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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ANA PAULA DE ABREU COSTA DE MOURA
Alfabetização de Jovens e Adultos: consciência fonológica e desenvolvimento
lingüístico
Rio de Janeiro
2009
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ii
Alfabetização de Jovens e Adultos: consciência fonológica e desenvolvimento
lingüístico
ANA PAULA DE ABREU COSTA DE MOURA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Lingüística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
como quesito para a obtenção do Título de
Doutor em Lingüística
Orientadora: Profª. Dra. Myrian Azevedo
Freitas
Rio de Janeiro
Março de 2009.
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iii
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONSCIÊNCIA
FONOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO LINGÜÍSTICO
Ana Paula de Abreu Costa de Moura
Orientadora: Myrian Azevedo de Freitas
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do título de Doutor em Lingüística.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Myrian Azevedo Freitas
Profa. Doutora Anne Marie E. Milon de Oliveira
__________________________________________________________________
Prof. Doutora Maria Maura Cezário
Profª Doutora Christina Abreu Gomes
_____________________________________________________________
Prof. Doutora Aurora Neiva
Rio de Janeiro
Março de 2009
iv
MOURA, Ana Paula de Abreu Costa de.
Alfabetização de Jovens e Adultos: consciência fonológica e
desenvolvimento lingüístico/ Ana Paula de Abreu Costa de Moura: UFRJ,
FL, 2009.
xv.214 f.:il.;31cm
Orientadora: Myrian Azevedo de Freitas
Tese (doutorado) UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de pós-
graduação em Lingüística, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 214-221.
1. Alfabetização de Jovens e Adultos 2. Consciência Fonológica. I.
Freitas, Myrian Azevedo de. II Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Programa de pós-graduação em Lingüística. III. Alfabetização de Jovens e
Adultos: consciência fonológica e desenvolvimento lingüístico
v
DEDICATÓRIA
Aos alfabetizadores de jovens e adultos, que, em sala de aula, muitas vezes, se
encontram na situação cantada por Djavan “Sabe lá o que é não ter e ter que ter
pra dar...”. E, mesmo diante de inúmeros obstáculos, buscam estudar para
aperfeiçoar a prática pedagógica.
vi
AGRADECIMENTO ESPECIAL
À professora Myrian Freitas
Na vida nem sempre escolhemos caminhos
fáceis de serem trilhados. Às vezes,
encontramos pedras, arbustos, inúmeros
empecilhos que nos apontam a
impossibilidade de continuar. Nesses
momentos a presença amiga é fundamental.
À professora Myrian, meu carinho e
agradecimento, pelo respeito e confiança no
meu trabalho. Mais que uma orientadora, foi
companheira e amiga. Sem jamais perder a
delicadeza, foi exigente e me instigou a
aprofundar meus estudos lingüísticos.
vii
AGRADECIMENTOS
Ao Jefferson, meu marido, pelo permanente apoio e por compreender a minha
necessária ausência para realização deste trabalho.
Aos meus filhos João Pedro e Ana Carolina, que nasceram durante os anos do
curso de Doutorado e me ensinaram o significado do amor incondicional.
À minha mãe por ter me dado a vida.
À Prof.ª Drª Cecília Mollica que abriu os primeiros caminhos para meus estudos
em Lingüística
À Solange e à Selma, grandes amigas e anjos da guarda.
À Ana Inês, por sua confiança, apoio e amizade.
Às bolsistas Priscila Ramos e Cíntia Leandro pelo auxílio na coleta de dados e
traduções.
Às professoras Aurora Neiva e Maria Maura, pelas contribuições dadas no exame
de qualificação, as quais redimensionaram o meu trabalho.
Aos professores do programa de pós-graduação em Lingüística, importantes
interlocutores neste processo.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES, que
por meio da Pró-Reitoria de Pós-graduação subsidiou parte desta pesquisa, através
do apoio financeiro.
A todos os integrantes do Programa de Alfabetização da UFRJ para Jovens e
Adultos de Espaços Populares, que direta ou indiretamente participaram desta
pesquisa, pessoas com as quais aprendo a cada dia.
À Tia Linda e à minha irmã Claudia por terem me ajudado a cuidar dos meus
bebês para a realização deste trabalho.
Aos amigos que torceram, me encorajaram e partilharam diferentes momentos da
realização desta tese.
viii
Conhecido por todos no canteiro de obras
como “pata de coelho”, por assinar o nome
com o polegar, João de Deus resolveu, depois
de 40 anos, buscar a escola para se alfabetizar.
Na primeira aula foi meio “cabreiro” sentou
num canto, e pouco falou. No segundo dia
faltou. No terceiro dia, após pedir a atenção de
todos os alunos da turma, ele colocou a mão
no peito e declamou:
“Professora, me desculpe se a sua aula faltei
Mas eu fui à reunião de Jesus o Rei dos Reis
Eu busco Jesus de dia, toda hora, todo mês
Aceite a explicação e também a salvação
De Jesus, o Rei dos Reis”.
ix
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo geral investigar como os alfabetizandos
jovens e adultos constroem seus conhecimentos acerca do sistema de escrita
alfabética e qual o papel que as habilidades metalingüísticas de reflexão
fonológica, designadas como consciência fonológica, assumem no processo de
alfabetização. O estudo partiu da hipótese de que o perfil lingüístico do aprendiz
influencia a percepção e o domínio do código escrito durante a alfabetização e se
reflete em seu desempenho ao longo do processo. O corpus utilizado para a
pesquisa foi coletado em duas etapas. A primeira através de registros e gravações
de testes de consciência fonológica, realizados com alfabetizandos jovens e
adultos. Na segunda etapa, os dados foram coletados através de entrevistas com
alfabetizandos e seus respectivos alfabetizadores. O trabalho apresenta um breve
histórico da alfabetização de jovens e adultos no Brasil e discussões de alguns
aspectos da alfabetização, dentre eles, os métodos de alfabetização, a variação
lingüística e os cursos de formação de professores. A análise dos dados aponta
para a existência de uma relação de reciprocidade e interação entre as habilidades
de consciência fonológica e o aprendizado da língua escrita, onde algumas
habilidades de reflexão fonológica são necessárias para que o alfabetizando
aprenda a escrita alfabética, ao mesmo tempo em que ele amplia sua capacidade
de refletir sobre os segmentos sonoros das palavras, em conseqüência do crescente
conhecimento que tem das suas formas escritas.
PALAVRAS CHAVES: Alfabetização de Jovens e Adultos, consciência
fonológica e variação.
x
ABSTRACT
This dissertation had as a general purpose to research how young and adult people
in literacy acquisition process build their knowledge about the alphabetic writing
code and what is the function that the metalinguistic skills on phonological
reflection, called Phonological awareness, has in literacy process. The research
has started with the hypothesis that the student’s linguistic profile influences the
perception and knowledge of alphabetic coding during the literacy process and
reflects in its development all through the process. The corpus used for analysis
was collected in two stages. The first one used writings and recorded remarks of
phonological awareness tests, delivered from young and adult people in literacy
acquisition process. On the second stage, the data were collected through
interviews delivered from illiterate students and their particular teacher. The
research presents a brief historical path of the literacy acquisition process for
young and adult people in Brazil and discussions about some aspects of the
literacy acquisition process, as for example, the literacy methods, linguistic
variation and teacher’s training. The data analysis has pointed out the existence of
reciprocity and interaction connection between phonological awareness skills and
the alphabetic code acquisition, when some phonological reflection skills are
necessary to alphabetic script learning by illiterate student, at same time they
scope their capacity of reflection of the words combination of sound, in
consequence of the expansion of knowledge that follows the written forms.
Key words: young and adult people in literacy acquisition process, phonological
awareness and variation.
xi
Lista de gráficos
Gráfico 1: Naturalidade dos alunos
Gráfico 2: Naturalidade dos pais dos alunos
Gráfico 3: Sexo
Gráfico 4: Faixa etária
Gráfico 5: Alunos com escolaridade anterior
Gráfico 6: Alunos que não possuem escolaridade anterior ou não responderam
Gráfico 7: Situação empregatícia
xii
Lista de Tabelas
Tabela 1: Perfil dos informantes
Tabela 2: Teste de rima
Tabela 3: Teste de aliteração
Tabela 4:Teste de consciência silábica, contagem e representação numérica
Tabela 5: Teste consciência fonêmica
Tabela 6: Pontuação dos acertos nos testes
xiii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 15
1. ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O PASSADO E O
PRESENTE ..................................................................................................... 21
1.1. A filosofia educacional de Paulo Freire ............................................ 24
1.2.– O Projeto Mobral .............................................................................. 29
1.3. A alfabetização de Jovens e Adultos após o Mobral ........................ 37
1.4. O Programa de Alfabetização da UFRJ para Jovens e Adultos de
Espaços Populares - um modelo em construção ................................ 43
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ................................................................... 46
2.1. Abordagens metodológicas do processo de alfabetização e a educação
de jovens e adultos ...................................................................................... 46
2.1.1. Métodos sintéticos de alfabetização .......................................... 48
2.1.2. Métodos analíticos ou globais de alfabetização ....................... 53
2.1.3. Anos 80: mudança de foco de “como ensinar” para “como as
crianças aprendem” ............................................................................. 58
2.2. Alfabetização e letramento ................................................................. 59
2.3. A sílaba e seu papel nos métodos de alfabetização .......................... 64
2.4. Variação e uso ...................................................................................... 70
2.4.1 - Variação e Alfabetização de Jovens e Adultos ....................... 76
xiv
2.5. Crenças e atitudes no processo de alfabetização ............................... 77
2.6. Percepção e consciência fonológica: do fonético ao
fonêmico........................................................................................................ 82
2.7. Fonologia de uso .................................................................................. 98
3. METODOLOGIA ...................................................................................... 105
3.1. Os sujeitos da pesquisa e seu perfil social ....................................... 106
3.1.1. Características dos informantes da primeira etapa da
pesquisa ................................................................................................ 108
3.1.2. Características dos alfabetizandos da segunda etapa da
pesquisa................................................................................................. 115
3.1.3. Características dos alfabetizadores ......................................... 116
3.2. A elaboração dos testes e procedimentos de aplicação .................. 116
3.3. Entrevistas com os alfabetizandos .................................................. 134
3.4. Entrevistas com os alfabetizadores ................................................. 135
3.5. Formação dos alfabetizadores ......................................................... 135
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ................................. 138
4.1. Desempenho dos alfabetizandos nos testes .................................... 139
4.2. Entrevistas com as alfabetizandas .................................................. 151
4.3. Entrevistas com os alfabetizadores ................................................. 179
CONCLUSÕES .............................................................................................. 206
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 214
ANEXOS ......................................................................................................... 214
15
INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas os estudos sobre a Educação de
Jovens e Adultos - EJA receberam importantes contribuições. Dentre os muitos
trabalhos produzidos na área (Freire, 1987; Brandão, 1981, Albuquerque & Leal,
2004; Pinto, 2000, Ribeiro, 2001; Soares, 2002; Oliveira & Paiva, 2004)
identificamos abordagens voltadas para a perspectiva crítica da alfabetização, a
legislação, as políticas públicas, a formação inicial e continuada de professores, a
produção de material didático, as questões curriculares, etc.
Contudo, ainda hoje a EJA conta com um reduzido aparato teórico
próprio do seu campo de intervenção, em especial a alfabetização. Ainda são
escassos trabalhos sobre os aspectos lingüísticos presentes na alfabetização de
jovens e adultos, sobretudo referentes ao papel que as habilidades metalingüísticas
cumprem no processo de aprendizagem da leitura e da escrita.
Em contrapartida, as inúmeras transformações na sociedade atual,
advindas das inovações científicas e tecnológicas e a complexidade das relações
mundiais, modificam o papel da leitura e da escrita. Multiplicam-se a cada dia as
necessidades de utilização da leitura e da escrita para a vida cotidiana. Mesmo nas
atividades mais simples, como a utilização de caixas eletrônicos bancários, uso de
telefone celular ou manuseio da televisão, a leitura se faz necessária. A obtenção e
a transmissão de informações estão cada vez mais relacionadas com a leitura e a
escrita.
16
Na esfera profissional, o desenvolvimento tecnológico vai
substituindo, em ritmo acelerado, o trabalho braçal pelo qualificado, que requer
habilidades no trato da informação, fazendo da leitura um instrumento básico. O
mercado de trabalho a cada dia exige um nível maior de formação. não se trata
apenas de assinar o nome, mas de fazer uso da leitura na vida diária. Neste sentido,
não existe mais espaço para o analfabetismo, que ainda hoje representa um grave
problema social, cultural e econômico.
Frente a este cenário, consideramos fundamental uma reflexão a
respeito dos quadros referenciais e dos métodos de ensino que têm predominado
nas salas de aula de alfabetização de jovens e adultos, pois a alfabetização é
responsável por construir uma base sólida para que o aluno produza
conhecimentos que lhe possibilitem dar seqüência à vida escolar. Se o aluno não
tem acesso a um processo de alfabetização de qualidade, ele acaba por acumular
nas etapas seguintes uma série de dificuldades, que podem comprometer seu
desempenho escolar.
O jovem e o adulto, ainda que não tenham autonomia com a leitura
e a escrita, constroem seus conhecimentos a partir de inúmeras estratégias:
comparam, excluem, reorganizam, ordenam, categorizam, reformulam,
comprovam e formulam hipóteses. No que tange aos conhecimentos lingüísticos,
essas estratégias também são utilizadas, pois a vida numa sociedade grafocêntrica
os coloca diante de inúmeros escritos, sejam cartazes, placas, itinerário de ônibus.
Isto faz com que as pessoas jovens e adultas, mesmo que não alfabetizadas,
tenham conhecimentos lingüísticos construídos a partir de suas experiências de
vida.
17
Contudo, os conhecimentos lingüísticos construídos a partir da
experiência não bastam para o aprendizado da escrita, pois este não acontece se
não houver instrução específica sobre o que se quer ensinar. Para se chegar à
compreensão do alfabeto enquanto sistema de representação mental e gráfica da
língua precisam ser desenvolvidas capacidades de análise e síntese dos
componentes desse sistema.
Podemos considerar que uma coisa é usar a palavra para se
comunicar e outra é tratá-la como objeto sobre o qual podemos refletir, a partir da
análise de suas características. Se quase todas as pessoas adultas conseguem
pensar nas palavras bata e pata sem confundi-las, não significa que conseguem
pensar sobre elas tomando-as como objeto de análise, observar, por exemplo, que
são parecidas, que têm duas sílabas, que terminam da mesma forma. A capacidade
de assim proceder envolve um funcionamento metalingüístico, de tomar a ngua
como objeto de reflexão.
Neste sentido, este trabalho teve como objetivo geral investigar
como os alfabetizandos jovem e adulto constroem seus conhecimentos acerca do
sistema de escrita alfabética e qual o papel que as habilidades metalingüísticas de
reflexão fonológica, designadas como consciência fonológica, assumem no
processo de alfabetização.
O trabalho de investigação realizado neste estudo partiu da
hipótese de que o perfil lingüístico do aprendiz influencia a percepção e o domínio
do código escrito durante a alfabetização e se reflete em seu desempenho ao longo
do processo.
18
O corpus utilizado para a pesquisa foi coletado em duas etapas. A
primeira teve como base a análise de testes de consciência fonológica. Na
ausência de testes que abordem a consciência fonológica em alfabetizandos jovens
e adultos, construímos, para este trabalho, testes direcionados para o referido
público, adaptando linguagem e imagens e tendo como base os testes propostos
para crianças por Adams et al. (2006). Na construção dos testes foram adicionadas
tarefas envolvendo a escrita, a contagem e a representação numérica. Os testes
foram xerocopiados e cada aluno respondeu individualmente. Todas as entrevistas
foram gravadas. Desta maneira tivemos os registros dos testes e as fitas de
gravação como corpus de análise.
Os testes foram realizados com trinta e três alunos do Programa de
Alfabetização da UFRJ para Jovens e Adultos de Espaços Populares. Dos trinta e
três informantes, vinte e dois eram naturais do Rio de Janeiro e onze naturais do
estado da Paraíba. A faixa etária variou entre dezesseis e oitenta e um anos.
Participaram dezenove mulheres e catorze homens.
Na segunda etapa do trabalho de campo foram realizadas
entrevistas individuais com três alfabetizandas que participaram da primeira etapa
e seus respectivos alfabetizadores, para buscar mais elementos que nos ajudassem
a traçar o perfil sócio-lingüístico das alunas, de forma a melhor compreendermos
seu desempenho no processo de alfabetização e confirmarmos ou não a hipótese
da qual parte este trabalho, ou seja, de que o perfil lingüístico do aprendiz
influencia a percepção e o domínio do código escrito durante a alfabetização e se
reflete em seu desempenho ao longo do processo de escolarização.
19
Para alcançar seu objetivo o trabalho foi organizado da seguinte
maneira. O primeiro capítulo traz um breve histórico da alfabetização de jovens e
adultos no Brasil, buscando apresentar as diferentes abordagens metodológicas
presentes nas campanhas e projetos.
O segundo capítulo traz uma revisão de literatura sobre os
pressupostos teóricos que norteiam este trabalho. Nele serão abordados os
seguintes temas: metodologias de alfabetização, a sílaba e seu papel nos métodos
de alfabetização, variação lingüística, consciência fonológica e fonologia de uso.
O terceiro capítulo trata da metodologia utilizada para a pesquisa
de campo e traz informações sobre: os sujeitos da pesquisa e seu perfil social, a
elaboração dos testes e procedimentos de aplicação, as entrevistas com as
alfabetizandas e os alfabetizadores, além de informações sobre a formação dos
alfabetizadores do programa lócus de nossa pesquisa.
O trabalho de coleta e análise dos dados buscou responder a
seguinte questão: qual o papel que o perfil lingüístico do alfabetizando
desempenha no processo de alfabetização de jovens e adultos?
O quarto capítulo traz a análise dos principais resultados das duas
etapas da pesquisa de campo: a primeira, realizada no ano de 2007 e a segunda no
ano de 2008.
A conclusão do trabalho nos revela a existência de uma relação de
reciprocidade e interação entre as habilidades de consciência fonológica e o
aprendizado da língua escrita, onde algumas habilidades de reflexão fonológica
20
são necessárias para que o indivíduo aprenda a escrita alfabética, ao mesmo tempo
em que ele amplia sua capacidade de refletir sobre os segmentos sonoros das
palavras, em conseqüência do crescente conhecimento que tem das suas formas
escritas.
A conclusão destaca ainda a importância dos conhecimentos
lingüísticos estarem contidos nos currículos dos Cursos de Formação de
professores, sejam eles de nível médio ou superior.
Por fim, seguem-se as referências bibliográficas e os anexos, onde
são apresentados os testes realizados pelos alunos na primeira etapa do trabalho e
os roteiros de entrevistas dos alfabetizandos e dos alfabetizadores.
Acreditamos que este trabalho poderá trazer uma grande contribuição
para a Alfabetização de Jovens e Adultos, pois através dos dados lingüísticos
coletados na pesquisa de campo e de uma análise interdisciplinar envolvendo a
Lingüística e minha formação em Pedagogia, a tese busca fornecer elementos que
contribuam para o aprimoramento das práticas educativas desenvolvidas no
processo de alfabetização deste público específico.
21
1. ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O PASSADO E O
PRESENTE
A Educação de Jovens e Adultos é um universo plural que envolve
diferentes práticas formativas. A tarefa de historiar essas práticas é extremamente
difícil, pois muitas das experiências do passado não têm registros que forneçam
dados necessários para compreendê-las. Nesta seção buscaremos fazer uma
abordagem das iniciativas de Educação de Jovens e Adultos, mais especificamente
das que se referem ao processo de alfabetização, destacando as principais
experiências presentes na literatura, que nos ajudam a compreender o momento
atual e as práticas alfabetizadoras desse segmento específico da população.
O analfabetismo no Brasil é tema de discussão desde o Período
Colonial e do Império, mas é no século XX, principalmente depois da divulgação
do censo de 1940, que indicava um índice de 55% da população maior de dezoito
anos analfabeta, que ele passa a ser visto como um problema nacional.
Somado ao elevado índice de analfabetismo da população na
década de 40, outros fatores como o fim da Segunda Guerra Mundial, o fim do
Estado Novo, a redemocratização do país, o restabelecimento das eleições diretas
e as iniciativas da recém-criada UNESCO, levaram o Estado a se posicionar e
criar iniciativas visando à redução do analfabetismo. É nesse contexto que surgem
as campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos.
No ano de 1947, foi a primeira vez que o governo brasileiro,
através do Ministério da Educação e Saúde, mais especificamente do recém
instalado Serviço de Educação de Adultos -SEA- lançou uma campanha em nível
22
nacional visando a alfabetizar a população, a Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA). Foram criadas, inicialmente, dez mil classes de
alfabetização em diversos municípios do país, tanto no meio urbano, quanto no
meio rural. Como materiais pedagógicos, a campanha utilizava cartilhas, livros de
leitura e folhetos diversos, que traziam noções elementares de higiene, saúde,
produção e conservação de alimentos.
O primeiro guia de leitura, organizado em
lições que partiam de palavras-chaves, tinha
como base de sua elaboração o método
silábico. Pequenas frases e textos de conteúdo
moral e com informações sobre higiene, saúde
e técnicas de trabalho compunham a parte
final do livro. (GALVÃO & SOARES, 2004)
Como não havia uma tradição de Educação de Jovens e Adultos no
país, nem estudos sobre como alfabetizar adultos, os argumentos didáticos e
pedagógicos tinham como base o ensino de criança.
O período destinado para a formação inicial era de três meses e,
após esta etapa o primário seria feito em dois períodos de sete meses.
Posteriormente, esperava-se que o adulto pudesse fazer cursos voltados para a
capacitação profissional e o desenvolvimento comunitário. A campanha
estimulava o voluntariado e conclamava à população a erradicar o mal do
analfabetismo” do país.
As ações da campanha foram intensas até meados dos anos 50. A
partir de 1954, a CEAA recebeu inúmeras críticas contundentes, principalmente
em relação à concepção e aos materiais infantilizados, e entrou em visível
declínio. O voluntariado começou a desaparecer e as queixas contra as irrisórias
vantagens oferecidas aos professores causaram o abandono do trabalho. Alguns
23
críticos classificavam a campanha como “fábrica de eleitores” (PAIVA, 1983). A
CEAA funcionou durante o período compreendido entre 1947 e 1963.
Nos anos 50, diversas outras campanhas foram criadas, dentre elas
a Campanha Nacional de Educação Rural em 1950 e a Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo, em 1958. No entanto, essas campanhas não
apresentaram resultados significativos.
A década de 60 foi marcada pela profusão de iniciativas
educacionais de cunho progressista, tanto por parte do Governo Federal, com a
oficialização do Movimento de Educação de Base (MEB) ligado à Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através do decreto de nº 50.370/61,
quanto pelos movimentos da sociedade civil organizada: o Movimento de Cultura
Popular (MCP) e os Centros Populares de Cultura (CPCs) e Campanha de
Educação Popular (CEPLAR).
Os movimentos surgiram da organização da sociedade civil,
visando alterar o quadro sócio-econômico e político. As ações destes movimentos
trabalhavam conceitos como: conscientização, participação e transformação. O
saber e a cultura populares eram valorizados e os analfabetos eram considerados
como produtores de conhecimentos e cultura.
No mesmo movimento o MEB, em 1963, elaborou um conjunto
didático intitulado “Viver é lutar”. O objetivo maior do MEB era oferecer uma
educação de base que levasse ao camponês uma concepção de vida, tornando-os
conscientes de seus valores físicos, espirituais, morais e cívicos. Com tais objetivos,
24
o MEB lançou-se à tarefa de organizar sistemas de educação através de escolas
radiofônicas.
O MCP tinha suas atividades voltadas, fundamentalmente, para a
conscientização do povo através da alfabetização e da educação de base. Foi este
movimento que lançou no Brasil o Primeiro livro de leitura para adultos. Este
livro partia de palavras-chave e situações de aprendizagem com real significado
para os alfabetizandos. Esse livro inspirou outros livros de leitura de diversos
movimentos de cultura popular criados em todo o país, no início dos anos de
1960. O MCP também desenvolveu programas de rádio com recepção organizada
em escolas experimentais. Aos sábados e domingos eram realizadas transmissões
musicais ou teatrais por intermédio da divisão de Teatro do MCP.
As ações do MCP tiveram grande repercussão no Brasil e no
exterior e influenciaram muitas outras iniciativas. Dentre os fundadores do MCP,
estava o educador Paulo Freire. Foi no interior deste movimento que nasceu o que
mais tarde seria chamado de “método Paulo Freire”.
1.1. A filosofia educacional de Paulo Freire
Foi na cidade de Angicos que a Equipe de Extensão Universitária,
formada por professores da Universidade Federal de Pernambuco e coordenada
por Paulo Freire, realizou as primeiras experiências do que ficou conhecido como
“Método Paulo Freire”. A experiência alfabetizadora proposta por Freire e sua
equipe convidava a não experimentar um novo método de alfabetização, mas
acima de tudo uma nova maneira de ver a educação.
25
A primeira etapa do “método” consistia no levantamento do léxico,
chamado pela equipe de Freire de levantamento do universo vocabular, um
universo que está presente na fala das pessoas do lugar que precisa ser investigado,
pesquisado, descoberto. Para isso, os pesquisadores utilizavam o caderno de
campo e se misturavam às pessoas da comunidade participando de seu cotidiano,
além de lançar perguntas sobre a vida, sobre a história local, sobre a compreensão
do mundo. Os vocábulos destacados não só eram carregados de sentido existencial
e, por isso, de maior conteúdo emocional, mas também de falares típicos do povo.
(FREIRE, 1992:119)
Após concluir o trabalho de pesquisa, a equipe, então, tinha um
rico material para a escolha das palavras geradoras, que se constituía como a
segunda etapa do trabalho. As palavras não precisavam ser muitas, girando em
torno de 16 a 23. O mais importante era que, em conjunto, elas obedecessem a três
critérios: a riqueza fonêmica da palavra, as dificuldades fonéticas da língua e o
conteúdo semântico, a partir do qual o objeto seria conhecido e a representação da
realidade decodificação (idem:121). O conteúdo semântico era utilizado na
formação crítica, e as configurações silábicas eram utilizadas no trabalho de
decodificação.
Segundo Henderson e Chard, (apud KATO, MOREIRA &
TARALLO, 1998) notou-se que era mais fácil processar um conjunto de letras
quando estas formassem uma palavra do que quando elas formassem uma unidade
lexicalmente inexistente, fenômeno esse conhecido como o “efeito da
superioridade da palavra para processamento”. As explicações para este fato são
inúmeras, mas, segundo Kato, Moreira & Tarallo (1998) podemos dizer que elas
se reduzem essencialmente a duas hipóteses: hipótese holística e hipótese da
26
regularidade fono-ortográfica. Segundo os autores, para alguns estudiosos, a
facilidade de processamento das palavras, em oposição a não palavras, dever-se-ia
ao conhecimento da configuração visual armazenada na memória de longo termo
do usuário. Para outros estudiosos este processamento tem a ver com a natureza
seletiva e econômica das letras processadas, seleção essa possibilitada pela
redundância fono-ortográfica dos sistemas.
Nas primeiras experiências realizadas no
Brasil e no Chile, o trabalho começava a
ser praticado a partir da discussão sobre
as fichas de cultura. Estas fichas eram
desenhos feitos em cartazes ou projetados
em slides que introduziam situações
existenciais típicas do grupo com o qual
se iria trabalhar. As situações traziam
questões para o debate e convidavam a
pensar. Elas serviam para provocar as
primeiras trocas de idéias entre o
alfabetizador e os alfabetizandos.
A partir da discussão em torno das situações locais, eram abertas
perspectivas para análise de problemas nacionais e regionais. As fichas tanto
podiam ser levadas prontas pelo alfabetizador como criadas na própria comunidade.
A discussão em torno da “ficha de cultura” era, neste sentido, um momento
fundamental, que antecedia a leitura da palavra. Elas vinham reforçar as palavras
de Freire quando este diz que a leitura do mundo antecede a leitura da
palavra”(2001:11).
O alfabetizador, após concluir o trabalho com as fichas de cultura,
poderia mostrar ao grupo a palavra geradora. Com a finalidade de nortear o debate
Exemplo
de fichas de cultura
27
e levantar questionamentos para que os alfabetizandos se posicionassem, o
alfabetizador levava consigo o plano de discussão. Por exemplo, a palavra salário:
a valorização do salário e a recompensa; a finalidade do salário; manutenção do
trabalho e da família; o horário do trabalho segundo a lei; o salário mínimo e o
salário justo; repouso semanal, férias e décimo terceiro. (BRANDÃO, 1981)
Após discutir com os alfabetizandos a respeito da palavra, esta era
apresentada junto com a figura. Em seguida, a palavra era apresentada sem a
figura. O alfabetizador lia inúmeras vezes a palavra para depois, apresentá-la
desdobrada em suas famílias silábicas.
TI JO LO
TA TE TI TO TU
JA JE JI JO JU
LA LE LI LO LU
O alfabetizador, então, lia acompanhando com as mãos as sílabas,
no momento em que as pronunciava. Na medida em que o grupo ia se
familiarizando com a leitura, os alfabetizandos eram convidados a ler juntos,
sozinhos ou em coro.
Quando o grupo conseguia reconhecer as sílabas era chegado o
momento do trabalho com a “ficha de descoberta”. Esta era assim chamada, pois
apresentava as famílias silábicas e possibilitava a descoberta de novas palavras. O
alfabetizador, então, lia as famílias silábicas em todas as direções possíveis e
convidava os alunos a lerem e a criarem novas palavras, a partir delas. Por
exemplo:
28
TA TE TI TO TU
JA JE JI JO JU
LA LE LI LO LU
Esgotado o trabalho sobre uma palavra geradora, o alfabetizador
poderia iniciar o trabalho com a segunda, procedendo da mesma maneira. Algumas
famílias silábicas trabalhadas, inevitavelmente, apareciam em novas palavras, o
que possibilitava explorar o conhecimento dos alfabetizandos. A apresentação das
palavras e as dificuldades exploradas deveriam ocorrer a partir do respeito ao
desenvolvimento da turma. Com as famílias silábicas das palavras geradoras, era
possível escrever frases completas e isto se constituía como um estimulante
exercício para os alfabetizandos.
A abordagem metodológica que prioriza a construção de novas
palavras, a partir das famílias silábicas trabalhadas, contudo, pode ficar
comprometida se não for considerado que a mudança de posicionamento das
famílias silábicas ocasiona mudanças nos fones e, conseqüentemente no
entendimento lingüístico que o aluno está construindo das palavras. Vejamos, por
exemplo, as sílabas TO e LO. Elas tanto podem formar a palavra LOTO, como
podem formar a palavra TOLO. Uma análise fonológica nos mostra que, em
grande parte das variantes do português brasileiro, como nas palavras [tolu] e [lotu]
o /o/ em posição átona no final da palavra, é realizado como [u], ou seja, os sons
resultantes do fechamento de /o/ se confundem com /u/. No manuseio que é feito
com as sílabas para formação de novas palavras, se estes elementos lingüísticos
não fizerem parte da abordagem metodológica, o aluno pode enfrentar uma série de
dificuldades em criar essas novas palavras.
LAJOTA
LATA
TOLO
JILO
29
Independente das lacunas deixadas pela proposta metodológica, a
filosofia educacional de Paulo Freire teve grandes repercussões nas propostas de
alfabetização de jovens e adultos. Assim, durante o ano de 1963, quando as
atividades da CEAA foram encerradas, o educador foi convidado a assumir a
elaboração de um Plano Nacional de Alfabetização junto ao Ministério da
Educação.
Entretanto, os últimos meses de 1963 e os primeiros de 1964
caracterizaram-se pela constante ameaça de golpes e contra-golpes. Neste
contexto, as campanhas eram uma ameaça à estabilidade do regime. Logo após o
golpe de 1964 um grande número de programas desaparece e seus participantes
passaram a ser perseguidos e exilados, Paulo Freire foi um deles.
Contudo, as altas taxas de analfabetismo ainda se faziam presentes
e isso repercutia mal internacionalmente. Assim, alguns poucos movimentos
sobrevivem, dentre eles o MEB. Porém, tal sobrevivência custou-lhe a revisão de
sua metodologia, bem como de seu material didático. Enquanto movimento de
alfabetização, o MEB teve uma sobrevida proporcional ao poder de resistência da
CNBB e de cada bispo localmente.
1.2.– O Projeto Mobral
Com o governo militar foi criado, através da Lei 5379/67, o
Movimento Brasileiro de Alfabetização. Este se apresentou como uma resposta do
regime militar à situação de analfabetismo no País.
30
A perspectiva que orientou os trabalhos realizados pelo Mobral, no
campo da alfabetização de adultos, ao longo da década de 70 e, sobretudo até
meados dos anos 80, quando foi extinto, trouxe como marca o entendimento de
que o processo de alfabetização teria a importante função de preparar mão-de-obra
trabalhadora para inserção na produção econômica do País. O livro lançado pelo
MOBRAL Educação de massa e ação comunitária reproduz esta visão. O
conceito de alfabetização utilizado no livro era de um processo formativo no qual
“o domínio das técnicas de leitura, escrita e cálculo deveria integrar-se à
capacitação do alfabetizando para resolver seus problemas fundamentais, entre
eles e em primeiro lugar os relativos a suas atividades produtivas” (CORRÊA,
1979:65). O trabalho realizado pelo MOBRAL, ainda que reflita visões
certamente próprias da ideologia oficial, reflete também as contradições, desejos e
lutas que permeavam a instituição. O MOBRAL esteve longe de ser uma
instituição homogênea, como muitas vezes foi retratado.
Frente à visão de alfabetização e à percepção cada vez mais forte
de que não bastava ensinar o funcionamento alfabético da língua escrita, que o
problema do analfabetismo fazia parte de um quadro maior de privação, foram
surgindo vários programas:
Programa de Educação Integrada (1972) que se propunha transmitir os
“conteúdos mínimos” das quatro primeiras séries do 1º grau,
Projeto de Atividades Culturais (1973) que, através da abertura de
milhares de Postos Culturais teve como proposta resgatar e divulgar, em
primeiro lugar para os alfabetizandos, as tradições culturais de cada lugar,
Projeto de Profissionalização (1974), com objetivos de informação,
orientação e treinamento profissional,
31
Programa Diversificado de Ação Comunitária (1975) que, fortemente
inspirado na visão do Desenvolvimento de Comunidade (DC), se propunha
envolver a população no diagnóstico e na solução de seus problemas,
através da formação de Grupos de Ação Local.
Programa de Educação Comunitária para a Saúde (1976) que, através da
formação de Grupos de Educação em Saúde, visava à discussão dos
problemas de saúde da comunidade, a informação e a formação,
Programa pré-escolar (1980), que visou o desenvolvimento de uma ação
pedagógica em comunidades carentes, numa perspectiva de preparação
para o ensino regular,
Projeto de Autodidatismo (1980), para os alunos oriundos da Educação
Integrada e desprovidos de acesso ao sistema escolar regular.
Foram ainda desenvolvidas, a longo dos anos, outras ações de caráter
transitório (campanhas, seminários, outros eventos).
No que se refere à alfabetização, a estrutura organizada previa um
trabalho com duração de cinco meses com duas horas de aula diárias. O
movimento disponibilizava, para o trabalho nas classes, um manual do
alfabetizador, cartazes e cartões, livro de leitura, livros de exercícios de
matemática e livro de exercícios de linguagem. Disponibilizava também, a partir
do Programa de Ação Cultural, uma biblioteca de livros para neo-leitores, com
tipografia especial (letras grandes) a fim de facilitar a leitura. Publicou, ainda,
escritos de recém alfabetizados como os poemas de Alice Cardoso, A Pérola
Negra, alfabetizada aos 43 anos.
O Mobral trazia como principais objetivos a erradicação do
analfabetismo e a educação continuada. Este objetivo inicial se ampliou ao logo
dos anos, na perspectiva da Educação Permanente. Para cumprir tais objetivos,
32
foram desenvolvidos programas de Alfabetização Funcional e de Educação
Integrada. Segundo os documentos deste movimento “trata-se, porém, de um tipo
de alfabetização chamada funcional porque o aluno não se limita a aprender a ler e
escrever, mas sim, a descobrir suas funções e seu papel, no tempo e no espaço em
que vive.” (Manual do Alfabetizador, 1969:06)
Segundo o manual do alfabetizador (1969:06), a metodologia
utilizada pelo Programa de Alfabetização Funcional baseava-se em seis objetivos:
1. desenvolver nos alunos as habilidades de leitura, escrita e contagem
2. desenvolver um vocabulário que permita o enriquecimento de seus alunos;
3. desenvolver o raciocínio, visando facilitar a resolução de seus problemas e
os de sua comunidade;
4. formar hábitos e atitudes positivas, em relação ao trabalho;
5. desenvolver a criatividade, a fim de melhorar as condições de vida,
aproveitando os recursos disponíveis;
6. levar os alunos:
à aquisição de um vocabulário que permita um aumento de conhecimentos,
à compreensão de orientações e ordens transmitidas por escrito e
oralmente;
à expressão clara das idéias;
à comunicação escrita ou oral;
à redação de cartas, telegramas, requerimentos, etc.
33
ao desenvolvimento da criatividade, visando, entre outros, ao
aproveitamento de todos os recursos disponíveis a fim de melhorar as
condições de vida;
ao conhecimento de seus direitos e deveres e as melhores formas de
participação comunitária;
ao empenho na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene
pessoal, familiar e da comunidade;
à compreensão da responsabilidade de cada um, na manutenção e melhoria
dos serviços públicos de sua comunidade e na conservação dos bens e
instituições;
à descoberta das formas de vida e bem-estar social dos grupos que
participam do DESENVOLVIMENTO e à motivação para ser um
CONSTRUTOR e BENEFICIÁRIO deste desenvolvimento.
O procedimento metodológico utilizado pelo Mobral assemelhava-se
ao método de Paulo Freire partindo de palavras geradoras. Os seguintes
procedimentos eram adotados no processo de alfabetização:
1. apresentação e exploração do cartaz gerador;
2. estudo da palavra geradora, depreendida do cartaz;
3. decomposição silábica da palavra geradora;
4. estudo das famílias silábicas, com base nas palavras geradoras;
5. formação e estudos de novas palavras com as mesmas famílias silábicas;
6. formação e estudos de frases e textos
34
Contudo, de acordo com Galvão & Soares (2004), uma análise do
material didático aponta que as semelhanças eram apenas superficiais.
