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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
MARIA DE FÁTIMA CARVALHO ALVES
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE CABO-
VERDIANOS NO RIO DE JANEIRO: ESTUDANTES, IMIGRANTES E
DESCENDENTES
RIO DE JANEIRO
2008
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2
MARIA DE FÁTIMA CARVALHO ALVES
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE CABO-
VERDIANOS NO RIO DE JANEIRO: ESTUDANTES, IMIGRANTES E
DESCENDENTES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UERJ como
requisito parcial para obtenção do Título de
Mestre em Psicologia. Área de concentração:
Psicologia Social
ORIENTADOR: Prof. Dr. CELSO PEREIRA DE SÁ
RIO DE JANEIRO
2008
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MARIA DE FÁTIMA CARVALHO ALVES
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE CABO-
VERDIANOS NO RIO DE JANEIRO: ESTUDANTES, IMIGRANTES E DESCENDENTES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro - UERJ como
requisito para obtenção do Título de Mestre em
Psicologia. Área de concentração: Psicologia
Social
Aprovado em 27 de Junho de 2008
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Celso Pereira de Sá - ORIENTADOR
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
____________________________________________________________
Prof. Dr. Helion Póvoa Neto – EXAMINADOR EXTERNO
Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR - UFRJ
___________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Vieiralves de Castro – EXAMINADOR INTERNO
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
__________________________________________________________
Prof. Dr. José Kalunsiewo Nkosi – SUPLENTE
Universidade Agostinho Neto - UAN – Angola
RIO DE JANEIRO
2008
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais: Vitorina de Carvalho Teixeira e Tomé Alves Furtado:
Pelos anos de Sacrifícios, Determinação e muita persistência para que eu chegasse até aqui,
não tenho palavras para expressar a tamanha admiração e gratidão que sinto por vocês.
Obrigada! Obrigada! Obrigada! Mama e Papa por tudo o que fizeram e continuam fazendo
pela vossa querida “DÚ”.
5
AGRADECIMENTOS
Dizem que esta fase acadêmica é a mais solitária que há, pois eu afirmo o contrário. Durante
esse percurso foram poucos os momentos em que me senti , além da presença constante de
Deus e Nossa Senhora pude também contar com colaborações de pessoas amigas, que de um
modo ou de outro contribuíram para que esta árdua caminhada fosse menos árida. A elas
sejam em presença física ou espiritual, vão os meus profundos e sinceros agradecimentos...
A Deus, pela força que me fez suportar e ultrapassar todos os obstáculos que surgiram ao
longo dessa trajetória acadêmica, de igual modo agradeço a Nossa senhora pela sua presença
constante, sobretudo, nos momentos em que tudo parecia se fechar. Obrigada Maria por ter
sido a minha mais fiel companheira e pelas graças que me proporcionastes.
Ao professor Celso Pereira de Sá, por ter sido um orientador amigo em um grande mestre.
Obrigada, por ter aceitado esta missão de estudar os cabo-verdianos no Rio de Janeiro e,
sobretudo pelos aprendizados que certamente me acompanhará pelos restos da minha vida.
À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
FAPERJ, pelo auxilio concedido, sem a qual não seria possível realizar este mestrado.
Ao professor Ricardo Vieiralves de Castro, pelo carinho, amizade e hospitalidade com que me
recebeu nesta Universidade, pelos aprendizados acadêmicos e pelas suas sugestões que muito
contribuíram para o enriquecimento do trabalho.
À professora Denize Cristina de Oliveira, grande mestre a quem eu devo grande parte dos
meus conhecimentos sobre fazer pesquisa científica e, por ter disponibilizado o seu
laboratório de pesquisa bem como os pupilos Tadeu Lessa e Susana Reis que provaram que
“filhos de peixe peixinhos sãos”.
Ao Professor Helion Póvoa Neto por ter aceitado o convite de participar nesta banca de
mestrado e pela receptividade, compreensão, indicação de leitura, sobretudo pelos textos
indicados.
Ao colega e examinador José Nkosi, por fazer parte desta banca, pela amizade e
companheirismo. É um prazer tê-lo nessa banca, compartilhando comigo essa importante
trajetória pessoal e acadêmica.
6
A Artur Monteiro Bento, por ter sido um grande e verdadeiro amigão aqui no Brasil e por me
ter incentivador a cursar o mestrado. A você dedico esta vitória.
A Daniel Rodrigues Fortes, por ter sido meu verdadeiro anjo da guarda nos momentos em que
mais precisei, pelas suas palavras encorajadoras que me deram forças para não desistir. A
você dedico este grande dia.
A Iraneide Silva, por ter sido um ombro amigo, que me encorajou a persistir até ao fim, pelas
leituras, sugestões, e também pelos momentos de descontração, passeios, enfim, sentirei
saudades sua Neide.
A Tadeu Lessa, pelas aulas do EVOC e pelas brilhantes contribuições surgidas das nossas
discussões.
A Olivia Hirsch, pelo carinho e amizade, pelas palavras encorajadoras e pelas trocas dos
documentos.
A toda comunidade de imigrantes e estudantes cabo-verdianos no Rio de Janeiro, pela
hospitalidade com que me receberam em suas casas, pela disponibilidade de tempo e por
terem aceitado fazer parte desta pesquisa. Sem vocês não seria possível concretizar este
estudo. Muito obrigada a todos.
Aos meus pais, por me ensinarem a ser uma mulher guerreira incansável na luta pelos meus
ideais e por tanto outros ensinamentos e dons que me proporcionaram, Desculpem se nem
sempre soube transmitir da melhor forma possível todo o amor e carinho que sinto por vocês.
Aos meus irmãos, por compartilharem comigo com a mesma intensidade de todas as emoções
vividas nesses anos de separação. Amo vocês meus manos!
Aos meus colegas da turma de mestrado de 2006, Aurora, Paulo, Gilberto, Antônio, Célia,
Irmã Regina, enfim, a todas as pessoas que nesses dois anos me proporcionaram bons
momentos de aprendizados e trocas de experiências gratificantes.
A Juliana e Renata, pelas ajudas, amizades e carinhos muito obrigada meninas.
Ao embaixador de Cabo Verde no Brasil, Senhor Daniel Pereira, pelos livros concedidos e
pela amizade.
7
Aos funcionários da secretária de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ, Kátia,
Jussara, Marcos e Aníbal, pelos serviços prestados, pela atenção e amizade.
À professora Ariane, pela ajuda para que eu conseguisse o auxílio financeiro.
A todos os amigos (as) e demais pessoas que de uma forma ou doutra estiveram presentes em
todas as fases desse trabalho e contribuíram para que esse dia fosse possível muito obrigada e
saibam que sem vocês a minha vida não teria muito sentido.
8
Você , Brasil é parecido com a minha terra.
As secas do Ceará são as nossas estiagens,
com a mesma intensidade de dramas e renúncias.
Eu gosto de você, Brasil.
Você é parecido com a minha terra.
O que é, é que lá tudo é à grande
e tudo aqui é em ponto mais pequeno...
Jorge Barbosa
Poesia I
9
ALVES, Mª De Fátima Carvalho. Representações Sociais e Construção da Identidade de
cabo-verdianos no Rio de Janeiro: Estudantes, Imigrantes e Descendentes. 2008, 125f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) Instituto de Psicologia, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - PPGPS, 2008.
RESUMO
A presente pesquisa que ora se apresenta trata das representações sociais da comunidade
cabo-verdiana residente no Rio de Janeiro sobre diversos objetos que estão implicados no
processo de construção de suas identidades, no entrecruzamento das culturas e identidades
cabo-verdianas e brasileiras. Nesse sentido, realizou-se um estudo comparativo entre três
grupos de cabo-verdianos residentes no Rio de Janeiro. As entrevistas realizadas com 20
estudantes, 20 imigrantes e 10 brasileiros filhos de cabo-verdianos residentes no Brasil
permitiram identificar conteúdos mais específicos, diversificados e detalhados das
representações formadas por eles acerca do Brasil e do povo brasileiro, bem como das suas
próprias relações com os países de origem e de acolhimento, bem como com os seus
respectivos povos, o que, em última análise, consubstancia as identidades sociais próprias que
terão reconstruído durante a sua permanência aquém do ou melhor, de parte do Oceano
Atlântico. A teoria das Representações Sociais, desenvolvida por Serge Moscovici (1961) se
constituiu em uma valiosa sustentação teórica para o presente estudo. Por meio da pesquisa
comparativa das representações sociais dos distintos grupos de cabo-verdianos no Rio de
Janeiro acerca de variados aspectos dos seus contextos sócio-culturais de origem e de
acolhimento, foi possível compreender o complexo processo de construção, reconstrução e
atualização das suas respectivas identidades. É isso que se acredita ter aqui demonstrado no
que se refere às trajetórias dos estudantes e imigrantes cabo-verdianos, bem como às histórias
de vida dos filhos destes, no Brasil e, em especial, no Rio de Janeiro. É nessa perspectiva que
os cabo-verdianos no Rio de Janeiro tomados tanto como sujeitos quanto como objetos de
representação, na presente pesquisa têm construído um conhecimento ao mesmo tempo,
prático e reflexivo – da sua inserção nos contextos brasileiro e carioca, através do contato face
a face com a sociedade receptora e, no caso de dois desses grupos (estudantes e imigrantes), a
partir das representações que já haviam elaborado no país de origem, sob a influência dos
meios de comunicação de massa. Assim, com base na hibridização cultural e identitária dos
cabo-verdianos, procurou-se compreender de forma mais ampla e circunstanciada o processo
de (re) construção das identidades dos estudantes, imigrantes e dos descendentes destes no
Rio de Janeiro. Tais mudanças mostraram-se mais visíveis nos convívios sociais em que os
grupos cabo-verdianos participam em diferentes espaços sociais desta cidade, nas próprias
residências, nas sedes de associações, as quais participam, não cabo-verdianos, mas,
também, alguns brasileiros e outros africanos. Nestes convívios, notam-se diferenças de
relacionamento entre eles, estruturam-se em pequenos grupos, ocorrendo uma intensificação
das aproximações identitárias e representacionais. As mudanças que foram observadas
superficialmente entre os estudantes são, por conseguinte, mais intensas entre os cabo-
verdianos imigrantes, em virtude do maior tempo e freqüência cotidiana da comunicação e da
troca de experiências com mais variados estratos da população brasileira, o que se aproxima a
uma autêntica fusão cultural. Não obstante, constatou-se que, nesse processo, a comunidade
imigrante perdeu alguns elementos importantes da cultura cabo-verdiana, o principal dos
quais foi a língua crioula. A perda do crioulo representa uma descontinuidade na reprodução
da identidade cabo-verdiana pelos imigrantes no Brasil. Nesse sentido, os brasileiros filhos de
pais cabo-verdianos não tiveram acesso a esse poderoso instrumento de comunicação e de
preservação da cultura cabo-verdiana. Esses cabo-verdianos imigrantes consideram-se bem
sucedidos e avaliam positivamente a sua trajetória de vida enquanto imigrantes no Brasil. De
igual modo, os estudantes se consideram realizados, devido à oportunidade de estudar no
10
Brasil, o que representa a concretização de um desejo coletivo, uma vez que a instrução
escolar é amplamente valorizada no país de origem.
Palavras Chaves: Representações Sociais. Identidade cabo-verdiana. Imigrantes cabo-
verdianos no Rio de Janeiro. Construção de Identidades. Cabo-verdianos no Brasil
11
ABSTRACT
SOCIAL REPRESENTATIONS AND CONSTRUCTION OF CABOVERDIANOS
IDENTITY IN RIO DE JANEIRO: STUDENTS, IMMIGRANTS AND DESCENDANTS
This research is about the social representations of Capeverdian people living in Rio de
Janeiro concerning several aspects that are implied in the process of construction o f their
identities, in the crossing of cultures and identities from Brazil and Cape Verd. It was done a
comparative study involving three groups of Capeverdian living in Rio de Janeiro. The
interviews carried through 20 students, 20 immigrants and 10 descendents, Brazilian children
of Capeverdian who live in Brazil allowed to identify more specific, diversified and detailed
contents of the representations constructed by them concerning Brazil and Brazilian people. It
was also possible to identify their own relations with the shelter and native countries, as well,
with its respective peoples, what, in last analysis, form the social identities that they will have
reconstructed during their staying on this side of - or better, part of - the Atlantic Ocean. The
theory of the social representations developed by Serge Moscovici (1961) constituted in a
valuable theoretical support for this study. By means of a comparative research of the social
representations of different Capeverdian groups in Rio de Janeiro concerning several aspects
of their social and cultural contexts both origin and shelter, it was possible to understand the
complex process of construction, reconstruction and updating of their identities. It is what we
believe to have demonstrated relating their trajectories of the students and Capeverdian
immigrants, as well as the history of life of their children in Brazil and, in this context, in Rio
de Janeiro. It is in this perspective that the Capeverdian in Rio de Janeiro considered both
subject as object of social representation in this research - has constructed a knowledge - at
the same time, practical and reflective - of their insertion in the Brazilian and Carioca
contexts, through face to face contact regarding the receiving society and, in the case of two
of these groups (students and immigrants), from the representations that they had already
elaborated in the native country, under the influence of mass media. Thus, on the basis of the
cultural and identity hybridization of Capeverdian, we intended to understand in a wider and
detailed form the process of (re)construction of identities of students, immigrants and their
descendants in Rio de Janeiro. Such changes were more visible in the social convivialities
where Capeverdian participate in different social spaces of this city, in their houses and
associations, in which participate not only Capeverdian, but also some Brazilian and other
African people. In these convivialities, differences of relationship among them are noticed,
where small groups are formed occurring an intensification of identity and representational
approaches. The changes observed superficially among students are, therefore, more intense
among immigrants due to the long period and daily frequency of communication and the
exchange of experiences with more varied levels of the Brazilian population, coming closer to
an authentic cultural fusing. Otherwise, it was noticed that the immigrant community lost
some important elements of the Capeverdian culture, such as the creole language. The loss of
creole represents a discontinuity in the reproduction of the identity for these immigrants in
Brazil. In such way, the descendents, that is, children of caboverdian parents had not had
access to this powerful instrument of communication and preservation of caboverdiana
culture. The immigrants consider themselves as successful people and have a positive
evaluation of their lives in Brazil. At the same way, the students consider themselves satisfied
due to the chance to study in Brazil, what represents a collective desire which came true
because school education is widely valued in their native country.
12
Keywords: Social representations. Capeverdian identity. Capeverdian immigrants in Rio de
Janeiro. Construction of identities. Capeverdian people in Brazil.
13
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Localização Geográfica das ilhas de Cabo Verde ------------------------------------ 26
Figura 2 - Distribuição do percentual do PIB por Setor ----------------------------------------- 28
Figura 3 - Distribuição da Amostra Populacional Investigada ---------------------------------- 70
Figura 4 - Imagem do Cristo Redentor ------------------------------------------------------------- 76
Figura 5 - Vista panorâmica da Orla de Copacabana -------------------------------------------- 76
Figura 6 - Vista panorâmica do Aterro do Flamengo --------------------------------------------- 76
Figura 7 - Vila de Ribeira Grande - de Santo Antão ---------------------------------------------- 88
Figura 8 - Porto Grande Mindelo - Ilha de São Vicente ------------------------------------------ 90
Figura 9 - Ribeira de São Miguel - Ilha de Santiago ------------------------------------------- 90
Figura 10 - Praia de Santa Maria - Ilha do Sal --------------------------------------------------- 91
Figura 11- Principais conteúdos das representações dos brasileiros pelos diferentes segmentos
da amostra de cabo-verdianos. ------------------------------------------------------------------- 91
Figura 12 - Principais Conteúdos das auto-imagens dos cabo-verdianos pelos diferentes
segmentos da amostra de cabo-verdianos. ----------------------------------------------------- 96
Tabela 1 - Distribuição da amostra quanto à idade ------------------------------------------- 71
Tabela 2 - Distribuição da amostra quanto ao sexo -------------------------------------------- 71
Tabela 3 - Distribuição da amostra quanto ao estado civil -------------------------------- 72
Tabela 4 - Distribuição da amostra quanto à ocupação ------------------------------------- 72
Tabela 5 - Distribuição da amostra quanto ao nível de escolaridade --------------------- 73
Tabela 6 - Distribuição da amostra quanto às áreas de estudos --------------------------- 74
Tabela 7 - Distribuição da amostra quanto à origem em Cabo Verde ------------------- 75
Tabela 8 - Distribuição da amostra quanto ao tempo de permanência no Brasil -------- 75
14
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APD - Ajuda Pública ao Desenvolvimento
IDE - Investimento Direto Estrangeiro
INIDA- Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola
ISE- Instituto Superior de Educação
ISECMAR - Instituto Superior de Engenharia e Ciência do Mar
ISCEE - Instituto Superior de Ciências Econômicas e Empresas
MERH - Ministério de Educação e Recursos Humanos
MPD - Movimento para a Democracia
PAICV - Partido Africano da Independência de Cabo Verde
PAIGC - Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde
PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PEC_G - Programa de Estudantes Convênio de Graduação
PEC_PG - Estudantes Convênio de Pós-Graduação
PDM - País de Desenvolvimento Médio
PIB - Produto Interno Bruto
PMA - País Menos Avançado
PNUD - Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento
PREBA - Programa de Renovação e Extensão do Sistema Educativo
15
RGPH - Recenseamento Geral de População e Habitação
UNICV - Universidade Pública de Cabo Verde
UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------------- 18
1.0. CONHECENDO CABO VERDE--------------------------------------------------------------- 25
1.1. Localização geográfica, clima e aspectos demográficos ----------------------------------- 25
1.2. Aspecto econômico------------------------------------------------------------------------------ 27
1.3. Aspectos sociais------------------------------------------------------------------------------------- 30
1.4. Criação do Estado-Nação e a Democracia Parlamentarista ----------------------------- 32
1.5. Sistema Educativo em Cabo Verde ----------------------------------------------------------- 33
1.6. Contextualização Histórica e Povoamento das Ilhas --------------------------------------- 37
1.7. Sistema Administrativo no Período Colonial ------------------------------------------------ 38
1.8. Processo Histórico da Formação da Sociedade cabo-verdiana -------------------------- 39
2.0 A IMIGRAÇÃO DOS CABO-VERDIANOS PARA O BRASIL------------------------ 40
2.1. Cabo Verde e a Imigração ----------------------------------------------------------------------- 40
2.2. Breve Histórico do Processo migratório cabo-verdiano ----------------------------------- 43
2.3. Emigração e Cultura ----------------------------------------------------------------------------- 48
2.4. Os cabo-verdianos no Brasil -------------------------------------------------------------------- 50
2.5. Imigração com Fins de Estudos ---------------------------------------------------------------- 52
3.0. INTRODUZINDO O ESTUDO DOS CABO-VERDIANOS NO BRASIL ------------ 54
3.1. Fundação Teórica -------------------------------------------------------------------------------- 54
3.2 Representações Sociais e Identidades Sociais ------------------------------------------------ 63
4.0. PARA A PESQUISA EMPIRICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
CONSTRUÍDAS PELOS CABO-VERDIANOS NO BRASIL -------------------------------- 67
4.1. Objetivo Geral ----------------------------------------------------------------------------------- 67
4.2. Método ----------------------------------------------------------------------------------------- 67
4.2.1. Participantes ----------------------------------------------------------------------------------- 67
4.2.2. Técnica de Coleta dos Dados ---------------------------------------------------------------- 67
4.2.3. Coleta Dos Dados ------------------------------------------------------------------------------ 67
17
4.2.4 Análise dos Dados ------------------------------------------------------------------------------- 68
5.0. RESULTADOS DA PESQUISA EMPÍRICA E SUA DISCUSSÃO ------------------- 70
5.1. Perfil sócio-demográfico da mostra populacional estudada ---------------------------- 70
5.2. Imagens do Brasil, segundo a Comunidade cabo-verdiana ------------------------------- 75
5.2.1 O Brasil das Novelas ---------------------------------------------------------------------------- 76
5.2.2. O Brasil das Novelas e a Realidade --------------------------------------------------------- 80
5.2.3. Os Sentimentos da Comunidade cabo-verdiana em relação ao Brasil -------------- 83
5.2.4. Representações dos Brasileiros pelos cabo-verdianos ----------------------------------- 87
5.2.5 Imagens de Cabo Verde --------------------------------------------------------------------- 90
5.2.6. Cabo Verde, onde fica? --------------------------------------------------------------------- 94
5.2.7. Auto-imagens dos cabo-verdianos --------------------------------------------------------- 95
5.2.8. Sociabilidade e Laços Sociais --------------------------------------------------------------- 97
5.2.8.1. Os Estudantes ------------------------------------------------------------------------------ 97
5.2.8.2. Os Imigrantes --------------------------------------------------------------------------- 108
5.2.8.3. Os Descendentes ------------------------------------------------------------------------- 114
5.2.9. Processo de (re) construção de Identidades--------------------------------------------- 115
5.2.10. Projeto de Retorno ------------------------------------------------------------------------- 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS ----------------------------------------------------------------------- 119
6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------------------------- 123
ANEXO A ---------------------------------------------------------------------------------------------- 126
ANEXO B ---------------------------------------------------------------------------------------------- 128
18
1. 0. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa que ora se apresenta trata-se das representações sociais da
comunidade cabo-verdiana residente no Rio de Janeiro sobre diversos objetos que estão
implicados no processo de construção de suas identidades, no entrecruzamento das culturas e
identidades cabo-verdianas e brasileiras. As mudanças de ordem psicossocial experimentadas
por indivíduos e grupos dessa comunidade, que imigraram para o Brasil em busca de
melhores condições de vida e de estudos, acompanham a interação social contínua com os
brasileiros, tornando-se mais próximos aos padrões culturais que até então não faziam parte
de suas experiências de convívio social.
Jodelet (2004) entende a cultura como um solo fértil para a criação das representações
sociais. Segundo a autora, a cultura é a base das representações, é ela que origina e guia os
comportamentos e pensamentos dos indivíduos e grupos. Por outro lado, Sá (1998),
corroborando com as idéias da autora, afirma que, os fenômenos das representações sociais
estão dispersos na cultura, instituições, nas práticas sociais, nas comunicações interpessoais e
de massa e nos pensamentos individuais. São difusos, multifacetados dinâmicos, sempre em
mutação e movimento, encontra-se, sobretudo nas interações sociais.
Jodelet (op. cit) qualifica esse fenômeno como sendo “uma forma de conhecimento
prático conectando um sujeito a um objeto”. Qualificar esse conhecimento de “prático” refere-
se à experiência a partir da qual ele é produzido, aos referenciais e condições em que ocorram
e, sobretudo, ao fato de que a representação é engajada para agir no mundo e nos outros. O
que faz com que o encontro entre os cabo-verdianos e cariocas pareça produzir condições para
que os primeiros possam “agir no mundo”.
Nesse sentido, realizou-se um estudo comparativo entre três grupos de cabo-verdianos
residentes no Rio de Janeiro: (a) estudantes que se encontram no Rio de Janeiro para
completar seus estudos de nível superior, devendo retornar a Cabo Verde num prazo de quatro
a seis anos; (b) cabo-verdianos que emigraram em busca de melhores condições de vida e aqui
se estabeleceram em caráter definitivo; (c) brasileiros filhos de imigrantes cabo-verdianos
nascidos no Brasil.
Através da pesquisa empírica junto a esses grupos sociais, procurou-se, analisar, descrever
e comparar as representações sociais, que eles mantêm acerca do país de origem, e os aspectos
diversos da cultura e identidade cabo-verdiana, bem como as que tenham chegado a construir
sobre o Brasil, o Rio de Janeiro e aspectos diversos das suas culturas. Justifica-se esse estudo
19
pela relevância social e acadêmica do tema e pelo fato de a comunidade cabo-verdiana no
Brasil ser pouco conhecida e estudada, tanto aqui como em Cabo Verde. São, na verdade,
poucas as pesquisas sobre os imigrantes e estudantes cabo-verdianos no Brasil. Por outro
lado, conhecer as representações sociais da diáspora cabo-verdiana no Rio de Janeiro não
deixa de ser uma valiosa contribuição para o aumento da familiarização mútua entre os dois
países, que compartilham relações simétricas de uma herança histórica colonial e numerosas
manifestações culturais, dentre as quais o idioma português.
O Rio de Janeiro é um espaço social multicultural, que se aproxima muito da realidade
cultural de Cabo Verde. Pode-se ressaltar ainda a importância desse estudo para a
consolidação das relações diplomáticas entre o Brasil e os Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa (PALOP), do qual os dois países são membros.
Brasil e Cabo Verde possuem relações históricas desde a época dos descobrimentos
portugueses. Os portugueses descobriram Cabo Verde em 1460 e este país serviu de apoio à
chegada dos portugueses ao Brasil bem como ao processo de formação da sociedade
brasileira. Pedro Álvares Cabral fez escala na ilha da Boa Vista, em 1500, antes de chegar ao
Brasil. O arquipélago serviu de ponto de escala dos navios negreiros durante o período do
comércio triangular entre África, Europa e América: os escravos, capturados na costa
ocidental da África, passavam primeiro por Ribeira Grande, na Ilha de Santiago, para serem
ladinizados
1
e depois seguiam em direção ao Brasil e outros destinos. Muitos dos estudiosos
cabo-verdianos defendem que Cabo Verde serviu de modelo de inspiração para a formação da
sociedade mestiça no Brasil, uma vez que a miscigenação teve origem no arquipélago,
resultado do cruzamento dos europeus e africanos
2
.
O Psicólogo Bento (2005), doutorando do Programa de Pós Graduação em Memória
Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), desenvolveu sua
pesquisa de mestrado sobre A comunidade caboverdiana no Rio de Janeiro: memória
híbrida, identidade e diferença”, pesquisando a construção da memória social dos imigrantes
cabo-verdianos no Rio de Janeiro.
O autor discutiu a construção de uma memória hibrida dos imigrantes cabo-verdianos
a partir da hibridez da cultura cabo-verdiana. Seus resultados apontaram ocorrência de certa
desvinculação do grupo, em relação ao país de origem, não deixando, entretanto, de observar
que a comunidade preserva alguns traços culturais de seu país, mesclando-os com novos
1
Processo de aculturação dos escravos, ensino da língua portuguesa, as técnicas de trabalho e as doutrinas do cristianismo.
2
Ver Capítulo I sobre a formação da sociedade cabo-verdiana.
20
elementos da sociedade de acolhimento e elaborando, desse modo, novos modos de vida e
uma nova forma de se reconhecerem como cabo-verdianos.
Bento (2005) propôs ainda a noção de memória híbrida como um instrumento teórico
para pensar os imigrantes cabo-verdianos no Rio de Janeiro. Nesse contexto, a memória
híbrida significa a mescla entre elementos culturais cabo-verdianos e brasileiros ou, mais
especificamente, cariocas, de modo que os primeiros se alteram a partir do encontro com os
segundos, instalando-se um processo de permanente recriação de sua memória.
A partir das observações do psicólogo Artur Bento, constatou-se, em nossa pesquisa
de campo, que os cabo-verdianos absorvem com naturalidade novos modelos socioculturais,
uma característica própria do grupo desde a sua origem.
Não obstante, observa-se que após a introdução dos meios de comunicação em Cabo
Verde, a partir de 1975, novos comportamentos são assimilados pela população cabo-verdiana
através dos programas da rádio e televisão, como, as telenovelas brasileiras que são
transmitidas depois do telejornal servindo de modelo de imitação, pois é comum as pessoas
incorporarem o modo de vida dos brasileiros. Assim, o crioulo, língua oral, tende a sofrer
forte influência estrangeira e a mudar seu delineamento primitivo devido à incorporação de
outros universos lingüísticos.
Mourão (2006) realizou sua pesquisa de mestrado no Programa de Pós Graduação em
Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará sobre África na pasajem
3
: identidades e
nacionalidades guineenses e cabo-verdianas”. A pesquisadora procurou entender como
acontece a construção da identidade nacional de elites intelectuais quadros profissionais
cabo-verdianos e guineenses –, formadas no Brasil através do Programa de Estudantes
Convênio de Graduação (PEC-G), após o retorno ao país de origem.
Mourão (2006) usou o conceito de ressignificação, considerando os processos de
mudanças vividos pelos grupos em situação de trânsito no Brasil, para interpretar a formação
das identidades nacionais dos quadros profissionais após o regresso às suas origens. Segundo
a autora, a construção da identidade nacional desses dois grupos que apresentam certa
simetria, por questões históricas, políticas, culturais e geográficas, mas, por outro lado,
também oposições e assimetrias historicamente consolidadas ocorrem de formas diferentes.
Enquanto os cabo-verdianos demonstram dificuldades em assumir uma identidade étnica, o
3
Em crioulo guineense: trânsito, trajeto (de passagem). In Daniele Ellery Mourão, UFC, 2006. Mimeo
21
que a autora chama de “crise de identidade” , autodenominando-se mestiços, ou, apenas cabo-
verdianos, não obstante, os guineenses afirmam fortemente suas raízes africanas.
Vale ressaltar o trabalho de Gusmão (2005) sobre Os filhos da África em Portugal:
Antropologia, multiculturalidade e educação. A autora realizou sua pesquisa em Portugal,
num bairro periférico de Lisboa, Quinta Grande, habitado por portugueses de baixa condição
socioeconômica e por imigrantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PALOP. A pesquisadora brasileira procurou, a partir da pesquisa empírica com os imigrantes
dos PALOP, em Portugal, suscitar questões sobre a alteridade e a construção de identidade
étnica desses africanos em Portugal.
Segundo Gusmão, os imigrantes de segunda geração - filhos dos africanos das ex-colônias
portuguesas na África, portugueses por direitos territoriais e africanos por origens étnicas,
vivem numa encruzilhada entre ser e não ser português. Alguns são politicamente
reconhecidos como portugueses, enquanto os outros, embora tenham nascidos em Portugal,
não são vistos como tais, devido a questões ideológicas, simbólicas, políticas e culturais.
Vivem em uma condição de “outro”, sem uma identidade fixa. Porém, para se defenderem
da marginalização imposta pela sociedade de acolhimento, procuram estabelecer laços de
identidades com os países de origem dos pais. Os imigrantes são colocados à margem da
sociedade, são os “estrangeiros”, os “outros”, não pertencem àquele país.
A rigor, segundo a autora, Portugal atualmente é visto como um país multicultural,
sobretudo devido ao grande contingente de imigrantes africanos naquele país europeu. Mas,
embora haja propostas de desenvolvimento de um ensino multicultural para atender às
comunidades dos imigrantes africanos, latino-americanos e do leste-europeu, a fim de integrá-
las à sociedade portuguesa, isto tem sido comprometido pelos constantes casos de
discriminação racial e xenofobia.
Ainda, no que se refere aos estudos empíricos sobre a (re) construção de identidades
da comunidade cabo-verdiana no Brasil, destaca-se o trabalho de Hirsch (2007), que através
de uma visão antropológica pesquisou a comunidade dos estudantes cabo-verdianos no Rio de
Janeiro, tomando como referência as relações interétnicas da população afro-brasileira para
interpretar o processo de (re) construção identitárias desses universitários cabo-verdianos no
Brasil. A autora constatou que, a maioria dos estudantes construiu um olhar crítico em relação
à sua identidade mestiça e, por conseguinte, notou-se a tendência dos jovens construírem e
valorizarem uma identidade afro-referenciada, provavelmente influenciada pelas políticas
identitárias da sociedade brasileira.
22
Sintetizando, a partir destas e de outras análises, a convergência de várias culturas e a
intensa miscigenação entre diversas etnias fizeram surgir, em Cabo Verde, um povo mestiço,
com uma cultura fecundada por muitas outras. Europeus livres e escravos da costa ocidental
africana fundiram-se num povo e criaram o “crioulo”, língua oral instrumento de
comunicação, hoje falada por toda população, originada da miscelânea das línguas dos
escravos africanos e da mistura desta com a ngua dos colonos, no entanto o português é a
língua oficial do país
4
.
A identidade cabo-verdiana é mestiça, híbrida, assim como o seu povo, sendo a sua
cultura diversificada de Ilha para Ilha. Essa diversidade cultural constitui-se num importante
meio de aproximação, de conhecimento e de descoberta do outro e de abertura ao diferente,
traduzindo-se na capacidade de assimilar o novo. É a isto provavelmente que se deve a
facilidade com que os cabo-verdianos, quando fora de Cabo Verde, recriam seus hábitos e se
integram à cultura do país de acolhimento.
O interesse por realizar esta pesquisa surgiu a partir do momento em que constatou
diferenças no modo de ser e de estar dos cabo-verdianos moradores no Rio de Janeiro. Esta
pesquisa dá, pois, continuidade ao estudo intitulado Os estudantes cabo-verdianos no Rio de
Janeiro: processo de socialização e construção de redes sociais”, desenvolvido, em 2005,
como trabalho de conclusão do Curso de Licenciatura em Pedagogia na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO.
A partir desse estudo, pude perceber que há indícios da ocorrência gradativa de
mudanças na forma de ser, de estar, de pensar, nos hábitos, costumes, comportamentos, no
dia-a-dia dos estudantes cabo-verdianos, desde a sua chegada ao Rio de Janeiro. Vale ressaltar
que a pesquisadora se encontra inserido neste processo, residindo seis anos na cidade do
Rio de Janeiro e experimentando, bem como os conterrâneos, muitas das mudanças referidas
neste trabalho.
Embora se some às pesquisas, a diáspora cabo-verdiana que foi anteriormente relatada,
a presente pesquisa se distingue por estudar as representações sociais que, ao longo da sua
permanência no Brasil e no Rio de Janeiro, os cabo-verdianos estudantes, imigrantes e seus
filhos têm construído acerca deste país, desta cidade e de aspectos diversos da cultura
brasileira, bem como as representações que mantêm acerca do seu país de origem e de
aspectos comparáveis da cultura cabo-verdiana. Considera-se que tais representações,
articuladas à consciência correta ou equivocada das representações que os grupos têm dos
4
Há um movimento forte no país em defesa da oficialização do crioulo.
23
brasileiros, da sua cultura e dos cabo-verdianos eles mesmos, estejam na origem das próprias
identidades reconstruídas, longe da pátria, pelos cabo-verdianos, bem como daquelas
construídas pelos seus filhos brasileiros.
Como foi dito anteriormente, a circunstância que levou a propor essa pesquisa foi
uma primeira impressão de que os estudantes cabo-verdianos no Rio de Janeiro estejam se
distanciando – ou modificando – as suas origens sociais e culturais, em função da assimilação
de novos hábitos.
E talvez essas mudanças se devam a uma assimilação rápida de outro modo de vida,
ou seja, de outras práticas sociais que, mercê de sua hegemonia no novo ambiente, se
imponham inexoravelmente a eles no seu cotidiano. Pressupondo-se que o que se faz
coletivamente determina em grande parte o que se passa a compartilhar em termos de
pensamento, ocorrendo novas representações sociais que podem estar sendo formadas ou
antigas representações que podem estar sendo transformadas dentro da comunidade de
estudantes cabo-verdianas.
A rigor, o distanciamento percebido dos cabo-verdianos imigrantes em relação às suas
manifestações culturais de origem, acompanhado de uma aproximação em relação aos novos
modos de vida, hábitos e costumes que se encontram aqui, bem como a tendência observada
nos grupos de priorizar as relações sociais intragrupo, são, na verdade apenas sintomas mais
visíveis e imediatos de um processo mais amplo e profundo de natureza sócio-psicocultural.
Assim, quando se refere a uma possível reconstrução da identidade, está se remetendo
sua causa às relações que se estabelecem entre duas culturas que são, por alguma razão, postas
em estreito contato, mas também a caracterizando como um processo de recriação dos
produtos culturais e de transformação das representações sociais dos grupos envolvidos. As
mudanças que foram observadas superficialmente entre os estudantes são, por conseguinte,
mais intensas entre os cabo-verdianos imigrantes, em virtude do maior tempo e freqüência
cotidiana da comunicação e da troca de experiências com mais variados estratos da população
brasileira, o que se aproxima a uma autêntica fusão cultural.
Por outro lado, acredita-se que a assimilação pelos cabo-verdianos de outros modos de
vida por meio da interação social se deva à característica híbrida da cultura cabo-verdiana e à
forma de ser desse povo, que aceita com naturalidade o novo e o diferente, facilitando assim a
ocorrência de mudanças na sua própria identidade social. Segundo Bento (2005), as culturas
híbridas são culturas que resultam da mistura de elementos contraditórios e não possuem uma
feição “original” própria. Além disso, estão sempre em movimento contínuo e em processo de
transformação.
24
Assim, com base na hibridização cultural e identitária dos cabo-verdianos, procurou-se
compreender de forma mais ampla e circunstanciada o processo de (re) construção das
identidades dos estudantes e dos imigrantes no Rio de Janeiro. Tais mudanças mostraram-se
mais visíveis nos convívios sociais em que os grupos cabo-verdianos participam em diferentes
espaços sociais desta cidade, nas próprias residências, nas sedes de associações, nas quais
participam, não cabo-verdianos, mas, também, alguns brasileiros, outros africanos e latino-
americanos. Nestes convívios, notam-se diferenças de relacionamento entre eles, formam-se
em pequenos grupos, ocorrendo uma intensificação das aproximações identitárias e
representacionais.
