunidades formativas.
No Brasil, grande parte das professoras(es) e das coordenadoras pedagógicas
das escolas se encontram em formação profissional permanente que inclui, entre outras, as
ações promovidas com o NIASE relacionadas à proposta de comunidades de aprendizagem.
Entre essas ações, destacamos a Atividade Complementar Integrada de Ensino, Pesquisa e
74
“Cuando cada colectivo llegado a unas neas generales de su sueño, se establece el procedimiento para
llegar a un acuerdo sobre su sueño comun. Las bases de este procedimiento son el diálogo igualitario, el
razonamiento ofrecido a los demás sin animo de protagonismo personal, en busca de la mejor educación para
todas y todos. No hay personas ganadoras ni perdedoras en este procedimiento. Adentrarse em él con miedo es
contradictorio com el propósito del sueño. El objectivo es que finalmente todas y cada una de las personas
implicadas vean reconocido en el sueño común lo mejor de sus propias aspiraciones, aquello por lo que merece
la pena trabajar” (ELBOJ et al., 2002, p. 85).
75
Nos grupos interativos, as(os) estudantes realizam as atividades preparadas pelo(a) professor(a),
acompanhados por voluntárias/os que estimulam a interação entre as/os participantes de cada grupo (Braga,
2007, p. 56)
76
O espaço da biblioteca é aberto aos estudantes e à comunidade, para realização de estudos que complementem
as atividades escolares (Franco et al, 2004, p.5).
80
Extensão (ACIEPE), que acontece no espaço da UFSCar desde 2007. Aberta a estudantes de
graduação de todos os cursos da universidade e a professoras(es) da rede pública e particular
de diferentes níveis de ensino e de outras cidades da região, o encontro acontece
semanalmente, conforme a programação definida por suas(seus) participantes de maneira
consensual. A partir do entendimento de que teoria e prática se articulam, as(os) participantes
estudam os temas relacionados a comunidades de aprendizagem também se envolvem nas
práticas de uma das comunidades do município.
Portanto, nessa atividade, encontram-se pessoas que vivem diferentes
momentos de suas comunidades de aprendizagem, mas que compartilham suas inquietações,
seus conhecimentos e suas práticas desde os contextos em que atuam, de maneira que tem se
convertido em local para importantes encaminhamentos para essas escolas e mobilização para
novas buscas. Entre essas, incluímos a germinação deste trabalho de investigação a partir dos
elementos limitadores e dos transformadores que emergiram dos diálogos com as pessoas que
ali encontramos. Passaremos a examinar as contribuições de autoras e autores para a
concepção das atividades em torno de obras artísticas que contextualizaram esta investigação.
2.2. A arte nas escolas: conhecendo algumas propostas para o ensino fundamental
Ao apresentarmos a elaboração do Projeto Roda com Arte como uma ação
educativa conjunta, enfatizamos nosso posicionamento de educadores-educandos na relação
de diálogo que se constituiu ao redor da proposta. Nesse entendimento, afastamo-nos da
pretensão de formar artistas, mas também rejeitamos uma posição espontaneísta quanto aos
conteúdos contemplados para os encontros. Assim, na condição de pessoa adulta
comprometida com uma aprendizagem maior e melhor das crianças, tornou-se necessário
empreender estudos que nos aproximassem das obras artísticas, de artistas e de contextos de
produção, para que fosse elaborado cada um dos encontros, em comunhão com as pessoas da
CA investigada.
Partindo inicialmente de contribuições de autoras e autores de referencial
materialista-dialético, nosso embasamento encontra o alerta de Bosi (2004) sobre a
importância de se “perceber no objeto a presença do sujeito, das horas de vida do trabalhador
que o criou, substância oculta da mercadoria. Este é um bom início para enfrentar as
peripécias da viagem que percorre teoria e ação” (BOSI, 2004, p. 170). Baseando-nos em
argumentos como esse, nos posicionamos diante das obras artísticas como símbolos criados
81
na cultura por homens e mulheres, contemplando a possibilidade de gerar e compartilhar
conhecimentos em espaços de interação dialógica com as meninas e os meninos da escola.
Enfim, tomando as palavras do poeta Affonso Romano de Sant’Anna (2007), “é preciso ler o
mundo, decompor os sinais, entender o sentido (ou múltiplos sentidos)” (SANT’ANNA,
2007, p. 7).
Nesta seção, apresentaremos nossa aproximação da Arte
77
como campo
específico de conhecimentos, buscando elencar as principais ideias que contribuíram para o
alcance dos objetivos deste trabalho, a partir de textos de Barbosa (1997, 2008), Ferraz e
Fusari (1999, 2001), Mason (2001), Rossi (2003; 2009), Costa (2005), Arslan e Iavelberg
(2006), Rabêllo (2007), Egan (2007), Duarte Junior (2008) e Pillar (2009).
Iniciaremos, trazendo o conceito de arte e o seu encontro com a educação e
especificando o contexto escolar como local para sua concretização. Abordaremos de maneira
sucinta as tendências de ensino no contexto brasileiro em relação às propostas oficiais e aos
debates nas quais se instalam. Finalizaremos a seção, fazendo a articulação com o nosso
embasamento teórico para concretizamos o Projeto Roda com Arte e o conceito de
aprendizagem dialógica nessa atividade.
Para tanto, destacamos que, em nossa língua, a origem etimológica das
palavras arte e agir provêm do mesmo radical latino Ágere
78
. Assim, apoiamo-nos nessa
relação entre os termos para trazer a definição de arte proposta por FERRAZ & FUSARI,
como “um dos fatores essenciais de humanização” (FERRAZ & FUSARI, 1999, p. 16). Nessa
definição, as autoras enfatizam que, pela arte se manifesta a atividade criativa do ser humano
quando interage com a realidade física e social em que vive.
Os seres da natureza, bem como os objetos culturalmente produzidos,
despertam em todos nós diversas emoções e sentimentos agradáveis ou não
aos nossos sentidos e ao nosso entendimento. Logo ao nascer, passamos a
viver em um mundo que tem uma história social de produções culturais
que contribuem para a estruturação de nosso senso estético (FERRAZ &
FUSARI, 1999, p. 16).
Na perspectiva das autoras, desde a infância, as pessoas interagem com sua
cultura de origem, dela partindo para aprender a manifestar “prazer e gosto” e a dar formas às
suas maneiras de admirar, de gostar, de julgar, de apreciar e de fazer. Assim, podem
representar seus pensamentos e seus sentimentos em relação aos aspectos da realidade que
77
Grafaremos a primeira letra de Arte em maiúscula, quando nos referirmos ao campo disciplinar e em
minúscula, quando tratarmos da arte de maneira genérica.
78
Cf. apresentação dos livros da Coleção Ágere pela Papirus Editora.
82
percebem, conforme critérios estéticos
79
relacionados às suas culturas. Então, podemos
compreender que o fazer artístico pode se manifestar por meio das danças e das formas
visuais, musicais e teatrais. Concordamos com a definição acima, afirmando que a arte está
presente na educação das jovens gerações em decorrência da íntima relação entre arte e
cultura. Recorremos à Barbosa (2008) para justificar a impossibilidade de compreender a
cultura de um país sem conhecer sua arte.
A arte como uma linguagem aguçadora dos sentidos transmite significados
que não podem ser transmitidos por intermédio de nenhum outro tipo de
linguagem, tais como a discursiva e a científica. Dentre as artes, as visuais,
tendo a imagem como matéria-prima, tornam possível a visualização de
quem somos, onde estamos e como sentimos (BARBOSA, 2008, p. 17-18,
grifos nossos).
Em vista de que nas artes visuais se encontra o foco deste trabalho, destacamos
as contribuições de Pereira (2007), quando assinala que as criações artísticas ocorrem dentro
de determinadas concepções, pois as formas e as cores são escolhidas conforme o sentido que
lhes é atribuído em certa cultura.
A arte é parte material da cultura. Está submetida ao conjunto de valores
sociais criados em torno de fazeres cotidianos. Sendo assim, o artista se vale
da matéria-prima que lhe impregna as concepções sobre si e sobre o outro. A
arte cria sentidos para ler o cotidiano, apresenta maneiras de superar o
comum e aprofundar-se nas ideias sobre o convívio social. Ela é uma
possibilidade de criar sentidos ao já posto, de transcender a realidade,
abrindo frestas para a imaginação criadora. Essa magnífica capacidade
humana de imaginar permite alterar o cotidiano ou, pelo menos, encontrar
espaços para compreender de outra maneira a realidade que nos cerca
(PEREIRA, 2007, p. 8-9).
Assim, entendemos que a arte possibilita que a ação humana seja direcionada
para o encontro de pessoas com o recurso da imaginação. A cultura está presente nessas ações
de produção, pois o artista “comunica” suas concepções para outras pessoas, e nas de “leitura”
pela pessoa que visualmente entra em contato com as concepções de outras pessoas. Ambas as
ações têm em comum a busca de sentido sobre o objeto produzido, que, neste trabalho
chamamos como obras artísticas.
Ferraz e Fusari (1999) acrescentam que
as obras de arte (...) participam das ambiências e manifestações estéticas de
nossa vida tanto direta quanto indiretamente. Elas são concretizadas pelos
artistas que as produziram mas vão se
completar com a participação das
79
Caráter ou concepção do que é belo, beleza (AULETE, 2009, p.343).
83
outras pessoas (o público) que com elas se relacionam. Os autores/artistas,
por seu lado, com suas diferentes idades e maturidades pessoais, ao
produzirem suas obras procuram imaginar e inventar “formas novas”, com
sensibilidade, e que são representações
e expressões do mundo natural e
cultural por eles conhecido. Fazem isto em diversas linguagens artísticas,
técnicas, materiais e em diferentes veis de saber manifestar criativamente
seus pensamentos-emoções. E, quando estão se expressando ou
representando com sensibilidade e imaginação o mundo da natureza e da
cultura, os autores de trabalhos artísticos também agem e reagem frente às
pessoas e ao próprio mundo social. Esses autores podem ser os próprios
artistas que se dedicam profissionalmente a esse trabalho ou, então, outras
pessoas (estudantes, por exemplo) que fazem trabalhos artísticos como
atividade cultural e educativa. Por sua vez, o público, ou seja, as pessoas
espectadoras, as ouvintes, as apreciadoras com as quais essas obras são
postas em comunicação, participam ativamente das mesmas por meio de
seus diferentes modos e níveis de saber admirar, gostar, apreciar e julgar,
culturalmente aprendidos (FERRAZ & FUSARI, 1999, p.17, grifos nossos).
A partir desse entendimento, também podemos apontar a aproximação entre
arte e religião, pois ambas se constituem e se revelam como formas de compreensão e de
expressão cultural em busca de sentidos relacionados à vida humana. Para Duarte Junior
(2008), arte e religião estiveram possivelmente interrelacionadas no passado, como um “todo
indivisível”: “o esforço humano para ordenar e dar um sentido ao universo encontrou nesta
‘arte-magia’ primitiva um poderoso meio de ação” (DUARTE JUNIOR, 2008, p. 38). Dessa
forma, o ser humano pode dar concretude para sua imaginação e seus sentimentos, de maneira
que todas as pessoas possam percebê-los.
Em sua abordagem, o autor não considera a arte como linguagem, pois nesta
são transmitidos significados conceituais por meio de convenções explicitamente formuladas
para sua comunicação. Por outro lado, as formas artísticas não são manifestadas conforme
padrões convencionais externos, pois “não nos remete a significados conceituais, mas a
sentidos do mundo dos sentimentos” (DUARTE JUNIOR, 2008, p. 45-47).
A arte, em todas as suas manifestações, é, por conseguinte, uma tentativa de
nos colocar diante de formas que concretizem aspectos do sentir humano.
Uma tentativa de nos mostrar aquilo que é inefável, ou seja, aquilo que
permanece inacessível às redes conceituais de nossa linguagem. As malhas
dessa rede são por demais largas para capturar a vida que habita os
profundos oceanos de nossos sentimentos. Ali, quem se põem a pescar são
os artistas (DUARTE JR, 2008, p. 49).
Ao conhecermos o enfoque de Duarte Junior (2008) compreendemos que o
campo da Arte é tecido em meio a aproximações e distanciamentos, como também
constatáramos nos capítulos anteriores quando tratamos de outros campos disciplinares. No
que diz respeito à arte, o autor se distancia dos estudos que a consideram como linguagem,
84
como assinalamos (Barbosa, 2008; Ferraz & Fusari, 1999), mas também enfatiza a dimensão
emocional relacionada à arte e a ruptura entre pensar e fazer proposta pela racionalidade que
emana com o processo civilizatório.
Em certo sentido, estamos vivendo uma civilização racionalista, na qual se
pretende separar a razão dos sentimentos e emoções, encontrando-se na
primeira o valor máximo da vida. Ocorre que essa separação é ilusória. (...)
É somente com base nas vivências, no sentimento das situações, que o
pensamento racional pode se dar. O pensamento busca sempre transformar
as experiências em palavras, em símbolos que as signifiquem e representem.
A razão é uma operação posterior à vivência (aos sentimentos). Vivenciar
(sentir) e pensar estão indissoluvelmente ligados (DUARTE JUNIOR, 2008,
p. 31).
Como Duarte Junior (2008), Rabêllo (2007) se refere ao entrelaçamento entre
arte, ciência e religião que caracterizara a compreensão do ser humano em épocas remotas.
Apoiando-se em Maffesoli (1998), esse autor explica que o iluminismo elimina
um saber dionisíaco, enamorado do mundo, um saber sensível, intuitivo,
emocional, afetuoso, próprio à comunidade, um saber orgânico e corporal,
enfim, um tipo de sabedoria instintiva que pode ser a chave para apreensão
do retorno da experiência cotidiana. Esta lógica racionalista implantada
termina desconfiando de tudo que está relacionado com o prazer e com a
inspiração, numa busca apolínea da racionalidade, da disciplina e da medida
(RABÊLLO, 2007, p. 28).
Assim, em meio aos debates que são estabelecidos no campo da Arte,
encontramos a articulação entre arte e educação, a partir da expressão “educação através da
arte”, criada pelo filósofo inglês Herbert Read nos anos 1940, entre nós simplificada para
arte-educação
80
. Segundo Duarte Junior (2008), esse termo não se relaciona ao treino ou ao
ensino de técnicas para atuar em algum ramo da arte, mas a “uma educação que permita uma
maior sensibilidade para com o mundo que cerca cada um de nós” (DUARTE JUNIOR, 2008,
p. 12). Encontramos nos estudos de Barbosa (1989) e Duarte Junior (2008) a confluência de
que a Arte passa a ser disciplina oficialmente reconhecida com o advento da Lei 5.692/71.
No entanto, para entender o ensino da arte no contexto brasileiro, temos que
retroceder para momentos anteriores à LDB/1971 e, assim, o faremos a partir dos três marcos
conceituais assinalados por Arslan e Iavelberg (2006):
a) escola tradicional de orientação neoclássica, foi introduzida pela Academia de Belas-
Artes instalada pela Missão Francesa no início do século XIX (até meados dos anos
1920);
80
Encontramos divergências sobre a data com as indicações de 1943 (DUARTE JUNIOR, 2008, p. 12) e 1948
(FUSARI & FERRAZ, 1999, p. 19).
85
b) escola renovada incorpora as práticas de experimentação da arte moderna e o uso de
meios e suportes não convencionais nas aulas de arte. É orientada ao processo de
trabalho em arte e ao desenvolvimento do potencial criador e do plano expressivo (do
início do século XX até os anos 1980);
c) escola contemporânea - a arte se converte em objeto de conhecimento nas escolas; a
seleção de meios e suportes permitem a aproximação entre as aprendizagens escolares e
os procedimentos e técnicas observadas nas práticas sociais em arte (ARSLAN &
IAVELBERG, 2006, p. 2).
As autoras explicam que o ensino da arte acompanha os movimentos da arte e
da educação. A partir das autoras, entendemos a passagem da escola tradicional para a
renovada se relaciona aos movimentos de oposição à expressão tradicionalmente calcada em
uma arte elitizada e de criação de novas tendências de vanguarda que acontecem na Europa na
mesma época, por meio de movimentos artísticos como o expressionismo, o cubismo, o
surrealismo e a arte abstrata (NEWBERY, 2005). No Brasil, esse movimento de inovação é
divulgado nacionalmente na Semana de Arte Moderna em 1922, com a participação de
pessoas das áreas de literatura, artes plásticas, arquitetura e música os quais aspiram produzir
uma arte brasileira sem perder o caráter nacional.
Segundo Arslan e Iavelberg, a passagem para a escola construtivista ocorre por
volta dos anos 1980, mantendo-se a ideia de que a(o) estudante tem papel ativo na construção
do conhecimento, “como centro e sujeito de suas aprendizagens”, tal como ocorre na escola
renovada. As autoras destacam a revalorização dos conteúdos de ensinos nesse momento, “já
preconizados na escola tradicional, porém concebidos de modo diferente no que se refere a
formas de aprendizagem, recortes qualitativos e avaliação” (ARSLAN & IAVELBERG,
2006, p. 3).
Em relato encomendado à InSEA (Sociedade Internacional para a Educação
através da Arte
81
) por solicitação da UNESCO no texto Arte-Educação no Brasil, Barbosa
(1997) apresenta uma importante retomada desse tema por volta da elaboração da LDB/1996.
Para a autora, a inclusão da chamada Educação Artística no currículo oficial foi uma criação
ideológica em meio ao governo militar, visando “mostrar alguma abertura em relação às
humanidades e ao trabalho criativo, porque mesmo filosofia e história haviam sido eliminadas
do currículo” (BARBOSA, 1997, p. 170).
A partir desse texto, podemos compreender que, embora a inclusão da
Educação Artística tenha acontecido com a LDB/1971, desde 1948 o Movimento Escolinha
de Arte propunha desenvolver a autoexpressão da criança e do adolescente por meio das artes
81
International Society for Education Through Art. Para saber mais, acesse < http://www.insea.org/>.
86
em cursos predominantemente particulares e a formação de artistas e professoras(es) em arte-
educação. A autora explica que, apesar da obrigatoriedade proposta em 1971, a maioria das
pessoas com essa formação não poderia lecionar a partir da antiga série do primeiro grau
porque não possuíam o grau universitário, partindo-se dessa deficiência a necessidade do
Governo Federal criar um curso de Licenciatura em Educação Artística com duração de dois
anos.
Barbosa (1997) identifica algumas lacunas nesses cursos, reveladas em
pesquisas realizadas entre 1983 e 1985: “nas artes visuais ainda domina na sala de aula, o
ensino do desenho geométrico, o laissez-faire, temas banais, as folhas para colorir, a variação
de técnicas e o desenho de observação” (BARBOSA, 1997, p. 172). Assim, a autora enfatiza
que a obrigatoriedade do ensino da disciplina na escola “não desenvolveu a qualidade estética
da arte-educação nas escolas”, em vista da formação docente insuficientemente prolongada,
permanecendo suas indicações em pesquisas realizadas em 1989 de que a maioria dos arte-
educadores é formada de maneira “fraca e superficial no que diz respeito ao conhecimento de
arte-educação e de arte” (BARBOSA, 1997, p. 174).
Desde o final dos anos 1980, a autora viera elaborando um posicionamento
teórico-metodológico amplamente conhecido como “Metodologia Triangular”
82
, a partir de
seus estudos e de suas experiências no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
São Paulo (MAC/USP) e na XIX Bienal de São Paulo. Assim, a autora propõe um ensino da
arte apoiado em três dimensões complementares:
o reconhecimento da importância do estudo da imagem no ensino da arte em particular e
na educação em geral;
o reforço a herança artística e estética dos alunos, levando em consideração seu meio
ambiente;
a forte influência dos movimentos de arte comunitária na educação formal (BARBOSA,
1997, p. 181-182).
Enfim, a autora já vislumbra, nessa época, a necessidade de ampliar o ensino
da arte, denunciando sua preocupação com a democratização do conhecimento em que a Arte
é conteúdo relevante para a formação cidadã. Assim, em meio a discussões como a
apresentada por Barbosa e outras pessoas relacionadas à arte-educação no Brasil, a LDB/1996
ratifica a obrigatoriedade desse ensino nas escolas de maneira mais elaborada do que a LDB
antecessora, por meio da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte e do
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, em 1998.
82
Também chamada como Proposta Triangular, elaborada por Ana Mae Barbosa no final da década de 1980 (cf.
ROSSI, 2003, p. 10).
87
A despeito de que nossas atividades fossem propostas em espaços
extracurriculares, uma das providências centrais para o trabalho em que nos envolvemos foi a
de recorrer aos PCNs para nos informar sobre os conteúdos e os objetivos do ensino da arte
no ensino fundamental, em consideração ao nosso compromisso pedagógico para desenvolvê-
las. A partir do documento, entendemos que, de maneira geral, o universo da arte está
proposto como fenômeno cultural, histórico e formal, cujas características podem ser
identificadas na produção, na fruição e na reflexão. Nessa perspectiva, o documento propõe o
ensino desse conteúdo
como um tipo de conhecimento que envolve tanto a experiência de
apropriação de produtos artísticos (que incluem as obras originais e as
produções relativas à arte), (...) quanto o desenvolvimento da competência
de configurar significações por meio da realização de formas artísticas
(BRASIL, 1997, p. 27-31).
Segundo o documento, esses conteúdos ampliam a compreensão da realidade
como também visam possibilitar a impressão de significados, de maneira que, mais do que à
produção artística, seu ensino deve também se relacionar ao desenvolvimento da percepção
estética e a compreensão histórica sobre a arte em suas diferentes modalidades: artes visuais,
dança, música e teatro. Em suma, os PCNs apresentam princípios para o ensino da arte na
escola, indicando conteúdos, orientações didáticas e avaliação nessa área. Neste trabalho, não
pretendemos apresentar os PCNs em sua íntegra para não fugirmos do foco de nossa
investigação, mas cabe destacar as mudanças e os debates desencadeados por sua proposta
nessa área de conhecimentos.
Segundo Arslan e Iavelberg (2006), os PCNs conceituam o ensino de arte
“como uma área de conhecimento, em ações disciplinares e interdisciplinares e ainda em sua
articulação com os temas transversais” (ARSLAN & IAVELBERG, 2006, p. 4). Entre a
disciplinaridade e a interdisciplinaridade de conteúdos específicos e sociais, podemos indagar
como essa articulação é concretizada nas salas de aula. Arslan e Iavelberg (2006) assinalam
que “a maioria dos professores tem conhecimento das novas propostas do ensino da arte, mas
sente dificuldade para concretizá-las em sala de aula. Não se pode ensinar aquilo que não se
conhece” (ARSLAN & IAVELBERG, 2006, p. 6). Assim, sugerem ao professorado o
planejamento do processo de mediação para que a aprendizagem ocorra.
Para planejar a criação, o professor precisa conhecer como a criança, desde
pequena, age, reflete e abstrai sentidos nas suas experiências com arte. Foi a
partir de meados do século XIX que se descobriu
o desenho infantil como
fonte de estudo psicológico da criança. Conhecer a gênese da arte na infância
88
e as teorias do desenvolvimento artístico e estético, que levam em
consideração os aspectos socioculturais do meio onde a criança vive,
contribui para o planejamento de aulas, a observação dos trabalhos e a
promoção da aprendizagem em arte (ARSLAN & IAVELBERG, 2006, p.
65).
Enfim, ao buscarmos orientações nos documentos para a concretização do
ensino da arte na escola, reconhecemos sua articulação com a psicologia no enfoque ao
desenvolvimento infantil e identificamos que a concepção construtivista e o conceito de
aprendizagem significativa percorrem os PCNs. Assim, observamos que o documento assinala
o respeito aos diferentes pontos de partida das(os) estudantes e a responsabilidade do
professor em preparar um ambiente motivador para que o interesse e a curiosidade sejam
despertados nas crianças.
Considerando que nos PCNs de Arte também reconhecemos as ideias da
“proposta triangular” apresentada por Barbosa (1997), retomamos os comentários dessa
autora onze anos depois no texto As mutações do conceito e da prática (2008), em que
apresenta as grandes mudanças no ensino da arte nos últimos vinte anos, sintetizadas nos itens
abaixo:
aumento do compromisso com a cultura e a história, pois até os anos 1980 era
enfatizado o desenvolvimento da expressão pessoal da(o) estudante;
ênfase na interrelação entre o fazer, a leitura da obra de arte e a contextualização
histórica, social, antropológica e/ou estética da obra;
aspiração da Arte deixa de ser o desenvolvimento de uma vaga sensibilidade e passa a
se orientar para influir positivamente no desenvolvimento cultural das(os) estudantes;
ampliação do conceito de criatividade focaliza não apenas o fazer artístico, mas também
as leituras e as interpretações das obras de arte;
tendência a associar o ensino da Arte com a Cultura Visual, enfatizando a necessidade
de alfabetização visual;
compromisso com a diversidade cultural;
consideração da imagem como importante recurso para o desenvolvimento não apenas
subjetivo, mas também profissional (BARBOSA, 2008, p.17-21).
A despeito dos avanços reconhecidos pela autora, também a indicação sobre
muitos caminhos a percorrer até que se concretize o que chama como “Nova Arte-Educação”.
Barbosa (2008) assinala que, na prática, as Artes Visuais ainda se situam nas propostas do
desenho geométrico, da produção de presentes estereotipados ou de trabalhos relacionados às
datas comemorativas e de atividades de livre-expressão. Enfim, apesar das brechas
apresentadas nos PCNs, a autora indica que o professorado não tem formação suficiente para
sair das concepções tradicionais, tecnicistas ou espontaneístas reveladas pelas práticas acima.
89
Somente a ação inteligente e empática do professor pode tornar a Arte
ingrediente essencial para favorecer o crescimento individual e o
comportamento de cidadão como fruidor de cultura e conhecedor da
construção de sua própria nação (BARBOSA, 2008, p. 14, grifos nossos).
Enfim, entre as opções identificadas genericamente nas práticas pedagógicas,
podemos perceber que, na perspectiva da autora, a formação profissional da docência deve ser
priorizada para que as propostas legais sejam concretizadas. Voltamos a encontrar suas
palavras entre os “vieses para as buscas e os encontros nas relações Arte e Educação”
apontados por Frange (2008):
o papel da Arte na educação é grandemente afetado pelo modo como o
professor e o aluno vêem o papel da Arte fora da escola (...) A estética
contemporânea se funda na ideia de que Arte é a vinculação entre a forma e
o conteúdo. (...) Um dos papéis da Arte é preparar para os novos modos de
percepção largamente introduzidos pela revolução tecnológica e da
comunicação de massa (BARBOSA, s.d., Apud FRANGE, 2008, p. 45).
Entendemos a pertinência das críticas apresentadas por Barbosa (2008) e nos
colocamos de acordo quanto à necessidade de melhorar a formação docente em relação ao
ensino da Arte nas escolas. Mas, diante de suas palavras sobre essas práticas nas escolas,
propomos sua visualização em nossas salas de ensino fundamental da rede pública dos
municípios, em particular nas cinco primeiras séries, para as quais está proposta a docência
em Arte por pessoas com formação pedagógica ampla.
Colocando essa visualização sob análise, rapidamente se pode vislumbrar o
risco provável de se recolocar a Arte em um domínio restrito a estudantes e professorado que
detenham um conhecimento prévio, atribuídos ao seu talento subjetivo ou à sua
possibilidade de frequentar ambientes em que se faz ARTE. Ou, conforme apontado pela
mesma autora, sem a formação especializada podemos incorrer nas práticas de livre-
expressão, as quais permitem um extravasamento de energias latentes mas não possibilitam a
criação e a apreciação do patrimônio artístico. Diante desse impasse, alertamos para a
tendência de se permanecer o debate entre a ARTE enquanto estrutura de conhecimentos e a
arte enquanto expressão de subjetividade.
Por fim, posicionamo-nos diante das críticas de Barbosa (2008),
compreendendo as limitações denunciadas mas também reconhecendo a amplitude de sua
“proposta triangular” e de suas importantes indicações para a formação das novas gerações na
sociedade da informação. Tomando a decisão pela concretização das atividades relacionadas
à Arte naquela CA, buscamos as orientações curriculares propostas nos PCNs para o ensino
90
nas cinco primeiras séries e encontramos os blocos de conteúdos para as Artes Visuais
agrupados para o primeiro e o segundo ciclos, os quais sintetizamos abaixo (BRASIL, 1997,
p. 45-47):
I. Expressão e comunicação na prática dos alunos em Artes Visuais
Artes visuais: desenho, pintura, colagem, escultura, gravura, modelagem, instalação,
vídeo, fotografia, histórias em quadrinhos, produções informatizadas;
Criação e construção de formas plásticas e visuais em espaços diversos;
Reconhecimento e utilização dos elementos da linguagem visual, representando,
expressando e comunicando por imagens;
Contato e reconhecimento das propriedades expressivas e construtivas dos materiais,
suportes, instrumentos, procedimentos e técnicas na produção de formas visuais;
Experimentação, utilização e pesquisa de materiais e técnicas artísticas;
Seleção e tomada de decisões com relação a materiais, técnicas, instrumentos na
construção das formas visuais.
II. Artes visuais como objeto de apreciação significativa
Convivência com produções visuais e suas concepções estéticas nas diferentes culturas
(regional, nacional e internacional);
Identificação dos significados expressivos e comunicativos das formas Visuais
Contato sensível, reconhecimento e análise de formas visuais presentes na natureza e
nas diversas culturas;
Reconhecimento e experimentação de leitura dos elementos básicos da linguagem
visual, em suas articulações nas imagens apresentadas pelas diferentes culturas;
Contato sensível, reconhecimento, observação e experimentação de leitura das formas
visuais em diversos meios de comunicação da imagem;
Identificação e reconhecimento de algumas técnicas e procedimentos artísticos
presentes nas obras visuais;
Fala, escrita e outros registros (gráfico, audiográfico, pictórico, sonoro, dramático,
videográfico) sobre as questões trabalhadas na apreciação de imagens.
III. Produto Cultural e Histórico
Observação, estudo e compreensão de diferentes obras de artes visuais, artistas e
movimentos artísticos produzidos em diversas culturas (regional, nacional e
internacional) e em diferentes tempos da história;
Reconhecimento da importância das artes visuais na sociedade e na vida dos indivíduos;
Identificação de produtores em artes visuais como agentes sociais de diferentes épocas e
culturas: aspectos das vidas e alguns produtos artísticos;
Pesquisa e frequência junto das fontes vivas (artistas) e obras para reconhecimento e
reflexão sobre a arte presente no entorno;
Contato freqüente, leitura e discussão de textos simples, imagens e informações orais
sobre artistas, suas biografias e suas produções;
Reconhecimento e valorização social da organização de sistemas para documentação,
preservação e divulgação de bens culturais;
Frequência e utilização das fontes de informação e comunicação artística presentes nas
culturas (museus, mostras, exposições, galerias, ateliês, oficinas).
Elaboração de registros pessoais para sistematização e assimilação das experiências com
formas visuais, informantes, narradores e fontes de informação.
91
Por fim, foram considerados os conteúdos legalmente propostos à medida que
ficava afastada a concepção de aprendizagem significativa, a partir do entendimento de que as
crianças participantes poderiam avançar comigo, enquanto voluntária-investigadora, em
direção à compreensão em torno de obras artísticas, a despeito de nossos diferentes pontos de
partida em relação a tais conteúdos. Entretanto, entendendo o tamanho do desafio proposto,
continuamos consultando outras autoras e autores do campo da Arte enquanto concebemos e
realizamos o projeto Roda com Arte à luz dos referenciais que orientam o trabalho em CA.
Assim, destacamos as contribuições da obra Educação, Imagem e Mídias de
Costa (2005), quando apresenta o cenário atual em que novos processos de produção da
imagem trazem novos desafios para a educação.
É nesse cenário que a educação tem que rever seu paradigma letrado e
adentrar o campo das imagens e das linguagens tecnológicas para que possa
ultrapassar as barreiras que separam duas culturas: uma, eurocentrada,
iluminista, burguesa, baseada na escrita como forma de produção e controle
do conhecimento; e outra, globalizada, massiva, baseada em múltiplas
linguagens e tecnologias de comunicação, dentre as quais se afirmam de
forma hegemônica os meios audiovisuais (COSTA, 2005, p. 21).
A autora apresenta uma forma mais “realista” para valorizar as(os) estudantes,
sua bagagem cultural e as necessidades que manifestam como cidadãos. Sua proposta se
relaciona ao trabalho com crianças e adolescentes de bairros periféricos, a partir de imagens
fotográficas que trabalham as informações técnicas, visuais, textuais e contextuais (COSTA,
2005, p. 85). Costa ainda considera a introdução da televisão na escola, a partir das
informações que transporta para estudantes e professorado.
Também nos valemos das contribuições de Pillar (2009) na obra Leitura e
releitura, em que aponta a especificidade da leitura de imagens.
Ao lermos uma obra de arte, estamos nos valendo de nossos conhecimentos,
artísticos ou não, para dar significados à obra. A leitura se processa no
diálogo do leitor com a obra, o qual se num tempo e num espaço preciso.
Nesse sentido, não há uma leitura, mas leituras, onde cada um precisa
encontrar modos múltiplos de melhor saborear a imagem. Já na releitura,
entendida como um diálogo entre textos visuais, intertextos, podemos nos
valer ou não de dados objetivos que a obra referente contém para criarmos.
Considero, portanto, que leitura e releitura são criações, produções de
sentido onde buscamos explicitar relações de um texto com o nosso contexto
(PILLAR, 2009, p. 20).
Segundo a autora, a leitura de obras artísticas envolve cognição e sensibilidade
para que sejam buscados seus significados. O descolamento dos códigos da escrita permitido
pelas imagens facilita a o exercício da imaginação para a sua compreensão. Assim, a
92
possibilidade de apreciação artística está relacionada à mobilização de todas as dimensões
humanas e dos referenciais históricos e culturais para que as interpretações sejam realizadas.
A articulação entre cognição e emoção também é mencionada por Rossi
(2009), quando explica as ideias de Housen (1983) sobre o desenvolvimento estético em que
reconhecemos a influência dos estudos de Piaget. Segundo a autora, esse desenvolvimento
acontece em estágios durante toda a vida relacionados às suas idades, mas também
favorecidos pela exposição e a frequência à arte. Rossi (2009) explica que as crianças se
encontram no primeiro estágio, em vista de seu pouco convívio com as artes.
É uma leitura egocêntrica, pois o leitor considera apenas o seu ponto de
vista. (...) Assim, a obra será boa, se o assunto representado na tela for de seu
agrado e se corresponder aos seus padrões e crenças pessoais. Este leitor
normalmente olha a imagem rápida e superficialmente. Devido a não-
familiaridade com trabalhos de arte, a sua atenção para as imagens é muito
fortuita. Não tempo para o surgimento de um envolvimento emocional
entre obra e leitor e, por isso, ele não fala com muito entusiasmo sobre o que
está vendo. Sentimentos de profundidade, complexidade e intensidade não
aparecem neste estágio. Mas, mesmo que não aconteça um engajamento toda
a imagem vista torna-se um catalisador, que ativa as percepções do leitor
para um próximo encontro coma arte. Para Housen, esta experiência não
desaparece sem deixar vestígios (ROSSI, 2009, p. 26-27).
A partir dessa autora, compreendemos a importância de promover a leitura de
imagens na escola, pois, se ainda não tiveram contato com obras, é nesse local que existe a
possibilidade de conhecer, de apreciar, de fruir e de refletir, conforme estabelecem os PCNs.
A possibilidade de leitura de imagens permite que as crianças se aproximem das obras de arte,
mesmo que haja dificuldades culturais ou geográficas para o deslocamento aos locais em que
elas se encontram, ocorrendo o que Habermas (2001) considera como “descolonização do
conhecimento”. Rossi (2003) volta a destacar na obra Imagens que falam que “o olhar estético
tem natureza e função diferentes do olhar banal, cotidiano” e que “é apenas através da
educação formal que a maioria dos brasileiros poderá ter a oportunidade de desenvolver tal
olhar” (ROSSI, 2003, p. 11). Portanto, a partir da autora, entendemos que, a despeito de que o
desenvolvimento estético não se conclua no espaço escolar, entendemos a importância de
desencadear seu início a partir do espaço democrático que representa a escola no contexto
atual.
Também encontramos contribuições na literatura acadêmica internacional
como o texto do canadense Egan (2007) Por que a imaginação é importante na educação? O
autor nos apresenta a importância da imaginação para a educação e a insuficiência de estudos
atribuídos à “natureza complexa e mutante” do conceito, mas, ao mesmo tempo, mas o coloca
93
“no ponto crucial dos aspectos menos compreendidos de nossa vida” (EGAN, 2007, p. 12-
13). Para esta compreensão, Egan demanda a articulação da imaginação com o pensamento
convencional, com a aprendizagem, com a memória, com a mente narrativa, com as “virtudes
sociais” como a tolerância e a justiça, com a liberdade, com o conceito objetivo, com a
emoção e com os aspectos da visualização, da originalidade e da criatividade (EGAN, 2007,
p. 14-35). O autor sintetiza a possibilidade de uma educação enriquecida por uma concepção
de imaginação tão ampla:
Na verdade, penso que a imaginação deveria perpassar toda a educação. Essa
visão seria difícil de aceitar se pensássemos a imaginação somente como
uma coisa, como uma parte peculiar e distinta da mente. Mas se a víssemos
como um tipo especial de flexibilidade, energia e vivacidade que pode
permear todas as funções mentais, como se fosse um estado da mente, então
seu papel em todos os tópicos que mencionei acima se tornaria fácil de
entender. Ser imaginativo, então, não é ter uma função específica altamente
desenvolvida, mas é ter capacidade aprimorada em todas as funções mentais.
Não é particularmente, algo distinto da razão, mas sim o que
flexibilidade, energia e vivacidade à razão. Ela torna toda a vida mental mais
significativa; faz a vida ser mais abundante (EGAN, 2007, p. 34).
Portanto, podemos compreender a participação da imaginação para compor a
racionalidade na sociedade atual, em face do esgotamento do modelo proposto a partir do
iluminismo. Nessa perspectiva, precisamos enfrentar o desafio da globalização e dos recursos
das tecnologias atuais que ampliam o trânsito da informação como também da diversidade
humana e de suas culturas originárias. Vale nos lembrarmos do enfoque multicultural que
permeia as propostas atuais de ensino, desde o Relatório de Delors (2006) e de seus impactos
nas políticas educacionais, conforme analisamos no Capítulo Um.
No que diz respeito à diversidade cultural, examinamos algumas ideias na obra
da inglesa Mason (2001), Por uma arte-educação multicultural. No Reino Unido, essa
educadora desenvolve uma experiência educacional com formação de professoras(es) de
educação secundária entre 1988 e 1995, “com o objetivo de explorar as mensagens e
significados das políticas da diferença incorporadas na Black Arts contemporânea e sua
possível contribuição para a reforma do currículo multicultural” (MASON, 2001, p. 47).
Nesse momento, não pretendemos tratar do enfoque multicultural adotado pela autora, em
meio à sua crítica pós moderna sobre a visão “assimilacionista” de distinção de grupos
culturais minoritários e a proposta do reconhecimento das variações culturais no sistema
escolar. Entretanto, as ideias dessa autora nos inspiram para a possibilidade de utilizar a
94
produção artística desses grupos e dialogar sobre elas, pois, segundo Mason (2001), as Black
Arts não são geralmente abordadas pela literatura de arte.
Por fim, a partir de tantas contribuições, concretizamos as atividades
desenvolvidas a partir do eixo de aprendizagem dialógica, propondo-as também como
contexto para este trabalho de investigação, pois nelas localizamos a hipótese de construir
uma situação ideal de comunicação
83
entre uma pessoa adulta, voluntária-investigadora-
educadora-educanda, e as crianças da escola.
Nesse sentido, as obras artísticas nem sempre inspiram as mesmas preferências
e/ou compreensões. Mas, nos encontros podem ser geradas as condições para que todos os
comentários fossem respeitados, sem priorização de nenhuma fala, considerando-se todos os
enunciados em favor da compreensão do conteúdo abordado, Identifica-se, dessa forma, a
possibilidade de vivenciar o princípio de diálogo igualitário.
Ao mesmo tempo, podemos incentivar as(os) participantes a trazer suas
compreensões a partir do que já conhecem, de maneira a favorecer o debate e a ampliar os
conhecimentos de todo o grupo, concretizando, dessa forma, o princípio de inteligência
cultural.
Ademais, entendemos que os encontros que possibilitem o diálogo em torno de
artes plásticas possam promover interações mais respeitosas entre as(os) participantes dos
encontros e o reconhecimento de cada um no exercício das capacidades comunicativas, por
meio dos recursos da fala ou da arte, gerando as condições para o princípio da transformação.
É importante considerar, também, que as obras se constituem em acervo
cultural da humanidade, de forma que possibilitar esse acesso é uma das formas para ampliar
o conhecimento, em conformidade com os ideais democráticos. Assim, contemplamos o
princípio da dimensão instrumental intrínseca à apreensão da realidade. Ao mesmo tempo, a
disposição para desenvolver o conteúdo também requisita outras habilidades para
compreensão, como a leitura e a escrita de pequenos textos, e o uso de recursos para ampliar a
compreensão, como dicionários e planisférios.
Para essa apreensão, a articulação entre conteúdos de diferentes áreas se faz
presente como desencadeadora de significados que, pensados a partir da lógica da criança, de
83
Baseamo-nos em Habermas (2001), para explicar que a situação ideal de fala é aquela que permite que os
enunciados das pessoas em diálogo sejam orientados para o entendimento acerca do objeto analisado na
intersubjetividade, buscando-se priorizar os argumentos com pretensões de validade em detrimento do poder
relacionado à posição ocupada pelo locutor. Historicamente, a fala das pessoas adultas se sobrepõe a das
crianças, mesmo quando não é sustentada em argumentos validados pelo grupo. Neste trabalho, destacamos que
as pessoas adultas e as crianças devem igualmente se educar para o diálogo, ou seja, buscar o encontro entre
lógicas diferentes.
95
seus interesses e de sua motivação, permitem a concretização do princípio da criação de
sentido.
Potencialmente, os encontros e os diálogos em torno das obras artísticas
também permitem a abertura a diferentes olhares e ideias, trazendo o princípio de
solidariedade por meio da proposta da criança participar em novos espaços de coletividade e
se perceber com seus pares e com pessoas adultas.
Ao compreender que as pessoas se expressam de maneiras diferentes, porque
partem de formas próprias de entender e de existir em momentos e contextos específicos,
torna-se possível a consolidação do princípio da igualdade de diferenças, por meio do
reconhecimento de que todas as pessoas têm o mesmo direito de viver de forma diferente e
serem respeitadas por isso.
Ao mesmo tempo, o princípio da emocionalidade é manifestado pelo
reconhecimento dos processos emocionais e cognitivos em atividades de aprendizagem em
torno da arte, como também possibilitando a experiência de se colocar no lugar do outro para
tentar compreender melhor sua perspectiva de análise.
Enfim, o projeto Roda com Arte se revelava como contexto potencialmente
favorável à concretização da aprendizagem dialógica em uma das comunidades de
aprendizagem. Ao emanar dos anseios da própria escola, a atividade foi produzida na
interação entre diferentes participantes do local, desencadeando reflexões e aprendizagens sob
muitas perspectivas, inclusive na investigadora.
Considerando que, neste trabalho, as atividades com artes constituíram o
caminho escolhido para a comunicação intersubjetiva na CA Novo Mundo, passaremos a
descrever a construção metodológica da proposta que contextualiza este trabalho.
2.3. A orientação comunicativa no processo de ensino e aprendizagem: convertendo
obras artísticas em eixos de intersubjetividade e de reflexão
Ao destacarmos aspectos que envolveram a concepção do Projeto Roda com
Arte, configuramos nossa perspectiva de participante no voluntariado do contexto investigado,
anteriormente à investigação aqui proposta. Também pudemos evidenciar a atividade em
torno de obras artísticas como produto do diálogo entre pessoas da universidade, da escola e
da comunidade envolvente, afastando-nos de um posicionamento unilateral e especializado
96
que pudesse determinar o melhor caminho a ser trilhado pelas(os) estudantes da escola. Nesta
seção, focalizaremos o processo de elaboração da proposta com as(os) participantes da escola.
Como tarefa fundamental, procuramos nos situar na proposta de “experimentar
com intensidade a dialética entre a leitura do mundo e a leitura da palavra(FREIRE, 2007,
p. 84, grifos do autor). A partir dessa perspectiva freireana, compreendemos que as obras
artísticas são objetos de conhecimento situados em determinado campo, mas que podem ser
lidos e problematizados a partir da mobilização de outras habilidades desenvolvidas no
contexto escolar ou fora dele. Nesse sentido amplo de leitura, nos vimos participando de
reflexões com docentes e discentes em uma experiência de criticidade ao redor de conteúdos
desse campo de conhecimento, enquanto nos entregávamos à nossa curiosidade cognoscitiva.
Partimos da consideração de que as atividades com artes era um tema sonhado
por familiares e estudantes daquela comunidade, mas evidenciamos que as atividades
orientadas por esse núcleo temático (FREIRE, 2002) estavam abertas à participação de
estudantes, familiares e professorado da escola, desde a elaboração e o acompanhamento de
todo o processo, nos diferentes espaços de diálogo em que participávamos. Isso acontecera,
principalmente, nas ACIEPE, quando nos encontrávamos com o professorado dessa e das
outras comunidades de aprendizagem, e nas reuniões da comissão gestora, quando estavam
familiares e estudantes da CA Novo Mundo. Nesse sentido, nos empenhamos por exercer a
tarefa como voluntária na escola de forma comunicativa e solidária, conforme os princípios da
aprendizagem dialógica.
Como participantes de uma busca conjunta pelas melhorias do ensino escolar,
também não nos abstivemos de nossos próprios conhecimentos, mas nos abrimos ao diálogo
que pudesse submetê-los à análise de outras perspectivas. Ao fazê-lo, procuramos permitir
que as concepções teóricas e metodológicas nas quais fundamentamos nosso trabalho
conjunto, fossem molhadas, usando o dizer freireano, nas experiências de outras pessoas -
estudantes, professorado e familiares - e no profundo conhecimento que possuem sobre as
realidades em que se encontram.
Portanto, a despeito do caráter extracurricular da proposta, a aproximação
daquela realidade escolar na condição de voluntária desde 2006 nos apontava o
compromisso inerente à nossa formação docente, de maneira que decidimos colaborar com
as(os) participantes para que pudessem avançar também nos conteúdos curriculares propostos
oficialmente. Nesse sentido, nosso posicionamento foi explícito quando afastamos a
pretensão de formar artistas desde a proposta enviada à direção da CA Novo Mundo, em
97
03/03/2008: ao desenvolver atividades artísticas em um contexto orientado pelo diálogo,
espera-se buscar alternativas para a ampliação dos conteúdos de ensino e aprendizagem, e
para a melhoria na convivência dentro e fora da sala de aula (cf. Apêndice I).
Assim, em coerência com a perspectiva de intersubjetividade e de reflexão,
propostas no trabalho em comunidades de aprendizagem, as atividades em torno de obras
artísticas foram apresentadas a estudantes, professoras e familiares da CA Novo Mundo,
como eixo orientado para uma maior e melhor aprendizagem das(os) estudantes. Após sua
aceitação pela comunidade, a proposta recebeu o nome de Projeto Roda com Arte para sua
divulgação, remetendo à articulação entre roda de conversa
84
e atividades com artes
85
.
Dessa forma, chegamos ao consenso com a escola de limitar, nesse semestre
inicial, o atendimento prioritário às(aos) estudantes das terceiras séries do período da tarde da
CA Novo Mundo, visando consolidar aprendizagens fundamentais naquele momento de sua
escolaridade. Definimos, também conjuntamente, o local e os horários dos encontros, em
período diferente das aulas e em atendimento à disponibilidade desta voluntária, que naquele
momento, iniciava o curso de mestrado.
Nesse entendimento, destacamos a colaboração das pessoas da biblioteca
contígua à escola que, cedendo o espaço para que as atividades fossem realizadas, supriram a
inexistência de salas disponíveis na escola nos horários diurnos. Ademais, cabe salientar que,
iniciadas as atividades, continuaram contribuindo com sugestões de livros e com observações
sobre a presença das crianças naquele espaço, a partir de sua perspectiva sobre o cotidiano das
atividades.
As formas de divulgação a familiares e estudantes priorizados para
participarem no projeto Roda com Arte foram concebidas no diálogo entre voluntária e
professoras das turmas envolvidas. Como conduziria a atividade, a investigadora esteve nas
salas de aulas das duas turmas de terceira série do período da tarde para formular o convite a
todas as(os) estudantes cerca de cinqüenta - sendo reconhecida nessa oportunidade, por
algumas(uns) participantes pela minha participação voluntária na biblioteca tutorada da
Escola. Deixamos cartazes em cada sala e entregamos um convite para cada estudante levar
aos familiares.
84
Entre os significados de roda, encontramos relacionados ao nosso trabalho: “13. Agrupamento de pessoas em
círculo. 14. P. ext. Agrupamento heterogêneo de pessoas, grupo: uma roda de curiosos. 15. O grupo de pessoas
com que se mantêm relações; círculo de amizades” (FERREIRA, A. B. de H, 1986, p. 1516).
85
Optamos por deixar a palavra no singular para destacar mais o ato criador em si do que os conteúdos
trabalhados. Conforme sua etimologia, arte é o conjunto de preceitos para a execução de qualquer coisa. Do
lat. Ars artis (CUNHA, 2007, p. 72).
98
Figura 1 - Fotografia do cartaz de divulgação do projeto na escola
Os diálogos ao redor da preparação das atividades ocorreram em todo o
primeiro semestre de 2008, de maneira que os encontros com estudantes no projeto Roda com
Arte somente tiveram inicio em 06/08/2008, passando a ser realizados semanalmente até o
final do semestre, às quartas-feiras, das 8h às 9h30, na sala de Multimídia da biblioteca.
Durante esse semestre inicial de realização das atividades, a direção e as
professoras das séries envolvidas participaram ativamente da construção da proposta,
enquanto disponibilizaram livros, sugeriram conteúdos e continuaram a divulgação entre
familiares e estudantes. Nesse sentido, nos abrimos ao diálogo com aquela comunidade e
exercemos, com ela, formas democráticas de pensar, à medida que colocamos em discussão
todos os aspectos daquela realidade para viabilizar as atividades.
Entretanto, a participação das crianças nas atividades foi decisiva para a
elaboração mais consistente a partir dos diálogos que passaram a caracterizar nossas
interações. Em nosso primeiro encontro, ainda não nhamos um programa das atividades,
pois importava que essa elaboração fosse realizada junto às crianças participantes. Como
pessoa adulta que coordenaria as atividades, esta voluntária iniciou com a apresentação dos
99
princípios da aprendizagem dialógica, que orientariam as práticas naquele contexto, às quatro
crianças – três meninas e um menino - que compareceram no dia.
Para dialogar sobre os princípios com as crianças, a voluntária se apoiou nos
estudos desenvolvidos por Girotto (2007) sobre a condução das TLD com crianças e
adolescentes. Assim, as crianças foram estimuladas a manifestar sua compreensão sobre cada
um dos princípios que eram lidos e explicados pela voluntária. A partir desse diálogo,
elaboramos um cartaz com acordos estabelecidos pelo grupo sobre o desenvolvimento das
atividades, o qual permaneceu nas paredes das salas que ocupávamos durante a realização de
todos os encontros que se sucederam.
Esses acordos eram retomados sempre que alguém ingressava no grupo, ou
quando alguém do grupo percebia que não estava sendo suficientemente cumprido. Em
encontros subsequentes, as informações foram complementadas, conforme as crianças ou a
voluntária apontavam essa necessidade. Porém, devemos ressaltar que cada combinação
somente era registrada, após consenso de todo o grupo. Nessa perspectiva, as crianças e a
voluntária passaram a educar e a se educar a partir do respeito às ideias das outras pessoas e
do estímulo à participação democrática em um ambiente de aprendizagem, o que implicava
que todas poderiam falar, mas com atenção à prioridade concedida à pessoa que tivesse falado
menos no encontro.
Ademais, o primeiro encontro entre os participantes foi pensado com o objetivo
de promover a interação do grupo que se iniciava. Dessa maneira, permitiu conhecer os
anseios das crianças sobre as atividades que ali se desenvolveriam nos encontros
subsequentes, as formas diferentes de interagirem entre si e com a voluntária adulta, como
também algumas das dificuldades em relação aos conteúdos escolares e ao nível de exigência
para a série em que se encontravam.
Iniciamos esse encontro, propondo que as próprias crianças elaborassem seus
crachás com os nomes pelos quais gostariam de ser tratadas no local. Os cartõezinhos de
cartolina branca foram preenchidos com capricho e ornamentados com pequenos desenhos em
canetinhas coloridas, para serem pendurados no pescoço de cada um(a) de nós, como primeira
providência.
Em seguida, nos debruçamos sobre quatro imagens dos autorretratos de alguns
artistas consagrados - Tarsila do Amaral, Pablo Picasso, Anita Malfatti e Vincent Van Gogh –
em uma seleção feita pela voluntária que procurou contemplar gêneros e contextos
100
diferenciados de produção. Examinando atentamente as gravuras, as crianças destacaram
detalhes e manifestaram suas preferências sobre os estilos de cada artista.
Figura 2 – Autorretrato Tarsila do Amaral
Figura 3 – Autorretrato Pablo Picasso
Figura 4 – Autorretrato Anita Malfatti
Figura 5 – Autorretrato Vincent Van Gogh
101
Esgotadas suas observações sobre as imagens, as crianças receberam o texto
Autorretrato para lerem e aprofundarem o conceito de autorretrato e os conhecimentos sobre
cada artista, relacionando as características enunciadas no texto com suas próprias
observações das imagens e identificando a autoria das mesmas. Estimuladas a participarem
de forma democrática e respeitosa, aos poucos, as crianças foram se sentindo mais à vontade e
seguras para se posicionarem no grupo.
Quando o conceito de autorretrato se tornou compreensível, as crianças
receberam uma folha pautada para se apresentarem, destacando suas características pessoais
como haviam feitos as(os) artistas quando retrataram a si próprias(os). Ao término dessa
atividade, as(os) participantes foram estimuladas(os) a compartilhar seu desenho com as
outras pessoas do grupo, o que foi feito por apenas uma das meninas.
Ao final do encontro, avaliamos, de maneira conjunta, tudo que havia
acontecido naquele período e as crianças apresentaram suas sugestões para as próximas
atividades, entre as quais desenhar, pintar, modelar, fazer colagens e brinquedos. Naquele
primeiro dia, nossa despedida aconteceu entre os comentários das crianças de que voltariam
na semana seguinte. Buscando mobilizar para atitudes de pesquisa, envolver outras pessoas
nas aprendizagens das crianças, e caracterizar o compromisso da relação iniciada no espaço
extra-institucional, as(os) participantes receberam uma palavra-chave recortada em um
pequeno retângulo de papel, com a orientação para pesquisar seu significado em livros e
pessoas que pudessem ajudá-las. Naquele dia, a palavra-chave que nos ligaria ao próximo
conteúdo era pré-história.
Desde esse primeiro encontro, aqui detalhado, era notória a curiosidade das
crianças em relação ao contexto de produção das obras e à vida das pessoas artistas. Ao
mesmo tempo, seus comentários sobre as obras partiam, basicamente, das correlações
estabelecidas entre conhecimentos oriundos da vida que levavam, das informações da
televisão e das relações com familiares, vizinhança, amigos e amigas. Contudo, em alguns
momentos, também examinavam conhecimentos originários da escolaridade.
Nessa perspectiva, optamos por rejeitar uma prática espontaneísta, procurando
integrar o uso de outros conteúdos e instrumentos às atividades de expressão desejadas pelas
crianças participantes. Em atenção à avaliação contínua com o grupo e as professoras, fizemos
encaminhamentos de maneira articulada e coerente para potencializar a aprendizagem das
crianças participantes. A partir desse posicionamento, tornou-se necessário delinear cada
encontro para definir e preparar os materiais que seriam utilizados, a partir de conteúdos e
102
objetivos específicos. Pautadas em referências bibliográficas e da internet, as propostas de
temáticas dos encontros e das atividades de expressão estão sistematizadas na tabela abaixo.
Tabela 1- Temáticas e Atividades de Expressão
Temáticas Atividades de Expressão
1 Autorretrato Desenho
2 Arte na pré-história Pintura
3 Arte japonesa Escultura
4 Arte indígena Pintura
5 Arte africana Escultura
6 Arte no antigo Egito Desenho
7 Grupo de discussão sobre as temáticas Pintura
8 Arte na Idade Média Colagem
9 Arte na Idade Média Colagem
10 Leonardo da Vinci Pintura e Colagem
11 Antonio Francisco Lisboa Escultura
12 Anita Malfatti Pintura
13 Vincent Van Gogh Colagem
14 Pablo Picasso Colagem
15 Salvador Dali Desenho
Conforme pode ser verificado no Planejamento dos encontros (Apêndice III),
todos os encontros foram detalhados antes de sua execução. Na ão desenvolvida com as
crianças, vimos que tal planejamento era fundamental para manter a coerência entre a
proposta e a prática. No entanto, nem sempre esses encontros se concretizavam exatamente
conforme planejado, de maneira que, a partir de nossas interações, também refletíamos sobre
a necessidade de modificar nossa abordagem em alguns aspectos.
Podemos exemplificar esse fato com as nossas reflexões sobre a possibilidade
de estar sendo autoritária com as crianças e de impor as nossas ideias. Afinal, as crianças
compareciam aquele espaço extracurricular para realizar atividades com artes, mas ali
também encontravam a proposta de outras aprendizagens, as quais não haviam sido
solicitadas diretamente por elas. Entretanto, também era grande nossa inquietação ante as
dificuldades manifestadas em meio às inibições e às dispersões manifestadas pelas crianças na
leitura e na escrita dos pequenos textos propostos. Tomamos emprestadas as palavras de
Freire (2002) para sintetizar as indagações que passaram a nos acompanhar a partir das
interações com as crianças: “que educador seria eu se não me sentisse movido por forte
103
impulso que me faz buscar, sem mentir, argumentos convincentes na defesa dos sonhos por
que luto?” (FREIRE, 2002, p. 84).
Nesse contexto, colocamo-nos entre a tensão contraditória de autoridade e
liberdade, conhecendo os condicionantes para a aprendizagem daquelas crianças e ansiando
por ajudá-las a superar as dificuldades apresentadas. Com o argumento de que em nossas
atividades com artes poderíamos ter espaço para fazer trabalhos artísticos, mas também para
conhecer melhor a arte já existente e buscar informações sobre as pessoas que as fizeram, e os
lugares e as épocas em que viveram, a voluntária-educadora-educanda argumentou com as
crianças sobre sua intenção de também trabalhar com os problemas relacionados à
aprendizagem da leitura e da escrita, conforme pode ser verificado no Planejamento dos três
primeiros encontros. Entretanto, diante do período de noventa minutos que dispúnhamos
semanalmente, a partir do quarto encontro optamos por distribuir o tempo em três momentos
fundamentais com, aproximadamente, trinta minutos cada um:
1) Leitura artística: as crianças observam as imagens selecionadas, destacam o que lhes
chama a atenção, falam sobre suas preferências, apresentam dúvidas, fazem comentários
e comparações e justificam suas escolhas.
Figura 6 – Fotografia compondo imagens apresentadas em encontros
104
2) Leitura textual: as crianças lêem um texto previamente preparado, livros diversos ou
informações relacionadas à temática do encontro; recorrem aos dicionários para
compreender o vocabulário; destacam trechos lidos, comentam o texto, compartilham
dúvidas e explicações; localizam a região geográfica abordada na temática em
planisférios ou no globo.
Figura 7 – Fotografia compondo livros e textos
apresentados em encontros
Figura 8 – Fotografia compondo planisférios e globo
apresentados nos encontros
3) Atividades de expressão artística: as crianças realizam atividades relacionadas à
temática do encontro, usando o material indicado ou escolhendo entre as opções
disponíveis.
105
Figura 9 - Composição com produções das crianças em alguns
encontros
Dessa forma, os argumentos foram aceitos pelas crianças e incluímos as
habilidades de leitura entre as atividades de mediação propostas no contexto, sem prejuízos à
temática do encontro e com o acréscimo das contribuições necessárias ao aprofundamento de
sua compreensão. Diante do dever democrático de “reforçar a capacidade crítica do educando,
sua curiosidade, sua insubmissão” e de “ensinar a pensar certo” (FREIRE, 2007, p.26), nossa
proposta recorreu às obras artísticas para ampliar a leitura do mundo e a leitura da palavra a
partir de diferentes formas textuais imagens e objetos de arte, planisférios, globos, textos
elaborados pela investigadora, dicionários, enciclopédias, além de livros de arte, específicos
ou não para crianças.
Em todas as atividades, procuramos utilizar imagens de boa qualidade,
buscadas na internet e impressas em material fotográfico, ou selecionadas em livros de arte
adquiridos em sebos
86
, ou emprestados das bibliotecas da universidade ou da comunidade.
86
Sebo: (3) Bras. Livraria onde se vendem livros usados (FERREIRA, 1986, p.1558).
106
Ademais, procuramos diversificar os materiais das atividades de expressão, obtendo tintas de
pigmentos naturais, escolhendo papéis de diferentes texturas e cores, e convertendo lãs,
barbantes, botões e miçangas em elementos de colagem, além do uso dos tradicionais pincéis,
lápis, giz de cera, tinta guache, tesoura e cola. Nesse momento, todo o material foi suprido
pela voluntária, enquanto mergulhava no universo de informações relacionadas às artes
plásticas
87
.
Embora estivesse presente em todos os encontros, a participação das crianças
nem sempre era a mesma, devido ao comparecimento esporádico de algumas. Diante dessa
situação, decidimos elaborar um cartaz com uma tabela, preenchido no começo do encontro,
quando registrávamos as principais ideias do encontro anterior para apresentá-las para as
crianças que não se encontravam. Nesta tabela, eu anotava as informações enquanto as
crianças que estavam na semana anterior resgatavam de sua memória o nome do artista ou o
tipo de arte, o contexto geográfico e histórico, o material usado.
Tabela 2 – Registro dos encontros anteriores
O que? Quem? Onde? Quando? Como?
No entanto, é importante salientar que, durante todo o semestre, as professoras
e a voluntária incentivaram a participação das(os) estudantes e, geralmente, tivemos a
presença de quatro ou cinco crianças por encontro. Contudo, a presença de apenas uma
criança e da voluntária também foi suficiente para a realização das atividades em três
encontros. Sendo assim, podemos agrupar algumas características que permaneceram em
todos os encontros:
a) os diálogos iniciais sobre os acordos para as interações, as apresentações de novas pessoas e os
destaques sobre a semana desde o último encontro;
b) o resgate da palavra-chave que encerrou o encontro anterior para introduzir o novo encontro;
c) a apresentação das imagens de artistas selecionadas(os) pela voluntária conforme as indicações
fornecidas pelas crianças sobre conteúdos e situações vivenciadas; as imagens eram examinadas
por todas crianças, de forma detalhada, a partir de destaques e comentários;
d) a apresentação e a leitura de textos complementares que contribuíam para o aprofundamento da
temática;
e) a utilização de outros instrumentos para ampliar a compreensão do grupo: dicionários,
enciclopédias, livros de arte, planisférios, globo terrestre;
f) a expressão artística sobre a temática, com a utilização dos materiais que eram levados;
g) o compartilhamento das produções com as outras pessoas do grupo;
87
Artes plásticas: as que se manifestam por meio de elementos visuais e táteis, como linhas, cores, volumes, etc.,
reproduzindo formas da natureza ou realizando formas imaginárias; belas-artes, arte. Compreendem o desenho, a
pintura, a gravura, a colagem, a escultura, etc. (FERREIRA, 1986, p.176).
107
h) a avaliação do encontro e as sugestões para novas atividades;
i) a palavra-chave como elemento de pesquisa para a introdução do próximo encontro
Enfim, as obras artísticas foram se convertendo em eixos ao redor dos quais se
desenvolveram muitas aprendizagens e reflexões por parte de todas as pessoas que ali
participavam direta e indiretamente - adultas e crianças. Nesse entendimento, colocávamo-
nos igualmente como sujeitos ao redor de um mesmo objeto cognoscível, descodificando
aspectos da mesma realidade em que nos encontrávamos a partir de nossas perspectivas.
Enquanto dialogávamos sobre nossas ações em busca de uma aprendizagem maior e melhor
de nossas crianças, educávamos e nos educávamos juntas(os), em nossas relações.
Em meio à complexidade da ação educacional entre pessoas adultas e crianças,
a qual também perpassa a construção dos conhecimentos científicos, encerramos este capítulo
com a retomada da questão central que mobilizou este trabalho de pesquisa, antes de
prosseguirmos nos aspectos teórico-metodológicos relacionados à investigação: o projeto
RODA COM ARTE é favorável à concretização da aprendizagem dialógica em
comunidades de aprendizagem?
108
Capítulo 3
O DIÁLOGO NAS INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS: A METODOLOGIA COMO
OPÇÃO POLÍTICA
“Caminhante,
não há caminho.
O caminho se faz ao caminhar”.
(Antonio Machado, poeta espanhol
1875 - 1939)
No primeiro capítulo, procuramos localizar as raízes desta investigação em
reflexões e aprendizagens sobre a histórica relação entre pessoas adultas e crianças,
apresentando a compreensão de que, em grande parte, os conflitos intergeracionais
vivenciados no contexto escolar são condicionados pelos processos de exclusão social gerados
dentro ou fora da escola.
Entretanto, a partir da consideração de que os processos educativos são
humanos e a escola pode ser local de humanização ou de desumanização, os conflitos
intergeracionais devem ser convertidos em objetos para reflexões e aprendizagens para as
pessoas que ali participam, de maneira que possam ser cumpridas, de forma democrática, suas
finalidades da escolarização. Apoiada nessa possibilidade, esta investigação se propôs a
investigar as interações no contexto escolar entre pessoas adultas e crianças. Para isso, tomou
as atividades em torno de obras artísticas realizadas no primeiro semestre de 2008, como
espaço de sua concretização, conforme detalhado no capítulo anterior.
Neste capítulo, apresentamos as bases metodológicas adotadas para esta
investigação, como também os procedimentos utilizados para coleta e análise dos dados. Ao
final, serão relatados os elementos que favoreceram e os que limitaram as situações
comunicativas concretizadas na investigação proposta.
3.1. Metodologia comunicativa crítica
Investigar processos educativos se revela como uma possibilidade
extremamente complexa, em decorrência de que a construção epistemológica é também
109
processo humano e, como tal, é revestida por aspectos individuais, culturais, ideológicos,
econômicos e políticos. Portanto, assumir esses condicionantes sociais é a primeira
providência metodológica a ser adotada quando contemplamos um objeto e decidimos
transcender nossas primeiras impressões sobre ele para partir em busca de sua essência.
Para promover uma investigação científica, podemos percorrer diversos
caminhos no âmbito acadêmico. Essa decisão pressupõe nossas concepções diante da
realidade, das pessoas e dos processos que investigamos, pois passamos a ocupar posições
que nos colocam como participantes em debates sociais na medida do alcance das produções
acadêmicas de pós-graduação e de suas possíveis influências nas políticas públicas
relacionadas à educação.
Assim, diante dos desafios que o mundo circundante nos apresenta, chamado
neste momento como sociedade da informação, podemos denunciar problemáticas mas,
mesmo denunciando, continuarmos imobilizados e, dessa forma, contribuir para sua
manutenção. Ou podemos decidir pelo rompimento com os obstáculos e as contradições
denunciadas e anunciar possibilidades práticas para sua superação.
Diante disso, a decisão por desenvolver processos de investigação científica
também não pode perder de vista as pessoas que poderão ser favorecidas ou não pelas
produções acadêmicas. Em que medida nossas produções afetam a vida das pessoas? De que
maneira isso ocorre? Questionamentos como esses devem acompanhar os processos
epistemológicos, pois as respostas produzidas em âmbito acadêmico podem se refletir nos
processos históricos de humanização ou de desumanização, em que participam homens e
mulheres quando se colocam em processo de busca.
Assim, esta investigação parte do reconhecimento da condição de não-
neutralidade da ciência e da educação e pressupõe que os resultados das pesquisas no campo
social devem se reverter em melhorias para o ser humano e a realidade que o envolve. Nessa
perspectiva, retomamos o estudo aqui apresentado e a sua orientação para a busca de práticas
que, mais do que compreender ou solucionar os conflitos que permeiam as interações do
contexto escolar, propõem a superação radical de suas causas em busca de uma aprendizagem
maior e melhor para as novas gerações.
A presença da investigadora nas comunidades de aprendizagem permitiu a
aproximação de participantes de uma escola de periferia urbana com baixo rendimento de
suas(seus) estudantes em meio a uma conflituosa relação intergeracional. Mas, ao conhecer
uma faceta desta realidade enquanto voluntária-educadora-educanda, foi possibilitada a
110
familiarização com a leitura de mundo daquela comunidade. Nessa perspectiva, entendemos
com Paulo Freire (2002) que somente a partir do saber contido na leitura de mundo das
pessoas que estavam na escola seria possível discutir a nossa leitura, “que igualmente guarda
e se funda num outro tipo de saber” (FREIRE, 2002, p. 24).
Assim, com atenção às relações estabelecidas com a comunidade e
enfatizando o diálogo que percorre os processos de reflexão e de aprendizagem possibilitados
pela interação entre todas as pessoas, decidimos buscar os objetivos deste trabalho, por meio
da metodologia comunicativa crítica, reconhecendo que entendemos a realidade a partir de
nossa consciência e, por isso, temos uma visão parcial sobre ela. Segundo Gómez et al (2006),
essa metodologia abarca importantes contribuições das teorias que focalizam a ação humana
de maneira ampla no contexto da atual sociedade.
A sociedade do século XXI se representa com diferentes denominações, tais
como sociedade da informação, apoiando-se na capacidade de selecionar e
processar a informação, sociedade do conhecimento, fixando-se mais no
processamento da informação como gerador de conhecimento e sociedade de
risco, observando como as instituições da sociedade industrial ficam vazias
de conteúdo e não respondem aos atuais riscos sociais, políticos, econômicos
e individuais. Em qualquer caso, estas diferentes concepções de sociedade
compartilham um denominador comum, o diálogo, que se constitui em uma
nova categoria social inerente às relações sociais, influindo em todos os
âmbitos, tanto no econômico e político como no pessoal, familiar e social.
88
(GÓMEZ et al., 2006, p. 11-12, grifos dos autores e da autora)
Nesse entendimento, destacamos que as ações sociais e educativas sejam
tomadas em espaço e tempo determinados. Investigar uma estrutura como a escola demanda
entender sua historicidade, não abrindo mão das possibilidades que ela representa enquanto
construção humana.
No contexto atual, localizamos nessa instituição um ponto de intersecção entre
a capacidade de gerar conhecimentos a partir da seleção e do processamento de múltiplas
informações e a democratização do acesso à escolaridade como condição para participação
social. Nesse sentido, ganha relevância social e acadêmica a necessidade de conhecer o objeto
sobre o qual nos debruçamos a partir de diferentes perspectivas, pois, ao ampliar sua
88
La sociedad del siglo XXI se representa con diferentes denominaciones, tales como sociedad de la
información haciendo hincapié en la capacidad de seleccionar y procesar la información, sociedad del
conocimiento fijándose más en el procesamiento de la información como generador de conocimiento, y sociedad
del riesgo observando cómo las instituciones de la sociedad industrial quedan vacías de contenido y no dan
respuesta a los actuales riesgos sociales, poíticos, econômicos e individuales. Em cualquier caso, estas diferentes
concepciones de sociedad comparten un denominador común, el diálogo, que se constituye en una nueva
categoria social inherente a las relaciones sociales, influyendo en todos los âmbitos, tanto en el econômico y
político como en el personal, familiar y social. (GÓMEZ et. al., 2006, p.11-12, grifos dos autores e da autora)
(GÓMEZ et. al., 2006, p.11-12, grifos dos autores e da autora).
111
apreensão, possibilitamos a promoção de uma aprendizagem maior e melhor para todas as
pessoas que se encontram no contexto escolar – estudantes, profissionais da instituição,
familiares, investigadoras e investigadores.
A metodologia comunicativa crítica vem sendo desenvolvida desde a década de
1990, através de investigações nas ciências sociais que combinam aspectos práticos e teóricos,
apoiada nas categorias de intersubjetividade e de reflexão, conforme assinalam Gómez et al
(2006, p. 12). Nessa perspectiva, torna-se possível a construção de um conhecimento
comprometido com ações de transformação social, dentro do rigor necessário ao
desenvolvimento da ciência.