Os métodos e o material propostos pelo
MOBRAL assemelhavam-se aparentemente
aos elaborados no interior dos movimentos de
educação e cultura popular, pois também
partiam de palavras-chave, retiradas da
realidade do alfabetizando adulto para, então,
ensinar os padrões silábicos da língua
portuguesa. No entanto, as semelhanças eram
apenas superficiais, na medida em que todo o
conteúdo crítico e problematizador das
propostas anteriores foi esvaziado: as
mensagens reforçavam a necessidade do
esforço individual do educando para que se
integrasse ao processo de modernização e
desenvolvimento do País. Além disso, era um
material padronizado, utilizado indistinta-
mente em todo o Brasil. (2004:46)
Segundo o manual do alfabetizador (1969:08) a escolha das
palavras geradoras teve como critério as necessidades básicas do ser humano e a
seqüência das palavras geradoras foi estabelecida a partir da maior freqüência de
fonemas em nossa língua e, portanto, nas últimas lições tendem a aparecer os
fonemas menos freqüentes e mais difíceis.
As palavras geradoras foram também selecionadas, segundo Corrêa
(1979:153-154), em função de nove campos semânticos: EDUCAÇÃO (escola,
professora), SAÚDE (remédio, vacina), ALIMENTAÇÃO (comida, panela,
cozinha), HABITAÇÃO (tijolo, casa), LAZER (rádio, futebol, viagem),
TRABALHO (trabalho, máquina), PREVIDÊNCIA SOCIAL (hospital, trabalho,
união), VESTUÁRIO (sapato, plástico), LIBERDADES HUMANAS (vida,
família, fé, amor).
35
Contudo, ao estabelecer um único material padronizado, num país
como o Brasil, marcado pela diversidade cultural e lingüística, a freqüência citada
acima deve priorizar um dialeto em detrimento de outros. Percebe-se assim uma
tendência de uniformidade e a não preocupação com a variação lingüística.
O item seis coloca o trabalho com a formação e estudos de frases e
textos, o que aponta para uma preocupação com a contextualização. Entretanto,
esta contextualização não necessariamente está ligada ao uso, uma vez que a
palavra uva, por exemplo, pode estar contextualizada na clássica frase EVA VIU
A UVA, mas nem sempre os alunos conhecem alguma Eva ou já comeram ou
viram uva.
Um outro aspecto que deve ser considerado nos estudos sobre o
Mobral é a utilização de pessoas da comunidade em geral para alfabetizar, uma
prática que continua presente nos programas atuais. A escolha dos monitores era
marcada por contradições, pois, por um lado, o clientelismo imperava e alguns
professores formados não eram selecionados para o trabalho. Em contraposição,
ocorreu também a escolha de monitores com experiência em educação popular,
através dos movimentos da década de sessenta, por exemplo, o MEB.
Os monitores recebiam uma gratificação, baseada no número de
alunos freqüentes até o quarto mês de trabalho, o que dava margem a falsas
declarações. A preparação dos monitores baseava-se num “treinamento básico”
de aproximadamente uma semana e encontros mensais. O treinamento dos
alfabetizadores era realizado também pelo rádio, através do convênio com o
Projeto Minerva. Para a prática em sala de aula, os monitores recebiam também o
manual do alfabetizador e, periodicamente, eram assistidos pelos supervisores,
36
que visitavam as salas de aulas e ajudam a resolver problemas que surgiam em
campo.
O MOBRAL chegou a ter em seus quadros cerca de quatro mil
funcionários trabalhando em sua administração. Os professores eram voluntários
que, muitas vezes, recebiam precária formação, e sua maior recompensa era o
sentimento de ter prestado uma contribuição para a sociedade, uma vez que o
discurso oficial era de que a população também deveria dar sua contribuição,
como vemos em um dos lemas do MOBRAL: “Você também é responsável, então
me ensine a escrever, eu tenho a minha mão domável (sic), eu sinto a sede do
saber” (FREITAG, 1987:62).
Os últimos anos do Mobral foram marcados por denúncia que
culminaram na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
apurar o destino e a aplicação de recursos financeiros e a divulgação de falsos
índices de analfabetismo. O Mobral foi extinto logo após o período de
redemocratização do país. Segundo Beisegel “considerado como vitrine
educacional do estado autoritário, o Mobral não tinha condições políticas de
sobrevivência” (2003:24)
O Mobral trabalhou com grandes números, mas a avaliação de seus
resultados, com base nos censos de 1970 e 1980, mostrou que, em dez anos de
atuação maciça, conseguiu reduzir não mais de 7% da taxa de analfabetismo do
país. (PAIVA, 1983). O Mobral foi extinto em 1986, seis anos depois deste censo.
Em seu lugar foi criada a “Fundação Educar” que tinha um papel de fomento e
não mais de execução direta da prática alfabetizadora. A Fundação Educar foi
extinta em 1990 pelo presidente Fernando Collor de Mello.
37
A contribuição do Mobral para a redução do analfabetismo, como
pudemos ver, foi pequena, mas a experiência do movimento sem dúvida propiciou
um vasto campo de pesquisa para educadores e também para lingüistas. Na área
da Lingüística, um dos trabalhos pioneiros foi o da professora Miriam Lemle e do
professor Naro, intitulado Competências básicas do português, do ano de 1977. A
pesquisa patrocinada pela Fundação Ford e pelo Mobral teve como objetivo
verificar pontos de diferenciação entre a variedade de língua portuguesa falada
pelos alunos do Mobral e as variedades de língua escrita nas quais eles almejavam
adquirir competência. O arquivo gravado deixado pelo Mobral possibilitou o
acesso ao corpus de fala brasileira e desencadeou os estudos da heterogeneidade
dialetal.
1.3. A alfabetização de Jovens e Adultos após o Mobral
Desde o MOBRAL, não se realizou outro projeto pedagógico em
nível federal. Os programas que o sucederam se restringiram a financiar projetos
isolados, vinculados, em geral, às secretarias municipais de educação. Também o
Programa Alfabetização Solidária (PAS), criado em 1997, já no governo de
Fernando Henrique Cardoso, foi dissociado oficialmente do Ministério da
Educação (MEC), embora seus recursos tivessem uma parte de origem federal e
outra parte viesse da iniciativa privada e de pessoas físicas.
O PAS foi concebido através de uma parceria entre o Conselho do
Programa Comunidade Solidária e o Ministério da Educação e foi executado
38
também através de parcerias com instituições de ensino superior (IES) e empresas
privadas.
O programa ao ser criado tinha como objetivo desencadear um
movimento nacional no combate ao analfabetismo no Brasil, mas durante o
período de execução os objetivos foram ampliados. No ano de 2002, o programa
trazia como objetivo reduzir as taxas de analfabetismo e desencadear oferta
pública de educação de jovens e adultos.
O programa era organizado em módulos com duração de seis
meses: um mês era destinado ao curso de capacitação dos alfabetizadores e os
outros cincos meses eram dedicados à alfabetização em sala de aula. A cada
módulo os alfabetizadores eram substituídos. A permanência de um alfabetizador
era permitida em situações excepcionais, como a inexistência de candidatos,
por exemplo. Para explicar a alta rotatividade dos alfabetizadores, o programa
justificava o requisito de mudança como uma forma de favorecer um maior
número de pessoas com um emprego temporário e como uma possibilidade de
fornecer algum tipo de experiência de trabalho aos jovens de setores
desfavorecidos, especialmente no caso dos municípios do Norte e Nordeste
.
A formação dos alfabetizadores ficava a cargo do programa
Capacitação Solidária e incluía a viagem dos mesmos para as cidades de origem
das Instituições de Ensino Superior, principalmente São Paulo, que contava com o
maior número de IES participantes. Essas viagens acarretavam um alto gasto ao
transportar diversas pessoas de municípios do Nordeste, Norte e Centro-Oeste
para as cidades do Sul e Sudeste.
39
O material didático utilizado pelo Programa de Alfabetização
Solidária a coleção Viver e Aprender - foi elaborado pela organização não
governamental Ação Educativa com financiamento do Ministério da Educação e
do Desporto. Assim, como no caso do Mobral, tratava-se de um material único
para todo o Brasil.
A estratégia usada para organização da coleção Viver e Aprender
foi a composição dos livros por módulos temáticos, organizados em torno de
projetos didáticos que trataram de temas, informações diversas e buscaram
promover aprendizagens relacionadas às diferentes áreas do conhecimento,
através do trabalho com conteúdos de Língua Portuguesa, Matemática, Estudos da
Sociedade e da Natureza.
Outra estratégia foi a seleção de temas,
informações e conhecimentos relacionados ao
contexto adulto, especialmente àqueles que
dizem respeito às demandas advindas do
convívio em centros urbanos, onde reside a
maior parte da população não ou pouco
escolarizada. Optou-se pela abordagem de
temas e problemáticas mais universais, que
correspondem, de modo geral, àqueles de que
jovens e adultos necessitam para inserir-se
plenamente em contextos urbanos. (VÓVIO,
2002:128)
A coleção Viver e Aprender compreende quatro livros destinados
aos alfabetizandos, em forma de fascículo, e quatro livros destinados aos
alfabetizadores. O primeiro livro refere-se à fase inicial do processo de
alfabetização, e os livros dois e três visam à consolidação de habilidades básicas
correspondentes ao primeiro segmento do ensino fundamental. O quarto livro faz
uma retomada dos conteúdos objetivando a continuidade dos estudos.
40
Uma rápida análise do livro 1, destinado ao processo inicial de
alfabetização, nos revela que as atividades são construídas utilizando diferentes
abordagens metodológicas: apresentação do alfabeto, identificação e contagem
das letras, identificação de vogais e consoantes, utilização de diferentes gêneros
textuais, separação das palavras em sílabas, ordenação de palavras por ordem
alfabética, preenchimento de lacunas para completar o texto, palavras cruzadas,
dentre outras.
A Lingüística poderia fornecer elementos para uma análise de cada
uma destas abordagens metodológicas, mas a proposta deste trabalho o é esta.
Contudo, consideramos importante destacar a prática do ensino da língua materna
que enfatiza a classificação das letras do alfabeto em vogais e consoantes. De um
modo geral, é possível perceber que ao apresentar as vogais como a, e, i, o e u, os
materiais didáticos estão fazendo referência ao sistema de escrita e não da fala,
pois:
Enquanto temos, no alfabeto, apenas cinco
letras vogais (a, e, i, o, u), temos no sistema
fonológico do português, doze unidades
sonoras vogais (sete orais: /i/ - /e/ - /Ɛ/ - /a/ -
/ɔ/ - /o/ -/u/; cinco nasais: /ĩ/ - // -/ ã/- /õ/ -/
ũ/). Para dar conta dessa diferença quantitativa
(5 letras / 12 unidades sonoras) o sistema
gráfico precisa fazer alguns arranjos ( por
exemplo: combinar letras vogais com a letra n
ou m para fazer a representação das unidades
sonoras nasais, como em manto, mundo,
ponto) ou ainda permitir que a mesma letra
represente mais de uma unidade sonora (por
exemplo: a letra e pode representar as
unidades /e/ ou /Ɛ/: preço/presto). (FARACO,
2003:33)
Podemos perceber que, o que, muitas vezes, é apresentado como
simples e claro, traz uma complexidade muito grande, principalmente se o
41
alfabetizador não tem conhecimentos dos aspectos básicos da fala, da escrita e da
leitura.
Evidentemente não basta a formação técnica
lingüística para se ter automaticamente um
procedimento didático. Mas é certo que, sem o
conhecimento competente da realidade
lingüística compreendida no processo de
alfabetização, é impossível qualquer didática,
metodologia ou solução de outra ordem.
(CAGLIARI, 2007:09)
As propostas apresentadas no livro exigiam do alfabetizador um
esforço em articular as diferentes abordagens para construir sua prática
pedagógica. As próprias autoras dos livros destacavam como um dos aspectos
centrais considerados para elaboração da coleção a consciência de que o uso de
materiais didáticos poderia impor limites à prática pedagógica, dentre eles “o
imobilismo por parte dos educadores, que, simplesmente, reproduzem as
propostas em sala de aula, sem refletir sobre elas ou transformá-las de acordo com
as necessidades de seu grupo. (VÓVIO, 2002:127)”.
Se considerarmos que na proposta do PAS havia apenas um mês
destinado à formação de alfabetizadores e que o mesmo deveria ser substituído ao
término do módulo, podemos concluir que o processo de alfabetização do PAS
enfrentava, em sua concepção, uma de suas dificuldades. Os alfabetizadores, que
não tinham uma sólida formação, enfrentavam a tarefa de alfabetizar adultos, que
tinham diferentes conhecimentos da língua escrita em apenas cinco meses, o que é
um desafio mesmo para um alfabetizador bem formado.
Os resultados apresentados pelo programa foram pouco
significativos: menos de um quinto dos adultos atendidos pelo programa foram
42
capazes, ao final do processo, de ler e escrever pequenos textos (HADDAD e DI
PIERRO, 2000).
Com o Governo Lula, foi criado o Programa Brasil Alfabetizado. O
Programa é coordenado pelo MEC e cabe a este órgão viabilizar as condições, por
meio de repasses de recursos financeiros, para que as instituições conveniadas
possam realizar as tarefas de alfabetização. Neste aspecto volta a perspectiva da
Fundação Educar, citada acima.
O trabalho do MEC não envolve o acompanhamento da prática de
sala de aula. As instituições conveniadas devem se responsabilizar pela formação
dos alfabetizadores, pela organização das turmas e por todo processo de
alfabetização, incluindo o material didático.
O programa, assim como inúmeros outros destinados à
alfabetização de Jovens e Adultos, apresenta um aspecto geral de campanha, na
medida em que traz a concepção de alfabetização em apenas seis meses e convoca
a população a ajudar a alfabetizar, no pressuposto de que qualquer pessoa seja
capaz de alfabetizar. A tônica do programa é baixar as taxas de analfabetismo
num curto espaço de tempo. Assim, não é possível identificar uma real política
pública de leitura.
Entretanto, ao estabelecer convênios com instituições formadoras
para a realização das aulas, o programa abre a possibilidade de atuações mais
duradouras e de continuidade dos estudos.
Este breve histórico da Educação de Jovens e Adultos mostra que
ela sempre enfrentou dificuldades para conseguir ser reconhecida como uma
43
política pública, assumida pelo Estado. Passadas décadas após o MOBRAL, e
mesmo depois da promulgação, em 1996, da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, a cultura escolar brasileira e os princípios dos programas de
alfabetização ainda trazem a concepção compensatória e supletiva de educação de
jovens e adultos, entendida como instrumento de reposição de estudos não
realizados na infância ou adolescência.
Somente com a Constituição de 1988, o direito à educação é
estendido a todas as pessoas, inclusive àquelas que não freqüentaram ou
concluíram o ensino fundamental. Assim, a educação de jovens e adultos é
apresentada como um direito, cabendo ao Estado oferecer escolas noturnas e criar
condições para que o trabalhador possa estudar. A garantia do direito em forma de
lei, não significa, entretanto, sua efetivação na prática. Além disso, muitas
experiências continuam a serem desenvolvidas em outros espaços, como
universidades, sindicatos, igrejas, movimentos sociais e organizações não-
governamentais.
1.4. O Programa de Alfabetização da UFRJ para Jovens e Adultos de
Espaços Populares - um modelo em construção
O Programa de Alfabetização da UFRJ para Jovens e Adultos de
Espaços Populares foi criado em novembro de 2003, a partir de uma iniciativa da
Pró-reitoria de Extensão (PR5), junto com a Escola de Serviço Social, a Faculdade
de Educação, a Faculdade de Letras e o Instituto de Matemática.
44
A criação do programa buscou atender a uma solicitação de
representantes do bairro Maré, que pediram auxílio da universidade para
promover o aumento do número de pessoas alfabetizadas, uma vez que no ano de
2000 foi realizado o Censo Maré que indicava que 7,9% da população,
correspondente a 10.441 pessoas, maiores de 15 anos não eram alfabetizadas.
A união de diferentes áreas de conhecimento em torno da
alfabetização de jovens e adultos propicia uma riqueza muito grande para a prática
educativa. Contudo, a construção de uma metodologia de alfabetização que
possibilitasse o diálogo entre as diferentes áreas de conhecimentos, ao mesmo
tempo em que desse suporte para a atuação dos alfabetizadores, foi e ainda é um
grande desafio para o programa. A equipe tem como aportes teóricos os princípios
da Educação Popular e a filosofia educacional de Paulo Freire, mas, no cotidiano
das salas de aula e nos cursos de formação continuada, a metodologia vai sendo
recriada e, diferentes materiais didáticos, como jogos, apostilas, cadernos são
construídos.
As atividades desenvolvidas pelo programa de extensão da
universidade buscam manter a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão e, neste sentido, elas englobam quatro projetos distintos: Núcleo de
Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos –NUPEEJA;
Alfabetização de jovens e adultos; Formação inicial e continuada de
alfabetizadores; Atividades culturais com o objetivo de resgatar a cultura popular
local e ampliar o universo cultural dos alfabetizandos.
Os alfabetizadores são alunos de graduação e a equipe de
coordenação é composta por técnicos e professoras das diferentes unidades citadas
45
acima. Num primeiro momento participei da equipe como professora
representante da Faculdade de Educação e, posteriormente, como pedagoga da
PR5, ocupo o cargo de coordenadora geral do programa. O programa foi a
primeira experiência de extensão universitária da UFRJ em alfabetização, que
materializou a intenção de se trabalhar com várias unidades, elaborando,
executando, monitorando e avaliando as ações educativas de maneira
interdisciplinar.
46
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Este capítulo apresenta e discute os pressupostos teóricos que vão
nortear as discussões presentes neste trabalho de pesquisa, são eles: abordagens
metodológicas do processo de alfabetização de jovens e adultos, alfabetização e
letramento, a sílaba e seu papel nos métodos de alfabetização, variação e uso,
variação e alfabetização de jovens e adultos, percepção e consciência fonológica:
do fonético ao fonêmico e fonologia de uso.
2.1. Abordagens metodológicas do processo de alfabetização e a educação de
jovens e adultos
O processo de alfabetização é uma das maiores preocupações para
quem trabalha com a educação, pois ele é responsável por preparar uma base
sólida para que o aluno construa conhecimentos que lhe possibilitem dar seqüência
à vida escolar. Se o aluno não tem acesso a um processo de alfabetização de
qualidade, ele acaba por acumular nas etapas seguintes uma série de dificuldades,
que podem comprometer seu desempenho escolar.
O objetivo maior dos profissionais que atuam nos processos de
alfabetização é o desenvolvimento da capacidade de leitura e de escrita de forma
autônoma e criativa. Entretanto, muitas vezes, os profissionais que atuam no
processo de alfabetização necessitam de uma melhor fundamentação sobre o
processo de leitura e sobre os princípios que sustentam o sistema de escrita e
leitura da língua portuguesa do Brasil (SCLIAR-CABRAL, 2002:34).
47
O ato da leitura envolve não a capacidade de decifrar a escrita
através do estabelecimento da relação fonema/grafema, como também a
compreensão do que está sendo lido. Assim, a capacidade de identificar
informações do texto, não só as que estão explícitas, mas também as que estão
implícitas, é essencial.
No caso da escrita, a preocupação não é diferente; mais do que
aprender palavras na escola é preciso que a pessoa compreenda o sistema
alfabético para que possa utilizar a escrita com desenvoltura nas ações cotidianas,
ou mesmo de trabalho. Na busca de práticas pedagógicas de qualidade que
permitam cumprir este objetivo, grande parte da preocupação dos profissionais
que atuam com alfabetização passa a ser o método ideal para alfabetizar.
A história da educação das séries iniciais é marcada pela polêmica
sobre as metodologias de alfabetização, de uma maneira geral, direcionada para o
ensino de crianças. Esta polêmica continua viva e provoca inúmeros embates
teóricos e práticos, principalmente confrontos entre os dois métodos oficialmente
reconhecidos: sintéticos e analíticos (LEMLE, 1995:43). A classificação dos
métodos em analíticos ou sintéticos ocorre em virtude da direção, dos princípios e
das orientações dadas ao ensino, orientações estas que vão nortear não só o
trabalho em sala de aula, como também a produção de material didático.
48
2.1.1. Métodos sintéticos de alfabetização
Os métodos sintéticos recebem este nome, pois se baseiam em
estágios e têm como tarefa sintetizar seqüências, partindo das partes para o todo.
Eles insistem em estabelecer a correspondência entre o som e a grafia. Dentre os
métodos sintéticos temos: alfabético ou soletração, fonético ou fônico e silábico.
O método alfabético ou de soletração consiste na aprendizagem das
letras isoladamente. As letras são apresentadas nas suas diferentes formas de
escrita: maiúsculas de imprensa e maiúsculas cursivas, minúsculas de imprensa e
minúsculas cursivas. A partir da identificação dos nomes e das formas das letras e
da memorização da seqüência do alfabeto, as consoantes são ligadas às vogais,
formando sílabas que depois de formadas são reunidas para formar as palavras e
chegar ao todo. Para Carvalho, (2005:22) o método de soletração “trata-se de um
processo árido, com poucas possibilidades de despertar o interesse para a leitura,
que pressupõe uma separação radical entre alfabetização e letramento”.
O método fonético ou fônico propõe um ensino sistemático das
relações entre as unidades gráficas do alfabeto (letras ou combinações de letras,
como no caso dos dígrafos) e suas correspondentes unidades fônicas (sons).
(COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2003). Diferente da concepção
alfabética, a ênfase se no som e não no nome das letras. O som da consoante é
unido ao som da vogal para pronunciar a laba. Os dois métodos fônicos mais
conhecidos são o Método A Casinha Feliz e o método da Abelhinha.
Criado por Iracema Meireles, nos anos 50, o método A Casinha
Feliz é baseado na concepção fônica do ensino da leitura e é apresentado
49
atualmente em duas cartilhas: A Casinha Feliz, para crianças e É tempo de
Aprender, para adolescentes e adultos. Na abordagem feita a partir deste método, a
alfabetização se dá a partir de um teatro de fantoches, onde as letras são associadas
a figuras do universo do aluno e representam os sons. As letras são apresentadas
como personagens de uma história: a letra <p> é o papai, a letra <m> mamãe, <n>
neném, <r> ratinho (CARVALHO, 2005: 27). As cinco formas gráficas das vogais
conhecidas como cinco amiguinhos - recebem destaque e, ao se encontrarem
com as consoantes, produzem sílabas. As relações grafema-fonema são
apresentadas a partir de uma ordem pré-estabelecida.
Assim, como o método da Casinha Feliz, o método da Abelhinha
apresenta uma série de histórias cujos personagens estão associados a letras e sons;
os sons são apresentados como barulho. A alfabetização se faz pela união dos
diferentes sons. A partir daí, gradualmente vai se ampliando para as palavras,
sentenças e textos.
A personagem abelhinha, que nome ao
método, tem o corpo em forma de um a (sic)
(em letra cursiva) e apresenta o som aaaaaa (a
vogal é prolongada para facilitar o
reconhecimento); a letra i (sic) é representada
pelo tronco de um índio, outro personagem de
histórias, e assim por diante. Os personagens
são desenhados para sugerir o todo ou partes
das formas estilizadas das letras. Há, portanto,
uma associação de três elementos: personagem
forma da letra som da letra (fonema). A
alfabetização se dá por síntese ou fusão dos
sons para formar a palavra. (CARVALHO,
2005:26)
O Método da Abelhinha foi criado por três educadoras com ampla
experiência de ensino e de pesquisa Alzira S. Brasil da Silva, Lucia Marques
50
Pinheiro e Risoleta Ferreira Cardoso na década de 60 e, na década de 70, o
método já era largamente utilizado em escolas públicas do Rio de Janeiro.
Ferreiro & Teberosky (1979:21) destacam que o método fônico ou
fonético institui algumas questões como prévias:
a) que a pronúncia seja correta para evitar
confusões entre os fonemas, e
b) que as grafias de formas semelhantes sejam
apresentadas separadamente para evitar
confusões visuais entre as grafias. Outro dos
mais importantes princípios para o método é
ensinar um par fonema-grafema por vez, sem
passar ao seguinte enquanto a associação não
esteja bem fixada.
As questões prévias colocadas pelas autoras nos trazem
inquietações e remetem a algumas questões: o que é pronúncia correta? Qual o
parâmetro utilizado para julgá-la como tal? O que é confusão entre fonemas? A
referida confusão é, de fato, sempre entre fonemas ou entre fones?
Embora seja alvo de inúmeras críticas e, muitas vezes, considerado
ineficaz e com ênfase excessiva no estabelecimento da relação fonema-grafema,
no uso de palavras e sentenças sem significado real, os métodos fônicos ainda são
muito defendidos. No ano de 2003, por exemplo, especialistas brasileiros e
estrangeiros foram convidados pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara
dos Deputados para elaborar um relatório sobre uma visão atualizada das teorias e
práticas de alfabetização como base para uma análise da situação brasileira e
concluíram que os métodos fônicos são o que melhor atendem às necessidades de
decodificação do processo de alfabetização.
51
Estudos comparando diferentes tipos de
programas baseados na concepção fônica
evidenciam que as estratégias mais bem
sucedidas incluem a síntese, que encoraja os
alunos a converter letras em sons e juntá-los
para formar palavras. Essas estratégias são
mais eficazes do que as baseadas na síntese de
unidades maiores do que o fonema (sílabas ou
rimas, por exemplo), embora as diferenças
estatísticas não sejam significativas. Os
métodos baseados nessa concepção lograram
melhores resultados em aplicações envolvendo
indivíduos, pequenos grupos ou salas de aula.
Com base nessas evidências, o referido
relatório conclui que o ensino sistemático de
fônica (sic) produz maior impacto no
crescimento da leitura antes dos alunos
adquirirem a competência para ler de forma
autônoma. (2003:58)
O método silábico também insiste na correspondência entre o oral
e o escrito, e parte das sílabas para formar as palavras. De um modo geral, os
métodos sintéticos têm como base a associação de estímulos visuais e auditivos,
utilizando a memorização como recurso didático. O objetivo maior é que o
alfabetizando estabeleça a relação entre letras e sons. A compreensão do que está
sendo lido fica para uma segunda etapa. Entretanto, como não há uma total
correlação entre a fala e a ortografia, recomenda-se começar com os casos em que
exista relação biunívoca, ou seja, quando uma determinada unidade sonora
corresponde a uma única unidade gráfica e esta unidade gráfica representa
aquela unidade sonora. Segundo Lemle (1995:17) no caso do dialeto carioca,
temos: p /p/, b /b/, t /t/, d /d/, f /f/, v /v/, a /a/
1
. Somente depois de trabalhadas estas
letras, parte-se para as relações de correspondências múltiplas ou arbitrárias.
1
É importante considerar, contudo, que no dialeto carioca as letras <t> e <d> no dialeto carioca
podem corresponder aos sons [t] ou [t Ɛ] e [d] ou [dZ], embora correspondam apenas aos fonemas
/t/ ou /d/ respectivamente.
52
Vemos, então, que a preocupação maior dos métodos sintéticos
está no estabelecimento da correlação entre o valor fônico e as representações
gráficas. Para Faraco (2003:11) pensar que a grafia representa diretamente a
pronúncia é um equívoco, primeiro porque a representação gráfica alfabética tem
origem etimológica e, em segundo lugar, porque a grafia é, em certo sentido,
neutra em relação à pronúncia, pois as formas de pronunciar as palavras variam
conforme as variedades que se fala, enquanto há uma única forma de grafá-las.
Além das questões levantadas pelo autor, podemos dizer também
que o reconhecimento das letras por si não garante a capacidade de construir
palavras, sentenças ou textos a partir delas, pois as letras e seus respectivos sons
não se manifestam isoladamente, mas contextualizados. No caso do som,
podemos exemplificar com o som da vogal [i]: se ela está em posição de sílaba
acentuada, ela será transcrita, em nossa convenção ortográfica, pela letra i.
Entretanto, se a vogal [i] está numa posição átona em final de palavra, ela
corresponderá à letra e, em nossa ortografia. No caso da letra, se exemplificarmos
com a letra <s>, veremos que a situação é ainda mais complexa, pois no início de
palavra ela recebe o som [s], como na palavra sapato, mas quando está entre
vogais recebe o som [z] como na palavra miséria, e quando está diante de
consoante surda ou final de palavra recebe, no dialeto carioca, o som [š], como na
palavra mestre ou duas casas; já diante de consoante sonora neste mesmo dialeto,
soará como [ž] tal qual em asma ou às duas.
Ao fazer uma correlação com a linguagem matemática, podemos
afirmar que, assim como o sistema de numeração decimal tem valor posicional, o
sistema gráfico alfabético também o tem, uma vez que às letras são atribuídos
53
diferentes valores (sons) ou vice-versa; aos sons são atribuídas diferentes letras, a
partir de seu posicionamento. Diante disto, não acreditamos que a idéia de decorar
o nome das letras ou sons de maneira descontextualizada, ou mesmo decorar a
ordem em que as letras aparecem no alfabeto, traga grandes contribuições para os
processos de leitura e escrita uma vez que os sons ou letras ganham sentido se
utilizados de forma contextualizada.
2.1.2. Métodos analíticos ou globais de alfabetização
Os métodos analíticos ou globais recebem este nome porque têm
como tarefa partir das seqüências completas e analisá-las. O trabalho com
unidades mais amplas possibilita a contextualização, a partir da análise do todo
para as partes menores sem, contudo, deixar de trabalhar a relação entre letras e
sons.
Segundo Carvalho (2005:32) os métodos globais trazem em sua
origem os ideais da Escola Nova - movimento educacional renovador iniciado no
século XIX e difundido pela Europa e Estados Unidos. Os principais
representantes deste movimento no Brasil foram Anísio Teixeira, Lourenço Filho e
Fernando de Azevedo. Este último elaborou um documento para tornar público os
princípios do movimento. O documento conhecido como Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova foi assinado por vinte e seis educadores brasileiros e publicado
no ano de 1932. Dentre as diretrizes da Escola Nova podemos destacar na
dimensão da ação do Estado: a laicidade do ensino público, a gratuidade e a
obrigatoriedade. Na dimensão da prática educativa, ressaltamos: o conhecimento e
54
o respeito às necessidades e aos interesses da criança; partir da realidade do aluno
e estabelecer relações entre a escola e a vida social. (GHIRALDELLI, 1990:62)
Ainda segundo Carvalho, a fundamentação dos métodos globais é a
psicologia da Gestalt ou psicologia da forma.
Edouard Claparède e Ovide Decroly,
psicólogos educadores europeus, apoiaram-se
na psicologia da forma para defender
inovações na prática educacional. Decroly
propôs ensinar a ler com textos naturais, frases
ligadas ao contexto da criança, ou mesmo
palavras significativas. Enfatizava a
compreensão do significado desde a etapa
inicial da alfabetização, e não a capacidade de
decodificar ou de dizer o texto em voz alta [...]
As idéias de Decroly (1929), Claparède
(1946;1947) e outros escolanovistas
forneceram a base teórica que deu origem a
uma grande variedade de métodos globais
experimentados em diferentes países, com
resultados heterogêneos. Sua aplicação exigiu
dos professores uma mudança radical: ao
contrário dos métodos sintéticos, a
alfabetização deveria começar por unidades
como histórias ou frases para chegar em nível
de letra e de som, mas sem perder de vista o
texto original e seu significado. (2005:32-33)
Na perspectiva lingüística, vemos em Kato, Moreira & Tarallo
(1997) que os principais defensores de modelos globais de aquisição da leitura são
K. Goodman, Y. Goodman e Smith. Os dois primeiros autores caracterizam a
leitura como um “jogo psicolingüístico de adivinhações”, onde esta se desenvolve
de forma natural e paralela ao desenvolvimento da linguagem oral, o que seria
facilitado pela exposição a textos ricos em linguagem autêntica, em situações de
interações sociais. A linguagem escrita, assim, é vista em sua dimensão holística
para atender a necessidades universais, sociais e pessoais.
55
Smith (apud KATO, MOREIRA & TARALLO, 1997) afirma que
quanto mais dificuldades o leitor tem com a leitura, mais se apóia na informação
visual. A causa destas dificuldades seria a inabilidade do leitor de fazer uso da
redundância sintática e semântica das fontes de informações não-visuais. As
palavras seriam identificadas a partir de dois tipos de estratégia: a) identificação
direta através da configuração visual, sem mediação da identificação de
subunidades, funcionando a palavra impressa como um ideograma chinês; b)
identificação intermediada, que se relaciona indiretamente com a informação
fonológica, através das regras de correspondência de grafias para sons.
Os métodos analíticos ou globais podem ser divididos em
palavração, sentenciação e textos globais, contos, música.
Nos textos globais, contos, música parte-se de unidades maiores,
buscando com isso o reconhecimento global das palavras para, posteriormente,
proceder à análise dos componentes. Este tipo de trabalho possibilita a
compreensão mais ampla do que está sendo lido, uma vez que as frases apresentam
ligação entre si criando uma coesão textual com começo, meio e fim. No caso da
Educação de Jovens e Adultos, o trabalho com textos é extremamente motivador,
pois possibilita atividades com grupos heterogêneos, sempre presentes nesta
modalidade de ensino, além de atender ao anseio dos alunos em seu desejo de
aprender, de fato, utilizando a leitura e a escrita de forma mais ampla.
O método de contos é um dos mais antigos métodos globais. Ele
começou a ser aplicado nos Estados Unidos no fim do século XIX. A motivação
para o ensino da leitura se a partir do prazer das crianças em ouvir histórias. A
56
partir do movimento de ouvir histórias, a criança é estimulada a conhecer a base
alfabética da ngua materna, através do trabalho com o texto: desmembrando-o
em frases ou orações, explorando as palavras, para, logo em seguida, desmembrá-
las em sílabas e chegar aos elementos fônicos.
Outra pedagogia que poderia ser associada ao método analítico
pela sua abordagem é a de Celestin Freinet, mais conhecida como Método Freinet.
O autor comprometido com a problemática social e educacional de sua época, ao
defender uma escola do povo, diz que se faz necessária a mudança concreta do
meio em que se realiza o ensino. Para ele, a classe deveria ser um lugar de
produção, onde tudo nela evocaria o trabalho produtivo, até mesmo o vocabulário
do professor. Na abordagem metodológica o educador adotava o texto como
unidade de análise.
Na pedagogia Freinet, o texto livre, a
tipografia, a correspondência escolar e o jornal
constituem um todo cuja preocupação
principal é uma aprendizagem socializada da
língua, uma aprendizagem que seja, ao mesmo
tempo, uma introdução ao pensar, ao refletir,
ao estabelecer relações, a uma vivência e a
uma percepção cada vez mais complexa, rica e
crítica dos fatos. (Oliveira, 1995:157)
O estímulo à reflexão, à criatividade e à solidariedade deveria
ocupar papel de destaque na prática educativa. Esta pedagogia acreditava que o
aprendizado da língua materna se daria a partir da familiaridade com a escrita, e
que a criança aprenderia a ler, lendo, e a escrever, escrevendo (FREINET, 1991).
Sendo assim, diferente do método de conto, o método Freinet não tem fases nem
etapas.
57
O método ideovisual ou método Decroly foi criado no início do
século XX e se definia como uma filosofia. O autor entendia a leitura como
inseparável das atividades de expressão, de observação e de criação. Seu método
de aprendizagem de leitura punha em jogo o que chamava de “função de
globalização”(CARVALHO, 2005:35).
O ponto de partida era a identificação visual de sentenças que eram
retiradas de histórias, poesias, parlendas e canções. “O aluno reconhecia a forma, o
desenho total, a imagem gráfica da frase. Em seguida, aprendia a distinguir as
palavras, por meio da observação de semelhanças entre elas; em seguida as sílabas,
depois as letras”. (idem:36) O contexto ocupava um papel central para a
identificação da palavra. Caso não fosse possível identificar a palavra pelo
contexto, os alunos levantam hipóteses a respeito da relação entre sons e letras.
O método da palavração tem como ponto de partida a palavra. A
preocupação maior é que os vocábulos trabalhados englobem os sons da língua e
as dificuldades sejam sistematizadas gradativamente. Sobre o trabalho com as
palavras, falaremos mais adiante ao abordarmos a Filosofia Educacional de Paulo
Freire, por ser esta a única abordagem pedagógica direcionada para a o público
jovem e adulto.
O estudo sobre os métodos de ensino traze importantes elementos para
entendermos as raízes das propostas metodológicas presentes em campanhas e
projetos de alfabetização de jovens e adultos.
58
2.1.3. Anos 80: mudança de foco de “como ensinar” para “como as crianças
aprendem”
Durante muito tempo a história da alfabetização foi marcada pela
preocupação quase que exclusiva com as práticas de ensino, mais especificamente
com as metodologias de alfabetização, reduzindo a discussão na formação de
professores ao como ensinar. A partir dos trabalhos de Emilia Ferreiro e Ana
Teberosky (1979), contudo, a preocupação é redirecionada para o processo de
aprendizagem, ao como as crianças aprendem. Esta concepção não traz um
método em si, mas sim uma teoria sobre a construção do conhecimento. O
alfabetizando passa a ser considerado sujeito ativo capaz de aprender o sistema de
representação da língua escrita interagindo com a língua em seus usos e práticas
sociais.
Soares (2003) destaca a incontestável contribuição que essa
mudança paradigmática, na área da alfabetização, trouxe para a compreensão da
trajetória da criança em direção à descoberta do sistema alfabético. Porém, alerta
também que ela pode conduzir a alguns equívocos e a falsas inferências.
Em primeiro lugar, dirigindo-se o foco para o
processo de construção do sistema de escrita
pela criança, passou-se a subestimar a natureza
do objeto de conhecimento em construção, que
é fundamentalmente, um objeto lingüístico
constituído, quer se considere o sistema
alfabético quer o sistema ortográfico, de
relações convencionais e freqüentemente
arbitrárias entre fonemas e grafemas. Em
outras palavras privilegiando a faceta
psicológica, obscureceu-se sua faceta
lingüística – fonética e fonológica.
59
Em segundo lugar, derivou-se da concepção
construtivista da alfabetização uma falsa
inferência, a de que seria incompatível com o
paradigma conceitual psicogenético a proposta
de métodos de alfabetização. (2003:08)
O trabalho de pesquisa de Ana Teberosky e Emilia Ferreiro trouxe
grandes transformações para a ação alfabetizadora no Brasil. A partir de suas
conclusões sobre como a criança concebe o processo de escrita, o processo de
ensino-aprendizagem teve seus conceitos reestruturados, bem como práticas e
posturas didáticas, com o objetivo de entender o erro como construtivo, na medida
em que, a partir dele, são construídos acertos posteriores.
Apesar do trabalho das autoras ser direcionado para o processo de
ensino-aprendizagem de crianças, é possível perceber as contribuições que ele traz
para a educação de jovens e adultos. As bases teóricas presentes nesta seção se
constituem como subsídios para as discussões presentes neste trabalho de tese,
ajudando a refletir sobre a construção do conhecimento lingüístico de
alfabetizandos jovens e adultos.
2.2 – Alfabetização e letramento
O estudo sobre as diferentes metodologias de alfabetização nos
remete, inevitavelmente, à discussão sobre o conceito de alfabetização. Com
Soares (2003) vemos que, até meados dos anos 80, os significados das palavras
alfabetização e alfabetizado eram consensuais: alfabetização definia-se como o
processo de ensinar e/ou aprender a ler e escrever e alfabetizado era aquele que
aprendera a ler e a escrever.
