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Universidade
Estadual de Londrina
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
MARIA LUCIMAR PEREIRA MARTINS
O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DE CRAS NA REGIÃO
DA AMEPAR: REFLETINDO SOBRE OS CAMINHOS DA MUDANÇA
LONDRINA
2009
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MARIA LUCIMAR PEREIRA MARTINS
O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DE CRAS NA REGIÃO
DA AMEPAR: REFLETINDO SOBRE OS CAMINHOS DA MUDANÇA
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Serviço
Social e Política Social da Universidade
Estadual de Londrina como requisito parcial
para obtenção do título de mestre.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Luiza do
Amaral Rizzotti
Londrina
2009
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MARIA LUCIMAR PEREIRA MARTINS
O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DE CRAS NA REGIÃO
DA AMEPAR: REFLETINDO SOBRE OS CAMINHOS DA MUDANÇA
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Serviço
Social e Política Social da Universidade
Estadual de Londrina como requisito parcial
para obtenção do título de mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________
Profª Dra. Maria Luiza do Amaral Rizzotti
Universidade Estadual de Londrina
Profª Dra. Cássia Maria Carloto
Examinadora 1
____________________________________
Profª Dra. Denise Arruda Ratmann Colin
Examinadora 2
Londrina, 02 de setembro de 2009.
DEDICATÓRIA
A minha mãe, Maria Aparecida, mulher
corajosa e afetuosa, que cuidou de mim
de maneira firme e amorosa possibilitando
condições para que me aproximasse de
uma vida regrada pela solidariedade ,
responsabilidade e consciência política,
valores estes que me formou enquanto
profissional, mãe e cidadã...
Aos meus filhos, João e Laura, pelo amor
recíproco construído “incondicional.
AGRADECIMENTOS
Aos meus filhos João e Laura, pela paciência e o tempo doado, muitas vezes, nem
sempre com consentimento;
Aos meus pais, Elézio e Cida e aos meus irmãos, Marcia, Adriano, Jaqueline e
Rafael, pelo orgulho recíproco e pela ajuda em cuidar dos meus filhos para estudar
ou simplesmente pela possibilidade de uma noite bem dormida;
A minha orientadora, Drª Maria Luiza do Amaral Rizotti, pela relação de
cumplicidade e liberdade que me permitiu construir de maneira própria este trabalho
acadêmico;
Ao meu grande amigo Marcio Neman, psicólogo que admiro pela habilidade técnica,
operacional, teórica e afetiva, pelas constantes e incansáveis lembranças em
relação ao prazo de entrega da dissertação, pela contribuição na discussão acerca
do objeto e ainda pela orientação de como lidar com algumas situações de conflitos
pessoais, familiares, afetivas e profissionais;
Ao Rafael, pelo carinho, paciência, respeito e muito afeto;
A minha família extensa, tios, tias, primos, cunhados, cunhadas, pela preocupação e
carinho que me trataram neste processo, respeitando minha ausência em momentos
de confraternizações familiares;
A Família Spolom, pela acolhida, carinho e respeito pelo quem sou e pela história
que me acompanha;
Aos professores do curso de Mestrado em Serviço Social e Política Social pelas
contribuições acadêmicas no processo de formação, em especial as Profª Cassia e
Maria Angela;
Aos amigos de curso, em especial Jacqueline, Michele, Evelyn, Amanda e Paulo
pela amizade construída e fortalecida neste período;
Ao Neto, pela contribuição concreta e efetiva na elaboração do Projeto de Pesquisa
em momento de muitos acontecimentos;
Aos profissionais dos municípios pesquisados, pela disponibilidade em participar das
entrevistas, demonstrando compromisso com a política de assistência social e
desejo em fomentar transformações sociais das famílias atendidas pelo CRAS;
A todas as companheiras e companheiros de trabalho, em especial, Nívia, Cirlene e
Jane, que participaram das ansiedades, frustrações e desafios desta formação;
À rica Dias Micheletti, Marinalva Spolom e Rita Mendes, pessoas que também
contribuiram para a realização deste trabalho, através da disponibilidade para
correções deste trabalho e companherismo nos momentos de preocupações;
Por fim, a todos que diretamente ou indiretamente que apoiaram e fizeram parte
deste processo.
Não é o desafio com que nos deparamos que determina
Quem somos e o que estamos nos tornando,
Mas a maneira com que respondemos ao desafio.
Somos combatentes, idealistas, mas plenamente conscientes.
Porque o ter consciência não nos obriga a ter teoria sobre as coisas:
Só nos obriga a sermos conscientes.
Problemas para vencer, liberdade para provar.
E, enquanto acreditarmos no nosso sonho, nada é por acaso.
(Henfil)
MARTINS, Maria Lucimar Pereira. O processo de implantação de CRAS na região
da AMEPAR: refletindo sobre os caminhos da mudança. 2009. 145 f. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social e Política Social) Universidade Estadual de Londrina,
Londrina-PR.
RESUMO
O presente estudo discorre sobre o processo de implantação dos Centros de
Referência de Assistência Social - CRAS, em quatro municípios da região da
Associação dos Municípios do Médio Paranapanema (AMEPAR). A definição deste
objeto justificou-se pela compreensão de que estes serviços expressam os avanços
na instalação da nova política de assistência social, na medida em que os mesmos
iniciam a rede de equipamentos públicos indispensáveis em todos os municípios do
país. A análise do processo de implantação do CRAS foi realizada a partir das
orientações oficiais contidas na Política Nacional de Assistência Social de 2004, na
Norma Operacional Básica de 2005 e demais documentos de orientação nacional.
Além destes parâmetros, os dados também foram analisados sob a ótica das
determinações sócio-históricas e políticas da assistência social no Brasil e demais
aspectos trazidos pelos entrevistados no campo das orientações políticas e
econômicas dos municípios em questão. Para tanto, se buscou referencial teórico
que abrangesse a construção da assistência social no Brasil, sob a lógica da
historicidade e das características socioeconômicas. Aborda também a constituição
do arcabouço legal que define e fortalece a política de assistência social e,
apresenta AMEPAR, especificamente, os municípios participantes desta
investigação, bem como a abordagem da questão da territorialização e análise dos
dados, focalizando como aspecto central o processo de implantação do CRAS, os
serviços que este equipamento desenvolve, assim como os avanços e as
dificuldades instituídas.
Palavras-chave: Política de Assistência Social; Sistema Único da Assistência
Social; CRAS.
MARTINS, Maria Lucimar Pereira. O processo de implantação de CRAS na região
da AMEPAR: refletindo sobre os caminhos da mudança. 2009. 145 f. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social e Política Social) Universidade Estadual de Londrina,
Londrina-PR.
ABSTRACT
The present study describes about the implementation process of the Social
Assistance Referential Centers CRAS, in four counties of the Medium
Paranapanema Counties Association (AMEPAR). The definition of this object justified
itself by the understand that these services express the advances in the installation of
social assistance policy considering they start the indispensable public equipments
net in all counties in the country. The CRAS implementation process analysis was
analyzed from the official orientations of the Social Assistance National Policy of
2004, in the 2005 Basic Operational Norm and other documents of national
orientation. Besides these parameters, the data were also analyzed under the vision
of the counties in question social historical political determinations. For that purpose
the theoretical referential was used that covered the construction of social assistance
in Brazil, under the logic of historicity and social-economical characteristics. It also
approaches the constitution of the legal framework that defines and strengthens the
social work policy and, presents AMEPAR specifically, the participant counties of this
investigation, as well as the approach of the territorial question and data analysis,
focusing as the core aspect the CRAS implementation process, the services that this
equipment develops, as well as the advances and difficulties instituted.
Key Words: Social Assistance Policy; Social Assistance Only System; CRAS
SIGLAS
AMEPAR Associação dos Municípios do Médio Paranapanema
BF Bolsa Família
BNH Banco Nacional de Habitação
BPC Benefício de Prestação Continuada
CAP Caixa de Aposentadoria e Pensão
CEME Central de Medicamentos
CF Constituição Federal
CEAS Centro de Estudos e Ação social
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
CNSS Conselho Nacional de Serviço Social
CNAS Conselho Nacional de Assistência Social
COHABs Companhias de Habitação
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DNS Departamento Nacional de Saúde
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FHC Fernando Henrique Cardoso
FLBA Fundação Legião Brasileira de Assistência
FMI Fundo Monetário Internacional
FUNABEM Fundação de Bem Estar
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IAPS Institutos de Aposentadoria e Pensões
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
LBA Legião Brasileira de Assistência
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
NOB Norma Operacional Básica
ONGs Organizações Não Governamentais
PAIF Programa de Atenção Integral à Família
PAS Política de Assistência Social
PCS Programa Comunidade Solidária
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PNAIF - Plano Nacional de Atendimento Integrado à Família
PROER - Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro Nacional
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SETP Secretaria Estadual do Trabalho e Promoção Social
SINPAS Sistema Nacional de Previdência social
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
UNB Universidade Nacional de Brasília
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
CAPÍTULO I
1 ASSISTÊNCIA SOCIAL: AS MUDANÇAS AO LONGO DO TEMPO ................... 19
1.1 A TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL - DA VELHA À NOVA REPÚBLICA
.................................................................................................................................. 20
1.2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX .............. 25
1.3 O PERÍODO DA DITADURA MILITAR ................................................................ 30
1.4 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO.36
CAPÍTULO II
2 ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA .......................................... 40
2.1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988............................................................. 40
2.2. A LEI ORGÂNICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL LOAS .................................... 48
2.3. O CAMINHO PARA A CONSOLIDAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL PARALELO AO FORTALECIMENTO DO PROJETO NEOLIBERAL .......... 53
2.4. SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES E
DIRETRIZES ............................................................................................................. 69
2.4.1. Centro de Referência de Assistência Social CRAS ................................. 79
CAPÍTULO III
3 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DE CRAS NA REGIÃO DA AMEPAR:
REFLETINDO SOBRE OS CAMINHOS DA MUDANÇA ......................................... 84
3.1. TERRITORIALIZAÇÃO ...................................................................................... 85
3.2. O TRATAMENTO DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS NAS ENTREVISTAS ........ 93
3.3. REGIÃO DA AMEPAR ....................................................................................... 93
3.4. A CONFIGURAÇÃO DOS CRAS NOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO DA AMEPAR
A PARTIR DO UNIVERSO ESTUDADO ................................................................... 97
3.4.1. Processo de Implantação do CRAS ............................................................. 97
3.4.2. Serviços Executados pelo CRAS .............................................................. 108
3.4.2.1. Acompanhamento Sociofamiliar ................................................................ 112
3.4.2.1.1 Socioeducativo ...................................................................................... 117
3.4.2.2 Articulação com a Rede de Serviços .......................................................... 119
3.4.3. Avanços e Desafios.................................................................................... 124
3.4.3.1 Avanços ...................................................................................................... 124
3.4.3.2 Desafios ..................................................................................................... 126
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 130
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 139
13
INTRODUÇÃO
A prática da Assistência Social, de acordo com Sposati (1995),
sempre esteve presente no processo civilizatório da humanidade. Ao longo de sua
história, foi incorporando novos contornos na medida em que foi produzindo
saberes, profissionalizando-se e sendo assumida como responsabilidade do
Estado. Nas duas últimas décadas, especificamente no Brasil, tornou-se Política
Pública cunhada, sob a égide do direito e do estado democrático. Em sua trajetória,
configurou-se conforme os distintos contextos sócio-político-culturais do país.
Historicamente, a Assistência Social apresentava, em seu âmbito,
expressivas características religiosas logo após a crise mundial econômica de 1929 -
na década de 30 do século passado. Neste período, regulamentava-se a profissão
do Assistente Social e o Estado posicionava-se, ainda que de forma suplementar e
subsidiária, frente às expressões da questão social, assumindo responsabilidade
junto à população. Uma dessas iniciativas se efetivou pelo repasse de subsídios
financeiros, como auxílios e subvenções sociais às entidades que praticavam a
assistência aos pobres; isso ocorreu até a implantação do órgão próprio, a Legião
Brasileira de Assistência LBA, em 1942, segundo Mestriner (2001).
A Assistência Social no Brasil, enquanto ação estatal, foi marcada
pela ação pública tangencial, dada de forma clientelista e personalista, com forte
presença do primeiro damismo, que por sua vez, foi legitimado pelos aparelhos da
LBA, desenvolvendo ações privadas, a partir de interesses políticos, econômicos e
religiosos com recursos públicos, estruturando-se nas relações entre sociedade civil
e Estado. Tinha como característica uma política de alívio, para neutralizar
demandas e reivindicações, porém, ainda tratada com sobras de recursos.
Apenas em 1988, a Assistência Social passou a ser entendida como
Política Pública por determinação legal do Estado, trazendo para o cenário político e
social do país um novo referencial legal para a organização das políticas sociais, em
resposta às mobilizações e reivindicações das organizações populares.
Foi possível instaurar, a partir da Constituição Federal de 1988,
novas diretrizes para o acesso e a garantia de direitos sociais e, consequentemente,
empreender uma ruptura radical e profunda no campo conceitual e dos referenciais
14
legais da Assistência Social, avançando nas esferas jurídicas, políticas públicas e
nas práticas sociais.
Assim, foram nestes últimos 21 anos que a Assistência Social vem
constituindo-se como direito de cidadania e, desse modo, começa a pautar a
necessidade de definição de normas, regras, diretrizes e princípios para criar
condições de implantação e operacionalização.
Muito embora tivesse avanços no arcabouço legal da Assistência
Social, iniciados com a Constituição Federal de 1988, as tradições e as
intercorrências políticas ainda dificultam a operacionalização deles, o que pode ser
caracterizado pelo posicionamento político de governantes no que concerne à
dificuldade de adentrar neste novo escopo da Política de Assistência social. Outra
dificuldade é o exercício do controle social, principalmente nos municípios,
considerando que a gestão desta política depende de projetos que, muitas vezes,
ainda não se renovaram no campo das Políticas Públicas, ou seja, a configuração do
que se entende por Assistência Social é influenciada pelo ranço da filantropia,
clientelismo e assistencialismo construídos historicamente.
Neste período, avanços no campo legal foram conquistados, como a
regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social LOAS, complementada e
delineada pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 1997, 1998 e 2004
e pelas Normas Operacionais Básicas (NOB) 1, 2 e 3, respectivamente de 1997,
1998 e 2005.
As Normas Operacionais Básicas estabeleceram procedimentos,
definiram estratégias, conceitos e fluxos operacionais do processo de
descentralização e participação da Assistência Social, além de ampliarem as
responsabilidades das esferas de governo, exigindo como condição para o
recebimento de recursos federais, a implantação dos Conselhos, do Fundo e Plano
Municipal.
Em 2003, ocorreu a IV Conferência Nacional de Assistência Social,
em que se deliberou pela implantação do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), sendo sua política aprovada em 2004 e, a normatização, no ano de 2005.
Assim, construiu-se um sistema de proteção social que se propõe à
garantia do acesso aos direitos socioassistenciais para as famílias em situação de
vulnerabilidades, de forma descentralizada e articulada, visando o fortalecimento e
enfrentamento destas situações. Um destes desafios foi a compreensão de que esse
15
novo parâmetro exigia a priorização da instalação de uma rede pública de serviços
socioassistenciais.
A implantação do SUAS expressou, então, o desafio da
operacionalização dos direitos do público usuário da Política de Assistência Social,
através do resgate dos princípios, diretrizes e objetivos da Constituição Federal de
1988 e da LOAS/93.
Neste Sistema, o Estado deve assumir a responsabilidade pela
operacionalização da Política de Assistência Social, consolidando-a de forma
publicizada, como direito do cidadão e colocando em prática os princípios e
diretrizes da descentralização, participação popular, centralidade na família e, ainda,
definindo níveis de proteção social básica e especial e os serviços destas proteções.
Essa nova política orienta que os serviços da Proteção Social Básica
devem ser organizados e coordenados de forma descentralizada pelo Centro de
Referência de Assistência Social CRAS, que se constitui em espaço estatal da
Assistência Social e a porta de entrada da população - excluída do acesso aos
serviços desta e de outras políticas - para o SUAS, atuando com famílias e
indivíduos na perspectiva do fortalecimento do convívio sociofamiliar no seu contexto
comunitário (BRASIL, 2005) e (SILVEIRA; COLIN, 2006).
O CRAS é uma unidade do SUAS com referência descentralizada e
estrategicamente territorializado e, assim, funciona como um facilitador da
aproximação com seu blico por meio da identificação das vulnerabilidades sociais
e potencialidades individuais, familiares e comunitárias. O CRAS também deve,
entre suas funções, promover o cumprimento da função da vigilância social da
Política de Assistência Social em suas atribuições.
A partir do contexto apresentado, concomitante à observância da
necessidade de compreender uma dada realidade, originou-se o interesse, no
desenvolvimento desta pesquisa acadêmica, em problematizar a implantação de
Unidades de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), tomando como
recorte a implantação destas unidades nos municípios da Região da Associação dos
Municípios do Médio Paranapanema (AMEPAR).
Norteou este estudo acadêmico a minha prática como profissional do
Serviço Social na Secretaria Municipal de Assistência Social do Município de
Londrina-PR, durante os 14 anos em que pude acompanhar a construção desta
política. Nos últimos anos, atuando na linha de frente na proposta da construção e
16
implantação do Sistema Único de Assistência Social, pude acrescentar a empiria
necessária para balizar a curiosidade científica que motivou esta pesquisa.
Desse modo, definiu-se, como objeto o processo de implantação do
CRAS, na região da AMEPAR e, assim, considerando aspectos referentes à
motivação da instalação, as condições objetivas e subjetivas, os serviços
executados e seus avanços e desafios. De modo geral, visou-se, também fornecer
subsídio para a complementação de recentes investigações acerca de temáticas
afins e/ou estudos efetivados, como, por exemplo, financiamentos, participação e
controle social, entre outros. Assim sendo, este trabalho acadêmico investe na
contribuição, reflexão e proposição de novas ações desta política.
A partir de então, iniciou-se, também, a localização teórico-
conceitual pautada na construção cio-histórico-político e cultural de
acontecimentos no cenário brasileiro sobre a referida Política, como também se
atentou as produções de saberes instituídos dentro da Política da Assistência Social
do município de Londrina-PR. Assim sendo, empenhou-se em identificar como a
Assistência Social, por mediações do Estado, transformou-se historicamente - ora
tendo uma ideação assistencialista, ora avançando na busca da legitimação dos
Direitos Sociais e Políticos.
A partir da trajetória conceitual e investigativa, este trabalho
pretendeu compreender o processo de implantação do CRAS e seus elementos
facilitadores e dificultadores nas perspectivas técnicas e políticas nos municípios que
compõem a região da AMEPAR.
Para tanto, utilizou como metodologia o resgate histórico da
Assistência Social e o papel do Estado, considerando os determinantes políticos,
sociais, culturais e históricos.
Para a efetividade interventiva de coleta de dados e posteriori
análise, utilizaram-se dois procedimentos estratégicos, convergentes e
complementares.
O primeiro referente à análise documental, visava buscar
documentos e normativas que previam ou anunciavam na legislação conteúdos que
referenciassem a perspectiva da consolidação desta Política.
no segundo procedimento, o processo investigatório se
desenvolveu por meio de entrevistas semi-estruturadas com profissionais de
17
Serviços Social, que atuavam em unidades de CRAS, pertencentes a municípios da
Região da Associação dos Municípios do Médio Paranapanema (AMEPAR).
Dessa forma, de maneira representativa, definimos como critério
para compor a amostragem:
a) 4 municípios pertencentes à área de abrangência da região
AMEPAR, sendo um município de pequeno porte 1, um município de
pequeno porte 2, um município de médio porte e um município de
grande porte. Como definido na Política Nacional de Assistência
Nacional (2004), dentre as referências de municípios brasileiros, não
será selecionada uma metrópole
1
, justificando-se a ausência desta
na região;
b) Município onde já houve implantação do CRAS;
c) Municípios que possuíssem, em seu quadro funcional,
profissionais que acompanharam a implantação do CRAS e que
ainda estivessem atuando no momento da realização das
entrevistas;
d) Municípios onde os profissionais aceitassem participar
voluntariamente da pesquisa, de acordo com os critérios éticos de
anonimato.
O processo de investigação, durante as entrevistas, desenvolveu-se
no sentido de buscar a compreensão do processo contínuo da implantação de
unidades de CRAS em municípios de diferentes portes, considerando que as
configurações contextuais, territoriais e demográficas poderiam se apresentar
singulares ou com alguns aspectos similares, com avanços no desenvolvimento de
práticas mediante a nova orientação da Política. Embora não funcionasse como
critério de exclusão, considerou-se importante entrevistar profissionais que
conhecessem o processo de implantação e que, se possível, desempenhassem
função de gerenciamento, como coordenador de CRAS, diretor e/ou gestor da
Política de Assistência Social.
Para a análise dos documentos e entrevistas, foram estabelecidas
temáticas pertinentes para entender o contexto e o processo da implantação do
1
Conforme definição da Política Nacional da Assistência Social (2004), metrópole equivale municípios
com mais de 900.000 habitantes.
18
CRAS a partir de três eixos complementares e convergentes, a saber: a) o que
motivou a implantação do CRAS; b) os serviços que o CRAS desenvolve, e; c) os
avanços e desafios desta implantação. Ainda, para as entrevistas, buscou-se o
aprofundamento investigativo de aspectos, tais como qual a compreensão das
orientações da Política Nacional de Assistência Social PNAS; as condições
objetivas para a implantação e desenvolvimento das ações (espaço físico, equipe
técnica e recursos); articulação com a rede governamental e socioassitencial no
período da implantação e a relação com os serviços; quais os serviços que o CRAS
desenvolve, e os avanços e desafios a partir da avaliação técnica entre os
participantes entrevistados.
Para tanto, este trabalho se apresenta em três capítulos.
No primeiro capítulo entitulado ‘Política de Assistência Social: as
mudanças ao longo do tempo’, sedestacada uma breve leitura da trajetória da
Assistência Social sob a lógica da historicidade e das condicionalidades
socioeconômicas, considerando, também, os referenciais legais, tendo como
referência principal o século XX.
No segundo capítulo, A Assistência Social como política pública,
será tratado o contexto histórico, político e econômico que permeou a construção da
Política de Assistência Social no Brasil e, para tanto, fez-se necessário o resgate dos
marcos legais que constituíram e regularam a Assistência Social como Política
Pública.
O terceiro e último capítulo, ‘Processo de Implantação de CRAS na
Região da Amepar: Refletindo sobre os caminhos da mudança’ se dedicado à
apresentação da região da AMEPAR, aos municípios participantes deste processo
investigatório, abordagem sobre territorialização e à análise dos dados das
entrevistas realizadas com os profissionais dos quatro municípios, destacando-se
três eixos de análises, subsequentemente, a conclusão.
A justificativa da priorização desta pesquisa se fez mediante a
percepção, dentre os estudos realizados neste campo do conhecimento, da
ausência de referências que contemplassem a implantação da descentralização da
Política Pública da Assistência Social, entre eles, o CRAS. Portanto, com a
efetivação deste trabalho, almeja-se cooperar para o debate sobre a implantação do
Centro de Referência de Assistência Social e a sua seriedade para a consolidação
19
da Política de Assistência Social, demonstrando a importância de uma maior
instrumentalização dos profissionais.
CAPÍTULO I
1 ASSISTÊNCIA SOCIAL: AS MUDANÇAS AO LONGO DO TEMPO
As práticas assistenciais sempre existiram na sociedade brasileira.
Apresentaram mudanças conforme o contexto político do país, expressando, por
meio da trajetória das políticas sociais, avanços e retrocessos no contexto do
direcionamento institucional do sistema de proteção social.
Historicamente, a Assistência Social foi vista como ação paternalista
e clientelista por parte dos Poderes Públicos, associada às primeiras-damas, com
conotação de “benesse”, transformando o cidadão em “assistido”, “favorecido”, e não
como sujeito de direitos, como cidadão, usuário de serviços, aos quais, pela
Constituição Brasileira, são assegurados direitos nas diversas esferas do mundo
público.
A Assistência Social foi construída por iniciativas do Estado, mas
principalmente por ações da sociedade civil. No entanto, foi marcada pelas
diferentes formas e objetivos, reconhecidos no campo de troca de favores políticos e
religiosos, com conotação de “pena” e “misericórdia”, com alta seletividade, descritas
como atendimentos pontuais de cunho privatista e sob orientação centralizadora.
Para uma melhor compreensão da Política de Assistência Social na
atualidade, faz-se necessário o resgate histórico das construções e desconstruções
de paradigmas, conceitos, concepções, ações e práticas da Assistência Social que
circunscreviam/circunscrevem a análise do processo de implementação desta
política social. Este primeiro capítulo tem como objetivo resgatar a trajetória histórica
da Assistência Social no Brasil, considerando os contornos políticos, econômicos e
sociais.
20
1.1 TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL - DA VELHA À NOVA REPÚBLICA
De acordo com Sposati (1992), a prática da Assistência é antiga na
humanidade. A solidariedade, em diversas sociedades, sempre esteve presente e
era dirigida aos viajantes, aos pobres, aos doentes e aos incapazes. Essa ajuda
baseava-se na compreensão de que na humanidade sempre existirão os mais
frágeis, que serão eternos dependentes e precisarão de ajuda e apoio.
A instalação das primeiras formas de Assistência Social organizadas
pela sociedade, como as instituições religiosas e filantrópicas, foi mais de 400
anos no Brasil. O Estado assumiu apenas as ações emergenciais, cumpriu papel
secundário, deixando para a sociedade as responsabilidades maiores (NOZABIELLI,
2008).
As primeiras intervenções do Estado nas expressões das questões
sociais foram através de ações concentradas na área da atenção à criança e
adolescente em situação de pobreza, vítimas do abandono, negligência familiar e,
ainda, autores ou cúmplices de crime ou contravenção social:
A lógica dessa intervenção estatal pode ser explicada a partir da
análise das raízes históricas das políticas públicas para a infância no
Brasil [...] na passagem do regime colonial para o republicano, os
governos foram pressionados a criar formas de intervenção e
controle sobre as classes populares, como medida estratégica para
concretizar o projeto civilizatório de tornar o Brasil uma nação culta,
civilizada economicamente viável. As elites temiam que as classes
populares adquirissem consciência de suas forças coletivas [...]
(NOZABIELLI, 2008, p. 43).
No período da Velha República, após a abolição da escravatura, o
Estado assumiu o papel de controle e repressão, justificando-se pela legitimação da
ordem. O Estado Republicano ainda conservava a forma de funcionamento da
ordem patriarcal, ou seja, era a concepção da casa grande ocupando espaços da
cidade. Rizotti (1999, p. 82) destaca como era esta relação:
De modo similar, as demandas oriundas do modelo explorador e
desigual, desde a assistência a enfermos até o atendimento aos
miseráveis e necessitados em geral, encontravam-se na figura do
21
senhor da casa-grande a última autoridade de recursos, realizando
este o papel que em outras porções do globo encontravam-se a
cargo dos serviços públicos.
As duas Constituições Federais do período da Velha República, de
1891 e de 1924, mantinham os mesmos direitos individualistas de liberdade, em que
os direitos políticos eram privilégios da elite, conforme destaca Iamamoto:
Na Constituição de 1924, as idéias liberais andam de braços dados
com a escravidão, aquelas idéias restritas aos interesses comerciais
internacionais, enquanto nas relações internas predominam o favor,
as relações de dependência e submissão. Soldam-se relações
autoritárias e conservadoras no âmago das relações societárias
com forte opressão econômica sobre as camadas populares e
restrições à livre expressão política dos inconformismos presentes -,
encoberta por uma fachada liberal, em que o Estado teve um papel
decisivo (IAMAMOTO apud COUTO, 2008, p. 23).
Embora a concessão aos direitos sociais data desta época, as
primeiras reivindicações sociais efetivas por salários, contrato e jornada de trabalho
por meio das organizações dos trabalhadores pertencem à Primeira República
(GOMES, 2001).
Foi também na Primeira República que o Estado esboçou tímidas
iniciativas relacionadas às questões sociais. Sua maior preocupação era dar
algumas respostas que surtissem efeitos imediatos em função dos movimentos
operários e sindicais, que se fortaleciam cada vez mais no início do século XX.
Os desafios eram grandes, conforme coloca Rizotti (1999, p. 83):
Os fenômenos correlacionados com o desenvolvimento econômico e
social do Brasil tinham também, por coerência de análise, de ser
interpretados sob as bases da transição harmônica. Sua resolução
deveria ser, portanto, alcançada em termos da evolução das relações
provadas que consistiam na transição do regime patriarcal. Assim
sendo, o papel anteriormente desempenhado pelo senhor da casa-
grande tinha agora de ser atribuído a outro ator social privado, com
suficiente influência social e política para desempenhá-lo com igual
providência e eficácia. Daí que inexistisse, por parte do Estado
nacional, a ação pública de enfrentamento da pobreza no país.
Inicialmente, as práticas da Assistência Social foram arquitetadas,
na caridade, benemerência e filantropia aos considerados pobres, pautadas no
assistencialismo e clientelismo. Os pobres eram responsabilizados pela suas
situações, considerados incapazes e acomodados, sendo, portanto, um problema de
ordem individual, não pertencendo a um contexto social de responsabilidade do
22
Estado; os atendimentos eram sempre realizados por meio da rede de solidariedade
e por entidades sociais, sempre ligados à Igreja.
Até a década de 30, do século passado, o entendimento que se
tinha é que a pobreza deveria ser tratada como caso de polícia e como um problema
do indivíduo que era pobre, sendo qualquer manifestação de insatisfação tratada
com repressão e violência. Rizotti (1999, p. 89) destaca as consequências desse
tratamento ao longo do tempo:
O combate exercido pelo Estado contra os movimentos de revolta
que se constituíam por um lado manifestações coletivas de
descontentamento político e social, por outro lado, acabou por criar
uma tradição de repressão e desqualificação das reivindicações
populares no país. De fato o resultado político mais importante de
tais acontecimentos foram as grandes dificuldades na organização
da classe trabalhadora como agente político que poderia impor às
classes dominantes alguma concessão fundamental, que pudesse
exercer no contexto brasileiro o papel político que a organização do
proletariado desempenhara na história política do capitalismo.
O papel do Estado era fiscalizar. O cuidado com a pobreza era
responsabilidade das organizações religiosas e solidárias da sociedade. Sposati
(1991) menciona que as intervenções realizadas em resposta às necessidades
sociais apresentadas pela população restringiam-se às ações de caridade e
filantropia praticadas. Os anos da década de 1930 foram marcados pelo Estado
Varguista, com características paternalista e tuteladoras, nos quais se utilizava a
política do controle da força de trabalho, intervindo nas relações sociais, ou seja, o
Estado realizava as „concessões ou dádivas em troca do controle dos trabalhadores.
Se a Legislação demonstrava avanço, anunciando direitos sociais, havia a restrição
e regulação desses direitos, ou seja, havia uma distância entre o que se anunciava
como novos os direitos e a sua materialização.
A Assistência Social foi tratada de forma filantrópica e caritativa, na
perspectiva de cuidados com os mais desvalidos da sociedade. O Estado participava
por meio de concessão e repasse de recursos públicos para que as entidades
prestassem o atendimento. Era clara a concepção do Estado, no qual as ações
realizadas possuíam o caráter emergencial e pontual, com o objetivo de amenizar os
problemas que pudessem expor a riscos a oferta da força de trabalho para o capital,
por meio das organizações que se manifestavam, tais como os movimentos sociais.
Na transição do século XX e do capitalismo concorrencial para o
monopolista, o Estado passa a assumir e intervir na relação capital-trabalho, atitude
23
necessária à consolidação e expansão da economia. Dessa forma, assumia, mesmo
que irrisória, a responsabilidade pelas situações em que viviam partes expressivas
da população, sem deixar de lado, pelo contrário, com grandes investimentos no
impulso da economia capitalista, por meio de investimentos em infra-estrutura,
políticas fiscais, monetária, salarial e, por fim, políticas sociais, na perspectiva de
ampliar o consumo em massa. E, assim, a assistência vai se moldando conforme os
contextos político e ideológico do Brasil (PEREIRA, 2009).
No entanto, muitas instituições gerenciadas pela Igreja Católica
surgiram com a proposta de atender aos pobres, assim como se preocupavam
também em realizar ações para a prevenção das situações mais graves, em especial
atenção às mulheres e crianças. Sobre as entidades religiosas, Mestriner (2001)
relata que, com o acesso às subvenções públicas
2
, elas adquiriram status de ação
pública.
Dessa forma, o Estado passa a se responsabilizar por uma parte das
questões da pobreza, deixando a condição de apenas fiscalizador, e assumindo o
repasse financeiro às entidades que já desenvolviam ações aos pobres, bem como a
articulação entre Estado e sociedade. Entretanto, percebeu-se que a concepção da
ação não mudaria, pois eram presididas por “homens (e senhoras) bons, como no
hábito colonial e do império, que vão avaliar o mérito do Estado em conceder
auxílios e subvenções a organizações da sociedade civil” (MESTRINER, 2001, p.
58).
Conforme indica a literatura especializada acerca das Políticas
Sociais, foi dessa maneira que se registrou o início da intervenção do Estado na
questão social
3
.
No campo da luta dos trabalhadores por melhores condições de
trabalho ou mesmo da construção do sistema de proteção social contributivo,
Sposati (1991) indica que a condição de precariedade motivou a mobilização e a
formação de movimentos reivindicatórios devido às situações em que os
trabalhadores estavam expostos. Os operários reclamavam alguns direitos como,
2
A subvenção social é o auxílio financeiro repassado às entidades que desenvolviam ões sociais.
No início, poderia ser utilizado com despesas de manutenção dos serviços; com o tempo, passou
a ser permitido o uso deste recurso com atividades de natureza especial ou temporária, como, por
exemplo, construção e/ou reforma.
3
Reconhecemos, como questão social, O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade
capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho
torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada,
monopolizada por uma parte da sociedade” (IAMAMOTO, 1998, p. 27).
24
por exemplo, a regulamentação referente à redução da jornada de trabalho,
melhores condições de higiene e do trabalho de menores e de mulheres, repouso
semanal, remuneração em caso de acidentes de trabalho, melhorias salariais e
férias remuneradas.
Paralelo a esse contexto, em atendimento à parte das reivindicações
da classe trabalhadora, em 1923, foi criado o Departamento Nacional de Saúde
(DNS), objetivando ampliar os serviços à saúde infantil, industrial e ocupacional, com
a utilização de recursos das Caixas Beneficentes. Esse sistema de atendimento
ficou conhecido como Lei “Elói Chaves”, que criava, em cada empresa de estrada de
ferro existente no país, a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) para os
empregados, e também oferecia assistência médica e o fornecimento de
medicamentos a preços especiais para seus beneficiários. Desta forma, o seguro
social é implantado no Brasil como instrumento neutralizador de tensões políticas e
sociais existentes.
Segundo Iamamoto e Carvalho (1998), a forma como o Estado
enfrentava as reivindicações dos movimentos de operários era pela repressão
policial, devido à sua incapacidade de propor e implementar políticas sociais
eficazes e eficientes, que respondessem às demandas apresentadas e também pela
escolha em priorizar o investimento no desenvolvimento industrial e econômico do
país, em especial na Primeira República.