Nesse sentido, manteremos como pano de fundo para a exploração da dinâmica da
construção e reconstrução de identidades e da formação e transformação de representações
sociais a hipótese de que as características híbridas da cultura cabo-verdiana encontram uma
hibridez comparável na cultura brasileira, o que favorece a assimilação cultural e as
adaptações identitária e representacional.
O trabalho está dividido da seguinte forma: no primeiro capítulo trata-se dos temas
relacionados ao país de origem dos investigados. Nesse sentido será dada ênfase às questões
tais como a localização geográfica, demografia, aspectos econômicos, sociais, educacionais e
políticos de Cabo Verde no contexto atual, bem como uma síntese histórica da formação da
sociedade cabo-verdiana, processo tido como a base da construção identitária dos cabo-
verdianos.
No capítulo 2 far-se-á uma análise descritiva sobre o processo migratório cabo-
verdiano. Numa breve síntese, serão apresentados os processos que deu origem ao movimento
transnacional do povo das ilhas, que hoje se constitui numa comunidade diaspórica.
Em seqüência, no capítulo 3 será apresentada a teoria das representações sociais,
enquanto conhecimento científico que permite analisar e compreender o processo de
construção da identidade dos cabo-verdianos no Brasil e as suas diversas manifestações tendo
como base as representações sociais. No capítulo 4 resumidamente será descrito o
procedimento metodológico a partir das quais se baseou a pesquisa empírica. E, no capítulo 5
concentram-se as experiências dos grupos investigados, pois, ali constitui o ápice do presente
estudo e, no final serão apresentadas breves considerações finais referente à pesquisa sobre
“Representações Sociais e construção da identidade dos cabo-verdianos no Rio de Janeiro:
estudantes, imigrantes e descendentes”.
25
1.0. CONHECENDO CABO VERDE
1.1. Localização, aspectos demográficos e condições climáticas
Na zona tropical do Atlântico Norte, a 455 km da costa ocidental africana, encontra-se
o arquipélago de Cabo Verde dez pequenas ilhas e um número quase idêntico de ilhéus ou
ilhotas de origem vulcânica fazendo ponte entre África, Europa e América. Compreende uma
área territorial de 4.033 km², distribuídos por dois grupos de ilhas em função do seu
posicionamento em relação aos ventos dominantes do nordeste: Barlavento e Sotavento. As
ilhas do Barlavento são formadas por: Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Santa Luzia,
Sal e Boa Vista; Sotavento compõe as ilhas: Maio, Santiago, Fogo e Brava. Como se observa
na figura 1, Santiago é a maior ilha em extensão territorial, com 991 km², e Santa Luzia é a
menor, com 35 km².
26
Figura 1 - Mapa de localização geográfica do arquipélago de Cabo Verde.
Disponível em: http://www.lib.utexas.edu/maps/africa/cape_verde_pol_2004.jpg
Segundo o Recenseamento Geral de População e Habitação RGPH (2000) –, o
arquipélago conta com uma população residente de 434.624 habitantes, sendo 55% residentes
no meio rural e 45% no meio urbano. Contudo, as informações do Instituto Nacional de
Estatística – INE – de 2007 dão conta de que há 484.904 mil habitantes.
27
O êxodo, deslocamento da população campo-cidade e interilhas, bem como o
movimento transnacional têm causado o desequilíbrio populacional no arquipélago. Com
efeito, a população residente fora do arquipélago é superior aos residentes, estimando-se em
cerca de 800.000 mil cabo-verdianos residentes no exterior, incluindo-se os descendentes. Por
outro lado, a maioria da população do arquipélago (80%), segundo as informações do RGPH
(2000), concentra-se em três das principais ilhas: Santiago (54,4%), o Vicente (15%) e
Santo Antão (11%); ¼ reside na ilha de Santiago.
A população é extremamente jovem, pois 53% dos insulares têm menos de 20 anos de
idade. A população ativa (16 a 24 anos de idade) é de 52%, a maioria são mulheres. A
mortalidade infantil é controlada e a esperança média de vida é de 71 anos, sendo 75 para as
mulheres e 67 para os homens. A taxa de natalidade é relativamente alta e o crescimento
anual, em média, é de 2,4% ao ano. A redução do fluxo migratório e as melhorias do nível de
vida da população estão na origem do aumento populacional no arquipélago.
O principal desafio do arquipélago consiste em enfrentar as adversidades climáticas.
A grande proximidade com o Sahel
5
determina as condições climáticas da região,
caracterizada pelos climas áridos e semiáridos. O clima é o tropical seco, com uma
temperatura média anual que varia entre 20º C e 25º C, esta dividida em duas estações: a
estação seca ou “tempo das brisas”, de Novembro a Julho, e a estação úmida ou “estação das
chuvas”, de Agosto a Outubro.
Devido à irregularidade das chuvas, as estiagens são constantes no arquipélago, que
vive em função de uma agricultura de subsistência e algumas atividades ligadas a ela. Nesse
sentido, a fraca vegetação faz com que homens e animais sofram as consequências das
adversidades relacionadas às secas anuais e seculares. No passado, do final do século XIX a
meados do século XX, eram frequentes as crises de seca e fome que dizimavam, por vezes, 10
a 30% da população cabo-verdiana.
1.2. Aspecto econômico
Cabo Verde apresenta as características próprias dos Pequenos Estados Insulares
6
, o
que deve ser considerado na análise das estruturas sociais e econômicas do país. A reduzida
dimensão territorial, o isolamento e a ausência de recursos naturais constituem os maiores
5
Região compreendida entre a costa ocidental africana e o deserto do Sahara, em que predomina o clima seco e árido.
6
Economias muito abertas, vulneráveis e fortemente dependentes do comércio externo e das remessas dos emigrantes.
28
entraves no desenvolvimento do país. Com uma economia pouco diversificada, devido às
fracas potencialidades produtivas, a sua principal fonte de renda vem da pesca, da agricultura
de subsistência, do comércio, turismo, das ajudas internacionais Ajuda Pública ao
Desenvolvimento (APD), do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) e, sobretudo, das
remessas dos emigrantes.
Os imigrantes, em geral, preservam o vínculo com a terra natal, enviam ajudas
financeiras, em gêneros e espécies, aos familiares, as quais, além de contribuirem para a
ascensão social desses, são de suma importância para o equilíbrio da balança comercial de
Cabo Verde. Cardoso (2002) diz que a fraca produção do país deve-se, sobretudo, à escassez
de recursos naturais e à ausência de acumulação de capital durante o período colonialista. Não
se tem conhecimento da existência de riquezas minerais de valor econômico no país.
Contudo, a economia de Cabo Verde se mantém autossuficiente, graças à boa gestão
das ajudas financeiras externas que o país recebe de organismos internacionais, às
contribuições fiscais e à estabilidade política. Seu Produto Interno Bruto (PIB) está estimado
em US$1930
7
e o poder de compra dos cabo-verdianos é de US$5.214 (INE, 2002). O setor
dos serviços, como mostra a figura 2, representa a principal base do crescimento do PIB. O
seu peso contribui em mais de 70% do valor do PIB do país, o setor secundário com 20%, e
somente 7% correspondem ao setor primário.
Figura 2 - Distribuição do percentual do PIB por setor. Fonte: Relatório PNUD – 2007
Segundo o Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento PNUD –, o Índice
do Desenvolvimento Humano de Cabo Verde é de 0, 717, e em 2007 o país subiu quatro
posições na classificação mundial, pois passou de 106ª, em 2005, para 102ª posição em 2007
(PENUD, 2007).
7
Banco Nacional de Cabo Verde (2005 ).
29
Entretanto, a produtividade da economia do país continua frágil, devido à fraca
capacidade de competitividade dos seus produtos, aos fenômenos físicos climáticos, à
incapacidade de gerar empregos, à forte dependência externa e ao desequilíbrio do comércio
externo. Cerca de 80%
8
de tudo o que é consumido pela população é importado, e, somente,
10% da superfície do país representam solo produtivo. Por conseguinte, as exportações se
condicionam a um número limitado de produtos
9
, representando somente 4% das importações.
Porém, o excesso da procura interna é compensado pelas transferências externas, que
representam 34,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo Afonso:
[…] A economia cabo-verdiana caracteriza-se por uma dependência estrutural (ao vel
financeiro, alimentar e tecnológico), uma fraca base produtiva, uma balança comercial
bastante deficitária, um forte peso do setor dos serviços na economia e uma grande
fragilidade. (AFONSO, 2002:99)
A elevação favorável dos principais indicadores sociais e macroeconômicos, tais
como o nível de rendimento per capita e o índice de desenvolvimento humano, colocou o país
no grupo de países de Desenvolvimento Humano Médio
10
.
A transição de País Menos Avançado (PMA) para o País de Desenvolvimento Médio
(PDM), ocorrido em janeiro deste ano, ocasionou a saída das organizações internacionais de
ajuda humanitária. Entretanto, as ONGs internacionais permanecerão no país até 2010, a fim
de concluir os trabalhos. A partir daí, o governo de Cabo Verde assumirá todos os setores que
se beneficiem das ajudas internacionais. A saída da APD pode repercutir negativamente no
país, uma vez que Cabo Verde não é um país autossustentável.
Nesse sentido, o governo de Cabo Verde vem procurando novas estratégias de
desenvolvimento econômico para o país. Não obstante, tem dado atenção diferenciada ao
setor privado, sobretudo ao Investimento Direto do Estrangeiro e, em particular, ao setor do
turismo.
Por outro lado, a crise mundial de alimento que se vive hoje e o aumento do preço dos
combustíveis representam uma séria ameaça à estabilidade econômica e social do arquipélago
de Cabo Verde. A produção agrícola tem sido incipiente, o que aumenta o valor da
8
Este valor é equivalente a 40% do PIB nacional. A dependência é particularmente elevada aos bens estratégicos, tais como
os produtos alimentares e energéticos. As importações alimentares representam cerca de 35% do total das importações de
mercadorias. Por outro lado, Cabo Verde é totalmente dependente da importação de produtos petrolíferos para satisfazer às
suas necessidades energéticas.
9
Cabo Verde exporta produtos manufaturados, conservas de peixes atum e mariscos –, calçados e vestuários, porém essas
exportações são pouco significativas para a economia do país.
10
A transição oficial do País Menos Avançado para o País de Desenvolvimento Médio ocorreu em Janeiro de 2008.
30
importação. As estiagens têm sido frequentes nos últimos períodos, porém a ocorrência de
precipitação é a grande esperança da população cabo-verdiana.
1.3. Aspectos sociais
Ajuda Pública ao Desenvolvimento contitui-se num aspecto extremamente positivo
para o desenvolvimento econômico e social de Cabo Verde, pois contribui para a melhoria das
infraestruturas econômicas, sociais e para o equilíbrio da balança comercial do país, além do
APD. As remessas dos emigrantes, que representam 17%
11
do valor do PIB, estão entre os
grandes alicerces da estabilidade econômica, social, política e financeira de Cabo Verde.
Contudo, as novas políticas de imigração mundial, o reagrupamento familiar dos cabo-
verdianos e o envelhecimento da população constituem fatores de diminuição, a longo prazo,
das remessas dos emigrantes no país. Isso certamente podeter repercussões negativas na
economia do país e em outras áreas relacionadas a ela.
A insegurança alimentar é um dos principais aspetos da pobreza em Cabo Verde,
nomeadamente no meio rural, onde 25% da população é pobre. Esse déficit alimentar é
atenuado pelas importações de cereais e pela ajuda alimentar que o país recebe da APD. Não
obstante, o índice de pobreza em Cabo Verde é elevado. O desemprego, com uma taxa de
17,4%, constitui o principal fator indicador de pobreza no país, atingindo principalmente a
camada jovem na faixa dos 15 aos 25 anos. As mulheres representam 68% dos
desempregados. Esse índice de desemprego desfavorável para as mulheres, muitas delas
chefes de famílias, afeta, sobretudo, as crianças, agravando suas condições de saúde, educação
escolar assim como o seu desenvolvimento físico e mental.
O Estado assume um papel importante na definição da estrutura social no país. Após a
independência (1975), definia-se a estrutura social em proprietários de terra os grandes
proprietários e os pequenos proprietários: rendeiros e parceiros
12
, pequenos proprietários
constituídos por comerciantes e industriais, estes últimos em número não muito significativo,
11
Sobre Remessa dos emigrantes, ver Tolentino, Corsino; (org): Importância e o impacto das remessas dos emigrantes em
Portugal no Desenvolvimento de Cabo Verde. Disponível em: http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_EstudosOI/OI_27.pdf
12
Pequenos proprietários são donos das terras, representando no campo a pequena burguesia. Rendeiro é aquele que paga
uma renda fixa ao proprietário pelo arrendamento das terras. Parceiro associa-se ao rendeiro, com o qual divide as colheitas.
Sobre isso, ver: FURTADO, Cláudio Alves. Transformação das Estruturas Agrárias numa Sociedade em mudança –
Santiago Cabo Verde. São Paulo, 1988. 357 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. CARREIRA, António. Cabo Verde: Formação e Extinção de uma sociedade
escravocrata (1460 – 1878). Porto: Imprensa portuguesa, 1972.
31
funcionários do Estado –, em empregados da função pública, pequenos comerciantes,
estudantes do ensino médio e superior e todos aqueles que exercem funções liberais. Para
Afonso (2002):
A trajectória histórica destes países e as características actuais da sua economia e respectiva
inserção no sistema económico mundial, interferem na estrutura social e torna-se
determinantes essências o sistema de classes em África. Se na sociedade capitalista
contemporânea as classes sociais são redutoras da realidade social, por maioria de razão a
dinâmica social destes países não pode ser olhada sem atendermos a outros elementos
estruturantes que interagem e condicionam a formação de classes. Ao contrário do que
acontece na Europa, a formação de classes em África não foi determinada por uma dinâmica
endógena (com raras excepções, como é o caso da África do Sul). A acumulação de capital
não existiu, logo a determinante de classes não podem ser a mesma. Por outro lado, a
coexistência de super-estruturas herdadas de diferentes períodos dificulta análise da estrutura
de classes existente e interfere na formação de classes. (AFONSO, 2002)
A formação de classes sociais em Cabo Verde é bastante complexa e controversa. Não
se pode falar da existência, nesse país, de uma classe dominante, tendo em vista a distribuição
equitativa das rendas. Segundo Afonso (2002), hoje a estrutura de classes sociais em Cabo
Verde não se distancia muito dos tempos pós-independência. Continua atrelada à instabilidade
econômica e financeira do país, pelo baixo nível de produtividade. O papel do Estado, como a
base no processo de desenvolvimento, contribui para o crescimento de pequenos proprietários.
No entanto, para autora, é visível a ascensão social de um pequeno grupo que se
constitui pelos altos funcionários do Estado, as elites intelectuais, os comerciantes, os
empresários, os funcionários das redes públicas e privadas, os pequenos comerciantes e os
proprietários de terra. Ainda de acordo com a autora, o aumento da população urbana
contribuiu para o surgimento de uma classe que se ocupa de uma economia informal, as
rabidantes
13
, os desempregados e uma série de atividades mal definidas, para as quais uma
precariedade de oferta de emprego.
De acordo com Afonso (op.cit. 109), “(...) o papel que o Estado assumiu na produção
do desenvolvimento, após a independência, deixou pouco espaço para a criação de uma classe
dominante, política e ideológica.” Assim, a ausência de recursos naturais bem como a
dependência da ajuda internacional contribuíram para reduzir o significado e o poder da
burguesia. Nesse sentido, a classe social em Cabo Verde é fortemente influenciada pelo
Estado, que detém o poder regulador da economia.
13
Rabidantes são as mulheres que realizam o comércio informal no país. Elas vivem entre Cabo Verde, Brasil, Portugal,
entre outros países, comprando, sobretudo, vestuários para revenda no país de origem. São uma espécie de sacoleiras que
fazem comércio Brasil-Paraguai. A questão da feminilidade do termo deve-se ao fato de ser uma atividade quase
exclusivamente feminina.
32
Os imigrantes têm contribuído muito para a alteração da estrutura de classes,
sobretudo nas zonas rurais, uma vez que a emigração tem contribuído para a transformação da
estrutura social cabo-verdiana. Soma-se ainda a classe dos camponeses (rendeiros e
parceiros), marceneiros, carpinteiros, trabalhadores da Frente de Alta Intensidade de Mão-de-
Obra (FAIMO) e os que fazem parte da economia informal – as rabidantes.
Porém, outros fatores m interferido e influenciado a formação de classes em Cabo
Verde, como, por exemplo, o papel da educação na ascensão social e promoção de
mobilidades sociais ascendentes. Nesse sentido, com uma sociedade em vias de
desenvolvimento, com estruturas sociais não totalmente definidas, observa-se a ascensão de
uma pequena burguesia (que surge principalmente por meio da educação, formação de vel
superior e os empresários) com certo poder aquisitivo.
1.4. Criação do Estado-Nação e a Democracia Parlamentarista
Cabo Verde se constituía uma nação muito antes de se tornar independente.
Contudo, a luta pela independência de Cabo Verde iniciou-se na Guiné-Bissau, em 1956,
liderada por Amílcar Cabral. Tinha como objetivo principal a libertação dos povos da Guiné e
Cabo Verde da opressão colonial portuguesa. Para tal, foi criado um partido único para esses
dois países africanos, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Entretanto, depois de vários anos de luta armada na Guiné-Bissau, que culminou com
o assassinato do líder do Movimento da Libertação, Amílcar Cabral, em 05 de Julho de 1975,
Cabo Verde finalmente conquistou sua Independência. A revolução dos cravos em Portugal,
de 25 de Abril de 1974, facilitou o processo de independência dos dois países. Com a
ascensão do PAIGC, proclamou-se a independência de Cabo Verde e, na sequência, foi
promulgada uma lei sobre a organização política do Estado, que funcionou como constituição
até a aprovação desta na IX sessão legislativa, de 05 de setembro de 1980.
Contudo, o ideal de Cabral quanto à unificação de Cabo Verde e Guiné-Bissau foi
abandonado em 1980, em consequência de um golpe de Estado registrado na Guiné- Bissau.
Assim, o PAIGC foi substituído pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde
(PAICV), que, por sua vez, restringiu sua ação política ao desenvolvimento social,
econômico, cultural e à afirmação da identidade cabo-verdiana.
Para a presidência da República, foi eleito Aristides Maria Pereira, por meio de uma
assembleia constituída pelos combatentes da luta de libertação nacional. Poucos dias depois,
33
se constitui o primeiro Governo da República de Cabo Verde, liderado pelo primeiro-
ministro, comandante Pedro Verona Rodrigues Pires.
Assim, depois de 1975, Cabo Verde passou a ser governado em regime de Partido
Único, segundo um modelo de inspiração leninista-marxista. Porém, dadas as dificuldades
econômicas, procurou-se seguir uma política de não alinhamento, quer em relação ao bloco
soviético, quer em relação ao bloco liderado pelos Estados Unidos.
Em 1991, deu-se a abertura política em Cabo Verde, instituindo no arquipélago um
regime democrático e pluripartidário, depois de quinze anos sob o regime de partido único.
Neste sentido, o Movimento para a Democracia (MPD) foi eleito em 13 de janeiro de 1991,
liderado por Carlos Wanhon Veiga.
Cabo Verde vem demonstrando que a abertura política e a democracia são valores
estimáveis para a formulação e a implementação de políticas que visam superar a
vulnerabilidade econômica. Vale destacar que o arquipélago se encontra em fase de
estabelecer uma parceria especial com a união europeia.
1.5. Sistema Educativo Cabo-verdiano
O colonialismo atrasou demasiadamente o desenvolvimento socioeconômico e político
de Cabo Verde, inclusive no domínio educacional. A educação era altamente elitista,
discriminatória, inadequada para as condições socioeconômicas do país e distante dos
interesses da população. O sistema de ensino tinha como objetivo reproduzir a discriminação
social em curso e assimilar uma minoria destinada a servir de intermediária para perpetuar a
exploração no território.
Com a independência, criou-se no país um novo modelo de ensino para a reconstrução
nacional e a afirmação da identidade cultural do país. No início, deparou-se com uma forte
resistência dos defensores do ensino colonial. Esse sistema trouxe consequências negativas
para o país, traduzidas na elevada taxa de analfabetismo (70%), na ausência de estruturas
produtivas e na total dependência do comércio externo.
Procurando sempre atingir as mudanças estruturais na sociedade cabo-verdiana e o
desenvolvimento socioeconômico, político e cultural do país, em 1986 foi criado o Programa
de Renovação e Extensão do Sistema Educativo (PREBA), que contribuiu para as mudanças
no ensino básico e secundário. Já em 1990, com a publicação da Lei de Bases do Sistema
Educativo, registrou-se uma nova reforma curricular no sistema de ensino em Cabo Verde,
que procurou adaptar o novo sistema educativo às demandas de uma sociedade democrática
34
em que não se espera do Estado atender à crescente procura social, mas também garantir
aos cidadãos uma educação de qualidade, condição fundamental para enfrentar o mercado de
trabalho.
A constituição da República define os princípios que regem o sistema educativo,
segundo esse valioso material que define as leis do país:
Todos têm direito ao ensino; (ii) o ensino básico universal é obrigatório e gratuito; (iii) a
promoção de uma política de ensino que visa a progressiva eliminação do analfabetismo, a
educação permanente, a inserção das escolas na comunidade e a formação cívica dos alunos.
(C. F, ARTº.73, 1992)
Sendo assim, o sistema educativo está organizado em ensino pré-escolar, que abrange
as crianças entre 3 e 6 anos de idade, destacando-se como tal os jardins-de-infância, ensino
geral (Ensino Básico Integrado e Ensino Secundário), ensino técnico e profissional (ensino
médio), educação extraescolar (educação de jovens e adultos) e ensino superior.
No ensino geral, englobam-se dois níveis educacionais, nomeadamente o ensino
Básico Integrado (EBI) e o ensino secundário (Liceu). O Ensino Básico
14
tem a duração de
seis (6) anos de estudos e é obrigatório. Destina-se a crianças de seis a doze anos de idade. O
ensino secundário (ES) é a continuidade do ensino básico. Possibilita aos alunos aprofundar e
consolidar os conhecimentos, aptidões e valores, tendo a duração também de 6 anos letivos e
está estruturado em 3 ciclos: primeiro ciclo (7º e 8º), segundo ciclo (9º e 10º) e terceiro ciclo
(11º e 12º).
De acordo com a lei de base, “o ensino Superior organiza-se em universidades e
instituições universitárias, e o ensino politécnico, em escolas superiores especializadas, nos
domínios da tecnologia, das artes e da educação, entre outros”.
15
Recentemente foi criada a primeira Universidade Pública de Cabo Verde (UNICV),
cujas atividades tiveram início no ano letivo 2006/2007, com cursos de Graduação e Pós-
Graduação nas áreas de Ciências Humanas e Sociais e Ciências Exatas e Tecnológicas. Para
isso, a comissão instaladora conta com apoio de países como Brasil, Portugal, EUA e
Alemanha, que oferecem, dentre outros aspectos, consultoria cnica de planejamento e
qualificação dos professores.
Até então, não havia Universidade Pública no país. Porém, desde 1979,existiam, no
arquipélago, escolas de formação superior, em nível de bacharel, como por exemplo o
14
Ensino Básico é o que no Brasil designa-se de Ensino Fundamental de 1º a 8º série.
15
Lei nº 103,III,90, de 29 de Dezembro.
35
Instituto Superior de Educação (ISE), a primeira instituição de nível superior criada em Cabo
Verde. A criação do ISE veio na sequência da reforma do ensino, após a independência, que
tinha como meta elevar o nível de instrução para toda a sociedade cabo-verdiana.
Após uma década, surgiram outras instituições de nível superior, tais como o Instituto
Superior de Engenharia e Ciência do Mar ISECMAR (1995) –, o Instituto Nacional de
Pesquisa Agrícola INIDA (1996) e o Instituto Superior de Ciências Econômicas e
Empresas – ISCEE (1998).
A partir de 2000, as instituições privadas de ensino superior começaram a investir no
nível superior de ensino em Cabo Verde. Assim, em 2000, a Universidade Jean Piaget
começou a funcionar na Praia, oferecendo cursos superiores nas áreas de Ciências Humanas e
Sociais, Ciências Exatas e Tecnológicas. Na cidade do Mindelo, começou a funcionar, em
2002, o Instituto de Ensino Superior Isidoro Graça (IESIG).
Não obstante, a saída dos estudantes para dar continuidade aos seus estudos de nível
superior no exterior é constante. A maioria da formação de nível superior é realizada fora de
Cabo Verde, através dos acordos diplomáticos mantidos com diversos países da Europa, da
América e da África. Esses países recebem os alunos cabo-verdianos para a formação superior
(graduação e pós-graduação) em condições especiais, através de um convênio que lhes
direito a entrar nas universidades sem passar pelo processo seletivo do “vestibular”
16
e sem
nenhum custo, quando se trata de universidades particulares.
Segundo o relatório sobre bolsas de estudos no exterior, citado no Censo Educação
(2001):
Uma grande parte da despesa com o ensino superior fora do país é financiada pelo tesouro
público e o fundo de desenvolvimento nacional. Desde a independência (1975) as despesas
com formação de quadros foram suportadas pelos países que acolhem estudantes de Cabo
Verde. Na sequência das profundas mudanças políticas e económicas registadas a partir da
queda do bloco socialista, em 1989, assistiu-se a uma redução drástica do mero de bolsas
ofertadas por países doadores (...) em 2000 estima-se que 3250 mil estudantes frequentam os
diferentes níveis de ensino superior no país e no estrangeiro, dos quais 30% estudava no país
e 70% no estrangeiro. Nesta perspectiva a maioria dos técnicos superiores de Cabo Verde,
cerca de 2257 estudam fora de Cabo Verde, especialmente no Brasil e em Portugal, onde se
encontram mais de 90% dos técnicos superiores em formação. Porém, 80% dos estudantes no
exterior são bolseiros ou recebem subsídios do Estado. A taxa de retorno ao país é, em média,
86%. (INE, 2001:7)
Neste sentido, criaram-se novas políticas de atribuições de bolsas, observando-se
como aspectos prioritários as áreas de formação que tenham maior carência de quadros no
16
Vale ressaltar que o aluno, antes da sair do país, passa pelo processo seletivo no seu país de origem. Nesse sentido, nem
todos os estudantes que concluem o ensino secundário têm a oportunidade de sair para dar continuidade aos estudos. Uma das
razões impeditivas é a dificuldade de passar no processo seletivo, que é realizado com base em cálculos matemáticos, somas
das médias do curso, provas escritas, análise da situação socioeconômica do aluno e do país, área de estudos, entre outros.
36
país, as condições socioeconômicas do bolsista bem como a repartição equitativa das bolsas
pelas diversas ilhas que compõem o arquipélago de Cabo Verde.
Atualmente uma grande demanda pelo ensino superior. Existem, no país, cerca de
quatro mil estudantes com nível secundário completo esperando uma oportunidade para a
qualificação profissional, e muitos deles têm recorrido aos programas de intercâmbio com
países de língua portuguesa, como Brasil e Portugal.
Cabo Verde necessita de mais quadros qualificados. Segundo os dados do Ministério
de Educação e Recursos Humanos MERH (2005), dos 300 professores de ensino superior,
somente 3% são doutores e 21% são mestres. A CAPES tem contribuído nesse sentido,
aumentando o número de bolsas de pós-graduação destinadas a estudantes cabo-verdianos do
programa de Estudantes Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG).
A taxa de analfabetismo no país é de 25%. Entretanto, nessa última década tem-se
registrado um aumento de população em idade escolar (6-11anos), com uma taxa média anual
de 2,96%.
17
Isso se deve à expansão da escolaridade básica obrigatória de 6 anos. Segundo o
Caderno do Instituto Nacional de Estatística (INE), referindo-se aos dados recolhidos no
censo 2000 da RGPH sobre Educação, temos:
A taxa bruta de escolarização a nível nacional é de 96%, e distribui-se quase
equivalentemente pelos sexos. A taxa de escolarização no ensino Básico Integrado (EBI) é
de83%, sendo mais expressiva no meio urbano (84%) e no meio rural (82%). Ensino
secundário é de 65%, destes 67% são mulheres e 62% são homens. (CENSO, 2001, p. 19-20)
O nível do desenvolvimento econômico do país dificulta o desenvolvimento da
educação. Esta cria expectativas positivas, que são defendidas pelo próprio Estado, como
meio de transformação da sociedade, ao mesmo tempo em que contribui para fortalecer a
identidade nacional.
A educação formal é de grande importância para o desenvolvimento sustentável de
Cabo Verde. Na ausência de uma estrutura de base econômico-financeira sólida, a
qualificação profissional tem sido umas das principais vias de acesso para a mobilidade social
ascendente do país.
Nesse sentido, de acordo com Afonso (2002), a pequena burguesia usa o poder
econômico para proporcionar aos seus filhos o acesso a níveis elevados de ensino. Estes
aproveitam as habilidades escolares para garantir a reprodução de uma classe social
ascendente. Atualmente as classes economicamente menos favorecidas dificilmente
17
Dados do censo da educação de 2000.
37
conseguem chegar a níveis mais elevados de formação, e, por conseguinte, têm menos
oportunidades de conseguir um emprego de alto nível no Estado. Percebe-se esse
desequilíbrio nos níveis mais altos de ensino.
Contudo, o governo, que é o maior empregador, vem diminuindo
consubstancialmente as oportunidades de emprego aos recém-formados, devido à falta de uma
política de geração de empregos. Já não se oferecem muitos empregos como anteriormente
acontecia. Muitos jovens, após concluírem o ensino superior e médio, não encontram
trabalho. No entanto, a função pública continua sendo, no presente, a principal fonte geradora
de emprego no país. A instrução escolar é um investimento estratégico para alcançar o bem-
estar social e individual.
Em suma, os acordos de cooperação com países doadores foram bem aproveitados em
diversos domínios, qual seja: na educação, no que se refere à formação e qualificação de
quadros de pessoal e no reforço do ensino básico e fundamental; na saúde, quanto aos
programas de vacinação e de prevenção de doenças; na agricultura, melhora na: divulgação de
técnicas de cultivo e irrigação, apoio aos camponeses em épocas de estiagens, plantio de
novas culturas; na economia, houve incentivo para investimentos de emigrantes residentes no
exterior, microcrédito, privatizações de várias empresas estatais com déficit orçamental e
apoio à iniciativa privada. Tudo isso fez com que Cabo Verde fosse elevado, em Janeiro deste
ano (2008), à categoria de país de desenvolvimento médio.
1.6. Contextualização Histórica e Povoamento das Ilhas
As ilhas de Cabo Verde foram descobertas pelos navegadores António de Noli, Diogo
Gomes e Diogo Afonso, a serviço de Portugal, entre 1460 e 1462. Quando os navegadores
chegaram, o arquipélago era desabitado. Porém, existe a hipótese de que os árabes e fenícios
tinham conhecimento do arquipélago antes da chegada das caravelas portuguesas, assim
como a presença de africanos – pescadores das etnias Jalofos, Sèrères e Lebus.
A suposta presença de habitantes africanos, árabes e gregos no arquipélago ou em
algumas das ilhas foi cogitada por alguns historiadores cabo-verdianos, dentre eles, Andrade
(2001):
No povoamento das ilhas, não houve apenas escravos, houve também negros livres,
nomeadamente, banhuns, cassangas, e brames, que acompanhavam espontaneamente os
comerciante, mercenários e capitães de navio, muitos deles falavam a língua portuguesa e
alguns vinham a Santiago para serem cristianizados. O povoamento das ilhas não se efetivou
ao mesmo tempo por todo o arquipélago. As primeiras ilhas a serem povoadas foram Santiago
e Fogo em 1462. As ilhas do Barlavento e as restantes do Sotavento foram sendo habitadas
aos poucos, a partir da ilha de Santiago, entre os Séculos XVII e meados do Século XIX (Ilha
38
do Sal e São Vicente) pelos mestiços e mulatos resultantes do cruzamento das raças (Andrade,
2001).
O processo do povoamento das ilhas teve início em 1462, a partir da ilha de Santiago –
Vila de Ribeira Grande –, atual Cidade Velha. A intenção dos portugueses era de se fazer um
povoamento europeu à semelhança do que ocorreu com os arquipélagos da Madeira e Açores.
Porém, as condições geográficas e climáticas do país pouco favoráveis à fixação dos colonos
bem como a distância em relação a Portugal impediram a concretização do objetivo
preconizado.
A carta de privilégio de 1466, concedida pelo rei D. Afonso, outorgou um conjunto de
privilégios aos moradores de Santiago, dentre os quais, o direito de fazer o comércio e o
tratado dos escravos em todas as partes da Costa da Guiné (do Rio Senegal a Serra Leoa).
Assim, os moradores poderiam, sempre que precisassem, ir, com navios, tratar e resgatar
escravos para uso pessoal, bem como para vendas no Reino ou fora dele, com exceção da
feitoria de Arguim, cuja exploração estava reservada à Coroa.
Carreira (1983:31), em seu trabalho sobre “Formação e Extinção de uma Sociedade
Escravocrata”, descreve, com precisão, as condições desse tratado:
Ficaram autorizados os moradores a tratar e resgatar em todas as partes de Guiné, à
excepção de Arguim, levando para isso todas as mercadorias que tivessem e quisessem,
salvo armas, ferramentas navios e seus apetrechos, tudo mediante o pagamento do quarto;
uma vez pago o quarto devido ao rei, os moradores podiam vender o restante,escravos e
géneros, às pessoas que bem entendessem, no reino ou fora dele; os escravos e géneros
vendidos nas ilhas ou para fora delas, e bem assim as mercadorias importadas das Canárias,
Madeira e Açores, estavam isentas do pagamento de dízimos ou direitos desde que
comprovasse a origem por meio de certidões passadas pelos oficiais (Carreira, 1983:31).
Nesse sentido, deu-se início o processo de povoamento das ilhas com portugueses
vindos de diferentes regiões de Portugal, bem como de genoveses e alguns judeus expulsos da
Europa e africanos (escravos e livres) resgatados em toda a costa ocidental da África, que se
juntaram e deram origem aos habitantes de Cabo Verde.
1.7. Sistema Administrativo no Período Colonial
A estrutura administrativa implantada no arquipélago, as capitanias, davam sequência
ao modelo adotado pelos Portugueses nos outros arquipélagos do Atlântico. Sendo assim,
cada capitania era entregue a um capitão donatário, que se responsabilizava pela circunscrição
territorial concedida.
39
Segundo Pereira (2005), a principal motivação que teria levado à implantação desse
sistema estaria relacionada à carência de recursos econômicos e financeiros demonstrados
pela coroa portuguesa para administrar o arquipélago. Acrescentando, o autor afirma que era
mais vantajoso, para Portugal, distribuir os territórios às pessoas de sua confiança. Nesse
sentido, as doações feitas a D. Fernando e aos capitães donatários tinham caráter hereditário,
tornando-se extensiva aos seus sucessores e herdeiros.
A Ilha de Santiago, a primeira a ser povoada, foi dividida em duas capitanias: a do
norte, com sede em Alcatrazes, sendo Diogo Gomes nomeado capitão donatário, e a do sul,
em Ribeira Grande, concedida a António da Noli. Os donatários possuíam fortes privilégios
econômicos, tinham o direito de explorar todos os recursos econômicos da região. Além
disso, cobravam os impostos, distribuíam terras aos colonos em regime de sesmaria, bem
como atinha o poder sobre a jurisdição civil e criminal, com exceção das condenações à pena
de morte, que eram destinadas, exclusivamente, ao Rei.
1.8. Processo Histórico da Formação da Sociedade Cabo-verdiana
A chegada dos africanos deu as bases para a formação de uma sociedade escravocrata
a partir da Vila de Ribeira Grande (Atual cidade Velha). Esse regime escravagista perpetuou-
se durante cinco séculos, sob o domínio de uma minoria branca.
Na fase inicial de ocupação das ilhas, a sociedade era constituída por dois grupos: os
europeus e os africanos. Entre os negros, em sua maioria escravos, havia alguns livres, que
acompanharam os imigrantes forçados para o povoamento das ilhas, para trabalhar nas
plantações; os brancos oriundos de diversos estratos sociais e regiões da Europa eram
constituídos por: portugueses, genoveses e castelhanos, entre os quais, havia nobres, artesãos,
clérigos, soldados e alguns degredados.
Os condicionantes geográficos, sociais e econômicos fizeram com que os diferentes
grupos sociais (europeus e africanos) encobrissem as suas diferenças étnico-culturais, para dar
origem a uma sociedade mestiça heterogênea, com várias peculiaridades culturais e humanas.