60
Entretanto, nas últimas décadas o conceito vem sofrendo
expressivas alterações, o que provoca o surgimento de novas palavras e novos
conceitos. Novas palavras são criadas ou ressignificadas quando emergem novos
fatos, novas idéias. Neste sentido, podemos atribuir algumas razões para as
alterações no conceito de alfabetização. Uma delas foi a ampliação do acesso à
escolaridade; temos mais pessoas sabendo ler e escrever, aspirando um pouco
mais do que simplesmente a ler e a escrever. Outro elemento que podemos
acrescentar a este quadro é o aumento crescente das demandas sociais em relação
aos veis de leitura. As transformações sociais, principalmente as referentes ao
mercado de trabalho e às mudanças tecnológicas, tornou o acesso à formação e à
informação dependentes da leitura.
Somado a estes dois elementos, o Congresso Mundial de Ministros
da Educação sobre Erradicação do Analfabetismo realizado em Teerã, em 1965,
começou a usar o termo alfabetização funcional. Este termo compreendia as
condições de saber ler e escrever, contar, bem como a capacidade de se preparar
melhor para o trabalho e a vida social.
Posteriormente, no ano de 1978, temos a proposta da UNESCO,
nos anos 70, de ampliação do conceito de alfabetização para alfabetização
funcional, visando padronizar as estatísticas educacionais e influenciar as políticas
educativas dos países membros. O acréscimo da palavra funcional à alfabetização,
por si só, já indica um novo conceito.
Frente à dificuldade de se estabelecer com precisão as demandas
referentes à alfabetização colocadas pelas mais distintas realidades nacionais e
61
regionais, assim como a dificuldade em estabelecer índices quantitativos que
permitissem comparações válidas, a própria UNESCO sugeriu que se tomasse
como indicador do nível de alfabetização o tempo de escolaridade: no Brasil,
considerou-se que, com menos de três anos de escolaridade, a pessoa não teria se
apropriado das habilidades necessárias para participar efetivamente de práticas
sociais que envolvem a leitura e a escrita.
A disseminação da nova terminologia foi ampla. No fim da década
de 90, quase se chega a negar o “tradicional” conceito de analfabetismo,
propondo-se que o conceito de analfabetismo funcional inclua outros indivíduos
além daqueles que, apesar de saber ler e escrever, não sabem fazer pleno uso da
leitura e da escrita. (SOARES, 2003:16)
A ampliação do conceito de alfabetização, a busca por sua
ressignificação e a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura
e escrita mais avançadas traz para os meios educacionais o termo letramento
(SOARES, 2003: 16). O termo surge em meados dos anos 80, simultaneamente,
no Brasil, na França (illetrisme), em Portugal (literacia), nos Estados Unidos e na
Inglaterra (literacy), embora, nestes dois últimos países, a palavra literacy
fizesse parte do dicionário desde o século XIX.
No Brasil, as primeiras aparições do termo foram vistas em
trabalhos de Mary Kato O mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística
(1987) - e Leda Tfouni Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso (1988).
Posteriormente, o termo ganhou larga divulgação com o livro Letramento: um
tema em três gêneros, de Magda Soares (1999).
62
A repercussão e interpretação dos primeiros trabalhos sobre
Letramento criaram uma forte distinção entre os termos alfabetização e
letramento. O primeiro seria utilizado para denominar a capacidade de codificação
e decodificação do código escrito e o segundo estaria relacionado aos usos e
respostas sociais da leitura e da escrita.
Entretanto, essa não é uma visão consensual na área da educação.
Emilia Ferreiro, em entrevista à revista Nova Escola, por exemplo, alerta que a
própria tradução da palavra literacy para o termo letramento não é a melhor.
Cultura escrita, segundo a educadora, seria o que melhor traduziria esse termo.
Ainda nesta entrevista a educadora diz que:
algum tempo, descobriram no Brasil que se
podia usar a expressão letramento. E o que
aconteceu com a alfabetização: virou sinônimo
de decodificação. Letramento passou a ser o
estar em contato com distintos tipos de texto, o
compreender o que se lê. Isso é um retrocesso.
Eu me nego a aceitar um período de
decodificação prévio àquele em que se passa a
perceber a função social do texto [...] Eu não
uso a palavra letramento. Se houvesse uma
votação e ficasse decidido que preferimos usar
letramento em vez de alfabetização, tudo bem.
A coexistência dos dois termos é que não
.(2003:30)
Soares (2003) diz concordar com Emilia Ferreiro:
Na concepção atual, a alfabetização não
precede o letramento, os dois processos são
simultâneos, o que talvez até permitisse optar
por um ou outro termo, como sugere Emilia
Ferreiro à revista Nova Escola (Ano XVIII,
n.162, maio de 2003, p.30), em que rejeita a
coexistência dos dois termos, com o argumento
de que em alfabetização estaria também o
conceito de letramento, ou vice-versa, e em
63
letramento estaria compreendido o conceito de
alfabetização o que seria verdade, desde que
se convencionasse que por alfabetização se
estaria entendendo muito mais que a
aprendizagem grafo-fônica, conceito
tradicionalmente atribuído a esse processo, ou
que em letramento se estaria incluindo a
aprendizagem do sistema de escrita. (2003:12-
13)
A autora, contudo, alerta para a conveniência de conservar os dois
termos, sobretudo, no momento atual, em que alfabetização e letramento estão
sendo constantemente confundidos com uma prevalência maior do termo
letramento, em detrimento do termo alfabetização.
A conveniência, porém, de conservar os dois
termos parece-me estar em que, embora
designem processos interdependentes,
indissociáveis e simultâneos, são processos de
natureza fundamentalmente diferente,
envolvendo conhecimentos, habilidades e
competências específicos que implicam
formas de aprendizagens diferenciadas e,
conseqüentemente, procedimentos
diferenciados de ensino. (idem:13)
Na discussão que fizemos anteriormente sobre métodos de
alfabetização a distinção também está presente, pois nos métodos sintéticos, como
foi dito, está presente a concepção de que primeiro se aprende o processo de
decodificação do sistema alfabético para depois, numa segunda etapa, buscar o
sentido do que está sendo lido. Isso nos deixa clara uma distinção hierárquica,
onde a alfabetização seria um primeiro estágio, considerado como elementar,
básico. O letramento, por sua vez, se daria numa segunda etapa, em que, após
compreender o sistema de codificação e decodificação, os alunos buscariam o
sentido da leitura.
64
Nos métodos analíticos ou globais, é possível observar uma não
separação entre alfabetização e letramento. O trabalho busca uma abordagem de
maneira contextualizada, com ênfase nos usos sociais da leitura e da escrita, onde
o ensino do sistema alfabético parte de unidades maiores, sem, contudo, deixar de
trabalhar a relação entre letras e sons.
Neste trabalho de pesquisa de doutoramento opto por utilizar o
termo alfabetização, tal qual Freire e Ferreiro, em sua dimensão mais ampla,
entendendo a alfabetização não apenas como o conhecimento do sistema
alfabético, como também utilizando o termo para me referir à capacidade de usos
sociais da leitura e da escrita.
2.3 – A sílaba e seu papel nos métodos de alfabetização
No primeiro capítulo deste trabalho vimos a ênfase dada pelas
diferentes campanhas e projetos de alfabetização de jovens e adultos na palavra
como unidade lingüística de trabalho. A partir de diferentes perspectivas e com
objetivos distintos, ao longo de décadas o enfoque dado, na maioria das vezes,
recai sobre o desmembramento de palavras em famílias silábicas e a construção de
novas palavras a partir delas.
Entretanto, a definição de sílaba, do ponto de vista fonético, é
bastante complexa, principalmente pela dificuldade em delimitar as fronteiras
silábicas - o fim de uma sílaba e o início da outra em falas que não sejam lentas
e artificiais. Segundo Mattoso Camara, na busca de uma definição:
65
Tem-se partido do efeito auditivo (sílaba
sonora), da força expiratória (sílaba dinâmica),
do encadeamento articulatório na produção
contínua dos sons vocais (sílaba articulatória)
Saussure 1922,77s, da tensão muscular
durante essa série de articulações (sílaba
intensiva, desenvolvida por Grammont, na
base implícita das sugestões de Paul Passy,
para complementar a teoria articulatória de
Saussure) (Grammont 1933, 97s) ou do jogo
da musculatura peitoral, como estabeleceu
Stetson numa elaboração mais rigorosa do
conceito de silaba dinâmica (Stetson 1951).
[...] De todos esses pontos de vista, resulta
como denominador comum um movimento de
ascensão, ou crescente, culminando num ápice
(o centro silábico) e seguido de um
movimento de decrescente, quer se trate do
efeito auditivo, da força expiratória ou da
tensão muscular, focalizado nestas diversas
teorias. Por isso é normalmente a vogal, como
o som vocal mais sonoro, de maior força
expiratória, de articulação mais aberta e de
mais firme tensão muscular, que funciona em
todas as línguas como centro da sílaba, embora
algumas consoantes, particularmente as que
chamamos de «soantes», não estejam
excluídas dessa posição. (2007:53).
Sob a perspectiva defendida por Bisol, vemos que
tradicionalmente, os constituintes silábicos
são conhecidos por ataque e rima, o segundo
dos quais domina um núcleo e, opcionalmente,
uma coda [...] em outros termos, a laba
possui necessariamente um núcleo, sua
essência, que, seguido ou não por coda, forma
a rima; essa vem precedida pelo ataque que,
em português, não é obrigatório.(2002:03)
66
Sílaba (=σ)
Ataque Rima
N (Cd)
(C) V (C)
Para Bisol, que segue o algoritmo proposto no modelo de
construção da sílaba desenvolvido na teoria autossegmental, o primeiro passo na
construção de uma sílaba é a identificação do pico que recebe o nome de núcleo
(N). Este projeta a rima e a rima projeta a sílaba. Na língua portuguesa somente as
vogais funcionam como núcleos. Todas as vogais de uma seqüência são, no
primeiro momento, picos silábicos, ou seja, núcleos de sílaba. E, porque o
português não possui vogais longas, a seqüência VV, inicialmente, é sempre
dissilábica.
Neste sentido, podemos verificar que a noção de sílaba pode ser
usada para estabelecer a distinção entre as duas grandes classes de sons vogais e
consoantes. Enquanto as vogais ocorrem como núcleo silábico, uma ou mais
consoantes podem atuar como margens.
A identificação do núcleo, segundo Bisol, é realizada por meio do
Princípio de Seqüenciamento de Sonoridade (PSS) que, na base de uma escala,
assinala os picos de sonoridade de uma cadeia de sons, picos que funcionam como
cabeças de sílaba. Na maioria das línguas somente vogais são picos silábicos.
67
Outras admitem soantes também e ainda os casos especiais, em que
determinadas consoantes podem atuar como centro silábico.
A autora ressalta ainda que a sílaba do português tem estrutura
binária, representada pelos constituintes de ataque e rima, dos quais apenas a rima
é obrigatória; e a rima também tem estrutura binária, núcleo e coda. O núcleo é
sempre uma vogal, e a coda, que é opcional, é uma soante ou /S/. A coda se
constitui por anexação à rima das consoantes adjacentes. Na palavra borda, por
exemplo, a adjunção de C à direita da primeira rima, posição a ser ocupada por /r/,
forma a coda depois da composição dos ataques da palavra toda. (Bisol, 2002:11)
Na representação da sílaba, o centro (Mattoso Camara JR.) ou
núcleo (Bisol) pode ser identificado por V, enquanto C pode ser um elemento
marginal. A partir disto, segundo Mattoso Camara Jr. (2007:54) podemos
classificar os tipos silábicos como: V (sílaba simples), CV (sílaba complexa
crescente), VC (sílaba complexa crescente-decrescente). Conforme a ausência ou
a presença (isto é, V e CV, de um lado e, de outro, VC e CVC) temos a sílaba
aberta, ou melhor, livre, e a sílaba fechada, ou melhor, travada.
Faraco (2003:61) destaca que o português tem nove padrões
silábicos: alguns mais comuns como CV - considerado padrão universal, por
existir em todas as línguas -, e outros mais raros. O autor alerta também para dois
fatos: nem sempre a grafia representa o padrão silábico da fala, como nos
dígrafos, por exemplo; na descrição, as semivogais são representadas como
consoantes. Abaixo, temos os nove padrões silábicos apresentados pelo autor:
1. CV: pa-to, co.la, pra.to;
68
2. V: u-va, o-vo,ca-í;
3. CCV: gru-ta, ple-no, re-ple-to;
4. VC: os, as-tro; pa-ís;
5. CVC: pas-ta, pai, pão, me-ses;
6. VCC: aus-tral;
7. CCVC: brus-co, plau-sí-vel;
8. CVCC: pais, bens;
9. CCVCC: trens, sa-guões [sa-gwõys]
Outro elemento a ser considerado no trabalho com as sílabas é o
fenômeno da «ligação» entre a sílaba final travada de um vocábulo e vogal inicial
de outro vocábulo, que a ele se segue sem pausa, rompendo a delimitação entre
um vocábulo e outro. A consoante posvocálica se liga à vogal imediatamente
seguinte e a sílaba final, que era travada, fica uma laba livre, ao mesmo tempo
em que a sílaba seguinte ganha uma consoante prevocálica ou crescente (mar alto
fica /mar-ral-to/, falas hoje fica /fa-la-zo-z’i). Por isso, vimos que nem um fica
/ne-n’um/, como vim aqui fica /vi-n’a-ki). (CAMARA JR, 2007:60-61)
Segundo Scliar-Cabral uma das maiores descobertas dos cientistas,
em particular, aqueles do Haskins Labs, foi constatar a dificuldade que os
indivíduos têm em desmembrar, de forma consciente, os fonemas que integram a
sílaba, devido ao fenômeno da co-articulação. Os sistemas alfabéticos lidam com
uma ou mais letras que tendem a representar fonemas indo de encontro à
percepção da fala como um contínuo. A autora ressalta que esta é uma das grandes
dificuldades na aprendizagem do sistema escrito alfabético, pois na leitura o
69
indivíduo tem que reconhecer as letras que contrastam entre si na linha, além de
perceber que as palavras estão separadas umas das outras, por espaços em
branco, ao inverso da escrita em que o indivíduo tem que desmembrar o que ele
percebe como um contínuo, convertendo tais unidades em letras. (2003:28)
Scliar-Cabral ao comentar a opção pelo trabalho com
desmembramento das palavras em sílabas geradoras coloca que este se apóia,
intuitivamente, na unidade fonológica com realidade psicológica mais fácil de ser
percebida e produzida: a sílaba. Entretanto a autora alerta para o fato de que se por
isto, “tal unidade apresenta vantagens, por outro lado, se não houver um
desmembramento subseqüente da sílaba em unidades menores, os fonemas,
esbarrar-se-á com a impossibilidade de capturar todas as propriedades inerentes ao
sistema alfabético.” (2002:26)
Se estas propriedades do sistema alfabético não estiverem claras
para os alfabetizandos, estes ao se depararem com palavras desconhecidas, cujos
valores atribuídos às letras dependerem das posições que elas ocupam, poderão
enfrentar inúmeras dificuldades. Retomemos o exemplo dado, no capítulo um
deste trabalho, de construção de novas palavras a partir das labas TO e LO. Elas
tanto podem formar a palavra TOLO como a palavra LOTO mas, devido ao seu
posicionamento nas sílabas, os valores atribuídos a elas se modificam.
Na prática de sala de aula, parece que empiricamente muitos alunos
já se deram conta do que Bisol aponta como o primeiro passo para a construção da
sílaba - a identificação do pico ou núcleo -, pois em suas escritas iniciais é muito
70
comum verificarmos a utilização de uma vogal para representar uma sílaba: a
palavra tapete, por exemplo, estaria grafada como a e e.
Com Scliar-Cabral vemos que a dificuldade maior que o aluno
enfrenta está em compreender que uma ou mais letras não se referem a uma sílaba
(a não ser quando ela é constituída de uma vogal) e sim a uma unidade menor.
“Esta dificuldade em desmembrar uma sílaba a nível consciente é maior quando
temos uma sílaba onde entram as oclusivas / p t k b d g /, porque elas não podem
ser pronunciadas isoladamente, sem apoio de uma vogal”. (2003: 39)
Cagliari (2007:72) alerta para o fato de que o português não é uma
língua de ritmo silábico, mas acentual e que, por isso, forçar os alunos a
aprenderem português como se fosse uma língua de ritmo silábico é induzi-los a
produzir falas artificiais, produzindo aqueles leitores que lêem tudo
pausadamente, como se diz na escola, silabando as palavras, em vez de pronunciá-
las com o ritmo normal.
A partir do estudo realizado sobre os princípios de composição da
sílaba básica é possível identificar inúmeras contribuições que os estudos
lingüísticos podem trazer para uma otimização do processo de alfabetização e,
particularmente, para a análise dos dados deste trabalho de tese.
2.4 – Variação e uso
Assim como a nossa sociedade se transforma cotidianamente, a
língua também é algo vivo e dinâmico. Essa dinamicidade gera diferenças e
71
constantes mutações em nossa língua, pois esta adquire novos valores
sociolingüísticos, ligados às novas perspectivas da sociedade. Estas
transformações são incorporadas de formas diferentes pelas comunidades
lingüísticas e trazem reflexos nos modos de falar, assumindo características
peculiares a diferentes grupos sociais, pois cada indivíduo aprende a ngua ou
dialeto da comunidade em que vive.
William Labov, um dos principais representantes dos estudos
lingüísticos, ocupou-se insistentemente em estudar a relação entre ngua e
sociedade com o intuito de sistematizar a variação existente na ngua falada. A
tese defendida pelo autor em 1963, mais conhecida a partir de sua publicação em
1972, sobre o fenômeno de mudança fonética a partir de dados da fala dos
habitantes da ilha de Martha´s Vineyard, no estado de Massachussetts, abriu
espaço para um novo paradigma nas pesquisas lingüísticas, em que a língua como
uma estrutura estática passa a ser vista como um sistema em constante variação e
mudança, ligadas à estrutura social. Em sua obra, o autor sustenta que a mudança
lingüística não pode ser entendida fora da vida social de uma comunidade.
Em todas as comunidades lingüísticas, a não ser nas muito
pequenas, existem variações claras de sotaque e dialeto. Ao usarmos estas duas
terminologias é importante estabelecermos as diferenças que existem entre elas.
Segundo Lyons (1987: 18), ‘sotaque’ é mais restrito que ‘dialeto’, pois se refere
unicamente à forma como a língua é pronunciada e não traz quaisquer tipos de
implicações com respeito à gramática e ao vocabulário. Já o dialeto inclui
diferenças de gramática e vocabulário. Os dialetos podem ser identificados
geograficamente, pois são marcas regionais predominantes numa dada
72
comunidade lingüística. Eles também podem aparecer sob a denominação de
marcadores, dialetos geográficos ou falares regionais. (Mollica, 2000:14)
Podemos admitir ainda a idéia de que cada pessoa tem seu dialeto
individual, seu idioleto, como dizem os lingüistas. Conservando o caráter
individual, cada idioleto será diferente do outro, certamente no vocabulário e na
pronúncia, e possivelmente também, em menor escala, na gramática. “Além do
mais, o idioleto de um indivíduo não é fixado de uma vez por todas no final de um
período que normalmente chamamos de aquisição da linguagem: está sujeito a
modificações e ampliações durante a vida toda”. (Lyons, 1987:19)
A variação lingüística é um fenômeno que traz uma complexidade
muito grande, pois são diversos os fatores que a influenciam dentre os quais
podemos destacar: o geográfico, o socioeconômico e cultural, o profissional, o de
geração, a evolução histórica das línguas e assim por diante. Além destes fatores é
importante considerarmos que a variação lingüística é encontrada também no
comportamento lingüístico de uma única pessoa, nas diferentes circunstâncias da
vida, independente de sua origem regional ou social. Uma pessoa fala com
diferenças às vezes notáveis quando numa conversa informal ou em público, para
exibir determinado status social. Uma pessoa que procura uma pronúncia que
nem sempre corresponde à pronúncia de sua fala coloquial. Essa é a variação
estilística (Cagliari, 2007:86)
Embora, muitas vezes, a variação lingüística possa apresentar-se
como um fenômeno individual, aparentemente caótico e aleatório, os estudos de
Labov (1969) vieram demonstrar que a variação aparentemente livre é sempre
73
determinada por fatores extra e intra-lingüísticos de forma previsível e existe até
no nível do idioleto, sendo, portanto, passível de ser pesquisada e descrita. O
pesquisador não terá condições de predizer em que ocasião a pessoa falará desta
ou daquela forma, mas poderá mostrar que, dependendo da classe social a que
pertença, da escolaridade, do sexo, da idade, etc., usará uma variante. Se uma
pessoa diz “Tenho um pobrema”, aquela que ouve pode suspeitar da baixa
escolaridade do falante, em virtude do apagamento do /r/ na primeira sílaba e da
substituição do /l/ pelo /r/ na segunda sílaba, resultado de um processo fonológico
denominado metátese. O estudo de Labov pressupõe, portanto, que a variação é
inerente ao sistema da língua.
As marcas lingüísticas sujeitas às variações
dependem da ação das variáveis estruturais,
sociais e outras que tais, empregadas com
maior ou menor probabilidade: uma taxa alta
de um dado conjunto de marcas configura
então um padrão lingüístico. Admite-se que
exista pelo menos uma variedade (norma
padrão) popular e uma variedade (norma
padrão) standard. Entende-se por padrão culto
um certo conjunto de marcas lingüísticas em
acordo ou desacordo com os cânones da
tradição gramatical: a variedade não-standard
é própria da modalidade oral, utilizada em
contexto informal, de discurso espontâneo,
não planejado. Ela se diferencia da
denominada variedade culta ou norma culta,
que se compõe de empregos picos de
discurso planejado, utilizada predominante-
mente na escrita e comprometida com a
tradição literária. (Mollica, 2000: 15)
Assim como em qualquer outra língua, podemos admitir que a
língua portuguesa tem o certo e o errado somente em relação à sua estrutura.
Quando uma pessoa fala, por exemplo, “Comi eu azedo algo” em vez de “Eu comi
algo azedo” é um erro, porque a ordem das palavras não obedece ao sistema da
língua. A variação não está ligada ao erro e sim ao diferente.
74
Contudo, apesar dos avanços nos estudos lingüísticos e do fato de
que numa perspectiva científica as diferentes variações são legítimas e previsíveis,
a sociedade ainda reserva preconceito e estigmas com relação a determinados
falantes e os usos estão sujeitos à avaliação social positiva e negativa e, nessa
medida, podem determinar o tipo de inserção do falante na escala social.
(MOLLICA & BRAGA, 2004:13).
A escola é um dos muitos lugares onde a avaliação positiva e
negativa da variação lingüística acontece e traz à tona toda a complexidade
existente na relação à língua falada e à língua escrita, pois, embora na fala possa
ser identificada uma variedade de dialetos, e a escrita possa apresentar tantas
leituras quantos forem os dialetos, as normas da escrita ortográfica da língua
portuguesa não admitem variação.
A necessidade de haver uma língua escrita que sirva como forma
de comunicação duradoura, que esteja acima das fronteiras temporal, regional e
social, faz com que tenhamos uma grafia que não represente diretamente a
pronúncia. Torna-se necessária uma grafia que conserve relativa neutralidade em
relação à pronúncia, pois embora haja maneiras diversificadas de se pronunciar
uma palavra, há uma única forma de grafá-la.
Essa neutralidade da grafia é extremamente
vantajosa: trata-se de um sistema uniforme que
serve para grafar as muitas variedades da
língua, permitindo uma base segura de
comunicação entre falantes de variedades
diferentes. Se não fosse essa uniformidade, a
grafia perderia sua utilidade como sistema de
representação da língua falada. É claro que
esta neutralidade não é absoluta. Quando se
criou o sistema gráfico para o português,
tomou-se como referência uma certa variedade
da língua. Assim, embora o primeiro som de
75
varrer fosse /b/ em algumas variedades do
português e /v/ em outras, fixou-se a grafia
com a letra v, porque foi a variedade em que
se pronunciava /v/ que serviu de referência
(seus falantes é que estavam em decorrência
de sua posição na estrutura social
escrevendo; e não os falantes das outras
variedades. (Faraco, 2003:11)
Também com Bortoni-Ricardo vemos que:
... as variedades faladas pelos grupos de maior
poder político e econômico passam a ser vistas
como variedades mais bonitas e até mais
corretas. Mas essas variedades, que ganham
prestígio porque são faladas por grupos de
maior poder, nada têm de intrinsecamente
superior às demais. O prestígio que adquirem é
mero resultado de fatores políticos e
econômicos. O dialeto (ou variedade regional)
falado em uma região pobre pode vir a ser
considerado um dialeto “ruim”, enquanto o
dialeto falado em uma região rica e poderosa
passa a ser visto como “bom” dialeto.
(Bortoni-Ricardo, 2004:33-34)
Na perspectiva da língua escrita, a classificação entre ‘bom’ e
‘ruim’, certo’ e ‘errado’ é ainda mais contundente. Isso traz uma série de
implicações para o processo de ensino-aprendizagem, pois o aluno se depara com
a difícil tarefa de transformar sua fala em escrita, a fim de que seus textos, mais
do que compreendidos, sejam aceitos. E, para isto, ele precisará conhecer as
normas ortográficas.
O trabalho com a variação lingüística na escola, entretanto, muitas
vezes, não existe e esta é tratada como uma questão gramatical, de certo ou
errado. As variações que diferem da norma padrão são consideradas incorretas e
não são trabalhadas com vistas a atingir a norma padrão. A abordagem pedagógica
que poderia partir do próprio uso que os alunos fazem da língua, para a realização
76
da distinção entre fala e escrita, mostrar as variações dialetais e a forma gráfica
convencionada, muitas vezes, acaba reduzida à classificação entre certo e errado.
O respeito e a valorização das variedades lingüísticas, que para o aluno poderia
significar respeito e compreensão de seu mundo, acabam sendo postos em
segundo plano pela urgência em ensinar a norma padrão.
2.4.1 - Variação e Alfabetização de Jovens e Adultos
No processo de aprendizado da leitura e da escrita, as dificuldades
que o aluno pode enfrentar são inúmeras, pois,
Como ponto de partida, é preciso enfatizar que
cada leitor converte os grafemas aos valores
da variedade sociolingüística que pratica. [...]
como, na leitura, o leitor converte os grafemas
à variedade que ele pratica, na escrita, quem
produz um texto parte de sua variedade para
convertê-la ao sistema gráfico. (SCLIAR-
CABRAL, 2003:22)
Num país como o Brasil, com inúmeras comunidades lingüísticas,
apesar de o sistema alfabético do português ser o mesmo para todo o território, a
conversão para os sons que uma ou mais letras (os grafemas) representam não é a
mesma para todos os indivíduos, isto por que eles não falam do mesmo jeito.
Além disto, é necessário considerar que os segmentos sonoros não
são pronunciados como unidades separadas, mas sim co-articulados, e isto afeta
sua qualidade e, conseqüentemente, sua percepção por parte do aprendiz.
77
A análise do cotidiano de sala de aula nos possibilita identificar
inúmeras situações onde a variação lingüística não é considerada, desde as
abordagens das atividades pedagógicas ao material didático. Isto nos leva a
afirmar que um aprofundamento desta questão é necessário para que haja uma
melhoria do trabalho pedagógico. A formação de professores não pode abrir mão
do conhecimento da Lingüística, pois este possibilita que se faça a distinção entre
problemas de decodificação, em geral, e a transferência para a leitura de marcas
de variação dialetal que podem ser traduzidas em regras fonológicas.
A variação deve receber especial atenção nas classes de
alfabetização de jovens e adultos, pois grande parte dos alunos é de migrantes ou
descendentes destes. Esta característica da Educação de Jovens e Adultos faz com
que a sala de aula se torne um espaço rico de diversidade cultural e lingüística. Os
dialetos dos aprendizes são diversos e suas marcas são perceptíveis quando
estamos frente a uma turma de alfabetização que é composta por alunos de
diferentes estados brasileiros. Neste sentido, destaco a relevância do tema
variação lingüística para este trabalho de tese.
2.5. Crenças e atitudes no processo de alfabetização
A discussão em torno da variação lingüística nos remete,
inevitavelmente, ao papel que a escola pode desempenhar na legitimação de
determinadas variantes dialetais e nos faz focar o olhar também em temas como
crenças e atitudes no ensino da língua. Um breve olhar pela literatura, nos mostra
que o termo crença não é de fácil definição, pelo contrário, é
complexo, dinâmico
78
e recebe diferentes terminologias, o que dificulta seu estudo. Além disto, ele está
intrinsecamente ligado à identidade, conforme salientado por Barcelos (2001:82).
O conceito de crenças refere-se a algumas convicções dominantes
no ensino que, embora não disponham de qualquer razão mais fundamentada, são
repetidas ao longo de gerações, forçando uma cobrança de atitudes. Apesar de,
relativamente, recente nas discussões da Lingüística, se faz presente na
Educação desde a década de 30. Com John Dewey (1933) vemos a abrangência do
termo e sua inter-relação com o conhecimento:
[Crenças] cobrem todos os assuntos para os
quais ainda não dispomos de conhecimento
certo, dando-nos confiança suficiente para
agirmos, bem como os assuntos que aceitamos
como verdadeiros, como conhecimento, mas
que podem ser questionados no futuro
(Dewey, 1933, p. 6 tradução de Silva, 2000, p.
20).
No Brasil ainda são poucas as pesquisas em torno do tema
correlacionando-o com a Lingüística. Podemos destacar o trabalho de Santos
(1973) como pioneiro nesta abordagem. Em sua dissertação de mestrado, o autor
iniciou estudo sobre a percepção do valor social de certas marcas fonológicas do
português falado no ambiente escolar. Ao analisar a reação dos adolescentes,
especialmente no que se refere às diferentes realizações da vibrante pós-vocálica,
da palatal <lh> variando com <l>, o autor aponta a importância do meio social em
contraste com o meio da escola, como fatores de modificação tanto do
comportamento lingüístico quanto da avaliação do falante em relação à língua.
Posteriormente, no ano de 1980, Santos, amplia a pesquisa para
indivíduos universitários e avança na discussão acerca das seguintes temáticas:
79
formação de crenças e atitudes lingüísticas, a importância da escola e o valor
social de padrões lingüísticos, que compõem a heterogeneidade das línguas.
Em trabalho publicado no ano de 1996, o autor utiliza os termos
crenças e atitudes para indicar concepção ou avaliação de fatos lingüísticos.
Santos confronta a necessidade de uma resposta única, a aceita pela norma
gramatical, com as múltiplas ocorrências da realidade da língua.
A questão central abordada no livro – a heterogeneidade lingüística
–também é alvo da preocupação de Bagno (2004 a). Segundo este autor existe
uma regra de ouro na Lingüística que diz que “só existe língua se houver seres
humanos que a falem”. Esta regra lembrada por Bagno traz à tona o caráter
dinâmico, mutável e vivo da língua. Para o autor o preconceito lingüístico está
ligado, em boa medida, à confusão que foi criada entre língua e gramática
normativa, o que faz com que exista uma crença de superioridade de uma
determinada variante lingüística.
Na década de 90, o número de trabalhos sobre o conceito de
crenças no ensino da ngua, por vezes, com a utilização de termos similares,
cresceu expressivamente e ganhou força, com os seguintes trabalhos: Leffa (1991)
que investigou as concepções de alunos prestes a iniciar a 5
a
série; Almeida Filho
que utiliza o termo cultura de aprender e o define como “maneiras de estudar e de
se preparar para o uso da língua-alvo consideradas como ‘normais’ pelo aluno, e
típicas de sua região, etnia, classe social e grupo familiar, restrito em alguns casos,
transmitidas como tradição, através do tempo, de uma forma naturalizada,
80
subconsciente, e implícita” (1993:13) e Barcelos (1995) que utilizou o conceito de
cultura de aprender para investigar as crenças de alunos formandos de Letras.
A tabela apresentada por Barcelos (2004:130) explicita diferentes
termos utilizados pelos autores para fazer referência ao conceito de crença.
81
Tabela - Diferentes Termos e Definições para Crenças sobre Aprendizagem de
Línguas
Termos Definições
Representações dos aprendizes
(Holec, 1987)
“Suposições dos aprendizes sobre seus papéis e
funções dos professores e dos materiais de ensino”
(p.152).
Filosofia de aprendizagem de
línguas dos aprendizes
(Abraham & Vann, 1987)
“Crenças sobre como a linguagem opera, e
conseqüentemente, como ela é aprendida” (p. 95).
Conhecimento metacognitivo
(Wenden, 1986a)
Crenças (Wenden, 1986)
Crenças culturais (Gardner,
1988)
“Conhecimento estável, declarável, embora às vezes
incorreto, que os aprendizes adquiriram sobre a língua,
a aprendizagem, e o processo de aprendizagem de
línguas, também conhecido como conhecimento ou
conceitos sobre aprendizagem de línguas...” (p. 163)
“Opiniões que são baseadas em experiências e opiniões
de pessoas que respeitamos e que influenciam a
maneira como eles [os alunos] agem.” (p. 5)
“Expectativas na mente dos professores, pais, e alunos
referentes a toda tarefa de aquisição de uma segunda
língua” (p. 110).
Representações (Riley, 1989,
1994)
“Idéias populares sobre a natureza, estrutura e uso da língua,
relação entre linguagem e pensamento, linguagem e
inteligência, linguagem e aprendizagem e assim por diante”
(1994, p. 8).
Teorias folclórico-linguísticas de
aprendizagem (Miller & Ginsberg,
1995)
“Idéias que alunos têm sobre língua e aprendizagem de
línguas” (p. 294).
Cultura de aprender línguas
(Barcelos, 1995)
“Conhecimento intuitivo implícito (ou explícito) dos
aprendizes constituído de crenças, mitos, pressupostos
culturais e ideais sobre como aprender nguas. Esse
conhecimento compatível com sua idade e nível sócio –
econômico é baseado na sua experiência educacional
anterior, leituras prévias e contatos com pessoas influentes”
(p. 40).
Cultura de aprender (Cortazzi &
Jin, 1996)
“Os aspectos culturais sobre ensino e aprendizagem; o que
as pessoas acreditam sobre atividades e processos normais’
e ‘bons’ de aprendizagem, onde tais crenças têm origem
cultural” (p. 230).
Cultura de aprendizagem (Riley,
1997)
“Um conjunto de representações, crenças e valores
relacionados à aprendizagem que influencia
diretamente o comportamento de aprendizagem dos
alunos” (p.122)
Benson & Lor (1999) Concepções: “referem-se ao que o aprendiz acredita que são
os objetos e processos de aprendizagem”; Crenças “referem-
se ao que o aprendiz acredita ser verdadeiro sobre esses
objetos e processos, dada uma certa concepção do que eles
são” (p. 464)
82
Barcelos destaca ainda que as crenças não são somente um
conceito cognitivo, mas também social, porque nascem de nossas experiências e
problemas, de nossa interação com o contexto e da nossa capacidade de refletir e
pensar sobre o que nos cerca (cf. definições de Barcelos, 1995, Miller & Ginsberg,
1995; Riley, 1997).
Esta breve seção acerca dos termos crenças e atitudes mostra a
abrangência do tema e nos indica as contribuições que a discussão sobre eles pode
trazer para a compreensão do perfil lingüístico dos alfabetizandos sujeitos desta
pesquisa de tese.
2.6 – Percepção e consciência fonológica: do fonético ao fonêmico
Ao discutir a Alfabetização de Jovens e Adultos os saberes da
oralidade ganham relevância, pois a oralidade está em toda parte, a conversação
está presente nos diferentes locais, seja no ambiente familiar, na rua, ou no
trabalho. E, no caso específico dos alunos dos quais falamos, diante do
analfabetismo e, conseqüentemente da não utilização da escrita para organização
da vida, foram os saberes da oralidade que permitiram a estes sujeitos viver em
sociedade até a idade adulta.
Estudos na área da Lingüística e na área da Educação (Marcuschi
2004, Mollica 2000; Bortoni-Ricardo 2004, Kato 2002, Carvalho, 2005) vêm
apontando para a necessidade de se considerar a relação entre oralidade e escrita
83
no processo de ensino-aprendizagem da língua materna, uma vez que pesquisas
demonstram que a “consciência explícita por parte do falante acerca da influência
da relação fala/escrita concorre para melhorar o desempenho no letramento”.
(Mollica, 2003:07)
Destaco a relevância de considerarmos os saberes da oralidade,
pois a abordagem pedagógica a ser feita muda, caso suponhamos ou não que o
sujeito do processo de alfabetização possui conhecimentos de sua língua
materna. Se partirmos da primeira perspectiva, cabe à escola buscar refletir sobre
como ela pode se apoiar na competência lingüística que os alunos possuem para
tornar mais fácil e eficiente o aprendizado da língua escrita. (Bortoni-Ricardo,
2005)
O universo de sala de aula é rico em pistas que nos ajudam a
identificar como os alfabetizandos estão compreendendo o que lhes é ensinado e
como eles constroem e apreendem conhecimentos da língua escrita. Para ilustrar
esta afirmativa, cito uma situação que aconteceu numa sala de aula dos canteiros
de obras da Construção Civil, onde eu atuava como professora, quando um dos
alunos (JB) utilizou uma analogia do alfabeto com os “personagens” da obra, para
fazer uma análise lingüística do papel das letras na organização do sistema
alfabético. Após observar detidamente o alfabeto móvel afixado na parede da sala,
ele fez a seguinte observação:
“Professora, agora eu entendi qual é a dessas letra (consoantes) que
não são as cinco (representação gráfica das vogais). Isso é que nem “peão safado”.
O peão safado” quando está perto do engenheiro é uma coisa, quando chega a
84
arquiteta é outra coisa, se com o encarregado muda completamente. É igual a
essas letras. Quando elas tão com uma, elas são uma coisa, quando estão com
outra, são outra coisa completamente diferente.”(JB, 2005)
Na observação do aluno JB, é possível perceber que ele tem
consciência da mudança articulatória dos sons de acordo com as seqüências em
que ocorrem. Na ausência de conhecimentos lingüísticos sistematizados que o
ajude a explicar tais mudanças, ele utiliza exemplos dos cotidianos do local de
trabalho para tecer analogias e fazer sua observação.
Os estudos da Fonologia oferecem contribuições fundamentais para
o aperfeiçoamento da prática pedagógica. Na fase inicial de ensino da língua
escrita, seja ela realizada através de métodos sintéticos ou analíticos, a habilidade
essencial a ser desenvolvida é a descoberta do princípio alfabético, e isto implica
na percepção da dimensão sonora das palavras e no entendimento de que cada
palavra é constituída de segmentos menores, o que nos conduz ao processamento
fonológico.
vimos anteriormente que para a aprendizagem da leitura e da
escrita é necessário que o aprendiz tenha compreensão do sistema alfabético, pois,
segundo Faraco:
A língua portuguesa tem uma representação
gráfica alfabética com memória etimológica.