Essa forma de tratamento aos trabalhadores e aos movimentos
sociais também é mencionada por Gohn (1995) ao relatar que tais ações de
repressão eram frequentes e intensas e que o movimento operário passou a ficar
conhecido e tratado como “questão de polícia”.
Iniciou-se, na década de 1930, o processo de industrialização, ainda
limitado e desorganizado. O Brasil era conhecido como país de capitalismo
periférico, pois iniciou suas atividades industriais apenas a partir desta década. O
Estado foi responsável pelo impulso da burguesia naquele processo, através de
implantação de políticas econômicas privilegiando as industrias. Naquele momento,
as políticas sociais eram apenas para a população que apresentasse a carteira de
trabalho assinada pelo empregador e, ainda, tanto a profissão, como o sindicato a
que o trabalhador fosse associado também deveriam ser reconhecidos pelo Estado
Varguista.
25
A população que não tinha a carteira de trabalho, ou que
expressasse insatisfações com a ordem vigente, era tratada com violenta repressão
estatal (PEREIRA, 2009).
Com o crescimento das indústrias, consequentemente aumentou a
população urbana nas periferias das grandes cidades, bem como o crescimento das
classes trabalhadoras, que exerciam pressão para a extensão e efetivação das
políticas sociais. A partir desse momento, também se identificou uma política de
saúde de cunho nacional, organizada em dois grandes setores: o da saúde pública
(predominou até meados da década de 1960) e o da medicina previdenciária
(ampliada no final da década de 1950, tornando-se predominante em meados da
década de 1960).
1.2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX
Gohn (1995) reitera que as manifestações ocorridas entre os anos
de 1930 a 1964 foram registradas na história como populista e reivindicavam a
reforma de base e melhores condições de vida para a classe trabalhadora da cidade
e do campo. Complementando, Iamamoto e Carvalho (1998) postulam que as
condições de vida e de trabalho vividas pela classe do proletariado industrial eram
péssimas, sendo esse um dos fatores que estimulou a formação de movimentos
reivindicatórios. Os operários cobravam a regulamentação da redução da jornada de
trabalho, melhores condições de higiene e repouso semanal, férias, valorização do
trabalho de menores e de mulheres, precaução contra acidentes de trabalho e
salários melhores.
Nesse contexto de repressão e reivindicações, surge a profissão do
Serviço Social
4
, em 1936, com a criação do Centro de Estudos e Ação Social
CEAS - coordenado pela Igreja Católica, por meio da Ação Católica de São Paulo,
sem a participação do Estado (TORRES, 2007). Em seguida, a grande regulação da
4
As considerações sobre a profissão do Assistente Social estão postas aqui apenas para evidenciar
um processo de profissionalização nas ações da Assistência Social no Brasil e com o cuidado de não
vincular esta instância.
26
história da Assistência Social no Brasil foi a criação do Conselho Nacional de
Serviço Social CNSS em 1938
5
.
O conselho é criado como um dos órgãos de cooperação do
Ministério da Educação e Saúde, passando a funcionar em uma de
suas dependências, sendo formado por figuras ilustres da sociedade
cultural e filantrópica e substituindo o governante na decisão quanto
a quais organizações auxiliar. Transita, pois, nessa decisão, o gesto
benemérito do governante por uma racionalidade nova, que não
chega a ser tipicamente estatal, visto que atribui ao Conselho certa
autonomia (MESTRINER, 2001, p. 57-58).
Em 1938, o Presidente Getúlio Vargas estabeleceu decreto, sob
52, que implantava o Conselho Nacional de Serviço Social
6
(CNSS). Inicialmente,
esteve vinculado ao Ministério de Educação e de Saúde, sendo composto por sete
membros destinados a representar a área social, e teve como uma de suas funções
precípuas a decisão sobre as subvenções do Estado para as Entidades Sociais.
Conforme a mesma autora, o CNSS estava sob a ótica do Estado, no sentido de
manipular verbas e manter a política clientelista e de favor, manipulada pelo governo
e pelas entidades filantrópicas. Contudo, foi a primeira forma de presença da
Assistência Social na burocracia do Estado brasileiro, ainda que na função
subsidiária de subvenção às organizações que prestavam amparo social.
Dando sequência ao desenvolvimento das ações assistenciais no
campo das políticas sociais, criou-se, então, a Legião Brasileira de Assistência
LBA. Surge a primeira grande instituição da Assistência Social, fundada em outubro
de 1942, marcada pela presença feminina, apoiada pelo espírito de patriotismo,
composta por pessoas da sociedade civil, com fins não lucrativos, voltada para
“congregar as organizações de boa vontade” (SPOSATI, 2004, p. 20). Nesse
momento, a LBA estava vinculada ao Departamento Nacional da Criança
(FERREIRA, 2007).
Sendo assim, a Assistência Social, vista como ação social e ato de
vontade, teve sua prática associada à imagem da “mãe protetora”. Esse
condicionamento não permitia compreender a assistência como prática profissional
inter-relacionada com o compromisso da divulgação do exercício da cidadania,
5
Por meio do Decreto-Lei 525 de 1 de julho de 1938 que institui o Conselho Nacional de Serviço
Social e fixa as bases da organização do serviço social em todo pais. Assinado pelo Presidente da
República Getúlio Vargas. Disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=100867>. Os destaques em
amarelo são acréscimos
6
Atualmente reordenado e denominado Conselho Nacional de Assistência Social.
27
associando suas atividades à figura das primeiras-damas. Inicialmente, o objetivo
era de prestar assistência às famílias dos combatentes da II Guerra Mundial; a
seguir, direcionou sua intervenção nas ações materno-infantis, com a concessão de
benefícios sociais por meio da implementação do trabalho voluntário.
Embora de forma lenta e gradual, a Assistência Social apresentava
indícios de racionalidade, ainda que no campo formal, entretanto, as ações e
práticas ainda se configuravam como caridade e benevolência. O Estado assume
parte das funções, por meio da parceria da LBA, pois a direção das ações aos
pobres e desvalidos foi destinada às primeiras-damas de estados e municípios,
conforme definia seu Estatuto, com o objetivo de amenizar os conflitos que
pudessem pôr em crise a ordem do sistema vigente. Assim, inicia-se a era do
“primeiro damismo”.
Em pleno governo ditatorial de Getúlio Vargas, é editada a
Constituição Federal de 1934. No período, foi eleita uma assembléia constituinte que
reiterou os princípios liberais da constituição anterior, introduzindo apenas os direitos
sociais, além da indicação para eleição direta para presidente da república:
No campo dos direitos, a Constituição de 1934 referendou os direitos
civis de acordo com o ideário liberal, que pode ser observado nos
documentos, tratados e constituições de outros países. Indica a
igualdade perante a lei e mantém grande parte da população
afastada do usufruto dos direitos políticos e sociais.... assinala-se a
proibição do voto dos analfabetos e mendigos, bem como o
constituição de direitos sociais majoritariamente no campo do
trabalho formal e urbano (COUTO, 2008, p. 98).
No entanto, Getúlio foi eleito indiretamente, não servindo a ele o
inciso acerca das eleições diretas, conforme estabelecido na Constituição Federal,
recentemente aprovada. Sobre a existência dos problemas sociais e a indicação de
diretrizes para o enfrentamento, foram indicadas por Colin (1999, p. 15):
[...] lançado diretrizes de amparo aos desvalidos, à maternidade e a
infância, criando institutos, associações e sindicatos, de que são
exemplos os IAPS (Instituto de Aposentadorias e Pensões),
destinados a prestar, mediante auxílio, subsídios e subvenções do
poder público, serviços de assistência social aos trabalhadores e
seus familiares.
A Constituição de 1934 vigorou até 1937, quando o Presidente
Vargas implantou o período ditatorial, denominado Estado Novo. Esse golpe
28
perdurou a1945, com a justificativa de que era necessário, para o processo de
modernização, condição para o capitalismo brasileiro (COUTO, 2008).
A atuação da LBA foi fundamental, por meio de suas diferentes
instâncias e órgãos governamentais, e em parceria com as organizações da
Sociedade Civil.
Sposati (2004) pondera que as ações da LBA trazem, para a
Assistência Social, o vínculo emergencial e assistencial, mais tarde incorporando a
filantropia pedagógica profissional. Nesse período, vários serviços são implantados,
garantindo alguns direitos sociais que haviam sido reivindicados pela população.
Um dos mais significativos foi a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial - SENAI - em 1942, e do Serviço Social da Indústria SESI - em 1946,
conforme exigências da sociedade urbanoindustrial. Cabe registrar que, além desses
serviços e das legislações, a definição do salário mínimo e a implantação da
Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT foram obtidas nessa época.
Outras importantes mudanças foram a criação dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPS) e a inserção da legislação trabalhista. Essas
mudanças podem ser consideradas marcos para a política social registrada no
regime autoritário, que vai de 1930 a 1943, época correspondente ao governo
Vargas, que foi legitimado no poder, tendo o seu mandato caracterizado como
populista e pacificador das relações entre capital e trabalho, destacando-se como
ilustre histórico por conta de seu governo voltado para essa política social e
econômica.
A origem das políticas sociais é decorrente desse contexto, ou seja,
surge como instrumento regulador das relações:
[...] calcadas no modelo assistencial, consagram formas populistas
de relação e a benevolência enquanto forma de atendimento às
necessidades de reprodução da sobrevivência das classes
subalternizadas (SPOSATI, 1992, p. 29).
Na história da Assistência Social, é nesse momento em que se
percebeu, mais claramente, um esforço em criar um modelo nacional de Proteção
Social, com perfis excludentes, seletivos e centralizadores. As ações fragmentadas
caracterizavam-se como ação governamental, com a participação de profissionais na
elaboração da legislação, que tratava da questão social no Estado Novo. Apesar das
formas e concepções ainda conservadoras no enfrentamento das situações, esse
29
momento constituía-se em um fator determinante para o modelo de seguridade
social no Brasil. Iniciou-se pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões IAPS - que
indicavam uma forma de agregação de “direitos sociais” às leis trabalhistas, com
objetivo de prevenir o conflito entre capital e trabalho, constituindo-se em um
instrumento de “incorporação controlada”, no qual eram definidos os direitos, que
foram chamados de “pacote de cidadania”, e as pessoas que seriam beneficiadas
por esse direito (TORRES, 2007).
Segundo Mestriner (2001), a LBA passou por reformulações em
seus estatutos e avançou suas atuações para 90% dos municípios do Brasil,
assumindo a criação de creches, lactários, maternidades e hospitais infantis, em
parceria com a sociedade. Realiza-se, então a ação filantrópica típica de caráter
disciplinador, de combate à “vadiagem”, com objetivo de tornar o indivíduo um
trabalhador. na década seguinte, essa abordagem é substituída pela filantropia
pedagógica profissional.
Paralelamente, o desenvolvimento de um acelerado processo de
modernização da economia brasileira, com abertura ao capital estrangeiro. Destaca-
se, assim, o Estado preocupado e investindo na política econômica em detrimento
do social, que mais uma vez a questão social não seria prioridade nas ações
centrais do Governo. Era evidenciada a motivação econômica, com grandes
investimentos no processo de industrialização.
Na década de 1950, a Assistência Social passa por novas
reformulações, ampliando o discurso do governo e os serviços sociais, com a
criação dos programas de desenvolvimento comunitário, alfabetização e capacitação
de mão-de-obra. Nessa década, em especial no governo do presidente Kubitschek,
observa-se, com leve relevância, a preocupação com as áreas sociais. Porém, foram
nos governos de Jânio Quadros e João Goulart quando se ampliaram as discussões
acerca dos direitos universais, por meio da expansão das políticas sociais. Constata-
se a criação do salário-família, o 13º salário e a edição da Lei Orgânica da
Previdência Social, que propunha a união do Instituto de Pensões, mas ainda
preservava a restrição aos trabalhadores com carteira de trabalho assinada. Essas
mudanças não apresentavam alterações básicas na política social, as ações eram
apenas atenuantes, ocorridas por meio das ações setoriais.
30
Era apresentado um quadro de que a economia brasileira estava em
pleno crescimento, e com ele também a inflação sofria aceleração, e as maiores
vítimas eram os trabalhadores assalariados:
[...] os salários reais dos trabalhadores, apesar da elevação da
produtividade, tendiam a cair. As massas urbanas e rurais estavam
empobrecidas e vinham cada vez mais pressionando politicamente
(SPOSATI, 1995, p. 15).
A cada seguinte apresenta agravo em relação à economia, e é
nesse contexto que ocorreu a renúncia do Presidente da República, Jânio Quadros.
A taxa de crescimento econômico atingiu seus pontos mais baixos, sendo a
intervenção do capital externo uma das justificativas desta situação:
No período posterior ao governo Getulio Vargas, nos anos de 56 a
60, governado por Juscelino Kubitschek, houve uma junção de
interesses econômicos dominados pelos ditames do capital externo
com a manutenção de uma política de massas. Não mais de
conotação nacional, este período foi importante para o fim da
proposta de desenvolvimento de caráter nacionalista. Naturalmente a
passagem de um projeto que invocasse o nacionalismo foi sendo
substituído em função de acontecimentos no campo internacional
(RIZOTTI, 1999, p. 57).
Com isso, a relação entre a sociedade civil e o Estado foi
estabelecendo novos contornos, a partir das determinações políticas e econômicas
externas ao país, como, por exemplo, a mudança do modelo econômico agro-
exportador para o urbano-industrial (RIZOTTI,1999).
Torres (2007) lembra que, em 1960, foi aprovada a Lei Orgânica da
Previdência Social, com um único objetivo de regulamentação da área da
Previdência. Em 1966, foram unificados os IAPs, o que o autor chama de um novo
período da história dos seguros sociais no Brasil.
1.3 O PERÍODO DA DITADURA MILITAR
Gohn (1995) assegura que, no período que antecedeu o ano de
1964, o Estado, em consonância com alguns setores sindicais e a esquerda
tradicional, esteve mais próximo na relação capital e trabalho, mas se apresentava
de forma desmembrada e seletiva, excluindo deste processo os trabalhadores rurais
31
e os trabalhadores do setor informal. As poucas medidas tomadas restringiam-se ao
meio urbano. Na área rural, a assistência que existia era a realizada pelos coronéis,
que também exerciam o controle sobre o judiciário e a polícia. Muitas vezes, eram os
patrões que ofereciam as condições e recursos quando os trabalhadores
necessitavam de atendimento médico, de acesso a medicamento, de transporte para
o hospital em caso de urgência, ou ainda quando necessitavam de assistência
funeral. O Governo mantinha-se alheio a essas demandas.
O período da Ditadura Militar, que compreende os anos de 1964 a
1985, ficou conhecido também pelas amplas repressões e o cerceamento dos
direitos políticos e das liberdades individuais. A Constituição não era respeitada,
sendo o país regido por atos institucionais.
Segundo Couto (2008, p. 119):
Os militares assumiram o poder, a partir do golpe de 1964, com a
proposta de acabar com o período do governo populista, erradicar o
fantasma do comunismo e transformar o Brasil em uma grande
potência internacional, tendo como perfil as suas ações o cunho
burocrático e tecnicista.
A Constituição Federal de 1967 foi elaborada pelo executivo e
aprovada pelo congresso, que não exercia representatividade.
Imperavam, naquele tempo, a corrupção, a violência com invasões
de domicílio, prisões ilegais e tortura, a cassação de direitos
políticos, as proibições de greves, o esvaziamento dos sindicatos e a
censura telefônica e aos meios de comunicação (GOMES, 2001 p.
33).
O governo evidenciava uma clara opção por um Estado de modelo
“autoritário burguês”
7
, centralizador e regulador das relações sociais e da gestão
da economia, no qual o poder estatal era conduzido pela racionalidade e
burocratização da máquina administrativa, com um arcabouço legal nos mesmos
moldes, conforme aborda Soares (2001, p. 209):
Suas características podem ser expressas nos seguintes princípios:
1. extrema centralização política e financeira no nível federal das
ações sociais do governo; 2. fragmentação institucional; 3. exclusão
da participação social e política da população nos processos
decisórios; 4. autofinanciamento do investimento social; e 5.
privatizações.
7
Expressão utilizada por Florestan Fernandes, ao se referir ao modelo de Estado da Ditadura Militar.
32
A justificativa era a necessidade de restabelecer a ordem social.
Para Sposati (1995, p. 16), “o modelo econômico implantado supunha dois
mecanismos básicos: a concentração de renda e a abertura para o exterior. Estava
aí subjacente o arrocho salarial e o endividamento externo”.
Constata-se um avanço no que se refere à implantação de
programas e de vários órgãos de responsabilidade governamental, tais como o
Banco Nacional de Habitação BNH; a Fundação de Bem Estar FUNABEM; o
Instituto Nacional de Previdência Social INPS; o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço FGTS; as Companhias de Habitações - COHABs; a Central de
medicamentos CEME, e a instituição do Ministério da Previdência e Assistência
Social (TORRES, 2007).
O Ministério da Previdência e Assistência Social foi criado em 1977.
Até então a Assistência Social, representada pela LBA, vinculou-se ao Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social SINPAS, na ocasião de sua
implantação (AGUIAR, 2009).
A implantação dessas ações, serviços e programas foi considerada
avanço na perspectiva da consolidação de um sistema de proteção social aos
brasileiros, entretanto, ainda não foi universal, além de se caracterizar por
instituições de políticas centralizadoras típicas de governos ditatoriais.
Essa implantação foi uma forma adotada pelo Estado, voltada à
tentativa de solucionar a crise instalada no país. Iniciavam-se o debate e a discussão
em torno da proposta para a ampliação a aqueles que não efetuavam contribuições
previdenciárias.
Segundo Souza (2005, p. 25), percebeu-se, nessa época, a
ampliação das políticas sociais, mas os indicadores não expressam melhoria na
qualidade de vida da população:
Neste período as ações de políticas sociais foram marcadas por uma
„modernização‟ da máquina governamental. Em vários órgãos do
governo, os políticos e representantes foram substituídos por
técnicos. As políticas sociais foram ampliadas, mas sem significar
uma melhora na qualidade de vida da população. Os projetos e
programas possuíam um raciocínio técnico que ocultava a situação
de opressão e exploração vivenciada pela sociedade brasileira.
Na década de 70, do século passado, percebe-se um rápido
crescimento na economia, chamado de década do “milagre econômico”. A principal
33
característica foi o discurso para o investimento do país, ou seja, o crescimento
econômico. Metaforicamente, Kliksberg (2002) denomina este momento de “modelo
do derrame”, pois significava o progresso econômico, que era possível por meio
de grandes investimentos na economia, porém, percebia-se que estes investimentos
eram em detrimento de enormes sacrifícios, com objetivo de atingir metas no nível
macroeconômico, para a superação desta etapa. Trata-se de um difícil e longo
momento de espera que implicava a construção de um caminho, como destaca o
autor:
O caminho para o desenvolvimento parece ser muitíssimo mais
complexo do que estas suposições. Segundo, entre outros, os
abrangentes estudos dos Relatórios de Desenvolvimento Humano
das Nações Unidas, que incluem quase todos os países em
desenvolvimento e cobrem, integralmente, as últimas décadas. Os
dados indicam que a realidade funciona de modo muito diferente do
que se supõe. As evidências mostram que, para um país, é
imprescindível alcançar uma estabilidade econômica e o equilíbrio
financeiro, melhorar sua competitividade e aumentar o produto
interno bruto, mas isso não se „derrama‟ automaticamente. Pelo
contrário os indicadores anteriores podem melhorar e, ao mesmo
tempo, continuar deteriorando-se ou permanecer inalterada a
situação dos setores mais desfavorecidos (KLIKSBERG, 2002, p.
23).
O autor continua:
A percepção cada vez mais generalizada da ineficiência do modelo
do derrame sugere que as relações entre o setor econômico e o
social são muito mais complexas do que o modelo supunha, e que,
como outros modelos na história, os fatos terminaram por
desacreditá-lo, sendo então necessário buscar novos rumos
(KLIKSBERG, 2002, p. 23).
O Estado Burocrático, instalado no Regime Militar, apressou o
desenvolvimento do capitalismo atrelado ao investimento do capital internacional
que, posteriormente, resultou no grande endividamento externo, que também
causou uma forte concentração de renda e diminuição salarial dos trabalhadores.
Além disso, ampliou-se, de forma expressiva e abusiva, o número de organizações
burocráticas públicas e privadas como, por exemplo, as fundações e autarquias, que
em nada ajudavam a população a superar a condição em que se encontravam,
portanto, acelerando o empobrecimento.
Tal concentração de renda provocava um processo acelerado de
empobrecimento da população, criava um paradoxo social de
dimensões e conseqüências inimagináveis. E o mais grave: este
quadro social com contornos tão preocupantes, não se fazia
34
acompanhar de Políticas Públicas distributivas [...]. A inexistência de
Políticas Sociais, ou a existência de políticas assistencialistas,
clientelistas, emergenciais, demonstravam a total ineficácia do
Estado, no campo social. Tal ineficácia ficava ainda mais acentuada
pela centralidade do poder e dos recursos nas instituições oficiais
(MESTRINER, 1992, p. 11).
Na década de 1970, como forma de resposta ao empobrecimento de
parte expressiva da população, o Governo implementava as Políticas Sociais,
configurando uma fase de ampliação destas. As políticas sociais tinham como
discurso o apoio aos pobres, priorizando a aproximação do governo com a
sociedade, para tanto eram necessárias condições para a materialização das
propostas, sendo uma delas a criação de órgãos como o Ministério da Previdência e
Assistência Social, em 1974
8
.
Tais medidas foram consideradas estratégias do governo para
desmobilizar e controlar a classe trabalhadora, de acordo com as considerações de
Sposati (1995), nas quais a implantação das Políticas Sociais foi a estratégia oficial
de enfrentar a demanda colocada pela população, porém essas políticas detinham o
perfil do “jeitinho brasileiro”, ou seja, ainda continuava o antigo paradigma de como
pensar a Assistência Social.
É importante lembrar que, durante um processo político de 20 anos
de ditadura militar, os municípios não possuíam autonomia política, administrativa e
financeira frente às territorialidades gerenciadas; criavam-se expectativas de uma
nova forma de relação entre os entes federados, as quais pudessem promover a
descentralização, fortalecer os municípios e possibilitar uma direção a partir do
reconhecimento das demandas sociais destes. Esse pressuposto de autonomia dos
entes federados também garantia ênfase nas decisões, que deveriam ser pautadas
a partir de debates e do exercício do controle social, por meio dos conselhos,
conferências e fóruns entre outras ações participativas (SPOSATI, 1995).
Contudo, as ampliações dos serviços, em especial da Assistência
Social, os investimentos e os recursos eram escassos e pulverizados e a execução
era dividida entre os serviços governamentais e rede filantrópica, e as ações
mantinham práticas setorizadas e fragmentadas.
Segundo Mestriner (1992, p. 12):
8
Por meio da Lei n º 6.062, de 25/06/1974, além de criar o Ministério da Previdência e Assistência
Social, ainda integrava os órgãos da LBA, da FUNABEM e posteriormente, em 1977, o Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS.
35
A assistência social, no interior do aparato estatal destas políticas
públicas de corte social, representava ainda para este conjunto, um
dilema sério, na medida em que se caracterizava por marcada
ausência de estudos críticos sobre sua ação.
Conforme citamos, o desenvolvimento da história da Assistência
Social no Brasil, como ação do campo governamental, principia no final da década
de 1930 e início da década de 1940, com a criação do Conselho Nacional de Serviço
Social - CNSS - e a Legião Brasileira de Assistência LBA. No entanto, nos últimos
20 anos, nota-se o processo de construção de um arcabouço legal, formando uma
rede de proteção social.
Além disso, o momento era de apelo para a construção de uma rede
solidária, com campanha desta natureza: “Adote uma família nordestina! Adote um
desempregado” (SPOSATI, 1995, p. 12).
Nesta perspectiva, Patrus Ananias (2007), atual Ministro do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, declara que a proteção social deve ser
a resposta para as demandas apresentadas/reivindicadas pela sociedade e de
responsabilidade do Estado:
Proteger e promover os mais pobres são deveres constitucionais do
Estado. As políticas dessa área têm o caráter imediato de combater
injustiças produzidas pela dívida social acumulada desde o início da
formação do país e que foram intensificadas a partir dos anos de
globalização neoliberal. Mas também é necessário compreender a
política de assistência social na perspectiva evolutiva dos direitos,
para manter e consolidar a situação de justiça social. É um desafio
sem prazo definitivo para se extinguir (BRASIL, 2007, p. 11).
No final da década de 1970, se manifestavam os sinais de
saturação da forma como o Estado tratava as questões sociais. Na década de 1980,
um dos fatores importantes que contribuiu para o processo da democratização no
país foi o surgimento de diversos movimentos populares e o fortalecimento de outros
germinados no regime autoritário da ditadura militar, que questionavam as
dificuldades e necessidades de parte da população excluída dos bens e serviços.
Esse cenário desenhado pelos movimentos populares e partidos
políticos, em especial os ditos partidos de esquerda, culminou na decadência do
governo centralizador e burocrático, criando-se as condições para a travessia de
uma nova forma de governo, o Regime Democrático. Contabilizou-se, como avanço
expressivo dessa mudança, as eleições diretas para governadores.
36
Segundo Souza (2005, p. 30), as pressões sociais foram
fundamentais para o desmonte do regime militar. Relacionados a isto, a autora
acrescenta ainda outros fatores:
Internacionalmente, esse movimento foi influenciado, no plano
econômico, pela reorganização do capitalismo mundial que alterava
também o modelo de Estado e, no plano político, pela abertura
democrática que procurava a ampliação e o reconhecimento dos
direitos sociais.
Nesse momento, o país ganhou nova forma política, a liberdade veio
à tona e se fortaleceu com os movimentos, em especial, o movimento ligado à Igreja
Católica, por meio das Comunidades Eclesiais de Bases, as CEBs.
Outro movimento de grande repercussão nacional foi o sindical, o
qual reivindicava condições de negociações entre empregados e patrões, além de
ser responsável pela organização de importantes greves de trabalhadores.
Apesar da década de 1980 ser palco de grande movimentação no
campo político, Soares (2005) pondera que esse período foi marcado pelo aumento
do empobrecimento da população, pois em 1985 existiam 45 milhões de pessoas
vivendo no limite das condições de sobrevivência, ou seja, com renda per capita de
até ¼ do salário mínimo, o que significa abaixo da linha da pobreza. Dentre os
múltiplos fatores responsáveis por esta estatística, pode-se assinalar a crise
econômica, financeira, política, social e a falta de credibilidade no Estado. Porém, as
situações que mais colocavam a população em situação de fragilidade eram a
inflação e o desemprego. A mesma autora ainda acrescenta sobre o momento
econômico:
A década de 80 teria, assim, se caracterizado por uma „estagnação
socialmente truncada‟, ou seja, pelo esgotamento do crescimento
econômico combinado a alguns ganhos de desenvolvimento
devidos, em parte, às forças inerciais provenientes de
transformações sociais ocorridas anteriormente. Esses ganhos, no
entanto, foram contrarrestados por perdas igualmente significativas.
Tratar-se-ia de „um processo de evolução incompleto, mutilado, que
tende a tornar-se gradativamente exclusivo, acirrando o conflito
distributivo‟, e „ampliando as tensões sociais‟ (SOARES, 2001 apud
SOUZA 2005, p. 175).
1.4 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO
37
Boscheti (2006) concorda que, no Brasil, a década de 1980 é
marcada por uma forte mobilização popular, organizada por trabalhadores que
estavam insatisfeitos com o regime de governo da época.
Ainda em 1985, teve-se a transição para o Estado de direito
democrático
9
. O processo de democratização desencadeou a aprovação da
Constituição de 1988, ampliando o conjunto de direitos civis e políticos e acolhendo,
de forma nunca vista anteriormente, o conjunto de direitos sociais, consignado em
um sistema de proteção social. Dentre eles, os mais destacados foram a saúde,
como direito universal, e a Assistência Social, como política pública não contributiva,
consolidando-se, assim, em termos legais, direito do cidadão e dever do Estado.
Mestriner (1992) coloca que, neste período, o Brasil vivenciou muitas
crises, como a econômica, a financeira, a política, a social, a do Estado e a de
credibilidade. Destacava, neste momento, o alto índice da inflação e do desemprego,
o que levava 40% da população à situação de pobreza.
Em 1985, após os governos militares, ainda houve a eleição indireta
para presidente. Apesar de eleito, Tancredo Neves não chegou a governar, devido
ao seu falecimento. Assumiu, então, o vice, Jose Sarney,que, durante o seu
mandato (1985-1990), manteve aproximação com as Forças Armadas para ter
respaldo político e condições de governar (NOZABIELLI, 2008).
O período da constituinte marcou-se pela participação da sociedade
na luta pela conquista da democracia, dos direitos sociais, civis e políticos,
possibilitando o debate acerca das situações e necessidades dos brasileiros e sobre
a responsabilidade do Estado na proteção social, via Políticas Sociais no
enfrentamento dessas necessidades.
Este processo de mobilização popular possibilitou pensar a
Assistência Social como política pública.
Nozabielli (2008) coloca que, na efervescência deste contexto,
diversos setores da sociedade se mobilizaram para o processo constituinte, entre
eles as docentes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) se
mobilizaram para a elaboração da pesquisa que, posteriormente, originou o livro
9
Estado Democrático de Direito vige um conjunto de leis, através dos quais todos os cidadãos são
considerados iguais e o Estado só pode atuar conforme o que está prescrito em leis. Como cidadãos,
as pessoas têm seus direitos garantidos (FRANKE apud FAQUIN, 2009).
38
Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileira: uma Questão de Análise
10
.
As autoras desencadearam o processo para o estabelecimento das “bases para
fundamentar a assistência social como objeto de estudo acadêmico” (2008, p. 52).
A avaliação que se tinha da Assistência Social era:
Até então a assistência social era símbolo de uma ação a ser negada
por significar tutela, favor, voluntarismo, clientelismo,
assistencialismo, ação pontual e nunca campo de estudo e muito
menos política social (SPOSATI, 2004, apud NOZABIELLI, 2008, p.
52).
Outra mobilização importante foi a organização dos trabalhadores da
Fundação Legião Brasileira de Assistência (FLBA), em parceria com a PUC-SP, na
realização do seminário nacional com o tema As Políticas Sociais na Nova
República: Transformação da Assistência Social no Brasil.
Paralelo a esses acontecimentos, ampliavam-se também as
mobilizações na área da saúde e, com isso, também alguns de seus serviços, bem
como o da Assistência Social. Segundo Mestriner (1992), esse investimento na área
da saúde não foi generalizado, mas centralizado nas grandes cidades, em
consequência da pressão das organizações populares das periferias, que
reivindicavam os investimentos nestas políticas.
Em 1986, as propostas de reforma nas políticas sociais, inclusive da
Assistência Social, estavam na pauta de reformulações para a Nova República.
Para isso, o governo federal instalou a Comissão de Apoio à Reestruturação da
Assistência Social
11
, que identificou como problema da Assistência Social no Brasil:
Concepção assistencialista e clientelismo; insuficiência de recursos;
fragmentação institucional; superposição de ações, que são
realizadas pelas três instâncias de governo; excessiva centralidade
financeira e política administrativa das políticas e programas federais;
baixa qualidade do atendimento. (NOZABIELLI, 2008, p. 52).
Essa mesma comissão indica como ação mais eficaz na gestão
governamental para a área da Assistência Social:
A descentralização com ênfase na municipalização; o abandono do
clientelismo; o atendimento prioritário aos grupos socialmente mais
frágeis (crianças, idosos e pessoa com deficiência), entre outras
medidas (ALMEIDA, 1996 apud NOZABIELLI, 2008, p. 52).
10
Participaram da construção deste livro as professoras: Aldaíza Sposati, Dilsea Adeodata Bonetti,
Maria Carmelita Yasbek e Maria do Carmo Brant Carvalho Falcão.
11
Através da Portaria 3.764/1986.
39
Naquele momento, as recomendações da comissão não se
materializaram em políticas do governo federal.
Em 1987, a FLBA, em parceira com a PUC-SP, realizou uma
pesquisa nacional sobre a LBA Identidade e Efetividade das Ações no
Enfrentamento da Pobreza Brasileira. Participaram todas as unidades estaduais e
municipais, criando-se espaços de debates sobre a Assistência na perspectiva do
direito e política pública (NOZABIELLI, 2008).
Percebemos a forte presença de alunos, profissionais,
pesquisadores nas articulações e mobilizações para a inclusão da Assistência Social
no conjunto dos direitos sociais.
Assim, a conquista dos direitos sempre foi marcada por momentos
históricos importantes. Um deles foi a promulgação da Constituição Federal em 05
de outubro de 1988, que assegurou o caráter de Estado Democrático de Direito.
Desse modo, as políticas públicas passaram a ser organizadas sob o escudo da
responsabilidade do poder público.
Essa Constituição Federal é um marco histórico importante na
trajetória da Assistência Social no Brasil, possibilitando o processo de mudanças,
conforme destaca Nozabielli (2008, p. 38):
Ao inserir a assistência social no conjunto das políticas sociais
brasileiras, a CF/88 inaugurou, para essa área, uma nova condição
ético-política. Estabeleceu os fundamentos para a transição das
formações socioassistenciais fundamentadas no dever moral de
ajuda, para um novo projeto de sociedade sustentada no dever legal
de Estado em garantir o direito da população à proteção social.
Para alcançar o objetivo de resgatar a trajetória da Assistência
Social no Brasil, fez-se necessário o reconhecimento dos determinantes históricos,
sociais e políticos que possibilitou os avanços e também retrocessos. No entanto,
ainda que se destacar as condições que possibilitaram à Assistência ocupar o
status de política pública, através dos instrumentos legais, além da Constituição
Federal, LOAS, PNAS e SUAS, temas que abordaremos no próximo capítulo.
40
CAPITULO II
2 ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA
Este capítulo tem como objetivo abordar o processo de construção
da Assistência Social como política pública, destacando os contextos políticos,
econômicos, sociais e os marcos legais referentes à sua regulação desde a
Constituição Federal de 1988 à Lei Orgânica de Assistência Social LOAS/93, além
de apresentar contornos atuais desta política, com destaque especial ao Sistema
Único da Assistência Social SUAS (2005), com característica descentralizada e
participativa. Esses conteúdos são necessários para a compreensão e análise do
processo de consolidação desta política e do processo de implantação e
implementação do Centro de Referência de Assistência Social CRAS, enquanto
um equipamento de prestação de serviços da Proteção Social Básica.
2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Iniciava-se, na década de 80, do século passado, o processo de
mudanças institucionais no Sistema de Proteção Social do país, por meio de
princípios para uma nova legislação social, responsável por mudar as características
que marcaram a prática das políticas públicas. Assim, no dia 05 de Outubro de 1988,
aconteceu um dos marcos mais importantes para a institucionalização da Política de
Assistência Social: a Constituição Federal instituiu-a no âmbito da seguridade social,
estabelecendo e indicando mecanismos para seu fortalecimento. Além de firmar o
princípio de democratização da gestão e a participação da sociedade nas três
instâncias de governo, responsabilizou o Estado e a sociedade civil no
enfrentamento das questões sociais por meio de novas ações para as políticas
sociais.
