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AMARILDO RIBEIRO DIA
S
A IDEOLOGIA DAS CLASSES SUBALTERNAS
ATRAVÉS DAS FESTAS
Dissertação de Mestrado apresentada à Área de
Concentração: Interfaces Sociais da Comunicação da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo, com exigência parcial para obtenção do Título de
Mestre em Cncias da Comunicação sob a orientação
da Profª Drª Maria Nazareth Ferreira
SÃO PAULO
2009
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AMARILDO RIBEIRO DIA
S
A IDEOLOGIA DAS CLASSES SUBALTERNAS
ATRAVÉS DAS FESTAS
Dissertação de Mestrado apresentada à Área de Concentração:
Interfaces Sociais da Comunicação da Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo, com exigência parcial para
obtenção do Título de Mestre em Ciências da Comunicação sob
a orientação da Profª Drª Maria Nazareth Ferreira
2009
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Dias, Amarildo Ribeiro
A Ideologia das classes subalternas através das
f
estas. São Paulo: ECA/USP, 2009
20
1p
Dissertação (Mestr
ado) Universidade de São Paulo
Escola de Comunicação e Artes.
Área de Concentração:
Interfaces Sociais da Comunicação
Orientadora Profª Drª Maria Nazareth Ferreira
__________________________________________________
Palavras
-
chave:
Armas ideológicas; subjetividades; sensos de propriedade e
reciprocidade; deslocamento; convergência.
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Comissão Julgadora
1. _____________________________
2. _____________________________
3. _____________________________
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ESTE TRABALHO É
DEDICADO
:
A
todos os que forem capazes de conceber e adotar a filosofia da
práxis
,
excluírem de si próprios qualquer concepção de classe e aos que
per
sistirem em
manter a consciência inalienável.
As
pessoas nas quais durante este período do trabalho de pesquisa e
dissertação, pude perceber um confuso olhar de surpresa, se perguntando como
e por que
ele
tanto lê e tanto escreve
?
Fizeram
-m
e pensar na necessidade de
liberdade. Liberdade para que o indi
viduo possa preencher o espaço do
pensamento
antes
com o saber
,
não com
as condições.
As
pessoas
em
cuja
s
palavra
s,
pude perceber subseqüente real
deslocamento.
A
qualquer trabalhador que reconhe
ça
em si
o senso de propriedade
com a
ferramenta. E, também àqueles que empenharam e empenham seus esforços
intelectuais na compreensão das relações
materiais humanas.
A
ideologia da humanidade.
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AGRADEÇO
E
m primeiro lugar
, a
Neca
,
pelo
A
mor
,
por toda a ajuda
,
e por me dizer sempre
,
vai dar
tudo
certo.”
A
Dona Dalva
. P
rimeiro por cuidar do Nino, depois por
me
levar a
concluir que
qualquer loucura, pequena ou grande é melhor que o quarto escuro da
ignorância e do conformismo.
A
Suzete
pel
a
garra
e,
ao Tadeu
pela
argüi
çã
o.
A
Fabiana
e
aos
c
olegas do
CELACC
. S
oled
ad
e
Dennis
pelas observações
consideráveis no exame de qualificação;
Maíra
,
pela atenção;
Moisés
,
pelas boas
dicas;
Kátia,
Henrique
,
Gerson
e João.
Ao
Amado
pelo abstract
A Rô e ao Paulinho
.
Ao
Renato.
Ao
Jú e
ao Zico
.
A
Cristiane e Seu Augusto
.
Ao
Ivan Vilela
Aos
Professores
Eclea
Bosi, Zilda Márcia, Tadeu de Campos e Jonas Mansur
.
As
P
essoas
que acreditam e se
empenha
m
nas possibilidades alternativas
. E
aos que perseveram na manutenção das manifestações expressivas da cultura
popular subalterna
: Dona Didi, Seu
Vicente Rocha, Seu Canhoteiro, Beth, Seu
Raul e Dona Helena (pelas pamonhas), Robertinho e esposa, seu Pedro,
Seu Dito
Motor, Seu Dito Gino e Seu Dito Prado
, Seu Zé Maria Bonifácio
.
A t
odas as pessoas que direta ou indiretamente colaboraram com este trabalho.
E
m
especial
ao
Nino
que me fez perceber que é
preciso parar e cuidar da vida.
Ao
Chico por
compartilhar
seu
vidro de pimenta
s.
E a
Nazareth
por
nos
conduzir
para fora da caverna.
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RESUMO
Neste trabalho
,
o objetivo central é c
ontribuir para
a
formulação de um aporte teórico,
concernente às Ciências Sociais, na área da
s relações entre
C
omunicação e
C
ultura sobre o
c
onteúdo
p
ol
í
tico
-i
deológico implícito
n
as manifestações culturais da
s
c
lasses
s
ubalternas
e
examiná
-l
o
enquanto
instrumento ampliador da margem de compreensão sobre a
s
forma
s
de produção e auto
-
reprodução desta
s c
lasse
s.
Através d
a
metodologia dialética
,
estudamos
as possibilidades de
identificar
,
na
esfera
das
manifes
taçõ
es populares subalternas,
indica
tivo
s da pres
ença de
potenciais
ideológicos
m
ediante
os níveis
verificados de
sublevação do homem
perante
processo
s
de
homogeneização do pensamento
, em contradição
às
condutas
de
resistência
,
auto
-
movimento e
auto
-
governo
re
ais
.
Constatamos
,
neste
s estudos
,
que
as
metodologia e filosofia historici
st
as
atualmente
estão
predisposta
s à
s necessidades de
transformação
da sociedade
. I
dentificamos
su
a
base ideológica nas subjetividades d
e
dispositivos sócio
-
culturais que
da
realida
d
e das
classes subalternas
deve
vir
à superfície
através da
práxis
filosófica
que conceba o
nexo
mundo
-
cultura
-
movimento
.
PALAVRAS
-
CHAVE
Armas ideológicas; subjetividades;
senso
s
de
propriedade
e reciprocidade
;
deslocamento; convergência.
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ABSTRACT
The primary aim of this work is to help developing a theoretical contribution,
concerning Social Sciences, to the
area dealing with Communication and Culture.
Essentially, it discusses the political
-
ideological content underlying cultural express
ions
of the subordinate classes
, which is identified as an expanding instrument of the
understanding limits concerning the means of production and self
-
reproduction of these
classes.
Through a dialectical methodology, we have studied the possibilities of i
dentifying, in
the scope of popular subordinate expressions, symptoms of the presence of ideological
potential
by evaluating the level of human rebellion when faced by procedures of
homogenizing thought, as opposed to resistance behaviour, real self
-
move
ment and self
-
government.
We have established, in this important occasion, the predisposition of historicist
methodology and philosophy to the needs of changing society. Furthermore, we have
identified its ideological basis in the subjectivities
of social
and cultural devices which,
from the reality lived by subordinate classes, will only come forward through a
philosophical praxis that will conceive the nexus of world-
culture
-
movement.
KEY WORDS
Ideological weapons; subjectivities; meanings of
property an
d reciprocity;
displacement; convergence.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
....................................................................................................1
CAPÍTULO
-
1
APONTAMENTOS
TEÓRICO
-
METODOLÓGIC
OS
................22
1.1
-
Das
c
ontribuições
f
ilosóficas
..
...
............................................................22
1.2
-
Das
p
roposições
m
eto
do
lógicas
..........................................................63
1.3
-
Impulso d
a u
topia
.
...
...............................................................................81
CAPÍTULO
-
2
CONFIGURANDO A RESISTÊNCIA
.....................................86
2.1
Resistência
.
...
.........................................................................................86
2.2
O
Ambiente e a
C
otidianidade
..
..........................................................106
2.3
-
Raízes
h
istórica
s
do Moçambique e do Jongo
.
...........
......................114
2.4
-
Memória
C
oletiva,
M
emória
S
ensível
e C
omunicação
Dispositivos
Ideológicos
...................................................................................................124
CAPÍTULO
-
3
FESTA
- AMBIENTE DA
CONVERGÊNCIA
......................133
3.1
-
Festa
Popular Subalterna
...................................................................133
3.2
-
Espaço de Negociações
......................................................................15
7
3.
3 -
In
serção –
Inter
venção
........................................................................16
3
CAPÍTULO
-
4
CASQUETES, PAIÁS, FITAS,
BASTÕES
, ANGUÁIAS E
TAMBUS
...
.....................................................................................................17
6
4.1
-
Equipamentos Simbólicos
...................................................................17
6
4.2
- Subalternidade e Marginalidade
...........
..............................................18
4
4.3
-
Valor
Gnoseológico
.............................................................................18
9
CONCLUSÕES PRELIMINARES .
.................................................................19
3
BIB
LIOGRAFIA GERAL
..
.............................................................................19
9
ANEXOS
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1
INTRODUÇÃO
A presente proposta se insere na Linha de Pesquisa sobre Comunicação e
Cultura, junto ao Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Comunicação e
Cultura (CELACC). Centro este que tem enquanto seus objetivos, a promoção
e realização de pesquisas, cursos, seminários, consultorias, edição de
publicações e outras atividades de natureza acadêmica; a criação de acervo
documental sobre cultura brasileira e latino-americana; e a cooperação com a
Universidade de São Paulo (USP), e outras instituições de ensino, de pesquisa
e de produção científica, no sentido de divulgar os conhecimentos adquiridos.
Considerando
-se o interesse e os
aprofundamento
s
deste
Centro em
estudos
voltados para a Comunicação e a Cultura como áreas de conhecimento,
e
também
fonte inesgotável de questões pertinentes à
s
atividades humanas, a
proposta de pesquisa que
aqui
apresenta
mos,
aborda
política e filosoficamente
a possibilidade de identificação da
ideologia
implícita
nas formas de
manifestaç
ão
cultura
l das classes subalternas que se configuraram a partir dos
modos de relação com a cultura e em seu inter
ior
. E que, de maneira
abrangente, são
ainda
reflexos e sub-reflexos do impacto que muitos povos
sofreram nos processos de colonização, ao enfrentar
dist
orcidas
ideologias
que
serviram de base
para
o racismo,
para
a eugenia,
para
a escala do
esgotamento
,
para
os monopólios, e
nfim
para
as ações
hegem
ônicas
d
as
classes dominantes. Por estas condições, estes
po
v
os
-
nações
, e quaisquer
outros tipos de sociedade
,
vitimados por aqueles processos, ainda hoje
buscam oportunidade de emergir para
um
a autonomia econômica, desenvolver
seu plano de conhecimento científico baseado em suas razões de ser, sua
organicidade:
cultura
-
intelectual
idade
-
sociedade
;
é preciso que se leve
em
conta a extensa gama de estudos já re
alizados sobre o tema em questão
.
Est
e
trabalho
põe
-
se
a
dist
ân
cia
de qualquer pretensão às
verdade
s
absoluta
s
ou
de
apresentar convicções unilaterais, “é possível prever ‘cientificamente’
2
apenas a luta;”
1
o que buscamos aqui é dar relevo à possibilidades de em um
impulso
da
utopia
deslocar a marcha para a
(re)
-humanização e a realização
político
-ideológica do sujeito histórico das classes subalternizadas; nesta
condição
como
resulta
do
de processos civiliza
tórios
e
ainda
por
perdurar a
desconsideração à
s
grandeza
s
cultura
is que
lhes são
intrínseca.
Acerca
mo
-
nos
da convicção de que muitas das perguntas ainda continuarão
sem as devidas respostas, tanto por não ter
a humanidade
ainda
atingido,
nível
de consciência para tanto, mas, principalmente por ter-
se
a necessidade ao
menos da perspectiva de um horizonte, utópico,
porém
capaz
de
des
loc
ar e
impulsionar
um
a caminhada
.
Importa
que os passos cada vez mais possam ser
compartilhados e usufruídos de forma mais
autônoma
, no saber, nas vivências;
da mesma forma para o indivíduo das estatísticas como para o das massas;
que neste itinerário por onde a espécie humana
possa
experimenta
r
o
conhecimento,
que
a humanidade, não
como
condição, como um todo,
alcance
plenitude.
Trata
-se do
estudo
das possibilidades dos efeitos comportamentais gerados
por sistemas de comunicação
humana
, garantidores dos processos de
transferências e manutenção dos saberes, do conhecimento e da filosofia da
práxis
; a princípio pelo estabelecimento dos saberes e conhecimentos como
tais, mas, subseqüentemente por terem completa correspondência com a
representação histórica relativa a determinados período e
regionalidade
.
Estas
são significativas quando assimilam à
pr
áxis
que se traduz em
desenvolvimento sócio-
econômico
-
cultural
(viver em sociedade; ter de produzir
e se auto-
reproduzir
; e, definir os caminhos para isso). Tais sistemas são da
mesma forma, considerados, nesta abordagem como elementos aglutinadores,
respo
nsáveis pela conservação de núcleos conciliares, cujos mecanismos
para
esta
manutenção
estão entre as manifestações da expressividade
que
imprimem
cadências ao cotidiano (o trabalho, o descanso e a festa). S
endo
observáveis através e nas manifestações culturais, neste trabalho
especificamente, confere-
se
a estas manifestações integralmente fundadas na
relação de reciprocidade proprioceptiva entre a cultura das classes subalternas
1
GRAMSCI, Antonio
.
Concepção dialética da história.
Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1966,
p.162
3
e as condições objetivas de trabalho, irrevogável importância
.
Ne
stas
mani
festações se evidenciam e ao mesmo tempo se consolidam
enquanto
saber,
dentro e através do que ainda pode-se constatar do conjunto das
festas
populares
. Popular, por um lado, pois existe o Estado que pré-estabelece uma
rede distributiva classista que pretende determinar que haja o que não seja
popular
. Por outro, por se tratar da capacidade objetiva da linguagem, em
tornar
-se popular. As
festas
que são por sua vez, fenômenos da
convergência
, ambientes estabelecidos e historicizados no conjunto da
sociedade
civil
, compreendem o aspecto de
popular
es
quando se realizam no
indivíduo e com ele. É inexoravelmente um dos fenômenos catalisadores da
relação natureza humana/cultura por suas linguagens e condutas. A esta
essencialidade da
festa
, como fenômeno da
conver
gência
, corresponde à
necessária complementaridade, no cotidiano, entre (cons)-ciência e ação. Isto
é, embora a
festa
muitas vezes seja comumente entendida como um
exacerbado momento orgiástico, não se desvencilha de sua carga de razões
sócio
-econômicas e culturais. Não há, neste sentido o que se possa dissociar.
Tudo o que acontece está engrenado em algum conjunto das relações de
produção
e, por conseguinte, os elementos culturais componentes de uma
festa popular
,
pressupõem, por exemplo, vias de abordagem metodológica das
questões referentes à cultura popular e do “fenômeno relativamente novo da
cultura de massa”; dentro de um sistema geral de crises, uma em especial
qualitativamente confere-se a cultura correlata a “sociedade de massas”
2
.
Portanto, sendo a cultura o complexo de comportamentos com os quais os
indivíduos formulam suas sociedades, tem sido este, porém o campo onde
insistimos nos aprofundamentos, com o objetivo de descortinar reais
contradições a partir da observação do que foi ou está sendo
d
issolvido, diluído
ou dissociado no conflito cultura/sociedade desencadeado neste sistema de
crises.
A evocação da dimensão classes subalternas, está
conscientemente
empregada como qualitativo das classes dentro das quais estas manifestações
culturais, objetos da investigação, encontram se em plena consonância; porém
tratar
-
se
sempre da tentativa de fugir da subsunção formal, qual
seja
uma
2
ARENDT, Han
na.
Entre o passado e o futuro.
São Paulo:
Ed. Perspectiva
,
1972. p. 248
4
impressão imagética decalcável. Funciona como distintivo de diferenciais
hierárquicos esquizofrênicos
. T
rata
mos sim d
a
articulação
para
se
fugir de uma
condição de inferioridade decretada e, logo assumida dentro de um organismo
social onde prevalece a hegemonia ideológica da
mais
-
valia
. A visagem
distorcida de uma cultura elevada está associada, desde o advento do
valor
-
de-troca, ao preço que se pode ou deve se pagar; em qualquer escala, -
local
ou global d
e
onde podemos afirmar que oportunidade de
acesso
e
portabilidade
, são também hoje sinônimo de cultura. Hoje compramos
acesso
,
pagamos pelo tempo de conexão com a cultura. Não se pode, no entanto
perder de vista que o virtualismo (extasiante), preponderante nesta prática, em
nosso entendimento, planifica bidimensionalmente as relações humanas, de
acordo com a disponibilidade de
acesso
;
enquanto a perspectiva, tanto
con
ceitualmente no sentido de uma relação sem profundidade, quanto à
percepção da externalidade, quando englobam as percepções sensoriais, é
proporcionada virtualmente. A contradição a ser observada aí, que decorre do
momento em que a “sociedade começou a monopolizar a
‘cultura’
em função
de seus objetivos próprios,”
3
é que, sendo a concepção do homem no mundo
baseada em suas relações materiais, estas devem passar a considerar o
aspecto não material destas relações que são capazes, por sua vez,
de
comoção
; porém são
ainda
concretamente incompletas relações materiais
virtuais, relação de propriedade inefável por isso o ponto crucial da questão,
em nosso entendimento enco
ntra
-se entre as subjetividades das relações de
trabalho
. É preciso ressaltar, entretanto que não nos basta a idéia de que
somente “o que durará através dos séculos pode se pretender em ultima
instância um objeto cultural.”
4
Com esta afirmação
,
não se encontra superada a
visão idealista de um simbologismo cronológico de alguma coisa ou fen
ômeno
representativos de algum lugar, um tempo e de formas de pensar
por si não é
capaz de nenhum movimento é preciso que da cultura, ou de um objeto
cultural, seja ele novo ou antigo, se desprenda alguma dinâmica social. A
cultura tem por natureza o seu próprio
recriar
-
se
, alimenta-se do cotidiano das
coisas em congruência dialética com o
preservar
-
se
, interpretado
habitualmente por hora como
resistência
. Outra ressalva a ser feita, para não
3
Ibid
.,
p. 254
4
I
bi
d.
,
p. 255
5
se incorrer em uma conduta de secção, diz respeito a não se confundir nem
compactar
subjetividades
em “um hiato no ciclo de trabalho condicionado
biologicamente”, como um vazio que divide os tempos; ambos, subjetividades e
caso exista este hiato se amalgamam plenificando o “metabolismo do homem
com a natureza”
5
a
qui,
as relações materiais a ludicidade realística do
cotidiano traduz-se em senso de propriedade. Opõe-se ostensivamente à
ideologia cujo poder por ela sustentado, atua predominantemente sobre a
comunicação instituindo o padrão e o fluxo do pensamento proporcionalmente
hegemônico em correspondência com este poder; cabe-nos fugir a este
extremo de prostração mediante as forças do capitalismo, constantemente
recém
-maq
uilado, paradoxalmente com feições culturais.
Conquanto a parcela mais significativa dos que se enquadram neste
qualificativo de classe subalterna, esteja
hoje
em desvantagem com relação ao
oferecimento de serviços públicos e mesmo à margem do consumo ins
inuante,
apesar de, em muitos casos, habitarem os centros urbanizados das cidades,
sofrem ademais, o efeito dos intensos processos de desterritorialização (
uma
espécie de dissolução do ambiente). Por isto são obrigados tão somente a
deslocamento
s
espaciais
(êxodos), conforme a expansão dos centros
(comerciais nervosos) de interesse. Trata-se de
um
obrigatório e inevitável
deslocamento
espaço
-temporal histórico quando se dissolve a base de
interação vital da sociedade. É possível então,
questionar
,
se
estes
atores
,
pertencentes a estas classes, necessitam irrestritamente do poder do capital
para a manutenção de sua cultura? Acreditamos tratar-se de dois vieses
explicativos de uma mesma questão; de um lado tudo que compreender
o
modo de ser, ou seja, a maneira como indivíduos e grupos de indivíduos
concebem o mundo,
articulando
com ele e dentro dele e, de outro, o ponto de
vista que os consideram excluídos do padrão mercantil,
(neo)
-
liberal
,
evidenciando
que o que não
está
oficial
izado pela classe dominante
é
popular
subalterno
6
. Isto é, não participa politicamente da ordem social, funcionam
como adereços de identificação - insígnias. Entendemos que tais
modos
,
de
maneira contundente, têm conteúdo ideológico próprio e predisposto à
5
I
bi
d.,
p. 258
6
FERREIRA, Maria Nazareth.
Cultura Subalterna: a encruzilhada da
América Latina
.
São Paulo
Celacc
Eca Usp
,
1997, p. 30
6
negociação
, É, portanto imprescindível que existam,
resistam
e se reproduzam
sem rótulos, nem embalagem com o valor descritivo impresso.
Nestas observações encontram-se definida, no rol das Ciências Humanas, a
s
proposições
metodológi
cas que se pretendem para o exame destas práticas
culturais.
Primeiramente, estreitando o foco da linha de pesquisa dentro da
relação entre Comunicação e Cultura; visualizamos as possibilidades de
identificar nas
su
b
jetividades
destas relações de trabalho, a crença de que
[...]
a partir do momento em que um grupo subalterno torna-
se
realmente autônomo e hegemônico, criando um
novo
tipo de
Estado, nasce concretamente a exigência de construir uma nova
ordem intelectual e moral, isto é, um
novo
tipo de sociedade e,
conseqüentemente,
a exigência de elaborar os conceitos mais
universais, as mais refinadas e decisivas armas ideológicas.
7
E, munidos deste arsenal iniciar a luta por uma cultura superior autônoma”
8
dentro da qual acreditamos, se encontra a fonte de humanização da
sociedade.
O enfoque aqui adotado traz possibilidades imeras de abordagens e, sobre o
qual, muitos debates e registros já foram dados. É igualmente desnecesrio
tentar restringir e cercear outras questões e debates em face da amplitude do
conjunto das t
ematizões às respectivas manifestões populares
subalternas
; a
estas, aqui, vemos especialmente como equipamentos simlicos
de
manutenção das dinâmicas sociais e sistemas de cultura. Há que se considerar as
inúmeras possibilidades de conteúdos correspondentes à diversidade que se
demonstram alternadamente ora com foco sobre a questão da resistência, ora
como
leitmotiv
para preservação dos costumes ou das crenças visando à
obteão, por exemplo, de um perfil sociológico estatístico do elemento humano,
br
asileiro e latino
-
americano ou de distintas culturas.
Diante de um cotidiano de transformões brutais da ordem mundial, indivíduos
que preservam e instruem seus descendentes em formas tradicionais de
expreso, em torno dos quais se edificaram fundamentações para a vida
7
GRAMSCI,
O
p. cit., p. 100
8
Ibid
.
, p. 100
7
comuniria, constituem um campo promitente para um vislumbrar do sujeito
histórico e sua concepção do mundo. Ora
no
canto de trabalho, ora no louvor e na
daa, nos pontos
das
Rodas de
Jongo
e nas ladainhas d
a
Daa do
Moçambique
compreendem
-se de forma abrangente, diversos aspectos das
relações humanas e da divisão social do trabalho e conseqüentemente a
construção objetiva d
a relação
do
homem
com o
mundo.
Enquanto representam, são guerreiros, das cores, dos sons, dos guizos; do
s
manejos dos bastões e das gingas nos bailados, travando uma batalha com o
que
se
projeta na tela do tempo/espaço. Não são simples movimentos e
atributos, são saberes organizados que evoluem em ciclos distintos,
observando períodos e fases dentro da crono
logia da história e, em meio a esta
cronologia, se confundem no conceito petrificante de
folclore
, se reproduzindo
no atual contexto apenas como produto/imagem -
mercadoria
. Há que se
percorrer caminhos de ida e vinda na historicidade destas manifestações e,
decodificar emblemas representativos de periodicidades para que se
estabeleçam ordem e sentido correspondentes às necessidades atuais de
compreensão,
nesta
,
apreendemos
, como significativo conhecimento sobre o
homem e sua atividade englobando suas diversas índoles, até mesmo a
estética se considerarmos sistematicamente o enunciado de F. Shiller:
[...] Todas as coisas que de algum modo possam ocorrer no
fenômeno são pensáveis sobre quatro relações diferentes. Uma
coisa pode referir-se imediatamente a nosso estado sensível
(nossa existência e bem-estar): esta e a sua índole física. Ela
pode também r
eferir
-se a nosso entendimento, possibilitando
nos conhecimento: esta é sua índole lógica. Ela pode ainda
referir
-se a nossa vontade e ser considerada como objeto de
escolha para um ser racional: esta é nossa índole moral. Ou
finalmente ela pode referir-
se
ao todo de nossas diversas
faculdades sem ser objeto determinado para nenhuma isolada
dentre elas: esta é a índole estética. [...]
9
Este pensamento cerceia e limita à concepção
estética
das relações humanas,
desconsiderando o conflito e os conflitantes, os contrários e as contradições a
irregularidade e a multiplicidade destas relações, mas, não deixa de implicar
9
SHILLER, F.
A educação estética do homem
.
São Paulo: Iluminuras, 2002, p.103
8
com certa abrangência a conduta humana.
Em
outras palavras, não deixa de
implicar suas sensações, seu pensamento e sua moral.
Ressaltamos que as verdadeiras contradições na conjugação de
valores
materiais e não-materiais dentro deste universo imaginário, pleno de
representatividade
,
compreendem
a possibilidade de um salto qualitativo
através da manifestação
expressiva
que
conduz a sociedade a
es
cap
ar
ao
conformismo
. Nosso intuito é o de ampliar o campo das teorias comprobatórias
da possibilidade de alternativas metodológicas para se pensar a realização e a
(re)
-humanização do sujeito, cujos instrumentos e armas, entendemos, estão
implícitos na cultura das classes subalternas
.
“O homem é ai, antes de tudo,
uma subjetividade
capaz de atribuir sentido ao mundo,
transformando os dados
da realidade sensível em objeto do conhecimento, graças aos recursos da
racionalidade.”
10
Com toda estafa o homem é ainda uma concretude capaz de produzir
conhecimento, ou sej
a,
transformar o desconhecido em cognoscível
,
investigável
. Tomando como base tópicos importantes dos estudos
gramscianos, inúmeras são as chaves para se alçar a problemática que aqui se
apresenta;
porém duas são destacáveis: o conceito de classes subalternas,
que em analogia ao tema pretendido qualificativamente expan
de
-
se
para o de
cultura das classes subalternas; nestes estudos, como acima indicado,
esta
concepção de cultura é essencial dentro das
considerações à filosofia da
práxis
a outra chave tomada ao pensamento gramsciano se refere à
comunicação
social. Na mesma linha de pensamento
,
instrumento
primário
para a difusão da
ideologia
, pois perpassa as organizações que por inserção ou inter
venção
,
propriamente culturais ou que
somente
incorporam qualquer fração da cultura
por
identitário
;
de qualquer forma não funcionam
sem
a ideologia. O
folclore
é
uma resultante da ideologia
que
costuma
reflet
ir, na aparência
,
um
a dinâmica
de
cultura
representativa
, que
não
traz
substância às subjetividades. É preciso
que se atente para as
incongruências
que se estabelecem entre uma religião
ou moral popular e as convicções patrimoniais e individuais do intelectual
.
Inicialmente
para que estas (religião ou moral) não representem um abismo
intangível
. Acuidade maior,
principalmente
quando o objetivo é o se verificar
10
SODRÉ, Muniz.
Reinventando a Cultura: A comunicação e seus produtos
.
Petró
polis, RJ: Vozes 1996,
p.41
9
aspectos da objetividade, não restritivamente na aparência, no fenômeno, mas
no conjunto das subjetividades que consubstanciam inerentemente as práticas
culturais
. Este conjunto,
diz
respeito ao afetivo e ao cognitivo; por isso são
objetos da
filosofia
. A comunicação social pode ser e tem sido adotada como
instrumento de dom
inação
da ideologia; apesar de sua dinâmica evolutiva e
expansiva,
não
”deixa de cumprir, dentro dela, uma função ideológica
determinada
.
11
A este ponto, não se admite concluir que
haja
um princípio
de exclusão quando se considera o raio de abrangência e a maneira como são
respeitadas as formas expressivas. Em outras palavras, não estariam algumas
formas de manifestação da cultura subalternizadas de maneira a subsumir este
condicionament
o como modelo de função política no sistema? Não estariam
estas formas de manifestação respeitando cega e inquestionavelmente uma
ordem difundida que determina que a cultura
deva
ter seu lugar na sociedade
ao invés de compreender que cultura é a forma
prim
ordial
de concepção,
apreensão e transformação?
Dentro de uma concepção dialética de unidade em que coerção, consenso e
transformação
, se inter-relacionam ou se interpenetram,
objetiva
mos
questionar até onde se pode comprovar, seguindo as teorias, até aqui ainda
superficialmente expostas de uma parcela ínfima dos concisos estudos
gramscianos
, que se encontram esgotadas as possibilidades de
realização
do sujeito, quando uma das premissas é a luta por um vinculo cada vez mais
orgânico
entre Estado e sociedade civil, entre uma filosofia historicista e o
desigual desenvolvimento humano? Até que ponto se pode pensar em
momentos para estancar a questão da cultura conferindo-se promissão
cient
ífica a análises puramente estéticas e elementares, quando se toca ao
conjunto das manifestações sócio-culturais, enquanto por outras vias de
abordagem, para uma apreciação ainda mais integralizadora do sujeito sócio-
comunitário, as subjetividades nas relações de trabalho, concebidas por uma
metodologia mais historicista e dialética de aproximação ao objeto, permitem
a
continuidade das
teori
za
ções
a respeito do que sejam
as
forças
sociais. Com
base nesta segunda questão:
11
PORTELLI, Hugues.
Gramsci e o bloco histórico
.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997
,
p.
27
10
O indivíduo-cidadão daí resultante é um fato
ideológico. Dele partem as ciências sociais e humanas para a
formulação do objeto teórico chamado “sociedade moderna”. As
modernas concepções sócio-filosófica em torno da essência do
humano assentam-se numa mesma base doutrinária, que
ent
roniza o
valor
-
indivíduo
[grifo do autor]
.
12
O que se pode intuir é que a possibilidade de tomada da concepção de homem
e do mundo, projetada ao campo das manifestações culturais expressivas, pois
é a expressão do intrínseco no homem extrínseco, como objetos da
investigação científica, está longe de ser esgotada, e por esta consideração,
aos modos de relação com a cultura como fator elementar para socialização e
reciprocidade circunstantes do senso de
próprio
, muitas leituras são
eminentemente necessárias e outras fundamentais; ainda que seja razoável se
perguntar como e a quais formas de manifestação cultural se projetar tal
possibilidade
:
A obra antiga, a obra moderna, a mercadoria cultural, a
atualidade artística.
Qual o sentido
da arte diante da tecnocultura?
Parte do desejo, do sujeito na direção do objeto, passa pela
subjetividade, por um movimento inconsciente que está fadado à
radical insatisfação, pois seu objeto se define pela falta com
relação ao real; não tem valor de rea
lidade.
As estratégias publicitárias se empenham em “produzir a
necessidade de consumo, revestindo-a da suposta irrealidade do
desejo e atribuindo-lhe, claro, um preço. Um produto qualquer,
do eletrodoméstico a uma narrativa, é significado como algo que
tr
anscende o seu banal, valor de uso imediato, impondo-
se como
desejável, por ser caucionado pelo desejo de ‘outro’ a grande
organização comercial ou industrial, o criador da moda etc.”
“Nem a obra de arte e
scapa do mercado”
.
13
À
iniciativa que no momento
se apresenta
,
import
a
a experiência do
testar mais
uma das portas que
acesso
a um cominho que poderá, cremos
,
12
SODRÉ
, O
p. cit, p.45
13
Ibid.
,
p.102
11
contrapondo um ostracismo hermético em que caíram importantes estudos
,
conduzir ao processo contínuo
de
tornar cognoscível algumas das
diversificadas
e
intrincadas facetas desse est
ágio
do desenvolvimento humano
- sob o móbil da minimização das desigualdades sociais -; não se pretende
,
porém,
divagar inutilmente sobre uma inconcebível equiparação
sócio/econômica e tecnológica entre as nações, mas, face ao desenvolvimento
da comunicação social, como um fluído que percorre velozmente muitos
espaços simultaneamente, que ela permita ao menos, maior e mais extensiva
compreensão sobre o atual conflito das
identificações
;
uma ident
idade
colhida na prateleira dos magazines
transculturais
traduz o indivíduo sócio-
cultural pós-
moderno?
As grandes transformações e as revoluções
mais
significativas, em confronto com as circunstâncias e sistemas experimentados,
foram e ainda são, em muitos casos, processos lentos;
pois
, iniciamente
demorava
-
se
na compreensão para que depois se articulassem as
marcha
s
revolucionária
s;
quase sempre não sem liderança, também não sem
contingente
; porém jamais sem a comunicação. P
restando
esta
,
sempre
à
fixação da ideologia no senso-comum, conforme o nível atingido de
conceituação e também da tecnologia. Assim, hoje não se poderia perdurar
qualquer dúvida de que a compreensão deveria se dar de maneira mais rápida
e mais abrangente; entretanto o que
não se
encontra
definido até o momento é:
com as informações em alta freqüência de circulação, a que tipo de
esclarecimento se pretende chegar e o que se faz com ele; produz se riquezas
para salvaguardar os grandes capitais ou salva-se o planeta e a humani
dade?
Pergunta
-se, teria algum valor pensar, que se encontra em fase preparatória
alguma nova revolução, contra o que ou quem, e, de que movimentos se
conduziria? O uso banalizado desta palavra,
revolução
, não destitui sua força
em si; remete imediatamente a insurreição das massas.
Traduz
sempre o
embate entre opostos
opressão
/
liberdade
-; pode caracterizar-se por
mudanças profundas ou sutis, mas nunca se esvazia de motivação política
envolvendo dominantes e dominados. A primeira revolução técnica tratou
da
introdução das ferramentas na relação homem/natureza, cerca de dois milhões
de anos a.C., compreendendo a descoberta do fogo e a refeição em grupo.
Somente a espécie humana, na natureza consegue alterar os
sistemas
;
estrutura
esquemas de
hierarquia
s
con
forme o predomínio da força, da astúcia,
12
do discurso, domínio tecnológico, foro privilegiado, informação, dinheiro. A
segunda revolução importante na história humana, podemos assim considerar,
diz respeito ao desenvolvimento da agricultura, à descoberta do sedentarismo,
às cidades, ao acumulo de riquezas, destacando-se os mais fortes, os mais
hábeis
e os mais ricos, sempre dominando e se apropriando do excedente da
produção. entre os sumérios em 2415 a.C, questionavam-se, não somente
as leis, mas a exploração nos procedimentos do Estado. A primeira
Democracia, de Sólon, na Grécia em 2600 a.C; depois, a Nova Democracia
ainda não contemplava a participação política das mulheres e dos escravos,
mas instituía a assembléia geral, para a garantia de quorum; uma milícia
capturava cidadãos pelas ruas que eram obrigados a participar. Um lema,
diretamente oposto à ordem estabelecida, as privações ao alimento, privação
da liberdade e do voto são suficientes para provocar uma insurreição, como
foram as r
evoluções francesa e a americana, na primeira contra os esbanjes da
monarquia e as privações da classe mais pobre; e, entre os americanos, contra
o domínio dos ingleses, onde o consenso gerava mais que uma classe.
Thomas Jefferson resumiu o ideal revolucionário: vida, liberdade e direito à
busca da felicidade. Na França, anos mais tarde seria promulgada a
declaração dos direitos humanos. Aqui uma ilustração nos fatores para
independência dos americanos: na cidade de Boston promoveu-se a Festa do
Chá,
onde camponeses, disfarçados de índios ritualisticamente,
atiravam
caixas de chá nas águas do lago,
revoltados
com
as imposições dos ingleses
sobre a mercantilização do produto; para os revoltosos, contudo, o disfarce de
índio era uma forma de auto-afirmação do
tipo
somos americanos, mas estes
mesmos
índios
haviam sido dizimados pelos não-índios americanos na
perspectiva de formação e expansão do Estado e do território
norte
-
americano
.
A revolução, visando à derrubada do regime opositor, pode adotar um sistema
clico evolutivo de sobreposição de ideologias, cada vez que se criam
mecanismos de distinção de classes, como se comprova nos discursos
partidários
. Assim, esgotam-se as propriedades lingüísticas até que a
expressão não tenha mais um fundo
nem força
;
passa a não fazer mais sentido
e não servir
além
do que o faz na propaganda coloquial consumista (a
geladeira revolucionári
a
, o revolucionário sistema de ar condicionado, etc.).
13
Liberdade de expressão, de idéias e de movimento consubstanciou a revolução
das máquinas e das mentalidades; a Revolução Industrial transformou o
camponês em operário. Produção e produtividade ditam a lógica e a máquina a
vapor estabelece a cadência no desenvolvimento urbano das cidades. Surge
com os camponeses/operários a classe operária cuja maior ideologia era o
marxismo na tentativa de uma revolução operária. Com a revolução sexual,
não sem uma nova mentalidade, a reivindicação por novos espaços e modos
de vida; criam força o feminismo e a mutação cultural,
(re)
-
inventam
-
se
rep
resentações efêmeras do ser humano. A propagação da idéia de uma
fraternidade sem fronteiras suscitou a almejada aldeia global.
Entretanto os regimes governamentais autoritários sempre se apressam em
controlar a mídia
14
. Destacam-se dois tipos de controle sobre a comunicação,
um do tipo nacionalista que restringe o indivíduo à identidade nacional e
outro
,
a censura, que apesar de destituídos os órgãos censores, as idéias são
condensadas e formatadas segundo um modelo imperativo de bombardeio
massivo da informação e dos produtos culturais
midiáticos
. Porém, a
comunicação, sob controle ou não, nunca deixa de manter as idéias vivas e em
movimento. Por isso a comunicação, como faculdade especialmente
diversificada no ser humano, deve compor sempre as bases de formação da
sociedade
. Mas, para um idealizado compartilhamento das soluções, sem que
se calculem os impactos sobre o cotidiano,
computa
-
se
tão somente
a
massificação da informação a cultura de massa. Todavia, a nova modalidade
distintiva entre os que têm, quanto tem ou não tem
acesso
à informação se
amplifica e, o grande incômodo que continuará sendo a presença dos
desfavorecidos
; também continua sendo a matriz das ideologias dominantes
produzir uma massa de necessitados
.
A
ssim
, consideramos de extrema
importância a historicidade do debate em torno desta problemática e,
portanto,
perguntamos
, por quanto tempo mais? Também e acima de tudo, usando das
reflex
ões
de M. Hardt e Antonio Negri
(2005)
, re
ss
a
ta
mos que
[...]
na medida em a produção social define-se cada vez mais por
formas imateriais de trabalho como a cooperação ou a
construção de relações sociais e redes de comunicação, torna-
se
14
BETHEL,
Leslie
; ROXBOROUGH, Ian.(org) A América Latina entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra
Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996,
pp
.72
-
77
14
cada vez mais diretamente produtiva a atividade de todos na
sociedade, inclusive os pobre
s.
15
Entendamos que,
formas
imateriais de trabalho, o correspondem
evidentemente
à uma nova modalidade ou a uma nova concepção sobre o
mundo do trabalho, mas à uma consideração mais abrangente das
subjetividades nas relações de trabalho de onde nascem, evidentemente,
novos trabalh
os
.
Assim, constatando-se historicamente os resultados, das grandes mudanças, à
exemplo da revolução industrial, do caos ambiental etc., faz-se necessário
perscrutar a vida do homem
sujeito/objeto
a fim de que em algum
momento, a passos mais incisivos se apresentem às teorias e às práticas
condensadas
,
segundo
Gramsci
(1966)
em
força social de transformação. A
comunicação seguirá sendo o instrumento da abrangência; o conhecimento é
imprescindível como mola propulsora das
articulaç
ões
e do deslocamento
;
contudo
, falta definir ao que chegar e o porquê chegar, pois há tempos se têm
estabelecidos os preceitos da democracia, da liberdade, dos direitos, que ainda
não são plenos; em muitos casos permanecem como objetivos, em outros são
ainda
meras
utopias. Como utopias,
pressupõem
-
se
também
como princípio
que desencadeia o movimento dialético da compreensão e da transformação,
então
, deve haver um horizonte utópico como lugar das possibilidades; como
muitos que já foram e outros que deverão ser verificados, um desses ca
mpos
e
que acreditamos
ainda
poder ser
examinado
, a partir do que consideramos
serem os conteúdos político, econômico e filosófico, est
ão
entre as
singularidades das atividades humanas, as
festas
populares
subalternas
.
Oposto a isso,
continuaremos
a consta
tar
,
condicionadamente
, os processos
de
aprendizagem
indicados
para que cada coisa esteja em seu
devido
lugar de
funcionamento
; ou então, esta aprendizagem continuará se dando como
sempre, ou muitas vezes tem-se dado, através das catástrofes sociais,
agora
geradas pela
marginalização
e pela
descoloniza
ção
Haiti
, Senegal
;
autonomia com dependência
;
as
catástrofes
ambientais, aquecimento global
;
e,
as econômicas, redefinição dos atores e das posições no mercado
transnacionalizado que se generaliza com o título de crise econômica mundial
.
15
HARDT, Michael;
NEGRI Antonio.
Multidão
:
guerra e democracia na era do Império
. Rio de Janeiro:
Editora Record, 2005,
z
p. 178
15
Distinguidas respectivamente,
as
festas
e as festividades, uma como ocasião
ou circunstância, o presente, a diva e a outra, como estado de espírito, de
humor, e correspondente demonstração deste estado; são historicamente
espaços de tempo onde a concentração de pessoas é um dos principais
obj
etivos e, certamente a persuasão ao consumo é hoje mais evidente devido à
lógica mercantil vigente; e, esta mesma lógica também implica transformação
de toda e qualquer singularidade em produto. É também social e
historicamente a interface metodológica pela qual se buscou aqui corroborar
co
m a
amplia
ção das teorias aplicadas na análise destas realizações; as
festas
e festividades bem como as manifestações culturais populares que as
consubstanciam, são neste trabalho de pesquisa, contempladas sob diversos
aspectos; dentre eles, a exemplo da ligação do homem com a terra
(relações
materiais)
e, esta ligação como fonte originária de diversas formas de
subjetividades
: a sagração, pois que aqui se entende
como
ato
de carregar de
importância simbólica uma realidade concreta como o trabalho, por exemplo
o trabalho é sagrado. As
festas
(Sagras), fundamentadas
sempre
em alguma
tradição, trazem de algum modo uma correspondência com algum tipo de fruto
da terra, produto da relação do homem com a natureza. Como nas mais
antigas civilizações, o sentido de sagrar e consagrar alimentos e elementos da
natureza para manutenção de provisões, para proteção contra algum inimigo
ou as intempéries do tempo corresponde ao sentido de unidade em
objetividade e subjetividade.
Tomamos a esse respeito, o exame feito p
or
Maria
Nazareth
(1998)
em sua pesquisa sobre
festas
italianas:
Sagra quer dizer dedicar a Deus, aos deuses, tornar algo
sagrado. O costume antigo de dedicar aos deuses
determinadas colheitas é ainda hoje muito utilizado na
Europa, principalmente na Itália, onde toda sorte da
colheita é dedicada aos deuses, isto é colocada sob
proteção das divindades sendo batizada de “sagras”. [...] O
nome de Sagra vem da antiga tradição “pagã” de saudar a
produção da terra, ofere
cendo
-lhe sacrifícios sagrados e
grandes festas populares. na língua italiana mais antiga,
este termo era usado com o significado de festa para
comemorar uma grande consagração de um evento
importante, ligado ao culto de um deus, ou dos santos.
16
Mais tarde, o significado se estendeu às festas populares
nas quais se celebram acontecimentos cíclicos, um
particular
momento do ano, deveria repetir-se, seja
religioso ou profano.
Pelo costume, a palavra passou a significar também as
feiras e mercados sazonais e os jogos e espetáculos que
acompanha
m as festas populares.
16
Devemos superar por hora os aspectos puramente metafísicos, para dar
ênfase ao que historicamente se torna relevante e passa a demarcar os
momentos significativos das relações materiais. Assim se pode considerar a
profunda ligação do trabalho
com
a terra e o desenvolvimento de festividades,
ou seja, do espírito fe
stivo em decorrência de uma produtividade almejada
e
da
empreita
da
em si
. Não somente com a produtividade, como se
fosse
basta
nte o
plantar e colher, uma imensa consideração aos
frutos
em especial
;
e,
é em
torno da atividade que
são tecidas
as
idéias,
a
s
alegorias e uma vasta gama de
subjetividades
;
o
senso de propriedade e as demarcações históricas
da
sociedade
igualmente não fogem desta premissa
.
Para se buscar pertinência e se chegar a proposituras mais consistentes dentro
do debate sempre
(re)
-atualizado sobre comunicação e cultura, interess
ou
-
nos
implementar as investigações nos campos aos quais
identificamos
, como
n
este
ambiente das
festas
populares
,
face ao processo de democratização do
acesso
a cultura, o desconhecimento ou o arrefecimento das bases ideológicas de
sustentação destas formas populares de manifestação. E, em razão deste
arrefecimento
, questionamos, onde e quais seriam as efetivas ações de
resistência
e de luta para se garantir a permanência dos referenciais mais
importante
s;
não somente que diga respeito à preservação daquelas formas,
mas, também por representar objeto fecundo para compreensão do homem no
aspecto das suas subjetividades e consciência. Assim, o foco
dividiu
-
se
e ao
mesmo tempo intensific
ou
-
se
, sobre as naturezas formais e sensíveis das
manifestações expressivas e seus acessórios correlatos, suas paramentações
16
FERREIRA, Maria Nazareth
. Cultura, Globalização e Turismo: a cultura subalterna como mercadoria.
Relatório final de Pós
-
Doutorado. São Paulo: Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São
Paulo, 1998,
pp. 225
-
229.
Pesquisa realizada junto a Universitá Lá Sapienza di Roma
17
e indumentárias, observados como equipamentos simbólicos de manutenção
da existência da forma
expressiva
;
considera
do
s,
n
os
respectivos
p
rocessos
comunicacionais como “material ideológico”
17
a garantir continuidade histórica.
Assim como se considerou importante também, aprofundar os
questionamentos sobre as condições de subalternidade e/ou de
marginalização
frente o poder tecnológico dos dispositivos simbólicos de
modernização da cultura,
18
o processo de globalização e a comunicação em
massa.
A temática ainda permitiu-
nos
aprofundamentos dialéticos sobre o que
inicialmente pretendemos chamar memória sensível
.
Memória
à
qual
pensamos,
esteja
impregnada no indivíduo ou no coletivo e que responde ao
estímulo de uma rememoração sensorial e subseqüente ação;
isto
quer dizer
que
, aquilo que dentro das relações materiais é capaz de reconduzir o homem
ao
senso de reciprocidade e de
propriedade
no contato com seu meio objetivo
de produção. O que chamamos memória sensível está
em
completa
correspondência com a já identificada
memória coletiva,
base incondicional da
identificação histórica da sociedade.
A possibilidade de questionamentos e exames
sobre
estes
tipos de memória,
tem raízes no que alguns autores analisam sobre forma e conteúdo.
A
nalisando
aqui
,
alguns fragmentos do pensamento de Friedrich Schiller
(2002)
“é primeiro indivíduo e depois pessoa, caminha das limitações a infinitude.
[...]
O impulso sensível, portanto precede o racional, pois a sensação precede a
consciência”.
19
Prontamente
discorda
mos
da acepção de transcendência implicada no
enunciado; cremos
inicialmente
que mesmo enquanto
limitações
o deixam
de servir aos impulsos transformadores. Schiller é profundo seguidor de Kant.
Em sua época, recebia de um nobre uma
pensão
, a quem escrevia cartas de
suas observações individuais. Dificilmente em suas elaborações
identificamos
como
motivadora
a uma necessidade real. Assim, em seus escritos predomina
17
PORTELLI,
Op.
cit
.
p.28
18
SODRÉ,
O
p. c
it.
p
. 85
, passim
19
SHILLER.
O
p.cit. p.102.
18
o ideal de superação evolutiva de estágios até o estado de nobreza no homem.
Mas
, certamente na historicidade da relação entre o homem e a natureza,
instantes de predominância das relações materiais concretas; momentos nos
quais tanto no indivíduo quanto na espécie, este impulso sensível é mais
latente. Não pregamos a preservação do trabalho unicamente braçal,
entendemos que, a relação material marca o homem com noções e ciências
através das quais
ele
concebe o todo. Partimos então d
o
princípio de que o
trabalho, incluindo o físico e
o
mental, como atividade pela qual o indivíduo
apreende
o mundo
,
dev
a
ser o terreno no qual se pode reconhecer, ou se de
va
const
ruir as estruturas da sociedade humana. A sociedade, como conjunto de
interesses racionais, pode ser feita de seres racionais. Assim t
oda
sociedade é de seres humanos. Entretanto, o conceito de sociedade vem
sendo
ultimamente
, quase sempre,
acom
panhado de algum qualificativo,
sociedade moderna, sociedade de consumo, sociedade
capitalista
, sociedade
de risco, sociedade de risco, sociedade do espetáculo etc. Relevado o que
faz
jus ao senso comum, r
eferimo
-
nos
à períodos de contato mais freqüente e
intensivo com os meios materiais, como matrizes das formas de
relacionamentos,
do como saber e como fazer. Por hora, mas sem que
esqueçamos por completo, não interessa exatamente
atribuir
total
importância
a esta ordem idealista de ascendência do sensível ao racional, raiz da divisão
de classes. Importa
sim,
considerar que, de um período ou fase de concretas
relações materiais resultem subjetividades
fundamentais
na atividade humana.
Não se difícil detectar no estudo da historicidade, respectivamente, que
houve certamente, períodos de maior predominância deste impulso sobre o
homem racional; período de prática e por isso mesmo seu caráter
de
provisório
, até a chegada do desenvolvimento da filosofia; o que im
port
ou
analisar
, contudo
, a partir deste pressuposto, uma vez que não há um equilíbrio
pleno e constante neste jogo dos impulsos sensíveis ou racionais,
sobre
quais
seriam e como podem ser
lidas
estas marcas impressas no espírito, naquele
momento de tal predominância? Como o entendimento destas marcas atuaria
sobre o individuo ou grupo de indivíduos no decorrer de sua história como um
tendência sensível, bastando que um estímulo desencadeie
-
lhe
a lembrança da
sensação? Ocorrendo a lembrança e uma imediata identificação do homem em
sua compleição física sensorial desta rememoração, haveria qualquer
19
probabilidade de adesão daqueles procedimentos, ou técnicas ou
comportamento sócio/cultural correspondente? De outra forma, ao se revelar
nas subjetividades qualquer identificação sensorial, na memória sensível é
possível se admitir, nesta identificação, um contraponto ou
contra
-
discurso
a
ideologia de alienação do trabalho? Quando estas subjetividades tocam a
esfera do lúdico, ou seja, a manifestação do cultural e tudo que ela envolve,
sem se distinguir, por hora as
intenções
(políticas, religiosas ou estéticas),
estes questionamentos podem ganhar mais consistência, pois que são notórias
as identificações que se dão entre grupos distintos, de territorialidades
disti
ntas, e, no entanto, com traços comuns de corporeidade na manifestação
da cultura (bailados, ritmos, tocar os instrumentos, o uso dos potenciais
físicos). Acreditamos ser, bastante difícil que o indivíduo escape as rédeas e a
dependência impostas pelo sistema capitalista. Da mesma forma acreditamos
ser possível que o racional/sensível possa levar a vivência mais plena da
compreensão.
Em outra abordagem, para o que se demandar como necessidade
de
compreensão
sobre
este aspecto do desenvolvimento histórico,
neste
paralelo
entre
memória sensível o que se considera como memória coletiva, valemo
-
nos
do que destacou Sodré
(1996)
da reflexão de Maurice Halbawchs
(1925)
:
“memória coletiva” não é dar costas ao presente; é ‘reconstrução do passado a
partir da inteligência presente da vida social
”;
20
de fato o indeterminado é o
contexto onde intuímos ser possível observar circunstâncias em que o sujeito
se humaniza ou é humanizado pela aproximação e fruição de uma forma
cultural manifestante. É o momento em que o coletivo demonstra a si mesmo
seu conteúdo e
pertinência
. Podendo ser esta demonstração,
meramente
narrativa ou em forma de vivência. Tratando-se dos estudos possíveis
relacionad
os a estas modalidades de memória, acreditamos
desenvolvimento
de
um raciocínio sobre como se configuram as bases de sua
resistência
, e o
quan
to poderá estar esta atitude, correlacionada aos conceitos de valor de
uso e valor simbólico
21
, e aos sentidos de propriedade –
próprio de
,
e próprio
20
HALBAWCHS
, 1925 apud
SODRÉ
, 1996
p
. 84
21
BAUDRILLARD, Jean.
Para uma crítica da Economia, Sociedade e Cultura.
São Paulo: Paz e Terra, 2000,
p. 178
20
para
-
; e de reciprocidade
o homem faz ao meio e o meio devolve ao homem
.
Contrapôe
-
se
assim
, de um lado ao positivismo religioso de mundo criado e
oferecido ao deleite, ao esgotamento ou a
expiação
; e, de outro, ao idealismo
intelectualizado
no qual
, o mundo que se faz do que dele se pensa.
Como objetos centrais dos estudos e, na busca de referenciais mais precisos
as Companhias de Dança do Moçambique e as Rodas de Jongo
que
intencionalmente e apenas para este trabalho,
caracteriz
ar
am
-
se
respectivamente uma
como
forma de jogo fechado, isto é, quando um grupo
tem dentro de sua organização, um conjunto de normas regimentais e sobre as
quais se basearam a permanência e a conservação do grupo;
normalmente,
tais organizações estão relacionadas a um clã familiar, o que permite a
comunicação deste regime, de forma hierárquica através das gerações; e,
a
outra, com
o
forma de jogo aberta
, ou seja, quando não existe necessariamente
um
grupo estabelecido e as regras dependem de indivíduos que
hierarquicamente dominam os saberes, sem os quais não se realizam as
rodas
; neste caso na comunidade onde vivem, estes indivíduos são distintos
por esta sabedoria e, àquela guarda-
se
o devido respeito. Fazendo-
se
referência
à possíveis processos de humanização dos sujeitos, os mesmos
exigem um embasamento histórico, com intuito de estabelecer certa cronologia
na existência destas formas, bem como no estudo dos ambientes
sócio/culturais em relação com a cotidianidade; em outras palavras, trata-se da
organização de formas coletivas com
seus
reflexos quantitativos e qualitativos,
correspondentes a expressividade como produto de trabalho no interior de uma
comunidade.
Concernente à problemática e ainda correspondente aos
mecanismos articulados para a
persist
ência
,
foi significante verificar, ainda que
não especificamente, algumas modalidades de dispositivos organizados, ora
com finalidades assistencialistas, ora pertinentes as perspectivas de
preservação, mas em muitos casos com
sério
compromisso
com as causas
sociais
; e ainda, como hoje tem se constatado, o Estado em situação
estratégica para a promoção e distribuição de cultura, as captação e
distribuição de recursos junto à iniciativa privada e a iniciativa
civil
-
pública
;
distribuição esta para os mais diversos fins, não justificáveis ou justificados
como
democratização da cultura
.
21
No
primeiro capítulo,
corresponde
nt
e a
APONTAMENTOS
TEORICO
-
METODOLÓGICO
S, procuramos amparar nossas reflexões em
desenvolvimentos filosóficos e metodológicos, elaborados, bem como
justificar um ponto de partida como a utopia primordial para as investigações
científicas.
No segundo
capitulo
, referente à FESTA AMBIENTE DA CONVERGÊNCIA
,
desenvolvemos uma análise deste ambiente, no qual se demonstram reais
embates entre hegemonias.
O
terceiro
capítulo, CONFIGURANDO A RESISTÊNCIA, traz uma reflexão
sobre como são mobilizados os valore
s
mediante
à
ideologia.
No quarto capítulo, CASQUETES, PAIÁS, FITAS,
BASTÕES,
ANGUÁIAS E
TAMBUS,
com contribuição mais especificas dos resultados dos trabalhos de
campo
,
tornou
-se possível analisar aos equipamentos simbólicos enquanto
dispositivos de articulação na expressiv
idade
da cultura das classes
subalternas.
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22
CAPÍTULO 1
A
PONTAMENTOS TEÓRICO
-
METODOLÓGICOS
.
1.1
Da
s
contribuiç
ões
filos
ó
fi
cas
Partimos da convicção de que
qualquer
pretensão de se propor algum aporte
teóri
co
nas áreas das Ciências e Ciências Sociais, nunca poderá fugir a um
embasamento
filosófico, seja por uma via acadêmica ou pela simples escolha
de uma linha de pensamento ou de conduta. Para uma iniciativa em quaisquer
destes
C
ampos
, esta base para as reflexões são fundamentais, pois funciona
antes
e acima de tudo como um termo de garantia para sua pertinência
histórica. I
nteressa nesta parte
conectar este aporte teórico às
muitas
reflexões
desenvolvidas, distintas da linha idealista e determinista,
introduzindo
-o
pel
a
alternativa dialética a partir da qual se
estabeleceram
os
nortes
para
o
empenho neste trabalho de pesquisa;
tendo
, contudo,
plen
a
consciência
e
consideração de que
é
o objeto
,
seu
auto
-
movimento
, dentro do “movimento da
realidade”
22
que se desenha como
o caminho a ser seguido.
22
FERREIRA, Maria Nazareth,
Alternativas metodológicas para a produção científica.
São Paulo CELACC
-
ECA
USP, 2006 p.