Dizer que a representação gráfica é alfabética
significa dizer que as unidades gráficas (letras)
representam basicamente unidades sonoras
(consoantes e vogais) e não palavras (como
pode ocorrer na escrita chinesa) ou sílabas
(como na escrita japonesa). (2003:09)
85
Esta percepção, entretanto, não é uma tarefa fácil, pois quando
falamos, a fala se apresenta como um contínuo e não permite uma visualização da
segmentação existente. As unidades mínimas da fala, os fones, se apresentam co-
articulados.
Byrne (1995:40) também alerta para esta questão, quando coloca
que o problema que o aluno está aprendendo a ler tem que resolver é aquele
conhecido pelos cientistas da fala como o problema da segmentação. Ou seja, ele
tem que descobrir quais os elementos da fala contínua que correspondem aos
elementos discretos da escrita, as letras, pois a língua falada não apresenta
elementos físicos claros que correspondam às letras.
Assim, se as unidades gráficas (letras) representam basicamente
unidades sonoras (consoantes e vogais), o aluno necessita utilizar mais do que sua
sensibilidade inata para conseguir diferenciar fonologicamente os sons, de modo
tal que possa escolher a letra certa para simbolizar cada som.
É claro que será capaz de escrever aquele
que tiver a capacidade de perceber unidades
sucessivas de sons da fala utilizadas para
enunciar as palavras e distingui-las
conscientemente umas das outras. Note que a
análise a ser feita pela pessoa é bem sutil: ela
deve ter consciência dos pedacinhos que
compõem a corrente da fala e perceber as
diferenças de som pertinentes a cada letra.
(LEMLE, 1995:09)
É preciso notar, entretanto, que o conhecimento consciente de
fonemas e a capacidade de manipulação dos mesmos são diferentes da
sensibilidade inata que sustenta a produção e recepção da fala, pois o
86
desenvolvimento da consciência fonêmica se encontra num nível de percepção
mais elevado.
Estudos desenvolvidos com crianças (CARDOSO-MARTINS,
1995; LUNDBERG, et al., 2006, BYRNE, 1995, ADAMS, 2006, CARVALHO
2005) mostram a importância do desenvolvimento da consciência fonológica
2
para
a compreensão do princípio alfabético e a segmentação de seqüências fonológicas
e ortográficas, levando o aprendiz à identificação das palavras e,
conseqüentemente à compreensão do enunciado escrito.
A definição do que é consciência fonológica, contudo, recebe
pequenas variações nos diferentes estudos teóricos. De um modo geral, ela é
entendida como um conjunto de habilidades metalingüísticas que possibilitam
analisar as palavras da linguagem oral de acordo com as diferentes unidades
sonoras que as compõem. Dependo da abordagem feita pelo autor, ela
compreende desde a simples percepção global do tamanho da palavra e de
semelhanças fonológicas entre as palavras, até a segmentação e manipulação das
sílabas e fonemas.
Byrne utiliza o termo consciência fonêmica para fazer referência à
habilidade de segmentação e também de invariância. Consciência fonêmica para o
autor é “a consciência da natureza psicologicamente segmentada (enquanto oposta
à natureza fisicamente contínua) da fala que chamamos de consciência fonêmica”.
(1995:41). Segundo Byrne, a invariância é a identidade dos fonemas em posição
diferente. O autor cita como exemplo que o primeiro fonema nas palavras dog, den
2
É importante ressaltar que existem pesquisadores que utilizam os termos consciência fonológica
e consciência fonêmica como sinônimos. Em alguns casos, veremos o uso do termo consciência
fonológica como exclusivamente a capacidade de manipular fonemas.
87
e dam é o mesmo, como o último fonema em mad, bed, rid. A identificação da
invariância é fundamental, pois se uma criança não estiver consciente da
identidade destes fonemas iniciais (e finais), ela não compreenderá por que a
mesma letra é usada para iniciar (e terminar) as versões escritas destas palavras.
No estudo de Gough, Larson & Yopp (1995), os pesquisadores
argumentam que a consciência fonológica é mais adequadamente descrita em
termos de uma estrutura hierárquica, e sugerem que seu desenvolvimento procede
através de estágios, começando com a consciência de unidades fonológicas mais
globais até chegar à consciência plena dos segmentos fonêmicos da fala. Para os
autores, um indicador desta estrutura hierárquica é o fato de que um indivíduo
pode ser bem sucedido em algumas tarefas e não em outras.
Lamprecht & Costa (2006) também alertam para a amplitude do
que podemos chamar de consciência fonológica e destacam que ela é composta por
diferentes níveis: a consciência silábica, a consciência intra-silábica e a
consciência fonêmica.
A consciência silábica consiste na compreensão de que as palavras
podem ser divididas em partes menores e na capacidade de segmentar as palavras
em sílabas.
Ela possibilita ao aprendiz perceber que as sílabas utilizadas numa
palavra podem também ser utilizadas em outras, ou ainda que ao retirar ou
acrescentar uma sílaba numa palavra, esta terá outro significado.
A consciência intra-silábica implica na compreensão de que existe
um nível intermediário de segmentação entre a sílaba e o fonema. Os trabalhos de
88
pesquisas quando focam a estrutura intra-silábica, de um modo geral, o fazem a
partir de duas abordagens: o trabalho com rimas e aliterações.
no caso da rima, ela existe quando, no final de determinadas
palavras encontra-se a mesma vogal, como em café e sapé ou a mesma vogal
seguida da mesma consoante, como em sonhar e cantar, ou da mesma vogal
precedida e seguida das mesmas consoantes, ou das mesmas sílabas como nas
palavras partir e sentir. (DUBOIS, 1973: 523) A semelhança é sonora e não
necessariamente gráfica. Ao direcionar a atenção do aluno para a estrutura sonora
das palavras, destaca-se o fato de que a fala não tem apenas o significado e traduz
uma mensagem, mas também tem uma forma.
A aliteração, que consiste na repetição da mesma sílaba ou fonema
na posição inicial das palavras, permite fazer conexões entre grafemas e fonemas,
favorecendo a generalização destas relações. Como vimos anteriormente, Byrne
(1995) denomina este tipo de atividade como invariância.
Ainda, seguindo os diferentes níveis citados por Lamprecht &
Costa (2006) temos a consciência fonêmica. Ela consiste na capacidade de
perceber as unidades mínimas estruturais da língua não dotadas de significado em
si, ou seja, os fonemas. Na fala, eles se manifestam como fones e estão aglutinados
e integrados em uma corrente sonora contínua. Somente na mente dos falantes é
que eles existem como unidades separadas. Os fonemas se caracterizam pelo fato
de não se confundirem uns com os outros, ou seja, o fonema é um elemento que,
dentro de um sistema nico determinado, tem um valor diferenciador entre dois
vocábulos como apontam Callou & Leite (2003:37).
89
Segundo as autoras, no século XIX o termo fonema existia, mas
fazia referência ao que hoje chamamos de fone ou som da fala. Ao final daquele
século, nos trabalhos de Baudoin de Courtenay, o termo fonema surge como um
som ideal que o falante almejava alcançar no exercício da fala.
A noção atual do termo fonema estava presente na distinção que
Saussure estabelecia entre língua e fala. O fonema seria uma unidade da língua,
enquanto os sons ou fones seriam unidades da fala. O conceito de fonema foi
formulado com precisão a partir de 1930, nos trabalhos do Circulo Lingüístico de
Praga.
Roman Jakobson teve um papel decisivo dentro dos estudos
fonológicos. Foi ele quem definiu o fonema como um ‘feixe de traços distintivos’,
com base na idéia de que o fonema era divisível em unidades menores. A partir daí
o fonema passou a ser visto pelos seguidores do Círculo de Praga como a soma das
particularidades fonologicamente pertinentes que uma unidade comporta,
salientando assim, o papel funcional que o elemento fônico desempenha na língua
(cf. Callou & Leite , 2003)
.
Devemos considerar também que os fonemas podem variar na sua
realização e estas variações, também conhecidas como alofones, são determinadas
por fatores extra-e-intra-linguísticos (Labov, 1972) e podem ser de vários tipos:
estilísticos, posicionais, regionais, etc. As variantes posicionais ou combinatórias
decorrem do contexto fônico em que são realizadas. A realização palatal dos
fonemas /t/ e /d/ diante de /i/ em certos dialetos do português é um exemplo disto.
90
Segundo Jager Adams, et al. (2006) é a consciência fonêmica que
possibilita à criança entender o funcionamento do alfabeto, ou seja, separar sons
um do outro e categorizá-los de maneira a que permita compreender como as
palavras são escritas.
Para Jeffrey Farrar et al. (2005) a consciência fonológica é um dos
componentes da consciência metalingüística:
Consciência metalingüística refere-se à
habilidade de refletir ou pensar sobre as
diferentes formas da língua separando-a de seu
contexto ou significado. Isto inclui um número
de componentes: consciência fonológica
(Blachman, 2000), consciência gramtical (de
Villiers & fr Villiers, 1972) e a consciência
semântica (Doherty & Perner, 1998)
3
Ainda segundo os autores, o que torna as tarefas metalingüísticas
diferentes do uso da linguagem comum é o fato de as habilidades metalingüísticas
requererem níveis mais complexos de processamento.
Estes estudos, entretanto, têm seu foco em crianças. Trabalhos
sobre a consciência fonológica de jovens e adultos, encontraremos nos estudos
sobre consciência fonológica e aprendizagem de segunda língua L2 (GABRIEL-
SEEFF, 2003, KEIKO KODA 1998).
3
Metalinguistic awareness refers to the ability to reflect or think about the different forms of
language separate from its context or meaning. It encompasses a number of components including
phonological awareness (Blachman, 2000), grammatical awareness (de Villiers & de Villiers,
1972), and semantic awareness (Doherty & Perner, 1998).
91
O trabalho de Gabriel-Seeff (2003) buscou focalizar o processo de
habilidades fonológicas de 22 adolescentes estudantes do inglês como L2 e
relacionar as habilidades de ortografia de primeira língua - L1 - com o processo de
aprendizagem de L2. Os dados da pesquisa foram coletados na África do Sul onde
um número crescente de estudantes africanos foi sendo incorporado ao
relativamente novo sistema educacional integrado de níveis diferentes.
Na pesquisa, foram encontradas fortes correlações entre a
ortografia de palavras que contêm vogais de L1, a discriminação auditiva dos
alunos e a representação fonológica destas palavras em L2.
Segundo a autora, conforme o indivíduo amadurece, se torna mais
difícil para ele adquirir novos fonemas que não estão dentro do repertório de L1.
Para fazer tal afirmação, a autora toma como base o princípio do período sensível
para aquisição de idioma. Para ela a noção de um período crítico (LENNEBERG,
1967) é controversa (HARLEY AND WANG, 1997). Porém, permanece o
princípio de um período sensível governado por maturação durante o qual o
sistema lingüístico da criança é mais suscetível a mudanças com respeito à
influência do ambiente. O período compreendido entre a idade de seis anos
(LONG, 1990) até a puberdade (FLEGE, 1981) foi proposto como um tempo para
o fechamento do período sensível. Então, quanto mais velho os estudantes
entrarem em um ambiente educacional de segunda língua, mais dificuldades eles
terão com o sistema fonológico estrangeiro (L2).
Ainda segundo Gabriel-Seeff, estudos de interferência mostraram
que estudantes de L2 mais velhos tendem a perceber as unidades segmentais e
92
supra-segmentais em termos das categorias de L1 (LEATHER E JAMES, 1991;
STRANGER E JENKINS, 1978).
O trabalho de coleta de dados da pesquisa de Gabriel-Seeff
consistiu em quatro tarefas: 1) tarefa de ortografia; 2) discriminação auditiva de
palavras reais; 3) discriminação auditiva de não palavras, e 4) representações
fonológicas.
Na primeira tarefa era pedido que o participante escrevesse abaixo
de cada uma das 40 palavras a ortografia em resposta para a expressão oral do
portador. Na segunda o propósito do teste foi avaliar se a discriminação vocálica
quando à representação semântica da palavra também poderia ser acessada. A
terceira tarefa tinha como objetivo avaliar se os participantes poderiam
discriminar os contrastes entre vogais em contextos de não palavras, onde não
existe nenhuma representação semântica. A quarta e última tarefa consistia em
determinar o estado das representações fonológicas dos participantes com palavras
contendo contrastes entre quatro segmentos vocálicos. Quarenta quadros que
descrevem pares mínimos de palavras com vogais da L1 e da L2 foram
apresentados em ordem aleatória, e foi solicitado que os participantes apontassem
o cartão que descrevesse a palavra ouvida.
Os participantes foram avaliados individualmente por
aproximadamente 25 minutos, numa área silenciosa da escola em que estudavam.
Todas as palavras foram pré-registradas numa gravação de áudio produzida por
um falante sul africano com sotaque inglês. uma voz era usada para evitar
variação na qualidade acústica de vogais. As palavras eram contextualizadas para
93
evitar o problema de artificialidade que acontece quando são produzidas palavras
isoladas.
Os resultados desta pesquisa mostraram que todos os estudantes de
ESL enfrentaram dificuldades nas quatro tarefas. As habilidades de ortografia
deles estavam significativamente correlacionadas com as habilidades de
discriminação auditiva e com as representações fonológicas das vogais do inglês
como língua estrangeira (EFL) falado na África do Sul.
Nesta pesquisa de Gabriel Seeff, assim como na pesquisa
desenvolvida com crianças por Byrne (1995), o papel da semântica também foi
considerado fundamental, principalmente no que se refere ao processamento de
palavras que contêm vogais da L1 e da L2. A forma como a memória organiza as
palavras a partir de sua natureza semântica torna complexa e árdua a tarefa de
conceber a palavra falada como uma seqüência sonora, e focar a atenção na forma
e não no significado das palavras.
Na investigação feita por Byrne, em atividades que envolviam
invariância - onde era solicitado que a criança julgasse se as palavras começavam
ou terminavam com o mesmo som - ele identificou que para as crianças
Era como se as palavras, elas próprias, fossem
transparentes as crianças olhavam através
delas chegando diretamente ao seu significado.
De fato, descobrimos que as crianças
freqüentemente agrupavam as palavras em
bases semânticas, apesar de termos pedido
uma classificação em bases físicas.
(BYRNE,1995:43)
94
No trabalho de investigação realizado por Gabriel-Seeff foi
possível identificar a importância do papel da semântica quando os estudantes
tiveram um desempenho significativamente melhor na tarefa de discriminação de
palavras reais, onde as representações fonológicas e semânticas contribuíram para
armazenar palavras no léxico.
Um último aspecto destacado nos estudos de Gabriel-Seeff foi a
constatação de que a exposição dos estudantes de inglês como segunda língua ao
uso do inglês por falantes nativos dentro do ambiente educacional provocou um
efeito positivo na ortografia desses estudantes, em sua discriminação auditiva e na
representação fonológica de palavras que continham vogais do idioma sul africano
coincidentes com as do inglês.
No trabalho de Keiko Koda (1998) o autor se propôs a investigar
os efeitos da experiência alfabética de L1 para o desenvolvimento da consciência
fonêmica e a decodificação no inglês como segunda língua (doravante ESL
4
) entre
leitores alfabetizados e não alfabetizados em L1. O estudo partiu da hipótese de
que o desenvolvimento da consciência fonêmica e a decodificação em L2 estão
relacionados com a experiência alfabética de L1.
Os participantes da pesquisa eram estudantes de ESL de nível
iniciante de um programa de inglês intensivo, em uma universidade americana de
porte médio. Os grupos eram constituídos por: 20 falantes nativos do idioma
coreano (11 homens e 9 mulheres) e 20 chineses falantes de Taiwan (12 homens e
8 mulheres). A idade variou entre 19 e 28 anos.
4
A sigla ESL corresponde a English as a Second Language, ou seja, à língua inglesa ensinada
como segunda língua. Vale notar que alguns autores não fazem a diferença entre ensino de
segunda língua e de língua estrangeira.
95
Segundo Koda, pesquisadores, de um modo geral, concordam que
a consciência fonêmica não é uma capacidade unitária, mas é constituída por
algumas habilidades. Para ilustrar estas habilidades o autor recorre à subdivisão
apresentada por Adams (1990):
(a) habilidade de percepção básica (lembrar-se de rimas familiares);
(b) habilidade de percepção analítica (reconhecer e ordenar padrões de rimas e
aliterações);
(c) consciência intra-silábica e habilidades de análise (segmentar e combinar
sílabas);
(d) habilidades de análise fonêmicas (fazer a segmentação fonêmica);
(e) habilidades de manipulação fonêmicas (reconstruir palavras mediante
apagamento ou inserção de novos fonemas).
A pesquisa desenvolvida por Koda tinha três objetivos: 1) comparar
aspectos variados de consciência fonêmica do chinês de estudantes de ESL
coreanos; 2) explorar a relação entre consciência fonêmica na L2 e as habilidades
de decodificação; e 3) verificar até que ponto a compreensão de textos em L2 é
facilitada pela consciência fonêmica e as habilidades de decodificação.
O autor destaca que estudos longitudinais demonstram que a
consciência fonêmica é um pré-requisito para o sucesso no aprendizado da leitura
do inglês como L1 (JUEL et al., 1986; BRYANT et al., 1990). Ainda segundo o
autor, outros estudos sugerem que a consciência fonêmica e a leitura têm uma
96
relação recíproca que mutuamente aceleram o desenvolvimento. (PERFETTI et al.
1987; BOWEY and FRANCIS, 1991; VELLUTINO and SCANLON, 1987).
Sobre esta questão, nos estudos sobre o aprendizado da língua
materna, podemos destacar nas leituras feitas para a realização deste trabalho,
conceitualizações diferentes: uma delas, de Byrne, indica o desenvolvimento da
consciência fonológica como um pré-requisito para a alfabetização, posição esta
confirmada nas palavras do autor, quando este diz que “muitos outros grupos de
pesquisa concluíram, assim como nós, que as crianças, antes de serem
alfabetizadas, não têm uma compreensão clara de como a fala é organizada” (1995:
44). Uma outra conceitualização (Ehri, 1981, 1987) a consciência fonêmica
como conseqüência do ler e escrever. Sob esta perspectiva, o conhecimento
ortográfico influenciaria a habilidade de segmentação das palavras. Uma terceira
conceitualização (Emilia Ferreiro, 2001) propõe um modelo interativo, onde a
relação entre consciência fonológica e escrita é recíproca, pressupondo que certas
habilidades da consciência fonológica seriam básicas a certas habilidades de
leitura e escrita, e que outras habilidades de leitura e escrita, por sua vez,
estimulariam determinadas outras habilidades relacionadas à consciência
fonológica.
No trabalho de Koda, o autor destaca que a reciprocidade entre
consciência fonêmica e leitura traz implicações para a investigação do
aprendizado da leitura em L2, pois, se um grau alto de consciência fonêmica tiver
origem na exposição a uma escrita alfabética, o autor levanta a hipótese de que os
leitores de inglês como L2 não alfabetizados em L1 se encontram em
desvantagem: isto é, deficiência da experiência alfabética na L1 representa uma
97
consciência fonêmica subdesenvolvida e, conseqüentemente, impede o progresso
inicial da leitura em L2, particularmente com respeito a decodificar habilidades.
Na busca de resposta para esta hipótese os participantes da
pesquisa foram submetidos a quatro tarefas distintas: discriminação auditiva,
substituição fonêmica, apagamento fonêmico e inserção fonêmica.
No teste de discriminação auditiva as contagens excederam 90% de
acertos em ambos os grupos. Nos testes de substituição de fonemas em posições
diferentes, as análises indicaram que a posição não exercia um papel significativo;
então, a variável de posição não foi considerada em análises subseqüentes.
Os estudantes de ESL chineses receberam pontuação mais alta no
teste de substituição de fonema, enquanto os participantes coreanos tiveram
melhor desempenho no teste de apagamento e inserção de fonemas. Porém, as
diferenças entre os grupos foram, em geral, desprezíveis em todas as três tarefas.
Os testes subseqüentes, que correlacionavam tarefas de consciência
fonêmica com descoberta de homófonos, revelaram uma diferença significativa
nos dados chineses, mas não nos dados coreanos. Assim, novamente, os
resultados sugerem que, enquanto os estudantes de ESL coreanos confiam na
consciência fonêmica durante as tarefas de decodificar, os estudantes chineses
talvez não tenham a mesma confiança.
A divergência nos padrões de correlação entre os grupos não afetou
o desempenho. Ambos os grupos atingiram basicamente o mesmo nível de
realização. Por conseguinte, parece razoável concluir que a limitada experiência
98
alfabética prévia dos estudantes de ESL acostumados a ideogramas não
necessariamente impede o desenvolvimento de suas habilidades de decodificação
na L2 usando um sistema alfabético.
Os resultados deste estudo têm várias implicações importantes para
a pesquisa prática de leitura em L2. Os dados presentes evidenciam que a
diferença de desempenho entre leitores de L2 não pode ser explicada por uma
análise simplista de variáveis de L1, e que estudantes de L2 desenvolvem suas
habilidades por caminhos definitivamente diferentes. Parece justo sugerir, então,
que para entender melhor o desenvolvimento de habilidades de leitura em L2, nós
deveríamos, por exemplo, explorar a complexa interação entre a experiência
prévia dos estudantes e as exigências de cognição/lingüística necessárias para a
realização de várias tarefas.
Os estudos sobre consciência fonológica trazem inúmeras
contribuições para pesquisas do processo de alfabetização de pessoas jovens e
adultas. Alguns elementos identificados nestes estudos, tais como os vários níveis
e/ou habilidades da consciência fonológica, o papel da semântica e a influência
da percepção na produção da escrita, nos ajudam a refletir sobre o processo de
construção do conhecimento dos alunos da EJA.
2.7. Fonologia de uso
A Fonologia de uso proposta por Bybee (2001) postula que o modo
como a língua é usada afeta o modo como ela é representada e estruturada, ou
99
seja, o uso que o indivíduo faz da língua é fundamental para a organização
lingüística e, conseqüentemente, para a organização do sistema fonológico. Ao
adotar essa perspectiva a autora afirma que sua teoria, ao contrário das teorias
fonológicas anteriores, se detém não somente na estrutura da língua, mas em todas
as suas interações e usos sociais (2001:2).
Segundo Bybee (2001) a língua é um fenômeno complexo e
dinâmico que pode ser entendido se considerarmos seus diferentes níveis de
organização: segmental, silábico, morfológico, sintático, pragmático, social, etc;
Além disto, para a autora, os processos cognitivos que comandam a língua não são
específicos da língua, mas são os mesmos que governam outros aspectos do
comportamento social e da cognição humana. (2001:17).
A organização do conhecimento lingüístico, a partir de
representações múltiplas apresentada pela Fonologia de Uso, faz com que
Cristófaro (2002) a classifique como um modelo multi-representacional. Segundo
a autora, os modelos multi-representacionais assumem que o conhecimento
lingüístico é organizado em representações múltiplas alinhavadas em redes
interconectadas e buscam explicar como as várias representações são gerenciadas
no uso da língua.
Ao propor um modelo fonológico de uso Bybee (2001:6-8)
apresenta alguns pressupostos teóricos, são eles:
a) a experiência afeta a representação na memória - palavras mais
freqüentes têm representação mais forte e são mais facilmente acessadas do que
100
palavras menos freqüentes. Trabalha-se também com a hipótese que o
armazenamento de palavras “velhas” ajuda no conhecimento de palavras “novas”;
b) as palavras são armazenadas como unidades inteiras no léxico -
os indivíduos aprendem seqüências fonológicas como partes de palavras e nunca
independente delas;
c) a categorização é baseada em similaridades - a relação
morfológica emerge das similaridades semânticas e fonéticas. A categorização
também organiza a armazenagem.
As regularidades lingüísticas entre os itens são usadas para
estruturar o armazenamento e Bybee (2001:30) sugere que a palavra é o elemento
básico da representação mental; portanto, a palavra é a unidade de análise e não o
morfema, porque, segundo a autora, a palavra tem uma autonomia cognitiva que o
morfema não tem. Assim, itens léxicos são armazenados no léxico mental a partir
das experiências do falante com a língua. Os registros incorporam também
informações relativas ao continuum da fala. Ou seja, ao se pronunciar uma palavra
que se inicia por [pa], as palavras que apresentam esta característica são também
acionadas (cf.Pierrehumbert, 2001). A categorização acontece no momento de
uso, quando a linguagem é proferida e a relação entre o conteúdo sonoro e
semântico se encontram.
Exemplares de palavras e frases que são similares em dimensões
diferentes são agrupados juntos no armazenamento cognitivo. Destes grupos, as
construções podem emergir. Essa armazenagem é determinada por semelhanças
fonéticas e/ou semânticas. As palavras ou frases são armazenadas no léxico e
101
conectadas de acordo com a similaridade compartilhada entre seus itens. Tal
arquitetura permite a associação de cada item com várias categorias distintas,
que os traços similares podem ser conectados de maneira independente.
A noção de palavra proposta por Bybee (2001:30) é abrangente,
pois inclui, por exemplo, uma seqüência como, “Por favor” (significando um
pedido), que, ortograficamente, é composta por mais de uma palavra. Cabe
ressaltar, no entanto, que essa mesma seqüência que, em algumas situações, é
analisada como uma palavra, em outras situações, pode ser analisada como
múltiplas palavras. No caso de “Por favor”, “por” e “favor”, ocorrendo separados
poderiam ser analisados como duas palavras diferentes e não como uma só.
Na visão baseada no uso, a gramática é organizada de acordo com
a experiência do indivíduo com a língua (Bybee, 2001). Assim, as gramáticas
individuais estão em processos permanentes de adaptação e mudança, pois são
formadas a partir da estreita relação entre variação lingüística, freqüência de
utilização das palavras na comunicação e memória fonética. Cristófaro Silva e
Gomes (2007:184) sugerem que em abordagens multi-representacionais a
variabilidade sociolingüística é incorporada proporcionando uma gramática
dinâmica e maleável, com correlatos apropriados de uso.
Outro aspecto de relevância na Fonologia de Uso é a consideração
do fator freqüência. Em Bybee (2001:10), podemos identificar dois tipos de
freqüência: a) freqüência de ocorrência (token)– que é a freqüência de ocorrência
de uma unidade, geralmente uma palavra, em um texto; b) freqüência de tipo
102
(type) que se refere à freqüência de um padrão específico no dicionário, como,
por exemplo, um padrão de acento, um afixo ou um encontro consonantal.
A autora afirma ainda que a interação entre freqüência de tipo e
freqüência de ocorrência é também importante na determinação do grau de
produtividade.
Segundo Cristófaro Silva (2003) a Fonologia de uso (BYBEE, 2001)
é compatível com a Teoria de exemplares (PIERREHUMBERT, 2001). A idéia
principal desta teoria é que o processo de combinação dos itens tem um efeito na
sua representação, novos tokens de experiência não são decodificados e depois
descartados, mas eles têm um impacto na representação na memória do indivíduo.
Cristófaro Silva (2004) estabeleceu as principais diferenças entre as
propostas tradicionais da Lingüística e a Fonologia de Uso e a Teoria de
Exemplares.
103
Diferenças entre a Fonologia de Uso e a Teoria de Exemplares e a Proposta
tradicional
Proposta tradicional Fonologia de Uso e Teoria de
Exemplares
Representação mental minimalista Representação mental detalhada
Separação entre fonética e fonologia Inter-relação entre fonética e fonologia
Visão da fonologia como uma
gramática formal, com a utilização de
variáveis abstratas.
Consideração de que a fonologia da
língua envolve a distribuição
probabilística de variáveis.
Efeitos da freqüência refletidos na
produção em curso e não armazenados
da memória de longo termo
Efeitos da freqüência armazenados na
memória de longo termo
Julgamento fonotático categórico: uma
seqüência ou é considerada bem
formada ou é impossível de ocorrer na
língua.
Efeitos gradientes nos julgamentos
fonotáticos
Léxico separado da gramática
fonológica
Palavra como lócus da categorização
A tabela construída por Cristófaro Silva (2004) nos apresenta
diferenças que se referem à representação da língua, a relação da fonética com a
fonologia e como a fonologia estaria representada na linguagem, o efeito da
freqüência das produções do falante, além do conceito de léxico.
Se considerarmos que as classes de alfabetização de jovens e
adultos são compostas por alfabetizandos com distintas naturalidades, faixas
etárias, situação empregatícia, e, portanto, com experiências lingüísticas diversas
poderemos identificar as contribuições que os modelos baseados no uso podem
trazer para a abordagem pedagógica. Pois o léxico concebido nos modelos de uso
não se restringe a uma lista de itens com seu respectivo(s) significado(s); tem um
104
caráter dinâmico e compreende todos os dados relacionados às palavras que
possam ser inferidos a partir da experiência do falante com a língua inclusive
informações sobre sua representação gráfica. Isto possibilita ao alfabetizando
recuperar também a informação referente à grafia das palavras ao acessá-las na
memória.
Neste trabalho, a questão da freqüência também ganha relevância,
devido a sua relação com o comportamento de cada indivíduo. Tomando como
referência uma única classe de alfabetização, onde os alunos têm características
distintas, uma palavra como “receita” pode ser muito freqüente (em termos de
ocorrência) para uma pessoa de determinada faixa etária, mas pode ser pouco
freqüente para uma pessoa de outra.
Isso traz implicações para o processo educativo, na medida em que
considera que podemos compartilhar de uma gramática comum em determinados
grupos, porém podemos ter uma organização diferente para essa gramática
também, em função de o uso ser sempre particular. Uma única palavra pode ter
representações fonológicas diferentes para indivíduos diferentes ou mesmo para
um único indivíduo. Isso caracteriza, ao longo do tempo, a existência de
representações múltiplas na organização do componente fonológico.
105
3. METODOLOGIA
Conforme dito na introdução deste trabalho, a pesquisa parte da
hipótese de que o perfil lingüístico do alfabetizando jovem e adulto influencia a
percepção e o domínio do código escrito durante a alfabetização, e se reflete em
seu desempenho ao longo do processo de escolarização. Além disto, considera
ainda, que algumas das dificuldades no processo de alfabetização, que são tratadas
como problemas de aprendizagem, podem estar relacionadas com este perfil.
Com o objetivo de verificar a relação entre o perfil lingüístico de
alfabetizandos jovens e adultos e seu desempenho no processo de alfabetização, a
pesquisa se constituiu de duas etapas. No ano de 2007 iniciamos a primeira etapa,
com a realização de testes de avaliação do desenvolvimento da consciência
fonológica, de escrita, de contagem e representação numérica com trinta e três
afabetizandos. Na ausência de testes direcionados para pessoas jovens e adultas,
construímos testes específicos (em anexo) para este público, com base nos testes
elaborados por Adams et al. (2006), buscando fazer uma adaptação da linguagem e
das imagens.
Na segunda etapa da pesquisa, no ano de 2008, foram realizadas
entrevistas com três alfabetizandos que participaram da etapa anterior para a
realização de um estudo de caso, com o objetivo de aprofundar algumas discussões
e confirmar ou não a hipótese de que o perfil lingüístico do aprendiz influencia a
percepção e o domínio do código escrito durante a alfabetização.
106
Além disto, na busca de conhecer melhor os aspectos psico-social
dos alfabetizandos, background cultural, suas posturas em sala de aula, as
motivações que apresentam para buscar se alfabetizar e também a prática
educativa desenvolvida com eles, a segunda etapa da pesquisa consta também de
entrevistas com os alfabetizadores dos três alunos selecionados.
Ao longo do capítulo quatro serão apresentados trechos das
entrevistas realizadas com alfabetizandos e alfabetizadores. Para transcrição das
entrevistas faremos uso da convenção para transcrições (em anexo) utilizadas por
Tannen e Wallat (1987).
3.1. Os sujeitos da pesquisa e seu perfil social
Os testes da primeira etapa foram realizados com trinta e três
alunos das classes do Programa de Alfabetização da UFRJ. À pesquisa interessava
identificar se aspectos da variação dialetal traziam implicações para o processo de
aprendizagem da ngua escrita, por isto estes alunos eram de naturalidades
distintas: vinte e dois do estado do Rio de Janeiro e onze do estado da Paraíba. A
opção pela realização da pesquisa com alunos do programa vem atender a
necessidade de estudo sobre uma atividade de extensão desenvolvida pelas
unidades de nossa própria universidade. E a escolha de sujeitos nascidos nos
estados do Rio de Janeiro e da Paraíba se deve ao fato do primeiro ser o estado
onde as atividades de alfabetização ocorrem e a Paraíba, por ser o segundo estado
com maior número de alunos inscritos no programa, perdendo apenas para o Rio
de Janeiro.
107
Tendo em vista o número de variantes presentes no dialeto
paraibano que diferem do dialeto carioca
5
, a investigação teve como foco de
análise o fenômeno dos róticos em posição de coda diante de fricativa, uma vez
que estudos anteriores (SKEETE, 1996; HORA, 2003, 2006) apontam para o
apagamento dos róticos em posição de coda diante de fricativas no interior das
palavras no dialeto de João Pessoa.
Apesar da opção pelo estudo de caso e não por um trabalho
estatístico, o perfil dos alfabetizandos pesquisados, na primeira etapa da pesquisa,
buscou obedecer à proporcionalidade existente dentro do programa. Por isso, não
fizemos, por exemplo, uma divisão igual de alfabetizandos cariocas e paraibanos
ou das demais características.
na segunda etapa da pesquisa, foram selecionados dois alunos
que obtiveram a menor pontuação e um que obteve a maior pontuação nos testes
realizados na primeira etapa. É importante salientar que, por se tratar de um
programa de alfabetização, a permanência dos alunos não é longa e, por isto, a
classificação entre maior e menor pontuação foi feita dentre os alunos que ainda
continuavam no programa.
Além disto, como dito anteriormente, nesta segunda etapa os
alfabetizadores dos respectivos alunos citados acima também foram entrevistados.
5
Este tema é abordado por diferentes autores, desde a descrição fônica clássica de Para o estudo
da Fonêmica Portuguesa de Mattoso Camara Jr, com base no português carioca, e daquela feita no
Capítulo 1 de A estrutura do Verbo no Português Coloquial por Eunice Pontes, até trabalhos
dialetológicos mais recentes que fazem referência a características sonoras tanto do dialeto carioca
como do paraibano, dentre eles o trabalho de Hora (2003,2006), Skeete (1996) e Gomes (2006).
108
Abaixo temos as características de todos os informantes das duas etapas da
pesquisa.
3.1.1. Características dos informantes da primeira etapa da pesquisa
Com o objetivo de estabelecer uma relação entre contexto social e
perfil lingüístico dos falantes, destacamos seis características dos alfabetizandos
para serem consideradas na análise dos dados: duas individuais (sexo, faixa
etária), duas sociais (escolaridade anterior, situação empregatícia) e duas regionais
(naturalidade dos sujeitos pesquisados e de seus pais). Na busca de facilitar a
visualização e a análise a partir das diferentes características, apresentamos
também os gráficos por características:
No que diz respeito à naturalidade dos sujeitos pesquisados e de
seus pais, consideramos estes dados importantes, tendo em vista que alguns
alfabetizandos, apesar de terem nascido no Rio de Janeiro, convivem em seu dia-
a-dia com pessoas de diferente procedência, o que pode trazer marcas para a sua
produção oral.
Em conversa informal, por exemplo, um dos alfabetizandos do
programa forneceu um depoimento intrigante. Disse ele que na escola ele aprende
a forma certa de falar, mas que em casa ele continua falando como o povo da terra
dele para que seus pais não se sintam humilhados. Isso nos revela que a variação
lingüística pode ser decorrente de diversos fatores e que seu estudo requer muito
109
cuidado no que se refere a estabelecer criteriosamente o perfil do sujeito da
pesquisa.
Neste caso, é fundamental considerarmos tais fatores na análise,
uma vez que, já dissemos anteriormente, estudos (SKEETE, 1996; HORA, 2003,
2006) apontam para o fenômeno do apagamento dos róticos em posição de coda
diante de fricativas, no interior das palavras no dialeto paraibano.
Gráfico 1: Naturalidade dos alunos
22
11
0
10
20
30
Total 33
alunos
Naturalidade dos Alunos
RJ
PB
Gráfico 2: Naturalidade dos pais
14
10
4
3
1 1
0
2
4
6
8
10
12
14
Total 33 alunos
Nº de alunos
Naturalidade dos Pais
A - para mãe epai
paraibanos
B - mãe e pai
cariocas
C - outras
naturalidades
D - não sabe
responder
E - pai carioca e mãe
de outra naturalidade
F - mãe paraibana e
pai de outra
naturalidade
110
No que diz respeito ao sexo, pesquisas variacionistas realizadas por
Paiva (2003) e Labov (1982) apontam para o fato de que as mulheres têm
orientado sua fala para as normas de prestígio, como uma forma de elevar sua
mobilidade social. Contudo, Paiva (2003) alerta para o fato de que a análise da
correlação entre gênero/sexo e variação lingüística tem de fazer, necessariamente,
referência não ao prestígio atribuído pela comunidade às variantes lingüísticas
como também à forma de organização social de uma dada comunidade. A autora
alerta ainda ser preciso considerar que a análise que parte da característica
gênero/sexo isoladamente camufla outros aspectos e complexas interações no
estudo da variação.
Gráfico 3: Sexo
19
14
0
10
20
Total 33
alunos
Sexo
Feminino
Masculino
A faixa etária é outra característica muito relevante, pois nos
possibilita traçar um perfil mais completo do informante. A Educação de Jovens e
Adultos – EJA - apresenta uma característica muito própria que é o fato de
agregar uma faixa etária muito ampla, visto que trabalha com alunos a partir de
quinze anos de idade. Este fato, muitas vezes, traz uma conseqüência marcante no
resultado de pesquisas, pois os alfabetizandos apresentam diferentes
características e expectativas com relação ao estudo, de acordo com suas faixas
111
etárias, devido ao fato de uns serem jovens e solteiros, outros estarem ingressando
no mercado de trabalho, um terceiro grupo estar na idade adulta com famílias
constituídas, e uma última parcela englobar os idosos. Por isto acreditamos ser
melhor classificar os informantes em cinco faixas etárias, para traçar
adequadamente seu perfil. São elas: I 15 a 19 anos; II 20 a 29 anos; III - 30 a
44 anos; IV - 45 a 59 anos e V - 60 anos ou mais.
Gráfico 4 : Faixa etária
1
4
6
15
7
0
5
10
15
Total 33
alunos
de alunos
Faixa etária
15 a 19 anos
20 a 29 anos
30 a 44 anos
45 a 59 anos
60 anos ou mais
A escolaridade anterior nos possibilita verificar quantos alunos
tiveram contato com a linguagem escrita anteriormente. Se considerarmos como
Votre (2003) que a escola gera mudanças na fala e na escrita das pessoas que a
freqüentam veremos que esta característica é de extrema relevância, pois a
escolaridade anterior pode estar relacionada a mecanismos de promoção ou
resistência à mudança. Além disto, na análise dos dados esta informação pode
trazer um importante indicador para nos certificarmos se o contato anterior com a
escrita é um facilitador ou não do desenvolvimento das habilidades de consciência
fonológica dos alunos.