Na abordagem comunicativa, os critérios de credibilidade, transferibilidade,
dependência e confirmabilidade estão dispostos como essenciais à pesquisa científica (Ibid.,
p. 69-72). Entretanto, cabe ressaltar que os critérios de rigor e de ética são pautados no
diálogo intersubjetivo, nas pretensões de validez e no compromisso.
Ao trazer o diálogo como eixo de aprendizagem, a metodologia se posiciona
em um modelo de teoria da ação, partindo de contribuições como as de Habermas (2001) para
descrever as vivências e experiências das pessoas, em defesa da descolonização dos sistemas.
Nessa perspectiva, há a superação da dicotomia entre sujeito e objeto, de maneira que a
fundamentação do conhecimento se desloca para a intersubjetividade, pois se constroi a partir
da comunicação entre pessoas. Ao mesmo tempo, essa proposta de construção do saber se
apoia na pressuposição da capacidade de reflexão das pessoas e da sociedade, trazendo-lhe o
acento crítico que permite um conhecimento com características de transformação, mais do
que simples compreensão sobre a realidade e seus desafios.
Segundo Gómez et al (Ibid.), a metodologia comunicativa crítica propõe a
transformação da realidade social, ao centrar-se nas dimensões sociais que provocam a
exclusão e as que levam à inclusão. Assim, defende a democratização da ciência social, não
restringindo seus limites como patrimônio de alguns especialistas. Nesse sentido, vale
destacar que a orientação comunicativa crítica pressupõe que a realidade se constitui a partir
de elementos naturais e objetivos, cujos significados emergem em consensos buscados nas
situações de interação social, sobre a base de pretensão de validez em estruturas e ideologias
situadas historicamente.
Ao enfatizar a intersubjetividade e a reflexão como inerentes à espécie
humana, torna-se possível a construção de afirmações e enunciados científicos, validados no
consenso permanente sobre as situações problemáticas do mundo social, desde que a
112
investigação possa ser proposta como uma interpretação conjunta pelas pessoas
investigadoras e pelas investigadas, em bases de igualdade. Dessa forma, a compreensão
sobre o contexto investigado não parte apenas da ótica do(a) investigador(a), mas considera
que as pessoas envolvidas também interagem e participam na construção do objeto de estudo,
ao trazer suas interpretações e reflexões, assim como os próprios conhecimentos sobre a
realidade.
Portanto, trazer as interações no contexto escolar como objeto de investigação
no campo didático-pedagógico demandou a participação conjunta de professoras e
professores, funcionárias e funcionários da administração, familiares e estudantes da escola,
considerando a problemática delineada acima, seu caráter complexo e multidisciplinar, e as
suas influências nos processos educativos. Assim, a partir das diferentes perspectivas e do
referencial teórico que orienta essa investigação, tornou-se possível contribuir para o avanço
qualitativo na compreensão sobre o objeto assim como identificar os elementos que
transformam e os que são obstáculos ao interpenetrarem na complexa rede de interações entre
as pessoas que participam da instituição.
Nesse entendimento, os procedimentos metodológicos doravante descritos
derivaram-se da disposição de realizar a investigação, utilizando-se os conhecimentos
científicos sistematizados até o momento para o estabelecimento de um clima de diálogo que
possibilite a comunicação intersubjetiva com as pessoas investigadas.
3.2. Procedimentos de coleta e análise de dados
Os procedimentos metodológicos propostos para a realização desta pesquisa
são pautados na metodologia comunicativa crítica. Assim, foram utilizadas técnicas
qualitativas, buscando a compreensão das interações no contexto escolar a partir de diferentes
enfoques, coletados e compartilhados no diálogo com as(os) participantes do contexto escolar.
Dessa maneira, pretendeu-se validar as informações coletadas desde diferentes perspectivas, a
fim de garantir maior credibilidade e rigorosidade na análise desenvolvida.
Segundo Gómez et al. (2006), o contexto mais apropriado é aquele que permite
as atitudes, os comportamentos, as expressões e as destrezas das pessoas nas situações de
participação ou de interação nos diferentes âmbitos da vida cotidiana. Nesse contexto
habitual no qual se realizam as atividades, a observação deve ser efetuada com o objetivo de
“observar in situ o conjunto de tarefas e habilidades definidas”, anotando tudo que seja
113
oportuno e tendo presente as diferentes ideias e teorias construídas no decorrer da
investigação (Ibid., p. 86). Sendo assim, procurou-se manter a orientação comunicativa desde
a concepção desta investigação, em seu desenvolvimento e em sua análise, conforme os itens
abaixo.
a) Apresentação da pesquisa à escola e a suas(seus) participantes
Conforme explicitado anteriormente, a proximidade entre participantes e
investigadora antecedeu a proposta desta investigação, permitindo que a esta conhecesse
aspectos da realidade, conforme relatado no capítulo anterior. Nessa perspectiva,
consideramos também o recorte investigativo pautado nos mesmos referenciais teórico-
metodológicos que orientam as ações educativas desenvolvidas no âmbito das comunidades
de aprendizagem.
Assim, o momento inicial teve o objetivo de tornar compreensível o
posicionamento como investigadora, os objetivos e os compromissos da pesquisa às pessoas
da escola e à secretaria de educação do município em que se realizou a investigação, assim
como aos participantes das atividades e aos seus familiares, certificando-se se essa condição
era aceita na realização das atividades propostas. A proposta da investigação também foi
apresentada ao Comitê de Ética da UFSCar e ao do NIASE, considerando os compromissos
assumidos durante os trabalhos desenvolvidos no âmbito do curso de mestrado e do Programa
de Extensão da Universidade.
Além de correspondência formal às instituições acima, antes do início de sua
realização, foi promovida uma apresentação sucinta da proposta em reunião que aconteceu no
espaço da ACIEPE com a presença do professorado das três escolas de São Carlos que são
comunidades de aprendizagem. Nessa reunião, a investigadora apresentou seu projeto de
pesquisa, validando de maneira consensual os encaminhamentos propostos para a
investigação na CA Novo Mundo.
Em reunião da comissão gestora, tivemos outra oportunidade de apresentar o
projeto da investigação à direção da escola, como também aos familiares, estudantes e
outras(os) profissionais relacionados à realização das atividades propostas, como o
bibliotecário e suas auxiliares. O compromisso com as instituições e a autorização das
pessoas envolvidas foi formalizado através de termos específicos, arquivados como anexos
neste trabalho.
114
b) Desenvolvimento das atividades
Por se tratar de uma proposta de cunho educativo, cada encontro foi planejado
em relação a conteúdos, objetivos, metodologia e recursos didáticos. Entretanto, as ações
planejadas foram modificadas durante sua execução, mediante consenso entre participantes e
investigadora. Ao mesmo tempo, as professoras das turmas investigadas foram
frequentemente consultadas sobre conteúdos escolares passíveis de reforço nas atividades
desenvolvidas.
A amostra representativa da população investigada foi composta por três
estudantes, duas professoras e uma coordenadora pedagógica da escola, que se dispuseram
voluntariamente à investigação em atenção ao propósito de se obter informação qualitativa
sobre a questão objeto de estudo. Enfim, foi buscada a riqueza, a profundidade e a qualidade
da informação. Ainda foi buscada a possibilidade de realizar um grupo de discussão com
familiares das crianças participantes das atividades, mas não conseguimos concretizá-la no
prazo do curso de mestrado.
O início de cada encontro com as crianças era caracterizado pelo diálogo sobre
a proposta do dia e os princípios orientadores do trabalho. Durante a realização das
atividades, foi utilizado o procedimento de observação comunicativa, registrando-se os dados
a partir de uma lista com os aspectos mais importantes relacionados àquele dia. Ao final das
atividades, os registros sobre os processos desenvolvidos eram compartilhados com as(os)
participantes, visando aumentar a confiabilidade dos dados e evitando equívocos de
interpretação sobre seus enunciados. Conforme aumentou a relação de confiança entre
participantes e investigadora, recorremos a outras formas de registro da investigação, como
gravação, fotografias e filmagens, conforme o consentimento de estudantes e familiares. Isso
somente aconteceu a partir da realização do sétimo encontro.
c) Complementação dos dados coletados
Foram realizados dois grupos de discussão com as crianças e outro com duas
professoras e uma coordenadora pedagógica da escola, com o objetivo de escutar as pessoas
da instituição e as crianças participantes a respeito das atividades desenvolvidas em torno de
obras artísticas, possibilitando confrontar os dados coletados através das observações. Em um
115
dos grupos realizados com as crianças, havia outra criança participando no encontro pela
primeira vez. Assim, embora a outra criança também participasse nos diálogos durante todo o
encontro, consideramos apenas as falas provenientes da menina que participava formalmente
da investigação, chamando-o na análise e na discussão como “entrevista comunicativa”.
Na realização desses procedimentos, foi buscada a construção de um clima
favorável ao diálogo igualitário, tornando possível que as(os) participantes manifestassem
argumentos baseados em pretensões de validez e não em pretensões de poder (Habermas,
1987. Apud Gómez et al., 2006). Sendo assim, a realização desses procedimentos foi
amparada nos princípios da aprendizagem dialógica, de maneira que, no início de cada
encontro, foram esclarecidos seus objetivos e a dinâmica da abordagem.
Os grupos de discussão foram propostos a partir de um sumário elaborado
anteriormente pela investigadora, relacionado à temática abordada na pesquisa: as interações
no contexto escolar, compreendidas a partir de atividades de reflexão e de aprendizagem em
torno de obras artísticas. Essa síntese foi apresentada às(aos) participantes antes da realização
do grupo, de maneira que os itens de abordagem foram conhecidos com antecedência e
abordados de forma consensual.
Durante a realização dos grupos de discussão, as informações foram registradas
por meio de gravação e filmagem com as crianças, e de gravação com as professoras e a
coordenadora, sempre com o consentimento prévio das pessoas participantes. Ao final, os
registros foram compartilhados com as(os) participantes, visando confrontar as informações
enunciadas e registradas.
d) Análise dos dados
Segundo Gómez et al. (2006), a importância da análise está na categorização da
informação, “que consiste em buscar temas comuns ou agrupamentos conceituais que nos
facilitem a obtenção de resultados de acordo com os objetivos e/ou hipóteses de estudos”
(2006, p. 67). Sendo assim, foram buscadas as dimensões limitadoras e as transformadoras,
relacionadas, respectivamente, às barreiras que dificultam as interações no contexto escolar e
às formas que contribuem para a superação das barreiras. Ao mesmo tempo, a discussão se
apoiou nas interpretações enunciadas e nas interações intersubjetivas, compondo, dessa forma,
as manifestações discursivas de todas(os) as(os) participantes da investigação.
116
Nesse entendimento, os dados coletados em anotações, gravação ou filmagens
foram transcritos e analisados pela investigadora à luz do referencial teórico, resultando na
elaboração de um quadro de análise, no qual estão destacadas as temáticas emergidas nas
interações durante a participação nas atividades, associadas às falas ou às produções textuais
ou artísticas. Da mesma forma, foram tratados os dados coletados nos grupos de discussão e
na “entrevista comunicativa”. A organização das temáticas no quadro de análise se
relacionou aos elementos levantados como limitadores e aos que favorecem a transformação
nas interações do contexto escolar, no sentido de melhoria da aprendizagem escolar e do
convívio intersubjetivo.
Ao término do curso de mestrado, foram agendados processos formativos com
as pessoas das comunidades de aprendizagem, visando colaborar com os processos educativos
que partem do diálogo nas interações do contexto escolar.
3.3. A articulação entre as situações comunicativas e a investigação: possibilidades e
limites
Neste item, propomos refletir sobre a concretização da investigação junto ao
contexto investigado, buscando identificar os elementos que possibilitaram e os que limitaram
a sua realização.
De início, identificamos o convívio anterior com o contexto como elemento
central que favoreceu a realização desta investigação. Ao participarmos daquele contexto nos
dois anos anteriores à efetivação desta pesquisa, podíamos compartilhar dos anseios e das
inquietações da escola, como também dos referenciais teóricos e metodológicos pelos quais as
pessoas ali participantes buscavam orientar suas práticas. Enfim, íamos entrando como
sujeitos em aprendizagem e nos abrindo para a escuta, em um esforço metodicamente crítico,
como destacado por Paulo Freire, também inerente ao trabalho de pesquisa (FREIRE, 2007, p.
119).
Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de
cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade
permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao
gesto do outro, às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evidentemente,
que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala.
Isto não seria escuta, mas auto-anulação. A verdadeira escuta não diminui
em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me
opor, de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem que me preparo
para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das ideias.
117
Como sujeito que se ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom
escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura. Precisamente porque
escuta, sua fala discordante, em sendo afirmativa, porque escuta, jamais é
autoritária (FREIRE, 2007, p. 119-120, grifo do autor).
Embora as inquietações que nos levaram ao objeto pesquisado estivessem
conosco antes do projeto de investigação, as ideias ganharam forma a partir das nossas
experiências relacionais com a escola. Pensávamos sobre as conflituosas interações entre
pessoas adultas e crianças no contexto escolar e, ao nos mover em sua cotidianidade, vimos o
contexto se tornando teórico, demandando rigor epistemológico para sua compreensão. No
dizer freireano, nossa consciência intencionava-se ao mundo, recusando-se a falar sobre a
temática sem antes tentar compreendê-la com as pessoas que ali estavam. Nesse sentido, sua
leitura de mundo foi tomada como ponto de partida para a produção do conhecimento que
aqui está apresentado.
Assim, cabe enfatizar que todo o desenho da investigação foi facilitado pela
relação de compromisso assumida anteriormente com a escola e com suas(seus) estudantes.
Nessa perspectiva, o diálogo no contexto escolar foi elemento decisivo para caminharmos por
meio da metodologia comunicativa crítica e transpormos os elementos que poderiam dificultar
a configuração material da investigação. Ao mesmo tempo, cabe assinalar que o diálogo em
torno da investigação trouxe novos elementos a essa relação, quando propomos acrescentar a
dimensão da investigação em nossas interações com a escola.
A escola estava aberta à nossa presença junto ao voluntariado que ali
participava. Em 2007, também se iniciara uma grande pesquisa com as comunidades de
aprendizagem, em que também participavam familiares, docentes, gestoras e estudantes
89
.
Nessa perspectiva, encontrávamos em diferentes espaços formativos em que conteúdos e
metodologia de trabalho eram analisados de forma coletiva. Entre esses espaços, destacamos
a ACIEPE como a consolidação de um espaço de diálogo igualitário entre universidade e
escolas de ensino fundamental, no qual se encontram diferentes pessoas e níveis de
conhecimento acadêmico para compartilhar experiências e saberes em uma busca comum para
qualificar a aprendizagem escolar.
89
Recentemente, foi concluída pesquisa denominada “Comunidades de Aprendizagem: aposta na qualidade da
aprendizagem, na igualdade de diferenças e na democratização da gestão da escola”, coordenada pela Profa. Dra.
Roseli Rodrigues de Mello, e financiada pela FAPESP (Processo 2007/52610-6) e pelo CNPq (Processo
401985/2007-5). Além das pessoas das comunidades de aprendizagem, participaram investigadoras(es) de cursos
de graduação e de pós-graduação, as(os) quais, a partir da metodologia comunicativa crítica, investigaram os
eixos: condições de trabalho e sócio-ambientais no entorno da escola; aprendizagem de leitura e escrita; gestão
escolar e aprendizagem dialógica. O estudo aqui proposto integrou o projeto geral, inserindo-se no eixo de
aprendizagem dialógica.
118
Nesse sentido, lidamos com o primeiro problema concreto na realização das
pesquisas de campo com seres humanos, particularmente as educacionais, conforme
assinalam Bogdan e Biklen (1994): o espaço e o tempo da investigação. Assim, nossa
presença preliminar naquele espaço permitiu-nos compreender as regras de funcionamento da
instituição, bem como as formas que poderíamos participar sem prejuízo ao cotidiano escolar,
pois era explícita nossa intenção de contribuir com ela. Isso permitiu a aproximação das
pessoas que ali estavam.
Da mesma forma, foram contornadas as dificuldades com o tempo da
investigação, estabelecido entre os limites de 24 meses determinado pelo programa de s-
graduação para a conclusão do curso de mestrado, com os compromissos assumidos com o
grupo de pesquisa em que participamos, e com os compromissos pessoais e profissionais
assumidos fora da Universidade. Diante disso, tivemos que nos movimentar de forma rápida,
mas pautada no diálogo, buscando maneiras para que tais limitações não prejudicassem a
investigação nem tampouco as relações que estabelecíamos com o contexto investigado, com
as propostas educacionais em que participávamos junto a outras pessoas da universidade e
com os outros âmbitos de nossa atuação.
Dessa forma, durante toda a investigação, colocamo-nos de forma igualitária
em relação ao contexto, por considerarmos que nosso tempo e nossa investigação não eram
mais importantes do que os tempos e as ações das pessoas com as quais desenvolvemos este
trabalho. Nesse sentido, cumprimos rigorosamente com os nossos compromissos de horários
e de frequência no local, mostrando respeito ao local e às pessoas que ali estavam.
Contudo, era notório que os limites de espaço e de tempo também envolviam
as pessoas da CA Novo Mundo, conforme observamos em várias passagens registradas em
nosso Diário de Campo (cf. registros dos dias 06/08/08, 20/08/08, 08/10/08, 17/11/08,
10/12/08 e 17/12/08).
Nossa inserção na escola permitiu testemunharmos a complexidade da
instituição e a amplitude das tarefas desenvolvidas pelas profissionais da escola. Diante disso,
a reunião que realizamos para o grupo de discussão com as pessoas da escola foi realizada em
um dos horários em que as turmas tinham educação física, e a participação de uma das duas
coordenadoras pedagógicas da escola foi possibilitada porque a outra pessoa se dispôs a
suprir sua ausência durante o período. O grupo de discussão foi realizado em meio a
interrupções e ruídos externos muito próprios de uma escola que, evidentemente, não podia
119
parar para a realização de nossa investigação, mas que, contudo, se abria para captarmos toda
a intensidade da vida cotidiana e dos problemas ali presentes.
Em relação aos familiares, também tivemos dificuldades para estabelecermos
contato direto, que foram justificadas pelos compromissos externos que eles também
possuíam. Em nossos contatos, éramos informados sobre seu desejo e sua impossibilidade de
participar de um grupo de discussão com outras pessoas. Todavia, rejeitamos compreensões
equivocadas e precipitadas sobre suas motivações particulares para participar da investigação,
mas, desde nossas interações, reconhecemos suas difíceis condições de existência, em muito
semelhantes às dos outros familiares que conhecêramos em outras oportunidades de nossa
participação no contexto.
Tais dificuldades se confirmaram na fala de uma das mães de um menino
participante quando, após uma das reuniões entre professora e familiares, justificou-me sua
dificuldade para conversar comigo com a necessidade de encontrar alguém que a substituísse
em casa para cuidar de uma filha cujas deficiências motoras e visuais impossibilitavam que
ficasse sozinha, enquanto o trabalho do pai das crianças no ramo da construção civil exigia
que ele ficasse longo período fora de casa (cf. registro em 01/10/08 no Diário de Campo).
Outra e de uma menina participante me revelara, ao telefone, que seria difícil um horário
comum, pois trabalha como empregada doméstica diarista de segunda a domingo, das 8h às
20h.
Devido a essas dificuldades, não conseguimos realizar o grupo de discussão
com os familiares, antes de apresentarmos a versão final deste trabalho. Portanto, sinalizamos
para que seja considerada essa possibilidade em nossos estudos posteriores ao curso de
mestrado, diante da continuidade das atividades nas escolas que são comunidades de
aprendizagem em que participamos neste município.
Enfim, diante de nossa participação na escola antes e durante a realização da
pesquisa, e a partir de nossa base comum de entendimento, consideramos que, acima dos
compromissos com a pesquisa, estão outros condicionantes que nos envolvem entre sistemas
e mundos da vida. O estreitamento das interações com a escola investigada permite-nos
ampliar a compreensão sobre o tempo e o espaço em que vivemos na sociedade atual, como
também as situações-limites em que vivem as pessoas enquanto trabalham para sua
sobrevivência.
No que diz respeito à participação das crianças na investigação, também
presenciamos certa autonomia para ir e vir para a escola em relação às atividades
120
extracurriculares propostas. Em suas falas, grande parte contava que saía e voltava da escola
para ali participar quando suas famílias não se encontravam em casa. Isso nos propôs o
desafio de, por vezes, tratarmos dessa participação diretamente com as crianças, quando
falamos, por exemplo, sobre a importância de cumprir os horários e de não faltar. Mas,
também registramos as situações-limitespresentes em suas jovens vidas, como constatamos
na impossibilidade de participação de uma das meninas nas atividades, justificada pela
necessidade de cuidar da casa enquanto seus pais catam papelão (cf. Diário de Campo de
10/09/08).
A partir dessas observações, entendemos que as crianças participaram de forma
efetiva nas atividades extracurriculares e na investigação, não apenas quando perceberam
diretamente suas contribuições para avançar e aprender novos conteúdos a partir de seus
interesses e motivações, mas também quando suas condições de vida o permitiram. Diante
disso, consideramos os conteúdos sobre os quais tratamos como aspecto central para essa
participação, tornando-se uma das nossas preocupações para que as crianças continuassem
participando, como relatamos no capítulo anterior. Enfim, priorizamos nosso compromisso
educativo com as crianças.
Ademais, registramos a impossibilidade da dicotomia de nossos papéis de
educadora e de investigadora. Em alguns momentos iniciais da pesquisa, eu me ressentira
pelas dificuldades de coletar dados com crianças quando se parte para o campo de
investigação com o corpo consciente de sua totalidade, no qual se encontram razão,
sentimentos, emoções e desejos, como nos explica Freire (2005, p. 76). Tais dificuldades se
acentuaram pelo fato de ser uma investigadora que apenas iniciava seu caminho na pesquisa
científica. Entretanto, consideramos o risco de perder alguns dados em favor da condição de
educar naquele espaço, retomando nossa opção política como base para as interações que
estabelecemos com as crianças participantes de nossa pesquisa (cf. Diário de Campo de
27/08/08).
A partir dessa opção, apresentei a baixa participação das crianças na pauta dos
diálogos com as pessoas da escola, inclusive em uma reunião com a comissão gestora em
momento próximo ao final da coleta de dados com as crianças. Uma das professoras
argumentou com a informação de que as crianças da comunidade têm outras atividades como
opção, sobretudo no segundo semestre do ano, no qual estávamos. Mas, a fala de uma das
mães presentes apresentou o argumento decisivo para continuidade das atividades na escola:
“não se pode perder a disponibilidade do voluntário participar na escola. Temos que fazer
121
que a atividade continue, pois é conhecimento a mais para nossas crianças” (Diário de
campo, 19/11/2008). A partir da força desse argumento, os encaminhamentos foram no
sentido de que a CA Novo Mundo buscasse formas de fortalecer o projeto no ano seguinte.
Nessa perspectiva, a realização da investigação permitiu muitas reflexões e
aprendizagens a serem analisadas no capítulo seguinte. Todavia, antes da finalização deste
capítulo cumpre-nos reafirmar que a nossa presença no contexto foi possibilitada pelo sentido
comum de buscarmos, de forma conjunta e por meio do diálogo, a aprendizagem máxima
das(os) estudantes da escola.
Em alguns momentos iniciais de nossa pesquisa, nos inquietávamos pela nossa
condição de participação, quando questionados desde outras abordagens qualitativas de tratar
os objetos científicos. Podemos retomar, por exemplo, a recomendação que fazem Bogdan e
Biklen (1994), já citados neste item, para uma participação moderada, que não permita que o
tempo disponível seja dominado por essa participação (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 125-
126). Isso faz sentido, ao nos lembrar de que, em alguns momentos, não foi possível captar,
metodicamente, toda a intensidade de alguns dados, pois interagimos com as outras pessoas a
partir das limitações que nos coloca nossa materialidade humana.
No que diz respeito a esse aspecto, argumentamos que, diante da complexidade
humana e de seus processos, entre os quais os educativos, a compreensão é profunda se
pudermos investigar a realidade concreta, inserindo-nos em sua totalidade, como nos ensina
Freire (2006). “As dificuldades maiores ou menores impostas pela estrutura ao quefazer
dialógico não justificam o antidiálogo, do qual a invasão cultural é uma conseqüência”
(FREIRE, 2006, p. 49). Nessa perspectiva, entendemos que, a despeito de todas as
dificuldades que se apresentam a partir da realidade concreta de investigação, não podemos
perder de vista a capacidade crítica a ser exercida com as outras pessoas do contexto, se
quisermos compreendê-lo, explicá-lo e transformá-lo, como pretendemos neste trabalho.
122
Capítulo 4
ENTRE DIÁLOGOS E AÇÕES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
“A arte não reproduz o visível,
mas torna visível.”
Paul Klee (1879-1940)
Entre as autoras e os autores examinados nos capítulos anteriores,
evidenciamos as contribuições da perspectiva histórico-cultural sobre a aprendizagem e o
desenvolvimento humano, destacando os conceitos de consciência e de atividade examinados
por esse enfoque da psicologia. A partir dessas elaborações, afirmamos que a consciência
humana é produzida a partir de suas atividades situadas em contextos históricos e culturais.
Compreendemos também que o desenvolvimento da consciência não acontece de forma
isolada, mas nas e com as interações humanas. Isso significa que o pensamento humano é
produto das experiências e dos conhecimentos apropriados na vida social preexistente ao
indivíduo, por meio da linguagem, principal instrumento criado pelo ser humano para
possibilitar a comunicação, e dos signos, como estímulos criados para regular a própria
conduta e a do outro. Vygotski (2001) considera que a relação entre instrumentos e signos
acontece por meio da “atividade mediadora” (VYGOTSKI, 2000, p. 93).
Assim, pudemos examinar de forma detalhada os aspectos fundamentais que
envolveram a elaboração e a concretização das atividades do Projeto Roda com Arte com as
crianças da CA Novo Mundo. Vimos desenvolvendo ao longo do trabalho a compreensão
sobre as interações no contexto escolar e os reflexos das propostas teórico-metodológicas
sobre a aprendizagem e o convívio com as crianças na instituição. Focalizamos
especificamente as crianças de classes populares, pois constituem a população escolar de
nossas escolas brasileiras.
Diante dessas considerações, resgatamos algumas das ideias da “psicologia
soviética” para explicar a especificidade da participação das crianças em nossa investigação e
a adoção do conceito de atividade mediadora como nosso princípio metodológico. Assim,
configuramos o Projeto Roda com Arte com atividades objetivadas para possibilitar novas
interações intersubjetivas entre as crianças e com a voluntária em torno de conteúdos
extracurriculares e desencadear, dessa forma, novas aprendizagens para quem ali participasse.
123
Enquanto estivemos no contexto da escola para realizar essas atividades, foi
possível dialogar metodicamente com as crianças e com as pessoas adultas da escola sobre
nossas ações e as nossas inquietações em comum, conforme a metodologia apresentada no
capítulo anterior. Neste capítulo apresentaremos a sistematização produzida nesse encontro,
com o objetivo de permitir a continuidade da reconstrução conjunta dos conhecimentos sobre
o tema mesmo depois da finalização deste trabalho. Iniciaremos apresentando as
contribuições obtidas com as crianças que participaram da investigação. Em seguida, serão
apresentadas as contribuições das pessoas adultas que participaram mais diretamente conosco
da concepção e da análise da proposta.
No quadro 1, apresentamos um panorama geral da investigação, conforme os
procedimentos metodológicos, os sujeitos participantes e os resultados obtidos.
Quadro 1- Dados gerais obtidos com os sujeitos participantes
Sujeitos
participantes
Procedimentos
Quantida
de
Parágrafos
Comunicativos
Elementos de análise
Transformadores Limitadores
Crianças
Observação comunicativa
5
40 28 4
Grupo de discussão
1
73 19 7
Entrevista comunicativa
1
1 - -
Adultas Grupo de discussão
1
19 27 15
TOTAL
4
8
133 74 26
Em um primeiro olhar, percebemos que os elementos de análise elencados
foram considerados transformadores em sua grande maioria. Diante disso, compreendemos
que os diálogos tenderam mais ao exame dos avanços relacionados ao objeto cognoscível do
que de suas limitações. De maneira geral, na ótica dos sujeitos da investigação, o contexto se
revelou como potencialmente favorável para as transformações sociais.
Para apresentar as temáticas que emergiram desses dados, propomos adentrar
nas especificidades com as quais as informações foram obtidas e analisadas, a partir das quais
aprofundaremos nosso debate em uma abordagem qualitativa sobre o tema investigado.
124
4.1. Perspectivas de algumas crianças da escola
Duas meninas e um menino com idades entre oito e nove anos, estudantes em
diferentes turmas da série da escola e participantes dos encontros no Projeto Roda com
Arte, dispuseram-se voluntariamente a contribuir com a nossa investigação, devidamente
autorizadas(o) por suas(seus) responsáveis. Chamaremos as crianças como Gabriela, Rafaela
e Miguel
90
. Faremos a apresentação das meninas, recorrendo ao autorretrato elaborado em
nosso primeiro encontro. Considerando que o menino não estava presente nesse dia, faremos
sua apresentação a partir das anotações do Diário de Campo.
Cabe lembrar que, no primeiro encontro, foi proposto para que o grupo se
apresentasse por meio do desenho e da escrita de seu autorretrato. Ao final, pedi que as
crianças lessem os textos que escreveram, caso desejassem, no que foi atendida por Gabriela.
Posteriormente, as crianças foram indagadas sobre o sentido de algumas frases que estavam
escritas, o que aparece com minhas palavras entre colchetes. Assim, apresentaremos as
crianças a partir de seus próprios textos escritos
91
, complementando com as informações
oriundas dos registros de nosso Diário de Campo, quando necessário para a compreensão do
contexto.
Dos quinze encontros ocorridos no Projeto Roda com Arte, Gabriela participou
em quatorze. Ao escrever o autorretrato, ela assim se descreve:
“Eu sou Gabriela. Tenho oito anos e gosto muito de desenhar e pintar. Sou
muito legal com as pessoas, por isso elas gostam [de mim]. Eu sou uma
menina muito educada. Gosto de brincar com bonecas, pula-corda, pega-
pega, carrinho de boneca, brincar de bola, basquete, vôlei, futebol e queima.
Minha professora é muito legal. Ela passa na lousa coisas muito legais”.
O pai de Gabriela trabalha como servente de pedreiro e não tem emprego
formal. É ele que participa das reuniões na CA Novo Mundo, quando não há nenhum
compromisso de trabalho naquele dia. A mãe de Gabriela trabalha como empregada
90
90
Usamos nomes fictícios para as crianças que participaram da investigação visando preservar o sigilo de sua
identificação. Para as outras participantes do Projeto que não estão na investigação, mantivemos o código Ma
para menina e Mo para menino.
91
Para a transcrição do texto escrito pelas crianças, fizemos algumas correções ortográficas e gramaticais para
garantir o sentido de apresentação inicial proposto neste texto. Nesse primeiro encontro, resguardei-me de
intervir diretamente com as crianças sobre as dificuldades manifestadas com a escrita, pois ainda não eram
objeto especifico de sua ação nesse momento inicial em que as interações ainda se constituíam. Porém, a
inquietação com tais dificuldades me acompanhou pelos encontros, principalmente nos iniciais, ao observar
também as inibições demonstradas pelo grupo frente ao trabalho coletivo, e os limites de tempo para a execução
das atividades. Assim, decidimos priorizar o trabalho pontual com as leituras no espaço do Projeto, conforme
relatado em capítulos anteriores.
125
doméstica diarista, de maneira que se ocupa em todos os dias da semana, das 8h às 20h em
diferentes locais, conforme contato telefônico que fizemos.
Rafaela, outra menina participante da pesquisa, tem nove anos e esteve em três
encontros. A mãe de Rafaela apresentou disponibilidade para a pesquisa, mas não
conseguimos marcar um horário comum antes do final desta investigação.
Conforme a descrição da própria Rafaela:
“Oi. Eu sou Rafaela. Gosto de vestir roupas bonitas e sair para dançar. Sou
legal e feliz. Gosto de fazer retratos. Gosto de baton e adoro flores rosas e
vermelhas. Isto é tudo que eu gosto”.
Chamaremos o menino participante de Miguel. Ele participou de seis
encontros. Tem nove anos e mora perto da escola. Tem uma irmã com 1,5 ano e um irmão de
12 anos, com deficiências motoras e visuais. Sua mãe é dona de casa e cuida do filho, durante
todo o tempo em que está em casa, de maneira que sai pouco. O pai tem emprego formal na
construção civil e frequentemente viaja, conforme as obras da Construtora.
Na perspectiva da aprendizagem dialógica, entendemos que seria importante que
as crianças nos ajudassem a organizar o espaço e o tempo de nossas atividades, abrindo
caminho para a educação no diálogo igualitário de nossa parte e da parte das crianças. Desde
os primeiros encontros, dialogávamos sobre os princípios que regulariam nossas interações
com base no conceito de aprendizagem dialógica, na proposta de construir a responsabilidade
coletiva com o uso do espaço e da linguagem verbal e da não verbal.
Além dos temas das atividades do projeto, tratávamos também das interações no
próprio grupo ou da condução das atividades, o que ocorria sempre que necessário ou nos
momentos reservados para a avaliação final do encontro, quando as crianças destacavam os
aspectos que lhes haviam chamado a atenção. Geralmente, fizemos isso de forma verbal, pois
nesses momentos finais, as crianças se ocupavam dos últimos retoques na produção de seus
trabalhos, dificultando uma concentração voluntariamente orientada para a coleta desses
dados.
O quadro 2 foi elaborado a partir dos acordos compartilhados pelo grupo e era
afixado nas paredes do local em que estávamos em cada um dos encontros. Conforme os
acordos intersubjetivos estabelecidos entre os sujeitos participantes no Projeto Roda com
Arte, as interações seguiram as recomendações explicitas enunciadas pelas crianças, em
nossos primeiros encontros:
126
Quadro 2 - Recomendações explícitas das crianças para as interações no Projeto Roda com
Arte
“Prestar atenção no que vai falar” - para entender o que vai ser explicado
“Não usar muita canetinha”, para não vazar do outro lado do papel.
“Não desperdiçar material”
“Não bater nos colegas”.
“Ter imaginação”.
“Esforçar-se para fazer o trabalho”.
“Respeitar os colegas e a professora”.
“Não rir do que o outro está falando”.
“Respeitar os combinados”.
“Não deixar a sala suja”.
“Não riscar os colegas”.
11 elementos
De forma sintética, os elementos apontados para as interações do grupo se
reportaram:
Ao uso da atenção voluntária para a aprendizagem.
Ao uso do material;
Aos limites necessários às interações humanas;
Às condições físicas do ambiente para a realização da atividade.
Diante de tais recomendações, observamos que as crianças já vieram ao espaço
com algumas aprendizagens sociais e alguns dos sentidos vinculados à escolarização, a
despeito de que estivéssemos em ambiente externo à escola. Assim, atentávamos para o
cumprimento de nossos combinados, de maneira a promover avanços no sentido do
“domínio” e da “regulação da própria conduta” no sentido apresentado por Vygotski (2000;
2001) inerentes às interações humanas, por nós também considerado fundamental às
interações respeitosas.
Ao dialogarmos com as crianças nas atividades do Projeto Roda com Arte,
percebemos que nossas interações se pautavam nos consensos alcançados fundamentalmente
em nossa comunicação, reportando-se, dessa forma, ao mundo da vida que compartilhamos
nesses encontros. Assim, em todos os nossos diálogos, ficou caracterizado que os argumentos
e as manifestações das crianças ocorreram a partir das ações cotidianas relacionadas à
atividade, à escola e à família, mas, em nenhum momento, se referiram às orientações dos
sistemas para nossas interações.
Portanto, na investigação com as crianças, procuramos nos deter sobre a análise
intersubjetiva de elementos relacionados à aprendizagem de conteúdos escolares ou não
escolares e às interações no contexto escolar, em concordância com os objetivos do Projeto
Roda com Arte. Para essa análise, usamos procedimentos com orientação comunicativa como
127
observação, grupo de discussão e entrevista de acordo com a metodologia comunicativa
crítica.
De um total de quinze encontros, foi possível elaborar sínteses mais
sistematizadas em cinco deles constantes entre os apêndices deste trabalho, buscando dados
relacionados diretamente com as atividades desenvolvidas com as crianças participantes nas
atividades. Nessas cinco oportunidades, as observações feitas pelas crianças foram anotadas e
lidas por mim, para serem complementadas ou retificadas se houvesse erro no registro da
informação. Dessa forma, realizamos as análises intersubjetivas das informações mais
relevantes elencadas pelas crianças, a partir do procedimento que chamamos como
observações comunicativas.
Basicamente, as análises foram obtidas a partir dos seguintes passos:
a) Síntese anotada durante o encontro por Adriana (investigadora) a partir das observações
apontadas pelas crianças participantes, ao final dos encontros
b) Atribuição de um número a cada síntese (OC1 a OC5)
c) Leitura exaustiva pela investigadora dos dados das sínteses.
d) Levantamento de temáticas que emergiram dos dados.
e) Identificação dos parágrafos comunicativos.
f) Numeração dos parágrafos comunicativos (40 parágrafos comunicativos).
g) Identificação de trechos referentes aos conteúdos tratados, às generalizações, aos
obstáculos e às recomendações enunciadas, com o objetivo de compreender os
processos educativos que se manifestam em atividades de reflexão em torno de
obras artísticas na perspectiva da aprendizagem dialógica. Marcação na síntese
com C para conteúdos explícitos nas imagens e nos textos, G para generalizações
92
, O
para obstáculos apontados e R para recomendações explícitas.
h) Montagem dos quadros com categorias: conteúdo explícito, generalização, obstáculo e
recomendação, por tema de agrupamento dos dados.
i) Encaixe dos trechos referentes às temáticas e às categorias nos quadros.
j) Destaque dos trechos centrais do conteúdo das falas em cada parágrafo.
k) Elaboração dos quadros síntese, por temática, de elementos transformadores e de
elementos que são obstáculos na realidade analisada intersubjetivamente.
l) Anotação de número de menções de elementos transformadores e de elementos que são
obstáculos em cada temática.
m) Leitura de todo o material e produção de lista de recomendações implícitas nas falas
(provenientes da indicação dos elementos que são obstáculos para uma maior
aprendizagem ou para a interação entre as pessoas).
A partir das observações comunicativas, lemos exaustivamente todas as
sínteses, identificando algumas temáticas em comum abordadas nos cinco encontros (OC1 a
92
Para Vygotski (2001), a generalização é uma atividade subjacente ao pensamento que traduz o significado de
uma palavra. “La generalización es un acto verbal extraordiinario del pensamiento que refleja la realidad de
forma radicalmente distinta a como la reflejan las sensaciones y percepciones imnmediatas” (VYGOTSKI, 2001,
p. 20-21, grifos do autor). Embora a generalização sempre esteja presente no pensamento humano, nesta análise
identificaremos com G as falas que não se relacionam diretamente aos conteúdos explícitos dos textos
apresentados, mas que refletem as associações feitas pelas crianças.
128
OC5). Assim, os dados foram organizados em torno de três aspectos fundamentais
contemplados nas falas das crianças: (1) conteúdos de aprendizagem em torno de obras
artísticas; (2) outros conteúdos; e (3) atividades de expressão. Consideramos que esses focos
abrangem os aspectos de compreensão das crianças relacionados às atividades propostas,
identificados na fala sobre os conteúdos abordados nas temáticas, de forma explícita ou
implícita.
Como elementos transformadores, consideramos os enunciados relacionados
aos avanços de compreensão em relação aos momentos anteriores à atividade desenvolvida.
Assim, as crianças se referiram aos detalhes objetivos das imagens e dos textos apresentados,
revelando explicitamente sua compreensão dos conteúdos tratados diretamente por meio dos
recursos metodológicos. Entretanto ocorreram momentos em que a abordagem não era
articulada diretamente por meio da linguagem, mas por generalizações, quando fizeram
articulações com objetos não presentes no ambiente imediato da atividade. Quanto aos
elementos limitadores, consideramos as dificuldades apontadas em relação ao conteúdo ou às
menções relacionadas às dificuldades intersubjetivas.
No quadro 3, apresentamos o cenário geral dos resultados obtidos por meio das
sínteses traçadas a partir das observações comunicativas.
Quadro 3 – Dimensões e categorias de análise no Projeto Roda com Arte
CATEGORIAS
CONTEÚDOS DE
APRENDIZAGEM
EM TORNO DE
OBRAS
ARTÍSTICAS
OUTROS
CONTEÚDOS
ATIVIDADES DE
EXPRESSÃO
TOTAL
DIMENSÕES LIMITADORAS
- 4 - 4
DIMENSÕES
TRANSFORMADORAS
CONTEÚDOS
EXPLÍCITOS
11 3 5 19
GENERALIZAÇÕES
4 7 - 11
TOTAL
15 14 5 34
Ao observarmos o panorama geral dos resultados obtidos por meio desse
procedimento, destacamos a predominância de 88,2% de elementos transformadores,
relacionados à aprendizagem das crianças nos conteúdos e nas atividades propostas. Tratamos
desses elementos enquanto examinamos cada um dos nossos encontros por meio dos quadros
relacionados ao procedimento de observação comunicativa, constantes no Apêndice VII.
129
As sistematizações apresentadas na investigação foram realizadas nos
encontros que abordaram as temáticas abaixo:
Arte no antigo Egito;
Arte na Idade média;
Leonardo da Vinci;
Antonio Francisco Lisboa;
Anita Malfatti.
Na categoria Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas,
organizamos os elementos que revelaram diretamente a compreensão das crianças sobre os
temas tratados. Vejamos alguns dos diálogos destacados nos encontros abaixo:
Arte no antigo Egito:
Trabalhamos a arte africana. Vimos máscaras feitas em materiais como
ouro e madeira. Os africanos também pintavam as paredes e o corpo.
Hoje vimos a Arte do Egito. Vimos que eles também pintavam as paredes e
faziam máscaras de ouro.
Arte na Idade Média:
As igrejas pareciam castelos.
As imagens de ouro são feitas para homenagear os santos.
Os vitrais mostram cenas da vida dos reis.
Leonardo da Vinci:
Mona Lisa lembra o autorretrato de Tarsila do Amaral. que foi pintada
por outra pessoa: Leonardo da Vinci.
O quadro “A Santa Ceia” inspirou gravuras que são colocadas na parede
das casas.
No quadro “A dama e o arminho”, chama a atenção o cabelo, o colar, a
roupa e a orelhinha do animal.
Leonardo da Vinci pintava mulheres que faziam pose para ele.
Desde pequeno, desenhava tudo o que via.
Usava escrita secreta para ninguém descobrir o que estava escrito.
Antonio Francisco Lisboa:
Falamos da arte da escultura.
O artista era Aleijadinho.
O nome dele era Antonio Francisco Lisboa.
Anita Malfatti:
130
Anita Malfatti era uma mulher bonita.
Aprendeu a pintar com a mão esquerda, porque tinha um defeito na mão
direita.
Anita Malfatti era amiga de Tarsila do Amaral e fez o retrato de sua amiga.
Anita Malfatti pintou uma paisagem de Ouro Preto, quando estava
passeando por ali.
Assim, a partir das falas destacadas nesses encontros, consideramos que as
crianças revelaram de maneira explícita sua compreensão sobre os temas abordados, a partir
dos seguintes elementos:
Apresentação de detalhes artísticos e textuais;
Comparações com obras artísticas examinadas em outros encontros;
Comentários sobre as obras e sobre as(os) artistas;
Reconhecimento das obras em outros contextos;
Uso de informações complementares coletadas dos textos;
Identificação correta do tipo de arte.
Apoiando-nos em outros diálogos, identificamos que as crianças usam
experiências e aprendizagens desenvolvidas em contextos exteriores às atividades para
manifestar a compreensão sobre os temas dos encontros. A esse respeito, organizamos os
diálogos na categoria que chamamos Conteúdos de aprendizagem em torno de obras
artísticas. Isso aconteceu quando tratamos de:
Arte na Idade Média:
A fazenda Conde do Pinhal é tão grande que parece um castelo.
Na Idade Média, enquanto alguns moravam nos castelos e nos mosteiros,
havia muitos pobres pelas ruas.
Leonardo da Vinci:
Mona Lisa deveria morar em um castelo.
Anita Malfatti:
Natureza morta é quando as flores e as frutas foram arrancadas do e
não estão mais no lugar em que nasceram.
Monteiro Lobato não gostava dos quadros de Anita Malfatti, porque tinha
inveja dela.
Observando os elementos apontados pelas crianças nas sínteses, torna-se
possível identificar os recursos buscados nas suas deduções sobre as imagens e os textos
131
apresentados. Ao mesmo tempo, identificamos que as crianças estabelecem comparações com
as visitas promovidas pela escola e em comentários sobre os livros consultados, apresentando
também sua compreensão sob a forma de generalizações.
Em suma, as crianças estabelecem suas gicas a partir dos comentários no
encontro e de vivências possibilitadas pela escola ou fora dela. Destacamos, dessa forma, o
incentivo à memória e às generalizações pelo uso dos recursos disponibilizados nos encontros,
em livros relacionados à arte ou não, como foi o caso da enciclopédia usada nos encontros
sobre A Idade Média e Leonardo da Vinci.
Na categoria Outros conteúdos, as crianças revelaram sua compreensão na
forma de conteúdos explícitos, a partir da localização geográfica do local informado no texto,
quando dialogamos, por exemplo, sobre a Arte no antigo Egito:
O Egito também é um país africano, localizado no norte da África.
A compreensão de Outros conteúdos também se manifesta sob a forma de
generalizações, conforme destaques nos diálogos abaixo nos encontros que trataram de:
Arte no antigo Egito:
Vimos que os africanos viviam livres na África e iam a festas. Mas, foram
mandados para alguns países como o Brasil, para trabalharem como
escravos. Muitos filhos de escravos não estudavam naquela época, mas,
agora, todas as crianças têm que ir à escola.
Os faraós acreditavam em muitos deuses, mas nós acreditamos em um só.
Arte na Idade Média:
Antes, a professora ensinava a ser boas mulheres. Hoje, a escola ensina a
ler e a escrever a meninos e meninas.
Há muitas religiões diferentes, com outros deuses.
Em uma história bíblica, Jesus aparece de forma diferente.
A água do mundo está acabando. muito lixo. Podemos cuidar de não
deixar a água acabar, não jogando lixo no rio.
A água dos oceanos não pode ser tomada.
Leonardo da Vinci:
Pessoas famosas usam a pele dos animais para fazerem seus casacos.
Anita Malfatti:
132
Mas, isso pode ser resolvido assim: uma hora eu empresto o meu lápis para
a outra pessoa. Na outra hora, é ela que me empresta.
A partir de diálogos como esses, sintetizamos os principais elementos
articulados a outros conteúdos sob a forma de generalizações:
Articulação com exclusão social;
Articulação com religiosidade;
Superação de diferenças de gênero a partir da escolaridade;
Crenças religiosas;
Meio ambiente;
Comparações com informações de outros encontros;
Comparações com informações da mídia;
Apresentam deduções sobre significados de termos;
Comentários sobre o texto;
Apontam formas para resolução de conflito.
Tornou-se perceptível que as crianças entrelaçaram os conteúdos de arte com
aspectos relacionados ou não à sua subjetividade, como os religiosos, com as imagens
provenientes da mídia e com conteúdos abordados em outros momentos, como o meio
ambiente, e as discussões sobre desigualdades sociais inclusive diferenças de gênero e de
escolaridade ao longo da história. Assim, entendemos que a arte, como atividade de produção
e de criação humana, está articulada a elementos culturais e ideológicos.
Na categoria Atividades de expressão, destacamos os diálogos a seguir.
Arte no antigo Egito:
No encontro anterior, fizemos uma máscara usando uma mistura que
parecia papel molhado.
Antonio Francisco Lisboa:
Aprendemos a fazer escultura em sabão.
Anita Malfatti:
Uma participante gosta de pintar paisagens. Sua pintura se chama
“Natureza Livre”.
Outro participante também gosta de pintar paisagens. Sua pintura se
chama “Paisagem”.
Enfim, as crianças revelaram sua compreensão na forma de conteúdos
explícitos. Ao comentarem as atividades de expressão, também tiveram a oportunidade de
ensinar as técnicas para as outras crianças que não estavam no encontro, de maneira a resgatar
133
atividades desenvolvidas em encontros anteriores. Torna perceptível a crescente familiaridade
com os termos relacionados à arte, como vimos no uso da expressão “paisagem”. Destacamos
os seguintes elementos nessa categoria:
Reconhecimento do material usado nas atividades de expressão;
Descrição detalhada dos procedimentos nas atividades;
Comentários sobre a própria produção.
Ressaltamos que, entre os elementos limitadores, nenhum esteve relacionado à
falha na compreensão do conteúdo, talvez devido ao fato de que não passávamos adiante sem
fazermos as devidas correções sobre algum eventual equívoco. Entretanto, alguns elementos
relacionados às dificuldades nas interações humanas foram abordados pelas crianças, como
pudemos identificar nos diálogos a seguir:
É uma injustiça que as mulheres sejam tratadas de forma diferente, como
tomar banho quente.
Quando as pessoas têm religiões diferentes, é difícil se dar bem.
Esses elementos emergiram, quando outros conteúdos foram levantados a partir
das imagens da Idade Média, produzidas sob a hegemonia do catolicismo, e o registro das
desigualdades extremas entre a vida nos castelos e a das ruas, trazidas pelos livros. Assim, as
crianças associaram as imagens da nobreza medieval aos títulos de nobreza recebidos pelos
fundadores de São Carlos na época imperial, cuja fazenda havia sido visitada por elas.
Quando as pessoas têm religiões diferentes, é difícil se dar bem.
É uma injustiça que as mulheres sejam tratadas de forma diferente, como
tomar banho quente.
Os elementos relacionados ao meio ambiente foram levantados diante da obra
“A dama com arminho” de Leonardo da Vinci, em que esse animal repousa no colo da figura
e de meu destaque sobre o uso de sua pele para fazer casacos. Assim, as crianças articularam a
imagem com as reportagens vistas na televisão sobre a matança de animais.
Na TV, aparecem pessoas com casacos de pele, o que é uma crueldade com
os animais.
O sentimento de inveja também foi lembrado como elemento limitador para as
interações humanas, quando leram o poema “Anita Maldita” que relata, de forma humorada,
134
os atritos da artista com o escritor Monteiro Lobato nos anos 1920. Diante dos destaques
feitos a esse trecho do texto, perguntei se isso acontece em sala de aula.
Muitas vezes, isso acontece na nossa classe, quando você tem um lápis
bonito e a pessoa começa a falar que o lápis é feio.
Diante de tal apontamento, perguntei-lhes como problemas desse tipo poderiam
ser resolvidos, obtendo como resposta um elemento transformador, como indicação para
superar obstáculos.
Mas, isso pode ser resolvido assim: uma hora eu empresto o meu lápis para
a outra pessoa. Na outra hora, é ela que me empresta.
Portanto, no tocante aos elementos limitadores presentes nas interações
humanas, as crianças se referiram às formas desiguais e depreciativas de tratamento e à falta
de respeito, apontadas abaixo:
Diferenças de tratamento de gênero;
Diferenças nas crenças religiosas;
Uso indevido do meio ambiente;
Comentários sobre o sentimento de inveja
Enfim, a partir das observações comunicativas e das sínteses construídas com
as crianças, pudemos identificar, ao final de cinco encontros, que as crianças possuem
conhecimentos provenientes de seus ambientes de vida e da escola cujos nexos são
favorecidos pela situação de diálogo proposta no Projeto Roda com Arte. Nesse sentido, o
caráter de globalidade que envolve os conteúdos em torno de obras artísticas permite seu
entrelaçamento com outros conteúdos diversos em atividades mediadoras, contribuindo, dessa
forma, para a consolidação de aprendizagens instrumentais e sociais com o uso da imaginação
e da linguagem, conforme assinalado nas elaborações de Vygotski (2000; 2001) e Leontiév
(1978). Percebemos também que o procedimento de orientação comunicativa nos permitiu
uma avaliação mais próxima de cada um dos encontros, de maneira que os elementos estavam
relacionados mais diretamente com os diálogos mais recentes.
Com o objetivo de complementar os dados obtidos por meio das observações
comunicativas, também realizamos um grupo de discussão com as crianças participantes da
investigação a partir das atividades vivenciadas no projeto Roda com Arte. Apresentamos
aqui os resultados desse grupo (GDC) ocorrido na primeira hora de nosso sétimo encontro, no
dia 17/09/2008. Como os encontros anteriores, esse foi realizado das 8h às 9h30 na sala de
vídeo da Biblioteca do Futuro, anexa à escola. O objetivo do grupo de discussão apresentado
135
ao grupo foi o de conhecer as aprendizagens e as reflexões desenvolvidas até esse
momento. Para a realização do procedimento, utilizamos um roteiro com os itens a serem
abordados e recursos já utilizados na maioria de nossos encontros, como imagens, objetos e
livros.
Durante a realização do GDC, as crianças comentaram e fizeram perguntas
sobre os recursos levados para auxiliar a discussão das temáticas, de maneira que os diálogos
foram entrecortados pelas minhas falas quando indagava ou explicava alguns aspectos
abordados. Isso se justificou pela necessidade de maior objetividade e de estímulo aos
diálogos, assim como pela minha intenção predominante de contribuir para o avanço da
aprendizagem das crianças em relação aos conteúdos tratados.
Entretanto, para a análise, minhas falas são apresentadas entre colchetes, na
quantidade nima necessária à melhor compreensão do contexto do GDC, porém não estão
computadas entre os dados analisados. Cabe ainda esclarecer que, diante da dificuldade
sentida para retomar a discussão com as crianças em outra oportunidade, optamos por realizar
e apresentar as análises intersubjetivas ao longo e ao final de cada temática identificada ao
longo do processo, conforme emergiam dos diálogos do GDC (uma hora aproximadamente).
Durante os trinta minutos remanescentes desse encontro, as crianças terminaram as máscaras
que haviam modelado em papel machê no encontro anterior, usando tinta guache, lãs
coloridas e miçangas. Nesse dia, também realizaram rias experiências de criação de cores
secundárias, a partir da mistura das tintas nos pires.
Fundamentalmente, os dados foram organizados e analisados conforme os
passos abaixo:
1. Transcrição da gravação por Adriana (investigadora)
2. Audição, conferência e correções da transcrição pela investigadora.
3. Atribuição de um número a cada criança (Gabriela–menina1 e Miguel – menino2).
4. Atribuição de código a cada criança, compondo a sigla da criança e da técnica de coleta dos
dados (GDC).
5. Leitura exaustiva dos dados pela investigadora.
6. Levantamento de temáticas que emergiram dos dados.
7. Identificação dos parágrafos comunicativos (total de 73).
8. Numeração dos parágrafos comunicativos.
9. Opção pela manutenção das falas expressivas das crianças em quadro separado por não se
tratarem de argumentos no sentido proposto pela metodologia, mas que estiveram muito
presentes durante a realização do procedimento e podem contribuir para a compreensão do
contexto de diálogo com as crianças.
10. Opção pela consideração de que as falas que recuperaram as temáticas abordadas nos encontros
anteriores e mostraram a disposição para o diálogo trazem elementos transformadores, pois
revelam que os objetivos de aprendizagem foram atingidos (o contexto de investigação também
tinha sentido educativo, relacionados à forma da interação e ao conteúdo tratado).
136
11. Identificação de trechos referentes a fatores transformadores, a limitadores, às expressões e às
recomendações com o objetivo de compreender os processos educativos que se manifestam
em atividades de reflexão em torno de obras artísticas na perspectiva da aprendizagem
dialógica. Marcação na transcrição com T para aspectos transformadores; L para limitadores;
E para falas expressivas; e R para recomendações explícitas.
12. Montagem dos quadros com categorias: expressiva, transformadora ou limitadora, por tema de
agrupamento dos dados.
13. Encaixe dos trechos referentes às temáticas e às categorias nos quadros.
14. Destaque dos trechos centrais do conteúdo das falas em cada parágrafo.
15. Elaboração dos quadros síntese, por temática, de elementos transformadores e de elementos
limitadores na realidade analisada intersubjetivamente.
16. Anotação de número de menções de elementos transformadores e de elementos que são
obstáculos em cada temática.
17. Elaboração de quadro de recomendações explícitas, feitas pelas crianças participantes no sentido
de ações desejadas nesse contexto.
18. Leitura de todo o material pela investigadora e produção de lista de recomendações implícitas
nas falas (provenientes da indicação dos elementos que são obstáculos para uma maior
aprendizagem).
Da mesma forma com que fizemos nas observações comunicativas,
consideramos como elementos transformadores a compreensão demonstrada pelas crianças
por meio da linguagem, quando se reportaram aos conteúdos que foram tratados nos diálogos
ou apresentados nos textos. A partir do grupo de discussão com as duas crianças, elencamos
as categorias de análise abaixo:
Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas;
Compreensões em torno de obras artísticas;
Outras temáticas: Trabalho/dinheiro/moradia;
Outras temáticas: Religião;
Busca de informações complementares em textos escritos;
Preferências;
Autoexpressão.
No quadro 4, sintetizamos os elementos apontados nos grupos de discussão
realizados com as crianças.
137
Quadro 4 – Elementos de análise na perspectiva das crianças
CATEGORIAS
Conteúdos de
aprendizagem
em torno de
obras artísticas
Compreensões
em torno das
obras artísticas
Articulação com
outras temáticas
Busca de
informações
complementar
em textos escritos
Preferências
Interação do
grupo:
Trabalho coletivo
Autoexpressão TOTAL
Trabalho
Dinheiro
moradia
Religião
LIMITADORAS
- 1 1 - - 1 3 1 7
TRANSFORMADORAS
2 6 1 3 3 2 1 1 19
TOTAL
2 7 2 3 3 3 4 2 26
Analisando o quadro 4, vimos que a dimensão transformadora foi 73,04% em
relação ao total de elementos analisados, sendo a maioria deles relacionada à Compreensões
em torno de obras artísticas. A maioria dos elementos limitadores esteve relacionada à
categoria Interação do grupo: trabalho coletivo.
No grupo de discussão, alguns diálogos apontaram diretamente para a
aprendizagem.
_“Aprendemos os combinados... Aprendemos o autorretrato...”
_“Lemos histórias...”
_ “A gente leu um monte...” (...)
Na categoria Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas,
sintetizamos os elementos que sinalizaram diretamente a aprendizagem das crianças:
Regras combinadas sobre a interação do grupo;
Histórias e informações sobre as obras e quem as produziu.
Também percebemos que as crianças dialogaram entre si e comigo, mudando
de um tema para outro rapidamente enquanto olhavam as imagens, faziam comentários e se
remetiam aos diálogos anteriores para recuperar conteúdos e propor novas articulações. Isso
nos permitiu perceber que as crianças apresentavam muitas compreensões em torno de obras
artísticas, mesmo não diretamente relacionadas aos conteúdos das informações apresentadas.
Observemos os diálogos abaixo:
138
_ “Eles desenhavam para festas... Eles desenharam na...”
_ “na parede das cavernas”.
_ “É, na parede. Os animais, eles desenharam”.
_ “Isso! Os animais”.
[Investigadora: E por que vocês acham que elas fizeram isso? As pessoas
que viviam lá nas cavernas...]
_ “Antes, não existia tinta... Eles pintavam os animais que eles viam”.
_ “É... os animais”.
_ “Eles quiseram fazer isso para dar mais atenção para o olho, o cabelo, a
cabeça, a roupa, o modelo da roupa...”
(Miguel pega o autorretrato de Van Gogh).
[Investigadora: Lembra-se do nome dele?]
_ “Sei...É o ...”
_ “Vincent Van Gogh”.
_ “Esse daqui é o... Peraí, peraí...”
_ “O Pablo”.
_ “Pablo Picasso. Essa era a Anita”.
_ “É... a Anita Malfatti. E essa daqui é a Tarsila do Amaral”.
_ “[...] Falei o nome dos dois homens [...]”
_ “Olha o carvão que eles usaram...” (pintura rupestre)
_ “Olha quanta foto da [arte] africana...das índias...”
_ “Do carvão, do algodão, e de animais ...”
_ “Pintavam bichos...”
[Investigadora: Lembram-se de quanto tempo faz que foram feitas essas
pinturas?]
_ “17 mil anos”.
[Investigadora: Olhando isso daqui, dá prá imaginar como viviam?]
_ “Sim”.
_ “É prá chamar a atenção”.
_ (Essa arte chama-se) “Origami”.
Na categoria Compreensões em torno de obras artísticas, sintetizamos
fundamente os elementos abaixo:
Apresentação de explicações sobre a produção de desenhos e esculturas (desenhavam o que
viam, animais; o tamanho das esculturas e os detalhes na pintura tinham o objetivo de chamar a
atenção);
139
Reconhecimento de materiais utilizados e apresentação de explicações sobre isso (usavam
carvão, não existia tinta);
Apresentação das superfícies utilizadas e das épocas em que as obras foram produzidas (paredes
das cavernas, 17 mil anos);
Reconhecimento de artistas (Vincent Van Gogh, Pablo Picasso, Anita Malfatti, Tarsila do
Amaral);
Reconhecimento de palavras mencionadas nos encontros (origami)
Observações e comparações nas falas expressivas (não computadas entre as menções).
A partir da reflexão em torno de Outras temáticas, destacamos que as crianças
abordaram outras temáticas. Nos diálogos abaixo, as crianças lamentaram a perda do bem-
estar e do prazer de viver das pessoas que viveram na época da Arte na pré-história.
[
Investigadora: Como era a vida deles, o lugar em que eles moravam?]
“Era boa, n/é? Prá eles, era boa, porque não existia nem dinheiro. Nem eles
trabalhavam. Viviam com os animais, lá na floresta”.
[Investigadora: Então, na vida deles, não precisavam de dinheiro?]
“Não, nem de trabalho”.
[Investigadora: Nem de trabalho... Mas, quando eles iam atrás da caça para
comer, isso não era uma forma de trabalho?]
“Era... (...) É... Não era trabalho de fazer casa...”
[Investigadora: Eles não tinham casa para morar? Como eram as casas deles,
então?]
“Eram nas cavernas. Era diferente”. (...) “Moravam nas cavernas”. (...)
Houve momentos em que as crianças também identificaram a presença da
religiosidade em certos tipos de arte, como as esculturas de Buda e a arquitetura medieval,
estabelecendo comparações com as crenças atuais e a própria.
[Investigadora: Quando a gente acredita em alguma coisa, também faz
imagens do que acredita?]
_ “Não... Faz (indeciso). (...) Eu não sei...”
_ “Tem. (...) Tem cruzes (aqui no Brasil)... (...) No Japão é diferente. A
gente aqui acredita em Deus. Faz carinho em Deus...”
_ “Tem Deus aqui”.
_ “Todo mundo pensa que tem um monte de Deus aqui”.
_ “Só tem um...”
_ “Só tem um Deus. Deus é grandão”.
_ “O maior... Maior que tudo isso, aqui. (...) Como chama? (...) Buda? (...)
_ Nossa!!!”
Enfim, na categoria Outras temáticas, as crianças fizeram articulações de
conteúdos com:
140
- Trabalho/ dinheiro/moradia: estabelecimento de comparações entre as formas de trabalho e
moradia em épocas diferentes;
- Religião:
Reconhecimento de símbolos religiosos entre obras artísticas;
Identificação de diferenças entre símbolos religiosos e seus nomes;
Posicionamento sobre a própria crença.
Outra categoria relevante para a aprendizagem escolar é a Busca de
informações complementares em textos escritos, identificada nos diálogos abaixo.
_ “Essa daqui foi feita em 1907”. (pegando o autorretrato de Van Gogh e
olhando a data)
[Investigadora: Vocês querem ler o que está escrito aqui?]
_ Queremos!!!
_ “Eu quero ler”.
_ “Depois, deixa eu...(...) Esse papelzinho é bem pequenininho”.
_ (começa a ler o papelzinho que está no bico do tsuru. Pára para
comentar).
_ (continua lendo).
_ “Aqui está escrito que ele é bravo?” (Miguel olha as informações sobre
Van Gogh, atrás da gravura). (...) (Depois, as informações sobre Van
Gogh, sem comentar.)
(Gabriela lê as informações sobre Picasso, atrás da gravura, sem comentar.)
Portanto, percebemos que as crianças apontaram seu interesse por compreender
melhor os conteúdos tratados, por meio da identificação de informações complementares em
textos escritos; da leitura de textos em voz alta; e de comentários sobre a leitura. Nesse
sentido, entendemos que as crianças desenvolveram habilidades para buscar novos
conhecimentos de maneira mais autônoma.
Esses elementos se confirmaram, quando comentaram que a leitura de textos
biográficos está entre suas Preferências.
_ “Porque cada um tem o seu gosto. (...) É”.
[Investigadora: Qual foi o texto que vocês mais gostaram de ler?]
_ “Eu não sei. Tem um monte que eu tenha gostado...”
_ “Eu gostei desse texto aqui, ó?” (aponta para as informações atrás do
autorretrato de Picasso).
_ “Eu também gostei desse aqui que fala da vida do Vincent Van Gogh”.
Em suma, percebemos que as crianças fizeram comentários sobre suas
preferências, mas revelaram respeito pelas manifestações que eram diferentes das suas
141
próprias. Além disso, explicaram que as pessoas fazem escolhas diferentes porque cada um
tem gosto próprio, revelando em suas palavras a compreensão do princípio de igualdade de
diferenças.
Em relação aos elementos limitadores, identificamos que as próprias crianças
apontaram suas dificuldades de se lembrarem de todas as informações apresentadas nos
encontros anteriores, o que nos levou a pensar em desenvolver outros recursos que pudessem
apoiar sua memória, como a elaboração da tabela 2. Outros elementos limitadores foram
articulados ao tema Interação em grupo: trabalho coletivo: momentos que o grupo
concordava permitiam que as atividades fossem realizadas e a dificuldade de realizar
atividades que “fizessem pensar”.
_ “Teve negócio que a gente teve que pensar... Lembra aquele dia que a
gente ajudou você a fazer a historinha do pato? Foi (difícil) (...) Foi,
porque todo mundo estava querendo uma coisa... Então você não estava
conseguindo fazer isso daí” [a historinha]...
_ “Depois que todo mundo concordou, a gente conseguiu fazer”.
Compreendemos que essa falta de disposição ao exercício da reflexão revela o
esforço relacionado ao processo de aprendizagem, que também despontou na categoria
Autoexpressão, quando as crianças disseram a sua preferência por desenhos prontos. Mas, ao
mesmo tempo, as crianças se mostram animadas diante do “reconhecimento de habilidades
próprias”. Assim, enfatizamos a necessidade de esforço pessoal para a concentração e a
realização das tarefas e o avanço para o desenvolvimento de novas habilidades.
Todavia, as crianças se mostraram dispostas a permanecer nas atividades do
Projeto, apresentando sugestões que agrupamos no quadro 5.
142
Quadro 5 - Recomendações/ indicações das crianças para melhorias
EXPLÍCITAS
[Tem alguma coisa que vocês gostariam de aprender, de fazer?]
§64. GDC1Gabriela – “Isso daí, ó. (aponta para origami)
§65. GDC1Miguel – “É”.
§66. GDC1Gabriela – “Mais origami. Eu quero que você traga desenho pra gente pintar com
lápis...Desenho xerocado já..”.
§70. GDC1Gabriela e Miguel – “É!!!” [respondendo à pergunta se preferem desenhos que já vêm
prontos, xerocados, só para colorir].
IMPLÍCITAS
- formas de registro e recuperação dos conteúdos anteriores
- oficinas com atividades lúdicas
- reduzir a possibilidade de errar
Analisando o quadro 5, percebemos as intenções explícitas das crianças de
fazer brinquedos e colorir desenhos prontos, convergindo para a limitação apontada sobre a
dificuldade de fazer atividades que fazem pensar. Percebemos que as atividades desejadas
pelas crianças se articulam à idéia de arte como fruição, de maneira que a manifestação de tal
desejo nos leva a maiores reflexões sobre o desafio articulado à proposta da Arte como
conhecimento socialmente construído e relevante para a compreensão da realidade.
Passemos ao terceiro procedimento para a coleta de informações com as
crianças a que chamamos como “entrevista comunicativa”. Não encontramos esse
procedimento na metodologia apresentada por Gómez et al. (2006), embora Ferrada (2008)
tenha mencionado brevemente sua utilização no Chile em um trabalho de investigação que
utiliza dois estudos de caso com crianças (FERRADA, 2009, p. 33). Assim, embora não tenha
sido nossa intenção inicial, convertemos em “entrevista comunicativa” o segundo grupo de
discussão realizado com as crianças que estavam no encontro de 19/11/2009, pois apenas
Gabriela estava formalmente autorizada por suas(seus) responsáveis para participar na
investigação. Diante da situação, mantivemos a orientação comunicativa, permitindo a
participação da outra criança, mas desconsiderando seus aportes na síntese final apresentada à
Gabriela no encontro seguinte para nossa análise intersubjetiva.
Assim, registramos a análise conjunta das atividades do Projeto Roda com
Arte:
143
Quadro 6 –Roda com Arte sob a perspectiva de uma participante
No último encontro, conversamos sobre o que fizemos durante os quatro meses em que estivemos
juntos, sobre os artistas, as formas artísticas e as obras mais importantes. Também vimos as fotos
do projeto que foram mostradas em outra escola.
Uma das pessoas explicou que os cartazes que colocamos nas paredes servem para nos lembrar as
como devemos participar dos encontros, sem bagunça e desperdício de material, sem rir do que o
outro fala ou faz. Tudo o que está escrito no cartaz foi falado por quem participa dos encontros.
Também foi falado que muitas coisas foram aprendidas em nossos encontros. Foi legal aprender
dessa forma, conversando, lendo e usando mapas e gravuras.
O trabalho mais legal foi fazer a máscara com mistura de papel e água e que, depois de seca, foi
pintada com tinta e enfeitada com lã e miçangas.
A presença dos voluntários na escola ajuda a aprender mais coisas.
Algumas idéias foram dadas para os nossos encontros futuros: fazer desenhos com cola,
brinquedos com caixinhas de leite e garrafas plásticas, trazidas de casa.
As crianças gostariam de continuar participando no projeto Roda com Arte no ano que vem.
Também acham que as crianças da 3ª e 4ª série poderão ser convidadas.
Tem uma classe de série que é muito difícil, faz muita bagunça. Mas, podemos tentar trabalhar
junto com elas e eles, se conversarmos bastante e fizermos combinados.
Para ter mais gente participando, seria bom colocar cartazes, avisar as crianças da sala mais
vezes.
Gabriela e eu decidimos manter a ntese na íntegra, considerando que em
nossos diálogos, as atividades foram descritas à outra criança que participava pela primeira
vez no Projeto.
Nessa descrição, destacamos o trecho que trata da possibilidade de
convidarmos novas turmas para participar no ano seguinte, reveladora da transformação em
relação à perspectiva de Gabriela, assídua participante do grupo. Desde nossos primeiros
encontros, as crianças resistiam a convidar as crianças de outras séries para o espaço aberto no
Projeto Roda com Arte. Diante disso, eu constantemente retomava esse questionamento,
argumentando sobre a importância de termos mais pessoas conosco nas atividades. A
possibilidade dessa situação veio a ser considerada nessa entrevista realizada próxima ao
final do ano, quando Gabriela se deu conta de que estava prestes a se tornar estudante em
outra série e se colocou nessa condição, o que chamamos como capacidade empática
relacionada ao princípio da emocionalidade/corporeidade.
Tomamos esse exemplo para reafirmar, a partir dos resultados revelados por
nossa investigação, a possibilidade de concretizar todos os princípios que compõem o
conceito de aprendizagem dialógica em torno de obras artísticas. Assim, as atividades se
constituem em oportunidades de reforçar a aprendizagem em torno de conteúdos escolares e
144
dialogar em torno de temáticas socialmente relevantes, como a religião e o trabalho, além das
situações de desigualdades provenientes das diferenças culturais e sociais. Ao mesmo tempo,
favorecem a preparação das crianças para participarem em situações comunicativas,
estimulando a prática argumentativa, a escuta e a reflexão, tão fundamentais aos processos de
humanização.
Enfim, quando dialogamos com as crianças, observamos o quão a nossa
história pessoal está presente, por meio de nossas crenças, de nossos valores e de nossas
experiências. Embora as crianças ainda não tenham autonomia de decisão sobre seus próprios
caminhos, percebemos o apoio dos novos conhecimentos provenientes do ambiente escolar
sobre sua compreensão da realidade humana. Mas, somente podemos conhecer a lógica
infantil se permitida sua expressão em situações comunicativas em que os diálogos
comprometidos com a aprendizagem ocorram em meio ao respeito aos seus posicionamentos.