23
A ciência compõe os diversos aspectos da atividade humana.
E,
através da
ciência
o ser humano passou a observar o mundo de maneira mais
contundente, para entendê
-
lo; ela é o caminho por onde procurar explicações e
fundamentos, e serve para que ele possa imprimir as transformações que julga
necess
árias para uma economia constante da vida; “a ciência confere
ao
homem as
faculdade
s e as capacidades para inquirir, investigar e decifrar os
mistérios da Natureza”
23
. Toda
via,
as
atividade
s
humana
s sobre o ambiente,
como a agricultura, antes do advento dos meros e das letras eram
apenas
técnica
s; a partir daquele momento tem inicio o desenvolvimento científico.
Ao
longo do desenvolvimento histórico, a partir do
positivismo
,
criam
-
se
o “mito da
cientificidade” e o “mito do especialista
24
que deram origem,
como
conseqüência
,
a fragmentação do conhecimento em áreas
compartimentadas e
distint
iv
as. As abordagens mais especificadas ao objeto de conhecimento e a
especializa
ção profissional do pesquisador, mais interessado na
dissecação
de
uma determinada problemática do que em uma transformação social,
promove-
se
daí
então um concurso livre de produção ou de aquisição de conhecimentos
como provisão informacional individualizada. Percebemos mais claramente
nos
dias de hoje, este tipo de inversão no fluxo de informação disponibilizada pela
internet sem critérios de avaliação preliminares, cuja acomodação em “tarefas
acadêmicas” pode ser tão fortuita quanto
a
sua gratuidade. Ou seja,
são
mínimo
s os
esforço
s e o tempo dispensado para este tipo de tarefa, o que faz
com que redundem em pesquisas
cujas
finalidades e conteúdos
são
unicamente
quantitativos.
Outra forma de constatarmos o aspecto quantitativo em
pesquisas
cient
í
fica
s
atua
lmente
é quanto a trabalhos para a produção de medicamentos contra os
distúrbios causados, por exemplo, pela vida
sedentária
em grandes centros
(depressão, estresses pré e pós-
traumáticos
, pânico etc.); são evidentemente
necessários
devido a situações emergenciais, porém quase sempre paliativos
quando não se modificam as causas sócio
-
ambientais destes problemas
.
A faina ainda maior por acesso à cultura como erudição amplia um sistema
no
qual o conhecimento como informação
circula
retroalimenta
ndo e criando um
23
HALL, Stuart.
A identidade cultur
al na pós
-
modernidade.
Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006, p.26
24
FERREIRA, Op.cit., p.35
24
cicl
o academicista que gera ininterruptamente a falsa idéia de indivíduos
formados para o mercado de trabalho com ampla bagagem cultural. Uma
observação simples nos mostra que o saber na maior parte
do
sistema de
ensino básico atual se aplica dividido em doses (de informações); doses de
saber
entremeadas com práticas sumárias ou quase sempre destacadas de
qualquer prática. Assim se idealiza o indivíduo preparado com experiências
lógicas unilateralmente mentais, para atuar no mundo de complexidade
materiais.
Co
nsideremos
, por exemplo, a velocidade com que avançam os
desmatamentos e o derretimento das calotas polares. Não é difícil admitir que a
criança que inicia hoje sua vida escolar certamente encontrará a vida bem mais
transtornada ao final do período de sua
educação básica. Há uma preocupação
sim com a qualidade (aparelhamento e fluxo de informações atualizadas) do
ensino
, como há com os produtos oferecidos para consumo. Mas não há
preocupação com alguma
práxis
ao menos alternativa; uma consciência
definitiva
da unidade entre pensar e agir. Não ainda preocupação com um
contato efetivo entre a classe intelectual, permanecendo esta, como grupo de
indivíduos superiores, e os indivíduos, neste sentido considerados inferiores
:
Neste contexto, qual é o papel da filosofia? O papel da filosofia
é reunir o que está separado, fragmentado, dando um sentido de
totalidade e de unidade ao homem e suas ações. Sem a
interferência da filosofia, o mundo cognoscível seria um
conjunto de forma de parcialidades, onde o conhecimento não
teria visibilidade necessária para gerar transformação.
25
N
ão
se
pode deixar de constatar, neste momento em que formação não
pressupõe mais a possibilidade de transformação da sociedade, que a busca
mais contundente, que hora se encontra é por s
aídas
(
saída
do
permanente
estado de crise; não é, porém crise geral, mas, mais que suficiente para
colocar mais distante as possibilidades de ordenação: crise econômica, crise
da democracia representativa, crise da representação, crise das identidades
étnicas e culturais, crises sociais, crise
ecológico
-
ambiental
, crise ética-
moral,
crise populacional, crise política, crise dos intelectuais, crise de auto
ridade
etc.
)
25
Id., p.35.
25
saídas para o conflito (jargão jornalístico): “Mas o conflito é a rebelião das
sadias aspirações humanas contra o conformismo: é uma insurreição
moral,
consciente ou inconsciente. evidente que isso não pode ser dito de todo e
qualquer con
flito).
26
A verdade é que não sabemos se queremos sair. Ou talvez, precise
mos
permanecer
no mínimo, o tempo de dialogar com o lugar. Os sistemas de
divisão social do trabalho, de divisão centro
-
periferia,
d
os conflitos armados e a
migração por melhores condições de vida e trabalho, são exemplos de um
deslocamento
que se
imp
õe
.
Se considerarmos as saídas possíveis,
considera
re
mos o
deslocamento
como necessário;
a contradição está em ser o
deslocamento
a manif
esta
ção de um desejo intrínseco
;
produção e a auto-
reprodução
opostas às pré
-
determinações metafísicas
.
O cientificismo cuidou para que muitas pesquisas e orientações não
passassem de preciosidades teóricas. Outros trabalhos servirão, quem sabe,
de base para pensamentos e comportamentos socialmente previsíveis, como
por exemplo, a mudança de hábitos alimentares mediante um quadro de alerta
sobre problemas causados por obesidade,
sobre
a possibilidade da escassez
de alimento e de água potável.
Por
ém é preciso colocar em prática os planos
de construção de um
almejado
mundo melhor possível
.
Dentre
tant
as reflex
ões
e teorias produzidas nos cabe seguir o caminho
indicado por aqueles que
anunciam
a filosofia da
práxis
como
alternativa
científica de estudo e compreensão
de
sta
ação
construtiva
,
considerando
-
se as
totalidades humanas (
perceber
, conceber, representar e transformar a
realidade
).
Por que a filosofia da
práxis
?
A resposta a esta pergunta pode ser
obtida pelo que Antonio
Gramsci
27
(1966)
aponta como sendo desta filosofia
“duas tarefas: combater as ideologias modernas em sua forma mais refinada, a
fim de poder constituir o próprio grupo de intelectuais, e educar as massas
26
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004, p. 96
27
GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História – Tradução de Carlos Nelson Coutinho - Rio de
Janeiro 1966. Ed. Civilização Brasileira S.A. pp.01-
02
- A complementação desta nota sobre a trajetória
política de Antonio Gramsci encontra
-
se em anexo.
26
populares, cuja cultura é medieval”
28
. Não qualquer indício de anacronismo,
ao se evocar a filosofia clássica alemão, e o período medieval uma vez que ao
se falar de massas populares completa atualidade ao que se refere às
condições
. Podemos dizer que desde a concepção de cultura mo
derna,
estabelece-
se
maior enfoque da cultura como área de conhecimento,
como
também definem-se os
caminho
s para a aculturação da sociedade
,
onde está
pré
-estabelecido como e em que nível participar;
contr
á
ri
a portanto a
concepção de cultura própria da sociedade - a sociedade da cultura.
Tarefas
são ações, não somente medidas, nem tão somente as metas, o conjunto de
todas elas, mais a teoria cujo papel é produzir um contra-discurso que revele
as contradições internas da ideologia”
29
Conforme assegura a estudiosa do
método dialético, Maria Nazareth Ferreira
(2006)
e também defensora do
pensamento gramsciano, a teoria
est
á encarregada de desvendar os
processos reais e históricos que originam a dominação de uma classe sobre
a
outra,
enquanto a ideologia visa exatamente o contrário, a dissimulação dessa
diferença.”
30
Quando abordamos aos disparates da globalização como efeito do (
neo
)-
liberalismo
, e nos referimos, dentro do sistema de divisão da sociedade por
classes, e em especial a uma classe que por
aquela
dissimulação
permanece
subalternizada
, (entendemos por esta forma que haja sim um processo
contínuo de geração desta condição), percebemos que, - como afirmado
pela pesquisadora das Ciências Sociais Maria Nazareth Ferreira
(1997)
a partir
das
proposições de Garcia
Canclini (1988)
:
Os intelectuais que mais escreveram sobre o assunto (a cultura
subalterna e a comunicação popular como projeto alternativo),
geralmente realizaram pouco ou nenhum trabalho empírico; a
28
Ibid., p. 104. “
Esta segunda tarefa
, que era fundame
ntal, graças ao caráter da nova filosofia, absorveu
todas as
força
s não apenas quantitativamente, mas também qualitativamente; por razões “didáticas”, a
nova filosofia se combinou com uma forma de cultura que era um pouco superior à média popular (que
era
muito baixa), mas absolutamente inadequada para combater as ideologias das classes cultas, ao
passo que a nova filosofia nascera precisamente para superar a mais alta mani
festa
ção cultural da
época a filosofia clássica alemã, e para criar um grupo de intel
ectuais próprios do novo grupo social ao
qual pertencia a concepção do mundo.”
29
FERREIRA, Op. cit., p. 69
30
Ibid.,
pp. 69
-
70
.
27
pesquisa social, na maioria dos casos se restringe ao
econômico
e ao político
31
Como uma alternativa de investigação resta tomar como ponto de partida a
dimensão das
subjetividades
até aqui, pelo que podemos constatar calcula-
se
como simples atributo da cotidianidade. Em nosso entendimento a capacidade
de subjetivação se inscreve como faculdade onde o conceito de valor é elevado
a nível incomensurável do
Val
or objetivo, como nos apresenta Heller (
2004
).
“Consideramos valor objetivo, ou seja, independente da avaliação humana, o
conjunto de todas as relações, produtos, ações, idéias etc. sociais que
promovem o desenvolvimento da essência humana no estágio histórico tomado
em consideração.
32
Acrescentamos a este pensamento o que Giovanni Semeraro (
2006
)
33
assim
escreve em sua obra
Gramsci e os Novos Embates da Filosofia da Práxis:
Toda ciência está vinculada às necessidades, à vida, à atividade
do homem. Sem atividade do homem, criador de todos os
valores, inclusive científicos, o que seria a “objetividade”? Para
Gramsci não existe objetividade absoluta, como se houvesse
“um ponto de vista cósmico”, mas esta é sempre “humanamente
objetiva”, é uma objetividade histórica, capaz de alcançar um
“universal objetivo”, ”subjetivamente”
definido
.
34
O conceito de s
ociedade
civil proposto por Antonio Gramsci
(1975)
,
apresentado por este mesmo autor, justifica ainda mais a indicação deste ponto
de partida, quando representa o lugar “onde se mani
festa
a livre iniciativa dos
cidadãos,
seus interesses, suas organizações, sua cultura e valores e, a
onde,
praticamente, se estabelecem as bases do consenso e da hegemonia.
35
Outro conceito trazido a baila por Gramsci
(1966)
é o de c
lasse
subalterna a
partir dos estudos de Marx e Engels. Estes pensadores
,
[...]
formularam seu pensamento a partir da realidade social por
eles observada: de um lado, o avanço técnico, o aumento do
31
CANCLINI, (1988) apud FERREIRA (1997), p. 40
32
HELLER, Op. cit., p. 78
33
SEMERARO, Giovanni.
Gramsci e os novos embates
da filosofia da práxis.
Aparecida, SP: Idéias &
Letras, 2006, 199p
34
GRAMSCI, (1975) apud SEMERARO, (2006), p.27
35
SEMERARO, Op. cit., pp. 95
-
96
28
poder do homem sobre a natureza, o enriquecimento e o
progresso; de outro e contraditoriamente a escravização dos
trabalhadores, cada vez mais empobrecidos, a miséria, a
exploração e o sofrimento do proletariado
.
36
Tal distinção também se apresenta como resultado ainda daquela
fragmentação do saber
acima
mencionada.
Neste ponto, para melhor
referenciar nosso objeto de
estudo, interessa acrescentar
que
:
Gramsci parte dos conceitos elitistas que definem cultura como
saber enciclopédico, atividade especulativa reservada aos
grandes talentos e circunscrita ao campo artístico e educativo. A
partir daí, constrói um conceito dinâmico e historicista, no qual
a cultura é compreendida como um processo que se conserva e
renova
-se permanentemente somente na prática social. Está
ótica amplia o sujeito produtor/receptor/consumidor de cultura a
todo o universo social.
37
E continuando:
Por outro lado, aponta a necessidade da superação de um estado
de cultura existente para um dever ser cultural, tipificando os
processos culturais como cenários de confrontação de classe,
onde se constrói,
preserva
-se ou destrói-se o consenso. Estes
cenários de confrontação são lugares do povo, aqui definido, a
partir de categorias de classe, como o conjunto de classes
subalternas e instrumentais que existem em todos os tipos de
sociedades atuais. Esta definição de classes subalternas
aprese
nta diferenças significativas com o de classes exploradas,
na medida em que o subalterno está num campo semântico que
transcende a determinação econômica pelo lugar que a classe
ocupa na estrutura produtiva, atendendo ao mesmo tempo, à
dominação cultural, a qual se define pelo lugar que a mesma
classe ocupa no âmbito da
hegemoni
a [...]
.
38
V
ale
enfatizar
que tais conceituações projetadas ao contexto atual indicam que
um contínuo processo de geração também de uma
cultura
que tem sido
confundido com a d
as
classes subalternas;
quando
nos detemos, por alguns
momentos sobre as cifras movimentadas entre ricos, esta simulação tem
colaborado para o
aument
o da distância em ralação aos pobres, ao
mesmo
tempo
aument
a
ndo
a pobreza em escala global
pela
prática da
s
m
ídias
de
36
FERREIRA, Op. cit., p. 55
37
MADRIZ, (1989) apud FERREIRA (1997), p. 29
38
Id., p. 29
29
homogeneização do pensamento. C
omo
instrumento de expansão do sistema
neoliberal
, quando não se trata do
exótico
, exclui o diferente. Quando nos
propomos a uma tentativa de transformação deste quadro, fazêmo-lo pelo
desconforto relativo
ao
conformismo
que paira sobre o comportamento
humano.
Unimo
-
nos
à crítica arguta e histórica, porém conscientes de
que
nunca
poderá ser
sem
partirmos de um embasamento filosófico. O papel da
filosofia deve ser o de estabelecer o elo entre aqueles saberes pa
rticularizados
e as possibilidades de articulação dos menos favorecidos das sociedades
frente ao caos.
Quando tratamos de cultura popular subalterna é necessário deixarmos claro
que em boa parte do tempo estamos lidando com experiências práticas, com
ativ
idades cotidianas que em maior proporção são destituídas de
comprovações científicas, são apenas atividades, concretudes. Também não
se
tratam
de observações esquemáticas para posterior prescrição de um sem
número de descrições, destacadas de algum ponto da história e sua
reprodução proposta como
alt
ernativa para qualidade de vida. Isto não
somente exemplificaria empirismo como também repete uma prática na qual as
singularidades servem de conteúdo midiático ou para consumo imediato. Por
isto mesmo, esta proposta não deve escapar a uma reflexão filosófica
preliminar no sentido de garantir de que se trata de um estudo sobre
um
concreto pensado
39
, ou seja, não se trata evidentemente de se
reduzir
as
observações
à dados empíricos, uma vez que abordamos a uma atividade
material humana, mas que seu fundo e
stá
em um campo subjetivo e como
objeto de conhecimento
refere
-
se
ao
concreto como síntese de múltiplas
determinações, como unidade do diverso, como síntese do resultado, ponto de
partida da intuição,
da representação
, [...].
40
Quando ensejamos este alicerce filosófico, temos em consideração o que
possa representar a relação de conjunto com a totalidade”
41
. Neste sentido
totalidade que serve de pano de fundo destas atividades as quais aqui nos
referimos
(as mani
festa
ções expressivas próprias e típicas de sociedades que
39
Id., Op. cit., p. 103
40
MARX, 1971 apud FERREIRA, 2006, p. 101
41
FERREIRA, Op. cit., p. 25
30
conservam na história e no tempo os modos mais primitivos e por isso mais
autênticos)
é “o mundo do
trab
alho” como fator essencial a
sociali
zação,
a
capacidade de construir coletivamente e de modo cooperativo, e que
aqui
justifica
o sentido de unidade
entre
conhec
er
e agir. De modo que se revolvam
postulações sedimentadas, h
ave
re
mos de confrontar a
hegem
onia
dominante
com um simples modo de agir que subsiste aos processos de modernização,
principalmente no que corresponde à comunicação social enquanto mecanismo
de interação e veículo do discurso entre as classes sociais. E, é a partir
da
ética,
nas diversas e
sferas
(
política
, econômica, cultural) que caberá a crítica
ao que se considera
como
idealismo
transcendental das ações humanas e a
ideologia
empregada em formas
de
domina
ção
n
a sociedade.
O que buscamos
sempre
é
a verdade sobre os processos de apropriação escamoteada por
todas as formas e aparências pelas quais se traveste o capitalismo global;
partimos para uma observação dos momentos de
explicitação
da humanidade
,
conforme o pensamento de Agnes Heller (2004). Adentramos o terreno d
as
relações
de produção dissolvidas no contexto do trabalho alienado
.
O trabalho
institui o senso da propriedade. A apropriação é mãe da técnica, dos
instrumentos e das ferramentas. Quando chamamos um especialista para que
concerte o telhado de nossa casa, na verdade estamos lhe permitindo que
coloque em ação seu senso de propriedade.
Nosso ponto de partida é a consideração ao homem elevado a categoria do
ser
humano
-
genérico
”,
42
e, a maior dose
concentra
ção caberá, a título de
referenciar o estudo, naquilo que se nos apresentar como distintivo do homem
como ser dotado de consciência e razão, isto é, sua capacidade de
transformações concretas a partir do que se consubstancia em representações
objetivas diferenciadas das ações instintivas correspondentes a meros reflexos.
Chamamos
de reflexo todo comportamento decorrente, ou seja, não objetivo
,
não construtivo, apenas reprodução mecânica de arquétipos veiculados pela
s
dia
s ou pelas instituições encarregadas da ordenação social do E
stado.
42
HELLER, Op. cit., p.21
“[...] o genérico está ‘contido’ em todo homem e, mais precisamente em toda
atividade que tenha caráter genérico, embora seus motivos sejam particulares. Assim,
por exemplo, o
trabalho tem freqüentemente motivações particulares, mas a atividade do trabalho
quando se trata
de trabalho efetivo (isto é, socialmente necessário)
é sempre atividade do gênero humano. Também é
possível considerar como humano
-
genéricos
em sua maioria, os sentimentos e as paixões, pois sua
existência e seu conteúdo podem ser úteis para expressar a substância humana.”
31
(escola, quartéis
,
família, Igreja etc.)
como,
por exemplo, a banalização da
violência, a banalização do gosto,
banalização das identidades
etc.
É a partir de suas procuras, muito mais do que por sua existência que focamos
a idéia de
deslocamento
.
Este
deslocamento
pressupõe
uma possibilidade
de
caminho a percorrer - o método. Dentro desta possibilidade
visa
mos
diagnosticar, proposições
filosóficas
que
confirmem e situe o homem n
a
condição
de
sujeito e objeto de sua própria história. Condutor e conduzido.
Antes, porém algumas distinções importantes a respeito deste
deslocamento
devem ser apresentadas que, entretanto não se isolam nem se desconectam,
pois ambas estão em referência ao sujeito. Uma delas, apresentada por
Maria
Luiza M. Mendonça
(1997)
, propõe
[...]
deslocar o eixo das análises sobre a produção cultural de
seus formatos e conteúdos para entender os processos e o papel
que nele desempenha o receptor ou consumidor de cultura; é
forçoso e necessário operar com uma concepção de cultura e de
produçã
o cultural que permita encontrar um lugar para a
existência de sujeitos. Esse
deslocamento
[grifo nosso] tem um
peso político importante, pois só assim se pode admitir a
existência de projetos de conquistas sociais, de lutas por
democracia, por participação, por igualdade, por direitos
.
43
Neste
postulado
encontramos respaldada uma idéia de alternância do po
nto de
referência para identificação da objetividade da ação do(s) sujeito(s), visto que
muitas abordagens solidificam esta ação em uma visão unilateral que impede
uma concepção de amplitude das ações e da
criatividade.
Neste entendimento
ou o sujeito
é o
da
resistência
contra uma determinada ordem ou é o sujeito da
própria ordem
sujeito
-
replicante
. Consideramos a subsistência de um sujeito
que transita e se
articula
(
articulação
é um termo que não compõe com alguma
freqüência
os objetivos formativos da
educação
atual
, que se baseia
m
ainda na
identidade
cultural nacional e no mercado/
concorr
ên
cia
de trabalho e que
conhecimento em doses dota o aluno
de
preparo para a vida. Não se faz de
maneira efetiva uma leitura constante do ambiente das sociedades e de
como
nos comportamos neste mundo das coisas, muito menos procuramos atribuir a
43
MENDONÇA, Maria Luiza M. de.
Cultura Subalterna
e Neoliberalismo: a encruzilhada da América.
Latina,
Maria Nazareth
Ferreira
(O
rg.
). São Paulo: CELACC:ECA/USP, 1997, p. 56
32
alguém, neste caso os estudantes, as responsabilidades por um sistema de
vida sustentável
, ou seja,
o conhecimento passa ao largo da
s
possibilidades de
apropriação. Somente o senso de propriedade, restaura a responsabilidade e
habilita a faculdade da
articulação
no indivíduo. Quem faz, conhece) entre
estas duas esferas (ou até mesmo fora
delas
), com suas próprias produções
alternativas. Não somente como um observador externo que interpreta o
mundo, mas que na busca de suas bases existenciais não perde o senso de
propriedade sobre
a realidade concreta
. Caso tenhamos que admitir esta perda
será n
ossa tarefa restituí
-
la.
Outra análise de
deslocamento
é apresentada por Stuart Hall (2006). O autor
observa do ponto de vista das mudanças que, como efeito, está provocando
um
deslocamento
das “estruturas e processos centrais das sociedades
modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma
ancoragem estável no mundo social
,”
apontado também pelo autor como
fragmentação das “paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia
raça e nacionalidade” e tem como reflexo direto como
deslocamento
ou
descentração do sujeito”. Para melhor sintonizarmos nossa abordagem sobre o
sujeito e este quadro de
deslocamento
ou descentração podemos acompanhar
a reflexão que este autor faz progressivamente distinguindo primeiramente um
[...]
sujeito do Iluminismo
[...]
baseado numa concepção da
pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado,
unificado, dotado das capacidades de razão e de consciência e de
ação cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia
pela primeira vez quando o sujeito nascia
[...]
. O centro
essencial do eu
era a identidade de uma pessoa.
[...]
44
Em seguida uma
[...]
noção de sujeito sociológico refletia a crescente
complexidade do mundo moderno e a consciência de que este
núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-
suficiente,
mas era formado na relação com “outras pessoas importantes
para ele”, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e
símbolos
a cultura dos mundos que ele/ela habitava. [...] a
identidade, nessa concepção sociológica, preenche espaço entre
44
HALL, Op. cit., p. 09, passim
33
o “interior” e o “exterior” entre o mundo pessoal e o mundo
publico.
45
Destacamos até aqui dentro desta linha evolutiva da análise do autor na
constituição histórica do sujeito como sujeito sociológico, o aspecto
metodológico como ponto referencial na seguinte reflexão. “A identidade
então,
costura
(ou, para usar uma metáfora médica, sutura’), o sujeito à estrutura.
Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam,
tornando ambos reciprocamente mais unificad
os e predizíveis.
46
Se estamos argumentando a respeito de
deslocamento
, temos que admitir que
es
ta estabilidade jamais poderia permanecer como tal e certamente adotaria, a
posterior
i uma orientação, o liberalismo e, na sua versão atualizada,
o
neoliberalismo
. Entretanto a questão
mais
preponderante é a rapidez efusiva
do fluxo das mudanças que não nos deixa margem para conciliar uma acepção
de sujeito e identidade como se constata na concepção do (
sujeito
)
pós
-
moderno
;
[...]
como não tendo uma identidade fixa,
essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração
móvel”: formada e transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou interpelados n
os
sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É defi
nida
historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que
não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós
identidades contraditórias, empurrando em diferentes
direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo
continuamente
deslocadas
[grifo nosso]
.
47
Ainda que como noções simplificadas, como alerta o próprio autor, e aqui ainda
mais sintetizadas, não é sem razão que transcrevemos estas passagens, pois
devemos ter em mente ou em questão, de que (qual) sujeito estamos tratando
?
Podendo
ser, este sujeito, um complexo de identidades fugidias, ainda que
dotado de consciência e razão, encontrar ou mesmo sugerir
plena
constituição
para
ele
não será uma tarefa
das mais
simples.
45
Ibid., pp. 07
-
09, passim
46
Ibid., p. 12
47
Ibid., p. 11
-
13
34
Esta tentativa da constituição ideal do sujeito, bem como da relação sujeito
objeto era matéria da filosofia clássica alemã, porém nunca será demasiado
iluminar filosoficamente uma das mais importantes
de
corrências desta relação.
Faça
mos, porém duas ressalvas antes de adentrarmos a
análise
de um
processo
de intensificação da alienação. Em primeiro lugar não se trata de dar
continuidade aos
riscos
da
simples troca de mãos sobre o poder, a simples
troca de posição entre dominantes e dominados, pois a história nos mostra que
quase sempre que
m assume o comando muitas vezes
faz
replicar a f
ó
rmula
aplicada pelo regime deposto. Em segundo lugar a idéia de “uma política de
reconhec
imento
terá sentido se devolvida juntamente com uma
justiça
distributiva
48
projetadas
à problemática da justiça social, como analisa
Zygmunt Bauman (
2003
), para elevação a uma unidade e não mero
reconhecimento para que conste de autos dos registros históricos.
Os estudos de
Hegel
não nos conduz
em
à superação das especulações
idealistas
de modo objetivo, certamente. Não vamos além do, numa palavra,
solipsismo
, como muito tem se repetido. M
as
, considerando suas
reflex
ões
sobre o fenômeno da
coisidade,
onde senhor e escravo o figuras
interdependentes, seria uma visão simplista admitir que em um sistema de
dominação, ambas as figuras, dominantes e dominados, não sejam figu
ras
igualmente
interdependentes
.
complementaridade elementar na arte, por
exemplo, como na relação entre indivíduos, inclusive tendo aquela como meio.
Porém, neste ultimo caso, aquele que assume o poder sobre o outro, o detém
ou
por uma ordem hierárquica, classista,
oportunista
ou ainda como prêmio ao
conquistador,
pois que nesta reciprocidade o
reconhecer,
ou esta
interdependência entre ambas as
consciências
projetadas uma a partir de
outra, e logo
em uma única consciência
de si mesma, resulta em certa
paralisia
que pode
mos
chamar
uma
paralisia da individuação, gerada por um dualismo
aparente
apenas, que não se aprofunda ao âmago das partes para evidenciar a
totalidade concreta (a unidade). O materialismo histórico através do método
48
BAUMAN, Op. cit., p. 73, passim. “[...] Se, porém forem devolvidas à problemática da justiça social
que lh
es corresponde, as reivindicações ao reconhecimento e a política de esforços de reconhecimento
se tornam um terreno fértil para o comprometimento mútuo e o diálogo significativo, que poderão
eventualmente levar a uma nova unidade
em verdade, uma ampliaçã
o e não um estreitamento do
âmbito da comunidade ética. [...] A mescla de justiça distributiva com uma política de reconhecimento
é, pode
-
se dizer, uma conseqüência natural da moderna promessa de justiça social [...]”.
35
dialético propõe um movimento a partir de um dualismo real e contraditório,
onde a oposição ou negação desencadeia o
deslocamento
positivo
; vale
ressaltar que, como base teórica, interessa das reflexões do pensador alemão
,
a experiência da consciência, pois é nas marcas
indelé
veis
impressas nesta
consciência que vale a pena mergulhar
e
apreender do conhecimento gerado
da
rm
u
la
identificação/
apropriação
. N
ão
importa
permanecer
à
superfície
flutuando sobre impressões de um estado de coisa
.
Todavia,
busca
mos
a
contrapartida, busca
mos
resposta
s. Não somente para um sistema de
superposição ou liderança ou ainda de subordinação
correspondentes
à ordem
capitalista
e liberal em que subalternidade corresponda à
força
inerte
ou
inoperância
.
Bauman
(2003) dimensiona
tal inoperância
como
um
“[...] mero
dep
ó
sito
(d
aqueles
pa
ra
os quais) a sociedade circundante não faz uso
econômico ou político.”
49
De outra forma que passaremos a vida
resistindo
.
Mediante esta
premissa
, se tomarmos, por exemplo
,
uma estatueta de
adoração
. Ou algo que tivera estabelecido seu valor em uma esfera
supostamente lúdica e de teor mágico ou sagrado
e,
dentro desta mesma
esfera de valor se transfigura
sse
para um significante produto de mercado para
consumo direcionado. Supondo-se que
dentro
do
â
mbito
religioso, um
determinado
interesse
se
ja
formado e instruído para aquela forma de consumo
através da condução comunicacional (as
dia
s daquela esfera). Se se
considera que aquele objeto de desejo é um meio de exposição da
vulnerabilidade interior do sujeito de forma multilateral (pelo poder da
aquisição
, como diferencial classista,
pe
la devoção, pelo desejo e posse etc.),
pode
mos
admitir que este mesmo objeto também corrobore para a
consolidação dos pressupostos para a edificação de um estado de sujeição: o
sujeito dominado
, seduzido
pelo objeto
/produto
.
Um
aspecto importante a ser ressaltado é a criação do excedente na produção
(de objetos/produtos), seja material ou
força
de trabalho ou as subjetividades
que na abordagem de Hegel se identificam, na relação entre senhor e escravo
como consciência inessencial ou o agir inessencial desta consciência
50
, tomada
do ponto de vista do senhor para o escravo. Mas, por mais simplista que possa
49
WACQUANT, 1993 apud BAUMAN, 2003,
p.108
50
HEGEL , Georg Wilhelm.
Fenomenologia do espírito
. Petrópolis, RJ: Vozes: Bragança Paulista: USF,
2002, p.148
36
parecer
a
aplicação destas reflexões
, não
devemos
desconsiderar o movimento
involuntário em busca de
sta
dada negação
.
Ou seja, a negação do essencial
em qualquer uma das partes e em ambas
simultaneamente
. Mesmo nesta
interdependência, ao se alcançar
de forma absoluta
esta negação
outra relação
se estabelece, uma nova procura por sentido e significação de auto-
afirmação
;
mesmo
não saindo de
um
ciclo vicioso. Procuramos avidamente
vislumbrar
uma possibilidade de experimentar pontos de
equil
íbrio mais premente que um
simples
aniquilamento
; seja das
força
s positivas ou
das
força
s
negativas
51
.
Vale lembras que estamos analisando o que pode ser exatamente a origem
desta
espécie de falência ou
de
um apagamento do sujeito em função de uma
sublimação do objeto
e
que assim permanece. Observemos figurativamente
como exemplo oposto ao apresentado acima, os
mutirões
com seus cantos de
trabalho
, ou então da
festa
(dos povos originários), que se realizam
pela
comida produzida ou conquistada no esforço da caça e depois redistribuída
entre
todos os membros da comunidade. Extraímos dos estudos da
pesquisadora Betty Mindlin
(2006)
uma passagem bastante significativa:
[…] Assim como cantos de trabalho, pesca caça e guerra,
para invocar a ajuda dos espíritos, em tudo o que se relaciona à
produção material, também a arte é produtiva e entrelaçada ás
atividades que rendem comida, combatem a necessidade.
52
Verificamos que a atividade cotidiana de manutenção da vida está
completamente vinculada com princípios metafísicos e imaginários, entretanto
a não quem, em qualquer
posição
esteja imune a necessidade no
reconhecimento da comunidade. Continuando, Mindlin (2006) apresenta um
a
idéia da possibilidade de uma
vida sem capitalismo no regime da aldeia
:
Marx ficaria encantado se visse o mesmo que eu: pois a
oposição entre o reino da necessidade e o da liberdade, como
domínios independentes, é uma característica do capitalismo,
inexistente na aldeia. […] Se a terra é do povo, a propriedade
dos objetos de uso ou dos instrumentos de produção é sempre
claramente delimitada. um enorme respeito à esfera de cada
um, ao que é de outras pessoas. […] Se alguém traz comida para
dar a uma casa é muito importante que saiba dar a cada um, não
deixando ninguém de fora. […] A estranha mistura do
51
Ibid., p. 149
“[…] Assim, o senhor não está certo do ser
-
para
-
si como verdade; mas sua verdade é de
fato a consciência inessencial e o ag
ir inessencial dessa consciência. […]”
52
MINDLIN, Betty Diários da Floresta. São Paulo: Terceiro Nome, 2006.p.95
37
comunitário e do individual confunde quem espera encontrar
formas coletivas de produção e consumo.
53
Podemos perceber claramente que há
orientação vem da medida do convívio –
um observa o outro; e, se assim podemos interpretar, menos freqüentemente
arbitrariedade.
Na conclusão desta passagem,
uma questão que não se
equaliza
no
atual
sistema de mercado globalizado cujo resultado tem sido
a
elevação do grau de
individualização
nas sociedades
.
[…]. O que faz de um povo uma comunidade? A
análise antropológica enfatiza dois pólos característicos
da sociedade indígena, o domestico e o comunitário. A
economia indígena poderia ser vista como um
conjunto
de unidades de produção doméstica relativamente
autárquicas
- as ocas, por exemplo -, compostas por
famílias extensas que se apropriam dos meios de
produção e distribuem o produto. Mas, essas unidades
não se reproduziriam se não fosse sua organização no
todo maior que é a comunidade. […]
54
Complementando
esta observação a respeito de um sistema comunitário
colocamos como uma indagação o raciocínio compartilhado por B
auman
(2003)
e Hall (2006) de que na sociedade moderna tardia, vivendo nas
cidade
s
a comunidade
não
é
mais que
imaginada
55
.
Voltando
a análise do inessencial para que se sustente a identidade do senhor
na relação de dominação, cabe, portanto
correlacionar
a transição de algo
classificado com valor intrínseco, valor próprio ou valor de uso para o
outro
valor, o valor de troca
.
Ao estabelecermos certa correspondência
entre
uma
relação
de dominação (sujeito/objeto) e uma produção excedente (inessencial),
também se esclarece aquilo que nesta relação
toma
o
status
de mercadoria;
Georg Lukács
(2003)
em seus estudos sobre a dialética marxista bem n
os
esclarece
dos aspectos fetichistas da mercadoria. Observados tais aspectos se
pode então, constatar um mapa do caminho percorrido pelo homem, ase
tornar subproduto de seu próprio conhecimento e
reificado
, como conseqüência
inevitável do desenvolvimento tecnológico. Não condenamos o
desenvolvimento tecnológico. Exceto quando implicado na produção do
53
Ibid., p. 95, passim
54
Ibid., p. 96
55
BAUMAN, Op. cit., p. 09
38
excesso
56
.
Inicialmente,
este caráter de fetiche, como forma de objetividade
atribuída à mercadoria é próprio do
sistema
capitalis
ta
moderno relacionado
também ao sujeito submetido a este
sistema
, o que equivale a uma mudança
de comportamento da sociedade de forma qualitativamente diferente. A
mercadoria se sinaliza como um problema central e estrutural na sociedade
capitalista e, toda objetividade relativa ao relacionamento mercantil, terá sua
correspondência em subjetividade na sociedade (burguesa).
Lukács
(2003)
,
aludindo a análise de Marx sobre a mercadoria em uma sociedade primitiva,
afirma que
a troca direta representava mais a transformação inicial dos valores
de uso em mercadorias do que a transformação da mercadoria em
dinheiro
.”
57
Assim continua, porém o dinheiro se expressa em vantagens
cada
vez menos justificáveis
coletivamente
.
O dinheiro ao longo dos anos mudou apenas em sua substância, justamente
para
fluir
em paralelo com a comunicação, em termos numerais
são
infinita
s
e
sempre surpreendentes as c
ifra
s; haja vista
que
os valores monetários
liberados pelos governos das nações mais ricas em socorro as instituições
financeiras e empresas transnacionais na atual crise do sistema monetário
mundial
.
De fato demoramos um pouco até darmos conta de qual esfera está
sendo atingida pela voracidade capital que transforma recônditas
subjetividades em produto. Hardt e Negri
(2005)
reafirmam esta visão
analisando a transformação da cena contemporânea pela hegemonia do
trabalho imaterial:
Quando nossas idéias e nossos afetos, nossas emoções, são
postos para trabalhar, por exemplo, sujeitando-se assim, de uma
maneira, às ordens do patrão, freqüentemente vivemos novas e
intensas formas de violação ou alienação
.
58
De fato é o que podemos constatar cada vez que formas de afetividade são
oferecidas de maneira obtusa ou
explícitas;
embutidas ou a
propria
da
mente,
mas como serviços, como produto (
um
a família feliz à mesa na propaganda de
margarina)
. “O valor de troca está ligado ao valor de uso, mas não é somente
por exceder a quantidade necessária ao consumo
local
que os valores de uso
56
Ibid., p. 113
57
LUKÁCS,Georg, História e Consciência de Classe. São Paulo: Martins Fonte, 2003, p. 197.
58
HARDT; NEGRI, Op. cit., p. 100
39
deixam de ser o que são para tornarem-se meios de troca, ou seja,
mercadorias
.
59
É também porque o capitalismo anula ou o
fusca
conseqüentemente este valor
de uso. Primeiramente, conforme o pensamento de Marx, na troca mantinha-
se
para ambas as partes o valor de uso, pois correspondia antes de qualquer
coisa a uma demanda e não a um excedente criado para o lucro e
para
a mais
vali
a. E, somente se tornam mercadorias dentro dos limites do valor de uso
imediato, isto é, visando à necessidade, através, inclusive da monopolização
de certas produções.
Podemos afirmar que hoje a demanda por satisfação provoca um sistema
de
produ
ção
exced
ível
, que nunca atinge um patamar de suficiência
.
E, a
monopolização é, por outro lado facilmente comprovável com a produção, por
exemplo,
de frutas sem sementes e de outras plantas que não se reproduzem
exceto em laboratório, o que obriga ao pequeno e médio produtor adquirir
em
as sementes de uma única empresa que detém
aquela patente
.
Outra análise que nos i
nteressa
também
nestas reflexões é o fato de que, este
processo de troca não aparece originalmente no interior das comunidades, mas
sim nos pontos de contatos fronteiriços, e, ao atingir o interior de uma
comunidade, sim, “atua de maneira desagregadora provocando mudanças
qualitativas nas mani
festa
ções vitais daquela sociedade, em função da
dominação da mercadori
a.”
60
Entendemos por este postulado que i
nicialmente
um movimento do interior
para o exterior e posteriormente um movimento inverso chegando a
potencializar cada indivíduo como consumidor.
Outro
importante
ponto a se
destacar
do pensamento de
Lukács
(2003)
, é o de que o problema da
mercadoria é especificamente um problema estrutural da sociedade capitalista
moderna
em contraposição a estruturação de uma sociedade primitiva onde se
evidencia
va
uma forma de dominação das condições de produção sobre os
produtores
; pelas relações de dominação e servidão os que não têm recursos
próprios servem aos que têm,
tendo,
troca d
a
garantida
de
subsistência
.
Na
59
LUKÁCS, Op. cit., p. 195.
60
Ibid., p. 196.
40
sociedade moderna o que
pre
-
domina
é
o desejo (do senhor) sobre o
(desejo
do)
escravo
; vai além do lucro, às estâncias das subjetividades
.
E
sta
metamorfose na esfera da valoração preconiza e estabelece a situação onde o
trabalhador se torna
livre
para vender sua
força
de trabalho. Este trabalho
como mercadoria transforma a relação entre dominador e dominados, pois a
interdependência
, na aparência, se desfaz uma vez que deixa de existir o
reconhecimento e a reciprocidade. Não se trata evidentemente de dizer que
uma situação de dominação entre senhor e escravo seria melhor que outra
situação de dominação pela mercadoria, mudando apenas os agentes e
permanecendo o sistema de domínio. Mas, que nesta ultima forma de
domi
nação prevalece
e,
é
sempre
crescente
a contingência de degradação.
Pois, o que deixa de existir é a substância mediadora, a qual Hegel identifica
como consciência de si
.
Nós a chamaremos de subjetividades edificantes.
C
onsidera
mos, contudo,
que
os
subjetivismo
s
puramente
correspond
am,
como
outras
tendências,
doutrinas e orientações
separadamente
, a marcos notóri
os
de nossos (humanidade)
,
ensaios e erros
.
O homem cuja consciência essubmetida às formas nas quais a reificação se
exprime, é confrontado com seu próprio trabalho como algo objetivo,
independente dele e que o domina por leis próprias que são organizadas
segundo um similar princípio de cálculo relações e transformações
quantitativas
.
Prosseguindo com o raciocínio de
Lukács
(2003
), convém
igualmente
destacar
a
contradição
entre os extremos
das esferas da
subjetivação e
da
objetivação
61
,
condicionando uma concepção abstrata do trabalho humano
e
objetiva
n
do
-o
em
merc
adoria
;
de forma objetiva
a mercantilização
torna
-
se
possível mediante
a igualdade e permutabilidade de objetos qualitativamente diferentes, em
decorrência exatamente desta abstração do trabalho humano; subjetivamente,
o trabalho humano
funciona
como
denominador referente ao qual, os objetos
são
multi
-
repli
cados
e seu valor é sempre reduzido na equação mercantil;
o
valor independe da inferência humana. O trabalho humano é também princípio
na ordem da produção de mercadorias; som
am
-se a esta contradição, às leis
61
Ibid., p.201.
41
próprias desta ordem que são estranhas à
consci
ência humana (tempo é
dinheiro
- cultura é lucro), tem-
se
daí
como resultado a racionalização
.
Segundo
Lukács
(2003)
,
est
a operação “configura uma eliminação, cada vez
maior das propriedades qualitativas humanas e individuais do trabalhador.”
Elenc
amos
a
seguir
, a partir destas reflexões, se constatam numa série de
fatores que compõem ou configuram este sistema racionalizado, a saber,
o
trabalho fragmentado;
as
operações parciais abstratamente racionais;
o
rompimento da relação entre trabalhador e
o
produt
o de seu trabalho;
a
repetição mecânica;
a
intensificação do período do trabalho;
o
cálculo racional
o tempo médio e empírico para figurar quantidade objetivamente calculável e
a separação das qualidades psicológicas do conjunto da personalidade como
for
ma de objetivação.
62
José de Souza Martins
(1994)
elabora
a
respeito destas características do
processo de racionalização do trabalho, mediante o aspecto tecnológico,
uma
interessante figura em forma de narrativa, sobre uma
apari
ção
do demônio na
fabrica
enfatizando tenazmente o impacto das transformações advindas da
implantação de modernizações tanto de equipamentos quanto de novas
cadências nos expedientes de trabalho
63
.
Representam
aqueles
fatores,
algumas
perspectiva
s para uma
observação
crítica
d
o
processo de fragmentação do sujeito, demonstrado agora na relação
sobre
o valor de uso de caráter inteiramente heterogêneo
(objetivo e subjetivo)
.
Assim como aquela
contradição
resulta na racionalização da produção,
também o valor de uso dos objetos, é determinado especificamente de acordo
com a criação de demanda ampliada à
sociedade
do consumo
.
A
participação
do ser humano
(indivíduo)
, com suas
singularidades
,
acaba por ser
considerada, fator de erro. É importante termos em mente este processo,
quando
ana
lisamos a relação de apropriação, pois é dentro e a partir desta
relação que a subjetivação assume caráter criativo e edificante.
Chegamos a um conceito de importância
crucial
para o desenvolvimento deste
t
rabalho
.
O conceito de propriedade. Para uma aproximação mais contundente
62
Id., p. 201, passim
63
MARTINS, José de Souza A aparição do demônio na f
abrica, no meio da produção, Tempo Social; Ver.
Sociol. USP, S. Paulo, 5 (1
-
2): 1
-
29, 1993. Ed. Nov. 1994.
42
no sentido de esclarecer a indicação deste conceito transcrevemos uma
passagem da introdução de E. J. Hobsbawm (
1981
) a obra Formações
Econômicas Pré
-
Capitalista de K. Marx:
O homem ou melhor, os homens
realizam
t
rabalho
, isto é
criam e reproduzem sua existência na prática diária, ao respirar,
ao buscar alimento, abrigo, amor, etc. Fazem isto atuando na
natureza, tirando da natureza (e, às vezes, transformando-
a
conscientemente) com este propósito. Esta interação entre o
homem e a natureza é e ao mesmo tempo produz a evolução
social. Retirar algo da natureza, ou determinar um tipo de uso
para alguma parte da natureza (inclusive o próprio corpo) pode
ser considerado e é o que acontece na linguagem comum, uma
apro
priação, que é, pois originalmente, apenas um aspecto do
trabalho. Isto se expressa no conceito de
propriedade
(que não
deve ser, de forma alguma, identificado com a forma histórica
específica da propriedade
privada
).
64
Importa termos em mente
que
a esta
interação
trataremos, ao longo
do
trabalho
como
senso de propriedade, considerando que uma tendência a
interpretá
-la como sujeição da natureza a vontade do homem,
ou
seja,
de sua
propriedade.
Assim com d
enominamos
senso de reciprocidade ao sentido na
ba
se do que no enunciado acima, destaca-se como evolução social.
Em
poucas
palavras, um sistema de troca. Por isto mesmo torna-se igualmente
importante
enfatizar que sujeito e objeto, assim como pesquisador e objeto de
pesquisa são unos dentro das experiênc
ias
que
transcorr
em
no bojo deste
trabalho; que tenham como norte finalidades acadêmicas, mas que antes e
acima de tudo estejamos dando continuidade ao mesmo tempo ampliando o
debate
que ora se faz em torno da situação de
conflito
existente no processo
progressivo e crescente de
alienação do trabalho.
Enquanto
sujeito/objeto
encontramo
-nos em posição de encetar
tais
proposições
filosóficas
e preliminarmente às proposições metodológicas. S
obre
est
as dificilmente não recairão dúvidas,
questionamentos
e retóricas. Porém
não se trata de
intentar esgotar
os
questionamento
s possíveis a respeito do
determinado tema, muito menos estabelecer verdades absolutas e finitas -
saber p
elo
saber. Mas, na medida do surgimento das questões mais
64
MARX, Karl. Formações Econômicas Pré
-
Capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p.16
43
perti
nentes, mais
promissor
se
torna
manter
a
pic
o o nível
do
debate
, sob a
presença constante
dos
conflitos
. Destas situações de conflitos, historicamente
produz
em
-
se
, inclusive
deslocamento
s
positivo
s. Da negatividade à afirmação;
então, novos conflitos. Inerente e inseparavelmente, cabe às pesquisas
científicas acer
car
em
-se das fundament
ações
. E, para que haja progresso,
para que haja
deslocamento
histórico
-material concreto, tais fundamentações
terão de ser revertida
por sua vez
em
práxis
:
A filosofia clássica ale introduziu o conceito de
“criatividade” do pensamento, mas em um sentido idealista e
especulativo.
[...]
,
somente
a filosofia da
práxis
realizou um
passo à frente
[...]
, historicizando o pensamento na medida em
que o assume como concepção do mundo, como bom senso
difuso na multidão
[...]
.
D
eve
-se entender
criador
,
portanto no
sentido “relativo”: no sentido de pensamento que modifica a
maneira de sentir do maior número e em conseqüência, a própria
realidade, que não pode ser pensada sem a presença
deste
“maior número”. Criador, também no sentido em que ensina
como não existe uma “realidade” em si mesma, em si e por si,
mas apenas em relação histórica com os homens que as
modificam.
65
Assim, cabe-nos perguntar: por quanto tempo um determinado tema deve
permanecer como problemática, mesmo se observando a evolução dos
desdobramentos conceituais, antes de se constatar efetiva transformação
social?
Em Gramsci, como nos apresenta
Semeraro
(2006)
, encontramos uma
argumentação que
por hora
poderá valer
-
nos
como
resposta:
Gramsci atribui aos elementos da liberdade e da vontade, a
insistência sobre a “reforma intelectual e moral”, o papel da
escola e da cultura, a formação da consciência e a participação
ativa das classes subalternas nas novas organizações sociais, a
função positiva das ideologias a construção de uma nova
concepção de mundo superior à da classe dominante burguesa e,
acima de tudo, a procura dos fundamentos éti
co
-políticos e
consenso na construção da hegemonia
.
66
65
GRAMSCI, Op. cit., pp.33
-
34
66
SEMERARO, Op. cit., p.1
01
44
Parece
-
no
s que
o
esquema do conceitualismo consiste em desdobrar
conceitos estabelecidos em novos conceitos. Até aqui nada se acrescenta,
nossa crítica consiste na persistência de algumas problemáticas, e na relação
que se faz do saber com a dominação de conceitos
determinando
certa
hierarquia no saber. Ou seja, quando o saber determina inclusive a distinção
social. Na dialética do saber uma pergunta se desfaz em novas perguntas e
não há limite humano para o
conhecimento
. A solução de problemas nem
sempre está a cargo do desenvolvimento cientifico. Assim, queremos chamar a
atenção para o tempo que muitas teorias permanecem alijadas de alguma
práxis
criativa
.
O
homem
, entretanto, é também sujeito/objeto do desenvolvimento histórico
das ciências; assume originalmente,
postura
argumentativa
com relação ao
devir histórico, mesmo que muitas vezes esta postura não se reverta em uma
mudança de postura isto é perpetue-se como forma. Desde estabelec
ida
na
história a divisão da sociedade em classes
e
níveis,
com base na determ
inação
da
mais
-
valia
e na
acumulação
,
tem
-se percebido tão somente uma
trans
mut
ação do sistema de dominação dos
poderes hegemônicos
.
Assim, enquanto o sistema de trabalho fordista e taylorista era
orientado a mecanizar o corpo e a disciplinar a vida familiar e
social o atual modelo concentra sua dominação na mente, no
imaginário, atinge o inconsciente do trabalhador-
consumidor
isolado socialmente. O que está em curso, na verdade, é a
taylorização da inteligência, quer dizer, a submissão das
energias mais criativas e cooperativas do ser humano à extração
da mais valia
.
67
Sujeitos ao consumismo e a mercantilização globalizados onde a informação é
moeda de troca e também mercadoria, temos
permanecido
cada vez mais
distante de mudanças significativas,
prin
cipalmente na área das Ciências
Humanas. São exemplos de
ss
e distanciamento, as idéias atuais de patrimônio
imaterial
correspondente a cultural popular que amplia a dedicação a projetos
de preservação, mas não promove um entendimento deste patrimônio com
objetivos precisos na direção da autonomia implícita neste saber.
Ou seja, ideal
que este patrimônio
resista
, no tempo, como memória de um
(outro)
tempo
67
Ibid., p.117
45
histórico e, em algum lugar como prova de uma pseudo-marca identitária. Por
um lado, uma corrente levantava a importância das atividades peculiares de
comunidades cujo modo de vida se define como
primitivas
,
arcaicas
ou
tradicionais (trabalho rústico, ferramentas, mani
festa
ções expressivas
etc.
);
por
outro
,
percebeu
-se que atrelados a estas atividades carreavam se
conhecimentos fundamentados na própria vivência dos grupos nos ambientes
(sobre o tempo, sobre a terra, sobre a saúde, sobre a formação etc.); e
sua
diversidade
e
conhecimento
,
basea
vam
-
se
na experiência viva e cotidiana
ou
n
o que Hardt e Negri
(2005)
chama
ra
m de produção imaterial ou biopolítica
.
68
Até aqui o que podemos concluir é que toda a ênfase que passou a circundar
estes modos de vida e de
saber
tem
servido apenas para o fomento de uma
ordem neoliberal que os computa dentro da estética mercantilista do
consumismo; para o pragmatismo estes modos de vida contêm uma
linguagem
que
re
força
o caráter
de
distin
ção
. Ainda dentro do enfoque d
aqueles
autore
s,
onde defendem tenazmente a possibilidade de uma
democracia global
,
emerge
também
o conceito de biopoder, que aqui nos interessar para uma visualização
breve das complexidades no terreno onde estamos pisando.
Apontam
,
eles
para uma forma global de poder imperial, e
as
características de uma
guerra
imperial
global
;
[...]
a aplicação constante e coordenada da violência torna-
se
condição necessária para o funcionamento da disciplina e do
controle. Para que possa desempenhar este papel social e
políti
co fundamental, a guerra deve ser capaz de desempenhar
uma função constituinte ou reguladora: terá de tornar-se ao
mesmo tempo uma atividade processual e uma atividade
reguladora, de ordenação, criando e mantendo hierarquias
sociais, uma forma de
biopoder
voltada para a promoção e a
regulação da vida social
[...
] o estado de guerra regulador da
nossa época imperial reproduz a ordem vigente; ele cria a lei e a
jurisprudência desde o interior. Seus códigos jurídicos são
estritamente funcionais em relação à constante reordenação de
territórios imperiais
.
69
Apesar de que muitos autores vêm tratando deste evidente
estado de guerra
, e
de que não se trata tão somente da guerra armada e de um inimigo concreto,
68
HARDT; NEGRI, Op. cit. pp. 165
-
194
69
Ibid., pp. 44
-
45
46
mas de um inimigo abstrato, não nos deteremos por muito mais nesta
questão
,
porém não podemos nos furtar a oportunidade de apontar para o
modo
como
isto nos tem afetado, quando estudamos as condições de vida e trabalho das
classe
s dos
desfavorecid
os
frente aos monopólios empresariais.
Correspondente a esta orde
m
desde tempos
estabelecida
, em um único
exemplo
podemos
observa
r
a
força
e a abrangência do poder imperial,
o
da
empresas florestadoras (vale frisar que n
ão
há muita precisão na denominação
desta atividade: se florestadoras por que constroem florestas
com
espécies de
crescimento rápido, ou se reflorestadoras, pois recompõem florestas
degradadas
) e produtoras de celulose em várias regiões do Brasil, mais
especificamente em locais de grandes aqüíferos, como o Vale do Paraíba, no
Sudoeste Paulista,
região
a qu
al
se refere este estudo. Questionando o jogo
político
-jurídico de que fazem uso com o objetivo de tomar grandes extensões
de terra, fomentam o plantio de eucalipto e outras espécies de crescimento
rápido; desmatam, poluem o solo e os mananciais, destr
oem biomas completos
expulsando espécies nativas da fauna e flora, criando um grande “deserto
verde”
70
em contra partida e paradoxalmente apóiam projetos educacionais de
preservação do meio ambiente. Isto nos interessa de forma direta uma vez que
,
com a exp
ansão de monocultura
s também
se esfacelam
os ambiente
s originais
de produção de uma cultura própria cujo potencial comunitário de produção e
auto
-
reprodução
lhe permitiu, até os dias de hoje,
auto
-preservação. Não
devemos deixar de considerar que se trata, então, de um inimigo camuflado
pela falsa pele do desenvolvimento e do progresso e também por um
assistencialismo predador. Quando muitas vezes, mediante este tipo de ataque
usamos a expressão
resistência
cultural
,
e nesta
resistência
salientamos
a
capacidade
de revide contra tais inimigos perguntamos: quais
armas
restariam
às
classes subalternas, sendo que poderio econômico não está dentro de seu
alcance?
Armas
ideológicas?
Que não se entenda esta proposição como brado
revoltoso e apaixonado, mas
que
antes de qualquer coisa se leve em
consideração como propósito dos estudos sobre aqueles potenciais
comunitários,
não somente
iluminação
científica, mas também a verdadeira
práxis
. Depois,
estas
armas
estão carregadas dos sentidos essenciais de uma
70
MOVIMENTO de Mulheres Camponesas
MMC Brasil.
Deserto Verde
: 17/08/2006; Disponível em
<
http://www.mmcbrasil.com.br/notícias/170806_deserto_verde.htm
> acesso em 21/08/2006
47
ideologia das classes subalternas cuja destruição
(negação)
é dialética.
Como
ferramentas ou instrumentos não
for
am suficientes para se superar o sistema
de
cooptação do tipo “identidade cultural, identidade nacional”; como
armas
,
vamos
às
perspectiva
s
de
negociação. No uso destas
armas
, contudo não
violência,
todavia
não se faz sem energia
,
força
(de vontade)
;
não estrondo
nem dilaceramento da carne, expressão e
criatividade;
não
imposição
nem dominação, mas reconhecimento orgânico d
as
hegemonias
.
enfatizamos o poder de
resistência
de mani
festa
ções culturais de profunda
pertinência histórica, mas resistir por resistir corresponde a um poder estático
que faz a
bsorver
os golpes; é necessário um movimento, uma reação e um
deslocamento
.
Ao anunciar enfaticamente que “nunca como hoje o Brasil (e por que não toda
a America Latina considerando a formação colonial de suas nações), precisou
tanto de novos intelectuais
orgânicos
,
Semeraro
destacando outro ensinamento
de Gramsci vem de encontr
o
à
quelas
pergunta
s
:
A partir do momento em que um grupo subalterno se torna
realmente autônomo e hegemônico, suscitando um novo tipo de
Estado, nasce concretamente a exigência de construir uma nova
ordem intelectual e moral, ou seja, um novo tipo de sociedade e,
portanto, a exigência de elaborar os conceitos mais universais,
as
armas
ideológicas mais sofisticadas e decisivas
.