112
Gráfico 5: Alunos com escolaridade anterior
1
2
1
2
1
5
6
1 1 1 1
2
0
1
2
3
4
5
6
Total 24
alunos
nº de alunos
Alunos com escolaridade anterior
escolaridade
anterior 2 meses
escolaridade
anterior 3 meses
escolaridade
anterior 4 meses
escolaridade
anterior 6 meses
escolaridade
anterior 9 meses
escolaridade
anterior 1 ano
escolaridade
anterior 2 anos
escolaridade
anterior 3 anos
escolaridade
anterior 4 anos
escolaridade
anterior 5 anos
escolaridade
anterior 6 anos
escolaridade
anterior 7 anos
Gráfico 6 : alunos que não possuem escolaridade anterior ou não responderam
8
1
0
5
10
Total 9
alunos
1 2
Alunos que não possuem
escolaridade anterior ou não
responderam
não tem
não respondeu
A situação empregatícia do informante nos ajuda não a traçar
um perfil social do alfabetizandos, mas também pode trazer contribuições para o
113
perfil lingüístico, uma vez que o fato da pessoa estar ou não inserida no mercado
de trabalho, e a forma como está inserida, pode nos revelar os diferentes contatos
lingüísticos que ela estabelece para além de sua residência.
Gráfico 7: Situação empregatícia
3 3
6
3 3
2
13
0
2
4
6
8
10
12
14
Total 33
alunos
nº de alunos
Situação empregatícia
trabalha com
carteira assinada
trabalha sem
carteira assinada
trabalha por conta
ppria
aposentado ou
pensionista
do lar
desempregado
não respondeu
Abaixo, temos o perfil dos informantes, segundo as seis
características que estabelecemos para que possamos ter uma melhor visualização
do público pesquisado.
114
Tabela 1 - Perfil dos Informantes
Informante Sexo Faixa
etária
Naturali-
dade
Escolaridade
anterior
Situação
empre-
gatícia
Natura-
lidade
dos pais
INF 01 F IV RJ 1 ano 7 B
INF 02 F IV PB 2 anos 5 A
INF 03 M I RJ 2 anos 7 B
INF 04 F IV RJ 2 anos 2 D
INF 05 M IV RJ 9 meses 3 C
INF 06 M III RJ 7 anos 2 D
INF 07 M IV PB 6 meses 3 A
INF 08 M II RJ 1 ano 7 B
INF 09 F IV RJ Não respondeu 7 A
INF 10 F III RJ Não tem 5 F
INF 11 F V RJ Não tem 7 B
INF 12 M III PB 3 anos 1 A
INF 13 F IV PB Não tem 7 A
INF 14 F II RJ Não tem 7 B
INF 15 F IV PB Não tem 3 A
INF 16 F V PB 7 anos 4 A
INF 17 M V RJ 2 meses 4 A
INF 18 M IV RJ 1 ano 1 C
INF 19 F IV PB Não tem 7 A
INF 20 F III RJ Não tem 7 D
INF 21 M III RJ 4 anos 7 B
INF 22 F IV PB 3 meses 3 A
INF 23 F V PB 3 meses 5 A
INF 24 F IV RJ 6 meses 7 A
INF 25 F IV RJ 2 anos 3 B
INF 26 M II RJ 1 ano 6 B
INF 27 M IV RJ Não tem 6 C
INF 28 F III RJ 5 anos 1 C
INF 29 F V PB 6 anos 4 A
INF 30 M V RJ 4 meses 2 A
INF 31 M IV PB 2 anos 3 F
INF 32 M II RJ 2 anos 7 B
INF 33 F V RJ 1 ano 7 B
Para facilitar a leitura da tabela, colocamos aqui as cinco divisões de faixa etária: I 15 a 19 anos; II 20 a
29 anos; III - 30 a 44 anos; IV - 45 a 59 anos e V - 60 anos ou mais.
Na situação empregatícia, leia-se 1 - trabalha com carteira assinada, 2 - trabalha sem carteira assinada, 3 -
trabalha por conta própria; 4 - aposentado ou pensionista, 5 – do lar; 6- desempregado, 7 - não respondeu
Na naturalidade dos pais leia-se A para mãe e pai paraibanos - B - para mãe cariocas, C outras
naturalidades, D– não sabe responder, E pai carioca e mãe de outra naturalidade e F mãe paraibana e pai
de outra naturalidade.
115
3.1.2. Características dos alfabetizandos da segunda etapa da pesquisa
Como dissemos anteriormente, os alfabetizandos que fizeram parte
desta segunda etapa da pesquisa foram retirados do universo maior da primeira
etapa, obedecendo a classificação de maior e menor pontuação obtida nos testes.
Todas as três são do sexo feminino.
A primeira é natural do estado da Paraíba e obteve a maior
pontuação, dentre os alunos que permaneceram no programa: trinta e dois pontos.
Ela tem sessenta e sete anos e chegou ao Rio de Janeiro com catorze, é doméstica,
não trabalha atualmente e estudara anteriormente durante três meses. Tanto seu
pai, quanto sua mãe são paraibanos.
A segunda aluna é natural do estado do Rio de Janeiro e obteve
uma das menores pontuação dentre os alunos que permaneceram no programa:
treze pontos. Ela tem quarenta e seis anos, trabalha sem carteira assinada e
estudara anteriormente durante dois anos. Ela não soube responder a naturalidade
dos pais.
A terceira aluna é natural do estado da Paraíba e também obteve
uma das menores pontuação dentre os alunos que permaneceram no programa:
dezesseis pontos. Ela tem sessenta anos e chegou ao estado do Rio de Janeiro com
trinta e quatro anos, é pensionista e estudara anteriormente durante sete anos.
Tanto seu pai, quanto sua mãe são paraibanos.
116
3.1.3. Características dos alfabetizadores
Por se tratar de um programa de extensão universitária, os
alfabetizadores são todos alunos de graduação da universidade. Foram
entrevistados três alfabetizadores, um do sexo masculino e dois do sexo feminino.
O primeiro alfabetizador entrevistado é do sexo masculino, tem
vinte e seis anos, fez graduação em Letras e atualmente cursa as disciplinas da
Licenciatura. Ele havia atuado como alfabetizador em outra instituição, está
dois anos no programa da universidade e atua em uma das comunidades do bairro
Maré.
A segunda alfabetizadora entrevistada é do sexo feminino, tem
vinte e nove anos, faz graduação em Pedagogia, nunca havia trabalhado nas
classes de alfabetização e atua um ano e oito meses como alfabetizadora do
programa, dentro do campus universitário.
A terceira alfabetizadora entrevistada é do sexo feminino, tem
vinte e um anos, faz graduação na Escola de Serviço Social, nunca havia atuado
em classes de alfabetização e atua um ano e onze meses como alfabetizadora
do programa, em uma das comunidades do bairro Maré.
3.2. A elaboração dos testes e procedimentos de aplicação
No capítulo anterior, citamos alguns trabalhos de pesquisas sobre a
consciência fonológica e o aprendizado de primeira e segunda língua. Entretanto,
117
os sujeitos de pesquisa dos trabalhos examinados são prioritariamente crianças.
Como o foco de nossa pesquisa é o público jovem e adulto, e como objetivamos
analisar também a escrita destes alunos, construímos testes, como dito
anteriormente, que envolvem a avaliação da consciência fonológica de pessoas
jovens e adultas.
Na construção dos testes foram adicionadas tarefas envolvendo a
escrita, a contagem e a representação numérica. Cabe ressaltar que houve também
uma preocupação com a adaptação das imagens e da linguagem para o público
jovem e adulto, com o objetivo de uma melhor aceitação por parte dos alunos, pois
não raro vemos práticas educativas desenvolvidas com jovens e adultos que trazem
fortes características infantis. A experiência em sala de aula tem nos mostrado que
os jovens e adultos, muitas vezes, resistem a esta prática. Por isto nos testes
buscamos trazer palavras do léxico deles e imagens próximas de sua realidade.
Em todos os testes foram utilizadas figuras para facilitar o acesso
dos alunos à informação, uma vez que muitos deles ainda não conseguem ler.
Além disto, na maioria dos casos, a utilização exclusiva de imagens objetivava
também evitar que os alfabetizandos tentassem fazer associações a partir da
escrita e concentrassem a atenção exclusivamente nos elementos sonoros.
Os participantes foram contatados previamente, através de seus
alfabetizadores, e convidados a participar da pesquisa. Na ocasião da realização
dos testes, os alunos foram avaliados individualmente, numa área silenciosa. Toda
a realização dos testes foi gravada para que pudéssemos realizar a próxima etapa
da pesquisa de análise da pronúncia dos alunos. Nas tarefas que envolviam a
118
escrita, os participantes foram orientados a pronunciar primeiro a resposta antes de
escrevê-la, de forma a possibilitar a posterior
comparação entre pronúncia e
escrita. Os procedimentos para a realização dos testes encontram-se detalhados no
anexo deste trabalho.
Os testes envolveram atividades de rimas, aliterações, consciência
silábica e consciência fonêmica. A pontuação atribuída às atividades dos testes
não foi igual para todos, pois as tarefas tiveram graus de dificuldades diferentes.
A tarefa de identificação de rima avaliava a habilidade do
informante de detectar qual entre três palavras-testes apresentava uma rima
equivalente a da figura. Em cada item o participante ouvia do avaliador quatro
palavras, a palavra correspondente ao nome da imagem e outras três palavras-
teste. A tabela abaixo mostra as imagens e as palavras que compunham os itens de
tarefa identificação de rima.
Tabela 2: teste de Rima
Folha 1
IMAGEM PALAVRAS TESTES
CHEIRO
LEGUME
TELHADO
BRAÇO
PÃO
COMIDA
119
Folha 2
IMAGENS PALAVRAS TESTES
COLETE
SORTUDO
PICOLE
CARNE
CHURRASCO
ARRASTÃO
Folha3
IMAGENS PALAVRAS TESTES
TABACO
FLECHA
MARCO
RUSSO
CURSO
BICHO
120
O teste de rima constava de dois exercícios de demonstração, que
o avaliador realizou na presença do alfabetizando, enquanto explicava que duas
palavras rimam quando tem sons semelhantes no final e os procedimentos do
teste. Em seguida, o avaliador convidou o alfabetizando a realizar os seis
exercícios. O avaliador apresentou uma nova folha e pediu que o alfabetizando
identificasse, nas três palavras que leria, qual delas rimava com a figura.
Caso o alfabetizando conseguisse ler as palavras, ele mesmo
poderia fazê-lo, em voz alta. Após identificar a palavra, o avaliador convidava o
alfabetizando a escrevê-la abaixo, ao lado da figura
.
Em cada exercício tínhamos
uma figura que deveria ser associada a uma única palavra que correspondia à
rima. Existiam outras duas palavras, uma que estabelecia uma relação semântica
com a figura e outra aleatória. A pista semântica foi inserida com o objetivo de
verificar se o alfabetizando está acessando este tipo de informação para
estabelecer a rima, uma vez que pesquisas (GABRIEL-SEEFF, 2003 E
BYRNE, 1995) que consideraram o papel da semântica fundamental
para acessar
as informações
.
O total de acertos deste teste equivale a doze pontos. O teste
envolveu dois graus de dificuldade: o primeiro foi a identificação da rima e o
segundo a escrita da palavra. As três palavras que foram colocadas à disposição
para serem associadas com a figura foram escritas em letra de forma, caixa alta. A
partir das respostas dos alunos no áudio e da escrita das palavras foi possível
verificar se ele tentou escrever a palavra sozinho, se ele copiou a palavra escrita
na folha, ou se ele sequer escreveu a palavra.
121
Na busca de identificar a variação dialetal paraibana, no que diz
respeito ao apagamento ou não dos róticos em posição de coda diante de
fricativas, foi inserida uma palavra no exercício 8 (CURSO) que apresentava
contexto satisfatório para que o referido fenômeno se manifestasse. No exercício 8
tínhamos a figura de um urso e as palavras russo, curso e bicho. Se o
alfabetizando tentasse realizar a rima, a partir da pista semântica, provavelmente
daria como resposta a palavra bicho. Caso a resposta fosse a palavra russo, isto
poderia indicar a realização do apagamento do rótico.
Com o teste de rima, buscamos responder às seguintes questões:
- os alunos têm autonomia para escrever sozinhos, copiam ou nem
tentam copiar a resposta?
- os alfabetizandos apresentam habilidades de rima, algo que
segundo alguns autores seria considerado o nível básico da
consciência fonológica?
- que pistas os alunos buscam para realizar a rima?
- a semântica ocupa um papel importante na busca de realização da
rima?
O teste de aliteração teve como objetivo avaliar se o
alfabetizando consegue identificar que determinadas palavras tinham a mesma
sílaba ou o mesmo som inicial. O avaliador explicou a atividade pedindo que os
alunos prestassem atenção no começo das palavras, no primeiro pedaço delas.
122
Para exemplificar, o avaliador utilizou o exercício de demonstração: por exemplo,
a palavra praia, começa com o mesmo pra de prato.
Em seguida, o avaliador convidou o alfabetizando a fazer a
primeira folha de exercício. O alfabetizando deveria falar em voz alta o nome das
figuras para que o avaliador se certificasse da correta identificação das mesmas,
pois, se isto não acontecesse, a atividade poderia ser comprometida. Após a
identificação da figura, os alfabetizandos foram convidados a ler as palavras que
constavam na folha. Caso ainda não conseguisse ler ou não se sentisse à vontade,
o avaliador o fazia e pedia que ele repetisse para se certificar de que o
alfabetizando identificara as posições das palavras, auxiliando o mesmo, caso
houvesse dúvida no decorrer do teste. O alfabetizando deveria, então, traçar uma
linha entre a figura e a palavra que correspondesse ao seu som inicial.
O teste envolveu um relativo grau de dificuldade, seu total de
acerto equivale a oito pontos e com ele buscamos responder as seguintes questões:
- os alunos conseguem identificar o começo das palavras?
- eles acessam pistas semânticas para buscar a resposta correta?
123
Tabela 3: teste de aliteração
Folha 1
IMAGENS PALAVRAS
MULHER
DOCE
AVIÃO
XÍCARA
124
Folha 2
IMAGENS PALAVRAS
UNIDADE
BEBIDA
SALÁRIO
CADEIRA
O teste de consciência silábica, representação numérica e
escrita de palavras envolveu três tipos de tarefa: a contagem do número de
sílabas, a representação numérica das sílabas e a escrita da palavra. Para cada uma
delas foi atribuído um ponto. Acertando as três etapas do exercício, o
125
alfabetizando receberia um total de três pontos. No caso de acertar toda a folha de
testes, ele alcançaria quinze pontos.
O teste visava verificar se o aluno era capaz de perceber que as
palavras podem ser divididas em partes menores, contar estas partes, representá-
las numericamente e escrever a palavra. O teste constava de uma folha de
demonstração, feita pelo avaliador e duas de exercícios que devem ser feitas pelo
alfabetizando. As folhas de exercícios constam de cinco figuras. Cada figura tinha
ao lado duas linhas. Na primeira o alfabetizando deveria escrever o nome da
figura e na segunda representar numericamente o número de sílabas existentes em
cada palavra.
Na busca de identificar a variação dialetal paraibana, no que diz
respeito ao apagamento ou não dos róticos em posição de coda diante de
fricativas, foram inseridos nesta bateria de teste duas palavras em que contexto
para que este fenômeno ocorra (cerveja e garfo).
Além destas palavras foram inseridas ainda uma que apresenta
sílaba simples () e outras duas que apresentam o rótico em posição de coda
diante de oclusivas (borboleta e martelo).
É importante salientar que apesar das palavras borboleta e martelo
também apresentarem o rótico em posição de coda, este rótico está diante de uma
oclusiva e não de fricativas como no caso das palavras cerveja e garfo. Estas
palavras foram inseridas propositadamente para criar um contexto em que
pudéssemos observar, na escrita, caso os alfabetizandos suprimissem o tico, se
eles o faziam apenas nas palavras em que o rótico estava em posição de coda
126
diante de fricativa ou se a supressão ocorreria também com o rótico ocupando
outras posições, o que poderia nos levar a levantar a hipótese de tentativa de
preservação do padrão silábico CV.
O teste de buscou responder as seguintes questões:
- o aluno é capaz de perceber que as palavras podem ser divididas
em partes menores?
- o alfabetizando consegue contar o número de sílabas?
- ele consegue representar numericamente o número de sílabas?
- ele é capaz de escrever a palavra?
127
Tabela 4: teste de consciência silábica, representação numérica
e escrita de palavras
IMAGENS
_____________________
______________________
____________________
_______________
___________________
128
O teste de consciência fonêmica buscou verificar se o aluno
conseguia identificar as unidades mínimas correspondentes, no nível
representacional da língua, os fonemas. O teste constava de uma folha de
demonstração, feita pelo avaliador, e três folhas de testes, que devem ser feitas
pelos alfabetizandos. A folha de teste apresentava três figuras e seus nomes e o
alfabetizando deveria circular a palavra que apresentava o maior número de
segmentos. O teste envolveu uma tarefa que foi a identificação do número de
segmentos sonoros mínimos da fala que compõem a palavras e seu total de acertos
equivaleu a quatro pontos.
Na busca de identificar a variação dialetal paraibana, no que diz
respeito ao apagamento ou não dos róticos em posição de coda diante de
fricativas, foi inserida em um dos três exercícios uma palavra (PERCEVEJO) que
apresenta contexto favorável ao fenômeno. A realização do apagamento do rótico
resultaria numa resposta equivocada.
129
Tabela 5: teste consciência fonêmica
Folha 1
IMAGENS PALAVRAS
CARRO
CÃO
PONTE
130
Folha 2
IMAGENS PALAVRAS
CANECA
PERCEVEJO
LIVRARIA
131
Folha 3
Imagens Palavras
CHINELO
PRATOS
XÍCARAS
Os testes de consciência fonêmica buscaram responder as seguintes
questões:
- o alfabetizando consegue identificar as unidades sonoras mínimas da fala?
- os alfabetizandos paraibanos realizam o apagamento do rótico em posição de
coda diante de fricativa?
132
Como dissemos anteriormente, a construção dos testes teve como
base o trabalho realizado por Adams et al. (2006). Contudo, no que diz respeito à
consciência fonêmica, verificamos algumas debilidades no teste, pois não nos
permite determinar se a distinção entre som e fonema é identificada com acuidade.
Esta distinção ocorre em alguns trechos do texto de Adams et al., mas
especificamente nos testes proposto pelos autores não foi possível verificar sua
identificação. A orientação que é dada nos testes realizados pelos autores é de
indagar aos alunos sobre o som das palavras. Vejamos no exemplo abaixo:
“Olhem o primeiro par de figuras. Uma delas
mostra um pato e a outra, um sapato. Preciso
circular a figura que tem mais sons. Qual
dessas figuras devo circular? Levante a mão
quem souber.
Vamos dizer as duas palavras devagar e
compará-las: pato...[p]...[a]...[t]...[o]. Quantos
sons tem pato? Sim, quatro.
Agora vamos experimentar com sapato:
[s]...[a]...[p]...[a]...[t]...[o]. Quantos sons tem
sapato? Sim, seis.
Então, que figura devo circular? Qual delas
tem mais sons?
Sim, sapato tem mais sons do que pato.
Escutem com atenção: sapato...pato”.
(2006:159)
Sabemos que diferenças entre som e fonema, contudo, na
construção dos testes para a realização do presente estudo, a instrução dada aos
alfabetizandos foi para que circulassem a palavra que apresentassem o maior
número de sons. Em alguns casos, isto não trará alterações para a contagem do
133
número de sons/fonemas, como é o caso da palavra CARRO, onde teremos
[´kaxƱ] e /´KaRU/, mas em outros casos podemos ter alterações. Na palavra
ponte, por exemplo, temos quatro sons [põtΣΙ]
6
, porém cinco fonemas /poNtI/.
Em <cão> temos quatro fonemas (/kawN/) que se manifestam na fala por apenas
três sons. Além disto, a escolha das palavras também não foi adequada, pois o
número de fonemas tanto da palavra cão, quanto da palavra ponte sofre alteração
dependendo da teoria fonológica e sua concepção do nível representacional.
Mesmo diante da identificação da debilidade dos testes, fica difícil
pensar em outra forma para fazer a abordagem com os alfabetizandos, uma vez
que o conceito de fonema e sua relação com as letras intermediada pelos fones é
um tema demasiadamente complexo para ser explicado a eles. A melhor solução
encontrada foi pedir que relacionassem o número de fones ao número de letras,
conforme ilustram os testes apresentados no anexo 2.
Apesar de não abordar explicitamente esta dificuldade, o trabalho
de Adams et al. coloca que os fonemas são melhor distinguidos pela forma como
os fones são articulados do que pela forma como soam. Por esta razão, deve-se
estimular as crianças a sentir a forma como sua boca e a posição de sua língua
mudam em cada som”. (2006:103). Talvez, este caminho apontado pelo autor nos
possibilite aprimorar um pouco mais a abordagem feita junto aos alfabetizandos,
sem lançar mão diretamente do conceito de fonema, explorando antes a relação
entre os sons e a maneira como são articulados conforme o contexto em que
ocorrem e com as letras que os representam, fazendo-os sentir que diferentes
articulações podem ser representadas da mesma maneira na escrita, conforme a
Note-se que [tΣ] é um som complexo correspondente a uma só unidade segmental.
134
posição que os fones ocupam na seqüência sonora da palavra Mostrando-lhes, por
exemplo, que o som das letras <t> e <d> pode mudar diante do som [i], ou que as
letras vogais <o> e <e> são pronunciadas como [u] e [i] no final da palavra se não
forem emitidas com saliência acentual.
No decorrer da análise dos resultados dos testes as respostas às
questões colocadas acima nos forneceram elementos para identificar a relação
entre consciência fonológica e o processo de alfabetização de jovens e adultos.
3.3. Entrevistas com os alfabetizandos
A realização da entrevista deu-se por meio de roteiro estruturado
(em anexo) com dezesseis perguntas que buscaram traçar um perfil sócio-
lingüístico dos alunos, em que estes responderam questões referentes à sua história
de vida, a suas experiências com a leitura e a escrita, às atividades de sala de aula.
Os alunos foram entrevistados individualmente, em local
reservado, por aproximadamente vinte minutos. As perguntas iniciais faziam
referência à sua história de vida, com o intuito de fazê-los romper a tensão inerente
à situação de teste e falar mais livremente. As entrevistas foram todas gravadas e,
posteriormente, realizou-se a transcrição das mesmas.
135
3.4- Entrevistas com os alfabetizadores
As entrevistas com os alfabetizadores também foram realizadas
com a utilização de um roteiro estruturado (em anexo) com dezesseis perguntas
relativas ao conhecimento que eles teriam da prática educativa e do
desenvolvimento de seus alunos. Os alfabetizadores foram entrevistados
individualmente, em local reservado, por aproximadamente trinta minutos. As
entrevistas foram gravadas e, posteriormente realizou-se a sua transcrição.
3.5.- Formação dos alfabetizadores
Conforme mencionado antes, os alfabetizadores do programa da
UFRJ são alunos de diferentes cursos de graduação da universidade. Tanto os
alfabetizadores que integravam as primeiras turmas, quanto a turma atual,
pertencem a diferentes cursos de graduação da UFRJ: Pedagogia, Letras, Serviço
Social, Matemática, Ciências Sociais, Geografia, História, Comunicação Social,
Biologia, Fonoaudiologia, etc. A diversidade é muito grande.
Para integrar a turma de alfabetizadores, é necessário passar por
um primeiro processo de seleção, onde os graduandos são avaliados a partir de seu
rendimento acadêmico e de uma prova escrita com temáticas voltadas para a EJA.
Passada esta primeira etapa, os candidatos participam do processo de formação
inicial, onde são trabalhados os pressupostos teórico-metodológicos da EJA,
conhecimentos matemáticos e lingüísticos, bem como discussões em torno de
questões políticas e culturais. Durante todo o processo de formação inicial os
136
alunos são avaliados e, ao final, após realizarem uma aula prática direcionada para
a EJA, eles são selecionados.
No que diz respeito à metodologia de alfabetização, os
alfabetizadores são orientados a utilizar os métodos analíticos (globais). No curso
de formação inicial, os alfabetizadores recebem orientação de como iniciar o
trabalho em sala de aula partindo da palavra, da sentença ou de textos globais.
Contudo, a própria equipe pedagógica do programa coloca que, em determinados
momentos, como no caso do trabalho com palavras geradoras - palavras capazes
de gerar discussões e cujas famílias silábicas, permitem construir novas palavras -,
a prática pedagógica envolverá a combinação de mais de um método. A equipe
ressalta ainda que no cotidiano de sala de aula as metodologias de alfabetização
são construídas, reconstruídas e adaptadas (Moura, 2007:29).
Os artigos referentes à formação dos alfabetizadores do programa
(Moura, 2007 e Silveira, 2007) destacam ainda que, para lidar com alunos que
trazem diferentes experiências com a leitura e a escrita, é imprescindível que os
alfabetizadores tenham conhecimentos da língua portuguesa. A ausência destes
conhecimentos faz com que, em inúmeras situações do cotidiano escolar, os alunos
tenham os trabalhos corrigidos e dados como errados, sem que haja um real
entendimento dos caminhos que percorreram para chegar a tal conclusão. Ou seja,
o ato de correção acaba se resumindo à classificação entre certo e errado, sem que
o aluno, e mesmo o alfabetizador, identifiquem a razão do suposto erro.
137
A inserção de conhecimentos lingüísticos nos Cursos de Formação
de Professores pode ampliar o trabalho pedagógico e permitir que os professores
consigam entender algumas das hipóteses trabalhadas pelos alunos.
138
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Neste capítulo traremos os principais resultados e uma análise
interdisciplinar, envolvendo a Lingüística e a Pedagogia, da primeira etapa do
trabalho de campo, realizada no ano de 2007, e da segunda etapa, realizada no ano
de 2008. Vale lembrar que o objetivo maior desta pesquisa é investigar como os
alfabetizandos jovem e adulto constroem seus conhecimentos acerca do sistema
de escrita alfabética e qual o papel que as habilidades metalingüísticas de reflexão
fonológica, designadas como consciência fonológica, assumem no processo de
alfabetização.
Para atingir a este objetivo deste objetivo que traz uma dupla
dimensão, a primeira etapa da pesquisa teve como foco o papel das habilidades
metalingüísticas no processo de alfabetização e para isto foram utilizados testes de
habilidades de consciência fonológica, representação numérica e escrita. E a
segunda etapa da pesquisa focou sua investigação na outra dimensão do objetivo
maior desta tese, ou seja, como os alfabetizandos jovens e adultos, constroem seus
conhecimentos acerca do sistema de escrita alfabética, para isto ela foi constituída
por estudo de casos de três alunas que participaram da primeira etapa e de
entrevista com seus respectivos alfabetizadores.
139
4.1. Desempenho dos alfabetizandos nos testes
Como dissemos no capítulo anterior, trinta e três alunos das classes
de alfabetização participaram desta primeira etapa. A tabela, abaixo, apresenta a
pontuação geral dos testes e nos possibilita uma análise preliminar dos dados.
Para uma melhor análise, a classificação numérica dos informantes (INF 1, INF 2)
corresponde à classificação da tabela que traz as características dos alunos,
apresentadas no capítulo anterior, referente à metodologia.
140
Tabela 6: Pontuação dos acertos nos testes
Infor
mante
Nº de acertos
envolvendo
habilidades de
rima – Total de
acertos do teste
= 12 pontos
Nº de acertos
envolvendo
habilidades
de aliteração
– Total de
acertos = 8
pontos
Nº de acertos
envolvendo
habilidades de
consciência
silábica,
escrita e
representação
numérica -
Total de
acertos =15
pontos
Nº de acertos
envolvendo
habilidades de
consciência
fonêmica. Total
de acertos = 3
pontos
Total de
acertos por
aluno – o
acerto de
todos os
exercícios =
38 pontos
INF 01
5 6 8 2 21
INF 02
10 4 9 1 24
INF 03
7 7 11 1 26
INF 04
5 2 6 1 14
INF 05
9 4 14 2 29
INF 06
7 8 8 1 24
INF 07
8 6 15 0 29
INF 08
6 6 12 2 26
INF 09
7 4 10 2 23
INF 10
12 8 15 1 36
INF 11
11 8 15 1 35
INF 12
7 8 11 1 27
INF 13
7 3 8 0 18
INF 14
7 3 10 1 21
INF 15
5 2 8 1 16
INF 16
3 4 9 0 16
INF 17
4 5 7 1 17
INF 18
1 1 8 1 11
INF 19
5 7 6 2 20
INF 20
6 4 7 0 17
INF 21
9 8 11 0 28
INF 22
11 8 11 1 31
INF 23
12 8 11 1 32
INF 24
2 3 8 3 16
INF 25
6 1 13 1 21
INF 26
8 7 9 1 25
INF 27
6 0 7 0 13
INF 28
7 5 11 2 25
INF 29
10 4 10 1 25
INF 30
11 8 15 1 35
INF 31
4 8 8 1 21
INF 32
5 6 9 2 22
INF 33
4 6 7 2 19
141
O teste de rima
Ao abordarmos os resultados dos testes de rima, consideramos ser
importante retomarmos as indagações que nortearam o planejamento das
investigações empíricas relativas a este teste:
- os alfabetizandos apresentam habilidades de rima, algo que
segundo alguns autores seria considerado o nível básico da
consciência fonológica?
- que pistas os alunos buscam para realizar a rima?
- a semântica ocupa um papel importante na busca de realização da
rima?
- os alunos têm autonomia para escreverem sozinhos, copiam ou
nem tentam copiar a resposta?
Na tabela, podemos ver que, na pontuação final do teste de rima,
apenas dois dos trinta e três informantes conseguiram obter a pontuação máxima,
que seria de doze pontos. Três informantes obtiveram onze pontos e dois
informantes obtiveram dez pontos. Quinze informantes obtiveram a metade ou
menos da metade da pontuação total.
A análise dos testes nos mostra que a maior incidência de respostas
equivocadas deu-se por conta dos alfabetizandos terem estabelecido uma relação
semântica, entre as palavras. Pelo menos vinte e dois informantes apresentaram tal
comportamento, estabelecendo associações como arco
flecha, urso bicho,
142
perfume cheiro, carvão churrasco. Este resultado confirma a hipótese de
que a memória organiza as palavras globalmente a partir de sua ocorrência e que
informações de natureza semântica são acessadas antes de a atenção se focar na
estrutura sonora da palavra, o que torna complexa e árdua a tarefa despertar no
aluno a consciência dos constituintes sonoros que compõem o todo.
O segundo elemento que revelou ser causador de respostas
equivocadas foi o apagamento ou não do rótico diante de fricativa, em algumas
palavras. Podemos citar como exemplo a figura do urso que deveria ser associada
à palavra curso, sendo associada à palavra russo. Apesar da ocorrência do
apagamento dos róticos em posição de coda diante de fricativas em algumas
palavras, não identificamos diferenças significativas no desempenho de
alfabetizandos de naturalidade paraibana ou carioca, pelo contrário nos casos em
que houve acertos com reconhecimento dos róticos tivemos quatro alunos
paraibanos e quatro alunos cariocas.
Nos casos em que houve resposta equivocada, em virtude do
apagamento dos rótico em posição de fricativa tivemos quatro casos de
alfabetizandos cariocas e um de alfabetizando paraibano. Em algumas situações
tivemos também casos em que o mesmo alfabetizando em exercícios diferentes
realizava o apagamento do rótico diante de fricativa e, no exercício seguinte
realizava o reconhecimento do mesmo. Este caso ocorreu com oito alunos
cariocas e cinco alunos paraibanos. Uma possível explicação para este resultado
seria atribuí-lo não à naturalidade dos alfabetizandos e sim à complexidade da
estrutura silábica: haveria uma tendência para sílabas abertas, sem um elemento
de travamento na posição de coda.
143
Um outro tipo de ocorrência foi a não identificação de onde a rima
ocorre na palavra. Tivemos quatro casos em que os informantes associaram a
figura do sorvete à palavra sortudo, levantando a possibilidade de estarem
entendendo a rima como uma identidade fonética parcial entre duas palavras.
Desses quatro informantes, três apresentaram respostas semelhantes no exercício
seguinte que pedia a associação da figura do carvão à palavra que apresentasse
rima. Estes informantes associaram a figura à palavra carne, quando a resposta
certa seria arrastão.
Neste segundo caso podemos levantar duas possibilidades: a
primeira é que os informantes não tinham clareza de onde ocorria a rima,
buscando uma semelhança sonora dentre os itens do teste, vindo a encontrá-la pela
coincidência da laba pretônica inicial das palavras, correspondendo nos
exemplos citados respectivamente às sílabas <sor> e <car>; a segunda é que, no
segundo exemplo, eles possam ter estabelecido uma relação semântica entre o
carvão e carne para o churrasco. A primeira possibilidade, contudo, é mais forte
uma vez que os três informantes tiveram o mesmo comportamento no exercício
anterior.
Como dissemos anteriormente, o teste de rimas requer que o
alfabetizando perceba que uma parte da palavra tem semelhança com outra
palavra, ou seja, para a realização dos testes o alfabetizando deve perceber que a
língua veicula significados e permite transmitir mensagens, que na fala se
manifestam através de uma forma física. Segundo Adams et al. (2006) a
capacidade de identificar e produzir rimas parece se desenvolver sem instrução
formal. A sensibilidade a rimas é um indicador de um nível inicial, básico de
144
consciência fonológica. Os autores alertam ainda para o fato de que, embora uma
sensibilidade sólida à rima não leve automática ou diretamente à consciência
fonológica, sua ausência sugere problemas e exige uma reação em termos de
ensino.
O teste de aliteração
Ao abordarmos os resultados dos testes de aliteração,
consideramos ser importante retomarmos as indagações que nortearam o
planejamento das investigações empíricas relativas a ele:
- os alunos conseguem identificar o começo das palavras?
- eles acessam pistas semânticas para buscar a resposta correta?
Os exercícios do teste de aliteração traziam um grau de dificuldade
que exigia que os informantes identificassem que determinadas palavras tinham a
mesma laba ou mesmo fonema inicial. Dos trinta e três informantes, oito
acertaram integralmente os exercícios e oito acertaram menos da metade das
correspondências que deveriam ser realizadas. Nenhum deles apresentou
dificuldades quanto ao reconhecimento de onde começa a palavra.
Alguns dos desvios, por serem freqüentes nos fazem levantar a
hipótese de que, na dúvida quanto à resposta correta, os alfabetizandos
estabeleceram uma relação semântica entre a figura e a palavra. Podemos citar
como exemplos, as correspondências estabelecidas nos seguintes casos: chifre
mulher, maçã doce, aliança mulher e uva bebida.
145
Um dado interessante foi que, apesar dos informantes terem sido
orientados pelo avaliador no sentido de que cada figura deveria fazer
correspondência com uma palavra, dezenove informantes ligaram duas ou três
figuras a uma mesma palavra, deixando outras sem nenhum tipo de ligação.
Apenas um aluno não logrou acertar nenhuma das correspondências a serem
feitas.
O teste de consciência silábica, escrita, contagem e representação numérica
Ao discutirmos os resultados deste teste, consideramos necessário
retomarmos as indagações que nortearam as investigações empíricas:
- o aluno é capaz de perceber que as palavras podem ser divididas
em partes menores?
- o alfabetizando consegue contar o número de sílabas?
- ele consegue representar numericamente o número de sílabas?
- ele é capaz de escrever a palavra?
Os exercícios do teste de consciência silábica, escrita, contagem e
representação numérica eram os que envolviam o maior número de dificuldades,
pois compreendiam três tarefas inter-relacionadas: contagem de sílabas,
representação numérica das sílabas e escrita da palavra. A contagem total das
respostas corretas equivalia a quinze pontos e apenas quatro alunos a alcançaram.
Dos trinta e três informantes, dezesseis acertaram a contagem das sílabas de todas
146
as palavras e dezessete forneceram respostas equivocadas para a mesma
contagem. Nenhum dos informantes errou a contagem de sílabas integralmente.
Quanto à representação numérica, a totalidade dos informantes
utilizou algarismos para representar o número de sílabas. Um dado interessante é
que um dos alunos escrevia os números deitados. Isto nos alerta para o fato de que
a aprendizagem da escrita envolve não só o conhecimento dos princípios do
sistema alfabético, como também o domínio de uma série de outras regras que
deverão ser automatizadas, tais como a de distribuição seqüencial do discurso no
papel (da esquerda para a direita, retomada para a esquerda, de cima para baixo)
(PELANDRÉ, 2002), o posicionamento das letras e números, etc.
No que diz respeito à terceira tarefa que consistia na escrita das
palavras, vale lembrar que não havia nenhum tipo de pista quanto à escrita nas
folhas de teste. Dos trinta e três informantes, treze nem tentaram escrever a
palavra, deixando em branco o espaço reservado para esta tarefa. Dos vinte alunos
que tentaram escrever a palavra, quatro escreveram corretamente e o restante
apresentou em sua escrita uma preferência marcada pela sílaba universal CV
(consoante+vogal): para a palavra MARTELO, tivemos MATERO, MATELA,
ARRACA, MATELU; para CERVEJA registramos SEVEJA, CEVEGA,
CEVEJA; para BORBOLETA encontramos BOBOLETA, BOLETA, BODULA e
para GARFO, GAPO e HAFA. Algumas formas escritas produzidas pelos
informantes traduziram processos fonológicos do português brasileiro como a
ditongação da sílaba tônica em CERVEIJA, o alteamento da vogal átona final em
MARTELU, o alteamento da pretônica adjacente à sílaba tônica em
BARBULETA, o primeiro usual no dialeto carioca e, o segundo, mais comum na
147
região nordeste. Observamos ainda indício de uma possível metátese em GRAFO.
Outras alterações na escrita obedeceram, quase sempre, os padrões silábicos
admitidos para a língua portuguesa, conservando maior ou menor grau de
proximidade em relação à forma alvo como MARTEGO e ARLO ao invés de
MARTELO, PAS e PAR para a palavra PÁ. Alguns poucos desvios, porém não
apresentavam nenhuma semelhança fonética com o alvo, como SINTOS e NA
para CERVEJA e MARD para BORBOLETA. Finalmente, houve casos em que
observamos tentativas que resultaram no registro apenas de letras consoantes
acompanhadas, quando muito, pela letra vogal A: para CERVEJA, tivemos
CFAJA, CVA e CVGS, para BORBOLETA apenas B, e para GARFO, as
representações FA, F e CH.