Ao enunciarem os elementos limitadores às interações no contexto escolar, as
crianças nos atentaram para o respeito às suas lógicas infantis e aos elementos culturais e
ideológicos dos contextos dos quais provém. Contudo, se pretendemos contribuir para a
superação de barreiras sociais, culturais e pessoais que se interpõem à comunicação
interpessoal, não podemos prescindir da compreensão de que, assim como elas, também
falamos sobre o mundo a partir de nossas próprias concepções, permeadas pela presença da
cultura e da ideologia. Assim, evidenciamos o esforço para o diálogo, entendido a partir de
Freire, como encontro situado na tensão entre duas lógicas diferentes, em uma situação que
não é natural, mas construída de maneira atenta aos pontos dos que partem seus sujeitos para
pronunciarem o mundo que compartilham e, juntos, superarem suas dificuldades em comum.
2.2. Perspectivas de algumas pessoas adultas da escola
Nesta seção, traremos os dados obtidos com as pessoas adultas da escola que
participaram em um grupo de discussão (GDA) realizado em 18/03/2009, no semestre
seguinte ao término do período de coleta com as crianças. Neste encontro, estiveram as duas
professoras de terceira série, cujos alunos participaram no Projeto Roda com Arte e uma das
coordenadoras pedagógicas que aceitou o convite para estar conosco. O grupo foi realizado
em uma sala de aula da escola, durante o horário de aula de educação física da turma de uma
das professoras (quarenta minutos). O objetivo do grupo de discussão apresentado ao grupo
foi o de compreender as interações no contexto da escola e, especificamente, os processos
145
educativos que acontecem a partir de atividades em torno de obras artísticas realizadas
com estudantes da escola. Com uma semana de antecedência, foi entregue um roteiro às
participantes, contendo o objetivo e os principais aspectos que seriam abordados no grupo.
Após a transcrição de nossos diálogos e a sistematização dos dados coletados,
apresentamos para as participantes os quadros de análise constantes em nossos apêndices,
visando prevenir equívocos de nossa parte em relação ao registro e à compreensão dos
resultados obtidos. Dessa forma, fizemos a validação intersubjetiva dos dados com as pessoas
adultas da escola que participaram da investigação.
Abaixo, detalhamos os passos que percorremos para a realização do grupo de
discussão com as pessoas adultas da escola:
a) Transcrição da gravação por Adriana (investigadora)
b) Audição, conferência e correções da transcrição pela investigadora.
c) Atribuição de um número a cada professora (P1 e P2) e à coordenadora pedagógica (C1).
d) Atribuição de código a cada participante, compondo a sigla da técnica de coleta dos dados e da
pessoa adulta (GDA). Durante as suas falas, as pessoas citaram o próprio nome, que foi
mudado para o termo nome, quando isso aconteceu. Ainda visando resguardar as informações,
outras escolas citadas foram substituídas no texto por letras de A a E; o nome da estudante
participante foi substituído pelo código Ma (menina) e o da não participante pela inicial de seu
nome.
e) Leitura exaustiva dos dados pela investigadora.
f) Levantamento de temáticas que emergiram dos dados.
g) Identificação dos parágrafos comunicativos (total de 19).
h) Numeração dos parágrafos comunicativos.
i) Identificação de trechos referentes a fatores transformadores, aos limitadores e às
recomendações, com o objetivo geral de compreender as interações no contexto escolar e,
especificamente, os processos educativos que se manifestam em atividades de reflexão em torno
de obras artísticas na perspectiva da aprendizagem dialógica.
j) Marcação na transcrição com T para aspectos transformadores, L para limitadores e R para
recomendações explícitas.
k) Montagem dos quadros nas categorias transformadora ou limitadora, por tema de agrupamento
dos dados.
l) Encaixe dos trechos referentes aos temas e às categorias nos quadros.
m) Destaque dos trechos centrais do conteúdo das falas em cada parágrafo.
n) Elaboração dos quadros-síntese por tema, contendo os elementos transformadores e os
limitadores na realidade analisada intersubjetivamente.
o) Anotação de número de menções
93
de elementos transformadores e de elementos limitadores em
cada tema.
p) Elaboração de quadro de recomendações explícitas, feitas pelas pessoas participantes no sentido
de ações desejadas nesse contexto.
q) Leitura de todo o material pela investigadora e produção de lista de recomendações implícitas
nas falas (provenientes da indicação dos elementos limitadores para a aprendizagem).
r)
Montagem dos quadros finais com a identificação das categorias básicas atribuídas ao sistema e
as atribuídas ao mundo da vida.
93
Como menções, indicaremos quantas vezes a pessoa se refere a um mesmo elemento para construir sua
argumentação.
146
No quadro 7, apresentamos a distribuição das dimensões limitadoras e das
transformadoras em relação ao contexto de que partem os sujeitos para realizarem a análise.
Como dimensões limitadoras, consideramos as barreiras apontadas por pessoas adultas da
escola no tocante às interações no contexto escolar e aos processos educativos em torno de
obras artísticas. Como dimensões transformadoras, consideramos as formas de superar essas
barreiras. Para essa classificação, também consideramos como sistema as instituições, os
espaços, os sistemas de organização ou diretrizes reguladas pelo poder e/ou dinheiro e como
mundo da vida as vivências do cotidiano que caracterizam cada pessoa (GÓMEZ et al., 2006,
p. 103).
Quadro 7 – Perspectiva de análise contextual das pessoas adultas da escola
SISTEMA MUNDO DA VIDA
DIMENSÕES LIMITADORAS 5
10
DIMENSÕES TRANSFORMADORAS 1 27
Diante desse quadro, percebemos que, ao efetuarem a análise intersubjetiva
sobre a dinâmica das interações sociais e os processos educativos, as pessoas adultas que
participaram da investigação se reportaram preferencialmente à vida cotidiana no contexto
escolar, o que chamamos a partir de Habermas (2001) como mundo da vida. Assim, nossas
análises intersubjetivas focalizaram principalmente o contexto mais amplo em que
compartilhamos nossos saberes de fundo para contemplar o objeto de nossa investigação de
maneira inteligível e plena de sentido.
As elaborações de Habermas (2001) sobre a racionalidade comunicativa
também nos ajudam a entender que as participantes do GDA entrelaçaram o mundo objetivo,
o mundo social e o mundo subjetivo, conforme veremos a seguir. Portanto, tivemos a
possibilidade de apreender o objeto de uma maneira mais integrada e verdadeira a partir da
intersubjetividade.
Entretanto, cabe salientar que, diferentemente das crianças, as pessoas adultas
também se reportaram em alguns momentos sobre a influência dos sistemas sobre sua ação
profissional. Assim, reconheceram que sua movimentação na escola acontece em meio a um
espaço regulado externamente para cumprir com finalidades educativas que são específicas da
instituição.
147
Iniciamos nosso grupo de discussão, apresentando-nos pessoalmente e
profissionalmente e compartilhando informações sobre nossas formações e experiências
dentro e fora da CA Novo Mundo. As participantes apresentaram em comum a formação em
pedagogia, obtida desde motivações pessoais e em épocas diferentes de sua vida.
Destacamos que, ao longo de todo o diálogo, manifestaram-se dialeticamente
subjetividade e diversidade humana. A subjetividade humana esteve presente nas maneiras
próprias com que cada uma se apresentou no encontro. Mas, enquanto se apresentaram as
participantes também revelaram a diversidade de suas formações, seus conhecimentos
específicos em outras áreas, como processamento de dados, educação infantil e Libras. São
também variáveis os períodos de atuação na escola e as suas preferências na ação profissional.
Uma das professoras iniciou na escola em 2006, enquanto a coordenadora pedagógica e a
outra professora estavam ali desde 2008.
Em nosso encontro, as falas dessas pessoas se aproximam e se distanciam
diante do fato de estarem trabalhando nessa escola. Uma delas nos relata sua preferência por
trabalhar naquele local, devido à familiaridade com as crianças freqüentadoras da biblioteca
enquanto a professora lá trabalhava.
conhecia as crianças daqui desta comunidade. Quando eu vi que tinha
vaga nessa escola, eu resolvi vir pra cá. (P1)
Por outro lado, a presença da outra professora nessa escola apresentou um
desafio superado durante o ano anterior, diante de sua preferência por trabalhar com crianças
menores. Enquanto relata, ela reflete sobre o seu próprio processo de transformação pessoal.
No ensino fundamental, prefiro dar aula para os menores. Não tenho muita
afinidade em dar aula para os maiores. Este ano estou com um terceiro ano.
Esse é o limite que eu vou. Prefiro os menores. No ano passado, com os
alunos da terceira série, foi um ano bem difícil... Mas, se for ver... A gente
viu que para essa resistência, foi até bom, viu? (silêncio) (P2)
Assim, a despeito de admitir o limite em que se movimenta com maior
conforto, a professora aceita o desafio de atuar com crianças de outra idade e, ao final da
experiência, reconhece as contribuições por tê-lo feito. Com esse exemplo, ilustramos a
maneira pessoal com que cada uma se apresenta e se revela como pessoa singular. Ao mesmo
tempo, evidenciamos a dimensão humana de transformação, considerada entre os princípios
da aprendizagem dialógica.
Torna-se notória a diversidade presente entre as pessoas adultas da escola.
Nessa perspectiva, remetemo-nos à inteligência cultural como um dos princípios da
148
aprendizagem dialógica e à potencialidade que ele representa sobre a compreensão da
realidade, pois as pessoas falam a partir de suas experiências, de seus conhecimentos e de suas
reflexões.
Entre limitações e transformações, fomos tecendo os nossos diálogos de
maneira que na análise dos resultados obtidos foi possível identificar as dimensões
limitadoras e as transformadoras no contexto compartilhado, a partir dos temas que
emergiram na análise intersubjetiva. Para a organização dos dados, esses temas foram
considerados como as categorias de análise apresentadas a seguir:
Formação inicial, preferências, conhecimentos e práticas anteriores;
Interação entre/com as crianças;
Interação com os familiares e Comunidades de Aprendizagem;
Interação entre pessoas adultas da escola e Comunidades de Aprendizagem;
Projeto Roda com Arte
A arte na sala de aula
No quadro 8, apresentamos as categorias de análise relacionadas às dimensões
limitadoras e transformadoras e ao contexto reportado.
Quadro 8 – Elementos de análise na perspectiva de pessoas adultas da escola
CATEGORIAS
Formação
inicial,
preferências,
conhecimentos e
práticas
anteriores
Interação
entre/com as
crianças
Interação entre
familiares e
comunidades de
aprendizagem
Interação entre
pessoas adultas
da escola e
comunidades de
aprendizagem
Projeto Roda
com Arte
Arte na sala de
aula
Sistema
Mundo
da vida
Sistema
Mundo
da vida
Sistema
Mundo
da vida
Sistema
Mundo
da vida
Sistema
Mundo
da vida
Sistema
Mundo
da vida
LIMITADORAS
- 1 - 4 3 2 3 2 1 1 - -
TRANSFORMADORAS
1 3 - 3 - - - 8 - 6 - 6
TOTAL
1 3 - 7 3 2 3 10 1 7 - 6
149
Embora não tenha sido isolado como categoria de análise, observamos que o
tema da docência perpassou todos os temas abordados no grupo de discussão com as pessoas
adultas da escola, abrangendo de maneira implícita ou explicita desde as condições de atuação
profissional até a formação inicial e permanente. Assim, podemos explicar que, em nossa
análise intersubjetiva, os diálogos tenderam para eleger a docência como objeto comum de
nosso entendimento.
Reconhecemos na fala da coordenadora pedagógica o acento sobre a
característica de rodízio profissional.
Eu já trabalhei na escola A, na escola B, na escola C, na escola D.
Primeiro, eu fui pra escola D, uma terceira série. Depois, no outro ano, eu
precisava de outro período e não tinha na escola D. Aí, como eu era ACT na
época, eu me mudei pra escola C. Depois, eu fui me inscrever pra escola A.
E fui pra escola A. Depois, eu fui chamada para trabalhar na coordenação
da escola B. Depois, me removi para esta escola. Estou nesta escola desde o
ano passado, como coordenadora. Aqui, não dei aula. Sou professora desta
escola, mas estou na coordenação (C).
Entretanto, a despeito das condições apontadas pelas participantes enquanto
falavam de sua vida profissional, encontramos a predominância de falas relacionadas às
dimensões transformadoras da docência. Compreendemos que as professoras e as
coordenadoras vivem desafios profissionais cotidianos, no sentido freireano de correr o risco
e aceitar o novo, enquanto refletiam criticamente em nosso grupo de discussão. Foi nessa
ousadia da ação docente que as professoras e a coordenadora abordaram o tema das
interações no contexto escolar.
Apresentando maior quantidade de elementos limitadores, na categoria de
Interação entre/com as crianças, as participantes destacaram a manifestação da
agressividade na escola e a possibilidade de superá-la a partir do diálogo. Ao fazê-lo,
localizaram a agressividade na forma com que as crianças interagem entre si e com as pessoas
adultas da escola e reportaram-se ao ambiente familiar em que vivem as(os) estudantes da CA
Novo Mundo.
Entre as crianças, eu percebo que... As brincadeiras deles são muito
agressivas. Eles estão se batendo, mas estão brincando. Às vezes, alguém se
ofende e vem reclamar. Mas, na maioria das vezes, eles estão brincando.
Então, a relação deles, eu percebo que é um pouco agressiva. E às vezes,
isso vem pra gente também, n/é? Como se põem... Eu falo pra eles. Mas,
você vai percebendo que é o que eles vivem. É como eles se relacionam em
sua casa. Eles jogam tudo isso para a gente (P2).
150
De maneira geral, as participantes da investigação relacionaram a agressividade
entre as crianças a:
Outros espaços da vida;
Idade;
Falta de diálogo;
Inabilidade das pessoas adultas para tratar a situação.
Entretanto, quando observaram a sua prática cotidiana, os elementos
transformadores emergiram de nosso diálogo para apontar suas próprias formas de lidar com
essa agressividade “latente”. Um dos argumentos apresentou a dificuldade ao lado da
necessidade de intervenção nas situações de conflitos, convergindo dessa forma para as ideias
freireanas sobre a tensão entre autoridade e liberdade inerente à ação pedagógica
comprometida com a formação humana e a rejeição aos extremos do autoritarismo e da
licenciosidade.
Ao mesmo tempo, é perceptível o sentido de paciência impaciente com o qual
orientam sua prática cotidiana, conforme apresenta Freire, quando explica que
uma das qualidades mais urgentes que precisamos forjar em nós nos dias que
passam e sem a qual dificilmente podemos estar, de um lado, sequer mais ou
menos à altura do nosso tempo, de outro, compreender adolescentes e
jovens, é a capacidade crítica, jamais “sonolenta” sempre desperta à
inteligência do novo. Do inusitado que, embora às vezes nos espante e
incomode, até, não pode ser considerado, só por isso, um desvalor (FREIRE,
2000, p. 30).
Diante da proposta freireana, destacamos a argumentação apresentada por uma
das professoras convergindo para o mesmo sentido.
Daí, eu percebo assim. No começo, na primeira semana de aula, é uma
relação difícil. Depois, quando eles vão te conhecendo, dependendo de como
você devolve as agressões deles, as respostas também começam a mudar. A
série que eu peguei no ano passado, era difícil no começo e era difícil no
fim. Mas, era um difícil diferente. Porque algumas coisas foram mudando
na relação deles comigo (P2).
Portanto, compreendemos que, desafiadas cotidianamente em sua prática
docente, as participantes da pesquisa vão aprendendo a lidar com os conflitos que acontecem
na escola e, para isso, partem de seu compromisso com a educação das crianças que acolhem.
Eu acho assim... Que eles são frutos do que eles vivem. Então, eles vão sair
daqui frutos do que eles vivem, das vivências que eles têm. Então, às vezes,
algumas formas como eles tratam a gente... que para a gente é
desrespeitoso, para eles não é... Do jeito que eles fazem... que são tratados
em casa, do jeito que é no ambiente deles, não é. Então, também, às vezes, é
151
uma luta entre nós, entre o que nós acreditamos, nossas crenças, nossos
sentimentos... É uma luta entre nós... (C)
Assim, apesar das dificuldades cotidianas, as participantes destacaram os
elementos transformadores que consideram fundamentais em suas interações com as crianças
da escola:
A importância da relação constante para o estabelecimento da confiança entre as pessoas;
Os reflexos em outros espaços das interações estabelecidas na escola;
O estabelecimento de acordos entre as pessoas adultas e as crianças.
Contudo, enquanto registramos os argumentos dessas pessoas sobre as
condições de vida das crianças que frequentam a escola, também foi destacado que a presença
de familiares é decisiva para que a aprendizagem ali ocorra. Na categoria Interação entre
familiares e comunidades de aprendizagem, os diálogos revelam que essa participação
tende a ser muito difícil na CA Novo Mundo.
Eu costumo dizer que, se é bem maior, têm mais pessoas e mais problemas,
certo? Normal... Agora, a escola C e a escola D são escolas menores, o
bairro não é tão periférico. Então, a presença dos pais é diferente. A
participação das crianças é diferente, sim. Não existe questão que eles
aprendem mais rápido. Isso não! Não acho isso. Mas, a participação é
diferente. Os pais participam mais, sim. Mas, assim, até participam... Às
vezes, a escola nem faz tanto para essa participação. Participam por crença
deles mesmo. A gente... acho que aqui trabalha mais com eles a
participação dos pais do que nas outras. Nas outras, isso é mais natural.
Aqui a gente tem que trabalhar muito mais para que os pais venham para a
escola. Trabalhar, assim, com os pais mesmo. De fato, aqui, é muito mais
difícil. Nesse sentido, eu percebo diferença. Agora, a aprendizagem das
crianças... Acho que é é uma conseqüência da não participação dos pais.
Mas, dizer que eles têm alguma dificuldade, isso eu realmente, não acredito.
Nesse sentido, não! (C)
Em face dessa pequena participação, elas localizam a posição tradicionalmente
assumida pelas escolas em relação às classes populares, quando assinalam que, de maneira
geral, a presença da família é requisita apenas para apresentar reclamações sobre a criança.
Movimentando-se em sentido oposto ao dessa tradição, as participantes reconhecem o apoio
da proposta de Comunidades de Aprendizagem para a construção dos elementos que
consideram transformadores e que já acontecem na escola desde 2005.
Na perspectiva das participantes da investigação, a escola está avançando em
direção a uma maior participação dos familiares, considerada como favorável para a
aprendizagem das crianças e o convívio na escola. Uma das professoras explica o processo de
transformação que ocorre na CA Novo Mundo.
152
Então, eu acho que, como a gente tem feito várias tentativas para trazer os
pais para outras coisas, para que eles venham para palestras, no ano
passado tinha grupo de mulheres, cursinho. Não é mais: “que chato, eu
tenho que ir porque meu filho aprontou”. (...) “Que chato, meu filho
aprontou e eu tenho que ir à escola”. É claro que eles têm que ser
chamados, porque às vezes essas coisas acontecem. Mas, eu acho que tendo
mais reuniões como o grupo de mulheres... houve uma grande participação
no grupo de mulheres. Eu acho que... está mudando. O índice de
participação na escola tem melhorado. Mas, a gente tem muito ainda para
caminhar. Eu acho que do primeiro ano que eu estou aqui pra agora,
melhorou... Mas, acho que do primeiro ano que eu estou aqui para agora,
melhorou muito. Faz diferença. Faz muita diferença. Porque a gente
entendeu como é comunidades de aprendizagem. Faz o contrato de
aprendizagem. Então, acho que isso é mais recente. Até na conversa que a
gente teve na reunião de pais, eu pude ler o documento, depois eles
comentaram, concordaram com o que eu estava falando. Coisas assim que,
nessas reuniões, antes não tinha. Os pais chegavam, sentavam e diziam: “E
o meu filho?” Porque não se conversava sobre o que a gente poderia fazer
para melhorar. E nessa reunião, essas pessoas vieram e participaram. E é
bem bacana porque alguns dos pais que estão nessa turma são de meus
alunos há dois anos. Então, alguns pais... eu vejo a diferença nesses
mesmos pais dois anos atrás e agora. Como aquela mãe que ficava olhando
pra minha cara, tipo: “Ai, bom!!!” E levantava e ia embora. Nessa
reunião, ela parou, ela prestou atenção, ela interagiu, ela se envolveu, ela
percebeu... Então, para mim, eu disse: “que bom!”. Bom que agora elas
estão encarando a coisa, eu diria. Acho que não era porque era a Prof.
Nome que deu aula pra minha filha o ano passado. Não. É porque é a
escola que ela está percebendo que está conseguindo ajudar a filha dela.
(P2)
Portanto, a proposta de CA tem apoiado a escola para a aproximação com a
família, de maneira que a transformação já pode ser percebida pelas participantes do grupo de
discussão. Entretanto, conforme assinala Freire, as transformações não acontecem de maneira
imediata, pois a relação de confiança é construída gradativamente entre as pessoas a partir da
coerência entre o que dizem e o que falam.
Assim, o princípio de transformação também se faz presente no tocante às
interações entre as pessoas, quando as participantes da investigação apontaram que ainda é
preciso melhorar. Quando o fizeram, se remeteram à necessidade de um constante “educar-se
nas interações”, conforme assinala Freire.
A gente tem muito pra caminhar ainda. muita coisa prá melhorar,
inclusive as relações nossas com as crianças aqui dentro: entre professores,
entre professores e direção, funcionários... Tem várias coisas que ficam
meio truncadas, mesmo. Mas, eu acho que vai melhorando... Tem
melhorado muito também. (P2)
153
Assim, destacamos que, entre todas as categorias emergentes, a categoria
Interação entre pessoas adultas da escola e comunidades de aprendizagem foi a que
apresentou mais elementos transformadores:
aumento da aproximão e da participação dos familiares na escola;
aumento do envolvimento com a aprendizagem das crianças;
percepção dos familiares de que a escola está conseguindo ajudar as suas crianças;
vinda dos familiares à escola não tem sido apenas para escutar reclamações sobre a criança, mas
também para participar em outras atividades que lhe interessam;
compreensão sobre o funcionamento das comunidades de aprendizagem tem possibilitado
conversas com o sentido de melhorar a aprendizagem das crianças;
relação entre pais e pessoas da escola tem sido respeitosa;
compreensão de que há formas diferentes para que a comunicação ocorra;
a participação de familiares facilita as interações na escola.
Analisando esses elementos, podemos identificar o diálogo emergindo como
categoria central para a transformação na escola e das pessoas que ali se encontram,
evidenciando os princípios da aprendizagem dialógica: diálogo igualitário, inteligência
cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, solidariedade, igualdade
de diferenças e emocionalidade/corporeidade. Em todos os argumentos, observamos o esforço
de se pautar no entendimento em torno de uma ação coletiva que possibilite a aprendizagem
máxima das crianças que freqüentam a escola e supere as condições interpostas na consecução
dessa proposta, entre os quais o tempo das reuniões, apontado como elemento limitador
sistêmico para estabelecimento dos acordos na instituição. Uma das participantes sintetiza
esse esforço comum:
A relação entre as pessoas não é algo simples, n/é? Não é algo simples. É
algo difícil de ser feito, n/é? É algo que você tem de buscar todos os dias.
Todos os dias a gente tem que refletir. Todo o dia, a gente tem que ser
paciente e respeitar, mesmo, o tempo todo. Porque eu acho que é algo que
não é tão simples assim, n/é? É uma postura que a gente tem. É uma
postura que a gente tem que ter... Comunidades de Aprendizagem ajuda a
gente bastante nisso, da gente estudar, da gente entender aquela concepção
e trazer realmente para a nossa vida. Principalmente em momentos de
pressão, em momentos em que as coisas saem da rotina, então é o momento
em que a gente está mais tensa, então as coisas escapam do nosso controle.
Então, nesse momento, a gente tem que tentar ao máximo ser coerente com o
que eu estou estudando. Senão, não vale à pena a gente estudar. Não vale
a pena também. Por que eu vou ler uma coisa e fazer uma coisa
completamente diferente, n/é? Mas, eu vejo que não é algo fácil... Não estou
dizendo que seja uma coisa impossível. Mas, não é fácil. É prazeroso, mas
não é fácil. É difícil. Porque, todo dia fazendo aquela busca. Todo dia é
uma busca constante... Às vezes, as outras pessoas ainda não acreditam.
Mas, você tem que respeitar o que o outro está dizendo. Mas, eu vejo que é
necessário, é importante. Porque sozinho, a gente não consegue (...). (C)
154
Dessa forma, observamos que essas pessoas reconheceram que o movimento
em direção à mudança foi desencadeado, mas que é necessário continuar para que a escola
alcance os ideais de formação humana que propõe para suas(seus) estudantes. Assim, são
elencados elementos fundamentais que indicam a consolidação do processo de transformação
pela CA Novo Mundo e por suas(seus) participantes:
Mudanças na postura profissional a partir do envolvimento com a proposta de comunidades de
aprendizagem;
Melhoria da prática profissional na escola com o compartilhamento de experiências e de
conhecimentos entre o professorado;
Presença de outras pessoas de fora da escola contribui para reflexão sobre a prática;
Estudos propostos em comunidades de aprendizagem contribuem para a vida pessoal e
profissional;
Busca da coerência entre ações e palavras contribuem em momentos de tensão;
Impossibilidade de mudanças coletivas a partir de ações individuais.
Enfim, percebemos o quão desafiadora é a prática docente e o quanto as
participantes do grupo de discussão refletem sobre sua presença na escola a partir de uma
prática comunitária que a possibilite, esforçando-se para buscar a coerência entre as palavras
e as ações na esperança de concretizar transformações pessoais e na realidade em que atuam.
Quando o fazem, reconhecem a importância de que outras pessoas participem no espaço, não
para assumir o compromisso que é específico da docência, mas para levar ideias e
experiências geradas em outros ambientes de aprendizagem no sentido relacionado ao
princípio da solidariedade. Nessa consideração, foi abordada a categoria Projeto Roda com
Arte que, na perspectiva das professoras e da coordenadora, revelou elementos
transformadores, sinalizando para a consolidação da atividade na escola desde suas
contribuições.
Eu acho que o projeto Roda com Arte traz coisas diferentes e chamava a
atenção das crianças. Você via que outros tinham interesse, mas não
puderam participar porque estavam em outros projetos. Tinha até a
estudante A, que ouvia a Rafaela que às vezes vinha e contava o que tinha
feito. A estudante A ficou encantada e pedia que eu fizesse aqui na sala,
com todo o mundo. Daí, eu explicava que tinha toda uma proposta, tem
leituras sobre os pintores, é além de fazer a atividade... Mas, ela dizia
que não podia vir e tal... Porque ela tinha outro projeto. É o diferente, é
uma beleza na arte que eles não percebem no cotidiano deles. Até por conta
das pessoas na vida real deles, eles não têm esse contato. Então, eu vi como
era especial esse contato, e que era muito importante. Eu acho que fez
muito bem pra Ma. Ela era muito dependente, carente demais... Eu via que
ela se tornava mais independente. Então, ela podia fazer as tarefas... Ela
mesma trazia o que fazia. Quando ela trazia uma coisa tão diferente pra
sala, isso fazia com que ela se sentisse importante. E não era uma coisa que
a professora tinha ajudado ela fazer. Ela sabia fazer. Daí, ela começou a
se soltar e a interagir com as pessoas. Eu achei muito bacana, isso, n/é?
155
Eu percebi muito na Ma, porque ela que participou mais vezes. Foi muito
bacana mesmo o quanto que aquele conhecimento diferente fez com que ela
se valorizasse e foi sentindo que ela podia dar conta. Foi muito bacana ver
ela assim no projeto!(P2)
Ao destacarem a dimensão transformadora das atividades, percebemos que as
participantes se referiram aos mesmos princípios teóricos com os quais nos apoiamos para
esse trabalho de investigação, no tocante à integração das dimensões cognitivas e afetivas
para o desenvolvimento histórico-cultural e às contribuições da arte como oportunidade de
aprendizagem e de expressão. Ademais, as participantes adultas da investigação assinalam a
importância de as crianças estabelecerem interações com outras pessoas que vem para a
escola para atuar como voluntários, conforme sintetizado abaixo:
Participação crescente de estudantes na atividade;
Despertar da atenção das crianças para conhecimentos diferentes;
Despertar do interesse das outras crianças a partir dos comentários de participantes;
Importância da arte como conhecimento específico, mas também articulado com outros
conhecimentos;
Contribuições da participação nesse espaço para a autoestima e a autoconfiança das crianças;
Arte como expressão de sentimentos, de valores e de ideias;
Articulação entre autoestima e aprendizagem.
Quando as participantes se referem à participação das crianças de sua sala nas
atividades, convergem para a ideia de articular ética e estética, conforme a proposta freireana
de “decência e boniteza de mãos dadas” nas práticas educativas (FREIRE, 2007, p. 32). Esses
elementos estão relacionados sobremaneira aos princípios da emocionalidade/corporeidade,
dimensão instrumental, criação de sentido, transformação e igualdade de diferenças, em
consonância com o conceito de aprendizagem dialógica.
Ao mesmo tempo, revelam que as crianças que vieram ao Projeto Roda com
Arte percorrem os mesmos passos apresentados por Flecha (2007) quando elabora o princípio
da inteligência cultural a partir da atividade de tertúlia literária dialógica. Para o autor, a
inteligência cultural acontece desde três passos fundamentais: a autoconfiança interativa, a
transferência cultural e a criatividade dialógica (FLECHA, 1997, p. 20-27). Segundo Flecha
(1997), “todas as pessoas têm as mesmas capacidades para participar em um diálogo
igualitário, ainda que cada uma possa demonstrá-la em ambientes distintos” (FLECHA, 1997,
p.20). Portanto, ratificamos as considerações desse autor sobre a possibilidade de propor o
conceito de aprendizagem dialógica como eixo articulador nos múltiplos espaços em que
ocorrem as interações humanas e entre diferentes pessoas.
156
No entanto, ao se referirem à categoria Arte na sala de aula, as perspectivas
das pessoas da escola que participaram da investigação convergem com as dificuldades
apontadas pelos estudos desenvolvidos no campo. Nesse sentido, identificamos três elementos
limitadores:
Prioridade da escrita e da matemática sobre a linguagem artística;
Reprodução da concepção de arte vivenciada em sua própria escolaridade;
Formação profissional não enfatiza o ensino da arte.
Diante da potencialidade de trabalhar com arte na escola e do reconhecimento
das limitações para que isso aconteça, uma das participantes indica a necessidade de buscar
novos conhecimentos para que isso aconteça, entre as recomendações e as indicações para
melhoria das interações na escola e das ações elaboradas e concretizadas por meio da
realização do Projeto Roda com Arte. Assim, apresentamos a seguir o quadro 9, sintetizando
as recomendações explícitas e as implícitas levantadas nesse grupo de discussão.
Quadro 9 - Recomendações/ indicações de pessoas adultas para melhorias
EXPLÍCITAS
- Mas, eu acho que tendo mais reuniões como o grupo de mulheres... (P2)
- Prá mim, no meu ponto de vista, o que é preciso fazer para conseguir essa mudança é conhecer
melhor o projeto de Comunidades de Aprendizagem. Faz muita diferença. (P2)
- Mas, eu vejo também que eles entendem arte como manipular materiais, técnicas, mexer com
massinha, essas coisas... Manipular materiais... Então, eu acho que se você conseguir juntar seu
objetivo com isso, prá eles vai ser interessante. Porque eles perguntam: “vai ser hoje a atividade de
artes?” Como ouvi na sala da professora, de manhã... Porque eles entendem arte nesse sentido.
Então, se a gente também conseguir trabalhar com eles essa evolução... p’ra eles entenderem arte com
um outro sentido também, mas partindo do que eles já conhecem prá ir crescendo, n/é? Porque, talvez
a gente traga muitas coisas novas, muito longe da expectativa deles, talvez eles desanimem, n/é? Mas,
se a gente conseguir trabalhar os dois sentidos em um só caminho, acho que dá prá fazer muito... (C)
- O que eu gostaria que tivesse aqui é uma tertúlia de artes com adultos. De repente, uma tertúlia de
artes em um momento com as professoras... Em HTP... ( P2)
IMPLÍCITAS
Superar dificuldades com a agressividade manifestada pelas crianças;
Dialogar mais dentro da escola;
Conhecer mais a proposta de comunidades de aprendizagem (professorado);
Promover maior participação dos familiares na escola para aumentar a aprendizagem
das crianças;
Buscar formas de resgatar a auto-estima das crianças para superação das dificuldades
provenientes das questões culturais, econômicas e sociais;
Ter um tempo maior para as trocas necessárias entre o professorado;
Ter maior formação para o ensino da arte em sala de aula;
Possibilitar novos conhecimentos com as crianças através da linguagem artística.
157
Como recomendações explícitas, transcrevemos as falas argumentativas que
destacam a necessidade de:
Buscar mais oportunidades de interação com familiares;
Aprofundar o estudo nas teorias que embasam a proposta de CA;
Articular os interesses das crianças e os objetivos de aprendizagem do Projeto Roda com Arte;
Vivenciar práticas que partam da base teórica a ela relacionada.
Em relação às recomendações implícitas, foram elencadas a partir da análise
intersubjetiva de todos os elementos apontados como limitadores.
No tocante aos processos educativos propostos em comunidades de
aprendizagem, destacamos as recomendações relacionadas ao cuidado com as novas propostas
de atividades as quais, inicialmente, devem corresponder às expectativas das(os) estudantes,
dos familiares e das pessoas da escola, mas que nelas não se encerre pois, dessa forma,
permanece o risco de distanciamento dos conteúdos que consideramos fundamentais ao Ser
Mais, como os relacionados às comunidades de aprendizagem e às obras artísticas. Assim,
encontramos a advertência proposta por Freire, diante do equívoco inerente ao conceito de
extensão e da ideia de que o de comunicação seja mais adequado para permitir um “vasto,
profundo e intenso trabalho cultural” (FREIRE, 2006, p. 62).
Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que
pouco sabem _ por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber
mais _ em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem,
para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que
pouco sabem, possam igualmente saber mais (FREIRE, 2006, p. 25).
A partir da metodologia utilizada, entendemos a importância de identificar as
recomendações que emergiram de nosso pensar crítico no diálogo com algumas pessoas
adultas da escola. Daí podem ser traçados os encaminhamentos para as ações necessárias às
transformações na realidade escolar. Enfim, ao analisarmos os resultados de nossas ações
educativas e investigativas com as participantes crianças e adultas da investigação,
compreendemos as dimensões políticas e pedagógicas relacionadas à ação docente.
158
Capítulo 5
À GUISA DE CONCLUSÃO: LIMITAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES
“Sabem por que que eu pinto tanto menino em
gangorra e balanço?
Para botá-los no ar, feito anjos”.
(Cândido Portinari – 1903-1962).
Quando nos aproximamos da complexa realidade escolar, um dos aspectos que
mais se destaca é a interação que ali se processa em múltiplas direções: entre estudantes que
ali estudam, professoras(es) e outras pessoas que ali trabalham, familiares que para se
dirigem. É incontestável que a escola é local de encontro entre diferentes pessoas, permitindo
o entrelaçamento de gerações, gêneros, classes sociais, etnias e conhecimentos. Essa
diversidade se acentua no momento atual, em que o ensino escolar é assegurado e obrigatório
a todas as crianças.
É possível encontrar a educação escolar afirmada como direito e dever, desde a
perspectiva global em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
acaba de completar 60 anos no final de 2008
94
, até a especificidade brasileira em formas
legais, como a Constituição Brasileira de 1988
95
, a Lei 8.069/1990, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente
96
, e a Lei 9.394/96 sobre as diretrizes e bases da
educação brasileira
97
. Nesses documentos, a escola está identificada como uma das
instituições responsáveis pela formação das novas gerações, ao lado da família, da
comunidade e da sociedade em geral.
Ao mesmo tempo, os documentos também estabelecem direções para uma
instrução escolar que promova o desenvolvimento pleno das pessoas ao lado da inserção
social, trazendo um sentido de vida coletiva pautada no respeito aos direitos e às liberdades
fundamentais de outras pessoas e grupos. Enfim, a escola atual é formalmente reconhecida
94
O direito à instrução pode ser encontrado no Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada
na Assembléia Geral das Nações Unidas em 10/12/1949.
95
A educação pode ser encontrada entre os direitos sociais assegurados no capítulo II, artigo da Constituição
da República Federativa do Brasil.
96
O direito da criança à educação e a forma de garantir o exercício desse direito se encontram destacados entre
os Art. 53 e Art. 58 da Lei 8.069/90.
97
O direito ao nível fundamental da educação escolar está assegurado às crianças, a partir dos seis anos de idade,
nos Art. 4º a da Lei 9.394/96. Entre a idade de zero e seis anos, também está assegurado o direito ao
atendimento gratuito em creches e pré-escolas.
159
em sua função formativa, devendo estendê-la, idealmente, a todas e todos, de maneira que são
explícitos os propósitos de igualdade e justiça presentes na sociedade atual.
Ao promovermos reflexões sobre as práticas educativas no contexto escolar,
consideramos que a relação entre formação e cidadania não é linear, tampouco se concretiza
por imposição legal. Esse incômodo se acentua sobremaneira, quando se compartilha da ideia
sobre educação como formação humana, como a proposta por Paulo Freire (1921-1997). Para
esse educador, a natureza ética da prática educativa é central, pois se trata de uma prática
especificamente humana. Diante do complexo cenário com o qual se deparam educadoras e
educadores, Freire adverte que “a transgressão dos princípios éticos é uma possibilidade mas
não é uma virtude” (FREIRE, 2007, p. 17). Portanto, a vida em um contexto de exposição aos
riscos decorrentes da transgressão da ética também pode impulsionar para a compreensão das
raízes de tais situações.
A partir dessa consideração, entendemos que a ética se concretiza a partir das
ações humanas, afirmando a necessidade de caminharmos para além de sua compreensão,
articulando as propostas orientadas para essa direção às práticas desenvolvidas nas
instituições escolares. Assim, posicionamo-nos em favor de uma educação escolar que não
prescinda da ética como dimensão do ensino, mas que a identifique como ponto de partida
para a busca por caminhos que favoreçam a formação humana junto aos coletivos envolvidos.
A partir dos diferentes procedimentos metodológicos, pudemos nos acercar da
realidade investigada sob diferentes perspectivas: das crianças, das professoras e de uma das
coordenadoras pedagógicas. Nossa investigação se iniciara a partir de uma busca comum por
uma melhor aprendizagem das crianças da escola e vinha possibilitando que nos
encontrássemos para dialogar e construirmos de maneira coletiva o Projeto Roda Com Arte.
Desde nosso enfoque mais amplo no campo didático-pedagógico,
contemplávamos as interações no contexto escolar como tema de fundo para nossa
investigação. Mas, à medida que estreitamos o nosso olhar conjunto sobre as ações em
comunidades de aprendizagem em torno do Projeto Roda com Arte e das suas contribuições
para a aprendizagem escolar, nos aproximamos do objeto da investigação de maneira
metódica e compartilhamos nossas ações e nossas reflexões, para compreender melhor a
realidade social em que nos encontrávamos. Assim, íamos “teorizando” o contexto concreto
da CA Novo Mundo no sentido proposto por Freire, a partir da articulação entre teoria e
prática como dimensões inseparáveis entre si.
160
Recorremos à Falkembach (2008) para compreender o binômio Texto/contexto
na abordagem freireana.
Processos educativos, que se pretendem críticos, agregam texto e contexto.
Vivem radicalmente o ato cognoscente quando convocam os sujeitos–
educandos/educadores e educadores/educandos _ não apenas a se darem
conta de um objeto de conhecimento “no contexto real onde se ”, mas a
experimentarem uma inserção sobre ele, o que os leva a criação-ação-
transformação (FALKEMBACH, 2008, p. 409).
Concordamos com essa autora, enfatizando que a aproximação do tema de
investigação iniciou-se desde nossas inquietações pessoais, mas o problema a elas articulado
foi percebido-destacado no diálogo comprometido com as/os participantes da escola.
Assumimos o compromisso com a radicalização proposta por Freire, a partir do entendimento
de que as dimensões do problema sobre o qual nos debruçamos não poderiam e não deveriam
ser enfrentadas, discutidas e superadas fora da realidade escolar (FREIRE, 2002a, p. 206).
Para viabilizar tal compreensão de maneira articulada ao referencial teórico-metodológico
adotado para este trabalho, nos propomos a romper com o desnível epistemológico geralmente
presente nas produções acadêmicas, por meio da metodologia comunicativa crítica.
Nesse sentido, as contribuições teóricas examinadas foram decisivas para que
nos aproximássemos do objeto de investigação não apenas para compreendê-lo, mas para
transformá-lo com as pessoas do contexto escolar. Enfim, em nossas pretensões de
investigação, buscamos a coerência entre nossas palavras e ações para partirmos em busca de
resultados que emergissem da racionalidade comunicativa, acreditando que, dessa forma,
abordaríamos o objeto investigado de maneira mais ampla e próxima da realidade, firmando o
compromisso cada vez mais rigoroso no tocante à produção de conhecimentos demandada
pela sociedade da informação.
Por certo, sabemos que a rigorosidade deve perpassar todo o trabalho científico
para que se reverta em melhorias para a sociedade e, neste caso, para o campo da educação.
Nesse entendimento, assinalamos que a ética e a seriedade do compromisso selado no curso
de mestrado foram compartilhadas com o coletivo que participou desta investigação. Daí, a
consideração das pessoas desse coletivo, como sujeitos que conosco construíram este trabalho
e, direta ou indiretamente, validaram os resultados obtidos ao seu final, a partir da
intersubjetividade e da reflexão, possibilitando o aprofundamento analítico e a produção de
conhecimentos articulados à realidade escolar.
Como pessoas adultas, às vezes nos deixamos levar pelas práticas que
adotamos mecanicamente em nosso cotidiano, não ousando responder de maneira diferente
161
aos desafios que a vida nos propõe. Todavia, quando o fazemos, é inegável o prazer vinculado
ao exercício da procura, à alegria da descoberta e à riqueza das novas aprendizagens. É como
se, nesses momentos, voltássemos à nossa própria infância, ao período inicial de nossa
existência em que olhávamos curiosamente para o mundo ao redor e ingenuamente
perguntássemos sobre o que viesse à nossa mente, sem medo ou vergonha. A sensação era a
de flutuarmos em torno do planeta, como anjos capazes de realizar mágicas façanhas para
deixá-lo mais bonito, colorido e alegre.
Foi com a pretensão de realizar nossos sonhos de humanidade que nos
lançamos algum tempo para a busca de novas respostas às inquietações relacionadas aos
conflitos intersubjetivos no espaço pedagógico, fertilizando o solo para que esta investigação
germinasse e crescesse em torno da questão: o projeto Roda com arte é favorável à
concretização da aprendizagem dialógica em comunidades de aprendizagem?
Prestes a finalizar este trecho de nossa caminhada, percorrida entre a
curiosidade ingênua e a crítica, virando epistemológica
98
, retomamos os elementos que
emergiram de nossos pensamentos e de nossos sentimentos, desembocando em reflexões e
aprendizagens sobre as interações no contexto escolar enquanto buscávamos compreender os
processos educativos que se manifestam em atividades de reflexão em torno de obras
artísticas na perspectiva da aprendizagem dialógica
Enquanto traçávamos os capítulos deste trabalho, examinamos a amplitude dos
processos educativos desde suas remotas origens, buscando em historiadores e filósofos a
compreensão sobre o entrelaçamento das gerações humanas e sobre a importância dos
processos educativos para preservar e para renovar os conhecimentos produzidos na história e
na cultura. Desde o início de nosso trabalho, identificamos a presença da diversidade humana
enquanto homens e mulheres se transformam e transformam a realidade circundante em uma
contínua busca de sua humanização.
Ao mesmo tempo, consideramos que a aprendizagem acontece nas interações
humanas e que o processo de escolarização é amplamente reconhecido para a inserção na
realidade atual. Assim, partimos do reconhecimento da criança enquanto ser em formação,
que precisa ser amparado e cuidado de maneira a contribuir para a preservação cultural e a
continuidade da vida humana nos diferentes espaços e nas formas em que ela se constitui.
Entretanto, ao observarmos os resultados escolares, vimos que as disposições
nem sempre são satisfeitas de maneira equânime. Alguns grupos são mais favorecidos pelos
98
Trecho extraído de Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2007, p. 14)
162
objetivos formativos propostos pelos sistemas de ensino escolar, a despeito das tendências
modernas para a sua ampliação. Diante das dificuldades interpostas ao ensino escolar,
voltamos nosso foco para as dificuldades das instituições que acolhem a maioria das crianças
brasileiras, em uma época em que a escolarização é obrigatória como um direito subjetivo.
Nossa participação em uma escola nos anos que antecederam a investigação
nos permitiu a aproximação do contexto investigado e de seus participantes, de uma maneira
gradativamente cimentada em nossa relação de confiança por reflexões e aprendizagens
compartilhadas com os sujeitos daquele coletivo.
No primeiro capítulo deste trabalho, trouxemos algumas denúncias
relacionadas à interação entre pessoas adultas e crianças e à escola brasileira, mas procuramos
anunciar a possibilidade do processo de humanização ocorrer no espaço público. Para isso,
buscamos as contribuições de autoras e autores comprometidos com ações de transformação
social que poderiam embasar nossas intenções sem nos afastar do sério compromisso com os
objetivos desta investigação.
Dessa forma, recorremos às contribuições das áreas de conhecimento que
apoiam a ação educativa, como a sociologia e a psicologia. Partimos da compreensão de
materialismo dialético proposta por Marx e Engels para compreender as ações sociais e as
relações intersubjetivas estabelecidas ao longo da história humana. Encontramos
contribuições fundamentais para a compreensão sobre a movimentação histórica e as
contradições nela geradas por pessoas e grupos que se relacionam para produzir a própria
existência por meio da cultura. Enfim, entre os processos humanos, localizamos a educação
em um movimento tenso e contraditório também marcado pela ideologia.
Seguimos para as contribuições da psicologia soviética apresentada por
Vygotski e por seus discípulos, em consideração à leitura marxista que apoia a compreensão
de constituição de sujeito em meio à história e a cultura. Nesse entendimento, o
desenvolvimento das capacidades psicológicas humanas é desencadeado ao longo dos
processos de aprendizagem, enquanto homens e mulheres se relacionam entre si e com o meio
em que vivem, constituindo um movimento cíclico e complexo. Entre as contribuições da
perspectiva histórico-cultural, compreendemos as intensas atividades interna e externa pelas
quais os seres humanos constituem sua consciência e nos remetemos à importância de
organizarmos espaços de interação social para favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento
humano e possibilitar suas repercussões em formas superiores de inteligência e de ação
humana, em âmbitos individuais e coletivos.
163
Tal demanda se faz necessária em face da sociedade em que vivemos,
caracterizada por aceleradas transformações e pela rápida e ampla circulação de informação.
Nesse contexto, a escolarização condiciona ainda mais o processo de geração e de seleção de
dados que, sistematizados e refletidos, podem possibilitar ações que transformem criticamente
a vida humana. Apoiando-nos nas descrições de Habermas sobre a sociedade atual,
compreendemos que todos os sujeitos são capazes de linguagem e de ação e, portanto, podem
intervir sobre a realidade em que vivem, desde sua racionalidade comunicativa. Enfim, se as
pessoas criam os sistemas que condicionam sua própria vida também podem transformá-los,
se submeterem suas pretensões de validade à crítica orientada pelo entendimento coletivo
sobre os problemas que enfrentam, desde suas perspectivas diferenciadas de compreensão.
Finalizamos o primeiro capítulo, destacando o diálogo intersubjetivo como
eixo obrigatório de intersubjetividade em uma perspectiva de humanização. Reportamo-nos a
Paulo Freire e a sua ampla compreensão sobre os processos de educação e de constituição da
consciência humana, em que sujeito e mundo não são entidades separadas e estáticas, mas se
relacionam em um movimento existencial orientado para Ser Mais. Para o educador, a
educação é prática humana não neutra, pois, orientada para uma direção, supõe a escolha e o
compromisso em relação ao posicionamento assumido. Com isso, o aprender e o ensinar
acontecem no movimento incessante e dialético da cultura, rejeitando-se a compreensão de
que uma pessoa educa ou conscientiza a outra, mas considerando-se que ambas se educam
permanentemente enquanto se conscientizam a partir do esforço de buscar a coerência entre
palavras e ações.
Iniciamos o segundo capítulo, apresentando Comunidades de Aprendizagem
como uma proposta teórico-metodológica de escolas que buscam a coerência entre suas
palavras e suas ações em torno da radicalização da idéia democrática de promover uma
aprendizagem de máxima qualidade para todas as pessoas. Essa proposta é uma das
experiências bem sucedidas de transformação de escolas diante dos desafios da atualidade e
das desigualdades educativas que terminam por deixar milhões de pessoas à margem das
conquistas humanas relacionadas ao conhecimento socialmente produzido. Assim,
consideramos que a realização de nossa investigação em uma comunidade de aprendizagem
requereu a coerência com os princípios em torno dos quais se organiza e que compõem o
conceito de aprendizagem dialógica, desenvolvido pelo CREA/ES com base nas contribuições
fundamentais de Habermas e Freire, entre outras.
164
Enfim, consideramos a articulação entre a idéia de ampliar os espaços de
diálogo e de aprendizagem para as crianças da escola e a proposta de desenvolver atividades
em torno de obras artísticas para atender um dos sonhos manifestados por crianças e
familiares da escola. Em torno do conceito de aprendizagem dialógica, foi elaborado e
concretizado o Projeto Roda com Arte, a partir da escuta e do diálogo sobre os anseios de
aprendizagem daquela comunidade e de nosso compromisso mútuo com a formação de suas
crianças.
Partimos em busca de nosso aprofundamento sobre os conteúdos demandados,
de maneira a possibilitar a coerência de nossas ações educativas e os princípios teórico-
metodológicos em que apoiamos nosso trabalho conjunto. Finalizamos o segundo capítulo
com a convicção de que, a partir de um planejamento cuidadoso do ensino de seus conteúdos,
a Arte pode contribuir para avanços na aprendizagem das crianças daquela escola, além de
favorecer as interações que acontecem naquele contexto.
No terceiro capítulo, apresentamos a metodologia comunicativa crítica como
nossa opção comprometida com o estabelecimento de diálogos necessários à nossa
investigação e à transformação do coletivo em que nos encontrávamos. Desenvolvida por
investigadoras e investigadores do CREA/ES, adotamos a metodologia pela sua relação com
os fundamentos teóricos em que nos apoiamos e, particularmente, pelas suas categorias
fundamentais de intersubjetividade e de reflexão. Tendo por base a busca pela coerência entre
nossas palavras e ações, relatamos a proposta de articulação entre a teoria e a prática como um
produto gerado coletivamente para superar os desafios das situações comunicativas e das
investigações científicas.
No quarto capítulo, os procedimentos metodológicos com orientação
comunicativa nos possibilitaram a organização e a análise dos dados sob a perspectiva de seus
sujeitos e das reflexões elaboradas na situação de diálogo promovida com enfoque
investigativo. Neste capítulo, evidenciamos as contribuições dos processos educativos
configurados em torno de obras artísticas na perspectiva da aprendizagem dialógica.
A partir de informações coletadas nas elaborações teóricas no campo da
didática e do ensino dos conteúdos da Arte, foi possível promover seu encontro com as
atividades em torno de obras artísticas, a despeito de não termos formação específica na área e
nem determos o domínio técnico sobre as habilidades de desenho, pintura e escultura. Para
tanto, consideramos que foi fundamental o compromisso com o ensino escolar,
compartilhado no e com o contexto.
165
Foram evidenciados importantes elementos, como a capacidade de
aprendizagem das crianças de classes populares a partir do trabalho interdisciplinar com os
conteúdos escolares e o envolvimento dos conhecimentos e das experiências provenientes de
dentro e de fora do contexto escolar; a potencialidade das obras artísticas e do uso da
imaginação para o ensino e o reforço das aprendizagens escolares e sociais e para a expressão
de pensamentos e sentimentos; e a necessidade de formação permanente do professorado em
teorias e práticas que permitam a atualização de conhecimentos e um ensino comprometido
com as transformações sociais.
Pudemos confirmar a aplicabilidade do Projeto Roda com Arte, a partir dos
desdobramentos do trabalho fora do espaço de investigação. Outras pessoas do NIASE
assumiram a condução das atividades, a partir de nossa proposta e de nosso acompanhamento
revelando suas potencialidades para a aprendizagem dos conteúdos escolares e de outros
conteúdos. Os princípios da aprendizagem dialógica foram reconhecidos pelas pessoas da
escola e do grupo, de maneira que as atividades em torno de obras artísticas passaram a ser
conhecidas como “Tertúlia Dialógica de Artes”, guardando, dessa forma, a inspiração na
“Tertúlia Literária Dialógica”.
As pessoas da escola, inclusive de outras comunidades, se interessaram em
realizar as atividades dentro da sala de aula, buscando formas para superar as lacunas na
formação profissional. Nesse sentido, começamos a incluir a proposta na formação
permanente que vem acontecendo no espaço da ACIEPE e nos espaços abertos pelas
comunidades de aprendizagem.
Portanto, as relevâncias se fazem notórias em relação à proposta de
Comunidades de Aprendizagem, mas também revelam elementos teórico-metodológicos para
o trabalho com crianças das séries iniciais do ensino fundamental, contribuindo para a
interação entre pessoas adultas e crianças que conduziu o pensamento orientador para este
trabalho e para a concretização de práticas apoiadas na perspectiva histórico-cultural.
Também pudemos contribuir para ampliar a compreensão sobre a metodologia comunicativa
crítica, a partir de nossa aproximação do contexto de maneira coerente com os pressupostos
teóricos com os quais trabalhamos.
Dessa forma, vimos que as estruturas não são decisivas para que ocorram as
transformações desejadas no campo educacional, pois seu favorecimento se relaciona
sobremaneira aos posicionamentos dos sujeitos diante delas. Compreendemos que a busca de
situações ideais de comunicação são favoráveis para minimizar os conflitos que se interpõem
166
nas interações estabelecidas no contexto escolar. Mas, a despeito de que o tempo para a
transformação das estruturas seja maior do que desejamos, nossa investigação aponta para a
importância das gradativas consolidações sistêmicas e cotidianas serem entrelaçadas aos
posicionamentos subjetivos, o que pudemos perceber no constante esforço para educar-se por
meio da intersubjetividade e da reflexão.
Pessoalmente, levamos a aprendizagem fundamental de que a confiança
intersubjetiva se aprofunda com o passar do tempo e permite as reflexões que emanam do
diálogo e do compromisso com a aprendizagem coletiva. Ao pensarmos nas crianças que
vivem sua infância em uma realidade tão controvertida e desigual, renovamos nosso
compromisso com sua formação, a partir de nossa responsabilidade com as informações que
produzimos.
Para essa compreensão, remetemo-nos à análise do termo in-form-ação
(CUNHA, 2007, p. 436). Apoiando-nos em seu sentido etimológico e em sua relação com a
compreensão subjetiva, entendemos informação como o movimento de formas da
exterioridade para a interioridade. Mas, conforme vimos, esse movimento não se esgota na
subjetividade, de maneira que as informações retornam à realidade, modificadas por meio dos
processos subjetivos em forma de conhecimentos.
Assim, diante de seres que se encontram no início de sua formação e se
preparam para a inserção social, destacamos os processos educativos que propõem a reflexão
e o posicionamento crítico como elementos fundamentais para a consciência sobre a realidade
em que vivemos. Ademais, enfatizamos a articulação entre pensamentos e sentimentos
apresentada pela perspectiva histórico-cultural sobre a constituição das funções psicológicas
humanas, cuja manifestação também é revelada na apuração do senso estético que leva à
produção de obras artísticas em meio às diferentes culturas.
Em suma, aprendemos, ensinamos e criamos enquanto dialogamos com
Gabriela, Rafaela e Miguel em torno de obras artísticas. Daí, a relevância de estimularmos
outras crianças ao uso da imaginação e, com elas, exercitarmos nossa capacidade de sonhar,
muitas vezes submergida entre as asperezas de nosso cotidiano. Pois, ao partirem de nossa
humanidade, os sonhos podem ser tomados coletivamente em nossas mãos para nos
orientarem a processos mais elaborados na construção da história humana.
Portanto, com este trabalho, convidamos as pessoas adultas para se lançarem
ao ar com as crianças, quando sonham com um mundo mais bonito, colorido e alegre! Como
167
alguns e algumas de s pudemos fazer em nossas infâncias... Como sonhou Portinari, ao
colocar seus meninos em balanços, conforme a epígrafe que ilumina o começo deste capítulo.
168
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APÊNDICE I: AS INTERAÇÕES NO CONTEXTO ESCOLAR
178
Ao pintor Pablo Picasso (1881-1973), atribui-se a afirmação: “antes eu
desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como
as crianças”. Iniciamos nossos estudos sobre as interações no contexto escolar, destacando as
crianças como Picasso teria feito. Centralmente, elas vêm ocupando o espaço da escola e,
como na proposta deste trabalho, também podem ser nossas parceiras na busca da produção
de novos conhecimentos.
Na sociedade em que vivemos, chamamos de crianças as pessoas que
compõem as jovens gerações humanas e que interagem entre si e com as pessoas mais antigas,
permitindo indagações como as que se seguem: como interagem, em um mesmo momento
histórico, pessoas que vivem épocas diferenciadas no tocante à sua história pessoal? Existem
particularidades nesses seres recém-chegados à existência humana, que demandam atenções
específicas por parte das gerações mais antigas? Enfim, parafraseando Picasso, perguntamos:
o que se ensina e o que se aprende nas interações entre pessoas adultas e crianças?
Indagações como essas nos colocam diante de muitos caminhos construídos ao
longo da história humana para a sua compreensão. Tamanha complexidade pode demandar
estudos com diferentes enfoques e a partir de diferentes áreas de conhecimento, trazendo-nos
a impossibilidade de seu esgotamento em um trabalho como este. Entretanto, mesmo
descartando tal pretensão, consideramos que o objeto e os objetivos desta investigação não
prescindem da necessidade de um rápido olhar sobre a histórica interação entre pessoas
adultas e crianças, bem como sobre algumas das propostas que se debruçaram sobre essa
compreensão, pois, aí, se concretizam os processos educativos aqui examinados.
1. Em busca de raízes históricas: o entrelaçamento das gerações
Em um rápido exame sobre a história humana, se torna evidente a marca
social que a acompanha, desde as mais remotas civilizações. Da mesma forma, parece-nos
correto afirmar que as novas gerações humanas prosperam por meio de outras gerações que as
acolhem, desde seus primeiros momentos de vida. Apoiando-nos na perspectiva da educação
apresentada por Cambi (1999) e por Manacorda (2002), procuramos caracterizar alguns
desses momentos distantes, buscando compreender a relação que o ser humano estabelece
com a natureza circundante, em uma tensão transitória entre a fragilidade biológica e a
participação em grupos, entre o meio natural e o meio social.
179
Cambi (1999) explica que o hominídeo desce à terra a partir da aquisição da
posição ereta, que lhe permite olhar a natureza sob uma perspectiva de controle, e liberar suas
mãos para se converterem em um instrumento fundamental de múltiplo uso. O autor descreve
o Homo sapiens com características já atuais:
(...) possui a linguagem, elabora múltiplas técnicas, educa os seus filhotes,
vive da caça, é nômade, é artista (de uma arte naturalista e animalista), está
impregnado de cultura mágica, dotado de cultos e crenças, e vive dentro da
mentalidade primitiva marcada pela participação mística dos seres e pelo
raciocínio concreto, ligado a conceitos-imagens e pré-lógico, intuitivo e não-
argumentativo (CAMBI, 1999, p. 58, grifos do autor).
As contribuições de Cambi (1999) nos permitem entender que as interações
acontecem desde as épocas mais remotas da vida humana, concretizando-se na cultura, em
ações dirigidas à base natural em que se vive e em explicações formuladas para sua
compreensão. Tais informações históricas se tornam úteis quando analisadas na perspectiva
de suas tensões, rupturas e contradições, traduzidas por Karl Marx (1818-1883) pela
centralidade que as atividades produtivas assumem nas relações sociais. Concordamos com
este pensador, enfatizando que a história e a cultura se articulam, na medida em que as
pessoas produzem os meios para sua existência material, como as formas de comunicação e os
instrumentos para viverem, e, para isso, entrelaçam práticas individuais e práticas sociais.
Em busca de identificar aspectos relacionados à nese das interações
humanas, encontramos em Cambi (1999) que “a educação dos jovens torna-se o instrumento
central para a sobrevivência do grupo e a atividade fundamental para realizar a transmissão e
o desenvolvimento da cultura” (CAMBI, 1999, p. 58). Assim, o convívio entre gerações é o
meio pelo qual, diante de desafios à existência, são transmitidos os conhecimentos
existentes, ou gerados novos, quando necessário
99
. Enfim, a relação educativa tem um papel
social determinante, desde as primeiras civilizações
100
.
99
A noção de cultura que perpassa este trabalho se relaciona ao seu sentido etimológico, à ação de cultivar, de
fertilizar a terra para o trabalho (CUNHA, 2007). Adotamos também a perspectiva marxista para o
entendimento do termo, quando nos referimos aos produtos humanos e à sua reprodução, como formas de
viabilizar a vida material.
100
O termo civilização se aproxima, etimologicamente, do adjetivo civil: relativo às relações dos cidadãos entre
si, que o têm caráter militar nem eclesiástico, social, civilizado, cortês, polido (CUNHA, 2007). Por sua vez,
a compreensão de cidadão vincula-se à raiz etimológica cidade, complexo demográfico formado, social e
economicamente, por uma concentração populacional não agrícola (CUNHA, 2007, p. 182). A compreensão
atual do conceito de cidadania não nos permite excluir as populações agrícolas, de maneira que, neste trabalho,
usamos o termo para referenciar o sistema coerente e integrado de concepções e de costumes de grupos humanos
circunscritos em tempo e região, preservando-se a noção de cultura proposta por este trabalho, mencionada em
referência anterior (10).
180
Entretanto, o autor também assinala que, “em qualquer sociedade, a família é o
primeiro lugar de socialização do indivíduo, onde ele aprende a reconhecer a si e aos outros, a
comunicar e a falar, onde depois aprende comportamentos, regras, sistemas de valores,
concepções de mundo” (CAMBI, 1999, p. 80, grifos nossos). Ao lado dos conteúdos sociais,
Cambi (1999) também destaca a forma educativa que a família assume: reguladora da
identidade física, psicológica e cultural do indivíduo, agindo sobre ele de maneira ideológica
e autoritária. Nessa compreensão, as jovens gerações aprendem, “por imitação e segundo
processos de participação ativa no exercício de uma atividade” (CAMBI, 1999, p. 59).
As generalizações propostas por Cambi (1999) podem nos conduzir para o
risco de encerrar a família arcaica em um paradigma genérico, afastando-nos de outras
compreensões sobre os agrupamentos humanos primários, que constituem objetos
privilegiados pelos estudos antropológicos. A despeito de que tais estudos não compõem os
referenciais deste trabalho, fazemos essa ressalva a partir de nossa pressuposição sobre a
presença da diversidade
101
cultural desde o início da existência humana, admitindo, dessa
forma, a possibilidade de outras matrizes de civilização além das apresentadas neste trabalho.
Contudo, a evocação dessa história remota, por meio de Cambi (1999), é
exemplar para compreender a precoce inserção social do ser humano, como também para
afirmar que a gênese da cultura antiga é percorrida pelo “componente religioso-antropológico-
social” (CAMBI, 1999, p. 45), possibilitando destacar, como base comum, essa vocação
ontológica
102
para a humanização
103
.
Examinando os testemunhos escritos selecionados por Manacorda (2002), é
possível encontrar antigos documentos provenientes do Egito, local destacado pelo autor
como “unanimemente reconhecido como berço comum da cultura e da instrução”. Em provas
figurativas, essa civilização se revela madura e desenvolve trabalho agrícola ou artesanal.
Mas, as provas documentais tratam da introdução aos comportamentos e à moral do poder e
não de elementos formais ou instrumentais (MANACORDA, 2002, p. 10, grifos nossos).
O autor localiza em documentos da dinastia (século XXVII a.C.), preceitos
morais e comportamentais relacionados às “estruturas e às conveniências sociais da época, ou,
mais diretamente, com o modo de viver próprio das castas dominantes” (MANACORDA,
2002, p. 11). E explica:
101
Diversidade: Caráter do que, por determinado aspecto, não se identifica com algum outro (Filos.
FERREIRA, 2004).
102
A raiz etimológica deriva do grego ón óntos, com significado de ser, ente, indivíduo, que se documenta em
vocábulos formados na linguagem científica internacional a partir do séc. XIX (CUNHA, 2007, p. 561).
103 Humanização: tornar-se humano (cf. FERREIRA, 2004).
181
Estes são sempre em forma de conselhos dirigidos do pai para o filho e do
mestre escriba para o discípulo (neste caso o termo filho se usado, de
qualquer forma, para indicar o discípulo seja este filho carnal ou não), e
insistem na ininterrupta continuidade da transmissão educativa de geração
em geração (MANACORDA, 2002, p. 11, grifos do autor).
Manacorda (2002) observa que, nos documentos do reino autocrático de
Mênfis, os termos filho e discípulo não aparecem diferenciados, levando-nos a compreender
que a filiação também pode ocorrer além de vínculos estritamente biológicos. Para o autor, o
movimento de inculturação permeia os processos educativos e está situado entre a prescrição
de condutas e as finalidades políticas dessa formação. Assim, podemos identificar, nessa
época, a preocupação com a preservação de comportamentos e com estruturas educativas.
Ademais, torna-se possível ampliar a compreensão da noção de família
104
como importante _
mas não único _ contexto de educação, pois outras pessoas também estão incluídas entre as
responsáveis pela transmissão de conhecimentos.
Portanto, o enfoque trazido por esses historiadores encaminha para a
compreensão de que as novas gerações são consideradas como naturalmente destituídas de
conhecimentos e precisam ser conduzidas a um sentido condicionado socialmente. Contudo,
mesmo distantes dos contextos examinados, a história revela os indícios de movimento e de
transformação que revestem as interações humanas ao longo da existência, o que nos
posiciona para a abertura de novas elaborações.
O sentido político da educação torna-se visível desde a Antiguidade, na forma
orgânica assumida na paideia
105
grega, descrita por Cambi (1999) como um “ideal de
formação humana, da formação de uma humanidade superior nutrida de cultura e de
civilização, que atribui ao homem sobretudo uma identidade cultural e histórica” (CAMBI,
1999, p. 87, grifos do autor). Nessa proposta, a formação humana é delineada conforme as
compreensões da realidade formuladas a partir da filosofia e orientada para as virtudes
desejáveis no cidadão grego. Entretanto, destacamos que a cidadania, na Grécia clássica,
exclui os estrangeiros, os escravos e as mulheres, o que revela a presença de concepções
104
O termo família provém da História Natural, com significado etimológico de grupo de pessoas do mesmo
sangue (CUNHA, 2007). Na abordagem social deste trabalho, usamos o termo para nos referir ao grupo social
primário do indivíduo, podendo ou não ser consanguíneo.
105
Os termos gregos paideia (cultura, educação), paidéúo (formar, educar) e paidagogós (o que conduz a
criança, pedagogo) apresentam a mesma raiz temática (cf. CASTELLO & MÁRCICO, 1998. Apud KOHAN,
2003, p. 14). Ghiraldelli (2007) explica que, “em grego antigo, paidós significa ‘criança’ e agodé indica
‘condução’; aglutinadas e adaptadas ao português elas nos dão a palavra pedagogia” (GHIRALDELLI Jr., 2007,
p. 11).
182
diferenciadas e hierarquizadas de humanidade, e o desdobramento em novos significados para
cultura, civilização e educação.
As obras de Manacorda (2002) e de Cambi (1999) convergem para a
localização da experiência grega na gênese de uma profunda mudança nos ideais educativos.
Para o primeiro, trata-se de uma “reflexão de grande relevância pedagógica”, que abre
“caminho para a concepção da educação dos jovens como ‘fundamento’ da sociedade
(MANACORDA, 2002, p. 47). Para o segundo, “talvez constitua a matriz fundamental de
uma identidade cultural complexa relativa aos problemas da educação/formação” (CAMBI,
1999, p. 101). Enfim, a paideia deixa profundas marcas históricas que favorecem a
estruturação das relações educativas.
Nessa perspectiva, Cambi (1999) expõe três aspectos que impactam sobre a
educação ocidental: a noção de paideia como uma formação universal e, ao mesmo tempo,
pessoal, inserida na cultura e na história; a pedagogia como uma ciência autônoma e
destinada a universalizar o tratado dos problemas educativos; a problematização da relação
educativa que faz do mestre um interlocutor fundamental no processo de formação (CAMBI,
1999, p.101-102, grifos nossos). Em suma, podemos perceber que se aprofunda a
preocupação histórica com a educação, à medida que esse tema se reveste de fins políticos e
se configura como um campo mais especializado, em meio à tensão social que permeia os
processos de produção e de reprodução de conhecimentos.
No próximo item, iremos examinar melhor o processo de estruturação da
educação, a partir das referências que algumas obras clássicas dedicam à formação das novas
gerações em diferentes momentos históricos.
1. Acompanhando as novas gerações: percursos humanos na produção e na
reprodução de conhecimentos
Ao refletirmos sobre cenários mais distantes, como fizemos no item anterior,
torna-se possível o reconhecimento da dinâmica humana entre a continuidade e a tensão
intersubjetiva, entre a produção e a reprodução das formas educativas. Assim, a busca pela
perenidade da vida humana, possibilitada pelas condições naturais e culturais entre as quais
acontecem os processos educativos, tende a se tornar mais complexa, à medida que os grupos
humanos aumentam e geram novas condições para sua existência. Nesse entendimento sobre
183
educação como dimensão ontológica e social, podemos afirmar que a educação acontece em
meio aos aspectos econômicos, políticos e culturais que envolvem pessoas e grupos diversos.
Essa reflexão também permite o entendimento de que a humanidade tende a
estruturar os processos formativos ao longo da história para conduzir suas novas gerações.
Observamos essa tendência na perspectiva grega da paidagogía, como também na
racionalização que percorre sua proposta. Nesse sentido, os processos paidagogikós são
organizados a partir das compreensões acerca da realidade e da pessoa humana, de maneira
que tais conhecimentos configuram as orientações para as práticas educativas.
Portanto, a consideração de que os conhecimentos são histórica e culturalmente
construídos, estruturados e modificados por homens e mulheres, nos remete, diretamente, aos
contextos de sua produção. Sobre esse aspecto, Warde (1997) assinala que “nenhuma
disciplina
106
ou ciência constitui sua identidade de uma vez para sempre e nem mantém, ao
longo do tempo, as mesmas referências, os mesmos problemas ou orientações de pesquisa”
(WARDE, 1997, p. 292). Ao fazer essa discussão, a autora assinala que os objetos de
conhecimento científico variam no tempo e nos diferentes aportes teóricos e metodológicos,
permitindo-nos entender que a pedagogia, como as outras ciências, é gerada entre as ideias e
as ações humanas, e que compõem perspectivas, nem sempre articuladas, sobre um campo
maior: as relações sociais.
Assim, estreitando o nosso olhar para compreendermos a gênese pedagógica
que emerge da história e da cultura, propomos caminhar em torno de algumas obras
produzidas por Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Comenius, Rousseau e Herbart,
para visualizarmos momentos destacados na configuração da matriz pedagógica européia,
cujos desdobramentos alcançam outras regiões do planeta, entre as quais se encontra a
América Latina e, nela, o Brasil. Faremos isso enfocando a concepção de infância e a de
educação e os conteúdos propostos.
Observemos como Aristóteles (385–322 aC), em A Política, utiliza a idade e as
virtudes como critérios fornecidos pela natureza para diferenciar e hierarquizar as pessoas:
(...) as diferenças se eclipsam; tanto que se torna preciso distinguir os que
comandam dos seus inferiores por marcas exteriores, os hábitos e as
dignidades, como disse Amasis falando de sua bacia transformada em deus.
(...) A autoridade dos pais sobre os filhos é uma espécie de realeza; todos os
títulos ali se encontram: o da geração, o da autoridade afetuosa e o da idade.
106
Destacamos o uso do termo por sua origem etimológica, “do lat. disciplina, de discere ‘aprender’” (CUNHA,
2007, p. 268).
184
É até mesmo o protótipo da autoridade real; foi o que fez com que Homero
dissesse de Zeus:
É o pai imortal dos homens
107
e dos deuses.
e, por conseguinte, o rei de todos eles. Pois um rei, se recebeu da natureza
alguma superioridade sobre seus súditos, continua a ter o mesmo gênero que
eles, como os velhos com relação aos jovens e como um pai com relação a
seus filhos. (ARISTOTELES, s.d. grifos do autor)
A perspectiva aristotélica admite pouca deliberação às mulheres e nenhuma aos
escravos. Aos mais idosos _ homens e livres _ é próprio que exerça formas de comando sobre
seres mais jovens, pois sua razão humana inclui as virtudes de temperança, força e justiça no
mais alto grau. Nesse entendimento, a criança é considerada “imperfeita, e não podendo
ainda encontrar em si mesma a regra de suas ações, sua virtude é ser dócil e submissa ao
homem maduro que cuida de seu acompanhamento” (ARISTOTELES, s.d.).