71
Verifica
mos que os
pensador
es
considera
m
vocativamente
, a existência destas
armas
. Caberá àqueles que se
pre
tenderem
intelectuais
72
(
orgânicos
)
assumir
ou não a tarefa de
localizar,
identificar
e potencializar este
arsenal
? Não sem
antes admitir que se trate realmente de uma guerra
e
onde não
se
pode mais
permanecer num estado unicamente de
resistência
, mas
,
não será hora
de
que
avançar sobre as
força
s opressoras? Não sem antes
bem
ass
imilar
mos
a
amplitude do caráter
orgânico
desta investida. Não se trata,
entretanto
de
assumir o poder, mas
de
dar reconhecimento e oportunidade a
nova
s
71
GRAMSCI,1975 apud SEMERARO, 2006, p.150
72
PORTELLI, Op. cit., p 15
“Se considerarmos um bloco histórico, isto é, uma situação histórica global,
distinguimos aí, por um l
ado, uma estrutura social
as classes que dependem diretamente da relação
com as forças produtivas
e, por outro lado, uma superestrutura ideológica e política. O vínculo
orgânico entre esses dois elementos é realizado por certos grupos sociais cuja fun
ção é operar não ao
nível econômico, mas superestrutural: os intelectuais.”
48
hegemonia
s. Estas ultimas, sob uma apreciação fragmentária mostram
as
faces utilitárias e mecanicistas do objeto. Porém enquanto
unidade
,
integram
teoria e prática.
Antes
de um aprofundamento na definição do que e,
quais
seriam estas
armas
ideológicas
voltemos à questão do sujeito/objeto. Para complementar nosso
raciocínio sobre a posição que ocupamos nesta batalha para estabelecimento
de uma nova ordem, devemos apontar,
sendo
outra
faceta peculiar ao homem,
o que lhe confere autonomia entre
o
arrefecimento
perante
um processo de
homogeneização cultural
ou
uma
auto
-
determinação
segundo seu
discernimento, isto
é,
su
a
atuação
p
olítica
, sua ação decorrente ou não de um
empreendimento filosófico próprio ou imposto externamente.
Neste
caso
devemos considerar que dificilmente constatamos grandes grupos sociais com
autonomia suficiente para determinar sua própria maneira de pensar e agir
dentro da relação entre flexibilidade e fluidez das fronteiras e o Estado
.
Mediante
toda individualização o que
observamos
ainda são os esquemas de
subordinação e submissão.
“A ciência está indissoluvelmente imbricada com a política, pois o cientista tem
uma responsabilidade social da qual não pode abdicar”
73
.
Baseando
-nos nest
a
premissa podemos argumentar que somente através de práticas político-
pedagógicas comprovamos historicamente êxito em um
deslocamento
humano
em busca de seu aprimoramento e evolução. Não que ao longo deste caminho
o homem o tenha aprendido com o erro, (
que
também
pode
significar que
um passo atrás não corresponda a atraso, mas dois adiante em outra direção
),
mas que são muito mais marcantes e gratificantes as conquistas coletivas
(mudanças constitucionais, direitos trabalhistas, reforma agrária,
demarcaç
ã
o
de terras indígenas
etc.).
É
n
esta
concepção
de possibilidade
74
; de mudanças e de conquistas coletivas
na qual ambientamos o estudo
que
aqui
se
desen
volve
onde
formulamos em
tese
que este movimento prenuncia uma procura por sentido. Daí a
importância dada ao sentido, à rede de significações [grifo da autora]
que
73
FERREIRA, Op.cit., p.28
74
HELLER, Op. cit., p. 74
49
envolve os objetos percebidos: A consciência vive imediatamente como
doadora de sentido
75
”. Propomos então como fórmula estes dois termos
fundidos, procura
/
sentido
. Calculamos esta fórmula como correlata ao binômio
sujeito/objeto (saber/constru
ir
);
fundidos
os termos
justifica
mos
a idéia de um
deslocamento
que
por sua vez, dentro da cadeia espaço/
tempo
consubstanciam
a
história
; é desta substância que pode
mos
haurir o
conhecimento que houver de mais significativo, para ser confrontado positiva
ou negativamente com a “realidade imediata”
e
as transformações sociais
necessárias
. Não se trata evidentemente de uma simples operação de
inte
gração entre “um sujeito e um objeto” em sua contingência histórica.
necessidade de se perscrutar a complexidade desta relação.
Não é
que
(
a
a
lternativa
dialética), dissolva as fronteiras entre
Sujeito e Objeto, ou que “misture” ambos e os torne uma
unidade cindida, mas o que faz é entender toda a relação entre
um objeto e um sujeito do conhecimento não como uma relação
dualista, mas uma relação na qual o sujeito deve introduzir
-
se no
objeto de conhecimento de maneira tal que, consumada sua
relação com ele, assuma a relação que existe, não anulando-a ou
suprimindo
-a. Esta ação parte da negação do Objeto como
Objeto (negação dialética do Objeto em si mesmo) para ser
entendida como uma unidade entre Sujeito e Objeto. O Sujeito
também nega-se a si próprio como sujeito, mas reconstrói em
sua relação com o Objeto.
[...]
a inclui como um aspecto parcial
da totalidade.
76
Vale dizer que o que interessa é um sentido de unidade e a perspectiva de uma
totalidade. Um
deslocamento
cont
ínuo e criativo
,
peculiar as
atividade
s
humana
s; oposto a uma marcha inútil, um êxodo sem fim para uma massa
informe de indivíduos.
A este ponto convêm abrir margem para a crítica a exemplos de vícios de
linguagem na recorrência do uso dos termos
resgate
e
resistência
, pela
aplicação usual quando se discutem as referentes mani
festa
ções culturais
como tradicionais e como representações das diversidades e identidades.
Pelo
fato de que é através das palavras que se apregoam normas de condutas, e,
75
FERREIRA, Op. cit., p. 35
76
Ibid., pp. 113
-
114, passim
50
como tais devem ser filosoficamente confrontadas com a pol
ítica
em questão
.
Não é raro encontrarmos quem os adote como mecanismo de salvação e de
sustentação
, respectivamente,
de formas de comportamento representativas de
um povo, uma comunidade ou ainda uma classe. N
ecessária
se faz uma
observação crítica pela ambigüidade d
aqueles
termos, quando se
menosprezam os sentidos etimológicos e históricos; quando aplicados a
condições parciais isoladas, principalmente quanto ao termo
resistência
.
C
ontudo
, até aqui o uso destes termos ainda não serviu de forma objetiva a
qualquer transformação efetiva, pois apenas definem um estado de coisa, sem
projetá
-las a uma dada
subl
evação, a um passo adiante; e, também por se
resumirem
a
resíduo
s ideológicos liberais elitizados quando referidos
principalmente
á formas culturais de e
xpressão.
Ou seja, passaram a
referenciar
a
s
aparências de preservação da inércia ne
stas
formas tão
dinâmicas.
A saber, o primeiro caso, mais simplista refere-se ou a um procedimento
econômico financeiro de compensação, o resultado de um investimento, o
pagamento de uma dívida; ou
a
uma
operação
que se realiza imediatamente
após o desastre na tentativa de recuperar o que está destroçado, neste ultimo
caso
quando êxito dificilmente é sem seqüelas. De fato, em se tratando de
modos culturais, quando uma forma de expressão de
qualquer
natureza chega
a acabar, pela extinção de seu ambiente original quase sempre é em definitivo,
não tem
resgate
,
não como reconstituir
completamente
uma estrutura
quando alguns elementos foram
definitivamente
aniquilados (uma floresta, o
pátio de uma capela, um dialeto, afetividades, oportunidades de
experimentação, relações pedagógicas não-
formais
etc.),
em outros casos a
forma de expressão ou mani
festa
ção cultural sofre uma completa metamorfose
em função de uma ideologia dom
inante a exemplo do que ocorre com a música
popular no Brasil:
O neoliberalismo fez com que a musica se tornasse um produto
de prateleiras como as do supermercado; só é bom se vende
bastante.
[...]
percebemos que a música popular brasileira, a
histórica MPB, que sempre esteve atrelada à realidade e aos
acontecimentos do país deixou de ser objeto de divulgação da
mídia que naquele momento passou a investir em gêneros
emergentes, como uma nova modalidade de rock nacional e
51
músicas sazonais como axé, no verão, salsa, timbalada,
macarena e uma série de gêneros fabricados. A autêntica
musica sertaneja desde os anos de 1970 viera cedendo espaço
a uma modalidade de sertanejo romântico que emplacou nos
a
nos de 1990.
77
Vale acrescentar que muitos destes gêneros são estilizações
bastante
palatáveis ao consu
mis
mo imediato
,
massivo
e descartável
.
No
segundo caso, na
usual
aplicação do termo
resistência
,
devemos dar mais
desta
que a maior implicância histórica uma vez que não se pode menosprezar
vasta e diversas
genealogia
s de movimentos significativos de luta de povos
subjugados contra o poder. Acompanhemos a análise feita sobre a
Resistência
78
[grifo nosso] feita por Hardt e Negri (
2005)
. Em primeiro lugar
uma observação sobre onde se posiciona esta postura, por um lado como
reação a um estado de opressão e por outro fazendo alusão à
metodologia
marxista, a respeito de exposição (o capital, a riqueza como resultante do
trabalho) e investigação (... reconhecendo que na realidade o trabalho é que é
primordial). Assim, argumentam que a
resistência
é primordial em matéria de
poder
:
As subjetividades que se revelam na investigação são os autores
da nova realidade, os verdadeiros protagonistas da história. [...]
Sua investigação (M
arx)
sobre a natureza do trabalho e da
produtividade dos que são explorados pelo capital não se orienta
apenas para uma nova visão do mundo, da perspectiva deles,
mas também para uma nova realidade criada de sua
atividade
histórica.
79
Com base nesta
colocação
, não se pode deixar de considerar o que estes
autores propõem como subjetividades da
resistência
, argumentando em ultima
análise, que em termos filosóficos, a produção envolvida aqui é a produção
de
stas
subjetividades
; a criação e a reprodução de novas subjetividades na
sociedade.
“Quem somos, como encaramos o mundo, como interagimos uns
com os outros: tudo isto é criado através dessa produção biopolítica e social
.
[...]
na
comunicação, colaboração e relações
afetivas
.”
80
Portanto, não se pode
77
VILELLA, Ivan.
Música no Espaço Rural Brasileiro
Piracicaba Orquest
ra Sinfônica de Piracicaba, 2008.
p. 20
78
HARDT; NEGRI, Op. cit., p. 97, et. seq.
79
Ibid., p. 99
80
Ibid., p.
101,
52
admitir qualquer superficialidade na aplicação da
resistência
f
igurativamente
como o que se confere a algo como sendo apenas a capacidade de subsistir;
como um esteio natural, sujeito as intempéries, restando-lhe com o passar do
tempo ser substituído por algo ainda mais resistente e moderno, sem que se
faça jus “a toda genealogia das lutas de libertação, da formação dos exércitos
populares nas grandes revoluções modernas à guerra de guerrilha e fina
l
mente
ás formas contemporâneas de luta e rede.”
81
Consideramos de igual
importância, o que estes autores apresentam, com relação às formas de
resistência
como três princípios orientadores, de maneira sucinta:
a
oportunidade histórica, uma correspondência entre as formas de
resistência
e a
transformação da produção econômica e social e a democracia e a liberdade
82
.
ainda um terceiro
equ
í
voco
corresponde
nte
ao
entender
a
resistência
como
um escudo
que
tenta coibir a
contaminação
por influência e aproximação
de
outras
e novas culturas no que se insiste em chamar de culturas fechadas
como minorias étnicas e comunidades primitivas como quilombos e ald
eias
indígenas ou de pescadores
etc.,
mais comprovável na Amé
rica
Latina
e em
especial
n
o
B
rasil
mediante os “híbridos cultu
rais
83
.
Devemos observar que
nestes casos muitas vezes as
fronteiras
são impostas de
fora
.
E,
para as elites
dominantes tratam-se de pequenas relíquias nacionais
colecionadas
ao
contexto de origem, de formação do
Estado
-nação, apesar dos extremos de
pobreza em que
muitos
vivem.
Ao tratarmos de subjetividades estamos inclinados a identificá-las no contexto
das expressões
artístico
-
culturais
, mas tendo como pano de fundo o mundo do
trabalho e das relações de produção. O caráter de
resistência
atribuída a este
conjunto nos serve como indicativo das possibilidades de
transformações
sociais.
Dentro das propostas aqui desenvolvidas sobre as singularidades
humanas,
a aplicação
habitual
da
term
inologia
resistência
, quando em
referência a como têm se
mantido
os
grupos e
as
mani
festa
ções culturais do
Brasil e da América L
atina
, somente as
dever
á fazer
permanecer
em
conformad
as
sob opressão, subjugando
aos
seus
mecanismos
de articulação.
81
Ibid., p.103
82
Ibid., pp. 98
-
103, passim
83
HALL, Op. cit., p.62
53
Estes mecanismos, lembramos,
são
vistos aqui com representativo
potencial
transformador
;
tornando
-
se
obscur
as, as singularidades passam a
decreta
r
a
falência dos sujeitos
.
Esta obscuridade hoje pode ser identificada sob o
nome
de
“multiculturalismo”
. Bauman (
2003
), tomando por base o pensamento de
Cornelius
Castoriadis
(1997)
, observa que
:
O reconhecimento do “direito humano” (à diferença),
[...]
é, isso
sim
,
um
convite para um diálogo no curso do qual os
méritos
e
deméritos da diferença em quest
ão
possam ser discutidos e
(esperemo
s) acordados, e assim difere radicalmente não
do
fundamentalismo
universalista que se recusa a reconhecer a
pluralidade
de formas que a humanidade pode assumir, mas
também do tipo de tolerância promovido por certas variedades
de uma política dita “multiculturalista”, que supõe a natureza
essencialista das diferenças e, portanto, também a futilidade da
negociação entre diferentes modos de vida.
84
No debate proposto aqui o foco não
é
especificamente a questão da diferença
ou do direito à diferença, que são correlatas
e
inquestionáveis da esfera das
subjetividades humanas,
mas
sim
o fato de que muitas
das
abordagens e
formas de abordagem a amplitude do
tema
cultura
têm sido inócuas quando
não pressupõem possibilidades efetivas transformações na socied
ade
; quando
se deixa de considerar a indissolubilidade do sujeito, que tudo o integra
explícita/implicitamente. Se acompanharmos mais de perto o pen
samento
deste autor sobre multiculturalismo, verificaremos que parte do problema
implica
a atividade do que chama de “classes ilustradas” e que
multicu
lturalismo, como em outras meta-
linguage
ns
,
serve como resposta
evasiva, canônica e indiferente da parte destas classes aos que buscam
ali
conhecimento e ao
s
que se esperava
m
fosse
ética
sua postura social.
Na visão
de Bauman
(2003)
esta classe ilustrada, em conjunto com “os poderes
econômicos cada vez mais extraterritoriais, com uma sociedade que cada vez
mais envolve seus membros no papel de consumidores e não de produtores, e
com a modernidade cada vez mais fluida, liquida”, desregulamentada”,
sofre
duas transformações importantes para que entenda
mos
um tanto mais o
problema social que hoje enfrentamos
;
a “primeira é o desengajamento como
84
BAUMAN, Op. cit., p.74
54
nova estratégia do poder e da dominação; a segunda – o excesso como
substituto de hoje para a regulamentação normativa.
85
uma espécie de cada
um por si em que foram deixadas as sociedades dos despossuídos, em cujo
caminho incerto se observa o autocontrole e a autodestruição
.
Neste segundo caso a falta de uma orientação redunda em uma infinidade de
opções de caminhos e alternativas, porém a liberdade para escolher não quer
dizer exatamente oportunidade de se fazer uma escolha mais acertada, mas
que em caso duvidoso, permanece a liberdade para uma ou novas escolhas,
ao que nos parece este tipo de liberdade não tem levado a
saída
deste
extenso
labirinto
da busca pela construção da identidade. Assim, estas duas
transformações que
preliminarmente traduzem o
esquema do
multiculturalismo,
nos ajudam a compreender o descaminho por onde têm se enveredado os
estudos sobre cultura no Brasil e na América Latina quando ainda obedecem à
“ultragenerelização”
86
do saber pressuposta
nos
modelos eurocêntricos e norte
americano
.
De acordo com uma demanda por identificar alternativas
que
rompam
com
este
estado de opressão e
represente
m
um
ambiente
mais satisfatório que
corresponda a mais oportunidades ao maior número de sujeitos em qualquer
esfera, integrados e interados; por se arrastar a tanto tempo o debate a
respeito de uma práxis alternativa de humanização da sociedade,
postulamos
sobre
a possibilidade de
resiliência
. Consideramos por esta capacidade,
que
formas de mani
festa
ção e expressão cultural possam se re-edificar, mesmo
depois de solapadas;
sendo
próprias de um momento de estruturação social
baseada na relação homem e
seu
meio de trabalho ainda que dividida em
classe a sociedade, não raro constatamos circunstâncias de
identificação,
de
apropriação
e reciprocidade. Da mesma forma como na ecologia, ao se
restaurar um
determinado
ambiente, reestruturam-
se
os respectivos
habitats
,
reformulam
-se os biomas, (pelo menos é o que cientistas desta área tentam
fazer
), mesmo quando faltam peças importantes. A identificação
instrumentaliza o individuo para o conjunto das relações no qual está inserido;
pela apropriação e recipr
ocidade
cria e recria o diálogo com o
habitus
,
que
em
85
Ibid., pp. 112
-
113, passim
86
HELLER, Op.cit., p. 34
55
muitas circunstâncias
traduz
-se em
complacência
estética
.
Não deixamos
,
porém
de tratar de algo da esfera das subjetividades das relações de trabalho;
perguntamos se na possibilidade de, uma vez re-
estruturada
ou re-
conquistada
as
relaç
ões
de
propriedade
e reciprocidade de fato,
sobre
determinado
ambiente de condições objetivas de trabalho, se
ndo
ele
rural ou urbano
,
ou
ainda
de
pequenos produtores, não teríamos
daí
, por conseguinte, o indicativo
de
uma re-estruturação ético-
política
de sujeitos? Isto é, mesmo tendo sido
deformado em parte ou no geral, o ambiente no qual o homem desenvolveu
sua capacidade de transformar a matéria em função dos aprimoramentos
técnicos, sua capacidade de subjetivação para projetar a transformação pode
ser condicionada, porém não se desfaz nem diminui. A nosso ver
com
oportunidad
e e liberdade aumenta e diversifica a partir das
possibilidade
s
de
identificação e apropriação.
Contudo
, estes mecanismos em mãos liberais
impulsionadas pela
força
sedutora do capital são os catalisadores da
individualização e da acumulação. Mas para filosofia da
práxis
esta é uma
perspectiva de
unidade
,
formam
“o corpo objetivo de sua subjetividade”
87
.
É por este viés que se propõe aqui o estudo da
ideologia
implícita nas
mani
festa
ções culturais subalternas. Assumimos filosoficamente a idéia de
um
caminho, agora, ideológico a percorrer. “A ideologia é indispensável para o
funcionamento da sociedade”
88
.
[…] Tudo, pois o que se move, está em falta de alguma coisa, e
não tem juntamente todo o seu ser. […]
89
.
Buscamos
identificar
e d
istinguir
a ideologia fundamentada na tese que tem
como núcleo o nexo
procura/sentido
.
Se a procura pressupõe
um
deslocamento
, uma ação concreta, o trabalho objetivo; o sentido
corresponderá
ao conjunto das subjetividades que (se) complementa (n)
o
trabalho objetivo ou o seu inverso, quando o trabalho objetivo ganha
representação subjetiva
.
87
MARX, Op. cit. p. 67
88
FERREIRA, Op.cit p.75
89
ALIGUIERI, Dante. Obras Completas, v X, São Paulo: s.d., p. 149
56
Para adentrarmos nessa perspectiva de
identificação
e d
istin
ção
da
ideologia,
e
para que esta não incorra em digressões, de
vemos
tentar
projetar qual o
seu
fim.
Para que servirá.
Não
pode haver outra perspectiva senão aquela a
visualiza
o
homem
vivendo em sociedade. “O homem deve ser
concebido
como um bloco histórico de elementos subjetivos e individuais e de elementos
de massa objetivos ou materiais com os quais o indivíduo está em relação
ativa.”
90
Quando o
lhamos
através da
perspectiva
que divide esta concepção do homem
em duas
visões
,
calculamos
que
uma
deva
ver
o homem como um complexo
biológico a mercê d
os avanços
tecnológ
icos
que ele mesmo produziu e produz
,
seu progresso é a causa de seus males; a
outr
a
o homem-
massa
, como
resultado d
as incongruentes transformações
em
suas relações sócio
-
culturais.
Aqui
d
ua
s
abordagens
divers
a
s
e
ao mesmo tempo una
s
em torno de
um
element
o central
:
o fazer, ou
reproduzir
-
se
. Uma
dest
a
s
abordagens
afeta
diretamente
sua
existência sico-
biológica
,
ou seja, sua capacidade motora de
discernir e operar; a faculdade de se au
to
-comandar em tarefas físicas. C
omo
ser vivente o homem
nasce
no planeta, sofre mutações conforme o contexto
histórico (consideramos esta mutação em termos
mesmo
da ”plasticidade” na
compleição sensorial-
fisiológica)
desenvolve
-
se
criando demandas e
transformando o ambiente;
pode
procria
r ou não,
consome
e
morre
.
Os
problemas são problemas da vida. Contudo, r
eproduz
-se renovando constante
e progressivamente suas formas de relacionamento; persiste enquanto espécie
pela versatilidade em explorar, transformar e consumir, diversificada e
infinitamente
à
escala do esgot
amento
. A outra abordagem se refere à
questão da vida (humana), à ontologia, ou seja, o conceito de existência como
consciência, ou ainda
de
experiência
s para tomada de consciência e, a
respeito do qual, nas ciências humanas
desenvolv
em teses e antíteses na
busca infinita de formular teorias que justifique e perpetue esta
existência
-
o
sentido
.
Em face da
primeir
a
consideração
, importa
destacar
que ao longo de sua
existência o ser biológico se adapta e mais conseqüentemente corrige-
se
90
GRAMSCI, Op. cit., p. 47
57
conforme
sua cultura. Além das adaptações plásticas, estéticas (
pi
e
rcing
,
silicone
etc
.), desde a adoção da postura ereta até, por exemplo, a
adaptabilidade as modalidades esportivas, onde recordes são superados em
competições mundiais, a adaptabilidade a
os
tecidos produzidos em laboratório
,
a partir da engenharia genética, a adaptabilidade a roupas, calçados, aos
estímulos da vida nomeio urbano etc.; contudo, o organismo humano sofre as
influências do meio e conseqüentemente diversifica suas relações de pro
dução
(fica difícil imaginar vivermos sem automóvel, televisão, luz elétrica
etc.
,
estando tais tecnologias completamente integradas
ao cotidiano).
Devido a
tantos
estímulos aos quais
se
est
á
constantemente
sujeito, como
poluição do ar, o aquecimento global, extinção definitiva de espécimes e
biomas,
intensidades
de
sons e ruídos, velocidade, exposição a meios
radioativos e a alimentos de procedências não orgânicas, c
onseqüentemente
todo o metabolismo humano,
tenta
se
adaptar
,
re
força
ndo seus sistemas de
de
fesa,
criando
reflexos
e escudos externos
.
Exemplo preocupante de uma
situação oposta é quando se julga o ser biológico adaptado, sua evolução e
suas condições históricas o colocam como espécie que dominou a natureza.
M
as
, ao se
observa
r a incidência de patologias avassaladoras, que atingem os
mais desfavorecidos, que são a grande maioria da população, não negamos os
progressos das ciências médicas, porém constatamos
que
fragilmente o ser
biológico tem superados os seus recursos. A descoberta eufórica dos
antibióticos sintéticos ilustra bem esta observação. Os microrganismos
desenvolvem processos de adaptação e
resistência
contra a eficácia das
substâncias químicas mais especializadas. Há uma necessidade constante de
atualização do potencial deste tipo de medicamento pressupondo inclusive,
maior desenvolvimento da indústria
farmacêutica
, contudo, não se exclui nem
se extingue um estado pleno de combate. Com isso, os sentidos
defensivos
criam, instintivamente, sistema de assimilação ou barreiras biológicas
para
preservação e perpetuação da espécie, mesmo que no curto espaço de tempo
de uma vida em relação ao existir da espécie, não sejam perceptíveis estas
adaptações.
No entanto mais velozes são as edificações das fronteiras que
separam os que vivem em segur
ança e os que estão mais vulneráveis.
58
O que estamos tentando afirmar é que, a exemplo desta visão, do homem a
mercê de sua tecnologia persistem ainda as tendências de cisão entre objetivo
e o subjetivo, entre quantidade e qualidade. Por isso q
uan
d
o
abordar
mos
ao
ser
,
quanto
à existência, tem-
se
buscado
os argumentos para
uma
interpretação
mais
plausível
para a história do desenvolvimento humano
.
É importante frisar que estas
considerações
aos aspectos
biológico
s e
ontológicos do homem, não se restringem somente na diferenciação das
condições da vida, mas as condições objetivas de vida e de trabalho, pois toda
transformação
, t
êm
sua
matr
iz no movimento de
apropriação”,
ou seja,
na
forma como o indivíduo se
integra
e absorve do ambiente; o explora e o
con
diciona para vida. Seja este ambiente objetivo ou subjetivo. Se de um lado
a relação material conduz ao progresso e suas conseqüências, de outro a
insuficiência de esclarecimentos
e da compreensão
em torno d
a
capacidade
de
subjetivação
sobre
aquela relação faz com que tudo possa ser objeto de
transação
ter
valor de troca. O refrão freqüentemente repetido entre as
celebridades televisivas desde os palanques aos debates transnacionais,
a
saber,
melhoria da qualidade de vida (vida biológica: melhor ar, melhor
alimento, melhor água, melhor lugar para se morar melhores condições p
ara se
locomover e se comunicar etc.), além da metalingüística se carrega
sempre
de
uma unilateralidade quantitativa. Uma parte é feita pela natureza, a outra se
geren
cializa assinando-se este ou aquele tratado até que o que tem que ser
explorado
o tenha sido
completamente
. E claro, não nos esqueçamos que a
ordem sócio
-
econômica e cultural continua a ser ditada pelo capitalismo global.
Assim
,
ao longo d
o
desenvolvimento
histór
ico da filosofia muitas teorias
aspira
ra
m
à
lógica
;
ou,
categóricas
com
o a metafísica
afirma
tiva de ser o
homem fruto de uma vontade divina. O
utras
se
fizeram registrar através da
tradução
d
o
“ser”
de acordo com esferas de atuações, c
ompondo
-lhe em
compleições diversificadas, complexas, multíplices: o centro do universo, o rei
dos animais, centro da História; o condutor da História, o homem-
massa.
Mais
sediment
ada
,
enf
im, a fragmentação do conhecimento, outras interpretações
são propo
stas
pelo prisma do desenvolvimento científico
diversificad
o
em
59
disciplinas ou áreas de
compreensão
como
Filosofia, Psicologia, Antropologia,
Sociologia que a
posteriori
tenta
r-
se
-
ão
articular
, nomeadamente, através da
interdisciplinaridade ou
da
transdisciplinaridade, que não podem
ser
consideradas como outra coisa senão a
imaginação
de um
possível
“caminho
de volta”
.
Uma tentativa de reorganização dos saberes, coadunando
-
os para se
decifrar os por que da trajetória humana. Assim mesmo não garante
este
entendimento uma vez que
um
regime que organiza as disciplinas mediante
qualquer escala de prioridade
e ainda
continua
faltando a
práxis
definitiva
.
É razoavelmente possível se admitir que o
homem
,
genericamente
i
nclui
-
se
como
bem
-
capital
apropriável
dentro do processo que se auto-estimula na
articulação e
na
manutenção
do capital, seja no campo político ou econômico
e,
que tem como
arma
de controle a dependência (necessidade do
consumo).
“A produção assume uma qualidade objetiva como se o sistema capitalista
fosse uma máquina que marcha por conta própria, um autômato
capitalista.
91
Em outras palavras, pouco a pouco o homem-
genérico
transforma
-se em uma massa biológica que consome
,
a medida que se
destitu
i
d
as
possibilidades,
das
oportunidades e da
personalidade. De e
lemento central
o homem passou a
dissolvido
enquanto
substância que se reproduz
aumentando seu corpo e ocupando os espaços possíveis as cidades a
ser
em
administrada
sob as previsões dos poderes mais
o
com
é
rcio
.
Ao
mesmo
tempo em que contraria os próprios princípios da sobrevivência
com
o animal
predador, esta massa de indivíduos humanos
consome
-
se
a si própria
enquanto
é capaz de produzir as mais diversificadas
armas
de destruição em
massa com objetivos bélicos e
as
indevidas e inconseqüentes
explorações
(combustíveis fósseis,
produtos
transgênicos
de efeitos colaterais não
comprovados
,
traumas e distúrbios psicossomáti
cos dos
grandes centros
etc.).
Mais que faculdade psico-social, o desejo é fator essencial da habili
dade
construtiva
.
O c
onsidera
remos
princ
ípio motor para o que inicialmente
chamamos
deslocamento
ou
o
princípio detonador das ações cognoscitivas
(não
-instintivas, intuitivas, perceptivas,
receptiv
as),
em especial dos
movimentos construtivos isto é do real e
do
histórico
.
Assim também se traduz
91
HARDT; NEGRI, 1995,apud SEMERARO,2006, p.
118
60
em desejo
a
pretensão de
constru
ir
argumentos ou de formula
r teorias, explicar
e entender a realidade
.
Faz se necessário a este ponto conduzirmos esta
r
eflexão
as dimensões
do
conhecimento e
da
representação;
por
complementares
, uma a outra, mas
ainda
pelo fato de que busca
mos
sempre
representar
(
ou
ser
mos
representado
s
em
) algo que possa ser evidenciado
,
ou
que te
nha
ma
ior
poder
de evidência, ou que reúna os qualificativos para
que
(se) represen
te
são processos coletivos apesar de ocorrerem em cada
consciência individual; caso contrário, sem serem evidenciadas as
representações não vão alem de elucubrações. Neste caso o conhecimento
enquanto saber científico não é freqüentemente a maior prerr
ogativa.
Não
necessariamente conhecemos a fundo o que
se nos
representa.
Porém
, ambas
as dimensões consideradas são estritamente necessárias para a experiência
da realidade
.
De um lado a experiência pressupõe o conhecimento ou
ao
menos
uma
acepção, e, esta por sua vez poderá ganhar representação na
consciência humana. Concernente a idéia de
deslocamento
, saída de um
estado para outro, as representações plasmam-se do mundo objetivo em
produções
subjetivas e
objetivas que se reproduzirão em nov
as representações
numa espiral dialética o novo sobre a experiência do passado. Considerando
como exemplo a
experiência
de
uma sensação de prazer ou desprazer,
algo
da
esfera dos interesses do indivíduo, o campo da imaginação dará amplitude
a
esta sensação e carregará de possibilidades de representação o que se
projetar
subjetivamente
a capacidade de subjetivação. Dentro destas
possibilidades
, diferente do conhecimento como domínio individual de
tecnologias
e habilidades
,
é interessante considerar a representação como
compartilhamento voluntário ou involuntário do que possa despertar a
sensação
.
Podemos atribuir à natureza (como tudo o que está pré-posto ao
conhecimento ou a transformação), a condição de fonte das subjetividades,
uma co-participante dos
processo
s que geram as
sensaç
ões
ou complacência.
Fruto da simbiose entre sujeito e objeto neste processo construtivo. Será a
natureza o elemento que favorece
os processos de descoberta e construção
de conhecimento e que por isso mesmo, se reconhece como essencial neste
processo. Não se pode com esta proposição atribuir qualquer intencionalidade
à natureza, mas importa considerar um movimento oscilatório do ext
er
ior
para
o inter
ior
e vice-versa, com relação ao sujeito, referindo-se às
faculdade
s
61
receptivas e perceptivas. O que se propõe ter em conta é, então, a existência
do “outro” o qual se percebe ou ao qual se projeta
com
o receptáculo da
representação
a co
letividade
. Assim acreditamos nos aproximar do caráter do
simbólico. A transferência de
representatividade para o signo:
É importante observar que as “novas“ formas discursivas da
indústria cultural têm muito a ver com a velha arte retórica,
concebida pelos sofistas e sistematizada por Aristóteles.
[...]
Descartes
, com sua entronização do sujeito pensante (o
cogito
ou espírito autônomo diante de Deus) que acaba com as relações
de transparência entre homem e mundo, criando uma esfera
mediadora chamada “repr
esentação”.
"Representar é fenômeno
em que o sujeito delega a um outro (o representante, o signo) o
poder de in
terpretá
-
lo em sua ausência.
92
Mesmo
sendo
este simbólico comumente suposto como metafórico, alegórico
ou
utópico
, não está em questão o
simbolismo
,
mas
é algo que também
podemos identificar como inerente ao indivíduo ou a sua carga essencial de
subjetividade. Se na sua complexa configuração psico-social o homem traz
esta carga, necessário se faz traduzi-la em esferas de vários conjuntos: c
omo
dos sonhos (de consumo), da política (a sociedade), das leis (a moral), da
religião (o sagrado). Mesmo dentro desta concepção de simbólico-
metafórico
encontraremos uma gama de representações as quais poderemos identificar
como
forças produtivas especiais tanto objetivas como subjetivas, as ultimas
emergindo como qualidades do indivíduo.”
93
R
epresentações
estéticas ou
epistemológicas
que
, direta ou indiretamente produzem-se ou atuam
enfaticamente sobre o emocional e o cognitivo. Abordamos a um âmbito
cul
tural de produção de objetos que comportarão aspectos, que neste ponto de
vista, visam complementar a configuração do
ser
, interna e
externa
mente
. Em
outras palavras, nos referimos a um universo de projeções sistêmica e
expressivas; objetos ao mesmo tempo introjetados e remotos
representados
em práticas cotidianas
. Consideramos que
como objetos tais projeções
venha
m
a complementar
como
constructos
esta compleição
humana
, prospectivamente
92
SODRÉ, Op. cit., p.23
93
MARX, Op. cit., p. 89
62
com base na concepção do homem no mundo, dotado de
suas
consciência e
razão
, mas acima de tudo por sua
existência
, como parte material e imaterial
de sua
auto
-
reprodução.
O que se quer afirmar e ao mesmo tempo se postular
enquanto
questão é a amplitude das dimensões conhecimento/representação
impressas em atividades as quais, tendo como dito acima, o trabalho como
pano de fundo, sendo ainda fruto subjetivo das relações de trabalho; o nível de
conhecimento e de representação mensurável nas mani
festa
ções culturais
artístico
-expressivas cuja persistência e pertinência histórica evidenciam a
capacidade de subjetivação do homem. Filosófica e politicamente
abordada
como objeto de pesquisa cientifica r
est
ará
a questão, em alguns raciocí
nios
comprovadamente consolidada
assim,
permanece como questão
ou
como
metafísica insolúvel
e
assente?
63
1.
2 -
Das
p
roposições
metodológicas
O
trabalho
nunca para. Partindo destas condutas apresentadas anteriormente:
desejo
(vontade de potência),
deslocamento
e
procura/sentido
da relação
material
,
n
ão
temos condições históricas para afirmar que em algum momento
em que o trabalho, atividade que situa a natureza humana nesta relação
tenha
cessado
.
Observamos
sim
clara
e tragicamente o processo de alienação do
trabalho
desde
a gênese, crescimento e intens
ificação.
P
ostula
n
do
assim,
não
nos conduzimos
adiante
da constatação de um fato histórico. Mas, quando
mudamos o ponto de vista, de uma panorâmica externa para a realidade
pela
qual
estamos plenamente imbricados, nesta imanência do trabalho e,
conseqüentemente até afetados por aquele processo de alienação, não
podemos desconsiderar a pertinência do método nesta relação. o é que
haja
, de forma específica, um método para cada atividade do homem, mas a
atividade
se
nos apresenta inclusive como uma metodologia em seu
desenvolvimento
, enquanto orienta para uma metodologia de abordagens ou
de análise para o caso de epistemologia. Por isso consideramos o método
uma fundamentação filosófica e, por conseguinte é
também
político.
Por isso
também estamos seguros de que os momentos decisórios da história têm seus
tortuosos meandros desenhados por ideologias políticas. Somos obrigados a
admitir
que
, vivemos em sociedades cujos fins são decorrências dessas
ideologias.
De acordo com estas ideologias, mais correspondente as
ocidentais
,
aprendemos bem a evitar o conflito em nome de uma paz e de
harmonia social e nos conformar com o
slogan
freqüente:
isso é isso
mesmo
. Decisões políticas exigem coragem. O mesmo deve funcionar para a
escolha do método. Muitas vezes o remédio
é
amargo
, mas sem dúvida a
definição de uma postura política. O método contrapondo à lógica formal
pela
qual se
tenta
conforma
r o mundo em uma cena estática e metafísica da ordem
social, nos aponta ”o principio da
contradição
94
para uma ampla concepção de
homem no mundo. Talvez por este motivo o método dialético pareça ao
primeiro contato, aos desavisados
um caminho
espinhoso
.
Contudo é o método
que nos permite adentrar as esferas da realidade e de que modo pode
re
mos
agir
ou
atuar
dentro delas
conhecendo
-
as
intrínseca e extrinsecamente
.
Na
94
FERREIRA, Op. cit., p. 49
64
obra
Alternativas
Metodológicas para a P
rodução
C
ientifica
de
Maria
Nazareth Ferreira
(2006)
encontramos
sem dúvida a porta de acesso ao
reconhecimento da importância de se
estabele
ce
r metodologias adequadas
quando queremos
descortinar
o caminho em meio às
contradições
,
evitando
assim
atoleiros conceituais e, ao mesmo tempo uma justificativa i
nc
o
ntestável
para adoção da dialética como a maior
premissa
.
Nossos
primeiros passos
dados visa
ndo
alguma
produ
ção de conhecimento n
este
campo assumido
estão
direcionados
para
a
pesquisa de uma política que possa evoluir para o
restabelec
imento
d
o
sentido da propriedade
nas
relações humanas,
desenvolvido anteriormente. pela complexidade percebemos que as
doutrinas ou orientações que isolam sujeito e objeto, são deficitárias
em
alcance e, por isto mesmo, superadas pela fenomenologia,
compreendendo
o
fenômeno segundo Gramsci com
o
as
[...]
qualidades
que
o homem distinguiu em conseqüência dos
seus
interesses
práticos (a construção da sua vida econômica) e
dos interesses científicos, isto é, da necessidade de encontrar
uma ordem no mundo e de descrever e classificar as coisas
[...]
o
que nós conhecemos nas coisas não é senão nós mesmos, as
nossas necessidades e os nossos interesses, isto é, que os nossos
conhecimentos são superestruturas (ou filosofias não definitivas
)
[...]
não no sentido metafísico de “noumeno”
[...]
mas no sentido
concreto de uma “relativa ignorância” da realidade, de qualquer
coisa ainda desconhecido que, porém, poderá ser conhecido um
dia [
...]
.
95
Preliminarmente, objetivamos estabelecer parâmetros sobre os quais se
pretende desenvolver os questionamentos. É preciso que se tenha em mente,
do que nos aponta o enunciado acima, que conhecimento
como
superestruturas, não pode nem deve ser escalonado simplesmente como uma
faculdade dentro daquelas atividades humanas. Como superestruturas o
conhecimento compreende “[...] duas esferas essenciais: a sociedade política,
que agrupa o aparelho de Estado, e a da sociedade civil [...].”
96
Considerando
que “o
método
é ao mesmo tempo uno e múltiplo, mostra que o processo de
conhecimento se eleva ao degrau mais alto quando admite a
95
GRAMSCI, Op. cit., p. 54
96
PORTELLI, Op. cit., p. 19
65
contradição”
97
devemos
adotar desde
, pelo que de se aponta como grau
complexidade, posturas mais severas e atitudes mais rigorosas. Cabem neste
ponto as indagações paradoxais entre o poder e o conhecimento: tem o poder
quem conhece;
ou
, é quem conhece que tem o poder? Será sempre oportuno
trazer em paralelo estas questões, uma vez a busca é por definir as filosofias
que servirão as tran
sformações necessárias e
quem
as revela.
P
or
tanto, faz-se necessário apresentar sumariamente certa distinção entre
duas correntes analíticas importantes.
Tendo
-as em mente,
contribuíram
,
certamente,
justificando e melhor defini
ndo
o caminho a ser trilhado. Em
primeiro lugar, observam-se as limitações do modelo estruturalista, em cuja
metodologia cientifica o termo
estrutura
deve
serv
ir convencionalmente a
o
conhecimento da sociedade, pois
este
requer instrumentos idôneos,
um
“mo
delo analítico com
limites bem precisos e d
e
identidade própria
.”
98
O objeto do conhecimento do modelo estruturalista são as relações invisíveis;
enquanto se observa uma realidade, esta mesma
encobre
à percepção
imediata de certos componentes que atuam de forma a modelar as ações. A
própria mani
festa
ção fenomênica oculta à condição essencial do real. Assim
postula
do
, d
ua
s
perspectiva
são indicadas para questionamentos
fundamentais
.
Inicialmente
,
[...]
a análise dos sistemas de parentesco e a estrutura dos
mitos
e lendas que existem em todo tipo de comunidade. A estrutura
dos mitos e lendas atua, dentro desta linha metodológica, como
aglutinador e organizador da comunidade. O sistema de
parentesco pode mostrar como operam as relações formais;
enquanto o mito a verdadeira fundamentação da dinâmica
social em sua profunda causalidade
.
99
Podemos observar na primeira orientação à metafísica, qualquer coisa com
intenções próprias, externa ao indivíduo, mas concernente a consciência
humana; na segunda, a própria ordem biológica de reprodução atuando sobre
as relações humanas.
Vale destacar que amb
a
s
a
s
perspectivas
analític
a
s não
determinam um objeto de forma contundente, mas intencionam fundamentar o
conhecimento (da sociedade) a partir de interposto um sistema estrutural de
ordem antropológica elementar. Neste sentido um elemento pressupõe a
97
FERREIRA, Op. cit., p. 115
98
Ibid., p. 86
99
Ibid., p. 87
66
existência de outro elemento, tanto no que se refere ao cotidiano quanto aos
rituais.
Outro ponto a se
analis
ar
a partir do enunciado é que estes caminhos
também
se desdobram
,
divergindo
-se em esferas de
atuação
.
Por uma via se
considera
m as relações sociais humanas
,
e por outra, estas relações estão
submet
idas
a uma estrutura subjetiva que parece desenhar ou conduzir (de
cima) as atitudes dos indivíduos ou grupos.
Em suma, a crítica ao modelo estruturalista se dirige a sua
[...]
tendência de construir uma totalidade analítica auto-
suficiente, submetida a leis próprias e operativas, onde o
pensamento legisla sobre os limites do conhecimento “possível”
através de uma imposição formal na qual submete a
realidade.
100
O que vale dizer que, as significações
e
a
essencial
idade
para obtenção do
conhecimento são
determinadas
externamente, do ponto de vista do
pesquisador.
Enquanto para o Estruturalismo o sistema das relações estabelece que a
existência de um elemento pressuponha a existência de outro, na teoria
funcionalista cada ator tem sua função, a qual exerce delimitando a ação de
outro ator e, nenhuma das ações pode ser conflitante no sistema social. Um
conjunto de normas deve conduzir tal equilíbrio. O conceito se estabelece a
partir da relação entre
estrutura e função,
ou seja, o
grau de integração que
as
partes mostram em sua relação dinâmica com o todo
.”
101
A partir de
sta
concepção,
entendemos
que um indivíduo determine seus papeis ordinários
(padre, professor, policial; vai ao supermercado, ao banco; trabalha e se diverte
etc.) imaginando assim cumprir sua função social. Dentro desta metodologia,
se assim se pode resumir, aquilo que não é funcional deve ser desconsiderado
como essencial para a análise cientifica. Neste sentido a crítica recai sobre as
proposições
teórico
-
metodol
óg
icas
que admitem; em primeiro lugar que toda
sociedade seja como uma “rede”, com papeis e posições definidas, onde as
instituições se alinhem e interajam em direção ao equilíbrio e ao progresso; em
100
Ibid., p. 88
101
Ibid., p. 93
67
segundo, um “modelo” teórico cuja “estrutura conceitual analítica se baseie em
critérios normativos e funcionais
, “[...]
não admitem a possibilidade de um salto
qualitativo dentro do sistema: apenas seu fortalecimento ou destruição.
102
Tecidas as críticas a estes modelos analíticos, passemos a apontar as
propri
edades da proposta
teórico
-
metodologica
que aqui se pretende adotar.
Divergente das metodologias anteriormente analisadas, que mantinham o
objeto estático e distante do sujeito e, também desconsideram a historicidade
do fato social, o marxismo como unidade metodológica pressupõe inicialmente
o sentido de transformação da sociedade, observando-se seu objeto de
conhecimento: “
a predição da ação humana.
103
[grifo da autora]
Segundo o Materialismo Dialético, vigora uma articulação entre as ações de
forma positiva ou negativa, mas compreendidas dentro de totalidades
produtivas.
Com efeito, se o trabalho é a mediação inevitável do homem com o
meio, é em torno dele e de como se realiza a sua apropriação que deve-
se
encontrar a relação conflitiva original.”
104
também o trabalho não pode se
resumir a função social puramente, pois compreende as relações humanas e
materiais como um todo.
Ainda como assegura Ferreira
(2006)
, a ideologia nas sociedades modernas
tem servido para que prevaleça um sistema de reflexões práticas isoladas, ou,
o conhecimento fragmentário ofuscando a visão sobre uma articulação
harmônica nas atividades humanas, por mais dispares que pareçam ser.
Continuando
nest
a linha de pensamento a função do todo deve ser o de
revelar as contradições no fenômeno. E, é a partir desse postulado que a
metodologia aqui aplicada pretende confrontar a ilusão de uma ideológica que
homogeneíza o pensamento e a percepção, por hora
pesa
ndo
enquanto cultura
de valor (
filisteísmo
segundo Hanna Arendt, 1972
105
),
imposta externamente
sobre a
ordenação
social
, com a ideologia das classes
subalterna
s
formada,
pois nas relações de trabalho como fator de interação entre o homem e o meio
objeti
vo
:
102
Ibid., p. 94, passim
103
Ibid., p. 98
104
Ibid., p. 99
105
ARENDT
, Op. cit., p. 253
68
A “ideologia” foi um aspecto do “sensorialismo”, ou seja, do
materialismo francês do século XVIII. Sua significação original
era a de “ciência das idéias” e, que a análise era o único
método reconhecido e aplicado pela ciência, significava “análise
das idéias”, isto é, “pesquisa da origem das idéias”. As idéias
deveriam ser decompostas em seus “elementos” originários, e
estes não poderiam ser senão as “sensações”: as idéias derivam
das sensações. Mas o sensorialismo podia associar-se sem muita
dificu
ldade com a religiosa, com as crenças mais extremadas
na “potência do Espírito” e nos seus “destinos imortais
;
[...]
.
106
Pelo exposto, não é difícil perceber que as concepções sensoriais e, além
disso, associada à fé religiosa como fonte para as idéias não
era
outra coisa
senão um indicativo da atividade científica em função de brilhantismos
fantásticos
da imaginação do cientista
,
sendo este
personalidade destacável
:
A maneira pela qual o conceito de Ideologia como “ciência das
idéias”, como “análise sobre a origem das idéias”, passou a
significar um determinado “sistema de idéias” deve ser
examinado
hist
o
ricamente
, que lo
gicamente
[grifos do autor]
o processo é fácil de
ser analisado e compreendido.
[...]
O próprio significado que o termo “ideologia” assumiu na
filosofia da práxis contém implìcitamente um juízo de desvalor,
o qual exclui que para os seus fundadores a origem das idéias
devesse ser b
uscada nas sensações e portanto, em última análise,
na fisiologia: esta mesma “ideologia” deve ser analisada
històricamente, segundo a filosofia da
práxis
, como uma
superestrutura.
[...
]
107
Assim
, continuando com a reflexão de Gramsci
(1966)
entendemos que
o
conceito de ideologia deve ser buscado dentro dos processos históricos.
Assim
como o conhecimento e o trabalho, a ideologia segundo a filosofia da
práxis
,
também a assimila como superestrutura, isto é, compreende
a sociedade civil
e
a sociedade política. Contudo, sua maior complexidade corresponde à
implicação de um juízo de desvalor mediante o qual cai por terra a autoridade
do
cientista ou
do
pesquisador
sobre o objeto e suas determinações.
Podemos
concluir que e
ste
juízo
inclusive
contrapõe
criticamen
te
a estrutura conceitual
funcionalista, visto que a ideologia deixa de estar submetida à análise cientifica
,
conservando
-
se como parte do núcleo da filosofia historicista
:
106
GRAMSCI, Op. cit., p.61, passim
107
Ibid., p. 61
69
Um elemento de erro na consideração sobre o valor das
ideologias, ao que me parece, é devido ao fato (fato que,
ademais não é casual) de que se o nome de ideologia tanto à
superestrutura necessária de uma determinada estrutura, como às
elucubrações arbitrárias de determinados indivíduos. O sentido
pejorativo da palavra tornou-se exclusivo, o que modificou e
desnaturou a análise teórica do conceito de ideologia. O
processo
deste
erro
pode ser
facilmente
reconstruído: 1)
identifica
-se a ideologia como sendo distinta da estrutura e
afirma
-se que não são as ideologias que modificam a estrutura,
mas sim vice-versa; 2) afirma-se que uma determinada solução
política é “ideológica”, isto é, insuficiente para modificar a
estrutura, mesmo que acredite poder modificá-la; afirma-se que
é inútil, estúpida, etc.; 3) passa-se a afirmar que
toda
ideologia é
“pura” aparência, inútil, estúpida, etc.
[...
]
108
Entendemos que pelos erros apontados a partir do momento que o termo e
tomado pejorativamente, a ideologia se confunde com alguma coisa que se
pode tomar por empréstimo de um sistema alheio. Equivoco que certamente
passou a estabelecer uma ordem hierárquica a respeito ou do nível de
verdades estabelecidas por determinada teoria ou do desenvolvimento da alta
cultura das nações mais
adiantadas
:
É necessário, por conseguinte, distinguir entre ideologias
hist
oricamente orgânicas, isto é, que são necessárias à uma
determinada estrutura, e ideologias arbitrárias,
racionalistas
,
“desejadas”. Na medida em que são historicamente necessárias,
as ideologias têm uma validade “psicológica”: elas “organizam”
as massas humanas, formam o ter
reno sobre o qual os homens se
movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.
Na medida em que são “arbitrárias”, elas não criam senão
“movimentos” individuais, polêmicas, etc. (nem mesmo estas
são completamente inúteis, que funcionam como
erro
que se
contrapõe à verdade e a afirma).
109
Distinguir a implicação orgânica e histórica da ideologia corresponde também a
se examinar a qual nível de profundidade ela se enraíza no funcionamento da
sociedade, para saber o quanto ela está ligada aos princípios de luta e de
transformação do ambiente. Neste sentido, é possível se admitir que: 1) uma
ideologia tomada por empréstimo ou imposta arbitrariamente pode se
108
Ibid., p. 62
109
Id
., p.62
70
aprofundar na estrutura social determinando o modelo de funcionamento ou
pode permanecer na superfície da percepção dos indivíduos se tornando
optativa neste caso para o grupo, tanto profunda como superficial ela nunca
será própria e nem será assumidamente histórica
;
2) sendo, todavia própria
poderá ser reconhecida e divulgada pela superestrutura ou pelo sistema de
cultura. Mesmo neste caso ainda poderá ser profunda ou superficial.
Analisamos que ultimamente tornou-se problemática a discussão da ideologia
sem que se depare com confrontos político-partidários. Este tipo de confronto
dificu
lta o reconhecimento e a identificação da ideologia pelas massas.
Recordar a freqüente afirmação de Marx sobre a “solidez das
crenças populares” como elemento necessário de uma
determinada
situação.
Ele
diz mais ou menos isto: “quando esta
maneira de conceber tiver a
força
das crenças populares”, etc.
Outra afirmação de Marx é a de que uma persuasão popular tem,
na maioria dos casos, a mesma energia de uma
força
material
(ou algo semelhante), o que é muito significativo. A análise
destas afirmações, crei
o, conduz ao fortalecimento da concepção
de “bloco histórico”, no qual, justamente, as
forças
materiais são
o conteúdo e as ideologias são a forma sendo que esta
distinção entre forma e conteúdo é puramente didática, já que as
forças
materiais não seriam
hist
oricamente concebíveis sem
forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as
forças
materiais.
110
Quando nos referimos a um núcleo da filosofia historicista pretendemos
enfatizar que este núcleo se compõe da ideologia e das
força
s materiais.
Assim, q
uando
refletimos sobre as relações de trabalho calculamos superados
em muitas vezes a concepção de trabalho como subsistência, bem como
equação hora/trabalho/consumo. O trabalho
aqui
, com afirmado acima, é o
elemento que liga o homem ao meio, m
as
confere também seu poder
de
deslocamento
dentro da totalidade.
Entendemos que somente pelo
método
dialétic
o abarcamos as transformações
reais
nas relações materiais pela lente da dualidade. Com a dialética
materialista fundada por Marx e Engels ajustam
os
o foco eliminando as
imperfeições através da contradição; o mundo está em constante movimento
110
Ibid
.
, p. 63
71
e as coisas estão em relação recíproca; ou seja: nenhum fenô
meno
da
natureza
pode ser compreendido isoladamente. Daí o conceito de
totalidade
,
ser
importante para entender a visão materialista da sociedade. Assim, à visão
metafísica do mundo, os marxistas contrapõem à dialética
111
. Portanto
pertinência em qualquer aporte teórico às ciências humanas se analisadas
do
ponto de vista desta totalidade ou das
relaç
ões materiais da sociedade.
Uma
das grandes
contradiç
ões
que
encontraremos identifica-
se
entre o senso de
propriedade e
de
posse. Quando tomamos por objeto mani
festa
ções culturais
próprias das classes subalternas, mesmo que as encontremos em
estado
de
definhamento ou de completa subordinação ao capital, em suas
origens
constatamos este senso de propriedade em contraposição ao de posse. Ao
tomarmos a
festa
como ambiente apropriado para esta mani
festa
ções
,
identificamos também a reciprocidade
e
ntre ambas
;
e no entanto ninguém pode
possuir a
festa
, ninguém é dono de uma forma de mani
festa
ção
relação
de propriedade recíprocas. Quando ampliamos a projeção destas
mani
festa
ções para as relações materiais, esta reciprocidade vai a relação de
pro
dução e neste ponto muito do que tem valor não tem preço.
Muito do que se
pode comprar não se pode possuir: como a
s
subjetividade
s
do
mundo
trabalho
.
Segundo uma visão liberal,
festa
(popular) e trabalho o momentos
estanques; apesar de que a
festa
é também um empreendimento e que muitos
trabalhadores são empregados para a sua realização, ela é ainda, como
contexto de férias ou de final de semana, um momento de laser e de êxtase
que pode ser adquirido como pacote turístico compensador do estresse
se
manal
devido a carga de
trabalho
. Entendida como subjetividade do trabalho
a
festa
e suas mani
festa
ções espontâneas compreendem um ápice dentro de
um ciclo, um momento de fixação catártica; fixação esta que para Gramsci é “o
ponto de partida de toda filosofia da
práxis
112
,
a
festa
,
podemos ousar,
se
traduz
assim
em conhecimento ou expressão da concepção de homem no
mundo
e
propriedade para a
sua elevação à moral
.
Voltamos
, porém a questão do reconhecimento da importância do método
a
partir das relações materiais; segundo
111
FERREIRA,
O
p.cit.
,
p. 50
112
GRAMSCI,
O
p. cit.
,
p. 53
72
[...]
o
materialismo
, o movimento é
propriedade
[grifo nosso]
fundamental da matéria e existe independentemente da
consciência. A matéria é um dado primário e é a fonte da
consciência; a consciência é um da do
secundário, derivado,
pois
é reflexo da matéria. O materialismo dialético parte da
consideração de que os fenômenos materiais são
processos
.
113
Enquanto processos
,
a
totalidade
que engloba contradição e movimento,
organicamente
não há o que esteja a mais
nem o que falte
; uma vírgula em um
poema, as notas ou mesmo o silêncio em uma música, na pintura que traz toda
a composição para o bidimensional, planos segundo a visão, mas
dificilmente conseguimos estabelecer uma hierarquia de valores que
desclassifiq
ue um elemento por ínfimo e afastado que esteja
na perspectiva;
no
caso de um impulso criativo que desfalque ou sobrecarregue a obra, ainda
assim isto serviria ao exercício da crítica
.
Ampliada a história da sociedade,
segundo mentalidades individuais e ar
bitrárias
a omissão e também o
turvamento da visão e a distinção por classe, mas como processo não
algo do contexto atual que possa ser considerado como
fora da história
.