Tais condições de Cabo Verde impuseram o contato inevitável entre brancos e negros.
Por um lado, os senhores necessitavam de mão-de-obra escrava para trabalhar nas terras e,
assim, gerar economias e fortunas; por outro, a pouca presença de mulheres brancas no
arquipélago levou a uma aproximação entre os senhores e as suas escravas.
Não obstante, no início do século XVIII, o arquipélago possuía a seguinte constituição
étnica: brancos da terra, que eram os nascidos no arquipélago; entre esses, se encontravam os
40
pigmentados (filhos dos mestiços com os brancos da terra), pretos
18
(escravos e libertos) e os
pardos ou mestiços, resultados do cruzamento entre brancos e negros.
Até então, a posição social de cada grupo era definida pela cor da pele. Nesse sentido,
em meados do séc. XIX, a sociedade cabo-verdiana estava estruturada em uma hierarquia
social definida pela composição étnica. No ápice da hierarquia, encontrava-se uma pequena
elite formada pelos morgados, sargentos, brancos da terra, um ou outro mulato que tinha
ascendido socialmente por alguma circunstância. Na posição intermediária, situava-se desde o
branco (pequeno proprietário de terra) à camada intermediária dos mestiços (sesmeiros,
rendeiros, artesãos, meeiros, pequenos comerciantes e trabalhadores assalariados). A
formação dessa última classe deu-se de forma lenta. A princípio, somente os alforriados
pertenciam a esse grupo. E, por último, na base da pirâmide, encontravam-se os escravos e
camponeses sem terra e os marginalizados.
A abolição, ou o processo de alforriamento dos escravos no arquipélago, antecedeu as
leis abolicionistas do culo XIX. Segundo Carreira (1983), nos finais do século XVI e início
do século XVII, a fuga dos escravos para o interior das ilhas, assim como de uma Ilha para
outra, antecipou o abolicionismo em Cabo Verde. Além disso, era concedida a liberdade aos
escravos bem comportados, aos que se distinguiam pelas atividades que exerciam e, ainda,
àqueles que comprovavam serem descendentes dos senhores.
A fuga de escravos ocorria, sobretudo, pela nsia” de liberdade, para escaparem do
rigor da disciplina e do trabalho. Por outro lado, os constantes ataques dos corsários às
fazendas em busca de riquezas (ouro, moeda, pano de terra e escravos) dos fazendeiros faziam
com que muitos proprietários, para protegerem seus bens, fugissem para o interior, levando,
consigo, os escravos. Assim, depois dos ataques, estando livres, muitos o regressavam para
as fazendas, permanecendo em esconderijos, o que originou pequenos agregados
populacionais nos montes.
Com o decorrer do tempo, os brancos tornaram-se incapazes de manter a exploração
das suas propriedades, em virtude da diminuição da entrada, no país, de mão-de-obra escrava,
devido à sua alta procura no mercado externo. Sua proibição, em 1815, fez com que a relação
entre os autoalforriados e os senhores se amenizassem. Nesse sentido, os proprietários
doaram, aos pretos, forros, parte de suas terras para o cultivo em regime de sesmarias,
parceria ou arrendamento, o que fez com que passassem a ser rendeiros dos antigos senhores.
18
Em Cabo Verde o termo “negro” é usado no sentido pejorativo; os termos adequados seriam “preto”, “mulato” ou
“escuro”.
41
Todos esses elementos contribuíram para o aparecimento de uma classe intermédia,
que foi evoluindo conforme a organização social da sociedade a o século XIX. Nesse
período, os europeus foram sendo, aos poucos, substituídos pelos brancos da terra e seus
descendentes e, posteriormente, pelos pretos forros e mulatos abastados.
No entanto, a posição dos europeus e brancos da terra, até finais do séc. XIX,
continuava sendo a de dominadores. Tinham o controle da produção agropecuária, eram
donos dos sobrados, das casas de moradia e dos escravos e, ainda, tinham o monopólio sobre
o poder político e meios de comunicação interilhas e de longo curso (Falucho, Palhabotes,
Caíques outros tipos de veleiros).
42
2.0. A IMIGRAÇÃO DOS CABO-VERDIANOS PARA O BRASIL
2.1. Cabo Verde e a Emigração
Pelo que vem sendo exposto ao longo deste trabalho, é notório que as migrações se
constituem em um fenômeno cultural inerente à sociedade cabo-verdiana. O processo
migratório cabo-verdiano iniciou-se com a chegada dos europeus e escravos ao arquipélago e
não mais cessou. Nesse sentido, o cabo-verdiano se constitui em um povo migrante por
excelência.
A “cultura de migrar” dos insulares
19
em busca de melhores condições de vida, de
estudos e elevação social noutros territórios constitui o principal meio de se escapar da
pobreza resultante dos condicionantes naturais e determinantes conjunturais (secas cíclicas,
miséria e desemprego), bem como de uma economia frágil e desequilibrada.
O país conta com uma população de emigrantes, superior à população residente, como
foi anunciada anteriormente. As causas da emigração cabo-verdiana, que, ao longo do
tempo, vêm se constituindo em verdadeiro êxodo” populacional, estiveram, sempre,
relacionadas às crises econômicas e sociais do país.
Segundo João Lopes Filho (1996:242-243, Apud Monteiro, 1997:323), “as causas dos
fluxos migratórios cabo-verdianos situam-se, de uma maneira geral, numa combinação entre
os fatores ditos de repulsão, de atração e de comunicação.”
O crescimento demográfico acelerado e os altos índices de desemprego têm se
constituído nos fatores impulsionadores da saída, em massa, da população cabo-verdiana para
o exterior. Ainda podemos destacar, dentre esses fatores, dois outros aspectos: razões
históricas e motivos psicológicos. O primeiro, por influências exercidas pelos antigos
emigrantes (os pioneiros na história da emigração cabo-verdiana) em seus familiares e o
segundo, pelo espírito aventureiro dos cabo-verdianos que, devido à sua característica insular,
sentem a necessidade de estar, constantemente, procurando o contato e aproximação com o
outro e o diferente.
Muitas vezes, a emigração é incentivada pelo próprio Governo de Cabo Verde, que,
incapaz de atender às necessidades econômicas e financeiras do país, cria, por vias legais,
condições que proporcionem a saída, em massa, dos habitantes, a fim de procurarem, em
19
Enquanto condição geográfica e social, resultado de alguns comportamentos do cabo-verdiano, tais como: o convívio
social, dado a serem festeiros, e a necessidade de travar novas relações e a familiaridade no contato com as pessoas.
43
outros países, o que o seu próprio país não lhes oferece. Nesse sentido, podemos destacar a
mais moderna corrente migratória internacional incentivada pelo governo, que é a migração
com fins de estudos. Uma tendência que vem se constituindo como fenômeno global, pois se
percebe esse fenômeno em muitos países do terceiro do mundo.
2.2. Breve Histórico do Processo Migratório Cabo-verdiano
O movimento transnacional dos cabo-verdianos ocorreu entre os finais do século
XVII, início do século XVIII, com destino aos Estados Unidos da América, sob a influência
da atividade da pesca de baleia no arquipélago de Cabo Verde. Nos finais do século XVII, os
navios baleeiros norte-americanos e de outras nacionalidades iniciaram a pesca nos mares dos
arquipélagos de Madeira, Açores e Cabo Verde. A necessidade de mão-de-obra para atividade
da pesca levou a contratação dos ilhéus pelos marinheiros baleeiros e, assim, se deu início ao
fenômeno migratório cabo-verdiano.
A partir desse período, houve a contratação dos cabo-verdianos, especialmente,
nativos das Ilhas de Fogo e Brava, inicialmente, contratados como pescadores de baleias,
atividade que teve muita repercussão na história do país. Mas tarde, por volta de 1830, muitos
passaram a assumir o comando das embarcações, substituindo, assim, os marinheiros norte-
americanos nessa função, pois, estes, descontentes com o salário que recebiam, não mais
queriam exercer a atividade.
Segundo Carreira (1977), o primeiro cabo-verdiano a emigrar para a América,
embarcou nos baleeiros em data ignorada e naturalizou-se americano, em 1824, em
Nantuckete. A segunda e a terceira nacionalizações de cabo-verdianos nos Estados Unidos da
América deram-se em 1835 e 1849. Os cabo-verdianos foram os pioneiros no processo de
migrações internacionais na África, e os primeiro imigrantes africanos a entrarem, por vias
legais, nos Estados Unidos da América.
Para o autor citado (1982), esse fluxo migratório nos navios baleeiros para América do
Norte era, exclusivamente, masculino, ou seja, a emigração nos primeiros tempos era,
exclusivamente, masculina. Somente mais tarde, algumas mulheres começaram a embarcar
com os maridos ou viajaram sozinhas para o reagrupamento familiar. Muitos desses
imigrantes, depois de muitos anos de trabalho e realizado o objetivo do tão sonhado pecúlio,
regressam para viver no país de origem. Porém, alguns, impressionados pela facilidade de
trabalho e um nível de vida jamais almejado no arquipélago, optavam pela permanência
naquele país de desembarque.
44
Os retornados, usufruindo do produto da aposentadoria recebida do seguro social
norte-americano, adquiriam propriedades que pertenciam aos antigos morgados, abriam
comércios, e, assim, havia uma ascensão na hierarquia social. Muitos, não tendo se casado nos
EUA, contraíram matrimônio com jovens da ilha. Para elas, era motivo de orgulho e status
casar-se com um “Mercano”.
20
Devido às condições em que se deu a saída de cabo-verdianos nos navios baleeiros
para EUA e a dificuldade de efetuar registros desses emigrantes naquela época, desconhecem-
se dados oficiais dessa corrente migratória, bem como o número de emigrantes com esse
destino. A partir do séc. XIX é que a contagem oficial passou a ser realizada.
Assim, o fluxo migratório de cabo-verdianos para o exterior, a partir do séc. XIX,
subdivide-se em três fases: a primeira fase compreende o período que vai de 1900 a 1926,
com destino, principalmente, aos Estados Unidos da América. A razão para tal destino se deve
ao fato dos pioneiros desse processo migratório terem se estabelecido naquele país. A
segunda fase da emigração abrange o período de 1927 a 1945 e caracteriza-se por mudanças
em relação aos destinos dos emigrantes e à redução no número de emigrados. A diminuição
das saídas deve-se à grave crise de seca entre 1921 e 1922, que dizimou 17% da população e,
também, ao aparecimento das primeiras leis restritivas à emigração, que, até então, decorria
normalmente, sem grandes embargos.
Uma das primeiras medidas impeditivas à saída dos insulares foi a exigência de
passaporte
21
, em 1885, e, em seguida, surgem as primeiras leis contra a imigração nos Estados
Unidos. Em 1915, desenvolveu-se, nesse país, uma forte corrente contrária à entrada de
imigrantes africanos, dando origem, assim, à lei de 1917, que proibia a entrada de imigrantes
analfabetos no território americano. Posteriormente, em 1924 e 1928, foi introduzida a
política de cota de imigrantes com destino aos EUA, por país de origem.
20
Assim, eram chamados os retornados dos Estados Unidos da América. A fama era tanta, que alguns chegavam a ter filhos
com várias mulheres ao mesmo tempo.
21
As exigências do passaporte pela lei orgânica de 20 de julho de 1855 seriam uma forma de controlar a emigração
clandestina. O passaporte era emitido mediante o preenchimento de alguns requisitos indispensáveis: idade, ter cadastro
limpo, pagamento de fiança, contrato de prestação de serviço e apresentação de comprovação de ter prestado serviço militar.
Muitos cidadãos cabo-verdianos encontravam, na emigração, a forma de fugir do serviço militar nas ex-colônias portuguesas
(Guiné Bissau e Angola). Esses países viviam em frequentes guerras civis. Porém, perante as dificuldades de crise de seca,
fome e desemprego, às quais as ilhas estavam sujeitas, viam que a emigração traria grandes vantagens para o arquipélago e
seria uma forma de descongestionamento demográfico, diminuindo, assim, a pressão sobre as responsabilidades do Estado. É
nesse sentido que, em 1911, atendendo à solicitação do governo de Cabo Verde, a coroa criou um decreto de lei, de 18 de
Julho de 1911, que acabaria com as exigências do uso de passaporte aos naturais da província de Cabo Verde, para a entrada
na metrópole e nas ilhas adjacentes (Madeira e Açores), assim como o trânsito nas outras províncias do ultramar. A abolição
do passaporte era válida para qualquer destino que o cabo-verdiano pretendesse. Isso fez com que o Estado perdesse o
controle das saídas dos nativos do arquipélago (Carreira, 1977).
45
Carreira (op.cit.) informa que os embargos impostos pelos norte-americanos à
emigração causaram intensas discussões no arquipélago, na época, levando as autoridades
cabo-verdianas a se moverem a encontrar soluções: incentivar os jovens que pretendessem
emigrar para aquele território a procurem aprender a ler e a escrever.
22
Por coincidência,
nesse mesmo ano, foi implantada a reforma do ensino, o que veio facilitar a alfabetização das
camadas jovens da população do arquipélago.
Nessa fase, os movimentos migratórios se estruturam de forma extracontinental e
intercontinental. Os fluxos dentro do continente tiveram como destinos: Senegal, Gâmbia,
Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe. Já os fluxos extracontinentais tiveram, como destino, a
Europa (Portugal, Holanda, França, Luxemburgo e Noruega) e América Latina (Brasil,
Argentina, Uruguai e Chile).
A terceira fase ocorreu entre 1946 e 1973. Nesse período, registrou-se a maior saída de
cabo-verdianos de todos os tempos. Uma das razões para a emigração nesse período foi,
sobretudo, devido à carência de mão-de-obra na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Por
outro lado, a revolução tecnológica facilitou a saída com a existência de meios de transportes
mais rápidos (navios a vapor e avião).
Especificamente, a partir de 1950 e devido a constantes crises e situações de vida
difíceis no arquipélago, muitas mulheres, algumas delas, chefes de família e jovens,
recorreram, também, à emigração para escapar da pobreza, visando, assim, melhores
condições de vida aos familiares, rompendo, desse modo, a tendência masculina da emigração
cabo-verdiana até esse período.
No contexto atual, encontramos um grande número de mulheres compondo a diáspora
cabo-verdiana. E, em alguns países, a comunidade feminina chega a ser superior à masculina
como, por exemplo, na Itália. A corrente migratória para aquele país deu-se por influência dos
missionários italianos, que se encontravam em serviço nas Ilhas de Boa Vista e São Nicolau, e
pelos pilotos da companhia Italiana que fazia escala regular na ilha.
22
Segundo Carreira (1977 p. 87-88): Em face desta atitude do governo americano, o de Cabo Verde lançou uma campanha,
visando incrementar a alfabetização das camadas mais jovens e da população, por forma a prepará-los para melhor poderem
enfrentar a eventual proibição de entrada de analfabetos nos Estados Unidos. Assim, nos primeiros dias de maio de 1917, em
circular dirigida a todos os conselhos, dizia-se: “(...) vêm aconselhando, uma diligente e persistente propaganda no sentido de
fazer-se compreender aos seus naturais que aspiram a ir trabalhar em domínio daquela Nação, a grande conveniência ou,
antes, a impositiva necessidade de adquirirem, em escolas do Estado, Municipais ou por meio do ensino particular, os
conhecimentos rudimentares de primeiras letras, pois, do contrário, ficarão em risco de verem vedar-se-lhes a entrada. (...) e
isso representaria, no futuro, prejuízos para um grande número de famílias e, sensivelmente, uma perturbação grande na
economia do país”.
46
As cabo-verdianas foram trabalhar nas casas de famílias da alta sociedade italiana,
muitas delas eram internas. Por isso, não tiveram oportunidade de chamar os filhos e parentes
deixados no país de origem. Porém, depois de se enquadrarem na sociedade italiana,
mandaram buscar os filhos, companheiros, familiares e vizinhos, e, assim, foi se constituindo
a comunidade cabo-verdiana naquele destino. A emigração nessa terceira etapa prosseguiu em
direção à Europa e, atingindo novos países (Bélgica, Alemanha, Suíça), no Continente
Africano (Angola, Moçambique) e Oceania (Timor Leste).
Outro aspecto importante a se destacar no processo histórico da migração cabo-
verdiana se refere ao fato de que não houve, apenas, emigração livre ou espontânea;
registraram-se, também, casos de emigração forçada.
Segundo Carreira (1982), em 1855, saíram, do arquipélago, vários navios carregados
de trabalhadores cabo-verdianos para as Ilhas do Caribe. Esses imigrantes eram designados
“colonos” – eram contratados pelo governo Francês, para trabalharem nas plantações de cana-
de-açúcar nas ilhas de Trindade e Guadalupe.
Ainda que o contrato os tratasse como sendo colonos, as condições de trabalho a que
eram submetidos eram semelhantes ao regime de escravidão. Perante tais condições de
contratação dos insulares, o governo português proibiu a continuidade dessa emigração para
aquele destino. Sugeriu que os colonos podiam aproveitar as terras férteis no arquipélago para
efetuar as plantações, evitando, assim, submeterem-se às condições precárias de trabalho no
Caribe.
Além dos colonos, outros cabo-verdianos foram contratados como mão-de-obra barata
para trabalharem em plantações de café e cacau nas Províncias de São Tomé e Príncipe. Essas
contratações eram realizadas como forma de amenizar as constantes crises que acompanharam
o desenrolar da sociedade cabo-verdiana ao longo dos tempos.
A emigração forçada para São Tomé e Príncipe foi a que teve maior repercussão
negativa no país, devido às condições precárias a que os imigrantes enfrentavam nas roças.
Depois da independência, alguns contratados de São Tomé retornaram ao país de origem,
porém, a maioria, devido às condições precárias, não pôde retornar.
O governo cabo-verdiano criou políticas sociais para a comunidade cabo-verdiana
residente em São Tomé e Príncipe e Moçambique. Dentre essas políticas, o governo atribuiu
47
pensão social aos cabo-verdianos mais carentes e concedeu bolsa de estudos aos filhos dos
cabo-verdianos nascidos em São Tomé para estudar em Cabo Verde ou na Europa
23
.
Não obstante, nota-se que a emigração forçada não teve grandes vantagens nem para
Cabo Verde nem para os imigrantes. Segundo Carreira (1977), ao contrário da emigração
livre que beneficiava o país, tanto em nível econômico como cultural, as emigrações forçadas
trouxeram poucas vantagens para o país e a população cabo-verdiana.
A quarta fase da emigração deu início a partir da década de setenta. Nota-se que, a
partir de 1980, a emigração teve uma evolução irregular, com a tendência à redução,
principalmente, a partir da década de 90, devido à adoção de medidas restritivas, pelos países,
de acolhimento dos imigrantes (principalmente, os grupos dos países do Terceiro Mundo).
Hoje, vive-se uma nova era no contexto das migrações internacionais. Com o atentado
de onze de setembro, desencadeou-se uma onda de ataques aos imigrantes, e, com isso,
aumentaram as políticas restritivas e desencorajadoras à entrada de imigrantes nos países do
primeiro mundo.
De acordo com Cohen (1997, Apud, Alves & Desidério, 2007), o contexto global atual
tem alterado o caráter da migração internacional, sobretudo, no que se refere à livre circulação
de migrantes em massa, a seletividade na sanção de estabelecer-se (permanente ou
temporário) nos lugares e nas formas de oficializar a prevenção e restrições das entradas.
Por outro lado, a migração “global” que engloba pessoas e riqueza, de acordo com o
autor, vem apresentando uma nova vida à velha prática da diáspora, e, nesse sentido, novas
formas são articuladas oficial e burocraticamente, tendo em vista que se trata de cidadãos
diaspóricos, politizados e articulados.
Não obstante tais medidas, o desejo de emigrar continua presente, sobretudo, na
população dos países subdesenvolvidos que, assim como Cabo Verde, vivem situações
difíceis de carência de recursos econômicos e financeiros, desemprego e subemprego. A
queda no nível de emigração, a diminuição da mortalidade e o aumento da esperança média
de vida (71 anos) contribuíram para o crescimento demográfico do arquipélago com uma
média anual de 2,4%.
Segundo Monteiro (1997), a emigração reflete as limitações internas do país, como a
incapacidade de gerar emprego, suportar a pressão demográfica, desequilíbrio social e
econômico. Ainda de acordo com o autor, “a ausência de estruturas econômicas de base
23
A seleção desses descendentes para o ensino de nível superior ocorre juntamente com os estudantes cabo-verdianos
residentes no arquipélago.
48
contribuiu para a afirmação da emigração como um fenômeno estrutural da sociedade e
economia cabo-verdiana” (p.324). Por conseguinte, para o autor, o movimento migratório
tornou-se:
Um affaire ‘social”’ que interressa, em primeiro lugar, “‘aos jovens, um meio de
se fazer reconhecer e de se elevar na sociedade local, pois o Cabo Verde
contemporâneo oferece, ainda, poucas possibilidades de promoção social’” [grifo
nosso], através de eventual qualificação profissional, bem como da realização de
investimento e poupanças (SEDES,1989, P.90, APUD, MONTEIRO, 1997 P. 325).
Pelo exposto e, apesar dos embargos internacionais, o desejo de emigrar continua presente no
seio da sociedade cabo-verdiana, na contemporaneidade.
2.3. Emigração e a Identidade Cultural
Numa análise mais ampla, a emigração em Cabo Verde pode ser considerada como um
fenômeno cultural que passa de uma geração a outra, com maior ou menor intensidade,
conforme as conjunturas econômicas, sociais e políticas do país. É difícil encontrar um cabo-
verdiano que não tenha um parente próximo ou distante no exterior. A saída de cabo-
verdianos para o exterior segue certa padronização, de acordo com a Ilha de procedência.
Pois, as suas peculiaridades e traços culturais determinam a escolha do emigrante, que opta
pelos destinos comuns dos habitantes da região. Nesse sentido, os destinos dos emigrantes do
arquipélago têm seguindo certa ordem:
· Os naturais das Ilhas de Fogo e Brava, devido às influências dos pioneiros na
emigração, têm desenvolvido uma cultura de emigrar para os Estado Unidos da
América.
· Os habitantes da Ilha de Santiago, por questões históricas, têm, por destino, a Europa,
mais especificamente, Portugal. Porém, encontram-se, os nativos dessa ilha,
espalhados por todos os países de acolhimento dos imigrantes na Europa.
· As populações das Ilhas de Santo Antão e São Vicente têm, por destino, os países da
Europa, tais como Holanda, França, Luxemburgo, Bélgica, Alemanha Noruega e
Inglaterra, assim como, os países da América do Sul, tais como Argentina, Brasil,
Uruguai e Chile).
· Os naturais da Ilha do Sal, Boa Vista e São Nicolau constituem a maioria dos
imigrantes cabo-verdianos residentes na Itália.
· Os habitantes da Ilha do Maio têm, como destino, a Europa, em particular, a Holanda.
49
No entanto, é comum encontrar, no seio das comunidades cabo-verdianas, no
estrangeiro, grupos de indivíduos de ilhas diferentes. Especificamente, no que concerne ao
Brasil, não se tem conhecimento de que haja imigrantes que não sejam oriundos das ilhas de
São Vicente, São Nicolau, Santo Antão.
A emigração, além de causar no seio da população uma “cultura de migrar”, exerce
grande influência na criação e reprodução de manifestações culturais populares, tanto no país
de origem como no de destino. Certos componentes da cultura cabo-verdiana (música, dança,
literatura, escultura) têm, na emigração, a sua “musa” inspiradora, particularmente, a música e
a literatura.
Os grandes poetas, autores, compositores e interpretes da música cabo-verdiana, como
Eugênio Tavares, Manuel Lopes, Teixeira de Souza, Manuel de Nova, Jota Monte, Beleza,
Luis Moraes, Ildo Lobo, Bana, Cesária Èvora, Suzana Lubrano, Gil Semedo, Beto Dias,
Mayra Andrade Lura, dentre outros, buscam temas que estão associadas, direta ou
indiretamente, ao processo migratório cabo-verdiano, tais como a “saudade”, “partida”,
“mar”, “solidão” e a “chuva”, para exprimir o sentimento e a filosofia de vida do cabo-
verdiano.
Os cabo-verdianos que emigram constantemente se encontram em um dilema entre
partir/ficar, que se traduz em “querer partir e ter de ficar, partir e querer ficar”. Ao mesmo
tempo em que se quer ir em busca de realização de um sonho, por outro lado, não se quer
deixar a pátria amada e a sua “gente”. Para aqueles que desejam partir, mas não conseguem
devido a vários motivos, que podem ser de ordem econômica ou políticos, nomeadamente, os
embargos impostos à imigração, o anseio de partir é uma constante. Não obstante a esse
sentimento, está presente a saudade, o lema de todos os cabo-verdianos.
A partida representa a dor, tristeza, medo e expectativas sobre o país de acolhimento.
O cabo-verdiano acredita que, se as condições de vida em seu país fossem diferentes e,
principalmente, se chovesse mais no arquipélago, não haveria necessidade de sair do território
nacional para se aventur em outros países. A canção interpretada por Greice Évora, cujo autor
desconhece-se, retrata esse mito de que se, em Cabo Verde, chovesse, muitos cabo-verdianos
não deixariam o arquipélago.
Si nos terra tinha tchuva Se a nossa terra chovesse
Cima no tem melodia Como temos melodia
No ka tava ta fica Não íamos ficar
Na meio di mundo spaiado Espalhados no Mundo
50
Nos terra k tchuva Nossa terra com chuva
Nos povo contente Nosso povo contente
Um dia trabói Um dia trabalho
Pa kada um Para cada um
Enxada na mó Enxada na mão
E um sorriso, amor també... E um sorriso, amor também...
Nesse sentido, verifica-se que a imigração cabo-verdiana, como um processo brido,
facilita o encontro com as diferentes expressões e manifestações culturais em que se dão os
cruzamentos interculturais e multirraciais. Isso nos ajuda a interpretar os modos de vida da
comunidade cabo-verdiana no Rio de Janeiro, bem como a sua facilidade em assimilar e
adaptar-se aos novos comportamentos.
2.4. Os cabo-verdianos no Brasil
A imigração espontânea de cabo-verdianos para o Brasil tem a sua origem no início do
século XX. De acordo com os dados oficiais, a entrada de cabo-verdianos no Brasil deu-se na
década de 1920. Segundo Carreira (1977), um ofício dirigido pelo cônsul de Portugal, em
Pernambuco, ao governador de Cabo Verde, no ano de 1927, anunciava a chegada de quinze
(15) cabo-verdianos naquele Estado, que desembarcaram num navio brasileiro que mantinha
rota frequente com o arquipélago. Segundo o ofício, o cônsul faz uma recomendação ao
governador, no sentido de incentivar esses imigrantes a escolherem, como destino, os Estados
do Rio de Janeiro e Bahia, uma vez que, em Pernambuco, não havia facilidade de trabalho
para esses imigrantes.
No entanto, o historiador cabo-verdiano António Carreira (op.cit) faz referência à
entrada de cabo-verdianos na América do Sul (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e
Venezuela), no ano de 1903. Segundo o autor, no período de 1900 a 1973, saíram 3.257 (três
mil e duzentos e cinquenta e sete) cabo-verdianos em direção à América do Sul. Porém, o
autor não nos especifica os números precisos de cabo-verdianos que entraram em cada um
desses países da América do Sul.
Os estudos empíricos realizados com a comunidade (Bento, 2005, Hirchs, 2007)
revelaram que a imigração de cabo-verdianos para o Brasil, como referimos anteriormente,
51
teve a sua origem no período entre 1900 a 1970. Contudo, o auge dessa imigração ocorreu
entre 1952 a 1973, na sequência da imigração em massa dos portugueses
24
para o Brasil.
Nesse sentido, os imigrantes que fixaram residência no Brasil, no período de 1950 a
1973, chegaram como portugueses da província de Cabo Verde (possessão portuguesa),
posição mantida até hoje, sendo que alguns se naturalizaram brasileiros (Bento, 2005, Hirch,
2007). Isso justifica a dificuldade em obter dados precisos sobre esses imigrantes. No Brasil,
esses imigrantes são denominados de “portugueses pretos” pela comunidade onde se
encontram. Contudo, de acordo as fontes de dados do Censo das Migrações do Instituto
Nacional de Estatística INE de Cabo Verde (2002) e o Instituto das comunidades IC
(2003) –, há, no Brasil, cerca de dois mil imigrantes cabo-verdianos, incluindo os
descendentes. No Brasil, esses imigrantes encontram nos Estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Espírito Santo, Paraná e Pernambuco. Contudo, as comunidades mais significativas se
encontram no Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo as informações de fonte de dados do
Departamento da Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro (2005), existem cerca
de 700 cabo-verdianos no Estado do Rio de Janeiro
25
.
As comunidades cabo-verdianas no Rio de Janeiro assumem duas características
importantes: os imigrantes permanentes, que chegaram ao início do século XX, encontrando-
se, sobretudo, nos municípios da Baixada Fluminense, e os estudantes, que ocupam os
espaços universitários na região norte e sul da cidade do Rio de Janeiro.
No Estado do Rio de Janeiro, os imigrantes concentram-se, sobretudo, na região
metropolitana: Mesquita, Nova Iguaçu e Nilópolis (Baixada Fluminense); São Gonçalo e
Niterói. E, na cidade do Rio de Janeiro, nos bairros: Tijuca, Vila Isabel, Laranjeiras,
Botafogo, Copacabana.
Nesse sentido, observamos que, diferentemente do que acontece com a diáspora cabo-
verdiana em outros países, onde os imigrantes demonstram certa tendência de criarem
comunidades fechadas, afastadas da sociedade de acolhimento, no Brasil, os cabo-verdianos
24
Na década de 1930, foi criada a política de cota para entrada de imigrantes no Brasil e a lei que proibia a entrada de
africanos no Brasil. No entanto, Portugal foi isento da cota. A comunidade portuguesa no Brasil se concentra, sobretudo, no
Estado do Rio de Janeiro. Por isso, foi permitida a entrada de cabo-verdianos no Brasil, nesse período.
25
É importante frisar, aqui, que esses dados, talvez, se refiram aos estudantes, uma vez que os imigrantes chegaram aqui, na
condição de portugueses e, não, como imigrantes cabo-verdianos. Ademais, essas informações foram recebidas verbalmente,
com base nas fontes de dados da seção de imigração e fronteira da Subintendência Regional da Polícia Federal do Rio de
Janeiro. Não foi permitido fazer cópia do documento apresentado. Segundo o delegado- -chefe da delegacia, somente com o
DPF de Brasília, ele poderia informar tais dados. Houve tentativas junto a esse órgão, porém foram mal sucedidas.
52
estabeleceram residências no seio da população brasileira, familiarizando-se com os hábitos e
costumes do país. A pesquisa demonstra que os cabo-verdianos imigrantes no Rio de Janeiro
se adaptaram bem à sociedade de acolhimento, entrosando-se com os cariocas e
transformando-se juntamente com a nova sociedade.
Segundo Bento (2005), verifica-se que os imigrantes construíram casas próximas uma
das outras, criaram associação (1983) e recriaram alguns hábitos da terra natal. Todavia,
deixaram de ter contatos frequentes com o país de origem, o que representa uma boa
adaptação ao novo espaço. Vale destacar que os imigrantes, ao fixar residência no Rio de
Janeiro, se surpreenderam, como pode se constatar no capítulo V, com estudos empíricos,
com organizações e modos de vida diferentes do espaço insular cabo-verdiano.
As razões que levaram os insulares a escolher o espaço brasileiro como destino são as
mesmas que fizeram com que milhares de cabo-verdianos deixassem o seu país de origem,
isto é, a busca por melhores condições de vida. A escolha do Brasil como país de acolhimento
representa a fuga dos problemas econômicos, sociais, políticos e geográficos, vividos na terra
natal.
2.5. Imigração com fins de estudos
Cabo Verde, após sua independência, tem incentivado a saída de jovens para o
exterior, no sentido de buscarem qualificação profissional em universidades com as quais o
país mantém acordos de cooperação cultural. Vale ressaltar que Cabo Verde, antes da
independência, pouco se desenvolveu na área da educação.
No entanto, com a independência e através dos acordos diplomáticos, tem sido
possível que jovens cabo-verdianos sonhem com a possibilidade de obter uma formação de
nível superior. Antes, havia poucas chances de tal oportunidade se tornar viável para a grande
parte da camada jovem, pois o ensino no período colonial era muito elitista; apenas uma
minoria, filhos de familiares mais abastados, tinham condições financeiras para estudar no
exterior, mais especificamente, em Portugal. Segundo Alves & Desidério (2007), dentre as
motivações que levariam os jovens, em sua maioria, a se inserirem nesses novos padrões
migratórios, estaria a falta de perspectivas sociais e econômicas existentes no próprio país.
De acordo com as autoras (op.cit), a existência de um histórico de vínculos entre
países África e Brasil tem facilitado as relações bilaterais e a Cooperação Educativa entre
países, que, de certa forma, tem influenciado a decisão dos estudantes cabo-verdianos e
africanos, de maneira geral, de continuar seus estudos de nível superior no Brasil.
53
Dentro deste marco contextual, se justifica ser, a população de estudantes cabo-
verdianos, o volume mais expressivo de africanos nas Universidades brasileiras e,
especificamente, no Rio de Janeiro. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, no ano de
20005, havia 1.025 estudantes cabo-verdianos do Programa de Estudantes Convênio de
Graduação PEC-G
26
no Brasil, e, no Rio de Janeiro, estima-se cerca de 300 estudantes cabo-
verdianos.
26
O programa de Estudante Convênio de Graduação (PEC-G) é uma cooperação educacional que o governo brasileiro
oferece aos países em vias de desenvolvimento, especialmente, da África e da América Latina. Este programa existe desde a
década de vinte, tendo sido administrado, exclusivamente, pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) até o ano de 1967.
A partir de então, o PEC-G é desenvolvido com base nos acordos de cooperação estabelecida entre os dois ministérios: o da
Educação (MEC), com a participação das Instituições de Ensino Superior (IES), e o das Relações exteriores (MRE), com a
participação das Missões diplomáticas e Repartições consulares. O estudante PEC-G é um aluno que é selecionado por vias
diplomáticas em seu país, pelos mecanismos previstos no protocolo do PEC-G e dentro dos princípios norteadores da
filosofia do programa. A execução do PEC-G cobre o ciclo completo, iniciado pelo processo de pré-seleção no país de
origem e pela vinda deste ao Brasil. Uma vez estando no Brasil, apresenta-se à instituição de ensino superior (IES) para
efetuar sua matrícula, devendo dedicar-se, exclusivamente, aos estudos.
54
3.0. INTRODUZINDO O ESTUDO DOS CABO-VERDIANOS NO BRASIL
3.1 Fundamentação Teórica
A teoria das representações sociais é uma forma sociológica de psicologia social,
inaugurada na França por Serge Moscovici, em 1961, através do seu estudo sobre a
representação social da psicanálise – La psychanalyse, son image et son public –, onde o autor
procura demonstrar como ocorreu a socialização da psicanálise no seio da comunidade
parisiense na década de 50. Moscovici estava interessado em observar como um
conhecimento científico, no caso a psicanálise, é apropriado pelo senso comum em uma
determinada realidade social.
Moscovici, insatisfeito e preocupado com o modelo de “psicologia social psicológica”
dominante na década de 1950, a psicologia social de lavra norte-americana, recorreu à
sociologia mais concretamente, ao conceito de representações coletivas desenvolvido pelo
sociólogo francês Émile Durkheim (1912) –, para resgatar o passado histórico da psicologia
social criada na Europa, que a vertente americana tinha eclipsado. De fato, a teoria das
representações sociais surgiu a partir do conceito de representações coletivas desenvolvida
por Durkheim no seu estudo sobre As formas elementares da vida religiosa.
Durkheim, preocupado em entender os aspectos essenciais e permanentes da
humanidade, tomara como objeto de pesquisa as práticas religiosas, os mitos, as crenças, a
magia, das tribos das sociedades primitivas australianas, considerando que essas práticas
sociais constituem representações coletivas, enquanto fenômenos capazes de estabelecer
vínculos entre os membros de uma sociedade e de mantê-los por várias gerações. A
preocupação de Durkheim em fazer da sociologia uma ciência autônoma está na origem da
distinção radical que ele fez entre as representações individuais e as representações coletivas.
Segundo o sociólogo francês, as representações individuais são objeto de estudo
exclusivamente da psicologia, enquanto as representações coletivas são da responsabilidade
da sociologia. Nesse sentido, Durkheim defende que o pensamento social possui
características próprias, que somente podem ser explicadas por fatores também de ordem
social, ou seja, os fenômenos psicológicos não conseguem explicar fatos coletivos.