41
Segundo Boscheti (2006), este momento configurou-se como um
campo de disputas entre as classes sociais em busca da abrangência e da garantia
dos direitos sociais.
Este período, pós-constitucional, foi marcado por modificações
profundas no campo social e da cidadania. Conhecida mundialmente como
Constituição Cidadã, conquista inegável a sociedade civil, desenvolvendo-se por
meio de movimentos populares, partidos políticos, sindicatos, entre outros, que
almejavam princípios justos, igualitários e eqüitativos. Desta maneira, estabeleceu-
se a Política de Assistência Social, por meio de suas ações descentralizadas e
participativas mesmo que tais modificações configuraram, em um primeiro
momento, apenas na esfera legal (MESTRINER, 2001).
Esta Constituição Federal introduziu novidades em vários aspectos,
em especial ao que concerne à descentralização político-administrativa das políticas
públicas, mudando as normas e regras até então centralizadoras. Com essa
normatização, passou-se a definir e a dividir as competências entre os poderes
Central, Estaduais e Municipais.
A descentralização de poderes aumentou o estímulo e as condições
para uma maior participação das coletividades locais, por meio da sociedade civil
organizada e, consequentemente, aumentaram as possibilidades de controle social.
No que se refere, especificamente, à questão social, tratou-se mais
do que um texto legal. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo
conceito de Seguridade Social e Proteção Social.
Torres (2007) destaca como importante no processo para
implantação da proteção social brasileira a participação do Estado e da Sociedade:
Observamos também no Brasil pós-constituinte a emergência de
uma ampla legislação de proteção social. Um levantamento da
legislação social brasileira no período de 1989 a 2005 demonstra um
esforço da sociedade e do governo brasileiro em implementar uma
política social, visando o atendimento dos princípios consagrados em
nossa Carta Magna. Em termos de institucionalização, portanto, o
período recente de nossa história social indica um relativo avanço em
matéria de regulamentação da proteção social (TORRES, 2007, p.
47).
Com o advento da C. F. /88 atribuiu-se ao Brasil a responsabilidade
de Estado Democrático de Direito, que, conforme indica Tavares (2004, p. 33), “[...]
assegure o exercício dos direitos sociais e individuais e que é a expectativa do povo
42
brasileiro”. Com o avanço e a consolidação da evolução do processo democrático, o
ordenamento jurídico necessitava absorver as demandas apresentadas pela
sociedade.
A Constituição Federal de 1988 proporcionou uma nova concepção
para a Assistência Social, incluindo-a na esfera da Seguridade Social:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas
a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social (BRASIL, 2000, p. 41).
Assim, a Constituição Federal foi o marco legal para construção do
conceito de proteção social não contributiva e de mudança na concepção de
assegurar direitos individuais, coletivos e sociais, responsabilizando o Estado por
criar as condições de acesso aos direitos.
Segundo Corrêa (1999), a Previdência Social tem por finalidade
assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, seja por
motivo de incapacidade, tempo de serviço, idade avançada, desemprego
involuntário, encargos de família e prisão ou morte daqueles de quem dependiam
economicamente.
Vale ressaltar aqui o Art. 201 da Constituição Federal/88 que
descreve:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá,
nos termos da lei, a:
I cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada;
II proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário;
IV salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda;
V pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes, observando o disposto no parágrafo 2º.
(BRASIL, 2000, p. 45).
Outro artigo que é de fundamental valor refere-se à saúde:
Art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação (BRASIL, 2001, p. 115).
43
Considerando a legislação, dentre os direitos relacionados na
seguridade social, o principal a ser destacado neste trabalho diz respeito à Política
de Assistência Social, inscrita na Carta Constitucional de 1988 pelos artigos 203 e
204, em que:
Art. 203 A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos: I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice; II- o amparo às crianças e adolescentes
carentes;
III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência
e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de -la provida por sua
família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 2001, p. 118).
Já o artigo 204 cita que:
Art. 204 As ações governamentais na área da assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social,
previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base
nas seguintes diretrizes: I- descentralização político-administrativa,
cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a
coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas
estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de
assistência social;
II- participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis (BRASIL, 2001, p. 119).
As diretrizes citadas, que norteiam a Política de Assistência Social,
distinguem-se pelo comando único das ações, pelo direito à participação popular,
pela descentralização político-administrativa e pela primazia e responsabilidade do
Estado na direção desta nova política.
A partir de 1988, destacaram-se nas políticas públicas, diretrizes de
descentralização, de participação popular e de municipalização, redefinindo o papel
do Estado, o qual passou a ser responsável pela criação de espaços de efetivas
participações da sociedade civil.
A Constituição Federal estabeleceu inúmeros instrumentos jurídicos
de participação popular, tais como plebiscito, iniciativa popular de lei, audiência
pública, orçamento participativo, fóruns, conferências e conselhos. Essas formas de
acesso aos direitos à participação modificaram a gestão das políticas públicas nos
44
três níveis de governo, em especial na esfera municipal, possibilitando uma nova
forma das instâncias deliberativas, propositivas, articuladas, controladas e
fiscalizadas, além de flexibilizar os processos sociais.
Desse modo, a Constituição Federal transferiu para os municípios a
decisão e organização das políticas públicas. Além da implantação do sistema
descentralizado e participativo, é de sua responsabilidade a execução de
programas, serviços, ações, projetos e benefícios, devendo envolver a população
nas discussões e decisões sobre suas demandas e interesses (CIPEC, 2002).
Quanto à participação popular enquanto processo de gestão, esta
deve ter caráter democrático e descentralizado. Isso significa que a sociedade deve
fiscalizar e controlar o Estado para que este seja garantidor de acesso aos direitos
sociais. Para o exercício da participação popular, é necessária a ocupação de
espaços como os conselhos e as conferências, bem como outros, que primam pela
discussão e decisão da população.
Nos anos 90, quase final do século XX, a participação da população
teria sido considerada elemento essencial para a democratização da gestão das
Políticas Públicas e enfrentamento das novas determinações econômicas.
A conquista ao direito à participação ocorreu apenas em 1988, mas
se percebe na história do Brasil algumas experiências de conselhos, tais como os
conselhos comunitários e os conselhos de fábricas, germinados da organização e
mobilização popular. A conquista legal tem como referência essas formas de gestão
(CIPEC, 2002).
Na Política de Assistência Social, as condições desta participação e
a ocupação dos espaços devem levar ao rompimento de práticas e concepções
centralizadoras, autoritárias e clientelistas, além disso, devem contribuir para a
elaboração e implementação de ações para as políticas públicas.
Para tal, faz-se necessário algumas condições, como a vontade
política do executivo, que deve respeitar e acatar as decisões dos Conselhos, am
da superação de alguns desafios, que limitam a participação da população alvo da
Política de Assistência Social.
A dificuldade da participação desta população pode ser explicada
por dois motivos, sendo o primeiro pelo desenvolvimento histórico da assistência
social no Brasil, que traz as concepções de favor, de ajuda, de doação e de
caridade, historicamente, caracterizadoras desta política que instaura nos usuários o
45
sentimento de fragilidade e incapacidade de participar e decidir. O segundo motivo
demonstra a necessidade de uma proposta de preparação destes usuários, bem
como dos profissionais envolvidos neste trabalho, para que tenham condições de
elaborarem metodologias que estimulem a participação (BRASIL, 2005a).
Superando esses desafios, a Assistência Social poderia ser
entendida e reconhecida como Política Pública, retirando-se do campo do „favor‟ e
posicionando-se como campo da conquista do direito à proteção social para todos
aqueles que dela necessitam. Salientou-se uma nova configuração - sem prévia
contribuição, formalizada no campo jurídico institucional, que deve ser formado por
leis, normas, regulamentos, recursos financeiros e humanos (que geram
consistência às ações da esfera governamental e da sociedade). O Estado tornou-se
o protagonista no enfrentamento à pobreza, às desigualdades e à exclusão, assim,
subsidiando condições para a implantação e implementação das políticas públicas.
Para Mestriner (1992), a promulgação da Constituição de 1988 não
foi suficiente para a transposição de um modelo de Estado Assistencial para o
Estado de Direito. Ainda havia um longo caminho para trilhar, com alternância de
avanços e retrocessos durante esse processo histórico e político das Diretrizes da
Assistência Social.
O princípio da descentralização político-administrativa da Política de
Assistência Social vem acompanhado de um comando único em cada esfera de
governo. Ao governo competia a articulação e integração das iniciativas públicas e
privadas na área de Assistência Social, com o objetivo de evitar a fragmentação dos
recursos, a superposição das ações e dos serviços, a omissão em alguns setores,
entre outros.
Os direitos sociais que a Constituição garante se aproximam dos
princípios de um Estado de Bem-Estar Social, o que indicava um novo período
histórico. Entretanto, o que se percebeu nos anos seguinte foi um acelerado
aumento das desigualdades sociais no Brasil. O Estado, naquele momento,
concentrou esforços e investimentos nos aspectos econômicos. O Brasil continuava
refém de uma burguesia econômica que priorizava seus interesses (SALLES, 2008).
Nesse período, o Estado intervém com algumas mudanças
importantes. Uma delas foi a criação do Ministério do Bem-Estar Social em 1989, no
entanto este se apresentava na contramão da Constituição, pois nas suas diretrizes
fortalecia o modelo centralizador já existente na LBA (MESTRINER, 1992).
46
O Estado convoca a sociedade a participar da gestão e solução dos
problemas locais, por meio da Lei 8.080/90 Lei Orgânica da Saúde, que
regulamentou o Sistema Único de Saúde e prevê a formação dos Conselhos
Municipais de Saúde; da Lei 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente, que
igualmente prevê a criação de Conselhos Municipais de composição popular
paritária como instância deliberativa, com competência para a formulação das
políticas de atendimento e fixação das prioridades orçamentárias no setor.
Os caminhos foram sendo construídos lentamente, com lutas
travadas para a efetivação da Assistência Social como direito. As questões
econômicas e políticas, em muitos momentos da história, influenciavam diretamente
o funcionamento da sociedade. Porém, foi com o advento da Constituição, que se
instalou a possibilidade e oportunidade da ruptura do paradigma do assistencialismo,
moldando uma maneira reformulada em refletir sobre as desigualdades sociais
(MESTRINER, 1992).
Os princípios fixados na Constituição, expressos nos artigos 203 e
204, que tratam acerca da Assistência Social, conforme citados anteriormente, foram
regulamentados pela Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS de nº 8.742/93.
Nessa Lei, definiu-se a estrutura da Política de Assistência Social
descentralizada e democrática, dividindo a estrutura em Fundos Públicos para
financiamento das ações; Conselhos Municipais, do Distrito Federal, Estadual e
Nacional, compostos pelo poder público e sociedade civil, de forma paritária e com
poder de deliberação das ações e Planos.
Apesar da efervescência dos avanços constitucionais, o que
proporcionou visibilidade no cenário econômico e político brasileiro, que
claramente tais avanços ampliavam os direitos sociais e a responsabilidade do
Estado com a população, o Brasil se tornou consignatório do acordo firmado com
instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), em cumprimento às orientações do consenso de Washington.
As orientações seguiam as receitas teóricas neoliberais. Além do
Brasil, quase todos os países do mundo adotaram as medidas que indicavam para o
desmonte dos sistemas de proteção social atreladas às estruturas estatais,
passando a ser administradas pela iniciativa privada (COUTO, 2008).
Nesse sentido, Mota (2005, p. 146) cita que:
47
A despeito da Constituição de 1988 conter princípios que garantem a
universalização da seguridade social, observamos que a emergência
de novos processos políticos, ao lado do agravamento da crise
econômica, gera um movimento, por parte do grande capital e da
burocracia estatal, que procura negar aquelas conquistas obtidas,
sob alegação da necessidade de adequação do modelo de
seguridade social às atuais reformas econômicas do país.
Dessa forma, o mundo conhecia a globalização, percebendo-se
nesta conjuntura, uma grande contradição - a subordinação das políticas sociais às
políticas de ajuste econômico, conforme orientação de uma política econômica
internacional. A proposta de uma Seguridade Social (composta pela Saúde,
Assistência e Previdência Social) estava na contramão da ordem econômica
mundial, pois ao passo que conquistava espaço no âmbito legislativo e jurídico, o
sistema financeiro mundial determinava o enxugamento do investimento público do
Estado na área social. A Seguridade Social primava pela construção de um Sistema
de Proteção Social, entretanto, como associar situações tão diferentes e distintas?
Couto (2008) ainda destaca que, paralelamente às novas
orientações no plano econômico, acontecia um movimentado processo de recessão
e de alvoroço devido às corrupções. Esse contexto possibilitou a eleição de
Fernando Collor de Mello, até aquele momento considerado um político
inexpressivo. O seu discurso de campanha era o apelo à „caça aos marajás‟, a
defesa de um Estado social democrata e, ainda, a utilização de jargões como „amigo
dos pobres‟, dos „descamisados‟. A população demonstrava preocupação com o
crescimento político de seu adversário, o sindicalista Luis Inácio Lula da Silva,
representante dos partidos de esquerda no país.
Enquanto isso, o momento mostrava a total falta de investimento nas
políticas públicas e os poucos programas existentes funcionavam de maneira
precária ou eram desmontados pelo próprio governo, através do corte de verbas ou
da eliminação total dos recursos (MOTA, 2005).
De acordo com a autora, a Constituição Federal de 1988 foi alvo de
críticas pela classe dominante, pois esta considerava que a mesma oprimia o Estado
e isso acabou refletindo na dificuldade para a regulamentação dos dispositivos
Constitucionais que tratavam da Previdência, Saúde e Assistência Social. Com isso,
todo esse processo repercutiu na aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social -
LOAS - e na construção da Política Nacional de Assistência Social PNAS/2004.
48
Dentre as diversas inovações e conquistas políticas trazidas pela
Constituição Federal de 1988, o direito à participação popular foi a que produziu
maior impacto sobre as políticas sociais, e isso se tornou possível por meio da
criação dos Conselhos Municipais de Políticas Públicas, que são a forma prática da
participação popular no processo de tomada de decisão a respeito de políticas
públicas. Os conselhos de Assistência Social, conforme prevê a LOAS, têm como
função, dentre outras, a proposição, aprovação, fiscalização e avaliação dos
resultados da Política.
2.2 A LEI ORGÂNICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - LOAS
O processo de elaboração da LOAS foi coordenado pela
Universidade Nacional de Brasília - UNB e pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada IPEA. Outros projetos de Leis também foram apresentados pelo Poder
Executivo (MESTRINER, 1992).
Os debates e as negociações de configuração do movimento
nacional em torno da regulamentação da Assistência Social foram intensos em todo
o território nacional por meio de movimentos e organizações de classe, contando
com a participação da sociedade civil através das organizações não
governamentais, alunos, profissionais e pesquisadores. Ampliou-se a mobilização e
participação quando os ante-projetos foram enviados para o Poder Legislativo, no
qual a Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social da Câmara Federal
desencadeou o 1º Simpósio Nacional sobre Assistência Social, considerado de
extrema importância, pois envolvia os legisladores no processo de avanço
institucional. Assim, fortalecia o processo de construção da gestão da Política de
Assistência Social, a qual se tornou pública e participativa, por meio dos conselhos
deliberativos e paritários em todas as esferas municipais, estaduais e federal.
A promulgação da LOAS tinha como um dos desafios a superação
de concepções e práticas que historicamente marcaram os serviços da Assistência
Social.
Os preceitos que fundamentaram a LOAS estabeleciam as
condições para a criação de mecanismos de descentralização político-administrativa
49
para o âmbito dos municípios e participação popular, além da divisão da
responsabilidade da gestão da Política de Assistência Social entre Estado e
sociedade civil, ao menos no âmbito das instituições legais e institucionais.
Mestriner (1992) destaca que esse evento possibilitou as discussões
entre os Poderes Executivos, Legislativos e a sociedade civil organizada,
democratizando e mobilizando os atores sociais, pela primeira vez, em torno deste
tema. Após o Simpósio, o Legislativo assumiu a discussão sobre a regulamentação
da proposta, sendo apresentadas, na ocasião, 63 emendas, causando a
desfiguração inicial, que havia sido apresentada como resultado do trabalho
coordenado pela UNB e pelo IPEA, por meio do Projeto de Lei 3.099/89.
O referido Projeto foi proposto pelo Legislativo, no entanto, vetado
integralmente pelo Presidente da República Fernando Collor de Mello,
demonstrando desrespeito com a Carta Magna, o que inseria a Assistência no
Conjunto do sistema de Seguridade Social. Para que a Assistência expressasse o
status de Política Pública, era fundamental que a LOAS fosse sancionada pelo
referido presidente. Essa situação teve como uma das consequências a ausência de
recursos para implantar os programas, projetos, serviços e benefícios, em especial o
Benefício de Prestação Continuada BPC - sob a alegação de que a nação não
dispunha de recursos e que os princípios contidos nos projetos eram contrários a
uma Assistência Social responsável.
O governo de Collor, de pouca duração (1990-1992), foi responsável
pela inauguração do projeto neoliberal no Brasil. Os grandes destaques foram a
abertura dos mercados e a difusão da ideologia de que os problemas sociais não
poderiam ser de responsabilidade do Estado, pois este deveria transferir suas
atribuições às empresas e à sociedade civil, a princípio mais eficientes, deixando
explícito o desrespeito aos preceitos constitucionais, em especial do novo Sistema
de Seguridade Social, inscrito na Constituição de 1988 (COUTO, 2008).
O tratamento dado por esse governo às Políticas Sociais foi no
sentido de desmontar a pouca estrutura que se tinha. Separou as Políticas da
Seguridade em Ministérios distintos, desencadeou ações de boicote ao orçamento
do Sistema Único da Saúde. Além disso, o pacote de reforma previdenciária
significou a retirada de direitos trabalhistas, muito deles conquistados pouco tempo
antes, através da Constituição Federal de 1988.
50
Apesar do reconhecimento da importância da estrutura formal para
que houvesse mudanças, percebe-se que mesmo com o advento da promulgação
da Constituição, com significativa expressão, não se conseguiu traduzir os desejos
de alterações na estrutura política naquele dado momento. A garantia no rol dos
preceitos jurídicos não assegurou a legitimidade e a execução das ações. Havia
necessidade de ampla participação política por meio de um movimento participativo.
O desafio da autêntica participação estava imposto neste especial momento de novo
ordenamento da Política de Assistência Social.
Mesmo com o Veto do então presidente Collor, não houve nenhuma
manifestação de insatisfação, conforme explicita o trecho a seguir:
Diante do veto, nenhuma manifestação se observou: nem dos
usuários, que dificilmente se organizavam para vocalizar suas
demandas: nem das instituições que formam a grande rede privada
de filantropia e vivem dos subsídios públicos: nem da própria
categoria ou de profissionais que atuam na área (MESTRINER,
1992, p. 155).
Observa-se que a população conformava-se com a idéia do Estado
Mínimo, ou seja, pouca ou nenhuma ação para enfrentamento das questões sociais,
historicamente eventuais, precárias e sem resolução, na perspectiva da caridade e
da benesse. Consideramos alguns fatores importantes que dificultam o exercício da
participação do público da Assistência Social:
A primeira delas, sobre a natureza da assistência social, que em
1988 foi elevada à categoria de política pública. A concepção de
doação, caridade, favor, bondade e ajuda que, tradicionalmente,
caracterizou essas ações, reproduz usuários como pessoas
dependentes, frágeis, vitimizadas, tuteladas por entidades e
organizações que lhes „assistiam‟ e se pronunciavam em seu nome.
Como resultado, esse segmento tem demonstrado baixo nível de
atuação propositiva na sociedade, e pouco participaram das
conquistas da Constituição enquanto sujeitos de direitos.
A segunda reflexão a ressaltar é a necessidade de um amplo
processo de formação, capacitação, investimentos físicos,
financeiros, operacionais e políticos, que envolva esses atores da a
política de assistência social (BRASIL, 2005a, p. 52).
No ano seguinte, abril de 1991, o assunto acerca da lei Orgânica da
Assistência Social voltou à pauta do Legislativo, recuperando a proposta inicial
elaborada sob a coordenação do IPEA/UNB. Nesse período, se organizava,
nacionalmente, a categoria de assistentes sociais, por meio dos órgãos nacionais
que promoveram o Seminário Nacional da Assistência Social, denominado
51
„Impasses e perspectivas da Assistência Social no Brasil‟. Neste Seminário foram
destacados o diagnóstico da Assistência Social no país; a construção de conceitos e
a importância da descentralização como princípio da Lei Orgânica da Assistência
Social.
No ano anterior, mesmo com a manifestação contrária do presidente
em relação à regulamentação da LOAS, o Ministério do Bem-Estar Social promoveu
encontros regionais em todo o país para a discussão da Lei, culminando na
Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em junho de 1993, em
Brasília.
Neste momento de retomada da mobilização em torno da
regulamentação da Assistência Social através da LOAS, o Conselho Federal de
Serviço Social - CNSS - contribuiu expressivamente com o processo, através da
participação ativa, como também tiveram papel fundamental na mobilização os
trabalhadores da área, os alunos e professores dos cursos de Serviço Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade de Brasília. A PUC
proporcionou discussões e debates por meio de seus núcleos de pesquisa,
responsáveis por produções teóricas importantíssimas para o avanço de algumas
concepções, fazendo parte da história da conquista desta política. Contribuíram
significativamente as professoras: Maria Carmelita Yazbek, Aldaíza Sposati, Raquel
Raichellis, Potyara Pereira, Rosa Stein, Ivanete Boschetti, Beatriz Paiva e Ana Ligia
Gomes (COUTO, 2008).
Com todas as dificuldades constatadas no processo de discussão,
elaboração e aprovação, percebe-se que o avanço devia ser considerado, pois
naquele momento aprovou-se e regulamentou leis que norteariam algumas políticas
como a Lei Orgânica da Saúde e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ambas em
1990.
sob o governo do Presidente Itamar Franco, empossado após
impeachment do Presidente Fernando Collor de Melo, era evidente a expressão de
intensas organizações populares, trabalhadores da área e intelectuais. Neste ínterim
foi promulgada a Lei Orgânica da Assistência Social, sob a regulamentação da Lei
Federal nº 8.742 de 07 de dezembro de 1993, configurando outro marco legal para a
Política de Assistência Social, trazendo inovações, especialmente estabelecendo
conceitos, deliberações, gestão e financiamento desta nova política.
52
Este novo Governo, apesar de ter sancionado a LOAS, prosseguiu
com a construção das condições para instalação e fortalecimento da política
neoliberal, no entanto, com uma roupagem e um discurso mais intelectualizados.
Fato importante deste período foi o lançamento do Plano Real, que apresentava
mudanças na economia, com grandes reflexos sociais.
Concomitantemente ao avanço neoliberal, a LOAS constituiu-se em
um instrumento legal que regulamentava os pressupostos constitucionais dos artigos
203 e 204 da Constituição Federal, definindo e garantindo os direitos à Assistência
Social, além de orientar para a implantação de benefícios, serviços, programas e
projetos destinados ao enfrentamento da exclusão social dos segmentos mais
vulneráveis, de modo descentralizado e participativo.
Para o financiamento da Assistência Social, a LOAS estabelece que
os recursos devem ser oriundos de contribuições sociais; recursos fiscais das três
esferas de governo; recursos arrecadados pelos fundos de Assistência Social, de
acordo com as suas leis de criação; recursos de renúncia fiscal que resultem de
imunidades e isenções concedidas a entidades sem fins lucrativos e beneficentes.
Dessa forma, iniciou-se o processo da descentralização, no qual os
municípios brasileiros tornaram-se local da operacionalização da Política de
Assistência Social, bem como as demais políticas públicas.
A implantação da LOAS desenvolveu-se de diferentes formas e
estágios em todo o Brasil. Vários fatores foram identificados como avanço, logo após
sua regulamentação, como o crescimento de Secretarias de Assistência Social;
reconhecimento e valorização dos direitos das crianças e adolescentes, jovens,
idosos e pessoas com deficiência; ampliação da informação e construção do
caminho para a universalização do Benefício de Prestação Continuada - BPC
12
-
que, logo de início, produziu impactos na redução da pobreza do país.
Os atores sociais que participaram do processo de elaboração da
LOAS objetivavam o cumprimento dos preceitos constitucionais, em especial o
acesso aos direitos de responsabilidade da mais nova Política Pública, por meio da
12
Previsto no Art. 20 da LOAS e reafirmado no Art. 34 do Estatuto do Idoso Lei 10.741/2003 é o
repasse de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais,
que, comprovadamente, não possui meios de prover a sua manutenção e nem -la provida por sua
família.
53
construção das condições necessárias ao seu cumprimento, conforme estabelece
em seu 1º artigo:
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política
de Seguridade Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais,
realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa
pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades
básicas (BRASIL, 2000, p. 197).
Apesar de significar um grande avanço, como vimos, a LOAS,
conforme prescrito em sua legislação, tem destinação muito específica, pois é
direcionada para „aqueles que necessitam‟, não sendo universal para o conjunto da
população, mas para o subconjunto em estado de necessidades.
Além disso, as definições e ampliações dos direitos a serem
atendidos e a obrigação pela responsabilidade pelas condições de execução das
ações assistenciais devem ser de incumbência do Estado e da Sociedade Civil,
entretanto, a prioridade da responsabilidade é estatal, em especial na direção e
coordenação da política pública.
2.3 O CAMINHO PARA A CONSOLIDAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL PARALELO AO FORTALECIMENTO DO PROJETO NEOLIBERAL
Como já dissemos, os anos 80 foram marcados pela globalização da
economia e pelo modelo neoliberal. Este projeto instalou-se no Brasil com
veemência e proporcionou abertura do Governo, que optou por defender os
interesses do mercado, investindo na economia em detrimento dos investimentos em
políticas sociais.
Soares (2003, p. 49) coloca outro elemento importante:
Houve também uma grande revolução tecnológica na organização e
gestão do trabalho, através de uma reestruturação produtiva,
constituindo-se como elemento do novo cenário a flexibilização e a
tercerização.
Devido ao Projeto Neoliberal, aumentou o desemprego, o
subemprego, o sucateamento dos serviços públicos, evidenciados pelo número
insuficientes de funcionários e, subsequentemente, pela falta de investimentos
governamentais, aumento da miséria e da concentração de renda. Paralelamente a
54
essa situação, a globalização mundial e suas revoluções técnico-científicas ditavam
novos processos de trabalho inflamando a chamada „questão social‟ (SOARES,
2003).
O sonho de uma sociedade democrática e inclusiva estava cada vez
mais distante:
A emersão à luz do dia desta crise de relevância histórico-universal e
suas incidências singularizaram-se, sem dúvida, por uma rapidez que
assombrou: O „campo socialista‟ se esfarinhou num lapso incrível;
neste processo [...] também se constatou que o que parecia sólido
desmanchou-se no ar (NETTO, 1993, p. 12).
A contradição do Projeto Neoliberal era expressa no aumento da
demanda por serviços e pela falta de investimentos nas Políticas Sociais,
consequência da conjuntura política pela qual o país estava passando.
Diante do empobrecimento da população e a falta de investimentos
nas Políticas Sociais, o Projeto Neoliberal investiu na chamada „refilantropização‟ da
Assistência, como afirma Soares (2005, p. 52):
[...] Promovendo além de uma política de caráter residual,
assistencial e focalizada, também o autofinanciamento das políticas
sociais e a privatização dos serviços sociais. Assim cada vez que o
Estado passou a eximir-se de suas responsabilidades, repassando-
as para a sociedade civil através das Organizações Não
Governamental (ONGs) e da filantropia empresarial.
O processo de mudança, chamado de Reforma do Estado, teve
início na cada de 90, fundamentado nos ideários neoliberais
13
e marcado por
medidas de ajuste na economia brasileira. Houve orientação de restrições aos
gastos públicos, tanto na área social, quanto nas privatizações de empresas
estatais. Era declarada pelo governo as virtudes dos investimentos no
desenvolvimento econômico, no entanto, não se informava que isso ocorria em
detrimento da desresponsabilização do Estado com as políticas públicas.
O Neoliberalismo em processo de instalação, endossado pelo Poder
Executivo, não demonstrava reconhecimento aos direitos sociais conquistados
pelos movimentos populares, em que parte das reivindicações estava expressa na
Constituição Federal.
13
Os princípios neoliberais defendem que o Estado deve ter o controle financeiro, intervir
minimamente nas questões sociais e reduzir sua dimensão. Deve combater a organização sindical,
que conquistaram espaço a partir da crise do modelo econômico do capitalismo, nos anos de 1970,
onde os países ditos capitalistas caíram em profunda e longa recessão. Ver Anderson (1995).
55
Neste contexto, eram privilegiados os assuntos de ordem
econômica, e não a demanda social, que se acumulava devido aos deficientes
serviços de ordem social. No entanto, era difundido, pela mídia, que se deveria
combater a inflação, investindo na economia. A melhoria da qualidade de vida seria
conseqüência disso. Eram mostradas as benesses por um prisma, porém, por outro
lado, não eram demonstrados os males causados pela estratégia empregada.
Soares (2003, p. 9) expressa que a situação era bem diferente:
[...] O ajuste fiscal, que deveria garantir o fim da inflação e a
estabilidade da moeda, fez-se à custa das políticas de educação,
saúde, habitação, saneamento e cultura enfim, das prestações do
Estado que universalizam os direitos de todos, independente da
classe social.
O enfrentamento das questões sociais, entre elas a pobreza, passa
a ser tarefa solidária da sociedade, ou realizado por iniciativas paliativas e tímidas
do Estado. Assim, retoma-se a ideia de que as famílias e a sociedade deveriam
assumir, de maneira voluntária, a responsabilidade que pouco havia sido
atribuída ao Estado. Sobre isso, Soares (2003, p. 11) salienta:
Retrocedemos historicamente à noção de que o bem-estar social
pertence ao âmbito do privado, ou seja, as pessoas, as famílias e as
„comunidades‟ devem responsabilizar-se pelos seus problemas
sociais, tanto pelas causas como pelas soluções.
Para o enfrentamento e superação das condições sociais, as
discussões ampliavam-se em nível nacional, estaduais e municipais; pautavam-se
nas condições de implantar e/ou implementar a Política de Assistência Social, de
forma a atender as necessidades da população.
É certo que a história da Política da Assistência Social não termina
com a promulgação da LOAS, pois esta Lei inicia uma nova realidade institucional,
sugerindo mudanças conceituais e estruturais, além de novas relações
interinstitucionais e intergovernamentais, confirmando-se enquanto “possibilidade de
reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e serviços
de ampliação de seu protagonismo” (YAZEK, 2004, p. 13), assegurando-se, assim,
como direito não contributivo e garantia de cidadania.
Segundo Yazbek (2004), com a implementação da LOAS, foi
necessário o rompimento com o assistencialismo e clientelismo, devido à
descentralização político-administrativa como forma de ampliação dos espaços
56
democráticos e aproximação das particularidades e demandas regionais; os
princípios de gestão compartilhada em seu planejamento e controle; primazia de
responsabilidade estatal; co-financiamento das três esferas de governo.
Com a regulamentação da LOAS, ampliavam-se as expectativas da
garantia e acesso aos direitos da população, na busca do reconhecimento do direito
do cidadão e do dever do Estado, ou seja, reforçava a necessidade de um novo
rumo para a Política de Assistência Social, conforme havia apontado na C.F. de
88.
Com a nova lei aprovada, uma das principais mudanças que
ocorreram imediatamente foi a extinção do Conselho Nacional de Serviço Social,
sendo substituído pelo o Conselho Nacional de Assistência Social CNAS - órgão
de composição paritária, deliberativo e controlador da Política de Assistência Social.
Devemos destacar outros aspectos na LOAS, como a criação dos
Conselhos de Assistência Social, não apenas em âmbito nacional, mas sim nas
várias instâncias de poder - municipal, estadual e nacional. Porém, ressalta-se que
a implantação do primeiro Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS deu-se
devido à pressão popular, isso em 1994.
No Art. da LOAS, são clareados os objetivos, reconhecendo o
público para o qual se destina esta política, e ainda colocando a importância da
intersetorialidade entre as demais políticas, em seu Parágrafo Único:
A assistência social realiza-se de forma integrada às demais
políticas setoriais, visando o enfrentamento da pobreza, à garantia
dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender
contingências sociais e à universalidade dos direitos sociais
(BRASIL, 2000, p. 197).
O Art. aponta a necessidade de reordenamento das entidades e
organizações que prestam atendimento ao público da Política de Assistência Social
e as entidades de defesa de direitos.
O Art. 4º direciona os princípios que esta política deve nortear, como
a supremacia do atendimento; universalização dos direitos; respeito à dignidade do
cidadão; igualdade de direitos no acesso ao atendimento; divulgação ampla dos
benefícios, serviços, programas, projetos assistenciais.
Além dos princípios, vale destacar as três diretrizes fundamentais,
prescritas no Art. 5, que devem permear a Política de Assistência Social - P.A.S.:
57
I - descentralização político administrativa para os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em
cada espera de governo;
II participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações
em todos os níveis;
III primazia da responsabilidade do Estado na condução da política
de assistência social em cada esfera de governo (CIPEC, 2002, p.
199).
Essas diretrizes contidas na LOAS seguiram as garantias sociais
asseguradas na C. F. de 1988, por meio do Art. 204, em que se estabelece a
descentralização político administrativa, a participação popular e a primazia do
Estado.
Sobre a descentralização político-administrativa, consideramos que
dentro da perspectiva governamental, o município passou a ser responsável pela
execução das ações assistenciais desenvolvidas pela rede governamental e pela
rede socioassistencial, ou seja, não mais se orientou pela esfera da União e do
Estado.
Na perspectiva das decisões ficarem a cargo do município, isso
pode ser um fator importante para facilitar a participação da população no processo
de decisão e fiscalização das políticas públicas. Neste caso, em especial, da Política
de Assistência Social, o poder da decisão é dividido com a coletividade local.
Entretanto, o que tem que ficar muito claro é que as decisões na
formulação e implantação de políticas que atendam às necessidades locais devem
ficar sob a responsabilidade das organizações e espaços no município por estarem
mais próximos da população e das expressões da questão social e de
vulnerabilidades
14
.
Castel (2003) destaca que a questão social se evidencia a partir do
enfraquecimento da condição salarial. As novas formas de relação do mundo do
trabalho contribuem para ampliar o individualismo, pois, a proteção social
proporcionada pelo trabalho, que tinha como particularidade o coletivo, está sendo
substituída por novos modelos de administração no campo do trabalho. Assim
grande parte da massa de trabalhadores está sendo excluída do mundo do trabalho.
14
Vulnerabilidade se caracteriza por condições de miséria e precariedade vivenciada, além da
degradação salarial e perda do status social, situações que comprometem a administração e cuidado
das relações familiares e comunitárias (CASTEL, 2003).