Assim
,
dentro da metodologia um grande passo a ser dado é a contextualização
do
sujeito/objeto na análise marxista “conhecida como qualidade em
sistema
”[grifo da autora]. Segundo Nazareth
(2006)
uma contribuição da teoria
de Marx a ciência
:
Em certo sentido, cada qualidade possui seu sistema, pois a
qualidade sempre expressa uma nova determinação específica
ou genérica. Mas neste caso não se trata das relações em
sistemas simples, que resolvem, por exemplo, o fato de que o
cavalo pertença à espécie “cavalos”, a mesa, à espécie das
mesas
”; mas o que expressa a própria essência do princípio em
sistema são as
propriedades
[grifo nosso] integrais do todo,
irredutíveis às
propriedades
[grifo nosso] de suas partes ou
elementos. A diferença das duas primeiras determinações
qualitativas
que estão sempre presentes nos fenômenos
materiai
s
seja como qualidade própria da matéria, seja como
forma específica
estas
ú
ltimas
são
qualidades de conjunto, ou
integrais. Devido a isto, nos objetos e fenômenos concretos não
estão materializadas com precisão e rigidez e figuram neles
somente como um sintoma geral de sistema ou como “parte
proporcional” do todo. Do ponto de vista comum, as qualidades
em sistema não podem ser apreciadas através da simples
113
FERREIRA,
O
p. cit.
,
p. 55
73
observação, mas somente através da análise cientifica e, além
disso, de uma análise que abarque o sistema em sua
totalidade.
114
Concebida a relação entre qualidade e a totalidade, vale destacar o que nesta
relação se expressa como propriedades integrais. Para que adentremos
com
nossa investigação n
este
campo
de análise temos que perguntar
in
clusive,
quais as “qualidades sociais dos objetos”
115
(?) São certamente inúmeras as
possibilidades de configuração destas qualidades pelos aspectos sócio
-
político,
sócio
-econômicos e culturais. Antes de um aprofundamento sobre as
qualidades sociais identificáveis em m
ani
festa
ções culturais
próprias
,
vale
destacar a respeito mais especificamente d
a
modernidade tardia
116
na América
Latina
, assim como em outras
ex
-
colônias
do norte global. uma distância
histórica menor com relação a um estágio anterior à formação dos Estados-
nação
, pois assistimos aos esforços para se alcançar
personalidade
competitiva,
individual ou coletiva (
MERCOSUL
) no sistema de comércio
globalizado
; e, do ponto de vista sócio-cultural atualmente uma espécie de
revisão
dos processos civilizatórios nos quais muitos aspectos de uma relação
primitiva de propriedade (línguas, éticas, costumes
etc.)
foram simplesmente
aniquilados em nome de uma
cultura
eur
opéia
mais elevada.
Podemos
observar claramente este quadro, num amplo
antiamericanismo
, nas
reivindicações por reconhecimento das riquezas
estratégicas
nacionais, na
demarcação de terras dos povos originários e quilombolas e em governos mais
representativos das classes até o momento,
desfavorecidas.
Paradoxalmente
temos que admitir que, com relação aos efeitos colaterais das crises globais,
estamos todos plenamente atualizados. Daqui destacamos mais uma
possib
ilidade de qualificação social daqueles objetos. Esta personalidade
arma
-
se de uma estrutura psico-social interna básica que lhe permite as relações e
os contatos fronteiriços onde se dão os estados de crise. O conflito volta-
se
para a estrutura básica de cada lado abalando-a e ao mesmo tempo exigindo-
lhe
resistência
,
podendo se traduzir
em
auto
-
afirmação.
Com base nesta
argumentação entendemos que a cultura é a principal substância desta
114
Ibid
.
, pp.56
-
57
115
Ibid
.
, p. 57
116
HALL,
O
p. cit.
,
p. 14
74
estrutura.
Gramsci
(1966)
ao tratar da filosofia especulativa faz analogia com
o
desenvolvimento do Estado, por sua passagem da fase econômico-corporativa
à fase hegemônica. Também observa “que toda época chamada de
decadência
(na qual ocorre uma desagregação do velho mundo) carac
teriza
-
se
por um pensamento refinado e altamente ‘especulativo
.”
117
Em se tratando de
uma metodologia que nos ensina a
tatear
pel
as
contradições
, esta análise, nos
remete diretamente ao contexto atual de crise econômico-financeira global
(gestada no sistema econômico norte-
americano
), que exemplifica a
exacerbação na aplicação da teoria do movimento browniano,
desenvolvida
por Einstein
prenunci
ando
os estudos da física quântica, e que trata de
oscilações e probabilidades no movimento
caótico
do átomo, aplicada ao
s
movimentos do mercado de ações especulações mobiliárias. Para equilibrar
os orçamentos internos os Estados-nação deve-
se
injetar
grandes somas
no
setor financeiro-empresarial, incentivar o crédito e intensificar o consumo. De
um lado ilustramos um fato histórico e por outro reafirmamos nossa
função
-
massa
na ordem capitalista
-
consumir
.
Retomando a questão da cultura própria. Não queremos, contudo (
re
)-
inventariar os
culturalismo
s
naciona
is,
pois
não nos interessa quantificar as
formas pelas quais se metamorfoseiam e diversificam-
se
as aparências
,
mas
identificar e dar ênfase as
reais
transformações qualitativas
:
as relações
pedagógicas,
as
relaç
ões
de propriedade e reciprocidade segundo o marxismo
e
a postura ético-
política
segundo
Antonio
Gramsci
as
relações de produção.
Também não nos esquecemos de que o capitalismo como modo de produção
também se apropria deste produto (trabalho) imaterial, mas coloca-
o
secund
a
ria
mente
na ordem de consumo, na primeira fila vem os que
correspondem imediatamente à demanda e podem ser reproduzidos em
massa.
Assim, como outras teorias não podemos nos esquivar do confronto
entre
cultura
própria
e cultura de massa,
submetendo
-
as
ao
nosso
méto
do de
análise. Não falamos de duas culturas
distintas
e sim de que, como sabemos
todos e subsumimos, uma divisão de classes no
acesso
e na produção
cultural. Divisão esta gerada pela cultura de valor com anunciamos.
Acreditamos que quando em uma
mani
festa
ção
não está incutida a idéia de
117
GRAMSCI,
O
p. cit.
,
pp. 56
-
57
75
preço (
cachê
), encontramos superado o ideal mercantil
ista
. Mas isto não é
um ato de coragem em se trabalhar de graça
,
o que nos desperta a atenção e
de ser esta po
stura
um fato histórico. Também não se trata de um
hobby
das
horas livres, pois está impregnado d
a
dimensão do simbólico
, ou seja,
do que é
oferecido
e do que é
recebido
os aspectos da
dádiva
. Não adentraremos a
questão da metafísica
considerando
, conforme o pensamento de Gramsci
(1966)
[...]
que toda cultura tem o seu momento especulativo e
religioso, que coincide com o período de completa hegemonia
do grupo social do qual é expressão, e talvez coincida
precisamente com o momento no qual a hegemonia real se
desagrega na base
[...]
.
118
P
ermaneceremos
analisando do ponto de vista das relações materiais,
reafirmando estas mani
festa
ções como imprescindíveis ao contexto das
relações de trabalho. Observemos ao que a pesquisadora Nazareth aponta
como sendo uma
grande inversão: o homem que devia ser senhor so
berano de
seu produto, passa a ser comandado e dirigido por aquilo que produziu. “Não é
possível esquecer a função humanizadora do trabalho [...]”
119
.
Metodologicamente, devemos nos voltar
então
para as contradições nesta
esfera.
Estamos falando do trabalho próprio; poderíamos tê-lo enquanto
trabalho;
como propriedade em contraposição a idéia de trabalho alienado,
como mercadoria, mas queremos enfatizá-lo enquanto elemento
estruturador
d
as
inter
-
relações
socia
is
através de suas subjetividades. Não somente
física
psico
-
sensorial
, mecânica do individuo, mas uma gama incomensurável de
compreensões, condutas e
a
coordenação do espaço/tempo ligadas
às
atividades criadoras do homem. Para entendermos melhor, a concepção de
subjetividades do trabalho, tomemos por base a idéia de inserção da
consciência na realidade. Se partirmos do pressuposto de que esta in
ser
ção
inicia
-
se
, grosso modo, através da técnica e posteriormente passa á
ciência
pela
atitude dos intelectuais, e se concebemos o método como fundamentação
filosófic
a,
socialmente o método é um modo de proceder que na
práxis
colabora na organização da vida dentro e em torno do modo de produção.
fundamentações filosóficas e metodológicas essenciais dentro das relações de
118
Ibid
.
, p. 56
119
FERREIRA ,
O
p. cit.
,
p. 72
76
produção. Podemos então afirmar que ao abordarmos a “cultura” verificamos
que na maior parte dos casos
trata
-
se
de visões externas que
externas
permanecem enquanto levantamentos e postulações de fundo, feitas não se
consolidam em projeto, em
práxis
, enquanto não retornam à cultura que lhe
s
erviu
de objeto. Não queremos afirmar com isso, que o método observado em
uma conduta de interação social, ou o modo como as pessoas se envolvem em
grupos de interesses afins, serviria da mesma forma à pesquisa. Porém o
método
cria
seus protótipos distribuindo dinâmicas na organização da
sociedade. O método tem
seu potencial ideológico, o método é político. Por
isto mesmo
para
indagarmos entre estas dinâmicas, sobre aquela
correspondente
a função orgânica do intelectual terá de ser através de uma
metodol
ogia política filosoficamente praxística. Enquanto isto não se
permanecem as problemáticas, hora mais, hora menos polemizadas para que
não percam seu
status
de problema, multidisciplinarmente conceituados em
metas
-linguagem diferentes por diversos ângulos. Queremos crer que esta
letargia
da ação polític
o/m
i
diática
do intelectual para in
serir
-
se
na consciência
d
a realidade
,
seja
um problema metodológico que torna cada vez mais distante
uma concepção do
trabalho
-
próprio
, quando o trabalho intelectual não
transcende a produção acadêmica e vai ao mundo das atividades. Por isso
perguntamos quais seriam os mecanismos que permitiriam maior
articulação
desta produção no campo de sua demanda? Para Marx, conforme apresenta
Nazareth Ferreira
(2006)
, “a noção de modelo pode ser considerada o núcleo,
o ponto de partida para entrar na discussão da problemática metodológica nas
ciências sociais dos positivistas.” Quando aplicamos o
substantivo
articulação
af
er
i
mos
diretamente a noção de estrutura” a qualidade em sistema na qual
se coadunam o pensar e o agir. “Esta relação entre o todo e as partes” define
com clareza a relação entre o sujeito e o objeto como uma relação entre
estruturas conceituais (o sujeito) e reais (o objeto).”
120
Com base neste
postulado podemos reconhecer que tem sido replicado um modelo referencial
na
práxis
acadêmica que não leva em conta as estruturas conceituais e reais.
Por isso se tratar de um problema do todo que entendemos compreender
três momentos fundamentais a abordagem, a análise (das contradições) e a
120
Ibid
.
, p. 81
77
práxis
- tese, antítese e síntese. Não entre estes momentos qualquer
hierarquia de valor e tampouco uma ordem que determine onde cessa a teoria
e onde se inicia a prática
:
Assim, o predomínio da estrutura subjetiva sobre a objetiva, ou
o predomínio inverso, ou ainda, o equilíbrio sem predomínio,
entre o conceitual subjetivo e o real objetivo, é parte da
discussão entre os diferentes “modelos de conhecimento”
da
realidade, e
referem
-
se a premissas metodológicas diferenciadas.
O modelo contém um enunciado teórico ideológico que se
expressa numa proposição metodológica para referir-se à
realidade, na ação de conhecê-la. É a maneira de explicar a
historicidade das alternativas de conhecimento, de como estas
alternativas se configuram em
modelos
que diferem em seu
compromisso com o real, na medida em que diferem na maneira
de
pensar o real
”.
121
Considera
ndo
que
os desvios possam ser detectados e medidos a partir da
observação das práticas sociais, sejam e
sta
s de
explicitação
da cultura ou
mesmo
em
qualquer espécie de degradação social
;
devemos reconhecer
que a
universalidade do método significa superar qualquer visão fragm
entária
que
não
traga em seu bojo a concepção de um modelo global
cujo
núcleo teórico
para Marx, elucidado por Ferreira
(2006)
corresponde
[...]
a constituição de uma
articulação
[grifo nosso]
de
categorias como “Modo de Produção”, “Formação cão
Econômico
-social” ou “Bloco Histórico”, serve à compreensão
da sociedade em cada momento histórico visto em toda a sua
complexidade e fundamentalmente, no sentido de definir
estratégias para sua
transfo
rmação.
122
Não somente constatamos, enquanto
desvios
, o todo de abordagem (
tese
-
resgat
ar
-
conserva
r
)
como também na assimilação do modelo implícito
naquelas formas de mani
festa
ção (
antítese
- o ideal de
resistência
). Não há,
portanto
, se assim é
cabível,
observância rigorosa das contradições, não
continuidade
praxística
em
síntese. Não há
deslocamento
se não
uma
concepção de
articulação
entre os indivíduos e
entre
as
categorias na divisão
social do trabalho. Finalmente não há possibilidade de
se
predi
zer
a ação
humana
:
121
Ibid
.
, pp. 81
-
82
122
Ibid
.
, p. 98
78
Para o Materialismo Dialético o entendimento de toda ação se
define como a conscientização da totalidade que está presente
em uma prática, por limitada e acidental que esta possa ser. É
precisam
ente esta prática limitada, que, para ser compreendida
deve ser assumida em seus limites, pelo fato de estar articulada
com outras praticas, que se relacionam positiva ou
negativamente. Assim, a reflexão de um sujeito sobre o
significado da articulação de suas próprias práticas implica a
reflex
ão sobre as práticas de outros sujeitos que estão
envolvidos no exercício de suas práticas através de diferentes
níveis de ação em um determinado contexto
social.
123
Dentro das proposições metodológicas aqui pretendidas, a abordagem se a
partir da historicidade daquelas determinadas práticas sociais, pois e o modelo
global observado no que se
configura
como
articulação
entre
explicitações
culturais
-
próprias
e o
trabalho
-
próprio
.
Ambos
os
procedimentos
“se articulam
harmônica e contraditoriamente em torno da prática produtiva [...]”.
Como
afirmado na sessão anterior, nosso pano de fundo é a esfera do trabalho;
”[...]
se o trabalho é a mediação inevitável do homem com o meio, é em torno dele e
de como se realiza a sua apropriação que deve-se encontrar a relação
conflitiva original
.”
124
A este pensamento queremos acrescentar, enfatizando ao
conjunto das
subjetividades
oriundas deste momento de apropriação do mundo
do trabalho. É por este viés que escolhemos conduzir nossa investigação para
que tenhamos respostas
às
indagações a respeito de quais fios foram
rompidos na trama desta
articulação
e se podemos reatá
-
los.
Com
o procedimento científico não pode se furtar a concepção de totalidade
quando menciona mundo do trabalho, portanto são superadas as
particularizações (salário, consumo, subsistên
cia
etc.), o todo irredutível às
partes nos apresenta como unidade simbiótica
entre
trabalho
e
festa
na
ordenação social;
festa
nesta unidade corresponde às construções que não
são propriamente obrigações daquela esfera, mas sim espontaneidade do
cotidiano das relações de trabalho. Tanto esta espontaneidade quanto a
objetividade daquelas relações são
edificadoras
da humanidade social de cada
indivíduo conforme seu nível de participação nesta esfera “há um nível de
contradição fundamental que é aquele que se situa entre as Relações de
123
Ibid
.
, pp. 98
-
99
124
Ibid
.
, p.99
79
Produção
e as
Força
s Produtivas: é fundamental por que é a estrutura mesma
da constituição da sociedade, baseada na apropriação individual do produto
social.” Entendemos por este postulado que nas Relações de Produção estão
previstos todas as circunstâncias históricas envolvidas naquele momento e,
certamente decorrências expressivas da cultura que estão igualmente
amalgamadas com as Forças Produtivas nestas Relações, “o Materialismo
Histórico apenas está indicando um “potencial” presente historicizado, sobre o
qual estas contradições atuam decidindo a direção da mudança social, em
termos qualitativos ou quantitativos e o tipo de maturação, e antagonismo que
as mesmas alcançaram “no político””.
125
A este ponto cabe ressalvar a questão
da apropriação ou da propriedade do individuo sobre o trabalho e as condições
objetivas para o trabalho. É neste senso de propriedade, com já dito que
abordamos as subjetividades edificantes
.
Porém no tratamento dos desvios
que se apresentam em referência do trabalho com o consumo, rest
a indagar se
haveriam e como se dariam as possibilidades de reconstituição deste senso
político de propriedade em um mundo-
mercado
partilhado em propriedades
privadas.
S
ão
,
todavia
as práticas e as contradições, examinadas nesta rede cuja trama
se articula em uma dinâmica de
interação que
devem
conduz
ir
a formulação d
e
aporte para um
núcleo
teórico, no sentido de ampliar a compreensão sobre os
modos culturais, que têm no móbil das
festa
s
, e em tudo que as consubstancia,
uma das portas de acesso a
um
“modo de produção”, indicador histórico das
atuais contingências sociais. Bem como permitirá abordagem a relação
praxista
entre sujeito e objeto. As
festa
s têm sido até aqui, grosso modo,
observadas como uma espécie de relaxamento entre atividades produtivas e
hoje ainda mais como potencial atrativo para o turismo. Através de uma
metodologia marxista será possível se verificar, nos modos produtivos
refletidos neste espelho a relação concreto-abstrato, sendo que neste contexto
de reconstrução do “real”, igualmente se constata a relação do todo com as
partes.
Estas relações que projetam-
se
sobr
e o objeto de estudo em questão
como
amplitude d
as
co
rrelaç
ões entre trabalho e conhecimento socia
is
.
125
Ibid
.
, p. 105
80
O encontro entre teoria e método deve se dar em um abraço fecundo.
Deve
m
ser (re)-divididas as responsabilidades. Acreditamos que o mapa para que as
reconheçamos, nesta relação entre teoria e método esteja escrito nos sensos
de propriedade e de reciprocidade. Segundo o modelo de formação
básica
,
cujo
fundo é funcionalista, colocado em prática em boa parcela das regiões do
Brasil, os jovens fazem poucas experiências profundas nestes sensos.
Portanto
não podem se sentir responsáveis. Participarão da sociedade, obedientes ou
subversivos ao sistema. Sem o que crescem
orientado
s pela ordem diária de
que o
muito
que
do que não se pode pagar corresponde diretamente ao pouco
do que se pode ter. Isto é,
dificilmente
carregarão
um
a consciência de que
somos próprios de um ambiente social e ecológico, da mesma forma
que
o
apropriamos para o desenvolvimento da sociedade.
81
1.3.
I
mpulso
da ut
opia
O desenvolvimento da sociedade não pode ser
indeterminadamente
compreendido como avanço no tempo e na tecnologia; avança de acordo com
a aceleração dos eventos. Este desenvolvimento o corresponde
especificamente ao movimento de começo meio e fim. Ao conceito de nação
desenvolvida, não pode prevalecer o ideal de quem esteja financeira e
tecnologicamente avançado. Muito menos que estes devam permanecer como
ditadores
da
ordem
universal.
Devido
à
dimensão
dos desvios medidos por uma análise filosófica, no quadro
atual do desenvolvimento humano, um impulso pode nascer, inclusive nas
coisas, se couber o termo,
impensáve
is
[...] La utopía, toda utopía, proyecta los sueños y las esperanzas
de los dominados; pero también de los que sin serlo se cuentan
entre los humillados e ofendidos de este mundo. Es decir, de
aquellos para quienes la explotación y la dominación, cualquie
ra
que sea la forma de su existencia, son ofensivas y humillantes
para el conjunto de los hombres e de las mujeres de la
tierra.[...]
126
Quando pensamos,
hoje
, e perguntamos com base no sistema de crises
instalado
, qual das realidades vividas não são elas próprias
pretensas
utopias,
ou parte delas?
Quando
projetamos os questionamentos para a realização da
felicidade individual
ou
coletiva,
pouco ou nada acrescentamos
ao
desenvolvimento da
psicanálise
e ao conceito de sociedade da satisfação,
não
restam
dúvidas inclusive de que esta
realização
tra
ga
suas interfaces
negativas e positivas.
Podemos
então,
projeta
r à realização da paz,
ressalvando
,
porém
não
devemos
confundir paz com pasmaceira, ócio
improdutivo
,
trabalho inútil e muito menos com
a passividade
. Pode se
ob
jeta
r
se existe possibilidade de
paz sem felicidade? E
, se expressamos
a questão de
maneir
a
inversa
, -
podemos
obter
felicidade sem paz? O fato é de que
podemos passar por esta vida sem se ter experimentado a felicidade ou a paz
e
que
ambas
nem sequer tenham sido necessárias, pois aprendemos que é
mais do que possível se contentar com o que seja muito necessário;
neste
126
QUIJANO, Anibal. Estetica de La Utopia. Rio de Janeiro, C. e P., X (13
14). Jan
jun, 1991, pp.192
-
193
82
caso a energia deve
se
r
proporcional
à demanda;
mas
, também é possível se
contentar com o
pouco
necessário
,
que
, no entanto, nem por isto chega a ser
ine
ssencial
. Não se trata do pouco da miséria, mas o bastante do necessário.
Muitos
,
passam
pela
vida
simplesmente
trabalhando
, dedicando suas horas
de
vigília
à
pesquisa,
à
filosofia,
à
arte
etc.
.
Não queremos afirmar com isto que o
prazer que se origina nas atividades lúdicas, de laser ou do relacionamento
social humano sejam dispensáveis. Ao contrario, entendemos que a
vida
mediada
em fenômenos e fatos sociais dentro das subjetividades das
relações
de trabalho é suficientemente plena quando o sujeito satisfeitas
suas
aspirações individuais e coletivas. Assim sendo a utopia é então algo que se
pode projetar. Ou seja, é algo que se coloca à frente como horizonte, buscá-
lo
é o trabalho.
[...] eu me vali do espaço utópico ainda proporcionado pela
universidade, que, a meu ver, deve permanecer como um local
em que se investigam, discutem, e se refletem essas questões
vit
ais. Tornar-se um local para a imposição ou solução de
questões políticas e sociais seria eliminar a função da
universidade e transformá-la num anexo de qualquer partido
político que esteja no poder
.
127
Da declaração podemos ter a impressão de que soluções políticas e sociais
não poderiam vir inclusive com a participação da
universidade
.
Q
uestionamos
se
a vida política da sociedade corresponde então somente à do partido? Não
concordamos, no entanto com a imposição
;
muito
menos
com
qualquer
vinculação
da
universidade
com
interesses
partidários
. Entendemos também
que
a
universidade
nunca
dev
a
deixar
de
ser
o
espaço
da
reflexão
.
Difícil
se
torna
aceitar
que
o
conhecimento
resultado
das
investigações a
que
muitos
chegaram
permaneça
ali
enclausurado
. N
ão
é
cabível
,
sabemos
,
se
divulgar
o
conhecimento
através
de
alto
-falantes
instalados
nas
vias
públicas
.
Contudo
,
o
espaço
do
conhecimento
não
se limita às concessões vestibulares.
E,
em se
tratando do desenvolvimento da pesquisa científica como já colocamos,
não
seria por acaso a própria escolha do método uma ação política? A resposta é
única, pois o método deve compreender a
predição da atividade humana
, muito
127
SAID, Edward W.
Cultura e Imperialismo
. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 28
83
mais do que complementar a fase acadêmica do cidadão, angariando pontos
para uma sociedade de classe cada vez mais ilustrada
128
.
Portanto a
universidade é que deve se
deslocar
para o ambiente das negociações
políticas, não para impor soluções, mas para garantir que as
articulaçõe
s
não
percam o impulso da utopia
.
Re
conhecemos
,
portanto,
a predisposição do
espaço utópico
da
universidade
em
levar
conhecimento
à
massa
.
O desejo em si é uma utopia
que
ao ser
satisfeito
deixa de ser desejo; também
se desfaz
enquanto
utopia.
O desejo não satisfeito se transforma na histeria
que
atualmente
caracteriza o consum
ismo
cultural nas
sociedade
s
.
A produção
de conhecimento ou a sua busca, no entanto
realiza
ao desejo sem extingui-
lo,
fazendo com que seja perene a utopia. um contraponto interessante
entre,
por exemplo, os desejos de possuir e o de construir.
Podemos
possuir sem
ter
propriedade
a posse se estabelece, a propriedade se dá, desenvolve-
se.
P
ermite
-
se
predizer
as
possibilidade
s de
apropriação
, mas é quase impossível
impô
-
las
.
Se, de acordo com a afirmativa anterior perguntarmos o que se faz
quando é satisfeito o desejo de posse? E, como distribuir o desejo
de posse
no
processo
de
construção e depois de cessado
esse
processo?
I
mpulsionado
pelos sensos de propriedade e de reciprocidade o desejo deve passar de
individual para coletivo e ser uma vontade coletiva
.
Não queremos
necessariamente focalizar
um
a contraposição entre os termos, nem tampouco
selecionar
entre
as nuances do
desejo
, as ideais. Interessa-nos agora é como
posicionamos a utopia quando as contradições se apresentam entre o trabalho
como relação material e as subjetividades das relações
de trabalho.
Assim
como carregamos conosco a falsa ilusão de progresso da humanidade,
a utopia o é um sonho irrealizável, inalcançável. Trata
mo
-la aqui
por
acreditarmos em sua faceta
co
mo
impulso.
É bastante evidente h
oje
, que a
grande maioria das pessoas não participa ou não usufrui dos avanços
tecnológicos de forma direta e mesmo indireta
acesso
a ciência
. É tamanha a
velocidade com a
qu
al
avançam as
tecnologias
; e, por este motivo, em sua
maior
parte sequer teremos tempo para almejá-
la
s, obtê-
la
s e dominá-
la
s
.
Porém não deixamos de acreditar que estes progressos são da humanidade
,
e,
128
BAUMAN,
O
p. cit.
,
p. 113
84
da qual fazemos parte. Estamos sempre cientes de que, boa parte destes
progressos não está realmente ao alcance de nossos parcos ganhos, porém
constituem sim, os sonhos hipnóticos de consumo da massa. Por isso e,
em
oposição a esta condição, se faz necessário considerar a utopia de um
horizonte que nos desperte do
transe
do conformismo
.
Vivemos a
credita
nd
o
cegamente na escala da caducidade do tempo. Que o que foi não tem volta
e
que
é
perda de tempo reconsiderar, da esfera da memória, métodos e técnicas
passadas.
Porém,
a
s
pergunta
s
feitas
não são exatamente sobre o aspecto
qualitativo destas reconsiderações, mas, quanto ir
á
custar;
quanto se pode
produzir e
,
quanto irá render. Um exemplo bastante evidente desta situação é a
tendência de uma produção agrícola orgânica. Antes que as indúst
rias
químicas passassem a lucrar com adubos e pesticidas, os produtores estavam
sim
, à mercê dos prejuízos “naturais” (climas e pragas), mas não deixava de
existir uma produção, também havemos de considerar que não havia tanta
dependência
e subordinação aos grandes produtores; já existia
agricultura
familiar
, apesar de que nas décadas de 1920 após a decadência da produção
de café, havia já grandes contingentes populacionais nas cidades e
havia
grandes cidades; ainda assim
as
casas tinham seus quintais com pequenas
culturas de subsistência. As cidades dividiam-
se evolutivamente,
em zonas
urbanas, o centro; o subúrbio e as zonas rurais; cada espaço com suas
características peculiares de relações de trabalho e de cotidiano. Atualmente
esta divisão define espaços de produção e de consumo -
o c
entro e a periferia.
Não podemos nos perder em saudosismos, mesmo por que perderíamos muito
tempo a justificá-los. Mas quando examinamos as condições de vida
atualmente
, podemos constatar grandes contradições na organização
da
produção e do consumo e nas grandes demandas (alimento, moradias
,
segurança
).
Vivemos gicas
ou
vivemos teorias? As ultimas servem ora como amparo,
ora
na tentativa de aprox
imação explicativa das primeiras
. As teorias confundem
-
se
entre as subjetividades, abstrações que poderão dar diretriz ou interpretação à
lógica. Porém, se não teoria, ainda assim o que substância à lógica será
algo de aleatório, múltiplo, efêmero, imediato, sem necessidade de
reco
nhecimento ou
de
explicação, mas será o condutor do pensamento e do
85
comportamento. Encontraremos muitos
exemplos
destas contradições
postuladas
ao conferirmos a situação climática do planeta (a lógica econômica
e a lógica da auto-
preservação
), a situação da sociedade vivendo em grandes
centros e grandes extensões periféricas (a lógica da sobrevivência e da
individualização
), e sobre o desenvolvimento humano (a lógica do progresso e
da continuidade histórica
é
a lógica da inclusão ou exclusão
).
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86
CAPÍTULO
2
CONFIGURA
NDO A
RESISTÊNCIA
.
2.1
-
Resistência
introduzimos neste trabalho uma abordagem ao aspecto mais semântico da
questão da
resistência
,
proposta em diversas abordagens para se pensar
sobre
as condições da cultura das classes
subalternas
.
Aqui
, tentaremos ampliar um
pouco mais esta discussão, pois
não é sem motivo que
amiúde nos deparamos
com a
aplicação
do termo. Desde tempos mais remotos, quando do embate de
crenças e
ideologia
s, como
, por exemplo,
quando
inovações do pensame
nto ou
científicas contrapunham a
preceitos
religiosos
ou
a
determin
ações
monárquicas, estas
inovações
sempre
fo
ram tratadas nos moldes da correção
da época,
com
rigor
e
violência
.
Aconteceu
assim com os filósofos
(Aristóteles)
e cientistas
(Galileu)
que contrariaram a I
greja
. Assim
também
com povos que
se rebelaram
contra
a escravidão e contra a colonização. Aqui, no entanto
nosso foco recai sobre o que se tem chamado de
resistência
cultural
. Não se
trata evidentemente de algo separado destas circunstâncias mencionadas
acima, mas,
a
resistência
, da forma como é observada aqui é então mais
87
significativa quando
relacionada
à afirmação da identidade
cultural
nacional
.
A
princípio a
proveita
re
mos das definições proposta por Edward W.
Said
(
1995
)
para
cultura
que
a princípio
[...]
designa todas aquelas práticas, como as artes de
descrição, comunicação e representação, que têm
relativa autonomia perante os campos econômico,
social e político e que amiúde existem sob formas
estéticas, sendo o prazer um de seus principais
objetivos.
Incluem
-se aí, naturalmente, tanto o saber
popular sobre partes distantes do mundo quanto o
conhecimento especializado de disciplinas como a
etnografia, a historiografia, a filologia, a sociologia e a
história literária. [...] a cultura é um conceito que inclui
um elemento de elevação e refinamento, o reservatório
do melhor de cada sociedade
, no saber e no pensamento
[...].
129
Desta abordagem inicial é
preciso
dar
desta
que
ao
que
se refere à
autonomia
na relação da cultura com campos diversos como o social, o econômico e
a
política. Não que esta autonomia não possa ou não deva existir, mas não se
pode desconsiderar que ambos os campos, inclusive a cultura m de certa
forma uma mesma gênese quando colocamos a visão acima das f
ormas
estéticas e do prazer enquanto
finalidade
s
.
Concebendo esta gênese comum
para a cultura assim como para
aqueles
outros
campos
,
podemos admitir que a
partir dela iniciam-se processos de experimentação e consolidação ou de
experimentação e descarte; e ainda de descarte sem experimentação. Isto é, a
cultura também se desenvolve
corrobora
ndo
com os sistemas
social,
econômico e políti
co.
Nos três casos a experimentação e uma componente
central. È sociológica quando
permit
e
que alguma idéia
chegue
a consenso;
diz
respeito à economia quando se apropria da noção de quantidade, (escassa,
suficiente ou excedente) e também é política, pois em todos os casos
necessidade de
decisão
. Por este prisma, podemos até certo ponto
assentir
que
[...]
a cultura mitiga, se é que não neutraliza por completo, a
devastação de uma vida urbana moderna, agressiva, mercantil,
embrutecedora. A pessoa Dante ou Shakespeare para
129
SAID,
Op.cit.,
p.
12
88
acompanhar o melhor do pensamento e do saber, e também para
ver a si mesma, a seu povo, sua sociedade, suas tradições sob as
melhores luzes. Com o tempo, a cultura vem a ser associada,
muitas vezes de forma agressiva, à nação ou ao Estado; isso
nos
difer
e
ncia
deles
”, quase sempre com algum grau de
xenofobia.
A cultura, neste sentido, é uma fonte de identidade, e
,
aliás,
bastante combativa, como vemos em rec
entes
retornos
à
cultura e à tradição. Esses
retornos
acompanham códigos
rigorosos de conduta intelectual e moral, que se opõem à
permissividade associada a filosofias relativamente liberais
como o multiculturalismo e o hibridismo. No antigo mundo
colonial, esses
retornos
geravam vários fundamentalismos
re
ligiosos e
nacionalistas.
130
Contudo
,
torna
-
se
necessário que se definam os percursos através dos quais
as abordagens e os estudos, cujo objeto é a relação com a cultura, em muitos
casos
se encaminham para a apresentação da cultura às formas degradantes
de dominação ou estão empenhadas em revelar as forças e
os
procedimentos
sociais para a real autonomia.
Des
ta defin
ão
começamos
a a
dentr
ar
a
questão da
resistência
cultural
,
não somente como um
permanecer
e resistir
ou
a tentativa de auto-
preservação
, com base, até mesmo no que não
conhecemos sobre a própria cultura; e, que daí,
importamos
aquilo
é melhor
nos
outros
ou
ainda,
tentamos
resgatar
da memória. Deste
resgate
não
trataremos
, mas importa colocar que esta é uma espécie de estratégia para se
aum
entar a barricada ou cavar mais
profundamente
as
trincheiras
com as quais
tentamos nos proteger das forças opressoras. Entendemos que um
saber
popular
,
como está
indicado
no primeiro caso, pressupõe a subsistência de
uma concepção de homem no mundo. Mesmo que buscada em campos da
metafísica, na falta de uma explicação cientificamente atestada, corresponde a
um movimento próprio do
ser
no mundo. Não é uma justificativa,
nem
tampouco
uma aceitação geral da existência, mas pelo fato de que esta
existência é em si uma indagação, uma incógnita.
Este
saber popular
significa,
por
se tratar de um saber, um ponto inicial para a superação do senso comum,
que não é exatamente conhecimento, mas, lato sensu, uma forma de
assentimento.
Por is
t
o a
s
cultura
s
subalternas
além
do
aspecto
científico que já
tem sido revelado, é também o arcabouço de cnicas elementares (técnicas
130
I
bi
d.,
pp. 12
-
13
89
agrícolas, construções com terra, etc.),
isto
é,
são
prática
s
construtiva
s
que
servi
ram
e servem de base para muitos dos desenvolvimentos tecnológicos
atuais.
Com esta formulação
tentamos
situar a questão em um âmago mais
profundo da consciência humana,
contrapondo
à idéia de
resistência
,
intimamente associada à
con
cepção institucionalizada de
fomento
à
cultura
.
Fomentar a cultura corresponde
diretamente
a desenvolvimento sócio-
cultural,
ou seja, a formação ou elevação cultural de uma sociedade mais cultura
(mais cinema, mais livros, mais universidades, mais intercâmbios, mais
acesso
a informação etc.). Desta forma podemos considerar que todas as
oportunidades que os indivíduos de uma sociedade têm de fruir, à
qualquer
fenômeno que se entenda como momento cultural es amparado nesta
concepção; e, não necessariamente em uma proposta de reconduzir à
prática
cultural
;
ou
, o saber popular à condição de pressupostos básicos para a
autonomia da sociedade como um todo. Em outras
palavras,
é na cultura
popular que
se
pode encontrar representada,
um
a pa
rte
ess
e
ncia
l da natureza
humana
correspondente às subjetividades, onde estão mais especificamente
as reservas criativas
. Portanto
,
cultura
é em si a própria
resistência
.
Não nos diz respeito, nem está em nossa alçada, qualquer censura a qualquer
forma de expressão com a qual este ou aquele sujeito se identifique ou nela
seja objeto de condicionamento. A questão se configura na falta de uma base
que lhe sirva ao menos como senso crítico. Também, não faz sentido dizer qu
e
uma elevação cultural baseada em uma formação de alto-nível seria preferível
á uma
popular
.
O problema está em
entendermos
o
popular como cultura
inferior
.
Daí decorre o surgimento dos vários tipos de imperialismos
(nacionais,
empresariais, intelectuais),
com
suas
formas de
sobreposiç
ão (raças inferiores,
países subdesenvolvidos, terceiro-
mundo)
. Queremos neste ponto chamar
atenção para o que foi e continua
sendo
imposto
à, por exemplo, povos
colonizados como cultura de melhor nível; no entanto, é
mais
interessante dar
destaque ao que nestes processos se transfigurou em novas
apropriações
.
Com a atuação direta das classes intelectuais de alto nível
,
o que é próprio de
um sistema de vida, de formas culturais nativas, típicas e populares; é
revelada, levado a uma análise, mas, depois retornam as suas origens na
forma de produto cultural.
Referimo
-
nos
aos conhecimentos que têm como
90
fundo a diversidade das formas de contato do homem com o meio para sua
auto
-
reprodução.
Toda via, o foi sem este intercâmbio que o sistema
econômico se desenvolveu desde a Antiguidade. É preciso então melhor
examinar
o conceito de
resistência
quando
identificamos
a
tais
circunstâncias.
É preciso, contudo, termos esclarecido que em um sistema de comunicação
globalizado é sem sentido se propor ou sustentar qualquer concepção
de
pureza
para cultura, mas que esta expansão comunicacional não sirva
meramente
de instrumento para
subjugar
os indivíduos ao consu
mis
mo
mantido
pela
indústria
cultural.
Interessa
neste ponto,
observar a argumentação
de Said
(
1995
)
sobre
uma
segunda definição de cultura
, ou seja,
como
[...]
uma espécie de teatro em que várias causas políticas e
ideológicas se empenham mutuamente. Longe
de ser um plácido
reino de refinamentos apolíneos, a cultura pode ate ser um
campo
de batalha onde as causas se expõem à luz do dia e lutam
entre si [...]
.
131
Apesar de drástico, é natural que, em campo de batalha haja vencedores e
haja
vencidos.
E, que contra os opositores haja os que resistam. Porém, nesta
esfera
, o tempo se encarrega de conformar tradições em novas tradições. Os
jesuítas no Brasil, tanto impunham seus modos aos povos originários
quanto
assimila
vam os modos deles; mesmo tendo como fim
a
civilização
dos
chamados
selvagens
. Assim sendo se consideramos a cultura como um
espaço de ameaças e reações, também é possível constatarmos qualquer
espécie de dominação cultural. Entendemos que é desta dominação
(contra
ela)
que
surge
a
resistência
. Qual se
então,
o grau de sustentabilidade desta
resistência
? Até que ponto resiste? Carregando de ênfase a afirmação de
Nazareth
F
erreira
(2006), quando diz ser
a
alienação cultural a ma
is
perversa forma de alienação“
132
- questionamos também se não é
esta
resistência
,
inclusive
,
uma conformada persistência nesta condição.
Como indica Said (
1995
), seu enfoque é sobre as formas literárias, talvez por
isso a alusão a Dante e a Shakespeare, autores distantes, quando se trata da
formação cultural na America Latina, pelo menos no que se refere
à
cultura das
131
Ibi
d.
, p.14
132
FERREIRA
O
p. cit.
,
p.72
91
classes subalternas. No entanto, complementando sua primeira definição de
cultura
,
o
autor chama a atenção para o poder de narrar, que pode ser
interpretado como liberdade de se auto
-
descrever ou de formular sua história, e
o poder narrar que pressupõe a relação social, ou seja, de
narrar
-
se
ao
outro
.
Se, relacionamos este
poder
à
liberdade
,
passa
mos a tocar na questão da
resistênci
a pelo que constatamos ser o seu oposto. Se a cultura conota
também esta liberdade, o movimento de
resistência
deve ser no sentido de não
perd
ê-la ou não permitir que seja vigiada, restringida. Assim sendo,
seria
coerente perguntar, se cultura e liberdade se opõem diretamente à
necessidade de
resistência
? Ou, se cultura e liberdade, necessidade de
resistir
?
Todavia, cada vez que se intensifica o foco sobre a questão da cultura,
principalmente quando diz respeito às
manifestaçõe
s mais autênticas e
arcaicas, costuma-se perguntar: por quanto tempo irá resistir
,
com estas
respectivas propriedades? Com este questionamento iniciam-
se
os
processos
de investigações históricas até que aquela forma de manifestação da cultura
esteja devidamente descrita, catalogada, transformada para o
acesso
midiático
e logo disponível no mercado. É preciso que se enfatize que todo este
processo por mais que utilize dos recursos tecnológicos da informação não
garante a
resistência
. Garante o reconhecimento histórico, passando a ser
concebida como demonstrativo de patrimônio cultural. Por isso é possível se ter
uma noção do quanto desse patrimônio foi perdido, transformado,
consumido
ou persiste apesar das
pressões
das ideologias dominantes. Sendo assim,
con
figurar a
resistência
significa dimensionar a força que lhe é opressora e o
seu efeito sobre a cultura. Diante do mercado transnacionalizado, não
margem para
se
afirmar que exista plena autonomia econômica
d
as
n
ações; ao
contrário, a interconexão entre as economias tem
tamanha abrangência que ao
se anunciar um desequilíbrio em alguma das balanças,
imediatamente
percebe
-se a reação de toda
est
a
esfera
. Porém, não resta dúvida de que são
as economias mais fracas que recebem o maior impacto. É o que constatamos
com a atual crise econômica mundial. Talvez ao assistir ao noticiário as
populações mais pobres perguntem por que uma
imperícia
no na
maior
economia do mundo compromete o preço do pão em
nossa
mesa? Esta
quest
ão tem resposta, mas
a
resposta
não traz solução para o problema.
Há no
mundo
,
nos últimos anos, como reflexo de um processo de
descolonização
,
um
92
movimento intenso de migração. Refugiados da seca, da fome, das
sub
-
condiç
ões de vida
etc
.
Entretanto as práticas de se agregar (
anexar
) e criar
uma relação de dependência permanecem inculcadas principalmente quando
se trata de explorar e tirar vantagens
lucro
.
Pensando na configuração da
resistência
devemos entender
que
atreladas
à
dependência econômica
es
tão outras diversas formas de submissão e controle:
Derivada da dependência econômica, a dependência cultural
pode
chegar
a a
ssumir
proporções mais perigosas [
...
] visto que
é o principal agente da circularidade em que se processam os
mecanismos de dependência nos países colonizados pelo
imperialismo, isto é, da imposição de hábitos alienígenas
.
133
Com base nesta afirmação é possível se colocar a seguinte questão,
resistir
deve corresponder a não-dependência ou apesar da
dependência
? É preciso
então
, entender o processo pelo qual se impõe a dependência cultural para se
refletir sobre uma ou outra destas possibilidades. um nexo dialético
nesta
dependência ou
na
resistência
;
talvez
sua principal contradição, esteja no
que
pode ser projetado à relação entre
o
centro e
a
periferia
, esta ultima sendo de
onde
a
produção
e
o excedente atende as demandas da metrópole. “A forma
de desenvolvimento do capitalismo é a responsável pelo desenvolvimento de
certos países e o subdesenvolvimento de outros.
134
Assim,
é possível se
admitir que o primeiro movimento nesta relação
seja
de diferenciação e, por
conseguinte de separação. Ao primeiro contato destacam-se aos olhos do
colonizador advindo do centro, de modo geral,
todo
o exotismo das
sociedade
s
periférica
s
,
este exotismo é por sua vez,
interpretado
sob
explicações ideais e
até
cientificistas
para se reafirmar e justificar o grau de inferioridade e
deficiência daquelas sociedades. Lamentavelmente, as classes dominantes e
as camadas médias dos países dominados, bons aprendizes que são da
ideologia colonialista, assumem esta posição junto às outras camadas sociais
de seus países
135
133
Id
.
, “in”
Por uma cultura Latinoamericana
-
AMARAL , R. et elii. Comunicação de Massa: O impasse
Brasileiro. Rio de janeiro: Forense
-
Universitária, 1978. p. 129
134
I
bi
d.
, p. 129
135
I
bi
d.,
p.
130
93
Subsumida
esta
sub
-
condição
uma vez que a classe dominante das
sociedades periféricas ainda é quem dita os
modos
de como proceder
diante
dos países dominantes, estabelece-se então uma relação de interdependência
que
vincula
, não sem desigualdade,
uma
n
ação a outra(s)
. Vale ressaltar que
é
exatamente através da manifestação da cultura que se pode medir o quanto e
de que maneira uma classe determina os comportamentos em outra.
Os valores da ideologia burguesa são incutidos nos membros
superiores
das sociedades dominadas, criando os
condi
cionamentos necessários para a pacificação interna,
indispensável à reprodução das relações capitalistas de
produção:
“Eficácia, competição, sentido de tempo,
achievement
,
performance
, neutralidade afetiva, ascetismo
racionalidade
entram no processo de so
cialização
“das pessoas,
nas famílias, escolas, fábrica, banco quartel ou outros lugares”
,
preparando e induzindo ‘as pessoas a harmonizar e automatizar
as suas relações e atividades, como também a crer na
possibilidade de sucesso pessoal
136
Este paradoxo de sucesso pessoal, individual, como uma falsa noção de
liberdade e de satisfação e demonstrada no que aparenta ser um livre exercício
da cultura própria. Assim sendo, considerando a subsunção formal descrita
acima,
podemos dizer que, de um lado, ao exercermos a cultura própria,
estamos dando demonstrações da
diferença
para
nós
, mas exotismos para
eles
, ou seja, demonstração das condições originárias que no período das
colonizações foram julgadas inferiores mediante a cultura da burguesia
européia; de outra
forma
e
em contra-
senso,
ao desejar consumir a cultura
superior
imposta pelas mídias sob o comando das elites dominantes,
estamos
apenas cumprindo com os mandamentos da dependência.
Contudo
,
prevalece
um sistema de manutenção deste condicionamento quando os valores
simbólicos são manipulados dentro da realidade do subdesenvolvimento.
Constatamos duas forças pelas quais se consolida
est
e processo funesto de
manutenção. Uma
dess
as
forças
se verifica através da penetração das mídias
quando
136
Id
.,
p. 130,
passim
94
[...]
as culturas dominantes invadem os setores mais íntimos da
vida privada das sociedades dependentes. Essa penetração
através do consumo de produtos culturais (e outros) tende a
desenvolver no meio onde atua a passividade e ate mesmo, a
aceitação, de bom grado, dessa intervenção. A passividade
imposta e o entretenimento divulgado pelos canais da indústria
cultural levam o individuo a reduzir a sua participação efetiva na
sociedade da qual faz parte, diminuindo ou anulando todas as
possibilidades de conscientização do meio que o cerca, levando-
o ao mais completo estado de alienação
.
137
A outra força esta embutida nesta mesma atitude de penetração, porém
camuflada na aparência de
proximidade
quando
valores culturais
transnacionais incorporam ou associam a sua imagem
a
qualque
r valor cultural
local.
Acontece tanto nas
propaganda
s
de produtos
transnacionais
quanto n
o
uso corrente da
língua
:
O jornal, a revista, o livro, os folhetins, a música popular, o
filme, o rádio, a televisão, o teatro, a escola, todos os
instrumentos e as agências de transmissão de informações e
conhecimentos são envolvidos no amplo processo de
comercialização de mercadorias culturais
.
138
Acrescentam-
se
a
esta lista todas as
forma
s de mídia
disponibilizadas
no
campo da informática. A respeito desta segunda força, entra no conflito uma
crescente preocupação com a cultura
nacional
. No mais das vezes,
simplificada na forma de cartão de apresentação às portas de grandes
encontros de cúpula, a cultura nacional atomizada em uma ou outra forma de
expressão típica deste ou daquele
país
do
sul
global
,
não
é capaz de abranger
na totalidade a cultura popular representativa da sociedade dentro de uma
correspondência com o conceito de soberania. P
ort
anto
, não envolve
todo
o
conteúdo sócio-econômico e político respeitante a
formação
daquela
sociedade. “Pois cultura nacional é simplesmente uma cultura que se
concretiza, que se expressa nas manifestações de um povo dependendo das
possibilidades e limitações deste mesmo povo.”
139
Um demonstrativo histórico
137
I
bid.
, p. 133
138
I
bi
d.
, p. 134
139
I
bid.
,
p.138
95
desta preocupação encontra-
se
na hegemonia
do
capitalismo que “não deu
chance à America Latina senão a de possuir uma cultura dependente, isto
depois de destruir pela força uma das culturas mais avançadas existente na
época em que iniciou sua
expansão.
140
Este exemplo tem aqui significativa importânc
ia
. Apesar do impacto, da
voracidade e de toda destruição causados sobre as verdadeiras raízes das
possíveis culturas latino-
americanas
, pelo encontro ou choque entre os povos,
trata
-se de um processo relativamente recente de modo que esta sombra
de
domina
ção que se abateu sobre nações da América Latina, mesmo da África e
de outros povos que sofreram processos impositivos de colonização não é
plena
, nem total. “Se hoje se pode falar em uma cultura de
resistência
aos
mecanismos de dominação imperialista, é por que esta se tornou tão clara e
tão evidente que é impossível não sentir sua presença.”
141
A esta altura podemos considerar que a contradição se explicita no jogo de
forças entre uma cultura de
resistência
que “se desenvolve na luta contra a
submissão, a despersonalização, o aniquilamento da cultura nacional
142
e
uma cultura da dependência que, a exemplo daquela segunda força, não cria
senão um simulacro perigoso de mercado cultural global
.
O que se percebe
daí
é uma total
imobili
da
de
dos sujeitos das nações colonizadas. De um lado
não
podem
preservar e vivenciar formas tradicionais da herança cultural pelo que,
mediante as tecnologias avançadas julga
-
se um descompasso com os avanços
do presente; e,
por outr
o, as ações destes sujeitos em relação a estes avanços
do presente são advertidas, pois está posto que
haja
um crivo hegemônico
determinando o posicionamento de que cada nação no jogo da
economia
global
:
E preciso, no entanto frisar que a procura de uma
cultura
nacional não implica limitação dessa cultura. Pelo contrário,
busca, a partir de sua delimitação nos quadros da dependência
cultural, assimilar aquilo que outras culturas possam oferecer em
termos de enriquecimento, visando contribuir para a
140
Id
.,
p.138
141
I
bi
d.
, p.139
142
Id
., p. 139
96
concre
tização da cultura universal, que é fruto e pertence a todos
os homens
.
143
A este ponto, tendo apontado o problema entre
resistência
turvada e
dependência dissimulada nos processos globais de homogeneização da
cultura, outro grande equivoco se apresenta quando se tenta postular
similaridade
cultura nacional e cultura popular, em cuja concepção deturpada
da sociedade de classe se reduz a uma armadilha ardilosa denominada
folclore
:
Ainda, segundo os mais conhecidos antropólogos, pertencem ao
‘folclore’ as obras anônimas, transmitidas oralmente e de forma
institucionalizada; é o tradicional, o de autoria coletiva, a
expressão cultural do vulgo e da plebe, as chamadas ‘artes
menores’. Isto significa que a outra
parte da cultura de uma dada
sociedade é aquela que pode ser considerada como responsável
pelas obras de autoria conhecida, transmitida não oralmente (!) e
de forma institucionalizada, aquela que não é tradicional, cujos
autores são individuais, sendo, finalmente, a expressão do que
não
é
o vulgo, a ple
be.
144
A partir desta distinção e do fato de que a cultura nacional compreende um
conteúdo político da formulação da sociedade, devemos afirmar prontamente
que a visão deficitária de
folclore
,
não é, nem em partes correspondente a um
movimento de
resistência
, quando sim um ponto de
vulnerabilidade
.
Antes
,
porém
, devemos analisar que ainda permanece uma
segregação
classista
que
se baseia nesta distinção
(inexistente)
de uma cultura
maior
e outra
menor
, que
faz menoscabar a cultura pela
“ideologia
folclorista” como classifica
Nazareth Ferreira
(1978)
.
tivemos oportunidade neste trabalho de colocar
nossa visão a respeito deste
escalon
amento por classes na relação com a
cultura.
Cabe relembrar que a palavra de ordem, que ultimamente vem
determinando
este
escalonamento
é
acesso
.
Um jornalista ou formador de
opinião poderá se regozijar em saber que seu parecer sobre este ou aquele
assunto atinge significativo público a partir de computado o número de
143
Id., p. 139
144
I
bi
d.
, p.141
97
acess
adores de blogs. Contudo questionamos o alcance deste tipo de mídia
quando se fala em demandas mais abrangentes. “Quando se fala em cultura
nacional, geralmente faz-se referência a esta cultura dos grupos n
o poder,
deixando
-se de lado o fato de que esta cultura não é representativa do povo,
sendo natural a uma ínfima parcela da população.
145
Desta forma, com
acesso
individualizado à cultura ou a opinião de quem quer que seja, assim como o
folclore,
está longe de representar a
resistência
da cultura popular nacional.
Até
poderá servi-la, mas não mais que a
práxis
.
Outro ponto que importa destacar
é o quanto esta conduta implica à relação com a cultura. De um lado projeta-
se
a luz sobre
aquilo
o que a classe dominante julga ser o mais alto nível de
manifestação da cultu
ra
, que por isto mesmo, tem alto valor
comercial
. De
outro, torna-se cada vez mais incomensurável a diversidade de produtos de
uma cultura de baixo custo, de fácil
acesso
as massas, porém nunca sem a
perspectiva de uma margem de lucro. Ambas as atitudes alimentam os
processos alienantes:
Aliás, o folclore, para ser menos consumido, ou para ser
mercadoria para turista, deve ser
caro
. Sendo caro, será menos
consumido, terá mercados menores (ou nenhum mercado). Em
outras palavras, sua produção se tornará mais difícil, o produto
mais raro e, portanto, mais caro. Onde o dinheiro é escasso,
consome
-se aquilo que é mais barato, produzido em série e que
é facilmente encontrado em qualquer parte do país. Não é por
acaso que se paga hoje uma fortuna por pratos típicos
brasileiros
(vatapá, feijoada, tutu à mineira) e uma ninharia por
americanos
,
hamburgers
e outros alimentos “saudáveis.
146
Assim, chegamos à consideração do que acreditamos ser o
ponto
mais
crítico
.
Por representar talvez a mais inflexível oposição à cultura de
resistência
,
a
banalização da cultura (ou seria cultura da banalização, se assentir-se que ela
é propositalmente produzida
?)
.
Impreterivelmente está implicada a
correspondência inextrincável entre comunicação e cultura. Isto nos leva
imediatamente a
considerar
a função d
e
uma ciência em relação à outra
; isto é,
a comunicação social como sistema pelo qual se transmite e se mantém
a
145
Id
., p. 141
146
Id., p. 141
98
cultura. Entretanto, a humanidade tem-se deslumbrado com a crescente
conversão das linguagens em
paralelo
aos avanços tecnológicos dos meios de
comunicação. Desta transição, se assim podemos considerar, algumas
transformações e efeitos sobre a sociedades são destacáveis. Desde
seu
inicio, a marcha do progresso tecnológico, agora em um ritmo muito mais
acentuado, alimentada com o carvão da acumulação capital, tem como
conseqüência a racionalização do trabalho em função de
maior
eficiência e
menor custo
dos
recursos da mecatrônica (mecânica, eletrônica e tecnologias
da informação). Alem do desemprego em massa, também
uma
desqualificação em massa, devido ao tempo de preparação de mão de obra
especializada; relacionado a este dado também um crescente desinteresse
por atividades manufatureiras (pedreiros, costureiras, padeiros etc.
).
Outra
decorrência
desta marcha progressista é a insuficiente e, cada vez mais
distanciada consideração à participação dos indivíduos nas cruciais tomadas
de decisão, que resulta por sua vez de uma intensiva redução das
possibilidades de mobilização social, apesar da amplitude de ofertas, do baixo
custo e expansão do
acesso
, toda tecnologia aplicada ao fluxo informativo não
co
nduz à reflexão política
mais do que ao deslumbramento e a obcecação
:
Ante
todo, dice el experto inglês, debe conocerse l
a
naturaleza ambivalente de las tecnologías de
información, pues exige ser manejada acorde a uma
política central no subordinada em forma exclusiva a la
lógica del mercado, los privados o el lucro
mercantilista
.
147
É preciso que levemos em conta que, inevitável, este avanço pode trazer
elevação das riquezas materiais e culturais para as nações que estão mais
bem aparelhadas e equiparadas com seu ritmo crescente, mas pode por outro
lado representar “una amenaza para la estabilidad social y econômica, ya que
su
equilíbrio es sometido a uma inevitável alteración a partir de La introducción
de las nuevas tecnologias.”
148
Partindo desta constatação podemos admitir ao
menos
,
três principais etapas para que uma
n
ação em desenvolvimento terá de
superar para esta equiparação. Em primeiro lugar adquirir os recursos
147
GONZÁLEZ
-
MANET, Enrique. Nuevas Formas de Comunicación y Cutura: como enfrentar las Nuevas
Tecnologias?
Revista Comunicação & política: comunicação na América Latina CBELA
Centro Brasilerio
de Estudos Latino Americanos Ano XIII Nº 22
-
23
-
24
-
25. São
Paulo, 1993. p. 21
148
I
bi
d.