Para o autor, as representações coletivas são idéias autônomas, carregadas de saberes
que ultrapassam o indivíduo. São coletivas, na medida em que exercem uma coerção sobre os
indivíduos, tornando-os seus reprodutores e conduzindo-os a agir e pensar de forma
55
homogênea. São estáveis na sua produção e reelaboração, em oposição ao caráter efêmero das
representações individuais. Segundo Nóbrega (2003: 52):
As representações coletivas são uma espécie de guarda-chuva que combina diferentes formas
de pensamento e de saberes partilhados coletivamente, cuja função principal, consiste em
descobrir o que há de irredutível à experiência individual e que se prolonga no tempo e no
espaço social.
Ainda segundo Durkheim, as representações coletivas são regidas por leis específicas
e pertencem a uma natureza diferente do pensamento individual, o que lhe a garantia de
objetividade. Já as representações individuais são os pensamentos próprios dos indivíduos,
ligados a sensações e estados instantâneos de consciência particular. “Elas adquirem status de
realidade somente nas consciências particulares dos indivíduos” (Durkeim, 2003:483).
Esses conceitos apresentados por Durkheim provocaram a distinção entre a
coletividade e a individualidade, fazendo com que os aspectos relacionados ao social fossem
considerados estáticos em oposição às constantes mudanças e transformações a que estão
sujeitos os aspectos individuais. Segundo Farr (2003), essa diferenciação rígida, feita por
Durkheim, entre as representações coletivas e individuais, tem contribuído para a
institucionalização da crise na psicologia social, que persiste até os dias atuais. Contudo, essa
discrepância teórica do estudo de Durkheim abriu perspectiva para Moscovici elaborar a
teoria de representações sociais.
A partir das contribuições recebidas da sociologia, da antropologia e da psicologia,
Moscovici desenvolveu o conceito de representações sociais, com o objetivo de resgatar a
força do “social” sobre o individual. A teoria das representações sociais encontra-se numa
“encruzilhada” entre conceitos sociológicos e psicológicos. Nesse sentido, o social e o
individual são intercambiáveis, fazendo com que a coesão dessas duas vertentes seja justa e
necessária para que a realidade social aconteça.
Segundo Moscovici (2005a), uma representação é social quando apresenta um
conjunto de proposições, reações e avaliações que dizem respeito aos fatos produzidos no
espaço do cotidiano, no discurso de uma pesquisa de opinião ou na conversação, pelo “coro”
coletivo, onde cada um faz parte, mesmo sendo contra. Qualificar uma representação de social
é aceitar que ela é produzida e enquadrada coletivamente. O social é uma característica
própria das representações, uma vez que elas contribuem exclusivamente para os processos de
formação de condutas e orientação das comunicações sociais.
Ao mudar o conceito de coletivo para social, Moscovici pretendia desenvolver um
novo campo de pesquisa, em que as relações dicotômicas (coletivo individual, estável -
instável, pessoa - sociedade, interno - externo) perdessem o significado, dando origem a um
56
novo saber científico, com as bases não mais na sociologia, mas sim na encruzilhada entre o
individuo e a sociedade.
Moscovici pretendia enfatizar, sobretudo, a qualidade dinâmica das representações
sociais, em oposição ao caráter fixo, estático, das representações coletivas. Para o autor, “a
teoria das representações sociais conduz um modo de olhar a psicologia social que exige a
manutenção de um laço estreito entre as ciências psicológicas e as ciências sociais”
(Moscovici, 2005b:8).
A sociedade moderna caracteriza-se pela heterogeneidade, flexibilidade e diversidade,
em oposição ao caráter homogêneo e estático das sociedades tradicionais. O objetivo do
estudo de Moscovici foi de explorar, a partir do conceito de representações sociais, essas
variações e as diferentes idéias coletivas presentes nas sociedades modernas. Segundo
Nóbrega (2003:54), “o advento da teoria das representações sociais registra um aspecto
inovador na história da psicologia social, por estabelecer uma ruptura com a visão dicotômica
do positivismo, particularmente desenvolvida por Durkheim”. Ainda sobre esse aspecto, a
autora afirma que:
O que de fato Moscovici procura não é a tradição de um social pré-estabelecido das
sociedades ditas arcaicas, como fizera Durkheim, mas se interessa pela inovação de um social
móvel do mundo moderno transformado pela divisão social do trabalho e a emergência de um
novo saber. (Nóbrega, 2003:55).
A teoria das representações sociais constitui-se em uma forma particular de evidenciar
o pensamento comum em oposição ao pensamento científico, ressaltando as dimensões
cognitivas e sociais da construção da realidade. Para Moscovici (2005), nas sociedades
contemporâneas existem duas classes distintas de universos de pensamento: universo
reificado e universo consensual.
O primeiro é onde se produz e circulam os pensamentos científicos e eruditos, e o
segundo, o universo consensual, é onde ocorre a elaboração de pensamentos oriundos do
senso comum, resultado da interação social no cotidiano. E é nesse universo que o presente
estudo sobre as “Representações Sociais e construção da identidades dos cabo-verdianos no
Rio de Janeiro: estudantes, imigrantes e descendentes” se insere.
No universo reificado, a sociedade é transformada em um sistema de entidades sólidas,
invariáveis, indiferentes à individualização e não possui identidade. Essa sociedade seria de
tal forma como se as criações constituíssem objetos isolados, tais como as idéias, ambientes e
atividades, fruto de uma grande preocupação com a objetividade e o rigor metodológico.
Por outro lado, no universo consensual, onde se constroem as teorias do senso comum,
a sociedade é uma criação visível, contínua, permeada de sentido e finalidade, considerando a
57
sua existência, agindo e reagindo como tal. Nesse universo ocorrem as interações sociais por
meio das quais as representações se constituem. Nesse universo não se tem compromisso com
o rigor metodológico. Desse modo, todos os seus integrantes se consideram livres para se
comportarem como amadores e observadores, dando opiniões sem terem que se preocupar
com o rigor metodológico e a precisão teórica da ciência.
As representações sociais estão presentes no nosso cotidiano universo consensual
no trabalho, no lar, nos bares e, sobretudo, nos meios de comunicação de massa, nas
interações sociais com as pessoas, manifestando os desejos, necessidades, satisfações e
frustrações. Elas são produtos de grupos específicos, em circunstâncias específicas por elas
definidas. Esses contextos se constituem o “palco” onde os distintos grupos do presente
estudo cabo-verdianos estudantes e imigrantes, bem como os descendentes destes
elaboram diversas representações acerca dos objetos em questão.
Para Moscovici (2005), as representações sociais são fenômenos quase tangíveis, que
circulam e cristalizam-se através de falas, gestos e outros acontecimentos do universo do
cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos,
as comunicações trocadas, está impregnada de representações. Para Nóbrega (2003:58), “as
representações sociais são produzidas no âmbito dos fenômenos comunicacionais que
repercutem sobre as interações e mudanças sociais”.
Nesse sentido, Moscovici (op.cit.) sustenta que a comunicação social desempenha um
papel importante na criação e propagação das representações no seio da sociedade. Ela é o
vetor de transmissão da linguagem, portadora em si de representações, incidindo sobre os
aspectos estruturais e formais do pensamento social, na medida em que engaja processos de
interação. Possibilita, assim, que as representações atuem como um fenômeno propício para
se interpretar como o novo é produzido nos processos de interação social, assim como,
inversamente, estes produzem as representações sociais.
Ressaltando ainda as influências da comunicação e da interação social na produção de
representações, Moscovici (2005:41) diz que:
As pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da cooperação. (…)
uma vez criadas, contudo, elas adquirem vida própria, circulam, se encontram, atraem, se
repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas
representações morrem.
Segundo o autor, as representações sociais são modalidade de conhecimento particular
que têm por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos. Nesse
sentido, entendemos as representações sociais como o conhecimento do senso comum,
58
produzido por intermédio das interações sociais dos grupos em um determinado contexto
social.
O psicólogo social Celso de (1996:29) afirma que “o termo representações sociais
designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria
construída para explicá-los”. Nesse sentido, conceituar representações sociais não é uma
tarefa fácil. Ciente dessa dificuldade, o psicólogo social português, Jorge Vala, diz o seguinte,
“enquanto conteúdo e processo, a idéia de representação social remete-nos para um fenômeno
psicossocial complexo, cuja riqueza torna difícil a produção de um conceito que o delimite”
(Vala, 1993:359).
O próprio Moscovici havia afirmado que apreender a realidade das representações
sociais era uma tarefa fácil, mas defini-lo conceitualmente não era, e apontava razões para que
fosse assim.
Em grande parte, elas são históricas e é por isso que nós devemos encarregar os
historiadores da tarefa de descobri-las. As razões não históricas podem todas ser reduzidas a
uma única: sua posição “mista”, no cruzamento entre uma série de conceitos sociológicos e
uma série de conceitos psicológicos. É nessa encruzilhada que nós temos de nos situar.
(Moscovici, 1978: 41- 42).
Contudo, Moscovici (1981:181, apud, Sá, 1996:31) definiu representações sociais
como “conjuntos de conceitos, de proposições, explicações originadas na vida cotidiana no
curso de comunicações interpessoais, (...) o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e
sistemas de crenças das sociedades tradicionais, uma versão contemporânea do senso
comum”.
Moscovici (1984) esclarece ainda que as representações sociais a cujo estudo se dedica
não correspondem às das sociedades primitivas, nem aos vestígios delas que se encontram no
subsolo da nossa cultura. Pois, são as representações das sociedades atuais, do nosso solo
político, científico e humano, e que nem sempre tiveram tempo suficiente para a sedimentação
que as tornaria tradicionais e imutáveis. (apud Vala, 1993: 354)
Jodelet (2001), depois de examinar todas as tendências que se desenvolveram nesse
campo de estudos e de avaliar as conceituações propostas, começando pelas de Moscovici,
chegou finalmente a definir as representações sociais como “uma forma de conhecimento,
socialmente elaborado e partilhado, com um objetivo prático, e que concorre para a
construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 2001:22).
59
A fim de amenizar a complexidade do conceito das representações sociais, a autora
(op.cit.) adicionou novos elementos esclarecedores da teoria. O primeiro consiste em
caracterizar as representações sócias como uma forma de saber prático que liga um sujeito a
um objeto. Isto implica que uma representação social seja sempre a representação de alguma
coisa (objeto) e de alguém (sujeito).
Nesse sentido, a representação mantém, em relação ao objeto, relações de
simbolização (substituição) e de interpretação (significação). Por outro lado, a autora
considera que a representação é uma construção e uma expressão do sujeito, o qual pode ser
entendido do ponto de vista epistêmico (se remete sobre os processos cognitivos), ou
psicodinâmico (se os destaques são os mecanismos intrapsíquicos e motivacionais), bem
como do ponto de vista social, ou coletivo, devido à necessidade de integrar na análise dos
processos o pertencimento e as participações sociais ou culturais do sujeito. Por conseguinte,
enquanto forma de saber, a representação se apresenta como uma modelização do objeto em
diferentes suportes lingüísticos, comportamentais ou materiais.
As representações sociais são constituídas por imagens e conceitos. As imagens
refletem os objetos concretos do mundo externo, e os conceitos são os pensamentos e as
razões abstratas. (1996:33) diz que, “o primeiro passo para a elaboração da teoria das
representações sociais, a partir do seu conceito, terá sido a estrutura de dupla natureza
conceptual e figurativa”. Por outras palavras, a estrutura de uma representação é constituída
por uma parte figurativa e outra simbólica.
De acordo com Moscovici (2005), essas duas faces são tão indissociáveis quanto a
frente e o verso da folha de uma folha de papel. Pressupõe-se que toda a figura possui um
significado e, conseqüentemente, todo sentido corresponde a uma figura. Em outras palavras,
seria o mesmo que afirmar que aquele que conhece se substitui no que se conhece.
A par disso, Moscovici (2005) afirma que a finalidade de todas as representações é
tornar o desconhecido, o estranho, o não-familiar em algo familiar. Sendo assim, o processo
de formação e funcionamento das representações sociais é condicionado por dois processos: a
objetivação e ancoragem, cuja finalidade consiste em tornar o insólito familiar e o invisível
perceptível. Pela ancoragem, idéias novas são integradas a imagens familiares ou conceito
pré-existentes. E a objetivação faz com que a idéia nova se fixe e se converta em objeto visual
concreto, algo tangível, alterando desse modo as representações pré-existentes.
Para Vala (1993), objetivar seria a forma como se organizam os elementos formadores
da representação e o percurso através do qual tais elementos adquirem materialidade e se
constituem em expressões de uma realidade natural. Nesse sentido, Jodelet (2001, p.38)
60
define o processo de objetivação em três etapas: a construção seletiva, a esquematização
estruturante e a naturalização.
Na descontextualização seletiva, as informações, crenças e idéias acerca do objeto da
representação são selecionadas e descontextualizadas, a partir das quais são elaboradas
enquanto fatos próprios ao universo do senso comum. Segundo Vala (op. cit.), “o que está em
questão nesse caso é a formação de um todo relativamente coerente, fazendo com que
somente uma parte da informação disponível do objeto seja utilizada”.
A esquematização estruturante ou construção de um núcleo figurativo corresponde à
organização dos elementos, de modo a constituírem esquemas de relações estruturadas. É o
elemento mais estável da representação. De acordo com Nóbrega (2003, p.66),
Este núcleo estruturante tem duas funções - geradora e organizadora - a partir das quais atribui
sentido e determina os elos de unificação entre os outros elementos (periféricos) que se
entrelaçam na formação do tecido representacional. Além de organizador, o núcleo tem a
propriedade de assegurar a estabilidade da estrutura imageante (Nóbrega, 2003: 66).
Por último, pela naturalização, resultado final do processo de objetivação, os conceitos
retidos no esquema figurativo se concretizam, e as respectivas relações constituem-se em
categorias naturais e adquirirem materialidade. A naturalização atribui plena realidade à
abstração, através da expressão de imagens e metáforas; assim, o que era percepção torna-se
equivalente a realidades e conceitos.
Segundo (1993), Moscovici considera que objetivar consiste em materializar
pensamentos abstratos, dar sentido a uma imagem, descobrir a qualidade icônica de uma
idéia. A objetivação permite a fixação de novas idéias, transformando-as em um objeto
concreto, familiar. A objetivação equivaleria assim à materialização de um objeto abstrato,
duplicação de um sentido por uma figura, sua naturalização.
Por sua vez, a ancoragem seria a interpretação de um objeto a partir de um pensamento
existente, ou seja, a duplicação de uma figura por um sentido. De acordo com Nóbrega
(2003), a ancoragem está dialeticamente articulada à objetivação, a fim de garantir as três
funções fundamentais da representação: incorporação do novo, interpretação da realidade e
orientação dos comportamentos.
Para Moscovici (2005a), ancorar é incorporar idéias estranhas a categorias comuns,
conhecidas, familiares. É incluir o estranho, o desconhecido em uma categoria de pensamento
que julgarmos apropriados, como ele destaca:
61
Se a objetivação explica como os elementos representados de uma teoria se integram
enquanto termos da realidade, a ancoragem permite compreender a forma como eles
contribuem para exprimir e constituir as relações sociais (Moscovici, Apud, Vala, 1993: 362).
Segundo Jodelet (2005, p. 48), este processo (ancoragem) diz respeito às maneiras
pelas quais “as novas informações são integradas e transformadas em um conjunto de
conhecimentos socialmente estabelecidos e nas redes de significações socialmente
disponíveis, para interpretar o real, onde são, em seguida, reincorporadas na qualidade de
categorias servindo de guias de compreensão de ação.”
De acordo com Vala (1993), pode-se dizer, por um lado, que a ancoragem precede a
objetivação e, por outro, que se situa na seqüencia desta. Reforçando a sua tese o autor
prossegue dizendo que:
Enquanto processo que precede a objetivação, a ancoragem refere-se ao facto de qualquer
tratamento da informação exigir pontos de referência: quando um sujeito pensa um objecto, o
seu universo mental não é, por definição, uma tábua rasa. Pelo contrário, é por referência a
experiências esquemas de pensamentos estabelecidos que o objecto em questão vai ser
pensado. (Vala, 1993:362)
Compreende-se que, de acordo com a interpretação de Vala, a ancoragem exerce duplo
efeito sobre a objetivação. No primeiro momento, diz respeito à dupla influência que o
conteúdo e os processos de funcionamento do sistema cognitivo exercem sobre a objetivação
e as etapas que envolvem a sua elaboração. No segundo, a ancoragem, enquanto processo que
se segue à objetivação, se refere à função social das representações. Para o autor, a ancoragem
funciona como estabilizador do meio e como redutor de novas mensagens. Ela permite a
produção e transformação das representações existentes.
Segundo Nóbrega (2003), tal como a objetivação, a ancoragem também se encontra
estruturada em três condições estruturantes: atribuição de sentido, instrumentalização de saber
e o enraizamento no sistema do pensamento. Na primeira, ao novo é atribuído um significado
que o vincula aos sistemas de valores culturais do grupo.
A instrumentalização do saber permite que o objeto incorporado ajude os indivíduos a
interpretarem o real. O saber funcional da representação contribui para a construção das
relações sociais, interpretando e gerindo a realidade dos grupos e dos indivíduos. Nesse
sentido, a autora (op.cit.; p.69), diz que “a relação entre o indivíduo e seu meio ambiente é
mediatizado pelo sistema de interpretação no qual o novo objeto (ciência, coisa,
conhecimento) é transformado em saber útil que tem função na tradução e na compreensão
do mundo”. Finalmente, o enraizamento no sistema do pensamento consiste na incorporação
social do novo e no enraizamento e familiarização do estranho no pensamento existente. A
62
incorporação do novo ao saber existente origina novas interpretações das realidades, por meio
dos processos de classificação, comparação e categorização do novo.
Nesse sentido, vale ressaltar que devido à indissociabilidade entre o social e o
individual, a teoria das representações sociais tem sido um instrumento eficaz para interpretar
a relação do homem com os fatos sociais. Numa combinação de atividades cognitivas e
simbólicas de um grupo social, a teoria das representações sociais tem permitido compreender
como os integrantes de um grupo elaboraram, por meio do senso comum, explicações práticas
da realidade social.
Segundo Abric (2000), as representações sociais são responsáveis por duas
finalidades: proporcionar às pessoas formas de dar sentido ao seu mundo através de aquisição
de conhecimento do senso comum e facilitar a possibilidade de compartilhar idéias. Estas
funções exprimem o processo de formação de condutas, diferenciação social e orientação das
comunicações sociais. Por outro lado, elas facilitam a interpretação dos comportamentos e
relações sociais, além de guiar as ações e alterar o contexto da ação. Nessa perspectiva, o
autor acrescenta duas outras funções às representações sociais: a função identitária, que
ressalta a identidade do grupo e sua especificidade; e a função justificadora, que permite aos
sujeitos manterem e justificarem os comportamentos de diferenciação social nas relações
entre os grupos.
Concluindo, para os autores aqui resenhados, só se faz sentido falar em representações
sociais em se tratando de um grupo específico de indivíduos. A teoria das representações
sociais possibilita entender como um grupo social forma um conjunto de idéias e conceitos
que expressam a sua identidade e isso diz respeito à forma como ele interpreta e age diante da
realidade na qual está inserido. E é essa teoria que se tem como pano de fundo para analisar e
interpretar os conteúdos das representações elaboradas pelos cabo-verdianos residentes no Rio
de Janeiro acerca do Brasil, dos brasileiros, dos próprios cabo-verdianos, de Cabo Verde e de
outros objetos representacionais emergentes no contato face a face com a sociedade receptora.
De igual modo crê-se que a teoria das representações sociais contribuirá para
interpretar a complexa identidade cabo-verdiana. De fato, se a identidade de um grupo é
determinada pelas representações que os indivíduos pertencentes a este grupo constroem, a
pesquisa empírica que se propõe a seguir deve produzir um importante esclarecimento do
processo de construção e reconstrução da identidade dos distintos grupos de cabo-verdianos
estudantes, imigrantes e os filhos destes últimos durante a sua permanência no Brasil e, em
especial, no Rio de Janeiro.
63
3.2. Representações sociais e Identidades sociais
Ao estudarmos as representações sociais, temos a possibilidade de entender como um
grupo de pessoas forma um conjunto de idéias e conceitos que expressam sua identidade e
dizem respeito à forma como interpretam e agem diante da realidade na qual estão inseridas.
As representações sociais, bem como as identidades são dinâmicas encontram-se em
permanente mudança, num processo de constante produção e reprodução de sentido porque
elas são sociais, ou seja, agem sobre o homem e o mundo.
O homem precisa interagir com o meio – natural e social – em que se encontra
inserido. No decurso dessas relações entre indivíduo e sociedade, dá-se a apreensão de traços
diferentes que fazem com que ele identifique a si e ao outro. Nesse processo dialético do
psicológico com o sociológico é que as identidades se emergem. Os indivíduos interagem em
diferentes grupos sociais, assumindo diferentes identidades coletivas, identificando-se com
esses grupos e assumindo o sentido de que a eles pertencem.
Para Woodward (2004) as “identidades” são produzidas através da marcação da
diferença. Essa fixação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de
representações como, quanto por meios de exclusão social. A identidade, pois, não é o oposto
da diferença: a identidade depende da diferença. Nas relações sociais, essas formas de
diferença a simbólica e a social são estabelecidas, ao menos em parte, por meio de
sistemas classificatórios. Para o autor, toda identidade é constituída a partir do diferente numa
relação entre eu e o outro.
Pelo o que vem sendo exposto ao longo desta pesquisa, supõe-se que esta tensão entre
diferença e identidade seria o motor das relações entre cabo-verdianos e brasileiros, cariocas
em particular, e é por meio deste que as identidades sociais e culturais dos cabo-verdianos se
estabelecem. A identidade se manifesta em função de como se representa à identidade do
outro.
A identidade e a diferença são estritamente dependentes das representações. As
representações emergem do cotidiano, nas práticas sociais do dia-a-dia desses sujeitos sociais
em diferentes espaços e contextos sociais dessa cidade. E esta pesquisa se propõe a cotejar
tais representações.
A identidade de um indivíduo é construída ao longo da sua vida e se reveste
cumulativamente de várias facetas identitárias, mutáveis e até contraditórias entre si, mas que
se mantém certa coerência e estabilidade. Sobrinho (1998:120) considera que é “através da
64
construção de representações de diferentes objetos em disputa dentro de um campo particular
do espaço social que um determinado grupo constrói traços distintos de sua identidade”.
A identidade do grupo é condicionada por uma oposição entre a sua identidade e a
diferença em relação a outros grupos, o que suscita a elaboração de representações sobre
diferentes objetos que ocasionam essas oposições. É um processo construído de forma
dinâmica e dialética, um processo de personalização sempre mutável e provisório. Ela é ao
mesmo tempo individual e social, supõe uma interrestruturação entre as identidades
individuais e sociais, em que os componentes psicológicos e sociológicos se articulam
organicamente.
Nesse sentido, Pujudas (1993) considera que, a construção das identidades é marcada
por processos ativos e dinâmicos surgidos das interações cotidianas do sujeito com a
sociedade. Desse modo, não temos mais uma identidade vinculada de forma estática a um
conjunto de heranças, mas um processo dinâmico que organiza e reelabora esses valores e
comportamentos, agregando novos elementos no processo da identidade.
A identidade é uma questão chave na representação de qualquer objeto, ou seja, na
estruturação de seu campo de representação. Indivíduos e grupos expressam sua identidade
através de suas representações. Segundo Silva (2004, p.91), “É por meio de representação,
assim compreendida, que a identidade e a diferença adquirem sentido. É por meio da
representação, que a identidade e a diferença passam a existir. Representar significa, neste
caso, dizer “essa é a minha identidade”, “a identidade é isso”. As representações sociais
orientam as condutas dos grupos e indivíduos. Elas circulam no espaço público, são forjadas
nas interações inscritas na linguagem e na prática.
(1998), reforçando a tese diz que os fenômenos das representações sociais estão
dispersos na cultura, instituições, nas práticas sociais, nas comunicações interpessoais e de
massa e nos pensamentos individuais. São difusos, multifacetados dinâmicos, sempre em
mutação e movimento, são encontrados nas interações sociais. O que entende- se que a
comunicação é de suma importância para a produção, divulgação das representações sociais.
Sobre este aspecto Moscovici (2005), afirma que, as representações
sustentadas pelas influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas
e servem como o principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos ligamos
uns aos outros. Através da comunicação somos capazes de nos ligar com outros ou de nos
distanciarmos deles.
A pesquisa empírica revelou que a memória social e a identidade social caminham
lado a lado, pois constatou que, as representações do passado construídas pelos imigrantes
65
cabo-verdianos residentes no Brasil, em média, mais de três décadas sao apreendidas e
reproduzidas pelos filhos -, brasileiros que nunca visitaram Cabo Verde. Sobe este aspecto
Machel Pollak, comenta “a memória e a identidade são valores disputados em conflitos
sociais e intergrupais, e particularmente que opõe grupos políticos diversos
(Pollak,1992:205)”. Nesse sentido, entende-se que o sentimento de pertencimento,
continuidade e unidade é próprio dos grupos sociais, ou melhor, são próprios dos homens.
Sendo assim, entende-se que a memória coletiva /social do grupo pesquisado
desempenha na diáspora, referindo-se ao espaço brasileiro um importante instrumento de
construção da identidade dos cabo-verdianos no Brasil. Segundo Pollack (1992), na diáspora a
memória torna-se um elemento de construção de identidade, tanto individual como coletiva.
Por outro lado, ela, a memória, é um elemento de suma importância no processo de (re)
produção e coerência de um individuo ou de um grupo na construção de si. O autor entende a
identidade como uma imagem de si e dos outros, ou seja, uma identidade construída
individual e socialmente da forma como queremos que ela seja percebida pelos outros. Neste
sentido, a identidade é concebida como algo não fechado em si mesmo, mas como condição
dentro de um sistema de relações sociais, construída histórica e socialmente, pois está sujeita
a mudança.
Com ênfase na linha da construção social da memória, Bento (2005) desenvolveu e
apoiou no conceito da “Memória Híbrida”, como um instrumento teórico para pensar a
hibridez da cultura cabo-verdiana e, conseqüentemente, as novas identidades sociais que se
formam na diáspora, tendo em conta o contexto da pós-modernidade em que as identidades se
fragmentam, rompendo com as identidades fixas e estáticas, analisadas por sociólogos como
Maurice Halbwachs e Michael Pollak, autores clássicos de memória coletiva.
Para o autor, a memória híbrida afigura-se em vários aspectos como uma identidade
relacional e histórica, uma identidade individual que está ancorada no espaço, no tempo e nas
suas referências sociais, porém estas estão em constante devir. É esta característica híbrida da
memória cabo-verdiana que faz com que rapidamente os cabo-verdianos perdem os vínculos
com o passado e, é através desta memória híbrida que a história da escravidão em Cabo Verde
não passa de um simples “folclore”, pois a construção social desta memória permitiu a
reelaboração das vivências traumáticas que a memória escravocrata poderia deixar as
gerações de cabo-verdianos. Assim sendo, os cabo-verdianos tendo perdido suas raízes etno-
culturais, neste sentido, afro-europeus, jamais se identificam nem como africanos e nem como
europeus, mas sim como cabo-verdianos produtos do cruzamento das duas raças, assim como
os brasileiros.
66
Segundo o autor, o fato é que, enquanto Hall (2002) percebe que a sociedade pós-
moderna, por estar inserida num contexto de profundas mudanças e transformações, está
mudando o sujeito com a identidade unificada e estável, tornando-o fragmentado, composta
de várias identidades, a “Memória Híbrida”, conforme Bento (2005) já nasce mesclada, móvel
e sempre disposta a travar relações.
Para Artur Bento (idem), a “Memória Híbrida” está ancorada em estruturas sociais que
funcionam como referências para os agentes sociais, mas trata-se de uma memória
permanentemente reconstruída através das sucessivas gerações de cabo-verdianos, se
levarmos em conta a mestiçagem e hibridez da sociedade cabo-verdiana, que tende a se
aproximar de outros povos, alterando assim, desejos, expectativas, características identitárias.
Bento (op.cit) afirma que, é possível pensar que a “Memória Híbrida” está
condicionada a integração dos cabo-verdianos no Rio de Janeiro, à medida que a sociedade
brasileira se afigura global. Neste sentido, em consonância com o Bento (op.cit), afirma-se
que a memória híbrida significa mesclar elementos culturais cabo-verdianos e brasileiros ou,
mais especificamente, cariocas, de modo que o primeiro se altera a partir do encontro com o
segundo, instalando-se um processo de permanente recriação de sua memória.
67
4.0. PARA A PESQUISA EMPIRICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
CONSTRUÍDAS PELOS CABO-VERDIANOS NO BRASIL
4.1. Objetivos
Considerando o problema de pesquisa como caracterizado na introdução deste estudo,
bem como os termos da fundamentação teórica eleita para desenvolvê-la, descritos na
fundamentação teórica capítulo 2 são estabelecidos os objetivos geral e específico que se
seguem.
4.1.1. Objetivo geral
O objetivo geral da presente pesquisa consiste em analisar e compreender a
reconstrução identitária da comunidade cabo-verdiana no Rio de Janeiro, através da forma
como ela se expressa nas representações sociais desenvolvidas acerca de objetos de natureza
sóciointeracional, cultural e histórica pertinentes.
4.1.2. Objetivos específicos
· Levantar os objetos de representação que, por sua natureza sóciointeracional, cultural e
histórica, por sua origem ou ambientação em Cabo Verde e/ou no Brasil e por seu
caráter inter-relacionado, se prestem à identificação de uma expressão própria dos
sujeitos na produção representacional;
· Descrever e comparar os conjuntos inter-relacionados de representações sociais
desenvolvidas por estudantes cabo-verdianos temporariamente residentes no Rio de
Janeiro, por imigrantes radicados nessa cidade e por filhos brasileiros desses
imigrantes;
· Descrever e comparar as representações sociais que os distintos conjuntos de sujeitos
terão construído acerca dos seus próprios grupos cabo-verdianos estudantes,
imigrantes e filhos brasileiros destes –, a partir de como acreditam ser representados
pelos dois outros grupos afins e pela sociedade brasileira.
68
4.2..0. Metodologia
4.2.1. Participantes
Participaram deste estudo três grupos distintos de cabo-verdianos residentes no Rio de
Janeiro: estudantes, imigrantes e descendentes, brasileiros filhos de cabo-verdianos. o
obstante, foram entrevistados cinqüenta (50) sujeitos ao todo, sendo vinte (20) estudantes,
vinte (20) imigrantes e dez (10) descendentes.
4.2.2. Técnica de coleta de dados.
Em se tratando de um estudo descritivo qualitativo foi usada entrevista semi-
estruturada elaborada a partir do estudo exploratório, que consistia em observações
participantes e anotações nos encontros de confraternizações realizadas pelos grupos
investigados.
4.2.3. Coleta de dados.
As entrevistas foram realizadas nos locais de residência dos sujeitos pesquisados, na
região metropolitana do Rio de Janeiro, no período de Julho a Dezembro de 2007. Os sujeitos
foram entrevistados após aceitação destes e da assinatura do termo de consentimento. As
entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro
Os estudantes entrevistados residiam nos bairros de Botafogo, Flamengo, Laranjeiras,
Tijuca, Vila Isabel e no município de Niterói. Os imigrantes e descendentes, em sua grande
maioria, residiam na Baixada Fluminense, nos Municípios de Nova Iguaçu, Mesquita, Belford
Roxo, no entanto foram entrevistados alguns migrantes residentes nos bairros de Vila Isabel,
Tijuca e Centro da Cidade.
4.2.4. Análise dos dados
Para análise das entrevistas foi utilizada a técnica de análise de conteúdo de BARDIN
(1978), a fim de melhor apreender os distintos conteúdos temáticos das entrevistas realizadas.
A comparação entre as produções dos diferentes grupos de sujeitos foi feita em função da
presença ou ausência de conteúdos temáticos. Para análise foram tomadas as Unidades de
69
Registro como recortes, e a partir destes foram registrados os temas ou unidades de
significações de cada UR. As unidades de significações foram agrupadas por assuntos que
deram origem às categorias e subcategorias a partir das quais se fez a análise para a apreensão
dos conteúdos das representações sociais dos distintos objetos do presente estudo.
70
5.0. RESULTADOS DA PESQUISA EMPÍRICA E SUA DISCUSSÃO
O presente capítulo versa sobre os resultados da pesquisa empírica, realizada com a
comunidade cabo-verdiana, residente no Rio de Janeiro, a propósito da (re) construção da sua
identidade, como refletida nas representações sociais por ela formadas acerca do Brasil, de
Cabo Verde e de diversos outros objetos específicos pertinentes. Inicialmente, será
apresentada uma breve descrição dos participantes da pesquisa. Em seguida, serão
apresentados e discutidos os resultados substantivos do estudo empírico das representações
sociais.
5.1. Perfil sócio-demográfico da amostra populacional estudada
Como mostra a Figura 3, a amostra da população estudada está subdividida em três
grupos distintos de cabo-verdianos residentes na cidade do Rio de Janeiro. Participaram da
investigação 50 (cinqüenta) cabo-verdianos, sendo esse total formado por 40% de estudantes
jovens cabo-verdianos em busca de uma qualificação profissional de nível superior
(graduação e pós-graduação) no Brasil –, 40% por imigrantes cabo-verdianos que vieram
para o Brasil, ainda jovens, no período de 1950 a 1970, em busca de trabalho e melhores
condições de vida 20% pelos descendentes destes - brasileiros filhos de cabo-verdianos,
nascidos no Brasil.
Figura 3. Distribuição da amostra populacional investigada
Para efeito de uma identificação mais específica desse grupo, fora feito levantamento
de algumas variáveis sociais, consideradas pertinentes, tais como: idade, sexo, situação
profissional, grau de instrução, estado civil, ilha de origem, área de estudos e o tempo de
permanência no Brasil.
71
Em termos etários, o grupo se subdivide em três gerações distintas, sendo que a faixa
etária dos inquiridos varia de 17 a 75 anos, como apresentado na Tabela 1. Os estudantes são
jovens de 17 a 30 anos de idade, observando-se uma predominância da faixa entre 21 a 24
anos de idade. Os imigrantes são todos adultos, têm entre 45 a 75 anos de idade, com uma
maior presença daqueles na faixa de 52 a 75 anos. Os descendentes têm entre 21 e 45 anos de
idade, verificando-se uma ligeira predominância de pessoas entre 31 a 40 anos.
17 a 20 anos 3 15,0% 0 0,0% 0 0,0% 3 6,0%
21 a 24 anos 11 55,0% 0 0,0% 1 10,0% 12 24,0%
25 a 30 anos 6 30,0% 0 0,0% 3 30,0% 9 18,0%
31 a 40 anos 0 0,0% 0 0,0% 4 40,0% 4 8,0%
41 a 45 anos 0 0,0% 5 25,0% 2 20,0% 7 14,0%
46 a 52 anos 0 0,0% 4 20,0% 0 0,0% 4 8,0%
52 a 75 anos 0 0,0% 11 55,0% 0 0,0% 11 22,0%
Total
20
100,0%
20
100,0%
10
100,0%
50
100,0%
f % f % f %
Idade
Estudantes Imigrantes Descendentes Total
f %
Tabela 1. Distribuição da amostra quanto à idade. Rio de Janeiro, 2007.
A amostra está constituída por 58% de participantes do sexo feminino e 42% do sexo
masculino, como mostra a Tabela 2.
Masculino 6 30,0% 6 30,0% 7 70,0% 19 38,0%
Feminino 14 70,0% 14 70,0% 3 30,0% 31 62,0%
Total
20
100,0%
20
100,0%
10
100,0%
50
100,0%
% f %
Sexo
Estudantes Imigrantes Descendentes Total
f % f % f
Tabela 2. Distribuição da amostra quanto ao sexo. Rio de Janeiro, 2007.
Como esperado e como mostra a Tabela 3, quase a totalidade dos estudantes são
solteiros, enquanto os imigrantes são majoritariamente casados. De acordo com as
observações do estudo empírico, constatou-se que os imigrantes casaram principalmente entre
si, tendo em média três a quatro filhos por casal. Quanto aos descendentes, a maioria são
solteiros, sendo que, dos três que se casaram, dois estão divorciados. Observou-se que os
descendentes jovens tendem a procurar parceiros brasileiros; no entanto, os de idade mais
avançada (40 a 45 anos) casaram-se com filhos de cabo-verdianos ou com imigrantes cabo-
verdianos.
72
Casado 2 10,0% 17 85,0% 1 10,0% 20 40,0%
Solteiro 18 90,0% 2 10,0% 7 70,0% 27 54,0%
Divorciado 0 0,0% 0 0,0% 2 20,0% 2 4,0%
Viúva(o) 0 0,0% 1 5,0% 0 0,0% 1 2,0%
Total
20
100,0%
20
100,0%
10
100,0%
50
100,0%
% f %
Estado Civil
Estudantes Imigrantes Descendentes Total
f % f % f
Tabela 3. Distribuição da amostra quanto ao estado civil. Rio de Janeiro, 2007.