Na construção dos testes inserimos palavras que apresentavam o
rótico em posição de coda diante de fricativa no intuito de avaliarmos a
repercussão da variação dialetal paraibana de apagamento dos róticos nesta
posição, mas o resultado do desempenho dos alfabetizandos nas atividades
envolvendo a escrita não apresentou diferenças significativas entre os informantes
paraibanos e os informantes cariocas. Tal fato nos faz sugerir duas explicações: ou
(1) independente da naturalidade, os alunos têm a tendência a dar preferência ao
padrão silábico universal CV (Mattoso Camara Jr. 2007: 54), ou (2) o contato
freqüente entre os representantes de ambos os dialetos na comunidade em que
residem resultou na interinfluência das características de fala de cada grupo.
O teste de consciência fonêmica
148
Com o teste de consciência fonêmica esperávamos responder as
seguintes questões:
- o alfabetizando consegue identificar as unidades sonoras mínimas
da fala?
- os alfabetizandos paraibanos realizam o apagamento do rótico em
posição de coda diante de fricativa?
Neste teste havia a expectativa de que os alfabetizandos tivessem
maior dificuldade, pois a realização do exercício com êxito requeria que eles
identificassem as unidades mínimas da fala, ou seja, os fones. Existia ainda outro
complicador, pois a orientação pedagógica do programa de alfabetização é de que
os alfabetizadores trabalhem a partir de palavras geradoras e, posteriormente, com
suas famílias silábicas. Nos resultados dos testes os alunos jovens e adultos aqui
estudados não conseguiram pronunciar um a um os fones de uma palavra, tendiam
a pronunciar a sílaba ou dizer seqüencialmente os nomes das letras que
compunham a palavra em foco. Pudemos perceber que os jovens e adultos
apresentam dificuldade ao realizar tarefas de análise segmental mais complexa.
Neste sentido, nossa expectativa se confirmou, uma vez que apenas
um informante obteve o total de pontos, que era de três. Um dado interessante que
nos instigou a investigar este resultado com mais acuidade, através do áudio, é que
o informante 24, que totalizou os pontos, não teve um bom desempenho no
restante dos exercícios dos testes anteriores. Pelo contrário, no teste de rima
obteve somente dois pontos, no teste de aliteração três, no teste de consciência
149
silábica oito, totalizando, assim, apenas dezesseis dos trinta e oito pontos
possíveis, ou seja, menos da metade.
No desempenho do restante dos informantes cabe ressaltar que seis
deles não obtiveram nenhuma pontuação, dezoito acertaram apenas um ponto e
oito acertaram dois exercícios.
Vale lembrar que, na construção dos testes, das três palavras
possíveis de serem circuladas, em dois dos exercícios, duas tinham o mesmo
número de letras e diferiam apenas no número de segmentos fônicos. No terceiro
exercício a palavra percevejo foi inserida, para verificarmos o apagamento ou não
do rótico, pois caso o mesmo acontecesse o informante poderia declarar que
existia um empate entre duas palavras percevejo e livraria. Não houve nos testes
escritos, contudo, nenhum caso em que os informantes declarassem empate, o que
pode reforçar a crença de que os testes na escola admitem apenas uma única
resposta correta.
Nos exercícios realizados nos testes envolvendo habilidades de
consciência fonêmica, não foi possível perceber diferenças significativas no
desempenho dos informantes a partir de sua naturalidade. No exercício em que
tínhamos a palavra percevejo, onde poderia ocorrer o apagamento do rótico e
promover um resultado diferenciado, isto não ocorreu. Dos vinte e dois
informantes cariocas, treze apresentaram respostas incorretas e dos onze alunos
paraibanos oito apresentaram respostas corretas.
Em outro exercício que pedia que os alunos circulassem a palavra
que apresentasse o maior número de sons e apresentava as palavras ponte, carro e
150
cão o desempenho dos alfabetizandos paraibanos também se mostrou inferior ao
dos cariocas. Dos onze paraibanos, apenas dois apresentaram a resposta correta,
enquanto que, no caso dos cariocas, dos vinte e dois informantes, nove
apresentaram respostas corretas.
No último exercício, que pedia que os alfabetizandos indicassem
entre as palavras chinelo, xícaras e pratos qual delas tem o maior número de sons
o desempenho manteve-se muito parecido. Dos onze informantes paraibanos, sete
apresentaram respostas incorretas e dos vinte e dois cariocas o número de
informantes que apresentou resposta incorreta foi de doze.
O resultado, entretanto, nos possibilita afirmar que a dificuldade
maior não está na variação dialetal, mas sim na identificação das unidades
sonoras, tanto para os alfabetizandos paraibanos, quanto para os cariocas.
O presente estudo revelou uma hierarquia de dificuldades em
relação às demandas cognitivas das tarefas de consciência fonológica
apresentadas: a tarefa de contagem de sílabas revelou-se a mais fácil, seguida da
tarefa de detecção de rimas, da tarefa de aliteração e, por último, da identificação
do número de segmentos sonoros das palavras. Podemos visualizar este fato
através da tabela 2 dos resultados.
151
4.2 Entrevistas com as alfabetizandas
Conforme dito anteriormente, os alunos da segunda etapa da
pesquisa foram selecionados a partir dos resultados da primeira etapa. Na segunda
etapa foram realizadas entrevistas, a partir de um roteiro estruturado, para
colhermos mais algumas informações que nos possibilitassem pesquisar com mais
acuidade o perfil lingüístico destas alunas e como este influencia o
desenvolvimento das mesmas no processo de alfabetização.
Para que possamos ter uma visão mais global destas alunas
reunimos, nesta seção, alguns elementos de seu perfil social, resultados dos testes
da primeira etapa e dados das entrevistas com as mesmas e com seus respectivos
alfabetizadores.
A primeira alfabetizanda, que chamaremos LSP, é natural do
estado da Paraíba e obteve a maior pontuação dentre os alunos que permaneceram
no programa: trinta e dois pontos. Ela tem sessenta e sete anos e chegou ao Rio de
Janeiro com catorze. É doméstica, atualmente não trabalha e já estudou durante
três meses anteriormente. Tanto seu pai quanto sua mãe são paraibanos.
Na análise dos testes, realizados por esta aluna, foi possível
verificar que, no primeiro deles (teste de rima), a aluna estabeleceu todas as
correlações e escreveu as palavras corretamente, obtendo, assim, doze pontos o
máximo possível no teste. A única dúvida que LSP apresentou foi com relação à
correlação com a imagem do urso: ficou em dúvida entre as palavras russo e
curso. No áudio do teste, podemos perceber que, ao pronunciar a palavra curso, a
aluna paraibana realizou o apagamento do rótico em posição de coda diante da
152
fricativa, gerando então a dúvida com relação a qual palavra escolher. Em
determinado momento, ela chega a dizer que “Tanto faz, qualquer uma das duas
seve”. Entretanto, ao final, resolve optar pela palavra curso, dizendo: Não sei
porque, mas acho que esta se parece mais ... Ah! vai essa mesmo!”.
No teste de aliteração, a aluna também estabeleceu todas as
correlações da forma esperada, totalizando os oito pontos possíveis. Vale a pena
lembrar que o teste envolvia apenas um grau de dificuldade, que era identificar
que determinadas palavras têm a mesma sílaba ou o mesmo som inicial que as
imagens apresentadas. Em alguns momentos, a aluna pareceu ter dúvidas. No caso
da imagem do anel, por exemplo, inicialmente ela verbalizou que a imagem do
anel poderia ser associada à palavra mulher, revelando uma associação semântica.
Porém, logo em seguida, ela optou pela palavra avião. Nas outras correlações,
tanto naquelas envolvendo sílabas como sons iniciais, LSP não apresentou
dificuldades.
No teste de consciência silábica, a aluna obteve onze dos quinze
pontos possíveis. Vale reafirmar que o teste tinha três graus de dificuldades: a
identificação da quantidade de sílabas, a representação numérica das labas
identificadas e a escrita das palavras representadas pelas imagens.
A aluna identificou corretamente o número de sílabas em todas as
palavras e também conseguiu representar os números encontrados. As únicas
dificuldades surgiram na escrita das palavras, as quais ela representou da seguinte
forma:
- Para a imagem do GARFO ela escreveu a hafo;
153
- Para a imagem da PÁ, ela escreveu par;
- Para a imagem da CERVEJA, ela escreveu sevega;
- Para a imagem da BORBOLETA, ela escreveu boboleta.
No áudio dos testes pudemos verificar que, ao pronunciar a palavra
GARFO, a aluna pronunciou o rótico em posição de coda diante de fricativa. Na
palavra BORBOLETA, onde temos o rótico em posição de coda diante de uma
consoante surda, LSP também pronunciou o rótico. Ao pronunciar CERVEJA,
entretanto, a aluna realizou o apagamento do rótico. Esta oscilação pode encontrar
respaldo nos seguintes fatores: o apagamento dos róticos no dialeto de origem da
informante foi registrado no contexto diante de fricativa. Isto descarta o item do
teste BORBOLETA, mas inclui CERVEJA e GARFO, com a ressalva de que, em
CERVEJA, o rótico está em posição de travamento de uma sílaba átona pretônica,
ao passo que, em GARFO, encontra-se na coda de uma sílaba tônica, saliente do
ponto de vista fônico.
Diante da proposta de escrever a palavra MARTELO, a aluna
pronunciou vagarosamente a palavra, dando especial destaque para o rótico e
representando-o na escrita. Entretanto, nas palavras GARFO, CERVEJA e
BORBOLETA, o rótico não foi representado graficamente. Ou seja, encontramos
uma variação na escolha da representação gráfica também, de vez que mesmo
tendo pronunciado o rótico em GARFO, a aluna na escrita omitiu a letra
correspondente a este segmento. O fato de o alfabetizando pronunciar o rótico em
coda silábica não é, por conseguinte, garantia de que irá representá-lo na escrita,
154
talvez em razão de o padrão silábico universal CV ser o mais freqüente no
português brasileiro, e recorrente na escrita das palavras.
Com relação a escrita da palavra PÁ, grafada par pela aluna, o uso
do travamento silábico, em se tratando de um monossílabo, pode ter sido um
recurso escolhido para marcar a tonicidade da palavra, em substituição ao acento
agudo. Note-se que outro informante usou esta mesma solução, grafando esta
palavra como pas, ao invés de PÁ.
O teste de consciência fonêmica estabelecia apenas um exercício,
que era a identificação da quantidade de sons existentes nas palavras. Do total
possível de três pontos, a aluna obteve apenas um.
Na segunda etapa da pesquisa, no ano de 2008, fomos a campo
fazer entrevistas, para buscar mais elementos que nos ajudassem a traçar o perfil
sóciolingüístico desta aluna, de forma a melhor compreendermos seu desempenho
no processo de alfabetização.
LSP disse que, ao chegar ao Rio de Janeiro, no ano de 1953,
quando ainda tinha treze anos, percebia muita diferença na maneira das pessoas
falarem, mas atualmente ela diz que não consegue mais perceber esta diferença.
A fala de LSP nos leva a considerar que os migrantes, que chegam a
outra localidade, passam por diferentes experiências de interação que os levam a
sofrer o processo de acomodação dialetal. Os estudos sobre contato dialetal foram
primeiramente investigados por Peter Trudgill, cujo trabalho foi baseado na
Teoria da Acomodação de Howard Giles (1973). Esta teoria foca no discurso e
155
busca explicar por que os falantes modificam sua linguagem na presença de outros
e se acomodam lingüisticamente ao interlocutor. Ela também examina as atitudes
e motivações que estão subjacentes ao uso da língua e das estratégias lingüísticas
usadas pelos falantes com o objetivo de garantir uma melhor integração social.
Não podemos deixar de considerar, contudo, que toda língua
apresenta variantes mais prestigiadas do que outras e que os fatores que conferem
prestígios a certos dialetos ou variedades regionais, e, conseqüentemente,
produzem preconceitos e rejeição em relações a outras, estão ligados a questões
políticas, históricas e econômicas. (BORTONI-RICARDO, 2004:34). No caso
específico de LSP, podemos destacar os diferentes estigmas que os falares
nordestinos recebem na cidade do Rio de Janeiro, como uma das motivações da
acomodação dialetal. Além disto, um falante de qualquer região do país, após
conviver durante algum tempo em uma comunidade diferente, tal como acontece
no contato entre nguas distintas, adquire traços da nova comunidade da qual
participa, o que pode fazer com que as diferenças não sejam mais tão perceptíveis
para LSP.
Com relação ao fato de não ter sido alfabetizada na infância, a
aluna atribui isto ao trabalho do pai “Bom, eu tive na escola muito pouco tempo
(na Paraíba), porque meu pai inventou de vir pra cá, a gente viemos pra cá.
eu fiquei de ... pulando de galho em galho, ia numa escola. Meu pai também
era igual cigano, gostava muito de mudar. Quando a gente ficava na escola, com
um mês, dois, meu pai inventava uma mudança”
156
Neste trecho da entrevista podemos perceber o quanto a educação
de jovens e adultos se encontra imbricada nas relações de trabalho. Muitos dos
alunos das turmas de EJA trazem em seus depoimentos a necessidade de concluir
a escolaridade básica tardiamente pela necessidade de trabalhar ou pela
necessidade de acompanhar os pais nas mudanças de trabalho, como no caso de
LSP.
Indagada sobre a necessidade de utilização da leitura e da escrita
em sua terra e no Rio de Janeiro, LSP disse que na Paraíba nunca sentiu essa
necessidade, mas aqui no Rio sentiu muita “Ah, eu gostaria muito de aprender a
escrever, porque às veze a gente vê, quer fazer uma coisa, quer escrever uma
receita, num sabe escrever. Na televisão, passa aquelas coisa, quando eu chego
ler a de cima, a de baixo já foi embora. que eu vê, que a minha vontade,
porque eu leio assim, muito devagar, soletrando num pra mim ler assim, letra
de ... principalmente televisão, né? Eu tenho maior vontade de aprender
computador, mas eu num aprendo, não. Nem celular eu num aprendo. Só sei ligar
e desligar. Nem ligar u: telefone quando ele desliga sozinho, pra ligar pra outra,
pra lá eu num: sei.”
Questionada sobre o que muda na vida de uma pessoa quando ela
aprende a ler e escrever, a aluna citou a possibilidade de maior autonomia dando a
seguinte resposta: Ah, eu acho que muda muita coisa, né, e principalmente se,
uma coisa às veze você tem e dependendo perguntar os outro, um te informa
de boa vontade, outros já num informa direito. Acho que é isso”.
157
Nos dois trechos da entrevista citados acima, vemos que as
relações estabelecidas no meio rural, na época em que a aluna lá estava, não
apontavam a leitura e a escrita como algo necessário. Entretanto, com a mudança
para o meio urbano e também com as inovações tecnológicas citadas pela aluna, a
leitura e a escrita passaram a desempenhar um papel importante, fazendo com que
ela sentisse necessidade de fazer uso das mesmas para adquirir maior autonomia,
e, conseqüentemente, retornasse aos bancos escolares.
A aluna falou ainda das inúmeras experiências que teve com o
processo de escolarização: “Porque eu acho que a minha cabeça mesmo, é porque
é dura, num dá pra ... Eu ainda leio mais um pouquinho do que escrever, escrever
então ... Mas eu tive em muita escola por aqui, assim alfabetização. aqui
mesmo na Igreja eu vou estudando duas veze com essa. Estudei embaixo na
Assembléia também. Estudei aqui na sede, só. Aí depois que ..., eu morei em
Mesquita, né? meu pai me botou na escola, aí ficamo estudando lá, mas com
menos de um ano a gente fomo morar em.. na Ilha do Governador. Na Ilha do
Governador também, eu acho que eu freqüentei a escola uns 6 meses, por
assim. depois saí da escola, namorei, casei, foi criar filho. Agora
de...Tem o quê? Uns vinte ano pra cá, que eu estudo assim um pouquinho. Aqui
vai fazer um ano, fez um ano que eu estudei. Fiz na Assembléia também um
ano. Da outra vez também em oitenta, e em dois mil, eu estudei aqui também,
acho que um ano, aí parei, né. Agora voltei de novo”.
O depoimento de LSP retoma uma das características presentes na
alfabetização de jovens e adultos que é a quantidade de vezes que estes alunos
iniciaram o processo de alfabetização sem, no entanto, conseguir concluí-lo. Isto
158
nos remete a duas discussões: os fatores sociais, políticos e econômicos que
dificultam o acesso à educação e a qualidade dos processos de alfabetização a que
estas pessoas são submetidas.
No que diz respeito à leitura, LSP disse que a leitura fica muito
mais fácil quando as palavras são conhecidas. No que diz respeito à escrita, para a
aluna, o que facilita é pronunciar baixinho a palavra, e outra coisa que também
facilita é ter uma pessoa ditando. Ou seja, o apoio da forma sonora é um fator
facilitador da tarefa. Porém, segundo a alfabetizanda, se a pessoa falar de um jeito
diferente do dela atrapalha muito, provavelmente em razão das imagens sonoras
arquivadas anteriormente em seu léxico mental terem lhe permitido construir um
exemplar robusto diferente daquele correspondente à “nova” produção oral a que
está sendo exposta.
Com LSP vemos que a forma como a palavra foi percebida e
mentalmente armazenada ajuda na hora de produzi-la na forma escrita, entretanto,
quando diante de realizações orais variantes em relação aos exemplares que
acumulou previamente, tais realizações podem afetar seu desempenho, e
revelarem ser um fator complicador que “atrapalha”, como disse a aluna.
Na entrevista com a alfabetizadora de LSP, que chamaremos de C,
indagamos sobre como é a aluna em sala de aula. A educadora declarou o
seguinte: A LSP, ao mesmo tempo que ela demonstra uma, uma vontade de
aprender a ler e a escrever, qualquer exercício que, que passa pra ela, ela
termina muito rápido, ela não presta, num costuma prestar muita atenção nas
aulas, dorme o tempo todo, eu faço de tudo pra manter ela acordada, não
159
consigo, nem, olha num tem atividade, tentei todas atividades, música, filme,
teatro, o que for, não consigo. Mas, aí a gente tem que levar em consideração que
ela tem alguns problemas de pressão, toma alguns remédios, de repente os
remédios influem muito nisso. Mas ela num, ela tem uma característica que eu
acho muito engraçada. É, o adulto tem essa mania de achar que ele já passou por
tudo, ele sabe mais que os mais novos e sabe mais que todo mundo, então não
precisa, é, é, eu num sei explicar direito, é um sentimento que faz com que a
pessoa num preste atenção em coisas novas. Eu já tinha observado isso antes de,
fora de sala de aula e agora mais com ela, chega ser engraçado, Ela lê, lê, ela
interpreta, mas na hora de escrever ela escreve assim, muito errado, muito
errado mesmo. E eu num consigo entender, porque ela, ela não costuma, num fala
muito errado, tá, claro que alguma, uma coisa ou outra ela fala diferente, assim,
errado que eu diga, é, não no sentido do regionalismo, do sotaque, tirando o
sotaque, tem realmente algumas coisas que ela fala errado. Mas escrever ... é,
e interpreta e num escreve, num consegue escrever. E às vezes, são coisas que
“ah, num prestei atenção”, e eu ... eu faço esse exercício de colocar ela pra ler,
colocar ela pra escrever, depois retornar à leitura, pra ela tentar ler o que ela
escreveu e ela começa a perceber “Não, isso errado, errado, mas por que
que eu errei isso?”. E ela escreve com muita segurança, “Ai, isso certo” e
afirma “Não, tá certo”. E na hora de ler, eu boto que tá escrito errado, mas ela lê
o que era pra ter escrito. Sabe, uma segurança, assim, “eu sou adulta, eu me
virei, eu sou casada, eu tenho filhos, eu sou dona de mim”.
O depoimento da alfabetizadora com relação ao desempenho da
aluna não corresponde ao que pudemos observar no desempenho dos testes. Na
ocasião de realização dos mesmos, ela o fez de maneira tranqüila, verbalizando
160
suas reflexões e dando respostas coerentes com elas. Ao ouvir a alfabetizadora C
falando da aluna LSP, pareceu que o que estávamos ouvindo dizia respeito a outra
aluna. Podemos perceber que o relato da alfabetizadora se prende a um aspecto
central, que é a relação que a aluna estabelece com a sala de aula.
Outro fator que deve ser considerado é como a prática de ensino é
implementada, o material didático selecionado e a maneira como ele é utilizado
durante o processo de ensino/aprendizagem, bem como a interação da aluna com a
instrutora e com os demais estudantes em sala de aula. Neste sentido, cabe
ressaltar como elemento fundamental da formação do alfabetizador, a reflexão
crítica sobre a prática (FREIRE, 1998:43), pois esta possibilita ao alfabetizador
repensar a prática educativa. Muitas vezes, situações tidas como corriqueiras e
menores podem estar carregadas de significados, de conhecimentos e de pistas
para uma melhor aprendizagem. Neste sentido, a leitura de classes como textos
pode trazer novos elementos para o processo educativo. Entretanto, esta não se
constitui uma tarefa fácil, pois:
Se, para a leitura de textos, necessitamos de
instrumentos auxiliares de trabalho como
dicionários de vários tipos e enciclopédias,
também para a ‘leitura’ de classes, como se
fossem textos, precisamos de instrumentos
menos fáceis de usar. Precisamos, por
exemplo, de bem observar, bem comparar,
bem intuir, bem imaginar, bem liberar nossa
sensibilidade, crer nos outros, mas não
demasiado no que pensamos dos
outros.(Freire, 1994:68)
As questões que estão colocadas em sala de aula e as atitudes dos
alunos apontam caminhos, na forma como mostram entender ou não determinadas
161
questões; nos usos de lógicas distintas da lógica da escola e nos conhecimentos
que trazem a respeito de tal ou qual conteúdo.
No caso específico, trazido por C, seu depoimento nos remete a
algo muito presente na Educação de Jovens e Adultos, o movimento ambivalente,
apresentado por alguns alunos, de querer estar naquele espaço para aprender a ler
e a escrever e, ao mesmo tempo de rejeição daquele espaço que os coloca na
posição dos que não sabem. A fala da aluna citada pela alfabetizadora, por
exemplo, nos faz levantar a possibilidade de ela sentir necessidade de ter seus
saberes de experiência (FREIRE, 1994) respeitados.
A condução de diferentes situações que envolvem este movimento
ambivalente dos alunos requer habilidade e sensibilidade, pois se esta não for bem
realizada acaba por dificultar a prática educativa, pois pode fazer com que o aluno
não se permita aprender. Diante disto, é fundamental reafirmar a importância da
formação dos alfabetizadores, pois no cotidiano escolar eles se deparam com
inúmeras situações de conflito.
Ao reproduzir a fala de LSP, Não, isso errado, errado, mas
por que que eu errei isso?”. E ela escreve com muita segurança, “Ai, isso
certo” e afirma “Não, certo”, a alfabetizadora traz à tona a discussão sobre o
certo e o errado e a idéia da escola como lugar onde se aprende o certo, sendo
considerado errado escrever do jeito que se fala.
A escrita é uma convenção social, e o domínio desta convenção
contribui para a integração e ascensão social do indivíduo integrante de
sociedades que usam a forma escrita de comunicação. Neste contexto, o ensino do
162
código escrito é uma das atribuições da escola. Isto, porém, não significa incutir
no aluno a informação distorcida de que seu uso lingüístico oral é errado. Muito
pelo contrário, a fala do aluno deve servir de instrumento para facilitar a
aprendizagem da escrita, buscando-se nela apoio para propiciar ao aluno efetuar
aquilo que na aprendizagem de língua estrangeira se chama de transferência
positiva de forma a acelerar o domínio do código escrito. A modalidade escrita
pode ser concebida como “uma língua estrangeira”, outra variedade de uso que o
aluno buscará aprender.
Com Bagno (2004a:53) vemos a necessidade de a escola ensinar a
escrever de acordo com a ortografia oficial, mas o autor também alerta que não se
pode fazer isso tentando criar uma língua “artificial” e rotulando como “erradas”
as que são resultado natural das forças internas que governam o idioma”.
Em sua fala, a alfabetizadora deixa claro, também, que estabelece
uma relação entre oralidade e escrita quando diz: Ela lê, lê, ela interpreta, mas
na hora de escrever ela escreve assim, muito errado, muito errado mesmo. E eu
num consigo entender, porque ela, ela não costuma, num fala muito errado”. A
partir deste último trecho da fala de C podemos inferir que, na opinião da
alfabetizadora, se a aluna falasse “muito errado” não causaria surpresa a sua
dificuldade com a escrita. Em outras palavras, C parece acreditar que a escrita é a
reprodução da fala. Entretanto, com Marcuschi, vemos que a escrita não pode ser
tida como uma representação da fala:
163
Em parte, porque a escrita não consegue
reproduzir muitos dos elementos da oralidade,
tais como a prosódia, a gestualidade, os
movimentos do corpo e dos olhos, entre
outros. Em contrapartida, a escrita apresenta
elementos significativos próprios, ausentes na
fala, tais como o tamanho e tipo de letras,
cores e formatos, elementos pictóricos, que
operam como gestos, mímica e prosódia
graficamente representados. Oralidade e
escrita são práticas e usos da língua com
características próprias, mas não
suficientemente opostas para caracterizar dois
sistemas lingüísticos, nem uma dicotomia,
(2004:17)
A fala da alfabetizadora nos confirma ainda o que Leonor Scliar
(2002b:29) diz “[...] os processos de produção são de natureza mais complexa do
que os envolvidos na recepção; em particular, aprender a escrever é muito mais
difícil do que aprender a ler” Nos testes, tivemos a oportunidade de acompanhar a
aluna escrevendo e conseguimos perceber a dificuldade de escrita citada pela
alfabetizadora. Na parte que abordava aspectos orais, a aluna respondeu com
desenvoltura, entretanto, o mesmo não ocorreu na parte que envolvia a escrita.
A segunda aluna, que chamaremos SS, é natural do estado do Rio
de Janeiro e obteve uma das menores pontuações dentre os alunos que
permaneceram no programa: catorze pontos. Ela tem quarenta e seis anos, trabalha
sem carteira assinada e já estudou anteriormente durante dois anos. Ela não soube
responder a naturalidade dos pais.
Na análise dos testes, realizados por esta aluna, foi possível
verificar que no teste de rima a aluna obteve apenas cinco pontos dos doze
possíveis. Todos os pontos estavam relacionados com a habilidade de copiar as
164
supostas palavras que rimam. Apenas em uma das palavras a aluna não efetuou
troca de letra ao executar a tarefa de cópia.
Os pontos relacionados ao reconhecimento de rima, no entanto, não
foram obtidos. Todas as associações estabelecidas pela aluna estavam
relacionadas com a pista semântica. Vale lembrar que, em cada um dos exercícios,
existia uma palavra que estabelecia uma relação semântica com a imagem. Assim,
SS fez as seguintes associações:
Perfume
Cheiro
Mão
Braço
Sorvete
Picolé
Carvão
Churrasco
Arco
Flecha
No áudio, quando a aluna pronunciou a palavra flecha, pudemos
identificar o fenômeno lingüístico do rotacismo. Este processo fonológico consiste
na pronúncia do /r/ no lugar do /l/ principalmente em grupos consonantais,
resultando no emprego dos grupos consonantais /br/, /kr/, /gr/, /tr/ e /pr/ no lugar
de /bl/, /kl/, /gl/, /tl/ e /pl/. Este é um fenômeno que se fez presente no processo de
formação da língua portuguesa, encontrado em palavras que sofreram a
transformação do /l/ em /r/ em encontros consonantais. De fato, as
consoantes lateral /l/ e vibrante /r/ que se realizam foneticamente, nos referidos
grupos consonantais do português brasileiro, respectivamente, como [l] e são
muito semelhantes do ponto de vista articulatório: ambos os segmentos são
165
soantes, coronais e sonoros, havendo mudança apenas no modo de passagem do ar
pela cavidade bucal. Esta proximidade articulatória propicia a substituição de uma
por outra.
No teste de aliteração, que valia oito pontos, a aluna obteve apenas
dois. Na primeira folha de exercício, a aluna correlacionou corretamente a
imagem do chifre à palavra xícara e a imagem do anel à palavra avião. Porém nas
duas associações seguintes desta mesma folha a aluna fez as seguintes
correlações:
Dado
Mulher
Maça
Doce
Na segunda folha, a aluna não obteve nenhuma pontuação, ela
estabeleceu as seguintes associações:
Sapato
Cadeira
Corneta
Unidade
Bebê
Salário
Uva
Bebida
No áudio foi possível verificar que, na primeira folha, antes de
estabelecer a correlação entre chifre e xícara e entre anel e avião, a aluna
pronunciou pausadamente as possibilidades apresentadas pela avaliadora,
mostrando um movimento de reflexão sobre a sonoridade das palavras e,
depois respondeu. Isto nos remeteu à noção de categorização proposta como
166
princípio básico por Bybee (2001: 6-8) para os modelos baseados no uso. Nesta
perspectiva, a categorização acontece no momento de uso, quando a linguagem é
proferida e a relação entre o conteúdo sonoro e semântico se encontram. As
palavras ou frases são armazenadas no léxico e conectadas de acordo com a
similaridade compartilhada entre seus itens. Este movimento permite a associação
de cada item com várias categorias distintas, que os traços similares podem ser
conectados de maneira independente.
Nos exercícios seguintes, no entanto, ela respondeu rapidamente,
não verbalizando nenhum tipo de reflexão, correlacionando dado com mulher e
maça com doce.
No teste de consciência silábica, a aluna obteve seis do total
máximo de quinze pontos possíveis. Ela só conseguiu identificar corretamente por
números o total de sílabas da palavra MARTELO, embora ao representar por
escrito as palavras, tenha substituído GARFO e pelas seqüências NACA (duas
letras vogais) e AN (uma letra vogal) o que corresponderia a duas e uma sílaba
respectivamente. Note-se, porém, que a escrita por ela produzida destas duas
últimas palavras não correspondia ao numeral que ela dizia ter identificado. No
caso de BORBOLETA e no de CERVEJA, nem a identificação numérica nem a
representação escrita coincidiam com os itens lexicais do teste.
No áudio foi possível perceber que SS pronunciou todos os róticos
em posição de coda existentes no nome das imagens que constam nos exercícios.
Ela também não apresentou nenhuma resistência em escrever, pelo contrário,
quando isto lhe foi solicitado, ela disse que iria tentar e fez as seguintes grafias:
167
- Para a imagem do MARTELO, ela escreveu ARRACA
- Para a imagem do GARFO ela escreveu NACA;
- Para a imagem da PÁ, ela escreveu AN;
- Para a imagem da CERVEJA, ela escreveu NA
- Para a imagem da BORBOLETA, ela escreveu CARA
No teste de consciência fonêmica, SS obteve apenas um ponto dos
três possíveis. No áudio é possível perceber que a associação que a aluna estava
fazendo era apenas com o tamanho da palavra do ponto de vista da imagem
gráfica e não com suas unidades sonoras. Em alguns casos, a relação que se
estabelecia não tinha qualquer vínculo com a forma escrita e sim com a dimensão
do referente que a figura apresentava.
Na segunda etapa da pesquisa, a aluna não se mostrou muito à
vontade para responder às perguntas. Pelo contrário, na maioria das vezes,
respondeu rapidamente, sem muito detalhamento do que lhe era perguntado.
Indagada sobre a necessidade que ela sentia de lançar mão da
leitura e da escrita, referiu-se à escrita como um elemento importante para atender
às demandas sociais. Para ela a necessidade maior de utilização da escrita se dava
Às veze quando eu vou no banco tirar um extlato. É porque tenho dificuldade.”
A aluna também manifestou desejo de poder ler livros e efetuar contas melhor.
A falta de conhecimento do código escrito coloca os trabalhadores
numa posição de extrema fragilidade, pois têm que enfrentar a sociedade letrada
munidos apenas de suas práticas essencialmente orais. (Bagno, 2004b). Por conta
168
disto, quando eles vão assinar um contracheque ou rescindir um contrato de
trabalho, ficam dependentes da disponibilidade de alguma pessoa amiga para
auxiliá-los ou são obrigados a contar com a honestidade de seus empregadores. A
oralidade tão utilizada por eles, até então, para dar conta das exigências sociais
mostra, neste momento, suas limitações. Na medida em que a comunicação oral é
de domínio comum a todos os falantes de uma língua, o conhecimento e o uso do
código escrito servem como forma de diferenciação dentre os membros de um
grupo social, diferenciação esta que, em alguns momentos, delega poder àqueles
que detêm seu domínio e impõe limitações àqueles que o ignoram. Além disto, as
pessoas não alfabetizadas, apesar de terem acesso a práticas sociais de leitura
através da mediação de outras pessoas, são excluídas de muitas outras práticas
sociais nas quais a mediação do texto escrito não se estabelece através de outras
pessoas.
Quando indagada se o acesso à leitura e à escrita traz modificações
para a vida das pessoas, a alfabetizanda SS respondeu enfaticamente que sim, que
muda muito, principalmente a possibilidade de aprender mais coisas, como mexer
no computador. Ao dizer isto, ela reafirmou a idéia de que o acesso à leitura e à
escrita traz mais autonomia para as pessoas.
No que diz respeito à tarefa de ler, SS colocou que a maior
dificuldade está nas letras, pois algumas são muito miúdas. Isso nos levou a
levantar a possibilidade da aluna ter problemas de visão. Este fato é muito comum
nas classes de alfabetização, mormente de jovens e adultos, em primeiro lugar, por
se tratar de uma faixa etária mais elevada, portanto, mais propensa a ter problemas
de visão, e, em segundo lugar, por se tratar de pessoas que, na maioria das vezes,
169
não têm garantido o seu direito básico à saúde; mesmo que tenham acesso ao
oftalmologista e façam exame de vista, muitas destas pessoas não possuem
recursos para pagar os óculos.
Com relação à escrita, a aluna colocou que sente mais dificuldade
ao escrever palavras cuja representação gráfica nunca tenha visto. Ela considerou
que conhecer o significado das palavras também é um elemento facilitador. Uma
outra questão que ela considerou importante foi pronunciar as palavras ao escrevê-
las. Ela disse ainda, da mesma forma que a alfabetizanda LSP, que Se outra
pessoa ditar também, mas se ela falar de modo diferente atrapalha”.
Por conseguinte, temos novamente reforçada a idéia, no
depoimento de mais uma aluna, da consciência da variação como fator
complicador na aquisição da escrita. SS, assim como LSP, declara uma maior
facilidade de escrever palavras que ela tenha visto antes e, além disto, fornece
testemunho da importância de se conhecer o significado da palavra como mais um
elemento facilitador na aprendizagem de sua representação gráfica. Como, pela
natureza dos testes que elaboramos, os referentes eram sempre entidades
concretas: objetos ou seres do mundo animal/vegetal, resta saber se para estes
alfabetizandos o conhecimento do significado de palavras com referente abstrato
teria o mesmo papel como elemento facilitador. Este mesmo questionamento pode
ser feito no caso das palavras com significado gramatical como, por exemplo, as
formas dependentes.
Na entrevista com a alfabetizadora L, que acompanha o processo
de alfabetização desta aluna, pudemos obter mais elementos sobre seu
170
desempenho em sala de aula. Segundo a alfabetizadora: É, eu, desde que eu entrei,
assim, a SS tem sido tipo um ... um desafio mesmo. No início eu ficava me
perguntando: Ela num quer? Ela tem preguiça? Será que ela tem alguma
dificuldade? Sabe, até hoje eu ainda tenho dúvida sim, se é uma questão de
interesse, se num é. Porque às vezes, ela tem isso também, se eu num for ali, “Ah,
SS, faz”, ela fica assim, olhando pro tempo, entendeu? eu ainda tenho dúvida,
mas assim, que ela avançou, ela avançou, porque antes, né, “Ah, SS, uma palavra
com m”, ela falava bola, né. Hoje em dia, isso acontece bem pouco. E ela
tenta mais, assim, ela até me surpreende, assim, quando ela por iniciativa
própria, né, tenta fazer alguma coisa, que era bem difícil dela fazer isso. Ela às
vezes ainda fica nervosa, assim, quando tá fazendo alguma coisa e num consegue.
Mas eu percebi, assim, um, um medo enorme que ela tinha, assim, da figura da
professora, assim, acho que ela tinha, num sei qual foi a experiência que ela teve,
mas ela travava muito, assim, de travar mesmo, de num conseguir fazer as coisas.
Hoje em dia, ela avançou bastante, mas acho que ela ainda poderia avançar
mais, assim, porque eu acho que ela também trouxe da escola a idéia de que ela
tem que falar certo e escrever logo, assim, certo. Porque, assim, ela faz a
pergunta “Tá certo?”, ela espera que fale logo, se certo ou errado. Se eu
pergunto “Ué, mas por que que você colocou essa letra?”. Você vai tentando
fazer perguntas, ela vai ficando nervosa.
No relato acima, feito por L, podemos verificar que SS traz um
modelo de escola ideologicamente internalizado. A escola é o lugar do
conhecimento “único”, do conhecimento “certo”. Nesta lógica, não é possível que
haja múltiplas respostas certas, o “certo” é “único”. Com Santos (1996:18) vemos
que:
171
A escola surgiu colocada a serviço dos
interesses dos grupos dominantes dentro de
uma sociedade complexa. Um dos interesses
desses grupos é assegurar a manutenção de sua
identidade e uma das marcas de seu status é a
variedade que usam da língua. A escola recebe
a missão de “fixar” e de transmitir essa
variedade, ou seja, preservar o valor distintivo
dessa variedade da língua e garantir-lhe a
continuidade.
Ainda segundo Santos (idem:23), “aceitando a autoridade da
escola, o aluno pode assumir crenças escolares negativas sobre a heterogeneidade
lingüística e, em conseqüência, dar a entender que assume as atividades escolares
que são ligadas a tais crenças”. Não raro vemos os alunos preocupados não
com forma certa de escrever como também com a forma certa de falar, que
consideram ser aprendida na escola.
A terceira aluna, que chamaremos de MLSS é natural do estado da
Paraíba e obteve uma das menores pontuações dentre os alunos que
permaneceram no programa: dezesseis pontos. Ela tem sessenta anos e chegou ao
estado do Rio de Janeiro com trinta e quatro anos; é pensionista e estudou
anteriormente durante sete anos. Tanto seu pai, quanto sua mãe, são paraibanos.
Na análise dos testes realizados por esta aluna, foi possível
verificar que do máximo de doze pontos possíveis no teste de rima, a aluna obteve
apenas três pontos, todos relacionados à capacidade de cópia da palavra.