, pp. 21
-
22
99
materiais da tecnologia mais recente que a princípio se restringe ao
centro
onde se des
envolveu
; o
custo
dessa tecnologia é alto e sua produção é
limitada
; a segunda será pagar pelo
acesso
à tecnologia, ou seja,
ao
conhecimento para que ela funcione adequadamente conforme a demanda
local
;
e, uma terceira e fundamental mudança
será
preparar e qualificar pessoal
para interagir na nova linguagem anexa a tecnologia. Até que uma N
ação
emergente
consiga executar tamanho salto qualitativo para se aproximar do
fluxo do mercado global da informação, muitas outras metamorfoses
tecnológicas se deram, aumentando a distância que separam ricos e pobres e
a dependência ou (re)-colonização conforme o compromisso firmado
na
tranzação
.
Na lógica matemática, quanto maior a velocidade
, mais rapidamente
se dá e
maior
é
o distanciamento.
Voltando as
decor
rência
s do processo de desenvolvimento da tecnologia
da
informação
,
a partir da segunda etapa citada,
quanto
à participação dos
indivíduos na ordenação da sociedade, podemos então,
constata
r o terceiro
e
mais grave dano causado pela exploração (
neo
)-liberal da comunicação, que a
partir deste ponto trataremos como
também já
identificamos acima
,
a
cultura da
banalização
.
Em momento anterior tivemos oportunidade de observar que o virtualismo das
linguagens digitalizadas
planifica
as relações humanas.
Po
rém, é sempre
construtivo acrescentar outras visões:
No entanto não se podem descartar inteiramente as hipóteses no
sentido de que os meios de comunicação cumprem funções de
“escola paralela” (como as elaboradas no conhecido
Informe
Mc. Bride, preparado pela UNESCO), na medida em que
exerçam impacto ideológico sobre as consciências. Embora seus
conteúdos não sejam estritamente educativos nem produzam
conhecimento sistemático, geram efeitos de socialização capazes
de competir com a hegemonia funcional da instituição escolar.
Alem disso, as teletecnologias capitaneadas pela mídia tomaram
a dianteira no tocante à expressão imagística.
149
149
SODRÉ,
O
p.cit.
,
p. 99
100
Pela complexidade das análises que são empreendidas nos campo das
Ciências Humanas e da Comunicação Social é ainda muito difícil medir os
efeitos das novas tecnologias da informação sobre a qualidade de vida e a
dinâmica social. Há indubitavelmente uma sensível fixação sobre as
perspectivas comunicacionais a partir dos efeitos que podem ser obtidos pela
praticidade e replicabilidade da imagem, como também já foi di
to
.
“Puede
decirse que la televisión y el video ejercen mayor influencia que religión la
escuela em la mayor parte de los países, en particular em Estados Unidos,
donde la pantalla domestica se enciende durante siete horas diárias.”
150
Atualizando a reflexão devemos acrescentar que
,
em muitos países mesmo em
fase de subdesenvolvimento, as televisões estão programadas para emissões
por vinte e quatro horas diárias e as
religiões
, por ex
emplo,
se prontificaram
a uma porção significativa deste tempo.
Contudo,
quando
se pretende uma abordagem sobre a cultura da banalização
,
devemos direcionar o foco das argumentações sobre os
assuntos
;
perguntamos
qual a relação do conteúdo veiculado com os efeitos
comportamentais da tecnologia da comunicação? “Todo ello incluye nuevos –
y
posiblemente nocivos
ling
uajes y estilos, actitudes y comportamientos de
efecto paradigmático, cuya difusión global unidirecional es muy difícil de
contrarrestar
.”
151
Assim como as nações são impulsionadas a equiparação
tecnológica, os indivíduos das sociedades, principalmente os jovens, mais
afeitos a esta atitude, e por isto mesmo alvo fixo da produção tecnológica
digital, também são assim impulsionados pelo bombardeio
das novidades deste
setor.
O fluxo e a velocidade do consumo dessas novidades praticamente
restringem
a capacidade de qualquer controle sobre o conteúdo informacional
que através dela se tem
acesso
,
em outras palavras o tempo e
excepcionalmente curto para uma avaliação sobre os efeitos que deste
conteúdo possa se verificar. O
usamos
, porém afirmar que, de um lado
interessa as empresas transnacionais deste setor, em detrimento de um
conteúdo
mais
útil, para obtenção de maior lucratividade; e, de outro lado,
interessa
aos indivíduos como uma forma de equiparação entre classes;
mais
150
I
bi
d.
, p. 23
151
I
bi
d.,
p. 23
101
do que a formação como pré-requisito para se articular no meio social, ou seja,
mais do que apreender a cultura, em seu sentido mais elevado,
interessa
é
portá
-
la
; tanto no que diz respeito nos recursos de
acesso
a
ela
, quanto nos
dispositivos para sua armazenagem. Podemos admitir que de alguma forma
não
estejamos
mais tão restritos à passividade mediante as
pantallas
dom
ésticas, Ao apelo consumista desta tecnologia corresponde
determinada
interatividade que se admite aplacar por hora os anseios por participação ou
solapar definitivamente o pensamento criativo. A respeito desta pseudo-
interatividade, certamente quem se satisfaça em concebê-la com uma nova
cultura,
tecnocultura
para Muniz Sodré (1996), difícil de apreender, de se
introjetar
e ineficaz para a predição da atividade humana. Porém, mais
complexo se torna a compreensão de que, sendo esta cultura banalizada,
o
fluído vital da comunicação em massa, exista propositadamente fomento para
tal devastação do campo de articulação das faculdades humanas
em função de
ideologias
(
neo
)-
liberais
.
Se tentássemos revelar uma ordem nesta conduta, perceberíamos que
primeiro lança se um apelo ao desejo ou
ao
interesse, a vida de uma est
rela da
mídia, um novo
game
,
uma nova tribo de comportamento paradigmático ou
propriamente
uma nova tecnologia em veículos, celulares etc. E
nquanto
isso
o
jornalismo faz através de uma varredura sistematizada, os resumos dos fatos
cotidianos mundiais
convertendo
-
os
as linguagens das novas tecnologias. A
partir daí, o consumo, a dependência e mais consumo. O fluxo dessas
mensagens não conduz efetivamente a um aprofundamento nas reflexões.
Mesmo aos acessadores d
os
blogs
mais bacanas,
Pois
, mais do que
antes,
hoje
conduzem
à morbidez, à falta de criatividade e a inaptidão das faculdades
do ser humano quando este automatiza e rotinifica seu movimentos e gestos
deixando de articular criativamente seus membros e mente. Submetido a um
sistema de miniaturização dos equipamentos, pequenos compartimentos
contendo grande volume de informação,
representa
-
se
a cada minuto
com
grandes transformações quantitativas aos círculos das grandes corporações
transnacionais
.
Ao mesmo tempo em que representa
revoluções qualitativas ao
contrário
e por indivíduo,
ao
se reduzir
em
o campo de visão a minúsculas
teclas e ícones com diversificadas ações digitais programáveis.
102
Para que possamos examinar as contradições entre a cultura de
resistência
e a
cultura da ba
nalização
, precisamos retroceder a concepção de
cultura
universal em concretização”
152
da qual fala Nazareth
Ferreira
(1978)
.
Tomando
-se como um processo a universalização da cultura, devemos ter
sempre em consideração, as possíveis manobras correlatas a e
ste
dimensionamento.
Para os que defendem a idéia de uma nova cultura, a automatização do
homem pode representar
propriedade
e
reciprocidade
uma vez que toda
tecnologia é desenvolvida em função do adiantamento do humano, mas esta
concepção é sem dúvida de um caráter futurista. T
odavia
, não se pode
descon
siderar que
mesmo
neste contexto o homem ainda
trabalha
, operando
hardw
ar
e
s
com os mínimos gestos e quem
sabe
um dia se alim
entando
exclusivamente
de pílulas sintéticas. Não estamos através deste trabalho,
tentando aludir à esfera tão incerta, o que se pretende indagar aqui é a respeito
de
qual cultura é mais própria e menos banal. Se a cultura
que
provém dos
senso
s de propriedade e reciprocidade que pode haver entre o homem e o
meio, se a que advém da concepção de que “o trabalho é a inevitável
mediação do homem com o meio”
153
, se a que tem em sua base a
comunicação como faculdade humana
intrínseca
e um dos
principa
is
mecanismo de manutenção e preservação dos modos culturais.
E,
se o que
constatamos é um encampamento total dos meios de comunicação
,
a mais
recente e promissora fonte de lucro dos inte
ress
es capitalistas sob o controle
de poucas e mega
-
corporações transnacionais, sob quais modos culturais deve
se configurar a
resistência
e quais contingentes arregimentar para tal atitude?
O trabalho como imanência compreende o ciclo da força que prevê o desgaste
e a recondução da força, basta que observemos um formigueiro
que
ininterruptamente recompõe a força de trabalho. Contudo o que consolida a
perpetuação deste ciclo é o alimento. A cultura, imanência própria das
subjetividades do mundo do trabalho não é senão uma concepção das
essencialidades do fruto do trabalho. Do trabalho, o seu fim e não sua
racionalidade
:
152
FERREIRA,
O
p.cit.
,
p. 139
153
I
bi
d.
,
O
p. cit. p. 99
103
La información proviene hoy de una gran duversidad de médios
interativos e interconectados, pero su transmisión sigue siendo
em gran parte unidireccional, y la aparente multiplicidade de
técnicas y formas de comunicación reproducen como em um
juego de espejos sus mismos origens y estructuras de poder.
Este fenômeno se aprecia em las realciones de mercado,
comercio y la economia. Pero también em las corrientes
culturales de uma difusión masiva que contribuye a la
despersonalización, la universalización de la vulgaridad y el
superficionalismo como concept
o de vida. Uma respuesta podría
ser, a escala local, el enraizameiento de la identidad y los
valores próprios.
154
Por este pensamento se evidencia que em contraposição a vulgaridade e a
superficialidade
como concepção de
vida
,
procura
-
se
na cultura, o senti
do
;
os
modos culturais ou em partes, algumas manifestações culturais podem
mostrar
-se inexplicáveis, muitas vezes devido sua relação com concepções
metafísicas
. M
as
,
pode
-
se afirmar que
sem
um
sentido
dificilmente
se
justifica a
proposição de uma configuração para a cultura de
resistência
.
Ou
,
esta
configuração
somente se formula sobre a base de uma
cultura
de
valores
próprios
. Por isso também enfatizamos que a observação desses valores é
possível mediante a manifestação da cultura propriamente dita, que no mais
das vezes respeita a dinâmica histórica
e
do cotidiano,
abrangendo
-os na sua
totalidade ou em periodizações cíclicas como, por exemplo, os momentos de
festas
.
Respeitando
-se a metodologia dialética é preciso ter-se em consideração a
superação
dos conceitos como neste caso o de
resistência
:
Hablar hoy de izquierdas, injusticia social, necessidades
públicas, dominación y dependência, ya no significa, como
antes, intensificar-se com el humanismo y la esperanza
de
justicia, sino asociar-se a uma causa aparentemente perdida. Son
términos devaluados por la coyundtura política actual em em
contexto unipolar. Incluso se quiere hacer creer que las causas
que generaron las luchas progresistas ya no existen y que
prese
nciamos el fin de las ideologias contrárias a la filosofia
clássica Del libre mercado y el libre flujo de ideas y valores,
consagrados por el pensamiento utilitarista cocidental
.
155
154
I
bi
d.
, p. 26
155
Id
., p.26
104
Entretanto não necessitamos de aprofundamentos científicos para constatar
a
complexidade das conjunturas sócio
-
econ
ô
mica
s
e culturais atualmente no mundo.
Em realidad los problemas han emperoado. Hoy hay más
hambre, deudas, desigualdad y violência em el mundo, um
mundo más controlado por la fria eficácia de la técnica, en
el
que todo está supervisado y donde comienza a producirse una
inquietante elitización de la cultura debido a la progresiva
mercantilización del conocimiento y la comercialización gl
obal
de las bases y bancos de datos
.
156
Persiste
, portanto a indagação sobre quem teria, deliberadamente, controle
sobre
os meios de comunicação. As sociedades sempre caçaram
seus
monstros
e monstruosidades. Nos últimos anos dois casos alardearam o
mundo, no Brasil o brutal assassinato de uma menina pelos próprios pais,
ao
qual
a imprensa novelística intitulou O Caso Isabela e no mesmo ano a prisão
do monstro austríaco; não são mitos. Com estas citações queremos afirmar
que o se encontrará na história um autor desta ordem (
neo
)-
liberal
a quem
se possa impingir a responsabilidade.
certamente
os
que se benefici
am
com o capitalismo, quem o
alimente,
o
promova
e
o
explore sem
escrúpulos
.
Mas
, nesta corrente, estes mesmos
apenas
seguem ao impulso liberal. De
outro lado e em contraposição a este impulso, p
ersiste a indagação sobre quais
são os dispositivos e seus respectivos procedimentos para que se garanta a
força
e a eficácia daquilo que se puder revelar nas condutas humanas como
valores próprios
da cultura.
Sabemos que culturas populares porque desigualdade (ponto de partida)
social com relação à distribuição de recursos. Dentro desta desigualdade estão
de um lado os que têm
acesso
a bens de consumo e dentre eles, os bens de
consumo culturais, e de outro, os que não têm. Porém como pensar
quando
e
dentre os que realizam e mesmo os que idealizam estes bens culturais estão
sujeitos em condição de subalternidade e, para sermos mais atuais,
descontextualizados e ou excluídos. Escolas form
am
agrônomos, mas não
recriam a relação afetiva do homem com a t
erra.
Portanto, que não se resumirá
tão somente a solução em uma das partes. Isto é, tanto as demandas da
156
I
bi
d.,
p. 27
105
produção cultural (não de entretenimento), quanto sociais são dependentes, a
nosso ver das mesmas transformações. Estas, não estão definitivamente
con
tidas
senão
na consciência das relações materiais.
Podemos então, quanto ao tema desta sessão argumentar
sobre
a
r
esistência
física
, correspondente a capacidade de superação nos esforços. Neste ponto
poderemos contrapor expressão cultural artística complementar ao trabalho e o
próprio trabalho, isto é o trabalho como garantidor da subsistência, da vida.
Ou
seja, participam trabalho e cultura dos mesmos esforços. De outro lado laser
depois de uma semana ou um dia de trabalho, normalmente solicita uma
dose
extra de energia. Tivemos oportunidade de ouvir de um dançador de
Moçambique
de aproximadamente 72 anos, durante uma F
esta
do Divino, que
nesta ocasião,
antes de sair para a função,
já havia feito
a lida da roça
, cuidado
da criação, ordenhado o rebanh
o.
A
entrevista
se
d
eu por volta das
17h00h, e o
grupo
já dançava desde as 10:00h
.
157
Podemos argumentar também sobre a r
esistência
histórica,
reconhecendo a
capacidade de se manter como atividade expressiva, inerente as atividades
humanas
. Como ação política contra a subsunção
formal
(
folclore
).
A
r
esistência
no tempo, por não sucumbir facilmente à ilusão do avanço. E ainda
o que corresponde à possibilidade de r
esistência
ideológica
- a ação
filosófica
de não
se
subjuga
r
a ordem capitalista
, quando, muito mais do que permanecer
resistindo
, é conservar o caráter de impagável
.
157
Entrevista concedida a este pesquisador Durante a Festa do Divino na cidade de São Luiz do
Paraitinga no dia 04/06/2006
106
2.
2
-
O Ambiente e
a
Cotidianidade.
Trata
mos
deste
ambiente
, observando
os
aspecto
s,
físico
e e
strutural
correspondentes
às circunstâncias históricas e,
de
outro
lado
ao que poderá
corresponder
às
configuraç
ões
subjetiva
s, isto é, à forma como os indivíduos
se organizaram no ambiente. Subjetivamente, a relação com o ambiente
poderá ser
consolidada
na forma de
apropriação
,
considerando
-
se
o momento,
o lugar e os elementos que ali se encontram. A partir desta conjugação é que
têm origem ou
manifestam
-
se
os
fenômenos
.
Evolui
então
a cotidianidade.
Assim
,
a
festa
é um ambiente
da cotidianidade
.
Devido a um movimento de patrimonialização, muito provavelmente resultado
de uma onda de nacionalismo no
Brasil
principalmente,
a partir da década de
20,
questionado
pelo
antropofagismo
na arte
moderna,
a cultura popular
passou a ser objeto de levantamentos para obtenção de uma panorâmica
ou
de uma feiçã
o identitária
de um patrimônio calculado como
ri
queza
nacional, ou
uma espécie de catálogo da diversidade. Esta índole ou
personalidade
,
ou
ainda
,
su
a formação, nunca é desprovida dos reflexos da relação com os
outros
(uma espécie de, se vocês são assim, nós somos deste jeito)
Assim,
não é difícil encontrar, de forma sintetizada, estas referencias a respeito das
raízes históricas. Neste afã de compilar dados sobre as multíplices
possibilidades de manifestações culturais de raízes mais arcaicas e, devido a
sua preservação no tempo, em função
de
fatores da própria cotidianidade,
não
se
permitiu em muitos casos um visão mais ampla dos
estudiosos.
A
metodologia aplicada neste processo reverteu a
um
estado de
parcimônia
as
manifestaç
ões
. E
m
tal
momento
o sentido de pertencer passou a corresponder
mais necessariamente aos interesses de consolidação da soberania da
nação
.
Tratava se
então
de uma grandeza
nacional
do povo. Não
exatamente
d
o povo,
em si, como grandeza
.
Contudo, mais recentemente, é possível constatar uma
preocupação maior com elementos desta
força
que representam não mais do
que somente a possibilidade de se identificar, mas identificar nas suas
subjetividades, sua capacidade de interpretar o mundo em processos e meios,
com os recursos do entorno, com a criatividade. Do reconhecimento desta
força
, principalmente
co
m relação ás manifestações expressivas que do ponto
de vista da produção da riqueza desde sua origem tiveram
pertinência
exorável
, desenvolveu-se, por exemplo, o conceito de
resistê
ncia
atribuído a
107
núcleos conciliares como a família e suas adjacências. Esta
resistência
se
refere
à persistência no tempo, de uma mesma forma, uma
solidificação
frente
às
influências do poder real exercido, neste caso por Portugal. Para uma
contextualização histórica e, no que se refere a um ambiente onde analisamos
as origens daquelas formas de expressão cultural, a saber
a
Dança do
Moçambique e o Jongo
,
no
âmbito de formação do povo
paulista
,
consideramos
o fato de
que para que
[...]
houvesse a manutenção desses comportamentos três fatores
foram muito importantes: o isolamento da capitania, a pobreza e
a capacidade de
resistência
[grifo nosso] de seus moradores.
Para a existência desses três fatores, aparecem como principais
caus
as estruturais a centralização das decisões governamentais e
o patrimonialismo
.
158
Considera
mos também que se uma forma de dominação por parte de uma
hegemonia governamental,
, por conseguinte formas de
resistência
s, como
conotações da
ide
ologia
implícita nas subjetividades que se transformam em
explicitações
, e por se referirem as relações materiais - da cultura. Isto quer
dizer que, conforme a dinâmica social ou de acordo com as relações de poder
sobre a população não é difícil detectar em um
estudo aprofundado ou sintático
as alternativas de interpretação deste poder. Queremos entender que muitas
vezes nesta interpretação caricatural do poder as classes subalternas inventam
tradições e ao repeti
-
las constroem a
s
tradições culturais
:
Apesar da infinidade de mecanismos de hierarquia e
subordinação, os pobres estão constantemente expressando uma
enorme força de vida e produção. Para compreendê-lo, é
necessária uma inversão da perspectiva. È verdade que
precisamos reconhecer e protestar contras as maneiras como um
número cada vez maior de pessoas em to
do
o mundo se vêem
privadas, de renda, alimentação, abrigo, educação e cuidados de
saúde adequados -
em
suma, reconhecer que os pobres são
vítimas da ordem global do Império. Mais importante
ainda,
precisamos reconhecer que os pobres não são apenas víti
mas,
mas também agentes poderosos.
159
158
CAMPOS, Judas Tadeu de Currículo e Cultura: A formação do Caipira. Dissertação Doutorado em
Educação
Currículo.
São Paulo:
PUC/SP
,
2002.
p. 25
159
HARDT; NEGRI,
O
p. cit.
,
p. 175
108
A partir destas proposições, concluímos que a pobreza é
um
dos
elemento
s
a
constituir as condições ou circunstância em que de uma forma ou de outra
alguma
pr
odução se faz.
Antes
, porém, é necessário que se ressalte que em
ambos os casos uma decorrência de um regime de poder, contudo no
primeiro caso a pobreza se
institui
pela distância em relação a um centro de
maior circulação de mercadorias. No segundo, deve se ter em conta a
produção da pobreza conferida à mercantilização global. Quando tudo se
transforma em mercadoria cria se um sistema geral de demérito (o mesmo que
a perda do senso de propriedade) por qualquer coisa daquele que está
desprovido
; também se confere a educação,
que
funcionando para dotar de
saberes o indivíduo,
torna
-se incapaz de estabelecer de vez os elos de
propriedade e de reciprocidade entre o homem e o meio. T
endo
este de se
sujeitar
às regras do mercado. D
eve
-
se
esta produção
da pobreza
também
aos
saltos tecnológicos que cada vez mais definem as posições na sociedade de
classes criando uma grande margem de pessoas excluídas das possibilidades
de
acesso
.
Considerando então o ambiente de formação cultural,
devemos
observar
as
condutas políticas que representaram historicamente a organização da
sociedade e da mesma forma influenciaram todas as subseqüentes mudanças.
Um ponto de referência para que se observe este processo podemos obter
remontando
a
[...] época do domínio espanhol (1580 1640), as Ordenações
Filipinas, conjunto de normas que regiam todo Império,
promulgadas pelo Rei Felipe I, em 1603, marcaram toda história
colonial brasileira e parte do Brasil Independente. As
Ordenações eram o estatuto da organização política
,
administrativa e jurídica do reino, com uma minuciosa
esp
ecificação das atribuições dos delegados do rei: “O rei é a lei
animada sobre a terra e pode fazer lei e revogá
-
la quando vir que
convém fazer
assim
[
...].
160
Segundo levantamento feito por Campos
(2002), “as Ordenações vigoraram em
nosso país, totalmente até 1830 e, em parte até 1922.”
161
Podemos constatar,
mediante este fato histórico, a influência de uma hegemonia política, total ou
160
ORDENAÇÕES
F
ilipinas
, Livro III, título 75, § 1º
apud
CAMPOS, 2002 pp. 26
-
27
161
CAMPOS,
O
p. cit.
,
p.
27
109
parcialmente,
determinando os caminhos de formação do que viria a ser uma
nação
pelo espaço de tempo de pelo menos 319 anos. Por mais que tenhamos
que admitir que na fase inicial deste processo, nos primeiros contatos com
portugueses, espanhóis e outros que por aqui passaram na disputa por
territórios predispostos a colonização, não houvesse sociedade propriamente
dita, é mais difícil compreender e aceitar que até nos momentos finais do
século XVI ainda persistissem mesmo desvanecidas tais posturas. Contudo
para que ten
hamos
, mais claramente, uma noção do ambiente político onde
estão calcadas muitas
dessas
condutas, das quais se tem exemplo aos dias
de hoje, vale acrescentar que
:
Sob essa estrutura governamental se formava a gente paulista e
São Paulo ia sendo povoado. Ensaiava-se nos primeiros passos
do enxerto da monarquia européia, o domínio autoritário sobre a
população, abrandado com a domesticação dos índios
(sic)
e dos
portugueses fugitivos da cólera do rei. Era um processo duplo: a
subordinação impiedosa e a amalgamação persuasiva da sombra
da violência
.
162
Ate este ponto temos de algum modo uma definição do cenário (Capitania de
São Paulo), os sujeitos (portugueses e povos originários) e ainda que
transitoriamente, a
imposição das
formas
de ordenação das relações sociais
de
acordo com a passagem acima, assimilada da monarquia européia.
Campos
(2002)
destaca, a respeito das condições dos cidadãos nos municípios a
seguinte distinção:
Eleitores e eleitos pertenciam à categoria dos homens-
bo
ns. De
acordo com as Ordenações Filipinas, os homens-bons eram
constituídos
pelas pessoas
que possuíam propriedades e residiam
no município. Não podiam pertencer a esta categoria os
operários, peões e portadores de sangue impuro, embora muitas
vezes esta ultima proibição, feita para afastar os judeus, fosse
ignorada. Ser um homem-bom significava não somente ser
considerado uma pessoa importante no local, mas também
demonstrar que estava ligado ao poder central isto é à
metrópole.
163
162
FAORO
,
2000,
apud
CAMPOS, 2002
,
pp. 27
-
28
163
CAMPOS,
O
p. cit.
, pp. 29
-
30
110
É preciso não deixar de considerar que queremos tratar das raízes históricas
para exatamente colocar em questão, por quanto tempo se mantém as
problemáticas das relações humanas até que se equalizem as transformações
quantitativo
-
qualitativas
reais? Defendemos que é através de
maior
conhecimento e consideração a fatores sociais históricos, dos quais talvez
pouco ou nada se tenha aprofundado. Quando confrontamos os setores nos
quais se subdivide o sistema social, percebemos a exemplo da política e da
educação o quanto esta
s
esf
eras
ainda conservam indicativos daquele tipo de
ordenação
.
Um procedimento que nos conduz a visualização do sujeito neste processo é
através da observação
da
sua compleiç
ão
étnica, admitindo o encontro de
culturas
;
e
também
espiritual, considerando a cons
trução
, vamos assim
colocar,
de uma terceira porção étnica. Pela forma como os indivíduos gerados
d
este encontro de culturas se articula
ra
m
no cotidiano e nos conflitos
,
podemos
destacar que
[...] o estabelecimento do poder real na
C
apitania de São
Vicente
e a expansão territorial da geografia paulista, significaram
também a formação de um tipo de cultura. Para o surgimento
desse modo de vida foi muito importante a formação de uma
etnia, que acabou se tornando predominante.
O paulista em grande parte era o resultado do cruzamento dos
portugueses com as mulheres da terra [...]. E foi a esses homens
que se deu o nome de mamelucos.
164
Assim id
entificad
a,
momentaneamente
esta
predominância étnica na região
cabe
também
acrescentar que
[...] nas regiões onde a produção econômica era mais intensa e
exigia a presença de escravos de origem africana, predominou a
miscigenação de brancos com os negros. Assim, o tipo de
mistura de raças era também um fator que denotava o
desenvolvimento ou o atraso da região.
Se
de um lado observa
mos
os imperativos sócio-
econômic
o
s
do
Estado
sobr
e
a população, de outro será importante termos em mente a capacidade de
subjetivação do sujeito, ou seja, sua capacidade criativa o institucionalizada
164
I
bid.
,
pp.30
-
31
111
ou como forma de fugir da instit
ucionalização.
Em outras palavras, tudo que se
refer
ir
às faculdades de conceber, à propriedade para interpretar e à
capacidade de transformar
;
e que
, portanto,
não lhe
s
seja impost
o
. Uma destas
estratégias identifica
-se no clã familiar:
A família
extensa, que supera os limites dos bairros, ainda hoje é
observada em muitas famílias de origem caipira, onde logo após
o casamento, o casal passa a tratar os parentes do cônjuge como
os avós, tios, primos e até os compadres como se fossem da
família consangüínea de origem. Isso se expressa não nos
vocativos, mas no acolhimento das casas.
165
Antes de tudo, é necessário que se faça a
seguinte
distinção entre um clã
familiar capaz de atualizar sua demografia constantemente e a qualquer
instante;
e uma familiar
nuclear estatística
. T
ambém que
,
estamos traçando um
perfil histórico das condições para a explicitação de determinadas
subjetividades. No estudo de Campos (2002), reconhecemos as circunstâncias
de imposições e outras
estratégia
s a que se permitiam nesta época, devido às
vastidões ermas.
[...]
esse isolamento, era muito mais do que causa ou
conseqüência da pobreza da pobreza em que os moradores de
São Paulo viviam. Nessa época, duas providências a que as
autoridades sempre recorriam ameaçavam os moradores: o
recrutamento para o serviço militar e as cobranças de impostos e
do dízimo. Em outras palavras, o isolamento dos paulistas
parece denotar uma forma de
resistência
[grifo nosso] que eles
desenvolveram contra essas ameaças
.
166
Havemos de considerar que estamos em busca de configurar
as
forma e
conteúdo do sujeito que é agente da cultura, portanto merece nossa at
en
ção o
que possa indicar sinais de singularidade. Podemos afirmar que a consolidação
destes sinais em habituais comportamentos ou
práxis
,
compreende
os modos
culturais através dos quais muitas vezes toda uma civilização escolhe viver.
Temos que admitir, contudo, que esta não é a maior prerrogativa do
desenvolvimento, mas o se pode desconsiderar que
trata
-
se
de
modos mai
s
autênticos
da concepção do mundo.
Considerando
-se a
práxis
decorrente de
165
I
bid.,
p. 36
166
I
bi
d
.,
p. 38
112
um processo de subjetivação, isto é,
que
diz respeito ao sujeito, vale destacar,
por exemplo
,
“esse isolamento os moradores de São Paulo a usar, até o século
XVIII, um
dialeto
chamado
língua geral [grifo do autor]
,
uma mistura da Língua
Portuguesa com o Tupi.”
167
Não cabe aqui a pretensão de isolar e
caracterizar
um tipo de indivíduo quando se faz tal
referência
aos primeiros habitantes da
colônia
, mas
sim
o objetivo de ampliar o foco sobre as subjetividades que
serviram de base conceitual para posturas de
resistência
e de articulação
frente a um mundo que se desenha nos moldes da colonização
européia
, vale
destacar
do estudo de Campos
(2002)
que
afirma
:
É nesse século que
parecem
haver
-se configurado os traços
fundamentais da cultura caipira que
(sic)
vinha esboçando desde
o inicio da colonização. Isto significa que os termos paulista e
caipira eram, na prática, equivalentes. E que em meados dos
setecentos a cultura caipira
já estava definida e consolidada.
168
Assim
,
podemos admitir
,
até este ponto
que
,
trata
-
se
de um
conjunto de fatores
que na dinâmica dos
deslocamentos
, desde a saída das Caravelas do porto
português, se podemos daí situar um
marco,
o encontro de culturas díspares e
o isolamento das famílias em bairros rurais, vieram a configurar um modo de
vida
bastante próprio. É relevante assinalar que,
todo
este
cotidiano estava
mais
relacionado ao meio rural, ou seja, onde, naquela época, certamente toda
tecnologia nascia especificamente para instrumentalizar o homem mediante as
demandas diárias - nas relações materiais. Da mesma forma podemos calcul
ar
que
também as relações humanas se orientassem de acordo com estes meios
e estas atividades; hora de dormir, hora de tra
balhar
e momentos para
confraternizar; “[...] essas famílias estavam presas a uma organização de
vizinhança, o bairro rural, de contornos suficientemente consistentes para dar
aos habitantes a noção de pertencer, [...]”
169
talvez, o mesmo que ser próprio
de
um processo dinâmico que produz sociedade, na melhor acepção da
palavra
,
contrapondo
diametralmente ao que hoje chamamos de sociedade do
consumo
:
167
HOLANDA, 2000,
apud
CAMPOS 2002, p. 35
168
CAMPOS
, O
p. cit.
,
p.45
169
QUEIROZ,
1973,
apud
CAMPOS, 2002, p. 45
113
Quando passarmos por momentos difíceis e por necessidades
sérias, as pessoas não pedirão fiança antes de decidirem se nos
ajudarão; não perguntarão como e quando retribuiremos, mas
sim do que precisamos. E raramente dirão que não é seu dever
ajudar
-nos nem recusarão seu apoio porque não um
contrato entre nós que as obrigue a fazê-lo, ou porque tenhamos
deixado de ler as entrelinhas. Nosso dever, pura e simplesmente,
é ajudar uns aos outros e, assim, temos pura e simplesmente o
direito de esperar obter a ajuda que precisamos.
E assim é fácil ver por que a palavra
comunidade
” sugere coisa
boa.
170
Quando relacionamos as demandas de produção cultural e sociais
dependentes das mesmas soluções, queremos enfatizar que reconstruir o
ambiente da comunidade est
á
entre
as ações
mais
necessárias.
Julgamos que
além do pertencer é na comunidade, de maneira natural, que se confere a
cotidianidade a medida das relações.
170
BAUMAN,
O
p. cit.
,
p. 8
114
2.3
-
Raízes Históricas do Moçambique e do Jongo
Como apresentado no inicio da sessão anterior
,
uma onda de patrimonialização
organizou
e
em muitos casos padronizou a forma de se olhar para as raízes
históricas das manifestações expressivas da cultura. Muito provavelmente por
que o ambiente que lhes era próprio ao longo do tempo se desfez
.
Devemos ter
em consideração, por hora, como um momento bastante relevante do
contexto
dos bairros r
urais que
,
“a
festa
do padroeiro, realizada nas capelas rurais,
era a
forma e o momento em que os moradores afirmavam a personalidade do
bairro, em relação aos bairros vizinhos.”
171
Devemos
ressaltar
que não está em
d
ebate
a questão da afirmação da personalid
ade
nem a possível distinção
entre um bairro e outro. Também não está entre os objetivos defender o bairro
como medida ideal de urbanização,
importa
-nos muito mais a
festa
como
ocasião para a comunicação dos valores, das idéias e dos modos
comportamentais assimiláveis em uma mobilização coletiva. Em outras
palavras
,
a
ideologia
subalterna como energia desta mobilização ou
da
ordenação da sociedade; no pensamento de Todorov (1993), as “justificações
que lhes foram dadas;” entendemos que quanto mais marcante for uma destas
ocasiões mais forte a filosofia historicista da sociedade que passa a contar para
sempre com aquele momento como sendo um dispositivo ideológico.
A partir deste elemento, esta energia, a
festa
, como um dos movimentos da
interação
comunicacional
nestes espaços os bairros –,
passamos
a abordar
mais uma forma de
deslocamento
que pelo que podemos interpretar indicam
mais precisamente as raízes históricas do Moçambique e do Jongo:
Um fato muito importante para as mudanças que ocorreram no
Vale do Paraíba foi a instalação da Corte na cidade do Rio de
Janeiro, em 1808, estimulando progressivamente a demanda de
gêneros alimentícios e de gado para o abastecimento da ex-
capital do Vice-
Reino.
Isto estimulou a passagem da cultura de
cereais, destinado ao gasto da família e a sobra de uma pequena
produção de mercado, para a promoção de uma produção
agrícola excedente, com fins comerciais
172
171
QUEIROZ, 1973
apud
CAMPOS,
2002, p. 46
172
AGUIAR, 1949,
apud
CAMPOS, 2002, p. 50
115
Concernente a est
as
mudanças, no plano econômico devemos lembrar a
diferença entre as
diversas
regiões
no Brasil colonial e principalmente no que
se refere
à conformação étnica da população do Vale
do Paraíba
,
pois:
a partir do segundo quartel do século XIX é que um outro
elemento racial, o negro, passou a ter importância, do ponto de
vista demográfico, étnico e cultural na região, em face do
crescimento do número de fazendas dedicadas ao café.
173
Assim
, podemos admitir que inexoravelmente o desenvolvimento sócio-
econômico
atrelado
à
crescente expansão capitalista
, com as possibilidades de
grandes margens de lucro mediante o acúmulo latifundiário, também
representou dialeticamente uma força essen
cial
no desenvolvimento sócio-
cultural. A complementação da conformação étnica, o aumento da população e
a divisão social do trabalho corresponderam diretamente a novas formas de
comportamento, ou seja, a novas subjetividades para a interpretação do
contex
to histórico:
A demografia do Vale do Paraíba foi uma mostra da crescente
importância do café: em 1836 a população valeparaibana era
constituída por 105.679 habitantes, sendo a região mais
populosa da Província de São Paulo. Em 1854, ela crescera para
146
.055 moradores. E em 1886, quando as plantações de café
atingiram o apogeu, a população atingiu a sifra de 338.537
habitantes.
174
Tal densidade demográfica pressupõe certamente maiores implicações na
definição dos espaços em especial para as manifestações expressivas da
cultura. De um lado por que se torna mais evidente a demarcação das
propriedades privadas e de outro a predominância hegemônica de uma nova
ideologia
nos espaços blicos. Com isso teria certamente se redesenhado a
forma de ocupação dos espaços bem como as condutas. Um dos pontos
marcantes deste período, a exemplo das mudanças
que
ocorreram
, é o que
segundo C
ampos
(2002)
foi sancionada como Lei nº 601, em 18 de setembro
de 1850
e que recebeu o nome de Lei da Terra; e
acrescenta:
173
SILVA 1950,
apud
CAMPOS, 2002, p. 50
174
PASIN 2000,
apud
CAMPOS, 2002, p. 51
116
Isto provocou graves conseqüências para a sociedade caipira,
cujos sítios eram frutos de ocupação, muitas vezes por seus
antepassados. Os caboclos, analfabetos na sua grande maioria,
desconheciam qualquer tipo de trâmite burocrático necessári
o
para legalização daquilo que, por sucessão familiar e pela
tradição do antigo direito consuetudinário medieval, sempre foi
considerado como seu. Embora continuasse a existir grande
número de pequenas propriedades, a posição de seus donos
tornou
-se subalterna, a medida em que a riqueza do município,
trazida pelo café, se concentrava nas mãos dos grandes
proprietários.
175
Não se faz necessário muito esforço para compreender o sistema de distinção
classista impresso neste processo. Porém queremos chamar a atenção para o
fato de que não é somente o enfraquecimento de uma economia familiar
baseada
nas pequenas produç
ões
que resulta deste processo, mas também
um
deslocamento
do eixo da compreensão dos
senso
s de propriedade e de
reciprocidade com o meio, uma vez que passa a ser exigido uma concessão
legal para o uso da terra: “Pequenos donos de terras foram expulsos e
desenvolveu
-se uma aristocracia rural dominante, quer econômica, quer social,
quer politicamente.”
176
Acreditamos poder admitir a este pondo que
muito
freqüentemente
, uma sociedade que te
nha
em suas base históricas este tipo
de transição de uma sociedade de direitos co
nsuetudinários
como o conteúdo
das relações materiais, (o trabalho obedece muito mais os ritmos da própria
natureza do que da produção), para uma sociedade de hegemonia aristocrática
e fragmentária, privilégio não somente do Brasil, mas das nações
desenvol
vidas a partir dos processo civilizatórios da colonização, estejam
revendo suas bases culturais civilizatórias.
Antes de passarmos as raízes daquelas formas culturais de manifestação
expressiva, identificamos na pesquisa de
Campos
, (2002),
as categorias de
ntre
as quais ao menos três prestaram a composição daquelas formas de
expressão, são elas
,
[...]
o fazendeiro, dono de um latifúndio, onde predominava a
monocultura de exportação; o sitiante, que continuava
produzindo a costumeira agricultura de subsistência, com alguns
produtos excedentes para o mercado; o agregado, que residia
dentro das fazendas, ocupando, como parceiro ou meeiro, parte
175
FAORO, 2000,
apud
CAMPOS, 2002, p. 53
176
CAMPOS,
O
p. cit., p. 54
117
das terras com lavouras e criações; e o camarada, que era um
empregado, sem vínculo empregatício, geralmente
recebendo
como diarista.
177
Com exceção do fazendeiro que pertencia à classe dos mais abastados nesta
nova economia, às ultimas três categorias de cidadãos podemos atribuir as
subjetivações capazes de dar origem a modos culturais, pelo fato de
conservarem
as atividades laborais com a terra, e isto os ligarem aos
antepassados das diferentes etnias, por permanecerem alijados dos novos
propósitos políticos expansionistas ditados pelo acumulo de bens como
havia acontecido com os caipiras e pelo fato de que
,
muito provavelmente se
conservava entre estes últimos a convicção de que a riqueza ainda se
expressava com mais veemência nas construções coletivas
:
Enquanto isso, os agregados ou moradores das fazendas
reelaboraram seus costumes, embora carentes de suas
próprias
bases: a livre disposição da terra e a participação em pequenos
grupos sociais coesos. Conseguiram se acomodar à sombra das
grandes fazendas e reeditar o seu modo tradicional de subsistir,
produzindo o que necessitavam, escapando assim, ao destino
de
assalariado
.
178
Quando se pretende evidenciar a presença da
ideologia
deve se afunilar o foco
sobre as próprias capacidades, dentre as que mais se evidenciam está a
ideologia
política, no entanto uma busca incessante por auto-
preservação
também deve corresponder a uma
força ou conjunto de forças que diferenciam
na forma como se concentram, neste caso por uma convergência natural, uma
vontade coletiva com interesses coletivos, oposto a vontade coletiva com
interesses individuais
.
Jogo Fechado e Jogo Aberto Partimos da assim proposta
classificação
intencionando analisar a participação do sujeito humano nas formas
expressivas
.
Chamamos jogo ao momento de socialização através de uma
manifestação lúdica; qualificamos como
fechado
ou aberto a forma de
organização do grupo
na
expressão popular. A Dança do Moçambique é um
exemplo do primeiro tipo de organização, pois depende de uma liderança
177
I
bid.
,
p. 55
178
Id
., p.55
118
(mestre e contra-
mestre
), normalmente a cargo de um componente mais
experiente, que conhece os bailados, as cantorias e os manejos. É também a
pessoa encarregada de transmitir aos mais novos este conhecimento. Esta
organização fechada corresponde ao número de
dançadores
na
linha
,
para que
os manejos possam ser executados de forma completa. São necessários os
ensaios e praticamente nada é improvisado durante a função. Assim, o Jongo,
que para este trabalho serviu de observatório, é exemplo da forma aberta
de
jogo. Para esta modalidade não são necessários ensaio, nem um grupo
formado
. Não se faz sem pelo menos alguma noção, que pode se obter a
um
primeiro contato. Contudo o
ponto
,
ou seja, o canto depende de certo
aprofundamento na prática. São chamados galos velhos, os mais
experimentados. São estes que tomam da
angu
á
ia,
espécie de chocalho,
quando vai colocar seu ponto. Além dos que tocam tambús (dois ou três
tambores), homens e mulheres formam a roda e participam do canto repetindo
o complemento final do
verso
em
forma de resposta, enquanto o jongueiro
repete a parte anterior.
A época da escravidão, o poder opressor exercido pelo Senhor
branco
contra o negro escravo poderia ser extremamente
violento. Poderia custar a vida de todo o grupo. Enquanto modo
de
comunic
ação cifrada em linguagem própria, o jongo foi
utilizado para burlar as intervenções opressoras dos senhores
brancos.
Nesse ponto, entendemos que não somente o ato de jogar,
transmissão, o ponto é um fenômeno utilizado como estratégia
que permita
garantir
alguma
possibilidade de liberdade
dentro
do grupo, mas a reunião das pessoas, a roda e os ajustes formam
todo seu arcabouço estratégico.
179
Pelas provas materiais da época escravagista podemos calcular a violência no
trato com a fuga, a desobediência etc. No entanto não se pode desconsiderar
que o escravo era um bem capital, o que justificaria prejuízo para o Senhor o
extermínio de todo um grupo. Não cremos também na intencionalidade direta
de burlar a opressão do Senhor. Com este tipo de abordagem deixa-se em
179
ALENTEJO, Eduardo da Silva. Memórias dos Jongueiros do Tamandaré: estratégias de pe
rmanência,
institucionalização
da cultura popular e suas relações de poder. Trabalho de conclusão de Curso
(Mestrado em Memória Social e Documento). Universidade do Rio de
Janeiro, Centro de Ciências
Humanas e Sociais, Rio de Janeiro, 2005, p. 37
119
segundo plano as subjetividades próprias daquelas relações. Não somente no
que diz respeito ao senhor e ao escravo, mas entre os escravos, pela etnia,
pela ancestralidade, por suas relações materiais (trabalho, ferramentas,
instrumentos etc.). Contudo, consideramos no postulado acima a linguagem
cifrada e a possibilidade de liberdade como sendo as razões em si da forma de
expressão.
Na modalidade de Jongo examinada, certas peculiaridades
chamaram a atenção. Dentre elas, a distinção entre um Jongo de Visaria
quando os pontos versam sobre coisas amenas e o que entendemos no
trabalho de campo como G
rumento
(ou ainda, gorimento, glorimento,
grusmento)
.
Neste ultimo caso, como contam os entrevistados, o que seria
apenas
um desafio
amistoso,
vai ao patamar de confronto
com
forças místicas,
com um dos jongueiros sendo subjugado pelo, se assim podemos dizer, mais
poderoso.
Chegando este último a
impingir
ao mais fraco, alguns distúrbios
fisiológicos e até morais. “Num outro momento, o jongo temido pelos
moradores como prática de feitiçaria não é alvo de perseguição porque isso é
somente um sentido, o jongo estaria ligado a tradições religiosas se
não
católicas
, mas
com forte cruzamento religioso, como é o caso da Umbanda
180
.
O ponto sempre é tirado de algo que está próximo (um detalhe do ambiente, o
S
anto
festejado na ocasião, alguma ocorrência inusitada etc.), mas tem de ser
travado
,
isto é,
decifrá
-lo é o desafio e a empreita é de quem pega.
Enquanto
permanece um ponto sem ser decifrado diz-
se
chora angôma. E, para o
jongueiro colocar seu
ponto
ele anuncia:
cachoeira
.
181
Considerando os elementos culturais étnicos, o bairro com suas
festa
s e,
o
nexo dialético entre as dimensões trabalho e
festa
a segunda é o fim da
primeira sem objetivamente extingui-
la
-, queremos analisar diferentes
aspectos da interação do indivíduo com a forma de manifestação em si.
Partimos também do pressuposto de que todo
o
transcorrer da vida, mediante
as transformações sociais, que antecederam a formação daquela expressão
complementa o impulso ideológico que não se defende na retórica, mas na
expressão, em uma espécie de crônica narrativa popular
e viva
.
Esta palavra não consta do dicionário Novo Aurélio 3ª edição, onde o termo mais aproximado refere
-
se
ao verbo
grumar
.
180
ALENTEJO,
O
p. cit.
,
p.
38
181
Entrevista concedida a este p
esquisador em São Luiz do Paraitinga no dia 14/02/2009
120
O Moçambique é um bailado
182
do qual a origem muitos estudos não sabem
precisar
, mas relacionando o nome com o país africano, julgam ser esta a
origem, mas não se atribui especificamente a bagagem cultural dos
escravizados.
[...]
É uma dança guerreira, muito antiga. Na Inglaterra é
conhecida por morris dance. Pode ter sido praticada pelos
mouros na península Ibérica e não foi difícil ao conquistador
português, aproveitá
-la na catequese o Brasil como precioso
fator de recreação popular
.
183
Uma vez que estamos tratando das raízes históricas é preciso que se atente
para a pragmaticidade e funcionalidade do verbete acima transcrito. Diz o que
é e para o que serviu e também indica indiretamente em que lugar do
conhecimento deve ser colocado, ou seja, distante de qualquer
práxis
.
Com
base no pensamento de Gramsci (1966) é histórica, porém não historicista.
Mediante esta visão, torna-se quase impossível atribuir a esta forma de
manifestação da cultura própria um princípio de força social. Pelo que julgamo
s
serem as bases de formação das manifestações em foco aqui, não se pode
deixar que se
ja
desconsiderado
tudo que se abatia sobre as classes
subalternas e como esta se articulava política, econômica e filosoficamente,
sendo que os recursos tinham que ser cr
iados.
Entretanto, assim se configura o
método do patrimonialismo identitário nacional:
No bailado do Moçambique existem varias danças. A parte
dramática é insignificante. As danças têm nomes religiosos:
Escada de São Benedito, Estrela da Guia etc.
A confraria dos moçambiqueiros e mais folclórica do que a das
congadas. A maior parte dos participantes é jovem.
O regulamento é oral e normas simples criadas pelos grupos que
dirigem as Companhias de São Benedito
.
Para dançar usam bastões de madeira, que são batidos como
espada. Saltam e evoluem em uma coreografia complicada sob o
comando do tarol (caixinha de guerra), reco-reco, pandeiro,
rabeca, tamborins, violas.
Cantam louvações religiosas
18
2
BRASIL, Histórias costumes e lendas
São Paulo: Ed Brasil21 Ltda, 2004, p.79. Ver também
informações disponíveis em
<
http://www
.rosanevolpatto.trd.br.dançamoçambique.htm
>
;
<http://www.terrabrasileira.net/folclore/regiões/5ritmos/mog.inbig.html>
183
I
bid.
,
p. 79
121
O Moçambique está em franco desenvolvimento. O ponto maior
da presença do Moçambique é no Vale do Paraíba do Sul em
São Paulo. Entretanto também é encontrado no Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
184
Estas são sem dúvida a concepção histórica, que durante muito tempo e ainda
hoje circula em muitos meios acadêmicos e informações eletrônica. Contudo, é
possível destacar destas sintetizadas noções em primeiro lugar a idéia de
confraria, que pressupõe uma associação, em nossa abordagem, considerando
as contingências dos bairros rurais estas associações se davam na
abrangência do clã familiar. Para que fossem criadas, mesmo que oralmente
regulamentos e normas simples era preciso que houvesse uma coesão.
Chamamos
jogo fechado à forma de organização política para a gestão do
grupo desde o mestre aos dançadores da
linha
. Para que houvessem
evoluções sincronizadas nos bailados e no manejo dos bastões era necessário
o preparo e ensaio, tendo se em conta as distâncias entre fazendas e sítios da
época, a organização do grupo era facilitada pelos vínculos na extensão da
família. Ressaltamos a presença desta forma de manifestação expressiva da
cultura popular subalterna no Vale do Paraíba corresponde diretamente às
análises feitas anteriormente das circunstâncias históricas do desenvolvimento
inicial desta região.
Quanto ao Jongo, outra forma de expressão da cultura popular subalterna da
qual trata
mos
[...]
é uma Dança de origem africana, possivelmente do Povo
oriundo de Angola, da qual participam homens e mulheres,
possivelmente quer dizer divertimento. O canto tem o papel
fundamental, associado aos instrumentos musicais e dança.
Alguns pesquisadores classificam-no como um de "tipo de
Samba" mais antigo, seria ele que daria mais tarde origem ao
Samba.
Em alguns locais o nome pode variar como Caxambu,
Dança do Jongo
, Bambelô,
dentre outros.
185
184
Id
., p. 79
185
BRASIL FOLCLORE Disponível em: <http://www.brasilfolclore.hpg.ig.com. br/jongo.htm> acesso
em:02/02/2009. V
er também <http://www.jongodaserrinha.org.br>
122
Quando os estudos abordam especificidades da cultura, na tentativa de se
elaborar uma apreciação histórica, que no caso acima sintetizado, pelo tipo de
mídia
, podemos destacar os pontos mais evidentes: a suposta origem, a
constituição e o que se desenvolveu, supostamente daquela forma ou depois
dela. Muitos estudos mais sérios apresentarão certamente maior profundidade.
Mas, considerando toda tecnologia aplica
da
à informação, levando se em con
ta
que
o conhecimento é algo ao qual se pode
portar
e também que a cultura tem
representado um dos maiores entraves para o desenvolvimento das Ciências
Humanas
, tornam-se cada vez mais pertinentes os questionamentos a resp
eito
da relação com a cultura
.
Da forma como se tem feito, a cultura, mesmo como área do conhecimento,
parece incluir o ser humano como elemento de sua constituição,
completamente destituído de
ideologia
. Talvez por isso devamos correlacionar
à
desconexão
do mundo do trabalho do mundo da cultura. Não raramente é
possível se ouvir ao sabor do senso comum a expressão de certos
profissionais
:
- trabalho com cultura. Cabe neste ponto a reflexão de Todorov
(1993)
“[...] o trabalho era tido como mais bem-
feito
na medida em que fosse
mais ‘objetivo’, quer dizer, em que permitisse apagar qualquer traço do sujeito
que eu era, ou os julgamentos de valores que eu pudesse carregar.”
186
Da
suposição da forma expressiva como divertimento, nasce a separação entre
trabalho
e laser. Não que a forma
expressiva
não servisse a este propósito;
ainda
muito mais, serviria certamente à elevação do espírito. Contudo,
queremos despertar maior atenção para o fato de um estudo sobre as
especificidades da cultura deve levar em conta a co
mpleta
interconectibilidade
entre trabalho e cultura. Dimensões que se interpenetram inicialmente pelos
sensos de propriedade e reciprocidade. Enfatizamos que no momento da
formulação de um modo expressivo, o contexto sócio-cultural compreende
relações hum
anas e materiais
e destas
a utopia da ciência
-
a
idéia
:
Sozinhas
, as idéias o fazem história, as forças sociais e
econômicas também agem; mas as idéias não são apenas puro
efeito passivo. De início tornam os atos possíveis; em seguida,
186
TODOROV, Tzvetan.
Nós
e os Outros
.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993,
p.1
1
123
permitem que sejam aceitos: trata-se afinal de contas, de atos
decisivos.
187
Voltand
o a descrição histórica do Jongo:
[...]
É uma música feita para dançar, e fundamenta-se com o
"ponto", ou seja, a pessoa tem que "desamarrar" (decifrar) o
"ponto".
O "ponto" seria uma espécie de adivinha, onde o verso
cantado não expressa de forma muito clara o que se trata, e é
preciso descobrir para saber do que fala a música.
[...]
Na
maioria das vezes a música é cantada por duas vozes, ou três
vozes.
Em alguns locais é comum as pessoas participantes do
Jongo dançarem ao redor dos instrumentos, noutros
lugares
dançam em frente aos instrumentos, sendo a que é uma dança de
roda que se movimenta de forma contraria ao ponteiro do
relógio
(sentido anti-horário) coisa pouco comum, como passos
para frente,
pulos,
giros
etc.
188
A esta descrição, acrescentamos uma particularidade das rodas de jongo pelo
menos em alguma das situações observadas que a condição que aqui
chamamos de jogo aberto
.
Lembramos que nosso objetivo inicialmente e
analisar a participação dos indivíduos na forma de expressão com rel
ação
à
dinâmica social vivida.
Na luta com o tempo e as mudanças de comportamento.
187
TODOROV,
op. cit.
pp.
14
-
15
188
BRASIL FOLCLORE
,
O
p. cit.
124
2.
4 - Memória Coletiva, Memória Sensível e a Comunicação como
D
ispositivos
I
deológicos
A
festa
é sem dúvida fenômeno da comunicação.
Tendo
se em conta o fato de
que ainda encontramos este de evento de socialização
na
s
sua
s
versões
mais
antiga
, ou seja, que ainda não se moldaram por completo a linguagem
pragmática da globalização cultural a homogeneização; também pelo fato de
que uma sociedade, por mais que estejam calcificados os modelos de
comportamentos ditados pela a digitalização dos códigos e signos na corrente
informatização do saber; e ainda, por mais que tenham se reduzido os motivos
para as autênticas celebrações, é quase impossível imaginar uma sociedade
sem
a catarse festiva. Podemos afirmar,
que
por esta proposição que em se
tratando da época em que as manifestações expressivas da cultura das quais
tratamos, possivelmente tiveram origem a
festa
era
certamente um dos
momento
s mais significativo dos encontros para comunicar e
abastecer
a
memória coletiva. Cabe aqui com as palavras de G
ramsci
(1966), a crítica aos
“intelectuais puros”
de hoje, limitados em abarcar com a compreensão o quanto
se faz importante e necessário, maiores aprofundamentos nos estudos sobre o
fenômeno
de expansão do
turismo
implicados à área da
Comunicação.
Os que
não admitem tal implicação apenas conseguem exemplificar um pensamento
funcionalista inconseqüente. As universidades que mantém curso de Turismo
parecem não promover mais do que um como se comportar diante do turismo
,
imaginando
-o como um fenômeno dominado por isso não haver necessidade
de observação por mais argutos pesquisadores dos problemas da
comunicação s
ocial
.
O
turismo tem sido a partir deste potencial comunicacional atributo das
festa
s
como fenômenos de convergência.
Como
deslocamento
de grandes massas,
obedecendo aos apelos midiáticos serve ao mercado da satisfação em
pacotes
.
Não questionamos o turismo como atividade inerente ao ser humano,
desde a condição de nômade. Chamamos a atenção, para a recorrente
problemática das visões científicas fragmentárias que obstruem a concepção
da comunicação, como princípio estimulador do turismo; dificilmente alguém
guarda para si as experiências vividas em outro lugar. O problema é que este
mesmo princípio funciona para acelerar a expansão desta prática. Também
não criticamos a prática de se divulgar os pontos turísticos, porém
não
125
aceitamos
os extremos, como o turismo sexual próprio da relação despótica do
centro à periferia. Entendemos que o turismo se impulsiona com a
potencialidade tecnológica aplicada à comunicação. A comunicação social está
por todos os vieses implicada no desenvolvimento expansivo do turismo. Da
mesma forma a comunicação, admitida como princípio de manutenção da
cultura
, é afetada pelo turismo massificado e homogeneizado. Assim não se
deve deixar de considerar, portanto que estudá-lo não deve permanecer na
margem estreita da rentabilidade e nem na perspicácia em transformar as
coisas em objetos de adoração turística.
Devem
persistir os questionamentos sobre quais as principais alterações no
movimento das sociedades quando a comunicação humana deixa de ser o
espírito primordial da
festa
, - uma vez que na
festa
tudo se expressa, - e se
limita a ser mecanismo estratégico para circulação de mercadorias. Assim não
seria cabível refletir sobre as relações humanas sem se ter em alta
consideração que a “memória do indivíduo depende do seu relacionamento
com a família, com a classe social, com a escola, a Igreja, com a profissão;
enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse
indivíduo.”
189
À esta interdependência somamos os processos comunicacionais
como
fluído essencial
de transporte do conteúdo memorial
na escala do tempo
.