Em relação ao vínculo profissional, verifica-se, pela Tabela 4, que três quartos dos
imigrantes da amostra são aposentados e 25% são profissionais ativos, desempenhando
funções de contador, empresário, garçom e diarista ou mulheres do lar. Entre os descendentes,
50% são estudantes e 50% são profissionais ativos, em funções como professores, arquitetos e
empresários.
Estudante 20 100,0% 0 0,0% 5 50,0% 25 50,0%
Aposentado 0 0,0% 15 75,0% 0 0,0% 15 30,0%
Diarista 0 0,0% 2 10,0% 0 0,0% 2 4,0%
Professor 0 0,0% 0 0,0% 3 30,0% 3 6,0%
Arquiteto 0 0,0% 0 0,0% 1 10,0% 1 2,0%
Contador 0 0,0% 1 5,0% 0 0,0% 1 2,0%
Empresário 0 0,0% 1 5,0% 1 10,0% 2 4,0%
Garçom
0
0,0%
1
5,0%
0
0,0%
1
2,0%
Total 20 100,0% 20 100,0% 10 100,0% 50 100,0%
Total
f % f % f % f %
Ocupação profissional
Estudantes Imigrantes Descendentes
Tabela 4. Distribuição da amostra quanto à ocupação. Rio de Janeiro, 2007.
Quanto aos estudantes por determinação das políticas brasileiras restritivas as
migrações e fronteiras
27
, bem como pelas normas do Programa de Estudantes Convênio de
Graduação (PEC-G), o lhes é permitido exercer atividades profissionais remuneradas no
país, cabendo a eles somente praticar estágios curriculares.
De acordo com as informações recolhidas no estudo empírico, os imigrantes chegaram
ao Brasil sem uma profissão definida, o que os levou a desempenhar diferentes funções nessa
metrópole e fora dela, tais como, operários na construção civil, nas fábricas e indústrias
têxteis, no estaleiro naval; ajudantes de serviços gerais em empresas públicas e privadas;
marinheiros nos navios transatlânticos e empregadas domésticas e babás nas casas de família
da classe média.
27
Os estudantes são portadores do visto temporário, Item IV, e este visto não permite aos estrangeiros exercerem atividades
remuneradas no País.
73
Contudo, constatou-se que muitos destes imigrantes deixaram de trabalhar como
assalariados, pois abriram comércios – bares, padarias e mercearias nas regiões onde
residem, transitando da condição de empregado a proprietário tanto dos estabelecimentos
comerciais quanto de imóveis residenciais. Segundo os relatos e observações recolhidas,
verificou-se que grande parte desses estabelecimentos foi aberta com o objetivo de
proporcionar uma ocupação às esposas, que deixaram de trabalhar fora após o casamento.
Em geral as cabo-verdianas imigrantes não trabalham fora, dedicando-se às chamadas
“prendas do lar” e cabendo-lhes o papel de educar os filhos, cuidar da casa e da família. Não
obstante, costumam ser as funcionárias dos estabelecimentos comerciais da família. As
imigrantes deixaram de trabalhar fora após o nascimento dos filhos, reproduzindo assim os
papeis sociais da condição feminina da sociedade de origem.
Atualmente, com a chegada das grandes redes de super e hipermercados na região
onde moram, alguns comerciantes, incapazes de enfrentar a concorrência, acabaram vendendo
ou alugando seu comércio a terceiros e vivem das aposentadorias e aluguéis dos imóveis.
Quanto à escolaridade da amostra investigada, a Tabela 5, que se segue, apresenta a
distribuição dos três segmentos que a compõem pelos diferentes níveis.
Fundamental Incompleto 0 0,0% 9 45,0% 0 0,0% 9 18,0%
Fundamental Completo 0 0,0% 5 25,0% 0 0,0% 5 10,0%
Médio Incompleto 0 0,0% 3 15,0% 1 10,0% 4 8,0%
Médio Completo 0 0,0% 1 5,0% 2 20,0% 3 6,0%
Superior 18 90,0% 2 10,0% 7 70,0% 27 54,0%
Mestrado 1 5,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 2,0%
Doutorado 1 5,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 2,0%
Total
20
100,0%
20
100,0%
10
100,0%
50
100,0%
f % f % f %
Nível de Escolaridade
Estudantes Imigrantes Descendentes Total
f %
Tabela 5. Distribuição da amostra quanto ao nível de escolaridade. Rio de Janeiro, 2007.
Verifica-se que a quase totalidade dos estudantes são graduandos de nível superior,
além de um mestrando e de um doutorando. os imigrantes grosso modo possuem pouca
escolarização, pois quase metade deles não chegou a concluir o ensino fundamental e somente
um quarto possui este nível de instrução escolar. Entretanto, observou-se que alguns
imigrantes deram prosseguimento aos estudos após a chegada ao Brasil, pois quatro deles
alcançaram o nível médio, embora apenas um o tenha completado, e dois possuem o nível
superior de escolaridade.
74
Quanto ao grau de instrução dos brasileiros de origem cabo-verdiana, verifica-se, de
acordo com a Tabela 6, que a grande maioria possui o nível superior
28
e os restantes chegaram
ao nível médio, completando-o ou não. Pôde ser ainda observado, durante o trabalho de
campo, que a condição social atingida por estes é motivo de orgulho e satisfação para os pais,
que se consideram realizados por terem proporcionado aos filhos uma boa educação formal.
De igual modo, constatou-se que esses brasileiros de origem cabo-verdiana atingiram status
sociais diferenciados dos pais graças ao sucesso escolar alcançado, o que lhes garantiu
empregos qualificados em diversos setores das instituições públicas brasileiras.
As áreas acadêmicas de maior concentração dos estudantes são as ciências humanas e
sociais, com mais da metade dos inquiridos, distribuindo-se os restantes pelas ciências
tecnológicas e exatas, principalmente, e pelas ciências biológicas e da saúde. Os dois
imigrantes que possuem o nível superior são das áreas humanas e sociais, assim como a quase
totalidade dos descendentes que alcançaram tal nível de escolaridade. A tendência do grupo
em optar pelas ciências humanas e sociais tem englobado os cursos de direito, educação,
ciências sociais, serviço social, administração, ciências econômicas e contábeis. Nas áreas
tecnológicas têm predominado os cursos da engenharia e, nas ciências biológicas e da saúde,
registram-se os cursos de medicina, odontologia e biologia.
Ciências Humanas e Sociais 11 55,0% 2 10,0% 6 60,0% 19 47,5%
Ciências Tecnologias e Exatas 6 30,0% 0 0,0% 1 10,0% 7 17,5%
Ciências de saúde e Biomédicas 3 15,0% 0 0,0% 0 0,0% 3 7,5%
Total 20 100,0% 2 10,0% 7 70,0% 29 72,5%
f % f % f %
Àreas de Estudos
Estudantes Imigrantes Descendentes Total
f %
Tabela 6. Distribuição da amostra quanto às áreas de estudo. Rio de Janeiro, 2007.
Passando à origem, em Cabo Verde, das amostras de imigrantes e estudantes, a Tabela
7 mostra um predomínio dos participantes originários das ilhas de Barlavento em detrimento
daqueles das ilhas de Sotavento. Assim, dos imigrantes procedentes do primeiro conjunto,
mais da metade são naturais da ilha de São Nicolau, sendo os demais de Santo Antão, e da
ilha de São Vicente. De igual modo, mais da metade dos universitários são naturais das ilhas
de Barlavento, distribuindo-se entre São Nicolau, principalmente, Santo Antão e São Vicente.
Contudo, um percentual próximo é de naturais das ilhas de Sotavento, oriundos quase todos
da ilha de Santiago, além de um estudante ser da ilha do Fogo.
28
Nem todos concluíram, pois 40% são graduandos.
75
Santo Antão 7 35,0% 7 35,0% 0 0,0% 14 35,0%
São Vicente 3 15,0% 2 10,0% 0 0,0% 5 12,5%
São Nicolau 1 5,0% 11 55,0% 0 0,0% 12 30,0%
Santiago 8 40,0% 0 0,0% 0 0,0% 8 20,0%
Fogo 1 5,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 2,5%
Total 20 100,0% 20 100,0% 0 0,0% 40 100,0%
% f %
Ilha de origem
Estudantes Imigrantes Descendentes Total
f % f % f
Tabela 7. Distribuição da amostra quanto à origem, em Cabo Verde. Rio de Janeiro, 2007.
Finalmente, o tempo de permanência no Brasil dos pesquisados imigrantes e
estudantes – diverge bastante, como evidenciado na Tabela 8. Em média, os estudantes
permanecem de 5 a 10 anos no Brasil, pois têm tempo limitado de estada no país. Nesse
sentido, constata-se que a maioria dos estudantes pesquisados têm entre 2 a 5 anos de
permanência no Brasil, seguida de perto por aqueles com 6 a 8 anos, além de apenas um na
faixa de 8 a 10 anos. Quanto aos imigrantes, o levantamento revelou que quase três quartos
deles estão no Brasil há mais de 30 anos e um quarto já há mais de 50 anos.
2 a 5 anos 11 55,0% 0 0,0% 0 0,0% 11 27,5%
6 a 8 anos 8 40,0% 0 0,0% 0 0,0% 8 20,0%
8 a 10 anos 1 5,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 2,5%
20 a 30 anos 0 0,0% 1 5,0% 0 0,0% 1 2,5%
30 a 40 anos 0 0,0% 5 25,0% 0 0,0% 5 12,5%
40 a 50 anos 0 0,0% 9 45,0% 0 0,0% 9 22,5%
Mais de 50 anos 0 0,0% 5 25,0% 0 0,0% 5 12,5%
Total
20
100,0%
20
100,0%
0
0,0%
40
100,0%
f % f % f %
Tempo de permanência no Brasil
Estudantes Imigrantes Descendentes Total
f %
Tabela 8. Distribuição da amostra quanto ao tempo de permanência no país. Rio de Janeiro, 2007.
5.2. As Imagens do Brasil, segundo a Comunidade Cabo-verdiana
As entrevistas realizadas com 20 estudantes, 20 imigrantes e 10 descendentes
permitiram identificar conteúdos mais específicos, diversificados e detalhados das
representações formadas por eles acerca do Brasil e do povo brasileiro, bem como das suas
próprias relações com os países de origem e de acolhimento, bem como com os seus
respectivos povos, o que, em última análise, consubstancia as identidades sociais próprias que
terão reconstruído durante a sua permanência aquém do ou melhor, de parte do Oceano
Atlântico.
Nesse sentido, a seguir, serão apresentados e discutidos os resultados obtidos na
presente pesquisa no que se refere a tais representações sociais. A apresentação é organizada
76
em blocos de dimensões suficientemente distintas, que comportam discussões parciais.
Reserva-se para a Conclusão deste trabalho uma discussão conjunta dos resultados das
diferentes dimensões.
Para melhor interpretação dos dados, esta parte da pesquisa foi subdividida em dois
itens: “o Brasil das Novelas”, que versa sobre as representações sociais do grupo acerca do
Brasil quando ainda se encontrava em Cabo Verde, e “o Brasil das Novelas e a Realidade”,
que trata das imagens construídas pelo grupo sobre o país de acolhimento, a partir da
interação social deste com a sociedade brasileira e, em especial, carioca.
5.2.1. O Brasil das Novelas
Figura 4. Cristo Redentor
29
Figura 5. Orla de Copacabana Figura 6
. Aterro do Flamengo
Esta seção versa sobre o conteúdo das representações sociais dos grupos pesquisados
sobre o Brasil antes da sua vinda ao país. No conjunto da análise, observa-se que as
freqüências das referências positivas quanto à imagem do Brasil são maiores do que as
negativas. Nota-se que os participantes, antes de virem para o Brasil, tinham uma
representação acerca do mesmo, pois a maioria dos estudantes afirmou que a imagem que
tinham do Brasil quando ainda estavam em Cabo Verde foi construída a partir das telenovelas,
ou seja, o Brasil das novelas, como comumente o grupo se refere a ela. As telenovelas
brasileiras, transmitidas pela Televisão de Cabo Verde TCV, em horário nobre a nível
nacional, além de ser um dos principais meios de entretenimento da população cabo-verdiana,
exercem um papel preponderante na construção de representações do Brasil e da sociedade
brasileira no arquipélago.
A partir das peripécias e das belas imagens da cidade maravilhosa, passadas na
teledramaturgia, esses estudantes construíram a imagem de um Brasil “lindo”, “maravilhoso”,
29
Disponível em http://www.colorfotos.com.br/rio_de/imagens.htm
77
um país “perfeito” de belas paisagens, de gente bonita, bem-sucedida, com poucos “pobres”,
um verdadeiro “paraíso”, que todos almejam conhecer um dia. Os investigados afirmam:
[...] a imagem que eu tinha do Brasil... É o Brasil das novelas, nas novelas apresentavam o
Brasil como um paraíso! Brasil... Copacabana, Leblon, Brasil era um paraíso! Aí, mas
assim... A parte, por exemplo, assim das favelas eu nunca vi, vi aqui. As pessoas falavam
favela, eu nem sabia o que queria dizer favela, mas aqui eu vi o que é favela mesmo, as
pessoas vivem na rua, nem sabia que no Brasil tinha pessoa que vive na rua, crianças
passando fome... (Estudante 07; Setembro de 2007)
[...] Papai falava muito mesmo daqui. Brasil, principalmente da Argentina ele falava que o
Brasil era bom. O Brasil era bom e era fácil de viver, no Brasil, porque o Brasil era bom.
que o dinheiro daqui era mais fraco. Eu tinha aquela... Eu tinha assim, aquela, aquela noção
de tudo, entendeu, eu tinha aquela noção de vir, daí eu cheguei aqui, graças a Deus eu me dei
bem, até hoje eu estou aí. (Imigrante 03, Outubro de 2007)
Como se pode observar no depoimento da estudante acima, era-lhe completamente
desconhecida a existência de comunidades economicamente desfavorecidas as “favelas”
no Brasil, bem como de pessoas com carência de algumas necessidades básicas de
sobrevivência, tais como habitação e alimentação. Nesse sentido, para os pesquisados, a
realidade social brasileira era condizente com a ficção, ou seja, o mundo das telenovelas. As
telenovelas brasileiras retratam a pobreza de modo sutil, o que reforça a tese de que a
representação social da pobreza brasileira na teledramaturgia está aquém da realidade. Sobre
este fato, o texto Brasil na Telenovela (2008)
30
diz o seguinte:
No que diz respeito à representação da pobreza brasileira nas telenovelas, um
grande abismo entre ficção e realidade. A imagem ou a visão que as novelas
expõem para os telespectadores está a anos-luz de distância da miséria brasileira
como ela é”. As telenovelas retratam a realidade de forma “caricatural”.
Um país muito violento era também a imagem que tanto os estudantes quanto os
imigrantes tinham do maior país da América do Sul, quando ainda se encontravam no país de
origem. Não obstante, o Brasil das Novelas se opõe ao Brasil da Cidade Alerta
31
. Segundo os
depoentes a imagem negativa do Brasil como um país violento é de disseminação
relativamente recente na sociedade cabo-verdiana. Vejam-se os discursos dos informantes
nesse sentido:
[...] Olha, eu sabia do Brasil através das novelas que passavam e nos últimos anos através
de um programa chamado Cidade Alerta, que mostrava exatamente o contrario do que era o
Brasil mostrado nas novelas. Teve um caso curioso, que depois daquilo muitos pais não
queriam que os filhos viessem estudar aqui por causa da violência, por causa das coisas que
aconteciam aqui. (Estudante 09, Agosto, 2007)
30
Trecho do texto retirado do site http://www.facom.ufba.br/artcult/brasiltelenovela/pag_pobreza.htm, acessado em
04/05/2008.
31
Cidade Alerta foi um Telejornal Policial da Rede Record que exibia matérias e reportagens sobre casos reais, algumas
relacionadas à violência de forma sensacionalista. Era exibido de segunda a sábado no final da tarde. O programa foi retirado
do ar pela emissora em 2005 devido a baixa audiência.
78
[...] Naquela época não se falava bem do Brasil, inclusive minha mãe não gostou quando
soube que eu vinha pro Brasil, porque naquela época se dizia que quem vinha pro Brasil não
voltava mais, inclusive meus primos não voltaram. Mas eu disse que vinha e que não teria
problema. Mesmo assim minha mãe não gostou, ficou chorando, mas eu mesmo muito novo
ainda disse que vinha embora e que Deus era pai, e vim. Falavam que o povo brasileiro
gostava de matar, era violento, sendo que cheguei aqui e não vi nada disso. Agora tendo,
mas naquela época não tinha não. Naquela época 60, 70, até 80, eu vi estatística dizendo que o
melhor país do mundo pra se viver era o Brasil. Tinha malandragem, era o malandro da
boemia, mais não era essa bandidagem terrível de hoje (Imigrante 17, Setembro, 2007).
De acordo com o depoimento do imigrante acima relatado, havia uma máxima em
Cabo Verde de que quem emigrasse para o Brasil não mais regressaria ao país de origem.
Segundo o grupo, o receio era tanto que alguns parentes chegaram a solicitar aos familiares
que desistissem da idéia de virem para o Brasil.
Contudo, os inquiridos afirmam que, ao chegarem ao Brasil, constataram que a
violência no país não era tanta quanto a imagem que se tinha em Cabo Verde. Os imigrantes
reconhecem que na época havia a malandragem ou o “malandro da boemia”, porém
consideravam isso uma característica do carioca, sem “maldade”. O depoimento do imigrante
que se segue é eloqüente quanto às apreciações dos inquiridos sobre o aumento de índice de
violência no Rio de Janeiro nas últimas décadas:
[...] comparando com antigamente, quando eu cheguei era bem mais suave, né?! Mas não
tenho nada a reclamar. Mas comparando com antigamente era bem mais tranqüilo. Era mais
calmo, não tinha essas coisas que estão acontecendo hoje. Eu trabalhava, ia pra festa,
discoteca, sexta, sábado e domingo discoteca, não tinha nada pra dizer (Imigrante 02, Agosto,
2007)
É importante reforçar que a população cabo-verdiana passou a ter conhecimento da
dimensão da violência no Brasil, a partir da transmissão do programa televisivo “Cidade
Alerta” da rede brasileira de televisão TV RECORD
32
. Até então, a imagem que se tinha da
violência no Brasil era associada ao período carnavalesco. Para os imigrantes investigados
atualmente muito mais violência no Brasil do que anos anteriores, na década de 1950, por
exemplo, período em que a maioria deles chegou ao país. Não obstante, percebe-se que, a
imagem da violência da época não teve tanta visibilidade quanto ao jornalismo policial
“Cidade Alerta”.
De acordo com alguns participantes, a exibição das imagens da violência confronto
entre marginais e policiais apresentada de forma sensacionalista pelo Jornal Policial da TV
Record suscitou, no seio da população cabo-verdiana, um sentimento de medo e aversão ao
Brasil. A fala de um jovem estudante demonstra o sentimento do grupo, em relação a esse fato
32
Em 2007, a Rede Record instalou uma filial na cidade da Praia – Rede Record Cabo Verde.
79
negativo: “mostrava-se muito a violência do Brasil, em Cabo Verde, e, por conta disso, muitas
pessoas têm medo de vir para o Brasil, pois dizem que o Rio de Janeiro é perigoso”.
Como resultado, verifica-se que tanto os estudantes quanto os imigrantes antes de
chegarem ao Brasil tinham elaborado um conjunto de idéias e imagens que representariam
o país. Nota-se que prevalecia uma imagem extremamente positiva do país por parte dos
estudantes, o que se traduzia num conjunto de referências positivas fortemente influenciadas
pela mídia televisiva, particularmente, as telenovelas. Embora a violência tenha sido apontada
como um elemento negativo na representação acerca do país de acolhimento, ela não
diminuiu o encanto e o entusiasmo das belas imagens acerca do Brasil construídas no
arquipélago.
Comparativamente, no entanto, registraram-se bem menos referências à imagem do
país de destino pelos imigrantes antes da sua vinda do que por parte dos estudantes. A
referência mais comum dos imigrantes foi à imagem de um “país maravilhoso”, “não muito
pobre” e “violento”. Entende-se que a presença de poucas representações pelos imigrantes
deve-se talvez ao acesso limitado as informações acerca do país de acolhimento. Até 1950,
período em que esses cabo-verdianos deixaram o país com destino ao Brasil, a mídia
televisiva não era uma realidade no arquipélago. As informações que o grupo tinha chegavam
por meios de cartas e informações verbais dos familiares e amigos que residiam no Brasil,
assim como consta nos discursos dos depoentes:
[...] ninguém manda falar pra nós o que é o Brasil. Não, tinha noção não, por carta que
agente recebia. (Imigrante 05, Setembro de 2007)
[...] ah! Eu nem sei explicar... Não sei como era não... (risos). As pessoas que estiveram aqui e
foram para Cabo Verde e ai perguntava como era o Brasil?! E eles falavam Brasil... Brasil
naquele tempo era atrasado... Dizia Brasil naquele... Brasil é um país grande. Eles não davam
boas informações dos brasileiros né?!... Então a gente ficava naquela dúvida será que... Falava
que o Brasil era bom. Só que não é tão boa... (Imigrante 07, Agosto de 2007)
Em síntese, os estudantes foram os que construíram de forma mais diversificada as
representações do Brasil, quando ainda em Cabo Verde. Um país lindo, um paraíso, era a
representação nitidamente predominante entre esses participantes, embora metade deles
incorpore a violência a essas representações. Quase todos reconheceram que o que conheciam
e apreciavam era “o Brasil das telenovelas”.
Fica assim demonstrada a grande influência que a dia teve na construção de
representações sociais acerca do Brasil pelos sujeitos de estudo. De fato, segundo Moscovici
(2005), a comunicação social desempenha um papel importante na criação e propagação das
representações no seio da sociedade, como um vetor de transmissão da linguagem e das
imagens que consubstanciam as representações. Duveen (2005:8 Apud, Moscovici, 2005),
80
corroborando as reflexões de Moscovici, afirma que “as representações sustentadas pelas
influências sociais da comunicação constituem a realidade de nossas vidas cotidianas e
servem como o principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos ligamos
uns aos outros”.
Os imigrantes, que não tiveram acesso a esse instrumento tão poderoso de construção
de representações, as telenovelas, e que para vieram sob condições menos auspiciosas que
as dos estudantes, representavam o Brasil sob uma perspectiva diferente dos dias atuais. Não
obstante, quase metade deles mencionou a imagem de “um paraíso” como sendo as
lembranças que tinha do país antes da sua vinda. É interessante notar que era esta a imagem
que os imigrantes portugueses chegados ao Brasil no início do século XX tinham do Brasil,
antes de aqui aportar, segundo os cronistas da época.
É possível especular que tal representação mais favorável do que desfavorável tenha
sido alimentada entre os imigrantes e os estudantes pela educação portuguesa em Cabo Verde,
associada talvez a uma admiração pelas semelhanças históricas e culturais entre os dois
países. Essa dimensão não se encontra, obviamente, presente na representação dos
descendentes filhos dos imigrantes, que nasceram no Brasil.
5.2.2. O Brasil das Novelas e a Realidade
Nesta segunda seção, far-se-á a descrição dos conteúdos das representações sociais dos
sujeitos pesquisados acerca do Brasil formadas ao longo de sua permanência no país, que
substituíram ou se acrescentaram àqueles presentes nas representações construídas antes de
entrarem em efetiva da interação com a sociedade de acolhimento.
Entende-se que as representações sociais emergem das relações entre o homem e o seu
meio social. É nesse sentido que os participantes de estudo ao interagirem com a sociedade
brasileira, carioca em particular, (re) criaram um conjunto de imagens, para dar sentido à sua
própria identidade no novo contexto, bem como ao diferente com que passaram a se
confrontar. Como evidenciado, a mídia televisiva teve um importante papel na construção
das representações sociais do grupo acerca do Brasil ainda em Cabo Verde. Os resultados da
presente pesquisa permitiram perceber que os participantes, após a vinda para o Brasil e em
sua gradativa familiarização com a realidade social brasileira, construíram novas imagens,
“reais e não fictícias”, mas tomando como referências as antigas imagens construídas a partir
das novelas brasileiras.
81
Observa-se no conjunto da análise sobre essas imagens posteriores, que a “falta de
segurança” é a referência mais expressiva entre os participantes do estudo, pois mais de
metade dos estudantes e imigrantes cabo-verdianos, bem como dos descendentes, afirmaram
que o Brasil é um país inseguro. A principal causa dessa imagem negativa do Brasil está
associada à violência. É explícita a preocupação do grupo com o índice de violência na
sociedade brasileira, em particular na cidade do Rio de Janeiro, onde residem e onde, de fato,
a violência urbana tem alcançado um dos maiores índices nacionais nos últimos anos. As falas
dos pesquisados, que se seguem, demonstram a preocupação do grupo com a falta de
segurança no país, em particular no Estado do Rio de Janeiro:
[...] O Brasil, nós temos tudo, temos tudo de bom aqui no Brasil, a única coisa que não temos
aqui no Brasil hoje em dia é a segurança. O Brasil está cada vez mais crescendo, mas não
temos segurança. (Descendente 01, Setembro de 2007)
[...] Acho que qualquer pessoa que visita o Brasil, principalmente as grandes cidades - Rio de
Janeiro, São Paulo, a pessoa que chega ao Rio de Janeiro, não precisa viver por muito tempo
para tomar ciência da realidade brasileira. Ou seja, o que é a maravilha brasileira.
Indiscutivelmente o Brasil é um país de maravilhas, mas por outro lado ele é um país de
contrastes. É um país cheio de contrastes. Dizem que o Iraque é um país cheio de contrastes,
mas se formos analisar friamente o Brasil, um país onde a guerra civil não é declarada, chega
se a conclusão que é um país de muito mais contrastes do que os países dos emirados árabes
que vivem constantemente em conflitos. Quer dizer, digo conflito, não somente em relação ao
tráfico, em que toda a culpa recai sobre o traficante. A própria estrutura política do país
favorece isso. Brasil é um país de desigualdade, certo?! Vive quem pode e resiste quem
conseguir... (Estudante 19, Outubro de 2007)
[...] Eu gosto muito do Brasil. Eu acho que é um país muito bom, mas, infelizmente, tem
muitas coisas que, né?! Às vezes desagrada, como a violência, né?! E talvez a falta, assim, de
uma estrutura melhor. Porque, assim, é, muitos ricos e muitos pobres também. Então, eu
acho, assim, uma falta de estrutura, mas no geral o Brasil é um país muito bom, assim, o
brasileiro é muito bom. Agora, o que estragando é a violência, né?! A violência é que
estragando esse país, mas o Brasil é um país muito bom mesmo. Aqui no Brasil de tudo,
né?! Tudo que você quer você quer comer uma coisa, você vai compra ou você planta
também dá. Então, é uma coisa, né?! é um país muito bom, mas o problema é a violência,
né?! (Imigrante 01, Setembro de 2007)
Outro conteúdo representacional extraído do contato com a realidade por grande parte
dos investigados é que o Brasil é um “país de muitos contrastes”. No entender dos
entrevistados, a distribuição das riquezas do país não se dá de forma equitativa. A maior parte
das riquezas concentra-se nas mãos duma pequena parcela da população, enquanto a maioria
da população brasileira possui parcos recursos econômicos e financeiros, originando, assim,
desigualdades sociais.
O Brasil tem o maior Produto Interno Bruto PIB da América Latina e é a décima
economia do mundo, segundo o Banco Mundial (2005)
33
. O país passou por vários períodos
33
Disponível em http://siteresources.worldbank.org/DATASTATISTICS/Resources/GDP.pdf
82
de recessão econômica, até a introdução do Plano Real, em 1994, que veio estabilizar a moeda
brasileira e controlar a inflação. Entretanto, é na área social que residem os principais
problemas do país. A privação de condições dignas de vida para as camadas pobres da
população, tais como moradia, redes de água e esgotos, saúde pública e um sistema de ensino
eficaz constituem o maior entrave ao desenvolvimento do país. Veja-se o que dizem os
investigados, nesse sentido:
[...] Quando cheguei aqui, por exemplo, eu via pessoal vivendo pelas ruas, aquilo me assustou
isto me assustou, pois não via isto em lugar algum, quando via as pessoas na rua, eu dizia:
“Meu Deus dos céus, que vida”! Deu-me um constrangimento tão grande, vendo muito lixo
na rua, aquilo me deu um constrangimento tão grande, que eu queria pegar o mesmo avião
para eu voltar para Europa, mas que encontrei uns portugueses também e me levaram para
o comércio e fui fazendo amizade com eles e eles começaram a me dar explicações, como é
que se vive aqui, deu um sossego. (Imigrante 03, Novembro de 2007)
Eu pensava que o Brasil era assim... Aqui tinha tudo de bom. Que as ruas eram tudo asfalto...
Que não tinha pobre. Cheguei aqui, encontrei ruas sem calçadas, os homens sem camisa na
rua. Andando de chinelo na rua e falei o que é isso? Os homens soltando pipa na rua. Fiquei
espantada com tudo aquilo. Quando soltei do Avião vi aquele matagal, ai! Falei, vivem no
meio do mato... Mas é um país tropical... (Imigrante 13, Setembro de 2007)
Cheguei e falei é esse que é o Brasil? Cheguei num lugar onde as ruas eram de barro e capim.
Eu esperava um lugar melhor, que era Brasil. pensei que ia para o Céu. Encontrei um lugar
igual a S. Nicolau. Quando cheguei ao aeroporto você não passa na cidade, então aquela visão
é desanimadora. Você vê aquela pobreza... (Imigrante12, Setembro de 2007).
[...] O Brasil que eu idealizava era um Brasil de praias, futebol, Brasil das novelas... Brasil
que passava lá... E assim..., não é o que eu vejo hoje aqui... Um país com problemas sociais.
A realidade do Brasil que eu conhecia não tem nada a ver com esse Brasil, um Brasil mais de
problemas sociais, de violência, corrupção eu não conhecia esse Brasil. Conhecia um Brasil
mais da alegria do povo, do futebol, isto que eu conhecia e que passava em Cabo Verde
(Estudante 11, Novembro de 2007)
A imagem que eu fazia do Brasil antes de vir é totalmente diferente da imagem que tenho
hoje. Na Universidade, no meu curso pude realizar estágios em diferentes lugares,
particularmente nas comunidades. Nas periferias pude conhecer os dois lados do Brasil.
Conheci mais de perto as diversidades de pessoas, de distribuição de rendas, de acesso a bens
e serviços como, por exemplo, educação, saúde, entre outras. Comecei a perceber mais de
perto o lado de carência do Brasil, Rio de Janeiro. (Estudante 01, novembro de 2007)
Através dos relatos dos informantes, nota-se que os cabo-verdianos, em particular os
estudantes, familiarizados com a imagem do Brasil das novelas em Cabo Verde, ao se
depararem com uma sociedade cheia de percalços que, até certo ponto, se assemelha ao país
de origem –, ficaram estarrecidos com tais fatos.
Além disso, os discursos dos investigados revelam que eles percebem que as
desigualdades sociais presentes na sociedade brasileira não se resumem em um fator de ordem
econômica, pois a elas está subjacente a condição étnica/racial dos indivíduos. O grupo
considera que os cidadãos brasileiros negros são econômica e socialmente desfavorecidos em
relação aos cidadãos brasileiros brancos, ou seja, presume-se que uma desigualdade racial.
Os negros brasileiros ou os afro-brasileiros uma expressão suposta politicamente correta
são vítimas de estereótipos e estigmas sociais que os colocam numa posição inferior perante a
83
dos brancos. Aprecie-se a percepção de um jovem estudante cabo-verdiano sobre a relação
racial no Brasil:
Segundo a história quando os portugueses chegaram ao Brasil havia simplesmente os índios,
mas hoje no Brasil tem os brasileiros, afro-brasileiros e índios. De onde vieram os brasileiros?
Afro-brasileiros pressupõem-se aqueles que vieram da África. E os restantes de onde vieram?
Por que eles são chamados de afro-brasileiros e não simplesmente de brasileiros? (Estudante
18, Outubro de 2007)
O discurso que vem de ser transcrito é eloqüente quanto à desvalorização das duas
maiores etnias que deram origem ao povo brasileiro os índios e os negros. Nas palavras
desse estudante, a denominação “afro-brasileira” coloca os negros brasileiros numa condição
de “estrangeiros”, ou seja, são os “outros”, e, por conseguinte, estão à margem, numa
encruzilhada entre ser brasileiro e africano. Assim, na representação dos cabo-verdianos, os
negros brasileiros possuem uma identidade ambígua, visto que não seriam inteiramente
brasileiros e, por outro lado, não são também africanos. Cabe aqui ressalvar que, no presente
estudo, não se tem a pretensão de discutir as questões raciais da sociedade brasileira, tendo
sido feita esta breve incursão apenas para esclarecer as inferências dos inquiridos.
Por estas e outras observações, verifica-se que tanto os estudantes quanto os
imigrantes são da opinião de que o Brasil “é um país de muita desigualdade social”, sendo os
estudantes os que mais a referiram, com quase a metade deles assumindo a desigualdade
social como um aspecto negativo da sociedade brasileira. A hipótese que se pode aventar é
que talvez isso se deva a um maior contato dos universitários com diferentes estratos da
população brasileira, em função das instituições que freqüentam, bem como a um maior grau
de abstração crítica e, por outro lado, devido ao seu distanciamento em relação à realidade
econômica do país. Os imigrantes, por seu turno, se encontram plenamente inseridos na
sociedade brasileira e, por conseguinte, talvez lhes seja difícil ter uma atitude crítica perante o
país que os acolheu e lhes proporcionou novas oportunidades.
5.2.3. Os Sentimentos da Comunidade Cabo-Verdiana em relação ao Brasil
Nesta seção, são tratados os sentimentos manifestados pelos participantes em relação
ao Brasil. A análise de conteúdo dos depoimentos revelou a existência de 147 unidades de
registros nessa categoria, representando 3,64% do total das unidades, além de conter em si
cinco diferentes temas, que exprimem sentimentos e afetos para com o país de acolhimento.
Verifica-se, segundo essa análise, a predominância de sentimentos positivos para com
o país de acolhimento, tendo sido as seguintes as principais referências que expressam tais
84
sentimentos: “Brasil é a minha segunda pátria”, “sou grato ao Brasil pelas oportunidades
oferecidas”, gosto do Brasil” e “considero-me brasileiro”. É interessante observar que tanto
os imigrantes quanto os estudantes desenvolveram sentimentos de gratidão, amor e identidade
para com o país acolhedor, como mostram os seguintes depoimentos:
Considero o meu segundo país. Aprendi a conviver aqui, acho que ele está no meu sangue
também. Como se fosse meu segundo país (Estudante 03, setembro de 2007)
Para mim? Para mim é a minha segunda pátria, né? Gosto muito do Brasil da seguinte
maneira, porque se eu não gostar do Brasil, não estou gostando dos meus filhos. Filhos e
netos tudo brasileiros, né? Gosto por que eles têm liberdade igual aos brasileiros, né? Tenho
meus filhos brasileiros e sinto feliz. (Imigrante 05, Novembro de 2007)
Brasil para mim é um país que me deu oportunidades. Formei-me, agora sou médico, tenho a
minha profissão, a minha forma de ganha-pão né? A minha esposa, o meu filho, então me deu
a oportunidades e sempre serei grata por isso tudo. Apesar das dificuldades, das desvantagens
de morar num país diferente é um país que nunca falarei mal dele. Pelo contrário sempre
falarei bem deste país, por tudo de bom que consegui aqui. (Estudante 11, Outubro de 2007)
As conquistas pessoais e familiares dos imigrantes são entendidas como fruto das
oportunidades que o país lhes proporcionou. Os estudantes desenvolveram um sentimento de
gratidão para o país, na medida em que, graças ao convênio cultural entre Brasil e Cabo
Verde, puderam dar continuidade aos estudos de nível superior. A obtenção do diploma de
nível superior lhes abrirá novas perspectivas de vida, podendo eles mesmos vir a se tornar
quadros importantes na gestão pública e privada do país de origem. As expectativas geradas
em torno da educação formal lhes dão uma impressão de garantia de segurança e estabilidade
pessoal e profissional, como se no discurso de um estudante pesquisado “o fato de ter hoje
uma habilitação acadêmica tem uma importância significativa, pois hoje posso freqüentar
ambientes onde sempre sonhei estar, um ambiente mais sadio. Hoje tenho uma profissão.”.