Segundo Aristóteles, “a obra da educação, assim como a de todas as artes, deve
unicamente completar o que falta ao ser das obras da natureza” (ARISTOTELES, s.d.). A
partir desse entendimento, apresenta-se a intenção de legislar sobre o destino das crianças,
permitindo a prática da exposição
108
para as que nascem com deficiências físicas. Assim
também se dispõe sobre a educação dos primeiros sete anos de vida, no período que ora
chamamos de primeira infância. A despeito de sua ocorrência no âmbito doméstico, a
proposta grega apresenta muitas recomendações e enfatiza a condição de fragilidade diante
das más influências que possam advir do contato com escravos, por exemplo.
Diante disso, torna-se necessário um cuidadoso delineamento dos governantes
em direção às finalidades das cidades, a partir do conceito de ser humano que está proposto:
“animal cívico, mais social do que as abelhas”, vive em sociedades familiares
(ARISTOTELES, s.d.). O filósofo atenta para a necessidade de definir as condições e as
funções de cada pessoa em um grupo maior, de maneira a afastar os equívocos da natureza
sobre as inclinações pessoais de cada uma. Assim, o cuidado com a educação de crianças e de
jovens se articula à consideração de que participarão mais tarde das posições de comando.
107
Alguns autores e autoras atribuam ao verbete “homens” o sentido genérico de humanidade. Optamos por
denunciar essa histórica sobreposição do homem sobre a mulher, em alguns algumas citações, marcando a
participação das mulheres nos processos humanos, mesmo quando não conste na citação original. Inspirados em
Freire, acrescentaremos [e mulheres] para expressar a nossa busca de coerência com o uso de uma linguagem
não discriminatória das pessoas pela condição de gênero (FREIRE, 2002, p. 67-68). Em algumas abordagens,
isso é inadmissível, como consideramos no caso de Aristóteles, de maneira que manteremos a escrita original.
108
Em texto extraído da monografia de GOMES (s.d.), encontramos a exposição como uma “técnica” de
eliminação das pessoas com deficiências no contexto da Grécia Antiga. O autor explica que, logo após o
nascimento, essas crianças eram abandonadas “na montanha para serem devoradas por animais selvagens”
(GOMES, s.d.).
185
No que diz respeito aos conteúdos a serem ensinados, a proposta aristotélica
sugere iniciar por coisas “necessárias, mas nem todas”. Nesse contexto, as profissões honestas
e as não-liberais são distintas e a educação está circunscrita às que não são vis, e exclui artes e
ciências “que tornam o corpo, a alma e a inteligência das pessoas livres incapazes para o
exercício e para a prática da virtude” (ARISTOTELES, s.d.). Enfim, as propostas
educacionais devem confluir para as atividades humanas consideradas mais relevantes, na
ótica dos filósofos: o pensamento (intelecto), os sentimentos (temperamento), e as ações
relacionadas às artes liberais e orientadas pelas virtudes humanas.
Seiscentos anos mais tarde, a afirmação do cristianismo sob a égide da igreja
católica desencadeia outra profunda revolução nos costumes e valores da Europa medieval,
colocando em destaque Agostinho (354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274), enquanto
filósofos cristãos, e possibilitando o apoio da racionalidade humana sobre os pilares da por
longos séculos.
Examinando as Confissões de Agostinho, não encontramos um conceito
explícito de criança, mas esparsas referências sobre as gerações mais jovens, como a que se
segue: “o que é inocente nas crianças é a debilidade dos membros infantis, e não a alma
(AGOSTINHO, s.d., Cap. VII). Afirmações como essa apoiam-se em livros bíblicos, como o
Gênesis e em compreensões cristãs, como o pecado original cometido por Adão e Eva, que,
para o catolicismo, marca todas as crianças que nascem.
Ao escrever essa obra, o filósofo retoma as próprias experiências anteriores à
conversão cristã, de maneira que suas concepções estão relacionadas às lembranças de uma
época em que era desobediente aos preceitos dessa e vivia em uma sociedade tempestuosa.
Nessa perspectiva, relaciona seu sofrimento com a insuficiência da razão alheia à fé, e
enfatiza a necessidade de auxílio de outrem para que a criança possa sair de sua condição de
pecadora:
À beira de tal lodaçal jazia eu, pobre criança, sendo esta a arena em que me
exercitava, temendo mais cometer um barbarismo de linguagem do que
cuidando de não invejar, se o cometia, aqueles que o tinham evitado
(AGOSTINHO, s.d., Cap. XIX).
Da mesma forma, nos Escritos Políticos de Tomás de Aquino, não se
encontram muitas referências sobre a educação das crianças, mas apenas algumas menções
sobre a imaturidade própria da idade: “a criança não pode usar o hábito de inteligência dos
princípios e mesmo da lei natural, que lhe é habitualmente inerente, por causa da deficiência
própria à idade” (AQUINO, s.d.). Assim, o filósofo diferencia as imposições a serem feitas às
186
crianças e às pessoas adultas, referindo-se à necessidade de leis humanas para o alcance da
paz e das virtudes necessárias à existência. Nessa perspectiva, observa-se o reconhecimento
da condição social humana que percorre toda a obra e o destaque para a regulamentação das
formas de convívio entre as pessoas.
Mais tarde, as bases filosóficas cristãs da educação começam a ser
questionadas, a partir das revoluções que passam a ocorrer, enquanto a burguesia ascende
frente aos domínios da nobreza feudal e da igreja católica. Nesse entendimento, ressaltamos
as mudanças que desembocam em outras formas de governo e a expansão da educação escolar
para as massas. Ao lado da formação dos estados modernos e da aliança entre a burguesia e a
realeza, inicia-se a transição do pensamento escolástico obtido através da para o
pensamento científico, destacando-se, nesse contexto produtivo predominantemente
mercantilista, os conhecimentos articulados a finalidades práticas, e reconhecendo-se a escola
como importante local para ampliar a difusão de conhecimentos entre diferentes grupos.
Assim, o contexto se revela favorável à sistematização de conhecimentos sobre
os processos educativos no âmbito escolar. Na configuração da educação das jovens gerações
no espaço escolar, destacamos Comenius (1592-1670), considerado como o pai da didática,
cuja vasta obra articula a filosofia e a pedagogia, e destaca a finalidade escolar de instrução e
formação.
A partir da perspectiva da reforma protestante, o filósofo afirma em Didactica
Magna (1621-1657) que “o mundo visível foi criado somente para servir de sementeira, de
alimentador e de escola aos homens [e às mulheres]” (COMENIUS, 2001, s.p, Cap. III, item
2). Para ele, a concepção de que seres humanos são criados à imagem e à semelhança divina,
requer três atributos para regulação de movimentos e ações externas e internas, de si mesmo e
dos outros: instrução, virtude e piedade (ou religião). Nesse enfoque, a formação das novas
gerações tem uma importância fundamental, pois é a partir dela que se pode preservar a
pureza desses seres, ainda desprovidos das máculas do mundo, o que se torna mais difícil
entre as pessoas adultas, conforme as advertências do filósofo:
Evidentemente, estes resultados obtêm-se, da mesma maneira, no homem
cujo cérebro (que, como atrás dissemos, é semelhante à cera, recebendo as
imagens das coisas que lhe são transmitidas pelos sentidos), na idade
infantil, é inteiramente úmido e mole e apto a receber todas as figuras que se
lhe apresentam; mas depois, pouco a pouco, seca e endurece, de tal modo
que nele mais dificilmente se imprimem ou esculpem as coisas, como a
experiência demonstra. Daqui, a seguinte afirmação de Cícero: as crianças
apreendem rapidamente inúmeras coisas. Assim também as nossas mãos e
os nossos outros membros não podem exercitar-se nas artes e nos ofícios
187
senão nos anos da infância, em que os nervos estão tenros. Se alguém quer
vir a ser bom escrivão, pintor, alfaiate, ferreiro, músico, etc., deve aplicar-se
ao seu ofício desde os primeiros anos, enquanto a imaginação é ágil e os
dedos flexíveis; de outro modo, nunca fará nada de bom. De modo
semelhante, portanto, se se quer que a piedade lance raízes no coração de
alguém, importa plantá-la nos primeiros anos; se se deseja que alguém se
torne um modelo de apurada moralidade, é necessário habituá-lo aos bons
costumes desde tenra idade; a quem deve fazer grandes progressos no estudo
da sabedoria, importa abrir-lhe os sentidos para todas as coisas, nos
primeiros anos, enquanto o seu ardor é vivo, o engenho rápido e a memória
tenaz. É coisa torpe e ridícula um velho sentado nos bancos da escola
primária: ao jovem compete preparar-se; ao velho realizar-se, escreve
Sêneca, na Carta, 36 (COMENIUS, 2001, s.p., Cap. VII, item 5, grifos do
autor).
A crítica de Comenius recai, fundamentalmente, sobre as escolas de sua época,
os métodos utilizados e a linguagem utilizada para ensinar _ o latim. O filósofo é enfático ao
proclamar uma formação que seja atrativa e a partir da língua materna, que articule letras,
moral e religião para todas as crianças, independentemente de sexo e de ocupação, e que
possibilite ampliar a permanência na escola. Nessa perspectiva, é evidente a base moral para
as outras aprendizagens, ao lado dos avanços de sua inovadora proposta de democratizar o
ensino. Nas palavras do filósofo,
(...) agem como inexperientes aqueles que, encarregando-se da formação de
crianças crescidas e de adolescentes, não começam pela educação moral,
para que, domando-lhes as paixões, os tornem aptos para as restantes coisas.
É bem sabido que os domadores, primeiro domam o cavalo com o freio e
tornam-no obediente, e depois lhe ensinam a tomar esta ou aquela
posição. Sêneca disse com razão: Primeiro aprende a moral e depois a
ciência, pois esta aprende-se mal sem aquela. E Cícero escreveu: A filosofia
moral prepara os espíritos para receber a boa semente (COMENIUS, 2001,
s.p. Cap. XVII, item 8, grifos do autor).
Comenius também enfatiza a importância das influências familiares sobre a
criança no que tange ao reconhecimento do trabalho da escola e dos professores, assim como
da importância dos conteúdos para a preservação da natureza essencialmente boa da criança.
Cabe destacar que as escolas para as massas são estabelecidas em uma época
na qual uma nova classe dominante prepara e garante seu espaço, enquanto o poder da
nobreza e da igreja tende a ser reduzido. Para as camadas mais baixas da população, a
educação escolar se volta ao fornecimento de uma moral religiosa e, contudo, evita ilustrá-las
demais, para que continuem ocupando os níveis mais baixos nas relações de produção, sem
despertá-las para ambições maiores.
Mais adiante, a crescente complexidade da era moderna refletida na
contraditória relação entre pessoas e grupos continua preocupando os filósofos do século
188
XVIII como Rousseau (1712-1778). Segundo ele, “a natureza de imediato apenas os
desejos necessários à sua conservação e as faculdades suficientes para satisfazê-los. Ela
colocou todas as outras como que de reserva no fundo de sua alma, para que se
desenvolvessem quando necessário” (ROUSSEAU, 1999, p. 70). Pode-se encontrar em
Emílio uma consciência humana que é naturalmente boa, de maneira que a educação deva
possibilitar a aproximação da criança dessas disposições naturais para que não seja
corrompida pela turbulenta sociedade da época.
Na perspectiva moralista de Rousseau, em que os seres humanos se distinguem
por suas faculdades supérfluas, pode se identificar o profundo respeito à criança, a ênfase na
individualidade do processo educativo e o afastamento do contágio social.
O pensamento rousseauniano também influencia Immanuel Kant (1724-1804),
último dos filósofos da escola moralista, o qual traz uma compreensão de moralidade
desvinculada da religião. Esse filósofo chama de esclarecimento, a saída do homem de sua
menoridade, da qual ele próprio é o culpado, identificando como “menoridade”, a submissão
do pensamento individual por outro indivíduo (KANT, 1985, p. 100). Na filosofia kantiana,
localizada em uma moral alemã rigidamente hierárquica, a razão humana é acessível ao
próprio indivíduo, possível de ser exercida de forma sábia diante de um público “do mundo
letrado”. Entretanto, ao dispor que alguns membros da comunidade sejam contidos em um
comportamento passivo, no qual não lhes é permitido raciocinar, resta-lhes serem conduzidos
por tutores mais esclarecidos.
Na mesma direção, Herbart (1776-1841) retoma a formação moral e a instrução
na educação escolar, em uma proposta pedagógica apoiada em conceitos do pensamento
kantiano. Para o filósofo, o conhecimento científico, especialmente da psicologia, deve
promover um ensino escolar sistematizado de maneira a proporcionar as experiências e os
ensinamentos necessários para elevar os jovens a uma existência melhor (HERBART, 2003,
p. 10). Nesse entendimento, contrapõe-se a Rousseau ao assinalar que as tendências naturais
da criança não são suficientes para aprender a se comportar como pessoa humana.
Entretanto, observando diretamente a Pedagogia Geral de Herbart (1806) e
identificando a proposta de aproximação entre psicologia e pedagogia com intencionalidade
científica, podemos reconhecer ainda muitos traços da concepção da infância proposta por
Rousseau nessas duas ciências. Segundo Warde (1997), a psicologia e a pedagogia modernas
se estruturam a partir das imagens sobre a criança e a infância, cujos estudos destacam essa
idade para estabelecimento das bases da moralidade humana.
189
Remetendo-se ao período de articulação entre pedagogia e psicologia,
Ghiraldelli Jr. (2007) ainda reconhece a presença da filosofia, embora assinale que, desde
então, a pedagogia passe a se apoiar mais na psicologia buscando enfatizar os métodos de
ensino e minimizando os conteúdos. Esse autor define a didática como a prática da pedagogia
e a infância como local para concretizar a prática pedagógica. Para ele, “a infância não é algo
completamente natural, mas depende de instituições histórico-sociais para se efetuar”, de
maneira que “a escola é esta instituição” (GHIRALDELLI JR., 2007, p. 41).
Para Rios (2006), a “prática educativa se revela no eixo do cruzamento da
Filosofia, reflexão que empreende uma busca de compreensão da realidade, e da Didática,
chamada de ciência do ensino(RIOS, 2006, p. 19, grifos da autora). Segundo a autora,
uma “mão dupla da Didática à Filosofia da Educação e desta à Didática” (RIOS, 2006, p. 22).
Nessa perspectiva, apoiamo-nos nesta autora para delimitar o campo pedagógico entre a
sistematização do conhecimento proposta pela Didática e a fundamentação apresentada pela
Filosofia, como um dos saberes da docência.
Portanto, identificamos o nascimento da Didática a partir das propostas
filosóficas que orientam a educação, compreendendo-se que a pedagogia aponta para a
formação de um ideal de humanidade a ser buscado por meio do ensino de conteúdos
definidos como socialmente importantes. Ante o exposto, entendemos que conteúdo e forma
são dimensões indissociáveis dos processos educativos, haja vista o entrelaçamento entre a
Pedagogia e a Didática, e seus fundamentos históricos, filosóficos, sociológicos e
psicológicos, além do acervo do conhecimento humano sobre a realidade envolvente, cujo
ensino está formalmente atribuído à escola. Enfim, diante da complexidade da existência
humana e de seus crescentes desafios, a escola precisa contar com o produto do esforço
coletivo de diferentes áreas de conhecimento que se debruçam sobre a compreensão de suas
novas gerações para cumprir com suas propostas educacionais.
Assim, no próximo item, buscaremos aprofundar a compreensão sobre as
especificidades das jovens pessoas e desse momento de sua existência, a partir de alguns dos
enfoques científicos que emergem na modernidade sobre criança e infância.
2. Para compreender as novas gerações e seus processos educativos: criança e
infância
190
Nos itens anteriores, identificamos um traço comum que sublinha a acolhida
das novas gerações ao longo da história humana. Concebidos em sua natureza biológica, os
jovens seres são banhados na cultura que os acolhe pelas mãos das gerações que os precedem.
Podemos até mesmo afirmar que isso ocorre de maneira literal, se nos remetermos aos
diferentes rituais relacionados ao momento do nascimento de bebês em diferentes momentos e
lugares. Assim, da mesma forma que a cultura se faz presente desde o início da existência
de cada pessoa, também é válida a afirmação de que esse fato acontece desde os primórdios
da vida humana, mesmo antes de ser expresso por meio dos instrumentos de comunicação
posteriormente desenvolvidos, como a fala e a escrita.
Entretanto, são os registros encontrados em documentos ou em pensamentos
delineados de maneira sistemática, como nas obras examinadas, que nos permitem avançar de
maneira mais rigorosa para compreender a preocupação com as novas gerações, os sentidos
sociais que lhe são propostos, e os saberes e as condutas regulares a serem ensinados para a
vida comunitária.
Durante séculos da existência humana, a filosofia constitui-se na moldura
intelectual para a compreensão da totalidade humana, no que diz respeito ao ser e à realidade
que o cerca. Com a modernidade e os impactos das transformações desencadeadas no
complexo cenário capitalista, novas demandas se apresentam à racionalidade humana,
acelerando a busca de conhecimentos mais objetivos, especializados e comprovados
empiricamente e promovendo o distanciamento da possibilidade de interpretações
especulativas ou de equívocos decorrentes do subjetivismo ou do senso comum.
Porém, essa transição não é instantânea e nem substitui integralmente os
conceitos propostos pelas formas anteriores de pensamento, pois ocorre em um movimento de
síntese intelectual desde os conhecimentos dos séculos anteriores, avançando por meio de
lógicas instituídas em meio às tensões sociais contraditórias e crescentemente complexas.
Dessa maneira, entendemos a ciência moderna como forma de pensamento contextualizada e
orientada por necessidades humanas anteriormente improváveis, implicando sua contínua
transformação como presenciamos nos dias atuais.
Para Chalmers (1993), as teorias são estruturas historicamente organizadas de
pensamento, por meio das quais os conceitos adquirem um sentido mais preciso. A partir da
consideração de que a ciência tem “necessidade de crescer”, o autor assinala que esse
crescimento é possibilitado “se as teorias forem estruturadas de maneira a conter em seu
interior indícios e receitas bastante claros quanto a como elas devem ser desenvolvidas e
191
estendidas” (CHALMERS, 1993, p. 112). Dessa forma, mesmo estruturalmente concebidas,
certa abertura teórica nas ciências tende a ser preservada para favorecer novas compreensões
em face das transformações que socialmente ocorrem.
Em relação ao campo pedagógico, vimos que esse movimento em direção à
ciência moderna se inicia por meio da aproximação com a psicologia. Nesse item,
examinaremos de forma mais detida os “objetos” em comum ao redor dos quais essas áreas se
debruçam: a criança e a infância. Em seguida, veremos que a sociologia também se envolve
com essa compreensão. A partir das perspectivas da psicologia e da sociologia, entre as
ciências em que a pedagogia busca apoio, pretendemos levantar elementos que possam
contribuir para compreendermos as novas gerações, seus processos educativos e os desafios
atuais.
Apoiamo-nos em Warde (1997) para retomar a configuração da pedagogia
como campo da ciência e a figura de Herbart como seu “herói-fundador”. Essa autora nos
mostra que o entrelaçamento com a psicologia ocorre entre aproximações e distanciamentos
com a filosofia, pois o contexto demanda uma educação “livre de improvisações”, mas
assentada sobre as bases da ciência: da filosofia, deveria se retirar “os fins da educação”, e
“da psicologia, a indicação do caminho, dos meios e dos obstáculos” (HERBART, apud
WARDE, 1997, p.293).
Warde (1997) ainda nos mostra o envolvimento de outras figuras em meio ao
debate evidenciado por Herbart, entre as quais o francês Émile Durkheim (1858-1916), o
estadunidense John Dewey (1859-1952) e o suíço Édouard Claparède (1873-1940). Na
concepção funcionalista do filósofo e sociológo Durkheim, a autora destaca a proposta das
práticas educativas necessárias para promover a harmonia social, de maneira coercitiva e
orgânica por meio das instituições desenvolvidas para as finalidades sociais. A autora aponta
que, enquanto os psicólogos se encarregam dos meios e das alternativas dos métodos de
ensino, Durkheim evidencia que instituições como a escola devem ser compreendidas a partir
da sociologia.
Entre a ciência e a arte, a pedagogia é uma teoria prática: ela não estuda
cientificamente os sistemas de educação, mas ela os examina com vistas a
fornecer à atividade do educador as ideias que o dirigem (DURKHEIM,
Apud WARDE, 1997, p. 297, grifos do autor).
Segundo Warde (1997), o filósofo e psicólogo Dewey concorda com a crítica
herbartiana para o campo educacional, mas, considerando-a como uma pedagogia “passiva”,
acrescenta a importância de se levar em conta também as funções ativas e especiais
192
presentes nos seres vivos, que redirecionam e recombinam as relações destes com o seu
ambiente” (WARDE, 1997, p. 294, grifos da autora). Portanto, a ênfase recai sobre a
aplicação prática dos conhecimentos aprendidos.
Por meio das palavras do médico e psicólogo Claparède, a autora destaca a
intenção de “desembaraçar a pedagogia da égide filosófica, dando lugar à psicologia para a
formação científica dos educadores” (WARDE, 1997, p. 299). Segundo Warde, essa proposta
está relacionada à acusação da inoperância da pedagogia herbartiana e ao resgate da
compreensão de Rousseau para propor uma ciência da criança que possa ser aplicada no
campo pedagógico. Assim, no sentido de educação proposto por Claparède, a psicologia deve
ser utilizada para a adaptação da criança às reformas sociais que são “desejáveis”.
Exatamente como a arte médica, a educação é uma técnica, podendo ser
fundada sobre conhecimentos que unicamente a observação e a experiência
podem fornecer. Mas o psicólogo está mal colocado para edificar, sozinho,
esta ciência da criança, tão necessária à pedagogia, pois não tem à sua
disposição as crianças de que precisaria. Os educadores deveriam ser
preparados, portanto, para recolher os dados necessários à psicologia
genética (CLAPARÈDE apud WARDE, 1997, p. 1958).
Entretanto, convém destacar que a psicologia também germina na filosofia, e
caminha em direção às ciências biológicas, como a genética e a medicina, a partir da ciência
moderna. Assim, os três autores apresentados por Warde (1997) o exemplares para
caracterizarmos a estruturação da ciência psicológica, desde a segunda metade do século XIX.
Ao se movimentar nesse sentido, podemos observar a tendência a assumir uma função
instrumental orientada à adaptação do indivíduo à sociedade, acentuada pela ênfase nos
processos individuais frequentemente abstraídos dos processos sociais em que ocorrem.
Como sugerem as palavras de Claparède, essa estruturação acontece em torno de um ideal de
criança, enquanto as crianças reais ficam a cargo da pedagogia.
A despeito das confluências e das divergências que envolvem o encontro entre
a psicologia e a pedagogia, Warde (1997) localiza, em fins do século XIX e início do século
XX, o início dos cursos específicos para a formação do magistério, apoiados em duas
características gerais: o apoio dos estudos pedagógicos em várias disciplinas auxiliares; e o
afastamento do bom senso e do dom de ensinar, possibilitado pelos procedimentos
experimentais da psicologia e da compreensão de seu objeto e destinatário privilegiado de
estudo: a criança.
Os estudos de Warde (1997) também nos revelam que outras literaturas
indicam a relação do surgimento da psicologia com os problemas da criança na escola, em
193
atenção ao contexto dessa instituição como também à busca de procedimentos que favoreçam
o desenvolvimento psíquico da criança. A autora explica que, inicialmente essa compreensão
se apoia em ideias evolucionistas, como indicam as palavras de Baldwin (1895), segundo ela,
uma das bases a que Piaget se refere para formular sua teoria da “epistemologia genética”:
(...) a psicologia tradicional era pautada na ideia de que a alma é uma
substância fixa, com atributos fixos. O conhecimento da alma era imediato
na consciência e era adequado, no limite do possível. E a melhor forma de
conhecê-la era através das suas faculdades, posto que se manifestava de
forma completa e mais elevada” (BALDWIN. Apud WARDE, 1997, p. 305).
Segundo a autora, a movimentação no campo da psicologia pode ser
reconhecida quando essas ideias passam a ser questionadas por pretensas raízes em uma
filosofia especulativa, cedendo seu lugar para descobertas científicas que poderiam
fundamentar uma nova psicologia que traga a promessa de uma mente em crescimento, com
apoio inicial na genética. Para Warde (1997), os temas clássicos da filosofia relativos ao
conhecimento reapresentam-se, na psicologia, na forma de “inteligência” e “aprendizagem”.
“Não se trata mais de perguntar sobre as condições de possibilidade do conhecimento, mas
sim sobre as condições de possibilidade de aquisição de conhecimentos produzidos
(WARDE, 1997, p. 306).
Warde (1997) assinala que, no início do século XX, há duas perspectivas
dominantes na psicologia em torno do conceito de inteligência: como processo distinto de
outros que ocorrem no comportamento humano, como o hábito e a aprendizagem (a partir de
Claparède, Piaget, Köeler e Wertheimer); e como característica diferenciadora de indivíduos,
passível de mensuração (a partir de Galton, Cattell, Binet, Stern e Spearman). Apesar de tais
proposições e das intenções idealizadas pelo “herói-fundador” da pedagogia, a autora revela
que são poucos os efeitos imediatos e diretos da psicologia sobre as práticas escolares e os
processos de ensino. Ao procurar subsumir a filosofia da função normativa da educação, a
psicologia não se torna suficiente para pautar as práticas pedagógicas na ciência.
Se a tese que emergiu na segunda metade do século XIX, segundo a qual
seria a criança o termo articulador entre a psicologia e a pedagogia, não
resultou em práticas pedagógicas mais vantajosas para a infância, o
problema não deve ser procurado na lógica interna das relações entre aquelas
disciplinas, mas sim na impossibilidade de ambas darem conta, porque são o
seu próprio espelhamento, das condições sociais nas quais a infância é
negada (WARDE, 1997, p. 308).
Concordamos com a autora, enfatizando que a aplicabilidade da psicologia às
situações pedagógicas tende a se caracterizar por uma compreensão individualista e
194
prescritiva, embora seus estudos sejam pautados na rigorosidade que a ciência propõe.
Ademais, deparamo-nos com o histórico debate entre as teorias psicológicas, que oscilam
entre os extremos das forças da hereditariedade e as do meio ambiente para explicarem as
dimensões cognitivas e emocionais dos indivíduos. Em comum, as vertentes geralmente nos
apresentam as limitações psicológicas de aprendizagem e os instrumentos para sua
identificação e “tratamento”. Nesse sentido, encontramos os registros vindos da
“psicometria”
109
para identificar o potencial cognitivo e as aptidões individuais, e das
“correntes comportamentais”
110
para prescrever cnicas de reforço ou de punição para
ajudarem, respectivamente, a estabelecer ou extinguir comportamentos.
Para além desse debate, consideramos que as situações pedagógicas são
práticas sociais de ensino e aprendizagem, reconhecendo, nesse sentido, a importância de
compreender o funcionamento cognitivo da criança, além de outras funções psicológicas
humanas e de suas manifestações também nas pessoas adultas. Contudo, demandamos que,
mais do que “diagnosticar”
111
suas formas de comportamento, essa compreensão nos
possibilite intervir pedagogicamente na escola em que se encontram, para que sejam
cumpridas as finalidades dessa forma de educar. Ao fazê-lo, propomos a busca de condições
reais para o desenvolvimento das crianças, considerando que o indivíduo é totalidade
orgânica, mas que também se insere e se movimenta em âmbitos maiores. Portanto, que se
reconhecer que nenhuma ciência acontece de forma descolada da realidade, de maneira que,
mesmo científica e afastada explicitamente da filosofia, como sugerido por alguns de seus
fundadores, a pedagogia moderna e os estudos a ela relacionados representam
posicionamentos e revelam concepções de sujeito e de realidade.
Ao recuperarmos o encontro histórico entre a pedagogia e a psicologia a partir
das contribuições de Warde (1997), entendemos a complexidade de compreender as crianças e
as interações que estabelecemos com elas, a qual emerge não apenas porque são pessoas com
características próprias da idade mas sobretudo porque vivem com outras pessoas das mesmas
ou de outras gerações em uma tensa realidade em movimento, que abriga culturas diversas,
além de conflitos e contradições originados em pensamentos e em ações da época em que
vivem.
109
Psicometria: registro e medida dos fenômenos psíquicos por meios experimentais padronizados (CUNHA,
2007, p. 644).
110
Entre as correntes comportamentais, são destacadas as contribuições do estadunidense B. F. Skinner e do
livro Science and human behaviour, cuja 3ª edição foi publicada no Brasil em 1976.
111
Usamos o termo pela sua etimologia na Medicina para destacar o significado relacionado ao “conhecimento
ou determinação de uma doença” (CUNHA, 2007, p. 261), e que rejeitamos no sentido do trabalho pedagógico.
195
Diante disso, propomos também a compreensão da criança sob a perspectiva de
outras ciências apresentando, inicialmente, a História social da criança e da família contada
por Ariès (1981), por se tratar de referência frequente nos estudos que abordam o tema. A
partir da iconografia francesa, o autor diferencia a socialização das novas gerações na
sociedade tradicional e na moderna. Na tradicional, chamado assim pelo autor o período
antecedente à revolução francesa, a infância é um breve período de passagem da criança pelo
seu núcleo de origem. Ariès (1981) explica que vem daí seu sentido etimológico de “sem
fala”, relacionado ao breve período de “paparicação” inicial, como se a criança pequena fosse
um “animalzinho” indefeso com o qual as gerações mais velhas se divertem. Em seguida, vem
a aprendizagem de valores e de conhecimentos por meio da convivência e da ajuda mútua
“em um meio muito denso e quente” constituído por todas as pessoas do grupo: vizinhos,
amigos, amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens (ARIÈS, 1981, p. 11).
Para o autor, as sociedades modernas se configuram como contexto de
mudanças acentuadas relacionadas ao lugar assumido pela criança e pela família, sobretudo a
partir do final do século XVII. Nas palavras de Ariès (1981), inicia-se “um longo processo de
enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se
estenderia até nossos dias, ao qual se dá o nome de escolarização” (ARIÈS, 1981, p. 11).
O autor salienta que “essa chamada à razão” vem no movimento de
moralização humana proposta por reformadores católicos ou protestantes ligados à Igreja, às
leis ou ao Estado, com a “cumplicidade sentimental da família”, expressa na importância que
passa a ser atribuída à educação como uma necessidade assegurada. Nesse sentido, o
“sentimento de família” representa um espaço educacional privatizado e coloca em destaque o
papel da mulher na educação das crianças. Ariès (1981) enfatiza que a atenção moderna às
crianças veio dos “moralistas” e não dos “humanistas”, pois estes se preocupavam apenas
com aspectos relacionados à cultura humana espalhada pela vida. Assim, a preocupação com
a educação como formação mais ampla proposta pelos antigos gregos na paideia e suspensa
no medievo é resgatada na modernidade com a intenção de moralizar as crianças, enquanto
seres ainda imaturos para a vida e que necessitam de certa “quarentena” antes de unirem-se
aos adultos.
A despeito dos detalhes oferecidos por Ariès (1981) que diferenciam a vida da
criança moderna e a de suas antepassadas, ressalvamos que a obra apresenta características de
evolucionismo e perspectiva predominantemente burguesa e circunscrita ao cenário francês.
Na edição brasileira que examinamos, são poucos os parágrafos que mencionam outras
196
crianças ou formas de infância. Em meio a controvérsias sobre a obra, entendemos sua
inegável contribuição para compreendermos as ideias modernas de criança e de infância, as
crescentes e contraditórias tendências de homogeneização e de segmentação social, e a
retirada gradativa das pessoas em relação aos espaços coletivos, conforme o trecho que
apresentamos abaixo:
A família moderna retirou da vida comum não apenas as crianças, mas uma
grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu a
uma necessidade de intimidade, e também de identidade: os membros da
família se unem pelo sentimento, o costume e o gênero de vida.
Compreende-se que essa ascendência moral da família tenha sido
originariamente um fenômeno burguês: a alta nobreza e o povo situados
entre as duas extremidades da escala social, conservaram por mais tempo as
boas maneiras tradicionais, e permaneceram indiferentes à pressão exterior.
As classes populares mantiveram até quase nossos dias esse gosto pela
multidão. Existe portanto uma relação entre o sentimento da família e o
sentimento de classe. (...) Foi como se um corpo social polimorfo e rígido se
desfizesse e fosse substituído por uma infinidade de pequenas sociedades
as famílias, e por alguns grupos maciços as classes. As famílias e as
classes reuniam indivíduos que se aproximavam por sua semelhança moral e
pela identidade de seu nero de vida. O antigo corpo social único, ao
contrário, englobava a maior variedade possível de idades e condições. Pois
as condições eram tanto mais claramente distinguidas e hierarquizadas
quanto mais se aproximavam no espaço (ARIÈS, 1981, p. 278-279).
As contribuições de Ariès (1981) são relevantes para destacarem a
irreversibilidade de tais mudanças, mas não prescindimos de nossa compreensão de que as
crianças continuam interagindo com pessoas de outros grupos sociais como a vizinhança e a
igreja, além da família e da escola. Partimos de sua proposta de análise contextualizada sobre
a criança e a infância, sem abstraí-las dos espaços pelos quais circula, considerando a
interação que ocorre no interior dos grupos sociais e de forma exterior, na relação entre si e
com a totalidade maior. Configuramos, dessa forma, a realidade social em que são formadas
as crianças e que se converte em objeto de estudo do qual se ocupa a sociologia da infância,
segundo Sarmento (2008).
O autor explica que a consideração de infância como categoria sociológica do
tipo geracional se desenvolve a partir do início dos anos 1990, em uma compreensão que
focaliza a realidade social que emerge de um recente paradoxo: as crianças atuais são
cercadas por cuidados e atenções de maneira histórica sem precedentes, enquanto que também
se tornam crescentes os indicadores de sua exclusão e de seu sofrimento.
Desde o pensamento de Durkheim no início do pensamento sociológico, a
infância já é considerada “como geração sobre a qual os adultos realizam uma ação de
197
transmissão cultural e de socialização” (SARMENTO, 2008, p. 18, grifos do autor). Sarmento
(2008) explica que, durante séculos, as crianças foram consideradas como alvo de tratamento,
orientação e ação pedagógica das gerações mais velhas, advindo daí sua adoção como objeto
de estudos da medicina, da sociologia e da pedagogia. Nessa perspectiva,
esta imagem dominante da infância remete as crianças para um estatuto pré-
social: as crianças são “invisíveis” porque não são consideradas como seres
sociais de pleno direito. Não existem porque não estão lá: no discurso social
(SARMENTO, 2008, p. 19).
Dessa forma, as crianças não se configuram como agentes sociais, mas são
lembradas pelas teorias adultocêntricas a partir dos papéis que ocupam em relação às gerações
adultas, como “alunas(os)”
112
e filhas(os), e, em particular, quando revelam condutas
desviadas dos padrões considerados socialmente normais. Como primeiro aspecto de análise,
Sarmento (2008) assinala que a condição etária é essencial à definição de infância em uma
diferença que, historicamente, propõe sua desigualdade. Assim, mesmo que os limites etários
de infância sejam controvertidos, as culturas se aproximam por reconhecerem que as pessoas
de idade mais nova ocupam “lugar subalterno” nos diferentes grupos.
Outro aspecto assinalado por Sarmento (2008) diz respeito ao cruzamento da
categoria geracional com outras categorias sociais, como “classes, gênero, etnia, contexto
social de vida (urbano ou rural), universo lingüístico ou religioso de pertença, etc.”
(SARMENTO, 2008, p. 23). Esse cruzamento desencadeia uma maior complexidade de
análise, possibilitando-nos compreender que criança e infância são conceitos históricos e
culturais, cuja compreensão deve avançar para, além de sua imaturidade biológica ou
psicológica em formação, as condições sociais em que ocorrem. Enfim, as contribuições do
autor nos apresentam as tensões manifestadas entre a ambigüidade de considerarmos as
crianças como categorias ora centrais ora periféricas, e que se aprofundam na sociedade
moderna.
Sendo assim, torna-se perceptível que a disposição de ouvir as crianças, a
despeito de sua condição de estarem em formação, permite observar que esses seres
manifestam os reflexos da realidade em que se encontram em relação à cultura de seu grupo
de origem, como também se sujeitam aos conflitos e às contradições da sociedade maior.
Enfim, se na perspectiva psicológica, os conflitos tradicionalmente emergem das dificuldades
112
Aluno: s.m. ‘aquele que recebe instrução e/ou educação’. Do lat. alumnus.(CUNHA, 2007, p. 36). Neste
trabalho, usamos o termo para destacar a situação passiva do estudante que apenas recebe o saber (a luz) de outra
pessoa.
198
das crianças se adaptarem ao espaço em que vivem, na perspectiva sociológica, esses conflitos
são atribuídos à complexidade maior da sociedade que os envolve.
Estudos etnográficos como o realizado por Ferreira (2008) no contexto
português com crianças entre três e seis anos e de origens sociais diferentes nos mostram que
“não basta ser criança para se ser imediatamente reconhecido como tal no grupo de pares”. A
síntese da autora apresenta os grandes mitos da infância e das concepções tradicionais,
questionados pelas crianças em seus estudos (FERREIRA, 2008, p. 146):
a) Das crianças como seres em déficit, simples objetos passivos e meros receptáculos de uma ação de
socialização;
b) Da socialização como um processo vertical e unívoco, conduzido exclusivamente por adultos que o
lideram, de acordo com objetivos claramente definidos e em benefício da reprodução social;
c) Do brincar como uma ação natural e espontânea das crianças, credo único e emblema das
atividades da infância;
d) Do grupo de pares como forma de organização heterônima e genuína, de cuja suposta
homogeneidade estão isentas relações sociais desiguais.
Diante de tais crenças sobre os processos educativos que envolvem as crianças,
podemos destacar que os “mitos” e as “concepções tradicionais” muitas vezes se originam na
apropriação superficial dos conceitos científicos e de seu uso indistinto em ações cotidianas e
profissionais. Em grande parte, tais produções passam para a linguagem comum, como é o
caso do conceito de socialização, usado genericamente para se referir à inclusão na sociedade
segundo nos mostra Plaisance (2004).
Segundo esse autor, “a primeira socialização é circunscrita ao âmago da família
e as socializações secundárias podem dizer respeito à escola, ao meio de trabalho, etc.”
(PLAISANCE, 2004, p. 224). À família, cabe estabelecer as primeiras regras, devido às
dimensões afetivas, enquanto a escola se encarrega do reconhecimento das regras sociais
impessoais, o “respeito da regra pela regra” (PLAISANCE, 2004, p. 225). Portanto, para o
autor, a socialização se refere ao “processo geral que abrange toda a vida humana, ou seja,
que constitui os seres humanos como seres sociais” e que é objeto de estudo da psicologia e
da sociologia (PLAISANCE, 2004, p. 224). Assim, em torno do conceito de socialização, que
consideramos de fundamental importância para o estudo da criança e da infância, podem ser
desenvolvidas compreensões diferenciadas conforme a perspectiva da qual partam as análises.
Adentrando no campo da sociologia para compreender melhor o conceito de
socialização, percebemos que mesmo o enfoque ocorrendo em uma mesma ciência, ainda
persiste o debate ao seu redor. Além de Plaisance (2004), encontramos em Martins Filho
(2007) a convergência de que esse conceito parte dos estudos de Durkheim, para quem a
educação é responsabilidade das pessoas adultas para com as crianças, pela qual se
199
transmitem experiências e conhecimentos (PLAISANCE, 2004; MARTINS FILHO, 2007).
Os autores também apresentam a tendência sociológica por meio das correntes funcionalistas
e deterministas para considerarem a família e a escola como principais instituições
socializadoras, de maneira que a elas são atribuídas as “falhas” no processo.
Todavia, outras correntes da sociologia questionam a verticalidade da
socialização durkheimiana, pois afirmam que, ao existirem socialmente, as pessoas se opõem
às estruturas sociais, enquanto que também se socializam entre seus pares de forma
“invisível”, o que lhes permite a abertura para outros códigos sociais, além da família e da
escola. Nessa compreensão, a subjetividade dos sujeitos sociais é evidenciada, pois
consideram a participação dos sujeitos na construção da realidade social.
No texto Infância de papel e tinta, Lajolo (1997) nos indica que a imagem,
geralmente “idílica” de infância é sempre produzida a partir do discurso alheio. Para a autora,
a “ausência de fala” não se aplica apenas à infância, mas se estende a outros grupos sociais,
como o das mulheres, dos negros e dos índios, cujas histórias os convertem em objetos do
outro. Nas palavras da autora, a situação não muda porque a sua alienação é desvelada”,
mas quando, “na força do grito, conseguem passar de objeto a sujeito” (LAJOLO, 1997, p.
226). Enfim, perpassa em tais ideias que as posições dominantes, em alguns momentos, se
alternam no engendramento do discurso, considerando que categorias historicamente negadas,
como as citadas, “só vigem no espaço social em que são estabelecidas, negociadas,
desestabilizadas e reconstruídas” (LAJOLO, 1997, p. 226).
Outros estudos, como os de Kramer (2008) nos explicam que a produção de
conhecimento também ocorre entre as crianças, à parte do mundo adulto. Baseando-se em
Walter Benjamin (1984), a autora afirma que, “porque não sabem fazer coisas que os adultos
sabem, [as crianças] tornam-se portadoras de uma cultura infantil(KRAMER, 2008, p.169).
Assim, expressam-se de maneiras próprias e exercem a “socialização” de maneira específica e
diversa diante da presença do outro, em um processo que, segundo a autora, as torna
individuais e singulares mesmo “socializadas” pela mesma instituição, como ocorre com as
crianças dentro de uma mesma família.
Portanto, embora a história seja contada por outras pessoas, as quais vivem
perspectivas diferentes na realidade social e que, a partir delas, produzem imagens de infância
por meio de seu discurso e também das suas ações adultas, não podemos prescindir que as
crianças também manifestam suas formas de viverem sua infância, revelando-se, à sua
maneira, na historicidade e na cultura. Assim, consideramos o entrelaçamento de suas
200
dimensões históricas e culturais a partir das especificidades em que vivem essas pessoas,
concordando com as explicações de Kuhlmann Junior (1998), para quem as crianças vivem
concretamente esse momento de suas vidas, participando nas relações sociais e apropriando-
se de valores e comportamentos próprios de seu tempo e lugar (KUHLMANN JUNIOR,
1998, p. 31). O autor salienta que
é preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto
das experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos,
geográficos e sociais é muito mais do que uma representação dos adultos
sobre esta fase da vida. É preciso conhecer as representações de infância e
considerar as crianças concretas, localizá-las nas relações sociais, etc.,
reconhecê-las como produtoras da história. Desse ponto de vista, torna-se
difícil afirmar que uma determinada criança teve ou não teve infância. Seria
melhor perguntar como é, ou como foi, sua infância. Porque geralmente se
associa o não ter infância a uma característica das crianças pobres. Mas com
isso, o significado de infância se torna imediatamente abstrato e essas
pessoas, excluídas de direitos básicos, receberão a culpa de não terem sido as
crianças que foram, da forma como foi possível, irreversivelmente. O que os
excluídos não têm é o que a sociedade lhes sonega. A vida, sofrida, enquanto
dura, ao menos, é algo que lhes pertence. (KUHLMANN JUNIOR, 1998, p.
31-32).
Enfim, partimos da concordância de que a idade biológica não é suficiente para
definir criança, mas que a infância é momento destacado de socialização. Se a origem
etimológica da palavra remete à ideia de que limites mais estreitos para “falar”, essa
limitação se relaciona ao entendimento do que seja racionalidade humana, cuja variabilidade
está presente nas tensões intersubjetivas, como observamos ao longo da história da
humanidade e da produção de seus conhecimentos. Dessa forma, consideramos que, embora
ainda não tenham poder de decisão plena sobre suas próprias vidas, os espaços em que as
crianças se movimentam são condicionados por ações e ideias das gerações adultas, como
podemos ver nas produções científicas relacionadas a elas e em seus impactos sobre a
realidade circundante.
A despeito das tensões evidenciadas em torno da configuração sobre criança e
infância, atualmente temos parâmetros legais para o reconhecimento da condição social das
pessoas que vivem esse momento. No contexto brasileiro, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069 de 13/07/1990) define criança como a pessoa até os 12 anos de idade
incompletos, enquanto adolescente é aquela entre os 12 e os 18 anos. Para essas pessoas, a
escolarização é considerada um espaço obrigatório de socialização previsto na Constituição
nacional, de maneira que sua concretização deve acontecer conforme princípios e diretrizes
legais. Considerando nossa proposta de investigar as interações no contexto escolar,
201
passaremos adiante, focalizando as propostas oficiais de educação para as crianças brasileiras
e os desafios para sua concretização no espaço em que nos encontramos.
3. Os processos educativos atuais: demandas à instituição escolar
A partir dos estudos traçados nos itens anteriores sobre os processos educativos
focalizando as novas gerações, vimos que o campo pedagógico é tecido entre a convergência
e a divergência de ideias e ações, ao longo da história humana. A despeito das crianças
nascerem e crescerem em meio a diferentes formas de convívio social, observamos a
produção de conhecimentos cada vez mais específicos orientados pelas demandas
institucionalmente propostas para a formação desses jovens seres. Nessa perspectiva,
localizamos o favorecimento da ciência à perenidade da vida material, quando enfatiza os
cuidados com a alimentação e a higiene, e desenvolve formas de prevenir doenças que, até o
século XIX, desencadeavam alta mortalidade infantil.
No entanto, a produção dessas condições favoráveis à biologia não são
suficientes para a formação desses jovens seres, pois também são crescentes as expectativas
adultas geradas sobre eles a partir das concepções de ser humano e de realidade. Além disso,
percebemos que as expectativas sociais que orientam a ciência também refletem perspectivas
diferenciadas de compreensão, conforme as pessoas e os grupos que as elabora ou que as
vivencia. De uma forma ou de outra, torna-se evidente que a elaboração das ideias científicas
varia conforme o tempo e o espaço em que ocorre e nem sempre contempla os interesses de
todas as pessoas, mesmo que repercutam amplamente desde sua consolidação.
Essa divergência também se estende às ações propostas para a educação
formal. Não podemos dizer que tais produtos sejam genuinamente construídos a partir dos
interesses da coletividade nem tampouco concessões das camadas humanas dirigentes e “mais
esclarecidas” _ usando o dizer kantiano _ para as massas populacionais, cujo crescimento se
acelera a partir da modernidade. Assim, enquanto a população aumenta proporcionalmente
aos problemas sociais que cercam sua formação, a “regulação social” é estabelecida em meio
a intensas lutas entre pessoas e entre grupos, conforme as diretrizes que examinaremos
rapidamente nesta seção.
Um breve exame sobre as condições históricas da elaboração desses
documentos se torna suficiente para revelar algumas das tensões que ali germinam e que se
refletem também em sua aplicabilidade. Assim, diante dos limites em que concretizamos este
202
trabalho, não nos deteremos nas dificuldades de consolidar essas propostas, mas buscaremos
identificar alguns elementos que consideramos centrais para caracterizarmos a escolarização
atual e a sua concretização no espaço brasileiro.
No momento atual, localizamos a escola como uma das instituições
responsáveis pela formação de muitas e diversas crianças. No contexto brasileiro, todas as
crianças têm o igual direito de freqüentar a escola durante parte de sua infância, cabendo às
pessoas de seu grupo de origem, o dever de encaminhá-las para essa instituição. Entre os
direitos e os deveres das crianças de nosso tempo, encontramo-nos enquanto pessoas adultas,
na função profissional de ensinar os conhecimentos que estão sob a responsabilidade da
escola. Diante de nosso compromisso perante tal ação, enfatizamos a necessidade de conhecer
a regulamentação das propostas para a educação escolar brasileira e as concepções de
educação que as perpassam.
Neste item, examinaremos diretamente o Relatório elaborado por uma
Comissão internacional presidida por Jacques Delors e concluído em 1996, em que podem ser
encontradas as pretensões mais amplas relacionadas à educação atual. Em seguida,
compreenderemos as especificidades localmente constituídas, como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) promulgada também em 1996, e as concepções e
conteúdos de ensino dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) organizados em 1997.
Para análise e compreensão desses documentos, buscaremos apoio nas elaborações de
diversos autores e autoras. Finalizaremos o estudo proposto nesse item, focalizando alguns
obstáculos que se interpõem no cumprimento das finalidades escolares e retomando a
problemática da qual parte esta investigação.
De maneira geral, destacamos o Relatório da Comissão de Delors como um dos
documentos que se apoia no reconhecimento dos problemas da humanidade, como a “guerra,
a criminalidade e o subdesenvolvimento” para propor caminhos para a escolarização atual
(Delors et al., 2006, p. 16). Esse documento é elaborado a pedido da UNESCO (United
Nations Educational Scientific and Cultural Organization) por uma Comissão composta por
especialistas de todo o mundo, reunidos entre 1993 e 1996 para propor um conceito unificado
de educação que fundamente as políticas educacionais dos povos.
Desde o término da “Segunda Guerra Mundial”, ocorrido oficialmente com a
vitória dos Aliados pela tomada de Berlim em maio de 1945, o rastro de devastação deixado
pelo conflito de proporções sem precedentes desencadeia a criação imediata de organizações
internacionais orientadas para o reestabelecimento da paz mundial a partir da proposta de
203
direitos humanos universais, entre as quais a Organização das Nações Unidas ONU
(outubro de 1945) e a sua agência especializada para as áreas de educação, ciências, cultura e
comunicação: a UNESCO (novembro de 1945). Ao longo de sua história, organizações como
essas propõem documentos universais, como a Declaração de Direitos Humanos, adotada e
proclamada como base de atuação em dezembro de 1948, e a Declaração dos Direitos da
Criança, adotada em novembro de 1959.
Neste momento, não analisaremos a representatividade dos povos nesses
organismos e o posicionamento periférico de nosso país e da América Latina nessas
deliberações. No entanto, destacamos que o cenário atual se caracteriza por positivar
113
os
direitos humanos a partir de argumentos pretensamente universais, o que representa,
potencialmente uma abertura de espaços para sua ampla concretização. Daí, partirmos
diretamente para a consideração de que o Brasil ratifica as propostas desses órgãos, à medida
que, de uma forma ou de outra, os princípios de ação apresentados por essa base de
sustentação se refletem em nossa realidade.
No Relatório da Comissão de Delors (2006) encontramos informações sobre os
estudos da UNESCO desde sua criação, nos quais se encontram articuladas as dimensões da
educação, da cultura e do desenvolvimento, concretizando-se sob a forma de políticas de
diferentes nações. Diante dos problemas da “marcha caótica” que caracteriza o final do século
XX, essa Comissão assinala a possibilidade de caminhar “entre a fuga para a frente e a
resignação”, a partir da assunção das dimensões ética e cultural da educação para propor a
formação das novas gerações (DELORS et al., 2006, p. 11-12):
“É evidente, nem seria necessário recordá-lo, que a Comissão pensou, antes
de mais nada, nas crianças e nos adolescentes, naqueles que amanhã
receberão o testemunho das mãos dos adultos, os quais tendem a concentrar-
se demasiado sobre os próprios problemas. A educação é, também um grito
de amor à infância e à juventude que devemos acolher nas nossas
sociedades, dando-lhes o espaço que lhes cabe no sistema educativo, sem
dúvida, mas também na família, na comunidade de base, na nação. Este
dever elementar deve ser constantemente recordado, para cada vez mais ser
tido em conta, quando das opções políticas, econômicas e financeiras.
Parafraseando o poeta, a criança é o futuro do homem(DELORS et al.,
2006, p. 11-12).
Diante de tais afirmações, o documento destaca a criança como figura central,
em que residem os ideais de ser humano e de realidade propostos como universais.
Sintetizamos abaixo os valores éticos nele assumidos pela comissão, em meio à proposta de
113
Positivar: da mesma etimologia de positivo “real, evidente”, “aquilo que é certo”, é usado aqui para se referir
ao registro de proposições das leis e das diretrizes propostas.
204
rejeição ao etnocentrismo e à necessidade de esforço de alguns povos, “como os asiáticos”,
para conciliá-los com suas identidades e tradições culturais (DELORS et al., 2006, p. 263):
o reconhecimento dos direitos do homem em conjugação com o sentido das responsabilidades
sociais;
a preocupação com a equidade social e com a participação democrática na tomada de decisões e no
governo;
compreensão e tolerância em relação às diferenças e ao pluralismo culturais;
solicitude para com o outro;
espírito de solidariedade e de iniciativa;
criatividade;
respeito da igualdade entre sexos;
espírito aberto à mudança;
sentido das responsabilidades, no que diz respeito à proteção do ambiente e ao desenvolvimento
sustentável.
Ao apresentar esses valores, a comissão destaca sua intenção de resgatar
princípios morais clássicos sobre a existência humana, com a sugestão de um planeta
integrado que remete ao pensamento de totalidade proposto desde a filosofia antiga:
A humanidade nunca abrandou seus esforços para integrar, num todo, as
dimensões econômicas do desenvolvimento e as suas dimensões educativas e
culturais. A concepção do “desenvolvimento do povo, para o povo, pelo
povo” defendida pelo PNUD
114
, traduz bem a nossa maneira de interpretar as
relações dialéticas entre educação e cultura à luz das tradições asiáticas e da
globalização que caracteriza a nossa época (DELORS et al., 2006, p. 267).
Assim, podemos observar a intenção explícita do documento com a
preservação dos conhecimentos pela cultura humana e o reconhecimento das transformações
históricas e sociais, que se constituem na plataforma para a concepção de educação para o
milênio seguinte, a partir da articulação de três dimensões: ética e cultural; científica e
tecnológica; econômica e social (DELORS et al., 2006, p. 22). Ao explicar que as inovações
educacionais e os quatro pilares em que devem se apoiar, a Comissão destaca a necessidade
de recorrer aos conhecimentos milenares que radicam na busca de “utopias necessárias”.
Sendo assim, a educação é considerada desde seu caráter mais geral, como também nos
âmbitos específicos dos sistemas de ensino, conforme assinalamos na síntese dos princípios
propostos pelo documento (DELORS et al., 2006, p. 89-101):
aprender a conhecer, relacionado ao acesso aos instrumentos desenvolvidos pela humanidade e
que possibilitam a comunicação e a aprendizagem;
aprender a fazer, relacionado à possibilidade de intervenção sobre a realidade, por meio da
profissão e de outras ações sociais;
114
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) é uma rede global da ONU cujo “mandato
central” se orienta para o “combate à pobreza”. Nesse momento, as ações se orientam por compromissos
urgentes com os Objetivos do Milênio - ODM (conforme disposto em <http://www.pnud.org.br/pnud/>, acesso
em 15/11/2009).
205
aprender a viver juntos, relacionado ao compartilhamento de informações, ideias e ações, e o
afastamento de conflitos decorrentes de divergências pessoais e sociais;
aprender a ser, relacionado ao desenvolvimento da plenitude humana em todas as suas dimensões.
Esses princípios encontram a fertilidade do solo político brasileiro, onde, no
momento de sua elaboração, está sendo proposta uma reforma administrativa que institui um
Estado “democrático de direito” por meio da Constituição de 1988, após os militares
governarem por mais de duas décadas (CF/1988, Preâmbulo). Além disso, enquanto se
consolida o movimento de redemocratização no Brasil, o capitalismo mundial ingressa em um
novo momento econômico, cultural e social de “globalização”, em que as nações tomam para
si as referências mundiais. Conforme assinala Jacomeli (2007),
essa orientação globalizada pode ser percebida nas políticas educacionais de
vários países, que buscaram as reformas educativas para responderem aos
ditames dos novos tempos da sociedade capitalista agora sob a égide da
globalização. É o caso das reformas educacionais da Espanha e de toda a
América do Sul. A que ocorreu no Brasil, implantada no governo de
Fernando Henrique Cardoso, buscou estar em sintonia com as políticas
mundiais para esse momento histórico do capitalismo (JACOMELI, 2007, p.
37).
Sem nos determos em detalhes de sua elaboração, destacamos esse contexto de
profundas mudanças locais e globais como fundamentalmente importante para
compreendermos a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
promulgada em 1996, mas que, segundo Pino (2008), começa a ser discutida antes da
promulgação da nova constituição. O início da tramitação acontece entre as aspirações de um
novo governo, em meio a um conflituoso campo social atravessados por debates entre
entidades nacionais do campo educacional e acordos partidários. Autoras como Pino (2008) e
Pereira e Teixeira (2008) explicam que, diferentemente das formulações tradicionais no
campo educacional, abriu-se importante espaço para a participação social no capítulo
constitucional sobre educação, por meio de coletivos como o Fórum Nacional em Defesa da
Educação Pública na Constituinte. Com a reorganização das forças sociais dos diferentes
grupos, o Fórum apresenta as demandas que emanam dos interesses mais amplos da sociedade
em geral (PINO, 2008; PEREIRA & TEIXEIRA, 2008).
Pino (2008) assinala que “a produção do Fórum foi intensa” e mobilizou
educadores em todo o País, por meio de congressos, seminários, palestras, debates, reuniões,
manifestações, atos públicos e participações em eventos nos estados e municípios promovidos
pelos fóruns locais de todo o País.
206
Em momentos de definições políticas e/ou diretrizes de conteúdo partiam
para Brasília caravanas de professores e investigadores de vários estados: de
universidades, de centros de pesquisa, técnicos de Secretarias de Educação,
professores de educação básica e do ensino técnico, ligados aos fóruns
estaduais e/ou entidades sindicais (PINO, 2008, p. 23).
Contudo, a movimentação social relacionada aos momentos iniciais da
elaboração da LDB o repercute integralmente nos momentos finais que cercam sua
promulgação. Algebaile (2009) destaca que, a partir de 1992, o senador Darcy Ribeiro
apresenta um projeto próprio da LDB, “atropelando” o projeto de participação de entidades da
sociedade civil. Segundo a autora, Ribeiro propunha reduzir a escolaridade obrigatória
proposta pela LDB/1975 de oito para cinco anos, sob os argumentos de que “esse seria o
período de escolarização efetivamente cursado pela maioria da população brasileira” e que um
período maior inviabilizaria o diploma de escolaridade para a maioria (ALGEBAILE, 2009, p.
118). Mesmo que tal proposta tenha sido “amenizada” na versão final da LDB, a autora
assinala o caráter dramático e conservador que ainda marcava o acesso à escolarização no
Brasil revelado com a tentativa de “ajustar a lei à realidade” e a recusa de seu sentido de
antecipação e de impulso para novas realidades (ALGEBAILE, p. 118).
Portanto, a despeito da participação dos coletivos e da demanda social por uma
função “redistributiva” do Estado para a moderação das desigualdades econômicas e sociais, o
cenário político inicial se modificara rapidamente, na configuração assumida oito anos
depois, recortando-se em ideologias e novas formas de regulação social, chamadas por Pino
(2008) como neoliberalismo. Nesse contexto, a autora assinala que “a educação passa a ser
central, porque constitutiva para o novo modelo de desenvolvimento auto-sustentado e para a
posição dos países no processo de reinserção e realinhamento no cenário mundial” (PINO,
2008, p. 26). Complementa a autora:
esse movimento de ideias no Brasil, identificando-se com o ideário neo-
liberal, que avançou fortemente nos países centrais na década de 1980 para
entrar em declínio nos anos 1990, inspira tendências em educação no
governo Collor e é a base do programa do governo Fernando Henrique
Cardoso, onde a educação, subsumida à economia, tem lugar privilegiado
pelo seu valor econômico, enquanto base do novo estilo de desenvolvimento
(PINO, 2008, p. 26).
Examinando o texto da LDB, podemos observar que sua formulação foi
produzida entre sucessivas versões e, mesmo depois de promulgada, muitas alterações
ocorreram. No entanto, ficaram resguardadas a concepção de educação, a organização dos
sistemas de ensino, a proposta de gestão democrática e as questões relacionadas à qualidade e
207
à suficiência de recursos financeiros. É o que aponta Didonet (2008) em sua análise no
período entre 1997 e 2007: “foram treze leis, além de rias regulamentações, por decretos e
por resoluções” (DIDONET, 2008, p.44). Entre as mudanças relacionadas ao foco de inclusão
social proposto neste trabalho, destacamos o uso da língua brasileira de sinais nas escolas (Lei
10.436/2002), a alteração da matrícula obrigatória para as crianças de seis anos de idade no
ensino fundamental (Lei 11.114/2005), a duração da duração desse nível de ensino para nove
anos (Lei 11.274/2006) e a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira
(Lei 10.639/2003).
Segundo Didonet (2008), a manutenção das ideias centrais foi permitida pela
flexibilidade e pela liberdade dos dispositivos legais; o respeito da sociedade ao tempo de
maturação de suas definições; e a ausência de mobilização política para o debate de questões
mais cruciais (DIDONET, 2008, p. 55). Entretanto, o autor identifica alguns sinais para sua
possível revisão, a partir da reflexão dos profissionais que trabalham com educação e a
mobilização de organizações sociais ocorridas na última década, entre outros aspectos
assinalados.
Ao fazer um balanço da década encerrada a partir da nova LDB, Severino
(2008) assinala a tendência à “frustração” das pessoas envolvidas com a educação gerada a
partir do espaço entre a proposta e a concretização dessa lei.
Tinha-se a firme convicção de que a educação, pelo que ela pode trazer aos
indivíduos, em termos de recursos para o trabalho, para a sociabilidade e
para a cultura, é a mediação significativa para as mediações da existência
histórica. Acreditava-se que aprovada a lei, arrancava-se um compromisso
do poder púbico (SEVERINO, 2008, p. 67).
Em Severino (2008), encontramos a relação entre a legislação e a vida humana.
Segundo ele, a lei é expressão do direito com finalidades de “ordenação do social” e, nesse
sentido, representa uma consistente forma de buscar a superação do desequilíbrio entre
necessidades e interesses de pessoas e grupos e que geram, muitas vezes, “muitas formas de
violência e de opressão”. Nas palavras do autor, “é o investimento, via justiça, na construção
da cidadania, inspiração maior dos melhores esforços, que se deve reconhecer aos projetos das
sociedades modernas (SEVERINO, 2008, p. 65).
Para Severino (2008), o processo de elaboração da LDB ocorre em momento
da história político-econômica marcado pela tendência à inovação no modelo mundial do
neoliberalismo. Entretanto, nesse modelo, o processo histórico deve ser conduzido pela
própria sociedade civil e não mais pelo Estado, de maneira que ao se regular pelas “forças
208
concorrenciais” propostas pelas leis do mercado, emergem os “interesses dos indivíduos e
grupos, que se vetorizam no interior da própria sociedade civil, de onde a proposta do Estado
mínimo e os elogios à fecundidade da livre iniciativa, à privatização generalizada, etc.”
(SEVERINO, 2008, p. 68).
De acordo com Severino (2008), podemos recolher algumas informações para
entender porque as contradições se aprofundam no cenário brasileiro. O autor explica que o
Brasil tende a se desvencilhar de sua “tradição política européia” e a modelar seu
gerenciamento conforme as influências dos Estados Unidos da América. Mas, ao contrário da
sociedade civil brasileira, a cultura estadunidense é marcada pelo “exercício soberano do
poder”, de maneira que o Estado funciona para uso externo enquanto que, internamente,
“obriga-se a defender e a garantir os direitos de seus cidadãos”, em um caráter mais
universalista de legislação (SEVERINO, 2008, p. 69). Enfim, a realidade brasileira não
favorece a efetivação dos princípios democráticos, de maneira que as mudanças se efetuam
mais na retórica do que nas práticas.
Apesar das dificuldades brasileiras em seu processo de democratização social,
Pereira e Teixeira (2008) destacam a resposta positiva da Constituição Federal de 1988 em
defesa dos direitos da infância, quando reafirma a educação das crianças como “direito do
cidadão e dever do Estado” (conforme art. 213 da CF/1988). Para as autoras,
O direito de acesso ao ensino fundamental de uma parcela considerável da
população, em sua maioria constituída de trabalhadores de baixa
qualificação profissional, desempregados e pessoas socialmente
marginalizadas, que formam a imensa massa de analfabetos e excluídos do
sistema educacional, representa uma conquista democrática e denota uma
nova compreensão do papel da educação na construção de uma sociedade
igualitária e justa (PEREIRA & TEIXEIRA, 2008, p. 109).
Concordamos com as autoras sobre a importância de sinalizar o percentual de
97,3% de matriculas no ensino fundamental, das quais 90% são efetuadas na rede pública e
10% na rede privada de ensino. Mas, Pereira e Teixeira (2008) também nos mostram a grave
conjuntura do índice de repetência (21,1%) e a taxa de abandono (6,9%), referentes ao mesmo
período (Censo Escolar de 2004. Apud PEREIRA & TEIXEIRA, 2008, p. 114). Assim
podemos reconhecer nesses números a revelação da tendência crescente de ingresso de
crianças na escola enquanto sua permanência no sistema continua preocupante. Diante disso,
209
consideramos a importância de compreender as propostas legais formuladas diretamente aos
espaços de formação escolar e de seus conteúdos: o currículo
115
.
Focalizando o currículo do ensino fundamental conforme a LDB, Pereira e
Teixeira (2008) enfatizam a formação básica da(o) cidadã(ao) de maneira unitária, mas “sem
uniformidade”, em relação aos aspectos de sua organização. Nesse sentido, a lei considera “as
condições disponíveis e as características locais”, a serem refletidas na elaboração dos Planos
Municipais de Educação e consignadas nos Projetos Político-Pedagógicos de cada unidade
escolar. Segundo as autoras, a “construção de uma escola democrática e de qualidade” requer
a participação de todos os agentes indispensáveis ao processo educativo, e essa medida inclui
a presença dos familiares, além do professorado e da gestão, para o estabelecimento das
direções e dos meios para os quais se orienta a comunidade local (PEREIRA & TEIXEIRA,
2008, p. 236-237). Enfim, a possibilidade de exercício da “gestão democrática”, considerado
um dos grandes avanços para a concretização da escolaridade, está relacionada ao trabalho
pedagógico das instituições escolares.
A despeito da participação de diferentes pessoas para a orientação escolar, a
LDB resguarda uma base pedagógica nacional comum e uma diversificada no que diz respeito
ao currículo a ser apropriado em cada um dos veis de ensino. Para a formação das crianças
em nível fundamental, foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais com base na
Resolução CEB n. 2, de 7 de abril de 1988. Na base comum obrigatória, estão os estudos de
língua portuguesa, matemática, mundo físico e natural, realidade social e política, arte,
educação física e estudos de história e cultura afro-brasileira. A parte diversificada é definida
em cada sistema de ensino e instituição escolar (PEREIRA & TEIXEIRA, 2008, p. 236-237).
Como orientadores específicos da ação pedagógica no ensino fundamental,
Pereira e Teixeira (2008) apontam:
(...) os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade
e do respeito ao bem comum; os princípios políticos dos direitos e deveres
da cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;
os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de
manifestações artísticas e culturais (PEREIRA & TEIXEIRA, 2008, p. 122).
Portanto, os PCNs traduzem a amplitude da proposta educacional em sintonia
com as demandas sociais da atualidade, por meio do ensino das ciências e das linguagens e o
apoio em princípios universais relacionados à ética, à política e a estética. Nesse
entendimento, os conteúdos específicos da escola devem ser ensinados a partir do
115
Currículo: “ato de correr”, “atalho, corte”. Do lat. curricúlum. (CUNHA, 2007, p. 235).
210
entrelaçamento com os temas sociais que perpassam a sua aplicação, os denominados temas
transversais.
Reportando-se aos temas transversais, encontramos as reflexões de Barbosa
(2007), para quem a curiosidade e o conhecimento prévio são considerados importantes
fatores de aprendizagem. Na obra Temas transversais, a autora parte da perspectiva
psicopedagógica para propor ao professorado o uso desses temas para “dar flexibilidade ao
seu ensino e a contextualizar sua disciplina nos âmbitos histórico, geográfico, político e
cultural, possibilitando, assim, o exercício da interdisciplinaridade” (BARBOSA, 2007, p. 5).
Barbosa (2007) explica que há uma oposição histórica entre ensinar e aprender:
o ensino tem se preocupado “em lidar mais com as certezas do que com as perguntas”,
enquanto que a aprendizagem está mais relacionada às “perguntas do que com as certezas”
(BARBOSA, 2007, p. 19). A autora destaca o papel do professorado como fundamental para a
elaboração de um “mapa organizacional” dos conteúdos pedagógicos, de forma que se
“instigue os aprendizes por meio de questionamentos e de uma atitude receptiva frente às
mais variadas hipóteses que poderão surgir quando formularem perguntas durante o processo
de aprendizagem” (BARBOSA, 2007, p. 28).
Para Barbosa (2007), os PCNs e os temas transversais representam um
caminho para a discussão de problemas e situações atuais. A partir da perspectiva da autora,
compreendemos os papéis atribuídos ao professorado e aos aprendizes em torno dos
conteúdos escolares propostos nos documentos: aos aprendizes, uma postura ativa e integrada
na construção do conhecimento e ao professorado, a responsabilidade por desencadear esse
processo.
os aprendizes passam a discutir problemas e situações calcados no
conhecimento já existente e podem, a partir daí, fazer parte da “ciranda” que
busca soluções, que pesquisa a respeito de alternativas e evita o que pode ser
evitado.
Portanto, discutir sobre temas como: meio ambiente, consumo, trabalho,
ética e outros é uma forma de preparar as pessoas para serem cidadãos no
futuro. Então, devemos preparar cidadãos para o momento atual, ou seja,
cidadãos que podem rever sua forma de interação como o País, optando
por atitudes éticas em relação à preservação, à saúde e a tudo que possa
melhorar nossa qualidade de vida, do grupo, da comunidade e do mundo,
tanto no que se refere ao bios, quanto ao que se refere à psique (BARBOSA,
2007, p. 137-138, grifos da autora).
Nessa proposta de formação, é nítida a articulação entre pensamento e emoção,
embora não sejam tão compreensíveis quais problemas e situações que podem (ou devem) ser
evitados, resvalando-se possivelmente para critérios subjetivos. Na obra Falemos de
211
sentimentos Moreno et al. (2002) também se dirigem ao professorado para destacar a
importância de trabalhar a afetividade e a igualdade de oportunidades entre os gêneros como
temas transversais em sala de aula. Nessa obra, as autoras espanholas propõem a articulação
entre conteúdo e metodologia de ensino, em atividades que considerem a “conveniência de se
estabelecer uma linha de continuidade entre os conteúdos curriculares e os desejos, os
pensamentos e as emoções desenvolvidos por alunos e alunas em sua vida extra-escolar”
(MORENO et al, 2002, p. 34).
As técnicas didáticas são instrumentos úteis para aumentar os processos de
aprendizagem de alunos e alunas, que, mediante seu comportamento, vão
dando indicações de seus progressos pessoais. Ao observar e analisar os
materiais infantis, os professores e as professoras vão acompanhando os
progressos que o alunado realiza internamente. Afinal, o as condutas
infantis que marcam a pauta que convém seguir, as mudanças que, em
função das peculiaridades de cada grupo, precisam ser introduzidas nos
planejamentos a fim de adequá-los aos processos internos dos alunos e das
alunas (MORENO et al., 2002, p. 143).
Além do envolvimento da subjetividade do professorado, também
reconhecemos o risco de se tratar os conteúdos de maneira mecanicista. Examinando a
elaboração dos PCNs, Moreira (1997) assinala seu caráter “psicologizante” e nos apresenta o
psicólogo espanhol César Coll como mentor da Reforma [educacional] Espanhola e consultor
de equipes responsáveis pela composição dos documentos no Brasil. Segundo Moreira
(1997), os PCNs partem de um conjunto de teorias e de explicações que “aderem” a uma
“concepção construtivista de aprendizagem, para a qual são de significativa importância as
ideias de memorização compreensiva, funcionalidade do conhecimento e aprendizagem
significativa” (MOREIRA, 1997, p. 99).
Recorrendo ao próprio Coll (1994) na obra Aprendizagem escolar e construção
do conhecimento, identificamos sua proposta psicopedagógica, para elaborar um currículo
orientado por contribuições da psicologia. De maneira geral, o Modelo de Plano Curricular a
ser adotado nas reformas educacionais deve considerar princípios que
(...) definem, por um lado, uma concepção construtivista da aprendizagem
escolar, que situa a atividade mental construtiva do aluno na base dos
processos de desenvolvimento pessoal que a educação escolar trata de
promover; e, por outro, uma concepção construtivista da intervenção
pedagógica, cuja ideia diretriz consiste em que devem ser criadas as
condições adequadas para que os esquemas de conhecimento que
inevitavelmente o aluno constroi no decurso de suas experiências sejam o
mais corretos e ricos possível. (COLL, 1994, p. 132).