Torna
-se claro, porém através deste esquema elementar
(indivíduo
-
memória
-
comunicação
),
que os conflitos geram sintomaticamente os
deslocamentos
; a
memória deve armazenar a imagem dos conflitos, contudo estes últimos
somente existem em função do embates de hegemonias no interior da
sociedade, pressupõe
-
se assim consubstanciado o conteúdo da memória desta
sociedade. “A menor alteração do ambiente atinge a qualidade íntima da
memória.
Por essa via, Halbwachs amarra a memória da pessoa à memória do
grupo; e esta última à esfera maior da tradição, que é a memória coletiva de
cada sociedade.”
190
A partir das reflexões acima, d
evemos
a este ponto
esclarec
er a natureza do
que queremos chamar de memória s
ensível
; que a princípio conjecturamos
como
memória gravada no corpo capaz de impregnar as relações materiais
reforçando e justificando, por mais esta via, o que
postulamos
como senso
189
BOSI, Eclea.
Memória e Sociedade
: memória dos velhos
. São Paulo,
Companhia das Letras, 1994,
p. 54
190
Ibid.
, p. 55
126
de pro
p
riedade
. Po
de ser que não passemos de obviedades ao
resvalarmos
às
questões da genética, porém sempre que adentrarmos o terreno das relações
humanas
defrontaremos
certamente com as complexidades que designam
possibilidades de modelos. É por isto mesmo hipotético, não é a pretensão do
caminho da verdade
, mas algumas pequenas
incursões em esferas
de onde
se
podem
pressupor articulações e possíveis
deslocamento
s
;
Assi
m não se trata
de comprovar ou não a existência desta memória sensível, mas de dar ênfases
as predisposições fisiológicas que estão em relação direta com o ambiente e o
meio (condições objetivas). Refere-se à possibilidade de alcançar maior
reconhecimento
da integralidade que se pode atingir desta relação; à
conformação mais plena do humano genérico. Também não se resume em
observar potencialidades físicas, mas do quanto somos modelados e
modelamos nosso meio físico-
sócio
-cultural. Trata-se de
mais
um dos
p
rincípios d
os processos de
identificação. Como
faculdade
,
a memória funciona
de forma a lembrar o corpo, a acionar os dispositivos mecânicos sensoriais
para a atividade
ou para a representação
.
Nem sempre, contudo, as sensações levadas ao cérebro são
restituídas por este aos nervos e aos músculos que efetuam os
movimentos do corpo, as suas ações. Nem sempre se cumpre
o
percurso de ida e volta pelo qual os estímulos externos chegam,
pelos nervos aferentes, à central do cérebro, e desta voltam,
pelos eferentes, à periferia do corpo. Quando o trajeto é de
ida, isto é, quando a imagem suscitada no cérebro permanece
nele, ‘parando’ ou ‘durando’, teríamos, não mais o esquema
imagem
-
cérebro
-
ação
, mas o esquema
imagem
-
cérebro
-
representação
. [grifos da autora] O primeiro esquema é motor.
O segundo é perceptivo.
191
Podemos deduzir que o que se movimenta neste complexo esquema é que
tanto ao que corresponde à ação quanto a representação é o poder edificante
das subjetividades, de um lado impulsionam o sensorial-fisiológico, de outro a
consciência.
Lembrando
-se que sensação, percepção e representação são
segundo afirma Nazareth Ferreira (2006), formas de conhecimento.
Não pretendemos dimensionar as capacidades
múltiplas
da memória,
simplesmente pelo fato de que poderia ser subdivida por cada parte ou
191
Ibid.
, p. 44
127
sentidos do corpo; é uma matéria para outro estudo. Interessa-nos o fato de
que por esta diversidade esta memória se recria secularmente no homem.
Apesar da diferença entre o processo que leva à ação e o
processo que leva à percepção, um e outro dependem,
fundamentalmente, de um esquema corporal que vive sempre no
momento atual, imediato, e se realimenta desse mesmo presente
em que se move o corpo em sua relação com o ambie
nte.
192
Assim sendo, estamos mais uma vez abordando à esfera do trabalho, da
atividade humana em geral, mas, mais especificamente dentro das relações de
trabalho.
Po
is
esta especificidade tem
mais significativa
correspondência com a
organização da sociedade do que com as potencialidades individuais. Por este
motivo
acreditamos que a dissolução destas relações está em completa
reciprocidade com a dissolução deste tipo de memória; o que em nosso
entendimento
tem corroborado para a ampliação do quadro de aliena
ção
cultural. Não
vamos
, contudo
examinar o
quanto
est
as
dissoluç
ões encadeadas
tem nos afetado. Interessa
antes
, porém averiguar a pertinência da questão,
quando o propósito é o de se chamar a atenção para
um
senso de propriedade.
Consideremos a f
ilha
de
um casal de sambistas que por um motivo qualquer
desde
a mais tenra
infância
passou a morar com os tios em uma região
distante onde não tenha qualquer contato com aquela forma de expressão
dos
pais
. Um dia aos 16 anos de idade,
suponhamos,
a menina se veja em um
ambiente bastante apropriado e tenha nesta ocasião oportunidade de assistir a
seus pais biológicos exibirem prazerosamente, seus passos. Acreditamos
na
possibilidade de que a atmosfera possa sensibilizar perceptiva e
representativamente
a adolescente por toda a sua compleição física e de sua
consciê
ncia
.
Em poucas palavras, ressaltamos que pela situação simulada,
estaríamos mais próximos da manutenção mais perene de um tipo de bailado
no samba.
Acreditamos que
um
conjunto de estímulos envolvidos
seja
capaz
de dinamizar
uma espécie de identificação
físico
-sensorial que poderá detonar a vontade de
movimentos similares além inclusive de uma identificação catártica. Não
interessa afirmar se a adolescente, a partir daquele instante vai gostar ou não,
192
Id
., p. 44
128
se adotará ou não aquela prática ou até mesmo se identificar ou não da forma
como propomos, mas que vários elementos se reúnem para qualquer uma
destas possibilidades ou todas juntas. Esta forma de considerar se opõe a
proposição ideal de preservação de uma forma expressiva, somente por sua
aparência e estética. O conceito de senso de propriedade é uma conduta que
procura açambarcar o máximo das condições para que uma prática se
preserve; sem dogmas, pela identificação. Por isso questionamos o período
que os
problemas
tenham que permanecer
problemáticos
.
A filosofia da
práxis
n
as relações materiais
, através d
o reconhecimento
das contradições, dentro de
uma
metodologia mais abrangente das Ciências Humanas a dialética -
resolve esta questão, pois ao invés de simplesmente servir de base parar
desdobramentos teóricos empurra e reclama a ação. Questionamos o
desafio
da
educação ao insistir na
formação
,
ao
renegar
este tipo de memória. Pelo
prisma das relações pedagógicas, imaginemos uma criança que tem
oportunidad
e de observar em seu avô, um
dançador
de Moçambique, um
trabalhador da inchada; consideremos que este mesmo garoto identifica as
semelhanças expressivas do avô em seu pai; a maneira como arrastam os pés
e fazem rodopios, certamente haverá identificação
estético
-
sensorial
, que
pressupõe interatividade e reciprocidade
no
fazer
faço pela expressão que
faz por mim
. Mas não podemos fugir
, contudo
desta questão projetada à escala
das relações em centros urbanos mais numerosos e mais complexos. Não é
difícil
confundir est
a
argument
ação
com a idéia
fixa no senso comum
de
nascer
para tal coisa
ou
tal pai, tal filho
;
sobretudo
,
quando
com
o foco
desce
sobre a
s
relaç
ões
de propriedade em reciprocidade na divisão social do trabalho.
O
trabalho, como o conhecimento, é uma totalidade que tem por propriedade
consumir
-se em sua própria substância. Interessa-
nos
que em todo o conjunto
das praticas sócio-
culturais
, em torno e dentro destas relações, possa vigorar
este senso de propriedade ou ao menos reconhecido
.
Por se tratar de uma
linguagem
pode ser lida
.
Mas n
ão
se pode
passa
r ao largo da imprescindibilidade de uma política
sócio
-
econômica
global
(mais no sentido de abrangência do
que
no aspecto
planetário
) que
possa
dinamizar
e expandir esta concepção e, se quisermos
também que esta mesma concepção transcenda a ideologismos como onde se
apregoar
saídas
.
Reivindicamos reconhecimento para a potencialidade
do
129
particular e do universal da cultura e da comunicação como dis
positivos
essenciais deste processo.
A este ponto
desperta
-nos a atenção de que na sociedade ou no espírito de
sociedade encontram
completa
mente
interconect
adas como dimensões
a
memória sensível (ação e percepção no indivíduo), a memória coletiva
(percepção e representação no coletivo), e a ação comunicativa que denota
movimento no cotidiano.
Gramsci
(1966)
fazendo uma análise cr
í
tica
à
máxima de Kant sobre
(sua)
ética
observa ser menos exata a objeção
[...]
de que não existem
condições
similares
”,
que
entre as
condições está compreendido aquele que atua,
a
sua
individualidade etc. [...] P
ortanto
,
aquele
que atua é o portador
das
“condições similares”, ou seja, o criador delas: isto é,
ele
deve
atuar segundo um
modelo
que gostaria de ver
difundido entre todos os homens, segundo um tipo de
civilização
p
elo
advento da qual trabalha ou por cuja
conservação
resiste
[grifo nosso] contra as forças
desagregadoras, etc.
193
Entretanto como orienta Bosi
(2003),
refletindo
sob o “signo de Benjamin
”:
abordando como exemplo a paixão vivida pela burguesia paulista na Revolução
Constitucionalista de 1932:
É preciso sempre examinar matizando os laços que u
nem
memória e ideologia. Laços que, antes da secularização
moderna, amarravam a memória pública á memória individual.
[...] Há, portanto, uma memória coletiva (no caso, a produzida
no interior de uma classe, mas com poder de difusão), a qual se
alimenta de imagens, sentimentos, idéias e valores que dão
identidade e permanência àquela classe. No caso, os interesses
da burguesia do café acabaram envolvendo sentimentos
regionais de paulistismo, que ainda hoje operam como fator
discriminante em plena sociedade de massas, tal como veio a
con
figurar
-se a população da cidade de São Paulo. Mas não se
pode negar que exista um
a
memória coletiva
194
Ao rigor do alerta acima, devemos entender que a memória como dispositivo
ideológico ou paixão da lembrança também serve de forma liberal aos
193
GRAMSCI,
O
p. cit.
,
p.60
194
BOSI, Eclea. O tempo vivo da memória. São Paulo: Ateliê Editorial: 2003, pp. 22
-
23
,
passim
130
interesses
da dominação, não é necessário nem que se procurem exemplos.
Por isso a necessidade de maior e mais precisa acuidade no tratamento de
complexidades científicas humanas.
A Cidade e o Evento
.
Aqui consideramos
a
cidade
, inicialmente como
fenômeno da vontade coletiva. Mesmo que se considere que o homem po
ssa
optar por um relativo nomadismo ou cosmopolitismo, para a sociedade atual
estas são apenas definições do espaço que se
de
limita
com
o simples uso do
cartão de crédito. Devido ao fato de que nosso objeto de estudo esta
plenamente em referência com a
festa
popular
subalterna
,
a população de uma
comunidade e envolvida direta ou indiretamente; objetivamente, pois a
estrutura de
um
a cidade é colocada em funcionamento
subdividindo
-se as
atrib
uições entre os poderes instituídos, mais o comercio e a sociedade civil;
de
outro lado, subjetivamente por que será daí extraído o motivo histórico para a
festa
. Este também passa a ser um fator de identificação desta comunidade
mobilizada
. Uma delimitação de esfera, porém significativa em nossa
abordagem é a da
cidade
,
por compreender um sistema de interação
entre
instituições e indivíduos identificados por territoriedade e personalidade. Neste
sentido uma cidade, poderá realizar qualquer tipo de evento dito popular,
por
ém de acordo com esta personalidade o evento terá seu significado
midiático com respectiva abrangência. Aqui precisamos verificar
ainda
que de
forma sucinta alguns procedimentos com os quais as cidades se preparam
para eventos festivos, como se comportam durante as
festas
maiores e
menores e como ficam depois do evento realizado; isto do ponto de vista da
coletividade.
Pode
-se admitir que
trata
-se de uma suposta suspensão do
cotidiano
precedente a um período de preparações (coletas de donativos,
organização e distribuição de tarefas etc.). A
festa
em si é o presente, mesmo
que muito se
repita
tudo é novo a cada nova realização. Depois de realizada a
festa
a comunidade deve retomar o espaço nas atividades cotidianas. Para os
valores investidos
:
os resgates
.
Assim como no inicio os próprios bairros eram distintos por uma dinâmica
sócio
-cultural, da mesma forma a cidade carrega algumas identificações,
inclusive no próprio nome; por uma disposição geológica (Areias-
SP,
por uma
localização
, (dos Montes, do Grotão); muitas vezes refere-se a um potencial
natural, rio etc. Entretanto, conforme podemos analisar em uma sessão
131
anterior
, enquanto persistiu a concepção de bairro, mediante as mudanças
ocorridas na historias dos
deslocamentos
e organização das sociedades, na
medida da
resistência
também persistiram costumes e valores em consenso. O
mesmo se pode, em parte atribuir à
cidade
que seguindo, por exemplo, o
desenvolvimento da
indústria
, umas em detrimento de outras
se
adornaram
com
ímpetos progressistas (
pólo
industrial,
pólo
turístic
o, cidade dormitório
,
cidade mictório
etc
.)
Em muitos casos, conforme uma personalidade original desde a formação dos
bairros,
algumas cidades tiveram que assumir uma postura em função da
alternativa econômica e da possibilidade de geração de renda
extra
.
Estas
cidades por estes motivos (festa de Santo Padroeiro, Carnaval, Festa do Boi,
festa
de alguma fruta, etc.) atraíam visitantes antes mesmo de serem pólos
turísticos.
A promoção de determinados eventos passou a representar a
oportunidade política de
se
fazer alguma coisa pela cidade
.
Enquanto discutimos o desfacelamento dos ambientes de propriedade, o
espaço/tempo que torna propício o espírito para o desenvolvimento d
as
manifestações espontâneas;
pode
mos
assistir
a outros fenômenos
correspondentes como o da cidade nova (Nova Friburgo, Nova Conceição etc.),
de cidade-fantasma e cidade vendida
195
. Dentre estes, chamamos a atenção
para o qual da
mos
o nome de cidade alugada
196
,
que
diretamente
destitui o
valor de uso da
morada
e
se amplia a margem de valorização para a
troca.
Conforme a proporção do evento, muitos moradores descobriram a
oportunidade de um adicional significativo à renda, alugando sua casa pelo
período do evento
festivo
. Não nos encontramos aqui em posição de tecer
critica a este novo
nicho
de mercado
imobiliário
, até por que como dissemos
o atrativo muitas vezes antecede o turístico. Contudo é uma circunstância que
tende a se modificar na medida em que se for construindo novos hotéis e
pousadas. Estamos falando
sim
de
deslocamentos
;
paradoxalmente,
a
população responsável pelas
característ
ic
as
mais representativas d
e um
a dada
especificidade
cultura
l se desloca (para casas de parentes, para os bairros
195
CIDADE
-
fantasma no Texas é vendida
por US$ 3 milhões no
eBay. Folha On Line
,
24 nov 2007.
BBC
BRASIL
Disponível em:<http://www
1.
folha.
uol.com.br/
folha
/
bbc
/
ult272u348264. html>.Acesso
em:
13
fev
. 200
9.
196
MAESTRLLI, M.; REHDER, Lyane.
São Luiz do Paraitinga quer menos foliões em 2009
.
Disponível em
<
http
://
www
.vi
dadeviajante.com.br/saoluiz
-
do
-
paraitinga
-
quer
-
menos
-
folioes
-
em
-
2009/>
132
rurais, para outras cidades, para os balcões e serviços etc.), cedendo espaço
para ser preenchido por uma população flutuante e
bastante
diversificada
quanto à origem e
os
interesses.
E, ainda mais, completamente estranha a
cultura local.
Salientamos, no entanto que este tipo de convergência inventa ao seu fim uma
espécie de comunidade instantânea se comparamos com os princípios
fundadores do bairro
;
analisa
ndo
do ponto de vista do
outro
que vem
experimenta e vai embora
:
Todos esses agentes, eventos e interesses servem como ‘cabide’
em que as aflições e preocupações experimentadas e enfrentadas
individualmente são temporariamente penduradas por grande
número de
indivíduos
– para serem retomadas em seguida e
penduradas alhures: por essa razão as comunidades estéticas
podem ser chamadas de ‘comunidade
-
cabide
197
Esta mesma convergência não escapa de ser analisada por diversos prismas.
Pelo prisma sociológico há o fator de migração pelo fato de que a cidade
festiva e a princípio atrativa como
morada
. Entretanto, assim como analisamos
do ponto de vista da
festa
como fenômeno da comunicação
humana
pela sua
capacidade de transcender a caducidade do tempo unindo passado e
presente,
admitimos que este fenômeno
mesmo
possa
, como está acontecendo,
assumir o
status
de mecanismo (
neo
)-liberal da concepção extremamente
distorcida de
crescimento
.
197
BAUMAN,
O
p. cit.
,
p. 67
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133
CAP
Í
TULO
3
FESTA
-
AMBIENTE D
A
CONVERGÊNCIA
3.1.
Festa Popular
Subalterna
O popular da
festa
é
logicamente
o popular da cultura. Este caráter de popular
est
á
em
intima conexão com as esferas do
polític
o,
do
econ
ô
mi
co
e
do
filos
ó
fi
co
. E
m
muitos aspectos, porém
,
a
concepção de cultura popular, a
cultura das classes subalternas, e
ncontra
-
se
d
iferenciad
a da c
oncepção
da
cultura que se
trans
fere
conforme um sistema de pré-estabelecimento de
valores
- a quem de direito; nestes casos são diferentes os critérios para o
acesso
à c
ultura
. Uma das principais diferenças entre as duas concepções, ou
entre
estes critérios é
o fato de que
a primeir
a é franqueada
à
massa
,
mediante
o
seu
próprio
cotidiano, pois
é
ela
mesma
, a massa
que
produz a cultura;
a
segunda
,
cultura de massa, obedece a um sistema quantitativo de distribuição
setorizado
.
Vale dizer que, quanto maior a produção em determinado setor
,
maior extensão da
acessibilidade
, mais pessoas com direito ao
acesso
e à
possibilidade
de
se
mo
ld
ar individualmente ou em grupo uma
identidade
cultural
como
se
-
lhe
co
nvi
er
, (isto é,
desde
que
disponível no mercado, pois
mais
dificilmente o indivíduo poderá optar p
or uma identificação com algum tipo
134
de
manifestação
extinta
ou
fora de moda, como uma língua
arcaica
, ou uma
técnica
agrícola
artesanal etc., superadas
pel
o fator, estética ou pela
praticidade e o ganhar tempo). Assim sendo, não é difícil
incluir
.
No setor da
cultura
(de massa), o
acesso
à informação e respectivamente toda sorte de
mídias
corre
spondente, representa um dos últimos filões, e
um
a
das mais
avantajada
s
fatia
para o apetite (
neo
)-liberal do capitalismo, ao lado d
as
Ind
ú
stria
s
automobilística,
alimentícias e
as
monoculturas
,
ou seja, os maiores
setores
.
As
festa
s
populare
s
subalternas
,
co
mo manifestação cultural, têm sido
açambarcadas pelo consumismo mi
diático
; esta conduta como uma estratégia
culturalista
promove
difunde a cultura popular pelo conteúdo que dela
possa se extrair para as
experiência
s mais imediatas e
,
amiúde
, as
mais
efêmera
s
.
Des
te conteúdo, exemplificando a
través
de uma linguagem,
destacamos a gama do que uma
festa
popular proporciona em termos
de
imagens.
Consideremos o quanto é possível se explorar d
a
reprodutibilidade
tecnológica
deste conteúdo imagético, a partir tão somente de um aparelho de
telefone celular. Não está em questão nem a tecnologia, que avança em
sentido óbvio,
sempre
a instrumentalizar a atividade humana; nem tampouco a
linguagem,
pois
não
se
trata da
análise
teleologia sobre um
a
lógica formal
,
ta
mbém não diz respeito
especificamente
à dinâmica do mercado de cultura
(volume
de circulação dos
produ
tos
da
indú
stria cultural), pois a natureza do
mercado se atualiza a cada novidade
resgatada
. Trata
mos
efetivamente
dos
modos
de relação com a cultura
e
em seu interior, levando-se em conta
um
processo
de
consolidação
histórica
da cultura
enquanto
popular
ou
seja,
que
tem
origem
na prática
.
Quando Gramsci
(1966)
em
seu estudo sobre a
“concepção dialética da historia”, alerta para “alguns problemas para o
estudo
da filosofia da
práxis
198
;
o mesmo alerta é
acatado
aqui de maneira
imprescindível
,
uma vez que o
presente
trabalho
,
entre os estudos
pretendidos,
nesta sessão, quer tratar de certa forma, do ambiente e
do
momento do
“nascimento de uma concepção de m
undo”
-
projetad
o à realidade do contexto
atual de
uma
determinada historicidade (a saber, a das nações cuja formação
sócio
-econômica e cultural deveu-se aos movimentos de colonização
impostos)
. O problema segundo o autor,
cuja
“explicação reside no própri
o
198
GRAMSCI,
O
p. cit
.,
p. 91
135
marxismo
se identifica
binominalmente
“como ciência e ação
.
Passagem da
utopia à ciência e da ciência à ação.”
199
A questão que
hora
se apresenta é de
se saber, quando exatamente uma filosofia especulativa nascida do
senso
comum se alça a uma
concreta
co
ncepção de mundo. Quando que uma
prática cotidiana, de tecnologia popular, uma ação (de um grupo subalterno
)
converte
-se em ciência. Ao tratar das “questões do método”
200
,
outra
exigência
é feita, quando o autor se refere à necessidade de se “efetuar prelimi
narmente
um trabalho filológico minucioso”
201
, e, desde já, este trabalho não pode
ainda
pretender tamanha dign
ific
ação
;
mas,
é
preliminarmente
um
a tentativa de
teorizar sobre a observação de um fenômeno social, e
que
pretende
ser
significativa
na medida em
que
se intensifica o foco dos debates em torno das
questões sobre a cultura. Gramsci
(1966)
exige
com rigor, princípios de
lealdade
na postura do
intelectual
. É
o
que
constatamos imediata e
efetivamente ao tomarmos contato com a acuidade do
autor
com
aquil
o
a
que
se prontifica fazer
.
Orienta sobre a metodologia no tratamento para com as
obras do
(s)
pensador(
es)
de
forma
o
mais abrangente e minuciosa
,
propondo
uma
reconstrução “por períodos cronológicos-críticos” e, no caso específico
dos fundadores da filosofia da
práxis
(KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS)
202
,
sobre o que seria
o
estudo de um pensamento original e inovador”
203
,
pelo
que entendemos, a projeção de uma certa continuidade entre os autores, não
de forma subseqüente, mas extensiva, ou seja “deve ser colocada a questão
das relações de homogeneidade entre os dois”
204
. Esta questão, certamente se
refere a todo o desenvolvimento conceitual subseqüente, pois é
de certo rigor
a
postura
crítica de
Gramsci
(1966)
ao confrontar Georges
Sorel
e
Rodolfo
Mondolfo quan
to
á questão do “pensamento original” entre os dois fundadores
da filosofia da práxis; contra Leon Bronstein em defesa de Antonio de Labriola
que, “ao afirmar que a filosofia da práxis é independente de qualquer outra
corrente filosófica, sendo auto-
sufici
ente
, foi o único a procurar construir
199
I
bi
d.
, p. 93
200
I
bi
d.
, p. 94
201
Id., p. 94
202
I
bi
d.
, Pequeno Glossário.
203
I
bi
d.
, p. 97
204
Id., p. 97
136
cientificamente
a filosofia da
práxis
.”
205
Gramsci
(1966)
ataca “a tendência
dominante que se manifestou em duas correntes principais: a chamada
ortodoxa
206
, via pela qual a metodologia “positivista de Plekhanov”
207
,
não
s
up
lanta
“o materialismo vulgar”
208
e, a outra corrente oriunda e
oposta
à
primeira
,
culmina
na conclusão
agnóstica
de Otto Bauer,
[...] que afirma que o
marxismo pode ser baseado e integrado por qualquer filosofia inclusive,
portanto, pelo tomismo.”
209
Gram
sci, ao questionar a “pouca sorte” que tivera
Labriola
na colocação do problema filosófico, lembra o dito de Rosa de
Luxemburgo sobre a economia crítica e seus mais elevados problemas, no
momento das reais autonomia e hegemonia de “um grupo subalterno
[...
] a
exigência de elaborar os conceitos mais universais
210
. Devemos entender e ter
em mente que esta
universalidade
dos conceitos
(além
de
pretender que estes
conceitos
possam
se resum
ir
na concepção de qu
e,
identificar a necessidade e
reconhecer a possibilidade de transformação,
aspira
conjunta e
dialeticamente
à liberdade) está em completa correspondência
com
a
autonomia atribuída a
uma
cultura superior, não por ser mais bem
consubstanciada
, aparelhada ou
reluzente
, mas
é
superior por que é a cultura que
se
faz
; e,
com
o
hegemonia
,
que
assim concluímos,
não
pode
se refer
ir
a outra coisa senão ao sentido de
universalidade
(ou universalização). Se de um lado sua superioridade é
distinta
pela espontaneidade, criatividade, articulação etc. de outro, o sentido de
universalidade a faz livre, extensiva, amalg
âm
ic
a.
Vale lembrar que na historicidade de seus escritos, e não assegurar-lhe a
atualidade é tremenda falácia;
Gramsci
(1966)
alveja
“a
s
correntes que
tentaram combinações da filosofia da
práxis
com tendências i
dealistas
[
...
]
,
constituídas em sua imensa maioria por
intelectuais
puros
e também a
‘ortodoxia’
formad
a em sua maioria por personalidades
intelectuais
[
...
]
dedicadas às atividades práticas [
...]
mais ligadas às grandes massas
populares
211
. Os primeiros
como
“elaboradores das mais amplas ideologias
205
I
bi
d.
, p. 98
206
I
bi
d.
, p. 99
207
PLEKHANOV, 1908 apud
GRAMSCI 1966,
p. 99
208
GRAMSCI
, O
p. cit
.,
p. 99
209
Id., p. 99
210
LU
XEMBURGO, 1919 apud GRAMSCI, 1966,
pp. 99
-
100
211
GRAMSCI
,
op. ci
t.
p. 101
137
das classes dominantes; ‘a tendência ortodoxa’ por acreditar poder superar o
‘transcendentalismo religioso’ através tão somente do mais cru e banal
materialismo”
212
. Ainda que com uma ressalva quanto à
seguranç
a’, Gramsci
(1966)
faz distinção mais uma
vez
a Labriola, por afirmar “que a filosofia da
práxis é uma filosofia independente e original, que possui em si os elementos
de um ulterior desenvolvimento que a transforme, de interpretação da história,
em filoso
fia geral.”
213
Gramsci
(1966)
apenas nesta sessão em que trata de alguns problemas para o
estudo da filosofia da
práxis
, dando exemplo da metodologia que ele mesmo
propõe, desenvolve sua análise crítica dentro de certa cronologia, mas não de
forma restritiva, sobre os fatos e a produção conceitual, ou o pensamento,
compreendidos em uma periodização que se estende dos idos de 1789,
marcado
s pela revolução francesa, aos anos trinta. Assim, evitando estender
por demais as observações e restrin
gindo
as pontuações ao que estamos
debatendo nesta sessão formas de
relaç
ão
com
cultura
-, concordamos co
m
toda a defesa que Gramsci
(1966)
faz da filosofia da
práxis
cujo
“momento
sintético unitário
214
conforme crê o autor
deva
[...]
ser identificado no
novo
conceito de
imanência
,
elaborou
sinteticamente os três movimentos, isto é toda a cultura da
época, e que na nova síntese, em qualquer momento que se a
examine,
momento teórico, econômico
ou
político, se reencontra
como
momento
preparatório de
cada
um dos três
movim
entos
.
215
Empenhamo
-
nos
aeste ponto na iniciativa de respaldar, mediante a filosofia
marxista de Antonio Gramsci
(1966)
a proposição sobre o que a
festa
popular
tem de conexão com os campos
polític
o, a econô
mi
co
e filos
ófico
, e que por
esta conexão, tor
na
-se depositária do atributo de porta de
acesso
ao conteúdo
212
Id., p. 101
213
Id., p.101
214
I
bi
d.
, p. 110
215
Id.
,
p. 110.
Gramsci se baseia na afirmação de Lénine a respeito do nascimento da filosofia da práxis
“sobre o terreno do máximo desenvolvimento da cultura da primeira metade do século XIX, cultura e
sta
representada,
em resumo, pela filosofia clássica alemã, pela economia clássica inglesa e pela literatura e
prática política francesa.
138
ideológico da cultura popular
subalterna
.
Estabelecendo correspondência a
respeito da conexão entre
festa
popular e economia, em outro ponto,
Gramsci
conjectura ser a filosofia da
práxis
igual
à soma de Hegel com David Ricardo,
este ultimo como o autor de novos cânones introduzidos na ciência econômica.
Ao questionar sobre “um significado de inovação filosófica
216
,
destes novos
cânones, sobre ter
em
sido
estes “a descoberta de valor também
gnoseológ
ico
217
e sobre a implicância de “uma nova
imanência
uma nova
concepção de
necessidade
e de liberdade”
218
;
Gramsci
(1966)
aponta
para
a
filosofia da
práxis
como realizadora desta tradução (de cânones sistemáticos
ao princípio de imanência)
qu
e
teria univer
saliz
ado
as descobertas de Ricardo,
estendendo
-
as adequadamente a toda história e extraindo delas, portanto, uma
nova concepção das atividades deste campo. Todavia,
Gramsci
(1966)
recomenda o estudo de uma série de questões relativas aos estudos de
Ricardo
, dentre as quais destacamos a seguinte explicação e sua respectiva
fórmula
:
(A
economia estuda estas leis tendenciais enquanto expressões
quantitativas
dos fenômenos; na passagem da economia à
história geral, o conceito de quantidade é integrado pelo de
qualidade e pela dialética da quantidade que se transforma em
qualidade)
[Quantidade = necessidade; qualidade =
liberdade]
.
219
Apresentando a “unidade dos elementos constitutivos do marxismo”
220
,
que “é
determinada pelo desenvolvimento dialético das contradições entre o homem e
a matéria”
221
,
Gramsci
(1966)
complementando, indica o valor como “o centro
unitário”
222
da economia. Ressaltamos para um entendimento preciso
relacionado à cultura popular que valor e economia não aferem
especificamente a movimentação mo
netária.
O valor pode ser concebido sem
escalas comparativas e economia é arte e também é ciência.
Quando
216
I
bid.
,
p. 111
217
Id., p
.
111
218
Id., p. 111
219
I
bi
d.
,
p. 112
220
Id., p. 112
221
Id., p. 112
222
Id., p. 112
139
executamos um instrumento musical, principalmente quando este traz uma
diversificada extensão de recursos para a produção do som, uma economia
dos
movimentos adequada integralmente à linguagem, pode-se admitir que
alguns gestos sejam de um rebuscado estético, mas não certamente o que
não tenha o seu lugar na execução. “Na filosofia este centro é a
práxis
,
223
que
em
noss
a
reflexão
resolve
pela organ
icidade
o problema da relação entre
ciência e ação. “Na política é a relação entre o Estado e a sociedade civil.”
224
Tal relação deve ser mediada pelo respeito à diferença de crença e opinião,
mas pela pré-disposição equânime à responsabilidade. Há inevitave
lmente,
quem indague sobre o aspecto local projetado ao global, a comparação entre
as dimensões
festa
, Estado e sociedade civil,
entre
tanto é bastante
clara
a
idéia
, que o autor traz,
ao
elucidar as contradições dialéticas entre homem e
natureza,
de “vontade centralizada”
225
. Em nossa concepção a realização da
festa
deve ser
a realização de uma
vontade popular
.
Não
se faz necessário que se
dimension
e (contar em números, extensão e
diversidade)
, esta esfera da vontade popular para determinar se em um dado
mom
ento
estanque haja nela indícios de universalidade como que se quer do
Estado enquanto democracia representativa. Até mesmo por que é uma tarefa
inútil
tentar
destacar
e descrever momentos estanques na dinâmica social do
popular. De quando Gramsci
(1966)
a
o
borda
r “hegemonia da cultura ocidental
sobre toda cultura mundial”
226
, para dar uma idéia do conceito de
universalidade conter e estar contido na dinâmica social do
popular
, por isso
não ser possível abarcá-lo de um único golpe de vista, nem ao menos em um
momento estanque, destacamos que “o que é importante é o nascimento de
uma nova maneira de conceber o homem e o mundo, bem como o fato desta
concepção não mais ser reservada aos grandes intelectuais, mas tender a se
tornar popular, de massa, com caráter concretamente mundial, modificando o
pensamento popular, a mumificada cultura popular.”
227
Ressaltamos que tornar
o conhecimento de massa é diametralmente oposto a se produzir cultura
de
223
Id., p. 112
224
Id., p. 112
225
Id., p. 112
226
I
bi
d.
, p. 126.
227
I
bi
d.
, p. 127.
140
massa
.
No primeiro caso trata-se de instrumentalização e articulação e o
segundo de passividade e dominação.
Mas acima de tudo é o tornar
-
se popular
que não permite sua captura e síntese. No impulso utópico de enfrentar esta
empreitada, ninguém
está
imune a aforismos e muito pior desvanecimento,
num eco infinito, de muitas fil
osofias
(especulativas
) e teorias. Nas notas e ao
final desta sessão, quando Gramsci
(1966)
volta a bombardear com críticas
mais incisivas, em especial o antijacobinismo de George Sorel e o pedantismo
de Henri De Man encontramos orientações que nos permitem retirar
protetores
e véus que delimitam e turvam a visão. A partir destas críticas é possível se
refletir sobre em que
ponto se colocar
, para melhor
noção
do
quanto é possível
para a metodologia abarcar o
objeto.
Diz respeito ao trabalho do pensador.
Des
ta premissa, alçamos a distinção que o autor faz em tendo como pano de
fundo histórico os anos de “1870 e 1871, [...] na França, as duas terríveis
derrotas: a nacional, que pesou sobre os intelectuais burgueses; e a popular, a
derrota da Comuna que pesou sobre os intelectuais revolucionários.”
228
Não é
difícil identificar os reflexos destas duas versões do intelectual nos dias de hoje,
o
reflexo da
primeir
a
continua
enquadrado na tarefa de elaborar para o Estado
o aparato científico e ideológico de dominação
controle
sobre a dinâmica
popular; e o segundo continua, em oposição ao Estado, postado
na
confrontação conceitual de ideologias de onde não se admite a grandeza
política do sujeito social popular, sendo que dele não se aproxima, exceto em
momentos de aclamação ou
em
calamidades públicas. Quando chamamos a
atenção para o problema dos modos de relação com a cultura enfatizamos que
acessá
-la ou portá-la refere-se a uma modalidade de aproximação que
contradiz
a
idéia
aqui apresentada de movimento de convergência, neste caso
atribuído a
festa
; esta aproximação está em contraposição ao
afastamento
necessário que a metodologia indica para definição ou identificação de um
problema. Este
afastamento
, por sua vez contradiz dialeticamente a inerência
orgânica fund
amental
que deve existir
entre
o
intelectual e sua própria cultura
popular
. Assim sendo, convergência não é de forma restrita
o
seguir as setas
para
um centro e sim o sentido de correntes que chocam gerando movimentos
diversos em diversas direções
irradi
a. Mas, é importante acrescentar que
228
I
bid.
,
p. 132.
141
nest
e movimento muitas correntes anulam-se entre si, pois tem argumentos
frágeis e impulsos débeis; outras, porém são capazes de absorver ou se
somam
o que torna mais hegemônica sua atuação nos confrontos. Neste jogo
de correntes - ideologias e contra-
discurso
-, o capitalismo se transformou
numa grande força e no sentido contrário de sua rota deve vir outra força
proporcionalmente
oposta. Esta força capaz de negar o princípio do capital é
a
negação do valor enquanto
va
lor de troca. Acreditamos que tal negação
somente exista
quando
alguma coisa é feita ou dada de graça
.
Poderá se
argu
mentar que esta conduta passe de simples formalidade para o bem estar
cotidiano
ou regras formais da sociedade, benevolência. Mas para a
fe
sta
popular
esta conduta é um princípio. Outros esbravejarão perguntando como
vai se gerar emprego e renda para alimentar a multidão de pobres? A resposta
para esta pergunta certamente
estará
muito menos entre as subjetividades do
mundo do trabalho do que
na
formulação da
ideologia
neolibera
l que domina e
controla a
divisão social do trabalho
.
Seguindo
com as criticas de Gramsci
(1966)
a
Georges
Sorel,
[...]
havia muito diletantismo, muito “jamais empenhar-se a
fundo
e, portanto, muita irresponsabilidade intrínseca nas
atitudes políticas de Sorel, que não eram jamais estritamente
políticas
,
ma
s
culturais
-
políticas
,
intelectuais
-
políticas
,
au
dessus de la mêlée
.
229
Apontando suas setas agudas para o pedantismo de De Man, na sua
“pretensão de lançar a luz, e em primeiro plano, sobre os chamados
valores
psicológicos e éticos’ do movimento operário”
230
, Gramsci
(1966)
apresenta
entre outras a seguinte questão:
[...]
A filosofia da práxis sustenta que os homens adquirem
consciência de sua posição social no terreno das ideologias; ela
exclui o povo por acaso, deste modo de tomar consciência de
si?
231
Mediante a questão apresentada pelo autor, podemos definir os modos de
relação com a cultura e em seu interior, não como pensar sobre ou para a
229
Id
.
, p. 132
“acima do conflito”
230
I
bi
d.
, p. 134
231
Id., p.134
142
cultura, mas sim
um modo cultural de construir o pensamento. “A tarefa de toda
iniciativa histórica é modificar as fases culturais precedentes, tornar a cultura
homogênea, em um nível superior ao precedente, etc.”
232
,
queremos crer
que
por
cultura homogênea deve se entender expansão do
perímetro
social
abarcado pelos
conhecimento
s mais recentes e
asseverados
por levar
à
autonomia transformadora e libertadora, mas
não
como
a homogeneização da
cultura conforme os
nivelamento
s estratificados
pela
quantidade/oportunidade
de
acesso
a informação
.
É interessante notar que Gramsci
(1966)
, em sua rigorosa acuidade ao abordar
sincronicamente cada pensamento, cada autor, não descarta de pronto e
terminantemente suas doutrinas negativas (positivismo, pragmatismo,
idealismo, funcionalismo, metafísica, est.); habilmente demonstra como se
extrai, através da crítica, o que houver de positivo ou profundo daquele
pensamento. Não somente destrói as argumentações
tautológicas
que não
levam a coisa alguma. Pensamos, neste sentido que, a falta de
reconhecimento de um horizonte, mesmo que utópico, de uma
autonomia
da
multidão
233
, permita externamente
a
chegada dos impulsos de condução,
indução e do controle.
Assim
, ao falarmos do modo de relação coma a cultura e em seu interior
,
queremos dizer que, quem pretender observar o caráter de popular da
festa
,
observará
, portanto, o ambiente popular da cultura que cria este momento,
ou
seja
, o modo pelo qual a cultura produz e se auto-reproduz através de
objetividades e subjetividades. Por isso mesmo, mais um sinal de alerta se
destaca, correspondente a um desvio recorrente na formação do intelectual.
Contra
seus
ultimo alvos nesta sessão, Gramsci ataca, desvelando além de
seu pedantismo, o filistinismo e
o
sectarismo
de Henry De Man, apontando
que
:
[...]
o
erro do intelectual consiste em acreditar que se possa
saber
sem compreender e, principalmente, sem sentir e estar
apaixonado (não pelo saber em si, mas também pelo objeto
do saber), isto é, em acreditar que o intelectual possa ser um
232
Id., p. 134
233
HARDT
;
NEGRI,
O
p. cit.
,
p.289
143
intelectual (e não um mero pedante) mesmo quando distinto e
destacado do povo-nação, ou seja, sem sentir as paixões
elementares do povo, compreendendo-as e, assim, explicando-
as
e justificando-as em determinada situação histórica, bem como
as relacionando dialeticamente às leis da história, a uma
concepção do mundo superior, científica e co
erentemente
elaborada, que é o
saber
; não se faz política-história sem esta
paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre intelectuais e
povo
-
nação.
234
As atitudes de
acesso
e portabi
lidade
do intelectual sobre o objeto
são
vias
livres para uma paixão superficial
.
O arrebatamento desta paixão cria um
deslumbramento qualquer que o conduz
às
sistematizações mais gerais e
distanciadas. Desta forma “as relações do intelectual com o povo-
na
ção são,
ou se reduzem, a relação de natureza puramente burocrática e formal; os
intelectuais se tornam uma casta ou sacerdócio” consultados pelas dirigentes
das classes dominantes sobre quais as
saídas
para as questões sobre a
cultura
:
Se a relação entre intelectuais e povo-nação, entre dirigentes e
dirigidos, entre governantes e governados, se estabelece graças a
uma adesão orgânica, na qual o sentimento-paixão torna-
se
compreensão e, desta forma, saber (não de uma maneira
mecânica, mas vivencialmente), então a relação é de
representação, ocorrendo a troca de elementos individuais entre
governantes e governados, entre dirigentes e dirigidos, isto é,
realiza
-
se a vida do conjunto, a única que é força social
.
235
Podemos argumentar que, o quanto, com as lentes do intelectual formal-
burocrata se pode abarcar do objeto, além de não significar vivência do
fenômeno, não corresponde de maneira alguma à adesão orgânica e muito
menos a compreensão
,
como sendo um
sentimento
-
paixão
, como quer o autor.
Observamos
, neste arrebatamento
que
, o sentimento que amiúde envolve o
intelectual das Ciências Sociais e das Ciências Humanas deva ser
o
sentimento popular
.
Pois
, tratando das relações humanas é em si apaixonante;
em seu funcionamento, se percebido de dentro é força - uma efusão de forças
.
Percebido de fora
é
singelo, telúrico etc.
, apenas formal.
234
GRAMSCI,
O
p. cit.
,
p.
139
235
Id
., p. 139
144
De Man “estuda” os sentimentos populares; não concorda com
eles para dirigi-los e conduzi-los a uma catarse de civilização
moderna: sua posição é semelhante à do estudioso d
o
folclore
,
que teme continuamente que a modernidade lhe destrua o objeto
d
a sua
ciência.
236
Para que possamos atingir a representatividade de um fenômeno, como no
caso a
festa,
em relação
às
atividades do homem, pelas quais julgamos suas
capacidades de conhecer
para
transformar
,
faz
-
se
necessário tomá-
lo
dentro
dos aspectos mais significativos da cultura, ou, pela sua pertinência na
forma
de
concepção do mundo; não apenas como
uma
noção
, mas em uma atitude
de
apreensão
.
Assim
considera
do, neste aspecto,
a
festa
, como afirma Maria
Nazareth Ferreira
(2005)
, na pesquisa realizada
sobre
a
s
f
estas
populares na
Itália
,
e da mesma forma
como
adotamos aqui, é
um
“instrumento privilegiado
para o entendimento dos fenômenos da comunicação”
237
;
chamamos a
atenção
para
o que pode demonstrar,
neste
instrumento, as possibilidades de
reconhecer
, em correspondência com a cultura enquanto totalidade das
relações entre o homem e a natureza, os mecanismos de sustentabilidade
desta relação entendendo que somente o
virtualismo
é em parte capaz de
suspender esta relação, pois não suspende a consciência.
[...]
atualmente
estas manifestações projetam no cenário da pós-
modernidade toda a força de suas raízes, as quais, sobrepondo
-
se
aos limites da liturgia e da fé católica, id
entificam as verdadeiras
faces da cultura como prática cotidiana e como expressão
comunicativa
.
238
Uma vez em busca de um dimensionamento dos potenciais dos modos
culturais que dão sustentabilidade àquela relação homem/meio, deve-
se
, então
respeitar
n
o
ex
posto
acima
, o que se anuncia
como
força de suas raízes
e
verdadeira
s faces da cultura
.
Correspondente ao que neste momento é o
236
Id., p. 139
237
FERRE
IRA, Maria Nazareth, As Festas Populares na Expansão do Turismo: a experiência italiana Arte e
Ciência. São Paulo, 2005, p. 23.
238
I
bi
d.
, p.24
145
objeto em questão, com o objetivo de identificar a origem comum desta força e
destas faces, recorremos neste ponto, ao que Maria Nazareth Ferreira
(2005)
de
s
taca do trabalho de Vittorio Lanternari (
Festa, carisma, apocalisse
.
Palermo,
Sellerio, 1989)
;
1) o sentimento da festa; o que faz com que a festa exprima um
atmosfera intensamente participativa, densa de conotação
simbólica e mítica, desenvolvendo uma função imediata e
coletivamente catártica;”
2) A institucionalização da festa; cada festa comporta uma
organização comunitária e uma regulamentação da parte do
grupo festivo, que é mais ou menos amplo ou complexo. Neste
component
e organizacional entra o quadro de referência
ideológico anteposto à festa e que segundo o caso, se refere a
um mito de origem ritual ou simbolicamente reatualizado, à
lenda de fundamentação de um culto; à imagem de um santo
cristão; à um momento crítico da existência ou a um evento
histórico, social ou político, que deve ser comemorado e re-
evocado, para renovar o impulso de vencer os percalços da
cotidianidade através do fenômeno festivo.
239
Partindo destas imprescindíveis concepções,
torna
m-se possíve
is
as
abordagens, primeiramente no que correspondem às dimensões subjetivas
ligadas as acepções interpretativas na história humana. Entendemos por esta
via
, que dos fatos históricos cotidianos resultem a partir da cultura, as
interpretações míticas, simbólicas ou realísticas e, a partir da força ou
capacidade de inerência ao cotidiano
, seja possível entre outras possibilidades,
revivenciar uma determinada índole comportamental que situe em determinado
tempo histórico, a relação do homem com seus iguais e com os objetos de seu
meio. Acreditamos que ao se revivenciar, através da
festa
, uma conquista
histórica representativa, por exemplo, seja possível uma demonstração desta
índole, não somente para efeitos visuais do contexto, mas também para um
reconhecimento me
morial.
Em segundo lugar,
merecem
destaque as
proposições objetivas identificadas como
um
quadro de referência ideológico
.
Neste caso, além da referência a um mito, um santo, ou a um momento
histórico
, entendemos que deva ser respeitada uma carga ideológic
a
significativa
, capaz de transpor a causalidade e elevar à historicidade um dado
239
I
bi
d.
,
p
p.24
-
25
146
momento.
Atualmente, como exemplos recentes desta carga ideológica
atribuída a um movimento objetivo, pode-se citar entre outras, no Brasil
as
comemorações do Dia da Consciência Negra e na Bolívia
,
o
que poderá vir a
ser uma data comemorativa, a aprovação por plebiscito de reformulações na
constituição
federal
,
que entre outras medidas estabelece cotas de participação
de representantes dos povos autóctones no senado
240
. O que se
argumenta
aqui é que as circunstâncias são marcantes pela ideologia, ou pelo confronto
de ideologias, e marcam exatamente por que certa hegemonia se faz a
consenso. Aquele fato, mito ou
ser
, passa a representar determinado grupo
cuja ideologia foi contemplada no ato. A isto devemos acrescentar que
,
para ter
se tornado motivo de celebração,
(
apesar de que em algumas celebrações haja
rituais lúgubres)
,
ainda se constata os princípios de cooperação, união,
solidariedade etc., pois uma
festa
, diferente de um ímpeto de felicidade, nunca
pode ser de um único individuo e o motivo nunca é vazio de ideologia. A partir
deste pressuposto devemos enfatizar dois aspectos bastante significativos que
conferem validade aos componentes políticos,
econômicos
e filosóficos da
festa
, enquanto um mecanismo sócio-cultural de manutenção das relações
humanas
:
O primeiro deles é a capacidade que a festa tem de
trazer para a atualidade, desde longínquas épocas, as
experiências culturais vivenciadas por determinada
população; o segundo aspecto refere-se ao fato de que,
mesmo contrariando as práticas intencionalmente
concebidas no momento da festa, os usos e costumes
mais profundos vivenciados pela cotidianidade e
entranhados no inconsciente
afloram
, mostrando a
verdadeira
face de um povo, moldada através da
cultura
.
241
Considerando
-se estes aspectos, ao menos três processos dinâmicos podem
ser destacados: a
identificação
que assegura a vida em sociedade, a
comunicação
como sistema da cultura, e a
articulação
entre passado e
presente
,
movimento pelo qual se faz a hist
ó
ria.
240
CABRERA LEMUZ, Adalid
.
El soberano Le dijo Sí a la nueva Constituicón.
Rebelion
.
Bolívia: 27
-
01
-
2009
Disponível em <
http://www.rebelion.or/noticia.php?id=79774
>
acesso em
27/01/2009.
241
FERREIRA
, O
p. cit.
,
p.26
147
Tratando da primeira dinâmica, não raramente tomamos a perspectiva de quem
se identifica; tratamos evidentemente do indivíduo, de
nós
mesmo
;
mas
ao
tomarmos a perspectiva daquilo com o que se
podem
identificar
como
o
s
valores, as crenças, usos e costumes; torna-
se
mais imediata a percepção
de
que a
festa
promove complementações dialéticas entre um tempo e um não-
tempo, uma descontinuidade orgânica (
social
). Ou seja, as manifestações
se
realizam em uma evasão da cotidianidade, não que se interrompa a cronologia
para posterior retomada, mas que no período de uma
festa
é possível alçar
outro
s tempos, até
as
origens. Neste processo da identificação,
outra
complementação dialética se a respeito das condutas,
ser
em relação ao
fazer
, da perspectiva do que foi feito, remontando às origens da celebração, e
do que está para ser feito, como rememoração do passado; as atividades,
atitudes e condutas, também remetem a uma índole comportamental de um
tempo remoto; por u
ns
momento
s o indivíduo se permite guiar por aquele
espírito.
Com toda “materialidade do ser a força de sua
existência
social”
242
assume
um paradoxo espaço-temporal de ser e
agir
em uma inversão da
realidade
. A possibilidade de tomar contato com experiências culturais de outra
ordem
, de outro tempo e circunstância,
pode
como pensamos,
permit
ir
uma
compreensão global do desenvolvimento humano. É desta inversão da
realidade que se verifica uma terceira complementação dialética, a do espelho
.
Não obstante a imagem refletida parecer perfeita, o reflexo invertido mostra as
distorções, a perspectiva refletida é impenetrável devido à
própria
materialidade do espelho e se colocamos um espelho defronte
a
outro de modo
que um reflita a
o outro
-
se
uma infinita replicabilidade
da imagem.
Com a reflexão acima não se pretende exatamente tecer críticas a perspectiva
da
festa
como um espelho através do qual o indivíduo busca explicações para
os percalços da sua existência. Ao contrário, com esta abordagem tentamos
compreender o que Maria Nazareth
Ferreira
(2005)
chama de “caos mítico
primordial
:”
243
A festa reproduz simbolicamente a condição do caos mítico
primordial, quando promove a anulação do presente. Assim, a
festa é um simbólico retorno às origens uma origem muitas
242
I
bi
d.
, p. 28
243
I
bi
d.
, p. 29
148
vezes imaginária ou reinterpretada necessário para garantir a
integridade do indivíduo.
Por outro lado, a festa possui uma dupla contraditória
potencialização entre conservação e criatividade cultural. De um
lado empurra o indivíduo à fuga, à evasão da realidade b
anal, do
cotidiano, para mergulhar no momento mágico da festa, que é
também o momento do sagrado e do caos primordial. Esta
evasão é provocada pelas técnicas que constituem a parte
essencial da instituição festiva: o riso, o jogo, a dança, a música,
a aleg
ria, o descontrole orgiástico, o dramático etc.
244
Corresponde
à segunda dinâmica apresentada acima, a afirmativa de que
a
comunicação humana é propriamente a cultura. Não pode haver sociedade
sem comunicação. À medida que o homem reconhece e desenvolve s
istemas
através dos quais transmite a
outro
, uma técnica, um saber, ou simplesmente
um modo de relacionamento, estabelece conjuntamente um sistema de
garantia de persistência daquele modo. Este sistema garantidor que reflete
a
reciprocidade entre cultura e
comunicação
, coloca estas duas dimensões em
também em complementaridade
mutua.
P
ortanto
, enquanto se desenrola esta
parte essencial da instituição festiva, entra em atividade este sistema
potencialidade inquebrantável, indefectível -
da
persistência
his
tórica. É
possível então, se admitir a este ponto que, a comunicação participa
diretamente na
articulação
entre passado e presente quando atua incorporando
novos valores aos tradicionais. A comunicação, ao se atribuir a dimensão de
fenômeno da convergência à
festa
, atua como fenômeno de
magnetismo
imanente, pois de outra forma não existiria a história, sendo que esta somente
existe pela intenção de ser comunicada, transmitida
:
Disto se deduz a importância que tem o ‘momento cultural’
também na atividade prática (coletiva): todo ato histórico não
pode deixar de ser realizado pelo homem coletivo’, isto é, ele
pressupõe a obtenção de uma unidade ‘cultural social’ pela qual
uma multiplicidade de vontades desagregadas, com fins
heterogêneos, se solidificam na busca de um mesmo fim sobre a
base
de uma idêntica e comum concepção de mundo (geral e
particular,
atuante transitoriamente por meio de emoção
ou
permanentemente, de modo que a base intelectual esteja
tão
244
Id., p. 29
149
radicada, assimilada e vivida que possa se transformar em
paixão).
245
Da proposição gramsciana concebe-se a relevância historicista da
festa
com
relação ao cotidiano. Assim, a terceira dinâmica se refere a um confronto
dialético entre momentos culturais do passado com vontades desagregadas do
presen
te, de cujo choque se produz um impulso que
desloca
a cotidianidade
para
frente
.
Da concepção gramsciana, relaciona
ndo
-
se
as três dinâmicas
interconectada
s com o devenir histórico,
pode
-se deduzir inclusive
a
capacidade pedagógica da festa
:
Toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação
pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma
nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo
campo internacional mundial, entre conjuntos de civiliz
ações
nacionais e continentais.
246
Chega
mos assim, a um conceito d
e
universalidade
atribuído à
festa
.
D
os
aspectos destac
ado
s
(polític
o
,
econômico
e
filosófico), da diversidade das
abordagens possíveis, e da
atemporalidade
,
conclui
-se que acima e antes d
a
validade da
festa
como objeto de estudo ela é o próprio estudo. As dinâmicas
anteriormente apresentadas transformam-
se
facilmente em princípios
pedagógicos.
Porém
, não interessa apenas enfatizar mais este
dimensionamento
do fenômeno festivo. Trata-se da concepção da
festa
como
mecanismo estratégico para constante revisão das
práxis
cotidianas. Por isso
também,
a necessidade de maior acuidade a respeito da possível perda deste
mecanismo pelos desvios ideológicos (
neo
)-liberais que, pouco a pouco
transforma
m a historicidade deste ambiente cultural,
em
mumificações
convenientes
à atração turística.
Há muito temos aprendido que, quando se percebe uma convergência de
interesses sobre determinado fato ou assunto, é por que problemáticas ali são
evidentes
ou constatáveis. Não será sem motivo que, se inte
nsifi
que
o foco
sobre o fenômeno
festa
, acima de tudo, quando é iminente o
confronto
de
245
GRAMSCI,
O
p. cit.
,
pp. 36
-
37
246
I
bi
d.,
p. 37
150
ideologias. Havemos de admitir que a
festa
não
seja
tão somente um momento
privilegiado para observação e possível compreensão antropológica das
identidades,
das precar
iedades humanas frente à vida etc.;
trata
-
se de tudo isto
e mais a concepção da
festa
como fenômeno da convergência, no sentido de
que ela passa a ser cenário do
entrave
entre a
concepção
ideol
ó
gi
c
a
(
neo
)-
liberal de mercantilização do mundo e a possibilidade de se conferir os
potenciais e a capacidade orgânica; de reconhecer e de reproduzir as
circunstâncias primordiais dos reais avanços. Por estes potenciais e
capacidade do que
chamaremos
deslocamento
histórico positivo, confere-se a
negação do homem como unidade estática e passiva e edifica-o como unidade
subjetiva
que sentido ao próprio
deslocamento
em contraposição ao
esquema de
rent
abilidade
justifica
ndo
o
progresso
.
É
este
o
cenário
onde
se pode consolidar a interatividade orgânica do
intelectual
, diante da atualidade dinâmica da cultura popular subalterna, sendo
que uma gama significativa do interesse pelo fenômeno
festa
é acadêmica
,
portanto trata-se de uma oportunidade histórica. Intelectual orgânico e cultura
popular subalterna “uma dialética intelectuais-
massa”
247
-, são aspectos da
convergência
. Antes dissociados pela incongruência falaz de u
ma
instrumentalização política que pretende hegemonizar ainda, a distinção entre
uma cultura de elite e uma cultura popular, agora, interconectados pela
força
social
do próprio popular.
A partir destes aspectos projetam-se outras concepções dialéticas
fundamentais na compreensão deste cenário do confronto das hegemonias,
mundo
-mercado e cultura-
conhecimento
:
À dialética entre reprodução/inversão, junta-se a dialética entre
tradição/inovação, indispensável elemento dinâmico dos
processos culturais. Por outro lado, a dialética entre
tradição/inovação, apesar de ser um elemento interno à festa
,
num sentido mais amplo, reconduz como a dialética entre a
rep
rodução/inversão a relação entre o festivo e o cotidiano.