A educação formal é tida pelos universitários como um dos meios mais viáveis para se
produzir o desenvolvimento econômico, social, cultural e político de Cabo Verde, mas
também como um processo para a ascensão social dos cabo-verdianos. Nesse sentido, os
jovens que chegam à universidade se consideram “felizardos” e suas falas, registradas a
seguir, são eloqüentes a esta representação:
[...] de certa forma, posso afirmar que, dentro de Cabo Verde, hoje eu salvei! Estou fora de
cabo Verde, tive oportunidade de estudar. É um sonho para muitos jovens, por isso não posso
deixar esta oportunidade fugir. (Estudante 11, Agosto de 2007)
No meu bairro, da minha geração eu sou o único que faço faculdade, e mais fazer faculdade
no estrangeiro, lógico que as pessoas me vêem com outros olhares. Pelo fato de estar a fazer
faculdade de medicina ha um respeito muito grande. Eu também procuro transmitir esse
respeito. E principalmente para a minha família é um orgulho para eles. As pessoas, os
vizinhos vêem a minha mãe com outro olhar. Ela não tinha grandes recursos como outras
pessoas do bairro, mesmo assim, colocou o filho para estudar em São Vicente que outras
pessoas com melhores possibilidades não fizeram. Eu vim de uma família humilde apesar de
o meu pai esteve muito tempo imigrado, mas minha mãe sacrificou muito. E hoje consegui vir
fazer uma faculdade é uma grande satisfação para ela. Todos ficam felizes por isso.
(Estudante 17, Setembro de 2007)
85
Como se observa nos discursos dos depoentes, o sucesso alcançado através da
instrução escolar não é uma realização meramente individual; ela é, na verdade, uma
concretização coletiva, compartilhada tanto pelos familiares quanto pelos vizinhos e pelos
demais membros da comunidade. Segundo os depoentes, o estudante que recebe uma bolsa
para estudar fora é motivo de orgulho e admiração principalmente para os familiares, que
passam a ser bem vistos perante a comunidade local, uma vez que ser estudante universitário,
ademais no estrangeiro, é tido como um status social elevado, como se verá no discurso do
estudante a seguir:
Quando fui de férias, todos foram me visitar em casa, ou mandam cumprimentos. Muitos
(vizinhos) querem ajudar, querem mandar dinheiro, mas falo para a minha mãe não pegar
dinheiro que isso não é preciso. Quando cheguei todos me convidavam para ir visitá-los em
suas casas. Se eu não for podem achar algo errado, brigam essas coisas. É um carinho e um
amor grande. Todos se sentem orgulhosos pelo fato de eu estar aqui fazendo o curso, como se
fossem todos familiares (Estudante 17, Setembro de 2007 - RJ)
Percebe-se que o aluno ganha mais respeito por parte da comunidade, bem como dos
seus familiares, que passam a ser de certa forma “admirados” e “respeitados” por todos, que
reconhecem e valorizam os seus esforços para com a educação formal do filho. Por
conseguinte, o estudante deve corresponder às expectativas geradas em torno de si, ou seja,
espera-se do universitário um bom comportamento cívico e moral dentro dos padrões da
sociedade cabo-verdiana, além de um bom desempenho acadêmico, que é avaliado pelas
habilidades intelectuais do estudante.
Enfim, a educação formal é um assunto sério e um investimento coletivo, cuja
participação do Estado é de suma importância. O Estado de Cabo Verde, na falta de recursos
naturais, investe na valorização dos recursos humanos, com vistas a amenizar a pobreza e a
desigualdade social. Além disso, a educação formal cria expectativas positivas, defendidas
pelo próprio governo, como meio de transformações sociais, políticas, econômicas e culturais.
De fato, Cabo Verde é tido como um dos países da África bem-sucedidos, em termos
de educação formal. Segundo os dados do censo de educação de 2000, a taxa de
analfabetismo no país é de 25% e a taxa bruta de escolarização a nível nacional é de 86%,
sendo distribuída de forma quase que eqüitativa entre os sexos. No entanto, de acordo com os
dados do censo de educação de 2000, somente 1,1% da população cabo-verdiana possuem o
nível superior
34
. Há, no vel superior, uma predominância para a faixa etária de 40 a 50 anos
34
Acredita-se que esses dados referentes ao ensino superior tenham mudado de 2000 para em conseqüência dos aumentos
de investimento na formação de quadros superiores dentro e fora do país. Aguarda-se a realização do novo senso da
população em 2010.
86
de idade, que alcança um valor (4%) superior à média nacional. Ainda, segundo os dados
estatísticos, há maior incidência de indivíduos do sexo masculino portadores de nível superior
do que do sexo feminino.
A razão da existência de poucos quadros de nível superior no país deve-se à ausência,
até 2007, de uma universidade pública em Cabo Verde. Havia algumas Instituições de
Ensino Superior, onde eram realizados cursos de curta duração bacharelado de três anos.
Em 2001, foi criada no país a primeira universidade particular a Universidade Jean Piaget,
de Portugal.
Nesse sentido o ensino de nível superior é muito procurado e, até pouco tempo,
somente podia ser realizado fora do país, o que o torna um bem bastante desejado, conforme
afirma um estudante participante deste estudo: “Em Cabo Verde, até há pouco tempo somente
uma pequena parte da população tinha formação superior, então cada família que o filho sai
para cursar fora é uma grande alegria e, eles contam com a volta do filho formado”.
Contudo, vários informantes afirmaram que, quando visitam o país de origem ou após
o retorno, notam certo distanciamento e “frieza” por parte dos amigos e colegas que
permaneceram no país. A hipótese que se coloca é que, talvez os ex-colegas e amigos se
sentem inferiores perante os universitários, e, não raro, também, nutrem sentimentos
negativos (ciúmes, inveja) perante a condição alcançada pelo graduado. Além disso, a
separação física, associada à inserção dos futuros técnicos em novos grupos sociais de
referência, pode estar na origem do distanciamento dos amigos que não alcançaram tais
metas.
Sintetizando, entende-se que, a educação formal, mais especificamente de nível
superior, não é meramente um projeto isolado do individuo, mas um projeto coletivo,
incluindo a família, o estado, bem como toda a nação cabo-verdiana. Nesse sentido, mesmo os
cabo-verdianos na diáspora contribuem direta ou indiretamente para a realização desse
projeto. Os imigrantes enviam para os familiares que se encontram estudando fora do país
ajudas financeira e material tais como vestuários, materiais escolares, computadores,
eletrônicos. No caso dos estudantes cabo-verdianos no Brasil, não é raro que eles disponham
de computadores portáteis, celulares, máquinas digitais, palmtop, materiais eletrônicos de
última geração, o que lhes permite estar em consonância com os modernos padrões de
informações. Esses incentivos se dão no sentido de reconhecer o mérito alcançado pelo
estudante e, ao mesmo tempo, contribuir para que a sua formação ocorra sem grandes
obstáculos.
87
Embora os esforços dos pais, familiares, amigos para que o estudante não sofra
privações nos estudos sejam constantes, cabe noticiar também a ocorrência de dificuldades
financeiras, acadêmicas e, sobretudo, psicológicas enfrentadas pelos universitários no Brasil.
Atualmente, muitos estudantes cabo-verdianos no Brasil são estudantes por conta própria
35
,
uma vez que, com a nova política de atribuição de bolsas bolsa reembolsável, uma espécie
de empréstimo do estado –, o governo, a partir de 2000, diminuiu consideravelmente (em
média de 80%) o número de atribuição de bolsas de estudos. A par disso, em 2001, reduziu
drasticamente o valor das bolsas, de 400 dólares, valor recomendado pelo PEC-G, para 500
reais. Em 2006, entretanto, após várias contestações por parte dos universitários e dos
encarregados de educação, houve um reajuste, passando assim para 600 reais. No entanto,
devido às taxas de inflação registradas no Brasil, bem como à queda do dólar desde 2004, os
universitários vêm passando por dificuldades de ordem financeira, que, muitas vezes, podem
estar na origem de dificuldades acadêmicas e psicológicas. Chegou a ser registrados alguns
casos graves de problemas psicológicos, como a depressão
36
. Além disso, solidão, isolamento,
falta de afeto e, por vezes, tentativas de suicídios são alguns dos transtornos de forro psíquicos
mais recorrentes entre os universitários.
5.2.4. Representações dos Brasileiros pelos Cabo-verdianos
Esta seção versa sobre as representações sociais que os cabo-verdianos imigrantes,
estudantes e brasileiros, descendentes de cabo-verdianos construíram acerca dos brasileiros,
através da interação social contínua com estes na cidade do Rio de Janeiro. A par das imagens
aqui apresentadas sobre o Brasil pelos informantes antes da sua chegada ao Rio de Janeiro e
daquelas elaboradas quando da sua estada no Brasil, associadas aos sentimentos manifestados
35
Alguns estudantes são mantidos financeiramente pelos familiares e muitos contraíram o empréstimo educativo junto ao
Banco Comercial de Cabo Verde - BCA, devendo pagar o valor recebido, com altas taxas de juros, após o primeiro ano do
término do curso. Vale reportar que para a efetivação desses empréstimos junto ao Banco é necessário a existência de três
fiadores, pessoas que se comprometam em caso de inadimplência do universitário quitar a divida com o banco e, em muitos
casos, será preciso que a família ou o fiador penhore o bem mais valioso, nesse caso o imóvel. O BCA oferece o valor
máximo de 1.175.000.00 escudos cabo-verdianos de crédito escolar por um período máximo de cinco anos de formação, que
deverá ser quitado em um período de 15 anos.
36
Em 2005, um estudante com distúrbios psíquicos ficou ums desaparecido na cidade do Rio de Janeiro, tendo
mobilizado os estudantes e os órgãos de comunicação social brasileiros e cabo-verdianos à sua procura. Após um mês, ele foi
encontrado em um abrigo para mendigos e meninos de rua. Segundo o estudante, a razão do desaparecimento foram as
dificuldades que enfrentava: sem bolsa, passava fome, o que o levou ao desespero. Além deste, há um outro caso de estudante
que retornou a Cabo Verde com problemas psíquicos, devido também a dificuldades acadêmicas e econômicas. Isto sem
contar os que abandonam a formação por falta de meios financeiros para suportar suas despesas acadêmicas e sua estada no
Brasil. Há ainda aqueles que, por inadimplência, perdem a formação.
88
em relação ao país receptor, far-se-á uma breve descrição das representações sociais dos
inquiridos sobre os cidadãos brasileiros.
Estudantes
Imigrantes Descendentes
Figura 7. Principais conteúdos das representações dos brasileiros pelos diferentes segmentos da amostra de
cabo-verdianos. Rio de Janeiro, 2007.
Observa-se, na Figura 7, que os cabo-verdianos elaboraram um conjunto de atributos
positivos e negativos para definir as imagens e identidades dos brasileiros. Nesse sentido, os
estudantes cabo-verdianos, residentes no Rio de Janeiro, afirmaram que os brasileiros são
pessoas “alegres”, “simpáticos”, “extrovertidos / comunicativos”, “liberais”, “festeiros”,
“solidários”, “acolhedores / hospitaleiros”, “guerreiros”, “humildes”, “preconceituosos”,
“falsos”, “malandros”, “individualistas” e “irresponsáveis”.
Os imigrantes compartilham as mesmas imagens acerca dos brasileiros, com exceção
dos atributos que caracterizam os brasileiros negativamente como “malandros”,
89
“irresponsáveis” e “individualistas”. Ainda, somando-se às referências apresentadas pelos
estudantes, os imigrantes definem os brasileiros como sendo pessoas “amigas”, “atenciosas” e
“prestativas”.
Nota-se que, ao representarem os brasileiros, os estudantes e os imigrantes cabo-
verdianos procuram estabelecer semelhanças e diferenças entre aqueles e os seus próprios
grupos. Este fato pode ser interpretado como uma tentativa de (re) construção da própria
identidade, a partir de como vêem e interpreta o outro. Os depoimentos dos participantes que
se seguem são elucidativos dessa interpretação:
Bom é difícil, porque todos nós temos o hábito de achar que o nosso jeito de ser é melhor do
que o outro, cada um tem essa tendência, além de vir de um país extremamente conservador
eu sou uma pessoa bastante fechado e tímido, introvertido. Então, a forma do brasileiro de ser,
principalmente o carioca é muito liberal, extrovertido. O fato de eu ser uma pessoa muito
introvertida, não gostar de muita festa, barulho, balada e tanto muitas vezes em minha casa, na
faculdade fui diversas vezes chamado de anti-social, mas na verdade não é nada disso, não
é antipatia nem nada é somente a timidez mesmo. É o fato da forma como eu ter sido
criado, de você querer ser sempre uma pessoa fechada. Então, acho que o estilo de vida dos
brasileiros interessante né?! Não se preocupam muito com o futuro, mas acho que também
deve ser sem exagero. Acho que em determinados casos um exagero, pessoas não se
preocupam nada mesmo com o seu futuro. São bastante liberais, vivem para o hoje, isso não
considero certo. Mas é difícil realmente falar sobre estilo de vida de cada um (Estudante 11,
outubro de 2007).
Ah, o brasileiro é um povo, assim, muito, é muito alegre, né?! É... Eles sabem tratar
as pessoas bem, né?! Eles são um povo, assim, que tem aquela amizade também,
né?! Então, muitos são muito prestativos, quando você precisa deles, podem, assim,
tem que contar, são prestativos. Tem aquela solidariedade com a gente também,
né?!... Os brasileiros são alegres, eu acho que é tipo a gente lá, às vezes até na
aparência, no jeito, muitos são considerados praticamente de Cabo Verde (Imigrante
01, Agosto de 2007)
Quanto às representações dos brasileiros descendentes dos cabo-verdianos sobre os
brasileiros, estes são vistos como “simpáticos”, “hospitaleiros”, “alegres”, “comunicativos”,
“festeiros”, “atenciosos”, “guerreiros” e “individualistas”.
No conjunto da análise, nota-se que as representações dos participantes sobre os
brasileiros são razoavelmente homogêneas, mas nota-se ligeiras divergências entre os
estudantes, imigrantes e descendentes. Os estudantes foram um tanto o quanto prolixos nos
seus discursos, produzindo mais referências negativas do que positivas na imagem que se tem
dos brasileiros. Por outro lado, os imigrantes, bem como os descendentes, ressaltaram,
sobretudo, aspectos positivos dos brasileiros, como se comprova no discurso seguinte:
Olha, eu não tenho do que me queixar deles (referindo-se aos brasileiros), não tenho o que
queixar porque é assim, as vezes uns que fazem alguma coisa má, mas eles não têm culpa né?!
Porque nós sabemos que eles são levados a fazer aquilo. Então eu peço a Deus que não deixe
que ninguém entre pelos maus caminhos (Imigrante15, Novembro de 2007)
90
Os imigrantes demonstraram certo receio em emitir juízos que caracterizem
negativamente os brasileiros, pois nutrem sentimento de respeito pelos nacionais. Nesse
sentido, se sentem pouco à vontade para criticar o país acolhedor, que tem em alta estima e
consideração, bem como a sua população. Quanto aos descendentes brasileiros de origem
cabo-verdiana –, como é de se esperar, apresentam uma imagem positiva de si própria.
Grosso modo, os resultados dão conta de que os inquiridos possuem uma imagem
positiva dos brasileiros. Tais representações podem estar em consonância com a auto-imagem
que os próprios brasileiros têm de si, definindo assim as suas identidades individuais e sociais.
De fato, segundo Hirsch (2007), fazendo referência à pesquisa divulgada pela revista Veja de
1996 sobre a imagem que os brasileiros têm de si próprios, estes se auto-definiam como um
povo alegre (98%), comunicativos (88%), afetuosos / carinhosos e apaixonados (86%),
extrovertidos / abertos (85%) e otimistas (84%) (apud Sale, 1999: 93).
Observa-se que os brasileiros de origem cabo-verdiana, no presente estudo,
alimentam as mesmas auto-imagens positivas apresentadas pelos informantes do estudo da
revista Veja, somando a elas outros predicados, que definem o brasileiro como um povo
“festeiro”, “simpático” e “hospitaleiro”. Segundo uma brasileira filha de cabo-verdianos, “o
brasileiro se parece muito com o cabo-verdiano, é festeiro, alegre, e gosta muito de ajudar as
pessoas, mesmo quem ele não conhece (...) cabo-verdiano é muito assim, de ajudar os
outros.”.
5.2.5. Imagens de Cabo Verde
Figura 8. Povoação, Ilha de Santo Antão
37
Figura 9. Porto Grande Mindelo, Ilha de São Vicente
37
- Imagem retirada do Site da Embaixada de Cabo Verde no Brasil. http://www.embcv.org.br
91
Figura 10. Reira de São Miguel, Ilha de Figura 11. Praia de Santa Maria, Ilha do Sal
Santiago
A presente seção irá descrever e analisar as percepções dos informantes acerca da terra
natal, construída sob uma perspectiva distante do país de origem.
Os cabo-verdianos no Rio de Janeiro elaboraram um conjunto de atributos
extremamente positivos sobre o país de origem. Segundo os inquiridos, o arquipélago de
Cabo Verde é um país “hospitaleiro”, de muita “morabeza
38
”, “tranqüilo”, “um paraíso”, de
“belas paisagens”, com “muita plantação”, enfim um “sonho”. Por outro lado, trata-se de um
país “seco”, devido à “falta de chuva” e, conseqüentemente, “pobre”. Cabo Verde é a “pátria
amada” ou “segunda pátria” para cerca de 517.000 cabo-verdianos que se encontram
dispersos pelos quatro cantos do universo, deixando “saudade” aos 434.624 insulares cuja
vontade de “partir” é uma constante. Veja-se o que dizem os investigados sobre a pátria
amada:
Cabo Verde para mim é um sonho cara! Para eu ir viver em Cabo Verde, minha terra é
realmente um sonho. Devido a minha situação atual. É bastante difícil eu e a minha família ir
viver em Cabo Verde agora. O grande sonho da minha vida hoje é ir viver em Cabo Verde
(Estudante 11, Novembro 2007, RJ)
[...] o meu canto, onde eu me sinto João. Onde reencontro me sempre. Entendo que quando
tens alguma dificuldade e, regressas para casa essa dificuldade diminui. Cabo Verde para mim
é casa. (Estudante, Agosto 2007, RJ)
[...] onde eu nasci criei debaixo de dificuldades, falta de chuva, trabalhando, não tive mal a
dizer e até hoje estou vivo. Não dou a ninguém o meu pedaço de Cabo Verde. Estará sempre
na minha memória (Imigrante 12, Novembro 2007, RJ)
[...] a gente imagina as praias lindas, né? Que a gente e também a gente imagina, a parte
seca que a gente também. Que o pessoal fala que às vezes perde a plantação... É por aí. A
gente sabe que não tem assim.... um grande poder aquisitivo, que geralmente são os filhos que
emigram, que mandam dinheiro para os familiares no país (Descendente 05, Agosto 2007, RJ)
38
Morabeza, expressão genuinamente “crioula” – traduz a forma afetuosa com que os cabo-verdianos recebem os hospedes e
não só. A morabeza representa à informalidade do povo das ilhas nas relações sociais, pois são considerados bastantes
cordiais, hospitaleiros, afetuosos, cuja simplicidade diga se de passagem chega a ser um pouco “ingênuo” em vista aos novos
tempos.
92
[...] Eu imagino que seja morros, terra e muitas praias. Imagino que seja um lugar bem pobre
(Descendente 02 Agosto 2007, RJ)
[...] Minha terra, meu porto seguro. Posso ir para qualquer lugar do mundo, mas Cabo Verde é
sempre a minha terra (Estudante 12 Setembro de 2007,RJ)
[...] Quando estive em cabo verde senti em casa. Achei Cabo Verde um lugar muito bom de
viver, muito organizado, sem sujeira na Rua (Descendente 01, Novembro de 2007, RJ)
Como se observa nos discursos dos inquiridos, a carga afetiva é muito acentuada a
nostalgia, a saudade é o lema do cabo-verdiano e isso se deve a sua condição enquanto um
povo migrante. Assim como a migração é um fenômeno cultural, a palavra “saudade” também
o é, representa a ligação dos ilhéus com os seus entes queridos na diáspora, mas não só. A
saudade reflete o persistente dilema do cabo-verdiano entre partir e ficar. Por outras palavras,
o cabo-verdiano, ao deixar a sua terra natal carrega consigo a eterna saudade dos entes
queridos e da pátria-amada e, por conseguinte, aqueles que ficam no país de origem “morrem”
de saudade dos que partiram.
A saudade marcou presença em todos os discursos dos entrevistados quando o assunto
se referia à terra natal. Curiosamente, os descendentes, nascidos no Brasil e cuja maioria
nunca visitou Cabo Verde, manifestaram o mesmo sentimento em relação ao país de origem
dos pais, como se pode observar no depoimento de uma brasileira de origem cabo-verdiana:
Assim, é engraçado que a gente nunca foi a Cabo Verde, mas a gente sente saudade [grifo
nosso] de um lugar que a gente não conhece. Eu acho que todo mundo aqui tem vontade de ir
lá um dia. De um dia ir, nos lugares que os nossos pais contam, né? Da infância deles, da casa
deles. Aquele tipo de pessoas assim.... diferente da gente aqui. Um lugar mais família. Tudo
assim... a gente escuta a música e tem saudades, mas o engraçado é que a gente não
conhece. Mas eu acho que é mais pelo o que a gente sempre ouviu falar, o que os nossos pais
sempre dizem e da saudade que eles também têm. A gente absorve um pouco isso.
(Descendente 03, Agosto de 2007, RJ)
De fato, é uma constante entre os brasileiros de origem cabo-verdiana o desejo de
conhecer Cabo Verde, a vontade de estarem em lugares cujas imagens sempre estiveram
presentes em suas vidas, em função das lembranças dos pais. Nesse sentido, entende-se que as
imagens que os filhos dos cabo-verdianos têm de Cabo Verde são construídas a partir da
memória coletiva do grupo, uma vez que a maioria não conhece o país. Cabe, então,
perguntar: será que as imagens que os brasileiros, descendentes de cabo-verdianos têm de
Cabo Verde são representações sociais ou se está perante a construção social da memória de
um grupo? A resposta a essa questão é encontrada em (2005:68), quando ele diz que a
memória e pensamento social contemporâneo estão intrinsecamente associados e são
praticamente indistinguíveis, ou seja, o que é lembrado do passado está sempre mesclado com
aquilo que se sabe sobre ele. E, em continuidade, “pode se observar a ocorrência de memórias
93
na forma de pensamento chamada de representações sociais [grifo do autor] através da
ancoragem das experiências novas em conhecimentos preexistentes (idem: 69)”
Ante essas reflexões, acredita-se que as representações que os descendentes dos cabo-
verdianos têm sobre Cabo Verde são elaboradas a partir do passado do grupo de origem, o
qual, segundo Halbwachs (2004), só existe se for reconstruído continuamente no tempo
presente, através da manutenção de uma memória coletiva. Por outro lado, Jedlowski
(2005:87) diz que a memória coletiva “é um conjunto de representações relativas ao passado
que cada grupo produz, institucionaliza, cuida e transmite por meio da interação de seus
membros”. E, nesse sentido, (op.cit: 68) acrescenta que “a interação e a comunicação dão
fundamento ao argumento da construção das representações do passado em função das
necessidades e interesses do presente”.
Embora os descendentes compartilhem das imagens positivas de Cabo Verde, evocam
também mais imagens negativas acerca do arquipélago do que os cabo-verdianos
propriamente ditos, imigrantes e estudantes. Para os descendentes, Cabo Verde é um país
“pobre”, “seco” e onde “chove pouco”. A hipótese que se coloca é que essa ressalva talvez se
deva à imagem negativa que o senso comum brasileiro tem da África, imagem essa
fortemente alimentada pelos meios de comunicação de massa, como será posteriormente
argumentado.
No mais, nota-se a ausência das referências “muita plantação”, “pobre” e “seca” nas
imagens construídas pelos estudantes sobre Cabo Verde. Mesmo sendo a estiagem um
problema que persiste até hoje no arquipélago, isso não implicou que os estudantes
construíssem imagens negativas sobre a terra natal. Talvez isso se deva à atual conjuntura
econômica, social e política do país. Os investigados reconhecem que o arquipélago tenha
progredido bastante após a independência. Cabo Verde foi graduado em 2007 a país de
desenvolvimento médio. O desenvolvimento do país deu-se, sobretudo, em termos de
melhorias das infra-estruturas físicas reestruturação das redes de estradas, aeroportos,
saneamento básico, condições de moradia, acesso a água canalizada e luz –, assim como de
um maior investimento nos sistemas de saúde e de educação redução da taxa de
analfabetismo
39
, criação da primeira universidade pública, etc. Os pequenos avanços nas áreas
estratégicos como agricultura introdução de novos sistemas de irrigação das plantações, e
reaproveitamento do solo, pesca e a criação de pequenas e médias empresas – têm contribuído
39
Em 1975 a taxa de analfabetismo no arquipélago era de 65%, e em 2000 a INE divulgou que 25% da população cabo-
verdiana era analfabetos. De 75 a 2000 houve uma redução de 40% de analfabetismo.
94
para o desenvolvimento econômico e social do país. Com efeito, esses progressos alcançados
nesses 33 anos de independência de Portugal são sumamente valorizados pelos cabo-
verdianos, sobretudo os que se encontram na diáspora.
Finalmente, observa-se que os imigrantes não se referiram a Cabo Verde como um
país “pobre”. As referências mais produzidas por estes participantes foram “Cabo Verde, um
paraíso”, “país de morabeza” e “um sonho”. A morabeza, como foi aqui referida, é uma
expressão da língua crioulo, que se refere à forma como o cabo-verdiano se relaciona com as
pessoas, em especial os visitantes. Ela seria equivalente à palavra “cordialidade” em
português. O cabo-verdiano é tido como homem cordial, marcado pela simplicidade e
informalidade nas suas relações sociais. A informalidade é aqui entendida no sentido de fazer
com que o visitante não se sinta fora do seu habitat, ou melhor, se sinta “em casa”. Nesse
sentido, ser acolhedor constitui um importante traço da identidade do cabo-verdiano.
5.2.6. Cabo Verde, onde fica?
Esta seção é iniciada pelos depoimentos de dois estudantes cabo-verdianos, a
propósito da pergunta-título:
A maioria das pessoas não sabe onde Cabo Verde está localizado, perguntam se é na América
Central..., Colômbia, sei lá? É a falta de conhecimento mesmo em relação a Cabo Verde. Não
sabem nada sobre a cultura, sobre a língua de Cabo Verde, a população. Então as pessoas
acabam por generalizar África num país só (Estudante 16, Setembro de 2007 – RJ)
[...] para os brasileiros Cabo Verde é a África e pronto. Eles pensam que África é uma coisa
só. Então, se eles não conhecem Cabo Verde, dez ilhas que são tão pequeninas e nem
aparecem no mapa, eu que sou cabo-verdiana faço questão de mostrá-los a minha cultura A
imagem que eles tinham da África era miséria, pobreza, guerra, fome. Quando comecei a
trazê-los aqui em casa mostrando a nossa cultura, a nossa música, nossa dança, roupas,
comida começaram a mudar de opinião. Começaram a conhecer africanas. Para eles a idéia
era que africanas são todas pretas (negras). Mas quando os disse que sou africana não
quiseram acreditar, porque sou branca de cabelos lisos (Estudante 06, Novembro de 2007 -
RJ)
Os investigados, sobretudo os estudantes, dizem ficar surpresos ao tomar ciência de
que a maioria dos brasileiros com os quais s relacionam desconhecem a existência de Cabo
Verde. Nesse sentido, são freqüentes as indagações por parte dos brasileiros: “Cabo Verde,
onde fica isso?”, É na Colômbia?”, “Minas Gerais?”
40
. Ou, Ah! é Angola.”. Cabo Verde,
um pequeno país insular localizada na costa ocidental africana, é, de fato, pouco conhecido
40
Existe um município no Interior de Minas Gerais como o nome de Cabo Verde.
95
por uma grande parcela da população brasileira. Nesse sentido, os estudantes procuram, a
partir das redes sociais a que se encontram vinculados, dar a conhecer à sociedade carioca não
a sua localização, em relação à África, mas também os hábitos e costumes do seu povo e
algo da sua história.
Segundo os investigados, a impressão que têm é que os brasileiros vêem o continente
africano como se tratasse de um único país, pois é comum eles associarem Cabo Verde a
Angola e, conseqüentemente, confundirem as pessoas oriundas de um e outro desses países.
Além disso, chegam a ser ouvidos de brasileiros estereótipos bastante negativos em relação
aos cabo-verdianos e os africanos em geral, que, como diz Diop (2007), não apenas deturpam
completamente a historia e a realidade de um povo ou de um grupo de pessoas, mas também
cria uma incompreensão e aumenta a distância entre as comunidades. Eis a reclamação de
uma estudante cabo-verdiana nesse sentido:
Perguntam se você mora em arvores, tribos. Se você tem dinheiro para vir estudar aqui no
Brasil, ainda mais numa universidade particular. Perguntam o que a gente come, porque tem
poucos cabo-verdianos magros. Perguntam o que a gente come? Ai disse que era catchupa. Às
vezes tem perguntas que me deixam irritada. Tenho uma amiga que faz perguntas absurdas e
brincadeiras racistas. (Estudante 20,Rio de Janeiro Agosto de 2007, RJ)
Concluindo, os relatos dos investigados demonstram que os conhecimentos /
informações que os brasileiros têm sobre o continente africano são bastante limitados e
enviesados, indo, de certo modo, ao encontro das imagens que os colonizadores tinham
quando lá chegaram. Esse desconhecimento de Cabo Verde no contexto social brasileiro
parece ainda mais surpreendente aos participantes deste estudo, na medida em que o Brasil faz
parte do cotidiano cabo-verdiano, não somente devido à influência dos meios de comunicação
social telenovelas, esportes, etc. –, mas, sobretudo, devido às relações históricas e culturais
que existiram e existem entre os dois países.
5.2.7. Auto-imagens dos Cabo-verdianos
Nesta seção, será feita uma breve descrição dos conteúdos das representações sociais
que os cabo-verdianos estudantes, imigrantes e descendentes construíram de si próprios,
ou seja, a auto-imagem do grupo.
96
Estudantes
Descendentes
Imigrantes
Figura 12. Principais conteúdos das auto-representações dos cabo-verdianos pelos diferentes segmentos da amostra de cabo-
verdianos. Rio de Janeiro, 2007.
Como se observa na Figura 12, verifica-se uma ausência total de referências negativas
nas auto-representações dos três grupos, ou seja, os cabo-verdianos elaboram somente
imagens positivas de si e dos seus pares. Em síntese, os cabo-verdianos se consideram
“humildes”, “trabalhadores”, “honestos”, “solidários”, “hospitaleiros”, “conservadores”,
muito “apegados á família”, “festeiros”, “simpáticos”, “amigos”, porém “tímidos”, mas
“batalhadores” e, por isso, se mantêm sempre “unidos”. Comparando as evocações dos
distintos grupos, nota-se algumas diferenças. As referências “trabalhadores”, “solidários”,
“honestos” e humildes” foram os atributos mais evocados entre os imigrantes, pois estes
atribuíram suma importância ao fato dos conterrâneos terem se destacado pela disponibilidade
para o trabalho, pela vida humilde e prezam a honestidade e a seriedade com que os
imigrantes têm levado a vida nessa metrópole.
Os imigrantes destacaram também a hospitalidade como uma marca do grupo e o seu
conservadorismo, que se traduz na preservação de alguns modos e costumes tidos como sendo
de grande valor, como, por exemplo, o modo “rígido” com que educam os filhos, seguindo o
modelo tradicional do país de origem. Os estudantes, por seu turno, produziram referências
sobre a timidez e sobre a persistência do cabo-verdiano na luta pelos seus ideais, o que
caracteriza um povo batalhador, porém muito reservado, que, no entanto, adora uma festa. E
os descendentes vêm os cabo-verdianos como um povo acolhedor, coeso e muito apegado à
família.
97
Serão apresentados e discutidos a seguir uma série de aspectos mais específicos das
relações sociais entretidas pelos diferentes segmentos dos cabo-verdianos não no contexto
brasileiro, mas também em relação à terra de origem.
5.2.8. Sociabilidade e Laços Sociais
Procura-se aqui descrever como os diferentes grupos de sujeitos que compõem este
estudo se integram e se socializam com a sociedade receptora, bem como com os seus pares e
com os demais indivíduos que fazem parte do ciclo social dos informantes.
Os pesquisados se constituem um grupo coeso, porém, no conjunto da analise observa-
se que os cabo-verdianos no Rio de Janeiro – estudantes, imigrantes e os brasileiros filhos dos
cabo-verdianos imigrantes no Brasil tendem a dar preferências às relações intra-grupo, em
detrimento das relações extra-grupo, e, mesmo dentro do próprio grupo, restrições de
relacionamentos, como se verá adiante. No que concerne a esse aspecto primeiramente será
analisado como os estudantes se integraram à sociedade carioca e os laços sociais gerados a
partir de tais interações.
5.2.8.1. Os Estudantes
Os estudantes demonstram uma boa integração à sociedade brasileira, carioca em
particular, afirmando que não tiveram grandes dificuldades em se adaptar à nova realidade
social, pois muitos dizem “sentir-se em casa”. Entretanto, o modo de falar português dos
ilhéus, considerado pelos cariocas como sendo “carregado”, bem como a escrita, têm sido
muitas vezes um entrave na vida desses universitários. Observe-se o discurso de um jovem
estudante a respeito das dificuldades enfrentadas em relação ao enquadramento acadêmico:
[...] a adaptação sabem... sempre dificuldades. As dificuldades são diversas,
particularmente em relação à adaptação no curso. Porém mantive sempre presente os meus
objetivos que é de graduar e ser um bom profissional assim sendo vou caminhando e
ultrapassando as barreiras. O problema maior foi problema escolar. Muitas vezes a base que
trazemos de Cabo Verde para certos cursos é muito baixo, como por exemplo, o curso de
medicina, engenharias, são cursos que exigem níveis de base elevados. Nesse caso você tem
que se dedicar muito mais do que um aluno brasileiro que, o nível dele é mais avançado.
Eles freqüentam cursinhos isso é uma vantagem estão mais bem preparados e adaptados do
que eu que vim de Cabo Verde. Por exemplo, se um brasileiro estuda 2 horas eu tenho de
estudar 4 horas devido à desvantagem de preparação de base. Isso me prejudica em termos de
socialização com os colegas, muitas vezes eles me convidam para sair, divertir-se não posso
participar por que tenho de ficar em casa estudando (Estudante 20, Setembro de 2007 – RJ)
98
De acordo com o relato eloqüente desse jovem informante, constata-se que as
dificuldades mais presentes estão relacionadas à formação acadêmica do que àquelas de
ordem social. Muitos dos graduandos, sobretudo os estudantes das áreas de ciências
tecnológicas e da saúde, têm se deparado com algumas dificuldades em acompanhar o curso,
especificamente quanto às disciplinas de física, matemática e cálculo. Essas dificuldades se
devem, de acordo com os universitários, à preparação insuficiente no que se refere a essas
disciplinas no país de origem
41
. E, por conta disso, muitos graduandos não conseguem
aprovação em tais disciplinas e são jubilados
42
. De fato, verifica-se que, grande parte dos
alunos cabo-verdianos do Programa de Estudantes Convênio de Graduação PEC-G que
foram jubilados são das áreas de ciências exatas, sendo os cursos de engenharias os que mais
têm jubilado alunos cabo-verdianos.
Os estudantes assimilaram alguns hábitos e costumes brasileiros, percebidos,
sobretudo, nos modos de falar, ser e estar. A assimilação lingüística predomina nas
referências dos informantes sobre os hábitos e costumes adquiridos do país receptor. Assim
sendo, é visivelmente notório a influência do português brasileiro, bem como o uso constante
de gírias nos discursos dos cabo-verdianos universitários. Segundo os investigados, o sotaque
do português brasileiro chega a persistir por longo período, após o retorno ao país de origem,
e esta assimilação lingüística, muitas vezes, não é bem recebida pela sociedade cabo-verdiana,
que tende a valorizar mais o português lusitano.
É importante destacar que esse “preconceito lingüístico”, por vezes, interfere
negativamente na inserção dos recém-formados no mercado de trabalho cabo-verdiano, como
se verá nos discursos dos pesquisados apresentados a seguir. De acordo com os universitários,
além de a língua ser um obstáculo, as constantes greves, realizadas pelas instituições públicas
de ensino superior, transmitem uma imagem negativa do sistema de ensino brasileiro em
Cabo Verde, o que reforça os estereótipos em torno dos graduados no Brasil. Veja-se o que
dizem os pesquisados sobre isso:
41
Constata-se que um déficit de professores formados em física, química e matemática nas escolas secundárias de Cabo
Verde, o que faz com que muitas vezes o Ministério da Educação de Cabo Verde para suprir essas necessidades contrate
profissionais pouco qualificados. Por outro lado, a extinção do ano preparatório para universidade Ano Zero em 1999
causou uma defasagem na preparação dos candidatos à universidade, segundo a opinião de dos pesquisados: “Os dados que
eu tenho é que a extensão do Ano zero para o 12º ano trouxe problemas na preparação dos estudantes para o nível
universitário. O ano zero definitivamente era um ano de preparação para a universidade. Acho o 12º ano o ano complementar
do ensino secundário. Há diferenças e acho que isso tenha influenciado no desempenho dos estudantes a nível universitário.”