212
Nesse entendimento, o currículo escolar deve considerar o processo cognitivo
como ponto central para a articulação entre ensino e aprendizagem. Ao focalizar os processos
individuais, Coll (1994) destaca que os significados são construídos pela(o) estudante de
maneira gradativa e devem ser orientados pelas suas “formas culturais” que se encontram
elaboradas mesmo antes da vida escolar. Enfim, para Coll (1994), “o conceito de
aprendizagem significativa é um instrumento útil e valioso para a análise e a reflexão
psicopedagógica” (COLL, 1994, p. 157).
Embora as inovações apresentadas por Coll (1994) ganham repercussão nas
reformas educacionais da Espanha e do Brasil, é possível identificar o conceito de
“aprendizagem significativa” na obra Psicologia educativa do estadunidense Ausubel (1918-
2008). Segundo este autor, a compreensão genuína de novos significados ocorre em um
continuum da estrutura cognitiva, em que as novas ideias sempre se relacionam às
antecedentes. Dessa forma, “o que mais contribui para facilitar a aprendizagem e a retenção é
o fortalecimento dos aspectos essenciais da estrutura cognitiva”
116
(AUSUBEL, 1976, p.
156). Portanto, nessa concepção de aprendizagem, cabe à(ao) professor(a) o enorme desafio
de determinar os pontos de partida de suas(seus) estudantes e mapear seus processos
cognitivos para favorecer a motivação e o interesse orientados para a aprendizagem e a
memorização dos conteúdos.
Contudo, tal proposta assume proporções ainda maiores, quando se consideram
percursos individuais e socialmente desiguais, como acontece na proposta de universalização
da escola brasileira pelo que chamamos como “políticas educacionais”. Para melhor
compreender o cenário em que é desenvolvida a ação docente, apresentamos as características
que geralmente estão presentes na estrutura física da escola brasileira, segundo Algebaile
(2009, p. 307-309):
predominância da rede pública e, particularmente, das redes municipais na oferta do nível
elementar do ensino, com forte presença de escolas de pequeno porte;
persistência de problemas elementares nas instalações físicas, levando a adoção de anexos
complementares;
baixíssimo índice de dependências e equipamentos, como biblioteca, laboratórios e quadras de
esporte.
Assim, apesar das pretensões de uma ampla formação das jovens gerações
propostas à educação escolar, percebemos que os recursos para tal concretização ainda são
116
A tradução dos textos em língua estrangeira foi realizada livremente pela investigadora. Entretanto, os trechos
referenciados serão mantidos na língua original em nota de rodapé.
(...) “lo que más contribuye a facilitar el aprendizaje y la retención es el fortalecimiento de los aspectos
esenciales de la estructura cognoscitiva” (AUSUBEL, 1976, p. 156).
213
insuficientes se pensarmos na amplitude permitida pelas vias públicas e nas crianças de classe
popular que predominantemente recorrem a essa alternativa. Pelo contrário. Ao examinar as
políticas educacionais em conexão com as políticas sociais, Algebaile (2009) ressalta que o
Estado brasileiro usa a escola para suprir sua ausência no enfrentamento das desigualdades
por meio dos programas atuais de “nova geração”, como o Peti e o Bolsa Escola
117
. Neste
momento, não nos cabe colocar em questão tais programas, mas destacar que, a partir de suas
finalidades específicas, emergem as precárias condições sociais da “clientela” escolar. Sobre a
reforma educacional iniciada a partir da Constituição de 1988, a autora ainda assinala que
trata-se de uma reforma que instaurou um novo ciclo de expansão escolar,
conjugando a expansão da oferta com o robustecimento da escola, de forma
a prepará-la para atuar mais incisivamente na atenuação dos conflitos
potenciais vinculados ao quadro de intensificação da pobreza, redução de
direitos e desmonte de horizontes. As estranhas fusões entre os objetivos da
política social e as ações escolares possibilitam acompanhar a produção
reiterada de uma escola pobre material e pedagogicamente _ porque marcada
pelo tempo curto, pela falta de recursos, pelo esgotamento dos professores _
e pobre em termos do estreitamento dos direitos e dos canais para seu debate
e disputa. É nesse sentido que essa forma de expansão remete ao conceito de
revolução passiva: às ampliações da escola corresponderam perdas em
termos do direito à educação e reduções da esfera pública que excedem em
muito a esfera educativa escolar (ALGEBAILE, 2009, p. 325).
Com o termo “robustecimento”, a autora realça a ampliação da esfera de
atuação” escolar, sem que a ela corresponda uma atuação “eficiente sobre os novos campos e
temas que passam a migrar para a escola” (ALGEBAILE, 2009, p. 329). As contribuições da
autora são importantes para entendermos que as políticas governamentais são traçadas em
meio às disputas hegemônicas e se estendem concretamente para a população em geral entre
as limitações que lhe são apresentadas. Portanto, a proposta de uma escola universal com
currículo comum nos coloca diante de sua vinculação com a desigualdade social.
Esteban (2007) assinala a “ambivalência que atravessa a luta pela escola
pública”, por representar um direito da classe trabalhadora e por ser produzida socialmente
“entre a reprodução das desigualdades sociais e a produção de possibilidades mais
democráticas” (ESTEBAN, 2007, p. 12). Para esta autora, não há como falar em escola
pública sem se referir às classes populares e à sua longa história de fracassos.
117
O Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e Bolsa Escola acontecem atualmente de maneira
vinculada, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Para o
recebimento de auxilio financeiro, as famílias cadastradas nos Programas se obrigam a manter suas crianças na
escola, entre outras exigências. Para saber mais, consulte <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/>. Acesso em
21/11/2009.
214
Diante disso, propomos voltar a Ausubel (1976) para examinar sua proposta de
“aprendizagem significativa” e a sua aplicação às classes populares. Segundo o autor, o baixo
aproveitamento escolar das crianças de “classe inferior” se deve às suas poucas aspirações de
êxito acadêmico e à insuficiência de valores relacionados à escolarização, as quais incorrem
em pouca motivação e pouco interesse pelo estudo em um ambiente familiar com baixas
expectativas. A situação tende a piorar se forem provenientes dos lares frequentemente
“destruídos” das “comunidades de negros segregados”.
Os alunos negros se vêem indubitavelmente obstaculizados em seu trabalho
acadêmico pelo nível de desempenho intelectual inferior, em comparação
com a média dos alunos brancos. Em regiões do norte e do sul, e
particularmente nestas, os alunos negros têm QI (coeficientes de
inteligência) significativamente menores (CASON Y& RABIN, 1960;
DREGER & MILLER, 1960; OSBORNE, 1960), e estão atrasados em
aritmética, leitura, uso da linguagem e capacidade para manejar conceitos
abstratos (BULLOCK, 1950; OSBORNE, 1960. A extrema pobreza
intelectual dos lares negros, mais do que seu status de classe social inferior,
se reflete no inglês deficientemente falado no lar e na carência geral de
livros, revistas e conversas estimulantes (AUSUBEL, 1976, p. 503, grifos do
autor)
118
.
Para o psicólogo estadunidense, a carência dos ambientes dessas crianças não
seria favorável para a aprendizagem dos conteúdos escolares, comprometendo seu
desempenho e mantendo-as em situação de desigualdade. As restrições provocariam impactos
na autoestima e nas expectativas de tais crianças que, segundo ele, tendem a ser muito baixas.
As idéias do autor sinalizam que essas dificuldades requerem do professorado mais
habilidades para “substituir” a família e inviabilizam a participação ativa da(o) estudante no
ambiente motivador da escola, o que lhes seria fundamentalmente necessário para superar sua
condição de inferioridade e alcançar o patamar de suas(seus) colegas. Não é muito difícil
denunciarmos as nefastas conseqüências de tal psicologismo sobre a formação do magistério.
Pensando no contexto brasileiro caracterizado por desigualdades sociais e pela
grande presença de negras e negros, as ideias de Ausubel (1976) não oferecem alternativas
para educar as crianças de nossa realidade escolar. A partir de outros estudos também
assinalamos a frequência e a amplitude com que circula a vinculação entre pobreza e
118
“Los alumnos negros se ven indudablemente obstaculizados en su trabajo académico por el nível de
desempeño intelectual inferior, en promedio, característico de alumnos blancos comparables. En regiones del
norte y del sur, y particularmente en éstas, los alumnos negros tienen CI significativamente menores (Carson y
Rabin, 1960; Dreger y Miller, 1960; Osborne, 1960), y están atrasados en aritmética, lectura, empleo del linguaje
y capacidad para manejar conceptos abstractos (Bullock, 1950; Osborne, 1960). La extrema depauperación
intelectual de los hogares negros, por encima de su estatus de clase social inferior, se refleja en el deficiente
inglês hablado en el hogar y en la carencia general de libros, revistas y conversaciones estimulantes (AUSUBEL,
1976, p. 503)”.
215
criminalidade, como também revelam o caráter moralista e assistencialista que marca a
educação popular desde o início da expansão escolar brasileira (PASSETTI, 2002;
KUHLMANN JUNIOR, 1998).
Considerando que os conflitos intergeracionais colocam em risco a
aprendizagem humana e a vida social, torna-se fundamental refletir sobre as lógicas em que
nos apoiamos para formar essas crianças, mobilizando-nos para a concretização do ensino
sem desprezar as propostas que possam favorecê-lo. Nessa perspectiva, concordamos com
Arroyo (2007), quando diz que
as imagens cândidas, românticas de infância o as primeiras a destruir-se,
como se não resistissem a uma infância e adolescência destruídas pela
barbárie social e que nos assusta com suas condutas violentas e
indisciplinadas. A tendência fácil é trocar a imagem dócil por seu oposto, a
violência. Passar de uma imagem angelical a uma imagem satanizada? Pior
ainda, na medida em que localizamos essas condutas em alguns adolescentes
e jovens, podemos não destruir as imagens românticas e cândidas, antes
reafirmá-las como a única imagem dos alunos de nossos sonhos docentes.
Uma atitude saudosista de uma infância, adolescência e juventude feitas à
medida da docência mais fácil. Podemos continuar sonhando com alunos
bons, alunos submissos, disciplinados, atentos, sem resistência, reação ou
contestação. Condenaremos alguns alunos para salvar a imagem ordeira da
maioria. Esta postura é a que mais aparece nos encontros docentes, porém
não é a que mais acontece nas escolas (ARROYO, 2007, p.35-36)
Ao longo deste capítulo, vimos que a presença das crianças desafia a
compreensão humana, em meio a aspectos paradoxais. Na criança, radicam a possibilidade de
continuidade da vida e a permanência de conhecimentos, de maneira que sua imagem lança as
ideias humanas para o futuro. De maneira geral, as tendências assinalam a democracia como
marco de chegada e as divergências se relacionam à compreensão desse significado e de sua
assunção nas ações formativas humanas, assim como ao conceito de humanidade que se
pretende buscar.
Historicamente, a compreensão pedagógica está relacionada à multiplicidade
de seus significados e isso não se torna diferente no momento atual. Queremos uma educação
que prepare cidadãos, que qualifique para o trabalho, que respeite as potencialidades dos(as)
estudantes, ao mesmo tempo em que democratizemos a escola como espaço público e
enfatizamos a necessidade de aprofundar esse debate. Mas, ao avançarmos no sentido de
incluir todas as pessoas, muitas vezes também recuamos e nos silenciamos diante de crianças,
adolescentes e jovens considerados com dificuldades de aprendizagem e de comportamento,
colocando-os à margem de seus direitos à educação escolar.
216
Enfim, mesmo considerando que a escola sozinha não promoverá a
transformação da sociedade como nos ensina Freire, entendemos que a desigualdade social e
outras formas que condicionam a participação democrática devam ser incorporadas às
reflexões didático-pedagógicas. Para percorrer tal caminho, afirmamos a necessidade de
indignarmo-nos diante de explicações que impliquem a naturalização das desigualdades e a
fundamentação de práticas que desqualifiquem ainda mais pessoas que se encontram à
margem da sociedade, seja na docência ou em investigações. Dessa forma, posicionamo-nos
em busca de respostas aos desafios que as interações no contexto escolar nos propõem,
contribuindo com a reformulação da “racionalidade” em que se baseiam as ações escolares em
âmbitos externos e internos, nas dimensões de planejamento e de execução para, dessa forma,
selar nosso compromisso com a formação escolar de todas as crianças.
217
APÊNDICE II: PROPOSTA DA PESQUISA APRESENTADA À ESCOLA
218
Nome da pesquisa: A arte e o diálogo: contribuições para a socialização de crianças no contexto escolar
119
Nome do estudante: Adriana Fernandes Coimbra Marigo
Nome do orientador: Prof. Dr. Amadeu José Montagnini Logarezzi
Escola: xxx
Tema a ser investigado: contribuições das atividades de artes plásticas para a convivência em
comunidades de aprendizagem.
As atividades de desenho, pintura e trabalhos tridimensionais serão tomadas como espaço para o
exercício do diálogo igualitário, além de se constituírem em oportunidades para alunos e alunas
aprofundarem seus conhecimentos sobre a linguagem artística e, através dela, se expressarem sobre si
e sobre o contexto em que vivem.
Questão de pesquisa:
Que características apresenta a convivência com alunos e alunas que participam em uma atividade
com artes plásticas, desenvolvida em uma escola que se transformou em Comunidade de
Aprendizagem?
Objetivos da pesquisa:
- geral: compreender as contribuições das atividades com artes, na perspectiva da aprendizagem
dialógica, para a convivência de participantes no contexto escolar;
- específicos: relacionar atividades de artes plásticas à prática do diálogo em sala de aula; identificar, a
partir das atividades propostas, as dimensões que favorecem ou dificultam os conflitos no contexto
escolar.
Participantes da pesquisa: alunos e alunas das 3ª e 4ª séries, seus familiares e professores/as
Forma de coleta de dados: observação comunicativa de alunas e alunos na atividade de artes;
entrevistas e grupos de discussão comunicativa com crianças, adolescentes, familiares e
professores/as.
Análise e resultados:
Ao desenvolver atividades artísticas em um contexto orientado pelo diálogo, espera-se buscar
alternativas para a ampliação dos conteúdos de ensino-aprendizagem, e para a melhoria na
convivência dentro e fora da sala de aula. Nessa perspectiva, poderão também ser identificadas as
contribuições e os limites da escola em relação à socialização de crianças e adolescentes.
São Carlos, 03 de março de 2008.
_______________________________ _______________________________
Estudante Orientador
119
Na primeira proposta apresentada à escola, esse era o nome do projeto aprovado no processo seletivo para
ingresso no curso de mestrado, posteriormente, alterado por três vezes.
219
APÊNDICE III: PLANEJAMENTO DOS ENCONTROS
220
1º encontro – Autorretrato
Objetivo geral: conhecer os participantes do projeto
Objetivos específicos:
- reconhecer a dinâmica do projeto Roda com Arte;
- compreender os autorretratos como expressão das características de seu(sua) autor(a);
- relacionar expressão artística e textual, através da apresentação de seu autorretrato.
Conteúdos:
- conceito de autorretrato
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das(os)
estudantes
Diálogos introdutórios
- apresentação pessoal
- apresentação do objetivo do projeto
Roda com Arte, as atividades que serão
desenvolvidas, o material que será
utilizado;
- ler junto os princípios da aprendizagem
dialógica;
- fazer os combinados.
Participar do diálogo;
Auto-retrativos
- perguntar se alguém conhece um
autorretrato;
- oferecer os autorretratos e dialogar
sobre eles, sobre as características.
Participar do diálogo
Leitura do texto
- leitura do texto Autorretrato pelos
participantes;
- perguntar se é possível identificar os
artistas pelas características da imagem e
as informações do texto
Ler e dialogar sobre o
texto
Desenho e escrita do
autorretrato
- solicitar que desenhem o autorretrato,
destacando as características que
desejarem;
- solicitar a escrita de texto para se
apresentarem.
Desenhar e escrever o
autorretrato
Fechamento
- perguntar o que acharam das
atividades;
- perguntar o que aprenderam no
encontro;
- entregar a autorização para participar
nas atividades;
- explicar sobre a pesquisa e as
anotações que serão feitas;
- entregar a palavra-chave para a
próxima semana: pré-história.
Participar do diálogo
Recursos utilizados:
- cartaz com os combinados;
- papel para forrar as mesas;
- imagens com autorretrato de Tarsila do Amaral, Vincent Van Gogh, Anita Malfatti e Pablo Picasso;
- texto Autorretrato;
- folha para produção do texto Autorretrato;
- folhas para desenho;
- lápis de cor;
221
- canetinhas;
- palavra-chave: pré-história
2º encontro – Arte na pré-história
Objetivos gerais:
- possibilitar o diálogo sobre a arte na pré-história e suas características;
- refletir sobre a relação do ser humano e o meio ambiente.
Objetivos específicos:
- conhecer a arte na pré-história, levantando suas principais características quanto aos materiais e
imagens usados;
- localizar a França como país da gruta de Lascaux;
- relacionar a arte da pré-história com o contexto de vida, destacando os animais como principais
elementos registrados;
- identificar os elementos naturais presentes no contexto da pré-história e na atualidade;
- refletir sobre a ação humana e seus reflexos sobre o ambiente natural;
- utilizar pigmentos naturais para a produção de seu próprio trabalho.
Conteúdos:
- arte da pré-história
- mundo natural e animais
- cuidados com o ambiente natural
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios
- apresentação de novos integrantes do
grupo;
- diálogo sobre formas de interação
durante o encontro:
respeito às falas de todas e
todos;
todas/os podem contribuir para a
aprendizagem do outro;
importância de que todas/os
aprendam;
não trabalho mais bonito ou
mais feio, melhor ou pior, mas
diferentes;
cada pessoa tem uma forma de
expressar seus pensamentos e
sentimentos;
se duas pessoas quiserem falar
ao mesmo tempo, tem
preferência de fala aquele que
fala menos;
explicar que vou fazendo as
inscrições de quem quiser falar;
- retomar os combinados, perguntando
se tem alguma ideia que pode ser
acrescentada;
- explicar que preciso fazer algumas
anotações, por causa do estudo que estou
fazendo sobre essas aulas; no final, vou
ler o que foi escrito; perguntar se tem
Participar do diálogo;
222
algum problema se eu fizer isto.
Arte da pré-história
- pedir para alguém comentar o que
aconteceu no último encontro;
- retomar a palavra-chave entregue no
encontro anterior, perguntar se alguém
se lembrou de perguntar sobre o que
significa pré-história;
- explicar que as imagens apresentadas
têm relação com pré-história;
- dialogar sobre as imagens, atentando
para os mbolos e os possíveis
materiais;
- leitura do texto Arte na pré-história
- conversar sobre o texto.
Participar do diálogo;
Leitura do texto
Participar do diálogo
Mundo natural e
animais
- apresentar os livros Os bichos, pedindo
para folhear e escolher um dos animais;
- pedir para preencherem a ficha sobre o
animal e elaborarem um pequeno texto a
partir do que anotaram na tabela;
- atentar para a utilização da letra
maiúscula no início da frase e na
pontuação; colocar o nome.
Ler o livro
Elaborar o texto
Cuidados com o
ambiente natural
- dialogar sobre o ambiente natural,
destacando os cuidados necessários para
a vida no planeta;
- pedir para forrarem a mesa;
- apresentar o material a ser utilizado,
explicando sua origem;
- solicitar que desenhem o animal
escolhido, destacando suas
características.
Participar do diálogo
Desenhar o animal
escolhido
Fechamento
- pedir para apresentarem o animal
escolhido, falando sobre o desenho ou
lendo o texto que escreveram;
- perguntar o que aprenderam no
encontro;
- ler as anotações feitas;
- entregar a palavra-chave para a
próxima semana: origami.
Participar do diálogo
Recursos utilizados:
- cartaz com os combinados;
- papel para forrar as mesas;
- livros Os bichos, A gruta de Lascaux e História Geral da Arte (Pintura I);
- texto Arte na pré-história;
- folha para produção de texto sobre animal escolhido;
- folhas para desenho;
- pigmentos e corantes naturais;
- algodão e palitos;
- lápis pretos;
- canetinhas;
- palavra-chave: origami
3º encontro – Arte japonesa
223
Objetivos gerais:
- possibilitar o diálogo sobre a arte japonesa e suas características;
- refletir sobre outros modos de vida
Objetivos específicos:
- conhecer a arte japonesa, levantando elementos relacionados aos seus modos de vida pelos materiais
e imagens usadas;
- contextualizar o centenário da imigração japonesa no Brasil;
- localizar o Japão e o Brasil no planisfério, assim como o estado de São Paulo como um dos estados
com maior imigração japonesa;
- refletir sobre a influência de outras culturas sobre os modos de vida brasileiros;
- compreender o origami como uma das formas da arte japonesa.
Conteúdos:
- arte japonesa
- origami
- diversidade cultural
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios
- apresentação de novos integrantes do
grupo;
- diálogo sobre formas de interação
durante o encontro:
respeito às falas de todas e
todos;
todas/os podem contribuir para a
aprendizagem do outro;
importância de que todas/os
aprendam;
não trabalho mais bonito ou
mais feio, melhor ou pior, mas
diferentes;
cada pessoa tem uma forma de
expressar seus pensamentos e
sentimentos;
se duas pessoas quiserem falar
ao mesmo tempo, tem
preferência de fala aquele que
fala menos;
explicar que vou fazendo as
inscrições de quem quiser falar;
- retomar os combinados, perguntando
se tem alguma ideia que pode ser
acrescentada.
Participar do diálogo;
Retomada da temática
do encontro anterior
- pedir para contarem os diálogos e
atividades do encontro anterior;
- anotar os destaques das crianças em
folha grande.
Participar dos diálogos
Arte japonesa
- apresentar livro de arte japonesa,
deixando observar as imagens
apresentadas;
- dialogar sobre os aspectos da vida
oriental apresentados nas imagens:
- participar de diálogos
- escolher imagem e
dizer o que observou
- localizar o Japão no
atlas
224
religião, roupas, moradias, esportes,
características físicas;
- pedir para localizar o Japão no atlas
Origami
- perguntar se alguém pesquisou sobre a
palavra entregue no encontro anterior;
- explicar que é uma palavra que veio da
língua japonesa;
-entregar o texto Origami, pedindo para
fazerem a leitura.
- pedir para comentarem a leitura
- participar dos diálogos;
- ler o texto;
- comentar o texto
Atividade prática - proposta de fazer um origami
- fazer o origami,
seguindo as orientações
Produção de texto
- a partir do origami, solicitar a
elaboração coletiva de uma história;
- pedir para escreverem a história,
atentando para uma execução com
coerência e detalhes ortográficos.
- elaboram a história
- escrevem a história
Finalização do encontro
- perguntar se gostaram do encontro e se
tem sugestões;
- entregar as palavras-chave, pedindo
para pesquisar a respeito.
- participar do diálogo
Recursos utilizados:
- cartaz com os combinados;
- livro History of Japanese Art;
- atlas geográfico;
- texto Origami;
- folhas para origami;
- folhas para produção de texto;
- canetinhas;
- lápis pretos;
- palavras-chave: taba, oca, cocar, tupy-guarani
Referências:
MASON, Penelope. History of Japanese Art. New York: Harry N. Abrams Inc. Publishers, 1993.
GENOVA, Carlos. Origami: a milenar arte das dobraduras. 5ª Ed. São Paulo: Escrituras Editora, 2001.
4º encontro – Arte indígena
Objetivos gerais:
- possibilitar o diálogo sobre a arte indígena e suas características;
- refletir sobre outros modos de vida
Objetivos específicos:
- conhecer a arte indígena, levantando elementos relacionados aos seus modos de vida pelos materiais
e imagens usadas;
- identificar a presença indígena anterior à colonização brasileira;
- localizar no mapa do Brasil, os estados que tem presença de indígenas;
- refletir sobre a influência de outras culturas sobre os modos de vida brasileiros;
- produzir desenhos a partir de pigmentos naturais.
Conteúdos:
- manifestações da arte indígena: plumária, cestaria/tecelagem, cerâmica e pintura corporal
- diversidade cultural
Tópicos e metodologia:
225
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios
- diálogo sobre formas de interação
durante o encontro:
respeito às falas de todas e
todos;
todas/os podem contribuir para a
aprendizagem do outro;
importância de que todas/os
aprendam;
não trabalho mais bonito ou
mais feio, melhor ou pior, mas
diferentes;
cada pessoa tem uma forma de
expressar seus pensamentos e
sentimentos;
se duas pessoas quiserem falar
ao mesmo tempo, tem
preferência de fala aquele que
fala menos;
explicar que vou fazendo as
inscrições de quem quiser falar;
- retomar os combinados, perguntando
se tem alguma ideia que pode ser
acrescentada.
Participar do diálogo;
Retomada da temática
do encontro anterior
- pedir para contarem os diálogos e
atividades do encontro anterior;
- anotar os destaques das crianças em
folha grande.
Participar dos diálogos
Arte indígena
- apresentar livros que mostrem imagens
de indígenas em seu ambiente de vida;
- dialogar sobre os aspectos da vida
indígena apresentados nas imagens:
religião, roupas, moradias;
- conversar sobre as influências
indígenas na nossa cultura: hábitos,
alimentação, palavras, lendas.
- participar de diálogos
- escolher imagem e
dizer o que observou
Lenda do Sol
- entregar o texto Lenda do Sol, pedindo
para fazerem a leitura.
- pedir para comentarem a leitura
- participar dos diálogos;
- ler o texto;
- comentar o texto
Atividade prática
- apresentar as opções de tecelagem e
pintura para decidirem sobre qual será
realizada.
- realizar a atividade
escolhida
Recursos utilizados:
- cartaz com os combinados;
- livro: Larousse Cultura, Enciclopédia Barsa;
- atlas geográfico;
- texto Lenda do Sol;
- folhas de papel panamá;
- corantes e pigmentos naturais;
5º encontro – Arte africana
Objetivos gerais:
226
- possibilitar o diálogo sobre a arte africana e suas características;
- refletir sobre manifestações culturais
Objetivos específicos:
- conhecer a arte africana, levantando elementos relacionados aos seus modos de vida pelos materiais e
imagens usadas;
- localizar o continente africano e o Brasil no planisfério;
- identificar a presença da arte africana no contexto brasileiro;
- refletir sobre a influência de outras culturas sobre os modos de vida brasileiros.
Conteúdos:
- manifestações da arte africana
- diversidade cultural
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios
- diálogo sobre formas de interação
durante o encontro:
respeito às falas de todas e
todos;
todas/os podem contribuir para a
aprendizagem do outro;
importância de que todas/os
aprendam;
não trabalho mais bonito ou
mais feio, melhor ou pior, mas
diferentes;
cada pessoa tem uma forma de
expressar seus pensamentos e
sentimentos;
se duas pessoas quiserem falar
ao mesmo tempo, tem
preferência de fala aquele que
fala menos;
explicar que vou fazendo as
inscrições de quem quiser falar;
- retomar os combinados, perguntando
se tem alguma ideia que pode ser
acrescentada.
Participar do diálogo;
Retomada da temática
do encontro anterior
- perguntar se alguém tem alguma coisa
importante para comunicar aos colegas;
- pedir para contarem os diálogos e
atividades do encontro anterior;
- anotar os destaques das crianças em
folha grande.
Participar dos diálogos
Arte africana
- apresentar imagens da arte africana;
- dialogar sobre os aspectos da vida
africana apresentados nas imagens:
religião, roupas, moradias;
- conversar sobre as influências na nossa
cultura
- participar de diálogos
- escolher imagem e
dizer o que observou
Leitura de texto
- propor a leitura do texto Arte africana
- destacar e relacionar o texto às
imagens apresentadas
- fazer a leitura
- comentar a respeito
227
Atividade prática
- oferecer o material para confecção da
máscara
- fazer a máscara
Diálogos finais
- leitura do texto final da observação do
encontro
- confirmar ou rejeitar as
informações lidas
Recursos didáticos:
- cartaz com os combinados;
- atlas geográfico;
- texto Arte africana;
- mistura para papel machê, água;
- vasilhas para o preparo da massa;
- pratos para molde.
Referências:
- www.pitoresco.com.br/art_data/arte_africana. Acesso em 31/08/2008. (Fonte: Enciclopédia Digital.
Enciclopédia Koogan-Houaiss).
- www.cyberartes.com.br/edicoes/41/aprenda.asp?edicao=41. Acesso em 31/08/2008
6º encontro: Arte no antigo Egito
Objetivos gerais:
- possibilitar o diálogo sobre a arte egípcia e suas características;
- relacionar o Egito com o continente africano
Objetivos específicos:
- localizar o Egito no continente africano;
- conhecer a arte do antigo Egito, levantando elementos relacionados aos seus modos de vida pelos
materiais e imagens usadas;
- relacionar a escravidão no antigo Egito e a escravidão dos negros africanos no Brasil.
Conteúdos:
- manifestações da arte
- diversidade cultural
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios - retomar os combinados Participar do diálogo
Imagens da arte egípcia:
- pirâmides
- pinturas;
- máscaras;
- esculturas
- oferecer os livros que contém as
imagens
Participar do diálogo
Leitura do texto A arte
no antigo Egito
- leitura pelas/os participantes
Fazer a leitura, usando o
dicionário quando
necessário.
Atividade prática
- oferecer os materiais para a confecção
da máscara aos estudantes que faltaram,
e para a pintura da máscara para Carla.
Confeccionar ou pintar a
máscara
Diálogos finais
Recursos didáticos:
Texto A arte no antigo Egito
Mistura para papel machê
Tinta guache
Pincéis
228
Referências:
Os últimos mistérios do mundo. Lisboa: Selecções do Reader’s Digest, 1979.
Atlas
Livro da biblioteca da escola.
7º encontro: realização do grupo de discussão
Tema: aprendizagens e reflexões em torno de obras artísticas
Objetivo geral: conhecer as aprendizagens e as reflexões ao redor das obras artísticas examinadas nos
encontros anteriores
Conteúdos:
Autorretratos
Arte na pré-história
Arte japonesa
Arte indígena
Arte africana
Arte no antigo Egito
Recursos:
- imagens dos autorretratos (Tarsila do Amaral, Van Gogh, Anita Malfatti e Portinari)
- livros contendo imagens da arte na pré-história e no antigo Egito (Os últimos mistérios do mundo e
História Geral da Arte – volume 1)
- imagens das produções de arte indígena
- imagens das produções de arte africana
- imagens das produções de arte japonesa
- origamis
Procedimentos:
- Explicar às/aos estudantes o objetivo da realização do grupo de discussão.
- Pedir permissão para gravação dos diálogos
- Conduzir o grupo a partir das perguntas:
- Por que as pessoas desenham, pintam e esculpem?
- Olhando as produções artísticas que foram feitas ao longo do tempo, o que podemos entender
sobre a vida das pessoas que as fizeram?
- Qual é a produção artística que mais chamou a sua atenção? Por que?
- Quais foram as produções que fizemos em nossos encontros?
- Qual foi a produção que você mais gostou de fazer?
- Por que as pessoas fazem escolhas diferentes?
- Na sua opinião, o que facilitou a realização de nossos encontros e a aprendizagem sobre
obras artísticas?
- O que dificultou a realização de nossos encontros e a aprendizagem sobre obras artísticas?
- Ao final dos diálogos, será colocada a fita para ouvirmos os diálogos. Perguntar se gostariam de
alterar alguma fala ou acrescentar alguma informação que não foi falada.
- Encerrar o encontro, convidando para pintarem as máscaras preparadas no encontro anterior ou
pintarem sobre o que mais gostaram em nossos encontros.
8º e 9º encontros: A arte na idade média
Objetivo geral: possibilitar o diálogo sobre a arte na idade média
Objetivos específicos:
- reconhecer as principais características da arte na idade média;
- conhecer o contexto histórico e geográfico da arte bizantina, românica e gótica;
- compreender a constituição social da Europa medieval: igreja, nobreza e povo.
229
Conteúdos:
- arte bizantina, românica e gótica;
- história medieval
- continente europeu
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios
- retomar os combinados;
- abrir espaço para os comunicados
Participar do diálogo
Imagens de obras de arte
bizantina, românica e
gótica
- oferecer as imagens, dialogando
sobre cada uma e suas características;
- destacar os materiais e os mbolos,
dialogando sobre sua representação
(a presença de Deus e da nobreza se
sobrepõem às pessoas comuns);
- destacar a arquitetura das igrejas e
dos castelos.
Participar do diálogo
Localização do contexto
geográfico
- apresentar o planisfério, pedindo
para localizarem o continente
europeu;
- identificar a parte oriental e a
ocidental;
- explicar a mudança de nomes de
Bizâncio/Constantinopla/Istambul.
Localizar a Europa
Leitura do texto A arte na
idade média
- leitura pelas/os participantes;
- pedir para fazerem destaques;
- lembrar a existência de um mosaico
em frente à biblioteca.
- Fazer a leitura, usando o
dicionário quando
necessário;
- participar dos diálogos.
Complementação das
informações
- mostrar em livro da biblioteca
(enciclopédia Conhecer) um castelo
feudal e uma aldeia, pedindo para
destacar as diferenças na vida das
pessoas da época;
- destacar a possibilidade de utilizar o
livro da biblioteca, se quiserem
conhecer mais sobre a época
estudada.
Participar dos diálogos,
destacando os aspectos
interessantes
Atividade prática
- oferecer os materiais para a
confecção de um vitral com papel.
Realizar a atividade
Diálogos finais - leitura da síntese do encontro
Complementar ou
retificar as informações
coletadas
Recursos didáticos:
- imagens de igrejas românicas e góticas, arte bizantina, vitral, iluminuras
- livros História Geral da Arte Pintura 1 e enciclopédia Conhecer;
- texto A arte na idade média
- papel cartão preto e folhas de celofane coloridas;
- estilete
- lápis branco
- tesoura, cola
230
Referências:
- FIGUEIREDO, Lenita Miranda de. História da Arte para Crianças. 4ª Ed. São Paulo: Pioneira, 1988.
- NICHOLSON, Sue e ROBINS, Deri. Livro gigante de arte para crianças. Trad. Carolina Caires
Coelho. São Paulo: Girassol; Londres: Qed Publishing, 2008.
10º encontro: Leonardo da Vinci
Objetivo geral: conhecer a produção artística de Leonardo da Vinci
Objetivos específicos:
- conhecer algumas das obras produzidas por Leonardo da Vinci;
- comparar essas produções com as artes estudadas de forma genérica;
- localizar o continente europeu, a Itália e o Renascimento como contextos de vida de Leonardo da
Vinci;
- conhecer alguns aspectos biográficos e culturais do artista;
- identificar obras relacionadas ao pintor na biblioteca da escola;
- expressar a compreensão dos conceitos de figura, fundo, perspectiva e técnica de sfumato, a partir da
atividade de colagem e utilização de pigmentos.
Conteúdos:
- biografia do pintor
- contexto histórico e geográfico das produções artísticas
- noções sobre figura, fundo, perspectiva, afresco e técnica de sfumato
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios
- retomar os combinados;
- abrir espaço para os comunicados
Participar do diálogo
Imagens das obras de
Leonardo da Vinci
- oferecer as imagens, dialogando
sobre cada uma, seus títulos e suas
características;
- destacar o uso de figuras humanas,
como característica do
Renascimento;
- destacar as noções de figura e fundo
em todas elas;
- destacar o significado de afresco e
perspectiva, a partir da obra A última
Ceia;
- destacar a técnica do sfumato nas
obras Mona Lisa e Sant’Ana, a
Virgem e o Menino.
Participar do diálogo
Localização do contexto
geográfico
- apresentar o planisfério, pedindo
para localizarem o continente
europeu, a Itália e Florença.
Localizar a Europa, a
Itália e Florença
Leitura do texto Você
conhece este homem?
- leitura pelas/os participantes
- pedir para fazerem destaques
- Fazer a leitura, usando
o dicionário quando
necessário;
- participar dos diálogos.
Complementação das
informações
- mostrar livros da biblioteca da
escola sobre o pintor, verificando
desejo ou necessidade de mais
informações sobre o pintor;
- destacar a possibilidade de acessar
as informações complementares nos
- verificar os livros,
apontando aspectos que
considerarem
interessantes;
231
livros da biblioteca
Atividade prática
- oferecer os materiais para a
atividade de colagem;
- explicar a técnica do sfumato,
oferecendo a possibilidade de sua
utilização.
- realizar a atividade
Diálogos finais
Recursos didáticos:
- reproduções de Mona Lisa; Sant’Ana, a Virgem e o Menino; A Última Ceia; e Dama com um
Arminho
- texto Você conhece este homem?
- cartolina
- revistas
- tesoura e cola;
- pigmentos naturais (terra, carvão e urucum)
Referências:
- http: //cienciahoje.uol.com.br/4005 – acesso em 14/09/2008
- FIGUEIREDO, Lenita Miranda de. História da Arte para Crianças. 4ª Ed. São Paulo: Pioneira, 1988.
11º encontro: Antonio Francisco Lisboa
Objetivo geral: conhecer a produção artística de Antonio Francisco Lisboa
Objetivos específicos:
- conhecer algumas das obras produzidas por Antonio Francisco Lisboa, o material e a técnica usada
pelo artista;
- localizar o estado de Minas Gerais e a cidade de Ouro Preto como contextos de vida de Antonio
Francisco Lisboa;
- conhecer alguns aspectos biográficos do artista;
- levantar temáticas sociais como o uso de apelidos pejorativos, a deficiência física, a arte como
profissão;
- identificar obras relacionadas ao artista na biblioteca da escola;
- expressar a compreensão sobre o conceito de escultura, a partir de uma barra de sabão e o uso de
espátulas.
Conteúdos:
- biografia do artista
- contexto histórico e geográfico das produções artísticas
- arte de esculpir
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios
- retomar os combinados;
- abrir espaço para os comunicados
Participar do diálogo
Imagens das obras de
Antonio Francisco Lisboa
- oferecer as imagens a partir de
livros, dialogando sobre cada uma,
seus títulos e suas características;
- destacar as figuras sacras, como
característica da arte barroca mineira;
- destacar os materiais utilizados nas
esculturas e nos entalhes.
- destacar os Profetas como
patrimônio histórico da humanidade.
Participar do diálogo
232
Localização do contexto
geográfico
- apresentar o planisfério, pedindo
para localizarem o continente
americano, o Brasil, o estado de
Minas Gerais e as cidades de Ouro
Preto e Congonhas do Campo.
Localizar a América do
Sul, o Brasil, Minas
Gerais Ouro Preto,
Congonhas do Campo.
Leitura do texto Antonio
Francisco Lisboa, o
Aleijadinho
- leitura pelas/os participantes
- pedir para fazerem destaques
- Fazer a leitura, usando
o dicionário quando
necessário;
- participar dos diálogos.
Complementação das
informações
- mostrar esculturas em pedra sabão;
- mostrar livros da biblioteca da
escola sobre o artista, verificando
desejo ou necessidade de mais
informações;
- destacar a possibilidade de acessar
as informações complementares nos
livros da biblioteca
- verificar os livros,
apontando aspectos que
considerarem
interessantes;
Atividade prática
- oferecer os materiais para a
atividade de escultura em sabão de
pedra;
- esclarecer que não se trata do
material utilizado pelo artista que
está sendo estudado;
- explicar a técnica de esculpir, a
partir de uma barra de sabão e do uso
de espátulas
- realizar a atividade
Diálogos finais
- elaborar a síntese a partir dos
comentários emitidos
- complementar ou
alterar as informações
registradas
Recursos didáticos:
- imagens do livro Congonhas do Campo. Texto de Robert S. Smith. Fotos de Marcel Gautherot e
Robert C. Smith. Rio de Janeiro: Agir, 1973.
- texto Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho
- esculturas em pedra sabão
- sabão em pedra
- espátulas
- jornais para forrar as mesas
Referência:
- REGO, L. e BRAGA, Angela. Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Suplemento Didático.
Moderna. Disponível em <http: www.moderna.com.br/catalogo/encartes/85-16-02313-3.pdf. Acesso
em 10/10/2008.
12º encontro: Anita Malfatti
Objetivo geral: conhecer a produção artística de Anita Malfatti
Objetivos específicos:
- conhecer algumas das obras produzidas por Anita Malfatti, o material e os gêneros artísticos
expressados pela artista, como retratos, paisagens, natureza morta;
- localizar o estado de São Paulo, a cidade de São Paulo e a época histórica em que viveu Anita
Malfatti (1889-1964);
- conhecer alguns aspectos biográficos do artista;
- levantar temáticas sociais como dificuldades físicas e contextuais na expressão pessoal, assim como
formas de superação; artistas mulheres;
233
- identificar obras relacionadas à artista na biblioteca da escola;
- expressar a compreensão sobre a arte da pintura com o uso de pincéis e tintas.
Conteúdos:
- Anita Malfatti e contexto histórico-cultural
- arte da pintura
- conceitos de retrato, paisagem e natureza-morta
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios - abrir espaço para os comunicados Participar do diálogo
Imagens das obras de Anita
Malfatti
- oferecer as imagens, dialogando
sobre cada uma, seus títulos e suas
características;
- destacar as figuras e os fundos de
cada imagem;
- diferenciar as características de
retratos, paisagens e natureza morta;
- destacar os materiais básicos
utilizados nas pinturas: telas, pincéis
e tintas.
Participar do diálogo,
ajudando a destacar as
características e
manifestando suas
opiniões a respeito das
obras apresentadas
Localização do contexto
geográfico
- apresentar o planisfério, pedindo
para localizarem o continente
americano, o Brasil, o estado de São
Paulo e a cidade de São Paulo.
Localizar a América do
Sul, o Brasil, o estado de
São Paulo e a cidade de
São Paulo.
Leitura do texto Anita
Malfatti: Sabida Maldita
- leitura pelas/os participantes
- pedir para fazerem destaques
- Fazer a leitura, usando
o dicionário quando
necessário;
- participar dos diálogos.
Complementação das
informações
- mostrar livros da biblioteca da
escola sobre a artista, verificando
desejo ou necessidade de mais
informações;
- destacar a possibilidade de acessar
as informações complementares nos
livros da biblioteca
- verificar os livros,
apontando aspectos que
considerarem
interessantes;
Atividade prática
- oferecer os materiais para a
atividade de pintura com tinta guache
em cartolina;
- esclarecer que a artista usou
também outras formas de tinta e de
superfície na realização de suas
obras;
- pedir para imaginarem uma
paisagem, uma pessoa ou um
elemento de natureza morta e
representarem com o uso de pincéis e
tinta guache na cartolina.
- realizar a atividade
Diálogos finais
- elaborar a síntese a partir dos
comentários emitidos
- complementar ou
alterar as informações
registradas
Recursos didáticos:
234
- imagens de obras produzidas por Tarsila do Amaral: Paisagem de Ouro Preto (1948), Tarsila por
Anita Malfatti (1919), Vaso de Flores (s/d), A Estudante (1915) e Autorretrato (1922)
- texto Anita Malfatti: Sabida Maldita
- jornais para forrar as mesas
- pincéis
- tinta guache
- cartolina cortada em pedaços
Referências:
- ABUJAMRA, Adriana. Ilustrações Sylvain Barré. Anita Malfatti: Sabida Maldita. In: Traços
Travessos: Histórias de 20 pintores. São Paulo: Geração Editorial, 2003.
- imagens disponíveis em:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_obras&aca
o=mais&inicio=33&cont_acao=5&cd_verbete=323>
– acesso em 26/10/2008.
13º encontro: Vincent Van Gogh
Objetivo geral: conhecer a produção artística de Vincent Van Gogh
Objetivos específicos:
- conhecer algumas das obras produzidas por Van Gogh, o material e os gêneros artísticos expressados
pela artista, como retratos, paisagens, natureza morta;
- localizar a Holanda e a época em que viveu Van Gogh (1853-1890);
- conhecer alguns aspectos biográficos do artista;
- levantar temáticas sociais como solidão, dificuldades de relacionamento, temperamento forte;
- identificar obras relacionadas ao artista na biblioteca da escola;
- expressar a releitura de Girassóis (1888).
Conteúdos:
- biografia Van Gogh
- arte da pintura
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios - abrir espaço para os comunicados Participar do diálogo
Imagens das obras de Van
Gogh
- oferecer as imagens, dialogando
sobre cada uma, seus títulos e suas
características;
- destacar as figuras e os fundos de
cada imagem;
- identificar as cores e a forma de
expressão de Van Gogh;
- destacar os materiais básicos
utilizados nas pinturas: telas, pincéis
e tintas.
Participar do diálogo,
ajudando a destacar as
características e
manifestando suas
opiniões a respeito das
obras apresentadas
Localização do contexto
geográfico
- apresentar o mapa múndi, pedindo
para localizarem a Europa e a
Holanda.
Localizar a Europa e a
Holanda.
Leitura do texto Van Gogh
- leitura pelas/os participantes
- pedir para fazerem destaques
- Fazer a leitura, usando
o dicionário quando
necessário;
- participar dos diálogos.
Complementação das
informações
- mostrar livros da biblioteca da
escola sobre o artista, verificando
- verificar os livros,
apontando aspectos que
235
desejo ou necessidade de mais
informações;
- destacar a possibilidade de acessar
as informações complementares nos
livros da biblioteca
considerarem
interessantes;
Atividade prática
- esclarecer que a técnica utilizada
pelo artista foi a pintura, mas que é
possível fazer uma releitura de uma
obra de arte com material e formas
diferentes;
- oferecer os materiais para a
releitura de Girassóis: atividade de
colagem e pintura;
- realizar a atividade
Diálogos finais
- elaborar a síntese a partir dos
comentários emitidos
- complementar ou
alterar as informações
registradas
Recursos didáticos:
- imagens de obras produzidas por Van Gogh;
- texto Vincent Van Gogh
- jornais para forrar as mesas
- pincéis
- tinta guache
- cartolina cortada em pedaços
- folhas de EVA
- miçangas
Referência:
RAFFA, Ivete. Fazendo Arte com os Mestres. São Paulo: Editora Scolar, 2007.
14º encontro: Pablo Picasso
Objetivo geral: conhecer a produção artística de Pablo Picasso
Objetivos específicos:
- conhecer algumas das obras produzidas por Picasso;
- localizar a Espanha e a época em que viveu Picasso (1881 -1973);
- conhecer alguns aspectos biográficos do artista;
- conhecer conceito de arte abstrata
- identificar obras relacionadas ao artista na biblioteca da escola;
- expressar a imaginação através de colagem com barbantes.
Conteúdos:
- biografia Picasso
- arte abstrata: expressão do que vê, através de desenhos comuns, cores vivas e formas e objetos
curiosos.
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios - abrir espaço para os comunicados Participar do diálogo
Imagens das obras de
Picasso
- oferecer as imagens, dialogando
sobre cada uma, seus títulos e suas
características;
- destacar as figuras e os fundos de
cada imagem;
Participar do diálogo,
ajudando a destacar as
características e
manifestando suas
opiniões a respeito das
236
- identificar as cores e a forma de
expressão de Picasso.
obras apresentadas
Localização do contexto
geográfico
- apresentar o mapa múndi, pedindo
para localizarem a Europa e a
Espanha.
Localizar a Europa e a
Espanha.
Leitura do texto Pablo
Picasso
- leitura pelas/os participantes
- pedir para fazerem destaques
- Fazer a leitura, usando
o dicionário quando
necessário;
- participar dos diálogos.
Complementação das
informações
- mostrar livros da biblioteca da
escola sobre o artista, verificando
desejo ou necessidade de mais
informações;
- destacar a possibilidade de acessar
as informações complementares nos
livros da biblioteca
- verificar os livros,
apontando aspectos que
considerarem
interessantes;
Atividade prática
- uso de material não convencional
para expressão de imagens: lãs
coloridas, papel e cola, além de tinta
e pincéis.
- realizar a atividade de
colagem.
Diálogos finais
- elaborar a síntese a partir dos
comentários emitidos
- complementar ou
alterar as informações
registradas
Recursos didáticos:
- imagens de obras produzidas por Picasso;
- texto Picasso
- bandeja para cola
- plástico para forrar a mesa
- lãs de cores diversas
- tinta guache
- cartolina cortada em pedaços
- pincéis
Referência:
- NEWBERY, Elizabeth. Como e por que se faz arte. São Paulo: Editora Ática, 2005.
http://www.redescola.com.br/kids/index.php?option=com_content&task=view&id=91&Itemid=9.
Acesso em 24/11/2008.
15º encontro: Salvador Dali
Objetivo geral: conhecer a produção artística de Salvador Dali
Objetivos específicos:
- conhecer algumas das obras produzidas por Dali;
- localizar a Espanha e a época em que viveu Dali (1904 -1989);
- conhecer alguns aspectos biográficos do artista;
- reconhecer conceito de arte abstrata
- identificar obras relacionadas ao artista no jogo proposto;
- expressar sonhos em um desenho para ilustrar a capa de um livrinho que abrigará todos os textos que
foram trabalhados.
Conteúdos:
- biografia Dali
- arte abstrata: expressão do que se vê ou imagina, através de desenhos comuns, cores vivas e formas e
objetos curiosos;
237
Tópicos e metodologia:
Tópicos Atividades e condições oferecidas
Atividades das/os
estudantes
Diálogos introdutórios - abrir espaço para os comunicados Participar do diálogo
Imagens das obras de Dali
- oferecer as imagens, dialogando
sobre cada uma, seus títulos e suas
características;
- destacar as figuras e os fundos de
cada imagem;
- identificar as cores e a forma de
expressão de Dali.
Participar do diálogo,
ajudando a destacar as
características e
manifestando suas
opiniões a respeito das
obras apresentadas
Localização do contexto
geográfico
- apresentar o globo terrestre,
pedindo para localizarem a Europa e
a Espanha.
Localizar a Europa e a
Espanha.
Leitura do texto Salvador
Dali: A cor dos sonhos
- leitura pelas/os participantes
- pedir para fazerem destaques
- Fazer a leitura, usando
o dicionário quando
necessário;
- participar dos diálogos.
Complementação das
informações
- mostrar as obras de Dali no jogo da
memória
-apontar aspectos que
considerarem
interessantes;
Atividade prática
- desenhar a capa de um livrinho para
abrigar todos os textos trabalhados;
- usar tinta ou lápis de cor, conforme
desejar.
- fazer o desenho
Diálogos finais
- elaborar a síntese a partir dos
comentários emitidos
- complementar ou
alterar as informações
registradas
Recursos didáticos:
- jogo da memória Salvador Dali;
- texto Salvador Dali: A cor dos sonhos (livro: Traços travessos)
- plástico para forrar a mesa
- tinta guache, pigmentos naturais
- cartolina cortada em pedaços
- pincéis
- lápis de cor
Referência:
- ABUJAMRA, Adriana. Ilustrações Sylvain Barré. Salvador Dali: A cor dos sonhos. In: Traços
Travessos: Histórias de 20 pintores. São Paulo: Geração Editorial, 2003.
238
APÊNDICE IV: TEXTOS ELABORADOS PARA O PROJETO RODA COM ARTE
120
120
Todos os textos foram elaborados por mim, a partir de informações coletadas das referências indicadas em
cada encontro detalhado no apêndice III.
239
1. Autorretrato
Uma imagem de uma pessoa real é chamada de retrato. Alguns retratos são encomendados
especialmente a pintores, geralmente para fazer alguém parecer mais bonito, importante ou poderoso.
Muitas vezes, os pintores fazem retratos de si mesmo. Este tipo de pintura é chamado de
autorretrato.
Quando olhamos um auto-retrato, podemos perceber que o pintor quer chamar a atenção para
alguma característica sua.
Tarsila do Amaral era muito bonita, vaidosa e gostava de se vestir bem.
Vincent Van Gogh era inquieto, mas gostava de ficar sozinho. Decidiu ser pintor, aos vinte e
sete anos.
Pablo Picasso era alegre e confiante. Com vinte anos, já era famoso.
Anita Malfatti tinha um defeito na mão direita. Mas, ousada e criativa, decidiu pintar com a
mão esquerda.
2. Arte na pré-história
Em 1940, quatro crianças e um cachorro passeavam pelas colinas rochosas de uma região na
França, quando o cão desapareceu através de um buraco nas pedras. Ao penetrarem na passagem atrás
do animal, as crianças alcançaram uma enorme sala.
Então, perceberam que estavam em uma caverna, uma gruta. Com a luz trêmula do lampião de
querosene, olharam para as imensas paredes da rocha e fizeram uma grande descoberta. Ali, estavam
desenhados fortes traços e pinturas coloridas de grandes animais.
Vacas vermelhas, cavalos amarelos, veados e touros negros pareciam correr em uma atmosfera
mágica e misteriosa. Logo, a notícia correu o mundo, atraindo milhares de estudiosos para a gruta de
Lascaux. Os estudos sobre as pinturas revelaram que haviam sido feitas há 17 mil anos.
Muitas outras cavernas foram descobertas em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil,
com pinturas representando animais e outros símbolos indecifrados.
3. Origami
A palavra origami é de origem japonesa e significa ori = dobrar e gami = papel. Acredita-se que
a arte de dobrar papel, ou origami, seja um costume religioso de épocas muito antigas, quando as
divindades representadas em papel, decoravam os templos. Com o tempo, essa arte tornou-se uma
prática muito popular no Japão e as crianças passaram a aprender a dobrar papel para representar
objetos de sua vida diária, barcos, chapéus, bonecas e animais.
No Brasil, o origami veio com a chegada dos primeiros imigrantes japoneses que vieram
trabalhar nas lavouras de café, principalmente, no oeste do estado de São Paulo. Neste ano de 2008,
estão sendo comemorados os cem anos da chegada do primeiro navio ao porto de Santos, em 1908: o
Kasato Maru.
Desde então, milhares de japoneses vieram ao Brasil formando bairros e colônias e deparando-
se com muitas dificuldades para a sua integração, como a língua diferente, os costumes, a religião, o
240
clima, a alimentação e o preconceito. Mas, não podiam voltar para seu país porque tinham que
cumprir seu contrato de trabalho com os fazendeiros.
Assim, permaneceram aqui, trazendo seus costumes, língua, crenças e conhecimentos, além do
origami e de outras formas artísticas.
4. Lenda do Sol (indígena)
Para os índios, o sol era gente e se chamava KUANDÚ.
Kuandú tinha três filhos: um é o sol que aparece na seca; o outro, mais novo, sai na chuva; e o
filho do meio ajuda os outros dois quando estão cansados.
muito tempo um índio teria comido o pai de Kuandú. Por isso, este queria se vingar. Uma
vez, Kuandú estava muito bravo e foi para o mato pegar coco. Lá, encontrou o índio em uma palmeira
inajá.
Kuandú disse que ele ia morrer, mas o índio foi mais rápido, acertando-o com um cacho de coco
na cabeça. Foi aí que tudo escureceu.
As crianças começaram a morrer de fome porque o índio não podia trabalhar na roça e nem
pescar, pois estava tudo escuro.
A mulher de Kuandú mandou o filho sair de casa e ficou claro de novo. Mas um pouco,
porque era muito quente para ele. O filho não agüentou e voltou para casa. Escureceu de novo. E
assim ficaram os três filhos de Kuandú entrando e saindo de casa.
Portanto, quando é sol forte, é o filho mais velho que está fora de casa. Quando é sol mais fraco,
é o filho mais novo. O filho do meio só aparece quando os irmãos ficam cansados.
5. Arte africana
A arte africana é uma arte funcional, preocupada com a utilização do objeto de arte. Muitas
vezes, a funcionalidade se dava sob o aspecto da utilização religiosa. Os africanos realizavam
cerimônias para os seus mortos e, soma-se a isso, toda influência vinda da Europa. O resultado disso é
uma arte complexa e variada, mais frequentemente voltada para a religiosidade.
O povo africano gosta muito de utilizar enfeites, roupas e adornos, o que também constitui uma
arte.
As esculturas são nitidamente representativas de pessoas importantes, como reis e rainhas.
Algumas procuram substituir pessoas falecidas. Os africanos modelam peças de grande valor, em
bronze, ouro e marfim, utilizando técnicas que seriam conhecidas dos europeus um século depois.
As peças mais comuns são cabeças e bustos.
Nas esculturas, também se mostram os hábitos do povo africano e ritos religiosos. Algumas
peças são encontradas em ouro, um metal abundante em algumas regiões africanas.
As máscaras também são um dos segmentos mais importantes da arte africana. A máscara
representa um disfarce que permite a incorporação de espíritos e possibilita absorver forças mágicas e
místicas, durante cerimônias como funerais, rituais mágicos, nascimentos e casamentos. A África tem
muitas seitas secretas que utilizam essas máscaras para preservar a identidade dos participantes.
Também é freqüente encontrar pinturas em pedras no deserto de Saara, representando animais
que, inclusive, já estão extintos.
241
6. A arte no Antigo Egito
No norte da África, encontramos um país cujo povo desenvolveu uma cultura bastante peculiar,
pois na maior parte de sua história manteve pouco contato com outras civilizações.
Esse povo produziu muitas obras artísticas que apresentavam sua maneira de compreender o
mundo, através de pinturas, esculturas, construções e máscaras.
Toda a sua arte girava em torno dos deuses, do faraó e de sua corte. Mas, os antigos egípcios
não encaravam a arte pela própria arte. Todos eles, sejam arquitetos, escultores ou pintores,
consideravam-se funcionários ou artesãos que produziam artefatos destinados a alguma função:
religiosa, funerária ou de qualquer outro tipo.
Os egípcios acreditavam na vida após a morte e, por isso, os faraós ordenavam aos seus
escravos que fossem construídas grandes construções em formato de pirâmides, para serem enterrados
levando consigo vários objetos e, inclusive, serviçais para a nova vida.
Os artífices trabalhavam o barro, a pedra, a madeira e os metais. Com as esculturas pretendiam
obter a eternização do homem. Muitos objetos eram produzidos em ouro e prata, como braceletes e
colares decorados com pedras preciosas. Esses objetos distinguiam as pessoas mais poderosas. Eram
usados também como talismãs.
7. Arte na Idade Média
Durante aproximadamente 1000 anos, arte e religião cristã estiveram muito relacionadas na
história da Europa. Foi o período conhecido como “Idade Média”, cujo início foi marcado pelas
invasões no Imrio Romano no ano de 476.
No lado oriental da Europa, começou o Império Bizantino, ocupando um lugar muito especial
na história das artes. A arte bizantina foi posta a serviço da religião cristã, decorando as paredes e
abóbadas das catedrais, e servindo de fonte de instrução e guia espiritual aos fiéis. Nos mosaicos
coloridos, eram mostradas cenas da vida de Cristo, dos profetas e dos vários imperadores. O dourado
era usado com abundância, pela associação a um dos maiores bens materiais: o ouro.
No lado ocidental da Europa, a arte de Roma ficou restrita aos conventos, mosteiros e abadias.
Os monges decoravam as páginas dos manuscritos de suas bibliotecas com pequenos desenhos
chamados iluminuras. As igrejas eram construídas em pedra, como verdadeiras fortalezas, contendo
pinturas e afrescos em suas paredes com ilustrações das passagens bíblicas. Os castelos dos nobres
eram enfeitados com grandes tapeçarias, que também tinham a finalidade de diminuir a umidade das
paredes de pedras.
Ao final da Idade Média, a arte românica foi se transformando na arte gótica. As igrejas
perderam aquele ar de fortaleza e começaram a se elevar, tornando-se suntuosas catedrais. Suas
paredes foram abertas com vitrais, permitindo a passagem de luz e produzindo reflexos coloridos em
seu interior.
8. Você conhece este homem?
Leonardo nasceu em 1452 na cidade italiana de Vinci. Filho ilegítimo de um importante
proprietário rural e de uma camponesa, não pôde usar o sobrenome da família de seu pai. Assim,
incorporou ao seu nome de batismo Leonardo o de sua cidade natal, ficando conhecido como
Leonardo da Vinci!
242
Entregue pela mãe aos cuidados do pai, o pequeno Leonardo gostava de desenhar tudo o que via
pelos arredores de sua casa: insetos, flores, passarinhos... Nada escapava a seus olhos!
Por meio de seus desenhos, Leonardo da Vinci tentava descobrir como as coisas funcionavam.
Ele analisava cada detalhe, desenhava e depois fazia anotações no desenho. O curioso é que as
anotações eram todas escritas ao contrário! Para decifrá-las, seria preciso colocá-las na frente de um
espelho.
Como desenhava bastante, o pai de Leonardo decidiu levá-lo a Florença, cidade próxima a
Vinci, onde se concentravam grandes artistas da Europa. Lá, enquanto ajudava seu mestre, o jovem de
apenas 20 anos de idade começou a demonstrar seu talento.
Não demorou muito para que Leonardo da Vinci começasse a ser chamado para pintar retratos
de pessoas, que pareciam muito reais. Sua obra Mona Lisa seria uma das obras de arte mais
conhecidas de todos os tempos.
Mas Leonardo da Vinci não era apenas um pintor. Era também escultor e arquiteto, além de
inventar e fabricar máquinas. Como outras pessoas de sua época, ele também se dedicava à ciência,
que apenas começava. Sonhava voar como os pássaros, desenhando e projetando máquinas que
pudessem voar.
9. Antonio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”
Antonio Francisco Lisboa viveu em uma época em que o Brasil era colônia de Portugal, sendo
considerado o maior representante da arte barroca brasileira.
Nasceu em Vila Rica, Minas Gerais, em 1730. Era filho do arquiteto português Manuel
Francisco e de sua escrava africana Isabel. Com o pai, aprendeu o ofício e a arte da escultura.
Mesmo após contrair uma doença grave, que lhe rendeu o apelido de Aleijadinho, ele não parou
de trabalhar. Muitas vezes escondido, por vergonha de suas deformações, ou carregado pelas costas
por seu ajudante, ele obstinadamente continuou a talhar e a criar.
A arte de Aleijadinho era apresentada em diferentes materiais, como madeira, pedra sabão e
mármore, geralmente com temas religiosos.
Aleijadinho deixou inúmeras obras maravilhosas em várias cidades de Minas Gerais, antes de
falecer em 1814. Dentre elas, estão os Profetas esculpidos em pedra sabão em tamanho quase natural.
Essas obras foram encomendadas para ornamentar o adro do Santuário do Senhor Bom Jesus de
Matosinhos, em Congonhas do Campo.
10. Vincent Van Gogh (1853 – 1890)
Vincent Van Gogh nasceu na Holanda, no dia 30 de março de 1853. Filho de um pastor
protestante, herdou de seu pai o forte sentimento religioso pela vida e pela natureza que caracterizou o
seu trabalho.
Vincent e seu irmão mais novo, Théo, eram muitos amigos. Seu irmão não o incentivou o
desejo de Vincent ser pintor, como também o sustentou, financeiramente, nos últimos anos de sua
vida. Van Gogh nunca se deu bem com seus pais e teve poucos amigos.
Era incapaz de ganhar dinheiro para sustentar-se e costumava entregar-se a paixões não
correspondidas. Em alguns momentos de sua vida, ficava violento e sofria alucinações terríveis.
Durante esses períodos, não pintava nem escrevia.
243
Em seus últimos anos de vida, Van Gogh criou um estilo próprio de pintura, aplicando
pinceladas firmes e carregadas, sem hesitação. Assim, produziu um grande volume de obras nos anos
vividos em Paris, na França, até colocar um fim em sua vida, em 29 de julho de 1890.
Van Gogh não conheceu a fama nem a fortuna, e vendeu apenas um quadro. Passou fome e
frio, viveu em barracos e conheceu a pobreza absoluta. Mas, para sempre será lembrado como um dos
maiores gênios na história da pintura.
11. Pablo Picasso (1881 – 1973)
Quase todas as crianças gostam de pintar. Algumas, quando crescem, deixam de lado os pincéis
para se dedicarem a outras atividades que dão tanto prazer quanto pintar. Outras, não! Continuam a
pintar, mesmo quando são adultas e fazem da pintura a grande obra de sua vida. Pablo Picasso foi uma
dessas crianças.
Aos 14 anos, Picasso já tinha pintado obras realistas. Ele nasceu há muitos anos atrás, em 1881,
na cidade de Málaga, na Espanha. Quando cresceu, tornou-se um dos principais pintores do século
XX.
Picasso gostava de pintar sobre o mundo fantástico dos sonhos, pesadelos e da imaginação.
Sua obra passou por fases que estavam relacionadas a como ele se sentia em determinado
momento de sua vida. Numa época em que se encontrava bastante triste, sua obra expressava a solidão
e o desespero. Usava em suas pinturas várias tonalidades de azul e, por isso, esse período de sua obra,
que durou de 1901 a 1904, é conhecido como a fase azul.
De 1904 a 1906, um novo estilo surgiu. Picasso passou a usar cores mais vivas e tinha como
tema de suas pinturas, frequentemente, as cenas de circo.
A partir de 1906, passou a pintar grandes figuras. Suas obras de 1907, As Moças de Avignon,
são muito importantes na história da arte. Da imagem das cinco monstruosas moças, com rostos que
mais parecem máscaras, surgiu o estilo conhecido pelo nome de cubismo.
Os pintores cubistas procuram decompor os objetos até as formas básicas de cubos, esferas,
cilindros e cones. Começavam com um objeto, como uma mesa, por exemplo, e passo a passo,
pegavam pequenas partes e modificavam suas formas e cores. Depois, as reagrupavam. O resultado
era um objeto muito interessante, bem diferente do formato original.
Seu pincel também não se calou diante dos horrores sofridos pela cidade espanhola de Guernica,
diante de um bombardeio alemão.
A criatividade sempre esteve presente na obra desse grande pintor. Durante sua longa vida,
iniciou diversos movimentos artísticos e trabalhou com muitas técnicas diferentes além da pintura,
como cerâmica, escultura e gravura. Calcula-se que tenha produzido mais de 60 mil obras.
244
APÊNDICE V: SÍNTESES DAS OBSERVAÇÕES COMUNICATIVAS
245
10/09/2008 – 6º encontro com as crianças – Tema: Arte no Antigo Egito
Participantes: uma menina (Gabriela), dois meninos (Miguel e Mo2) e investigadora
No encontro anterior, fizemos uma máscara usando uma mistura que parecia papel molhado.
Trabalhamos a arte africana. Vimos máscaras feitas em materiais como ouro e madeira. Os africanos também
pintavam as paredes e o corpo.
Vimos que os africanos viviam livres na África e iam a festas. Mas, foram mandados para alguns países como o
Brasil, para trabalharem como escravos. Muitos filhos de escravos não estudavam naquela época, mas, agora,
todas as crianças têm que ir à escola.
O Egito também é um país africano, localizado no norte da África.
Hoje vimos a Arte do Egito. Vimos que eles também pintavam as paredes e faziam máscaras de ouro.
Construíram pirâmides que serviam como grandes mulos para enterrar os faraós, junto com suas riquezas e
seus escravos vivos, pois acreditavam que levariam para a outra vida.
Os faraós acreditavam em muitos deuses, mas nós acreditamos em um só.
01/10/2008 – 9º encontro com as crianças – Tema: Arte na Idade Média (novamente)
Participante: Miguel, Gabriela, Rafaela (ao final) e investigadora
As igrejas pareciam castelos.
As imagens de ouro são feitas para homenagear os santos.
A fazenda Conde do Pinhal é tão grande que parece um castelo.
Antes, a professora ensinava a ser boas mulheres. Hoje, a escola ensina a ler e a escrever a meninos e meninas.
É uma injustiça que as mulheres sejam tratadas de forma diferente, como tomar banho quente.
Os vitrais mostram cenas da vida dos reis.
Na Idade Média, enquanto alguns moravam nos castelos e nos mosteiros, havia muitos pobres pelas ruas.
Há muitas religiões diferentes, com outros deuses.
Quando as pessoas têm religiões diferentes, é difícil se dar bem.
Em uma história bíblica, Jesus aparece de forma diferente.
A água do mundo está acabando. muito lixo. Podemos cuidar de não deixar a água acabar, não jogando lixo
no rio.
A água dos oceanos não pode ser tomada.
08/10/08 – 10º encontro com as crianças – Tema: Leonardo da Vinci
Participantes: Gabriela e a investigadora
Mona Lisa lembra o auto-retrato de Tarsila do Amaral. Só que foi pintada por outra pessoa: Leonardo da Vinci.
Mona Lisa deveria morar em um castelo.
O quadro “A Santa Ceia” inspirou gravuras que são colocadas na parede das casas.
No quadro “A dama e o arminho”, chama a atenção o cabelo, o colar, a roupa e a orelhinha do animal.
Pessoas famosas usam a pele dos animais para fazerem seus casacos. Na TV, aparecem pessoas com casacos de
pele, o que é uma crueldade com os animais.
Leonardo da Vinci pintava mulheres que faziam pose para ele.
246
Desde pequeno, desenhava tudo o que via.
Usava escrita secreta para ninguém descobrir o que estava escrito.
22/10/2008 – 11º encontro com as crianças – filmagem – Tema: Antonio Francisco Lisboa
Participantes: Gabriela – Rafaela
Falamos da arte da escultura.
Aprendi a fazer escultura em sabão.
O artista era Aleijadinho.
O nome dele era Antonio Francisco Lisboa.
29/10/2008 – 12º encontro com as crianças – filmagem – Tema: Anita Malfatti
Participantes: Gabriela e Mo2
Anita Malfatti era uma mulher bonita.
Aprendeu a pintar com a mão esquerda, porque tinha um defeito na mão direita.
Anita Malfatti era amiga de Tarsila do Amaral e fez o retrato de sua amiga.
Anita Malfatti pintou uma paisagem de Ouro Preto, quando estava passeando por ali.
Natureza morta é quando as flores e as frutas já foram arrancadas do e não estão mais no lugar em que
nasceram.
Monteiro Lobato não gostava dos quadros de Anita Malfatti, porque tinha inveja dela.
Muitas vezes, isso acontece na nossa classe, quando você tem um lápis bonito e a pessoa começa a falar que o
lápis é feio.
Mas, isso pode ser resolvido assim: uma hora eu empresto o meu lápis para a outra pessoa. Na outra hora, é ela
que me empresta.
Uma participante gosta de pintar paisagens. Sua pintura se chama “Natureza Livre”.
Outro participante também gosta de pintar paisagens. Sua pintura se chama “Paisagem”.
247
APÊNDICE VI: SÍNTESE DA ENTREVISTA COMUNICATIVA
248
19/11/2008
No último encontro, conversamos sobre o que fizemos durante os quatro meses em que
estivemos juntos, sobre os artistas, as formas artísticas e as obras mais importantes. Também
vimos as fotos do projeto que foram mostradas em outra escola.
Uma das pessoas explicou que os cartazes que colocamos nas paredes servem para nos
lembrar as como devemos participar dos encontros, sem bagunça e desperdício de material,
sem rir do que o outro fala ou faz. Tudo o que está escrito no cartaz foi falado por quem
participa dos encontros.
Também foi falado que muitas coisas foram aprendidas em nossos encontros. Foi legal
aprender dessa forma, conversando, lendo e usando mapas e gravuras.
O trabalho mais legal foi fazer a máscara com mistura de papel e água e que, depois de seca,
foi pintada com tinta e enfeitada com lã e miçangas.
A presença dos voluntários na escola ajuda a aprender mais coisas.
Algumas idéias foram dadas para os nossos encontros futuros: fazer desenhos com cola,
brinquedos com caixinhas de leite e garrafas plásticas, trazidas de casa.
As crianças gostariam de continuar participando no projeto Roda com Arte no ano que vem.
Também acham que as crianças da 3ª e 4ª série poderão ser convidadas.
Tem uma classe de série que é muito difícil, faz muita bagunça. Mas, podemos tentar
trabalhar junto com elas e eles, se conversarmos bastante e fizermos combinados.
Para ter mais gente participando, seria bom colocar cartazes, avisar as crianças da sala mais
vezes.
249
APÊNDICE VII: QUADROS DE ANÁLISE INTERSUBJETIVA
250
Quadro i - Arte no Antigo Egito - Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
OC1 - Temática: Arte no Antigo Egito
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§2 - Trabalhamos a arte
africana. Vimos máscaras
feitas em materiais como ouro
e madeira. Os africanos
também pintavam as paredes
e o corpo.
§5 Hoje vimos a Arte do
Egito. Vimos que eles também
pintavam as paredes e faziam
máscaras de ouro.
Quadro ii - Arte no Antigo Egito - Síntese dos conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos
- detalhes artísticos
Generalizações
1 elemento – 1 menção
Quadro iii - Arte no Antigo Egito – Outros conteúdos
OC1 - Temática: Arte no Antigo Egito
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§4 – O Egito também é um
país africano, localizado no
norte da África.
§3 Vimos que os africanos
viviam livres na África e iam a
festas. Mas, foram mandados
para alguns países como o
Brasil, para trabalharem como
escravos. Muitos filhos de
escravos não estudavam
naquela época, mas, agora,
todas as crianças m que ir à
escola.
§7 Os faraós acreditavam em
muitos deuses, mas nós
acreditamos em um só.