58
O autor ainda pontua que o sujeito que foi vítima da perda do espaço
de trabalho, não se limita ao processo de exclusão. Soma-se a isso a categoria de
desfiliação, resultado da história de perdas de referência do meio social:
[...] desfiliação [...] não equivale necessariamente a uma ausência
completa de vínculos, mas também à ausência de inscrição do
sujeito em estruturas portadoras de um sentido. Hipótese de novas
sociabilidades flutuantes que não se inscrevem mais em disputas
coletivas, andanças imóveis de que a falta de objetivos precisos dos
jovens desocupados propõe uma ilustração. O que falta é menos,
sem dúvida, a comunicação com outrem [...] do que a existência de
projetos através dos quais as interações ganhem sentidos. (CASTEL,
2003, p. 536)
Dessa forma, a desfiliação resulta do processo de perdas que torna
a pessoa mais vulnerável como, por exemplo, a perda da empregabilidade, além da
exclusão do mundo do trabalho, a perda da identidade social - pois esta
identidade é construída socialmente a partir da ótica do trabalho - acarretando na
fragilização pessoal e social e conseqüentemente no rompimento das redes de
relacionamento (SANTOS, 2004).
Nos últimos anos, percebe-se um crescimento no investimento em
estudos acerca da temática da vulnerabilidade, pois estes vêm sendo relacionados a
situações de risco e de ausência de proteção que pessoas e famílias estão
expostas.
As famílias usuárias da Política de Assistência Social estão mais
expostas às situações de vulnerabilidade diante das conjunturas em que estão
envolvidas. Essas situações se agravam ainda mais devido ao processo de
degradação dos modos de vida, causado pelo enfraquecimento da condição de
trabalho e salário, o desemprego, insegurança do mercado de trabalho, insuficiência
ou ausência de renda, perda da identidade e fragilidade nos serviços que deveriam
oferecer proteção social (MARCELINO, 2006).
Tais situações são determinantes na forma como as pessoas vivem,
relacionam e constroem a direção de suas vidas no território.
Assim, observa-se o processo de descentralização das políticas e
decisões, pois:
59
[...] envolve partilha de poder, participação real da população nas
instâncias decisórias (conselhos, fóruns, cotidiano das entidades),
participação no controle e socialização das decisões, participação
nos rendimentos da produção, deslocamento das decisões do poder
central para os âmbitos regionais e locais e repasse dos
equipamentos, serviços, recursos financeiros e humanos necessários
para consecução das ações (COLIM, 1999, p. 30).
A participação popular é decorrente de princípios inovadores
destacados na Constituição Federal, com intenção de criar as condições para a
construção da democracia participativa, na perspectiva de superação da democracia
indireta, por meio da representatividade.
A configuração da LOAS, por meio de seus 42 artigos, além de
definir princípios, diretrizes, objetivos norteadores da Política de Assistência Social,
destaca, ainda, as competências das esferas de governo; conceitos de benefícios,
serviços, programas e projetos; instituição e competências do Conselhos de
Assistência Social; competência dos órgãos gestores; financiamento; forma de
organização e gestão da PNAS e caráter e composição das instâncias deliberativas.
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso elegeu-se Presidente da
República, tornou-se conhecido como responsável pela implantação do Plano Real,
enquanto Ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco.
Este governo, definitivamente, implantou a política neoliberal
eficientemente, destacando suas intervenções por meio de planos econômicos,
através da implantação do ajuste fiscal, privatização das empresas públicas, redução
dos direitos trabalhistas, abertura do mercado externo, prioridade ao apoio ao capital
financeiro; por meio de planos políticos, instaurando o convencimento da ideologia
neoliberal - de que o Estado precisava transferir para a sociedade algumas
responsabilidades, assim diminuindo suas funções para que tivesse mais condições
de atender às exigências e às demandas do capital, sendo assim lançado o
programa da reforma do Estado Brasileiro. Quanto ao plano social:
[...] realizou um verdadeiro desmonte do que foi construído ao longo
do período da „cidadania regulada‟ (1930/1984). Na Saúde, manteve
o boicote orçamentário ao SUS; na Previdência, realizou reformas no
regime dos funcionários públicos e tornou mais rígidas as regras
previdenciárias, e, na Assistência Social, criou o Programa
Comunidade Solidária, passando ao largo do que a LOAS
estabelece. O Comunidade Solidária recebia recursos, sem controle
do Conselho Nacional de assistência Social e configurou-se como
uma política assistencialista, indo na contra-corrente dos avanços
inscritos na CF88 e na LOAS (1993) (PEREIRA, 2009).
60
Em 1995, a LBA foi extinta. Essa ação foi usada como um dos
exemplos do discurso modernizador e das medidas de reforma do Estado. A
princípio, a extinção desta entidade cinquentenária significava a superação do
assistencialismo e do clientelismo.
Colin e Fowler (1999) apontam que o desmonte das Políticas Sociais
é viabilizado por várias formas, uma delas é o corte dos gastos públicos. No período,
foram eliminadas as poucas e precárias estruturas organizacionais públicas de
atendimento à população, como, por exemplo, a extinção do Ministério do Bem-Estar
Social e todos os seus serviços, autarquias, coordenadorias e fundações. Destaca-
se que estes órgãos eram criticados anos, mas o que esperava era que
ocorresse o reordenamento institucional, e não sua extinção.
O reordenamento da LBA poderia significar melhores condições para
a execução das ações da Assistência Social, pois foi construída na sua história uma
estrutura importante, considerando que, em 1985, indicava em seu quadro 8.006
servidores, 26 superintendências regionais nas capitais dos Estados, 288 centro
sociais, 616 unidades de apoio comunitário e 1.067 núcleos de voluntariado, além
disso, a LBA realizava convênios com organizações públicas e privadas para a
realização indireta dos programas institucionais. Em 1986, foram assinados 9.692
convênios no país (AGUIAR, 2009).
A destruição de um determinado aparelho do Estado não significa a
superação de um determinado modelo político-cultural. Evidenciou-se isso na
extinção da LBA
15
e na criação do Programa Comunidade Solidária, sendo que este
apresentou novas propostas com velhas práticas, ou seja, uma forma atual da
manutenção do primeiro-damismo.
Couto (2008) coloca que as décadas de 80 e 90 foram consideradas
paradigmáticas e paradoxais no processo de construção de uma nova configuração
para o cenário político, econômico e social brasileiro:
15
A LBA foi extinta pela medida provisória nº 813, de 1/1/95, além do Ministério do Bem-Estar Social
MBES, a Fundação Legião Brasileira de Assistência FLBA e a Fundação Centro Brasileiro para a
Infância e Adolescência CBIA.
61
De um lado, desenvolveu-se um processo singular de reformas, no
que se refere à ampliação do processo de democracia evidenciada
pela transição dos governos militares para governos civis e à
organização política e jurídica especialmente demonstrada no
desenho da Constituição promulgada em 1988, considerada, pela
maioria dos teóricos que a analisaram, como balizadora da tentativa
do estabelecimento de novas relações sociais no país. Por outro
lado, efetivou-se um processo de grande recessão e contradições no
campo econômico, onde ocorreram várias tentativas de minimizar os
processos inflacionários e buscar a retomada do crescimento, tendo
como eixo os princípios da macroeconomia expressa na centralidade
da matriz econômica em detrimento da social (COUTO, 2008, p.
139).
O Sistema de Proteção Social público ainda se configurava muito
precário. No contexto da crise econômica, as políticas sociais não apresentavam
alternativas de inclusão, ainda eram modernizações conservadoras e de práticas
tradicionais, restringindo a uma aparência mais técnica, sem mudanças qualitativas
e sem avanços no acesso aos direitos sociais e ao exercício do controle social, por
meio da participação da sociedade civil.
O reflexo da crise era concreto e visível, através da eliminação dos
postos de trabalhos, do desemprego, do achatamento salarial, do aumento do
trabalho precarizado e da pobreza, enfim, da exclusão social.
O processo de implantação da LOAS foi extremamente lento,
contraditório e refém de uma conjuntura desfavorável. Embora havia o discurso legal
e a luta pela organização e articulação da sociedade para o reconhecimento da
Assistência Social como política pública de direito, a operacionalização dos
pressupostos e diretrizes ainda eram um sofrido desafio, justificado principalmente
pela falta de investimento e/ou redução dele; pelas precárias condições institucionais
do governo federal; e pela subalternidade desta política no âmbito municipal.
Para agravar a situação, havia uma grande dificuldade de
organização nos municípios, já que os que conseguiam travar um debate e se
organizar em torno da questão da Assistência Social eram considerados exceções, e
não regra. As ações ainda eram nos moldes antigos, sobrepostas, descontínuas e
sem efetividade, com o poder centralizado no primeiro damismo, com práticas
marcadas pelo autoritarismo, de favor e de clientelismo (YAZBEK, 2001).
Reconhecemos que a Constituição Federal de 88 avançou com o
destaque da Seguridade Social e com os Direitos Sociais para a Responsabilidade
62
do Estado. No entanto, percebemos a frustração diante da insuficiência de
investimento por parte deste mesmo Estado.
Mesmo com a vigência da LOAS e do Conselho Nacional de
Assistência Social em funcionamento, o governo FHC decidiu implantar um sistema
paralelo, o Programa Comunidade Solidária, instalado ainda por Medida Provisória.
Para o acompanhamento do referido programa, foi criado um conselho de caráter
consultivo, formado pelos ministros e representantes da sociedade civil „escolhidos‟
pelo Presidente da República (COUTO, 2008).
As ações da Política da Assistência Social, neste período, foram
marcadas por uma atuação prolixa, desconectada das diferentes instâncias de
governo. As ações e programas elaborados e executados foram de cunho
assistencial, com discurso de combate à pobreza, configurado pelo Programa
Comunidade Solidária PCS - criado em 1995, vinculado ao Gabinete da
Presidência da República, e a implantação de Programas de Transferência de
Renda, como o Bolsa-Alimentação, do Ministério da Saúde, e o Programa Bolsa
Escola, do Ministério da Educação. Ambos mostravam-se de forma desarticulada e
desconexa, acontecendo, muitas vezes, com ações sobrepostas ou até
concorrentes.
O governo F.H.C. é marcado pelo forte apelo à solidariedade,
através do Programa Comunidade Solidária, paralelo à redução de gasto com
proteção social, que “desqualifica a assistência social como política pública,
colocando os interesses do capital e do mercado como prioridade” (FERREIRA,
2007, p. 28).
No vasto campo de atendimento das necessidades sociais das
classes empobrecidas se administravam favores. Décadas de
clientelismo consolidam uma cultura tuteladora, que não tem
favorecido o protagonismo nem a emancipação dessas classes em
nossa sociedade. A redução de custos tem significado um
deteriorização na qualidade dos serviços, triagens mais severas e a
opção por programas assistencialista e seletivos de combate à
pobreza, como o Programa Comunidade Solidária (YAZBEK, 2001
apud FERREIRA, 2007, p. 29).
Esse Programa se configurou como uma estratégia do governo, e
não como uma estrutura organizacional.
É importante dizer que esses programas de transferência de renda
eram de caráter residual, considerando o contingente de famílias em situação de
63
pobreza, as quais deveriam ser contempladas. Além disso, não foram submetidos a
nenhuma forma de fiscalização, controle, planejamento ou análise por parte do
órgão responsável pela elaboração da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS) naquele momento, a Secretaria de Assistência Social e ao Conselho
Nacional de Assistência Social CNSS.
Paralelo ao investimento reduzido às Políticas Públicas, o governo
Fernando Henrique Cardoso utilizou, como medida para salvar os bancos
Econômico, Nacional e Bamerindus, 20 bilhões de dólares do Programa de Estímulo
à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional PROER -
sendo que os recursos investidos eram superiores ao orçamento total da saúde,
referente ao ano de 1997 (OLIVEIRA, 2008).
A Reforma na Previdência, com a justificativa de oferecer justiça
social, manteve excluídos 40 milhões de trabalhadores de qualquer forma de
cobertura da previdência.
O esforço e a luta pela construção de um Estado Nacional, entre a
década de 30 a 80 do século anterior, foram desmontados em oito anos de mandato
do presidente FHC, ao lançar o país explicitamente nos contornos neoliberais do
processo do ajuste brasileiro, com reflexos nítidos nas áreas econômicas e,
sobretudo, social.
Em síntese das ações, podemos enumerar a instauração do livre
mercado, ou seja, a desregulação dos preços e da economia sobre as relações
capital-trabalho e a instauração de programas de privatização de empresas estatais,
sempre sob a égide da ineficiência e incapacidade do setor público de se autogerir.
Desta forma, estabeleceu-se uma política pública pautada no Estado Mínimo, em
que o governo ficaria responsável apenas por algumas funções básicas, como
educação primária, a saúde pública e a criação e manutenção de uma infra-estrutura
essencial ao desenvolvimento econômico, com intensa busca pela redução do gasto
público, considerando que isso seria capaz de eliminar o déficit público.
Lopes (2006, p. 78), numa leitura às ações desenvolvidas nos anos
de governo neoliberal no Brasil, afirma ter existido “uma avançada descaracterização
dos direitos, tão duramente conquistados, reduzidos paulatinamente à esfera do
voluntarismo, do favor, e descolados para uma insólita e descontinuada base
solidária de atendimento, a cargo da sociedade”.
64
Como resultados dessas ações, Lesbaupin (1999) registra que o
Brasil ficou imerso em uma grave crise econômica, refém do Fundo Monetário
Internacional FMI, o que envolveu sua população num grave processo de
recessão, com nível assustador de desemprego, além da queda dos salários e o
sucateamento dos serviços públicos de saúde, educação, assistência, previdência e
moradia. O que se percebia nitidamente era que as questões de cunho social,
preconizadas na Constituição Federal, não eram priorizadas, sendo a estabilidade
econômica a „menina dos olhos‟ do referido governo. Para tanto, fazia-se necessário
reduzir o investimento na área de Políticas Sociais, cujo corte financeiro era
evidenciado a cada plano e/ou ajuste que se apresentava.
Os gastos com assistência e previdência sociais expressam bem a
realidade da redução de investimento ano após ano. Os gastos, nestas áreas, em
1995, foram de 43,4% da receita; em 1996, caiu para 40,1%; em 1997, 39,9% e, em
1998, a proposta orçamentária foi de 39,1% - ilustrando a falta de investimento, ou
melhor, a redução acelerada de recursos para essa área.
No âmbito da educação, a situação fica mais evidente, quando
destacamos:
No programa „Educação de crianças de 0 a 6 anos‟, o corte, entre
1995 e 1998, foi de 17,74%;
No programa „Ensino fundamental‟, no mesmo período, o corte foi
de 15,28%;
No programa „Ensino médio‟, ao longo do primeiro governo FHC,
o corte foi de 31,51%;
No programa de „Ensino superior‟, o corte, entre 1995 e 1998,
chegou a 28,7%;
No programa „Ensino supletivo‟, o corte no primeiro governo FHC
foi da ordem de 82,17% (NETTO, 1999, p. 75).
A atenção à nova Política de Assistência Social o foi diferente no
que se refere aos investimentos, o que causou:
Entre 1994 e 1998, não houve progressos no campo da
assistência social. Em nível federal, ocorreu uma redução do número
de atendimentos nos serviços, que podem ser explicados com base
na extinção da LBA;
A política para com o social reacendeu a tentativa de canalizar,
para o âmbito privado, as respostas às demandas da população;
Houve vários mecanismos para dificultar o acesso dos
demandantes ao Benefício de Prestação Continuada, que começa a
ser executado em 1996. A condição da deficiência passa a ser
analisada por peritos do INSS e altera-se o conceito de família para
efeito do cálculo da renda per capita;
O caráter universal da política de assistência social é trocado
por políticas seletivas e focalizadas;
65
Os mecanismos de controle social são dificultados. As
decisões das conferências nacionais e dos conselhos pouco foram
ouvidas nos seus encaminhamentos. E, inclusive, em 1999, no
primeiro ano de sua reeleição, FHC impediu a realização da III
Conferência Nacional de Assistência Social, legalmente prevista para
ocorrer a cada dois anos. (NOZABIELLI, 2008, p. 67).
Apesar do pronto atendimento às exigências do FMI, a dívida
externa era assustadoramente crescente: em 1994, era de 149 bilhões de lares;
em 1998, estava em 229 bilhões.
Esse governo foi eleito com forte apelo, em sua campanha eleitoral,
a promessas de investimento na área social, com destaque a cinco políticas
públicas: saúde, educação, emprego, agricultura e segurança. Reconheceu, em seu
discurso de posse, a pobreza e as injustiças que assolavam o país. Mas o que se
presenciou no fim do seu governo foi “a maior taxa de desemprego da história do
país, com o mais alto grau de concentração de renda que o Brasil conheceu, a
ponto de disputarmos hoje o primeiro lugar em desigualdade social no planeta”
(LESBAUPIN, 1999, p. 8).
Percebemos que, no governo FHC, no que tange à política pública
de Assistência Social, resgatou as condições inoperantes e fragmentadas, e práticas
já conhecidas historicamente, conforme relato anterior.
Mesmo com esse quadro político extremamente pessimista no
campo das políticas sociais, a Assistência Social manteve o processo de
implementação da Política de Assistência Social para a concretização dos
pressupostos contidos na CF/88 e na LOAS. Foi aprovada, na I Conferência
Nacional de Assistência Social, em 1997, a primeira Norma Operacional Básica da
Assistência Social NOB.
A NOB objetivava, além de disciplinar a relação entre os entes
federados - federal, estadual e municipal - a orientação e a diferenciação de
serviços, programas e projetos; ampliação das atribuições dos Conselhos de
Assistência Social e criação de espaços de negociação e pactuação, como as
Comissões Intergestoras Bipartites CIBs (formadas por gestores estaduais e
municipais) e as Comissões Intergestoras Tripartite CIT(compostas por gestores
municipais, estaduais e federal da Assistência Social) (SALLES, 2008).
No entanto, esta NOB apresentou falhas devido à ausência de uma
Política Nacional que a apoiasse e, dessa forma, foi substituída, em 1998, após
66
aprovação de uma nova versão pelo Conselho Nacional. Junto a esta resolução,
também houve a proposta da criação do Ministério Nacional de Assistência Social.
Em dezembro de 1998, foi definido o primeiro texto da Política
Nacional de Assistência Social, sendo, no mesmo ano, editada a Norma Operacional
Básica, em conformidade com o disposto na Política Nacional de Assistência Social.
Esses instrumentos normativos estabeleciam as condições de gestão, de controle
social, de financiamento, de competências dos níveis de governo com a gestão da
política, de avaliação, de comissões de pactuação e de negociação.
As condições para uma sociedade mais justa e igualitária estavam
referendadas pela Constituição Federal de 1988, pela Lei Orgânica da Assistência
Social de 1993, pela primeira Norma Operacional sica (NOB) em 1997 e pela
NOB-AS 2 de 16 de dezembro de 1998, sendo esta a versão atualizada da anterior.
A nova Norma Operacional Básica estabeleceu procedimentos,
definiu estratégias e conceitos e fluxos operacionais do processo de
descentralização e participação da Assistência Social, além de ampliar as
responsabilidades das esferas de governo e exigiu, como condição para o
recebimento de recursos federais, a implantação de Conselhos, Fundos e Planos
Municipais. A NOB configurou-se em um documento regulador e normatizador que
complementa a Política Nacional de Assistência Social.
Quanto à Primeira Política Nacional de Assistência Social,
estabeleceram-se as seguintes diretrizes:
Articulação com outras políticas sociais e macroeconômicas em
cumprimento ao princípio da supremacia do atendimento às
necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade
econômica;
Participação da Sociedade Civil organizada na formulação da
política e no controle das ações, em todos os níveis de governo;
Estreitamento da parceria entre Estado e organizações da
Sociedade Civil para prestação de serviços assistenciais e ampliação
das condições produtoras de bens e serviços de qualidade à
população;
Promoção de ações integradas e convergentes entre os três níveis
de governo;
Efetivação de amplos pactos entre Estado e Sociedade, que
garantam o atendimento de crianças, adolescentes, idosos, pessoas
portadoras de deficiência e família em estado de vulnerabilidade e
exclusão social;
Fomento a estudos e pesquisas para produção de informação que
substituem a formulação de políticas, de gestão do sistema e da
avaliação dos impactos da política;
67
Mudança na cultura política do pensar, gerir, executar, financiar e
avaliar as ações de assistência social;
Mudança de enfoque da avaliação centrada no processo
burocrático para avaliação de resultados da Política de Assistência
Social;
Estímulo às ações que promovam integração familiar e
comunitária, para a construção da identidade pessoal e convivência
social do destinatário da assistência social;
Fomento às ações que contribuam para a geração de renda
(SILVA, 2005, p. 32).
Essas diretrizes não tinham por objetivo tornar a Assistência Social
política pública, pois a Constituição Federal de 1988 preconizava isso, mas a
regulamentação da LOAS, em 1993, estabeleceria condições e incentivo à execução
de serviços, agora, também, pela participação da sociedade civil.
Silva (2005) indica como avanço, expresso nesta Política, a
definição das funções da Política de Assistência Social como sendo a:
INSERÇÃO: A assistência social entendida como inclusão do
público destinatário desta política e das demais políticas sociais
básicas, criando condições de acesso a bens, serviços e direitos
usufruídos pelos demais segmentos da população;
PREVENÇÃO: A assistência social enquanto política de apoio
fundamental ao enfrentamento às situações de vulnerabilidade, no
sentido de assegurar ao seu público a manutenção no sistema social,
para que não haja prejuízo no que já foi conquistado;
PROMOÇÃO: Tem como objetivo promover a cidadania,
através do acesso aos direitos, além de combater práticas
clientelistas.
PROTEÇÃO: Deve expressar a atenção à população em
situação de vulnerabilidade, através da disponibilidade de renda,
direta ou indiretamente (SILVA, 2005, p. 33).
Além dos avanços no arcabouço legal, o período foi marcado pela
reforma administrativa, processada ainda com o ranço autoritário, com práticas
centralizadoras e clientelistas, que desestruturaram as políticas públicas, em
especial a Política de Assistência Social, que ainda não havia colocado em prática
seus pressupostos operacionais.
Era fato a mudança nos paradigmas conservadores e
assistencialistas pela C.F. de 1988 e pela LOAS em 1993 - marcos legais que
delimitaram a Assistência Social como Direito Social, no âmbito da Seguridade
Social, ao lado da Saúde e da Previdência Social. Ainda, concomitantemente a
esses acontecimentos motivados pelos movimentos populares, os anos 90
68
apresentaram um cenário de grandes mudanças, em especial, no que concerne ao
papel e modelo do Estado.
Essas interlocuções das esferas públicas propiciaram, à ocasião da
III Conferência Nacional
16
, em 2001, a temática „Política de Assistência Social: Uma
Trajetória de Avanços e Desafios‟. Nessa conferência, já se reivindicava a criação de
um Ministério específico para a Assistência Social, submisso às aprovações e
deliberações do Conselho Nacional, além de assegurar recursos, orçamentos e
financiamentos para a implantação dos órgãos referentes a esta política nas
diferentes esferas de governo (PEREIRA, 2009).
Com a posse do Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva,
em 2003, eleito por uma aliança, que aglutinou de comunistas (Partido Comunista do
Brasil) a liberais (Partido Liberal); trabalhadores e representantes do capital
produtivo; movimentos sindical, popular e camponês. Havia grandes expectativas de
avanço por parte da população brasileira, devido às promessas de mudanças e
democracia. No entanto, não houve grandes alterações no que tinha sido deixado
pelo neoliberaismo de F.H.C., assumindo o novo governo com a crise herdada
(FERREIRA, 2007).
Em relação a Assistência Social, atendendo as reivindicações do
CNAS, em 2003, foi implantado o Ministério de Assistência Social, pela via de
medida provisória 103. Dessa forma, o desafio deste órgão era estabelecer a
estrutura organizacional e, progressivamente, desvincular-se da estrutura e do
orçamento do Ministério da Previdência Social
17
.
O novo Ministério assumiu a coordenação e implantação do
Programa Bolsa Família e o Cadastro Único
18
, além do compromisso com a
construção de uma nova política de Assistência Social.
Com a preocupação de retomar a discussão e as condições da
Assistência Social no campo das políticas sociais, o presidente da república
16
A III Conferência Nacional de Assistência Social, convocada por meio da Portaria 909, de 30 de
março de 2001, publicada no Diário Oficial da União em 02/04/2001, foi realizada em Brasília - Distrito
Federal, no período de 4 a 7 de dezembro de 2001.
17
Medida Provisória 103, de 1 de Janeiro de 2003, dispõe sobre a organização da Presidência da
República e dos Ministérios, e sobre outras providências
18
Criado em 2001, no Governo F.H.C., também conhecido como CadÚnico, constitui-se em base
de dados virtuais utilizada para o registro de informações sobre as especificidades das famílias com
renda per capita mensal de até meio salário mínimo, ou renda mensal de até três salários mínimos.
Por meio dele, é realizada a seleção dos beneficiários de alguns programas do governo federal como,
por exemplo, o Programa Bolsa Família.
69
convocou extraordinariamente a IV Conferência Nacional de Assistência Social, para
dezembro de 2003, sob o tema „Assistência Social como Política de Inclusão: Uma
nova Agenda para a Cidadania LOAS 10 anos‟ (SOUZA, 2005).
2.4 SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES E
DIRETRIZES
A IV Conferência Nacional de Assistência Social, em 2003, tinha
como atribuição avaliar a situação da Assistência Social e propor novas diretrizes
para o seu aperfeiçoamento. Nela foi deliberada a construção, implantação e
implementação do Sistema Único da Assistência Social SUAS.
A partir dessa deliberação, foi traçada uma nova Política Nacional de
Assistência Social, aprovada em setembro de 2004 pelo CNAS, cuja intenção visava
atender as prerrogativas do SUAS:
[...] incorporar as demandas presentes na sociedade brasileira no
que tange à responsabilidade política, objetivando tornar claras suas
diretrizes na efetivação da assistência social como direito de
cidadania e responsabilidade do Estado (BRASIL, 2005, p. 5).
A avaliação do evento apontou como resultado positivo o
fortalecimento e reconhecimento da gestão democrática da Assistência Social. O
processo foi longo, contou com um amplo debate nacional, conforme relata Lopes
(2006, p. 83):
[...] Foi um longo percurso que envolveu um importante debate
nacional e que recolocou na pauta os legítimos princípios e as
diretrizes emanadas da Carta Magna de 1988 e da LOAS, e assim
como os anseios e acúmulos da área. A política em vigor,
enfrentando desafios produzidos cotidianamente, contém
contribuições advindas de conselhos de assistência social,
associações de municípios, colegiados de gestores, fóruns,
associações, trabalhadores, universidades, estudantes, entre tantas
outras, reafirmando o princípio democrático e participativo necessário
para a política.
A Nova Política de Assistência Social, aprovada pelo conselho
Nacional em 22 de setembro de 2004, teve publicada sua versão definitiva em 15 de
outubro do mesmo ano (SALLES, 2008).
70
Esta Política lança o desafio de uma nova forma de interpretação da
realidade brasileira, a partir das seguintes visões:
Uma visão social inovadora, dando continuidade ao inaugurado
pela Constituição Fedral de 1988 e pela Lei Orgânica da
Assistência Social de 1993, pautada na dimensão ética de incluir
„os invisíveis‟, os transformados em casos individuais, enquanto de
fato são parte de uma situação social coletiva; as diferenças e os
diferentes, as disparidades e as desigualdades.
Uma visão social de proteção, o que supõe conhecer os riscos, as
vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos, bem como os
recursos com que conta para enfrentar tais situações com menos
dano pessoal e social possível. Isto supõe conhecer os riscos e as
possibilidades de enfrentá-los.
Uma visão social capaz de captar as diferenças sociais,
entendendo que as circunstâncias e os requisitos sociais
circundantes do individuo e dele em sua família são determinantes
para sua proteção e autonomia. Isto exige confrontar a leitura
macro social com a leitura micro social.
Uma visão social capaz de entender que a população tem
necessidades, mas também potencialidades ou capacidades que
devem ser desenvolvidas. Assim, uma análise de situação não
pode ser das ausências, mas também das peresenças até
mesmo como desejos em superar a situação atual.
Uma visão social capaz de identificar forças e não fragilidades que
as diversas situações de vida possuem (BRASIL, 2005a, p. 15).
Os princípios da PNAS estão em consonância com o Artigo da
LOAS, regindo pela:
I Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as
exigências de rentabilidades econômica;
II Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário
da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu
direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência
familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória
de necessidade;
IV Igualdade de direito no acesso ao atendimento, sem
discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às
populações urbanas e rurais;
V Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo poder público
e dos critérios para sua concessão (BRASIL, 1993, p. 8-9).
As diretrizes e princípios da nova Política Nacional de Assistência
Social foram deliberados em discussões que ocorreram após a Conferência, de
forma descentralizada, e participativa, com intuito de ampliar os novos rumos da
Assistência Social no Brasil. A intenção expressa, nestes debates, apontava para a
71
formulação de uma política que atendesse às necessidades da sociedade e que o
Governo se colocasse com a perspectiva da implantação da Política de „Assistência
Social como dever do Estado e direito do cidadão‟.
As articulações e mobilizações possibilitaram a realização de uma
nova reforma ministerial, extinguindo o Ministério de Assistência Social, substituído
pela Secretaria Nacional de Assistência Social e, assim, criando novas Secretarias,
como a de Segurança Alimentar e Renda e Cidadania, atrelada ao Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, através da Lei 10.869 de
maio de 2004.
Assim, o MDS assumiu o compromisso, a partir de 2004, de criar
condições para a efetivação dos direitos contidos na Constituição Federal de 1988,
bem como na Lei Orgânica de Assistência Social, na perspectiva de caráter público
participativo desta política. Dessa forma, o governo federal estava autorizado e
assumindo o compromisso de co-financiar serviços, programas e projetos.
A construção da proposta significou um processo coletivo, uma vez
que contou com a contribuição de vários setores da Assistência Social, em eventos
descentralizados nos Estados e Municípios durante o ano de 2004. Dessa maneira,
a PNAS foi promulgada em 15 de outubro de 2004, por meio da Resolução nº 145 e,
em 28 de outubro do mesmo ano, foi publicada no Diário Oficial da União.
A NOB/SUAS 2005 foi discutida e elaborada pelos membros do
CNAS e pela Comissão Intergestora Tripartite, e aprovada em reunião ordinária em
15 de julho de 2005
19
, definindo o seu conteúdo, através de seis itens: justificativa;
tipos e níveis de gestão; instrumentos de gestão; instância de articulação, pactuação
e deliberação; financiamento e regras de transição (SPOSATI, 2007).
A atual Norma Operacional Básica, referência nas NOBs anteriores,
de 1997 e 1998, transformou-se no mais novo instrumento de controle da Política
Nacional de Assistência Social, operacionalizando os seus princípios através do
Sistema Único da Assistência Social SUAS. Ainda organiza a operacionalização da
gestão da Nova Política de Assistência Social de 2004, a partir dos pressupostos da
Constituição Federal de 1988, da Lei Orgânica da Assistência Social e outras
legislações complementares, destacando, dentre outras características o caráter da
19
A NOB foi aprovado pelo CNAS, em reunião ordinária realizada nos dias 11, 12, 13, 14 e 15 de
julho de 2005, no uso da competência que lhe conferem os incisos II, V,IX e XIX do art. 18 da Lei nº
8.742 de 7 de dezembro de 1993 Lei Orgânica da Assistência Social LOAS, e publicada pela
Resolução nº 130, de 15 de julho de 2005 (BRASIL, 2005a).
72
Norma Operacional Básica do SUAS; o caráter do sistema Único de Assistência
Social; as funções da Política de Assistência Social; rede socioassistencial; gestão
compartilhada de serviços.
O SUAS estabelece quatro formas de gestão: dos Municípios, do
Distrito Federal, dos Estados e da União.
Em relação aos municípios brasileiros, a NOB/2005 preconiza três
níveis de gestão - inicial, básica e plena, tendo, cada uma requisitos,
responsabilidades e incentivos.
Os municípios transitam de forma crescente entre esses níveis. Essa
classificação vincula formas e montantes de recursos da União para o financiamento
da Política de Assistência Social de forma descentralizada. No entanto, no Art. 30 da
LOAS, são destacadas as exigências que devem ser cumpridas para a habilitação
dos municípios, no que se refere à efetiva instituição e funcionamento de:
I Conselho de Assistência Social, de composição paritária entre
governo e sociedade civil;
II Fundo de Assistência Social, com orientação e controle dos
respctivos Conselhos de Assistência Social;
III Plano de Assistência Social.
Parágrafo único. É, ainda, condição para transferência de recursos
comprovação orçamentária dos recursos próprios destinados à
Assistência Social, alocados em seus respectivos Fundos de
Assistência Social, a partir do exercício de 1999. (COLIN et al., 1999,
p. 120).
A autora ainda destaca a importância dessas exigências para
forçar/estimular os municípios e estados a criarem condições para operacionalização
dos princípios da descentralização político-administrativa, municipalização e
participação popular.
Percebemos a inserção da possibilidade de novas formas de pensar,
ver e agir da Assistência Social, conforme Souza (2005, p. 48) indica:
Diante de tudo isso, percebe-se que, nesse período de início de um
novo milênio, as ações na área da Assistência Social efetivamente
adquiriram o status de política pública, não somente nos
instrumentos jurídicos, mas de fato.
Por outro lado, Souza (2005) alerta para os desafios que de se
enfrentar, pois ainda existem “muitos caminhos a trilhar para se efetivar essa política
enquanto direito do cidadão, principalmente na busca pela participação e da
universalização do acesso” (SOUZA, 2005, p. 48).
73
O SUAS vem resgatar os princípios, diretrizes e objetivos da
Constituição Federal de 1988, ou seja, o Estado assume a responsabilidade pela
construção e implantação das ações da Política de Assistência Social, com caráter
de Política Pública, direito do cidadão; descentralização político-administrativa;
participação popular; centralidade na família, além de definir as funções da Política,
níveis de proteção social e os serviços. É reafirmada a primazia do Estado.
Para sua operacionalização, o SUAS propõe que as ações da
Política de Assistência Social sejam concretizadas a partir da definição de eixos que
deveriam nortear a execução das ações. Esses eixos eram de suma importância
para a implantação e implementação do SUAS, para que se obtenha a “qualidade
no atendimento, indicadores de avaliação e resultado, nomenclatura dos serviços e
da rede socioassistencial e, ainda, os eixos estruturantes e de subsistemas
conforme” (BRASIL, 2004, p. 39). Os eixos são:
Matricialidade sociofamiliar.
Descentralização político-adminsitrativa e Territorialização.
Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil.
Financiamento.
Controle Social.
O desafio da participação popular/cidadão usuário.
A Política de Recursos Humanos.
A informação, o Monitoramento e a Avaliação.