(Estudante 03, Agosto de 2007 – RJ)
42
De acordo com as normas do PEC_G, o aluno é jubilado quando é reprovado duas vezes na mesma disciplina ou quando
reprovado em mais de três disciplinas num mesmo semestre, com exceção do primeiro ano letivo.
99
Você chega e simplesmente você vai sempre ser comparado com os estudantes de Portugal ou
mesmo de Cabo Verde. Ai, dizem ah!... os estudantes que vão pro Brasil?.., é tudo fácil,
você passa rápido, e lá é barato e enquanto os outros estudantes que vão pra outros países tem
que lutar muito para conseguir... (Estudante 09, Novembro de 2007)
Eles dizem que aqui é festa... eles acham que é fácil, que a gente passa assim ... sem
estudar. Não é verdade, aqui é muito mais difícil que Portugal. A pressão que a gente sofre do
PEC... a gente não pode reprovar duas vezes na mesma matéria, não pode ... se não a gente é
jubilado... é que a gente acaba pegando aquele jeito brasileiro.... o jeito alegre, descontraído
de levar a vida, mais light,... mas não que a gente não estuda. É só ver ai, a maioria dos cabo-
verdianos volta formado em quatro, no máximo cinco anos, enquanto que eles em Portugal
demoram um século fazendo uma graduação... por isso eles acham que a gente aqui é tudo
fácil. Na verdade é por que aqui os professores são mais amigos da gente do que professor em
si, e isso ajuda pra caramba... e eles não podem nem olhar na cara do professor... eles
implicam com o nosso sotaque... dizem que a gente volta falando brasileiro, que não sabe
falar ... essas coisas é por que estamos ganhando o mercado de trabalho é só ver ai....
(Estudante 20, Outubro de 2007)
Segundo os entrevistados, o senso comum cabo-verdiano tende a demonstrar que, os
técnicos superiores formados na Europa, Portugal em especial, são mais bem preparados
profissionalmente do que os que se formaram no Brasil. Esta valorização do ensino português
tem origem histórica, pois, até 1975, o sistema educativo cabo-verdiano consistia em
reproduzir o modelo educativo da colônia portuguesa. Além demais como foi aqui
explicitado no capítulo I grande parte da elite intelectual cabo-verdiana formou-se naquele
país europeu. No período colonial, os grandes proprietários de terra e os comerciantes tinham
por tradição enviar os filhos para estudar em Portugal. Somente após a independência o
governo de Cabo Verde passou a receber apoio dos países estrangeiros com os quais mantinha
cooperação bilateral, sobretudo países socialista do leste europeu, que ofertavam bolsas de
estudos aos jovens cabo-verdianos para a formação superior naqueles países. A partir de
1976, Cabo Verde estabeleceu o acordo cultural com o governo brasileiro e passou a fazer
parte do PEC_G, desviando assim um pouco o foco dos jovens estudantes para Portugal.
Contudo, este país continua a ser a principal referência dos cabo-verdianos para a emigração e
para a realização dos estudos.
O que estaria, por outro lado, na origem da escolha de Portugal como o país de destino
dos jovens para a formação superior deve-se ao fato de em Portugal concentrar-se a segunda
maior comunidade cabo-verdiana no mundo. Acredita-se mesmo que seja pouco provável que
haja um cabo-verdiano que não tenha um parente próximo ou distante em Portugal, ou seja,
qualquer cabo-verdiano tem alguma referência em Portugal. Seja por vínculos de parentescos,
amizade ou vizinhança esses laços são os maiores incentivos para as escolhas dos estudantes.
100
No entanto, os universitários admitem que atualmente, com a intensificação dos
acordos de cooperação entre Brasil e Cabo Verde
43
, nota-se certa valorização dos técnicos
superiores formados no Brasil. Segundo os estudantes entrevistados, estes são menos teóricos,
mais comunicativos, extrovertidos e informais, qualidades ressaltadas em relação aos colegas
de Portugal, que são considerados como bastantes teóricos, fechados e formais. Vale ressaltar
que o atual primeiro ministro de Cabo Verde completou seus estudos de vel superior na
Fundação Getulio Vargas, São Paulo. E, em 2005, a dissertação de mestrado “A Diluição da
África” do cientista social Gabriel Fernandes, desenvolvida na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, venceu o concurso Grande Prêmio Cidade Velha
44
, a maior premiação cultural
do país. Estes destaques podem estar na origem do atual reconhecimento das habilidades
técnicas dos profissionais graduados no Brasil.
Observa-se que, atualmente, o Brasil tem sido o destino mais procurado pelos jovens
cabo-verdianos para a formação de nível médio e superior
45
, sendo as grandes cidades São
Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Vitória, Brasília e
Curitiba – as mais procuradas pelos cabo-verdianos.
Não obstante, segundo os entrevistados, o Brasil nem sempre foi à primeira opção e,
na falta do país desejado, Portugal, a escolha do Brasil devia-se, sobretudo, à influência dos
amigos que se encontravam a estudar no país ou que haviam retornado a Cabo Verde. Por
outro lado, as semelhanças culturais, lingüísticas, étnicas e históricas do país com Cabo
Verde, bem como o custo de vida, têm feito com que o Brasil venha sendo considerado pelos
universitários como mais acessível do que a Europa. A isto se soma, por certo, o desejo de
conhecer o país das novelas, de mulheres bonitas, de futebol, de lindas paisagens, quando
estiverem a completar os estudos de nível superior.
Estudar no Brasil parece ser, de fato, uma importante experiência de vida para aqueles
estudantes que optaram por isso, como mostram os seus depoimentos:
Brasil foi uma escola. Por que aprendi com a vida, a respeitar as diferenças e as pessoas. Dou
Graças a Deus por ter vindo, porque através da convivência com os cabo-verdianos e
brasileiros ganhei uma nova experiência e forma de vida. Ganhei hoje novos horizontes e
novos olhares. Ver além das coisas, a sua essência Não somente por que fui estudante e passei
43
Brasil apoiou a criação da Primeira Universidade Pública de Cabo verde- UNICV, nesse sentido, a Capes têm aumentado o
número de bolsas de Pós-Graduação aos cabo-verdianos. A última visita do Presidente da República do Brasil Luís Inácio
Lula da Silva á Cabo Verde, sua excelência reforçou o acordo de cooperação com Cabo Verde á nível da Educação.
44
O concurso visa premiar os trabalhos de investigação científica que tem como objetivo a valorização da cultura, identidade,
nação bem como o homem cabo-verdiano.
45
Ver capítulo I sobre emigração com fins de estudos.
101
por sacrifícios, dificuldades, mas tive boas oportunidades que me ajudaram a construir melhor
a minha personalidade (Estudante 01, Agosto de 2007 – RJ).
coisas boas. eh! Universidades, amigos que eu fiz, embora sejam amigos de escola, mas
bons colegas. Convivência com os amigos que eu fiz são extremamente bom muito bom ter
formado como cidadão, hoje reclamo, procuro os meus direitos, dou opinião, tudo isso de
certa forma devo ao Brasil. Por que aqui que eu me formei as minhas opiniões, se sou de
esquerda ou de direita foi aqui que o consegui formar essa decisão, enfim acho que é isso. O
que eu sou hoje certa forma a influência é do Brasil. a minha formação eu como ser humano,
de ter uma opinião a dar tudo devo ao Brasil (Estudante 05, Outubro de 2007 – RJ)
Segundo os inquiridos, ocorre uma série de transformações na forma de ser e de estar
dos universitários ao longo da sua permanência no Brasil, que são por eles consideradas como
positivas. Dizem eles que viver no Brasil lhes permitiu “abrir os olhos”, ter “uma nova visão
de mundo”, ou seja, não mais se consideram pessoas limitadas, no sentido de que em Cabo
Verde tinham uma visão restrita do mundo, de somente aquilo que se encontrava ao seu redor,
e atualmente consideram-se pessoas globalizadas. Os estudantes alegam que o fato de terem
vindo ao Brasil fez com que mudassem o modo de pensar, o que passou a diferenciá-los dos
jovens na mesma faixa etária que se encontram no país de origem.
A ausência dos familiares, sobretudo dos pais, acelera a emancipação desses jovens
universitários, obrigando-os a antecipar a maturidade, pois passam a ter a responsabilidade de
cuidarem de si e de gerirem os próprios recursos financeiros. Esta não é uma tarefa fácil para
esses adolescentes e jovens, com a idade compreendida entre 17 a 30 anos, provenientes de
uma sociedade bastante conservadora, em que os pais mantêm total controle sobre os filhos,
mesmo em idade adulta. Isto se observa através das falas de um dos participantes
universitários:
Em Cabo Verde eu era um adolescente e aqui os meus hábitos são de uma pessoa adulta... de
tomar conta de casa, tomar conta de mim mesmo. Em Cabo Verde você fica muito sobre a
proteção dos pais. E aqui você é um jovem independente, dono do próprio nariz, onde você
sabe que qualquer ato que fizer recai sobre a própria pessoa, enfim... é isso (estudante 18
Setembro de 2007, Rio de Janeiro)
Em função dessa experiência, eles hoje se consideram jovens “experientes”,
“responsáveis” e, sobretudo, com grande senso critico. A “liberdade” é tida por eles como
uma das grandes conquistas alcançadas nessa experiência de viver fora. De fato, para muitos,
o Brasil é a primeira experiência de morar fora do país e longe dos familiares. Ao
regressarem, são considerados autônomos, independentes, e preparados para a vida adulta, ou
seja, já podem casar ter filhos, em suma, estão preparados para se assumirem enquanto
cidadãos perante a sociedade.
No entanto, as mudanças ocorridas não se restringem ao nível social, pois se registram
também transformações em nível pessoal. Segundo alguns pesquisados, antes da vinda para o
102
Brasil, eles se consideravam pessoas bastante introvertidas, tímidas, sérias, fechadas e, após
conviverem com os brasileiros, tornaram-se pessoas comunicativas, alegres, simpáticas e
bastantes extrovertidas. A timidez é apontada pelos estudantes como a causa do fechamento
do grupo em si e da pouca abertura às outras comunidades, priorizando assim as relações
intra-grupo. Isto pode ser conferido no depoimento que se segue:
Sei lá... acho que é vergonha, ainda não tinha aquela...sei lá... Aquela coisa de conviver com
os brasileiros, não sabia como ia me sentir no meio deles e tal. Foi insegurança mesmo. Foi só
insegurança da minha parte. Era uma insegurança de como eu iria me sentir no meio deles.
Jovem de 18 anos, não tinha experiência de sair na paródia, de ir a lugares. Ai, a galera dizia:
pó, Caboverde vai rolar um churrasco hoje na casa do fulano!, Ai não sentia confiante
bastante de dizer, ah! Vamos nesse churrasco. Acho que é o meu jeito, era o meu jeito tímido
que tinha na época. Mais a... enfim... (Estudante 13, Agosto de 2007 – RJ)
Mesmo o grupo aparentemente tende a demonstrar algumas limitações em estabelecer
laços com a sociedade de acolhimento, verifica-se uma tendência para se abrir ou certa
afinidade em relação aos hábitos e costumes da cultura brasileira, que se manifesta pelo apego
às músicas, à dança, ao estilo de vida e à culinária. A feijoada, prato tradicional da cidade de
acolhimento, ganhou o paladar dos cabo-verdianos, assim como a farofa, o churrasco, a pizza,
o açaí e a caipirinha. A rigor, tudo leva a crer que a “paixão” pelas coisas do Brasil fazia
parte da vida desses jovens mesmo antes de virem para cá, pois a cultura brasileira é muito
presente em Cabo Verde, devido à influência da mídia, das telenovelas principalmente, e ao
comércio. Vale destacar, também, a presença de brasileiros que se encontram residindo em
Cabo Verde, cuja maioria é mulheres que se casaram com cabo-verdianos que estudaram no
Brasil.
Como aqui anunciado, a comunidade cabo-verdiana aparenta ser relativamente fechada
em relação às comunidades externas ao grupo. Nesse sentido, os estudantes afirmaram que
tendem a dar mais preferência aos convívios entre si, mantendo relações sociais limitadas com
os brasileiros ou outros africanos no Rio de Janeiro. A hipótese dos pesquisados adotarem tais
comportamentos seria talvez uma forma de se sentirem mais próximos de Cabo Verde e
também no sentido de preservarem a própria cultura e a integridade do mesmo. Afirmam que
estando juntos, diminui a saudade, e que a solidariedade é um elemento importante para esses
jovens que vivem separados dos familiares, mantendo certa autonomia e gerindo os próprios
estudos e as economias
46
.
46
Os estudantes bolsistas recebem R$600 do Governo de Cabo Verde e os estudantes mantidos pelos próprios familiares
recebem entre R$ 600 a R$800 mensal. No entanto, devido à alta taxa de inflação e a desvalorização do dólar no país de
acolhimento, o valor da bolsa recebida não chega para suprir as necessidades básicas dos acadêmicos, a par disso, não raro os
universitários recorrerem aos familiares imigrados para colaborar com a sua cota parte nas despesas dos graduandos. Não
obstante, há estudantes cujas despesas são inteiramente suportadas por um familiar (não necessariamente precisa ser família
em primeiro grau ou de sangue) residente no estrangeiro.
103
Os universitários, em geral, vivem em sistema de república, dividindo o apartamento
ou a casa com colegas cabo-verdianos, salvo as raras exceções daqueles que, moram com
pessoas de outras nacionalidades. Encontra-se entre quatro a seis pessoas por apartamento,
dividindo as despesas referentes a aluguel, água, luz e condomínio, sendo a alimentação
geralmente de responsabilidade individual de cada morador. Nota-se que esta convivência
“forçada” nem sempre é saudável, devido às divergências que ocorrem, com freqüência,
devido às diferenças pessoais, culturais e sociais. Em conseqüência disso, a fim de evitar os
conflitos, os estudantes tendem a procurar dividir residência com os colegas com que tenham
algum tipo de afinidade, tais como pessoas da mesma ilha de origem, do mesmo bairro, que
freqüentam a mesma universidade, o mesmo curso, namorado (a). Não obstante, todos moram
próximos um do outro, sendo comuns as visitas de um à casa do outro.
Freqüentemente o grupo de estudantes realiza festas, reuniões e convívios sociais, com
o propósito de aproximar o grupo e manter sempre presentes as tradições, hábitos e costumes
do país de origem. É, na verdade, também uma forma de sentirem-se unidos, coesos, mais
próximos um dos outros e simbolicamente próximos ao país de origem, além de ser um
importante meio de promover junto à sociedade receptora o país de origem e a cultura
nacional.
Essas festas e reuniões são consideradas fundamentais para restabelecer laços afetivos
entre os conterrâneos, diminuir a saudade da terrinha, bem como um importante meio de se
manterem informados sobre o que ocorre na vida dos universitários no Rio de Janeiro e sobre
notícias do país de origem. É ainda, nesses encontros que o grupo tem a oportunidade de
colocar os assuntos em dia, de conhecer as dificuldades enfrentadas pelos colegas, de prestar
solidariedade uns aos outros, servindo também de momentos de reflexões, lembranças,
memórias, elaborações de projetos para o futuro, bem como de manifestações dos desejos e
sonhos. Enfim, a festa é de suma importância para o grupo, como o atesta uma depoente: “a
festa alivia bastante, às vezes vontade de estar no meio dos cabo-verdianos, ouvir a nossa
música, principalmente se você está triste. Não me imagino ficar aqui somente no meio dos
brasileiros, acho que eu me sentiria muito triste, preciso conviver com os cabo-verdianos”.
O cabo-verdiano é dado como sendo um povo festeiro, por natureza, assim como os
brasileiros. Para os cabo-verdianos tudo acaba em festa. A festa que também é chamada de
Sabura, ou Paródia, em crioulo é o ponto alto de qualquer comemoração, pois, para esses
jovens estudantes, parece que tudo é motivo de festa. Os momentos festivos, ou de Sabura, se
dividem em: Xintada, Convívio, e Festas. Far-se-á uma breve descrição das três modalidades
de diversão praticadas por esses jovens no Rio de Janeiro:
104
Ø Xintada
Este termo, criado pelos próprios jovens, traduzido para o português significa “sentar-se”.
Trata-se de uma “reuniãozinha”, de caráter, “íntimo”, ou seja, restrito, realizada nos próprios
apartamentos, onde podem participar as pessoas convidadas pelos organizadores, ou seja,
pessoas que fazem parte do seu círculo de amizade. As xintadas acontecem geralmente nos
finais de semanas. Os participantes se organizam, doam certa quantia em dinheiro a um
membro do grupo, que fica responsável por comprar os mantimentos para a reunião.
Geralmente, o grupo elege um prato principal e os aperitivos para acompanhar a diversão. Os
pratos mais comuns nas xintadas são os pratos típicos do país de origem, tais como a
cachupa
47
, feijoada cabo-verdiana, salgadinhos, cuscuz de fubá, grogue e licores. Não
obstantes, às vezes, para homenagear o país de acolhimento, o prato principal pode ser
churrasco, feijoada brasileira, salgadinhos. A caipirinha e a cerveja costumam serem
presenças indispensáveis em todas as reuniões. A xintada pode ser realizada durante o dia ou
á noite, dependendo da disponibilidade dos integrantes. Da mesma forma, pode ocorrer de
improviso, sem uma preparação prévia, sendo esses casos mais comuns quando alguém chega
de Cabo Verde ou quando se recebe encomenda
48
do país de origem.
47
A Cachupa ou Catchupa é o prato típico de Cabo Verde feito a base de milho, feijão, mistura-se a estes legumes, verduras,
hortaliças, bem como peixes ou carnes, embutidos, e miúdos de porco. Seria uma espécie de sopa - equivalente ao ensopado
brasileiro, e se aproxima um pouco à feijoada brasileira. Pois, ambos levam miúdos de porcos, porém a Cachupa se difere da
feijoada por levar milho, hortaliças e verduras. E por outro lado, a Cachupa é um alimento de fácil digestão, devido à grande
presença de vegetais. No nordeste brasileiro a Cachupa, ou seja, o Mugunzá ou Mucunzá como é chamado pelos nordestinos
é muito apreciada pelos moradores da região. A história que se conhece da origem da Cachupa como o alimento básico do
cabo-verdiano, estaria ligada as condições climáticas do arquipélago. Sendo um país de clima seco e semi-árido, terreno
acidentado, a única planta que melhor se adaptou as condições geográficas e climáticas do arquipélago foi o milho, daí a
razão deste grão ter se tornado a base da dieta dos insulares. Também não se descarta a hipótese de ser um hábito alimentar
trazida pelos escravos do continente ao arquipélago, uma vez que, os europeus tinham como hábito alimentar o trigo e o
arroz, o milho era destinado a alimentar os animais. Em vista disso, os pratos típicos de Cabo Verde são feitos á base do
milho. Além da Cachupa, tem o Cuscuz (também conhecida como cuscuz amarelo doce ou salgada feita nas regiões de Minas
Gerais e no nordeste brasileiro), a Massa, Papa (Angu Mineiro), pasteis de fubá, Xêrem, Camoca, Sopa de Lorron, entre
outros. Não obstante nos dias atuais, com a globalização, bem como a abertura do país aos investimentos externos os hábitos
alimentares dos cabo-verdianos têm mudado, o arroz passou a ser o prato principal do povo das ilhas. A Cachupa, no entanto
passou para o segundo plano, as crianças, os jovens não dão tanto valor a esse prato, como era tempos atrás, ao menos
quando se encontram fora do país. Na diáspora o prato toma uma conotação “nostálgica” e simboliza a origem e a identidade
do cabo-verdiano. Os sites apresentados a seguir podem ser conferidos os vídeos e as receitas do Mugunzá ou Mucunzá
sinônimos da Cachupa cabo-verdiana. Ambos os vídeos referem à origem do prato, foram trazidas ao Brasil pelos escravos.
Programa da TV Globo Mais Você: http://receitas.maisvoce.globo.com/Receitas/Sopas/0,,REC1751-7777-
68+MUGUNZA,00.html;TV Centro Americana: http://rmtonline.globo.com/addons/video_player.asp?em=2&v=3250.
48
Encomenda consiste em pequenos presentes que os pais ou familiares enviam aos filhos e parentes. Geralmente são
comidas típicas do país, tais como: Atum em conserva, bolacha, camoca, feijão, milho para cachupa, doces, grogue e
licores.
105
Ø Os convívios.
São marcados pela informalidade, ou seja, ela geralmente acontece ao acaso. O convívio
ocorre sempre que dois ou mais cabo-verdianos se reúnem. Pode ser na universidade no
horário do recreio, em casa com os colegas de apartamento ou quando recebem visitas de
conterrâneos residentes no mesmo bairro, ou mesmo em outros estados brasileiros. Os
convívios ocorrem com maior freqüência nos bares e botecos da cidade do Rio de Janeiro
49
. A
finalidade do convívio é mais para “jogar conversa fora”, sendo a presença de bebidas e
comidas relativa, dependendo muito das disponibilidades dos integrantes. São momentos de
“reflexões” e “discussõesde diversos temas, assuntos relacionados a si próprios, sobretudo,
sobre a vida acadêmica, as dificuldades enfrentadas no país de acolhimento, os projetos,
desejos, sonhos, bem como os assuntos da vida pessoais namoros e “ficar”, dentre outros.
Por conseguinte, o grupo discute sobre política, educação, cultura, cidadania do país de
origem, bem como da sociedade de acolhimento. O discurso de um estudante investigado é
elucidativo dos convívios grupo:
Bom, durante a semana tem a faculdade né?, você estuda e não tem muito tempo pra estar
visitando os estudantes, mas nos finais de semana, de vez em quando faz-se alguma festinha
no apartamento de algum, ou então nos reuníamos dentro do nosso apartamento e fazíamos
uma coisa diferente, uma catchupa e jogos, sempre também a gente fazia, debatia sobre temas
ligados à Cabo Verde principalmente política né?, a cultura também, a oficialização da língua,
teve uma época que estava na moda, entre aspas, sempre nos apartamentos ou quando a gente
se encontrava a gente sempre conversa sobre isso. (Estudante 11,Outubro, 2007)
Ø A festa
Trata-se de uma modalidade de convivência mais ampla, em que não há restrição de
participantes, sendo aberta a toda comunidade
50
estudantil cabo-verdianos, brasileiros, bem
como aos demais africanos residentes no Rio de Janeiro. Para participar das festas, os
interessados devem comprar ingressos, cujos preços variam de acordo com a finalidade do
evento. As festas geralmente acontecem em casas de festas, discotecas e clubes alugados
pelos organizadores. Em todos os eventos, a música é praticamente obrigatória, porém nas
festas um DJ (geralmente é um estudante universitário) contratado especificamente para
animar a festa com os mais variados estilos, desde as músicas dançantes do país de origem
49
Vale destacar a Rua Farani que ficou conhecida como o ponto de encontro dos universitários cabo-verdianos no Rio de
Janeiro. A razão de a Rua Farani ser atualmente o ponto de encontro dos estudantes deve-se ao grande mero de estudantes
cabo-verdianos a residir na zona sul do Rio de Janeiro. A maioria (80%) dos inquiridos reside nesta região, sendo que os
bairros com maior freqüência dos universitários são Laranjeiras, Flamengos, Botafogo, Humaitá, Maracanã e Tijuca. No
passado, o Rio 40 Graus já foi o ponto de encontro dos cabo-verdianos universitários no Rio de Janeiro, bem como o DCE da
Universidade Federal Fluminense em Niterói já foi palco das festas dos ilhéus.
50
A comunidade aqui é entendida como um grupo de sujeitos que partilha de uma mesma identidade, ..
106
(funaná, zouk, coladeira), bem como as do país de acolhimento (funk, axé, forró) e os black
music norte-americano (hip hop, rap, reggae), as latinas e pop music em geral. Quando as
festas são de caráter cultural, como, por exemplo, na comemoração da independência de Cabo
Verde, no Dia da África, entre outras datas oficiais, os estudantes se organizam em equipes,
realizam torneios de futebol e handebol com colegas moçambicanos, guineenses, angolanos e
são-tomenses.
No mesmo âmbito comemorativo, costumam realizar palestras e conferências nos
auditórios da própria universidade, convidam conferencistas e palestrantes. Muitas vezes os
conferencistas são de entidades públicas de Cabo Verde, bem como professores universitários
e outros profissionais específicos. Ainda fazem parte do cerimonial às atividades culturais
com grupos de danças típicas do arquipélago (funaná, batuque, cola-san-djon, valsa, mazurca,
contradança), bem como peças de teatros, recitações de poesias, canto e interpretação das
musicas nacionais, sendo, nessas ocasiões, a morna, a “musa” inspiradora dos intérpretes e,
com freqüência, bandas compostas por estudantes se apresentam nas festas.
De modo geral, o grupo considera essas modalidades de festas/diversão/lazer um
importante meio de aproximação, bem como de criação ou manutenção de vínculos sociais,
culturais e afetivos. Esses encontros são essenciais para manter as redes sociais, a união e a
coesão do grupo, além de simbolicamente servir para encurtar a distância para com o país de
origem, manter vivos a tradição, os usos e costumes. E, sobretudo, contribui para o equilíbrio
psicossocial dos estudantes. Vale ainda destacar que este tipo de relacionamento é tido pelo
grupo como um importante fator de (re) criação das memórias, lembranças e identidades. É
nesses momentos de muita cumplicidade, de emoções afloradas, carregadas, sobretudo, de
nostalgias, de saudade, que a memória individual e coletiva do grupo se manifesta.
Para os investigados, os principais eventos memoráveis são sobre a infância. De fato, a
maioria disse que aquilo de que mais se lembram em Cabo Verde se refere à infância, bem
como aos amigos e às brincadeiras de criança. Por outro lado, nos relatos dos jovens, os
trabalhos domésticos realizados em casa ou no campo, para ajudar os pais, são também
recordados como sendo um aspecto positivo desse período
51
. Os inquiridos aproveitam esses
momentos de maior cumplicidade para descrever aos colegas as suas realidades sociais,
51
Muitos desses jovens são procedentes de famílias humildes do meio rural, onde é costume dos pais colocarem os filhos
para ajudá-los nas lavouras, bem como nas lidas domésticas. As crianças em Cabo Verde, sobretudo no meio rural, começam
a trabalhar muito cedo e os pais não consideram tais atividades desempenhadas por elas como sendo exploração infantil. Para
os pais, colocar o filho para ajudar na lidas doméstico ou no campo seria uma forma de educá-los para serem adultos
responsáveis, fortes e bem-sucedidos.
107
econômicas bem como outras informações pertinentes que poderão determinar as posições
sociais que ocupam dentro dos parâmetros da sociedade de origem. Além de ser um ponto
fulcral de construção de memórias, os convívios é um importante fator de (re) construção de
identidades, pois, a partir dos relatos mnemônicos, o grupo fica a conhecer mais e melhor as
especificidades culturais e identitárias do país de origem, bem como a sua própria identidade.
Segundo Halbwachs (2004), a memória e a identidade são possíveis a partir do
social, tendo como referência os padrões que fazem parte do coletivo. A memória torna-se um
elemento constitutivo do sentimento de identidade, seja ela individual ou coletiva, ao mesmo
tempo em que se torna um fator importante de continuidade e coerência de uma pessoa ou
grupo no processo de sua própria construção identitária. Para o autor, a memória é
essencialmente coletiva, a memória individual existindo somente a partir da memória coletiva,
pois “o homem se caracteriza essencialmente por seu grau de integração no tecido das
relações sociais” (Halbwachs, 1990:121).
Nesse sentido, (2005) afirma que a memória humana não se resume tão somente a
uma reprodução das experiências passadas, pois se trata de uma construção a partir daquelas
em consonância com a realidade do presente e apoiada pela sociedade e pela cultura. Ainda
segundo o autor (op. cit.), “a construção, manutenção e atualização da memória social, mesmo
em suas manifestações mais individualizadas, dependem estritamente da interação social ou
da comunicação intra e intergrupal, erudita e/ou de massa” (p. 68).
Como uma representação do passado, a memória coletiva é sumamente importante na
construção da identidade do grupo. A identidade, assim como a memória, faz parte de um
diálogo social, ambas são construídas a partir de parâmetros que não são exclusivamente do
indivíduo. Para Halbwachs (op.cit), a memória coletiva é elaborada a partir de quadros
sociais, como a família, a religião, a profissão, o local de trabalho, dentre outros. E é
justamente nesses quadros sociais que os pesquisados se apóiam para elaborar as memórias do
grupo. Em suma, os indivíduos identificam a si e aos outros tendo como referência as suas
origens, definidas através de uma memória compartilhada e transmitida de uma geração a
outra, expressando deste modo os valores culturais do grupo. O depoimento de um estudante
ilustra bem esta perspectiva:
Quando estou com os amigos de Cabo Verde, falando sobre o país lembro muito da minha
infância. Lembro da minha infância. Nós conversarmos muito sobre nossas infâncias que
tivemos de acordo com as tradições de nossas ilhas. Na minha ilha tem se o costume de sentar
à noitinha na rua ou em casa dos vizinhos, com os amigos ouvindo estórias que nossos pais ou
uma pessoa mais velha conta para as crianças. Fazíamos também outras brincadeiras de
criança.... Aqui quando estou com os colegas aproveitamos esses momentos para contar os
108
contos de nossas infâncias, coisas das nossas ilhas, sobre a nossa cultura, historias de nossas
vidas, como se fosse a nossa bibliografia. Cantamos, tocamos, fazemos música, do que
fazíamos quando éramos crianças. Abraçamos, sentimos alegres como se estivéssemos a viver
ou reviver a nossa infância apesar de sermos jovens. (Estudante 17, Setembro 2007, RJ)
As festas/convívios, além de permitirem a recriação de memórias e identidades,
facilitam as relações afetivas, cabendo destacar que muitos dos casais de namorados se
conheceram nas festas. Originários de uma sociedade que mantém como base uma
educação conservadora, fundamentada nos princípios éticos do catolicismo nesse sentido,
percebe-se que certa tendência das cabo-verdianas procurarem parceiros entre os cabo-
verdianos, o que Hirsch (2007) chama de endogamia seletiva. As mulheres aparentam
serem mais fiéis ao grupo, demonstram a preferência pelos parceiros cabo-verdianos,
sobretudo, devido às questões culturais e de segurança. São poucos os casos de cabo-
verdianas que namoram estrangeiros, o mesmo não se verifica em relação aos cabo-
verdianos estudantes.
Segundo as informantes, quando os parceiros são de outras nacionalidades ou raças, as
diferenças culturais muitas vezes tornam-se um obstáculo ao relacionamento. Contudo, de
acordo com o estudo empírico realizado bem como os resultados da autora acima frisada,
os rapazes não namoram somente as cabo-verdianas, como também, eventualmente, têm
namoradas brasileiras, angolanas, moçambicanas, entre outras.
5.2.8.2. Os Imigrantes
Os imigrantes declaram que não tiveram grandes dificuldades em se adaptar à
sociedade de acolhimento, pois a facilidade da língua e as semelhanças culturais facilitaram o
processo de integração e a interação social e cultural. Vieram para o Brasil no início dos anos
50 em busca de melhores condições de vida e constituem-se em um grupo coeso,
extremamente afetivo, acolhedores
52
e, tem a solidariedade como a matriz que rege as
relações sociais dentro do grupo. Orgulham-se em se assumir como cabo-verdianos, sendo o
sentimento nacionalista muito presente entre este grupo dos pesquisados. Não obstante, tal
52
Vale destacar a simpatia e solidariedade com que a pesquisadora foi recebida na comunidade durante a pesquisa de campo.
Os pesquisados trataram a pesquisadora como se fosse visita, as conterrâneas recebiam lhe com muita festa, preparava pratos
especiais (cachupa, frigenote, lasanha, feijoada) mesclando a gastronomia cabo-verdiana e brasileira no sentido de sentisse
duplamente em casa. Não obstante a isso no final acompanhava a investigadora até ao ponto de ônibus, e ainda fazia uma
sacola com presentes (ovos, frutas, legumes, entre outros gêneros alimentícios) e alguns queriam pagar dar o dinheiro para o
transporte.
109
como os estudantes, não se demonstra terem relações sociais intensas com os nacionais e
demais comunidades africanas migrantes no Rio de Janeiro
Segundo os dados do estudo empírico, foi possível apurar que os imigrantes chegaram ao
Brasil relativamente jovens, sendo a maioria solteira, tendo alguns deixados namorados em
Cabo Verde, as quais, posteriormente mandaram buscar. Nota-se uma espécie de “endogamia
seletiva
53
”, ou seja, predominam os casamentos entre os cabo-verdianos, sendo poucos os
casais mistos, dentre os quais se destaca a união entre cabo-verdiano (a)s e brasileira (o)s e
entre cabo-verdiano (a)s e portuguesa (e)s.
Menezes (2002), no seu estudo sobre a família de camponeses migrantes nordestinos,
alerta para o fato de que o casamento com uma mulher do país de origem faz com que o
migrante afirme a importância de se manter ligado à sua terra natal e, por outro lado, expressa
sua expectativas em relação à posição social das mulheres como esposas e mães (apud Silva,
2007).
De acordo com as informações sociais recolhidas no estudo empírico, constatou-se que o
grupo tem entre 30 a 50 anos de residência no Rio de Janeiro e, durante este período, realizou
em média uma a duas visitas ao país de origem. Há, entretanto, imigrantes que nunca
retornaram a Cabo Verde num período de mais de cinqüenta anos de residência no Rio de
Janeiro. Uma das razões da pouca freqüência de visitas desses imigrantes ao país de origem
deve-se a constante desvalorização da moeda brasileira até a um passado recente, conforme o
discurso do imigrante:
[...] quando fui para São Vicente tratar lá a documentação as pessoas me dizia porque o
senhor não vai para Holanda que estava com mais... todo mundo não queria vir para o Brasil,
eles diziam que... Brasil sempre foi um país meio... assim é mais difícil para você escolher...
você quer vir para depois retornar que fazer a sua família lá é um pouquinho mais difícil. para
ver estou aqui 39 anos sem poder ir uma vez para cabo verde, porque tem uma mudança
aqui de dinheiro, toda hora o dinheiro muda.... toda hora o dinheiro trocava, caía trocava.
todas as vezes que guardava um dinheiro para ir para cabo verde o dinheiro mudava, não era
aquele, era outro e pronto,você vai ter que se virar de novo. Outra vez eu preparei para
ir e entrou novo governo que mudou o dinheiro, que fazer aquele dinheiro não vai valer quase
nada vai começar embaixo, então você tem dinheiro e não vale nada e assim fui ficando
aqui até ... (Imigrante 05, Agosto de 2007, RJ)
A preocupação com a desvalorização da moeda brasileira já era uma preocupação antes da
vinda dos ilhéus. Alguns imigrantes dizem que, quando manifestaram o desejo de vir para o
Brasil, amigos e familiares lhes pediram que fossem para Europa, pois o Brasil não era um
bom lugar para migração, devido a sua moeda, que é pouco cotada no mercado internacional.
E, por conseguinte, o que se ganha, somente para sobreviver no país, o que não ia de
53
Termo emprestado do estudo de Hirsch 2007.
110
acordo com as expectativas dos cabo-verdianos, que tinham por objetivo trabalhar e investir
no país de origem. Por conta disso, muitos dos imigrantes deixaram o Brasil e foram para
Europa e para os EUA. Segundo os inquiridos, havia cabo-verdianos de praticamente todas as
ilhas do arquipélago no Brasil na década de 60, porém muitos não se adaptaram e procuraram
outros destinos.
No entanto, com a criação do Plano Real, em 1994, a moeda brasileira estabilizou-se,
permitindo desse modo que muitos dos ilhéus realizassem o desejo de visitar a terra natal,
após mais de três décadas de ausência
54
. Atualmente, com o dólar em queda, as passagens
áreas baratearam um pouco, o que pode facilitar o retorno dos insulares ao arquipélago.
Contudo, muitos dos imigrantes dizem ter perdido a coragem de visitar Cabo Verde, após a
perda dos pais e demais parentes próximos. De acordo com os inquiridos, o falecimento dos
parentes próximos diminui o vínculo com o país de origem, já que não há mais uma referência
significativa no arquipélago. Contudo, todos dizem sentir saudades da pátria amada, Cabo
Verde, e prometem nunca esquecê-la, e dizem trazê-la sempre dentro de si, como se fosse um
“filho”, pois é o “grande amor”.
Em uma das entrevistas, um imigrante relatou ter trabalhado durante 25 anos em um navio
transatlântico e disse orgulhosamente que conhecia quase todos os países do mundo. No
entanto, certa vez, o navio em que trabalhava atracou no Porto Grande, ilha de São Vicente,
Cabo Verde, e permaneceu por duas horas, sem que ele, um imigrante natural de São
Vicente tenha descido para “salvar”, ou seja, cumprimentar os familiares. Na seqüência
enviou uma carta aos familiares por um portador, informando-lhes que se encontrava a bordo
do navio, e o irmão foi ter com ele. Questionado sobre o porquê de não querer descer à
terra, respondeu que não sentiu coragem. outros casos de imigrantes cabo-verdianos no
Rio de Janeiro que possuem filhos, irmãos e outros parentes residindo nos EUA, Alemanha,
Luxemburgo, Itália, Portugal, Angola e Inglaterra, e visitam-nos com freqüência, mas, desde
que vieram, não retornaram ao menos uma única vez a Cabo Verde.