Quadro iv - Arte no Antigo Egito – Síntese de outros conteúdos
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos
Generalizações
- localização geográfica - exclusão social
- religiosidade
1 elemento – 1 menção 2 elementos – 2 menções
Quadro v - Arte no Antigo Egito – Atividades de expressão
OC1 - Temática: Arte no Antigo Egito
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§1 - No encontro anterior,
fizemos uma scara usando
uma mistura que parecia
papel molhado.
251
Quadro vi - Arte no Antigo Egito – Síntese de atividades de expressão
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos
- reconhecimento do material
usado
Generalizações
1 elemento – 1 menção
Quadro vii - Arte na Idade Média – Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§1 - As igrejas pareciam
castelos.
§2 - As imagens de ouro são
feitas para homenagear os
santos.
§5 - Os vitrais mostram cenas
da vida dos reis.
§3 - A fazenda Conde do Pinhal
é o grande que parece um
castelo.
§6 - Na Idade Média, enquanto
alguns moravam nos castelos e
nos mosteiros, havia muitos
pobres pelas ruas.
Quadro viii - Arte na Idade Média – Síntese de conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
OC 2 – Temática: Arte na Idade Média
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- crianças apontam detalhes
presentes nas imagens e nos
textos sobre as igrejas
medievais
- crianças apontam detalhes
presentes nas imagens e nos
textos sobre os vitrais
- crianças apontam
observação nas imagens das
iluminuras
- crianças comparam a fazenda
que visitaram na semana
anterior com os palácios dos
livros apresentados na atividade;
- crianças comentam imagens
medievais dos livros
apresentados
-
3 elementos, 3 menções 2 elementos, 2 menções ------
Quadro ix - Arte na Idade Média – Outros conteúdos
OC 2 – Temática: Arte na Idade Média
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§4 Antes, a professora
ensinava a ser boas mulheres.
Hoje, a escola ensina a ler e a
escrever a meninos e meninas.
§7 - muitas religiões
diferentes, com outros deuses.
§9 – Em uma história bíblica,
Jesus aparece de forma
§4 - É uma injustiça que as mulheres
sejam tratadas de forma diferente,
como tomar banho quente.
§8 Quando as pessoas têm
religiões diferentes, é difícil se dar
bem.
252
diferente.
§10 - A água do mundo está
acabando. muito lixo.
Podemos cuidar de não deixar a
água acabar, não jogando lixo
no rio.
§11 - A água dos oceanos não
pode ser tomada.
Quadro x - Arte na Idade Média – Síntese de outros conteúdos
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- superação de diferenças de
gênero na escolaridade;
- crenças religiosas;
- meio ambiente
- diferenças de tratamento por
gênero.
- diferenças nas crenças religiosas
dificultam as interações entre
pessoas
3 elementos – 5 menções 2 elementos – 2 menções
Quadro xi - Leonardo da Vinci – Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
OC3 – Temática: Leonardo da Vinci
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§1 Mona Lisa lembra o
autorretrato de Tarsila do
Amaral. Só que foi pintada
por outra pessoa: Leonardo
da Vinci.
§3 O quadro “A Santa
Ceia” inspirou gravuras que
são colocadas na parede das
casas.
§4 No quadro “A dama e o
arminho”, chama a atenção o
cabelo, o colar, a roupa e a
orelhinha do animal.
§6 Leonardo da Vinci
pintava mulheres que faziam
pose para ele.
§7 Desde pequeno,
desenhava tudo o que via.
§8 Usava escrita secreta
para ninguém descobrir o que
estava escrito.
§2 Mona Lisa deveria morar
em um castelo.
Quadro xii - Leonardo da Vinci – Síntese de conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- comparações com outras
obras artísticas
- reconhecimento das obras
em outros contextos;
- observação de detalhes;
- comentários sobre as obras;
- uso de informações
complementares coletadas no
texto
- comparações com informações
de outros encontros;
253
5 elementos – 6 menções 1 elementos – 1 menção
Quadro xiii - Leonardo da Vinci – Outros conteúdos
OC3 – Temática: Leonardo da Vinci
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§5 – Pessoas famosas usam a
pele dos animais para fazerem
seus casacos.
§5 Na TV, aparecem pessoas com
casacos de pele, o que é uma
crueldade com os animais.
Quadro xiv - Leonardo da Vinci – Síntese de outros conteúdos
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- comparações com informações
da mídia
- uso indevido do meio ambiente
- 1 elemento – 1 menção 1 elemento – 1 menção
Quadro xv - Antonio Francisco Lisboa – Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
OC4 – Temática: Antonio Francisco Lisboa
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§1 Falamos da arte da
escultura.
§3 O artista era
Aleijadinho.
§4 O nome dele era Antonio
Francisco Lisboa.
Quadro xvi - Síntese de conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- informação sobre o tipo de
arte;
- informação sobre o nome do
artista e o apelido
2 elementos – 3 menções
Quadro xvii : Antonio Francisco Lisboa - Atividades de expressão
OC4 – Temática: Antonio Francisco Lisboa
Conteúdos explícitos Generalizações Obstáculos
§2 Aprendemos a fazer
escultura em sabão.
Quadro xviii - Antonio Francisco Lisboa – Síntese de atividades de expressão
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- informação sobre a atividade
1 elemento – 1 menção
Quadro xix - Anita Malfatti – Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
OC5 – Temática: Anita Malfatti
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§1 - Anita Malfatti era uma
254
mulher bonita.
§2 Aprendeu a pintar com a
mão esquerda, porque tinha
um defeito na mão direita.
§3 Anita Malfatti era amiga
de Tarsila do Amaral e fez o
retrato de sua amiga.
§4 Anita Malfatti pintou
uma paisagem de Ouro Preto,
quando estava passeando por
ali.
§5 Natureza morta é quando
as flores e as frutas foram
arrancadas do pé e não estão
mais no lugar em que nasceram.
§6 Monteiro Lobato não
gostava dos quadros de Anita
Malfatti, porque tinha inveja
dela.
Quadro xx - Anita Malfatti – Síntese de conteúdos em torno de obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- comentários sobre a artista
- comentários sobre a obra
- as crianças deduzem o
significado do termo
- comentários sobre o texto
2 elementos – 4 menções - 2 elementos – 2 menções
Quadro xxi - Anita Malfatti - Outros conteúdos
OC5 – Temática: Anita Malfatti
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§8 Mas, isso pode ser
resolvido assim: uma hora eu
empresto o meu lápis para a
outra pessoa. Na outra hora, é
ela que me empresta.
§7 Muitas vezes, isso acontece na
nossa classe, quando você tem um
lápis bonito e a pessoa começa a
falar que o lápis é feio.
Quadro xxii - Anita Malfatti – Síntese de outros conteúdos
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- formas de resolução de
conflitos
- comentários sobre o sentimento de
inveja
1 elemento – 1 menção 1 elemento – 1 menção
Quadro xxiii - Anita Malfatti – Atividades de expressão
OC5 – Temática: Anita Malfatti
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
§9 Uma participante gosta
de pintar paisagens. Sua
pintura se chama “Natureza
Livre”.
§10 Outro participante
255
também gosta de pintar
paisagens. Sua pintura se
chama “Paisagem”.
Quadro xxiv - Anita Malfatti – Síntese de atividades de expressão
Elementos transformadores Elementos limitadores
Conteúdos explícitos Generalizações
- comentários sobre a própria
produção
1 elemento – 1 menção
Quadro xxv - Projeto Roda com Arte - Conteúdos de aprendizagem em torno de obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
§2. GDC1Ma1 –“Aprendemos os
combinados... Aprendemos o
autorretrato...”
§3. GDC1Mo1 “Lemos
histórias...”
§58. GDC1Mo1- “A gente leu um
monte...” (...)
[Investigadora: faz quase
dois meses que a gente está
junto].
§1. GDC1Mo1 –“Puxa!!!”
Quadro xxvi - Projeto Roda com Arte – Síntese de conteúdos de aprendizagem em torno de obras
artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores
- Regras combinadas sobre a interação do grupo;
- Histórias e informações sobre as obras e sobre
quem as produziu.
2 elementos, 4 menções Não identificados
Quadro xxvii - Compreensões em torno de obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
[Investigadora: Por que será que as
pessoas desenham, pintam e
esculpem?]
§4. GDC1Ma1 “Eles desenhavam
para festas... Eles desenharam na...”
§5. GDC1Mo1 “na parede das
cavernas”.
§6. GDC1Ma1 “É, na parede. Os
animais, eles desenharam”.
§7. GDC1Mo1 –“Isso. Os animais”.
[Investigadora: E por que vocês
acham que eles fizeram isso? Os
homens que viviam lá nas
cavernas...]
§8. GDC1Mo1 –“Antes, não existia
tinta... Eles pintavam os animais que
eles viam”.
§9. GDC1Ma1 –“É... os animais”.
§12. GDC1Ma1 “Eles quiseram
fazer isso para dar mais atenção
§11. GDC1Mo1 – “Eu não vou
me lembrar de tudo
§10. GDC1Mo1 –“Não
existia...(tinta)
256
para o olho, o cabelo, a cabeça, a
roupa, o modelo da roupa...”
(Mo1 pega o autorretrato de Van
Gogh).
[Investigadora: Lembra do nome
dele?]
§13. GDC1Ma1 – “Sei...É o ...”
§14. GDC1Mo1 –“Vincent Van
Gogh”.
§15. GDC1Ma1 –“Esse daqui é o...
Peraí, peraí...”
§16. GDC1Mo1 –“O Pablo”.
§17. GDC1Ma1 –“Pablo Picasso.
Essa era a Anita”.
§19. GDC1Ma1 “É... a Anita
Malfatti. E essa daqui é a Tarsila do
Amaral”.
§25. GDC1Mo1- “[...] Falei o nome
dos dois homens [...]
§25. GDC1Mo1- (T) “Olha o carvão
que eles usaram...” (pintura rupestre)
§27. GDC1Mo1 –“Olha quanta foto
da [arte] africana...das índias...”
§28. GDC1Ma1 “Do carvão, do
algodão, e de animais ...”
§29. GDC1Mo1 “Pintavam
bichos...
§25. GDC1Mo1- “[...]e não me
lembrei das mulheres...”
§18. GDC1Mo1 –“Era a
Anita ou é a Anita?”
§20. GDC1Mo1 –“É isso!”
§21. GDC1Ma1 –(pegando
as imagens de templos
japoneses, Buda).
Nossa, o que é isso?”
[Investigadora: Essa aqui é
uma pintura japonesa. Hoje
eu não consegui trazer
aquele livrão da arte
japonesa]
§22. GDC1Ma1 –“Nossa,
que fotona!!!”
§23. GDC1Mo1 –“Olha o
tamanho dessa arte...”(...)
“Nossa, que monte de foto
você trouxe hoje”.
§24. GDC1Ma1 –“Mas,
esse vo não tinha
trazido?”
§25. GDC1Mo1 –“Eu não
tinha visto essa mulher
já?[...]
[Investigadora: Trouxe um
mapa maior.]
§26. GDC1Ma1 –Nossa!!!
§27. GDC1Mo1 –“Nossa,
quantas coisas!!! Olha o
braço dele...” (pintura
corporal africana) (...)
“Mas, vamos falar de tudo
isso?”
257
[Investigadora: Lembram-se de
quanto tempo faz que foram feitas
essas pinturas?]
§30. GDC1Ma1 – “17 mil anos”.
[Investigadora: Olhando isso daqui,
dá prá imaginar como eles viviam?]
§31. GDC1Mo1 – “Sim”.
§34. GDC1Ma1 –“É prá chamar a
atenção”.
§43. GDC1Mo1 (Essa arte chama-
se) “Origami”.
§31. GDC1Mo1 “Eles
desenhavam, eram felizes,
n/é? É. Porque eles
desenhavam..”.
[Investigadora: Como era a
vida deles, o lugar em que
eles moravam?]
“Era boa, n/é? Prá eles,
era boa, porque não existia
nem dinheiro. Nem eles
trabalhavam. Viviam com
os animais, lá na floresta”.
[Investigadora: Então, na
vida deles, não precisavam
de dinheiro?]
“Não, nem de trabalho”.
§33. GDC1Mo1 “É
esquisita!!! (sobre a estátua
de Buda)
§34. GDC1Ma1 –“Chamou
a atenção essa daqui, por
causa que... está muito
grande... Não sei o que é
isso daqui. É uma estátua,
essa daqui?”
[Investigadora: É uma
estátua, sim. E por que será
que fizeram uma estátua tão
grande assim?]
§35. GDC1Mo1 “Olha, é
de prata”.
[Investigadora: Essa daí é
em pedra.] Pedra???
(...)É... Fizeram enorme...
Por que eles fizeram isso?
[sobre o origami “tsuru”
que levei]
§42. GDC1Ma1 “Que
legal!!!
§44 . GDC1Ma1 – “Tem. É
um passarinho levando um
papelzinho”.
§45 . GDC1Mo1 –“Vamos
fazer isso?”
258
Quadro xxviii - Síntese das compreensões em torno das obras artísticas
Elementos transformadores Elementos limitadores
- apresentação de explicações sobre a produção de
desenhos e esculturas (desenhavam o que viam,
animais; o tamanho das esculturas e os detalhes na
pintura tinham o objetivo de chamar a atenção);
- reconhecimento de materiais utilizados e
apresentação de explicações sobre isso (usavam
carvão, não existia tinta);
- apresentação das superfícies utilizadas e das
épocas em que as obras foram produzidas
(paredes das cavernas, 17 mil anos);
- reconhecimento de artistas (Vincent Van Gogh,
Pablo Picasso, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral);
- reconhecimento de palavras mencionadas nos
encontros (origami)
- observações e comparações nas falas expressivas
(não computadas entre as menções);
- não lembrança de todas as informações
apresentadas nos encontros anteriores
6 elementos, 25 menções 1 elemento, 2 menções
Quadro xxix - Articulação com outras temáticas: trabalho/dinheiro/moradia
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
§32. GDC1Ma1 – “Era... (...) É...
Não era trabalho de fazer casa...”
[Investigadora: Eles não tinham casa
para morar? Como eram as casas
deles, então?]
“Eram nas cavernas. Era
diferente”.(...) “Moravam nas
cavernas”. (...)
§32. GDC1Ma1 “Eles ficavam
mais felizes nas cavernas, do que
a gente que vive nas casas. (...)
Porque eles gostavam da
natureza, dos animais. Por isso
que eles gostavam de viver nas
cavernas...
[Investigadora: Como era a
vida deles, o lugar em que
eles moravam?]
“Era boa, n/é? Prá eles,
era boa, porque não existia
nem dinheiro. Nem eles
trabalhavam. Viviam com
os animais, lá na floresta”.
[Investigadora: Então, na
vida deles, não precisavam
de dinheiro?]
“Não, nem de trabalho”.
[Investigadora: Nem de
trabalho... Mas, quando eles
iam atrás da caça para
comer, isso não era uma
forma de trabalho?]
§56. GDC1- Ma1
“Alegre...”(sobre Picasso)
Quadro xxx - Síntese da articulação com outras temáticas: trabalho/dinheiro/moradia
Elementos transformadores Elementos limitadores
259
- estabelecimento de comparações entre as formas
de trabalho e moradia em épocas diferentes
(também aparece nas falas expressivas, não
computadas entre as menções);
- relação entre proximidade da natureza com bem-
estar e prazer de viver.
1 elemento – 2 menções 1 elemento – 1 menção
Quadro xxxi - Articulação com outras temáticas: religião
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
§36. GDC1Ma1 “Tem. (...) Tem
cruzes (aqui no Brasil)... (...) No
Japão é diferente. A gente aqui
acredita em Deus. Faz carinho em
Deus...”
[Investigadora: Quando a
gente acredita em alguma
coisa, também faz imagens
do que acredita?]
§35. GDC1Mo1 “Não...
Faz (indeciso). (...) Eu não
sei...”
§37 . GDC1Mo1 –“Tem
Deus aqui”.
§38. GDC1Ma1 “Todo
mundo pensa que tem um
monte de Deus aqui”.
§39 . GDC1Mo1 “Só tem
um...”
§40. GDC1Ma1 “Só tem
um Deus. Deus é
grandão”.
§41. GDC1Mo1 “O
maior... Maior que tudo
isso, aqui. (...) Como
chama? (...) Buda? (...)
Nossa!!!”
Quadro xxxii - Síntese de articulação com outras temáticas: religião
Elementos transformadores Elementos limitadores
- reconhecimento de símbolos religiosos entre
obras artísticas;
- identificação de diferenças entre símbolos
religiosos e seus nomes;
- posicionamento sobre a própria crença (também
presente nas falas expressivas, as quais não foram
computadas entre as menções).
3 elementos, 3 menções Não identificados
Quadro xxxiii - Busca de informações complementares em textos escritos
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
§33. GDC1Mo1 “Essa daqui foi
feita em 1907”. (pegando o
autorretrato de Van Gogh e olhando a
data)
§47. GDC1Mo1 –“Eu quero ler”.
§48. GDC1Ma1 “Depois, deixa
[Investigadora: Vocês
querem ler o que está
escrito aqui?]
§46 . GDC1Ma1 e Mo1 –
Queremos!!!
260
eu...(...) Esse papelzinho é bem
pequenininho”.
§49. GDC1Mo1 – (começa a ler o
papelzinho que está no bico do tsuru.
Pára para comentar).
§50. GDC1Ma1 – (continua lendo).
§55. GDC1Mo1 “Aqui está escrito
que ele é bravo?” (Mo1 olha as
informações sobre Van Gogh, atrás
da gravura). (...) (Depois, as
informações sobre Van Gogh, sem
comentar.)
§56. GDC1 (Ma1 as informações
sobre Picasso, atrás da gravura, sem
comentar.)
§51. GDC1Mo1 “Nossa!!!
Já acabou” (de ler)? (...)
Quadro xxxiv - Síntese de busca de informações complementares em textos escritos
Elementos transformadores Elementos limitadores
- identificação de informações complementares
em textos escritos;
- leitura em voz alta;
- comentários sobre a leitura.
3 elementos, 7 menções Não identificados
Quadro xxxv - Preferências
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
§57. GDC1Mo1 “Porque cada um
tem o seu gosto. (...) É”.
[Investigadora: Qual foi o texto que
vocês mais gostaram de ler?]
§58. GDC1Mo1 “Eu não sei. Tem
um monte que eu tenha gostado...”
§59. GDC1Ma1 “Eu gostei desse
§58. GDC1Mo1 “Eu não...”(me
lembro)
§34. GDC1Ma1
“Chamou a atenção essa
daqui, por causa que... está
muito grande... Não sei o
que é isso daqui. É uma
estátua, essa daqui?”
§51. GDC1Mo1 “Essa
aqui eu achei bonita”
(separa o autorretrato de
Van Gogh).
§52. GDC1Ma1 “Essa e
essa”. (Ma1 separa a
gravura de Buda e o
autorretrato de Picasso).
§53. GDC1Mo1 “Ele é
bravo (justificando sua
escolha) (...) Ele é bravo”.
(...) Foi você que falou que
era bravo?” (pergunta para
Ma1)
§54. GDC1Ma1 “Mo1,
ele é a sua cara de
bravo...” (risos)
261
texto aqui, ó?” (aponta para as
informações atrás do autorretrato de
Picasso).
§60. GDC1Mo1 “Eu também
gostei desse aqui que fala da vida do
Vincent Van Gogh”.
§60. GDC1Mo1 “Isso
aqui é um cavalo?”
(observando uma figura de
arte rupestre) (...)
Quadro xxxvi - Síntese de preferências
Elementos transformadores Elementos limitadores
- explicação de que as pessoas fazem escolhas
diferentes porque cada um tem seu próprio gosto;
- preferência pelos textos biográficos.
- não lembrança de todos os textos lidos nos
encontros
2 elementos, 4 menções 1 elemento – 1 menção
Quadro xxxvii - Interação do grupo - trabalho coletivo
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
§63. GDC1Ma1 “Depois que todo
mundo concordou, a gente conseguiu
fazer”.
[sobre os elementos que
facilitaram a realização dos
encontros]
§61. GDC1Mo1 “Eu não sei de
nada”.
§62. GDC1Ma1 – “Nem eu...”
[sobre os elementos que foram
obstáculos]
§63. GDC1Ma1 “Teve. (...)
Teve negócio que a gente teve que
pensar... Lembra aquele dia que a
gente ajudou você a fazer a
historinha do pato? Foi (difícil)
(...) Foi, porque todo mundo
estava querendo uma coisa...
Então você não estava
conseguindo fazer isso daí” [a
historinha]...
Quadro xxxviii - Síntese de interação do grupo – trabalho coletivo
Elementos transformadores Obstáculos
- momentos em que o grupo concordava
permitiam que as atividades fossem realizadas
- dificuldade de reconhecer elementos
facilitadores;
- atividades que fizeram pensar;
- momentos que o grupo não concordava com o
que estava sendo proposto.
1 elementos, 1 menção 3 elementos – 4 menções
Quadro xxxix - Auto-expressão
Elementos transformadores Elementos limitadores Expressões
§69. GDC1Ma1 “Eu sei fazer
§67. GDC1Mo1 “O Mo2
quer aprender a fazer
pipa”.
§68. GDC1Mo1 –“Seu filho
sabe?”
262
pipa...
§71. GDC1Ma1 “É que a gente
erra... E, aí, a gente tem de
consertar...”
§72. GDC1Mo1 “Mas, a gente
não consegue..”.
§72. GDC1Mo1 “Você
fazia isso quando era
pequena? (...)
§73. GDC1Ma1 “Igual a
Ma2 e a Ma3 naquele dia,
não foi? Ficaram copiando
de mim... no autorretrato.
Elas fizeram igual ao
meu...(...) Igual aquelas
meninas, lá. Elas copiaram
de mim”.
Quadro xl - Síntese de auto-expressão
Elementos transformadores Elementos limitadores
- reconhecimento de habilidades (ex: saber fazer
pipas)
- preferência por desenhos prontos para evitar
erros
1 elemento – 1 menção 1 elemento – 2 menções
Quadro xli – Recomendações/ indicações para melhoria
EXPLÍCITAS
[Tem alguma coisa que vocês gostariam de aprender, de fazer?]
§64. GDC1Ma1 – “Isso daí, ó”. (aponta para origami)
§65. GDC1Mo1 – “É”.
§66. GDC1Ma1 “Mais origami. Eu quero que você traga desenho pra gente pintar com
lápis...Desenho xerocado já..”.
§70. GDC1Ma1 e Mo1 “É!!!” [respondendo à pergunta se preferem desenhos que m prontos,
xerocados, só para colorir].
IMPLÍCITAS
- formas de registro e recuperação dos conteúdos anteriores
- oficinas com atividades lúdicas
- reduzir a possibilidade de errar
Quadro xlii: Formação inicial, preferências, conhecimentos e práticas anteriores
Elementos transformadores Elementos limitadores
§1. GDAP1- Na verdade, foi o meu primeiro ano,
o ano passado, como ACT nesta escola. Então, foi
tudo assim muito novo. Minha formação é
pedagogia. Não terminei magistério. Fiz curso
técnico em processamento de dados. Fiz
pedagogia, enquanto trabalhava na biblioteca. No
ano passado, fiz especialização em educação
infantil. Já conhecia as crianças daqui desta
comunidade. Quando eu vi que tinha vaga nessa
escola, eu resolvi vir pra cá. Na biblioteca,
trabalho há três anos. Antes, fui merendeira cinco
anos numa EMEI. Daí, fiz pedagogia. Na
biblioteca desta escola, estou há dois anos e meio.
Passei no concurso como ACT.
263
§2. GDAP2- Sou pedagoga, não fiz magistério.
Mas, eu não tinha idéia de ser professora. Daí, fiz
o colegial normal (...) Na hora de escolher o
curso, de repente, fiz pedagogia por conta da
educação especial. Na época, eu tinha um amigo
surdo, eu tinha experiência com Libras, me dava
muito bem com isso. Daí, me interessei por
educação especial. Fiz o curso de pedagogia na
UNESP por conta da educação especial. Mas,
chego lá, vejo que é só na área de deficiência
mental. Não quis entrar nessa área, mas acabei
ficando para terminar o curso. Aqui nessa escola,
já estou desde 2006. Este é o quarto ano.
Trabalhei um ano na escola E (outra Comunidade
de Aprendizagem). Trabalhei um ano no (...)
como ACT. E antes, eu já eu tinha trabalhado
com educação infantil por dois anos. Gosto muito
de educação infantil. Prefiro educação infantil.
§2. GDAP2- Mas, se for ver... A gente viu que
para essa resistência, foi até bom, viu? (silêncio).
§3. GDAC- Eu fiz magistério, depois me mudei
pra cá. Eu não sou daqui. Sou de fora, mas me
mudei pra cá. Vim fazer a pedagogia na
Universidade Federal de São Carlos. Já era o que
eu queria desde o magistério, que eu já sabia que
era o que eu queria. Então, eu vim pra cá. Estou
há dois anos aqui nesta escola. Eu já trabalhei na
escola A, na escola B, na escola C, na escola D.
Primeiro, eu fui pra escola D, uma terceira série.
Depois, no outro ano, eu precisava de um outro
período e não tinha na escola D. Aí, como eu era
ACT na época, eu me mudei pra escola C.
Depois, eu fui me inscrever pra escola A. E fui
pra escola A. Depois, eu fui chamada para
trabalhar na coordenação da escola B. Depois, me
removi para esta escola. Estou nesta escola desde
o ano passado, como coordenadora. Aqui, não
dei aula. Sou professora desta escola, mas estou
na coordenação.
§2. GDAP2- Mas, na Prefeitura, não podia prestar
esse concurso, porque não tinha essa habilitação
no meu diploma. No ensino fundamental, prefiro
dar aula para os menores. Não tenho muita
afinidade em dar aula para os maiores. Este ano
estou com um terceiro ano. Esse é o limite que eu
vou. Prefiro os menores. No ano passado, com os
alunos da terceira série, foi um ano bem difícil...
Quadro xliii: Síntese da formação inicial, preferências, conhecimentos e práticas anteriores
264
SISTEMA MUNDO DA VIDA Elementos
LIMITADORES
- preferência anterior por outros
níveis de ensino
1 elemento
1 menção
TRANSFORMADORES
- formação geral em pedagogia e em
conhecimentos específicos
(processamento de dados, educação
infantil e Libras);
- superação de resistência em relação
a estudantes maiores;
- conhecimentos profissionais
anteriores em outras atividades e em
outras escolas;
- preferência por iniciar como
professora nesta escola devido a já
conhecer as crianças da comunidade
em outra atividade profissional;
4 elementos
8 menções
1 3 Menções
Quadro xliv: Interação entre/com as crianças
Elementos transformadores Elementos limitadores
§4. GDAP2- Entre as crianças, eu percebo que...
as brincadeiras deles são muito agressivas. Eles
estão se batendo, mas estão brincando. Às vezes,
alguém se ofende e vem reclamar. Mas, a maioria
das vezes, eles estão brincando. Então, a relação
deles, eu percebo que é um pouco agressiva. E às
vezes, isso vem pra gente também, n/é? Como se
põem, eu falo pra eles. Mas, aí você vai
percebendo que é o que eles vivem. É como eles
se relacionam em sua casa. Eles jogam tudo isso
para a gente.
265
§4. GDAP2- Daí, eu percebo assim. No começo,
lá na primeira semana de aula, é uma relação
difícil. Depois, quando eles vão te conhecendo,
dependendo de como você devolve as agressões
deles, as respostas também começam a mudar. A
3ª série que eu peguei no ano passado, era difícil
no começo e era difícil no fim. Mas, era um difícil
diferente. Porque algumas coisas foram mudando
na relação deles comigo.
§4. GDAP2- Mesmo isso, eu senti que essa
relação foi mudando no decorrer do tempo, assim.
É... passando a serem mais educados, mais
obedientes.
§5. GDAP1- Alguns já me conheciam da
biblioteca. Até as questões de me chamar pelo
nome. Eu permiti que eles me chamassem pelo
nome. Eles me chamavam “Nome!” Tudo bem!
Eu permiti. Agora, não exigi que fosse
“professora Nome”. Alguns não me chamavam
professora, porque eu permiti. Não tem porque eu
colocar esse título, que eu sou professora Nome...
Então, foi como me apresentei e foi o que eu
achei certo.
§4. GDAP2- Entre eles, eu acredito que é mais
difícil mudar.
§5. GDAP1- Isso também eu percebi... Como foi
o meu primeiro ano, eu não tenho outras
experiências em sala de aula. Para mim, foi assim
tudo muito novo. E isso aconteceu também, eu
percebi. É uma relação mais... fazendo conflitos.
§6. GDAC- Eu entendo um pouco como a P2
disse. Eu acho assim... Que eles são frutos do que
eles vivem. Então, eles vão sair daqui frutos do
que eles vivem, das vivências que ele tem. Então,
às vezes, algumas formas como eles tratam a
gente... que para a gente é desrespeitoso, para eles
não é... Do jeito que eles fazem... que são tratados
em casa, do jeito que é no ambiente deles, não é.
Então, também, às vezes, é uma luta entre nós,
entre o que nós acreditamos, nossas crenças,
nossos sentimentos... É uma luta entre nós...
§6. GDAC- Entre elas, acho que é um pouco mais
difícil... Porque tem de ter um pouco mais de
diálogo, n/é? Acho que é um pouco mais difícil
eles conseguirem conversar, eles conseguirem se
entender... Porque tem muito do que a P2 falou...
que eles têm muito das brincadeiras. É tudo
brincadeira. Bater é brincadeira. Tudo é
brincadeira. Começa assim. E depois, tem sempre
266
§6. GDAC- Mas, acredito que a gente consegue
entrar em acordo com as crianças.
§6. GDAC- Mas, acho que a gente está crescendo
nisso, também. A gente está conseguindo
entender um pouco do lado deles e eles
entenderem também o que a gente quer, n/é?
Acho que é um entendimento duplo, n/é,
recíproco. É um entendimento de ambas as partes.
um que não agüenta. Às vezes, até quem começou
e, depois... vem a reclamação.
Quadro xlv: Síntese da interação entre/com as crianças
SISTEMA MUNDO DA VIDA Elementos
LIMITADORES
- crianças expressam agressividade
vivenciada em outros ambientes;
- brincadeiras agressivas entre as
crianças;
- relação conflituosa entre as crianças,
falta de diálogo;
- dificuldades das pessoas adultas
para lidar com a agressividade das
crianças.
4 elementos
8 menções
TRANSFORMADORES
- conforme a relação com as crianças
vai se estabelecendo ao longo do
tempo, vão ocorrendo
transformações;
- relação entre pessoas adultas e
crianças iniciada em outros espaços
continua na escola;
- estabelecimento de acordos entre as
pessoas adultas e as crianças;
3 elementos
3 menções
7 Menções
Quadro xlvi: Interação com os familiares e comunidades de aprendizagem
267
Elementos transformadores Elementos limitadores
§7. GDAP2- Em relação à família, eu também
notei algumas mudanças. Em 2006, eu ficava
desesperada quando fazia reuniões. Daí, eu me
lembro que tinha que conversar com eles sobre a
importância das crianças fazerem as tarefas. Era
bem complicado. E, assim, parece que à medida
que a escola... que eles estão na escola, as coisas
têm ficado melhores. Na última reunião que eu
tive na sala, eles chegaram perguntando o que eu
tinha ensinado. Então, eles estão se aproximando
mais da escola. Eu acho que vem crescendo a
participação dos pais.
§7. GDAP2- Então, eu acho que, como a gente
tem feito várias tentativas para trazer os pais para
outras coisas, para que eles venham para
palestras, no ano passado tinha grupo de
mulheres, cursinho. Não é mais: “que chato, eu
tenho que ir lá porque meu filho aprontou”.
(barulho) “Que chato, meu filho aprontou e eu
tenho que ir à escola”. É claro que eles têm que
ser chamados, porque às vezes essas coisas
acontecem. Mas, eu acho que tendo mais
reuniões como o grupo de mulheres... teve uma
grande participação no grupo de mulheres. Eu
acho que... está mudando. O índice de
participação na escola tem melhorado. Mas, a
gente tem muito ainda para caminhar. Eu acho
que do primeiro ano que eu estou aqui pra agora,
melhorou... Mas, acho que do primeiro ano que eu
estou aqui para agora, melhorou muito. Faz
diferença. Faz muita diferença. Porque a gente
entendeu como é comunidades de aprendizagem.
Faz o contrato de aprendizagem. Então, acho que
isso é mais recente. Até na conversa que a gente
teve na reunião de pais, eu pude ler o documento,
depois eles comentaram, concordaram com o que
eu estava falando. Coisas assim que, nessas
reuniões, antes não tinha. Os pais chegavam,
sentavam e diziam: “E o meu filho?” Porque não
se conversava sobre o que a gente poderia fazer
para melhorar. E nessa reunião, essas pessoas
vieram e participaram. E é bem bacana porque
alguns dos pais que estão nessa turma são de
meus alunos há dois anos. Então, alguns pais... eu
vejo a diferença nesses mesmos pais dois anos
atrás e agora. Como aquela mãe que ficava
olhando pra minha cara, tipo: “Ai, tá bom!!!” E
levantava e ia embora. Nessa reunião, ela parou,
ela prestou atenção, ela interagiu, ela se envolveu,
ela percebeu... Então, para mim, eu disse: “que
bom!”. Bom que agora elas estão encarando a
§7. GDAP2- Quando eu cheguei aqui, era assim:
“Ai, esse pai foi chamado na escola para reclamar
do filho”. Então, ele não vinha.
268
coisa, eu diria. Acho que não era porque era a
Prof. Nome que deu aula pra minha filha o ano
passado. Não. É porque é a escola que ela está
percebendo que está conseguindo ajudar a filha
dela.
§8. GDAC- E a forma com que eles nos tratam,
também sempre muito respeitosa... Do mesmo
jeito que as crianças. Às vezes, eles nos falam de
uma forma que, às vezes, não é a forma que a
gente está acostumada na nossa família, na nossa
vivência falar. Mas, a gente também compreende
isso. Que eles têm respeito, sempre vêm com
muita atenção. Às vezes, eles vêm um pouco
mais nervosos, por conta de querer os direitos
deles. A gente explica e sempre é muito preciso.
A gente não tem problemas, entendeu, quanto a
isso, n/é? Às vezes, por ser uma comunidade da
periferia, tem esse medo. Mas, a gente não tem
esse tipo de problema, não. Eu já passei por
várias escolas, bem diferentes entre elas. Até
porque eu já passei por várias escolas. Tem
diferenças entre elas. A escola A e a escola B
também são escolas mais periféricas. Então, acho
que os problemas são bem parecidos. Uma
diferença é que a escola A e a escola B são bem
maiores do que aqui.
§8. GDAC- Eu costumo dizer que, se é bem
maior, têm mais pessoas e mais problemas, certo?
Normal... Agora, já a escola C e a escola D são
escolas menores, o bairro não é tão periférico.
Então, a presença dos pais é diferente. A
269
§9. GDAP1- Eu também percebi que, já o ano
passado, que do começo, foi aumentando...
Agora, eu não tenho muita base para comparar
um ano com o outro. Não tenho como. Eu posso
falar porque eu vejo a participação deles mais
agora aqui na escola, n/é?
Pesquisadora:
Vocês estavam contando sobre a presença dos
familiares... Vocês consideram como muito
importante, como um desses elementos que
facilitam essa interação. É isso?
Participantes: sim. É importante.
participação das crianças é diferente, sim. Não
existe questão que eles aprendem mais rápido.
Isso não! Não acho isso. Mas, a participação é
diferente. Os pais participam mais, sim. Mas,
assim, até participam... Às vezes, a escola nem
faz tanto para essa participação. Participam por
crença deles mesmo. A gente... acho que aqui
trabalha mais com eles a participação dos pais do
que nas outras. Nas outras, isso é mais natural.
Aqui a gente tem que trabalhar muito mais para
que os pais venham para a escola. Trabalhar,
assim, com os pais mesmo. De fato, aqui, é muito
mais difícil. Nesse sentido, eu percebo diferença.
Agora, a aprendizagem das crianças... Acho que é
só é uma conseqüência da não participação dos
pais. Mas, dizer que eles têm alguma dificuldade,
isso eu realmente, não acredito. Nesse sentido,
não!
§9. GDAP1- Eu não tenho, assim... A minha sala,
os pais frequentaram. Mas, teve uma mãe que eu
não conheci durante o ano todo, no ano passado.
Mas, vendo a experiência de vocês, eu vi.
Quadro xlvii: Síntese da interação com os familiares e comunidades de aprendizagem
SISTEMA MUNDO DA VIDA Elementos
LIMITADORES
- escolas maiores têm mais pessoas,
levando a mais problemas;
- nesta escola, tem de se trabalhar
mais para que os familiares
participem;
- aprendizagem das crianças está
relacionada à participação dos
familiares na escola;
- familiares não vêm à escola quando
só são chamados para ouvir
reclamações sobre as crianças;
- alguns familiares ainda não
participam.
5 elementos, 5
menções
270
TRANSFORMADORES
- aumento da aproximação e da
participação dos familiares na escola;
- aumento do envolvimento com a
aprendizagem das crianças;
- percepção dos familiares de que a
escola está conseguindo ajudar as
suas crianças;
- vinda dos familiares à escola não
tem sido apenas para escutar
reclamações sobre a criança, mas
também para participar em outras
atividades que lhe interessam;
- compreensão sobre o funcionamento
das comunidades de aprendizagem
tem possibilitado conversas com o
sentido de melhorar a aprendizagem
das crianças;
- relação entre pais e pessoas da
escola tem sido respeitosa;
- compreensão de que há formas
diferentes para que a comunicação
ocorra;
- a participação de familiares facilita
as interações na escola.
8 elementos, 9
menções
3 10 Menções
Quadro xlviii: Interação entre pessoas adultas da escola e comunidades de aprendizagem
Elementos transformadores Elementos limitadores
§10. GDAP2- Bem! Vou falar do que aconteceu
comigo. Da mudança de minha postura de quando
eu entrei e agora. Eu acho que, a partir do
momento que eu comecei a perceber o projeto de
comunidades da escola que está havendo, isso fez
diferença na minha postura como professora.
Então, quando eu mudei a minha postura como
professora, em conseqüência, mudam outras
coisas também em decorrência do meu
envolvimento. Eu estou tentando aplicar o que eu
sei na sala. Então, isso faz muita diferença. As
conversas que a gente tem tido em HTP a respeito
do que é bom, do que dá certo fazer com as
crianças...
271
§10. GDAP2- Mas, eu acho que apesar das
poucas trocas por causa do tempo, elas têm
permitido melhorar. A prática da escola está
sendo diferente.
§10. GDAP2- Prá mim, no meu ponto de vista, o
que é preciso fazer para conseguir essa mudança é
conhecer melhor o projeto de Comunidades de
Aprendizagem. Faz muita diferença. Até a outra
pesquisadora que conversava comigo nos grupos
interativos, eu conversava muito com ela e a
gente percebeu que ajudou muito na minha
prática, e que ajudou também na minha relação
com as outras pessoas. Porque, às vezes, ela
falava alguma coisa super reflexiva, isso já tocava
na minha cabeça em relação ao que a gente
conversou. Então, a gente vai ensinando e
aprendendo também com essas pessoas que vêm à
escola. Eu perguntava muito... A gente tem
buscado os resultados, mas tem sido diferente.
Pra mim, a escola ser uma comunidade de
aprendizagem tem possibilitado esse aprendizado.
Tem me parecido que tem melhorado, eu acredito.
§11. GDAC- Eu vejo assim. A relação entre as
pessoas não é algo simples, n/é? Não é algo
simples. É algo difícil de ser feito, n/é? É algo
que você tem de buscar todos os dias. Todos os
dias a gente tem que refletir. Todo o dia, a gente
tem que ser paciente e respeitar, mesmo, o tempo
todo. Porque eu acho que é algo que não é tão
simples assim, n/é? É uma postura que a gente
tem. É uma postura que a gente tem que ter...
Comunidades de Aprendizagem ajuda a gente
bastante nisso, da gente estudar, da gente entender
aquela concepção e trazer realmente para a nossa
vida. Principalmente em momentos de pressão,
em momentos em que as coisas saem da rotina,
então é o momento em que a gente está mais
tensa, então as coisas escapam do nosso controle.
Então, nesse momento, a gente tem que tentar ao
§10. GDAP2- Esse tempo não é tão grande
quanto a gente precisa para fazer essas trocas que
precisava ter.
§10. GDAP2- A gente tem muito pra caminhar
ainda. Tem muita coisa prá melhorar, inclusive as
relações nossas com as crianças aqui dentro, entre
professores, entre professores e direção,
funcionários... Tem várias coisas que ficam meio
truncadas, mesmo. Mas, eu acho que vai
melhorando... Tem melhorado muito também.
272
máximo ser coerente com o que eu estou
estudando. Senão, não vale a pena a gente
estudar. Não vale a pena também. Por que eu
vou ler uma coisa e fazer uma coisa
completamente diferente, n/é? Mas, eu vejo que
não é algo fácil... Não estou dizendo que seja uma
coisa impossível. Mas, não é fácil. É prazeroso,
mas não é fácil. É difícil. Porque, todo dia
fazendo aquela busca. Todo dia é uma busca
constante... Às vezes, as outras pessoas ainda não
acreditam. Mas, você tem que respeitar o que o
outro está dizendo. Mas, eu vejo que é
necessário, é importante. Porque sozinho, a gente
não consegue (...).
Quadro xlix: Síntese da interação entre pessoas adultas da escola e comunidades de aprendizagem
SISTEMA MUNDO DA VIDA Elementos
LIMITADORES
- tempo para as trocas necessárias
entre o professorado ainda não é
suficiente.
- relações dentro da escola ainda são
truncadas e precisam melhorar,
embora já tenham melhorado muito.
2 elementos,
2 menções
273
TRANSFORMADORES
- envolvimento com a proposta de
comunidades de aprendizagem
contribuiu para mudanças na postura
profissional;
- aumento da possibilidade de trocas
entre o professorado está contribuindo
para melhorar a prática profissional
na escola;
- relações com as outras pessoas que
vêm para a escola ajudam a refletir e
possibilitam o ensino e a
aprendizagem entre todas;
- os estudos em comunidades de
aprendizagem são trazidos para a vida
pessoal;
- busca da coerência entre ações e
palavras ajudam em momentos de
tensão;
- compreensão de que sozinha não se
pode promover mudanças.
6 elementos,
5 menções
1 7 Menções
Quadro l: Projeto Roda com Arte
Elementos transformadores Elementos limitadores
§13. GDAP1- A meu ver, alguns alunos meus
foram e participaram. Já dá pra ver que, nesse
ano, a procura pelo projeto foi grande... Eu achei
que foi muito importante. Meus alunos que
participavam, chegavam à sala, comentavam e os
outros, você via que tinham vontade, só que não
conseguiam vir. Mas, os que vieram, levavam as
peças lá, mostravam... Foi muito bom!
§14. GDAP2- Eu acho que o projeto Roda com
Arte traz coisas diferentes e chamava a atenção
das crianças. Você via que outros tinham
interesse, mas não puderam participar porque
estavam em outros projetos. Tinha até a
estudante A, que ouvia a Ma que às vezes vinha e
contava o que tinha feito. A estudante A ficou
encantada e pedia que eu fizesse aqui na sala, com
todo o mundo. Daí, eu explicava que tinha toda
uma proposta, tem leituras sobre os pintores, é
além de fazer só a atividade... Mas, ela dizia que
não podia vir e tal... porque ela tinha outro
projeto. É o diferente, é uma beleza na arte que
eles não percebem no cotidiano deles. Até por
274
conta das pessoas na vida real deles, eles não têm
esse contato. Então, eu vi como era especial esse
contato, e que era muito importante. Eu acho que
fez muito bem pra Ma. Ela era muito dependente,
carente demais... Eu via que ela se tornava mais
independente. Então, ela podia fazer as tarefas...
Ela mesma trazia o que fazia. Quando ela trazia
uma coisa tão diferente pra sala, isso fazia com
que ela se sentisse importante. E não era uma
coisa que a professora tinha ajudado ela fazer.
Ela sabia fazer. Daí, ela começou a se soltar e a
interagir com as pessoas. Eu achei muito bacana,
isso, n/é? Eu percebi muito na Ma, porque ela
que participou mais vezes. Foi muito bacana
mesmo o quanto que aquele conhecimento
diferente fez com que ela se valorizasse e foi
sentindo que ela podia dar conta. Foi muito
bacana ver ela assim no projeto!
§15. GDAC- Eu não estava diretamente ligada.
Sobre as expectativas e o que pode contribuir...
Enquanto ela estava falando, eu estava pensando
um pouco sobre as expectativas. Eu vejo assim a
arte como expressão de sentimentos, de valores e
de idéias. Eu vejo que isso é algo muito
importante na comunidade em que a gente
trabalha. Principalmente, enquanto a P2 estava
falando... como resgate de auto-estima. Eles têm
assim, uma auto-estima um pouco baixa, n/é? Por
questões de que não sabe, questões sócio-
econômicas, culturais. Então, eu acho que a arte é
esse resgate, n/é? De valores... Que vai
melhorando a aprendizagem. Eu vejo que auto-
estima e aprendizagem estão ali. Quando melhora
um, melhora o outro. A gente não sabe qual
atrapalha qual. Quando atrapalha a auto-estima,
atrapalha a aprendizagem. Mas, qual que vai
antes, n/é? É que não dá pra desligar. Conforme
vai aprendendo, a auto-estima vai elevando. Se
não aprende, a auto-estima vai baixando. E isso
acontece com a gente também.
Pesquisadora: Quando você vê sentido no
trabalho, também vai aprendendo...
§16. GDAC- Eu percebo que na quarta série deste
ano, tem muita empolgação pra eles virem
participar. Pela quantidade de crianças, você vê
que eles estão empolgados, sim.
Quadro li: Síntese do Projeto Roda com Arte
275
SISTEMA MUNDO DA VIDA Elementos
LIMITADOR
ES
Não
identificados
TRANSFORMADORES
- aumento da participação de
estudantes neste ano;
- propostas de conhecimentos
diferentes que chamam a atenção das
crianças;
- comentários de participantes
despertavam interesse das outras
crianças;
- contato com a arte é importante para
perceberem coisas que não estão
presentes no cotidiano das crianças;
- crianças que participaram se
sentiram importantes e mais seguras
para interagir com o grupo;
- arte como expressão de sentimentos,
de valores e de idéias possibilita
resgate da auto-estima, o que é muito
importante nas crianças desta
comunidade, devido às condições
econômicas, culturais e sociais;
- auto-estima e aprendizagem estão
articuladas.
7 elementos
8 menções
7 Menções
Quadro lii: A arte na sala de aula
Elementos transformadores Elementos limitadores
§17. GDAP2- Porque eu acho que a arte é uma
área que a gente não tem formação. A gente não
tem formação e daí... a gente tem tanta coisa pra
fazer que, infelizmente, a arte.. a gente vai
deixando de lado... Eu vejo que a escrita, a
matemática, as crianças precisam saber... E aí a
arte vai ficando... E aí, quando a gente pensa a
respeito da aula de artes, a gente pensa naquela
276
dobradura, naquele desenho... quando a gente
podia estar trazendo outras coisas...
§18. GDAC- Exatamente. A gente fica mais nas
técnicas, n/é? Que é o que a gente acaba passando
para as crianças, que é o que eu posso. Porque
elas ainda não conhecem outras coisas.
§19. GDAP2- Na verdade, a gente reproduz
aquilo que já viveu quando era aluna...
Quadro liii: Síntese da arte na sala de aula
SISTEMA MUNDO DA VIDA Elementos
LIMITADORES
- formação profissional não enfatiza o
ensino da arte;
- prioridade da escrita e da
matemática sobre a linguagem
artística;
- reprodução de técnicas limita outros
conhecimentos que poderiam ser
desenvolvidos com as crianças.
3 elementos,
4 menções
TRANSFORMADORES
Não
identificados
7 Menções
277
APÊNDICE VIII: CONVITE PARA O GRUPO DE DISCUSSÃO COM AS PESSOAS ADULTAS DA
ESCOLA
278
CONVITE
Convido vocês a participarem de um grupo de discussão a ser realizado na CA xxxxxxxxxxxxxxx, relacionado à
pesquisa que está sendo desenvolvida nessa escola desde 10/08/07: Comunidades de Aprendizagem: aposta na
qualidade da aprendizagem, na igualdade de diferenças e na democratização da gestão da escola”, coordenado
pela Profa. Dra. Roseli Rodrigues de Mello, e financiado pela FAPESP e pelo CNPq.
Sua participação é voluntária e poderá trazer importantes elementos para construir um conhecimento
comprometido com a transformação social e cultural que caracteriza a proposta de Comunidades de
Aprendizagem.
Desde já, agradeço a sua disponibilidade em poder participar, esclarecendo que os dados coletados serão tratados
de maneira sigilosa, e compartilhados conforme a metodologia que caracteriza a investigação.
Adriana Fernandes Coimbra Marigo
estudante de mestrado em educação NIASE/UFSCar
telefones para contato: 3411-2899 (residencial), 2106-5919 (comercial) e 9733-8016.
Data do encontro: 17/03/09
Horário: das _________ às ___________
Objetivo: compreender as interações no contexto da escola, com vistas a contribuir para a aprendizagem das
crianças, na perspectiva da aprendizagem dialógica.
Aspectos a serem abordados:
apresentação das participantes:
- formação, tempo de trabalho fora e dentro desta escola;
- atuação profissional no semestre passado e neste semestre.
interações no cotidiano da escola:
- entre estudantes;
- entre estudantes e pessoas da escola;
- entre pessoas da escola e das famílias;
- entre pessoas da escola e do voluntariado.
elementos que facilitam e que dificultam as interações na escola;
Projeto Roda com Arte – expectativas, contribuições e dificuldades
Sugestões sobre a proposta
279
APÊNDICE IX: DIÁRIO DE CAMPO
280
11/07/08: participação em reunião de planejamento com professoras e professores
Agendada a reunião com dez dias de antecedência com as coordenadoras, preparo os pontos a serem
abordados. O objetivo do encontro é me apresentar a todas e todos os participantes da escola, assim
como a minha disponibilidade como voluntária em comunidades de aprendizagem (CA), e falar sobre
a realização da pesquisa que daí partirá. As coordenadoras me informam que meu espaço para
apresentação será nos primeiros momentos da reunião.
Não sabia quantas pessoas estariam na reunião, por isso preparei 20 folhetos com as informações
gerais da atividade.
Chego pontualmente às 12h30. mais ou menos 11 professoras além das duas coordenadoras
pedagógicas, sentadas em círculos nas carteiras de uma sala. Junto-me ao grupo, conversando com as
professoras que já conheço sobre coisas, como a chegada do recesso. Uma das professoras comenta
comigo sobre sua filhinha que lesou a córnea devido a uma conjuntivite, devido à coceira.
As coordenadoras me dizem que, após a abertura da reunião, eu poderia conversar separadamente com
as professoras da 3ª série, pois a atividade será desenvolvida primeiramente com as turmas delas.
Concordo e fico com elas durante a abertura da reunião. Colocam a música “Comida” dos Titãs, e
distribuem a ela para que todas acompanhassem.
Enquanto cantamos, me lembro dos cursos que ministrei para gerentes da empresa em que trabalho,
usando a mesma música. Acho interessante o uso do mesmo recurso (e até da mesma música) para
reflexões em locais tão diferentes, conforme a intenção pedagógica.
Ao final da música, fazem a paródia de “a gente quer comida” para “a gente quer recesso”.
Também gosto de trazer a música como recurso didático. As pessoas são mais espontâneas em seus
comentários, trazem elementos de suas vidas que podem ser ponto de partida para aprendizagem de
quaisquer conteúdos. De qualquer maneira, tem de estar muito atento para fazer essas conexões, assim
como conhecer o contexto e o conteúdo, ter clareza do objetivo.
Saio da sala com as duas professoras da série e vamos para a sala ao lado. as conhecia de vista.
P2 participou da ACIEPE (Atividade Complementar Integrada de Ensino, Pesquisa e Extensão) no
primeiro semestre. Já conversamos, informalmente, em alguns momentos, sobre os melhores horários
para nos encontrarmos, logo que ela manifestou interesse em participar comigo deste trabalho. P1
trabalhava no ano passado na Biblioteca, quando eu passava por ao vir à escola para os grupos
interativos.
Apresento-me, de novo, falo da proposta da atividade, justificando minha intenção de propor a
atividade devido as minhas inquietações relacionadas às interações. Falo um pouco da minha relação
com a escola, desde 2006, minhas experiências em Tertúlias Literária Dialógica (TLD) no EJA,
grupos interativos (GI) e biblioteca tutorada (BT). Falo que havia me chamado a atenção o desejo das
crianças e dos familiares em terem “artes” na escola e que, a partir daí, pensei em formas de viabilizar
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esse sonho e articular com a importância das crianças ficarem mais tempo em atividades formativas.
Falo sobre o quanto vinha aprendendo na ACIEPE no contato com professoras(es) sobre as avaliações
da língua materna e, também nos estudos que o projeto CA realiza.
Justifico para P2 a minha participação na ACIEPE com o grupo da 3ª série no qual ela também estava,
e tinha compreendido a importância de reforçar, com urgência, os conteúdos com essas crianças,
enquanto eles ainda estivessem nessa escola, explicando porque havia me decidido por uma turma de
3ª série.
Falo da intenção de consolidar a atividade e ajudar a expandir para as outras turmas e comunidades, a
partir da formação de outras(os) voluntárias(os).
Perguntam sobre o número de participantes e eu digo que a proposta foi aberta a todas as crianças
dessa série, pois não tinha ideia de quantos estariam interessados em participar em uma atividade fora
das aulas.
P2 volta a comentar que a maioria das crianças participa em outros projetos, mas que acredita que
os que não participam poderão vir. Eu digo que se vierem muitas crianças (mais do que 12) talvez
tenhamos que apresentar a necessidade de buscar mais voluntários da comunidade, da escola ou da
universidade, assim como acontece em GI e BT.
Ao falar sobre os objetivos da atividade, explico como pretendo realizá-la, buscando integrar a
formação e o ensino de conteúdos, como proposto em CA (máxima aprendizagem e convivência
respeitosa). Destaco que é importante que o trabalho estivesse articulado com o delas, convidando-as
a fornecer elementos para que isso aconteça. Elas poderão me informar os conteúdos trabalhados em
aula e que deverão ser reforçados.
As professoras se mostram muito interessadas, comentando que será uma oportunidade importante
para essas crianças, que já teriam muitas dificuldades na vida: “saem de casa com os pais ali, mas não
sabem se vão encontrá-los na volta, pois a polícia pode levá-los”. Compartilho minha preocupação
com o “endurecimento” precoce dessas crianças, percebido no meu convívio com elas durante esses
anos em que aqui estou. Mas também digo que tenho vivido com elas momentos de alegria e de
curiosidade, e da necessidade de atenção e carinho que toda criança tem, justificando a necessidade de
trabalharmos a sensibilidade na escola. Exemplifico com a experiência que tivemos na BT, quando
fizemos origami com elas.
P2 também comenta que procura fazê-lo, embora as condições da aula sejam muito difíceis (“as
turmas são grandes, há muitos conteúdos para trabalhar”). Compartilho da dificuldade vista nas
escolas em que estive antes, nos estágios e nas atividades como GI.
Comunico o horário que tenho disponibilidade, pois trabalho e estudo. Elas acham que das 8h às 9h30
é um bom horário. Explico que é até o intervalo da manhã e a previsão é de que comece no dia 06/08.
Peço para me ajudarem a pensar na divulgação. Acham que a data prevista é boa, pois voltarão às
aulas na semana anterior, e poderão participar na divulgação. Sugerem a confecção de cartazes para
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serem afixados em suas salas e folhetos pequenos para entregar para as crianças levarem aos pais.
Explicam que poderão comentar durante as aulas, incentivando a participação das crianças. Acham
que pode ser válida a minha presença em algum dos dias para falar diretamente com as crianças sobre
a atividade, conhecê-las, etc.
Pergunto sobre a possibilidade de eu participar na reunião com os familiares, e elas acham válido.
Vão me avisar quando tiver. Perguntam meu horário e eu digo que, se marcarem com alguma
antecedência, poderei me organizar para ir.
Falo sobre minha pesquisa e da necessidade de conversar em alguns momentos sobre os processos de
aprendizagem a partir da atividade, focando interações e conteúdos observados. Colocam-se à
disposição para contribuir.
Também se dispõem a passar os programas que vão trabalhar no segundo semestre, preparados nessa
reunião de hoje. Falam sobre o banco de atividades que está perto do xerox, separados por ciclos, que
eu poderei xerocar para conhecer. Explico que esse material também poderá ajudar os voluntários da
BT.
06/08/08 – 1º encontro com as crianças – Tema Autorretrato
Participantes: um menino (Mo2), três meninas (Gabriela, Rafaela e Ma3) e investigadora
Chego à biblioteca algum tempo antes. A sala de vídeo que vou ocupar está sendo usado pela
coordenadora da escola. A sala está cheia de estudantes que assistem a um filme, enquanto suas
professoras estão em reunião com os familiares. Explico que tinha agendado a sala e ela me diz que já
estão terminando.
Enquanto aguardo na biblioteca, chegam Mo2 e Rafaela dizendo que vieram para a aula de artes.
Apresento-me, explico que a sala está ocupada e pergunto se podemos esperar ali, por um tempo,
podem chegar mais alunos. Mostro o meu crachá. Entrego os crachás deles para que coloquem seus
nomes e a gente ir se conhecendo. Conversamos um pouco, eles me dizem que são alunos da P2.
Digo que podem pegar livro para ler enquanto aguardam. Lêem juntos um livro.
Depois de algum tempo, perguntam se podem chamar um primo que mora perto. Pergunto se o primo
estuda também na série e eles respondem que sim. Digo que vou ficar aguardando, enquanto
arrumo a sala.
Os estudantes desocupam a sala de vídeo. Entro, coloco as mesas juntas e as cadeiras ao redor. Forro
as mesas com papel.
Enquanto isso, chegam Ma3 e Gabriela. Apresento-me, peço para escreverem seus nomes no crachá
para a gente ir se conhecendo. Sua professora é a P1.
Explico que tem mais dois estudantes que foram buscar o primo. Pergunto se podemos esperar um
pouco ou se preferem começar. Querem começar.
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Falo sobre a atividade, o que vamos fazer e os materiais que vamos usar. Explico que vamos conhecer
algumas pinturas, ler sobre os pintores, sobre a vida deles, o lugar que moraram ou moram.
Digo que para que tudo certo na atividade é preciso fazer alguns combinados. Pego um papel
grande e pergunto o que podemos combinar para que todos aprendam nessa atividade. Como primeira
sugestão, Gabriela diz “prestar atenção no que vai falar”. Peço para explicar melhor e ela diz que é
para entender o que vai ser explicado.
Ma3 sugere “não usar muita canetinha”, para não vazar do outro lado do papel.
Retornam Rafaela e Mo2. Explico que estamos combinando algumas coisas no grupo para podermos
fazer as atividades. Leio os combinados já feitos.
Gabriela sugere “não desperdiçar material”.
Explico que vou trazer o material que eles vão usar. Que é um material para ser compartilhado por
todos, que ao final precisam me ajudar a guardar para podermos usar na próxima vez, novamente.
Explico que a sala foi emprestada e o bibliotecário me pediu para devolver como tinha encontrado.
Pergunto se podemos colocar alguma coisa sobre isso. Não respondem.
Digo para pensarem e se pensarem em alguma coisa, poderemos acrescentar depois.
Conversamos um pouco e eles me contam que moram perto da escola e vêm sozinhos.
Explico que vamos conhecer algumas pinturas de artistas famosos em todo o mundo. Mostro
autorretratos e explico que são fotos de pinturas.
Imagens ficam sobre a mesa. Vão olhando, manuseando as imagens. Pergunto o que acham. Dizem
“bonito”. Pergunto se imaginam porque foram pintados. Dizem que não sabem.
Pergunto se imaginam de quem seria a imagem, de outra pessoa ou do próprio pintor. Dizem que deve
ser de outra pessoa. Explico que o pintor pode pintar outra pessoa, mas que também pode pintar a si
próprio. Que nesse caso, cada um tinha pintado a sua própria imagem, que isso se chama autorretrato.
Conversamos sobre cada autorretrato e as características. Digo que cada um parece querer chamar a
atenção para alguma coisa. O que será que cada pintor quis destacar?
Tarsila do Amaral: elegante, bonita, poderosa. Observam batom nos lábios, unhas pintadas, pintura
nos olhos, cabelo arrumado.
Van Gogh: muito sério, roupa arrumada, bravo. Destaca a barba. Roupa da mesma cor do fundo.
Picasso: alegre, olhos grandes, nariz grande, roupa arrumada.
Anita Malfatti: parece machucada, roupa arrumada, triste.
Distribuo o texto Autorretrato que vai falar melhor sobre cada um deles.
Peço para quem quiser começar a leitura. Gabriela pede a palavra.
A cada frase, comentamos as características de cada pintor e olhamos a imagem. Pergunto se o que
está sendo lido no texto coincide com o autorretrato de cada um.
Confirmam que sim e vão identificando as características do texto na imagem.
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A cada parágrafo, pergunto se outra pessoa gostaria de prosseguir a leitura. Não querem. Gabriela
continua lendo até o final.
Em alguns momentos, Rafaela e Ma3 acrescentam algumas observações. Mo2 não se manifesta, mas
acompanha.
Convido para fazerem seu próprio autorretrato. Entrego uma folha de cartolina e espalho os lápis de
cor sobre a mesa. Sugiro que, antes de começar a desenhar, pensem nas características que querem
destacar em sua imagem.
Enquanto desenham, conversam baixinho e comparam seus desenhos. Saio um pouco da sala para
ficarem mais à vontade. Enquanto isso, converso com a bibliotecária, acertando a reserva da sala para
as próximas semanas.
As crianças permanecem desenhando, conversando em voz baixa. Ma3 procura fazer um desenho
parecido com o de Gabriela, ao seu lado.
Mo2 termina primeiro e coloca os braços em cima do desenho. Pergunto se ele já terminou. Gabriela
pergunta se ele não vai colocar umas flores e ele diz que não. Digo que o desenho é livre, que cada
pessoa desenha aquilo que gostaria de mostrar.
Enquanto as meninas terminam seus desenhos, entrego uma folha pautada para Mo2 escrever seu
autorretrato. Explico que é para ele escrever um pequeno texto, contando um pouco de si. Ele fica
pensativo e depois, começa a escrever.
À medida que terminam, entrego a folha, pedindo para escreverem seu autorretrato.
Faltando dez minutos, peço para já irem terminando.
Ao final, pergunto se alguém gostaria de ler seu texto. Não querem. Apenas Gabriela fala que
colocou que é uma menina educada.
Pergunto se querem mostrar o autorretrato que desenharam e falar sobre ele. Só mostram.
Peço para me ajudarem a guardar o material, pois estamos chegando ao final do encontro. Eles me
ajudam em silêncio.
Digo que podem levar o texto Autorretrato e pergunto se eu poderia guardar os desenhos e os textos
comigo, para devolver tudo ao final.
Pergunto o que acharam da atividade. Dizem que gostaram. Explico que hoje tínhamos usado papel e
lápis de cor, mas que também iríamos usar outros materiais, como tintas, barro, revistas, tesouras.
Pergunto se têm alguma sugestão de atividade para fazermos ali. Rafaela diz que sabe fazer peteca,
pois aprendeu na oficina de sábado. Digo que podemos aproveitar para ensinar o que sabemos para os
outros colegas.
Entrego os termos de participação para levarem aos familiares e trazer na próxima semana. Deixo-os
à vontade para levarem ou não os crachás. Todos devolvem os crachás, dizendo que têm medo de
perder em casa. Só Rafaela leva.
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Digo que vou dar uma tarefa para a próxima semana. Entrego a palavra-chave pré-história, pedindo
para perguntar a respeito para familiares, irmãos mais velhos, professora, pesquisar na biblioteca. Na
próxima semana, cada um vai contar o que descobriu. Perguntam se é para escrever. Eu digo que não
precisa; que é só para procurar descobrir o que for possível sobre pré-história para contar, depois.
Ao final, despedem-se, dizendo: até a semana que vem! Entre as despedidas, peço que me ajudem a
entender o que queriam dizer com algumas frases que escreveram em seus autorretratos.
Reflexões:
Eu estava muito ansiosa, antes do início, pois o sabia quantas pessoas apareceriam. Tinha dúvidas
sobre a quantidade de material que levaria, sobre o tamanho da sala, sobre o tempo da atividade.
As crianças que apareceram estavam um pouco inibidas para se manifestarem e foram se soltando,
pouco a pouco. Em relação ao comportamento, o tive dificuldades, pois eram poucas crianças.
Acho que a nossa relação deve ser construída pouco a pouco e vou me esforçar para deixá-las mais à
vontade.
Também precisamos conversar sobre a necessidade de priorizar a fala de quem fala menos. Fiquei
insegura em falar sobre esses princípios em um primeiro encontro, pois as crianças estavam muito
quietas e pensei que isso poderia inibi-las ainda mais.
13/08/08 – 2º encontro com as crianças – Tema: Arte na pré-história
Participantes: um menino (Miguel), duas meninas (Gabriela e Ma3) e investigadora
Temos um novo participante e o grupo se apresenta, novamente.
Comentamos sobre os combinados sobre nossas interações. Destacamos que todas as falas serão
respeitadas, e que todas as pessoas têm coisas para contribuir.
Acrescentamos novos combinados escritos a partir das falas das crianças:
- Prestar atenção no que vai falar.
- Não usar muita tinta.
- Não desperdiçar material.
- Não bater nos colegas.
- Ter imaginação.
- Esforçar-se para fazer o trabalho.
- Respeitar os colegas e a professora.
- Não rir do que o outro está falando.
- Respeitar os combinados.
- Não deixar a sala suja.
- Não riscar os colegas.
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Falo sobre a realização da pesquisa e pergunto se eu poderia fazer anotações. Respondem que não
problema.
Pergunto se pesquisaram sobre a palavra pré-história, entregue no encontro anterior. Nenhuma criança
pesquisou.
Explico que, ao final de cada encontro, vou entregar uma palavra-chave para perguntarem para as
pessoas que conhecem.
Mostro livros com imagens da arte rupestre. Enquanto pergunto sobre as imagens, as crianças buscam
as explicações lendo o rodapé.
Sobre a informação de que as imagens da gruta de Lascaux foram produzidas 17 mil anos antes de
Cristo: “é muito tempo?”
Começam a buscar referências para entender a amplitude do período. Questionam a expressão “antes
de Cristo”.
Explico que em nossa cultura, usamos o nascimento de Cristo como padrão para medir o tempo.
Quando foram aumentando o número dos cristãos, que são as pessoas que seguem Cristo, ficou
decidido que o ano de seu nascimento seria considerado o ano 0. Depois, fizeram a contagem a partir
daí, ano 1, ano 2, até chegar em 2008.
Falo que 17 mil anos antes de Cristo, é muito tempo.
Miguel pergunta se também é “antes de Adão e Eva?”
Explico que a Bíblia traz as histórias, mas não indica a data precisa. A linguagem usada é simbólica.
Nesse momento, começo a pensar o quanto é difícil falar sobre religião, e percebo que começo a me
esquivar do assunto. Pergunto que tipo de material era usado na pré-história.
Fazem comentários do tipo “na época da pré-história, as pinturas não foram deixadas em papel”; “não
existia tinta”.
Voltamos às imagens. Pergunto aonde foram feitos os desenhos. Respondem “nas paredes”. Peço
para apontarem o que desenhavam. Dizem “animais”.
Por que? (pergunto). Dizem que viviam no meio da natureza.
Como era a vida nessa época?
Respondem: “não havia carros, cidades, casas, bicicletas.
Aonde moravam?
Respondem: “nas cavernas”.
Explico que há pessoas que chamam essa época de “idade da pedra” ou “época das cavernas”.
Leitura e comentário sobre o texto “Arte na pré-história”.
Localizam no atlas os países Brasil e França.
Perguntam qual será a atividade. Explicam que é ao final e está relacionada ao assunto que
conversamos.
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Falamos sobre a pronúncia da palavra Lascaux. (palavra francesa, nome do lugar, em português não
se pronuncia da mesma forma).
Mostro os volumes de Os Bichos. Folheiam, comentam os livros. Peço para escolherem um bicho e
preencheram as tabelas com as informações sobre ele.
Não tempo para escreverem o texto a partir dessas informações coletas, pois faltam apenas 15
minutos.
Retomo a fala de que não tinta na época: se o havia tinta, como eram feitos os desenhos nas
paredes das grutas?
“Com plantas, com terra, com carvão”.
Mostro os vidros com os pigmentos de terra, carvão, urucum, ou misturas de álcool com urucum,
beterraba, cenoura.
Peço para usarem as “tintas” para pintarem o animal que cada um escolheu no livro.
Entrego a palavra-chave. Peço para pesquisarem, perguntarem para familiares, professora, etc.
Pergunto o que acham de ampliar a oferta da atividade para estudantes de outras séries. As crianças
argumentam que “não seria bom porque fariam muita bagunça”.
Argumento que mais crianças trazem mais ideias, além da oportunidade de se conhecerem mais.
Outras crianças da escola podem querer estar ali, como eles.
Peço para eles pensarem sobre isso.
Encaminhamos para eles convidarem outras pessoas de suas classes, contando o que estamos fazendo
no projeto.
Reflexão:
Fico muito indecisa sobre o encaminhamento.
Penso que seria importante ter mais crianças. Mas, percebo, também, que o grupo está se
aproximando, as crianças mais quietas se soltando.
Como abrir para outras séries se eles argumentam que não seria bom?
Mas, ficaram de pensar mais sobre isso.
20/08/08 – 3º encontro com as crianças – arte japonesa
Participantes: duas meninas (Gabriela e Ma4), dois meninos (Miguel e Mo2) e investigadora
Gabriela apresenta os combinados. Explica para Ma4 que são acordos que construímos juntos.
Pergunto se temos alguma coisa para acrescentar, hoje. Não acrescentam.
Retomo os princípios e explico a dinâmica das inscrições, quem tem prioridade para falar quando duas
pessoas quiserem falar.
Retomamos os encontros anteriores, para apresentar para os (as) outros (as) participantes:
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Autorretrato lembram as características das pintoras e dos pintores. Embora não saibam o nome de
Van Gogh, lembram-se das características, dizendo que é um nome difícil, de um pintor sério.
Gabriela se lembra que Malfatti tinha um defeito no braço direito e aprendeu a pintar com a mão
esquerda.
Sobre a pré-história, mencionam que aconteceu há 17 mil anos. Não se lembram do nome do período,
mas indicam que ocorreu há muitos anos. Digo que é pré-história.
Gabriela comenta que viu pinturas em paredes [de cavernas] no livro da professora e contou para ela o
que já havia visto no projeto.
Ninguém pesquisou o significado da palavra origami, entregue no dia anterior.
Mostro o livro de arte japonesa. Pergunto o que percebem nas figuras, o que elas mostram.
Gabriela “colorplate” embaixo das figuras, perguntando o que significa. Explico que o livro está
escrito em inglês e “colorplate” quer dizer estampa, figura (ex. figura 36, 37, 38).
Pergunto o que observam sobre as cenas observadas, roupas, o que eles estão fazendo. As crianças
destacam as roupas, os quimonos, ausência de móveis, sentam-se no chão, casas diferentes, casas
“mais chiques”, as lutas [marciais], as pessoas são idosas, mulheres [de quimono] mais arrumadas.
Pergunto se são iguais ou diferentes dos nossos modos de vida.
Gabriela diz que são chineses, e que conhece uma chinesinha.
Explico que essa arte é oriental. Mostro que o livro é sobre arte japonesa.
Mo2 assobia ou lê junto, enquanto os outros lêem. Peço para retomar os combinados e ele para de
assobiar.
Relembro que todos podem ler, mas quando um estiver lendo, os outros deverão escutar, retomando o
1º combinado.
Comentam o texto lido. Pergunto se pesquisaram a palavra, perguntado qual era mesmo. Miguel diz
“arigatô”. Digo que não era “arigatô”.
Mostro os livros de origami. Folheiam os livros. Algumas figuras parecem não fazer muito sentido
(instruções sobre como dobrar).
Depois de quase uma hora de diálogos, perguntam se vão pintar.
Digo que hoje vamos fazer um origami.
Entrego o papel. Mo2 e Gabriela “disputam” a última folha azul. Pergunto como vão resolver esse
impasse. Gabriela acaba cedendo.
Fazem as dobraduras propostas. Depois começam a brincar com as peças.
Peço para criarem uma história com as dobraduras.