A Política Nacional de Assistência Social, de 2004, define como sua
função:
Vigilância Social: refere-se à produção, sistematização de
informações, indicadores e índices territorializados das situações de
vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre
famílias/pessoas nos diferentes ciclos da vida (crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos); pessoas com redução da
capacidade pessoal, com deficiência ou em abandono; crianças e
adultos vítimas de formas de exploração, de violência e de ameaças;
vítimas de apartação social que lhes impossibilite sua autonomia e
integridade, fragilizando sua existência; vigilância sobre os padrões
de serviços de assistência social em especial aqueles que operam na
forma de albergues, abrigos, residências, semi-residências,
moradias provisórias para os diversos segmentos etários. Os
indicadores a serem construídos devem mensurar no território as
situações de riscos sociais e violação de direitos.
Proteção Social: Defini-se como o cuidado que o Estado e a
Sociedade devem ter com parte ou o conjunto de seus membros,
através de serviços e ações que eles demandam. Os serviços que a
Política de Assistência Social, através da Proteção Social Básica e
Especial, devem garantir as seguranças de sobrevivência ou de
74
rendimento e de autonomia; segurança de convívio ou vivência
familiar e a segurança de acolhida.
Defesa Social e Institucional: „a proteção social básica e
especial deve ser organizada de forma a garantir aos seus usuários o
acesso ao conhecimento dos direitos socioassistenciais
20
e sua
defesa. São direitos socioassistenciais a serem assegurados na
operação do SUAS a seus usuários:
Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente
de procedimentos vexatórios e coercitivos.
Direito ao tempo, de modo a acessar a rede de serviços com
reduzida espera e de acordo com as necessidades.
Direito à informação, enquanto direito primário do cidadão,
sobretudo àqueles com vivência de barreiras culturais, de leitura, de
limitações físicas.
Direito do usuário ao protagonismo e manifestação de seus
interesses.
Direito do usuário à oferta qualificada de serviço.
Direito de convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004, p.
40).
Compreendeu-se, ao longo da trajetória histórica da Assistência
Social, como sendo o primeiro grande marco legal, a Constituição Federal de 1988.
No que tange às condições de mudanças de paradigmas, a partir deste conjunto de
leis foi possível vislumbrar a sistematização e garantia de direitos dos cidadãos,
porém, apenas com a implantação da Política Nacional, editada em 2004, é que tais
paradigmas consubstanciaram-se em estrutura de gestão, serviço e benefícios.
A gestão é baseada em um pacto federativo, com os três entes
federados - União, Estados e Municípios na responsabilidade da construção e
implementação do SUAS. Por meio do compromisso e responsabilidade conjunta
entre classes trabalhadoras, gestores e usuários dos serviços, a gestão garante a
operacionalização do LOAS, realizando ações públicas e a busca da efetivação dos
direitos socioassistenciais. Lopes (2006, p. 83) confirma:
É justamente na PNAS/2004 que são definidas as bases para o novo
modelo de gestão para a política pública de assistência social, o
SUAS. O sistema se constitui na regulação e organização em todo
território nacional do atendimento às necessidades de proteção e
seguridade sociais por meio de um conjunto articulado de serviços
continuados, benefícios, programas e projetos, objetivando assegurar
e afiançar o disposto na LOAS.
20
Direitos Socioassistenciais (pactuados na IV Conferência Nacional de Assistência Social),
estabelecidas na LOAS como direitos de cidadania que se fundem com os direitos sociais,
restringindo-se à proteção, apenas à situação de pobreza (Ferreira, 2007).
75
A nova Política, em vigor desde setembro de 2004, inova em muitos
aspectos, ao estabelecer níveis de proteção social básica e especial. Esta proteção
preconizava o desenvolvimento de ações em uma perspectiva socioterritorial, em
que as intervenções, necessariamente, se dariam no interior dos territórios dos
municípios, tendo como referência as pessoas e os contextos nos quais elas estão
inseridas, tais como, família, escola, associações, comunidade, assim como todas as
questões problemáticas em seu entorno.
O desenvolvimento de ações na perspectiva socioterritorial
possibilita a construção desta ação territoritorialmente definida, ou seja, pensar o
território a partir do conhecimento das suas dinâmicas e relações, modo de vida de
seus moradores, considerando as situações que levam à exposição de
vulnerabilidades, bem como as formas como esta população enfrenta as situações,
os recursos disponíveis, a cobertura de serviços pelas políticas públicas e, ainda as
formas de organizações e demais potencialidades.
No processo de ampliação da discussão da Política de Assistência
Social, não se pode desconsiderar a heterogeneidade e a particularidade de cada
município e seus territórios locais, ainda a concepção do território enquanto um
campo de forças e disputas e não apenas um limite geográfico.
Diante disso, impõe-se a prioridade do olhar sobre a realidade dos
municípios, dos territórios e das famílias brasileiras, tendo como parâmetros os
acontecimentos locais, com o objetivo de identificar as necessidades regionais e os
serviços demandados pela sua população que, historicamente, foram excluídos do
acesso aos serviços e benefícios socioassistenciais.
O SUAS operacionaliza a diretriz da territorialização através da
identificação da população-alvo de intervenção, quantificando famílias e pessoas e
em quais circunstâncias estes cidadãos se apresentam e, ainda, se seus direitos
assegurados estão sendo violados. Também se investe em compreender as
especificidades que corroboram para que esta população apresente vulnerabilidades
coletivas e individuais e, assim, visando à criação de estratégias interventivas mais
elaboradas que atinjam a referida população. Em suma, conhecer, e reconhecendo
esses fatores se tornaria salientada a centralidade de intervenção social imediata e o
estabelecimento do foco prioritário nas famílias. Considerando que:
76
O núcleo familiar é o espaço insubstituível de proteção e socialização
primárias, independentes dos formatos, modelos e feições que ele
tem Assumido com as transformações econômicas, sociais e
culturais contemporâneas [...] podemos dizer que estamos diante de
uma família quando encontramos um conjunto de pessoas que se
acham unidas por laços consangüíneos, afetivos e, ou, de
solidariedade (BRASIL, 2005, p. 42).
Assim, considerou-se que as famílias, público da Política de
Assistência Social, estão envolvidas em emaranhados de diversidades e
complexidades que configuram vulnerabilidades e riscos sociais diferentes. Também
deveria se entender as relações estabelecidas no território, que a
heterogeneidade apresentava demandas e exigia ações para se ofertar a proteção
social.
Di Giovanni (2005), no texto Política Pública de Assistência Social,
SUAS/NOB, define proteção social como:
Formas institucionalizadas que as sociedades constituem para
proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas
decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a
velhice, a doença, o infortúnio, as privações. [...] Neste contexto,
também tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de
bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens
culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a
integração, sob várias formas na vida social. Ainda, os princípios
reguladores e as normas que, com intuito de proteção, fazem parte
da vida das coletividades (BRASIL, 2005a, p. 31).
Nesse mesmo documento, são destacadas as seguranças que a
política deve garantir para que o público da Política de Assistência tenha acesso à
proteção social, sendo:
Segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia:
através de benefícios continuados e eventuais que assegurem:
proteção social básica a idosos e pessoas com deficiência sem
fonte de renda e sustento; pessoas e famílias vitimas de
calamidades e emergências; situações de forte fragilidade pessoal
e familiar, em especial as mulheres chefes de família e seus filhos.
Segurança de convívio ou convivência familiar: através de ações,
cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoais,
familiares, de vizinhança, de segmento social, mediante a oferta de
experiências socioeducativas, lúdicas, socioculturais, desenvolvidas
em rede de núcleos socioeducativos e de convivência para os
diversos ciclos de vida, suas características e necessidades.
Segurança de acolhida: através de ações, cuidados, serviços e
projetos operados em rede com unidade de porta de entrada
destinada a proteger e recuperar as situações de abandono e
isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos,
restaurando sua autonomia, capacidade de convívio e
77
protagonismo mediante a oferta de condições materiais de abrigo,
repouso, alimentação, higienização, vestuário e aquisições
pessoais desenvolvidas através de acesso às ações
socioeducativas (BRASIL, 2005a, p. 40).
Para melhor compreensão e definição da PNAS, foi configurada e
hierarquizada a Proteção Social em Básica e Especial.
A Proteção Social Especial deve oferecer serviços que garantam
condições dignas de vida quando ocorre a violação de direitos às famílias ou
pessoas, destacando crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas que vivem
com alguma deficiência, além de situações que expressam a exclusão social, como,
por exemplo, moradores de rua, migrantes, idosos abandonados famílias em
situações decorrentes do abandono, maus tratos físicos e psíquicos, abuso sexual,
uso abusivo de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas,
conflito com a lei, ou família com membros em situação de privação de liberdade,
situações de rua, situação de trabalho infantil, entre outros (BRASIL, 2005a).
Para tanto, é necessária a oferta de modalidades de serviços a partir
da identificação das vulnerabilidades e demandas das famílias e/ou pessoas. Esses
serviços são classificados por níveis de complexidades: média e alta.
São exemplos dos serviços de média complexidade aqueles que
disponibilizam atendimentos às famílias e seus membros com direitos violados, mas
cujos vínculos familiares e comunitários ainda não foram rompidos. São exemplos
desses serviços:
Serviço de orientação e Apoio Sócio-familiar;
Plantão Social;
Abordagem de Rua;
Cuidado no Domicílio;
Serviço de Habilitação e Reabilitação de pessoas com deficiência
na comunidade;
Medidas socioeducativas em meio aberto (Prestação de Serviços
à Comunidade e Liberdade Assistida, previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente ECA) (BRASIL, 2005a, p. 38).
A Proteção Social Especial de Alta Complexidade deve oferecer
serviços que garantam proteção integral devido às vulnerabilidades às quais estão
expostas as famílias ou pessoas que se encontram sem referência e/ou em
situações de ameaça, que por situação de falta de segurança ou proteção,
necessitam ser retiradas do convívio da família e/ou da comunidade. Esses serviços
devem oferecer moradia, alimentação, higienização e trabalho. São exemplos:
78
Atendimento Integral Institucional;
Casa Lar;
República;
Casa de Passagem;
Albergue;
Família Substituta;
Família Acolhedora;
Medidas sócio-educativas restritivas e privativas de liberdade
(semi-liberdade, internação provisória e sentenciada);
Trabalho Protegido (BRASIL, 2004, p. 38).
Quanto à Proteção Social Básica, a mesma tem como objetivo:
[...] prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de
potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em
situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza (ausência
de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre
outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos relacionais e de
pertencimento social (discriminação etárias, étnicas, de gênero ou
por deficiência, dentre outras) (BRASIL, 2004, p. 33).
Para o acesso à proteção social e a sua garantia, os serviços da
Proteção Social Básica devem se articular entre si e com as demais políticas no
território. São exemplos desses serviços:
Programa de Atenção Integral às Famílias;
Projetos de Geração de Trabalho e Renda;
Centro de Convivência para Idosos;
Serviço para criança de 0 a 6 anos, que visem ao
fortalecimento dos vínculos familiares, com ações que favoreçam a
socialização, a valorização do brinquedo e a defesa dos direitos da
criança;
Serviço Socioeducativo para crianças e adolescentes na faixa
de 6 a 14 anos, visando sua proteção, socialização e o fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários;
Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, com
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários;
Centro de Informação e de Educação para o trabalho, voltados
para jovens e adultos (BRASIL, 2005a, p. 36).
A rede de Proteção Social Básica pode ser compreendida como a
„porta de entrada‟, condição facilitadora para o ingresso no Sistema, por estar com
seus serviços descentralizados e territorializados. Também se salienta por ser o
lócus privilegiado da organização da gestão de benefícios e de serviços de
acompanhamento sócio-familiar, além de propiciar o acesso à população, que
sobrevive em regiões de vulnerabilidades.
79
Conforme orienta a Política, os serviços da Proteção Social Básica
devem ser organizados e coordenados pelo Centro de Referência de Assistência
Social (CRAS):
Os serviços de proteção social básica serão executados de forma
direta nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e em
outras unidades básicas e públicas de Assistência Social, bem como
de forma indireta nas unidades e organizações da Assistência Social
da área de abrangência dos CRAS (BRASIL, 2004, p. 35).
Na PNAS (2004), a divisão dos serviços nos níveis de Proteção
Social Básica e Especial está muito bem definida, especificando quais os objetivos,
funções e responsabilidades de cada proteção. No entanto, percebeu-se que, dia a
dia, esta organização funciona de forma integrada, pois, para garantir a proteção
integral, exige-se uma constante articulação entre esses serviços.
A proteção Social Especial exige serviços especializados,
desenvolvidos pelos Centros de Referência Especializados da Assistência Social
CREAS - enquanto a Proteção Social Básica tem como referência de equipamento
social o Centro de Referência de Assistência Social CRAS.
2.4.1 Centro de Referência de Assistência Social CRAS
Em 2003, no Brasil, teve inicio a implantação dos CRAS a partir de
financiamentos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Naquele momento, foram quantificados 454 CRAS, instalados em 301 municípios.
Em 2006, houve um salto significativo, sendo contabilizados 2.244 CRAS, em 1621
municípios (BRASIL, 2006).
Até dezembro de 2007, haviam sido cadastrados no MDS 4.182
CRAS, em 3.151 municípios, sendo a maioria na Região Nordeste, com 39,2%;
Sudeste com 33,3%; Sul com 12,2%, Norte com 8% e Centro-Oeste 7,2% (BRASIL,
2008a).
Assim são definidos os CRAS:
80
[...] é uma unidade pública estatal, que atua com famílias e indivíduos
em seu contexto comunitário, visando à orientação e fortalecimento
do convívio sócio-familIar. Nesse sentido, o CRAS é responsável
pela oferta e o desenvolvimento do Programa de Atenção Integral às
Famílias - PAIF
21
(BRASIL, 2004, p. 35).
O CRAS é uma unidade descentralizada da política de assistência
social destinada ao atendimento da população excluída do acesso
aos bens e serviços que vive em áreas com maior concentração de
pobreza. São realizadas atividades de caráter de proteção social
básica com o objetivo de inclusão e promoção social, bem como de
fortalecimento dos vínculos sociais e participação popular
(SILVEIRA; COLIN, 2006, p. 39).
Como foi destacado, o CRAS tem por atribuição a garantia do
acesso e/ou a oferta dos serviços socioassistenciais às famílias público-alvo da
Política de Assistência Social. Assim, as ações a serem prestadas devem ter
impactos na vida das pessoas que acessam tais serviços, como, por exemplo,
perspectiva da superação das condições de vulnerabilidade social e potencialidades
de riscos, por meio da efetivação dos direitos às seguranças sociais afiançadas.
O CRAS é uma unidade do Sistema Único da Assistência Social
SUAS - sendo a estrutura de referência, descentralizada, e estrategicamente
territorializada. Ele possibilita a aproximação da população e identifica as
desigualdades, por meio de um equipamento de prestação de serviços de Proteção
Social Básica. Conforme define a PNAS, para a operacionalização, deve-se dispor
de atendimento socioeducativo, individual e grupal, com famílias; grupos de
convivência, ações de inclusão produtiva e capacitação para o mercado de trabalho.
Quando comparado ao Sistema Único da Saúde SUS - o CRAS
está para o SUAS, como a Unidade Básica de Saúde está para o SUS, ou seja,
tanto o CRAS, como a Unidade Básica de Saúde são lugares onde o usuário deve
receber os primeiros atendimentos, a acolhida e, quando necessário, deve ser
encaminhado para outros serviços da mesma política ou das demais.
São competências de atribuições do CRAS:
Executar serviços de proteção social básica;
Organizar e coordenar a rede de serviços socioassistenciais
locais da Política de Assistência Social;
Atuar com famílias em seu contexto comunitário;
Ser responsável pelo Programa de Atenção Integral às
Famílias PAIF;
21
Principal programa da Proteção Social Básica, do SUAS. Desenvolve ações e serviços continuados
para as famílias em situação de vulnerabilidade referenciada pelo CRAS.
81
Prestar informações e orientações para a população de sua
área de abrangência;
Articular com a rede de proteção social local no que se refere
aos direitos de cidadania, mantendo ativo um serviço de
vigilância social;
Sistematizar e divulgar os indicadores sociais de sua área de
abrangência, em conexão com os outros territórios;
Mapear e organizar a rede socioassistencial de proteção
social básica e promover a inserção das famílias nos serviços de
assistência social local;
Promover o encaminhamento da população local para as
demais políticas públicas e sociais, promovendo o
desenvolvimento de ações intersetoriais que visem à
sustentabilidade de forma a romper com o círculo de reprodução
intergeracional de exclusão social e evitar que essas famílias e
indivíduos tenham seus direitos violados, recaindo em situações de
vulnerabilidade e risco (BRASIL, 2006, p. 25).
Para a realização das suas competências, é necessário que o
CRAS, além de ser o equipamento físico que expressa o „corpo da Política de
Assistência Social descentralizada nos territórios de maior vulnerabilidade social,
deve também manter uma equipe técnica de referência mínima para a execução de
ações e serviços para as famílias, sendo esta constituída por assistentes sociais,
psicólogos, serviços administrativos, serviços gerais, estagiários e coordenador.
Outro aspecto inovador na proposta é a orientação do trabalho da
psicologia e do serviço social, compondo a dupla psicossocial, que deve atuar de
maneira convergente, contínua e interdisciplinar.
Estes profissionais deverão ter capacitação e orientação de forma
continuada, considerando a natureza do serviço, as especificidades étnicas,
culturais, geracionais e gênero da população e do território. Para isso, é
indispensável o estabelecimento de relações com lideranças e demais serviços
comunitários. Assim, os municípios devem compor suas equipes a partir das
necessidades apresentadas pelas famílias e pelo território.
A NOB/SUAS (2005) orienta que, para a instalação do CRAS e de
outros serviços da Proteção Social Básica, devem-se considerar os indicadores de
vulnerabilidades dos territórios. Tal orientação tornou-se imprescindível para que os
usuários demandatários dos serviços tenham o direito socioassistencial da
acessibilidade garantido. No que se refere às demais áreas que estiverem longe do
local do CRAS, devem ser atendidas de maneira descentralizadas com estratégias
82
interventivas in locus, ou seja, com atendimentos domiciliares, ações conjuntas com
a comunidade, entre outros deslocamentos da equipe.
O espaço físico do CRAS tem de possuir e ofertar infra-estrutura e
condições logísticas compatíveis com as ações dos serviços ofertados. Ainda, de
acordo com a orientação do NOB/SUAS, o local de instalação do CRAS deve
abrigar, no mínimo, três ambientes com definições distintas e bem definidas:
recepção, sala de atendimento e sala para reuniões; possuir móveis e
equipamentos, como telefone, computador, mesas, cadeiras, entre outros que
também devem ser compatíveis com as ações desempenhadas.
Em casos de implantação de CRAS em locais e públicos
específicos, como indígenas, quilombolas, ribeirinhas, é fundamental que, no
momento da elaboração do projeto arquitetônico, considerem-se as questões sócio-
culturais destes povos, para que haja acolhimento, expresse identidade e atenda às
necessidades das referidas pessoas. Para tanto, o espaço físico que será a
referência da Assistência Social no território deve possuir a identidade visual, ou
seja, explicitar qual o serviço prestado; quem são os destinatários; quem financia;
quais os serviços ofertados entre outros.
São muitos os desafios para a implantação desta nova política, que
exige um conjunto de fatores articulados entre si, mas, em especial, as condições de
trabalho, como ressalta Paiva (2006, p. 11):
Tal projeto requer, porém, o preenchimento de um importante hiato: a
precariedade técnica e teórica dos operadores dessa política pública,
em termos de saberes, mas sobre tudo, em termos de condições de
trabalho infra-estrutura institucional e valorização salarial e a
complexa densidade política e também teóricometodológica que o
campo socioassistencial requer. Isto solicita o fortalecimento da
dimensão político-pedagógica do direito socioassistencial, com base
no rigor técnico e político essencialmente democráticos para o
planejamento, gerenciamento e controle social, capazes de mobilizar
e potencializar a decisiva participação da população, diretamente e
de forma emancipadora.
Para muitas famílias, o CRAS é o local de acesso à informação
acerca de outras políticas, em especial, de acesso aos direitos socioassistenciais,
além de referência para orientação e encaminhamentos para serviços da Proteção
Social Especial, dentre eles o Programa de Atenção Integral à Família PAIF
22
.
22
Implantado pelo Governo Federal, por meio do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, em 18 de abril de 2004, através da Portaria 78. Primeiramente denominado Plano Nacional
83
A consolidação da Política de Assistência Social deve se constituir
em esforços concentrados entre os entes federados no sentido de criar mecanismos
para o enfrentamento e superação de antigas práticas, concepções, bem como o
cumprimento da destinação de orçamentos e recursos para a execução dos
serviços, programas, projetos e benefícios estabelecidos pela atual Política Nacional.
Compreendemos que a Política de Assistência Social, como Política
de Proteção Social, compondo a Seguridade Social, vem ocupando importante
espaço nos últimos anos no Brasil. Uma demonstração disso é a construção de
mecanismos que viabilizam condições de acesso aos direitos sociais para a
população especifica desta política, como, por exemplo, a Política Nacional de
Assistência Social PNAS de 2004 e a sua operacionalização através do Sistema
Único de Assistência Social SUAS.
A implantação desta nova forma de se fazer Assistência Social, tem
condições de criar, nos municípios, uma nova arquitetura institucional, ética, política
e informacional para a Política de Assistência Social.
No entanto, a efetivação desse Sistema, descentralizado e
participativo, em especial no seu modo de gestão, ainda tem desafios a serem
superados.
Em 2007, com o envolvimento de milhares de pessoas, através de
um processo de planejamento participativo de grande escala, o MDS instituiu o
Plano Decenal da Assistência Social SUAS Plano 10, que tinha como objetivo a
projeção e operacionalização de uma nova metodologia da política para os próximos
10 anos. (BRASIL, 2007).
A partir do referencial teórico construído, analisaremos, no próximo
capítulo, a maneira pela qual ocorreu à implantação do equipamento de
operacionalização da Política de Assistência Social, de forma descentralizada, ou
seja, as unidades de CRAS nos municípios da Região da AMEPAR.
de Atendimento Integrado à Família, PNAIF, em 19 de maio de 2004, tornou-se serviço de ação
continuada da Assistência Social, através do Decreto 5.085/2004.
84
CAPÍTULO III
3 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO CRAS NA REGIÃO DA AMEPAR:
REFLETINDO SOBRE OS CAMINHOS DA MUDANÇA
O presente capítulo tem como objetivo analisar o processo de
implantação dos CRAS em quatro municípios da região da AMEPAR, definidos por
critérios apontados. Sendo de maneira representativa, elegemos para compor a
amostragem: 4 municípios pertencentes à área de abrangência da região AMEPAR,
sendo um município de pequeno porte 1, um município de pequeno porte 2, um
município de médio porte e um município de grande porte. Como definido na Política
Nacional de Assistência Nacional de 2004, dentre as referências de municípios
brasileiros, não será selecionada uma metrópole, justificada pela ausência desta na
região:
a) Município onde já houve implantação de CRAS;
b) Municípios que possuíssem, em seu quadro funcional,
profissionais que acompanharam a implantação do CRAS e que
ainda estivessem atuando no momento da realização das
entrevistas;
c) Municípios onde os profissionais aceitassem participar
voluntariamente da pesquisa, de acordo com os critérios éticos de
anonimato.
Além disso, constará neste capítulo, a abordagem sobre
territorialização, considerando que a temática aparece várias vezes por ocasião das
entrevistas; a caracterização da região por meio de sua localização pelo mapa
político e pela tabela dos dados: número total de habitantes, os residentes na área
rural e na urbana; porte, e níveis de gestão da Política de Assistência Social,
conforme demonstrada na tabela 1. Constará também à análise das entrevistas,
conforme os eixos complementares e convergentes, a saber: a) o que motivou a
implantação do CRAS; b) os serviços que o CRAS desenvolve, e; c) os aspectos
positivos e negativos desta implantação.
85
Ainda, buscou-se para a compreensão deste processo, o
aprofundamento investigativo de aspectos, tais como qual a compreensão das
orientações da Política Nacional de Assistência Social PNAS; as condições
objetivas para a implantação e desenvolvimento das ações (espaço físico, equipe
técnica e recursos); articulação com a rede governamental e socioassitencial no
período da implantação e a relação com os serviços; quais os serviços que o CRAS
desenvolve, e os avanços e desafios a partir da avaliação técnica entre os
participantes entrevistados.
O aprofundamento da análise implicará na avaliação dos aspectos
comuns e contraditórios das falas em relação ao referencial teórico e às diretrizes
atuais da Política Nacional de Assistência Social - PNAS - especificamente no que
concerne ao processo de implantação do Centro de Referência de Assistência Social
- CRAS, por entendermos que este equipamento constitui-se como porta de entrada
do sistema de proteção, bem como a congregação de ações que concretizam as
seguranças afiançadas por esta política.
Descentralizar a Política de Assistência Social através da
implantação do CRAS é criar condições para o desenvolvimento de discussões,
debates, reflexões e tomada de decisões mais próxima da realidade vivida pela
população, isto nas áreas de maior vulnerabilidade, onde a dinâmica dos problemas
acontece. Essa forma de gestão permite maior chance de se ter respostas concretas
e mais rápidas, além de ser uma forma de dividir poderes, ainda possibilita o
desenvolvimento local. Em fase disso, avaliamos ser necessária uma abordagem
sobre território.
3.1 TERRITORIALIZAÇÃO
O processo da globalização exige novas adequações no
funcionamento da sociedade. A determinação‟ do crescimento polarizado e
centralizado invade as regiões, confronta-se com a imagem de fragmentação
econômica, social e territorial. A ameaça da existência de um núcleo globalizado
desconsidera a existência de grupos sociais.
86
O Brasil tem alta densidade populacional em seus 5.564
23
municípios e, considerando a sua heterogeneidade e desigualdades econômicas,
sociais, políticas e culturais entre suas regiões, é urgente e necessário pensar as
ações da Política de Assistência Social na perspectiva socioterritorial. Sposati (2008)
acrescenta que o país apresenta diversidade na habilidade de gestão destes
municípios, acentuada pelos níveis de desigualdade do desenvolvimento econômico
social entre eles.
A definição de prioridades na elaboração de programas, projetos e
serviços a partir do princípio de que todos os municípios se encontram em situações
semelhantes não responde às diversas demandas diante da presença das marcas
da desigualdade social, assim, devem-se associar as diversas informações acerca
da realidade demográfica e socioterritorial (BRASIL, 2005b).
Koga (2003) reforça essa importância, devido à ênfase dada à
descentralização e municipalização das políticas públicas a partir da Constituição
Federal de 1988. Assim, é fundamental a discussão e reflexão acerca destas
políticas, o que nos remete à importância da regulação ampla e, ainda, a defesa de
universalização do direito, não se permitindo a focalização ou a
desresponsabilização do Estado em garantir estes direitos.
O princípio da descentralização está previsto nesta Constituição,
reafirmado nas regulamentações das Políticas Públicas. No caso da Política da
Assistência Social, consta na Lei Orgânica da Assistência Social, em seu Art. 6º:
As ações da área de assistência social são organizadas em sistema
descentralizado e participativo, constituído pelas entidades e
organizações de assistência social abrangidas por esta Lei, que
articule meios, esforços e recursos, e por um conjunto de instâncias
deliberativas compostas pelos diversos setores envolvidos na área
(COLIN, 1999, p. 39).
A criação de condições para o desenvolvimento dos municípios e
territórios locais, consiste em potencializar e fortalecer o desenvolvimento
socioeconômico a partir da mobilização dos recursos locais, como humanos e
financeiros, dessa forma possibilitando os resultados financeiros ficarem no
próprio município.
O esforço para enfrentar o direcionamento da globalização é
expresso através do aumento de experiências inovadoras de desenvolvimento
23
Fonte: Tese de Doutorado em Serviço Social de Sonia Regina Nozabielli, 2008.
87
econômico local, exemplificadas por pequenos empreendimentos, associativismo,
mercado popular, entre outras iniciadas ainda na década de 1990.
No que se refere à elaboração da Política de Assistência Social,
considerando as situações de vulnerabilidades e potencialidades da população, é
necessário, além da leitura territorial
24
, ou seja, a interpretação dos indicadores
sociais do município ou do território, também a construção de ações, juntamente
com as demais políticas públicas na perspectiva de enfrentar e/ou prevenir situações
de risco.
As ações da Política de Assistência Social, de forma
descentralizada, possibilitam o fortalecimento da relação entre o Estado e a
sociedade civil, a participação dos usuários através do exercício do controle social,
além de propiciar a informação mais rápida, monitoramento, avaliação e a
sistematização dos resultados.
Koga (2003, p. 26) destaca ainda:
Pensar na política pública a partir do território exige também um
exercício de revisita à história, ao cotidiano, ao universo cultural da
população que vive nesse território, se o considerarmos para além do
espaço físico, isto é, como toda gama de relações estabelecidas
entre seus moradores, que de fato o constroem e reconstroem.
Pensar/respeitar e considerar a cultura do território não é limitar-se a
acreditar que as relações de solidariedade comunitária sejam suficientes para lutar e
enfrentar as situações de exclusão social sentidas pela população, mas também
deve ser principalmente da responsabilização do Estado e o reconhecimento de que
as pessoas, as famílias e o território têm especificidades e particularidades que
devem ser respeitadas e valorizadas no processo de desenvolvimento, assim como:
A simples presença de uma política pública pode não revelar sua
capacidade de interferência nas situações de exclusão social,
visando colocar os sujeitos na condição de protagonistas a caminho
da inclusão social. Faz-se fundamental o modo pelo qual a política
pública opera, levando em conta a cultura, a geografia da própria
população com o qual trabalha e a participação dos cidadãos
(KOGA, 2003, p. 28).
24
Leitura territorial: expressão do conjunto das relações, condições e acessos inaugurados pelas
análises de Milton Santos, que interpreta a cidade com significado vivo a partir dos “atores que dele
se utilizam” (BRASIL, 2005a, p. 43).
88
Para Koga (2003), a compreensão acerca do território deve superar
o campo da geografia, devendo ser concebido e utilizado também pelas ciências
sociais, políticas, econômicas.
Sposati (2008) reforça que o território não é apenas a definição
física:
Território não é um terreno no sentido de uma dimensão de terra.
Território é dinâmica, pois para além da topografia natural, constitui
uma „topografia social‟ decorrente das relações entre os que nele
vivem e suas relações com os que vivem em outros territórios.
Território não é gueto, apartação, ele é mobilidade. Por isso discutir
medidas de um território é assunto bem mais complexo de que definir
sua área com densidade. Implica considerar o conjunto de forças e
dinâmicas que nele operam (SPOSATI, 2008, p. 9).
Para Santos citado por Koga (2003), o território pode ser entendido a
partir da perspectiva de uma categoria de análise, uma vez que seu entendimento
não é de um conceito estanque e/ou cristalizado, pois possui uma plasticidade e
dinâmica que converge para seu entendimento juntamente com outros aspectos, por
exemplo, a população local, demográfica, aspectos geográficos e topográficos,
cultura local, história do território, identidade dos moradores, demandas, rede e bens
de serviços:
O território em si, para mim, não é um conceito. Ele se torna um
conceito utilizável para a análise social quando o consideramos a
partir do seu uso, a partir do momento em que o pensamento
juntamente com aqueles atores que dele utilizam (SANTOS apud
KOGA, 2003, p. 35).
A interpretação dessa relação possibilita a compreensão do
funcionamento da dinâmica e da vida das pessoas de um determinado lugar. Sposati
(2009, p. 17) coloca:
A concretização do modelo de proteção social sofre forte influência
da territorialidade, pois ele se instala, e opera, a partir das forças
vivas e de ações com sujeitos reais. Ele não flui de uma fórmula
matemática, ou laboratorial, mas de um conjunto de relações e de
forças em movimento.
No caso específico da Política de Assistência Social, no nível de
proteção básica, torna-se necessário que a mesma seja prestada de forma
territorializada, considerando que essa forma é o contraponto de ações
centralizadas, facilitando o diálogo com variedades de sujeitos e a delegação de
89
poder, em função de seu caráter preventivo e do baixo nível de complexidade
(SPOSATI, 2008).
O Sistema Único da Assistência Social - SUAS traz, como um dos
princípios a territorialização. Sposati (2009, p. 45) faz importante contribuição acerca
dessa temática:
Territorialização é uma dimensão da política que supõe o
reconhecimento da heterogeneidade dos espaços em que a
população se assenta e vive bem como o respeito cultural aos seus
valores, referência e hábito. Tem como perspectiva a inserção do
cidadão e a manutenção da expressão de indivíduo. Também por
entendimento e identificação das efetivas condições de vida do
território onde ele vive com sua família. Certamente, o nível de
qualidade de um território pode ser fator de proteção e/ou
desproteção.
Uma das estratégias para operacionalização desse princípio é a
implantação do Centro de Referência de Assistência Social - CRAS - nos territórios
de vulnerabilidade dos municípios.
Essa nova forma de fazer a gestão da Política de Assistência Social,
em especial a territorializada, traz novos desafios, como a necessidade de
instrumentalizar a sociedade para exercer a vigilância sobre os serviços.
O CRAS, nesta perspectiva, exerce a função de referência da
Política de Assistência Social no território, detecta as demandas das situações de
vulnerabilidade e risco social, devendo criar condições de garantir ao usuário acesso
à renda, serviços, programas, projetos e benefícios, a partir das diferentes
demandas, além de exercer a contra referência, nos casos de encaminhamentos
para os serviços de níveis de maior complexidade, e para os serviços de outras
políticas.
Esses encaminhamentos se efetivam e têm mais resolutividade
quando articulação entre o CRAS e a rede socioassistencial. Essa articulação
significa a construção de um processo de aproximação entre diferentes
organizações no território, a partir da socialização, compreensão e pactuação das
formas de funcionamento, dinâmicas, responsabilidades e objetivos, de forma a
associar interesses distintos destas organizações e o fortalecimento dos interesses
comuns.
A articulação das políticas públicas, entidades e organizações, que
ofertam ações de proteção para a população em situação de vulnerabilidade na área
90
de abrangência do CRAS, consiste no estabelecimento de contatos, combinados,
alianças, fluxos de encaminhamentos e informações entre o Centro de Referência de
Assistência Social e os outros serviços/equipamentos da proteção social básica e
proteção especial, com a intencionalidade de criar condições de acesso aos direitos
socioassistenciais e direitos sociais, fortalecer vínculos e possibilitar troca de
experiências e a busca de apoio entre os diversos serviços setoriais, como a escola,
unidade básica de saúde, grupos sociais, organizações comunitárias .
O desafio está colocado:
A operacionalização da política de assistência social em rede, com
base no território, constitui um dos caminhos para superar a
fragmentação na prática dessa política. Trabalhar em rede, nessa
concepção territorial, significa ir além da simples adesão, pois
necessidade de se romper com velhos paradigmas, em que as
práticas se construíram historicamente pautadas na segmentação, na
fragmentação e na focalização, e olhar para a realidade,
considerando os novos desafios colocados pela dimensão do
cotidiano, que se apresenta sob múltiplas formatações, exigindo
enfrentamento de forma integrada e articulada (BRASIL, 2005a, p.
44).
