A
LTERIDADE E DIÁLOGO
:
UMA META
-
ARQUEOLOGIA DA EDUCAÇÃO A PARTIR DE
E
MMANUEL
L
ÉVINAS E
P
AULO
F
REIRE
[...] Disse, então, Zeus: ‘Pois bem; eu vou pôr fim a isso. Atualmente’,
acrescentou, ‘saem desencontradas as sentenças, por estarem vestidas as
pessoas em julgamento, julgadas que são em vida. Muitos homens de alma
ruim’, prosseguiu, ‘ estão revestidos de corpo bonito, de nobre linhagem e de
riqueza; outrossim, por ocasião do julgamento, ocorrem testemunhas suas
em grande número a depor que viveram em justiça; os judicantes deixam-
se
impressionar por estas; além disso, eles próprios, quando julgam, estão
revestidos e têm a alma coberta pelos olhos, ouvidos e todo o corpo. Todos
esses revestimentos, os seus e os dos julgados, os atrapalham. A primeira
providência, pois’, disse, ‘é abolir o conhecimento prévio da hora da morte,
pois atualmente a conhecem de antemão. Quanto a isso, Prometeu já tem
ordens para abolir. Depois, devem ser julgados despidos de todos esses
empeços, pois têm de ser julgados na morte. Igualmente, o juiz deve estar
despido, morto, contemplado com a sua alma a alma de cada um
imediatamente após a morte, longe de todos os parentes, abandonado sobre a
Terra todo aquele aparato, para sair justa a sentença.
A
respeito desse texto,
Lévinas
faz o seguinte comentário:
A aproximação absoluta do outro, exigido pelo ‘juízo final’ – para Platão,
modalidade fundamental da aproximação – é uma relação de morte a morte.
O outro – seja homem de qualidade ou homem nulo – é desnudado ali de
toda vestidura que qualifica, ‘de toda qualidade’, até chegar à nudez daquele
que passa de vivo a morto, que é surpreendido por uma morte imprevisível.
Por sua parte, o juiz deve acercar-se como morto, nu de ‘olhos e ouvidos’,
solidário do conjunto de seu corpo, o qual, além de fazer possível o
acercamento pela visão e a escuta, só serve de separação. A representação do
outro não será uma relação de retidão. A proximidade não depende de
nenhuma imagem, de nada que
apareça
. A proximidade vai de alma a alma,
à margem de qualquer manifestação fenomênica, à margem de qualquer
dado. Que pode importar, então, o plano ontológico – para Platão ainda mais
real que a realidade – onde se desenvolve um juízo de alma a alma, isto é,
um ato de conhecimento? Porém há razões para perguntar, em efeito, em que
consiste um juízo que não é a priori que não tem dados, que não é de
experiência
, senão se trata do contato mesmo do Dizer à margem de todas as
proposições do Dito. Deve recordar-se também que a proximidade não é de
entrada juízo de justiça, senão previamente responsabilidade para com o
outro, que só se muda em juízo com a entrada do terceiro. Segue sendo certo
que, para Platão, a apro
ximação ao outro está mais além da experiência, mais
além da consciência, como um morrer” (Lévinas, 1999, p. 102-
103
– nota
35).
Haverá algum sentido nessa nudez? O
para
-
outro
(ou o sentido) chega pelo-
outro
.
O
Dizer
carrega uma ambigüidade: é
ab
-
soluto,
independente
e, também,
indigente.