Ao iniciar o teste de rima, a avaliadora perguntou à aluna se ela
sabia o que era rima. Esta respondeu que não. Após a explicação e a
exemplificação, através da primeira associação na folha de demonstração, a aluna
disse que havia entendido e respondeu corretamente ao segundo exercício da folha
172
de demonstração. Todavia, na tarefa de associação das imagens às rimas
correspondentes, a aluna não conseguiu estabelecer nenhuma relação entre os
segmentos sonoros da palavra e a figura. Todas as correlações que ela estabeleceu
estavam diretamente relacionadas à dimensão semântica. Vejamos as associações
estabelecidas pela aluna no teste de rima:
Perfume
Cheiro
Mão
Braço
Sorvete
Picolé
Carvão
Churrasco
Arco
Flecha
Urso
Bicho
No decorrer do teste, a aluna demonstrou estar tão certa das
respostas que, após fornecer cada uma delas, acrescentava: “É claro”. O raciocínio
apresentado pela alfabetizanda sugere que as associações estabelecidas estão
relacionadas com sua incapacidade de refletir sobre a pauta sonora das palavras,
de modo a analisar e a isolar os segmentos sonoros que a constituem. As
associações foram estabelecidas a partir da pista semântica.
Na tarefa de escrever as palavras, num primeiro momento, MLSS
se mostrou constrangida, mas em seguida se colocou disposta a escrever.
Entretanto, não conseguiu desempenhar a tarefa com autonomia. Precisou recorrer
à escrita na folha do teste para copiar as palavras. Ainda assim, em três delas
173
omitiu algumas letras, mesmo quando se tratava da letra vogal correspondente à
vogal tônica da palavra: picolé picoê, churrasco churrsco, flecha flcha.
No teste de aliteração, o desempenho da alfabetizanda ficou na
média. A pontuação total dos testes era de oito pontos, dos quais ela obteve
quatro.
Na primeira folha de exercício, a aluna correlacionou corretamente
a imagem do chifre à palavra xícara. Porém, nas três associações seguintes desta
mesma folha, forneceu as seguintes respostas:
Anel
Mulher
Ao fazer esta segunda associação, informou: Mulher. Não é
mulher que usa anel?
Maça
Doce
Nesta terceira associação, a aluna mostrou-se com muitas dúvidas,
chegando a afirmar “ Num tenho a mínima idéia”. Logo, em seguida, na busca por
uma resposta possível, a aluna recorreu novamente à associação de base semântica
e declarou: “Pode botar doce, né, que faz doce da maça”.
No último item do exercício desta folha tínhamos uma figura que
retratava dados, e a aluna verbalizou suas reflexões: Viche Maria, tão diferente
de dado pra, pra xícara. É pode ser que seje ... Não ... muito diferente de dado
pra xícara, mas ... Acho que num é nenhum desses! O que tem a ver doce com
174
dado? O que tem a ver mulher com dado? O que que tem a ver avião com dado?
O que que tem a ver xícara com dado? Não tem nada a ver, né? Tem?” Depois de
muito refletir, MLSS chegou à conclusão de que não poderia associar nenhuma
palavra à imagem.
Na segunda folha de exercício fez três da quatro associações
conforme esperado.
Sapato
Salário
Corneta
Cadeira
Bebê
Bebida
Entretanto, mesmo orientada a correlacionar cada imagem a uma
palavra, a aluna correlacionou a imagem de uvas à palavra unidade, a única que
restava sem nenhuma correlação estabelecida, mas em seguida pediu a borracha e
apagou para fazer a correlação com a palavra bebida, que já se encontrava ligada à
imagem do bebê, justificando sua resposta com a seguinte afirmativa: A gente
não faz bebida com uva?Ou seja, novamente foi o significado e não a seqüência
fônica que guiou sua busca por uma resposta cabível.
Foi no teste de consciência silábica que a alfabetizanda obteve sua
melhor pontuação. O total de acertos equivalia a quinze pontos e ela obteve nove.
Das cinco imagens apresentadas, a aluna não identificou corretamente o
número de sílabas da palavra BORBOLETA, atribuindo duas sílabas à palavra,
175
mas não teve problemas em representar graficamente os numerais verbalizados.
Na tarefa de escrita, entretanto, não conseguiu representar adequadamente
nenhuma das palavras correspondentes às figuras. Apresentou as seguintes
grafias:
- Para a imagem do MARTELO, ela escreveu matela.
- Para a imagem do GARFO, ela escreveu hafa.
- Para a imagem da PÁ, ela escreveu pás.
- Para a imagem da CERVEJA, ela escreveu sintos.
- Para a imagem da BORBOLETA, ela escreveu dontas.
Cabe ressaltar que, no áudio das entrevistas, foi possível identificar
que a aluna produziu oralmente o rótico em posição de coda, diante das plosivas
[t] e [b] em MARTELO e BORBOLETA, respectivamente. Entretanto, ao
pronunciar CERVEJA, onde o rótico ocorre em coda silábica diante da fricativa
[v], MLSS operou o apagamento deste referido segmento.
Na escrita, contudo, nenhuma das palavras teve o rótico em
posição de coda representado, nem aquelas em que ele ocorria diante de fricativa
(GARFO e CERVEJA), nem naquelas em que precedia consoantes plosivas
(BORBOLETA e MARTELO). Uma possível explicação advém, como
mencionamos anteriormente, do fato de o padrão silábico universal CV ser
preferencial no português brasileiro, bastante utilizado no vocabulário informal de
uso cotidiano. Acresce a preferência da língua portuguesa por sílabas abertas, sem
travamento. Basta lembrar que apenas /R/, /S/ e /L/ e /N/ travam sílabas no
176
português e, destes segmentos consonantais, /L/ realiza-se foneticamente no
português brasileiro quase categoricamente como uma semivogal (Bisol, 2002:6-
7) e /N/ só funciona como elemento de travamento no nível representacional, visto
que se manifesta no plano fonético como traço de nasalidade vocálica. Há,
ademais, processos fonológicos variáveis, com condicionamentos de natureza
diversificada, que podem acarretar o apagamento quer de /R/, quer de /S/, em
posição de coda. Um destes processos é justamente o apagamento do /R/ em coda
diante de fricativa, registrado na fala paraibana.
O resultado obtido pela aluna no último teste consciência
fonêmica – não foi favorável. Ela não pontuou, uma vez que não conseguiu
identificar, em nenhuma das três folhas, qual palavra apresentava o maior número
de segmentos fônicos. Sua insegurança diante da resposta que fornecia para cada
item se refletia em sua busca por confirmação, acrescentando todas as vezes: É
claro, né?
Através da entrevista, realizada na segunda etapa da pesquisa, no
ano de 2008, foi possível saber que MLSS chegou à cidade do Rio de Janeiro no
ano de 1982, quando tinha trinta e quatro anos. Indagada se fazia uso da leitura e
da escrita em sua terra natal, a aluna disse: Eu trabalhava na roça, meu amor,
num tinha tempo não. Eu tinha que trabalhar lá pra viver. Eu tô estudando agora,
porque eu aposentada, sem fazer nada, mas se eu tivesse trabalhando num
tinha condição”.
Em seu depoimento, a aluna deixa claro que a vida na cidade é
muito diferente da vida no que ela chama de “sítio”. Entretanto, ao ser indagada
177
sobre quais os momentos em que ela sentia necessidade de utilizar a escrita, ela
disse que em nenhum momento, nem em sua terra natal, nem na cidade do Rio de
Janeiro. Segundo ela: “Eu vim pra ... pra mim num ficar, assim, dentro de
casa. Porque eu tava fazendo artesanato ali, a professora falou que ia ter aula
aqui, eu falei “Ah, então eu vou, se eu gostar eu fico, se eu num gostar ...”.
por aqui inté.”
Indagada sobre a percepção de diferenças entre o modo de falar do
paraibano e do carioca, MLSS disse não perceber nenhuma. Segundo ela: Todo
mundo é igual”. As declarações da aluna sugerem uma atitude relacionada a um
movimento de auto-defesa em relação ao preconceito lingüístico, pois ela faz
questão de frisar reiteradas vezes que todo mundo é igual.
O preconceito lingüístico está em toda a parte e qualquer
manifestação lingüística que fuja do triângulo escola-gramática-dicionário é
considerada errada, feia, deficiente. É importante destacar que o preconceito
lingüístico é decorrência de um preconceito social. Está em jogo não a língua, mas
a pessoa que fala essa língua e a região geográfica da qual ela é proveniente
(Bagno, 2004ª:16). No caso dos nordestinos, devemos levar em consideração que
o preconceito com a variedade dialetal falada por eles envolve, primordialmente,
uma questão política e econômica. O preconceito social com os nordestinos
pobres e com baixo nível de escolaridade é tão grande que, em alguns momentos,
podemos perceber um movimento dos alunos de negação das diferenças ou
mesmo de negação de suas origens.
178
Apesar de falar inicialmente que não sente necessidade da leitura e
da escrita em sua vida, a aluna, quando responde à pergunta sobre as mudanças
que o acesso à leitura e à escrita pode trazer para a vida das pessoas, frisou que
muda muito, mas não soube explicar o quê. Ela apenas citou, como exemplo, a
diferença entre ela e a entrevistadora: É claro, muda muita coisa, né, isso aí você
pergunta num sei por que, porque todo mundo sabe, né, isso é uma pergunta
que num podia, você num devia nem me perguntar, porque todo mundo sabe, ué,
em comparação a você. Se uma pessoa for perguntar a você, é, isso que você
perguntando a mim, você até ignora, porque tu pergunta? Todo mundo sabe, é
a grande diferença”.
Com o alfabetizador de MLSS, que chamaremos de V, pudemos
obter mais informações sobre seu desempenho no processo de alfabetização: “Já
a MLSS, essa evoluiu totalmente assim, ela se quisesse poderia prestar prova
pra Clotilde (colégio para onde os alunos são encaminhados para dar
prosseguimento aos estudos), consegue, assim, erra minimamente, troca uma
letra por outra, mas conseguindo escrever, que era um dos grandes
objetivos, ela queria escrever uma carta pro Norte, pra família e tal. Ela me
trouxe uma cartinha bonitinha. Ela é de Paraíba. , ela: “Professor certo,
aqui, num sei o que?”, eu falei “Tá, faltando algumas coisinhas, mas tá, tá,
pra entender legal o que você quer dizer, isso aí”. Estimulei ela, né, a escrever
mais coisa e ela tá. Fiz uma atividade bem legal e ela, é, ame surpreendeu. Eu
trabalhei com ditados populares, os alunos tinham que relacionar o ditado
popular, a alguma experiência de vida deles, ela escreveu: casa de ferreiro
espeto de pau, meu marido é pedreiro, conserta a casa dos outros, mas a minha tá
caindo aos pedaços... aí eu achei aquilo assim, muito legal.”
179
O que o alfabetizador disse de MLSS não reflete seu desempenho
nos testes, principalmente no que diz respeito à escrita (a aluna não conseguiu
representar graficamente nenhuma das figuras do teste de consciência silábica,
nem no que se refere à sua formalização em números, nem no que diz respeito à
plena representação gráfica da palavra). Entretanto, é importante considerarmos
que entre a realização dos testes e a entrevista com o alfabetizador se passou
quase um ano, tempo suficiente para que MLSS avançasse na escrita.
Na entrevista, MLSS disse que foi estudar porque está
aposentada e porque não quer ficar sozinha em casa. Entretanto, no relato do
alfabetizador, um outro aspecto que merece destaque é quando ele cita que um dos
objetivos da aluna ao ir para a turma de alfabetização era conseguir escrever uma
carta para a família, o que indica que mais do que retomar um processo de
escolarização, a aluna quer ter acesso à leitura e à escrita como ferramentas de uso
em contextos de interação social.
4.3. Entrevista com os alfabetizadores
As entrevistas com os alfabetizadores foram realizadas a partir de
um roteiro estruturado e tinham dois objetivos centrais: obter mais informações
sobre as alunas das classes de alfabetização, de forma a traçar um perfil
lingüístico mais global, e verificar os conhecimentos lingüísticos presentes na
prática educativa destes alfabetizadores.
180
O primeiro alfabetizador entrevistado, chamado por nós de V, é do
sexo masculino, tem vinte e seis anos, fez graduação em Letras e atualmente cursa
as disciplinas da Licenciatura. Ele havia atuado como alfabetizador em outra
instituição, mas há dois anos está no programa da universidade e atua em uma das
comunidades do bairro Maré.
A segunda alfabetizadora entrevistada, chamada neste trabalho de
L, é do sexo feminino, tem vinte e nove anos, faz graduação em Pedagogia, nunca
havia atuado nas classes de alfabetização, e atua um ano e oito meses como
alfabetizadora do programa, dentro do campus universitário.
A terceira alfabetizadora entrevistada, chamada de C, é do sexo
feminino, tem vinte e um anos, faz graduação na Escola de Serviço Social, nunca
havia atuado em classes de alfabetização e atua um ano e onze meses como
alfabetizadora do programa, em uma das comunidades do bairro Maré.
Podemos verificar que os alfabetizadores são de cursos de
graduação diferentes, portanto, de áreas de conhecimento distintas. Isto traz uma
diversidade muito grande para o programa, mas se constitui também em um
desafio nos cursos de formação inicial e continuada e, principalmente, nos
diferentes olhares que estes trazem sobre a prática alfabetizadora.
As duas perguntas iniciais do roteiro utilizado para as entrevistas
buscavam verificar se o alfabetizador conseguia identificar os conhecimentos
lingüísticos trazidos pelos alunos e se de alguma forma os incorporavam às
práticas educativas. Indagados se os alunos apresentam conhecimentos
lingüísticos, tivemos as seguintes respostas:
181
Alfabetizador V Sim, ah, eles sabem que o <s> entre duas
vogais tem som de [z]. Já conseguem diferenciar algumas palavras que são
grafadas com um <r> só de outras que são grafadas com dois. Agora eles
apresentam bastante dúvidas em relação a grafia de <s> e <c>, semana, cebola,
eles trocam.
Alfabetizadora L Eles conseguem fazer a relação letra-som,
mas têm um pouco de dificuldade. Em algumas palavras, eles já tão colocando
uma letra pra cada laba, mesmo que às vezes num tenha essa correspondência.
Acho que de uma forma geral é isso. Mas assim, isso é o que eu entendo mais ou
menos de conhecimento lingüístico, acho que é isso.
Alfabetizadora C Não sei bem o que é conhecimento lingüístico,
assim, tem um conhecimento básico que todo mundo adquire no dia-a-dia que é o
mínimo que se tem pra se virar na, na, na vida, né. Você conseguir se comunicar
com as outras pessoas. É, falam, mas dentro da, daquele perfil de regional, né. Os
alunos a maior parte são oriundos da Paraíba, então têm aquele sotaque
conhecido, é, embora tenham esse sotaque, não utilizam muitas palavras que a
gente considera mais utilizadas no Nordeste. O vocabulário deles é muito
parecido com o nosso, não difere quase nada. Enfim.
A segunda pergunta, como dissemos anteriormente, estava
relacionada à resposta afirmativa da primeira - em caso afirmativo, responda a
pergunta abaixo: Que tipos de atividades vocês desenvolvem em sala de aula que
busquem explorar os conhecimentos lingüísticos dos alunos? Os alfabetizadores
deram as seguintes respostas:
182
Alfabetizador V - Assim, eu busco primeiramente identificar, é:
problemas que eles trazem na fala, né, e a partir daí eu elaboro exercícios que
tente identificar esses problemas e tente ajudá-los de alguma forma e, então,
exercícios do tipo, complete com <s> ou <c>.
Alfabetizadora L Assim, ó, hoje mesmo, a gente fez uma
atividade, como se fosse um jogo. Eu escrevi três lugares, casa, supermercado,
escola e três letras, um sorteava o lugar e uma letra, eles, cada um ia tendo
que dizer uma coisa, “ah, o supermercado, que que tem no supermercado com m
?”, um dizia e ia indo assim, cada um ia falando até ninguém conseguir mais
pensar.
Alfabetizadora C Atividades. Bom, é, eu uso muito leitura,
então eu peço pra, pra aqueles que lêem, assim, que claro que a, a minha turma
tem uma certa diferença entre eles, alguns, é, conseguem ler, outros ainda não
conseguem ler perfeitamente. Então, os que lêem eu peço pra que eles leiam
algum texto, as vezes eu dou textos diferentes.
Pelas respostas à primeira pergunta vemos que dois dos três
alfabetizadores tiveram dificuldade em conceituar o que é conhecimento
lingüístico. É possível verificar também que V, que faz graduação em Letras,
explicita a relação entre oralidade e escrita quando diz que procura trabalhar
exercícios que explorem os problemas da fala. Entretanto, não deixa claro que tipo
de problema que se apresenta na fala que ele busca solucionar através da escrita.
Não fica claro se ele considera erros os problemas de que fala e se acha que estão
associados à variação lingüística, por exemplo.
183
L demonstra não ter clareza com relação ao conceito de sílaba e a
alfabetizadora C deixa transparecer preconceito com relação ao sotaque paraibano
de seus alunos e parece considerar um valor positivo que eles não evidenciem
traços regionais em seu vocabulário que declara ser “muito parecido com o
nosso”.
As distintas naturalidades trazem para a sala de aula uma
diversidade cultural e lingüística muito grande. Essa diversidade pode enriquecer
ainda mais o espaço educativo. São diversos os saberes, os dialetos, as pronúncias,
que trazem consigo, saberes que, muitas vezes, sequer são ouvidos, pois “qualquer
manifestação lingüística que escape do triângulo escola-gramática-dicionário é
considerada, sob a ótica do preconceito lingüístico, “errada, feia, estropiada,
rudimentar,deficiente”... (Bagno, 2004b). Como nos lembra Paulo Freire “dizer
menas gente, te faz menos gente(2001:27).
Este tipo de preconceito costuma estar atrelado à idéia de que a
escrita tem o poder de “melhorar” a fala e, muitas vezes, diante da crença nesta
idéia, alguns professores tendem a querer que o aluno pronuncie as palavras do
jeito que as escreve. Verificamos então a supervalorização da língua escrita e a
secundarização ou mesmo desprezo pela língua falada.
Retomando a questão sobre conhecimentos lingüísticos, para C,
por exemplo, estes seriam apenas o conhecimento básico para “se virar” na vida e
se comunicar com os outros, sem especificar se faz referência à comunicação oral
ou escrita. Com Bagno (2004a:53-54) vemos que a escrita é uma tentativa de
representação gráfica, pictórica e convencional da língua falada. O autor destaca
184
ainda que é uma tentativa porque não existe nenhuma ortografia, em nenhum
lugar do mundo, que consiga reproduzir a fala com fidelidade.
Com relação à pergunta sobre a exploração dos conhecimentos
lingüísticos trazidos pelos alunos, foi possível perceber, nas respostas dadas, que
os três alfabetizadores não exploram de forma eficiente a bagagem de
conhecimentos lingüísticos trazida pelos alunos nem parecem saber como fazê-lo.
Eles não demonstram sequer ter noção exata da função social da escrita ou ter
notado que seus alunos trazem consigo expectativas sobre o que é escrever. A
alfabetizadora L fala do conhecimento do dia-a-dia e procura trazê-lo para a sala
de aula evocando o contato constante de seus alunos com a escrita no
supermercado, por exemplo, onde eles podem ser levados a identificar nomes de
produtos nos rótulos. Poderia também explorar o contato deles com cartazes que
vêem nas ruas, jornais e revistas expostos em bancas, etc. L parece ter percebido,
também, que o domínio do sistema de escrita fica evidente quando o aprendiz
atinge o nível da automação, não mais necessitando pensar conscientemente na
correspondência som-letra para processar a leitura e escrita.
Por outro lado, a alfabetizadora C parece concentrar sua atenção
nos alunos com melhor desempenho, que “conseguem ler”. Com esta atitude
contribui para desenvolver cada vez mais a proficiência destes aprendizes, porém
corre o risco de aumentar o descompasso destes em relação àqueles que ainda não
“conseguem ler perfeitamente”, atitude que pode esconder um preconceito e
produzir um estímulo negativo, mesmo que de forma não intencional, nos alunos
menos proficientes.
185
Contudo, ao não se ater às dificuldades de parte dos alunos, a
alfabetizadora pode estar perdendo a chance de entender quais as hipóteses
construídas por eles e os conhecimentos da escrita eles que têm, pois muitos
dos enganos apresentados pelos alunos em suas produções escritas demonstram
não um desconhecimento de recursos possíveis do próprio sistema ortográfico de
escrita, mas um uso inadequado dos mesmos. (CAGLIARI, 2007:124)
A terceira pergunta - Você acredita que os diferentes sotaques
falados pelos alunos interferem no processo de alfabetização? visava avaliar
como os alfabetizadores se posicionavam em relação aos diferentes perfis sócio-
lingüísticos de seus alunos e se consideravam este um fator positivo ou negativo
para o processo de aprendizagem.
Alfabetizador V - : Com certeza, eles costumam, é: escrever da
maneira que eles falam, né? A gente muito presente na escrita, a fala dos
alunos.
Alfabetizador L - Interfere. Porque tem bastante caso que o aluno
fala uma coisa, é que agora num, num, num sei nenhum exemplo, assim, mas
às vezes, aconteceu várias vezes, um fala “ah eu quero escrever isso”, o
outro fala diferente “ah, mas num é assim”, até ri e fala como, como que ele fala
e a gente acaba meio discutindo sobre isso. Muda a forma de falar. eu sempre
tento falar assim, né, que por essa questão das, das variações, que no caso existe
uma forma que foi escolhida pra se escrever, né. E que no caso a gente até pode
continuar falando da forma que a gente fala, mas tem que na hora de escrever
tentar tá mais próximo dessa forma que foi escolhida.
186
Alfabetizador C - Por mais que se diga que não, na prática
interfere sim. É, por exemplo, a gente tem o problema do, do r, né. Que muitos
falam pobrema. Eu acho que isso é o mais clássico, né. Porque assim, eles falam
por costume. Eles sabem, por exemplo, que num é framengo, é flamengo e eles
falam framengo. Mas algumas palavras que eles estão acostumados a ouvir, a
ouvirem de forma errada, por exemplo, flamengo, num costuma muito, o que se
ouve muito é pobrema, pobrema se ouve demais. Então eles falam pobrema,
entendeu, é, flamengo, já num se ouve tanto framengo, é difícil, pra aquelas
pessoas que têm realmente dificuldade, então num se, num se costuma ouvir muito
framengo, então eles falam flamengo. É aquela coisa do, do local, né, você
inserido naquele determinado grupo, naquela comunidade que por algum motivo
desenvolve um determinado, um determinado tipo de fala e eles absorvem. Isso é,
é problema na hora de você dar um encontro consonantal com l que complica
muito, assim, embora a gente tenha que levar em conta que a língua é viva e que,
é, rola todo um processo de, de, de mudança, e, e esse processo de mudança com
o tempo, é, é as mudanças são absorvidas, mesmo assim, tem certas coisas que a
gente tem que consertar. Porque, por exemplo, na hora de, de escrever
espontaneamente, se eu for ditar alguma coisa pra eles, por exemplo, é, eles num
vão reconhecer, porque eles num falam daquela forma. Então fica difícil.
A terceira pergunta traz à tona novamente a questão da variação e o
papel da escola como instituição que reforça a idéia de certo e errado e, mais
ainda, os professores como responsáveis por “consertar”, como disse a
alfabetizadora C. A fala de C é bastante reveladora, pois ela mostra que tem
consciência da necessidade do respeito pelas diferentes variações dialetais,
explicita que tem clareza do porque dessas variações existirem, que não são
187
fenômenos individuais, mas logo em seguida ela fala que “[..] embora a gente
tenha que levar em conta que a ngua é viva e que, é, rola todo um processo de,
de, de mudança, e, e esse processo de mudança com o tempo, é, é as mudanças
são absorvidas, mesmo assim, tem certas coisas que a gente tem que consertar”.
Um pouco antes de falar este trecho a alfabetizadora cita o exemplo do rotacismo
e fala que os alunos estão acostumados a ouvir a palavra “problema” ser
pronunciada de forma “errada”.
Com Bagno (2004a: 41-43) vemos que o preconceito lingüístico é
decorrente de um preconceito social, pois as pessoas que dizem Craudia, praca,
pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não têm
acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso a língua que elas
falas sofre o mesmo preconceito social que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua
língua é considerada feia, pobre, carente, quando na verdade é apenas uma língua
diferente da ensinada na escola.
A alfabetizadora em sua fala nos leva a entender que tem clareza
de que o rotacismo é um fenômeno fonético, que contribuiu para a própria
formação da língua portuguesa, mas mesmo assim explicita o dever de consertá-
lo, mostrando que incorporou em seu discurso a importância do respeito às
variações lingüísticas, mas na prática ela classifica a variação como algo errado,
que precisa ser consertado.
L e V também concordam que a fala “interfere” na escrita. Lemle
(1995:16) reconhece que a primeira fase de aprendizagem da escrita passa pelo
fonético, pela tentativa do aprendiz de identificar uma relação biunívoca entre
188
som e letra, onde cada letra é mbolo de um som e cada som é simbolizado por
uma letra. Seria aquilo a que V se refere quando diz que seus alunos buscam
“escrever da maneira como eles falam”. L demonstra estar consciente das
variações e de que a escrita corresponde a uma variedade “escolhida” em razão de
prestígio social, mas seu depoimento deixa claro que os próprios aprendizes
evidenciam preconceito em relação ao modo de falar de seus colegas, suscitando
até mesmo o riso em determinadas e situações.
A quarta, a quinta e a sexta perguntas buscavam verificar se os
alfabetizadores sabiam o significado de consciência fonológica e se eles
desenvolviam, em sala de aula, atividades que envolvessem habilidades relativas a
este tema. A primeira pergunta era: vocês sabem o que significa consciência
fonológica? Abaixo, temos as respostas dos alfabetizadores:
Alfabetizador V - Não, mas posso chutar? Consciência
fonológica seria você perceber que uma palavra é grafada com um determinada
letra, mas a gente pronuncia com outra, por exemplo, pente, é grafada com e,
mas a gente fala penti.
Alfabetizadora L Consciência fonológica é a relação da letra
com o som, ? Bom, até onde eu sei é só, assim, nunca me aprofundei mais
nisso.
Alfabetizadora C Olha eu ouvi falar, mas eu confesso que eu
num lembro, não. E eu ouvi aqui, aqui na .. na formação continuada, mas eu
me, eu ouvi uma vez ou duas. Assim, eu enquanto aluna de, da graduação de
serviço social, eu tenho realmente muita dificuldade na, nas aulas de lingüística
189
num, não são uma coisa assim, que nós trabalhamos dentro do serviço social,
então, enfim, eu ouvi falar, mas lembrar exatamente o que é, não lembro.
A quinta pergunta - Que tipos de atividades você desenvolve em
sala de aula com seus alunos? como dissemos anteriormente está relacionada
com a quarta e a sexta pergunta.
Alfabetizador V Ah, eu trabalho bastante textos com eles,
trabalho interpretação de forma que minha turma é muito heterogênea, então têm
aqueles que conseguem escrever e ler, minimamente conseguem responder um
texto e outros não. Os que não conseguem, eu peço que falem palavras que
comecem com a mesma sílaba. Peço que falem palavras que rimam com outras
que estão sendo trabalhadas. Com o texto, eu exploro algumas informações, com
aqueles que não fazem, é, ler de forma oral e aqueles que sabem, eu peço pra eles
interpretarem. E trabalho muito com o tema gerador, fazendo textos coletivos,
dali eu parto do texto, né, e pego algumas palavras, as palavras que apresentam
maior dificuldade, eu tento explorar com eles.
Alfabetizadora L Essa semana mesmo, segunda, a gente fez um
cartão que a gente vai fazer um amigo oculto, que o cartão a gente
confeccionou aqui. Então cada um escreveu uma coisa, então foi uma atividade,
assim, de, né, de produção de texto. Mas assim, eu tentei exigir coisas diferentes
de cada um.
Alfabetizadora C - Eu gosto muito de trabalhar com debate, com
interpretação de texto. E faço jogos também de contagem de sílabas, escrita de
palavras novas a partir das sílabas trabalhadas.
190
A sexta pergunta - Voconsegue identificar, nas atividades que
realiza em sala de aula, alguma relação com a consciência fonológica? não foi
respondida pela alfabetizadora C, uma vez que ela disse não saber o significado de
consciência fonológica.
Afabetizador V Sim, sim, eu acredito que sim. É, alguns alunos
dizem que a língua num dá pra falar certas palavras, a palavra problema, então é
uma palavra problemática. E aí, eles sabem que então, eles têm a consciência,
acredito, fonológica, mas eles, mesmo assim têm dificuldade em, em reproduzir a
palavra.
Alfabetizador L A atividade do mercado, né. É, tem relação... a
letra, né, tipo fala a letra m, aí tem que lembrar de uma coisa que começa com m.
As respostas à pergunta número cinco nos mostra a fragilidade da
formação dos alfabetizadores quanto à clareza do trabalho que desenvolvem em
sala de aula. Nenhum deles soube explicar com clareza o que é consciência
fonológica. Entretanto, ao falar sobre as atividades que desenvolvem com os
alunos em sala de aula, eles citam atividades que têm relação direta com as
habilidades de consciência fonológica.
No cotidiano de sala de aula, algumas atividades vão sendo
reproduzidas, sem que os alfabetizadores tenham total clareza do porquê de
realizar tal ou qual exercício. Encontramos muitas situações como o caso acima,
em que os alfabetizadores realizam atividades relacionadas com consciência
fonológica. Podemos citar como atividades mais comuns os jogos com rimas,
telefone sem fio, o movimento de bater palmas para marcar as sílabas, formação
191
de novas palavras a partir de sílabas ou sons iniciais, ditados de palavras ou frases,
dentre outras.
Atualmente, no Brasil convivemos com um paradoxo, pois o curso
de Letras, onde os alunos têm oportunidade de se familiarizar com o sistema
fonológico do português, não se dedica à formação de alfabetizadores e o curso de
Pedagogia e o curso Normal não incluem, em seus currículos, disciplinas de
Lingüística. Isto nos reforça a idéia de que a formação de professores e, mais
especificamente, a de alfabetizadores não pode prescindir do conhecimento
lingüístico, pois este possibilita o enriquecimento e a qualificação da prática
educativa.
A sétima e a oitava perguntas estão associadas, pois ambas
abordam o papel desempenhado pelas pistas semânticas na leitura e na escrita.
Para a sétima pergunta - Você consegue perceber se seu aluno encontra mais
facilidade ao ler palavras conhecidas ? – obtivemos as seguintes respostas:
Afabetizador V Sim, com certeza.
Alfabetizador L Sim, acho que tem essa facilidade sim, mas
acho que não, não, não a, em relação a isso, a facilidade tá na questão das, na
questão das sílabas mais simples também. Dá pra perceber isso.
Alfabetizador C Que que acontece? É, o normal seria esse, mas
como eu trabalho muito com som. Quando eu percebo que eles tão com
dificuldade de entender alguma coisa que eu falo, eu fico na dúvida, que a gente
num pode partir do princípio de que o problema é do aluno, o aluno que num
192
entendendo, pode ser que seja um problema meu de dicção. O que eu faço? Eu
peço pra eles fixarem o olhar no quadro na, na determinada sílaba ou palavra
que eu tô trabalhando, venho por trás do aluno, faço com que a sala esteja
totalmente em silêncio e falo ao do ouvido da pessoa, a pessoa olhando pra
aquela determinada sílaba, isso funciona muito. A gente acostumado a fazer o
trabalho de contagem de letras, contagem de sílabas, de falar a palavra devagar
pra poder descobrir quantas sílabas a palavra têm. Eles tão acostumados a, a
ouvir e conseguem escrever. Então, por mais que eles num conheçam a palavra
esdrúxulo, se você for falar devagar e eu faço esse trabalho todo dia com eles,
por exemplo, es-drú-xu-lo, quando eu falo es..., quais são as letras que eu estou
falando? E eles respondem. Assim, é, claro que eu num, é, ainda num dá pra ditar
e eles escreverem direto a palavra assim com rapidez, mas eu fazendo esse
trabalho, eles conseguem escrever. E eu tenho uma aluna que no final do ano
passado, num reconhecia letras, as letras do alfabeto e escreveu um parágrafo
duma redação. É, eu fazendo esse tipo de, de trabalho, sozinha ela num
conseguiu. Eu pedi pra que eles fizessem uma redação falando sobre o final de
semana deles, mas sozinha ela num conseguiu, mas dessa forma, eu falando as
palavras devagar com ela, ela foi e escreveu.
Exceto o alfabetizador V que foi bastante lacônico em sua resposta,
os demais preferiram não destacar um único fator e ambos deram bastante
importância à consciência silábica, L ressaltando a preferência de seus alunos
pelos padrões silábicos menos complexos e C, embora tenha destacado a
importância da percepção do som, demonstrou em seu depoimento não ter clareza
com relação às unidades de segmentação da fala, confundindo som da fala, letra
e sílaba. Além disto, parece utilizar a fala lenta (pela sua resposta, infere-se fala
193
silabada) com uma de suas principais estratégias de ensino, o que pode tornar
ainda mais difícil para o aluno a tarefa de associar fala e escrita, na medida em
que uma fala silabada, artificial, distorce a realidade do uso espontâneo da língua
e oculta uma série de processos fonológicos picos da fala conectada que
acarretam alterações fonéticas nas palavras quando as habilidades de escrita estão
significativamente correlacionadas com as habilidades de discriminação auditiva
(Gabriel- Seeff, 2003).
Para a oitava pergunta - E para escrever? Você acha que ajuda saber o que
ela quer dizer? – tivemos as seguintes respostas:
Alfabetizador V Com certeza. Acho que ajuda muito.
Alfabetizadora L Eu acho que ajuda, até porque eles acabam
escolhendo mais essas palavras mesmo assim, dificilmente eles vão escolher uma
palavra que, que eles num no meio deles, assim, eles acabam escolhendo mais
essas palavras mesmo.
Alfabetizadora C Bom, quando você trabalha com, com, é, os
radicais, os prefixos, a formação da palavra, isso ajuda, ajuda, mas eu acho que
não necessariamente nessa fase inicial de alfabetização, eu acho que no caso dos
alunos que a gente costuma dizer que são zerados que na verdade ninguém é
zerado, porque todo mundo possui um conhecimento, é, mas, bem iniciais, os
alunos bem iniciais, é, eu já tentei fazer isso e eles mesmos que não alcançam.
Novamente, V se mostrou cauteloso em expressar seu ponto de
vista, fornecendo uma resposta afirmativa, curta e direta. O comentário de L nos
194
aponta para a importância de trabalhar um vocabulário próximo da realidade do
aluno, com o qual ele se identifique e que remeta para a sua vivência lingüística e
sóciocultural. a alfabetizadora C desviou seu comentário do foco da questão
proposta e relatou que tentara usar unidades de segmentação morfológica com
alunos bem “iniciais”, não obtendo resultados positivos, como era de se esperar. A
consciência sobre os constituintes morfológicos das palavras está relacionada à
freqüência de tipo, identificada a partir do acúmulo de tokens de uso e não
coincide necessariamente com a representação abstrata nas gramáticas formais. A
habilidade de discriminação auditivaperceber que um som é diferente de outro -
é a primeira etapa do processo de aquisição da escrita e precede a consciência
fonológica, isto é, a descoberta de como os segmentos sonoros funcionam na
língua para veicular significado, e identificar seu comportamento variável
conforme os diferentes contextos em que se manifestam. Como dito
anteriormente, o papel das pistas semânticas foi considerado fundamental, pois a
construção de representações fonológicas pressupõe o estabelecimento de relações
entre som e sentido com base nas palavras armazenadas no léxico mental a partir
da experiência lingüística do aluno.
Para a nona pergunta - você percebe se seu aluno soletra as
palavras, mesmo que baixinho, ao ler? Ele costuma fazer isso? – tivemos as
seguintes respostas:
Alfabetizador V Não.
Alfabetizador L Tem uma, a SS não, mas tem uma que ela
soletra, porque ela já, tava numa escola, então acho que ela trouxe isso muito da
195
escola e ela antes de ler, ela faz Ah, é, m, a, ma”, sabe ela fica tentando fazer
aquilo até...e ficando tentando falar pra ela “Não, tenta não falar m com a, fala
logo ma”.
Alfabetizador C aqueles que ainda tão formando as
palavras.
Na tentativa de fazer a distinção entre os sons, para a produção da
escrita, muitas vezes, vemos os alunos fazendo um movimento de soletração, quer
por iniciativa própria quer por terem sido estimulados a isto durante o processo de
alfabetização em razão do método empregado pelo professor. Segundo Cagliari
(2007:62) este recurso é utilizado na ausência de um conhecimento prévio da
escrita da palavra, que sirva de referência. Entretanto, como o próprio autor alerta,
em sala de aula, os alunos não são estimulados a falarem em voz alta, o que faz
com que muitos sussurrem ao escrever. Contudo, o sussurro é um tipo de fonação
diferente da produção de sons surdos ou sonoros. Um som sussurrado sofre algum
grau de desvozeamento tornando-se mais semelhante auditivamente a um som
surdo do que a um som sonoro. Podemos deduzir, então, que as contribuições que
ele pode trazer são limitadas e podem causar efeitos indesejáveis.
Na entrevista realizada com as alunas, duas delas afirmaram usar
este recurso. Apesar da alfabetizadora L dizer que a aluna SS não soletra na hora
de escrever, quando entrevistamos a referida alfabetizanda, ela disse que soletrar
bem baixinho ajuda muito e admitiu que sempre fazia isto. Pode-se notar,
portanto, que mesmo quando a escola não estimula este tipo de verbalização,
alguns alunos muitas vezes lançam mão deste recurso de maneira escamoteada.
196
A décima e a décima primeira perguntas trazem associações na
medida em que buscam saber sobre a postura apresentada pelos alunos antes e
depois da alfabetização.
Para a décima pergunta - Você percebe algum tipo de
constrangimento do seu aluno por estar se alfabetizando na idade adulta?
tivemos as seguintes respostas:
Alfabetizador V Tirando a X, que ela, assim ela num vai com a
camisa do grupo da escola, do Programa, ela chega e coloca na sala. Eu percebi
que ela é meio...
Alfabetizador L Não, acho que não. Talvez a SS, porque os
outros falam mesmo, né, vivem falando que “Ah, aconteceu num sei o que, falei
que num sabia mesmo”, mas ela que é mais assim, parece que num, num trata
isso normalmente.
Alfabetizador C - Eles costumam dizer sempre que são burros,
pedir desculpas. Seu XX então, costuma muito falar isso “A senhora me desculpe
da minha burrice”, é, e, existe esses diálogos que a gente já conhece na parte de
alfabetização de jovens e adultos. E claro que todo dia, eu chego em sala de aula,
eu falo que a gente ali pra aprender juntos. Mas continuam ... todo final de
aula pedem desculpa pela burrice, que num sei o que, que eu tenho, que eu tenho
muita paciência, ai agradecem.