Compreende outro conjunto de elementos interativos, de
mo
dificação, de sincretismo e de
criatividade,
os quais
constituem o produto visível no interior da festa; do dinamismo
247
I
bid.
,
p.22
151
e das relações que se desenvolvem entre o contexto e a festa em
si mesma
248
Subentende
-
se
por estas
proposições
, que exista
um
sólido e consistente
sistema
de produção/reprodução
cultura
l,
mais do que
característic
o
, própri
o
do
povo
; e, que tem por elementares o conhecimento histórico e a atualidade
cotidiana
.
Elementos
estes
que
, quando colocados em interatividade,
representam os consensos de propriedade e de reciprocidade, pelo poder de
envolver em um espaço/tempo delimitado
,
o cotidiano, pessoas e
as
coisas. Na
preparação da
festa
, o exame das possibilidades, uma tomada global de
atitudes e procedimentos capazes de uma
predição
, de um estudo. Na
execução,
a
práxis
fundindo teoria e prática. E, na ideologia o cotidiano -, a
história
, a experiência de releituras dinâmicas impulsionadoras do movimento.
Todo este sistema,
que
se
representa
por
conduta
s ou comportamentos,
não
pode ser aleat
oriamente
tomado e
nem
depois de “alterado para se tornar
entretenimento, deve ser preparado para consumo fácil.”
249
São inclusive,
diversos os organismos que fazem esta
preparação
da festa, escolas,
empresas de entretenimento, o poder publico nas três esferas (município,
estado e federação)
etc.
, no entanto,
é
o
povo
(aut
êntico produtor da cultura
popular
subalterna
)
que
permanece na condição de produtor e consumidor,
conforme a classe a qual pertença determinado extrato da sociedade,
será
correspondente
a quantidade e a qualidade do
acesso
a este movimento,
ou
sua implicância direta. Se d
e
um
la
do
temos
o conceito de
acessibilidade
,
como
o aspecto quantitativo da produção/distribuição
cria
ção
da demanda;
de outro temos o conceito de
portabilidade
, que faz deste conteúdo, uma pasta
de arquivos reprodutíveis, portáveis e transferíveis satisfação e
liberdade
que
cria num
átimo
, um falso e fortu
ito
senso de reciprocidade a experiência
idealista de propriedade
sobre
a cultura.
Vemos
com
tanta nitidez e
tanta
riqueza de detalhes, as cores;
podemos
, portanto,
deduzi
r que quanto mais
multifacetado
é este mosaico, maior a possibilidade de generaliza
ção;
vemos
tanto
, em um golpe de visão, no sentido explicitamente global da imagem,
que
simplesmente perdemos de vista ou
desconsidera
mos
qua
is
quer
reais
248
FERREIRA, O
p. cit.
,
p. 30
249
ARENDT,
O
p. cit.
,
p. 259
152
possibilidade
s da produção de conhecimento
implícita
nestas circunstâncias
,
servir
em
a propósitos políticos, econômicos e filosóficos de transformação da
sociedade.
Não
importa
por hora, questionar com respeito a
esta
s
atitudes
,
ou
seja, do quanto podemos
ver
o predomínio da imagem ou do fascínio por ela
ser o maior apelo, mas sim sobre o significado de
popular
como
lugar fecundo
.
Tomemos a reflexão de Gramsci
(1966)
para expressar como grandeza a
qualidade de
popular
:
Todo filosofo está e não pode deixar de estar
conv
encido
de
expressa
r a unidade do espírito humano, isto é, a unidade da
historia e da natureza; de fato, se uma tal convicção não
existisse, os homens não achariam, não criariam uma nova
história, isto é, as filosofias não poderiam transformar-se em
‘ideologias’
, não poderiam assumir na prática a granítica e
fanática solidez das
crença
s populares’, que têm a mes
ma
energia das forças materiais
.
250
O que existe de espontâneo na manifestação popular, corresponde à
s
propriedades essenciais da matéria; falam às ciências, podem ser lidas,
ouvidas
e falam as compreensões humanas (na sua totalid
ade)
serv
indo
às
transformações sociais. Cremos não ser necessário abrir
algum
debate
ao
postulado de Gramsci
(1966)
, mas, em especial para
que
possamos melhor
apurar
noss
a
argument
ação
,
devemos
destacar
os
qualificativos
, granítica e
fanática solidez
,
em
seu pensamento (até mesmo pela express
ividade
fonética
da língua
),
para começarmos a dar conta da
potencia
lidade
d
o
popular
.
A
festa
popular se carrega inexoravelmente, da mesma energia material, seja pelo que
compõe todo seu universo estrutural,
objetivo
e subjetivo, seja por representar
cultura
.
E, quando afirmamos a conexão da
festa
popular
subalterna
com
as
esferas
(do político, do econômico, do filosófico), apontadas desde o inicio da
reflexão
, e a “convertibilidade de uma na outra”
251
,
acreditamos poder
nos
referir
, em especial, às subjetividades edificantes da grandeza (da consciência)
popular
(de mundo)
. Acreditamos poder atribuir à
festa
a qualidade de porta
l
de
acesso
a este universo
estrutural
e
n
ele
apreender
,
mediante
a historicidade
,
sua concretu
de
-
o nexo dialético entre trabalho e
festa
.
250
GRAMSCI.
O
p. cit.
,
p. 114
251
I
bi
d.
,
p. 113
153
O
acesso
informativo
, como sinônimo ou atributo da
cultura
,
permite
ao
indivíduo
condição para
portá
-
la
, porém
não
cont
ê-
la,
permite por atitude,
obtê
-
la
sem
que dela se a
proprie
. Aqui se revela uma contradição, ao ter-se que
admitir
que os conceitos de
acessibilidade
e de
portabilidade
referentes ao
fluxo informacional, interfaces da cultura de massa,
pressup
onham
,
ao seu
ambiente (cultura da tecnologia a serviço da satisfação), também uma
relação
de proprieda
de.
Não é incorreto incluir, entre as
manifestações
da cultura
transnacionalizad
a estes procedimentos. Disso decorre que, a cultura
independente do ponto de vista pelo qual
a
abordamos
, traz em si esta relação
como princípio. Em outras palavras,
podemos
af
irma
r
que
,
muito
acima
do que
se possa representar (identidade), ou apresentar (de consumível) a partir
da
cultura, a ela interessa a relação de propriedade. Isto é, somente com uma
marca mais profunda da experiência cultural é que poderemos comprovar
empi
ricamente esta relação, e não a partir de um contato superficial,
fortuito
,
por mais que este contato seja suficiente para a
captura
. Não queremos com
essa afirmação estabelecer que somente quem viva esta relação possa fruir de
um fenômeno como o da
festa
; o objetivo aqui, analisando a perspectiva de
estudo sobre este fenômeno, a postura do pesquisador e mesmo a respeito
dos efeitos mais positivos da
festa
sobre quem dela participe, é de se
evidenciar a necessidade de uma dialética entre distanciamento
e
ap
roximação
a partir da qual se constate as verdadeiras dimensões do espírito festivo,
a
ideologia da
festa
De acordo com
este
acesso
a cultura,
como um
dos
aspectos
do culturalismo
da
cultura regulada -, a
festa
talvez seja
um
dos últimos se não o ultimo
dos
alvos
da cultura popular
subalterna
a ser atingido pela onda
(neo)
-
liberal
do
capitalismo. Um dos últimos, pois
devido
à
amplitude
e contingência
histórica
de sua base popular, ainda não convinha àquela onda como oportunidade de
mercado
. Se em dado mom
ento
constatou
-
se que este fenômeno anexa
va
-
se
á
possibilidade de afirmação da identidade nacional
cultural
, hoje, ao contrario
obser
va
mos
em
definitiv
o a diluição do espaço de sua construção.
Antes desta inversão comemorava-
se
o que seria fruto de deter
minada
ideologia
, de determinada época; as
celebraç
ões populares subalternas
sagradas ou profanas passaram a
corresponde
r ao calendário religioso
cristão.
154
“Entretanto, sendo, como eram manifestações profundamente enraizadas nas
práticas cotidianas da população, não restou outra alternativa à Igreja que
incorporá
-
las a sua Liturgia.”
252
Temos tradicionalmente no Brasil e na America Latina, as
festas
populares
subalterna
s em sua grande maioria apropriadas pela I
greja
Católica, que
mesclou expressividade popular com auto de fé. Também é preciso admitir
que, por esta mescla bem sedimentada, desde a participação dos jesuítas na
deformação
de uma cultura (modos e línguas), para a formação de outra, foi
também até aqui
,
responsável p
ela
grande
convergência
d
os
adept
os. Mas não
há espaço nem tempo para permanecer neste embate com a religião. Interessa
mais que possamos, entre outros objetivos admissíveis,
incluí
-la entre os
dispositivos de análise de problem
áticas
da ordem social.
Assim
,
a
festa
popular subalterna,
ao
conjugar em seu dinamismo histórico um sistema
comunicacional alimentado pela desenvolução constante e permanente da
cultura, redistribui no plano irregular da cotidianidade possíveis processos (re)-
construtores da identificação como “uma necessidade de reação ao mundo
contemporâneo, onde os contornos identitários estão cada vez mais
indefinidos”
253
pelo menos três aspectos importantes para uma análise do que
identificamos acima
como
absorção da
festa
pelo fenômeno global. Um
primeiro caso é o de instrumentalização, tudo que se refere ao poder de
envolvência da
festa
, desde o
marketing
, a logística até a partilha.
Neste
primeiro aspecto a comunicação é o elemento fundamental. Tanto no que
corresponde a manutenção dos costumes quanto na perspectiva da d
imensão
do evento.
Os
sujeito
s
,
atores
que
em se tratando de
festa
popular,
compreende entre
todos os envolvidos, a massa; não somente por pressupor
consumo,
pois a
festa
não deixa de ter como um dos objetivos a arrecadação, mas pela
vivência
. A
massa
também
não
pode ser contextualizada
somente
como
público
. A massa
popular
na
festa
subalterna
se compõe
de
atores que
252
FERREIRA,
O
p. cit.
,
p. 24
253
I
bi
d.
, p. 28
155
reciprocamente, se consubstancia no ambiente. o colorido, o burburinho e,
acima de tudo congrega interesses diversos em convergência. O
acesso
ao
fenômeno lhe é franqueado. A massa é convidada. A esta vi
ncia
corresponde
m
a
comportamentos
como os de vibração, característicos
festa
popular.
Existem pelo menos três significativas
ins
tâncias através das quais podemos
examinar
posturas
polí
tica
s n
ão
dimensionadas na
festa
como fenômeno e
ambiente.
Ressaltando
-se antes, porém que são prontificações, a princípio
espontâneas. Uma delas refere-se a quem importa a realização da
festa
,
a d
o
fe
s
teiro
.
A
festa
pode ocorrer como uma realização inusitada, sem uma
organização previa. A comemoração a um título ou a conquista de um prêmio.
Porém
,
a
festa
popular quando adota um sistema cíclico de realização, isto é,
quando passa a integrar um calendário festivo de certa comunidade, passa
também a considerar em sua organização um responsável, uma pessoa ou
grupo
de pessoas a quem caberá preparar, realizar e prestar conta à
comunidade dos gastos e do lucro obtido.
Os folgazões
;
empregamos esta terminologia por tratar-se, inicialmente, de
pessoas e grupos organizados sob alguma forma expressiva de manifestação
que participam da
festa
com intuito da complementação estética do
evento
.
São
os que representam toda parte lúdica da
festa
e a quem inclusive se dirige
nossa abordagem de forma mais específica, uma vez que esperamos
comprovar em parte, nesta segunda instância, assim como em outras,
um
conteúdo ideológico nesta participação. É importante frisar que, além da
classificação
como
atrativos da
festa
,
estas formas de manifestação eram
antes um gesto espontâneo
, não cabendo a elas nenhuma forma de obrigação.
A terceira instância diz respeito à
massa
.
Esta
é até certo ponto
indefinível
,
exceto
quando se-lhe confere o
status
de
público
. Mas enquanto sujeito,
atua e
se predispõe às negociações próprias do contexto, ou seja,
uma
predisposição
didática
em relação ao aspecto qualitativo de todo conteúdo da
festa
popular
.
Esta predisposição pressupõe, por sua vez, o comportamento das pessoas
corresponde
nte
a to
do
desenvolvimento do evento. Isto é, comportamento este
que
evolui conforme o que a
festa
oferece. Temos visto em muitos casos, que
objetivamente, propostas de eventos festivos têm obedecido à égide da
156
concentração de pessoas. Ou seja, atrações de renome (artistas cujos nomes
têm veiculação televisiva) são contratadas para atrair maior número de
pessoas.
Postulamos que, i
deologicamente,
o sujeito
massa
no contexto da
f
esta
popular subalterna, não deve se restringir a esta concepção (de publico).
Como entendemos aqui, a concepção de massa na historicidade do fenômeno
festivo,
correspondem
efetivamente
às
razões pelas quais uma
festa
torna
-
se
representativa das relações humanas
,
conforme o
seu
modo de produção. Este
momento, não somente comemora ou celebra um
motivo
. Demarca inclusive,
originalmente
, pela forma como se comemora ou celebra o espírito destas
relações. Diferente de se mostrar e de se ver, conforme a tendência da
linguagem usada acima como exemplo, a
festa
popular propõe que se
compartilhem todas as vivências; nada é sacralizado ao ponto de se
impossibilitar o
acesso
de quem quer que seja. Neste caso a
massa
não é
passiva nem submissa; como sujeito político, compõe, a seu turno as relações
de troca simbólica no interior da
festa
. Desta forma, em uma próxima edição do
evento
, a massa
comparece a fim de repet
ir o exercício.
Talvez possamos identificar
como
ideologia intrínseca
da
massa
, a que faz
com que a
festa
seja popular
.
De maneira
extrínseca,
(
neo
)-
liberal
,
culturalista
somente se
consegue fazer de uma
festa
popular
um evento que visa apenas
à
aglomeraç
ão, o acúmulo de pessoas desconsi
derando suas singularidades.
Ao
abordarmos
a Ideologia das
manifestaç
ões
cultura
is
popular
es,
não
estamos tão empenhados em provar a existência da ideologia nesta dimensão,
nem examinar sua substância e sua aplicabilidade, o quanto estamos
interessados na questão do posicionamento das orientações sociais
diante
desta ideologia; ao contrapô-la nega-se a matriz de transformação do
ingrediente popular (a necessidade); ao se admiti-
la
,
nega
-se o fluxo de
estratificações na passa
gem do popular para
o
de massa
.
157
3.
2
-
Espaço de
Negociações
Em todo
o
contexto do fenômeno festivo, dos preparativos ao desfecho,
se
encontram
em negociação, a satisfação, o espaço, o
acesso
, a história, a
propriedade, a socialização etc. C
hamamos negociação
, partindo do
pressuposto de que cada indivíduo que comparece, traz consigo anseios e
explicitações. Neste momento, mesmo havendo um
programa
que determina
certa ordem, todo o espaço físico e de tempo são predestinados ao espírito de
festa
. Todo o cotidiano
compreende
-se neste espírito, cada indivíduo
,
cada
casa
ou espaço pode assumi-lo e ampliá-lo. Antes de dar continuidade à
análise, devemos anunciar que para o desenvolvimento desta sessão,
incluímos as reflexões sobre as respostas colhidas em
trabalho de campo
cujas
contribuições mais contundentes estarão em destaque. Respostas estas que
foram colhidas junto a
um
dos
elemento
s-chave da
festa
popular
como
apresentado anteriormente. O
festeiro
(podendo ser uma pessoa ou grupo de
pessoas) é uma espécie de administrador da
festa
,
que ao final do evento
deverá prestar contas, no caso das
festas
religiosas
, à Igreja. Independente
disto,
é
a
instancia
encarregada de realizar a
festa
.
O
festeiro pode ser
indicado ou escolhido pela comunidade representada pela Paróquia ou por
uma associação de amigos de bairro, mas pode também se prontificar a sê-
lo.
254
Estará então
encarregado
de arrecadar
as
prendas
, organizar, convidar;
abrir e fechar o evento passando para outro a empreitada do próximo ano.
255
Ao nos referirmos ao festeiro como administrador, não se pode confundir com
outro tipo de administrador como, por exemplo, em relação à cidade, o prefeito
que
não rara e politica
mente
,
faz
festa
para si. Para o festeiro a festa do
povo.
256
Voltando à negociação. De que forma ocorre esta negociação? Quais são as
partes envolvidas? O que determina os valores para a troca? N
ão
como
,
ao
final calcular os dividendos desta relação de troca dentro do espírito mais
amplo da
festa
, uma vez que os valores do quais tratamos
o
incomensuráveis. A nosso ver
a
festa
não pode nunca centralizar-se em um
254
Entrevista concedida a este pesquisador em São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
255
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
256
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
158
único interesse ou uns mais do que outros; como espaço de negociação ela
deve ser o espaço dos interesses. Também, não se resume em que as
questões sociais sejam debatidas e deliberadas em ambiente de
festa
. Até
poderia ser, se assim observássemos a realização dos últimos FSM; no
entanto, como espaço de negociação, como comunidade instantânea, n
a
festa
popular subalterna
a oferta
é a de seu senso de democracia. Importante ter em
ment
e que, nesta consideração a negociação possa sobrepor o que se refere
às
hegemonias dominantes no contexto das
festas
, hoje. O lucro para o
comércio, para a Igreja e o prestígio para o poder político, têm sido molas
fundamentais na realização de eventos. Assim, quando partimos do
pressuposto de que as manifestações culturais próprias do ambiente
e
da
cotidianidade do bairro, foram preparadas para,
inicialmente
,
servir
de
embelezamento
da
festa
.
Sem este barulho de alegria a amplitude do espírito
festivo não se realiza.
257
Por isso fazer parte das incumbências do
festeiro
trazer
as Companhias de Moçambique, de Congadas e de outras danças
.
Merece destaque a este ponto que, de inicio estas Companhias compareciam
espontaneamente
, pela satisfação e pela devoção. O festeiro pode também
contribuir com
o
transporte e
a
alimentação.
258
hoje uma grande
dependência de ajuda para este tipo de participação nas
festas
.
Por esta
dependência passa a vigorar outro jogo de interesses; tanto para o comércio
como para o poder publico municipal,
interessa
m mais os eventos que atraiam
mais público. Cai por terra a idéia de espaço de explicitação ou de ambiente e
oportunidade no que se refere às manifestações expressivas, poi
s as intenções
são mais exclusivistas. Contrapõe-se a isto, o fato de que os bairros (rurais)
intercambiavam com estas manifestações. Ou seja, conforme a celebração, de
cada bairro, saem grupos que preencherão o ambiente do bairro em
festa
.
Todo mês de novembro um grupo
de
cavaleiros vai buscar a imagem de Nossa
Senhora das Grotas, no bairro das Grotas no município de São Luiz do
Paraitinga, para uma novena na Paróquia de São Vicente, nos bairro dos
257
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
258
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
159
Alvarenga, no mesmo município. A tradição garante chuva para o período de
plantação de milho e feijão.
259
Está em negociação o desejo. Dois o os pontos de vista do festeiro em
relação
à massa que freqüenta a
festa
.
O primeiro é que o evento deve
contemplar a expectativa desta massa, uma vez que ela fez experiências de
satisfação
anteriores naquele mesmo tipo de ocasi
ão.
Ou seja, o próximo
evento nunca deve ser menos completo que o anterior. Com relação à
presença das manifestações na
festa
, cada realização traz consigo a tradição:
se um festeiro chamou a atenção do povo para aquilo e o povo gostou; i
sto
serve para det
erminar que o procedimento deva ser repetido.
260
De outro ponto, o festeiro se obriga a oferecer no programa os espaços para
cada tipo de manifestação. Isto é, deve saber conciliar seu orçamento com a
predisposição com que as Companhias
de
danças populares,
se assim convém
chamá
-
las
,
se apresentam. Contudo, não se trata exatamente de regra geral
esta conciliação; a incumbência ou
a
vontade do festeiro são também
conflitantes
e, não raramente a tradição, com facilidade é modificada.
Portanto,
a
festa
é motivo
de
deslocamento
de grandes ou pequenas massas atraídas
para circunstâncias quase exclusivamente de interação. Tendo em vista que
ainda hoje, são fenômenos bastante constantes, pode-se concluir que estes
anseios
, no mais das vezes
são atendidos. Por esta pr
oposição
,
a
festa
tem um
fim em si, -
atrair
, pois, para que se realize. Mais do que consideração às
tradições ou ao prestígio, o termo que mais amplamente consegue refletir o
significado dos conteúdos que se negociam é
respeito
.
261
Que é q
uando
o
festeiro
ou realizador
supera
os interesses mais exclusivos e contempla
ao
máximo
os aspectos da composição da
festa
.
262
Salientamos que deste
respeito
depende a diversidade e a dimensão do evento e o quanto será
significativo para a experiência geral.
Respeito
este
que confere a cada
elemento
, importância relativa a
estas
dimens
ão
e diversidade, pois que todos
os elementos trabalham sob o signo da beleza, da grandiosidade da
festa
.
Tal
respeito
,
peculiaridade do povo, corresponde inequivocamente ao que temos
259
Entrevista concedida a este pesquisador em São Luiz do Paraitin
ga no dia 12/09/2009
260
Entrevista concedida a este pesquisador em São Luiz do Paraitinga em 10/02/2009
261
Entrevista concedida a este pesquisador em São Luiz do Paraitinga em 09/02/2009
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Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
160
chamado neste trabalho de
senso
s
de
reciprocidade
e de
propriedade
.
Uma
idéia de se articular com os recursos que estão ao alcance das mãos.
Cabe
neste ínterim, uma observação, sobre a consideração particular de quem
realiza a festa popular
.
Um
festeiro
pode não se interessar pelas
manifestações culturais próprias.
263
Conforme seu ponto de vista ou
a
que ele
represente, sob a concepção de que o elemento do Moçambique não sabe ao
certo onde termina sua religião e onde começa o “
folclore
”,
a celebração
poderá prescindi
r
de boa parte das manifestações, especial e
premeditadamente preparadas para estas circunstâncias.
264
Entendemos que,
considerando o movimento de auto-reprodução da sociedade, estas
manifestações com facilidade assimilam a religiosidade. O mesmo não se pode
dizer do caso contrario. Observamos que em alguns casos é com certa
resistência
que a Igreja incorpora a
os
seus ritos de , as manifestações
espontâneas, mesmo que estas sejam igualmente ritos de fé. Ou seja, melhor
que como parte profana da celebração,
permane
ça
no espaço que lhe cabe
,
de
embelezar e atrair. Uma vez que as manifestações expressivas da cultura e
mesmo a
festa
como seu ambiente de explicitação podem perfeitamente, e o
fizeram, ao assimilar a religiosidade, queremos argumentar se nestes
pro
cessos
, outras prerrogativas também não seriam assimiláveis, como por
exemplo
, o que poderia ser explorado como valor gnoseológico do que se
refere ao político, ao econômico e filosófico das atividades humanas.
Perguntamos se como evento de convergência e espaço de negociações, não
poderíamos debater, a respeito das subjetividades e da produção cultural ao
mesmo tempo em que estamos inseridos na experiência, em pleno
desenvolvimento.
Neste ponto entram em negociação também as explicitações. E
stivemos
exp
lorando este termo, ao longo das reflexões pelo fato de estar em completa
contradição com alienação.
“Deve se afirmar, antes de mais nada, que alienação é sempre alienação em
face de alguma coisa e, mais precisamente, em face das possibilidades
263
Id.
, São Luiz do Para
itinga no dia 09/02/2009
264
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
161
concretas
de desenvolvimento genérico da humanidade.”
265
Devemos
considerar que explicitação reflete plenamente o
desenvolvimento
daquelas
experiências
em todas e quaisquer qualidades.
Pressupondo
-se que esta
experiência jamais se dá, no contexto da
festa
,
de forma individualizada; que a
explicitação prevê sempre a participação de
outro,
isto é, uma conduta de
socialização; podemos afirmar seguramente que, apesar de temporário e
efusivo
,
a
festa
pode ser elevada a categoria de momento catártico e de
reflexão. Não nos r
eferimos menos ao seu conteúdo do que a todo processo de
preparação e realização. Todos esses momentos somados criam um universo
de intenções que traduzem de uma forma ou de outra, parte da sociologia
humana.
Considerar esta tradução depende muito mais de se avaliar as
posturas de inserção ou de intervenção, do que a aplicação de um sistema de
análise
s que demonstre o funcionamento de cada elemento
na
contextualização destes fenômenos. Isto é depende da consideração ao valor
de uso da
festa
, bastante
ainda
representativo.
Portanto ressalta-se nas
festas
populares subalternas, a dimensão
da
diversidade em correspondência com
da
universalidade.
A perspectiva de
su
as
possibilidades e
de
sua abrangência
tanto
quanto
para o que é lúdico, quanto
também para o que
é lúcido
.
Criação e distribuição dos espaços. Este é um dos
aspectos da diversidade/universalidade, tendo em vista o atendimento as
expectativas. Haja visto que, é crescente o interesse dos cursos universitários
das áreas de Sociologia, Comunicação, Turismo e outras,
pel
o tema,
festas
populares
.
Por esta via de abordagem está claro que passou a existir quase
que
uma
postura de exploração (de fora)
das
festa
s.
Na
quela
s que são de caráter
religioso e mesmo e outros casos, um motivo é oferecido em negociação,
um
santo, uma data, uma conquista.
Mas
, pode ser também um investimento, para
quem visa se beneficiar política e economicamente
.
266
Por estas práticas, a ideologia da
festa
torna
-se encoberta. Os sujeitos, com
seus espaços delimitados e demonstrativos,
apag
am
-se. Evidencia-se o
processo de alienação cultural. As manifestações próprias têm intuitos não
265
HELLER,
O
p. cit.
,
p.37
266
Entrevista concedida a este pesquisador em São Luiz do Paraitinga em 10/02/2009
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declarados, porém excludentes, entre o que serve ou não aos
propósito
s
lucrativo
s. Oposto á concepção da
festa
para quem
a
faz.
Mas, não para quem
a promove. Não está em apreciação qualquer equilíbrio que se possa alcançar
no movimento oscilatório dos interesses. Mesmo por que, assim acreditamos,
somente quando hegemonias confrontam-se é que podem surgir novas
orientações. Importa, porém a possibilidade de transformação do pensamento.
Para uma equiparação das forças, acreditamos ser
preciso
acrescer d
a energia
que for suficiente, o conteúdo ideológico que
fundamenta
tanto a
festa
popular
subalterna quanto as manifestações que lhe são próprias. Através deste
cont
eúdo
, reconhecer o que for próprio das subjetividades das relações
humanas. Próprio significa independer de comandos. Depender sim das
vontades e da soma das vontades -
hegemonia
. Comprovadamente,
com
o
quando o
festeiro
se obriga a
respeitar
o que foi aprovado pelo povo por
aquiescência não por imposição.
267
Muito menos se trata de homogeneizar as
vontades, pois é exatamente a diferença de vontades que cria possibilidades.
Podemos dizer a este ponto que,
a
festa
popular subalterna é uma experiência
bastante completa de auto-governo. Em um curto espaço de tempo, assimila e
organiza a participação de um grande grupo de indivíduos. Por se repetir
conforme datas e localidades, cria também uma estratégia de
resistência
em
uma rede de comunicação por onde atuam e se revelam as manifestações
mais espontânea quando o intuito é o da
festa
em si. Estamos dizendo que
pequenas e grandes
festas
,
como por exemplo, do interior paulista, persistem
em seus modos, por que persiste ainda o intercambio das manifestações mais
carac
terísticas. Assim como a recíproca é verdadeira. Muitas manifestações
expressivas da cultura popular subalterna persistem, pois ainda reconhecem
,
nas festas populares, os
seus espaços.
267
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 10/02/2009
163
3.3
Inserção
Inter
venção
O que colocamos em questão neste po
nto
,
é
a metodologia de aproximação
das iniciativas
, sejam elas acadêmicas, da sociedade civil organizada e mesmo
do poder público. Não é nosso objetivo tecer análises sobre a forma de atuação
destas iniciativas. Porém, depois das problematizações neste tr
abalho
desenvolvidas
, s
ão
necessárias
ao menos algumas considerações a respeito
das expectativas em torno da temática. Se de um lado trabalhamos no sentido
de dar ênfase ao que identificamos como o conteúdo ideológico que
consubstancia a esfera das manifestações populares subalternas, por outro
analisamos a metodologia na abordagem, quando ao se tratar da aproximação
acadêmica e a atitude de aproximação quando
ao
se trata
r do poder público ou
de organizações civis
:
Mas a estrutura da vida cotidiana, embora constitua
indubitavelmente um terreno propício à alienação, não é de
nenhum modo necessariamente alienada. Sublinhemos, mais
uma vez, que as formas de pensamento e comportamento
produzidas nessa estrutura podem perfeitamente deixar ao
indivíduo uma margem de movimento e possibilidades de
explicitação, permitindo-
lhe
enquanto unidade consciente do
humano
-genério e do individual-
particular
uma condensação
‘prismática’, por assim dizer, da experiência da cotidianidade,
de tal modo que essa possa manifes
tar
-se como essência unitária
das formas heterogêneas de atividade próprias da cotidianidade
e nelas objetivar
-
se
.
268
Também
para
o
desenvolvimento d
esta sessão partimos de uma
reflexão
sobre
as
observações
direta
s
de
indivíduos
atuantes nas manifestaç
ões
,
que
neste
trabalho auxiliaram-
nos
no tratamento com o
objeto
.
Os valores monetários
são, inexoravelmente, necessários para a realização do evento festivo, uma
vez que dificilmente se escapa
à
lei da oferta e da procura.
Contudo, interessam neste ponto, a
lgumas
argumentações
quanto
à
relação
que se pode fazer entre
a
festa
e
o que podemos chamar de
iniciativas
externas, ou seja, das propostas de apoio, de fomento, de preservação e como
criticamos, de
resgate
. Entre as respostas colhidas nos trabalhos de campo
268
HELLER
, O
p. cit.
,
p.38
164
destacamos que ao poder público cabe o controle sobre o tempo e sobre o
espaço físico bem com a responsabilidade com a ordem pública. E, apoio
financeiro, pois ninguém trabalha sozinho.
269
Entendemos haver a necessidade
de um tratamento mais aprofundado a esta questão de apoio financeiro,
primeiro quanto ao destino do que se arrecada da
festa
;
segundo
,
quanto
à
formação de um fundo básico para cada evento, em se tratando especialmente
das
festas
populares subalternas, não, porém
para
o
s
evento
s que
foram
cooptad
os pelo sistema mercadológico. Tratamos enfim de eventos públicos;
estes eventos em grande parte, ainda ocupam as ruas e muitas vezes toda a
cidade onde se realizam
.
Também foi possível perceber
que
, esperar por ajuda
não faz parte dos princípios básicos da formação das manifestações. A
questão se resolve
então,
com
transporte e alimentação
do
s quais não se pode
prescindir
.
270
Um mergulho
é a
real
possibilidade de ins
erção
neste caso. O homem já
passou pelo processo de edificação das
sociedade
s
.
Uma vez que j
á
deliberamos
sobre a necessidade do
outro
para a defesa e manutenção da
vida
,
mergulho
é
essencialmente
necessário
para
a compreensão d
o
s
instantes
de subjetivação
.
Isto quer dizer que, o que se refere ao sujeito somente se
efetiva objetivamente através do
outro
.
Quanto a esta afirmação não
necessidade de maiores aprofundamentos aqui
.
Interessa
é
reverter
o
esquema de individuação dos interesses, na medida dos recursos, das
novas
reflexões e ações neste sentido,
convergentes
.
Este
esquema
coloca
,
em
certo
ponto de vista, ricos contra ricos na guerra pelo poder; ricos contra pobres pela
manutenção da ideologia do poder; de outro ponto, pobres contra ricos
pela
manutenção da
resistência
,
e na pior das perspectivas pobres contra pobres.
Por sobrevivência, ou pela satisfação ilusória da posse dos bens de consumo
massivo,
-
se
nesta espécie de
distorção no interior da ideologia subalterna
, a
vulnerabilidade ao esquema de dominação
.
Ainda que alijados do que
entendemos
ser
a verdadeira proprieda
de
,
“os pobres podem servir como
representantes ou, melhor ainda, como expressão comum de toda a atividade
269
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270
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
165
social criativa.”
271
Medir apenas esta atividade, de fora, não pode conduzir a
qualquer modalidade de transformação, sendo que este ato criativo se exp
licita
na socialização. Neste ambiente, a própria restrição de recursos
consensualmente amplia as possibilidades e alternativas aos
outros
, como na
readequação de mecanismos e materiais. Podemos considerar em contra
posição que,
tod
a
a
tecnologia
aplicada
à reduplicação das formas, não condiz
com esta organicidade criativa. Portanto à dimensão subalternidade faculta-
se
a autocriação/recriação de seu ambiente. Aos ricos e dominantes
à
cópia.
A
intervenção
sendo um contra-
senso
parte
quase sempre do princípio
de
existência do
problema
e a quem afeta. Para ser resolvido
mobiliza
-
se,
conforme as teorias mais eloqüentes, quem est
aria
mais bem equipado para
tanto.
A concepção de
um
interregno
entre as classes subalternas, de massa
sem comando,
justifica
esta postu
ra
. A política de preservação, por exemplo,
cria também um quadro esquemático de ordenação de como as coisas devem
ser apreciadas. Um dispositivo de
articulação
das coletividades, menos da
identidade nacional cultural, nos moldes da intervenção. É importan
te frisar que
quando se este processo, o interventor procura o centro para
conduzir
as
tomadas de decisões e medidas. Por
ta
nto
,
tornam
-
se
inaceitáveis atitudes
como
esta
s
projetada
s
às
formas coletivas e autênticas de expressão. Por isso
salientamos que, mais do que encontrar formas adequadas de preservação ou
de manutenção da cultura, é necessário se estudar as possibilidades de
reestruturação dos sensos de propriedade e de reciprocidade do homem com
os ambientes
próprios para
sua socialização.
É impor
tante
destacar
na questão, não somente a relação entre ricos e pobres,
dominantes e dominados, mas o que se indaga a respeito de qual seja o lugar
dos intelectuais e das outras formas de interesse.
Se
este
lugar
é o da
indiferença
e, portanto
toma
-se a
dis
tância apropriada deste ambiente com
objetivo de melhor descrever o fenômeno;
ou
, de inserção experimentando no
cotidiano as vicissitudes
os momentos criativos da massa.
Para uma apreciação destas reflexões segue a apresentação de e
xperiência
s
que a nosso ver uniram e mobilizaram esforços
de
diversos segmentos da
271
HARDT, Michael; NEGRI,
O
p. cit.
,
p. 180
166
sociedade.
Ocorridas entre 2004 e 2008,
as
iniciativas realizaram-se na
ocasião da
Festa
de Nossa Senhora do Rosário, como também em uma
ocasião de cunho não religioso, no município de São Luiz do Paraitinga no
Estado de o Paulo. É importante ressaltar que estas experiências se
efetivaram em momentos de festa
,
porém, não sem uma filosofia.
Em outubro de 2004, realizou-se em São Luiz do Paraitinga um programa de
estudo sobre
História
e
Culturas
Africanas
no Brasil. A propósito de que
quando queremos divisar algo que está ao longe, procuramos elevar nosso
ponto de vista e, instintivamente postamos uma das mãos acima dos olhos,
diminuindo a luz que ofusca a visão e, no jogo da perspectiva, o que q
ueremos
enxergar
fica sob a nossa mão em concha.
No Brasil e na América Latina permanecem
questionamento
s a respeito de
identidade, etnicidade e mesmo de autenticidade cultural baseada em modos
ancestrais. Estes questionamentos têm reflexos evidentes em setores como a
economia, a política, a formação dos cidadãos e atualmente corresponde ao
nível de “risco” na esfera da geoeconomia. Apesar da forte pressão imprimida
pela velocidade com que se difundem as informações, e do quanto se impõem
os estereótipos mais gerais, estas respectivas nações têm buscado em suas
raízes étnicas a força, chamada hoje de “identitária” (mesmo quando se trata
de imigrantes), para resistir aos refluxos de uma corrente atual que suga as
estruturas nacionais para o buraco negro do mercado mundial. Buscam ali
também impulsos para reagir e lutar contra um processo global de exclusão.
Sabemos que muitos são os que não têm
acesso
à informação, à formação e
de maneira crescente ao alimento e à água. Não nos resta dúvida de que
estamos voltando para nosso senso de pertencimento, com uma leitura mais
atenta destas raízes. Tentamos, enquanto povo, construir e reconstruir uma
ética de comunidade.
Porém, não fazemos tal leitura senão quando voltamos nossos olhares para o
vasto horizonte das singularidades humanas de cada país, um olhar para
dentro da cultura de fundo mais ancestral de cada grupo. Podemos observar
efeitos desta leitura quando evidenciamos, por exemplo, o quanto se tem
167
descoberto de recursos naturais para as ciências médicas a partir de
conhecimentos da chamada “medicina popular”, ou “medicina da floresta”. No
que se refere às manifestações expressivas, a capoeira transformada em
disciplina em universidades mesmo de outros países. São certamente
indicativos das propriedades deste c
ampo.
Sem desmerecer as outras
nações
da América Latina, temos que dar destaque
ao Brasil pela diversidade cultural, devido à distribuição territorial de diferentes
“cruzamentos” étnicos, gerando interpretações distintas do mundo. Devemos
salientar que apenas começamos a dar os primeiros passos na compreensão
de quem somos.
Assimilamos infantilmente as influências culturais norte-americanas e as
etiquetas educacionais da Europa. Desfizemo
-
nos de nossas raízes lingüísticas
e quando olhamos para a cultura própria, a vimos, como (um bom) produto.
Ainda não conseguimos dar conta do homem brasileiro na sua totalidade e,
portanto, ainda não conseguimos salvar este homem de misérias sociais.
Apesar de muito ter se perdido, temos a nosso favor, além desta diver
sidade, o
fator
j
uventude
da
nação
. Com respeito ainda a este olhar para as raízes
culturais, de modo mais freqüente e em certos casos mais profundamente,
encontramos estudos descritivos à maneira de registro histórico como também
encontramos iniciativas que espetacularizam as formas em expressões do
nosso folclore”; contudo, estas expressões nunca deixam de estar carregadas
dos sentidos éticos e ideológicos das relações humanas, próprias das
circunstâncias de formação daquele povo ou
nação
. Em outras palavras, os
elementos que compõem o universo simbólico das
festas
populares ou de um
elemento expressivo dentro delas, têm completa correspondência com a
história vivida e o cotidiano daquele povo. Por isso mesmo, somos o que
somos, fazemos como fazemos por que descendemos e aprendemos com o
passado. São as ascendências étnicas, dentro um processo dinâmico de
“encontros e aproximações” entre diferentes etnias, que continua a comunicar
modos de ser e fazer através da língua e dos hábitos. Dentro de nossa porção
cultural africana, poderíamos, enquanto brasileiros, considerar que, num
primeiro momento, recebemos daquele continente, ainda que por i
mposição,
168
violência e ultraje, a força para o trabalho, para lutar e,
uma
resistência
moral
instalada na crença que se traduz em modos de expressão, com fundamentos
comuns, mas ressignificados, conforme o contexto
272
.
Contingentes humanos de ancestralidades distintas, distribuídas em porções
por territórios americanos que, durante culos, mediante uma ordem
socioeconômica que dividiu a humanidade em classes, gritam dentro de “nós”
ao som das Companhias de Moçambique, do Jongo e das Congadas. Daquele
primeiro momento, e ao longo da história de nosso país, temos vivenciado a
majoritária influência da cultura africana em vários aspectos das atividades
humanas neste continente. De lá para cá, este processo dinâmico e contínuo
de encontro e aproximação tem se revelado em uma observação e iniciativas
mais contundentes [como é o caso da Lei 10.639/03]. A cada vez que se
intensifi
car o foco sobre os modos de ser e fazer próprios das diversas regiões
da América Latina, em especial neste caso, do Brasil, haveremos sempre de
constatar um sentido
de
unidade em termos de cada
nação
. Porém, importa
bem mais, a complementação do indivíduo, a configuração dos sujeitos, o
autovalor em um processo de (re)
-
humanização da sociedade.
Estas porções para o Brasil são relevantes, uma vez que não se trata
simplesmente de miscigenação (como resultado de migração, por exemplo),
mas da própria formação do povo. Formação no sentido mais profundo que se
puder adotar, pois, tendo sido a nossa infância como n
ação
, modelada como
réplica de uma cultura “importada” e imposta
,
a maturidade deve ser crítica.
Ainda não tivemos tempo suficiente para aprender sobre o que se tem por
formado. Apenas começamos a penetrar no esboço de conhecimentos e
tecnologias oriundos destes encontros, mas estamos bastante avançados
quando falamos das fragilidades sociais (violência, drogas, prostituição infantil
etc.
). Por isso, se considerarmos o aspecto cognoscitivo da dimensão das
nossas subjetividades, é possível que encontremos muito mais que atração
para os turistas e fomento para o comércio. São certamente outros os sensos
de sustentabilidade, encontrados em culturas mais arcaicas e suas
272
FERREIRA,
O
p. cit.
,
p. 31
169
ascendências diretas. Como no caso da relação extrativa com a floresta de
seringueiros e castanheiros, que mantêm práticas na forma de
tradição
que
preservam o ambiente em oposição absoluta ao avanço das monoculturas e
das áreas de pastage
m dos grandes latifúndios.
Em muitos momentos, nestas práticas, o próprio trabalho (coletivo, pois tem
poder de igualar, transfere-se, socializa e une) é o momento da
festa
. No jogo
injusto das forças contra os
monopólio
s
capitalista
s muitas destas práticas,
são
simplesmente suprimidas; o homem é completamente separado de seu meio
de trabalho e ele próprio é reduzido à mão-
de
-obra. Mas, quando se torna
possível divulgar dados promissores da economia com base na participação
destacável da “agricultura familiar”, como se tem constatado em muitas regiões
do país, não podemos deixar de lado o fato de que o Brasil ainda se encontra
com um forte vínculo com suas raízes rurais, dadas as características
estruturais de formação histórica do povo. A disponibilidade de terras aráveis e
florestas (que ainda podem ser salvas e recuperadas) e a identificação com
uma cultura popular como reflexo do cotidiano rural pode significar alternativas
para a consolidação de uma base estrutural de sociedade orientada por valores
mais
humanísticos.
Sabemos que o universo das manifestações culturais populares no Brasil,
que
tem como uma das
matriz
es
a África é imensamente vasto e diversificado. Em
grande parte, estas manifestações traduzem-se em momentos de
concentração de pessoas em torno de inúmeras possibilidades de celebrar,
religiosamente ou não. Traduzem-se em momentos de
festa
. Fazem com que
analisemos, por um lado, as
festas
populares como eventos de convergência,
na maioria das vezes, oportunidades de consumo massificado e condi
cionado
para pequenas multidões móveis e específicas (como é o caso das
festas
country
,
festas
rave
etc.). Tais eventos chegam a mobilizar, de forma voluntária
ou involuntária, toda uma cidade ou toda uma região (como as
festas
juninas
no
Nordeste e do boi no Amazonas), e são vistos como ambiente propício para
grande mercado. Muitas vezes fica difícil distinguir o que não foi transformado
em produto. Entretanto, é necessário ressaltar que, diante de um olhar
investigativo sobre o que está preservado e sobre o que se revela quando se
170
demove a poeira do esquecimento, apresentam-se significativas retomadas do
uso
de muitas daquelas práticas, como são os casos em que capoeira,
M
oçambique
,
Lundu, Jongo, Congada, Maracatu etc., vão para dentro de
escolas ou ampliam a abrangência de projetos sociais. Simplesmente porque
estas grandezas simbólicas, contidas nas manifestações espontâneas
são
mantidas no histórico de muitas comunidades, que ainda preservam seus elos
de coesão, são uma vontade potencial. Grandezas estas que são colocadas
em prática apenas com a participação de indivíduos, seus instrumentos e
acessórios artesanais. Assim, propor o desenvolvimento de estudos no
ambiente da
Festa
do Rosário
trouxe
como inovadora a possibilidade
ideológica de se escapar àquela ordem de mercantilização de todas as coisas
,
inclusive da
festa
popular
.
Não se trata de introduzir práticas acadêmicas no ambiente de
festas
, nem
torná
-las tradicionais. Porém, como evento de convergência e como momento
onde culminam pulsões de desejos em realizações sociais cíclicas (como, por
exemplo, a
Festa
do Divino, cuja tradição é dar ao Divino em agradecimento e
por uma nova safra), acreditamos poder apreciar n
a
Festa
do Rosário o ponto
de partida para a identificação de modos comportamentais, com raízes étnicas
africanas e que esta identificação possa representar
alternativas
para o que
estamos vivendo hoje (exclusão e degradação do ambiente e desagregação
social). Acreditamos que nos instantes de
festa
, o estudo possa ser tão lúdico
quanto uma procissão ou os guizos e batuques. Não é necessária a distinção
por disciplina ou o tipo de manifestação cultural observada isoladamente;
interessa sim, a atmosfera de coisas se fazendo no espaço/tempo da
festa
como tal. Além d
e
um momento
,
ápice de um p
rocesso, muitas vezes cíclico, a
festa
é também a vivência
criativa
. A seguir o que foi experimentado,
precisa
ser difundido e apreciado como valor (de uso), não de mercadoria. Com
persistência, de dentro deste laboratório possivelmente replicaremos prátic
as
significativas para o desenvolvimento da sociedade humana.
A própria
festa
se apresenta como veículo de difusão. Sua replicabilidade se
revela tanto na diversidade de temas conforme as regiões, como na quantidade
de datas festivas tradicionais do Brasil. Consideremos ainda que cada
171
localidade traduziu, à sua maneira
,
as influências formativas do cotidiano. Uma
luz sobre o universo das atividades, ferramentas, noções de economia
,
política,
ética, solidariedade, estética. Tudo aquilo que se pode destacar com respeito à
influência da cultura africana deve ser respeitado aqui
,
como elementar quando
tocamos a porção maior do povo brasileiro. De quando falamos, comemos,
trabalhamos, festejamos e construímos, pode-se destacar sempre alguma
coisa trazida daquele continente que continua latente, tanto aqui quanto lá.
Poderíamos conjeturar que o processo de comunicação das influências
continua (principalmente quando falamos de trabalho, comida e sica), agora
amistosamente. Este é um processo dinâmico que pode ser alimentado ao
ponto do intercâmbio cultural mais direto para que a aprendizagem, e
principalmente o reconhecimento de nossa ancestralidade, se permita à
complement
ação
.
Em muitas cidades do Brasil se celebra a Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos, em destaque aquelas cujos negros puderam erguer uma
igreja. Em São Luiz do Paraitinga, cidade reconhecida pelas
festas
, pelo
carnaval, pela
Festa
do Divino, e agora pela
Festa
do Saci e pela Semana da
Canção Brasileira, por ser a cidade natal de Oswaldo Cruz, Elpídio dos Santos
e Azis Ab’Saber; por ser uma cidade construída em boa parte por mão-
de
-
obra
escrava, por ainda preservar grande parte da população em zona rural e
porções nativas de Mata Atlântica, configura-se um ambiente bastante
oportuno, para o desenvolvimento deste tipo de
atividade
. E, por se
intensificarem nos últimos anos, sob orientação de diversas disciplinas, as
visitas e a permanência de estudante e pesquisadores a cidade também
desenvolveu seu potencial receptivo.
Se projetarmos esta
ini
ciativa para uma situação
tribal
, poderíamos imaginar
um momento a cada ano em que os anciãos falam aos mais jovens antes de
comemorar uma colheita ou outra vitória. Certamente este
conselho
é algo que,
com o processo de individualização do ser humano, mesmo e principalmente
nos núcleos familiares, se tem perdido, pois são outros os valores éticos e
morais, como se destacar, por exemplo, o uso da força física para os jovens.
172
Considerando
-se o grau de replicabilidade do programa projetado à extensão
do território nacional, é interessante que se procure garantir os aspectos
correspondentes às dimensões
do
político
e do ideológico, para a organização
da sociedade e dos princípios pedagógicos cujos objetivos são a síntese e a
continuidade do processo histórico de formação. Dentro da
iniciativa
, estas
diretrizes estarão sempre acima da fomentação ao turismo (predatório) e da
comercialização de bens culturais. Por isso mesmo, a
festa
deve se manter
popular, feita pelo povo e nas ruas. É preciso reconhecer que muita
s
fe
stas
,
dentre elas a
Festa
do Rosário carecem de fortalecimento e apoio. Neste
sentido dois propósitos se casam: manter a
festa
e desenvolver conhecimento
a partir dela.
Vivemos um instante bastante adiantado do globalismo. Temos assistido a
episódio
s, em muitos pontos do globo, que revelam muitas vezes reações, das
mais variadas naturezas, mas que freqüentemente correspondem a questões
de fundo étnico, como preconceito e discriminação e que têm como
conseqüência violência e exclusão.
Nações
da América Latina, por terem
passado por processos de colonização impositivos, e que, no entanto, foram
projetadas aos reflexos destorcidos da modernidade da Europa, hoje lutam
pela consolidação da democracia, não somente como regime, mas ampliada ao
Estado. Nestas
nações
, onde alguns dos presidentes saíram de camadas mais
pobres e desfavorecidas da população e que por isso expressam “valores
culturais e identitários diferentes dos hegemônicos”, como escreve Dennis de
Oliveira
273
, podemos perceber uma forte tendência à valorização das “riquezas
próprias”, tanto das fontes materiais de recursos, quanto das subjetividades
(considerando como subjetividades a esfera do saber científico ou popular).
Nesta segunda fonte é onde podemos identificar o ser humano inteiro,
intrín
seco
274
. A
festa
como um espelho das atividades cotidianas de uma
coletividade é também uma lente por onde podemos divisar fases do
desenvolvimento humano onde muitas vezes se constataram momentos sócio-
273
OLIVEIRA,
Dennis.
Por uma práxis jornalística alternativ
a
.
Jornal da USP
-
Publicação da
Coordenadoria Social
-
Ano XXIV, nº 846 de 29/09 a 05/10 de 2008. p. 13.
274
HELLER,
O
p. cit.
,
p. 27
-
34.
173
econômicos menos díspares, de maior sociabilidade, pois
uma
festa
é
impossível com um único indivíduo
, como já foi expresso
.
Do ponto de vista sócio-econômico, quando pesquisamos as raízes dos
eventos celebrativos encontramos freqüentemente o fenômeno da consagração
de alimentos a divindades especiais, como forma de garantia da proteção e de
novas safras. Em alguns casos, parte da colheita era dada como oferenda, em
agradecimento. Um exemplo notório desta postura é o fato de que as
Companhias de Congadas e de Moçambiques não admitirem o cachê artístico
.
Esta
fo
rma de oferenda, ainda em prática hoje em dia (o afogado, na
Festa
do
Divino), que é distribuída gratuitamente entre a população corresponde (e é
possível a partir de) a um excedente da produção e por este aspecto pode
corresponder também a uma espécie
de “prestação de conta”, Não exatamente
um balanço monetário, mas, muito mais um demonstrativo do potencial da terra
e do trabalho, e das totalidades humanas (capacidades, necessidades, ciência,
prazeres, forças e habilidades).
A contradição está obviamente na distribuição gratuita de um excedente que
hoje não escapa à produção de renda, mas pode ser analisada como senso de
uma economia que tende a reverter o conceito de propriedade; de privada para
o de relação de apropriação, mais concernente às relações humanas do que
tão somente a acúmulo de capital. A vida não pode continuar se resumindo em
produção e consumo. Devemos sobrepor esta dependência,
com
o vícios de
comportamento e experimentar a liberdade.
Se algo está sendo festejado, não poderá ser por um saldo negativo. Para que
se efetive esta positividade, é preciso que se recarregue de sentido simbólico o
ciclo de determinadas
festas
brasileiras que, destituídas de suas características
fundamentais, tiveram estilizada sua aparência circulando como
image
m/info
rmação. No caso específico das iniciativas realizadas
a
Festa
do
Rosário dos Homens Pretos é a nossa lente. É através dela que se pretende
contribuir para que a história e a cultura africana se perpetuem nas raízes
históricas do Brasil como conhecime
nto e cultura.
174
Outro
evento que além do caráter festivo
,
também se transformou em ambiente
de observação da realidade circunstante foi o Seminário sobre Cultura
Caipira: História e Perspectiva Atuais O Papel da escola e da Comunidade,
realizado na cidade de São Luiz do Paraitinga nos dias 21 e 28 de julho de
2007
complementando a
festa
de aniversário da SOSACI (Sociedade dos
Observadores de Saci)
.
Em
outubro de
2008
, na mesma cidade, uma nova experiência sobre História e
Culturas Africanas no Brasil s
e
realizou
desta vez com oficinas de Capoeira
Angola, Palestra com Pedro Moraes Trindade
275
e a presença da Companhia
de Congada da Fonte Imaculada e a Companhia de Moçambique Mirim do
Bairro dos
Alvarenga
.
A partir destas apresentações, devemos esclarecer que não estão em
questão
,
nem
verificar
a participação das diversas iniciativas, nem dimensionar
a funcionalidade de suas ações mediante algum problema previamente
observado. Importa, antes de qualquer coisa, considerar
,
no que corresponde à
ideologia das classes subalternas através das
festas,
o que nesta, existe com
sentido de universalidade. Não somente no que se refere à diversidade quanto
ao que se pode propor, mas pelo seu sistema próprio de comunicação em
massa.
Se acatarmos a proposição de valor gnoseológico atribuído ás
manifestações singulares da cultura, podemos perguntar se não se revelam
neste contexto também as possibilidades de relações pedagógicas. Haverá
momento
s
mais
frutíferos para as relações de ensino e aprendizagem do que
nas experiências espontâneas e livres? Perguntamos também: pod
eríamos
inserir
entre estes
,
os momentos lúdicos da
festa
popular subalterna?
Se não estamos tratando exatamente de um dispositivo da articulação -
um
contra
-
discurso
à ideologia dominante ao menos poderemos considerar uma
porta de
acesso
a ele
.
Se assim o temos
, lançamos o alerta para
o
processo
ou
de dissolução deste espaço quando se enfraquece a vontade popular, ou
quando
,
com os fetiches da maquiagem liberal
cresce
-
gerando lucro
.
275
Pedro Moraes Trindade é Mestre de Capoeira Angola em Salvador
Bahia. Autor da Tese Do Lado de
Cá da Kalunga: os afri
canos angolas em
Salvador 1800
-
1864
UFBA Universidade Federal da Bahia
data de entrega 15 de setembro de 2008
1
75
Portanto a
inserção
diz respeito ao sujeito que se integra pela própria
ação
é
subjetiva
;
o objeto desta atitude são também as subjetividades das relações
materiais humanas.
Defrontamos
-nos, obedecendo à metodologia com uma
intersecção dialética entre sujeito/objeto. Neste momento o pesquisador, por
exemplo, transporta-se para condição de objeto da problemática como um
todo. Metodologicamente, a problemática controla a distância precisa para a
perspectiva que se quer tomar.
Permite
até certo afastamento para as
confabulações
. Porém sem o que consideramos ser a inserção, todo
empenho
nas observações poderá vir a não passar de um aporte teórico.
Como na intervenção ou
interferência
, os objetivos mais distintos e difusos dos
sentidos iniciais da
festa
bem
como
das manifestações espontâneas que
nasceram em função dela. Em função de alguma forma de vantagem, não
sequer aproximação, pois precisam ser resguardados os respectivos espaços
disciplinares e
seus respectivos
gabinetes.
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176
CAPÍTULO
4
CASQUETES, PAIÁS, FITAS
,
BASTÕES
, ANGUÁIAS E TAMB
US.
4.1. Equipamentos Simbólicos
Uma ocasião de
festa
não é nunca um momento comum. Apesar de se inserir
no cotidiano é sempre uma ocasião em que, auspiciosamente, muitos
preparativos são feitos. De um lado, com apresentamos, pelos que realizam
a
festa
,
de outro, os que vão para o evento, levando suas perspectivas e
promessas. dentre estas atitudes, aquelas que simplesmente se
resumem
em se fazer presente na ocasião. Outras que se traduzem nas intenções
religiosas. Porém, existe uma forma de participação, que passou a ser
imprescindível, que correspondente a própria realização da
festa
. Não quer
dizer que uma
festa
não possa ser feita sem este componente, mas que neste
caso um vazio reclamará a falta. Trata-se das manifestações expressivas.
Queremos com esta propositura, destacar neste ponto, algumas reflexões
sobre como se preparam os dançadores para estas ocas
i
ões
. Sabemos que há
uma preparação do espírito, ou seja, é quase impossível que entre os
acessórios e as paramentações não estejam impressas na consciência a
memória saudável deste momento de alegria.
177
Inicialmente,
devemos distinguir estes
acessórios
.
Os nomes que acima foram
usados para dar título ao capítulo, referem-
se
a objetos usados como
acessórios na Dança do M
oçambique
e no Jongo. No Moçambique, os
C
asquete
s
são
um
a espécie de
boina
de tecido bordado complementando o
uniforme.
Os
P
ai
ás são pares de chocalhos feitos a
princ
ípio com latas e
sementes ou cacos de conchas, amarrad
os
abaixo
dos joelhos
dos
dançadores,
posteriormente passaram a ser usados pares de guizos
que dão
um
chiado
bastante característico
do
gênero, acentuando o ritmo. As F
itas
adornam os
uniforme
s e as bandeiras, servem inclusive para diferenciar os
pares na
contradança
. Os B
astões
de madeira (guatambu) são manejados e
percutidos durante as danças em diferentes coreografias
.