A Política Nacional de Assistência Social - PNAS - de 2005,
caracteriza os municípios do país, a partir do porte demográfico, associado aos
indicadores socioterritoriais. Essa política utiliza como referência a classificação dos
municípios como de pequeno, médio e grande porte
25
, a mesma utilizada pelo IBGE,
e ainda associando outras referências de análise, como a Metrópole:
Municípios de pequeno porte 1 entende-se por municípios de
pequeno porte 1 aquele cuja população chega a 20.000
habitantes (até 5.000 famílias em média. Possuem forte presença
de população em zona rural, correspondendo a 45% da
população total. Na maioria das vezes, possuem como referência
municípios de maior porte, pertencentes à mesma região em que
estão localizados. Necessitam de uma rede simplificada e
reduzida de serviços de proteção social básica, pois os níveis de
coesão social, as demanda potenciais e redes socioassistenciais
não justificam serviços de natureza complexa. Em geral, esses
municípios não apresentam demandas significativa de proteção
especial, o que aponta para a necessidade de contarem com a
referência de serviços dessa natureza na região, mediante
prestação direta pela esfera estadual, organização de consórcios
intermunicipais, ou prestação por municípios de maior porte, com
co-financiamento das esferas estaduais e federal.
25
Forma de definição utilizada no Plano de Assistência Social, tomando como base a divisão do IBGE
(BRASIL, 2005a).
91
Municípios de pequeno porte 2 entende-se por municípios de
pequeno porte 2 aqueles cuja população varia de 20.001 a
50.000 habitantes (cerca de 5.000 a 10.000 famílias em média).
Diferenciam-se dos pequeno porte 1 especialmente no que se
refere à concentração da população rural que corresponde a 30%
da população total. Quanto as suas características relacionais
mantêm-se as mesmas dos municípios pequeno 1.
Município de médio porte entende-se por municípios de médio
porte aqueles cuja população está entre 50.001 a 100.000
habitantes (cerca de 10.000 a 25.000 famílias). Mesmo ainda
precisando contar com a referência de municípios de grande
porte para questões de maior complexidade, possuem mais
autonomia na estruturação de sua economia, sediam algumas
indústrias de transformação, além de contarem com maior oferta
de comércio e serviços. A oferta de empregos formais, portanto,
aumenta, tanto no setor secundário como no de serviços. Esses
municípios necessitam de uma rede mais ampla de serviços de
Assistência Social, particularmente na rede de proteção social
básica. Quanto à proteção especial, a realidade de tais
municípios se assemelha a dos municípios de pequeno porte, no
entanto, a probabilidade de ocorrerem demandas nessa área é
maior, o que leva a se considerar a possibilidade de sediarem
serviços próprios dessa natureza ou de referência regional,
agregando municípios de pequeno porte no seu entorno.
Municípios de grande porte entendem-se por municípios de
grande porte aqueles cuja população é de 101.000 habitantes até
900.000 habitantes (cerca de 25.000 a 250.000 famílias). São os
mais complexos na sua estruturação econômica, pólos de regiões
e sedes de serviços especializados.Concentram mais
oportunidades de emprego e oferecem maior número de serviços
públicos, contendo também mais infra-estrutura. No entanto, são
os municípios que, por congregarem o grande número de
habitantes e, pelas suas características em atraírem grande parte
da população que migra das regiões onde as oportunidades são
consideradas mais escassas, apresentam grande demanda por
serviços das várias áreas de políticas públicas. Em razão dessas
características, a rede socioassistencial deve ser mais complexa
e diversificada, envolvendo serviços de proteção social básica,
bem como uma ampla rede de proteção especial (nos níveis de
média e alta complexidade).
Metrópoles entende-se por metrópole os municípios com mais
de 900.000 habitantes (atingindo uma média superior a 250.000
famílias casa). Para além das características dos grandes
municípios, as metrópoles apresentam o agravante dos
chamados territórios de fronteira, que significam zonas de limites
que configuram a região metropolitana e normalmente com forte
ausência de serviços do Estado (BRASIL, 2005a, p. 45-46).
A definição dessa classificação tem como propósito identificar
algumas características mais importantes dos municípios para que seja possível a
construção da leitura e da interpretação das realidades, considerando as
particularidades e especificidades dos territórios, além de contribuir para a
92
organização do SUAS a partir do porte do município. No entanto, independente da
classificação do porte, os municípios devem oferecer, para sua população, serviços
da Proteção Social Básica da Política de Assistência Social. As demais ações da
Proteção Social Especial, de média e alta complexidade, dependerão de alguns
fatores como a classificação do porte (NOZABIELLI, 2008).
Para e utilização da territorialidade na Política de Assistência Social,
Silveira e Colin (2006, p. 27) coloca que:
Permite afirmar que os territórios vividos expressam, essencialmente:
uma realidade social particular a uma realidade geral, que explicita
parte de suas demandas relativas às necessidades sociais por meio
de indicadores; redes socioassistenciais; e força sócio-política, no
sentido da organização, resistência e luta. Assim, a dimensão da
territorialidade pode se realizar como movimento que faz emergir, na
produção e reprodução das relações sociais, processos geradores
das necessidades sociais.
Para assegurar os direitos socioassistenciais, o CRAS tem, sob sua
atribuição, a leitura de vulnerabilidade territorial, a articulação da rede, a gestão de
benefício, a oferta de acompanhamento sociofamiliar e convivência comunitária.
Portanto, no processo de análise, serão considerados os avanços no sentido de
implantar estes serviços dentro das proposições a ele referentes.
A análise dos serviços prestados pela Política de Assistência Social -
PAS - em nível de proteção social básica não poderia deixar de considerar este
caráter descentralizado e territorializado da rede de serviços, que apresenta
diferentes configurações, determinadas pelo porte das cidades e pelas
características dos locais nos quais os CRAS foram instalados.
A descentralização e territorialização da P.A.S., através da
implantação do CRAS, possibilitaram a aproximação com o usuário, facilitando o
atendimento neste nível de proteção. Outro fator que a territorialização facilita é a
intersetorialidade, tornando os serviços mais complementares e instalando uma
forma de gestão, como defende Menicucci em Brasil (2004, p. 44):
O novo paradigma para a gestão pública articula descentralização e
intersetorialidade, uma vez que o objetivo visado é promover
inclusão social ou melhorar a qualidade de vida, resolvendo os
problemas concretos que incidem sobre uma população em
determinado território.
Nesta linha, faz-se mister apresentar, a partir de agora, os dados
referentes ao universo estudado.
93
3.2 O TRATAMENTO DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS NAS ENTREVISTAS
As entrevistas foram previamente agendadas diretamente com o
gestor e com o profissional. Realizadas no período de novembro e dezembro de
2008, com auxílio de gravador. Posteriormente, foram transcritas no redator de texto.
Vale ressaltar que as transcrições mantiveram integralmente as falas dos
informantes, preservando-se, inclusive, traços próprios da língua falada, tais como
expressões orais, interjeições, repetições, hesitações e até erros não aceitos pela
língua escrita padrão.
O momento da transcrição dos dados é entendido por Minayo (2002)
como um dos procedimentos primários na sua proposta de análise de dados em
pesquisas qualitativas por análise de discurso. Para a autora, trata-se da „Ordenação
dos Dados‟.
Para Laurence Bardin (1979), essa proposta metodológica permite
uma análise de conteúdo a partir da codificação das informações, as quais passam
pela transformação de dados brutos do texto para a agregação e enumeração,
permitindo uma representação do conteúdo, quando analisado. Especificamente
neste trabalho, os dados brutos, que eram os conteúdos transcritos das entrevistas,
foram recortados e agregados, procurando demonstrar a implantação do CRAS em
quatro municípios da AMEPAR.
3.3 REGIÃO DA AMEPAR
A Associação dos Municípios do Médio Paranapanema (AMEPAR),
instaurada como locus de nossa pesquisa, é composta por 22 municípios localizados
na região norte do Paraná, no Terceiro Planalto, porção centro norte do Paraná,
tendo a cidade de Londrina como polo, constando na tabela 1 a relação desses
municípios.
A base territorial da região da AMEPAR, têm, aproximadamente, um
milhão de habitantes, sendo referência, no Para, em saúde através do importante
Centro Universitário, aeroporto, rede hoteleira, rodovias, ferrovias e outros. Tem a
94
economia voltada para agricultura, indústria e comércio. Desde o período de
colonização do Norte do Paraná, esta região foi conhecida como eldorado, devido à
fertilidade da terra, depois de passar por profundas mudanças em sua principal
atividade econômica, em especial após o declínio como polo produtor de café nos
anos 60 (UEL, 2009).
Atualmente, apresenta índices gerais positivos, como, por exemplo,
o segundo melhor desempenho econômico do Estado do Paraná. No entanto,
evidencia as contradições entre riqueza e pobreza, problemas crônicos que expõem
6,97% da população que não possui renda, ou a tem no máximo até R$60,00. Este
valor não permite o suprimento das necessidades básicas diárias, agravadas pelo
desemprego, analfabetismo, falta de moradia e insegurança.
A AMEPAR exibe semelhanças comuns a outras regiões do Estado
do Paraná, no que se refere à dinâmica da pobreza. O principal motivo é
conseqüência do acelerado processo de urbanização ocorrido nos municípios de
pequeno e médio porte, iniciado a partir de 1970, o que resultou em um alto índice
de pobreza, agravado com a contradição do escasso investimento político e
financeiro nas políticas sociais, evidenciado nos serviços insuficientes para parte da
população (Rizzotti, 1999).
Entretanto, o estudo do Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR -
revela que a região da AMEPAR se encontra em melhor situação, quando
comparada com os mesmos dados de outras regiões do Estado, e até mesmo
quando comparada com o próprio Estado. Ainda assim, o Paraná concentra 10,83%
da população vivendo abaixo da linha da pobreza (PARANÁ ONLINE, 2008).
95
Tabela 1: Informações acerca dos municípios componentes da AMEPAR
Municípios da
AMEPAR
População
Rural
População
Urbana
Total
Porte
Nível
Gestão
Alvorada do Sul
2. 098
6.916
9.014
P. 1
Inicial
Arapongas
2.952
93.717
96.669
Médio
Inicial
Bela V. do Paraíso
1. 249
13.747
14.996
P. 1
Inicial
Cafeara
643
2.059
2.702
P. 1
Inicial
Cambé
3.523
89.365
92.888
Médio
Plena
Centenário do Sul
2. 018
9. 229
11.247
P. 1
Básica
Florestópolis
1.197
10. 374
11.571
P. 1
Inicial
Guaraci
978
4.015
4.993
P. 1
Inicial
Ibiporã
2.704
42.454
45.158
P. 2
Plena
Jataizinho
727
10.517
11.244
P. 1
Inicial
Jaguapitã
1.814
9. 968
11.782
P. 1
Inicial
Londrina
13.934
483.899
497.833
Grande
Plena
Lupionópolis
792
3.583
4.375
P. 1
Inicial
Miraselva
547
1.352
1.899
P. 1
Inicial
Pitangueiras
761
1.903
2.664
P. 1
Inicial
Porecatu
2.888
11.286
14.174
P. 1
Básica
Prado Ferreira
482
2.862
3.344
P. 1
Inicial
Primeiro de Maio
991
9.762
10.753
P. 1
Inicial
Rolândia
3.252
50.185
53.437
Médio
Plena
Sabáudia
1.155
4. 292
5.447
P. 1
Inicial
Sertanópolis
1.975
13. 510
15.485
P. 1
Inicial
Tamarana
5.549
5.338
10.887
P. 1
Inicial
Fonte: BRASIL, 2008c
Percebemos, na tabela acima, que dos 22 municípios da Região da
AMEPAR, 81,82% figuram como de pequeno porte. Apesar de constituírem a
maioria dos municípios, sua população representa apenas 15,72% dos 932.562
habitantes; 72,72% desses municípios estão habilitados em gestão inicial, 9,09% em
básica e 18,18% em plena. Dos municípios habilitados em gestão inicial, 15 são de
96
pequeno porte e 01 de médio porte. Isso significa que os municípios de porte menor
demonstram que a operacionalização da Política de Assistência Social ainda tem
muitas dificuldades a serem superadas, além das 121.156 pessoas que estão sem
acesso ou têm acesso limitado aos serviços disponibilizados nos municípios com
outros níveis de gestão.
Percebemos, também, quando comparamos os dados da tabela com
outra tabela construída em 2001, com alguns indicadores iguais, que, dos
municípios de pequeno porte, 33% tiveram redução expressiva na sua população,
enquanto que todos os de médio porte e o município de grande porte apresentaram
ampliação na população, o que pode nos indicar que seus moradores estão
buscando municípios de porte maior com oferta maior de serviços das políticas
públicas.
Verificamos, expressamente, a diferença na densidade populacional
do menor município, Mirasselva, com 1.899, com o maior município, Londrina de
497.833 habitantes, o que significa que 53,38% da população está concentrada num
único município de grande porte.
Mapa 1: Mapa Político do Paraná / AMEPAR
Fonte: Rizzotti (1999).
97
Tabela 2: Informações acerca dos municípios pesquisados
Municípios Pesquisados
Porte
Nível de Gestão
1
Médio
Plena
2
Pequeno 1
Inicial
3
Pequeno 2
Plena
4
Grande
Plena
3.4 A CONFIGURAÇÃO DOS CRAS NOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO DA AMEPAR,
A PARTIR DO UNIVERSO ESTUDADO
Nesta seção será apresentado o entendimento dos profissionais
entrevistados acerca do processo de implantação e funcionamento dos CRAS em
seus municípios. A análise dos dados está organizada pelos eixos apontados
acima (processo de implantação, serviços executados, avanços e desafios), nos
quais se identificou as condições para inserção dos municípios nos novos ditames
da política. Os conteúdos apontados nas entrevistas foram organizados pela lógica
de municípios. Nesta linha, os aspectos comparativos se deram entre os municípios
e não entre os profissionais.
3.4.1 Processo de Implantação do CRAS
Neste eixo de análise, avaliaram-se as condições objetivas, a
participação do conselho municipal, comprometimento político dos gestores, assim
como o posicionamento profissional dos entrevistados.
Em dois dos municípios, os depoimentos apontam que a
implantação do CRAS surgiu após terem tido contato com as determinações da
PNAS/2004. A estrutura deste modelo de serviço, segundo os mesmos, não
constava em sua rede de serviços.
98
A gente começou a mexer com o projeto do CRAS, ou perdão, a
gente começou a mexer com a documentação do SUAS, onde vinha
tudo da nova política, onde vinha todos os meios de proteção social
básica, proteção social especial, quais que era é [...], e o que
necessitava para os níveis de gestão (MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
[...] com a orientação da política nacional aprovada, a política
nacional, a implantação do SUAS, a NOB, então, aqui no município,
com essa nova gestão em 2004, nós começamos a discutir muito
com a equipe (MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
E aí, com a vinda do Sistema Único de Assistência Social, a gente
estudando, sem entender muito como seria isso. Era muito novo, pra
nós, não sabíamos como ia ser e tal, nós, sentimos mesmo a
necessidade da instalação do CRAS. E o CRAS, ele veio pra
organizar o serviço mesmo (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
Observa-se nos discursos supracitados, que, a orientação do
SUAS embasou teoricamente a atuação das entrevistadas, no entanto, como ilustra
a terceira declarante, houve ausência de acompanhamento para a
operacionalização da proposta, uma vez que não eram descritos os procedimentos
para efetivação da implantação, conforme depoimento que indica a ineficiência de
acompanhamento: “O pessoal do escritório vieram na inauguração, depois nunca
mais vieram ver o que que sendo feito, tá!. Aí, a gente sente muita dificuldade
porque a gente está perdida nesse sentido (MUNICÍPIO 2, A. S. 1). Ainda, observa-
se que havia expectativas operacionais em relação às novas propostas que
poderiam promover a organização dos serviços socioassistenciais, reestruturando
também a rede sob novas bases.
Devido à falta desse acompanhamento, um dos municípios buscou o
modelo de implantação nas experiências de outros municípios da região que se
encontravam em processo mais avançado de implantação do CRAS:
A gente ainda está vendo assim, a gente está meio que perdida. A
gente está entrando em contato com os outros municípios, então
aqui, ainda o órgão gestor está aqui dentro do CRAS, a gente sabe
que não pode, apesar que eu não acho que não tem nada
(MUNICÍPIO 2, A. S. 2).
outro município menciona a existência de uma rede prévia,
instalada nos moldes descentralizados, que foi aprimorada a partir da PNAS/2004:
Os CRAS é, na verdade, como que se deu o processo. Em 2001, é, a
Secretaria de Assistência contava com uma equipe de catorze,
catorze técnicos Assistentes Sociais, que estavam distribuídos nas
regiões de maior vulnerabilidade (MUNICÍPIO 4, A. S. 1).
99
Havia um trabalho realizado naquela região, porque é uma região
que tinha havido atendimento também da ação comunitária da
Secretaria de Assistência (MUNICÍPIO 4, A. S. 2).
Em todos os municípios, a proposição inicial para a instalação partiu
dos Secretários da pasta de Assistência Social e de profissionais que atuavam na
área. Em dois municípios, há relatos da necessidade de convencer chefes dos
executivos quanto à importância desta implantação.
É, a gente conversando com ele (Prefeito), e vendo o que vinha de
proposta do, do SUAS, a questão da implantação do CRAS. Mas é,
nessa ocasião, é o prefeito ainda não tinha essa visão. Mesmo
porque, o município ele, ele vem com essa cultura de atendimento
imediato. É, a Assistência Social é pra quê? cesta básica,
medicamento, é auxílio, auxílios eventuais (MUNICÍPIO 2, A. S. 2).
Ele (prefeito) sabia porque, ele sabia da importância, sempre
argumentei muito com ele, sempre trouxe a ele, e ele tinha a
paciência de me escutar, e sempre demonstrou interesse em estar
escutando, e tentando aprender um pouco também, tanto que uma
vez ele viajou com a [risos] Secretária Nacional de Assistência Social
para Curitiba, e ela falou: Nossa, prefeito, você está sabendo do
SUAS, tudo do SUAS. ele falou: também a minha secretária me
faz uma capacitação, quando começa a falar e não para mais [risos],
não para mais, eu vejo quando ele umas engasgadas, ai eu me
pergunto será que ele está entendendo, meu Deus? Mas, enfim, mas
a gente sempre levou pra ele a importância (MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
Em um dos municípios, o convencimento do responsável pela
política em nível local se definiu não necessariamente pela importância da prestação
de serviços a serem ofertados para a população (público da Política de Assistência
Social), mas, principalmente, pela possibilidade de receber co-financiamento de
ordem federal. Mesmo embora nestas condições, este fato possibilitou o avanço da
proposta de implantação:
, eu falei assim: „você vai nessa reunião?‟, ele falou assim: „vou‟.
Eu falei assim: „olha, você vai ver que alguns municípios vão receber
recursos lá, porque tem CRAS. Ah, minha filha, na hora, aí ele foi. Aí
ele voltou todo empolgado. Ele falou assim: „nossa, mas vem recurso
federal?‟. Eu falei: „pois é, se a gente montar esse CRAS aqui, a
gente tem a possibilidade de futuramente está recebendo também
recurso federal‟. Ele falou assim: „não, tudo bem‟. [...] Ele falou: „o
que que você precisa?‟. „Eu preciso de salas e eu preciso de uma
equipe pra trabalhar. Eu preciso pelo menos de uma psicóloga, de
uma psicopedagoga, de uma recepcionista e eu preciso agora‟. ,
ele falou assim: não, pensar primeiro no local‟ (MUNICÍPIO 2, A. S.
1).
100
No entanto, a mesma entrevistada relata a dificuldade de
compreensão do prefeito no que tange à importância do serviço na garantia da
proteção social através da descentralização, uma vez que o chefe do executivo
referenciava a Política blica da Assistência Social de modo assistencialista.
Observa-se, assim, que a vinda do CRAS, a partir da proposta do SUAS, possibilitou
o reordenamento de formas de encarar a responsabilidade desta política pública:
É, a gente conversando com ele, e vendo o que vinha de proposta do
SUAS, a questão da implantação do CRAS. Mas é, nessa ocasião, o
prefeito ainda não tinha essa visão. Mesmo porque, o município vem
com essa cultura de atendimento imediato. É, a Assistência social é
pra quê? Dá cesta básica, dá medicamento, é auxílio, auxílios
eventuais? (MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
Quanto à participação do Conselho Municipal da Assistência Social
para a instalação do CRAS, em um dos municípios foi explicitada a ampla
participação das entidades e profissionais; por outro lado, também indica a
dependência do poder público para a efetividade do projeto de implantação, uma vez
que as deliberações deste Conselho eram morosas e faltava entendimento por parte
dos seus membros em relação à nova proposta:
Então, todo processo ia para o Conselho, toda discussão sempre na
reunião mensal do Conselho, ia pro Conselho e nas reuniões
participa quase todas as entidades assistenciais do município, tanto
governamental como não-governamental, tem uma boa participação
no Conselho Municipal de Assistência Social, então basicamente
eles acompanhavam todo processo e era eles que ficavam
empurrando para que saísse o CRAS, porque como eu disse, a
gente começou a mexer em 2005 eu voltei no final de 2006, ainda
tava mexendo, eu fiquei mais um ano e meio na Secretaria, e esse
CRAS não saia (MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
Outro apontamento recorrente nas entrevistas realizadas diz respeito
à preocupação dos municípios em conhecer os territórios para a definição dos locais
de implantação do CRAS. A tomada de decisão para a escolha do local mais
próximo do ideal se concretizou a partir de dois pressupostos: a vulnerabilidade da
região e a descentralização. O aspecto da leitura do território sob a lógica da
vulnerabilidade foi destacado por todos os municípios.
Tenho muitos casos aqui. É a maior dos atendimentos do plantão é
daqui. Até a própria geografia da cidade contribui, porque aqui são os
bairros periféricos, até a gente faz uma comparação com Londrina,
aqui seria o 5 conjuntos. Sim, é nossa área de abrangência, e é o
bairro que a gente tem, assim mais os casos mais terríveis
(MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
101
Agora, nós estamos passando pela fase da territorialização. Então
eles já sabem nos bairros os dias específicos pra tá vindo, os dias de
atendimento daquele setor. Nós temos, por exemplo, alguma
experiência de lugares mais longe que a Assistente Social vai uma
vez por semana pra fazer o atendimento lá (MUNCÍPIO 3, A. S. 2).
Para apossar-se da idéia de territorialização, faz-se necessário a
compreensão e a apropriação das informações e dados objetivos (medidas sociais),
referenciando também as condições advindas da diversidade histórica, social,
cultural, política, étnica/racial, gênero, classe social e econômica, crenças e valores
entre outros. Assim, refletir sobre as ações descentralizadas e o trabalho em
território com famílias requer a preocupação com estratégias e intervenções éticas,
atentando-se em relação às vulnerabilidades e potencialidades referentes às
especificidades do público-alvo.
O levantamento de dados de um território específico se fundamenta
a partir da proximidade e vinculação dos profissionais dentro do território do público
referenciado pelo CRAS. Essas informações, quando analisadas em conjunto, são
ferramentas essenciais para o conhecimento e o reconhecimento do território e para
a definição de serviços e ações descentralizadas e, desse modo, possibilita uma
leitura territorial, que favoreça intervenções mais direcionadas para as questões
emblemáticas daquela região em específico.
Para os municípios, a leitura territorial possibilitou a implantação do
CRAS. No município de porte maior, que implicou a instalação de maior número de
CRAS, o critério de descentralização pautou-se pela leitura de vulnerabilidades:
Foi se fazendo uma avaliação, a gente nem chamava de leitura
territorial até então, uma avaliação na região do público alvo da
Assistência Social, então, quem eram aquelas famílias, desde aquele
momento a gente já fazia cruzamento de informações, principalmente
com os programas da proteção especial: serviço de abordagem,
Abrigo e também uma avaliação da ampliação das regiões onde
existia atendimento descentralizado. Então, os bairros de maior
vulnerabilidade que, na medida em que a gente tinha equipe, a gente
ia ampliando. Então, dentro de dois indicadores: a necessidade do
atendimento, avaliando quais as regiões, comunidades ou bairros
com vulnerabilidades, a gente fazia essa troca de informação com
programas; e também, buscavam-se dados nas outras políticas,
principalmente saúde, educação; nós fazíamos vários cruzamentos,
por exemplo, com as crianças, naquele momento a gente tinha
serviço socioeducativo para criança e adolescente, também tava num
processo de mudança e aí essas crianças estavam dentro do Projeto
102
socioeducativo era necessário levantar quem eram aquelas famílias,
em algumas regiões até fazer esse cruzamento de informação da
vulnerabilidade dessas famílias e nas outras políticas: educação,
saúde, a evasão escolar principalmente e concomitante a isso,
iniciou-se o Programa de Transferência de renda Municipal, o Bolsa
Escola Municipal, que daí mereceu da gente um diagnóstico maior da
situação de alguns bairros do Município (MUNICÍPIO 4, A. S. 1).
O processo de tomada de definição de locais indicados para se
implantar o CRAS foi respaldado em dados oficiais e em realização de pesquisa em
parceria com instituição de ensino superior e outras secretarias municipais, no caso
deste município:
O planejamento da prefeitura, o setor de planejamento da prefeitura
que mexe com toda essa parte. Na época, a gente tinha estagiária da
UEL, tinha 5 estagiárias aqui. Aí, a gente fez um diagnóstico para
comprovar, nós elaboramos um instrumento, fizemos uma parceria
com a Secretaria de Saúde, para aplicar o instrumento através do
PSF, eles aplicaram o questionário que a gente elaborou, teve até a
supervisão da UEL na elaboração das perguntas, a gente queria
fazer um negócio bem legal, aí as estagiárias trabalharam juntas com
o PSF e eles entrevistaram um universo de 500 famílias e essas 500
famílias preencheram o questionário sobre a renda percapita, a
situação delas, se estavam trabalhando, foi muito interessante. A
gente achou família com renda de mais de ¼ que a gente achava
que era muito pobre e não era tanto assim. O resultado a gente
apresentou no Conselho e junto à proposta de implantação do Centro
de Referência, antes mesmo dessa proposta estar pronta, a gente
falou no Conselho das orientações do MDS, a gente convocava
reunião extraordinária para discutir sobre o CRAS (MUNICIPIO 1, A.
S. 2).
O estudo para definição do local a ser implantado o CRAS é
orientado pela NOB-SUAS/2005, que determina a implantação do CRAS em
localidades onde as familias tenham renda percapita de até meio salário mínimo.
Dessa forma, o estudo demonstra, além do respeito a normativas da PNAS/2004
também o compromisso com a população que deve ser atendida pelo serviço,
criando condições de acesso e o exercício da vigilância social:
Nós fizemos um diagnóstico no município, é fizemos todo um estudo
e a região de vulnerabilidade maior foi detectada numa outra região,
que é na saída da cidade. E como nosso porte, ele permite que a
gente tenha um CRAS, nós pensamos. Nós não tínhamos na época,
estrutura pra instalar dois CRAS e pra instalar mais um CRAS, que
realmente era o nosso desejo, também estaria dificultando as
demais, as demais população, porque o pessoal de uma outra região
não ia ter esse acesso. Então, nós estudamos, pensamos bastante e
pedimos a permissão pra que instalássemos ele central, pra que
todos tivessem o acesso ao atendimento (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
103
Dentre as escolhas de locais para a implantação de CRAS, pautadas
nos critérios da descentralização e das vulnerabilidades, houve o caso da instalação
na região central do município 3, conforme prevê orientação do MDS:
No caso de territórios com baixa densidade demográfica, com
espalhamento ou dispersão populacional [...] a unidade de CRAS
deverá localizar-se em local de maior acessibilidade, podendo
realizar a cobertura das áreas de vulnerabilidade por meio do
deslocamento de sua equipe (BRASIL, 2006a, p. 13).
Além da justificativa da facilidade de acesso de todo o município, o
porte deste também indica a quantidade de unidades a serem instaladas:
Naquela região, nós fizemos bastante discussões aqui, por que
assim... nós tínhamos que falar e nós tínhamos que fazer, a
orientação é que a gente fizesse e implantasse o CRAS em uma
região de maior vulnerabilidade do município, que daí nós
entramos com a seguinte discussão, se nós implantarmos num
determinado bairro, aqui a nossa atribuição é de implantar um CRAS,
a nossa responsabilidade é de um CRAS, porque nós somos
município de pequeno porte II, então se nós implantarmos esse
CRAS nessa região que a gente sabe? E, outra coisa, eles já
estão acostumados a vir na região central, então aqui nada é distante
da região central e as Assistentes Sociais vão até as famílias nos
bairros, então nós resolvemos com o conselho municipal, fizemos
várias discussões pra ver aonde que a gente implantaria esse CRAS,
e nós definimos que implantaria na região central, que seria o
acesso melhor para todos os nossos usuários de todas as regiões
(MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
Ainda, neste mesmo município, notam-se estratégias facilitadoras
para a prestação de serviço nas regiões periféricas do mesmo município, uma vez
que o CRAS foi instalado na região central. No entanto, é descrito no NOB-SUAS
(2005) que a implantação do CRAS “deverá situar-se em local de maior
acessibilidade, podendo realizar cobertura das áreas de vulnerabilidade por meio do
deslocamento de sua equipe” (BRASIL, 2008a, p. 14).
Sobre isso é indicado:
E nós chamamos de CRAS itinerante. São os dois CRAS itinerantes
que nós temos, foi o que deu para fazer para que as pessoas não
tivessem que se deslocar de tão longe (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
A descentralização das ações da Assistência Social, por meio do
CRAS, possibilitou a identificação de vulnerabilidades sociais e de novos serviços da
Política de Assistência Social até então não percebidas:
104
, o que acontecendo que eu acho interessante [...] começou a
detectar nas reuniões que alguns casos que começou a chegar dos
adolescentes eram de Proteção Social Especial e por falta do
CREAS a gente vai ter que pensar, precisa da equipe psicossocial.
está tudo complicado. Na Proteção Social Básica, o critério é a
renda, na proteção Social não é a renda. Mas até o final do ano a
gente implanta o CREAS (MUNICÍPIO 1, A. S. 1).
Especificamente, neste município, não existem favelas. Relata a
entrevistada que, muito embora existam famílias em situação de vulnerabilidades
sociais em muitas regiões (inclusive na central), a definição do bairro onde se
instalou o CRAS foi avaliada a partir das demandas apresentadas pelos usuários
atendidos no Plantão Social.
Em outro município, a definição do espaço físico do CRAS se
baseou na distinção do que era responsabilidade do órgão gestor executar e o que
era do equipamento descentralizado. Anterior a esta proposta, a definição da gestão
da Política de Assistência não era clara no que tange ao entendimento dos gestores
e funcionários, tanto quanto dos usuários que procuravam atendimento. Este
contexto de falta de compreensão dos papéis funcionais/operacionais contribuiu
para o processo de reordenamento institucional, conforme descrito abaixo:
Na Secretaria, ele funcionava todo aqui nesse setor, funcionava
também o plantão social, as pessoas procuravam aqui, virava uma
confusão aqui fora, eles subiam no gabinete, subiam na APMI. Eles
subiam, depois voltavam, encontrava a gente no corredor, depois
voltava, era bem confuso. E não existia documentação, era uma
parte bastante falha quando entrei aqui, que a gente percebia que a
documentação era muito precária, sabe, o registro de informações.
Então, nós começamos aos poucos. Bom, primeiro passo, nós
tínhamos que estabelecer metas pra, pra começar acontecer, o que
nós fizemos? Não. Temos que ter um espaço físico para o CRAS.
Então, nós fizemos o Secretário de Administração, fizemos uma
reunião, explicamos o que era e mostramos a importância de um
espaço fora da prefeitura, e dizer que aqui teria que ficar o órgão
gestor. Porque eles também não entendiam, e então porque não vai
todo mundo pra então e desocupa o prédio aqui? A verdade é
essa, vai todo mundo! Vai todo mundo então, porque, uai, tem que
ficar aqui vocês e uma parte pra atender, então vocês vão todos
pra lá. Não pode, tem que ficar o órgão gestor aqui e é o
atendimento, aqui é coordenação. E a gente explicando pra ele,
gradativamente (MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
Dentre as questões que envolviam a organização e descentralização
da Política da Assistência Social, percebeu-se a dificuldade da distinção das
105
responsabilidades de cada Política Setorial, uma vez que o público atendido era o
mesmo e o local de atendimento também. Tanto para os gestores e funcionários,
quanto para o público-alvo, a compreensão do que cabia a cada secretaria não
estava descrito e delimitado:
É uma demanda muito grande. Então, agendamento junto com a
Assistente Social é aquele agendamento de especialidade, que a
pessoa passa pelo médico, o clínico do município, ele manda pro
especialista em [nome do município]. E o agendamento é só feito pra
[nome do município]. Especialidade dali. Então, o que que acontecia,
tinha é, essas duas pessoas, três, que faziam esse agendamento.
Então, o fluxo era muito grande dentro daquela casa. E nós não
percebemos a necessidade de agendar o nosso atendimento. Então,
ficava aquele monte de gente da saúde, misturado com o nosso
pessoal, que a gente atendia, a nossa demanda, junto com a
demanda da saúde, junto com a demanda da defensoria, junto com o
Conselho Tutelar, junto (MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
[...] o CRAS é reconhecido agora, porque no começo, era assim;
que vai surgir novo, então faz aí. Então, agora, a gente consegue
falar isso é de CRAS, isso não é de CRAS, isso compete, isso não
compete. Agora sim, a gente tem uma visibilidade, a gente consegue
ter reconhecimento e a gente recebe sim encaminhamentos de
outras entidades e de outras pessoas que chegam até nós através
do posto (MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
Pelos dois relatos, fica evidente que, no primeiro discurso, não está
claro o que é de responsabilidade de cada Política Setorial, enquanto que, no
segundo, é indicado o reconhecimento do CRAS, enquanto equipamento da Política
de Assistência Social, que deveria atender suas especificidades, salientando a
importância do processo de legitimação da delimitação do que cabe a este
equipamento.
Em meio às dificuldades encontradas, destacaram-se também as
condições desfavoráveis que precederam a implantação, conforme indicado:
Não tinha estrutura nenhuma, não tinha um local fixo de
permanência, por exemplo, havia disponibilidade de uma igreja,
então duas vezes na semana eu fazia permanência naquela igreja eu
tinha o carro e uma mala. [...] Nenhuma estrutura eu não tinha
telefone, eu usava meu celular particular, quando eu precisava, eu
tinha, assim, uma mala com cadernos para fazer o controle com
formulários, com esse tipo de coisas (MUNICÍPIO 4, A. S. 2).
O processo de implantação, ou seja, a organização do espaço físico,
instalação de equipamento e formação da equipe constituiram-se em dificuldade
para alguns municípios;
106
Difícil. Complicadíssimo. Pra começar, como eu falei para você, nós
tivemos que re-utilizar um espaço, reformar e separar (MUNICÍPIO
1, A. S. 1).
A NOB/SUAS orienta para a implantação física do CRAS, a
composição mínima de funcionários para a efetividade de suas ações. No entanto, é
demonstrado, nos relatos anteriores, que o houve estruturas necessárias e
mínimas, ficando a cargo dos profissionais a responsabilidade de providenciar e criar
as condições e equipamentos para que se pudesse operacionalizar a prestação de
serviços.