Entram crianças na sala de informática, distraindo a atenção. Enquanto as meninas querem que feche
a porta, os meninos querem que deixe aberta. Pergunto como resolver essa questão. Miguel diz que é
preciso votar. Pergunto se poderíamos chegar a um acordo, se cada um disser os motivos porque seria
melhor deixar aberto ou fechar. As meninas dizem que faz barulho e os meninos que está calor.
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A essa altura, o barulho já tinha cessado. Como havia cessado o barulho, pergunto se poderíamos
fazer o acordo de deixar a porta aberta pois estava calor e, se o barulho voltasse, poderíamos fechar até
que o barulho cessasse.
Todos concordam e a porta fica aberta.
Não conseguem se concentrar para produzir o texto. Depois produzem texto anunciando uma
catástrofe com um avião:
“O pato e o avião
Era uma vez um pato que vivia na lagoa.
Um dia, um avião sobrevoava o lago e seu motor pegou fogo.
O avião caiu sobre o lago.
O pobre patinho correu assustado, mas voltou, ajudando as pessoas a se salvarem”.
Miguel pergunta se os meus filhos sabem fazer origamis. Explico que são adultos e sabem fazer. As
crianças comentam que quem não veio, perdeu a oportunidade de aprender.
Perguntam se vão poder levar as dobraduras para casa. As meninas dizem que vão brincar com o
aviãozinho no recreio, ao invés de brincar de “polícia e ladrão”.
Digo que só não podem brincar com o avião na sala de aula.
Escrevem TAM e desenham no avião. Brincam com os aviões.
Muito difícil voltarem a sentar para conversarmos.
Gabriela vê as folhas pautadas, pede uma para ela escrever um texto. Eu entrego e peço para
pensarem e escreverem sugestões para os próximos encontros.
Miguel diz que não gosta de escrever. Gabriela pergunta se pode escrever o texto. Eu digo que sim e
para aproveitar o verso da folha para escrever também sugestões.
Ao final, lembro que todos deverão ajudar na arrumação da sala, procurando o fazer muito barulho
para não atrapalhar as outras pessoas que estivessem na biblioteca.
Colocam os crachás na caixa. Pergunto se gostariam de levar seus trabalhos para casa todos os dias,
ou se acham melhor deixá-los comigo e, ao final, entrego tudo junto.
Dizem que podem ficar comigo, que gostariam de levar apenas “trabalhos como esse de hoje”.
Reflexão:
A história criada pelas crianças é muito parecida com histórias recentes de acidentes com aviões
reportadas, amplamente, pela TV. Também sinto dificuldades para ajudá-los nos encaminhamentos.
Por exemplo, na situação em que devem decidir quem pegará a última folha azul e a menina acaba
cedendo. As interações acontecem de forma muito rápida, e antes de eu decidir sobre a melhor
maneira de intervir, ela decide. Percebo que nem dá tempo de intervir.
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27/08/2008 – 4º encontro com as crianças – Tema: Arte indígena
Participantes: dois meninos (Miguel e Mo2), uma menina (Gabriela) e investigadora.
No inicio do encontro, retomamos os combinados.
Ao falarmos sobre o tema de hoje, as crianças comentam recente reportagem na TV sobre índio que
feriu um homem com um facão.
Peço para comentarem o que ouviram a respeito.
Pergunto o que eles acham que teria levado o indígena a fazer isso.
Um dos meninos diz que “os madeireiros não respeitaram a mata indígena”.
Digo que seria bom lembrar que, quando os portugueses chegaram aqui, os indígenas se
encontravam. Existiam em grande número em todo o território brasileiro. Hoje, existem em número
bem menor e vivem em alguns locais permitidos para eles chamados como “reservas indígenas”.
Miguel se surpeeendeu, dizendo que não existem mais índios no Brasil.
Pego o Atlas e mostro o mapa do Brasil.
Mo2 localiza São Paulo, rapidamente, e a cidade de São Carlos.
Aponto alguns dos estados nos quais ainda vivem, inclusive a região de São Paulo em que são mais
encontrados (oeste).
Ao apontar o Mato Grosso, Mo2 comenta que nasceu em Alta Floresta. Digo que o Mato Grosso
possui muitas reservas muito próximas de algumas cidades. Pergunto se quer comentar sobre a cidade
em que nasceu. Disse que tem muitas árvores ao redor, mas desconhece a presença de índios.
Poderia ter pedido para perguntar aos familiares sobre essa questão.
As crianças começam a comentar um filme da índia “Tainá”, que foi passado na escola. Comentam a
história e o quanto ela quer proteger os animais.
Após os comentários, digo que as pessoas indígenas vivem na mata, muito próximos da natureza.
Miguel diz que usam plantas para curarem suas feridas.
Digo que tem muitos conhecimentos que não temos, mas que também são muito importantes.
Acredito que indígenas conhecem muito mais do que nós sobre as plantas e os animais, pois seu
contato com eles é muito maior que o nosso.
Falamos sobre a Amazônia. Miguel pergunta se a Amazônia é no Brasil?
Mostro no Atlas os estados que compõem a Amazônia, pedindo para ele olhar a distância entre esses
estados e São Paulo.
Gabriela inicia a leitura do texto. Pergunto se alguém quer continuar e Miguel prossegue.
Mo2 não se dispõe a ler (apresenta mais dificuldades na leitura).
Digo que ler em voz alta é um ato de coragem, que seria bom que todas pudessem ler, melhorando
cada vez mais.
Mo2 lê baixinho um parágrafo.
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Comento que todos têm alguma coisa para ensinar, que cada vez que a gente compartilha o que sabe,
está ajudando o outro a aprender, e a gente também vai aprendendo com o outro.
Também comento que todos nós estamos aprendendo juntos, que seria bom que todos comentassem o
que sabem, que devemos respeitar as falas dos outros.
Reflexão:
Embora já tenha comentado com eles sobre a pesquisa e sobre eu precisar fazer algumas anotações que
depois seriam comentadas, até o momento, não consigo fazer isso, pois estou com a atenção mais
voltada para estabelecer o clima de diálogo igualitário, para a dinâmica relacionada à aprendizagem
dialógica, para as interações no grupo. Ao fazer esse comentário com o grupo de pesquisa no qual
participo, sobre as dificuldades relacionadas ao meu duplo papel enquanto investigadora e voluntária
em uma atividade educativa, uma investigadora me adverte que eu preciso ter clareza sobre a minha
forma de me relacionar com as crianças. Admito que a pesquisa seja uma ação importante, mas que,
sobretudo, esteja com as crianças com o objetivo maior de possibilitar a sua aprendizagem. Assim,
predomina a minha posição como educadora, mesmo que com isso, perca alguns dados da pesquisa. O
mais importante, nesse momento, é o cuidado com as interações, pois, afinal, esse é o objeto da
pesquisa e a forma com a qual me proponho a desenvolvê-la é a partir do diálogo e do respeito.
Decido, então, me colocar por inteiro nessas interações para a construção de uma relação de confiança
entre nós. E anotar, quando for possível.
03/09/2008 – 5º encontro com as crianças – Tema: Arte africana
Participante: uma menina (Gabriela) e investigadora
Chegamos à sala, conversamos sobre o encontro anterior, sobre os combinados.
Ao retomar o tema do encontro anterior, acrescentamos arte indígenano painel, Gabriela destaca
que pintura corporal é usada pelos indígenas para participarem em cerimônias. Pergunto se isso é feito
aqui na cidade e de que maneira. Ela responde que sim, as mulheres pintam o rosto com maquiagem
para irem às festas.
Peço para Gabriela continuar recuperando os assuntos do encontro anterior. Ela diz que “indígenas
fazem suas cerâmicas, par usarem para cozinhar alimentos, cestarias e tecelagem para uso na aldeia.
Falamos sobre as penas que são usadas para fazer os enfeites para o corpo.
Em seguida, mostro as imagens da arte africana e ela observa as formas artísticas como máscaras,
pintura corporal, pinturas nas paredes, esculturas. Conversamos sobre o material que foi usado em
cada produção, o ouro e a madeira nas esculturas, os pigmentos para pintura. Gabriela observa que os
africanos também pintaram as paredes das grutas como fizeram os artistas da pré-história.
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Em seguida lemos o texto “arte africana”. Usamos o dicionário para procurar o significado da palavra
abundante, encontrada no texto. Explico que a máscara dourada é feita em ouro, metal abundante na
África conforme diz o texto.
Usamos o atlas para localizar a cidade de São Carlos, o estado de São Paulo, o Brasil, o continente
americano e o continente africano. Conversamos sobre a diferença entre Brasil ser um país, enquanto
África é um continente, mostrando uma parte do atlas que divide o mundo em continentes.
Permito que Gabriela manipule o atlas até me dizer que o Brasil está contido no continente americano.
Conversamos sobre a vinda do africano para o Brasil, em situação de escravos, trazendo consigo
elementos de sua cultura, como danças, comidas, etc.
Fazemos uma máscara de papel machê. Peço para Gabriela ler as instruções da embalagem que
contém a mistura.
Ao final, ela me ajuda a compor a mistura indicada na embalagem. Digo: aqui diz para colocar um
quarto de água para cada parte de mistura. Digo que acho necessário colocar quatro copos de mistura
e pergunto quanto coloco de água. Ela responde que é um copo.
Pergunto a Gabriela sobre o encontro, sobre o que gostou e aprendeu. Ela me diz que o que mais
gostou foi de fazer a máscara. Também diz que aprendeu que o Brasil fica dentro da América do Sul e
que os africanos gostam de se enfeitar, fazer máscaras e outras atividades artísticas.
Sobre o texto lido, diz que aprendeu sobre as peças mais comuns.
Sobre o fato de estar sozinha comigo no encontro, pergunto qual a diferença em estarmos apenas nós
duas e de quando os outros se encontram. Ela responde que, na presença dos colegas, aprende mais.
Pergunto-lhe o que acha se convidarmos as turmas de quartas séries, para termos mais pessoas
aprendendo conosco e ela diz que prefere pouca gente, para o ter muita bagunça e não desperdiçar
material.
Peço para ela dizer aos colegas que não vieram que sentimos sua falta.
Gabriela me ajuda a guardar o material e deixar a sala organizada. Não leva o texto que foi
trabalhado.
Reflexões: fico preocupada com a ausência das outras crianças, pois isto parece me sinalizar que não é
um bom horário ou que a proposta não está atendendo aos seus desejos. À noite, encontro-me com a
professora da turma de Mo2 e Miguel e comento a minha preocupação. Ela me diz que as crianças
gostam muito e que a dificuldade é que na parte da manhã, participam de outros projetos em outros
locais.
Fico pensando na melhor maneira para preparar o próximo encontro, sem prejudicar o avanço de
Gabriela e facilitar o acompanhamento por que esteve ausente.
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Também me preocupo em garantir um tempo aproximado de quinze minutos para os diálogos finais,
para a leitura da síntese sobre as observações feitas, para caracterizar o procedimento metodológico de
observação participante comunicativa.
10/09/2008 – 6º encontro – Tema: Arte no antigo Egito
Participantes: uma menina (Gabriela), dois meninos (Miguel e Mo2) e investigadora
Mo2 chega junto comigo à Biblioteca. Ao passar por uma das mesas, uma professora lhe pergunta
sobre sua ausência das aulas de reforço. Ele fica meio sem jeito para responder. Eu pergunto para a
professora sobre o dia e o horário e ela me responde que o dia “dele” é amanhã. Digo-lhe que ele tem
participado conosco das atividades com arte e que nesse momento também trabalhamos,
semanalmente, com leitura. A professora diz que ele tem melhorado muito e que acredita que a
professora de sua classe o tenha liberado das aulas de reforço pelos avanços que ele vem
demonstrando. Confirmo-lhe que ele tem melhorado a leitura, a cada encontro.
Mo2 me ajuda a pegar o livro e os dicionários da biblioteca que vamos utilizar neste encontro.
Enquanto organizo o material, entrego-lhe o livro para ele ir se inteirando do assunto que vamos tratar
hoje. Em seguida, pergunto-lhe se tem alguma obra que lhe chamou a atenção e ele me mostra uma
escultura em pedra, justificando que a escolha foi pelo tamanho da peça.
Gabriela e Miguel chegam logo depois, sentando-se ao nosso lado.
Pergunto se gostariam de fazer algum comentário ou dar algum recado que achem importante que nós
saibamos.
Gabriela comenta que Ma4 gostaria de participar, mas que não poderá porque a mãe sai cedo para
“catar papelão e ela tem de cuidar da casa”.
Peço para Gabriela me ajudar a retomar os assuntos tratados no encontro anterior e ela olha ao redor,
procurando “sua” máscara. Comenta que fez uma máscara de uma mistura que parece papel molhado.
Peço para ela me dizer qual o tema que trabalhamos, enquanto acrescento no painel “Arte africana”.
Mostro novamente as imagens do encontro anterior, enquanto conversamos sobre os materiais usados
como ouro, madeira, pigmentos para pintura nas paredes e corporal.
Ao falarmos sobre a vinda dos africanos ao Brasil para trabalharem como escravos, Gabriela se lembra
do passeio feito no dia anterior à Fazendo do Pinhal, fazenda em que se plantava café com a utilização
de escravos. Comenta sobre a senzala, a biblioteca para uso exclusivo da família, os jardins ao redor
da casa.
Chamo a atenção para o fato de que também existiu escravidão em São Carlos. Pergunto se podemos
reconhecer as características dos africanos entre nós, brasileiros e eles dizem que não.
Digo que eles vieram para cá e começaram a conviver com quem aqui estava, trazendo seus costumes,
seus conhecimentos.
294
Peço para fazer comparações sobre a vida dos africanos vista pelas imagens mostradas. Pergunto se
alguma coisa mudou quando vieram como escravos. Os estudantes destacam que na África viviam
livres, com muito espaço, iam a festas. Gabriela destaca que a senzala tinha apenas uma pequena
abertura na parte de cima, que aqui viviam fechados emmodos escuros e só saiam para trabalhar.
Comentam que não existia escola. Pergunto se naquela época ninguém sabia ler e escrever e eles
dizem que não sabem. Digo que as filhas e filhos do fazendeiro possuíam professores particulares.
Pergunto como imaginam a vida das crianças filhas de escravos e eles dizem que elas trabalhavam
junto com seus pais e não estudavam. Pergunto se as crianças filhas do fazendeiro também
trabalhavam e a/os estudante/s dizem que não, que elas apenas brincavam.
Pergunto sobre as diferenças da vida nessa época com a vida de agora. A(Os) estudante(s) respondem
que agora todas as crianças têm de ir à escola. Digo que esse é um direito que é garantido a todos,
atualmente e que todos têm de aprender a ler e a escrever bem.
Comento que as imagens de hoje estão relacionadas com as do encontro anterior, pois o Egito é um
país do norte da África, pedindo-lhes para fazer a localização no Atlas.
Ao mostrar as imagens da arte egípcia, vão fazendo os destaques sobre as pinturas na parede, as
máscaras, as pirâmides.
Observam que as pinturas mostram guerreiros e escravos e as máscaras são feitas de ouro.
Ao se depararem com uma imagem de pirâmide cortada transversalmente, eles se surpreender com os
degraus e corredores que existem em seu interior. Pergunto porque a pirâmide é tão grande e eles não
respondem. Perguntam o que significa “descendentes dos deuses” (que está no título do capítulo do
livro) e convido-os para lerem o texto A arte no antigo Egito.
Lembro-lhes que seria bom que todos lessem uma parte e que temos de respeitar o outro que está
lendo, não rir, mostrando os combinados que estão na parede.
Cada um lê um parágrafo. Faltando um último parágrafo, o grupo se depara com o impasse de quem
lerá o último parágrafo. Propõem dividir o parágrafo em linhas.
Quem começa? Lembro que o critério é que a prioridade de fala é para quem falou menos. Mo2 diz
que não quer começar. Os outros dois disputam o início da leitura. Mais uma vez, lembro que quem
deverá começar é quem falou menos. Miguel começa a leitura.
A partir do texto lido, conversamos sobre as pirâmides como grandes túmulos construídos para
enterrar o faraó, suas riquezas e escravos vivos, na crença de que os levariam para a outra vida.
Voltando às imagens, comentamos a imagem destacada por Mo2 e o desgaste que ela sofreu com a
ação do tempo e da natureza, pois faltam algumas partes. Destaco a data indicada à produção, mais de
2.300 a C. Explico o significado de a.C.
Gabriela lê a legenda sob uma das imagens e faz um comentário.
295
Explico que muitas coisas interessantes para serem lidas sobre os egípcios, mas que infelizmente, o
nosso tempo passa muito rápido. Mostro a capa do livro e sugiro que poderão voltar em outro
momento para ler o livro que é da biblioteca com mais calma.
Passamos para atividade produção das máscaras, enquanto entrego as tintas para Gabriela pintar a sua.
Gabriela explica aos estudantes sobre o preparo da mistura, enquanto vou organizando o material.
Miguel coloca um chiclete na boca enquanto oferece outro a Mo2. Este me olha como quem pede
autorização antes de colocar o chiclete na boca. Fico em dúvida sobre pedir para o outro jogar fora,
pois não havíamos conversado a respeito. Mas, em seguida, fico pensando que a escola, de maneira
geral, não deve permitir o chiclete em sala de aula. Penso que é uma questão que não deve ficar de
fora dos combinados e que será bom trazer para o diálogo o uso ou não do chiclete e se a postura aqui
deve ser a mesma da sala de aula.
Ao ler a síntese das observações, ao final do encontro, pergunto se gostariam de acrescentar alguma
observação que não foi anotada. Miguel observa que eles tinham muitos deuses e que nós temos
apenas um.
Peço para, no próximo encontro, procurarem chegar no horário, para que não precisemos correr com a
atividade. Miguel diz que vai sair de casa às 7h30.
Reflexões: preocupa-me a necessidade de retomar temas anteriores, porque nem sempre temos as
mesmas pessoas participando. Além das características da Arte no Egito, quis mostrar as diferenças
culturais entre povos em um mesmo continente, mas com alguns aspectos em comum (a escravidão em
momentos diferentes da história desses povos). Também achei importante localizar o Egito dentro do
continente africano, pois percebi certa confusão na compreensão do que seja país e continente.
Pensando em trabalhar dificuldades com vocabulário e articular com o uso do dicionário, havia
colocado no texto algumas palavras menos comuns, como talismã, para serem procuradas no
dicionário. Mas, as crianças passaram pelas palavras sem manifestar dúvidas, espontaneamente. Mas,
as dúvidas aparecem quando faço provocações.
Incomoda o fato de não levarem o texto para ler em casa, pois gostaria que eles fizessem a leitura em
casa. Na próxima semana, pretendo entregar o texto a ser lido na semana seguinte.
17/09/08 encontro com as crianças realização do Grupo de Discussão com as Crianças
(GDC1)
Participantes: uma menina (Gabriela), um menino (Miguel) e investigadora
Explico que hoje é o nosso sétimo encontro, que há quase dois meses, nos encontramos para conversar
sobre arte. Miguel se surpreende pelo tempo que já estamos juntos.
Pergunto se poderíamos conversar um pouco sobre o que significaram esses encontros até aqui.
296
Digo que trouxe uma câmera, explicando que não tenho conseguido anotar muitas coisas interessantes
que acontecem em nossos encontros. Pergunto se poderíamos gravar a nossa conversa.
Eles ficam animados com a ideia, dizendo que eu poderia também filmá-los. Explico que, nesse
momento, não vamos fazer filmagem, pois gostaria de conversar mais com os familiares sobre isso,
explicando melhor a finalidade de fazê-lo.
Perguntam se a câmera é minha e respondo que é de minha professora. Miguel se surpreende
perguntando: Você tem professora? Respondo que sim. Ele pergunta onde fica minha professora e eu
respondo que é na universidade. Pergunta se trabalho e respondo que sim, que em outro lugar que
também não é a universidade. Miguel pergunta quantos anos eu tenho e eu respondo. Ele se
surpreende novamente, dizendo: mas você ainda estuda? Respondo que sim, que ainda tem muitas
coisas que não sei e que gostaria muito de aprender; é por isso que estudo.
Iniciamos o encontro e eu apresento o objetivo geral da nossa conversa.
Percebo que, no início, escolhem respostas para serem gravadas pela câmera. Digo para tentarem se
esquecer um pouco da câmera e que, ao final, poderemos ouvir o que a fita gravou.
Mostro todas as imagens trabalhadas desde o primeiro encontro: autorretratos, imagens da arte
indígena e africana impressas no papel fotográfico e de alguns dos livros usados (arte da pré-história e
arte egípcia). Quanto às produções de arte japonesa, não foi possível levar o livro utilizado
anteriormente, de maneira que trouxe imagens que ainda não tinham sido mostradas: uma estátua de
Buda em pedra, uma pintura japonesa e uma construção japonesa. Também levo um tsuru (origami),
carregando um pergaminho no bico, presente de uma minha amiga nissei.
As crianças percebem essas novas imagens e conversamos um pouco sobre elas. Ficam encantados
com o tsuru e demonstram desejo de ler o pergaminho. Miguel faz a leitura e Gabriela continua.
Ambos comentam o texto lido sobre a crença japonesa de fazer tsurus para trazer felicidade. Gostam
de ler o texto que vem explicar o motivo dessa produção.
Peço para escolherem a imagem de que mais gostaram e contarem o motivo.
Ficam encantados com a estátua de Buda, dizendo que é pelo seu tamanho. Pergunto porque será que
fizeram uma estátua tão grande. Miguel responde que deve ser de alguém importante. Explico que
Buda representa uma divindade japonesa. Que em suas crenças, muitos japoneses acreditam nele e em
sua sabedoria. Que essa religião é chamada de budismo e que muitos outros povos, como os indianos,
tambémm essa religião. Que existem templos budistas também no Brasil, trazidas por essas pessoas
que vieram morar aqui, trazendo também o desejo de continuar com suas crenças, mesmo morando em
outro país, tão distante, geograficamente.
Gabriela destaca que “também representamos nosso Deus com imagens, com a cruz. Que o nosso
Deus também é muito grande”. Digo que sim, que as pessoas têm crenças e que em suas crenças,
Deus ocupa um lugar muito importante. Gostam de mostrar isso pelo tamanho das imagens ou pelo
material que utilizam como o ouro.
297
Olhando as outras imagens, Miguel escolhe Van Gogh, dizendo que é porque ele é sério. Gabriela
decide por Picasso, dizendo que gosta de seus olhos destacados. Explico que esses artistas produziram
muitas obras, além de seus autorretratos e que voltaremos a eles, mais adiante para conhecer um pouco
mais sobre elas.
Comento que “fazer arte é uma atividade muito antiga”, perguntando se eles se lembram da época
aproximada em que foram feitos os desenhos nas paredes das cavernas. Gabriela responde que foi
17 mil anos, quando ainda não existiam cidades, nem tintas.
Aproximando-se do término do encontro, recebemos a visita de uma das professoras das crianças (P1).
Ela nos explica que veio ajudar uma professora da manhã e aproveitou para dar uma olhadinha em
nossa atividade. Aproveito para agradecer-lhe o material que me tem enviado, dizendo que tenho
retirado dali algumas ideias. Ela me diz para não me preocupar em devolver logo, porque não tem
dado muito tempo para utilizá-lo. Que gostaria de realizar essas atividades, mas que não muito
tempo. Explico que nesse dia, fizemos um balanço de tudo que vimos até aqui, mostrando-lhes as
indicações nos cartazes na parede, que estamos finalizando com a confecção de uma máscara feita
com uma mistura de papel machê. Ela pergunta quanto tempo ainda teremos de atividade e respondo
que são 17 semanas, ou até o final do período letivo, que aquele era o encontro. Ela diz que tem
outros materiais para enviar e que continuará fazendo isso.
Após a saída da professora, Miguel comenta, com alívio, que ainda faltam 10 semanas para terminar.
Digo que ainda temos muito para aprender e que poderemos também continuar no próximo ano, se
eles desejarem. Eles dizem que sim, que vão querer continuar.
Depois, saio da sala com alguns pires de tinta, enquanto as crianças enfeitam as máscaras com as
miçangas e a lã. Encontro-me com uma das coordenadoras. Ela me pergunta sobre o
desenvolvimento do projeto, perguntando-me se as crianças têm vindo. Também me diz que a
professora P2 está gostando muito do trabalho e que gostaria que ele fosse realizado dentro de sua sala
de aula. Frisa que é um desejo da professora: que ela gostaria de me ter com ela, dentro de sua sala,
pois ela acha que é um trabalho importante. Ao mesmo tempo, diz que a escola ainda não sabe como
fazer para trabalhar com arte, sugerindo que eu faça uma formação com as professoras a respeito,
como havia acontecido com a tertúlia.
Reflexão: Fico feliz com a sinalização da escola a respeito do trabalho que está sendo desenvolvido
com as crianças. Essa resposta me faz pensar que, mesmo o estando com muitas crianças como
seria meu desejo, fazer a formação com as professoras vai permitir que o trabalho se amplie bastante e
rapidamente, alcançando espaços impossíveis para mim, neste momento, diante da minha
disponibilidade limitada pelos horários. Ao mesmo tempo, sinto-me desafiada a buscar um
conhecimento cada vez maior sobre os conteúdos e as finalidades às quais me propus com as
atividades. Penso ainda, na minha dupla formação durante a realização do curso de mestrado, como
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educadora e investigadora e, a cada dia, acredito que essa atuação não pode ser dissociada. Ao me
referir a isso, penso que a minha escolha metodológica está adequada a esses propósitos e que essa
rápida resposta da escola se deve à ação comunicativa que permeia esse trabalho de
pesquisa/educação. Desde o início do desenvolvimento dessa pesquisa, está explícita a minha
intenção de pesquisa ao lado da minha intenção de colaborar com todas(os) as(os) participantes do
contexto. Penso que, se por motivos diversos, não é possível que as crianças convidadas não estejam
comigo nesse espaço, elas podem, mesmo assim, ter acesso à proposta, através de suas professoras
que, assim com eu, também se mostram disponíveis para aprender novas formas de ensinar. Isso
também já foi explicitado por elas, de maneira informal, quando conversamos sobre a possibilidade de
realização dessas atividades. Assim, essa sinalização pela escola amplia um compromisso que é
diretamente realizado com poucas (três ou quatro) crianças, mas que se estende às suas professoras e
aos espaços que elas estiverem.
24/09/2008 – 8º encontro com as crianças – Tema: Arte na Idade dia
Participantes: uma menina (Rafaela) e investigadora
Após conversar sobre arte a partir de formas artísticas mais genéricas, a minha proposta é de que
possamos introduzir os artistas mais conhecidos. Nessa intenção, penso que Leonardo da Vinci é um
nome importante como referência de artistas da modernidade, citado em muitas obras que venho
consultando. Em relação a ele, encontro muitas imagens disponíveis, algumas das mais conhecidas
como a Mona Lisa. Para além de suas obras, chama a atenção o contexto do renascimento, a
capacidade de criação do artista e a vontade de voar, comum nesse momento histórico.
Mas, entendi que seria um salto muito grande ir direto para o contexto da modernidade, com
características mais elaboradas, sem passar pela Idade dia e a intencionalidade de sua produção
artística e as suas características que ainda permanecem. Assim, foram selecionadas seis imagens do
período, envolvendo Arte bizantina, românica e gótica, enfatizando a arquitetura, a pintura de imagens
sacras nas igrejas, os vitrais e os manuscritos com “iluminuras”.
Neste dia, as crianças que habitualmente freqüentam o projeto não vêm. Mas Rafaela se aproxima da
sala, lembrando que se trata de participante que compareceu apenas no primeiro dia e que havia se
justificado que não viria mais por ser voluntária em grupo interativo de uma sala de ano. Veio até a
biblioteca, porque não havia ninguém na sala em que é voluntária. Convido-a para entrar, caso deseje
conhecer um pouco do trabalho que aconteceu nos dias em que não participou.
01/10/2008 – 9º encontro com as crianças – Tema: Arte na Idade dia (novamente)
Participante: um menino (Miguel), duas meninas [Gabriela e Rafaela (ao final)] e investigadora
Minha intenção, nesse dia, é abordar a arte na Idade Média com Miguel e Gabriela, conforme previsto
para o encontro anterior. Ao chegar à escola, já percebo Miguel nos arredores.
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Conversamos um pouco sobre a possibilidade de sua mãe vir conversar sobre o trabalho que vem
sendo desenvolvido e as intenções de pesquisa. Ele me explica que hoje a mãe saiu para ir ao dentista.
Em seguida, me conta um pouco sobre a dificuldade do comparecimento de sua mãe. Ele tem um
irmão de 12 anos, deficiente, que não se levanta da cama e não enxerga, além de uma ircom 1,5
ano. Além disso, tem uma irde 15 anos que estuda em outra escola. Quando precisa sair, é a tia
quem fica com as crianças. Seu pai trabalha em uma construtora com uma obra em outra cidade e
voltará perto do dia das crianças. Mas, ele diz que a mãe não se opõe à sua participação. Explicito
que compreendo a dificuldade de sua mãe e que preciso que ela assine um documento a respeito.
Pensarei em uma maneira para contornar a dificuldade de formalização do termo da pesquisa.
Durante todo o encontro, digo que irei anotando as ideias mais principais da nossa conversa para ao
final, ler, verificando com eles se há algum erro ou se falta alguma coisa.
Ao dispor as imagens selecionadas sobre a mesa, Miguel me pergunta se sou católica e eu respondo
que sim. Ele me conta que é evangélico. Ele volta a me perguntar se são fotos da minha igreja.
Respondo que não, que se trata de imagens de prédios construídos em outra época e em países da
Europa. Vamos até o mapa, localizamos o Brasil. Digo que nos encontros anteriores, vimos artes que
existiam no Brasil, no continente africano, no Japão. Hoje, iríamos conhecer algumas obras da
Europa, outro dos continentes.
Miguel olha atrás das imagens e que se trata de igrejas da França e da Espanha, localizando esses
países no planisfério.
Conversando sobre as gravuras, Miguel identifica a semelhança da igreja com um castelo. Pego um
dos volumes das enciclopédias que trazem imagens de castelos. Ele confirma a semelhança externa.
Gabriela chega um pouco depois. Recuperamos um pouco da conversa anterior, ajudando a situar
Gabriela sobre o tema de hoje. Ao folhearmos o livro, também vemos imagens dos nobres da época,
do interior do castelo, assim como uma ilustração de uma rua de Bizâncio. Peço para eles
estabelecerem algumas comparações entre essas imagens, sobre a vida dessas pessoas, em uma mesma
época. Eles assinalam a miséria das ruas em contraste com o luxo dos castelos e das roupas dos
nobres e a imponência dos prédios das igrejas. Ficam penalizados pela imagem de pobreza que vêem.
Gostam de folhear as enciclopédias, lêem os rodapés das ilustrações. Digo que podem usar esses
livros, quando virem à biblioteca, que são livros que têm muitas coisas interessantes sobre diversos
assuntos.
A partir dessas comparações, as crianças começam a se remeter ao passeio feito à fazenda do Pinhal,
lembrando da imponência do prédio, do cuidado com os jardins, das informações sobre a vida da
família do Conde, mencionando os cômodos e a educação providenciada para as mulheres da família.
Pergunto o que elas aprendiam e Miguel me responde que aprendiam a ser “boas mulheres”. Pergunto
o que é ensinar a ser uma boa mulher, e eles respondem que é ser educada. Gabriela diz que é ser
“fresca”, pois elas tinham água quente, e os homens não. Pergunto se também ensinavam os homens a
300
serem “bons homens” e Miguel responde que não. Pergunto o que acham de se ter uma educação
diferente para homens e mulheres e eles me respondem que se trata de uma injustiça.
Pergunto se, atualmente, educam-se homens e mulheres de forma diferente e eles afirmam que o.
Pergunto se ainda se ensinam a ser boas mulheres e bons homens e eles dizem que o; que, agora, a
escola só ensina a ler e a escrever.
Voltando para as imagens, as crianças observam os vitrais, dizendo que são os vidros das igrejas, que
neles contém cenas das vidas dos reis. Sobre a imagem bizantina, relatam que se trata de Maria e seu
filho, mas não acham que o menino esteja bem representado, que o cabelo não está bonito. Diz que
não é possível ver Deus, que uma pessoa que se encontrou com Deus, viu um clarão e sua vista
escureceu. Digo que eu achava que essa era uma passagem bíblica do encontro de Paulo com Deus,
que essa era a forma da Bíblia contar esse encontro.
Perguntando sobre o material utilizado, identificam o dourado presente nas imagens, dizendo que seria
ouro em . Confirmo que o ouro é usado como pigmento, para deixar aquele efeito, perguntando
porque o artista teria feito isso. Miguel responde que era para homenagear os santos.
Confirmo a resposta, lembrando a observação feita sobre o tamanho da estátua de Buda, também uma
forma de representar uma pessoa que consideram importante, alguém em quem acreditam. Da mesma
forma, essa foi uma época em que a religião católica dominava nesses países da Europa. Miguel
observa que muitas outras religiões diferentes com outros deuses. Complementa, dizendo que ser
difícil as pessoas de religiões diferentes se darem bem. Pergunto se não conhecem pessoas que se dão
bem, mesmo sendo de religiões diferentes. Miguel diz que não, que as pessoas são proibidas de entrar
em outras igrejas. Diz também que tem uma prima evangélica que namora um católico e que eles
vivem brigando. Pergunto se haveria uma forma das pessoas com religiões diferentes se darem bem.
Gabriela responde que poderiam ir, a cada semana, em uma das igrejas. Miguel diz que existem
religiões com demônios, que ele tem medo dessas religiões, uma delas com um nome parecido com
Zumbi. Pergunto se ele conhece alguém que tenha essa religião. Ele me diz que sim. Peço para ele
conversar com a pessoa para se informar um pouco mais e depois contar para nós o que aprendeu a
respeito.
Miguel questiona se o mundo está acabando. Pergunto-lhe o que sabem sobre isso. Gabriela diz que
acha que o mundo está acabando porque a água do planeta está acabando, assim todos morreremos de
sede. Pergunto se as pessoas podem fazer alguma coisa para evitar que isso aconteça. Gabriela diz
que sim, que temos de deixar de jogar lixo nos rios, não deixando também que outras pessoas façam
isso. Também sugere que, quando a água estiver acabando, que se guarde um pouco em um balde
para usar dessa água para cozinhar ou beber. Pergunto por quanto tempo duraria a água de um balde.
Ela responde que por poucos dias, que não iria adiantar. Miguel comenta que foi no pesque-pague no
domingo, e seu primo não conseguia pescar nenhum peixe, que vinha lixo. Digo que a
contaminação dos rios também acontece por falta de cuidados nossos. Às vezes, vamos passear e
301
deixamos latinhas, saquinhos plásticos pelo caminho. Tudo isso se acumula, a chuva leva para os rios
toda a sujeira. São cuidados fáceis, se cada um se lembrar disso sempre. As crianças olham para o
planisfério, assinalando que a água dos oceanos não pode ser tomada. Pergunto: “se pudéssemos
dividir toda a água do mundo em cem partes iguais, sabem quantas partes poderíamos tomar”? Eles
respondem que seja metade. Informo que são apenas duas partes, chamada água potável, salientando a
importância de cuidarmos dessa pequena parte da água tão necessária para a vida no planeta.
Em seguida, Gabriela e Miguel lêem o texto A arte na Idade Média”, fazem comentários a respeito,
relacionando com as imagens. Voltamos à imagem do manuscrito com “iluminura”, observam a
linguagem incompreensível utilizada. Explico que era latim, uma língua que não existe mais, mas que
era utilizada naquela época. Mesmo assim, identificam algumas letras escritas no formato gótico.
Também reconhecem a letra P. Explico que aquela imagem é de uma gina da Bíblia, que naquela
época era escrita à mão, pois a imprensa ainda não existia. Miguel volta ao assunto religião, contando
que o demônio conhece todas as histórias da Bíblia.
Passamos para a atividade de elaboração de um vitral, com papel celofane. Enquanto começamos,
Rafaela chega à sala e demonstra desejo de participar. As crianças copiam o desenho do molde que
levei. Explico que o corte com o estilete será feito por mim, pois é um instrumento perigoso que deve
ser usado com bastante cuidado para não machucar.
Enquanto fazemos os vitrais, todos conversam e colaboram entre si. Miguel repete que não está
conseguindo e eu digo que sim, que vai conseguir. As ideias principais dos diálogos foram anotadas,
na forma abaixo, porém não tenho tempo de ler as anotações ao final. Entretanto, durante todo o
encontro, o caderno fica aberto e à disposição dos estudantes. Observo que seria bom todos chegarem
no horário certo, para dar tempo para todas as atividades.
Penso que continua sendo necessário deixar os últimos quinze minutos para fazer a leitura da
observação. Também informo a importância de ler a síntese, no próximo encontro.
08/10/08 – 10º encontro com as crianças – Tema: Leonardo da Vinci
Participantes: uma menina (Gabriela) e a investigadora
Chego à biblioteca, em uma manhã fria e com ventos. Percebo que a sala está ocupada e prefiro não
interromper, pois ainda não chegou nenhuma criança. Enquanto isso, olho pelas estantes em busca de
livros que tragam informações sobre Leonardo da Vinci, o tema do encontro de hoje, embora exista a
possibilidade de nenhuma criança aparecer devido ao tempo.
Enquanto estou na biblioteca, percebo que a professora que atende as/os estudantes para atividades de
apoio também se encontra com um grupo bem reduzido.
Após quinze minutos, a porta da sala de vídeo se abre e sai uma turma com estudantes. Lembro-me de
ter sido convidada para a reunião com os familiares, nesta semana, e concluo que a turma deveria estar
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assistindo a algum filme, enquanto professoras/es se reúnem para a reunião. Ao mesmo tempo, vejo
Gabriela entrando pela porta da frente da biblioteca.
Ela me ajuda a levar os materiais que selecionei para dentro da sala. Na sala, também me ajuda a
afixar os cartazes com os combinados, as temáticas já trabalhadas e os mapas do Brasil e do mundo.
Também me conta que esteve com Ma3, a colega que participou no primeiro encontro. Ma3 estava
doente na semana passada, mas garantiu-lhe que estaria hoje conosco.
Retomamos o tema do encontro passado sobre a arte na Idade Média. Gabriela destaca os vitrais e a
igreja. Acrescento que a arte daquele momento está muito relacionada à religião católica e era usada
para ensinar. Por isso, os vitrais com passagens bíblicas ou as figuras dos santos.
Digo que isso começa a mudar por volta da época de Leonardo da Vinci, apresentando o artista que
será tratado neste encontro. Destaco que esse artista viveu muito tempo, ainda antes dos
portugueses chegarem ao Brasil em 1500.
Entre as imagens produzidas por da Vinci, Gabriela seleciona a Mona Lisa, dizendo que já viu a
imagem embora não se lembre aonde. Digo que é uma das pinturas mais conhecidas do mundo. Ela
destaca o cabelo, dizendo que a figura deve morar em um castelo, devido às roupas que usa. Pergunta
se pode ler as informações atrás da gravura. Enquanto lê, faz alguns comentários sobre da Vinci,
confirmando que se trata de um importante artista. Também observa o autorretrato produzido por ele,
junto às informações atrás da gravura.
Faço o destaque sobre o fato de ele ter produzido um autorretrato, como muitos outros artistas, mas
que ele é um dos primeiros artistas a fazer um retrato mais real de uma pessoa, colocando-a em
destaque em um determinado local.
Percebemos essas características nas outras imagens que foram trazidas, além da Mona Lisa:
Sant´Ana, a virgem e o menino, A dama e o arminho, A Santa Ceia. Conversamos sobre os títulos e
os locais em que estão as figuras. Algumas são feitas em ambientes internos e outras em externos.
Sobre A Santa Ceia, retratada com as marcas do tempo, explico que, nessa época, as pinturas na igreja
continuam a serem feitas, mesmo com técnicas diferentes, trazendo o significado de “afresco”.
Gabriela percebe a estrada ao fundo da Mona Lisa, dizendo que deveria estar perto de uma janela.
Embora a pintura não esteja nítida, identifica Jesus e os apóstolos, na cena de A Santa Ceia. Também
se lembra que sua avó, já falecida, tinha essa cena em sua casa.
Digo que muitas pessoas foram reproduzindo essa cena, inspirados em da Vinci.
Gabriela destaca que Mona Lisa lembra o autorretrato de Tarsila do Amaral. Complementa que “só
que foi pintada por outra pessoa: Leonardo da Vinci”. Acredita que Mona Lisa deveria morar em um
castelo (articula a pintura com o tema do encontro passado).
Na pintura A dama e o arminho”, destaca o cabelo, o colar, a roupa e a orelhinha do animal.
Comenta que “pessoas famosas usam a pele dos animais para fazer casacos”. Diz que “acha um
303
absurdo”, pois “não se pode matar os animais”. “Na TV, aparecem muitas pessoas usando casacos de
pele”.
Lemos o texto com a biografia de Leonardo da Vinci. Destaca que “Leonardo da Vinci pintava
mulheres que posavam para ele. Mas desde pequeno, desenhava tudo o que via”.
Também destaca “que usava escrita secreta para ninguém descobrir o que estava escrito”.
Procuramos mais informações sobre da Vinci na enciclopédia da biblioteca. A menina se surpreende
com a quantidade de inventos.
Na atividade prática, a menina recorre ao sfumato com “urucum em pó” para fazer o fundo de seu
trabalho.
Eu havia orientado para escolher uma figura para ser o retrato de uma pessoa, como fez da Vinci. E
que escolhesse um fundo para essa figura.
Pergunta o que é “fundo” e eu explico que é o lugar onde o artista quer mostrar essa figura, essa
pessoa. Aponto como da Vinci fez isso nos seus quadros Mona Lisa e Sant’Ana, a Virgem e o
Menino. Explico que pode ser dentro ou fora de uma casa, como nos exemplos. Digo que quando está
muito escuro ou muito claro atrás, a figura parece ficar mais destacada.
Gabriela diz que quer colocar sua figura em uma praia. Depois de folhear várias revistas, ela não
encontra outra que tenha o tamanho suficiente para ser o fundo. Resolve desenhar o fundo com o
lápis. Depois de começar, decide recorrer também aos pigmentos que eu também deixei a disposição.
Decide fazer o todo o fundo esfumaçado, e o resultado fica muito bom.
Reflexão:
Deveria ter dado mais destaque sobre o fato dela ter usado a mesma técnica que da Vinci. Acho que
ainda poderei fazer isso nos próximos encontros, pois outros artistas, a partir de da Vinci, também o
fizeram.
Porém, no momento, isso não me ocorreu, pois só percebi quando vi o resultado.
Apesar da proposta de atividade ter sido feita por mim, não sugeri a forma com a qual seria feita.
Portanto, a menina me mostrou um recurso trazido de sua imaginação, superando muito as minhas
expectativas sobre a proposta.
Ficou muito lindo o resultado e não foi sugerido por mim. Isso me gratificou, profundamente, pois ela
recorreu aos recursos desenvolvidos nos encontros anteriores, trazendo para esse contexto, permitindo
a transição entre as atividades de forma muito significativa. Ela criou em cima de uma proposta de
uma simples colagem.
09/10/08 - Participação em reunião com os familiares das/os estudantes das 3ª séries
Objetivos:
- reapresentar a proposta do projeto Roda com Arte;
304
- incentivar a participação das crianças
- reapresentar a pesquisa aos familiares
- convidar para participação em grupo de discussão sobre processos de interação com as crianças
- chegada antes do horário previsto conversa com o bibliotecário para verificar possibilidade de
utilização do espaço no sábado e horários;
- apresentação da investigadora, informando participação como voluntária na escola;
- reapresentação do projeto Roda com Arte, justificando sua origem nos sonhos das crianças e de seus
familiares;
- andamento do projeto apresentar as contribuições oferecidas, os materiais utilizados, e as
atividades desenvolvidas;
- novo convite para participação das crianças, informando dia e horário do projeto;
- reapresentar a pesquisa aos familiares, informando o objetivo geral de compreender os processos
educativos que se estabelecem a partir das atividades desenvolvidas ao redor das obras artísticas;
Argumentei que essa pesquisa pretende ajudar a buscar formas para que essas crianças aprendam mais
e melhor que é o que todos da Comunidade estão querendo: voluntários, professoras, direção da escola
e familiares.
Destaquei também a importância de um convívio de respeito e solidariedade entre as pessoas que
participam na escola. A pesquisa também está relacionada a buscar uma melhoria do relacionamento
entre as pessoas na escola. Digo que elas e eles sabem muitas coisas que podem nos ajudar nisso. Por
isso, convidei-os para participar de uma conversa sobre isso. Digo que essa ideia também não foi
minha, mas trazida por muitos familiares que desejavam ter um espaço para conversar sobre suas
crianças, trazendo dicas para lidar com elas, assim como suas preocupações.
Perguntei se alguém gostaria de participar de um grupo como esse e qual seria o melhor dia e horário
para que isso acontecesse.
Expliquei que buscarei um horário para que o maior número de pessoas possa participar. Falei que a
previsão é que aconteça até o final deste mês e que pedirei para as professoras avisarem.
Pedi aos familiares das crianças que já participam do projeto para falarem comigo.
Estavam presentes o pai de Gabriela e as mães de Rafaela e de Mo2.
Expliquei novamente sobre a realização da pesquisa durante as atividades, perguntando se poderia
filmar ou fotografar as crianças em alguns momentos. Também disse que, em alguns momentos,
precisaria conversar com eles.
Autorizaram, assinando os termos de compromisso.
22/10/2008 – 11º encontro com as crianças – filmagem – Tema: Antonio Francisco Lisboa
Participantes: uma menina (Gabriela) e um menino (Rafaela)
305
29/10/2008 – 12º encontro com as crianças – filmagem – Tema: Anita Malfatti
Participantes: uma menina (Gabriela) e um menino (Mo2)
17/11/2008 – contato com a professora P2 para agendamento de grupo de discussão
Em contato por e-mail, ela me explica que o tempo das professoras está tomado com as avaliações de
final de ano. Prefere agendar para o mês de dezembro mais tranqüilo. Pede para eu ligar, no mês de
dezembro.
19/11/2008 – 13º encontro com as crianças – filmagem – Tema: Vincent Van Gogh
Participantes: uma menina (Gabriela), um menino (Mo3) e investigadora
19/11/2008 - Participação em reunião de Comissão Mista na EMEB Novo Mundo
Participantes: mãe de estudante não participante do Projeto, P1 e outra professora da escola, as gestora
da escola, as coordenadoras pedagógicas C1 e C2, 4 meninas estudantes na escola e investigadora.
Apresentei-me para as participantes, falando de minha presença na escola desde 2006, como
voluntária nas atividades de TLD, GI, BT e reuniões de comissões. Informei que, neste semestre,
ofereci atividades aos estudantes da 3ª série da escola, no espaço da biblioteca, nas manhãs de quarta-
feira.
Expliquei que esse oferecimento estava relacionado aos sonhos apresentados pela comunidade nas
fases de sensibilização da proposta de Comunidades de Aprendizagem.
Comentei que a participação nas atividades havia sido baixa e que gostaria de conversar sobre alguns
pontos que considero importantes:
- interesse da escola em manter as atividades no próximo semestre;
- em caso positivo, pensarmos maneiras de aumentar essa participação, quanto à divulgação, local e
horário de realização, participantes, sugestão de atividades, material utilizado.
Falas destacadas no encontro:
- mãe participante: “não se pode perder a disponibilidade do voluntário participar na escola. Temos
que fazer que a atividade continue, pois é conhecimento a mais para nossas crianças”.
- gestora: “a escola deve encontrar maneiras para fortalecer o projeto e, no próximo ano, estará
buscando maneiras para aumentar a aprendizagem das crianças.”
Encaminhamento: formalizar a atividade, incluindo resumo das atividades na proposta da escola a ser
entregue à SMEC, no início de dezembro;
306
- convite à investigadora/voluntária para participar nas primeiras reuniões de HTP, para apresentação à
equipe e reorientação das atividades.
26/11/2008 – 14º encontro com as crianças – filmagem – Tema: Pablo Picasso
Participantes: uma menina (Gabriela) e investigadora
03/12/2008 – 15º encontro com as crianças – filmagem – Tema: Salvador Dali
Participantes: uma menina (Gabriela) e investigadora
10/12/2008 – data e horário agendado para grupo de discussão com familiares, após contato com
a assistente de direção.
Diante do agendamento do horário para após as aulas, presumo que não estarão mais as(os)
profissionais da escola, e peço para a escola deixar o porteiro avisado sobre a nossa presença.
Não informações para o contato com os familiares de Mo2 e Miguel, nem mesmo nos registros da
escola.
Assim, convido os familiares das duas meninas participantes (Gabriela e Rafaela), que me deram seus
telefones.
No horário agendado (19h), compareço à escola.
O porteiro me explica que desconhecia a reunião.
Também diz que uma mãe havia aparecido, mas, devido ao seu desconhecimento, ele disse que não
haveria nenhuma reunião ali.
Ele liga para a assistente de direção para confirmar o meu agendamento. Ela se desculpa sobre seu
esquecimento em avisá-lo.
Fiquei sem saber qual a mãe que compareceu.
Tento ligar para falar com as duas para esclarecer o fato e agendar nova data. Não consigo fazer o
contato.
17/12/2008
Ligo na escola para agendar o grupo de discussão com as professoras. A escola está se preparando
para as férias. Todas estão na festa de encerramento. Entendo que as pessoas estão muito cansadas e
decido retomar a investigação no início do ano, conforme encaminhamento na reunião de HTPC, junto
com a retomada da atividade.
05/02/2009
307
Conforme a última reunião do ano passado, fiquei com o compromisso de reapresentar o trabalho para
toda a equipe da escola, buscando com elas formas de aumentar a participação das/dos estudantes nas
atividades do projeto Roda com Arte.
Sabendo que a equipe da escola voltou ontem das férias escolares, fiz contato por telefone para
agendarmos uma data para que isso aconteça. Ao falar com a coordenadora C2, fui informada que ela
e C1 permanecem na equipe, assim como a professora P2. Entretanto, houve alterações na direção,
assumindo como gestora, a pessoa que até então vinha atuando na escola como assistente de direção.
A professora P1 também não se encontra, por enquanto, na escola, pois atua em regime de ACT.
Assim, aguarda o momento de atribuição de aulas.
Conversei, também, com a professora P2, procurando agendar um grupo de discussão sobre a temática
da pesquisa: interações no contexto escolar. O convite foi extensivo à coordenadora C2, que se
manifestou interessada na participação.
Estabelecerei novo contato amanhã, para agendarmos as datas.
02/03/09
Conforme contato com a escola, participamos, eu e outro membro do NIASE de parte da reunião de
HTPC para apresentação do Projeto Roda com Arte. Como tínhamos 15 minutos, falamos
rapidamente sobre a atividade e sua articulação com as outras atividades em comunidades de
aprendizagem, a partir de seus princípios teóricos e metodológicos. Participaram na decisão sobre
formas de viabilizar a participação de mais crianças na atividade. Assim, ficou decidido o
oferecimento da atividade para as crianças do 4º ano e da 4ª série, ao final das aulas, das 17h30 às 19h,
na sala de multimídia da Biblioteca, nas segundas feiras, mesmo dia em que funciona a biblioteca
tutorada. O argumento que sustentou o encaminhamento foi de que as crianças já estão acostumadas a
ficar na escola nesse dia. As professoras ficaram de apresentar a ideia na reunião com os familiares, e
elaborar uma lista de estudantes interessados em participar. Sobre a baixa frequência no ano passado,
P2 se manifestou, dizendo que atribuía esse fato à participação das crianças da comunidade em outros
projetos.
Sobre o material a ser utilizado, a escola se comprometeu a fornecê-lo.
Ao final da reunião, entreguei folheto com informações resumidas para todas as pessoas.
18/03/2009 – Grupo de discussão com pessoas adultas da escola Novo Mundo (GDA) - gravado
Participantes: duas professoras (P1 e P2), uma coordenadora pedagógica (C1) e investigadora
308
APÊNDICE X: ROTEIROS PROPOSTOS NOS PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO COM AS
CRIANÇAS
309
Grupo de discussão:
1) O que vocês aprenderam em nossos encontros?
2) Por que as pessoas desenham, pintam e esculpem?
3) Olhando as produções artísticas que foram feitas ao longo do tempo, o que podemos entender
sobre a vida das pessoas que as fizeram?
4) Qual a produção artística que mais chamou a sua atenção? Por quê?
5) Qual foi a produção que você mais gostou de fazer? Por quê?
6) Qual foi o texto que você mais gostou de ler? Por quê?
7) Por que as pessoas fazem escolhas diferentes?
8) Na sua opinião, o que facilitou a realização de nossos encontros e a aprendizagem sobre obras
artísticas? O que dificultou?
9) O que vocês gostariam de aprender nos próximos encontros?
Entrevista comunicativa
1) Contar como é a sua participação nessa atividade.
2) O que vocês aprenderam, participando nessas atividades?
3) O que vocês acham dessa forma de aprender, usando mapas, gravuras, leituras e
conversando entre nós?
4) O que vocês mais gostaram, nesses encontros em que participaram?
5) O que vocês acham de ter outras pessoas na escola ensinando, além das professoras?
6) O que vocês acham que poderia melhorar na realização dessas atividades?
7) Vocês gostariam que as atividades continuassem no próximo ano? Por quê?
8) Como podemos pensar essas atividades para que mais crianças possam participar conosco
e também aprender?
310
APÊNDICE XI: TRANSCRIÇÃO DE ALGUNS ENCONTROS
311
Transcrição do grupo de discussão com algumas crianças participantes do projeto Roda com
Arte (GDC)
Realização: 17/09/2008
Participantes: uma menina (Gabriela) e um menino (Miguel) com oito anos de idade, participantes
das atividades e da pesquisa (estudantes das salas de 3ª série do período vespertino da escola – E2)
Investigadora: Adriana Fernandes Coimbra Marigo
GRAVADO
Duração total do encontro: 1 hora e meia
Contexto: o grupo de discussão foi realizado com participantes na primeira parte do sétimo encontro
das atividades do Projeto Roda com Arte. Como os encontros anteriores, esse foi realizado das 8h às
9h30 na sala de vídeo da Escola do Futuro, contígua à escola. O objetivo do grupo de discussão
apresentado ao grupo foi o de conhecer as aprendizagens e as reflexões desenvolvidas até esse
momento. Para sua realização, foi utilizado um roteiro com os itens a serem abordados, e imagens,
objetos e livros utilizados, em sua maioria, nos encontros anteriores. Após a realização do grupo de
discussão, as crianças terminaram as máscaras que modelaram em papel machê durante o encontro
anterior, usando tinta guache, lãs coloridas e miçangas. Nesse dia, realizam várias experiências de
criação de cores secundárias, a partir da mistura das tintas nos pires.
Conteúdos abordados nos encontros anteriores:
1 - Auto-retratos
2 - Arte na pré-história
3 - Arte japonesa
4 - Arte indígena
5 - Arte africana
6 - Arte no antigo Egito
Recursos levados para o grupo de discussão:
- reproduções de auto-retratos produzidos por Tarsila do Amaral, Van Gogh, Anita Malfatti e Portinari
- livros contendo imagens da arte na pré-história e no antigo Egito (Os últimos mistérios do mundo e
História Geral da Arte – volume 1)
- imagens de produções de arte indígena
- imagens de produções de arte africana
- imagens de produções de arte japonesa
- origamis
Roteiro proposto para discussão:
1) O que vocês aprenderam em nossos encontros?
2) Por que as pessoas desenham, pintam e esculpem?
3) Olhando as produções artísticas que foram feitas ao longo do tempo, o que podemos entender
sobre a vida das pessoas que as fizeram?
4) Qual a produção artística que mais chamou a sua atenção? Por quê?
5) Qual foi a produção que você mais gostou de fazer? Por quê?
6) Qual foi o texto que você mais gostou de ler? Por quê?
7) Por que as pessoas fazem escolhas diferentes?
8) Em sua opinião, o que facilitou a realização de nossos encontros e a aprendizagem sobre obras
artísticas?
9) O que vocês gostariam de aprender nos próximos encontros?
Investigadora - Então, a gente poderia começar hoje. (...) Eu queria conversar um pouco com vocês, tá? Eu
queria ver o que vocês estão aprendendo nesses encontros que a gente está tendo, o que a gente está
conversando. Por isso, eu trouxe a máquina para gravar essa conversa nossa, tá? Primeiro, eu queria ouvir vocês
312
o que vocês aprenderam nesses encontros. Hoje é a sétima vez que a gente está se encontrando. faz quase
dois meses que a gente está junto.
Miguel – Puxa!!!
Investigadora Então! Eu queria que vocês me falassem um pouco o que vocês aprenderam aqui. Quem quiser
falar...
Gabriela – Aprendemos os combinados... Aprendemos o auto-retrato...
Miguel - Lemos histórias...
Investigadora - Por que vocês acham que as pessoas pintam, desenham e esculpem? A gente viu várias artes,
né? Que as pessoas fazem desde a pré-história, os indígenas, os africanos. Por que vocês acham que as
pessoas desenham, pintam e esculpem?
(barulho – algumas crianças entram na sala de informática ao lado – Miguel fecha a porta)
Investigadora Vamos nos concentrar. Por que será que as pessoas desenham, pintam e esculpem? Vocês
viram que tem gente que ...
Gabriela - Eles desenhavam para festas... Eles desenharam na...
Miguel - na parede das cavernas.
Gabriela – É, na parede. Os animais, eles desenharam.
Miguel – Isso. Os animais.
Investigadora – E por que vocês acham que eles fizeram isso? Os homens que viviam lá nas cavernas...
Miguel – Antes, não existia tinta... Eles pintavam os animais que eles viam.
Gabriela – É... os animais.
Investigadora - Por que vocês acham que eles fizeram isso?
Miguel - Não existia...
Investigadora - Pode falar, Miguel.
Miguel – Eu não vou lembrar de tudo.
Investigadora – Não tem problema.
Miguel - Já tá gravando?
Investigadora – Já, mas esquece o gravador, esquece a filmadora, ta? Vamos tentar conversar normal. Depois, a
gente poderá escutar tudo o que a gente conversou. Então, eu trouxe todas as imagens que a gente trabalhou.
Lembra deles?
Miguel – Lembro.
Gabriela - Eles quiseram fazer isso para dar mais atenção para o olho, o cabelo, a cabeça, a roupa, o modelo da
roupa...
Investigadora – Ah, pra destacar o olho, o rosto...
(Miguel pega o auto-retrato de Van Gogh). Lembra do nome dele?
Gabriela – Sei...É o ...
Miguel - Vincent Van Gogh.
Gabriela – Esse daqui é o... Peraí, peraí...
Miguel – O Pablo.
Gabriela – Pablo Picasso. Essa era a Anita.
Miguel – Era a Anita ou é a Anita?
Gabriela – É... a Anita Malfatti. E essa daqui é a Tarsila do Amaral.
Miguel – É isso!
Gabriela – (pegando as imagens de templos japoneses, Buda). Nossa, o que é isso?
Investigadora – Essa aqui é uma pintura japonesa. Hoje eu não consegui trazer aquele livrão da arte japonesa.
Gabriela – Nossa, que fotona!!!
Miguel – Olha o tamanho dessa arte...
Investigadora - Esse é o Buda que é aquela escultura que representava o deus deles. Hoje eu trouxe tudo de uma
vez. Eu estava trazendo um pouquinho de cada vez.
Miguel – Nossa, que monte de foto você trouxe hoje.
Gabriela - Mas, esse você não tinha trazido?
Investigadora - Esse não (mostro as imagens japonesas). É que eu trouxe aquele livrão da arte japonesa. Hoje
não deu para trazer aquele livro de arte japonesa.
Miguel – Eu não tinha visto essa mulher já?.
Gabriela – Olha aqui, ó, esse?
Miguel – Falei o nome dos dois homens e não me lembrei das mulheres... Olha o carvão que eles usaram (pintura
rupestre)...
Investigadora - Eu trouxe tudo. É que hoje a gente vai conversar sobre tudo que a gente viu até aqui. Trouxe
um mapa maior.
Gabriela – Nossa!!!
313
Investigadora - Tem um mapa do mundo e tem um mapa do Brasil também. Se a gente precisar... (colocamos na
parede).
Miguel – Olha quanta foto da africana...das índias...
Miguel – Eles são tudo mal educado (sobre o barulho das crianças ao lado).
Miguel - Nossa, quantas coisas!!! Olha o braço dele... (pintura corporal africana)
Investigadora – É que tá pintado.
Miguel – Mas, vamos falar de tudo isso?
Investigadora – Não. Lembra da pré-história? Dos desenhos nas cavernas...
Gabriela – Do carvão, do algodão, e de animais ...
Miguel – Pintavam bichos...
Investigadora - Olhando esse monte de produções artísticas, o que podemos entender da vida dessas pessoas que
fizeram essas artes aí?
(silêncio)
Investigadora Olhando tudo isso. Olhamos a arte e olhamos as pessoas que a fizeram. Lembra de quanto
tempo faz que foram feitas essas pinturas?
Gabriela - 17 mil anos.
Investigadora Isso! 17 mil anos. Olha quando tempo faz. Nessa época, as pessoas faziam. Olhando isso
daqui, dá prá imaginar como eles viviam?
Miguel - Sim.
Investigadora - Por que sim?
Miguel – Eles desenhavam, eram felizes, n/é?
Investigadora – Eles eram felizes?
Miguel – É. Porque eles desenhavam...
Investigadora - Como era a vida deles, o lugar em que eles moravam?
Miguel - Era boa, n/é? Prá eles, era boa, porque não existia nem dinheiro. Nem eles trabalhavam. Viviam com
os animais, lá na floresta.
Investigadora - Então, na vida deles, não precisavam de dinheiro.
Miguel – Não, nem de trabalho.
Investigadora Nem de trabalho. Mas, quando eles iam atrás da caça para comer, isso não era uma forma de
trabalho?
Gabriela – Era...
Investigadora – Então, era trabalho, mas não como esse de agora?
Gabriela – É... Não era trabalho de fazer casa...
Investigadora - Eles não tinham casa para morar? Como eram as casas deles, então?
Miguel – Eram nas cavernas. Era diferente.
Gabriela – Moravam nas cavernas.
Investigadora - Então, vocês acham que eles viviam em contato maior com a natureza do que a gente? Por que
eles viviam nas cavernas?
Gabriela – Eles ficavam mais felizes nas cavernas, do que a gente que vive nas casas.
Investigadora - Por que você acha que eles eram mais felizes nas cavernas?
Gabriela – Porque eles gostavam da natureza, dos animais. Por isso que eles gostavam de viver nas cavernas...
Investigadora – Tá certo... E olhando todas essas produções, a japonesa...
Miguel – Essa daqui foi feita em 1907 (pegando o auto-retrato de Van Gogh e olhando a data).
Investigadora – É... 1907. Faz bem menos tempo do que essas aqui que foram feitas há 17 mil anos, n/é?
Investigadora – Olhando tudo isso que vocês viram até aqui, qual é a obra que mais chamou a atenção de vocês?
Gabriela – Essa daqui... (pegando foto do Buda).
Miguel - É esquisita!!!
Gabriela Chamou a atenção essa daqui, por causa que... está muito grande... Não sei o que é isso daqui. É uma
estátua, essa daqui?
Investigadora – É uma estátua, sim. E por que será que fizeram uma estátua tão grande assim?
Gabriela – É prá chamar a atenção.
Miguel – Olha, é de prata.
Investigadora – Essa daí é em pedra.
Miguel – Pedra???
Investigadora - Essa é a escultura do Buda. Então, essa imagem chama-se Buda. E eles fizeram bem grande, a
Gabriela está falando que é para chamar a atenção.
Miguel – É... Fizeram enorme... Por que eles fizeram isso?
Investigadora Ele era considerado uma pessoa divina, uma pessoa que eles acreditavam que vinha de Deus.
Então... essa é a crença japonesa, n/é? Então, hoje, a gente faz isso também aqui no Brasil? Quando a gente
acredita em alguma coisa, a gente também faz imagens dessas pessoas que a gente acredita?
314
Miguel – Não... Faz (indeciso).
Investigadora - O que a gente faz?
Miguel – Eu não sei...
Investigadora - Quando a gente vai, por exemplo, em alguma igreja, têm imagens?
Gabriela – Tem.
Investigadora Essas imagens, quem vai nessas igrejas acredita que estas imagens estão representando alguma
coisa boa...
Gabriela - Tem cruzes...
Investigadora São símbolos da nossa época, n/é? Agora, o Buda é um mbolo do Japão. Eles acreditam
nisso... É um pouco diferente da gente do Brasil.
Gabriela – No Japão é diferente. A gente aqui acredita em Deus. Faz carinho em Deus...
Miguel – Tem Deus aqui.
Gabriela - Todo mundo pensa que tem um monte de Deus aqui.
Miguel – Só tem um...
Gabriela - Só tem um Deus. Deus é grandão.
Miguel – O maior... Maior que tudo isso, aqui.
Investigadora Então. Essa é a forma que a gente acredita aqui. Agora, lá no Japão, eles imaginam Deus nessa
forma aqui. Então, é a forma que eles acreditam.
Miguel – Como chama?
Investigadora - Chama-se Buda.
Miguel – Buda?
Investigadora – Sim. E a religião de quem acredita em Buda, chama-se budismo.
Miguel – Nossa!!!
Investigadora - Lembra que a gente conversou que os japoneses vieram pro Brasil, 100 anos, que está se
comemorando?
Miguel – Sim.
Gabriela – Tem 150 anos.
Investigadora Tem 100 anos, é um centenário. Ah, eu trouxe uma coisa que uma amiga japonesa minha me
deu que é...
Gabriela – Que legal!!!
Investigadora - Lembra como se chama isso, como chama essa arte?
Miguel - Origami
Investigadora – Isso mesmo. É um passarinho. Tem um papelzinho aqui no bico dele.
Gabriela – Tem. É um passarinho levando um papelzinho.
Miguel – Vamos fazer isso?
Investigadora – Hoje, não. Hoje é só pra lembrar tudo o que já fez. Nesse papelzinho, tem alguma coisa escrita.
Vocês querem ler o que está escrito aqui?
Gabriela e Miguel – Queremos!!!
Investigador – Quem pode começar?
Miguel – Eu quero ler.
Gabriela – Depois, deixa eu...
Investigadora - Então, você lê uma parte, depois a Gabriela continua. Está escrito bem pequenininho.
Gabriela – Esse papelzinho é bem pequenininho.
Miguel – (começa a ler o papelzinho que está no bico do tsuru. Pára para comentar).
Investigadora - O nome desse passarinho, eles chamam de Tsuru e está escrito aqui.
Gabriela – (continua lendo).
Investigadora - Então é uma lenda. Eles acreditam que quem fizer mil desses aqui, vai ter uma vida longa.
Miguel - Nossa!!! Já acabou [de ler]?
Investigadora - Vocês escolheram a mesma gravura? Os dois preferem a mesma, de todas essas que eu trouxe?
(separam a imagem de Buda).
Miguel – ahn-han... (concordando)
Miguel – Essa aqui eu achei bonita (separa o auto-retrato de Van Gogh).
Gabriela – Essa e essa. (Gabriela separa a gravura de Buda e o auto-retrato de Picasso).
Investigadora – Miguel, gostou do auto-retrato do Van Gogh? Por que você gostou do retrato do Van-Gogh?
Gabriela – Gostei também desta (separa o auto-retrato de Picasso).
Investigadora – É? Vamos ouvir o Miguel. O que você achou do Van Gogh, Miguel?
Miguel - Ele é bravo.
Investigadora – Tá, então vamos ouvir o Miguel. Que você achou do Van Gogh, Miguel?
Miguel – Ele é bravo.
Investigadora - Você gostou dele porque ele é bravo?
315
Miguel - Foi você que falou que era bravo? (pergunta para Gabriela)
Gabriela – Miguel, ele é a sua cara de bravo... rs
Miguel – Aqui está escrito que ele é bravo? (Miguel olha as informações sobre Van Gogh, atrás da gravura).
Investigadora – Você quer ler, Miguel?
Miguel - (lê as informações sobre Van Gogh)
Investigadora - Você quer comentar alguma coisa sobre Van Gogh, Miguel?
(Miguel balança, negativamente, a cabeça).
Investigadora Vamos conhecer mais sobre as pinturas de Van Gogh. Vai ter um dia em que vamos falar
sobre Van Gogh, tá? Ele não tem só o auto-retrato, mas também várias obras.
Investigadora - Você quer falar, Gabriela?
(Gabriela lê as informações sobre Picasso, atrás da gravura).
Investigadora – Quer falar alguma coisa do Picasso, Gabriela?
Gabriela - Não.
Investigadora Então, fala da escola cubista, n/é? Também vai ter um dia que a gente vai ver as obras do
Picasso, desse tipo dele desenhar assim...
Gabriela – Alegre...
Investigadora - Bom, e vocês escolheram pinturas diferentes. O Miguel gostou do Van Gogh, a Gabriela
gostou do Picasso... Por que a gente faz escolhas diferentes?
Miguel – Porque cada um tem o seu gosto.
Investigadora – Cada um tem o seu gosto. É isso?
Miguel – É.
Investigadora Bom. E aí, nesses encontros que a gente fez, a gente leu vários textos também. Qual foi o texto
que vocês mais gostaram de ler?
Miguel – Eu não sei. Tem um monte que eu tenha gostado... A gente leu um monte...
Investigadora – Tem um monte assim... Tem algum que vocês se lembram que gostaram mais?
Miguel – Eu não...
Investigadora – Tem algum, Gabriela, que você tenha gostado mais?
Gabriela – O que?
Investigadora - Algum texto que a gente leu... A gente leu bastante nesses encontros, n/é? Tem algum que você
leu que você gostou mais, que te chamou a atenção?
Gabriela – Eu gostei desse texto aqui, ó? (aponta para as informações atrás do auto-retrato de Picasso).
Miguel – Isso aqui é um cavalo? (observando uma figura de arte rupestre)/
Investigadora – Você gostou desse texto que fala da vida do Picasso?
Gabriela – É.
Miguel – Eu também gostei desse aqui que fala da vida do Vincent Van Gogh.
Investigadora Quando a gente a história da pessoa, a gente chama de biografia. Depois, a gente faz a
biografia dos autores, que é a história da vida deles. E assim, na opinião de vocês, o que vocês acham que
facilitou aqui os nossos encontros? A gente ter aprendido tudo isso... Que vocês acham que foi assim... que mais
facilitou, que foi bom?
Miguel – Eu não sei de nada.
Gabriela – Nem eu...
Investigadora – E o que vocês acham que mais dificultou o nosso encontro? O que é mais difícil?
Gabriela – O mais difícil?
Investigadora – Teve alguma coisa que dificultou a gente aprender?
Gabriela – Teve.
Investigadora – O que?
Gabriela Teve negócio que a gente teve que pensar... Lembra aquele dia que a gente ajudou você a fazer a
historinha do pato?
Investigadora – Aquele dia foi difícil?
Gabriela – Foi.
Investigadora – Foi difícil fazer aquela história do pato?
Gabriela Foi, porque todo mundo tava querendo uma coisa... Então você não tava conseguindo fazer isso daí [a
historinha]... Depois que todo mundo concordou, a gente conseguiu fazer.
Investigadora – A gente só conseguiu fazer o texto, depois que todo mundo concordou. É isso?
Gabriela – É.
InvestigadoraEntão, tá. E o que vocês gostariam de aprender nos próximos encontros? Tem alguma coisa que
vocês gostariam de aprender, de fazer?
Gabriela – Isso daí, ó.
Investigadora – Mais origami?
Miguel – É.
316
Gabriela – Mais origami. Eu quero que você traga desenho pra gente pintar com lápis...Desenho xerocado já...
Miguel – O Mo2 quer aprender a fazer pipa.
Investigadora – O Mo2 quer aprender a fazer pipa?
Miguel - Seu filho sabe?
Investigadora – Posso descobrir como se faz...
Gabriela – Eu sei fazer pipa...
Investigadora – Vocês preferem desenhos que já vêm prontos, xerocados, só pra colorir? Vocês preferem assim?
Gabriela e Miguel – É.
Investigadora - Esses pintores criaram, na cabeça deles. Vocês acham difícil fazer isso, criar da própria idéia o
que a gente imagina?
Gabriela – É que a gente erra... E, aí, a gente tem de consertar...
Miguel – Você fazia isso quando era pequena?
Investigadora Ahn ran. Mas, aí, quando a gente viu que tem figuras muito diferentes... Olha, o Van Gogh
pinta de um jeito, o Picasso pinta de outro. Então, as pessoas pintam de formas diferentes. Então, o desenho que
a gente faz não precisa ser igual ao do outro, não é?
Gabriela – É.
Miguel- Mas, a gente não consegue...
Investigadora – Então, mas aí, a gente vai conseguir. Vai fazendo, vai ficando cada vez melhor, não é?
Gabriela - Igual a Rafaela e a Ma3 naquele dia, não foi? Ficaram copiando de mim... no autorretrato. Elas
fizeram igual o meu...
