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agir em consonância com padrões éticos e morais, tendo visível influência no
ajustamento pessoal (MARCONI e PRESOTTO, 1999, p. 171), através, inclusive, da
coerção psicológica. Com o incremento das possibilidades de conhecimento, a
função social da religião foi contestada: Marx e Engels apontaram-na como
elemento indutor da conformação do sujeito à ideologia do poder. Para Marx, a
religião é fruto de projeções mentais eliciadas das ansiedades do homem ante as
opressões do poder (LESBAUPIN, 2003, p. 15), uma realidade forjada pela
alienação e, portanto, o “ópio do povo” (ALVES, 1999, p. 80 e 91; CHAUÍ, 1999).
A contestação marxista à religião intenta o desprestígio da sua função
construtiva, impingindo-lhe uma dimensão, não só político-ideológica, mas também
psicopática, assemelhando-a a recursos de identificação, ou de justificação ou
mesmo de defesa do psiquismo ante a percepção de superioridade do opressor. A
dúvida introduzida quanto à beneficência do papel social da religião, orientou o
exame da questão por neo-marxistas. Luxemburgo e Gramsci, abdicando do viés da
essência, adentraram ao papel histórico da religião no processo das transformações
sociais, pondo à luz, o seu poder na construção de ideologias progressistas
(LESBAUPIN, 2003, p. 27) como instrumento de resistência e evitamento da
submissão das classes populares.
Entendimento semelhante ao marxismo instalou-se na psicanálise. Freud,
(1913), inicialmente, refletindo sobre a natureza e a cultura, viu na segunda, um
conjunto de preceitos impostos, pela elite dominante, à massa menos esclarecida.
Nesse sentido, a função da cultura é produzir mecanismos de alívio da ansiedade
contra as agressões da natureza, sobretudo, contra o temor da morte. Mas, qual a
base dessa proposição? Na psicologia das massas, Freud encontrou a gênese da
religiosidade na figura parental. O pai protege, dá segurança, induz à adoção de
atitudes, dita regras, torna-se temido, pela criança, pelo poder de punir. Pela
educação, o sujeito, diz Freud, harmoniza as forças temidas da natureza, fazendo-as
pais ou deuses que podem gratificar o sofrimento impingido pela cultura. Assim,
Freud entendeu a religião como pretensa “explicação sobre a origem e gênese do
universo, consolo e esperança nas vicissitudes da vida e proibições que apóia com
grande autoridade”, e abrigo imaginário contra a natureza (UCHOA, 1968, p. 375).
Religião prosseguiu Freud, é uma ilusão, fruto dos desejos inconscientes,
semelhante à neurose obsessiva (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 286-288;
XAUSA, 1986, p. 178-179; HORDERN, 1979, p. 48). Ainda no âmbito da psicanálise,
contrariamente a Freud, Jung vê, na religião, uma das mais antigas e universais
expressões da alma, chegando, inclusive a advogar a existência de uma saudável
relação entre a saúde psíquica e religiosidade. Em caminho semelhante, William
James, ao descrever diferentes estados místicos da consciência, assemelhou a
experiência religiosa a uma forma específica de atividade psíquica (XAUSA, 1986, p.
178-181).
Durkheim dedica-se à análise do fenômeno religioso, concluindo que a
religião é também um instrumento de promoção da qualidade de vida. Para este
sociólogo, a religião contém, ao mesmo tempo, algo de eterno e um poder
dinamogênico que vivifica o crente e, por extensão, influi nas transformações
sociais. A religião, ao seu olhar, conjuga um sistema de idéias e de forças sui
generes que, na impossibilidade de descrevê-las melhor, utilizou a expressão “são
forças que levantam montanhas” (SANCHIS, 2003, p. 40-41), talvez numa alusão à