Em relação ao potencial humano e efetivo, também houve
apontamentos, em dois dos municípios, que indicaram pouco investimento na
proposta:
Eu sozinha não dava conta e quando eu falo sozinha, eu era sozinha
mesmo, não tinha equipe, não tinha estagiário, não tinha motorista,
não tinha ninguém. Era eu que fazia todo trabalho tanto técnico como
administrativo que tinha que ser feito (MUNICÍPIO 4, A. S. 2).
Quando a gente veio para cá, começou o atendimento, eu era
sozinha aqui, eu fiquei dois meses sozinha, sozinha de tudo, não
tinha mais ninguém neste lugar, eu e Deus. Depois, eu tive uma
zeladora, depois teve uma psicóloga, que acabou não ficando, ela
ficou coisa de 20 dias a um mês (MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
No começo, foi transição do plantão social, com o diferencial da
reunião de acolhida, o que mudou naquele momento foi o
endereço, porque a gente saiu do centro e veio aqui, começamos
a fazer a reunião [...] É, eu falei sobre o CRAS, quando eu fui ao
posto, a enfermeira chefe solicitou que todos, no finalzinho da tarde,
as agentes de saúde, quem tivesse no posto para me ouvir, então foi
bacana, porque eu tive um certo público para poder me ouvir e elas
foram muito parceiras, porque foi onde que elas começaram a
divulgar, porque tanto eu levei material, como eu deixei um pouco
com elas o panfleto do CRAS, colocando os bairros que atendia, a
gente sempre falava, para ficar claro, a gente falava assim, tudo que
diz respeito à Assistência Social, agora é ali, então elas divulgaram
isso e foi onde a demanda começou a cresce, porque realmente nos
dois primeiros meses que eu fiquei sozinha, a demanda não era
muito grande mesmo, porque estava começando (MUNICIPIO 1, A.
S. 2).
o reconhecimento de que, no início, as instalações permitiam
poucos avanços, em especial pela deficiência no quadro funcional técnico,
demonstrando a dificuldade de cumprimento à orientação da NOB/SUAS (2005),
segundo a qual a equipe necessária se constitui a partir do número de famílias
107
referenciadas, conforme o primeiro depoimento do Município 1, A. S. 2. A situação
relatada ilustra as condições que impossibilitavam a ampliação da oferta de mais
serviços. O que ficou demonstrado no depoimento do mesmo município, e
reafirmado pela segunda Assistente Social foi a mudança do atendimento do espaço
físico, limitando-se apenas à continuidade do plantão social. No entanto, a
profissional buscou estratégia tanto para divulgar o serviço, que até aquele momento
era desconhecido, como também buscou parceria através da mobilização da rede de
saúde.
Em relação ao depoimento de que houve apenas uma transferência
do plantão social, Sposati (1992) coloca que esta modalidade de atendimento
entende-se como espaço de encaminhamento, ajuda individualizada, atendimento a
emergência, entre outros. Dessa forma, deve ser entendida como a porta de
entrada‟ e acolhida às famílias, através da inclusão em serviços da Política de
Assistência Social bem como o acesso às outras políticas. Essa situação,
geralmente, ocorre através da articulação com os serviços descentralizados nos
territórios, tais como a saúde e a educação.
Apesar das dificuldades enfrentadas, principalmente pela equipe,
também foi expresso o impacto nas melhorias das condições de atendimento com a
implantação do CRAS, evidenciado no depoimento abaixo:
A gente era tudo junto, assistência, educação, conselho tutelar,
agendamento da saúde. A gente tinha a salinha ali, sabe? Então,
entrava pela porta aqui do corredor, a gente atendia ali naquela
salinha. [...] , conversamos com o prefeito da gente mudar para
uma sala maior, sem o conselho e sem a educação, hoje o espaço é
bom, não é? (MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
Percebeu-se, nas entrevistas, que, através da implantação de
CRAS, houve um processo de expansão na Política de Assistência Social nos
municípios que priorizaram essa implantação. Isto foi possível através do
investimento financeiro municipal, de uma nova forma de relacionamento com a rede
socioassistencial e da mudança na concepção político-ideológica acerca dos
serviços. Ainda nestes municípios estudados, foi reconhecido o potencial do CRAS
na contribuição do fortalecimento da Política de Assistência Social, considerando
que este equipamento tem como pressuposto a acolhida das famílias no sistema
Único de Assistência Social SUAS.
108
3.4.2 Serviços Executados pelos CRAS
Neste eixo, foram analisados os serviços executados pelos CRAS,
com destaque ao acompanhamento sociofamiliar e articulação com a rede de
serviços, ainda abordando a questão das ações socioeducativas e a visão dos
profissionais acerca do usuário.
O Centro de Referência de Assistência Social é o equipamento que
expressa a descentralização da Política de Assistência Social, tendo como atribuição
precípua o desenvolvimento de serviços e ações de proteção social básica para as
famílias em situação de vulnerabilidades sociais, como, por exemplo, atendimento
individual/coletivo; atividades socioeducativas; convivências nas diversas faixas
etárias; implantação/implementação de ações de inclusão produtiva e capacitação
para o mercado de trabalho; gestão de benefícios federais e municipais; mobilização
e organização comunitária e articulação com a rede para garantir proteção social às
famílias atendidas.
Quanto à legislação em vigência, compreende-se como:
Serviços: atividades continuadas, definidas no art. 23 da LOAS, que
visam à melhoria na qualidade de vida da população e cujas ações
estejam voltadas para as necessidades básicas da população,
observando os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas nesta
lei. A PNAS prevê seu ordenamento em rede, de acordo com os
níveis de proteção social: básica e especial, de média e alta
complexidade.
Programas: compreendem ações integradas e complementares,
tratadas no art. 24 da LOAS, com objetivos, tempo e área de
abrangência definidos para qualificar, incentivar, potencializar e
melhorar os benefícios e os serviços assistenciais, não se
caracterizando como ações continuadas.
Projetos: definidos nos arts. 25 e 26 da LOAS, caracterizam-se
como investimentos econômico-sociais nos grupos populacionais em
situação de pobreza, buscando subsidiar técnica e financeiramente
iniciativas que lhes garantam meios e capacidade produtiva e de
gestão para a melhoria das condições gerais de subsistência,
elevação do padrão de qualidade de vida, preservação do meio
ambiente e organização social, articuladamente com as demais
políticas públicas (SILVEIRA; COLIN, 2006, p. 28).
A Política Nacional de Assistência Social reforça os benefícios
destacados na LOAS, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), Benefícios
Eventuais e, ainda, apresenta uma nova modalidade, o Benefício da Transferência
de Renda, através de:
109
Programas que visam o repasse direto de recursos dos fundos de
Assistência Social aos beneficiários, como forma de acesso à renda,
visando o combate à fome, à pobreza e outras formas de privação de
direitos, que levem à situação de vulnerabilidade social, criando
possibilidades para a emancipação, o exercício da autonomia das
famílias e indivíduos atendidos e o desenvolvimento local (BRASIL,
2005 p. 94).
Quando questionados sobre os serviços prestados pelos CRAS após
a implantação, se perceberam a dificuldade de compreensão dos conceitos e
atribuições distintas entre os serviços, programas e projetos e benefícios,
informaram-nos os depoimentos:
Cesta básica, o passe, a passagem intermunicipal, a foto 3x4, auxílio
documentação, essa documentação é segunda via de certidão e RG
(MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
Benefícios eventuais, cesta básica, Bolsa Família, defensoria pública,
atendimento, orientação, a gente faz aqui o BPC e órtese e próteses
ainda está com a gente, encaminhamento psiquiátrico também. s
temos uma demanda, até eu fazendo um levantamento aqui. Eu
tenho uma demanda de alcoolistas e psiquiatria, é muito grande no
município (MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
Cesta básica, o Cadúnico, o Leite, documentos, isenção do IPTU,
tarifa da água e da luz, a reunião de acolhida e o Bolsa Família
(MUNICIPIO 3, A. S. 2).
A defensoria pública está praticamente sendo um serviço da
Assistência Social, é a Assistente Social que é responsável pela
triagem e também pelo agendamento, a prioridade são as famílias do
Bolsa Família (MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
De acordo com os relatos de profissionais de diferentes
municípios, verificou-se a diversidade relativa às atribuições, funções, limites
profissional e institucional relacionados à prestação de serviços. Notou-se que, na
maioria dos municípios, os profissionais entrevistados executavam também serviços
e benefícios referentes a outras políticas setoriais, como, por exemplo, atendimentos
de benefícios de órtese e prótese, saúde mental e isenção de IPTU. Ainda, foram
relatadas ações relacionadas à responsabilidade do Governo Estadual na função da
defensoria pública.
Em relação à defensoria blica, esse serviço deliberadamente não
pertence à atribuição da Política de Assistência Social, uma vez que sua execução é
de responsabilidade do Poder Judiciário. Assim, analisou-se que este serviço
110
proporcionou, em alguns casos, efetivação nos benefícios e serviços, através do
acesso ágil e articulado legalmente à resolutividade de situações que dificultavam a
inclusão, como, por exemplo, a viabilização de documentação pessoal mínima
exigida para a legitimidade da cidadania.
A indefinição das atribuições do CRAS relatadas nas entrevistas, em
uma análise preliminar, poderia indicar apenas deficiências relacionadas à estrutura
física, no entanto, observou-se que a constituição deste serviço está relacionada
muito mais fortemente com a construção sócio-histórica e cultural da política de
Assistência Social. Em um dos depoimentos abaixo uma das profissionais indica a
visão do gestor municipal em relação à cultura política vigente:
E ainda com aquela cultura de, chegou ali, a gente tinha que atender,
porque assim aqui a cultura sempre foi essa. Primeiro, o prefeito
atende e depois passa para a Assistente Social. Nunca a Assistente
Social depois o prefeito. [...] O prefeito, ele ainda não tem muito
claro essa questão, a gente tà conquistando aos poucos, sabe?
(MUNICIPIO 2, A S. 1).
Muito embora haja insuficiente informação por parte de alguns
prefeitos sobre as reais atribuições da Política de Assistência Social, a edição das
orientações contidas no documento atual pode contribuir para fortalecer os
profissionais no processo de delimitar para os prefeitos seu verdadeiro campo de
ação.
No que tange à cultura política, também se observou a existência de
ações e tomadas de decisões técnicas que convergem para a otimização do tempo e
de qualidade de atendimento ao público-alvo. Esse atendimento, que anteriormente
era prestado apenas de forma individual, ampliou-se também para a atenção
coletiva, partindo de uma iniciativa do profissional sob ótica da garantia de acesso
aos direitos socioassistenciais, conforme analisado a partir do depoimento a seguir:
[...] a gente começou fazendo a reunião de acolhida agora e isso
foi uma grande novidade, porque o pessoal que recebia cesta básica,
por exemplo, já tinha uma certa dependência, já tinha um certo
paternalismo, começou a ver que a coisa tava diferente Ah, mais
agora eu tenho que participar de reunião e vinha para essa reunião e
nessa reunião a gente sempre falava e colocava o SUAS que o
sistema baseado no SUS, e que tem uma política de direito, que é
direito deles, aqui ninguém tava dando nada para eles, não tinha
uma pessoa boazinha (MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
111
Outro serviço destacado está relacionado ao sistema informatizado -
Cadastro Único - criado para identificar famílias em situação de pobreza e, assim,
utilizado para a inclusão nos Programas de Transferência de Renda, conforme
citado:
O CADUNICO está no CRAS, mas está só que manualmente, porque
a gente não tem internet, a gente não tem rede, não está ligado em
rede (MUNICÍPIO 1, A. S. 2).
O CRAS é a porta de entrada não pra Proteção Social Básica,
mas também para a Política de Assistência Social. O CRAS, ele, até
pela gestão do benefício, onde hoje tem toda uma forma diferenciada
no cadastramento dessa família na, na inserção no prontuário
eletrônico dela, ela requer passar por um fluxo do CRAS inicial, para
depois acessar todos os serviços dentro da Política de Assistência
(MUNICÍPIO 4, A. S. 1).
A instalação do CADUNICO nos CRAS representa avanços no
sentido de que cabe a esta política a gestão dos benefícios de transferência de
renda, o que corresponde ao direito socioassistencial de sobrevivência. Além disso,
permite que os Centros de Referência garantam acesso dos usuários aos demais
serviços oferecidos, como destaca o município 4, além do Cadastro Único instalado
com seu aparato de informatização, ainda dispõe de outro sistema informatizado da
rede socioassistencial.
Entretanto, como ilustra a profissional do município 1, fazem-se
necessários, além do suporte profissional, também os recursos tecnológicos para a
efetivação dos cadastros. Assim, percebeu-se, na declaração dela que a
disponibilidade a estas ferramentas ainda constituem desafios a serem enfrentados
pelos municípios, uma vez que, sem esses recursos, não se concretizam a agilidade
e otimização para a inclusão das famílias.
Ainda em relação aos serviços ofertados pelo CRAS, existem
dificuldades para consolidar as regulamentações Estadual e Municipal no que tange
aos benefícios eventuais:
A maioria das pessoas aqui, porque tem assim, eles pagam aquele
auxílio funeral particular, então o pessoal tem pago porque é bem
baratinho, acho que paga é dez reais. Não sei se é sete ou dez reais
[...] o sei, eu me engano, acho que é oito ou dez reais, está nessa
faixa (MUNICÍPIO 2, A. S. 2).
112
A funerária explora, é um momento difícil e eles aproveitam mesmo.
Eles aproveitam nos finais de semana que o CRAS está fechado,
oferece um serviço que é mais caro, a prefeitura não paga e a
família tem que se virar e pagar. [...] Daí a gente avalia, enquanto
técnico, eu avalio, às vezes, as meninas atendem, traz pra mim, eu
avalio, levo pra Secretária, falo: a situação dessa família é essa e
nós precisamos ajudar‟, às vezes, a gente paga inteiro e outras, uma
parte, depende do nosso caixa (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
Analisando esses discursos, notaram-se duas dificuldades relativas
ao auxílio funeral: dificuldade de compreensão deste benefício como um direito
socioassistencial e, outra, referente à ineficiente via de comunicação e de fluxo entre
os serviços que executam o procedimento de ocorrência de óbito de famílias em
situação de pobreza. Materializa-se a falta de entendimento do auxìlio funeral
enquanto um direito socioassitencial, quando é relatado que o pagamento
total/parcial é referenciado pela disponibilidade de caixa. Em relação ao fluxo de
atendimento, evidencia-se a situação de óbito que ocorre nos fins de semana, uma
vez que o CRAS não tem expediente e também não possui procedimentos padrões
para o processo de falecimento do público da política de Assistência Social.
Conclui-se que o CRAS enquanto equipamento socioassistencial,
desenvolve os serviços que lhe são atribuídos conforme orientações do NOB/SUAS,
no entanto, ainda desenvolve outros serviços e ações de outras Políticas Públicas.
Percebeu-se, ainda, a necessidade de avanços na regulação federal que define
competências e tipificação para os serviços a partir dos níveis de proteção,
discussão iniciada pelo MDS a partir de 2008, pois os profissionais apresentaram
dificuldade de clareza e efetivação da operacionalização estratégica da prestação de
serviços.
3.4.2.1 Acompanhamento sociofamiliar
Atualmente, um crescente interesse das Políticas Sociais pelas
famílias, bem como o debate sobre o lugar que a família deve ocupar neste contexto.
Consideram-se, ainda, as diferentes definições dadas a ela e o entendimento de que
o espaço familiar é de produção de proteção e inclusão social.
113
Desde a Constituição Federal de 1988, a família tem ocupado lugar
de destaque nas políticas sociais e, cada vez mais, sendo convocada a ser parceira
nas ações sociais.
Essas ações devem considerar a relação como um grupo social,
envolvendo bem-estar, proteção, desenvolvimento e inclusão social. Nesta
perspectiva, a família está sendo, cada vez mais, chamada a ser parceira nas ações
sociais. Um dos motivos seria a constatação de que as ações destas políticas
interferem direta e indiretamente na relação familiar, além de ser orientação do
próprio processo de descentralização (FONSECA, 2002).
Carvalho (2003) observa que a família exerce funções
semelhantes a das políticas públicas, visto que ambas visam dar conta da
reprodução e da proteção social dos grupos que estão sob sua tutela, ou seja, o
Estado e a família exercem papel fundamental para mediar as relações entre os
sujeitos, estabelecendo normas, impondo direitos, direitos e deveres de proteção e
assistência; sem esse controle exercido, a organização do sistema capitalista não
seria instituída.
São muitos os conceitos sobre família, muitos destes reforçados por
um padrão, que gera uma expectativa muito grande quanto ao papel que deve ser
cumprido por um pai e por uma mãe, sem considerar fatores importantes como a
adolescência, condições econômicas, sociais, culturais, formatos e modelos
familiares. Pereira (2006, p. 38) destaca esta avaliação:
[...] constatação de que vários tipos de famílias... Isso porque a
tradicional familia nuclear composta de um casal legalmente unido,
com dois ou três filhos, na qual o homem assumia os encargos de
provisão e a mulher, as tarefas do lar -, que ainda hoje serve de
referência para os formuladores de política social, está em extinção.
E um importante fator responsável pelo seu esgotamento foi a ampla
participação da mulher no mercado de trabalho e na chefia da casa.
Atualmente, muitos domicílios não contam sequer com a presença
do homem como fonte de sustento ou de apoio moral. Hoje, no
Brasil, segundo o Censo 2000, as mães solteiras chefiam uma de
cada três casas em cidades como Brasília e Rio de Janeiro.
Até recentemente, era muito comum o discurso que formatava um
modelo único e dito como certo, baseado em um padrão burguês de família,
defendido por instituições como a Igreja, o Estado e a cultura massificada. Há muitos
discursos que expressam superar esta concepção, mas as práticas e ações
114
demonstram ainda formas tradicionais e conservadoras, reforçando estes padrões
que se tentam reverter.
A Política Nacional de Assistência Social de 2004 preconiza que o
trabalho com família deve considerar esses novos conceitos para melhor
compreensão dos diversos e diferentes arranjos familiares, com vistas a superar a
concepção do modelo único, referenciado como família nuclear, visto como família
politicamente correta.
No que se refere ao eixo estruturante da Política de Assistência
Social, Matricialidade Sociofamiliar, entende-se que as ações dessa política pública
devem ter centralidade na família e seus membros, partindo do entendimento que
nela encontram-se todos os segmentos. Também se compreende que a família deve
ser cuidada e fortalecida para cumprir suas funções básicas como proteger,
socializar e mediar as relações com a sociedade.
Com o princípio da centralidade na família, pretende-se ainda
superar ações interventivas isoladas, substituindo-as pelo atendimento as demandas
apresentadas, através dos serviços da Proteção Social Básica, Proteção Social
Especial e trabalho intersetorial articulado com diversas políticas blicas. Dessa
forma, possibilitando a sobrevivência e garantindo condições para o fortalecimento
do enfrentamento das situações de vulnerabilidades.
Entretanto, Carloto coloca que os programas de combate à pobreza
com centralidade na família e, conseqüentemente, para as mulheres, demonstram
intencionalidade de privatizar a sobrevivência, transferindo para esta a
responsabilidade do Estado:
uma valorização da família como lócus privilegiado de superação
das seqüelas da questão social por um estado que pouco tem
priorizado os gastos com o social e pouco tem implementado, em
termos de política social, estratégias de superação das
desigualdades sociais (CARLOTO, 2006, p. 10).
Mesmo com a possibilidade dos programas de políticas sociais com
enfoque na família desenvolverem as distorções apontadas pela autora, cabe
destacar que, nos documentos de formulação destas política, o SUAS aponta para a
operacionalização dessa responsabilidade pública estatal, a necessidade do
conhecimento e reconhecimento dos grupos familiares, identificação das suas
demandas para inclusão, acompanhamento e encaminhamento para a rede de
atendimento.
115
O atendimento sociofamiliar, enquanto um serviço a ser executado
pelo CRAS, tem como objetivo:
A construção do protagonismo e do pleno desenvolvimento das
famílias e indivíduos pela atividade político-pedagógica de orientação
e adoção de diferentes procedimentos e técnicas que favoreçam:
informação e orientação geral sobre recursos e direitos sociais;
fortalecimento de vínculos familiares e da iniciativa participativa;
desenvolvimento de projetos individuais e coletivos alternativos em
relação às situações de vulnerabilidade social; geração de renda e
trabalho vinculado à capacitação profissional e formação cidadã,
entre outros (SILVEIRA; COLIN, 2006, p. 30).
A partir dessa breve contextualização teórica, notou-se, nos relatos
dos entrevistados, que neste eixo problematizado apresentam-se desalinhamentos
conceituais, operacionais e estratégicos. Dentre as dificuldades narradas, salienta-
se:
O acompanhamento é quando precisa verificar alguma
irregulariedade, vamos supor, uma denúncia e tal, porque a gente
ainda não ta fazendo as visitas, você entende? É que a gente
assim meio, ainda, perdida (MUNICÍPIO 2, A. S. 2).
Era uma parceria com o município e as vicentinas, o município
adquiria as cestas através de compra e as vicentinas ajudavam na
entrega dessas cestas, a gente tinha falta de Assistente Social e as
vicentinas já acompanhavam as famílias [...] Os vicentinos tinham
ações na ponta, elas traziam informações, elas cadastravam, elas
entregavam as cestas em muitos lugares, elas acompanhavam por
um tempo, era temporário a permanência das famílias no programa
durante três meses, três meses (MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
s temos o Programa Sociofamiliar, que é o atendimento com a
cesta básica. [...] Sociofamiliar é porque eles participam de atividades
sócio educativas, né, com palestras (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
Partindo desses relatos, pode-se analisar que a falta de alinhamento
teórico-metodológico refletiu em ações interventivas distintas e distantes das novas
orientações da Política Nacional da Assistência Social de 2004, entre elas, a
definição de serviços, programas e projetos socioassistenciais, ações com
centralidade na família. No primeiro relato do bloco acima, a entrevistada indica o
emparelhamento entre acompanhamento familiar e fiscalização de irregularidades
na família, assim como se a mesma está em condição de merecimento do benefício
a ser concedido. No segundo relato, é salientado o repasse da responsabilidade do
poder público para grupos de ordem religiosa, no acompanhamento e concessão de
116
benefícios às famílias; os referidos grupos não obedecem aos critérios da laicidade
preconizada pelos documentos normativos da Política de Assistência Social, assim
como também não participam das discussões sobre metodologias de trabalho com
famílias. o terceiro entrevistado indica, em seu discurso, a limitação da
compreensão da dimensão do acompanhamento sociofamiliar na perspectiva da
Política Pública, uma vez que entende que o programa seria referente ao
atendimento com cesta básica.
Entretanto, no relato das duas entrevistadas do município 4, notou-
se a preocupação com indicadores avaliativos referentes à dimensão do
acompanhamento, entre esses destaca-se o conceito de vulnerabilidade social que
possibilita estratégias de intervenção de combate e enfrentamento à pobreza e seus
consequentes, tais como seguem:
[...] esse atendimento, ele pode gerar a concessão do benefício, mas
não apenas isso, o que é mais importante é a gente avaliar dentro do
acompanhamento sociofamiliar? É avaliação das vulnerabilidades.
Das diferentes vulnerabilidades que está exposta daquela família.
Avaliada as vulnerabilidades, é feito um plano de acompanhamento
contínuo com a família. Este plano vai desde chamar a rede pra
discutir a situação [...] O sociofamiliar requer da equipe ter diversas
ações complementares desenvolvidas no, ou pelo CRAS, e/ou com
os serviços socioassistenciais e também com a rede das políticas
públicas. Então, vai desde a concessão do benefício a
encaminhamento, até a possibilidade de incluir um membro dessa
família na inclusão produtiva, ou no grupo de geração de renda, ou
ainda em outros serviços no território (MUNICÍPIO 4, A. S. 1).
Eu atendia a família, a família, a característica da região e muito
assim tinha muita criança fora da escola, então as famílias vinham
pra, até mim, buscar algum projeto socioeducativo ou
profissionalizante para os filhos, ou qualquer coisa, mas eu
identificava que as crianças estavam fora da escola, identificava
também outras demandas das famílias, mas essas demandas a
gente descobriam, porque elas não eram faladas (MUNICÍPIO 4, A.
S. 2).
Ainda, nesses depoimentos, ressaltou-se a superação da visão de
que o atendimento à família deve-se apenas ao acolhimento da necessidade trazida,
mas à identificação das demandas e vulnerabilidades que permeiam a família, bem
como a responsabilidade técnica de atender, encaminhar, orientar e acompanhar
estas demandas. Também se salienta a busca de informações pertinentes junto à
rede socioassistencial e a outras políticas públicas.
117
3.4.2.1.1 Trabalho Socioeducativo
Entre os termos relevantes apontados nos depoimentos, no que se
refere ao acompanhamento de família, destaca-se a questão do trabalho
socioeducativo, porém, este tema tem se demonstrado como de pouco
aprofundamento e discussão. Recentemente, o Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, em elaboração preliminar, definiu como escopo:
Ampliar trocas culturais e de vivências, desenvolver o sentimento de
pertença e de identidade, fortalecer vínculos familiares e incentivar a
socialização e o convívio comunitário. Oferta de atividades
continuadas com o tempo e espaços pré-definidos, organizados em
percursos que garantem aquisições progressivas aos seus usuários,
adequados ao seu ciclo de vida, a partir de planejamento prévio
(BRASIL, 2009a p. 21).
Historicamente, as ações socioeducativas surgiram de várias
formas, em especial, pelas organizações não-governamentais, como, por exemplo, a
Igreja Católica e organizações comunitárias, sendo, posteriormente, apropriadas
pelos serviços das políticas públicas.
Dessa forma, refletiu-se que o profissional deveria trabalhar na
perspectiva da proteção social necessária aos cidadãos, considerando que os
grupos de ação socioeducativa são uma das formas para facilitar a inclusão nos
canais e redes de segurança social, por meio da informação e socialização.
Entretanto, ainda necessidade de melhor articulação com as demais políticas
públicas, como coloca Faquin (2009, p. 104):
O trabalho sócioeducativo busca articular um conjunto ainda não
perfeitamente integrado de ações das diferentes políticas setoriais
(educação, saúde, habitação, assistência social, trabalho e outros)
junto às organizações sociais, governamentais e comunitárias
existentes, direcionadas a ampliar as conquistas sociais, políticas,
econômicas, culturais e materiais de um grupo social ou da
coletividade de um determinado território.
Um instrumento estratégico muito importante para tal ação seria a
propagação e difusão das informações relacionadas às vulnerabilidades sociais no
território, pela qual passam a população-alvo que aciona os serviços do CRAS.
Sobre os grupos socioeducativos, percebe-se muita indefinição, via de regra as
ações definidas neste campo servem de apoio para outras políticas e não
118
desenvolveram campo próprio de atuação da Política de Assistência Social,
conforme denunciam os relatos de 3 dos 4 municípios pesquisados:
Nós temos, por exemplo, o CRAS, nós temos um grupo de apoio
socioeducativo, sociofamiliar com, com o CAPS, com usuários, não
com pessoas, com pessoas com distúrbio mental, ou algum tipo de
problema mental, dependência e tal, então nós temos toda quarta-
feira esse grupo se reunindo no CRAS, com a participação da equipe
profissional do CRAS (MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
Percebeu-se, também, nos depoimentos abaixo que, para a
efetivação das ações nos grupos socioeducativos, a necessidade da organização
e do cumprimento da proposta de articulação dos serviços de outras políticas,
conforme descrito abaixo:
A gente tá começando agora, mas já sabemos que tem que ter
palestras sobre, sobre limites, gravidez, higiene [...] (MUNICÍPIO 2,
A. S. 2).
A gente utilizando o quê? Se a gente que ela recebe o Bolsa
Família, a gente fala olha, se você quiser continuar recebendo o
Bolsa Família tem que participar, senão [...] é, porque é assim, a
partir do momento que você vai buscar ajuda, é porque já tem um
problema na sua família, a gente quer te ajudar, mas vai depender de
você [...] Então, olha, a escola nos ligou, seu filho está com certa
dificuldade, a gente querendo ajudar seu filho. Não queremos que
ele reprova de ano. Queremos que você (MUNICÍPIO 2, A. S.
1).
[...] então, a gente fez essa contextualização da política pública, seus
critérios, quem são essas famílias que têm direitos, qual que é o
histórico dessas famílias, o que são vulnerabilidades [...] então, a
gente fazia isso na reunião com a rede e fazia isso nos grupos
também sócioeducativos. A própria comunidade discutia a sua
situação, a própria comunidade se descobria (MUNICÍPIO 4, A. S. 2).
Salienta-se assim, a importância da compreensão do trabalho
socioeducativo enquanto uma ação que não se constitui isoladamente, ou seja,
necessita da articulação com a rede socioassistencial e de outras políticas públicas,
tanto quanto a observância das questões sócio-históricas e culturais referentes à
territorialidade à qual se entrevêem.
Muito embora a articulação com a rede seja fator importante,
assunto a ser tratado no próximo item, fica claro, pelo exposto, que as ações neste
campo não estão estruturadas como serviços sistematicamente oferecidos pelos
CRAS, os quais a população pode usufruir para corroborar no seu processo de
busca de melhores condições de vida. Além disso, apenas o município 4 demonstra
119
uma postura mais politizadora na utilização dos espaços deste grupo que pode vir a
incorrer no risco de retrocesso de modelos já utilizados na década de 70.
3.4.2.2 Articulação com a rede de serviço
Neste tópico, será apresentada a construção da relação com a
rede de serviços, partindo do relato dos entrevistados dos diferentes municípios
referenciados neste trabalho.
A nova PNAS e o Sistema Único de Assistência Social trazem
alterações substanciais nos pressupostos e diretrizes, sendo uma delas a
importância do trabalho articulado com a rede de serviço socioassistencial, assim
como a parceria com as outras políticas públicas para o enfrentamento das questões
sociais. O referido enfrentamento se processa continuamente por meio da
acessibilidade e viabilização das garantias de seguranças sociais e da defesa de
direitos para a melhoria das condições de vida das famílias referenciadas pela
Política de Assistência Social.
Partiu-se do princípio que o trabalho em rede é entendido como a
articulação entre os serviços, organizações, instituições que desenvolvem ações e
serviços e/ou se relacionam com pessoas em num determinado território, tendo
objetivos e finalidades comuns ou então próximas.
Considerando que o CRAS é a unidade descentralizada do Sistema
Único da Assistência Social, sendo a porta de entrada dos usuários, é necessária a
articulação com os serviços da própria política e com as demais para garantir acesso
a esta população. Para tal, é importante que os serviços planejem e executem ações
de forma estreita, parceira e na perspectiva da complementaridade e convergência.
Desse modo, percebeu-se o reconhecimento da necessidade desta articulação para
a efetivação, ampliação e potencialização da proteção social, conforme depoimento:
Eu não tinha condição de trabalhar naquela região sem me articular
com a rede, eu sozinha não dava conta [...] eu vi que eu precisava
me articular com a rede para ter um respaldo na região e precisa
estar me organizando em todos os sentidos. Aí, eu comecei a fazer
visitas também agendadas nas escolas, nos postos de saúde, tem o
projeto de atendimento à criança e adolescente, enfim, todos os
serviços que tinha, nas igrejas eu fui visitando, me apresentando,
começando a propor um trabalho mais articulado. [...] Eu não ia
120
buscar demanda nestes serviços das outras políticas, na verdade eu
ia buscar ajuda do serviço para que eu pudesse executar meu
trabalho, eu comecei a procurar as escolas assim, até então, hoje
isso ainda é uma grande dificuldade, mas na época nem se compara,
então, a escola procurava o Assistente Social só quando precisa que
ele atendesse alguma família com benefício ou atender alguma
família com uma situação específica (MUNICÍPIO 4, A. S. 2).
Ainda pelo relato, salienta-se que houve uma construção de relação
mútua de referência e contratransferência entre os serviços das políticas, entre elas
a educação e saúde. Se, anteriormente, a relação era de mão única e despejada no
serviço da Assistência Social, agora, parece que o referido município conseguiu
potencializar a articulação e superar desafios e adversidades próprias da população
referenciada em comum. Ainda no município de grande porte, mas no depoimento
de outra profissional, destaca-se como um dos motivos da importância o
fortalecimento da família através do acesso aos serviços das políticas públicas.
Em contradição a esse depoimento, o município 3 relata a limitação
da relação com alguns serviços, bem como as estratégias utilizadas para resolver
problemas de estrutura ineficiente:
Bom, a aproximação que temos é basicamente quando um de nós
precisa de dados, informação, por exemplo, eu tenho o meu território
que é o Bom Pastor. Eu faço esse atendimento e tudo que eu
preciso, se eu precisar de informação de uma família, eu ligo,
pergunto pros agentes comunitários, tal, eles... se eu precisar por
exemplo, de uma visita rápida, de alguma informação, eu não tenho
carro agora, eu posso contactar que eles estão à disposição pra esse
atendimento. [...] Por exemplo, assim é, existe o Bolsa Família,
tem que existir esse contato, é exigência do programa. Então, o
contato, ele é feito, dentro da necessidade, a gente cata o telefone,
liga, conversa e resolve ali e pronto (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
Notou-se que a relação com as organizações e entidades do território
ocorria apenas na medida em que se precisava de informações, utilizando a
estrutura de outros serviços e políticas para a apropriação dos dados. Ainda no
mesmo município, o reconhecimento da necessidade da construção da proposta
de trabalho em conjunto:
Então, a gente percebe assim, é, é um processo educativo tudo isso
mesmo, a gente tem que ver também as dificuldades das outras
políticas, pra entender, aqui no município, como eu sempre tive muito
apoio do gestor, do nosso prefeito, então eu falava: prefeito, nós
precisamos fazer uma reunião com a saúde, com a educação, com o
esporte, que são fundamentais pra a nossa ação, pra nosso trabalho,
então, com a cultura, nós temos que está todo mundo, todo mundo
muito ligado (MUNICÍPIO 3, A. S. 1).
121
Observou-se também a forte referência aos serviços da Política de
Saúde na articulação com o CRAS. Avaliou-se que a relação desta política é mais
facilmente estabelecida porque também se orienta por um sistema descentralizado e
participativo, de acordo com diretrizes do Sistema Único de Saúde
26
de 1990.
Ainda, com referência à articulação com a rede de serviço,
destacou-se nas entrevistas, a relação com as organizações religiosas, porém, essa
parceria se apresenta na forma de encaminhamentos:
A gente encaminha. A gente tem encaminhado bastante para as
igrejas. A gente não organizado, não articulado e está difícil e
isso vem, assim, desde que eu entrei aqui é assim, sabe
(MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
Teve um caso de um casal foi encaminhado pra um abrigo. Então,
assim. O padre que veio pedir para a gente internar ele, porque o
padre já acompanhava, mas ele não conseguiu a vaga,
encaminhou pra gente (MUNICÍPIO 2, A. S. 2).