197
Para a décima primeira pergunta - você percebe alguma mudança
de postura quando os alunos começam a ler e escrever? – os alfabetizadores
apresentaram as respostas abaixo:
Alfabetizador V A auto-estima melhora, eles já, “Ih, professor
conseguindo ler aquela palavra”, eles tentam mostrar pra você que ele
lendo, né, mesmo soletrando. E é muito engraçado que é de repente, né, quando a
gente percebe, “aquela palavra, num é isso, isso, isso?”, “Ah, é isso, isso, isso,
você tá lendo, legal”
Alfabetizador L É, participam mais. É interessante quando eles
falam, né, que comentaram coisas com alguém do trabalho, “Ah, eu, eu mostrei o
que a gente fez pra fulano, do trabalho, que num sei o que”. Tem um, um, um
cara do Horto que trabalha com eles que, às vezes, faz poema e manda pra cá,
pra gente usar. acho que cria essa relação assim, mudou bastante. Tipo “Ah,
me empresta esse, essa revista pra eu mostrar pra num sei quem”. Acho que
muda é nisso.
Alfabetizador C - Eu percebo isso nos mais novos, os mais novos.
Mas eu tenho uma aluna, por exemplo, de trinta e dois anos que ela com..., ela
mudou tanto a visão dela, a ponto dela...de eu chegar um dia em sala de aula e
ela me trouxe um jornal e pediu pra que eu explicasse pra ela, analisasse os
números da bolsa. Quando houve a última, a última crise, o último, que aliás
houve não, que está acontecendo, mas quando estourou a coisa que saíram os
números da, da bolsa, das bolsas do mundo inteiro em queda, então foi
publicado. Eu nem me lembro qual foi o jornal que ela levou, eu sei que eram
198
duas páginas, assim, só de números. E ela pedindo pra saber o que era, o que era
o PES da bolsa. As outras pessoas da, da turma, é, sinceramente, não vi
mudança. Continuam com a postura de que Ah, eu quero aprender a ler,
aprender pra escrever uma receita, pra, pra me comunicar melhor, só isso”.
Apesar de nosso país apresentar altos índices de analfabetismo
desde o período de colonização, o analfabetismo, muitas vezes, ainda é visto como
um fenômeno individual. O analfabeto, por sua vez, é visto como uma pessoa
pouco esforçada ou carente. A crença nesta explicação para a razão do
analfabetismo faz com que muitos alunos não queiram sua imagem associada a
programas de alfabetização, como no caso citado pelo alfabetizador V.
Segundo Santos (1996:08) a crença é uma convicção íntima, uma
opinião que se adota com e certeza. É a apropriação de um objeto sem uma
percepção clara, sem análise, sem validade científica ou filosófica. A crença está
intimamente vinculada à atitude. Esta segunda seria uma manifestação, expressão
de opinião ou sentimento. Nossas reações frente a determinadas pessoas, a
determinadas situações, a determinadas coisas, por exemplo, seriam atitudes que
manifestariam nossas convicções íntimas, ou crenças, em relação a elas.
No caso do analfabetismo, vemos que estes alunos acreditam ser
responsáveis por não ter se alfabetizado no período de sua infância, fazendo-as
adotar uma atitude de resignação, ou buscando ocultar sua condição de
analfabetos. Neste sentido, cabe ressaltar que o estudo sobre a EJA tem de
considerá-la em sua dimensão sócio-política, pois desvincular o analfabetismo de
dimensões estruturais da situação econômica, social e política do país legitima
199
uma visão dos adultos analfabetos como incapazes, como culpados por não terem
o saber escolar, visão esta que, muitas vezes, é reproduzida pelos próprios sujeitos
não alfabetizados ao concordarem com o discurso dominante de que a culpa por
não serem alfabetizados é somente deles, pois não se esforçaram o bastante. A
partir do momento que estas pessoas passam a ter acesso à leitura e à escrita
podemos perceber uma mudança de atitude, que transparece nas respostas à
décima primeira pergunta.
A décima segunda pergunta era referente ao desempenho das três
alunas pesquisadas e as respostas já foram previamente comentadas no decorrer da
seção que tratou das entrevistas com as alfabetizandas, quando expusemos os
resultados dos testes de cada uma das três alunas que participaram da segunda
etapa da pesquisa. Com as respostas a esta pergunta buscamos agregar mais
elementos que nos permitissem traçar um melhor perfil dos alfabetizandos.
A décima terceira pergunta - Você observa alguma diferença no
tipo de dificuldade dos alunos paraibanos que não ocorre com os cariocas ou vice-
versa? –
Alfabetizador V – Não, num vejo diferença não.
Alfabetizadora L ...eu acho que é mais aquela questão mesmo
da escrita tá ligada à fala assim.
Alfabetizadora C Num consigo avaliar, meus alunos são todos
paraibanos.
200
Apenas uma alfabetizadora afirmou, de forma bastante ampla, que
existe diferença na medida em que a escrita está ligada à fala. Vale destacar que
apesar de os três alfabetizadores terem afirmado que os diferentes sotaques
interferem no processo de alfabetização nas respostas à terceira pergunta,
transcrita anteriormente, V considera que a naturalidade dos alunos não se reflete
em seu desempenho e C afirma não ter alunos cariocas, a despeito de grande parte
dos alunos desta modalidade de ensino da EJA ser composta por migrantes ou
descendentes destes. Esta característica deste grupo de alfabetizandos faz com que
a sala de aula se torne um espaço rico de diversidade cultural e lingüística. As
marcas específicas dos diversos dialetos e sotaques regionais tornam-se
notadamente salientes quando estamos frente a uma turma de alfabetização que é
composta por alunos de diferentes estados brasileiros.
Para a décima quarta pergunta - Seus alunos conseguem falar
imediatamente sobre o que acabaram de ler em voz alta ou precisam reler
novamente para interpretar a escrita? – tivemos as seguintes respostas:
Alfabetizador V – Não, conseguem. Conseguem imediatamente.
Alfabetizadora L – Alguns lêem, mas alguns não.
Alfabetizadora C Bom, é, é o que eu falei, tem alguns alunos
ainda iniciais que lêem palavras e palavra por palavra; eles conseguem terminar
de ler a frase, mas aí, daí entender o sentido da, da frase fica complicado.
Esta pergunta nos remete à discussão de alfabetização e letramento
realizada no segundo capítulo deste trabalho, pois uma das concepções que
201
encontramos presente na educação é a de que primeiro o aluno aprende o processo
de decodificação do sistema alfabético para depois, numa segunda etapa,
buscar o sentido do que está sendo lido.
Tradicionalmente, o ensino da leitura e da escrita tem sido pautado
por uma prática pedagógica que tem como base uma concepção de alfabetização
entendida como decodificação/codificação. Essa concepção, segundo Cook-
Gumperz (1991), surgiu ainda nos séculos XVIII e XIX como uma necessidade de
controlar e limitar a alfabetização, monitorando as formas de expressão e de
comportamento dos sujeitos. Dentro desta concepção, ler seria uma habilidade
aprendida individualmente, independente da época e do grupo social. As
abordagens pedagógicas ao se pautarem pela perspectiva individual dirigem-se
para o ensino do alfabeto, para a formação de palavras e frases, sem considerar os
usos e as funções sociais dos diferentes textos.
Contudo, se concebemos o processo de alfabetização como
proposto por Ferreiro (2003), veremos que a decodificação do sistema alfabético
só tem sentido se o aluno ao mesmo tempo entende o que está sendo lido. Só neste
momento, ele demonstra ter ido além da simples habilidade de discriminar sons,
tendo se tornado capaz de estabelecer relações som/sentido de maneira
automatizada, ou seja, ter alcançado um nível pleno de consciência fonológica,
requerido para que se considere completo o processo de alfabetização.
Para a última pergunta - Você nota uma dificuldade maior em seus
alunos quando uma letra corresponde a sons diferentes (sala/casa/asma) ou
202
quando letras diferentes representam o mesmo som (exame, zebra, asilo)?
tivemos as seguintes respostas:
Alfabetizador V Com certeza. Eles sentem uma dificuldade de é,
é, com, eles confundem muito também g e j, né, no caso, geladeira, girafa, o g e o
j pra eles também é algo, não a família do c, né, que é ca, ce, ci, volta co,
cu, mas como no ga, gue, gui, eles num conseguem automatizar que é ge, gi. Mas
que grafa com g.
Alfabetizadora L Tem dificuldade, mas acaba que algumas
palavras, meio que fica internalizada, assim, eles lembram, igual casa,
dificilmente, tem alguns que já fala casa que é com s e com a, num fala que é com
z. Acho que tem a ver com a freqüência de uso. Igual, assim, palavra com, que
tem a sílaba ci, normalmente eles falam logo, c e o i, mesmo as que são com s e
com i.
Alfabetizadora C Claro, claro, normal, muita. Assim a LSP lê
bem, num tem problema, por exemplo, no caso de exame. A LSP exame, mas
não escreve.
O modelo ideal do sistema alfabético é o de que cada letra
corresponda a um som e cada som a uma letra, mas essa correspondência
biunívoca – aquela em que um elemento de um conjunto corresponde a apenas um
elemento de outro conjunto, ou seja, em que há correspondência de um-para-um
entre os elementos em ambas as direções (Lemle, 1995:17) se realiza em
poucos casos. Assim, o domínio do sistema alfabético reserva uma grande
complexidade, pois além das relações biunívocas citadas por Lemle, temos
203
também o que a autora chama de relações poligâmicas ou o que Faraco (2003:19)
chamaria de relações cruzadas, que são os casos onde uma unidade gráfica, em
diferentes contextos de ocorrência na sílaba ou na palavra, representa outra(s)
unidade(s) sonora(s), como a letra <g> diante de <e, i> em gema, giz ou diante de
<a, o, u> em galo, goma, gola, gula, etc. Temos, ainda, os casos em que uma
unidade sonora tem mais de uma representação gráfica, como [k] em casa,
pequeno, come ou [z] em mesa, certeza e exame.
Embora tenha concordado com a proposição exposta na pergunta
que lhe foi feita, relativa a dificuldades causadas pelas relações entre som/letra, o
exemplo de <g> e <j>, escolhido pelo alfabetizador V, refere-se a mais de uma
letra para o mesmo som (conforme girafa e jibóia) e não a uma mesma letra para
sons diferentes (que ele exemplifica também ao se referir à série combinatória
<ca, ce, ci, co, cu>). A exemplificação dele não delineia com exatidão as
diferentes relações som/letra sugeridas na pergunta que lhe foi submetida.
A alfabetizadora L acrescenta em seu depoimento um dado a mais
e muito importante: o papel da freqüência de uso das palavras que faz com que
venham a ser armazenadas no léxico como um todo. Este xico concebido nos
modelos de uso não se restringe a uma lista de itens com seu respectivo(s)
significado(s); tem um caráter dinâmico e compreende todos os dados
relacionados às palavras que possam ser inferidos a partir da experiência do
falante com a língua inclusive informações sobre sua representação gráfica. Isto
possibilita ao alfabetizando recuperar também a informação referente à grafia das
palavras ao acessá-las na memória.
204
Neste sentido, o papel da freqüência de uso citada pela
alfabetizadora vem confirmar a teoria de Bybee (2001:10) onde a freqüência
ganha relevância. Como vimos anteriormente, a autora destaca que os dois tipos
de freqüência – ocorrência e tipo - vão determinar o grau de produtividade.
Palavras mais freqüentes têm representação mais forte e são mais facilmente
acessadas do que palavras menos freqüentes. Além disto, a autora também
trabalha com a hipótese de que o armazenamento de palavras “velhas” na
memória ajuda no conhecimento de palavras “novas”.
O depoimento de C, por sua vez, aponta para a relevância de
distinguir entre as habilidades de ler e escrever. A leitura tem o apoio visual da
forma escrita da palavra (elemento concreto) que pode ser um fator facilitador do
acesso ao léxico. Já o ato de escrever pressupõe recuperar a informação da
memória sem qualquer suporte que sirva de pista para “localizar” as informações
abstraídas da experiência e armazenadas na memória de longo prazo.
Mediante a descrição dos resultados da pesquisa e os comentários
tecidos sobre os mesmos ao longo deste capítulo, vemos que o processo de
representação que o indivíduo deve aprender a dominar durante a alfabetização
não é linear (som/letra); pelo contrário, é bastante complexo e passa por estágios
que vão desde a microdimensão (por exemplo, compreender que determinadas
letras correspondem a sons diferentes e que letras diferentes representam o mesmo
som) até um nível mais complexo (representar o interlocutor ausente durante a
produção de uma carta, por exemplo). Além disto, ele envolve uma série de
fatores de natureza lingüística, sócio-cultural e interacional que começa pela
própria crença dos alunos, decorrente da carga de preconceito a que são expostos
205
por não terem tido acesso à escola na infância, de que são responsáveis por sua
condição de analfabetos.
É preciso reafirmar, contudo, que o analfabetismo não é um
fenômeno individual, mas sim um problema social cuja solução exige uma melhor
formação dos alfabetizadores e o reconhecimento do importante papel que os
conhecimentos lingüísticos podem trazer para a plena compreensão de todos os
fatores que interferem no processo de aprendizagem do código escrito.
A ausência de uma formação técnica lingüística por parte do
alfabetizador dificulta sua tarefa de auxiliar o alfabetizando a vir a desenvolver
práticas educativas que facilitem para o aluno a aprendizagem da leitura e da
escrita.
206
CONCLUSÃO
O presente trabalho foi dirigido à alfabetização de jovens e adultos
e teve como foco investigar como estes aprendizes constroem seus conhecimentos
acerca do sistema de escrita alfabética e qual o papel que as habilidades
metalingüísticas de reflexão fonológica assumem no processo de alfabetização.
Os resultados dos testes de consciência fonológica, escrita,
contagem e representação numérica, realizados na primeira etapa da pesquisa
trouxeram elementos importantes que podem contribuir para a prática educativa.
De uma maneira geral pudemos verificar a existência de uma hierarquia de
dificuldades em relação às demandas cognitivas das tarefas de consciência
fonológica apresentadas: a tarefa de segmentar as palavras em sílabas e contá-las
revelou-se a mais fácil para a grande maioria dos alfabetizandos pesquisados,
seguida da tarefa de detecção de rimas, da tarefa de aliteração e, por último, da
identificação do número de segmentos sonoros das palavras.
Esta última tarefa mostrou-se extremamente complexa, até mesmo
para os alfabetizandos que conseguiram escrever as palavras. De um modo geral,
os alfabetizandos não conseguiram pronunciar um a um os fones de uma palavra,
tendiam a pronunciar a sílaba ou dizer seqüencialmente os nomes das letras que
compunham a palavra em foco, o que nos leva a concluir que pronunciar fones
isoladamente é extremamente complexo e que não constitui um requisito para o
aprendizado do sistema de escrita alfabética.
207
Nos testes de rima e aliteração pudemos confirmar a hipótese de
que a memória organiza as palavras globalmente a partir de sua freqüência de
ocorrência, ou seja, palavras mais freqüentes têm representação mais forte e são
mais facilmente acessadas do que palavras menos freqüentes, o que confirma a
teoria da Fonologia de Uso proposta por Bybee (2001). Além disto, muitas vezes,
as informações de natureza semântica são acessadas antes de a atenção se focar na
estrutura sonora da palavra, o que torna complexa e árdua a tarefa despertar no
aluno a consciência dos constituintes sonoros que compõem o todo.
Foi possível verificar também que os adultos por nós estudados
tendiam a pensar sobre as sílabas das palavras e, em alguns casos, apelavam para
a imagem mental da escrita das palavras, soletrando-as nas tarefas que exigiam a
contagem de segmentos sonoros menores ou escrita de palavras. Este dado nos
indica que os jovens e adultos chegam à sala de aula de alfabetização com
conhecimentos sobre os nomes das letras e seus valores sonoros, conhecimentos
estes construídos através de suas experiências de vida e/ou a partir de experiências
escolares anteriores.
No que diz respeito à investigação sobre as implicações que a
variação dialetal pode trazer para o processo de aprendizagem da ngua escrita e,
mais especificamente, a análise do fenômeno do apagamento dos róticos em
posição de coda diante de fricativa, no interior das palavras, por parte dos alunos
paraibanos, foi possível verificar que apesar de nove dos onze alunos paraibanos
estudados realizarem o apagamento na pronúncia, no resultado dos testes não
identificamos diferenças significativas no desempenho de alfabetizandos de
naturalidade paraibana ou carioca. Pelo contrário, nos casos em que houve acertos
208
com reconhecimento dos róticos, tivemos quatro alunos paraibanos e quatro
alunos cariocas. Esse dado nos possibilita afirmar que a dificuldade maior não está
na variação dialetal, mas sim na identificação das unidades sonoras, tanto para os
alfabetizandos paraibanos, quanto para os cariocas.
Todavia consideramos que o fenômeno lingüístico estudado, ou
seja, o apagamento dos róticos em posição de coda, diante de fricativas no interior
das palavras, não possibilitou um estudo mais qualificado sobre as implicações da
variação dialetal para o processo de alfabetização, existem outros fenômenos
lingüísticos, como o rotacismo ou aférese que poderiam trazer mais elementos
para estudarmos a influência da variação para a aquisição da escrita.
Se os testes não atenderam às questões referentes à variação
dialetal, no que tange ao papel da consciência metalingüística, pudemos confirmar
que embora o desenvolvimento de habilidades de reflexão fonológica seja
condição necessária para que os aprendizes avancem em sua compreensão do
sistema de escrita alfabética, estas habilidades sozinhas não constituem uma
condição suficiente para que jovens e adultos se alfabetizem. Para a utilização
com autonomia da leitura e da escrita não basta o domínio das correspondências
entre os fonemas e grafemas. No que diz respeito às habilidades metalingüísticas,
podemos afirmar que à consciência fonológica acrescem-se as consciências
sintática, semântica e pragmática (JEFFREY FARRAR et al. 2005). Além disto, é
necessário o conhecimento de outras convenções específicas do sistema escrito
estabelecidas para nossa língua. Conclui-se daí que, em sala de aula, as atividades
de reflexão fonológica precisam ser acompanhadas de atividades que apresentem
a escrita em seus usos e práticas sociais, abordando diferentes gêneros textuais.
209
Além disto, os resultados das duas etapas da pesquisa nos revelam
também a existência de uma relação de reciprocidade e interação entre as
habilidades de consciência fonológica e o aprendizado da língua escrita, tal qual
proposto por Ferreiro (2003), onde algumas habilidades de reflexão fonológica
são necessárias para que o indivíduo aprenda a escrita alfabética, ao mesmo tempo
em que ele amplia sua capacidade de refletir sobre os segmentos sonoros das
palavras, em conseqüência do crescente conhecimento que tem das suas formas
escritas.
Assim, concluímos que se a reflexão sobre os segmentos sonoros
das palavras, possibilita ao alfabetizando avançar na apropriação do sistema de
escrita alfabética, cabe à escola assumir essa tarefa e, de forma intencional e
sistemática, garantir a realização de atividades que o auxiliem nesta empreitada,
ao invés de esperar que os alunos descubram de forma espontânea. O
desenvolvimento da consciência fonológica pode ser realizado num marco mais
amplo de reflexão sobre as propriedades do sistema alfabético, sem assumir
feições de treino.
A segunda etapa da pesquisa de campo, realizada no ano de 2007,
que constou de entrevista com três alfabetizandos e seus respectivos
alfabetizadores, nos possibilitou identificar dados significativos para
estabelecermos a relação entre o perfil sócio-lingüístico e o desempenho dos
alfabetizandos no processo de alfabetização.
Um dos elementos que consideramos relevantes são as motivações
que levam as pessoas jovens e adultas a voltarem a estudar. Como abordado no
210
capítulo quatro deste trabalho, a demanda social pela utilização da leitura e da
escrita coloca as pessoas não alfabetizadas numa posição de extrema
vulnerabilidade para o acesso à formação, informação e também de seus direitos,
em muitos casos, fazendo-os dependentes da ajuda alheia.
Nas respostas das três alunas, vemos que os elementos motivadores
para a busca pelo acesso à leitura e à escrita estão relacionados com as crescentes
demandas colocadas pela sociedade. A identificação das motivações que levam os
alunos à busca pela escolarização é um fator que pode trazer inúmeras
contribuições para o direcionamento das atividades educativas desenvolvidas com
os alunos.
Um outro dado que se apresentou como de extrema relevância,
tanto nos depoimentos das alfabetizandas, como nas dos alfabetizadores foi a
relação entre oralidade e escrita. Em algumas falas pode-se identificar a crença em
que uma oralidade considerada boa pode trazer um bom desempenho da escrita,
assim como, em outras, é possível verificar a crença de que a escrita tem o poder
de melhorar a fala. Porém, independente das crenças apresentadas, nas falas dos
alfabetizadores é possível perceber que oralidade e escrita se apresentam
extremamente imbricadas.
A escrita dos sistemas alfabéticos se relaciona ao sistema oral,
tendo ambos os sistemas como unidade básica o fonema e seus traços
constituintes. Cabe ressaltar, porém, que oralidade e escrita são práticas e usos da
língua com características próprias (MARCUSCHI, 2004:17). Enquanto a
estrutura do sistema oral vai se formando ao longo do desenvolvimento do
211
indivíduo, de forma inconsciente, a escrita necessita do conhecimento fonológico
e fonêmico consciente para que possam se organizar as habilidades que darão
conta das correspondências entre as classes de sons e as letras, ou seja, os fonemas
e os grafemas.
Os depoimentos dos alfabetizadores mostram que eles identificam
as relações entre oralidade e escrita e apontam também para a fragilidade das
abordagens pedagógicas realizadas, devido a pouca fundamentação e
conhecimento sobre o processamento da cadeia da fala e as dificuldades
decorrentes para aprender a ler e a escrever nos sistemas alfabéticos. Isto aponta
para a necessidade de inserção desta discussão nos cursos de formação de
professores, em especial os que formam os alfabetizadores.
Junto à discussão sobre oralidade e escrita, se encontra a questão
da variação lingüística. Nos depoimentos dos três alfabetizadores, por exemplo,
eles apontam para as interferências dos diferentes sotaques falados em sala de aula
no processo de alfabetização. A variação deve receber especial atenção nas classes
de alfabetização de jovens e adultos, pois grande parte dos alunos é de migrantes
ou descendentes destes.
Com Oliveira (1999) vemos que a educação de jovens e
adultos não nos remete apenas a uma questão etária, mas primordialmente a uma
questão de especificidade cultural, pois além de caracterizados pela sua condição
de não-criança e de excluídos da escola, estes alfabetizandos são caracterizados
também, e talvez, principalmente por sua condição de membros de determinados
grupos culturais. De acordo com as estatísticas oficiais o maior número de
analfabetos é constituído por pessoas com mais idade, de regiões pobres e
interioranas e provenientes dos grupos afro-brasileiros.(Parecer CEB n º11/2000)
212
No caso específico do Programa de Alfabetização da UFRJ para
Jovens e Adultos de Espaços Populares, lócus de nossa pesquisa, o levantamento
do perfil dos alfabetizandos, realizado no ano de 2006, apresenta um percentual de
49% de nordestinos. Além disso, muitos dos 40,17% dos alunos que se
declararam natural do Rio de Janeiro são filhos de migrantes nordestinos.
Esta característica da Educação de Jovens e Adultos faz com que a
sala de aula se torne um espaço rico de diversidade cultural e lingüística. Os
dialetos dos aprendizes são diversos e suas marcas são perceptíveis quando
estamos frente a uma turma de alfabetização que é composta por alunos de
diferentes estados brasileiros, principalmente os nordestinos. Assim, ao
pensarmos a alfabetização de jovens e adultos é necessário partir da compreensão
de que ela está destinada a este público específico.
Os resultados desta pesquisa apontam para o fato de que o estudo
do perfil dos alfabetizandos é de grande relevância para uma compreensão mais
ampla da organização dos conhecimentos lingüísticos e do correlato social da
linguagem. Quanto a nossa hipótese inicial de que o perfil lingüístico dos
alfabetizandos influencia a percepção e o domínio do código escrito durante a
alfabetização, pudemos confirmá-la, na medida em que os resultados dos testes e
as entrevistas apontaram para o fato de que os alfabetizandos teriam
representações sobre as características físicas e acústicas dos sons percebidos e
produzidos na fala. Além disto, a partir das experiências que eles têm como
falantes da língua, eles armazenam, no léxico mental, itens lexicais que os ajudam
a categorizar a partir de similaridades fonéticas e semânticas, o que pode
influenciar fortemente seu desempenho no processo de alfabetização.
213
Todas as discussões acima nos remetem, inevitavelmente para a
importância dos conhecimentos da Lingüística para os Cursos de Formação de
Professores, pois estes possibilitarão maior clareza dos referenciais teóricos que
sustentam as diferentes atividades realizadas no processo de ensino-aprendizagem
da leitura e da escrita, bem como o enriquecimento e potencialização das práticas
educativas desenvolvidas.
Ao finalizar este trabalho, faz-se necessário apontar para a
necessidade de novas pesquisas que analisem o comportamento de alfabetizandos
jovens e adultos em relação ao componente fonológico. No que se refere
especificamente à prática educativa, destacamos a necessidade de estudos que
abordem as diferentes atividades que envolvem o desenvolvimento da consciência
fonológica que são realizadas em sala de aula. Estudos desta natureza constituem
importante auxílio para que o professor possa compreender melhor o universo dos
alfabetizandos jovens e adultos e propiciam uma maior qualificação do trabalho
pedagógico.
214
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222
ANEXOS
223
Anexo 1
Avaliação de consciência fonológica, escrita, contagem e
representação numérica
Procedimentos
Os participantes serão avaliados individualmente, numa área silenciosa e todo o
processo de aplicação dos testes será gravado. Nas tarefas que envolverem
escrita, os participantes deverão pronunciar primeiro a resposta antes de
escrevê-la, de forma a possibilitar a posterior comparação entre pronúncia e
escrita.
Descrição: o teste consistirá em quatro etapas de exercícios de: rima,
aliteração, consciência silábica e consciência fonêmica.
Contagem dos resultados:
O total de acertos do teste de rima equivale a doze pontos.
O total de acertos do teste de aliteração equivale a oito pontos.
O teste de consciência silábica envolve três níveis de dificuldade e seu total de
acertos é quinze pontos.
O total de acertos do teste de consciência fonêmica equivale a quatro pontos
224
Rimas:
A identificação da rima exige que o alfabetizando concentre sua atenção na
forma da palavra, mas especificamente em sua dimensão sonora e não no seu
significado. Pesquisas demonstram que a sensibilidade a rimas é um excelente
indicador de um nível inicial, básico, de consciência fonológica, embora a
identificação das mesmas não garanta o sucesso do processo de alfabetização.
Objetivo: objetivo é avaliar a capacidade do aluno de identificação e criação de
novas rimas
Descrição: 2 exercícios de teste de demonstração e 6 exercícios de teste. Em
cada uma delas teremos 1 figura e 3 nomes. A tarefa dos alunos é relacionar o
nome que rima à figura. Em cada uma das folhas, uma das palavras apresentará
uma relação semântica com a figura a ser rimada, de modo a verificar se o aluno
está acessando este tipo de informação para estabelecer a rima.
Procedimento: O avaliador explicará que duas palavras rimam quando têm sons
semelhantes no final. Em seguida, ela apresentará uma primeira folha contendo
uma figura e lerá as três palavras que se encontram ao lado da figura. Em
seguida, ele mostrará qual das palavras rima com o nome da figura. Abaixo, a
folha terá novamente a figura com um espaço ao lado, onde o avaliador
escreverá o nome da figura.
Logo após, esta demonstração, o avaliador apresentauma nova folha e pedirá
que o alfabetizando identifique nas três palavras que irá ler, qual delas rima com
a figura. Caso o alfabetizando já consiga ler as palavras, ele mesmo pode fazê-lo,
em voz alta. Após identificar a palavra o avaliador convidará o alfabetizando a
escrevê-la abaixo, ao lado da figura. O alfabetizando não é obrigado a fazê-lo.
Cálculo dos resultados: cada teste será composto de 6 exercícios, cada um
valendo 2 pontos. De modo que a resposta correta a cada bateria de teste
equivale a 12 pontos.
225
Exercício 1 demonstração:
Exercício 2 Demonstração:
PINTURA
SAXOFONE
ORELHÃO
SAXOFONE
MARTA
CABEÇA
RECADO
MARTA
226
Exercício 3:
Exercício 4:
CHEIRO
LEGUME
TELHADO
________________________
BRAÇO
PÃO
COMIDA
_____________
227
Exercício 5:
Exercício 6:
COLETE
SORT
UDO
PICOLE
_______________
CARNE
CHURRASCO
ARRASTÃO
_____________
228
Exercício 7:
Exercício
8:
TABACO
FLECHA
MARCO
__________________
RUSSO
CURSO
BICHO
________________
__
229
Aliteração
O que chamamos de aliteração é a repetição da mesma sílaba ou fone na
posição inicial das palavras. Esta habilidade consiste num importante elemento
da consciência fonológica, pois sua percepção permite fazer conexões entre
grafemas e fones, favorecendo a generalização destas relações.
Objetivo: avaliar se o alfabetizando consegue identificar se certas palavras têm a
mesma sílaba ou o mesmo fone inicial.
Descrição: A folha de teste mostra quatro figuras. Para cada figura uma
palavra que começa com a mesma sílaba ou o mesmo fonema. O alfabetizando
deverá relacionar os elementos que começam com o mesmo fone traçando uma
linha entre eles.
Procedimentos: O avaliador explicará a atividade e, em seguida, apresentará a
folha de demonstração. A folha de demonstração deverá ser preenchida pelo
avaliador na presença do alfabetizando para que o mesmo compreenda a
realização da atividade. Em seguida, o alfabetizando receberá a primeira folha de
exercício e deverá falar em voz alta o nome das figuras para que o avaliador se
certifique da correta identificação, pois se não houver uma correta identificação
da figura, a atividade pode ficar comprometida. Após a identificação da figura, o
alfabetizando deverá ler as palavras que constam na folha. Caso ainda não
consiga ler, o avaliador deverá fazê-lo e pedir ao alfabetizando que repita,
certificando-se de que o alfabetizando identificou as posições das palavras e
auxiliando o mesmo, caso haja dúvida no decorrer do teste. O avaliador, então,
pedirá ao alfabetizando que trace uma linha entre a figura e a palavra que
corresponde ao fone inicial da figura.
Cálculo dos resultados:
Para cada acerto será atribuído um ponto. O acerto de todos os itens das duas
folhas de exercício corresponde, portanto, a oito pontos.
230
Aliteração:
Folha de demonstração:
JÓIA
PRATO
CALO
BOCA
231
Folha 1 de exercício:
MULHER
DOCE
AVIÃO
XÍCARA
232
Folha 2 de exercício:
UNIDADE
BEBIDA
SALÁRIO
CADEIRA
233
Consciência silábica, contagem e representação numérica
A consciência silábica demonstra a percepção do aluno para o fato de que as
palavras são formadas por unidades menores. Pesquisas desenvolvidas com
crianças (Jagger Adams et al., 2006) demonstram que a consciência silábica
geralmente surge mais cedo do que a fonêmica, porque identificar sílabas é mais
fácil do que identificar fonemas. O trabalho a partir da consciência silábica do
alfabetizando permite que o mesmo identifique uma mesma sílaba em diferentes
posições na formação de diferentes palavras.
Objetivo: avaliar se o aluno é capaz de perceber que as palavras podem ser
divididas em partes menores e se ele é capaz de escrever as palavras e
segmentá-las em sílabas.
Descrição: A folha de teste mostra cinco figuras. Cada nome terá ao lado duas
linhas. Na primeira o alfabetizando deverá colocar o nome da figura e na
segunda linha ele colocará o número de sílaba existente em cada uma das
palavras.
Procedimento: o avaliador deverá mostrar ao alfabetizando como contar o
número de sílabas, chamando atenção para o fato de que abrimos a boca toda
vez que vamos pronunciar uma sílaba ou ainda pedindo que ele pronuncie a
palavra e bata à mesa toda vez que pronunciar uma sílaba. Antes de iniciar a
testagem, o avaliador deverá utilizar os três exemplos da folha de demonstração
para que o alfabetizando perceba como proceder. Cada exercício terá três níveis
de dificuldade. Primeiro o aluno deverá identificar as sílabas, depois deverá
escrever a palavra e, por último, deverá escrever na linha ao lado o número de
sílabas da palavra.
Cálculo dos resultados:
Para cada um dos três níveis de dificuldade será atribuído um ponto. Acertando
as três etapas do exercício, o alfabetizando receberá um total de 3 pontos. No
caso de acertar todo a folha de testes, ele terá alcançado 15 pontos.
234
Folha de demonstração:
FLOR 1
MALA 2
CADERNO 3
235
Consciência silábica:
Folha de teste:
Exercício 1:
_________________ _________
Exercício 2:
_____________ _________
Exercício 3:
________ ________
236
Exercício 4:
____________ _________
Exercício 5:
________________ ____________
237
Consciência fonêmica
A consciência fonêmica consiste na capacidade de perceber as unidades mínimas
da fala e associá-las aos respectivos fonemas. Segundo Jager Adams, et al
(2006) é a consciência fonêmica que possibilita às crianças entender o
funcionamento do alfabeto, ou seja, separar sons um do outro e categorizá-los
de maneira a que permita compreender como as palavras são escritas.
Entretanto, ainda segundo os autores, grande parte da dificuldade de se
estabelecer a consciência fonêmica ocorre devido a variação, pois de uma
palavra a outra e de um falante a outro, a pronúncia de um determinado fone
pode variar consideravelmente.
Objetivo: o objetivo é identificar se o aluno é capaz de entender o funcionamento
do alfabeto, ou seja, separar sons um dos outros e categorizá-los de maneira a
entender como as palavras são escritas.
Descrição: a folha de teste apresenta três figuras e seus nomes. Em cada folha,
o alfabetizando deverá circular a palavra com o maior número de unidades
sonoras.
Procedimentos: o avaliador levantará a folha de demonstração, apontará cada
figura e lerá seu nome. Em seguida, dirá ao alfabetizando qual delas representa
o maior número de sons e circulará o nome. Dando prosseguimento ao teste, ele
apresentará a primeira folha de teste com as figuras e seus respectivos nomes.
Logo a seguir, pedirá ao alfabetizando que circule a palavra que tem o maior
número de sons.
Cálculo dos resultados: para cada folha certa, o alfabetizando receberá um
ponto.
238
Folha de demonstração:
MÁQUINA
TRATOR
CADEADO
239
Folha 1 de exercício:
CARRO
CÃO
PONTE
240
Folha 2 de exercício:
CANECA
PERCEVEJO
LIVRARIA
241
Folha 3:
CHINELO
PRATOS
XÍCARAS
242
Anexo 2
Roteiro para entrevista com os alfabetizandos
1) Em que ano o senhor(a) chegou ao Rio de Janeiro? (caso não
seja do Rio)
2) Na época qual era a sua idade? (caso não seja do Rio)
3) Na sua cidade você fazia uso da leitura e da escrita? (caso não
seja do Rio)
4) Em que momentos o senhor sentia necessidade de utilizar a leitura
e a escrita em sua cidade? E no Rio de Janeiro? (caso não seja do Rio)
4.1 Caso o aluno seja do Rio, a pergunta é: Em que momentos o
senhor sentia necessidade de utilizar a leitura e a escrita?
5) Quando o senhor (a) chegou ao Rio de Janeiro percebia alguma
diferença no modo de falar das pessoas daqui? (caso não seja do Rio)
5.1 Caso o aluno seja do Rio, a pergunta é : Você percebe diferença
no modo de falar das pessoas que não são do Rio?
6) E hoje, percebe alguma diferença?
7) Qual a importância da leitura e da escrita para sua vida?
8) Por que o senhor(a) decidiu voltar a estudar?
9)O que o senhor (a) acha que muda na vida de uma pessoa quando ela
aprende a ler e escrever?
10) O que considera mais difícil de aprender na escrita?
11) E na leitura?
12)É mais difícil ler uma palavra que nunca viu escrita antes? Conhecer o
significado dela ajuda?
243
13) E para escrever? É mais fácil se já tiver visto a palavra antes
mesmo que não se lembre exatamente das letras que a formam? Ajuda
saber o que ela quer dizer?
14) Pronunciar as palavras, mesmo que baixinho, ajuda a ler com mais
facilidade? Já usou este recurso? Ele ainda é necessário?
15) E ao escrever? Produzir oralmente as palavras ajuda? Costuma
fazer isso?
16) É mais fácil escrever com alguém ditando? Se essa pessoa fala de
modo diferente do seu atrapalha?
244
Anexo 3
Entrevista com os alfabetizadores
1) Seu aluno apresenta algum tipo de conhecimento lingüístico?
Em caso afirmativo, responda a pergunta abaixo.
2) Que tipos de atividades vocês desenvolvem em sala de aula que
busque explorar os conhecimentos lingüísticos dos alunos?
3) Você acredita que os diferentes sotaques falados pelos alunos
interferem no processo de alfabetização?
4) Você saberia me explicar o que é consciência fonológica?
5) Que tipos de atividades você desenvolve em sala de aula com seus
alunos?
6) Você consegue identificar nas atividades que realiza em sala de aula,
alguma relação com a consciência fonológica?
7) Você consegue perceber se seu aluno encontra mais facilidade ao ler
palavras conhecidas?
8) E para escrever? Você acha que ajuda saber o que ela quer dizer?
9) Você percebe se seu aluno soletra as palavras, mesmo que baixinho, ao
ler? Ele costuma fazer isso?
10) Você percebe algum tipo de constrangimento do seu aluno por estar
se alfabetizando na idade adulta?
11) Você percebe alguma mudança de postura quando os alunos
começam a ler e escrever?
12) Como é o desempenho do aluno XX em sala de aula? Você notou se
ele tem alguma dificuldade específica? Qual seria?
245
13) Você observa alguma diferença no tipo de dificuldade dos alunos
paraibanos que não ocorre com os cariocas ou vice-versa?
14) Seus alunos conseguem falar imediatamente sobre o que acabaram de
ler em voz alta ou precisam reler novamente para interpretar a escrita?
15) A dificuldade deles na leitura diante de um manuscrito e de um texto
impresso é a mesma?
16) Você nota uma dificuldade maior em seus alunos quando uma letra
corresponde a sons diferentes (sala/casa/asma) ou quando letras
diferentes representam o mesmo som (exame, zebra, asilo)?
246
Anexo 4
Convenção para transcrições (utilizadas por TANNEN & WALLAT, 1987)
[ ] - Colchetes [ligando duas linhas indicam superposição;
[duas vozes ouvidas ao mesmo tempo
] [ Colchetes com abas invertidas indicam encadeamento]
[ou seja, ausência de
pausa entre as linhas encadeadas.
/ / - palavras entre barras refletem transcrições incertas
/?/ - indica palavras inaudíveis
? – indica entonação crescente ( e não interrogação sintática)
. – indica entonação decrescente
: - dois pontos indicam pausa breve, menos de meio segundo
... – três pontos indicam pausa de no mínimo meio segundo; mais pontos indicam
pausas mais longas
seta à esquerda significa que a fala d participante continua sem interrupção na
próxima linha de fala
sublinhado indica tonicidade principal
LETRA maiúscula indica ênfase.
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