Por essas e outras observações empíricas, nota-se que os imigrantes tendem a distanciar-se
um pouco do país de origem, o que demonstra também uma boa integração a sociedade de
acolhimento. Por outro lado, embora digam que o Brasil representa sua segunda pátria,
54
Em 2006 alguns imigrantes e estudantes puderam fazer uma viagem sem custo adicional, ofertada pela Força aérea
brasileira – FAB.
111
afirmam que nunca deixarão de se sentirem cabo-verdianos, mesmo os que optaram por
naturalizar-se brasileiro
55
, demonstrando assim um forte sentimento de patriotismo.
As razões que levaram os insulares a deixar a pátria amada em direção ao país
maravilhoso estão relacionadas à busca por melhores condições de vida, devido às
adversidades que assolavam o país na época: seca, miséria, desemprego. Verifica-se que
muitos dos inquiridos vieram por intermédio de um parente
56
, que se encontrava no Brasil.
Nesse sentido, o reagrupamento familiar foi uma das causas da vinda da maioria desses ilhéus
ao Brasil, somado ao desejo de migrar, que se encontra enraizado no homem cabo-verdiano.
Os informantes afirmaram que atualmente estão bem adaptados socialmente, contudo, no
início, tiveram alguns choques psíquicos e sociais, uma vez que as referências pessoais e
sociais do país de origem não faziam parte da nova realidade social. Em outras palavras, o
imigrante, chegando ao Brasil, se deparou com uma sociedade extremamente complexa, que o
fez sentir-se um “estranho”.
É importante sublinhar que, a maioria dos imigrantes no Brasil, Rio de Janeiro em
particular são pessoas vindo do meio rural das ilhas de Santo Antão, São Vicente, Sal e São
Nicolau, regiões consideradas extremamente pobres na época
57
, cujo principal meio de
sobrevivência era/é a agricultura de subsistência e a pesca. Essas regiões não dispunham de
grandes infra-estaturas físicas, os meios de transportes eram praticamente os animais burros
e cavalos, bem como bote de pesca
58
e os longos deslocamentos eram feitos a pé, pois o
veículo motorizado constituía uma raridade (Bento, 2005).
Assim, os imigrantes, ao chegarem ao maior país da America do Sul, na década de 50, se
depararam com uma metrópole recém incorporada no mundo industrializado. O Rio de
Janeiro encontrava-se em processo de modernização, pois tinha passado pela revolução
industrial, e isso acarretou uma serie de transformações sociais, científicas, tecnológicas e
culturais, mudanças essas que estavam além das realidades sociais vivida até então pelos
ilhéus. De fato, segundo Bento (2005: 69, apud, Sevcenko, 1998), “em 1950 o Rio de Janeiro
foi marcado pela introdução da televisão que despertou novos desejos na sociedade brasileira,
invadindo desse modo, todos os lares e, impondo novos padrões e hábitos á população”.
55
Foram poucos os imigrantes que naturalizaram brasileiros, grande maioria possui nacionalidade portuguesa -, natural de
Cabo Verde.
56
Os parentes mandaram carta de chamada – documento emitido por um órgão oficial ou entidade empregadora com o qual o
imigrante recebe a permissão para a viagem.
57
Com a descentralização do poder em Cabo Verde em 1991 criação do poder local, aliada as constantes ajudas dos
imigrantes, a economia dessas regiões ganhou um impulso, melhorando desse modo, o nível de vida da população
campesino.
58
Pequena embarcação de cinco a sete metros de cumprimento, utilizado para a pesca artesanal, cuja navegação se sobe
apóio de dois remos movimentado pela força física do pescador.
112
Por outro lado, os imigrantes disseram também que, quando chegaram ao Brasil, se
surpreenderam com a ausência de algumas infra-estruturas físicas e saneamento básico
ausência de asfalto nas ruas, falta de energia elétrica, telefone, água canalizada, redes de
esgoto – em algumas regiões metropolitanas do Município do Rio de Janeiro, tais como Nova
Iguaçu, Mesquita e Nilópolis, locais escolhidos pelos ilhéus para fixarem residência. Posto
assim, talvez sejam compreensíveis as expectativas geradas pelos emigrantes sobre o país de
destino, uma vez que “ilusões”, “fantasias” e o sonho da “terra prometida” sempre estiveram
na origem dos grandes movimentos transnacionais.
Como foi destacado aqui, os cabo-verdianos migrantes no Rio de Janeiro representam
um grupo coeso com uma forte rede de solidariedade intragrupo, com todos se considerando
uma família. Nesse sentido, verifica-se que o grupo mantém os seus membros ligados entre si
por um conjunto de relações sociais, que o estabelecidas por meios de festas de
aniversários, casamentos, batizados, convívios na associação, bem como pela solidariedade
em caso de doença ou morte de conterrâneos residentes no Brasil ou dos parentes residentes
em Cabo Verde, ou na diáspora.
Verifica-se que os imigrantes mantêm os laços sociais restritos entre si, de modo que nas
festas e nas reuniões realizadas em casas ou na associação participam majoritariamente
imigrantes cabo-verdianos, os filhos e netos deles e, apenas, um ou outro brasileiro casado
com cabo-verdiano ou com filhos destes. Observa-se, entretanto, que limitações no
relacionamento no seio do próprio grupo, sendo as relações sociais mais concretas aquelas
que se dão entre parentes, ou seja, as redes sociais movidas por laços de parentescos são as
mais densas. Segundo os imigrantes, não se tem muito o hábito de um ir à casa do outro,
alegando que não o fazem por falta de tempo, já que cada um tem os seus compromissos e isto
dificulta os contatos freqüentes com os conterrâneos.
No entanto, afirmam que, em se tratando de doença ou falecimento, todos procuram
prestar solidariedade ao doente e à família enlutada. De fato, os momentos de dor são
compartilhados mesmo com relação àqueles que se encontram distante, por exemplo, em
Cabo Verde. Quando morre um ente querido em Cabo Verde ou na diáspora, o parente da
vítima comunica à comunidade e estes se solidarizam com o ocorrido, visitam os familiares,
enviam cartas, telefonam.
Segundo os informantes a boa relação entre os imigrantes é notória desde a chegada dos
ilhéus ao Rio de Janeiro. Nesse sentido, era comum um imigrante mais velho, “veterano”,
acolher o recém chegado em sua residência, ajudá-lo a procurar trabalho, moradia, ou seja,
113
dava-lhe toda assistência até que o imigrante se integrasse nova sociedade (Bento 2005;
Hirch`, 2007).
Observa-se ainda que, quando chegam visitas de fora, o anfitrião promove uma festa,
convidando os conterrâneos para recepcionar os hóspedes. Cada imigrante convida o visitante
para ir à sua casa, onde ele é recebido sempre com muitos quitutes. A hospitalidade fica
comprovada pela existência de um quarto reservado somente para os hóspedes. Durante a
pesquisa empírica, a pesquisadora foi diversas vezes convidada a pernoitar na residência dos
pesquisados, fazendo estes questões de realçar que não havia problema, referindo-se ao
espaço físico, uma vez que o quarto de hóspedes estaria sempre à disposição. Além disso, os
investigados aguardavam a pesquisadora sempre com um almoço ou lanche reforçado e, após
a realização das entrevistas, ela era convidada a conhecer as dependências da casa. Ademais,
ao regressar tinha sempre alguém que a levava no ponto de ônibus, além de que diversas
vezes recebia presentes, como frutas, hortaliça, ovos.
Curiosamente, durante a pesquisa empírica pôde ser observado que grande parte dos
imigrantes possui uma pequena plantação/horta em casa. Na maioria das residências visitadas
havia plantações de bananeira, aipim/mandioqueira, alface, couve e árvores frutíferas como
abacateiro, goiabeira, papaieira, acerola e mangueira, além de alguns terem também criação
de aves, como galinha, pavão e peru. Esta observação vem reforçar uma vez mais a ligação do
cabo-verdiano com a terra. Por serem oriundos de ilhas agrícolas atividade que foi exercida
pela maioria dos inquiridos antes de vir para o Brasil –, supõe-se que a terra tenha um valor
simbólico muito acentuado para esse ilhéus que deixaram o arquipélago de Cabo Verde
devido às adversidades das condições geográficas, físicas e climática do país.
Nota-se ainda que o grupo procura manter vivos alguns traços culturais do país de origem,
tais como a gastronomia catchupa, modje
59
, frigenote
60
–, as músicas e danças regionais
morna, coladeira, cola-san-djon, valsa, mazurca –, reproduzindo também os descendentes tais
costumes, no sentido de preservar a cultura do país de origem dos pais. Não obstante, os
imigrantes encontram-se bastante entrosados à cultura brasileira, pois procuram mesclar os
elementos culturais do país de origem e do Brasil.
59
Carne ou peixe mais legumes picados – Batata, Mandioca e Banana verde. Na ilha de Santiago é chamada de Guisado.
60
Canjiquinha de milho com miúdo de porco.
114
Em 1983, os imigrantes criaram uma associação
61
, que desempenha um importante papel
na manutenção de vínculos entre os cabo-verdianos residentes no Rio de Janeiro, além de ser
um espaço por excelência de transmissão e reprodução dos hábitos e costumes cabo-
verdianos. Não obstante, muitos traços culturais do país de origem ficaram em segundo plano,
como o que aconteceu com a língua materna, o crioulo, que foi “renegada” pelos insulares em
proveito da língua brasileira, o português. Nesse sentido, os imigrantes informam que, quando
chegaram, enfrentaram alguns obstáculos por causa da língua, visto que, embora o português
seja a língua oficial do país de origem, eles majoritariamente estudaram até o ensino primário
(ensino fundamental no Brasil) e o crioulo era a sua língua de comunicação corrente. Por não
dominarem à altura o português, tiveram dificuldades nas relações sociais com os brasileiros,
que tinham dificuldade em entendê-los, sendo comum os nativos comentarem que “esse
português preto fala rápido e estranho”. Assim, com receio de que os filhos passassem pelo
mesmo problema, não lhes repassaram o crioulo.
5.2.8.3. Os Descendentes
Brasileiros, filhos de cabo-verdianos, a maioria dos descendentes nunca foi a Cabo
Verde e, por conseguinte, não mantém vinculo concreto com o país de origem dos pais.
Consideram-se brasileiros natos, por direitos territoriais e culturais, mas reconhecem que
Cabo Verde sempre esteve presente em suas vidas, pois, mantém contato com a cultura cabo-
verdiana desde a infância. Sobre este aspecto a fala de uma descendente é bastante ilustrativa:
Na verdade a gente não conhece, mas Cabo Verde sempre fez parte das nossas vidas. Desde
criança a gente escuta tanto os nossos pais, tios, avós falando de lá. São sempre histórias de
lá, a gente está sempre em contato com a música de lá. Então, essa saudade. Até porque a
gente não conhece e o desejo de um dia vir a conhecer (Descendente 05, Agosto de 2007)
Segundo os descendentes, até a idade escolar o contato com a sociedade brasileira era
pouco significativo, uma vez que os pais interagiam pouco com ela. A interação desses
brasileiros de origem cabo-verdiana com os conterrâneos brasileiros deu-se a partir do
momento em que passaram a freqüentar as escolas, igrejas e outros meios de socialização. O
depoimento de uma descendente é elucidativo desse fato:
A gente conseguiu resgatar essa coisa da cultura porque, pelo menos quando a gente era
criança, nossos pais não se misturavam com os brasileiros. A gente ficava muito presa aqui
entre a gente. As festas eram somente entre as famílias. Quando tinha festa, convidava os
primos, os patrícios e, eles não se misturavam muito. Conforme a gente foi crescendo, eles
foram se misturando com pessoal brasileiro. É que a gente vai estudar, começa a freqüentar a
61
Um imóvel simples- um grande galpão contendo uma cozinha, dois banheiros, uma sala de reunião, um grande salão com
um pequeno bar no final da sala. Localizada no bairro Maria Cristina – Rua Magalhães Pinto N. 51, atrás do super Gás Brás.
115
igreja, que a gente acabou a pegar mais a cultura do Brasil. Quando a gente era pequeno, a
gente quase não tinha essa cultura brasileira. A nossa cultura era toda cabo-verdiana
(Descendente 03 Agosto de 2007).
5.2.9. Processo de (re)construção de Identidades
Esta seção versa sobre como os cabo-verdianos participantes da presente pesquisa
(re)constroem suas identidades a partir das representações sociais que têm de si e dos seus
pares e de como acredtiam que os outros os vêem.
Observa-se, em primeiro lugar, que os entrevistados têm opiniões divergentes em
relação às identidades étnica e racial, ou seja, não assumem uma identidade étnica
propriamente dita. Nesse sentido, os investigados assumem várias identificações que os
classificam enquantos indivíduos pertencentes a um grupo, portadores de uma cultura e
vinculados a uma nação. Os sujeitos investigados, em sua maioria, se autodenomimam cabo-
verdianos tão somente, descartando assim qualquer proximidade ou identidade com a África.
De fato, para grande parte desses inquiridos, Cabo Verde não se encontra na África e, por
conseguinte, eles não se consideram africanos. A posição geo-estratégica do arquipélago,
somada ao processo histórico da formação da sociedade cabo-verdiana, estaria na origem de
tal dificuldade identitária, ou melhor, da negação da africanidade pelos insulares. Vejamos o
que os pesquisados disseram a esse respeito:
Por questões de hábitos e costumes me considero cabo-verdiana mesma. Porém assumir-se
totalmente africana... Não por uma questão de não aceitar a África, somente por uma questão
de origem, do país, da população e tudo. Como por exemplo, os parentes do meu pai podem
dizer que são africanos e ao mesmo tempo ele tem parentes de origem portuguesa. a minha
mãe os familiares são maioria de origem portuguesa do que africana. Essa mestiçagem que me
leva a considerar que cabo-verdiano possui uma identidade complexa. (Estudante 01, Outubro
de 2007, RJ)
Sempre eu e a minha prima debatíamos essa questão da africanidade. Não digo que sou, nem
que não sou. Às vezes procuro entender essa questão de caboverdianidade. Vejo que,
geralmente nas ilhas do Sul, como por exemplo, a ilha de Santiago a cultura africana é mais,
presente do que nas ilhas do Norte. Em Santo Antão, não sei, acho que a cultura africana não
é tão forte como quanto, por exemplo, em Santiago (Estudante 08, Setembro 2007, RJ).
Os discursos dos estudantes são eloqüentes sobre a ambigüidade que constitui a
identidade cabo-verdiana. Se, por um lado, o sujeito assume a africanidade, por outro lado, ele
enfatiza as origens européias e, por conseguinte, para se posicionar, termina por assumir uma
identidade singular a cabo-verdianidade, ou seja, nem africano nem europeu, apenas cabo-
verdiano. Trata-se, a rigor, de um povo considerado mestiço, em resultado da fusão das várias
culturas e etnias que se mesclaram no arquipélago e deram origem a uma população e a uma
cultura diferentes de todas as demais culturas e povos africanos. Segundo as falas de alguns
116
estudantes, o problema não estaria em assumir a “África”, ou seja, em se identificar como
africano pela posição geográfica do país, mas o que estaria implicitamente em causa seria uma
suposta “negação” de uma identidade racial. A hipótese que se coloca é que os investigados
entendem que, ao assumirem-se como africanos, estariam se autodenominando negros ou
“pretos”, termo mais comumente usado em Cabo Verde –, uma condição não muito bem
definida entre os pesquisados, pois a grande maioria deles se identifica como mestiços ou
mulatos.
Ao assumirem-se como cabo-verdianos – um povo singular cuja identidade não se fixa
a um determinado grupo étnico –, a identidade se processa entre o “ser igual” e o “ser
diferente”, como se observa nos discursos dos entrevistados: “sou africano, mas um africano
diferente” ou “sou africano, mas não totalmente”. Nesse sentido, percebe-se que a identidade
crioula é bastante complexa, uma vez que ela emerge a partir do cruzamento de duas outras
distintas identidades a africana e a européia. Como o mestiço não se encaixa em uma
identidade étnica fixa, o cabo-verdiano se aproveita dessa vantagem para se autodenominar
um povo singular, com uma identidade própria, resultado de uma simbiose étnica e cultural.
Observa-se, entretanto, que atualmente um movimento em busca de uma “suposta”
identidade negra pelos pesquisados, em especial pelos estudantes. Essa posição talvez se deva
ao contato, sobretudo nas universidades, com os movimentos sociais da comunidade negra
brasileira, que tem desenvolvido vários trabalhos de incentivo à afirmação da negritude.
Assim, os movimentos estudantis negros, pesquisas sobre ações afirmativas, todos esses
incentivos podem estar na origem do “interesse” de alguns jovens em abraçar a causa e com
isso querer se afirmar etnicamente.
O que eu vejo assim.... É que as pessoas começaram a deixar o cabelo crescer, que na minha
época não havia isto. Essa questão é extremamente complexa. Assunção da negritude no
caboverdiano é extremamente complexa. Estive a conversar com outros colegas e ouço os
cabo-verdianos no Rio de Janeiro, agora a dizer "Eu não sou africano ". a negar a sua
africanidade. (Estudante 02, Agosto, 2007, RJ)
Com todo o orgulho. Apesar de ter sempre essa discussão em Cabo Verde que o crioulo diz a
agente não é a África. Faço questão de dizer que nós somos África. Se pudesse colocaria
Cabo Verde dentro do continente para poder provar que nós somos africanos. Tenho todo o
orgulho em afirmar que sou africana, embora na verdade eu nasci na Itália. Minha mãe é
caboverdiana e o meu pai é italiano. Minha mãe foi para a Itália com de 17 anos e eu nasci lá,
com dois anos fui para cabo verde. Fui criada em Cabo Verde e depois vim pro Brasil. Por
isso falo que sou caboverdiana. Sou africana não por uma questão de ter nascido em cabo
Verde, nasci em Itália, mas por uma questão de valores e princípios que eu tenho que é da
África, de cabo Verde. Como são os princípios e valores que formam uma pessoa, então,
considero-me africana e faço questão de defender que sou africana, muitas vezes nem defendo
que sou cabo-verdiana, digo que sou africana.
(Estudante 12, Novembro 2007, RJ)
Em Cabo Verde digo que sou africano mais a nossa cultura é muito diferente dos outros
países da África (Estudante11, Novembro de 2007, RJ).
117
5.2.10. Projeto de Retorno
Que os cabo-verdianos são apegados a sua terra natal ficou evidente aqui, através dos
discursos dos pesquisados, porém este sentimento pode ser mantido a distância, ou seja, o
retorno em definitivo para o país de origem não é um projeto de todos os investigados. É
quase unânime entre os estudantes o desejo de retornar ao país de origem, após a formação
universitária, salvo uma e outra exceção por parte daqueles que, ao constituírem uma família
brasileira, vêem o projeto de retorno adiado. Vejamos o que dizem os estudantes sobre o
retorno:
Em nenhum momento me passa pela cabeça de permanecer no Brasil. Nunca pensei na
possibilidade de ficar no Brasil. Essa possibilidade é zero para mim. Meus planos são 100%
de regressar para cabo verde não existe outra possibilidade a não ser voltar para o meu
país.Devido ao que eu acho, de que todos nós cabo-verdianos que estudarmos fora do nosso
país, é nós que devemos fazer algo para que o nosso país desenvolva . Um dos problemas que
mais ataca a África, ou qualquer país pobre é isso. A fuga de cérebros. É um problema
bastante grave são números alarmantes. Então, se cabo Verde perder os seus cérebros que
podem fazer algo pelo país, não sei, acho que ninguém vai voltar para cabo verde. Brasileiros
não vão irão trabalhar para cabo verde. É porque eu acho, tanto mim como qualquer outro
estudante cabo-verdiano que teve a oportunidade de estudar fora tem um compromisso de
voltar para cabo verde. De ajudar cabo verde. (Estudantes 14, Outubro de 2007)
os imigrantes não têm planos de voltar a viver em Cabo Verde. O Brasil, como
comumente o grupo diz, é a sua segunda pátria, pois eles constituíram famílias e investiram
todas as suas conquistas nesse país, que os recebeu e lhes deu uma vida digna. Os imigrantes
são tomados por sentimentos nostálgicos em relação à “terrinha”, porém, em se tratando de
retornar ao país de origem, as opiniões divergem. Eles se consideram bem sucedidos no
Brasil, têm casas próprias, deram uma boa educação e instrução aos filhos, têm netos, em
suma, sentem-se em casa, e Cabo Verde fica somente na saudade. Por ser apegada à família e
pelos anos de investimentos no Brasil, uma imigrante, cujo depoimento é transcrito a seguir,
acha difícil retornar, tanto mais que não investiu em Cabo Verde.
[...] minha intenção quando eu sai de Cabo Verde, porque eu deixei minha mãe em prantos,
tinha a intenção de trabalhar e regressar, mas cheguei aqui no Rio de Janeiro, me acostumei
tanto e me adaptei também, a pensar que as horas felizes me fizeram esquecer de Cabo Verde.
Mas depois tive pensando pra mim, Também voltar pra residir, não. Um dia voltarei sim, mais
com uma situação mais garantido, ao menos aposentado. Mais depois que fui convivendo, se
adaptando, não é que esqueci Cabo Verde, mas eu senti que voltar já não era mais compatível.
Como visitante é minha obrigação, quantas vezes forem necessárias, mas pra morar já não vai
dar (Imigrante 20, Novembro, 2007 – RJ).
Os estudantes, por outro lado, vêm com a data do retorno marcada. Como a sua
permanência no Brasil dura em média seis anos, a manifestação do desejo de voltar é
freqüente entre os estudantes, que demonstraram um sentimento de comprometimento com o
118
país de origem, uma solidariedade voltada para o desenvolvimento técnico e econômico do
país. Ao regressarem, eles se juntarão à elite intelectual cabo-verdiana e passarão a fazer parte
da pequena classe média que aflora no arquipélago, cidadãos cuja ascensão social se deu,
sobretudo por meio da educação formal. Além do mais, segundo os pesquisados, o Brasil não
oferece grandes oportunidades de emprego para os graduados, devido às políticas restritivas
de enquadramento do estrangeiro no mercado de trabalho brasileiro.
O Ministério do Trabalho do Brasil permite o aproveitamento do cidadão
estrangeiro mediante uma justificativa convincente da empresa quanto à necessidade da
contratação do técnico estrangeiro em detrimento do nacional. Por outro lado, o visto
temporário item IV é taxativo quanto à proibição dos portadores exercerem atividades
remuneradas no Brasil, salvo em caso de solicitar a residência, o que pode ocorrer mediante o
casamento com cidadãos brasileiros ou de ter filhos nascidos no Brasil.
Nesse sentido, os inquiridos afirmam que se sentirão melhor regressando para o país
de origem, embora sejam conscientes das dificuldades que encontrarão, dentre elas a pouca
opção de mercado de trabalho. O desemprego constitui a principal preocupação dos
graduandos, pois muitos, ao retornarem, permanecem desempregados por um período que
chega até dois anos, visto não haver uma política do governo de (re)enquadramento desses
técnicos superiores no mercado de trabalho. A pouca opção do mercado de trabalho tem feito
com que muitos procurem retardar o retorno, dando continuidade aos estudos em nível de pós-
graduação ou então, o que é o mais freqüente nos últimos anos, tentando a re-emigração para
os países do sul da Europa e da América do Norte.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria das representações sociais desenvolvida por Serge Moscovici (1978) se
constituiu em uma valiosa sustentação teórica para o presente estudo. Por meio da pesquisa
comparativa das representações sociais dos distintos grupos de cabo-verdianos no Rio de
Janeiro acerca de variados aspectos dos seus contextos sócio-culturais de origem e de
acolhimento, foi possível compreender o complexo processo de construção, reconstrução e
atualização das suas respectivas identidades.
Toda representação consiste em uma visão global e unitária de um objeto, mas
também de um sujeito. De acordo com Moscovici (2005), representar significa inserir um
objeto estranho ou não familiar no nosso mundo familiar, tornar conhecido o desconhecido,
fazer com que adquiram sentido para nós. É nessa perspectiva que os cabo-verdianos no Rio
de Janeiro tomados tanto como sujeitos quanto como objetos de representação, na presente
pesquisa têm construído um conhecimento ao mesmo tempo, prático e reflexivo da sua
inserção nos contextos brasileiro e carioca, através do contato face a face com a sociedade
receptora e, no caso de dois desses grupos (estudantes e imigrantes), a partir das
representações que já haviam elaborado no país de origem, sob a influência dos meios de
comunicação de massa.
Segundo Jodelet (2001), uma representação social, como uma interpretação e uma
simbolização do objeto, é uma construção do sujeito, mas também uma expressão dele
próprio. Os indivíduos e grupos projetam a sua identidade na representação que constroem, na
medida em que ela dá conta das relações entre tais sujeitos e o objeto. A representação que o
sujeito faz de um objeto é, pois, um bom indício do perfil de sua identidade, assim como a
identidade de um sujeito é um bom indicador de sua visão de mundo.
Como saber prático do senso comum, as representações sociais permitem a integração
das novas experiências dos atores sociais em um quadro assimilável e compreensível para eles
próprios, na medida em que se articulam aos seus valores e sentimentos. É isso que se acredita
ter aqui demonstrado no que se refere às trajetórias dos estudantes e imigrantes cabo-
verdianos, bem como às histórias de vida dos filhos destes, no Brasil e, em especial, no Rio de
Janeiro.
Os cabo-verdianos acreditam que possuem várias formas de identificação com o
Brasil, que podem ser percebidas através dos traços culturais, hábitos e costumes, formação
étnica, língua, literatura, etc. Essas semelhanças, de fato, contribuíram para uma fácil inserção
120
social dos ilhéus na sociedade brasileira e carioca em particular. Verifica-se, nessa inserção,
uma coexistência pacífica entre as duas culturas, sem maiores choque ou conflitos
identitários, que favorece a construção e/ou reconstrução de uma identidade cultural positiva
dos grupos estudados.
Não obstante, constatou-se que, nesse processo, a comunidade imigrante perdeu
alguns elementos importantes da cultura cabo-verdiana, o principal dos quais foi à língua
crioula. O grupo não mais fala o crioulo, a não ser em situações especificas como a visita de
um parente que reside fora, pois comunicar-se na língua materna do país de origem não
constitui uma prática corrente na vida cotidiana desses imigrantes que vivem no Brasil há
mais de três décadas. A perda do crioulo representa uma descontinuidade na reprodução da
identidade cabo-verdiana pelos imigrantes no Brasil. Nesse sentido, os brasileiros filhos de
pais cabo-verdianos não tiveram acesso a esse poderoso instrumento de comunicação e de
preservação da cultura cabo-verdiana.
Deve-se a isso, ao menos em parte, ao fato dos descendentes se afirmarem
genuinamente brasileiros. De fato, não se verificou nesses participantes da pesquisa
sentimentos de identificação com o Cabo Verde, ao menos, em se tratando de sentimento
nostálgico para com o país de origem dos pais e o desejo de conhecê-lo. Este resultado é
importante, uma vez que estes filhos de cabo-verdianos residentes no Brasil parecem
representar um dos poucos casos de total integração dos descendentes dos imigrantes cabo-
verdianos ao país de acolhimento dos imigrantes cabo-verdianos.
Pesquisas que têm sido realizadas sobre a diáspora cabo-verdiana no mundo, como a
de Gusmão (2006), referida no corpo deste trabalho, indicam que, em geral, os descendentes
se organizam em “guetos”, ou seja, criam pequenos grupos isolados da sociedade de
acolhimento e procuram construir as suas identidades tomando como referências os traços
identitários do país de origem dos pais.
Embora os imigrantes tenham parado de falar o crioulo no seu dia-a-dia, o sentimento
de nacionalidade cabo-verdiano continua muito arraigado no grupo. Cabo Verde é tido em
alta estima e consideração, mesmo que o imigrante tenha dele se desvinculado um pouco. O
patriotismo e o nacionalismo foram, de fato, sentimentos largamente manifestados pelo grupo
no decorrer da pesquisa.
Ficou ainda evidente que os cabo-verdianos residentes no Rio de Janeiro assumem
diferentes posições identitárias, não havendo consenso entre os imigrantes e estudantes quanto
a sua identidade étnica. Isto provavelmente se deve às características hibrida e mestiça da
sociedade de origem, associadas ao fato dos cabo-verdianos no Rio de Janeiro terem
121
construído suas identidades a partir do encontro entre uma identidade nacional comum e as
variadas subculturas urbanas a que passaram a ser expostos após chegarem ao Brasil.
Nesse sentido, para entender as representações sociais construídas pelos cabo-
verdianos, deve-se considerar que essas representações e identidades fazem sentidos se for
tomado o contexto da formação da sociedade cabo-verdiana. A partir daí pode-se entender as
diferentes representações e identificações assumidas pelos diferentes grupos no Rio de
Janeiro. Vale reportar que a identidade e a nação cabo-verdianas se consolidaram muito antes
da independência do país, em 1975, quando o crioulo, o primeiro elemento cultural mestiço
em Cabo Verde, ganhou maturidade, tornando-se a língua de comunicação do cabo-verdiano,
ao mesmo tempo em que contribuiu para a formação do homem cabo-verdiano como um
sujeito singular, com uma filosofia e um modo de vida próprio de estar e viver no mundo.
Para além do crioulo, que se originou do encontro do português com os dialetos africanos, a
culinária, a música e a dança, a literatura e as artes constituem os elementos de afirmação da
cabo-verdianidade como uma identidade una e singular.
A referência ao trabalho ocupa um lugar central nos discursos dos imigrantes como
sendo a razão que os trouxe ao Brasil. Os imigrantes consideram cada conquista alcançada no
país acolhedor, quer a nível pessoal e profissional, bem como em relação à educação moral e
escolar dos filhos, como uma superação da sua condição de imigrante que fugiu das
adversidades no país de origem. Em outros termos, esses cabo-verdianos imigrantes
consideram-se bem sucedidos e avaliam positivamente a sua trajetória de vida enquanto
imigrante no Brasil. De igual modo, os estudantes se consideram realizados, devido à
oportunidade de estudar no Brasil, o que representa a concretização de um desejo coletivo,
uma vez que a instrução escolar é amplamente valorizada no país de origem.
Uma diferença significativa a destacar entre os grupos de estudantes e de imigrantes
cabo-verdianos diz respeito aos projetos de retorno à terra natal. Os imigrantes não têm
intenção de retornar a Cabo Verde e afirmam que o Brasil representa a sua segunda pátria. O
fato de não terem investido em Cabo Verde está na origem da decisão de permanecer no
Brasil. Por outro lado, entre os estudantes é unânime a decisão de regressar ao país de origem
após o término da formação.
Ao concluir o presente trabalho, a autora acredita poder deixar de lado a forma
acadêmica e impessoal de tratamento que vinha utilizando, para manifestar-se de modo mais
personalizado, como passará a fazer a seguir.
Nesse sentido, quero, em primeiro lugar, ressaltar que esta dissertação constitui um
estudo meramente inicial, que pretendo desdobrar, ampliar e aprimorar em estudos
122
posteriores. Nessa primeira aproximação, não me foi possível dar conta na totalidade dos ricos
materiais coletados na pesquisa empírica. Porém, sinto-me satisfeita e gratificada por ter
podido, com este estudo sobre os cabo-verdianos no Brasil – dentre os quais, orgulhosamente,
me incluo contribuir para uma ampliação dos conhecimentos sobre como nós, cabo-
verdianos, interagimos com novas culturas e sociedades. Espero que o produto deste trabalho
seja tão valioso para os meus conterrâneos quanto foi para mim, no sentido de levar a uma
melhor compreensão do homem e da mulher cabo-verdianos na diáspora, bem como no
esforço de aquisição de conhecimentos com vistas a contribuir para o desenvolvimento do
país de origem.
Em segundo lugar, quero esclarecer que, embora eu, , como os participantes da
pesquisa, seja uma cabo-verdiana estudante residente no Brasil, tendo também vivenciado
grande parte das experiências aqui relatadas, procurei ser imparcial na extração de resultados
a partir dos dados que pude coletar. Esta foi apenas uma das coisas importantes que aprendi
e aprendi a fazer durante a minha trajetória como estudante de pós-graduação no Brasil,
pelo que aproveito para declarar a minha gratidão.
Para finalizar, tomo emprestado o discurso de um cabo-verdiano estudante,
participante do estudo, para fazer minhas as palavras dele. Chegar até aqui foi uma tarefa
extremamente árdua, tendo em conta todos os caminhos percorridos desde Cabo Verde e nos
seis anos vividos no Brasil, durante os quais passei por todas as privações a que um estudante
estrangeiro está sujeito e, mesmo assim, consegui ultrapassá-las. Posso, pois, dizer, como
aquele estudante: “Hoje, eu salvei!”.
123
6 .0. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_____________Representações Sociais: Investigação em psicologia social. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2005. 404p. 3ª Ed.
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126
ANEXO A - Roteiro de entrevista para Imigrantes e Estudantes.
1. O que o levou a querer vir para o Brasil?
· como você pensava que fosse o Brasil antes de vir?
· E hoje o que você pensa acerca do Brasil?
· O que o levou a pensar dessa maneira?
2. Fale um pouco sobre a sua adaptação no Brasil?
· Como foi? Foi algo fácil, difícil, como foi?
· Você mantém os mesmos costumes de Cabo Verde? Se sim, quais e o que
achas a respeito? Se não, por quê?
· Você adquiriu novos hábitos aqui? Quais?
· O que você faz nos tempos livres?
3. Você mantém contato com os cabo-verdianos no Rio de Janeiro?
· Se sim o que geralmente prefere fazer quando está com cabo-verdianos? Como
se sete.
· Se não, o que você acha sobre isso?
· O que você acha dos cabo-verdianos que vivem no Rio de Janeiro?
· Você os acha diferentes dos cabo-verdianos que vivem em cabo verde? Por
quê?
· Como é o seu relacionamento com os estudantes/emigrantes?
· Você os acha diferentes dos imigrantes/estudantes? Em quê?
· Como é o seu relacionamento com os brasileiros (na faculdade, no trabalho
vizinho)
· Você tem muitos amigos brasileiros?
· Você fala do seu país para os seus amigos/colegas brasileiros?
· O que eles dizem sobre Cabo Verde?
· E dos cabo-verdianos?
· O que eles acham da cultura cabo-verdiana?
3 Como você se sente vivendo longe da sua terra natal, Cabo Verde? O que você
pode dizer a respeito?
· Sentes saudades de Cabo Verde?
· O que mais você lembra quando se trata de sua terra natal. Cabo Verde?
· O que te leva a ter essas recordações/lembranças? O que achas disso?
· Você mantém contato com os familiares em Cabo Verde? Com que
freqüência?
· O que sentes por Cabo Verde hoje?
· Já voltou alguma vez desde que chegou ao Brasil?
· Como foi essa experiência, como se sentiu?
· Você pretende retornar a Cabo Verde? Quais são os seus planos nesse sentido?
O que o faz pensar assim?
127
4 Em sua opinião o que é o cabo-verdiano para você?
· O que faz o cabo-verdiano ser diferente do carioca, por exemplo?
Roteiro para os descendentes.
1. Você visitou Cabo Verde? O que achou? Se não o que você pensa sobre Cabo
Verde?
2. O que sentes por Cabo Verde?
3. Você convive com os cabo-verdianos que vivem no Rio? O que você acha deles?
4. Você participa das atividades, encontro, festas que os imigrantes e estudantes
fazem? O que achas sobre isso? Se sim o que mais gosta nessas atividades? Por
quê?
5. Você acha os estudantes diferentes dos imigrantes? Se sim, quais as diferenças?
6. Você fala crioulo? Se sim, como se sente falando o crioulo? Se não, Por quê?
7. Seus pais ensinaram para você os hábitos, costumes da terra deles? O que acha
disso?
8. Em sua opinião o que caracteriza os cabo-verdianos?
9. Você mantém contato com os familiares em Cabo Verde? Se sim, o que leva a
querer manter esse vínculo. Se não, qual a razão para isso? O que pensa a respeito?
128
ANEXO B- Termo de Consentimento
Eu___________________________________________________________aceito conceder
entrevista para a pesquisa “Representações sociais e construção da identidade da comunidade
caboverdiana no Rio de Janeiro: Estudantes, Imigrantes e Descendentes” e autorizo a
utilização dos dados que fornecerei, para fins da realização da dissertação de mestrado de
Maria de Fátima Carvalho Alves, aluna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ.
Assinatura: _________________________________________________________
Local:___________________________________________________
Data:________/_________/_____________
129
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