O município de pequeno porte 1 reconhece que não articulação
com as políticas públicas, recorrendo às entidades de caráter religioso para a
efetivação de ações que deveriam ser realizadas e acompanhadas pelo poder
público, no caso acima, pela política da saúde. Outra questão refere-se à
aproximação com a Igreja em detrimento ao Estado Democrático de Direitos (Estado
Laico), preconizado em normativas relacionadas aos Direitos Humanos.
Percebeu-se, também, no processo das entrevistas, que, em todos
os municípios, a visão da necessidade da rede está disseminada com todas as
políticas e em alguns se notou a integração, demonstrada especialmente, pelo
trabalho com os agentes de saúde. Os trabalhadores da Política de Assistência
Social demonstram ter este tema como uma das linhas de ação, pois a
complexidade de atendimento exige a participação de várias áreas.
Por outro lado, dificuldades a serem enfrentadas, como a
conversão de conceitos fundantes para a Política de Assistência Social, tais como
vulnerabilidade, trabalho com família e a gestão dos programas de transferência de
26
Este sistema consiste em um novo modelo de saúde pública, deliberado na 8ª Conferência
Nacional de Saúde, em março de 1986. As resoluções desta conferência serviram de base para a
elaboração do Capítulo da Saúde na Constituição de 1988. Estabeleceu como princípios e diretrizes:
descentralização; atendimento integral; participação da comunidade; universalização e direitos às
informações.
122
renda; existência de posicionamento setorializado das políticas sociais e diferentes
linhas político-ideológico que permeiam as diferentes políticas sociais.
Um outro desafio para a efetivação do trabalho articulado para
cumprimento ao direito socioassistencial prevê a Proteção Social por meio da
intersetorialidade destas políticas, sendo direito dos usuários da Política de
Assistência Social a melhoria da qualidade de vida que deve ser garantida pela
articulação intersetorial da Política de Assistência Social com outras políticas
públicas.
A implantação e consolidação da Política de Assistência Social exige
o resgate de elementos fundamentais para a qualidade dos serviços a serem
ofertados à população. A concepção de usuário difundida pela Política referencia
esse como cidadão, ou seja, sujeito de direito que deve ter assegurado, de fato,
condições mínimas de proteção social anunciada na Constituição Federal de 1988 e
outros documentos normativos produzidos a partir deste conjunto de leis.
No entanto, deve-se contextualizar que, tradicionalmente, a partir
dos contextos sócio-históricos e conjunturais, a prática da Assistência Social se
submeteu às avaliações e intromissões de acordo com os interesses partidários que
assumiam o poder público. Porém, o que nos parece alarmante é a forma como
alguns profissionais da área social compreendem e interpretam características
singulares constituintes de distintas famílias acompanhadas. Observou-se que
muitas análises foram realizadas de maneira reducionista, conforme relato abaixo:
[...] vamos supor que ela recebeu a cesta e eu percebi que ela
[usuária] está mentindo. Mas, por outro lado, tem toda uma questão
ali que envolve a família, que a gente leva muito em consideração.
Se ela mentindo ou não, não é porque ela não é carente,
entendeu? Ela é, a família está precisando. Mas, ela mente também
porque ela quer mais, ela quer mais pros filhos, ela quer mais lá,
entendeu? [...] Não, porque nós não damos mesmo [cesta básica],
porque eu acho que quem bebe é porque não precisa então
(Municipio 2, A. S. 1).
De fato, em um primeiro momento, as questões trazidas por alguns
usuários podem ser entendidas como mentiras ou mal uso do dinheiro público‟
(cesta básica). Entretanto, um olhar mais apurado e técnico acerca do contexto das
vulnerabilidades sociais poderia ampliar a oferta de proteção social a partir da
articulação da rede de políticas públicas, no caso especificado da pessoa que bebe‟
123
(alcoolista), o encaminhamento e parceria com o serviço de saúde mental. Ainda,
complementam-se as idéias discriminatórias e simplistas:
O problema era a questão de direcionar para a gente, ele se
intrometia mesmo, porque assim, pra ele (o prefeito), chegou na
Assistência, é porque tá precisando. Ele não via assim, de repente, a
pessoa tava ali pra tirar uma com a gente. Pedir sem precisar
mesmo, ou porque tava acostumado a ter. Quantas vezes eu fiz
visita e vi que a pessoa nem precisava (MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
Porque eu vou fazer a visita, é quando eu percebo que estão
omitindo informação, se estão recebendo benefício de alguma
entidade, eu tenho os agentes de saúde para averiguar para mim
(MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
O povo muito mal acostumado, vem qualquer hora e quer o
atendimento (MUNICIPIO 2, A. S. 2).
Os depoimentos dos profissionais do município 2 ressaltaram,
mais uma vez, maneiras avaliativas incompletas e deficientes em relação à demanda
apresentada pelo usuário. Para tanto, os profissionais utilizavam estratégias de
fiscalização e valores morais e crenças pessoais para estabelecer critérios de
concessão de benefícios. As concepções apresentadas acima dificultam ao CRAS o
cumprimento de suas atribuições, não se colocando como referência para o público
destinatário como local de apoio e fortalecimento para enfrentamento dos seus
problemas.
Compreendeu-se, a partir da coleta de dados, que esta
abordagem se fez necessária devido aos conteúdos diversos relacionados à
percepção que os entrevistados tinham acerca dos usuários atendidos por eles.
Para tanto, observou-se a necessidade da construção de uma nova
forma de relação entre usuários e serviços, avançando para a superação de
concepções, preconceitos e clientelismo. Para isso, primeiramente, é primordial a
compreensão do usuário como cidadão de direito, conforme preconiza as legislações
especifica da área, como Constituição Federal, Lei Orgânica, Política Nacional e
NOB/SUAS. Em segundo lugar, as determinações da pobreza e vulnerabilidades
estão imbricadas em circunstâncias objetivas e subjetivas que podem implicar forte
influência de episódios como o alcoolismo e a violência e, por fim, não menos
importante, deve-se problematizar as práticas profissionais em relação às visões da
benemerência e merecimento.
124
3.4.3 Avanços e Desafios
As novas legislações da Assistência Social inscrevem-se em um
novo paradigma para a gestão desta política pública no Brasil. As diretrizes marcam
novas concepções e práticas e passam a exigir novas formas de organizações que
contribuam para a construção de um caminho de ruptura com o clientelismo,
assistencialismo e benemerência (BRASIL, 2006).
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, na qual a
Assistência Social se tornou política pública, vive-se processos dinâmicos de
avanços e desafios na direção do reordenamento das ações que garantam a
consolidação dos direitos socioassistenciais.
Neste sentido, é importante destacar, neste eixo de trabalho, os
avanços e desafios desta política (principalmente sobre a implantação do CRAS),
trazidos nos relatos dos entrevistados oriundos dos municípios investigados,
divididos em dois sub-itens:
3.4.3.1 Avanços
A participação dos profissionais na implantação e implementação do
CRAS fez com que tivessem condições para avaliar estes processos, considerando
os avanços conquistados no período e ainda os desafios a serem travados e
enfrentados.
o reconhecimento de todos os entrevistados que a implantação
do CRAS significou uma melhoria para a Política de Assistência Social, avançando
na perspectiva do direito e contribuindo para a consolidação de uma política pública:
Eu digo assim, que de avanço é a questão do assistencialismo, a
gente tem avançado muito. Essa questão da cultura assistencialista,
avanço assim, também tem mais profissionais de outras áreas
também, tá visualizando essa questão de que avançamos nesse
sentido, de que as políticas públicas têm que se articular e que as
políticas sociais não é aquela questão que existia antes de
assistencialismo mesmo, não é a distribuição de cesta básica, até
pouco tempo, era a visão do Legislativo, do Executivo, do
Judiciário. Era isso, que a Assistência Social era a distribuição de
cesta básica tá. Então, eu digo assim, que avançou nesse sentido
com o CRAS (MUNICÍPIO 2, A. S. 1).
125
O depoimento reconheceu o avanço na Política de Assistência
Social através de vários fatores: o esforço para o rompimento de práticas
assistencialista; a contribuição de várias áreas do conhecimento por meio da
corporação de profissionais e articulação com as políticas públicas, conforme
preconiza as normatizações. Outro aspecto que merece destaque e que também
contribuiu para outros avanços importantes é o respeito à orientação da criação de
um Sistema de Avaliação e Monitoramento:
Avanço então. Acho que a primeira questão de avanço é, a gente
tem dentro da Política Municipal de Assistência Social daqui, o
sistema Municipal de monitoramento e avaliação e esse sistema ele
é pra toda a rede gov e não gov, que tá dentro da rede de serviço.
Então, acho que o primeiro avanço, a gente teve o respeito e o
cuidado de ter sempre o sistema de monitoramento para embasar a
relação com a entidade [...] O outro avanço é com relação a recurso,
a prioridade da Administração Municipal com relação à Política de
Assistência Social. O recurso é destinado a Política de Assistência
Social que hoje no montante da Prefeitura, é seis por cento, acho
que é até um pouco a mais que isso, seis vírgula alguma coisa,
quase sete por cento, ela condição pra que todo esse trabalho
que a gente tá relatando seja executado (MUNICÍPIO 4, A. S. 1).
Percebeu-se, nesse depoimento do município 4, o reconhecimento
do avanço na implantação do Sistema de Avaliação e Monitoramento e a utilização
deste enquanto uma ferramenta de trabalho, e ainda como parâmetro na relação
com a rede socioassistencial. Além disso, observou-se as condições da implantação
dos serviços por meio da garantia do financiamento e do orçamento.
Os próximos depoimentos reconhecem a expansão da ação da
Política de Assistência Social através da acessibilidade dos usuários e o seu
empoderamento no exercício do controle social, e atribui ao CRAS o papel de
organizador da proteção social no território, tornando-se referência para a
população:
O que melhorou foi o acesso. É uma questão demográfica, era uma
questão de deslocar, era de muito longe a procura de um benefício,
está mais organizado, tem uma recepção, um agendamento, uma
escuta profissional, o atendimento é sério, voltado para o interesse
da população local. Antes, não tinha isso, totalmente desarticulado,
totalmente desfocado (MUNICÍPIO 1, A.S. 1).
Eu não tenho dúvida nenhuma que a partir da instalação dos CRAS
nos territórios e que a Política de Assistência Social tem uma
característica do antes e do depois, foi com o CRAS que caracteriza
mesmo hoje a política, não digo para nós enquanto técnicos, mas
para a população. Foi o CRAS que deu impacto, trouxe para a
126
população toda diferença, porque ele aprendeu a buscar dentro do
seu território o serviço que ele precisa dentro da política e ele
aprendeu também a fazer o controle em relação a isso, o controle
social, ele participa dentro do seu território da discussão da política, e
uma prova disso, por exemplo, foram as últimas pré-conferências
que a gente teve aqui no município, garantindo a vaga do usuário no
conselho e tudo mais (MUNICÍPIO 4, A. S. 2).
No discurso dos profissionais de dois municípios distintos, verificam-
se características importantes no que diz respeito à nova PNAS, ganhando impulsos
significativos nos avanços desta política. A efetividade dessas ações foi possibilitada
pelo CRAS, partindo do respeito aos princípios e diretrizes da territorialização,
descentralização, participação e controle social. Ainda, destacou-se, no segundo
relato, o CRAS como referência estatal da Política de Assistência Social para a
população. Em relação às ações que legitimam os avanços, são apresentados:
Avançou muito. Caminha assim, eu não sei se foi só no nosso
Município que avançou muito ou se com a política como um todo, a
gente percebe que esta nova política, assim, caminha a passos
rápidos. A organização do serviço. Porque hoje nós temos uma
forma mais organizada, os cadastros, os arquivos de cadastros, a
informatização dos cadastros, a forma de agendamento porque até
então, eu era uma pessoa que eu falava: O agendamento não vai
funcionar‟, o povo vai meter o nessa porta, não vai aceitar o
agendamento (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
Eu digo assim, que de avanço é, a questão da visão do
assistencialismo, a gente tem avançado muito. Essa questão da
cultura assistencialista, avanço, assim, também tem mais
profissionais de outras áreas como a psicopedagogia também,
visualizando essa questão de que avançamos também nesse sentido
de que as políticas públicas têm que se articular e que as políticas
sociais não é aquela questão que existia antes de
assistencialismo mesmo, não é a distribuição de cesta básica,
sabe (Município 2, A. S. 1).
Notou-se o reconhecimento da orientação da nova política,
provocando perspectivas da superação de concepções assistencialistas e
proporcionando a inclusão de novos saberes multidisciplinares no atendimento à
população-alvo nas unidades de CRAS.
3.4.3.2 Desafios
Durante a pesquisa, identificou-se, através dos relatos, o avanço na
Política de Assistência Social por meio da implantação do CRAS, no entanto,
127
também foram registradas as contradições e limites oriundos da organização e
estrutura de funcionamento deste equipamento.
Neste sub-item, serão apresentadas as dificuldades enfrentadas
pelos entrevistados no que diz respeito ao cumprimento dos princípios e diretrizes da
PNAS e da NOB/RH, que prevê uma equipe mínima para CRAS, entre outras
questões. Ilustra-se, com os depoimentos abaixo, a identificação da precarização
dos vínculos trabalhistas, uma vez que as formas de contratos não são claras, como
também não são claras as definições das atribuições da proteção social básica e
proteção social especial:
Olha aqui, no nosso CRAS, eu acredito que tem que melhorar é
ainda a equipe técnica, eu acho que deveria ser maior, porque a
gente agora atende o dobro da demanda com o mesmo número de
pessoas e atendemos um projeto que ainda está nessa coisa se é
Proteção Social Básica ou Proteção Social Especial, se vai ficar para
o CRAS, se vai virar CREAS, então a gente ainda nessa coisa
conturbada. E uma vez que tem, ele é exigido, então a população
exige de nós, as outras entidades exigem da gente também, procura
muita parceria com a gente, então a gente tem desenvolvido muita
parceria devido ao Bolsa Família, mas é duro porque tá faltando mais
gente na equipe (Município 1, A. S. 2).
Tem muita coisa para melhorar. A gente precisa de um coordenador
para aquele CRAS; ter uma equipe efetiva, a gente nem sabe
quando vence o contrato dos profissionais, ter uma equipe efetiva
que para planejar; temos o desafio da construção da Proteção
Social Básica; implantar os outros CRAS; o trabalho em rede no
território que é muito importante, que a gente ainda não
conseguindo. [...] A gente precisa ter mais poder, a responsabilidade
é nossa enquanto técnico, mas muitas vezes a gente não tem
governabilidade, poder de decisão (Município 1, A. S. 1).
Ainda, nos discursos dos profissionais do município 1, indicou-se a
preocupação referente à instabilidade do quadro funcional contratado, uma vez que
faltam profissionais (coordenadores, entre outros) e os contratos não são definitivos.
Outro desafio destacado nas entrevistas diz respeito à preocupação com a
continuidade do processo de construção, iniciado na gestão atual:
O grande desafio que eu vejo, neste momento, ainda é a
preocupação com relação à garantia da continuidade do que
implantamos e do que avançamos. Estamos num momento difícil de
transição de administração e, esse entendimento que se tem com
relação à Política de Assistência Social, haver um desmonte
(MUNICÍPIO 4, A. S. 1).
128
O processo de construção da Política de Assistência Social no
município 4 foi demonstrado de maneira avaliativa positiva durante todo o
depoimento, entretanto, a entrevistada revela insegurança frente à possibilidade de
desmonte ou descontinuidade dos avanços garantidos nesta política pública, uma
vez que estava próxima a posse da próxima gestão.
o município 3 traz outra questão referente a investimentos
financeiros, relatando a necessidade da construção de uma unidade de CRAS, uma
vez que garante mais visibilidade para a política pública, conforme depoimentos:
[...] nós temos que ter um CRAS nosso, construído, porque nós
temos um espaço que é alugado, o município vai ter, temos no
orçamento, colocamos no orçamento previsão para construção de
um CRAS próprio, como realmente uma unidade pública estatal, uma
garantia dentro do orçamento, a construção de um CRAS, eu acho
que nós não precisaríamos de um outro CRAS, eu acho que um
CRAS para a nossa população, ele é bastante, e tem sido
(MUNICÍPIO 3, A.S. 1).
Então, o desafio nosso é criar novos CRAS e ampliar o CRAS além
desse central, implantar pelo menos mais um CRAS na região de
maior vulnerabilidade (MUNICÍPIO 3, A. S. 2).
Por fim, é indicada a necessidade de ampliar a participação popular
para o exercício do controle social, conforme relato abaixo:
Uma dificuldade da Política de Assistência Social, ao meu ver, ainda
hoje, é a participação da população, ainda é pouca, precisa
aumentar, melhorar essa questão do controle social e isso vai
acontecer a partir do momento que tiver base para que isso aconteça
e eu acho que o CRAS é instrumento fundamental para que isso seja
instalado. A gente já vem discutindo ha tempo a implantação de
conselhos locais dentro dos territórios, eu acho que agora, a partir do
momento que os CRAS estão estruturados com equipe, com
condições, com a gestão dos benefícios, com o conhecimento dos
territórios, com a avaliação da vulnerabilidade das famílias, eu acho
que o próximo passo é buscar a participação da própria população
dentro desse serviço. Quando isso acontecer, acho que daí sim a
gente pode dizer que a Política de Assistência Sócia, ela, de fato, vai
estar implantada (MUNICÍPIO 4, A. S. 2).
Neste último depoimento, a entrevistada indica que o CRAS não
executa ações somente para identificar carências e dificuldades das famílias e dos
territórios, mas também para reconhecer as potencialidades e contribuições nas
ações das políticas públicas. Isso sugere que a participação seja um componente da
potencialidade dos usuários, os quais podem realizar o controle social da efetividade
129
da Política de Assistência Social. Entretanto, para a concretização dessa
potencialidade (controle social), é preciso, antes disso, a criação de espaços de
comunicação e participação popular em conjunto com o CRAS e outros serviços.
O desenvolvimento de serviços e ações descentralizadas da Política
de Assistência Social possibilita o fortalecimento das famílias atendidas para o
enfrentamento das expressões das questões sociais nos territórios referenciados.
Para contextualizar os aspectos limitadores deste processo, é necessário pautar que
o CRAS, assim como outros equipamentos sociais, possui limitações devido a
diversos aspectos de ordem político-ideológica, por exemplo, o desmonte de
serviços, o sucateamento de instalações, a precarização dos nculos trabalhistas, a
dificuldade de efetivação da universalização dos direitos sociais assegurados,
concepções afastadas de uma prática de Estado Laico e de Estado de Direito
Democrático, entre outros.
Deve-se ressaltar que a política discutida neste trabalho acadêmico
é recém-implantada, sendo necessário salientar que, em raras exceções, recebeu
financiamento de imediato para sua estruturação física e, portanto em muitos
municípios, ainda há precariedade, conforme detectado nesta pesquisa.
Sabe-se também que consolidar a Assistência Social como Política
Pública é um desafio permanente, uma vez que existem dificuldades enfrentadas
pelos municípios para a sua consolidação. No entanto, não podemos deixar de
reconhecer o seu crescimento e o fortalecimento enquanto políticas de direitos da
população e responsabilidade do Estado. Neste sentido, o CRAS se insere como
elemento fundamental para a efetivação dos direitos socioassistenciais e dos direitos
sociais.
O desafio está instalado, considerando que vivemos em um país
onde diferenças, mesmo tentando manter um plano de generalização, que
possivelmente, deverá ser acomodado às características de cada região do Brasil,
aos Estados, Municípios e territórios e, ainda, como lembra Sposati:
Ter um modelo brasileiro de proteção social não significa que ele
esteja pronto, mas que é uma construção que exige muito esforço
de mudanças (SPOSATI, 2009, p. 17).
130
CONCLUSÃO
A conclusão deste estudo configura-se na convergência e
complementação da mescla de um referencial teórico-metodológico de cunho
acadêmico com práticas investigativas, baseando em recortes de depoimentos
contextualizados na realidade profissional dos entrevistados, propondo, assim, o
entendimento do processo de implantação dos Centros de Referência de Assistência
Social na Região da AMEPAR.
Desse modo, sugerem-se discussões travadas com saberes
embasados em um posicionamento de acontecimentos brasileiros, fundamentados
em determinantes históricos, políticos, econômicos, culturais e sociais. Nesse
sentido, destacou-se a metamorfose histórica recente da Assistência Social, que
registrou grandes e respeitáveis avanços, em especial nos últimos anos.
Partiu-se, como marco divisor para o entendimento da análise desta
pesquisa, a conquista da Constituição Federal de 1988, pela qual se reconheceu a
Assistência Social como Política Pública, compondo o tripé da Seguridade Social
Saúde, Assistência e Previdência Social. Foi instituída, então, como direito de
cidadania, colocando-se em pauta a importância do estabelecimento de diretrizes,
normas, regras e princípios que, naquele dado momento, urgia como prioridade à
estruturação de condições para sua operacionalização.
Assim, cinco anos após a existência desse dispositivo legal, foi
aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social LOAS - , em 1993, por meio de
importante mobilização social, de modo que se pudesse operacionalizar o que
estava posto naquele documento.
Cumprindo a orientação da LOAS, em 2003, na IV Conferência da
Assistência Social, deliberou-se pela construção e implantação do Sistema Único de
Assistência Social SUAS - objetivando um novo e necessário reordenamento desta
política.
Entretanto, notou-se que os avanços dos direitos socioassistenciais
dados por meio do conjunto dessas normativas não foram suficientes para garantir
acessos, de fato, aos serviços que deveriam garantir estes direitos, uma vez que, no
momento da implantação destas legislações, o contexto político e econômico
determinava outro direcionamento.
131
Esse direcionamento referia-se à implantação do Projeto Neoliberal,
que atrasou expressivamente o rumo de uma nova conjuntura política e,
conseqüentemente, a operacionalização das normativas, por exemplo, a
responsabilidade do Estado em assumir a execução desta nova configuração.
Diante da mudança de governo no âmbito Federal, expressando
forte tradição e defesa na ampliação de direitos, foi possível reorganizar e respeitar
as forças e movimentos em torno da retomada dos pressupostos da LOAS.
Com a implantação do SUAS, houve a expectativa do
desenvolvimento das condições necessárias nos municípios para ampliar as
estruturas da Assistência Social, ou, então, a implantação, pela primeira vez, de
serviços que atendessem às famílias em contextos e situações de vulnerabilidades
sociais. O equipamento público que mais se aproxima da população, pela sua
natureza descentralizada, é o Centro de Referência de Assistência Social CRAS.
A partir das investigações teóricas e práticas, pôde-se constatar que
o Centro de Referência de Assistência Social possibilitou a expressão materializada
e descentralizada da Política da Assistência Social territorializada, uma vez que visa
à superação do modelo assistencialista construído ao longo dos anos no Brasil.
O CRAS também propicia o acesso aos serviços e benefícios e
ainda expressa a importante organização da rede de equipamentos blicos desta
política, permitindo uma configuração uniforme em todo o território nacional,
entretanto, contextualizada, objetivando a ampliação e orientação dos serviços
ofertados por esta política, tais como gestão de benefícios, trabalho sociofamiliar,
articulação da rede e o acompanhamento e assessoramento das organizações
comunitárias, além de desenvolver possibilidades para a profissionalização e
ampliação da interdisciplinaridade.
Primeiramente, é necessário considerar a potencialidade da Política
de Assistência Social e da implantação e implementação do Sistema Único de
Assistência Social, que reforçou as condições iniciadas anteriormente para a
consolidação como política blica. Neste processo, o CRAS cumpre papel
fundamental através da descentralização, ampliando a visibilidade e estendendo a
responsabilidade do Estado, pois este equipamento expressa uma importante
organização da rede socioassistencial, integrando a rede de serviços das políticas
públicas territorializadas.
132
Analisando o processo de implantação do CRAS na Região da
Associação do Médio Paranapanema, universo da pesquisa, verificou-se o
aprofundamento do campo de possibilidades e limites da Política de Assistência
Social. Assim, percebeu-se que a sua operacionalização nos municípios
pesquisados ainda transita em um espaço contraditório, com práticas e concepções
de cunho benemerente e assistencialista, como também alguns avanços no que
tange à implantação destes serviços, em especial na ampliação da visibilidade e
representação da Política blica de Assistência Social e, ainda, o reconhecimento
do usuário como sujeito de direitos e o Estado enquanto responsável pela justiça
social.
Como demonstrado nas entrevistas, verificou-se contradições
localizadas nos discursos dos participantes, que expressam conhecimento acerca
das novas orientações da PAS, bem como os serviços, programas, projetos e
benefícios a serem executados pelo CRAS, entretanto, também demonstraram
dificuldades na operacionalização e execução dessa proposta. Assim, percebe-se
que ainda existem processos de continuidade de práticas antigas como também se
compreendem movimentos de rupturas destas práticas. No que se refere aos
avanços na Política de Assistência Social, através da implantação do CRAS nos
municípios pesquisados, nota-se, paralelamente, formas de operacionalização da
Política de Assistência Social, que respeitam as orientações da Política Nacional,
entre elas:
Assimilação, por parte dos profissionais e técnicos, da proposta
normativa atual da PAS. Constatou-se, nas entrevistas, que os
atores envolvidos no processo da implantação do CRAS
expressaram conhecimento desta configuração, conforme foi
orientado pelo Sistema Único de Assistência Social e Normas
Operacionais Básicas;
Os municípios pesquisados, na totalidade, implantaram o CRAS
a partir de estudos e leitura das vulnerabilidades sociais no contexto
territorial. A definição dos locais da implantação do CRAS foi a partir
desta preocupação, destacando a delimitação física, geográfica,
histórica e cultural anterior a esse processo;
Municípios de pequeno porte estruturaram o CRAS em área
central, não respeitando necessariamente a orientação da
133
implantação em áreas de maior vulnerabilidade, entretanto,
operacionalizaram o princípio da acessibilidade, descentralizando as
ações para as áreas de vulnerabilidade. Esse exemplo pode ser
ilustrado pelo município 3, no qual os profissionais desenvolvem
ações em territórios a partir de um cronograma estabelecido
anteriormente e divulgado para a população-alvo da PAS;
Em todos os municípios, o CRAS funciona como „porta de
entrada‟, ou seja, a acolhida para o SUAS, rompendo com a tradição
de atendimento no órgão gestor central. O CRAS conquistou o
espaço de referência da Política de Assistência Social no território,
dando visibilidade tanto para as situações de vulnerabilidades
coletivas, como também se firmou como referência para a população
que busca serviços socioassistenciais e/ou serviços de outras
políticas;
Em todos os municípios, o CRAS é responsável pela
coordenação e acompanhamento dos serviços e programas da
Proteção Social Básica e articulação com serviços da Proteção
Social Especial e também com outros serviços das Políticas
Públicas.
Concomitante aos avanços ilustrados acima, constatou-se que o
CRAS é um fator de mudança, por outro lado, também percebeu-se que existem no
seu interior práticas e concepções arcaicas da Assistência Social, identificadas no
mesmo processo de pesquisa, por exemplo:
Permanência de concepções e práticas anteriores aos marcos
legais, como a visão acerca do „direito do cidadão‟, que ainda são
tratados como „favor‟. Essa situação foi observada nos discursos dos
profissionais dos municípios 1 e 2, nos quais, em alguns momentos,
desconsideraram tanto as determinações advindas de um processo
histórico, social e político, quanto o incipiente compromisso do
Estado no enfrentamento da pobreza;
Em todos os municípios, os espaços para a implantação do
CRAS foram adaptados, ou até improvisados, aproveitando espaços
de serviços inativos. Apenas no município de grande porte,
constatou-se que uma unidade estava em processo de construção
134
para ser utilizada como equipamento específico para a finalidade de
CRAS;
Os municípios 2 e 3 demonstraram dificuldades na distinção das
funções da PAS e outras políticas. São exemplos a execução de
serviços de outras políticas, como o agendamento e concessão de
medicamentos da política de saúde, revisão do IPTU e atendimento
da defensoria pública;
Em relação à operacionalização dos princípios e diretrizes da
PAS, ainda falta a construção e/ou indicação de uma proposta
metodologia norteadora. Essa dificuldade indica que os profissionais
apresentavam dificuldades em definir ações estratégicas e como
procedimentá-las. Um exemplo seria a utilização de atendimento
pontual e sem proposta de continuidade (acompanhamento) e ainda
a aplicação de técnicas descontextualizadas de outras políticas,
assim como a execução de ações por parte das
organizações/entidades religiosas que não se renovaram à luz de
novas propostas conceituais e interventivas.
Identificou-se que as metodologias utilizadas para trabalhar com
famílias não o inovadoras e ainda carecem de proximidade com a
dada realidade dos contextos territoriais. No entanto, salienta-se que
os materiais norteadores fornecidos não são suficientes para propor
estratégias interventivas com famílias em situação de
vulnerabilidades sociais, cabendo ao profissional buscar, de forma
isolada e criativa, maneiras de agir, porém, alguns desses
profissionais recorrem e reproduzem conceitos e práticas que
conheciam e costumavam utilizar, baseados no senso comum;
Dois municípios (2 e 3) ainda apresentavam dificuldades na
delimitação do papel e dos serviços a serem realizados no CRAS.
Ainda, elenca-se a falta de clareza sobre o campo específico da
Assistência Social, ou seja, os profissionais executavam ações desta
política, entretanto, a assistência social era tratada como secundária
e utilizada para complementar ações de outras políticas. Nestes
casos, verificou-se a relação de um aspecto importante, como, por
135
exemplo, os municípios de porte menor apresentavam maior
dificuldade técnica na delimitação do seu espaço;
Não se pode afirmar que o CRAS possibilitou o alcance da PAS
de forma a acessar todas as seguranças sociais (acolhida, renda,
convívio, desenvolvimento da autonomia e sobrevivência). Também
se pondera que os municípios 1, 2 e 3 não garantiam o acesso aos
benefícios e serviços de acessibilidade universal;
Em relação à participação do usuário da PAS, verificou-se que
apenas o município 4 relatou ações que estimulavam a participação
por meio da mobilização desta população nos processos de
decisões e nos fórum deliberativos, como as Conferências
Municipais e Conselhos. Vale destacar que esse processo está
articulado com as ações politizadoras desenvolvidas nos CRAS;
O investimento na intersetorialidade não foi extensivo quando
comparado às propostas inovadoras da PNAS, com exceção do
município de grande porte. Nesse município, além do investimento
financeiro, houve também o investimento político e técnico da gestão
municipal. Para a efetivação dessa intersetorialidade, seria
necessário refletir sobre a proteção das famílias para além da
Política de Assistência Social, principalmente por esta política
configurar apenas um dos eixos do sistema de proteção social
brasileiro;
As estruturas físicas relatadas pelos profissionais são precárias,
carecendo ainda de equipamento de informática, veículos, espaços
adequados e reposição de materiais duráveis (mesa, cadeiras, entre
outros) e não duráveis (papéis, canetas, materiais utilizados em
atividades socioeducativas, arquivamento, por exemplo). A falta de
condições objetivas para a realização das ações foram identificadas
como uma das deficiências para a operacionalização;
Em todos os municípios, ainda existia uma parcela dos
funcionários contratados por entidades socioassistenciais. O fato
desses profissionais não serem servidores blicos, muitas vezes
indicam risco para a continuidade destes serviços, principalmente
136
numa mudança de governo. Além disso, ainda a orientação da
NOB/SUAS/RH quanto à necessidade de ampliar o quadro de
servidores estatutários. Embora seja uma tarefa difícil, uma vez que
essa ação depende do orçamento destinado para a PAS, a
ampliação da equipe, através de concurso público, deve ser uma
diretriz a ser seguida e cumprida.
Considerando a preocupação em se ter condições para os
enfrentamentos dos desafios colocados para a consolidação da PAS, principalmente
para o fortalecimento do CRAS, enquanto um equipamento de oferta de serviços
socioassistenciais, propõe-se:
Fortalecimento da prática profissional, através da criação e
implantação de metodologias específicas que respondam às
orientações da PNAS. Essas metodologias devem compreender o
entendimento do usuário enquanto sujeito de direitos de políticas
públicas;
Capacitação permanente para profissionais, dirigentes de
entidades socioassistenciais e conselheiros, partindo do
mapeamento e diagnóstico local e regional pelos Escritórios
Regionais da Secretaria Estadual do Trabalho e Promoção social
SETP;
Capacitação para gestores de modo a possibilitar a
compreensão de que a Política de Assistência Social é responsável
pelo desenvolvimento de um sistema que requer cumprimento de
princípios, diretrizes e regras próprias;
Criação de condições para superação da precarização dos
vínculos trabalhistas através da busca da realização de concursos
públicos para o quadro próprio dos municípios e Estado, em
cumprimento à determinação do SUAS/NOB/RH;
Implantação do Sistema de Avaliação e Monitoramentos dos
serviços, programas, projetos e benefícios em todos os municípios;
acompanhamento e avaliação quantitativa e qualitativa das
realizações das ações planejadas, salientando os avanços e
137
impactos e, dessa forma, possibilitando a revisão destas decisões e
ações, alterando nos rumos os processo, quando necessário;
Implantação de uma rede informatizada que contribua para a
comunicação entre os serviços e a sistematização das informações
dos dados e indicadores das situações de vulnerabilidade que
incidem sobre as famílias e o território para o cumprimento da
vigilância social, bem como a construção de cultura de utilização
desta ferramenta na gestão da política;
Assessoria e fiscalização do cumprimento das diretrizes desta
política; além do empoderamento e devido cumprimento do papel
fiscalizador do Conselho Municipal de Assistência Social. Ainda,
realizar o acompanhamento, pelo Escritório Regional, através de um
trabalho planejado, programado e sistemático;
Exigência de um novo posicionamento dos governadores,
prefeitos e secretários, responsabilizando-os pelo cumprimento da
Proteção Social, com clareza nas definições de competências entre
eles;
Ampliação dos espaços públicos de participação popular e,
ainda, a criação de condições de participação, através da
informação pública dos direitos sociais e socioassistenciais, do
orçamento da PAS, e o respeito às organizações populares e
comunitárias e aos espaços de exercício do controle social, além do
estimulo para ocupar estes espaços.
A implantação dessas condições representa uma nova possibilidade
de pensar, ver e agir da Política Pública de Assistência Social. Dessa maneira,
elege-se que o CRAS tem um papel importante para a consolidação da proteção
social brasileira, porém, a instalação deste equipamento, por si só, não garante a
viabilização desta responsabilidade.
Couto (2009) reforça que necessidade de aprofundar o debate
sobre a importância deste espaço, ampliando as discussões acerca dos serviços
estrutura, acessos, processos de qualificação e avaliação, interfaces e o controle
social e, ainda, avaliação da própria gestão do sistema;
Desse modo, a implantação do CRAS, enquanto equipamento
público, não constitui um direito por si só. É necessário destacar que ele nos desafia
138
a fazer a diferença, não se limitando a ser a porta de entrada do público da
Assistência Social, mas também e, principalmente, deve representar o processo de
construção e fortalecimento do usuário como sujeito de direito de uma nova política
pública.
Os desafios são muitos, mas “muitas também são as possibilidades
e oportunidades que se abrem nesse contexto e se revelam para aqueles que não
se acomodam, não idealizam condições irreais e não se paralisam diante das
adversidades” (NOZABIELLI, 2008, p. 393).
139
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