No Jongo a Anguáia
e os tambus são instrume
ntos rítmicos que ajudam na cantoria.
276
Não são somente estes os materiais usados, nem foram aqui escolhidos
como
principais.
Além da
intitulação
,
pensamos em introduzir através destes, as
reflexões
sobre a carga simbólica que possam ou não trazer
quando
associados à expressão de uma linguagem e sua reciprocidade com a
atividade cotidiana. Antes, porém, é importante que se esclareça que em boa
parte as reflexões são amparadas nas contribuições dadas a este trabalho de
pesquisa, na sua fase de campo, por pessoas têm completa ligação com as
formas de manifestação que servem ao nosso foco.
277
É importante
ressalvar
que, tratando-se de metodologia com fim não-quantitativo procuramos nos
concentrar em pontos de congruências e de conflitos, com objetivo de
identifi
car possíveis desvios e
possíveis
convergências com respeito ao
político
-
econômico
-filosófico das
festa
s
aos quais daremos destaque
.
Se o capitalismo atribui preço ao valor, o neoliberalismo movimenta o mundo a
partir do consenso sobre a possibilidade de lucro monetário nas coisas.
Estas
mentalidades quando colocam em sistema de disputa o
safar
-
se
individualmente pela posse, pelo acumulo de valores e pela concorrência,
permit
em postular que a
maneira
de subvertê-
la
s diametralmente deve ser
276
Entrevista concedida a este pesquisador em Lagoinha no dia 13/02/2009
277
Entrevistas concedidas a este pesquisador nas cidades de São Luiz do Paraitinga e Lagoinha entre os
dias 09 e 14 de fev. de 2009
178
encontrada
quando se compreende o que se apresenta
em
fundamental
contradição
a elas,
ou seja
,
em valores comuns que não tem preço.
A g
lobalização
(
neo
)-liberal envolve e
acesso a tudo p
ela
égide
da
ocidentalização do mundo. Globaliza o que é da esfera do objetivo e do
subjetivo; do que é objeto das transformações e do que é da consciência
humana. Ao pretendermos trabalhar o valor atribuído a uma manifestação ou
sistema de manifestações culturais, chamamos a atenção para o que, dentro
deste sistema ainda não traz preço impresso; o acesso a
isto
pode ter, mas
possui em si um escudo ao preço que é seu próprio valor enquanto
subjetividade, enquanto equipamento simbólico dentro das relações de trabalho
(a atividade humana). Está intrínseco nestas relações; não é um hiato
compensatório do labor. É em si o
próprio
trabalho cujo núcleo complementa-
se de objetividade e subjetividades. Falamos de atividades que estão em
completa função com a socialização. Portanto, seu valor somente se efetiva ou
evidencia quando em relação ao
outro
.
Valor histórico ou valor de informação
sequer se aproximam do valor do símbolo. O problema consiste
em
que
o
simbólico
ao ser revelado pela ciência ou pelo afã liberal passa a pe
rtencer
à
ordem daqueles
valores
. A princípio, a descoberta parece circular
tematicamente pelas salas de estudos, gerando nova série de conceitos, como
acontece ultimamente com o tema identidade, em seguida passa ao esquema
de distribuição do acesso -
glob
alização.
Argumentamos que esta metodologia
é correspondente a um pensamento de ocidentalização do mundo; utopia de
socializar o mundo através da circulação da informação. Todos estão sabendo.
Contudo essa acessibilidade não se traduz em auto-
reprodução
enquanto se
resume em
uma via de mão única da produção ao consumo
. Deixa
-
se, contudo
de considerar o quanto aquele valor simbólico representara sobre o fator
socialização.
Observamos que se diluem os ambientes e as oportunidades vão
se dissolvendo conforme o interesse mais premente.
Podemos
, a este ponto,
citar o que nas entrevistas se apresentaram como dificuldades. Dentre elas, a
mais freqüente é a questão do
transporte
.
278
É interessante pensar que como
dificuldade,
esta questão sempre existiu. No entanto é mais
sentida
,
atualmente
,
quando
existe
m em maior quantidade, veículos motorizados. No
278
Id.
, São Luiz do Paraitinga e Lagoinha entre os dias 09 e 14 de fev. de 2009
179
período dos bairros rurais
ia se
a pé ou
a cavalo
(dificuldades naturais)
.
Não há
crítica ao progresso, mas ao fato de que esta quantidade tem direcionamentos
que na escala das prioridades não contemplam ou contemplam menos os
deslocamentos dos que expressão sua cultura.
279
O custo de uma viagem se
interpõe entre a espontaneidade e o ambiente de explicitação. Decorre desta
interposi
ção outra dificuldade que diz respeito à participação na
festa
.
A
o
contrário do convite para animar o leilão na festa
,
o Moçambique é chamado
para uma exibição com tempo contado competindo pelo espaço com os
sistemas de reprodução eletrônicos de som.
280
Outra dificuldade apontada está em
se arrumar parceria
e reunir as pessoas
.
281
A este respeito consideramos primeiramente toda a transformação física do
próprio lugar. Entretanto levamos em conta a marginalização daquelas formas
de saber; o pré-conceito ao s
e
de
frontar com os enxertos da modernização
a
tecnologia é outra. Quando concebida no limite das manifestações
espontâneas pode parecer uma abordagem simplista, mas se ampliamos para
o
circuito
da formação do indivíduo, podemos questionar se toda
divulgação
seja ela dos modos antigos de expressão (riqueza cultural) como os mais
modernos têm da mesma forma, ampla capacidade de formar sujeitos. Não
deixa, contudo de preparar especialistas e técnicos, que de uma maneira ou de
outra são, eventualmente absorvidos pelo mercado. Também não deixa de
formar público/consumidor, mas não se apresenta tão eficiente na formação da
afetividade, no vinculo sensório-emocional da sociedade. Nas entrevistas
concluiu
-se por um padrão diferente da tradição antiga.
282
A partir desta
observação pode se admitir que por padrão compreende-se um conjunto de
procedimentos
que não se reduz às partes. Não se trata de um problema desta
ou daquela área ou setor que deva se tratado pontualmente como na maioria
das vezes são as propo
stas de preservação
. Trata
-
se do problema em torno da
consideração aos valores morais sendo que estes participam
fundamentalmente na compleição física e por que não, metafísica do sujeito.
Compreender e transformar o mundo não dependerá das somas, das quan
tias
investidas, mas do quanto ainda se poderá restituir ao elemento humano sua
279
Entrevista concedida a este pesquisador em
São Luiz do Paraitinga no dia 14/02/2009
280
Entrevista concedida a este pesquisador na cidade de Lagoinha no dia 13/02/2009
281
Entrevista concedida a este pesquisador na cidade de
São Luiz do Paraitinga
no dia
14
/02/2009
282
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia
14/02/2009
180
relação de auto-reprodução em ambiente que lhe seja próprio.
Merece
destaque a contradição que se pode observar que neste processo onde não se
formam novos sujeitos plenos, consiste no fato de que primeiro na pós-
modernidade a cultura é colocada como algo ao qual o indivíduo poderá
escolher fazer parte ou não. Depois de feita a escolha terá de concorrer a
ela.
Difere do conceito de cultura tomada ao ambiente de sua propriedade.
Ao reclamarmos
maior
ênfase para o valor simbólico destes equipamentos,
diretamente reivindicamos o reconhecimento dos sensos de propriedade e de
reciprocidade na base de formulação da ideologia que sustenta o saber.
Esta
base deve compreender e relacionar tanto a atividade dos que praticam quanto
dos que pensam e concebem teorias sobre a atividade no movimento não-
uniforme
da dimensão subalterna da sociedade
.
O
Valor de uso
e
o
valor de troca dos equipamentos simbólicos,
corresponde
m ao que
identificamos
, nas respostas colhidas
283
, como atributo
d
os
acessórios
(dos aparelhos
,
como são
comumente
chamados
), por
exemplo
,
a capacidade de concentrar por um lado
refer
ência direta ao uso, ou
seja, valer como instrumento
s
para ajudar na cantoria
,
como
embelezamento
elemento atrativo da
festa,
como
autenticador da diversidade
na expressão dos
modos culturais
.
No conjunto estas condutas
também
se
vincula
m a valores de
troca
; uma vez quando compensação pela atenção ao trabalho, ou seja,
quando se leva em conta que a
festa
é o ambiente
primordial
de explicitação
daquela
s formas, neste caso não circulam valores monetários diretamente,
tampouco se obedece algum tabelamento prévio; outras vezes, quando a sua
função se estabelece em atrair público para finalidades meramente lucrativas
ou então de vender uma imagem de riqueza cultural nacional a despeito da
marginalidade social onde se desenvolvem
.
De outro
lado
,
uma carga
de cognitiv
idade
quand
o fitas de diferentes cores
são usadas caracterizando grupos que se interpelam em confronto lúdico
nas
performances de uma dança. Sem este confronto não
desenvolvimento do
bailado ou dos
manejos
(percussão dos bastões no Moçambique). No Jongo
este confronto se na própria
roda
onde ao movimento frontal com outro
participante, muda-se a direção para outro movimento frontal com outro
283
Entrevistas concedidas a este pesquisador nas cidades de São Luiz do Paraitinga e Lagoinha entre os
dias 09 e 14 de fev. de 2009
181
participante, também
um confronto lúdico e direto entre os participantes que
apresentam
os pontos.
284
A
angu
á
ia
(espécie
de chocalho feito da trama com
lascas de bambu e contas) atribui ao jongueiro oportunidade de cantar seu
verso
,
mas não antes do verso corrente completar três voltas.
285
Corresponde
igualmente a esta carga
de
cognitiv
idade o quanto
corrobora
com uma
cadeia
de
sentido
s onde uma expressão abre margem de existência à outra
expressão. São as manifestações espontâneas que carregam de sentido o
ambiente da
festa
que é ao mesmo tempo
é
a garantia de oportunidade para
experiência
lúdica
. Atribuímos a estes equipamentos simbólicos as
dimens
ões
na relação de propriedade considerando que no momento inicial da formação
daqueles
modos
expressiv
os, boa parte dos elementos
fo
i
colhid
a
entre
as
formas
preservadas da cultura ancestral e outras partes colhidas no coti
diano
.
Os
tambús
286
(tambores feitos em tronco
roliço
com a parte interna escavada
e,
com uma das extremidades revestida de couro) no Jongo são um exemplo
bastante significativo desta forma de comunicação com o passado.
O
espaço
do
terreiro, fogueira
e toda subalternidade referem
-
se ao cotidiano da época.
Pretendemos afirmar com estas argumentações que
aos
equipamentos
simbólicos
consideramos como marcas materiais de sustentação de algum
saber
quando tem fim em si mesmo
ou
, de determinado
saber
quando
interesse científico. Porém, estes saberes não são invulneráveis ao fetichismo
de mercadoria, e facilmente se transformam em algum tipo de produto da
indústria
cultural
(imagens, turismo, informação enciclopédica instantânea etc.).
Em nosso
entendimento,
é
menos comum observar o que tem caráter de
próprio
tende
nte à
troca
pelo valor do bem de consumo,
excetuando
-
se
não
quando o valor se dissolve nas relações de
reciprocidade
entre o homem e os
objetos da sua atividade. certamente quem ultimamente sem condições de
escapar a orientação mercadológica, não veja
esse
outro
tipo de
valor
. Importa
mais e acima de tudo que se leve em consideração que historicamente,
ainda
estamos diante destas explicitações, e que elas possam servir ao exame das
po
ssibilidades de se revelar a ideologia das classes subalternas através das
festas
.
284
Entrevista concedida a este pesquisador na cidade de São Luiz do Paraitinga no dia 13/02/2009
285
Id.
, São Lu
iz do Paraitinga no dia 13/02/2009
286
Id.
,
São Luiz do Paraitinga no dia 13/02/2009
182
Sejam quais forem as estruturas simbólicas, aqui seus valores são
considerados segundo sua capacidade de
deslocar
para outras vias de
abordagem a relação com a cultura e em seu interior. Dois seriam os critérios
para esta abordagem; o primeiro
seria
quanto à possibilidade de reconstituir
o
senso de propriedade inclusive na relação com a própria cultura, isto é, a
con
sciência de que a cultura pode nascer do lugar onde se
está
e
com o que
se tem e, assim ser plena; isto não significa
resistir
às propostas externas, mas
examiná
-las mediante
as
próprias
;
se
intervêm ou
inserem
-
se
.
O segundo é
quan
to a possibilidade de elevação política de cada
sujeito
e de todos. Isto
quer dizer que é
antes
, entre as subjetividades onde se pode examinar uma
cultura do sujeito - ambiente e oportunidade. Por isso o sentido convergente à
festa
popular subalterna, por isso também as manifestações espontâneas e
gratuitas
que a complementam. Conforme as respostas às entrevistas o
significado memorial humano
para
quem experimenta estes momentos s
e
preenche
com
o merecimento
,
a diversão, o gosto
,
a
união
,
devoção
,
287
a
celebração do vínculo histórico com quem fez o mesmo muito tempo antes.
Perguntamos se tais atitudes em conjunto não se referem
às
subjetividades e
se não seriam projetáveis a outras esferas como a do trabalho ou da própria
ordenação da sociedade. Não está se propondo que o trabalho e a sociedade
se transformem numa grande
festa
,
bastava que fossem
humanizados.
288
Tomemos das entrevistas o que o pertencer ou presenciar a uma explicitação
da forma de manifestação cultural popular pode acrescentar à vida das
pessoas.
Destacamos primeiramente os
deslocamentos
, os encontros a
convergência; em decorrência destes, a identificação.
289
Uma forma de turismo
menos calculista que culmina em uma espécie de interação sem tantas
convenções. Excetuando-se o que é ritual na
festa
,
todos que nela se
encontram
, expressam numa cultura própria que é sempre cabível.
290
No
processo de identificação qualquer manifestação de ancestralidade pode
remeter o pensamento a um passado, à vida de um parente que daquela
maneira se manifestava.
291
Esta identificação também pode se refletir como
287
Entrevista concedida a este pesquisador em São Luiz do Paraitinga no dia 14/02/2009
288
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 14/02/2009
289
Id.
, São Luiz do Paraitinga no
dia 14/02/2009
290
Entrevista concedida a este pesquisador na cidade de Lagoinha no dia 13/02/2009
291
Id.
,
Lagoinha no dia 13/02/2009
183
uma esperança individual de continuação daquela prática, o que em escala
mais ampla se observa nos movimentos de preservação patrimonial da cultura.
Acreditamos ser este elo que liga o sujeito á história, os pontos sensíveis
que
permeiam o tecido social cujo núcleo nunca pode fugir a humanidade
do
sujeito. Da parte de quem presencia o saudosismo, e a oportunidade de se
interessar e se acrescer daquilo, uma ação impulsiona outra; da parte de que
faz
,
quando maneja o seu derradei
ro
.
292
Obedecendo
ao espírito de
convergência do qual o fenômeno festivo jamais dispõe, importa destacar o
intuito de que mais gente saiba e participe; que se formem mais e novos
sujeitos. No confronto lúdico do Jongo, hoje se planta; amanhã quem irá
colher?
293
Nesta concepção de legados, aponta-se, nestes casos mais
especificamente a formação de novos
mestres
para o Moçambique e
galos
velhos
para o
Jongo
294
designação para as pessoas que respectivamente
dominam a cnica
.
Em torno destes é que se concentram os que se
interessam. Dominar a técnica, não corresponde somente ao aspecto funcional
do indivíduo, mas a capacidade de concentrar conhecimentos históricos
correlatos. Não somente, nos casos dos quais tratamos aqui, mas em toda
extensão das atividades culturais próprias não será difícil divisar que se dilui a
prátic
a de formação do
mestre
. É importante ressaltar que diferente da
academia esta patente se faz pela experiência, pela constância na prática e
pelo fe
r
vor.
292
Id.
,
Lagoinha no dia 13/02/2009
293
Entrevista concedida a este pesquisador em São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
294
Id.
, São Luiz do Paraitinga no dia 09/02/2009
184
4.2. Subalternidade
e Marginalidade
A subalternidade refere-se ao sujeito, enquanto a marginalidade está
relacionada
à ideologia predominante, a marginalidade, portanto, é um
imperativo.
Subalternidade não é condição nem estado de coisa; é elemento
essencial do núcleo básico da formação do
socius
. Aqui
conceb
emos
subalternidade como
força
que atua no movimento das coisas; não é servil ao
ponto de ser condicionada, nem escravizada;
marginalizá
-la é o mesmo que
coibir o fluxo vital da criatividade, da articulação, do esforço. Enquanto
permanece o trabalho na condição de alienado, as manifestações subalternas
populares também se desfacelam. O
que
significa
marginalização? Significa
qu
e a liberdade, o
senso
de
propriedade
na relação com a cultura está sob o
pr
e-domínio da ideologia
vigente
. Nesta lógica, não é difícil se admitir
que
o
sujeito
sofra
uma espécie de
apagamento,
como fruto da tendência
das
intenções à
mais
-
valia
.
Os conceitos de subalternidade e marginalidade também são contraditórios
quanto ao tempo. No primeiro caso confere
m-
se
ao sujeito o instante e o tempo
na sua
total
idade;
o segundo, operando no sentido do centro para o que está à
margem, estabelece uma ordem de quem experimenta antes -
colonização
.
Esta centralização da mesma forma predetermina o que deve e como deve ser
valorizado
de forma homogênea para que o mercado possa circunscrever seus
nicho
s
.
Assim para se alçar maior
compreensão
a respeito desta contraposição e mais,
fazê
-lo superando a ordem estabelecida, faz-se necessário que
se
amplie o
campo de visão sobre as atividades humanas. Para a argumentação
aqui
desenvolvida, a ideologia das classes subalternas
encontra
se fundamentada
filosoficamente
no
valor gnoseológico
.
Parte considerável da metodologia
dialética.
“É o estudo da origem, organização e validade do mundo das idéias,
enquanto representação de coisas ob
jetivamente
reais.”
295
Para tanto, uma
primeira ressalva é quanto a cientificidade que pode estar contida tanto em
fenômenos simples quanto nos mais complexos. Mediante o pensamento
moderno, os avanços privilegiam a complexidade principalmente no que se
295
FERREIRA,
O
p. cit.
,
p. 52
185
refere à física, à mecânica. Privilégio que se amplia ao especialista daquela
área. Não nos deteremos nessa análise. É necessário apenas que se diga que
em função deste privilégio, muitas questões, principalmente, que dizem
respeito
às
Ciências Sociais Humanas se distanciam na escalas das
prioridades
. Não é uma tarefa fácil argumentar sobre a importância do que se
pressupõe como conteúdo ideológico nos fundamentos para a formação das
expressões culturais subalternas. Assim sendo, enquanto não se consegue
comprovar a pertinência destes pressupostos no embate de hegemonias que
consubstancia o processo de ordenação da sociedade, permanecem e se
avolumam na marginalidade uma parte significativa deste conteúdo.
Combinado com esta marginalizaç
ão
, o processo de alienação do pensamento
se incumbe de enxertar no pensamento outros padrões com valores flutuantes
que identificação e descarte das aparências na velocidade co que as
informações circulam.
Depois da discrepância no sentido un
idirecional
da marginalização,
devemos
a
esta altura correlacionar subalternidade, marginalidade e comunicação.
Deve
-
se considerar o quanto amplamente
se discutiu a respeito do sentido que a
comunicação o
pera
em cada esfera mediadora de diálogo ou instrumento de
massificação.
Cabe então
questionar,
quando nos referimos às
massa
s,
a
respeito do que se comunica e com qual finalidade, quais as respectivas
proporções de forças objetivas no movimento de
informar,
de
homogeneizar o
pensamento
ou
orientar
a reflexão
par
a
uma
mudança de hegemonia. Neste
sentido, distingue-se maior horizontalidade referente à comunicação entre as
classes subalternas, enquanto às classes marginalizadas a verticalidade na
exposição de preceitos.
Das
respostas nas
entrevistas
realizadas
296
destacam
-
se
, com respeito à
contradição acima descrita, em primeiro lugar a transformação dos bairros
rurais em periferia quando entram em cena os serviços públicos e o
acesso
as
tribulações urbanas. Quase inevitável, porém,
observa
-
se
predominante a
margi
nalização
principalmente
na diluição do espaço (que não é rigorosamente
físico, portanto não se trata de voltar para a roça) comunitário e de produção
296
Entrevistas concedidas a este pesquisador nas cidades de São Luiz do Paraitinga e Lagoinha entre os
dias 09 e 14 de fev. de 2009
186
onde nascem propriamente as manifestações culturais. Em parte o êxodo
deve
-se ao atrativo da cidade, mas principalmente às dificuldades encontradas
no campo.
297
O confronto com grandes latifúndios e grandes produtores.
A
cidade torna-se um espaço de convergência, em função do fluxo de trabalho,
da circulação de mercadoria e da procura de bem-estar. Os sujeitos são
absorvidos neste fluxo. A praticidade do
acesso
a cultura/informação substitui
os momentos de explicitação cultural próprios. Nos grandes eventos a aflição
das massas por
qualquer
fração
do que possa representar um desses
momentos. Em seguida
todos
voltam
à normalidade de uma espécie de busca
constante pela satisfação
298
dos anseios.
Em segundo
lugar
, a marginalização se intensifica na medida do confronto com
os fetiches da mercadoria cultural moderna. Baixar e portar uma música no
celular e colocá-la em execução parece causar mais satisfação que a
experiência sensorial de uma dança. Em depoimento,
299
muitos dançadores
para se iniciarem em determinada forma de expressão alegam a orientação do
avô ou do pai
,
a influência
de um mestre o interesse próprio ao assistir em uma
festa,
pois esta, como apresentado anteriormente, era também uma garantia
da comunicação do passado com o presente
.
Assim a cada festa e a cada
bairro a possibilidade de reprodução daquela forma.
Não
se pode deixar de
acrescentar que atualmente a dissolução deste espaço corresponde a
marginalização de formas expressivas culturalmente mais autênticas, e ao
centro o que se apregoa como cultura de massa.
O método dialético permite observar a contradição entre subalterno e marginal
onde marginalização impõe condição ao que é subalterno; a subalternidade
subleva o marginal à qualidade imanente da força. Também pode-se admitir
que a concepção de subalternidade refere-se a energia (massa), que no
princípio de propulsão de qualquer movimento, é o pró
prio
deslocamento
; auto-
recria
-se como cultura. Em outras palavras podemos dizer que todo trabalho
desencadeia
a mobilização de compreensões nas mais diversas linguagens,
gerando outros trabalhos. Talvez, em se tratando das manifestações
297
Id.
, São Luiz do Paraitinga e Lagoinha entre os dias
09 e 14 de fev. de 2009
298
BAUMAN,
O
p. cit.
,
p. 117
299
Id.
, São Luiz do Paraitinga e Lagoinha entre os dias 09 e 14 de fev. de 2009
187
expressivas da cultura, mude sua nuance, mas é sempre trabalho. Por isso
acreditamos na necessidade de aprofundamentos no exame da subjetivida
de
s
das relações de trabalho. Trabalhar com cultura está longe da cultura do
trabalh
o. Nesta o trabalho é movimento, se há movimento há força
cujas
correntes
subjetivas da hegemonia se encarregam
de
repartir e redirecionar.
Assistimos primeiro a atuação destas correntes sobre o trabalho propriamente,
que atingiu seu auge com a industrialização. Agora atua sobre as
subjetividades das relações de trabalho o trabalho imaterial
300
as atitudes
próprias do sujeito que não somente o identifica, mas o plenifica.
Subalternidade
deve
ser
sempre
observad
a à luz do pensamento de G
ramsci
(1966):
P
oder
-
se
-á indagar se a filosofia da
práxis
não é, precisa e
especificamente, uma teoria da história; ao que responderemos
que sim, mas que é impossível por isso mesmo destacar da
história a política e a economia, mesmo em suas fases
especializadas, de ciência e arte da política e de ciência e
política econômica. Em outras palavras, após ter realizado, na
parte filosófica geral que é a filosofia da
práxis
propriamente
dita: a ciência da dialética e a gnoseologia, na qual os conceitos
gerais de história, de política, de economia, se relacionam em
unidade orgânica.
301
A subalternidade é em nosso ver esta unidade orgânica. É também o lugar da
práxis
, onde os recursos da ação, não esperam a tecnologia, mas a tecnologia
pode nascer de experiências imediatas e comuns;
a subalternidade
é,
portanto
,
o lugar
onde
as
dissensões
e as
diferença
s se transformam
em
força
. Força
material
orgânica que na propulsão do
movimento
no sentido
do
que é o bem
maior
. Quer dizer que, como compensação dos esforços o bem maior
corresponde
à
renova
ção d
a
força
que coloca o mundo em movimento
constante. Não
deve
exist
ir
nesta concepção
,
o sentido de que
alguém
explore
,
que
m se beneficie e
se
fortaleça em detrimento de algo que se degenere
,
se
desvane
ça
e per
ca
o valor. A utilização de mão-
de
-obra mediante uma
contratação deve corresponder mais à troca de oportunidades. Nunca sem a
300
HARDT; NEGRI,
O
p. cit.
,
p. 1
49
, passim
301
GRAMSCI,
O
p. cit.
,
p. 155
188
respectiva compensação. Mas acima de tudo respeitando
ao
que
cada
indivíduo
carrega consigo
Marginalidade é uma forma de dissensão, mas ao mesmo tempo corresponde
a um movimento para fora. Não os referimos de forma especifica a uma saída,
mas a um movimento de expansão inicialmente quando o centro impõe
limitações e concorrência desleal, como melhores escolas para os filhos dos
ricos; depois um movimento de contração, quando o centro necessita de
consumidores dos produtos ordinários. A marginalidade também se refere à
massificação ou não de produto da indústria da satisfação. Quando é deixada
de lado a consideração a
qualquer
valor não monetário, a idéia de satisfação
também se eleva a categoria de bem-estar. Poder gozar de momentos em que
a satisfação é proposta de maneira homogênea, como em um cinema,
tevês
por assinatura ou
games
digitais, pode inclusive simula
r
alguma idéia de
controle
; ou porque se adquiriu
o
acesso
mediante
su
a compra, ou por ter as
mãos o botão
on
-
off
.
O processo político que cria a
subalternidade
como
condição é tendencioso e
deve ser dissolvido, pois tem como prerrogativa justificar
seu
sistema de
assistência
, mas não
, como pudemos constatar ao longo desta reflexão,
política sem filosofia. Sendo assim, na subalternidade, em meio ao seu
turbilhão
viceja o senso-comum, mas também é vigorosa a filosofia. Sem ela
não se pode galgar sequer um degrau na compreensão do homem.
Portanto,
não como
edificar
a ponte entre
o
homem
-genérico e o conceito de
universal
idade
(sem que isso pareça idealismo com
resistência
cultural),
sem
constar
uma
re
al
consideração
à
política
na composição da metodologia
de
qualquer reflexão
sobre as Ciências
S
ociais. S
em
esta porção, inclusive
não há
como se aproximar da d
imensão
subaltern
idade
.
Observada a filosofia política
das massas
torna
-se possível que a subalternidade assimile em sua
força
, a
força
dos
marginalizado
s
que se reorganizam
.
No entanto
não pode subsumir
a
marginalidade exatamente por corresponder à
força
e não fraqueza ou
passividade.
À
subalternidade
como um todo, acreditamos apenas não ter sido
até aqui, atribuído real valor de uso; ou este
valor
não teria sido ainda
compreendido em sua
re
al dimensão, a ponto de se expandir como hegemonia
que melhor estabelece a plenitud
e política
do
s
homens
.
189
4.3.
Val
or Gnoseológico
C
abe
neste ponto colocar como questão a possibilidade de reconhecer na
esfera das manifestações culturais subalternas qualquer indicativo de
cientificidade
e como justificá-
lo
.
A princípio faz-se necessário suplantar a
escala da
caducidade
que
o tempo imprime sobre a vida das coisas.
É
mediante esta e
scala
que
constantemente mostra-
se
a
tend
ên
cia
a
conceber
o
avanço
no tempo relacionado à
melhor
ia de
qualidade.
Por esta tendência
volt
amos
, ciclicamente sem sucesso a
perscrutar
as articulações das
civilizaç
ões antigas para compreender a forma pelas quais algumas idéias se
perpetuam
. Mas, a empreita
da
se faz desnecessária diante do que se
apresenta hoje, na tela
da
pós
-
modern
idade
. Pelas vias do
pensamento
neoliberal
,
o
que pertenceu ao passado deve ter valor de relíquia e o
que
avança
com o tempo tem valor de moderno ou atualizado. Mesmo o olhar para
o passado é constantemente reatualizado conforme a mídia predominante e, à
ambos os valores
os
respectivos
custos
. Assim como na
festa
popular
subalterna se abrem as cortinas da caducidade do tempo e, o que foi
experimentado
no
passado encontra ambiente propício no
presente
assim
se
comunicam
; também nas manifestações que são próprias da
festa
reconhecemos
este
valor historicista que conta de uma ordenação
ci
o-
cul
tur
al onde os sujeitos não necessitam de uma ordem ou poder que
determine como e quando algo deve surgir e por quanto tempo deve se
manifestar
, como no caso de correntes de pensamento e de comportamentos
que eventualmente se verificam: corrida armamentista, a cultura do “G” (G8
,
G20 etc.), globalização etc. por assim dizer, possibilidade implícita
na
necessidade. Não se explica a necessidade, mas realiza-se objetiva ou
subjetivamente
na possibilidade que se apresenta. Queremos afirmar que valor
gnoseológ
ico corresponde no indivíduo à capacidade própria de interpretar o
mundo, principalmente quando determinada prática pode ser historicizada.
Sendo assim chamamos a atenção para o fato de que tenhamos passado
depressa demais, pelo que identificamos como conteúdo ideológico implícito
nas manifestações expressivas da cultura. Cremos que seja
através
deste
conteúdo que dialogam os planos,
político
referente
às
relações sociais;
histórico
,
pel
o reconhecimento da existência em algum
lugar
ou alhures; e, o
190
econômico pela forma de se produzir e se auto-
reproduzir.
Se
suplanta
da
esta
caducidade, devemos passar a
supera
ção
da
insistência
na aplicação de eixos
comparativos ao medirmos os fenômenos
sociais
. Sem se desconsiderar a
questão de toda complexidade
das
relações humanas, colocamos em questão
o que consideraremos um retorno ao que foi problematizado. Ao passar para a
alçada das
complexidade
s e deliberadas a respeito em gabinetes fechados de
salas acadêmicas, das empresas, escritórios governamentais
etc
., distanciam-
se na mesma proporção do ambiente Percorrem um período de formatação de
projetos que são aplicados de fora, em doses, à medida das estratégias de
dominação ou das
mais agudas queixas
.
302
Questionamos se o que realmente vale não é a humanização
das sociedades e
dos sujeitos. Se para tanto,
são
somente os avanços tecnológicos e o que
passa pelo crivo da cientificidade.
Vantajoso
,
moderno
, aprimorado, eficiente,
especializado e satisfação garantida até que se divulgue algo mais avançado e
fetichi
zado, para
confranger os que estão fora da linha do
acesso
.
Perguntamos se para se
sublevar
o valor gnoseológico nos modelos
não
é
preciso
inclusive se
superar
a medida do valor de troca no que concerne a
compensação do tempo investido nas problematizações. Ou seja, se todo o
trabalho de levantamento, análises e de comprovações realizados sobre os
fenômenos poderão ser revertidos em ações representativas. Assim,
encontramo
-nos diante de um processo de avaliação que conferirá a algum
poder constituído e, de quando em vez, especializado, a responsabilidade de
julgar quais as teorias mais sustentáveis
.
O valor gnoseológico defendido aqui corresponde às experiências próprias da
vida de cada indivíduo e de seu grupo. Também pela capacidade de preservar
destas experiências, um saber de como se articular com o tempo e a
materialidade
um saber viver. Não é isto mesmo uma ciência. Apesar do
peso
de
senso
-comum desta argumentação, demandamos que d
a
complexidade das relações humanas os cientistas podem
iluminar
fenômenos
particulares, mas a vida não espera da ciência. Devemos admitir, por exemplo,
no caso de civilizações dizimadas pela eugenia, os esclarecimentos científicos
302
HARDT; NEGRI,
O
p. cit.
,
p. 339
,
passim
191
chegaram
um tanto tarde.
Portanto
, complexas ou distintas, entendemos que
algumas práticas sociais culturais se encontram salvaguardas
filosoficamente por justificar certo grau de humanização, mesmo que em
breves e não tão freqüentes momentos.
Justificam
-se estas práticas, pois,
diversamente a ordem dos fetichismos, mesmo simples e diferente para cada
povo pertence a sentido da universalidade.
Pertence
a todos indistintamente e
não prescreve ac
ú
mulo material
.
Iluminar é certamente um verbo que
causa
rumor se for referenciado aos
princ
ípios do I
luminismo
. Não virá deste período histórico o cientificismo que
classifica os fenômenos das relações humanas pelo grau de complexidade, ou
mais rebuscadas
conceitua
ções. Insistimos, porém no sentido lato, clarear,
iluminar para se ver melhor, enxergar. Abarcar sensível e cognitivamente os
aspectos
da apreensão. Iniciamos, considerando a idéia de caminho a
percorrer. Este caminho deve ser iluminado por um sentido. Uma
ideologia
-
política do ser humano elaborada na cultura que se cristaliza no fazer juntos
que se possa preservar
em
qualquer sociedade. Por isso postulamos o sentido
de convergência das
festas
populares subalternas e a ideologia do
deslocamento
pertinente
às atividades humanas
,
evidenciada
nas
manifestações expressivas da cultura.
Dos laboratórios transnacionais surgem tecnologias para a comunicação, para
a medicina, para novos avanços tecnológicos e para a guerra. Tivemos
oportunidade neste trabalho de propor como atributo de
armas
ideológicas
, as
condutas que leva o indivíduo a criar um universo no qual se articula com suas
próprias concepções s
ubjetividades
.
Não é sem consciência que o fizemos e
que também não tenhamos e conta os efeitos que tal proposição pode causar.
Se julgada hipotética ou conjectural pode não chegar a deflagrar qualquer
rumor acadêmico. A despeito de ambas as possibilidades,
acrescenta
mos
que
não se trata de alguma novidade na luta contra a alienação global do indivíduo
humano. Nas estratégias aplicadas à tecnologia da informação encontramos
,
por exemplo, a palavras
torpedo
para designar a velocidade e a eficiência com
que uma mensagem atinge seu destinatário. Importa, porém que estamos
empenhados neste trabalho em conferir fundamentações a
deslocamentos
de
indivíduos e sociedades através de modos comportamentais culturais que,
192
como qualquer atividade de produção não se realiza sem que em seu
movimento se articulem os impulsos do
ser
político, econômico, filosófico.
Quanto ao conceito de valor, teorizamos, se cientifico, como conhecimento,
não se efetivará se não equivaler à transformação de sua circunstância. No que
corresponde ao que de inicio analisamos como retorno das problematizações
aos que foram seus objetos, deve simbolizar um impulso que movimenta o
cotidiano ao introduzir neste, estímulos subjetivos. O valor simbólico do
conhecimento
é
assim sem dúvida um mecanismo de
deslocamento
. Ao ser
destacado nas manifestações culturais subalternas, mediante o quadro que se
pinta da atualidade,
em
cujo centro vai o gênio da dominação, transforma-
se
em dispositivo de sublevação dos homens das mulheres das crianças e dos
idosos. Pela iminência dos processos de
esgotamento
, n
ão
estaríamos
diante da crucialidade das duas alternativas: sucumbir, esperando que
os
representantes das nações mais ricas decidam quando cessar a emissão de
gases nocivos na atmosfera, quando cessar a guerra, quando cessar a
discriminação
global; ou, articular um movimento de reversão deste quadro
transferindo o poder das decisões às iniciativas que possam representar
consciência social? Para esta articulação
não
ser
ão necessários dispositivos
que
próprios da criatividade humana? Assim
sendo,
não seria este o m
omento
então
de termos nossas armas ideológicas de valor gnoseológico -
as
subjetividades das relações humanas -
empunhadas
contra
a alienação e o
conformismo
?
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193
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Procuramos neste trabalho
compreender
as relações
humanas,
hora
da
perspectivas do sujeito para o mundo e
também
no seu reverso, quando o
objeto torna se uma determinante a despeito de um apagamento do sujeito
.
Acreditamos haver entre as
ins
tâncias, sujeito e mundo objetivo, relações de
propriedade e de reciprocidade
,
de forma constante e ininterrupta. Em
determinados momentos parecem perder
o
impulso devido a um arrefecimento
na
força
social
que resulta da vitalidade dos
sujeito
s. Mas, em minuciosas
investigações
,
pode
-
se reconhecer e evidenciar que há
,
igualmente
,
constante
s
reivindicaç
ões
pela reestruturação do ambiente propício para tal vitalidade. Em
nosso entendimento, reivindicações pela reestruturação das propriedades reais
das relações de trabalho. Por isso consideramos necessária, maior acuidade
na observação das oportunidades de humanização do sujeito naquelas
manifestações
culturais subalternas. Concluímos que os valores morais, que
não se constatam na esfera política, com a qual se pretende demonstrar
esforço
s de humanização, estão nelas contidos. A responsabilidade individual
,
a qual tivemos oportunidade de colocar como questão, na formação
educacional, instituída ou não, também se torna passível de
desenvolv
imento
neste ambiente de coletividade, tanto no que diz respeito à realização da
festa
popular subalterna, quanto na expressividade das manifestações que lhes são
próprias. Nas
atuais
sociedades de consumo, que se desdobram para
assegurar
relativo, bem-estar mat
erial
303
, toda a atenção é dispensada
par
a
o
que pode funcionar neste sentido. A
rgument
amos que
as
pesquisas
quantitativas, numéri
cas
, apenas informam sobre um apanhado geral
de
dados
sobre
quantos indivíduos se incluem ou o nesta ou naquelas condições.
Apenas conseguem, em nosso entendimento, corroborar com as
administrações públicas, indicando para onde devem
se
r
desvia
dos
os
investimento
s. Somente os argutos inquiridores dos esquemas de dominação
escaparam a esta
praxe
. A história nos legou seus nomes e, seus escritos
303
HELLER, A
gnes,
O
p. cit.
, p. 116
194
estão gravados para que, através deles possamos conhecer a teoria, a
metodologia
e
a ideologia de uma filosofia praxística alternativa.
Quando um estudo adentra a área das ciências humanas não
com
o fugir ao
fato de que fa
ze
mos
um exame de nós mesmos e de nossas sociedades. Os
índices certamente servem para dar demonstração do
quanto
,
determinadas
problemáticas ou fenômenos se repetem ou evoluem; do quanto atingem a
sociedade
; a comunidade
in
dissolúve
l
entre sujeito e objeto, e
entre
fatos e
valores
,
são chaves reais, das quais o pesquisador não pode nem deve
prescindir
. O pesquisador não deve em nenhum momento abrir mão da paixão,
contudo, sua experiência pessoal, sem se traduzir em somas e números
medianos, deve suplantar o academic
ismo
que prescreve satisfação ao
pretenso sábio e
à
s corporações que reverenciam aos
dados quantitativos
.
304
A
ss
everamos que os fatos e valores têm sido estabelecidos e
predeterminados
conforme uma
diretriz
liberal
. Também não há qualquer dificuldade em se
distinguir através de quais mecanismos essa diretriz é promulgada. Portanto,
cabe a quem decidir pensar a respeito deste estado de dominação, não
somente medir com números a extensão do problema, mas,
como
e quem
deve
agir para mudar o próprio pensamento
.
As sociedades consumistas regurgitam celebridades que se evidenciam
através dos índices de audiência. Numericamente, espectadores, ouvintes,
compradores de livros e de discos dão a conta do efeito midiático alienante e
conferem veracidade aos fenômenos sociais. Enquanto muitos indivíduos
suprematizam algumas classes
,
como a de intelectuais e de artistas televisivos,
também os colocam como exemplos no horizonte longínquo. Na forma de uma
utopia
cega
,
coagula
m-
se
as possibilidades de liberdade e de criatividade que
na dimensão da subalternidade se exemplifica na atitude de aprender com a
sua própria experiência de vida.
305
É imprescindível admitir que à medida do desenvolvimento de um diálogo com
pensadores e autores, passamos
então,
a ter olhos e ouvidos mais atentos,
o
senso crítico estimulado é possivelmente, tocado ideologicamente. E
ntretanto
304
TODOROV, Op. cit.,
p. 11
305
BAUMAN, Op. cit.,
p. 64
195
uma grande
dificuldade
encontrada foi
em
se
compreender as burocracias e
entraves quando, neste caso particularmente, um professor da rede estadual
de ensino, se predispõe ao trabalho de pesquisa científica
.
Primeiro, como um
funcionário público, não pode pleitear bolsa de estudo –
deve se contentar com
as medidas do Estado; depois deve dividir o trabalho de pesquisa com as
atividades escolares. Não é raro se defrontar com o julgamento dos que se
dizem autoridades na área da Educação, de que o aprimoramento intelectual é
um luxo em se tratando do E
nsino
P
úblico
. Outra grande dificuldade
encontrada é que desenvolvemos o trabalho de pesquisa, que a princípio deve
te
r um espírito de abertura, ou seja, deve se estender às pessoas, dentro um
ambiente quase sempre inóspito por se tratar da hegemonia que domina.
Aqui,
como em outras teorias, compreendemos o dever de repensar do próprio
Estado. Da mesma forma,
como
os objetivos são os de transformação a
sociedade. Sendo assim, pela hegemonia dominante somos impulsionados à
pensar caminhos alternativos enquanto, ao mesmo tempo sofremos seus
imperativos.
Mediante a voga da preservação dos costumes, constatamos que muitas
coisas são feitas. Ao mesmo tempo
,
percebe
-
se que
,
na maioria dos casos
que
dizem respeito à relação com a cultura e em seu interior, não há preocupação
com o ambiente e
com
a ideologia em função de qualquer preservação
de
qualque
r atividade humana, a razão em si. O aprendizado relativo à disciplina
escolar não é tão significativamente promissor quanto à garantia do convívio
com a atividade, por isso reclamamos atenção maior a questão desta
relação.
Entendemos serem necessárias gar
antias
, pelo menos do ambiente e, por
conseguinte da ideologia que ampara o auto-
movimento.
Se se comprova
historicamente, uma base ideológica para o que até aqui, se considerou
como
resistência
,
atribuída as propriedades das manifestações culturai
s
das cl
asses
subalternas
,
comprova
-se também sua
eficácia.
Assim concluímos que deverá
ser desenvolvida e aplicada uma metodologia de abordagem, de exames e de
práxis
,
que
desloque
o que se estagnou como valor identitário e se-lhe restitua
o movimento enquanto cultura própria. Que se desenvolva metodologia
praxística
na qual se estabeleçam como armas ideológicas as subjetividades
do mundo do trabalho dispositivos de combate aos sistemas que coagulam o
196
fluxo de pensamento petrificando a criatividade. Estão em jogo a liberdade, as
necessidades e as possibilidades. Como formas de compreensão da vida e do
mundo
, correspondem sempre à possibilidade de compreensão do ambiente
.
Comprovamo
s que os movimentos de reciprocidade e de propriedade estão
compreendidos nas relações materiais. A estas relações conotam as
subjetividades pelas quais a consciência procura explicar e conceber os
fenômenos próprios da natureza. Portanto, considerada a diversidade das
possíveis
interpretações do mundo pela concepção do homem, é do mundo de
suas atividades de onde se poderá haurir quaisquer qualidades que se elevem
às de humano-genérico e a de particular- universal. Consideramos, com plena
consciência
dialé
tica
,
que
o simples é a revolução do complexo, pois o nega
enquanto o explica gerando nova complexidade. Por isso ainda,
parecer
inconcebível
que
a subalternidade, super
ando
ao conceito de classe, como
força
imanente, componha o fluxo vital do organismo:
sociedade.
Como força,
sua massa energética em movimento é a cultura, pois abarca toda a atividade
humana
diferente conforme as relações materiais, conforme o trabalho.
O
nde
acreditamos não haver necessidade de
resistência
é quanto à entrega do
conceit
ual ao prático. A assimilação das posturas de propriedade e de
reciprocidade, também entre intelectuais (problematizadores) e os objetos que
são pela atividade daqueles, trocados em miúdos para a compreensão
da
massa.
Estas, em nosso entendimento, devem representar a ideologia
pressuposta em oposição à atribuição de valor de mercado ao conhecimento.
E
sta
atribuição
, de forma hegemônica, predetermina o destino das coisas.
Tudo ou quase tudo nasce pré-relacionado a um preço: quanto custa formar
o indivíduo do ensino básico ao superior para que seja um valor ativo
economicamente
? Fragmentação e unilateralidade, na visão do que se
compreende como formar. Acreditamos que a formação cultural somente se
completa nas
relações
humanas e quando se alimenta de sua própria
substância.
Em outras palavras, a cultura não
pod
e se resumir na relação
artista/
público
, nem distribuída conforme a divisão por classe, como estipula a
ind
ústria cultural;
ela
, inevitavelmente se amplia e abrange toda a
cotidianidade, no trabalhar e celebrar; no se alegrar e se entristecer; no
comunicar e apreender; na propriedade
e na reciprocidade.
197
A partir das possibilidades de
identificação
e
de explicitação de acordo com
Agnes H
eller
(2004)
,
também identif
icamos
a me
todo
logia
cuja dialética
permite
conceber
relaç
ões
sem
a presença da noção de valor de troca.
Referimo
-
nos
ao que é feito
sem
fug
ir
a integridade do indivíduo, além de ser necessária,
até
mesmo
com
o
divertimento
,
mas
, ainda assim
propens
o
às
relações
de
produção, portanto
d
a vida sócio
-
econômica
.
Reconhecendo
hoje a portabilidade, não é difícil considerar a velocidade com
que o saber, comprimido como informação, viaja no tempo e no espaço
solapando
experiências
sócio
-
cultura
is próprias à exemplo das nações latino-
am
e
rica
nas, que
apesar d
o processo violento de
colonização,
têm
nas
reservas
das
matrizes africanas, de seus povos originários
e
a
posteriori
, de toda
a
miscigenação
, expressos na cultura
,
rico conteúdo político ideológico
.
Selec
ionamos para as nossas observações duas formas de manifestação
popular subalternas, a Dança do Moçambique e o Jongo bem como os
ambientes que lhes são próprios para sua origem o rural do Vale do Paraíba
pela cotidianidade histórica e o ambiente das
festas
populares subalternas
para
sua explicitação. Tivemos, contudo a consideração de que as descrições
históricas sobre estes objetos, superficia
is
ou profundas foram por
restritas
visões
, realizadas
.
Neste quadro não foi difícil destacar, a partir das
proposições metodológicas e
de
um amparo filosófico, as oportunidades, às
quais nos referimos antes, como de humanização do sujeito.
Interessou
-
nos
acima e mais do que tudo compreender a respeito dos processos em que se dá
esta humanização. A compreensão de uma política do sujeito para o sujeito -
subjetividades. Esta política se opõe severamente a perspectiva de
que
o povo
não deve
extrapolar
sua condição. Quando ouvimos que,
determinados
produtos são destinados ao
povão
(um pejorativo para grande massa ou, para
a maioria das pessoas de uma sociedade), isto quer dizer que existe uma
cultura que não é a do povo e que existem indivíduos que não fazem parte
deste conjunto. Assim, entendemos que, por este mesmo motivo,
nunca
s
er
revelada e muito menos aplicada
à
política
a
moral subalterna; prevalece a
hegemonia da dominação.
198
Concluímos pela necessidade de se esclarecer mais amplamente que formar o
indivíduo diverge absolutamente de torná-lo hábil consumidor, deve convergir
para a concepção de hom
em como auto
-
criador
306
.
Conjecturamos que se um dia a humanidade não pisar mais sobre o solo
terrestre e se transformar
em
cosmopolita do tempo e do espaço ainda assim
estará em busca de reconhecer e comunicar aos
outros
suas noções sobre o
universo.
Com isso, não duvidamos de que um
outro
mundo melhor é
possível
307
; esta,
portanto,
continuará sendo, a utopia que nos mobiliza nesta
busca.
306
I
bid.
, p. 118
307
HARDT
;
NEGRI
O
p. cit.
,
p. 290
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ANEXOS
ROTEIRO DE QUESTÕES PARA OS LÍDERES DE MOÇAMBIQUES
E
JONGUEIROS
1
QUAL A COMPARAÇÃO QUE PODE SER FEITA DA SUA ATIVIDADE HOJE
COM RELAÇÃO AO PASSADO?
DO MEIO RURAL PARA O URBANO.
OS
ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS
2
QUE SIGNIFICADO TEM PARA VOCÊ ESTA ATIVIDADE? QUAL O
SIGNIFICADO DOS ACESSÓRIOS (APARELHOS)?
RELIGIOSO;
HERANÇA CULTURAL PATERNA
;
ESPETÁCULO;
TRABALHO
.
3-
COMO CONSIDERA A ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO OU OUTRO TIPO DE
ORGANIZAÇÃO JUNTO A SUA ATIVIDADE? BOA OU RUIM
E
EM QUAL
SENTIDO?
4
QUAIS AS PRINCIPAIS DIFICULDADES ENCONTRADAS? COMO A
PESSOA PASSA A FAZER PARTE?
5
COMO ANALISA O QUE AS PESSOAS PENSAM DE SUA ARTE?
EM
RELAÇÃO A QUEM ASSISTE E QUEM PARTICIPA?
O QUE ACRESCENTA À VIDA DAS PESSOAS?
QU
EM ASSISTE E QUEM
PARTICIPA?
ROTEIRO DE QUESTÕES PARA
OS
FESTEIROS
1
- POR QUE
CHAMAR
OS GRUPOS DE DANÇA DO MOÇAMBIQUE PARA A
FESTA
?
COMO OBSERVA A APRECIAÇÃO DAS PESSOAS
?
2
QUAL A SUA CONSIDERAÇÃO
PESSOAL
A
ESTAS
EXPRESSÕES
?
3
-
QUAL A RELAÇÃO DA
MANIFESTAÇÃO EXPRESSIVA
COM A FESTA?
Complementação da
Nota s
o
bre Antonio Gramsci
[...] Nascido na Sardenha, em 1891, filho de camponeses pobres, Gramsci
deixou a sua atrasada terra natal em 1911, deslocando-se para Turim. Já
naquela ocaso
ele
participava ativamente da luta dos trabalhadores
italianos. Em Turim, esta participação se aprofunda, o vinculo de Antonio
Gramsci com os operários de Turim - escreveu Togliatti - não foi somente
um vinculo político, mas um vínculo pessoal, existencial”.
Em 1915, já Gramsci dirigia o jornal da secção socialista de Turim. A
guerra européia de 19
14
-18 coloca os dirigentes do movimento operário
em face de opções decisivas: aderir à guerra ou opor-se a ela? Gramsci
assume a segunda posão e combate as provocações dos belicistas.
Recusa
-se a reconhecer o direito de negocistas e politiqueiros
transfo
rmarem os trabalhadores italianos em carne para canhão.
Em
agosto
de 1917, os operios de Turim se insurgiram e pegaram em
armas para enfrentar o militarismo italiano, mas foram derrotados pela
repressão, com
cerca
de 500 mortos e mais de dois mil feridos. Logo após
a insurreão e com a tarefa básica de reorganizar o movimento socialista,
Gramsci foi eleito secretário da secção regional do Partido Socialista.
Foi nesta condão de dirigente máximo do movimento socialista na
cidade vermelha que
ele
saudo
u a vitória da revolução bolchevista na
Rússia. Pondo em prática os desenvolvimentos trazidos por Lénine ao
marxismo, e adaptando-os crìticamente à situação particular da Itália.
Gramsci organizou os “conselhos de fábrica e fundou a 1ª de maio de
1919, o
jornal
destes
conselhos: L’Ordine Nuovo. Em luta incessante contra
o oportunismo social-reformista e contra o esquerdismo, Gramsci veio a
se tornar o dirigente máximo do Partido Comunista Italiano, que ajudaria
a fundar, em 1921.
A ascensão do fascismo o encontra na liderança de uma oposição firme e
cida a Mussoni. Gramsci, de resto, havia previsto a tempestade: A fase
atual da luta de classes na Itália é a fase que precede ou a conquista do
poder político pelo proletariado revolucionário e a passagem a uma nova
organização da produção que permita um aumento da produtividade, ou
uma tremenda reação por parte da classe proprietária e da casta
dirigente”.
Em 16 de maio de 1924, Mussolini, presidente do Conselho de Ministros,
encaminha ao Parlamento Italiano um projeto de lei visando disciplinar a
atividade das associações e institutos. Segundo o projeto dirigido, na
ocaso, contra a maçonaria – as associações ou institutos ficavam
obrigados a fornecer ao
governo
uma lista sempre atualizada de s
eus
funcionários, com as respectivas qualificações e endereços. Gramsci, então
deputado, pronunciou um discurso no qual punha a nu o cater
antidemocrático do projeto e aproveitava para denunciar as manobras
fascistas no sentido de implantar no país uma d
itadura.
O pprio Mussolini, irritado, resolveu apartear o franzino corajoso
deputado marxista, definindo a fascismo como uma “revolução. Gramsci
retrucou
-lhe que fascismo não era uma revolução, mas uma simples
substituão de um pessoal administrativo por outro. Só é revolução
acentuou
aquela que se baseia em uma nova classe; o fascismo não se
baseia em nenhuma classe que já não esteja no poder”.
Mussolini voltou à carga, procurando descaracterizar o conteúdo de classe
do fascismo e protestando: Grande parte dos capitalistas está entre
nós!. O deputado oposicionista não se perturbou, e observou que o
fascismo só entrava em choque agudo com os outros partidos e
organizações da burguesia (como estava acontecendo com a maçonaria)
porque queria estabelecer o monopólio da representação da classe. A
atitude do fascismo com relação aos demais partidos era simples:
primeiro lhes quebra as pernas e, depois, faz
acordo
com
eles
em
condições de evidente superioridade”.
Mussolini não gostou da referência à vioncia dos fascistas, retrucando
que esta vioncia equivalia à dos comunistas. Gramsci lhe respondeu: A
vossa vioncia é sistemática e é sistemàticamente arbitria, porque vós
representais uma minoria destinada a desaparecer. A frase, naquela
ocaso, era bastante ousada de vez que o fascismo estava em pleno
fortalecimento. Vinte anos mais tarde, contudo, ela foi confirmada pelos
fatos. Antes da minoria fascista desaparecer, pom, implantou-se na
Itália a sua ditadura e em 8 de novembro de 1926, Gramsci foi
preso
, por
ordem de Mussolini. No processo-farsa que o Estado fascista lhe moveu, o
promotor pediu aos juízes que Gramsci fosse condenado, alegando: É
preciso impedir
este
cérebro de funcionar”. A condenação veio, mas não
conseguiu impedir que o cérebro funcionasse: de dentro do cárcere,
Gramsci continuou a observar o país e o mundo de seu tempo.
Durante quase onze anos, Gramsci viveu na prisão, em meio a sofrimentos
inenarráveis, com o bil organismo minado pela insalubridade carceria,
pela guerra de nervos, pela insônia e pela tuberculose. Mas não ficou
inativo, não se entregou às angústias e à depressão. Procurou entrar em
contato com os companheiros encarcerados e, quando o conseguiu, deu-
lhes assistência e orientação. Escreveu numerosas cartas para sua
cunhada Tatiana Shucht, para sua mãe, para seus filhos Délio e Giuliano (O
menor dos quais não chegou se quer a conhecer). Acompanhou com
desvelo
a evolução da doença nervosa de sua mulher, Giulia Shucht. E não
interrompeu seus estudos e reflexões, lendo o que seus carcereiros lhe
permitiam, anotando fragmentariamente suas observações em cadernos
manuscritos, trinta e dois dos quais conseguiram escapar à sanha fascista
de destruão. Em dado momento, sabendo que o seu tenaz adversário
estava doente, Mussoni lhe mandou um emissário, sugerindo que
Gramsci lhe formulasse um pedido de clemência, que êle prometia
atender. Gramsci repeliu a manobra: O que propondes é o meu suicídio
potico; e eu não tenho a menor intenção de fazê-lo. Quando Gramsci
morreu, em 27 de abril de 1937, - poucos dias após a sua libertação,
ordenada por Mussoni para evitar que a sua morte na cadeia abalasse o
prestígio
do
governo
o der fascista estava no auge do seu prestígio
fora
entusiàsticamente elogiado por Wiston Chuchill e costumava ser incluído
entre os grandes deres do Ocidente. Hoje, Mussolíni é um nome
desmoralizado, exposto á execração universal, ao passo que Gramsci
inspira respeito até mesmo aos seus mais encarniçados adversários.
Benedetto Croce, fisofo cujas formulações Gramsci tanto combateu, não
deixou de dizer de Gramsci que como homem de pensamento, êle foi dos
nossos, foi daqueles que, nas primeiras décadas do século chegaram a se
formar um critério adequado
sobre
os problemas do presente. E
reconheceu que
ele
mantivera alta a dignidade do homem. [...]” N.A. A
inclusão desta extensa nota deve se ao fato de que boa parte dos estudos
desenv
olvidos na área das Ciências Humanas atualmente não leva em
conta a importância da contribuição dos estudos deste célebre autor nas
discussões sobre o desenvolvimento da sociedade humana e acima disto
seu exemplo de força, de luta, de fidelidade a causa e
de perseverança.
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