Investigadora Mas, se a gente pensar que a gente tem muitas idéias, a gente pode criar. Cada um tem uma
idéia que é diferente da do outro. Por isso que saem essas pinturas tão diferentes... Tá vendo, ó? O Van Gogh
pintou assim, a Anita Malfatti pintou daquele outro jeito. Tem gente que constrói prédios... Os índios pintam o
corpo. A Tarsila do Amaral pinta daquele jeito. O Picasso assim...
Então, cada um pinta conforme da sua idéia, da sua imaginação... Então, ninguém precisa pintar igual o outro.
Gabriela – Igual aquelas meninas, lá. Elas copiaram de mim...
Investigadora Mas, mesmo quando a gente copia do outro, não sai igual,n/é? Porque cada um tem o seu jeito
de pintar. Que nem as máscaras que a gente fez. Cada um fez uma máscara que saiu diferente.
Gabriela – A gente vai pintar agora?
Investigadora – Então, a gente já pode pintar as máscaras.
Miguel – Eba!!!
Investigadora – Sim, tem a máscara do Miguel que já está seca. E tem a máscara da Gabriela que ela já pintou.
Gabriela – Mas, eu vou pintar de novo.
Investigadora - Mas, se ela quiser, eu trouxe algumas coisas que, se você quiser, pode colocar para enfeitar a sua
máscara.
Vamos guardar as gravuras, os livros...
Investigadora – Tem várias máscaras. Cada pessoa faz de um jeito.
A arte é assim. Cada pessoa vai fazendo conforme imagina.
(forramos as mesas com plástico).
(Enquanto coloco o material sobre a mesa, as crianças se aproximam da câmera).
Miguel – Vê se você está fazendo eu.
Gabriela – Não.
Investigadora – Depois, quando for mudar de cor, Miguel, lava o pincel, tá? Para as cores não se misturarem.
Gabriela – Vou por essa cor aqui.
Investigadora – Nesses vidrinhos, tem uGabrielas continhas coloridas.
Gabriela – Que lindo!!!
Investigadora – Vocês podem usar para enfeitar as suas máscaras.
Investigadora – E tem lã. Quem quiser enfeitar com lã...
Miguel – Tá um silêncio.
Gabriela – Se o Fernando tivesse aqui, não tava silêncio.
(Investigadora pergunta o telefone para contato para C.).
Gabriela – Vou por um pouquinho de rosa. Pode usar essa toalha?
Investigadora – Pode usar.
(crianças trabalham em silêncio)
Investigadora – Vou por um pouquinho de cola nesse pires, pra quem precisar usar.
Investigadora – Precisa de mais pratinhos?
Gabriela – agora ficou verde.
317
Gabriela – Rosa com vermelho.
Miguel – Azul e branco (misturando as cores).
Miguel – Pode misturar esse?
Investigadora – Pode misturar.
Gabriela – Ficou alaranjado.
(Miguel continua misturando as cores).
Miguel – Olha como está bonito.
Investigadora – Verde com vermelho.
(crianças misturam as cores).
Investigadora – Que cor ficou?
(crianças em coro) – Marrom.
Investigadora – Ai, que legal.
Investigadora – Hum... está parecendo chocolate, hein?
Gabriela – É, chocolate...
Gabriela – Vamos misturar isso, junto.
Miguel – Vai...
Miguel – Ficou preto.
Investigadora – E aí, vocês não vão usar a tinta? Ou vão só ficar misturando?
Miguel – Nossa, esse marrom está duro, hein...
Gabriela – Nossa!!! Olha, esse aqui parece chocolate...
Gabriela – Vamos por branco para ver o que fica?
Gabriela – Fica bonito.
Investigadora Vocês sabiam de uma coisa? Se a gente tiver apenas três cores de tintas, dá pra fazer todas as
outras...
Miguel – Hum, hum (concordando).
Gabriela – Eu tô com gripe, também.
Investigadora – Pega direto daqui pra não misturar, Miguel (indicando a tampa da tinta).
Gabriela – Você acha que se fizer assim vai ficar bonito?
Investigadora – Arte é criação. Vocês estão fazendo arte.
Miguel – É?
Investigadora – É. Arte é isso.
Gabriela – Quanto tempo falta?
Investigadora – Dez minutos.
Miguel – Dez minutos?
Investigadora – Aqui você tem as miçangas. Você escolhe as que você quer.
Aí você põe na tampinha para não espalhar.
Pensa, antes de colocar, como você quer deixar a sua máscara, ta?
Você quer um palitinho para ajudar a passar a cola?
Gabriela – Azul.
Miguel – Azul?
Gabriela – É.
Investigadora – Você
Miguel vai colocar também ou já acabou?
Investigadora - Pode fazer pulseira também.
Investigadora – Tá dando certo, Miguel?
Investigadora – Pode fazer assim, também, pra facilitar. Passa a cola na máscara e depois coloca a miçanga.
Gabriela – Passa o dedo na cola e depois coloca a miçanga.
Investigadora – Já posso ir guardando as tintas?
Investigadora – Está dando certo?
(ouvem-se a voz alta do professor na sala de informática)
Miguel – Esse professor é chato.
Gabriela – Ah, vou pôr essa cor.
(investigadora percebe o nariz das crianças que escorre. Sai da sala para pegar papel toalha no banheiro.)
Investigadora – Alguém precisa de lencinho? Vocês estão resfriados, né? Se alguém precisar de lencinho...
(as crianças pegam o papel e assoam o nariz. Deixam o lenço ao lado. Continuam trabalhando)
318
Investigadora – Precisam de mais cola?
(saio da sala, câmera registra alguns cochichos.)
(crianças se aproximam da câmera)
Miguel – Alô!!!
(afastam-se, ouvem-se cochichos e diálogos incompreensíveis)
Gabriela – Tem mais cola?
Investigadora – Tem.
Investigadora – Você ainda vai usar tinta? Ou posso jogar?
Investigadora – Miguel se encantou pela mistura, né?
(Miguel sai da sala para lavar o pires).
Investigadora – Miguel, deixa eu te pedir uma coisa. Na hora de lavar, vê se a pia não ficou suja, tá?
Investigadora – Que cor de lã você quer?
Miguel – As duas.
Investigadora – Vou guardando essas miçangas.
Gabriela – A gente vai trabalhar com mais miçangas?
Investigadora – Acho que sim. Você gostou?
Dá pra inventar um monte de coisas, né?
(ouve-se a sirene para o início do recreio da turma da manhã 9h30 a partir desse momento, ouve-se muito
barulho ao fundo e a os diálogos ficam incompreensíveis na gravação)
Investigadora – (ajudando Miguel a cortar a lã). Pega um tufo de lã.
Investigadora – Um tanto assim pra você, tá bom?
Gabriela – Tá.
Miguel – Eu quero verde.
Gabriela – Vai ter de medir.
Investigadora – E do outro lado?
Gabriela – Vou fazer um lado desta cor e o outro desta.
(P1 chega na sala. Agradeço os livros que ela me enviou. Mostram para a professora a máscara que fizeram.
Conto que hoje é o sétimo encontro. Explico um pouco pra professora sobre o que temos feito, a partir dos
painéis na parede.
Ela me diz que toda semana ela avisa: “Vão no projeto, aproveitem!” As crianças se despedem da professora.
Crianças continuam trabalhando, enquanto comentam. Continuo ajudando, encaminhando para o final da
atividade).
Gabriela – A professora é legal!
Investigadora – É.
Investigadora Agora, tem de deixar assim pra secar. (ajudo Miguel a passar cola para colar a na máscara,
imitando os cabelos).
Investigadora – Esse vai sair mais crespinho o cabelo. Olha. (mostro a lã mais crespinha).
Gabriela – Cacheadinho.
Investigadora – É, cacheadinho.
Investigadora – Tem mais dez encontros.
Investigadora – Vocês querem levar a máscara com vocês ou querem que eu entregue tudo junto, no final?
Gabriela – No final.
Investigadora – E aí, Miguel? Gostou de sua máscara?
(toca novamente a sirene, final do recreio)
Ao final do encontro (já passando quinze minutos do horário combinado), não consigo usar a câmera para mostra
as imagens. Digo que levarei em um próximo encontro.
319
Transcrição da entrevista comunicativa com criança (EC) do projeto Roda com Arte
Realização: 19/11/2008
Participantes: uma menina participante da investigação (Gabriela) e um menino (Mo4) (estudantes
das salas de 3ª série do período vespertino da escola – E2)
Investigadora: Adriana Fernandes Coimbra Marigo
FILMADO E GRAVADO
Duração total do encontro: 1 hora e meia
Contexto: a entrevista comunicativa foi realizada com uma participante do 13º encontro para as
atividades do Projeto Roda com Arte. Como os encontros anteriores, esse foi realizado das 8h às 9h30
na sala de vídeo da Escola do Futuro, contígua à escola. Decorridos 15 minutos de seu início,
mudamos para a sala de informática, cedendo a sala em que estávamos para a realização de uma
palestra para estudantes da escola sobre o Dia da Consciência Negra. Concebida originalmente para
ser um grupo de discussão os resultados foram considerados como decorrentes de uma entrevista
comunicativa com a participação de outra criança, em que foram desconsideradas estas falas, por não
se reportarem à criança com autorização para participar da investigação. O objetivo apresentado foi
entender a realização das atividades na perspectiva das crianças. Para sua realização, foi utilizado um
roteiro com os itens a serem abordados, algumas imagens produzidas por Van Gogh, globo,
planisférios, texto elaborado sobre a temática. Após a realização da entrevista comunicativa, as
crianças presentes fizeram uma colagem a partir de sua releitura de Os Girassóis, usando como
materiais, folhas coloridas de EVA, tesoura, cola, papeis panamá e cartão e canetinhas hidrográficas.
Recursos levados para a entrevista comunicativa:
imagens de obras produzidas por Van Gogh;
texto Vincent Van Gogh
jornais para forrar as mesas
pincéis
tinta guache
cartolina cortada em pedaços
folhas de EVA
miçangas
Referência:
RAFFA, Ivete. Fazendo Arte com os Mestres. São Paulo: Editora Scolar, 2007.
Roteiro proposto para discussão:
1) Contar como é a sua participação nessa atividade.
2) O que vocês aprenderam, participando nessas atividades?
3) O que vocês acham dessa forma de aprender, usando mapas, gravuras, leituras e
conversando entre nós?
4) O que vocês mais gostaram, nesses encontros em que participaram?
5) O que vocês acham de ter outras pessoas na escola ensinando, além das professoras?
6) O que vocês acham que poderia melhorar na realização dessas atividades?
7) Vocês gostariam que as atividades continuassem no próximo ano? Por quê?
8) Como podemos pensar essas atividades para que mais crianças possam participar conosco
e também aprender?
Investigadora - Você quer contar um pouquinho para o Mo4 o que a gente tem feito, Gabriela? Porque a
Gabriela está desde o começo com a gente, Mo4... desde agosto que estamos fazendo o projeto, eu fui na sua
sala, você lembra de mim?
Mo4 (Responde positivamente com a cabeça)
320
Investigadora - Então, daí ela vem vindo, e aí, se ela quiser contar um pouquinho o que a gente faz. Quer
contar Gabriela?
Gabriela –(Meio envergonhada) Não.
Investigadora Não?Bom, aqui a gente... você quer falar para ele dos cartazes que a gente faz,o porque a
gente fez aquele monte de cartaz
Gabriela – A gente conversou e foi escrevendo nos cartazes e depois fomos colando na parede
(ruído)
Investigadora Isso! Cada dia que a gente se encontrou a gente foi escrevendo o que a gente fez n/é. Não é
isso, Gabriela?
Gabriela – É
Investigadora Os pintores que a gente estudou, o tipo de arte que a gente conheceu, a gente conheceu no
primeiro dia quatro artistas né Gabriela? Lembra quais foram?
Gabriela – Quatro artistas?
Investigadora – É... quatro artistas do autorretrato.
Gabriela – Tarsila do Amaral,Vincent Van Gogh,Pablo Picasso
(ruído)
Investigadora – Depois no outro dia a gente foi ................
(Interrompida por uma pessoa pedindo para mudar de sala pois haveria uma palestra na sala de multimídia.)
(Em outra Sala)
(Falas durante a mudança)
Investigadora Bem. Então... você quer contar para eles por que a gente fez aquela listinha dos combinados
Gabriela?
Gabriela – É pra gente não... (Lê a lista de combinados)
Investigadora – E quem falou tudo isso que eu fui escrevendo?Conta para o Mo4.
Gabriela – Eu, o Miguel, o Mo2 e a Rafaela, a Ma3 também.
Investigadora Essas eram as pessoas que estavam aqui bem no começo, no primeiro encontro, então a gente
conversou para ver como que a gente faria para ficar melhor a atividade, e por isso que a gente escreveu, então
sempre que a gente ta saindo dali,descumprindo o que a gente combinou ai a gente lembra que olha,a gente
combinou isso daqui ta?Por isso que a gente escreveu, ‘tá bom Mo4?
Então ai eu queria contar para vocês que semana passada teve um encontro na minha escola. Então outras
escolas quiseram conhecer o que a gente faz aqui, ‘ta Gabriela?Por que a Gabriela que já esta desde o começo,
mas ai, Mo4, eu fui nessa outra escola para mostrar um pouco do que a gente faz aqui. Então eu tirei umas fotos
n/é, dos mapas que a gente usa, das gravuras que a gente usa, alguns trabalhos que a gente fez... vários
trabalhos
Gabriela - (Alguns comentários sobre as fotos)
Investigadora Aí, a gente não colocou tudo que fizemos... está tudo na minha casa. No último dia que a gente
se encontrar eu vou trazer para devolver para vocês. Por que é de vocês, n/é Gabriela?Então assim... a gente fez
bastante coisas, a gente conversou, quer falar um pouquinho Gabriela, o que a gente fez com essas
gravuras,com esses mapas?
Gabriela – A gente conversou sobre arte fez tudo isso, a gente pensou o que ia fazer. Aí, ficou legal, e ai a gente
fez o desenho.
Investigadora Isso! Os mapas aqui da foto são aqueles mapas que estão na parede ali que eu tirei foto para
mostrar na outra escola.
Gabriela(Apontando para as fotos) Esse foi da máscara, esse foi do origami.
Investigadora – É lembra?O que a gente usou para fazer esse?
Gabriela- papel molhado.
Investigadora E aí, Gabriela, você quer comentar um pouquinho...Hoje a gente está tentando fazer um
balanço... Assim, ver o que aconteceu nesses meses, e ai a gente esta aproveitando para dar aula aqui e
contando para ele, mas para mim também... Para ficar na minha pesquisa... E ai, Gabriela, você quer contar um
pouquinho do que você ‘tá achando dessa atividade, do que você aprendeu...
Gabriela – Aprendi muitas coisas...
Investigadora – É?O que assim... por exemplo...
Gabriela –(Envergonhada) Ah, eu não sei...
Investigadora –Não? Então ‘tá. Depois se você lembrar você fala?
Gabriela – Sim
Investigadora E ai o que você achou dessa forma de aprender?Usando mapas ou gravuras, fazendo essas
atividades... O que você achou de tudo isso?
Gabriela – Legal!
Investigadora – Você gostou? O que você achou disso?
Gabriela Legal!
321
Investigadora – É? E o que você mais gostou nesses encontros que a gente teve?
Gabriela – Eu gostei mais dessa máscara.
Investigadora – Gostou de fazer a máscara?
Gabriela É... por causa que aquela coisa que você põe no prato assim... você colocou água... eu ajudei e
nos fizemos... Parecia massa de pão.
Investigadora – Parecia massa de pão? E ai na outra semana...
Gabriela E aí, depois, nos colocamos no prato ai nos fizemos os olhos e a boquinha e volevou para sua
casa, aí na outra semana você trouxe para a gente pintar, o meu ficou branco.
Investigadora É isso ai... Foi isso mesmo. E... o que vocês acham? Na escola de vocês às vezes vem gente
diferente, que não são somente as professoras que estão ensinando, não é isso? Tem grupo interativo na sala de
vocês não tem?Tem a biblioteca, tem outras pessoas aqui, eu que estou aqui neste projeto... O que vocês acham
disso, dessas pessoas diferentes... que não as professoras... virem para a escola e tentarem ajudar a ensinar
também? O que vocês acham disso? De ter outras pessoas, além das professoras, então não o só as
professoras que estão nessa escola. Tem mais gente, não é? Tem eu e outros voluntários. O que vocês acham
disso?
(Passa um tempo)
Quer falar Mo4?
Quando tem grupo interativo na sua sala, o que você acha de virem outras pessoas na sala? Ajuda ou não?
Atrapalha? Você acha que atrapalha?
Mo4 – xxxxxxxxxx.
Investigadora – É? Por que ajuda?
Mo4 – xxxxxxxxxx
Investigadora – Ajuda a aprender?É?
E o que você acha Gabriela, disso, ajuda a aprender?Mas as professoras não ensinam?
(respondem sim com a cabeça)
Investigadora – Porque é bom que tenham outras pessoas sem serem as professoras?
Mo4 xxxxxxxxxxx
Investigadora – Para saber mais coisas...
(Gabriela e a investigadora conversam)
Investigadora – É isso, olha a gente andou conversando muitas coisas nessas semanas n/é?
Investigadora – Tem alguma idéia que vocês querem falar? Pode ser algo que vocês gostariam de fazer...
Gabriela Fazer desenho com cola, porque é muito legal; pode fazer brinquedo, e se todo mundo colaborar,
pode trazer caixinha de leite, garrafa...
Investigadora – Legal, Gabriela, idéia boa essa, muito legal...
Você tem alguma idéia, Mo4, que você quer aprender vindo aqui... O que você queria aprender,quando você
vem aqui participar desse Projeto Roda com Arte?
Bastante coisa você quer aprender?
Mo4 – xxxxxxxxxxx
Investigadora – Bastante coisa? O que?
Gabriela – (Lendo alguma coisa) Retratos e paisagem
(Lendo alguma coisa em um retrato)
Investigadora – É isso aí que a Gabriela está lendo... Você lembra o que foi, Gabriela?
Gabriela – Da Anita Malfatti?
Investigadora Da Anita Malfatti, você se lembra que s trouxemos um livro que trazia uma poesia sobre
isso?
Gabriela(ruído) ... que o Monteiro Lobato não gostava dela, ele tinha inveja dos quadros dela, por que ela era
artista, Aí ela era canhota. Ela escrevia com esquerda, ela tinha um defeito na mão direita.
Investigadora E o que você acha de ler sobre a vida dos artistas? Vogostou de conhecer a vida deles,
Gabriela?Ajuda a entender mais assim?Conhecer o que eles fazem?
Gabriela – Olha isso daqui que legal, um papelzinho dobrado (Apontando para um origami)
Investigadora – É um Origami, n/é? Teve um dia que a gente fez... lembra que tipo de arte que é?
Gabriela – Do Origami?
Investigadora – É. De que lugar do mundo que é esta arte?
Gabriela – Japão
Investigadora – Japão, n/é? E vocês gostariam que este projeto Roda com Arte continuasse no ano que vem?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxx
Investigadora – Gostaria? Isso. E você vai participar ano que vem?Gabriela também?
Neste ano, neste semestre que a gente estava aqui tinham poucas crianças. Por que vocês acham que tinha
pouca criança? Como a gente pode pensar para ter mais crianças aprendendo, participando?Vocês têm alguma
ideia?
322
Gabriela – A gente vai estar na quarta série.
Investigadora – Vocês estarão na quarta serie.
Gabriela – Convida as salas das terceiras
Investigadora Terceiras e quartas? Como a gente pode fazer para as crianças virem?Eu convidei as duas
salas, a sala de vocês e a sala da professora P2, as duas salas inteirinhas e vieram poucas crianças.
Gabriela – Vieram só eu, a Ma3,o Miguel,o Mo2 e a Rafaela
Investigadora – Como a gente pode fazer para vir mais gente ainda?
Mo4 xxxxxxxxxxx
Investigadora – Colocar cartazes... uma idéia boa. O que mais? Alguém tem alguma idéia?
Gabriela – Avisar eles também
Investigadora Mas eu fui à sala avisar. Precisa avisar de novo, várias vezes, é assim Mas vocês têm mais
alguma idéia?Então vocês acham que podem convidar a terceira e a quarta série para ter mais gente?
Gabriela – Que é a nossa.
Investigadora Mas vocês não queriam que chamasse a quarta série... Eu perguntava para quem estava
participando.
Gabriela – Faziam muita bagunça...
Investigadora – Agora que vocês estão na quarta série, pode?
Gabriela – Pode.
Investigadora – Por que?
Gabriela – Não vai ter bagunça, não...
Investigadora o? Então... Mas se a gente fizer aqueles combinados ali, será que a gente da conta de não
fazer bagunça?
Gabriela Não, não ia dar conta por que aquela quarta série não obedece, aquela quarta série faz muita
bagunça, eles não obedecem...
Investigadora – Mas, se a gente conversar assim, escrever o que a gente vai fazer, as pessoas que não quiserem
fazer direito...
Gabriela – E se eu estudar na outra escola, eu posso vir?
Investigadora Então... isso é uma coisa também que a gente pode conversar, abrir, muitas vezes, eu estava na
biblioteca e vieram crianças de outras escolas que estavam na biblioteca e queriam participar. Vocês acham
que é legal abrir para todo mundo, para quem mora perto de casa, para as pessoas que moram aqui perto, ou
fica só na séries de vocês?
Gabriela – Menos dali, menos dali, senão...
Investigadora – Dali onde?
Gabriela – daquela 4ª série.
Investigadora – Que quarta série é essa que vocês estão falando?
Gabriela – Quarta série da tarde.
Investigadora – É muito difícil essa quarta série?
Gabriela É por que eles ficam gritando e não obedecem a professora, ficam jogando chiclete, ficam ligando o
radinho lá dentro.
Investigadora Mas a gente pode conversar. Vocês não acham que se a gente conversar bastante, essas
pessoas não poderiam participar, se eles quiserem?
Mo4 – xxxxxxxxxxx
InvestigadoraPode? Pode. Então a gente vai conversar bastante agora quando terminarem as aulas, com os
professores,com os familiares para ver como que a gente pode fazer para continuar o projeto o ano que
vem,está bom?
Gabriela – Vai ter alguma coisa hoje?
Investigadora – Vai, então... vocês querem falar mais alguma coisa assim?Alguma coisa que vocês lembraram?
Essa foto aqui Gabriela é por que eu precisava de uma foto nossa, da gente, e eu o tinha nenhum. Então eu
peguei de um filme que a gente fez e transformei em uma foto, ficou meio torta por que é filme, não é foto, não é
igual a essas fotos que eu tirei, isso era um filme que eu peguei... a imagem do filme, mas ficou meio
torta,mas só para as pessoas saberem como é que é que a gente faz
Gabriela – Isso é fotografia? (Apontando outra foto)
Investigadora – Isto é fotografia.
Hoje nos vamos ver como é que é.... Chega de conversa, n/é. Conversamos muito hoje n/é? Olha quem que a
gente vai ver hoje.
Gabriela – É o Van Gogh esse daqui?
Investigadora – Esse é o Van Gogh,é o auto retrato que a gente viu lá no primeiro dia
Gabriela – Eu adoro o desenho dele
Investigadora – Então,atrás tem o nome do quadro
Gabriela – (Lendo um retrato) Retrato do Doutor Gachet, 1890, óleo sobre tela, etc.
323
Investigadora – Então é o Van Gogh?É ele?
Gabriela – Não.
Investigadora – Ele pintou de uma outra pessoa. Então,é um retrato n/é. E aqui?
Gabriela – Esse retrato a gente estudou na sala, n/é Mo4?
Investigadora – É? Já viu? Já conhece? E esse daqui?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxx
Investigadora – Sobre poema? Que bacana! Esse daqui a gente já conhecia.
Gabriela – Vincent Van Gogh.
Investigadora – É o autorretrato dele. Quer explicar para o Mo4 o que é autorretrato, Gabriela?
Gabriela Autorretrato é a foto que ele faz dele mesmo. Mas retrato é quando chama uma pessoa e ele faz uma
pose. E aí, ele pega e desenha a pessoa.
Investigadora Então o retrato é quando faz de outra pessoa e o autorretrato é quando faz dele mesmo,
entendeu? É como se ele estivesse olhando no espelho e fazendo o retrato dele.
Gabriela – E esse daqui?(Pegando um retrato)
Investigadora Esse daqui Gabriela, Mo4, é o mesmo, é um auto retrato também do Van Gogh. Esse é um auto
retrato dele e esse também. Olhem!
Gabriela – Ah! Esse é Vincent Van Gogh?
Investigadora – É os dois são. Todos esses quadros foram feitos pelo Van Gogh.
Gabriela – Mas, é o Van Gogh?
Investigadora É. que foram feitos em épocas diferentes. Qual que é a diferença? O que a gente percebe de
diferença?
Mo4 xxxxxxxxxxxxx
Investigadora – É. São diferentes, n/é Mo4?
Gabriela – É. E ele pintava sem a barba.
Investigadora É. Ele pintou em épocas diferentes. Vamos ver quando foi que ele pintou essa? Vamos ver,
Mo4? O Mo4 vê esse e a Gabriela vê esse. Aqui está escrito o ano em que ele fez a pintura.
Mo4 – xxxxxxxx
Gabriela -1889
Investigadora – 1889. E esse daí?
Gabriela – Auto retrato ,1889,é o mesmo.
Investigadora – E ai é o mesmo ano né. Olha só como ele mudou em um ano. No mesmo ano tem uma época em
que ele está de barba, tem uma época que ele está sem barba.
Gabriela – Ali ele é mais novo.
Investigadora – É. Ai não aparece o mês mas ele fez em meses diferentes no mesmo ano. E aqui?
Gabriela – Que legal! É o quarto dele.
Investigadora – Então, será que é o quarto dele?
Gabriela –(Lendo atrás do quadro) Quarto em Arles.
Investigadora – Quer ler Gabriela?
Gabriela- 1888, obra de arte (Continua lendo sobre o retrato).
Investigadora – Uhum, Quer comentar, Gabriela esse quadro? Quer falar alguma coisa?
Gabriela – É, ele pintou o quarto de um homem, e ele colocou quadro de girassóis.
Investigadora E você, Mo4, gostou? Qual que você mais gostou? Gostou das outras, ou não gostou de
nenhuma?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxx
Investigadora –É? Qual que vomais gostou?Vamos virar assim para o Mo4 ver,vamos virar esse daqui
também.Qual que você mais gostou?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxx
Investigadora – Também gostou do quarto?É?
Gabriela – Gostei do quarto
Investigadora – Então ele pinta várias coisas né
Gabriela – Esse daqui chama Natureza Morta n/é?
Investigadora – Natureza Morta. Por que é Natureza Morta, Gabriela?
Gabriela – Por que as flores são arrancadas e “vai” para o vaso, os “girassóis” são arrancados.
Investigadora – É isso, isso mesmo.
Vamos conhecer um pouquinho da historia dele então? Do Van Gogh. A gente faz assim, a gente a história,
cada um uma parte ta Mo4?A gente procura fazer todo mundo ler um pedaço. Assim, todo mundo pode falar
n/é. Aqui o que a pessoa quiser comentar, falar, pode falar por que ninguém vai rir, por que foi isso que a gente
combinou, não rir do colega,escutar o outro com respeito,tá?
Essa daqui olha,vai ser uma historia da vida do Van Gogh.
(barulho)
324
Vamos dar prioridade para o Mo4 ler,Gabriela?
Você começa lendo depois a Gabriela continua
Mo4 e Gabriela –(Lendo Papel sobre a história de Van Gogh)
(barulho)
Investigadora – Então alguém que comentar o que achou da historia do Van Gogh?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxx
Investigadora – Ele era pobre.
Gabriela – Ele era pobre,ele passava frio,passava fome,
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora O irmão o sustentava. E o que vocês acharam dessa história?Por que olhem os quadros dele.
Os quadros valem milhões hoje n/é, só que na época em que ele pintava ele era pobre, o que vocês acham disso?
Gabriela – Em vez de ele vender os quadros n/é?Vendeu uns 30 quadros n é,era 30 reais esse quadro aqui
Investigadora –E ai,vocês perceberam na historia dele se ele era uma pessoa feliz,como que era a vida dele?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxx
Investigadora – Ele era uma pessoa triste. Por que será que ele era uma pessoa triste?
Gabriela – Por que ele era pobre demais e passava frio, e parecia que ele não tinha família.
Investigadora Uhum, no texto fala que ele não se dava bem com a família n/é? Mas ele tinha uma pessoa
que gostava dele na família...
Gabriela – O irmão.
Mo4 – xxxxxx
Investigadora – Isso o irmão dele ajudou ele bastante, n/é?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora – Incentivou. E ai vocês viram como ele morreu?Vocês prestaram atenção nessa parte?
Aqui olha. Posso ler esse pedacinho?
Assim produziu um grande volume de obras nos anos vividos em Paris na França, até colocar um fim em sua
vida em 29 de Julho de 1890.
Gabriela – Ele morreu em 29 de Julho?
Investigadora – Uhum
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora É? Quando é que você faz aniversario?
Mo4 -xxxxxxxxxxx
Investigadora -28?Olha pertinho
Então ele mesmo se matou o Van Gogh
Gabriela – Por que ele não agüentava mais a vida dele.
Investigadora É ele tinha problemas,sérios problemas assim,se sentia muito sozinho n/é? E ai,podia ter sido
diferente a vida dele,o que vocês acham?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxx
Investigadora Poderia?Como é que ele poderia fazer para a vida dele ter sido diferente, para ele viver um
pouco mais,ser mais feliz assim,vocês conseguem imaginar isso?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Gabriela – Ele ia poder vender os quadros para poder comprar comida para ele,para não passar frio.
Mo4 - xxxxxxxxxxxxxx
Investigadora – O que Mo4?
Mo4 - xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora É... só que na época ele estava tão sozinho que nem pensava muito nisso,e ele ficou
desesperado,se sentiu sozinho e ai ele se matou né,foi isso que aconteceu com ele.
Gabriela Igual o meu tio, o irmão do meu pai,ele pegou uma gravata na gaveta dele e se matou enforcado, se
enforcou lá no 29...
Investigadora É as vezes as pessoas fazem isso, elas ficam o desesperadas,se sentindo sozinha,acham que
não tem mais jeito,e ai acabam fazendo isso ,e ai a gente pensa que nem vocês estão falando,o Van Gogh
podia ter vivido de outro jeito?Poderia n/é? Poderia ter sido feliz, poderia ter vendido os quadros,que nem
vocês falaram.E na vida da gente,será que a gente consegue fazer diferente,as vezes a gente ta muito triste,muito
chateado,sozinho,da para a gente mudar isso?
Dá?
Como é que a gente faz para mudar isso?
Gabriela – Começa a conversar com alguém,que esteja interessada
Investigadora – É então, procurar uma outra pessoa,conversar
Gabriela – Passear na rua, não ficar sozinho
Investigadora – É isso, às vezes...
Gabriela – Quando eu fico sozinha em casa,eu passeio na rua
325
Investigadora É as vezes é bom a gente sair um pouco,olha o céu,as vezes ta um dia tão bonito e a gente esta
tão bravo,tão triste que as vezes a gente nem olha né
Gabriela – Às vezes...
Investigadora – Aí vai lá na casa da amiga,chama...
Gabriela – Quando eu chamo nós vamos brincar.
Investigadora – Ai o dia muda,fica tudo bem,é isso? É Mo4?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora Legal! Então o que a gente vai fazer hoje,vocês falaram que conheciam esse quadro. Os
Girassóis, já conheciam?De uma poesia?
Gabriela – A gente fez..(incompreensível).
Investigadora – Olha só! Vocês acham que é um quadro alegre ,triste?
Gabriela – Triste.
Investigadora – Triste?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora A Gabriela acha que é um quadro triste e o Mo4 acha que é alegre. Querem falar por que
vocês acham assim?
Mo4 começa a falar e é interrompido
Investigadora – Vamos escutar o Mo4...
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
InvestigadoraÉ uma pintura então você acha que é alegre.As cores que ele usou,por isso que você acha que é
alegre?
Mo4 –xxxxxxxxxxxxx
Gabriela Eu acho que é triste por causa que eles vivem na terra e sobrevivem mais por causa que aí, eles não
vão estar no sol. E eles gostam muito de sol.
Investigadora – O Girassol é uma flor alegre, n/é? Que nem o Mo4 está falando, é uma cor alegre. Mas o que a
Gabriela esta falando é por que é triste por que foi arrancada do pé,é isso Gabriela?Por que a gente conversou
sobre isso outro dia n/é? Por que é uma natureza morta. Assim, vai durar muito tempo no vaso?
Mo4 – Responde negativamente com a cabeça
Investigadora – Não dura n/é? Por que ela não dura?
Gabriela – Porque ele vai murchar.
Investigadora – Vai murchar... não é o lugar dele mais n/é?
Gabriela – É se colocar no vaso...
Investigadora Então quando ele não está mais na terra dura pouco. Hoje o que a gente vai fazer é uma
releitura. O que é uma releitura?
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora Reler. Então isso mesmo, reler é ler de novo n/é? que vocês vão olhar o Girassol e vão...
olha, eu me esqueci de mostrar o... em nossa mudança de sala, eu esqueci de por o globo que a gente tem usado.
Ah, então eu queria que vocês, vocês viram que ai fala onde ele morou n/é? Em um pais chamado Holanda,
para localizar a Holanda?
Gabriela – Dá.
Investigadora – Chega mais pertinho do Mo4. Fica na Europa
Gabriela – Mais perto da Europa.
Investigadora – É fica na Europa, no continente europeu.
Gabriela – Cadê a Europa?
Investigadora – É um pais bem pequenininho. Onde fica a Europa?A gente já viu outros artistas da Europa...
Gabriela – Como que chama a cidade mesmo?
Investigadora – Então... o país se chama Holanda.
Gabriela – Mas está onde?
Investigadora – Holanda
Gabriela – É...
Investigadora Oh vamos aqui nesse que é maior. Esse continente aqui é o,esse aqui como é que chama?É a
África,o continente chamado África.Aonde que a gente está?
Gabriela – No Brasil.
Investigadora Isso! A gente está no Brasil, que é um país. O nosso país se chama Brasil que esta no
continente americano. Tudo isso daqui chama América
Gabriela (fala incompreensível)
Investigadora É. Aqui é a Africa que é um outro continente. E a Europa é essa parte aqui... a Europa são
esses países. Vários países formam um continente. Vem cá para você olhar. Então a Holanda é um pais
pequenininho que fica na Europa. É um desses países aqui.
Gabriela (fala incompreensível)
326
Investigadora – Deixa o Mo4 ver um pouquinho também. É uma pais pequeno.
Gabriela – Fica perto da onde?
Investigadora – Deixa eu ver! Deixa eu achar também. Está perto da Alemanha, da Bélgica...
Gabriela e Mo4(continuam procurando)
Investigadora Vamos ver... França é um país da Europa, é um outro país da Europa. Acharam a França?
Olha essa parte é a Europa, Aí tem um pais chamado França. Está aqui a França... Olha!
Deixa o Mo4 ver também
Mo4 – xxxxxxxxxxxxxxxxxx
Investigadora – Isso! Um pouquinho para cima...
Mo4 - xxxxxxxxxxxxx
Investigadora Uhum! Olha o tamanhozinho que é a Holanda,é um pais. Olha é um pais. É menor que o
Brasil?
Gabriela – Menor.
Investigadora Ih! É bem menor. Deu para localizar a Holanda?Vocês querem tentar localizar (no globo),
enquanto eu ponho o material na mesa?
Investigadora arruma o material e Gabriela e Mo4 conversam em volta do globo
(falas incompreensíveis)
Investigadora Mo4, eu me esqueci de te dar o crachazinho. Você quer colocar seu nome? Gabriela a gente
nem esta usando mais, n/é?
Olha se você quiser pegar uma canetinha para por seu nome para você por em seu crachá também
Bom! Então vamos fazer a releitura dos Girassóis. Eu vou deixar o Girassol aqui.
Quando a gente faz uma releitura, o significa que a gente vai fazer igualzinho, a gente vai fazer do nosso
jeito. Os Girassóis vão ser feitos do nosso jeito, com outros materiais... A gente não vai usar tinta como o Van
Gogh fez.. nem uma tela.
A gente vai usar esse material aqui para fazer os Girassóis. Vamos recortar... Vamos fazer uma colagem. Vamos
usar esses papeis n/é? Como vamos fazer? A gente vai recortar, escolher amarela, pode escolher qualquer cor
dessas... Aí a gente vai fazer, recortar nesse material aqui que parece um plástico n/é?
Chama-se EVA. A gente recorta as pétalas e depois a gente vai recortar o vaso também, nesse material, daí a
gente vai colar.
Gabriela – (fala incompreensível)
Investigadora – Então ... é que amassou.
Ou você desenha o girassol, você desenha as pétalas separadinhas ai a gente usa de molde... O que é
molde?Vou fazer.
Por exemplo, se eu quiser fazer um girassol,aqui tem lápis,vai fazer um girassol
Gabriela – Aqui atrás?
Investigadora É... nessa parte branca, eu que estou,olha lá. Por exemplo, eu posso fazer um girassol assim,
as pétalas separadas e vou cortar um monte de pétalas desse jeito assim... Olha. Posso cortar, fazer isso daqui o
meu molde. Por exemplo, se eu quiser fazer alaranjado eu vou desenhar varias pétalas dessas. Daí eu corto
as pétalas, formo na hora de colar aqui,formo o girassol e ai eu trouxe ...
Gabriela – Algumas coisas para a gente enfeitar...
Investigadora – Umas miçangas. A gente já usou isso daqui...
Gabriela(fala incompreensível).
Investigadora O cabinho do girassol... pode fazer de canetinha n/é? Porque o traço é mais fininho. Olha
aqui tem miçangas...
Gabriela (fala incompreensível)
Investigadora Se vocês quiserem aproveitar o meu molde, podem usar... Se não, vocês desenham como
quiserem... Não tem problema!
Gabriela – Eu vou fazer o pólen de rosa...
Investigadora Se quiser usar aquele molde, pode usar. Se quiser desenhar outro, pode desenhar também. Eu
vou cortar a folha ao meio. Quem quiser usar laranja pode usar, quem quiser usar amarelo pode usar. Quer
usar amarelo Mo4?
Mo4 –xxxxxxxxxx
Gabriela(fala incompreensível)
Investigadora – Agora é com vocês, ‘tá?
Os dois começam a preparar os girassóis, durante algumas partes perguntam sobre algumas observações do
quadro.
327
Transcrição do grupo de discussão com algumas pessoas adultas da CA Novo Mundo (GDC)
Realização: 18/03/2009
Participantes: professoras da série do período vespertino da CA Novo Mundo (P1 e P2),
coordenadora pedagógica
Investigadora: Adriana Fernandes Coimbra Marigo
GRAVADO
Duração total do encontro: 41 minutos
Contexto: em 2008, foi divulgada como Projeto Roda com Arte, a proposta de a investigadora
desenvolver atividades em torno de obras artísticas, de forma voluntária e extraclasse, com as crianças
das terceiras séries do período da tarde. Após apresentação à direção da escola, às professoras e às
crianças das turmas, essas atividades foram realizadas, semanalmente, das 8h às 9h30, na Biblioteca
anexa à escola com as crianças que quiseram participar. Neste ano, a proposta continua a ser
desenvolvida nesta escola e começa a ser disseminada para as outras comunidades de aprendizagem
como “Tertúlia Dialógica de Artes Plásticas”, devido aos princípios teórico-práticos que a configuram.
O grupo de discussão foi realizado em uma sala de aula da escola, durante o horário de educação física
da turma de uma das professoras (quarenta minutos). A coordenadora pedagógica também foi
convidada e aceitou o convite. O objetivo do grupo de discussão apresentado ao grupo foi o de
compreender as interações no contexto da escola e, especificamente, os processos educativos que
acontecem a partir de atividades em torno de obras artísticas realizadas com estudantes da
escola. Com uma semana de antecedência, foi entregue um roteiro contendo o objetivo e os principais
aspectos que seriam abordados no grupo. A sistematização destes dados ainda poderá ter sua versão
final modificada, quando apresentada ao grupo de participantes para uma interpretação intersubjetiva.
Roteiro proposto para discussão:
apresentação das participantes:
- formação, tempo de trabalho fora e dentro desta escola;
- atuação profissional no semestre passado e neste semestre.
interações no cotidiano da escola:
- entre estudantes;
- entre estudantes e pessoas da escola;
- entre pessoas da escola e das famílias;
- entre pessoas da escola e do voluntariado.
elementos que facilitam e que dificultam as interações na escola;
Projeto Roda com Arte – expectativas, contribuições e dificuldades
Sugestões sobre a proposta
Investigadora:
Bem, vocês receberam um roteiro com os principais pontos sobre que vamos conversar.
A pesquisa que eu estou fazendo é sobre as interações no contexto escolar.
Estou fazendo as atividades com a arte que é para entender as contribuições dessa atividade para a
aprendizagem das crianças.
Na verdade, eu estou pesquisando também como que se dão as interações na escola.
Entre as pessoas, entre os estudantes, entre estudantes e professoras, entre as professoras e as pessoas da
família.
Enfim, como as pessoas se relacionam nessa escola.
Em primeiro lugar, gostaria que vocês falassem um pouquinho sobre vocês.
Da experiência que vocês têm, da formação, se já trabalharam em outro lugar, há quanto tempo estão aqui...
P1:
Na verdade, foi o meu primeiro ano, o ano passado, como ACT nesta escola.
Então, foi tudo assim muito novo.
Minha formação é pedagogia.
Não terminei magistério.
Fiz curso técnico em processamento de dados.
Fiz pedagogia, enquanto trabalhava na biblioteca.
No ano passado, fiz especialização em educação infantil.
328
Já conhecia as crianças daqui desta comunidade.
Quando eu vi que tinha vaga nessa escola, eu resolvi vir pra cá.
Na biblioteca, trabalho há três anos.
Antes, fui merendeira cinco anos numa EMEI.
Daí, fiz pedagogia.
Na biblioteca desta escola, estou há dois anos e meio.
Passei no concurso como ACT.
P2:
Sou pedagoga, não fiz magistério.
Mas, eu não tinha idéia de ser professora. Daí, fiz o colegial normal (...) Na hora de escolher o curso, de
repente, fiz pedagogia por conta da educação especial.
Na época, eu tinha um amigo surdo, eu tinha experiência com Libras, me dava muito bem com isso.
Daí, me interessei por educação especial. Daí, fiz o curso de pedagogia na UNESP por conta da educação
especial.
Mas, chego lá, vejo que só na área de deficiência mental.
Daí, não quis entrar nessa área, mas acabei ficando para terminar o curso.
Aqui nessa escola, já estou desde 2006. Este é o quarto ano.
Trabalhei um ano na escola x (outra Comunidade de Aprendizagem).
Trabalhei um ano no (...) como ACT.
E antes, eu já eu tinha trabalhado com educação infantil por dois anos.
Gosto muito de educação infantil. Prefiro educação infantil. Mas, na Prefeitura, não podia prestar esse
concurso, porque não tinha essa habilitação no meu diploma.
No ensino fundamental, prefiro dar aula para os menores. Não tenho muita afinidade em dar aula pros
maiores.
Este ano estou com um terceiro ano. Esse é o limite que eu vou. Prefiro os menores.
No ano passado, com os alunos da terceira série, foi um ano bem difícil...
Mas, se for ver, a gente viu que pra essa resistência foi até bom, viu? (silêncio).
(C chega)
Investigadora: Eu já estou conversando com elas. Desculpe.
C:
Eu que cheguei atrasada. Eu que tenho que pedir desculpas.
Investigadora:
Eu estava conversando com elas. Eu pedi autorização para gravar, para eu não precisar ficar escrevendo e
poder ouvir vocês. Tem algum problema pra você se eu gravar?
C:
Não.
Investigadora:
Você conhece a metodologia.
A gente vai conversar.
Depois a gente vai retornar os dados pra vocês.
Vocês vão ver se querem acrescentar alguma coisa, se preferem tirar...
A intenção dessa pesquisa é compreender as interações no contexto escolar.
O que a gente entende por interações? As relações entre as pessoas que estão aqui.
Entre os estudantes, entre os estudantes e as professoras, entre as pessoas e os voluntários, entre as professoras
e as pessoas da família.
Tentar entender as situações que favorecem e as que dificultam.
Eu tinha falado pra elas se apresentarem um pouco, falando sobre a formação, o tempo que está aqui, o tempo
fora, né...
C
Eu fiz magistério, depois me mudei pra cá.
Eu não sou daqui. Sou de fora, mas me mudei pra cá.
Vim fazer a pedagogia na Universidade Federal de São Carlos.
Já era o que eu queria desde o magistério, que eu já sabia que era o que eu queria.
Então, eu vim pra cá.
Estou há dois anos aqui no Janete.
Eu já trabalhei no A, no B, no Escola, no Escola D.
Primeiro, eu fui pro Escola D, uma terceira série.
Depois, no outro ano, eu precisava de um outro período e não tinha no Escola D.
Aí, como eu era ACT na época, eu me mudei pro Escola.
329
Depois, eu fui me inscrever pro A. E fui pro A.
Depois, eu fui chamada para trabalhar na coordenação do B.
Depois, me removi pro Janete. Estou no Janete desde o ano passado, como coordenadora. Aqui, não dei aula.
Sou professora do Janete, mas estou na coordenação.
Investigadora:
Vou me apresentar de novo.
Vocês me conhecem mais ou menos, por partes; então vou tentar juntar tudo pra vocês.
Eu trabalho na Caixa Federal. Sou formada em psicologia. Eu me formei antes de entrar na Caixa. Eu
trabalho há 27 anos na Caixa.
Eu resolvi voltar a estudar para trabalhar na área de educação.
Como eu pretendo me aposentar logo, se nada mudar, esse é o caminho que eu pretendo tomar.
Aí, eu fiz pedagogia. Porque fazia muito tempo que eu estava fora da área, trabalhando com um conhecimento
diferente.
fiz pedagogia. Entrei no NIASE, conheci o trabalho e as escolas que trabalham com Comunidades de
Aprendizagem.
Em 2006, conheci esta escola. Participava das tertúlias da EJA nesta escola, na sala do Prof. x. Lemos Vidas
Secas aqui, com os estudantes.
Depois, fiquei um pouco no Moruzzi, também. Lá, lemos D. Quixote.
Aí, em 2007, vim ser voluntária aqui nos Grupos Interativos das quartas ries. Ajudava também em outras
séries, quando faltavam voluntários.
No ano passado, no primeiro semestre, fiquei na Biblioteca Tutorada. E no segundo semestre, fui voluntária
nesse projeto Roda com Arte.
E foi participando nesta escola, das festas que eram feitas, das sensibilizações.
Nos momentos em que a escola sonhou, via que as pessoas falavam em atividades com artes.
Ficava pensando assim em como a gente podia fazer isso, sem perder o foco da aprendizagem que a gente sabe
que tem de fortalecer.
E aí, participando das ACIEPE’s, das discussões sobre as avaliações dos estudantes que eram feitas, a gente foi
pensando em uma forma de fortalecer... que eles possam aprender o instrumental mas também atender essa
demanda deles para trabalhar com artes.
Aí, vendo a experiência de Tertúlias que eu já tinha com adultos e vendo a Piu, que é uma colega nossa, fazendo
com as crianças em torno de livros, a gente pensou em fazer a mesma coisa em torno da arte.
Bem, acho que é isso. É uma história meio longa, mas se vocês quiserem perguntar mais alguma coisa, fiquem à
vontade.
Eu queria que vocês comentassem um pouquinho sobre as interações entre as pessoas que participam na escola,
entre os estudantes, entre professoras e estudantes, entre a escola e os familiares...
P2:
Entre as crianças, eu percebo que... as brincadeiras deles são muito agressivas.
Eles estão se batendo, mas estão brincando. Às vezes, alguém se ofende e vem reclamar.
Mas, a maioria das vezes, eles estão brincando.
Então, a relação deles, eu percebo que é um pouco agressiva.
E às vezes, isso vem pra gente também, n/é? Como se põem, eu falo pra eles.
Mas, aí você vai percebendo que é o que eles vivem.
É como eles se relacionam em sua casa. Eles jogam tudo isso pra gente.
Daí, eu percebo assim. No começo, lá na primeira semana de aula, é uma relação difícil.
Depois, quando eles vão te conhecendo, dependendo de como você devolve as agressões deles, as respostas
também começam a mudar.
A 3ª série que eu peguei no ano passado, era difícil no começo e era difícil no fim.
Mas, era um difícil diferente. Porque algumas coisas foram mudando na relação deles comigo. Entre eles, eu
acredito que é mais difícil mudar.
Mesmo isso, eu senti que essa relação foi mudando no decorrer do tempo, assim. É passando a serem mais
educados, mais obedientes.
P1
Isso também eu percebi...
Como foi o meu primeiro ano, eu não tenho outras experiências em sala de aula.
Pra mim, foi assim tudo muito novo.
E isso aconteceu também, eu percebi.
É uma relação mais... fazendo conflitos. Alguns já me conheciam da biblioteca.
Até as questões de me chamar pelo nome.
Eu permiti que eles me chamassem pelo nome. Eles me chamavam “P1!”
Tudo bem! Eu permiti.
330
Agora, não exigi que fosse “professora 1”. Alguns não me chamavam professora, porque eu permiti.
Não tem porque eu colocar esse título, que eu sou professora 1...
Então, foi como me apresentei e foi o que eu achei certo.
C:
Eu entendo um pouco como a P2 disse. Eu acho assim...
Que eles são frutos do que eles vivem. Então, eles vão sair daqui frutos do que eles vivem, das vivências que ele
tem.
Então, às vezes, algumas formas como eles tratam a gente... que pra gente é desrespeitoso, prá eles não é...
Do jeito que eles fazem... que são tratados em casa, do jeito que é no ambiente deles, não é.
Então, também, às vezes, é uma luta entre nós, entre o que nós acreditamos, nossas crenças, nossos sentimentos,
é uma luta entre nós...
Mas, acredito que a gente consegue entrar em acordo com as crianças.
Entre elas, acho que é um pouco mais difícil... Porque tem de ter um pouco mais de diálogo, n/é? Acho que é
um pouco mais difícil eles conseguirem conversar, eles conseguirem se entender...
Porque tem muito o que a P2 falou... que eles têm muito das brincadeiras.
É tudo brincadeira. Bater é brincadeira. Tudo é brincadeira. Começa assim.
E depois, tem sempre um que não agüenta. Às vezes, até quem começou e, depois... vem a reclamação.
Mas, acho que a gente está crescendo nisso, também.
A gente está conseguindo entender um pouco do lado deles e eles entenderem também o que a gente quer, n/é?
Acho que é um entendimento duplo, n/é, recíproco. É um entendimento de ambas as partes.
P2:
Em relação à família, eu também notei algumas mudanças.
Em 2006, eu ficava desesperada quando fazia reuniões. Daí, eu me lembro que tinha que conversar com eles
sobre a importância das crianças fazerem as tarefas.
Era bem complicado.
E, assim, parece que à medida que a escola... que eles estão na escola, as coisas têm ficado melhores.
Na última reunião que eu tive na sala, eles chegaram perguntando o que eu tinha ensinado.
Então, eles estão se aproximando mais da escola.
Eu acho que vem crescendo a participação dos pais.
Quando eu cheguei aqui, era assim. Ai, esse pai foi chamado na escola para reclamar do filho. Então, ele o
vinha. Então, eu acho que, como a gente tem feito várias tentativas para trazer os pais para outras coisas, para
que eles venham para palestras, no ano passado tinha (futebol feminino?), grupo de mulheres, cursinho.
Não é mais “que chato, eu tenho que ir lá porque meu filho aprontou”. (barulho)
“Que chato, meu filho aprontou e eu tenho que ir à escola”. É claro que eles têm que ser chamados, porque às
vezes essas coisas acontecem. Mas, eu acho que tendo a mais reuniões como o grupo de mulheres, teve uma
grande participação no grupo de mulheres. Eu acho que... tá mudando. O índice de participação na escola tem
melhorado. Mas, a gente tem muito ainda para caminhar.
Eu acho que do primeiro ano que eu estou aqui pra agora, melhorou...
Mas, acho que do primeiro ano que eu estou aqui para agora, melhorou muito.
Faz diferença. Faz muita diferença.
Porque a gente entendeu como é comunidades de aprendizagem.
Faz o contrato de aprendizagem.
Então, acho que isso é mais recente.
Até na conversa que a gente teve na reunião de pais, eu pude ler o documento, depois eles comentaram,
concordaram com o que eu estava falando.
Coisas assim que, nessas reuniões, antes não tinha.
Os pais chegavam, sentavam e diziam: “E o meu filho?”
Porque não se conversava sobre o que a gente poderia fazer para melhorar. E nessa reunião, essas pessoas
vieram e participaram.
E é bem bacana porque alguns dos pais que estão nessa turma são de meus alunos dois anos. Então, alguns
pais eu vejo a diferença nesses mesmos pais dois anos atrás e agora. Como aquela mãe que ficava olhando pra
minha cara, tipo: “Ai, tá bom!!!” E levantava e ia embora.
Nessa reunião, ela parou, ela prestou atenção, ela interagiu, ela se envolveu, ela percebeu...
Então, prá mim, eu disse “que bom”. Bom que agora elas estão encarando a coisa, eu diria.
Acho que não era porque era a Professora 2 que deu aula pra minha filha o ano passado.
Não. É porque é a escola que ela está percebendo que está conseguindo ajudar a filha dela.
C:
E a forma com que eles nos tratam, também sempre muito respeitosa...
Do mesmo jeito que as crianças.
331
Às vezes, eles nos falam de uma forma que, às vezes, não é a forma que a gente está acostumada na nossa
família, na nossa vivência falar.
Mas, a gente também compreende isso. Que eles têm respeito, sempre vêm com muita atenção.
Às vezes, eles vêm um pouco mais nervosos, por conta de querer os direitos deles.
A gente explica e sempre é muito preciso. A gente não tem problemas, entendeu, quanto a isso, n/é?
Às vezes, por ser uma comunidade da periferia, tem esse medo.
Mas, a gente não tem esse tipo de problema, não.
Eu passei por várias escolas, bem diferentes entre elas. Até porque eu passei por várias escolas. Tem
diferenças entre elas.
Investigadora:
Você passou por várias escolas... Você vê diferenças entre esta escola e outras que você trabalhou?
C:
Sim, tem diferença...
A Escola A e a B também são escolas mais periféricas.
Então, acho que os problemas são bem parecidos.
Uma diferença é que a A e a B são bem maiores do que aqui. Eu costumo dizer que, se é bem maior, tem mais
pessoas, mais problemas, certo. Normal...
Agora, já a Escola C e o Escola D são escolas menores, o bairro não é tão periférico.
Então, a presença dos pais é diferente. A participação das crianças é diferente, sim.
Não existe questão que eles aprendem mais rápido. Isso não. Não acho isso.
Mas, a participação é diferente.
Os pais participam mais, sim.
Mas, assim, até participam... às vezes, a escola nem faz tanto para essa participação.
Participam por crença deles mesmo.
A gente... acho que aqui trabalha mais com eles a participação dos pais do que as outras. Nas outras, isso é
mais natural. Aqui a gente tem que trabalhar muito mais para que os pais venham para a escola. Trabalhar,
assim, com os pais mesmo. De fato, aqui, é muito mais difícil. Nesse sentido, eu percebo diferença. Agora, a
aprendizagem das crianças, acho que é é uma conseqüência da não participação dos pais. Mas, dizer que
eles têm alguma dificuldade, isso eu realmente, não acredito. Nesse sentido, não.
P1:
Eu não tenho, assim...
A minha sala, os pais frequentaram.
Mas, teve uma mãe que eu não conheci durante o ano todo, no ano passado.
Mas, vendo a experiência de vocês, eu vi, eu também percebi que, o ano passado, que do começo, foi
aumentando... Agora, eu não tenho muita base para comparar um ano com o outro. Não tenho como. Eu posso
falar porque eu vejo a participação deles mais agora aqui na escola, n/é?
Investigadora:
Pelo que estou observando, estamos entrando em outro item que eu tinha colocado no roteiro... É sobre os
elementos que facilitam e os que dificultam as interações aqui na escola. Vocês estavam contando sobre a
presença dos familiares... Vocês consideram como muito importante, como um desses elementos que facilitam
essa interação. É isso?
Todas: sim. É importante.
Investigadora: E tem mais alguma coisa que vocês acham importante, que vocês destacariam, ou que está
acontecendo? Vocês apontaram avanços recentes, o que aconteceu nesse período que está possibilitando isso
essa aproximação, essa relação melhor com os estudantes? Vocês falaram que às vezes é uma relação difícil.
O que pode ter possibilitado isso?
P2:
Bem, vou falar do que aconteceu comigo. Da mudança de minha postura de quando eu entrei e agora. Eu acho
que, a partir do momento que eu comecei a perceber o projeto de comunidades da escola que está havendo, isso
fez diferença na minha postura como professora. Então, quando eu mudei a minha postura como professora, em
conseqüência, mudam outras coisas também em decorrência do meu envolvimento. Eu estou tentando aplicar o
que eu sei na sala. Então, isso faz muita diferença. As conversas que a gente tem tido em HTP a respeito do que
é bom, do que certo fazer com as crianças... Esse tempo não é tão grande quanto a gente precisa para fazer
essas trocas que precisava ter. Mas, eu acho que apesar das poucas trocas por causa do tempo, elas têm
permitido melhorar. A prática da escola está sendo diferente. A gente tem muito pra caminhar ainda. Tem
muita coisa pmelhorar, inclusive as relações nossas com as crianças aqui dentro, entre professores, entre
professores e direção, funcionários... Tem várias coisas que ficam meio truncadas, mesmo. Mas, eu acho que
vai melhorando... Tem melhorado muito também. Pmim, no meu ponto de vista, o que é preciso fazer para
conseguir essa mudança é conhecer melhor o projeto de Comunidades de Aprendizagem. Faz muita diferença.
Até a outra investigadora que conversava comigo nos grupos interativos, eu conversava muito com ela e a gente
332
percebeu que ajudou muito na minha prática, e que ajudou também na minha relação com as outras pessoas.
Porque, às vezes, ela falava alguma coisa super reflexiva, isso tocava na minha cabeça em relação ao que a
gente conversou. Então, a gente vai ensinando e aprendendo também com essas pessoas que vêm à escola. Eu
perguntava muito... A gente tem buscado os resultados, mas tem sido diferente. Pra mim, a escola ser uma
comunidade de aprendizagem tem possibilitado esse aprendizado. Tem parecido que tem melhorado, eu
acredito.
Investigadora:
Isso que você coloca vai bem ao encontro do que Paulo Freire. A coerência entre as palavras e as ações é uma
busca. Essa busca da coerência já é uma virtude. Você buscar a coerência já é uma virtude. Atentar para isso,
tentar fazer o que se acredita porque isso faz sentido na minha prática e me propor a estar caminhando...
C:
Eu vejo assim. A relação entre as pessoas não é algo simples, n/é? Não é algo simples. É algo difícil de ser
feito, n/é? É algo que você tem de buscar todos os dias. Todos os dias a gente tem que refletir. Todo o dia, a
gente tem que ser paciente e respeitar mesmo o tempo todo. Porque eu acho que é algo que não é o simples
assim, n/é? É uma postura que a gente tem. É uma postura que a gente tem que ter... Comunidades de
Aprendizagem ajuda a gente bastante nisso, da gente estudar, da gente entender aquela concepção e trazer
realmente para a nossa vida. Principalmente em momentos de pressão, em momentos em que as coisas saem da
rotina, então é o momento em que a gente está mais tensa, então as coisas escapam do nosso controle. Então,
nesse momento, a gente tem que tentar ao máximo ser coerente com o que eu estou estudando. Senão, não vale
a pena a gente estudar. Não vale a pena também. Por que eu vou ler uma coisa e fazer uma coisa
completamente diferente, n/é? Mas, eu vejo que não é algo fácil... Não estou dizendo que seja uma coisa
impossível. Mas, não é fácil. É prazeroso, mas o é cil. É difícil. Porque, todo dia fazendo aquela busca.
Todo dia é uma busca constante... Às vezes, as outras pessoas ainda não acreditam. Mas, você tem que
respeitar o que o outro está dizendo. Mas, eu vejo que é necessário, é importante.
Investigadora:
Em CA, você cria um vínculo com as outras pessoas. Todos ao redor de um objetivo comum. Uma pessoa
fortalece a outra.
C:
Porque sozinho, a gente não consegue (...) Objetivo único.
P1:
Eu concordo com elas.
Investigadora:
E a gente vai para o projeto Roda com Arte... que é um projeto que eu comecei a desenvolver aqui no semestre
passado junto com vocês. Foi uma criação conjunta. Porque vocês participaram... quando vocês falam na
ACIEPE, quando a P1 trazia os livros, quando ela conversava, quando ela sinalizava que o aluno mostrou o
girassol. Então, vocês fizeram parte, vocês construíram junto comigo essas atividades... Vocês iam falando... e
eu pensava como poderia ajudar. Eu tive esse tempo para pensar junto com vocês. Eu também ia me
perguntando sobre o que vocês iam sinalizando. Eu ia atrás de respostas para o que as professoras iam
sinalizando. Eu queria dizer como vocês foram participando dessa idéia. Por isso, é importante que eu escute
vocês. Eu queria que vocês falassem sobre as expectativas que vocês tinham, das contribuições que vocês foram
feitas a partir dessa idéia, o que pode melhorar, como vocês pensam a participação das crianças nessas
atividades no semestre passado...
P1:
A meu ver, alguns alunos meus foram e participaram pra ver que esse ano, a procura pelo projeto foi
grande...
Eu achei que foi muito importante. Meus alunos que participavam, chegavam à sala, comentavam e os outros,
você via que tinham vontade, que não conseguiam vir. Mas, os que vieram, levavam as peças ,
mostravam... Foi muito bom!
P2:
Eu acho que o projeto Roda com Arte traz coisas diferentes e chamava a atenção das crianças. Você via que
outros tinham interesse, mas não puderam participar porque estavam em outros projetos. Tinha até a (menina),
que ouvia a Rafaela que às vezes vinha e contava o que tinha feito. A menina ficou encantada e pedia que eu
fizesse aqui na sala, com todo o mundo. Daí, eu explicava que tinha toda uma proposta, tem leituras sobre os
pintores, é além de fazer só a atividade... Mas, ela dizia que não podia vir e tal... porque ela tinha outro projeto.
É o diferente, é uma beleza na arte que eles não percebem no cotidiano deles. Até por conta das pessoas na vida
real deles, eles não têm esse contato. Então, eu vi como era especial esse contato, e que era muito importante.
Eu acho que fez muito bem pra Rafaela. Ela era muito dependente, carente demais... Eu via que ela se tornava
mais independente. Então, ela podia fazer as tarefas... Ela mesma trazia o que fazia. Quando ela trazia uma
coisa tão diferente pra sala, isso fazia com que ela se sentisse importante. E não era uma coisa que a
333
professora tinha ajudado ela fazer. Ela sabia fazer. Daí, ela começou a se soltar e a interagir com as pessoas.
Eu achei muito bacana, isso, n/é? Eu percebi muito na Rafaela, porque ela que participou mais vezes. Foi
muito bacana mesmo o quanto que aquele conhecimento diferente fez com que ela se valorizasse e foi sentindo
que ela podia dar conta. Foi muito bacana ver ela assim no projeto!
C:
Eu o estava diretamente ligada. Sobre as expectativas e o que pode contribuir... Enquanto ela estava
falando, eu estava pensando um pouco sobre as expectativas. Eu vejo assim a arte como expressão de
sentimentos, de valores e de idéias. Eu vejo que isso é algo muito importante na comunidade em que a gente
trabalha. Principalmente, enquanto a P2 estava falando... como resgate de auto-estima. Eles têm assim, uma
auto-estima um pouco baixa, n/é? Por questões de que não sabe, questões sócio-econômicas, culturais. Então,
eu acho que a arte é esse resgate, n/é? De valores... Que vai melhorando a aprendizagem. Eu vejo que auto-
estima e aprendizagem estão ali. Quando melhora um, melhora o outro. A gente não sabe qual atrapalha qual.
Quando atrapalha a auto-estima, atrapalha a aprendizagem. Mas, qual que vai antes, n/é? É que não pra
desligar. Conforme vai aprendendo, a auto-estima vai elevando. Se não aprende, a auto-estima vai baixando.
E isso acontece com a gente também.
Investigadora:
Quando você vê sentido no trabalho, vai aprendendo...
C:
Eu percebo que na quarta série deste ano, tem muita empolgação pra eles virem participar. Pela quantidade de
crianças, você que eles estão empolgados, sim. Mas, eu vejo também que eles entendem arte como manipular
materiais, técnicas, mexer com massinha, essas coisas... Manipular materiais... Então, eu acho que se você
conseguir juntar seu objetivo com isso, prá eles vai ser interessante. Porque eles perguntam: “vai ser hoje a
atividade de artes?Como ouvi na sala da professora, de manhã... Porque eles entendem arte nesse sentido.
Então, se a gente também conseguir trabalhar com eles essa evolução... prá eles entenderem arte com um outro
sentido também, mas partindo do que eles conhecem pir crescendo, n/é? Porque, talvez a gente traga
muitas coisas novas, muito longe da expectativa deles, talvez eles desanimem, n/é? Mas, se a gente conseguir
trabalhar os dois sentidos em um só caminho, acho que a gente dá prá fazer muito...
P2:
O que eu gostaria que tivesse aqui é uma tertúlia de artes com adultos. De repente, uma tertúlia de artes em um
momento com as professoras... Em HTP... Porque eu acho que a arte é uma área que a gente não tem
formação. A gente não tem formação e daí... a gente tem tanta coisa pra fazer que, infelizmente, a arte.. a gente
vai deixando de lado... Eu vejo que a escrita, a matemática, as crianças precisam saber... E a arte vai
ficando... E aí, quando a gente pensa a respeito da aula de artes, a gente pensa naquela dobradura, naquele
desenho... quando a gente podia estar trazendo outras coisas.
C:
Exatamente. A gente fica mais nas técnicas, n/é? Que é o que a gente acaba passando pras crianças que é o que
eu posso. Porque elas ainda não conhecem outras coisas.
P2:
Na verdade, a gente reproduz aquilo que já viveu quando era aluna...
Investigadora:
Então, eu conto pra vocês um pouco da minha experiência. Porque eu tinha a vivência na tertúlia com pessoas
adultas. É diferente, mas serviu de inspiração para fazer as atividades com as crianças. Foram momentos
muito especiais. Quando vocês quiserem, podemos fazer uma tertúlia juntas.
(crianças voltam à sala). Agradeço a participação de vocês.
334
ANEXO I: TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
335
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (para professora)
1. Você está sendo convidada para participar da pesquisa O diálogo nas interações do contexto escolar:
reflexões e aprendizagens em torno de obras artísticas”
121
, desenvolvida pela investigadora Adriana
Fernandes Coimbra Marigo, da Universidade Federal de São Carlos, em comum acordo com a Secretaria
Municipal de Educação e Cultura de São Carlos e a EMEB “XXXXXXXXXXXXXXXXX”.
2. Você foi selecionado por ser a professora que demonstrou interesse em participar da pesquisa, no momento
que esta foi apresentada à equipe de trabalho desta instituição escolar (corpo administrativo e docente). Sua
participação não é obrigatória.
3. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento.
4. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com a investigadora ou com a instituição.
5. A pesquisa pretende compreender os processos educativos que se manifestam em atividades de reflexão
em torno de obras artísticas, na perspectiva da aprendizagem dialógica. A pesquisa envolverá entrevistas
individuais e em grupo, observação de aulas, biblioteca, atividades e reuniões. Tem como objetivos,
observar, descrever e analisar:
a) como se caracteriza a proposta de atividades de reflexão em torno de obras artísticas, em uma escola
localizada em um bairro periférico da cidade de São Carlos, na perspectiva da aprendizagem
dialógica;
b) como os participantes relatam e analisam as suas vivências nessas atividades;
c) como os familiares e professores percebem a participação das crianças e adolescentes nessas
atividades;
d) como os diálogos sobre imagens de produções artísticas de artistas consagrados são articulados às
interações no contexto escolar pelos participantes das atividades.
6. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder a questões em entrevistas individuais e em grupo, e
participar de situações que estarão sendo observadas por investigadoras ou investigadores.
7. Os riscos relacionados com sua participação são: cansaço em função das situações de entrevista individual
ou em grupo e das situações de filmagens.
8. Os benefícios relacionados com a sua participação são: espaço para expor as preocupações quanto à
escolaridade das crianças e poder colaborar para que haja melhoria do convívio na escola e de aprendizagem
por todos.
9. As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação.
10. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação: você recebe um número de
identificação e seu nome será trocado por um inventado (você mesmo poderá dizer um nome para ser o seu
na pesquisa).
11. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do investigador principal,
podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
______________________________________
Adriana Fernandes Coimbra Marigo
Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós Graduação em Educação.
Fone: 3411-2899
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em
participar.
O investigador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres
Humanos da UFSCar que funciona na Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade
Federal de o Carlos, localizada na Rodovia Washington Luiz, Km. 235 - Caixa Postal 676 - CEP
13.565-905 - São Carlos - SP Brasil. Fone (16) 3351-8110. Endereço eletrônico:
cephumanos@power.ufscar.br
São Carlos, de de 200 .
__________________________________________
Assinatura do/a participante (sujeito da pesquisa)
121
Esse era o nome da investigação no momento de apresentação dos termos aos familiares e às pessoas da
escola.
336
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (para estudantes)
1 A criança de sua família está sendo convidada para participar da pesquisa “O diálogo nas interações do contexto
escolar: reflexões e aprendizagens em torno de obras artísticas”, desenvolvida pela investigadora Adriana
Fernandes Coimbra Marigo, da Universidade Federal de São Carlos, sob orientação do Prof. Dr. Amadeu José
Montagnini Logarezzi, em comum acordo com a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de São Carlos e a
EMEB “XXXXXXXXXXXXXXX”.
2 Ela foi selecionada por pertencer à Comunidade dessa escola, mais especificamente porque participa em
atividades que serão acompanhadas na pesquisa. Sua participação não é obrigatória.
3 A qualquer momento você ou a criança podem desistir de participar e retirar seu consentimento.
4 Essa recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com a investigadora ou com a instituição.
5 A pesquisa pretende compreender os processos educativos que se manifestam em atividades de reflexão em
torno de obras artísticas, na perspectiva de uma aprendizagem conversada entre as(os) participantes com vistas
ao entendimento. A pesquisa envolverá entrevistas individuais e em grupo, observação de aulas, biblioteca,
atividades e reuniões. Tem como objetivos, observar, descrever e analisar:
a) como se caracteriza a proposta de atividades de reflexão em torno de obras artísticas, em uma escola
localizada em um bairro periférico da cidade de São Carlos, na perspectiva de uma aprendizagem conversada
entre as(os) participantes com vistas ao entendimento;
b) como os participantes relatam e analisam as suas vivências nessas atividades;
c) como os familiares e professores percebem a participação das crianças e adolescentes nessas atividades;
d) como os diálogos sobre imagens de produções artísticas de artistas consagrados são articulados às interações
no contexto escolar pelos participantes das atividades.
6. A participação da criança nesta pesquisa consistirá em responder a questões em entrevistas individuais e em
grupo, e participar de situações que estarão sendo observadas por investigadoras ou investigadores.
7. Os riscos relacionados com sua participação são: cansaço em função das situações de entrevista individual ou em
grupo e das situações de filmagens.
8. Os benefícios relacionados com a sua participação são: espaço para expor as preocupações quanto à escolaridade
das crianças e poder colaborar para que haja melhoria do convívio na escola e de aprendizagem por todos.
9. As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidencias e asseguramos o sigilo sobre sua participação.
10. Durante a realização de filmagens e fotografias, haverá o cuidado da investigadora para que o rosto da criança
não seja identificado.
6. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação: você receberá um número de
identificação e seu nome será trocado por um inventado (você mesmo poderá dizer um nome para ser o seu na
pesquisa).
7. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do investigador principal, podendo
tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
______________________________________
Adriana Fernandes Coimbra Marigo
Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós Graduação em Educação.
Fone: 3411-2899
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em
participar.
O investigador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres
Humanos da UFSCar que funciona na Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade
Federal de o Carlos, localizada na Rodovia Washington Luiz, Km. 235 - Caixa Postal 676 - CEP
13.565-905 - São Carlos - SP Brasil. Fone (16) 3351-8110. Endereço eletrônico:
cephumanos@power.ufscar.br
São Carlos, de de 200 .
__________________________________________
Assinatura da/o responsável pelo/a participante da
pesquisa
__________________________________________
Assinatura do/a participante (sujeito da pesquisa)
337
ANEXO II: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
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